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GÊMEOS, O FOCO
DOS ACONTECIMENTOS
Autor
H. G. EWERS
Tradução
RICHARD PAUL NETO
Digitalização
VITÓRIO
Revisão
ARLINDO_SAN
Há 10.000 anos, quando no planeta Terra ainda não existia
uma civilização digna deste nome, os arcônidas estavam travando
uma luta encarniçada com os metanitas.
Esta guerra que abalou os alicerces do império arcônida.
Teria causado a destruição total de Árcon, se os seres que na época
dominavam a Galáxia não tivessem conseguido empregar, no
momento decisivo, uma nova arma.
Os metanitas acabaram sendo derrotados, e os arcônidas, em
cuja frota Atlan combatia como jovem comandante, acreditavam,
que tinham eliminado para sempre a ameaça representada pelas
inteligências não-humanóides.
Mas agora, cerca de 10.000 anos depois, quando há tempos o
Império Solar governado por Perry Rhodan e pertencente a
Humanidade tinha assumido a herança dos arcônidas, houve uma
surpresa. Verificou-se que o poder dos metanitas não fora eliminado
conforme se acreditava.
O Lorde-Almirante Atlan, amigo e mentor de Perry Rhodan, foi
o primeiro a reconhecer o perigo que os ameaçava. E quando uma
gigantesca fortaleza voadora dos metanitas sai pelo transmissor de
Gêmeos — trazendo a bordo a Crest II, que já havia recuperado o
tamanho normal — a Frota de vigilância de Julian Tifflor entra em
estado de alerta.
Os terranos combatem os intrusos em Gêmeos, o Foco dos
Acontecimentos!
= = = = = = = Personagens Principais: = = = = = = =
Coronel Haile Trontor — Um epsalense que, ao cantar, faz muita
gente sentir dor de dentes.
Julian Tifflor — Marechal solar e comandante da Frota que opera
em redor do sistema de Gêmeos.
Perry Rhodan — Administrador-Geral do Império Solar.
Atlan — Um arcônida que teme os maahks.
Ismail ben Rabbat — Um comandante sem nave.
Ivã Ivanovitch Goratchim — O detonador que acaba tendo muito
trabalho.
Omar Hawk — Tenente do Corpo Especial de Patrulhamento e
domador de okrills.
Coronel Marcus Nolte — Chefe dos defensores de Quinta.
1
O Coronel Ismail ben Rabbat teve a impressão de estar deitado numa tábua cheia de
pregos.
O lado direito de seu corpo ardia de dor. Tentou em vão virar para o outro lado. Os
músculos não obedeciam. Provavelmente era por isso mesmo que não via nada, além de
um brilho cor-de-rosa projetado na retina. Devia ser a luz que atravessava as pálpebras
fechadas. Era apenas um traço miserável de luminosidade, insuficiente para orientar-se.
Ismail perguntou-se o que tinha acontecido.
A Voltaire — só agora lembrou-se de que o nome de sua nave devia ser este —
aproximava-se da fortaleza espacial que aparecera de repente no transmissor do sistema
de Gêmeos. Ismail lembrou-se perfeitamente de que Rhodan tinha dado ordem para não
usar os canhões conversores. O rosto do Marechal Solar Tifflor não parecia nada feliz
quando transmitira a ordem aos comandantes das naves pertencentes ao seu grupo. Ele,
Ismail, era o único que tinha certeza de que seria capaz de destruir a Fortaleza com as
armas convencionais da Voltaire. Levara sua nave à velocidade máxima para perto da
Fortaleza e abrira fogo com todos os canhões energéticos do supercouraçado.
De repente os aparelhos existentes a bordo da Voltaire pareciam ter enlouquecido.
Ismail ben Rabbat não sabia exatamente o que tinha acontecido. Lembrava-se
perfeitamente de que o sistema automático de salvamento começara a transmitir a
mensagem Mayday.
Ficara inconsciente desse momento em diante, para acordar somente há cerca de
trinta segundos.
Perguntou a si mesmo se o estado em que se encontrava naquele momento diferia
muito do estado de inconsciência. A única coisa de que tinha ciência era de sua própria
existência e do fato de que uma luminosidade vaga atravessava suas pálpebras.
Um estrondo surdo arrancou-o do estado de resignação.
Ismail pôs-se a escutar, num súbito acesso de esperança. Mas o estrondo continuava
a ser o único ruído que ouvia. Voltou a ouvi-lo mais duas vezes, sem que conseguisse
identificá-lo. A seguir voltou a reinar um silêncio total.
Levou algum tempo para compreender que a dor que sentira do lado direito do
corpo tinha desaparecido. Quando isso aconteceu, percebeu de repente que nenhuma luz
atravessava suas pálpebras.
Escurecera completamente.
Fez mais uma tentativa para mexer-se. Foi uma ordem inspirada no subconsciente.
Ismail nem contava com o efeito que se seguiu.
Ficou se debatendo desesperadamente quando rolou para o outro lado. Suas mãos
agarraram uma peça de metal liso e frio. Ouviu o som de algumas pancadas e um eco
fraco. Abriu as pálpebras, que obedeceram ao comando da vontade. Mas em torno dele
tudo era escuridão. Pela primeira vez depois que acordara Ismail perguntou-se onde
estava. Disse que era um idiota por formular uma pergunta como esta. Naturalmente só
poderia estar na sala de comando da Voltaire, pois não fizera nenhum movimento. Mas
teve a impressão de que não era bem assim. Além disso há pouco ainda devia ter havido
uma luz, a mesma luz, que atravessara suas pálpebras. Esta luz tinha desaparecido. Será
que já se encontrava em outro lugar? Talvez o estrondo surdo que ouvira tivesse alguma
relação com isso...
Ismail chamou.
O eco de sua voz tinha um terrível som cavo.
— Alô!... Alô!
Ninguém respondeu.
Ismail ben Rabbat começou a levantar-se cautelosamente. Tinha certeza de que
estava só; só, numa prisão de metal, sem luz e sem vida.
Por isso mesmo assustou-se bastante ao ouvir alguém dar um forte espirro bem em
cima dele.
Mas Ismail ben Rabbat não demorou a recuperar o autocontrole. Não era sem
motivo que seus desafetos e também os companheiros costumavam apelidá-lo de
cavalheiro do espaço, isto por causa de sua vaidade. Não suportava a idéia de aparecer
numa posição menos conveniente.
Apressou-se em atirar para trás o capacete pressurizado. Enquanto alisava com a
mão o cabelo muito negro, disse em voz alta e com uma ponta de ironia:
— Saúde!
Seu rosto desfigurou-se numa expressão indignada quando ouviu que a resposta às
suas palavras consistiu numa gargalhada homérica.
— Por que está rindo? — gritou, zangado. — Faça o favor de calçar meias grossas,
para não pegar um resfriado.
A resposta foi outro espirro, desta vez bem perto dele.
Ismail lembrou-se da pequena, mas potentíssima lâmpada atômica pendurada num
suporte sobre seu peito. Tirou-a e ligou a luz.
A boca úmida e espumante de um gigantesco sapo apareceu no feixe de luz. O
corpo brilhante que vinha depois da boca antes parecia a figura de um pesadelo. Era do
tamanho de um buldogue bem gordo.
Ismail ficou tão assustado que deixou cair a lâmpada e começou a gritar...
***
Algumas pancadas ruidosas voltaram a despertar Ismail.
Olhou cautelosamente para a luz de uma lâmpada colocada no chão. Não havia sinal
do sapo gigante. Em compensação viu a figura agachada de um homem muito grande à
sua frente envergando um conjunto-uniforme da Frota do Império. Isso fez com que
Ismail ben Rabbat se sentisse seguro.
Fez um grande esforço para levantar-se.
— Deixe de tolice.
O gigante guardou o pano molhado, com o qual golpeara o rosto de Ismail num
ritmo constante, ora do lado direito, ora do lado esquerdo. Deu uma risadinha.
— Vejo que não sofreu qualquer dano psíquico mais grave. Mas acho que está
precisando de um gole de bebida forte.
Sem fazer perguntas, colocou uma garrafa achatada na boca de Ismail. Este engoliu
o líquido que cheirava a álcool. No mesmo instante seu corpo empinou. Tossia
desesperadamente.
— O senhor está louco? O que foi isso que colocou na minha boca? Ácido
sulfúrico?
O outro voltou a dar uma risada.
— O que o senhor acha que eu sou? Eu lhe dei um gole de uísque oxtornense.
Trata-se de uma bebida para homens duros.
— Como? — Ismail ainda estava fungando. Mas finalmente conseguiu respirar
regularmente. — Quero mais um gole.
Ismail teve outro acesso de tosse e viu manchas negras diante dos olhos, mas disse
em tom de elogio:
— Realmente é uma bebida para homens! Hum...! Como é mesmo seu nome? Acho
que ainda não o conheço.
O outro levantou. Ismail notou que, além de ser muito alto, tinha ombros
extremamente largos. A cabeça completamente calva dava-lhe um aspecto exótico e
sombrio. As sobrancelhas espessas ainda reforçavam essa impressão.
— Sou Omar Hawk, tenente do corpo especial de patrulhamento. — Deu uma
risada. — Não tenho a menor dúvida de que o senhor não me conhece. Vejo que usa o
distintivo de coronel e comandante de couraçado da Frota do Império...
Era uma pergunta. Mas, contrariando seus hábitos, Ismail preferiu não chamar a
atenção de seu interlocutor para a diferença de grau hierárquico que havia entre os dois.
— Sou o Coronel Ismail ben Rabbat, comandante do supercouraçado Voltaire.
Como veio parar em minha nave, Hawk?
Hawk olhou ostensivamente para os lados.
— Hum! — resmungou em tom pensativo. — Parece que o senhor não sabe onde
está. Pois console-se com a minha situação. Também não sei. De qualquer maneira, isto
aqui não é um compartimento do tipo que costuma ser encontrado numa espaçonave.
Ismail lembrou-se de uma coisa. Olhou para os lados, fazendo um esforço tremendo
para não perder o autocontrole.
— O senhor tem uma idéia de que monstro foi este que andou por aqui? Há pouco
vi uma coisa parecida com um sapo. E que sapo!
— Não se preocupe! — Hawk soltou um assobio estridente. — Foi Sherlock, meu
okrill domesticado. Geralmente ele evita assustar os estranhos. Mas quando o senhor o
chamou... — Hawk fez uma pausa.
— Que diabo! — exclamou Ismail. — Não chamei seu mandril. Limitei-me a dizer
“saúde”, porque o senhor estava espirrando tanto. Está resfriado, Hawk?
Hawk voltou a dar uma risada.
— Primeiro, este animal não é um mandril, mas um okrill, coronel. Depois, não fui
eu que espirrei, mas o okrill.
Até parecia que o mesmo queria confirmar as palavras de seu dono, pois um outro
espirro, bem mais forte, se fez ouvir. Ismail virou-se abruptamente e arregalou os olhos
para a criatura com aspecto de sapo, de um metro de comprimento e meio metro de
altura, que parecia atravessá-lo com os olhos sem pupilas.
Hawk bateu com a mão aberta na boca do robusto animal.
— Eis aqui Sherlock, meu okrill, Coronel ben Rabbat.
— Que coisa nojenta! Este animal é uma afronta à estética — gritou Ismail.
Hawk franziu ameaçadoramente a testa.
— Pois gosto dele mais que de um macaco perfumado enfiado num uniforme de
oficial, coronel...!
Ismail ficou rígido de espanto.
— Tenente...!
Hawk fez um gesto de pouco caso.
— Deixe para lá! Como membro do corpo de patrulhamento especial não estou sob
suas ordens.
— Em outra oportunidade discutiremos isso! — disse Ismail.
