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A Morte Da Terra
Clark Darlton

Tradução
S. Pereira Magalhães

Digitalização & Revisão


Arlindo_San

Formatação
ÐØØM SCANS

PROJETO FUTURÂMICA ESPACIAL

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O fim de uma época — a Terra mergulha no
mar do esquecimento.

Os saltadores planejaram a destruição da


Terra. Essa destruição é também do interesse
de Rhodan. Naturalmente não a destruição
da verdadeira Terra, o planeta pátrio da Hu-
manidade. Mas, sim, o terceiro planeta desa-
bitado do sistema Beta.
A programação alterada da positrônica de
bordo da nave de Topthor levou os saltado-
res à falsa Terra...
E o espetáculo da destruição da Titan
deve ser assistido por todos os seres inteli-
gentes da Galáxia, para convencê-los real-
mente que a Terra e Rhodan não existem
mais...

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Personagens Principais:

Perry Rhodan — Administrador da Terra e


comandante da Titan.
Major Deringhouse — Intrépido comandante
do cruzador Centauro.
Al-Khor — Comandante supremo das forças
tópsidas no sistema Beta.
Ber-Ka — Corajoso e pretensioso oficial
tópsida que derrubou a nave de Topthor.
Cekztel — Quer destruir a Terra, mas con-
funde-a com um planeta de Beta.
Topthor — O grande idealizador da guerra
de destruição da Terra.
Gucky — Com três poderes parapsicológi-
cos é uma peça indispensável da vitória.

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1

Fora da relação tempo-espaço, definida por


Einstein, todas as leis da natureza que conhece-
mos perdem a validade no hiperespaço. A no-
ção de tempo desaparece e as distâncias infini-
tas se reduzem a um ridículo nada.
No infinito do Universo, decorrera apenas
fração de um segundo, quando Perry Rhodan
deu um salto de dez mil anos-luz com a sua po-
derosa esfera espacial Titan, para o interior da
Via Láctea.
Num piscar de olho, o Sol se reduziu a uma
minúscula estrela, que apenas os mais sensíveis
telescópios eletrônicos eram capazes de perce-
ber, no emaranhado imenso de corpos celestes.
Mesmo o sol Beta, o olho gigantesco vermelho,
parecia quase apagado. Já estava a 9.728
anos-luz da Titan, na direção da Terra.
Diante da supernave, porém, jazia o espaço
infinito, com seus sistemas habitados e desabita-
dos... e com seus perigos.
Perry Rhodan estava sentado em frente à
tela panorâmica que lhe proporcionava uma vi-
são simultânea de todo o espaço. A seu lado,
Reginald Bell, seu melhor amigo e companhei-
ro, passava a mão na nuca para minorar a dor
da transição. Depois ajeitou as cerdas eriçadas
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de sua cabeleira vermelha e esfregou os olhos
para ver melhor. A Titan avançava para dentro
do emaranhado de estrelas, porém, agora qua-
se que se “arrastando” a uma velocidade que
mal atingia 0,9 da velocidade da luz. Nesta ace-
leração, levariam anos para atingir a próxima
estrela.
— Espero que os interessados tenham ouvi-
do o estrondo durante a rematerialização, Bell
— disse Rhodan, acenando na direção da porta
da central de rádio. — Saberemos em breve.
“Por toda parte, nas Galáxias, existem ras-
treadores estruturais, que registram qualquer
transição no hiperespaço. Nós não nos utiliza-
mos do compensador estrutural durante o salto,
portanto devem ter ouvido o estrondo no mes-
mo instante, mesmo na distância de dez mil
anos-luz.
“Agora é que começa o quebra-cabeça das
conjeturas, meu amigo. Os comerciantes das
Galáxias pensarão que somos os terranos, no
que, aliás, estão certos. Permita Deus que os
tópsidas, de acordo com os planos, também
nos considerem comerciantes das Galáxias.”
— Vamos reforçar um pouco a opinião de-
les — prometeu Bell, que era baixo e meio pe-
sadão. Mas Bell, realmente, não tinha nada de
pesadão e isto valia também não só no sentido
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físico. — Os sáurios de Topsid têm de supor
que nós somos saltadores, pois acreditam que
viemos do lado oposto. Com os saltadores é di-
ferente, eles vêm das profundezas da Via Lác-
tea e acreditam que nossa Terra esteja no siste-
ma do sol Beta, onde os tópsidas tentam se es-
tabelecer. Já que os saltadores tencionam des-
truir a Terra, os habitantes do sistema Beta vão
intervir e atacá-los. Haverá então uma guerra, a
que vamos assistir de camarote, se quisermos
atingir nosso grande objetivo. Maravilhosamen-
te engendrado, não é?
— Sim, por Deringhouse e McClears, com
os quais, finalmente, temos que manter conta-
to. Onde estarão agora os dois cruzadores?
Bell Interpretou a pergunta como uma or-
dem indireta e se levantou.
— Está bem, vou me informar a respeito.
Rádio cifrado?
— Naturalmente — confirmou Rhodan, e
continuou olhando para o painel panorâmico,
embora não houvesse nada para ver, de maior
interesse. — Determinar a posição e pedir um
relatório da situação. Eu irei pessoalmente falar
com Deringhouse. Nada, de imagens, para os
telespectadores clandestinos não pegarem
nada. É bom que a Terra permaneça um pouco
no esquecimento.
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— Em compensação, metade do Universo
se movimenta por causa dela — disse Bell sor-
rindo, enquanto atravessava a cabina semi-
esférica para entrar na sala de rádio, que ficava
ao lado. — Alô, Martin, dormiu bem?
O cadete Martin fez um gesto que sim, sem
se virar, estava sentado diante dos aparelhos,
observando o resultado de alguns números em
escalas coloridas. Uma tela oval apresentava re-
flexos cintilantes que percorriam a tela convexa,
aparentemente sem sentido. Não se compreen-
dia nada, naquela confusão de sinais. De um
alto-falante, ouviam-se estalos.
— Salto bem sucedido, senhor. Nenhum si-
nal de rádio até agora, que se refira a nós.
— Envie uma mensagem por hiperrádio a
Deringhouse, na direção de Beta. Em código ci-
frado sistema H-V trinta e três, positronicamen-
te. Major Deringhouse deve dar sua posição e
se preparar para fazer um relatório. O chefe
quer falar diretamente com ele. Avise, assim
que conseguir contatá-lo.
— Certo, senhor, tudo será feito.
Bell ainda ficou olhando por uns instantes
como o operador-chefe ligou a instalação, regis-
trou a mensagem no aparelho de decodificação
e depois a gravou em fita magnética que come-
çou a retransmiti-la. O texto seria repetido tan-
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tas vezes até que viesse resposta na mesma fre-
qüência. Isto poderia levar horas ou apenas mi-
nutos.
— A mensagem está correndo — disse Bell
a Rhodan, voltando à sua poltrona de primeiro-
oficial. — Tomara que nenhum saltador nos lo-
calize.
— Isso é um pouco difícil — sorriu Rhodan.
— Sob certas condições, pode-se determinar a
direção das transmissões por hiper-rádio, mas
nunca o seu distanciamento. Terão que procu-
rar muito até nos encontrar. Está mais otimista,
Bell?
O gorducho murmurou algo ininteligível e
passou a se dedicar com afinco à observação do
Universo, como se nunca tivesse visto uma es-
trela em sua vida.
Na realidade, tinha visto muito mais estrelas
do que muitos outros homens. Mas Bell pensa-
va sempre em moças bonitas.

***

O cruzador pesado Centauro, uma esfera de


duzentos metros de diâmetro, estava relativa-
mente imóvel no espaço, aguardando. Bem
perto dele, a menos de dois quilômetros, flutua-
va a nave gêmea Terra, cujo comandante era o
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major McClears.
A bordo da Centauro estavam, além do tele-
pata John Marshall, nove outros mutantes, sem
incluir Gucky, o rato-castor. A separação de seu
amigo do peito, Bell, estava lhe fazendo muito
bem, pelo menos estava deixando de aprender
outras expressões um tanto fortes e tinha que
se contentar com as que já sabia.
Deringhouse tinha dormido algumas horas,
e naquele exato momento estava chegando à
cabina de comando, para substituir seu lugar-
tenente capitão Lamanche.
— Alguma novidade, capitão?
O francês balançou a cabeça.
— Nada, senhor. A distância do sol Beta
continua ainda a de trinta anos-luz. O rastrea-
dor estrutural constatou um grande número de
transições nas imediações do sistema Beta. Os
tópsidas estão recebendo realmente o prometi-
do reforço.
Deringhouse ouvia cansado.
— Está bem, Lamanche, substitua-me daqui
a cinco horas.
Cinco horas... Deringhouse não foi direta-
mente para sua poltrona, mas ficou andando de
um lado para o outro na espaçosa cabina da
Centauro. Quanta coisa havia acontecido nos
últimos dias...
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O plano de Rhodan de enganar os podero-
sos inimigos da Terra estava se tornando cada
vez mais concreto. Os saltadores, unidos a Top-
thor, tinham em mãos um trunfo insuperável. O
superpesado Topthor sabia onde estava a Ter-
ra. Pelo menos julgava que sabia. O que real-
mente não sabia era que os mutantes de Rho-
dan, já há muito tempo, haviam alterado os da-
dos no computador de bordo da Top II, onde
estavam armazenados todos os detalhes sobre a
posição da Terra. Quando fosse consultado, o
cérebro eletrônico diria hoje que a Terra é o
terceiro planeta do sistema Beta.
Conforme o plano de Rhodan, os saltadores
haveriam de atacar este terceiro planeta de
Beta e destruí-lo, na crença de que se tratava da
Terra.
Com isto estava ganhando tempo para for-
talecer o sistema de defesa da Terra e para se
preparar para um segundo encontro com o cé-
rebro robotizado de Árcon. É claro que após a
destruição da “Terra”, tinha-se de dar a impres-
são de que não existiam mais os terranos de
Perry Rhodan.
Deringhouse tinha nos lábios um leve sorri-
so. Um plano ousado e prudente que, quando
bem sucedido, resolveria muitos problemas de
uma só vez.
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O terceiro planeta do sol Beta era um mun-
do de florestas virgens inabitado, que seria sa-
crificado para salvar a Humanidade. O quarto
planeta, porém, o “mundo d’água”, chamado
Aqua, foi uma verdadeira surpresa. No único
continente, que nadava num mar imenso, como
uma pequena ilha, os tópsidas haviam estabele-
cido uma base. Os tópsidas ou sáurios possuí-
am a 815 anos-luz da Terra um reino estelar,
dominado por um ditador. Eram velhos inimi-
gos de Rhodan. E agora surgiam de repente tão
pertos da “Terra” de novo. Num plano feito na
última hora, Deringhouse e os seus se faziam
passar por saltadores e acabaram revelando aos
tópsidas que a força de combate dos superpesa-
dos, uma tropa de assalto de elite dos saltado-
res, estava a caminho para destruir a base dos
tópsidas. Outras unidades dos saltadores e dos
aras participariam também do assalto.
A reação foi como se esperava. Os sáurios
exigiram reforços para poderem se defender do
assalto. Deringhouse fugiu e estava a trinta
anos-luz de distância, esperando o sucesso de
sua artimanha.
Um zunido muito agudo chegou a seus ouvi-
dos, vindo da cabina de rádio ao lado. Tenente
Fischer estava de serviço.
O zumbido estridente significava hiper-rádio.
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— Rhodan?
Com um pulo, Deringhouse atravessou a ca-
bina de controle e empurrou a porta da cabina
de rádio.
Fischer regulou o volume e procurou o ma-
nual dos códigos. Ligou o aparelho de decodifi-
cação e, no mesmo instante, os sons quase
inarticulados se tornaram compreensíveis:
— ...tauro. Repetindo: Titan para Centauro.
Indique posição, major Deringhouse. O chefe
aguarda relatório completo. Repito mensagem
toda: Aqui Titan, posição dez mil anos-luz da
Terra, direção Árcon. Titan para Centauro...
— Apresente-se, Fischer — ordenou Dering-
house — talvez já estão chamando por nós há
mais tempo. Ou você recebeu o chamado neste
instante?
— Não tenho a menor idéia de quando co-
meçou o sinal, senhor.
Demorou mais dois minutos até que a voz
de Rhodan se fez ouvir no alto-falante. Para a
cobertura de uma distância quase inimaginável,
ela levou menos de um milésimo de segundo.
— Aqui fala Rhodan. Estou a nove mil sete-
centos e vinte oito anos-luz de vocês, Dering-
house. Transições contínuas anunciam a con-
centração da frota dos saltadores. O número
exato não é possível saber. E o que está se pas-
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sando por aí?
— As últimas mensagens dos tópsidas pude-
ram ser decifradas. O ditador de Topsid prome-
teu enviar para a base de Aqua uma poderosa
esquadrilha militar. Conforme meus cálculos,
chegam a uns quinhentos aparelhos, e já estão
a caminho.
— Os saltadores também devem trazer um
número mais ou menos aproximado. A destrui-
ção intencionada por nós do pseudo-planeta
Terra se dará, pois, sob circunstâncias dramáti-
cas. Quando os tópsidas e os saltadores se di-
gladiarem, não sobrará muita coisa. Temos que
fazer tudo para que não cheguem a explicações
verbais. Os saltadores têm de considerar os tóp-
sidas como terranos ou seus aliados, enquanto
que os tópsidas têm de ver nos saltadores seus
inimigos figadais. Se nós aparecermos uma vez
ou outra e permitirmos que eles nos vejam um
pouco, a ilusão será completa. Mais alguma coi-
sa, Deringhouse? Tudo claro?
— Apenas uma pergunta, senhor.
— Pois não, Deringhouse.
— O senhor vai ficar por aí ou vem nos dar
um pouco de apoio? E ainda mais: Quando de-
vemos voltar para o terceiro planeta?
A resposta de Rhodan não se fez esperar.
— Vamos agir juntos. Você receberá a or-
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dem de atacar no mesmo segundo em que a Ti-
tan saltar para o terceiro planeta. Será no mo-
mento em que os saltadores caírem em cima
dos tópsidas.
— Será que três espaçonaves apenas bastam
para enganar os dois lados?
— Acho que sim, se não ficarmos sempre
no mesmo lugar. Até logo mais, Deringhouse.
O major olhou para a tela, onde, em condi-
ções normais, a imagem de Rhodan teria apare-
cido. Voltou depois para a cabina de comando
e ficou refletindo.
“Tomara que os cálculos de Rhodan dêem
certo. Do contrário...”

***

O segundo parceiro do jogo de xadrez galáti-


co era Al-Khor, o comandante geral dos tópsi-
das nos planetas do sistema Beta. Depois de
haver eliminado seu inimigo Wor-Lök, e ter en-
trado em ligação com Topsid, muita coisa se
havia alterado. A base dos tópsidas no quarto
planeta, até então muito fraca, foi imediata-
mente reforçada para não ser derrotada em
caso de um ataque. Sem suspeitar de nada, Al-
Khor veio de encontro aos planos de Rhodan.
Além disso, quis o acaso que Al-Khor, através
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de suas providências, confirmasse os dados fal-
sos dos saltadores de que no planeta das matas
virgens é que estava a Terra. Al-Khor transferiu
para o terceiro planeta todo o poderio militar
dos tópsidas.
A cada momento chegavam novos reforços
da longínqua pátria dos tópsidas, a mais de qui-
nhentos anos-luz do sistema Beta. Deringhouse
conseguiu registrar as transições, já estavam
acima de quatrocentas.
No planalto, situado acima das matas vir-
gens, os raios energéticos escavavam enormes
cavernas nos rochedos. O planeta, até então
desabitado, virou de uma hora para outra uma
verdadeira fortaleza. Naves de patrulhamento
dos sáurios cruzavam em direções predetermi-
nadas todo o planeta, fazendo tudo para evitar
um ataque de surpresa dos saltadores. Outras
unidades estavam escondidas nas partes rasas
do mar, esperando pela ordem de entrar em
ação.
Os tópsidas estavam bem armados para re-
pelir a cobiça dos saltadores, cujos motivos, po-
rém, não estavam bem claros desta vez. Se sou-
bessem por que motivos os saltadores estavam
atacando o terceiro planeta, ou se chegassem a
perceber que os saltadores julgavam que se tra-
tava da Terra, seu procedimento mudaria, e
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tudo estaria perdido.
Al-Khor estava a bordo de um dos últimos
aparelhos que haviam deixado Aqua, o planeta
das águas. Quando o mundo azul desapareceu
atrás dele, acenou contente para o comandante
do cruzador.
— Os saltadores jamais chegarão à idéia de
que nós estamos mais interessados no quarto
planeta do que no terceiro. E também não te-
rão possibilidade de corrigir o erro. O ditador
me comunicou há pouco, que, exatamente no
momento em que nós estivermos no apogeu do
ataque, mandará uma outra frota de duzentos
cruzadores pesados. Tenho a impressão de que
nenhuma espaçonave dos saltadores escapará
da destruição.
— Uma jogada genial — disse o comandan-
te do cruzador tópsida elogiando. — Seu nome,
Al-Khor, ficará nas páginas da história dos tóp-
sidas.
Al-Khor concordou feliz. Já estava se vendo,
em traje de gala, na parada da vitória, ao lado
do ditador que o condecoraria como herói do
Reino das Estrelas.
O cruzador chegou ao terceiro planeta e Al-
Khor se dirigiu ao quartel-general, uma caverna
escavada num morro, nas proximidades do
equador. A estação de hiper-rádio já estava em
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funcionamento. Em menos de dois minutos, Al-
Khor conseguiu ligação com Topsid. Exigindo
um relato completo da situação, o comandante
local das forças armadas apresentou-se. Depois
prometeu solenemente:
— Pode ficar tranqüilo, Al-Khor, os saltado-
res terão a maior derrota de sua longa história.
O ditador está muito contente com as providên-
cias que você tomou. Envie a senha, assim que
os saltadores atacarem e faça com que esteja-
mos sempre a par do desenrolar dos aconteci-
mentos.
— Haveremos de vencer! — exclamou Al-
Khor pateticamente.
Houve um momento de silêncio e depois
veio a resposta:
— Temos de vencer, Al-Khor.

***

O terceiro parceiro da partida chamava-se


Cekztel, o mais velho patriarca dos superpesa-
dos, que mantinha em suas mãos o comando
geral de todas as forças armadas dos saltadores.
Sua figura maciça — pesava mais de seiscentos
e cinqüenta quilos — estava sentada numa pol-
trona especial diante dos controles da espaço-
nave, de onde iria dirigir a estratégia geral. A
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estratégia que significava a destruição total de
um planeta chamado Terra.
Cekztel era, propriamente, o órgão executi-
vo do empreendimento, pois o iniciador de
tudo chamava-se Topthor. E por isso, vamos
nos ocupar mais dele, pois foi ele quem um dia
descobriu a Terra e registrou no computador de
bordo, com muito cuidado, sua localização.
Como Perry Rhodan se tornava cada vez mais
importante, e portanto mais perigoso, o valor
deste registro positrônico era incalculável. Top-
thor acabou revelando este segredo aos saltado-
res, pois estava em jogo sua própria segurança.
Resolveram, então, unidos, acabar com Rho-
dan, de uma vez por todas. Seu planeta pátrio
teria que ser destruído. A chave para isto estava
com Topthor.
Mas a chave não prestava mais, pois há mui-
to, os mutantes de Perry Rhodan haviam altera-
do os dados do computador de Topthor. A
“Terra” agora girava em torno do sol Beta.
Quanto mais longe, melhor.
O corpanzil de Topthor repousava numa
poltrona larga. Os superpesados tinham vivido
por muito tempo num planeta de elevada gravi-
tação, mas apesar de seu enorme corpo, eram
relativamente ágeis.
— Alô, Regol! Você está cochilando aí no
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seu posto?
— Cabina de rádio na escuta, Topthor. Não
foi possível ainda fazer a ligação com Talamon.
— Não temos nenhuma freqüência secreta?
— Talamon não responde nem mesmo por
ela.
Topthor, com um soco da mão direita fecha-
da, fez funcionar outro botão, interrompendo a
ligação com a sala de rádio. Durante uns dois
minutos ficou praguejando sozinho, antes de li-
gar o intercomunicador.
— Gatzek deve vir falar comigo, imediata-
mente.
Gatzek era o segundo-oficial da nave Top II,
homem de confiança de Topthor. Os dois su-
perpesados já tinham feito muitas campanhas
juntos e travado muitas batalhas, por bom di-
nheiro dos ricos comerciantes das Galáxias.
Desta vez, porém, não se tratava de dinheiro,
tratava-se de riscar do mapa um adversário que
se tornara poderoso demais.
Por que Talamon não se manifestou?
Gatzek era relativamente magro, pesava tão
somente... quinhentos quilos.
— Qual é a novidade, Top? Ataque?
— Ainda não — murmurou Topthor mal-
humorado. — Cekztel está levando muito tem-
po. Enquanto isto ocorre um número muito
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grande de transições lá por perto da Terra. Isso
me preocupa. Parece que Rhodan foi avisado
de alguma coisa.
Por uns instantes, Gatzek parecia assustado,
mas de repente um sorriso sarcástico inundou
seu rosto.
— Quem é que o poderia ter avisado?
Topthor não prosseguiu com suas idéias.
— Não consegui ainda me comunicar com
Talamon. Onde estará o nosso amigo Tala-
mon...?
Era o único saltador que havia feito amizade
com Rhodan, porque este lhe poupara a vida,
quando duzentas naves dos superpesados entra-
ram num beco sem saída. Além disso, Talamon
era devedor de gratidão a Rhodan, pelo melhor
negócio que fizera em sua vida.
Naturalmente, ninguém conhecia estes deta-
lhes, mas Topthor tinha suas suspeitas e sabia
muito bem ler entre as linhas. Sua última con-
versa com Talamon o deixou muito preocupa-
do.
— Ele vai tomar parte no ataque à Terra? —
perguntou Gatzek.
— Quem dos superpesados que não vai to-
mar parte, ao menos com uma nave, que seja?
— foi a contra-pergunta de Topthor. — Nossa
frota de assalto já conta com mais de oitocentas
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unidades, mas de Talamon não há nem um
aparelho de pequeno porte. Você tem uma ex-
plicação razoável para isto?
Gatzek sacudiu os poderosos ombros:
— Será que ele está com medo?
Topthor se irritou um pouco com esta hipó-
tese descabida.
— Medo? Talamon ter medo? Receio que
tenha outro motivo: simpatiza muito com Rho-
dan.
— Com um terrano que está mais morto do
que vivo? — disse Gatzek sinceramente admira-
do. Depois deu uma sonora gargalhada. — Por
que nos preocupamos com Talamon? Se não
quiser vir, que fique em casa. Mesmo sozinhos,
somos capazes de liquidar este Rhodan. Não
pode fazer nada contra oitocentas naves pode-
rosíssimas.
No fundo, ele tinha razão, mas felizmente
não sabia de que maneira ele estava acertando.
— Talamon é meu amigo — disse Topthor
— e eu não gostaria que um amigo seguisse ca-
minhos errados, que acabariam sendo sua ruí-
na. Temos de chamá-lo a atenção.
— E como você vai conseguir isto, se ele
não dá sinal de vida?
Topthor não sabia o que responder. Não ti-
nha também mais oportunidade de se preocu-
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par com isto, pois neste momento ouviu-se o
estalo característico do alto-falante do interco-
municador e logo depois soou a voz objetiva de
Regol:
— Acabam de chegar as coordenadas para
o salto e o horário. O ataque à Terra será des-
fechado exatamente dentro de trinta minutos.
É claro que ele não usou a palavra minuto,
mas convertido daria mais ou menos o equiva-
lente. Topthor esqueceu num instante o caso de
Talamon. Fazendo um sinal para seu homem
de confiança, Gatzek, perguntou:
— Para onde é que nos leva o salto?
— Para o centro do sistema dos terranos.
Uma nave de patrulhamento colheu informa-
ções. Chegaremos a menos de dois minutos-luz
da Terra no superespaço.
— A rapaziada vai arregalar os olhos —
continuou Topthor, pois o superpesado já esti-
vera uma vez na Terra. Mas, naquela vez, Rho-
dan o enganara. De qualquer maneira, Rhodan
lhe poupara a vida. Mas Topthor não era ho-
mem para se mostrar grato por uma coisa des-
ta. — Porém desta feita, vamos acabar com
Rhodan.
— Esperamos que sim — observou Gatzek,
e já não parecia tão seguro.
Mas Topthor atribuía seu mau humor a um
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outro motivo: Talamon. Sabia que seu amigo
era um homem muito perspicaz, que jamais te-
ria tomado uma atitude como esta sem motivos
de grande peso. Se não estava tomando parte
neste ataque, era porque estava duvidando de
antemão do resultado da ação. Por quê? Co-
nhecia ele tão bem assim a capacidade de Rho-
dan, para acreditar na vitória dos terranos? Ou
seria sentimento de gratidão que o impedia de
atacar Perry, por lhe haver poupado a vida, há
tempos atrás?
Um saltador superpesado, mas... sentimen-
tal...?
Topthor deu uma risada forçada e se dirigiu
à sala de rádio.
— Então, Regol, que é que há com Tala-
mon?
— Os sinais de chamada continuam sem res-
posta, Topthor. Seu amigo não aparece e nin-
guém sabe onde está.
Topthor ficou calado, virou-se bruscamente
na direção da cabina de controle. Deixou-se cair
pesadamente na poltrona que rangeu sob o
peso.
Gatzek esperava tranqüilo. Percebeu pela fi-
sionomia de Topthor, que seria melhor ficar ca-
lado. Pois nos traços de Topthor não se via
apenas uma curiosidade angustiante, mas decla-
24
radamente a expressão da dúvida.

