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A Caça Fantasma Perry Rhodan

Título original:

Gespensterjagd

H. G. Ewers

Revisão:
Delgado

Formatação final para liberação no Projeto Traduções:


Marcos Roberto

Capa em português e conversão para os formatos ePub e PDF:


José Antonio

ProjetoTraduções

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A Caça Fantasma Perry Rhodan

Índice

Capítulo 1!.....................................................................................5

Capítulo 2!...................................................................................18

Capítulo 3!...................................................................................30

Capítulo 4!...................................................................................40

Capítulo 5!...................................................................................54

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A Caça Fantasma Perry Rhodan

Os homens e mulheres a bordo do cruzador SHANTANG conseguiram levar


seu voo-mensageiro a um fim bem sucedido: Perry Rhodan e os responsáveis pelo
Sistema Solar tinham, agora, conhecimento sobre a instalação na galáxia fora do
campo flexível.
Eles sabiam também que o professor Geoffry Abel Waringer e sua equipe no
Mundo dos Cem Sois estavam fazendo todos os esforços possíveis para vir em seu
socorro.
Os homens na Terra e nos outros planetas habitados do Sistema Solar estão,
como antes, protegidos dos ataques dos Ídolos: o campo Paratron contivera, até
então, cada ataque. Mas, naturalmente, os terranos não podem imaginar qual será
o próximo movimento que os governantes do Enxame planejam contra a Terra. Eles
percebem isso quase tarde demais. Então, os Ídolos do Enxame enviam um
misterioso negociador para os líderes do Império Solar.
Dalaimoc Rorvic e Tatcher a Hainu entram em ação – e então começa a CAÇA
FANTASMA...

Personagens Principais

• Perry Rhodan
O Administrador-Geral está pronto para negociar.

• Gucky
O rato-castor pode curar bêbados.

• Dalaimoc Rorvic
Chefe do comando CYD.

• Tatcher a Hainu
O capitão prossegue com a caça fantasma.

• Tobias Kukuruzku-Schulze
Um Cyno-humano.

• Ü’Krantomür
Negociador dos governantes do Enxame.

• Yorgho
Companheiro de Ü’Krantomür.

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A Caça Fantasma Perry Rhodan

Capítulo 1

“Mantenha seus pés imóveis, Capitão Hainu!”, resmungou o albino obeso pelos
feixes de vapor sob mim.
Eu tentava permanecer vivo e ao mesmo tempo diminuir as contrações das
minhas pernas. O elevado teor de umidade do ar levava-me à beira da asfixia.
Eu não conseguia entender como os homens podiam submeter-se, por vontade
própria, às dores de um sudatório.
Para Dalaimoc Rorvic tudo era possível, naturalmente, já que se tratava de
um monstro mutante, mas, além de nós, encontravam-se outros homens
naquela caldeira de vapor, e alguns deles eram homens bastante normais e
amigáveis.
Além disso, o Administrador-Geral parecia achar normal que os
integrantes da tripulação da MARCO POLO ocasionalmente, nos banhos de
vapor do setor de regeneração, suassem as almas pelos poros.
No nível de convés abaixo de mim acontecia algo. O comandante Rorvic
arrastava sua massa gorda. Pouco depois ele soprava em meu rosto o seu hálito
doce de ervas.
“Você está ofegante como um peixe fora d’água, Tatcher. Mas o senhor não
continuará assim. Espere, eu providenciarei um alívio.”
Ele bateu com suas patas molhadas em meu corpo, agarrou um braço e
uma perna e lançou-me, num arco elevado, numa bacia de água fria.
Isso salvou minha vida, apesar de que, num primeiro momento, pensei que
meu coração tivesse parado para sempre.
Quando emergi novamente e lutei para respirar, vi os feixes brilhantes de
energia das armas de radiação cruzando o salão do sudatório. Descargas
esmagadoras entorpeciam meus ouvidos.
Homens gritavam.
Quando vi que a maioria dos feixes de energia apontavam na direção do
lugar de Rorvic, percebi que se tratava de um ataque pernicioso contra meu
chefe. Com um grito de ira, saí da bacia de água fria. Nesse momento,
entretanto, instaurou-se o fogo.
Os compartimentos fecharam-se, então ocorreram, uma após a outra, num
curto espaço de tempo, três explosões abafadas. Claramente os assassinos
haviam atingido a si mesmos.
Eu olhava perplexo para a massa derretida e brilhante que se acumulava
no local onde Rorvic estava. Era improvável que meu chefe tivesse sobrevivido
ao ataque.
Algo materializou-se imediatamente ao meu lado. Os feixes de vapor
iluminaram-se.
“Terrível!”, sussurrou uma voz familiar, a voz do rato-castor Gucky.
Cada vez mais rapidamente, o vapor foi eliminado. Os assassinos haviam
ferido vários homens, mais ou menos gravemente.
Como ninguém trouxera suas armas consigo para dentro do sudatório,
nenhum teve qualquer chance contra os assassinos.
Nem sequer Dalaimoc Rorvic. As portas foram abertas. Soldados e robôs
médicos adentraram. Rapidamente os feridos foram tratados e transportados
dali.

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A Caça Fantasma Perry Rhodan

Poucos minutos depois apareceu Perry Rhodan. Ele inquiriu sobre o


decorrer do que se passou.
“O comandante Rorvic estava ali, senhor”, informei, apontando para uma
protuberância disforme de terraço derretido, que chiava, ao resfriar-se. “Ele
deve estar completamente queimado.”
O Administrador-Geral olhou-me de forma penetrante.
“O senhor encontrava-se, antes do atentado, próximo ao comandante
Rorvic, Capitão a Hainu?”, eu confirmei.
“O senhor pode perceber qualquer sinal de inquietação nele?”, perguntou
Rhodan, em seguida.
“Não, de forma alguma. A criatura gorda... é, então, quero dizer, meu
comandante estava se divertindo comigo imediatamente antes do homicídio,
porque eu havia me afogado no vapor. Então ele me lançou numa bacia de água
fria – e quando eu emergi, já havia acontecido.”
Eu assoei o nariz e olhei para Perry Rhodan.
“Então, já tivemos frequentes desacordos, senhor, mas Dalaimoc Rorvic
era muito querido por mim. Eu temo que ele me faça falta.”
“O senhor não pode fazer nada em seu resgate, capitão?”, perguntou
Rhodan. Antes que eu pudesse responder, o ilt disse:
“Eu consegui recuperar as memórias do ferido, Perry. Em uma eu
encontrei a visão de que Tatcher lançou-se, desafiando a morte, sobre o atirador
que estava próximo, mas não o alcançou, pois tudo já havia terminado.”
Quando seu telecomunicador de pulso chamou, o Administrador-Geral
inclinou o braço e reportou-se. Ele ouvia apenas uma voz pouco audível, então
agradeceu e desligou novamente o telecomunicador.
“Acabei de receber a informação de quais tripulantes da MARCO POLO
estão desaparecidos. Trata-se de três simples soldados do comando de
aterrissagem?”
Seu olhar movia-se entre mim e Gucky.
“Como foi possível ao assassino esconder das pessoas com dons telepáticos
da MARCO POLO, com sucesso, até o fim, seu plano de morte?”
Seu olhar permaneceu sobre Gucky. “Whisper ficou imerso em sua
emulsão nutritiva, de forma que fiquei impedido como telepata. Mas você e
Fellmer deveriam ter conseguido reconhecer, em meio aos ruídos mentais, tais
planos intensivos, já que são intenções assassinas.”
“Os assassinos explodiram no ar?”, perguntei.
“Assim parece”, respondeu Rhodan, hesitante. “Alguma coisa em suas
cabeças explodiu. Não é possível dizer mais nada, no momento.”
“Por que três soldados espaciais de terra comuns desejariam assassinar o
Comandante CYD?”, ponderou Gucky.
“Se suas intenções não puderam ser detectadas telepaticamente, não eram
soldados de terra comuns”, afirmou o administrador-geral. “Eles devem ter sido
condicionados de alguma forma. Mas, por quem?”
“Pelos Cynos?”, perguntou o ilt. “Não creio”, eu disse. “Os Cynos estão
atualmente bastante interessados numa cooperação conosco, e eles dão muito
valor à manutenção de contato exatamente com o comandante Rorvic.”
Pensativo, olhei para o que restava do terraço.
“Eu nunca pensei que fosse possível acontecer alguma coisa ao
comandante Rorvic. Ele parecia ser imune a qualquer coisa, e eu pensava

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A Caça Fantasma Perry Rhodan

sempre que ele sobreviveria até mesmo à explosão de uma microbomba atômica
que alguém misturasse à sua comida.”
“Então”, soou uma voz profunda e prolongada, “o senhor queria misturar
uma bomba atômica à minha comida, sua ameixa seca marciana?” Nós nos
viramos, eletrificados. Diante de nós estava a forma gotejante de Dalaimoc
Rorvic. Sua testa estava decorada com uma saliência e ele exalava um cheiro
como o de uma porta aberta de um bar de espaçoporto.
“Mas uma bem pequena, senhor”, respondi, perplexo.
O albino tibetano arrotou violentamente. Seus pequenos olhos fixavam-se
no administrador-geral.
“Por favor, senhor, perdoe o descarrilamento psicológico, mas eu me
materializei em uma cadeira nojenta da cervejaria de bordo.” Ele arrotou
novamente. “Com isso, bati tão forte com a cabeça que fiquei inconsciente.
Então enchi a cara de cerveja.”
Ele fechou os olhos e caiu tão rapidamente para trás que Gucky sequer
conseguiu segurá-lo. O Administrador-Geral ordenou que Rorvic fosse
transportado para a clínica de bordo por dois robôs médicos.
Em outras circunstâncias o ocorrido teria provocado risadas, mas naquele
momento o atentado no sudatório ainda estava muito fresco em nossos
pensamentos.
“Por isso ele retornou tão tarde”, disse Rhodan. Ele olhou seu cronógrafo
de pulso. “Em uma hora e meia cairemos de novo no espaço normal, próximo ao
Sol. Até então, tenho esperanças de que as recentes circunstâncias do atentado
tenham sido esclarecidas. Sabemos agora que em nosso ninho há pelo menos
três ovos da serpente, mas não temos qualquer ideia de quantos ainda existem.”
Olhei involuntariamente para meu cronógrafo de pulso. Eram
22h15min35s do tempo normal, e na Terra escrevia-se 12 de março de 3443.
No entanto, não nos encontrávamos na Terra, mas no espaço interno ao
Enxame, que se arrastava com metade da velocidade da luz pelo espaço externo.
Nós, e ‘nós’ éramos a tripulação da MARCO POLO, e as tripulações de
milhares de outras espaçonaves, deveríamos retornar à inspeção rotineira no
Sistema Solar depois que algumas operações bem-sucedidas fossem conduzidas.
As disputas entre nós e os governantes do Enxame encontravam-se,
naquele momento, num impasse. Havíamos danificado algumas estações de
estimulação na camada interior do campo flexível – e, sobretudo, destruído o
planeta central de comando, Stato.
Como consequência disso, o Enxame não podia mais transitar e, o que
também era importante, o campo flexível tornara-se impermeável, de forma que
os amarelos precisaram desistir de seu parto forçado no interior do Enxame.
Assim, as estações civis de muitos planetas foram poupadas da destruição.
Entretanto, também os governantes do Enxame haviam desferido golpes.
O pior foi que haviam transferido todo o Sistema Solar em 900,82 anos-luz,
trazendo-o para a rota e velocidade do Enxame.
Com isso, o campo de proteção Paratron quase se rompeu. No entanto,
também os planetas do Sistema Solar foram atingidos.
Mas, após as mensagens por hipercomunicador, a humanidade recuperou-
se rapidamente do choque.
Parecia que nenhum dos dois lados poderia, num momento previsível,
atacar o outro de forma decisiva. E também os Cynos pareciam não poder
continuar nos ajudando. Ou eles não queriam revelar seus segredos.

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A Caça Fantasma Perry Rhodan

Retirei-me do comando de limpeza e deixei o centro de regeneração.


Um dia, pensei, os Cynos precisariam revelar seus segredos. O tremendo
repertório psiônico de Dalaimoc Rorvic garantia isso.
Interrompi-me, de repente.
Poderia ser que Dalaimoc Rorvic havia chegado longe demais na trilha dos
Cynos? Teriam eles tentado matá-lo para manter seus segredos consigo?
Eu decidi ir ao meu novo amigo Kukuruzku-Schulze e falar com ele sobre o
problema. O filho adotivo dos Cynos conhecia a mentalidade daqueles seres
assustadores melhor que todos nós juntos.
Talvez ele soubesse de algo que pudesse me ajudar. Não se tratava do fato
de alguém ter matado meu chefe tão facilmente. Ele era um supervisor
arrogante que me atormentava constantemente, mas se alguém o matasse,
então seria eu mesmo. Mas havia ainda muito tempo para isso.
Nada sobrevive a um marciano da classe A.
“Entre, Tatcher!”, chamou Tobias Kukuruzku-Schulze pelo comunicador
externo, quando apertei o botão de chamada da escotilha de sua cabine.
A escotilha abriu-se silenciosamente. Uma música estranha tocava. Eu
adentrei a cabine de Toby.
A Cyno-humano sentava-se sobre o chão revestido de espuma e olhava
para a nuvem esverdeada que surgia de uma caixa metálica diante de si.
“Sente-se, por favor”, disse Toby, inexpressivo. Sua mão direita apontava
para uma poltrona.
Sentei-me silenciosamente. Kukuruzku-Schulze era algo entre cientista e
feiticeiro. Os Cynos o chamavam de Mago. Às vezes, ele agia como um charlatão.
Como os Cynos, no entanto, o tratavam com grande deferência, ele deveria ser,
de fato, um especialista; caso contrário, eles o teriam desmascarado há muito
tempo.
Após algum tempo, a nuvem esverdeada parou de ser abastecida.
Gradualmente, apagou-se.
Tobias olhou para mim.
“Meus irmãos da ATON não têm nada a ver com o atentado ao
comandante Rorvic, Tatcher”, disse ele, baixo. “O que eu vejo, e não é muito,
indica que um condicionamento iniciou-se ainda durante a imbecilização
parcial.”
“E quem mais foi condicionado?”
Tobias balançou a cabeça.
“Isso eu não sei. Se houver mais condicionados na MARCO POLO, então o
condicionamento é qualitativamente tão bom que ninguém pode identificá-lo.
Eu senti o impulso de aviso do assassino somente no momento de sua morte.”
“Como não se pode perceber esse impulso mais cedo?”, perguntei.
Tobias suspirou.
“Porque não havia nenhum, anteriormente. O condicionamento consciente
deve ser obra de um gigante parapsíquico que, de certa forma, programou o
subconsciente de sua vítima.”
Ele segurou uma garrafa de Bourbon pela metade e olhou para mim de
forma questionadora. Quando eu assenti, ele encheu dois copos fundos com o
líquido de cor dourada e entregou-me um deles.
Eu tomei um grande gole e senti a onda de calor que percorreu o meu
corpo.

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A Caça Fantasma Perry Rhodan

Tobias Schulze esvaziou seu copo em goladas e o encheu novamente até a


borda.
“Ah!”, disse ele. “Isso é melhor que a substância sintética que meu irmão-
Cyno preparava para mim.”
“O senhor rirá”, revidei, “mas esse Bourbon também é sintético. Ele é
fabricado a bordo da nave de tropa, a partir de lixo beneficiado.”
Os olhos de Schulz ficaram grandes e redondos; seu pomo-de-adão saltou
para frente.
“De lixo beneficiado?”
Eu fiquei sério e esperei que também Tobias Kukuruzku-Schulze não
pudesse ler meus pensamentos se eu colocasse em prática meus treinamentos
de bloqueio.
Quando ele esvaziou seu copo pela segunda vez e lambeu os lábios,
saboreando, percebi que o Mago havia me desvelado. Ou ele era uma classe
melhor que Dalaimoc Rorvic, ou ele não precisava ler os pensamentos de um
indivíduo para saber se ele mentia ou se dizia a verdade.
“O senhor mencionava um gigante parapsíquico, Toby”, retornei ao tema.
Tobias assentiu e sentou-se em um tamborete cúbico.
“Um gigante hipotético”, ele corrigiu. “Eu acredito que essa criatura tenha
enviado cada passo pela consciência da vítima e apagado, em seguida, mas que
os procedimentos tenham permanecido de forma estratificada no
subconsciente. A primeira camada foi ativada e elevada à consciência, assim que
um estímulo inicial surgiu.”
O homem enigmático encheu nossos copos e voltou a beber.
“Assim que a primeira camada chegou à consciência, provocou, na
sequência dos comandos apagados, uma execução forçada – e logo em seguida e
por meio disso, a segunda camada era ativada no subconsciente e elevada ao
consciente.”
A dificuldade é que nenhum telepata tem a capacidade de determinar um
impulso adormecido e desativado de outra maneira. A ativação faz com que a
intenção fique, antes de tudo, ‘legível’.”
“Então o senhor deveria ter reconhecido a intenção do assassino enquanto
ele caminhava em direção ao sudatório, certo?”, eu disse.
“Não”, esclareceu Tobias. “Como consequência da disposição em camadas,
eu poderia, no máximo, perceber que três pessoas caminhavam em direção ao
sudatório.”
Ele balançou os ombros.
“Mas quem suspeitaria de algo tão corriqueiro? A próxima atitude do
assassino consistiu em entrar na banheira, sem retirar a roupa ou a arma. Isso
não despertou, ao menos imediatamente, nenhuma suspeita, pois eles poderiam
estar ali a fim de executar uma tarefa oficial. Então foi possível ter o
comandante Dalaimoc Rorvic na mira – e assim que se confirmou sua posição, o
comando de morte foi acionado.”
“Repulsivo! Apenas uma mente doentia poderia pensar em algo assim.”
Kukuruzku-Schulze sorria distraidamente.
“Se algo é repulsivo, depende sempre do ponto de vista, querido Tatcher. E
não precisa ser necessariamente uma mente doentia para planejar e agir de
forma genial.”
Eu esvaziei meu copo.

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A Caça Fantasma Perry Rhodan

“Exatamente, Toby. Afinal, eu poderia muito bem assumir o posto de


gênio.”
“Talvez. Seria possível que algo dos dons do comandante Rorvic fosse
passado para o senhor. No entanto, devo confessar que, por vezes, o tibetano me
parece assustador.”
“Por vezes?”, ecoei. “Para mim ele é constantemente assustador. Perto
dele, cada fio de cabelo meu se arrepia.”
“O senhor está exagerando, Tatcher”, revidou Tobias Schulze
amigavelmente. “Venha aqui, beberemos mais um copo!”
Eu hesitei, mas então cedi. Eu podia muito bem utilizar um pequeno
encorajamento. “Primeiro estava quase sufocado no vapor, então meu coração
deu um nó na água congelante, e depois a cena terrível do atentado!”
Mecanicamente, aproveitei a terceira dose.
“Em seguida, minha visão embaçou-se um pouco. Segurei-me firmemente,
por precaução, no encosto lateral da minha poltrona e me ergui assim que o
servo-autômato da cabine serviu um pequeno lanche.”
“Lanche à la Kukuruzku-Schulze”, esclareceu Tobias, sorrindo largamente.
Maravilhado, olhei para a mesa muito farta. A maioria dos pratos era à
base de peixe, o que resultava do fato de termos encontrado refúgio, havia
pouco tempo, num planeta abundante em água, abastecendo nossa câmara de
resfriamento com a fauna marítima comestível.
Eu vi ragout verde de peixe, bolos londrinos de peixe, pizza milanesa de
peixe, hambúrguer de arenque cozido e, além disso, os diferentes
acompanhamentos.
De bebida o robô servia, infelizmente, apenas uma cerveja sintética rala.
Quando perguntei a Kukuruzku quem deveria comer toda aquela comida,
ele respondeu:
“Ora, nós dois, evidentemente!”
Eu me esforcei ao máximo para atender às expectativas do meu anfitrião.
Mas não consegui empurrar mais que duas conchas cheias de comida para
baixo; isso representava cerca de um sexto da quantidade servida.
O mago não se deixou intimidar por isso. Ele engoliu a comida com a mais
pura alegria. Para acompanhar, bebeu vinte e nove copos de cerveja.
Ao final do “pequeno lanche”, a barriga de Schulz já se projetava como
uma semiesfera.
“Vocês entendem de comida. Meus cumprimentos!”, disse ele. “Apenas a
cerveja não é boa. Eu preciso de umas goladas mais fortes para me livrar do
sabor aguado.”
Ele jogou a garrafa vazia de Bourbon no eliminador de lixo, pegou uma
segunda de uma pequena prateleira na parede, abriu-a e encheu nossos copos
novamente.
Meia hora depois estávamos de braços dados na faixa da direita da esteira
de transporte e tentávamos marchar contra a velocidade de rolagem da esteira.
Depois de algum tempo fez-se um silêncio repentino, então soou uma voz
masculina dos alto-falantes do corredor, dizendo:
“Aqui é o setor de vigilância, Sargento Oberthäl. Capitão a Hainu e senhor
Kukuruzku, chamo a atenção dos senhores para o fato de que precisam andar
mais rápido, para que possam compensar completamente a velocidade da
esteira, atingindo a estagnação interna da nave.”
“O que esse idiota disse?”, perguntou Kukuruzku-Schulze.

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A Caça Fantasma Perry Rhodan

Eu queria responder, mas comecei a soluçar violentamente naquele


momento, o que fez com que perdêssemos o passo.
“Desculpe-me”, esclareceu o Sargento Oberthäl, “mas o estado dos
senhores demanda a notificação do posto de segurança mais próximo.”
“Não é preciso, Bruno!”, gritou uma voz estridente.
Eu reconheci Gucky, que se materializara perto de nós e flutuava rente ao
chão.
“Eu levarei os dois pecadores para o pronto-atendimento na clínica de
bordo”, disse o rato-castor. “O assunto está, assim, resolvido para o setor de
vigilância, Bruno.”
“Entendido”, respondeu o Sargento Oberthäl. Ele riu secamente e desligou
o comunicador geral.
Gucky flutuou para trás de nós, segurou nossos braços – e no instante
seguinte estávamos em uma pequena sala da clínica de bordo.
“Pois não, o que o senhor deseja?”, rosnou uma voz robótica pelo console
curvo na parede.
“Um tratamento intensivo para duas pessoas contra envenenamento pela
ingestão de C2H5OH. Mais informações são sigilosas em função da minha
posição de oficial especial. Solicito execução imediata.”
Houve alguns cliques, então soou novamente a voz robótica.
“O senhor foi identificado como oficial especial Gucky. Por favor, entre
com os dois pacientes na sala cuja porta abrirei para o senhor.”
À nossa direita abriu-se uma escotilha, silenciosamente.
“Adiante!”, disse o ilt, e teleportou-se conosco para dentro da sala.
O cômodo era triangular, iluminado por luzes verdes indiretas. Continha
várias poltronas com todas as conexões possíveis.
Novamente comunicou-se a voz robótica. Ela nos instruiu que tomássemos
lugar nas poltronas – exceto Gucky, naturalmente.
Mal nos sentamos, finos tentáculos de metal rastejaram-se em torno de
nós, subiram as mangas de nossos uniformes de bordo, inseriram,
infalivelmente, tubos nas veias dos braços e posicionaram faixas de metal
vibrantes e aquecidas ao redor de nossos crânios.
Em pouco tempo senti-me maravilhosamente relaxado e aliviado. Fechei
os olhos. Mas logo depois pulsaram novas energias pelo meu corpo. Senti-me
completamente lúcido e ativo.
“Tratamento encerrado; resultado positivo”, zumbiu a voz robótica.
“Obrigado, amigão!”, disse o rato-castor.
As conexões com a poltrona de tratamento afrouxaram-se; os tentáculos
de metal retornaram à posição anterior. Gucky segurou nossas mãos e
teleportou-se para a central de comando.
Vi que a MARCO POLO havia caído no espaço normal. Pouco depois
percebi também que Dalaimoc Rorvic estava presente. O albino usava uma
vestimenta de bordo de marca, cheirava a espuma de banho e óleo de
massagem, e parecia estar em perfeito estado.
“Sente-se ao meu lado, capitão Hainu!”, solicitou, batendo na poltrona
curvada à sua esquerda. “Por que o senhor bloqueou seus pensamentos? Diga-
me onde o senhor esteve esse tempo todo!”
“Em meu traje de bordo, senhor”, respondi. “Como percebo, o senhor
sobreviveu razoavelmente à sua aventura de cerveja.”