— Se é que essa oportunidade virá um dia! — Hawk deu uma risada áspera. — Por
enquanto o mais importante é descobrir onde estamos.
— Não venha me dizer que o senhor realmente não sabe. — A voz de Ismail parecia
apagada. — Deve haver um motivo que fez com que viesse parar aqui.
— Sem dúvida! A mesma coisa deve ter acontecido com o senhor. Acontece que, da
mesma forma que eu, não tem a menor idéia de onde estamos. Eu pelo menos já sei que
nos encontramos no interior de uma instalação que não foi construída por um ser
humano, e na qual nunca antes um ser humano pôs os pés. Acontece que se trata de uma
instalação tão complicada e grande que Sherlock não consegue abrangê-la com a vista.
— Sherlock...? — Ismail lançou um olhar assustado para o okrill, que permanecia
imóvel no chão. — Pensei que fosse um animal...!
— É um animal dotado de faculdades especiais, Coronel ben Rabbat. Os okrills de
Oxtorne são considerados supersensores infravermelhos e possuem a capacidade de
“enxergar” os rastros dos acontecimentos e das coisas que ficam num passado tão
longínquo que nem mesmo os detectores infravermelhos mais aperfeiçoados conseguem
registrá-los. Participo indiretamente de suas percepções especiais, por meio de um
ampliador de ondas cerebrais.
— Eu não sabia — cochichou Ismail.
— Deveríamos fazer a reconstituição mental dos acontecimentos que nos fizeram
parar aqui — prosseguiu Hawk. — Talvez isso seja mais útil que andar por aí ao acaso, à
procura não se sabe do quê.
— É verdade! — o Coronel Ismail ben Rabbat suspirou fortemente. — Mas receio
não poder ajudar muito.
Fez um relato dos acontecimentos que tinham se desenrolado a bordo da Voltaire,
de como desmaiara e acordara.
Hawk parecia pensativo.
— Há uma contradição no seu relato. O senhor sabia?
— Não. Como?
— Primeiro o senhor viu luz entre as pálpebras, e depois não viu mais.
— Quem sabe se por acaso o senhor dirigiu a luz de sua lâmpada para mim...?
Hawk sacudiu a cabeça.
— Se fosse assim, eu saberia, coronel. Sherlock o teria descoberto antes que a luz
de minha lâmpada tocasse seu corpo. Foi o que realmente acabou acontecendo. Só existe
uma explicação. Enquanto ficou paralisado, encontrava-se em outro lugar.
Ismail deu uma risada histérica.
— Enquanto fiquei paralisado, não pude fazer qualquer movimento. Como poderia
ter mudado de lugar nestas condições?
— Existem várias formas de locomoção, coronel. Quanto a mim, por exemplo, fui
trazido para cá por um transmissor... — Hawk ficou calado. Parecia confuso. — Foi um
caminho bastante confuso. Não posso deixar de reconhecer isto. Encontrava-me a bordo
da Crest II...
— A bordo da nave-capitânia de Perry Rhodan...? — perguntou Ismail, fora de si.
— Isso mesmo. Na verdade, era um dos tripulantes da Androtest II, a nave de
reconhecimento que deveria ter tirado o Administrador-Geral do sistema de Horror.
Infelizmente entramos na mesma armadilha que ele e... — Interrompeu-se e fez um gesto
de pouco caso. — Mas isso não vem ao caso. Fiquei inconsciente, como todos os
tripulantes da Crest II e os homens da Androtest II que se encontravam na nave-capitânia.
A fortaleza espacial nos deixara paralisados com um tipo especial de raios. Quando
acordei, a Crest II estava em segurança, mas seus tripulantes ainda estavam
inconscientes. Os médicos da clínica de bordo me contaram que Rhodan, Atlan, Tolot e
Kasom tinham se transferido para a Rasputim através do transmissor...
— Já sei; trata-se da nova nave-capitânia de Tifflor! — Ismail acenou com a cabeça.
— Pelo que se dizia, Wuriu Sengu era o único que continuava a bordo.
Um sorriso largo espalhou-se pelo rosto de Ismail.
— O velho fantasma da Nolte! Ainda cheguei a falar com ele antes que acontecesse
aquilo com a Voltaire. Conhecemo-nos muito bem.
— O senhor o conhece muito bem?
Ismail empertigou-se.
— Ele é meu amigo. Nós executamos a missão mais maluca jamais realizada por
agentes na história da Humanidade. — Deu um suspiro. — Que tempos!
Hawk cocou a cabeça. Até parecia uma vassoura de arame sendo arrastada sobre
uma chapa de ferro.
— Pela tempestade dos deuses de Oxtorne! Quer dizer que o senhor é o homem
com o qual Sengu estava tão preocupado! Não tinha tempo. Queria ir à Rasputim através
do transmissor, com outro mutante. Por isso colocou em minha mão um papel com
coordenadas de transmissor e pediu que fosse para lá ver o que estava acontecendo.
— Foi uma leviandade da parte dele — disse Ismail. — Nem sabia se os receptores
da Voltaire ainda estavam funcionando.
— Ele me preveniu — respondeu Hawk em tom contrariado. — Acontece que no
meio da confusão reinante na Frota não pude procurar um aviso de que o transmissor
estava preparado. Quer dizer que entramos em três no transmissor e...
— Espere aí! — interrompeu Ismail. — Acho que foram somente dois, incluindo
Sherlock...
— Nada disso! — respondeu Hawk. — É claro que o pequeno Orfeu veio conosco.
— Pigarreou. — Orfeu é o filho de Sherlock. Ele deu à luz durante o vôo que nos levou
ao sistema de Horror — ou melhor, foi Kotranow... No momento não tenho tempo para
explicar tudo. A esta hora o senhor certamente pensa que estou doido.
— É verdade! — confessou Ismail. — Se o senhor não provar agora mesmo que o
tal do Orfeu realmente existe...
Hawk lançou um olhar de perplexidade para a arma energética que Ismail segurava
numa das mãos. O coronel acabara de sacar a mesma com uma rapidez incrível.
— Pela tormenta dos deuses! — Hawk deu uma gargalhada. — O senhor é um
menino ligeiro, ben Rabbat. Até hoje ninguém conseguiu pegar-me de surpresa como o
senhor está fazendo. Retiro tudo que disse sobre certos macacos perfumados enfiados
num uniforme de oficial.
Ismail resmungou alguma coisa.
— Onde está Orfeu?
No mesmo instante Ismail deu um grito de dor e deixou cair a arma. Hawk
levantou-a imediatamente. O okrill fez a língua voltar para dentro da boca.
— Queira desculpar! — disse Hawk, um tanto embaraçado. — Acontece que o
senhor nunca chegaria a ver Orfeu, enquanto ficasse com a arma na mão. E como se
recusou a guardar a arma antes de ver Orfeu... — Fez uma pausa ligeira. — Sherlock é
capaz de provocar choques elétricos com a língua estendível. O senhor pode dar-se por
satisfeito porque obedeceu à minha ordem e lhe aplicou um choque que para ele
representa uma carícia.
Dirigiu-se ao okrill.
— Vamos, Sherlock! Mostre seu rebento.
O okrill deu um espirro. Abriu uma dobra da pele que ficava embaixo do queixo.
Uma imagem perfeita em tamanho reduzido, cujo comprimento não era maior que um
palmo, saiu dessa dobra e segurou-se no lábio da mãe. Ouviu-se um espirro fraco. Ismail
gemeu.
— Que diabo! Não é que eu acho que ele é uma gracinha?
Hawk deu uma estrondosa gargalhada.
— Não pense em acariciar Orfeu. A única pessoa que pode fazer isso sou eu, e só de
vez em quando.
Devolveu a arma a Ismail.
— Desculpe meu excesso de cautela, Hawk — disse o coronel.
— Tudo bem! — Hawk pôs-se a refletir. — O que estava dizendo quando fui
interrompido? Ah, sim! Estávamos em três... — Deu uma risadinha silenciosa. —
Entramos num dos transmissores da Crest II. Ativei o aparelho, depois de ajustá-lo para
as coordenadas que recebi de Sengu. — Ficou calado por um instante e lançou um olhar
distraído para o fundo escuro do recinto sem fim em cujo interior se encontravam. —
Flutuamos no nada por uma pequena eternidade. Foi ao menos a impressão que tivemos.
De repente tudo mudou em nossa volta. Acabamos por reencontrar-nos aqui.
— Onde está a tripulação da Voltaire...? — perguntou Ismail com a voz apagada.
Hawk lançou um olhar para seu okrill.
— Vamos procurá-la!
***
Não se via mais nada da coloração verde dos campos defensivos que cercavam a
fortaleza dos maahks. Mas estes ainda existiam!
E como existiam!
Um sol atômico que pulsava fortemente: era a Fortaleza que se aproximava do
planeta Quinta. O fogo concentrado de cinco mil espaçonaves do Império a acompanhava
ininterruptamente. As energias de uma nova rugiam sobre o campo defensivo colocado
no nível energético máximo.
— Não adianta! — Atlan proferiu estas palavras com uma expressão de ódio. O
arcônida de cabelos brancos observava com os olhos ardentes a tela dos rastreadores. —
Nem sequer conseguimos desviar essa fortaleza da rota, e ela ainda por cima destrói
nossas naves uma após a outra. Por quanto tempo ainda vai permanecer inativo diante
disso, Perry?
— Você quer que a estrutura do transmissor solar seja rompida com nossas giga-
bombas? — perguntou Rhodan com a voz triste. — Quer que condene cinco mil naves à
destruição, somente para salvar umas poucas delas? Temos de expulsar a Fortaleza sem
canhões de conversão. Será que não existe nenhuma defesa contra o canhão
transformador, Atlan?
Atlan sacudiu a cabeça num mudo desespero.
— Não existe nenhuma, Perry. O funcionamento do canhão transformador é
semelhante ao de um transmissor fictício, mas seus efeitos são bem diferentes. Faz surgir
numa área muito ampla, previamente escolhida, um campo concentrado de instabilidade
na quinta dimensão. Qualquer nave que se encontre no interior desse campo de
condensação passa a ser regida por leis físicas completamente desconhecidas.
— Enquanto o campo de condensação existe, nada acontece à nave. Mas assim que
o canhão transformador é desligado, o campo de condensação se extingue. No mesmo
instante a matéria envolta pelo mesmo sofre um processo de desmaterialização; é
destruída em sua forma normal. O fenômeno não dura mais que um centésimo milésimo
de segundo, Perry.
— Como inventor do canhão de transformação, o senhor deveria ser capaz de
construir uma arma defensiva — disse Tolot em tom pensativo.
Atlan sacudiu fortemente a cabeça.
— Inventor...! — deu uma risada estridente e forçada. — Seria mais exato dizer que
fui o descobridor da arma. Perry, você deve estar lembrado de meu relato sobre o
desaparecimento da Atlântida. Foi naquela época, quando a frota arcônida estava
defendendo o Sistema Solar contra os uums, que apareceu pela primeira vez o ser
coletivo imortal do planeta Peregrino. Enfiou em minhas mãos quase à força os dados
sobre a construção de uma nova arma, à qual nossos cientistas deram o nome de canhão
de conversão. A única coisa que consegui fazer na oportunidade foi encaminhar os dados
para Árcon. Pelo que soube bem mais tarde, esta arma foi o fator que decidiu a guerra
que travamos com os seres que respiram metano.
— Hoje a raça belicosa dos metanitas usa esta arma contra nós. Só os deuses de
Árcon podem saber como conseguiram a mesma.
— Os maahks também são vulneráveis! — resmungou Melbar Kasom em tom de
ameaça. — Olhem! — Apontou para a tela do rastreador.
