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O Olho Vermelho Do Sistema Beta
Clark Darlton

Tradução
S. Pereira Magalhães

Digitalização & Revisão


Arlindo_San

Formatação
ÐØØM SCANS

PROJETO FUTURÂMICA ESPACIAL

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Um adversário muito antigo, já quase esque-
cido, surge novamente. E Gucky fez questão de
ver os lagartos voarem.

Para dar mais impressão de verdadeira


Terra, Rhodan mandara seus dois cruzado-
res, Centauro e Terra, para se estabelecerem
no planeta Três, se defenderem dos ataques,
simulando que aquele planeta era realmente
a invejada Terra dos homens.
Porém o planeta Quatro já estava ocupa-
do pelos tópsidas, os quais...

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Personagens Principais:

Perry Rhodan — Administrador da Terra e


chefe da Terceira Potência.
Gucky — Contra ordem expressa de Rho-
dan, embarca clandestino, levado pela convic-
ção do grande perigo, acaba salvando a situa-
ção.
Al-Khor — Comandante dos tópsidas, não
crê em assombrações.
Major Deringhouse — Comandante do cru-
zador Centauro e chefe geral da expedição cuja
finalidade é apresentar um planeta de Beta
como sendo a nossa Terra, para desviar o ata-
que dos imperialistas saltadores.
Major McClears — Comandante do cruzador
Terra.
Wor-Lök — Por medo do ditador é assassi-
nado em pleno Conselho de Guerra.

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1

Além dos dois arcônidas Crest e Thora, do


rato-castor Gucky e dos próprios terranos, não
havia ninguém, no Universo inteiro, que pudes-
se saber a posição do planeta Terra, com exce-
ção de duas criaturas.
A primeira chamava-se Topthor. Era um co-
merciante das Galáxias da estirpe dos Superpe-
sados, 1,60 m de altura e o mesmo tanto de
largura, pele esverdeada e senhor absoluto de
uma respeitável frota de espaçonaves.
A segunda era o cérebro positrônico, instala-
do na nau capitania do próprio Topthor, na
mesma espaçonave com a qual tentara atacar a
Terra, há meses atrás, ao descobri-la casual-
mente. Porém, nem o computador positrônico,
nem Topthor, sabiam que os mutantes de Perry
Rhodan haviam alterado completamente a pro-
gramação dos dados, no setor de alimentação
do computador.
Conforme esta alteração, passou a ser regis-
trado como Terra o terceiro planeta do gigan-
tesco sol Beta, 272 anos-luz do nosso sistema
solar.
Uma alteração que provocaria um lamentá-
vel engano — lamentável para dois grandes po-
vos das Galáxias — embora seu grande adversá-
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rio, um terrano com o nome de Perry Rhodan,
juntamente com seu pequeno planeta pátrio, fi-
cariam excluídos dos dados lançados.
E era exatamente este o objetivo de Rhodan.
A Terra, isto é, a Humanidade, já estava
evoluída e já havia realizado em seu planeta o
que até então parecia mero sonho de idealistas.
A unificação da Terra num só governo não
era mais utopia. Todos os povos da Terra ti-
nham se unido, fronteiras e barreiras alfandegá-
rias não mais existiam. O ministro das finanças
da Terra, Homer G. Adams, introduziu um pa-
drão monetário único, o chamado Solar, moeda
de toda a Terra. As grandes nações e os peque-
nos estados de outrora tinham sua representa-
ção no Conselho Geral que se reunia periodica-
mente em Terrânia, capital do Mundo.
O fantasma da guerra era coisa do passado.
O dinheiro colossal dispendido outrora com ar-
mamentos, servia agora para a construção de
uma gigantesca frota espacial, dependente dire-
tamente do governo mundial. Inicialmente, as
unidades já existentes da frota eram comanda-
das pelos homens da Terceira Potência, um or-
ganismo estatal construído com o auxílio dos
arcônidas.
Em Terrânia, situada no coração do deserto
de Gobi, era grande a agitação. A megalópole,
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célula-mater da Terra unificada, aguardava com
ansiedade o relatório de seu primeiro cidadão,
que depois de uma ausência de seis meses, es-
tava regressando ao planeta pátrio. Ninguém
sabia o que havia sucedido neste meio ano, mas
todos sabiam que a prolongada ausência de
Perry Rhodan só podia ter sido causada por
acontecimentos da maior gravidade.
O engenheiro-chefe Kowalski e o técnico de
eletrônica Harper, haviam terminado o trabalho
do dia e permaneciam sentados diante da televi-
são, em seu aposento coletivo, do qual compar-
tilhavam ainda dois outros colegas, que faziam
serão.
A tela mostrava o espaço. No fundo, estava
a Via Láctea e, mais para frente, a sombra de
uma espaçonave em forma de um torpedo.
Uma única palavra indicava a estação que esta-
va transmitindo: Terrânia.
Qualquer pessoa na Terra sabia que um
grande acontecimento estava iminente. Certa-
mente não havia ninguém que fosse perder esta
transmissão. O governo mundial falaria a toda a
população da Terra, provavelmente o próprio
presidente — Perry Rhodan.
— Acabou de chegar hoje — disse Kowalski,
e Harper sabia de quem estava falando. Todo
mundo vira a gigantesca esfera espacial quando
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descia. Uma nave, que a Terra nunca havia vis-
to igual. Quilômetro e meio era o diâmetro do
gigante do espaço. Com letras pretas, lia-se em
sua fuselagem o nome: Titan.
— Estou curioso para ouvir as novidades que
nos traz.
Ele, Perry Rhodan, o homem que tinha uni-
ficado a Terra, e a transformado numa super-
potência galáctica. Era, talvez, o único homem
vivo que não tinha inimigos — pelo menos na
Terra e entre os homens.
Lá fora, porém, no infinito do espaço...
— Vamos ver — murmurou Harper, vi-
rando-se na poltrona. — De qualquer maneira,
uma coisa não mudou ainda: as pausas na tele-
visão. Parece que vai começar agora.
A cintilante Via Láctea desapareceu da tela,
dando lugar ao rosto de um homem. Era o co-
ronel Albrecht Klein, substituto de Rhodan. Du-
rante a ausência do presidente, dirigia os negó-
cios da Terceira Potência e do governo mundi-
al, com o apoio decidido de Allan D. Mercant.
— Amigos terranos!
O coronel Klein fez uma pausa muito enfáti-
ca, olhando com um sorriso afável para a câme-
ra, e portanto para quase dois bilhões de ho-
mens.
— Perry Rhodan voltou de sua expedição ao
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espaço e vai informá-los dos acontecimentos
mais importantes, sucintamente. Um relatório
mais detalhado pode ser esperado para os
próximos dias, de maneira que peço compreen-
são dos telespectadores, pelo fato de nosso pre-
sidente fazer apenas um resumo dos fatos. Pas-
so assim a palavra a Perry Rhodan!
Coronel Klein se afastou com um sorriso e
sua imagem desapareceu do vídeo.
— Foi breve e indolor — observou Harper,
olhando com interesse quando a câmera ainda
apresentava a retirada de Klein e depois o am-
biente onde já se encontravam os membros do
Conselho do Governo, numa mesa em meia-
lua.
— Lá está ele.
Kowalski já havia visto Rhodan há mais tem-
po. O uniforme da Frota Espacial, bem talhado,
salientava sua figura esbelta. Levantou-se com
um leve sorriso, dirigindo-se ao estrado dos mi-
crofones. Apertou a mão do coronel Klein e fi-
cou de pé diante da câmera, que levava a ima-
gem por todas as partes da Terra, até mesmo
para o menor povoado no centro da África.
Centenas de tradutores convertiam suas pala-
vras em todas as línguas da Terra, para as di-
versas regiões do mundo. Todos podiam com-
preendê-lo, embora falasse em inglês.
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— Terranos...
A voz de Rhodan soava um pouco cansada,
embora seu sorriso fosse permanente. Em seus
olhos castanhos parecia cintilar a perenidade do
espaço infinito, que realmente se tornara sua
segunda pátria. Mas esta perenidade não tinha
o brilho de sempre; trazia laivos de preocupa-
ção no fundo de sua alma.
— Nestes últimos seis meses, muita coisa
mudou, tanto aqui na Terra como no espaço in-
finito. Vocês todos se lembrarão que iniciamos
uma expedição para procurarmos o Império
dos Arcônidas nas Galáxias, no conjunto sideral
M-13, distante de nós trinta e quatro mil anos-
luz. Encontramos Árcon, o sistema central, tive-
mos, porém uma amarga decepção. Há seis
anos, os arcônidas foram substituídos por um
cérebro positrônico de tamanho inimaginável,
maior do que todo cérebro que existiu ou existe
nas Galáxias.
Rhodan fez uma pausa curta, para dar ênfa-
se a suas palavras. A câmera se afastou um
pouco, fotografando agora os dois arcônidas
Crest e Thora bem de perto. Harper assobiou
baixinho, dizendo:
— Que mulher fantástica, esta Thora, alta e
esbelta. Os cabelos brancos e os olhos averme-
lhados não atrapalham nada. Não é propria-
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mente bela, mas tem um encanto especial a que
não posso resistir.
Rhodan apareceu de novo no vídeo.
— Conseguimos tomar do Império a maior
belonave até hoje construída no universo, a Ti-
tan. Atacado por inimigos externos, o cérebro
positrônico se sentiu ameaçado, aliando-se a
nós. Ajudamos o regente do Império Arcônida
e granjeamos sua confiança, se é que se pode
falar em confiança em se tratando de um cére-
bro robotizado. No decorrer das operações, se
evidenciou cada vez mais que o grande Império
e a nossa pequena Terra têm um inimigo co-
mum, que deve ser tomado muito a sério, isto
é, os saltadores. Vocês todos já ouviram falar
nesta raça de humanóides, descendentes dos ar-
cônidas. São também chamados de comercian-
tes das Galáxias. Foram eles que, há tempos,
atacaram a Terra e foram rechaçados. O super-
pesado Topthor conhece a posição da Terra,
ou pelo menos julga conhecer. Ele e o cérebro
positrônico de sua nave.
“Mas ainda existe alguém que gostaria de sa-
ber onde está a Terra: o gigantesco cérebro ro-
botizado de Árcon. Terranos, nosso mundo não
conhece inimigo mais perigoso do que este cé-
rebro robotizado, que não suporta competir
com outra potência. E a Terra está em vias de
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se tornar uma superpotência das Galáxias.”
Rhodan foi interrompido pelo aplauso geral
dos delegados. Agradeceu-lhes, com um sinal
de cabeça e continuou:
— O cérebro positrônico de Árcon consiste
de lógica fria e total ausência de compromissos.
Não vê em nós a não ser um auxílio oportuno,
que pode usar à vontade quando interessar a
seus desígnios. A Terra, porém, não tem ne-
nhum interesse em ser colônia de Árcon.
Irrompeu novo e vibrante aplauso. Harper e
Kowalski batiam palmas com entusiasmo. A te-
levisão exibia de novo Crest e Thora que evita-
vam qualquer manifestação de sentimento. Imó-
veis e calmos estavam eles em seus lugares.
Nos olhos de Crest houve brilho breve, mas
ninguém poderia dizer se era de indignação.
Thora não deixava um momento de olhar para
Rhodan. Seu olhar estava pregado em seus lá-
bios, como que aguardando dele uma revela-
ção.
Rhodan esperou até que se fizesse silêncio.
— Volto a insistir na lógica fria do cérebro
robotizado. Quando ele souber de nossa resolu-
ção, isto é, de não querermos mais continuar
como seus criados, haverá de cair sobre nós,
sem piedade e destruir-nos. Porém, não sabe
onde se localiza o sistema solar no infinito do
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espaço... Ainda não sabe.
“E Topthor não nos pode mais trair, porque
nós alteramos os dados do computador ele-
trônico, alimentando-o com dados falsos. Se ele
recorrer ao cérebro positrônico para saber da
nossa posição, receberá a resposta de que a
Terra é o terceiro planeta do grande sol Beta,
em Orion, duzentos e setenta e dois anos-luz
distante de nós.
“Penso que os saltadores e talvez até mesmo
o cérebro robotizado de Árcon destruam este
terceiro planeta e acreditem piamente que des-
truíram a Terra. Conforme os catálogos dos ar-
cônidas, este terceiro planeta é considerado ina-
bitado, mas nós cuidaremos de fazer com que
ninguém perceba isto. A Terra, oficialmente,
deixará, pois, de existir. Só depois é que tere-
mos tempo para construirmos nossa frota espa-
cial, com calma, até que um dia possamos nos
apresentar diante de Árcon de cabeça erguida e
impor nossas condições. Não mais como povo
dependente, mas, ao menos como nação sobe-
rana, de igual para igual.”
Novos aplausos, até mesmo por parte dos
dois arcônidas, a quem era sumamente descabí-
vel que um robô dirigisse o grande Império.
Harper comentou:
— Que planos tem nosso Rhodan! Acho isto
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um pouco difícil. Mas compreendo que não há
outra possibilidade. Portanto, desapareçamos
de cena, até ficarmos mais fortes.
— É fácil falar — respondeu Kowalski,
olhando para o relógio. — Foi sucinto e não as-
sustou ninguém, colocando-nos praticamente
diante de fatos consumados. Estou curioso para
ouvir o anunciado relatório. Serão verdadeiros
romances de aventura. Seis meses no espaço
não é brincadeira.
Não sabia como seu palpite estava perto da
verdade. Harper ia responder, mas Rhodan
continuou:
— Terranos, expus-lhe, em poucas palavras,
meu plano, para que compreendam mais tarde
nosso modo de agir. Ainda esta semana, parti-
rão dois dos nossos grandes cruzadores em di-
reção a Orion para dar a um planeta não habi-
tado a impressão de ser habitado. Temos que
contar com o fato de o superpesado Topthor
não demorar muito em destruir a odiada Terra.
Que ele faça o que quiser.
Rhodan levantou a mão, cumprimentando.
A imagem desapareceu, voltando o habitual si-
nal de Terrânia.
Kowalski se levantou, desligando o aparelho.
Olhou para Harper.
— Que diz de tudo isto? Não foi magnifica-
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mente planejado?
— Não sei, não — respondeu Harper, meio
duvidoso. — Num cálculo de aparência perfeita,
sempre pode haver um pequeno engano. E está
tudo acabado.
— Bobagem! — Kowalski estava um tanto
zangado. — Perry Rhodan não comete erro.
Harper abanou a cabeça e se levantou.
— É possível, Kowalski, mas desta vez tenho
a impressão de que está cometendo um. Permi-
ta Deus que eu esteja errado. Mas, uma coisa
eu digo a você, caro amigo: se houver uma fa-
lha desta vez no cálculo, então... Deus nos acu-
da.
Kowalski não respondeu. Olhou calado para
o amigo que desapareceu no outro aposento.
Escutou ruído de talheres. Abriu-se uma garra-
fa.
O engenheiro-chefe da Polônia franziu a tes-
ta. O que poderia haver de errado no fato de os
saltadores destruírem com sua frota um planeta
desabitado, que julgavam ser a Terra, e isto a
quase 300 anos-luz dali? O que poderia haver
de errado em tudo isto?

***

— Esta injustiça clama aos céus e eu vou


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apresentar minha queixa sobre estes fatos injus-
tos.
A voz era muito estridente e o tom não ape-
nas irritado, mas de veemente protesto. Porém
não parecia exercer muita influência em Rho-
dan, pois sorria calmo, sossegando o interlocu-
tor acariciando-lhe o pêlo da nuca.
— Mas Gucky, por que tanta raiva assim?
Você não merece realmente umas férias? Eu
também fico por aqui.
Gucky continuava zangado. Estava ao lado
da poltrona de Rhodan, de pé, com toda sua
imponência, ostentando sua estatura de um me-
tro e meio de altura. As orelhas compridas traí-
am uma audição acurada; o focinho longo e
afunilado, um olfato fora do comum; o amplo
traseiro com uma cauda volumosa espraiada em
leque, demonstrava pouco entusiasmo para lon-
gas caminhadas. Gucky também não tinha ne-
cessidade disso. Era teleportador e podia se lo-
comover para qualquer lugar sem o menor es-
forço. Podia também ler os pensamentos, era
um grande telepata e, além de tudo, movia
qualquer matéria à distância, graças à sua força
mental, sem usar força física. Faculdade esta
conhecida sob o nome de telecinese.
Gucky era realmente dotado de proprieda-
des tão extraordinárias que quem o visse pela
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primeira vez não achava possível.
— Está certo — disse ele meio zangado, dei-
xando ver seu dente roedor, cuja ocupação pre-
dileta era roer cenouras. — Mas, dez mutantes
voam para o espaço, só eu é que fico aqui.
— Minha resolução está tomada — disse
Rhodan, cortando qualquer tipo de argumenta-
ção, com certa energia.
Virando-se novamente para os homens que
estavam reunidos, acompanhando com interes-
se o diálogo com Gucky, falou:
— Major Deringhouse assume o comando
da Centauro e major McClears o da Terra.
Cada um dos cruzadores terá uma tripulação de
quatrocentos homens e será equipado com
compensadores estruturais. Ninguém poderá
rastrear os hipersaltos. Além disso, dez mem-
bros do corpo de mutantes tomam parte na ex-
pedição. John Marshall é o seu chefe. Recebe
de mim poderes absolutos. Apenas Deringhou-
se lhe dará ordens.
Ao lado de Rhodan estava um subordinado,
homem espadaúdo, de cabelos vermelhos e hir-
sutos, de rosto largo. Nos seus olhos de um
azul-claro pairava uma pergunta não expressa,
quando, quase imperceptivelmente sacudiu a
cabeça. Rhodan percebeu.
— Que há, Bell? Alguma objeção?
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Reginald Bell, o melhor amigo de Rhodan e
seu íntimo confidente, antigo ministro da segu-
rança da Terceira Potência, parecia um tanto
desconcertado por ser interpelado assim à
queima-roupa.
— Não, está tudo claro. Queria apenas dar
razão a Gucky.
— O que quer dizer isto?
— Acho injusto, quando exatamente nós é
que sobramos. O que é que vamos fazer, quan-
do a trezentos anos-luz daqui se decide a vida
ou a morte da humanidade? Gucky é o melhor
e eu... eu...
— Oh... — e Rhodan começou a sorrir. —
E você...?
— Sou de qualquer maneira amigo de Gucky
— foi tudo que Bell pôde alegar a seu favor.
Agachado em sua poltrona, Gucky esticou
as orelhas e seus olhos brilhavam felizes.
— Obrigado, velho companheiro de lutas,
muito obrigado, não vou esquecer isso, mas te-
nho receio que nossos esforços sejam inúteis. O
plano de combate está traçado. Desta vez não
somos necessários.
Rhodan continuou sorrindo para ele.
— Ainda bem que você compreendeu bem a
situação, Gucky. As duas espaçonaves já estão
prontas para decolar e vão iniciar o vôo para
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Beta ainda esta noite. Major Deringhouse, você
conhece bem o plano. Juntamente com McCle-
ars você vai simular a defesa do terceiro plane-
ta. Retire-se e desapareça, assim que o adversá-
rio tiver destruído totalmente o terceiro planeta.
Somos obrigados a sacrificar este mundo, mas
ele não possui vida inteligente. Os saltadores
não demorarão a dar como completamente
destruído o mundo dos homens. Até mesmo o
cérebro robotizado de Árcon lhes será grato, do
ponto de vista lógico. É pena, porque eu mes-
mo já estava me simpatizando com a cúpula de
aço de Árcon.
Os dois cruzadores pesados eram naves es-
féricas de duzentos metros de diâmetro. Seus
raios de ação eram praticamente ilimitados.
Com saltos através do hiperespaço, podiam
transpor distâncias inimagináveis na rapidez de
segundos. Apenas a aferição positrônica das
respectivas coordenadas consumia maior espa-
ço de tempo que não estava, aliás, em propor-
ção com a duração da viagem. O armamento
consistia de radiadores de impulsos e de outros
meios de destruição de proveniência arcônida.
Poderosos envoltórios energéticos protegiam os
cruzadores de qualquer ataque. Campos anti-
gravitacionais neutralizavam quaisquer choques
em manobras de frenagem, aterrissagem ou de-
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colagem.
Crest pigarreou.
— E o que acontece, então? — perguntou
em voz baixa.
Rhodan o fitou por um instante:
— Depois que a destruição da Terra for si-
mulada, não é isto que quer dizer? Quem sabe
precisamos então de anos e anos para atingir-
mos o objetivo, talvez um decênio. Mas com
toda certeza, só podemos enfrentar Árcon no-
vamente, quando não precisarmos mais nos es-
conder, ou seja, esconder a posição da Terra,
de uma Terra que de repente começa a existir.
Uma Terra que esteja em situação de impor
condições ao cérebro robotizado de Árcon.
Acho que isto é interessante para vocês, Crest e
Thora.
Os dois arcônidas concordaram.
Bell começou a sorrir de uma hora para ou-
tra. Bateu nas costas de Gucky, deu uma pisca-
dela para Rhodan e exclamou muito patético:
— Com o nosso renascimento, algumas pes-
soas ficarão admiradas...

***

Rhodan, Bell, os dois arcônidas e Allan D.


