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1
Cuidado Com Os Microrrobôs
Kurt Mahr

Tradução
Richard Paul Neto

Digitalização & Revisão


Arlindo_San

Formatação
ÐØØM SCANS

PROJETO FUTURÂMICA ESPACIAL

2
Tropa de choque “Piquenique” — só três
homens escapam da peste de nonus.

No momento em que uma força comba-


tente de 700 homens nem pensa em obede-
cer às ordens do comandante, até mesmo
uma gigantesca máquina de guerra como a
Titan enfrenta uma situação bastante difícil.
E o que é pior, os tripulantes atacados pela
epidemia dos nonus estão praticamente mor-
tos, pois a medicina humana não conhece
qualquer antídoto contra a moléstia. Porém
era necessário ter CUIDADO COM OS MI-
CRORROBÔS.

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Personagens Principais:

Perry Rhodan — Chefe da Terceira Potên-


cia e comandante da Titan.
Julian Tifflor, apelidado de Tiff — um jovem
tenente da frota espacial terrana que resolve fa-
zer um piquenique.
Dr. Hayward — Descobridor do bacilo da
epidemia dos nonus.
Major Chaney — Para quem a vida é “de
uma beleza indescritível”.
O’Keefe e Halligan — Que não se supor-
tam.
Nathan — Um hono que desenvolve uma
atividade surpreendente.

4
1

O oficial alto e jovem parou diante de Rho-


dan e fez continência.
— Às ordens, comandante — disse laconica-
mente.
Rhodan respondeu com um gesto indiferen-
te.
— Sente.
Tiff, ou melhor, Julian Tifflor, um jovem te-
nente da frota espacial terrana, aguçou o ouvi-
do. Quando Rhodan o chamava pelo apelido,
geralmente havia alguma novidade.
Tiff sentou. Depois do que Rhodan levou al-
guns minutos sem dizer uma única palavra, pas-
sou os olhos pelas telas que rodeavam toda a
sala de comando, apenas para fazer um movi-
mento. Olhou distraidamente para as massas gi-
gantescas de estrelas da nebulosa M-13 e para
o brilho apagado do vulto alongado da Gany-
med, que permanecia imóvel a poucos quilôme-
tros da Titan.
— Estamos numa situação miserável — disse
Rhodan subitamente, proferindo as palavras
com tamanha violência que Tiff se assustou. —
Recebemos uma tripulação descansada de oito-
centos homens e um compensador estrutural
para ser montado. Com mil e quinhentos ho-
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mens a bordo devíamos ser uma nave potente,
a mais potente que existe por aí. Acontece que
só temos os oitocentos homens recém-chega-
dos, pois setecentos estão doentes.
“Algum desconhecido está atrás da nossa
nuca e procura estrangular-nos. Enquanto não
soubermos quem é e onde pode ser encontra-
do, não podemos fazer nada contra ele, a não
ser destruir as naves robotizadas que enviou
contra nós.”
Rhodan levantou a cabeça e fitou os olhos
de Tiff:
— Tiff, cá entre nós, o que faria o senhor se
estivesse na minha situação?
Tiff ficou boquiaberto de espanto. Rhodan,
o onipotente, pedia um conselho ao mais jovem
dos seus tenentes!
Reagindo com a rapidez que lhe era peculi-
ar, Tiff logo se deu conta de que este não era o
momento para agradecer ou fazer qualquer de-
monstração de reverência pela confiança depo-
sitada nele. Rhodan aguardava uma resposta.
— Nossa desgraça começou em Honur —
recapitulou Tiff, depois de refletir ligeiramente.
— Honur, o segundo planeta do Sol Thatrel, si-
tuado a quarenta e sete anos-luz de Árcon. Ha-
bitado por seres inteligentes, mas primitivos.
Seres totalmente apáticos, descendentes dos
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colonos arcônidas da fase inicial da expansão.
Rhodan escutava atentamente, como se esti-
vesse ouvindo pela primeira vez a história do
planeta Honur. Tiff viu-o fazer um gesto anima-
dor.
— Honur foi interditado para qualquer tipo
de aproximação — prosseguiu Tiff. — Esse
mundo não passa de uma armadilha de naves
espaciais. Dezenas de naves destroçadas dos
tempos antigos estão espalhadas por sua super-
fície.
— Por quê?
— É porque aqueles animaizinhos engraça-
dos, que parecem uns ursinhos, chamados de
nonus, carregam consigo um veneno que ataca
os nervos, e carregam-no numa dose tamanha
que penetra até as pontas dos pêlos. Basta que
a mão humana ou humanóide o toque para in-
feccionar o indivíduo. O veneno libera-o de
toda e qualquer inibição, faz com que perca as
medidas, transforma-o num idiota irresponsável
e sorridente, que não se alimenta mais e vegeta
numa espécie de euforia.
“A Titan pousou em Honur por ser este o
ponto de encontro combinado com a Gany-
med. Quem deu a sugestão de escolher Honur?
Foi Thora, a arcônida.
“O destino dos tripulantes da Titan foi igual
7
ao das tripulações das outras naves que já pou-
saram em Honur. Os habitantes pareciam paca-
tos, aparência essa que resultava de sua apatia.
Os pequenos nonus eram dóceis, e qualquer um
os acariciava e levava para dentro da nave. A
doença espalhou-se com a velocidade do vento.
Apenas cinco homens foram poupados: o se-
nhor, Crest, o arcônida, os mutantes Gucky e
Sengu e eu.
“No momento mais crítico uma nave espaci-
al desconhecida atacou a Titan. A nave era tri-
pulada por robôs. Conseguimos repelir o ata-
que. Apesar das condições em que se encontra-
va a tripulação, o senhor conseguiu guarnecer
os comandos, decolar com a Titan e abandonar
Honur.
“Uma série de outras naves desconhecidas
seguiu a Titan. Como fôssemos apenas cinco
homens cercados de amotinados eufóricos não
pudemos defender-nos. Pedimos que a Gany-
med, que se encontrava na Terra, viesse em
nosso auxílio. E esta acabou com a confusão.
“A história é esta, não é mesmo, comandan-
te?
Rhodan acenou com a cabeça e um sorriso
aflorou aos seus lábios; parecia pensativo.
— É assim que gosto de ver os meus ho-
mens! — disse. — Sempre se deve rememorar
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os fatos e tirar as respectivas conclusões. Não
era o que pretendia fazer?
— Sem dúvida, mas não sei...
— Bobagem! Fale logo.
Tiff ergueu os ombros.
— Pois bem. Tenho a impressão de que
tudo que aconteceu em Honur não passa de
uma trama rematada. Ninguém sabe quem re-
comendou a Thora que sugerisse Honur como
ponto de encontro. Tenho certeza de que foi in-
fluenciada por alguém. Ou por algum agente do
inimigo ou pelo próprio.
“No início, tudo correu conforme os planos.
A tripulação da Titan intoxicou-se, e se não
houvesse a bordo cinco homens sadios, a nave
teria sido uma vítima fácil da primeira nave ro-
botizada. No entanto, conseguiu repelir o pri-
meiro ataque. O inimigo percebeu que seu pla-
no falhara em parte, motivo por que enviou
uma esquadrilha mais potente. Não teríamos
condições de defender-nos, mas felizmente pu-
demos contar com a Ganymed.”
De repente, estacou e fitou Rhodan. Este
percebeu que seu interlocutor queria que disses-
se alguma coisa.
— Então é essa sua opinião — resmungou.
— Que conselho me dá?
— Não conhecemos o inimigo. Até agora só
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vimos seus robôs. Tem algum motivo para des-
truir-nos. Só poderemos defender-nos se sou-
bermos onde encontrá-lo.
“O único lugar em que entramos em conta-
to, não com o próprio inimigo, mas com seus
planos, é Honur.
“Sou de opinião que, se não conseguirmos
encontrar a pista do inimigo em Honur, não a
encontraremos em lugar nenhum.”
Rhodan permaneceu sentado mais algum
tempo, sem dizer uma palavra. Depois ergueu-
se de um salto. Tiff levantou-se juntamente com
ele. Rhodan colocou a mão sobre seu ombro.
— Quer saber de uma coisa, Tiff? Para um
homem que geralmente toma as decisões sozi-
nho faz bem ouvir vez por outra a opinião de
outra pessoa. Se não tivesse ouvido a sua, ain-
da teria minhas dúvidas sobre se devemos pedir
socorro à Árcon ou se é preferível partirmos so-
zinhos em busca da pista. O senhor me ajudou
a resolver o dilema.
O rosto de Tiff parecia sério, mas feliz. Rho-
dan tirou a mão de seu ombro e, com um sorri-
so, fez um gesto de ameaça.
— Não conte a ninguém. Isso poderia afetar
minha autoridade.
Tiff ficou em posição de sentido.
— Naturalmente, comandante — exclamou.
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Rhodan fez um gesto com a mão.
— Não leve isto muito a sério. O senhor
ocupará o lugar de co-piloto, até que os oito-
centos homens recém-chegados estejam famili-
arizados com suas tarefas. Por enquanto per-
maneceremos no lugar em que nos encontra-
mos. Mas acredito que dentro de uns oito ou
dez dias poderemos partir.
Tiff perdera parte de sua timidez.
— Como co-piloto eu devia saber para onde
partiremos — disse com um sorriso.
Rhodan manteve-se impassível.
— Não acaba de sugerir nosso destino? É
claro que partiremos para Honur.

***

A Titan era uma nave gigantesca.


O diâmetro do corpo esférico da nave che-
gava a mil e quinhentos metros. Era um mundo
em si, equipado com todos os requintes da tec-
nologia militar e espacial dos arcônidas.
Enquanto Rhodan mantinha com o mais jo-
vem de seus tenentes a conversa que ficaria
gravada para sempre na memória deste último,
algumas centenas de metros “abaixo” do lugar
em que se encontravam aconteciam coisas to-
talmente diversas.
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Num dos laboratórios, os profissionais da
medicina estavam empenhados em desvendar o
estranho mistério que envolvia os setecentos
homens da tripulação primitiva da Titan.
O trabalho estava sendo dirigido pelo Dr.
Eric Manoli, que chegara há apenas 12 horas a
bordo da Ganymed. Era um dos quatro homens
que, viajando numa frágil nave de propulsão
atômica, foram os primeiros terranos a chega-
rem à Lua.
Manoli trouxera uma grande equipe de
médicos da Terra. Tinha certeza de que conse-
guiria identificar a toxina que provocava o esta-
do de euforia entre os tripulantes da nave.
Na parede dos fundos do amplo laboratório,
via-se um homem sentado numa cadeira, cujos
braços, pernas e tronco estavam amarrados de
tal forma na cadeira que não conseguia mover-
se.
Cantava alegremente:
— ...over the ocean, over the sea, when will
Mathilda be waltzing with me...?
O fato de misturar os textos de duas canções
parecia diverti-lo tremendamente. Procurou ba-
lançar-se na cadeira, e com isso fez com que
esta escorregasse para a frente.
— Fique quieto, seu idiota! — gritou Manoli.
O homem parou de cantar e olhou Manoli
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com a cara sorridente.
— Para que tanta seriedade, doutorzinho?
— perguntou. — A vida é tão bela! Por que va-
mos martirizar-nos à toa?
Manoli perdeu o autocontrole.
— Pois você está me martirizando, seu idio-
ta — gritou para o doente. — Será que você
não é capaz de voltar à razão?
— Razão? — disse o homem com uma risa-
dinha. — Estou sendo muito razoável. Vocês é
que são uns idiotas.
Hipereuforia, era esta a palavra com que os
médicos designavam o estado em que se encon-
travam aquele homem e os outros seiscentos e
noventa e nove tripulantes. Mas tratava-se de
um tipo de euforia que não se parecia com
nada que já se tivesse visto na Terra; ultrapassa-
va todas as medidas.
Por isso Manoli e seus colaboradores lhe de-
ram o nome de hipereuforia.
Tentavam identificar o veneno. Procuraram
localizá-lo naquele doente, que fora isolado dos
demais e trazido até ali sob forte vigilância. Pro-
curaram-no também no corpo dos raros nonus
que deixaram sobreviver para fins de experiên-
cia.
O pequeno animal peludo estava preso
numa sólida jaula. Lançando seu olhar através
13
das grades, contemplava os homens de jaleco
branco com uma expressão triste e cordata.
Subitamente uma voz grave e tranqüila fez-
se ouvir nos fundos do recinto:
— Acho que é isto.
Manoli deixou cair o recipiente que segura-
va, e virou-se sobre os calcanhares. O Dr.
Hayward, um verdadeiro gigante que há pouco
ingressara no serviço médico da frota espacial,
sorria alegremente diante de seu microscópio.
— É o quê? — perguntou Manoli.
— O veneno — respondeu Hayward tran-
qüilamente, fazendo um gesto em direção ao
microscópio.
Com uns três ou quatro passos rápidos, Ma-
noli colocou-se ao seu lado.
— Deixe-me ver! — fungou.
Hayward inclinou-se para o lado. Manoli
olhou fixamente para dentro do microscópio.
— Não vejo nada! — queixou-se. — É uma
substância incolor?
— Naturalmente — respondeu Hayward.
— Não pode ser colorida?
— Ainda não tentei.
Manoli fitou-o perplexo.
— Pois tente! Acredita que todo mundo tem
olhos de lince que nem o senhor?
Hayward não se perturbou. Tirou a placa de
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material de dentro do microscópio, pingou um
líquido azul sobre a mesma e voltou a empurrá-
la para baixo da objetiva. Manoli suspirou alivia-
do.
— Até que enfim...
O microscópio mostrou uma fileira de cris-
tais dodecaédricos.
— Tem alguma idéia do que possa ser? —
perguntou Manoli sem tirar o olho do microscó-
pio.
— Naturalmente — resmungou Hayward. —
É algum tipo de hexilamina. Será que não é?
Manoli acenou fortemente com a cabeça.
— Certamente. O senhor tem toda razão.
Esse negócio basta para uma análise exata?
— Acredito que sim.
— Pois faça uma. Rápido!

***

Mesmo com os aparelhos arcônidas, a análi-


se exata de uma hexilamina não é nada fácil.
Mas Hayward conseguiu concluí-la em hora e
meia.
Dirigiu-se a Manoli.
— Então? — perguntou este.
— Entende alguma coisa de física nuclear?
— perguntou Hayward.
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Manoli fez uma careta.
— Escute aqui, Hayward, gostaria que me
contasse o que o senhor...
— Sim, já sei. Acontece que para entender
minhas explicações o senhor precisa ter alguns
conhecimentos de física nuclear.
— Por quê?
— Já ouviu falar no argon?
— Já; é um gás raro.
— Não se pode fazê-lo entrar em combina-
ção com qualquer outro elemento. A não ser
que seja ionizado e que se consiga mantê-lo
nesse estado. Para fazer isso, pode-se encostá-
lo a moléculas adequadamente estruturadas, de
tal forma que o átomo de argon seja ligado
através de um nêutron molecular, sem ser neu-
tralizado.
— Ah, é? — disse Manoli. — E daí?
— E daí? Foi o que alguém fez com esta to-
xina. Trata-se de hexilamina argônica, se me
permite inventar um nome neste instante.
Manoli piscou os olhos.
— Alguém? O senhor acredita...?
Hayward respondeu com um gesto tranqüi-
lo.
— É exatamente isso. Em nenhum lugar do
Universo se encontrariam quantidades suficien-
tes de argon em estado natural. Este veneno foi
16
feito artificialmente.

***

Ninguém poderia duvidar do resultado da


análise. E, agora que se conhecia a natureza da
toxina, não havia nenhuma dificuldade em iso-
lar quantidades suficientes da mesma em meio
às demais secreções dos nonus, a fim de reali-
zar outros exames. Era fácil fabricar a toxina
com o líquido medular dos doentes.
O nome hexilamina argônica, inventado por
Hayward, foi conservado. Além dessa denomi-
nação química, a substância recebeu um nome
mais genérico. Face à quantidade considerável
do gás raro que continha, foi chamada de argo-
nina.
Por enquanto, permanecia desconhecido o
mecanismo através do qual a intoxicação levava
à hipereuforia.
Mas um fato que impressionava a ponto de
suplantar a curiosidade de conhecer esse meca-
nismo era a constatação irrefutável de que a ar-
gonina era um produto artificial.
Rhodan logo foi informado sobre os resulta-
dos do exame. Pediu que Hayward e Manoli
comparecessem à sua presença e lhe forneces-
sem um relato minucioso. Mas não lhe conta-
17
ram aquilo que mais gostaria de saber: como foi
que os nonus chegaram a carregar consigo uma
toxina artificial.

***

Passaram-se exatamente nove dias a partir


da chegada da Ganymed até que a Titan, uma
vez montado o compensador estrutural e treina-
dos os oitocentos homens recém-chegados, es-
tivesse pronta para seguir.
O compensador estrutural era um aparelho
apresado em mãos dos mercadores galácticos,
reconstruído na Terra a toda pressa. Criava um
campo defensivo, que absorvia e neutralizava os
abalos estruturais do complexo espaço-temporal
de quarta dimensão, causados por qualquer pro-
cesso de transição de uma nave espacial. E
esta, em condições normais, podia ser localiza-
da a uma distância de centenas de anos-luz.
Uma nave equipada com um compensador
estrutural estava completamente protegida con-
tra a operação de rastreamento estrutural. Me-
lhor dizendo: contra a hiper-localização através
do abalo provocado por uma transição, isso en-
quanto não surgisse alguém que descobrisse al-
gum princípio capaz de neutralizar os efeitos do
compensador estrutural.
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O compensador que a Ganymed trouxera da
Terra fora primitivamente destinado à frota ter-
rana comandada pelo major Deringhouse. O
coronel Freyt, comandante da Ganymed, asse-
verou que só a contragosto Deringhouse entre-
gara o aparelho.
O anúncio de Rhodan, de que a Titan retor-
naria a Honur, provocou certo nervosismo en-
tre a nova tripulação. Ninguém ignorava o que
acontecera naquele planeta. O comandante
teve de expedir uma declaração adicional para
dissipar o nervosismo entre seus homens.
Disse o seguinte:
— Agora, que conhecemos o perigo, este
perdeu seus aspectos mais pavorosos. Tomare-
mos todas as precauções quando pousarmos
em Honur. E, principalmente, temos a Gany-
med, que nos dará cobertura.
“Além disso, devemos dar-nos conta de que,
a bem da nossa segurança e da defesa da Terra,
não podemos simplesmente dar as costas ao
perigo. Ele nos alcançaria.
“Temos que descobrir o inimigo e obrigá-lo
a ser razoável, ou destruí-lo. Não temos outra
alternativa.
“Para fazer tudo isso, teremos de voltar para
Honur.”

19
2

O sol de Honur era um astro pequeno, cujo


espectro apresentava um máximo de raios in-
fravermelhos. Em virtude disso, a luz emitida,
em pleno dia, era tão vermelha como a do sol
terrano ao alvorecer ou ao entardecer.
Honur era um mundo leve e pequeno, cuja
gravitação superficial era de 0,7 g. A tempera-
tura média, segundo os velhos registros arcôni-
das, era de 9,2 graus centígrados. Era inferior à
da Terra, mas bastante superior à de outros pla-
netas, como por exemplo Marte, com o qual
Honur talvez pudesse ser comparado também
sob outros aspectos.
A superfície do planeta era seca. Não havia
oceanos, apenas alguns lagos. Em compensa-
ção havia cordilheiras, cujas cumeeiras atingiam
altitudes consideráveis.
Foi no pé de um desses complexos monta-
nhosos, cujas cumeeiras atingiam em média
quatro mil metros, junto a um pequeno lago,
que a Titan pousou no dia em que começou a
desgraça.
Voltou a pousar no mesmo lugar. A Gany-
med ficara para trás, descrevendo uma órbita
bem ampla em torno do planeta. As salas de
comando das duas naves mantinham contato
20
sonoro ininterrupto através do telecomunica-
dor.
Rhodan não estava disposto a assumir o me-
nor risco.
Não se via nenhum sinal dos nativos — ou
dos purificados, como eles mesmos costuma-
vam chamar-se. Logo após o primeiro pouso,
instalaram-se junto ao lago; mudos e imóveis,
contemplavam a gigantesca nave.
Desta vez, já fazia dez horas que a Titan to-
cara o solo, e nenhum dos purificados havia
dado a cara.
Estariam participando do jogo? Será que
não passavam de lacaios dos desconhecidos que
se chamavam de deuses?
Rhodan deu suas instruções.
Um grupo de busca comandado pelo tenen-
te Tifflor recebeu ordens para investigar a área
em torno da Titan, num raio de cem quilôme-
tros. A rapidez com que os nativos haviam sur-
gido depois do primeiro pouso da Titan levava
à conclusão de que devia haver ao menos uma
povoação nessa área. O grupo de Tifflor foi
equipado com os câmbios, veículos muito versá-
teis, que podiam locomover-se em terra, na
água e no ar, além de uma coleção de armas
eficientíssimas. Sua tarefa consistia em trazer
ao menos um dos purificados, no qual seria rea-
21
lizado o exame psíquico.
Outro grupo, comandado pelo major Cha-
ney, recebeu instruções para descrever círculos
bem amplos em torno do planeta, a bordo de
naves de esclarecimento de longo alcance do
tipo Gazela, a fim de realizar investigações so-
bre as características físicas daquele mundo.
Rhodan tinha certeza de que, se em Honur
existisse qualquer estabelecimento do inimigo
desconhecido, o consumo de energia seria ta-
manho que os instrumentos ultra-sensíveis das
Gazelas não deixariam de registrá-lo.
Rhodan sabia perfeitamente que, caso o ini-
migo suspeitasse, não teria um instante de dúvi-
da sobre as reais intenções da Titan. Se possu-
ísse mentalidade humana ou humanóide, veria
na operação de busca uma forma de provoca-
ção e não deixaria de dar seu contragolpe.
A qualquer momento teriam de contar com
ataques lançados contra os dois grupos de bus-
ca e contra a própria Titan. Outras Gazelas es-
tavam preparadas para saltar de bordo da nave-
mãe, a fim de correr em auxílio de Tifflor ou
Chaney caso estes se vissem num aperto. Tam-
bém a Ganymed ficou de prontidão. Chaney e
Tifflor receberam instruções para não interrom-
per por um segundo sequer o contato pelo tele-
comunicador.
22
Todas as providências que estavam ao seu
alcance haviam sido tomadas.

***

Julian Tifflor desempenhou suas funções


com o entusiasmo de que só um jovem oficial
seria capaz. Seu grupo era formado por quatro
câmbios. Deslocando-se pouco acima do solo,
os veículos subiam por um vale que se abria em
meio às montanhas. Tiff dera ordens para que
o contato com a Titan fosse mantido por perío-
dos alternados de uma hora por cada um dos
veículos.
Cada câmbio tinha uma tripulação de cinco
homens. As máscaras pressurizadas, de que
precisariam quando saíssem da proteção das
naves para a atmosfera pobre em oxigênio, ba-
lançavam junto ao queixo. Um movimento da
mão bastaria para prendê-las e ativar o com-
pressor.
Cerca de duas horas se haviam passado des-
de o momento em que tinham saído pela com-
porta da Titan. Tiff fez questão de que os veícu-
los se deslocassem a velocidade reduzida, e
sempre se mantivessem junto ao solo.
Aquele complexo de montanhas era um
mundo desolado. Tiff seguiu o pequeno curso
23
de água que, descendo das cumeeiras, desem-
bocava no lago junto a cordilheira. Mas o efeito
da água não chegava a mais de cem metros de
cada lado da correnteza. Uma faixa de estranha
vegetação de estepe, de aproximadamente du-
zentos metros de largura, cortava o vale. Além
dele, começava a rocha nua, que passava a for-
mar paredes quase verticais e subia a mais de
mil metros, até atingir os flancos das monta-
nhas mais altas.
O brilho avermelhado dos raios solares não
chegava a penetrar até as profundezas do vale.
No fundo da depressão, onde se moviam os ve-
ículos de Tifflor, reinava uma penumbra crepus-
cular, que era mais um motivo para Tiff não se
apressar na execução da operação de busca.