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A Caça Fantasma Perry Rhodan

“Não seja atrevido, sua pulga de areia marciana!”, insultou Rorvic


enquanto mostrava um sorriso jovial ao ambiente.
Agi como se não tivesse ouvido e olhei para a tela dianteira, que mostrava
uma fração do todo. A metade havia sido tomada por uma curvatura energética
distorcida, por parte do campo Paratron de sistema abrangente, que podia ser
visto de nossa posição.
Perry Rhodan, que sentava-se de frente para mim na mesa de mapas,
ativou o intercomunicador e disse:
“Chefe para localização! Como reagem as unidades de guarda do Enxame
ao nosso surgimento?”
“Major Kusumi para chefe”, respondeu a voz do chefe de localização. “Os
indicadores de impulso registram seis associações de naves do Enxame,
concentradas em formato de cacho de uva. Elas estão mais distantes que o
habitual do campo Paratron, e mantêm-se absolutamente passivas até o
momento, senhor.”
“Talvez as tripulações estejam fazendo pausa para o chá”, disse Gucky.
Algumas pessoas riram forçadamente.
Rhodan franziu a testa, pensativo.
“Esse comportamento me deixa com dúvidas. Até o momento as naves de
guarda sempre atacaram quando tiveram a possibilidade de fazê-lo.”
“Eu recebi uma análise da situação por parte da positrônica central”,
esclareceu Ataro Kusumi. “Ela chegou neste momento. A Hapo informa que os
comandantes do Enxame tomaram conhecimento de que, numa batalha em
espaço aberto, teriam capacidade muito menor de atingir-nos. Seu
comportamento passivo também nos permite concluir que já tenham planejado
novos atos concretos.”
“Obrigado!”, disse o administrador-geral.
Ele estabeleceu uma conexão por intercomunicador com o comandante da
MARCO POLO e ordenou maior vigilância. De qualquer maneira, as manobras
deveriam ocorrer como o planejado.
A nave capitânia de Rhodan e as demais mil naves tomaram a formação de
um cone, cuja abertura da base apontava para frente. Os campos de energia
estavam ativados.
Apenas a poucos segundos-luz da camada externa do campo Paratron, a
formação ficou relativamente imóvel. Então a MARCO POLO, que estava na
ponta do cone, disparou, em primeiro lugar, mergulhou no cone e voou contra a
escotilha da estrutura do enorme campo Paratron, que se encontrava aberta. As
fileiras seguintes seguiram a um curto intervalo, de maneira que o cone
inverteu-se para dentro.
Mas, pouco antes de a MARCO POLO penetrar pelas bordas em chamas da
escotilha da estrutura, o major Donal Freyer, nosso chefe de rádio, entrou em
contato e disse algo, sem fôlego:
“Central de rádio para chefe! Senhor, nós estamos recebendo uma
mensagem dos Ídolos por hipercomunicador. Ela foi elaborada em intercosmo.
Até onde consegui entender, os governantes do Enxame querem negociar
conosco.”
Perry Rhodan reagiu imediatamente. Ele ativou o “circuito de comando
simultâneo”, que o conectava com todos os comandantes das naves de nossa
formação ao mesmo tempo, e disse:

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A Caça Fantasma Perry Rhodan

“Comando de emergência alfa! Paralisar todos os movimentos, corrigir as


posições e liberar as naves para ação! Fim!”
O chão sob meus pés tremeu quando a MARCO POLO, de dois quilômetros
e meio de diâmetro adotou aceleração reversa total, para inverter seu trajeto. O
painel de controle externo da positrônica principal tremia e soltava faíscas em
um turbilhão furioso de indicadores luminosos eletrônicos; o cérebro artificial
da nave capitânia solar calculava os movimentos de todas as naves de nossa
formação, coordenava as manobras e compartilhava comandos importantes
diretamente às positrônicas centrais das respectivas espaçonaves.
Nesse intervalo, o Major Freyer retransmitia a conversa por
hipercomunicador, enquanto nossas antenas mantinham o restante do sinal
fora do paraespaço.
Eu ouvia, aflito.
Os Ídolos admitiram que se havia atingido um ponto em que nenhuma
decisão poderia ser tomada através de meios bélicos. Eles esclareceram saber
que os solarianos haviam encontrado seu ponto de fragilidade, especificamente
a divisão dos Karties, e que eles precisavam resolver esse problema
urgentemente. Como isso não seria possível por meios bélicos, eles ofereceram
negociações.
Quando Donald Freyer finalizou sua mensagem, o Administrador-Geral
sorriu e disse:
“Isso é bom demais para ser verdade. Afinal de contas, estou sempre à
disposição para negociações. Major Freyer, favor informar aos Ídolos que suas
sugestões serão respondidas após alguma reflexão.”
Ele ativou mais uma vez o circuito simultâneo, prestou um curto
esclarecimento sobre o contratempo aos comandantes das naves e ordenou a
retomada da manobra de infiltração.
Enquanto a MARCO POLO mais uma vez colocava-se em movimento, o
Administrador-Geral sentou-se, pensativo, em sua poltrona curvada, o olhar
fixo num ponto da tela dianteira.
Claramente ele suspeitava do mesmo que eu. Isto é, que a oferta de
negociação dos Ídolos não era séria. Essas criaturas diferenciavam-se tanto de
nós que era difícil acreditar numa possibilidade de entendimento.
Antes que a MARCO POLO pousasse na Terra, Perry Rhodan ficou ao meu
lado e disse:
“O Comando CYD fará uma pausa de um dia, antes que retome as
conversas com nossos visitantes Cynos. Por favor, fique sempre perto do
comandante Rorvic. Eu quero que o senhor repasse a mim cada observação
suspeita, para que eu possa enviar um mutante.”
“Eu entendo, senhor”, respondi. “O comandante Rorvic estará em boas
mãos comigo. Se o senhor não tiver nada contra, pedirei a meu amigo
Kukuruzku-Schulze que me auxilie.”
“O senhor está certo de que pode confiar no senhor Schulze, capitão a
Hainu?”
“Tanto quanto em mim mesmo”, respondi. “Afinal, ele vem de uma família
de marcianos-A, senhor!”
O Administrador-Geral sorriu.
“Mas este é um argumento estupendo. Entendido, capitão.”
Foi assim que precisei passar o meu dia livre perto do albino gordo, em vez
de ficar tantos quilômetros quanto fosse possível distante dele.

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A Caça Fantasma Perry Rhodan

Tobias Schulze e eu seguimos o comandante até o Hotel Evergreen, na


cidade de Terrânia. Dalaimoc Rorvic hospedou-se no quarto 10536. Tobias e eu
tivemos sorte e conseguimos os quartos à direita e à esquerda dele.
Combinamos de nos encontrar em meia hora no meu quarto, caso as
atividades de Rorvic não nos forçassem a deixar os quartos antes disso.
Depois que o robô de serviço largou minha mala, fui à janela e observei a
imensa cidade, que se alongava para além do horizonte.
Terrânia estava mudando sua cara. Ela se renovava completamente a cada
cem anos. O velho desaparecia, o novo era construído. A cidade parecia um
organismo vivo que sempre se renovava.
Atualmente, no entanto, Terrânia havia perdido um pouco de sua antiga
glória. A época da imbecilização não havia sido superada sem danos na
metrópole. Parques abandonados, edifícios queimados e danificados, entulhos
de veículos acumulados formavam uma cicatriz terrível na face da cidade.
Alguns ferimentos eram recentes: resultado dos terríveis abalos estruturais
que a transição do Sistema Solar provocara.
O Hotel Evergreen era uma construção estável. No entanto, também havia
sofrido com os choques. A parede externa do meu quarto apresentava uma
fissura da largura de uma mão, que provisoriamente havia sido preenchida com
resina sintética.
Eu suspirei, despi-me e entrei para o banho. Infelizmente faltava um
sistema de aspersão de areia fria, então limpei-me por meio de uma massagem
com escova seca e desfrutei, finalmente, uma ducha de ar quente.
Quando retornei ao quarto, o aparelho de videofone tocou. Ativei o
aparelho por meio do comando ótico.
Na tela apareceu a cara de lua gorda de Dalaimoc Rorvic.
“Que coincidência sermos vizinhos no mesmo hotel, Tatcher!”, ronronou o
albino gordo com um sorriso falso. “O que o senhor está planejando, querido?”
“Nada de mais, comandante”, respondi.
“Isso é bom. Por favor, venha até aqui, então. Philomena escondeu-se.
Uma vassoura seca como você é ideal para encontrar a adorável garota.”
“Sim, senhor, eu já vou”, respondi.
Depois de desligar o videofone, desejei ao meu supervisor todos os males
deste mundo, na garganta.
Como se fosse a tarefa de um capitão da Força de Combate Solar procurar
por uma gata de estimação!
Ainda assim, não me restava nada além de atender ao pedido de Rorvic.
Ele podia ficar extremamente desagradável, quando alguém não fazia
exatamente o que ele desejava.
Eu estabeleci uma conexão pelo videofone com Kukuruzku-Schulze e
disse:
“Meu chefe está me chamando. Devo procurar por Philomena.”
“Philomena?”
“Sua gata de estimação. Então, estou indo agora para a toca do leão.”
O Mago arqueou as sobrancelhas e vistoriou-me de cima abaixo.
“Então, Tatcher...?”, perguntou ele lentamente.
Olhei-me e percebi que ainda estava nu.
“Oh!”, eu soltei. “O culpado disso é apenas aquele albino repugnante. Ele
não dá tempo sequer para que a pessoa se vista.”
Tobias sorriu largamente.

14
A Caça Fantasma Perry Rhodan

“Deixe-o esperando calmamente, Tatcher. O que ele fará contra o senhor?


Ele poderia substituí-lo, nada mais.”
“Substituir-me?”
Eu toquei minha têmpora.
“Não é má ideia, Toby. Pensarei em algo que faça com que o comandante
me retire do Comando CYD.”
Lentamente, puxei minha mochila e procurei pelo lubrificante à base de
flúor que eu sempre trazia comigo, a fim de fazer pequenos reparos imediatos
em meu veículo.
Quando adentrei o quarto de Dalaimoc, gritou a voz do comandante do
banheiro:
“Já estou tomando banho. Philomena deve ter se arrastado para debaixo
de algum móvel. Quando o senhor a tiver encontrado, use uma concha de leite
morno para atraí-la.”
“E onde conseguirei leite morno, senhor?”, perguntei.
Dalaimoc soltou alguns grunhidos e então respondeu, nervoso:
“Um oficial do Império Solar sempre sabe como se virar, capitão Hainu. O
senhor não tem sentimentos pelos animais, Tatcher?”
“Cozidos ou crus, senhor?”, perguntei.
Uma série de insultos agressivos derramou-se sobre mim.
Eu abri mão de um revide e iniciei a busca.
Rastejei de bruços pelo quarto, olhei sob os móveis e no bar. Nada.
Tampouco na cabine dormitório havia pista da gata de estimação
amarronzada. Assim que pisei no terraço aquecido por infravermelho, avistei a
vira-lata.
E também ficou imediatamente claro para mim por quê ela havia se
escondido.
Em meio a algumas peças de roupa de cama, a adorável Philomena estava
deitada, ronronando. Olhou para mim com seus grandes olhos verdes e mostrou
que cinco filhotes aliviavam sua fome, encolhidos, juntos dela.
Philomena parecia magra, e não foi preciso aquele seu olhar pedindo ajuda
para que ficasse claro para mim que precisava providenciar alimento – e não
apenas um pote de leite.
Fui até o videofone mais próximo e pedi à central de suporte um quilo de
picado, cinco ovos de galinha, uma lata de extrato de vitaminas e minerais e um
litro de creme fresco.
“O senhor encontrou Philomena?”, ecoou para mim, do banheiro.
“Não somente ela”, respondi e recebi as coisas que havia pedido. Misturei
o picado com os ovos, adicionei o extrato de vitaminas e minerais e misturei
tudo vigorosamente. Então derramei o creme doce em um pote e coloquei perto
de Philomena.
A gata ronronou alto e afastou-se de seus bebês fartos e adormecidos.
Então ela saltou sobre mim num mergulho, entortou o dorso e o esfregou em
minha cabeça.
Primeiro fiquei muito assustado, mas então achei o carinho de Philomena
comovente. Peguei-a nos braços, fiz carinho, coloquei-a de volta no chão e disse:
“Em breve você terá ainda mais, querida. O querido Tatcher preparou uma
coisa legal para você.”
Philomena miou e dedicou-se ao creme.
Eu retornei, assobiando, para o quarto, a fim de pegar o picado.

15
A Caça Fantasma Perry Rhodan

De repente, parei.
Ali, onde eu colocara a tigela com o picado, bloqueavam minha visão as
costas nuas e molhadas de Rorvic. Eu não vi o que o comandante fazia, mas,
pelos movimentos de sua papada e pelos estalos que se ouviam, foi possível
descobrir a natureza de sua atividade.
Aquela bola de gordura estava, de fato, devorando a comida de Philomena!
No primeiro impulso de raiva, procurei por um objeto rígido, pois seria
capaz de esmagar o crânio de Rorvic, mas então lembrei-me novamente da lata
de spray com o lubrificante.
Ele assobiou baixinho, enquanto eu pulverizava uma camada incolor e
escorregadia no chão, atrás do comandante. Depois de guardar a lata
novamente, inspirei profundamente e disse:
“Senhor!”
“Sim?”, murmurou Rorvic com a boca cheia.
“Venha rápido!”, chamei. “Philomena!”
Dalaimoc Rorvic virou-se e deu um passo em minha direção. No instante
seguinte, suas pernas voaram para frente. O comandante caiu sentado, de forma
brusca e escorregou como uma flecha pelo quarto.
Ele parou no meio do bar de vidro, e quando o tilintar, os crashes e
estrépitos pararam, Dalaimoc tentava sair da montanha de cacos, bufando.
Seus olhos vermelhos cintilavam para mim de forma mortal.
“Eu poderia ter me cortado todo, seu diabo de areia marciano!”, gritou ele.
“Em glassite não cortante, senhor? Isso dificilmente seria possível. Mas,
tão rapidamente o senhor realmente não precisava vir.”
“Também tive essa impressão. Então, o que aconteceu com Philomena,
capitão Hainu?
“O senhor comeu quase toda sua comida, senhor!”, esclareci de forma
reprovativa. “Ela precisa dela com muita urgência, no momento.”
“Onde ela está?”, a voz de Rorvic soava como um trovão.
“No terraço, senhor”, respondi.
Enquanto o comandante se dirigia ao terraço, peguei o pote parcialmente
cheio e apressei-me atrás dele, pelo menos eu quis fazer isso, mas teria
conseguido, não fosse a camada escorregadia invisível. De forma abrupta, caí no
chão e escorreguei, apesar de tentar um giro de frenagem.
Rorvic ouviu o golpe com que caí sentado. Ele virou-se, uma expressão
zombeteira no rosto.
No instante seguinte, colidi nele. O pote de comida voou das mãos
erguidas e atingiu o rosto de Rorvic. Nós caímos, e minha cabeça rugiu como
um sino, enquanto ele bateu na parede de vidro blindado do terraço.
Quando voltei a pensar de forma razoavelmente clara novamente, deparei-
me com uma situação peculiar:
O enorme e gordo albino estava deitado, de costas, esticava os quatro
membros e tremia-se todo numa risada penosa e contida, enquanto Philomena
lambia o picado de seu rosto e de sua orelha, com sua língua áspera.
Eu ri, mas parei imediatamente, quando uma dor pungente percorreu meu
crânio. Bem acima da orelha direita, senti uma forte pulsação.
Meu inconsciente deve ter “emitido” um grito de socorro, pois, poucos
segundos depois, Gucky materializou-se no meio do quarto adjacente.
O ilt tocou o chão, foi como que arrastado por uma mão imaginária e
desmaterializou-se perto de minha cabeça.

16
A Caça Fantasma Perry Rhodan

Eu saquei o desintegrador do coldre do cinto, ajustei para forte dispersão e


deixei o feixe de luz fazer efeito por algum tempo sobre o chão de plástico
revestido. Com isso o chão ficou consideravelmente áspero, mas, ao menos, a
camada escorregadia desapareceu.
Eu mal havia finalizado, Gucky rematerializou-se novamente no quarto.
Dessa vez ele manteve-se telecineticamente alguns milímetros acima do chão.
“O que é isso tudo, seus salvadores da galáxia? O que aconteceu?”
“Minha gata teve filhotes”, respondeu Rorvic.
“Miau!”, fez Philomena e desfilou sobre o rosto de Rorvic em direção ao
rato-castor. Ela fez uma simulação de ataque e retornou para junto de seus
filhotes.
Gucky suspirou profundamente.
“Claramente, não se pode deixá-los sozinhos por um instante.”
O tibetano endireitou-se e limpou o resto do picado de seu olho.
“Não fomos nós que tivemos filhotes, mas minha gata, Gucky, e,
claramente, a uva seca marciana causou o caos, novamente.”
Ele assoou o nariz.
“Bem vindo ao meu aconchegante lar, Gucky! Você está aqui a trabalho ou
por motivos pessoais?”
“Duplamente a trabalho, pode-se dizer.”
O ilt olhou ao seu redor e agitou a cabeça.
“Por um lado, o chefe enviou-me até vocês, e, por outro, recebi um impulso
mental de dor que continha as vibrações de identidade de Tatcher. Eu temi um
novo atentado a Dalai e...”
“O senhor temeu com razão”, disse Rorvic cruelmente. “O capitão Hainu
estava prestes a me matar. Você não tem ideia das insídias de que um marciano
é capaz.”
“O Administrador-Geral o enviou até nós?”, perguntei rapidamente. “O
que ele deseja?”
Gucky olhou para mim, pensativo e mostrou seu magnífico dente
dianteiro, com todo seu tamanho.
“Vocês terão a grande honra de estabelecer contato com um parlamentar
dos Ídolos, sob meu comando.”
“Será um prazer para mim”, eu disse. “Onde estão os Ídolos? No Império
Alfa?”
“Ainda não, Tatcher”, respondeu o ilt. “Nós devemos buscá-lo no espaço
do Enxame em uma nave dos demônios negros.”
Toquei meu machucado e soltei um gemido.
“Divirtam-se, amigos! Infelizmente, não irei junto. Talvez tenha sofrido
uma concussão.”
“Isso é o que o senhor pensa”, zombou Rorvic. “Quem nada é, não pode ser
ferido. O senhor virá, capitão, ainda que tenha que carregá-lo.”

17
A Caça Fantasma Perry Rhodan

Capítulo 2

Com exceção do Comando CYD, do Administrador-Geral e dos mutantes que o


acompanhavam, o regulador-hiperdim, professor Dr. Mart. Hung-Chuin havia
se reunido ao Império-Alfa para uma reunião.
O professor era um homem pequeno e de constituição delicada, com os
cabelos curtos e um constante sorriso esperançoso no rosto.
Perry Rhodan relatava.
“Como é do conhecimento dos senhores, os Ídolos apresentaram, ontem,
uma oferta de negociação. A oferta foi, naturalmente, testada pelo cérebro lunar
NATHAN. NATHAN alertou-nos e aconselhou que reuníssemos mais dados
antes de tomarmos uma decisão.
Aparentemente, os Ídolos compreenderam nossa hesitação.
Eles complementaram sua oferta com a proposta de envio de um único
parlamentar para o Sistema Solar – de fato, um Ídolo desprovido de poderes
parapsíquicos.
Respondemos que desejávamos, primeiramente, testar os negociadores
por completo, antes que autorizássemos sua vinda ao Sistema Solar.
Os Ídolos declararam estar de acordo com isso.”
O Administrador-Geral olhou para cada um de nós de forma séria.
“Minha opinião é a de que os Ídolos estão desesperados.
Os Karties não podem suprimir sua necessidade de partos, tampouco
podem deixá-los transcorrer fora do Enxame. Caso os Ídolos permitam uma
divisão dos mundos especialmente preparados do Enxame, eles sofrerão danos
mentais em virtude da radiação psiônica liberada. Mas, se não ajudarem os
Karties, eles morrerão gradualmente – o que, no fim das contas, também teria
como consequência a queda de todos os Ídolos.”
“Então talvez devêssemos aguardar até que os Karties morram”, disse
Merkosh, o Vítreo.
Rhodan agitou a cabeça.
“Se podemos ajudar os Karties sem que a humanidade seja colocada em
risco significativo, temos o dever de fazê-lo!”, esclareceu ele, convicto.
“NATHAN avaliou a proposta ampliada e chegou à conclusão de que há uma
possibilidade de sessenta por cento de que a oferta dos Ídolos é séria.”
Ele hesitou por um instante, e então prosseguiu:
“Esses sessenta por cento foram cruciais. Reunimos uma equipe da
biopositrônica lunar, garantindo sucesso máximo para nossa missão.”
Eu olhei atentamente ao meu redor. Além de Merkosh, Gucky e Fellmer,
também lorde Zwiebus estava presente, o pseudoneandertalense, que exercia a
função de guardião instintivo de Rhodan.
Ao fundo sentava-se o telecineta Balton Wyt – e, naturalmente, nosso
Comando CYD, sem o qual nenhuma missão de risco poderia ser cumprida,
estava completamente disponível. Peltrow Batriaschwili seguia os planos com
seu zelo típico; Dalaimoc Rorvic cochilava com os olhos semicerrados diante
dele; Bescrilo Nonderver mastigava um charuto frio e Riev Kalowont pintava
pessoas em uma película magnética.
Antes que o Administrador-Geral pudesse prosseguir, levantei-me e ergui
a mão.

18
A Caça Fantasma Perry Rhodan

“Sim, por favor, capitão a Hainu!”, disse Rhodan, atencioso.


O Administrador-Geral está quase sempre atencioso, muito diferente do
comandante Rorvic, que sempre ignorava o “a”, parte essencial do meu nome.
“Senhor”, eu disse, “por que desejamos, então, trazer o parlamentar
estrangeiro para o Sistema Solar? Seria muito mais seguro realizar as
negociações lá fora, no espaço interno ao Enxame.”
Dalaimoc Rorvic direcionou seu rosto de lua cheia para mim e olhou-me
de forma maldosa.
“Cale a boca e não arruíne minha diversão, sua pulga marciana!”,
sussurrou ele, ameaçadoramente. “Complicações apenas tornam a vida doce.”
Perry Rhodan pigarreou.
“O senhor disse algo sobre o assunto, comandante Rorvic?”, perguntou ele.
“Não, senhor, falava somente com Hainu”, respondeu o monstro gordo,
indiferente.
O Administrador-Geral permaneceu calmo, o que achei admirável. Ele
caminhou até mim e esclareceu:
“Sua objeção está completamente correta, capitão a Hainu.
Evidentemente, propusemos aos Ídolos, primeiramente, que as negociações se
dessem em um planeta inabitado no espaço interno ao Enxame.
Os Ídolos apresentaram um forte contra-argumento, que também foi
aceito por NATHAN. Eles esclareceram que cada vez mais Karties dariam à luz
de forma selvagem, de forma que a carga psiônica do espaço interno ao Enxame
aumentaria.
Com negociações no espaço interior do Enxame, eles não poderiam
garantir que a delegação permaneceria pacífica. Uma elevação sutil da carga
psiônica poderia levar os Ídolos a atacar nossa delegação de negociadores num
acesso cego de fúria, fazendo das negociações um fracasso.
Como o campo de proteção Paratron de sistema abrangente contêm as
radiações psiônicas de parto, as negociações não seriam colocadas em risco sob
sua proteção.”
Rhodan sorriu para mim amigavelmente.
“Esse é o motivo pelo qual devemos negociar no Sistema Solar, capitão a
Hainu.”
“Que desperdício de energia com um gafanhoto marciano!”, murmurou
Rorvic.
Lorde Zwiebus coçou seu pescoço, olhou para o tibetano profundamente e
bocejou largamente.
“Obrigado, senhor”, eu disse a Rhodan. “O senhor seria tão amigável a
ponto de esclarecer ainda o por quê de permitirmos a entrada de apenas um
Ídolo?”
“Com prazer”, respondeu o administrador-geral. “Precisamos manter o
risco tão baixo quanto possível. Os Ídolos são – resguardadas as exceções –
fortemente dotados de poderes parapsíquicos, e poderiam ocasionar grande
quantidade de prejuízos significativos.
Por essa razão fui também receptivo à ideia de que nos queiram enviar um
parlamentar desprovido de poderes parapsíquicos.”
Ele deixou seu olhar percorrer o círculo, então perguntou se ainda havia
questões em aberto. Como ninguém se manifestou, ele prosseguiu:
“Naturalmente não devemos confiar nos Ídolos. Por isso enviaremos a eles
negociadores da nave de exploração EX-4355. O comandante é o professor Dr.