***

Afinal aí estava Talamon, que Topthor pro-


curava tão desesperadamente. Neste jogo de
xadrez galático, representava ele o papel mais
insignificante possível, pois nem aparecia. Mas
exatamente isto é que deixava Topthor tão zan-
gado e incerto.
Porém, Talamon agiu por conta própria,
quando deixou de atender o pedido de seu pa-
triarca Cekztel, não enviando nenhum aparelho
para o ataque à Terra. Por que razão haveria
ele de prejudicar Rhodan? Não foi exatamente
Rhodan que o fizera milionário? Que lhe pou-
para a vida? Que lhe provara que também entre
raças estranhas existe algo chamado “código de
honra”?
Não, Talamon não via razão para trair Rho-
dan.
Estava com sua frota de duzentas unidades
em algum lugar da Via Láctea, não mandou na-
ves de patrulhamento e sua central de rádio fi-
cou em permanente escuta. Caso fosse neces-
sário, tinha a firme resolução de ajudar Rhodan.
Sua tentativa de avisar os terranos foi inútil,
pelo menos não havia recebido nenhuma res-
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posta. Ficou acompanhando todas as transmis-
sões das frotas dos saltadores que se reuniam e
estava muito bem informado sobre tudo. Tam-
bém os chamados de Topthor ele havia recebi-
do, sem respondê-los.
E assim aconteceu, que atrás dos bastidores
espreitava uma força militar de envergadura,
aguardando o momento de intervir nos aconte-
cimentos. Uma força de que ninguém suspeita-
va.
Nem mesmo Perry Rhodan.

Tudo convergia para a Titan.


O operador-chefe Martin acordara de um
sono reparador e já tinha voltado para seu pos-
to, quando o receptor começou a acusar impul-
sos fortes demais. Continham apenas uma pala-
vra no texto: “Rhodan”.
O restante era ininteligível. Martin, que tinha
muita experiência, gravou em fita a mensagem
que se repetia e depois chamou o chefe. Rho-
dan apareceu logo, bem disposto depois de um
bom repouso.
— O que há, Martin?
O operador ligou a fita gravada. Rhodan ou-
viu por uns instantes, sem dizer uma palavra,
26
depois sorriu e apontando para a instalação de
controle positrônico, disse:
— Aplique a chave XX-treze e deixe a fita
correr. Pegue o texto decifrado e me traga na
sala de comando. Eu estou substituindo Bell.
Martin começou seu trabalho enquanto Rho-
dan abriu a porta da cabina e entrou. Bell esta-
va na poltrona do comandante e virou para trás
com cara de cansado. Um leve sorriso tremulou
em seus lábios quando fitou Rhodan.
— Já é tempo que alguém me venha substi-
tuir. Não consigo mais ficar de pé. Minhas per-
nas estão cansadas.
Perry retrucou:
— Se meus conhecimentos de anatomia não
estão errados, você também senta sobre as per-
nas, mas numa parte muito especial que você
chama de...
— Santo Deus, será que tudo tem que ser
tomado ao pé da letra? — lamentou Bell. — Só
queria dizer que estou muito cansado.
— Então vá dormir, Gordo — aconselhou-o
Rhodan, tirando seu amigo da poltrona. — O
negócio vai começar logo e todos os guerreiros
estão mesmo cansados.
A brincadeira de Rhodan deixou Bell com
melhor disposição.
— O negócio vai começar? Que negócio?
27
Você se refere ao ataque?
— Quando é que você vai aprender a falar
melhor? — e apontando na direção da sala de
rádio, disse: — Chegou um rádio há pouco. Se
não me engano, vem de Talamon.
— Do superpesado? Que quer de nós?
— Saberemos logo. De qualquer maneira,
manteve a palavra.
Nesse instante entrou Martin.
— Já decifrei o texto, devo...?
— Pode rodar a fita e ligue o som para cá.
Segundos após, a fita estava tocando na sala
de rádio, a mensagem tinha um texto simples e
claro.
— Sim — disse Rhodan contente — é sem
dúvida o vozeirão do nosso amigo Talamon.
Deve estar muito apreensivo a nosso respeito,
para ter coragem de nos mandar esta mensa-
gem.
Bell nada disse. Estava atento a cada palavra
que saía do alto-falante:
— Rhodan, aqui fala Talamon. Perigo imi-
nente para a Terra. Em vinte minutos exatos a
Terra será atacada por uma frota sob o coman-
do de Cekztel e a orientação astronáutica de
Topthor. Posição já conhecida. Estou esperan-
do suas instruções. Não tomo parte no ataque.
Repito: Rhodan, aqui fala Talamon. Perigo imi-
28
nente para Terra. Em vinte minutos exatos...
Bell fazia sinal de aplauso.
— Veja só, iam deles, o supergordo, é since-
ro e quer nos avisar. Não esperava isto dele.
— Mais tarde haveremos de nos lembrar
dele — prometeu Rhodan, desligando a instala-
ção de som.
Encostou-se comodamente na poltrona e
volvendo-se para Bell:
— Como é? Não vai dormir? Estava tão can-
sado?
— Cansado? — suspirou Bell. Seus cabelos
vermelhos estavam arrepiados. — Como posso
dormir se a batalha começa em vinte minutos?
— Você não deve esquecer que esta mensa-
gem foi recebida por Martin há uns dez minutos
— disse Rhodan bem calmo. — Só a decifra-
gem levou seis minutos.
— Dez minutos!... — os olhos de Bell se ar-
redondaram. — Isto quer dizer que os saltado-
res em dez minutos... Puxa vida! Que estamos
fazendo aqui?
— Dez minutos... — Rhodan olhou para o
relógio e se corrigiu. — Nove minutos é um
tempo bem grande quando se sabe aproveitar.
— Rhodan apertou um botão. — Martin, faça-
me uma ligação para Deringhouse. Eu vou
atender aí.
29
Desligou o intercomunicador e se levantou.
— A operação está em marcha, mesmo que
não façamos mais nada. Não podemos mais
detê-la, o máximo que podemos fazer é influen-
ciar para o lado positivo e haveremos de fazê-
lo, naturalmente. Você ainda quer ficar acorda-
do?
Rhodan se dirigiu novamente para a sala de
rádio, pois Deringhouse já estava esperando.
— Atenção, Deringhouse. Última informa-
ção — disse Rhodan, olhando para o relógio.
— Os saltadores se materializam no espaço
dentro de sete minutos e trinta segundos. Te-
mos então que já estar aí, pois não sei qual vai
ser a reação de Topthor, se reconhecer seu
erro. Temos que cuidar que não lhe sobre tem-
po para uma desculpa. Os saltadores têm que
ver no terceiro planeta a Terra verdadeira. Top-
thor é o único ser humanóide que viu o sol da
nossa Terra e guardou sua posição. Os saltado-
res devem, portanto ser atacados assim que
chegarem.
— Os tópsidas estão esperando por eles —
observou Deringhouse.
— Certo, mas nós devemos ajudar um pou-
co. Transição exatamente em sete minutos para
o sistema Beta. Deringhouse, ataque a primeira
nave dos saltadores que aparecer. Não espere
30
muito e não fique mais do que um minuto em
cada posição. Transição é mais importante do
que luta. Os saltadores devem ter a impressão
de que estão lutando contra uma grande frota
de poderosos cruzadores. A mesma ordem vale
também para McClears. Entendido?
— Entendido, senhor. E o que é que o se-
nhor vai fazer?
— A Titan também vai aparecer. Já que so-
mos as três únicas naves esféricas, não há peri-
go de nos enganarmos.
— Por que — perguntou Deringhouse com
voz abafada — não destruímos logo a nave de
Topthor, para tirar muito aborrecimento do ca-
minho? Quando ele e seu computador de bordo
estiverem destruídos, ninguém mais poderá cor-
rigir o erro.
Rhodan deu um sorriso frio.
— Existem centenas de naves de conforma-
ção cilíndrica, muito semelhantes umas às ou-
tras. Você acha que consegue distinguir a de
Topthor das outras?
Depois de curta pausa, Deringhouse ainda
perguntou:
— E o que faço, caso eu realmente a distin-
ga?
Agora a pausa era do lado de Rhodan. Re-
fletiu um pouco, embora soubesse que não ha-
31
veria outra resposta. Naturalmente, Deringhou-
se tinha muita possibilidade de distinguir a nave
de Topthor, pois a bordo da Centauro se en-
contrava o corpo de mutantes. E se Topthor já
estivesse morto...
— Se encontrar Topthor, destrua sua nave.
— Obrigado. Vou fazer esforço para isso.
Mais alguma coisa?
Rhodan olhou para o relógio, um movimen-
to que haveria de repetir ainda muitas vezes,
nos próximos minutos.
— Transição dos saltadores em... três minu-
tos e cinqüenta segundos. Felicidades, Dering-
house.
Rhodan virou-se para trás, quase se chocan-
do com Bell que o seguia. Passou por ele sem
dizer uma palavra e foi na direção do computa-
dor, onde recolheu os dados para o hipersalto.
— Sente-se, Gordo. Dentro de cinco minu-
tos, você poderá ver o gigantesco sol de Beta,
se tiver tempo para isto.

***

— Quer apostar como acharei a nave de


Topthor, em poucos instantes? — dizia Gucky.
Deringhouse levantou as duas mãos, como
se quisesse se proteger do rato-castor.
32
— Posso apostar com o diabo, a qualquer
momento, mas nunca mais com você. Meus de-
dos ainda estão doendo de tanto coçá-lo. Além
disso, ainda tenho de lhe pagar seis arrobas de
cenoura.
— Mesmo assim ainda vou achar Topthor
— continuou Gucky ignorando o pretexto do
comandante. — Então, saltarei em sua nuca e
lhe quebrarei o pescoço.
Deringhouse sorriu, enquanto verificava os
controles que realizariam o salto iminente para
o sistema Beta.
— Teria prazer em ver isto. Você é telepata,
teleportador, telecineta, mas não sabia que é
também lutador de judô. Prazer em conhecê-
lo...
— Você não crê em mim? — disse Gucky,
encostando-se no sofá, com uma expressão in-
crível em sua cara cômica. — Eu já liquidei cen-
tenas de robôs.
— Não se trata apenas de Topthor — lem-
brou-lhe Deringhouse, empurrando uma alavan-
ca para frente. — Sua espaçonave inteira deve
ser destruída. Você se lembra que todos os da-
dos sobre a nossa Terra estão ainda registrados
na positrônica de bordo, pois não foram total-
mente suprimidos. Claro, Topthor também é
importante, pois o superpesado não é bobo.
33
Vai perceber logo que está no planeta errado,
que pulou confusamente noutro sistema e talvez
mude de idéia.
John Marshall, chefe do exército de mutan-
tes, entrou na cabina de controle da Centauro.
Cumprimentou Gucky e se dirigiu a Deringhou-
se. Como telepata, sabia, naturalmente, sobre o
que os dois estavam conversando.
— Uma das missões do corpo de mutantes
será descobrir a presença de Topthor, major.
Por que então não se utilizar de Gucky, quando
ele está tão seguro de sua competência?
— Não tenho nada contra, se ele tomar a
iniciativa — respondeu Deringhouse cauteloso.
— O que não quero é fazer mais apostas com
ele. É meu direito, não é? Não quero voltar
para a Terra pobre e meio aleijado.
Marshall concordou, sorrindo, e Gucky esta-
va feliz enquanto Deringhouse se sentia alivia-
do. O rato-castor concentrou-se então na gran-
de missão que estava prestes a desempenhar.
Deu-se então o salto da Centauro. Saltou si-
multaneamente com sua irmã gêmea, Terra. A
cinco minutos-luz do terceiro planeta, as duas
esferas gigantescas de duzentos metros de diâ-
metro voltaram ao espaço normal.
Todos os canhões de raios energéticos esta-
vam a plena carga e os envoltórios de proteção
34
entraram em ação. O capitão Lamanche, na
central de rádio, estava em grande atividade,
procurando informações das muitas mensagens
captadas, para melhor orientar uma estratégia
coordenada.
A bordo da Centauro era grande a agitação,
mas o espaço em volta ainda estava tranqüilo.
O terceiro planeta era uma estrela bem nítida à
sua frente. O rastreador estrutural estava ligado
e registrava as primeiras transições. As distân-
cias eram diferentes, mas logo se evidenciou
que todos partiam do mesmo local.
A frota dos saltadores chegava com um pe-
queno atraso.