A rota da fortaleza espacial era muito menos segura que antes. Rhodan notou isso à
primeira vista. A Fortaleza cambaleava. Ao que parecia, tinha sido arrancada do seu rumo
pelo impacto dos tiros energéticos. As telas de acompanhamento de rota, que
funcionavam na quinta dimensão, mostravam que a Fortaleza estava capotando.
— Os campos defensivos de uma fortaleza como esta também acabam cedendo! —
disse Melbar Kasom, falando entre os dentes.
— Sem dúvida! — respondeu Tolot em tom seco. — Resta saber quando. A
Fortaleza deve gerar um volume tremendo de energia. Procuro imaginar um
supercouraçado que fique exposto a um bombardeio como este.
— A primeira salva transformaria este supercouraçado num monte de átomos! —
observou Rhodan.
— Digo e repito: Use os canhões conversores, Perry! — Atlan proferiu estas
palavras em tom de advertência.
Rhodan cerrou fortemente os lábios e sacudiu a cabeça.
— A Fortaleza está a apenas quatro milhões e meio quilômetros de Quinta, Atlan. O
bombardeio com canhões conversores seria mais perigoso que a própria nave.
— O que acontecerá se a Fortaleza atacar Quinta? — perguntou Atlan em voz
baixa.
Perry puxou o microfone para perto da boca.
— Rhodan chamando Tifflor! Aproxime a Rasputim de Quinta, Tiff!
— Isso é suicídio! — exclamou Atlan.
Rhodan olhou para a fortaleza espacial projetada na tela. Parecia que seus olhos
estavam atravessando a mesma.
— Talvez seja... — cochichou. — Mas numa luta como esta a gente não está em
segurança em parte alguma.
***
— Por aqui existe um fluxo de energia!
Ao proferir estas palavras, Ornar Hawk bateu com o pé no chão do corredor que
antes parecia um pavilhão. Fazia duas horas que estavam caminhando pelo mesmo.
Ismail ben Rabbat fez girar a lanterna portátil. O feixe de luz atingiu o okrill, que
caminhava preguiçosamente e, ao que parecia, estava quase sem fôlego.
— Foi Sherlock que descobriu isso?
Hawk sacudiu a cabeça.
— Sherlock é um detector de rastros. Não enxerga através de paredes isoladas.
Estou sentindo a energia.
Ismail virou a cabeça. Modificou o feixe de luz de sua lanterna, que ficou mais
estreito. O feixe atingiu uma parede bem ao longe, produzindo uma mancha amarelo-
pálida.
De repente Ismail estremeceu.
— O que houve? — perguntou Hawk, ao qual nada escapara.
— É estranho! — disse Ismail. — Andamos todo o tempo em linha reta, não
andamos? — ele mesmo respondeu à pergunta, que era antes retórica. — Na verdade,
isso é impossível. Olhando bem, a gente nota que, visto numa extensão maior, o corredor
avança em forma de saca-rolha...
Hawk colocou a mão sobre seu ombro. Ismail soltou um grito de dor e dobrou os
joelhos.
— Perdão! — Hawk tossiu de leve. — Às vezes me esqueço de que venho de um
planeta de 4,8 gravos. Mas o senhor não deixa de ter razão. Por que não me lembrei
disso? Agora, que tive a atenção despertada para isso, noto o fato claramente através da
percepção de Sherlock. Tenho certeza de que caminhamos em linha reta. Não existe a
menor possibilidade de engano.
Ismail assobiou uma melodia, mas logo se interrompeu.
— O fato não lhe escapou, Hawk. O senhor notou que há um fluxo de energia
embaixo de nós, não é mesmo? Aposto uma caixa de uísque de que se trata da energia de
um campo gravitacional.
Hawk fitou Ismail com uma expressão de surpresa. De repente tomou uma decisão.
Virou-se e subiu a passos largos pela parede abaulada. O feixe de luz de sua lanterna
descreveu um semicírculo. Reflexos trêmulos passavam sobre o revestimento liso.
— O senhor tem razão!
As paredes refletiram o eco da voz de Hawk. O extornense estava em cima de
Ismail, pendurado no teto, de cabeça para baixo.
— Caminhamos mesmo em linha reta, ben Rabbat. Como o corredor é em forma de
saca-rolha, andávamos ora na parte de baixo, ora na parte de cima do mesmo. Uma força
gravitacional constante parte das paredes, incluído o chão e o teto. Não importa em que
lugar estejamos; para nós sempre é embaixo.
Ismail deu uma risada forçada.
— Desça daí, Hawk, senão acabo ficando tonto. Nem me atrevo a pensar no que há
atrás do que acabamos de descobrir.
Hawk voltou para junto de Ismail.
— Isso poderia produzir um pequeno arranhão em nossa autoconfiança! Ouviu-se
uma risada áspera. — Ao que parece, o fato que o senhor acaba de descobrir parece ser
uma prova de que nos encontramos no interior de uma gigantesca espiral de energia, ben
Rabbat. Receio que esta, por sua vez, é apenas uma parte insignificante de um gerador
bem maior.
— O que será que acontece se alguém ligar o gerador na potência máxima? —
perguntou Ismail em tom irônico.
Hawk enxugou o suor da testa.
— Pela tormenta dos deuses! Nem quero pensar nisso. Precisamos tratar de sair
quanto antes da armadilha em que estamos metidos. — Olhou em torno como quem
procura uma coisa. — Onde está Sherlock? Ui, Sherlock!
Não se ouviu o menor ruído.
— Há pouco ainda caminhava à nossa frente — disse Ismail. — Com a velocidade
que estava desenvolvendo não pode estar a mais de cinqüenta metros.
— Sabe lá que velocidade Sherlock é capaz de desenvolver quando quer? —
perguntou Hawk, distraído. — Ui, Sherlock! Volte imediatamente!
Hawk gritou o mais alto que pôde. Ismail tapou os ouvidos, com o rosto desfigurado
de dor.
— Que diabo! Meus tímpanos... Interrompeu-se no meio da frase. Um uivo
horripilante atravessou as “paredes” do corredor, seguido de um estrondo ensurdecedor.
— É o grito de guerra de Sherlock! — exclamou Hawk. O oxtornense pegou a arma
energética superpesada que trazia presa ao cinto e destravou a mesma. Estendeu uma das
mãos. — Segure-se, coronel. Em algum lugar, lá na frente, Sherlock encontrou um
inimigo.
Hawk saiu correndo, arrastando Ismail, que respirava com dificuldade. Mal
conseguia mover as pernas com a rapidez necessária para acompanhar a corrida. Também
pegou a arma energética com a mão livre e disse, contrariado:
— O senhor não é nenhum cavalheiro, Hawk. Se fosse, teria apostado a caixa de
uísque comigo.
***
Lampejos atravessavam as telas amortecidas da galeria panorâmica. Inchavam
como esferas esverdeadas para desaparecer no mesmo instante. Se nos lugares em que
aparecia essa luminosidade houvera unidades da Frota Terrana, depois do
desaparecimento das concentrações de energia os rastreadores não indicavam nenhum
vestígio de matéria.
— Quero a relação das perdas! — pediu Rhodan, dirigindo-se a Tifflor pelo
intercomunicador.
A única coisa que Julian Tifflor teve de fazer foi ir à tela de controle de posições
embutida em seu console de comando. Uma das escalas cilíndricas colocadas na
extremidade superior do mesmo acabara de movimentar-se com um clique.
— Até agora houve noventa e oito perdas totais, senhor — respondeu em voz baixa.
Estremeceu levemente quando a escala voltou a movimentar-se. — Agora já são cento e
uma, senhor.
Rhodan cerrou os dentes. Não pertencia à classe das pessoas que não se abalavam
cora a morte de um subordinado. Tinha que dizer constantemente a si mesmo que o
confronto com os maahks era inevitável, já que cada parte sabia da existência da outra. O
máximo que poderia ter feito era adiar o mesmo, mas nesse caso as perdas provavelmente
seriam ainda mais elevadas. Nem se lembrou da possibilidade de que a Rasputim e as
outras unidades da Frota que operava no sistema de Gêmeos poderia ser envolvida a
qualquer momento pelo campo de condensação de um canhão conversor, o que
fatalmente acarretaria sua destruição.
Em compensação Melbar Kasom estava muito preocupado. Não era que o gigante
ertruso temesse pela própria vida. Temia, isto sim, pela vida de Perry Rhodan. Sem este o
Império Solar perderia a única personalidade capaz de conduzir a Humanidade numa
ação coerente em direção a Andrômeda. Era bem verdade que Reginald Bell, Julian
Tifflor, Allan D. Mercant, John Marshall e Atlan continuariam a política de Rhodan. Os
mesmos não eram menos inteligentes e capazes que ele, mas faltava-lhes a genialidade,
um fator que não pode ser medido ou expresso em números.
Kasom pigarreou.
— Acho que deveríamos abandonar Quinta e destruir a estação de ajustamento,
senhor. Desta forma não haveria mais nenhum objetivo que a fortaleza espacial pudesse
atacar.
Atlan virou-se abruptamente. Fitou o ertruso com uma expressão indignada.
— O senhor está louco, Kasom! Seria como se alguém dinamitasse sua casa para
evitar que um ladrão a invadisse.
Rhodan colocou a mão no ombro do arcônida.
— Não o condene, meu amigo. — Houve um tremor doloroso em torno de seus
lábios. — Ele apenas está se preocupando com nossa segurança. Naturalmente não
podemos aceitar sua sugestão, Kasom, pois estaríamos fazendo exatamente aquilo que
queremos evitar.
— Talvez não — rugiu Tolot. O halutense girou a cabeça semi-esférica e estendeu
os três olhos vermelhos em direção à tela do rastreador. — Talvez seja totalmente
indiferente que Quinta seja destruído ou não. Meu cérebro programador está fazendo a
previsão das conseqüências.
O intercomunicador zumbiu.
— Senhor! — informou Tifflor. — Sengu e Goratchim acabam de chegar ao
transmissor da Rasputim.
O rosto de Rhodan assumiu uma expressão de espanto.
— Sengu também? Pois ele deveria ter ficado a bordo da Crest II. Dê ordem para
que os dois mutantes sejam levados imediatamente à sala de comando, Tiff.
Dali a dez minutos a escotilha principal da sala de comando abriu-se. Goratchim foi
o primeiro a entrar. Fez continência.
— Oficial de patente especial Goratchim pronto para entrar em ação, senhor!
Rhodan sorriu para o mutante de duas cabeças.
— Venha cá, Goratchim. Nós o esperávamos ansiosamente. Venha também! —
disse, dirigindo-se a Wuriu Sengu. — Espero que tenha tido um bom motivo para não
cumprir as ordens que lhe tinham sido dadas.
Sengu baixou os olhos, mas logo fitou Rhodan.
— Peço desculpas, senhor. Sei que meus motivos não são válidos. Acontece que o
Coronel Ismail ben Rabbat, com o qual dirigi uma operação de comando em Drunda, está
em uma das naves que se encontram lá fora. Entrou em contato comigo pouco antes do
ataque. Depois disso o sistema automático de salvamento de sua nave transmitiu por três
vezes a mensagem “Mayday”, e não houve mais nada.
Rhodan levantou-se e olhou para o mutante, que estava muito abatido. Finalmente
colocou as mãos sobre seus ombros.
— O senhor infringiu as regras da disciplina, Sengu. Naturalmente isso não pode
deixar de lhe render uma repreensão, que pronuncio neste momento. — Rhodan sorriu.
— Desta forma o assunto está liquidado. Infelizmente às vezes me esqueço que somos
apenas seres humanos. Compreendo seus motivos, Sengu. Como é o nome da nave em
que estava ben Rabbat?
Rhodan virou a cabeça para Tifflor.
— É uma das perdas totais, senhor! — a voz de Tifflor soava oca de tão triste. — O
Coronel ben Rabbat foi um dos melhores comandantes que já tive.