19
A Caça Fantasma Perry Rhodan

Mart Hung-Chuin; eu serei o líder da missão. Além dos tripulantes normais da


EX-4355, todos os aqui presentes participarão.
Nós levaremos o parlamentar dos Ídolos para o espaço interior do Enxame
e o verificaremos cuidadosamente. Assim que ficar evidenciado que o Ídolo em
questão de fato não possui capacidades parapsíquicas, retornaremos com ele
para o Sistema Solar.
Depois de amanhã, no dia quinze de março, começaremos – mais
precisamente às 9 horas do tempo normal. Por favor, informem-se
posteriormente à nossa conversa, sobre o plano de ação e preparem-se bem para
suas funções.”
O Administrador-Geral inclinou ligeiramente a cabeça.
“Muito obrigado por sua atenção.”
Ele deixou a sala na companhia de lorde Zwiebus.
Dalaimoc Rorvic levantou-se de sua poltrona, ofegante, olhou para mim
desdenhosamente e disse:
“Como se pode ser tão teimoso e pedante, capitão Hainu! Se eu fosse o
administrador-geral, jamais faria isso.”
“Por sorte o senhor não é o administrador-geral, senhor”, revidei. “Pelo
menos a humanidade foi poupada disso até o momento.”
O tibetano cruzou os braços sobre o peito.
“Ouçam este espertalhão!”, ele zombou. “Eu quase posso acreditar que ele
queira se candidatar nas próximas eleições para o escritório do administrador-
geral.”
“Se o senhor se candidatar, permita que me registre como candidato de
oposição, comandante Rorvic!”, esclareci. “Caso a humanidade ainda mantenha
alguma noção de estética, a escolha entre nós não será difícil.”
Dalaimoc sorriu.
“Certo, certo, Tatcher. Para os homens eu serei o símbolo da abundância,
enquanto as pessoas, ao olharem para o senhor, pensarão imediatamente em
um século de seca, fome e mutações negativas.”
Aquela difamação me deixou com tanta raiva que eu saltei para golpear o
albino gordo com toda força.
Mas Dalaimoc Rorvic não pareceu sequer senti-lo.
Ele colocou sua pata no meu pescoço e pressionou-me contra si. Meu rosto
foi pressionado contra seu corpo e eu quase me sufoquei.
“Mas, meu querido capitão, não queremos brigar”, entoou sua voz
profunda. “Tendo em vista a difícil tarefa que se coloca diante de nós, quero
esquecer seu comportamento impertinente e espero que o senhor recompense
minha generosidade com um comportamento extremamente leal.”
Ele ergueu-me pelo colarinho, até que nossos rostos ficassem à mesma
altura. Eu não pude ver muito, somente o rosto de Rorvic sob o efeito da falta de
oxigênio, com respingos avermelhados. Ofegante, puxei bastante ar para meus
pulmões.
“A um bom trabalho em equipe”, disse Rorvic e me soltou.
Eu ouvi algo bater e encontrei-me, após algum tempo, de volta ao chão.
“Como o senhor está?”, gritou a voz de Kukuruzku da entrada da sala de
conferência. “O comandante Rorvic fez alguma coisa a você, novamente?”
Eu levantei-me, o que deixou claro para mim que, nos dias seguintes, seria
mais confortável ficar em pé que me sentar. “Foi apenas o usual”, sussurrei por
entre os dentes cerrados.

20
A Caça Fantasma Perry Rhodan

“Na verdade, eu esperava que o senhor ficasse ao meu lado, Toby. Mas
amizades verdadeiras provavelmente não existem mais no Universo.”
O Mago colocou uma mão sobre meu ombro.
“O senhor não deve dizer isso, Tatcher. Eu não pude ficar ao seu lado
porque, após o fim da conferência com Gucky na MARCO POLO, eu precisei
teleportar-me para buscar algo.”
Gucky mostrou seu dente de roedor e ergueu um saco.
“Sementes de cenoura, Tatcher! Eu as lançarei em um planeta do Enxame
para que a cenoura possa fazer sua marcha triunfal por todos os planetas desta
pequena galáxia.”
“Por que isso seria bom?”, perguntei.
“Como as negociações com os habitantes do Enxame iniciaram-se”, sibilou
o rato-castor maliciosamente, “certamente chegará o dia em que teremos paz
entre nós. E em algum momento no futuro eu baterei nos portões do Enxame
como turista pacífico – hã, e então seria naturalmente muito bom que eu
pudesse comprar cenouras frescas em muitos planetas.”
Eu engoli e olhei para Tobias. Então apontei para o ilt e perguntei:
“Ele foi pisoteado na cauda por um brontossauro, Toby?”
“Não, ele está falando muito sério”, respondeu Kukuruzku-Schulze. “Gucky
inclusive utilizou sementes com estabilizadores de reprodução, a fim de que as
espécies também se mantenham em planetas inabitados.”
“Como você pode estar surpreso!”, disse o rato-castor. “Os futuros
governantes do Enxame serão cenouras da espécie gigante de Vênus.”
“Genial!, ele revidou, estarrecido. “Os Ídolos, de fato, também comem
cenouras?”
Pontualmente, no dia 15 de março de 3443 no tempo terrano, às 9 horas
do tempo-padrão, a EX-4355, com o sonoro apelido de KONG-KONG, foi
erguida por um campo estelar pentadimensional para o céu nublado sobre o
imenso deserto de Gobi.
Antes que tivéssemos embarcado na nave de exploração, houve algumas
piadas sobre seu apelido por parte dos técnicos ignorantes. Em seguida, o
comandante Mart Hung-Chuin apontou, com um sorriso educado e voz suave,
que KONG-KONG não tinha nada a ver com um conhecido “King Kong”, mas
com o mito fundador dos chineses, que seria um monstro com corpo de
serpente e rosto de humano, que teria governado a Terra em seu início.”
Voamos conforme o planejado para a escotilha de estrutura Gama e
abandonamos a proteção até então imbatível do campo de proteção Paratron.
Trinta cruzadores pesados formavam nossa escolta. Eles deveriam acompanhar-
nos até o ponto no espaço interno ao Enxame em que apanharíamos o
parlamentar dos Ídolos.
No entanto, não foi necessário que atacassem em nossa defesa. Os Ídolos
haviam recuado com sua formação de vigilância ainda mais. Nós víamos as
formações em forma de cachos de uva nas telas de localização. Elas estavam
completamente paradas no espaço, em relação ao Sistema Solar.
Com uma curta manobra linear, a KONG-KONG distanciou-se noventa
anos-luz do campo de proteção Paratron de nosso sistema de origem. Quando
caímos de volta ao espaço normal, nossa localização detectou uma típica nave
cilíndrica dos chamados demônios negros. Entretanto, ela não havia projetado
sua cúpula de cristal e nós não havíamos sido importunados por forças
psiônicas.

21
A Caça Fantasma Perry Rhodan

A nave dos demônios aproximava-se lentamente do ponto de encontro.


Nós também desaceleramos. Quando estavam a dez milhões de quilômetros
uma da outra, as naves pararam, uma em relação à outra.
Após algum tempo foi estabelecida uma conexão de voz segura e livre de
interferências por meio de um hipercomunicador de feixe direcional.
No cubo trivídeo surgiu a típica forma de um Ídolo do Enxame.
“Aqui fala Perry Rhodan”, disse o administrador-geral. “Já estamos
preparados para o recebimento de seus negociadores. Antes, no entanto,
gostaria de conhecer os homens pelo hipercomunicador.”
“Isso pode ser feito”, respondeu o Ídolo. “Ü’Krantomür está a caminho da
sala de rádio. O senhor poderia, por gentileza, aguardar quatro minutos de seu
tempo-padrão?”
Era impressionante o quanto aqueles rapazes já sabiam sobre nós. Até
suas construções frasais combinavam com as nossas.
“Naturalmente, senhor Llagpaty”, disse Rhodan com a face imóvel.
Por outro lado, nós sabíamos muito pouco sobre os Ídolos.
Não conhecíamos sequer sua saudação, ou como eles formulavam frases
em seu idioma. Tampouco sabíamos se a maioria de nós tinha domínio na
língua corriqueira dos seres do Enxame, o interkartie.
Eu tinha a impressão de que os Ídolos não tinham qualquer formulação
própria, mas utilizavam o tipo de construção de cada criatura com quem eles
conversavam.
“Talvez eles sequer tenham uma cultura própria”, disse a mim mesmo.
“Quem?”, perguntou Gucky. “Os Ídolos?”
Eu notei um olhar atípico de Kukuruzku-Schulze e perguntei a mim
mesmo, mais uma vez, o que o filho de um marciano e filho adotivo de um Cyno
escondia de nós. Ele parecia saber muito sobre os Ídolos e sobre o Enxame.
Por um instante eu havia negligenciado meu bloqueio de pensamentos e
imediatamente percebi nos olhos de Gucky e Schulze que eles haviam
identificado meus últimos pensamentos.
A expressão de Tobias fechou-se.
O rato-castor esfregava a mão com entusiasmo, do outro lado.
“Eu suspeitava disso há tanto tempo”, disse ele. “Tobias Kukuruzku-
Schulze, porque você não se revela um pouco mais para nós, hm? Somos
amigos, afinal, ou não?”
Os olhos de Tobias ficaram sombrios.
“Os Cynos e eu somos irmãos, se não irmãos de sangue, e não se trai um
irmão, Gucky”, disse ele, baixo. “É claro que os senhores confiam em mim e eu
nos senhores. Os senhores não me fizeram prometer guardar seus segredos, pois
isso é evidente e decorre de reciprocidade.”
Ele sorriu furtivamente.
“Então isso deve acontecer entre os homens, às vezes. Mas posso dizer com
certeza que Arman Signo está autorizado a revelar-lhes um de nossos maiores
segredos no tempo devido.”
“Eles disseram ‘nosso segredo’, Toby?”, perguntei. “Isso significa que o
senhor se considera um Cyno?”
Kukuruzku-Schulze balançou a cabeça.
“Isso eu não posso, porque não sou um Cyno e tampouco sei como um
Cyno se parece em sua forma original. No momento, entretanto, pertenço mais
a eles que aos senhores.

22
A Caça Fantasma Perry Rhodan

No tempo devido, meu irmão Cyno e eu nos separaremos, então eu


perguntarei se meus irmãos solares me aceitam.”
No cubo trivídeo que mostrava os Ídolos ocorreu uma mudança. Kragh
Y’Llagpaty moveu-se um pouco para o fundo e deu lugar a uma criatura cuja
forma se distanciava substancialmente das dos Ídolos até então vistos.
A criatura tinha cerca de dois metros de altura, muito magra, possuía uma
pele manchada de violeta e amarelo, um rosto completamente plano com
aberturas triangulares para ingestão, assim como para audição e olfato. Em
cada um dos pés brutos descobri um grande gancho em forma de espora.
Então este é o Ídolo Ü’Krantomür!, pensei comigo mesmo. Assim ele é.
Eu mal havia pensado naquilo, outra criatura surgiu no campo de visão.
No primeiro momento eu pensei ter visto um exemplar de um caramujo
gigante de um metro de comprimento. O corpo assemelhava-se ao de um
molusco, mas dividia-se em cinco segmentos dificilmente identificáveis, que
eram, alternadamente, coloridos de amarelo e violeta.
A diferença decisiva, no entanto, era que essa criatura movimentava-se
muito agilmente sobre inúmeras pequenas pernas.
Ele manteve-se ao lado de Ü’Krantomür, de onde inclinou-se e posicionou
uma mão sobre a protuberância alongada do tamanho de uma bola de futebol
que se encontrava no primeiro terço das “costas do caracol”.
Kragh Y’Llagpaty foi para frente mais uma vez e posicionou-se atrás do
comprido caracol.
“Eu apresento, senhor: Ü’Krantomür e seu inseparável assistente Yorgho.”
“Obrigado”, respondeu Perry Rhodan. “Sinto muito que os inseparáveis
precisem se separar por algum tempo. Eu o saúdo, senhor Ü’Krantomür.”
Ü’Krantomür foi até Kragh Llagpaty e derramou um discurso inflamado,
do qual eu, apesar do meu conhecimento de interkartie, não entendi quase
nenhuma palavra. Eu percebi somente que o Ídolo de inocência parapsíquica
não queria separar-se de seu comprido caracol.
Kragh Y’Llagpaty acabou com a fluência do discurso com algumas palavras
enérgicas, então olhou de novo diretamente para a câmera de captura.
“Senhor, temo que Ü’Krantomür não está disposto a se separar de
Yorgho.”
“Então é melhor dispensarmos a negociação”, esclareceu o administrador-
geral. “Não estou preparado para receber a bordo alguém além do parlamentar.”
O Ídolo respondeu: “Yorgho é apenas um animal, senhor. Ü’Krantomür precisa
dele por questões emocionais, pois ele sofre muito com sua ausência de poderes
psíquicos. Por favor, tenha compreensão com nossa situação. Ü’Krantomür é o
único karduuhl desprovido de poderes psiônicos que está a nossa disposição.
Naturalmente vocês têm liberdade para, assim como Ü’Krantomür, analisar
Yorgho detalhadamente.”
Perry Rhodan acenou com a cabeça.
“Isso nós faríamos de qualquer maneira, caso levássemos Yorgho a bordo,
senhor Kragh Y’Llagpaty. É correto chamar os pertencentes ao seu povo de
karduuhls?”
“É correto, senhor. O senhor está preparado para receber Ü’Krantomür e
Yorgho a bordo?”
“Eu solicito meia hora de nosso tempo-padrão para reflexão”, respondeu
Rhodan.

23
A Caça Fantasma Perry Rhodan

Perry Rhodan interrompeu a conexão por hipercomunicador e dirigiu-se


ao matelógico-chefe da KONG KONG.
“Por favor, analise o termo karduuhl. A mim interessa que sentido análogo
ele tem para os Ídolos.”
Então ele dirigiu-se a nós. “O que os senhores pensam sobre Yorgho?”, ele
perguntou. Gucky e Fellmer Lloyd trocaram um olhar de entendimento, e então
o ilt disse:
“Até onde Fellmer e eu pudemos concluir telepaticamente, Yorgho trata-se
de um animal que não tem mais inteligência que um pastor alemão terrano.”
O Administrador-Geral acenou deliberadamente.
“Comandante Rorvic?”. Dalaimoc Rorvic parecia estar nervoso, o que de
forma alguma fazia seu tipo. Ele lambeu os lábios e apertou as mãos.
“Não é que eu seja contra”, disse ele de forma pouco inteligível, “mas, a
favor, não sou de maneira alguma.”
Rhodan franziu o cenho, mas, como ele já estava de certa forma habituado
ao albino, ignorou a resposta sem significado.
Quando o olhar de Rhodan direcionou-se para mim, esclareci:
“Todos são inocentes até que se prove sua culpa. Eu acho que deveríamos
receber Ü’Krantomür a bordo com Yorgho e analisá-los.”
“Eu sou contra”, esclareceu Merkosh, o Vítreo.
“Eu também”, acrescentou Kukuruzku-Schulze. “Se Ü’Krantomür é
psiquicamente tão instável que precise, para acalmar o espírito, viver sempre
junto a um animal, então não é o parceiro de negociação ideal para nós.”
Perry Rhodan não comentou nada, mas somente olhou para seu vigilante
instintivo de forma questionadora.
Lorde Zwiebus revidou o olhar, então balançou os fortes ombros e disse:
“Se dependesse de mim, destruiríamos a nave dos demônios com uma
bomba conversora.”
“De forma alguma”, revidou o administrador-geral.
“O que o senhor tem contra negociações com os Ídolos, Zwiebus?”
“Nada”, respondeu o pseudoneandertalense. “Tenho mais contra
Ü’Krantomür e Yorgho. Eu temo que um desastre venha deles.”
O rosto de Rhodan não escondeu nada de seus pensamentos.
Ele perguntou ao matelógico-chefe sobre a análise do termo.
Ele revelou que a devida tradução de “karduuhls” significava algo como “as
pequenas crianças dos distribuidores de inteligência.”
Isso causou uma sensação generalizada. Por minutos debateu-se o que se
deveria entender por aquela tradução. Nós não encontramos uma resposta para
isso. Havia muitas possibilidades de explicação, mas, com a escassez de fatos,
precisamos todos permanecer vagos.
“Nós receberemos Ü’Krantomür e o animal a bordo”, decidiu o
administrador-geral, finalmente. “Talvez tenhamos uma ideia melhor sobre o
real significado do nome karduuhl durante as negociações.”
Quando Ü’Krantomür, juntamente com Yorgho, entrou a bordo da grande
nave de investigação KONG-KONG, percorreu-me uma sensação estranha.
Eu não podia explicar, mas das duas criaturas parecia emanar frieza.
Inconscientemente, minha mão foi para o coldre de minha arma de
impulso.
Lorde Zwiebus interrompeu meu movimento de mão e sussurrou:

24
A Caça Fantasma Perry Rhodan

“Sem indiscrições, Tatcher. Eu também gostaria de matar essas criaturas


aqui mesmo, mas talvez minha percepção esteja enganada no caso deles.”
“Talvez”, respondi. “Não se preocupe comigo, lorde Zwiebus. Eu não teria
atirado. O senhor também deve dar uma chance a eles.”
“O diabo não dá chance alguma.”
“Naturalmente não, mas, conhecidamente, não existe ‘o diabo’.”
O poderoso companheiro abaixou a cabeça, pensativo.
“Se o senhor me provar que o diabo não existe, terei prazer em concordar
com o senhor, Tatcher.”
O pseudoneandertalense era irremediavelmente supersticioso.
Nisso ele diferenciava-se apenas quantitativamente da maioria das
criaturas inteligentes. Minha opinião era a de que, na maioria dos casos, as
superstições eram a substituição de instintos primitivos, dos quais o
inconsciente se lembrava, e que a princípio também comandavam os homens e
os mantinham mais seguros.
Eu sorri.
“Como se poderia provar a existência do nada, que seria inexistente? Se o
senhor admitir que o diabo não precisa aparecer como um chifrudo com patas
de cavalo, então talvez exista um.”
Eu apontei com o polegar, por cima do ombro, para Dalaimoc Rorvic, que
olhava com uma expressão pensativa para a parede diante de si.
“Aquilo é ele.”
Zwiebus riu, sem graça.
“Dalaimoc descreveu o senhor para mim como diabo, uma vez. É uma
piada que isso seja claramente baseado na reciprocidade.”
Naquele momento, toda nossa atenção foi dirigida ao Ídolo. Ü’Krantomür
estava diante de uma mesa de experimentos diante de três cientistas.
“Eu não creio que vá me despir!”, gritava ele em interkartie. “Eu matarei
quem me tocar!”
“Ou o senhor segue nossas ordens ou nós enviaremos o senhor de volta!”,
esclareceu Perry Rhodan inequivocamente.
O Ídolo hesitou, enquanto Yorgho girava em torno dele agilmente.
Finalmente, Ü’Krantomür mostrou-se de acordo com aquilo e despiu-se para
deitar sobre a mesa de experimentos.
Os cientistas o afivelaram e posicionaram, por trilhos no teto, um após o
outro, diferentes dispositivos de análise sobre o Ídolo. Ü’Krantomür foi
atravessado por luzes, atingido por radiações de todos os tipos, as correntes de
seu corpo foram medidas, em resumo, quase foi virado do avesso. Durante esses
procedimentos estranhos e longos, os telepatas testavam o conteúdo da mente
de Ü’Krantomür. Perry Rhodan vestia seu simbionte khusalense Whisper, como
capa de ombro e tornou-se capaz, por meio da conexão com ele, de prestar os
mesmos serviços telepáticos de Gucky, Lloyd e talvez também Dalaimoc Rorvic.
Inconscientemente, olhei para meu chefe, acima.
O comandante estava encostado na parede, com os braços cruzados, um
sorriso torto no rosto coberto de suor.
Rorvic pareceu acordar de um estado de transe. Ele estremeceu, seu
sorriso desapareceu e seu tórax expandiu-se numa inspiração acelerada.
“Quem está falando?”
“Capitão Tatcher a Hainu, senhor.” Claramente, ele havia meditado de
verdade, desta vez.

25
A Caça Fantasma Perry Rhodan

“Ah, o comedor de poeira marciano!”, disse ele, lentamente. “O que o


senhor está procurando aqui, capitão Hainu?” “Onde?” “Aqui!”
“Aqui é a EX-4355, comandante Rorvic!”, disse de forma enfática.
Pela primeira vez o albino gordo pareceu perceber de fato seu entorno. Ele
olhou em volta de si, até que seu olhar se deteve no Ídolo.
“Lorde Zwiebus mudou bastante, preciso dizer”, ele falou. “Onde estão
seus cabelos?”
“Senhor”, esclareci, “esse não é lorde Zwiebus, mas o Ídolo infeliz
Ü'Krantomür.” “Nome engraçado!” “Claro, senhor.”
“Mas por que o Ídolo é infeliz, capitão Hainu?”
“Porque a ele falta qualquer poder psiônico, senhor. O que o senhor pode
concluir ao analisá-lo?”
Dalaimoc Rorvic tentava colocar-me em seu campo de visão. No entanto,
eu estava tão próximo dele que sua barriga redonda me cobria completamente.
Por fim, o tibetano desistiu e disse:
“Ele faz aniversário em poucos dias, creio eu. Se não estou enganado, é o
seu último.”
Eu senti como a onda de raiva coloriu meu rosto de vermelho, como
sangue.
O albino gordo queria novamente fazer piada comigo.
Eu o chutei com toda força na canela, esquivei-me e disse baixo:
“Eu estou avisando ao senhor! Um marciano-A tolera apenas uma certa
quantidade de humilhação, então, seu orgulho o força a reagir duramente.”
Ele pareceu não perceber absolutamente nada do chute, então disse
completamente calmo:
“Não é possível ver o impossível sem tomá-lo por possível. Em qual
direção voa a poeira no planeta vermelho?”
“Em nenhuma mais”, respondi. “Há muito tempo ele foi dominado. Mas
ainda assim os meus antepassados sofreram com ela, sob a poeira congelante
que corrói o corpo através da pele e transforma um homem desprotegido em
uma múmia de poeira em poucos minutos.”
“O senhor considera isso uma vantagem, Tatcher?”, perguntou o tibetano
distraidamente.
Amargurado, afastei-me. O monstro gordo estava completamente
entorpecido. Lentamente, caminhei pela sala até a porta.
“Para onde o senhor vai, capitão a Hainu?”, perguntou o administrador-
geral.
Eu permaneci parado e virei-me.
“Não tenho ideia, senhor. Eu só sei que não posso respirar o mesmo ar que
o comandante Rorvic por mais tempo.”
“Não faz sentido, capitão! Certamente não é fácil lidar com ele, mas
considere as grandes contribuições que ele prestou ao Império Solar.”
Lorde Zwiebus aproximou-se lentamente; seus longos braços soltos,
pendurados até os joelhos.
“Eu posso entender Tatcher, chefe. Certamente o comandante Rorvic tem
méritos, mas ele é basicamente uma aberração monstruosa, de que muito pouco
é humano.”
“Um momento, um momento!”, eu protestei. “Como o senhor pode dizer
isso, Zwiebus! O senhor mal conhece o comandante Rorvic. Não, além de mim,
ninguém tem o direito de insultá-lo.”