***

Os tópsidas estavam esperando em fortifica-


ções subterrâneas. Num trabalho febril nas últi-
mas horas, aquelas instalações foram montadas
para desviarem os adversários do precioso quar-
to planeta. Era-lhes preferível que atacassem
um mundo que não apresentava coisa melhor
do que imensas matas virgens e planaltos pe-
dregosos. Neste mundo de florestas, não existia
vida inteligente, fora dos tópsidas, naturalmen-
te.
Al-Khor, o comandante supremo, achava-se
35
em ligação permanente com todos os postos de
comando. Estava a par de todos os preparativos
de defesa e de outros segredos. Para o ditador,
no sistema tópsida, a 543 anos-luz de distância,
havia um canal permanente de hipercomunica-
ção.
— Cruzador de patrulhamento MV-treze tem
mensagem importante.
Al-Khor fez um sinal para o operador, atra-
vés do vídeo de bordo.
— Encaminhe a ligação para cá — ordenou
ele.
Suas cerdas na nuca estavam em desalinho e
sua fisionomia demonstrava grande cansaço. O
corpo coberto por escamas, estava parcialmen-
te coberto pelo uniforme. No amplo cinturão,
via-se a coronha da pistola de raios energéticos.
As imagens na tela variavam. Ora a silhueta
de uma nave em forma de torpedo, ora os tra-
ços duros de um tópsida.
— Cruzador MV-treze, comandante Ber-Ka.
Mensagem importante. Primeiros estrondos no
espaço a dois minutos-luz. Os saltadores iniciam
o ataque.
— Tente fazer uma contagem dos estrondos
— falou Al-Khor. — Ordene imediatamente ou-
tras transições, dando-lhes a posição. Mandarei
logo algumas unidades de combate para o pon-
36
to onde você se encontra. Ataque, Ber-Ka, so-
mente ações isoladas é que podem desnortear o
adversário.
— Vou atacar, sim — confirmou Ber-Ka.
Seu rosto desapareceu da tela e logo depois
surgiu outro tópsida.
Al-Khor não parava mais. O ataque ao ter-
ceiro planeta havia mesmo começado. Mas o
cruzador de patrulhamento MV-treze tinha rece-
bido ordens. Ber-Ka não hesitou em cumpri-las.
Ber-Ka era ainda muito jovem e vaidoso. Fa-
zia apenas poucos anos que comandava uma
nave de porte maior, uma nave cilíndrica de du-
zentos metros de comprimento. Os armamen-
tos extraordinários lhe proporcionavam uma
sensação de segurança e lhe davam muita cora-
gem para enfrentar um adversário até mais for-
te. Empertigou-se todo e deu ordens a seus ofi-
ciais, para que se reunissem com ele, imediata-
mente.
— Meus amigos — disse com muita determi-
nação. — Al-Khor nos deu ampla liberdade de
ação. Devemos atacar os saltadores onde quer
que apareçam. Vocês sabem, melhor do que
eu, que nunca teremos oportunidade melhor do
que esta para nos colocar em destaque. Viva o
ditador!
— Viva o ditador! — gritaram todos os ofici-
37
ais, mais ou menos entusiasmados. Para alguns,
a vida tinha mais valor do que uma condecora-
ção de validade duvidosa. Mas, desobediência
ao comandante significava a morte imediata.
Assim, a possibilidade de sobrevivência em
meio à luta era bem maior.
Na tela da MV-treze, apareceram os pontos
luminosos flutuantes dos saltadores em ataque.
Aqui e ali, estes pontos surgiam, às vezes, do
nada, demonstrando assim que as transições
não paravam. Depois de observar melhor, Ber-
Ka não tinha dúvidas de que os saltadores havi-
am mesmo escolhido como seu objetivo princi-
pal o terceiro planeta.
Era de qualquer maneira surpreendente. Afi-
nal de contas, o quarto planeta era aquele que
servia de base aos tópsidas e que devia ser ata-
cado. Por que então os saltadores não se preo-
cupavam com o quarto planeta, mas se concen-
travam apenas no terceiro?
Era uma questão que interessava grande-
mente a Al-Khor também, neste momento. Mas
ninguém tinha resposta cabível para ela.
Externamente, as naves dos saltadores se as-
semelhavam muito com as dos tópsidas, eram,
porém, mais rápidas, mais ágeis e mais bem ar-
madas. Enfim, os superpesados eram a elite ex-
perimentada das tropas de assalto dos comerci-
38
antes das Galáxias, que sempre tinham vivido
da guerra. Até hoje, não tinham conseguido fa-
zer nada por meios pacíficos. Aliás, nunca lhes
passou pela cabeça tentar fazer alguma coisa
sem assaltos e guerra.
Ber-Ka procurou tanto, até que encontrou
um ponto luminoso vagando mais afastado dos
outros, a tal distância que excluísse qualquer ci-
lada. Deu então as ordens ao piloto, correndo
ele para o ponto de comando da artilharia, para
dirigir pessoalmente o ataque.
A vítima selecionada era uma nave relativa-
mente pequena de um clã desconhecido dos
saltadores. O comandante já tinha ouvido falar
de Perry Rhodan e de sua pátria Terra, achava,
porém, que eram referências muito exageradas.
Exatamente por isto, por ter um ponto de vista
errado, é que ele e os seus seriam muito sacrifi-
cados.
Ber-Ka se aproximou de sua vítima. O salta-
dor, sem suspeitar de nada, mantinha seu curso
direto para o terceiro planeta.
As mãos quase humanas do sáurio repousa-
vam sobre os botões de controle dos canhões
de raios energéticos. No interior do cruzador se
acumulava, num zumbido permanente, as ener-
gias necessárias, como que aguardando o mo-
mento de irromperem pelo espaço.
39
— Ainda a um segundo-luz — disse um ofici-
al quase trêmulo. O coitado não se sentia bem,
embora já tivesse muita experiência de outras
expedições punitivas contra súditos indefesos.
Mas esta agora era diferente. Estavam pelo me-
nos diante de um adversário à altura deles.
No mínimo.
— Distância, zero vírgula cinco segundos-
luz.
A distância diminuía, mas ficou de repente
constante, quando o saltador percebeu o ata-
cante, fazendo uma curva fechada.
— Atrás dele! Fogo! — gritou Ber-Ka e sen-
tiu como o solo a seus pés estremeceu todo,
quando a rajada de raios poderosos saiu pela
proa.
Não foi difícil aos raios energéticos, com a
velocidade equivalente à da luz, atingir a nave
dos saltadores, antes que pudessem tentar qual-
quer reação. Raios coloridos envolveram a dimi-
nuta espaçonave, como o envoltório de prote-
ção se rompeu imediatamente, não oferecendo
mais nenhuma resistência aos ataques dos raios
incendiários.
Com um grande clarão esbranquiçado, ex-
plodiram os geradores. A carcaça se arqueou e
começou a derreter. Pedaços de destroços voa-
vam em todas as direções do espaço. De vez
40
em quando se podia ver grandes vultos com tra-
jes pressurizados, cujos dispositivos automáticos
se inflavam instantaneamente, procurando colo-
car a salvo os sobreviventes.
Um dos oficiais sáurios não despregava os
olhos dos saltadores que tentavam fugir.
— Não vamos matá-los? — perguntou.
— Não. Sou soldado, mas não assassino.
— Eles nos atacaram, Ber-Ka.
— Falando em tese, você tem razão. Mas es-
tes aí, fomos nós que atacamos. Deixemos-lhes
esta chance e não nos incomodemos mais com
eles.
Ber-Ka voltou para a central de comando.
Era ele o comandante, sua ordem era lei. Os
saltadores, em seus uniformes de emergência,
foram se separando e se perderam no vazio en-
tre os planetas.
Ber-Ka concentrou sua atenção novamente
na tela. Os pontos flutuantes eram cada vez
mais numerosos, mas a uma distância daquela
não se podia saber se havia naves dos tópsidas
misturadas com eles. A força principal, no en-
tanto — Ber-Ka sabia muito bem disto — esta-
va escondida nas rochas do terceiro planeta, ou
como se dizia nos catálogos dos sáurios: Lira III.
A MV-treze tinha se afastado um pouco do
terceiro planeta e se aproximava da órbita de
41
Aqua. De qualquer maneira, os atacantes devi-
am ser impedidos de se aproximarem do “mun-
do d’água” onde os restos das bases abandona-
das poderiam despertar atenção.
Os pontos luminosos oscilantes desaparece-
ram todos, menos um. Dava a impressão de ser
um aparelho que não fazia questão de ser des-
truído logo no primeiro assalto. Uma ampliação
na tela e uma chamada em código confirmou a
suspeita de Ber-Ka: tratava-se mesmo de uma
nave dos saltadores. E este saltador se dirigia
exatamente para o planeta Aqua.
— Novo curso, operação cubo CO-dezes-
sete-dk — gritou ele para o oficial navegador,
ordenando ao mesmo tempo prontidão para o
ataque.
Devia-se pegar o saltador de surpresa, antes
que pudesse desconfiar de alguma coisa.
— Velocidade ao máximo! Acompanhou
com grande sensação os movimentos do ponto
luminoso e acabou constatando que se tratava
de uma belonave dos superpesados. Claro que
muito superior ao cruzador de patrulhamento.
Na mentalidade de Ber-Ka havia duas forças
polarizantes: orgulho e instinto de conservação.
Podia ainda se afastar um pouco do curso e
fazer como se não tivesse notado o adversário.
Por interesse próprio, a maioria de seus subor-
42
dinados manteria silêncio. Mas se houvesse
apenas um que quisesse prejudicá-lo ou fazer
carreira, ele estaria perdido. Covardia perante o
inimigo era castigada com a morte.
Foi propriamente o receio de ser denuncia-
do que obrigou Ber-Ka a prosseguir no ataque.
Não estava se sentindo bem, mas não havia ou-
tra opção.
O ponto luminoso aproximou-se e transfor-
mou-se numa sombra alongada na tela, que fo-
calizava muitas estrelas distantes. Não havia ne-
nhum sinal de que o saltador houvesse percebi-
do a presença de seu perseguidor. Continuava
indiferente, com rumo fixo. Pela pequena velo-
cidade, supor-se-ia que ainda tinha duas horas
para chegar até a atmosfera de Aqua.
— Central de rádio — disse Ber-Ka, ceden-
do a um impulso repentino — tente ligação
com a nave estranha.
— Com o saltador? — foi a reação de es-
panto.
— Sim, com o saltador. As freqüências de
chamada estão no catálogo. Por que se admira?
Já tivemos muitos contatos com os saltadores
em outros tempos.
— Sim, mas sob outras circunstâncias.
— Exatamente — disse Ber-Ka rindo.
— É curiosidade minha. Estas circunstâncias
43
me interessam.
Desligou a tela, colocando a central de rádio
diretamente em ligação com ele. Sem sair do
lugar, podia agora acompanhar melhor os es-
forços do operador.
Continuava a chamada.
Na outra tela, a sombra alongada da nave
estava bem maior. A MV-treze se aproximava
de sua órbita. Num determinado ponto as duas
naves teriam de se encontrar, caso ambas man-
tivessem o curso e a velocidade.
Alto-falante e tela permaneciam mudos e
apagados. O saltador não respondia, ou talvez
não tivesse ouvido o chamado. Mas Ber-Ka não
cedia tão depressa.
— Continue chamando — ordenou ao ofici-
al do rádio. — Acrescente que nós pedimos
uma conferência.
Isto era contra o regulamento. Propor uma
conferência com um adversário ultrapassava de
muito a competência de um comandante de um
pequeno cruzador. Ber-Ka sabia disto, mas lhe
era completamente indiferente. Suspeitava de
algo e queria saber se seu pressentimento esta-
va certo ou errado. Para ele, isto justificava o
risco que assumia.
Não poderia imaginar que, sem querer, esta-
va dando um passo avante na história. Também
44
não suspeitava quem era o comandante da nave
estranha.
Ao penetrarem nas camadas superiores da
atmosfera as primeiras naves dos saltadores, o
comandante supremo do terceiro planeta, Al-
Khor, deu ordem de contra-ataque.
Em todos os cantos, abriram-se pesadas
comportas de metal e canos de canhões de rai-
os energéticos emergiam do chão para ergue-
rem sua boca de fogo contra o céu. Hangares
subterrâneos despejavam frotas de combate de
aparelhos velozes que galgavam o espaço em
ascensão quase vertical.
Começou a batalha quase suicida, com per-
das enormes para os dois lados. As primeiras
bombas atômicas destruíram uma parte das ins-
talações de defesa. Os foguetes antiespaciais di-
rigidos por tópsidas perseguiam as naves dos
saltadores até atingi-las, destruindo-as no espa-
ço. Só conseguiam escapar se tivessem tempo
de efetuar o salto para o hiperespaço.
Al-Khor estava sentado nas profundezas de
um rochedo, ouvindo as notícias. Fazia uma fisi-
onomia de dor, ao ouvir os danos que os ata-
cantes lhes infligiam. Mas seu rosto se ilumina-
va todo sempre que ouvia o relato da destruição
de uma nave inimiga.
No entanto, ele mesmo sabia que era ques-
45
tão de tempo, até que os saltadores conseguis-
sem, por meio de uma bomba arcônida ou por
uma bomba de gravitação, destruir completa-
mente o terceiro planeta.
Começou a se surpreender pelo fato de que
isto ainda não acontecera.
— Ligação com Topsid! — gritou ele, deses-
perado, naquela caverna no coração da rocha,
quando uma tremenda detonação fez tremer o
rochedo e as luzes se apagaram. — Ligação
imediata com o ditador, vamos, antes que seja
tarde.
Por uns instantes, ninguém respondeu. De-
pois, ouviu-se a voz do operador de rádio:
— Falta energia, estamos tentando com os
geradores de emergência.
— Estou esperando — disse Al-Khor. De-
pois, apoiando a cabeça nas duas mãos quase
humanas, passou a pensar na morte certa que
teria em Topsid, caso os saltadores vencessem.
Mas... era sua culpa? Culpa por não ter na-
ves suficientes? Não tinha ele avisado o ditador
e pedido que não subestimassem os comercian-
tes das Galáxias? Por que então tinha que mor-
rer?
Porém não pensava nisto. O melhor seria
ele se entregar aos invasores, passaria por trai-
dor, mas continuaria vivo. Mas isto era uma de-
46
cisão que não era para aquele momento.
Levantou-se, tendo nos olhos um brilho peri-
goso.
— Ligação com Topsid — exclamou o ope-
rador. — Ligue seu aparelho, Al-Khor.
Al-Khor estremeceu, ao ouvir a palavra
Topsid. Por uns instantes, não sabia o que fa-
zer. Depois, criou coragem.
— Aqui fala Al-Khor, Lira III. Começou o
ataque dos saltadores, ditador. O adversário é
muito superior a nós. Sem o auxilio de Topsid,
estamos perdidos.
— Então lutem! — disse o ditador friamente.
Seus traços permaneceram duros e inacessíveis,
na tela. Seus olhos frios pareciam penetrar Al-
Khor, parecendo poder ler seus pensamentos.
— Mandarei mais duzentos aparelhos, mas nem
um a mais. Lutem e vençam, Al-Khor. Ou, nun-
ca mais volte a Topsid.
— Mas... — Al-Khor não pôde continuar, o
ditador havia interrompido a ligação.
O comandante dos sáurios apoiou-se no es-
paldar da poltrona e suspirando profundamen-
te, disse:
— Lutar e vencer... como é fácil falar. Um
mundo está caindo aos pedaços e nós temos de
lutar. O que estamos fazendo, senão lutar? Nos-
sas naves se defendem valentemente contra um
47
inimigo em grande superioridade, mas não ce-
demos, preferimos morrer. E o ditador? Não
tem nem uma palavra de gratidão.
Al-Khor estremeceu, como se tivesse levado
uma chicotada, ao ouvir um forte ruído atrás de
si. Passos pesados que se aproximavam. Ouviu-
se uma voz fria, sem a menor expressão:
— Como poderemos vencer, se o coman-
dante está hesitando? O que há com você, Al-
Khor? Cansado, desanimado?
Virou-se lentamente, com sua mão escamo-
sa já segurando a arma energética.
— Ra-Gor, é você! Não podia imaginar. Por
que não está na seção de baterias antiaéreas,
tratando de destruir as naves inimigas? Se qui-
ser ouvir a verdade: o que você está fazendo
agora é crime de alta traição.
O jovem oficial que estava atrás do coman-
dante estava também com a mão na arma, sor-
rindo friamente. Nos seus olhos, havia um mis-
to de orgulho e ódio, de medo com denodo ir-
restrito.
— E você, Al-Khor? O que tem feito? Duvi-
dou da sabedoria de nosso ditador. Você está
exigindo o reconhecimento dele pelo simples
cumprimento do nosso dever. Isto é insubordi-
nação.
Al-Khor virou-se novamente — e devagar —
48
olhando o painel apagado. Podia ver nitidamen-
te no vidro fosco o reflexo do jovem oficial que
lhe estava às costas.
— Estava apenas pensando, Ra-Gor. Acres-
ce ainda que guardei meus pensamentos comi-
go e não os transmiti a ninguém.
— Não é verdade, transmitiu a mim.
Al-Khor teve que concordar:
— Sem ter intenção de fazê-lo, meu amigo.
Você, agora, por sua culpa, carrega na cons-
ciência um conhecimento que se torna pesado
para seus ombros jovens. Vou ajudá-lo a carre-
gar este peso.
— Não é necessário, Al-Khor, eu consigo
carregá-lo sozinho. O ditador me será muito
grato, quando lhe explicar a covardia de seu co-
mandante supremo.
— O quê?
— Sim, porque você não vai chegar vivo a
Topsid. Esta vergonha deve ser poupada aos
oficiais que combatem corajosamente. Ou você
prefere ser fuzilado publicamente?
Al-Khor reconheceu que não tinha alternati-
va. Foi sempre um súdito fiel do ditador, embo-
ra não estivesse de acordo com alguns de seus
métodos. Mas, agora, ser delatado por um bo-
balhão orgulhoso e inexperiente... não, isto era
demais.
49
Imperceptivelmente sacou a arma, estudou
um pouco o ambiente, podendo ver pelo refle-
xo do vidro do painel apagado que Ra-Gor ain-
da estava hesitando em executar sua intenção.
Será que de repente ficou com medo? Mas já
era muito tarde para isto. Al-Khor não sentiu a
menor compaixão ou piedade, quando, de súbi-
to, se virou contra o jovem oficial de arma na
mão.
— Insubordinação se castiga com a morte,
Ra-Gor. Como comandante tenho o poder de
julgá-lo. Condeno-o, pois, à morte. A pena será
executada sumariamente. Você pode ficar com
sua arma e usá-la mesmo...
Mas o sentenciado não chegou a se utilizar
da arma, antes mesmo de sacá-la estava morto.
Al-Khor ficou olhando por uns instantes o
cadáver do jovem oficial, corajoso e idealista,
que queria tirar proveito às suas custas. Depois
voltou a manusear os botões de controle.
Os relatórios das forças em combate chega-
vam com a maior confusão. Depois de alguns
minutos, Al-Khor já sabia que a batalha estava
perdida. Definitivamente. A superioridade do
adversário era palpável. O que restava era um
fio, quase invisível, de esperança.
Com uma pancada da mão direita, silenciou
no rádio as vozes confusas. Todas as estações
50
passaram automaticamente para a escuta.
— A todos os oficiais! Aqui fala Al-Khor, o
comandante supremo — fez uma pequena pau-
sa para respirar. — Neste momento vamos de-
sistir do planeta Lira III e vamos enfrentar os
saltadores no espaço. Ou vencemos ou morre-
mos. Fim.
Fim! A palavra ainda estava nos ouvidos de
Al-Khor, quando se levantou para tomar as me-
didas necessárias.

***

Quando a Top II se materializou, e apareceu


nas telas de bordo o gigante vermelho de Beta,
foi como se Topthor tivesse levado uma bofeta-
da na cara.
Atônito e sem dizer uma palavra, olhava fixo
para o que tinha diante dos olhos.
Seria este o sol do planeta Terra? Jamais.
Este gigantesco olho vermelho lhe era comple-
tamente desconhecido, totalmente diferente,
tão diferente que até um cego perceberia a dife-
rença. E Topthor era tudo, menos cego.
Seu primeiro pensamento foi fazer uma liga-
ção para Cekztel e explicar o erro. Mas ficou
sentado, continuando a olhar o quadro incrível.
Procurava achar uma explicação, mas não ha-
51
via. O cérebro positrônico do departamento de
navegação jamais poderia errar. Um erro do
computador estava, pois excluído. Os dados fo-
ram lançados no próprio local da observação.
Não podia haver erro.
Topthor pensava sempre objetivamente e
assim desistiu logo de querer procurar uma ex-
plicação para o impossível. Teria tempo mais
tarde. No momento, era necessário se confor-
mar com o fato e ponderar suas conseqüências.
Primeira conseqüência: ele se poria em con-
tato com Cekztel e admitiria ter trazido a frota
toda para um lugar errado. O que aconteceria?
Topthor se sentia mal só em pensar nisso.
Todo tipo de recriminação recairia sobre ele,
embora estivesse convencido de não ter culpa
alguma. Mas quem é que queria saber disso?
Ninguém. Talvez seria expulso e teria doravante
de levar vida de pária, sem amigos e abandona-
do por todo mundo. Não, Topthor não pensava
mais em dar explicações ao velho Cekztel.
Segunda conseqüência: procuraria resolver o
enigma por conta própria, descobrir como sur-
gira o engano. Para isso, tinha primeiramente
que se manter calado e deixar seus colegas na
crença de que se tratava mesmo da Terra e do
sistema solar. Certamente não demoraria muito
até que se chegasse a descobrir o erro, pois o
52
sistema solar de Rhodan não poderia ficar aí,
sem defesa nenhuma. Não parecia haver a
mínima reação. Um outro erro, como logo se
constataria. E um erro que muito alegraria a
Topthor.
A segunda conseqüência parecia aceitável
ao superpesado.
Mas sua cabeça inteligente não parava de
pensar. A bordo da Top II encontrava-se muita
gente que havia visto a Terra naquela época.
Será que ficariam de boca fechada, quando
Topthor lhes contasse a verdade? É certo que
eram amigos do peito, como Regol e Gatzek.
Mas...
E ainda havia a possibilidade de uma confu-
são com computador.
Levantou-se bruscamente e foi examinar a
seção de navegação. Mandou sair o oficial que
estava de vigia e começou ele mesmo a conferir
os dados. Alguns minutos depois, veio o resulta-
do. Topthor o examinou e sacudiu a cabeça.
Os dados estavam certos, as coordenadas
perfeitas. Era mesmo ali no sol gigantesco de
Beta.
Sem dizer uma palavra e sem explicação, fez
sinal ao oficial de vigia para entrar novamente.
Depois voltou para a sala de comando. Deixou-
se cair pesadamente na poltrona, olhou para a
53
tela do painel e pôs-se a escutar as mensagens
do rádio. O ataque ao terceiro planeta já havia
começado.
Estava sorrindo sozinho, quando de repente
sua fisionomia se transformou. Os terranos es-
tavam resistindo desesperadamente.
Topthor parecia como que atingido por uma
descarga elétrica. Foi a segunda surpresa em
menos de dez minutos. Havia terranos neste es-
tranho sistema? Então ele estava salvo e nin-
guém descobriria o engano não intencionado.
O terceiro planeta parecia habitado e estava
sendo defendido.
Seguia com muita atenção as informações e
respirava aliviado, embora já não compreendes-
se o que estava se passando. Talvez os terranos
tenham estabelecido aqui uma base, que agora
defendiam corajosamente. Se a frota atacante
destruísse literalmente o terceiro planeta, os ter-
ranos perderiam apenas uma base, não a pátria
de Perry Rhodan.
Seguindo seu pensamento prudente, resol-
veu guardar este segredo só para si e continuar
por conta própria suas investigações. Assim foi
que abandonou a rota planejada e se aproxi-
mou do quarto planeta, para, com toda calma,
registrar os dados sobre o sistema e compará-
los com as informações do computador de bor-
54
do. O erro estaria escondido em algum lugar,
ele o descobriria.
A localização da verdadeira Terra não pode-
ria ficar perdida.

***

O saltador não respondeu. Ber-Ka, então,


não hesitou mais e mandou abrir fogo de todos
os lados.
Para sua surpresa, todos os disparos ener-
géticos se esfacelaram diante do envoltório de
proteção magnética do adversário. A distância
era agora muito pequena e uma retirada era
quase impossível.
A nave dos saltadores alterou o curso e ex-
pôs seu lado mais comprido no sentido da MV-
treze. Ber-ka sabia o que isto significava, mas
não tinha mais tempo para modificar sua posi-
ção. Mandou descarregar toda a energia dispo-
nível no seu envoltório de proteção para se de-
fender contra o ataque iminente.
Mas o saltador, desta vez, não usou raios
energéticos, e sim um torpedo com brilho de
prata, que alterando seu curso automaticamente
foi atingir em cheio a MV-treze, apesar de suas
manobras para fugir do alvo, detonando com
um clarão amarelado, perto da popa.
55
Ber-Ka sentiu o terrível solavanco. De nada
adiantou agarrar-se à poltrona. Foi lançado
para fora, rolando no chão da cabina até cho-
car-se de encontro à parede. Ouviram-se vozes,
alguém deu um comando. Logo depois outra
detonação e solavanco terrível, apagando toda
a luz. Os campos de gravitação deixaram de
funcionar e Ber-Ka estava flutuando dentro da
nave, já em queda livre contra o planeta Aqua,
sem propulsão, nem direção. A parte traseira
devia estar completamente destruída.
Ber-Ka foi impelido contra o teto, incapaz
de se movimentar. A qualquer momento, podia
o inimigo dar a ele e a sua nave o tiro de mise-
ricórdia. Mas isto não aconteceu.
A MV-treze se precipitou de encontro à su-
perfície do quarto planeta.

***

Sentado na cabina, Topthor acompanhava


curioso a luta desigual. Já quando a estranha
nave apareceu pela primeira vez, teve uma sus-
peita que lhe pareceu tão absurda que tentou
esquecê-la. Mas depois, ficou matutando que
toda aquela ação tinha sido meio maluca. Tal-
vez pudesse esclarecer um pouco mais o enig-
ma, se conseguisse conversar com aqueles ter-
56
ranos. Deviam estar desesperados, é claro. Ti-
nham que estar convencidos de que se encon-
travam nas mãos dos vencedores, do contrário
jamais diriam a verdade.
Mas, seriam mesmo terranos?
Topthor ficou olhando a nave alongada,
como um torpedo, com uma saliência abaulada
no centro, caindo ao lado deles, e ainda dispos-
tos a um novo ataque. Já havia visto em algum
lugar este tipo de construção. Os tópsidas? Seu
império não era nas proximidades da Terra?
Ou se tinham aliado com os terranos?
O ataque não surtiu efeito. Então um torpe-
do atingiu a popa do aparelho, destruindo as
instalações de propulsão dos desconhecidos.
Sem sua sustentação mecânica, a nave se preci-
pitou contra o planeta.
Topthor seguia tudo com atenção. Não dava
nenhum sinal de querer socorrer os vencidos ou
de pretender aniquilar os restos de sua nave.
Aparentemente imóvel, ele flutuava ao lado da
MV-treze, esperando alguma coisa.
Duas horas se passaram, duas longas horas
em que um certo Ber-Ka passou por um verda-
deiro inferno e ficou mais exausto ainda. O pla-
neta já estava maior e através das nuvens já se
via o continente. Podia-se já ouvir o sibilar do
vento nas camadas mais elevadas da atmosfera.
57
Topthor, então, resolveu agir.
Aproximou-se com a Top II da nave que es-
tava caindo. Ganchos magnéticos iam saindo
lentamente da carcaça da Top II, envolvendo o
bojo da nau destroçada e detendo-lhe a queda.
Voltou então a gravidade, quando as duas naves
começaram a dar volta em torno do planeta,
numa leve parábola. Acabaram aterrissando
num planalto, próximo ao litoral.
Topthor não ficou parado nesse meio tem-
po. De pé, na escotilha aberta, esperava, com a
pistola de raios na mão, a saída dos sobreviven-
tes da nave capturada. Mas não havia contado
com a intrepidez suicida dos tópsidas. Ao abrir
uma clarabóia do lado direito da MV-treze, pro-
vocou suspeita nos tópsidas. Salvou-se com um
pulo imediato para a escotilha, entrando logo
para a cabina de comando, onde Gatzek havia
observado o incidente. Num gesto rápido, ligou
o envoltório magnético de proteção.
Infelizmente com uma fração de segundo de
atraso.
Um denso jato energético amarelado partiu
da MV-treze, atingindo a Top II bem no meio.
Seguiu-se um estrondo, como a descarga de um
reator e a grande espaçonave dos saltadores
partiu-se, exatamente antes de o envoltório ser
ligado.
58
De um momento para outro, ali estavam
duas naves arruinadas e, em cada uma delas, o
pensamento era o mesmo: aproveitar um des-
cuido do adversário, para destruí-lo.
Topthor amaldiçoou sua leviandade, mas de-
pois se conformou. Olhou calmo para os olhos
arregalados de Gatzek.
— Examinar a instalação de energia, obser-
var a capacidade de funcionamento da central
de navegação e de rádio, apresentando o resul-
tado imediatamente. Depois do conserto, testar
a possibilidade de manobrar a Top II.
Gatzek, um tanto hesitante:
— Que fazer com este ferro velho aí ao
lado, que nos partiu ao meio? Devo mandar
matar os adversários?
— Deixa disso, Gatzek. Quero conversar
com estes rapazes. Acho que vamos ter muitas
surpresas.
— Meu estoque de surpresas está abarrota-
do — protestou o oficial, deixando a cabina de
comando.
Topthor acompanhou-o com um sorriso. Le-
vantou-se e foi para a central de rádio. Regol
estava diante dos aparelhos, realizando os pri-
meiros controles. Os alto-falantes emitiam sons
ininteligíveis — sinal de que ao menos isto esta-
va funcionando.
59
— Ligação com Cekztel? — perguntou Top-
thor.
Regol sacudiu a cabeça, sem olhar para trás.
— Ainda não. Eles não têm tempo agora, os
terranos entraram em luta renhida, mas acho
que vão perder. A supernave de Rhodan foi lo-
calizada muitas vezes.
Topthor quase perdeu a fala:
— A supernave de Rhodan?
Regol concordou espantado:
— Sim, a Titan, como foi batizada a grande
nave. Além dela, estão participando da defesa
da Terra dez cruzadores pesados dos arcônidas.
— E eles estão perdendo? — perguntou
Topthor incrédulo. — Algo não está certo. Tem
certeza disso?
— As mensagens o dizem claramente, Top-
thor. Não há dúvida de que superestimamos o
poderio bélico da Terra. Aliás, já há muito tem-
po queria lhe fazer uma pergunta: você não re-
parou uma alteração no sol? Se não me enga-
no, a Terra tinha um sol menor, amarelado. E
agora...
— Eu sei — interrompeu-o Topthor impaci-
ente. — Ainda falaremos mais tarde sobre isto.
Agora não temos tempo, pois há problemas
mais importantes que temos de resolver. Vamos
tentar ligação pelo rádio com a nave abatida
60
aqui ao lado. Regol sorriu malicioso.
— Já estou tentando isto há tempo. Nin-
guém responde. Quem sabe o rádio deles foi
destruído?
— Então, não há outro meio — disse Top-
thor — tenho que me apresentar de novo na
escotilha deles, com uma bandeirinha branca na
mão, para lhes mostrar nossa vontade de paz.
— Não sei se os terranos vão concordar —
duvidou Regol.
Topthor, que já estava na porta, virou-se
para trás:
— Quem é que disse que os rapazes da nave
ao lado são terranos?
De olhos arregalados, Regol ficou olhando
seu comandante.