Mercant estavam à beira do espaçoporto quan-
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do as possantes esferas espaciais faziam a con-
tagem regressiva. Os refletores inundavam o
campo de aviação de uma claridade intensa.
Mais ao longe, na outra extremidade do espa-
çoporto, a noite caía no deserto. Como imensa
campânula, o céu envolvia os dois pesados cru-
zadores, incumbidos da mais extraordinária mis-
são, que nave alguma jamais recebera. A histó-
ria da humanidade é um rosário de guerras e
missões de todos os tipos. Mas nunca um pla-
neta foi dado como sendo a Terra, para ser
destruído.
Mercant parecia mais jovem do que real-
mente era. Mas Rhodan pôde constatar que,
nos últimos meses, o ex-chefe do Conselho In-
ternacional de Defesa tinha envelhecido bastan-
te. A tremenda responsabilidade que pesava em
seus ombros consumia suas forças. Os cabelos
louros em volta de sua careca central estavam
bem grisalhos.
— Lá vão eles e permita Deus que voltem
logo! — exclamou em tom enfático, tendo o
cuidado de não pisar um escaravelho que se ar-
rastava pelo chão. Mercant, apesar de sua fa-
mosa rigidez no trabalho, ou talvez por este
motivo, era um grande amigo dos animais. —
Desta vez, felizmente, não vou ficar sozinho
aqui na Terra.
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Rhodan não perdia de vista as duas esferas
cintilantes.
— A Titan fica em permanente prontidão,
Mercant — lembrou ele. — Assim que receber
qualquer notícia alarmante de Deringhouse já
estarei a caminho.
Mercant contraiu a fisionomia.
— O que poderá acontecer de alarmante?
— Você parece se esquecer de que nós não
conhecemos o sistema Beta. Nossos dados se
apóiam nos catálogos dos arcônidas. Pois bem,
o terceiro planeta é um mundo de florestas vir-
gens, onde talvez, só daqui a milhões de anos
poderá existir vida. O que haverá, porém, no
primeiro e no segundo planeta ou no quarto?
Beta é um gigantesco sol avermelhado. Seu diâ-
metro é quatrocentas vezes maior que o do nos-
so sol. Eu até estranho muito que o terceiro pla-
neta tenha mesmo ou deva ter vegetação.
“Você é político, meu caro Mercant, não ci-
entista. O tamanho do sol, nem mesmo sua ir-
radiação de calor, não têm nenhuma importân-
cia, se os planetas estão bem afastados dele. As
regiões de vida de um sistema dependem da
proporção certa das distâncias e do calor irradi-
ado ou respectivamente recebido. Teremos que
aguardar que surpresas nos reserva esta segun-
da Terra — olhou para o relógio. — Em dois
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minutos eles decolam.”
Bell estava estranhamente calado, sem se
mover, parado no meio da noite, olhando para
a Centauro e para Terra. Rhodan sabia o que
se passava em seu íntimo. Bell gostava de estar
presente, quando se tratava de pregar uma
peça nos saltadores. Mas agora tinha que ficar
na Terra.
Mais um minuto.
— Se o plano der certo — disse Crest, que-
brando o silêncio — então a Terra venceu mais
de uma batalha.
— Esta é a finalidade do nosso plano —
concordou Rhodan.
Os segundos voavam. Nada poderia agora
interromper o rumo da história. Ninguém o
pretendia também.
— Agora — disse Crest.
Sem ruído, as duas colossais esferas espaci-
ais se levantaram e penetraram no céu escuro.
Os refletores do espaçoporto as seguiram por
uns instantes. Depois as esferas reluzentes esca-
param do alcance dos faróis e mergulharam no
grande nada.
Rhodan deu um suspiro.
— É isso, agora só nos resta aguardar. Espe-
ramos que nossos cálculos estejam exatos. Uma
fração mínima de erro seria fatal.
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Crest, Thora e Mercant concordaram. Ape-
nas Bell resmungou:
— Matemática é meu lado fraco, quem sabe
eu deveria ter seguido com eles.
— Para estragar tudo? — disse-lhe Rhodan,
sorrindo. — Não, é mesmo melhor que você
cometa seus erros de cálculo aqui.
Mas esta brincadeira em nada melhorou o
mau humor de Bell, que queria descarregar sua
fossa em Gucky, mas não o encontrou.

Depois que a Centauro se materializou, após


a transição, Deringhouse viu uma coisa que lhe
fez esquecer imediatamente a dor de cabeça
causada pela transição. Estava na cúpula de ob-
servação, próxima ao equador da nave. O teto
transparente dispensava qualquer tipo de tela
de vídeo. Dava a impressão de se estar pessoal-
mente no meio do espaço.
A bombordo surgia a nave gêmea, Terra.
Mas não foi isto que impressionou tanto a
Deringhouse, que aliás já conhecia uma grande
parte das Galáxias.
Foi a estrela que estava diante das duas na-
ves que avançavam com a velocidade da luz.
Beta!
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Como um olho gigantesco alaranjado, a es-
trela flutuava no infinito do Universo, a maior e
a mais poderosa de todas as estrelas que De-
ringhouse havia visto. Os outros sóis empalide-
ceram perante o brilho fosco do gigante. Pare-
cia até que se envergonhavam devido às suas ri-
dículas claridades.
Era o sol Beta, o gigante vermelho. Se o co-
locássemos em lugar do nosso sol, suas protu-
berâncias chegariam até a órbita de Marte. Era
menos quente que o sol da Terra, porém suas
dimensões inimagináveis compensavam este fa-
tor.
Em volta do sol Beta, gravitam quatorze pla-
netas, cuja temperatura superficial atinge cerca
de dois mil e quinhentos graus centígrados.
Quatorze planetas, dos quais o terceiro deverá
ocupar, falsamente, o lugar da Terra.
Caso Topthor não se lembre de outras coi-
sas, de uma certamente não se esquecerá: de
que a Terra era o terceiro planeta do sistema
solar. Naturalmente, em pouco tempo percebe-
ria seu erro, pois como poderia um comercian-
te das Galáxias confundir Beta com o sol da
Terra? — assim explicava Rhodan, com um
sorriso. — Mas então seria tarde demais para
corrigir o erro.
Um sentimento de angústia se apoderou de
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Deringhouse, quando fitou o gigantesco olho
vermelho. Até então nunca tinha dado impor-
tância a pressentimentos, mas desta vez pare-
cia-lhe diferente. Talvez fosse conseqüência da
singularidade do plano, talvez também das múl-
tiplas incógnitas da equação; de qualquer modo,
Deringhouse tinha que reunir todas as forças
para não sucumbir às suas dúvidas.
De qualquer maneira, estas dúvidas não adi-
antavam nada mesmo. Sentiu um estremeci-
mento e se levantou. Bem empertigado, deixou
o observatório e se dirigiu à central pela escada
rolante, onde seu primeiro-oficial, capitão La-
manche, já o esperava.
— Terminada a última transição — anunciou
o oficial mais idoso, repetindo aliás o óbvio. —
O objetivo está a dois dias-luz da Centauro.
— Obrigado — disse Deringhouse e come-
çou a olhar para a tela panorâmica. Reproduzia
com toda fidelidade o espaço em volta da nave,
caso não se ligasse para ampliação especial.
Mas não era este o caso no momento. — Está
tudo normal?
— Perfeitamente, Senhor.
McClears aguarda suas diretrizes na Terra.
Deringhouse sorriu satisfeito. Havia desapa-
recido sua incerteza.
— Ponha-me em contato com ele — foi sua
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ordem calma.
Enquanto esperava pelo aquecimento da tela
do telecomunicador, tentou se lembrar do que
sabia a respeito do sistema solar que tinha à sua
frente. Não era muito. O terceiro planeta não
era habitado, disso não havia dúvida. Somente
no quarto planeta é que devia haver vida muito
primitiva. Assim, pelo menos, dizia o catálogo
sideral. A superfície era em grande parte cober-
ta de água, o que impedia a evolução de uma
raça verdadeiramente inteligente. Todas essas
afirmações estavam catalogadas.
No entanto, tudo isso eram dados que pode-
riam estar certos, mas poderiam também estar
desatualizados. Ninguém tinha a menor idéia de
quando os arcônidas tinham descoberto o siste-
ma Beta e quando o haviam catalogado. Pode-
ria ter sido já há séculos.
Major McClears apareceu no vídeo.
— Aí estamos — disse ele num tom firme,
como se estivesse descobrindo um novo Univer-
so. — Que sol imenso, não acha?
— Gigantesco — foi a resposta sucinta de
Deringhouse. Sem o querer, seus olhos pousa-
ram na tela anexa, onde o olho vermelho cinti-
lava, parecendo observá-lo. — A gravitação
deve ser fantástica.
— Nem tanto, se mantivermos o distancia-
27
mento prescrito, Deringhouse. O terceiro pla-
neta está a alguns bilhões de quilômetros da su-
perfície da fotosfera.
— O senhor não acha que nós deveríamos
visitar antes o quarto planeta?
— Por que razão?
— Porque existe vida nele. Vida primitiva,
mas vida.
McClears deu uma olhada nos mapas.
— O terceiro planeta está bem diante de
nós, enquanto que o quarto está atrás do sol.
Seria uma volta muito grande e, além disso, foi
o terceiro planeta que nós...
— Está certo, McClears, vamos combinar
uma coisa: damos uma olhada no terceiro pla-
neta e depois vamos para o quarto. Gostaria de
saber quem vive em nossa vizinhança, para nos
orientarmos quando os saltadores atacarem o
terceiro planeta.
— De acordo, Deringhouse. Permaneçamos
com velocidade inferior à da luz.
— Perfeitamente. Não sou a favor de um
salto, porque quero ver tudo com calma, quan-
do penetrarmos no sistema. Os saltadores acre-
ditam encontrar aqui a Terra. Quem sabe já
chegaram antes de nós, e estão aí com suas na-
ves. Devemos ter muita cautela. Talvez nos de-
vamos separar.
28
Os saltadores, sabia Deringhouse, eram os
maiores inimigos no caminho da paz no Univer-
so. A raça dos saltadores não devia ser classifi-
cada como guerreira. Eram comerciantes muito
egoístas e com uma determinação exagerada de
não permitir concorrência. Comerciavam com
tudo e com todos, mas só sob as condições que
eles próprios impusessem. Quem colocasse em
risco seu monopólio seria afastado sem o me-
nor escrúpulo. Para isto existiam os superpesa-
dos, sua tropa de assalto especial.
Mas aí estava Perry Rhodan, para fazer a
justiça. Considerava o comércio pacífico e justo
como uma garantia para a convivência das di-
versas raças. Exatamente por esta concepção,
se havia transformado em adversário gratuito
dos saltadores, que não tinham propriamente
um planeta como pátria, mas viviam por toda
parte nas Galáxias.
A luta duraria séculos. Com o truque de
Rhodan, porém, devia terminar logo. E então...
— Separar? — perguntou McClears, inter-
rompendo as divagações de Deringhouse. —
Por que isto? Será necessário?
— Por minha causa, não. Permaneçamos
então juntos — disse Deringhouse, deixando-se
convencer. — Diminuiremos a velocidade nas
proximidades do terceiro planeta, para obser-
29
varmos um pouco. Depois iremos direto para o
quarto planeta, também para observá-lo. Já que
temos de dar a volta por Beta, sugiro que faça-
mos duas transições curtas. As coordenadas
exatas, darei logo mais. Vamos ficar em conta-
to, McClears.
A tela apagou, mas as duas centrais de rádio
continuaram ligadas.
Deringhouse virou-se para o capitão Laman-
che:
— Manter o curso. Vou para a cúpula de ob-
servação. Diga a Marshall que quero falar com
ele.
Lamanche apertou o botão do intercomuni-
cador.
Deringhouse deixou a central de comando e
cinco minutos depois entrou de novo na cúpula
de vidro. Embora não estivesse ligada nenhuma
luz, o aposento irradiava leve clarão avermelha-
do. Os planetas externos estavam para trás da
Centauro, no espaço infinito. Eram imensos
mundos de gelo, isolados e em eterno crepúscu-
lo, gravitando em suas órbitas, sem o menor si-
nal de vida.
O quinto planeta estava mais para frente, a
bombordo, um gigante de reflexos avermelha-
dos, duas vezes maior do que Júpiter. Análises
espectrais mostravam que já estava fora da
30
zona com possibilidade de vida.
Deringhouse sentou-se. Impressionado, esta-
va ele de olhos fixos no vazio do gigantesco sis-
tema. Mesmo com a velocidade da luz, seriam
gastas semanas para atravessá-lo.
O sol Beta estava se tornando maior, mas
ainda a dias-luz de distância. Se Deringhouse
quisesse ser sincero, teria de confessar que a vi-
são não o decepcionou. Era mais ou menos as-
sim a idéia que fazia do gigantesco sol, quando
ele, há muito tempo, o viu na constelação de
Orion, numa noite tranqüila de sua terra natu-
ral. Mesmo da longínqua Terra, o olho verme-
lho cintilava, com cara de zangado e ameaça-
dor, através dos espaços infinitos. Durante sé-
culos-luz sempre exerceu uma grande atração
sobre os espectadores. E o fato de o sol Beta al-
terar irregularmente sua luminosidade, dava aos
espectadores a impressão de estar piscando,
piscando através da imensidão. Ninguém, po-
rém, seria capaz de dizer se era uma piscadela
de simpatia, como acontece entre amigos, ou
de ameaça, uma piscadela de admoestação:
Cuidado, vermezinho Terra!
Atrás de Deringhouse, abriu-se uma porta.
— O senhor quer falar comigo, major?
John Marshall tinha entrado na cúpula.
Claro que sua pergunta era supérflua, pois
31
era telepata e sabia tudo que o comandante
queria. Mas sempre fazia esforço para que nin-
guém percebesse seus dons.
Deringhouse respondeu apenas sacudindo a
cabeça, sem olhar para trás.
— Sente-se, Marshall, aqui, por favor. O que
sabe sobre o sistema Beta?
Marshall sentou-se. Por alguns segundos, fi-
cou contemplando o espaço vazio entre os pla-
netas. Depois, seu olhar se deteve no cintilante
sol gigantesco.
— O sistema Beta será a grande encruzilha-
da da história da Humanidade — murmurou
pensativo. — Rhodan não poderia ter procura-
do outro sistema solar tão apropriado para esse
evento.
Deringhouse não respondeu nada. Contem-
plava calado a estrela cujos raios penetravam
na cúpula, filtrados por grossos vidros, que os
deixavam inofensivos. O sol Beta tinha raios
vermelhos e quentes, mas não muito claros,
para ofuscarem a vista.
— O senhor não participa desta opinião? —
perguntou o telepata, embora já soubesse da
resposta.
— Claro — confirmou o major. — Penso
como você. Mas o sistema Beta não me parece
simpático. Sua aparência me faz pensar em
32
Marte e os homens fizeram de Marte o deus da
guerra.
— Certo, major. Mas o senhor bem sabe
que mais tarde se percebeu o engano. Marte é
um mundo pacífico, sem comparação nenhuma
com este inferno de fogo em nossa frente.
Quem sabe sua aparência também engana.
— Esperamos que sim — respondeu Dering-
house, cuja voz não parecia muito convicta.
Depois, mudando de assunto, continuou:
— Por que tanto cuidado com o sol Beta?
Não pretendemos nada com ele, pois nos inte-
ressa apenas o terceiro planeta.
Marshall começou a sorrir sobre a maneira
como seu superior imediato procurava escapar
de seus próprios pressentimentos.
— E o quarto? — lembrou-o Marshall.
— Claro, este de um modo especial. O catá-
logo dos arcônidas assinala vida primitiva. Sua
superfície deve ser noventa por cento água. Va-
mos examinar um pouco o único continente,
atravessar a cadeia de ilhas e depois nos dirigi-
remos ao terceiro planeta, onde então espera-
mos pelos saltadores. Aposto como este Top-
thor está crente que este é o melhor momento
para atacar a Terra. Mas vai ter uma surpresa...
— Esperemos que não tenha mais tempo
para esta surpresa — observou Marshall com al-
33
guma dúvida. — Se perceber cedo demais que
está diante de uma Terra falsa, o plano de Rho-
dan cai por terra.
Deringhouse sacudiu a cabeça.
— Daremos um jeito de que ele esqueça.

***

Era um mundo que lembrava muito Vênus.


Devagar e a baixa altitude, os dois cruzado-
res percorriam a superfície do terceiro planeta.
Dois continentes nadavam num imenso mar pri-
mitivo, recobertos de matas virgens bem cerra-
das, interrompidas raras vezes por enormes pla-
naltos. Picos de montanhas alcantiladas pene-
travam nas nuvens que deslizavam a baixa altu-
ra. De permeio, havia amplos vales.
Parecia mesmo inacreditável que não hou-
vesse aqui uma vida dotada de inteligência.
Mas, por mais que procurassem, não encontra-
ram o menor vestígio.
É claro que de lá de cima não se podia com-
provar nada, mas uma coisa parecia certa: não
havia seres inteligentes no terceiro planeta.
Apareceu na tela o rosto de McClears.
— Esta é pois a Terra II — disse sem grande
entusiasmo. — É pena, realmente, pois daria
para outra coisa.
34
— Você pensa em fazer dela uma colônia?
— perguntou Deringhouse. — Você tem razão.
Mas o plano de Rhodan é mais importante.
Mais importante do que a existência deste pla-
neta.
McClears pigarreou.
— Vocês querem dar uma olhada no quarto
planeta antes de descermos neste. Acham que
devo acompanhá-los ou que devo ficar por aqui
esperando.
Deringhouse fez uma pausa. Depois concor-
dou:
— Quem sabe é uma boa idéia nos separar-
mos agora. Em vinte horas, estarei de volta,
não preciso mais do que isto para dar uma
olhada neste “mundo d’água”. Assim que apa-
recer uma espaçonave dos saltadores, encon-
tramo-nos na Terra II e agiremos conforme as
ordens. Nossas centrais de rádio continuam li-
gadas.
McClears respirou aliviado.
— Nesse ínterim eu terei tempo para obser-
var bem a Terra II — parecia que, com estas
palavras, pretendia consolar Deringhouse. —
Assim que estiver de volta, lhe farei um relató-
rio completo. Acha necessário prepararmos um
ponto de apoio?
— Na Terra II? — Deringhouse sacudiu a ca-
35
beça. — Não, não será preciso. Quando os sal-
tadores atacarem, não nos devem encontrar na
superfície do planeta. Seria muito perigoso —
pensou uns instantes a respeito. — Você pode
mandar um aparelho de telerreconhecimento,
tipo Gazela, se quiser. Com a Terra, porém, é
melhor ficar no espaço. Você não é da mesma
opinião?
McClears aceitou a idéia.
Após uma série de instruções, informações e
conselhos, Deringhouse se despediu e partiu
com a Centauro para novo rumo. Rompeu a
densa camada de nuvem do terceiro planeta e
desapareceu no espaço infinito. A primeira
transição levou a Centauro para um local, de
onde os dois planetas podiam ser vistos ao lado
do sol gigantesco. À direita, cintilava branca e
resplandecente a camada de nuvens da Terra II,
ao passo que à esquerda o quarto planeta bri-
lhava numa luz azul-rosa, quase artificial. O pla-
neta no espaço dava a impressão de uma gota
de água do mar, pairando no infinito.
Enquanto que o cérebro de bordo calculava
os dados para a segunda transição, Deringhou-
se contemplava aquela estranha gota d’água.
Ao seu lado estava John Marshall, enquanto
que o capitão Lamanche ocupava-se com os
controles.
36
— Tem uma aparência maravilhosa — disse
Marshall, lendo os pensamentos do major.
Deringhouse confirmou.
— Como um diamante azul recebendo raios
de luz avermelhada. Um espetáculo magnífico.
Planeta quatro do sistema Beta é uma expres-
são muito vazia para tanta beleza, vamos
chamá-lo de Aqua?
— O planeta das águas... Por que não? O
nome combina muito bem com ele.
— Portanto, seu nome será Aqua — confir-
mou Deringhouse. — Estou curioso para saber
o que encontraremos nele.
— Provavelmente água — chilreou uma voz
aguda, meio tímida, do canto da central de con-
trole. Deringhouse virou-se lentamente e ficou
olhando para o lado escuro, aguardando que os
olhos se adaptassem à escuridão.
John Marshall deu um pulo para trás, como
se uma cobra o tivesse mordido.
Agachado no canto, estava Gucky, sorrindo
meio acanhado, com o único dente roedor à
mostra, como que pedindo desculpas com seus
suaves olhos castanhos.
— Você?!... — exclamou Deringhouse, qua-
se caindo da poltrona.
— Eu mesmo — confirmou Gucky, olhando
para Marshall que ainda estava parado, perple-
37
xo com a inesperada aparição. — Não se es-
queça de respirar, John, olha que o ser humano
não agüenta mais do que três minutos sem oxi-
gênio... e seria pena se você...
Marshall respirou profundamente.
— Como é que você entrou aqui?
Gucky se encostou, apoiando-se na parede.
Notou que Marshall estava menos tenso.
— Você não vai acreditar, mas foi com a
Centauro.
— Não diga besteira, Gucky. Trouxe nove
elementos do corpo de mutantes e você não
constava da lista.
— Que nada, você trouxe dez — disse
Gucky tentando uma desculpa esfarrapada. —
Naturalmente, Rhodan não sabe nada disso. Fi-
cará bobo quando souber.
Marshall levantou-se devagar e caminhou
para Gucky.
— Receio que você ficará mais bobo ainda,
meu caro. Por que tem sempre de desobedecer
às instruções? Você entrou clandestino a bordo,
quando foi isto?
— Clandestino, não é bem o termo. Natural-
mente, eu me teleportei de Terrânia para cá.
Mas somente agora é que tive coragem de me
apresentar. Não fique zangado comigo, John.
Marshall ficou olhando para o criminoso,
38
que o fitava suplicante com seus olhos casta-
nhos. O pêlo marrom-ferrugem estava liso, o
que demonstrava o ânimo pacato do rato-cas-
tor. Há muito que o dente roedor estava escon-
dido atrás dos beiços do focinho pontiagudo.
Gucky não sorria mais e isto queria dizer
muita coisa.
Marshall fazia grande esforço para se manter
sério.
— Você tem que prestar contas a Rhodan,
Gucky. Dele é que vai depender o castigo pela
sua desobediência. Eu não o posso nem pren-
der, pois como se pode deter um teleportador?
— É verdade, já fiz esta pergunta a mim
mesmo — chilreou Gucky com simplicidade.
Marshall respirava nervosamente.
Deringhouse se levantou, dirigiu-se até a tela
panorâmica, como se não quisesse saber nada
do assunto. O rato-castor pertencia ao corpo de
mutantes. Portanto o incidente com Gucky era
da alçada de Marshall.
— Está bem — murmurou o telepata. —
Deixemos de lado o assunto, até que Rhodan
decida o que deve ser feito. Receio que você
deva estar preparado para alguma coisa desa-
gradável.
— Se puder ser útil aqui em alguma coisa,
não será tão sério assim — disse Gucky, pare-
39
cendo já mais confiante. Andou um pouco para
frente e ao lado de Deringhouse ficou olhando
a tela panorâmica. — Isto é o quarto planeta?
Que que há com ele?
— Nada de especial. E o que poderia haver
com ele? — disse Deringhouse, virando-se para
Gucky e o encarando com severidade.
O pobre Gucky afastou-se assustado, dizen-
do:
— Foi apenas uma idéia minha, porque você
está olhando para ele de uma tal maneira...
Chamava de você a todos, sem distinção de
hierarquia ou de idade. Isto talvez proviesse do
fato de que todos o chamavam de você, pois
ninguém ousaria chamar de senhor um rato-
castor.
— Estou raciocinando — corrigiu-o Dering-
house. — E espero o sinal para o próximo sal-
to. Será ainda permitido raciocinar?
Gucky se levantou, olhou rapidamente para
Marshall.
— Permitido é sim, major. Mas, como a his-
tória da Humanidade comprova, já saiu uma in-
finidade de besteira daí. Bobagens estas que eu
teria muito prazer em estudar, quando estava
na Terra, para...
— Pare! — gritou Deringhouse. — Com
quem que você está aprendendo a falar desta
40
maneira? Com estas frases rebuscadas? Horrí-
vel...
— É assim que fala Bell, quando quer se ex-
pressar com elegância — defendeu-se o rato-
castor. — Naturalmente me ensinou também
outras coisas, mas...
— É verdade, já ouvi falar disso — murmu-
rou Deringhouse e se concentrou de novo na
imagem da tela. — Bell não é um homem de
maneiras finas e nunca o será.
Por uns instantes Gucky parecia meio deso-
rientado, depois deixou à vista o dente roedor e
voltou para o canto da central. Fez uma grande
curva em tomo de Marshall. O telepata simulou
compaixão e disse:
— Não gostaria de estar na sua pele, quan-
do Rhodan ficar a par de tudo, Gucky. Acho
que desta vez não será tão complacente como
em Aralon. |
— Se eu conseguir salvar vocês todos da
desgraça certa, haverá certamente complacên-
cia — disse Gucky com voz mais pausada e
mais grave, estendendo-se no chão, como se
quisesse dormir. — Aceito até entrar calma-
mente numa situação de encrenca, aí então vo-
cês precisarão de mim.
Falou e fechou os olhos.
Marshall ficou olhando uns instantes para
41
ele, depois voltou para sua poltrona junto dos
controles. Não reparou em Lamanche. O fran-
cês soube se manter afastado do caso, sem se
comprometer nem com um lado, nem com o
outro.
— Escute, Deringhouse, não acha bom avi-
sarmos Rhodan? Quem sabe estão procurando
Gucky e se preocupando demasiadamente com
ele.
Do canto ouviu-se um gemido. Deringhouse
fez um sinal para Marshall.
— Preocupado? Quem é que vai se preocu-
par com um rato-castor tão desobediente?
Aposto até que ninguém deu por falta de
Gucky. Ninguém perceberá a ausência dele.
Outro ruído se fez ouvir do canto. Um pou-
co abafado, mas dava para se escutar.
— É verdade — continuou Deringhouse —
ninguém sentirá falta dele.
Do seu canto, Gucky ouvia tudo. Seu dente
de roedor, porém, reluzia de tanta vontade de
lutar. Ergueu-se e se plantou diante de Dering-
house:
— Então, ninguém vai sentir falta de mim? E
você ainda quer apostar? Pois bem, apostemos
duas arrobas de cenoura e duas horas de coçar.
— Duas horas de quê? — perguntou Dering-
house perplexo.
42
— Duas horas de coçar. Simplesmente co-
çar, para aliviar a coceira. De preferência na
nuca — explicava o rato-castor alegre. — Posso
permitir o serviço até em prestações de meia
hora. Bell cocou uma vez durante cinco horas...
— Sim, é verdade. Já ouvi falar nisso — in-
terrompeu o major, passando a mão pelos ralos
cabelos. — Mas eu não caio nos seus truques.
Aposte com quem quiser, mas não comigo. Vi-
rou-se para Lamanche: — Então, o que há?
Pronto?
— As coordenadas estão aí — disse o fran-
cês. — Podemos saltar.
Gucky voltou ao seu canto. Em outra opor-
tunidade, ele lembraria Deringhouse da aposta.