26
A Caça Fantasma Perry Rhodan

Os lábios de Rhodan tremeram quando ele respondeu:


“O senhor ainda quer tomar o albino gordo em proteção, capitão a Hainu?”
“De maneira alguma, senhor”, respondi. “Mas, na verdade, ele não é tão
terrivelmente gordo, só um pouco corpulento.”
Eu olhei para Rorvic, acima, que não havia se agitado.
“Na verdade eu deveria retornar para o meu comandante, senhor.
Desculpe-me, por favor.”
Enquanto eu retornava para o lado de Dalaimoc Rorvic, o Ídolo era
empurrado para a câmara de resfriamento rápido. Ele não ofereceu resistência,
pois havia sido previamente dopado, mas seu animal precisou ser segurado por
três homens, a fim de que não fosse atrás de seu dono para dentro da câmara.
Yorgho movia-se como uma enguia e lutava com a força de um tigre.
Poucos segundos depois que a câmara de resfriamento rápido foi
trancada, Yorgho entrou em colapso.
“Porque o estamos congelando?”, perguntei ao professor Eysbert, nosso
psicólogo-chefe, que se juntou a Rorvic, Tobias e a mim.
Thunar Eysbert acariciou seus cabelos brancos suavemente, então
respondeu-me com palavras bem escolhidas:
“Nós queremos determinar como as curvas de ação de diferentes tamanhos
e áreas cerebrais diminuem e quais as alterações químicas o metabolismo
cerebral sofre. Caso Ü'Krantomür tenha habilidades parapsíquicas, uma curva
de ação precisaria disparar ao invés de cair, e o metabolismo cerebral deveria,
nesse caso, acelerar-se parcialmente.”
“Por que o senhor quer saber isso?”, perguntou Kukuruzku-Schulze.
O esguio cosmopsicólogo olhou para o Mago penetrantemente, então
esfregou seus longos e magros dedos uns nos outros.
“Naturalmente eu não sei, senhor Schulze. Infelizmente faltam-nos dados
de comparação. Por isso eu disse precisaria e deveria ocorrer, ao invés
'ocorrerá'.”
“Neste momento, os impulsos cerebrais do Ídolo cessaram
completamente!”, gritou Fellmer Lloyd.
“Ü'Krantomür está clinicamente morto”, informou o médico que
supervisionava os controles da câmara transportável de resfriamento rápido.
O professor Dr. Eysbert caminhou com passos longos até o dispositivo e
curvou-se sobre o sinal.
Quando se ergueu, parecia um pouco irritado.
“O teste de congelamento foi malsucedido”, concluiu ele com a voz
embargada. “As correntes de atividade cerebral foram facilmente extintas, assim
como o metabolismo de energia.”
Ele dirigiu-se aos dois cientistas que haviam colocado Yorgho numa
máquina de testes e que pesquisavam diferentes funções corporais.
“Como está a atividade cerebral do animal?”, ele perguntou.
“Os valores oscilam constantemente”, esclareceu um dos cientistas.
“Yorgho sofreu um forte choque, claramente desencadeado pelo
desaparecimento de seu dono. Os dois corações trabalham de forma
inconstante, mas forte. Não há perigo imediato de morte.”
Thunar Eysbert acenou com a cabeça e então dirigiu-se ao Administrador-
Geral e disse:
“Senhor, eu recomendo descongelar o Ídolo e, depois de um descanso
adequado para recuperação, levá-lo ao quarto do pânico.”

27
A Caça Fantasma Perry Rhodan

“Entendido”, respondeu Perry Rhodan.


Dalaimoc Rorvic disse, ao meu lado:
“Eu preciso refletir, Tatcher. Venha até minha cabine. Eu preciso do
senhor.”
Eu gostaria de ter recusado, mas, diante de todas as pessoas, isso seria
embaraçoso. Por isso desisti da ideia. Eu caminhei à frente do tibetano e ele me
seguiu como um cão a seu dono.
Alguns pavimentos acima eu percebi que Rorvic não havia me
acompanhado no elevador antigravitacional. Eu desci no pavimento seguinte e
embarquei no vão vizinho, que tinha um campo de força acoplado para baixo.
Poucos minutos depois eu encontrei o albino. Ele ainda estava parado
sobre a correia de transporte e estava prestes a completar a segunda volta pelo
andar. Se eu não tivesse utilizado a esteira em sentido contrário, teríamos nos
distanciado bastante um do outro.
Eu o puxei da correia para a faixa parada e perguntei:
“Por que o senhor não me seguiu, comandante?”
A expressão de Rorvic permaneceu inerte enquanto ele respondeu:
“Por que o senhor não me guiou, seu idiota. Pegue minha mão, por favor.
Pense como se eu fosse sua noiva, mas não se esqueça de que eu de fato sou!”
Sem ar de tanta raiva, gritei:
“Pare com essa fantasia imunda, seu infeliz! Por mim o senhor pode ficar
por aqui até que a vaca tussa. De qualquer forma, não seguro sua mão.”
Assim, quis subir na correia. No entanto, antes que pudesse cumprir o
planejado, a mão de Rorvic espremeu meu ombro direito tão forte que pensei
ser espremido entre duas portas deslizantes em colisão.
“Seja um cara legal, Tatcher!”, pediu o albino com a voz suave.
A dor me deixou à beira da loucura. O mais rápido que pude, obedeci às
ordens do monstro. Quando entramos em sua cabine, ele soltou-me e
empurrou-me em uma poltrona.
“Por que não agora”, observou ele amigavelmente. “Libere por favor o seu
bloqueio mental!”

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A Caça Fantasma Perry Rhodan

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A Caça Fantasma Perry Rhodan

Capítulo 3

Quando voltei a mim, soube que algo monstruoso havia ocorrido.


Eu me recompus e olhei ao meu redor.
A cabine em que me encontrava não dava nenhuma dica de seus
habitantes. Talvez fosse até mesmo a minha cabine.
Levantei-me.
Por um átimo, tive a sensação de cair num vão infinito, então normalizou-
se o meu senso de equilíbrio.
No entanto, nesse curto intervalo, a memória voltou-se para aquilo, para o
que havia ocorrido antes de minha ausência mental, e eu soube que, se eu não
houvesse sido carregado, ainda me encontraria na cabine de Dalaimoc Rorvic.
O tibetano, no entanto, parecia ter se dissolvido no ar.
Eu abri o armário embutido e encontrei o traje de combate de Rorvic e
algumas de suas botas de reserva, bem como diferentes outras vestimentas e
peças de equipamento.
Isso me mostrou que estava de fato na cabine de Rorvic. No entanto, não
na MARCO POLO, pois lá suas coisas estariam carimbadas com seu selo
pessoal; aqui não tivera tempo para isso. Mas onde ele estava?
Meu olhar caiu sobre a linha de tempo sobre a porta. No instante seguinte,
tive a sensação de estar imerso em água congelante. Eu me lembrava de ter
entrado na cabina na quarta-feira, em torno de 14h do tempo-padrão – e agora
era quinta-feira, 11h33min.
De alguma maneira, mais de 21 horas de minha vida haviam sido perdidas.
Quanto mais eu tentava me lembrar do que havia ocorrido nesse intervalo,
menos sucesso eu obtinha.
Fui até o intercomunicador, liguei-o e estabeleci contato com a central de
comando.
Major Klaar respondeu. Ele franziu o cenho ao me ver.
“Capitão a Hainu, o senhor está sendo, ou melhor, foi procurado pelo
administrador-geral.”
“Quando?”
Klaar olhou para uma nota. “Ontem à noite, por volta das 22 horas,
capitão.”
“Ok, eu entrarei em contato com o administrador geral, major, mas,
digam-me, por favor, onde posso encontrar o comandante Rorvic.”
“Até onde sei, esse era o motivo pelo qual Rhodan desejava falar com o
senhor. Ele queria saber do senhor onde se encontrava o comandante.”
“Por que então ele não verificou a cabine de Rorvic?”
“Ele fez isso, mas ela estava vazia.”
Eu engoli.
“O que há com o senhor, capitão a Hainu?”, questionou o major Klaar,
surpreso.
“A cabine do comandante Rorvic estava vazia? Sim. Então onde eu estava
quando eles a vasculharam? Eu estou agora na cabine de Rorvic, e não consigo
me lembrar de tê-la deixado ontem à tarde.”

30
A Caça Fantasma Perry Rhodan

“Que situação nebulosa!”, exclamou o major. Ele pigarreou. “Por favor,


permaneça onde o senhor está, capitão. Eu informarei ao Administrador-Geral e
providenciarei alguém para cuidar do assunto.”
“De que assunto?”, perguntei. Mas Klaar já havia interrompido a conexão.
Suspirando, fui até o autômato de alimentação e pressionei uma xícara de
chá. Eu já havia a esvaziado até a metade, quando o alarme da porta soou.
Quando ativei o circuito de visão, a escotilha saltou para cima.
Primeiramente entrou lorde Zwiebus de assalto, e depois veio Perry Rhodan.
O pseudoneandertalense arrastou-se como um furacão pela cabine e
revirou todos os lugares onde pensava que alguém poderia ter se escondido.
O administrador-geral, ao contrário, ficou calmo no meio da sala principal,
olhando para mim. O simbionte khusalense dobrava-se como um véu de seda
coberto de diamantes em torno de seus ombros.
Eu percebi o que Rhodan esperava de mim e desliguei meu bloqueio
mental. Não se podia sentir a força telepática estranha, mas eu sabia que ela
vasculhava meu subconsciente.
Após algum tempo, lorde Zwiebus terminou sua busca, e logo depois
desapareceu a impressão de forte concentração mental do rosto de Rhodan.
“Sem pista, chefe”, esclareceu Zwiebus sem esperar a pergunta de Rhodan.
Perry Rhodan assentiu.
“Exatamente como eu, Zwiebus. Com o capitão a Hainu, a memória de um
intervalo de cerca de 20 horas foi apagada. No entanto, pude detectar algum
vestígio, mas ela mostrou-me apenas a sensação de agonia sem nome, por uma
fração de segundo.
Ele dirigiu-se até mim.
“O senhor saiu da sala de pesquisas ontem, às 14 horas do tempo-padrão
junto com o comandante Rorvic, do Comando CYD, capitão a Hainu.
Pensamos que o comandante queria descansar. Além disso, ele não
precisava estar na sala de exames para poder testar o Ídolo.
Por volta das 22 horas do tempo-padrão, quis pedir a Rorvic um curto
relatório. Ele não respondeu. Quando lorde Zwiebus abriu sua cabine,
encontrou-a vazia.”
“Exceto pelas coisas no armário embutido, chefe”, acrescentou o
pseudoneandertalense.
“Correto. Em seguida, investiguei telepaticamente, para não perder tempo.
Mas nem do comandante, nem do senhor, capitão, recebi impulsos mentais.
Naturalmente, Rorvic tem condições de se fazer indetectável mesmo para bons
telepatas, mas do senhor eu teria percebido, mesmo com o bloqueio mental, o
padrão básico individual.”
Ele olhou-me seriamente.
“Eu não o senti. Isso significa que o senhor não se encontrava no raio de
minha capacidade, ou seja, certamente não estava nesta nave.”
“Onde eu poderia estar, senhor?”, perguntei, chocado e atordoado.
Rhodan balançou os ombros.
“Nós não sabemos – ainda não. Entretanto, chegou até nós uma
mensagem de Império Alfa que dizia que ontem, por volta das 14h30min do
tempo-padrão e hoje, por volta das 11h30min do tempo-padrão, um fenômeno
na camada externa do campo de proteção Paratron foi localizado.”

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A Caça Fantasma Perry Rhodan

Eu entendi muito bem o que o Administrador-Geral concluiu daquilo. A


conclusão forçava formalmente a entender que o fenômeno identificado tinha
relação causal com o meu desaparecimento e meu retorno.
“O senhor permite que eu me sente?”, perguntei, de forma inexpressiva.
Perry Rhodan sorriu amigavelmente e empurrou uma cadeira para mim.
Ele sentou-se no banquinho que estava de frente.
“Não há motivo para pânico, capitão a Hainu”, disse ele. “Claramente o
comandante Rorvic surtou e utilizou suas habilidades psiônicas, em grande
parte secretas, de forma irregular.
Um homem com habilidades psíquicas tão fortemente desenvolvidas corre
sempre o risco de resvalar para a loucura.”
Ele suspirou.
“Naturalmente, faço agora essas alegações porque acreditava ter
construído um fator de segurança forte o suficiente, e por isso não ordenei que o
comandante fosse reforçadamente vigiado.”
Eu franzi o cenho.
“A que tipo de fator de segurança o senhor se refere?”
Veio, do lorde Zwiebus, um som como o gorgolejar de um lagarto-esponja
cirbínico.
“Sobre isso eu não quero falar de maneira alguma”, revidou Rhodan.
“Espero que o seu amigo Kukuruzku-Schulze possa fazer observações a respeito
dos enigmáticos acontecimentos assim que o libertemos de sua paralisia
tanatoide. Os mutantes presentes estão trabalhando nisso intensivamente.”
Eu dei um salto.
“Como? O que aconteceu?”
O Administrador-Geral empurrou-me de volta para minha poltrona e
pediu a Zwiebus que me providenciasse um Bourbon duplo.
“Deve ter relação com a atividade psiônica irregular de Rorvic. Em todo
caso, ficou claro, até agora, que um mutante excepcionalmente mais forte
submeteu o mago a uma rigidez hipnossugestiva crescente. Gucky o encontrou
há 9 horas. Uma hora depois e ele estaria, de fato, morto.”
Lorde Zwiebus trouxe-me um copo. Eu engoli o conteúdo sem desperdiçar
um pensamento sobre o que era. No instante seguinte fiquei com falta de ar. Eu
tive a sensação de me queimar de dentro para fora. Mas, muito rapidamente, a
queimação transformou-se num calor reconfortante.
“Isso faz bem!”, cocei o queixo, pensativo. “O senhor já pensou que esse
Ídolo poderia ser o culpado de tudo?”
“É claro que já pensamos nisso. Como os testes ainda não foram
finalizados, subsiste a possibilidade de que Ü'Krantomür, contra todas as
afirmações, seja dotado de capacidades parapsíquicas. Mas dessa situação ele
não pode ser culpado, pois ele estava preso ontem, entre 14h e 18h17min do
tempo-padrão na chamada sala do pânico, que foi impermeabilizada por um
campo de proteção Paratron.”
Eu me mordi de dúvidas de que alguém não pensara que Ü'Krantomür
talvez fosse capaz de transpor também campos de proteção Paratron com sua
força psiônica. Mas, primeiro, certamente alguém teria pensado nisso – e, em
segundo lugar, os Ídolos não negociariam conosco se eles contassem com
alguém que pudesse transpor o campo de proteção Paratron.

32
A Caça Fantasma Perry Rhodan

O monstro gordo então estava louco, coitado. De repente, veio-me um


calor imenso. Será que eu era o culpado por Dalaimoc Rorvic ter surtado? Eu
teria me comportado de maneira indevida?
Rapidamente, bloqueei de novo os meus pensamentos.
O Administrador-Geral balançou a cabeça e se levantou.
“O senhor não tem culpa alguma, capitão a Hainu”, disse de forma
reconfortante. “Pelo contrário, eu gostaria de frisar que o senhor se comportou
de forma perfeitamente adequada.”
O rosto de lorde Zwiebus contorceu-se. Apressadamente, o
pseudoneandertalense virou-se, mas eu ainda pude perceber que ele sorria.
“O que é isso?”, exaltei-me. “O senhor está mesmo fazendo graça de mim?
Eu alerto ao senhor, Zwiebus. Eu venho dessas famílias que, como seres
humanos, foram os primeiros a colonizar e derrotar o inóspito planeta Marte; o
senhor pode acreditar em mim quando digo que não permito que ninguém que
ria de mim fique impune.”
Lorde Zwiebus virou-se novamente. Seu rosto parecia tão triste que me
deu pena, imediatamente.
“Desculpe-me por favor, capitão a Hainu. Eu comportei-me
indevidamente. Mas eu não estava rindo do senhor, mas porque me lembrei de
uma piada que ouvi há pouco tempo no Império Alfa.”
“Isso é outra coisa”, disse eu. “Como é essa piada, então?”
Zwiebus olhou rapidamente para mim e Rhodan, então sacudiu
violentamente a cabeça.
Eu entendi. Claramente essa piada não era apropriada para os ouvido de
um administrador-geral.
Perry Rhodan pareceu ter o mesmo pensamento.
“Eu recomendo que nos acompanhe até Kukuruzku-Schulze, capitão a
Hainu”, disse ele. “Se ele retornar à consciência, será bom que veja um amigo.”
Eu levantei-me.
“Sim, senhor, também penso assim.”

***

Tobias Schulze estava deitado sobre uma grade curvada que brilhava
levemente. A luz fria girava em torno de seu corpo musculoso.
O barulho rouco de um dispositivo de controle mostrava a passagem de
energia paramecânica.
Fellmer Lloyd e o rato-castor haviam estabelecido conexão íntima com
Balton Wyt e Merkosh, o Vítreo.
Eles sentavam-se no chão, os olhos fixamente direcionados para Tobias.
Era preciso olhar com atenção para perceber que eles respiravam.
Eu fui à grade, bati na barriga do Mago e quis dizer algo. O quê, já não me
lembrava mais.
O contato corporal rasgou-me em pedaços, isto é, a consciência foi
arremessada de forma explosiva para fora do corpo. No momento seguinte ela
se arrastou pelas dobras de um cérebro estranho. Algo se escondia de “mim”.
Tateei timidamente ao meu redor, encontrei um ponto de contato, grupos
funcionais descoordenados e as interligações para um corpo.
Eu consegui abrir as pálpebras do corpo e, com a ajuda dos estrangeiros –
mas não estranhos – ver olhos.

33
A Caça Fantasma Perry Rhodan

Primeiramente eu vi apenas uma luz pálida e bruxuleante e formas


sombrias pouco nítidas, então me recompus e vi mais. Lorde Zwiebus e Perry
Rhodan ajoelhavam-se ao lado de um corpo sem vida, que deitava adormecido
sobre o chão.
Eles ajoelhavam ao lado do meu corpo!
A lembrança de que eu uma vez habitara aquele corpo causou-me dor. Eu
desejava voltar ao meu corpo, mas não tinha a menor ideia de como controlá-lo.
Os mutantes pareciam acordar de um transe profundo. Fellmer Lloyd
gemeu alto. Gucky choramingou. Merkosh, o Vítreo pendurava-se imóvel nos
braços de Gryf. Balton parecia ser o único mutante com quem nada havia
ocorrido.
Algo surgiu do vão escuro, lentamente em direção à luz – e surpreendeu-
se.
Esse é Tatcher! O que Tatcher está fazendo em mim?
Toby!
Eu sou Toby, quem mais! Você acha certo ficar confortável assim em meu
corpo, Tatcher?
Nem certo nem bonito, Toby. Mas eu não sei como retornar a mim.
Nesse instante o Administrador-Geral percebeu que o corpo de Toby havia
se endireitado.
“O Mago está de volta a si!”, ele gritou.
“Errado!”, disse eu. “Eu estou no Mago.”
“Capitão a Hainu?”, perguntou Rhodan incrédulo. Ele tinha, de fato, uma
capacidade de entendimento fenomenal.
“Sim”, respondi, deprimido. “Embora Toby também esteja presente de
novo, senhor. Se eu apenas soubesse como retornar ao meu próprio corpo!”
“Tome algum tempo, capitão”, esclareceu lorde Zwiebus. “Seu coração
pulsa, seus pulmões respiram. As funções corporais apenas foram retardadas.”
A língua de Toby moveu-se sem que eu fizesse qualquer coisa, e a boca
disse:
“O capitão a Hainu trouxe-me de volta. Eu devo graças a ele, portanto.
Ainda assim eu preciso libertá-lo. Talvez funcione se eu o arremessar para fora
de mim.”
“Não!”, gritou Gucky. “Possivelmente ele pararia em mim. Tanta
ingenuidade quanto a sua Tatcher, não há no Universo. Não se toca em ninguém
que esteja numa grade Paradim ativada. A descarga de consciência quase
destruiu a minha mente e as dos demais que estavam concentrados em
Kukuruzku-Schulze.”
“A mim ela não fez nada”, observou Balton Wyt, o telecineta.
“Também pudera!”, disse Fellmer Lloyd sarcasticamente. “Você teria
tirado um cochilo enquanto nós tentávamos com todas as forças acordar o
Mago.”
Balton ergueu o dedo indicador.
“É exatamente isso, Fellmer. O que se faz com tensão, dificilmente gera
sucesso. É preciso relaxar, e isso eu estou tentando fazer.”
“Você foi de grande ajuda para nós, Balty”, disse o rato-castor
ironicamente.
“Parem!”, disse com a boca de Toby. “Eu quero retornar ao meu corpo.
Tente, Toby!”

34
A Caça Fantasma Perry Rhodan

“Certo, Tatcher, respondeu Tobias Schulze. Concentre-se no seu corpo.


Reúna todas as suas forças e mire-se na sua moradia de carne!”
“Eu tenho medo.”
“Não tenha medo. Relaxe. Pense no seu corpo e em como você precisa
dele.”
Eu obedeci e o medo diminuiu.
De repente, estremeci fortemente – mas já era com meu corpo que eu
estremecia. Meu peito expandia-se numa profunda inspiração. Ao mesmo
tempo o meu coração disparou de forma que eu pensei que ele fosse se romper.
“Ele conseguiu!”, ouvi Zwiebus gritar. “Ele conseguiu!”
O pseudoneandertalense realmente se alegrou com o sucesso do transporte
de volta à consciência.
Eu fiquei ainda mais feliz, no entanto. Meu corpo é, segundo parâmetros
terranos, essencialmente feio, mas, de acordo com os padrões marcianos, é
nobre como minha família e nosso nome. Ergui-me com a ajuda de Rhodan.
“Como o senhor se sente, capitão?”, perguntou o administrador-geral.
“Fantástico, senhor. Eu poderia cortar árvores.”
“Por sorte não crescem árvores a bordo desta nave”, esclareceu Rhodan,
sorrindo. “Fique de pé. Por meio do senhor é provável que Kukuruzku-Schulze
tenha retornado a si, mas nosso tempo ainda é muito curto. Precisamos voltar a
cuidar de Ü’Krantomür e Yorgho.”
Gucky ouviu a si mesmo e disse imediatamente:
“Eu estou recebendo seus impulsos mentais. O Ídolo é impaciente. Ele
espera que as negociações na Terra finalmente se iniciem.”
“Na Terra?”, perguntou Rhodan incrédulo. “Ele realmente acredita que
nós o levaríamos para a Terra?”
“Sim, Perry.”
O Administrador-Geral riu secamente.
“O que o senhor pensa disso, capitão a Hainu?”, ele perguntou-me.
“Eu também imaginava, na verdade, que nós negociaríamos com o Ídolo
na Terra”, respondi. “Mas Marte é naturalmente mais adequado para isso. Esse
honrado planeta...”
“Já está bom!”, Rhodan interrompeu-me. “Eu não penso de forma alguma
em levar o Ídolo e seu animal para a Terra. De preferência, eu sequer o levaria
para o Sistema Solar.”
“Nós afirmamos que negociaríamos no Sistema Solar”, Fellmer Lloyd
acrescentou.
“E nós cumpriremos nossa promessa, Fellmer”, disse Rhodan com um
sorriso fraco.
“E o que acontecerá com o comandante Rorvic?”, perguntei.
Ombros embaraçosamente encolhidos foi a resposta.
Claramente já se teria dado baixa do tibetano.
Eu inspirei profundamente e saí da sala juntamente com os demais. Em
breve ficaríamos de frente com o Ídolo Ü’Krantomür, mas ele já não me
interessava mais.
Meus pensamentos concentravam-se principalmente em Dalaimoc Rorvic.
Eu ainda não havia desistido do monstro gordo. Em algum momento ele
retornaria.
Eu desejava isso ardentemente, pois, de que outra forma eu poderia
retribuir o que ele fizera por mim...!