***

O major Chaney cometeu um erro: acredi-


tou que seu vôo era exatamente aquilo que se-
ria em condições normais em qualquer outro
mundo, isto é, uma tarefa rotineira destinada a
“pôr as mãos” nos dados físicos e geográficos
do planeta, segundo se diria na gíria astronáuti-
ca.
Os tripulantes das Gazelas não tinham muita
coisa a fazer. O dispositivo automático sincroni-
24
zado mantinha os veículos numa altitude cons-
tante de 30 mil metros. Também cuidava da
mudança de rota quando as naves saíam de um
círculo para entrar em outro. E os instrumentos
de medição haviam sido construídos de maneira
a executarem suas tarefas sem auxílio humano.
Um tanto contrariado, Chaney indagou-se
por que o chefe não colocara os veículos em
órbita em vôo automático, sem tripulantes.
Não se dava conta de que o piloto-robô não
estaria em condições de lidar com tarefas muito
complicadas, como por exemplo uma batalha
aérea.
Mas a atitude era perfeitamente explicável.
Durante as duas horas de viagem que as Gaze-
las já tinham atrás de si, os instrumentos não
haviam registrado sequer um simples povoado
dos purificados, quanto mais alguma base do
inimigo que poderia ser capaz de dispor de apa-
relhos aptos para o combate aéreo.

***

— Que maldição! Justamente agora que


pensava que iríamos ver a luz, o sol se põe!
O sargento O’Keefe estreitou os olhos e fi-
tou a tela, na qual ainda há poucos instantes
vira as encostas do vale, que recuavam, e o pla-
25
nalto que agora se estendia diante deles.
À direita, bem ao longe, via-se o círculo ver-
melho e apagado do sol Thatrel. Metade dele já
havia desaparecido atrás da linha do horizonte.
A vez de manter contato com a Titan era do
Câmbio que conduzia o tenente Tifflor, o mes-
mo no qual o piloto, O’Keefe, acabara de mani-
festar sua tristeza pela luz do dia que se desva-
necia.
— Temos diante de nós um planalto em que
a visibilidade é muito boa — disse Tiff ao oficial
de plantão. — Peço instruções sobre se devo
prosseguir viagem de noite.
— O chefe diz que não — respondeu o ofici-
al. — Pare num lugar seguro e aguarde o raiar
do dia.
— Entendido.
Tiff achava que não era conveniente sair do
vale. Mandou que O’Keefe conduzisse o veículo
até a encosta sul e pousasse junto ao paredão.
Os outros Câmbios agiram da mesma forma.
As sentinelas foram distribuídas; depois disso
cessou o zumbido trepidante dos motores anti-
gravitacionais, e o silêncio espalhou-se pelo in-
terior dos veículos.
Julian Tifflor incumbira-se de um dos perío-
dos da guarda noturna.
Contrariando seus hábitos, despertou imedi-
26
atamente quando seu antecessor o chamou.
— Alguma coisa de especial? — cochichou.
— Não senhor. Tudo calmo.
Tiff fez o corpo rolar para baixo do assento
em que estivera acomodado, deixando-o livre
para o companheiro.
Foi ao lugar do piloto, acomodou-se no esto-
famento macio e acendeu um cigarro.
A tela mostrava o último setor do vale, pro-
fusamente iluminado pela infinidade de estrelas
da nebulosa. A luz era mais forte que a da noite
terrana de lua cheia. Tiff enxergava perfeita-
mente a uma distância de pelo menos duzentos
metros.
Um dos aparelhos de telecomunicação esta-
va pronto para entrar em funcionamento. A luz
verde do controle tinha um efeito tranqüilizante
em meio à escuridão. Naquela hora, o Câmbio
número 4 mantinha contato com a Titan, e o
Câmbio número 1 estava pronto a entrar em
comunicação a qualquer instante.
Tudo parecia em ordem. Tiff estava satisfei-
to.
Acabou de fumar tranqüilamente, deixou
que quinze minutos se passassem e acendeu ou-
tro cigarro. Tomou um gole reconfortante da
cafeteira que seu antecessor deixara sobre a es-
crivaninha.
27
Para isso teve que desviar os olhos da tela
por alguns segundos. Quando acabou de tomar
seu café, voltou a colocar a cafeteira suavemen-
te sobre a escrivaninha e fitou outra vez o qua-
dro da tela. Este se havia modificado.
O vulto alto e esguio de um purificado desta-
cava-se contra a parede iluminada pela luz das
estrelas.
Tiff viu que o desconhecido levantava o bra-
ço, como se quisesse fazer um sinal. Passado
um momento, repetiu o gesto.
Sem desviar os olhos, Tiff comprimiu o bo-
tão que ligava o telecomunicador. Outra tela ilu-
minou-se.
— Saia da linha! — ordenou Tiff. — Preciso
falar com a Titan.
O quadro da tela tremeluziu por um instante
e voltou a assumir contornos nítidos. Surgiu o
rosto do capitão Brian, que se encontrava a
bordo da Titan.
— Tenho uma novidade para o senhor —
disse Tiff e acoplou o quadro da tela ao apare-
lho de Brian.
— Por que está fazendo sinais?
— Está fazendo isso desde o momento em
que apareceu. Provavelmente deseja que um de
nós vá até lá fora.
Brian levantou os olhos. Tiff desacoplou a
28
imagem, para que o capitão pudesse ver seu in-
terlocutor.
— É claro que o senhor não vai fazer nada
disso — ordenou.
Tiff sorriu.
— Isso é uma ordem ou um conselho?
O capitão Brian sobressaltou-se.
— Por quê? É claro que é um conselho.
Tem outra sugestão?
— Poderia sair...
— ...para deixar que o envenenassem?
— Em primeiro lugar, vestiria um traje espa-
cial, e depois não tenho a intenção de me apro-
ximar do sujeito a ponto de poder dar a mão a
ele ou a qualquer nonus. Finalmente, tenho de-
zenove guarda-costas, que poderão cuidar de
mim.
Brian cocou a cabeça.
— Bem — resmungou — o chefe quer que
lhe deixemos as mãos livres. Se prometer que
agirá com a maior cautela não meterei o bede-
lho. Tenha cuidado! É possível que além desse
sujeito haja outros cem escondidos atrás da pe-
dra mais próxima.
— Tomarei cuidado — prometeu Tiff.
— Está bem. Volte a acoplar a imagem.
Obrigado.
A palestra havia despertado os tripulantes
29
do Câmbio número 1. Sentados nos bancos,
contemplavam a tela.
— O que andou fazendo neste meio tempo?
— perguntou Tiff. Durante a palestra com Bri-
an, não tivera tempo de vigiar o purificado.
— Levanta a mão de minuto em minuto e
faz um sinal — informou O’Keefe.
Tiff enfiou o traje espacial. Era feito de
plástico flexível. Fora concebido para proteger
a pessoa que o usasse, impedindo a penetração
de partículas de poeira cósmica. Por isso deve-
ria estar em condições de evitar que qualquer
dos nonus ou o purificado tocasse Tiff.
— O’Keefe, avise os outros veículos. Ficare-
mos de prontidão número um.
Antes que Tiff acabasse de fechar seu traje,
chegaram as confirmações. Vinte homens esta-
vam a postos.
Tiff estava satisfeito. Tirara a máscara pres-
surizada, pois o capacete do traje espacial dis-
punha de aparelhagem própria para a renova-
ção de ar. Antes de fechá-lo, dirigiu-se a O’Kee-
fe.
— Fique em contato comigo. Não tome ne-
nhuma providência sem que eu lhe dê instru-
ções para isso.
Fechou o capacete esférico com o grande vi-
sor, as redes circulares dos microfones externos
30
e o pequeno funil do alto-falante.
Um cabo abriu a comporta; dali a um minu-
to Tiff encontrava-se do lado de fora. Viu que o
purificado acabara de levantar o braço para dar
seu sinal. Quando Tiff saiu da sombra do veícu-
lo e do paredão, baixou-o e permaneceu imó-
vel.
Tiff aproximou-se a passos lentos. A mão di-
reita segurava o radiador de impulsos.

***

— A sonda de radar está com defeito —


queixou-se o sargento Dee. — Está emitindo
impulsos sobrepostos.
O major Chaney tinha algum conhecimento
dessas coisas.
Tirou os cintos e, atravessando a parte inter-
na da Gazela, caminhou em direção a Dee. Este
limitou-se a indicar a tela oscilográfica. Normal-
mente via-se nela a ponta grande marcando o
impulso transmitido e, mais abaixo, a ponta
menor, o impulso refletido. A distância entre as
linhas que formavam os respectivos pólos servia
de base ao cálculo da distância entre o emissor
e o refletor ou, no presente caso, entre a Gaze-
la e a superfície de Honur.
Mas Chaney viu uma coisa que deixara Dee
31
nervoso: um terceiro impulso, muito débil, se
desenhava abaixo daquele que correspondia ao
reflexo.
Chaney girou alguns botões. Vez ou outra as
imagens dos impulsos desapareciam. Mas,
quando reapareciam, sempre estava presente o
impulso menor, que levara Dee à conclusão de
que alguma coisa não estava em ordem.
O major Chaney comunicou-se com as ou-
tras Gazelas. Em suas telas, aparecia aquela
imagem. E cada observador acreditara a mesma
coisa que o sargento Dee.
— Algo não está em ordem — murmurou
Chaney, que parecia perplexo. — O terceiro
impulso é verdadeiro. O osciloscópio está funci-
onando?
— Funciona ininterruptamente.
— Pois bem; nesse caso poderíamos...
Não teve tempo para dizer o que poderiam
fazer. Um terrível solavanco fez com que Cha-
ney e todos os homens que não estivessem pre-
sos aos cintos de segurança caíssem ao chão.
No mesmo instante as sereias de alarma emiti-
ram um som estridente.
Os homens soltaram gritos de surpresa. Ain-
da confuso, Chaney levantou-se, apoiando-se
no encosto da poltrona. Sentiu uma estranha
leveza no estômago e percebeu Instantanea-
32
mente que ao menos o neutralizador deixara de
funcionar.
Viu que a marca luminosa do altímetro des-
cia rapidamente. Cambaleou o mais rápido que
pôde em direção ao telecomunicador. O rosto
preocupado do capitão Brian contemplava-o da
tela.
— Estamos caindo! — gritou Chaney, supe-
rando o barulho das sereias. — Provavelmente
fomos atingidos por um raio de tração.
Brian confirmou com um aceno de cabeça.
— Registramos sua posição — respondeu.
— Procurem controlar os aparelhos. Dentro de
alguns minutos estaremos aí.
Brian desapareceu da tela. Chaney enfiou-se
na poltrona do piloto. Com um gesto firme,
empurrou o regulador dos propulsores à posi-
ção máxima.
A Gazela foi sacudida por outro solavanco.
A queda fora neutralizada. Olhando para o altí-
metro, Chaney viu que o veículo continuava a
perder altura. Mas a descida não era mais rápi-
da que a de um vôo planado, não muito inclina-
do.
Um sorriso amargo passou pelo rosto de
Chaney. Levou alguns segundos para avisar os
outros veículos. Todos eles controlaram a que-
da numa altitude de seis mil metros e, descre-
33
vendo uma curva suave, aproximavam-se da su-
perfície do planeta.
Subitamente Chaney teve uma idéia. A tela
do telecomunicador ainda mostrava o assento
vazio do oficial que estava de plantão na sala de
comando da Titan. Mas Chaney acionou o alar-
ma até que o capitão Brian voltasse a aparecer.
— Tenho uma sugestão, capitão — fungou
Chaney. — Mande que os homens voltem.
Conseguimos controlar a queda e devemos rea-
lizar um pouso sofrível. É bem possível que o
inimigo apareça para verificar o que foi derru-
bado. Os homens enviados pelo senhor poderi-
am espantá-lo.
Brian logo compreendeu.
— Está bem. Mandarei que os homens espe-
rem; aguardo seu pouso. Se este correr normal-
mente, ninguém irá em seu auxílio.
— Obrigado.
Chaney voltou-se aos tripulantes da Gazela.
— Estão bem presos nos cintos? O estouro
deverá ser bem forte. Encolham o pescoço.
O tenente Hathome, piloto do aparelho G-
021, chamou pelo telecomunicador.
— Iniciarei o pouso. O terreno é bastante fa-
vorável.
Chaney confirmou com um sinal de cabeça.
— Muitas felicidades, Hathome!
34
A G-021 foi o último aparelho que conse-
guiu controlar a queda. Por isso Hathome foi o
primeiro a chegar à superfície do planeta.
Chaney lançou mais um olhar para a ima-
gem de radar. Hathome dissera a verdade: o pi-
loto de um veículo que estava caindo não pode-
ria desejar terreno mais favorável. Era liso que
nem uma mesa. Nas extremidades do quadro,
havia acidentes do terreno que atingiam uma al-
tura considerável; deviam ser montanhas. Ao
que parecia, a área que se estendia embaixo
das três Gazelas era formada por um planalto.
A G-021 surgia sob a forma de um pontinho
luminoso. Chaney viu que, de um momento
para outro, reduziu a velocidade e modificou
sua trajetória. No alto-falante, que ainda manti-
nha contato com a G-021, ouviu-se um zumbi-
do ensurdecedor, o chiado do metal que se es-
facelava e por fim um tremendo estalo. Depois
não se ouviu mais nada.
— Hathome!
Não houve resposta.
— Hathome...!
Finalmente ouviu-se uma voz débil.
— Sim senhor...
— Resistiu?
— Acredito que sim. Todo mundo já está de
pé.
35
A atenção de Chaney foi desviada para ou-
tro assunto. O altímetro indicava cento e cin-
qüenta metros. A G-020 dispunha-se a pousar,
juntamente com a G-022.
Chaney apoiou-se com toda força contra a
mesa do piloto. No momento em que o altíme-
tro havia descido quase à marca zero, expeliu
toda a energia dos jatos de popa, para reduzir a
velocidade.
Um enorme solavanco sacudiu o veículo.
Chaney viu que o mapa desenhado pelo radar
começou a girar e as sombras apagadas que se
desenhavam nas telas de televisão começaram a
mover-se. Um barulho infernal abafou os gemi-
dos de pavor dos homens. Chaney reteve a res-
piração até ouvir o estouro final, que indicava
que a G-020 acabara de chocar-se com um obs-
táculo: a viagem chegara ao fim.
A cabeça de Chaney bateu contra um objeto
duro; ficou inconsciente por alguns segundos.
Quando despertou, tudo estava em silêncio; só
se ouviram os ruídos provocados pelos trajes
dos homens que procuravam colocar-se de pé.
— Estão todos aí? — perguntou Chaney.
Responderam com um forte sim, felizes por
terem escapado.
No interior da Gazela reinava a escuridão. O
suprimento de energia deixara de funcionar, e
36
com isso o emissor também estava inutilizado.
A tela do telecomunicador apagara-se.
— Vamos dar o fora! — berrou Chaney. —
Abriguem-se atrás da Gazela.
Baixaram os capacetes sobre o rosto e des-
ceram. A comporta funcionava impecavelmen-
te. Como fosse a única via de entrada e saída,
fora acoplada a um gerador de emergência in-
destrutível.
Chaney aguardou tranqüilamente que ces-
sasse o barulho vindo da comporta, transmitido
pelos alto-falantes externos. Por fim chamou
pelo rádio de capacete:
— Hathome! Crimson!
Hathome respondeu imediatamente, mas da
G-022 veio esta resposta:
— O tenente Crimson está inconsciente.
Aqui fala o sargento Halligan.
— Quantos dos seus homens continuam de
pé, Halligan?
— Todos. Apenas dois desmaiaram.
— Está bem. Hathome, as instruções que
vou transmitir também valem para o senhor.
Desçam, levando as armas, e procurem atingir
a G-020. Estamos abrigados à sombra da
máquina. Não usem seus holofotes manuais,
mas apressem-se.
Hathome e Halligan compreenderam. Cha-
37
ney interrompeu o contato, pegou o pesado de-
sintegrador, que com o choque deslizara pela
sala e amassara o pé do painel de controle.
Desceu pela comporta.
Lá fora a visibilidade era melhor do que a
que Chaney encontrara ao olhar a tela. A pro-
fusão enorme de estrelas do grupo M-13, que
encobria a parte norte do firmamento, irradiava
uma forte luminosidade.
Os homens do grupo de Chaney agacha-
ram-se à sombra do aparelho de forma elíptica.
Com as armas levantadas, fitavam a semi-escu-
ridão.
Enquanto esperavam, Chaney procurou adi-
vinhar o que faria a Titan. Depois do pouso, to-
dos os contatos foram interrompidos. Se pudes-
se dar um conselho ao capitão Brian, recomen-
daria que recolhesse a bordo o resto das Gaze-
las, a não ser que quisesse partir imediatamente
com a própria nave. O campo de tração do ini-
migo fora bastante forte para neutralizar a ação
dos motores das Gazelas. Se o grupo de salva-
mento enviado por Brian também usasse as na-
ves de reconhecimento, seu destino não seria
diferente do das naves G-020, G-021 e G-022.
Infelizmente, Chaney não dispunha mais de
nenhum telecomunicador através do qual pu-
desse informar a Titan sobre a experiência pela
38
qual acabara de passar.
Enquanto ainda estava quebrando a cabeça
sobre isso, ouviu um estalo no receptor de ca-
pacete. A voz do sargento Halligan disse:
— Estamos vendo seu aparelho. Dentro de
quinze minutos estaremos aí.
— Está bem — respondeu Chaney. — Ou-
viu alguma coisa de Hathome?
— Por enquanto não.
No entanto, Hathome chamou de uma dis-
tância maior.
— Neste momento estamos passando pelo
aparelho de Crimson. Calculo que ainda levare-
mos meia hora para chegar aí.
Preocupado, Chaney lançou os olhos em
torno. Não esperara que as três gazelas fossem
tocar o solo tão longe uma da outra. Muita coi-
sa poderia acontecer em meia hora; ainda mais
que desde o pouso forçado. Já se haviam pas-
sado quinze minutos.
No entanto, não viu nada de suspeito. A úni-
ca coisa que Chaney pôde fazer foi insistir mais
uma vez para que Hathome e Halligan se
apressassem.

***

Tiff parou a dez metros da figura esguia.


39
— O que deseja? — perguntou em arcônida.
Os purificados, batizados de honos pelos tri-
pulantes da Titan, falavam um dialeto arcônida.
A figura esguia mexeu-se. Tiff viu que o
hono se dispunha a aproximar-se mais alguns
metros.
— Pare! Fique onde está! Quero saber o que
deseja.
O hono obedeceu.
— Quero mostrar-lhe uma coisa — respon-
deu. Sua voz chegava a ser ridícula, de tão agu-
da que soava naquela atmosfera pobre em oxi-
gênio.
— O que é? — perguntou Tiff. — Será um
rebanho de nonus que possamos acariciar para
nos envenenarmos?
— Não fale tão mal sobre nossos nonus —
respondeu prontamente o hono. — São criatu-
ras queridas. Não poderíamos viver sem elas.
Quero mostrar-lhe uma coisa muito diferente:
uma pista dos deuses.
Tiff riu.
— Então os deuses de vocês deixam pistas?
Desde quando?
Na verdade, não estava com uma disposição
tão brincalhona. Perry Rhodan tinha certeza de
que atrás dos deuses dos honos se ocultavam os
inimigos invisíveis. Por isso, a oferta deveria pa-
40
recer muito tentadora, caso Tiff não se desse
conta imediatamente de que um verdadeiro
hono nunca seria capaz de trair seus deuses.
Mesmo que estes fossem desajeitados a ponto
de deixar pistas.
O homem estava representando. E para fa-
zer isso desenvolvia uma atividade pouco usual
num hono.
Tiff não tinha a menor dúvida de que o ini-
migo desconhecido pretendia armar-lhe uma ci-
lada.
Procurou ganhar tempo.
— Por que quer nos mostrar a pista dos deu-
ses? — perguntou.
O hono ergueu ambos os braços, num gesto
de esclarecimento. Era outro comportamento
pouco usual. Os gestos representam um esforço
físico, e por isso os honos costumavam evitá-los
sempre que podiam.
— Pertenço a um grupo que os outros mem-
bros da minha raça designam como a dos me-
nos purificados — explicou. — De certa forma
somos indivíduos proscritos; mantemos pouco
contato com os purificados. Soubemos o que
aconteceu com vocês e estamos dispostos a aju-
dar.
— Quem me garante que você não quer
atrair-me a uma armadilha?
41
O hono não se apressou na resposta.
— Como poderia fazer uma coisa dessas? —
perguntou depois de algum tempo.
— Afinal, vocês são muito mais poderosos
que nós, e podem matar-me a qualquer mo-
mento, se tiverem qualquer desconfiança. Acha
que eu me exporia a um perigo destes?
Tiff havia tomado sua decisão.
— Como pretende levar-nos para lá? — per-
guntou. — Está disposto a caminhar à frente
dos nossos veículos?
— Estou, se não permitirem que entre nos
mesmos.
Tiff sacudiu a cabeça.
— Isso é impossível. Você esteve em conta-
to com os nonus; intoxicaria os homens.
— Sim, já sei.
— Quer dizer que vai caminhar na frente?
— Vou.
— Nesta área existem povoações dos purifi-
cados?
— Existem, mas estão abandonadas.
Tiff sobressaltou-se.
— Abandonadas?
— Isso mesmo. Os purificados abandonaram
suas aldeias e retiraram-se para as montanhas.
— Por quê?
— Não sei. Não assistimos à sua mudança.
42
De repente notamos que haviam desaparecido.
Tiff tinha certeza sobre o motivo que levara
os purificados a mudar seu local de residência:
era a vontade dos deuses. O inimigo invisível
sabia tão bem quanto Perry Rhodan que, se os
homens da Titan conseguissem apoderar-se de
um dos purificados e o interrogassem, aplican-
do os recursos de que dispunham, teriam dado
um bom passo à frente.
Tiff achou que a informação que acabara de
obter era muito importante. Assegurou ao nono
que os cinco veículos o seguiriam e voltou à sua
nave.
A primeira coisa que viu ao entrar na mes-
ma foi o rosto preocupado de Brian projetado
na tela.
— Desacople a imagem — ordenou Brian.
— Aconteceu uma coisa muito grave.
Tiff desacoplou a imagem externa, para que
o capitão Brian pudesse vê-lo.
— Chaney, Crimson e Hathome foram obri-
gados a realizar um pouso de emergência com
suas Gazelas — exclamou Brian. — Perdemos
o contato com eles. O local do pouso fica a uns
cento e cinqüenta quilômetros ao nordeste. O
chefe deu ordens para que o senhor procurasse
localizar as Gazelas. Seria inútil enviar outros
aparelhos, pois os mesmos também seriam for-
43
çados a realizar um pouso de emergência.
Tiff empurrara o capacete para trás; cocou a
cabeça. Em palavras lacônicas, informou o ca-
pitão Brian sobre a palestra que acabara de
manter com o hono. Brian logo compreendeu
onde queria chegar e repeliu-o com um gesto.
— Se acredita que o chefe vai enviar um ter-
ceiro grupo de reconhecimento, está redonda-
mente enganado — interrompeu a fala de Tiff.
— Não podemos dispensar nenhum dos ho-
mens que se encontram a bordo. A única coisa
que pode fazer é dividir seu grupo. Um deles
poderá seguir o hono, enquanto outro sai em
busca do grupo de Chaney.
O rosto de Tiff exprimiu contrariedade.
— Só mesmo o diabo poderia ter-lhe dado
uma sugestão destas — constatou com a maior
falta de reverência. — Num mundo como este,
cinco Câmbios representam o mínimo indispen-
sável à sobrevivência.
Brian confirmou com um aceno de cabeça.
— Sei disso. Acontece que o senhor tem
toda liberdade para mandar embora o hono e
utilizar todos os veículos na busca de Chaney.
Tiff suspirou.
— Diga ao chefe que suas ordens serão
cumpridas — falou depois de algum tempo.
Brian sorriu.
44
— OK. Não interrompa o contato.
Tiff voltou a transferir a comunicação para o
Câmbio número 4. Depois disso, levantou-se do
assento de piloto, deixando-o livre para o sar-
gento O’Keefe. Mandou que este se aproximas-
se do hono e o seguisse.
O’Keefe lançou um olhar desconfiado para
Tiff. Este compreendeu o que pretendia dizer.
— Antes de mais nada, precisamos sair des-
te vale e chegar ao planalto. A seguir, veremos
o que devemos fazer. Se o hono caminhar es-
pontaneamente na direção norte-nordeste, não
teremos motivo para criar cabelos brancos, não
é mesmo?
Um sorriso largo tomou conta do rosto de
O’Keefe.
— É verdade.
O motor começou a funcionar com um zum-
bido. Dirigindo cautelosamente, O’Keefe tirou o
câmbio da sombra do paredão e o deslizou em
direção ao hono. Olhando em torno, Tiff certifi-
cou-se de que os outros veículos o seguiam,
mantendo a formação habitual.

