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1
O Homem E O Monstro
K. H. Scheer

Tradução
Richard Paul Neto

Digitalização & Revisão


Arlindo_San

Formatação
ÐØØM SCANS

PROJETO FUTURÂMICA ESPACIAL

2
O produto do laboratório ataca — e o misté-
rio dos moofs encontra sua solução.

Quem quiser continuar a ser reconhecido


como plenipotenciário do governante arcôni-
da, não terá outra alternativa senão aceitar e
executar as ordens do mesmo.
Perry Rhodan sabe disso, e seu psicólogo
de robôs ainda o fortalece nessa convicção.
E a ordem do cérebro positrônico diz que
Rhodan deve dirigir-se ao planeta Moof onde
se verifica o encontro entre O HOMEM E O
MONSTRO...

3
Personagens Principais:

Perry Rhodan — Comandante da Titan e


administrador da Terra.
Gucky — Um ser que, quando em combate,
é chamado de tenente Gucky.
Almirante Vetron — Cuja frota recebeu a ta-
refa de destruir o mundo nativo dos moofs.
Major Chaney — Que comanda uma perigo-
sa missão de tropas de desembarque.
Dr. Orson Certch — Especialista em robôs,
sua atividade intelectual.
Trorth — Uma criatura amável que gosta de
fazer advertências.
Capitão Marcus Everson — Imediato da Ti-
tan.

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1

Os rostos dos homens, que estavam parados


por ali, pareciam petrificados. Atrás deles aco-
tovelavam-se os robôs pequenos e ágeis da divi-
são médica. Vez por outra, ouvia-se um tilintar
dos instrumentos que, segundo as instruções re-
cebidas, mantinham preparados para uma ação
de emergência.
Nas chapas do peito e das costas das precio-
sas máquinas, brilhava o sinal do serviço médi-
co. Nunca falhavam e não conheciam o cansa-
ço; foram construídos especialmente para pres-
tar ajuda a homens doentes.
Seus braços instrumentais finos e multi-arti-
culados estavam prontos para entrar em ação.
Apenas aguardavam as ordens dos médicos e
cientistas.
As instruções ainda não vieram. Aqueles ho-
mens com os rostos que pareciam máscaras,
contemplaram o espetáculo de pavor. Olhavam
pela parede de plástico transparente da sala
contígua. Um engenheiro da seção de climatiza-
ção e purificação de ar surgiu na tela. Sua mão
direita segurava uma das chaves da aparelha-
gem de distribuição. Os alto-falantes acoplados
ao aparelho transmitiam o cantar e o chiar dos
rolos de turbina.
5
Tudo estava preparado para o passo decisi-
vo; mas havia um homem que ainda não conse-
guira decidir-se.
Perry Rhodan, comandante da expedição de
Árcon e primeiro governante da União dos Po-
vos Terranos apoiava ambas as mãos contra a
parede divisória, como se quisesse envolver os
setecentos homens marcados pelo destino com
seus braços protetores.
Aquilo que se desenrolava atrás da parede
não era engraçado nem risível. O comporta-
mento de um grupo de homens doentes e deso-
rientados só pode provocar as reações naturais
do humor do espectador se este não sabe que
se encontra diante de um aglomerado de sofre-
dores.
E a bordo do supercouraçado Titan não ha-
via ninguém que não estivesse informado sobre
as causas daquelas palhaçadas.
Hipereuforia, era assim que os médicos de-
signavam aquele estado. Era um bem-estar do-
entio, uma descontração embriagadora, um
mergulho inconsciente e involuntário na confu-
são dos impulsos cerebrais incontroláveis, que
obrigavam as pernas e os braços a executar
tresloucados movimentos de dança. As bocas
emitiam balbucios de bebê e cantorias estriden-
tes.
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Parecia uma embriaguez total e bem-aventu-
rada; na verdade, porém, não passava de peri-
gosa imersão nos abismos infindáveis da loucu-
ra.
Rhodan contemplou a dança, o canto e os
gritos dos doentes com uma sensação de fra-
queza. Homens sérios, galatonautas que sabiam
raciocinar objetivamente, técnicos e cientistas
bem qualificados haviam sido transformados em
loucos tagarelas. Eram setecentos homens es-
quecidos dos deveres que o serviço lhes impu-
nha. Alguma coisa os transformara naquilo que
eram neste instante: um grupo de pobres criatu-
ras desamparadas.
— Faça alguma coisa, faça alguma coisa! —
exclamou Rhodan com um gemido.
O biólogo Janus van Orgter mordeu o lábio
inferior. A toxicóloga Tina Sarbowna perdera
sua mordacidade agressiva. Naquele instante
era apenas um ser humano, uma mulher sensí-
vel, uma cientista que sofria por não saber o
que fazer. Sua figura ossuda parecia inclinar-se
sob o peso dos cabelos grisalhos. Lançou um
olhar estarrecido para a sala contígua.
O grande cirurgião Prof. Kärner, médico-
chefe da Titan, abandonou numa fração de se-
gundo a idéia de cirurgia cerebral. Seria inútil.
Kärner não poderia fazer nada por essas criatu-
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ras; ninguém poderia. “Ali estão dançando, ber-
rando e uivando os melhores dos meus ho-
mens”, pensou Rhodan, “e isso, apenas porque
durante o pouco tempo no planeta Honur não
resistiram à tentação de segurar nos braços
aqueles animaizinhos encantadores, alegrando-
se com sua tagarelice.”
Ninguém poderia deixar de apaixonar-se por
aquelas criaturas de apenas trinta centímetros
de altura, que tinham o formato de ursinho.
Não havia ninguém que não disputasse o prazer
de acariciar o pêlo macio dos maravilhosos no-
nus.
O coração embrutecido do mais intolerante
dos militares amolecia quando aqueles ursinhos
estendiam as patas rosadas e franziam o nariz
esquisito. Os nonus eram adoráveis demais. E
não era por sua culpa que seus pêlos largavam
uma secreção criminosa. Nenhum ser vivo pode
ser responsabilizado pelas qualidades que a na-
tureza lhe confere.
Os setecentos tripulantes do supercouraçado
Titan tiveram azar; apenas isso. Sob o ponto de
vista puramente objetivo, eles mesmos eram os
culpados pela infecção ou intoxicação, pois
num mundo estranho não se deve tocar, muito
menos comer qualquer coisa que não tenha
sido cuidadosamente examinada.
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Este fato obrigou Rhodan a realizar um auto-
diagnóstico. Formulou pesadas auto-recrimina-
ções. Ele, que era o chefe supremo, havia reco-
mendado aos seus homens que adquirissem al-
guns dos encantadores ursinhos em mãos dos
nativos do planeta Honur. Seriam uma espécie
de mascotes. Uma coisa que pudesse distrair a
gente não era nada má a bordo do supercoura-
çado de 1.500 metros de diâmetro equipado
com as armas mais potentes da Galáxia.
Mas os mascotes tiveram um efeito contrário
ao desejado. Algum poder estranho havia abu-
sado daqueles ursinhos inocentes. Alguém fize-
ra muita questão de inutilizar a tripulação da Ti-
tan de uma forma bem original. Esse alguém
contara com o amor que o homem costuma de-
dicar ao animal; transformara uma criatura ino-
fensiva numa arma.
Rhodan pousara naquele mundo solitário do
grupo estelar M-13 apenas para aguardar tran-
qüilamente, num ponto afastado das numerosas
rotas de naves espaciais, a chegada da Gany-
med. O comandante recebera instruções para
trazer homens descansados e equipamentos da
Terra, que ficava a 34 mil anos-luz.
A situação do Grande Império, que de algum
tempo para cá não era governado pelos arcôni-
das, mas por um gigantesco cérebro robotiza-
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do, não permitiria que a Titan ficasse com uma
tripulação inferior à normal.
Por isso Rhodan esperou até que os nativos,
pacatos e primitivos, aparecessem com aqueles
lindos animaizinhos domésticos. Só mais tarde,
depois da pesada batalha travada em Honur,
descobriu-se que aqueles animais eram criados
por inteligências desconhecidas. O veneno por
eles produzido era transformado, através de
uma reação química, num dos tóxicos mais no-
civos da Galáxia.
Fora esta a primeira indicação, uma indica-
ção que apontava para seres inteligentes que
Crest, o arcônida, chamava de aras. A única
coisa que se sabia desses seres esquisitos era
que haviam criado um monopólio ainda mais
esquisito.
Os aras consideravam-se os médicos da Ga-
láxia. Descobrira-se apenas uns poucos seres
dessa raça, mas estes não puderam ser interro-
gados.
Rhodan rememorou os acontecimentos mais
recentes.
Depois que o coronel Freyt havia transferido
oitocentos homens para a Titan, a nave voltou
a ter condições de navegabilidade e de comba-
te, muito embora as quarenta naves auxiliares
do gigante espacial não pudessem ser tripula-
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das. Ainda acontecia que os colaboradores mais
importantes de Rhodan haviam adoecido. Nem
mesmo os homens e as mulheres do exército de
mutantes poderiam desconfiar de que aqueles
animaizinhos fossem tão perigosos.
Só Rhodan, Crest, o arcônida, Gucky, o ser
peludo, o mutante Wuriu Sengu e o tenente Tif-
flor escaparam ao desastre, isso porque na épo-
ca em que se verificou a intoxicação estavam
fora da nave, realizando um vôo de patrulha-
mento. Eram as únicas pessoas sadias em meio
à tripulação.
Outros homens, treinados nos combates tra-
vados no setor de Vega, foram colocados a bor-
do. Embora todos eles já tivessem passado por
um processo arcônida de aprendizagem hip-
nótica, havia necessidade de familiarizá-los com
as instalações do supercouraçado. Afinal, a Ti-
tan era o produto mais recente da construção
espaçonáutica do Império.
Subitamente uma grande peça desprendeu-
se do chão da sala dos tripulantes, cambaleou
para o alto e caiu com um estrondo. Um ho-
mem soltou um grito estridente. Fora ferido no
pé.
— Isto é o fim — exclamou o Professor Kär-
ner, perplexo. — Pelo amor de Deus! Se os
mutantes utilizarem suas faculdades, teremos
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um desastre. Foi o telecineta Tama Yokida. Vi
quando se concentrou. Dê a ordem!
O rosto de Rhodan apresentou uma expres-
são martirizada. Nos últimos dias, seu corpo
alto ficara ligeiramente encurvado. Aquilo que
os cientistas de bordo consideravam necessário
repugnava ao fundo de sua alma.
— Isso é absolutamente necessário? — co-
chichou. — Professor, afinal não posso fazer
uma coisa dessas com meus homens.
— O senhor pode e deve — interveio Tina
Sarbowna com sua voz áspera e grave. Tinha
um timbre que impunha respeito. Era a voz de
uma mulher que conquistara seu lugar através
do trabalho duro e do enorme saber.
— Continuo convicto de que se trata de in-
toxicação. Não sabemos, ou melhor, ainda não
sabemos, quais são os centros nervosos afeta-
dos. Uma coisa, porém, é certa: os doentes re-
cusam qualquer tipo de alimento ou bebida. O
definhamento físico já começou. Quer que seus
comandados morram de fome?
Rhodan tirou as mãos suadas da parede
transparente. Duas impressões que foram se
evaporando ficaram no lugar das mesmas.
— Stiller!
O engenheiro que aparecia na tela levantou
a cabeça.
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— Comece. Mas não ande muito depressa.
Um estalido de chave interrompeu o silên-
cio. Vapores brancos saíram dos grandes insu-
fladores de ar da sala dos tripulantes. Tangidos
pela correnteza de ar e, em pequenas nuvens,
começaram a envolver as cabeças convulsiona-
das e as bocas barulhentas.
O gás narcótico, completamente inofensivo,
mas de ação extremamente rápida, permane-
ceu no recinto. Os exaustores do sistema de
condicionamento de ar, cujas sereias de alarma
começaram a uivar, haviam sido desligados por
Stiller.
Os berros e a cantoria foram diminuindo.
Numa sucessão cada vez mais rápida, os doen-
tes foram mergulhando num sono benéfico. Re-
ginald Bell, lugar-tenente de Rhodan, parecia
ter um momento de lucidez antes de mergulhar
na inconsciência. Até parecia que o infalível ins-
tinto para o perigo de que aquele homem bai-
xote era dotado se rebelava.
A passos cambaleantes, caminhou em dire-
ção à parede transparente, abriu os lábios e,
com uma expressão de espanto nos olhos azuis,
caiu ao chão.
O silêncio passou a reinar na grande sala
dos tripulantes da Titan. A mesma coisa aconte-
ceu nos outros setores em que os doentes havi-
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am sido trancados. As mulheres da tripulação
haviam sido abrigadas no amplo camarote de
Thora. Também lá, os risos insensatos cessa-
ram.
Os exaustores voltaram a funcionar. Dentro
de poucos segundos, aspiraram as nuvens de
gás. Um novo suprimento de oxigênio foi intro-
duzido nas salas.
Rhodan afastou-se com os ombros encurva-
dos. Mais atrás os homens da equipe técnica es-
tavam abrindo as escotilhas de segurança. Os
robôs médicos começaram a precipitar-se para
dentro da sala. Homens pertencentes à tripula-
ção recém-chegada a bordo corriam com camas
de campanha. A grande enfermaria da nave
não poderia acolher todos os doentes.
Depois de libertados, os nonus se haviam es-
palhado para os quatro cantos. Também dos
nativos, que haviam regredido a um nível de
vida primitivo, não se via mais nada. Até pare-
cia que jamais houvera vida em Honur.
— E agora? — perguntou Rhodan em tom
apático. — Já fizemos sua vontade. E agora?
Crest, o arcônida, adiantou-se. Seu rosto ve-
lho com uma expressão tão jovem estava corta-
do de rugas. Seus cabelos brancos brilhavam à
luz difusa das lâmpadas.

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— Salte de volta para o sistema de Árcon —
recomendou com a voz tranqüila. — Se houver
um meio de ajudar essa gente, só poderá ser lá.
Seria inútil voar à Terra. Os cientistas de seu
planeta já possuem o saber médico da minha
raça. E não podem fazer nada. A única espe-
rança que nos resta é que talvez em Árcon te-
nham sido adquiridos novos conhecimentos.
O rosto de Rhodan espelhou a resistência in-
terior.
— Árcon! — disse, falando entre os dentes.
— O senhor só pode estar sonhando, meu
caro. Sua raça degenerada e imprestável pode
ter feito qualquer coisa, menos realizar pesqui-
sas que pudessem levar à descoberta de novos
medicamentos. Já não têm a menor capacidade
de agir.
— Apesar disso deve tentar — disse Crest
com a voz débil.
— Quer que o cérebro robotizado nos tire a
Titan, que conquistamos com tanto trabalho?
— perguntou Rhodan. — Por enquanto meu
tratado com o autômato está em vigor. Por esse
tratado, o supercouraçado retirado de Árcon III
é nosso, já que fizemos alguma coisa por ele.
Mas, o que acontecerá se penetrarmos na área
submetida à influência imediata do cérebro? O
senhor pode responsabilizar-se pelos atos de
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uma máquina? Estaria em condições de formu-
lar um prognóstico bem fundamentado? Não
acredito.
— Não se amargure — respondeu Crest. —
A Titan é sua. Mandei fazer um levantamento
estatístico da situação.
— Muito bem! Esse levantamento deve ter
por fim calcular com que força devemos tossir
para produzir um empuxo de 3 miligramas.
Os cientistas olharam-se em silêncio. O che-
fe estava próximo a um esgotamento nervoso.
De repente, tornou-se muito tranqüilo e disse:
— O que pretende fazer?
Kärner respirou aliviado e disse:
— Iniciaremos imediatamente a alimentação
artificial e lançaremos mão de injeções, para
que os doentes continuem mergulhados num
sono profundo. Com isso removemos o perigo
imediato. Enquanto os doentes estiverem dor-
mindo, faremos o que estiver ao nosso alcance
para realizar uma identificação mais precisa dos
sintomas da moléstia. As análises químicas e bi-
ológicas estão em andamento. Verificaremos se
a argono-hexilamina age como um tóxico qual-
quer, ou se produz a ativação das toxinas nor-
mais resultantes do metabolismo orgânico.
Quando tivermos descoberto isso, poderemos
agir com maior eficiência. Por enquanto tere-
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mos de contentar-nos com o fato de que os ho-
mens estão dormindo.
Rhodan confirmou com um aceno de cabe-
ça. Naquela fase dos acontecimentos não havia
mais nada a dizer. Lançou ainda um olhar para
a sala dos tripulantes. Homens e robôs estavam
ocupados, montando as camas de campanha.
— O doutor Certch quer falar-lhe com ur-
gência — rangeu a voz saída de um alto-falante.
Rhodan levantou a cabeça. A tela exibia o
rosto magro e cansado de um jovem. Há pou-
cos meses o tenente Julian Tifflor nem de longe
contaria com a possibilidade de pertencer ao
estado-maior galatonáutico do supercouraçado.
Seus olhos azuis haviam perdido a expressão
sonhadora. A enorme carga de responsabilida-
de transformava até mesmo um jovem de vinte
anos num oficial cônscio de sua missão.
— Certch? — perguntou Rhodan em tom
distraído. — Certch?
— É o novo psicólogo de robôs — lembrou
Tiff. — Para sermos mais precisos, a área dele
é um setor da logística matemática.
— Ah, sim. Já vou subir. Mande-o esperar
na sala de comando.
Os médicos já se haviam retirado. De repen-
te, Rhodan sentiu-se só e abandonado. Lançou
mais um olhar para os companheiros inconsci-
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entes. Provavelmente era este o melhor meio
de protegê-los contra quaisquer lesões corpo-
rais.
Rhodan sentia-se cansado. Foi caminhando
em direção ao elevador antigravitacional mais
próximo. No momento em que saiu do corre-
dor que dava para a sala dos tripulantes, viu-se
completamente só. Naquela gigantesca nave es-
pacial mal se notava a presença de oitocentos
homens. Poderiam com facilidade esconder-se
na gigantesca esfera de 1.500 metros de diâ-
metro, dividida em inúmeros compartimentos.

O corpo enorme e pesado de Everson fazia


uma figura um tanto feliz na poltrona de piloto
de encosto alto. Afinal, aquela poltrona fora di-
mensionada para um arcônida, e por isso não
combinava com os contornos da figura hercúlea
do capitão Everson.
Primeiro olhou para o relógio, depois para
as telas gigantes de observação global e, final-
mente, para as platinas novinhas em folha de
seu uniforme.

***

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Fazia poucas horas que o tenente Everson
fora promovido a capitão. Era um motivo mais
que suficiente para olhar vez por outra e disfar-
çadamente para as platinas.
Pigarreou e contemplou os homens apressa-
dos que guarneciam a sala de comando. A Ti-
tan estava pronta para decolar. Lá embaixo os
conversores de alta potência da usina de força
já rugiam em ponto morto. Os propulsores ain-
da estavam em silêncio.
— Não é possível que me deixem sentado
aqui sem mais esta nem aquela — refletiu Ever-
son em voz alta.
O tenente Tanner, um homem magro, mo-
reno, vivo e dotado de humor picante, permitiu-
se um sorriso fugaz. O capitão Everson era um
monstro de fleuma em figura de homem. Os tri-
pulantes afirmavam com toda seriedade que o
único meio de incutir alguma vida no capitão
seria a privação total das rações alimentares.
Por ocasião de sua primeira atuação em
combate, Marcus Everson provara que nem de
longe essa afirmativa correspondia à realidade.
Conforme as circunstâncias, o galatonauta que
Rhodan acabara de guindar ao posto de imedia-
to poderia transformar-se numa torrente furio-
sa. Mas isso era outro assunto.

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— Atenção! — gritou uma voz áspera e pro-
longada.
Os homens viraram-se e ficaram em posição
de sentido. Everson contorceu o rosto numa ex-
pressão de dor, fechou os olhos, levou os dedos
grossos ostensivamente ao ouvido. Lançou um
olhar de recriminação ao homem que acabara
de soltar o grito. Depois foi o fim do mundo.
Ao anunciar que a nave estava preparada
para decolar, Everson imitou o ruído de um fo-
guete em disparada. Perry Rhodan, que acaba-
ra de entrar na sala de comando, olhou para
seu imediato.
— Muito obrigado; pode continuar — disse.
Everson fungou e deixou-se cair na poltrona.
— Trabalho bem feito, rapaz — disse num
auto-elogio cochichado.
— O velho ainda está abanando as orelhas
— disse Tanner em tom irônico. — Já concluí a
programação. Só quero ver esta canoa-gigante
levantar do chão. É inacreditável que uma coisa
destas possa voar.
— Pois eu consigo — afirmou Everson
numa modéstia compenetrada. — Isto é, posso
tomar as medidas que a façam voar.
— Parece que já se controlou — cochichou
Tanner.

