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GÊMEOS, O FOCO
DOS ACONTECIMENTOS
Autor
H. G. EWERS

Tradução
RICHARD PAUL NETO

Digitalização
VITÓRIO

Revisão
ARLINDO_SAN
Há 10.000 anos, quando no planeta Terra ainda não existia
uma civilização digna deste nome, os arcônidas estavam travando
uma luta encarniçada com os metanitas.
Esta guerra que abalou os alicerces do império arcônida.
Teria causado a destruição total de Árcon, se os seres que na época
dominavam a Galáxia não tivessem conseguido empregar, no
momento decisivo, uma nova arma.
Os metanitas acabaram sendo derrotados, e os arcônidas, em
cuja frota Atlan combatia como jovem comandante, acreditavam,
que tinham eliminado para sempre a ameaça representada pelas
inteligências não-humanóides.
Mas agora, cerca de 10.000 anos depois, quando há tempos o
Império Solar governado por Perry Rhodan e pertencente a
Humanidade tinha assumido a herança dos arcônidas, houve uma
surpresa. Verificou-se que o poder dos metanitas não fora eliminado
conforme se acreditava.
O Lorde-Almirante Atlan, amigo e mentor de Perry Rhodan, foi
o primeiro a reconhecer o perigo que os ameaçava. E quando uma
gigantesca fortaleza voadora dos metanitas sai pelo transmissor de
Gêmeos — trazendo a bordo a Crest II, que já havia recuperado o
tamanho normal — a Frota de vigilância de Julian Tifflor entra em
estado de alerta.
Os terranos combatem os intrusos em Gêmeos, o Foco dos
Acontecimentos!

= = = = = = = Personagens Principais: = = = = = = =
Coronel Haile Trontor — Um epsalense que, ao cantar, faz muita
gente sentir dor de dentes.
Julian Tifflor — Marechal solar e comandante da Frota que opera
em redor do sistema de Gêmeos.
Perry Rhodan — Administrador-Geral do Império Solar.
Atlan — Um arcônida que teme os maahks.
Ismail ben Rabbat — Um comandante sem nave.
Ivã Ivanovitch Goratchim — O detonador que acaba tendo muito
trabalho.
Omar Hawk — Tenente do Corpo Especial de Patrulhamento e
domador de okrills.
Coronel Marcus Nolte — Chefe dos defensores de Quinta.
1

Fragmentos sonoros parecidos com os acordes de um órgão desafinado


atravessavam a sala de comando do supercouraçado Rasputim. Os revestimentos e os
mostradores com as escalas dos instrumentos e aparelhos tilintavam, acompanhando, o
ritmo. Era o Coronel Haile que estava cantando.
Julian Tifflor mostrou um sorriso, meio triste, meio divertido. O canto de Trontor o
estava incomodando menos que de costume. Além disso o indivíduo adaptado ao
ambiente vindo de Epsal realmente tinha um motivo para manifestar sua alegria aos
gritos. Fazia somente trinta segundos que Perry Rhodan, Administrador-Geral do Império
Unido, escapara de vez do mundo apavorante chamado Horror. Sua nave-capitânia, a
Crest II, estava desaparecendo atrás das primeiras linhas da Frota Solar.
Tifflor piscou para seu ajudante como quem compreende muito bem o que está
acontecendo.
Mas o Major Pierre Laroche franziu tristemente o rosto, como quem acaba de
morder um limão verde.
— O que houve com o senhor, Laroche? — perguntou Tifflor, espantado.
Os lábios de Laroche tremiam. Até parecia que o major estava para ter um acesso de
choro.
— Estou com dor de dente, senhor... — disse num sopro.
Tifflor sobressaltou-se, mas logo mostrou um sorriso irônico.
— Procure controlar-se, major! As coisas não são tão...!
A lâmina transparente de um dos instrumentos quebrou-se ruidosamente.
Tifflor respirou profundamente. A expressão de seu rosto mudou.
Lançou um olhar de recriminação para o epsalense.
— Já chega, coronel! Pare de berrar essa sua marcha horrível. Afinal, precisamos
economizar as peças sobressalentes...
O epsalense soltou o ar com um chiado. Parecia uma caldeira soltando o excesso de
pressão. Afinal, os epsalenses eram seres humanos cuja constituição se havia adaptado há
várias gerações às condições reinantes num planeta cuja gravitação chegava a 2,1 gravos.
E seu aspecto correspondia a isso. A circunferência do tórax do Coronel Haile Trontor
era quatro vezes maior que a de um terrano robusto. Por isso não era de admirar que,
quando cantava, podia-se ter a impressão de estar ouvindo os berros de um elefante
enfurecido.
— O senhor disse que eu estava cantando uma marcha? — perguntou Trontor. Quis
cochichar, mas para Tifflor sua voz ainda soava muito forte. — Não foi uma marcha, se é
que estava realmente aludindo ao meu canto. Resolvi cantar uma canção de amor
epsalense. Afinal, nosso povo também tem receptividade para músicas suaves.
Laroche soltou uma risada estridente.
— Meu Deus! — exclamou. — Uma canção de amor! Se fosse na minha terra, as
moças sairiam correndo para a célula videofônica mais próxima, para avisar a polícia de
que havia um louco furioso solto.
Trontor soltou uma risada estrondosa, que fez com que Laroche tapasse os ouvidos.
— Convido-o a visitar Epsal, major. Quem sabe se o senhor não quer tentar
impressionar uma beldade epsalense com sua voz...?
— Bárbaro! — Laroche rangeu os dentes, mas estremeceu de repente. — As
vibrações de sua voz me custaram uma obturação dos dentes. Vou...
Laroche não chegou a dizer o que pretendia fazer. A voz do chefe da equipe de
rádio foi transmitida em volume alto pelos alto-falantes do sistema de intercomunicação.
— Sala de rádio falando, Capitão Travernex. Chamando o chefe da Frota!
Julian Tifflor inclinou-se sobre o microfone.
— Tifflor falando!
— Senhor — disse Travernex em tom solene. — Todas as unidades da Frota
anunciaram a execução da manobra desviacionista.
— Obrigado, capitão!
De um instante para outro Tifflor voltou a transformar-se no calculista e estrategista
frio que tinha de ser como marechal solar e comandante de uma Frota de guerra de cinco
mil unidades. Com uns poucos movimentos fez a ligação para o centro de rastreamento.
— O que está fazendo a Fortaleza?
— Sua rota e velocidade são inalteradas, senhor — respondeu a voz calma do chefe
do rastreamento. — Continua a deslocar-se em direção ao círculo dos sete planetas.
A imagem esverdeada, um pouco trêmula, da roda gigantesca que era a fortaleza
espacial dó sistema de Horror, foi projetada na tela oval. Já se descobrira que o diâmetro
do cubo central da roda era de cinqüenta quilômetros, e que sua altura chegava a duzentos
quilômetros. Oito raios partiam do centro do cubo cilíndrico. Cada um tinha cinqüenta
quilômetros de comprimento e trazia presas dez esferas de dois mil metros de diâmetro
cada uma. A Rasputim poderia perfeitamente desaparecer em cada uma das oitenta
esferas dispostas em forma de colar de pérolas...
E não era só isto. A maior das espaçonaves que o olho humano já tinha visto estava
envolta por um monstruoso campo energético verde. Tratava-se de um dispositivo
protetor semelhante ao campo defensivo planetário com que os homens já tinham travado
conhecimento no sistema de Gêmeos.
Seria difícil, muito difícil mesmo enfrentar este objeto voador com as armas que os
astronautas solares conheciam.
Ao pensar nisso, Julian Tifflor mostrou um sorriso irônico. Olhou para o relógio e
dirigiu-se a Trontor.
— Afaste-se mais um pouco da Fortaleza, coronel! Quando a roda gigante explodir,
assistiremos a um pequeno fim de mundo.
Virou a cabeça para Laroche.
— Quanto tempo ainda temos pelo seu relógio?
— Trinta e nove segundos, senhor. Depois disso a bomba de gigatons colocada por
Tolot deve explodir.
— Muito bem! — respondeu Tifflor com um aceno de cabeça. — O tempo confere.
Deixou-se cair lentamente na poltrona anatômica. Depois passou a olhar
ininterruptamente para a imagem da fortaleza espacial que continuava a deslocar-se pelo
espaço. Levou alguns segundos para fazer uma avaliação de quantos seres vivos deviam
estar a bordo da mesma. Seriam alguns milhões?
Dentro de mais alguns segundos estes seres seriam colhidos pela morte, porque
queriam causar a morte de outros seres...
***
Os fones de ouvido de Tifflor chilreavam, ciciavam e murmuravam
ininterruptamente. De vez em quando uma voz habituada a dar ordens rompia a cortina
acústica do intercomunicador. Quando isso acontecia, os fragmentos das mensagens
estrondavam através da freqüência restrita.
A tela de transmissão de imagem azulada brilhava na mesa dos mapas, bem diante
dos olhos de Tifflor. Naquele momento estava mostrando o contador automático em
funcionamento.
O tiquetaquear suave do cilindro de algarismos e o fluxo constante dos segundos
quase chegaram a exercer uma influência hipnótica em Tifflor.
Assim mesmo este conseguiu desprender-se da imagem e voltou a dedicar sua
atenção à tela principal do sistema de rastreamento.
Tornados visíveis por meio da conjugação perfeita do rastreamento de matéria e
energia, os sete planetas tinham um aspecto semelhante ao do conjunto dos anéis de
Saturno. Mas havia uma diferença. Estes anéis não circulavam em torno de um planeta,
mas gravitavam ao redor de um sol geminado formado por duas estrelas amarelas
comuns, e que trazia o nome de Gêmeos.
Fazia somente um mês que oito mil naves da Frota Solar, entre elas três mil
veículos de transporte gigantescos, tinham feito um avanço ultra-rápido através do
transmissor solar galatocêntrico e ocuparam o sistema de Gêmeos. As naves de transporte
tinham sido enviadas de volta há seis horas, para trazer reforços. E a gigantesca fortaleza
espacial acabava de sair da concentração energética formada pelo transmissor de
Gêmeos. Resistira ao bombardeio das unidades da Frota Solar. Ainda bem, pensou
Tifflor, pois em seu interior encontrava-se a Crest II, nave-capitânia da Frota do Império,
que fora apresada pela tripulação da fortaleza espacial.
Tifflor ainda não sabia como a Crest II fora parar no interior da Fortaleza. Também
não sabia como Rhodan conseguira, apesar de todas as dificuldades, escapar da prisão
voadora com a Crest. Mas já imaginava toda a extensão do perigo que uma nave
gigantesca como esta, cheia de inteligências estranhas, podia representar.
Se não houvesse motivos sérios, Rhodan não teria dado ordem de destruir a
fortaleza espacial.
Tifflor perguntou-se o que teria acontecido com a Androtest II. A nave-teste de
quatro estágios partira há quatro semanas, imediatamente após a ocupação do sistema de
Gêmeos, em direção ao sistema de Horror, para entrar em contato com a Crest II e trazer
de volta Rhodan e parte dos tripulantes da Crest. Nunca tinha voltado. Diante disso
Tifflor enviara a terceira nave-teste, a Androtest III. Mas a Fortaleza aparecera antes da
hora prevista, e Rhodan retornara em seguida.
Agora só lhes restava esperar.
A roda-gigante da Fortaleza continuava a deslocar-se do centro do sistema para o
círculo de planetas. Tifflor mandou suspender o fogo. Mas logo se perguntou se estava
agindo acertadamente. A fortaleza espacial certamente tinha um objetivo definido no
interior do sistema de Gêmeos. O que aconteceria se por algum motivo a bomba de
gigatons não explodisse?
Tifflor fez uma ligação de intercomunicador com a sala de rádio.
— Não houve mais nenhum chamado do Administrador-Geral, Travernex?
O rosto do capitão que apareceu na tela tinha uma expressão de contrariedade.
— Não senhor. Se houvesse, eu teria avisado imediatamente.
Tifflor desligou. Era claro que Travernex teria avisado sem demora. Não havia
necessidade de fazer perguntas.
— Faltam vinte e dois segundos, senhor — disse Laroche com a voz apagada.
Os ruídos que saíam dos fones de ouvido de Tifflor eram cada vez mais fracos.
Acabaram parando quase completamente. Os rádios da Rasputim eram mantidos
praticamente em silêncio. Tudo parecia aguardar febrilmente os últimos segundos da
Fortaleza.
O Major Laroche inclinou o corpo ligeiramente para a frente. Suas mãos delicadas
seguraram a borda da mesa de mapas, enquanto os olhos pareciam presos na imagem da
fortaleza espacial.
O Coronel Haile Trontor pigarreou. Parecia antes o estrondo de uma espingarda de
chumbo de grosso calibre.
Alguns olhares indignados foram lançados na direção do epsalense. Mas ninguém
disse uma palavra. Laroche fez um gesto forçado na direção da bochecha direita. Parecia
que ainda estava com dor de dente.
O cilindro de algarismos do contador automático emitiu mais um clique e parou. O
vácuo parecia espalhar-se pela sala de comando.
A bomba de gigatons certamente já fora detonada.
Nem mesmo uma fortaleza espacial do tamanho da que se encontrava nas
proximidades seria capaz de resistir à mesma.
Os segundos foram passando. Os homens prenderam a respiração.
Vários rostos, uns mais, outros menos pálidos viraram-se para o marechal solar.
Tifflor teve a impressão de que os olhares daqueles homens eram tênues raios
energéticos, que o perfuravam numa muda interrogação. Sentia ora calor, ora frio.
O Major Pierre Laroche foi o primeiro a dar vazão à decepção que todos sentiam.
Usou uma palavra impublicável, mas muito adequada para descrever a situação.
Tifflor não conseguia tirar os olhos da tela oval do rastreador.
Lá fora, no espaço, a gigantesca construção em forma de roda criada por uma
supertecnologia desconhecida prosseguia inexoravelmente em direção ao círculo de
planetas...
Continuava intacta...
2