O major Chaney sabia perfeitamente que,


para manter-se vivo, teria de contar ao menos
45
por algumas horas com seus próprios recursos.
Sabia ainda melhor que Rhodan que qualquer
outra Gazela que tentasse aproximar-se do local
em que se encontrava seria atingida pela força
irresistível do raio de tração. Ficaria tal qual os
três aparelhos que já estavam jogados naquele
vale.
Os grupos de Crimson e Hathome haviam
atingido o aparelho G-020. Enquanto o grupo
estava a caminho, Crimson recuperara os senti-
dos e passara a locomover-se sobre as próprias
pernas.
Ao todo trinta e cinco homens estavam reu-
nidos em torno de Chaney. Todos, bem arma-
dos. Chaney tinha certeza de que poderia repe-
lir qualquer ataque aberto, a não ser que seu
grupo se defrontasse com um verdadeiro exérci-
to.
Além disso, os homens usavam trajes prote-
tores espaciais, motivo por que nem mesmo um
rebanho de nonus poderia fazer-lhes qualquer
mal.
As horas foram passando; sobre as cumeei-
ras que se desenhavam ao sudeste surgiu o ver-
melho-escuro do amanhecer.
Quando o sol surgiu por cima do paredão
que fechava o vale, Chaney convenceu-se de
que seria inútil esperar mais. O inimigo não
46
apareceria. Talvez estivesse satisfeito em ter
derrubado os aparelhos e não tinha o menor in-
teresse em saber quem eram as pessoas que
obrigara a vir ao solo; ou então sabia que se
tratava de uma força de combate que não pode-
ria enfrentar.
Chaney ordenou a marcha de regresso. Sa-
bia que a Titan se encontrava ao sul-sudoeste, a
cerca de trezentos quilômetros de distância.
No ponto em que se encontrava a G-020,
não seria possível empreender uma marcha na
direção sul-sudoeste. O vale seguia quase exata-
mente a direção leste-oeste o suas encostas
eram tão íngremes que Chaney não poderia es-
perar que os homens conseguissem escalar as
mesmas, embora a gravitação fosse muito redu-
zida. Consolou-se com a idéia de que em algum
lugar o vale deveria ter um fim, ou apresentar
uma ramificação que conduzisse para o sul.
Durante a marcha para o oeste passaram
junto aos destroços da G-022 e da G-021. Cha-
ney fez de conta não ouvir as graçolas cochi-
chadas por seus homens, que disseram que, se
soubessem disso, teriam continuado no lugar
onde se encontravam. O que importava era que
as duas Gazelas ficaram tão avariadas com o
pouso de emergência quanto o aparelho de
Chaney. Não serviriam para mais nada; até
47
mesmo os telecomunicadores estavam inutiliza-
dos.
Com o correr das horas, o sol foi subindo
por cima da encosta e produziu tamanho calor
no vale estreito e baixo que os homens se viram
obrigados a ligar a aparelhagem de condiciona-
mento de ar de seus capacetes.
Chaney olhou em volta, procurando um lu-
gar para descansar. Descobriu uma caverna si-
tuada na encosta norte. Mandou que dois ho-
mens a examinassem e soube que era um lugar
apropriado para o descanso.
Estava prestes a mandar que seus homens
seguissem à direita, mas no momento em que
estava abrindo a boca o sargento Dee excla-
mou:
— Ó... vejam só! Que coisa linda! Estava pa-
rado, apontando com o braço para o interior
do vale.
Chaney olhou na direção indicada, mas não
viu nada de extraordinário. Muito menos viu
qualquer coisa que pudesse ser considerada lin-
da.
— O que está vendo? — perguntou, diri-
gindo-se a Dee.
Dee levantou também o outro braço e bateu
palmas com as mãos enluvadas, provocando es-
talos nos receptores externos.
48
— Que coisa maravilhosa! — exclamou en-
cantado. — É um quadro impagável!
Chaney zangou-se.
— Com os mil demônios. O que é tão mara-
vilhoso e impagável? Faça o favor de responder
quando eu lhe dirijo uma pergunta, sargento!
Dee continuava a bater palmas.
— Por que tanta grosseria, Chaney? — disse
com uma risada. — Logo quando me sinto
tão...
Por um instante Chaney perdeu o auto-con-
trole. Antes que conseguisse recuperá-lo, o te-
nente Crimson soltou uma risada de bode:
— O homem está com a razão, Chaney.
Deixe-o ser feliz. Há alguma coisa errada nisso?
Chaney virou-se abruptamente e fitou Crim-
son.
De repente compreendeu.
— Para a caverna! — gritou com a voz rou-
ca. — Corram! Hathome e Halligan, ajudem-
me a levar estes idiotas.
Hathome e Halligan já estavam preparados
para correr. Voltaram e ajudaram o major Cha-
ney a levar Dee e Crimson até a caverna. Os
dois não resistiram. Apenas riam e escarneciam
das pessoas que levavam a vida muito a sério.
Chaney olhou em torno. O vale estava de-
serto, tal qual estivera desde o início. Não havia
49
o menor sinal de vida: nenhum animal, nenhu-
ma planta. E o comportamento idiota de Dee e
Crimson só poderia ser explicado se houvesse
animais por ali. Ou melhor, se houvesse nonus.
Chaney, seus companheiros e os dois malu-
cos — foi esta a expressão usada pelo sargento
Halligan — chegaram à entrada da caverna sem
serem molestados. Trinta homens do grupo es-
tavam sentados junto às paredes da caverna,
enquanto cinco se mantinham junto à entrada,
de armas levantadas, cobrindo a retirada de
Chaney.
Este mandou que Dee e Crimson fossem le-
vados para o interior da caverna, onde seriam
vigiados. Depois teve tempo para examinar a si
mesmo. Haveria algum indício de que, dali a al-
guns minutos, também acharia que o mundo é
lindo e que a vida é uma alegria constante?
Não, estava tudo normal.
Hathome, que estava de pé ao seu lado, pa-
recia ter notado que Chaney acabara de pers-
crutar seu interior.
— Tudo em ordem, major? — perguntou.
Chaney fitou-o, zangado e alegre ao mesmo
tempo.
— Não fique rindo. Será que já está achan-
do que a vida é a coisa mais bela que se possa
imaginar?
50
Hathome sacudiu a cabeça.
— De forma alguma — respondeu, ficando
em posição de sentido.
Chaney ficou satisfeito.
Deitou no chão pouco antes da entrada da
caverna e examinou o vale.
O que poderia ter acontecido com Dee e
Crimson?
Essas reflexões levaram-no diretamente à in-
dagação sobre a proteção que a caverna pode-
ria oferecer se surgisse uma situação mais séria.
Além disso, precisava saber de que forma Dee e
Crimson haviam sido infectados. E com isso,
Chaney voltou ao ponto de partida de suas re-
flexões.
Olhou atentamente para todos os pontos do
vale e procurou descobrir qualquer coisa que
pudesse representar um perigo. Não encontrou
nada.
Chaney ficou imerso em seus pensamentos.
O sol continuou na sua trajetória e ultrapassou
a encosta norte do vale. As sombras cobriram a
entrada da caverna. Chaney teve a impressão
de ter cochilado um pouco quando foi acordado
pela voz nervosa de um dos homens de seu gru-
po:
— Alguma coisa se aproxima. Chaney le-
vantou-se. O homem que se encontrava ao seu
51
lado estendeu o braço para fora da caverna.
Chaney lançou os olhos para o leste e viu três
vultos longos e esguios, que acabavam de sair
de trás de uma rocha e caminhavam em direção
à caverna. Capas largas e coloridas cobriam os
ombros.
Eram honos.
Chaney estava bem desperto.
— Preparem as armas! — ordenou. Não era
por causa dos três honos. Mas podia haver ou-
tros nas proximidades, dispostos a esperar um
momento favorável para lançar-se ao ataque.
Os três que a sentinela havia descoberto conti-
nuavam a caminhar em direção à caverna. Ao
que parecia, sabiam que existia alguém escondi-
do ali.

***

— De quem é este traje espacial? — pergun-


tou Tiff.
O’Keefe virou o rosto. Franziu a testa e res-
pondeu:
— É do senhor.
Tiff sobressaltou-se e começou a rir.
— Muito bem. Onde fui arranjar este bura-
co?
O’Keefe passou o leme a outra pessoa e le-
52
vantou-se. O buraco que existia nas costas do
pesado traje era minúsculo, mas naquela super-
fície lisa tornava-se perfeitamente visível.
Tiff tirou o traje do suporte e virou-o. O bu-
raco não atravessava o plástico.
— Hum — fez Tiff. — Alguma coisa deve
ter-me furado. Mas o ferrão não teve força para
perfurar isto.
O’Keefe parecia desolado.
— Quem sabe se o defeito não passou des-
percebido a bordo da Titan e...
— A probabilidade de que isso tenha aconte-
cido é inferior a 0,1 por mil — respondeu Tiff
com um gesto de desprezo. — Os instrumentos
de controle constatariam até mesmo um furo
cujo diâmetro fosse cem vezes menor. Se o furo
já existisse enquanto o traje se encontrava a
bordo da Titan, o mesmo não teria saído da
nave.
O’Keefe respirou profundamente.
— Quer dizer...
Tiff acenou com a cabeça.
— Quer dizer que alguma coisa tentou furar-
me enquanto conversava com o hono — com-
pletou.
O’Keefe cocou a cabeça.
— O senhor devia chamá-lo às falas — suge-
riu.
53
— Para quê? Se tiver alguma coisa com isso,
vai fingir-se de bobo, e se não tiver, se sentirá
ofendido. Nada disso. Seguiremos tranqüila-
mente atrás dele e aguardaremos para ver o
que tem a nos oferecer.
O’Keefe resmungou, bastante contrariado, e
voltou ao seu assento. Tomou a direção do
Cambio das mãos do homem que o substituíra
e continuou a seguir o hono, que caminhava a
passos largos diante da fileira de veículos.
Já fazia tempo que o sol nascera. Ao atingir
o planalto, o hono tomara a direção nordeste.
Tiff não separara seu grupo, já que a direção
tomada pelo hono era aproximadamente a
mesma em que Chaney realizara o pouso de
emergência com suas Gazelas.
O planalto era ainda mais desolado que o
vale pelo qual os Câmbios haviam subido, par-
tindo do ponto em que se encontrava a Titan.
Não havia nenhuma elevação que tivesse mais
de um metro, com exceção de alguns enormes
blocos de pedra, que o vento parecia ter tangi-
do encosta abaixo. Fora algumas frestas estrei-
tas que se abriam na rocha, o solo parecia fun-
dido numa única peça. Em nenhum lugar pode-
ria crescer uma planta. A única coisa viva era o
vento, que varria a área com um uivo monóto-
no.
54
Tiff tomou a medida da temperatura exter-
na. Era de 52 graus centígrados. A rocha pare-
cia incandescente. De noite seria exatamente o
contrário.
Admirou o hono, que caminhava a passos
seguros, sem preocupar-se com o calor martiri-
zante.
O’Keefe surpreendeu-se bastante quando o
magricela desapareceu de um momento para
outro, como se tivesse sido tragado pela rocha.
De repente estacou.
— Que diabo! Onde se meteu?
O hono continuava desaparecido.
— Onde foi que o viu pela última vez? —
perguntou Tiff, depois de certificar-se que não
se via o menor vestígio do hono na tela.
— Foi ali à direita, a uns vinte metros; da-
qui... ah, aí está.
O magricela saiu da rocha que nem uma ro-
lha de champanha, parou e gesticulou com os
braços. Era um quadro bizarro.
— Vá até lá — ordenou Tiff.
O’Keefe levou o Câmbio até o local em que
estava o hono. Ao aproximar-se, viu um traço
escuro que, começando pouco atrás do hono,
atravessava a rocha até a linha do horizonte.
— Não vai querer atrair-nos para essa fresta
— resmungou Keefe. — Nenhum dos Câmbios
55
caberia na mesma.
Tiff não lhe deu atenção. Procurou entender
os gestos do hono. Este apontava alternada-
mente para si, para o chão à sua frente, para o
Câmbio e para o nordeste. Ao fazer o último
gesto, a mão descia.
— Se o entendi bem, pretende entrar na
fresta e quer que nós continuemos acima da su-
perfície, descendo mais adiante — disse Tiff. —
Mais adiante a fresta deve ter largura suficiente
para abrigar os veículos.
O’Keefe levou o veículo para além do hono
e seguiu junto à fresta. Tiff viu o hono fazer um
gesto de concordância e desaparecer novamen-
te no interior da fresta.
— Isso mesmo — disse, dirigindo-se a
O’Keefe. — Prossiga.
Tiveram uma grande surpresa ao constata-
rem que depois de alguns quilômetros a fresta
tão insignificante se alargava, abrindo-se num
verdadeiro vale. O fundo desta depressão ficava
uns duzentos metros abaixo do nível do planal-
to, continuando a descer à medida que se esten-
dia para o nordeste.
O’Keefe seguiu até a beira do vale e fez com
que os instrumentos de captação de imagens
procurassem localizar o hono.
Acabou descobrindo-o mais ou menos na
56
mesma altura em que estavam parados os Câm-
bios.
— Meu Deus! — exclamou O’Keefe. —
Como deve ter corrido esse sujeito.
Na tela, via-se perfeitamente que o hono
olhava para cima. Ao ver o Câmbio, cuja popa
passara um metro ou metro e meio acima da
beira do vale, gesticulou com ambos os braços.
Foi um gesto violento, de que um dos apáticos
purificados jamais teria sido capaz.
O’Keefe virou-se.
— Quer que desça?
Tiff aceitou.
— Desça devagar; tome cuidado.
Manipulando cautelosamente os controles,
Tiff fez com que o veículo passasse para além
da extremidade do vale, onde ficou imóvel por
um instante no ar rarefeito. Finalmente desceu.
Os outros Câmbios seguiram-no prontamente,
e até mesmo em vôo livre conseguiram manter
a formação costumeira.
Dali a dez minutos O’Keefe parou o veículo
pouco acima do fundo do vale. O hono aguar-
dava-os a uns cinqüenta metros de distância, e
acenou com os braços. O’Keefe seguiu-o sem
aguardar as instruções de Tiff.
Dali a meia hora, o vale descreveu uma cur-
va fechada para o norte, que era inexplicável tal
57
qual a própria existência do vale. O hono do-
brou a curva e prosseguiu mais algumas horas,
levando os Câmbios cada vez mais para o nor-
te.
O sol já havia atravessado a linha do zênite e
a encosta do vale começou a projetar sombras
longas e escuras.
Mais adiante, a depressão descrevia outra
curva, desta vez de noventa graus e levava exa-
tamente para o leste. No lugar em que a curva
era mais pronunciada o hono parou, virou-se
para os Câmbios, apontou com as mãos para o
chão e sentou.
O’Keefe aproximou-se a dez metros do
hono. Na tela, a curva da encosta leste recuou
um pouco, abrindo um amplo panorama.
O’Keefe, que dedicava toda a atenção às mano-
bras do veículo, não viu o quadro desvendado
para além da encosta que recuava.
Mas Tiff mantinha os olhos bem abertos.
Viu a fenda estreita que se abria no paredão
oposto e o filete de água que jorrava.
Viu que a rocha porosa logo absorvia o líqui-
do. Viu a manchinha de vegetação raquítica nu-
trida pela água, e o grupo de choças arruinadas
que se erguiam junto ao paredão.
— Pare! — gritou Tiff.
O’Keefe sobressaltou-se e desligou o motor.
58
— O quê...?
Tiff apontou para a tela.
— Olhe!
O’Keefe assobiou baixinho por entre os den-
tes quando viu a aldeiazinha.
— Ah! — disse em tom vivo. — Deve ser a
cidade secreta das montanhas.
— Ao que parece está abandonada — ob-
servou Tiff.
— Parece que sim. Aliás, o hono disse que
os purificados fugiram.
Tiff confirmou com um aceno de cabeça.
— Vou descer — disse.
O’Keefe murmurou:
— Está bem. Mas faça o favor de usar um
traje sem furo.
Dali a dois minutos Tiff saiu do veículo, pas-
sando pela comporta. Sentado numa pedra, o
hono mantinha a cabeça inclinada para a frente
e não fazia o menor movimento. Tiff parou a
três metros dele.
— Ei! — gritou.
O hono levantou-se de um salto. Parecia que
estivera dormindo.
— Sei que está cansado — disse Tiff. — Mas
gostaria de saber por que nos trouxe até aqui.
O hono respondeu:
— Não disse que iria mostrar-lhes a pista
59
dos deuses?
— É verdade.
— Pois começa aqui.
— Onde?
— Ali, naquelas casas.
— Mostre.
O hono fez um gesto de recusa.
— Agora não. Daqui a pouco vai escurecer
e estou cansado.
Tiff refletiu.
— Onde vai dormir? — perguntou.
— Aqui mesmo.
— Por que não dorme nas cabanas? Seria
mais confortável.
O hono fitou Tiff como se duvidasse das fa-
culdades mentais do tenente.
— Ali, onde os deuses expulsaram os purifi-
cados? Prefiro não dormir.
Tiff deu de ombros.
— Faça o que quiser. Desejo-lhe uma boa
noite.
— Obrigado. Desejo o mesmo.
Tiff virou-se para voltar ao veículo. No mo-
mento em que fez o movimento sentiu uma
pancada curta, mas violenta, no ombro. Girou
instantaneamente sobre os calcanhares. Mas,
por mais que forçasse a vista, não conseguiu
enxergar nada no crepúsculo do anoitecer. A
60
não ser o hono que continuava imóvel, sentado
na pedra, as rochas espalhadas pelo vale e o
grupo de cabanas junto ao paredão.
Mas tinha certeza de que, quando fosse ins-
pecionar o traje protetor no interior da nave,
encontraria um furo minúsculo na altura do om-
bro.
Caminhou apressadamente em direção ao
veículo.

***

Os três honos pararam a dez metros da en-


trada da caverna. Chaney regulou o rádio de
capacete de tal forma que sua voz fosse trans-
mitida pelos alto-falantes externos.
— O que desejam? — perguntou em arcôni-
da.
— Soubemos que vocês se acidentaram nes-
ta área — respondeu um dos três. — Achamos
que talvez precisem de auxílio.
— Isso é muito gentil de sua parte — mur-
murou Hathome.
Chaney perguntou:
— De que forma pretendem ajudar-nos?
Um dos honos respondeu:
— Podemos mostrar-lhes um lugar em que
as encostas do vale não são tão íngremes; e
61
ainda poderíamos...
Hesitou um pouco, despertando a curiosida-
de de Chaney.
— Poderiam o quê?
O hono refletiu um pouco. Depois de algum
tempo disse, esticando as palavras:
— Poderíamos mostrar-lhes a pista dos deu-
ses.
— Dos deuses?
— Isso mesmo. Não estão procurando os
deuses?
Chaney recapitulou instantaneamente. Na
mitologia dos purificados havia deuses. Perry
Rhodan estava convencido de que eram eles os
responsáveis pela argonina.
— Como soube disso? — perguntou Cha-
ney.
O hono explicou que ouvira isso dos purifi-
cados, que ele mesmo não era nenhum purifica-
do, mas um proscrito, e que os purificados havi-
am abandonado suas aldeias, motivo por que os
proscritos conseguiram descobrir a pista dos
deuses.
Chaney logo se decidiu.
— Aguardem um instante — pediu aos ho-
nos.
Mandou que quatro dos seus homens saís-
sem da caverna e se postassem a dez metros da
62
entrada.
Não aconteceu nada. Dali a dez minutos, os
quatro continuavam tão ajuizados como no mo-
mento em que haviam saído da caverna. Ao
que tudo indicava, a desgraça que atingira Dee
e Crimson havia abandonado o vale, ou resolve-
ra fazer uma pausa.
Chaney levantou-se.
— Está bem — disse aos honos. — Ire mos
com vocês.
— Teremos que avançar pelo vale, na dire-
ção oeste — disse um deles. — Não deveremos
ir muito longe. Mas amanhã de manhã...
— Não se preocupem com a escuridão —
interrompeu-o Chaney. — Temos lâmpadas
fortes. Se não estiverem cansados, poderemos
marchar durante a noite.
Chaney esperava que os honos recusassem.
Mas parecia haver muita diferença entre os
proscritos e os purificados. Os primeiros quase
não conheciam a apatia e o desinteresse. Um
deles respondeu:
— Tanto melhor; assim chegaremos mais
depressa.
Chaney perguntou-se por que aquele hono
estaria tão interessado em mostrar a pista dos
deuses a pessoas que nem sequer conhecia.
Ordenou aos homens que saíssem da con-
63
versa e seguissem os três honos, que já se havi-
am posto a caminho para o ocidente. Os holo-
fotes portáteis foram preparados. Dentro de
uma hora no máximo, o vale ficaria mergulha-
do numa escuridão completa.
Apesar do solo acidentado, a marcha pros-
seguia rapidamente. Os honos deslocavam-se
agilmente nas pernas compridas, e a gravitação
pouco intensa permitia aos terranos uma veloci-
dade que em seu planeta não teriam agüentado
por trinta minutos.
Pelos cálculos de Chaney, deviam percorrer
cerca de doze quilômetros por hora. Depois que
os honos tinham aludido à pista dos deuses, o
cansaço se desvanecera.
Cerca de três quartas partes da noite deviam
ter passado quando os honos estacaram e espe-
raram até que Chaney e seus homens se apro-
ximassem.
— O que houve? — perguntou Chaney.
— Estamos quase chegando ao destino —
respondeu um dos honos.
— Que destino é esse? — perguntou Cha-
ney.
— É uma aldeia abandonada, onde começa
a pista.
— Ah! Vamos adiante.
O hono hesitou.
64
— Eu... nós... — gaguejou.
Chaney sentia-se exausto. Estava nervoso
sem que soubesse.
— Eu, nós, o quê? Levem-nos até a aldeia.
— Os deuses nos castigarão. Chaney mos-
trou um sorriso contrariado.
— Os deuses? Pois pensava que vocês não
acreditassem neles.
— Não acreditamos da forma que os purifi-
cados crêem — respondeu o hono. — Mas não
há a menor dúvida de que são poderosos.
— Nós os protegeremos contra eles — pro-
meteu Chaney. — Levem-nos até a aldeia.
— Querem proteger-nos contra eles? Serão
capazes disso?
Chaney teve a impressão de que havia uma
leve ironia na pergunta e resolveu não forçar as
coisas demais.
— Acredito que sim — respondeu. — Ao
menos faremos o que estiver ao nosso alcance.
O hono concordou com um gesto.
— Estamos de acordo. Se os deuses quise-
rem fazer qualquer coisa contra nós, ficaremos
escondidos atrás de suas costas.
E a marcha prosseguiu.