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Subitamente os olhos de Everson assumiram
uma expressão vivaz. Seu olhar foi rápido, mas
abrangeu tudo.
— OK. Já estava na hora. Isso lhe caiu so-
bre os nervos. O que deseja o Dr. Certch?
Tanner lançou um olhar perscrutador para o
homenzinho excêntrico com o gigantesco crâ-
nio totalmente calvo.
O Dr. Orson Certch escolhera a profissão
mais estranha da área das ciências modernas.
Sempre houve psicólogos, mas estes costuma-
vam preocupar-se com a vida íntima dos seres
humanos.
Certch também era psicólogo, mas seu cam-
po de atuação consistia no ambíguo substrato
intelectual e sentimental dos robôs.
Surpreso, Everson sacudiu a pesada cabeça.
As bochechas carnudas começaram a balançar.
Rhodan desviou-se para o lado, a fim de fu-
gir da coisa que se aproximava apressadamen-
te. O Dr. Certch girou sobre os calcanhares,
para voltar a investir contra o comandante com
a cabeça esticada para a frente e o dedo em ris-
te.
— Ainda bem que o encontrei — gritou a
voz aguda. — Tenho necessidade absoluta de
falar imediatamente com o senhor, necessidade
absoluta.
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A mão pequena e magra correu com uma
velocidade incrível sobre os numerosos bolsos
externos do uniforme. Finalmente Certch en-
controu as anotações embaixo do cinto largo.
O psicólogo de robôs chegava à altura do estô-
mago de Rhodan. Mas, se havia alguém que
pudesse formular uma previsão futura sobre os
atos de uma máquina sem alma, esse alguém
era o homenzinho com a gigantesca calva.
— Vamos logo! — insistiu Certch, depois de
ter sentado três vezes para levantar-se em se-
guida.
Desta vez também Rhodan tomou lugar
numa poltrona articulada que ficava atrás da
grande calculadora do setor B.
A fala entrecortada de Certch levava seus se-
melhantes ao desespero.
Rhodan começou a impacientar-se. Para
Certch o relacionamento entre um comandante
e seus colaboradores deve ser encarado como
um tipo de amizade briguenta.
— Crest me pediu que fizesse uns cálculos
— chiou a voz de Certch. — É interessante! É
perigoso! Preste atenção. Se executar o plano
de voar para Árcon, saberemos o que vem a ser
uma boa surpresa. O robô vai golpear, e o gol-
pe será mais rápido e doloroso do que qualquer
um de nós pode imaginar.
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O sorriso ligeiro abandonou o rosto de Rho-
dan. Seu espírito despertou. Apenas os olhos
pareciam indagar. Perturbado, Certch baixou o
olhar, mas logo ergueu a cabeça. Mais uma vez
pôs o dedo em riste.
— O senhor quer saber por quê, não é? Pois
a resposta é simples, mesmo para um leigo. Te-
mos setecentos doentes a bordo, inclusive os
mutantes. Por enquanto a cura é impossível. Se
considerarmos o fato de que em Árcon também
não existe nenhum remédio, a reação da
máquina pode ser prevista com cem por cento
de certeza. O cérebro sabe que os êxitos alcan-
çados pelo senhor foram devidos principalmen-
te à atuação dos mutantes. O robô possui uma
nave do tipo da Titan. A lógica mecânica, de
estrutura puramente matemática, dirá ao autô-
mato que o senhor se tornou inútil, ou ao me-
nos que vale menos. Se não contar com os re-
cursos especiais de que dispunha, será conside-
rado apenas um colaborador como qualquer ou-
tro. Entendido?
Os olhos de Certch piscaram nervosamente.
Mais uma vez Rhodan não respondeu.
— Pois bem, está entendido. O único ponto
positivo de que o senhor dispõe no esquema
dos cálculos positrônicos é sua rápida capacida-
de de decisão. O robô suspeita da existência de
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armas secretas. Mas uma simples suspeita não
levará a uma valorização positiva no conjunto
da interpretação. Quer dizer que a única coisa
que resta será sua energia. E esta o colocará
pouco acima do padrão de classificação de um
naat ou de qualquer outra inteligência. E isso é
muito pouco para que o senhor possa se arris-
car a penetrar no campo de atuação direta do
cérebro robotizado. É só. Não se meta nisso.
Faço questão de preveni-lo.
Com um movimento rápido, Certch saltou
da poltrona articulada. Os óculos desaparece-
ram de cima do enorme nariz.
— Um instante!
O psicólogo de robôs estacou.
Everson e Tanner, aquele par tão diferente
sem dizer uma palavra. Tiff mantinha-se mais
ao longe; estava pálido. De repente, a atmosfe-
ra na sala de comando se tornara bastante ten-
sa.
Rhodan caminhou lentamente em direção
ao cientista. Parou perto dele.
— Entendo alguma coisa de logística posi-
trônica, doutor. Acredito que sua interpretação
da conduta do grande autômato se funda intei-
ramente na suposição de que em Árcon não
existe nenhum remédio contra a doença contra-
ída por nossos homens.
24
— Correto! — confirmou o homenzinho.
— O que acontecerá se houver um meio de
curar a doença? E se o robô tiver conhecimento
dessa situação?
— Modificação de cento e oitenta graus na
situação, a nosso favor.
— Muito obrigado, doutor. Sabemos perfei-
tamente que em Árcon não se conhece qual-
quer soro contra essa doença. Não precisamos
discutir mais sobre este ponto. Admitamos
como certa a pior das hipóteses. Conhece a lei
de Ulterman sobre a programação dos atos
com base nos cálculos cibernéticos?
Certch começou a desconfiar. Encolheu
mais um pouco.
— Eu também a conheço. Vamos agir de
acordo com ela, capitão Everson.
O gigante saltou do assento de piloto. Seu
rosto não tinha mais nada de suave.
— Transmita uma ordem ao médico-chefe.
Thora, Bell e mais seis dos tripulantes doentes
devem ser mantidos num sono leve. Quero que
essas oito pessoas possam ser despertadas a
qualquer momento. É só.
Everson voltou-se para o intercomunicador
de bordo. O Dr. Certch parecia espantado.
— O que pretende fazer? — perguntou com
a voz gutural.
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— Pretendo agir de acordo com a lei de Ul-
terman — informou Rhodan. — Apresentare-
mos oito doentes. Os outros serão escondidos.
Gucky e Sengu farão com que o robô receba al-
gumas provas de suas capacidades extraordiná-
rias. O robô não sabe que recebemos oitocen-
tos tripulantes novos. Graças ao compensador
estrutural, a breve excursão de Freyt à Terra
não chegou ao conhecimento do robô. Deve-
mos isso aos mercadores galácticos, que cria-
ram um aparelho maravilhoso como este. De-
colamos com setecentos homens e com sete-
centos homens regressaremos. É muito claro,
não acha? Apresentaremos oito doentes. Não
são tão importantes que possam representar
um fator negativo na avaliação conjunta do nos-
so auxílio. Saberemos se existe algum remédio.
Queira apontar qualquer detalhe que eu possa
ter esquecido, Dr. Certch.
O cientista hesitou. Depois de algum tempo
formulou a pergunta:
— Tem certeza absoluta de que a Ganymed
não foi localizada? Um salto pelo hiperespaço
pode ser medido por meio das alterações estru-
turais que...
— Perfeitamente. Acontece que o compen-
sador constitui uma barreira absoluta a qualquer
localização. Mais algum detalhe?
26
— Nenhum — resmungou Certch. — Não
há nenhuma falha, desde que existam os pres-
supostos que o senhor acaba de apontar. Os
oito doentes não influirão muito. Serão um fa-
tor de pouca importância. Se fosse um robô,
não gostaria de ter o senhor como inimigo. Fa-
rei uma revisão dos cálculos.
Rhodan seguiu o homenzinho com os olhos
e disse:
— Muito obrigado pelo aviso, doutor.
Certch exibiu um ligeiro sorriso e desapare-
ceu.
— Decolaremos daqui a dez minutos. Ever-
son, o senhor levantará a nave. Tiff, avise
Freyt. Diga-lhe que deve decolar um minuto an-
tes de nós.
Rhodan ficou de pé atrás da poltrona do
imediato e controlou as instruções transmitidas
por Everson. Garand, o engenheiro-chefe, apa-
receu na tela por um instante. Seu rosto boche-
chudo estava banhado de suor.
Os avisos de que tudo estava em ordem, ex-
pedidos pelos diversos postos, foram chegando.
Receberam a confirmação de Freyt.
Dali a nove minutos, a Ganymed, mostrada
na tela, parecia despertar. A nave de 840 me-
tros de comprimento e 200 metros de diâmetro

27
encontrava-se a menos de três quilômetros,
apoiada nas aletas de popa.
O furacão de fogo que irrompeu dos bocais
de popa transformou o deserto poeirento e pe-
dregoso numa cratera borbulhante. Freyt resol-
vera não utilizar a aparelhagem de desvio de
partículas. Em Honur não havia nada que pu-
desse ser estragado.
Os alto-falantes do aparelho de captação de
ruídos externos transmitiram o som infernal de
um fim de mundo. O gigantesco cilindro elevou-
se lentamente. O fluxo de impulsos expelido pe-
los propulsores passou do branco ao azulado,
ao violeta, e finalmente tornou-se quase invisí-
vel.
Com um salto monstro, a Ganymed dispa-
rou para o céu. Um trovejar profundo sacudiu a
paisagem desolada. Massas de ar incandescen-
te, que emitiam uma estranha fosforescência,
precipitaram-se no vácuo que a Ganymed abriu
com sua decolagem apressada. Um furacão ui-
vou, vindo do céu azul. Arrastou consigo mas-
sas de pedra liquefeita, para atirá-las ao solo
mais adiante, numa turbulência desenfreada.
O couraçado desapareceu.
A decolagem da Titan, nave muitas vezes
maior que a Ganymed, representou um aumen-
to tremendo das forças desencadeadas. Os de-
28
zoito propulsores gigantescos montados na pro-
tuberância equatorial da esfera de 1.500 metros
de diâmetro transformaram a área plana do de-
serto num oceano de lava.
Os homens abandonavam o planeta do sol-
anão estranho com o entusiasmo fervoroso de
deuses despreocupados. Na decolagem, desen-
volveram uma aceleração que os levou ao espa-
ço dentro de apenas quatro segundos.
O que ficou para trás foram massas de ar re-
volto e um solo borbulhante. Ficaram também
os animais encantadores aos quais haviam dado
o nome de nonus.
Os homens só haviam levado consigo suas
preocupações e angústias. Pouco menos de dez
minutos depois de terem mergulhado no espa-
ço, as naves atingiram a velocidade da luz. A
programação do autômato de regulagem de sal-
to estava concluída. Árcon, o astro central do
Grande Império, ficava apenas a quarenta e
sete anos-luz.
Perry Rhodan deu ordens para que a transi-
ção através do espaço de cinco dimensões fosse
realizada de forma normal. Isso significava que
haveria um abalo estrutural facilmente localizá-
vel.
— Tomara que isso não dê na vista! — mur-
murou Marcus Everson consigo mesmo, antes
29
que as forças da desmaterialização o atingissem
e levassem seu corpo para o campo do irreal.
O sol vermelho de Thatrel transformou-se
num disco tremeluzente. Logo desapareceu.

Árcon era o símbolo do poder, a célula-


mater do Grande Império, o mundo da raça hu-
manóide dos arcônidas. A iniciativa implacável
e pragmática do gigantesco cérebro robotizado
voltara a fazer de Árcon aquilo que sempre
fora: o centro dominante da Galáxia conhecida.
Nas condições reinantes em Árcon, a pene-
tração de duas grandes naves no espaço normal
era um acontecimento corriqueiro. Aqui, onde
se formara o ponto de confluência do comércio
cósmico, o movimento de naves quase chegava
a ser enlouquecedor.
Apesar disso, as naves de Rhodan foram lo-
calizadas imediatamente. As cinco mil fortalezas
espaciais que formavam o círculo exterior de
defesa solicitaram o sinal codificado. Rhodan só
pôde transmitir o sinal já superado. Face a isso
o cérebro robotizado instalado em Árcon III in-
terveio diretamente.
A primeira surpresa surgiu logo após os pri-
meiros contatos pelo rádio. O autômato, que se
30
designava como o Grande Coordenador ou o
Regente permitiu que os dois couraçados pene-
trassem no sistema interno. Depois Rhodan
soube que há cinco dias, tempo padrão local, o
mundo destinado ao comércio galático, Árcon
II, voltara a ser liberado.
A notícia levou às suposições mais desen-
contradas a bordo da Titan. Quando Perry Rho-
dan penetrou pela primeira vez no sistema de
Árcon, o grande robô que exercia o governo
velava com um cuidado extremo para que nin-
guém se dirigisse aos três mundos de Árcon.
Ao que parecia, nesse meio tempo as graves
manifestações de decadência dos arcônidas ha-
viam sido superadas a ponto de que a máquina
poderia, sem perda de prestígio, conceder às
numerosas raças de astronautas da Via Láctea a
permissão de pousar em Árcon, conforme esta-
vam acostumados.
Cruzaram a órbita do quinto planeta do sol
Árcon. Mais uma vez pediram um sinal codifica-
do. Os dois couraçados receberam instruções
para utilizar o corredor de aproximação inter-
planetária 32-17. Com o tráfego espacial dessa
área, era uma medida perfeitamente normal.
— Localização na área verde, noventa e dois
graus — soou a voz retumbante saída dos alto-

31
falantes. — São naves grandes, couraçados da
classe Império. Três unidades.
Marcus Everson, que desempenhava as fun-
ções de co-piloto, virou ligeiro a cabeça. Des-
confiado, procurou o olhar de Rhodan.
— Naves da classe Império? — fungou o ca-
pitão.
— Vieram para nos comboiar. Calma a bor-
do; nada de nervosismo. Atenção, para todos
os tripulantes. Não se deixem arrastar a uma
ação precipitada. Quando aparecemos aqui
pela primeira vez, a situação parecia bem pior.
Praticamente fomos obrigados a pousar no
quinto planeta. Neste meio tempo fizemos um
tratado com o cérebro robotizado. Não se preo-
cupem com as três unidades da frota arcônida.
Qualquer nave armada que entre aqui será ime-
diatamente escoltada. Isso resulta do simples
instinto de conservação do autômato.
Ouviram a risada de Rhodan no alto-falante.
Homens nervosos trocavam olhares preocupa-
dos. Tanner, que desempenhava as funções de
primeiro-oficial de armas, tirou lentamente os
dedos dos botões de acionamento das peças de
artilharia.
— Não façam nenhuma tolice — voltou a
recomendar Rhodan.

32
— As naves se aproximam, estão realizando
manobra de adaptação — avisou o tenente Tif-
flor, que se encontrava na sala de observação.
O dispositivo automático transferiu a liga-
ção. Três objetos brilhantes surgiram nas telas
do setor verde.
— Rapaz, são três naves da classe Império!
— cochichou Everson. — São tripuladas por ro-
bôs, chefe?
— Só em parte. Há poucos meses o cérebro
ainda dependia exclusivamente da tele direção.
Foi o que nos valeu. Se naquele tempo o Re-
gente dispusesse de tripulantes capazes e pen-
santes, dificilmente teríamos escapado com a
Titan que acabávamos de roubar.
Everson engasgou. Lançou um olhar de
dúvida para o rosto do comandante.
Rhodan não se preocupou mais com as três
naves-gigantes, que ainda há pouco tempo seri-
am consideradas as maiores de sua classe. Mas
nesse meio tempo haviam surgido as novas uni-
dades da classe Universo, que tinham 1.500
metros de diâmetro. A Titan era uma delas.
Rhodan sentiu uma ligeira angústia quando
se lembrou da empresa tresloucada.
Com a Ganymed, uma nave pequena para
as condições arcônidas, penetraram despreocu-
padamente num sistema solar cujos habitantes
33
já conheciam a navegação espacial a velocidade
superior à da luz numa época em que o homem
ainda vivia em cavernas.
Rhodan resolvera arriscar o vôo para Árcon
porque aqui esperava encontrar ajuda na luta
contra o perigo representado pelos saltadores,
que se tornara crítico. Além disso, cedera às in-
sistências de Crest e Thora, que depois de uma
ausência de treze anos estavam ansiosos para
voltar para casa.
Ninguém poderia saber que seis anos antes
o imperador de Árcon fora deposto. Muito me-
nos se poderia supor que o gigantesco cérebro
robotizado assumira o governo do Império dos
Arcônidas.
Rhodan foi obrigado a pousar no quinto pla-
neta, que era um mundo inóspito. Contrariando
as instruções do cérebro positrônico, saíra dali
numa nave de reconhecimento.
Não conseguira encontrar auxílio em Árcon
I, o mundo de cristal. Por isso um almirante do
imperador deposto, que ainda conservava a agi-
lidade mental, levou-o a Árcon III juntamente
com seu grupo de cinqüenta homens. Lá foram
admitidos como força auxiliar.
A fuga com a Titan, uma nave novinha em
folha, foi uma história memorável. Com um sal-
to de três anos-luz, conseguiu escapar aos seus
34
perseguidores. Seguiu-se o pouso involuntário
no planeta Zalit, cujo ditador foi de opinião que
poderia transformar Perry Rhodan num aliado
para a luta contra o cérebro robotizado, que se
tornara onipotente.
Rhodan mudou de idéia quando percebeu
que os habitantes do planeta Zalit se encontra-
vam sob o controle de seres parecidos com me-
dusas, que possuíam dons telepáticos e sugesti-
vos, e que Crest designara como moofs.
Seguiu-se uma luta feroz, cujo resultado fa-
vorável fez com que o cérebro robotizado reco-
nhecesse Rhodan. Numa coerência lógica, o
robô tentara fazer de Perry seu aliado. Era um
ato coerente, pois o cérebro praticamente não
dispunha de colaboradores vivos. Rhodan elimi-
nara o perigo dos moofs e, como recompensa,
recebera a nave apresada, Titan.
Foi em virtude da situação assim criada que
Rhodan resolveu mandar que Freyt fosse à Ter-
ra com a Ganymed, uma vez que os setecentos
homens que se encontravam a bordo da nave-
gigante eram uma tripulação inferior ao normal.
No mundo de Honur, onde se pretendia
aguardar tranqüilamente a chegada da nova
leva de homens, acabou ocorrendo a intoxica-
ção através daqueles estranhos seres.

35
E agora penetravam pela segunda vez no
sistema de Árcon. Rhodan sentia-se muito pre-
ocupado, pois os homens mais experimentados
de sua tripulação haviam adoecido. A atuação
do cérebro robotizado poderia resultar numa
catástrofe, se o mesmo percebesse que os mu-
tantes não estavam em condições de entrar em
ação. Rhodan jogou todas as chances numa
única cartada.
No momento em que dois dos mundos de
Árcon surgiram nas telas do ultralocalizador que
funcionava a velocidade superior à da luz, Rho-
dan lembrou-se dos moofs. Esse assunto fora
deixado totalmente de lado depois dos estra-
nhos acontecimentos que se verificaram em
Honur.
Quando Rhodan refletia sobre isso, o psicó-
logo de robôs, Dr. Certch, chamou pelo apare-
lho de comunicação audiovisual.
— É Certch que está falando — foram suas
primeiras palavras, totalmente supérfluas. —
Disponho de novos dados. Já se deu conta de
que o autômato não dará a menor importância
às experiências pelas quais passamos? É claro
que não o faria se estivesse informado sobre a
existência de setecentos doentes a bordo da Ti-
tan. Uma vez que o senhor pretende apresentar
apenas oito doentes, o cérebro concluirá que
36
não vale a pena desenvolver esforços muito in-
tensos para encontrar um remédio. Pouco lhe
importa que oito criaturas insignificantes mor-
ram ou não. Não acha que estou com a razão?
— Acabo de pensar nisso.
— Muito bem. Mas ainda existe o problema
dos moofs. Para o cérebro, a remoção desse
perigo será muito importante. Afinal, o senhor
provou que a revolta dos zalitas foi causada ex-
clusivamente pela atuação dos moofs.
— É verdade, e também não é — respondeu
Rhodan. — Informei o cérebro de que os moofs
nunca teriam agido assim por sua livre e espon-
tânea vontade. O feitio orgânico desses seres
inteligentes basta para impedi-los de exercerem
uma influência decisiva na política galáctica.
Atrás dos moofs há outras inteligências, que
praticamente abusam desses seres.
— É aí que eu quero chegar. Não acredito
que o robô ainda não percebeu isso. A rapidez
com que o cérebro permitiu nossa entrada é es-
pantosa. Recebemos licença de pousar. Daí se
conclui que estão querendo algo do senhor.
Uma vez que dispõe de uma tripulação apta a
entrar em combate na nave mais poderosa de
todos os tempos, pretenderão que o senhor, ou
melhor nós, executemos outra missão, já que o
senhor se obrigou a defender os interesses do
37
Grande Império. Prepare-se para ver o robô li-
quidar o problema da doença com uma obser-
vação muito ligeira. Considerará perdidos os
oito homens. Isso resulta da lógica positrônica,
que não conhece sentimentos.
“Cheguei à conclusão de que seremos imedi-
atamente mandados de volta ao espaço, a fim
de liquidar em definitivo o perigo dos moofs.
Afinal, o cérebro está convencido de que ainda
dispomos do exército de mutantes. Acredito
que receberemos ordens para nos dirigirmos ao
mundo daqueles monstros. E nem pense em re-
cusar obediência a esta ordem em meio a esta
gigantesca fortaleza espacial. A fuga que em-
preendeu há algum tempo foi um golpe de sur-
presa. Não conseguirá repetir a façanha.”
— Compreendi, Dr. Certch — disse Rho-
dan. — Muito obrigado. Já me lembrei disso. O
que diria se eu tivesse a intenção de me dirigir
ao mundo dos moofs?
— Seria uma surpresa — disse Certch em
tom de perplexidade.
— Não parece que seria um procedimento
lógico? Não dispomos da menor indicação so-
bre a atuação desses seres que Crest chama de
aras. Em minha opinião são responsáveis por
tudo, inclusive pela revolução que eclodiu em
Zalit. Logo, será apenas natural que procure-
38
mos desvendar o mistério no mundo dos mo-
ofs. Afinal, com o logro que pretendo pregar ao
cérebro não poderei fazer com que ele conclua
necessariamente que devemos preocupar-nos
antes de mais nada com os médicos galácticos.
Para isso teria de apresentar setecentos doentes
e não apenas oito.
Certch respondeu:
— Pelo amor de Deus, não fale nos setecen-
tos. Seria o fim. Mas, se acredita que no plane-
ta dos moofs encontrará uma indicação mais
precisa, vá para lá. Só gostaria de saber por
que nessas circunstâncias resolveu ir a Árcon.
Poderíamos ter seguido diretamente para o
mundo dos moofs.
— Acontece que preciso de alguns dados so-
bre o mundo dos moofs, seu sabe-tudo de uma
figa — respondeu Rhodan.
— Perdão — disse Certch com um sorriso.
— Apenas queria confirmar minha genialidade.
Para isso preciso formular algumas objeções.
A terrível praga que Rhodan soltou perdeu-
se nos microfones desligados.
Obedecendo às instruções recebidas, os dois
couraçados deslocaram-se a uma velocidade in-
ferior em dez por cento à da luz. No interior do
sistema de Árcon, não eram permitidas veloci-
dades mais elevadas.
39
Mas mesmo a essa velocidade, os dois pla-
netas visíveis do mundo sincronizado aproxima-
ram-se rapidamente.
Com o desenvolvimento da raça Árcon, o
mundo primitivo dos arcônidas, tornara-se mui-
to pequeno. Por isso os antepassados — extre-
mamente ativos — dos atuais habitantes de Ár-
con recorreram à sua tecnologia fenomenal e
arrastaram os antigos planetas II e IV das suas
órbitas naturais, incorporando-os praticamente
ao terceiro mundo.
Dessa forma um sistema tríplice surgiu den-
tro do sistema. Eram três dos planetas, dois dos
quais trazidos artificialmente, que há 15 mil
anos de tempo terrano gravitavam em torno do
sol Árcon em órbitas exatamente iguais, man-
tendo a mesma inclinação dos eixos e a mesma
velocidade no percurso de sua órbita.
Era Árcon! O planeta número um, que era o
mundo de cristal, servia exclusivamente a fins
residenciais. O planeta número dois ficou reser-
vado ao comércio e à indústria galáctica. O pla-
neta número três era o planeta da guerra; ser-
via de sede à maior frota espacial de todos os
tempos e ao cérebro robotizado.
Tudo indicava que os arcônidas o haviam
construído para a eternidade. Nada se alterara
no arranjo interestelar por eles criado, com ex-
40
ceção dos descendentes mais longínquos, leva-
dos à decadência devido à supersaciedade eco-
nômica e cultural.
A indecisão e o relaxamento dos costumes
fizeram com que o robô-gigante, programado
há vários milênios, passasse a dirigir a história
do Império. Ao que tudo indicava, os velhos ar-
cônidas imaginavam que uma raça que vive na
abundância e no bem-estar excessivo acaba fisi-
camente debilitada.
Os homens mergulharam nessa bruxaria ga-
láctica, sem desconfiar de que com isso se sub-
meteriam de forma indireta às normas prag-
máticas do cérebro positrônico.
Rhodan tirou os olhos arrebatados do pano-
rama dos dois mundos. Do ponto em que se
encontrava a Titan, não podia ver Árcon I. Es-
tava encoberto pelo sol chamejante.
Uma chave deu um estalo. O rosto de Tifflor
surgiu na tela.
Rhodan deu uma ordem:
— Tiff, chame o Regente pela onda de hi-
perfreqüência que já é conhecida. Transmita o
sinal de urgência. Solicito uma entrevista antes
do pouso. Transmita o intercâmbio pelas telas
da sala de comando. Obrigado.
Lá adiante, além da parede blindada de
plástico transparente, os enormes aparelhos de
41
hipercomunicação do supercouraçado entraram
em funcionamento. Os homens que se encon-
travam na sala de comando trocaram olhares
expressivos. Chegara o momento decisivo.
— Contato estabelecido, passarei a ligação
para o senhor — ouviu-se a voz de Tiff.
Rhodan girou lentamente o assento de pilo-
to para a direita. Num dos setores das telas de
visão global, surgiu o colorido confuso da trans-
missão que estava sendo captada. Depois de al-
guns segundos, as linhas assumiram contornos
precisos. Viu-se a corcova blindada em meio ao
grande pavilhão. Era um setor minúsculo do cé-
rebro, mas parecia ser um dos mais importan-
tes.
— Rhodan, da Terra, falando ao Grande
Coordenador — disse Perry para dentro do mi-
crofone. Seu rosto continuava impassível.
— Estou ouvindo! — soou a voz fria e mo-
nótona. O robô não parecia conhecer a curiosi-
dade.
Não formulou nenhuma pergunta sobre o
motivo da chamada.
— Peço que seja preparada imediatamente
uma equipe médica arcônida. Tenho oito doen-
tes a bordo.
— Qual é a doença?