O cérebro robotizado da navegação posi-


trônica da Centauro não parava um instante.
Mal o pesado cruzador se materializava em
qualquer lugar, no meio das naves dos tópsidas
e desfechava uma descarga de raios energéti-
cos, mais ou menos eficientes, contra as naves
atacantes dos superpesados, já estava na hora
de pular para o hiperespaço, desaparecendo to-
talmente. Quase que ao mesmo tempo, apare-
61
cia ela em outro lugar.
Major Deringhouse suava, mas entusiasma-
do com a operação. Capitão Lamanche, seu
substituto e primeiro-oficial, gritava sem parar,
dando ordens e cuidando que as transições se
processassem o mais rápido possível. Já que as
mesmas manobras eram executadas simultanea-
mente também por Rhodan com a Titan e por
McClears com a Terra, os superpesados tinham
a impressão de que estavam em atividade pelo
menos três ou quatro belonaves tipo Império e
uns dez cruzadores pesados.
E, no entanto, os “terranos” estavam per-
dendo. Razão para isto, eram, em primeiro pla-
no, as naves dos tópsidas, demasiadamente len-
tas, não estando pois à altura do ataque dos sal-
tadores. Se a Titan tivesse aplicado toda sua
força, a luta estaria bem diferente. Mas, com-
preensivelmente, não era esta a intenção de
Rhodan. Os saltadores deviam vencer e sair
com a convicção de haverem derrotado a Ter-
ra. E, naturalmente, a frota dos terranos.
Deringhouse tirou os olhos dos controles e
olhou para Marshall que estava entrando na ca-
bina.
— Então — perguntou excitado — já obteve
algum resultado?
— Desta vez, você poderia apostar tranqüila-
62
mente com Gucky — respondeu o telepata. —
Ainda não temos nenhum indício da presença
de Topthor. Estou duvidando de que tenha to-
mado parte no ataque.
— Impossível — disse Deringhouse, sacudin-
do a cabeça. — Recebemos um rádio informan-
do que Topthor toma parte no ataque. Você se
utilizou somente de Gucky?
— Naturalmente, não. Todos os telepatas se
esforçaram para captar impulsos do superpesa-
do. Ras Tschubai esteve em várias naves deles,
mas não encontrou Topthor. Em compensação,
em cada nave em que chegava, o susto da tri-
pulação em ver surgir do nada um fantasma
preto, quase enlouquecia-os.
— Ótimo — disse o major. — Para os ata-
cantes, a teleportação é prova cabal de que se
trata dos homens de Perry Rhodan.
— Também Gucky se teleportou muitas ve-
zes. Poderia ter levado de cada vez uma bomba
atômica e destruído a nave inimiga, porém não
nos teria adiantado nada. Mas, falando sincera-
mente, é doloroso para mim, para nós todos,
ter que perder uma guerra que a gente ganharia
com tanta facilidade.
— A Via Láctea inteira deve estar crente de
que fomos destruídos. Mas para isso, Topthor
tem que ser encontrado. Se ele perder a calma
63
e denunciar a seus amigos que destruíram um
planeta errado, toda nossa astúcia não valeu de
nada. E até agora, tudo funcionou tão bem.
— Vamos continuar procurando — disse
Marshall, encorajando Deringhouse. — Temos
de encontrá-lo. Não pode ficar eternamente es-
condido.
— Esperamos que não — respondeu
Marshall, dando ordens para o próximo salto
que o levou para um choque entre dois cruzado-
res dos tópsidas e uma enorme nave cilíndrica
dos saltadores.

***

Na escotilha aberta, estava Topthor esperan-


do, olhando firme para o pequeno aparelho dos
desconhecidos. Quem estaria lá dentro? Terra-
nos?
Tinha quase certeza que não encontraria ne-
nhum terrano lá dentro. Uma simples consulta
no seu catálogo lhe dava esta quase certeza.
Naves deste tipo eram construídas pelos tópsi-
das.
Estariam os sáurios realmente aliados aos
terranos? Que sentido teria isto? Será que Rho-
dan não representava nenhum perigo para seu
império?
64
Tinha de descobrir isto e só por este motivo
é que estava expondo a vida. Talvez seria res-
pondida também sua outra pergunta: por que a
positrônica de sua nave teria errado daquele jei-
to?
Para lá do planalto, começava a floresta vir-
gem. Ia em declive para a planície. Somente ao
longe, no horizonte, surgia uma nova cadeia de
montanhas, limitando a visão. Mais para a es-
querda cintilava o mar que era quase noventa
por cento deste planeta. Era um mundo agradá-
vel, pena que não tinha habitantes inteligentes,
com quem se pudesse tratar.
Ou existiriam? O que faziam, então, aqui os
sáurios?
Os olhos de Topthor perceberam um movi-
mento nos escombros da nave tópsida. Deva-
gar, abriu-se uma escotilha, como se fosse em-
purrada à mão. Aparentemente toda a instala-
ção da nave parecia destruída. Apareceu então
uma espécie de mão. Apesar de Topthor estar
mentalmente preparado, foi grande seu susto.
Era a mão de um réptil, coberta de escamas: a
mão de um tópsida.
Até que enfim. Se, nesta horrível batalha,
não tivessem sido vistas naves esféricas de Rho-
dan, tudo resultaria então numa hipótese fan-
tástica. Pensando nisto, Topthor sorria malicio-
65
so, pensando estar bem próximo da elucidação
da verdade.
Um tópsida apareceu na escotilha completa-
mente aberta, de mãos levantadas e desarmado.
Topthor também mostrou as mãos vazias e fa-
lou em Intercosmo:
— É melhor pararmos de lutar um contra o
outro, do contrário estamos perdidos. Ninguém
nos ajudará. Mas se nós combinarmos, achare-
mos um caminho.
Ber-Ka parou desconfiado.
— Por que não nos destruiu já no espaço?
Podia ter feito, sem que pudéssemos nos defen-
der.
Topthor sorriu amavelmente.
— Tenho minhas razões, tópsida. Vamos
conversar com mais calma. Acho que teremos
muita surpresa.
— Tinha o mesmo desejo, mesmo antes de
atacá-lo.
Topthor ouvia com atenção. Tudo se enca-
minhava bem.
— Sua instalação de rádio ainda está funcio-
nando?
— Não, foi destruída.
— A minha funciona ainda, ao menos para
receber. Não pudemos ainda examinar o trans-
missor, mesmo porque não estamos interessa-
66
dos em que os outros nos descubram. Venha,
tópsida, encontremo-nos ali naquela rocha. Es-
tou desarmado, mas minha gente está vigiando.
Se quiser, pode tomar também as mesmas pro-
vidências.
Sem esperar resposta, Topthor desceu os
poucos degraus da escada desdobrada e num
pulo atingiu o solo. Sua cintura estava vazia,
porém no fundo do bolso de seu capote escon-
dia uma minipistola, para qualquer emergência.
Ber-Ka hesitou um pouco, mas percebeu
que não lhe restava alternativa, tinha que acei-
tar a proposta do superpesado.
Quem sabe, o saltador estava sendo hones-
to. Levantou os braços escamados, numa es-
pécie de saudação e gritou umas ordens para a
tripulação de sua nave. Depois saltou para o
solo do planeta das águas, dirigindo-se calma-
mente para o ponto de encontro.
Encontraram-se aos pés do rochedo. Top-
thor examinava mais detalhadamente o tópsida.
Pelo muito que os conhecia, era um exemplar
ainda jovem da estranha raça dos sáurios, com
quem se defrontavam de vez em quando. Não
se podia chamá-los de inimigos, pois de qual-
quer maneira, tinham em comum com os salta-
dores um grande ódio aos arcônidas. Mais es-
tranho de tudo era esta guerra que se travava
67
no momento.
— Meu nome é Topthor, sou patriarca de
minha estirpe e comandante desta, outrora,
bela nave. — Virou-se para trás, apontando
para o enorme cilindro partido ao meio. —
Devo supor, naturalmente, que você é oficial e
comandante da nave abatida.
Ber-Ka confirmou com a cabeça. Seu sota-
que era perceptível, mas falava corretamente o
intercosmo.
— Sou Ber-Ka, comandante do cruzador de
patrulhamento MV-treze, que o senhor obrigou
a aterrissar, tornando-o incapaz de funcionar. O
que lucramos com isto?
— O que lucrará alguém desta maldita guer-
ra? — perguntou Topthor com unção na voz.
— Eu sou, certamente, o último a desejá-la.
— Quem seria então o responsável? Fomos
nós que atacamos, ou foram os saltadores que
vieram para cá com a intenção de destruir todo
o sistema?
Ber-Ka estudou a fisionomia do interlocutor
e percebeu nele uma sincera curiosidade. Não
compreendia por quê.
— Prendemos, há poucos dias, alguns salta-
dores, não os superpesados, e os interrogamos.
Confessaram que estavam planejando um gran-
de ataque ao nosso sistema.
68
Topthor ficou perplexo.
— Saltadores? Saltadores normais? Não sa-
bemos nada disso. Ninguém tinha conhecimen-
to desta ação que foi preparada sob o maior si-
gilo. Quem teria sido o traidor? Há algum deta-
lhe deles, Ber-Ka?
— Por que o senhor está tão interessado nis-
so?
— Porque não pode ter havido traidores e
porque o meu trabalho preferido é explicar o
impossível.
Ber-Ka ficou olhando muito tempo para o
superpesado e não descobriu nos seus olhos ou-
tra coisa, a não ser curiosidade.
— Há poucos dias atrás, aterrissaram salta-
dores neste planeta. Aliás, não aterrissaram por
vontade própria, nós os forçamos a descer por
meio de raios de atração. O comandante foi
aprisionado. Uma outra nave, bem menor, caiu
também em nosso poder. Acho que o senhor
sabe que nós mantemos uma base neste plane-
ta.
— Cheguei também a este conhecimento
agora — disse Topthor. — Mas continuemos.
Quem eram estes saltadores?
— Não sei exatamente, mas Al-Khor certa-
mente poderá informar. Ele interrogou os prisi-
oneiros que mais tarde acabaram fugindo.
69
— Fugiram? — a confusão de Topthor era
grande. — Já não estou compreendendo mais
nada. Como foi possível fugir?
— Os nativos do fundo do mar os ajudaram.
Devem ter feito aliança com eles.
— Nativos? Você está afirmando que neste
“mundo d’água” há seres inteligentes?
— Animais inofensivos com um vestígio de
inteligência — disse Ber-Ka, tentando diminuir
o valor destes animais. — Não têm a menor im-
portância.
— De qualquer maneira, vocês instalaram
esta base aqui por causa deles, não é verdade?
Mas, seja o que for, quero saber quem eram os
saltadores aprisionados que depois fugiram. As
naves não tinham inscrições do clã de origem?
— Não, tinham apenas um nome, mas não
sei qual era. Uma delas era de construção es-
férica e a outra uma espécie de disco voador.
— Construção esférica? — repetiu Topthor,
destacando as sílabas. — Construção esférica
dos arcônidas ou dos terranos?
— Terranos?
Topthor deixou de lado a pergunta.
— Não há nenhum saltador que possua nave
esférica, fora alguns milionários extravagantes
que se dão ao luxo de comprarem estas naves
conquistadas dos arcônidas. Mas estes não têm
70
nada a ver com nossa ação.
— No entanto, eram saltadores, eles mes-
mos o confessaram. Acho, porém, que agora,
depois de responder de boa vontade todas as
suas perguntas, tenho o direito de lhe fazer al-
gumas.
— Com todo prazer, mas antes, apenas uma
informação: em que planeta os senhores têm
sua base, no quarto ou no terceiro?
— Não há inconveniente algum em o se-
nhor saber isto: no quarto. Nós defendemos
apenas o terceiro planeta, para afastá-los do
precioso “mundo d’água”.
Topthor mergulhou em profundos pensa-
mentos.
— Pergunte o que quiser — disse ele meio
aéreo.
Ber-Ka aproveitou a oportunidade.
— Por que os senhores atacaram nosso sis-
tema? De onde é que sabiam de nossa base?
A resposta de Topthor não veio logo, estava
tão ocupado com seus pensamentos, que o tóp-
sida teve que repetir as duas perguntas.
— Por que atacamos vocês? Meu caro Ber-
Ka, não é tão fácil explicar isto. De início, te-
nho que dizer que não sabíamos que aqui havia
uma base dos tópsidas. É difícil de acreditar,
mas nós estávamos certos de que aqui seria o
71
planeta pátrio dos terranos, de quem você já
deve ter ouvido falar. Ou o nome Perry Rhodan
não significa nada para você?
— Perry Rhodan...? — repetiu o tópsida re-
fletindo um pouco. — Sim, acho que já ouvi fa-
lar dele. Uma expedição nossa se encontrou
com ele num sistema nas proximidades da Ter-
ra, acho eu; para falar a verdade, nós julgáva-
mos que fosse a Terra. Infelizmente não tive-
mos sorte nesta guerra, fomos obrigados a fu-
gir.
— Estes saltadores que vocês prenderam,
como é que pareciam?
— Ora, como os saltadores parecem. Hu-
manóides, esbeltos, falando um intercosmo per-
feito.
— Os terranos também falam perfeitamente
o intercosmo.
— Por que teriam de simular outra identida-
de?
— Esta também é uma pergunta que eu
faço, Ber-Ka. Sabe o que estou começando a
suspeitar? Estou quase acreditando que fomos
vítimas de uma trapaça muito bem arquitetada.
Sabe quem eram seus prisioneiros? Não? Então
vou lhe contar: eram terranos, aliás, terranos
que vieram para cá em missão de Rhodan e de-
nunciaram a vocês, que nós, os saltadores, ten-
72
cionávamos fazer um ataque aos tópsidas. Só
gostaria de saber como é que eles sabiam da
nossa intenção e por que meios chegaram à
conclusão de que as coordenadas estavam erra-
das.
— Quais coordenadas?
— As coordenadas da Terra que estavam re-
gistradas no meu computador de bordo.
Ber-Ka se assustou.
— Quer dizer que o senhor conhece a posi-
ção do planeta pátrio de Rhodan?
— Sim, pensava que conhecia, há muito
tempo. Mas, acho que você não me vai acredi-
tar quando eu lhe disser que estas coordenadas
davam este gigantesco sol vermelho como sen-
do o sol da Terra. Minha positrônica se enga-
nou, dando-nos coordenadas falsas. Rhodan já
devia saber disso.
— Isto é... — Ber-Ka começou a gaguejar e
parou de falar.
Topthor olhou para ele e continuou:
— Parece coisa impossível, mas é assim
mesmo. Não há outra explicação para o enig-
ma. E enquanto estamos sentados aqui e procu-
ramos resolver o enigma, lá em cima no espaço
a sua e a minha frota se destroem. Temos que
fazer alguma coisa.
— Minha estação de rádio não funciona —
73
disse o tópsida.
— Também não tenho certeza se meu rádio
está bom. Mas uma coisa é certa, Ber-Ka: aque-
les saltadores, que se deixaram prender com
tanta facilidade, com o único intuito de enganá-
los, eram gente de Rhodan. Terranos. E vocês
os deixaram fugir. Seu comandante devia ser
esquartejado por este crime, pois ele somente é
o responsável pelo massacre que está aconte-
cendo.
— Como assim? — admirou-se Ber-Ka.
— Se os senhores não tivessem atacado,
não aconteceria nada.
Topthor nada respondeu. Olhou para a es-
cotilha da Top II e viu o rosto de Regol, que fi-
tava medroso pelo canto da abertura.
— Alô, Regol, como está a instalação de rá-
dio?
— Não funciona, Top. Chamamos uma
nave que passava perto, não houve resposta.
Tenho receio de que...
Topthor, suspirando, fez um sinal para Ber-
Ka.
— Também tenho receio, tópsida. Tenho
receio de que temos que tirar férias aqui no
“mundo d’água”, até que a sorte da guerra este-
ja decidida. Mas, qualquer que seja o resultado,
o verdadeiro e único vencedor se chama Rho-
74
dan. É realmente uma vergonha que este ho-
mem não seja um saltador. Como são geniais
suas jogadas, que profundidade tem seu pensa-
mento. De que maneira maravilhosa ele sabe
fomentar intrigas, fazendo com que outros tra-
balhem para ele, sem perceberem. Falando a
verdade, daria meu braço esquerdo, se pudesse
ter Rhodan como meu aliado.
Parou de repente. Inclinou a cabeça e come-
çou a rir:
— Nem seria necessário dar o braço esquer-
do, estou me lembrando agora. Conheço um
superpesado que ganhou milhões trabalhando
com e para Rhodan. Meu amigo Talamon foi
mais prudente do que eu supunha. Agora sei
por que não quis tomar parte no ataque. Mas,
espere, velho amigo, teremos que conversar um
pouco quando eu voltar.
— Voltar...?
Topthor começou a refletir que sua volta
não era tão fácil assim, nem tão certa.
Rhodan sabia que somente um único salta-
dor é que podia descobrir o erro que vitimara
toda a frota dos superpesados. E ele, Rhodan,
haveria de fazer tudo para que esta única teste-
munha não abrisse a boca. Pois Topthor já sa-
bia todo o plano de Rhodan.
Vir ando-se para Ber-Ka, disse:
75
— Acho que vamos fazer as pazes, tópsida.
Você não vai ainda compreender bem o porquê
de nossa aliança, de sua raça e da minha. Te-
mos um inimigo comum e não podemos imagi-
nar outro mais perigoso e traiçoeiro. Um adver-
sário que até simula derrota, para, na escuridão
do esquecimento, preparar a vingança. Um dia,
Rhodan voltará e esmagará todos os povos da
Galáxia que não se tornarem seus amigos.
— Não estou compreendendo tudo...
— Também não é necessário, Ber-Ka. No
momento não lhe resta outra opção, a não ser
aceitar minha proposta. Tente consertar seu
transmissor. Você receberá de nós a energia
necessária. Nosso gerador principal ainda funci-
ona.
Acenou para o jovem sáurio e voltou para
sua própria escotilha.
Ber-Ka ainda ficou parado uns instantes, de-
pois, arrastando os pés, encaminhou-se para as
ruínas de sua nave. Na cabeça, rodopiavam-lhe
milhares de perguntas sem resposta.

***

— Já percorri quase todas as naves, mas


não se consegue ver Topthor.
Gucky estava sentado apático na cabina de
76
comando, olhando desconsolado para Dering-
house. O fato de não ter encontrado Topthor o
aborrecia menos do que perder uma aposta,
principalmente quando o apostador era Dering-
house.
— Quem sabe Topthor morreu logo no iní-
cio da batalha e sua nave foi destroçada? Então
o problema já estaria automaticamente resolvi-
do.
— Rhodan quer ter certeza — disse
Marshall. — Betty Toufry diz ter recebido, por
uns instantes, impulsos que poderiam ser de
Topthor.
— Como é que ela pode reconhecer isto? —
duvidou o rato-castor, esticando as orelhas. Os
músculos de suas patas traseiras se retesaram
para o salto. — E em que região ela ouviu os
impulsos?
— Naturalmente no sistema Beta — expli-
cou Marshall. — Na direção do espaço interes-
telar.
— Bobagem — disse Gucky. — Na direção
do planeta Aqua. Está bem na direção indicada.
Marshall queria protestar, mas, de repente,
seus olhos se comprimiram. Olhou para Dering-
house demoradamente e depois virou-se para
Gucky.
— Parece que não é bobagem não, meu
77
caro. Vou conversar com Betty.
— Eu vou junto — ofereceu-se o rato-castor,
pulando de seu sofá. — E se você quiser, ainda
estou pronto para fazer outra aposta.
— Desta vez você não vai arranjar outra víti-
ma, eu lhe garanto — disse Marshall, desapare-
cendo no corredor.
Gucky parecia convencido da vitória.
Deringhouse estava olhando para os dois
mutantes que saíam, quando ouviu o zumbido
da instalação de rádio. Apertou um botão, mas
a tela continuou apagada. Mas uma voz conhe-
cida, apesar de desfigurada pelo dispositivo de
decodificação, falava no alto-falante:
— A derrota dos tópsidas está iminente.
Deve-se esperar que os saltadores destruam até
a última nave dos tópsidas, antes de executa-
rem sua última tarefa que é de explodirem a su-
posta Terra. Talvez transformarão o planeta
das matas virgens numa imensa fogueira. Os
nossos amigos aquáticos, os homens-peixes,
não terão nada contra, caso a temperatura mé-
dia de seu mundo se elevar um pouco. Informes
recém-chegados dão conta de que acabam de
aparecer mais duzentas naves vindas de Topsid.
Vai atrasar a derrota dos sáurios por algumas
horas. E vocês, como vão? Já descobriram
Topthor?
78
— Ainda não, senhor — respondeu Dering-
house abatido. — Talvez tenhamos achado uma
pista. Marshall saiu para averiguá-la.
— Temos que silenciar Topthor — ordenou
Rhodan. — Não resta dúvida de que não vai fi-
car de boca fechada. Já é a segunda vez que
este superpesado tenta destruir a Terra. Se não
pudermos prendê-lo, temos de matá-lo, do con-
trário, jamais teremos sossego.
— Se o encontrarmos, senhor, haveremos
de liquidá-lo.
A voz de Rhodan parecia cansada, quando
falou:
— Talvez já tenha morrido em combate, o
que me pouparia muita preocupação. De qual-
quer maneira, temos de ter certeza de que está
morto. Se ninguém achar este malandro, toda a
ação foi inútil. Topthor é o único que pode des-
vendar o segredo e contar tudo aos tópsidas. E
isso, temos de impedir de qualquer maneira.
Onde está Gucky?
— Com Marshall, conversando com miss-
Toufry.
— Mande chamá-lo, Deringhouse, tenho um
plano para ele.
Menos de dez segundos após, Gucky se ma-
terializou na cabina, e ficou olhando para a tela
escura.
79
— O senhor me chamou, chefe? — chilreou
Gucky alegre. Do cansaço que sentia antes, não
se via mais nada. — Acho que descobrimos as
pegadas de Topthor.
— Ainda está vivo? — perguntou Rhodan.
— Se as pegadas são quentes, então sim.
Por quê?
— Descubra Topthor, Gucky, é muito im-
portante. Toda esta batalha entre superpesados
e tópsidas não terá nenhuma importância, mes-
mo a destruição da suposta Terra não tem inte-
resse algum, se Topthor continuar vivo e espa-
lhar o segredo do engano. Você me compreen-
deu?
A voz de Rhodan era séria, mas foi se tor-
nando mais suave.
— Ouça bem, meu amigo, se você conseguir
saber alguma coisa com certeza sobre Topthor,
eu lhe arranjo um armazém inteiro de cenoura.
Por alguns segundos, o silêncio se fez com-
pleto, depois se ouviu o guincho alegre de
Gucky, dançando numa perna só através da ca-
bina, quase tropeçando nos pés do comandan-
te.
— Será maravilhoso, durante dois anos não
vou mais precisar fazer apostas e não há coisa
que eu odeie tanto como apostar. Será feito,
chefe. Em uma hora, terei Topthor nas mãos...
80
e o armazém de cenoura.
Rhodan riu à vontade.
— Felicidades, Gucky, para você e para to-
dos nós.
O alto-falante emudeceu.
Gucky ficou ainda um pouco sentado, de-
pois se apoiou no largo traseiro. Seus olhos le-
ais de cão de fila pousaram no rosto de Dering-
house. O dente incisivo de roedor estava à vis-
ta, o que significava muito boa disposição por
parte de seu dono.
— Então, Gucky?
Deringhouse se esforçava para parecer sé-
rio.
— Quer apostar dois quilos, que você não
vai encontrar Topthor?
O rato-castor foi se retirando sem mesmo
responder a Deringhouse, nem mesmo olhar
para ele. Antes de desaparecer ainda chilreou:
— Dois quilos? Ridículo, para quem já é pra-
ticamente milionário. Puxa, dois quilos, não se
compreende como alguém se atreve a isso...
O resto do protesto acabou. Gucky tinha se
teleportado para não se sabe onde. Por sorte,
não para o espaço aberto lá fora.

