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Cilada Cósmica
K. H. Scheer

Tradução
Richard Paul Neto

Digitalização
Vitório

Revisão
Arlindo_San

Formatação
ÐØØM SCANS

PROJETO FUTURÂMICA ESPACIAL

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A Terceira Potência, uma feliz aliança da
supertécnica arcônida com o espírito de inici-
ativa do homem, já conta com alguns anos
de existência, segundo a escala de tempo ter-
restre.
Muita coisa aconteceu nesses anos: a defe-
sa bem sucedida contra invasores vindos do
espaço, a decifração dos velhos mistérios do
planeta Vênus, a luta, no sistema Vega, com
os tópsidas, criaturas reptilóides, e a desco-
berta do mundo da imortalidade; isso para
mencionar apenas algumas das realizações
mais dramáticas registradas pela história ain-
da recente da Terceira Potência, criada e diri-
gida por Perry Rhodan.
Até mesmo o Supercrânio, um mutante
dotado de energias hipnóticas de potência
inacreditável, acabou sendo derrotado. Mas,
ao que tudo indicava, a luta com o Supercrâ-
nio não deixou de ser notada por outras cria-
turas. Só assim se explica o súbito surgimen-
to de espiões cósmicos...
E, para descobrir quem são esses espiões,
de onde vêm e o que pretendem, Perry Rho-
dan recorre à CILADA CÓSMICA.

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Personagens Principais:

Perry Rhodan — Chefe da Terceira Potên-


cia.
Julian Tifflor — Um homem que Rhodan
usa como chamariz cósmico.
Primeiro-sargento Rous — Que prepara os
futuros cosmonautas da Terra.
Major Deringhouse — Cuja missão consiste
em levar o chamariz ao local da ação.
Humpry Hifield e Klaus Eberhardt — Dois
cadetes da Academia Espacial da Terceira Po-
tência.
Mildred Orson — Estudante de bacteriologia
cósmica.
Orlgans — Um negociante galático que des-
cobriu a Terra.