42
— É desconhecida. Ao que parece, trata-se
de uma intoxicação. Depois de concluída a luta
em Zalit, pousei no mundo de Honur para trei-
nar minha tripulação com toda calma. Surgiram
certos animaizinhos. Descobrimos muito tarde
que os mesmos segregavam substâncias vene-
nosas.
— Aguarde!
De um instante para outro, as linhas treme-
luzentes voltaram a cobrir a tela. Rhodan estre-
meceu ao toque suave de uma pata de animal.
De repente Gucky, o ser peludo, surgira ao lado
de seu assento.
Os grandes olhos cinzentos do rato-castor
pareciam interrogar. Com mais ou menos um
metro de altura, o mais capaz dos seres vivos
que se encontravam a bordo estava sentado so-
bre o traseiro que lhe conferia o aspecto esqui-
sito.
“Algum problema?” — foi a mensagem tele-
pática emitida pela versão ampliada do ratinho
de desenho animado.
Rhodan compreendeu a pergunta. Seu trei-
namento telepático já avançara bastante. Já
conseguia entender o verdadeiro sentido de um
bom emissor e formular suas respostas pela
mesma via.

43
Rhodan fez um gesto quase imperceptível de
recusa. As patas rosadas de Gucky continuaram
apoiadas sobre a braçadeira da poltrona. De re-
pente, a abóbada de aço voltou a surgir na tela.
— Os dados foram examinados. O planeta
Honur está fechado ao tráfego há quatro mil
anos. A secreção cutânea das inteligências infe-
riores que o habitam, enquanto não purificada,
causa a destruição de centros nervosos orgâni-
cos. Depois de passar por um processo quími-
co, o veneno serve de matéria-prima para a fa-
bricação de um tóxico bastante conhecido, cha-
mado kan’or. Há oitocentos anos a frota ar-
cônida destruiu o comércio galático da substân-
cia. Mais alguma pergunta?
Rhodan empalideceu ligeiramente. Atrás
dele, o biólogo Janus van Orgter entrou apres-
sadamente na sala de comando. Respirando de
modo agitado, aproximou-se de Rhodan.
— Não tínhamos a menor idéia do perigo —
respondeu apressadamente. — Oito dos meus
homens entraram em contato direto com os
animais. Seu estado inspira sérios cuidados.
Thora, membro da dinastia de Zoltral, é uma
das doentes. Assumi o comando da Titan. Peço
auxílio com a máxima urgência.

44
A reação do cérebro foi rápida. Do alto-
falante não saiu nem uma pergunta inútil. Já sa-
bia por que Rhodan teria pousado em Honur.
— Os sintomas são conhecidos. O senhor
foi imprudente. Pouse em Árcon II. Procurarei
ajudar. Por que disse que o chamado era urgen-
te?
Rhodan suprimiu uma maldição. O Dr. Cert-
ch surgira. Agitou ambos os braços num gesto
de súplica. O que quis dizer era que, para o
robô, o pedido de cura dos doentes jamais seria
considerado urgente. Rhodan compreendeu.
Era muito difícil adaptar o pensamento orgâni-
co, condicionado pelo sentimento, à lógica fria
de uma calculadora monstruosa.
— Descobri dados sobre a verdadeira causa
da revolta dos zalitas. Os próprios moofs foram
submetidos a alguma influência. A intoxicação
de meus homens fazia parte do plano. Posteri-
ormente fornecerei outros dados. Encontramos
uma instalação camuflada dos bioquímicos ga-
lácticos, que segundo Crest, um membro da fa-
mília de Zoltral, costumam ser chamados de
aras.
— De que tipo eram as instalações?
— Tratava-se de um laboratório gigantesco,
no qual eram criados os animais que costuma-
mos chamar de nonus. A secreção do organis-
45
mo dos mesmos era transformada em tóxicos.
Tenho certeza de que a solução do problema
deve ser procurada junto a esses aras. Solicito
dados mais precisos. Onde poderemos encon-
trar esses seres? A única indicação que encon-
tramos nos fichários de bordo diz que os aras
detêm o monopólio médico-biológico da Galá-
xia. Onde poderemos encontrá-los?
A tela cobriu-se com uma luminosidade fluo-
rescente.
— Resposta negativa. Vejamos — disse o
Dr. Certch.
A imagem da abóbada de aço voltou a ser
projetada na tela. Numa reação extremamente
rápida, o cérebro identificou os pontos impor-
tantes da pergunta que acabara de ser formula-
da. Recusou, sem usar a palavra recusa.
— Em toda parte e em lugar algum. Nosso
tratado não prevê que percamos um tempo
precioso. Seria um contra-senso se passásse-
mos o problema dos moofs para o segundo pla-
no. Recuso fornecer-lhes dados ambíguos sobre
a raça dos aras.
— Pois os dados são ambíguos? — pergun-
tou Rhodan.
— São. Meus registros não revelam nada de
positivo. Se a cura dos seus doentes for impos-
sível, teremos que abandoná-los ao seu destino.
46
Rhodan da Terra, eu lhe faço a seguinte pro-
posta. Se sua suposição de que os moofs agem
segundo as ordens dos aras for correta, é bem
provável que no próprio planeta dos moofs en-
contre novos dados em favor dessa suposição.
Mas o senhor terá de apressar-se, pois já envia-
mos uma frota parcialmente robotizada, coman-
dada pelo almirante Vetron, para destruir o sex-
to planeta do sistema da estrela Moof. Não vi
outra solução. O senhor não me informou no
devido tempo sobre suas descobertas mais re-
centes.
— Retire a ordem! — exclamou Rhodan
muito exaltado. — O senhor vai destruir as pou-
cas pistas de que poderemos dispor.
— O ataque ainda não foi iniciado. Pouse
imediatamente e apresente seus doentes. Verifi-
carei num tempo muito reduzido se posso aju-
dar ou não. Fim.
Rhodan gritou mais algumas perguntas, mas
percebeu que a máquina interrompera o conta-
to. Virou-se com o rosto pálido.
Até Certch manteve-se em silêncio. Crest, o
cientista arcônida, aproximou-se em passos co-
medidos. Nas telas de observação global os pla-
netas visíveis de Árcon já apareciam com o ta-
manho de uma maçã.

47
Um impulso de advertência das três naves
de escolta foi captado. Everson disse com a voz
baixa:
— A manobra de frenagem será iniciada da-
qui a dois minutos.
— Pode pousar — disse Crest em tom tran-
qüilizador. — Se o cérebro afirma que o exame
será realizado num tempo muito curto, isso sig-
nifica que na pior das hipóteses levará meia
hora. Se até lá não for descoberto nenhum an-
tídoto entre o estoque de medicamentos exis-
tente no planeta, poderemos decolar imediata-
mente. Não adiantaria esperar mais. O robô
não fará um esforço extraordinário para salvar
alguns seres humanos.
— A situação é exatamente esta — excla-
mou Certch. — Nem devíamos pousar.
Os olhos de Gucky seguiram o comandante
que caminhava de um lado para outro. Uma
melancolia profunda brilhava nos grandes olhos
da criatura peluda. Sentia a angústia de Rho-
dan.
— Quem é esse almirante Vetron, Crest? O
senhor o conhece?
— Apenas pelo nome. É um oficial espacial
da geração nova. Executará as ordens do cére-
bro sem a menor hesitação.

48
— Esse rapaz estragará nossas esperanças
— disse Rhodan. — Dr. Certch, qual é o conse-
lho que o senhor nos dá?
O doutor Certch respondeu:
— Vamos pousar, aguardar o resultado do
exame, voltar a colocar os doentes a bordo e
arrancar do robô poderes plenos para liquidar o
problema de Moof por nossa conta. Quando
nos aproximarmos do planeta Moof, o senhor
deverá estar em condições de suspender imedi-
atamente o ataque.
Rhodan voltou ao seu assento. O aparelho
de pilotagem automática já acendera uma luz
vermelha. As três naves de escolta haviam inici-
ado a frenagem. Os dois planetas já se apresen-
tavam com o tamanho de uma abóbora.
Dentro de poucos segundos, os propulsores
da Titan rugiram. A velocidade foi reduzida por
meio de uma contra propulsão de quinhentos
quilômetros por segundo ao quadrado. A cen-
tral de tele direção de Árcon II entrou em con-
tato com a nave.
Enquanto os propulsores de correção de
rota do supercouraçado ribombavam, colocan-
do a nave no rumo correto, Rhodan anunciou
pelos microfones de bordo:
— O comandante a todos os tripulantes.
Pousaremos dentro de quinze minutos aproxi-
49
madamente. Tomem todas as precauções para
que os doentes não possam ser encontrados.
Peço que os médicos continuem no posto de
emergência. Se necessário usem gás narcótico.
Não deverá haver qualquer grito ou exclamação
comprometedora, pois não sabemos se recebe-
remos visita ou não.
“Atenção, Professor Kärner. Leve Thora,
Bell e os outros seis doentes escolhidos à enfer-
maria. Provavelmente serão levados por robôs.
Apague todos os vestígios da utilização da clíni-
ca. Tudo deverá estar limpo. Retire as camas de
campanha. Provavelmente voltaremos a decolar
depois de uma breve permanência no planeta.
Aceitarei a sugestão do robô, para eliminar
qualquer possibilidade da ocorrência de compli-
cações mais sérias. Ainda acontece que não te-
mos outra alternativa senão pousar em Moof
VI, onde tentaremos colher novos dados que
nos sirvam para esclarecer os acontecimentos.
No momento é só. Entrem em prontidão provi-
sória. Fim.”
Rhodan desligou no momento em que o su-
pergigante penetrou com um rugido nas cama-
das superiores da atmosfera de Árcon II.

***

50
Árcon II era um astro que tinha a superfície
aproximadamente igual à da Terra. Sua gravita-
ção chegava a 0,7G. Era um conjunto tecnolo-
gizado e industrializado que não apresentava a
menor solução de continuidade, um mundo de
fábricas dantescas dirigidas por robôs e de gi-
gantescos portos espaciais. Além disso, era o
ponto capital do comércio intergaláctico.
O sol branquicento de Árcon brilhava num
céu nevoado, em que não se via nenhuma nu-
vem. O segundo planeta do grupo sincronizado
de três era a grande potência econômica da Via
Láctea. Os artigos produzidos aí não somente
eram de alta qualidade, mas sua quantidade era
suficiente para inundar todos os mundos coloni-
ais. Não havia praticamente nada que não fosse
fabricado em Árcon II.
O espaçoporto de Olp’Duor formigava de
naves mercantes de todos os tipos. Rhodan
teve oportunidade de admirar as construções de
seres humanóides e de criaturas totalmente es-
tranhas.
Estranhas figuras levantavam-se do solo de
espaço a espaço. E criaturas ainda mais estra-
nhas saíam das escotilhas de suas naves, enver-
gando trajes protetores mais ou menos pesa-
dos.

51
As instalações de carga e descarga do espa-
çoporto, inteiramente automatizadas, trabalha-
vam a toda força. Pelos cálculos de Crest, o va-
lor das mercadorias descarregadas em Olp’Duor
chegava a oito bilhões de solares de moeda ter-
rana por dia. Acontece que este era apenas um
dos trezentos espaçoportos.
Pesados cargueiros partiam ininterruptamen-
te em direção ao céu. Outros chegavam ruido-
sos. A profusão de propulsores e máquinas que
se amontoavam naquele campo era inimaginá-
vel.
A forma esférica predominava apenas nos
veículos espaciais arcônidas. Via de regra viam-
se construções em forma de cilindro, ou com
outro formato bastante esguio. Ali chegavam os
mensageiros de raças estranhas, a maioria das
quais descendia de antigos emigrantes arcôni-
das.
Não apresentavam a menor semelhança
com seus ascendentes. Os milênios, e mesmo
dezenas de milênios passados fora de Árcon re-
presentaram um ponto final na evolução bioló-
gica arcônida.
Os descendentes mais remotos dos antigos
colonos já se haviam adaptado ao novo ambi-
ente. As múltiplas influências a que estiveram
submetidos não poderiam deixar de desempe-
52
nhar seu papel. A intensidade da gravitação de
outros astros, as radiações cósmicas, a tempe-
ratura, a composição da atmosfera e o ambien-
te bioquímico produziram transformações físi-
cas e mentais que faziam com que, em muitos
casos, aqueles seres não mais possuíssem bra-
ços e pernas como os velhos arcônidas.
Mas todos pensavam, viviam e trabalhavam.
Rhodan dissera em certa oportunidade que Ár-
con II era um formigueiro cósmico.
Os arcônidas eram raríssimos. Sempre que
surgiam, revelavam o cansaço típico de sua
raça. O cérebro robotizado recorrera a um pro-
cesso compulsório de aprendizado hipnótico,
mas verificou-se que o autômato que se orienta-
va por uma programação antiqüíssima confun-
dia os conceitos de saber e de desempenho físi-
co.
Os cérebros dos arcônidas, cujos ideais eram
muito diferentes, dificilmente poderiam ser des-
pertados de sua letargia. E, quando isso aconte-
cesse, o organismo predisposto para a indolên-
cia não conseguia acompanhá-los.
Na verdade, Árcon estava no fim. As iniciati-
vas que decidiam o destino do Império partiam
de um robô gigante, construído por milhares de
gerações de técnicos e cientistas. Rhodan sabia

53
que a máquina e seus acessórios ocupavam
uma área de 10 mil quilômetros quadrados.
O supercouraçado Titan fora teleguiado para
a extremidade leste do campo de pouso.
O poderio corporificado pelo supercouraça-
do só poderia ser avaliado por quem dele se
aproximasse, vindo de uma distância considerá-
vel. Depois de pousada, a supernave tinha o as-
pecto de uma montanha esférica de 1.500 me-
tros de altura, cercada no centro por uma pro-
tuberância circular em cujo interior poderia ser
abrigada a maior parte das naves mercantes
pousadas em Olp’Duor. Cada um dos dezoito
propulsores da Titan tinha as dimensões de pe-
quenas naves.
No interior desse corpo esférico feito de aço
de Árcon e de energia solar concentrada e facil-
mente controlada, oitocentos homens sadios es-
peravam, enquanto os setecentos doentes nada
sabiam do pouso realizado em Árcon II.
Fazia menos de uma hora que o tenente
Tanner se encontrava diante do órgão de fogo,
nome que se dava ao instrumento central de
controle de tiro. Os canhões de impulsos e de
desintegração aguardavam, no zumbido dos
campos energéticos de orientação e irradiação,
escondidos atrás das escotilhas das torres blin-

54
dadas, que por enquanto permaneciam fecha-
das.
A Titan estava pronta para entrar em com-
bate, tal qual a Ganymed pousada a menos de
mil metros de distância.
A área fora fechada hermeticamente para
qualquer tipo de tráfego. Apesar disso as telas
dos amplificadores automáticos registravam um
número sempre crescente de seres estranhos,
que fitavam o gigante com um misto de curiosi-
dade e medo.
Até então só haviam sido construídas duas
unidades do tipo Universo. A Titan era uma de-
las.
Por isso, em nenhum lugar o gigante da
classe Universo poderia despertar maior curiosi-
dade que no espaçoporto do segundo planeta
de Árcon.
Rhodan olhou para o relógio. As enormes
telas da galeria panorâmica mostravam o terre-
no tal qual era: estava atulhado de naves espaci-
ais de todos os tipos, comandos de robôs e pe-
sada aparelhagem de carga e descarga.
— O senhor se enganou, meu caro — disse
Rhodan, dirigindo-se a Crest. — O exame está
demorando mais que trinta minutos.
Nesse instante o rato-castor voltou de sua
terceira excursão. O ser dotado da capacidade
55
da teleportação materializou-se em plena sala
de comando. Quando o rato-castor, de mais ou
menos um metro de altura, subitamente apare-
ceu diante dele, o capitão Everson recuou, pro-
ferindo uma praga.
Gucky sorriu com seu enorme dente roedor.
Depois saltitou sobre as curtas patas traseiras
em direção ao painel principal.
— Então? — perguntou Rhodan laconica-
mente.
Com um gemido, Gucky subiu à poltrona
mais próxima. Suas orelhas redondas de rato
puseram-se de pé para ouvir o que os outros di-
ziam.
— As coisas vão mal, chefe. Ainda estão na-
quela clínica. Quatro arcônidas os examinam,
juntamente com alguns robôs. Ao que parece,
não têm a intenção de fazer-lhes mal. Apareci
por alguns segundos. Eles azularam.
Gucky soltou uma risada estridente. Na regi-
ão da nuca as cerdas macias de seu pêlo mar-
rom-avermelhado puseram-se de pé.
— Não quero que você use o vocabulário
baixo de Bell — resmungou Rhodan. — Azula-
ram... ora, onde já se ouviu uma coisa dessa!
— Pois bem, deram o fora a cento e vinte
por hora — chiou Gucky. — Foi uma brincadei-
rinha e tanto.
56
— Crest, faça o favor de dar um jeito nas
maneiras relaxadas deste oficial — ordenou
Rhodan.
— Tenente Guck — chiou o rato-castor em
tom de entusiasmo. — Sou eu. É assim que eu
gosto. Não quero que ninguém me chame de
Gucky quando estou em serviço.
Rhodan reprimiu um sorriso. Subitamente o
rato-castor estremeceu. Seus grandes olhos de
veludo enrijeceram.
— Thora está chegando — disse com a voz
monótona. — Sinto seus impulsos. Ainda está
doente.
Rhodan voltou a olhar para o relógio. Os
oito doentes ainda não haviam voltado. Fazia
uma hora que o comando de robôs viera buscá-
los.
A campainha do telecomunicador que funci-
onava à velocidade da luz deu um sinal. O coro-
nel Freyt, comandante do couraçado Ganymed,
apareceu na tela.
— Um veículo grande surgiu em nossas te-
las. Os doentes estão voltando. Além disso,
uma coisa gigantesca com braços e dedos para
segurar está se aproximando. Parece uma
máquina de carregar. Peço instruções.
— Aguarde. O cérebro entrará em contato
conosco. Pedi água e mantimentos. Temos ne-
57
cessidade absoluta de reforçar nossas provisões
antes do pouso. O senhor precisa de manti-
mentos para quinhentas pessoas. Pegue tudo
que possa conseguir. O cérebro prometeu ela-
borar uma lista de provisões. Aquela máquina
trabalha com uma precisão enorme; por isso
deverão carregar tudo de que uma grande tripu-
lação possa precisar.
Freyt contorceu os lábios. Uma expressão
de repugnância parecia brilhar em seus olhos.
— São alimentos sintéticos. Não é a minha
predileção.
— Outros povos, outros costumes. O senhor
não faz a menor idéia do que a química arcôni-
da consegue fabricar por meio de excelente fo-
tossíntese. Por que vamos percorrer o caminho
mais longo do animal de corte, se podemos
produzir diretamente uma carne melhor, mais
pura e obtida de maneira mais humana? Não
acredite que lhe oferecerão alimentos de aspec-
to repugnante. Os habitantes de Árcon sabem
viver, e eles se alimentam há milênios com os
produtos da fotossíntese artificial. Portanto,
abra as escotilhas de carga e ponha os robôs
para trabalhar.
Freyt pôs a mão no boné. A tela apagou-se.
Dali a dez minutos o comando robotizado de
escolta anunciou sua presença diante da com-
58
porta número 28. Thora, Bell e mais seis ho-
mens foram entregues sem o menor comentá-
rio.
Rhodan correu para baixo. Respirando pesa-
damente, inclinou-se sobre o rosto pálido e
emagrecido da jovem arcônida. Thora parecia
encantadora no seu desamparo, mas sua respi-
ração era tranqüila.
— Está mergulhada em sono profundo —
constatou o Professor Kärner. — Quer dizer
que o resultado do exame foi negativo. E ago-
ra?
Sem dizer uma palavra Rhodan colocou so-
bre os braços o corpo leve de Thora. Ainda
sem dizer uma palavra, a colocou sobre uma
confortável cama pneumática da clínica da
nave. Recebera um quarto individual. No recin-
to ao lado dormiam Anne Sloane, Ishy Matsu e
uma moça, Betty Toufry.
Constantemente havia médicos de plantão.
Se os mutantes bem dotados dessem curso às
suas forças, a nave poderia ser destruída.
— Faça o favor de cuidar de Thora — disse
Perry abatido e com a voz baixa.
A toxicóloga Tina Sarbowna lançou-lhe um
olhar perscrutador.
— O senhor bem que precisaria de algumas
horas de descanso — disse a mulher magra. —
59
Por que vai transformar-se num feixe de ner-
vos? Isso não ajudará ninguém.
— Tem razão. Dormirei um pouco — disse
Rhodan distraído.
Dali a cinco minutos, as máquinas de carre-
gamento também surgiram diante das compor-
tas inferiores da Titan. Uma atividade febril teve
início. Os gritos estridentes de Tifflor foram ou-
vidos em toda parte. Fora destacado para de-
sempenhar as funções de oficial intendente.
Grandes quantidades de alimentos de todos
os tipos foram colocadas a bordo. Seguiram-se
as peças de reposição, os medicamentos, os
trajes espaciais, os robôs de guerra, os veículos
de superfície e os blindados antigravitacionais.
A Titan foi recheada por máquinas incansáveis:
parecia até que teria de conquistar um império
estelar.
O carregamento dos suprimentos durou qua-
tro horas, segundo o relógio de bordo. Durante
esse tempo, o cérebro não entrou em contato
com a nave. Rhodan começou a inquietar-se.
A Ganymed anunciou que estava pronta
para decolar. Freyt ainda informou o seguinte:
— Colocaram a bordo mais de duzentos ob-
jetos medonhos. As instruções de uso também
nos foram entregues. Trata-se de blindados flu-
tuantes, que se deslocam sobre o campo ener-
60
gético, a pouco menos de um metro sobre a su-
perfície do solo. Estão equipados com canhões
de radiações. Ainda recebemos mil e quinhen-
tos robôs de guerra. São iguais aos que nos de-
ram tanto trabalho logo após a fuga. No mais,
estou preparado para a decolagem.
Rhodan respondeu:
— Estamo-nos transformando em verdadei-
ros aliados. Estou curioso para ver a conta final.
Aguarde instruções minhas. Espero receber al-
guma notícia daqui a pouco. Fim.
No momento em que Rhodan desligou, che-
gou o chamado do Regente robotizado. Na tela
especial do intercomunicador, surgiu o jogo de
cores que confundia a mente.
Pouco depois reconheceu-se a cúpula de aço
que abrigava a chave mestra do aparelho.
O autômato passou diretamente ao assunto.
— A cura dos doentes é impossível — disse
a voz retumbante vinda dos alto-falantes. —
Não conseguimos neutralizar a toxina. Os medi-
camentos de que dispomos falharam, pois não
se trata de danos causados por germes. Procure
colher novos dados em Moof. Decole imediata-
mente. As coordenadas do salto ainda lhe serão
fornecidas. O sol Moof fica a trinta e seis anos-
luz. Atenção para estes esclarecimentos:

61
“Ordenei a destruição do planeta por não
ter condições de submeter à minha vontade se-
res vivos dotados de capacidades supersensori-
ais. Os dados fornecidos pelo senhor modifica-
ram a situação. Pela presente concedo-lhe ple-
nos poderes para intervir nos acontecimentos
segundo seu arbítrio. Decolem e ordenem o re-
gresso do almirante Vetron, fazendo uso do po-
der de comando que ora lhe é concedido. O
ataque da frota já foi iniciado.”
— É uma loucura! — gemeu Rhodan no mi-
crofone.
— É uma ação razoável sob os pressupostos
anteriores. Mas face ao aparecimento do se-
nhor, perde sua finalidade. Mantenha-me infor-
mado sobre a situação. Exijo a rendição incon-
dicional dos moofs. Se esses seres estiverem em
contato com os aras, deixo a seu critério a deci-
são sobre as medidas que deverão ser tomadas.
Apresse-se. Fim.
— E os doentes? — gritou Rhodan.
— Devemos considerá-los perdidos.
— Rapaz! — exclamou Everson perplexo.
— Isso que é laconismo. Numa situação desta,
eu teria realizado umas vinte conferências. Eu...
— A programação está chegando — soou a
voz de Tiff nos alto-falantes.