***

Quando voltaram do hiperespaço para a


continuidade do tempo-espaço, o planeta Aqua
estava apenas a dois minutos-luz deles. O dispo-
sitivo de retardamento diminuiu fortemente a
velocidade da Centauro. Deringhouse ligou o
sistema manual, para manobrar melhor a nave.
O planeta azul crescia a olhos vistos. Seu as-
pecto era de fato uma coisa nunca vista. Pare-
cia realmente uma imensa gota d’água pairando
no infinito, iluminada por um ciclópico feixe de
43
luz avermelhada. O sol Beta tinha agora, apa-
rentemente, o mesmo tamanho do sol da Terra
e estava a muitos bilhões de quilômetros afasta-
do. A luz precisava de muitas horas para vencer
aquela distância.
Deringhouse apertou o botão do intercomu-
nicador e fez a ligação com o laboratório de
bordo.
— Meier, aqui é a central. Providencie, du-
rante o vôo, a mais completa análise do corpo
celeste que temos em frente. Necessito da com-
posição da atmosfera, dados sobre a rotação,
sobre a translação e naturalmente sobre as esta-
ções do ano, dependentes da translação. Apre-
sente-me os resultados, o mais rápido possível.
— Entendido, comandante — foi a resposta.
Deringhouse desligou e se dirigiu a Marshall:
— Estou curioso sobre o que haveremos de
descobrir.
O telepata respondeu com um pequeno ges-
to.
— Não compreendo bem seu interesse neste
planeta, major. O senhor é o comandante e eu
não gostaria de me intrometer em seus assun-
tos. Mas, se me permitir uma pergunta: qual é a
razão do grande interesse seu por este planeta,
o quarto, se nossa missão consiste em fazer
com que os saltadores destruam o terceiro?
44
— Talvez seja mesmo pura curiosidade —
respondeu Deringhouse. — Mas meu pensa-
mento principal é a segurança. Neste sistema,
entram em questão, para seres inteligentes,
apenas dois planetas: o terceiro e o quarto. Se
o terceiro está destinado à destruição, queria
apenas saber se o quarto se presta para ulterio-
res operações. Isso, você compreende,
Marshall. Além disso, a nossa segurança exige
que estejamos informados sobre as condições
neste sistema, com exatidão. Acho que posso
me responsabilizar pelo pequeno atraso. Não
perdemos nada. Se os saltadores surgirem, re-
ceberemos imediatamente o chamado de Mc-
Clears.
O telepata constatou que Deringhouse falou
exatamente o que pensava.
— Concordo com o senhor, major. Tem
também a intenção de aterrissar em Aqua?
— Depende das circunstâncias. Se puder
contar como encontrar vida inteligente, tentarei
naturalmente contatos...
Ouviu-se um zunido:
— Desculpe, é do laboratório — disse De-
ringhouse interrompendo a conversa com
Marshall.
Logo a seguir, apertou um botão e se apre-
sentou:
45
— Aqui é a central.
— Aqui Meier, do laboratório. Os dados já
existentes: o quarto planeta tem um dia de qua-
renta e oito horas. A translação em torno do
sol Beta leva duzentos e setenta anos da Terra.
A variação das estações do ano é, portanto,
muito lenta e mesmo insignificante, pois quase
não existe eclíptica. Atmosfera, respirável, um
tanto pobre em oxigênio, rica em vapor. Um
trecho de terra firme mais ou menos nas dimen-
sões da Europa, forma o único continente, além
de uma série de ilhas menores. O resto da su-
perfície é de água. O mar não é muito fundo. É
isto o que temos até o momento.
— Obrigado, Meier.
Deringhouse permaneceu calado por uns
instantes, olhando para a tela. O planeta azul já
estava bem grande, enchendo quase todo o
campo visual da tela. Ao brilho dos raios aver-
melhados do sol, destacavam-se os contornos
do único trecho de terra, perdido na imensidão
das águas. Se lá existissem seres inteligentes,
deveriam viver principalmente do mar e dos
seus produtos. Navegação marítima só poderia
existir em pequena escala, pois, por que razão
se iria atravessar o mar, se não havia outras
praias? Uma espécie de civilização, completa-
mente diferente, ter-se-ia desenvolvido aqui.
46
Deringhouse estava ansioso para conhecê-la.
— Procuremos no continente um bom local
para aterrissar — resolveu ele, finalmente. —
Os habitantes do planeta não devem conhecer
a navegação aérea.
— Quem? Habitantes? — perguntou
Marshall, acentuadamente.
Não obteve resposta.
A Centauro deu uma volta em torno do pla-
neta. Passou bem próxima do deserto azul das
águas e se aproximou depois do litoral do conti-
nente. Os grupos de pequenas ilhas não de-
monstravam nenhum indício de civilização. Co-
bertas de densas florestas, lembravam as ilhas
paradisíacas dos Mares do Sul. Enseadas de
areia eram um convite para o repouso, mas De-
ringhouse não tinha em mente tirar férias. O
que procurava eram seres inteligentes diferen-
tes, e Aqua tinha que ter vida.
A primeira visão que prendeu a atenção de
Deringhouse foi uma construção baixa, com cú-
pulas, nas imediações do litoral, a menos de
dois quilômetros da praia. A água devia ser
muito rasa neste trecho, pois se podia ver facil-
mente o fundo. A cúpula, na sua parte superior
se elevava para fora d’água, tinha uma platafor-
ma e um corrimão. Como vigias, as janelas se
enfileiravam em redor do edifício, cuja parte in-
47
ferior estava imersa na água e certamente iria
até o fundo do mar.
A Centauro diminuiu a velocidade. Dering-
house dirigia com o olhar fixo no acontecimen-
to. John Marshall chegou até ele, olhando tam-
bém para a cúpula. Lamanche, como de hábito,
ficou alheio ao que se passava. Sua preocupa-
ção eram os controles e realmente ele cuidava
que o pesado cruzador seguisse sua rota.
— Considerável desenvolvimento — disse o
telepata. — Gostaria de saber por que construí-
ram aquilo na água, quando têm tanto espaço
em chão firme.
Deringhouse continuava olhando para o lito-
ral, já bem próximo.
— Você tem razão. Não se vê nada seme-
lhante em terra. Eu esperaria, no mínimo, uma
cidade por aqui, mas vejo só mata virgem, lito-
ral arenoso e em parte cheio de rochas. Misteri-
oso, verdadeiramente misterioso.
A cúpula ficou para trás, ao atingirem o lito-
ral. Foram penetrando uns quilômetros. A seus
pés, terra jamais tocada por ser inteligente, sem
nenhum vestígio de trabalho que denotasse in-
teligência; o terreno subia brandamente, apre-
sentava cadeias de montanha de pequeno por-
te, grandes estepes e florestas a perder de vista.
De uma civilização, não se podia falar.
48
“É uma coisa singular”, pensava Deringhou-
se, fitando o continente. “O planeta só tem este
continente e a gente supõe que os habitantes
teriam que aproveitar cada metro quadrado.
Devia haver lá embaixo um emaranhado de ca-
sas e instalações, como em nossas capitais. E o
que vemos? Nada, absolutamente nada. Onde
estão os homens?”
— Se não tivéssemos visto a cúpula, eu diria
que não há nada por aqui — disse Marshall sar-
cástico.
— Mas a cúpula está aí. Existe vida em
Aqua e nós temos que encontrar.
Com esta constatação, apoiou-se no espal-
dar da poltrona, parecendo completamente
alheio ao que se passava ao redor dele.
Marshall acenou amigavelmente para Laman-
che e deixou a central, seguido por Gucky que
lhe estava lendo os pensamentos. Marshall se
dirigiu diretamente para o local da nave onde
estavam reunidos os dez mutantes.
Mal havia fechado a porta da central, De-
ringhouse despertou de sua profunda medita-
ção. Avançou um pouco mais para frente e
postou-se diante da tela panorâmica, dizendo a
seu oficial:
— Qual é sua opinião, Lamanche?
O francês alteou os ombros, esperou um
49
pouco e falou:
— Não sabemos o que representa aquela cú-
pula. Quem sabe se trata até de uma espaçona-
ve derrubada? Devemos examiná-la, aproxi-
mando-nos. Assim se confirmaria minha tese de
que não há vida inteligente por aqui.
Deringhouse não parecia de maneira alguma
satisfeito com esta resposta.
— Espaçonave derrubada ou caída. Puxa, a
cúpula é um edifício, está firme no chão! A mi-
nha pergunta é apenas, por quê? — parou de
repente.
Lamanche levantou os olhos e acompanhou
o olhar do comandante.
Na tela, ainda se via nitidamente a superfície
do quarto planeta. Aos poucos, as cores se tor-
navam mais naturais.
E Lamanche viu também, nas bordas do
grande planalto, as pequenas saliências, em for-
ma de cúpulas. Estas saliências tinham um refle-
xo avermelhado com os raios do sol, fulgiam
como se fossem de metal. Não somente seu as-
pecto, mas também sua disposição simétrica
denunciavam sua origem artificial.
No mesmo instante, a Centauro começou a
aterrissar.

***
50
Na reunião dos mutantes houve um grande
grito de surpresa, quando Marshall entrou
acompanhado de Gucky.
— Que surpresa agradável! — exclamou Ras
Tschubai, o africano teleportador, todo conten-
te. — Você é a arma secreta nesta missão?
— Nada de arma secreta — murmurou
Marshall — o malandro penetrou clandestina-
mente a bordo, contra ordem expressa de Rho-
dan.
O africano fez uma cara de espanto:
— Então, Gucky, eu não quero estar na sua
pele.
— Ele não tem um pêlo grosso e lindo —
disse a jovem Betty Toufry, inclinando-se, para
coçar sua nuca.
Gucky estava feliz. Aliás, gostava muito da
jovem telepata, cujas faculdades paranormais
eram muito semelhantes às suas, pois Betty era
também telecineta.
— Rhodan vai desculpar você, Gucky, não
se preocupe — comentou Betty.
— Se você der uma palavra a meu favor,
com toda certeza — disse Gucky, parecendo
mais confiante.
O perscrutador japonês Doitsu Ataka sacu-
diu a cabeça.
51
— Disciplina é isto: fazer somente o que o
chefe manda. Agora, para mim está bem. A
vida não será mais tão monótona, pois Gucky
sempre inventa umas gozações.
Marshall lançou um olhar de desaprovação
para o japonês. O rapaz falou de disciplina e foi
o primeiro a quebrá-la. Mas Gucky aproveitou a
situação a seu favor.
— Você tem razão, Ataka — disse ele con-
tente. — Quem é que sabe até quando estare-
mos vivos? Por que não podemos estar alegres?
Rhodan quer que nós todos morramos, natural-
mente só aparentemente. Portanto, vamos
morrer, pelo menos, alegres. Proponho um tor-
neio de coçar e me apresento como voluntário
para...
Marshall achou conveniente mudar de assun-
to.
— Prestem bem atenção ao que vou dizer —
disse ele, cortando todo sorriso. — Acabamos
de descobrir, neste quarto planeta, que o co-
mandante apelidou de Aqua, os primeiros indí-
cios de vida inteligente. Vamos aterrissar. Nin-
guém sabe o que vamos encontrar, uma coisa
está fora de dúvida: isto não tem nada que ver
com nossa missão verdadeira.
Foi, infelizmente, uma dedução falsa, ilógica,
mas Marshall só o percebeu mais tarde, como
52
os outros também.
No momento, não lhes sobrou tempo para
pensar.
O alarme tocava por toda a nave. Por uns
instantes, Marshall parecia paralisado, como
que ouvindo a si mesmo; depois, um estremeci-
mento percorreu todo seu corpo.
— Deringhouse, que está acontecendo?
Seus pensamentos são caóticos e confusos...
Ouviu-se um zumbido estridente.
A tela do intercomunicador, que liga entre si
todas as seções da nave, acendeu. Nela apare-
ceu a imagem de Deringhouse, com fisionomia
de atônito e indeciso.
—Atenção geral — disse com voz áspera. —
Prontidão de emergência. Ocupar todos os pos-
tos de defesa. Alguém está exercendo todos os
controles sobre a Centauro e nos está puxando
para baixo. Estamos aterrissando.
Fez uma pausa, como se estivesse pensan-
do, depois continuou:
— Marshall, seus mutantes devem estar pre-
parados. Talvez precisemos de seu auxílio.
— Que está se passando com a nave? —
perguntou Marshall. Já experimentou...?
— Inútil, caímos sob a ação de poderosos
raios de atração, que paralisaram todos os nos-
sos controles. Para lhe ser sincero, Marshall,
53
não tenho intenção de me defender contra os
inimigos. Aguardemos, pois, para saber o que
pretendem de nós.
— Não acha estranho, que uma raça, de
cuja atividade não conseguimos ver nada na su-
perfície de Aqua, tenha desenvolvido meios téc-
nicos tão avançados de poder subjugar por for-
ças mentais uma nave tão grande como a Cen-
tauro?
Deringhouse esboçou um leve sorriso.
— É exatamente o que estou querendo des-
cobrir. O que estamos presenciando é parado-
xal e impossível. Que existisse aqui neste mun-
do uma civilização não me admiraria muito.
Mas, deste jeito...?
Marshall percebeu como o assoalho a seus
pés estremeceu todo. Depois veio um solavanco
que quase o derrubou. Após o quê, reinou silên-
cio.
Deringhouse, diante da tela, deu uma olhada
para o lado, antes de se dirigir aos que o viam.
— Já aterrissamos — disse sem expressão
na voz. — Encontramo-nos no meio de um pla-
nalto rochoso. Estamos cercados por cúpulas
de metal cintilante. Mas não vejo armas. De ho-
mens ou outros seres vivos, não há nenhum si-
nal. Devemos esperar até que os desconhecidos
queiram entrar em contato conosco. Pensem,
54
porém, numa coisa: não estamos indefesos,
meus senhores. Ao menor vestígio de uma ação
hostil do lado oposto, nós nos defendemos sem
consideração. Mas não seremos os primeiros a
iniciar a guerra. Sem o meu comando, não abri-
remos fogo.
Marshall ouviu como os postos de defesa es-
tavam se preparando para se manterem de
prontidão. Deu algumas instruções aos mutan-
tes e deixou o aposento para se dirigir ao posto
de comando, de onde se tinha uma vista me-
lhor. Em caso de emergência, podia-se dali
mesmo comandar o ataque dos mutantes.
Deringhouse estava de pé diante da galeria
panorâmica, observando toda a circunferência
da Centauro já ancorada. Lançou um rápido
olhar para Marshall, sem se perturbar em suas
observações. Lamanche estava sentado fora dos
controles do envoltório energético, que estavam
desligados.
— Não podem saber de onde viemos, embo-
ra possuam rastreadores estruturais — disse De-
ringhouse meio incerto. — A Centauro e a Ter-
ra estão equipadas com os compensadores cor-
respondentes. Ninguém pode localizar nossos
hipersaltos. Esta arma me tranqüiliza.
— Apesar disso, puxaram-nos do espaço —
disse o telepata pensativo.
55
— Não tem importância, Marshall. Confesso
que no início estávamos impotentes e tínhamos
que nos submeter aos fatos, mas agora, creio
eu, já podemos bombardear suas instalações.
Mas não vejo razão para isto. Queremos saber
primeiro como são e quem são eles.
Olhou novamente para a tela, Marshall o
acompanhava.
O pesado cruzador estava parado num am-
plo planalto. A uma distância de trezentos me-
tros estava a primeira cúpula metálica, que es-
condia um trecho da beira da floresta. No hori-
zonte cintilavam os picos de montanhas distan-
tes, ao sol do meio-dia. A segunda cúpula esta-
va mais à direita, depois a terceira e a quarta.
Formavam um círculo em cujo centro estava a
Centauro.
Lamanche acordou de sua letargia.
— Uma verdadeira cilada, uma teia de ara-
nha invisível — dizia ele acabrunhado.
— Estamos presos, exatamente no foco dos
raios de atração. Jamais teria imaginado que es-
tes fulanos chegariam a tanto. Por que não se
manifestam?
— Devem ter seus motivos — respondeu o
comandante. Estava de olhos fixos num deter-
minado ponto à margem da floresta. — Acho
que nossa curiosidade será satisfeita em pouco
56
tempo. Lá vem uma viatura.
Os outros dois homens também estavam
olhando.
Das sombras das árvores enormes, de con-
formação esquisita, despregava-se uma coisa es-
cura, rolando lentamente pela planície afora.
Deringhouse ligou o dispositivo de ampliação.
Agora se via mais nitidamente. Era uma espécie
de carro blindado, embora sem a torre de arti-
lharia. Em compensação, a cúpula semi-esférica
era de um material diáfano. Carros deste tipo
eram utilizados freqüentemente para exploração
de mundos desconhecidos, principalmente
quando a atmosfera pudesse ser nociva.
Atrás da cúpula viam-se, com pouca nitidez,
os contornos de algumas figuras. A distância
não permitia ver detalhes.
Deringhouse virou-se para trás e olhou para
Marshall.
— Nenhuma novidade? Ainda não há impul-
sos de pensamentos?
— Sim, mas muito insignificantes. Estão se
protegendo, já tiveram que lidar com telepatas.
Talvez sejam também telepatas e conhecem as
medidas de segurança necessárias, para se pro-
tegerem das radiações do cérebro.
Deringhouse mexia na regulagem da amplia-
ção da imagem e nada respondeu. Notou-se
57
nos seus olhos um brilho maior quando obser-
vava o carro se aproximando. Queria dizer algu-
ma coisa, mas acabou ficando calado. Marshall
reparou que as mãos do comandante tremiam.
— Gucky!... — enviou sua ordem telepática.
— Teleporte-se imediatamente para a central.
O pensamento ainda não tinha terminado,
quando o ar estremeceu no meio da central e
do nada surgiu o rato-castor. Ouviu a ordem de
Marshall e veio no mesmo instante.
— Que há? — chilreou ele, bem disposto
como sempre.
— Estamos entrando em contato com os es-
tranhos, Gucky. Infelizmente estão protegendo
o pensamento. Temos que saber com quem es-
tamos lidando. Você podia...
— Se posso!... — disse Gucky entusiasma-
do, mas continuou com um sorriso malicioso:
— não é verdade, você vai dizer uma palavrinha
a meu favor, quando o chefe...
— Isto é suborno — disse Deringhouse, sem
olhar para trás. — Mas está bem, eu o defende-
rei, se você dentro de dez segundos me disser
quem é que se aproxima de nós naquela viatu-
ra. Talvez eu me engane, mas os contornos da-
quelas figuras apagadas me parecem conheci-
dos...
Marshall teve um calafrio.
58
— Conhecidos... Meu Deus... Eu tive a mes-
ma impressão com os impulsos dos pensamen-
tos. Será um acaso?
— Por que discutir? — perguntou Gucky. —
Tenho apenas cinco segundos. Até logo...
Nova cintilação no ar e o lugar onde estava
Gucky ficou vazio.
Dois segundos depois, já estava de volta. No
seu semblante, lia-se grande espanto. Com as
orelhas de pé o pêlo eriçado, sentou-se nas pa-
tas traseiras, apoiando-se na ampla cauda.
— Não, uma coisa desta... — disse, soltando
um longo suspiro. — Quem teria pensado,
como o mundo é pequeno, aliás, o mundo,
não: como o universo é pequeno!
— Mas o que houve? — insistiu Deringhou-
se, já irritado, deixando de lado a tela panorâ-
mica. — Não nos deixe malucos, Gucky, como
são eles?
— Fale logo, Gucky — acudiu Marshall, que
não podia mais se livrar de uma sensação esqui-
sita. Começou a suspeitar que estavam diante
de uma terrível surpresa. — Você os viu?
O rato-castor fez que sim, vagarosamente.
— Materializei-me no carro, no meio deles.
Por motivo de precaução, mantive a respiração,
porque nunca se sabe se a atmosfera é apropri-
ada para nossos pulmões. Mas meus cuidados
59
foram inúteis. Respiram o nosso ar. E ficaram
espantados quando me viram.
— Puxa vida, Gucky! — gritou Deringhouse,
com o rosto vermelho. — Quero saber como
parecem eles. São seres da água?
— Que idéia maluca é esta? — perguntou
Gucky, que não perdia a calma. — Você acredi-
ta que peixes inteligentes montaram uma base
terrestre aqui? Já se ouviu besteira maior?
— Gucky — disse Deringhouse, alteando a
voz. — Você talvez não saiba como é importan-
te, mas eu lhe peço mais uma vez para respon-
der minha pergunta: como é que parecem os
estranhos? E o que quer dizer sua expressão: “o
Universo é tão pequeno”...?
— Vocês não me vão acreditar, mas eles se
parecem com os tópsidas. E se me posso ex-
pressar mais claramente, sem decepcioná-los,
gostaria de jurar que são os tópsidas.
Para Deringhouse e para Marshall foi como
se uma mão gelada lhes apertasse o pescoço. É
verdade que já se haviam passado dez anos des-
de que estes sáurios altamente desenvolvidos e
muito inteligentes tinham sido encontrados no
sistema Vega. Mas as escaramuças com eles
ainda estavam bem impregnadas na memória
dos dois homens. Os tópsidas, de estatura mais
ou menos idêntica à do homem, tinham duas
60
pernas e dois braços, geralmente utilizados
como braços mesmo. Os dedos das mãos eram
seis, o corpo era coberto por uma camada de
escamas marrom-escuras. A cabeça era de um
lagarto grande, com a conformação característi-
ca dos sáurios; os olhos redondos, negros e mó-
veis pareciam ver tudo que acontecia num raio
de 180 graus.
— Tópsidas! — falou Deringhouse, respiran-
do profundamente. Depois comentou: — É só
o que nos faltava. Estes miseráveis crocodilos
devem estar metidos em toda parte?
— Eles dominam seu pequeno império side-
ral — disse Marshall, pensando nervosamente.
— Se não me engano, este império é em algum
lugar da Constelação de Orion, portanto aqui
nesta região.
— Sim, afastado da Terra por oitocentos
anos-luz. É bem longe daqui.
— Nem tanto assim — contradisse Marshall.
— De qualquer maneira, está na mesma dire-
ção. Não é, pois, de se estranhar que tenham
uma base por aqui.
— Num mundo desabitado? Por que moti-
vo?
Gucky tinha ouvido a conversa de cabeça
baixa, aparentemente sem maior interesse. Mas
chegou a hora de intervir:
61
— Por que vocês estão quebrando a cabeça
com isso? Perguntem diretamente a eles, o que
estão fazendo aqui. Olhem aí, já estão chegan-
do.
Deringhouse deu a volta para chegar à tela.
A viatura com uma pequena cúpula já estava
parada a uns trinta metros da Centauro. Não
havia dúvida de que os sáurios já sabiam há
mais tempo que se tratava de uma belonave dos
arcônidas. Quem sabe, esta circunstância pode-
ria ser aproveitada de uma maneira ou de ou-
tra.
A cúpula da viatura se abriu e dela saíram
três sáurios. Usavam uma espécie de uniforme
que lhes encobria parcialmente o corpo de es-
camas. Todos traziam o radiador energético
num coldre preso ao cinto. Davam a impressão
de arrogância. A julgar pelas aparências, a su-
perioridade estava com a tripulação da Centau-
ro, mas Marshall sabia muito bem que os tópsi-
das, por índole, não conheciam o medo. E não
conhecendo o medo, estavam acostumados a
lutar até a última gota de sangue, mesmo numa
situação sem saída. O medo de um ditador era
maior que o da morte.
— Têm nervos de aço — dizia Deringhouse,
que havia conhecido os tópsidas como coman-
dante dos ágeis caças espaciais. — Colocam-se
62
simplesmente diante das bocas de nossos ca-
nhões e esperam para ver o que vamos fazer.
Poderíamos transformá-los em átomos.
— ...o que não resultaria em vantagem para
ninguém — permitiu-se Lamanche observar.
— Querem que eu os faça correr daqui? —
ofereceu-se Gucky prontamente.
— Você ficou maluco? — perguntou Dering-
house. — Quero saber o que procuram aqui e o
que querem de nós. Marshall, você vai me
acompanhar. Vamos dar uma olhada nos rapa-
zes. Esperamos que entre eles não haja nin-
guém que nos conheça.
— Não há possibilidade disso. Para eles, nós
parecemos todos iguais, como eles para nós.
Eu não conseguiria distinguir um do outro. Mas
que lhes vamos dizer quando nos perguntarem
quem somos?
Deringhouse deu as últimas instruções a La-
manche e se dirigiu para a porta com Marshall.
— Não podem, em hipótese alguma, saber
que somos da Terra. Expliquemos a eles que
pertencemos a um ramo dos saltadores. Prova-
velmente haverão de acreditar, embora os salta-
dores não costumem usar naves esféricas. Acho
bom assim, porque não são muito amigos dos
arcônidas e sabem que também os saltadores
não se dão bem com os arcônidas.
63
— Tenho a impressão — dizia Gucky cami-
nhando atrás dos dois homens — de que aqui
começa uma trama. Esperemos para ver.
Lamanche ficou olhando para eles.
— Se correr tudo bem, Jean — disse ele
para si mesmo — vou devorar três robôs de
combate no almoço. Sem mostarda.
Ao que Gucky, virando-se na porta, acres-
centou:
— Sem mostarda, esta é a condição.