35
A Caça Fantasma Perry Rhodan

***

Cerca de dois dias depois da recepção de Ü’Krantomür, os testes foram


encerrados.
O resultado foi negativo.
Não havia suspeitas de que nem Ü’Krantomür nem seu companheiro
Yorgho eram dotados de capacidades parapsíquicas. Por isso eles eram tão
arrogantes – pelo menos o Ídolo.
Ü’Krantomür tinha algo a opor praticamente sobre tudo: sobre os
mantimentos, o sistema de ar condicionado, os barulhos a bordo, os cheiros, o
tratamento supostamente não adequado e sobre o que mais fosse.
Eu desejava estar bem longe dali, fora da central principal, enquanto a
KONG-KONG acelerava com curso para o Sol. Ü’Krantomür sentou-se em uma
poltrona contornada na mesa de mapas e passou a formular críticas quase sem
nenhuma pausa.
A umidade do ar dentro da central principal lhe havia imediatamente
causado dano.
“Eu exijo que o nível de umidade seja aumentado!”, reivindicou ele em um
miserável intercosmo. Ele devia ter perdido a razão. A bordo de uma nave
espacial terrana o ar era sempre muito úmido.
“Além disso, o chão está muito frio. Yorgho está tremendo, com frio.
Quando aterrissaremos, enfim, na Terra?”
“Jamais”, esclareceu Perry Rhodan.
O Ídolo olhou fixamente o administrador-geral.
“Eu exijo que o senhor cumpra sua promessa, terrano!”
“Nós terranos mantemos aquilo que prometemos, Ü’Krantomür. Mas
ninguém lhe prometeu que nossa negociação ocorreria na Terra. Nós
prometemos tão somente negociar no Sistema Solar, e isso cumpriremos.”
“Um dia eu os matarei, a todos!”, ameaçou o Ídolo. “Vocês nos trouxeram
infelicidade.”
“O que vocês trouxeram a nós então, seu... seu...!”, disse eu dirigindo-me
ao Ídolo.
“Fique quieto, capitão a Hainu!”, ordenou Rhodan. “Nós somos gentis com
parceiros de negociação, e não nos deixamos provocar.”
“Naturalmente não, senhor”, eu devolvi, “Se nós prendermos e
amordaçarmos esse sujeito, é garantido que ele não nos provocará.
Pessoalmente, eu não o tolero mais de qualquer maneira. Ele se comporta de
modo tão ultrajante como o comandante Rorvic em dias passados.”
Ü’Krantomür olhou-me fixamente, então ergueu-se e vociferou:
“Eu exijo que essa criatura seja eliminada, ou então não irei negociar!”
“Entre por favor na sua cabine, capitão a Hainu!”, disse o administrador-
geral. “Não há sentido em o senhor se irritar com um de nossos visitantes.”
“Um belo visitante!”, disse eu, levantando-me. “Bem, eu vou-me, senhor.”
Na passagem dei um chute em Yorgho, e o monstro gemeu.
Ü’Krantomür começou a bramir como um louco, de modo que eu
considerei melhor deixar depressa a central principal.
Chegando à minha cabine, servi um Bourbon com minhas mãos trêmulas,
pelo que a metade derramou-se do copo. Depois eu não compreendi por que eu
havia chutado o animal de Ü’Krantomür.

36
A Caça Fantasma Perry Rhodan

Eu sou um homem amante dos animais, e jamais me ocorreria, ainda que


em sonho, maltratar um animal, não importando quão belo ou feio ele fosse.
Além disso, Yorgho não tinha culpa de seu senhor ser uma pessoa
repugnante. Eu deveria reparar meu lapso de qualquer forma. Na próxima
oportunidade eu compraria um grande saco de açúcar em cubos e daria de
presente ao animal – pressuposto, claro, que ele se alimentasse de açúcar em
cubos. Eu me deitei sobre a minha cama, cruzei os braços atrás da cabeça e
imaginei a reconciliação entre Yorgho e mim. Afastei de mim os pensamentos
em Ü’Krantomür, tanto quanto possível.
O sono dominou-me sem que eu o percebesse.
Despertei-me com o zunido do intercomunicador e assustei-me. Durou
alguns segundos até que eu pudesse acionar o circuito de imagem.
Quando o largo visor se iluminou, eu enxerguei meu amigo Tobias.
“Nós aterrissamos, Tatcher”, disse ele.
“Aterrissamos? Onde?”
“No planeta mais interior do Sol. Sem proteção contra irradiação, não se
pode caminhar aqui.”
Eu liguei o monitor externo e vi um chão rochoso, cuja situação lembrava a
superfície de uma ameixa seca amolecida. O terreno situava-se em uma luz
ofuscante, e as sombras nítidas demonstravam que não havia atmosfera.
Nós havíamos aterrissamos em Mercúrio.
“O que faremos nesse mundo de pesadelo?”, saiu-me dos lábios.
Kukuruzku-Schulze sorriu.
“É a opinião do Administrador-Geral que esse mundo bem aquecido
apressará a negociação com Ü’Krantomür.
“O que faz o bode nesse momento?”
“Bode?”
Eu dei de ombros.
“Ü’Krantomür também berra. Por isso.”
“Ah! Ele se acalmou, e foi até mesmo possível que Gucky o fizesse reduzir
sua cólera com relação ao senhor. Ü’Krantomür está novamente disposto a
reconhecer seu direito à existência.”
“E Yorgho? Eu sinto por ter chutado o animal.”
“Yorgho não é rancoroso.”
“Como o senhor sabe isso, Toby?”
Tobias alongou-se bocejando.
“Eu sinto isso. Seu cérebro emite uma vibração que age sobre ele mesmo,
acalmando-o.”
“Aha!”, fiz eu. “Bem, apesar disso, por precaução eu vou providenciar a ele
uma guloseima. Pequenos presentes incentivam a amizade.”
Involuntariamente impôs-se a mim a lembrança do comandante Rorvic.
Uma tempestade de sentimentos peculiares pulsaram através de mim. Furioso,
senti que meus olhos estavam úmidos.
“O que o senhor tem, Tatcher?”, perguntou admirado o Mago.
Eu reuni todas as minhas forças para potencializar meu bloqueio de
pensamentos. A última coisa de que precisava era que se notassem sentimentos
meus que eu abominava.
“Vá para o inferno!”, rosnei para Toby. Então interrompi a conexão.
Febril, eu refletia.

37
A Caça Fantasma Perry Rhodan

Yorgho certamente gostaria de cubos de açúcar. A pergunta era apenas


como eu obteria essa preciosidade. Com todos os efeitos, a fase anterior de
imbecilização havia dizimado consideravelmente os estoques de mantimentos
da humanidade, e justamente os cubos de açúcar eram escassos, pois eles
exigiam mais força de trabalho que os normais cristais de açúcar.
Não obstante, eu podia supor que o chefe de cozinha ou o administrador
da dispensa da KONG-KONG haviam trazido consigo um certo estoque de cubos
de açúcar, para conservá-lo para ocasiões especiais.
Meu único problema era como tornar claro a eles que Yorgho era uma
ocasião especial.
Provavelmente eles iriam negar de todo possuir o açúcar em cubos, mesmo
que apenas uma porção.
O zunido do intercomunicador interrompeu minha ponderação.
Eu ativei o aparelho e disse, antes que o visor se iluminasse:
“Volte para o inferno ou arranje para mim meio quilo de açúcar em
cubos!”
Nesse instante eu vi que não Tobias, mas o Administrador-Geral era
reproduzido na tela. Eu engoli seco.
“Perdão, senhor, eu pensei...”
Perry Rhodan sorriu e disse:
“Antes que o senhor me mande de novo para o inferno, eu preferiria
arranjar-lhe meio quilo de açúcar em cubos, capitão a Hainu. Para que o senhor
precisa dele?”
Eu sentia como estava corando.
“É para mim constrangedor, senhor, que eu...”
“Muito bem!”, interrompeu-me Rhodan. “Apresente-se ao comissário de
mantimentos da KONG-KONG. Eu darei a ele instrução concernindo ao açúcar
em cubos. Outra coisa: por favor, esteja em uma hora na estação M-I-C,
chamada pelos mercurianos de Rathskeller. Lá devemos começar as negociações
com Ü’Krantomür.
Eu o saudei com a mão direita e, em tempo, aproveitei a oportunidade com
a esquerda para manter minhas calças nos joelhos.
“Eu estava descansando e abri o cinto”, gaguejei embaraçado.
“Ah, sim!”, respondeu o administrador-geral. “E eu somente pensei que se
tratasse de uma exótica forma de cumprimento.”
Ele olhou de soslaio, e então disse com a voz elevada:
“Não desperdice o meu tempo, capitão a Hainu! Resolva as suas
preocupações, e então venha ao Rathskeller!”
A tela se apagou.
Eu fechei a fivela, vesti o traje de proteção especial e apertei o cinto de
armas. Depois bebi uma caneca de café preto e forte, pendurei sobre os ombros
a pequena bolsa de vácuo e deixei minha cabine.
Quando adentrei o quarto de trabalho do comissário de mantimentos, uma
moça de cerca de vinte e quatro anos ergueu a cabeça e me olhou.
Até então eu pensara que fosse uma lenda – ou coisa assim – que houvesse
pessoas entre as quais, no primeiro encontro, saltasse a famosa e notória faísca.
Eu havia me enganado.
A faísca me acertou com a intensidade de um arco de luz – e acertou a ela
também.
“Olá, anão de Marte!” disse ela com voz áspera.

38
A Caça Fantasma Perry Rhodan

Eu brilhei.
Eu tinha todos os motivos para tal. A simples vista era suficiente para me
compensar por todas as frustrações anteriores da minha vida.
A moça era um pouco menor que eu, esbelta, flexível, morena, de cabelos
negros e olhos dourados e com a pele quase sem poros de uma marciana da
classe-A.
“Olá, bruxa da poeira!”, sussurrei.
Nós nos olhamos fixamente durante um minuto, e então eu me aproximei
dela, e nós envolvemos com as mãos nossos antebraços.
“Eu sou Tatcher a Hainu, capitão do Comando CYD”, esclareci. “Por que
nós nos encontramos somente agora?”
“Pergunta padrão número dois”, devolveu ela. “Porque até então você
nunca viera ao meu escritório atrás de açúcar em cubos. Eu sou Caruh a Vacat e
igualmente capitã, apenas em um lugar não tão exposto como você.”
“Então uma Vacat!”, disse eu. “O destino realmente lhe quis mal, pois até
agora eu girei por todos os cantos da galáxia, sem que a tenha visto. Além disso,
conheço sua família.”
Caruh riu luminosamente.
“Então, agora nos conhecemos, Tatcher.” Ela ficou séria. “Você me agrada.
Já tem um contrato?”
“Não, mas talvez eu dê entrada em um. Pois você me agrada também.”
Nós dois rimos, embora não houvéssemos brincado de todo. Marcianos da
classe-A formam pares como membros de uma família, e geralmente fecham
seus contratos de matrimônio entre si.
“Infelizmente tenho de ir ao Rathskeller para participar das negociações
com Ü’Krantomür, esclareci. “O açúcar em cubos é para o cão do Ídolo.”
Ela se soltou de mim.
“Eu não sabia que ele havia trazido consigo um cão, Tatcher.”
“Não é bem um cão, mas uma centopeia-lagarta-lesma com o belo nome de
Yorgho.”
Caruh abriu uma gaveta da escrivaninha, retirou um pacote de açúcar em
cubos e o deu a mim.
“Então tenha atenção, para que Yorgho não lhe devore, Tatcher. Quando
nos veremos de novo?”
“Eu entrarei em contato com você assim que puder, Caruh.”
“Eu queria beijá-la, mas ela se arrancou de mim com a flexibilidade de um
gato.
“Quando você retornar”, disse ela rindo. “Nós não queremos acender um
fogo junto ao qual nós não podemos nos aquecer.”
Eu tive de rir.
“Compreendido. Eu estarei com muito frio quando retornar.”

39
A Caça Fantasma Perry Rhodan

Capítulo 4

Um transportador flutuante com quarenta soldados de guarda levou-me para o


lugar da negociação.
Primeiramente eu fiquei decepcionado quando vi aparecer no horizonte a
baixa cúpula da construção. O Rathskeller se assemelhava a uma brilhante
massa de torta azul-cinzenta, na qual um liso e dourado pudim fora colocado
por cima.
Um tenente jovem e nobre, sardento, notou minha decepção e deu-me
alguns esclarecimentos.
“O Rathskeller foi construído em sua maior parte no subterrâneo”, disse
ele. “O que se vê de fora é apenas a seção de cozinha com o restaurante com
vista que fica acima dela. A cúpula é transparente por dentro. De fora não se vê
nada, uma vez que a luz da poeira de ouro depositada é completamente
refletida. Proteção contra a radiação.”
“Por que não se coloca um escudo refletor ao redor dela?” Perguntei
atônito.
“Porque o arquiteto insistiu na carapaça Troplon revestida de ouro. O
homem se chama Oliver Totti.”
“Isso diz tudo”, esclareci.
O tenente riu.
“Certamente – e eu devo saber disso. Eu sou o neto dele.”
“Ah, essa nuvem de poeira graciosa! Nós entramos consideravelmente
nela, não?”
“Nem um pouco, capitão. A propósito, o Rathskeller como um todo tem
mais ou menos a forma de um jato espacial, o qual foi cortado ao meio e em cuja
superfície do corte uma torre em forma de cúpula foi colocada. Essa forma é
especialmente propícia devido ao constante movimento da crosta de Mercúrio.”
Enquanto isso, havíamos nos aproximado a poucos quilômetros da cúpula
e seguíamos para o fundo. De perto ela já tinha uma aparência imponente.
O tenente pareceu adivinhar meus pensamentos, pois ele disse:
“O denominado diâmetro da fuselagem chega a cinco quilômetros, e a
maior altura, a dois quilômetros. O Rathskeller é um lugar de prática de
esportes e repouso para os homens com estada em Mercúrio. Da sua cozinha
são abastecidas as tripulações das outras estações de Mercúrio. Fora do
restaurante, há ainda inúmeras salas de conferência e quatro salões de dança.”
Nosso veículo deslizou em um portão de hangar, o qual se abrira frente a
nós, aos pés da cúpula. Quando o portão atrás de nós se fechou e a corrente de
ar fresco penetrou o ambiente, desembarcamos. Eu me despedi do tenente e dos
soldados, e recebi do robô de informação um disco de orientação, no qual
apenas se precisava ajustar o destino desejado.
Eu ajustei a sala de conferências com o sonoro nome de Michelangelo Hall
como o destino, e deixei-me dirigir para lá. Quanto mais perto eu me
aproximava da sala de negociação, mais robôs de combate e soldados eu
encontrava.
Depois de ter sido várias vezes revistado, eu estava completamente
esgotado. Sobretudo os postos de guarda ertrusos pareciam ter prazer em

40
A Caça Fantasma Perry Rhodan

torturar um marciano. Eles não recuavam frente a nada. Um deles queria até
mesmo “confiscar” a porção de açúcar em cubos.
Eu atirei com o paralisador em sua barriga, o que perturbaria
consideravelmente sua digestão por algum tempo.
Depois disso fui deixado em paz.
Tive de entregar minhas armas na antessala do Michelangelo Hall, e então
um robô introduziu-me no salão.
O lugar tinha cinquenta metros de comprimento e trinta de largura. As
paredes eram decoradas com obras de arte videográficas que mostravam cenas
marcantes da história cósmica do Império Solar. O teto era arqueado e brilhava
em azul pálido.
Além de Perry Rhodan e dos mutantes do grupo especial, eu vi reunidos o
lorde-almirante Atlan, o marechal de Estado Bull e cerca de vinte cientistas e
militares, na mesa com forma de ferradura. Rhodan e Ü’Krantomür sentavam-
se de frente um para o outro, Yorgho estava agachado atrás da cadeira do Ídolo.
Como eu não considerava o momento adequado para alimentar o animal
com os cubos de açúcar e o robô de serviço puxou-me uma cadeira,
primeiramente tomei lugar na mesa.
As negociações não haviam ainda sido iniciadas. Enquanto Ü’Krantomür
ingeria uma refeição impossível de se definir para mim, conversava
informalmente.
Pouco depois de mim, Orana Sestore foi introduzida. Eu me levantei e fiz
uma profunda reverência a ela. Desde que eu a havia conhecido durante a ação
de retorno das frotas no setor das Plêiades, ainda não nos havíamos encontrado
novamente.
Eu nutria um grande respeito pela mecânica-hiperdim e cosmonauta, a
qual havia perdido seu marido e sua filha de cinco anos durante a fase de
imbecilização.
Quando tomou lugar à mesa, ela e Perry Rhodan trocaram um olhar, e não
me passou despercebido que se tratava de um olhar completamente apaixonado.
Veja só!, pensei. Eu quero viver durante um ano comendo alpiste, se os
dois não estão apaixonados!
Algo sucedeu atrás da minha cadeira, e então de modo inequívoco,
sussurrou o rato-castor Gucky:
“Bloqueie melhor seus pensamentos, seu galo apaixonado! De você e
Caruh, por mim, toda a humanidade pode vir a saber, mas se Perry interceptar
seus pensamentos sobre ele e Orana, o amor crescente e inconsciente será
sufocado já na delicada semente.”
Minhas orelhas ficaram quentes.
“Desculpe-me, Gucky”, sussurrei.
“Sem problemas, Tatcher”, sussurrou de volta o ilt.
Ele teleportou-se para trás de um almirante de ombros largos e foi de volta
para o seu lugar.
Enquanto isso, o Ídolo havia terminado sua refeição. Robôs servos
limparam tudo e serviram refrescos.
Ü’Krantomür fez uma reverência e disse a Rhodan:
“Eu sugiro que nós comecemos com as conversas, administrador-geral.”
Ele disse de modo realmente cortês!
Perry Rhodan ergueu a mão. Um gongo eletrônico ressoou.

41
A Caça Fantasma Perry Rhodan

“Honrados presentes”, disse o administrador-geral, “a partir de agora


estão iniciadas as negociações entre o representante do governo do Enxame, o
Ídolo Ü’Krantomür e os representantes do Império Solar. De início, gostaria de
transmitir minha impressão esperançosa, de que ao final das negociações haja
um acordo satisfatório às duas partes, que ajude a solucionar pacificamente
todos os conflitos existentes entre nós.”
Ele aguardava, aparentemente acreditando que Ü’Krantomür se
manifestaria do mesmo modo. Mas o Ídolo não tomou qualquer providência
para tal.
Ele estava ali, assentado, aparentemente impassível.
Rhodan passou por cima disso com um riso amigável e disse:
“Senhor Ü’Krantomür, por favor, apresente as sugestões que o senhor deve
trazer em nome do seu povo. O senhor pode estar seguro de que encontrará em
nós ouvintes interessados.”
Ele olhou o Ídolo ansiosamente, mas Ü’Krantomür não emitiu qualquer
som.
Sobreveio-me uma sensação, como se algo de errado houvesse ali. O
silêncio me parecia não apenas constrangedor, mas também preenchido por
uma ameaça indeterminável.
Gucky gritou alguma coisa, mas suas palavras foram abafadas por um tipo
de estrondo explosivo, com o qual Ü’Krantomür de repente se dissolveu. Yorgho
ganiu dolorosamente.
Todos deram um salto, mas não houve pânico. Perry Rhodan e alguns
almirantes falaram em seus aparelhos de comunicação acoplados ao braço, e
deram instruções para vedar hermeticamente o Rathskeller, bem como, por
precaução, proibiram as decolagens e aterrissagens em Mercúrio.
Fora da sala de negociação tocava uma sirene.
O Administrador-Geral virou-se para o rato-castor e perguntou:
“Você pode observar se o Ídolo se teleportou?”
“Não”, respondeu Gucky. “Também não acredito que ele tenha se
teleportado. Mas estou detectando emissões parapsíquicas de todos os lados ao
mesmo tempo.”
“Eu também, senhor”, disse Lloyd.
Rhodan assentiu. Whisper movia-se inquieto em seus ombros. O
parasimbionte cintilava em um tiritar de cores.
“Detecto a mesma coisa”, esclareceu ele. “É como se houvesse incontáveis
fontes de energia parapsíquica, as quais se afastam de um centro comum.
O lorde-almirante Atlan aproximou-se dele.
“Ü’Krantomür não tem qualquer chance de escapar de Mercúrio.”
“Por que ele iria querer escapar depois de mal ter chegado?”, perguntei.
O arcônida olhou-me pensativo.
“Provavelmente o senhor tem razão, capitão a Hainu. Mas se não foi um
acidente a causa pela qual ele se desintegrou, por que ele o fez, senão para
escapar de Mercúrio?”
Na parede à direita iluminou-se uma grande tela. Pode-se reconhecer um
desenho surrealista, e então disse uma voz de robô não modulada:
“Feixe direcional do hipercomunicador do jato espacial localizado em
aproximação de Mercúrio. Um ser vivo de nome Icho Tolot deseja falar ao
administrador-geral.”