65
Tiff sentiu que alguém o sacudia fortemente
pelo ombro. Levantou-se sobressaltado.
Na penumbra reinante no interior do veícu-
lo, viu o rosto preocupado de O’Keefe.
— Está chegando alguma coisa — informou
O’Keefe.
Tiff pôs-se de pé. Ainda sonolento, esguei-
rou-se entre os bancos e os homens que dormi-
am. Dirigiu-se à poltrona do piloto.
A imagem do vale, projetada na tela, era
fantasmagórica. A luminosidade das estrelas só
penetrava até a metade das encostas. Abaixo
da linha iluminada pelas estrelas, começava a
área de profunda escuridão. Esta era interrom-
pida apenas por um estreito feixe de luz produ-
zido pelos raios vindos na vertical, desenhando
uma faixa luminosa no fundo do vale.
Tiff teve de forçar a vista por bastante tem-
po até enxergar aquilo a que O’Keefe se refe-
ria. Abaixo da linha iluminada das encostas do
vale, a escuridão não era completa. Pouco aci-
ma do fundo do vale, aproximadamente no lu-
gar em que Tiff, recorrendo à memória, imagi-
nava ficar a curva, viu-se uma mancha de fraca
luminosidade. Tiff constatou que a intensidade
da luz não era constante, e que a mancha não
permanecia no mesmo lugar.
— O que acha? — perguntou a O’Keefe.
66
O’Keefe resmungou:
— Até parece um holofote manual visto de
longe e encoberto pela curva da encosta.
— Isso mesmo. Mas quem poderia andar
com um holofote manual por aqui?
O’Keefe esteve a ponto de dizer alguma coi-
sa, mas antes que pudesse fazê-lo Tiff teve uma
idéia e acrescentou:
— Um instante. A que distância estamos do
lugar em que Chaney realizou o pouso de emer-
gência?
O’Keefe fez um gesto de concordância.
— Era o que eu pretendia dizer. Talvez seja
o major Chaney com seu grupo.
— Muito bem. Coloque uma sonda. Se for
Chaney, está conversando com seu pessoal. E
ele usa o mesmo tipo de traje protetor que nós.
O’Keefe colocou a sonda eletromagnética,
um instrumento que registrava todo o espectro
de radio-ondas com uma sensibilidade fantásti-
ca. A sonda estava acoplada a um alto-falante
comum. Mal O’Keefe a ligou, ouviu-se uma voz
retumbante:
— Pelo que diz, a aldeia fica logo atrás da
curva, Halligan. Mantenha os olhos bem aber-
tos.
E Halligan respondeu:
— Sim senhor. É o que estou fazendo.
67
O’Keefe gemeu.
— Oh, não! — fungou. — Os céus não me
podem fazer tanto mal. Logo Halligan, este ve-
lho canibal.
A amizade disfarçada em inimizade que rei-
nava entre os dois sargentos já não era novida-
de entre os homens da frota espacial terrana.
Halligan e O’Keefe não podiam jogar pôquer
por cinco minutos sem brigar. Em compensa-
ção lutaram em Vênus, ombro a ombro, usando
armas um tanto primitivas e detendo as hordas
de Tomisenkow por algumas horas, até que re-
cebessem reforços e pudessem aprisionar o ini-
migo.
Tiff sorriu e transmitiu um sinal codificado
que seria ouvido no receptor de capacete de
Chaney. Depois disse:
— O tenente Tifflor reportando. Esta mos
logo atrás da curva com cinco Câmbios. Faça o
favor de não tropeçar por cima de nosso hono
que está sentado junto à encosta.
Por alguns segundos não se ouviu nada. A
seguir, a voz espantada de Chaney soou no
alto-falante:
— Tifflor! O senhor me ouve?
— Ouço-o perfeitamente. Colocamos uma
sonda.
— Muito bem. Iremos até aí. Dê um sinal
68
com o holofote.
Tiff obedeceu. Poucos minutos depois o gru-
po de Chaney, conduzido pelos três honos, do-
brou a curva. Tiff já descera de seu veículo. Ex-
plicou a Chaney que nos Câmbios só havia lu-
gar para metade dos homens do grupo; a outra
metade teria que dormir ao ar livre. Chaney
não gostou nem um pouco, e Tiff ficou sabendo
o que havia acontecido com o tenente Crimson
e o sargento Dee.
Mas, passando o facho do farol pela encos-
ta, descobriram uma caverna igual àquela em
que o grupo de Chaney se mantivera escondido
até a chegada dos honos. Chaney abrigou dois
terços dos seus homens nessa caverna e colo-
cou os restantes nos veículos. Ele mesmo e o
sargento Halligan penetraram no Câmbio nú-
mero 1. O’Keefe, que os vira chegar na tela,
deitou se e fez de conta que estava dormindo
enquanto entravam pela comporta.
Os três honos que haviam marchado à fren-
te do grupo de Chaney juntaram-se ao outro,
que dirigira o grupo de Tiff. Não houve maiores
cumprimentos. Ao que parecia, o hono que es-
tava dormindo nem chegou a acordar. Os ou-
tros três sentaram da mesma forma que ele e
dormiram com as cabeças balouçantes.
Ao que tudo indicava, a tarefa de Chaney
69
estava tomando um rumo feliz. A Titan foi in-
formada imediatamente sobre as ocorrências e
o oficial de plantão não procurou disfarçar o alí-
vio que sentiu. Tiff pediu novas instruções e foi
informado de que poderia prosseguir por conta
própria na operação de busca em que os honos
lhe serviam de guia. Não se fez questão de que
um dos honos ou todos eles fossem forçados a
fazer uma visita à Titan. Rhodan disse que
achava perfeitamente plausível sua afirmativa
de não pertencerem à casta dos purificados.
Sendo assim, não acreditava que poderia tirar
alguma coisa desses indivíduos através dos re-
cursos psicanalíticos.
O que provocou certo nervosismo foi o fato
de que Tiff, suspeitando de alguma coisa, exa-
minou na manhã do dia seguinte os trajes pro-
tetores de Dee e Crimson e viu suas suspeitas
confirmadas.
Em cada um dos trajes havia três perfura-
ções muito finas. Ao contrário das que haviam
sido encontradas no traje de Tiff, estas atraves-
savam o plástico. Colocaram os doentes num
dos Câmbios, tiraram suas roupas e procuraram
descobrir picadas em seu corpo. Não encontra-
ram nada. Se houve alguma — e Tiff estava
convencido de que houve — as feridas certa-
mente se fecharam no dia anterior, sem deixar
70
o menor vestígio.
O passo seguinte consistiu numa revista da
aldeia abandonada. As cabanas, feitas com ma-
deira semelhante ao bambu, eram de constru-
ção bastante primitiva. Consistiam de um único
recinto. Pela sujeira que se espalhava no chão
de terra batida concluía-se que a aldeia já devia
ter sido abandonada muito antes do dia em que
os terranos puseram os pés em Honur. Toda-
via, Tiff, Chaney e Hathome não pode riam
deixar de reconhecer que não sabiam quase
nada sobre as concepções de higiene reinantes
entre os purificados. Era bem possível que a su-
jeira das cabanas fosse justamente o elemento
em que se sentiam bem.
Durante o exame, os quatro honos mantive-
ram-se à distância. Ao que parecia, tinham
medo das cabanas desabitadas. Tiff, porém,
teve de pedir aos honos que se aproximassem,
pois não conseguia encontrar a pista dos deu-
ses.
Vieram em passos hesitantes. O indivíduo
que guiara o grupo de Tiff, ao qual o sargento
O’Keefe dera o apelido de Nathan, caminhava
à frente dos outros.
— Estamos procurando a pista dos deuses,
mas não conseguimos encontrá-la — disse Tiff.
— Não fica aqui — respondeu Nathan em
71
tom compenetrado. — O senhor poderá encon-
trá-la mais adiante, no lugar em que começa a
fenda na rocha.
Tiff examinou a fenda. Tinha menos de dois
metros de largura e parecia estreitar-se ainda
mais na parte dos fundos. Um regato jorrava
tranqüilamente de dentro da pequena gruta. Daí
se concluía que a inclinação da fenda não era
muito acentuada.
No lugar em que a água jorrava do paredão,
uma vegetação rasteira e de folhas duras cobria
a rocha.
Tiff, Chaney e Hathome examinaram o solo
nas proximidades da área coberta pela vegeta-
ção. Nathan e os outros honos olhavam-nos
como quem não tem nada a ver com aquilo. Só
depois de alguns minutos, Nathan começou a
falar:
— Vocês terão de entrar nessas moitas.
Como vêem, há um lugar em que são mais ra-
las. É lá que começa a pista.
Tiff viu o lugar de vegetação mais rala, exa-
minou-o e chegou à conclusão de que não se
formara de maneira natural.
— Está vendo estes galhos quebrados? —
perguntou, dirigindo-se a Chaney.
Chaney confirmou com um aceno de cabe-
ça.
72
— Até parece que alguma coisa abriu cami-
nho à força. E, pelos meus cálculos, isso deve
ter acontecido há poucos dias.
Tiff ajoelhou-se.
— Os galhos estão todos quebrados até as
raízes — murmurou. — Até os troncos foram
quebrados.
Chaney enfiou-se pela vegetação, abrindo
caminho com os cotovelos. Desapareceu no in-
terior da fenda. Tiff ouviu-o fungar de surpresa.
Depois de algum tempo gritou:
— Hathome! Tifflor! Venham cá!
Com um salto vigoroso Tiff atravessou a fo-
lhagem. Hathome seguiu de perto. O major
Chaney estava agachado. Sua mão enluvada
apontava a uma marca nítida deixada no solo,
junto ao regato.
A impressão deixada no solo tinha cerca de
um metro de comprimento e meio metro de lar-
gura. Estava subdividida em retângulos de cin-
qüenta centímetros de comprimento e vinte de
largura.
Tiff examinou a marca por algum tempo,
sem chegar a qualquer conclusão. Finalmente
Chaney, que tinha avançado mais alguns me-
tros, exclamou:
— Aqui é bem mais nítida.
A segunda marca era um pouco mais com-
73
prida; tinha pouco menos de dois metros. Em
tudo mais, era igual a outra, com exceção do
corpo sujo e achatado de um nonus, estendido
no interior da marca.
— É uma esteira! — exclamou Tiff. — Uma
simples esteira de tanque.
Chaney confirmou com um aceno de cabeça
e apalpou o chão com o dedo.
— Não há dúvida. Acontece que só se vê a
marca de uma esteira. Onde terá ficado a da se-
gunda?
Tiff avaliou a largura da marca.
— Não acredito que exista outra esteira —
disse.
— Como?
— Acha que se trata de um veículo de estei-
ra única — interveio Hathome.
— É isso mesmo. A marca tem meio metro
de largura. Um veículo estreito pode equilibrar-
se perfeitamente numa base destas.
Chaney refletiu.
— É possível que o senhor tenha razão, Tif-
flor — confessou. — E o veículo só pode ser es-
treito, pois do contrário não conseguiria entrar
aqui.
Tiff contemplou o cadáver do ursinho.
— Se nos lembrarmos de que os únicos veí-
culos dos purificados são suas pernas... — disse
74
em tom pensativo.
— ...chegaremos à conclusão de que aquilo
que temos diante de nós realmente é uma pista
dos deuses — completou Chaney em tom reso-
luto.
Hathome não estava totalmente de acordo.
— Se quisesse fazer o favor de explicar o
que alguém pode fazer num buraco destes com
um veículo de esteira, eu lhe ficaria muito gra-
to. Por enquanto tenho a impressão...
— Por quê? — interrompeu-o Chaney. —
Entraram por aqui. Provavelmente levaram os
honos a algum esconderijo. Pelo que sei a res-
peito dos purificados, eles não tinham certeza
de que os honos saberiam deslocar-se com a ve-
locidade necessária se não recorressem a um
veículo.
— É possível... — murmurou Hathome.
— Procure superar esse ceticismo — disse
Chaney em tom alegre. — A pista é esta, e nós
a seguiremos.
Tiff virou ostensivamente a cabeça. Chaney
percebeu o gesto.
— Tem alguma dúvida? — perguntou.
— Para falar com franqueza, tenho — res-
pondeu Tiff. — Não conseguimos entra aqui
com os Câmbios.
— É verdade. Metade dos homens terão de
75
ficar aqui, com os Câmbios, a fim de nos darem
cobertura. Quanto ao mais, acredito que nossas
armas serão suficientes para livrar-nos de qual-
quer incômodo que possa surgir.
Tiff lembrou-se das perfurações encontradas
nos trajes espaciais, mas preferiu não formular
qualquer objeção. Não tinha receio de contradi-
zer Chaney, mas estava muito curioso para des-
cobrir aonde o levaria a pista.
Não demoraria a chegar o instante em que a
responsabilidade por essa atitude leviana repre-
sentaria uma carga pesada para ele.
Chaney avançou mais um pouco para o in-
terior da fenda. Via de regra o chão era firme,
sendo formado de rocha compacta. Somente
nas curvas do regato, onde a corrente deixara
um pouco de areia ou seixos, aparecia a marca
de esteira. Nesses lugares ainda havia arbustos
e pequenas árvores; pelas deformações ou da-
nos sofridos pelas plantas, podia-se tirar uma
conclusão sobre o formato do veículo que abrira
caminho por ali.
Devia ter cerca de um metro de altura e sua
largura não seria muito maior que a da marca
da esteira. Se tivesse mais de dois metros de
comprimento, teria que consistir em partes arti-
culadas, pois nos primeiros cem metros a fenda
descrevia curvas tão fechadas que qualquer veí-
76
culo inteiriço desse comprimento não consegui-
ria ultrapassá-las.
O que causou estranheza a Tiff foi o fato de
que em três das oito marcas de esteira existen-
tes nos primeiros cem metros encontraram um
ursinho morto. Hathome murmurou em tom
pouco convicto:
— Até parece que a cada trinta metros um
dos ursinhos foi atirado à frente das esteiras.
Talvez seja uma espécie de sacrifício.
Seria inútil refletir a este respeito. A mentali-
dade dos purificados era tão conhecida que não
havia a menor possibilidade de encontrarem
uma resposta.
Voltaram à entrada da fenda. Os quatro ho-
nos, com Nathan à frente, continuavam a espe-
rar em atitude compenetrada, mantendo-se fora
da área coberta pela vegetação.
— Encontraram a pista? — perguntou Na-
than.
— Encontramos — respondeu o major Cha-
ney com a voz alta e alegre. — E vamos segui-
la.
Nathan fez um gesto preocupado.
— Sabem que nossas idéias sobre os deuses
são muito diferentes daquelas que passam pela
cabeça dos seres que se chamam de purificados
— disse. — No entanto, acreditamos que os
77
deuses são seres muito poderosos. Não sabe-
mos se convém que vocês sigam a pista deles.
Poderiam armar uma cilada e destruí-los.
O major Chaney parou perto de Nathan.
— Escute aí, meu filho — disse em tom
amável. — Se é assim, por que nos mostraram
a pista? Queriam que a olhássemos e déssemos
o fora?
— Bem, não foi isso...
— Então, o que foi?
Nathan lançou um olhar para seus compa-
nheiros de raça e respondeu em tom mais segu-
ro:
— Acreditávamos que vocês fossem seguir a
pista. De qualquer maneira, não queremos dei-
xar de preveni-los.
— Virão conosco quando seguirmos a pista?
— perguntou o major.
Nathan assustou-se.
— Logo nós? Não poderíamos prestar muita
ajuda a vocês.
— Ora essa — disse Chaney, esticando as
palavras. — Não pensei em ajuda. Apenas pen-
sei que se interessassem em assisti à descoberta
do esconderijo dos deuses.
Mais uma vez Nathan lançou um olhar para
seus companheiros, que parecia um pedido de
socorro.
78
— Receio que nossa autoconfiança seja me-
nor que a sua — confessou depois de algum
tempo.
Chaney confirmou com um gesto da cabeça.
— Já que estão com medo — disse — pode-
rão ficar aqui, aguardando nosso regresso.

***

A divisão dos homens foi feita em dois gru-


pos — o sargento Hathome comandaria o gru-
po junto aos Câmbios, enquanto o outro acom-
panharia o major Chaney e o tenente Tifflor ao
longo da pista dos deuses — correu sem maio-
res incidentes, com exceção de um pequeno
episódio.
Este foi proporcionado pelos sargentos Hal-
ligan e O’Keefe. Quando este último ficou sa-
bendo que Halligan participaria com ele da ope-
ração de busca, apresentou-se imediatamente a
Tiff.
— Assim não é possível — fungou. — Eu e
este trapaceiro de jogo do Halligan não pode-
mos pertencer ao mesmo grupo. Não será por
minha culpa, mas juro-lhe que dentro de uma
hora alguém será assassinado.
Tiff procurou aplacar a ira do sargento, mas
antes que pudesse fazê-lo ouviu a voz de Cha-
79
ney no receptor de capacete.
— Chaney chamando Tifflor! Queira apre-
sentar-se.
Tifflor respondeu imediatamente.
— Preste atenção, tenente — disse Chaney.
Pelo tom de voz, parecia que começaria a rir a
qualquer instante. — Neste momento estou fa-
lando com o sargento Halligan, que diz que não
está em condições de ir conosco se o sargento
O’Keefe fizer parte do grupo. Por acaso o ou-
tro membro da dupla estará falando com o se-
nhor neste instante?
Tiff reprimiu o riso.
— Sim senhor.
— Pois diga-lhe a mesma coisa que acabo
de falar com Halligan. Mandarei rasgar seus tra-
jes espaciais a faca se criarem qualquer proble-
ma durante a marcha.
— Entendido. Darei o recado.
Era claro que O’Keefe acompanhara a con-
versa pelo receptor de capacete. Tiff viu que re-
virava os olhos.
— Bem, já que é assim... — disse Tiff.
O’Keefe afastou-se sem dizer mais uma úni-
ca palavra.
Mas ainda houve uma surpresa de verdade,
mas esta não tinha nada a ver com os homens
do grupo. Foi causada por Nathan, o hono. Di-
80
rigindo-se ao major Chaney, disse:
— Andamos pensando sobre o que disse.
Gostaríamos de ir com vocês.
Chaney teve bastante senso diplomático
para não dar a perceber a leve ironia que surgiu
em sua mente.
— Não tenho a menor objeção — disse.
E ficou nisso.

***

Sem contar os quatro honos, eram vinte ho-


mens que se puseram a caminho sob o coman-
do do major Chaney. Partiram pelo meio-dia.
Fora as armas, o equipamento mais importante
que levavam era um transmissor portátil de al-
cance quase ilimitado. Fora retirado de um dos
Câmbios e estava acoplado a um gerador de
emergência. Por meio dele poderiam manter
contato com os veículos. E não teriam a menor
dificuldade em comunicar-se com a Titan ou a
Ganymed, se isso se tornasse necessário.
O grupo de cerca de trinta homens, que fica-
ra nos Câmbios, fora instruído a não sair dos
veículos em hipótese alguma. Era bem verdade
que aquela coisa desconhecida que causara a
doença de Dee e Crimson não aparecera mais,
mas nem por isso poderia concluir que dali em
81
diante não haveria mais nenhum perigo.
No início Chaney e Tiff acreditaram que a
fenda, tão estreita junto à entrada, não poderia
avançar mais que um ou dois quilômetros rocha
adentro. No entanto, marcharam até o escure-
cer. Porém só encontraram o mesmo regato, a
rocha nua e, vez por outra, um montão de areia
e pedregulho coberto de vegetação. Daí conclu-
íram que a suposição inicial fora um tanto pre-
cipitada Era bem possível que o comprimento
da fenda chegasse a algumas centenas de quilô-
metros.
Ainda bem que viam a marca de esteira na
areia. Assim, pelo menos, tinham certeza quan-
to ao caminho seguido pelo inimigo desconhe-
cido.
Quando escureceu de vez, Chaney mandou
os homens descansarem. Colocou três sentine-
las na vanguarda e na retaguarda do grupo.
Equipados com faróis manuais, passariam a luz
ininterruptamente por todos os cantos da fen-
da. Recomendou aos outros homens que bai-
xassem o volume dos receptores de capacete e
procurassem dormir.
A área em que resolveram descansar era tão
apertada que não havia possibilidade de separar
os quatro honos do resto do grupo. Escolheram
um lugar para sentar em meio aos homens e
82
puseram-se a dormir.
Tiff encontrara um lugar confortável junto à
parede de rocha. Estava deitado perto de Na-
than. Este colocara os braços longos e ossudos
sobre as pernas e olhava fixamente para a fren-
te; parecia refletir. Vez por outra o reflexo de
um dos faróis iluminava seu rosto anguloso.
— Gostaria de saber qual é a diferença entre
vocês e os purificados — disse Tiff de repente.
Nathan sobressaltou-se como uma pessoa
que desperta do estado de profunda meditação.
Olhou para o lado e procurou descobrir quem
lhe dirigia a palavra.
— Ah, é você. A resposta é fácil. Não acre-
ditamos nos deuses da mesma forma que os pu-
rificados.
— Hum — fez Tiff. — Já ouvi isso várias ve-
zes. Vocês não acreditam da mesma forma. En-
tão, qual é sua crença?
Tiff percebeu que a pergunta não agradou a
Nathan.
— Para nós os deuses são seres poderosos
— respondeu Nathan depois de algum tempo.
— Mas não são verdadeiros deuses.
— Qual é a diferença entre um ser poderoso
e um deus?
— Um ser poderoso não pode fazer mila-
gres — respondeu Nathan prontamente.
83
Tiff teve a impressão de que no tom de voz
de Nathan havia um ligeiro soluço.
— O que vem a ser um milagre?
Nathan refletiu.
— Se os deuses pudessem destruí-los sim-
plesmente em virtude de seu desejo, sem recor-
rer a qualquer meio externo, isso seria um mila-
gre.
— Escute aí — protestou Tiff. — O exemplo
que você acaba de citar não é nada gentil.
Nathan soltou um tipo de risadinha.
— Mas é bastante compreensível.
— Tem certeza de que os deuses desejam
nossa destruição?
— Tenho certeza absoluta.
— Por quê?
— Porque nunca toleraram que alguém se-
guisse seus passos.
— Vocês nunca fizeram isso?
— Nunca. Tememos os deuses.
— Não sabem onde vivem?
Nathan fez um gesto de negação.
— Entre os purificados corre uma lenda...
Hesitou, como se estivesse refletindo se de-
via confiar a informação a Tiff.
— Uma lenda? — insistiu Tiff.
— Isso mesmo. Os purificados acreditam
que os deuses vivem embaixo da superfície. Se
84
fossem deuses, ou mesmo que fossem apenas
seres poderosos, como nós acreditamos, não
teriam motivo para submeter-se ao incômodo
de viverem embaixo do solo.
A conclusão era bastante plausível. Tiff refle-
tiu sobre a lenda. Quando pretendia formular
outra pergunta, viu que este adormecera. Ou
então, fazia de conta que estava dormindo para
fugir à curiosidade de Tiff.