Enquanto a fortaleza espacial que deslizava lentamente pelo espaço continuava na


tela dos rastreadores, os transformadores e reatores de fusão rugiram nas profundezas da
nave.
O Marechal Solar Tifflor levantou-se. Ele e Trontor entreolharam-se.
— Dê a ordem de ataque, senhor! — pediu o epsalense com uma voz que antes
parecia o ribombar do trovão.
— Ainda não! — respondeu Tifflor em tom resoluto. Comprimiu a chave
sincronizada do intercomunicador. — Tifflor chamando rastreamento. Introduza todos os
dados disponíveis sobre a rota da Fortaleza no centro de computação positrônica.
Atenção, professor Kirsch! Assim que tiver os dados, faça sua interpretação, juntamente
com o material já armazenado, a fim de obter uma previsão sobre a Fortaleza e o sistema
de Gêmeos. Quero saber qual pode ser o destino da mesma.
— Quinta! Que mais poderia ser? — observou Trontor. — Senhor, volto a insistir.
Queira dar a ordem de ataque. — O epsalense disse estas palavras em tom de súplica.
— Tenha paciência! — Tifflor sacudiu a cabeça num gesto de recriminação. —
Aguardarei os resultados da interpretação, Trontor. Há muitos mistérios ligados à
Fortaleza. De qualquer maneira o senhor pode preparar os canhões de conversão.
— Já providenciei, senhor.
Tifflor sorriu.
— Obrigado. Sabia que o senhor nunca se esquece de nada, coronel. Major
Laroche!
— Sim senhor! — Laroche ficou em posição de sentido.
— O senhor já fez uma experiência com tintura de iodo?
— Como é mesmo, senhor...? — Laroche parecia totalmente perplexo. — Com
tintura de iodo...?
— Isso mesmo; talvez seja bom para seu dente. Faça isso e depois transmita
instruções para a Frota, usando o telecomunicador. Diga que todas as unidades devem
ficar em alerta de combate. Entendido?
Quando se retirou de junto da mesa de mapas para dirigir-se ao centro de
computação da Rasputim, Julian Tifflor deixou para trás um ajudante bastante perplexo.
E o resultado da perplexidade não se fez esperar.
— O que querem os comandantes? — perguntou Tifflor em tom contrariado.
— Não... não sei, senhor — gaguejou Travernex, embaraçado. — Até parece uma
piada, mas...
— Faça uma ligação!
Ouviu-se um estalo saído do aparelho e uma voz de tenor se fez ouvir.
— Comandante da nave Bahia falando.
— Aqui fala Tifflor. O que houve?
— Senhor, gostaria de fazer uma pergunta sobre a ordem que o senhor deu por
último.
— Sobre minha ordem?
— Sobre a ordem transmitida pelo Major Laroche, senhor. Ele nos instruiu a
prepararmos tintura de iodo. Gostaria de perguntar se é uma piada ou se estamos diante
de uma arma secreta.
Tifflor engoliu em seco, mas logo voltou a controlar-se.
— Trata-se de um erro no encaminhamento da ordem. Providenciarei para que tudo
seja esclarecido. Fique novamente na recepção.
Tifflor ligou o intercomunicador.
— Major Laroche! — disse com uma ironia causticante quando a imagem de seu
ajudante apareceu na tela. — Soube que o senhor transmitiu aos comandantes ordens de
preparar tintura de iodo. Espero que a confusão não tenha sido tamanha que resolvesse
tratar seu dente oco com uma bomba de gigatons...
Desligou. Não era porque tivesse coisa melhor para fazer do que deleitar-se com a
expressão de perplexidade do rosto de Laroche, mas porque a risada de Trontor veio dos
fundos da sala de comando com um volume insuportável.
Tifflor apalpou instintivamente os dentes com a ponta da língua...
***
O som estridente e penetrante da campainha do intercomunicador rompeu a
atmosfera de expectativa tensa produzida pelo zumbido calmo do centro de computação
positrônica da nave.
Julian Tifflor fez um movimento automático em direção à chave mais próxima do
intercomunicador.
— Tifflor!
A voz do Capitão Travernex parecia nervosa.
— A Crest acaba de ligar, senhor. O Administrador-Geral...
— Complete a ligação! — ordenou Tifflor em tom apressado. Umedeceu os lábios
com a ponta da língua. Quais seriam as ordens de Rhodan? Teria novas informações
sobre a misteriosa fortaleza espacial? Estremeceu involuntariamente ao ouvir a voz
inconfundível de Perry Rhodan. No mesmo instante a imagem do Administrador-Geral
apareceu na tela.
— Olá, Tiff!
Fazia muito tempo que Rhodan tinha usado pela última vez o tratamento familiar a
que estava acostumado. Tifflor sentiu uma estranha emoção. Não conseguiu adaptar-se
inteiramente ao tom de voz de Rhodan.
— Marechal Solar Tifflor falando, senhor.
Um sorriso apareceu no rosto de Rhodan, marcado pelas privações e pelo
sofrimento.
— O.k., Tiff! Como já deve ter notado, a bomba de Tolot não explodiu. Isso nos
traz alguns problemas. Vejo que o senhor se encontra no centro de computação da
Rasputim. Quer dizer que também está curioso para conhecer as intenções da Fortaleza,
não é mesmo?
— Senhor, tenho certeza de que...
— Fique com sua certeza para si mesmo, Tiff. Não vamos influenciar o professor
Kirsch em seus cálculos. — Rhodan pigarreou. O suor que porejou em sua testa era uma
prova de quanto os sofrimentos pelos quais passara tinham afetado seu organismo. —
Coloque os transmissores da Rasputim na recepção. Quero fazer-lhe uma visita. Peço-lhe
que dê ordem aos comandantes das outras unidades que enviem os melhores médicos de
que dispõem — também pelo transmissor. Os médicos deverão comparecer a bordo da
Crest, cuja tripulação está inconsciente. Os mutantes foram os que menos suportaram o
choque. Temos pressa.
— Tomarei todas as providências, senhor.
— Confio no senhor, Tiff. Até logo mais! Rhodan despediu-se com um aceno de
cabeça e sua imagem empalideceu.
O corpo de Tiff entesou-se.
— Queira apressar-se, professor.
O professor Kirsch limitou-se a acenar ligeiramente com a cabeça, sem tirar os
olhos dos comandos.
— Também receio que tenhamos muita pressa, senhor. Os dados colhidos só
admitem uma conclusão.
— Aguarde o resultado que será fornecido pela computação positrônica! — ordenou
Tifflor. — Assim que os mesmos tenham chegado, transmita-os à sala de comando.
Tifflor saiu a passos rápidos.
Um zumbido agudo saiu das entranhas do cérebro positrônico. O professor Kirsch
inclinou o crânio maciço. Ligou os circuitos lógicos com uma das mãos, enquanto a outra
traçava números e símbolos numa folha de plástico.
— Aí está! — disse com um suspiro de alívio depois que o ruído de funcionamento
do computador voltou a normalizar-se. — Vamos ver se não fui um pouco mais rápido
que você.
Acariciou com a mão direita a “pele” lisa do cérebro positrônico, enquanto a
esquerda empurrava a folha escrita cuidadosamente para a placa de depósito do setor de
saída.
Ouviu-se um zumbido oco saído das profundezas da espaçonave.
O professor Kirsch aguçou o ouvido.
— São os transmissores. Vamos logo, meu cérebro!
***
O Capitão Bloch desligou o intercomunicador e enxugou o suor da testa.
— Há notícias desagradáveis, senhor? — perguntou o tenente pertencente à equipe
técnica, que juntamente com Bloch formava a guarnição da estação de transmissores da
Rasputim.
— Temos notícias — mas não são desagradáveis! — Bloch estava fungando. — O
Chefe deverá chegar dentro de um minuto. Aqui mesmo, Ibraim, em um dos nossos
transmissores.
— O marechal? — O Tenente Ibraim arregalou perigosamente os olhos negros. —
Ele já está aqui...
— O senhor é muito engraçado — resmungou Bloch. — Não me refiro ao Marechal
Solar Tifflor, mas ao Administrador-Geral. Trate de pôr logo em funcionamento o
transmissor.
— Perry Rhodan...? — cochichou Ibraim.
— Já disse que deve apressar-se! — advertiu Bloch.
— Sim senhor. — Ibraim ficou em posição de sentido. Olhou para trás, um tanto
embaraçado. — Os transmissores estão em ordem, senhor. Fizemos o último teste, como
de costume, no início de nosso turno. Basta ativá-lo e ligá-lo na recepção.
O capitão olhou-o com uma expressão sombria.
— Pois vamos fazer dois testes num só turno. Quando o Chefe chegar, não deverá
haver o menor erro. O senhor certamente já ouviu falar no erro de identificação, não
ouviu?
O rosto de Ibraim ficou muito vermelho.
— O senhor se refere ao peso “reduzido” do Major Laroche? Já lhe falou sobre a
pane que houve?
Bloch deu uma risada súbita, aparentemente sem motivo.
— Tivemos sorte, Ibraim. Aquilo que acreditávamos ser um erro de identificação
realmente não foi nada disso. Descobri a peça que o Major Laroche perdeu durante a
última transmissão...
— Meu Deus! — gemeu Ibraim. — O que foi mesmo, senhor?
— Uma obturação. Deve ter caído de sua boca na hora da chegada.
A risada de Ibraim parecia um pouco histérica. Viu-se interrompido por um
zumbido penetrante. Luzes vermelhas acenderam-se em cima de quatro caixas de
transmissor.
— Olhe! — gritou Bloch. — Estão chegando. Vamos, tenente!
Os dois oficiais manipularam os comandos numa pressa febril. Apesar da rapidez
com que passaram os dedos pelas teclas do sistema de testes, nenhuma divergência, por
menor que fosse, teria escapado aos seus olhos. Estava tudo em ordem.
As luzes vermelhas acesas em cima das quatro caixas de transmissor apagaram-se
dois minutos depois da chamada vinda da sala de comando, sendo substituídas por
tranqüilizadoras luzes verdes. O zumbido constante tornou-se ainda mais insistente. As
luzes verdes foram-se apagando uma após a outra. De repente voltaram a acender-se,
mais ofuscantes que antes.
O zumbido parou.
O Capitão Bloch e o Tenente Ibraim sabiam perfeitamente o que significava isso.
Os transmissores acabavam de receber a matéria irradiada não se sabia de onde e estavam
reconvertendo a mesma a partir das formas superiores de energia em que tinha sido
transformada.
Os dois batentes da porta de uma das caixas do transmissor abriram-se com um
estrondo.
Bloch e Ibraim ficaram em posição de sentido.
Continuaram na mesma posição quando o monstro enorme, que antes parecia uma
montanha de músculos e os fitava ininterruptamente com os três olhos de fogo,
aproximou-se ruidosamente.
Ouviu-se uma risada rouca.
— Chame de volta seu cãozinho de estimação, bárbaro! — escarneceu uma voz
áspera. — Os tripulantes da Rasputim não estão acostumados a ver seres do tipo de Tolot.
Rhodan apareceu atrás de Atlan. Havia uma expectativa tensa em seu rosto.
O Capitão Bloch fez continência segundo as regras.
— Capitão Bloch e Tenente Ibraim anunciam que a operação do transmissor foi
encerrada. — Num acesso de humor arrojado, acrescentou: — Parece que numa pessoa o
identificador acrescentou alguma coisa.
— Obrigado, capitão — respondeu Rhodan em tom sério. Passou a dirigir-se a
Atlan. — Então, arcônida...?
Os olhos de Atlan pareciam rir para Bloch.
— O senhor sabia que era Tolot, não sabia?
Bloch gemeu baixinho.
— Quem não conhece Icho Tolot, senhor...?
Como se fosse para contrariar esta opinião, Bloch e Ibraim encolheram-se
violentamente quando Tolot deu uma risada.
Melbar Kasom foi o quarto a aparecer. Foi um ertruso de estatura gigantesca que
saiu de uma das caixas do transmissor. Era bem verdade que ao lado de Tolot quase
chegava a ser delicado.
Kasom parecia contrariado.
— Quem é o encarregado do transmissor? O senhor, capitão?
— Sim senhor. — Bloch fitou o ertruso com uma expressão de perplexidade.
— Tenho uma queixa — resmungou Kasom. — O senhor deve ter cometido um
erro de identificação. Antes de entrar no transmissor da Crest, eu me sentia saciado, mas
agora quase chego a ter câimbras do estômago de tanta fome que sinto.
Icho Tolot deu uma risada ainda mais forte. Perry Rhodan virou a cabeça. Parecia
indignado.
— Não quero essas piadas. Pensei que a Fortaleza ainda estivesse enchendo seu
estômago. Vamos!
As escotilhas pesadas da estação de transmissores escorregaram para o lado. Um
grupo de robôs de combate apareceu. As máquinas negras atravessaram ruidosamente a
porta a passo cadenciado. O Major Pierre Laroche corria atrás das mesmas. Teve de
esforçar-se para acompanhar os robôs. Deu uma ordem e as máquinas de guerra de dois
metros e meio de altura pararam. De repente tilintaram ao fazer meia-volta e fizeram
continência, abrindo alas.
Laroche colocou a mão no boné.
— O Major Laroche e oito robôs de combate às suas ordens, senhor! — Olhava
ininterruptamente para Rhodan. O lado esquerdo de seu rosto estava inchado.
Rhodan respondeu à continência com um desleixo proposital.
— Para que todo esse espalhafato? — fez um gesto contrariado. — Tudo bem!
Leve-nos à sala de comando. O Marechal Solar Tifflor deve estar lá. Não está?
— Está, sim senhor.
Laroche esforçou-se para falar claramente, mas o rosto inchado lhe causava
problemas. Melbar Kasom ficou indignado.
— Não fique chupando bala quando estiver falando com o Administrador-Geral! —
chiou enquanto Laroche passava perto dele.
O major ficou com o rosto vermelho.
O Capitão Bloch, que estivera observando a cena, sobressaltou-se. Correu para
junto do Major Laroche numa atitude nada militar e disse apressadamente:
— Queira perdoar, Major Laroche, mas encontrei isto depois que o senhor utilizou o
transmissor pela última vez... — Estendeu a mão para Laroche.
— O que é isso? — perguntou Laroche em atitude desconfiada.
— O enchimento de um dente obturado, senhor.
Laroche abriu a boca e voltou a fechá-la com um suspiro de dor. Estreitou os olhos,
furioso.
— O que vou fazer com isso? Pode ficar para o senhor. Se quiser, venda como
souvenir. — Deu as costas para Bloch e dispôs-se a seguir Rhodan e seus companheiros.
— Afinal, é uma obturação de ouro! — resmungou o Capitão Bloch.
— O quê...? — Laroche virou-se abruptamente, arrancou a peça da mão do capitão
e saiu correndo às pressas, enquanto dava ordem aos robôs para que se afastassem.
O Capitão Bloch olhou-o, sacudindo a cabeça. Depois voltou a limpar a mão no
conjunto-uniforme.
— Pelo menos poderia ter dito obrigado. Saltou apavorado quando o último robô de
combate, que marchava indiferente em fila, bateu ruidosamente com o pé metálico no
chão, bem perto dele.
— Por pouco não me esmagou com o pé! — fungou, zangado.
A escotilha fechou-se ruidosamente.
***
A grade rangeu e balançou ao subir.
— Façam o favor de sair. Queiram apressar-se! — disse a voz metálica saída de um
aparelho automático.
O professor Dr. Raoul Finestre segurou a maleta de instrumentos e saiu da apertada
caixa do transmissor, todo atarantado.
A grade voltou a fechar-se ruidosamente atrás dele. A lâmpada mudou do verde
para o vermelho. Um zumbido profundo se fez ouvir.
— Queiram desocupar a área adjacente ao transmissor — disse a voz automática ao
atingir novamente o ouvido de Finestre.
Viu outras figuras vestidas de branco ao seu lado, que também seguravam maletas
de instrumentos e afastavam-se às pressas das faixas de segurança situadas à frente das
caixas dos transmissores. O Dr. Finestre reconheceu os colegas de sua equipe médica.
Logo recuperou a segurança.
— Aqui! — gritou. — Pelo bom Júpiter! Será que não há nenhum robô para
apontar-nos o caminho?
— Estou às suas ordens! — respondeu a voz indiferente de um robô-médico.
O Dr. Finestre virou a cabeça e avistou um robô de aspecto delicado postado junto à
escotilha aberta que dava para os outros compartimentos da nave. No mesmo instante viu
os dois robôs-técnicos que manipulavam em silêncio os controles dos transmissores
embutidos no console.
— Não há nenhuma criatura humana por perto? — perguntou o Dr. Neusel, um
homem alto que exercia o cargo de médico-assistente de Finestre. Sua voz soava oca
como a do fantasma em meio ao recinto abobadado de aço.
Alguém deu uma risada forçada.
O zumbido dos transmissores transformou-se num chiado cada vez mais agudo. As
lâmpadas que ficavam em cima das grades voltaram a mudar para o verde.
— Vamos, minha gente! — gritou o Dr. Finestre. — O próximo time está para
chegar. Não podemos ficar parados por aqui.
Saiu andando na direção do robô-médico que estava à sua espera. O robô fez um
gesto, convidando-o a acompanhá-lo, e deu-lhe as costas. Conduziu os seis médicos da
nave Voltaire pelas esteiras que deslizavam silenciosamente. O grupo atravessou vários
corredores, até atingir o elevador antigravitacional que acompanhava o eixo da nave.
Flutuaram por alguns instantes no amplo poço do elevador e logo chegaram à clínica de
bordo da Crest II.
O Dr. Finestre, que passou entusiasmado pelo robô-médico, entrando na sala ampla,
estacou quando tinha dado apenas alguns passos. Gemeu.
— Meu Deus! Até parece que todos os tripulantes da Crest estão aqui!
Olhou com uma expressão de perplexidade para os beliches de três andares e os
leitos provisórios arrumados no chão. Os robôs-médicos andavam apressadamente por
toda parte, mas seus esforços não eram bem sucedidos.
— Isto é apenas a metade, senhor! — respondeu o robô-médico que os trouxera. —
Os outros estão nos camarotes ou nos corredores mais próximos.
O Dr. Finestre acenou com a cabeça. Parecia abalado.
— Antes de mais nada vamos cuidar de diagnosticar o estado mórbido, senhores. —
Dirigiu-se ao robô-médico. — Providencie para que os mutantes sejam levados em
primeiro lugar à sala de exames. — A título de explicação, acrescentou: — Os mutantes
são afetados mais intensamente pelos choques psíquicos.
O Dr. Neusel pigarreou.
— Mais alguma pergunta? — perguntou o Dr. Finestre em tom áspero.
— Queira desculpar, mas acho que deveríamos cuidar também da esposa do
Administrador-Geral.
O Dr. Finestre pôs a mão na testa.
— Pelo bom Júpiter! Mas é claro que sim! A esposa de Perry Rhodan deve estar a
bordo da Crest. Por que o Administrador-Geral não mencionou isso? Para ele a esposa
deve ser mais importante que todos os mutantes juntos.
— Certamente não quer que seus interesses pessoais se sobreponham aos da
comunidade — respondeu Neusel.
— Que nada! — respondeu o Dr. Finestre em tom indignado. — Neusel e Sarinin,
procurem localizá-la e tratem de levá-la à sala de exames. — Olhou para os lados, como
se estivesse procurando alguma coisa. — Onde se meteu esse danado do robô-médico?
— O senhor lhe deu uma ordem — lembrou um dos colaboradores do Dr. Finestre.
— É verdade! — de repente a voz do Dr. Finestre soou feito uma fanfarra. —
Vamos à sala de exames.
Ergueu a maleta acima da cabeça, atravessou correndo os corredores estreitos que
sobravam entre os homens inconscientes, passou por cima de algumas figuras
atravessadas no corredor e ficou resmungando sem parar.
O Dr. Neusel segurou o braço de seu colega Sarinin.
— Não olhe tanto para esses coitados, colega. Não vão acordar com isso.
— Que coisa horrível! — disse o Dr. Sarinin. — Gostaria de saber como são os
seres que trabalham com as armas diabólicas que fizeram isto.
***
O Dr. Finestre recuou assustado quando penetrou na sala de exames da clínica de
bordo.
Um vulto de quase dois metros de altura estava parado numa porta lateral
fracamente iluminada. Uma fileira de dentes brancos brilhava em meio a um rosto cor de
ébano.
— O que está fazendo aqui? — perguntou o médico, estupefato.
— Desculpe, doutor! — o vulto afastou-se da porta e chegou mais perto. — Meu
nome é Wuriu Sengu. Deixei a nave entregue por algum tempo ao piloto automático.
Posso ajudá-lo em alguma coisa?
Só nesse instante o Dr. Finestre viu o distintivo do Exército de Mutantes,
consistente num cérebro cercado por uma auréola dourada, preso ao peito do uniforme.
— Sengu...? O senhor não é o mutante-espia?
Sengu confirmou com um gesto e sorriu.
— Por que não ficou inconsciente como os outros?
O rosto de Sengu assumiu uma expressão sombria.
— Melbar Kasom me tirou da Crest no momento em que ela pousou no interior do
hangar da fortaleza dos maahks. Dessa forma Tolot, Atlan, Kasom e eu escapamos ao
bombardeio de bio-raios que se seguiu.
— A fortaleza dos maahks? — o Dr. Finestre esticou as palavras, numa expressão
de infinita perplexidade.
Wuriu Sengu cerrou os lábios.
— Eu me esqueci de que o senhor ainda não está informado a este respeito, doutor.
Os maahks são os habitantes da nave das gerações que costumava ser chamada de
Fortaleza. São seres que respiram metano e... — Fez um gesto de pouco caso. — Deixe
para lá, doutor! O Chefe faz questão de que antes de mais nada os mutantes sejam
colocados em condições de entrar em ação.
Dois robôs entraram na sala de exames. Cada um deles conduzia uma maça
antigravitacional. Wuriu Sengu deu um passo para o lado.
— Gucky e Geco — disse em tom triste. — Os ratos-castores foram afetados mais
que os outros. — Dirigiu-se ao robô que ia na frente. — Providencie para que Ivã
Goratchim seja trazido o mais depressa possível. — Resolveu dar uma explicação ao Dr.
Finestre. — Parece que Goratchim se recupera mais depressa que os outros. Precisamos
tratar em primeiro lugar os casos que apresentam maior esperança de sucesso.
O Dr. Finestre virou o rosto para o mutante. Um brilho zangado surgiu em seus
olhos escuros.
— Como médico tenho o dever de cuidar em primeiro lugar dos pacientes que mais
precisam de tratamento.
— Acontece que sou amigo de Gucky — respondeu em voz baixa. — O que está
em jogo não é o interesse de cada um — prosseguiu mais alto. — O importante é
descobrir uma arma capaz de enfrentar a fortaleza dos maahks antes que a Frota seja
atacada. É possível que, cuidando de Goratchim em primeiro lugar, o senhor esteja
salvando a vida de milhares de pessoas, embora o mesmo seja menos necessitado de
tratamento que os outros. Precisamos dele, doutor — e é só o que importa no momento.
O Dr. Finestre, que acabara de realizar um ligeiro exame preliminar em Gucky,
suspirou.
— Está bem; concordo. Onde está o tal do Goratchim? A propósito, Gucky parece
estar numa espécie de rigidez produzida pelo sono profundo. É um fenômeno semelhante
ao que se manifesta nos animais em estado de hibernação.
Wuriu Sengu sorriu aliviado.
— Espero que não seja perigoso. — Fez sinal para que o robô-médico que conduzia
a maça sobre a qual estava deitado Goratchim se aproximasse. — Coloque-o embaixo da
máquina de diagnóstico!
— Espere aí! — gritou o Dr. Finestre, zangado. — Ponha um de cada vez... —
Interrompeu-se. Seus olhos pareciam saltar das órbitas enquanto fitava a pele escamosa
esverdeada do gigante de dois metros e meio, que estava despido. Aproximou-se
cautelosamente das duas cabeças. — Meu Deus! É um só! Como pode ter duas
cabeças...?
— O senhor ainda não conhecia Ivã Goratchim? — perguntou Sengu.
O Dr. Finestre sacudiu a cabeça.
— É... é um ser humano?
— É um ser humano como eu e o senhor, doutor. Seus pais ficaram expostos a
radiações. É bem verdade que isso aconteceu há quatrocentos anos, pois Goratchim é um
dos poucos imortais que existem.
O Dr. Finestre engoliu em seco, mas recuperou-se com uma rapidez surpreendente.
Deu instruções aos colegas, pôs as mãos no trabalho e dali a dois minutos o corpo imóvel
de Goratchim estava estendido no campo gravitacional, com os contatos prateados das
sondas-diagnóstico enfiadas embaixo da pele.
O médico-chefe da nave Voltaire fez um sinal e um dos seus colegas ligou a
máquina.
Os contatos executaram movimentos fantásticos. Retorciam-se e esticavam-se,
soltavam-se com um chiado e prendiam-se a outros lugares. Outros contatos faziam sair
finíssimas rádio-sondas das extremidades mais grossas, enviando-as em direção às veias e
dali ao coração, aos pulmões e a outros órgãos. Hipersensores consistentes em fios de
ouro foram introduzidos embaixo da pele, desviaram-se dos feixes de nervos e
penetraram de forma completamente indolor na espinha dorsal e no cérebro. Nenhum ser
humano seria capaz de executar este serviço sem provocar ferimentos no paciente. A
máquina automática de diagnóstico era capaz disso. Havia uma perfeita coordenação
entre as diversas sondas e a máquina.
O Dr. Finestre e Sengu puseram-se a esperar. De vez em quando enxugavam o suor
da testa, muito embora a sala de exames submetida a radiações antibacterianas fosse
bastante fresca.
Finalmente o dispositivo automático foi tirando suas sondas. O pequeno
computador positrônico que fazia a interpretação dos exames entrou em atividade
zumbindo e estalando, enquanto as luzes de controle se acendiam e apagavam como se
fossem olhos de fogo.
O computador emitiu um som agudo ao concluir a análise. Uma lâmpada verde
acendeu-se sobre a fenda de saída. Dali a pouco a fita gravada foi ejetada.
O Dr. Finestre segurou a fita com um movimento apressado. Leu aos murmúrios, só
movendo os lábios de vez em quando. Wuriu Sengu olhou por cima de seu ombro.
— Há uma forte inibição do hipotálamo, acompanhada de uma excitação do centro
de circulação vagal, que está diminuindo aos poucos. A circulação é estável, mas lenta. A
temperatura do corpo sobe lentamente a partir da marca dos vinte e cinco. Ausência de
anomalias orgânicas. Os depósitos das paredes intestinais levam à conclusão de que há
trinta minutos a temperatura era de apenas zero grau centígrados. A partir dali verificou-
se a tendência ascendente.
— Tratamento sugerido. Evacuação artificial do trato intestinal acompanhada de
tratamento com raios ultravioletas. Duração aproximada do tratamento, quatro dias...
— Isso é uma loucura! — exclamou Sengu em tom exaltado. — Não estamos em
condições de esperar meio dia que seja.
Um sorriso arrogante apareceu no rosto do Dr. Finestre.
— O tratamento sugerido em primeiro lugar pela máquina de diagnóstico sempre
corresponde ao processo mais natural. A evacuação do trato intestinal e o tratamento com
raios ultravioletas permite a eliminação da rigidez orgânica que se verifica durante a
hibernação. Pelo menos já temos certeza de que os chamados bio-raios dos maahks não
produziram danos irreversíveis. Provavelmente as pessoas atingidas acordariam de
qualquer maneira — talvez somente depois de alguns meses.
Comprimiu uma tecla. Um microfone saiu da placa frontal do computador.
— Sugestão de tratamento não foi aceita. Solicito alternativas de tratamento rápido.
O microfone ainda não tinha desaparecido, quando outra fita gravada saiu da fenda.
— Aí está! — disse o Dr. Finestre depois de lançar um ligeiro olhar para a mesma.
— Estímulo da circulação à maneira dos aras com a simultânea colocação do paciente em
tenda de oxigênio e aplicação de tanque psicossomático. Duração do tratamento de três a
trinta horas, conforme a intensidade do estado de hibernação.
— Ainda é muita coisa! — resmungou Sengu, contrariado.
— O que o senhor quer que eu faça? — perguntou o médico. — O senhor não disse
que Goratchim se recuperaria antes dos outros...?
— Há pouco ele fez alguns movimentos e gemeu, doutor — respondeu Sengu.
— Nesse caso vai demorar menos de três horas! — o Dr. Finestre virou a cabeça
para o robô-médico. — Ei, robô! Coloque o paciente no tanque psicossomático e prepare
a tenda de oxigênio. Providencie o estimulante circulatório dos aras.
Um ruído semelhante a uma trovoada distante atravessou a nave. O Dr. Finestre
empalideceu e fitou Sengu.
— Receio que tenhamos muita pressa — acrescentou, falando entre os dentes.
3