42
A Caça Fantasma Perry Rhodan

“Aqui fala Perry Rhodan”, disse administrador-geral. “Conversação


transferida para o Michelangelo Hall!”
Pouco depois apareceu a imagem de um halutense na tela. Eu me arrepiei
sem querer ao ver a horrível boca e os olhos com o brilho vermelho.
“Olá, Rhodanos!”, disse Tolot em intercosmo. A voz ressoou pelo
Michelangelo Hall como um trovão.
“Olá, Tolotos!”, respondeu Rhodan e acenou. “Você sabe o que aconteceu?”
“Sim. Eu estava em todo caso no caminho para Mercúrio. Como conheço
os diversos códigos secretos, descobri que o negociador karduuhl partiu com um
estrondo.” Ele riu, de modo que os jarros e copos na mesa de negociação
tilintaram. Os halutenses eram seres estranhos. Eles consideravam engraçadas
situações com relação às quais um ser humano podia chorar.
“Certo”, disse Perry Rhodan monossílabo. “Você tem uma teoria que
explique o acontecimento?”
“Talvez. Poderia o Ídolo estar de olho no conversor central de tempo,
Rhodanos?”
O Administrador-Geral deu de ombros.
Ele não poderia representar um problema crítico para os karduuhls,
Tolotos. Foi febrilmente trabalhado na restauração, mas ainda durará algum
tempo até que nós possamos novamente deslocar o Sistema Solar cinco minutos
no futuro. Crítico para os Ídolos poderia ser, antes, o problema que a eles coloca
o escudo Paratron ao redor de nosso sistema.
“Então Ü’Krantomür não poderá conseguir nada em Mercúrio, Rhodanos.
Chegarei aí em todo caso.”
“Está em vigor uma proibição de aterrissagem para Mercúrio.”
Icho Tolot riu como se considerasse a observação um gracejo agradável.
“Não para mim, amigo!”, disse ele.
“Ah, bem”, devolveu Rhodan resignado. “Mas que esteja claro que você
não poderá deixar Mercúrio novamente até que Ü’Krantomür seja encontrado e,
se necessário, tornado inofensivo.”
“Por que isso?”, perguntou Tolot. “Você pensa que o seu Ídolo poderia
esgueirar-se pela minha nave como um passageiro clandestino?”
“Eu não sei o que devo pensar”, opinou o administrador-geral. “Mas eu sei
que nós não iremos arriscar nada. Ponto final.”
No meio da risada vociferante de Tolot, o hipercomunicador desligou. Mas
alguns segundos depois a tela ficou clara outra vez. Dessa vez ela piscava em um
vermelho cor de sangue, o sinal de notificação de alarme.
“Comunicação robótica da central!”, disse a voz não modulada de há
pouco. “Pedido de socorro da estação de rastreamento D-B-478.
Reproduzindo!”
O pisca-pisca vermelho desapareceu, e com isso tornou-se vagamente
visível o interior de uma estação. Figuras indistintas moviam-se, e uma voz
humana disse apressadamente:
“Aqui fala o major Oruba. Há pouco foram achados mortos na sala de
guarda o tenente Gregory e o sargento Meilin. Seus corpos foram transformados
em uma massa espumante e foram reconhecidos apenas por suas vestimentas
de proteção espacial.”
Alguém disse alguma coisa a Oruba. Eu não compreendi o que ele dizia,
mas pareceu colocar o major em pânico, pois ele gritou:

43
A Caça Fantasma Perry Rhodan

“Aconteceu algo assustador. No corredor estão os cadáveres de outros três


homens meus. É como se fosse...”
Um raio piscou sobre a tela, e então ela ficou preta.
Antes que nós fôssemos capazes de alguma reação, zuniu o aviso do
comunicador portátil que lorde Zwiebus carregava no cinto.
O pseudoneandertalense puxou o aparelho fora do suporte magnético e o
acionou.
“Aqui fala o satélite de monitoração CEPHIR, capitão Lindeman!”, disse
uma voz grave. “Nós medimos uma forte explosão. Ela ocorreu na posição D-
B-478 e foi claramente causada por um pequeno dispositivo de explosão
nuclear.”
Rhodan tomou o telecomunicador das mãos de Zwiebus e disse:
“Aqui fala Rhodan. Compreendido, capitão Lindeman. Câmbio.”
Ainda antes que ele desligasse o aparelho, o lorde-almirante Atlan
convocou com seu teletransmissor preso ao braço uma tropa de auxílio e
salvamento para a posição da estação de rastreamento em que houvera a
explosão.
Enquanto isso, Fellmer Lloyd havia deixado ligada a frequência geral de
hipercomunicação de Mercúrio e alertou todas as pessoas do novo perigo.
Quando ele terminou, o Administrador-Geral enviou um feixe direcional
paraespacial para o NATHAN biopositrônico na lua da Terra, e informou ao
cérebro gigantesco sobre os acontecimentos enigmáticos em Mercúrio.
NATHAN exigiu com urgência outras informações.
Perry Rhodan as deu alguns minutos depois, quando a nave espacial de
Tolot, há pouco aterrissada, explodiu.
Dessa vez o inimigo havia, sem saber, cometido um erro de graves
consequências, pois o halutense não fora morto pela explosão. Ele endureceu
sua estrutura corporal exatamente a tempo, foi apanhado com um raio trator
das ruínas brilhantes e ainda no vácuo novamente recuperou a capacidade de
agir.
“Ü’Krantomür é um descentralizador”, ele nos relatou por meio do
telecomunicador. “Antes que ele detonasse a bomba, eu pude ver em meu
monitor de proteção da cabine de controle, como ele aparentemente se
recompunha do nada. Minha análise do cérebro programador teve como
resultado que o Ídolo possui a capacidade psiônica de dissolver seu corpo em
moléculas individuais, das quais cada uma é carregada parapsiquicamente, e
por isso é capaz de agir sozinha por si só. Então, no local de destino, as
moléculas se recompõem rápida e misteriosamente de novo ao corpo original e
golpeiam.”
Eu notei como um sentimento de frio gelado me espreitava. Se estivesse
correto que Ü’Krantomür era um descentralizador, então ele podia surgir
praticamente em qualquer lugar de Mercúrio, sem que ninguém fosse capaz de
impedi-lo.
Ele podia também aparecer na KONG-KONG, no escritório de Caruh a
Vacat de fat...!
Eu devia fazer alguma coisa impreterivelmente!

***

44
A Caça Fantasma Perry Rhodan

Uma fraca lamúria dirigiu minha atenção a Yorgho. O companheiro do


Ídolo havia se enfurnado em um canto da sala de negociação e parecia ter medo.
Lembrei-me dos meus cubos de açúcar.
Hesitantemente fui ao animal, enquanto ponderava que não se podia
considerar Yorgho responsável por aquilo que seu senhor fazia. Afinal, também
entre nós homens não eram os animais de estimação culpados por crimes que
seus senhores haviam cometido.
Yorgho me dava pena.
Deixado sozinho por seu dono, em um ambiente completamente estranho,
ele iria padecer por muito tempo de sua vida do trauma resultante, caso
ninguém o ajudasse.
Eu me agachei ao lado do ser semelhante a um caracol, desempacotei os
cubos de açúcar e conversei calmamente com o animal. Ao mesmo tempo, vi que
a corcunda protuberante, antes dura como uma pedra, tornara-se mole e
pulsava fracamente. Era, possivelmente, uma consequência do choque que
Yorgho havia sofrido.
Quando deixei a primeira porção de açúcar no chão em frente a Yorgho, o
animal recuou com medo. Suas antenas viraram-se para dentro, e os pontos dos
olhos tremeram.
Mas, após um momento, as antenas moveram-se novamente para fora,
tatearam em busca do açúcar e vibraram excitadas. O animal esticou-se, colocou
um saco viscoso à sua frente e apanhou com ele os cubos de açúcar.
Na segunda porção de açúcar, Yorgho já não hesitou. Em seguida, coloquei
mais um punhado à sua frente. Ele o devorou avidamente.
Eu me sentia aliviado.
Era para mim um grande fardo ter chutado o pobre animal; tanto mais me
alegrava que eu o pudesse recompensar por isso. Seguramente, com meu
comportamento, eu preservava Yorgho de um dano psicológico permanente.
Se eu apenas soubesse o que havia sido de Dalaimoc Rorvic!
Irritado comigo mesmo, despejei o açúcar restante a Yorgho e levantei-me.
Como meu subconsciente chegou a traçar um paralelo entre o albino e
Yorgho? Yorgho era apenas um pobre e inocente animal. Rorvic era, ao
contrário, um monstro, e plenamente capaz de julgar a si mesmo.
Quando me virei, vi que, além de mim, apenas Orana Sestore estava na
sala de negociação.
Ao meu olhar de interrogação ela disse:
“Eles estão todos na busca por Ü’Krantomür, capitão a Hainu.” Sua
fisionomia parecia preocupada. “Espero que eles prendam o Ídolo em breve. A
situação é desesperadora.”
“Nós, seres humanos, controlamos, até o momento, cada situação,
senhora”, devolvi. “E também dominaremos um descentralizador semilouco.
Felizmente, Ü’Krantomür não pode deixar Mercúrio.”
“Exatamente”, murmurou Orana. “Ele não pode deixar Mercúrio, mas
nenhum de nós tampouco pode deixar Mercúrio. O risco de se arrastarem
despercebidamente as moléculas do Ídolo é muito grande.”
Ela respirou profundamente. Quando notei que meu olhar se concentrava
sobre o peito de Orana, eu o desviei rapidamente.
“Enquanto isso, o Ídolo causa danos por todos os lados e comete
assassinatos. Mesmo assim, o Administrador-Geral se recusa a deixar
Mercúrio.”

45
A Caça Fantasma Perry Rhodan

“Mas isso é lógico”, objetei espantado. “A senhora mesmo disse que


ninguém pode deixar Mercúrio, pois há o perigo de que leve o Ídolo consigo.”
“Mas a vida de Perry Rhodan está ameaçada, capitão, o senhor não
compreende!?”
Isso eu compreendia perfeitamente. Mas a vida de Rhodan não estava
mais ameaçada que a de qualquer um de nós. Eu disse-lhe isso, mas ela não se
acalmou.
Não era de se admirar: comigo e Caruh a Vacat ocorria exatamente o
mesmo.
Já era tempo de retornar à KONG-KONG.
Fui aos guardas na antessala e pedi-lhes que tomassem conta de Orana
Sestore, para que nada acontecesse com ela, caso Ü’Krantomür resolvesse voltar
para lá.
O oficial, um homem de pele pálida com o nariz inflamado e de nome Max
Köpp, espirrou na palma da mão e perguntou:
“O que nós devemos fazer se o Ídolo atacar de novo, capitão a Hainu?”
“Atacar de volta”, devolvi. “Deixe-me passar! O senhor está no caminho.”
O tenente Köpp manipulou com um cilindro de gás pressurizado spray
nasal ao redor e afirmou:
“Sinto muito, capitão, mas não me é permitido deixar ninguém passar.
Além disso, eu preferiria se o senhor assumisse a responsabilidade pela senhora
Sestore.”
Quando eu estava prestes a empurrá-lo para o lado, ele recuou e puxou seu
paralisador.
“Seja razoável, capitão a Hainu!”, disse ele confuso. “Eu o paralisaria com
pesar, mas...”
Nesse momento surgiu atrás dele um elefante rosa de porte médio, curvou
a tromba para cima e trombeteou agudamente.
Max Köpp deu um salto que honraria uma pulga.
Aproveitei-me da confusão e dei um arranco entre as pernas do elefante.
Atrás de mim soou a sirene portátil do tenente.
O elefante apanhou-me e empurrou-me para uma passagem lateral. De
repente, não havia mais nenhum elefante, mas Tobias Kukuruzku-Schulze.
“Sempre em frente!”, murmurou o Mago silenciosamente. “Eu tentarei
criar um portal para nós.”
Antes que eu compreendesse o que ele queria dizer, o ar brilhou alguns
passos à minha frente – e, no meio, na parede brilhante, abriu-se um largo
buraco profundamente negro, cujas bordas se alargavam em espiral.
Eu queria permanecer imóvel, mas Tobias me empurrava para frente.
Por um instante, era para mim como se eu tivesse me precipitado em um
profundo poço sem fim, e então coloquei-me de novo sobre meus pés e olhei
surpreso para a relva verde, que se estendia à minha frente até o horizonte.
Virei-me.
Longe, atrás de mim.
Mas imediatamente à minha frente estava Kukuruzku-Schulze, sem que eu
o houvesse visto chegar. De repente, ele pareceu a mim estranho e assustador.
“Não pense em nenhuma tolice, Tatcher”, disse ele. “Eu sou um mutante e
aprendi muitos truques dos Cynos, mas, na essência, sou um humano.”

46
A Caça Fantasma Perry Rhodan

Ele indicou para a esquerda. Eu pressionei os olhos para ver o que ele
queria me mostrar. Mas não vi nada além de uma pequena e trêmula mancha
preta, que dançava no ar a cerca de oitocentos metros de distância.
“Por que eu deveria ir para lá?”, perguntei. “Quero ir para a KONG-
KONG.”
“De lá se vai à KONG-KONG”, explicou o mago.
“Ele foi à frente e eu o segui, embora eu não soubesse mais se isso era um
sonho ou realidade. Algo era certo: a paisagem não tinha a menor semelhança
com a paisagem de Mercúrio. Ela parecia, antes, a paisagem de uma das poucas
reservas naturais terrestres.
A grama era até mesmo real – como parecia – e ela crescia notoriamente
em terra de verdade, e não em uma das soluções nutritivas esguichadas por uma
esponja artificial. Claramente, seres humanos não provinham daqui em
absoluto, em parte alguma havia lixo.
Inúmeros insetos zumbiam rente sobre gramíneas resplandecentes e
pequenas flores. Eles esquivavam-se quando eu chegava perto, mas não se
comportavam nem temerosa, nem agressivamente.
“Onde estamos nós?”, perguntei ao mago.
“Eu não sei”, devolveu Tobias. Sua voz estava levemente trêmula. “Eu sei
apenas que nós devemos nos apressar se quisermos chegar algum dia à KONG-
KONG.”
O medo tomou conta de mim, sufocando-me. Eu suspeitava que nós nos
encontrássemos em uma zona proibida aos homens.
Nós esgueiramo-nos por um paraíso, o qual ou os homens não conheciam,
ou haviam repudiado.
Então, Kukuruzku-Schulze permaneceu imóvel, agarrou minha mão e
murmurou algo incompreensível.
A mancha negra e dançante pareceu explodir. Impiedosamente, ela
rompeu o ambiente paradisíaco. Tobias me empurrou violentamente para frente
e no momento seguinte nós estávamos abaixo do corpo esférico da nave
exploradora.
Eu acionei o telecomunicador de braço e chamei:
“Olá, KONG-KONG! Aqui fala o capitão a Hainu. Por favor, abram a
comporta de solo para que eu possa entrar a bordo.”
Em resposta, as escotilhas da central de apoio moveram-se. Eu queria
entrar, mas Tobias puxou-me bruscamente para trás. Então ele saltou para
frente, o desintegrador à mão.
Eu corri atrás dele e vomitei quando vi os horríveis restos mortais do
guarda da comporta. A roupa de proteção espacial permanecera intacta, mas da
abertura cervical do traje escorria uma massa pálida com aparência gelatinosa.
“Ü’Krantomür está a bordo!” gritei em completo pavor e corri para o
próximo elevador.

***

Sem prestar atenção aos gritos de Toby, corri para o andar de suprimentos,
onde se encontrava a sala de Caruh.
A escotilha não se abria, embora eu pressionasse repetidamente a
campainha. Furiosamente resoluto, puxei o emissor de impulsos do coldre e
disparei na tranca, partindo-a em pedaços. Então abri a escotilha.

47
A Caça Fantasma Perry Rhodan

Lá dentro, naquele momento, desintegrava-se no nada a figura sombria


que lembrava o Ídolo. Abri fogo contra ela enquanto eu me esforçava para não
olhar a figura terrivelmente devastada ao lado da escrivaninha.
Quando o Ídolo desapareceu, ajoelhei-me ao lado da figura. O traje de
bordo estava tão bem conservado quanto a vestimenta espacial do guarda da
comporta. Por isso, reconheci na estreita divisa do braço, que eu não tinha à
minha frente o cadáver de Caruh a Vacat, mas o da sargento de nome Lyda
Boltzman.
Não obstante, o pavor inominável não me deixou.
Somente algum tempo depois eu me encontrava em condição de formular
uma ideia clara. Eu pensava em como poderia frustrar os planos sombrios do
Ídolo. Na minha opinião, ele retirava de suas vítimas determinadas substâncias
para manter a força de suas células parapsíquicas carregadas.
Depois do assassinato de outras pessoas, ele havia cada vez destruído um
objeto: a estação de rastreamento, três pequenas naves espaciais, três abrigos
subterrâneos e uma usina de energia.
Se ele quisesse aniquilar a KONG-KONG, ou ele traria consigo a carga
explosiva necessária, ou ele a retiraria do depósito de armas e munições da
nave.
No momento seguinte eu já estava a caminho do depósito. Ele encontrava-
se apenas um andar acima, por isso eu o alcancei rapidamente. Ainda antes que
eu chegasse à primeira escotilha do depósito, ouvi um grito que deixou meu
sangue congelado nas veias.
Caruh!
Eu estava furioso. Desvairado de fúria, tomei de assalto o lugar, dei um
salto através da escotilha aberta e rolei sobre o chão com joelhos e cotovelos.
Em algum lugar, um raio de energia chamejou. Então, tudo ficou quieto, e
a voz de Caruh disse:
“Agora ele fugiu de novo.”
A mim era completamente indiferente quem havia fugido e por quê. O som
da voz de Caruh era mais valioso que todos os tesouros do universo, pois ainda
agora eu havia pensado que encontraria seu cadáver horrivelmente agredido.
Ergui-me devagar.
Caruh estava encostada em uma estante, o emissor de impulsos à mão, a
face coberta de suor. Na parede à sua frente borbulhava plástico metálico
fundido. Alguns metros à sua esquerda estava uma vítima do Ídolo,
provavelmente o administrador do depósito.
Eu fui até Caruh, tomei o emissor de impulsos de sua mão e o coloquei em
seu coldre.
“Você o viu?”, perguntei.
“Sim. Foi horrível. Quando eu entrei, vi alguém estirado no chão. Uma
espécie de névoa ondulante cobria a cabeça – de repente, formou-se da névoa a
figura de Ü’Krantomür. Eu gritei e puxei minha arma. O Ídolo havia se
recomposto totalmente. Ele saltou para lá.”
Ela apontou para a parede atingida.
“Talvez eu conseguisse atingi-lo, mas aí você veio voando pela escotilha.
Instintivamente eu disparei com o emissor de impulsos. Um segundo depois
Ü’Krantomür havia se desintegrado.”
Eu assenti.

48
A Caça Fantasma Perry Rhodan

“Ele queria conseguir uma microbomba atômica aqui, para explodir a


KONG-KONG ou outro objeto. Talvez ele não retorne, mas nós deveríamos, por
precaução, alertar a tripulação. Além disso, precisamos relatar a Rhodan que o
Ídolo foi visto pela última vez na KONG-KONG.”
Nós fomos calados para a central de rádio. A experiência com
Ü’Krantomür nos havia colocado em um leve choque.
Eu me conectei via hipercomunicador com o Administrador-Geral e
acionei o sistema geral de comunicação para informar também a tripulação.
Depois de eu ter relatado e respondido às perguntas adicionais de Rhodan,
o Administrador-Geral disse:
“Nós examinamos enquanto isso, outras vítimas do Ídolo, capitão a Hainu.
Nisso foi constatado que Ü'Krantomür retirou delas diversos aminoácidos
ligados em cadeia. Os médicos chamam o processo de conexão parcial de
proteínas. Aparentemente, o Ídolo necessita de determinadas correntes
proteicas para ganhar energia.”
“Mas o que pretende ele com isso?”, perguntei. “Talvez ele possa matar
toda a vida em Mercúrio baseada em proteínas, mas de que isso adianta aos
karduuhls?”
Perry Rhodan riu com ardor.
“Naturalmente isso não lhes serve para nada. NATHAN calculou que eles
confiam no instinto de autopreservação dos seres humanos.”
“Como o senhor pensa isso?”, interpôs Caruh, interrompendo-o no
receptor do hipercomunicador.
Rhodan curvou as sobrancelhas e olhou para mim.
“Esta é a capitã Caruh a Vacat, senhor”, disse eu, altivo, como se ela fosse
minha obra pessoal.
“Aha!”, disse Rhodan secamente. “Eu a cumprimento, capitã a Vacat!
Respondendo à sua questão, NATHAN quer dizer que os Ídolos contam com que
sobrevenha o pânico em Mercúrio, em cujo curso alguns dos comandantes das
naves furem, por pressão de sua tripulação, a proibição de decolagem. Sem
dúvida, Ü’Krantomür conseguiria com isso distribuir suas moléculas corporais
amplamente dispersas em uma nave, de modo que não se fizesse perceber.”
“Mas nossos telepatas localizam as emissões parapsíquicas de suas
moléculas isoladas!”, interpus.
“Não mais”, replicou o administrador-geral. “Talvez esse fenômeno esteja
também relacionado com a ligação de correntes proteicas. Em todo caso, parece
certo que Ü’Krantomür queira destruir pouco a pouco as estações de
estruturação do escudo Paratron, que abrange todo o sistema, para com isso
poderem as frotas de batalha do Enxame penetrar no Sistema Solar.
Eu dei um profundo suspiro.
“Então deve-se esclarecer a todo nosso pessoal que iremos disparar em
cada nave espacial que tente deixar Mercúrio, senhor.”
“Tudo isso já foi considerado por NATHAN, capitão”, disse Rhodan
cansado e resignando-se. “Ele também predisse que se tentará num tempo
previsível salvar ao menos minha vida, e para isso sacrificar todas as outras
pessoas que permanecem em Mercúrio.”
Ele deu de ombros.
“Diversas pessoas já me apresentaram sugestões semelhantes. Elas têm
boa intenção. Elas imaginam que eu seja insubstituível para a humanidade!”
Ele riu secamente.

49
A Caça Fantasma Perry Rhodan

“Bobagem! Talvez eu apenas iniba o progresso, pois afinal sou um fóssil do


passado.”
Eu balancei fortemente a cabeça.
“Talvez uma parte de seu valor esteja no fato de que o senhor simbolize,
para a maior parte da humanidade, aspirações irrealizáveis, mas ninguém pode
negar os benefícios práticos do senhor. Quando eu imagino, por exemplo, que o
Comandante CYD Rorvic ia assumir o controle da sua função...!”
Perry Rhodan pigarreou.
“De fato, o senhor é brilhantemente capaz de sacar um discurso do nada.”
“No que me concerne, cada palavra tem sua função, sua bem pensada
função, senhor!”, respondi ressentido.
“Algumas vezes, sim”, esclareceu o administrador-geral. “Capitão a Hainu,
por favor, reflita sobre como nós podemos tornar o Ídolo inofensivo, antes que
um desastre maior aconteça.
Ele elevou a voz.
“Veja bem, há o perigo de que Ü’Krantomür possa dirigir suas moléculas
para outro planeta do Sol por meio do vento solar. Então ele estaria
completamente fora de controle. Nós precisamos enquadrá-lo e torná-lo
inofensivo, antes que seja tarde.”
Eu curvei as sobrancelhas e esclareci:
“Eu sou o homem para isso, senhor. Renomearei por isso o Comando CYD
em Comando GHU.”
Os olhos de Rhodan brilharam.
“O quê? O que significa ‘Comando GHU’?”
“’GHU’ é a abreviação de ‘Ghost Hunting’, senhor. Eu penso que o Ídolo
Ü’Krantomür pode ser muito bem comparado com um fantasma.”
O Administrador-Geral suspirou. A mim parecia como se ele me olhasse
triste.
Mas não havia nisso qualquer motivo para tristeza.
“Capitão a Hainu!”, disse ele paternalmente, “o Comandante CYD Rorvic
era notório por sempre inventar nomes novos para sua tropa, mas o senhor,
não!”
“Dalaimoc Rorvic não reside mais entre nós, logo eu preciso manter a
tradição, senhor”, esclareci.
“Eu queria que Rorvic ainda estivesse aqui”, disse Perry Rhodan. “Um de
vocês dois é sem o outro um flagelo da humanidade.” Ele desligou
abruptamente, o que considerei bastante descortês, especialmente porque nossa
conversa não havia começado corretamente.
Quando me virei, Caruh me observava admirada.
“Estou orgulhosa de você, Tatcher!”, afirmou. “O modo como você
argumenta com o Administrador-Geral é simplesmente maravilhoso.”
Eu flutuava em uma nuvem macia e rosa de algodão – e dela caí
dolorosamente, quando nossa nave sacudiu como se punho de um gigante a
agarrasse.
Eu pairei acima do chão e bati a cabeça contra algo macio, e então as luzes
se apagaram. Meu ombro direito colidiu contra algo duro, e eu voei para trás,
até que uma força invisível puxou-me para baixo e eu pousei duramente,
sentado.
Um segundo depois a luz brilhou novamente.