***

Durante o resto da noite e no dia seguinte,


até o fim da tarde, não houve qualquer aconte-
cimento importante. A marcha prosseguiu; a
fenda subia ligeiramente rocha adentro, sem
que sua largura ou seu aspecto geral sofresse
qualquer modificação. Nos trechos arenosos,
continuava a aparecer a estranha marca do veí-
culo de esteira.
No fim da tarde, a fenda abriu-se num vale.
A transição foi rápida e surpreendente, e na pe-
numbra ali reinante não pôde ser notada antes
que chegassem ao local. Por isso alguns dos ho-
mens já estavam pisando a grama do vale quan-
do Chaney mandou que parassem.
Iluminando o vale, Chaney percebeu que era
redondo e tinha uns cinqüenta metros de diâ-
85
metro. As encostas subiam na vertical. O regato
cujo leito haviam seguido parecia nascer no pa-
redão do lado oposto e, ao atravessar o vale,
proporcionava umidade suficiente para fazer
nascer uma vegetação que, para o planeta de
Honur, devia ser considerada abundante. O
chão estava coberto por um capim alto e espes-
so, os arbustos cresciam de espaço a espaço e
junto ao regato havia pequenas árvores.
Aquele vale fértil em meio ao deserto rocho-
so era um verdadeiro milagre. Até mesmo Cha-
ney, um homem objetivo, pouco dado ao ro-
mantismo, levou algum tempo para recuperar-
se da surpresa e começar a procurar a marca
da esteira.
Era claro que na grama, que voltara a er-
guer-se depois de amassada, a marca não se
conservaria por tanto tempo como no solo are-
noso encontrado nas curvas do regato. Assim
mesmo, porém, uma faixa estreita de folhas
ressequidas indicava o rumo do veículo desco-
nhecido.
Chaney hesitou, sem saber se devia mandar
seus homens penetrarem no vale.
— Não sei — disse, dirigindo-se a Tiff pelo
rádio de capacete regulado num volume reduzi-
do. — Não estou gostando disso. Quando esti-
vermos lá dentro, basta que alguém feche a en-
86
trada, e estaremos numa armadilha.
Tiff olhou em torno. Dois dos faróis manuais
ainda dirigiam seus amplos feixes de raios para
o interior do vale. Ao que parecia, não havia
outra saída.
— Se necessário, a Titan poderia mandar al-
gumas Gazelas para virem em nosso auxílio —
disse Tiff. — Afinal, não estamos numa guerra
de índios.
Chaney deu uma risada amarga.
— Logo se vê que o senhor nunca se viu for-
çado a pousar com uma Gazela no planeta Ho-
nur.
— Rhodan poderia vir com a Titan em peso
— disse Tiff em defesa de seu ponto de vista.
— De qualquer maneira, seria uma incoerência
voltarmos daqui.
Chaney acenou com a cabeça e murmurou:
— É verdade. Mas acho preferível ser um in-
coerente vivo que um coerente morto.
Mas acabou informando os veículos sobre a
descoberta do vale. Depois mandou que uma
patrulha de dez homens vasculhasse o terreno.
Por fim não teve mais nenhuma dúvida em per-
mitir que o grupo seguisse pela faixa de capim
ressequido por onde havia passado a esteira,
até atingir o paredão do lado oposto.
Na verdade, a pista terminava abruptamente
87
poucos metros antes do paredão. Mas Chaney
pretendia aguardar o raiar do dia seguinte para
iniciar uma busca intensiva. Estava começando
a escurecer, e no momento o mais importante
era examinar a área em que iriam acampar e
protegê-la contra qualquer ataque de surpresa.
Chaney mandou que alguns homens seguis-
sem junto aos paredões, em torno do vale. Es-
tes informaram que havia uma única caverna, e
esta era tão pequena que não poderia abrigar
mais de quatro homens. Chaney não gostou da
notícia; desde o momento em que Dee e Crim-
son adoeceram, sentiu uma forte antipatia con-
tra as áreas abertas.
Mas não tinha outro remédio senão confor-
mar-se com a situação. Por meio dos desinte-
gradores, poderia fundir a rocha e abrir uma ca-
verna em que todo o grupo pudesse recolher-
se. Mas o desempenho energético dos desinte-
gradores seria tão intenso que os aparelhos o
registrariam a milhares de quilômetros de dis-
tância. Chaney preferiu assumir o risco do per-
noite ao ar livre.
Nos outros membros do grupo também se
notava um nervosismo indisfarçável. Todos vi-
ram que nesse vale chegava ao fim a pista que
haviam seguido. Só havia duas possibilidades: o
veículo de esteira ainda se encontraria no vale,
88
ou teria desaparecido nos paredões de rocha.
De qualquer maneira haviam chegado a um
ponto decisivo.
Tiff procurou encontrar mais uma vez um lu-
gar perto de Nathan. Mas o hono parecia ter
percebido sua intenção e esquivou-se. Ao que
tudo indicava, não sentia a menor vontade de
submeter-se a outro interrogatório.

***

Não é nada confortável dormir dentro de um


traje espacial. É verdade que o capacete forne-
ce certo apoio à cabeça, mas esse apoio só é
proporcionado pela parte traseira do mesmo.
Alguém que não esteja acostumado a dormir de
costas terá de passar um mau bocado.
Tiff acordou mais de uma vez. Praguejou
por causa do desconforto do capacete. Procu-
rou melhor posição e tentou adormecer.
Em certo momento escorregou da pedra que
lhe servia de apoio e, enquanto se esforçava
para levantar-se, acordou de vez.
Durante uns cinco ou dez minutos ficou dei-
tado, imóvel, fitando o trecho circular do céu
estrelado que era recortado pelos paredões do
vale. Esforçou-se para dormir de novo.
Quase no subconsciente, percebeu que havia
89
algo por ali que não estava certo. Movendo-se
devagar e cautelosamente, deixou-se escorregar
da pedra na qual subira com tanto trabalho.
Com isso a cabeça ficou em posição quase ver-
tical. Pôs-se a observar.
Alguns minutos se passaram. Tiff já estava
praticamente convencido de que se deixara en-
ganar por alguma coisa quando viu o movimen-
to. A visão era estranha, mas inconfundível. Al-
guma coisa rastejava cautelosamente pelo ca-
pim, alguns metros do lugar em que se encon-
travam seus pés.
No início apenas sentiu curiosidade. As sen-
tinelas escaladas por Chaney ocupavam todas
as posições estratégicas do vale. Nenhuma pes-
soa desconhecida penetraria ali sem ser notada,
mesmo que viesse por cima.
De repente, Tiff olhou para o lugar em que
Nathan se sentara ao anoitecer, e que ficava a
uns dez metros do ponto em que ele mesmo se
deitara para dormir.
A luz das estrelas foi suficiente para que no-
tasse que o lugar estava vazio.
Tiff ergueu-se e procurou descobrir os ou-
tros honos, que se haviam sentado perto de Na-
than. Também tinham desaparecido.
A princípio Tiff desconfiou de que estives-
sem arrependidos da decisão de seguirem a pis-
90
ta dos deuses e, para não expor-se ao ridículo,
pretendiam fugir às escondidas. Mas achou que
valia a pena examinar o problema mais detida-
mente.
Ergueu-se sobre os cotovelos, deixou-se cair
para a frente e rastejou na direção em que vira
o vulto que se movia. Tateando e vendo, seguiu
o rastro amplo que seguia pelo capim. O que
lhe deu de pensar foi que o rastejante não se di-
rigia à saída do vale, mas seguia para a direita,
em direção ao paredão.
Seguiu o rastro e logo começou a aproxi-
mar-se do paredão; não viu os honos. Pouco
antes de chegar ao paredão, uns vinte metros à
direita do lugar em que se encontrava a fileira
de homens que dormiam, voltou a descobrir o
movimento apressado e confuso que pouco an-
tes lhe despertara a atenção.
Sem pensar duas vezes, levantou-se de vez e
com dois grandes saltos chegou ao paredão. A
idéia de que isso o poderia expor a algum peri-
go só lhe veio à mente quando uma força invisí-
vel o agarrou. Esta o atirou para trás. Tiff teve a
impressão que uma granada estava explodindo
em seu cérebro.
Tiff caiu de lado e por alguns segundos ficou
quase inconsciente. Fazendo um esforço tre-
mendo, conseguiu erguer-se sobre os cotovelos
91
e fitou o paredão. De repente, espantado, ob-
servou que os honos — ou aquilo que ele tinha
percebido, pensando que eram eles — desapa-
receram.
Notou o perigo sem compreendê-lo. Com
um movimento rápido, regulou o rádio de capa-
cete para o volume máximo e gritou:
— Alarma! Os honos fugiram!
Por um instante, não ouviu no seu receptor
outra coisa além do ruído dos homens que des-
pertavam, erguendo-se lentamente e girando os
botões de seus rádios de capacete. Finalmente
ouviu a voz de Chaney, que soou tranqüila e pa-
ternal:
— Por que tanto nervosismo, Tiff? O que
nos importam os honos se a vida é tão bela?
5

O ataque à Titan começou no meio da noi-


te. Não pegou a nave desprevenida. A partir do
momento em que a nave pousara pela segunda
vez no planeta Honur, os homens não tinham
outra coisa a fazer senão ficar com os olhos
abertos.
E o ataque foi desencadeado de maneira tão
estranha que nem por um instante se poderia
92
duvidar do resultado da luta. Hordas imensas de
robôs surgiram dos vales, das margens do lago
e da planície e marcharam em direção à nave.
Perry Rhodan se encontrava na sala de co-
mando. Deixou que os robôs se aproximassem,
até que revelaram suas verdadeiras intenções
por meio de salvas disparadas de uma espécie
de radiadores de impulsos.
Os campos protetores da Titan não tiveram
a menor dificuldade em absorver o impacto. Os
raios de desintegração disparados pelas grandes
peças de artilharia da nave abriram enormes
clareiras nas fileiras de robôs, tangendo nuvens
reluzentes de poeira metálica por cima da su-
perfície do lago.
As máquinas estranhas espalharam-se Os
raios energéticos ofuscantes por eles disparados
chiavam sem cessar de encontro aos campos
protetores invisíveis e perdiam-se em meio a fo-
gos de artifício coloridos.
Depois que algumas salvas potentes; haviam
destruído cerca de metade do exército de robôs,
os homens, que guarneciam os postos de arti-
lharia da Titan, tiveram de recorrer ao fogo diri-
gido. Pelas estimativas, o número total de robôs
devia ser de cerca de oito mil. Eram do tipo da-
queles que, por ocasião do primeiro pouso da
Titan no planeta Honur, tentaram atacar a
93
nave.
As fileiras de robôs foram minguando. Em
nenhum ponto conseguiram aproximar-se da
Titan a mais de cem metros que correspondiam
à distância dos campos defensivos. Alguns ro-
bôs que avançaram demais derreteram-se sob a
ação energética dos campos.
Depois de duas horas de batalha não havia
mais nenhum robô que se movesse.
Em compensação, a bordo da Titan começa-
ram a refletir sobre as finalidades do ataque. O
inimigo não poderia estar mal informado a pon-
to de acreditar que poderia conquistar a Titan
com oito mil, ou mesmo dez mil robôs.
Quais seriam suas intenções?
Os receptores automáticos, que mesmo du-
rante o combate continuaram a funcionar, re-
gistrando as mensagens, sabiam a resposta. De-
pois de suspenso o combate, o oficial de rádio
retornou ao seu lugar e retirou do aparelho
uma mensagem de telecomunicação expedida
pelo grupo de veículos:
— O comando Chaney-Tifflor foi atacado
por inimigos desconhecidos. Posição...
Seguiram-se alguns dados que permitiram a
localização exata do pequeno vale nos mapas.
A mensagem ainda dizia que o alarma fora ex-
pedido pelo tenente Tifflor.
94
A finalidade do ataque de robôs desencadea-
do contra a Titan consistira unicamente em des-
viar as atenções do grupo que se encontrava
empenhado numa operação de busca nas mon-
tanhas.
Alguns minutos depois, a estação dos Câm-
bios ainda captara a seguinte mensagem:
— Não se preocupem por nossa causa. Es-
tamos bem. A vida é tão bela.
Também este texto foi retransmitido fiel-
mente à Titan.
O pânico tomou conta da sala de comando.
Todos correram para seus lugares e estenderam
a mão. Preparavam-se para executar o movi-
mento que teriam de fazer no instante em que
Rhodan ordenasse a decolagem instantânea.
Mas isso não aconteceu. Com um ligeiro
sorriso, Rhodan pediu aos homens que conser-
vassem a calma.
— Acho que no momento não podemos fa-
zer nada por esses coitados — acrescentou.
Não explicou porque acreditava que mais
tarde talvez pudesse fazer alguma coisa.
Para aumentar ainda mais a confusão entre
a oficialidade, mandou que o grupo de Câmbios
regressasse à Titan pelo caminho mais rápido.
Algum tempo depois, quando os Câmbios já
se encontravam a caminho, a nave captou uma
95
mensagem curta e esquisita, transmitida pela
onda comum:
— Somos três e vamos fazer um piqueni-
que...
Pelo que dizia a pessoa que recebera a men-
sagem, a voz que transmitira a mensagem era
de Tiff — e vinha com um sotaque de quem
acabara de tomar duas garrafas de uísque esco-
cês. Os oficiais que se encontravam na sala de
comando pensavam que a argonina era respon-
sável pela alegria de Tiff. Naturalmente. O que
poderia ser? Mas o sorriso matreiro de Rhodan
lhes deu o que pensar.

***

Era claro que Rhodan não tinha certeza ab-


soluta. Mesmo intoxicado, Tiff poderia lembrar-
se da senha “piquenique”, Talvez quisesse diver-
tir-se, enganando seu comandante ao lhe dar o
sinal convencionado.
Mas Rhodan duvidava de que alguém que se
encontrasse sob os efeitos da argonina fosse ca-
paz de praticar uma brincadeira premeditada. O
mais provável era que Tiff conseguira livrar-se
da embriagues geral com mais dois elementos.
Agora teria que fazer alguma coisa que Rho-
dan odiava por sua própria natureza: esperar,
96
esperar pelo resultado do piquenique.
Havia outra coisa quase tão penosa como a
espera: Rhodan tinha de guardar para si o que
sabia, suportando pacientemente os rostos de-
solados ou perplexos de seus companheiros.
Mas o risco era muito grande. Tinham de
contar com a possibilidade de que o inimigo
captasse qualquer mensagem transmitida pelo
rádio ou pelo telecomunicador. Sem dúvida, a
essa altura já dominava a língua inglesa. Se por
qualquer descuido fosse feita uma alusão, por
mais leve que fosse, ao verdadeiro estado de
Tiff — o que poderia acontecer, por exemplo,
numa palestra com a Ganymed — o piquenique
de Tiff não duraria nem mais um minuto, e teri-
am de começar tudo de novo.
Só lhe restava esperar e calar a boca.

***

Tiff compreendeu imediatamente o que ha-


via acontecido. A pior das hipóteses previstas
nas instruções que levara acabara de ocorrer.
Depois do alarma de Tiff e da resposta ale-
gre do major Chaney, a confusão tomou conta
do vale. Faróis acenderam-se, iluminando ho-
mens que davam saltos grotescos em meio ao
capim. Os gritos de surpresa dos homens que
97
ainda não haviam sido intoxicados misturaram-
se às manifestações de júbilo daqueles que já
haviam absorvido a argonina em seu organis-
mo.
As manifestações de alegria tornavam-se
cada vez mais ruidosas, e os gritos de surpresa
foram diminuindo.
Arrastando-se rente ao solo, Tiff dirigiu-se
ao lugar em que ao anoitecer os homens de
Chaney haviam descoberto uma caverna. En-
quanto isso gritava:
— Quem ainda não estiver doente, dirija-se
à caverna.
Ficou gritando até que, na sua opinião, qual-
quer homem sadio o teria ouvido e estaria em
condições de seguir suas instruções. Já havia
chegado à caverna. Só encontrou um único ho-
mem.
— Quem está aí? — perguntou Tiff.
— O sagrado O’Keefe — respondeu o vulto.
— Está armado?
— Além de estar armado ainda tenho em
mãos o transmissor.
— Excelente!
Tiff pegou o aparelho e transmitiu a mensa-
gem que os tripulantes da Titan só puderam ou-
vir depois de terminada a batalha contra os ro-
bôs. Depois ordenou a O’Keefe:
98
— Ligue os aparelhos para a altura mínima,
sargento. Não nos devem ouvir nem a três me-
tros de distância.
O’Keefe obedeceu sem dizer uma palavra.
Depois perguntou:
— E agora?
— Espere — murmurou Tiff. — Não quero
contar a mesma história duas vezes.
Um hora depois do momento em que tivera
início a confusão, Tiff tinha certeza quase abso-
luta de que além dele mesmo e de O’Keefe nin-
guém havia escapado ao ataque traiçoeiro.
Lá fora, no vale, os homens intoxicados pela
argonina gritavam e uivavam que nem os lou-
cos, gozando a vida. Os receptores regulados
para o volume mínimo traziam o ruído abafado
da algazarra.
Quando um vulto disforme foi se arrastando
lentamente pelo capim, aproximando-se da ca-
verna, Tiff pensou que se tratasse de um dos in-
toxicados, que estivesse à procura de um diver-
timento diferente.
Mas pouco antes de chegar ao paredão, o
vulto ergueu-se e perguntou com a voz abafada:
— É o tenente Tifflor?
Tiff deu-se a conhecer.
— Halligan? É o senhor?
— Sim senhor.
99
— Entre e baixe o volume de seu rádio. Por
que demorou tanto?
— Fiquei esperando até que os animais que
andaram zumbido por aí tivessem desaparecido.
— Chegou a vê-los? — perguntou Tiff sur-
preso.
— Vi perfeitamente. Estava ao lado de um
dos idiotas que eles pegaram em primeiro lugar.
Andou dirigindo a luz do seu farol para todos os
lados, e por isso tive uma visão nítida dos mos-
quitos.
Halligan rastejou para o interior da caverna.
Alguém soltou um forte gemido.
— Pelo amor de Deus! — suspirou Halligan.
— Não venha me dizer que é esse sapo do
O’Keefe!
— É isso mesmo — disse O’Keefe por entre
os dentes. — Vou dizer-lhe uma coisa. Se...
— Silêncio! — exclamou Tiff em tom enérgi-
co. — Não temos tempo para esse tipo de brin-
cadeira.
Duas horas após o início do ataque, o céu
começou a adquirir uma tonalidade vermelha.
Tiff sabia que a essa hora não apareceria mais
ninguém que não estivesse doente. Eram vinte
ao todo. A argonina pesava na consciência de
dezessete deles. Ou melhor, na consciência do
inimigo misterioso que estavam procurando.
100
Mais uma vez Tiff pegou o transmissor, aco-
plou-o ao alto-falante externo do capacete e
pôs-se a cantar no tom de ébrio:
— Somos três e vamos fazer um piquenique.
Dirigindo-se aos dois sargentos, disse:
— É claro que daqui em diante vamos fingir-
nos de loucos que nem aqueles ali fora. Acredi-
to que o inimigo está vigiando atentamente o
vale. Não deve descobrir que ainda não estamos
doentes. Vamos prosseguir na busca, e se agir-
mos com habilidade, poderemos dizer que nun-
ca tivemos tantas chances como agora.
Assim que a escuridão havia cedido um pou-
co, saíram da caverna e misturaram-se aos ho-
mens que se encontravam sob a influência da
argonina, pulando que nem crianças.
O’Keefe e Halligan logo se adaptaram ao
seu papel. Saltavam de um lado para o outro e
cantavam canções idiotas.
Tiff teve certa dificuldade em representar a
comédia. Os dezessete homens corriam pelo
capim como meninos e não queriam saber de
nada. Apenas na alegria de viver. Assim, ofere-
ciam um espetáculo bastante triste, apesar da
alegria aparente que apenas fora provocada
pela toxina, arrependeu-se por não ter revelado
suas preocupações a Chaney, no momento em
que descobriram a marca deixada pelo veículo
101
de esteira. Talvez este tivesse concordado em
levar um contingente menos numeroso.
Um dos doentes esbarrou pesadamente em
Tiff, despertando-o das suas reflexões.
— Por que tanta tristeza, companheiro? Não
gosta da vida?
Era Chaney. Tiff olhou-o. Não saberia dizer
se Chaney o reconhecia.
— Gosto, amigo — respondeu Tiff com o
rosto radiante. — Nunca me senti mais feliz que
neste instante.
— Pois venha comigo. Vamos cantar.
Sem aguardar resposta, Chaney começou a
entoar uma canção. Tiff cantou algumas estro-
fes. Depois deu um salto alegre para o lado,
executou uma cambalhota em meio ao capim,
soltou alguns gritos histéricos e escapou à dis-
posição musical de Chaney.
Halligan e O’Keefe já haviam atingido o pa-
redão que ficava do lado oposto. Mantinham-se
à direita e à esquerda do lugar em que Tiff ha-
via visto o hono pela última vez.
Tiff apoiou-se sobre a cabeça e deixou que
os joelhos dobrassem lentamente. A barriga da
perna bateu num objeto que já vira há algum
tempo, e que preferira não tocar, pois sabia
que o vale estava sendo observado pelo inimi-
go.
102
Exultando de alegria, rebolou pelo chão e
acabou pondo a mão no minúsculo objeto. O
convite que formulou a seguir era o sinal de ba-
ter em retirada, combinado com os dois sargen-
tos:
— Vamos cantar a canção de Clementina!
Encontraram-se na caverna, depois de terem
gasto mais de quinze minutos para percorrer os
cinqüenta metros sem despertar a atenção do
inimigo. Um dos doentes gritou atrás deles:
— O que vão fazer nessa caverna? Fiquem
aqui mesmo, pois o sol está brilhando.
Tiff não perdeu a cabeça. Respondeu pron-
tamente:
— Já voltamos. Por enquanto a caverna está
tão quentinha e acolhedora.
O doente convenceu-se com estas palavras.
“Tomara que isso também tenha acontecido
com o inimigo”, pensou Tiff.
No interior da caverna examinaram o pe-
queno objeto. Haviam saído para procurar a
pista dos honos, mas no momento aquele apa-
relho parecia mais importante.
Parecia ser feito de uma única peça. Tiff
teve de usar um disparo finíssimo do desinte-
grador para soltar a tampa, pois só assim pode-
ria ver o que havia no interior do objeto.
O instrumento era produto de uma tecnolo-
103
gia estranha. Mas nunca pode existir tanta dife-
rença entre os princípios de funcionamento dos
objetos destinados a fins idênticos que um técni-
co não sabia identificar um garfo como um gar-
fo, um pente como um pente e um codificador
como um codificador.
O que tinham na mão era um codificador.
Pelo que constatou Tiff, o aparelho estava em
condições de irradiar ao menos dez sinais codi-
ficados através de um hiper-transmissor, mes-
mo que apenas pudesse fazê-lo com uma po-
tência extremamente reduzida.
Um dos honos devia ter perdido o aparelho
em meio à confusão. Provavelmente era aquele
que havia atirado em Tiff.
“Um dos honos! Desde quando esses seres
possuem aparelhos como este?” — pensou o
tenente.
Essa idéia levou Tiff à indagação sobre a cre-
dibilidade que a história dos purificados e os
não-purificados ainda poderia merecer. Será
que Nathan e seus amigos não agiam por or-
dem dos deuses? Não teriam recebido a incum-
bência de atrair os inimigos dos mesmos a uma
armadilha segura?
Se fosse assim, deviam estar em condições
de comunicar-se com os deuses. Por meio do
codificador, por exemplo.
104
A conclusão era lógica e Tiff não tinha moti-
vo para acreditar que não fosse verdadeira. Mas
lembrava-se perfeitamente dos honos, dos puri-
ficados, que conhecera por ocasião do primeiro
pouso da Titan em Honur. Eram seres pacatos,
apáticos, que quase chegavam a ser tolos, e
cuja única ocupação consistia em brincar com
os nonos.
O que se teria de fazer com seres desse tipo
para levá-los a executar um trabalho definido e
bem orientado, como o que acabava de ser rea-
lizado por Nathan e seus companheiros?
Tiff foi interrompido em meio às suas refle-
xões. O sargento O’Keefe pigarreou, a fim de
chamar a atenção.
— Também encontrei uma coisa. Quem
sabe se...
— Não pense que só você encontrou algu-
ma coisa! — interveio Halligan acaloradamente.
— Tenho certeza de que aquilo que eu encon-
trei é mais interessante...
Tiff riu.
— Pois mostrem! — disse.
Os dois sargentos puseram as mãos sob os
olhos de Tiff. Os achados eram idênticos. Mas,
mesmo apresentados em duplicata, desperta-
ram bastante interesse para provocar uma tre-
menda exaltação em Tiff.
105
Pegou cautelosamente o objeto que O’Keefe
segurava. Era pequeno, medindo cerca de cinco
centímetros, formado por cinco peças articula-
das. Quatro dessas peças tinham o aspecto de
dois pares de asas, enquanto a quinta devia re-
presentar o corpo do estranho ser. Não havia
uma cabeça bem identificada; no lugar via-se
uma ponta comprida, que ia afinando na extre-
midade. Na base, mostrava um círculo formado
por quinze pontinhos que emitiam um brilho
cristalino.
Era um dos mosquitos que Halligan vira du-
rante a noite.
Face ao estado de nervos em que Halligan
se encontrava ao observar o objeto e à ilumina-
ção escassa, não seria nada difícil enganar-se
sobre a verdadeira natureza daqueles seres. Tiff,
que segurava o objeto na mão, percebeu suas
características ao ver a ponta metálica e o for-
mato regular das articulações das asas:
O mosquito não era um ser dotado de cons-
tituição orgânica. Tratava-se de um mini-robô.
Demorou algum tempo até que Halligan e
O’Keefe acreditassem nesse fato. O que mais
os intrigava era a idéia de que nenhum homem
seria capaz de construir um robô teleguiado de
dimensões tão minúsculas. Porém Tiff recordou
a habilidade demonstrada, por exemplo, pelos
106
ferrônios do sistema de Vega, que criaram ver-
dadeiras maravilhas no terreno da micro tecno-
logia. Assim, foi vencendo suas dúvidas passo a
passo.
— Mas, o que é mesmo de admirar não é
isso — disse finalmente. — Cada um destes ani-
maizinhos, ou melhor, destas maquinazinhas,
tem de ser dirigido independentemente dos ou-
tros. Não adiantaria nada se, num ataque como
o que foi desencadeado na noite passada, a nu-
vem fosse guiada em conjunto; nesse caso, a
esta hora os mosquitos ainda não teriam con-
cluído seu trabalho.
“Para orientar um enxame desses mini-robôs
em pleno combate, expedir comandos numa
fração de centésimo de segundo, revogá-los e
substituí-los por outros, precisa-se recorrer ao
controle automático de um dispositivo posi-
trônico. Nenhum ser vivo poderia dispor de vi-
são tão ampla e de tamanho poder de reação.
É bem verdade que, ao que tudo indica, mesmo
um dispositivo positrônico enfrentaria dificulda-
des, pois os mosquitos que temos diante de nós
devem ter batido no paredão e caído.” O’Keefe
e Halligan ficaram espantados.
— Aliás, sou de opinião que em Honur não
encontraremos o inimigo propriamente dito,
mas um sistema altamente sofisticado formado
107
por um cérebro positrônico e um contingente
de robôs por ele comandados — prosseguiu Tiff
em tom pensativo. — Isso se encontrarmos al-
guma coisa. Acho que, se não fosse assim, já
deveríamos ter achado algum sinal do inimigo.
É claro que isto não passa de uma suposição.
— Não acredita que os quatro honos... —
principiou Halligan.
Tiff sacudiu a cabeça
— Não. Acredito que apenas estava execu-
tando ordens de alguém.
Halligan ficou calado. Também O’Keefe
mergulhou nos seus pensamentos. Depois de
algum tempo, Tiff disse:
— Hoje de noite procuraremos seguir o; ho-
nos.
Os dois sargentos levantaram a cabeça.
— Os quatro honos? Pois o senhor sabe
para onde...?
— Vi o último deles ali, diante do paredão,
no lugar em que encontramos o codificador.
Tenho certeza de que nesse ponto deve haver
outra saída.
O’Keefe olhou fixamente para fora da caver-
na.
— Não vejo nada — disse em tom obstina-
do.
— Não é de admirar — disse Tiff com uma
108
risada — Teriam que ser muito tolos para dei-
xar o buraco aberto.
— Acha que é uma espécie de portão camu-
flado? — perguntou Halligan.
— Isso mesmo.
— E como pretende fazer para abri-lo?
Tiff pôs o dedo no codificador.
— Com isto — respondeu. — Um dos dez
sinais emitidos pelo mesmo deve ser aquele que
abre essa saída, ou entrada, conforme se quei-
ra. Só assim se explica que os honos puderam
fugir tão depressa.
Olhou Halligan e O’Keefe com uma expres-
são séria.
— Não pode ser de outra forma — concluiu.