A imagem da gigantesca estação espacial dominava toda a sala de comando da


Rasputim. Aparentemente imobilizada na grande tela do rastreador, parecia uma roda
enorme cercada por uma auréola esverdeada.
Perry Rhodan fez um sinal para que o Marechal Solar Tifflor, que pretendia levantar
à sua entrada, continuasse sentado.
— Não temos tempo para formalidades, Tiff! — empurrou Tifflor para dentro da
poltrona com a mão esquerda, enquanto a direita segurava sua mão e a sacudia. — Sinto-
me feliz em revê-lo, Tiff.
Julian Tifflor engoliu em seco.
— Estamos todos felizes com seu regresso, senhor, e...
Rhodan interrompeu-o com um gesto.
— Quais são as informações de Kirsch sobre a rota da Fortaleza?
— Ainda não temos nenhum resultado, senhor.
Rhodan olhou para o relógio.
— Bem, vamos ter mais um pouco de paciência. Enquanto isso é bom que todos
saibam o que vem a ser mesmo a tal da fortaleza. Conte, Atlan!
Sentou e fez um gesto para que Atlan, Kasom e Tolot também se acomodassem.
Atlan ficou calado por alguns segundos. Os olhos avermelhados do arcônida tinham
perdido todo brilho. Pareciam atravessar Rhodan, dando a impressão de que queriam
trazer à tona quadros há muito sepultados no passado. Os quadros não pareciam ser nada
agradáveis, pois o rosto de Atlan tornava-se cada vez mais triste.
— Faz mais de dez mil anos. — O arcônida levantou a cabeça e fez um gesto
distraído, passando a mão pela testa. — O grande império arcônida estava no auge da
força. De repente nossas naves-patrulha encontraram naves pertencentes a uma raça
desconhecida. Tratava-se de seres inteligentes completamente não-humanóides, cuja
mentalidade diferia tanto da nossa que o confronto se seguiu com a inevitabilidade de
uma lei natural.
— Estes seres, que respiram metano, praticamente podem ser considerados criaturas
puramente lógicas. Parece que só conhecem sentimentos no sentido em que empregamos
esta palavra diante de sua prole. Para eles, a existência do Império Arcônida era um
obstáculo à sua expansão. Por isso lançaram-se ao ataque.
— Havia vários povos formados pelos seres que respiravam metano. O mais
belicoso e implacável parece ter sido o povo dos maahks. Os maahks uniram todos os
povos que respiravam metano num grande bloco. Passaram a comandar os indivíduos de
sua raça na guerra contra Árcon.
O rosto de Atlan voltou a adquirir cor. Provavelmente estava recordando o passado
glorioso de seu povo.
— Acho que já mencionei isto. O Grande Império encontrava-se no apogeu. —
Sorriu zangado. — Também não tínhamos nenhuma contemplação quando estávamos
seriamente ameaçados. Depois de termos sofrido as primeiras derrotas, que só se
verificaram porque os metanitas atacaram de surpresa e com grande superioridade de
forças, Árcon passou a retribuir os golpes. Frotas gigantescas formadas por dezenas de
milhares de naves de guerra atravessaram a Galáxia. Sempre que aparecia uma frota dos
metanitas, a mesma era destruída. As vitórias foram-se acumulando. Quando percebemos
que os sucessos alcançados eram por assim dizer vitórias de Pirro, quase era tarde. Toda
vez que uma frota dos metanitas era destruída, apareciam duas.
— Por pouco não nos matamos de tanto vencer.
— A causa dessa evolução perigosa residia no enorme índice de fecundidade dos
metanitas. Todos os metanitas eram mamíferos ovíparos, e cada postura produzia nove
filhotes.
— Além disso os metanitas comandados pelos maahks fizeram um uso muito
inteligente de suas frotas. Os dois fatores reunidos levaram Árcon à beira da destruição.
Durante muito tempo teve-se a impressão de que os metanitas acabariam por obrigar-nos
a recuar paulatinamente, até chegar aos mundos de Árcon. Nossas frotas ressentiam-se
cada vez mais da falta de pessoal treinado e de unidades que estivessem em condições de
entrar em combate. Pessoas jovens e inexperientes eram colocadas em naves de guerra
reparadas às pressas, e foi só graças à sua capacidade de sacrifício que se tornou possível
compensar a insuficiência de homens e de material.
— As coisas só experimentaram uma melhora sensível depois que montamos uma
indústria robotizada de grandes proporções. As naves de guerra passaram a ser
construídas por robôs, as tripulações eram formadas, primeiro parcialmente e depois em
sua totalidade por robôs, e estes constituíram comandos de desembarque.
— Mais uma vez conseguimos deter o avanço dos metanitas.
— Mas o mais agressivo de seus povos, que era justamente o dos maahks, não iria
desistir por nada deste mundo. Sempre compensavam suas perdas com um fluxo
aparentemente inesgotável de pessoal. Os maahks não sabiam o que era medo e cada um
deles era um combatente perigoso, que se mostrava superior a qualquer arcônida na luta
corpo a corpo. Por isso nossas frotas muitas vezes eram destruídas, e os comandos de
desembarque estacionados em nossas bases planetárias eram dizimados.
— Foi só quando Árcon conseguiu pôr em uso uma nova arma, o chamado canhão
de conversão...
— Que apareceu graças a um almirante chamado Atlan... — observou Rhodan com
um sorriso.
Atlan fez um gesto de pouco caso.
— Cada um fez o que pôde, Perry. Segundo registra a história de Árcon, os canhões
de conversão dos arcônidas decidiram a guerra. Agimos sem contemplação, como era
nosso costume, e só paramos quando os últimos mundos dos seres que respiram metano
foram destruídos ou tornados inabitáveis.
— E agora aparecem justamente estes maahks — resmungou Kasom.
— Temos de fazer alguma coisa antes que seja tarde! — disse Atlan em tom
insistente. — Estes seres estão tramando uma infâmia, Perry.
Os presentes olharam instintivamente para a tela oval do rastreador, sobre a qual a
imagem da fortaleza em forma de roda continuava inalterada, deslocando-se em direção
aos sóis gêmeos.
O som estridente do intercomunicador interrompeu o silêncio.
Rhodan inclinou-se para a frente e ligou o aparelho. O Major Professor Kirsch, cuja
imagem apareceu na tela, parecia muito tranqüilo.
Em compensação sua voz vibrava de tão nervoso que estava.
— Senhor! — anunciou em tom solene. — A interpretação dos dados básicos de
que dispomos revela que o destino da Fortaleza só pode ser um: o planeta Quinta...!
Todos prenderam a respiração por um instante. Sabiam que o centro de ajustamento
do transmissor de Gêmeos ficava em Quinta, e que a perda da mesma deixaria cinco mil
naves da Frota do Império irremediavelmente isoladas da galáxia de origem.
Perry Rhodan levantou abruptamente.
— Assumo o comando da Frota. Vamos atacar!
***
Assim que o conversor da nave emitiu o primeiro rugido, Wuriu Sengu
compreendeu que a decisão estava próxima.
Despediu-se apressadamente do Dr. Finestre e de sua equipe. Atravessou os grupos
de médicos que iam chegando em levas de outras naves e abriu caminho em direção ao
elevador central. Quando a nave entrasse em luta com a fortaleza dos maahks, já não
poderia confiar na pilotagem automática.
Ao entrar na sala de comando da Crest, viu o fogo ofuscante de inúmeros jatos-
propulsores projetado na tela ótica. Os abaulamentos esféricos prateados emitiam um
brilho fantasmagórico sempre que refletiam a luz forte dos jatos.
A Frota começava a movimentar-se.
Por pouco o piscar nervoso do telecomunicador não passou despercebido a Sengu.
Deixou-se cair na poltrona do comandante e ligou o radio fone.
— Sengu falando, Crest II — disse, na expectativa de ouvir a voz de Rhodan e ver
seu rosto.
Mas o rosto que apareceu na pequena tela não era conhecido.
Ou será que era...?
O rosto do homem pálido, aparentemente magro, em cujo uniforme aparecia o
distintivo de coronel da Frota do Império, desfigurou-se num sorriso apagado.
Certamente estava vendo Sengu, da mesma forma que este o via.
— Olá, Wuriu! — disse com a voz rouca.
— Será que seus rádio-operadores estão dormindo, fantasma noturno?
Sengu reconheceu o homem. Seu rosto iluminou-se.
— Ismail...! — mas era claro!
O homem cujo rosto aparecia na tela era Ismail ben Rabbat, em cuja companhia
executara a missão contra a base secreta aconense de Drunda. Na época Ismail ainda era
tenente. Mas sempre tivera língua solta. Além disso era convencido como uma estrela de
cinema, e certamente tinha seus melhores motivos para isso. Ismail ben Rabbat não sabia
o que era medo.
Wuriu Sengu deu uma risada.
— Nossos rádio-operadores estão dormindo mesmo, Ismail. Estão inconscientes
como todos os tripulantes, com exceção do Chefe, de Atlan, Kasom e Icho Tolot.
— E de Wuriu! — Ismail olhou para o lado por alguns segundos, mas logo virou o
rosto de novo para a objetiva. — Sinto muito, meu velho fantasma noturno. Não tenho
muito tempo. Fiquei muito satisfeito porque a chamada que fiz ao acaso obteve resposta,
e porque tive oportunidade de rever você.
— Onde está você? — perguntou Sengu.
Ismail ficou com o rosto enrugado, numa expressão solene.
— Sou o comandante do supercouraçado Voltaire, meu pequenino. Homens como
eu são uma raridade e costumam subir depressa. É bom que saiba que dentro de seis
meses estarei comandando uma flotilha; talvez antes. Neste momento a Voltaire está
partindo para o ataque à roda-gigante cósmica, e tenho um pressentimento de que
imprimirei à batalha a marca de minha personalidade. Mantenha a Crest mais afastada
possível do palco dos acontecimentos. A roda-gigante produzirá alguns sóis bem fortes
quando for atingida pelos disparos de nossas baterias.
Wuriu Sengu parecia preocupado, mas esforçou-se para imitar o tom de seu velho
companheiro de lutas.
— Quando estiver atacando, preste atenção às eclusas abertas. O brinquedo ridículo
que você dirige cabe mil vezes nas mesmas.
Ismail ficou com o queixo caído.
— Brinquedo...! Designar uma nave-gigante como a Voltaire dessa forma é uma
verdadeira blasfêmia. Eu lhe mostrarei quanto vale minha nave.
A palestra foi interrompida abruptamente, pois um zumbido contínuo anunciou que
a faixa privativa do comando acabara de ser ligada. Ao que parecia, a Rasputim estava
transmitindo uma mensagem importante aos comandantes das diversas unidades. Sengu
ficou um tanto decepcionado ao notar que o receptor da Crest não estava transmitindo a
mensagem, mas acabou reconhecendo que isso não teria adiantado nada. Com a
tripulação fora de ação, a Crest estava condenada à inatividade. A única coisa que ele,
Sengu, poderia fazer era manter-se afastado do campo de batalha e esperar o resultado
dos exames que estavam sendo realizados pela equipe médica.
Tentou localizar a Voltaire em meio à confusão projetada na tela dos rastreadores.
Não foi possível. Não possuía qualquer ponto de referência sobre a posição do
supercouraçado. Havia muitas naves da mesma espécie. A roda gigantesca que formava a
fortaleza espacial destacava-se fortemente diante dos pontos que representavam os
reflexos das naves que se preparavam para o ataque.
***
Rhodan contemplava com o rosto tenso o campo defensivo verde que cercava a
Fortaleza.
— Tem alguma dúvida, bárbaro? — perguntou Atlan em voz baixa.
Rhodan fitou os olhos brilhantes e avermelhados do arcônida. Ficou espantado ao
notar que os mesmos apresentavam um brilho úmido, o que em Atlan era um sinal
evidente de uma excitação intensa.
— É o mesmo campo defensivo com que já travamos conhecimento durante as
operações lançadas contra os planetas deste sistema... — ponderou.
Atlan deu uma risada. Mas foi uma risada um tanto forçada.
— No momento em que forem disparados os canhões conversores de cinco mil
naves de guerra, até mesmo este campo defensivo arrebentará como uma casca de noz
pisada por um gigante.
— Certamente! — o rosto de Rhodan assumiu uma expressão sombria. Fez uma
ligação de intercomunicador com o centro de computação.
O professor Kirsch respondeu ao chamado.
— Quero o processamento de alguns dados — disse Rhodan, esticando as palavras.
— Preciso conhecer as características ligadas à estabilidade estrutural do sistema de
Gêmeos. Estou Interessado especialmente em conhecer os efeitos de alguns milhares de
giga-bombas.
— Alguns milhares de giga-bombas...? — Kirsch parecia perplexo.
— O senhor ouviu o que eu disse — respondeu Rhodan. — Certamente sabe que os
canhões conversores irradiam bombas de fusão da faixa dos gigatons...
— Sei, sim senhor. Procurarei concluir o trabalho quanto antes.
— É o que espero. — Rhodan desligou.
O rosto de Atlan assumiu uma tonalidade esverdeada.
— Nem me lembrei desta possibilidade, Perry.
— Mas deveria ter lembrado, arcônida! — retrucou Rhodan com um sorriso irônico.
— Afinal, uma bomba de gigatons libera a energia de um bilhão de megatons de TNT.
Uma única salva disparada por todos os canhões de conversão da Frota poderia provocar
a ruptura da estrutura do sistema artificial. Nesse caso nunca mais poderíamos voltar ao
nosso mundo. 900.000 anos-luz são demais para nossos propulsores.
O rosto de Atlan assumiu uma expressão teimosa.
— Por enquanto não se pode afirmar se este perigo realmente existe, Perry.
— Logo saberemos. Será que você quer levar-me a agir precipitadamente?
— É claro que não. — Atlan lançou um olhar para a Fortaleza e estremeceu. —
Tenho um pressentimento de que não teremos outra alternativa senão usar os canhões
conversores, Perry.
Rhodan fez um gesto de pouco caso.
— O que você está falando é a herança de seu povo e o temor coletivo causado
pelos maahks, amigo.
— Você não conhece os maahks — cochichou Atlan em tom exaltado.
Rhodan fitou Atlan com uma expressão pensativa.
— Quem o ouve falar dessa forma realmente poderia ter medo dos seres que
respiram metano.
Rhodan virou a cabeça e olhou para o quadro de comando geral, junto ao qual
estavam sentados Julian Tifflor e o Coronel Trontor. Tifflor já não exercia as funções de
chefe da Frota, mas por ordem de Rhodan estava comandando a operação de
reagrupamento das diversas unidades.
Rhodan aproximou o microfone da boca. O mesmo permitia uma ligação direta e
permanente com Tifflor.
— Rhodan falando, Tiff. Mande que uma flotilha mista formada por cinqüenta
unidades se separe das demais e siga em direção a Quinta. Esta flotilha deverá reforçar a
guarnição do planeta, desembarcando comandos de robôs.
Tifflor confirmou o recebimento da ordem. Dali a pouco o professor Kirsch
chamou.
— Então, o que diz a computação positrônica? — perguntou Rhodan.
Empalidecera até a raiz dos cabelos, deixando entrever que já conhecia a resposta.
— Senhor, se mais de cem giga-bombas explodirem ao mesmo tempo no interior do
sistema de Gêmeos, a estrutura do transmissor solar sofrerá um abalo. A probabilidade de
que isso aconteça é de sessenta e dois por cento.
— Obrigado; já basta.
Voltou a fazer uma ligação com Tifflor.
— Tiff, avise todas as naves de que deverão abster-se do uso dos canhões
conversores.
Julian Tifflor ficou calado por alguns segundos. Finalmente disse, falando
lentamente e em tom comedido:
— Senhor, isso nos priva da única arma em que eu depositava alguma esperança.
— O senhor não é o único que estava nesta situação — respondeu Rhodan em tom
amargo. — Mas não temos alternativa. Gêmeos é um sistema artificial. Tiff...!
— Pois não, senhor!
Atlan suspirou.
— Às vezes tenho a impressão de que você recua diante da idéia de destruir a
Fortaleza, Perry. Já lhe disse que ninguém consegue construir ou manter um império com
medidas tímidas.
O rosto de Rhodan assumiu uma expressão sombria.
— Minha opinião não mudou, arcônida. Contínuo a acreditar que todas as formas de
vida participam do processo de criação, e que todos os seres inteligentes, por mais
estranhos que sejam, têm o direito de existir no Universo, da mesma forma que nós. Não
me julgo com direito de destruir a Fortaleza a sangue frio. Com a bomba as coisas eram
diferentes. Tolot não pediu minha opinião antes de colocá-la. Se conseguirmos expulsar
os maahks, para mim já é suficiente. Só ordenarei a destruição numa situação de legítima
defesa.
O intercomunicador chamou.
— Senhor! — informou Tifflor. — A Frota entrou em posição de ataque, conforme
o senhor ordenou.
— Obrigado, Tiff. Mande que alguns grupos façam testes de ataque, conforme as
instruções que já foram fornecidas. Depois veremos o resto.
— Perfeitamente, senhor.
Um sorriso irônico apareceu nos lábios de Atlan. Via-se perfeitamente que em sua
opinião as medidas ordenadas por Rhodan eram ineficientes. Mas olhou para a tela com a
mesma curiosidade de Rhodan.
Por alguns segundos, que para os dois homens eram uma eternidade, não aconteceu
nada.
De repente, como que num passe de mágica, milhares de trilhas energéticas
cintilantes cortaram a escuridão do espaço. Vinham das mais diversas direções. Reuniam-
se em feixes, o que mostrava que eram o resultado do disparo das baterias de alguns
poucos grupos de espaçonaves.
As trilhas energéticas atingiram o campo defensivo verde da Fortaleza, composto de
várias camadas. Um fogo de artifício colorido fluiu em torno do campo defensivo,
apagou-se, voltou a acender-se, apagou-se de novo.
— Negativo! — disse Atlan. — Isso já era de esperar. Se fosse você...
Perry Rhodan esteve para virar a cabeça para Atlan, espantado. Não estava
acostumado a ver o arcônida interromper-se no meio da frase.
Mas a torrente de luz que repentinamente invadiu a tela de imagem impediu-o de
fazê-lo. Sentiu-se ofuscado e ficou quase louco de dor. Cobriu os olhos com as mãos.
A seu lado Atlan estava gritando...
***
Wuriu Sengu inclinou-se bem para a frente, quando o campo defensivo verde da
Fortaleza começou a mudar de cor sob a ação de milhares de raios de destruição.
Sentiu o coração palpitar fortemente.
Os maahks haviam conseguido, não se sabia como, descobrir a giga-bomba
colocada por Tolot antes que a mesma explodisse. Além disso esses seres que respiravam
metano conseguiram desativar a bomba, com o mecanismo de tempo em pleno
funcionamento. Será que encontrariam um meio de defender-se das tormentas energéticas
que atingiam seu campo defensivo?
Sengu ficou espantado ao constatar que não ansiava tanto pela destruição da
Fortaleza. Sabia perfeitamente que a mesma representava um perigo para o Império
Solar, mas nem por isso sentia ódio por ela. Desde que servia sob as ordens de Perry
Rhodan, o princípio básico de sua atuação sempre fora o respeito por todas as formas de
vida, fosse qual fosse seu aspecto exterior. Será que esse princípio ficara entranhado em
seu ser a ponto de afastar o instinto de auto-conservação?
Num gesto instintivo, Sengu abanou a cabeça.
O que realmente provocava uma cisão em sua vontade era a incerteza sobre as
intenções dos maahks e as causas de seu aparecimento espetacular e inesperado. Receava
que os acontecimentos tivessem levado os maahks e os humanos a defrontar-se, sem que
qualquer das partes o desejasse.
Quem sabe se o pavor que Atlan sentiu diante do aparecimento dos seres que
respiravam metano não tinha sua origem na lembrança emocionalmente reforçada das
derrotas que sofrera na guerra entre os arcônidas e os metanitas? Mas essa guerra fora
travada há 10.000 anos do calendário terrano. Haveria algum motivo para que a
Humanidade a reiniciasse no ponto em que Árcon a tinha abandonado?
Suas reflexões foram interrompidas por um relâmpago ofuscante, ou melhor, por
uma sucessão rápida de fenômenos luminosos muito intensos, que ao olho humano
deveriam parecer um único relâmpago.
Para o mutante-espia com seus olhos hiper-sensíveis a luminosidade insuportável
produziu o efeito de um choque elétrico.
Wuriu Sengu saltou da poltrona gritando, girou em torno do próprio eixo — e caiu
ao chão desmaiado.
Quando recuperou os sentidos, olhou para o relógio de bordo e constatou que só
tinha ficado inconsciente por cinco minutos. Prestou atenção ao rugido tranqüilizante das
unidades geradoras da nave e ao zumbido e estalos dos comandos automáticos. Tudo
parecia estar em ordem a bordo da Crest II.
Um sorriso embaraçado espalhou-se pelo rosto de Sengu. Não havia dúvida. A
fortaleza espacial tinha explodido. O que poderia ter sido senão isso? Não havia outra
explicação para o fenômeno luminoso.
Sengu não se entregou por muito tempo a essa ilusão. Obrigou-se a contragosto a
virar a cabeça e olhar para a tela do rastreador.
Viu a fortaleza em forma de roda, que se destacava nitidamente contra a escuridão
do espaço cósmico.
E o campo defensivo verde, calmo e inalterado, continuava a proteger a fortaleza
dos maahks.
Sengu viu pelo canto dos olhos o lampejo de pontos de luz finíssimos. Foi um
fenômeno misterioso e instantâneo. Os pontos luminosos espalharam-se tão depressa que
o olho humano não era capaz de acompanhá-los — e logo se apagaram.
Sengu pôs-se a refletir sobre o fenômeno e lembrou-se de que a luminosidade das
objetivas era reduzida automaticamente toda vez que a intensidade da luz que incidia
nelas excedia o limite dentro do qual a mesma era suportável ao olho humano. Acontece
que o sistema automático não poderia entrar em ação antes que um raio de luz
atravessasse o conjunto de lentes para dar o alarme. Era o que tinha acontecido cinco
minutos atrás. Nesse meio tempo o dispositivo automático passara a desempenhar suas
funções protetoras.
Os lampejos em forma de ponto representavam as mesmas explosões luminosas
ofuscantes que o tinham deixado inconsciente.
E verificavam-se entre as linhas das naves solares que participavam do combate!
Wuriu Sengu teve de segurar-se nas braçadeiras de sua poltrona para não desmaiar
de novo. Por mais chocante que pudesse ser o significado dos lampejos ofuscantes, de
repente deu-se conta do mesmo.
A fortaleza espacial dos maahks defendia-se com uma arma contra a qual a Frota
Solar parecia não ter nenhuma defesa.
Muito nervoso, tentou entrar em contato com a Rasputim pelo hipercomunicador.
Os receptores estalaram e só transmitiram fragmentos acústicos sem sentido. Sengu
procurou localizar com os dedos trêmulos o sinal direcional da Rasputim. Ouviu um
chiado agudo e respirou aliviado.
Pelo menos a nave que abrigava Rhodan ainda existia!
Mas não conseguiu fazer a ligação. O chiado era uma indicação de que a Rasputim
estava recebendo e transmitindo por um canal privativo. As únicas pessoas que
conheciam o código que ativava esse canal eram o chefe dos operadores de rádio e o
comandante de cada nave.
Sengu ligou a freqüência da Voltaire.
Nada! A única coisa que se ouvia eram as interferências vindas do espaço.
De repente um apito fino e oco atingiu o ouvido de Sengu. Era um sinal de que o
sistema de recepção automática acabara de gravar no carretel uma mensagem transmitida
na freqüência da Voltaire. Isso só podia ter acontecido durante os poucos minutos em que
ficara inconsciente.
Sengu ligou o alto-falante acoplado ao carretel. A fita emitiu um ligeiro estalido ao
retornar para o início do texto gravado. Sengu inclinou a cabeça para ouvir melhor.
Seu rosto mudou de cor.
— Mayday... Mayday... Mayday...
A voz insensível do autômato repetiu por três vezes o pedido de socorro e silenciou.
— Ismail...! — cochicharam os lábios pálidos de Sengu. Mas este logo cerrou os
dentes. Não havia a menor dúvida de que a mensagem fragmentada fora a última coisa
que ouvira de Ismail e sua nave. A tristeza e a raiva tomaram conta dele. Aquele oficial
valente não merecera uma morte destas. Fora apagado como a chama de uma vela...!
Mas o que realmente martirizava o afro-terrano era a falta de uma certeza absoluta.
Talvez a Voltaire nem tivesse sido completamente destruída... Afinal, ninguém sabia
quais eram os efeitos da terrível arma dos maahks.
Sengu quis fazer mais uma tentativa de obter uma ligação com a sala de rádio da
Crest II. Pretendia pedir licença a Perry Rhodan para dar início à ação de salvamento.
De repente inúmeras trilhas energéticas iluminaram o espaço.
Todas as unidades da Frota Solar estacionada no sistema de Gêmeos, que ainda
compreendia perto de cinco mil belonaves pesadas e superpesadas, abriu fogo
concentrado com todas as peças de artilharia.
Seriam mesmo todas as peças...?
Não! Graças à sua experiência, Sengu percebeu que nenhum canhão conversor
estava disparando. Rhodan ainda não estava usando todos os recursos de que dispunha.
Isso deu novas esperanças a Sengu.
Afinal, ele não sabia por que motivo os canhões conversores permaneciam em
silêncio...
Seu rosto logo voltou a assumir uma expressão sombria. Mesmo que não estivessem
em situação desesperadora, não poderia fazer nada por Ismail. Seu lugar era a bordo da
Crest II. Pelo menos o mutante Ivã Goratchim teria de estar em condições de entrar em
ação antes que Sengu pudesse considerar cumprida a missão que lhe fora confiada.
Uma escotilha abriu-se ruidosamente.
Sengu virou a cabeça.
— Olá, irmãozinho! — gritou uma das bocas do gigante de pele escamosa que
estava parado na porta. — Ivã está em forma de novo.
— Seu fanfarrão! — berrou a boca que ficava na outra cabeça. — Ivanovitch estava
acordado antes que você pudesse dar um pio. Eu lhe mostrarei o que acontece a quem
quer salientar-se.
Sengu deu uma risada, levantou-se da poltrona e saiu correndo na direção de
Goratchim. No momento não se interessava nem um pouco pela eterna luta das duas
cabeças do mutante, uma das quais era chamada de Ivã, e a outra de Ivanovitch.
Só sabia que depois que Goratchim tinha acordado o tempo de espera a bordo da
Crest II chegara ao fim.
— Graças a Deus! — disse Sengu, apontando para as telas de imagem cujas luzes
tremiam sob o fogo da batalha. — Fico satisfeito por vê-lo de pé. Acho que lá adiante
estão precisando de nós.
Goratchim deu uma estrondosa gargalhada, usando ambas as bocas.
— O que estamos esperando, irmãozinho...? — perguntou.
4