62
Fora incumbido do controle do cérebro cen-
tral da nave.
Os dados sobre o salto foram chegando. Vi-
eram sob a forma de um impulso de apenas
oito segundos. Seguiu-se um breve chiado.
— Aí estão os dados sobre o planeta — dis-
se Rhodan em tom amargurado. — Receio que
um dia isso acabe com os meus nervos. Prepare
tudo para a decolagem, Everson. Suspender a
prontidão de combate.
O coronel Freyt voltou a chamar. Informou
que também acabara de receber os dados.
Dali a cinco minutos, o gigantesco espaço-
porto de Olp’Duor foi sacudido por ondas de
compressão que se deslocavam com a velocida-
de de um furacão. Apesar da distância, as gran-
des naves mercantes começaram a tremer na
ancoragem.
A Titan decolou prudentemente com a po-
tência mínima. Com uma lentidão enervante, o
colosso foi subindo ao céu. Todavia, a energia
que os propulsores tiveram que desprender foi
suficiente para criar um verdadeiro fim de mun-
do no espaçoporto.
Só numa altitude de cem quilômetros que as
máquinas do supercouraçado começaram a ru-
gir e este ganhou velocidade.

63
A Ganymed seguiu com diferença de um mi-
nuto, tempo standard. Também era um mons-
tro, mas perto da Titan parecia um duende.
Apesar disso, as armas da Ganymed bastariam
para impor boas maneiras a qualquer inimigo.
Os geradores antigravitacionais destinados à
neutralização da gravitação planetária deixaram
de funcionar. Em virtude disso, surgiu um cam-
po gravitacional de 0,9 g, o que praticamente
equivalia às condições reinantes na Terra.
As naves robotizadas de escolta voltaram a
aparecer, mas desta vez se mantiveram a uma
distância respeitosa.
Segundo os dados da transição transmitidos
pelo cérebro, o salto seria iniciado ainda no in-
terior do grande sistema de Árcon. Isso era um
sinal da importância que o robô atribuía à mis-
são. Em condições normais, qualquer coman-
dante pensaria duas vezes antes de provocar
um abalo estrutural em meio às confusas linhas
gravitacionais e energéticas que se cruzam no
interior de um sistema solar.
Daí a dez minutos, os gigantes espaciais
atingiram a velocidade da luz. A programação
do controle automático do salto na quinta di-
mensão estava concluída.
No momento em que os veículos espaciais
emergissem do hiperespaço que não conhecia
64
o tempo, e no qual vigoravam leis completa-
mente diversas, deveriam encontrar-se perto de
um sol amarelo de tamanho médio, que estava
registrado nos catálogos com o nome de Moof.
Rhodan fechou os olhos diante das incríveis
luzes errantes representadas pelos inúmeros
sóis concentrados num espaço extremamente
reduzido. O grupo estelar M-13 tinha cerca de
230 anos-luz de diâmetro e reunia cerca de
150 mil estrelas. Provavelmente o número de
estrelas era ainda superior.
Aquelas estrelas brilhavam e cintilavam
numa grandiosidade inconcebível. A faixa da
Via Láctea havia desaparecido. Por mais que a
vista se esforçasse, não encontraria nada que
pudesse lembrar as estrelas com que se familia-
rizara na Terra.
Cascatas de luz corriam pelas telas. Não ha-
via nenhum lugar em que a navegação galáctica
fosse mais difícil que em meio a esses grupos
concentrados. Uma visão clara do conjunto era
praticamente impossível. As estrelas geminadas
ou sobrepostas e outros tipos de constelações
não poderiam ser percebidas. Num lugar destes
uma transição representava praticamente um
salto às cegas para as maravilhas energéticas do
Universo.

65
Antes de expedir o impulso para o salto, for-
mando o campo de força destinado à elimina-
ção de qualquer influência energética proveni-
ente da quarta dimensão, Rhodan fez mais um
esforço para localizar a estrela a que se destina-
vam.
Seus olhos falharam lamentavelmente. Aqui-
lo que na Galáxia aberta seria apenas uma coisa
natural, aqui se transformava numa fantasia que
confundia os sentidos. Contra este fundo, o sol
Moof era totalmente imperceptível. A única coi-
sa que poderia resolver o problema era a com-
plicada hipermatemática da raça que habitava
um mundo situado no centro do grupo estelar
M-13.
Os couraçados desapareceram numa trêmu-
la luminosidade. Com sua penetração forçada e
mecânica no hiperespaço, as leis físicas do Uni-
verso normal deixaram de operar. Por outro
lado, porém, o fenômeno causava as perturba-
ções típicas na curvatura das dimensões conhe-
cidas.
O cérebro robotizado localizado em Árcon III
registrou o início do salto. Os rastreadores es-
truturais começaram a zumbir nas naves de es-
colta. Poucos segundos depois captaram os
abalos causados pela manobra de imersão. Em

66
poucos segundos, os dois couraçados venceram
uma distância de 36 anos-luz.
A tele direção das três naves robotizadas aci-
onou o dispositivo de frenagem. Não havia
mais nada a escoltar.

Sua Eminência, Vetron da família Tatstran,


Almirante do Grande Império, comandante da
frota de naves espaciais ZL-ARK-86, era um
dos raros jovens que ainda conservavam um
vestígio da energia que para os indivíduos da
época da expansão seria considerada normal.
Apesar disso, Vetron também demonstrava
certa inclinação pelo jogo do simulador e pelos
costumes relaxados que eram usuais tanto na
corte do Imperador como em outros lugares.
De resto, porém, era um homem de tempera
extraordinária para os padrões arcônidas; tinha
rosto anguloso e era dotado de inteligência pe-
netrante.
Vetron assumira os modos transparentes da
auto-recriminação pública. De algum tempo
para cá, os habitantes do mundo de cristal co-
meçaram a comprazer-se em moer as próprias
deficiências através de uma série de fórmulas

67
lingüísticas sofisticadas que exprimiam uma iro-
nia espirituosa.
A frota ZL-ARK-86 encontrava-se em órbi-
tas convergentes junto ao sexto planeta do sol
Moof.
Duzentas naves pequenas, médias e pesa-
das, se materializaram diante do sistema e, exe-
cutando o plano previamente traçado, avança-
ram sobre o alvo.
A estrela Moof possuía apenas sete plane-
tas. O sexto, habitado por monstros disformes
com aspecto de medusa, dotados de pronuncia-
da capacidade telepática e de capacidade de su-
gestão mental muito menos desenvolvida, era
um gigante avermelhado cuja atmosfera de me-
tano e amoníaco exercia uma tremenda pres-
são. Seu diâmetro era de 148 mil quilômetros,
e a gravitação superficial correspondia a 2,8 g.
Naquele mundo fazia muito frio. Oceanos gi-
gantescos formados exclusivamente por amoní-
aco cobriam a superfície. As pequenas eleva-
ções dificilmente poderiam ser designadas
como montanhas. A enorme gravitação não
poderia ter deixado de produzir seus efeitos.
Terríveis furacões bramiam no envoltório de ga-
ses venenosos, onde se desenvolviam reações
químicas que os humanos só conseguiriam pro-
vocar no interior dos laboratórios. Era o planeta
68
da química natural de alta pressão e da super-
refrigeração, também natural.
O ataque planejado tivera início há uma
hora, tempo standard. Para o robô insensível
de Árcon III, esse mundo, que de qualquer ma-
neira não poderia ser utilizado por criaturas hu-
manas, apenas representava um dado em seus
cálculos.
Os moofs que viviam ali eram seres que res-
piravam o metano e o amoníaco e eram dota-
dos de órgãos compensadores de pressões ele-
vadas. Seu metabolismo se desenvolvia por um
processo completamente estranho. De qualquer
forma, não teriam a menor serventia para o Im-
pério. Em virtude de suas faculdades parapsico-
lógicas, aqueles seres eram imunes à sujeição
nos termos de um colonialismo há muito ultra-
passado. Em compensação, haviam realizado
uma intervenção extremamente perigosa na po-
lítica do império estelar.
Esses motivos eram mais que suficientes
para levar o robô a ordenar a destruição desse
mundo. Era um raciocínio duro e cruel, injusto
e desumano. Acontece que o Regente robotiza-
do não era um ser humano.
O ataque já se desenvolvia há mais de uma
hora. As unidades menores avançaram até as

69
camadas superiores da atmosfera. Dali abriram
fogo com seus canhões de impulsos.
Os feixes energéticos, que emitiam uma cla-
ridade solar, rugiram através dos gases forte-
mente comprimidos antes de atingirem o solo
em leque, produzindo mares borbulhantes.
O almirante Vetron não tinha pressa. Era
sua primeira missão, e não pretendia concluí-la
antes da hora por meio da utilização de armas
de elevada potência.
Por enquanto Vetron pretendia realizar uma
manobra com armas energéticas convencionais.
Com isso, teria oportunidade de testar a capaci-
dade de reação dos comandantes das unidades
e dos grupos.
Por cima da densa atmosfera venenosa de
Moof VI, pendia a destruição sob a forma de
naves espaciais esféricas, entre as quais havia
três unidades da classe Império, com oitocentos
metros de diâmetro. A tripulação organicamen-
te viva de Vetron era formada por membros do
povo colonial de Naat, que haviam concluído o
treinamento hipnótico para o combate. Era
uma raça de criaturas ciclópicas com três olhos.
Três minutos atrás ocorrera o tremendo aba-
lo estrutural. Numa distância perigosamente pe-
quena, as duas naves gigantes emergiram do hi-

70
perespaço, e aproximaram-se vertiginosamente
do grupo que circulava em torno do planeta.
Antes que Vetron pudesse recuperar-se da
surpresa, o rosto estreito e anguloso de um es-
tranho surgiu nas telas da nave capitania.
Os olhos cor de gelo encimados por uma
testa alta não agradaram a Vetron. O desco-
nhecido falava um arcônida impecável, sem o
menor sotaque.
— O senhor compreendeu perfeitamente;
isto é uma ordem — soou a voz áspera e fria
vinda dos alto-falantes do couraçado.
Uma ruga vertical surgira entre as sobrance-
lhas do desconhecido.
— Suspender o fogo, afastar-se, entrar em
forma e dar o fora. Entendido?
— Eu o destruirei, seu bárbaro — gritou Ve-
tron. — Eu...
O almirante calou-se. O imenso furacão de
fogo que se desprendeu da face visível do su-
percouraçado fez com que perdesse a fala.
Fluxos energéticos que progrediam à veloci-
dade da luz, quentes como um sol e com a
grossura de uma torre de tele direção, caíram
ruidosamente nos campos defensivos de um dos
pequenos cruzadores robotizados da frota de
Vetron.

71
A nave esférica de cem metros de diâmetro
desmanchou-se num inferno branco de energia
atômica liberada. O que ficou para trás foi uma
bola de gases turbilhonantes, diante da qual as
outras naves recuaram apavoradas.
— Isto foi apenas uma advertência, Vetron
— voltou a falar o desconhecido. — Retire-se
imediatamente. Recebi plenos poderes para
suspender o ataque. Desapareça com sua frota.
Dali a dez segundos, Vetron recebeu a con-
firmação do cérebro robotizado. Só agora o au-
tômato entrara em contato com ele.
O arcônida deu ordem de retirada; deu-se
por vencido.
Duzentas unidades aceleraram e saíram das
órbitas tão cuidadosamente calculadas. Vetron
achou que seria indigno da sua posição voltar a
entrar em contato com o desconhecido que sur-
gira tão inopinadamente.
Os oficiais dos dois couraçados terranos se-
guiram o grupo com os olhos, sem dizerem
uma palavra. Os numerosos pontinhos transfor-
maram-se num único eco do rastreador. O almi-
rante Vetron seguiu estritamente as instruções
que acabara de receber. Em poucos minutos,
mergulhou no nada.
Rhodan pigarreou com a mão diante da
boca.
72
— Respeito não lhe falta — disse, esticando
as palavras. — Tem até respeito demais por
uma simples máquina. Há algo de podre no rei-
no dos arcônidas.
O capitão Brian, que se encontrava na sala
de rádio, fez um sinal. Ao que parecia, tudo es-
tava em ordem. O pequeno sistema do sol
Moof parecia deserto, como se nunca uma frota
poderosa se tivesse abrigado em meio às suas
órbitas planetárias.
Apenas a superfície do sexto planeta, que
emitia um brilho avermelhado, continuava a
borbulhar. As bombas normais atiradas sobre o
planeta, que traziam simples cargas explosivas
de material de fusão e nunca desenvolveriam
uma potência superior a 50 megatons, estoura-
ram sem produzir o menor resultado. As forças
gravitacionais muito intensas já haviam trazido
de volta as massas de matéria atiradas para o
alto. Os cogumelos de reação atômica espontâ-
nea tiveram um desempenho bastante reduzido
naquela atmosfera tremendamente comprimida.
O que ficou foram apenas crateras vitrifica-
das, cujo calor era irradiado com uma rapidez
incrível. As armas energéticas das naves empe-
nhadas no ataque haviam queimado enormes
grotas na superfície. Os rastreadores de ele-
mentos registraram as densas nuvens de amoní-
73
aco que subiam dos lagos atingidos pelos raios
energéticos.
— É um verdadeiro inferno! — disse
Everson, engolindo em seco. Com o cora-
ção pesado, contemplou as grandes telas de vi-
são global do supercouraçado.
Fazia oito minutos que os propulsores da
nave desenvolviam toda a potência de frena-
gem.
Após cinco minutos, o cérebro positrônico
fez a nave entrar na órbita previamente calcula-
da. A Ganymed seguiu-a numa distância de
apenas 2 mil quilômetros. As últimas correções
de rota foram efetuadas, antes que as naves
passassem a deslocar-se em queda livre.
Os ruidosos reatores instalados na protube-
rância externa da Titan calaram-se. Um silêncio
profundo passou a reinar a bordo da maior das
naves que jamais cruzara a Galáxia.
O olhar de Rhodan caiu sobre os dois seres
dotados de capacidades supersensoriais. Eram
os únicos membros do chamado exército de
mutantes que não foram vitimados pela doença.
Apoiado sobre o grosso traseiro, Gucky
mantinha-se imóvel, fitando as telas. O rosto es-
perto do rato-castor estava alterado. Em seus
grandes olhos castanhos havia uma expressão
de nervosismo contido.
74
Wuriu Sengu, um homem de corpo volumo-
so e maneiras um tanto rudes, apalpava instinti-
vamente o grande cinto com as armas. Olhou
pelas janelas eletrônicas da nave e teve a im-
pressão de contemplar a imensidão vazia.
Os diversos postos transmitiram o aviso de
que estavam preparados para entrar em ação.
Os doentes continuavam calmos. A sonoterapia
parecia ser o único tratamento adequado.
Meia hora depois da manobra de adaptação
de órbita, teve início a conferência sobre a ação
a ser empreendida. Participaram os cientistas e
oficiais mais importantes dos dois couraçados.
Rhodan explicou tranqüilamente o plano
que havia concebido. Depois da retirada da fro-
ta arcônida semi-automatizada não precisavam
ter pressa. Ainda mais que tinham certeza abso-
luta que, dali em diante, ninguém mais chegaria
ao gigantesco planeta ou dele sairia sem ser vis-
to.
Os veteranos das pesadas lutas travadas em
Honur estavam agora reunidos. Apenas os ele-
mentos mais antigos e capazes, ausentes; eram
os que tinham acumulado maior cabedal de ex-
periência e aqueles dotados de capacidades pa-
rapsicológicas.
— Ninguém poderá deixar de reconhecer a
dificuldade do empreendimento — disse Rho-
75
dan, concluindo a conferência. — Freyt mante-
rá a Ganymed em órbita. Preciso ficar com as
costas livres.
O coronel, um homem alto, acenou com a
cabeça sem dizer uma palavra.
O vulto gigantesco do Dr. Hayward surgiu
nos fundos da sala. Estivera trabalhando no
grande laboratório da nave. Todas as cabeças
se viraram. Fora ele que conseguira isolar o ve-
neno desconhecido. Mas nem por isso descobri-
ra um antídoto que neutralizasse seus efeitos.
— Nada! — disse Hayward, respondendo à
pergunta que não chegara a ser formulada. —
O conceito de argono-hexilamina já representa
uma impossibilidade. Mas sei perfeitamente que
os centros nervosos mais sensíveis dos doentes
não agüentarão mais por muito tempo. O líqui-
do raquidiano, que produz o sangue, também é
atacado pela argonina. Os espectros sangüí-
neos são péssimos. Além da hipereuforia, den-
tro de quinze ou vinte dias, no máximo, se ma-
nifestará uma forma estranha de leucemia.
Acredito que o soro de Haggard será ineficaz
contra a mesma.
Hayward sentou na borda de uma mesa. Um
silêncio profundo encheu o salão.

76
— Que informação tranqüilizante! — disse
Rhodan numa amarga ironia. — Deve haver
um meio de absorver a toxina.
— O meio existe — respondeu Tina Sar-
bowna. — Acontece que não o conhecemos.
Para descobri-lo teríamos que desenvolver um
trabalho de pesquisa de três ou quatro anos.
Rhodan virou-se num gesto de resignação.
Seria inútil prosseguir na discussão.
Passou a outro assunto:
— Sem mentiras, diga aos homens que tere-
mos que agir contra seres dotados de capacida-
des parapsicológicas. A raça dos moofs nunca
será capaz de produzir um simples parafuso,
quanto mais uma nave espacial. A inteligência
de que são dotados não altera nada nessa situa-
ção. Esses seres vivem no oceano atmosférico
de um mundo supercomprimido. O meio natu-
ral de comunicação entre eles é a telepatia.
Além disso, são dotados de forças sugestivas,
que o homem só pode considerar bastante fra-
cas. Mas já vimos que a união mental de vários
moofs basta para eliminar a vontade de um ho-
mem de mente sadia. Por isso deverão ser da-
das instruções gerais para que os homens só
saiam das naves em grupos de cinco ou mais.
Se forem notadas influências sugestivas em al-
guma pessoa, seus companheiros tomarão ime-
77
diatamente as providências que se fizerem ne-
cessárias. De qualquer maneira, ordenem aos
homens que disparem. Não se esqueçam de
que nos defrontamos com uma raça inumana e,
mais do que isso, diabólica. Lembrem-se dos
efeitos desastrosos da ação que os moofs de-
senvolveram nas lutas mais recentes. Não espe-
rem um segundo além do necessário.
— O senhor se esquece do ponto mais ele-
mentar — interveio o Dr. Certch.
— Em sua opinião, qual é o ponto mais ele-
mentar? — perguntou Rhodan.
— Este ponto elementar situa-se em dois
planos distintos. Ao que parece, um matemáti-
co raciocina de forma diferente. Em primeiro
lugar teremos de encontrar esses monstros an-
tes de fazer qualquer coisa contra eles. Depois
que os tivermos descoberto, ainda resta saber
se conhecem alguma coisa sobre os médicos
galácticos, que afinal de contas são os respon-
sáveis pela intoxicação. Sugiro que não atribua
uma importância exagerada às capacidades pa-
rapsicológicas dos moofs. Serão inimigos impla-
cáveis, até mesmo desumanos. Votarão um
ódio instintivo a tudo aquilo que não se enqua-
dra em seu esquema de vida. É um fenômeno
compreensível. Recomendo-lhes que se interes-

78
sem desde logo pelos aras. São os únicos que
podem curar nossos doentes.
— O caminho para os aras passa pelos mo-
ofs — exclamou Gucky em tom nervoso e estri-
dente. Seus braços curtos executaram uma ges-
ticulação intensa. — O único caminho passa
pelos moofs. Eu os conheço. Posso enfrentar
uma centena deles.
— Acontece que serão milhões — disse o
Dr. Certch, insistindo em sua opinião. — Dei-
xem-nos de lado. A interpretação dos dados dis-
poníveis permite a conclusão segura de que
neste mundo existe uma base dos aras. São eles
que puxam os cordões.
Rhodan fez um gesto de recusa. Os fatos
eram conhecidos e já haviam sido considerados.
Não pensava em subjugar os monstros em for-
ma de medusa pela forma que o cérebro roboti-
zado desejava. Não tinha o menor interesse na
política colonialista do Império.
No entanto, tinha a impressão de que o ca-
minho para a base dos médicos galácticos, que
provavelmente existiria naquele planeta, só po-
deria passar pelas criaturas inumanas.
Rhodan declarou encerrada a reunião.
O coronel entrou em sua nave de ligação e
retornou à Ganymed. A bordo da gigantesca Ti-

79
tan começou o trabalho febril dos preparativos
para a luta.
Os comandos de robôs foram programados.
Os blindados flutuantes saídos das fábricas do
segundo planeta de Árcon foram preparados
para entrar em ação. Substituiriam os velhos
Câmbios, pois eram veículos potentes que ofe-
reciam possibilidades muito mais amplas. Seus
motores não teriam a menor dificuldade em
vencer a gravitação de 2,8G, e seu armamento
seria suficiente para dizimar um exército terra-
no.
Setecentos homens altamente especializa-
dos, inclusive aqueles que não sairiam da nave,
receberam trajes protetores arcônidas. As equi-
pes de salvamento, abrigadas em blindados es-
paciais de alta pressão, estavam de prontidão
com os aparelhos de vôo antigravitacional.
Oito horas depois da chegada ao sistema de
Moof, uma luminosidade ofuscante saiu dos bo-
cais de correção de rota do supercouraçado.
Descendo rapidamente, seguiu a tração cada
vez mais perceptível da gravitação. Os projeto-
res dos campos defensivos rugiram. A Titan pe-
netrou nas camadas superiores da atmosfera
impregnada de gases tóxicos que causariam a
morte instantânea de qualquer homem.