— Sinto muito, Sengu — disse Rhodan em voz baixa.
Sengu jogou a cabeça para trás.
— Vingarei a morte de Ismail!
— Não! — Rhodan sacudiu a cabeça. Havia um tom de recriminação em sua voz.
— A vingança não tem lugar em nossos corações.
— Perdão, senhor. — Sengu esboçou um sorriso. — Também trago uma boa
notícia. Os bio-raios dos maahks não produzem danos irreversíveis no organismo das
pessoas atingidas. Dentro de quatro dias, no máximo, todos os tripulantes da Crest II
estarão perfeitamente em forma. A máquina de diagnóstico constatou que os raios
produziram uma rigidez semelhante ao estado de hibernação. O Dr. Sarinin pediu que lhe
desse um recado pessoal. Sua esposa está em perfeitas condições de saúde, salvo quanto
ao estado de inconsciência em que se encontra.
Perry Rhodan respirou aliviado.
— Muito obrigado, Sengu! — exclamou, aliviado.
— Tenho certeza de que esses médicos farão um serviço perfeito — disse a voz
potente de Goratchim. — Mas não devem exagerar.
Rhodan levantou as sobrancelhas, num gesto de indagação.
Os dois rostos do mutante abriram-se num largo sorriso.
— Um certo professor Finestre fez questão absoluta de que eu ficasse na clínica de
bordo, senhor. Perseguiu-me até o elevador. — Goratchim esfregou as nádegas. — Sem
dúvida a seringa da injeção que me aplicou estava cheia de um narcótico. Acontece que
ele não contava com minha pele grossa.
Icho Tolot riu baixinho.
— Os terranos são mesmo incorrigíveis. Acho que nunca perdem o senso de humor.
— Espero que não — respondeu Rhodan em voz baixa. — Tiff! Dê ordem para que
o grupo de naves que opera nas proximidades de Quinta faça saltar um comando de
robôs.
— Perfeitamente, senhor.
— Ora veja! — havia um tom irônico na voz de Atlan. — O bárbaro já percebeu o
que está em jogo.
— Isso mesmo! — respondeu Rhodan em tom frio. — Estou à procura de
voluntários para uma operação especial em Quinta, arcônida. Qual é sua opinião a este
respeito? Quer vir conosco?
Atlan empalideceu. Fitou Rhodan sem dizer uma palavra.
— Muito bem! — disse depois de algum tempo, sacudindo os ombros. — Vejo que
você faz questão de sentir na própria carne os métodos de luta dos maahks. Não posso
deixar de acompanhá-lo, senão você correrá para a desgraça como um recém-nascido que
não conhece nada da vida.
Melbar Kasom cerrou os punhos.
— Leve-me também, senhor; por favor! — implorou. — Quero pôr as mãos em
alguns metanitas.
Goratchim e Sengu também se ofereceram, mas Rhodan pediu que Sengu ficasse a
bordo da Rasputim. Icho Tolot não disse nada. Tirou sua arma energética e verificou a
carga.
— Senhor! — disse Tifflor. — Alguma coisa está acontecendo na fortaleza
espacial. Os rastreadores permanentes detectaram emissões de energia de grande
intensidade em seu interior.
Rhodan respirou profundamente.
— Está começando. O.k., Tiff! Prepare uma astronave.
5
Pela forma que o Major Laroche estava pilotando a R-3, podia-se ser levado a
acreditar que a astronave auxiliar da Rasputim com seus sessenta metros de diâmetro era
um caça espacial.
Até mesmo Rhodan vez ou outra levantava os olhos, espantado, quando os
neutralizadores de pressão davam o alarme. De vez em quando uma parte muito pequena
da pressão não era absorvida pelos neutralizadores, o que bastava para provocar um
rangido perigoso no casco da astronave.
— Ele ainda me obrigará a devolver o almoço que ingeri! — resmungou Melbar
Kasom, contrariado. — O comando de uma nave nunca deveria ser entregue a uma
pessoa que está com dor de dentes.
Ninguém reagiu à observação do ertruso.
Todos sabiam que só por milagre conseguiriam atravessar o fogo de barragem da
fortaleza espacial. As naves que tinham tentado fazê-lo haviam sido destruídas. Era bem
verdade que Rhodan esperava que a astronave, sendo muito pequena, não atrairia o fogo
concentrado da Fortaleza.
Laroche conseguiu.
A R-3 desenvolvia uma velocidade alucinante ao penetrar na atmosfera de Quinta.
Se não fossem os campos defensivos, certamente teria sido vaporizada como um pingo de
água numa chapa quente.
O Major Laroche ficou rouco de tanto gritar para solicitar as coordenadas do local
de pouso. Seu navegador sentiu-se desesperado. Não distinguia quase nada, além de
explosões, nuvens de fumaça e crateras.
Finalmente pousaram entre os escombros de um forte e uma cratera que tinha quase
cem metros de largura.
No mesmo instante os campos defensivos da astronave iluminaram-se. Tinham sido
atingidos por um cerrado bombardeio energético.
— Blindados voadores inimigos! — informou o Major Laroche. — Quer que os
ataque, senhor?
— Um momento — respondeu Rhodan.
Inclinou-se para a frente e tentou enxergar o inimigo. Um monstro com uma
corcova movimentava-se na paisagem semeada de destruição. O monstro emitiu um
lampejo. No mesmo instante o campo defensivo produziu um fogo de artifício. Rhodan
descobriu mais dois veículos do mesmo tipo. Deu ordem de abrir fogo.
— Que loucura! — comentou Kasom assim que o bombardeio cessou. — Eles
deveriam ter sabido que contra a R-3 não tinham nenhuma chance.
— O senhor ainda não conhece os maahks — respondeu Atlan.
— Eles também não nos conhecem. — Rhodan fechou o uniforme de campanha e
examinou o rádio-capacete. — Sairemos em carros voadores. Cada um de nós... — olhou
fixamente para Atlan, Kasom, Tolot e Goratchim — pegará um carro diferente.
Manteremos contato ininterrupto pelo telecomunicador.
Dali a dez minutos os carros voadores, verdadeiros blindados capazes de voar,
equipados com esteiras, estavam flutuando em cima da rampa da astronave.
Perry Rhodan fixou a direção e o objetivo, que era a construção abobadada do
centro de ajustamento.
O próprio Rhodan estava sentado à frente dos comandos de tiro do primeiro carro
voador. Por enquanto não tinha o que fazer. Só de vez em quando surgiam alguns
blindados voadores dos maahks. Mas os mesmos estavam queimados por dentro. Até
parecia que as tropas que guarneciam a base estavam em condições de enfrentar sozinhas
os atacantes.
Mas a situação logo se modificou.
Rhodan viu os restos de seis carros voadores terranos em meio a grandes línguas de
fogo. De vez em quando uma bateria explodia com um estrondo seco. Ura único blindado
voador dos maahks, fumegante e parado em posição oblíqua numa elevação rochosa,
parecia um marco de advertência.
— Alto! — ordenou Rhodan pelo telecomunicador.
Seu veículo parou em meio a uma nuvem de poeira.
— Que houve, bárbaro? — perguntou a voz irônica de Atlan, saída do receptor de
seu rádio-capacete. — O quadro o deixou abalado? Eu lhe disse que os maahks são bons
combatentes.
— Espalhem-se! — ordenou Rhodan. — Vamos contornar as duas colunas. Estão
flanqueando a depressão. Suponho — disse, dirigindo-se a Atlan — que você também
tenha notado que os carros voadores queimados se encontram numa depressão.
— Entraram numa armadilha — respondeu Atlan.
— Por pouco não nos aconteceu a mesma coisa.
Rhodan encostou os dedos aos botões de acionamento dos canhões e mandou que o
piloto de seu carro voador subisse a quarenta metros de altura.
Os outros carros voadores — eram vinte ao todo — espalharam-se para os lados e
deram início a um movimento de pinça.
Quando o veículo de Rhodan quase tinha atingido a altura indicada pelo mesmo,
Atlan voltou a chamar.
— Não suba mais que isso, Perry! Acho que já conheço a tática dos maahks.
Enterram seus blindados voadores e...
O resto das palavras do arcônida foi abafado pelo rugido das armas energéticas.
Rhodan notara um movimento vago no topo da colina que ficava à sua direita e
comprimira os botões de comando dos canhões. Um blindado voador dos maahks
explodiu, fazendo balançar o veículo de Rhodan. Este viu que os outros carros voadores
também estavam subindo e iam abrindo fogo contra os blindados dos maahks, que saíam
de seus excelentes abrigos. Alguns foram destruídos imediatamente, mas os outros
respondiam ao fogo com uma fúria surpreendente.
O carro voador de Rhodan foi atingido e girou uma vez em torno do próprio eixo,
mas o campo defensivo agüentou o impacto. O piloto voltou a estabilizar o veículo e os
cabelos de Rhodan se arrepiaram diante do quadro que viu à sua frente. As colinas
pareciam ter-se transformado em seres vivos. A areia e as pedras começaram a
movimentar-se em toda parte. Pelo menos trinta blindados voadores dos maahks se
deslocaram e abriram fogo com suas armas energéticas.
O piloto do carro voador de Rhodan demonstrou uma capacidade que quase
chegava a ser artística. Parecia que estava dirigindo um veículo esportivo muito versátil.
Quase sempre conseguia desviar-se dos disparos energéticos dos maahks, que produziam
um efeito ionizante na atmosfera. Ao mesmo tempo suas manobras ofereciam inúmeras
oportunidades para que Rhodan abrisse fogo com as armas rigidamente montadas na
estrutura do veículo.
Os terranos queriam alcançar uma vitória rápida. Mas nenhum dos blindados
voadores dos maahks fugiu. Os metanitas atiravam até que seu veículo fosse colocado
fora de ação, e os sobreviventes continuavam combatendo a pé.
Rhodan foi informado de que quatro dos seus carros voadores tinham sido postos
fora de ação e que havia nove veículos avariados. Rhodan mandou que Ivã Goratchim
entrasse em ação.
Parecia que o mutante de duas cabeças só estava à espera de que isso acontecesse.
Dali em diante passou a explodir um blindado inimigo por segundo, com a precisão
de um relógio.
Isso durante dezoito segundos...
O carro voador que levava Goratchim sofreu um impacto direto e caiu.
Rhodan deu ordem para que seu piloto saísse em auxílio de Goratchim. O sargento
fez o veículo baixar em queda livre e o levou em ziguezague em direção ao carro voador
de Goratchim, do qual estavam saindo duas figuras.
Rhodan achava que a cautela de seu piloto era exagerada e esteve a ponto de fazer
uma observação nesse sentido.
Nesse instante seu carro voador foi atingido por três raios energéticos ao mesmo
tempo.
Rhodan sentiu uma claridade ofuscante — e a seguir uma escuridão infinita...
***
Estalos e estrondos, uma claridade insuportável e um vento escaldante.
Rhodan abriu os olhos e viu os dois rostos sujos e suados de Goratchim.
— Graças a Deus, senhor! — uma tosse áspera sacudiu Goratchim. — As coisas
ficaram feias. Até cheguei a pensar... — Interrompeu-se. Parecia embaraçado.
Rhodan levantou.
— Onde está meu piloto?
— Está morto, senhor!
Uma bola de fogo foi crescendo bem perto. O hálito incandescente atirou os dois
homens tão desiguais ao chão. Fragmentos incandescentes bateram na rocha bem perto
deles.
— Alô, Perry! — disse uma voz saída do rádio-capacete de Rhodan.— Responda,
Perry!
— Alô, Atlan! — Rhodan tentou atravessar o inferno com os olhos. Não conseguiu.