O Coronel Ismail ben Rabbat teve a impressão de estar deitado numa tábua cheia de
pregos.
O lado direito de seu corpo ardia de dor. Tentou em vão virar para o outro lado. Os
músculos não obedeciam. Provavelmente era por isso mesmo que não via nada, além de
um brilho cor-de-rosa projetado na retina. Devia ser a luz que atravessava as pálpebras
fechadas. Era apenas um traço miserável de luminosidade, insuficiente para orientar-se.
Ismail perguntou-se o que tinha acontecido.
A Voltaire — só agora lembrou-se de que o nome de sua nave devia ser este —
aproximava-se da fortaleza espacial que aparecera de repente no transmissor do sistema
de Gêmeos. Ismail lembrou-se perfeitamente de que Rhodan tinha dado ordem para não
usar os canhões conversores. O rosto do Marechal Solar Tifflor não parecia nada feliz
quando transmitira a ordem aos comandantes das naves pertencentes ao seu grupo. Ele,
Ismail, era o único que tinha certeza de que seria capaz de destruir a Fortaleza com as
armas convencionais da Voltaire. Levara sua nave à velocidade máxima para perto da
Fortaleza e abrira fogo com todos os canhões energéticos do supercouraçado.
De repente os aparelhos existentes a bordo da Voltaire pareciam ter enlouquecido.
Ismail ben Rabbat não sabia exatamente o que tinha acontecido. Lembrava-se
perfeitamente de que o sistema automático de salvamento começara a transmitir a
mensagem Mayday.
Ficara inconsciente desse momento em diante, para acordar somente há cerca de
trinta segundos.
Perguntou a si mesmo se o estado em que se encontrava naquele momento diferia
muito do estado de inconsciência. A única coisa de que tinha ciência era de sua própria
existência e do fato de que uma luminosidade vaga atravessava suas pálpebras.
Um estrondo surdo arrancou-o do estado de resignação.
Ismail pôs-se a escutar, num súbito acesso de esperança. Mas o estrondo continuava
a ser o único ruído que ouvia. Voltou a ouvi-lo mais duas vezes, sem que conseguisse
identificá-lo. A seguir voltou a reinar um silêncio total.
Levou algum tempo para compreender que a dor que sentira do lado direito do
corpo tinha desaparecido. Quando isso aconteceu, percebeu de repente que nenhuma luz
atravessava suas pálpebras.
Escurecera completamente.
Fez mais uma tentativa para mexer-se. Foi uma ordem inspirada no subconsciente.
Ismail nem contava com o efeito que se seguiu.
Ficou se debatendo desesperadamente quando rolou para o outro lado. Suas mãos
agarraram uma peça de metal liso e frio. Ouviu o som de algumas pancadas e um eco
fraco. Abriu as pálpebras, que obedeceram ao comando da vontade. Mas em torno dele
tudo era escuridão. Pela primeira vez depois que acordara Ismail perguntou-se onde
estava. Disse que era um idiota por formular uma pergunta como esta. Naturalmente só
poderia estar na sala de comando da Voltaire, pois não fizera nenhum movimento. Mas
teve a impressão de que não era bem assim. Além disso há pouco ainda devia ter havido
uma luz, a mesma luz, que atravessara suas pálpebras. Esta luz tinha desaparecido. Será
que já se encontrava em outro lugar? Talvez o estrondo surdo que ouvira tivesse alguma
relação com isso...
Ismail chamou.
O eco de sua voz tinha um terrível som cavo.
— Alô!... Alô!
Ninguém respondeu.
Ismail ben Rabbat começou a levantar-se cautelosamente. Tinha certeza de que
estava só; só, numa prisão de metal, sem luz e sem vida.
Por isso mesmo assustou-se bastante ao ouvir alguém dar um forte espirro bem em
cima dele.
Mas Ismail ben Rabbat não demorou a recuperar o autocontrole. Não era sem
motivo que seus desafetos e também os companheiros costumavam apelidá-lo de
cavalheiro do espaço, isto por causa de sua vaidade. Não suportava a idéia de aparecer
numa posição menos conveniente.
Apressou-se em atirar para trás o capacete pressurizado. Enquanto alisava com a
mão o cabelo muito negro, disse em voz alta e com uma ponta de ironia:
— Saúde!
Seu rosto desfigurou-se numa expressão indignada quando ouviu que a resposta às
suas palavras consistiu numa gargalhada homérica.
— Por que está rindo? — gritou, zangado. — Faça o favor de calçar meias grossas,
para não pegar um resfriado.
A resposta foi outro espirro, desta vez bem perto dele.
Ismail lembrou-se da pequena, mas potentíssima lâmpada atômica pendurada num
suporte sobre seu peito. Tirou-a e ligou a luz.
A boca úmida e espumante de um gigantesco sapo apareceu no feixe de luz. O
corpo brilhante que vinha depois da boca antes parecia a figura de um pesadelo. Era do
tamanho de um buldogue bem gordo.
Ismail ficou tão assustado que deixou cair a lâmpada e começou a gritar...
***
Algumas pancadas ruidosas voltaram a despertar Ismail.
Olhou cautelosamente para a luz de uma lâmpada colocada no chão. Não havia sinal
do sapo gigante. Em compensação viu a figura agachada de um homem muito grande à
sua frente envergando um conjunto-uniforme da Frota do Império. Isso fez com que
Ismail ben Rabbat se sentisse seguro.
Fez um grande esforço para levantar-se.
— Deixe de tolice.
O gigante guardou o pano molhado, com o qual golpeara o rosto de Ismail num
ritmo constante, ora do lado direito, ora do lado esquerdo. Deu uma risadinha.
— Vejo que não sofreu qualquer dano psíquico mais grave. Mas acho que está
precisando de um gole de bebida forte.
Sem fazer perguntas, colocou uma garrafa achatada na boca de Ismail. Este engoliu
o líquido que cheirava a álcool. No mesmo instante seu corpo empinou. Tossia
desesperadamente.
— O senhor está louco? O que foi isso que colocou na minha boca? Ácido
sulfúrico?
O outro voltou a dar uma risada.
— O que o senhor acha que eu sou? Eu lhe dei um gole de uísque oxtornense.
Trata-se de uma bebida para homens duros.
— Como? — Ismail ainda estava fungando. Mas finalmente conseguiu respirar
regularmente. — Quero mais um gole.
Ismail teve outro acesso de tosse e viu manchas negras diante dos olhos, mas disse
em tom de elogio:
— Realmente é uma bebida para homens! Hum...! Como é mesmo seu nome? Acho
que ainda não o conheço.
O outro levantou. Ismail notou que, além de ser muito alto, tinha ombros
extremamente largos. A cabeça completamente calva dava-lhe um aspecto exótico e
sombrio. As sobrancelhas espessas ainda reforçavam essa impressão.
— Sou Omar Hawk, tenente do corpo especial de patrulhamento. — Deu uma
risada. — Não tenho a menor dúvida de que o senhor não me conhece. Vejo que usa o
distintivo de coronel e comandante de couraçado da Frota do Império...
Era uma pergunta. Mas, contrariando seus hábitos, Ismail preferiu não chamar a
atenção de seu interlocutor para a diferença de grau hierárquico que havia entre os dois.
— Sou o Coronel Ismail ben Rabbat, comandante do supercouraçado Voltaire.
Como veio parar em minha nave, Hawk?
Hawk olhou ostensivamente para os lados.
— Hum! — resmungou em tom pensativo. — Parece que o senhor não sabe onde
está. Pois console-se com a minha situação. Também não sei. De qualquer maneira, isto
aqui não é um compartimento do tipo que costuma ser encontrado numa espaçonave.
Ismail lembrou-se de uma coisa. Olhou para os lados, fazendo um esforço tremendo
para não perder o autocontrole.
— O senhor tem uma idéia de que monstro foi este que andou por aqui? Há pouco
vi uma coisa parecida com um sapo. E que sapo!
— Não se preocupe! — Hawk soltou um assobio estridente. — Foi Sherlock, meu
okrill domesticado. Geralmente ele evita assustar os estranhos. Mas quando o senhor o
chamou... — Hawk fez uma pausa.
— Que diabo! — exclamou Ismail. — Não chamei seu mandril. Limitei-me a dizer
“saúde”, porque o senhor estava espirrando tanto. Está resfriado, Hawk?
Hawk voltou a dar uma risada.
— Primeiro, este animal não é um mandril, mas um okrill, coronel. Depois, não fui
eu que espirrei, mas o okrill.
Até parecia que o mesmo queria confirmar as palavras de seu dono, pois um outro
espirro, bem mais forte, se fez ouvir. Ismail virou-se abruptamente e arregalou os olhos
para a criatura com aspecto de sapo, de um metro de comprimento e meio metro de
altura, que parecia atravessá-lo com os olhos sem pupilas.
Hawk bateu com a mão aberta na boca do robusto animal.
— Eis aqui Sherlock, meu okrill, Coronel ben Rabbat.
— Que coisa nojenta! Este animal é uma afronta à estética — gritou Ismail.
Hawk franziu ameaçadoramente a testa.
— Pois gosto dele mais que de um macaco perfumado enfiado num uniforme de
oficial, coronel...!
Ismail ficou rígido de espanto.
— Tenente...!
Hawk fez um gesto de pouco caso.
— Deixe para lá! Como membro do corpo de patrulhamento especial não estou sob
suas ordens.
— Em outra oportunidade discutiremos isso! — disse Ismail.
— Se é que essa oportunidade virá um dia! — Hawk deu uma risada áspera. — Por
enquanto o mais importante é descobrir onde estamos.
— Não venha me dizer que o senhor realmente não sabe. — A voz de Ismail parecia
apagada. — Deve haver um motivo que fez com que viesse parar aqui.
— Sem dúvida! A mesma coisa deve ter acontecido com o senhor. Acontece que, da
mesma forma que eu, não tem a menor idéia de onde estamos. Eu pelo menos já sei que
nos encontramos no interior de uma instalação que não foi construída por um ser
humano, e na qual nunca antes um ser humano pôs os pés. Acontece que se trata de uma
instalação tão complicada e grande que Sherlock não consegue abrangê-la com a vista.
— Sherlock...? — Ismail lançou um olhar assustado para o okrill, que permanecia
imóvel no chão. — Pensei que fosse um animal...!
— É um animal dotado de faculdades especiais, Coronel ben Rabbat. Os okrills de
Oxtorne são considerados supersensores infravermelhos e possuem a capacidade de
“enxergar” os rastros dos acontecimentos e das coisas que ficam num passado tão
longínquo que nem mesmo os detectores infravermelhos mais aperfeiçoados conseguem
registrá-los. Participo indiretamente de suas percepções especiais, por meio de um
ampliador de ondas cerebrais.
— Eu não sabia — cochichou Ismail.
— Deveríamos fazer a reconstituição mental dos acontecimentos que nos fizeram
parar aqui — prosseguiu Hawk. — Talvez isso seja mais útil que andar por aí ao acaso, à
procura não se sabe do quê.
— É verdade! — o Coronel Ismail ben Rabbat suspirou fortemente. — Mas receio
não poder ajudar muito.
Fez um relato dos acontecimentos que tinham se desenrolado a bordo da Voltaire,
de como desmaiara e acordara.
Hawk parecia pensativo.
— Há uma contradição no seu relato. O senhor sabia?
— Não. Como?
— Primeiro o senhor viu luz entre as pálpebras, e depois não viu mais.
— Quem sabe se por acaso o senhor dirigiu a luz de sua lâmpada para mim...?
Hawk sacudiu a cabeça.
— Se fosse assim, eu saberia, coronel. Sherlock o teria descoberto antes que a luz
de minha lâmpada tocasse seu corpo. Foi o que realmente acabou acontecendo. Só existe
uma explicação. Enquanto ficou paralisado, encontrava-se em outro lugar.
Ismail deu uma risada histérica.
— Enquanto fiquei paralisado, não pude fazer qualquer movimento. Como poderia
ter mudado de lugar nestas condições?
— Existem várias formas de locomoção, coronel. Quanto a mim, por exemplo, fui
trazido para cá por um transmissor... — Hawk ficou calado. Parecia confuso. — Foi um
caminho bastante confuso. Não posso deixar de reconhecer isto. Encontrava-me a bordo
da Crest II...
— A bordo da nave-capitânia de Perry Rhodan...? — perguntou Ismail, fora de si.
— Isso mesmo. Na verdade, era um dos tripulantes da Androtest II, a nave de
reconhecimento que deveria ter tirado o Administrador-Geral do sistema de Horror.
Infelizmente entramos na mesma armadilha que ele e... — Interrompeu-se e fez um gesto
de pouco caso. — Mas isso não vem ao caso. Fiquei inconsciente, como todos os
tripulantes da Crest II e os homens da Androtest II que se encontravam na nave-capitânia.
A fortaleza espacial nos deixara paralisados com um tipo especial de raios. Quando
acordei, a Crest II estava em segurança, mas seus tripulantes ainda estavam
inconscientes. Os médicos da clínica de bordo me contaram que Rhodan, Atlan, Tolot e
Kasom tinham se transferido para a Rasputim através do transmissor...
— Já sei; trata-se da nova nave-capitânia de Tifflor! — Ismail acenou com a cabeça.
— Pelo que se dizia, Wuriu Sengu era o único que continuava a bordo.
Um sorriso largo espalhou-se pelo rosto de Ismail.
— O velho fantasma da Nolte! Ainda cheguei a falar com ele antes que acontecesse
aquilo com a Voltaire. Conhecemo-nos muito bem.
— O senhor o conhece muito bem?
Ismail empertigou-se.
— Ele é meu amigo. Nós executamos a missão mais maluca jamais realizada por
agentes na história da Humanidade. — Deu um suspiro. — Que tempos!
Hawk cocou a cabeça. Até parecia uma vassoura de arame sendo arrastada sobre
uma chapa de ferro.
— Pela tempestade dos deuses de Oxtorne! Quer dizer que o senhor é o homem
com o qual Sengu estava tão preocupado! Não tinha tempo. Queria ir à Rasputim através
do transmissor, com outro mutante. Por isso colocou em minha mão um papel com
coordenadas de transmissor e pediu que fosse para lá ver o que estava acontecendo.
— Foi uma leviandade da parte dele — disse Ismail. — Nem sabia se os receptores
da Voltaire ainda estavam funcionando.
— Ele me preveniu — respondeu Hawk em tom contrariado. — Acontece que no
meio da confusão reinante na Frota não pude procurar um aviso de que o transmissor
estava preparado. Quer dizer que entramos em três no transmissor e...
— Espere aí! — interrompeu Ismail. — Acho que foram somente dois, incluindo
Sherlock...
— Nada disso! — respondeu Hawk. — É claro que o pequeno Orfeu veio conosco.
— Pigarreou. — Orfeu é o filho de Sherlock. Ele deu à luz durante o vôo que nos levou
ao sistema de Horror — ou melhor, foi Kotranow... No momento não tenho tempo para
explicar tudo. A esta hora o senhor certamente pensa que estou doido.
— É verdade! — confessou Ismail. — Se o senhor não provar agora mesmo que o
tal do Orfeu realmente existe...
Hawk lançou um olhar de perplexidade para a arma energética que Ismail segurava
numa das mãos. O coronel acabara de sacar a mesma com uma rapidez incrível.
— Pela tormenta dos deuses! — Hawk deu uma gargalhada. — O senhor é um
menino ligeiro, ben Rabbat. Até hoje ninguém conseguiu pegar-me de surpresa como o
senhor está fazendo. Retiro tudo que disse sobre certos macacos perfumados enfiados
num uniforme de oficial.
Ismail resmungou alguma coisa.
— Onde está Orfeu?
No mesmo instante Ismail deu um grito de dor e deixou cair a arma. Hawk
levantou-a imediatamente. O okrill fez a língua voltar para dentro da boca.
— Queira desculpar! — disse Hawk, um tanto embaraçado. — Acontece que o
senhor nunca chegaria a ver Orfeu, enquanto ficasse com a arma na mão. E como se
recusou a guardar a arma antes de ver Orfeu... — Fez uma pausa ligeira. — Sherlock é
capaz de provocar choques elétricos com a língua estendível. O senhor pode dar-se por
satisfeito porque obedeceu à minha ordem e lhe aplicou um choque que para ele
representa uma carícia.
Dirigiu-se ao okrill.
— Vamos, Sherlock! Mostre seu rebento.
O okrill deu um espirro. Abriu uma dobra da pele que ficava embaixo do queixo.
Uma imagem perfeita em tamanho reduzido, cujo comprimento não era maior que um
palmo, saiu dessa dobra e segurou-se no lábio da mãe. Ouviu-se um espirro fraco. Ismail
gemeu.
— Que diabo! Não é que eu acho que ele é uma gracinha?
Hawk deu uma estrondosa gargalhada.
— Não pense em acariciar Orfeu. A única pessoa que pode fazer isso sou eu, e só de
vez em quando.
Devolveu a arma a Ismail.
— Desculpe meu excesso de cautela, Hawk — disse o coronel.
— Tudo bem! — Hawk pôs-se a refletir. — O que estava dizendo quando fui
interrompido? Ah, sim! Estávamos em três... — Deu uma risadinha silenciosa. —
Entramos num dos transmissores da Crest II. Ativei o aparelho, depois de ajustá-lo para
as coordenadas que recebi de Sengu. — Ficou calado por um instante e lançou um olhar
distraído para o fundo escuro do recinto sem fim em cujo interior se encontravam. —
Flutuamos no nada por uma pequena eternidade. Foi ao menos a impressão que tivemos.
De repente tudo mudou em nossa volta. Acabamos por reencontrar-nos aqui.
— Onde está a tripulação da Voltaire...? — perguntou Ismail com a voz apagada.
Hawk lançou um olhar para seu okrill.
— Vamos procurá-la!
***
Não se via mais nada da coloração verde dos campos defensivos que cercavam a
fortaleza dos maahks. Mas estes ainda existiam!
E como existiam!
Um sol atômico que pulsava fortemente: era a Fortaleza que se aproximava do
planeta Quinta. O fogo concentrado de cinco mil espaçonaves do Império a acompanhava
ininterruptamente. As energias de uma nova rugiam sobre o campo defensivo colocado
no nível energético máximo.
— Não adianta! — Atlan proferiu estas palavras com uma expressão de ódio. O
arcônida de cabelos brancos observava com os olhos ardentes a tela dos rastreadores. —
Nem sequer conseguimos desviar essa fortaleza da rota, e ela ainda por cima destrói
nossas naves uma após a outra. Por quanto tempo ainda vai permanecer inativo diante
disso, Perry?
— Você quer que a estrutura do transmissor solar seja rompida com nossas giga-
bombas? — perguntou Rhodan com a voz triste. — Quer que condene cinco mil naves à
destruição, somente para salvar umas poucas delas? Temos de expulsar a Fortaleza sem
canhões de conversão. Será que não existe nenhuma defesa contra o canhão
transformador, Atlan?
Atlan sacudiu a cabeça num mudo desespero.
— Não existe nenhuma, Perry. O funcionamento do canhão transformador é
semelhante ao de um transmissor fictício, mas seus efeitos são bem diferentes. Faz surgir
numa área muito ampla, previamente escolhida, um campo concentrado de instabilidade
na quinta dimensão. Qualquer nave que se encontre no interior desse campo de
condensação passa a ser regida por leis físicas completamente desconhecidas.
— Enquanto o campo de condensação existe, nada acontece à nave. Mas assim que
o canhão transformador é desligado, o campo de condensação se extingue. No mesmo
instante a matéria envolta pelo mesmo sofre um processo de desmaterialização; é
destruída em sua forma normal. O fenômeno não dura mais que um centésimo milésimo
de segundo, Perry.
— Como inventor do canhão de transformação, o senhor deveria ser capaz de
construir uma arma defensiva — disse Tolot em tom pensativo.
Atlan sacudiu fortemente a cabeça.
— Inventor...! — deu uma risada estridente e forçada. — Seria mais exato dizer que
fui o descobridor da arma. Perry, você deve estar lembrado de meu relato sobre o
desaparecimento da Atlântida. Foi naquela época, quando a frota arcônida estava
defendendo o Sistema Solar contra os uums, que apareceu pela primeira vez o ser
coletivo imortal do planeta Peregrino. Enfiou em minhas mãos quase à força os dados
sobre a construção de uma nova arma, à qual nossos cientistas deram o nome de canhão
de conversão. A única coisa que consegui fazer na oportunidade foi encaminhar os dados
para Árcon. Pelo que soube bem mais tarde, esta arma foi o fator que decidiu a guerra
que travamos com os seres que respiram metano.
— Hoje a raça belicosa dos metanitas usa esta arma contra nós. Só os deuses de
Árcon podem saber como conseguiram a mesma.
— Os maahks também são vulneráveis! — resmungou Melbar Kasom em tom de
ameaça. — Olhem! — Apontou para a tela do rastreador.
A rota da fortaleza espacial era muito menos segura que antes. Rhodan notou isso à
primeira vista. A Fortaleza cambaleava. Ao que parecia, tinha sido arrancada do seu rumo
pelo impacto dos tiros energéticos. As telas de acompanhamento de rota, que
funcionavam na quinta dimensão, mostravam que a Fortaleza estava capotando.
— Os campos defensivos de uma fortaleza como esta também acabam cedendo! —
disse Melbar Kasom, falando entre os dentes.
— Sem dúvida! — respondeu Tolot em tom seco. — Resta saber quando. A
Fortaleza deve gerar um volume tremendo de energia. Procuro imaginar um
supercouraçado que fique exposto a um bombardeio como este.
— A primeira salva transformaria este supercouraçado num monte de átomos! —
observou Rhodan.
— Digo e repito: Use os canhões conversores, Perry! — Atlan proferiu estas
palavras em tom de advertência.
Rhodan cerrou fortemente os lábios e sacudiu a cabeça.
— A Fortaleza está a apenas quatro milhões e meio quilômetros de Quinta, Atlan. O
bombardeio com canhões conversores seria mais perigoso que a própria nave.
— O que acontecerá se a Fortaleza atacar Quinta? — perguntou Atlan em voz
baixa.
Perry puxou o microfone para perto da boca.
— Rhodan chamando Tifflor! Aproxime a Rasputim de Quinta, Tiff!
— Isso é suicídio! — exclamou Atlan.
Rhodan olhou para a fortaleza espacial projetada na tela. Parecia que seus olhos
estavam atravessando a mesma.
— Talvez seja... — cochichou. — Mas numa luta como esta a gente não está em
segurança em parte alguma.
***
— Por aqui existe um fluxo de energia!
Ao proferir estas palavras, Ornar Hawk bateu com o pé no chão do corredor que
antes parecia um pavilhão. Fazia duas horas que estavam caminhando pelo mesmo.
Ismail ben Rabbat fez girar a lanterna portátil. O feixe de luz atingiu o okrill, que
caminhava preguiçosamente e, ao que parecia, estava quase sem fôlego.
— Foi Sherlock que descobriu isso?
Hawk sacudiu a cabeça.
— Sherlock é um detector de rastros. Não enxerga através de paredes isoladas.
Estou sentindo a energia.
Ismail virou a cabeça. Modificou o feixe de luz de sua lanterna, que ficou mais
estreito. O feixe atingiu uma parede bem ao longe, produzindo uma mancha amarelo-
pálida.
De repente Ismail estremeceu.
— O que houve? — perguntou Hawk, ao qual nada escapara.
— É estranho! — disse Ismail. — Andamos todo o tempo em linha reta, não
andamos? — ele mesmo respondeu à pergunta, que era antes retórica. — Na verdade,
isso é impossível. Olhando bem, a gente nota que, visto numa extensão maior, o corredor
avança em forma de saca-rolha...
Hawk colocou a mão sobre seu ombro. Ismail soltou um grito de dor e dobrou os
joelhos.
— Perdão! — Hawk tossiu de leve. — Às vezes me esqueço de que venho de um
planeta de 4,8 gravos. Mas o senhor não deixa de ter razão. Por que não me lembrei
disso? Agora, que tive a atenção despertada para isso, noto o fato claramente através da
percepção de Sherlock. Tenho certeza de que caminhamos em linha reta. Não existe a
menor possibilidade de engano.
Ismail assobiou uma melodia, mas logo se interrompeu.
— O fato não lhe escapou, Hawk. O senhor notou que há um fluxo de energia
embaixo de nós, não é mesmo? Aposto uma caixa de uísque de que se trata da energia de
um campo gravitacional.
Hawk fitou Ismail com uma expressão de surpresa. De repente tomou uma decisão.
Virou-se e subiu a passos largos pela parede abaulada. O feixe de luz de sua lanterna
descreveu um semicírculo. Reflexos trêmulos passavam sobre o revestimento liso.
— O senhor tem razão!
As paredes refletiram o eco da voz de Hawk. O extornense estava em cima de
Ismail, pendurado no teto, de cabeça para baixo.
— Caminhamos mesmo em linha reta, ben Rabbat. Como o corredor é em forma de
saca-rolha, andávamos ora na parte de baixo, ora na parte de cima do mesmo. Uma força
gravitacional constante parte das paredes, incluído o chão e o teto. Não importa em que
lugar estejamos; para nós sempre é embaixo.
Ismail deu uma risada forçada.
— Desça daí, Hawk, senão acabo ficando tonto. Nem me atrevo a pensar no que há
atrás do que acabamos de descobrir.
Hawk voltou para junto de Ismail.
— Isso poderia produzir um pequeno arranhão em nossa autoconfiança! Ouviu-se
uma risada áspera. — Ao que parece, o fato que o senhor acaba de descobrir parece ser
uma prova de que nos encontramos no interior de uma gigantesca espiral de energia, ben
Rabbat. Receio que esta, por sua vez, é apenas uma parte insignificante de um gerador
bem maior.
— O que será que acontece se alguém ligar o gerador na potência máxima? —
perguntou Ismail em tom irônico.
Hawk enxugou o suor da testa.
— Pela tormenta dos deuses! Nem quero pensar nisso. Precisamos tratar de sair
quanto antes da armadilha em que estamos metidos. — Olhou em torno como quem
procura uma coisa. — Onde está Sherlock? Ui, Sherlock!
Não se ouviu o menor ruído.
— Há pouco ainda caminhava à nossa frente — disse Ismail. — Com a velocidade
que estava desenvolvendo não pode estar a mais de cinqüenta metros.
— Sabe lá que velocidade Sherlock é capaz de desenvolver quando quer? —
perguntou Hawk, distraído. — Ui, Sherlock! Volte imediatamente!
Hawk gritou o mais alto que pôde. Ismail tapou os ouvidos, com o rosto desfigurado
de dor.
— Que diabo! Meus tímpanos... Interrompeu-se no meio da frase. Um uivo
horripilante atravessou as “paredes” do corredor, seguido de um estrondo ensurdecedor.
— É o grito de guerra de Sherlock! — exclamou Hawk. O oxtornense pegou a arma
energética superpesada que trazia presa ao cinto e destravou a mesma. Estendeu uma das
mãos. — Segure-se, coronel. Em algum lugar, lá na frente, Sherlock encontrou um
inimigo.
Hawk saiu correndo, arrastando Ismail, que respirava com dificuldade. Mal
conseguia mover as pernas com a rapidez necessária para acompanhar a corrida. Também
pegou a arma energética com a mão livre e disse, contrariado:
— O senhor não é nenhum cavalheiro, Hawk. Se fosse, teria apostado a caixa de
uísque comigo.
***
Lampejos atravessavam as telas amortecidas da galeria panorâmica. Inchavam
como esferas esverdeadas para desaparecer no mesmo instante. Se nos lugares em que
aparecia essa luminosidade houvera unidades da Frota Terrana, depois do
desaparecimento das concentrações de energia os rastreadores não indicavam nenhum
vestígio de matéria.
— Quero a relação das perdas! — pediu Rhodan, dirigindo-se a Tifflor pelo
intercomunicador.
A única coisa que Julian Tifflor teve de fazer foi ir à tela de controle de posições
embutida em seu console de comando. Uma das escalas cilíndricas colocadas na
extremidade superior do mesmo acabara de movimentar-se com um clique.
— Até agora houve noventa e oito perdas totais, senhor — respondeu em voz baixa.
Estremeceu levemente quando a escala voltou a movimentar-se. — Agora já são cento e
uma, senhor.
Rhodan cerrou os dentes. Não pertencia à classe das pessoas que não se abalavam
cora a morte de um subordinado. Tinha que dizer constantemente a si mesmo que o
confronto com os maahks era inevitável, já que cada parte sabia da existência da outra. O
máximo que poderia ter feito era adiar o mesmo, mas nesse caso as perdas provavelmente
seriam ainda mais elevadas. Nem se lembrou da possibilidade de que a Rasputim e as
outras unidades da Frota que operava no sistema de Gêmeos poderia ser envolvida a
qualquer momento pelo campo de condensação de um canhão conversor, o que
fatalmente acarretaria sua destruição.
Em compensação Melbar Kasom estava muito preocupado. Não era que o gigante
ertruso temesse pela própria vida. Temia, isto sim, pela vida de Perry Rhodan. Sem este o
Império Solar perderia a única personalidade capaz de conduzir a Humanidade numa
ação coerente em direção a Andrômeda. Era bem verdade que Reginald Bell, Julian
Tifflor, Allan D. Mercant, John Marshall e Atlan continuariam a política de Rhodan. Os
mesmos não eram menos inteligentes e capazes que ele, mas faltava-lhes a genialidade,
um fator que não pode ser medido ou expresso em números.
Kasom pigarreou.
— Acho que deveríamos abandonar Quinta e destruir a estação de ajustamento,
senhor. Desta forma não haveria mais nenhum objetivo que a fortaleza espacial pudesse
atacar.
Atlan virou-se abruptamente. Fitou o ertruso com uma expressão indignada.
— O senhor está louco, Kasom! Seria como se alguém dinamitasse sua casa para
evitar que um ladrão a invadisse.
Rhodan colocou a mão no ombro do arcônida.
— Não o condene, meu amigo. — Houve um tremor doloroso em torno de seus
lábios. — Ele apenas está se preocupando com nossa segurança. Naturalmente não
podemos aceitar sua sugestão, Kasom, pois estaríamos fazendo exatamente aquilo que
queremos evitar.
— Talvez não — rugiu Tolot. O halutense girou a cabeça semi-esférica e estendeu
os três olhos vermelhos em direção à tela do rastreador. — Talvez seja totalmente
indiferente que Quinta seja destruído ou não. Meu cérebro programador está fazendo a
previsão das conseqüências.
O intercomunicador zumbiu.
— Senhor! — informou Tifflor. — Sengu e Goratchim acabam de chegar ao
transmissor da Rasputim.
O rosto de Rhodan assumiu uma expressão de espanto.
— Sengu também? Pois ele deveria ter ficado a bordo da Crest II. Dê ordem para
que os dois mutantes sejam levados imediatamente à sala de comando, Tiff.
Dali a dez minutos a escotilha principal da sala de comando abriu-se. Goratchim foi
o primeiro a entrar. Fez continência.
— Oficial de patente especial Goratchim pronto para entrar em ação, senhor!
Rhodan sorriu para o mutante de duas cabeças.
— Venha cá, Goratchim. Nós o esperávamos ansiosamente. Venha também! —
disse, dirigindo-se a Wuriu Sengu. — Espero que tenha tido um bom motivo para não
cumprir as ordens que lhe tinham sido dadas.
Sengu baixou os olhos, mas logo fitou Rhodan.
— Peço desculpas, senhor. Sei que meus motivos não são válidos. Acontece que o
Coronel Ismail ben Rabbat, com o qual dirigi uma operação de comando em Drunda, está
em uma das naves que se encontram lá fora. Entrou em contato comigo pouco antes do
ataque. Depois disso o sistema automático de salvamento de sua nave transmitiu por três
vezes a mensagem “Mayday”, e não houve mais nada.
Rhodan levantou-se e olhou para o mutante, que estava muito abatido. Finalmente
colocou as mãos sobre seus ombros.
— O senhor infringiu as regras da disciplina, Sengu. Naturalmente isso não pode
deixar de lhe render uma repreensão, que pronuncio neste momento. — Rhodan sorriu.
— Desta forma o assunto está liquidado. Infelizmente às vezes me esqueço que somos
apenas seres humanos. Compreendo seus motivos, Sengu. Como é o nome da nave em
que estava ben Rabbat?
Rhodan virou a cabeça para Tifflor.
— É uma das perdas totais, senhor! — a voz de Tifflor soava oca de tão triste. — O
Coronel ben Rabbat foi um dos melhores comandantes que já tive.
— Sinto muito, Sengu — disse Rhodan em voz baixa.
Sengu jogou a cabeça para trás.
— Vingarei a morte de Ismail!
— Não! — Rhodan sacudiu a cabeça. Havia um tom de recriminação em sua voz.
— A vingança não tem lugar em nossos corações.
— Perdão, senhor. — Sengu esboçou um sorriso. — Também trago uma boa
notícia. Os bio-raios dos maahks não produzem danos irreversíveis no organismo das
pessoas atingidas. Dentro de quatro dias, no máximo, todos os tripulantes da Crest II
estarão perfeitamente em forma. A máquina de diagnóstico constatou que os raios
produziram uma rigidez semelhante ao estado de hibernação. O Dr. Sarinin pediu que lhe
desse um recado pessoal. Sua esposa está em perfeitas condições de saúde, salvo quanto
ao estado de inconsciência em que se encontra.
Perry Rhodan respirou aliviado.
— Muito obrigado, Sengu! — exclamou, aliviado.
— Tenho certeza de que esses médicos farão um serviço perfeito — disse a voz
potente de Goratchim. — Mas não devem exagerar.
Rhodan levantou as sobrancelhas, num gesto de indagação.
Os dois rostos do mutante abriram-se num largo sorriso.
— Um certo professor Finestre fez questão absoluta de que eu ficasse na clínica de
bordo, senhor. Perseguiu-me até o elevador. — Goratchim esfregou as nádegas. — Sem
dúvida a seringa da injeção que me aplicou estava cheia de um narcótico. Acontece que
ele não contava com minha pele grossa.
Icho Tolot riu baixinho.
— Os terranos são mesmo incorrigíveis. Acho que nunca perdem o senso de humor.
— Espero que não — respondeu Rhodan em voz baixa. — Tiff! Dê ordem para que
o grupo de naves que opera nas proximidades de Quinta faça saltar um comando de
robôs.
— Perfeitamente, senhor.
— Ora veja! — havia um tom irônico na voz de Atlan. — O bárbaro já percebeu o
que está em jogo.
— Isso mesmo! — respondeu Rhodan em tom frio. — Estou à procura de
voluntários para uma operação especial em Quinta, arcônida. Qual é sua opinião a este
respeito? Quer vir conosco?
Atlan empalideceu. Fitou Rhodan sem dizer uma palavra.
— Muito bem! — disse depois de algum tempo, sacudindo os ombros. — Vejo que
você faz questão de sentir na própria carne os métodos de luta dos maahks. Não posso
deixar de acompanhá-lo, senão você correrá para a desgraça como um recém-nascido que
não conhece nada da vida.
Melbar Kasom cerrou os punhos.
— Leve-me também, senhor; por favor! — implorou. — Quero pôr as mãos em
alguns metanitas.
Goratchim e Sengu também se ofereceram, mas Rhodan pediu que Sengu ficasse a
bordo da Rasputim. Icho Tolot não disse nada. Tirou sua arma energética e verificou a
carga.
— Senhor! — disse Tifflor. — Alguma coisa está acontecendo na fortaleza
espacial. Os rastreadores permanentes detectaram emissões de energia de grande
intensidade em seu interior.
Rhodan respirou profundamente.
— Está começando. O.k., Tiff! Prepare uma astronave.
5

O uivo das sereias terminou.