Quando a escotilha da saída principal da


Centauro se abriu, a mais de cinqüenta metros
do solo, John Marshall percebeu um ruído desa-
gradável no lado de trás.
A escada rolante, brilhando como prata, es-
tirou-se da escotilha para o chão lá embaixo.
Deringhouse apalpou a coronha da arma, para
ver se não estava presa. Depois subiu no de-
grau superior, que imediatamente começou a
movimentar-se para baixo.
Marshall o seguiu.
Os três sáurios estavam imóveis diante da gi-
gantesca nave, esperando, convencidos de sua
força. Para eles eram dois prisioneiros, e seus
olhos negros e redondos eram um misto de ex-
64
pectativa e de malícia. A aparência dos dois ho-
mens parece que não os surpreendeu.
Marshall se lembrou do que acontecera ou-
trora no sistema Vega. Lá, pela primeira vez, os
terranos se defrontaram com a raça dos sáu-
rios. Rhodan conseguiu tirar deles a grande be-
lonave arcônida Stardust III. Por fim, consegui-
ram expulsar os tópsidas, reinando depois a cal-
ma.
E agora se defrontam novamente, aliás de
maneira bem diversa, pelo menos conforme os
planos de Deringhouse.
As mãos dos tópsidas, verdadeiras garras, já
empunhavam as armas. Marshall penetrou-lhes
o pensamento e não achou nada, a não ser cu-
riosidade misturada com grande atenção. Esta-
vam muito seguros de si.
Quando Deringhouse saltou da escada rolan-
te e se encaminhou para os três sáurios, a ten-
são entre os homens e os tópsidas parecia uma
muralha invisível. O major parou a dez metros
deles, sempre com a mão direita na coronha de
sua pistola energética. Nos lábios, um leve sorri-
so. Conhecia bem a mentalidade dos sáurios,
para não duvidar de qualquer emboscada.
Marshall se mantinha a alguns passos atrás
de Deringhouse, tentando decifrar os pensa-
mentos do adversário e ver suas intenções. O
65
resultado era mínimo.
Antes que os dois terranos pudessem dizer
uma palavra, falou o tópsida em puro intercos-
mo:
— Os senhores se encontram em território
de nossa soberania e serão portanto solicitados
a ficar sujeitos às nossas ordens. Não lhes acon-
tecerá nada, se não quiserem resistir. Quem são
os senhores?
Deringhouse não aparentou a menor surpre-
sa.
— Não tínhamos nenhuma intenção de des-
cer em seu território, fomos forçados a Isto.
Sou um saltador, da estirpe de Gatzel.
O tópsida fez um sinal com a cabeça.
— É o que estávamos pensando, estranho.
Sua aeronave, no entanto, é de origem arcôni-
da. Conhecemos bem este tipo.
— Tem razão — respondeu Deringhouse,
com um sorriso calmo. — Tipo cruzador pesa-
do. Nós o tomamos dos arcônidas, por ocasião
de um ataque. O senhor tem alguma objeção a
fazer?
O tópsida começou a sorrir, mas não com
espontaneidade.
— Não, contra isto não temos absolutamen-
te nada. Os arcônidas não podem ser conside-
rados nossos amigos. Que pretendem os senho-
66
res neste sistema? Não há nada para se comer-
ciar, e quando houver, nós mesmos o faremos.
Deringhouse ergueu os ombros.
— Estávamos em vôo de rotina, quando des-
cobrimos este mundo. Quem sabe teria vida,
pensávamos nós e começamos a examiná-lo.
Não achamos nada, a não ser estas misteriosas
cúpulas.
— Pertencem ao nosso sistema de proteção
— explicou o tópsida. — O planeta das águas
foi por nós descoberto há muitos anos e nós o
ocupamos. Serve-nos de base.
— Pelo menos até que alguém se mexa,
tudo estará em ordem — disse Deringhouse
com um pouco de cautela. — E já que parece
não existir nativos por aqui...
O tópsida continuava sorrindo.
— Existem alguns. Aceitaram o nosso domí-
nio.
Houve uma curta pausa, depois:
— Não lhes sobrou outra alternativa. De-
ringhouse não conseguiu ocultar por mais tem-
po sua admiração.
— Nativos? Neste mundo? Não vimos nada
disto durante nosso vôo.
— Os senhores não têm, certamente, os ins-
trumentos necessários para observar a vida sob
a água.
67
Na mesma hora, Deringhouse e Marshall
compreenderam tudo. É claro que num mundo
como este, seres inteligentes teriam que se de-
senvolver na água. E se os tópsidas julgaram
conveniente estabelecer uma base neste plane-
ta, devia se tratar de um ser vivo que merecesse
mais respeito.
Marshall estava pensando na grande cons-
trução das cúpulas, feita a poucos metros da
praia. Seu formato não tinha relação nenhuma
com as instalações habituais dos tópsidas. Cer-
tamente haviam sido construídas na água, para
que os habitantes do mar entrassem em contato
com seus senhores.
Aos poucos, foi se projetando uma imagem
mais clara na mente de Marshall.
— Meu nome é Al-Khor — disse o tópsida
do meio. — Sou comandante da base nesta
parte do continente. Posso lhes pedir o favor de
deporem as armas? Não gostaria que, por um
motivo qualquer, surgisse um conflito entre nós
e os saltadores. Assim que eu liberar sua nave,
receberão de volta suas armas.
Deringhouse hesitou um pouco. Uma multi-
dão de idéias passou por sua cabeça, sem que
conseguisse colocá-las em ordem. Como a pe-
dir socorro, deu uma olhada para Marshall. O
telepata fez sinal que sim. Sabia já há muito que
68
os tópsidas realmente faziam questão de não
pôr em risco a paz existente entre eles e os sal-
tadores.
— Está certo — respondeu Deringhouse, re-
tirando a pistola energética da cintura. — Que-
remos nos submeter às suas ordens.
Um dos sáurios apanhou a arma com as gar-
ras pontudas e a ficou olhando com interesse.
Marshall também entregou as armas.
— Como compensação — propôs Dering-
house — dê-nos a garantia de que o senhor não
nos deterá contra nossa vontade e nos autorize
a qualquer momento a pedirmos as armas de
volta e deixarmos este planeta.
Al-Khor continuava sorrindo.
— É claro que lhes damos a garantia, com
todo prazer. Ninguém vai impedi-los de usufruí-
rem de nossa hospitalidade, se não nos quise-
rem dar este prazer. Mas antes, creio eu, deve-
mos conversar um pouco. Certamente o senhor
terá alguma coisa para nos contar. E a vida,
creia-me o senhor, numa base tão solitária
como o “mundo d’água” é muito monótona.
Venha, por favor.
— E a minha tripulação? Não gostaria que
uma ação impensada deles...
— Não nos opomos a que o senhor dê ins-
truções à sua tripulação — interrompeu Al-
69
Khor. — Dê-lhes o conselho de não abandona-
rem a nave e de não tomarem nenhuma inicia-
tiva.
Deringhouse aceitou a idéia e ligou o mini-
transmissor de pulso.
— Lamanche — disse ele em inglês — esta-
mos aceitando, na aparência, as condições dos
tópsidas. Ponha-se em contato com McClears.
Ele deve vir para cá e aguardar novas ordens.
Por enquanto não existe perigo iminente. Fim.
— Entendido — foi a resposta curta. Al-
Khor comprimiu desconfiado os olhos redon-
dos:
— Por que não falam intercosmo?
— Meu substituto é muito jovem, Al-Khor,
só entende o dialeto de minha estirpe. Disse a
ele que ficasse tranqüilo e esperasse a nossa
volta.
O tópsida parecia contente. Com a mão es-
tendida, num sinal de convite, indicou a porta
aberta da viatura de cúpula e deu a preferência
para seus hóspedes não voluntários.
Ainda com o carro em movimento, Marshall
fez contato com Gucky e lhe transmitiu o plano
de Deringhouse, que tinha acabado de ler tele-
paticamente.

***
70
Major McClears pautava seus atos sempre
em deduções lógicas. Quando recebeu a mensa-
gem alarmante de Lamanche, não pôde deixar
de praguejar horrivelmente. Depois, começou a
pensar o que teria acontecido se Deringhouse
não tivesse voado para o quarto planeta. E a
resposta a esta hipótese seria muito simples: te-
riam esperado com toda calma, no terceiro pla-
neta, até que os saltadores aparecessem; ataca-
riam e se retirariam, assim sucessivamente,
como se quisessem defender mesmo a Terra. A
mudança constante de cada ataque daria a im-
pressão de que se tratava de uma grande frota
de super cruzadores, que de maneira alguma
poderiam ser destruídos. Com o passar do tem-
po, os saltadores já teriam chegado à idéia de
colocar uma bomba de gravitação na pátria dos
terranos e assim destruí-la parcialmente. Estaria
tudo perfeito... mas no quarto planeta estavam
os tópsidas.
Eis o ponto nevrálgico.
E aí então os pensamentos e especulações
de McClears começaram fluir inconscientemen-
te no mesmo sentido que os de seu amigo De-
ringhouse. Por este motivo, teria que negligen-
ciar sua própria segurança. Mais tarde, quando
Rhodan se recordava deste fato, tinha que con-
71
ceder que um ser racional não podia agir de ou-
tra maneira, colocando sua segurança em se-
gundo plano em relação à segurança da Terra.
E foi assim que uma ação errada de McCle-
ars iniciou o mais genial de todos os lances que
Perry Rhodan jamais empreendeu. Fez apenas
o que era necessário para dar um toque de ve-
racidade à mentira de Deringhouse referente
aos tópsidas.
Seus pensamentos se atropelaram, enquanto
dava ao encarregado do rádio a ordem de cha-
mar de volta o tenente Tifflor. O mais compe-
tente oficial da nova geração de Rhodan, estava
exatamente em viagem com a Gazela para in-
formar-se das condições na superfície. O disco
voador achatado — trinta metros de diâmetro e
dezoito de altura — era a nave ideal para tais
empreendimentos. A ordem o alcançou exata-
mente quando acabava de aterrissar numa pla-
nície e já ia botando o pé em terra. Não foi
com boa vontade que atendeu à ordem de vol-
tar à espaçonave Terra. Sua disposição era a
melhor do mundo quando se viu frente a frente
com McClears na Central.
— Um planeta maravilhoso, mas infelizmen-
te sem vida animal. Algo incompreensível para
mim, pois não posso imaginar condições me-
lhores. Ah!... o senhor me mandou chamar de
72
volta. Suponho que seja por motivos muito im-
periosos.
— Realmente muito imperiosos — respon-
deu McClears seco. Ainda não tinha chegado a
um ponto final com seus encrencados pensa-
mentos, mas num particular seu plano já estava
traçado. — Deringhouse aterrissou no quarto
planeta, que batizou de Aqua.
— Nada de extraordinário nisso, não acha?
McClears não perdeu a calma.
— Infelizmente, não foi o primeiro que se
enamorou do “mundo d’água”, tenente Tifflor.
Outros chegaram antes dele: os tópsidas.
— Tópsidas? — Tifflor fez um esforço para
se lembrar.
Naquele tempo, era ainda jovem demais e
sabia dos tópsidas só por ouvir falar. Mas lem-
brou-se vagamente de um filme a que assistira
sobre a invasão dos sáurios do sistema Vega.
— O senhor não está se referindo àqueles
seres parecidos com crocodilos que pretendiam
destruir a Terra e por engano acabaram caindo
em cima dos ferrônios?
— Exatamente deles é que estou falando —
disse McClears.
— O que eles procuraram por aqui?
— Não tenho a menor idéia, recebi uma
mensagem muito curta de Deringhouse de que
73
os tópsidas obrigaram a Centauro a fazer uma
aterrissagem forçada e prenderam o comandan-
te. Recebemos instruções de nos dirigirmos
para Aqua e lá aguardar novas ordens.
— Como quer Deringhouse dar ordens, se
está preso? — queria saber Tifflor. — Ou se
trata apenas de uma prisão simulada?
— Parece que é mais ou menos isto. De
qualquer maneira, veremos os detalhes em
Aqua mesmo. Não me agrada ter os tópsidas
na vizinhança. Mas já que estão aí, temos que
fazer tudo para tirar proveito da situação. Te-
nho a impressão de que Deringhouse pensa as-
sim também, pois do contrário não se deixaria
prender tão facilmente.
— O senhor tem algum plano?
— Tenho. Se bem que um tanto vago, mas
preste atenção...
E McClears começou a explicar seu plano.
Logo depois das primeiras frases, o jovem
tenente compreendeu tudo. Um sorriso ilumina-
va seu semblante, mas não interrompeu o ofici-
al mais velho, que continuou explicando, en-
quanto a Terra já estava na direção certa. De-
pois da segunda transição, quando Aqua já des-
pontava na tela, concluiu com as palavras:
— Estou plenamente certo de que assim ma-
tamos dois coelhos com uma só cajadada. Se
74
soubesse como colocar Deringhouse a par do
meu plano... Estou convencido de que ele con-
cordaria e pediríamos novas ordens a Rhodan.
Sem consentimento dele, não quero fazer ne-
nhuma ligação telegráfica com a Terra.
— Os mutantes! — lembrou Tifflor.
— Uma possibilidade — concedeu McCle-
ars. — Infelizmente não temos nenhum telepata
a bordo da Terra. Não vejo outra alternativa a
não ser agir separado de Deringhouse. Deixa-
mos a Terra circulando a grande altitude de
Aqua e descemos com a Gazela para a super-
fície.
— E o risco que corremos com isto?
— Está incluído na operação — disse o ma-
jor. — Deringhouse vai fazer uma cara de bobo,
quando souber que vencemos depois de uma
luta curta, mas violenta. Espero apenas que não
tenha cuidados inúteis por nossa causa.
— E eu espero — acrescentou Tifflor cépti-
co — que seus cuidados, se ele os tiver, não se-
jam realmente inúteis.
— Eu também — concordou McClears.