***

O dia passou-se sem que os doentes tives-


sem parado com sua algazarra, por meia hora
que fosse. Depois que a argonina se misturara
ao líquido encefálico e, em proporção menor,
ao sangue e ao líquido linfático, o cansaço, a
fome e a sede sumiam. O organismo doente
ativava todas as reservas de energia de que po-
dia dispor, não permitindo qualquer pausa no
estado de hipereuforia.
Para Tiff e os dois sargentos, o dia foi muito
109
cansativo. Não há nada pior que ficar imóvel,
espreitando um desconhecido.
Por várias vezes Tiff pôs as mãos no; peque-
no aparelho de transmissão e recepção, para
enviar uma pequena mensagem à Titan. O té-
dio quase chegava a induzir a opinião de que
uma pequena mensagem, concebida no mesmo
tom exultante que a expedida na noite anterior,
não poderia causar o menor prejuízo, mesmo
que o inimigo interceptasse todas as comunica-
ções. Mas o raciocínio acabou por vencer. Uma
pessoa intoxicada pela argonina só teria uma
capacidade extremamente limitada dei executar
uma seqüência causal e lógica de atos; e os mo-
vimentos necessários para pôr um transmissor a
funcionar exigia uma seqüência causal e lógica
de atos. Assim que o doente tivesse movido a
primeira chave e girado o primeiro botão, en-
contraria outra ocupação que lhe desse um pra-
zer muito maior. Então, largaria o transmissor
num canto qualquer. Uma mensagem alegre
ainda poderia encontrar explicação, mas duas
mensagens provocariam suspeitas no inimigo.
Ao escurecer, Tiff, Halligan e O’Keefe volta-
ram a misturar-se com os doentes. Desta vez
carregavam, além das armas, o transmissor e o
pequeno codificador.
Aproximaram-se discretamente do paredão
110
de rocha. Halligan e O’Keefe tentavam a esca-
lada escorregando e caindo propositadamente,
mas nem por isso de forma menos dolorosa,
uma vez que não sabiam quanto tempo levaria
Tiff para abrir o portão de pedra. O tenente fez
com que o pequeno aparelho irradiasse todos
os sinais codificados registrados em sua fita.
A cada sinal que emitia aguardava, por al-
gum tempo, aguçando o ouvido. Não tinha a
menor idéia das situações que seriam desperta-
das pelos sinais. Era perfeitamente possível que
depois de um deles os mosquitos robotizados
voltassem a precipitar-se no vale.
Não aconteceu nada disso. Ao contrário do
que esperava Tiff, a operação correu sem o me-
nor incidente. Depois de expedir o quarto sinal
codificado, uma faixa do paredão recuou subita-
mente à sua frente e girou para o lado, antes
que ele tivesse tempo de chamar os dois sar-
gentos. A abertura que se formara tinha cerca
de três metros de largura e dois metros de altu-
ra.
Halligan e O’Keefe caíram paredão abaixo.
Cambaleando e balbuciando que nem dois bê-
bados, tropeçaram para dentro do buraco escu-
ro. Tiff seguiu-os e insistiu para que penetras-
sem mais um pedaço no corredor que parecia
começar logo após a abertura. Depois virou-se
111
e, prendendo a respiração, aguardou para ver
se o portão se fechava automaticamente, ou se
para isso haveria necessidade de outro sinal.
Fechou-se automaticamente. Embora Tiff e
os dois sargentos pensassem que uma pequena
eternidade se havia passado, apenas trinta se-
gundos decorreram do momento em que o por-
tão se abriu até aquele em que voltou a fechar-
se. Nenhum dos homens intoxicados pela argo-
nina havia notado o fenômeno. Tiff agira acer-
tadamente ao executar a operação no escuro.
— Acenda a luz — ordenou Tiff em meio à
escuridão.
O raio intenso de um farol manual rompeu a
escuridão, iluminando um corredor revestido de
plástico, que tinha a mesma largura e altura do
porão aberto na rocha, e descia num declive su-
ave a uma profundidade incomensurável.
— Vamos andando — ordenou Tiff. — Fi-
quem com as armas engatilhadas. É bem possí-
vel que em algum lugar a abertura do portão te-
nha provocado a emissão de um sinal. Devem
estar esperando por nós em qualquer ponto, se
é que não virão ao nosso encontro.
Mas o corredor continuava escuro e silencio-
so. A algazarra dos doentes mal chegava aos re-
ceptores de capacete.
O sargento O’Keefe caminhou à frente do
112
grupo. Halligan e Tiff marcharam lado a lado,
logo atrás dele. O’Keefe avançava a passos vi-
gorosos, resmungando de impaciência. Parecia
que tinha vontade de dizer alguma coisa. Mas
suas palavras transformaram-se num grito de
pavor, que foi partilhado por Tiff e Halligan.
O chão sob os pés começara a mover-se.
O’Keefe perdeu o equilíbrio e caiu. O farol es-
corregou-lhe da mão e apagou-se. Tiff ouviu o
ruído provocado pelo deslocamento de ar.
— Faça luz, O’Keefe.
O’Keefe chiou alguma coisa entre os dentes;
felizmente ninguém entendeu. Tiff ouviu suas
mãos enluvadas baterem no chão. Finalmente
soltou um suspiro de alívio; depois de algum
tempo o farol foi aceso.
Ao que parecia, o ambiente continuava a ser
o mesmo. O revestimento de plástico conferira
um aspecto tão uniforme ao soalho, às paredes
e ao teto do corredor que o olho humano não
encontraria qualquer ponto de referência pelo
qual pudesse orientar-se. Tiff pôs a mão num
dos bolsos externos do seu traje e tirou o estojo
que já servira para guardar pontas de lapiseira.
Atirou-o num ângulo inclinado contra uma das
paredes laterais.
O resultado foi surpreendente. O estojo foi
repelido pela parede com uma violência inacre-
113
ditável e, em vez de seguir as leis da reflexão,
retornou pela mesma trajetória resultante do ar-
remesso de Tiff. Passando junto ao capacete de
Halligan, emitiu um chiado e, ao bater na pare-
de oposta, voltou a ricochetear e desapareceu
do feixe de luz projetado pelo holofote de
O’Keefe.
Tiff ajoelhou-se e com a mão direita apalpou
cuidadosamente o chão. Mas, por mais que am-
pliasse sua pesquisa, não encontrou ali nenhu-
ma das estranhas características que as paredes
possuíam. Mas, quando estendeu a mão para o
lado e tocou a parede com a pontinha do indi-
cador, sua mão foi atirada para trás com uma
violência inacreditável.
— Estamos numa fita rolante — murmurou.
— Ela se desloca a uma velocidade de cem qui-
lômetros por hora. Toda a largura do chão é to-
mada pela fita.
Os dois sargentos pareciam perplexos; cala-
dos, aguardavam instruções. Tiff refletiu. Não
sabia se o funcionamento da fita era automáti-
co, ou se alguém recorrera a esse meio fácil de
transportar os intrusos ao lugar em que deseja-
va vê-los colocados.
De qualquer maneira, Tiff não tinha a menor
vontade de cair nos braços de um comitê de re-
cepção do inimigo a uma velocidade de cem
114
quilômetros por hora.
— Halligan, vá para a frente — ordenou
Tiff. — Mantenha o desintegrador preparado
para disparar a qualquer momento. Quando eu
lhe der o sinal, corte o chão um metro à sua
frente, de uma parede a outra. Acho que com
isso nossa viagem chegará ao fim. Mas por en-
quanto não podemos desejar coisa melhor que
viajar de forma tão confortável.
Halligan colocou-se a um passo diante de
O’Keefe e manteve o cano de sua arma aponta-
do para baixo. Pelos cálculos de Tiff, em caso
de necessidade Halligan não levaria mais de um
segundo para cortar a fita, e dez segundos se
passariam ao todo até que esta se imobilizasse.
Haveria um forte solavanco, mas estavam pre-
parados.
Tiff olhou para o relógio. Já fazia uns quinze
minutos que se deslocavam a alta velocidade
quando O’Keefe avisou os companheiros de
que uma modificação se anunciava mais à fren-
te.
No mesmo instante, a velocidade da fita re-
duziu-se.
— Mantenha-se de prontidão, Halligan —
advertiu Tiff.
Por enquanto não havia motivo para preo-
cupações. A fita desembocava num recinto cir-
115
cular que tinha trinta metros de diâmetro e dois
de altura. Com alguns lances de olho, Tiff avali-
ou a situação. A fita corria em direção a um dis-
co situado no meio do recinto. Os três homens
foram empurrados para a superfície da sala cir-
cular, sem que sentissem qualquer alteração. A
velocidade já fora reduzida à de pedestre.
Uma vez em cima do disco, os três homens
não tiveram tempo para refletir. Mal Tiff, o últi-
mo do grupo, acabara de ser colocado em cima
do disco. Este começou a girar. Tiff viu emen-
das finíssimas no chão, que partiam do disco
em forma de raios circulares. Logo compreen-
deu a situação. O disco continuou a girar até o
momento em que o sargento Halligan, que con-
tinuava com o desintegrador apontado para bai-
xo, se viu colocado entre duas das emendas. O
chão sob seus pés voltou a mover-se, retirando
Halligan de cima do disco e transportando-o em
velocidade cada vez mais para a parede do re-
cinto.
As emendas paralelas eram apenas as extre-
midades de outras fitas transportadoras, mais
estreitas. No lugar em que atingiriam a parede,
provavelmente se abriria uma porta invisível.
O disco continuou a girar e colocou O’Kee-
fe, que se sentia apavorado, em cima de outra
fita, que formava um ângulo de cerca de qua-
116
renta graus com aquela que carregara Halligan.
Tiff não tinha a menor intenção de dispersar
seu grupo, já pequeno, apenas para fazer a
vontade de uma série de fitas e discos girató-
rios. Gritou:
— Saltem!
Ao contrário do corredor pelo qual vieram,
aqui não havia nenhum problema em executar
uma ordem destas.
Halligan e O’Keefe deram um passo para o
lado e pisaram no chão firme e imóvel do recin-
to. As fitas rolantes continuaram a correr mais
um tempo, emitindo um ligeiro zumbido, e fi-
nalmente entraram em repouso.
Tiff também saltou do disco. O’Keefe dirigiu
a luz do holofote para o alto e dispersou-a de
tal forma que todo o recinto foi iluminado.
Halligan e Tiff saltaram por cima de várias
fitas, para colocar-se junto a O’Keefe. Soltando
um suspiro, Halligan voltou a pendurar o desin-
tegrador por cima do ombro. Não havia mais
nenhuma fita que pudesse cortar.
— Evidentemente isto é uma área de distri-
buição — disse Tiff. — Qualquer coisa vinda de
fora é classificada pelo disco e colocada na fita
adequada. Apenas, gostaria de saber como fa-
zem para identificar a fita em que cada pessoa
deve ser colocada.
117
Tiff examinou as fitas que saíam do disco
central, conduzindo a dezoito direções diferen-
tes. Uma era igual à outra. Não encontrou o
menor sinal que lhe pudesse indicar qual delas o
levaria ao lugar em que pudesse desvendar mais
profundamente os mistérios dessa instalação
subterrânea.
Tiff escolheu ao acaso.
— Vamos tomar esta!
Mandou que Halligan e O’Keefe pisassem
na fita e esperou. Aconteceu exatamente aquilo
que esperava. A fita começou a movimentar-se
assim que registrou o peso dos dois homens.
Na parede também aconteceu aquilo que
Tiff previra. Quando Halligan, que ia na ponta,
se encontrava a cinco metros, um pedaço desli-
zou para o lado, deixando passar a fita com os
três passageiros.
Mas Tiff não poderia ter previsto o que
aconteceu depois. O’Keefe segurava o farol na
horizontal, mas este apenas iluminava o teto.
Evidentemente a fita descia num ângulo cada
vez mais pronunciado. Halligan foi dominado
pelo pânico. Começou a gritar:
— Socorro! Estamos caindo!
Tiff agachou-se em cima da fita e procurou
agarrá-la com as mãos, para encontrar um
apoio. Mas antes que conseguisse fazê-lo a fita
118
passou a deslocar-se na vertical, mas a queda
que Halligan tanto temia transformou-se num
suave deslizar. A estranha sensação de tração
provocada pelo campo de gravitação artificial
era inconfundível. O’Keefe logo recuperou o
autocontrole e iluminou o poço pelo qual esta-
vam descendo.
Era um elevador antigravitacional.
Depois de algum tempo, Tiff mandou que
O’Keefe desligasse o farol. Quando os olhos se
acostumaram à escuridão, Tiff viu uma luz que
brilhava mais embaixo. Não enxergou os con-
tornos nítidos da fonte luminosa, mas apenas
uma vaga luminosidade.
Desceram durante duas horas e, pelos cálcu-
los de Tiff, deviam ter vencido uma diferença de
altitude de oito a dez quilômetros.
O poço terminou no lugar exato em que Tiff
vira a luminosidade. A abertura, que deixava
entrar a luz, era um portão em semicírculo de
cerca de três metros de altura, e a luz provinha
da luminária colocada no alto da imensa abóba-
da de pedra.
A abóbada era circular e pelos cálculos de
Tiff devia ter uns trinta quilômetros de diâme-
tro.
O solo estava coberto de capim. A gigantes-
ca lâmpada colocada no zênite imitava, ao que
119
parecia de forma perfeita, as radiações do sol
Thatrel, em torno do qual gravitava o planeta
Honur. A área coberta de grama era dividida
por cercas em lotes quase ou perfeitamente
quadrados de vinte metros de lado. Os lotes for-
mavam longas fileiras, e entre duas dessas filei-
ras sempre havia um caminho livre cuja largura
não era superior a um metro e meio.
Atrás das cercas, os nonus faziam sua alga-
zarra. Em cada lote, havia trinta desses animais.
Pedras e pedaços de galhos estavam espalhados
pelas cercas, para que pudessem construir seus
ninhos. Ao que tudo indicava, sentiam-se muito
bem nesse mundo artificial subterrâneo. Seus
balbucios, chiados e assobios enchiam a imensa
abóbada com um barulho infernal.
Não havia dúvida de que o fedor que passa-
va pelos filtros dos capacetes de Tiff e seus
companheiros também provinha desses ani-
mais.
Havia mais uma coisa que chamava a aten-
ção. Pelos caminhos que se abriam entre as fi-
leiras de lotes, honos esbeltos passeavam orgu-
lhosamente em suas roupas coloridas.
Por um bom tempo, Tiff e os dois sargentos
ficaram duros de espanto. Halligan foi o primei-
ro a recuperar a fala.
— Os impulsos sobrepostos! — disse com
120
um gemido. — Que idiotas fomos!
Tiff virou a cabeça.
— O que houve?
Halligan explicou.
— Pouco antes de sermos derrubados, as te-
las oscilográficas das nossas sondas de radar re-
gistraram dois impulsos sobrepostos — disse.
— Parecia que o aparelho estava defeituoso, ou
que o planeta Honur tivesse um solo duplo.
Pois vejam, realmente tem um solo duplo.
Tiff não respondeu; parecia pensativo. Co-
nhecia o equipamento técnico das naves de re-
conhecimento de grande alcance do tipo Gaze-
la. Sabia que, além dos registradores, possuíam
também transmissores automáticos, através dos
quais as informações colhidas eram decodifica-
das ininterruptamente na nave capitania Titan.
Perry Rhodan estava a par das medições re-
alizadas pelas sondas de radar das Gazelas. Sa-
bia que as três registraram simultaneamente o
mesmo reflexo, e por isso, ao contrário de Dee
e Halligan, nunca acreditaria que se tratasse de
um defeito dos aparelhos.
Tiff resolveu eliminar o relatório sobre a
abóbada subterrânea da lista das coisas sobre as
quais Rhodan devia ser informado pouco antes
do momento X. Este momento era aquele em
que seria desfechado o ataque. Rhodan já sabia
121
de que forma o inimigo instalara sua base em
Honur.
Tiff recordou a palestra mantida com Na-
than, o hono, no acampamento montado junto
ao regato.
— Entre os purificados corre uma lenda se-
gundo a qual os deuses vivem embaixo da su-
perfície...
Nathan sabia. A alusão à lenda serviria para
enganar seu interlocutor. Por que falara sobre
isso? Tinha tanta certeza de que ninguém esca-
paria ao ataque que os mosquitos desencadeari-
am no interior do vale? Acreditaria que nin-
guém poderia fazer uso dessa informação?
O’Keefe arrastou Tiff de volta à realidade.
— Devíamos agarrar um desses honos e in-
terrogá-lo — sugeriu. — Talvez saiba alguma
coisa. Aliás, como será que veio parar aqui?
Um dos honos, que caminhava entre os lo-
tes enfileirados, aproximara-se até chegar a dez
metros do portão que se abria em semicírculo.
Já vira os três vultos empapuçados, mas estes
só despertaram seu interesse por um breve mo-
mento.
Tiff lembrou-se. Era assim que os honos se
tinham comportado por ocasião do primeiro
pouso da Titan. Estes pareciam ser genuínos,
ao contrário de Nathan e seus companheiros.
122
— Venham comigo! — ordenou Tiff.
O hono acabara de atingir o fim do seu ca-
minho e voltava-se tranqüilamente para percor-
rer o mesmo trajeto. Com alguns passos, Tiff e
seus companheiros colocaram-se ao seu lado.
Tiff regulou o alto-falante externo para o volu-
me máximo.
— Um instante, por favor — disse, gritando
atrás do hono.
O hono parou e virou-se. Lançou um olhar
de tédio para os desconhecidos.
— O que está fazendo? — perguntou Tiff.
Com um gesto, apontou tranqüilamente
para os lados.
— Estou cuidando dos nonus, para que nada
lhes aconteça.
— São seus?
— Não, pertencem aos deuses.
— O que é que os deuses fazem com eles?
Esta pergunta provocou o primeiro sinal de
uma reação nervosa no hono.
— Como pode fazer uma pergunta dessas?
Acha que os deuses lhe devem prestar contas
do que fazem?
Tiff contemporizou.
— É claro que não. Onde é que se pode en-
contrar os deuses?
O hono, entediado, fez um gesto de quem
123
não sabia.
— Quem sou eu, para esperar que os deuses
contassem justamente a mim onde vivem? —
perguntou.
— Já viu algum dos deuses? — prosseguiu
Tiff no seu interrogatório.
O hono confirmou com um gesto das mãos.
— Já vi dois. Foram muito gentis.
— Quando foi isso?
— Não sei.
Tiff refletiu sobre as perguntas que ainda po-
deria formular.
Subitamente um novo ruído fez-se ouvir en-
tre os gritos de alegria dos nonus. Era um zum-
bido agudo e monótono, misturado com um ru-
gido abafado. Halligan girou sobre os calcanha-
res para identificar a origem do ruído. Sua voz
atropelou-se de susto quando exclamou:
— Olhem! Estão chegando!
Tiff virou-se abruptamente. Um cacho relu-
zente zumbia e se contorcia, ocupando todo o
espaço que ia da parte superior do semicírculo
até o solo. Parecia um gigantesco enxame de
abelhas.
Pelos cálculos de Tiff, deviam ser cerca de
cinco mil mosquitos robotizados que se compor-
tavam tal qual seus equivalentes orgânicos. E,
ao que tudo indicava, aguardavam o comando
124
positrônico para lançar-se ao ataque.
— Cuidado! — fungou Tiff. — Preparem as
armas. A coisa está ficando séria. Fomos desco-
bertos.
Mal acabara de proferir estas palavras quan-
do a nuvem se desmanchou. Zumbindo e bri-
lhando como pequenos projetis metálicos, os
mosquitos mecânicos saíram voando em todas
as direções.
Tiff mandou que Halligan regulasse o desin-
tegrador para um raio em ângulo bem aberto e
procedeu da mesma forma. Colocaram-se om-
bro a ombro, de tal forma que os canos de suas
armas formavam uma estrela regular de três
pontas. Metade do ângulo perigoso estava co-
berta pelos dois desintegradores. Os mosquitos
robotizados que penetrassem nessa área estari-
am perdidos.