O Coronel Marcus Nolte afastou-se do telescópio, através do qual observara a
aproximação do grupo de couraçados, e dirigiu-se ao seu ajudante.
— Mande marcar os locais de desembarque, Major Chestrikow, para evitar que os
comandos de robôs não fiquem andando pelas linhas de tiro dos fortes defensivos.
O major fez continência.
— Perfeitamente, senhor! — saiu correndo em direção ao potente teletransmissor
do quartel-general e começou a falar apressadamente para dentro do microfone.
O Coronel Nolte examinou com o rosto tenso o mapa do planeta Quinta, que enchia
uma das paredes. Luzes azuis indicavam os lugares em que havia fortes espaciais
terranos. Pareciam uma irrupção cutânea que cobria o único continente do mundo
aquático, continente este que se estendia pela região norte em forma de chapéu. As luzes
azuis tornavam-se mais numerosas para o lado do pólo norte, aglomerando-se em torno
de uma lâmpada verde, situada exatamente sobre o pólo. Era onde ficava o calcanhar de
Aquiles do transmissor de Gêmeos: o centro de ajustamento.
O Coronel Nolte mordeu o lábio inferior. Não precisava do telescópio para ver a
fortaleza espacial que se aproximava. O campo defensivo, submetido a um bombardeio
ininterrupto, destacava o objeto, dando-lhe o aspecto de um terceiro sol que estivesse
prestes a precipitar-se sobre o planeta.
O Major Chestrikow voltou.
— Ordem cumprida, senhor! Depois de algum tempo acrescentou: — Não
deveríamos dar ordens para que os fortes de combate a grande distância abrissem fogo?
A cicatriz larga que atravessava o rosto de Nolte de lado a lado ficou vermelha.
— O que espera conseguir com isso, major? Nossos fortes não serão capazes de
fazer aquilo que cinco mil belonaves não conseguiram. Além disso não acredito que a
Fortaleza pretenda pousar no planeta.
Os foguetes luminosos disparados mergulharam seu rosto numa fantasmagórica luz
pálida e trêmula. Rhodan voltou a olhar para as telas. Três das paredes do quartel-general
estavam cobertas pelas mesmas. Elas mostravam a estrutura abobadada relativamente
pequena do centro de ajustamento e as construções arredondadas dos fortes espaciais,
cobertos por campos defensivos brilhantes. Nuvens de fumaça escura pareciam descer
entre as abóbadas. Mas era apenas uma impressão. Aquilo que de longe parecia uma série
de nuvens de fumaça na verdade eram milhares de robôs de combate terranos, que os
raios de tração colocavam exata e seguramente nos respectivos corredores de
desembarque. Assim que tocaram o solo de Quinta, espalharam-se em todas as direções,
ocupando suas posições defensivas como se fossem um formigueiro.
— A gente poderia ser levada a acreditar que qualquer maahks que conseguisse
chegar vivo a Quinta não encontraria um único lugar livre — disse Nolte.
— Tenho certeza de que qualquer ser que tente pousar em Quinta será transformado
numa nuvem de pó antes de chegar ao planeta — disse o Major Chestrikow.
A boca de Nolte contorceu-se numa risada silenciosa. Por causa da cicatriz que
trazia no rosto, esta transformou-se numa careta.
— Peço-lhes que acreditem num homem que sempre foi enviado aos lugares em que
o ar que se respirava continha ferro. Não existe nenhum sistema de defesa cem por cento
seguro. Eu lhes garanto que dentro de trinta minutos isto aqui será transformado num
inferno.
Pôs a mão no bolso, tirou um rolo de fumo e arrancou um pedaço enorme com os
dentes.
Chestrikow olhou para o lado, enojado.
O Coronel Nolte inclinou-se para o lado e, fazendo uma pontaria segura, cuspiu um
jato fino de suco de tabaco na escarradeira que sempre ficava perto dele. Mastigando
fortemente, apontou para a grande tela de projeção do rastreador.
— Olhe! Que me diz, major?
O Major Chestrikow esforçou-se para não olhar para o superior. Estava combatendo
o enjôo. Amaldiçoou no seu íntimo o dia em que fora escolhido como ordenança de um
tipo grosseiro, entregue ao feio vício de mastigar tabaco.
Mas assim que lançou um olhar para a tela do rastreador, o enjôo desapareceu como
que por encanto.
Um enxame escuro de espaçonaves em forma de lápis saiu do gigantesco cubo da
roda que formava a Fortaleza. Voando em formação cerrada, o enxame rompeu como
uma ameaçadora nuvem escura o fogo de barragem lançado pelas naves terranas em
torno dos campos defensivos da Fortaleza. Descreveu uma curva rapidíssima. Finalmente
desmanchou-se e, acelerando fortemente, prosseguiu em direção ao planeta Quinta.
O Coronel Nolte já se encontrava perto do telecomunicador.
— Quero a interpretação! — pediu com a voz áspera e metálica.
— São exatamente cem espaçonaves, senhor — respondeu a voz de um oficial que
vibrava numa agitação contida. — As naves têm mil metros de comprimento e cem de
diâmetro.
O Coronel Nolte deu outra cuspidela. Acertou na escarradeira com a segurança de
um sonâmbulo.
O Major Chestrikow sentiu um enjôo.
— Chamando todos os fortes! — disse o Coronel Nolte com a voz gelada. — Fogo
de barragem! Atenção, tropas de superfície. Qualquer espaçonave que pousar no planeta
será isolada imediatamente. Entrar em combate com as tripulações e tropas de
desembarque.
Virou a cabeça e observou por alguns segundos o major, que estava encostado à
parede, muito pálido.
— Major Chestrikow, verifique a carga de sua arma. Sairemos num carro voador
para dar uma olhada por aí. Acho que um pouco de ar puro lhe fará muito bem.
— Sádico! — cochichou Chestrikow tão baixo que ninguém pôde ouvi-lo.
Saiu correndo para cumprir a ordem.
Nolte seguiu o major com os olhos. Um sorriso malicioso atravessou seu rosto.
Inclinou-se sobre o desintegrador de lixo e cuspiu o tabaco.
No mesmo instante os foguetes defensivos que se precipitavam em direção ao céu
iluminaram a paisagem de pedra, areia e aço. Os microfones transmitiram um ruído
apocalíptico para o interior da sala de comando do quartel-general.
— Que Deus proteja nossas almas! — disse o Coronel Nolte.
***
Rhodan recebeu a notícia de que cem espaçonaves negras em forma de lápis tinham
saído da fortaleza no momento em que estava sentado na sala de controle principal da
astronave R-3.
— Isso podia ser previsto — disse em tom indiferente.
Examinou o rosto contrariado do Major Laroche. O marechal solar designara o
ajudante de Tifflor para pilotar a R-3. Mais precisamente, Tifflor escolhera Laroche entre
as pessoas que se haviam apresentado para participar como voluntários da missão
especial que seria executada em Quinta. Isso deixou Rhodan ainda mais admirado com o
rosto sombrio de Laroche.
— Existe alguma coisa de que o senhor não esteja gostando, major? — perguntou.
Laroche estremeceu como um menino surpreendido numa travessura. Ficou
vermelho no rosto estreito.
— Desculpe, senhor! Estou gostando muito. Até me sinto satisfeito por ter me
livrado do Coronel Trontor. A voz desse epsalense sempre me deixa nervoso. É culpado
de eu estar com dor de dentes.
— Dor de dentes...! — Melbar Kasom, que ouvira as últimas palavras do major,
soltou uma estrondosa gargalhada. Bateu na própria boca ao ver que o rosto de Laroche
voltara a ficar desfigurado. — Queira desculpar, major — cochichou. O cochicho soava
bem mais forte que a voz de um homem “normal”. — Será que não há nenhum dentista a
bordo da Rasputim?
— Há meia dúzia — resmungou Laroche. — Mas só percebi que tinha perdido a
obturação quando o Coronel Trontor estava cantando tão alto. Aí não havia mais tempo
para procurar um dentista.
— O que vale é que o senhor consegue pilotar uma astronave com um buraco no
dente — ironizou Atlan.
— É claro que não posso — respondeu Laroche em tom sarcástico. — Costumo
fazer isso com a cabeça e as mãos.
— Bem feito! — disse Rhodan com um sorriso, dirigindo-se a Atlan. — Nunca
irrite uma pessoa que está com dor de dente.
Icho Tolot berrou de tão alegre que se sentiu. O rosto de Laroche tremeu. Rhodan
pigarreou.
— A tripulação está completa, Major Laroche?
— Sim senhor — respondeu Laroche. — A nave está em condições de decolar.
— Obrigado. Vamos decolar. Faça o pouso nas proximidades do quartel-general de
Quinta, major.
Atlan disse em meio ao rugido dos jatos-propulsores que começavam a entrar em
funcionamento:
— Se é que conseguiremos chegar lá, bárbaro...!
***
Ismail ben Rabbat e Ornar Hawk pararam, ofuscados. Uma língua de fogo
atravessou o corredor, cerca de vinte metros à sua frente. Logo em seguida foram
atingidos pelo estrondo do ar comprimido.
Ismail sentiu uma mão robusta que o comprimiu contra o chão.
— Fique deitado! — gritou Hawk.
O ruído dos passos mostrou que o oxtornense ia se afastando.
Ismail levantou cuidadosamente a cabeça. Nem pensou em seguir o conselho de
Hawk. Houve mais uma descarga que o deixou ofuscado, mas assim mesmo levantou do
chão. Caminhou com o corpo encurvado em direção ao teatro da luta.
Ouviu-se o estrondo de uma explosão. Ismail sentiu-se levantado. Caiu
pesadamente ao chão.
Ao chão...?
Ismail teve de fazer um grande esforço para não soltar um grito de pavor quando,
depois de se recuperar do estado de atordoamento, constatou que a gravitação artificial o
mantinha preso ao teto do corredor recurvado.
Mas não demorou a descobrir as vantagens da estranha situação em que se
encontrava.
Distinguiu a figura larga de Hawk em meio às nuvens de vapores verdes levantadas
pela explosão. O oxtornense estava ajoelhado ao lado de uma massa de metal derretido e
fazia pontaria com sua arma superpesada para um inimigo que para Ismail ainda era
invisível. Mas Hawk não chegou a disparar. Outra língua de fogo apareceu no corredor.
Ismail, que desta vez tinha colocado os óculos escuros que trazia consigo, viu um robô
em forma de aranha à luz da explosão. O fato de que se tratava de um robô só pôde ser
constatado porque a figura de aranha se fundiu, transformando-se num monte de metal
incandescente. Uma fração de segundo depois da descarga o robô tinha o mesmo aspecto
do pedaço de metal atrás do qual Hawk se abrigara.
De repente Ismail viu o okrill.
A criatura parecida com um sapo vinda do planeta Oxtorne estava deitada rente ao
chão, entre dois blocos metálicos ainda fervilhantes que, segundo parecia, pouco antes
ainda tinham sido robôs inimigos. Até parecia que um veículo tinha passado por cima do
animal, deixando-o achatado.
Mas era apenas uma impressão.
Dali a um instante o okrill deu um salto enorme para a frente, depois de contrair-se
num feixe oval de músculos. A língua fina saiu numa extensão de pelo menos cinco
metros da boca larga. Era fina feito um chicote e cintilante como um raio energético. Sua
ponta tocou mais um robô em forma de aranha. E mais uma vez o monstro metálico
derreteu-se sob o efeito de uma terrível descarga.
Ismail teve um calafrio ao lembrar-se de que Sherlock lhe arrancara a arma da mão
com um choque elétrico bem dosado. Como era possível que este animal conseguisse
fazer uma dosagem tão precisa de sua energia mortífera?
Outro robô-aranha apareceu.
Desta vez Ismail deu-se conta do motivo por que tinha a impressão de já conhecer
esses robôs. Lembrou-se de repente de já ter visto máquinas iguais a estas. Não os vira
em ação, mas nos filmes informativos que o Marechal Solar Tifflor havia entregue a
todos os comandantes da Frota que operava em Gêmeos.
Os robôs-aranha eram os guardiões da estação de ajustamento de Quinta.
***
A batalha espacial bramia na tela frontal da R-3.
Perry Rhodan, Atlan, Ivã Goratchim, Melbar Kasom e Icho Tolot observaram um
tanto constrangidos as campânulas de foguetes defensivos que cobria o hemisfério norte
de Quinta como se fosse um chapéu de fogo. As reservas energéticas de que dispunham
os fortes planetários eram praticamente inesgotáveis, até mesmo diante dos
supercouraçados mais poderosos. Sempre que havia uma fresta no fogo de barragem, por
menor que fosse, ofuscantes raios energéticos eram despejados do planeta.
As naves-lápis da Fortaleza foram penetrando uma após a outra neste inferno. Ao
que parecia, seus pilotos não sabiam o que era medo.
Rhodan não pôde deixar de admirar a coragem dos maahks, mas ao mesmo tempo
aguardava ansioso as notícias de Tifflor.
O marechal solar anunciou que as cem naves-lápis tinham rompido o fogo de
barragem planetário, sem que tivessem sofrido avarias visíveis. Atlan deu uma risada
estridente.
Rhodan arrancou o microfone da mão do rádio-operador da R-3.
— Rhodan chamando Tifflor. Use a terça parte da Frota para enviar reforços a
Quinta e isolar as naves-lápis de sua nave-mãe.
— Você é um idiota! — chiou Atlan. — Será que ainda não compreendeu que não
poderá enfrentar os maahks com armas nucleares convencionais?
O rosto de Rhodan assumiu uma expressão sombria. Transformou-se numa máscara
impenetrável. Respondeu com uma ironia causticante, mas sem demonstrar qualquer
nervosismo.
— Se na época de seu apogeu todos os arcônidas tivessem pensado como você, o
Grande Império teria desaparecido 10.000 anos mais cedo.
Atlan ergueu-se abruptamente. A veia da testa que costumava aparecer toda vez que
tinha raiva inchou ameaçadoramente. Por um instante teve-se a impressão de que iria
precipitar-se sobre Rhodan. Mas logo voltou a acomodar-se na poltrona. Não havia
nenhuma cor em seu rosto. O suor porejou em sua testa. Atlan tinha recuperado o
autocontrole. Colocou cuidadosamente a mão no braço de Rhodan.
— Você me deixa envergonhado, bárbaro. — Até conseguiu esboçar um sorriso
forçado. — Infelizmente você se esquece de um detalhe. Na época lutávamos contra
naves que na melhor das hipóteses valiam tanto quanto as nossas. Hoje defrontamo-nos
com uma monstruosidade de uma fortaleza espacial, que reduz a nada os superlativos a
que estávamos acostumados. Só os deuses de Árcon sabem como os maahks conseguiram
esta Fortaleza. Acontece que a mesma é uma realidade que não podemos deixar de
considerar.
— Pois eu considero esta realidade, meu caro. — Pelo modo de falar, podia-se ter a
impressão de que Rhodan estava distraído. Só quem o conhecesse muito bem sabia que
sua inteligência penetrante, que não se deixava corromper pelos sentimentos, pesava
todas as alternativas. — Os maahks cometeram um erro. Revelaram suas intenções antes
da hora. O fato de terem descido em Quinta em vez de destruir o centro de ajustamento
prova que não estão interessados em promover destruições. Mandaremos processar este
dado. Enquanto isso podemos enfrentar as tropas de desembarque dos maahks de igual
para igual — na superfície do planeta.
— Major Laroche! Mande irradiar ininterruptamente o sinal de identificação para os
fortes defensivos e faça a R-3 avançar em linha reta para Quinta.
Atlan bateu com a mão aberta na braçadeira da poltrona.
— Já compreendi! Você acha que a destruição do centro de ajustamento não
alteraria em nada a ligação de transmissor já fixada entre Gêmeos e o transmissor
hexagonal, não é mesmo...?
— Até que enfim! — disse Rhodan com um suspiro de alívio.
— Pode dizer que custo a compreender as coisas — resmungou Atlan. — Como já
aconteceu tantas vezes, esqueci que você é uma raposa muito esperta, Perry. Você
concorda em que eu mande fazer o processamento positrônico de sua hipótese...?
Rhodan limitou-se a acenar com a cabeça. Parecia cada vez mais interessado nos
acontecimentos que se desenrolavam na área da fortaleza espacial e do planeta Quinta.
Naquele momento as últimas naves-lápis estavam desaparecendo atrás da barragem dos
fortes planetários. No mesmo instante grande parte da frota terrana deu início a uma
manobra de envolvimento, que colocaria mais de mil e quinhentas belonaves entre Quinta
e a Fortaleza.
Icho Tolot estava agachado no chão. Qualquer poltrona anatômica comum teria
desabado sob o peso do gigante, e não havia nenhuma poltrona especialmente feita para o
halutense a bordo da R-3. Assim mesmo sua cabeça estava na mesma altura da de
Rhodan. Parecia ter concluído suas reflexões.
— Senhor...!
Rhodan virou a cabeça.
— O senhor acredita mesmo que a Fortaleza permitirá que sua frota de
desembarque seja cercada?
O rosto de Rhodan assumiu uma expressão sombria.
— Precisamos pelo menos tentar. O senhor não acredita muito nisso, não é mesmo?
Icho Tolot não teve oportunidade de responder.
De repente os terríveis lampejos energéticos, que indicavam que um tiro disparado
pelos canhões conversores dos maahks tinha atingido o alvo, surgiram nas pontas da
tenaz formada pelas naves terranas, desenvolvendo uma fúria terrível. As belonaves que
seguiam na ponta desapareceram numa questão de segundos. Simplesmente tinham
deixado de existir.
E não foi só isso.
Pela primeira vez desde o momento em que aparecera no sistema de Gêmeos a
fortaleza espacial executou um movimento de ataque em direção às unidades da frota
terrana. Interrompeu seu vôo num tempo incrivelmente curto, mudou de rumo e
deslocou-se em alta velocidade um milhão de quilômetros na direção da Frota. E além
dos canhões de conversão passou a usar canhões energéticos de grosso calibre.
— Finalmente conseguimos pisar nos seus calos! — exclamou Melbar Kasom em
tom de triunfo.
Rhodan lançou um olhar recriminador para o ertruso.
— O senhor não deixa de ter razão, Kasom. Mas não se esqueça de que a
informação que acabamos de obter custou a vida de dezenas de milhares dos nossos
homens.
— Isso foi inevitável, senhor — respondeu o ertruso, embaraçado.
— Inevitável...! — havia um tom amargo na voz de Rhodan. — Quem pode dar-se
ao desplante de emitir uma opinião sobre o que é inevitável e o que não é? Bem que
gostaria de não precisar pensar mais, Kasom!
— Esta é a maldição que pesa sobre os imortais, bárbaro! — disse Atlan com a voz
arrastada. De repente sacudiu violentamente o ombro de Rhodan. — Você não tem o
direito de falar assim, Perry! Uma pessoa que carrega as suas responsabilidades não pode
fugir ao inevitável!
— Está bem, Atlan — respondeu Rhodan com uma voz estranhamente suave.
Atlan fez um gesto de pouco caso.
— Dê ordem para que este major maluco mude logo o curso da R-3. Será que você
acredita que conseguiremos atravessar o fogo de barragem da Fortaleza?
Laroche virou-se tão abruptamente que até parecia que tinha sido picado por uma
aranha venenosa.
— Senhor! — exclamou com o rosto desfigurado. — Peço permissão para manter a
rota que nos levará a Quinta. Tenho a impressão de ter descoberto uma fresta no fogo de
barragem.
— Ele acredita nisso...! — gritou Atlan em tom de deboche.
Rhodan olhou para o Major Laroche e acenou com a cabeça. Seu rosto voltara a
transformar-se numa máscara.
— O senhor não precisaria ter pedido coisa alguma, major. A ordem que lhe dei
continua em vigor.
Atlan estremeceu e virou o rosto para outro lado. Alguma força sugestiva parecia
atrair seu olhar para a tela frontal da astronave.
A nave minúscula precipitava-se em alta velocidade para um verdadeiro inferno
atômico...
***
O robô-aranha parecia ter aprendido com os erros cometidos pelos indivíduos de
sua espécie.
Não lançou um ataque frontal; deslocando-se sobre as pernas finíssimas, subiu pela
parede como um relâmpago.
Ismail viu Hawk levantar a mão que segurava a arma — e baixá-la de novo.
Compreendeu imediatamente por que o oxtornense não estava atirando. O robô ficou
parado por alguns segundos bem em cima do okrill. Pouco importava de que forma fosse
destruído; se isso acontecesse os fragmentos fatalmente atingiriam Sherlock.
O assobio de Hawk ressoou dolorosamente nos ouvidos de Ismail. A reação do
okrill foi imediata. Deu um salto, retirando-se do lugar em que estivera abrigado. Mas o
robô seguiu-o. Hawk não pôde atirar.
Ismail ouviu o oxtornense praguejar. Sorriu. Mas de repente seu rosto transformou-
se numa máscara.
A ação do robô fora apenas um golpe estratégico destinado a desviar a atenção do
inimigo.
Ismail foi o primeiro a reconhecer o perigo.
Um monstro gigantesco veio rastejando pela escuridão do corredor retorcido.
Parecia uma rolha que estivesse sendo enfiada numa garrafa. A gigantesca rolha levaria
apenas alguns segundos para atingir Hawk e seu okrill. Os mesmos seriam esmagados.
Ismail atirou.
O raio energético ofuscante de sua arma portátil parecia cantar enquanto penetrava
na parede frontal da estranha rolha. Ismail usou a mão esquerda para dar maior
concentração ao feixe energético. O canto tornou-se mais agudo. De repente toda a
parede frontal onde estava a figura medonha tornou-se incandescente — e arrebentou
com um estrondo surdo.
Ismail sentiu-se arrastado por uma torrente de ar aquecido.
Perdeu os sentidos.
Quando acordou, teve a impressão de estar sendo transportado por uma área
acidentada num antiquado veículo de rodas. Resmungou zangado. No mesmo instante foi
colocado sobre os pés.
Espantou-se ao ver o rosto de Hawk, que estava enegrecido pela fumaça.
— Já estamos bem acordados? — perguntou Hawk.
— Acredito que sim — respondeu Ismail, atordoado. — O que houve?
Hawk encostou uma garrafa aos seus lábios.
— Beba, coronel. Isto aumentará sua receptividade para o que tenho a lhe dizer.
Ismail engoliu e deixou cair o queixo.
— Droga! De novo este horrível uísque oxtornense! — pôs a mão na garganta. —
Que coisa nojenta!
Hawk deu uma risada.
— Mas serviu para acordá-lo de vez, não serviu?
— Hum! — resmungou Ismail. — Mas ainda não sei o que aconteceu. Onde está o
monstro no qual atirei?
O rosto de Hawk assumiu uma expressão séria.
— Explodiu. Muito obrigado. Se não fosse o senhor, teríamos sido esmagados pela
máquina de limpeza.
— Máquina de limpeza...?
Hawk acenou com a cabeça.
— Tenho certeza de que foi uma. Nenhum dos robôs estava armado. Parece que
estamos no interior de uma máquina. Diante disso somos levados a concluir que algum
tipo de sensor mecânico detectou a presença de impurezas. Alguns robôs-zeladores foram
encarregados da limpeza. Quer dizer que fomos subestimados. Estou interessado em
saber qual será a próxima reação da máquina.
— Receio que descubramos mais cedo do que gostaríamos — respondeu Ismail. —
A propósito, o senhor reconheceu os robôs-aranha, Hawk?
O oxtornense sacudiu a cabeça.
— Pois segure-se. Os robôs que vimos eram guardiões do centro de ajustamento de
Quinta...!
Hawk fitou-o com uma expressão de dúvida.
— De Quinta...? Será que o senhor poderia fazer o favor de explicar como
poderíamos ter parado em Quinta?
Ismail não sabia.
— Como não estamos a bordo da Rasputim, temos de estar em outro lugar, Hawk. E
a hipótese de estarmos em Quinta é tão maluca como a de nos encontrarmos, por
exemplo, no interior da fortaleza espacial.
Hawk aspirou ruidosamente o ar.
— Se não me engano, a Fortaleza se aproximava de Quinta. Acho que deveríamos
dar um jeito de sair quanto antes para o ar livre. Quem sabe o que está acontecendo por
lá?
Um rugido surdo que repentinamente atravessou o corredor parecia confirmar estas
palavras. O chão tremia.
6