— Estou bem. Goratchim está aqui. Será que você poderia pegá-lo, para que possa entrar
novamente em ação? Daqui não se vê quase nada...
— Pegá-lo...! — Atlan deu uma risada amargurada. — Com quê? Não nos resta um
único carro voador intacto. Mas parece que os maahks também perderam seus veículos.
Ainda bem. De vez em quando surge um destes monstros a pé. Cuidado, Perry! Você
poderia descrever o lugar em que está? Tentaremos chegar aí.
Olhou em torno. Estava a sós com Goratchim, num deserto cheio de crateras. Havia
fragmentos incandescentes em toda parte, mas Rhodan seria incapaz de dizer onde ficava
a depressão em cujo interior se encontrava.
— Por aqui não há nenhum ponto de referência conhecido, Atlan. Diga onde estão
vocês. Iremos para aí.
— Já está resolvido, Perry! — a voz de Atlan parecia aliviada. — Tolot descobriu
vocês. Irá buscá-los. Kasom também está aqui, além de dois sargentos que pela primeira
vez participam de um combate. Os rapazes estão com as calças cheias.
Rhodan quis responder alguma coisa, quando se sentiu puxado para o chão.
— Estão chegando! — cochichou Goratchim ao seu ouvido.
Rhodan pegou sua arma energética e olhou para os lados. Não se ouvia mais o ruído
das explosões. O único ruído era o crepitar constante dos incêndios. Nuvens de fumaça
escureciam o céu.
Ouviu-se o rangido das pedras que se movimentavam, vindo não se sabia de onde.
De repente uma figura grotesca destacou-se contra a chama.
Era robusta, com mais de dois metros de altura. Tinha ombros muito largos, pernas
de tronco curtas e os braços chegavam até os joelhos. A estranha criatura ficou parada ao
lado de uma peça incandescente, olhando por cima de Rhodan e Goratchim.
Rhodan prendeu a respiração.
O maahk — não havia dúvida de que era um — parecia não ter cabeça. No lugar
dela, uma longa protuberância em forma de meia-lua estendia-se de um ombro para
outro. O capacete pressurizado flexível cobria essa “cabeça”. Estava fechado, pois os
maahks, que respiravam metano, não podiam viver na atmosfera de oxigênio que cobria o
planeta Quinta.
Uma segunda figura juntou-se à primeira, depois mais uma. Parecia que estavam
conversando, pois seus longos braços faziam movimentos tentaculares.
Perry Rhodan lamentou não ter uma arma de choque. Seria incapaz de matar os três
maahks à traição.
Mas os acontecimentos que se seguiram livraram-no do peso da decisão.
De repente os maahks atiraram-se no chão. No mesmo instante suas armas
energéticas espalharam a destruição. Um rugido ensurdecedor e um estrondo terrível
encheram o ar. Uma luminosidade azul surgiu no lugar em que os tiros energéticos
abriam crateras no solo, e o ar tinha gosto de ozônio.
Uma figura gigantesca apareceu subitamente em meio ao furacão de fogo lançado
pelos maahks. Os tiros energéticos ricochetearam em seu corpo, sem produzir o menor
efeito. De repente atingiu os maahks e agitou furiosamente os braços entre os mesmos.
— É Tolot! — cochichou Goratchim com a voz apagada.
Rhodan não conseguiu tirar os olhos do terrível quadro. Contra o halutense os
maahks não tinham a menor chance, mas defenderam-se enquanto havia vida em seus
corpos.
Dali a alguns segundos Icho Tolot aproximou-se, pisando fortemente.
— Estes maahks são tipos muito duros, senhor — disse com a voz trovejante. —
Quase chego a admirar esses caras. Têm muita coragem.
— Bem que eu gostaria de tê-los como aliados, Tolot — respondeu Rhodan em tom
pensativo.
— Se você faz questão de dizer isso, desligue o rádio-transmissor de capacete,
bárbaro! — disse a voz de Atlan saída do rádio-capacete de Rhodan.
Rhodan prestou atenção ao tom da voz.
Notou a falta do ódio que costumava vibrar na mesma toda vez que se mencionava
os maahks.
Rhodan olhou para os cadáveres dos três maahks.
— Sinto muito — disse em voz baixa, para que ninguém pudesse ouvi-lo. — Se um
dia a paz reinar entre nossas raças, estes seres não terão morrido em vão.
Piscou para a claridade avermelhada.
— Faça o favor de levar-nos para junto dos outros, Tolot!
***
Até parecia que os robôs-faxineiros tinham sido a última coisa apavorante que
Ornar Hawk e Ismail ben Rabbat iriam ver no interior da misteriosa máquina.
O okrill usou seu dom especial para localizar uma porta que não teria sido notada
pelos dois humanos. Era a porta pela qual tinham vindo os robôs-aranha. Como não
conseguiram localizar o mecanismo que abria a porta, Hawk abriu a tiro um buraco na
mesma, cujo tamanho era apenas suficiente para permitir a passagem de um homem
abaixado.
O okrill foi o primeiro a passar pelo buraco.
Os homens ouviram seu espirro de satisfação.
— Vamos andando! — disse Hawk num tom que quase chegava a ser alegre. — Se
Sherlock está espirrando, é porque se sente bem. Lá dentro não existe nada que possa
tornar-se perigoso para nós.
Ismail teve uma opinião diferente quando Hawk, que mal acabara de passar pelo
buraco, soltou um grito abafado. Seguiu-o apressadamente, com a arma energética
destravada — e foi surpreendido, tal qual Hawk.
A força de um campo de força artificial puxou-o para cima.
— Como estão as coisas por aí? — perguntou pelo rádio-capacete.
— Tudo bem. Esta nós não esperávamos, não é mesmo?
— Quase cheguei a prever que isso acontecesse — respondeu Ismail em tom
indolente. — Se não estou muito enganado, encontramo-nos num elevador que leva ao
centro de comando do estranho mecanismo em cujo interior estamos. Vamos apostar,
Hawk?
— Pois eu aposto Sherlock — respondeu Hawk em tom seco.
— Vá para o inferno! — praguejou Ismail, assustado. — Conheço maneiras
melhores de suicidar-se. O senhor não é nenhum cavalheiro, Hawk.
Hawk deu uma risada, que produziu uma ressonância horrível no interior do tubo
estreito do elevador.
— Acho que não sou mesmo. Não aprecio muito as pessoas que vivem de apostas
duvidosas. Preste atenção, senão acaba passando pela saída.
— Não sou cego! — resmungou Ismail.
Fez como se não visse a mão de Hawk, estendida numa atitude solícita. Pegou uma
alça para puxar-se para fora do poço do elevador.
Viram-se num corredor oval. A cerca de dez metros de distância havia uma parede
que brilhava numa luminosidade alaranjada. Era oval, tal qual o corredor. Por enquanto o
mundo terminava nessa parede.
— Então, o que foi que eu disse? — gabou-se Ismail. — Se o centro de comando
não fica atrás dessa porta, não quero ser um cavalheiro.
— É estranho! — observou Hawk.
— O que é estranho?
— Sherlock detectou os rastros infravermelhos de um ser vivo, mas não consigo
interpretar a figura. É humanóide; quanto a isso não existe dúvida. Mas não tem cabeça...
Ismail atirou a arma energética para o alto e voltou a pegá-la.
— Dizem que às vezes, num acidente...
— Tolice! — interrompeu Hawk. — O ser ficou andando. Afastou-se dois metros
da porta e voltou. E usava traje espacial.
— Isso não existe — teimou Ismail. — Um homem sem cabeça não pode andar.
Não sou biólogo... — Sacudiu o corpo. — Não venha me dizer que este ser nasceu sem
cabeça.
— Não! — Hawk fechou os olhos e concentrou-se. Finalmente soltou um suspiro de
resignação. — A imagem não é nada nítida. Deve ser um rastro muito antigo. Há alguma
coisa sobre os ombros do ser; parece a cauda retorcida de um réptil. Se é a cabeça,
certamente não estamos diante do rastro de um ser humanóide.
— Era o que eu imaginava. — Ismail segurou firmemente a arma energética e saiu
caminhando em direção à porta.
O okrill continuava sentado imóvel à frente da mesma. Ismail apalpou a porta, à
procura de um mecanismo de abertura escondido. Viu-se decepcionado, tal qual diante da
outra porta. Mais uma vez tiveram de usar a violência física para suprir a falta de
conhecimentos.
Desta vez Ismail foi o primeiro a passar pelo buraco.
De início a grande quantidade de controles, telas e quadros de comando deixou-o
confuso. Hesitou em entrar no recinto abobadado, e só no subconsciente deu-se conta de
que uma porta acabara de abrir-se na parede oposta.
Uma figura entrou no recinto.
Era uma figura humanóide, sem cabeça visível...
***
O ataque verificou-se quando estavam quase chegando ao lugar em que se
encontrava Atlan.
Rhodan, da mesma forma que Goratchim estava sentado nas costas do halutense,
que corria em alta velocidade, soltou-se e rolou pelo chão rochoso. A mesma coisa
aconteceu com Goratchim. Foi sorte sua, pois no mesmo instante uma auréola de fogo
envolveu o corpo do gigante.
Pelos cálculos de Rhodan, pelo menos cinco ou seis maahks tinham disparado
contra eles. Esforçou-se para distinguir um dos atacantes, mas o corpo de Tolot impedia
sua visão. Só conseguiu ver alguma coisa quando o halutense se precipitou sobre um
maahk que acabara de aparecer bem à sua frente.
A cabeça de meia-lua de um maahk apareceu acima de uma rocha. Rhodan atirou. A
meia-lua desapareceu. Em compensação um raio energético penetrou no chão bem ao
lado de Rhodan, espalhando um calor insuportável. Rhodan saiu rolando, para abrigar-se
entre duas pedras. Uma terrível explosão atirou-o para fora do abrigo. Ergueu-se sobre os
cotovelos, com o nariz sangrando. Goratchim estava agachado ao lado de uma rocha,
mantendo os dois pares de olhos fixos num alvo que Rhodan não conseguia distinguir.
Uma língua de fogo branco-azulada subiu ao céu, abrindo as nuvens escuras. Mais
uma vez uma onda de ar superaquecido passou por cima de Rhodan, mas desta vez o
mesmo conseguira abrigar-se em tempo.
Ao ouvir o estrondo da arma superpesada de Icho Tolot, Rhodan compreendeu que
subestimara o número dos atacantes. Tolot não usaria a arma por causa de uns poucos
inimigos.
Rhodan avançou em saltos curtos e ligeiros em direção ao lugar em que acreditava
estivessem os maahks. Depois de ter dado um salto desse tipo, viu-se repentinamente
frente a frente com a figura abaixada de um ser que respirava metano. Num movimento
quase automático acionou o botão da arma. O raio energético arrancou a arma da mão do
maahk, mas nem por isso o mesmo desistiu. O braço que continuava intacto avançou
rapidamente e enlaçou Rhodan antes que este tivesse tempo de dar mais um tiro.
O ar escapou de seus pulmões, produzindo um chiado. Anéis vermelhos dançaram à
frente dos olhos. Viu através do capacete pressurizado transparente em forma de meia-lua
quatro olhos grandes e redondos, que pareciam esferas luminosas assentadas na parte
mais alta do crânio. Reuniu as forças que lhe restavam para fazer descer sua arma sobre o
capacete do inimigo. O maahk cambaleou. Seu braço fraquejou um pouco. Rhodan
conseguiu respirar. Voltou a golpear. A distância era muito reduzida para dar um tiro.
O corpo do maahk amoleceu. Isso deixou Rhodan espantado, pois o capacete
pressurizado não parecia ter sofrido avarias. Rhodan fez menção de golpear mais uma
vez, mas o maahk caiu ao chão. Só então Rhodan notou que uma das mangas do traje do
maahk fora rasgada pelo primeiro tiro que ele disparara.