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1

“Treinamento tático”... era este o nome


dado àquelas manobras tresloucadas e temerá-
rias, que faziam porejar o suor até mesmo na
testa dos pilotos mais experimentados do co-
mando de caças espaciais.
Exigiam o máximo. De certa forma eram im-
placáveis, muito embora depois de concluída a
ação costumassem ser ótimos companheiros,
com um sorriso brejeiro nos lábios.
Eles — os instrutores da Academia Espacial
— eram homens que já haviam saído do siste-
ma solar a serviço da Terceira Potência, aventu-
rando-se pelas amplidões do espaço cósmico
para lutar em prol da Humanidade.
Dificilmente teriam qualquer tipo de senti-
mentalismo, quando se tratasse de fazer das no-
vas gerações de cosmonautas da Terceira Po-
tência homens iguais a eles.
O cadete Julian Tifflor recebeu uma ordem,
proferida em tom indiferente, para, no âmbito
do exame final que estava prestando, assumir o
comando de um destróier espacial rápido.
Além disso, fora instruído a fazer de conta
que o cume alto e anguloso de uma montanha
lunar era uma nave inimiga, da qual não pode-
ria se desviar em virtude da velocidade elevada.
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Para cumprir essa ordem, o examinando Tif-
flor poderia passar rente à pedra alcantilada, ou
embolar-se na idéia enganadora de que aquele
obstáculo maciço poderia, no último instante,
se transformar, por um passe de mágica, numa
nuvem macia.
Ao que tudo indicava, Julian Tifflor, um ho-
mem meigo e conciliador enquanto ninguém o
irritasse, acreditava com toda a inocência de
seus vinte anos de vida que aquela massa de pe-
dra de três mil metros de altura se transformaria
numa nuvem.
O primeiro-sargento Rous, um piloto do co-
mando de caças espaciais consagrado em inú-
meras ações, inclusive nas lutas arrepiantes tra-
vadas no sistema Vega, soltou um grito de pa-
vor quando os propulsores retumbantes impeli-
ram a máquina dirigida pelo cadete Julian Tif-
flor para cima da montanha a uma velocidade
de exatamente dez mil quilômetros por segun-
do.
Foi nesse instante que o sargento Rous se
lembrou de suas palavras “engraçadas”, segun-
do as quais um “rapaz inteligente” simplesmen-
te passaria por dentro da montanha. Também
foi o instante em que o sargento conjurou todos
os santos, para explicar que não era “isso” que
ele queria dizer; principalmente, não pretendia
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dizer que a montanha devia ser atravessada a
uma velocidade tamanha.
Não faria o menor sentido interferir nos con-
troles duplicados do destróier. Afinal, encontra-
vam-se numa das chamadas naves de exame fi-
nal, em que o instrutor de vôo nem sequer dis-
punha de controles desse tipo.
Além disso, o cume da montanha se aproxi-
mava a uma velocidade de dez mil quilômetros
por segundo o que, em termos exatos, significa-
va que a nave dirigida pelo cadete Tifflor se pre-
cipitava sobre a superfície lunar num ângulo de
quarenta e cinco graus.
— O senhor ficou lou...!
O sargento Rous não conseguiu berrar mais
que isso, pois o canhão de impulsos, rigidamen-
te montado na estrutura da nave, produziu um
som mais forte que o da sua voz.
Rous sentiu as tremendas sacudidelas da
nave de instrução de três lugares. Era a vibra-
ção forte provocada pelo imenso desprendi-
mento de energia, que saía da boca do canhão
sob a forma de um raio violeta, quente como o
Sol.
Julian Tifflor, que costumava ser chamado
Tiff, atirou com o auxílio da pontaria automáti-
ca de precisão a uma distância de trinta mil qui-
lômetros. A distância seria perfeitamente nor-
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mal num combate espacial. Como o disparo
térmico se deslocasse a uma velocidade próxi-
ma à da luz, ainda dispunha de cerca de três se-
gundos para refletir sobre as medidas a serem
tomadas.
Para o sargento Rous aqueles instantes se
transformaram numa eternidade. O fogo inin-
terrupto do pesado canhão de impulsos conti-
nuava a bramir, e a velocidade do destróier não
foi reduzida.
Rous voltou a berrar; mas o pior já havia
passado. Os restos da matéria gaseificada se in-
cendiaram de encontro ao envoltório protetor
do destróier. Antes que o chiado agudo das par-
tículas repelidas pelo envoltório protetor pudes-
se ser ouvido, a nave, depois de descrever um
ângulo extremamente perigoso, voltou a subir
em direção ao espaço vazio. O que ficou para
trás foi uma cratera que brilhava numa incan-
descência branca e borbulhante, e que se for-
mara exatamente no ponto em que antes se en-
contrara o cume pontudo.
O zumbido grave da arma energética cessou.
Só se ouvia o forte retumbar do propulsor de
impulsos.
Na testa de Julian Tifflor havia gotículas de
suor. Sua voz parecia um pouco áspera quan-
do, segundo o regulamento, apresentou seu re-
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lato:
— Ordens cumpridas, sargento. Tive que
destruir a nave inimiga, porque não havia possi-
bilidade de me desviar dela. Passei por dentro
da mesma.
Com um rápido movimento de mão, Rous
tentou espantar a palidez de seu rosto. Seus
olhos semicerrados miraram o rosto magro,
mas meigo do cadete, que mal acabara de li-
vrar-se de uma violenta tensão. Só depois de al-
gum tempo o brilho sonhador voltou a surgir
nos olhos castanhos de Tiff. Poucos instantes
antes ainda se mostravam frios e escuros; de
certa forma pareciam profundos e imperscrutá-
veis.
— Costuma levar sempre tão ao pé da letra
as ordens que recebe? — indagou Rous com
uma mansidão que parecia perigosa.
Tiff engoliu em seco. A insegurança parecia
se apossar de novo de seu espírito.
— Sim — respondeu. Lançou um rápido
olhar para trás, onde o cadete Eberhardt estava