Pela forma que o Major Laroche estava pilotando a R-3, podia-se ser levado a
acreditar que a astronave auxiliar da Rasputim com seus sessenta metros de diâmetro era
um caça espacial.
Até mesmo Rhodan vez ou outra levantava os olhos, espantado, quando os
neutralizadores de pressão davam o alarme. De vez em quando uma parte muito pequena
da pressão não era absorvida pelos neutralizadores, o que bastava para provocar um
rangido perigoso no casco da astronave.
— Ele ainda me obrigará a devolver o almoço que ingeri! — resmungou Melbar
Kasom, contrariado. — O comando de uma nave nunca deveria ser entregue a uma
pessoa que está com dor de dentes.
Ninguém reagiu à observação do ertruso.
Todos sabiam que só por milagre conseguiriam atravessar o fogo de barragem da
fortaleza espacial. As naves que tinham tentado fazê-lo haviam sido destruídas. Era bem
verdade que Rhodan esperava que a astronave, sendo muito pequena, não atrairia o fogo
concentrado da Fortaleza.
Laroche conseguiu.
A R-3 desenvolvia uma velocidade alucinante ao penetrar na atmosfera de Quinta.
Se não fossem os campos defensivos, certamente teria sido vaporizada como um pingo de
água numa chapa quente.
O Major Laroche ficou rouco de tanto gritar para solicitar as coordenadas do local
de pouso. Seu navegador sentiu-se desesperado. Não distinguia quase nada, além de
explosões, nuvens de fumaça e crateras.
Finalmente pousaram entre os escombros de um forte e uma cratera que tinha quase
cem metros de largura.
No mesmo instante os campos defensivos da astronave iluminaram-se. Tinham sido
atingidos por um cerrado bombardeio energético.
— Blindados voadores inimigos! — informou o Major Laroche. — Quer que os
ataque, senhor?
— Um momento — respondeu Rhodan.
Inclinou-se para a frente e tentou enxergar o inimigo. Um monstro com uma
corcova movimentava-se na paisagem semeada de destruição. O monstro emitiu um
lampejo. No mesmo instante o campo defensivo produziu um fogo de artifício. Rhodan
descobriu mais dois veículos do mesmo tipo. Deu ordem de abrir fogo.
— Que loucura! — comentou Kasom assim que o bombardeio cessou. — Eles
deveriam ter sabido que contra a R-3 não tinham nenhuma chance.
— O senhor ainda não conhece os maahks — respondeu Atlan.
— Eles também não nos conhecem. — Rhodan fechou o uniforme de campanha e
examinou o rádio-capacete. — Sairemos em carros voadores. Cada um de nós... — olhou
fixamente para Atlan, Kasom, Tolot e Goratchim — pegará um carro diferente.
Manteremos contato ininterrupto pelo telecomunicador.
Dali a dez minutos os carros voadores, verdadeiros blindados capazes de voar,
equipados com esteiras, estavam flutuando em cima da rampa da astronave.
Perry Rhodan fixou a direção e o objetivo, que era a construção abobadada do
centro de ajustamento.
O próprio Rhodan estava sentado à frente dos comandos de tiro do primeiro carro
voador. Por enquanto não tinha o que fazer. Só de vez em quando surgiam alguns
blindados voadores dos maahks. Mas os mesmos estavam queimados por dentro. Até
parecia que as tropas que guarneciam a base estavam em condições de enfrentar sozinhas
os atacantes.
Mas a situação logo se modificou.
Rhodan viu os restos de seis carros voadores terranos em meio a grandes línguas de
fogo. De vez em quando uma bateria explodia com um estrondo seco. Ura único blindado
voador dos maahks, fumegante e parado em posição oblíqua numa elevação rochosa,
parecia um marco de advertência.
— Alto! — ordenou Rhodan pelo telecomunicador.
Seu veículo parou em meio a uma nuvem de poeira.
— Que houve, bárbaro? — perguntou a voz irônica de Atlan, saída do receptor de
seu rádio-capacete. — O quadro o deixou abalado? Eu lhe disse que os maahks são bons
combatentes.
— Espalhem-se! — ordenou Rhodan. — Vamos contornar as duas colunas. Estão
flanqueando a depressão. Suponho — disse, dirigindo-se a Atlan — que você também
tenha notado que os carros voadores queimados se encontram numa depressão.
— Entraram numa armadilha — respondeu Atlan.
— Por pouco não nos aconteceu a mesma coisa.
Rhodan encostou os dedos aos botões de acionamento dos canhões e mandou que o
piloto de seu carro voador subisse a quarenta metros de altura.
Os outros carros voadores — eram vinte ao todo — espalharam-se para os lados e
deram início a um movimento de pinça.
Quando o veículo de Rhodan quase tinha atingido a altura indicada pelo mesmo,
Atlan voltou a chamar.
— Não suba mais que isso, Perry! Acho que já conheço a tática dos maahks.
Enterram seus blindados voadores e...
O resto das palavras do arcônida foi abafado pelo rugido das armas energéticas.
Rhodan notara um movimento vago no topo da colina que ficava à sua direita e
comprimira os botões de comando dos canhões. Um blindado voador dos maahks
explodiu, fazendo balançar o veículo de Rhodan. Este viu que os outros carros voadores
também estavam subindo e iam abrindo fogo contra os blindados dos maahks, que saíam
de seus excelentes abrigos. Alguns foram destruídos imediatamente, mas os outros
respondiam ao fogo com uma fúria surpreendente.
O carro voador de Rhodan foi atingido e girou uma vez em torno do próprio eixo,
mas o campo defensivo agüentou o impacto. O piloto voltou a estabilizar o veículo e os
cabelos de Rhodan se arrepiaram diante do quadro que viu à sua frente. As colinas
pareciam ter-se transformado em seres vivos. A areia e as pedras começaram a
movimentar-se em toda parte. Pelo menos trinta blindados voadores dos maahks se
deslocaram e abriram fogo com suas armas energéticas.
O piloto do carro voador de Rhodan demonstrou uma capacidade que quase
chegava a ser artística. Parecia que estava dirigindo um veículo esportivo muito versátil.
Quase sempre conseguia desviar-se dos disparos energéticos dos maahks, que produziam
um efeito ionizante na atmosfera. Ao mesmo tempo suas manobras ofereciam inúmeras
oportunidades para que Rhodan abrisse fogo com as armas rigidamente montadas na
estrutura do veículo.
Os terranos queriam alcançar uma vitória rápida. Mas nenhum dos blindados
voadores dos maahks fugiu. Os metanitas atiravam até que seu veículo fosse colocado
fora de ação, e os sobreviventes continuavam combatendo a pé.
Rhodan foi informado de que quatro dos seus carros voadores tinham sido postos
fora de ação e que havia nove veículos avariados. Rhodan mandou que Ivã Goratchim
entrasse em ação.
Parecia que o mutante de duas cabeças só estava à espera de que isso acontecesse.
Dali em diante passou a explodir um blindado inimigo por segundo, com a precisão
de um relógio.
Isso durante dezoito segundos...
O carro voador que levava Goratchim sofreu um impacto direto e caiu.
Rhodan deu ordem para que seu piloto saísse em auxílio de Goratchim. O sargento
fez o veículo baixar em queda livre e o levou em ziguezague em direção ao carro voador
de Goratchim, do qual estavam saindo duas figuras.
Rhodan achava que a cautela de seu piloto era exagerada e esteve a ponto de fazer
uma observação nesse sentido.
Nesse instante seu carro voador foi atingido por três raios energéticos ao mesmo
tempo.
Rhodan sentiu uma claridade ofuscante — e a seguir uma escuridão infinita...
***
Estalos e estrondos, uma claridade insuportável e um vento escaldante.
Rhodan abriu os olhos e viu os dois rostos sujos e suados de Goratchim.
— Graças a Deus, senhor! — uma tosse áspera sacudiu Goratchim. — As coisas
ficaram feias. Até cheguei a pensar... — Interrompeu-se. Parecia embaraçado.
Rhodan levantou.
— Onde está meu piloto?
— Está morto, senhor!
Uma bola de fogo foi crescendo bem perto. O hálito incandescente atirou os dois
homens tão desiguais ao chão. Fragmentos incandescentes bateram na rocha bem perto
deles.
— Alô, Perry! — disse uma voz saída do rádio-capacete de Rhodan.— Responda,
Perry!
— Alô, Atlan! — Rhodan tentou atravessar o inferno com os olhos. Não conseguiu.
— Estou bem. Goratchim está aqui. Será que você poderia pegá-lo, para que possa entrar
novamente em ação? Daqui não se vê quase nada...
— Pegá-lo...! — Atlan deu uma risada amargurada. — Com quê? Não nos resta um
único carro voador intacto. Mas parece que os maahks também perderam seus veículos.
Ainda bem. De vez em quando surge um destes monstros a pé. Cuidado, Perry! Você
poderia descrever o lugar em que está? Tentaremos chegar aí.
Olhou em torno. Estava a sós com Goratchim, num deserto cheio de crateras. Havia
fragmentos incandescentes em toda parte, mas Rhodan seria incapaz de dizer onde ficava
a depressão em cujo interior se encontrava.
— Por aqui não há nenhum ponto de referência conhecido, Atlan. Diga onde estão
vocês. Iremos para aí.
— Já está resolvido, Perry! — a voz de Atlan parecia aliviada. — Tolot descobriu
vocês. Irá buscá-los. Kasom também está aqui, além de dois sargentos que pela primeira
vez participam de um combate. Os rapazes estão com as calças cheias.
Rhodan quis responder alguma coisa, quando se sentiu puxado para o chão.
— Estão chegando! — cochichou Goratchim ao seu ouvido.
Rhodan pegou sua arma energética e olhou para os lados. Não se ouvia mais o ruído
das explosões. O único ruído era o crepitar constante dos incêndios. Nuvens de fumaça
escureciam o céu.
Ouviu-se o rangido das pedras que se movimentavam, vindo não se sabia de onde.
De repente uma figura grotesca destacou-se contra a chama.
Era robusta, com mais de dois metros de altura. Tinha ombros muito largos, pernas
de tronco curtas e os braços chegavam até os joelhos. A estranha criatura ficou parada ao
lado de uma peça incandescente, olhando por cima de Rhodan e Goratchim.
Rhodan prendeu a respiração.
O maahk — não havia dúvida de que era um — parecia não ter cabeça. No lugar
dela, uma longa protuberância em forma de meia-lua estendia-se de um ombro para
outro. O capacete pressurizado flexível cobria essa “cabeça”. Estava fechado, pois os
maahks, que respiravam metano, não podiam viver na atmosfera de oxigênio que cobria o
planeta Quinta.
Uma segunda figura juntou-se à primeira, depois mais uma. Parecia que estavam
conversando, pois seus longos braços faziam movimentos tentaculares.
Perry Rhodan lamentou não ter uma arma de choque. Seria incapaz de matar os três
maahks à traição.
Mas os acontecimentos que se seguiram livraram-no do peso da decisão.
De repente os maahks atiraram-se no chão. No mesmo instante suas armas
energéticas espalharam a destruição. Um rugido ensurdecedor e um estrondo terrível
encheram o ar. Uma luminosidade azul surgiu no lugar em que os tiros energéticos
abriam crateras no solo, e o ar tinha gosto de ozônio.
Uma figura gigantesca apareceu subitamente em meio ao furacão de fogo lançado
pelos maahks. Os tiros energéticos ricochetearam em seu corpo, sem produzir o menor
efeito. De repente atingiu os maahks e agitou furiosamente os braços entre os mesmos.
— É Tolot! — cochichou Goratchim com a voz apagada.
Rhodan não conseguiu tirar os olhos do terrível quadro. Contra o halutense os
maahks não tinham a menor chance, mas defenderam-se enquanto havia vida em seus
corpos.
Dali a alguns segundos Icho Tolot aproximou-se, pisando fortemente.
— Estes maahks são tipos muito duros, senhor — disse com a voz trovejante. —
Quase chego a admirar esses caras. Têm muita coragem.
— Bem que eu gostaria de tê-los como aliados, Tolot — respondeu Rhodan em tom
pensativo.
— Se você faz questão de dizer isso, desligue o rádio-transmissor de capacete,
bárbaro! — disse a voz de Atlan saída do rádio-capacete de Rhodan.
Rhodan prestou atenção ao tom da voz.
Notou a falta do ódio que costumava vibrar na mesma toda vez que se mencionava
os maahks.
Rhodan olhou para os cadáveres dos três maahks.
— Sinto muito — disse em voz baixa, para que ninguém pudesse ouvi-lo. — Se um
dia a paz reinar entre nossas raças, estes seres não terão morrido em vão.
Piscou para a claridade avermelhada.
— Faça o favor de levar-nos para junto dos outros, Tolot!
***
Até parecia que os robôs-faxineiros tinham sido a última coisa apavorante que
Ornar Hawk e Ismail ben Rabbat iriam ver no interior da misteriosa máquina.
O okrill usou seu dom especial para localizar uma porta que não teria sido notada
pelos dois humanos. Era a porta pela qual tinham vindo os robôs-aranha. Como não
conseguiram localizar o mecanismo que abria a porta, Hawk abriu a tiro um buraco na
mesma, cujo tamanho era apenas suficiente para permitir a passagem de um homem
abaixado.
O okrill foi o primeiro a passar pelo buraco.
Os homens ouviram seu espirro de satisfação.
— Vamos andando! — disse Hawk num tom que quase chegava a ser alegre. — Se
Sherlock está espirrando, é porque se sente bem. Lá dentro não existe nada que possa
tornar-se perigoso para nós.
Ismail teve uma opinião diferente quando Hawk, que mal acabara de passar pelo
buraco, soltou um grito abafado. Seguiu-o apressadamente, com a arma energética
destravada — e foi surpreendido, tal qual Hawk.
A força de um campo de força artificial puxou-o para cima.
— Como estão as coisas por aí? — perguntou pelo rádio-capacete.
— Tudo bem. Esta nós não esperávamos, não é mesmo?
— Quase cheguei a prever que isso acontecesse — respondeu Ismail em tom
indolente. — Se não estou muito enganado, encontramo-nos num elevador que leva ao
centro de comando do estranho mecanismo em cujo interior estamos. Vamos apostar,
Hawk?
— Pois eu aposto Sherlock — respondeu Hawk em tom seco.
— Vá para o inferno! — praguejou Ismail, assustado. — Conheço maneiras
melhores de suicidar-se. O senhor não é nenhum cavalheiro, Hawk.
Hawk deu uma risada, que produziu uma ressonância horrível no interior do tubo
estreito do elevador.
— Acho que não sou mesmo. Não aprecio muito as pessoas que vivem de apostas
duvidosas. Preste atenção, senão acaba passando pela saída.
— Não sou cego! — resmungou Ismail.
Fez como se não visse a mão de Hawk, estendida numa atitude solícita. Pegou uma
alça para puxar-se para fora do poço do elevador.
Viram-se num corredor oval. A cerca de dez metros de distância havia uma parede
que brilhava numa luminosidade alaranjada. Era oval, tal qual o corredor. Por enquanto o
mundo terminava nessa parede.
— Então, o que foi que eu disse? — gabou-se Ismail. — Se o centro de comando
não fica atrás dessa porta, não quero ser um cavalheiro.
— É estranho! — observou Hawk.
— O que é estranho?
— Sherlock detectou os rastros infravermelhos de um ser vivo, mas não consigo
interpretar a figura. É humanóide; quanto a isso não existe dúvida. Mas não tem cabeça...
Ismail atirou a arma energética para o alto e voltou a pegá-la.
— Dizem que às vezes, num acidente...
— Tolice! — interrompeu Hawk. — O ser ficou andando. Afastou-se dois metros
da porta e voltou. E usava traje espacial.
— Isso não existe — teimou Ismail. — Um homem sem cabeça não pode andar.
Não sou biólogo... — Sacudiu o corpo. — Não venha me dizer que este ser nasceu sem
cabeça.
— Não! — Hawk fechou os olhos e concentrou-se. Finalmente soltou um suspiro de
resignação. — A imagem não é nada nítida. Deve ser um rastro muito antigo. Há alguma
coisa sobre os ombros do ser; parece a cauda retorcida de um réptil. Se é a cabeça,
certamente não estamos diante do rastro de um ser humanóide.
— Era o que eu imaginava. — Ismail segurou firmemente a arma energética e saiu
caminhando em direção à porta.
O okrill continuava sentado imóvel à frente da mesma. Ismail apalpou a porta, à
procura de um mecanismo de abertura escondido. Viu-se decepcionado, tal qual diante da
outra porta. Mais uma vez tiveram de usar a violência física para suprir a falta de
conhecimentos.
Desta vez Ismail foi o primeiro a passar pelo buraco.
De início a grande quantidade de controles, telas e quadros de comando deixou-o
confuso. Hesitou em entrar no recinto abobadado, e só no subconsciente deu-se conta de
que uma porta acabara de abrir-se na parede oposta.
Uma figura entrou no recinto.
Era uma figura humanóide, sem cabeça visível...
***
O ataque verificou-se quando estavam quase chegando ao lugar em que se
encontrava Atlan.
Rhodan, da mesma forma que Goratchim estava sentado nas costas do halutense,
que corria em alta velocidade, soltou-se e rolou pelo chão rochoso. A mesma coisa
aconteceu com Goratchim. Foi sorte sua, pois no mesmo instante uma auréola de fogo
envolveu o corpo do gigante.
Pelos cálculos de Rhodan, pelo menos cinco ou seis maahks tinham disparado
contra eles. Esforçou-se para distinguir um dos atacantes, mas o corpo de Tolot impedia
sua visão. Só conseguiu ver alguma coisa quando o halutense se precipitou sobre um
maahk que acabara de aparecer bem à sua frente.
A cabeça de meia-lua de um maahk apareceu acima de uma rocha. Rhodan atirou. A
meia-lua desapareceu. Em compensação um raio energético penetrou no chão bem ao
lado de Rhodan, espalhando um calor insuportável. Rhodan saiu rolando, para abrigar-se
entre duas pedras. Uma terrível explosão atirou-o para fora do abrigo. Ergueu-se sobre os
cotovelos, com o nariz sangrando. Goratchim estava agachado ao lado de uma rocha,
mantendo os dois pares de olhos fixos num alvo que Rhodan não conseguia distinguir.
Uma língua de fogo branco-azulada subiu ao céu, abrindo as nuvens escuras. Mais
uma vez uma onda de ar superaquecido passou por cima de Rhodan, mas desta vez o
mesmo conseguira abrigar-se em tempo.
Ao ouvir o estrondo da arma superpesada de Icho Tolot, Rhodan compreendeu que
subestimara o número dos atacantes. Tolot não usaria a arma por causa de uns poucos
inimigos.
Rhodan avançou em saltos curtos e ligeiros em direção ao lugar em que acreditava
estivessem os maahks. Depois de ter dado um salto desse tipo, viu-se repentinamente
frente a frente com a figura abaixada de um ser que respirava metano. Num movimento
quase automático acionou o botão da arma. O raio energético arrancou a arma da mão do
maahk, mas nem por isso o mesmo desistiu. O braço que continuava intacto avançou
rapidamente e enlaçou Rhodan antes que este tivesse tempo de dar mais um tiro.
O ar escapou de seus pulmões, produzindo um chiado. Anéis vermelhos dançaram à
frente dos olhos. Viu através do capacete pressurizado transparente em forma de meia-lua
quatro olhos grandes e redondos, que pareciam esferas luminosas assentadas na parte
mais alta do crânio. Reuniu as forças que lhe restavam para fazer descer sua arma sobre o
capacete do inimigo. O maahk cambaleou. Seu braço fraquejou um pouco. Rhodan
conseguiu respirar. Voltou a golpear. A distância era muito reduzida para dar um tiro.
O corpo do maahk amoleceu. Isso deixou Rhodan espantado, pois o capacete
pressurizado não parecia ter sofrido avarias. Rhodan fez menção de golpear mais uma
vez, mas o maahk caiu ao chão. Só então Rhodan notou que uma das mangas do traje do
maahk fora rasgada pelo primeiro tiro que ele disparara.