O maahk não morrera por causa dos golpes desferidos por Rhodan. Sufocara depois
que a atmosfera de metano contida em seu traje tinha escapado.
Lutara até o último momento.
Rhodan preferiu não pensar no que teria acontecido se o maahk tivesse tido mais
um minuto de vida. Suas costelas doíam. O braço tentacular pertencente a um moribundo
devia tê-lo comprimido com a força de uma jibóia adulta.
Rhodan só teve um segundo para recuperar-se da luta. Viu outro maahk no
momento em que o mesmo estava atirando nele. Deixou-se cair e o raio energético
passou rente à sua cabeça. O maahk voltou a atirar, mas Rhodan já rolara para mais longe
e fez pontaria.
Ao passar correndo pelos restos mortais do inimigo, Rhodan viu três maahks que
concentravam os raios energéticos de suas armas no mesmo alvo. Rhodan abriu fogo. Um
dos maahks tombou. Os outros dois desapareceram tão depressa atrás das rochas que
Rhodan não conseguiu localizá-los. Mas não tinham fugido. Abriram fogo, obrigando
Rhodan a abrigar-se novamente. Mas Rhodan teve de fugir às pressas, pois a rocha atrás
da qual se abrigara transformara-se numa nuvem de gases incandescentes.
Rhodan já começava a conformar-se com a idéia de que teria de travar uma longa
batalha de posições, quando duas línguas de fogo branco-azuladas subiram ao céu do lado
em que estava o inimigo.
Rhodan respirou aliviado.
Goratchim ainda estava em atividade. Provavelmente fora o alvo dos maahks que
estavam atirando há pouco.
Rhodan saiu rastejando com a agilidade de um felino. Em torno dele rugia a batalha.
Naquela paisagem deserta, entrecortada e coberta de chamas e fumaça, cada um se
transformava forçosamente num combatente individual.
Mais dois maahks apareceram.
Foi só quando já tinha atirado que Rhodan se deu conta de que os mesmos
tombaram depressa demais. Nem lhe deram atenção, pois estavam olhando para outro
lado.
Rhodan foi para junto dos mortos com um pressentimento nada agradável e tentou
ver através da cortina de poeira e fumaça o que fizera com que os maahks se tornassem
descuidados.
Ficou rígido de pavor.
A colina descia suavemente em direção à planície. As nuvens de fumaça não eram
tão densas. Por isso Rhodan reconheceu perfeitamente oito veículos com corcovas, que
emitiam um brilho metálico, e se dirigiam à colina em formação aberta.
Tratava-se de blindados voadores dos maahks.
Assim que se recuperou um pouco do susto, Rhodan virou a cabeça. Sabia que
sozinho nada poderia fazer contra os veículos blindados. Precisava prevenir os
companheiros e formar uma posição de defesa.
Sem dar atenção aos tiros energéticos isolados que atingiam o chão à sua frente e
atrás dele, saiu correndo o mais depressa que pôde pelas rochas e sobre a areia. Sempre
que o fogo inimigo se tornava muito intenso, deixava-se cair ao chão e rastejava um
pedaço, para depois levantar e sair correndo novamente.
Certa vez, quando estava contornando uma rocha, a saliência craniana de um maahk
apareceu bem à sua frente. Rhodan atirou com a arma na altura dos quadris. O recuo da
arma arremessou-o contra a rocha. Saiu correndo com os dentes cerrados, chamando
constantemente os companheiros pelo rádio-capacete.
Como que por milagre acabaram se reencontrando na cratera de uma explosão, no
ponto mais elevado da colina.
Entreolharam-se.
Seus conjuntos-uniformes estavam rasgados e em certos lugares pareciam duros
como um pau por causa do sangue coagulado. Os rostos estavam enegrecidos pela
fumaça, e havia escoriações nas mãos. Um dos sargentos estava deitado no chão,
respirando apressadamente e trazendo uma grossa atadura sobre o ombro esquerdo. O
outro olhava para os lados, com a face encovada e um brilho febril nos olhos.
Dois tenentes se tinham unido ao pequeno grupo. Informaram que seus carros
voadores tinham feito um pouso de emergência e que os outros tripulantes tinham
morrido enquanto se dirigiam ao local.
Rhodan sabia perfeitamente que, se não fosse Ivã Goratchim, o detonador, e o
gigante Icho Tolot, que era praticamente invulnerável, todos eles teriam tido o mesmo
destino. Fez um relato ligeiro sobre os blindados voadores que se aproximavam.
Atlan parecia zangado.
— Até parece que os donos de Quinta não somos nós, mas os maahks. Por enquanto
não vimos sinal das nossas tropas.
— A batalha propriamente dita certamente está sendo travada nas proximidades do
centro de ajustamento — comentou Rhodan.
— Provavelmente — observou Icho Tolot. — É bem verdade que meu cérebro
programador chegou à conclusão de que os maahks não fazem nada sem um bom motivo.
Se atribuem tanta importância a estas duas colinas que chegam a retirar alguns grupos de
blindados do campo de batalha, eles devem ter seus motivos.
Rhodan confirmou com um gesto.
— Se pelo menos um dos nossos carros voadores estivesse intacto, poderíamos
pedir auxílio. Mas do jeito que estão as coisas, teremos que defender as colinas sozinhos.
Como se sente, Goratchim?
— Sinto-me com forças para enfrentar centenas de blindados voadores.
Rhodan sorriu.
— Não se esqueça de que basta um tiro energético para matá-lo, Goratchim. —
Voltou a dirigir-se aos outros. — Não há dúvida de que foram os maahks que já estão
aqui que solicitaram a presença dos blindados voadores. Quer dizer que atacarão a colina
na qual nos encontramos. Sugiro que atravessemos o desfiladeiro, indo para a outra
colina, a fim de preparar a defesa. Dessa forma ganharemos algum tempo.
Protegendo-se por todos os lados, os homens desceram pela encosta que levava ao
desfiladeiro. Não se encontraram com nenhum maahk. Até parecia que o inimigo tinha
sido tragado pelo solo.
Kasom manifestou essa suposição.
Mas o único que a levou a sério foi Icho Tolot, que começou a imaginar que o
destino de Quinta e, portanto, da Frota que operava no sistema de Gêmeos, dependia
exclusivamente deles.
***
Ismail ben Rabbat estava em desvantagem desde o início.
Não fazia a menor idéia de como eram os maahks. Para ele o ser envolto num traje
espacial, que apresentava uma protuberância em meia-lua no lugar da cabeça, era uma
criatura totalmente estranha. É bem verdade que levantou instintivamente a arma, mas
hesitou em abrir fogo.
O maahk não conhecia esse tipo de escrúpulo.
Atirou.
Ismail só escapou à morte graças ao okrill, que no último instante deu um salto e o
derrubou. Assim mesmo o raio energético chamuscou seu ombro esquerdo.
Seus olhos lacrimejantes de dor viram Sherlock saltar sobre o inimigo. Certamente
seu dono dera ordem para que agisse assim, já que dispensou a arma mais terrível que
possuía: a língua carregada de corrente de alta tensão.
Os dois seres tão diferentes encontraram-se. A arma do desconhecido saiu voando.
Mas Sherlock também levou uma forte pancada, que o atirou para trás. O desconhecido
voltou a erguer um dos seus braços tentaculares.
Ismail prendeu a respiração.
Nesse instante ouviu um grito rouco vindo de bem perto. Omar Hawk saltou sobre o
desconhecido. Depois de uma breve luta, ergueu-se fungando. Levantou o pé e empurrou
o desconhecido pela porta.
— Metano! — gritou em tom nervoso. — É um maahk. Seu traje espacial estava
cheio de metano gasoso. — Olhou para Ismail. — Sempre que se encontrar com um
maahk, tente quebrar seu capacete, coronel. Ou, o que é ainda melhor, nem deixe que ele
se aproxime. Esses caras têm uma força incrível.
Ismail pretendia acenar com a cabeça, mas levantou a arma e atirou. Um segundo
maahk acabara de aparecer atrás do oxtornense. Ismail fizera boa pontaria, pois o maahk
nem tivera tempo para atirar.
Hawk esfregou a cocha esquerda. O material de que era feito o uniforme
desmanchou-se em farrapos queimados.
— Por pouco o senhor não me acerta na perna — disse em tom de recriminação.
Ismail levantou.
— Tive de fazer isso, Hawk. Fui obrigado a ser mais rápido que o maahk, pois do
contrário a esta hora nenhum de nós estaria vivo. A propósito. Seu okrill acaba de
desaparecer pela porta.
Hawk virou-se abruptamente.
— Pela tormenta dos deuses! A luta com o maahk deve tê-lo deixado louco. Não
está acostumado a que alguém o derrube.
Hawk fez menção de sair do recinto.
— Espere aí! — pediu Ismail. — Acho que antes de mais nada devemos verificar
para que serve este centro de comando. Deve ser muito importante, senão os maahks não
viriam até aqui.
Só nesse momento Hawk olhou para os lados. Deu um passo na direção de um dos
consoles, examinou-o atentamente, sacudiu a cabeça e aproximou-se de outro. Estendeu a
mão em direção a uma das chaves, mas logo a fez recuar tão depressa que até parecia que
acabara de tocar numa peça de metal incandescente.
— Já começo a imaginar que esta aparelhagem é muito importante — disse. —
Receio que os dois maahks não sejam os únicos que se interessam pela mesma.
Ouviu-se o berreiro do okrill, vindo de longe. Hawk deu um passo em direção à
porta, mas logo estacou.
— Não sei o que fazer. É possível que Sherlock esteja em perigo, mas não quero
deixar este centro de comando desguarnecido. Talvez os maahks entrem pela mesma
porta que nós usamos.
Ismail fez um gesto grandiloqüente de pouco-caso.
— Pode sair, Hawk. Cuidarei disto aqui. Não terei nenhuma dificuldade em
enfrentar os maahks.
Hawk lançou um olhar desconfiado para seu interlocutor, mas logo saiu correndo. O
berro de Sherlock se fizera ouvir de novo.
Ismail deu um suspiro e pôs-se a examinar os comandos.
Não viu a mão enluvada de seis dedos que tateava sobre a borda do buraco
queimado na porta...
***
Chamas trêmulas erguiam-se entre a fumaça e a poeira que cobria a outra colina.
Porções de rocha liquefeita eram atiradas para o alto. A matéria gaseificada penetrava em
densas nuvens nas aberturas afuniladas, descendo para o desfiladeiro que se estendia em
forma de gamela.
— Eles acreditam que ainda estamos lá — cochichou Atlan.
— Mas não serão tolos a ponto de não examinar cuidadosamente a colina — disse
Icho Tolot.
— Será um exame realizado com canhões energéticos! — observou Melbar Kasom
em tom sarcástico.
Perry Rhodan inclinou-se por cima da borda da cratera que tinha a profundidade de
uma casa, em cujo interior estavam abrigados. Procurou ver o que havia do outro lado.
Foi o primeiro a notar o movimento. Um dos blindados voadores do inimigo, cuja forma
lembrava uma tartaruga, deslocava-se sobre suas esteiras pelo topo esfacelado da colina.
Rhodan refletiu sobre se ainda seria cedo para iniciar as operações defensivas. Mas
acabou dizendo a si mesmo que os maahks também acabariam por vasculhar a colina em
que estavam.
— Goratchim!
— Pois não, senhor...
A figura maciça do mutante aproximou-se rastejando.
— Destrua todos os blindados voadores em que conseguir pôr os olhos. Mas
mantenha-se protegido. Entendido.
— Perfeitamente, senhor.
Goratchim acenou com a cabeça e concentrou-se, enquanto os dois pares de olhos
se tornaram rígidos como os olhos de uma cobra.