Perry Rhodan reconheceu que poucas vezes


conhecera horas tão desagradáveis como estas.
Continuava a confiar naquilo em que acredita-
va, isto é, que o tenente Tifflor e dois outros
homens conseguiram escapar à euforia geral e
seguiam a pista do inimigo.
Mas a falta de notícias desgastava seus ner-
125
vos.
As horas se passavam, enfileirando-se em
dias.
Não recebeu nenhuma notícia de Tifflor.
Rhodan começou a contar com a possibili-
dade de que Tiff e seus companheiros houves-
sem caído nas mãos do inimigo. Nestas condi-
ções, a Titan teria de intervir. Era bem verdade
que ninguém tinha a menor idéia de onde deve-
ria intervir, ou contra quem. Acontece que, por
razões de ordem tática, Rhodan via-se forçado
a ficar com as costas livres enquanto desenvol-
via sua ação no círculo mais estreito do setor
espacial submetido ao Império Arcônida; por
isso, falta de informações provavelmente signifi-
cava que pouca coisa sobraria de Honur.
Com certa amargura, Rhodan deu-se conta
de que estava prestes a incorporar à sua mente
uma lei de guerra, antiga e desumana, seguida
pelos saltadores: se você não conseguir localizar
a base que o inimigo tiver instalado num certo
mundo, destrua todo esse mundo.
Não poderia deixar de agir dessa forma, a
não ser que quisesse pôr em perigo êxito de sua
missão e, portanto, a própria Terra.
Mas ainda hesitava, alimentando-se com o
restinho de esperança que ainda mantinha na
missão do grupo de Tifflor.
126
***

Tiff levou apenas alguns segundos para per-


ceber que não conseguiriam manter-se por mui-
to tempo naquela área desprotegida. Os mos-
quitos robotizados não se incomodaram com as
cercas. Pareciam ter excelentes órgãos de loca-
lização, pois passavam entre as frestas como se
estivessem voando num espaço aberto.
Os desintegradores os consumiam às deze-
nas e centenas. Nuvens de poeira metálica atra-
vessavam o ar.
O’Keefe disparava ao acaso, para cima,
para baixo e para a frente. A dez metros dele, o
chão começara a ferver.
Foi justamente o calor espalhado por O’Kee-
fe que proporcionou aos três homens uma pau-
sa para respirar. Com um ligeiro olhar, Tiff per-
cebeu que os mosquitos não conseguiam com-
pensar os efeitos do calor com a necessária ra-
pidez. As vagas de ar quente atiravam-nos para
o alto, fazendo com que passassem alguns me-
tros acima das cabeças das vítimas em perspec-
tivas. Tiff deu as instruções. — Vamos recuar
até a parede mais próxima, rapazes — gritou.
— Precisamos ficar com as costas protegidas.
O’Keefe, dispare apenas contra o chão.
127
O’Keefe não sabia o que estava havendo,
mas cumpriu a ordem que acabara de receber.
Baixou o cano da arma e descreveu círculos in-
candescentes em torno dos pontos em que se
encontrava. Os mosquitos, que se tinham apro-
ximado a menos de metro e meio, desaparece-
ram instantaneamente. Passando a uns cinco
metros acima das cabeças que pretendiam ata-
car, não poderiam causar nenhum prejuízo.
— Corram! — gritou Tiff. — Vamos até a
parede.
Halligan foi o primeiro que saiu correndo.
Tiff seguiu-o, enquanto O’Keefe cobria a retira-
da, disparando incessantemente. Queimava o
capim e transformava pedaço por pedaço do
solo em massas de lavas incandescentes.
Os mosquitos estavam desorientados. Ao
que parecia, a direção positrônica ainda não
compreendera o que estava acontecendo.
Tiff sentiu-se mais tranqüilo quando suas
costas tocaram a parede lisa da abóbada de ro-
cha. Halligan, que se encontrava a seu lado,
com as pernas bem afastadas, derrubava os
mosquitos tangidos para o alto quando se colo-
cassem ao alcance do raio de desintegração.
Tiff começou a acreditar que a defesa por
meio do ar aquecido, criada por O’Keefe, lhes
daria uma chance real de superar o ataque. Já
128
deviam ter destruído ao menos dois mil dos cin-
co mil mosquitos que, segundo seus cálculos,
participaram do início do ataque.
Mas no momento em que O’Keefe atingiu a
parede protetora, o dispositivo positrônico pa-
receu compreender por que os mosquitos sem-
pre passavam longe do alvo. Tiff viu uma nu-
vem aproximar-se; descrevia uma trajetória qua-
se vertical, que em condições normais elimina-
ria todo e qualquer risco que a mesma poderia
representar. Mas o ar aquecido retificou o
rumo, fazendo com que se deslocassem na dire-
ção exata do alvo. No último instante, Halligan
baixou o cano do desintegrador e conseguiu re-
chaçar o perigo.
— O’Keefe, aponte para cima! — ordenou
Tiff.
O enxame que se seguiu, regulado por via
positrônica para o novo rumo, disparou para o
solo a uns cinco metros da parede. Acabou fi-
cando preso pelos ferrões, já que, com a mu-
dança de pontaria realizada por O’Keefe, o flu-
xo de ar aquecido se tornara menos intenso.
Mas do terceiro ataque em diante o cérebro
positrônico não se deixou enganar. Mandou
que os mosquitos descessem quase na vertical e
retificava o rumo por sua própria iniciativa sem-
pre que faltasse o ar aquecido. Tiff ouviu os se-
129
res metálicos baterem ruidosamente na parede,
depois de terem vencido a barreira criada pelas
armas térmicas e desintegradoras. Sentiu uma
forte pancada na perna. Mas, por enquanto,
não teve a sensação de que a vida se tornara
mais encantadora.
Escapara bem; O’Keefe e Halligan continua-
vam a disparar obstinadamente. Porém Tiff sa-
bia que seria apenas uma questão de segundos,
e, um atrás do outro, os mosquitos atingiriam o
alvo.
No intervalo entre os dois ataques, O’Keefe
deslocou-se para o lado, a fim de conseguir um
ângulo de tiro mais favorável para sua arma
térmica. Num gesto instintivo, Tiff olhou para o
lado.
Mais tarde, ninguém saberia dizer o que
aconteceu. Talvez O’Keefe teria tocado num
contacto oculto, ou então a porta se abria auto-
maticamente sempre que alguém se aproxima-
va dele. O certo é que, de súbito, surgiu atrás
de O’Keefe uma abertura, não percebida pelo
próprio sargento.
Tiff chamou a atenção de O’Keefe. Este vi-
rou-se ligeiro e descobriu a abertura. Soltou um
grito de júbilo que superava até mesmo o baru-
lho provocado pelos nonus apavorados.
Tiff deu uma pancadinha em Halligan.
130
— Dê o fora.
Apenas tiveram que dar alguns saltos. O co-
mando positrônico estava adaptado ao ar quen-
te. Mas levou alguns segundos para absorver o
dado novo, isto é, a fuga das vítimas.
Atingiram a abertura. O’Keefe foi o primeiro
a desaparecer nela. Halligan correu atrás dele,
e Tiff formou a retaguarda. A porta logo se fe-
chou atrás deles. Por enquanto estavam livres
da preocupação com os mosquitos robotizados.
A porta formava o início de um longo corre-
dor bem iluminado, que penetrava obliquamen-
te na rocha.
Tiff hesitou. Teria chegado a hora de trans-
mitir a Rhodan o sinal de ataque? Já conheciam
os segredos da base subterrânea o bastante
para que os tripulantes da Titan não corressem
qualquer risco?
A resposta foi um não. Além disso, Tiff deu-
se conta de que o dispositivo positrônico não
registrara o salto que os pusera a salvo. Isso
queria dizer que não dispunha de uma informa-
ção segura sobre a posição em que as vítimas
se encontravam naquele instante. E essa vanta-
gem seria eliminada se expedisse uma mensa-
gem cujo ponto de origem seria facilmente de-
tectável por meio de um goniômetro.
Tomou sua decisão:
131
— Vamos adiante!
Pôs-se a seguir os sargentos corredor afora.
Pelos seus cálculos, a passagem devia ter
cerca de dois quilômetros e meio. Terminava
numa sala de teto baixo, que estava completa-
mente vazia e não apresentava o menor indício
de finalidade que poderia preencher.
Haviam percorrido um total de quase qua-
renta quilômetros em sentido vertical e horizon-
tal. Haviam visto a abóbada de pedra. Isso bas-
tava para convencê-los de que sob o solo de
Honur o inimigo não instalara uma simples
base, mas um verdadeiro mundo artificial.
Nas últimas horas, o respeito de Tiff pela
habilidade técnica do inimigo crescera conside-
ravelmente.
Não perdeu tempo. Com Halligan e O’Kee-
fe, pôs-se a apalpar as paredes do recinto re-
tangular. A predileção do inimigo pelas portas
colocadas em lugares nos quais conseguisse vê-
las já não era segredo.
De início, parecia totalmente indiferente que
o lugar da saída ficasse deste ou daquele lado
do recinto. Mas de repente, Halligan, que se in-
cumbira do exame da parede do lado esquerdo,
estacou e exclamou com a voz abafada:
— Estou ouvindo alguma coisa.
Tiff correu para seu lado. Teve de concen-
132
trar-se para perceber o que Halligan acabara de
ouvir. Mas não poderia negar que um ruído
atravessava a parede. Propagava-se pelas ro-
chas e paredes maciças, acabando por transmi-
tir-se ao ar rarefeito encerrado entre as paredes
daquele recinto. Os microfones externos capta-
ram um débil vestígio desse ruído, que de qual-
quer maneira não permitiria a menor dúvida so-
bre sua existência.
O ruído consistia num zumbido monótono
que ocupava vários pontos da escala do som.
Em algum lugar, além dessa parede, funcio-
nava uma potente aparelhagem. Seriam as ins-
talações que forneciam o suprimento de ar do
subterrâneo, os geradores de energia ou o cére-
bro positrônico?
— Neste canto deve haver uma porta — dis-
se Tiff com a voz tensa. — Tem que haver.
Não era uma afirmativa lógica; mas, por es-
tranho que fosse, era verdadeira. Caminharam
várias vezes junto à parede, e mais uma vez foi
O’Keefe quem descobriu a posição real. De re-
pente, um pedaço da parede deslizou para o
lado, mostrando um corredor estreito que pene-
trava obliquamente na rocha.
No momento em que a porta se abriu, o
zumbido tornou-se mais forte. O’Keefe hesitou
e, sem dizer uma palavra, fez um gesto em dire-
133
ção ao corredor. Tiff confirmou com um aceno
de cabeça.
— Vamos andando!
Caminharam pela porta, e esta fechou-se
automaticamente atrás deles, conforme aconte-
cia geralmente com as portas desse mundo sub-
terrâneo. Aquele corredor parecia ser muito
mais curto que os outros. Mais à frente, uma
profusão de luz ofuscava os olhos. Parecia vir
de um enorme salão, cujos contornos não con-
seguiram reconhecer.
Tiff avançou apressadamente. Tinha certeza
de que, no momento em que conseguissem pôr
os olhos naquele recinto, teriam solucionado
parte do mistério subterrâneo.
Não conservou uma lembrança nítida do que
viria depois. A memória dos dois sargentos
apresentou a mesma falha. Tiff ainda chegou a
ver que as paredes do corredor recuavam,
abrindo-se num recinto circular de grande diâ-
metro. Viu que o recinto estava atulhado com
uma série de aparelhos, cuja finalidade lhe era
desconhecida. O que mais lhe chamava a aten-
ção era uma fileira de espelhos côncavos, que
refletiam um brilho insuportável.
Saiu de vez do corredor, e foi atingido por
um golpe terrível, vindo não se sabe de onde,
que o deixou inconsciente.
134
***

Perry Rhodan sabia que cada segundo que


perdesse aumentaria o perigo.
Colocou a Titan em estado de rigorosa
prontidão e em palavras rápidas informou os
oficiais sobre as providências que teriam de to-
mar.
— Naturalmente procuraremos localizar a
base do inimigo, para poupar o resto do plane-
ta — concluiu. — Mas nossas chances são bas-
tante reduzidas. Faço questão de frisar que, se
isso não acontecer, seremos obrigados a des-
truir todo o planeta de Honur. É que nos en-
contramos diante de uma alternativa: a Terra
ou Honur. Acho que nenhum dos senhores he-
sitará em responder.
A Titan tinha uma tripulação atual de cerca
de oitocentos homens. Rhodan mandou que
quinhentos deles participassem da ação de
grande envergadura que havia sido planejada.
Os que ficaram para trás estariam em condi-
ções de guarnecer a artilharia da nave se hou-
vesse um ataque.
A Ganymed, que continuava a descrever
uma órbita em torno de Honur, foi colocada em
estado de prontidão simples. O coronel Freyt
135
foi avisado que a qualquer momento se tornaria
necessário o pouso de sua nave.
Os preparativos para o grande golpe a ser
desferido contra o inimigo foram executados a
toda pressa. Rhodan já mandara fazer com an-
tecedência as coisas mais importantes, embora
ninguém soubesse para que poderiam servir.
Tudo se passou rápido. Quando o oficial de
rádio da Titan captou em seu receptor eletro-
magnético uma série de sons e sinais que não
faziam o menor sentido, Rhodan já estava pres-
tes a sair com seu grupo de combate de qui-
nhentos homens.
Perry foi avisado, e adiou a saída do grupo.
Por enquanto ninguém sabia o que fazer com
aquela mensagem: mas Rhodan não desistiu.
Fez bem. Os sons mal articulados coordena-
ram-se em palavras. Rhodan não reconheceu a
voz, mas tinha certeza de que não era de Tif-
flor. Falava em inglês, e esse fato eliminou qua-
se todas as dúvidas de Rhodan.
— ... o vale... entrada da encosta nordeste...
instalações subterrâneas... cuidado com os mos-
quitos robotizados... cinco centímetros de com-
primento, mais ou menos do formato de uma li-
bélula... são os portadores da argonina... pre-
parar redes de malha estreita...
Após essas palavras as forças do interlocutor
136
pareciam esgotadas. Por algum tempo ouviu-se
apenas o chiado do receptor.
A mesma voz voltou a falar e repetiu o que
já disse. Rhodan percebeu que não obteria in-
formações e transmitiu as instruções necessárias
à equipe técnica.
Levar redes; até então ninguém se lembrara
disso.

***

Tiff acordou ao som monótono de uma voz


que falava com ele.
Falava mesmo?
Procurou identificar a voz na penumbra da
semi-inconsciência. Não a identificou, mas com-
preendeu as palavras.
Abriu os olhos e viu-se envolto pela penum-
bra. Procurou mover a cabeça e olhar em tor-
no, mas esta permanecia imóvel. Esforçou-se
para levantar o braço ou deslocar a perna para
o lado, mas não conseguiu.
Estava preso. Preso por um processo de pa-
ralisia de seu cérebro.
Apesar de tudo, compreendeu a voz:
— ...então vocês pensavam que poderiam
desafiar os deuses. Sabem perfeitamente que di-
ante dos deuses poderosos não passam de ver-
137
mes miseráveis. Eles seguiram seu caminho e
aprisionaram vocês no momento que julgaram
adequado. Vocês ficarão aqui mesmo. Passarão
o resto da vida servindo aos deuses.
A voz calou-se. À medida que recuperava a
consciência, Tiff deu-se conta de que na verda-
de não ouvira nenhuma voz, mas captara uma
mensagem telepática.
Foi por isso que não conseguiu identificar a
língua. A mensagem não era formada por pala-
vras, mas por impulsos mentais que não esta-
vam sujeitos às limitações da linguagem falada.
Tiff procurou recordar. Havia aquele corre-
dor curto e oblíquo, o recinto cheio de apare-
lhos, a série de espelhos côncavos e a terrível
pancada.
Tiff lembrou-se que fora atingido por uma
pancada semelhante, mas menos violenta,
quando naquela noite seguira os nonos no inte-
rior do vale, alcançando-os pouco antes do pa-
redão.
O que seria? Uma arma paralisante?
Não seria de estranhar que um inimigo ca-
paz de produzir um veneno potente como a ar-
gonina estivesse em condições de produzir ar-
mas que atingissem os nervos.
“Então é este o motivo da paralisia” consta-
tou Tiff. “A única coisa que consigo mover são
138
as pálpebras.”
Examinou o recinto em que se encontrava,
ou melhor, o setor que podia abranger com a
vista na posição em que se achava. Não era
muita coisa. De qualquer maneira, Tiff perce-
beu que se encontrava num cubículo de teto
baixo. Não podia ver se o cubículo continuava
atrás dele. Tiff viu outra coisa que o assustou
bastante. Eram três espelhos côncavos muito
brilhantes, pendurados no lugar em que a pare-
de se encontrava com o teto, bem diante dele.
A inclinação do espelho estava regulada de tal
forma que um deles projetava seus reflexos dire-
tamente no rosto de Tiff.
Tiff demorou algum tempo para compreen-
der o que isso significava. O choque instantâ-
neo produzido pelas radiações refletidas pelos
espelhos côncavos reunidos no grande recinto
não era suficiente. Para controlar seus prisionei-
ros, os deuses teriam que submeter os nervos
dos cativos a uma influência ininterrupta.
“Basta arrebentar aquele espelho”, pensou
Tiff, “e tudo estará em ordem.”
Acontece que não conseguia sequer mover a
cabeça, quanto menos levantar-se para transfor-
mar seu pensamento em realidade.
“Três espelhos”, pensou Tiff, “isso quer di-
zer...”
139
Fez mais um esforço para mover a cabeça,
mas ainda desta vez não o conseguiu.
Halligan e O’Keefe deviam estar por ali,
pois de outra forma não se poderia explicar a
presença dos três espelhos. Ou será que havia
outros recintos como este, e os deuses haviam
colocado os prisioneiros em cubículos distintos?
Tiff ficou quebrando a cabeça, e acabou
dando uma resposta muito estranha à pergunta.
O receptor do capacete emitiu um ruído que
parecia o de uma serra. Esse ruído foi seguido
por um assobio agudo, e finalmente ouviu algu-
ma coisa que parecia um “bé”...
Finalmente alguém disse, devagar e desajei-
tadamente:
— Te... tenente...
Tiff quis responder, mas a língua, o queixo e
as cordas vocais seguiram o exemplo dos outros
músculos: não obedeceram. Continuou mudo.
— Te..te..nente... — voltou a soar a voz,
um pouco mais fluente.
Era a voz de O’Keefe; não havia a menor
dúvida.
Não sabia como, mas O’Keefe parecia co-
nhecer a situação em que Tiff se encontrava.
Disse o seguinte:
— Te... tenente... sei o que está sentindo.
Es... estou um pouquinho melhor. No último
140
instante consegui atirar contra esses malditos
espelhos... Não sofri um choque tão pesado.
Ainda consigo mexer-me.
“Esse O’Keefe é formidável”, pensou Tiff.
“Se consegue mexer-se, por que não se levanta
e quebra os espelhos?”
A fala de O’Keefe tornou-se mais fluente.
— Esses malditos deuses nos prenderam
aqui. As armas, o transmissor, tudo está ali.
Acham que não somos capazes de mais nada;
acreditam que estamos paralisados. Posso ver
seu rosto. Quer que arrebente esse espelho a
tiro? Se quiser, feche os olhos duas vezes. Ou
será que não consegue mexer as pálpebras?
“O’Keefe, seu cara de cachorro”, pensou
Tiff entusiasmado. Fechou os olhos duas vezes.
— Está bem — suspirou O’Keefe. — Com-
preendi.
Tiff ouviu vários ruídos. Acreditou que ouvia
O’Keefe virar-se de lado e estender lentamente
o braço para alguma coisa que se encontrava
bem longe. Gemia sem parar e resmungou pa-
lavras zangadas. Finalmente disse:
— Ai...oh... já consegui. Daqui a pouco...
Um instante.
Bem no canto direito do campo de visão
muito restrito de Tiff surgiu a parte anterior do
cano de um radiador de impulsos térmicos. Tiff
141
cerrou os olhos. O’Keefe voltou a gemer, como
se o movimento de apertar o gatilho exigisse
um tremendo esforço. Finalmente disparou.
Num instante, uma luminosidade ofuscante
devorou os três espelhos. O metal liquefeito e
fumegante pingou do teto e espalhou-se pelo
soalho.
O aparelho de condicionamento de ar do
traje de Tiff ligou-se com um clic. Tiff sentiu-se
aliviado de uma pressão indefinível, a partir do
momento em que os espelhos desapareceram.
Mas quando procurou mover o corpo, ainda
não o conseguiu.
O’Keefe já conhecia esse tipo de preocupa-
ção.
— Não acredite que de uma hora para outra
tudo estará em ordem. Vai levar algum tempo.
Ele mesmo teve a idéia de que a primeira
providência que deveriam tomar seria avisar a
Titan. Tiff sentiu-se feliz quando percebeu que,
gemendo e se lamentando, O’Keefe se arrastou
em direção ao transmissor e emitiu a mensa-
gem quase mal articulada que Rhodan recebeu
no último instante.
Após isso, O’Keefe voltou e, conforme in-
formou, deitou na cova para a qual estavam di-
rigidos os reflexos de um dos espelhos.
Tiff sabia o que aconteceria em seguida. Por
142
isso fez o que estava ao seu alcance para que os
nervos recuperassem a capacidade de ação.
Por alguns minutos, concentrou todas as
energias mentais no movimento do braço direi-
to. Subitamente, num esforço explosivo, fez
toda essa energia fluir sob a forma de comando:
Dobrar o braço direito.
O braço moveu-se. Não executou o movi-
mento desejado por Tiff, mas moveu-se.
Tiff não esmoreceu. Dentro de mais algum
tempo, conseguiu mover o braço direito pela
forma que desejava. Com o braço esquerdo, o
resultado foi mais rápido. Após isso treinou as
pernas, e por fim a boca, língua e as cordas vo-
cais.
Uma hora e meia depois de ter acordado,
conseguiu proferir a primeira palavra. Foi a se-
guinte:
— Bravos...!
Esta palavra fora dirigida a O’Keefe.
Levantou-se. Os movimentos causavam-lhe
dores; se as cordas vocais estivessem em me-
lhores condições, teria gritado. Passando junto
ao corpo imóvel de Halligan, dirigiu-se ao lugar
em que os deuses haviam guardado as armas de
seus prisioneiros. Deviam estar convencidos de
que estes nunca mais poderiam usá-las. Pegou
o desintegrador.
143
O esforço foi tanto que teve de sentar-se as-
sim que segurou a arma.
Ficou admirado ao notar que os deuses não
se moviam. Deviam ter notado que três dos es-
pelhos côncavos haviam sido destruídos. Por
que não tomavam nenhuma providência para
voltar a submeter os prisioneiros à influência?
Talvez parte da resposta consistisse no fato
de que o inimigo conhecia os prolongados efei-
tos pós-choque, motivo por que não teria pres-
sa.
Mas a outra explicação Tiff não conhecia.
Naquele momento, os deuses estavam quebran-
do a cabeça com outro intruso, que lhes causa-
va uma preocupação muito maior que aqueles
três prisioneiros. Perry avançava resolutamente
em direção à base, estando muito bem equipa-
do.
Era o chefe da Terceira Potência com seu
contingente de quinhentos homens.