***

81
Topthor e Ber-Ka tinham naquele momento
feito um acordo. Entre eles haveria um armistí-
cio e ambos aceitavam a obrigação de procurar
ou os saltadores ou os tópsidas para esclarecê-
los sobre o horrível engano.
O transmissor da Top II não podia mais ser
consertado e também para ouvir estava muito
difícil para Topthor, se bem que as notícias não
eram nada agradáveis para o infeliz Ber-Ka. Os
tópsidas estavam já derrotados, não havia mais
dúvida. Os míseros restos da frota encontra-
vam-se encurralados e obrigados à rendição.
Muitas naves haviam se refugiado nas clareiras
da floresta virgem, sem atinarem que exatamen-
te este planeta achava-se condenado à destrui-
ção total.
O reforço de Topsid estava chegando e en-
trando logo em combate. Esta leva de forças
frescas ainda tinha um moral bem elevado e
conseguiu infligir pesados danos aos saltadores.
Logo, porém, constataram a grande superiori-
dade dos superpesados. Os tópsidas fugiram,
mas seus perseguidores não tinham piedade, fo-
ram derrubando uma nave após a outra. So-
mente as esferas espaciais de Rhodan que apa-
reciam aqui e ali, não eram atingidas.
Topthor e Ber-ka ouviam os relatórios. O
tópsida tinha perdido qualquer esperança e es-
82
tava resignado. Mas não o saltador.
— Tem que ser possível conseguir-se um
contato com uma das duas facções, Ber-Ka.
Vocês tinham uma base aqui. Fugiram todos ou
ficaram pelo menos os guardas?
— Não sei — lamentou o tópsida. — As
providências tomadas pelo comando supremo
nunca chegam ao nosso conhecimento. Talvez
existam ainda estações de rádio em funciona-
mento aqui, mas como conseguiremos contato
com elas, se não sabemos onde estão?
O sáurio fez uma pausa, depois sacudiu a ca-
beça:
— Seria lógico que investigássemos primeiro
o antigo quartel-general. Se há algum sobrevi-
vente, tem de ser lá.
— E onde é este quartel-general?
Ber-Ka apontou na direção do mar.
— Em qualquer lugar ali no litoral, numa ilha
artificial no mar. Mas não sei bem a localização,
pois não tenho idéia nenhuma do local onde
aterrissamos. Temos de procurar.
Topthor franziu a testa.
— A explosão do reator destruiu meu porão
e com isso meu planador e minha viatura. Ire-
mos a pé, mas eu acho isso impossível.
— Uma viatura nós temos também — disse
Ber-Ka, com um raio de esperança. — O plana-
83
dor infelizmente foi destruído durante seu ata-
que. Tentaremos chegar até o mar, lá a praia é
larga e bem firme, para servir de estrada. Teori-
camente temos que dar a volta toda pelo conti-
nente, para chegarmos do outro lado, encon-
trando a ilha artificial.
— Mas isto é uma excursão muito agradável
— disse Topthor em tom amargo.
Porém compreendia que não havia outro jei-
to, se não quisessem ficar ali a vida toda.
— Qual é o tamanho de sua viatura?
— Se quisermos levar bastante mantimento
e água suficiente, proporia uma tripulação de
dois homens e, naturalmente, o armamento
correspondente. Não sabemos por quanto tem-
po teremos de viajar.
O superpesado ficou pensativo. Depois aba-
nou a cabeça, concordando:
— Está bem, Ber-Ka.
Olhou para o céu, o sol estava a pino e o
calor era enorme.
— Vamos partir logo, cada hora é preciosa.
Embora não tenha esperança de chegar a tem-
po. Mas é indispensável que todos saibam do
grande erro, que prejudicará toda a Via Láctea.
Os preparativos se fizeram em pouco tem-
po. Abriram um rombo no bojo da nave tópsi-
da, colocaram umas vigas para deslizamento e
84
um carro pesado rolou para o chão do planeta.
Tinha rodas e esteira, podia, pois ser utilizado
em qualquer tipo de terreno. Uma pequena me-
tralhadora de raios energéticos podia girar em
todos os sentidos, oferecendo assim proteção
contra os ataques. O diminuto reator em seu in-
terior tinha energia suficiente para o carro ro-
dar ininterruptamente por mais de cem anos.
Caixas com mantimentos foram empilhadas
e o reservatório recebeu bastante água. Ber-Ka
deu as últimas instruções à sua tripulação, de-
pois virou-se para Topthor.
— Podemos partir. Acho que vamos atingir
o litoral em duas ou três horas. Depois será
mais fácil.
— O que há com os habitantes da água?
Ber-Ka tentou despistar.
— Não precisa se preocupar com eles, são
pacíficos e não possuem armas. Nem tomam
conhecimento de nós. Temos apenas que cui-
dar para que ninguém dos seus ou dos nossos
nos veja e abra fogo sobre nós. Este é o grande
perigo que corremos. O único. Nosso tratado
de paz particular não vale para os outros.
Topthor examinou sua pistola de raios.
— Vamos obrigá-los a fazer a paz — disse
ele ameaçador, entrando na cabina do carro,
que dava normalmente para quatro tópsidas.
85
Quando Ber-Ka se sentou ao lado dele, todo
o espaço estava ocupado.
— Por todos os espíritos do espaço — disse
o tópsida em tom de brincadeira — não é à toa
que todo mundo chama seu povo de os “super-
pesados”.
Topthor sorriu amavelmente.
— Somos realmente pesados, mas não ape-
nas no sentido físico — explicou ele, olhando
para a máquina.
Os que ficaram nas duas naves viram a viatu-
ra desaparecer logo na mata virgem, voltando
para seus lugares.
Ber-Ka na direção, encontrava sempre uma
clareira ou um trecho com pouca vegetação por
baixo, para conseguir ir rompendo com as po-
derosas lagartas. E quando lhe havia pela frente
grossos troncos de árvores, que não podiam ser
contornados, entrava em ação o termo-radiador
de bordo. Assim foi que diversos montões de
cinza fumegante assinalavam o caminho que
Ber-Ka e Topthor iam seguindo, na primeira
hora de viagem, floresta adentro. Passou a tar-
de e veio a noite. Detiveram-se numa clareira e
se prepararam para o repouso noturno. É claro
que podiam ter continuado, mas temiam cha-
mar a atenção pelo clarão do farol.
A calefação espalhava um calor agradável na
86
cabina. Tão diferentes, os dois indivíduos fize-
ram sua primeira refeição e se deitaram para o
repouso.
Em volta deles, era o silêncio e a calma. Ne-
nhuma lua para iluminar as tristes sombras da
floresta desconhecida, onde poderiam estar es-
condidos inimigos invisíveis. Nada se movia.
Em algum lugar, altas ondas estariam rebentan-
do no litoral e banhando as pilastras de aço que
sustentavam a ilha artificial. Isto podia ser a
uma distância de dez quilômetros, mas podia
também ser a mil quilômetros.
Topthor teve um sono muito perturbado.
Acordou muitas vezes. Ficava então ouvindo a
respiração compassada de seu aliado não inten-
cional, que ele aos poucos começava a invejar.
Quando ele virava a massa bruta de seu corpo
para o outro lado, o carro balançava. É verdade
que o Jovem tópsida não percebia nada disso,
seu sono era profundo.
Afinal clareou o dia. No leste, o céu se colo-
riu com todos os matizes do arco-íris. O sol ver-
melho galgou, gigantesco, as grimpas das árvo-
res.
Topthor acordou Ber-Ka.
— Já é hora de nos pormos a caminho, já
perdemos muito tempo. Certamente a batalha
já terminou, mas ninguém sabe ao certo o que
87
aconteceu. Você prepara a refeição matinal?
Enquanto o tópsida preparava uma refeição
leve, Topthor desceu da cabina e deu umas vol-
tas. Estava convencido de ter ouvido certos ruí-
dos durante a noite. Se alguém tivesse andado
pela redondeza, devia ter deixado rastros. Esta-
va também intimamente convencido que tinham
errado um pouco o caminho e queria averiguar.
Na clareira não se notava nada de extraordi-
nário. Nenhum afastamento de galhos ou ra-
mos quebrados levava à idéia de que alguém ti-
vesse passado por ali. Não havia animais na flo-
resta, como Ber-Ka havia dito, pelo menos não
animais maiores. O pé de Topthor já estava
preparado para o próximo passo, quando es-
tancou de repente. Ficou parado com o pé no
ar. Seus olhos ficaram estarrecidos, olhando in-
crédulos uma pegada de algo que se arrastava,
vindo da floresta para a clareira, dando uma
volta em torno do carro e desaparecendo do
outro lado na vegetação baixa. Nenhum galho
quebrado, como se o rastro fosse de algo que
se arrastasse.
Topthor voltou lentamente para a viatura.
Ber-Ka já sabia do que se tratava.
— Não se preocupe, Topthor, são os seres
da água. Às vezes vêm à terra, mas voltam logo
a seu elemento. Se o senhor viu o rastro deles
88
lá fora, é sinal que o mar não está muito longe.
Portanto, estamos alcançando o que queremos.
E agora, venha tomar sua refeição para que
possamos continuar.
Topthor olhou mais uma vez para as pega-
das e se espremeu para entrar pela porta do
carro, para ele estreita demais.
Apesar da perspectiva de alcançar o mar em
breve, não sentiu muito apetite com a comida
que o tópsida lhe preparara, não por causa da
comida em si. Talvez fosse a incerteza do que
tinha pela frente, que lhe tirou o apetite.

Foi mais ou menos por esta hora que a últi-


ma nave de Al-Khor foi destruída. A frota dos
tópsidas não existia mais.
O último comunicado do rádio, que saiu do
terceiro planeta, dava conta ao Ditador do Im-
pério Estelar Tópsida de que suas tropas havi-
am cumprido seu dever e haviam resistido ao
inimigo invasor até a última gota de sangue.
Topsid não respondeu.

***

Rhodan percebeu que alguém entrava na ca-


89
bina. Era o Dr. Certch, o psicólogo dos robôs.
O pensamento cada vez mais independente dos
cérebros positrônicos e eletrônicos tornou ne-
cessário criar uma especialização científica. Era,
portanto, missão de Certch supervisionar os
complicados processos de pensamento dos ro-
bôs e prever como seus cérebros decidiriam em
cada caso concreto.
— Então, doutor, o senhor por aqui? Pensa-
va que o senhor não se preocuparia com coisas
tão pequenas como batalhas espaciais.
— Não estou realmente preocupado com
isso, senhor — disse Certch sorrindo, mas em
sua voz havia um vislumbre de seriedade, que
Rhodan logo percebeu. — Há, no entanto,
acontecimentos que não podem ser menospre-
zados.
— E quais seriam eles? — perguntou Rho-
dan, empurrando as mensagens de rádio para
trás, recebidas nos últimos sessenta minutos.
Confirmavam o que já se sabia. Os superpesa-
dos conseguiram a vitória e agora se prepara-
vam para desfechar o último golpe contra a
“Terra”. Cekztel tinha mandado preparar a
bomba arcônida.
— O senhor sabe que construí para mim
mesmo um pequeno cérebro positrônico, a que
dei o nome de Max. Max é uma calculadora, se
90
assim posso me exprimir.
Um psicólogo mecânico que pode prever e
calcular todos os processos de pensamento de
seus irmãos maiores. Estive “conversando” mui-
to tempo com Max.
— E que é que ele diz? — queria saber Rho-
dan, que conhecia a profundidade do cientista e
a respeitava. Por mais de uma vez, Dr. Certch
tinha provado ser entendido nos pensamentos
lógicos dos cérebros mecânicos. — Esperamos
que sejam previsões boas.
— Max está preocupado por causa do cére-
bro positrônico na belonave de Topthor. Temos
que supor, de acordo com o que aconteceu até
agora, que o próprio Topthor está interessado
em disfarçar o erro. Há, no entanto, uma hipó-
tese bem justificada — dizia Max — de que o
cérebro pense diferente e esteja decidido a es-
clarecer o erro. E Max ainda é de opinião de
que, mais cedo ou mais tarde, a trapaça dos
mutantes será descoberta e a alteração feita por
eles virá à luz. Com outras palavras: os saltado-
res haverão de notar que destruíram, não a Ter-
ra, mas um pobre planeta inofensivo.
— Suposto, naturalmente, que Topthor e
sua nave não tenham sido atingidos por uma
descarga energética.
Certch confirmou com um movimento da
91
cabeça.
— Naturalmente. Mas não sabemos se ele
morreu em combate. E mesmo que tenha mor-
rido, ainda existe a possibilidade de que sua
nave esteja apenas danificada e seja um dia en-
contrada. Então o robô terá tempo suficiente
para esclarecer o enigma. Se o senhor quiser
estar bem convencido de que sua jogada deu
certo, então terá de providenciar para que a
nave de Topthor seja completamente destruída.
— Concordo com o senhor, doutor. Mas an-
tes de tudo, temos que encontrar Topthor e sua
nave. Conforme meus cálculos, os saltadores
ainda estarão ocupados por algum tempo em
salvar seus sobreviventes e colocar a salvo suas
naves ainda aproveitáveis. Somente depois dis-
so é que vão destruir o terceiro planeta. Depois
de se retirarem deste planeta, será tarde para
nós. Temos, portanto, pouco tempo para elimi-
nar o perigoso Topthor. John Marshall e seus
mutantes estão fazendo todos os esforços para
conseguirem isto. No entanto, até agora, sem
resultado.
— Espero que sejam bem sucedidos — disse
Certch.
— Tudo depende exclusivamente disto —
disse Rhodan, acenando para Certch que estava
deixando a cabina. Praticamente estava deixan-
92
do a solução do problema nas mãos de Marshall
que saía da seção dos mutantes, acompanhado
de Betty Toufry, para falar com Rhodan. Cert-
ch, curioso, os seguiu. Sua despedida da cabina
fora muito curta.
— Betty teve impulsos claros de Topthor —
disse Marshall agitado — mas ainda não o con-
seguiu localizar. Gucky também está tentando
localizá-lo. O interessante é que nós podemos
afirmar com certeza que a nave de Topthor não
estava junto com o grosso da frota.
— Onde, então?
— Se soubéssemos onde, estaria tudo termi-
nado — respondeu Marshall. — O senhor sabe,
chefe, que distâncias não se podem calcular só
por meios telepáticos. Por isso, Gucky ficou a
bordo da Centauro, enquanto Betty e eu nos
transportamos para a Titan. O senhor sabe que
calcular uma distância com auxílio de duas retas
dadas e de um ângulo conhecido, não é mais
problema hoje. Aliás, já não era há muitos sé-
culos. Completamente novo é determinar as
duas retas somente por meios telepáticos. Betty
e Gucky tentam localizar Topthor. Betty já sabe
qual é a distância. De Gucky ainda não sabe-
mos nada.
— Você tem contato com a Centauro?
— É claro, capitão Lamanche dirige as ope-
93
rações lá de cima. Deringhouse voa agora para
Aqua.
— O planeta das águas? Por que isso?
— Porque os impulsos secretos de Topthor
provêm de lá.
Rhodan comprimiu os olhos e fitou
Marshall, muito pensativo.
— Quer dizer então que está faltando só a
orientação de Gucky?
— Exatamente — respondeu Marshall. —
Então saberemos onde está Topthor. Onde se
cruzarem as retas de Betty e de Gucky, aí está
o superpesado.
Soou o intercomunicador e o semblante do
cadete Martin apareceu na pequena tela.
— Marshall está com vocês?
Rhodan fez um sinal para Marshall.
— Sim, está conosco. Você tem notícias de
Lamanche?
— Gucky transmitiu exatamente agora uns
dados para Marshall. Devo repeti-los?
Marshall fez sinal que sim. Estava com lápis
e papel na mão. Betty olhava curiosa para ele.
Dr. Certch dava passadas nervosas de um canto
para outro. A ele interessava sobretudo a des-
truição da belonave de Topthor, e com isto
também o desaparecimento do perigosíssimo
computador de bordo.
94
— Leia devagar, por favor.
Marshall anotou as coordenadas e começou
a fazer diagramas. Em passos rápidos, aproxi-
mou-se de Rhodan e pediu:
— O mapa do sistema, senhor. Acho que o
palpite de Gucky estava certo.
E Rhodan, entregando-lhe o mapa:
— Que palpite?
— Que Topthor havia aterrissado em Aqua.
Provavelmente desconfiou e quis ver pessoal-
mente “Marte”. Então está na hora de tomar-
mos iniciativa.
— Centauro chamando, senhor — interrom-
peu Martin, desaparecendo da tela.
Por uns trinta segundos, houve silêncio total
na cabina. Todos esperavam meio angustiados
o que havia sucedido. Finalmente acendeu a luz
do intercomunicador. Martin parecia meio apa-
vorado ao falar:
— Foi Deringhouse. Avisou que Gucky desa-
pareceu completamente.
Rhodan respirava com dificuldade.
— Que quer dizer desaparecer completa-
mente? Onde está a Centauro?
— Está circunvoando Aqua, senhor. O rato-
castor, assim diz o relatório de Lamanche, fala-
ra que tinha ainda de liquidar um assunto, de-
pois disso desapareceu. No arsenal está faltan-
95
do uma pequena bomba atômica.
A fisionomia de Rhodan clareou. Marshall,
que estava pálido como cera, deixou transpare-
cer um leve sorriso:
— Que malandro este Gucky. Ele sabe que o
procurado está no quarto planeta e toma suas
próprias decisões. Não é um pouco apressado,
chefe?
Rhodan não conseguiu disfarçar o sorriso:
Um de nós tinha que fazer isto; por que não
Gucky? Prometi-lhe um armazém de cenoura se
conseguisse achar Topthor.
Marshall caiu na poltrona mais próxima.
— Então... — murmurou ele, fechando os
olhos com resignação.