80
Ainda havia a pressão extremamente eleva-
da reinante no fundo desse oceano feito de ga-
ses supercondensados. Era um planeta infernal;
era tão grande, formidável e estranho, porém
jamais poderia servir de base a uma raça de se-
res que respirassem oxigênio.
Nessas circunstâncias, quase chegava a ser
compreensível que o cérebro robotizado tivesse
ordenado a destruição total de Moof VI; mas
apenas quase.
Ali viviam seres cujo aspecto terrificante não
poderia ocultar o fato de que o Criador lhes
dera um espírito e uma inteligência.
Um comandante do tipo de Perry Rhodan
fatalmente sentiria escrúpulos de consciência
toda vez que pousasse num mundo como este.
As características inumanas e totalmente estra-
nhas do inimigo dominariam a inteligência, que
numa lógica infalível chegaria à conclusão de
que o espírito não deveria entreter qualquer
tipo de sensibilidade humana.
Muito preocupado, Rhodan percebeu que o
problema seria praticamente insolúvel. Muitas
vezes tivera oportunidade de notar que as ar-
mas puramente espirituais são invencíveis. Os
mutantes, que representavam os pólos opostos
das qualidades parapsicológicas dos moofs, es-
tavam quase todos inutilizados. Pela primeira
81
vez na história da Terceira Potência, o homem
se via quase indefeso diante de seres dotados de
capacidades supersensoriais. E esses seres já
haviam provado no planeta Zalit que sabem ser
por demais cruéis e que seu pensamento é
completamente diferente do raciocínio huma-
no.
Rhodan ainda se viu obrigado a eliminar a
palavra crueldade desse contexto. Uma qualida-
de puramente natural não poderia ser identifica-
da por uma palavra do vocabulário humano.
Gucky, o único ser sadio dotado de elevadas
capacidades telepáticas, escutava com os olhos
fechados. Os moofs conseguiram desenvolver
certa inteligência, mas os dados relativos a essa
raça levavam à conclusão de que dificilmente se
poderia contar com a presença de construções
ou outros produtos da tecnologia desenvolvida.
Esses indivíduos nunca foram capazes de cri-
ar os objetos mais simples, pois não dispunham
dos requisitos orgânicos para isso. A mão hu-
mana, que é o instrumento mais belo e eficiente
criado pela natureza, nunca foi concedida aos
moofs.
Diante da tela de proa da Titan, que se des-
locava em alta velocidade, aglomeravam-se
massas de gases incandescentes. Da simples

82
compressão da atmosfera até a condensação
molecular, o caminho era curto.
Os neutralizadores gravitacionais automáti-
cos eliminaram a força da gravidade que atingia
a Titan. Os propulsores, que desenvolviam a
potência zero, apenas sustentavam e moviam o
corpo da nave. Um único dos dezoito propulso-
res, trabalhando com a potência mínima, basta-
va para vencer a resistência da atmosfera.
— Localização pelo eco negativa — anunci-
ou o capitão Brian na sala de rádio. — Nenhu-
ma localização goniométrica. Nenhum tráfego
de rádio. Absolutamente nada. Rastreador de
pistas também negativo. Existem apenas subs-
tâncias naturais; nada de produtos ou ligas arti-
ficiais.
O rosto de Rhodan permaneceu impassível.
Sem dizer uma palavra, contemplou as enor-
mes telas panorâmicas.
Naquele momento, o supercouraçado atra-
vessava uma tempestade cuja turbulência era
pavorosa. Tudo indicava que nas camadas at-
mosféricas superiores de Moof VI havia forças
diabólicas que lutaram contra os princípios de
vida que aos poucos se desenvolveram no fundo
do oceano de gases.
— Setor P três percorrido, passar ao setor P
quatro — rangeu a voz metálica do autômato.
83
A Titan passou a descrever outro círculo em
torno do planeta, desta vez mais próxima da
zona equatorial. Os mapas em relevo da super-
fície visível foram registrados através do proces-
so de rastreamento eletrônico e infravermelho,
que fora adequadamente programado e, sob a
forma de milhões de impulsos, transmitia os da-
dos a um ejetor de massa plástica. Grandes fitas
de plástico saíam do cartógrafo automático de
grande precisão. A configuração tridimensional
dos resultados admitia uma tolerância de mais
ou menos 1 milésimo por cento.
Depois de doze voltas em torno do planeta,
o mapa do hemisfério norte estava concluído.
Após dez minutos, surgiram os primeiros impul-
sos. E isso aconteceu de forma tão repentina e
surpreendente, que o rato-castor se encolheu.
— Então... — soou a voz estridente de
Gucky.
Seus grandes olhos tremeluziam.
Rhodan foi até o ser peludo, que parecia
perturbado. As pequenas patas rosadas agarra-
ram seu braço.
— O que houve? — perguntou Wuriu Sen-
gu, o espia, em tom nervoso. Muito tenso, incli-
nou-se sobre o rato-castor que tremia por todo
corpo.

84
— Fale, pequenino — cochichou Rhodan
em tom insistente. — O que houve?
Mais adiante, a figura de Everson transfor-
mou-se num objeto rodopiante. Seus dedos cor-
reram pelas chaves do piloto automático. Hou-
ve um rugido surdo nos dois propulsores anteri-
ores da protuberância, seguido do ribombar vin-
do dos pavilhões do neutralizador de pressão.
Numa fração de segundo, a Titan neutrali-
zou a velocidade elevada com que se deslocava.
O eco do rumorejar vindo das salas de máquina
chegou à de comando. Feixes filigramáticos de
raios corpusculares extremamente condensados
sustinham a nave. Os estabilizadores giroscópi-
cos zumbiam.
Os homens do posto central de controle de
fogo viraram-se ligeiros, antes que seus olhos
caíssem sobre a pequena tela da mira automáti-
ca.
Não se via nada. Não apareceu qualquer ob-
jeto que pudesse perturbá-los, quanto mais
ameaçá-los.
O major Chaney, comandante do grupo de
desembarque, praguejou. Num momento como
este, até Rhodan caía numa certa perplexidade.
Pela primeira vez, seu treinamento telepáti-
co teve aplicação prática. Levantou toda e qual-
quer barreira mental. Os setores ociosos do cé-
85
rebro transformaram-se em rastreadores ultra-
sensíveis, que se submeteriam a qualquer impul-
so que quisesse atingi-los.
Gucky devia ter sentido os impulsos com
uma intensidade muito maior. A Titan manti-
nha-se imóvel em meio à atmosfera turbulenta.
Os impulsos foram ficando cada vez mais for-
tes, até que Rhodan conseguiu extrair um senti-
do definido dos mesmos.
Alguém estava chamando. Possuído de
grande angústia e de enorme preocupação,
chamava com tamanha insistência, força e con-
centração que o rato-castor começou a chora-
mingar.
— Não pousem. Fiquem onde estão. Não
pousem. Perigo. Não pousem. Eles os esperam.
Voltem para o lugar de onde vieram. Não pou-
sem. Perigo.
Rhodan murmurou baixinho. O Dr. Certch
agachou-se diante do comandante, que manti-
nha o corpo encurvado. Era uma situação irreal
e enervante.
As mensagens transmitidas por desconheci-
dos eram sempre as mesmas. De repente os
impulsos se tornaram tão intensos que Rhodan
se apressou em bloqueá-los por meio da vonta-
de. Martirizado pela dor de cabeça, ergueu o
corpo.
86
Foi só então que ouviu os gritos agudos.
Gucky contorcia-se de dor.
— Depressa, Hayward! — berrou alguém a
plenos pulmões.
O médico já estava ali. Sob o chiado da se-
ringa pressurizada os tecidos do corpo de
Gucky absorveram o narcótico. Em menos de
um minuto, o ser peludo tranqüilizou-se e ficou
deitado no assento do piloto.
O rosto de Rhodan estava desfigurado pela
dor. Seus olhos mortiços fitaram as mãos de
Hayward.
— Deixe — soou a voz áspera de Rhodan.
— Não quero narcótico; agüento sem ele. Cha-
me Kärner; depressa. Os telepatas do exército
de mutantes devem ser submetidos a uma vigi-
lância mais rigorosa, caso despertarem.
Interrompeu-se para enterrar o rosto nas
mãos. O silêncio passou a reinar na gigantesca
sala de comando do supercouraçado. Só os ho-
mens dos postos de combate trocavam informa-
ções aos cochichos. Mas não havia nada que
pudesse ser atacado.
— É isso! — disse o Dr. Certch. — Um ata-
que mental. Como se tudo isso não bastasse,
ainda fazem de conta que lá embaixo só temos
bons amigos. Será que isso é uma advertência?

87
— Parecia verdadeira. O senhor não poderia
ouvir.
— É tão legítima como meu velho relógio
niquelado — disse Certch. — Suponhamos que
a advertência é sincera. Quem poderia tê-la
emitido?
— Certch, um amigo de verdade não trans-
mitiria sua mensagem parapsicológica com uma
força mental tão brutal que fizesse um bom re-
ceptor como Gucky sucumbir sob a mesma.
Um telepata imbuído de boa vontade logo per-
cebe quando o receptor está sobrecarregado.
Por que não pararam quando o rato-castor co-
meçou a choramingar?
— Talvez seu argumento seja convincente,
Rhodan. Acredita seriamente que além dos
monstros existem outros seres dotados de capa-
cidades telepáticas? Em caso afirmativo, que
motivo teriam para nos prevenir? Se esses des-
conhecidos são inimigos encarniçados dos mo-
ofs, a advertência seria perfeitamente explicá-
vel. Mas nesse caso ainda teríamos de explicar
como esses seres adquiriram conhecimentos as-
tronáuticos. Eles disseram que não devemos
pousar, não é verdade? Fixemos o conceito de
pousar. Será que um ser que respira uma mistu-
ra de metano e amoníaco e não desenvolveu
qualquer tecnologia tem algum conhecimento
88
sobre o pouso de uma nave espacial? Não seria
de esperar que não tivessem a menor idéia dis-
so? Quem poderia ter emitido a mensagem te-
lepática? Seria realmente um amigo desconhe-
cido?
— Qual é a conclusão? — perguntou Rho-
dan.
— É claro que só pode ser um truque. Al-
guém está com medo. A decisão só pode ser
uma. Pouse e aperte seus botões antes que a
outra parte tenha tempo para agir.
Alguns segundos depois, as teclas de progra-
mação do pequeno cérebro eletrônico começa-
ram a bater. Ao que parecia, o psicólogo de ro-
bôs também tinha algum conhecimento de psi-
cologia natural. Era bem possível que os atos de
um ser inumano fossem quase idênticos aos do
homem.
— O Dr. Certch está com a razão. Só pode
ser um truque miserável. — Rhodan comparti-
lhava a opinião do doutor.
Depois ordenou:
— Everson, prepare todas as peças para dis-
parar. O comando de Chaney deve preparar-se
para deixar a nave. Brian, informe a Ganymed.
O levantamento cartográfico do hemisfério sul
deverá ser realizado a partir do espaço. Freyt
poderá enviar sondas teleguiadas para a atmos-
89
fera. Deverão ser ligados apenas para o rastrea-
mento de matéria classe A. Quero saber se
existe alguma coisa que não seja obra da natu-
reza. Ainda há um detalhe, Dr. Certch.
Desta vez um sorriso mordaz surgiu no rosto
de Rhodan. O Dr. Certch empurrou o gigantes-
co par de óculos para cima do nariz. O dedo es-
tendido permaneceu imóvel no ar.
— O senhor se esqueceu de que estamos
procurando os aras. É possível que a mensa-
gem venha deles. Será que o senhor tem algu-
ma prova de que esses seres não possuem dons
telepáticos?
Certch soltou um assobio agudo e desafina-
do. Seus olhinhos claros começaram a piscar.
Nesse momento, foi iniciada a manobra de
pouso da Titan.
O monstro de aço abriu caminho pela at-
mosfera cada vez mais densa. Bem mais embai-
xo outros monstros estavam à espera. Não
eram tão grandes, mas em compensação eram
fortes. E eram muitos.
Sob o sopro incandescente dos propulsores,
uma montanha de sais de amoníaco evaporou-
se. Uma tempestade furiosa sacudia as torres de
armamento da nave.
Discos de apoio de tamanhos assustadores
afundaram no solo macio. A escuridão desceu
90
sobre o supercouraçado. O sol Moof estava re-
duzido a um disco pálido atrás das nuvens.
Os sais e as poças de amoníaco líquido sub-
metidas à alteração de temperatura e à pressão
reagiram de forma surpreendente. Os vestígios
de azoto e de hidrogênio pareciam ver na Titan
uma espécie de catalisador. Sob a ação do calor
tremendo desprendido pelos propulsores e da
pressão atmosférica, também entraram em rea-
ção. Eram processos químicos que dificilmente
poderiam ser reproduzidos num laboratório.
A abóbada energética que se desprendeu da
Titan causou um tremendo furacão naquela at-
mosfera venenosa. Até parecia que tinham pou-
sado num submundo. O espaço livre parecia fi-
car a uma distância infinita. As mensagens de
rádio transmitidas por Freyt sofreram fortes in-
terferências.
Chegaram, mas ainda não sabiam por que
haviam pisado no primeiro degrau da escada
que dá para o inferno.
Setecentos homens contemplaram-se com
uma expressão mais ou menos tranqüila. Os en-
genheiros das centrais energéticas agradeciam
aos céus por não terem que sair para aquela
fábrica de venenos pressurizados.
Os homens do comando de desembarque
examinavam incessantemente os microgerado-
91
res de seus trajes arcônidas, que funcionavam
impecavelmente. Os cientistas refletiram sobre
o destino que teria um homem cujos campos
defensivos entrassem em colapso. Na verdade,
não havia necessidade de refletir sobre isso. Sa-
biam perfeitamente quais seriam os efeitos da
pressão, da gravidade e dos gases venenosos.
Para conservar a mobilidade, os homens ti-
veram de abster-se de revestir os trajes arcôni-
das com a blindagem pesada e desajeitada desti-
nada à execução de tarefas especiais. De resto,
essas armaduras disformes apenas poderiam
oferecer defesa contra os gases venenosos e a
pressão. Não ofereceriam a menor proteção
contra uma gravitação de 2,8G.
— Bem que eu preferia uma noite de prima-
vera na província mexicana de Sonora — disse
uma voz monótona.
Após isso só se ouviu o rugido do furacão.
Os instrumentos mediram sua velocidade. Che-
gava a 480 km/h.

— Como é que eles se comportam? — per-


guntou Crest.
Eles eram os monstros que apareceram logo
após o pouso da nave. Aos milhares, provavel-
92
mente mesmo às dezenas de milhares, rodea-
vam o supercouraçado a uma distância respei-
tosa.
Eram bem maiores que os seres de que se
guardava lembrança. Sua altura era de cerca de
2,5 metros e sua largura passava de 1,5 me-
tros. Descansavam no solo como medusas em
forma de sino. Na parte de cima, onde se supu-
nha que seria a extremidade do corpo espumo-
so e incolor, várias cabeças redondas com olhos
salientes saíam. A incrível elasticidade do corpo
absorvia as rajadas inesperadas do furacão atra-
vés de pronunciadas deformações e achatamen-
tos.
A natureza os fizera de forma tal que sempre
voltavam a face longitudinal às tormentas, pou-
co importando a posição em que se firmavam
ao solo.
Parecia que estavam apenas agachados.
Apesar disso, observaram-se movimentos extre-
mamente rápidos e ágeis. Da extremidade infe-
rior do corpo, saíam inúmeros apêndices desti-
nados à locomoção. Ao que tudo indicava, os
moofs não possuíam órgãos preênseis naturais.
Ao menos não haviam notado a presença deles.
Logo após o pouso Gucky despertou do
sono provocado pelo narcótico. Agachado dian-

93
te das telas, o rato-castor escutava os impulsos
mentais dos inumanos.
Eram telepatas naturais; mais uma vez
Gucky registrou o fato. A fala normal e huma-
nóide não seria possível em meio a esse inferno
de ruídos provocados pelos furacões incessan-
tes. A natureza encontrara uma solução brilhan-
te.
Fazia dez minutos que todos os tripulantes
usavam o traje protetor arcônida, embora Rho-
dan ainda não tivesse dado ordem para deixar a
nave. Esperava alguma coisa que lhe parecia
evidente.
Quando alguém entrava na sala de coman-
do, nunca vinha só. Depois do ataque telepático
Rhodan aumentara os membros de cada grupo
para um mínimo de dez. Todos tinham que ob-
servar todos, para verificar se procediam nor-
malmente.
A Titan estava pousada sobre as pernas de
aterrissagem da grossura de uma torre, em
meio a uma grande planície cortada por pro-
fundas depressões. Bem ao longe, uma cadeia
de montanhas baixas subia ao céu nublado.
Cristais de amoníaco tangidos pela tempestade
batiam ininterruptamente contra o campo de-
fensivo da nave. Parecia que um desconhecido

94
estava promovendo um enorme fogo de artifí-
cio.
Do lado de onde vinha o vento, as luzes e os
relampejos se sucediam sem cessar. Os cristais
se desmanchavam em incandescência, produ-
zindo vapores tóxicos.
— Por que não atacam? Por que será? —
perguntou Rhodan, concentrado.
Lançou um olhar para os oficiais da nave-
gigante.
Everson estava sentado diante dos controles
de amplificação do localizador infravermelho.
Os corpos dos moofs desenvolviam um excelen-
te eco térmico. Embora em meio a esse frio, se
parecessem com geladeiras vivas. A localização
infravermelha era melhor que a observação pu-
ramente ótica, que era turvada constantemente
pelas nuvens de matéria pulverizada.
— Deve ser por uma questão de tática —
disse Everson em tom nervoso. — Devem levar
algum tempo para reunir um número suficiente
desses seres. Afinal, não têm aviões.
— Se tivessem, os mesmos não passariam
nada bem com esses furacões — disse Tanner.
Estava sentado ao lado de Julian Tifflor, diante
do painel de controle de fogo do supercouraça-
do.

95
— Quando receberemos ordem para dispa-
rar? — perguntou.
Rhodan virou-se abruptamente.
— Aqui só se atira quando nos encontramos
numa situação inequívoca de legítima defesa —
exclamou. — Que diabo! Quantas vezes ainda
terei de repetir? A instrução astronáutica que
lhes foi ministrada não prevê a matança de inte-
ligências estranhas sem qualquer motivo. Imagi-
nem a hipótese de que chegamos como hóspe-
des não convidados. Por enquanto o direito está
do lado dos outros.
— Só o direito moral — interveio Crest. —
Como é que o senhor pretende conquistar um
império, meu caro? Acredita que foi assim que
meus antepassados fundaram o império estelar?
— Isso é problema deles — objetou Rhodan.
— Acontece que sou um homem do planeta
Terra. Quero deixar bem claro uma coisa.
Quem atirar sem motivo, enfrentará dentro de
dez minutos um tribunal de bordo dirigido por
mim.
O biólogo Janus van Orgter formulou uma
objeção:
— E uma forma de vida, mas não é uma
vida humana.
— De qualquer maneira é uma forma de
vida inteligente! — ponderou Rhodan em tom
96
áspero. — Só no momento em que, apesar de
sua inteligência, essa vida se deixar levar a um
ataque sério contra nós, terei uma justificativa
perante meus semelhantes e perante minha
consciência para retribuir o golpe em legítima
defesa. Uma verdadeira inteligência não deve
ignorar que um comportamento extraordinário
pode trazer conseqüências extraordinárias. Por-
tanto, terão que aguardar. Major Chaney!
O comandante das tropas de desembarque
respondeu pelo telecomunicador. Ao lado dele,
os homens do comando, armados até os den-
tes, comprimiam-se na comporta inferior da Ti-
tan.
— Chaney, se daqui a exatamente quinze
minutos não tiver acontecido nada, o senhor
avançará numa ação relâmpago. Leve os tan-
ques planadores e utilize os raios de tração.
Capture ao menos dez desses enormes moofs.
Não haverá mais nada a fazer. Só eles nos po-
derão contar onde fica a base dos aras. Quinze
minutos. O tempo está correndo.
Chaney confirmou laconicamente. Os micro-
geradores começaram a zumbir nas mochilas
dos trajes arcônidas. Um ligeiro controle confir-
mou o perfeito funcionamento desses reatores
de campo.

97
Da enorme gravitação, que era quase exata-
mente de 2,8 G, teriam de ser neutralizados
1.3 G, para que se mantivesse inalterada a gra-
vitação terrana de 1 G.
Dali resultaria uma redução considerável das
reservas energéticas, que teriam de ser retiradas
do campo de força destinado à neutralização da
pressão atmosférica extremamente elevada. To-
davia, o desempenho dos reatores bastaria para
manter tanto o neutralizador antigravitacional
como os projetores de campo defensivo abaixo
do limite máximo.
Mas, se houvesse fogo concentrado contra
os campos defensivos, o dispositivo automático
de segurança desviaria toda a energia disponível
para os mesmos. Nesse caso seria bem possível
que a pessoa ficasse repentinamente exposta à
força plena da gravitação natural.
A idéia de ficar atirado ao solo, imóvel, com
o peso do corpo quase triplicado, causava um
sofrimento quase físico.
Chaney olhou para o relógio. Cinco minutos
já se haviam passado. Os moofs ainda não se
lançaram ao ataque, embora o infalível rastrea-
dor automático registrasse milhares deles. Man-
tinham-se bem ao longe, a mais de dois quilô-
metros dos limites do campo energético.

98
Subitamente Gucky soltou um grito de ad-
vertência.
Mas esses monstros nem pensavam em
aproximar-se da nave para atacá-la.
— Os impulsos mentais se tornam mais
tranqüilos, fluem ininterruptamente e se ligam
uns aos outros — gritou Gucky. — Cuidado,
neste instante está sendo estabelecido um con-
tato físico. Quando começarem a pensar, serão
dezenas de milhares pensando na mesma dire-
ção. Transformam-se num só todo. Cuidado!
— Tifflor, Tanner, mantenham-se prepara-
dos — gritou Rhodan para os oficiais de contro-
le de fogo. — Mr. Garand, reforce os campos
defensivos. Eu...
Rhodan interrompeu-se. Sentiu uma força
estranha, perceptível apenas em sua consciên-
cia. Começou de modo suave na nuca, até que
uma dor repentina passou pela caixa craniana e
tateou em direção ao cérebro.
Rhodan lutou usando toda a força volitiva
adquirida no seu treinamento parapsicológico.
Outros homens fizeram a mesma coisa, pois
não havia ninguém a bordo da nave que não ti-
vesse recebido esse tipo de treinamento.
Mas foi um verdadeiro dilúvio que irrompeu
sobre toda a vida e todo o pensamento. A inun-
dação completou-se numa questão de segun-
99
dos. A cada segundo que passava multiplicava-
se, até que o caráter sugestivo dessa força se
tornou inconfundível.
Moía e sacudia ininterruptamente as bases
da inteligência. A mão de Marcus Everson tate-
ava em direção aos controles principais. Tifflor
e Tanner ergueram-se repentinamente das pol-
tronas giratórias em que estavam sentados dian-
te do painel de controle de fogo.
Rhodan apenas sentiu uma dor martirizante
no cérebro. Os moofs pretendiam paralisar
toda a tripulação num só golpe.
— Gucky! — fungou desesperado.
Cambaleou para a frente, concentrando
toda a força da vontade sobre o painel de con-
trole de fogo. Esforçou-se para desviar a força
estranha, neutralizá-la, considerá-la um fator
sem importância.
O rato-castor, que desta vez estava prepara-
do para a emergência, parecia não sentir quase
nada. Rhodan viu um corpo passar rapidamen-
te. Viu o animal peludo surgir repentinamente
diante do painel de controle de fogo.
A pontaria automática já estava ajustada
para os alvos mais variados. Ainda não haviam
atirado, mas agora teriam de fazê-lo, senão es-
tariam todos perdidos.