50
A Caça Fantasma Perry Rhodan

Eu vi que Caruh e eu nos agarrávamos, mas nós dois não nos sentíamos
como se esta circunstância fosse de se apreciar. Nós colocamo-nos de pé,
suprimimos as dores sinalizadas por diversas partes do corpo e olhamos ao
redor.
Os quatro operadores de rádio se recompunham naquele momento. Um
deles tinha o olho roxo, o outro, o nariz sangrando, e os outros dois seguravam a
mesma parte do corpo com que eu havia pousado rudemente. Fora isso, tudo
parecia estar em ordem.
Eu acionei o sistema geral de comunicação e disse:
“Capitão a Hainu à central principal. O que ocorreu?”
“Aqui fala o comandante”, respondeu uma voz familiar. “O fenômeno
observado não teve nada a ver com o Ídolo. Teve a ver com um tremor
completamente normal, que agitou essa parte de Mercúrio. Nisso a KONG-
KONG foi empurrada alguns metros para cima e pousou novamente na
plataforma amortecedora. Câmbio.”
Eu olhei para Caruh.
“Até mais tarde então, querida. Caçarei o Ídolo fantasma, e então entrarei
em contato com você.
“Isso é o que você pensa, Tatcher!”, protestou Caruh. “Eu o acompanharei.
Afinal, eu já atingi Ü’Krantomür uma vez na fuga.”
Eu relutava em levá-la comigo, implorei a ela – nada ajudou. Caruh a
Vacat permaneceu obstinada.
Depois que Caruh se despedira dos comandantes, nós pedimos no depósito
que nos entregassem trajes de luta pesados. Eles dispunham de agregados para
a estrutura do escudo Paratron, por meio do qual nós nos tornamos inatacáveis
por uma ligação de proteínas.
Quando nós quisemos deixar a KONG-KONG, descobrimos que a nave
havia se envolvido durante este tempo em um escudo Paratron.
“Todas as outras naves de Mercúrio também receberam, entrementes,
ordem de se proteger com o escudo Paratron contra o Ídolo”, explicou-nos o
comandante. “Infelizmente, não são todas as estações capazes de se envolver da
mesma forma em um escudo Paratron, de modo que Ü’Krantomür encontrará
novas vítimas.”
“E se ele se encontrar exatamente dentro de uma nave espacial?”,
perguntou Caruh.
O comandante deu de ombros.
“Então ele tentará desativar os projetores-PT e talvez ele seja capturado lá.
Eu bati com o punho direito na palma da mão esquerda.
“Então eu gostaria de estar lá. Por favor, abra um buraco estrutural para
nós.”
“Somente quando o senhor tiver deixado a nave”, devolveu o comandante.
“Eu não gostaria de modo algum que Ü’Krantomür usasse a chance e penetrasse
em nossa nave.”
Isso, evidentemente, tampouco Caruh e eu queríamos. Dez minutos depois
nós nos encontrávamos fora da KONG-KONG e voávamos em altitude reduzida
sobre a superfície de Mercúrio.
O último tremor havia rachado o chão em diversos lugares. Aqui e ali
rebentavam de pequenas crateras nuvens fervilhantes. Das fendas borbulhava
magma líquido e se acumulava nos declives formando pequenos lagos, nos quais
as substâncias pesadas afundavam após pouco tempo.

51
A Caça Fantasma Perry Rhodan

Robôs multifuncionais voavam para lá e para cá para proteger prédios


ameaçados. Estivesse a superfície de uma construção ameaçada de desabar, eles
a mantinham inteira por meio de campos de energia até que os moradores
fossem evacuados ou uma equipe de reparos chegasse.
Apesar da situação agravada pelos Ídolos, o emissor-trivídeo privado
continuava a trabalhar normalmente em Mercúrio. Ele propagava notícias sobre
causa e efeitos do tremor. Por meio disso, Caruh e eu soubemos que a superfície
do nosso lado do planeta havia se elevado em torno de trinta metros.
Em seguida, o emissor trouxe como de costume curtos comerciais, o que
me pareceu um tanto quanto sem gosto. Mas então eu ponderei que o perigo de
um pânico geral seria reduzido pelo comportamento cotidiano.
“Para onde nós devemos ir?”, perguntou Caruh após algum tempo.
“Nós precisamos aguardar”, respondi. “Por ora, voemos, por assim dizer,
de patrulha e, assim que nós captarmos uma informação sobre o aparecimento
de Ü’Krantomür, seguimos para lá.”
Meu receptor do capacete tremeu fortemente, e então disse a voz de
Rhodan:
“Acione imediatamente na frequência secreta ISM, capitão a Hainu!”
“Certo, senhor!”, devolvi. “Há algum motivo especial para isso? Capitã a
Vacat e eu...”
“O senhor deve ligar em ISM!”, gritou Rhodan.
Eu liguei e informei nome, posição e número pessoal, enquanto Caruh e eu
voávamos adiante.
“Preste bem atenção!”, ordenou o administrador-geral. Sua voz havia
perdido o tom cortês. “O Ídolo conseguiu conquistar o satélite de vigilância,
embora ele fosse protegido por um escudo Paratron.”
“Mas, como...”, comecei. Perry Rhodan me interrompeu. “Nossos escudos
Paratron não são impenetráveis, a menos que nós renunciemos a qualquer
contato recíproco e ao contato com o ambiente. Ü’Krantomür infiltrou-se com
suas moléculas por meio das antenas especiais, as quais se projetam para fora
do escudo Paratron e servem para a localização e o serviço de rádio.”
Eu roguei uma praga e parei. Caruh imitou-me; ela sabia que eu falava
com o administrador-geral, mesmo que ela não conhecesse a frequência secreta
ISM e, por isso, não pudesse sintonizá-la. “É isso mesmo”, disse Rhodan
secamente. “Ü’Krantomür introduziu-se a nós como alguém sem talentos
parapsíquicos e como um semi-idiota psiquicamente instável – e nós fomos
pegos por essa. Nisso ele é mais engenhoso que mesmo nossos agentes-SolAb
mais experimentados haviam pensado.”
“Ele assassinou a tripulação do satélite, senhor?” perguntei. “Ainda não”,
respondeu Rhodan. “Mas como...” “Ele rastejou passando despercebido pelo
pósitron principal do satélite de vigilância, matou o plasma orgânico por meio
da retirada de determinadas correntes proteicas e assumiu o seu lugar. A
tripulação notou certas irregularidades no trabalho do pósitron principal, mas
naturalmente não veio à mente de ninguém que elas poderiam ter sido causadas
por Ü’Krantomür. O Ídolo sugou para si todas as informações do componente
cerebral positrônico e aprendeu muito rapidamente a substituir os
biocomponentes. Desse momento em diante ele teve o satélite de vigilância em
seu poder. Ele teria podido permanecer completamente despercebido mas,
aparentemente, essa não é sua intenção. Ü’Krantomür rendeu a tripulação por

52
A Caça Fantasma Perry Rhodan

meio dos paralisadores fixos instalados e trancou a câmara da comporta


principal por meio de derivações móveis do pósitron principal.”
“E de onde você sabe isso, senhor?”, perguntei.
“Do próprio Ü’Krantomür”, esclareceu o Administrador-Geral
amargurado. “Ele chamou-me pelo hipercomunicador e convidou-me a entrar a
bordo do satélite. “E?”, perguntei.
“E o senhor deve vir junto”, concluiu Rhodan laconicamente. “Como?”
Perry Rhodan suspirou gravemente. “O Ídolo exige que o senhor me
acompanhe ao satélite, capitão a Hainu.” Eu ri.
“Essa é uma piada encantadora. Ele parece realmente ter me guardado
com ódio no coração – aliás, nos seus corações, pois ele tem dois.”
“Eu não a considero uma piada, capitão”, disse o Administrador-Geral de
modo sério. “Caso nós não cumpramos completamente suas condições,
Ü’Krantomür ameaçou matar toda a tripulação do satélite.”
“Então, um chantagista!”, exclamei. “Mas o senhor não irá se envolver
nisso.”
“Como o senhor procederia no meu lugar?”, perguntou ele calmamente.
“Eu mudaria a posição do satélite e conversaria com o Ídolo, até que ele
visse que eu não me deixo chantagear.”
“Ü’Krantomür iria cumprir com suas ameaças nesse caso, segundo um
cálculo de probabilidade de NATHAN – e se encontra no satélite uma tripulação
de dezessete homens!”
“Mas o senhor é o administrador-geral!”
“Certo, e eu decidi voar para o satélite de vigilância. Sobre si deve o senhor
mesmo decidir. Eu não sei se Ü’Krantomür lhe poupará a vida.”
Não havia dúvidas quanto a isso. O Ídolo não me deixaria viver. Em minha
opinião, ele apenas havia me convidado para se vingar do modo como eu reagira
às suas insolências.
“Eu irei junto, senhor”, esclareci. “Eu duvido que deixarei Ü’Krantomür
viver se eu o pegar.”
“Bom.” Rhodan transmitiu-me as coordenadas. “Voe para lá. Um cruzador
pesado com nome BABEC – uma nave da USO – é o nosso ponto de encontro.
Eu confirmei, e então acionei novamente o rádio do capacete, dizendo:
“Infelizmente temos de nos separar por um tempo, meu besouro da areia.
Rhodan solicitou-me para uma missão secreta.”
Caruh suspirou.
“Pena. É também algo perigoso?”
“Não mais que uma sauna terrana. O melhor é que você retorne à KONG-
KONG, moça. Este trajeto está livre. Eu sei. “Ü’Krantomür não a irá
incomodar.”
“Obrigada. Eu irei seguir o seu conselho. Tenha atenção, Tatcher – e não
olhe para outras mulheres.”
“Eu não terei sequer oportunidade para isso”, respondi, acenei e virei-me
para me dirigir para o próximo destino com velocidade total.
Só de pensar no que poderia haver entre mim e Caruh, antes que tudo
houvesse começado de fato, minhas vísceras ficavam tensas.
Raivoso, olhei para cima, onde, em algum lugar, o satélite de vigilância
estava em órbita.
Você pagará por isso, Ü’Krantomür, prometi.

53
A Caça Fantasma Perry Rhodan

Capítulo 5

Perry Rhodan acionou o seu projetor e sobre a grade de projeção formou-se um


modelo energético tridimensional do satélite de vigilância.
“Como o senhor vê, o satélite tem mais ou menos a forma de uma cabeça
de cogumelo. A base tem um diâmetro de novecentos metros, a maior altura
atinge cento e sessenta metros.”
“O que são as protuberâncias na superfície exterior, senhor?”, perguntei,
apontando para as inúmeras estruturas finas que cobriam hermeticamente
unidas a superfície da “cabeça de cogumelo”.
“São mísseis com conversores de campo Paratron. Eles foram construídos
com o objetivo de se desviar, por meio da estrutura rápida de um enorme campo
Paratron no hiperespaço, do plasma expelido do Sol, que poderia tornar-se
perigoso para Mercúrio.”
“E se os mísseis forem lançados em Mercúrio?”
“Os campos Paratron são de duração muito curta para causar, em matéria
sólida, danos maiores, capitão”, respondeu o administrador-geral. “Não
devemos temer nada com relação a isso.”
Ele ficou sério.
“Mas devemos, com relação a outra coisa. Eu não conheço o plano exato de
Ü’Krantomür, mas sem dúvida ele quer me utilizar como forma de pressão, para
forçar o desligamento do sistema de projetores do campo Paratron.”
“Então o senhor não deve de modo algum ir para lá”, disse, de modo
decidido.
“Neste caso ele mataria a tripulação do satélite e partiria para a próxima
crueldade. Não, nós iremos até lá e levaremos um pacote de truques conosco.”
“Um pacote de truques?”
O Administrador-Geral assentiu e apontou-me duas imagens coloridas de
trivídeo. Elas eram tão bem feitas que eu as considerei como imagens reais.
“Elas mostram sósias, sósias robóticos”, constatou Rhodan. Eu franzi a
testa. “Pra mim era claro que o senhor possuía um sósia robô, o qual era
utilizado em aparições especialmente perigosas, mas até o momento eu não
sabia que eu também possuía um sósia robô.”
Perry Rhodan riu. “O seu sósia vive há somente meia hora, Tatcher”,
esclareceu. “A BABEC é uma nave espacial que antigamente trazia especialistas
da USO para os seus lugares de ação e aguardava por eles nas proximidades.
Tais naves sempre carregam consigo vários kits-universais para sósias. A partir
dos componentes, pode-se produzir um sósia por meio da combinação de cada
ser vivo parcialmente humanoide.” “Isso eu não sabia.” “Pouquíssimos homens
sabem disso. Se todos soubessem disso, os kits de sósia não teriam mais valor.
Por isso eu lhe peço que guarde para si esse pequeno segredo.” “Quando
Ü’Krantomür tiver agarrado minhas correntes proteicas ao redor do meu
pescoço, não poderei revelar isso de qualquer forma”, respondi. Perry Rhodan
riu silenciosamente.
“O senhor é realmente o provocador que Dalaimoc Rorvic sempre disse.”
Eu inclinei a cabeça e murmurei. “Se ele realmente estiver morto, nós
notaremos em breve, senhor.”
“Por quê?”

54
A Caça Fantasma Perry Rhodan

“Porque o diabo escalará do inferno e nos pedirá asilo, senhor.”


“Não se deve falar mal dos mortos, capitão a Hainu”, disse Rhodan
severamente.
Eu balancei a cabeça. “Dalaimoc Rorvic não está morto, senhor; eu sinto
que ele ainda vive. Não há como parar o monstro. Além disso, eu acredito que,
caso ele realmente morra algum dia, já no próximo momento viverá sua
reencarnação.”
Cocei meu queixo. “Mas o senhor está se desviando do tema. O senhor está
querendo me dizer que, ao invés de nós, os sósias deverão voar para o satélite?”
O Administrador-Geral olhou-me de um modo peculiar, e então pigarreou
energicamente e disse:
“Tanto nossos sósias quanto nós voaremos para o satélite de vigilância,
capitão. Por favor, ouça-me agora sem me interromper!”
Eu o ouvi. Quanto mais tempo Rhodan falava, tanto mais confiante eu
ficava de que talvez eu escapasse com vida. Perry Rhodan havia de fato
composto um plano refinado.
Meia hora depois, decolamos com um space-jet do BABEC, o qual trazia
em si o nome DAGY-CHORNY repetidamente pintado de vermelho, que
significava algo como “tempestade de elétrons”.
O próprio Perry Rhodan pilotava. Eu agia como operador de rádio.
Ü’Krantomür havia nos exigido como condição que eu mantivesse com ele
constante contato via rádio durante o caminho. No cubo do hipercomunicador
via-se uma imagem do Ídolo, embora no momento ele não pudesse possuir sua
forma corporal normal, mas sem dúvida adotasse a dos componentes biônicos
do satélite positrônico. Uma vez que os biônicos foram encontrados em um
recipiente com forma de hemisfério, Ü’Krantomür precisava do mesmo modo
ter reunido suas moléculas em forma de hemisfério.
Ele gerava sem dúvida a imagem de trivídeo com ajuda dos componentes
positrônicos.
“Que bom, vocês dois vieram sozinhos”, disse o Ídolo. “Eu utilizei,
evidentemente, os botões individuais do satélite para vasculhar o veículo
espacial dos senhores em busca de impulsos cerebrais.”
“O que exatamente o senhor quer de nós?”, pedi que me informasse.
“Não muita coisa”, respondeu ele. “Mas isso eu irei esclarecer aos poucos,
na medida em que julgar necessário. Dirijam-se agora para o controle de
estrangeiros. Eu os buscarei lá.”
Calado, o Administrador-Geral fez a mudança correspondente. Eu
coloquei a língua para fora, na direção da imagem do Ídolo, porém antes que me
desse conta de que ele seguramente não saberia o significado desse gesto.
A DAGY-CHORNY foi dirigida por impulsos do satélite sem nossa vontade.
Em pouco tempo eu vi a estrutura através do troplon de plástico transparente da
cabine do piloto.
Nós fomos apanhados com grande rapidez, e somente no último momento
surgiu uma abertura estrutural no escudo Paratron do satélite.

“Ele tem medo”, murmurei, “de que alguém mais entre furtivamente. Não
é de se rir?”
“Fique quieto, por favor!”, ordenou Rhodan.

55
A Caça Fantasma Perry Rhodan

Eu acendi um cigarro e fumei, enquanto o space-jet era aportado. Quando


a nave em forma de disco adentrou as ancoragens do campo de força, Rhodan
virou-se para o hipercomunicador e perguntou:
“Como foram até agora tratados os membros encarcerados da tripulação
do satélite?”
“O que significa ‘serem tratados’?”, devolveu Ü’Krantomür.
“Com comida e bebida, com instalações sanitárias e o que mais houver”,
elucidou Rhodan.
“Isso é desnecessário”, disse o Ídolo. “Os presos não precisão de nada além
de ar climatizado.”
“Desse modo eles não viverão por muito tempo”, objetou o administrador-
geral. “Na realidade, o senhor poderia até mesmo libertá-los, pois suas
exigências já foram cumpridas.
“O senhor se engana”, replicou Ü’Krantomür. “Minhas exigências
começam somente agora. Venha à central principal. Mas não se detenha no
caminho. Ao menor sinal de uma tentativa de sabotagem o senhor será
paralisado pelas armas integradas.”
“Isso não me coçaria”, disse eu. “Em todo caso, há muito tempo não
durmo.”
“Deixe de lado seus comentário provocantes, Tatcher!”, atropelou-me
Rhodan com uma violência incomum.
Nós desembarcamos do space-jet e dirigimo-nos ao caminho mais curto
para a central principal do satélite de vigilância.
Perry Rhodan seguiu diretamente para o painel de controle vermelho, em
que se encontrava o sinal de POSITRÔNICO DESLIGADO, e o pressionou.
“Isso não tem sentido”, disse a voz de Ü’Krantomür do microfone do
sistema geral de comunicação. “À diferença dos velhos biônicos, eu possuo
iniciativa própria. Consequentemente, eu pude me preocupar com que todos os
comandos por interruptor vindos de fora permanecessem ineficazes.”
“Disso eu não duvidava”, disse Perry Rhodan. “No entanto, era meu dever
empreender uma tentativa.”
“A tentativa fracassou. O senhor se preocupará com o fato de que o escudo
Paratron que envolve o sistema será desativado, administrador-geral!”
“Isso eu não posso”, devolveu Perry Rhodan.
“Sim, o senhor pode. Todos farão o que o Administrador-Geral ordenar.”
Rhodan riu sem humor.
“Se ele o ordenar como administrador-geral, Ü’Krantomür. Mas eu não
estou aqui na minha função como administrador-geral, mas como pessoa
privada. Eu entreguei antes meu cargo a um substituto.”
O Ídolo silenciou por um momento, e então disse:
“Ordene ao seu substituto que venha aqui!”
“O senhor ainda não compreendeu, Ü’Krantomür”, replicou Rhodan
objetivamente. “Eu não posso dar ordens a ninguém – e se meu substituto
viesse aqui, então seria do mesmo modo como pessoa privada. Assim foi
definido, e ninguém pode mudar algo nisso.”
“Se o senhor é inútil, deve morrer, Rhodan”, disse o Ídolo.
“Ninguém é inútil”, interpus conforme o combinado.
“Uma palavra inteligente, capitão a Hainu”, devolveu Ü’Krantomür. “Com
que o senhor quer ganhar sua sobrevivência?”

56
A Caça Fantasma Perry Rhodan

“Com o fato de que eu quero lhe ajudar a alcançar seu objetivo,


Ü’Krantomür”
“Como o senhor quer me ajudar?”
“O escudo Paratron ao redor do Sistema Solar é um obstáculo insuperável
para a sua frota. Principalmente, entretanto, porque os seus cientistas não
sabem como um escudo Paratron é produzido – e, por sua vez, você não sabe,
pois não conhece a fórmula estrutural.”
“Suponhamos que isto esteja certo, capitão a Hainu.”
“Está certo”, esclareci. “Logo que o senhor conhecer a fórmula estrutural
secreta, poderá construir em um tempo previsível campos de energia que
produzem buracos estruturais nos escudos Paratron.”
“Isso parece lógico”, disse Ü’Krantomür. “E como o senhor irá me arranjar
a fórmula estrutural secreta?
“A bordo desse satélite encontram-se em torno de oitenta mil mísseis com
conversores Paratron...”
“Naturalmente eu já sei disso”, interrompeu-me o Ídolo de modo bastante
abrupto. “Do banco de memórias da positrônica eu também sei que os
conversores são eficazmente protegidos contra pessoas não autorizadas. Deles,
portanto, não obterei a fórmula estrutural. Por que razão o senhor os menciona
então? Eu creio que o senhor quer me enganar, capitão a Hainu.”
“O senhor não pode mesmo pensar com clareza”, respondi com sarcasmo.
“Senão saberia que eu não tentaria jamais um truque inocente em frente ao
ocupante de uma positrônica, como o senhor presume.”
“Estou ouvindo”, disse Ü’Krantomür. “Dispare todos os oitenta mil
conversores Paratron ao mesmo tempo e no mesmo ponto, na superfície interior
do escudo Paratron”, propus. “A partir do efeito, o senhor então pode
reconstruir a fórmula estrutural.”
“Essa é uma boa ideia”, declarou o Ídolo.
“Seu traidor!”, repreendeu-me Perry Rhodan.
Nós nos olhamos novamente.
O jogo que nós jogávamos era arriscado, pois havíamos ido muito longe
para ainda permitir que Ü’Krantomür escapasse.
Evidentemente nós esperávamos outra coisa do experimento do que o
Ídolo, mas isso já fora executado e havia sido avaliado, então ele também sabia
sobre um dos maiores segredos da humanidade solar – e se ele escapasse,
poderia nos infligir graves danos.

***

“Atenção!”, algo chiou baixo ao meu ouvido. “Aqui fala Gucky. Requer-se
confirmação!”
O chiado vinha de um elemento microscopicamente pequeno de hidróxido
de hovalgônio, o qual fora disparado em alta pressão no osso do crânio. O
elemento captava os impulsos do hipercomunicador recebidos das antenas do
satélite, fortalecia-os e os convertia em oscilações normais, as quais causavam
sobre osso do crânio vibrações no líquido auricular, as quais, por sua vez,
excitavam as extremidades dos nervos do ouvido, por meio dos quais a
mensagem adentrava a consciência.
O Administrador-Geral e eu evidentemente não podíamos responder ao
chamado de Gucky com palavras, pois elas seriam ouvidas pelo Ídolo – e a

57
A Caça Fantasma Perry Rhodan

telepatia era impossível em virtude do escudo Paratron. Perry Rhodan apenas


deu uma fraca batida com o dedo contra as suas pálpebras.
Eu esperava pelas medidas que Ü’Krantomür tomaria, pois o contato entre
Gucky e nós iria permanecer completamente unilateral sem sua colaboração.
Segundos depois eu soube que o Ídolo também jogava – ainda que sem o
saber.
O lorde-almirante Atlan o havia chamado pelo hipercomunicador
conforme o combinado – e quando Ü’Krantomür respondeu, naturalmente
precisou ativar o emissor do hipercomunicador do satélite – pelo que a “batida”
de Rhodan pôde ser emitida sem ser notada.
“Batida aceita”, respondeu o rato-castor. “Perry, eu fiz uma descoberta.
Yorgho é mais perigoso do que nós havíamos suposto até agora. Ele é um
parasimbionte, como Whisper era com você, mas satisfaz outras funções. Eu
descobri que serve ao Ídolo Ü’Krantomür como elemento de amplificação
psiônica e como ponto de orientação para suas moléculas.”
Eu franzi a testa.
O que Gucky dizia não fazia sentido para mim. Como Yorgho podia servir
ao Ídolo como elemento amplificador e ponto de orientação, se os dois seres
estavam separados um do outro pelo escudo Paratron do satélite de vigilância?
Como se houvesse notado minhas dúvidas, o ilt explicou:
“Yorgho e Ü’Krantomür estão conectados um com o outro do mesmo modo
que nós: por meio das antenas do hipercomunicador do satélite, as quais
projetam-se por meio de buracos estruturais para fora do escudo Paratron.
Enquanto isso, Yorgho percebeu que era observado. Ele escondeu-se em algum
lugar do Rathskeller, mas eu creio que dentro dos próximos minutos o
rastrearei. Eu paralisarei o animal, e espero que com isso Ü’Krantomür perca a
capacidade de dispersar suas moléculas corporais e, com um piscar de olhos,
recompor-se de novo com exatidão.”
Perry Rhodan repetiu sua batida.
Como ele me havia explicado antes da decolagem para o satélite de
vigilância, utilizava o antigo e praticamente desconhecido alfabeto Morse
terrano.
“Pare de dar batidas!”, gritou de repente a voz do Ídolo do sistema geral de
comunicação. “Eu ouvi tudo o que o seu amigo Gucky lhe transmitiu.”
“Então, senhor Ü’Krantomür!”, respondeu Rhodan, sem suspender a
batida. “Então o senhor também sabe que em pouco tempo terá apenas metade
do valor que tem agora. Eu lhe sugiro que o senhor reflita se não valem mais a
pena negociações honestas.”
O Ídolo não respondeu. Por isso se apagou de repente um sinal eletrônico
no centro de comando.
“Ele desativou o escudo Paratron!”, gritei.
Em um segundo foi como se meu cérebro tivesse sido parcialmente
desativado. Eu podia apenas ver algo como uma névoa brilhante e ouvir – e
ainda podia pensar.
Tais eram todas as minhas capacidades remanescentes.
Sem poder me mover, eu vi como no chão do controle central do satélite
condensava-se uma espécie de nuvem cinzenta, que se moldava na forma de um
corpo conhecido. Yorgho!
De algum modo, Ü’Krantomür tinha conseguido trazer a bordo do satélite
seu parapsibionte por meio de um paraespaço.