***

Levaram uma hora e meia para arranjar as


redes.
Rhodan gastou outras duas horas para che-
gar ao vale nos seus Câmbios.
O trabalho de remover os homens intoxica-
144
dos de argonina e encaminhá-los à Titan consu-
miu mais trinta minutos.
Levaram apenas dez minutos para encontrar
a entrada oculta que dava para a base subterrâ-
nea. Rhodan mandou raspar a rocha com raios
de desintegradores. O que sobrou foi um pare-
dão situado vinte metros atrás do primeiro e a
abertura negra do corredor que penetrava obli-
quamente na rocha.
Foi naquele momento que os mosquitos lan-
çaram seu primeiro ataque. No entanto, fica-
ram presos nas redes de malha estreita pendu-
radas nos capacetes, longe dos corpos dos ho-
mens. Consumiram toda a energia e tombaram,
imóveis. Ficaram caídos até que o cérebro posi-
trônico lhes forneceu novo suprimento de ener-
gia.
Quando isso aconteceu, o contingente de
quinhentos homens comandado por Rhodan já
havia penetrado na galeria.

***

Halligan não se teria levantado tão depressa,


se a zombaria de O’Keefe não o aborrecesse
tanto. O’Keefe disse:
— Daqui a cinco dias, você ainda estará jo-
gado no chão, seu pato...
145
Levantou-se com uma rapidez de que nin-
guém o julgaria capaz, pôs-se de pé e cambale-
ou com os punhos levantados em direção a
O’Keefe. Mas, antes de chegar ao objetivo, as
forças ativadas com tamanha violência o aban-
donaram. Caiu de joelhos de forma muito pou-
co elegante à frente de O’Keefe.
— Está vendo? — disse O’Keefe com uma
risada. — É assim que eu gosto.
Tiff não conseguiu reprimir o riso. Enquanto
ria, descuidou-se por um instante, e isso justa-
mente num momento em que não poderia con-
tar com O’Keefe, que se divertia com Halligan.
Foi assim que o pedaço de parede já havia dei-
xado livre uma abertura de um metro antes que
Tiff notasse qualquer coisa.
Só conseguiu emitir um grito mal articulado
quando viu que a coisa metálica caminhava na
direção deles; mas para O’Keefe bastou.
Tiff deixou-se cair para trás, bateu pesada-
mente no solo e só com grande esforço conse-
guiu levantar o desintegrador. O’Keefe saltou
para o lado, para não expor Halligan a qual-
quer risco, e com essa manobra irritou o enor-
me robô, que já erguera o braço armado. De jo-
elhos, disparou de baixo para cima.
Não poderia errar o alvo. Antes que o robô
tivesse tempo de ajustar o braço à nova posi-
146
ção, foi atingido pelo feixe de raios da arma de
impulsos térmicos, que o estraçalhou, espalhan-
do peças metálicas incandescentes e fumegan-
tes para todos os lados.
Como um homem muito bem treinado na
luta corpo a corpo, O’Keefe saltou para a fren-
te e agachou-se junto à porta. Era espantoso
ver o desempenho de que seus músculos já
eram capazes.
Estimulado pela atividade de O’Keefe, Halli-
gan voltou a levantar-se, pegou sua arma e ras-
tejou em direção à porta. O’Keefe, que o viu
chegar, resmungou:
— Não foi isto que eu quis dizer, meu cha-
pa. Deite e descanse mais um pouco. Saberei
enfrentar isto sozinho.
— Acho que era isso mesmo que você que-
ria — resmungou Halligan como quem tem
duas grandes batatas na mão.
O’Keefe deu de ombros e cautelosamente
pôs a cabeça para fora da porta.
— Há um corredor — informou. — Mede
dez metros para cada lado. Está fechado de am-
bos os lados. Não há mais nenhum robô.
— De onde veio este robô? — perguntou
Tiff.
O’Keefe examinou os restos da máquina de
guerra.
147
— Acredito que tenha vindo da direita.
— Pois bem — gemeu Tiff. — Vamos para
a direita. Ao que parece, a brincadeira com os
mosquitos acabou. Os deuses preferem recorrer
a armas mais potentes.
Com exceção de O’Keefe, que já estava
completamente recuperado, foi uma dupla can-
sada que se arrastou pelo corredor.
A parede que fechava o corredor não repre-
sentou um obstáculo muito difícil. O’Keefe deu
alguns passos junto a esta. A parede afastou-se
para o lado. O quadro que se ofereceu fez com
que O’Keefe caísse de joelhos.
Tiff desviou-se para o lado o mais rápido
que pôde e Halligan deixou-se cair contra a pa-
rede.
— Trabalhe com o desintegrador! — gritou
O’Keefe. — Se eu disparar com o termo, não
conseguiremos mais passar.
O recinto, que se abria atrás da porta, era
enorme. Uma luz mortiça caía sobre figuras
metálicas cintilantes e imóveis. Enfileiradas em
devida forma, pareciam aguardar alguma coisa.
Eram robôs! Centenas de robôs!
Tiff não hesitou. Os robôs não haviam sido
ativados. Os deuses ainda não sabiam que seus
prisioneiros se encontravam nesta porta; por
enquanto os robôs não haviam recebido ordem
148
para entrar em ação.
Halligan já havia erguido a arma.
— Abrir o feixe e disparar! — gritou
Tiff. Uma súbita fúria combativa eliminou o
resto da dor provocada pelo tratamento de cho-
que.
Com O’Keefe no meio, os três penetraram
no enorme recinto. Os robôs não se moviam.
Não resistiram à destruição.
Pelos cálculos de Tiff, deviam ser uns qui-
nhentos ao todo. O tempo consumido na des-
truição do exército robotizado parecia uma eter-
nidade. Na verdade, não levaram mais de quin-
ze minutos.
O ar tremeluzia com os vapores e poeiras
metálicas.
No momento em que o último robô se dis-
solveu sob a ação do raio esverdeado do desin-
tegrador, viram-se diante da parede dos fundos.
— Graças a Deus! — suspirou O’Keefe do
fundo do coração. — Pensei que de uma hora
para outra pudessem cair em cima de nós.
A disposição combativa de Tiff não conhecia
descanso. Caminhando junto à parede dos fun-
dos, descobriu a porta que ficava na mesma al-
tura daquela pela qual haviam vindo.
Atrás dessa, ficava um recinto muito amplo.
Era menor que o pavilhão dos robôs, mas tam-
149
bém estava iluminado por uma luz mortiça.
Tiff soltou um grito de alegria.
— Estamos perto do destino, rapazes. Esta é
a sala de controle.
As características da sala eram inconfundí-
veis. Enormes painéis cobriam as paredes. En-
tre eles, viam-se oscilógrafos e telas. As cente-
nas de aparelhos e instrumentos emitiam um
zumbido ininterrupto.
Mas não viram nenhum deus.
Tiff continuou a avançar. A porta seguinte
abriu-se diante dele. Viu-se num corredor.
O’Keefe e Halligan seguiram-no.
O corredor abriu-se até transformar-se num
enorme pavilhão, em cujo centro a luz débil dei-
xava imaginar, antes de serem vistos, os contor-
nos cilíndricos de uma nave-foguete.
Ao primeiro relance de olhos, Tiff percebeu
três vultos de pernas compridas, que vestiam
mantas coloridas. Corriam em direção à nave
que, segundo tudo indicava, estava pronta para
decolar.
— São os deuses! — rejubilou-se O’Keefe.
— Estão fugindo.
Ajoelhou-se e apontou cuidadosamente seu
radiador térmico.
— Nós os queremos vivos! — advertiu-o
Tiff.
150
O’Keefe apenas estava ajoelhado. Logo co-
meçou a disparar.
Traçou uma linha incandescente junto aos
três fugitivos. Com isso viram-se obrigados a
correr para a esquerda. Traçou uma segunda li-
nha, à esquerda do grupo. Ficaram confusos.
Um deles tropeçou e caiu, mas levantou-se mui-
to depressa. Os outros corriam à sua frente.
O’Keefe aumentou a potência dos disparos.
A rocha entrou em incandescência ao lado dos
fugitivos. Procuraram escapar para outro lado.
Mas O’Keefe mostrou-se implacável. Cercou-os
com um fosso de lava e fogo.
Tiff viu-os caírem um atrás do outro. O calor
deixara-os inconscientes. Lançou um olhar des-
confiado para a nave-foguete e esteve a ponto
de correr para os desmaiados.
Subitamente um forte rugido encheu o pavi-
lhão. O veículo espacial levantou-se do chão em
meio a uma nuvem de pó, permaneceu imóvel
por um instante e disparou em direção ao teto.
Tiff viu uma coisa que ainda não havia notado.
No teto havia uma grande fenda, pela qual en-
trava uma luz avermelhada. Não existia nenhu-
ma fonte de luz artificial, conforme Tiff supuse-
ra no início.
Com um ruído quase insuportável a nave
passou pela fenda. Deixando para trás apenas
151
um furacão que se espalhou em virtude da de-
colagem extremamente rápida. O barulho levou
bastante tempo para ser amortecido pelas pare-
des do recinto.
O’Keefe foi-se levantando e fitou os três vul-
tos imóveis.
— Que patife! — disse numa fúria impoten-
te.
Tiff compreendeu. Os três estiveram deita-
dos dentro do campo de atuação do foguete. E,
qualquer foguete do Império usava fluxos de
partículas altamente aceleradas para decolar.
— Esses coitados devem ter tanta radiativi-
dade como um pedaço de chumbo que ficou
dois anos dentro de um reator — murmurou
O’Keefe.
Caminharam para lá; foram tranqüilamente,
pois já não valia a pena ganhar tempo. Os três
deuses pareciam dormir. Fecharam os olhos no
momento em que desmaiaram. Ao vê-los assim,
ninguém desconfiaria de que estavam tão im-
pregnados de radiatividade.
O’Keefe e Halligan colocaram-nos de costas.
Eram os antigos acompanhantes de Nathan:
os três honos que haviam mostrado ao major
Chaney o caminho da aldeia abandonada.
De repente houve um movimento junto à
entrada. Tiff ergueu-se abruptamente.
152
— O que houve?
— Não se preocupe — tranqüilizou-o Halli-
gan. — É apenas o chefe.
O primeiro grupo de cinqüenta homens do
contingente de Perry Rhodan precipitou-se para
o interior do recinto. O próprio Rhodan ia na
frente.

Levaram dez dias para revistar a base subter-


rânea. Depois disso, tiveram certeza de que em
Honur já não havia deuses.
A pequena nave-foguete fora localizada pela
Ganymed. Depois de expedir três mensagens,
que não produziram qualquer resultado, foi der-
rubada. O único tripulante não resistiu à queda.
Devia-se supor que fosse Nathan.
O exame revelou que a base subterrânea
servia principalmente para a produção de argo-
nina. Em três enormes abóbadas de pedra os
nonus eram criados em condições artificiais,
que imitavam nos menores detalhes o ambiente
real. O capim com que se alimentavam estava
devidamente preparado. Digerindo o mesmo,
os ursinhos produziam o terrível veneno.
Havia instalações nas quais se podia extrair
em poucas horas as sobras de veneno de cente-
153
nas de milhares de nonus, que eram acondicio-
nadas em ampolas. O funcionamento de tudo
aquilo era inteiramente automático. Quatro ho-
mens bastavam para vigiar a base.
Esses quatro homens estavam mortos. Não
revelariam a ninguém os motivos pelos quais fa-
ziam esse jogo, às vezes tão grotesco, feito de
confusão e fraude.
A única coisa que se podia fazer era formu-
lar teoria. A teoria de Rhodan era a seguinte:
— Apesar destas gigantescas instalações ti-
nham medo de nós. Deviam fazer o possível
para neutralizar os tripulantes da Titan, passo a
passo. Forçaram três Gazelas ao pouso e leva-
ram o grupo dos Câmbios para o lugar em que
queriam vê-los e onde os destruiriam
“Antes disso haviam evacuado os verdadei-
ros honos. Durante a evacuação daquela aldeia,
fizeram questão de deixar uma pista bastante vi-
sível, que poderiam apontar aos nosso homens.
“Encontramos o veículo de esteira. É articu-
lado e tem cerca de seis metros de comprimen-
to. Os habitantes da aldeia — que são uns vinte
— mal e mal conseguem acomodar-se no veícu-
lo. Se revistássemos outras aldeias e mantivés-
semos os olhos bem abertos, encontraríamos
pistas iguais a esta. Provavelmente não seriam
tão nítidas.
154
“Pois bem. Os deuses tentam destruir o gru-
po do major Chaney por meio de um ataque de
mosquitos robotizados. Não conseguiram, por-
que Chaney se cuidou bastante. Por isso, guia-
ram seu grupo de Câmbios e aplacaram sua
desconfiança. Levaram o grupo ao vale e lança-
ram os mosquitos ao ataque, isso num momen-
to em que Chaney quase nem acreditava mais
na existência de inimigos. O fato de eles mes-
mos terem escapado em tempo constitui indício
de duas coisas:
“Primeiro, eles mesmos também são sensí-
veis à argonina; depois, aqui em Honur não
dispõem do antídoto.
“Se não fosse assim, não teriam provocado
desconfiança, fugindo precipitadamente.
“Seja como for, foi neste ponto que come-
çou a ser executado nosso plano específico.
Além de outras possibilidades, também contava
com esta e ministrei as instruções necessárias
ao tenente Tifflor. O fato de que ele e mais dois
sargentos escaparam sãos e salvos representa
um acaso extremamente feliz.
“Os três penetraram nesta base. Já conhe-
cem a história. O que surpreende é somente o
fato de lhes ter sido tão fácil chegar aos pró-
prios deuses. Na minha opinião, isso aconteceu
porque os deuses ainda não conhecem os pa-
155
drões pelos quais devemos ser avaliados. Como
fossem apenas três homens, confiavam tanto
em sua superioridade técnica, que quase não se
preocuparam, especialmente depois que os três
haviam sido paralisados por meio do choque
nervoso.
“Esse erro foi nossa salvação. No momento
em que Tifflor e os dois sargentos destruíram os
restos de seu exército de robôs, antes que tives-
sem tempo para ativar os mesmos, perderam o
controle e fugiram. Conseguimos impedir a
fuga de três deles. Numa coerência fria, o quar-
to os matou, para que não pudessem revelar-
nos nada.
“É só. Acho que minhas suposições não fi-
cam longe da verdade”.
Os ouvintes mantiveram-se em silêncio. De-
pois de algum tempo, Tiff fez um sinal e disse:
— Gostaria que o senhor nos explicasse por
que em Honur existem dois tipos de habitantes
que diferem tão radicalmente entre si: os seres
intoxicados pela argonina e os quatro com que
acabamos de lidar.
Rhodan sorriu e deu uma pancadinha na tes-
ta.
— Ah, sim. Ainda bem que o senhor lem-
brou este detalhe — subitamente sua voz assu-
miu uma seriedade ameaçadora. — Tenente
156
Tifflor, vejo-me obrigado a repreendê-lo.
Tiff assustou-se. Rhodan tranqüilizou-o com
um gesto.
— A coisa não é tão grave. Se o senhor ti-
vesse percebido, isso não teria alterado coisa al-
guma. Tenente Tifflor, qual é a cor da pele dos
honos?
Tiff refletiu.
— Marrom-avermelhada — respondeu.
— E dos quatro deuses com que esteve em
contato?
Uma luz nasceu no espírito de Tiff.
— São incolores. Pertencem a um tipo albi-
no.
— Todos os quatro?
— Sim senhor. Todos os quatro.
Rhodan confirmou com um aceno de cabe-
ça.
— Isso lhe devia ter dado que pensar, não
é? Um albino não é nada de extraordinário,
mas logo quatro, e em condições tão suspeitas.
Isso levaria qualquer um a pensar um pouco...
Fez uma ligeira pausa. Tiff sabia o que viria
em seguida.
— Os deuses não são nonos. Não nasceram
neste planeta. Pertencem a outra raça. Nosso
amigo Crest examinou o cadáver do deus que
se encontrava a bordo da nave derrubada pela
157
Ganymed, e com isso voltaram à sua memória
certas informações que nos teriam sido muito
úteis se as tivéssemos recebido antes.
“Existe uma variante da raça dos saltadores,
os aras, com os quais já nos defrontamos. Seus
contatos com a raça de mercadores são raríssi-
mos. Vivem sua própria vida.
“A natureza os dotou com um talento espe-
cial no terreno bioquímico. Não existe nenhu-
ma doença na Galáxia que os aras não conhe-
çam e saibam curar. E existem mais algumas
que eles mesmos inventaram, e de que lançam
mão sempre que acham que isso se torna ne-
cessário. É que, conforme diz Crest, não se dei-
xam perturbar por qualquer espécie de escrúpu-
los.
“Os aras são os maiores industriais de medi-
camentos de que a Galáxia tem conhecimento.
Noventa e cinco por cento dos remédios consu-
midos na Via Láctea são produzidos por eles.
“E noventa e cinco por cento de todos os
tóxicos!
“São estes os aras, tenente Tifflor. Não são
honos, conforme acreditava. Todavia, não pos-
so deixar de reconhecer que a idéia de enqua-
drá-los em outra raça não podia ocorrer imedia-
tamente. O formato de seu corpo é quase
idêntico ao dos honos.”
158
Virou-se, olhou para o teto, como se refletis-
se sobre alguma coisa e, olhando para as telas,
prosseguiu:
— Querem saber qual será nosso próximo
passo. Pois eu lhes direi — voltou a virar-se
para a platéia. — Devemos descobrir tudo que
o Império Arcônida sabe a respeito dos aras.
Devemos visitar os aras, ou atacá-los, se prefe-
rirem, para que fiquem cientes de que serão
obrigados a deixar-nos em paz. Temos uma ta-
refa difícil para cumprir, e por isso não pode-
mos tolerar que ninguém nos perturbe pelas
costas.
“Para obter as informações de que precisa-
mos, teremos que dirigir-nos ao cérebro posi-
trônico central de Árcon. Agora que nossas na-
ves estão equipadas com compensadores estru-
turais e não precisamos recear mais que o cére-
bro positrônico constate e localize todas as eta-
pas de nosso vôo, a viagem não nos deverá
causar qualquer preocupação.
“De qualquer maneira, teremos de cuidar-
nos. Todavia, as informações que deveremos
obter compensam amplamente o esforço de fi-
carmos com os olhos e ouvidos abertos.”
Os dezenove doentes que a missão Honur
custara a Rhodan foram abrigados juntamente
com os outros setecentos.
159
A base dos traficantes foi inutilizada de tal
forma que nem dali a uma eternidade poderia
servir novamente à produção de argonina.
Os quatro aras mortos foram sepultados na
margem do lago. Rhodan não seria capaz de
recusar esta última homenagem; ao mais traiço-
eiro dos seus inimigos.
Com os homens ainda sadios, que pertence-
ram ao grupo de Chaney, foi formado um novo
destacamento, comandado pelo tenente Hatho-
me. O sargento Halligan também foi incorpora-
do a este destacamento. Depois de arrumar
suas coisas e despedir-se de Tiff, disse:
— Sinto ter que deixá-lo. Bem que gostaria
de pedir ao estado-maior que me deixasse com
o senhor, mas..
— Mas...?
Halligan fez um gesto de contrariedade.
— Pois bem. Só há um motivo pelo qual
não fiquei. Não suporto estar perto desse
O’Keefe. Às vezes sabe ser bem bacana, mas
geralmente é insuportável.
Tiff riu. Mas O’Keefe, que estava elaborando
um relatório no fundo da sala, ficou de pé com
um salto e, furioso, gritou:
— Trate de dar o fora, senão ainda me verei
obrigado a dar-lhe uma surra.
Halligan colocou sua bagagem no chão e er-
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gueu os punhos.
— Silêncio! — gritou a voz retumbante de
Tiff. — Sargento O’Keefe, chamo sua atenção
para o fato de que o sargento Halligan é um
hóspede que se despede de nós. Faço questão
que adapte seu comportamento a esta circuns-
tância.
O’Keefe estacou. Subitamente começou a
rir.
— Nunca mais esse sujeito encontrará um
bobo como este — fungou. — Ninguém será
trouxa para aceitar um cara destes como hóspe-
de.
Halligan voltou a segurar sua bagagem e, de-
pois de despedir-se de Tiff segundo as regras
militares, saiu em postura orgulhosa.

***

161
Perry Rhodan sente-se desesperado. A
nova missão em Honur revelou a identidade
dos causadores da peste dos nonus, mas não
lhes proporcionou o precioso soro que cura a
doença artificial.
Será que o cérebro positrônico que gover-
na Árcon conhece o antídoto?
Perry Rhodan espera que sim. Entra em
contato com o robô, mas apenas para receber
outra missão, à qual não pode fugir.
Perry Rhodan em O HOMEM E O MONS-
TRO irá viver lances de inimaginável emo-
ção!

*
* *

ÐØØM SCANS
PROJETO FUTURÂMICA ESPACIAL
https://doom-scans.blogspot.com.br

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