100
A mão de Everson estendeu-se para a
chave-mestre do controle energético. Se a al-
cançasse, poderia neutralizar todos os gerado-
res auxiliares.
— Fogo, Gucky. Fogo! — gritou Rhodan.
Cada passo transformava-se num martírio. Al-
guma coisa procurava impedi-lo. — Fogo!
As patas macias de Gucky transformaram-se
no órgão de execução. Os dedos pequeninos
brincaram com energias que ultrapassavam
tudo que o espírito humano poderia conceber.
Os botões verdes, azuis e vermelhos foram em-
purrados para baixo, e as fúrias do inferno fica-
ram às soltas.
As peças leves de impulsos da Titan abriram
fogo. As unidades pesadas e superpesadas jun-
taram-se a elas. Fluxos energéticos muito gros-
sos, vindos desde os canhões gigantescos da re-
gião polar da esfera, abriram caminho com um
rugido.
Dois segundos depois que as peças de arti-
lharia abriram fogo a bruxaria parapsicológica
cessou.
A descontração dos cérebros veio de surpre-
sa. Everson recuou abruptamente dos controles.
Tifflor e Tanner correram para junto do painel
de controle de fogo.

101
Mais uma vez uma lancinante dor de cabeça
martirizou Rhodan. Os parapsicólogos diziam
que era a utilização repentina de feixes de ner-
vos ociosos, ativados com demasiada rapidez.
Só por dois segundos, as torres de armas da
Titan espalharam a destruição. Logo voltaram a
silenciar. Apenas as bocas dos canhões de im-
pulsos térmicos ainda apresentavam uma incan-
descência.
Lá fora, além da abóbada energética, um
vulcão circular se abrira. O círculo tinha alguns
quilômetros de largura. Em seu centro se en-
contrava a Titan, que continuava intacta. Não
localizaram mais nenhum moof. Sua presença
nem poderia ser registrada, pois o pequeno
desprendimento de calor de seu corpo era su-
perado bilhões de vezes pela nova fonte de
energia térmica.
— Vamos sair daqui — gemeu Rhodan. Ro-
das vermelhas dançavam diante de seus olhos.
— Levantar a nave e pousar a vinte quilômetros
daqui. Junto às montanhas. Inicie a execução.
Seu corpo desceu sobre o painel. Gucky
emitiu impulsos tranqüilizantes, que aliviariam a
dor. Os homens agiram com rapidez e preci-
são. Apenas sentiam uma leve pressão no crâ-
nio.

102
Com um rugido, a gigantesca montanha de
aço com seus 1.500 metros de altura elevou-se.
— É o Professor Kärner que está falando —
soou a voz vinda dos alto-falantes do intercomu-
nicador sem fio. — Os doentes estão inquietos.
Parece que no subconsciente sentem a proximi-
dade do inimigo. Pretende prosseguir na ação
em Moof VI?
— Pretendo. Por quê? — perguntou Rho-
dan.
— Neste caso, serei obrigado a amarrar os
doentes e submeter os mutantes a uma narcose
profunda através do preparado paralisante do
tipo do curare. Sem isso, não me responsabilizo
por nada. Apesar do sono profundo, os centros
nervosos hipersensíveis dos mutantes reagiram
ao ataque. O senhor concorda? Não temos ou-
tra alternativa.
— O médico é o senhor. Faça o que for ne-
cessário.
Pouco depois, a Titan voltou a pousar. Des-
ta vez parou junto às montanhas de pouco me-
nos de 1.500 metros. A nave sobrepujava o
cume mais elevado.
— Já estão aí de novo — disse o capitão
Brian em tom espantado, lançando um olhar
para o receptor de comunicação audiovisual. —
Estes monstros estavam esperando por nós.
103
6

— Se forem os moofs, eu engulo dez quilos


de creme de barbear — disse Marcus Everson
quando um homem soltou um grito estridente
na casa de máquinas número três.
O ruído surdo do radiador de impulsos por-
tátil martirizava os microfones e os alto-falantes
da intercomunicação de bordo. O homem sur-
giu na tela que se acendeu automaticamente.
Usava um traje protetor arcônida, mas não
tivera tempo para ativar o campo defensivo.
Uma coisa trêmula, cinza tênue, com a con-
sistência da borracha, envolvia o engenheiro
com uma força implacável. Parecia que aquela
coisa estranha fazia questão de engolir sua víti-
ma.
Não carregava nenhuma arma, mas utilizou
alguma coisa que poderia ser considerada como
tal. Suas forças eram sobre-humanas, tanto no
plano físico como no plano mental.
Os braços que saíam do corpo seguravam o
homem indefeso com uma força irresistível. Ao
mesmo tempo, aconteceu alguma coisa que
provocou uma reação instantânea em Gucky.
O ser peludo, que possuía a capacidade da
teleportação, desapareceu numa luminosidade
104
tremeluzente. Quase no mesmo instante, se
materializou na casa de máquinas.
Um calor breve — dois tiros de radiação dis-
parados a esmo — provocou uma reação dolo-
rosa no couro sensível.
De mais de vinte lugares diferentes vinham
noticias alarmantes. Seres da mesma espécie
surgiram de uma hora para outra. Não eram
moofs. Nunca antes qualquer olho humano ha-
via visto figuras como estas. Surgiam tão instan-
tâneas como se as paredes de aço de vários me-
tros de grossura, que revestiam a nave, fossem
apenas nuvens de neblina, podendo ser trans-
postas com um passo.
Gucky apenas viu a massa que pulsava. Re-
colhendo-se apressadamente a um canto prote-
gido, o rato-castor utilizou toda a energia teleci-
nética de que era dotado.
Uma força invisível arrancou o engenheiro
inconsciente dos braços que o envolviam. A coi-
sa sem olhos virou-se abruptamente. Os braços
cresceram em direção ao rato-castor, que nesse
momento decisivo descobriu por que o monstro
conseguiu aparecer tão repentinamente.
O silêncio se instalara na casa de máquinas.
Surpreso, Gucky percebeu que não era neces-
sário desenvolver um esforço mais intenso para
dominar aquela coisa. Através de um impulso,
105
foi levantada do chão antes de ser atirada con-
tra o teto de aço abobadado.
Uma escotilha abriu-se atrás de Gucky. Dois
homens entraram correndo, com os campos
defensivos ligados. Mais e mais vezes aquela fi-
gura sonora foi atirada contra o teto. Quando
Gucky a soltou, esta estatelou-se no chão.
O rato-castor não acreditou no que seus
olhos viram: o animal voltou ao ataque. Gucky
fugiu para trás de uma máquina.
— Cuidado! — gritou a voz aguda de Gucky.
Aquele ser estranho, que ainda há pouco es-
tava achatado e disforme como um tabuleiro de
bolo, transformou-se numa esfera, da qual se
precipitaram dois braços finos e extremamente
elásticos.
Nem chegara a ferir-se.
O sargento O’Keefe esperou. Com as per-
nas afastadas, estava no centro da grande sala.
A regulagem setorial do cano de sua arma esta-
va na posição seis.
Só comprimiu o acionador quando a coisa
incompreensível se encontrava a menos de dois
metros.
Um largo feixe energético saiu do cano. A
esfera inchada foi atingida.
O’Keefe ainda se encontrava no mesmo lu-
gar quando a bola de cinco centímetros de diâ-
106
metro se deformou, assumindo um feitio assi-
métrico e emitindo sons melodiosos.
Em meio à descarga energética, a coisa pro-
curou escapar da mesma maneira como havia
chegado.
O’Keefe voltou a disparar. Apenas uma por-
ção minúscula da coisa desapareceu. O resto fi-
cou para trás. Não aconteceu mais nada.
A instalação automática de ar condicionado
emitiu um som estridente. A temperatura na
casa de máquinas número três havia subido
além do limite máximo. Protegido pelo campo
energético, O’Keefe retirou-se apressadamente
em direção à escotilha. A coisa destruída emitia
pesados vapores.
O engenheiro, que sofrera o ataque de re-
pente, se viu envolvido por um campo energéti-
co tremeluzente, que o protegia contra o calor
mortífero. Gucky conseguira no último instante
mover a chave do projetor do traje protetor.
— Dê o fora! — gritou O’Keefe para o ser
peludo.
Naquele instante, Gucky sentiu os impulsos
emitidos por Rhodan. Encontrava-se em situa-
ção difícil. Com um rápido salto de teleporta-
ção, Gucky saiu do ar escaldante do recinto su-
peraquecido.

107
Ao materializar-se na gigantesca sala de co-
mando da Titan, o campo defensivo de seu pe-
queno traje entrou em funcionamento.
Dois monstros do mesmo tipo, haviam-se
precipitado sobre Everson e Janus van Orgter.
O campo energético do biólogo funcionava,
mas Everson ainda não estava protegido.
A força física daquele homem robusto falhou
miseravelmente sob o abraço do monstro.
Gucky ouviu os berros de Rhodan. Conde-
nados à inatividade, os homens mantinham as
armas empunhadas diante das massas turbilho-
nantes dos corpos incolores, sob os quais surgi-
am vez por outra partes do corpo das pessoas
atacadas.
O campo defensivo de van Orgter emitia
constantes relampejos. O monstro voltava sem-
pre a entrar em contato com o campo energéti-
co, mas este não conseguia matá-lo.
A situação de Everson era bem pior. Mal se
ouvia sua respiração ofegante. No momento
em que Gucky apareceu, Rhodan deixou cair
sua arma de radiação e pegou o facão preso ao
cinto para investir contra a massa protéica.
— Para trás! — gritou a voz estridente de
Gucky.
Rhodan mal conseguiu jogar-se para o lado
quando aquela figura estranha foi atirada para o
108
alto pelas energias telecinéticas. Everson, que
estava quase inconsciente, caiu ao chão de uma
altura de dois metros. Ficou deitado com o cor-
po encurvado.
Os tiros de radiação incandescente destruí-
ram a coisa grudada ao teto.
Foi nesse momento que Janus van Orgter se
tornou invisível. Seus gritos de desespero foram
ouvidos nos alto-falantes de capacete. No lugar
em que o monstro o enlaçava, surgiu uma ne-
bulosa iluminada que logo se desfez. O biólogo
havia desaparecido da sala de comando.
Naquele instante, as peças de artilharia da
Titan começaram a disparar. Tifflor e Tanner
compreenderam o que estava em jogo. Os gri-
tos ligeiros de Gucky foram ouvidos.
Esses monstros que pareciam feitos de bor-
racha deviam ser teleportadores, seres que sabi-
am transportar seu corpo por uma certa distân-
cia por meio das energias mentais de que dispu-
nham. Só assim se explicava seu repentino apa-
recimento.
Brian começou a berrar na sala de observa-
ção. Rhodan compreendeu. Com uma pancada
violenta da mão, desligou os controles de fogo.
O rugido surdo das torres de armamentos da Ti-
tan cessou.

109
— Comandante! — gritou Tifflor desespera-
do, quando as luzes de controle se apagaram de
repente. — O que é isso, comandante?
— Suspender o fogo. Van Orgter está lá
fora — berrou Rhodan pelo intercomunicador
de bordo. — Aquele monstro o carregou. Cha-
ney, faça sair um comando de robôs. Van Org-
ter encontra-se a menos de quinhentos metros
da nave. Mande recolhê-lo. Faça sair as máqui-
nas de guerra. Devem abrir fogo contra qual-
quer coisa que não se pareça com um ser hu-
mano. Esses monstros são teleportadores muito
fracos. Têm de chegar bem perto da nave antes
de arriscar o salto. Procure impedir que atraves-
sem o campo energético.
— Ele nem os afeta — informou alguém da
sala de controle energético. — Saltam através
do campo e materializam do outro lado. Ali
preparam outro salto.
— Pois procurem pegá-los no interior da
área protegida. Fogo individual. Cada um pro-
curará seu alvo. Tifflor, ligue para a pontaria
manual. Deixem as armas pesadas de lado, se-
não nós mesmos seremos destruídos.
Os robôs de combate começaram a pisar
fortemente. Janus van Orgter, que de um ins-
tante para outro se viu transportado para o in-
ferno, viu a comporta que se abria.
110
Os titans prateados com seus grandes braços
armados e os organismos mecânicos insensíveis
desceram levemente ao solo.

***

“Estão longe, longe demais”, pensou van


Orgter.
Em torno dele, uivava o furacão. Quando,
depois de cessada a dor da rematerialização,
voltou a mover-se, a massa borrachenta do
monstro que se espalhava em cima dele tam-
bém despertou.
Janus golpeou com os joelhos. A coisa nem
se mexeu. Bateu com os punhos para cima e
viu-se banhado em suor quando o dispositivo
automático de seu traje protetor dirigiu toda a
energia disponível ao campo defensivo.
Com um gemido surdo o biólogo desistiu. A
força de gravitação de 2,8 G atingiu-o como o
peso de uma fera que saltasse sobre ele.
O relampejar tornava-se cada vez mais vio-
lento. Seu microrreator desenvolvia a potência
máxima, esforçando-se para remover o obstá-
culo ávido de contatos. Acontece que o mons-
tro não reagia às energias mortais do campo
protetor.

111
Pulsando fracamente e, segundo parecia,
bastante esgotado, cobria o corpo do homem
com uma camada fina e muito resistente. Janus
van Orgter começou a desconfiar que os robôs
de combate chegariam tarde.
A atmosfera densa do planeta Moof VI pare-
cia ser um bom condutor do som.
Ouviu o uivar da tormenta, e também perce-
beu o canto melódico do corpo convulsionado
do monstro. Teve a impressão de que fazia es-
forços desesperados para reunir as últimas re-
servas de energia.
Janus teve a impressão de que estava mor-
rendo sufocado. A gravitação mortal prendia-o
ao solo com uma força tão tremenda que os
pulmões ávidos de oxigênio se recusavam a tra-
balhar.
— Estou no fim — disse num estertor pelo
microfone.
As palavras de Rhodan atingiam seu ouvido,
não sua mente. A coisa que o cobria continuava
imóvel.
Janus estava pensando que deveria ter atira-
do quando uma coisa estranha aconteceu com
o tecido extraordinário que o cobria.
De repente, a massa pegajosa contraiu-se.
Parecia que uma força estranha o estava atin-
gindo.
112
Com um grito a coisa ergueu-se, transfor-
mou-se numa esfera e explodiu em meio a uma
luminosidade ofuscante. A pressão abandonou
os pulmões de Orgter. De repente, conseguiu
respirar normalmente. O zumbido feio do rea-
tor transformou-se no ruído de funcionamento
costumeiro.
Outros monstros que acabavam de surgir
também explodiam. Parecia que algum desco-
nhecido viera em seu auxílio. Van Orgter levan-
tou-se, cambaleante. Porém foi derrubado pela
primeira rajada do furacão, que o arrastou pelo
solo. O enorme campo defensivo da Titan
aproximou-se perigosamente.
Orgter gritou. Libertado do monstro que o
prendia, transformara-se numa folha seca em
meio à tempestade.
Ouviu que a Titan voltara a abrir fogo. Os
raios energéticos rugiram acima de sua cabeça.
Mais ao longe, surgiram crateras incandescen-
tes. Por um instante, van Orgter conseguiu se-
gurar-se em uma duna móvel de cristais de
amoníaco. Quando entraram em contato com o
campo protetor de seu traje, que emitia uma lu-
minosidade ofuscante, desenvolveram uma rea-
ção química. Vapores venenosos surgiram dian-
te dos olhos de Orgter. Depois de alguns segun-
dos, foi atirado através da duna e arrastado
113
mais um pedaço em direção à abóbada ener-
gética da Titan.
Mais atrás, sombras percorriam a superfície.
Mas os robôs eram detidos constantemente, já
que os monstros surgiam a todo instante no in-
terior da abóbada energética. Os robôs executa-
ram sua programação, segundo a qual deviam
antes de mais nada abrir fogo contra qualquer
alvo que não tivesse aspecto humano.
Janus van Orgter viu o fim aproximar-se. Di-
ante dele, a parede de fogo erguia-se para o
céu.

***

O major Chaney arriscou tudo. Assim que a


tartaruga, um gigantesco tanque planador do
arsenal do planeta Árcon, acabara de sair da es-
cotilha inferior, aumentou a velocidade sem
olhar o que se encontrava à sua frente.
As esteiras largas do veículo estavam para-
das. Planava sobre o campo de repulsão ener-
gética, que o mantinha constantemente a 50 ou
60 centímetros do nível do solo. Dessa forma,
conseguiu desenvolver uma velocidade enorme.
Chaney também não se preocupou com os
ataques dos monstros que surgiam de todos os
lados, e que eram alvejados ininterruptamente
114
pela massa dos robôs colocados fora da nave.
Eram muito poucos os que conseguiam realizar
o segundo salto de teleportação depois de te-
rem atravessado o campo energético. Seu al-
cance não chegava a um quilômetro. Para os
membros do exército de mutantes, isso repre-
sentava um dom muito limitado.
Os homens sadios que se encontravam a
bordo sabiam defender-se. Agora, que estavam
preparados para o aparecimento repentino dos
seres borrachentos, não houve mais nenhum
rapto. Sempre havia alguém por perto que per-
cebia em tempo o tremeluzir da desmaterializa-
ção.
As armas de radiação rugiam antes que o in-
truso pudesse entrar. Uma encarniçada batalha
de defesa estava sendo travada em todos os
compartimentos da nave.
De alguns minutos para cá, passaram a cha-
mar os monstros de cantores. Mal alguém pro-
nunciou o nome, e logo o mesmo passou a in-
tegrar o vocabulário irônico da tripulação. Tal-
vez o nome tivesse sua origem nos sons melodi-
osos emitidos pelos monstros.
Os homens que se encontravam no interior
da nave reuniram-se em grupos de dez. En-
quanto Orgter não fosse resgatado, não se po-
deria pensar na decolagem. Portanto, teriam de
115
aguardar o resultado favorável ou desfavorável
da ação do comando.
Chaney e os dez homens que o acompanha-
vam sabiam perfeitamente que não poderiam
arriscar a sair da proteção das paredes da nave.
Se um dos monstros saltasse diretamente para
dentro do carro, estariam praticamente perdi-
dos. Não poderiam arriscar-se a utilizar armas
térmicas num recinto apertado como aquele. A
destruição do veículo blindado seria inevitável.
Os seres não eram contidos pelos raios de
desintegrador, que costumavam ser infalíveis. A
estrutura molecular do tecido de que eram feitos
seus corpos devia ser bastante estranha.
Por enquanto haviam reagido somente às ar-
mas mais grosseiras e perigosas dos homens,
que eram os feixes incandescentes projetados
pelas armas térmicas. Estes pareciam ser de-
mais até mesmo para os organismos estranhos
daqueles seres, se é que os mesmos possuíam
um organismo.
Os homens que se encontravam no veículo
blindado prestavam atenção a qualquer sombra
que surgisse diante deles. Assim que alguma
coisa se movia, a cúpula do veículo girava. Ati-
ravam contra qualquer coisa que se movesse na
névoa. Dois robôs de combate já haviam sido

116
vitimados pelos nervos superexcitados dos arti-
lheiros.
Chaney praguejou em todas as tonalidades
que suas cordas vocais conseguiam emitir, pois
o corpo de Orgter já não podia ser localizado
através do aparelho de observação ótica. Só o
localizador infravermelho projetava um eco
térmico definido sobre a tela.
Chaney seguiu pelo terreno, indo no rumo
apontado por esse eco. Seus olhos estavam
grudados pelo suor. As pessoas que se encon-
travam a bordo tiveram que dispensar o campo
defensivo de seus trajes protetores. O contato
ininterrupto dos diversos campos teria ocasio-
nado sua auto-destruição.
— Está sendo tangido para mais longe —
gritou o major para dentro do microfone. —
Será que vocês podem recuar a abóbada algu-
mas centenas de metros?
O rosto de Rhodan aparecia numa pequena
tela. Limitou-se a acenar com a cabeça. Poucos
segundos depois, os engenheiros da casa de
máquinas moveram as chaves. O gigantesco
campo defensivo passou a deslocar-se.
Lá fora, bem ao longe, grupos de seres dis-
formes puseram-se em fuga. É claro que os mo-
ofs também estavam presentes, muito embora
desta vez não se tivessem lançado a um ataque
117
direto. Preferiram mandar outros seres para a
luta. Sem dúvida, esses seres estavam submeti-
dos ao controle sugestivo dos moofs.
— Pare por dois segundos — soou a voz de
Rhodan vinda do alto-falante.
Chaney empurrou para trás o acelerador do
pequeno propulsor de radiação. Em virtude da
grande resistência oferecida pela atmosfera, o
veículo estacou.
— É de enlouquecer — gemeu um dos tripu-
lantes, quando um lugar da parede esférica do
couraçado começou a expelir fogo. Um enorme
furacão de chamas passou por cima da tartaru-
ga. Um calor ofuscante surgiu na tela, magoan-
do os olhos. Era a primeira vez que viam do
lado de fora como era um único golpe de fogo
da gigantesca nave.
A seguir, Chaney voltou a acelerar. Naquele
momento, o corpo de Orgter estava preso a
uma coluna de cristal reluzente, que há poucos
segundos ainda não estava lá. Sob os efeitos da
temperatura baixíssima, a matéria líquida se so-
lidificara numa figura estranha.
O veículo chegou ao local no momento exa-
to em que Orgter voltou a ser atirado para lon-
ge. Mas desta vez um raio de tração saiu do veí-
culo. O biólogo foi detido em meio ao turbi-

118
lhão. A menos de cinqüenta metros dali a bar-
reira energética se levantava para o céu escuro.
— Cuidado! Puxem-no devagar — gritou
Chaney em meio ao barulho infernal. — Que
diabo! Quem está atirando? vou...
O rugido do canhão de impulsos de seu pró-
prio veículo arrancou-lhe as palavras da boca.
Mais de vinte monstros surgiram de uma só vez
em meio à bruma turbilhonante.
Feixes de luz incandescente saíram do nada.
Os disparos dos robôs em marcha passavam
tão perto do veículo blindado, que o campo de-
fensivo do mesmo emitia descargas estrondo-
sas.
Chaney viu que quatro monstros atravessa-
ram o campo defensivo do veículo. Quando co-
meçaram a tremeluzir, sabia que aquilo seria o
início de um salto de teleportação que os trans-
portaria para o interior do blindado.
— Fogo, O’Keefe! — gritou apavorado. Na-
quele instante, os quatro vultos estouraram,
transformando-se em bolas de fogo.
Chaney ainda fitava o mesmo lugar com os
olhos arregalados quando o biólogo inconscien-
te já se encontrava na comporta de ar do veícu-
lo.
O major continuou calado quando o veículo
se aproximava em alta velocidade da Titan.
119
Foram agarrados pelo potente campo anti-
gravitacional da comporta inferior. Um último
golpe de fogo saiu das torres de armas da gi-
gantesca nave.
Chaney escutou o ruído com os ouvidos en-
surdecidos. Rhodan apareceu no grande han-
gar-depósito. Os robôs subiram um por um. Lá
fora começou a soprar uma tempestade como
nunca se vira igual. Em algum lugar da nave,
ouviu-se o rugido de radiadores térmicos. Mais
um monstro devia ter penetrado na mesma.
Quando o barulho diminuiu e os propulsores
começaram a rugir, preparando a decolagem
da nave, o major Chaney perguntou com a voz
débil:
— Nos piores momentos, quando a situação
parecia insustentável, alguns dos animais estou-
raram. Como foi isso? Por que aconteceu justa-
mente nesses momentos? Quem foi o autor da-
quilo? Terá sido Gucky?
O olhar vazio de Chaney caiu no rosto do
comandante.
— Não, não foi Gucky. Este teve trabalho de
sobra para tirar os homens dos braços dos
monstros.
Chaney parecia apavorado.