***

Uma forte aragem do sul tocava as ondas,


sem cessar, contra a praia arenosa que esten-
dia-se reta de leste para oeste, raramente inter-
rompida por enseadas idílicas. A apenas cin-
qüenta metros da praia, começava a floresta vir-
gem. Estes cinqüenta metros eram tão planos
como uma estrada.
Quando Topthor, que dirigia a viatura, viu o
mar, parou sem querer. Encantado, ficou olhan-
96
do para a superfície azul, a se perder no hori-
zonte. No céu, o sol alaranjado. Estava quente,
de maneira que a brisa do mar foi-lhes um gran-
de alívio. A cúpula de vidro do carro estava
aberta.
— O melhor é dobrarmos para o leste —
disse Ber-Ka, a quem a visão do mar era coisa
comum. — A ilha de aço está no litoral sul, isto
eu sei com certeza. Mais ou menos na extremi-
dade sudeste do continente.
Topthor se desprendeu do belo panorama.
Virando-se para seu companheiro, disse:
— Agora estou compreendendo porque vo-
cês instalaram aqui uma base. É realmente um
mundo em que se pode viver bem.
O tópsida nada respondeu. Continuou
olhando para o lado da praia, como se esperas-
se encontrar alguém. Mas não conseguiu ver as
listras prateadas na superfície do mar que de-
nunciavam a presença dos seres aquáticos. Os
habitantes de Aqua, como Deringhouse batizara
este mundo, viviam exclusivamente na água.
Em terra, não agüentavam mais do que duas ou
três horas. Movimentavam-se na água como um
avião a jato: com a boca enorme sugavam boa
quantidade de água, comprimiam-na no centro
do corpo com um órgão especial, tocando-a
para fora com grande pressão através de uma
97
válvula traseira. Desta maneira, seu nado atin-
gia enorme velocidade.
Não apareceram e Ber-Ka estava meio de-
cepcionado.
Topthor não estava mais admirando a beleza
primitiva daquele mundo virgem. As preocupa-
ções estavam voltando à sua cabeça. Acima de
tudo, a incerteza sobre o que havia acontecido.
O fraco transmissor do carro não dava para en-
trar em contato com a frota. Chamar a Top II
também não fazia sentido, pois não podiam res-
ponder.
Uma situação desesperadora. Mas alguém
certamente o acharia e aí então a trapaça de
Rhodan viria à luz. Quem sabe o cérebro posi-
trônico da Top II haveria de corrigir seu erro e
então os saltadores fariam verdadeiro ataque à
verdadeira Terra.
— A ilha...! Estamos chegando.
Topthor viu a construção abaulada, a mais
ou menos dois quilômetros do litoral. Pilastras
esguias, apoiadas no fundo do mar, sustenta-
vam esta estranha ilha. Um parapeito cercava
toda a plataforma, impedindo que alguém caís-
se ao mar.
Mas não havia sinal de vida na plataforma.
A ilha artificial parecia morta. Topthor não deu
uma palavra. Andou mais uns dez minutos e de-
98
pois parou num lugar bem em frente à ilha.
Num porto improvisado, estavam alguns barcos
sem dono.
Ber-Ka apontou-os.
— Chegaremos à ilha com eles. Vamos, não
perca tempo.
Topthor estava hesitante e disse:
— E se alguém nos viu e está a nossa procu-
ra para nos matar?
— Verão que sou oficial e não atirarão em
você sem mais nem menos, estando ao meu
lado. Quem sabe o que já aconteceu por aqui?
Venha Topthor, cada minuto é precioso.
Um pouco assustado, Topthor abandonou o
carro que até então o protegia bem. A visão da
ilha solitária e estranha não lhe agradava nada,
embora fosse o único meio de tentar contato
com sua gente. Dava também a mesma oportu-
nidade a Ber-Ka.
Se Topthor quisesse ser honesto consigo
mesmo, teria de confessar que, a princípio, não
estava confiando muito no tópsida, quanto ao
caminho para a ilha. É certo que os dois tinham
um acordo, feito, porém pela necessidade do
momento e não por simpatia. Estavam conven-
cidos de que manteriam o contrato, somente
enquanto um precisasse do outro. Quando Ber-
Ka encontrasse os seus, não precisaria mais de
99
Topthor e vice-versa.
Ber-Ka já estava em pé dentro de um barco,
como que convidando para um passeio na ilha.
— Venha Topthor, não temos tempo a per-
der.
O superpesado se pôs em movimento. Em
sua cintura, balançava a pistola energética. Seus
pés entravam fundo na areia. Não tirava os
olhos de Ber-Ka, pois não queria ser surpreen-
dido com um tiro pelas costas. O momento da
decisão se aproximava inexorável.
O barco balançava bastante, mas com um
pequeno ruído do motor, ia levando os dois
para o ancoradouro da ilha, uma plataforma
bem rente ao mar. Neste local, o paredão liso
da ilha era substituído por um portão. Uma
roda fazia as vezes do usual trinco ou alça de
abrir.
Ber-Ka amarrou o barco bem firme num
gancho e saltou. Com mãos ágeis abriu o por-
tão, enquanto Topthor se esforçava para botar
o pé no chão da ilha, cujas paredes se erguiam
a mais de vinte metros de altura. Topthor não
conseguia ver o fundo do mar e não sabia, pois,
qual era a profundidade.
O tópsida já tinha entrado e virou-se para
trás:
— Venha, Topthor, não sei se vamos achar
100
a instalação funcionando ou a tripulação pre-
sente. Mas vamos experimentar. Isto era nosso
quartel-general, porém como estou vendo,
inundaram a parte inferior. Repare que as esca-
das estão encobertas pela água. Só aquela é
que está livre. Não tenho nenhuma idéia onde
se encontra a cabina de rádio.
— Se existia uma, ou ainda existe, nós en-
contraremos — disse Topthor mais otimista. —
Provavelmente nos andares de cima. Vamos
dar uma olhada primeiro na fortaleza aquática.
Estou achando as instalações muito interessan-
tes, embora não compreenda por que não a
construíram em terra firme. Não havia adversá-
rios, não é?
— Devido ao contato com os nativos — ex-
plicou Ber-Ka.
Com Topthor atrás dele, começou a subir.
Tinham levado consigo só as coisas mais im-
portantes, o restante ficara embaixo. Tudo de-
monstrava que era intenção dos tópsidas voltar
para o quartel-general logo após a batalha. Nos
armários, ainda estavam guardados os rolos de
fitas magnéticas e os microfilmes sobre o quarto
planeta do sistema Beta. Os olhos de Topthor
viam cobiçosos aqueles tesouros de documen-
tos. Se pudesse pegaria tudo. Mas depois pen-
sou friamente que os tópsidas não voltariam
101
mais, pois estavam mortos. Com toda probabili-
dade, Ber-Ka era o último tópsida vivo, a entrar
naquela ilha de aço.
A mão de Topthor estava por acaso na co-
ronha da pistola quando Ber-Ka virou de repen-
te para trás e apontou para frente, onde havia
uma porta aberta. Atrás dela, estava a instala-
ção de rádio, um salão bem claro.
O superpesado estremeceu todo de susto,
como que apanhado numa ação imoral. Deu
um sorriso forçado, olhando para Ber-Ka.
— Excelente, Ber-Ka, a jogada de Rhodan
está chegando ao fim.
O grande salão estava vazio. Os aparelhos,
receptores, geradores e transmissores estavam
em seus lugares. Amplas janelas deixavam en-
trar a luz do sol. As poltronas dos operadores
estavam como eles haviam deixado.
A qualquer momento, pensava Topthor, os
sáurios poderiam voltar, como se tivessem saí-
do apenas por uns instantes. Mas depois, achou
que estava louco, pois os tópsidas não tinham
sido todos derrotados e mortos? Ninguém volta-
ria para ali. Ber-Ka era e continuava sendo o
único tópsida vivo. O último a entrar naqueles
tesouros.
— Você entende alguma coisa disso?
— O suficiente para dar conta do recado —
102
afirmou o jovem oficial, apontando para uma
complicada instalação. — No começo de minha
carreira, era operador de rádio. Espere, em
poucos minutos teremos Al-Khor ali na tela.
Topthor franziu as sobrancelhas.
— Por que não Cekztel, meu comandante
supremo? Quem sabe se Al-Khor já está morto,
depois que toda sua frota foi destruída?
— Isto aqui é uma estação dos saltadores ou
dos tópsidas? — perguntou Ber-Ka. — Assim
que eu falar com Al-Khor, a estação fica a sua
disposição. Mais, você não pode exigir.
O superpesado concordou hesitando.
Sua mão estava de novo na cintura.
— Está certo, Ber-Ka, mas sem a minha
magnanimidade você não estaria nesta ilha. Te-
nho pois o direito de ser o primeiro a falar.
Além disso, não adiantaria nada à sua frota se
Al-Khor for cientificado da trapaça de Rhodan.
O importante é que a frota dos saltadores seja
esclarecida. Compreende isto?
Mas Ber-Ka estava possuído por uma idéia
fixa. Queria vingança e queria realizar um feito
heróico. Se ele matasse o saltador e conseguis-
se que as operações de guerra recomeçassem,
receberia a comenda de bravura do ditador.
Mas este saltador era um adversário ágil e peri-
goso, que não se podia menosprezar.
103
— Talvez o senhor tenha razão — disse ele
cauteloso. — Por favor, use a instalação primei-
ro. Certamente o senhor saberá manuseá-la.
— Também Já fui operador de rádio — res-
pondeu Topthor, passando ao lado de Ber-Ka,
em direção à cadeira livre, já com a arma na
mão.
Ao perceber, pela imagem refletida no vidro
abaulado da tela, que o sáurio havia sacado a
pistola para matá-lo pelas costas, sua reação foi
espantosa. Fez como se fosse sentar na poltro-
na do operador, deu meia-volta e se atirou no
chão, descarregando a arma.
Ber-Ka foi apanhado de surpresa, morrendo
sem um gemido, com a arma apontada para
Topthor. O fluxo energético cessou, Topthor
respirou aliviado, guardando a arma na cintura.
Estava agora livre de qualquer ameaça do trai-
dor sáurio, que tinha matado em legítima defe-
sa. O cadáver seria prova disso, da intenção de
Ber-Ka de matá-lo pelas costas. Haveria de
deixá-lo como estava.
Topthor se sentou diante dos aparelhos e
começou a estudá-los. A instalação basicamente
não era muito diferente da dos saltadores.
Apresentava, porém, algumas novidades nos
controles, com que não estava acostumado. Es-
tava, porém, convencido que não levaria muito
104
tempo para fazer tudo funcionar.
Ficou uns dez minutos diante dos aparelhos
tentando em vão, até que esticou a mão direita
e empurrou uma alavanca. Regulou a freqüên-
cia do transmissor e pegou o microfone, depois
que a tela ficou iluminada.
— Alô, aqui fala Topthor, do quarto planeta
do sistema Beta. Aqui fala Topthor do quartel-
general dos tópsidas. Estou chamando Cekztel,
comandante supremo dos superpesados. Apre-
sente-se, Cekztel. Tenho uma comunicação im-
portantíssima para lhe fazer. Apresente-se.
Repetiu três vezes seu apelo e depois passou
para a escuta. Não teve que esperar muito, até
que apareceu na tela a imagem desfocada do
velho patriarca, os olhos astutos, como que so-
bressaindo do nariz chato e da imensa barba,
procuravam, como se não vissem, a imagem de
Topthor.
— Alô, Topthor? Aqui fala Cekztel, por que
não liga sua câmara? Minha tela está escura.
— É uma instalação de rádio dos sáurios,
que não domino bem. Mas, não tem importân-
cia. Preste atenção, Cekztel: faça paz imediata-
mente com os tópsidas.
— Você ficou maluco? Os tópsidas se alia-
ram com os terranos e eu devo fazer pazes com
eles? Além disso, não saberia onde encontrar
105
um comandante deles. Somente a gigantesca
nave esférica de Rhodan é que aparece de vez
em quando, junto com pequenas unidades. Na-
ves cilíndricas não aparecem mais.
— Venha me apanhar aqui, Cekztel, você
vai me encontrar facilmente. No quarto plane-
ta...
— O que está fazendo aí? Não vi sua nave
durante todo o tempo do ataque.
— Eu lhe conto tudo mais tarde, Cekztel. De
qualquer maneira, você ficará boquiaberto
quando lhe disser que este Rhodan nos enga-
nou novamente.
— Não diga besteira, Topthor, ganhamos a
batalha e estamos nos preparando para acabar
de destruir a Terra. Só mais uma hora e...
— Um grande erro — interrompeu-o Top-
thor, sorrindo, o que o patriarca não podia na-
turalmente ver. — Um grande erro. Você podia
poupar sua bomba e...
Topthor parou sem querer, pois neste se-
gundo sua tela escureceu. A imagem de Cekztel
desapareceu e ao mesmo tempo cessou o leve
zumbido da aparelhagem. As lâmpadas de con-
trole apagaram. A instalação toda havia desliga-
do por si.
Antes que Topthor pudesse compreender o
que se passava, ouviu uma voz sibilante atrás de
106
si.
— Vire-se, mas tire a mão da pistola.
Topthor obedeceu, virando-se vagarosamen-
te.

***

Deringhouse não era tão ingênuo assim.


— O que vamos fazer no planeta Aqua,
Gucky? — perguntou ele cauteloso, hesitando
quanto ao próximo hipersalto. — Lá não existe
nada.
— Quem sabe, existe — respondeu o rato-
castor, desenhando um triângulo quase eqüiláte-
ro numa folha de papel. — Quem sabe existe
mesmo muita coisa.
— Não compreendo, não, Gucky.
— Então, vou lhe explicar, chefe. O bom
Topthor está em Aqua, para gozar férias espe-
ciais. Eu gostaria de abreviar estas férias, antes
que ele faça bobagem.
— Topthor? — perguntou Deringhouse per-
plexo, como que atingido por um choque elétri-
co. — Topthor?
— Exatamente — disse Gucky radiante e ao
mesmo tempo suplicante, no seu olhar de cão
fiel. — Você sabe, o chefe me prometeu uma
coisa, se eu encontrasse Topthor. Sabe o que
107
vou receber, quando o deixar fora de combate e
destruir sua espaçonave?
— Você sozinho? — admirou-se Deringhou-
se, olhando já agora para o mapa sideral. — Eu
também gosto de ser amigo de Rhodan.
— O que você vai fazer com uma meia dúzia
de alqueires de cenoura? — perguntou Gucky.
— Basta que nossa nave passe a uns mil quilô-
metros de Aqua.
— Devo avisar Rhodan...
— Mais tarde, major. Não se pode saber se
nesse meio tempo Topthor já se comunicou
com Cekztel.
Deringhouse concordou e apanhou a calcu-
ladora.
Três minutos mais tarde, a Centauro surgiu
perto de Aqua, descendo em parábola até se
aproximar da camada atmosférica.
— Então, Gucky? — perguntou Deringhou-
se, virando-se para trás. — Você está conten...
O major interrompeu a palavra. Gucky já
não estava mais na cabina, havia desaparecido
sem deixar rastro.
Então, Deringhouse não hesitou mais em
noticiar tudo imediatamente a Rhodan.

***

108
Quando o planeta das águas apareceu na
tela, Gucky se concentrou e pulou. Assim que
sentiu chão firme debaixo dos pés, respirou ali-
viado. Era sempre um grande risco pular no
nada, mas Gucky teve sorte. Estava no alto de
um morro sem vegetação, que emergia íngreme
do meio da mata virgem, proporcionando um
magnífico panorama. Isso não interessava mui-
to a Gucky, mas a busca foi muito facilitada
pelo fato de que Aqua possuía apenas um con-
tinente, que não era tão grande assim.
Olhou para o sol quase a pino, sentou-se
numa pedra lisa e fechou os olhos. Tinha que
ouvir o que não podia ver. Do contrário, não
encontraria sua presa.
E sua presa se chamava Topthor. Concen-
trou-se para captar os impulsos de pensamento
do superpesado, o que devia ser mais difícil do
que no espaço livre. Para sua surpresa, porém,
percebeu logo nos primeiros segundos partes
de pensamentos, que sem dúvida vinham de sal-
tadores e de tópsidas.
“Saltadores e tópsidas! Na mesma direção?”
Gucky virou a cabeça; a distância, natural-
mente, não podia calcular, mas a direção, sim.
— Puxa, saltador e tópsida em harmoniosa
conversa, que surpresa! Isto tem que ser exami-
nado de perto. Quem sabe Topthor pode estar
109
por perto — murmurou.
Procurou localizar bem a direção e se tele-
portou para o próximo morro. Depois da ter-
ceira teleportação, viu duas naves: ou melhor,
escombros de duas naves, próximas uma da ou-
tra, num planalto pedregoso. Gucky realmente
se espantou:
— Puxa! A Top II, se não me engano. Que
coisa maravilhosa!
Enfiou a mão num bolso de couro da cintu-
ra, tirando dali um objeto metálico, do tamanho
de um ovo de galinha, a bomba atômica. Pe-
gou-a com cuidado, regulou o detonador, aper-
tou um botão, olhando para que se mantivesse
nesta posição, Se o soltasse, a bomba teria cin-
co segundos para explodir. Pulou para dentro
da nave e se materializou na cabina de coman-
do que pertencera a Topthor. O oficial que es-
tava de plantão, sentado no sofá, arregalou os
olhos espantado e se levantou num pulo para
ver melhor a estranha aparição. Tinha arma na
cintura, mas não fizera menção de usá-la. Olha-
va horrorizado para o rato-castor que surgira do
nada, segurando um objeto metálico na mão,
como se quisesse atirá-lo.
— Se você for bonzinho, lhe darei uma coi-
sa — disse Gucky no mais puro intercosmo,
que deixou o superpesado ainda mais perplexo.
110
Conseguiu apenas balbuciar:
— O que você vai me dar?
— A vida — disse-lhe Gucky triunfante,
mostrando-lhe a bomba. — É poderosíssima, se
eu a soltar, explode imediatamente e haverá en-
tão um buraco enorme neste trecho do planeta.
Portanto, não faça bobagem. Vá para o ar livre
lá fora e reúna os outros.
— Os outros? — disse o pobre superpesado,
sem compreender nada. — Quem é você?
— Sou Gucky. Nunca ouviu falar no meu
nome? Meu melhor amigo se chama Perry
Rhodan.
— Rhodan...? — exclamou o bem nutrido
guarda. — Rhodan está aqui?
— Na redondeza, bem perto. E agora, cha-
me os outros lá para fora. Eu queria dizer umas
palavras a eles. Chame também os sáurios. Vo-
cês fizeram aliança com eles?
— Foi ordem de Topthor. Ele disse que a
guerra foi um erro.
— Toda guerra é um erro — continuou
Gucky. — Mas há erros que evitam a guerra.
O superpesado continuava olhando para
Gucky, sem nada compreender. Gucky sorria,
mostrando seu dente roedor.
— Vamos, não temos tempo a perder. Em
dois minutos, quero ver as duas tripulações lá
111
fora. E lhe digo logo que tenho uma bomba
atômica em minhas mãos que detonará cinco
segundos após minha morte, se algum maluco
estiver pensando em me matar.
Levou apenas um minuto. Gucky esperou na
escotilha até que os saltadores e os tópsidas es-
tivessem todos reunidos lá fora, no planalto.
Depois avançou um pouco mais, com a mão er-
guida, e gritou bem alto:
— Para ser bem rápido: Rhodan me deu a
incumbência de, com esta bomba atômica, des-
truir os escombros da nave. Desapareçam todos
daqui, do contrário voarão pelos ares em peda-
ços. Têm dez minutos para isto. Compreendi-
do?
Entenderam perfeitamente, disparando em
todas as direções. Apenas um dos superpesa-
dos, com menos de quatrocentos quilos, ainda
antes de entrar na floresta virou para trás e dis-
se:
— Sem a nave, nós não temos mais abrigo.
Temos que morrer aqui ou alguém virá nos sal-
var?
Gucky encolheu os ombros.
— Construam seus ninhos — disse ele pilhe-
riando. — Aliás, onde está Topthor?
O superpesado acabou de desaparecer.
Gucky ainda esperou dez minutos. Depois vol-
112
tou ao grande aparelho e procurou o lugar
onde estavam os instrumentos de navegação
positrônica. Parou diante daqueles gigantescos
aparelhos, mostrando-lhes a bomba atômica, di-
zendo baixinho:
— Agora vocês vão receber um presente es-
pecial, principalmente você, computador de
boa memória. Sabe também por quê? Não?
Muitos já morreram sem saber o porquê. O
mesmo vai acontecer a você.
Com muito cuidado, colocou a bomba sobre
a mesa de controle, diante do robô, e deu um
passo atrás. O botão vermelho estava puxado
para fora. Gucky se desmaterializou e, em me-
nos de um segundo, estava no alto de um mor-
ro, a cinco quilômetros dos escombros da Top
II.
— Ainda três segundos — disse ele, sen-
tando-se sobre a volumosa cauda. — Agora!
Lá ao longe, além do teto verdejante da flo-
resta, subiu ao céu o clarão ofuscante da explo-
são, apagando quase a claridade do sol. Um co-
gumelo de fumaça surgiu lento: estava tudo aca-
bado.
— Aquela caixa de metal não falará mais —
disse para si mesmo, virando-se para outra dire-
ção. — Topthor está pensando de novo muito
alto. Portanto deve estar por perto.
113
No horizonte, se estendia a imensa super-
fície do mar, até se encontrar com as nuvens
baixas, à direita da língua de terra.
— Está falando com Ber-Ka, quem é Ber-
Ka? — Gucky auscultava atento. De repente, le-
vantou-se de um salto, e de pé, com a cabeça
levemente virada, como se assim pudesse ouvir
melhor. — Ele é um assassino? Isto me torna o
serviço mais fácil. Vamos lá, meu caro.
Com “meu caro”, Gucky se referia a si mes-
mo. O primeiro salto o deixou na praia, não
longe daquele lugar onde ancoravam os barcos
para a travessia. Ali no mar, estava a ilha de
aço. Gucky sondou e percebeu que Topthor de-
via estar ali.
O segundo salto levou Gucky para a plata-
forma da ilha. Daí em diante, não quis mais se
teleportar. Concentrou-se nos pensamentos de
Topthor e achou a direção exata. O saltador
devia estar debaixo da plataforma, na sala de
rádio. Ber-Ka já estava morto e Cekztel estava
no aparelho para falar com Topthor. Não se
podia perder mais um segundo. Gucky desceu
as escadas, atravessou o corredor, chegando a
uma porta encostada, que abriu cuidadosamen-
te.
Viu Topthor de costas, olhando para a tela.
Ao lado dele, jazia o cadáver de um sáurio.
114
— ...erro — dizia Topthor. — Um grande
erro. Você podia poupar sua bomba e...
Gucky emitiu um fluxo de suas forças teleci-
néticas, pegando com mão invisível na confu-
são eletrônica dos fios. A imagem sumiu da
tela, a resistência queimou, não havendo mais
corrente.
— Vire-se — disse Gucky — mas tire a mão
da pistola.
Topthor obedeceu imediatamente.

Embora os tópsidas tivessem perdido toda


sua força aérea, Al-Khor julgou seu dever conti-
nuar lutando até não haver mais um só saltador
no quarto planeta.
Ao aproximar-se da suposta Terra com suas
naves de reconhecimento, Cekztel teve uma
surpresa desagradável. Das fortalezas improvi-
sadas pelos sáurios, saiu uma reação de fogo
antiaéreo tão forte e inesperada que em muitas
naves o envoltório energético não resistiu.
Cekztel viu horrorizado que quase a metade
de sua frota de patrulhamento foi destruída. Ar-
rependeu-se de ter subestimado os terranos.
A tudo isso ainda acrescia que, exatamente
nesta situação desesperada, surgiam as naves
115
esféricas de Rhodan, aumentando ainda mais a
confusão. Três outras naves dos saltadores ain-
da foram destroçadas.
O terceiro planeta se transformara em infer-
no ignívomo. A impressão, pelo menos confor-
me o raciocínio dos patriarcas dos saltadores,
era de que os terranos haviam transformado
seu planeta pátrio numa fortaleza subterrânea.
Talvez fosse essa a explicação para o fenômeno
que causara tanta dor de cabeça a Cekztel.
Todo planeta civilizado, assim era o seu raciocí-
nio, devia ter seu cartão de visita: a superfície.
A superfície da “Terra”, no entanto, constava
apenas de uma paisagem rústica que não apre-
sentava o menor sinal de civilização. Será que
os terranos tinham toda sua civilização em sub-
terrâneos?
Sua última dúvida a respeito de se tratar
mesmo da verdadeira Terra desapareceu com o
repentino e violento contra-ataque subterrâneo.
Suas ordens chegavam a todas as centrais de
comando do restante da frota:
— Retirada imediata. Ponto de encontro em
BK cinqüenta e nove-hf. Temos de sair daqui.
Com uma velocidade incrível, as naves cilín-
dricas dos saltadores se atiraram espaço a fora,
deixando no planeta das matas virgens os po-
bres tópsidas, já mais aliviados.
116
***