58
A Caça Fantasma Perry Rhodan

No momento seguinte, brilhou novamente o sinal para o escudo Paratron.


Com isso, Yorgho estava aparentemente fora do alcance do rato-castor.
Yorgho moldou-se completamente na sua antiga figura.
Pouco a pouco o trabalho do meu cérebro normalizava-se novamente. A
névoa turva e entorpecente desapareceu, e eu pude mover-me de novo. Ao
mesmo tempo eu me lançava com o Administrador-Geral sobre o animal.
Mas eu não fui até ele. Em algum lugar no caminho, meu crânio colidiu-se
contra um obstáculo inflexível. Eu vi brilhar as estrelas de meia galáxia – e de
novo se extinguirem.
Quando eu recuperei a consciência, levantei-me cautelosamente. Minha
cabeça zunia, e a dor pulsava pelo meu cérebro como uma onda.
Ao meu lado, o Administrador-Geral levantava-se vagarosamente.
Sua face tinha a mesma aparência que a que imaginava ter a minha.
Quando eu pensava que ele apenas havia pulado em cima de Yorgho para fazer o
Ídolo crer que ele via na supressão de Yorgho nossa única chance, não podia
deixar de admirar esse terrano.
Rhodan ficou novamente de pé diante de mim.
Ele ajudou-me a levantar. Eu olhava ao redor procurando por Yorgho. Ele
havia desaparecido.
Quando, com as mãos estendidas, apalpei, procurando pela parede de
energia na qual eu quase batera minha cabeça, não topei com nenhum
obstáculo. Ü’Krantomür havia desativado a parede de energia. Portanto, Yorgho
não voltaria à central principal.
Houve um estalo no alto-falante do sistema geral de comunicação, e então
o Ídolo manifestou-se outra vez.
“Espero que os senhores agora reconheçam que não podem fazer nada
contra mim”, disse Ü’Krantomür. “O senhor não quer trabalhar
incondicionalmente comigo, Rhodan?”
“Eu não trabalho com um assassino”, respondeu friamente o
administrador-geral. “Em guerra são permitidos truques, mas o senhor matou
homens sem necessidade. Não há desculpa para isso.”
“Eu precisava matar para ganhar correntes proteicas, das quais necessito
para a atividade psiônica. Mas com relação a você eu não preciso de justificativa.
Os terranos estão em dívida com a morte de inúmeros karduuhls e incontáveis
Karties!”
A face de Rhodan ficou branca. A acusação foi obviamente ao fundo de sua
alma. Indignado, ele disse:
“Esse é o veneno da demagogia! Vocês nos obrigaram a lutar por nossa
existência e querem nos tornar responsáveis pelas vítimas. Além disso, você, os
karduuhls, são responsáveis pela morte da maioria dos Karties. Nós tentamos
ajudar os amarelos quando você não podia mais lhes reprimir os gestos de força;
vocês recusaram a ajuda a eles e até mesmo lutaram contra ela.
Depois disso, Ü’Krantomür desligou o sistema geral de comunicação.
“Talvez lhe doa a consciência”, eu disse.
“Todos os seres sociais devem possuir uma consciência, pois, sem ela, a
vida social em conjunto seria impossível”, disse Perry Rhodan silenciosamente.
“Mas, frente a uma comunidade estranha, a consciência coordenada com a
comunidade geral é negada, pois os interesses contrários criam uma
contradição insuperável.”

59
A Caça Fantasma Perry Rhodan

Uma pequena vibração correu pelo satélite. Ao mesmo tempo, ouvi algo
que soava como um surdo bater de tambores.
“Ü’Krantomür disparou mísseis-PT”, disse o administrador-geral.
“Como eu o aconselhei”, disse eu deprimido. “Enquanto isso, os
pressupostos se modificaram em seu favor. Temo que meu jogo causará à
humanidade mais dano que benefício,
“É o nosso jogo”, esclareceu Rhodan.
Eu suspirei. Perry Rhodan era um grande homem, de modo algum
comparável a Dalaimoc Rorvic. Eu jamais poderia ser de fato mau com Rhodan.
Talvez isso fosse decorrência de que todos soubessem que Perry Rhodan jamais
o abandonaria somente pelo fato de que ele havia cometido um erro.
Rhodan riu abatido.
“O seu rosto revela seus pensamentos, Tatcher. Desde quando o senhor é
tão transparente?”
Eu senti como se minhas orelhas tivessem ficado quentes e vermelhas.
“Eu gostaria de saber quais sintomas ocorrerão nos lugares do escudo
Paratron, que envolve o sistema, onde os mísseis-PT colidirão”, murmurei e
liguei o localizador de energia.
Para o meu espanto, Ü’Krantomür não o evitou.
A tela do localizador de energia ficou clara, mas os valores indicados me
diziam pouco.
“Talvez Ü’Krantomür não tenha mais nada contra uma observação ótica
direta”, disse o Administrador-Geral e ligou o sistema-AO na mesa de controle.
A tela da galeria panorâmica brilhou.
Eu avistava a superfície de Mercúrio manchada em vermelho e negro, com
erupções de lava, as quais se mudavam como convulsivos e tremidos corpos de
serpente incandescentes.
Minha vista migrou do planeta próximo ao sol, dirigiu-se à corrente
incessante, semelhante aos fenômenos de luz do rádio, as quais partiam do
satélite de vigilância e pareciam concentrar-se em um ponto longe dali.
De repente, apareceu distante uma mancha clara. Ela pulsava por um
momento e então se estendia com um golpe a um ponto tão longe que parecia
preencher todo o universo.
Por todo o lado a bordo do satélite irrompiam alarmes de campo. O ar
cheirava fortemente a ozônio e queimava nas mucosas. Dentro da central
principal, os contornos dos objetos mudavam com rápidas consequências.
A tela da galeria panorâmica parecia transformar-se em chumbo líquido, o
teto dissolveu-se em gotas grossas e negras, as quais, lentamente, flutuavam
para baixo e aos poucos transformavam o chão em um lamaçal.
No meio deste inferno brilhou de repente uma faísca dourada, tornou-se
um tipo de bolha de sabão do tamanho de um punho, na qual se movia uma
figura – apesar da distorção, uma figura muito bem conhecida.
Pouco depois, a “distorção” havia desaparecido, e a figura estava à minha
frente em tamanho natural.
Dalaimoc Rorvic!
“O senhor tem a mesma aparência enrugada de antes”, disse o gordo
albino.
Ele virou-se e fez uma saudação ante o administrador-geral.
“Senhor, Comandante CYD Rorvic apresenta-se de volta ao serviço. E,
diabos!, onde estamos nós?”

60
A Caça Fantasma Perry Rhodan

“No satélite de vigilância de Mercúrio”, respondeu rapidamente Rhodan.


“E o satélite está dominado por Ü’Krantomür e Yorgho, seu parapsibionte.”
Rorvic irrompeu em uma gargalhada, devido à qual um calafrio correu-me
espinha abaixo.
“Então eu também vim por meio do escudo Paratron. Agradável,
agradável! A pé pelo escudo Paratron!”
Ele ficou sério abruptamente.
“Como algo assim é possível?”
Inúmeras chamas ofuscantes pularam para cima nas paredes da central.
Chispou e borbulhou.
“Esse Kranto e seu Yorgho querem nos paralisar”, disse Dalaimoc Rorvic
furioso. “Eu os repreendi.”
Ele deu uma pequena risada e esfregou as mãos.
“Kranto está furioso porque eu frustrei suas intenções. Em sua fúria, ele
até mesmo perdeu algumas ideias. Assim, eu vim para cá apenas por ter o Ídolo
bombardeado com mísseis Paratron o escudo paratrônico ao redor do Sistema
Solar.
Ele franziu a testa.
“Mas então eu precisaria estar antes no escudo Paratron!”
“Provavelmente o senhor sobreviveu nos últimos dias como unidade
energética integrada dentro do escudo Paratron, comandante”, esclareceu Perry
Rhodan. “Mais tarde eu irei relatar como cheguei a essa suposição. Agora
apenas a luta contra o Ídolo e seu parapsibionte é importante.”
O tibetano coçou a cabeça careca, bocejou longamente e disse:
“Eu irei meditar sobre como podemos enviar para o inferno os
negociadores desonestos, senhor.”
Ele foi para uma poltrona curvada, regulou-a e deixou-se cair sobre ela.
Então ele cruzou as pernas, ajeitou-se e enfim expirou com os olhos meio
fechados em uma espécie de transe.
Ele disse “meditar” sobre isso, enquanto eu estava seguro de que se
tratava simplesmente de um “cochilo” mascarado.
Eu suspirei, resignado.
Na presença de Rhodan eu não podia empreender nada contra a moleza de
Rorvic. Se eu estivesse sozinho com o gordo albino, teria golpeado a cabeça de
Rorvic com um objeto duro.
Esse “tratamento especial” tinha algumas vezes um efeito milagroso – e
um milagre era exatamente aquilo que nós precisávamos.
Depois de algum tempo, eu já me admirava de Ü’Krantomür ainda não ter
empreendido algo contra Dalaimoc Rorvic ou contra nós. Ao invés disso, ele
havia ajustado o bombardeio de mísseis do escudo Paratron.
O que significava isso?
Quando o ambiente se distorceu outra vez de modo grotesco, pressenti que
a luta de poderes psiônicos já havia começado e se aproximava de seu ponto
alto.
Dependendo de como ela acabasse, Rhodan e eu viveríamos ou
morreríamos – e eu preferia viver com Dalaimoc Rorvic a morrer com ele.
Eu apenas duvidava de que as coisas se sucederiam conforme a minha
vontade...

***

61
A Caça Fantasma Perry Rhodan

Afundei-me em uma onda cinzenta, submergi nela e lutei desesperado por


ar, o que me lembrava fatalmente a atmosfera saturada de vapor na sauna da
MARCO POLO.
De repente, pensamentos estranhos estavam claros em meu espírito.
O medo foi-se embora, pois eu conhecia aquele que produzia os
pensamentos.
“Ele não conseguirá”, disse o administrador-geral. Eu não sabia se ele dizia
ou pensava, mas a mim me ocorria como se ele falasse as palavras.
“Quem não conseguirá?”, perguntei de volta – eu estava certo de ter
pronunciado as palavras do mesmo modo.
“Rorvic. Ele pode nos proteger contra a maré psiônica do Ídolo, mas
consumiria nisso suas energias de reserva, de modo que ele não teria capacidade
de empreender nada contra Ü’Krantomür.”
“Então precisamos agir conforme o plano original, senhor.”
“Eu também acho”, replicou Rhodan. “Espero que Yorgho não atrapalhe os
nossos planos.”
“Também espero que não. Quando eu penso que também alimentei o
parapsibionte, poderia me...”
“Alimentou? O que o senhor deu a ele, capitão a Hainu?”
“Cubos de açúcar. O senhor não se lembra? Eu havia recebido em virtude
de sua intercessão meio quilo de açúcar em cubos.”
Perry Rhodan riu silenciosamente. “E Caruh a Vacat como um bônus,
não?” Ele ficou sério novamente. “O senhor deu a ele açúcar em cubos. O senhor
sabe se ele os comeu, capitão?”
“Naturalmente. Ele comeu todo o meio quilo de uma só vez. E, logo depois,
é tão mal-agradecido que ajuda Ü’Krantomür.” “Yorgho nada pode fazer quanto
a isso. Ele é inocente no sentido mais verdadeiro da palavra, Tatcher”,
respondeu Rhodan penetrantemente. “O senhor não se preocupou com o que
resultaram das análises do Ídolo e de seu companheiro?”
“Não, e para quê também, senhor!”
“Alguém deveria endireitar seu caráter, Tatcher!”, disse o Administrador-
Geral – e eu notei que ele o havia dito seriamente. “E não serei eu a encarar
isso, pois seu modo de agir talvez seja a salvação de nós todos.”
Em minha cabeça correu dolorosamente um brilho, pois um pensamento
de Rorvic havia penetrado como um raio de luz em minha consciência.
“Não fiquei por aí preguiçoso, sua flor-maravilha marciana!”
“E o que você vai fazer?”
“O que você quer fazer, senhor?”, perguntei ao administrador-geral.
“Procederemos conforme o plano original”, ordenou Rhodan.
“Qual é o plano?” perguntou Dalaimoc Rorvic.
“Eu explicarei ao senhor.”
“Isso é bom”, afirmou ele. “Eu espero que eu possa ajudar a disfarçar os
verdadeiros eventos. Ü’Krantomür é de longe um psiônico muito mais capaz do
que nós havíamos suposto. Apressem-se!”
Eu emergi novamente para fora da onda cinzenta e pude respirar
livremente. Ao meu lado estava Perry Rhodan, estranhamente distorcido, mas
ainda reconhecível.
“Venha, Tatcher!”, disse o Administrador-Geral – e a voz reboava como a
de um ertruso que se encontrava em um enorme salão.

62
A Caça Fantasma Perry Rhodan

Nós tínhamos como objetivo a escotilha blindada da central principal. Ela


abriu-se quando nós ainda estávamos a um metro de distância – mas então se
fechou novamente.
De repente, a escotilha dissolveu-se em uma névoa amarelo-gema. Rhodan
desapareceu na névoa, e eu o segui às pressas, pois temia perdê-lo no caminho
para o hangar de space-jets.
A névoa penetrava densa e escura na boca e no nariz, esgueirando-se
corrosivamente pela mucosa do nariz e da faringe e coçava os olhos. Eu fechei o
capacete de pressão do meu traje de combate, mas em nada adiantou.
Uma silhueta cambaleante seguia à minha frente: Perry Rhodan. Quando
nós pisamos no transportador, ele se desintegrou abaixo de nossos pés em uma
areia fina e escura, que se movia na forma de uma onda.
Os próximos minutos tornaram-se um pesadelo.
O Administrador-Geral e eu lutamos através de uma luz abundante, opaca
e multicolorida, na qual nós topávamos continuamente com fios pegajosos, que
se assemelhavam a teias de aranha e que tentavam nos deter.
Então, de um segundo para o outro, modificou-se o ambiente de novo para
seu estado normal.
Completamente surpreso, permaneci imóvel e olhei ao meu redor.
O confronto psiônico entre Dalaimoc Rorvic e o Ídolo Ü’Krantomür
deixara rastros no satélite de vigilância. Das paredes pendiam roupas de plástico
queimadas e em farrapos, mais da metade do gás de carvão fora consumido e os
transportadores estavam espalhados como estruturas curvas e confusas.
Perry Rhodan lançou-me um olhar notável e acionou o telecomunicador de
seu capacete.
“Rhodan a Rorvic”, disse ele constrangido “O que aconteceu?”
“Yorgho está morto”, zumbiu uma voz, no microfone do sistema geral de
comunicação. “Até onde eu vejo, seu corpo separou o carbono de um hidrato de
carbono estranho ao organismo e como consequência disso pereceu de um
agudo envelhecimento celular.”
O tibetano respirou de modo ruidoso.
“Desta maneira, Ü’Krantomür tornou-se temporariamente incapaz de agir.
Eu suponho que ele não possa mais controlar completamente as suas
moléculas.”
Outra vez recebi um estranho olhar de Rhodan, e então o Administrador-
Geral respondeu:
“Permaneça a bordo, Rorvic. O capitão a Hainu e eu utilizaremos a
oportunidade e deixaremos a área próxima a Mercúrio, antes que haja chance
de o Ídolo recuperar-se novamente.”
Ele virou-se e caminhou com dificuldades através da desordem para o
próximo duto antigravitacional.
Meus pensamentos circulavam ao redor de Yorgho, enquanto eu seguia o
administrador-geral.
O pobre animal me dava pena. Eu não tinha ideia de que os cubos de
açúcar – imaginados como gesto de reconciliação – trariam a sua morte. Por
outro lado, era altamente provável que em virtude de sua morte um terrível
perigo tivesse sido afastado da humanidade solar.
E tampouco eu podia me alegrar com aquilo que agora nós planejávamos.
Mas quem já está na feliz posição de apenas precisar fazer aquilo que lhe dá a

63
A Caça Fantasma Perry Rhodan

pura felicidade?! Há coisas que se precisam fazer, ainda que se tenha aversão a
elas.

***

O elevador antigravitacional fora igualmente afetado pela luta de forças


paranormais. Eu o notei quando Perry Rhodan entrou e foi envolvido em uma
auréola azul-pálida,
Infelizmente, eu não pude frear – e no segundo seguinte um efeito
luminoso semelhante a um turbilhão ofuscou os meus olhos.
A camada superficial do meu traje de luta cozinhou e expeliu materiais
vaporizados.
Por sorte, o isolamento térmico dos trajes de combate terranos era tão
bom que se podia queimar a pele exterior com uma fogueira considerável, sem
que houvesse no interior o aumento de um só grau de temperatura.
Rhodan e eu ativamos o escudo de energia e as unidades de voo, e
chegamos dessa maneira intactos ao setor de hangar dos nossos space-jets.
Meu estômago embrulhou quando eu adentrei a nave espacial em forma de
disco e me olhei na cabine de comando. A esse ponto meu gerador de campo
defletor já estava ativado, de modo que o monitoramento eletrônico do hangar
captaria somente um Tatcher a Hainu.
E apenas um Perry Rhodan, pois somente o sósia robótico do
Administrador-Geral – fora o meu sósia – não se encontrava sob proteção de
um campo defletor.
Com isso, todo o possível fora feito para levar o Ídolo ao erro, na medida
em que ele estava em posição de nos observar.
Nós nos retiramos para o pequeno espaço especialmente preparado, no
qual o rato-castor Gucky já nos aguardava. Nenhum de nós disse nada. O
sucesso de nossa ação dependia de que o Ídolo não tivesse qualquer suspeita – e
do nosso sucesso dependia a prosperidade ou a adversidade de todos os
solarianos.
Enquanto isso, não permaneciam ociosos meu sósia robótico e o de Perry
Rhodan. Eles deslocavam as estações de energia do space-jet e verificavam em
um de nossos pequenos monitores um ser grotesco.
Sem dúvida tratava-se do Ídolo Ü’Krantomür, mas do mesmo modo era
indubitável não lhe ser possível reunir todas as moléculas de seu corpo. Aquilo
que se aglomerava no outro quarto do space-jet era não mais que dois terços da
massa original.
Eu tremia, pois notava que Ü’Krantomür se esforçava desesperadamente
para formar um corpo razoavelmente utilizável dos dois terços reunidos. Uma
vez ele formou uma figura semelhante a um saco com a face ao meio, no qual,
dependendo, estava um braço e uma perna, e o fragmento se transformou em
um emaranhado de membros com a cabeça em forma de tubérculo ao invés de
um torso.
Certamente o Ídolo não estava mais na posição de nos diferenciar de
nossos sósias. Para isso, ele precisaria já ter localizado com precisão nossos
impulsos cerebrais, o que era praticamente impossível, dada a reduzida
distância entre original e cópia.
Quando a nave-disco deixou o hangar, Gucky apontou seu único dente
roedor e pegou em nossas mãos.

64
A Caça Fantasma Perry Rhodan

Nós ainda esperamos alguns minutos, enquanto o space-jet com


desvairada velocidade se distanciava de Mercúrio e do satélite de vigilância.
Então Gucky teleportou-se conosco de volta ao satélite de vigilância.
Perry Rhodan trocou um olhar com Dalaimoc Rorvic, que nos havia
esperado na central principal, e então ativou um pequeno dispositivo em seu
cinto.
Lá fora, no espaço, o space-jet com nossos sósias e o Ídolo desapareceu em
uma explosão atômica.
Nós nos olhamos, e então tomamos o caminho para libertar os tripulantes
encarcerados do satélite,

***

Meu coração batia até a goela quando a porta da parte inferior da KONG-
KONG aterrissou.
“Você parece um candidato em exame que sujou as calças”, zombou
Dalaimoc Rorvic.
“Exijo ser tratado por ‘senhor’!”, gritei a ele. “O senhor anteriormente
integrou parte constitutiva de um escudo Paratron!”
“Quietos, quietos!”, disse Perry Rhodan atrás de nós. “No fundo os
senhores estão ambos felizes por estarem juntos novamente.”
“O tempo sem o comandante Rorvic foi de relaxamento”, disse eu. “Agora
já espero por tempos terríveis.”
O gordo albino sorriu ironicamente.
“A razão é que capitão Hainu deve trabalhar comigo, senhor”, disse ele ao
administrador-geral. Mais uma vez o monstro menosprezava o meu nome.
“Ha!”, disse eu. “Como se durante a ausência do senhor eu não houvesse
trabalhado, comandante Rorvic! E como eu trabalhei! Senão o senhor ainda
estaria suspenso no escudo Paratron, como Sófocles na Pedra da Águia.”
“Não foi Sófocles, e sim Winnetou”, respondeu firmemente Dalaimoc
Rorvic. “E não foi a Pedra da Águia, mas sim a mina de prata.”
Rhodan riu sem que eu visse motivo para tal. Pois não se ri quando se é
iludido por Dalaimoc Rorvic. O primeiro oficial de artilharia da nave
exploradora chamava-se realmente Prokofjew, e ele certamente não era
compositor, mas colecionava em seu tempo livre insetos extrassolares.
Nesse momento veio à minha mente que eu não havia tentado arranjar
flores – e isso, apesar de que nós queríamos nos registrar como partes do
contrato de casamento.
“Sem preocupações, Tatcher”, murmurou Dalaimoc Rorvic ao meu lado.
Ele abriu minha mão direita e pressionou algo nela.
Quando eu a abri novamente, segurava um enorme buquê de magníficas
rosas vermelhas sob uma embalagem a vácuo transparente. “Obrigado, Dalai!”,
murmurei agradecido.
Novamente eu estava distraído, quando, em frente ao elevador vizinho,
Orana Sestore surgiu. Ela riu para o Administrador-Geral – e Rhodan inclinou-
se até embaixo para beijar sua mão.
“Talvez Dalaimoc precise em breve arranjar um segundo buquê de rosas”,
murmurei para mim mesmo.
“Certamente”, disse Caruh, e aninhou-se junto a mim. “Ao menos um por
ano, Tatcher.”

65
A Caça Fantasma Perry Rhodan

Eu fechei os olhos.
Belas perspectivas abriam-se ali – mas junto com Caruh, eu certamente
iria superar tudo. Afinal, viemos os dois de famílias marcianas da classe-A...

FIM

Por meio da ação de Ü’Krantomür e de seu parapsibionte surgiu


uma verdadeira ameaça ao Sistema Solar.
Os terranos somente podem ter esperança de que os governantes
do Enxame não tenham no estoque outra surpresa mortal.
Um Cyno aguarda por isso, com uma surpresa: Ele quebra seu
silêncio – e tem o caminho para a chave do poder.

O TEMPO MUDA

66

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