120
— Não foi ele? Pois então, quem terá sido?
Essas coisas não iriam explodir sem mais nem
menos. Estavam prontos para nos eliminar.
— Não me venha falar na advertência tele-
pática que recebemos antes do pouso — disse
Rhodan com a voz cansada. — Não faça uma
coisa dessas, senão o pessoal acaba enlouque-
cendo. Cale a boca.
Rhodan virou-se abruptamente. A Titan já se
encontrava nas camadas turbulentas da atmos-
fera. Os cantores ficaram para trás.
Os vultos pareciam fitar o gigantesco e ina-
tingível couraçado. Além dos morros esquisitos,
havia outra planície. Um lago de amoníaco de
grande tamanho brilhava nas telas.
Foi quando receberam o chamado da Gany-
med, que aguardava no espaço. No hemisfério
sul, a mais de 90 mil quilômetros do lugar em
que a Titan se encontrava naquele momento,
haviam encontrado alguma coisa que não com-
binava com aquela fábrica de veneno.
Era pouco provável que o planeta Moof VI
tivesse produzido um aço leve de primeira quali-
dade, com a superfície reforçada por um pro-
cesso de condensação molecular.
A Titan acelerou violentamente. Junto ao
painel de controle, estava sentado um homem

121
cujos olhos inflamados estavam afundados nas
órbitas.
Enquanto isso, os doentes gemiam na enfer-
maria.

Uma coisa era certa: qualquer construção


complicada existente em Moof VI não poderia
ter sido levantada pelos moofs, nem pelos can-
tores.
Outra coisa certa era que esses seres tão di-
ferentes viviam numa espécie de simbiose. Os
moofs dominavam os irreais. Os aras, por sua
vez, controlavam os seres em forma de medusa.
Era uma troca terrível, uma deformação espiri-
tual surgida no plano de um intelecto inumano,
mas superior.
Os médicos, os químicos e os biólogos da
Titan estavam trabalhando. Os restos dos
monstros mortos foram examinados. Não ti-
nham cérebro. Na verdade, não tinham nada
que os capacitasse para um pensamento autô-
nomo.
Apesar disso viviam e atacavam com uma
coerência espantosa. Isso só poderia ser expli-
cado através do processo de tele direção, per-
feitamente possível face às faculdades telepáti-
122
cas e sugestivas de criaturas altamente inteligen-
tes como os moofs.
Os cantores ofereciam um problema atrás
do outro. O tecido de seu corpo não parecia ser
orgânico. Orgter só vivia sacudindo a cabeça.
Os químicos falavam em “matérias artificiais bi-
ologicamente ativadas, relacionadas a combina-
ções desconhecidas e extravagantes surgidas
numa área de alta pressão impregnada de me-
tano e amoníaco”.
Isso não servia para ninguém, muito menos
para os homens responsáveis pela direção da
nave.
Nas telas da Titan, via-se uma cúpula de aço
que emitia um brilho azulado. Era achatada e
pouco abaulada. Com um diâmetro de pelo me-
nos três quilômetros, jazia em meio a um ocea-
no de amoníaco liquefeito revolto pelas tempes-
tades.
Há dez minutos fora localizada pela apare-
lhagem da Titan, isso depois que a Ganymed,
que se mantinha no espaço, servira de estação
retransmissora.
A nave esférica aproximou-se lentamente. A
energia de todos os geradores concentrava-se
nos campos protetores de três camadas. Os
neutralizadores gravitacionais absorviam apenas
0,3 por cento da energia.
123
Novas informações foram chegando. O co-
ronel Freyt comunicou que o espaço planetário
em torno do sol Moof parecia totalmente deser-
to. Não localizaram nenhum eco de corpo es-
tranho.
— Calcule uma nova órbita — ordenou Rho-
dan. — Fique parado em cima da área de desti-
no e mantenha as armas preparadas. Preste
atenção às nossas transmissões.
Freyt confirmou. Os rastreadores espaciais
da Titan mostraram que, após um ligeiro empu-
xo, o couraçado se desviava da órbita que vinha
percorrendo.
— Com isso os que se encontram lá embai-
xo devem ter perdido o jogo — disse Everson.
Sem querer, massageou as manchas roxas e as
contusões resultantes do abraço que o monstro
lhe dera.
A bordo da nave reinava uma tensão irreal.
Irritava e desgastava os nervos. Aquela enorme
cúpula de aço só poderia ser uma construção
dos médicos galácticos.
Com os sentidos superiores mantidos bem
ativos, Gucky anunciou a presença de inúmeros
cantores, cujos estranhos impulsos corporais
captava sem a menor dificuldade.
— Deviam ter aguardado o momento ade-
quado — disse o Dr. Certch. — Quem familiari-
124
za os outros antes da hora com suas capacida-
des fora do comum, não pode surpreendê-los
quando isso se torne necessário.
Pouco abaixo da Titan, que se deslocava len-
tamente, o cume de uma montanha começou a
derreter. Entrara em contato com os campos
defensivos abertos.
Mais uma vez, Tifflor e Tanner estavam sen-
tados diante do painel de controle de tiro. Os
relatórios vindos da enfermaria eram satisfató-
rios. A partir do momento em que a nave le-
vantara vôo, a inquietação dos doentes diminuí-
ra. Mas os sinais de decadência física eram in-
confundíveis, informava o Professor Kärner.
Rhodan sabia que não havia tempo a perder.
A margem do imenso oceano de amoníaco
chegou mais perto. Não se via o horizonte lon-
gínquo do gigantesco planeta. Bem antes do
ponto em que o céu devia tocar o solo as nu-
vens impenetráveis de gás impediam a visão.
A nave aproximava-se da face noturna de
Moof VI. A estrela amarela desse mundo estava
encoberta por nuvens rasgadas pela tempesta-
de. Raras vezes, um raio de sol chegava à su-
perfície nesse lugar.
— Distância da cúpula duzentos e cinqüenta
quilômetros — anunciou o capitão Brian no
posto de observação. Cuidado. Os rastreadores
125
energéticos indicam a presença de usinas atô-
micas de alta potência. Aquele pessoal deve es-
tar muito bem armado, e o tamanho da cúpula
não é nada desprezível. Se nada der certo,
dispõem de instalações mecânicas que nada fi-
cam a dever às da Titan.
Eram as mesmas idéias e reflexões que Rho-
dan entretinha há meia hora. Se neste mundo
hostil à vida, existisse uma base técnica dos
aras, uma raça altamente desenvolvida, esta es-
taria muito bem armada.
O supercouraçado parou perto da costa,
exatamente a cinqüenta quilômetros da cúpula.
Os neutralizadores gravitacionais zumbiam,
mantendo-o imóvel apesar da tormenta.
A divisão matemática e geológica recebera
instruções para realizar cálculos sobre o fenô-
meno. Rhodan não podia imaginar que o disco
de aço relativamente chato pudesse flutuar no
oceano de amoníaco.
Face à gravitação reinante do planeta, o
peso da cúpula devia ser enorme, pois, apesar
de sua forma, não poderia flutuar. Era claro que
a força ascendente do espaço oco cuja existên-
cia era incontestável poderia levar a engano. De
qualquer maneira, porém, Rhodan não acredi-
tava que se tratasse de uma fortaleza ligada ao
elemento líquido.
126
A Titan, construída segundo os planos ar-
cônidas, dispunha de um completo laboratório
de pesquisa. Havia aparelhos com os quais se
podia verificar a uma distância enorme qual era
a configuração de determinada área. E nesse
caso os rastreadores de substância constataram
que, sem a menor sombra de dúvida, a enorme
construção era cercada de rocha maciça. Con-
cluía-se que fora construída sobre uma ilha está-
vel, em torno da qual se estendia as massas cor-
rosivas do amoníaco. Dificilmente a base pode-
ria ser conquistada por alguém que viesse da
terra.
— Já ouviu falar que se constatou a presen-
ça de moofs flutuantes? — perguntou. Com um
rápido gesto de mão, cancelou a pergunta. Era
claro que o comandante havia sido orientado
sobre a localização supersensorial realizada por
Gucky.
— Cuidado, comandante, alguma coisa não
está certa. O fato de que esses monstros não
dão mais sinal de sua presença depois de quase
terem alcançado êxito com seu ataque sugestivo
dá o que pensar. É pouco provável que estejam
dispostos a renunciar ao seu grande poderio.
Se a ação com os semi-vivos for um fracasso,
poderemos experimentar uma surpresa catas-
trófica.
127
Rhodan confirmou com um aceno de cabe-
ça. Era realmente estranho que as medusas se
mantivessem tão calmas. No entanto, boiavam
em grupos enormes no oceano de amoníaco.
Everson estremeceu num calafrio e encolheu os
ombros, quando pensou na possibilidade de ter
que mergulhar nesse caldo venenoso.
Janus van Orgter transferira seu quartel-
general para a sala de comando. Estava pálido
e exausto. Só em seus olhos, vivia uma raiva
contida. Era um dos tripulantes da Titan para
os quais a condescendência de Rhodan era
mais que perigosa.
Ao menos oitenta por cento das pessoas,
que se encontravam a bordo, eram de opinião
que se devia abrir fogo com todos os meios dis-
poníveis contra todo e qualquer moof que sur-
gisse diante deles.
— Eco energético — disseram os alto-falan-
tes do sistema de comunicações com o posto
de observação.
— Intensidade doze, quatorze, subiu para
vinte. Máquinas muito potentes estão começan-
do a funcionar. Atenção, estamos captando eco
de impulsos. Estamos sendo tateados. Um pro-
cesso de ultraluz, provavelmente um hiper ras-
treador. Fim.

128
As palavras proferidas na sala de comando
foram ouvidas em todos os cantos da nave. Os
polegares dos homens sempre se mantiveram
próximos aos botões dos campos defensivos in-
dividuais. Contava-se com a possibilidade de
que, de uma hora para outra, surgissem novos
cantores, muito embora os médicos afirmassem
que o couraçado, que se mantinha numa altitu-
de de dez quilômetros, estava fora de alcance.
Os olhos de Rhodan caíram sobre os indica-
dores dos geradores do campo energético. To-
das as usinas de força trabalhavam a plena po-
tência para o campo defensivo. Era impossível
que fossem atingidos por um disparo de radia-
ções que pudesse ser considerado normal.
O amplificador aproximou o estranho obje-
to. A imagem de setores específicos da cúpula
de aço era projetada na tela.
— Não levantaram nenhuma abóbada prote-
tora — comentou Rhodan. — Por que será?
Devem dispor dos conhecimentos técnicos para
isso, a não ser que as criaturas que temos dian-
te de nós sejam totalmente diferentes do que
esperamos.
O Dr. Certch estremeceu. Lançou um olhar
desconfiado para o comandante.
— Ora esta, comandante. São médicos ga-
lácticos!
129
— Como pode afirmar isso com tamanha
certeza?
— São mesmo — interveio Gucky com uma
estranha indiferença. — Sinto os impulsos vin-
dos da cúpula. Conheço-os desde o tempo que
passei em Honur. Chefe, não me sinto nada
bem. Algum desastre está acontecendo. A ilha
está cercada por inúmeros moofs, e também
cantores. Se pousarmos por lá...
O rato-castor interrompeu-se. Rhodan fitou
seus olhos enormes. Trazia o corpo alto e ereto
ligeiramente encurvado. Uma profunda preocu-
pação desenhava-se no rosto velho, que parecia
tão jovem.
— Sabem perfeitamente que viemos por
causa deles. Devem ter sido informados de que
fomos nós que destruímos os moofs enviados
ao planeta Zalit e com isso impedimos uma re-
volta contra o Império. A enorme Titan basta
para identificar-nos. Além disso, devem estar in-
formados sobre os doentes que temos a bordo.
A Galáxia tem ouvidos, Perry. E o senhor nem
imagina como esses ouvidos são grandes e sen-
síveis. As notícias correm velozmente de uma
estrela para outra. Esses caras sabem que não
podemos atirar contra eles, se quisermos en-
contrar um remédio contra a doença — falou
Certch.
130
— Se aquilo ali fosse um forte blindado
como qualquer outro, já teria deixado de existir
— respondeu Rhodan numa risada amarga. —
Quer dizer que estamos parados no ar, encon-
tramos o inimigo, mas não podemos atacá-lo. É
uma situação excelente, não é?
— É bem possível que a inatividade dos mo-
ofs resulte do mesmo raciocínio — interveio
Certch em tom nervoso. — Isso me deu uma
idéia. Queira desculpar.
O Dr. Certch correu apressadamente para
as escotilhas da sala de comando.
No mesmo instante Brian gritou nervosa-
mente no posto de observação. Suas palavras
perderam-se em meio aos gritos generalizados.
De uma hora para outra, uma gigantesca bolha
surgiu sobre a superfície do oceano de amonía-
co. Brilhou numa tonalidade branco-azulada,
antes que sua luminosidade se reduzisse a uma
débil cintilância.
Dali em diante, manteve-se inalterada, como
se há muito tempo estivesse ali.
— Quer dizer que é mesmo uma cúpula
energética — disse Rhodan, que não parecia
muito impressionado pelo fenômeno. — Seria
mesmo um milagre. Tifflor, dispare um tiro de
ensaio com o número dezessete. Vamos testar
a capacidade de resistência.
131
A torre de canhões número dezessete dispu-
nha de um radiador térmico de intensidade mé-
dia. A mira já havia sido ajustada. Imediatamen-
te após as palavras de Rhodan, um forte rugido
se fez ouvir na parede esférica da Titan. Massas
de ar incandescente foram empurradas para o
lado. O fluxo de impulsos de cinco metros de
diâmetro foi mais rápido que a vista humana.
Um ribombar surdo passou por todos os
compartimentos do supercouraçado. Bem adi-
ante deles, a abóbada energética do inimigo,
que acabara de ser levantada, emitiu uma forte
luminosidade. Descargas terríveis subiam para o
céu. De uma hora para outra, a barreira defen-
siva parecia estar entrecortada por fendas lumi-
nosas. Apesar de tudo, a energia foi desviada
num ângulo inclinado. Com um trovejar, as cas-
catas de fagulhas subiam às nuvens, cuja lumi-
nosidade rubra iluminou o mar sombrio.
— Não produziu qualquer efeito — informou
Brian em tom lacônico. — Isso aí agüenta mui-
to mais. Provavelmente os campos defensivos
deles são tão fortes como os nossos. Quer dizer
que pelos meios normais nunca conseguiremos
penetrar lá.
Rhodan olhou por alguns segundos para as
telas. Depois disse:

132
— Querem que morramos de fome por aqui.
Ah, já estão nos cumprimentando.
A trajetória de tiro foi tão rápida que a inteli-
gência não conseguia acompanhá-la. Rhodan
não se abalou; deixou que o disparo produzisse
seu impacto nos campos defensivos da nave.
Também aqui houve um desvio total da descar-
ga energética. As energias remanescentes fo-
ram absorvidas e conduzidas aos protetores da
nave. A gigantesca Titan sacudiu-se ligeiramen-
te. E foi só.
— Também não dispõem de muita coisa. De
qualquer maneira, prefiro não utilizar nossos ca-
nhões superpesados — disse Perry em voz bai-
xa. — Pela própria natureza das coisas, um for-
te blindado sempre será superior a uma nave de
tamanho igual, porque não tem necessidade do
mecanismo de propulsão. E o espaço liberado
permite a instalação de algumas unidades ener-
géticas adicionais. Apesar de tudo, dificilmente
resistiriam aos projéteis mais pesados de nossa
nave. Tampinha...
Gucky estremeceu. Correu apressadamente
em direção ao assento do piloto.
— Tampinha, será que você teria coragem
de entrar nessa casa de marimbondos? Seria
apenas uma pequena brincadeira.

133
O rato-castor cresceu alguns centímetros. Ti-
nha uma paixão toda especial pelas brincadei-
ras perigosas.
— Estou disposto a entrar na brincadeira,
comandante — chiou. — Quais são as ordens?
— Você é o único teleportador de que ainda
disponho. Nossos armeiros lhe darão uma boli-
nha preta. Depois de ligar o detonador, você
vai depositá-la no lugar em que ficam os maio-
res geradores. Depois veremos o que será feito
da abóbada defensiva dos nossos amigos.
Gucky exibiu o dente roedor. Seria um qua-
dro bastante alegre, se em seus olhos castanhos
não surgisse um brilho tão estranho.
Poucos minutos depois, foram transmitidas
as instruções. Os comandos de robôs, que esta-
vam prontos para a ação, entraram nos campos
antigravitacionais.
Tanques equipados com terríveis armas de
radiação foram avançando. Os membros dos
comandos de desembarque entraram em forma.
Na sala de comando, Rhodan dirigiu-se ao
mutante Wuriu Sengu. O forte japonês maciço
ouvia atentamente, inclinando a cabeça.
— Sobrevoarei a cúpula, para que você pos-
sa dar uma olhada lá dentro. Indique o lugar em
que Gucky terá de materializar-se depois de seu
salto de teleportação. Pelo que calculo, existe lá
134
embaixo um pavilhão de reatores que deve ter
o tamanho de cinco casas de máquinas da Ti-
tan. É lá que o Tampinha deve pousar.
O espia, cuja especialidade consistia em
romper oticamente qualquer objeto ou parede
compacta, confirmou com um simples aceno de
cabeça. Poucos segundos depois, a nave de
guerra começou a deslocar-se.
Foi nesse momento que Rhodan captou a
segunda advertência; apenas, desta vez os im-
pulsos eram menos intensos que os que recebe-
ra pouco antes do primeiro pouso.
— Fiquem onde estão. Perigo. Não podere-
mos fazer mais nada por vocês. Não continu-
em. Não continuem; voltem.
O sentido da mensagem surgiu nitidamente
no cérebro de Rhodan. Gucky compreendeu-a
ainda mais claramente.
— Quem é você? — respondeu o ser pelu-
do. — Responda, amigo. Suas intenções são
boas, não são?
— Minhas intenções são boas — foi a res-
posta. — É o último aviso que lhes dou. Vocês
estão desobedecendo a vocês mesmos. Afas-
tem-se. Vocês nunca conseguirão conquistar a
fortaleza dos estranhos.
— Quem é você?

135
— Meu nome é Trorth, mas isto não impor-
ta. Afastem-se. Não se aproximem mais. É o úl-
timo aviso que lhes dou.
Gucky continuou a interrogar. Não obteve
mais nenhuma resposta telepática.
— Quer dizer que apesar de tudo temos
amigos — disse Rhodan em tom nervoso. —
Tampinha, como é o cérebro daquele desco-
nhecido?
O rato-castor abriu os bracinhos.
— Não faço a menor idéia, chefe. Não con-
segui penetrar lá. Deve ser uma coisa muito es-
tranha. De qualquer maneira, não havia ne-
nhum ódio oculto em suas vibrações.
Rhodan desistiu. Fosse como fosse o desco-
nhecido, não poderia fazer mais nada para mo-
dificar a situação.
Com uma perigosa lentidão, a Titan passou
por cima da abóbada energética. Os campos
defensivos quase chegaram a tocar-se. O inimi-
go não esboçou nenhuma reação.
— As unidades energéticas ficam bem no
fundo da rocha — informou Sengu. — É um re-
cinto gigantesco. Ao que parece foi queimado
na rocha.
Era tudo que Rhodan queria saber. Após
trinta minutos, o rato-castor se apresentou.
Usava um traje protetor especial, em cujo cinto
136
estava pendurada uma bola de metal do tama-
nho de uma cabeça humana.

Gucky deu mais um relance de olhos pelo


pavilhão, antes de comprimir o bastão do deto-
nador. Não havia ninguém. O funcionamento
das máquinas gigantescas era inteiramente au-
tomático.
Pouco depois, Gucky se materializou a bor-
do da Titan. Menos de vinte segundos após a
volta, teve início a reação desencadeada pela
bomba. Não seria possível recorrer a uma arma
nuclear explosiva, pois com isso se correria o
risco de destruir toda a cúpula. Bastaria provo-
car o colapso do campo defensivo.
Na casa de máquinas, surgiu um campo gra-
vitacional turbilhonante de cinco dimensões,
cujo volume energético ia crescendo à medida
que outros hiperelementos ávidos para entrar
em reação iam sendo atingidos. E uma coisa
que não faltava nos conversores de impulsos da
gigantesca usina de força eram os hiperelemen-
tos.
O alarma no interior da cúpula veio atrasa-
do. Teria sido tarde, mesmo que alguém tivesse

137
visto Gucky no momento em que este acionou
o detonador.
Um uivo surdo subiu das profundezas da ro-
cha. Espirais luminosas tremeluzentes saíam
dos canais de ventilação e de outras aberturas.
Reator após reator deixava de funcionar auto-
maticamente no momento em que os hipercata-
lisadores dos conversores de impulsos começa-
vam a participar do processo desencadeado
pela bomba. Não houve nenhuma destruição na
verdadeira acepção do termo. Quando o campo
energético deixasse de ser alimentado, morreria
por si.
O que ficou foi um misterioso ondular e ru-
minar na atmosfera de oxigênio do interior da
cúpula. Ainda havia as máquinas de alta potên-
cia que deixavam de funcionar, e cuja energia
térmica já não absorvia face à falha dos conver-
sores. Em toda a Galáxia, não havia nenhum
gerador nuclear que não se desligasse automati-
camente no momento em que falhasse o ele-
mento de consumo de energia. E 99 por cento
da energia era consumida pelo campo energéti-
co que cercava a cúpula.
— Foi tão simples! — disse Gucky em tom
de decepção, quando a barreira energética, que
há pouco ainda parecia invencível, emitiu uma
débil fosforescência e caiu sobre si mesma.
138
Rhodan não esperou um segundo sequer
além do necessário. O supercouraçado entrou
em movimento. Rapidamente venceu a distân-
cia que separava o litoral da festa montada na
ilha. Só faltava inutilizar o armamento pesado
da poderosa construção com bastante rapidez,
a fim de que as tropas de desembarque não fi-
cassem expostas a um fogo concentrado. O
campo energético do traje protetor arcônida se-
ria capaz de neutralizar o disparo de uma arma
manual, mas nunca os raios mortíferos das pe-
ças de artilharia.
Os propulsores rugiram e os neutralizadores
de pressão emitiram um ruído zangado. A Titan
parou bem em cima da ilha.
As posições de artilharia do lado sul já havi-
am sido localizadas por meio das estações de
observação energética e a pontaria automática
havia sido programada de acordo com essa lo-
calização.
Rhodan limitou-se a fazer um aceno de ca-
beça em direção ao painel de controle de tiro.
Tifflor e Tanner usaram os dez dedos de suas
mãos para comprimir as teclas verdes dos de-
sintegradores.
Só se ouviu o uivo abafado dos conversores
estruturais. Não era o rugido ensurdecedor dos
canhões de impulsos, cujos feixes incandescen-
139
tes eram contra-indicados numa operação desse
tipo.
Sem o menor ruído, praticamente invisíveis
na atmosfera nevoenta e agitada, os feixes de
ondas saíram dos campos com a direção unifor-
mizada.
Ao que tudo indicava, lá embaixo não acon-
tecera nada.
— Cuidado! — gritou alguém pelo interco-
municador de bordo.
O grito era supérfluo. Antes que alguém pu-
desse agir, as faixas incandescentes já haviam
chegado. A fortaleza abrira fogo antes que suas
posições de artilharia pudessem ser destruídas.
Uma verdadeira fogueira atômica envolveu a
nave, que permanecia imóvel. Era um fogo po-
tente e altamente concentrado. Parecia confir-
mar a teoria de Rhodan sobre o tremendo po-
der de fogo de uma fortaleza estacionaria.
Um ruído ensurdecedor encheu todos os
compartimentos da gigantesca nave. A esfera
viu-se transformada num sino vibrante. Por um
instante, teve-se a impressão de que os campos
defensivos entrariam em colapso.
Rhodan colocou o polegar sobre o botão
fortemente assinalado do suprimento energético
de emergência. Até mesmo as usinas de reserva
situadas na parte inferior da gigantesca nave ti-
140
veram de entrar em ação para cobrir as necessi-
dades energéticas, que experimentaram um au-
mento repentino com a enorme solicitação a
que ficou sujeito o campo de força. As armas
defensivas da Titan nunca haviam sido submeti-
das a uma prova tão dura.
Rhodan viu que seu imediato, Everson, foi
atirado para a frente com os solavancos da
nave. Depois os cintos de segurança apoiaram-
no.
Surgiram os impactos lá embaixo. Apenas
demorara uma fração de segundo. As últimas
descargas tremeluziam sobre a barreira de defe-
sa tríplice da Titan, quando a cúpula da fortale-
za se abriu em exatamente vinte e dois pontos.
As aberturas surgiram com um silêncio fan-
tasmagórico. No início, as bordas começaram a
desmoronar, mas logo se tornaram lisas, até
que as fendas, aumentando rapidamente, se
transformaram em buracos de extremidades li-
sas, que pareciam ter sido abertos por uma
prensa.
Não houve nenhuma produção de calor, e
não se notou qualquer incandescência. Em
compensação aconteceu alguma coisa que só
poderia acontecer dessa forma num planeta su-
perpressurizado.