***

Cercado dos outros mutantes, Gucky encon-


trava-se agachado no divã da sala dos oficiais.
75
Estava a par dos acontecimentos pelas mensa-
gens telepáticas que Marshall lhe enviava. Por
sua vez, Lamanche, que havia assumido o co-
mando da espaçonave, entrava em contato com
eles, através do intercomunicador. O sistema
por via telepática funcionava muito melhor do
que via rádio.
— Estão tratando Deringhouse e Marshall
com muita atenção — disse Gucky, mostrando
um lugar nas costas em que ele queria ser coça-
do. — Aparentemente dão muita importância
ao fato de manterem com os saltadores boas re-
lações. Até hoje, as duas raças quase não tive-
ram relações entre si. Como Marshall está de-
duzindo dos pensamentos do comandante, De-
ringhouse não tem intenção de incrementar
muito estas relações. Alguém de vocês conse-
gue compreender isto?
— Eu, não — Ras Tschubai sacudiu a cabe-
ça e olhou para Ataka, como que pedindo auxí-
lio. — Quanto melhor forem as relações, tanto
maiores serão nossas possibilidades de sairmos
daqui sem encrenca.
— E o que lucraríamos — disse Gucky com
ironia — se sairmos daqui?
— O que você está querendo dizer?
— Penso simplesmente no seguinte: o que
nos interessa se os tópsidas tenham uma boa
76
impressão dos saltadores e nos deixem sair em
paz? Tem isso alguma influência positiva sobre
a missão de que Rhodan nos incumbiu? Não se
esqueçam de que os saltadores pretendem des-
truir o terceiro planeta, pensando se tratar da
nossa Terra. E aqui no quarto planeta, estão os
tópsidas. E você ainda não está compreenden-
do?
Ras Tschubai realmente não estava com-
preendendo, ao invés dele, porém, Lamanche,
sentado na central, sem afastar os olhos da tela
panorâmica, ouvia a toda a conversa da sala
dos mutantes.
Pigarreou perceptivelmente, concentrou-se
por uns instantes em seus pensamentos, levan-
tou-se, e abriu a porta da central de rádio.
— Alguma notícia de McClears? — pergun-
tou ele.
O telegrafista em serviço sacudiu a cabeça:
— Há uma meia hora que não, senhor. A
Terra saiu para uma órbita maior e continua
calma. Nós aqui permanecemos na escuta.
— Avisem-me assim que houver alguma no-
vidade.
— Perfeitamente, senhor. Lamanche agra-
deceu satisfeito, voltou para seu lugar e come-
çou a refletir de modo mais profundo. Estranha-
mente, suas especulações se desenvolviam mais
77
ou menos no mesmo sentido como as de De-
ringhouse e as de McClears. Isso era uma prova
evidente de que cérebros que pensam logica-
mente sempre chegarão aos mesmos resulta-
dos.

***

A Gazela saiu dos hangares internos da


nave-mãe Terra e se deixou cair verticalmente.
Somente a alguns quilômetros antes da super-
fície de Aqua é que o tenente Tifflor deteve a
queda e colocou o aparelho em vôo horizontal.
A atmosfera zunia nas paredes externas do dis-
co, achando pequena resistência.
McClears e Tifflor estavam sentados na
apertada cabina, já com todas as telas ligadas.
Acreditaram ter visto no litoral do enorme e
único continente uma espécie de cúpula bri-
lhante no meio da água, mas não deram maior
importância. Cada vez mais devagar, a Gazela
descia com toda cautela necessária na explora-
ção de um planeta desconhecido. Os dois tripu-
lantes aguardavam com curiosidade a primeira
reação dos tópsidas.
E esta não se fez esperar.
Bem perto do pico de uma montanha, viu-se
um clarão repentino. A tela mostrou um projétil
78
comprido que, com velocidade cada vez maior,
subia vertical. Parecia ter a intenção de cruzar a
trajetória da Gazela, exatamente no ponto de
encontro dos dois objetos em movimento. Sem
dúvida, era um míssil. Tifflor ligou o envoltório
de proteção e segundos após uma detonação
acompanhada de um forte clarão, causando na
Gazela apenas um pequeno abalo, mostrou que
o ataque dos tópsidas tinha fracassado.
O mesmo aconteceu ao segundo projétil.
— E agora? — perguntou Tifflor.
— Muito simples, tenente. Vamos agir como
se fôssemos saltadores — regulou a rota e deu
a direção a Tifflor. — Dê uma volta por cima
do cume da montanha e desça um pouco. O
envoltório de proteção continua ligado. Vou jo-
gar uns explosivos inofensivos para que eles sai-
bam que temos alguma coisa não muito perigo-
sa a bordo.
Tifflor concordou sorrindo. Os sáurios have-
riam, por certo, de acorrer para o local e de
tentar pegar vivo o relativamente inofensivo ad-
versário. Assim estava arquitetado todo o plano
de McClears.
Dez segundos depois, detonou uma bomba
lá embaixo aos pés da montanha, em plena
mata virgem. Os estilhaços abriram pequenas
clareiras na vegetação, sem produzir maiores
79
danos.
E exatamente dez segundos depois, engui-
çou o comando da Gazela. Tifflor, assustado,
tentou recuperar o controle do disco voador,
mas não conseguiu. Devagar, mas continua-
mente, o disco foi descendo e com solavanco
maior pousou numa clareira, a menos de dois
quilômetros do litoral.
Como Tifflor pôde constatar, haviam desci-
do no centro de um círculo, formado por cúpu-
las de metal, pequenas e cintilantes.
McClears levou as mãos ao alto.
— Está dando tudo certo, os sáurios vão fi-
car contentes de terem feito tão boa caça. Nos-
sos oito homens continuam a bordo, enquanto
nós nos apresentamos ao inimigo.
— Tomara que não nos matem logo de iní-
cio.
— Não se preocupe, isto seria contra sua
mentalidade. Já lhe disse que os tópsidas são
extremamente curiosos. Quererão logo saber
com quem estão tratando e por que motivos vi-
emos para cá. Devem receber estas informa-
ções de nós. E depois você vai ficar admirado
de como eles vão agir.
— Esperar! — exclamou Tifflor duvidoso,
que naturalmente estava pensando o que De-
ringhouse haveria de dizer do seu modo arbitrá-
80
rio de agir.
E Rhodan, muito mais.
Aproximou-se da Gazela uma viatura. Salta-
ram dois tópsidas e ficaram por uns instantes
olhando sua presa de guerra. De uma das cúpu-
las metálicas emergiu ameaçador um negro
tubo de canhão, apontando para a Gazela.
— Vamos embora — disse McClears. — Va-
mos Tifflor. O negócio é sério. E não se esque-
ça de que somos a vanguarda dos saltadores. O
grosso da tropa ainda está a caminho.
Os dois tópsidas olharam para eles com mui-
ta calma, quando saíam da escotilha, sem
medo, saltando para a terra. Atrás deles, a es-
cada de saída se recolheu automaticamente. Se-
gundos depois, estava ligado de novo o envoltó-
rio energético. Embora os tópsidas pudessem
deter o disco e impedir sua saída, era-lhes im-
possível destruir o aparelho ou penetrar nele.
Os oito homens da tripulação estavam comple-
tamente a salvo de qualquer ataque por parte
dos tópsidas.
McClears não entregou sua arma voluntaria-
mente, quando os dois tópsidas lhe pediram.
Foi-lhe tirada à força e McClears não perdeu a
oportunidade de dar um soco forte na cabeça
do lagarto. O impacto lhe doeu muito mais do
que ao próprio réptil. Mas isto não tinha impor-
81
tância alguma.
O tratamento foi correspondente. Enquanto
Deringhouse ainda era tratado como um possí-
vel aliado, declararam McClears e Tifflor como
inimigos.
Mas McClears não se deixou intimidar. En-
quanto ele e seu jovem tenente eram obrigados
a entrar na estranha viatura, sacolejando por
uma péssima estrada de terra, em direção do
próximo litoral, ia despejando ameaças contra
os tópsidas, prometendo-lhes breve e terrível
vingança. Seu comportamento era um tanto ir-
real, diante da situação pouco encorajadora. E
assim foi que os dois tópsidas, aparentemente
pouco inteligentes, não deram maior atenção às
ameaças. McClears acabou também desistindo,
esperando poder encontrar depois um exem-
plar mais inteligente desta desagradável raça.
Um desejo que se realizou logo, mas não lhe
trouxe maiores vantagens.
A estrada terminou no litoral. Sob as copas
de altas árvores e camuflado por uma cobertura
espessa de folhagem, havia um edifício baixo de
metal cintilante. O fato dava a entender que os
tópsidas não possuíam outro material de cons-
trução.
Levaram os dois prisioneiros para um apo-
sento, onde foram presos e entregues a seus
82
destinos.
Em poucos instantes, McClears se conven-
ceu de que sem auxílio de terceiros, não conse-
guiriam sair dali. Sentou-se num canto, no
chão, e começou a meditar.
Tifflor, no entanto tentou se lembrar do mi-
crotransmissor embutido em seu corpo. O mi-
crodispositivo, cujo segredo nenhum cientista
humano conhecia, foi-lhe implantado por cirur-
gia na cavidade renal direita.
Qualquer telepata, cuja faixa de onda esti-
vesse em sintonia com as supervibrações artifi-
ciais do transmissor do corpo de Tifflor, poderia
localizar, até uma distância de dois anos-luz, o
seu paradeiro.
Além disso, havia ainda a possibilidade de se
concentrar nos pensamentos de Tifflor, se a dis-
tância não fosse grande demais.
O tenente podia ficar tranqüilo, pois tudo
quanto pensasse com concentração, seria rece-
bido pelo telepata John Marshall. Dispunha ain-
da adicionalmente de um diminuto transmissor
na laringe.
Tifflor enviava, mas não podia receber
nada...

***

83
Al-Khor estava um pouco nervoso quando
penetrou na cela dos dois prisioneiros. Seus
olhos redondos faiscavam ódio. Apenas um res-
to de ponderação o impediu de mandar fuzilar
imediatamente os supostos saltadores.
— Repita o que o senhor, há pouco estava
dizendo aos meus dois subalternos — disse ele,
ríspido, colocando-se na porta de tal maneira,
que os dois sentinelas que o acompanhavam ti-
nham alvo livre pela frente. — Prometo-lhes
que não vou castigá-los, se disserem a verdade.
Mas, tenho que saber o que aconteceu.
O major sacudiu os ombros:
— Não dê demasiada importância ao que
seus subalternos lhe disseram. Podem ter me
compreendido mal. O que diz a respeito?
— O senhor sabe perfeitamente o que estou
pensando, saltador. Sabe, além disso, que não
são os dois únicos prisioneiros que fizemos. Do-
minamos um cruzador pesado. Um tal de major
Deringhouse está em nosso poder.
Numa demonstração de horror, muito bem
representada, McClears empalideceu todo,
como Tifflor mesmo constatou, levantou-se e
deu dois passos na direção de Al-Khor.
As armas dos dois vigias se ergueram amea-
çadoras. Al-Khor não se intimidou, não se me-
xeu um centímetro de onde estava.
84
— Se o seu depoimento for verdade, suas vi-
das estão salvas.
McClears deu um rápido olhar para Tifflor.
O tenente respondeu com um piscar de olho.
Podia estar tranqüilo de que Marshall havia cap-
tado todos os impulsos.
— Pode começar a perguntar — disse a Al-
Khor.
— Você os ameaçou dizendo que viriam ho-
mens para vingá-los? Falou também aos nossos
subalternos qualquer coisa de uma invasão imi-
nente por parte de sua gente?
McClears, teatralmente, mordeu a ponta da
língua. Uma gota de sangue banhou os lábios
inferiores.
— Na minha cólera... desgraçado, não vale
a pena mentir. Também não sei por que motivo
lhe silenciar uma coisa, que você em poucos
minutos saberá plenamente. Os saltadores
supõem existir neste sistema uma base de seu
eterno inimigo. Você não o conhece, portanto
seu nome não tem nenhuma importância no
conjunto dos acontecimentos. De qualquer
modo, os superpesados estão alarmados. Deve
saber que eles são a tropa guerreira dos saltado-
res. Todo o poderio dos superpesados vai ata-
car o terceiro e o quarto planetas deste sistema
e destruí-los. Posso lhe dar apenas um bom
85
conselho: abandone, o mais depressa possível,
este planeta.
— Que nada! Isto é um truque — respondeu
Al-Khor.
McClears começou a dar gargalhadas. Riu
tanto que lágrimas lhe corriam dos olhos. De-
pois, cheio de satisfação bateu nos ombros co-
bertos de escama do tópsida:
— Um truque! Meu caro amigo, eu juro pe-
los meus antepassados, de que estou dizendo a
verdade. Os saltadores estão ultimando seus
preparativos para despovoar este sistema, com-
pletamente. Nada pode detê-los deste plano,
isso eu lhe posso garantir.
— Nada — repetiu Al-Khor encolerizado.
Nos seus olhos havia um brilho misterioso. —
Acha que nada consegue deter os saltadores?
Eu acho que há uma coisa capaz disso. Quando
souberem que nós consideramos o quarto pla-
neta como nossa propriedade, ninguém terá co-
ragem de...
— Por que não?
— Porque... — Al-Khor hesitou um pouco.
— Porque os comerciantes das Galáxias não
têm nenhum motivo de nos fazer hostilidades.
Eles não são bem vistos pelo Império. Nós,
também não. Por que não podemos estar uni-
dos?
86
— Por um motivo muito simples, meu caro
amigo — disse-lhe McClears com paciência. —
Porque nós somos obrigados a supor que você
é um aliado do nosso ferrenho inimigo, que tem
uma base neste planeta e que praticamente o
povoa.
Quem estava rindo à bandeira despregada
agora, era o próprio Al-Khor.
— Os seres da água? Seus inimigos de mor-
te? É ridículo. Não é apenas absurdo, mas é
também...
— Seres da água? — informou-se cautelosa-
mente McClears. — Não estou compreendendo
o que está falando.
— Neste mundo existe uma raça um tanto
inteligente, que muito raramente aparece em
terra e não precisa mesmo da terra. Por este
motivo, pudemos estabelecer nossas instala-
ções, sem prejudicá-los. Estes seres existem so-
mente na água e devem possuir suas cidades lá
no fundo do oceano. Fora disso não há nada
neste mundo que possa ser uma ameaça. Se
não forem estes seres aquáticos, vocês saltado-
res foram vítimas de um engano.
— Nossas informações estão exatas — con-
tinuou McClears. — Estou bem informado so-
bre os planos dos nossos patriarcas. Nestes pla-
nos consta que os tópsidas têm uma base pe-
87
quena no quarto planeta, cuja existência não
precisa ser tomada em consideração. Você está
vendo que as negociações não vão servir para
nada. Nossos chefes consideram vocês aliados
do nosso inimigo.
— Puxa vida! — exclamou o tópsida. —
Diga-me finalmente quem é este inimigo figa-
dal.
— Não estou autorizado a fazer isto — res-
pondeu McClears.
— Então vamos obrigá-los a fazer.
— Mas andem depressa — disse o major
com toda calma. — Nossas unidades de assalto
estão chegando a qualquer momento. E então
poderia ser tarde demais para vocês.
Al-Khor deu um grito ininteligível, fez um si-
nal para os guardas e deixou a cela. A porta se
fechou com um estrondo.
McClears olhou para Tifflor, que repetiu bai-
xinho toda a conversa e assim a transmitiu para
Marshall e para Gucky.
— Então? — perguntou McClears todo
triunfante.
— Vamos ver — respondeu Tifflor, meio
céptico — se eles vão agir como criaturas inteli-
gentes e corajosas.
— Claro que vão agir assim. Pode ficar tran-
qüilo.
88
Infelizmente, não tiveram a oportunidade de
averiguar isto, pois dez minutos mais tarde al-
guém os apanhou. Levaram-nos numa pequena
viatura diretamente para o litoral. Aí, entraram
numa pequena embarcação que os transportou
para uma ilha de aço. Era a cúpula que há pou-
co haviam visto do ar. Mesmo para Deringhou-
se, teria parecido igual. Por uma escada lateral,
subiram para o andar superior, cercado por um
terraço. Depois um elevador os levou para bai-
xo. Quem os guiava era um tópsida, muito bem
armado.
Nem McClears nem Tifflor pensavam em fu-
gir. Um único pensamento os dominava: será
que seu truque iria falhar?
O salão tinha paredes de vidro que, de todos
os lados, davam para o mar. Tinha-se aqui uma
visão magnífica sobre um mundo a dez ou doze
metros sob o nível da água. Comportas de vá-
rios tamanhos davam a entender que se podia
atingir o mar aberto sem que a água penetrasse
no salão. Ou vice-versa, podia-se do mar pene-
trar na cúpula. E isto parecia ser a única finali-
dade da instalação.
O tópsida se deteve diante de uma porta.
Abriu-a e se afastou, dizendo:
— Aqui será a nova prisão. Ficarão aqui até
que tudo tenha terminado.
89
— Terminado o quê? — perguntou McCle-
ars, sem receber resposta.
Penetrou no pequeno cubículo acompanha-
do de Tifflor que logo começou a falar no seu
transmissor da laringe.
A porta fechou e eles estavam a sós. Mas
onde?
Apenas a porta parecia ser de material com-
pacto. Fora disso, pareciam mergulhados no
nada, no meio do mar, cujo fundo tinha um bri-
lho opaco.
Mas logo perceberam a verdade: estavam
numa cela de vidro, sob a cúpula ou ao lado
dela. O cubículo transparente flutuava. Era água
por todos os lados.
McClears sentou-se no chão, bem no canto
oposto à porta, tendo a impressão de estar sen-
tado na água. Olhava em torno com muita curi-
osidade.
— Isto é muito interessante — observou
com sarcasmo. — Devemos estudar os segre-
dos do mar, antes que nos afoguem.
Tifflor se espantou um pouco com a frase.
— Você acha que vão nos matar?
— Que nada! É brincadeira minha. Mas
você ouviu dizer que aqui existem peixes inteli-
gentes ou coisa semelhante. Acho que devería-
mos procurá-los, mas não me pergunte o por
90
quê. Pode ser também o contrário: os peixes
devem nos ver, para saberem como parecem os
saltadores. Situação maluca, não é?
— Só queria saber se Marshall teve ocasião
de transmitir minhas informações a Deringhou-
se. Infelizmente Deringhouse não é telepata.
Mas pelo menos Gucky deve saber onde esta-
mos.
A água era de um azul-claro com reflexos
avermelhados, em virtude da luz do sol de Beta.
Neste local, o mar não teria talvez vinte metros
de profundidade. Agora que a vista dos dois pri-
sioneiros já se adaptara à penumbra do estra-
nho ambiente, o olhar deles penetrava facil-
mente até o fundo do mar, situado a uns oito
metros abaixo do piso de vidro da singularíssi-
ma cela.
Plantas marinhas exóticas dançavam ao rit-
mo de uma correnteza invisível, peixes colori-
dos cintilavam em grandes cardumes numa de-
terminada direção, como se estivessem sendo
perseguidos por um inimigo oculto. Entre estes,
flutuavam com calma e dignidade seres transpa-
rentes, que lembravam nossas medusas. Pouco
mais para a frente, o fundo do mar caía bem
íngreme, a água se tornava azul-escuro e infini-
ta.
E subitamente, Tifflor deu um grito semi-
91
abafado.
De olhos arregalados, apontava ele para o
azul-escuro do mar aberto. McClears seguiu a
direção indicada por seu braço estendido e pela
primeira vez olhos humanos puderam ver os le-
gítimos senhores do planeta das águas.

As coisas iam se tornando mais críticas. De-


ringhouse quase não reconheceu mais Al-Khor,
quando o tópsida chamou-os.
— Por que razão não me contaram nada do
ataque iminente de sua gente? — perguntou o
tópsida com uma tremenda calma, embora seus
olhos resplandeciam ameaçadores. — Seria
obrigação de vocês.
— Obrigação? — questionou Deringhouse
admirado. — Seria também sua obrigação nos
manter presos contra nossa vontade?
— Ninguém os abrigou na condição de prisi-
oneiros.
— Mas, somos realmente prisioneiros. Você
quer também duvidar de que nossa espaçona-
ve...
— Aliás, sua espaçonave... — disse Al-Khor
bem espaçadamente, olhando para Deringhou-
se com certa ironia. — De quem vocês diziam,
92
há pouco, tê-la tirado? Dos arcônidas?
Marshall captou depressa os pensamentos
do tópsida e sabia por que fizera esta pergunta.
Esperava que Deringhouse percebesse o vene-
no da pergunta, senão teria que avisá-lo.
— Sim, foi dos arcônidas — disse o major
cauteloso. — Mas eu não sei naturalmente se
os arcônidas a tomaram de outros. Por que esta
pergunta?
Al-Khor concordou, aparentemente mais
calmo.
— É provável, pois o nome cravado com le-
tras pretas na fuselagem não está escrito em ca-
racteres arcônidas. Mas esqueçamos isto. O co-
mandante de uma das naves foi colocado em lo-
cal seguro. Estou preocupado sobre o que devo
fazer com eles.
— Deixe-nos ir embora — propôs Dering-
house. O que você ganha nos retendo aqui?
— Reféns — foi a resposta seca de Al-Khor.
— Vocês devem estar presentes, com todo seu
pessoal, quando os saltadores chegarem para
destruir este mundo. E quem sabe, sob minhas
vistas, vocês entram em contato com eles antes
e os põem a par de tudo.
— Isto não vai adiantar muito — disse De-
ringhouse com sinceridade. — Não me vão dar
ouvidos.
93
— Então vocês morrerão conosco.
— Bonito — disse o major com um riso for-
çado. — Assim, nos tornaríamos de qualquer
forma aliados, não é verdade?
Al-Khor não respondeu. Sem dizer uma pa-
lavra, deixou a cela que servia de domicílio pro-
visório para eles. Marshall franziu a testa.
— Não me está agradando — disse ele — e
aos meus mutantes, muito menos. Gucky está
ansioso para entrar em ação, isto é, para ata-
car. É com dificuldade que o estou segurando.
— Sua hora está quase chegando, — conso-
lou Deringhouse, enquanto olhava para a pare-
de lisa do cubículo.
— Que está acontecendo com McClears?
— Está detido com Tifflor, numa cela de vi-
dro, abaixo do nível do mar.
Deringhouse começou a rir.
— Pelo menos, tem um pouco de distração
— julgava ele. — Portanto, vamos lá, dê nossa
posição ao rato-castor. Ele deve nos localizar e
dar um pulo até aqui. Vamos pregar um grande
susto nos crocodilos, eles estão precisando.
Dois minutos depois, Gucky se materializou
contente e sorridente, tornando o cubículo ain-
da mais estreito. Trouxe duas pistolas energéti-
cas de mão e algumas granadas, não maiores
do que nozes comuns, porém de ação terrivel-
94
mente devastadora. Ele mesmo trouxe na cintu-
ra uma pistola de impulsos, cujo peso lhe dava
trabalho.
— Aqui estamos nós — chilreou ele feliz da
vida. — Vamos mostrar quem somos.
— Espere um pouco — disse Deringhouse.
Virou-se para Marshall, que no momento cam-
baleava um pouco, captando coisa muito im-
portante; simultaneamente, também a fisiono-
mia de Gucky se transformou numa expressão
de piedade. Parecia ter perdido a disposição
para qualquer iniciativa.
Deringhouse se manteve na expectativa.
Sabia que os dois telepatas estavam receben-
do uma mensagem de Tifflor.