Cekztel olhava para a tela vazia, esperando


que Topthor desse sinal de vida. Mas o rádio
estava mudo e o superpesado não dava sinal
nenhum. O patriarca franziu a sobrancelha e
um tanto inseguro, virou-se para um dos seus
oficiais:
— O que este Topthor quer dizer com a fra-
se: “Rhodan nos enganou novamente”? Enten-
da isto quem quiser. Será que não estamos em
condições de liquidar com este Rhodan? Não
destruímos sua frota e a de seus aliados? É ver-
dade que a Terra está se defendendo com
unhas e dentes e não pensa em se render. Mas
isto vai adiantar alguma coisa? A bomba arcôni-
da vai produzir um novo sol neste planeta. E
mesmo que não consigamos apanhar Rhodan,
o que ele vai fazer sem seu planeta pátrio? Não
pode ficar a vida toda rodando por aí em sua
gigantesca nave esférica. Então, haveremos de
apanhá-lo, quando tentar descer um dia em um
dos nossos mundos.
O oficial, um saltador normal, com menos
de cem quilos de peso, fez como se estivesse de
acordo.
— Para mim, seria muito melhor que Rho-
117
dan estivesse morto.
— Para mim, também — esbravejou Cekz-
tel, furioso contra suas próprias dúvidas. —
Para mim também, acredite, mas já fico mais
contente quando a Terra estiver destruída. A
Terra é a incubadora destes novos-ricos aventu-
reiros, que não respeitam nosso monopólio co-
mercial. Você vê que até os mais ou menos
neutros tópsidas se tornaram nossos inimigos
porque Rhodan conseguiu influenciá-los. De-
pois que a Terra for destruída, teremos uma
conversa muito séria com o ditador.
— Quem sabe, foi ele obrigado a tomar esta
atitude contra nós?
— Quem sabe, mas não temos certeza —
continuou Cekztel. Seus olhos ainda continua-
vam fixos na tela escura. — Temos que nos
preocupar com Topthor. Providencie para que
uma de nossas naves vá buscá-lo. Enquanto
isso, fico preparando tudo para a destruição da
Terra.
O oficial obedeceu e saiu em direção à sala
de rádio. Fez logo uma ligação para um tal de
Bernda, um corpulento patriarca dos saltadores
da estirpe dos chamados comerciantes de cere-
ais.
— Ordens de Cekztel, Bernda — disse o ofi-
cial assim que o semblante do astuto comerci-
118
ante apareceu na tela. — Você deve voar para
o quarto planeta do sistema e apanhar Topthor
e sua tripulação. Teve de fazer uma aterrissa-
gem forçada por lá. A aparelhagem de rádio
parece que não funciona. Mas você vai encon-
trá-lo com facilidade. O planeta é completa-
mente inabitado.
— Exatamente Topthor! — disse Bernda,
com cara de poucos amigos. — O desgraçado
já me estragou muito negócio bom na vida.
— Isto não interessa nem a Cekztel nem a
mim — interrompeu o oficial. — O senhor re-
cebeu a ordem de apanhar Topthor. É muito
importante, pois Topthor tem uma mensagem
de muito valor para nós. Espero que o senhor
coloque o bem de nosso povo acima de seus in-
teresses particulares e diferenças pessoais.
— Não se preocupe — foi a resposta do co-
merciante de cereais. — Sei o que tenho que
fazer. Devo partir, quando?
— Imediatamente. E não se assuste se o ter-
ceiro planeta se transformar num sol.
— A Terra?
— Sim, a Terra — respondeu o oficial, desa-
parecendo da tela de Bernda.
O comerciante ainda ficou olhando por uns
instantes para a tela apagada, depois sua voz
possante gritou umas ordens. Toda a tripulação
119
correu para seus lugares e se preparou para a
nova missão.
A Bern I era uma espaçonave relativamente
pequena, um cilindro de mais ou menos oitenta
metros de comprimento, com poucos meios de
defesa, mas muito ágil. Cekztel não poderia es-
colher ninguém melhor do que Bernda, para
esta missão. Ele comerciava com cereais e o
seu negócio estava também ligado com a pes-
quisa da superfície de outros planetas à procura
de vegetação e de animais. Seu trabalho profis-
sional o obrigava a se utilizar de uma nave pe-
quena.
— Aceleração até mais ou menos 1G!
A Bern I, depois de descrever um ângulo de
90 graus, disparou pelo espaço a fora, perden-
do de vista em pouco tempo a frota dos salta-
dores. Apenas uma vez, notou no espaço peda-
ços de aparelhos destruídos, que não interessa-
vam a ninguém.
Levou mais ou menos uma hora, depois o
quarto planeta ficou tão grande que enchia toda
a tela. É claro que Bernda não ia colocar seu
dever de cidadão acima dos seus interesses par-
ticulares.
“Água... A maior parte deste planeta está
coberta de água. Não há muita coisa para se
procurar”, pensava ele.
120
Mas, quem sabe existiriam no continente no-
vas formas de vida que seriam de grande inte-
resse para incrementar seus negócios? Se en-
contrasse logo Topthor, não teria mais jeito de
prolongar sua permanência no quarto planeta.
Sua ausência não ia apressar o desenrolar dos
acontecimentos nem alterá-los.
A Bern I deslizava a poucos metros de altu-
ra, sobre a superfície das águas. Pequenas ilhas
anunciavam o continente, que minutos depois
apareceu no horizonte.
Bernda mandou abrir a cúpula de observa-
ção e sentou-se numa poltrona onde mal cabe-
ria Gucky. Desta cúpula, tinha uma ótima visão
para todos os lados, mormente para baixo.
Uma direção auxiliar lhe permitia controlar os
movimentos da nave, dali da cúpula mesmo.
Uma ligação direta com a cabina de rádio o pu-
nha em contato permanente com sua tripulação
ou com naves próximas.
Bernda se entregou completamente às suas
inclinações comerciais. Como um técnico, con-
templava as enormes árvores da floresta vir-
gem, avaliando seu valor comercial. Em mun-
dos pobres de florestas, troncos de boa madeira
davam grandes lucros. Principalmente árvores
como aquelas. De qualquer maneira, não ia
perder a oportunidade de arranjar mudas e se-
121
mentes.
Talvez fosse melhor, primeiro procurar Top-
thor. Não gostou muito desta idéia. Mas depois
ficou pensando que de fato ele estava receben-
do dinheiro para atuar nesta campanha, tendo,
portanto algumas obrigações a cumprir. A des-
graça é que tinha de salvar exatamente a Top-
thor.
Casualmente seu olhar deu com uma forma-
ção de nuvens, que não lhe era estranha. Um
vento brando já havia espalhado um pouco o
cogumelo que penetrava já bastante na atmos-
fera, embora fossem inconfundíveis a larga um-
bela e a coluna vertical. Mais para frente, no
continente, devia ter havido, há poucos instan-
tes, uma explosão atômica.
A curiosidade de Bernda cresceu. Aumentou
a velocidade e cinco minutos mais tarde estava
chegando à região calcinada do planalto. Um
enorme rombo afunilado no chão documentava
a catástrofe. As bordas da imensa cavidade re-
donda tinham um brilho de vidro incandescen-
te. Na floresta em volta, ainda se viam algumas
chamas e os destroços atirados, mas eram sufo-
cados depressa pela falta de oxigênio na densa
ramagem rasteira.
Bernda não pensou em descer. Por que iria
se expor a perigo sem necessidade? Se Topthor
122
estivesse por aqui, já estaria morto. Mas, quem
teria provocado a explosão e por quê?
Era impossível arranjar uma resposta na
hora, mas o tempo se encarregaria de trazê-la.
Bernda virou a nave e se dirigiu para o mar,
que não estava longe. No momento, não estava
mais pensando em mudas e sementes de árvo-
res, mas quebrando a cabeça para descobrir o
que a explosão atômica tencionava destruir.
Achou a resposta mais depressa do que es-
perava: seus olhos descobriram alguma coisa se
movendo no pedregoso planalto. Baixou bas-
tante a nave e percebeu um corpo erecto, de
um brilho esverdeado, com uma cauda coberta
de escamas.
Um tópsida! Como teria aquele sáurio che-
gado até aqui? Bernda desceu ainda mais e já
estava para mandar a tripulação abrir fogo con-
tra o inimigo, quando um calafrio lhe percorreu
a espinha. Viu uma outra figura, um superpesa-
do. Saía de trás de um rochedo e ficou parado
ao lado de um tópsida. Ambos olhavam para
cima e acenavam. Como se estivessem espe-
rando, apareceram imediatamente outros su-
perpesados e outros tópsidas. Agiam como se
não fossem adversários entre si. Bernda já não
estava compreendendo mais nada. Mas foi sufi-
cientemente inteligente para suspender a ordem
123
de fogo.
Aterrissou a uns duzentos metros do estra-
nho grupo e já estava pronto para pisar em ter-
ra firme. Não confiou muito naquele ambiente
tão pacífico, enfiou duas pistolas na cintura, or-
denou que dois guardas bem armados o seguis-
sem.
A cerca de vinte metros da escotilha aberta,
os três saltadores pararam, esperando os desco-
nhecidos.
— O que você acha? — sussurrou Bernda.
O oficial da direita sacudiu a cabeça:
— Talvez foram derrubados e então suspen-
deram a luta — não sabia que realmente estava
muito perto da verdade. — Por que razão têm
que se destruir mutuamente, se uns podem aju-
dar os outros a se salvarem? Vamos ver em bre-
ve.
— Você quer sempre ir contra o regulamen-
to — protestou o outro guarda nervoso. Sua
mão já estava segurando a pistola energética.
— Os tópsidas foram declarados aliados de
Rhodan e devem ser tratados como tais.
— Esperemos um pouco — disse Bernda
calmamente.
Olhou para os dois superpesados que se
aproximavam acompanhados de dois tópsidas.
Observou que estavam desarmados. O restante
124
dos superpesados e dos tópsidas ficou aguar-
dando aos pés do rochedo. A delegação parou
a dez metros de Bernda e seus dois guardas. O
superpesado sorria com dificuldade.
— Isto se chama socorro na hora exata —
disse, estendendo a mão a dez metros de dis-
tância, como se quisesse cumprimentar Bernda.
— Nós já acreditávamos ter de passar o resto
da vida aqui. O senhor encontrou Topthor e
Ber-Ka?
— Ber-Ka, quem é ele?
O superpesado apontou para seus compa-
nheiros:
— O comandante dos tópsidas, cuja nave
nós derrubamos. Infelizmente a Top II ficou da-
nificada, não podendo mais levantar vôo. Os
sáurios e nós fizemos então um armistício, por-
que não tinha mais sentido nos matarmos mu-
tuamente.
— Cekztel certamente se alegrará muito
com o procedimento arbitrário de Topthor —
disse Bernda, feliz com a desgraça alheia. —
Onde está então Topthor?
— Saiu em companhia de Ber-Ka à procura
de uma estação de rádio, em algum ponto do li-
toral, numa ilha artificial.
— Numa ilha artificial? — disse o superpesa-
do, sacudindo a cabeça.
125
— Não é possível que o senhor entenda,
sem um relatório mais pormenorizado. Dê-nos
primeiro alguma coisa para comermos e beber-
mos e depois saberá de tudo.
Mas Bernda estava curioso demais para acei-
tar imediatamente a proposta.
— Responda-me primeiro uma outra per-
gunta: achamos, a algumas milhas daqui, uma
cratera atômica. Ali houve uma grande explo-
são e o que foi propriamente destruído?
— Foi Rhodan — disse o superpesado. —
Ao menos reconhecemos um de seus colabora-
dores mais íntimos, um ser esquisito de pêlo
marrom e de cauda curta, mas muito larga.
Apareceu do nada, atirou uma pequena bomba
atômica e desapareceu de novo.
— E vocês se salvaram como?
— Fomos avisados por ele, que nos deu dez
minutos para nos protegermos.
— E ninguém de vocês tentou impedir este
ser estranho de destruir a belonave? Acho que
já posso dizer que nossa força espacial não se
compõe exclusivamente de heróis. E os tópsi-
das também não são mais tão corajosos — co-
mentou Bernda.
— Para impedir? Como assim? O animal,
acho que não se pode classificá-lo como tal, ti-
nha uma bomba atômica na mão — retrucou o
126
oficial.
— E aí, vocês saíram correndo feito cabritos
desnorteados, para todos os lados? Cekztel é
quem vai decidir isto. Eu tenho apenas a missão
de encontrar Topthor, porque ele tem, aparen-
temente, uma mensagem muito importante
para transmitir.
— Uma mensagem muito importante? — re-
petiu o superpesado, tentando descobrir alguma
coisa. — Pode ser mesmo, Topthor e Ber-Ka
discutiam muita coisa em segredo e diziam que
a guerra não tinha sentido. Pensavam que Rho-
dan nos tinha enganado, que tínhamos caído
numa esparrela sem percebermos. Mais eu não
sei, não.
— Quem é você?
— Sou Gatzek, o segundo-oficial de Top-
thor.
Bernda concordou aos poucos.
— Bem, então diga ao seu pessoal e tam-
bém aos sáurios que mandarei cuidar de vocês
todos. Mas depois, espero o relatório de vocês,
dentro de meia hora. Há um grande erro em
tudo isto. Quero descobri-lo.
Viu com sentimento ambíguo que saltadores
e tópsidas se confraternizavam tão simplesmen-
te. Todos misturados, esparramados pelo chão,
à espera de uma refeição.
127
***

A bomba de Árcon era o instrumento de


maior poder destrutivo dos antigos arcônidas.
Uma vez ativada, desencadeava um processo ir-
reversível com o poder de destruir um planeta.
Infelizmente não eram só os arcônidas que pos-
suíam o segredo desta bomba. Os saltadores
também dispunham desta terrível arma, embora
a usassem muito raramente.
Para destruir a “Terra”, Cekztel lançou mão
da bomba de Árcon.
A frota dos saltadores estava no espaço, a
uma distância suficiente do terceiro planeta,
para não sofrer os efeitos da explosão. Apesar
disso, continuavam sendo disparados do mundo
das matas virgens foguetes não tripulados que
atingiam seus alvos automaticamente. O que
salvava, às vezes, as naves dos saltadores, era a
fuga com uma rápida transição.
O que Cekztel não sabia era o fato de que
toda a defesa da “Terra” fazia-se apenas por
um punhado de tópsidas. Quase tudo era con-
trolado por robôs. É claro que um punhado de
sáurios estava condenado à morte, embora
Cekztel acreditasse que com a destruição do
128
planeta, destruiria também uma raça toda, raça
que se opusera ao monopólio dos comerciantes
das Galáxias.
Deixou a cabina e foi ter com os especialis-
tas em armas que estavam regulando o detona-
dor da bomba que seria lançada pela nave de
Cekztel.
— Falta muito ainda para terminar o traba-
lho?
Um dos oficiais se virou para trás e explicou:
— O detonador terá o curso de uma hora,
em seguida detonará. Acho que este tempo é
suficiente para todos se abrigarem.
— Uma hora...? — continuou Cekztel. —
Em circunstâncias normais é mais do que sufici-
ente. Poderemos percorrer bilhões de quilôme-
tros. Mas, se alguma coisa não der certo...
Era uma vaga possibilidade, mas tão vaga
que não passava pela cabeça de ninguém.
— O detonador será ativado pela própria
queda da bomba — explicou o oficial. — Basta
apenas jogá-la.
O olhar de Cekztel pairava sobre a bomba.
Não era muito grande, mas seu interior conti-
nha um mecanismo diabólico, desenvolvido por
cientistas há muitos milênios e que até hoje nin-
guém conseguira aperfeiçoar. A única arma de
destruição que podia concorrer, com ela era a
129
bomba de gravitação:
— Partiremos em dez minutos — disse
Cekztel, se retirando. Sem dizer uma palavra,
voltou à cabina e ligou o intercomunicador.
Aguardou ainda alguns minutos para que
cada um, a bordo do seu aparelho, pudesse vê-
lo e ouvi-lo.
— Chegou a hora decisiva. Correndo tudo
dentro da cronometragem, em setenta minutos
começará a destruição da Terra. Rhodan, pes-
soalmente nos escapou, mas seus aliados, os
tópsidas, e seus irmãos de raça estarão em bre-
ve mortos no planeta. Vou lançar a bomba em
dez minutos. O tempo para a explosão é de
uma hora. Vamos observar os efeitos da explo-
são daqui mesmo. Quando este sistema tiver
dois sóis, um gigantesco sol vermelho e um pe-
queno sol branco, nossa missão estará cumpri-
da. O planeta Terra só existirá em nossa recor-
dação.
Fez uma curta pausa e continuou: — Duran-
te meu regresso, manterei contato com vocês.
A ordem de partida, logo após a explosão, será
dada por mim. Até lá estaremos em estado de
alerta. Se surgirem naves de Rhodan, é neces-
sário atacá-las imediatamente e destruí-las.
Desligou logo após, sem esperar resposta.
Por mais de cinco minutos, ficou parado, imó-
130
vel, diante de seus controles, mas depois recu-
perou a vivacidade.
Com rápidas manobras, acelerou o vôo e se
separou do resto de sua frota. Como uma ave
de rapina, sua nave se despencou de encontro
ao pequeno planeta, que crescia rapidamente e
finalmente encheu a tela toda.
Poços e cavernas até então camuflados na
superfície do planeta, abriram suas possantes
bocas de fogo antiaéreo, atirando raios mortífe-
ros contra o atrevido atacante. Cekztel acumu-
lou toda a energia disponível no envoltório de
proteção, aproximando-se cada vez mais da at-
mosfera, onde finalmente penetrou com um zu-
nido infernal.
A velocidade ainda era elevada demais. Se a
bomba fosse lançada neste momento, poderia
se transformar num satélite qualquer. Mas a ve-
locidade foi diminuindo. A despeito de todos os
perigos, Cekztel baixou mais ainda e atravessou
uma grande cadeia de montanhas. O fogo de
defesa embaixo diminuiu um pouco. Provavel-
mente os terranos achavam que nunca poderi-
am ser atacados pelo lado das montanhas.
Cekztel ligou o intercomunicador.
— Sala de munições! Lançar a bomba em
vinte segundos. Deve cair sobre o espigão da
montanha que nos está à frente.
131
Diminuiu ainda mais a velocidade e relacio-
nou-a com a altura para atingir exatamente o
alvo desejado, um planalto alcantilado.
No exato momento em que foi sobrevoado
o pequeno planalto íngreme, veio a confirma-
ção da sala de munições:
— Bomba atirada. Está caindo sobre o pla-
nalto.
Cekztel fez uma pequena curva e subiu. Viu
a bomba cair no ponto desejado. Levantou um
pouco de poeira, que em alguns segundos desa-
pareceu. E ali ficou, numa leve curva do terre-
no, com seu brilho prateado.
Agora era só esperar. Mais cinqüenta e nove
minutos.
Cekztel deu um último olhar para o pobre
mundo condenado à morte e pegou nos contro-
les com determinação.
A nave se empinou quase verticalmente e,
em velocidade crescente, perfurou o espaço de
um azul-escuro, perseguida por um míssil tele-
guiado dos tópsidas, que surgira inesperada-
mente. Uma transição de cinco segundos-luz
colocou-a a salvo, pois estes foguetes não iam
além de cem mil quilômetros. Naturalmente,
não encontrando seu alvo, o míssil entrou em
órbita e continuaria girando até que, talvez em
milhares de anos, desse de encontro com um
132
pedaço de matéria e o destruísse. Essa matéria
poderia ser também um meteoro, ou mesmo
uma espaçonave comercial.
Isto ninguém poderia prever e Cekztel tam-
bém não tinha nenhuma preocupação a respei-
to. Sua missão estava cumprida. Em uma hora
estaria de volta para a nebulosa galáctica M-13.

Deringhouse estava olhando para a imagem


de Rhodan na tela panorâmica, embora as duas
naves estivessem a mais de um bilhão de quilô-
metros uma da outra. As ondas de rádio atra-
vessavam esta distância toda em um décimo de
segundo, pois iam através do acelerador da es-
tação de supertransmissão.
— Aconteceu, Deringhouse — falava Rho-
dan. — Cekztel já lançou a bomba. No tempo
que nos resta de cinqüenta minutos, vou tentar
salvar os tópsidas que ainda estão no terceiro
planeta.
— Você ainda dispõe de tanto tempo? — in-
dagou Deringhouse.
— Ouvi as palavras do patriarca à sua frota
— tranqüilizou-o Rhodan. — Não se preocupe,
vou dar o fora a tempo, sem perigo para mim e
para a Titan. Realmente é pena estragar assim
133
um mundo tão romântico, mas sem este incon-
veniente, não atingiremos nosso objetivo. Eu já
estava preocupado, pensando que os saltadores
desconfiassem, pois todos imaginam um mundo
civilizado de maneira bem diferente. Por sorte,
os tópsidas nos ajudaram, transformando um
planeta desabitado numa verdadeira fortaleza.
Isto deu aos saltadores a certeza de estarem re-
almente diante da Terra.
— Devo permanecer nas proximidades de
Aqua?
Rhodan refletiu um pouco e depois concor-
dou.
— Sim, tente recolher Gucky. Já deve ter
terminado sua missão. Para agir com mais se-
gurança, eu lhe sugiro aterrissar em Aqua e
procurar por Gucky. Você não está mais com
nenhum telepata a bordo e não poderá assim
entrar em contato com Gucky.
— Gucky levou consigo um pequeno apare-
lho transmissor. Pode enviar um sinal para ori-
entação, e o acharemos logo. É verdade que
até agora não deu sinal nenhum.
Rhodan terminou a conversa:
— Voe para Aqua e espere lá até que o sis-
tema ganhe um outro sol. Procure Gucky e fi-
que então na escuta permanente, que eu me
comunicarei.
134
Deringhouse desligou e a imagem de Rho-
dan desapareceu da tela, que apagou totalmen-
te. Capitão Lamanche, sentado diante dos con-
troles de pilotagem, perguntou:
— Direção Aqua, major?
— Sim, mas primeiro vamos sobrevoar o
continente, Lamanche, se não acharmos nada,
vamos dar uma olhada no litoral. Em algum lu-
gar, temos de encontrar uma pista do paradeiro
de Gucky e de Topthor.
A Centauro se aproximou do planeta das
águas e entrou logo na atmosfera. A pequena
altura, dava voltas, sempre mais amplas sobre o
continente, cuja parte central estava mais ou
menos no coração do planeta. Cada vez mais, a
Centauro se aproximava do litoral.
Enquanto Lamanche pilotava, Deringhouse
coordenava o serviço de busca por instrumen-
tos ópticos, apoiado naturalmente pela sala de
rádio, cujos receptores estavam regulados para
a freqüência especial de Gucky. Mas o rato-cas-
tor ainda não havia achado por bem comunicar
o lugar onde estava.
Faltava-lhe possibilidade para isto?
Deringhouse se assustou com o pensamen-
to. Até então não lhe havia ainda passado pela
cabeça que poderia ter acontecido alguma coisa
estranha a Gucky. Um ente metafísico, com
135
três poderes parapsicológicos, era propriamen-
te invulnerável e parecia excluído que não tives-
se apanhado Topthor. Por que, então, não se
comunicava, para que a Centauro o pegasse?
Ou estaria ele, de novo, com os homens-peixes
de Aqua, fazendo uma excursão submarina,
como já havia feito uma vez?
Ao ver a cratera, Deringhouse começou a fi-
car zangado. Mas logo depois, a ira deu lugar à
admiração. Aquela cratera só podia ser da pe-
quena bomba atômica. Portanto, Gucky havia
encontrado a nave de Topthor e a havia destru-
ído. Mas onde estariam os dois, o superpesado
e Gucky?
Os pensamentos de Deringhouse davam vol-
tas e não chegavam a nenhuma conclusão. A
cratera afunilada ficara para trás. Atravessaram
um planalto e depois uma extensa floresta que
podia chegar até ao longínquo litoral. Mas per-
cebeu depois que o litoral não estava tão longe
assim. A longa faixa marítima, à esquerda da di-
reção do vôo, resplandecia num azul-claro.
Lá embaixo tudo era paz e sossego. Dering-
house se perguntava se haveria ainda sobrevi-
ventes da explosão. Não era do feitio de Gucky
matar adversários indefesos, mesmo que tives-
sem as piores intenções.
Lamanche havia ligado o envoltório de pro-
136
teção frontal, agindo de acordo com o provér-
bio “o seguro morreu de velho”. Os aconteci-
mentos vieram lhe dar razão.
É verdade que Deringhouse percebeu a nave
no mesmo instante, mas antes que tivesse tem-
po de avisar ao piloto, este já tinha ligado por
conta própria o envoltório. Só depois disso é
que os dois homens foram olhar mais de perto
o seu achado.
A fuselagem alongada da nave dos saltado-
res estava numa extremidade do planalto. Vá-
rios pontos escuros se moviam na parte desco-
berta e pararam, de repente, para depois saí-
rem correndo em todas as direções. Abrigaram-
se parte na própria nave, parte na floresta vizi-
nha.
— Desça mais, Lamanche — ordenou De-
ringhouse. — Temos que dar uma olhada nes-
tes rapazes. Além de Topthor, ainda há outros
saltadores por aqui.
— Talvez sejam tópsidas — acrescentou o
piloto, enquanto fazia a Centauro descer.
— Eu os estou reconhecendo nitidamente na
ampliação da tela panorâmica.
— Além disso, em pacífica convivência —
disse Deringhouse, remoendo seus pensamen-
tos que poderiam levar a uma conclusão falsa
de graves conseqüências. — Desde quando dei-
137
xaram de ser inimigos?
Lamanche, sem o saber, tinha um pouco de
culpa.
— Talvez o próprio Topthor lhes confessou
o erro em que tinham caído. Acho que é uma
resposta razoável para sua pergunta, senhor.
Deringhouse concordou, com sinais de preo-
cupação no rosto.
— Quem sabe é realmente a resposta certa,
capitão. Mas, vamos, abaixe mais, conservan-
do, porém o envoltório ligado. Vamos olhar de
perto os rapazes e lhes fazer algumas pergun-
tas.
— Perguntas? — disse Lamanche admirado,
mas não disse mais nada.
De baixo, veio um raio energético de um
verde gritante de encontro à Centauro. Atingiu
o envoltório invisível e foi absorvido. Mas o ad-
versário continuou atirando sempre no mesmo
local para atingir seu objetivo: enfraquecer e
romper a abóbada de proteção magnética.
Deringhouse chamou a sala de munição:
— Sob nós há uma nave dos saltadores. Es-
tamos sendo atacados, estou direto em seu
alvo. Lance uma bomba atômica.
Era um ato de defesa própria, embora pu-
desse ser feito com meios mais brandos. Mas
Deringhouse estava realmente convencido de
138
que aqueles saltadores e tópsidas estavam a par
do grande segredo.
Foi a conclusão falsa de tremenda conse-
qüência. Tremenda conseqüência, pelo menos
para os pobres sobreviventes tópsidas e saltado-
res, sobre os quais a morte se abateu com a ve-
locidade do raio.