— Não acha que é cedo? — perguntou Atlan.
Rhodan sacudiu a cabeça.
— Enquanto Goratchim for nosso único combatente, os maahks não poderão saber
onde estamos. É claro que os outros deverão permanecer inativos enquanto não formos
descobertos.
Um raio branco-azulado levantou-se na outra colina e o metal vaporizado subiu ao
ar, formando uma nuvem em forma de cogumelo. Um anel preto de escombros espalhou-
se a partir da borda da bola de fogo.
O fogo violento dos maahks foi interrompido por alguns segundos, para logo depois
tornar-se muito mais violento. O topo da colina ficou incandescente.
— Olhem! — gritou Kasom.
Rhodan olhou na direção em que estava apontando o braço estendido do ertruso.
Viu pelo menos uma dezena de blindados voadores desprender-se do solo e subir cada
vez mais, enquanto seus canhões energéticos martelavam impiedosamente as colinas que
ficavam nas proximidades.
Rhodan assustou-se. Não foi por causa da mudança de tática dos maahks, que lá em
cima podiam ser alcançados mais facilmente por Goratchim. O que o deixou assustado
foi o fato de estar vendo doze blindados voadores.
Os veículos que há pouco se aproximavam da colina eram apenas oito.
Um sol artificial nasceu a cinqüenta metros de altura.
— Vamos voltar para a cratera! — ordenou Rhodan. — Goratchim, faça a
detonação com a intensidade mínima.
Cerrou os lábios e prestou atenção ao tiquetaquear furioso de seu contador de
radiações. Depois da batalha teriam de ser submetidos a um tratamento rigoroso, para
afastar a radioatividade que tinha penetrado em seus organismos.
As explosões que se seguiram não foram tão violentas, mas cada uma delas
representou o fim de um blindado voador dos maahks. O dom especial de Ivã Ivanovitch
Goratchim consistia na capacidade de, por meio dos fluxos mentais concentrados de
ambos os cérebros e através de um impulso intelectual parafísico, liberar a energia
contida nos átomos de carbono ou de cálcio. E o metal plastificado de que eram feitos os
blindados voadores continha grande quantidade de carbono. O importante era fazer com
que somente uns poucos átomos participassem do processo de fusão, para que os efeitos
da explosão se restringissem a uma área reduzida.
Rhodan fez mais uma contagem dos blindados voadores. Eram quinze.
— Quantos blindados Goratchim já destruiu? — perguntou, assustado.
— Onze — respondeu Atlan. — Deve haver uma coisa muito importante nestas
colinas. Do contrário os maahks não trariam sempre novos reforços.
— Quanto a isso não tenho a menor dúvida — disse Tolot. — Até estão usando
robôs.
Rhodan e Atlan viraram-se abruptamente.
De repente centenas de robôs saíram da névoa que enchia a baixada e espalharam-se
pela outra colina. Tinham cerca de três metros de altura e possuíam quatro braços
tentaculares, além de um anel de armas giratório no lugar da cabeça.
— Levarão apenas alguns minutos para descobrir que a outra colina foi abandonada.
— Havia uma estranha tonalidade oca na voz de Atlan. — Quando isso acontecer,
passarão a atacar esta. Deveríamos dar o fora enquanto é tempo, Perry.
Rhodan sacudiu obstinadamente a cabeça.
— Quero saber o que existe neste lugar para despertar tanto interesse nos maahks!
— disse em tom insistente.
— Saber isso lhe custará a vida, Perry!
Rhodan virou o rosto para o arcônida. Sorriu.
Atlan estremeceu.
— Já conheço este sorriso, bárbaro! — cochichou. — Quais são suas intenções?
— Goratchim! — disse Rhodan em tom enérgico. — Escolha o blindado mais
distante. Faça-o detonar com uma potência de cinqüenta toneladas de TNT.
— Você está louco! — Atlan segurou firmemente o braço de Rhodan. — Cinqüenta
toneladas! Seremos transformados em poeira.
Rhodan afastou a mão de Atlan.
— Não acontecerá nada disso, se ficarmos bem encolhidos no fundo da cratera. É
possível que o raio da explosão seja um sinal para nossas tropas. Goratchim! Assim que
tiver dado o impulso que detonará o blindado, role o mais depressa possível para dentro
da cratera. Acha que conseguirá?
— Peço-lhe que não faça perguntas, senhor. Acabo de fixar o objetivo. Protejam-se.
— Protejam-se! — gritou Rhodan.
Esperou que seus companheiros se movimentassem. Depois deixou-se cair e rolou
para o fundo da cratera.
Uma bola de fogo branco-azulada espalhou-se pelo céu.
Rhodan fechou os olhos. Sentiu-se ofuscado. Alguém caiu violentamente sobre ele.
— Goratchim? — perguntou.
— Sou eu, sim senhor! — disse o mutante num sopro.
Rhodan cobriu o rosto com os braços. Houve um terrível estrondo, que o deixou
inconsciente.
Nem chegou a sentir a tempestade de fogo que passou sobre a cratera, fazendo com
que as bordas da mesma brilhassem numa incandescência vermelha.
***
Ismail ben Rabbat estava parado à frente de um quadro de comando, sobre o qual
brilhava uma placa alaranjada hexagonal. De repente ouviu um ruído vindo de trás.
Parecia uma brisa ligeira.
Quis virar a cabeça, mas já era tarde. Levou uma forte pancada na parte posterior do
crânio e perdeu imediatamente os sentidos.
Quando acordou, o sangue martelava dolorosamente em suas têmporas. Teve de
fazer um grande esforço para levantar as pálpebras.
No início não viu nada além de uma série de manchas e círculos vermelhos. Mas
aos poucos o ambiente que o cercava acabou assumindo formas definidas. Já sabia o que
significavam as batidas que estava ouvindo. Vários maahks que usavam trajes espaciais
aglomeravam-se à frente do quadro de comando que estivem observando. Outros corriam
de um lado para outro. Ao que parecia, estavam examinando os outros quadros de
comando.
Alguma coisa apertava dolorosamente a nuca de Ismail. Muito devagar, para que
não percebessem, começou a mover a cabeça. Conseguiu ver o teto.
Ismail ben Rabbat ficou rígido de susto.
O teto parecia uma campânula negra; tinha-se a impressão de que chegava ao
infinito. Nesta campânula brilhavam as imagens de duas galáxias. Bastou um olhar
ligeiro para que Ismail compreendesse que se tratava de sua galáxia de origem e da
nebulosa de Andrômeda. Vira muitas vezes as duas galáxias no microscópio eletrônico de
sua nave.
Começou a imaginar onde estava.
Encontrava-se num centro de ajustamento do transmissor de Gêmeos.
Ismail ben Rabbat disse a si mesmo que isso era impossível. A sala em que se
encontrava não estava sendo vigiada no momento em que Hawk e ele entraram na
mesma. Acontece que o centro de ajustamento de Quinta era vigiada com mais cuidado
que o tesouro do Império. Quanto a isso Ismail não tinha a menor dúvida.
Será que o centro de ajustamento ficava em outro planeta...?
Mas não importava. Ismail compreendeu que o transmissor podia ser regulado a
partir do lugar em que se encontrava. Não era necessário dizer quais seriam as
conseqüências se os maahks conseguissem usar o centro de ajustamento.
Ismail ben Rabbat pôs-se a refletir intensamente sobre as chances que possuía de
pôr fora de ação os cinco maahks que estava vendo. O resultado foi desolador. Mas tinha
de fazer alguma coisa.
Ouviu um clique muito fraco e estremeceu. Viu uma esfera cintilante sair do quadro
de comando central. Um dos maahks estendeu o braço em funil, que terminava em seis
dedos, na direção da esfera.
Ismail levantou-se com um grito rouco é saiu cambaleando na direção do grupo que
se encontrava à frente do quadro de comando.
A única arma que possuía era a faca larga, de duas lâminas, que todo astronauta
levava numa bainha apropriada.
Quando ainda não havia percorrido metade do caminho, os maahks viraram-se
abruptamente. Seguravam armas energéticas superpesadas. Ismail fechou os olhos,
porque as trilhas energéticas superaquecidas que vieram em sua direção o deixaram
ofuscado. Uma série de estalos ensurdecedores e os raios branco-azulados provocados
pelas descargas energéticas encheram o ar.
Ismail ben Rabbat ficou parado em meio ao inferno, sem compreender por que os
maahks iam caindo ao chão um após o outro.
7
A única parte da fortaleza espacial dos maahks que se via em meio à fumaça e aos
vapores era o campo defensivo que brilhava como um sol. Foguetes subiam ao céu,
apoiados em colunas de fogo branco-azuladas, e sóis artificiais surgiam e se espalhavam
no espaço.
As naves-lápis dos maahks, que tinham mil metros de comprimento, pareciam
indiferentes a tudo isso. As naves que traziam reforços pousavam ininterruptamente,
largavam sua carga em meio à chuva de fogo despejada pelas armas energéticas e baterias
móveis e voltavam a subir, em busca de novos reforços. Por outro lado, a Fortaleza
bloqueava o planeta Quinta, impedindo as naves terranas de levar reforços.
Rhodan chegou à conclusão de que as coisas não poderiam continuar assim.
Enquanto disparava com a precisão de um autômato, mudava de posição e voltava a
disparar, uma idéia amadureceu em sua mente, que em poucas horas ele não teria aceito
de forma alguma.
Ainda estava hesitando.
Estava à espera de certa mensagem que seria transmitida pela Rasputim. Essa
mensagem ainda não tinha chegado. É bem verdade que todas as tentativas de entrar em
contato com a Rasputim por meio do hipercomunicador relativamente fraco do carro de
comando fracassaram. Ao que parecia, as energias liberadas no espaço estavam causando
a ionização das camadas superiores da atmosfera a tal ponto que surgiam campos de
interferência na quinta dimensão.
Um dos robôs de combate terranos explodiu bem a seu lado. Rhodan atirou-se
imediatamente atrás de uma esteira de carro voador enrolada em novelo. Fragmentos
superaquecidos passaram uivando e bateram na esteira atrás da qual estava abrigado.
Rastejou para a outra extremidade da esteira e tentou identificar o atirador inimigo
que destruíra o robô de combate.
Tratava-se de um robô dos maahks.
As armas desse monstro de três metros de altura disparavam ininterruptamente,
enquanto o anel ao qual estavam presas girava de um lado para outro.
Rhodan fez pontaria e colocou o botão acionador de sua arma na posição de fogo
permanente.
O robô inimigo arrebentou, dividindo-se em duas partes. Seus braços tentaculares
ainda chicotearam o chão por alguns segundos, enquanto o anel ao qual estavam presas as
armas despejava algumas trilhas energéticas em direção ao céu. Finalmente a máquina
imobilizou-se.
Dois robôs dos maahks apareceram no lugar do que acabara de ser destruído.
Tinham identificado o local em que Rhodan se abrigara, mas não conseguiram atingi-lo
diretamente. Por isso puseram-se a destruir seu abrigo. O calor tornou-se insuportável.
Rhodan sabia que teria de mudar de posição se não quisesse ser consumido pelas chamas.
E os robôs só esperavam isso. Morreria antes que tivesse dado dois passos.
O fogo foi suspenso de repente.
Ouviu-se um rugido grave, que provocou calafrios em Rhodan.
Este espiou cautelosamente para fora do abrigo.
O oxtornense Omar Hawk estava de pé, com as pernas afastadas, envolto pela luz
cambiante da batalha. Naquele momento estava arremessando um robô dos maahks
contra uma rocha. A máquina arrebentou. O okrill estava sentado a seu lado,
contemplando todo satisfeito “seu” robô, caído ao chão, em estado de incandescência.