O maahk não morrera por causa dos golpes desferidos por Rhodan. Sufocara depois
que a atmosfera de metano contida em seu traje tinha escapado.
Lutara até o último momento.
Rhodan preferiu não pensar no que teria acontecido se o maahk tivesse tido mais
um minuto de vida. Suas costelas doíam. O braço tentacular pertencente a um moribundo
devia tê-lo comprimido com a força de uma jibóia adulta.
Rhodan só teve um segundo para recuperar-se da luta. Viu outro maahk no
momento em que o mesmo estava atirando nele. Deixou-se cair e o raio energético
passou rente à sua cabeça. O maahk voltou a atirar, mas Rhodan já rolara para mais longe
e fez pontaria.
Ao passar correndo pelos restos mortais do inimigo, Rhodan viu três maahks que
concentravam os raios energéticos de suas armas no mesmo alvo. Rhodan abriu fogo. Um
dos maahks tombou. Os outros dois desapareceram tão depressa atrás das rochas que
Rhodan não conseguiu localizá-los. Mas não tinham fugido. Abriram fogo, obrigando
Rhodan a abrigar-se novamente. Mas Rhodan teve de fugir às pressas, pois a rocha atrás
da qual se abrigara transformara-se numa nuvem de gases incandescentes.
Rhodan já começava a conformar-se com a idéia de que teria de travar uma longa
batalha de posições, quando duas línguas de fogo branco-azuladas subiram ao céu do lado
em que estava o inimigo.
Rhodan respirou aliviado.
Goratchim ainda estava em atividade. Provavelmente fora o alvo dos maahks que
estavam atirando há pouco.
Rhodan saiu rastejando com a agilidade de um felino. Em torno dele rugia a batalha.
Naquela paisagem deserta, entrecortada e coberta de chamas e fumaça, cada um se
transformava forçosamente num combatente individual.
Mais dois maahks apareceram.
Foi só quando já tinha atirado que Rhodan se deu conta de que os mesmos
tombaram depressa demais. Nem lhe deram atenção, pois estavam olhando para outro
lado.
Rhodan foi para junto dos mortos com um pressentimento nada agradável e tentou
ver através da cortina de poeira e fumaça o que fizera com que os maahks se tornassem
descuidados.
Ficou rígido de pavor.
A colina descia suavemente em direção à planície. As nuvens de fumaça não eram
tão densas. Por isso Rhodan reconheceu perfeitamente oito veículos com corcovas, que
emitiam um brilho metálico, e se dirigiam à colina em formação aberta.
Tratava-se de blindados voadores dos maahks.
Assim que se recuperou um pouco do susto, Rhodan virou a cabeça. Sabia que
sozinho nada poderia fazer contra os veículos blindados. Precisava prevenir os
companheiros e formar uma posição de defesa.
Sem dar atenção aos tiros energéticos isolados que atingiam o chão à sua frente e
atrás dele, saiu correndo o mais depressa que pôde pelas rochas e sobre a areia. Sempre
que o fogo inimigo se tornava muito intenso, deixava-se cair ao chão e rastejava um
pedaço, para depois levantar e sair correndo novamente.
Certa vez, quando estava contornando uma rocha, a saliência craniana de um maahk
apareceu bem à sua frente. Rhodan atirou com a arma na altura dos quadris. O recuo da
arma arremessou-o contra a rocha. Saiu correndo com os dentes cerrados, chamando
constantemente os companheiros pelo rádio-capacete.
Como que por milagre acabaram se reencontrando na cratera de uma explosão, no
ponto mais elevado da colina.
Entreolharam-se.
Seus conjuntos-uniformes estavam rasgados e em certos lugares pareciam duros
como um pau por causa do sangue coagulado. Os rostos estavam enegrecidos pela
fumaça, e havia escoriações nas mãos. Um dos sargentos estava deitado no chão,
respirando apressadamente e trazendo uma grossa atadura sobre o ombro esquerdo. O
outro olhava para os lados, com a face encovada e um brilho febril nos olhos.
Dois tenentes se tinham unido ao pequeno grupo. Informaram que seus carros
voadores tinham feito um pouso de emergência e que os outros tripulantes tinham
morrido enquanto se dirigiam ao local.
Rhodan sabia perfeitamente que, se não fosse Ivã Goratchim, o detonador, e o
gigante Icho Tolot, que era praticamente invulnerável, todos eles teriam tido o mesmo
destino. Fez um relato ligeiro sobre os blindados voadores que se aproximavam.
Atlan parecia zangado.
— Até parece que os donos de Quinta não somos nós, mas os maahks. Por enquanto
não vimos sinal das nossas tropas.
— A batalha propriamente dita certamente está sendo travada nas proximidades do
centro de ajustamento — comentou Rhodan.
— Provavelmente — observou Icho Tolot. — É bem verdade que meu cérebro
programador chegou à conclusão de que os maahks não fazem nada sem um bom motivo.
Se atribuem tanta importância a estas duas colinas que chegam a retirar alguns grupos de
blindados do campo de batalha, eles devem ter seus motivos.
Rhodan confirmou com um gesto.
— Se pelo menos um dos nossos carros voadores estivesse intacto, poderíamos
pedir auxílio. Mas do jeito que estão as coisas, teremos que defender as colinas sozinhos.
Como se sente, Goratchim?
— Sinto-me com forças para enfrentar centenas de blindados voadores.
Rhodan sorriu.
— Não se esqueça de que basta um tiro energético para matá-lo, Goratchim. —
Voltou a dirigir-se aos outros. — Não há dúvida de que foram os maahks que já estão
aqui que solicitaram a presença dos blindados voadores. Quer dizer que atacarão a colina
na qual nos encontramos. Sugiro que atravessemos o desfiladeiro, indo para a outra
colina, a fim de preparar a defesa. Dessa forma ganharemos algum tempo.
Protegendo-se por todos os lados, os homens desceram pela encosta que levava ao
desfiladeiro. Não se encontraram com nenhum maahk. Até parecia que o inimigo tinha
sido tragado pelo solo.
Kasom manifestou essa suposição.
Mas o único que a levou a sério foi Icho Tolot, que começou a imaginar que o
destino de Quinta e, portanto, da Frota que operava no sistema de Gêmeos, dependia
exclusivamente deles.
***
Ismail ben Rabbat estava em desvantagem desde o início.
Não fazia a menor idéia de como eram os maahks. Para ele o ser envolto num traje
espacial, que apresentava uma protuberância em meia-lua no lugar da cabeça, era uma
criatura totalmente estranha. É bem verdade que levantou instintivamente a arma, mas
hesitou em abrir fogo.
O maahk não conhecia esse tipo de escrúpulo.
Atirou.
Ismail só escapou à morte graças ao okrill, que no último instante deu um salto e o
derrubou. Assim mesmo o raio energético chamuscou seu ombro esquerdo.
Seus olhos lacrimejantes de dor viram Sherlock saltar sobre o inimigo. Certamente
seu dono dera ordem para que agisse assim, já que dispensou a arma mais terrível que
possuía: a língua carregada de corrente de alta tensão.
Os dois seres tão diferentes encontraram-se. A arma do desconhecido saiu voando.
Mas Sherlock também levou uma forte pancada, que o atirou para trás. O desconhecido
voltou a erguer um dos seus braços tentaculares.
Ismail prendeu a respiração.
Nesse instante ouviu um grito rouco vindo de bem perto. Omar Hawk saltou sobre o
desconhecido. Depois de uma breve luta, ergueu-se fungando. Levantou o pé e empurrou
o desconhecido pela porta.
— Metano! — gritou em tom nervoso. — É um maahk. Seu traje espacial estava
cheio de metano gasoso. — Olhou para Ismail. — Sempre que se encontrar com um
maahk, tente quebrar seu capacete, coronel. Ou, o que é ainda melhor, nem deixe que ele
se aproxime. Esses caras têm uma força incrível.
Ismail pretendia acenar com a cabeça, mas levantou a arma e atirou. Um segundo
maahk acabara de aparecer atrás do oxtornense. Ismail fizera boa pontaria, pois o maahk
nem tivera tempo para atirar.
Hawk esfregou a cocha esquerda. O material de que era feito o uniforme
desmanchou-se em farrapos queimados.
— Por pouco o senhor não me acerta na perna — disse em tom de recriminação.
Ismail levantou.
— Tive de fazer isso, Hawk. Fui obrigado a ser mais rápido que o maahk, pois do
contrário a esta hora nenhum de nós estaria vivo. A propósito. Seu okrill acaba de
desaparecer pela porta.
Hawk virou-se abruptamente.
— Pela tormenta dos deuses! A luta com o maahk deve tê-lo deixado louco. Não
está acostumado a que alguém o derrube.
Hawk fez menção de sair do recinto.
— Espere aí! — pediu Ismail. — Acho que antes de mais nada devemos verificar
para que serve este centro de comando. Deve ser muito importante, senão os maahks não
viriam até aqui.
Só nesse momento Hawk olhou para os lados. Deu um passo na direção de um dos
consoles, examinou-o atentamente, sacudiu a cabeça e aproximou-se de outro. Estendeu a
mão em direção a uma das chaves, mas logo a fez recuar tão depressa que até parecia que
acabara de tocar numa peça de metal incandescente.
— Já começo a imaginar que esta aparelhagem é muito importante — disse. —
Receio que os dois maahks não sejam os únicos que se interessam pela mesma.
Ouviu-se o berreiro do okrill, vindo de longe. Hawk deu um passo em direção à
porta, mas logo estacou.
— Não sei o que fazer. É possível que Sherlock esteja em perigo, mas não quero
deixar este centro de comando desguarnecido. Talvez os maahks entrem pela mesma
porta que nós usamos.
Ismail fez um gesto grandiloqüente de pouco-caso.
— Pode sair, Hawk. Cuidarei disto aqui. Não terei nenhuma dificuldade em
enfrentar os maahks.
Hawk lançou um olhar desconfiado para seu interlocutor, mas logo saiu correndo. O
berro de Sherlock se fizera ouvir de novo.
Ismail deu um suspiro e pôs-se a examinar os comandos.
Não viu a mão enluvada de seis dedos que tateava sobre a borda do buraco
queimado na porta...
***
Chamas trêmulas erguiam-se entre a fumaça e a poeira que cobria a outra colina.
Porções de rocha liquefeita eram atiradas para o alto. A matéria gaseificada penetrava em
densas nuvens nas aberturas afuniladas, descendo para o desfiladeiro que se estendia em
forma de gamela.
— Eles acreditam que ainda estamos lá — cochichou Atlan.
— Mas não serão tolos a ponto de não examinar cuidadosamente a colina — disse
Icho Tolot.
— Será um exame realizado com canhões energéticos! — observou Melbar Kasom
em tom sarcástico.
Perry Rhodan inclinou-se por cima da borda da cratera que tinha a profundidade de
uma casa, em cujo interior estavam abrigados. Procurou ver o que havia do outro lado.
Foi o primeiro a notar o movimento. Um dos blindados voadores do inimigo, cuja forma
lembrava uma tartaruga, deslocava-se sobre suas esteiras pelo topo esfacelado da colina.
Rhodan refletiu sobre se ainda seria cedo para iniciar as operações defensivas. Mas
acabou dizendo a si mesmo que os maahks também acabariam por vasculhar a colina em
que estavam.
— Goratchim!
— Pois não, senhor...
A figura maciça do mutante aproximou-se rastejando.
— Destrua todos os blindados voadores em que conseguir pôr os olhos. Mas
mantenha-se protegido. Entendido.
— Perfeitamente, senhor.
Goratchim acenou com a cabeça e concentrou-se, enquanto os dois pares de olhos
se tornaram rígidos como os olhos de uma cobra.
— Não acha que é cedo? — perguntou Atlan.
Rhodan sacudiu a cabeça.
— Enquanto Goratchim for nosso único combatente, os maahks não poderão saber
onde estamos. É claro que os outros deverão permanecer inativos enquanto não formos
descobertos.
Um raio branco-azulado levantou-se na outra colina e o metal vaporizado subiu ao
ar, formando uma nuvem em forma de cogumelo. Um anel preto de escombros espalhou-
se a partir da borda da bola de fogo.
O fogo violento dos maahks foi interrompido por alguns segundos, para logo depois
tornar-se muito mais violento. O topo da colina ficou incandescente.
— Olhem! — gritou Kasom.
Rhodan olhou na direção em que estava apontando o braço estendido do ertruso.
Viu pelo menos uma dezena de blindados voadores desprender-se do solo e subir cada
vez mais, enquanto seus canhões energéticos martelavam impiedosamente as colinas que
ficavam nas proximidades.
Rhodan assustou-se. Não foi por causa da mudança de tática dos maahks, que lá em
cima podiam ser alcançados mais facilmente por Goratchim. O que o deixou assustado
foi o fato de estar vendo doze blindados voadores.
Os veículos que há pouco se aproximavam da colina eram apenas oito.
Um sol artificial nasceu a cinqüenta metros de altura.
— Vamos voltar para a cratera! — ordenou Rhodan. — Goratchim, faça a
detonação com a intensidade mínima.
Cerrou os lábios e prestou atenção ao tiquetaquear furioso de seu contador de
radiações. Depois da batalha teriam de ser submetidos a um tratamento rigoroso, para
afastar a radioatividade que tinha penetrado em seus organismos.
As explosões que se seguiram não foram tão violentas, mas cada uma delas
representou o fim de um blindado voador dos maahks. O dom especial de Ivã Ivanovitch
Goratchim consistia na capacidade de, por meio dos fluxos mentais concentrados de
ambos os cérebros e através de um impulso intelectual parafísico, liberar a energia
contida nos átomos de carbono ou de cálcio. E o metal plastificado de que eram feitos os
blindados voadores continha grande quantidade de carbono. O importante era fazer com
que somente uns poucos átomos participassem do processo de fusão, para que os efeitos
da explosão se restringissem a uma área reduzida.
Rhodan fez mais uma contagem dos blindados voadores. Eram quinze.
— Quantos blindados Goratchim já destruiu? — perguntou, assustado.
— Onze — respondeu Atlan. — Deve haver uma coisa muito importante nestas
colinas. Do contrário os maahks não trariam sempre novos reforços.
— Quanto a isso não tenho a menor dúvida — disse Tolot. — Até estão usando
robôs.
Rhodan e Atlan viraram-se abruptamente.
De repente centenas de robôs saíram da névoa que enchia a baixada e espalharam-se
pela outra colina. Tinham cerca de três metros de altura e possuíam quatro braços
tentaculares, além de um anel de armas giratório no lugar da cabeça.
— Levarão apenas alguns minutos para descobrir que a outra colina foi abandonada.
— Havia uma estranha tonalidade oca na voz de Atlan. — Quando isso acontecer,
passarão a atacar esta. Deveríamos dar o fora enquanto é tempo, Perry.
Rhodan sacudiu obstinadamente a cabeça.
— Quero saber o que existe neste lugar para despertar tanto interesse nos maahks!
— disse em tom insistente.
— Saber isso lhe custará a vida, Perry!
Rhodan virou o rosto para o arcônida. Sorriu.
Atlan estremeceu.
— Já conheço este sorriso, bárbaro! — cochichou. — Quais são suas intenções?
— Goratchim! — disse Rhodan em tom enérgico. — Escolha o blindado mais
distante. Faça-o detonar com uma potência de cinqüenta toneladas de TNT.
— Você está louco! — Atlan segurou firmemente o braço de Rhodan. — Cinqüenta
toneladas! Seremos transformados em poeira.
Rhodan afastou a mão de Atlan.
— Não acontecerá nada disso, se ficarmos bem encolhidos no fundo da cratera. É
possível que o raio da explosão seja um sinal para nossas tropas. Goratchim! Assim que
tiver dado o impulso que detonará o blindado, role o mais depressa possível para dentro
da cratera. Acha que conseguirá?
— Peço-lhe que não faça perguntas, senhor. Acabo de fixar o objetivo. Protejam-se.
— Protejam-se! — gritou Rhodan.
Esperou que seus companheiros se movimentassem. Depois deixou-se cair e rolou
para o fundo da cratera.
Uma bola de fogo branco-azulada espalhou-se pelo céu.
Rhodan fechou os olhos. Sentiu-se ofuscado. Alguém caiu violentamente sobre ele.
— Goratchim? — perguntou.
— Sou eu, sim senhor! — disse o mutante num sopro.
Rhodan cobriu o rosto com os braços. Houve um terrível estrondo, que o deixou
inconsciente.
Nem chegou a sentir a tempestade de fogo que passou sobre a cratera, fazendo com
que as bordas da mesma brilhassem numa incandescência vermelha.
***
Ismail ben Rabbat estava parado à frente de um quadro de comando, sobre o qual
brilhava uma placa alaranjada hexagonal. De repente ouviu um ruído vindo de trás.
Parecia uma brisa ligeira.
Quis virar a cabeça, mas já era tarde. Levou uma forte pancada na parte posterior do
crânio e perdeu imediatamente os sentidos.
Quando acordou, o sangue martelava dolorosamente em suas têmporas. Teve de
fazer um grande esforço para levantar as pálpebras.
No início não viu nada além de uma série de manchas e círculos vermelhos. Mas
aos poucos o ambiente que o cercava acabou assumindo formas definidas. Já sabia o que
significavam as batidas que estava ouvindo. Vários maahks que usavam trajes espaciais
aglomeravam-se à frente do quadro de comando que estivem observando. Outros corriam
de um lado para outro. Ao que parecia, estavam examinando os outros quadros de
comando.
Alguma coisa apertava dolorosamente a nuca de Ismail. Muito devagar, para que
não percebessem, começou a mover a cabeça. Conseguiu ver o teto.
Ismail ben Rabbat ficou rígido de susto.
O teto parecia uma campânula negra; tinha-se a impressão de que chegava ao
infinito. Nesta campânula brilhavam as imagens de duas galáxias. Bastou um olhar
ligeiro para que Ismail compreendesse que se tratava de sua galáxia de origem e da
nebulosa de Andrômeda. Vira muitas vezes as duas galáxias no microscópio eletrônico de
sua nave.
Começou a imaginar onde estava.
Encontrava-se num centro de ajustamento do transmissor de Gêmeos.
Ismail ben Rabbat disse a si mesmo que isso era impossível. A sala em que se
encontrava não estava sendo vigiada no momento em que Hawk e ele entraram na
mesma. Acontece que o centro de ajustamento de Quinta era vigiada com mais cuidado
que o tesouro do Império. Quanto a isso Ismail não tinha a menor dúvida.
Será que o centro de ajustamento ficava em outro planeta...?
Mas não importava. Ismail compreendeu que o transmissor podia ser regulado a
partir do lugar em que se encontrava. Não era necessário dizer quais seriam as
conseqüências se os maahks conseguissem usar o centro de ajustamento.
Ismail ben Rabbat pôs-se a refletir intensamente sobre as chances que possuía de
pôr fora de ação os cinco maahks que estava vendo. O resultado foi desolador. Mas tinha
de fazer alguma coisa.
Ouviu um clique muito fraco e estremeceu. Viu uma esfera cintilante sair do quadro
de comando central. Um dos maahks estendeu o braço em funil, que terminava em seis
dedos, na direção da esfera.
Ismail levantou-se com um grito rouco é saiu cambaleando na direção do grupo que
se encontrava à frente do quadro de comando.
A única arma que possuía era a faca larga, de duas lâminas, que todo astronauta
levava numa bainha apropriada.
Quando ainda não havia percorrido metade do caminho, os maahks viraram-se
abruptamente. Seguravam armas energéticas superpesadas. Ismail fechou os olhos,
porque as trilhas energéticas superaquecidas que vieram em sua direção o deixaram
ofuscado. Uma série de estalos ensurdecedores e os raios branco-azulados provocados
pelas descargas energéticas encheram o ar.
Ismail ben Rabbat ficou parado em meio ao inferno, sem compreender por que os
maahks iam caindo ao chão um após o outro.
7