141
Se a fortaleza ficasse no espaço vazio, toda
sorte de objetos seria atirada para fora das
aberturas. Mas aqui não houve nenhuma des-
compressão explosiva. Antes, verificou-se uma
implosão com a súbita penetração da atmosfera
venenosa.
Seguiram-se os fenômenos luminosos, que já
eram esperados pelos físicos da Titan. A atmos-
fera de oxigênio contida na cúpula perfurada
em vinte e dois pontos entrou em contato com
os gases de metano, formando uma mistura ex-
plosiva que foi incendiada pelos canhões ener-
géticos superaquecidos.
Gigantescas labaredas saíram das aberturas.
Desta vez, os fragmentos foram atirados para o
alto. Daí se concluía que já houvera certa com-
pensação de pressões. Mas dali ainda se devia
concluir que as pesadas escotilhas de segurança
não haviam sido esquecidas durante a constru-
ção da fortaleza. Talvez os postos de artilharia
estivessem totalmente destruídos, mas não as
outras instalações da gigantesca cúpula.
Mais uma vez Rhodan não perdeu tempo.
Logo após os primeiros impactos, as armas
térmicas da nave começaram a rugir. O trecho
do mar que se estendia junto à ilha foi varrido
por feixes de raios bem espalhados.

142
O fogo de barragem que devia proteger as
tropas de desembarque contra a aproximação
dos moofs transformou-se num rugido ensurde-
cedor. A Titan começou a mostrar seu poderio.
A nave baixou mais. Quando se encontrava
a exatamente 1.200 metros sobre o borbulhan-
te oceano de amoníaco, voltou a imobilizar-se.
Ainda se encontrava fora do alcance de tele-
portação dos terríveis seres, que numa espécie
de ironia fúnebre haviam sido batizados como
cantores.
Do planejamento estratégico partiu-se para
a ação ofensiva tática. De certa maneira, foram
seguidas as diretrizes clássicas, apenas as armas
utilizadas eram outras, muito mais potentes.
Rhodan sentiu as vibrações telepáticas dos
moofs que batiam em retirada. Nunca passari-
am por essa parede de fogo.
— Desembarcar os robôs. Grupos de segu-
rança — soou a voz de Rhodan em todos os
alto-falantes.
Três mil máquinas de guerra arcônidas, auto
dirigidas e dotadas de raciocínio próprio, desce-
ram das comportas sob a proteção dos campos
antigravitacionais. Foram seguidas pelos blinda-
dos dirigidos por robôs.
Começaram a disparar enquanto ainda des-
ciam. Os alvos eram as aberturas feitas pelos
143
impactos, que teriam que ser mantidas livres
dos cantores.
Dois minutos depois do desembarque dos
robôs de combate de quatro braços, seguiram
os homens. O grupo era chefiado pelo major
Chaney. Rhodan preferira reservar sua inter-
venção pessoal para o caso de um aconteci-
mento extraordinário.
Quatrocentos homens saíram pelas compor-
tas do supercouraçado. Desceram rapidamente
em direção às aberturas da cúpula, cuja área já
fora limpa pelos robôs. Por ali não havia mais
nada que pudesse representar um perigo para
qualquer ser humano.
— Everson, mantenha a nave numa altitude
segura — foi a última ordem que Rhodan deu
antes de saltar.
Nos fones de ouvido soaram os comandos
dos oficiais. As aberturas dos impactos foram
tomadas de assalto por vários grupos. Rhodan
avançou em companhia de Gucky para o lugar
em que se encontrava o tenente Tifflor. Os trin-
ta e cinco homens do grupo comandado por ele
estavam prestes a mergulhar de cabeça na aber-
tura de menos de cinqüenta metros de diâme-
tro.

144
Foram seguidos por robôs especializados;
por enquanto não se notava a presença de nin-
guém.
— Vou dar uma olhada por aí, chefe — dis-
se o rato-castor pelo rádio de capacete.
Rhodan levantou a mão. Gucky desapare-
ceu, dando mais um salto de teleportação.
Viu-se num enorme pavilhão com grande
quantidade de armamentos destruídos.
Dois tiros da arma portátil do robô foram su-
ficientes para romper a parede dos fundos da
comporta.
— Segurem-se! — gritou Rhodan antes de
surgir o furacão.
A atmosfera supercomprimida do planeta
penetrou com um chiado nos compartimentos
situados atrás da parede aberta pelo tiro. Tudo
que não estava preso ao solo foi arrastado.
Rhodan sentiu que suas mãos se soltavam.
Os dedos doloridos abriram-se aos poucos. De
repente chegou a hora.
Juntamente com os outros homens foi arras-
tado pelo chão. A viagem de trenó só findou
depois de terminada a compensação da pres-
são.
— Não utilizem armas térmicas — soou o
grito estridente de Tifflor pelo rádio. — Há pe-

145
rigo de explosão. Temos uma mistura de gases
muito perigosa.
Rhodan lançou um olhar para o enorme pa-
vilhão. As instalações, que segundo tudo indica-
va pertenciam a um grande laboratório, haviam
sido quase totalmente demolidas. Ainda desta
vez não encontraram nenhum ser vivo.
Procurou um canto tranqüilo e dali dirigiu a
ação dos diversos grupos. Um rugido e um ri-
bombar surdo aproximou-se. Eram os homens
dos comandos especiais que avançavam.
— Não enfrentamos nenhum fogo, não en-
contramos a menor resistência — disse o major
Chaney pelo aparelho de comunicação audiovi-
sual. O rosto, um tanto deformado pelo campo
defensivo, surgiu na tela do receptor portátil.
— Continue a avançar no seu setor. Mante-
nha-se em contato comigo e com os grupos vi-
zinhos.
O ataque prosseguiu. Ninguém poderia detê-
lo. Se houvesse aras por ali, não resistiriam à
tremenda energia dos humanos.
Rhodan lembrou-se de uma frase que Crest,
o arcônida, pronunciara em certa oportunidade.
Para ele, o homem era a única criatura da Galá-
xia que se parecia com os conquistadores ar-
cônidas das épocas mais remotas.

146
— Cantores! — o grito ressoou nos fones de
ouvido. — É o tenente Hathome do grupo de-
zesseis. Acabamos de entrar num pavilhão que
está cheio desses monstros plásticos. Estão ata-
cando.
— Retirem-se, procurem fechar algum cor-
redor. Garand, que tal vai a operação de areja-
mento?
— Insufladores funcionando. Análise do ar
satisfatória. A mistura de metano e oxigênio em
todos os recintos inundados desceu a um nível
inofensivo — informou o engenheiro-chefe da
nave.
Rhodan esforçou-se para ouvir o canto agu-
do do turbo-ventilador. Era um aparelho por de-
mais eficiente, que conseguiu vencer a densida-
de gasosa do planeta Moof VI.
A análise do ar foi realizada por robôs espe-
cializados.
O tenente Hathome, que passara pela prova
dos combates travados em Honur, mandou sus-
pender o fogo insensato dos desintegradores
manuais. Os monstros não reagiam ao mesmo.
No momento em que seus homens bateram em
retirada, Rhodan transmitiu a ordem decisiva:
— Todos os comandos têm permissão para
abrir fogo com as armas térmicas. O perigo de
explosão foi removido. O ar externo está sendo
147
insuflado em todos os compartimentos e a mis-
tura gasosa, expelida. Podem começar.
Foi Hathome quem no último instante se
deitou atrás do canhão portátil de impulsos e
abriu fogo contra o monstro que se aproxima-
va.
O ser desmanchou-se na incandescência ex-
pelida pela arma. Mais atrás um homem gritou;
estava sendo enlaçado por um cantor. Demo-
rou apenas alguns segundos até que Gucky apa-
recesse. Dali em diante, a coisa não teve a me-
nor chance.
— Avisem-me pelo rádio assim que alguém
for agarrado — soou a voz do rato-castor em
meio aos berros.
Era um inferno. Cada grupo dependia de
seus próprios recursos. Os robôs de combate,
que se encontravam do lado de fora, estavam
empenhados numa luta encarniçada contra os
monstros que se teleportavam para o local. O
inimigo havia colocado milhares deles na ilha, já
que esperava uma operação de desembarque.
A medida produziu um resultado às avessas.
Não conseguiam penetrar na fortaleza, pois te-
riam que romper as linhas de robôs e a barreira
de fogo erguida pela Titan.
Rhodan aguardava.

148
***

Levaram duas horas, tempo de bordo, para


atingir os compartimentos internos da cúpula.
De fora, esta com seus gigantescos salões, pavi-
lhões e corredores circulares, parecia intacta.
Do lado de dentro, estava transformada num
montão de destroços.
Há um minuto tiveram o primeiro contato
direto com o inimigo. Encontraram um ser hu-
manóide delgado de pele branca e constituição
débil. Estava morto.
Rhodan inclinou-se sobre o rosto cinzento e
inexpressivo com os olhos enrijecidos.
— Um ara — disse pelo rádio. — São os
mesmos tipos que encontramos em Honur.
Onde estarão os outros?
— Atrás dessa porta — disse Tifflor, cansa-
do. Seu rosto parecia uma máscara atrás da lu-
minescência do campo defensivo. — Coman-
dante, é uma coisa horrível. O grande portão à
sua esquerda leva a uma espécie de laboratório
gigante. Ali encontramos pedaços dos monstros
com que vivemos lutando.
— Pedaços? — gaguejou Rhodan.
— Sim senhor. Os biólogos já estão lá den-
tro. Pelo que dizem, trata-se de uma grande usi-

149
na destinada à produção de vida sintética. Os
caldeirões estão fervendo e borbulhando.
Sem dizer uma palavra, Rhodan correu para
o recinto contíguo. Sacudido de pavor, parou.
As instalações inteiramente automatizadas ain-
da estavam funcionando. Até parecia uma fábri-
ca de automóveis, onde as diversas peças são
colocadas numa fita de montagem. Tratava-se
de uma forma misteriosa de vida sintética pul-
sante, que no fim da linha de montagem saía da
máquina fumegante sob a forma de mangueira
de borracha. Aquilo que as fitas transportavam
vivia, mas não pensava.
O biólogo Janus van Orgter fez uma consta-
tação. Os monstros só podiam agir quando fos-
sem dirigidos por uma vontade potente. Prova-
velmente os médicos galácticos os vendiam
para serem utilizados como forças auxiliares.
Rhodan deu uma ordem:
— Tifflor, arrebente as fitas e as máquinas a
tiro. Saiam todos, inclusive os cientistas.
Nesse instante, ouviu-se o grito de socorro
de Gucky. Todos perceberam a voz aguda nos
fones de ouvido.
— Estou no setor residencial. Venham de-
pressa. Os aras estão fugindo para uma nave
espacial. Está perto de mim. Acho... acho que
não agüento mais. Estou exausto. Venham.
150
Um ribombar surdo abafou os ruídos das ar-
mas e dos exaustores. O ruído cresceu num ui-
var agudo que, depois de atingir um ponto
máximo, afastou-se rapidamente.
Rhodan chamou a Ganymed. O coronel
Freyt apareceu na tela.
— OK, comandante, já os localizei. Não irão
longe — disse tranqüilamente. — Conseguiram
pegar algum aí embaixo?
— Estou segurando três aras — gemeu
Gucky. — Eles se defendem. Venham logo.
Rhodan desligou. Enquanto uma pequena
nave surgia no espaço e os disparos das peças
de artilharia de uma das faces da Ganymed per-
seguiam o veloz fugitivo, o grupo de Tifflor vol-
tou a avançar. As últimas paredes divisórias des-
moronaram sob a ação dos desintegradores.
Num pequeno compartimento, encontraram
Gucky diante de três seres estranhos. Pareciam
grudados nas paredes. Usavam fortes trajes es-
paciais, capazes de resistir à pressão dos gases
do planeta.
Punhos vigorosos arrancaram os seres inde-
fesos da energia telecinética que os prendia.
Pouco depois, Wuriu Sengu informou que não
encontrara mais nenhum ara.
Passaram-se mais cinco minutos até que os
robôs e os homens revistassem a cúpula. Os
151
três prisioneiros já estavam sendo submetidos a
interrogatório hipnótico a bordo da Titan.
Quando Rhodan chegou, já dispunham do
resultado.
Os rostos dos médicos Hayward e Kärner
pareciam enrijecidos. Rhodan estacou.
Tateou à procura de uma poltrona articulada
arcônida, que logo se ajustou ao seu corpo.
— Espero que não venham me dizer que o
interrogatório não produziu nenhum resultado
— disse.
O Professor Kärner pigarreou. Gotículas de
suor cobriam sua testa.
— O interrogatório deu resultado, mas diria
que foi um resultado negativo. Esses seres
dispõem de pouca resistência psíquica. O inter-
rogatório hipnótico penetrou no último recanto
de seu espírito.
— E daí?
— Para nós foi um resultado negativo, como
já disse. Esta base serve exclusivamente à fabri-
cação de vida sintética. Os monstros aqui pro-
duzidos eram levados pelas naves dos médicos
galácticos. Os aras que se encontravam aqui
não tiveram nada que ver com os acontecimen-
tos que se desenrolaram no planeta Honur.
Nem desconfiam de que temos doentes a bor-
do. As declarações são perfeitamente plausí-
152
veis, pois devemos considerar o fato de que os
aras estão divididos em inúmeros clãs.
Rhodan cobriu o rosto com as mãos.
— Foi em vão — a idéia martelou o cérebro
de Rhodan. — Tudo em vão.
Kärner prosseguiu tranqüilamente:
— Esta missão foi um fracasso. Partimos de
um falso pressuposto. Os aras que viviam aqui
já nos conheciam, mas em virtude dos aconteci-
mentos do planeta Zalit, não por causa da into-
xicação. Foram eles que levaram os moofs para
lá e lhes ordenaram que fomentassem a revolta
através de influências sugestivas exercidas sobre
as classes dominantes. Aqui não existe nenhum
remédio para nossos doentes.
Os braços de Rhodan pendiam molemente.
Seus olhos inexpressivos fitavam o nada.
— E agora?
— Uma das informações que obtivemos as-
sume certa importância — interveio Hayward,
lançando um olhar de recriminação para Kär-
ner. — Os aras possuem mundos centrais, onde
se desenrola o comércio com outras raças. Se o
antídoto existe, só pode ser encontrado no
mundo que os prisioneiros chamam de Aralon.
Ali existe um tipo de central de vendas de pro-
dutos médico-farmacêuticos, que dispõe dos
mais variados medicamentos. Além disso, ali
153
existem alguns dirigentes dos aras. Os prisionei-
ros têm certeza que nesse mundo poderíamos
encontrar auxílio. Como fazê-lo, isso natural-
mente já é outra questão.
— Se for necessário, eu os obrigarei a aju-
dar. Dou-lhes minha palavra — disse Rhodan
com a voz entrecortada. — Tranque os prisio-
neiros e dê-lhes mantimentos. A cúpula será
destruída.
— E os moofs? — lembrou Everson.
— Deixe-os onde estão. Não há motivo para
preocupar-se com eles se os seres que os mani-
pulavam desapareceram.
— Estes monstros representam um perigo.
O planeta deve ser destruído — resmungou o
Dr. Certch.
O rosto de Rhodan parecia magro e enruga-
do.
— Deixe que os moofs fiquem com seu
mundo. São inofensivos. Nunca sairão do pân-
tano de amoníaco em que estão mergulhados, a
não ser que algum elemento criminoso os leve.
Pouco importa como são eles. Peço que faça
seus cálculos sobre a conduta provável do cére-
bro robotizado.
— Pretende voltar para Árcon? — pergun-
tou Certch espantado.

154
— Será que o senhor sabe onde fica esse
planeta dos aras que costuma ser designado
pelo nome Aralon?
Rhodan levantou-se. Estava cansado. Nesse
instante Gucky entrou na sala de comando.
— Nosso amigo acaba de chamar — disse.
— O tal do Trorth. Temos que descer, pois ele
não pode sobreviver em nossa atmosfera.
— Trorth? Sim, naturalmente. Tifflor, Dr.
Orgter, queiram vir comigo. Tiff, desembarque
dez homens que montarão guarda. Não quero
ser surpreendido pelos moofs.
— O diabo que carregue esses bichos — dis-
se Everson entre os dentes. — Tome cuidado,
comandante.

***

Desceram nos seus trajes antigravitacionais.


Subitamente, num movimento de pânico, levan-
taram as armas.
Os radiadores térmicos ainda estavam segu-
ros nas mãos dos homens. Foi só por causa do
grito agudo de Gucky que não dispararam.
Trorth viera só. Era uma criatura solitária e
desamparada, cujos tocos de perna descansa-
vam no solo cristalino. O corpo de medusa ba-
louçava ao vento, e os grandes olhos que se
155
abriam no centro da cabeça estavam arregala-
dos. Com seus dois metros de altura e metro e
meio de largura, erguia-se diante dos homens.
Não possuía arma, e nunca possuíra.
Gucky choramingava. As patas rosadas co-
briam o ouvido por baixo do campo energético.
— Não, não voltem a atirar — disse o suave
impulso telepático que tocou o cérebro de Rho-
dan. — Vocês atiraram demais e mataram mui-
tos de nós. Por quê? Meus irmãos estão cho-
rando. Não fizemos o possível para obrigá-los a
decolar, utilizando nossos dons naturais, depois
que pousaram apesar da advertência que lhes
havíamos dado? Vocês atiraram contra nós. Foi
uma coisa horrível. Não fizemos mais nada.
Apenas tentei outra vez entrar em contato com
vocês, mas voltaram ao ataque. Ajudamos sem-
pre que pudemos. Seus amigos viram-se em si-
tuação difícil. Por isso reunimos todas as nossas
forças e destruímos os seres sem vida. Eles se
desmancharam em bolas de fogo.
— E as baixezas que vocês andaram fazendo
em Zalit? O que devo pensar disso? — pergun-
tou Rhodan. — Foi só por causa disso que acre-
ditamos que os moofs são inimigos ferozes do
Império.

156
As armas desceram em direção ao solo.
Gucky traduziu mensagens telepáticas em sons
inteligíveis.
— Sei disso — respondeu o moof.
A tormenta tornou-se mais forte. Orgter
lembrou-se da oportunidade em que, depois do
primeiro pouso, foi arrastado pelo chão.
— Estamos envergonhados — disse Trorth.
— Só podemos pedir sua compreensão, pois
uma criança não é um sábio. Não sei se entre
vocês também existem crianças, isto é, seres
que ainda não têm vontade própria.
— Crianças? — gemeu Rhodan. — Quer di-
zer que os moofs de Zalit foram as crianças de
vocês.
— Os aras abusaram delas, depois de se-
qüestrá-las. Não sabiam o que estavam fazendo.
Sei perfeitamente que não há desculpa para
isto. Não estamos interessados no poder políti-
co. Quando vocês chegaram imaginávamos que
vocês faziam uma idéia errada a nosso respeito.
Já lhes perdoamos tudo. As coisas não são tão
ruins assim; está tudo esquecido. Sentimo-nos
felizes quando podemos conversar com seres
vindos de outras estrelas. Sabemos que existe
um Império, embora nunca tenhamos visto as
estrelas. Muitos seres estranhos já pousaram
neste planeta, até que um belo dia apareceram
157
os aras e começaram a criar aqueles seres. Fo-
ram inimigos mortais de nossa raça. Ainda pre-
tende atirar contra nós?
O ser estranho sentiu os impulsos de deses-
pero e auto-recriminação. Aproximou-se desa-
jeitadamente.
— Lamento de todo coração que tenha
acontecido uma coisa dessas — cochichou Rho-
dan.
— Podemos ajudar em alguma coisa? — a
mensagem do moof foi em tom tranqüilizante.
— Esqueça, esqueça o que aconteceu aqui. To-
dos erramos. Não pude chamar mais cedo, pois
você não teria acreditado em mim. Resolvemos
dar demonstrações de boa vontade até que sua
inteligência compreendesse nossas verdadeiras
intenções. Você ainda precisa de auxílio. Vejo
em seu espírito que muitos dos seus irmãos es-
tão doentes.

***

O homem e o monstro separaram-se depois


de duas horas de palestra. Rhodan e seus com-
panheiros estavam arrasados no seu íntimo e
sentiam-se martirizados pela auto-recriminação,
enquanto os moofs sentiam uma alegre expec-
tativa. Cinqüenta deles subiriam a bordo da Ti-
158
tan, para ajudar o homem na procura do medi-
camento. As faculdades telepáticas e sugestivas
desses seres poderiam representar uma ajuda
inestimável.
— Dr. Garand, faça o favor de adaptar al-
guns compartimentos da nave, transformando-
os em câmaras pressurizadas — ordenou Rho-
dan quando retornou à nave. — Crie condições
que permitam a sobrevivência dos moofs. Não
se espante, estou falando sério. Faça o favor de
providenciar os recintos pressurizados. Nossos
amigos subirão a bordo assim que os mesmos
estiverem prontos. Nossos amigos, entendeu?
Seus olhos seguiram o comandante que se
afastava.
Lá fora uivava o furacão. Junto à nave, os
corpos deformáveis dos moofs moviam-se ao
ritmo das rajadas turbulentas.

***

159
Mesmo no encontro de homens que falam
a mesma língua às vezes não se consegue evi-
tar a ocorrência de enganos que levam a con-
flitos trágicos. É claro que, no primeiro en-
contro entre o homem e o monstro, a proba-
bilidade da ocorrência de um conflito trágico
é muito maior, já que este constitui um resul-
tado natural do desconhecimento mútuo. De
qualquer maneira, os homens que pousaram
no planeta Moof tiveram de aceitar uma lição
amarga.
Em ARALON, O CENTRO DE EPIDEMI-
AS, a próxima aventura de Perry Rhodan
acontece exatamente o contrário. Serão os
terranos que darão uma lição aos aras.

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ÐØØM SCANS
PROJETO FUTURÂMICA ESPACIAL
https://doom-scans.blogspot.com.br

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