***

McClears soltou um grito abafado. De en-


contro às paredes de vidro da cela, compri-
miam-se dezenas de torpedos submarinos, enfi-
leirados, como se quisessem mandar pelos ares
toda a instalação de cúpulas. Os corpos esguios
tinham talvez metro e meio de comprimento e
refulgiam como prata sob a luz avermelhada do
sol. Jatos d’água de grande pressão irrompiam
da parte traseira dos terríveis projéteis desfa-
zendo-se logo a seguir.
95
Só depois de olhar com mais atenção, é que
McClears percebeu seu engano: não eram tor-
pedos artificiais, mas seres vivos, semelhantes a
focas, com boca enorme, sempre aberta, olhos
pequenos, orelhas ovais. A velocidade do pe-
queno esquadrão, agora, já era menor. O forte
jato de água que lançavam para trás já tinha
cessado. Que animais seriam estes? Estavam
parados...
Com muita curiosidade, nadavam em torno
da cela de vidro, olhando sempre para os ocu-
pantes do cubículo, com olhos inteligentes. Um
deles chegou bem perto e comprimiu o focinho
contra a parede de vidro. MacClears fitou-o
cara a cara, sentindo então uma forte vibração.
Tifflor descrevia a cena para Marshall e
Gucky.
— São assim os peixes-homens — murmu-
rou McClears. — Vieram para cá como que ati-
rados por jato. Não se movem como os demais
peixes por meio das nadadeiras, mas têm um
sistema próprio: engolem a água, comprimem-
na algum tempo em seu interior, e depois a ex-
pelem. Santo Deus, verdadeiros foguetes sub-
marinos vivos — colocou a mão direita sobre a
parede de vidro. — Produzem ondas vibratórias
— disse pensativo. — Quem sabe é uma manei-
ra de se comunicarem? Ah! Se pudéssemos en-
96
tendê-los...
Marshall captou a mensagem e informou
Deringhouse a respeito.
— Ataka! — disse Gucky.
— Acho que você tem razão, Gucky — disse
Deringhouse. — O japonês decifra ondas sono-
ras, que nenhum ouvido humano consegue cap-
tar. Mesmo ultra-som. Se estes seres não são
telepatas, e parece que realmente não o são,
devem talvez se comunicar através de vibrações
ou de sons no campo de ação do ultra-som.
Ataka pode constatar isto. Além disso, sua ca-
pacidade de percepção está combinada com
uma telepatia inconsciente, de maneira que po-
derá entender sons completamente estranhos
para nós. Gucky, vá buscar Ataka.
O rato-castor se levantou, dizendo:
— Cubículo apertado, major! Vocês não vão
ficar muito tempo aqui. Sairemos e vamos liber-
tar McClears. O tempo de representar já pas-
sou. Não precisamos mais nos camuflar perante
os sáurios. Agradeçamos aos deuses do espaço.
— Como assim? Que pretende fazer,
Gucky? — perguntou Deringhouse, que não
compreendeu as palavras de Gucky.
— Já fiz voar pelos ares robôs e bios — dis-
se o rato-castor, recordando suas bravuras. —
Mas fazer voar um crocodilo será uma sensação
97
formidável.
Um segundo a mais e ele já havia desapare-
cido.
Com voz mais baixa, disse Deringhouse:
— Os tópsidas ficarão surpresos quando
souberem que possuímos armas, mas não po-
demos subestimá-los. Morrem, se for preciso,
sem piscar um olho. Só há um ponto em que
são muito sensíveis: são muito supersticiosos.
— Então, Gucky é o “homem” certo, major.
— Exatamente — concordou Deringhouse.
— E o malandro sabe disso. De acordo com o
regulamento, devia estar preso.
— Não há prisão para detê-lo — comentava
Marshall uma coisa que todos sabiam. — Em
muitos sentidos, Gucky é um ser maravilhoso.
Houve uma vibração no ar e surgiram Gucky
e Ataka. O japonês se apertou como pôde. Não
dava para ninguém se mexer. A cela era peque-
na demais. A ventilação também estava horrí-
vel.
— Isso é uma bodega — disse Gucky, com
ironia.
— Não por muito tempo — acentuou De-
ringhouse. — Gucky, você consegue abrir o ca-
deado da porta?
O rato-castor pulou para perto da porta e
olhou um pouco o cadeado. A tarefa já era fácil
98
caso se usasse os dedos... Mas Gucky dispunha
ainda de outros dedos invisíveis movidos por
forças telecinéticas. Estas forças invisíveis do
seu pequeno mas incompreensivelmente pode-
roso cérebro penetraram no cadeado, exami-
nando o mecanismo. Depois, com um pequeno
ruído, o cadeado abriu. Deringhouse avançou e
empurrou a porta.
— Ótimo, Gucky — disse ele sorrindo para
o rato-castor, e apanhando sua pistola energéti-
ca. — E agora vamos deixar os tópsidas um
pouco nervosos. Eles já devem ter muito o que
fazer para se defenderem dos ataques dos salta-
dores.
— Mas é preciso esperar um momento até
que estejamos seguros e em condições de agir
— disse Marshall, prevenindo contra um otimis-
mo exagerado. — Gucky, você está sentindo
algo? Há tópsidas aqui perto de nós?
— Sim, uma grande multidão, lá atrás da
porta.
Estavam num corredor comprido, um pouco
sinuoso, deixando supor que passava em torno
de alguma cúpula. Havia duas portas: uma
próxima da outra. Do outro lado da parede,
eram janelas. Atrás havia uma paisagem mara-
vilhosa de uma natureza virgem, com montes e
florestas. No horizonte, bem afastado, via-se a
99
grande extensão do mar. O sol poente estava
exatamente no ponto divisório entre a água e o
céu.
Deringhouse se deteve bem rente à porta in-
dicada por Gucky e Marshall.
— É aqui? — perguntou por cautela.
Ao sinal de confirmação dos dois telepatas,
Deringhouse ergueu a arma, postou-se de lado,
ativou o botão de combustão. O delgado fio de
energia atingiu os gonzos da porta, soldando to-
dos com o metal derretido. A porta não se abri-
ria mais.
— Vão cair direitinho na armadilha — disse
Ataka contente.
— Eu preferia fazê-los voar — disse Gucky.
— Deve ser fantástico quando os crocodilos...
— Esperem — disse Deringhouse, cami-
nhando à frente.
Os outros o seguiam. Gucky era o último da
fila, pois quando não se teleportava, suas per-
nas curtas não lhe permitiam acompanhar os
passos largos dos demais. Para tentar abafar
seu aborrecimento com isto, começou a assobi-
ar bem alto, como se não houvesse mais tópsi-
das na redondeza.
O corredor terminava numa porta que esta-
va apenas encostada. Depois dela, não havia
mais salas, era a liberdade. Mas que liberdade
100
era esta?
De qualquer maneira, ainda se encontravam
em território dos sáurios. Deringhouse ajeitou
sua pistola e empurrou a porta. Como o em-
purrão foi bem forte, quase que a guarita do
tópsida virou. O vigia caiu. Levantou-se, virou-
se para trás, com um grunhido de desaprova-
ção. Mas a desaprovação se transformou em
medo, quando notou a presença de Deringhou-
se, Marshall e Ataka, passando para perplexida-
de quando deu com a figura esquisita de Gucky.
Gucky não gostou da perplexidade, o que
Marshall logo notou, captando também a péssi-
ma impressão que o pobre guarda teve de
Gucky.
— O quê? — chilreou o rato-castor. — Eu...
um bicho horroroso? Você vai ter que voar.
E o tópsida voou. Forças telecinéticas o er-
gueram do chão e o fizeram subir verticalmen-
te. O coitado gritava desesperado. A Ira de
Gucky não durou muito. O pobre vigia, tendo
perdido a arma durante suas acrobacias força-
das, fugiu em disparada. Gucky ainda teve tem-
po de colocá-lo no telhado do grande edifício
de cúpulas. Lá de cima, sentado bem na beira,
o sáurio não desgarrava os olhos dos três ho-
mens. Entre estes estava um animal peludo, se-
melhante aos ratos gigantes dos canais de
101
Topsid.
— Bicho horroroso... que desaforo! — ia ru-
minando Gucky, andando por ali, como se não
existisse a palavra perigo.
Deringhouse reconheceu num galpão ao
lado algumas das viaturas, cujo funcionamento
tinha observado com cuidado. Não seria, pois,
difícil utilizar um desses carros para empreender
a fuga. Gucky poderia também teleportar um
por um para a Centauro, mas chamaria muito a
atenção dos tópsidas e era necessário que tudo
parecesse normal.
— Ali ao lado estão as viaturas — disse ele
para Gucky. — Vamos pegar uma delas, mas
antes temos que causar alguma confusão aqui.
Isto não foi muito difícil, pois os chefes dos
tópsidas estavam presos e no momento não ti-
nham outra preocupação a não ser dinamitar a
porta que Deringhouse havia soldado. Marshall
atirou duas bombas no edifício e correu atrás de
Deringhouse e Ataka que se dirigiam para as vi-
aturas.
À forte detonação, seguiram altas labaredas
que em poucos instantes derreteram toda a
construção de cúpulas.
De uma entrada lateral surgiram alguns tóp-
sidas que não estavam feridos e começaram a
atirar doidamente com as pistolas de raios ener-
102
géticos. Foi a oportunidade que Gucky aguarda-
va para entrar em ação. Enquanto os três ho-
mens tentavam pôr em movimento uma viatura
maior, Gucky começou sua “brincadeira”, como
ele chamava esta atividade, quando podia usar
à vontade seus dons telecinéticos.
Os sáurios não sabiam mais o que se passa-
va com eles. O chão lhes sumiu de repente sob
os pés e começaram a flutuar no espaço. Nin-
guém iria supor que o causador daquele milagre
era aquele animal peludo, embora não pareces-
se estranho a Al-Khor. O comandante da base
dos tópsidas levitava sem direção sobre as co-
pas das árvores, quando reconheceu no rato-
castor a misteriosa aparição que vira por um
instante a seu lado na viatura.
A situação era de deixar perplexos todos os
tópsidas. Mas Al-Khor não conhecia o medo. O
misterioso prodígio era de carne e osso e, por-
tanto devia ser vulnerável. Ainda tinha a pistola
de raios energéticos. Apesar da situação em
que se encontrava, apontou-a para aquela figu-
ra minúscula de animal, lá embaixo, entre as ru-
ínas do edifício. Apertou o gatilho, mas o resul-
tado foi diferente do que Al-Khor imaginava.
Como levitasse, portanto sem peso algum, o
choque de recuo da arma o jogou com grande
velocidade para o espaço adentro. Gucky, aten-
103
to à iniciativa malograda do comandante tópsi-
da, ainda deu mais Impulso ao contrachoque,
obrigou Al-Khor a fazer piruetas no ar e acabou
colocando o corajoso guerreiro na copa de uma
árvore bem alta, cujos galhos estavam a mais de
vinte metros do solo. Ele que desse um jeito de
descer dali.
Os outros sáurios ainda estavam dançando
no ar, formando um emaranhado confuso. Nin-
guém tinha coragem de atirar, com medo de
atingir o colega.
Nesse ínterim a viatura de Deringhouse saiu
do galpão. Uma segunda granada destruiu os
carros restantes, provocando um grande incên-
dio. Os tópsidas teriam agora de andar a pé, o
que não lhes era agradável.
— Faça-os descer agora, Gucky — disse
Marshall acenando para ele, que sentado se di-
vertia fazendo os sáurios girarem em volta dos
escombros da grande cúpula.
— Já receberam o que mereciam, mas eu
ainda não — disse Gucky, deixando os tópsidas
caírem uns dez metros, para depois detê-los.
— Estou notando isso — disse Marshall um
tanto áspero, dando algumas instruções a De-
ringhouse.
A viatura veio para a direção de Gucky.
— Tenho que dar uma mãozinha — conti-
104
nuou Marshall, virando-se um pouco para fora
da porta da viatura. Com mão firme apanhou
Gucky pelo pescoço, o levantou e o trouxe para
dentro do carro. — E agora, faça o que lhe
mandei.
Por uns instantes Gucky ficou indeciso, de-
pois, olhando para cima, viu os tópsidas horro-
rizados, parados e desarmados, aguardando o
que aquela “força divina” ainda ia fazer com
eles. Deu um grande suspiro de resignação e
acabou obedecendo.
Deu novamente uma ordem a seus pensa-
mentos e os tópsidas se colocaram em forma-
ção de esquadrilha e voaram a toda velocidade
para desaparecerem atrás das copas das árvo-
res. Gucky ainda ficou olhando por uns instan-
tes e, suspirando, disse a Marshall:
— Está bom?
— Que aconteceu com eles? Você não pode
deixá-los cair de repente.
— Não caíram não, mestre. Estão sentados
em qualquer lugar nas árvores, fazendo ninhos
para seus filhotes, caso não queiram descer
mais, o que também é possível.
O mau humor do rato-castor era evidente:
— Que devo fazer agora?
Marshall respirou mais aliviado. O pior já ti-
nha passado.
105
— Vamos libertar McClears que está em pio-
res condições que nós. Está sozinho com Tif-
flor.
Gucky se concentrou para ouvir alguma coi-
sa.
— Distância exata 37,6 quilômetros, sudoes-
te. Devo dar um pulinho até lá?
— Ainda não e quando chegar a hora você
deve levar Ataka. Pois só ele é capaz de enten-
der a linguagem dos aquas.
— Aquas?
— Sim, senhor, assim chamamos esses es-
tranhos seres. A idéia é de Deringhouse. Mas
não quero que, nos combates que possam se
realizar, se sacrifiquem vidas inocentes. Nin-
guém quer isto.
— Que aconteceu com a Centauro? Dering-
house dirigia a viatura por um caminho estreito
que levava ao litoral. Operava com seu mini-
transmissor de pulso, que os tópsidas não lhe
haviam tirado, porque não tiveram tempo.
— Capitão Lamanche deve fazer o que pode
— dizia o Major. — Estamos seguindo para o li-
toral onde empreenderemos a libertação de Mc-
Clears, enquanto a Centauro neutraliza os raios
de atração e se encaminha também para o lito-
ral. Nós nos encontramos logo. Quero evitar,
de qualquer maneira, que os tópsidas tenham a
106
impressão de que somos seres sobrenaturais.
Sabemos por demais que os saltadores lutam
com armas e meios convencionais. Portanto,
não devemos fazer nada que possa levantar sus-
peita. Isto vale principalmente para você,
Gucky.
— Sou, por acaso, um ser sobrenatural? —
perguntou Gucky.
Deringhouse não respondeu. Colocou-se em
contato com Lamanche.
— Ouça, capitão. Ligue o envoltório de pro-
teção e destrua, depois de breve aviso, as cúpu-
las metálicas no centro das quais a Centauro
aterrissou. Ali estão, na minha opinião, os gera-
dores para os raios de atração. E depois vá em-
bora. Ponha-se em contato conosco, quando já
estivermos no litoral. Aí, então, lhe darei novas
instruções.
— Está tudo claro — foi a resposta tranqüila
de Lamanche, objetivo como sempre. — Eu
sinto muito ter ficado aqui, sem fazer nada,
como uma galinha choca em cima dos ovos. Os
mutantes estão ansiosos para enfrentarem os
sáurios.
— Os mutantes têm de ficar, infelizmente,
em segundo plano, pois os tópsidas sabem que
Perry Rhodan possui um corpo de mutantes.
No entanto, é necessário que eles, os tópsidas,
107
fiquem com impressão de que estão lidando
com os saltadores. Está claro?
— Já falei, senhor — foi a resposta seca de
Lamanche. — Encontramo-nos no litoral.
Deringhouse ficou uns instantes olhando
para o receptor emudecido, depois sorriu, colo-
cando a viatura em movimento.
Não se podia chamar a estrada de boa, mas
pelo menos indicava a direção. O carro com co-
bertura transparente tinha bons amortecedores,
mas a conformação dos bancos, feitos não para
o corpo humano, obrigava o motorista a uma
posição incômoda. O terreno ia em leve decli-
ve. Após meia hora, avistaram o litoral. À es-
querda ou à direita, não havia uma clareira na
floresta virgem, em cuja vegetação homem al-
gum jamais penetrara. A estrada entrava um
pouco para a esquerda e se dirigia a um ponto
que não podia estar muito afastado do lugar em
que, através de dois quilômetros de água, se al-
cançava a tal ilha metálica onde McClears e Tif-
flor foram presos.
Mas a estrada atingiu a praia um pouco an-
tes. Aqui, com a areia, a vegetação da mata vir-
gem não achava mais alimentação, de maneira
que sobrou uma faixa livre. Ao lado desta faixa,
a estrada levava exatamente para o leste.
Deringhouse dirigia o carro sob a ramagem
108
protetora de uma árvore gigantesca. Desligou o
motor. Cessou o ruído e, por uns instantes, só
se ouvia o marulhar das ondas e o farfalhar da
vegetação com o vento suave. A visão da natu-
reza virgem transmitia paz e calma. O mar se
espalhava numa extensão imensa. Ter-se-ia que
navegar quase todo o planeta para se encontrar
terra novamente.
— Gostaria de morar aqui — disse Ataka,
quase sonhando. — Como numa ilha desabita-
da dos Mares do Sul.
— As aparências enganam — disse Dering-
house apontando para o céu.
Todos olharam para aquele ponto. Um obje-
to voador, pequeno, passou por cima da cons-
trução de vidro e desapareceu.
— Estão fazendo vôos de patrulha, mas tal-
vez não saibam o que aconteceu. Se a sorte foi
nossa amiga, a instalação de rádio da estação
deve estar destruída — explicou Deringhouse.
Marshall virou-se para o japonês:
— Você acha que daqui desta distância pode
entrar em contato com os aquas? Em caso ne-
gativo, você e Gucky têm que se teleportar para
a prisão de McClears, para não levantar a me-
nor suspeita. Os tópsidas têm que acreditar que
somos saltadores, sem dons espirituais de ne-
nhum tipo.
109
— Se a descrição de Tifflor for exata, eles se
comunicam por ondas sonoras. Vou tentar en-
trar em contato, naturalmente na água. Portan-
to vou tomar um banho agora.
Deixou o uniforme no chão, livrou-se da cal-
ça e, como um turista, entrou pelo mar aden-
tro. Gucky olhava para ele, visivelmente com
inveja:
— Arranjou um bom pretexto para um ba-
nho de mar. Nadar um pouco não me prejudi-
caria.
— Quem sabe você terá que nadar mais de-
pressa do que pensa — disse-lhe Deringhouse.
— E o pior, por muito mais tempo do que dese-
ja.
— Com o ruído das ondas, ele não ouve
nada — disse Gucky, para mudar de assunto,
quando Ataka transpôs as primeiras ondas mais
fortes para penetrar em água mais funda. Para
isso, teve que andar uns cinqüenta metros até
que a água lhe chegasse à altura do peito. A
onda o suspendia e ele abanava a mão para ter-
ra, todo feliz.
— Está mesmo convencido de que está de
férias! — exclamou Gucky meio invejoso.
De repente, Ataka desapareceu. Mergulhou
quase um minuto. Depois, seu rosto sorridente
apareceu fora d’água. Gesticulou excitado com
110
as duas mãos.
— Ouviu os aquas — disse Marshall, trans-
mitindo a mensagem telepática de Ataka. —
Mas não está entendendo nada, quem sabe está
recebendo um grande número de impulsos si-
multâneos que geram uma confusão. De qual-
quer maneira já sabemos que eles se comuni-
cam.
— Quem sabe, os aquas são também telepa-
tas? — indagou Gucky.
— Pouco provável — respondeu Marshall.
— Mas dentro em breve, saberemos isto.
Ataka continuava acenando. Quando o japo-
nês voltou de outro mergulho, Marshall disse
entusiasmado:
— Está sentindo impulsos mais fortes. Já o
perceberam lá embaixo.
Todos ficaram olhando. A uns duzentos me-
tros da praia, listras de espuma sulcavam a su-
perfície da água. Quatro ou cinco listras rodea-
vam Ataka, que parecia estar boiando. As on-
das às vezes lhe chegavam até o pescoço, ou-
tras somente até a cintura. As cinco listras pra-
teadas o cercavam e a espuma havia desapare-
cido. Diante de Ataka surgiu então um corpo
comprido, semelhante ao de uma foca, pôs-se
em posição vertical e começou a gesticular com
um braço em forma de nadadeira. Podia-se ver
111
nitidamente a boca oval.
— Aquas! — disse Marshall. — Exatamente
como Tifflor descreveu. Depende agora se
Ataka pode compreendê-los.
Hesitou um pouco, depois confirmou:
— Foi feito o contato, mas... Gucky, dê um
pulo na Centauro e traga-me André Noir.
— Noir? — perguntou Deringhouse. — Que
vamos fazer com um hipno? Será que pretende-
mos hipnotizar os aquas?
— Não, mas com o auxílio dele, poderemos
nos fazer compreender. Os homens-peixes não
são telepatas e ninguém entende a linguagem
deles. Noir poderá sugerir a esses seres nossas
intenções.
— Está certo — concordou Deringhouse. —
Mas, cuidado, Gucky. Não se esqueça de que
Lamanche já... — e parou por aí.
O rato-castor já tinha sumido. Suas pecadas
na areia de repente sumiram. Deringhouse esta-
va furioso.
— Ele nem espera que eu termine minha or-
dem.
— Realmente não é necessário esperar, se
ele pode ler os pensamentos — disse Marshall.
— Além disso, não temos tempo a perder.
Ataka, nesse ínterim, conversava com os
cinco homens-peixes, mas aparentemente sem
112
resultado. Apontava sempre para a praia e de-
vagar foi se encaminhando para lá. Hesitando
um pouco, eles o seguiam.
Deringhouse e Marshall olhavam estupefa-
tos. Quando o japonês atingiu a praia e se virou
para trás, os cinco aquas também pararam. A
água lhes chegava até a metade do corpo. Este
brilhava com as escamas prateadas recebendo
os raios do sol da última parte da tarde. Dering-
house gostaria de saber se possuíam pés.
Ataka acenou para seus novos amigos. Ca-
minharam mais para frente, desajeitados e va-
garosos, até a praia.
Os aquas não possuíam pernas, mas uma
possante cauda para nadar, parar e mudar de
direção.
Marshall ficou na escuta. De repente mur-
murou:
— Seus impulsos mentais são bem fortes.
Consigo receber seus fluxos. Baixo, mas per-
ceptível. Ah! Se Noir já estivesse aqui. Gostaria
de saber por que Gucky demora tanto.
Ataka na praia, apontava mais para cima,
onde estavam Deringhouse e Marshall. Os
aquas volveram os olhos brilhantes na direção
dos dois homens, que lhes deviam parecer com-
pletamente estranhos.
— Os aquas podem agüentar duas ou três
113
horas fora da água — disse Marshall. — São
pacíficos, mas não sabem como chegamos ao
seu mundo. Acham que somos seus aliados e
não vão muito com os tópsidas. Já é tempo de
nós lhes dizermos a verdade.
Neste exato momento, Gucky se materiali-
zou, trazendo André Noir.
— Conseguimos sair, antes que Lamanche
partisse. Ele deu um susto nos tópsidas e ani-
quilou toda a instalação de tração magnética —
disse o rato-castor.
Deringhouse suspirou contente.
— De novo uma expressão de Bell, se não
me engano. Pois bem, Noir, mostre juntamente
com Marshall, que está fazendo o papel de anfi-
trião, um congraçamento com os aquas.
E assim foi feito.
Marshall recebia os impulsos mentais e os
traduzia.
André Noir lia o pensamento dos homens-
peixes como uma espécie de quadro mental,
que era entendido facilmente. Era um pouco
demorado, mas sempre com resultado positivo.
— Vocês são estranhos neste mundo?
— Sim, viemos das estrelas, onde está nossa
pátria.
— E por que vieram?
Deringhouse que ouvia e dirigia a conversa,
114
mandou dizer:
— Para avisar vocês e para os ajudar. Mas
permitam uma pergunta: Os sáurios são seus
amigos? Deram permissão a eles para viver
num lugar que pertence a vocês?
A resposta veio imediatamente:
— Não, não pediram licença. Vieram há
muitos dias e muitas noites e construíram suas
casas. Como é que nos poderiam pedir licença,
não nos entendem, nem nós a eles.
— Vocês gostariam que fossem embora da-
qui?
— Claro que gostaríamos. Mas como pode-
mos expulsá-los, se não temos armas?
— Podemos ajudar vocês?
Houve então uma pausa e depois a resposta
demonstrou que os aquas eram inteligentes,
mas também desconfiados.
— E o que devemos lhes dar em retribuição?
Deringhouse deu uma risada.
— Somente uma coisa: sua amizade. Vamos
comerciar com vocês, trocar mercadorias e
construir uma pequena base para que os sáurios
não voltem mais.
— Os sáurios nunca comerciaram conosco.
Pois bem, estamos de acordo. Vamos avisar
nossos chefes.
— Mais uma coisa — Deringhouse se lem-
115
brou do mais importante. — Os sáurios prende-
ram dois dos nossos homens, queremos libertá-
los, mas sem o auxílio de vocês será difícil.
Querem nos ajudar?
— Vimos os prisioneiros, estão no castelo
de água dos sáurios. Vocês podem viver debai-
xo d’água?
— Não, precisamos de ar para respirar. De-
baixo d’água nós morremos.
— Ar? — veio o impulso de pensamentos e
depois: Está bem. Vamos cuidar disso. Espe-
rem-nos amanhã cedo neste mesmo local.
Quem sabe arranjamos uma solução.
— Quando nossa grande espaçonave che-
gar, teremos também uma solução — respon-
deu Deringhouse. — Está bem, nos encontrare-
mos amanhã, quando o sol raiar, neste local.
Esperamos por vocês.
— Haveremos de estar aqui — prometeram
os aquas, acenando mais uma vez para os ho-
mens, olhando curiosos por uns instantes a fi-
gura do rato-castor. Depois desapareceram.
Por algum tempo, ainda se podia ver o refle-
xo prateado à flor d’água. Quando os homens-
peixes mergulharam definitivamente para o fun-
do do mar, o brilho sumiu.
Gucky os estava acompanhando:
— Que vida boa que eles levam, nunca sen-
116
tem sede!
Deringhouse olhou para o horizonte. Gran-
de e avermelhado, o sol Beta se preparava para
desaparecer atrás das ondas do mar. O céu ti-
nha uma coloração rosa, verde e roxo. O firma-
mento se abria como uma cortina de fogo, num
espetáculo completamente diferente do pôr do
sol na Terra.
— Amanhã — disse Deringhouse — ama-
nhã saberemos mais.
— Ficaremos aqui? — queria saber Marshall.
— Sim, dormiremos no carro.
— Não é necessário — disse o telepata sacu-
dindo a cabeça. Eu vou com o Gucky buscar a
Gazela de McClears. Temos tempo a noite
toda.
Deringhouse concordou.
— Então, eu e Ataka vamos tomar um ba-
nho com calma, até que vocês voltem. Você
também, Noir?
Gucky lançou um olhar desesperado para
Marshall, mas quando este sacudiu a cabeça
com seriedade, Gucky avançou para o telepata
e o abraçou, desaparecendo com ele.
A vida de oito homens estava em jogo.