Quando Perry Rhodan recuperou os sentidos, estava completamente escuro. Assim


mesmo percebeu que não estava deitado no fundo da cratera, mas descia suavemente.
Apalpou o rádio-capacete, à procura da chave do mesmo.
— Alô! Atlan! Kasom! Tolot! Respondam, por favor.
Uma voz grave soou fortemente no receptor.
— Alô! Tolot falando! Calma, senhor. Estamos num elevador antigravitacional.
— Já notei — respondeu Rhodan em tom sarcástico. — Quem sabe se o senhor
poderia dizer como viemos parar aqui?
Tolot deu uma estrondosa gargalhada.
— Até isso eu posso, senhor. Um momento! Não ligue a lanterna! Há uma luz lá
embaixo. Precisamos ter cuidado.
Só nesse momento Rhodan lembrou-se de que o halutense era capaz de enxergar no
escuro. Retirou a mão da lanterna que trazia sobre o peito.
— O que aconteceu com os outros?
— Estão todos bem, pelo que posso ver e ouvir, senhor. Ah! Kasom também já
começou a mexer-se.
Um suspiro profundo rompeu a escuridão.
— Era só o que faltava! — disse Kasom com um gemido. — Perdi o peso. Meu
estômago já estava roncando. Quando sai o almoço?
— Fale mais baixo! — advertiu Tolot.
— Tudo bem, tudo bem! — respondeu Kasom aos cochichos. — Estou vendo a luz
lá embaixo. O que é isso? Como viemos parar aqui?
Tolot deu uma risadinha.
— A última explosão causada por Goratchim provocou o desabamento do teto da
galeria. Acredito que seja a ponta cega do poço do elevador. A entrada deve ficar em
outro lugar.
— Acho que sim! — resmungou Kasom. — Pelo menos já sabemos por que os
maahks foram atraídos para cá. Pela Via Láctea! Será que a luz que está lá embaixo vem
dos maahks?
— Devemos supor que sim, nem que seja apenas por cautela — disse Rhodan. —
Tomara que Atlan e Goratchim acordem antes de alcançarmos a luz e, portanto, a saída.
— Nada lhes pode acontecer — respondeu Tolot. — Se então ainda estiverem
inconscientes, deixaremos que continuem a descida, No fundo do poço reina a calma.
— Muito bem! — Rhodan pegou a arma. — Assim que chegarmos à saída
iluminada do elevador, avançaremos, fazendo de conta que atrás dela um destacamento
dos maahks está à nossa espera.
— Procurou colocar-se numa posição que permitisse uma saída rápida.
— Saia depois de mim, senhor. Suporto um pouco mais que as outras pessoas.
A saída foi-se aproximando rapidamente. Rhodan piscou diante da luz que saía de
um buraco aberto na porta. Tolot saltou para dentro do corredor. Rhodan espantou-se ao
notar que o halutense de repente sabia pisar tão devagar.
Pararam à frente da porta destruída a tiro. A situação experimentara uma mudança
favorável, já que ninguém tomara conhecimento de sua chegada. Dessa forma estavam
em condições de verificar quem ou o quê estava atrás da porta.
Tolot lançou apenas um olhar ligeiro pela mesma.
— Maahks! — disse.
— Será que o senhor consegue empurrar a porta? — cochichou Rhodan. — Dessa
forma nossas linhas de tiro serão mais amplas.
— Naturalmente — respondeu Tolot. — Mas é bom que antes disso o senhor
mesmo veja o que há atrás da porta. Garanto que vai ficar espantado.
Rhodan espiou pelo buraco — e recuou apavorado.
— Isso é... um centro de ajustamento!
— Parece que sim — respondeu Tolot. — Estou pensando...
— Deixe para pensar depois! — ordenou Rhodan em tom nervoso. — Receio que
não tenhamos muito tempo. Vamos! Empurre a porta.
Rhodan colocou-se de um dos lados do halutense, e Melbar Kasom do outro lado.
Icho Tolot encostou o ombro à porta. Não se notava que estivesse fazendo qualquer
esforço, mas a pesada porta de aço cedeu de repente.
O resto passou-se numa questão de segundos.
Melbar Kasom aplicou um curativo numa queimadura que sofrerá na coxa direita.
Enquanto isso Rhodan cuidava do homem que envergava uniforme de coronel da Frota
do Império e que, armado com uma faca curta, olhava estupefato para os cadáveres dos
maahks.
— Como veio parar aqui? — perguntou Rhodan, espantado.
O coronel virou o rosto para Rhodan. No mesmo instante ficou em posição de
sentido.
— Senhor! Permita que me apresente. Sou o Coronel Ismail ben Rabbat,
comandante do supercouraçado Voltaire.
— Não pode ser...! — Rhodan ficou perplexo. — O senhor diz que é da Voltaire?
Fui informado de que a nave tinha sido destruída.
— A nave foi! — o rosto de Ismail assumiu uma tonalidade cinzenta. —
Desapareceu, juntamente com toda a tripulação. Em compensação um certo Tenente
Hawk apareceu de repente com seu okrill.
Rhodan virou a cabeça.
— Kasom, vá buscar Atlan e Goratchim! — Apoiou-se num console de comando.
Parecia exausto. — Muito bem, Coronel ben Rabbat. Conte tudo na devida ordem.
Quando Ismail concluiu seu relato, Rhodan e Icho Tolot se entreolharam.
— Que diz seu cérebro programador? — perguntou Rhodan. — Como é que ben
Rabbat e Hawk foram parar no interior do planeta Quinta? Como se explica que tenham
escapado aos efeitos destrutivos do canhão conversor? Ao que tudo indica, a nave e sua
tripulação estão perdidas.
— Ainda não posso dar uma resposta definitiva a esta pergunta, senhor. O fato de
ben Rabbat e Hawk terem sido salvos deve ter alguma ligação com o funcionamento do
transmissor. Acredito que, se Hawk não tivesse, no exato momento em que a Voltaire se
encontrava no interior do campo de condensação, ativado a ligação de transmissor com
esta nave, que na realidade deixou de existir, o Coronel ben Rabbat não teria escapado à
morte.
— Muito obrigado, Tolot. — Rhodan respirou aliviado. — Ainda haveremos de
encontrar uma explicação para os detalhes. Quanto a mim, acho muito importante que
haja um meio de escapar ao campo de condensação produzido por um canhão conversor.
— Qual é a conclusão a que você chegou? — perguntou de repente Atlan com a voz
sarcástica. Encontrava-se perto da porta destruída.
Um sorriso sem graça apareceu no rosto de Rhodan.
— Concluo que o velho princípio, segundo o qual para todo remédio existe um
antídoto, ainda continua válido. Um belo dia o canhão de conversão não representará
mais nenhum perigo para nós.
— Quando chegará esse dia, bárbaro? Daqui a dois mil anos...?
***
Icho Tolot tirou-lhes a ilusão da vitória.
— Acho, senhor — disse, falando lentamente e fitando Rhodan com os três olhos
vermelhos — que deveríamos pensar em preparar nossa defesa. Os maahks não
demorarão a perceber que entramos nesta galeria.
— Isto se eles sobreviveram à explosão — observou Goratchim. — Aposto que a
colina em que se encontravam não existe mais.
Ismail ben Rabbat, que até então parecia alheio a tudo, começou a interessar-se pela
conversa.
— Quer apostar um barril de uísque?
— Um barril de uísque oxtornense — disse uma voz retumbante, vinda da segunda-
porta.
Ornar Hawk entrou, seguido por seu okrill.
— Que diabo! — exclamou Ismail. — Com isso o senhor pode ficar.
— Ora essa! — respondeu Hawk, sacudindo a cabeça. — O senhor não é nenhum
cavalheiro, coronel.
Rhodan deu uma risada alegre. Hawk fitou-o demoradamente.
— O senhor me faz lembrar uma pessoa. Quem dera que eu soubesse quem é...
— Será que eu estou tão deprimido? — perguntou Rhodan.
— E como está! — de repente Hawk estremeceu, inclinou-se para a frente e
procurou reconhecer um pouco do rosto de Rhodan embaixo da poeira e da fuligem. —
Senhor...! — exclamou fora de si. — É o senhor mesmo? — fez continência. — Queira
desculpar, senhor, mas não o reconheci. Omar Hawk, tenente do corpo de patrulhamento
especial, senhor. Informo que destruí um grupo de oito maahks e dinamitei a entrada,
para impedir o avanço dos robôs inimigos.
— Muito obrigado, tenente — disse Rhodan. — Não precisa pedir desculpas. Eu me
admiraria se me reconhecesse logo. Estamos todos muito abatidos.
— Seja como for... — passou a dirigir-se a Tolot — ...por enquanto só precisamos
defender um lado.
— Vou até a galeria, senhor — disse Tolot.
— Não deveríamos tentar apesar de tudo chegar ao quartel-general? — perguntou
Atlan.
Rhodan sacudiu a cabeça.
— Primeiro, dificilmente conseguiremos. Além disso este centro é tão importante
como o centro de ajustamento instalado na superfície. Se não estou muito enganado, isto
aqui é uma espécie de centro de comando de reserva. Por isso seria difícil defender as
instalações de superfície, se permitíssemos que os maahks entrassem aqui. Não é à-toa
que eles nos atacam com tamanha obstinação.
Como que para confirmar suas palavras, ouviu-se o rugido da arma pesada do
halutense, vindo do poço do elevador. Por duas, três vezes o ruído quase congelou o
sangue em suas veias. Finalmente a arma silenciou.
Rhodan saiu correndo, com a arma apontada. Atlan, Kasom e Hawk seguiram-no.
Ismail ben Rabbat saiu cambaleante atrás deles.
O halutense estava sentado na borda do poço do elevador.
— Que houve? — perguntou Rhodan.
— Robôs de combate dos maahks — respondeu Tolot. — Três ondas, cada uma
formada por cinco robôs que voavam bem juntos, desceram pelo elevador. Depois não
houve mais nada. Parece que no momento os maahks têm outros problemas. — Notou a
expressão indagadora nos olhos de Rhodan. — Se prestar atenção, o senhor também
ouvirá.
Rhodan prendeu a respiração.
E ouviu.
Um ruído semelhante ao de uma trovoada distante enchia o ar. Às vezes crescia,
diminuía um pouco, para voltar a crescer de novo. Mas nunca terminava de vez.
— É uma batalha — disse Hawk. — As tropas que guarnecem a base chegaram.
Rhodan olhou para os lados. Goratchim aproximava-se, caminhando lentamente.
— Parabéns, Goratchim! A explosão provocada pelo senhor adiantou alguma coisa.
As duas cabeças de Goratchim acenaram em boa harmonia.
— Isso não é de admirar, senhor. Usei uma potência de oitenta toneladas de TNT.
Achei que cinqüenta não chegavam.
Atlan gemeu.
— O senhor tem gênio de elefante.
— Pois então! — grunhiu Melbar Kasom. Parecia satisfeito. — Fico-lhe muito
grato, Ivã. Tomara que as tropas que vieram para ajudar-nos tragam uma boa quantidade
de mantimentos.
— Para você deve chegar, meu chapa — respondeu Goratchim em tom alegre.
— Chega! — disse Rhodan. — É claro que iremos à superfície. Talvez possamos
cair nas costas dos maahks.
Quando estavam subindo pelo poço do elevador, Atlan segurou o braço de Rhodan
e puxou-o para perto.
— Acho que você nunca se enche, não é, bárbaro?
***
Quando Perry Rhodan atravessou a abertura pela qual tinham entrado na galeria,
indo logo atrás de Icho Tolot, viu pelo menos uma dúzia de armas energéticas apontadas
para ele. Diante das bocas cintilantes das armas, Rhodan sentiu um frio na nuca.
— Não atirem, terranos! — gritou. Segurou-se na borda do buraco, tal qual Tolot.
— Não fiquem parados como estátuas! — berrou Melbar Kasom. — Ajudem o
Administrador-Geral a sair deste buraco escuro. E tragam alguma coisa para comer!
— Meu Deus! — gritou alguém. — É Kasom, o comilão.
Ouviram-se algumas risadas. Em seguida alguns homens que levavam cordas
desceram pela parede da cratera e ajudaram Rhodan e seus companheiros a sair da
mesma.
Um robusto coronel, com o uniforme sujo e rasgado, apresentou seu relato a
Rhodan.
— Coronel Marcus Nolte, comandante da base, senhor. Observamos uma explosão
nuclear nesta área. Como esperávamos uma coluna de abastecimento vinda daqui, dei
ordem para que um grupo de blindados seguisse ao local. Antes que chegássemos aqui,
um comando de robôs uniu-se a nós. Encontramos um grupo de maahks, os expulsamos
da colina numa ação-relâmpago e viemos em auxílio da astronave comandada pelo Major
Laroche, que tinha pousado aqui.
Rhodan olhou para os lados, como se estivesse à procura de alguma coisa.
— Onde está a astronave, coronel?
O rosto do coronel assumiu uma expressão triste.
— Como não encontrou o senhor, o Major Laroche prosseguiu, senhor. Acreditava
que tivesse aberto caminho até o quartel-general. Não quis acreditar em mim.
— Como estão as coisas no centro de ajuste do pólo norte? — perguntou Rhodan.
— Ruins, senhor. Nossos rapazes estão infligindo graves perdas aos maahks, mas os
respiradores de metano não desistem. Lutam enquanto há um pouco de vida neles.
— Já fiz esta experiência. — Rhodan pôs-se a refletir. — Embaixo do lugar em que
nos encontramos existe outro centro de ajuste, coronel. Provavelmente trata-se de uma
estação substituta. É este o motivo por que os maahks resolveram atacar aqui. Mande
ocupar a estação e leve-nos ao centro de ajuste principal.
O Coronel Nolte fitou-o com uma expressão embaraçada.
— Sinto muito, senhor, mas os maahks nos cercaram.
Rhodan virou o rosto para Atlan.
— Aos poucos começo a compreender você, arcônida.
Atlan sentou numa caixa de foguetes de infantaria. Parecia exausto.
— Espero que a compreensão não tenha vindo muito tarde — disse com a voz
cansada.
— Os terranos tornaram-se um pouco levianos, pois em toda sua história nunca se
defrontaram com um inimigo como este.
Rhodan pigarreou. Sentia-se embaraçado. Virou a cabeça, indignado, ao ver Melbar
Kasom abrir um barril de mingau sintético, para enfiar a massa gelatinosa na boca,
usando ambas as mãos.
— Se é assim, naturalmente ficaremos aqui — disse, dirigindo-se ao Coronel Nolte.
— Sugiro que formemos uma posição-ouriço. Além disso solicito um rádio de grande
alcance.
— Já dei ordem para formar uma posição-ouriço, senhor — respondeu Nolte. —
Quanto ao rádio, posso oferecer o hipercomunicador de meu veículo blindado.
Enterramos o carro voador ao lado da cratera, seguindo o modelo dos maahks.
— Excelente! — disse Rhodan em tom de elogio. — Acho que dessa forma tudo
tem que dar certo, não é mesmo?
Deu um sorriso para Atlan.
— Ria à vontade, bárbaro! — disse Atlan, ressentido. — Parece que continua a
subestimar os maahks.
Rhodan fez um gesto de pouco caso. De repente atirou-se instintivamente ao chão.
Em torno deles ouviu-se uma série de estrondos. Até parecia que a crosta do planeta
iria arrebentar. Raios energéticos ofuscantes subiam ao céu encoberto, e os foguetes de
pequeno calibre saíam uivando a pequenos intervalos. Rhodan levou alguns segundos
para compreender que quem abrira fogo tinham sido os blindados que o Coronel Nolte
mandara enterrar e seus próprios robôs.
Levantou e olhou para o céu.
Um forte traço negro surgira em meio às nuvens de fumaça e vapores às quais o
fulgor da batalha dava uma coloração vermelha. Parecia um risco feito a carvão por um
gigante. Um segundo traço apareceu bem ao lado do primeiro, mais largo e comprido que
este.
De repente Rhodan compreendeu o que isso significava.
As naves-lápis dos maahks estavam desembarcando novos contingentes de tropas.
***
A colina transformara-se numa fortaleza que cuspia fogo ininterruptamente.
Os duzentos veículos do destacamento de blindados aglomeravam-se num espaço
muito reduzido. Além disso havia cinco mil robôs de combate, que haviam sido
colocados no planeta pela nave Carlos Magno, antes da chegada da fortaleza espacial. Os
campos defensivos dos veículos e dos robôs ficavam tão encostados um ao outro que era
muito raro os maahks abrirem uma brecha por meio do fogo concentrado de sua
artilharia. Por enquanto sempre tinha sido possível fechar rapidamente essas brechas.
Mas naquele momento Rhodan estava bastante preocupado.
Duas naves-lápis negras tinham pousado atrás das tropas que cercavam os terranos.
Delas saía uma fileira ininterrupta de blindados voadores, canhões energéticos e robôs
que seguiam para o front. O fogo dos maahks tornava-se mais intenso a cada minuto que
passava.
Ivã Goratchim estava encolhido ao lado de Rhodan, na carlinga apertada do veículo
de comando. O mutante devia estar próximo à exaustão total. Rhodan teve vontade de dar
ordem para que descansasse um pouco. Receava que Goratchim entrasse em colapso.
Mas sem a ação do detonador as coisas seriam bem piores. As energias parafísicas de
Goratchim atravessavam qualquer campo defensivo. O mutante valia pelo menos tanto
quanto cem carros voadores fortemente armados.
De repente os maahks suspenderam o fogo. Rhodan inclinou-se em direção à lâmina
de plástico blindado da carlinga. Um novo ataque estava para ser lançado. Houvera
quatro ataques nas últimas duas horas. Todos eles haviam sido contidos pelo fogo dos
terranos. Os maahks tinham sofrido perdas terríveis.
E estavam voltando ao ataque.
Pela quinta vez...
Rhodan viu uma falange de blindados em forma de corcova avançar por cima dos
restos quase totalmente desabados da colina que ficava do outro lado. Entre os blindados
e atrás dos mesmos marchavam robôs de combate, e havia maahks que envergavam trajes
espaciais sentados sobre os blindados. Os mesmos atiravam com suas armas energéticas
para tudo que se mexesse nas fileiras terranas.
O fogo dos defensores rompeu completamente a primeira onda de atacantes. A
segunda onda passou por cima dos destroços em chamas. A defesa foi ficando mais fraca.
Os geradores que alimentavam os campos defensivos dos carros voadores, forçados ao
máximo, começaram a falhar em vários lugares. Surgiram as primeiras lacunas maiores
na estrutura de campos defensivos entrelaçados.
Assim mesmo a segunda onda dos maahks apresentava grandes claros quando
atingiu o anel defensivo exterior da posição terrana. Os robôs de combate passaram ao
contra-ataque.
Ivã Goratchim contorceu-se. Estava soluçando. Mas não permitiu que Rhodan se
aproximasse. Parecia um louco, tentando atingi-lo com o pé — e continuava a
concentrar-se nos blindados voadores e nas posições de artilharia do inimigo.
Por um instante Perry Rhodan distinguiu Icho Tolot. Onde quer que aparecesse, o
halutense espalhava o pavor e a morte. Os raios energéticos disparados pelas armas
inimigas não lhe faziam nenhum mal, pois era capaz de modificar à vontade a estrutura
molecular de seu corpo. Em compensação a arma que carregava rompia até mesmo os
campos defensivos dos blindados voadores do inimigo. Os robôs dos maahks eram
simplesmente pisados e esmagados por Tolot. Mas este não podia estar em toda parte ao
mesmo tempo.
A terceira onda de atacantes já estava enfiando seus tentáculos no anel defensivo
exterior. A quarta onda passou sobre os destroços da terceira, invadindo feito um dilúvio
as defesas internas.
Uma encarniçada luta corpo-a-corpo foi travada entre os blindados voadores
terranos e os do inimigo.
Rhodan ouviu um ruído vindo de trás. Levantou.
Era Atlan. O arcônida estava introduzindo novas celas energéticas em sua arma.
— Aonde vai? — perguntou Rhodan com a voz embaraçada.
Atlan deu uma risada zangada.
— Acho que você já sabe, bárbaro.
Rhodan colocou a mão sobre seu ombro e virou a cabeça de Atlan, obrigando-o a
olhar no seu rosto.
— Espere um pouco, amigo — cochichou. — Irei com você.
8

A única parte da fortaleza espacial dos maahks que se via em meio à fumaça e aos
vapores era o campo defensivo que brilhava como um sol. Foguetes subiam ao céu,
apoiados em colunas de fogo branco-azuladas, e sóis artificiais surgiam e se espalhavam
no espaço.
As naves-lápis dos maahks, que tinham mil metros de comprimento, pareciam
indiferentes a tudo isso. As naves que traziam reforços pousavam ininterruptamente,
largavam sua carga em meio à chuva de fogo despejada pelas armas energéticas e baterias
móveis e voltavam a subir, em busca de novos reforços. Por outro lado, a Fortaleza
bloqueava o planeta Quinta, impedindo as naves terranas de levar reforços.
Rhodan chegou à conclusão de que as coisas não poderiam continuar assim.
Enquanto disparava com a precisão de um autômato, mudava de posição e voltava a
disparar, uma idéia amadureceu em sua mente, que em poucas horas ele não teria aceito
de forma alguma.
Ainda estava hesitando.
Estava à espera de certa mensagem que seria transmitida pela Rasputim. Essa
mensagem ainda não tinha chegado. É bem verdade que todas as tentativas de entrar em
contato com a Rasputim por meio do hipercomunicador relativamente fraco do carro de
comando fracassaram. Ao que parecia, as energias liberadas no espaço estavam causando
a ionização das camadas superiores da atmosfera a tal ponto que surgiam campos de
interferência na quinta dimensão.
Um dos robôs de combate terranos explodiu bem a seu lado. Rhodan atirou-se
imediatamente atrás de uma esteira de carro voador enrolada em novelo. Fragmentos
superaquecidos passaram uivando e bateram na esteira atrás da qual estava abrigado.
Rastejou para a outra extremidade da esteira e tentou identificar o atirador inimigo
que destruíra o robô de combate.
Tratava-se de um robô dos maahks.
As armas desse monstro de três metros de altura disparavam ininterruptamente,
enquanto o anel ao qual estavam presas girava de um lado para outro.
Rhodan fez pontaria e colocou o botão acionador de sua arma na posição de fogo
permanente.
O robô inimigo arrebentou, dividindo-se em duas partes. Seus braços tentaculares
ainda chicotearam o chão por alguns segundos, enquanto o anel ao qual estavam presas as
armas despejava algumas trilhas energéticas em direção ao céu. Finalmente a máquina
imobilizou-se.
Dois robôs dos maahks apareceram no lugar do que acabara de ser destruído.
Tinham identificado o local em que Rhodan se abrigara, mas não conseguiram atingi-lo
diretamente. Por isso puseram-se a destruir seu abrigo. O calor tornou-se insuportável.
Rhodan sabia que teria de mudar de posição se não quisesse ser consumido pelas chamas.
E os robôs só esperavam isso. Morreria antes que tivesse dado dois passos.
O fogo foi suspenso de repente.
Ouviu-se um rugido grave, que provocou calafrios em Rhodan.
Este espiou cautelosamente para fora do abrigo.
O oxtornense Omar Hawk estava de pé, com as pernas afastadas, envolto pela luz
cambiante da batalha. Naquele momento estava arremessando um robô dos maahks
contra uma rocha. A máquina arrebentou. O okrill estava sentado a seu lado,
contemplando todo satisfeito “seu” robô, caído ao chão, em estado de incandescência.
Hawk virou a cabeça. Fez um sinal ligeiro para Rhodan e saiu correndo. O okrill
seguiu-o em saltos longos e ágeis.
Rhodan subiu os restos esfacelados de um penhasco e procurou obter uma visão de
conjunto do curso da batalha. Viu que a quarta onda de ataque dos maahks fora
completamente dizimada antes de atingir o anel de defesa interior. Mas também viu os
destroços de inúmeros carros voadores terranos e a multidão de feridos que estava sendo
carregada pelos robôs-médicos.
Naquele momento a quinta onda de ataque dos maahks estava passando pelo solo
incandescente e pulverizado do anel de defesa exterior.
Mais três naves-lápis estavam descendo junto à linha do horizonte, sem dar atenção
ao violento fogo dos defensores.
Não. Se continuarmos a combater dessa forma, estaremos provocando a própria
derrota!
Rhodan estremeceu ao ver a figura magra que saía da bruma e corria em sua direção
com os braços levantados. Levantou instintivamente a arma.
Mas logo viu que era Atlan.
Levou mais alguns segundos para compreender as palavras que Atlan gritava sem
parar.
— A R-3 voltou!
O arcônida caiu ao chão bem à sua frente. Estava completamente exausto.
Rhodan colocou-o sobre os ombros e olhou em torno. A astronave estava intacta,
pousada no topo da colina, bem ao lado do veículo de comando do Coronel Nolte. Os
ruídos do pouso tinham sido engolidos pelo barulho infernal da batalha.
Atlan voltou a abrir os olhos mais uma vez.
— Precisamos... usar... canhões conv...! — sua cabeça tombou contra o ombro de
Rhodan.
— Sim! — disse Rhodan, zangado, enquanto caminhava na direção da R-3. —
Vamos usar nossos canhões conversores!
***
Rhodan viu o rosto de Julian Tifflor, que tão bem conhecia, projetado na tela que se
encontrava à sua frente.
Cansado, mas com o corpo empertigado, Rhodan prestava atenção ao relato do
marechal solar.
— Kirsch fez o processamento dos dados no centro de computação positrônico e
concluiu, sem margem de dúvida, que para os maahks a destruição de Quinta seria inútil
e perigosa. A destruição do centro de ajuste não modificaria em nada a ligação já
existente entre o transmissor hexagonal galatocêntrico e o sistema de Gêmeos. Pelo
contrário, não poderia ser eliminada mais. Portanto, a destruição da estação não nos
poderia prejudicar em nada, mas os maahks ficariam impossibilitados para todo o sempre
de interferir em nossa ligação.
Perry Rhodan acenou com a cabeça.
— Era a notícia que eu estava esperando, Tiff. Mas, para dizer a verdade, mesmo
que o resultado não fosse positivo, não teríamos alternativa.
— Dê ordem para que sejam usados os canhões conversores, Tiff!
Os olhos de Tifflor iluminaram-se.
— Ura instante, Tiff! — disse Rhodan. — Só use cerca de um terço do poder de
fogo total. Quinta não deve ser arrebentado repentinamente. Precisamos ter uma
possibilidade de recolher nossas tropas.
— Perfeitamente, senhor!
Julian Tifflor não interrompeu a ligação. Rhodan poderia ouvir as ordens que seriam
transmitidas aos comandantes das diversas unidades. Dali a pouco Tifflor voltou a ficar
com o rosto voltado para as objetivas.
— Dentro de um minuto os canhões conversores abrirão fogo, senhor!
— Obrigado, Tiff!
Rhodan levantou o braço e olhou para o relógio. Recostou-se e prestou atenção ao
ribombo incessante da batalha, enquanto ficava com os olhos grudados na tela oval do
rastreador.
A imagem da fortaleza espacial foi filtrada nitidamente dos fenômenos energéticos
que acompanhavam a batalha.
O minuto chegou ao fim.
Os campos energéticos da Fortaleza pareciam esticar-se de repente, passando para o
dobro do seu tamanho. Mas eram apenas os sóis artificiais produzidos pelas bombas de
gigatons, que funcionavam na base da catalise do carbono, que estavam sendo
arremessadas pelos canhões conversores para o interior dos campos defensivos inimigos,
onde eram levadas a explodir.
As primeiras fendas estruturais do campo energético da quinta dimensão surgiram
depois da primeira salva. As escalas cilíndricas mostraram que a fortaleza espacial fora
arremessada numa distância de cerca de cem mil quilômetros.
Quando foi disparada a segunda salva, Atlan recuperou os sentidos.
Seus olhos brilhantes fitaram a tela do rastreador.
— Rendo graças aos deuses de Árcon! — cochichou. — A Fortaleza está
balançando.
Rhodan também notou. Depois da segunda salva, a Fortaleza capotou, afastando-se
cambaleante de sua posição primitiva. As fendas estruturais do campo defensivo
esverdeado da quinta dimensão tornaram-se mais largas. Pareciam grandes frestas,
através das quais o nada do negrume do espaço cósmico parecia precipitar-se
ameaçadoramente.
Depois da terceira salva, a Fortaleza começou a afastar-se de Quinta.
Perry acompanhava atentamente sua rota. Dali a alguns minutos teve certeza de que
a mesma estava fugindo para o espaço cósmico.
Rhodan olhou para Atlan. Havia uma expressão de triunfo em seu rosto.
— Os maahks acabam de cometer o maior erro desta batalha, arcônida. Você
compreende o que eu quero dizer?
Antes que Atlan pudesse responder, Rhodan deu ordem para que Tifflor saísse em
perseguição da nave gigantesca com toda a Frota e, uma vez fora do campo gravitacional
direto do sistema de Gêmeos, usar os canhões conversores de grosso calibre com que
estavam equipados os supercouraçados.
Dali a quinze minutos um sol apareceu e foi crescendo no espaço. As dimensões e a
luminosidade do mesmo excediam as dos dois sóis do sistema de Gêmeos.
— Acho que nem mesmo a fortaleza dos maahks é capaz de resistir a isso — disse
Rhodan.
Atlan sacudiu a cabeça.
— Talvez eu seja pessimista demais, mas quando se trata dos maahks não duvido de
nada.
Dali a cinco minutos a fortaleza espacial saiu em velocidade vertiginosa do interior
da bola de fogo. Parecia estar pelo menos gravemente avariada. Lampejos energéticos
saíam constantemente dos campos defensivos. Ao que parecia, resultavam das explosões
ocorridas no interior da Fortaleza.
Os grupos de naves terranas saíram em perseguição da nave como matilhas de
lobos. Disparavam ininterruptamente seus canhões conversores. A caçada voltou a chegar
perto do sistema de Gêmeos.
De repente os microfones externos não transmitiram mais nenhum som vindo de
fora. Rhodan levantou os olhos, espantado. O silêncio deixou-o alarmado.
De repente a escotilha abriu-se.
Melbar Kasom entrou mancando, carregando o corpo flácido de Goratchim sobre
um dos ombros e o de Ismail ben Rabbat sobre o outro.
Estão se retirando! — gritou, entusiasmado.
Colocou os dois homens inconscientes cuidadosamente no chão e fez sinal para que
um robô-médico se aproximasse.
— Quem está se retirando? — perguntou Atlan, espantado.
— Os maahks! — fungou Kasom. — Fogem para suas naves-lápis, e estas
abandonam Quinta.
— Essa eu não esperava — disse Atlan. — Esta fuga não combina com a
mentalidade dos maahks.
Melbar Kasom bateu em seu tórax gigantesco.
— Acontece que nunca tinham enfrentado os terranos — e os ertrusos!
***
A nave auxiliar R-3 seguia em alta velocidade para o lugar em que estava a
Rasputim.
Deixou para trás o continente de Quinta, completamente devastado. Bem em cima
uma série de sombras negras corria atrás de uma roda-gigante. Eram as naves-lápis que
estavam voltando para a nave-mãe.
Rhodan estava olhando a tela de rastreador, enquanto o hipercomunicador
transmitia as informações fornecidas pela Rasputim e as notícias vindas da base de
Quinta.
De repente o hipercomunicador silenciou. Rhodan virou a cabeça para Atlan. Seus
olhos brilhavam.
— Parece que estamos livres dos maahks. Que acha, arcônida?
Atlan passou os dedos pelo rosto empoeirado, deixando traços de fuligem. Balançou
a cabeça.
— Vocês levaram a melhor com sua obstinação, mas nem por isso você deve
acreditar que conseguiram expulsar os maahks para sempre. Existe uma característica que
eles têm em comum com os terranos. Sentem-se estimulados pelas derrotas.
— Não ligue para o que ele está dizendo! — observou Melbar Kasom. Afastou com
o pé uma lata de doze quilos de carne prensada que acabara de esvaziar e arrotou. —
Temos uma coisa que os arcônidas nunca tiveram: os mutantes. Goratchim meteu-lhes
um tremendo susto, e acho que daqui a alguns anos os maahks ainda estarão sonhando
com Icho Tolot. Isto sem falar de mim, embora não seja nenhum mutante.
Atlan levantou-se abruptamente.
— Vocês são uns bárbaros incorrigíveis. Perry, eu o previno! É possível que no
momento os maahks se sintam satisfeitos por terem escapado com vida. Mas há de chegar
o dia em que voltarão a aparecer. Outra coisa, Perry. Árcon estava lutando somente com
os metanitas. Os maahks representavam a força que dirigia a guerra do metano. Desta vez
os maahks somente servem de auxiliares a uma raça muito mais forte...!
Atlan retirou-se.
— O grande arcônida teme pela sorte da Humanidade — observou Icho Tolot, que
até então se mantivera sentado num canto. — Será que o senhor não respeita os senhores
da Galáxia?
— Quem só usa estranhos na luta dá a impressão de que não sabe combater —
respondeu Rhodan. — Tolot, há tempo fico me perguntando por que os senhores da
Galáxia estão tão interessados em evitar que cheguemos a Andrômeda. Quem é forte de
verdade não deve ter medo do contato com outra raça.
Voltou a dirigir-se ao hipercomunicador. Neste momento o sinal de luz acendeu-se.
— Pois não, Tiff...!
O rosto de Julian Tifflor estava muito sério.
— Eis a relação de perdas que o senhor pediu. As perdas da Frota de Gêmeos
durante a luta de trinta horas com a Fortaleza chegam a um total de duzentas e oitenta e
quatro naves médias e pesadas. Todas as perdas foram causadas pelos canhões
conversores do inimigo. Não houve sobreviventes.
Rhodan agradeceu e desligou. Ficou quieto por algum tempo, com os olhos
fechados. As naves perdidas desfilaram em sua mente — e os olhos dos mortos o fitaram.
— Um dia — disse — encontraremos um meio de neutralizar os canhões
conversores.
As telas iluminaram-se repentinamente. Rhodan levantou a cabeça.
O núcleo de energia condensada situado entre os sóis do sistema de Gêmeos
brilharam num fulgor nunca visto. E a fortaleza espacial dos maahks estava entrando
cambaleante no brilho energético.
— Tomara que não apareçam mais — resmungou Melbar Kasom.
A voz de Atlan saiu do intercomunicador.
— Sempre vale a pena ter bons desejos, Kasom.
— Mas este desejo se cumprirá, arcônida — disse Rhodan com a voz firme.
Atlan deu uma risada amargurada.
— Você ainda tem de aprender muita coisa para compreender que é muito difícil
assumir a herança do Universo.

***
**
*
A frota de vigilância solar opõe uma
resistência obstinada aos intrusos vindos de
Andrômeda, pois a fortaleza voadora dos
metanitas representa uma ameaça para a rota
de transmissores. Três mutante s preparam-se
para entrar em ação, pois é impossível atacar
a fortaleza dos maahks com armas
convencionais...
Atenção, Teleportadores! Será o título
do próximo volume da série Perry Rhodan.

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