Hawk virou a cabeça. Fez um sinal ligeiro para Rhodan e saiu correndo. O okrill
seguiu-o em saltos longos e ágeis.
Rhodan subiu os restos esfacelados de um penhasco e procurou obter uma visão de
conjunto do curso da batalha. Viu que a quarta onda de ataque dos maahks fora
completamente dizimada antes de atingir o anel de defesa interior. Mas também viu os
destroços de inúmeros carros voadores terranos e a multidão de feridos que estava sendo
carregada pelos robôs-médicos.
Naquele momento a quinta onda de ataque dos maahks estava passando pelo solo
incandescente e pulverizado do anel de defesa exterior.
Mais três naves-lápis estavam descendo junto à linha do horizonte, sem dar atenção
ao violento fogo dos defensores.
Não. Se continuarmos a combater dessa forma, estaremos provocando a própria
derrota!
Rhodan estremeceu ao ver a figura magra que saía da bruma e corria em sua direção
com os braços levantados. Levantou instintivamente a arma.
Mas logo viu que era Atlan.
Levou mais alguns segundos para compreender as palavras que Atlan gritava sem
parar.
— A R-3 voltou!
O arcônida caiu ao chão bem à sua frente. Estava completamente exausto.
Rhodan colocou-o sobre os ombros e olhou em torno. A astronave estava intacta,
pousada no topo da colina, bem ao lado do veículo de comando do Coronel Nolte. Os
ruídos do pouso tinham sido engolidos pelo barulho infernal da batalha.
Atlan voltou a abrir os olhos mais uma vez.
— Precisamos... usar... canhões conv...! — sua cabeça tombou contra o ombro de
Rhodan.
— Sim! — disse Rhodan, zangado, enquanto caminhava na direção da R-3. —
Vamos usar nossos canhões conversores!
***
Rhodan viu o rosto de Julian Tifflor, que tão bem conhecia, projetado na tela que se
encontrava à sua frente.
Cansado, mas com o corpo empertigado, Rhodan prestava atenção ao relato do
marechal solar.
— Kirsch fez o processamento dos dados no centro de computação positrônico e
concluiu, sem margem de dúvida, que para os maahks a destruição de Quinta seria inútil
e perigosa. A destruição do centro de ajuste não modificaria em nada a ligação já
existente entre o transmissor hexagonal galatocêntrico e o sistema de Gêmeos. Pelo
contrário, não poderia ser eliminada mais. Portanto, a destruição da estação não nos
poderia prejudicar em nada, mas os maahks ficariam impossibilitados para todo o sempre
de interferir em nossa ligação.
Perry Rhodan acenou com a cabeça.
— Era a notícia que eu estava esperando, Tiff. Mas, para dizer a verdade, mesmo
que o resultado não fosse positivo, não teríamos alternativa.
— Dê ordem para que sejam usados os canhões conversores, Tiff!
Os olhos de Tifflor iluminaram-se.
— Ura instante, Tiff! — disse Rhodan. — Só use cerca de um terço do poder de
fogo total. Quinta não deve ser arrebentado repentinamente. Precisamos ter uma
possibilidade de recolher nossas tropas.
— Perfeitamente, senhor!
Julian Tifflor não interrompeu a ligação. Rhodan poderia ouvir as ordens que seriam
transmitidas aos comandantes das diversas unidades. Dali a pouco Tifflor voltou a ficar
com o rosto voltado para as objetivas.
— Dentro de um minuto os canhões conversores abrirão fogo, senhor!
— Obrigado, Tiff!
Rhodan levantou o braço e olhou para o relógio. Recostou-se e prestou atenção ao
ribombo incessante da batalha, enquanto ficava com os olhos grudados na tela oval do
rastreador.
A imagem da fortaleza espacial foi filtrada nitidamente dos fenômenos energéticos
que acompanhavam a batalha.
O minuto chegou ao fim.
Os campos energéticos da Fortaleza pareciam esticar-se de repente, passando para o
dobro do seu tamanho. Mas eram apenas os sóis artificiais produzidos pelas bombas de
gigatons, que funcionavam na base da catalise do carbono, que estavam sendo
arremessadas pelos canhões conversores para o interior dos campos defensivos inimigos,
onde eram levadas a explodir.
As primeiras fendas estruturais do campo energético da quinta dimensão surgiram
depois da primeira salva. As escalas cilíndricas mostraram que a fortaleza espacial fora
arremessada numa distância de cerca de cem mil quilômetros.
Quando foi disparada a segunda salva, Atlan recuperou os sentidos.
Seus olhos brilhantes fitaram a tela do rastreador.
— Rendo graças aos deuses de Árcon! — cochichou. — A Fortaleza está
balançando.
Rhodan também notou. Depois da segunda salva, a Fortaleza capotou, afastando-se
cambaleante de sua posição primitiva. As fendas estruturais do campo defensivo
esverdeado da quinta dimensão tornaram-se mais largas. Pareciam grandes frestas,
através das quais o nada do negrume do espaço cósmico parecia precipitar-se
ameaçadoramente.
Depois da terceira salva, a Fortaleza começou a afastar-se de Quinta.
Perry acompanhava atentamente sua rota. Dali a alguns minutos teve certeza de que
a mesma estava fugindo para o espaço cósmico.
Rhodan olhou para Atlan. Havia uma expressão de triunfo em seu rosto.
— Os maahks acabam de cometer o maior erro desta batalha, arcônida. Você
compreende o que eu quero dizer?
Antes que Atlan pudesse responder, Rhodan deu ordem para que Tifflor saísse em
perseguição da nave gigantesca com toda a Frota e, uma vez fora do campo gravitacional
direto do sistema de Gêmeos, usar os canhões conversores de grosso calibre com que
estavam equipados os supercouraçados.
Dali a quinze minutos um sol apareceu e foi crescendo no espaço. As dimensões e a
luminosidade do mesmo excediam as dos dois sóis do sistema de Gêmeos.
— Acho que nem mesmo a fortaleza dos maahks é capaz de resistir a isso — disse
Rhodan.
Atlan sacudiu a cabeça.
— Talvez eu seja pessimista demais, mas quando se trata dos maahks não duvido de
nada.
Dali a cinco minutos a fortaleza espacial saiu em velocidade vertiginosa do interior
da bola de fogo. Parecia estar pelo menos gravemente avariada. Lampejos energéticos
saíam constantemente dos campos defensivos. Ao que parecia, resultavam das explosões
ocorridas no interior da Fortaleza.
Os grupos de naves terranas saíram em perseguição da nave como matilhas de
lobos. Disparavam ininterruptamente seus canhões conversores. A caçada voltou a chegar
perto do sistema de Gêmeos.
De repente os microfones externos não transmitiram mais nenhum som vindo de
fora. Rhodan levantou os olhos, espantado. O silêncio deixou-o alarmado.
De repente a escotilha abriu-se.
Melbar Kasom entrou mancando, carregando o corpo flácido de Goratchim sobre
um dos ombros e o de Ismail ben Rabbat sobre o outro.
Estão se retirando! — gritou, entusiasmado.
Colocou os dois homens inconscientes cuidadosamente no chão e fez sinal para que
um robô-médico se aproximasse.
— Quem está se retirando? — perguntou Atlan, espantado.
— Os maahks! — fungou Kasom. — Fogem para suas naves-lápis, e estas
abandonam Quinta.
— Essa eu não esperava — disse Atlan. — Esta fuga não combina com a
mentalidade dos maahks.
Melbar Kasom bateu em seu tórax gigantesco.
— Acontece que nunca tinham enfrentado os terranos — e os ertrusos!
***
A nave auxiliar R-3 seguia em alta velocidade para o lugar em que estava a
Rasputim.
Deixou para trás o continente de Quinta, completamente devastado. Bem em cima
uma série de sombras negras corria atrás de uma roda-gigante. Eram as naves-lápis que
estavam voltando para a nave-mãe.
Rhodan estava olhando a tela de rastreador, enquanto o hipercomunicador
transmitia as informações fornecidas pela Rasputim e as notícias vindas da base de
Quinta.
De repente o hipercomunicador silenciou. Rhodan virou a cabeça para Atlan. Seus
olhos brilhavam.
— Parece que estamos livres dos maahks. Que acha, arcônida?
Atlan passou os dedos pelo rosto empoeirado, deixando traços de fuligem. Balançou
a cabeça.
— Vocês levaram a melhor com sua obstinação, mas nem por isso você deve
acreditar que conseguiram expulsar os maahks para sempre. Existe uma característica que
eles têm em comum com os terranos. Sentem-se estimulados pelas derrotas.
— Não ligue para o que ele está dizendo! — observou Melbar Kasom. Afastou com
o pé uma lata de doze quilos de carne prensada que acabara de esvaziar e arrotou. —
Temos uma coisa que os arcônidas nunca tiveram: os mutantes. Goratchim meteu-lhes
um tremendo susto, e acho que daqui a alguns anos os maahks ainda estarão sonhando
com Icho Tolot. Isto sem falar de mim, embora não seja nenhum mutante.
Atlan levantou-se abruptamente.
— Vocês são uns bárbaros incorrigíveis. Perry, eu o previno! É possível que no
momento os maahks se sintam satisfeitos por terem escapado com vida. Mas há de chegar
o dia em que voltarão a aparecer. Outra coisa, Perry. Árcon estava lutando somente com
os metanitas. Os maahks representavam a força que dirigia a guerra do metano. Desta vez
os maahks somente servem de auxiliares a uma raça muito mais forte...!
Atlan retirou-se.
— O grande arcônida teme pela sorte da Humanidade — observou Icho Tolot, que
até então se mantivera sentado num canto. — Será que o senhor não respeita os senhores
da Galáxia?
— Quem só usa estranhos na luta dá a impressão de que não sabe combater —
respondeu Rhodan. — Tolot, há tempo fico me perguntando por que os senhores da
Galáxia estão tão interessados em evitar que cheguemos a Andrômeda. Quem é forte de
verdade não deve ter medo do contato com outra raça.
Voltou a dirigir-se ao hipercomunicador. Neste momento o sinal de luz acendeu-se.
— Pois não, Tiff...!
O rosto de Julian Tifflor estava muito sério.
— Eis a relação de perdas que o senhor pediu. As perdas da Frota de Gêmeos
durante a luta de trinta horas com a Fortaleza chegam a um total de duzentas e oitenta e
quatro naves médias e pesadas. Todas as perdas foram causadas pelos canhões
conversores do inimigo. Não houve sobreviventes.
Rhodan agradeceu e desligou. Ficou quieto por algum tempo, com os olhos
fechados. As naves perdidas desfilaram em sua mente — e os olhos dos mortos o fitaram.
— Um dia — disse — encontraremos um meio de neutralizar os canhões
conversores.
As telas iluminaram-se repentinamente. Rhodan levantou a cabeça.
O núcleo de energia condensada situado entre os sóis do sistema de Gêmeos
brilharam num fulgor nunca visto. E a fortaleza espacial dos maahks estava entrando
cambaleante no brilho energético.
— Tomara que não apareçam mais — resmungou Melbar Kasom.
A voz de Atlan saiu do intercomunicador.
— Sempre vale a pena ter bons desejos, Kasom.
— Mas este desejo se cumprirá, arcônida — disse Rhodan com a voz firme.
Atlan deu uma risada amargurada.
— Você ainda tem de aprender muita coisa para compreender que é muito difícil
assumir a herança do Universo.
***
**
*
A frota de vigilância solar opõe uma
resistência obstinada aos intrusos vindos de
Andrômeda, pois a fortaleza voadora dos
metanitas representa uma ameaça para a rota
de transmissores. Três mutante s preparam-se
para entrar em ação, pois é impossível atacar
a fortaleza dos maahks com armas
convencionais...
Atenção, Teleportadores! Será o título
do próximo volume da série Perry Rhodan.