117
Antes que ficasse mais escuro, a Gazela ater-
rissou com Marshall e Gucky a bordo, bem per-
to da viatura camuflada. A ação se deu no mo-
mento exato, pois, após a destruição do primei-
ro ponto de apoio e da terrificante investida da
Centauro, que transformou todo o planalto em
lava incandescente, os tópsidas deram o alarme
geral. Suas belonaves surgiram de todos os can-
tos do “mundo d`água” e se reuniram num pon-
to a oitenta quilômetros da ilha metálica.
Logo se deu o ataque à Gazela, que foi natu-
ralmente repelido. Antes que se iniciasse o se-
gundo, mais pesado, apareceram Gucky e
Marshall. O pequeno aparelho partiu e desapa-
receu na penumbra. Como voasse a baixa alti-
tude, seus perseguidores não o conseguiram lo-
calizar no radar.
Deringhouse mandou camuflar o pequeno
aparelho numa clareira da floresta, de sorte que
ninguém o percebesse. Um breve rádio para a
Terra era suficiente para dar a localização exa-
ta. Já era noite, Deringhouse fez uma ligação
para a Centauro.
— Alô, Lamanche! Onde é que você está?
— Em órbita, senhor, esperando pela ordem
de atacar.
— Não vai ser tão breve. Fique por aí e
mantenha contato com a Terra. Proteja-se dos
118
ataques dos tópsidas, mas fique onde está. Ain-
da temos de liquidar uns assuntos aqui embaixo.
— Entendido, senhor; se precisar de algum
auxílio...
— Não se preocupe, Lamanche. Estamos
com Gucky aqui. Fim.
Desligou o aparelho e desceu da Gazela pu-
lando na areia macia, quase pisando na cauda
de Gucky.
O rato-castor estava sentado, calmo. Con-
templava o céu escuro e as primeiras estrelas
que cintilavam, formando constelações diferen-
tes e curiosas, como jamais se poderia observar
da Terra.
— Ora essa, que está fazendo aí? Eu pensa-
va que você estivesse tomando banho de mar...
O rato-castor deixou aparecer o dente roe-
dor.
— Vou fazê-lo agora. Acho que posso deixá-
lo sozinho por uma meia hora.
— Que é isso? Você está falando como se
nós não agüentássemos sem você...
Gucky foi caminhando para o mar, deixando
na areia um rastro diferente. Depois de uns dez
metros, parou, olhou para trás e chilreou:
— Como seria se vocês não tivessem
Gucky... Estou convencido de que vou receber
as duas arrobas de cenoura, não é?
119
Falou e desapareceu com um salto corajoso
na onda em rebentação.
Deringhouse sacudiu a cabeça com ar de de-
saprovação. Estava suspeitando que Gucky que-
ria captar alguma coisa.

***

Vermelho como sangue, o sol se erguia


atrás da floresta virgem e recebia o novo dia
com cores festivas.
Marshall que teve o último período de vigí-
lia, estava bem próximo da água, olhando para
o horizonte longínquo. Já estava esperando pe-
las já conhecidas listras prateadas que anuncia-
vam a chegada dos aquas.
A noite foi calma. A estação de rádio da Ga-
zela, onde todos haviam dormido, ficou sempre
de prontidão, porém, não houve novidade algu-
ma. Houve, sim, grande intensidade de rádios
entre as várias estações e naves dos tópsidas,
mas a grande maioria cifrados. É verdade que o
cérebro eletrônico conseguira decifrar o código
depois de algum tempo. Mas não adiantou mui-
to, o assunto era apenas a tomada de várias po-
sições pelos tópsidas.
Marshall captou os primeiros impulsos de
pensamento dos homens-peixes, ainda bem fra-
120
cos, quando ainda não eram vistos. Aí é que co-
meçou a ver no horizonte as listras prateadas,
ainda bem longe. Aproximavam-se com uma
velocidade quase incrível, nadando em grupo,
pois a formação produzia um enorme sulco que
se dirigia no sentido exato da praia. Podia-se
calcular: aproximavam-se uns cinqüenta aquas.
A uns vinte metros da areia da praia cessaram
as listras prateadas. O chefe da turma emergiu
e chegou com dificuldade até Marshall. Os ou-
tros ficaram na água. Só as cabeças emergiam.
Olhos curiosos contemplavam os homens.
— Viemos, como havíamos prometido —
foi o pensamento dos homens-peixes. — Mas
não conseguimos nenhuma maneira de fazer
com que alguém de vocês consiga viver dentro
d’água.
Marshall já estava chamando Gucky há vinte
segundos e ficou aliviado quando, por fim, teve
uma resposta:
— Estou dormindo ainda — eram os sinais
de Gucky. — Que há de novo?
— Mande André Noir, mas depressa! Os
aquas estão aqui.
Nenhuma resposta, mas, poucos segundos
depois, Gucky se materializava bem ao lado de
Marshall, que sem querer se assustou. André
Noir descia da Gazela e veio correndo.
121
A comunicação com os homens-peixes esta-
va garantida.
— É inútil perder tempo com tais pensa-
mentos, pois podemos agora permanecer muito
tempo sob a água — dizia Marshall. — Existem
uniformes especiais com os quais se pode viver
no espaço, e o espaço é mais perigoso do que
o mar.
— Então vocês podem vir conosco?
— Se vocês forem bem fortes para nos pu-
xar, pois não nadamos tão bem como vocês.
— Quando?
— Esperem-nos só um pouco, temos que fa-
zer uns preparativos.
Meia hora mais tarde, os peixes daquele mar
raso, no litoral do único continente do planeta
quatro, assistiram a um espetáculo tão estra-
nho, que nunca mais esqueceram.
Com uniformes espaciais fechados, Marshall
e Noir estavam montados, cada um, no dorso
escamoso de um aqua e se deixavam levar atra-
vés do verde escuro do mundo submarino. Uma
terceira figura, um pouco menor, estava no
lombo de um terceiro aqua, era Gucky. Uma
vanguarda de uns vinte homens-peixes nadava
à frente. O restante formava a retaguarda da
frota.
O mais divertido de todos era, sem dúvida,
122
Gucky. Seu uniforme especial parecia até fundi-
do com o corpo. A grande viseira do capacete
lhe permitia olhar para todos os lados e já que
o mar não era muito fundo, o rato-castor viveu
pela primeira vez na vida os encantos do mun-
do submarino. As pequenas ondulações de
areia no fundo, cobertas de plantas marinhas,
pareciam um jardim gigantesco. Além disso, a
infinidade de pequenos peixes que vinham de
todos os lados. À esquerda e à direita a visão
era limitada. Em cima havia um clarão de lan-
terna alaranjada, vindo do sol.
A velocidade era espantosa. Os dois homens
perceberam que os aquas eram verdadeiros fo-
guetes vivos de propulsão traseira. Aspiravam a
água pela boca, num fluxo contínuo, compri-
miam-na no meio do corpo através de um ór-
gão especial e depois expeliam o forte jato atra-
vés de uma válvula traseira, bem abaixo da cau-
da. A compressão devia ser muito grande, pois
Marshall estava convencido de que os aquas,
em atenção a seus visitantes, não usavam nem
a metade da força que tinham.
Bem acima da estratosfera, moviam-se os
dois grandes cruzadores em suas órbitas. As ins-
talações de rádio estavam na escuta. Todos se
encontravam de prontidão.
Também Deringhouse estava esperando na
123
Gazela, escondida ainda sob a ramagem densa
das árvores enormes. Achava-se preparada
para entrar em ação a qualquer momento. Bas-
tava que Marshall apertasse o botão vermelho
do seu minitransmissor de pulso. O som já ser-
via de meio de localização.
Sentados nas prisões de vidro, sem saberem
se seus apelos de socorro chegavam a algum lu-
gar, McClears e Tifflor também esperavam.

***

Depois de grandes esforços, Al-Khor conse-


guiu sentir chão firme debaixo dos pés. Escorre-
gou pelo tronco liso da árvore, esfolando muito
a pele e nos últimos cinco metros caiu direta-
mente. Foi por isso que destroncou a pesada
cauda coberta de escamas, que lhe doía tremen-
damente.
Praguejando e mancando de uma perna, foi
abrindo caminho pela vegetação baixa da flo-
resta. Depois de muito procurar, achou sua pis-
tola de raios energéticos e chegou afinal à beira
da clareira, onde, há pouco, ainda existia a es-
tação. As granadas de mão dos “saltadores” ti-
nham feito estrago total. A cúpula estava em
ruínas, as viaturas destruídas e o pessoal: morto
ou ferido ou debandado.
124
Debandado pelo ar.
É claro que a imaginação de Al-Khor traba-
lhava. Chegou a uma conclusão, mais ou me-
nos lógica, de que os “saltadores” haviam aper-
feiçoado um aparelho, com o qual podiam a
qualquer momento interromper a lei da gravida-
de e fazer então com que os objetos pudessem
flutuar à vontade. Não havia outra explicação
para o fenômeno que ele próprio sentiu na
pele: fora um fato sobrenatural.
Andando pelos escombros, encontrou uma
viatura mais ou menos em condições, cujo apa-
relhamento de rádio ainda funcionava. Chamou
a central das Tropas de Ocupação. Ela respon-
deu imediatamente.
— Aqui fala Al-Khor, do Comando Seccio-
nal da Costa Sul. Os “saltadores” presos fugi-
ram e destruíram nossa estação. Peço socorro
imediato. Mandem-me uma nave.
A resposta não foi muito alentadora:
— Estamos em alarme de urgência, Al-Khor,
e não podemos prescindir de nenhuma nave.
Procure abrir caminho no HQ. Perdura o peri-
go de que os saltadores consigam mais reforços
e nos ataquem.
— A quem você está dizendo isto? — disse
Al-Khor indignado. — Afinal, fui eu quem lhe
chamou a atenção para este fato e...
125
— Esperamos você no quartel-general.
Ouviu-se o ruído final. Al-Khor praguejando,
destruiu o aparelho com um único soco de sua
mão, por assim dizer, blindada.
— ...eles é que vejam como liquidar os salta-
dores.
Não tinha pressa alguma. Procurou na viatu-
ra alguma coisa para comer e acabou fazendo
sua refeição. Já estava bem escuro, portanto ti-
nha que preparar um abrigo para dormir.
Quando rompeu a madrugada, acordou ge-
lado e ficou contente quando apareceram os
primeiros raios do sol para aquecê-lo. Depois
de uma boa refeição matinal, ligou o carro e co-
meçou a rolar por entre as ruínas em direção
ao caminho estreito que levava para o litoral e
para o quartel-general.
Estava com remorsos. Sem suspeitar de
nada, passou bem perto do esconderijo da Ga-
zela, tomou a direção do leste. Aproximou-se
da ilha de aço, antes do litoral, onde o Estado-
Maior dos Tópsidas estava reunido em conselho
de guerra. Um barco levou Al-Khor aos seus co-
legas que o receberam admirados, mas com
muita reserva. Tinha-se a impressão de que ele
era culpado da evasão dos prisioneiros e por-
tanto era acusado de favorecer o inimigo.
Sem dar atenção à sua chegada, o conselho
126
de guerra prosseguiu.
— Estaríamos, portanto, unânimes — afir-
mou Wor-Lök, comandante-supremo e superior
de Al-Khor — em tentar nos defendermos sozi-
nhos, sem auxílio, de ninguém, do iminente
ataque dos saltadores.
— Isto é pura loucura — disse Al-Khor bem
alto, antes mesmo de tomar seu lugar. — Não
podemos cometer erro maior do que este.
Wor-Lök estremeceu todo e fechou a cara.
Exatamente quem havia fracassado miseravel-
mente é que se atrevia a contradizê-lo? Se o di-
tador de Topsid soubesse disso, Al-Khor estaria
perdido. A sombra da desgraça cairia também
na cabeça do comandante-supremo do “mundo
d’água”.
— Então, quer dizer que estou cometendo
um erro? — disse Wor-Lök com cara sinistra.
— Talvez o senhor terá a bondade de nos expli-
car melhor e dar suas razões.
Al-Khor respirou profundamente:
— Não lhes basta o simples fato de dois des-
tes saltadores terem mandado pelos ares toda a
nossa estação, depois de haverem fugido da
cela fortemente trancada e vigiada? Não pôde
haver reação contra eles, pois possuem um
aparelho com que neutralizam a força da gravi-
dade. Suponho, além disso, que vão atacar o
127
“mundo d’água” com uma frota bélica jamais
vista, aniquilando-nos nos primeiros instantes,
se formos tão orgulhosos de não pedirmos au-
xílio de Topsid.
Houve agitação entre os tópsidas. As pala-
vras de Al-Khor pareciam conter muita coisa sé-
ria. Mas Wor-Lök não se deixou levar:
— Quem é que lhe garante que haverá um
ataque contra nós?
— Ora, Wor-Lök, o senhor sabe, tão bem
como eu, que corremos perigo. E seu orgulho
não nos deixa pedir auxílio. O senhor quer se
transformar em herói. Mas eu e a maioria de
meus colegas preferimos viver.
Um longo aplauso deu-lhe razão. Wor-Lök
olhou em volta, mas só viu caras fechadas para
ele. Mesmo assim perguntou:
— Os senhores são, portanto de opinião de
que devemos expor ao ditador toda a nossa fra-
queza?
— Perfeitamente, porque esta fraqueza não
é nossa culpa. Estamos prestando ainda um fa-
vor ao império — respondeu Al-Khor.
Realmente, não estavam prestando favor ne-
nhum. Mas Al-Khor não podia saber disso. Nin-
guém o sabia, nem mesmo Rhodan.
— Prestando um favor?
Wor-Lök se levantou, olhou para a porta,
128
onde estavam postados dois guardas com os
raios energéticos de mão.
— Sou de opinião contrária e acho que o se-
nhor fracassou. Agora quer arranjar um pretex-
to. Isto é insubordinação e eu vou chamá-lo à
responsabilidade. Guardas, Al-Khor está preso.
Levai-o para a prisão submarina. Al-Khor, de-
ponha as armas.
Por um segundo, Al-Khor parecia petrifica-
do. Depois veio vida para seu corpo. Mais do
que depressa sacou da arma e dirigiu-a contra o
comandante-geral.
— Eu estou preso? E devo depor a arma?
Isto é completamente contra o bom senso. Es-
tamos numa época em que devemos nos unir,
se não quisermos desaparecer.
Wor-Lök confiava na sua autoridade em de-
cidir sobre a vida e a morte.
— Minha decisão não volta atrás. Guardas,
prendam Al-Khor. A partir deste momento, ele
está rebaixado de todas as honras militares.
Al-Khor não podia mais hesitar. Com um
único tiro certeiro, prostrou seu adversário, que
caiu como fulminado por um raio. Depois, vi-
rou-se para os guardas, ordenando que voltas-
sem a seus lugares. No seu íntimo, havia um
vulcão de emoções, mas externamente estava
sereno.
129
— Tópsidas, estamos agora sem chefe, mas
é necessário tomarmos decisões rápidas. Conti-
nuo com minha proposta de nos colocarmos
imediatamente em contato com Topsid e expor
ao ditador o que está se passando e o que vai
acontecer, se não recebermos reforço imediato.
Está iminente uma invasão dos saltadores. Eles
julgam existir neste planeta uma base de um ad-
versário e pretendem destruir o terceiro e o
quarto planetas. Nós, porém, queremos coloni-
zar o “mundo d’água” e mais tarde também o
planeta das selvas, temos portanto o direito de
prioridade.
“Ainda não notamos nada de um inimigo
neste sistema, fora dos próprios saltadores.
Peço, portanto, o consentimento do conselho
para que possa me comunicar com Topsid.”
A pesada pistola ainda estava firme em sua
mão, mas o cano apontando para o chão. Tal-
vez fosse a visão da poderosa arma e o reco-
nhecimento de que Al-Khor não tinha compro-
missos com ninguém, como tinha comprovado
há pouco, que levou todos os presentes a con-
cordarem unanimemente. Um deles se levantou
e disse:
— Estamos sem comando supremo. Propo-
nho, pois, que a partir deste momento, Al-Khor
tome o cargo de Wor-Lök.
130
Outra vez, nenhuma voz discordante.
Al-Khor era assim o novo comandante do
“mundo d’água”. E começou a agir imediata-
mente. Virou-se para um oficial:
— Providencie que o hipertransmissor faça
logo contato com Topsid. Estarei em poucos
instantes na Central de Rádio e falarei direta-
mente com o ditador. E os senhores — olhou
para os demais — dirijam-se imediatamente
para suas bases ou naves e aguardem ordens
posteriores. O “planeta das águas” está em es-
tado de sítio. Alguém no fundo perguntou:
— Que acontecerá com os prisioneiros que
se encontram na cela submarina?
Al-Khor sacudiu a cabeça:
— Ainda bem que você me lembrou. Temos
que torná-los incapazes de reagir, antes que fu-
jam também.
— Talvez nos possam dar mais detalhes so-
bre a invasão iminente...
— Não, não temos mais tempo. Além disso,
já disseram tudo que queríamos saber. São mui-
to perigosos para continuarem vivos. Providen-
ciem execução sumária.
O tópsida do fundo concordou, mas ficou
sentado, para esperar o fim da conferência.
E exatamente isto não se deu.