***

Bernda e Gatzek escaparam.


Os dois saltadores se encontravam a cami-
nho do litoral para procurar Topthor. Tinham
recebido informações dos tópsidas de que o su-
perpesado devia ter atingido a ilha artificial em
companhia de Ber-Ka. Um princípio de mensa-
gem de rádio interrompido entre Topthor e
Cekztel comprovava a informação.
Naturalmente, Bernda poderia chegar até
perto da ilha com sua nave, mas preferiu o tra-
tor de esteira para ter oportunidade de fazer
uma bela excursão particular. Estava num mun-
do diferente e não queria perder a oportunidade
para futuros negócios. Os grossos troncos de
árvores copadas lhe interessavam muito. Suas
sementes e mudas lhe trariam grande fortuna.
Gatzek não suspeitava das intenções comer-
ciais do magro comerciante, cuja estatura nor-
139
mal lhe lembrava os odiados terranos.
Chegaram até o litoral e seguiram o rastro
do carro dos tópsidas, no qual Topthor e Ber-
Ka haviam feito no dia anterior a penosa via-
gem. Quando surgiu a seus olhos a construção
baixa da ilha artificial, parecia-lhes haver conse-
guido tudo. Respirando mais sossegado, Gatzek
reconheceu o carro parado na praia. Estava va-
zio.
Bernda parou. Com as pernas um pouco do-
loridas, pulou para a areia. O superpesado vi-
nha atrás, caminhando com visível dificuldade.
Seus pés penetravam muito na areia.
— Como chegaram à ilha? — perguntou
olhando, com muito medo, para uma fila de
barcos pequenos num diminuto ancoradouro.
— Certamente não foi com uma casca de noz
assim, não é?
— Elas agüentam mais do que se supõe —
consolou Bernda. — Experimente para ver.
Gatzek se encaminhou para o primeiro bar-
co e, experimentando, botou o pé na popa es-
treita. Afundou um pouco, mas as paredes late-
rais da embarcação não deixaram que a água
penetrasse.
— Acho que podemos ir, Bernda. Queira
Deus que ninguém nos roube o carro neste
meio tempo.
140
— Bobagem, o carro de Topthor ainda está
aqui e ninguém mexeu nele. E aqui não há nin-
guém para fazer isso.
Antes que Gatzek pudesse responder, acon-
teceu algo que o fez pular de volta na areia.
Bem longe, reluziu um forte clarão por sobre
a floresta. Pouco tempo depois, uma forte com-
pressão do ar varreu as grimpas da imensa flo-
resta, passando para a vastidão do mar, onde
as ondas se encapelaram. Graças à proteção da
floresta é que os dois saltadores não foram ati-
rados ao solo.
— Que foi isto? — perguntou Bernda, fican-
do totalmente pálido. — Não é da direção de
onde viemos? A nave...?
Gatzek tremeu dos pés à cabeça.
— A nave... sim, poderia ser. Que aconte-
ceu?
Tiveram a resposta dez segundos após, ao
surgir, sobre a copa da floresta, uma enorme
esfera que se aproximava deles ameaçadora-
mente.
— Uma das naves de Rhodan.
Bernda deu um grito alucinante e saiu cor-
rendo, sem pensar no seu companheiro, cui-
dando apenas de se pôr a salvo. Antes que a
grande nave esférica atingisse a praia, o franzi-
no comerciante já estava se embrenhando pela
141
mata. Continuou correndo, até que a respiração
o fez parar. Cansado e sem ar, rolou pelo chão.
Acreditava que no emaranhado da floresta nin-
guém o acharia. Em volta dele, os grossos tron-
cos das árvores de copas fechadas. Do céu, não
se via nada.
Minutos a fio, ficou estirado no chão úmido
da floresta, tentando ouvir algum ruído de even-
tuais perseguidores. Mas tudo era silêncio. Tal-
vez tivessem perdido suas pegadas. As copas
das árvores eram demasiadamente espessas
para alguém de cima poder vê-lo.
Será que Gatzek estava também em segu-
rança?
Bernda olhou cautelosamente em volta e pa-
recia mais calmo. Deu com os olhos num caro-
ço alongado, vermelho-escuro, parecia real-
mente um caroço. Como sentisse muita fome,
levantou-se e o apanhou. A casca era muito
dura. Com um pedaço de pedra, começou a
martelá-lo de encontro às raízes de uma árvore.
Quase que deu um grito de alegria, pois o “ca-
roço” continha muitas sementes, que certamen-
te seriam outras tantas árvores mais tarde. Ao
menos umas duzentas sementes havia no seu
interior. E olhando mais em volta, descobriu
grande quantidade de “caroços” deste tipo.
Muito contente, começou a apanhá-los, não
142
tendo, porém, como levá-los. Pobre Bernda.
Não podia compreender como ninguém des-
te mundo tinha interesse por aquelas sementes,
nem mesmo os homens-peixes.
Mas Bernda não veria nunca mais outras cri-
aturas em sua vida, se alguém não o viesse apa-
nhar no quarto planeta.
Esta possibilidade era muito remota.

***

Ainda havia quinze minutos para o momen-


to fatídico.
Deringhouse aterrissou na praia, bem perto
das duas viaturas e do pobre Gatzek, quase pa-
ralisado de terror. Os suportes telescópicos da
grande nave afundaram na areia macia, fazendo
brotar logo água salgada.
— Lamanche, controle as armas de defesa e
atire, se for necessário. Eu vou sair.
— Leve dois companheiros — gritou o fran-
cês, colocando a mão no botão de controle das
armas. — O gorducho não parece homem de
muita iniciativa, mas as aparências enganam.
— Levo Ras Tschubai comigo, pois assim
poderei desaparecer a qualquer momento. Para
que temos teleportador?
Fez um sinal para Lamanche e correu para o
143
departamento dos mutantes.
— Ras, vamos dar um pulo na praia e pre-
gar um susto num superpesado.
O africano de compleição robusta, um dos
mais competentes teleportadores dos mutantes,
olhou para a tela de controle externo e concor-
dou.
— Segure bem firme, major.
Deringhouse se agarrou bem em Ras e, no
mesmo segundo, estava a dez metros de Gat-
zek, no macio chão de areia. Arrancou a pistola
da cintura e a apontou contra o superpesado,
cujos olhos se arregalaram de medo.
— Não se mova, gorducho.
Foi com dificuldade que Gatzek conseguiu
manter sobre as pernas seu respeitável peso de
seiscentos e tantos quilos. Tinha ouvido falar
das misteriosas forças que estavam a serviço de
Rhodan, mas isto estava acima de sua concep-
ção.
— Estou desarmado — lamentou ele.
— É a sua sorte, meu amigo — consolou-o
Deringhouse, colocando a arma no cinto. —
Onde está Topthor?
Gatzek apontou para a ilha.
— Talvez lá, eu também o estou procuran-
do.
— Por quê? — foi a pergunta direta de De-
144
ringhouse. — Vocês se aliaram com os tópsi-
das?
— Por que não? — admirou-se Gatzek não
sem razão. — Nós fomos derrubados como
eles. Por que deveríamos nos matar mutuamen-
te? Não havia mais motivo para isto.
Deringhouse compreendeu. Então falou:
— Se você se mantiver pacificamente, nada
lhe acontecerá. Vou dar uma chegada ali na
ilha, com meu amigo, à procura de Topthor.
Não tente nenhuma bobagem.
— Posso voltar para minha nave que espera
por mim ali nas montanhas?
— Uma nave dos saltadores? Foi destruída,
pois fomos duramente atacados. Suponho que
sua volta é inútil.
Deringhouse se agarrou em Ras, apontando
para a ilha. O africano deu um salto. Materiali-
zaram-se na plataforma e logo acharam o cor-
redor que levava para a cabina de rádio. Diante
do gigantesco painel de controle estava o cadá-
ver de um tópsida.
Deringhouse estremeceu ao ver Topthor.

A bomba arcônida explodiu no minuto exa-


to. Rhodan estava bem longe no espaço e viu o
145
clarão ofuscante que haveria de provocar rea-
ções em cadeia. Ainda levaria horas, até que o
planeta se transformasse num sol.
A frota dos saltadores estava a uma hora-luz
da explosão. Major McClears os estava obser-
vando do cruzador pesado Terra, enviando in-
formações e imagem constantemente para a Ti-
tan, a fim de deixar Rhodan a par de tudo.
As primeiras mensagens de Cekztel davam a
entender que as coordenadas para o regresso
dos saltadores para M-13 já estavam calculadas.
A missão estava cumprida e a “Terra” destruí-
da.
Mas todo mundo sabia que Rhodan ainda
estava vivo. E era a única coisa que atrapalhava
Rhodan.
Depois de haver feito e discutido vários pla-
nos com Bell, entre os quais havia um já mais
ou menos formalizado, mandou chamar para a
sala de comando a John Marshall.
— A Titan deve ser, aos olhos dos saltado-
res, destruída — começou Rhodan, vendo, com
um sorriso nos lábios, o susto estampado no
semblante do telepata. — Exatamente como foi
com a Terra. Somente depois disso é que esta-
remos convencidos de que nossa grande jogada
deu certo cem por cento. Também o Robô de
Árcon deve ficar convencido de que fomos des-
146
truídos. Arquitetamos um truque de grande efei-
to, Marshall, para cuja execução, no entanto,
necessitamos de um teleportador: Ras Tschubai
ou Gucky.
— Ambos estão na Centauro, senhor. Deve-
se então avisar a Deringhouse de que...
— Deringhouse estará aqui com seu cruza-
dor em dez minutos. A frota dos saltadores par-
tirá dentro de trinta minutos. Neste meio tem-
po, o truque tem que ser realizado.
— O que vai ser realizado?
Rhodan ainda continuava sorrindo, ao dizer:
— A desintegração total da Titan em meio
das naves reunidas dos saltadores.
Marshall não empalideceu, porque havia lido
o pensamento de Rhodan. Então, ele mesmo
começou a rir.

***

Com semblante carregado, Deringhouse re-


tornou à Centauro. Quando se materializou
com Ras Tschubai na praia, o superpesado Gat-
zek havia sumido. Também ele tinha preferido
buscar abrigo na floresta próxima. De qualquer
maneira seria melhor do que prisão, pensaria
ele.
Deringhouse não se deu ao trabalho de pro-
147
curar os dois fugitivos. Não tinha tempo para
isto. Além disso, Aqua lhes oferecia o necessá-
rio para sobreviver. Eles é que cuidassem de
suas vidas. Ele, Deringhouse, tinha outras preo-
cupações.
“Onde estará Gucky?”, pensou, indagando-
se.
Topthor já morrera.
Estava sentado na poltrona da cabina de rá-
dio dos tópsidas, diante do painel de controle,
de uma maneira tão esquisita, com a cabeça ca-
ída na mesa. Ou o que sobrou de sua cabeça.
Pois Topthor cometera suicídio, com a pistola
de raios energéticos. A arma, com o cano
apontado para a cabeça, ainda estava presa na
mão rígida.
Topthor estava morto e com ele havia finda-
do o mistério que ameaçava a vida no planeta
Terra.
Deringhouse pegou o africano pela mão.
— Para a nave — disse ele. — Onde andará
Gucky?
Materializaram-se na cabina. Lamanche con-
tinuava sentado, olhando para os controles,
mas não havia nada mais para observar. Em
seu colo estava, todo feliz, Gucky, enquanto La-
manche lhe coçava a nuca. Quando Deringhou-
se soltou uma praga meio contida, o rato-castor
148
sacudiu a cabeça com ar de desaprovação, di-
zendo:
— Chefe Deringhouse, você, durante o últi-
mo hipersalto pelo espaço, deve ter perdido um
pouco de sua boa educação.
— Desde quando está aqui?
— O tempo suficiente para ficar com os ca-
belos brancos de tanto esperar por você — dis-
se Gucky. — Você encontrou Topthor?
— Por que ele se matou, Gucky? Sabe algu-
ma coisa a respeito?
— Estava cansado da vida, major. Queria
matar primeiro a mim e depois a si mesmo.
Apenas trocou a ordem.
— Foi assim! — comentou Deringhouse ad-
mirado.
O operador em serviço entrou e disse:
— Rádio de Rhodan, major. O senhor deve
procurar as coordenadas apresentadas. Os da-
dos são...
— Está bem, vou lá e resolvo isto já. Antes
de sair, Deringhouse olhou para Gucky e lhe
disse:
— Esse negócio de trocar a ordem, você vai
me explicar na presença de Rhodan.
Gucky não respondeu nada.

***
149
— É relativamente simples, mas tem de ser
feito no segundo exato — concluiu Rhodan,
olhando com interrogação para Gucky. — Se
você quiser, poderá ser feito também por Ras.
O rato-castor sacudiu a cabeça tão violenta-
mente que as orelhas esvoaçaram.
— Ras deve ser poupado, chefe. Além de
tudo, está na Centauro com Deringhouse, en-
quanto eu estou aqui.
Rhodan concordou.
— Quanto à sua explicação barata sobre a
morte de Topthor, é melhor a gente esquecer
isto. Mas cá entre nós, como foi mesmo? —
olhou para o relógio. — Ainda temos dois mi-
nutos, conte depressa.
Gucky andava nervoso de um canto para o
outro, olhando muito para Bell, com olhos su-
plicantes.
— Realmente, eu o surpreendi e o chamei,
ele se virou, já com a arma na mão para me
matar. Que devia eu fazer? Que seria de você,
chefe, se eu morresse? E o coitado do Bell?
Não, não consegui deixar que me matasse.
— E depois? — perguntou Rhodan impaci-
ente, olhando para o relógio.
— Nada! Topthor ergueu a arma para o ou-
vido e disparou.
150
— De qualquer maneira, você é telecineta e
pode mover a matéria sem tocar nela. É isso
que deverá fazer com a bomba atômica.
Gucky olhou para ele com certa tristeza nos
olhos.
— Está certo, chefe.
Rhodan olhou pela última vez para o reló-
gio:
— Um depósito cheio de cenoura, eu lhe
prometi, e você receberá, Gucky. Mas, vamos
embora, não há mais tempo a perder. Os salta-
dores vão desaparecer em cinco minutos,
Gucky. Vamos para a sala de munições, regular
o detonador exatamente para cinco segundos e
esperar até que chegue meu comando. Tudo
claro?
— Há muito tempo — disse Gucky e desa-
pareceu.
Bell olhou espantado para o lugar vazio.
O hipercomunicador estava ligado. A pri-
meira mensagem era cifrada e se destinava a
McClears e a Deringhouse:
— Vocês liguem o compensador e executem
dez saltos antes de voltarem para Terrânia. Lá
esperarão por mim. Tudo em ordem?
— Entendido — foi a resposta dupla.
Vinte segundos depois, não havia mais Cen-
tauro nem Terra no sistema do sol vermelho de
151
Beta. A Titan ficou sozinha.
Rhodan calculara bem as coordenadas, mas
antes de saltar com a supernave, deixou aque-
cer o hipertransmissor. A freqüência do cérebro
eletrônico foi regulada. Agora, com a simples
pressão de um botão, Rhodan podia entrar em
contato com o regente do Império Arcônida, a
mais de 30 mil anos-luz de distância.
Na tela já se podia ver Gucky. Em seus bra-
ços, se via um objeto alongado: a bomba.
— Pronto, Gucky?
— Pronto.
— Atenção! Salto!
A Titan se desmaterializou e surgiu, no mes-
mo segundo, a menos de dois quilômetros da
nave de Cekztel, no espaço normal. Na redon-
deza estavam mais de duzentas unidades que se
preparavam para o grande salto de retorno. So-
mente devido a esta circunstância foi que leva-
ram tanto tempo para abrir fogo contra a gran-
de nave esférica.
Antes, porém, aconteceu muita coisa ao
mesmo tempo.
Gucky saltou com a bomba atômica através
do hiperespaço e se materializou fora da Titan.
Usava um traje espacial e não podia ser reco-
nhecido na carcaça de brilho prateado da nave.
Comprimiu o botão de ignição. Assim que lar-
152
gasse o dedo, haveria ainda exatamente cinco
segundos para a detonação. Seus fluxos tele-
páticos auscultavam o cérebro de Rhodan,
aguardando seu comando.
Rhodan comprimiu a tecla do transmissor. A
ligação para Árcon estava feita. Não era apenas
o cérebro robotizado de Árcon que ia ouvir a
transmissão, mas todo o mundo, pois Rhodan,
de propósito, não usou nenhum código.
Ao contrário da Centauro e da Terra, o
compensador estrutural estava desligado. Por-
tanto todo rastreador de estrutura poderia loca-
lizar o salto, em toda a Via Láctea. Em torno da
Titan, estava ligado o envoltório magnético de
proteção, principalmente para defender Gucky
dos disparos dos raios energéticos.
O primeiro tiro contra a supernave partiu da
nave de Cekztel. Foi o sinal para todas as ou-
tras naves dos saltadores. E para Rhodan tam-
bém.
— Aqui fala Perry Rhodan do sistema Terra
— gritou ele no microfone do hiper-transmis-
sor, com voz de desespero. — Os saltadores
acabam de destruir o planeta Terra.
Utilizou-se então da pequena pausa para se
concentrar e poder pensar: “Agora, Gucky”.
Depois continuou e ainda tinha cinco segun-
dos para falar:
153
— Eu estou com defeito no gerador do cam-
po estrutural... quero fugir e saltar para...
Desligou a alavanca do hipertransmissor e
com a outra mão acionou o controle de ligação
da instalação de hipersalto.
A Titan se desmaterializou.
Atrás ficou a bomba, mas a diferença de
tempo para sua detonação foi tão diminuta, que
Cekztel foi vítima de um erro compreensível.
Com seus próprios olhos, julgou ter visto como
a Titan, durante a desmaterialização, foi dissol-
vida por uma terrível explosão. Simultaneamen-
te, penetrou em seu ouvido o grito de socorro,
enviado por Rhodan ao cérebro robotizado de
Árcon, no entanto interrompido pela tremenda
explosão.
O rastreador estrutural da nave de Cekztel, e
com ele milhares de outros rastreadores em to-
das as regiões da Via Láctea, haviam registrado
o início do hipersalto da Titan. Ninguém, po-
rém, registrara o seu aparecimento no espaço
normal. Rhodan tinha sumido no hiperespaço.
Cekztel estava triunfante. Sua mensagem de
rádio não cifrada percorria toda a Galáxia e era
recebida em toda parte, a uma velocidade mi-
lhões de vezes superior à da luz:
— Afastamos o maior perigo para o Univer-
so! Rhodan está morto. O planeta Terra se
154
transformou num sol. O império não será mais
ameaçado. Viva Topthor, a quem devemos
tudo isto.
Mas o pobre Topthor não podia mais ouvir
este elogio.
Quando Rhodan, sob a proteção dos com-
pensadores que absorviam todos os abalos, pe-
netrou no espaço normal e ouviu o elogio fúne-
bre de Cekztel, contraiu o rosto num sorriso
irônico.
As coordenadas estavam de novo em or-
dem. O próximo salto, com os compensadores
ligados, traria a Titan, intacta, para a Terra.
Para uma Terra que por anos ou decênios mer-
gulharia no mar do esquecimento. Pelo menos
pelo tempo que Rhodan julgasse conveniente.
Com toda certeza, tanto tempo quanto fosse
necessário para que o planeta pudesse se pre-
parar para resistir a qualquer ataque.
Gucky estava feliz e puxava a mão de Bell
para lhe coçar as costas.
— Sabe de uma coisa, Gorducho? — obser-
vou ele. — A vida é tão bela, mas nunca havia
pensado que “estar morto” é ainda mais belo.
— É isto mesmo — disse Bell amavelmente.
Rhodan olhou pensativo para os dois amigos
e pôs a mão no controle central da instalação
de hipersalto. Empurrou-o lentamente.
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A supernave deslizou novamente para um
outro Universo e não deixou o menor rastro
atrás de si, no espaço calculável.
Ao se rematerializar no espaço normal, ti-
nham diante de si, nas telas da Titan, um sol
claro e maravilhoso.
Bem perto, cintilava um corpo celeste pe-
queno, meio azulado.
Era o planeta mais lindo do Universo: a Ter-
ra.

***

156
Graças à sorte e a Gucky, o maravilhoso
plano de Perry Rhodan — o qual a Terra te-
ria que dar a todos os seres inteligentes das
Galáxias a impressão de estar destruída —
foi bem sucedido. A Humanidade ganhou as-
sim tempo para um desenvolvimento tranqüi-
lo e para a formação do poderoso “Império
Solar”.
Os dramáticos acontecimentos, que se de-
senrolam no ano 2040, lhe permitirão viver
uma época nova da história da Humanidade.
Em ATLAN, O SOLITÁRIO DO TEMPO,
título do próximo volume da série, um en-
contro de gigantes acontece.

*
* *

ÐØØM SCANS
PROJETO FUTURÂMICA ESPACIAL
https://doom-scans.blogspot.com.br

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