131
***

Tifflor pensava constantemente naquilo que


queria transmitir a John Marshall. Não podia fa-
zer mais do que isto. Tinha, porém, esperança
de que Marshall captasse seus pensamentos.
McClears, sentado no canto, no chão de vi-
dro, olhava pensativo para o fundo do mar, tão
próximo, que agora com a luz do dia ele podia
ver tão bem. Os estranhos peixes haviam desa-
parecido imediatamente, quando foram chama-
dos. A fraca esperança do major estava acaban-
do. Não podiam mais esperar ajuda dos peixes
inteligentes. De quem então? Deringhouse e os
mutantes estariam certamente a caminho para
libertá-los.
O principal era que os tópsidas acreditavam
na invasão dos saltadores, a qualquer momento,
tomando todas as providências para a defesa.
Valia a pena fazer um sacrifício para isto.
Porém, não o sacrifício da própria vida, assim
pensava sinceramente McClears. Era um ho-
mem honesto, amigo de Rhodan, mas não um
suicida. Somente os loucos é que são suicidas e
heróis que se autodestroem.
— Não dá para ver mais nada, Tifflor? Des-
de ontem à tarde que eles não aparecem mais.
Será que não se interessam mais por nós?
132
— Não sabemos, major, quais suas relações
com os tópsidas. Talvez receberam ordens de
não aparecer mais aqui.
— Para que, então, nos prenderam numa
cabina de vidro dentro do mar? Só para que os
homens-peixes nos ficassem contemplando?
— Não sabemos nada certo — dizia Tifflor.
— O melhor a fazer é esperar o que vai aconte-
cer.
Era mais fácil falar do que praticar. Estavam
parados ali desde ontem. Não se ouviu mais
nada depois disso, ninguém pensara em trazer
alguma coisa para comer ou beber. Por muita
sorte, McClears ainda achou no bolso uns table-
tes que ajudavam um pouco contra a fome e a
sede aguda.
Ouviram passos, de repente. Sentiram uma
vibração e se levantaram. Achavam que era me-
lhor receber os sáurios de pé. Quem sabe tam-
bém era um aviso de subconsciente, que os le-
vou a isto.
Souberam no mesmo instante em que dois
tópsidas abriram a porta e penetraram na cela
de vidro, o que lhes ia acontecer. As armas
apontadas contra eles e os olhares com sinistra
determinação traíam nitidamente suas inten-
ções.
— Vão nos matar — sussurrou Tifflor, se
133
concentrando para pensar. — Socorro!
Marshall, Gucky. Não temos mais muito tempo.
Posição: ilha de metal, diante do litoral, vinte
metros de profundidade. Obrigam-nos a deixar
a cela. Depressa.
Lá fora no corredor, estava claro. Do teto e
das paredes, penetrava luz muito clara, que
ofuscava os homens. Os tópsidas empurravam
os prisioneiros para frente com os canos das ar-
mas. Com os lábios bem apertados, McClears e
Tifflor caminhavam para um destino desconhe-
cido.
O corredor fez uma grande curva e terminou
numa porta metálica. Uma roda dava a enten-
der que se tratava de uma comporta, de ar ou
de água?
Um dos guardas girou a roda, a porta gin-
gou devagar para fora deixando ver um aposen-
to vazio pela frente.
— Podem ir — disse o tópsida em intercos-
mo — bom proveito!
McClears ficou parado. Tifflor continuou an-
dando, repetindo sem interrupção seus gritos
mentais de socorro. Descrevia a situação e es-
perava que os amigos não demorassem muito
em aparecer. Estava realmente na hora.
McClears não se movia. Cada segundo era
precioso.
134
— Que está acontecendo conosco? — per-
guntou ele.
O focinho de lagarto se retorceu num sorriso
sarcástico:
— Al-Khor, o novo comandante-geral, os
condenou à morte. Vocês não vão sofrer muito.
A gente afoga facilmente.
— Por que devemos morrer? Não dissemos
tudo que era importante para vocês?
— Não fomos nós que demos a sentença —
explicou o tópsida. — Mas eu acho que é justa,
vocês causaram muito estrago. Uma estação foi
pelos ares, os outros prisioneiros fugiram, um
grande número de tópsidas foi assassinado. Vo-
cês merecem a morte. E agora, vamos.
McClears não desistiu.
— Será que nós temos que ser responsáveis
pelos atos dos outros saltadores? Não fomos
nós quem ordenou a invasão.
— Chega de falação, saltador. Vamos.
Apontou a arma para o major. McClears perce-
beu que não havia mais um segundo. Virou-se e
encaminhou-se para o local em que Tifflor já o
esperava.
— Se quiserem deixar a água entrar aqui —
disse ele baixinho, enquanto a porta pesada se
fechava — terão que abrir a comporta externa.
Aí, nós mergulhamos.
135
— Tenho receio de que haverão de ficar es-
perando até que tenhamos nos afogado. Não
são tão ingênuos assim, para não preverem
esta hipótese. Podemos apenas prender a respi-
ração, nada mais. E naturalmente, esperar.
McClears nada respondeu.
Pelo lado do mar, surgiu no chão uma fenda
estreita de onde começou a entrar água na
comporta. A fenda foi aumentando depressa.
Já atingia o peito deles.
— A fenda — disse Tifflor, assustado. — Se
aumentar um pouco mais, podemos passar por
ela.
Mas a porta vertical estava parada e o nível
da água subia constantemente, atingindo já o
pescoço.
— Respirar profundamente — disse McCle-
ars — prender a respiração e procurar chegar
até embaixo. Felicidades, Tifflor, talvez tenha-
mos sorte.
Num borbulhão repentino, o mar invadiu a
comporta. Cobriu tudo em fração de segundo.
Os dois prisioneiros seguravam o ar e foram
para o fundo. Sentiram a pressão da água, os
ouvidos começaram a zumbir e a falta de oxigê-
nio lhes tolhia os movimentos. McClears tocou
com os dedos a margem superior da fenda, até
que deu com alguma coisa que se movia. Não
136
fosse a água que o envolvia, teria dado um gri-
to. Mas um pouco do ar acumulado no pulmão
escapou, subindo em bolhas. Mais um segundo
e estaria tudo acabado.

***

Os aquas da vanguarda diminuíram a veloci-


dade e formaram de novo uma espécie de frota
bem agrupada.
— Que está acontecendo? — perguntou An-
dré Noir, através de uma imagem mental.
Marshall e Gucky receberam prontamente a
resposta:
— A fortaleza d’água dos estranhos. Esta-
mos chegando. Têm portas especiais que levam
daqui lá para dentro.
No mesmo segundo, chegaram os pedidos
de socorro de Tifflor. Gucky se orientou e trans-
mitiu telepaticamente para Marshall:
— A menos de dez metros de nós. Devo sal-
tar?
— Não, espere. Quem sabe podemos aju-
dar, sem que os tópsidas percebam.
Na frente deles, cintilavam, na eterna pe-
numbra do mar, as paredes da ilha artificial.
Apoiavam-se em pilastras redondas e termina-
vam a uns vinte metros do nível da água. Uma
137
fila de muitas fendas indicava a presença das
comportas. Dali em diante, os aquas penetrari-
am no domínio dos tópsidas.
— Estão sendo procurados. Marshall fez um
sinal com seu capacete.
Era uma sensação esquisita cavalgar no lom-
bo de um peixe esguio.
— Orientação, Gucky.
O rato-castor, que em outras circunstâncias
estaria se divertindo muito, conduziu seu animal
de sela para perto da parede escura da ilha de
metal. Parou diante de uma comporta.
— Estão aqui, Tifflor já está na câmera.
Marshall já sabia disso há tempo. Sabia
mais:
— Lá em cima, na plataforma, estão dois
guardas armados para o caso de McClears ou
Tifflor emergirem...
Noir era um sugestor, naturalmente também
um telepata fraco. Podia compreender bem os
impulsos de Marshall e de Gucky e estava sendo
bem informado, transmitindo logo as instruções
aos aquas. Os homens-peixes, sem peso nas
costas, começaram a fazer suas piruetas, como
era de costume. Atiravam-se como setas, de um
canto para o outro, revolvendo toda a super-
fície do mar, pulando metros para cima no ar
ensolarado e caindo com estrépito em seu ele-
138
mento natural.
Os tópsidas abaixaram as armas. Era um es-
petáculo com que já estavam acostumados.
— Agora a água está penetrando — pensa-
va Tifflor para Gucky.
Depois de alguns instantes o rato-castor
transmitiu:
— A fenda é estreita demais para McClears
e Tifflor passarem.
Marshall respondeu:
— Gucky, abrir.
O rato-castor se aproximou mais da parede
e se concentrou. Lentamente a parte inferior da
comporta foi se levantando. É claro que a água
penetrou imediatamente na câmera de trás,
mas a fenda estava agora bem maior, dando
passagem fácil para os dois homens. Provavel-
mente haveriam de compreender o que estava
acontecendo. E compreenderam mesmo.
Gucky fez seu aqua abaixar um pouco mais
e meteu a mão na fenda. Sentiu logo um braço
que apalpava e o puxou para fora. Era McCle-
ars. O major tinha os olhos meio abertos mas
parecia não ver nada. Uma grande bolha de ar
saiu de sua boca e subiu rápida para a super-
fície.
— Depressa, Marshall! Ele pode agüentar
ainda dez segundos. Leve-o bem para frente e
139
depois para cima.
Marshall pegou McClears que não reagia,
nem percebia o que estava acontecendo. Noir
retransmitiu a ordem aos aquas. Marshall teve
dificuldade em segurar o corpo de McClears, de
tão forte que era a velocidade com que os aquas
disparavam através do mar.
Gucky não hesitou mais um segundo. Atra-
vessou a estreita fenda, penetrando na compor-
ta e viu imediatamente o pobre Tifflor que tinha
desistido de fugir e já estava boiando de encon-
tro ao teto, onde não havia mais um centímetro
cúbico de ar. Gucky deu um pulo e pegou o pé
de Tifflor. O peso do uniforme o fez descer um
pouco. O mais rápido possível, comprimiu Tif-
flor contra a fenda, saindo para o mar, onde o
aqua que servia a Gucky já estava esperando. O
homem-peixe pegou o corpo do tenente e saiu
em disparada, sem se preocupar com Gucky.
Este, depois de hesitar um pouco, retornou
para dentro da comporta.
Os dois tópsidas que haviam enclausurado
McClears e Tifflor no pequeno dique, ainda es-
tavam diante da porta, conversando. Depois de
dez minutos, a comporta externa devia ser fe-
chada e esvaziada. Portanto ainda sobrava tem-
po. Não perceberam que a roda de regulagem
estava girando, por mãos invisíveis. De repente
140
a porta abriu. Entrou uma golfada enorme de
água que, envolvendo os dois guardas distraí-
dos, os arrastou.
Gucky abriu também a porta externa, de for-
ma que, em poucos instantes, toda a parte infe-
rior da estação estava submersa. Os sáurios que
ali se encontravam morreram afogados. Alguns,
que conseguiram escapar, levaram a trágica no-
tícia para os oficiais que estavam reunidos no
andar superior em importante conselho de
guerra.
A água subiu até a altura da plataforma e as-
sim a ilha metálica não podia mais servir de
base de operação.
Gucky passou de novo pela fenda, atingiu o
mar, e tentou sair dali o mais rápido possível,
pois o local, em volta da ilha, se tornava agora
perigoso.
Gucky captou os impulsos de Marshall, que
estava a duzentos metros e já havia alcançado a
superfície com McClears. Os tópsidas na plata-
forma estavam agora demasiadamente ocupa-
dos para se preocuparem com coisas que esta-
vam acontecendo no mar. A ilha não iria, pro-
priamente, cair, mas três quartos dela estavam
inundados.
Gucky poderia se utilizar de seus dons teleci-
néticos, mas estava adorando nadar debaixo
141
d’água. McClears e Tifflor já estavam fora de
perigo, como lhe dizia nitidamente a mensagem
telepática de Marshall. Os aquas estavam fazen-
do tudo para que os dois resgatados do castelo
de vidro saíssem o mais depressa possível da
zona perigosa.
O rato-castor se divertia mergulhando bem
fundo, junto das plantas marinhas. Deu de cara
com um enorme peixe que ao vê-lo disparou
assustado.
E assim foi que ele chegou duas horas mais
tarde que os outros para o lugar onde estava a
Gazela. Havia tomado o seu muito desejado ba-
nho de mar, mas não se havia molhado.

Perry Rhodan estava conversando com


Crest e Thora sobre a possibilidade de uma co-
lonização interestelar, quando um zunido muito
agudo se fez ouvir. Assustou-se um pouco,
apertou depois o botão de seu aparelho recep-
tor de pulso.
— Aqui fala Rhodan. O que há?
— Mensagem urgente do sistema Beta se-
nhor. Quer que eu a receba?
— Comunique-se com Reginald Bell e espe-
re. Vou atender.
142
Crest e Thora viram-no sair correndo do lo-
cal, antes que lhe pudessem fazer uma pergun-
ta. Levantaram-se para acompanhá-lo, pois es-
tavam muito interessados em saber o que acon-
tecera a 272 anos-luz da Terra.
O elevador levou Rhodan em cinco minutos
à central de radiocomunicação. O operador-
chefe Eilman fez posição de sentido e anunciou:
— Major Deringhouse, Centauro, sistema
Beta, solicitou transmissão especial. Distância
duzentos e setenta e dois anos-luz.
— Meu querido Eilman — disse Rhodan —
você é o homem das notícias. Só não com-
preendo bem por que repete tanto coisas já co-
nhecidas. De qualquer maneira é melhor do que
inventar novas. Que há com Deringhouse?
— Apresenta-se exatamente dentro de trinta
segundos.
Rhodan sorriu e tomou lugar à mesa de con-
trole. Neste instante, Bell entra porta a dentro,
cumprimentou Eilman com um aceno de mão e
sentou-se ao lado de Rhodan.
— Agora, estou realmente ansioso.
— Não é por menos — respondeu Rhodan.
— Onde estará o sujeito?
— Vou lhe puxar os pêlos — prometeu Bell,
com o que se tornou claro que falavam do
Gucky, cuja ausência lhes era um problema des-
143
de a partida dos dois cruzadores pesados.
— Espere — recomendou Rhodan tranqüilo.
Acendeu uma lâmpada verde à sua frente,
ouvindo então uma voz desfigurada no alto-
falante:
— Aqui fala Deringhouse. Estou chamando
Terrânia.
Do outro lado, estava Rhodan:
— Como é bom ouvir sua voz, Deringhouse.
Antes de você começar a falar, diga-me uma
coisa: você viu Gucky por algum lugar?
Pequeno intervalo, depois veio a resposta de
Deringhouse:
— Gucky está conosco, senhor.
— Está bem. Dê então as notícias. Os salta-
dores já se manifestaram?
— Como posso entender a pergunta, se-
nhor? Nós somos os “saltadores”. Ao menos
para os tópsidas. Além disso, os verdadeiros...
— Um momento, Deringhouse, você falou
tópsidas?
O major começou seu relato. Rhodan e Bell
ouviam compenetrados, sem interrompê-lo uma
vez sequer. No fim, resumiu seu ponto de vista:
— Este foi o plano que cada um de nós dois
elaborou separadamente, sem combinação pré-
via. Eu presumo que o senhor concorde com
nosso ponto de vista. Naturalmente que seria
144
muito simples destruir as bases dos tópsidas e
suas naves com o auxílio da Centauro e da Ter-
ra, mas não lucraríamos muito com isto. Assim
temos a possibilidade de matar dois coelhos
com uma só cajadada. Merece atenção especial
o fato de que o comandante-geral dos tópsidas,
um tal Al-Khor, há poucas horas atrás enviou
uma mensagem de socorro para Topsid. Pede
auxílio ao ditador e soberano do Reino Estelar
dos Tópsidas, para salvar o sistema Beta do
iminente ataque dos saltadores. Este ditador
está revoltado contra o pretendido ataque dos
saltadores e prometeu a Al-Khor de lhe enviar
uma poderosa frota de guerra. Estamos espe-
rando por ela.
Rhodan olhou para Bell, que fitava meio
desconcertado o alto-falante, como se esperas-
se do aparelho uma sugestão.
— Excelente, Deringhouse — continuou
Rhodan. — Se seu plano funcionar, e eu apos-
to que vai funcionar, atingiremos nosso objetivo
inicial, sem movermos uma palha. Os saltado-
res, que atacarem, haverão de ver nas espaço-
naves dos terríveis e corajosos tópsidas as naves
da Terra ou de seus aliados. Mas os tópsidas
têm plena razão quando consideram os saltado-
res como saltadores mesmo, apenas desconhe-
cem a razão do seu ataque. Temos, porém, que
145
evitar que não haja nenhuma relação mais clara
entre os dois adversários. Infelizmente não rece-
bi ainda nenhuma notícia sobre Talamon, o su-
perpesado com quem temos amizade. Não sei
se vai tomar parte no ataque.
— Quais são suas ordens, senhor? — per-
guntou Deringhouse.
Rhodan começou a sorrir.
— Deve esperar, Deringhouse, o melhor é
vocês se retirarem para o terceiro planeta e agir
como se ele fosse a Terra. Quem sabe vocês
conseguem até atrair para lá os tópsidas. Assim
este planeta terá maior semelhança com a Ter-
ra.
— Entendido, senhor. Ligarei novamente
quando as coisas se desenrolarem mais.
— Aparecerei logo por aí — prometeu Rho-
dan — para recebermos com alegria nossos
amigos. — Desta vez, os tópsidas são nossos
aliados. É pena que não saibam nada disto. An-
tes de desligar, uma pergunta, Deringhouse:
você deu ordem de prisão individual para o vio-
lador da disciplina, Gucky?
Deringhouse titubeou um pouco, depois fa-
lou:
— Sinto muito, senhor, mas nós precisamos
muito da ação do rato-castor. Se quiser ser sin-
cero, sem Gucky não teríamos conseguido
146
nada. Posso fazer uma observação?
— Claro que sim — disse Rhodan, continu-
ando a sorrir mais ainda.
Bell acrescentou:
— Estou curioso.
Podia-se ouvir a respiração de Deringhouse.
— Não se deve olhar para o caso de Gucky
assim. Foi simples zelo pelo dever, mas não um
desrespeito ao regulamento por motivos inferio-
res. É claro que chamei sua atenção para o
erro. Mas depois se comportou maravilhosa-
mente, chegando mesmo a salvar a vida de Mc-
Clears e de Tifflor. Ninguém fora dele, poderia
fazer isto. Portanto, acho que se devia...
— Certo, Deringhouse, diga a Gucky que ele
está perdoado. No próximo semestre, porém,
não receberá cenoura. Quer dizer mais alguma
coisa, Deringhouse?
— Senhor, acho que isto não causará trans-
torno a Gucky.
— Acho que sim. Ele gosta muito de cenou-
ra e vai sentir muita falta.
— Não sei, tenho que confessar que perdi
uma aposta...
Bell começou a dar gargalhada. Estava bem
por dentro destas apostas. Já tinham custado a
muita gente uma boa soma de dinheiro em ce-
nouras e rabanetes... e pontas de dedo paralisa-
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das de tanto coçar pêlo de animal.
— Está certo — ria também Rhodan. —
Que ele coma bastante, mas não deixe comer
demais e estragar o estômago, pois precisamos
muito dele contra os tópsidas e contra os salta-
dores. Até logo mais, Deringhouse, saudações a
todos os homens e a Gucky. Fim.
Do depósito de víveres da Centauro, os ro-
bôs levaram caixas e mais caixas de cenoura
para a cabina de Gucky, onde o rato-castor es-
tava sentado no sofá como um verdadeiro paxá,
enquanto o major Deringhouse cumpria sua pri-
meira hora de “coçagem”.
Quem fizesse aposta com Gucky teria sem-
pre cem por cento de certeza de que ia perder.

***

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A surpreendente descoberta de que os
tópsidas, velhos inimigos da Humanidade, ti-
nham pontos de apoio no sistema Beta, foi
incluída estrategicamente na gigantesca ma-
nobra de camuflagem de Perry Rhodan.
Será que os tópsidas continuarão o jogo,
depois que as frotas dos saltadores e dos aras
aparecerem?
E Topthor, que já viu com os próprios
olhos o sol da Terra! Será que ele não vai re-
conhecer, assim que vir o enorme sol Beta,
que a positrônica o levou a um alvo errado?
Em A MORTE DA TERRA, Topthor é a fi-
gura central de mais uma aventura de Perry
Rhodan.

*
* *

ÐØØM SCANS
PROJETO FUTURÂMICA ESPACIAL
https://doom-scans.blogspot.com.br

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