acomodado no assento do observador.
O rosto largo de Eberhardt parecia uma
mancha de tinta desbotada.
— Rapaz! — fungou. — Ora essa! Já me vi
sob a forma de uma nuvem de gás. Já...
— Cadete Eberhardt, sua opinião é irrele-
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vante — chiou Rous. — OK. Agora você assu-
mirá o comando. Troquem de lugar.
Tiff esboçou um sorriso martirizado. Rara-
mente um sorriso genuíno, tão comum nos ale-
gres cadetes da Academia Espacial, aflorava em
seus lábios.
Saiu desajeitadamente do assento e passou
para trás. O cadete Klaus Eberhardt começou a
transpirar. Era a vez dele!
Os olhos de Tifflor piscaram em direção aos
dedos de Rous, que naquela lentidão costumeira
e enervante pegaram o “livro da inteligência”.
Esse livro não passava de uma corriqueira agen-
da de bolso, mas as anotações lançadas nele re-
presentavam tudo para os examinandos da
Academia Espacial.
O sargento Rous não disse mais nada. Nem
Tifflor nem Eberhardt desconfiaram de que sen-
timentos conflitantes martirizavam a mente da-
quele homem.
“Que teste dos infernos”, pensou Rous para
si mesmo. “Que teste dos infernos.”
Poucos instantes depois, o espírito de Tifflor
mergulhou num oceano de veneração, respeito
e admiração irrestrita.
O sargento Rous, um piloto de caça espacial
competente e extremamente corajoso, ficou
imóvel de susto, e Eberhardt soltou um gritinho
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agudo.
O telecomunicador dera sinal de vida. Na
tela do aparelho que funcionava à velocidade da
luz surgiu o rosto estreito e anguloso de um ho-
mem.
— Rous, é o senhor? — soou a voz retum-
bante pela cabina apertada.
O sargento recuperou a fala. Era o chefe em
pessoa. O que teria levado Perry Rhodan a cha-
mar o pequeno destróier?
Rous apresentou seu relato. O homem que
aparecia na tela acenou ligeiramente com a ca-
beça.
— Obrigado, já sei. Pouse imediatamente e
apresente-se a mim. O cadete Julian Tifflor está
com o senhor?
A essa altura Rous começou a morder o bei-
ço. Um olhar carregado de terríveis ameaças foi
disparado em direção ao cadete. Rous confir-
mou a presença do cadete.
— O cadete Tifflor deverá se apresentar às
onze horas, tempo padrão. O senhor virá al-
guns minutos antes. Entendido?
Era a maneira de falar típica de Rhodan, um
homem que num espaço de alguns anos trans-
formara o planeta Terra num fator de poder ga-
lático de primeira ordem.
— Sim senhor — gaguejou Rous, totalmente
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desorientado.
Seus olhos pareciam sair das órbitas.
— Perdão, o senhor acaba de dizer que o
cadete Tifflor deve se apresentar ao senhor? No
palácio?
Os olhos de Perry Rhodan se estreitaram li-
geiramente. Aquelas palavras pareciam diverti-
lo.
— Isso mesmo; no palácio. Também pode-
ria dizer que é no edifício da administração. Ali-
ás, suas manobras de prova foram um tanto ar-
riscadas. Quem estava pilotando o aparelho?
— Foi o tal do Tifflor — cochichou Rous
com os lábios secos.
— Ah, então foi isso. Muito bem. Fim.
A tela se apagou. Só o chiado dos microfo-
nes do telecomunicador continuou a encher o
recinto.
O sargento Rous se virou lentamente no as-
sento. Seus olhos escuros pareciam pedras de
gelo quebradiço. Perdera todo senso de humor.
— Tifflor, o que é que andou fazendo? Fale
logo! Fale imediatamente! Por que o chefe re-
solveu convocar um cadetezinho como você ao
edifício do governo? O que houve?
Tiff sentiu que seus olhos se enchiam de
água e as palmas das mãos secavam.
— Não faço a menor idéia, sargento. Com
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toda a sinceridade, não sei.
— Veremos, meu caro. Nem queira saber o
que será feito de você se, por alguma bobagem,
você fez a caveira de meu grupo de exame. Se
foi isso, você já era um aluno da Academia Es-
pacial. Eberhardt, tome a direção do espaço-
porto de Gobi. Aceleração máxima.
Um objeto refulgente disparou a toda veloci-
dade em direção à foice nitidamente perceptível
que representava a Terra. Para um destróier
que se deslocava à velocidade da luz, uma ex-
cursão à Lua era apenas um pulo, uma questão
de poucos instantes.
O cadete Julian Tifflor, geralmente chamado
de Tiff, sentiu o coração palpitar. Ficou refletin-
do; por que cargas d’água o chefe queria vê-lo
pessoalmente? Nunca houvera uma coisa des-
sas. O que diriam os alunos da Academia Espa-
cial?
Estremeceu ao se lembrar do escárnio e da
compaixão com que seria recebido pelos cole-
gas. Não havia a menor dúvida: alguma coisa
não devia estar certa. Um cosmonauta da nova
geração não seria convocado ao santuário sem
mais nem menos. Nuvens ameaçadoras surgi-
ram no horizonte da imaginação de Tifflor.

***
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O homem alto desligou o telecomunicador.
Com uma expressão pensativa, Perry Rhodan,
presidente da Terceira Potência, olhou para a
tela que se apagava.
“Esse rapaz deve estar perto de um colapso
nervoso”, recriminou-o a voz do subconsciente.
“Você poderia ter-lhe dito isso em outra oportu-
nidade e de outra maneira.”
Rhodan levantou a cabeça. Reginald Bell,
companheiro fiel e consagrado em numerosas
ações, que desempenhava as funções de minis-
tro da segurança da Terceira Potência, fazia
uma figura insignificante naquela sala gigantes-
ca.
Tinha os lábios cerrados. Lançou um olhar
contrariado para o chefe, que continuava senta-
do. Bell era um dos homens que pareciam impi-
edosos sempre que um cadete se achasse pre-
sente. Mas, quando falava a respeito deles,
mostrava um coração de ouro.
Rhodan sorriu de forma quase imperceptí-
vel. Era evidente que mais uma vez conseguira
descobrir os pensamentos íntimos daquele ho-
mem de ombros largos.
— Tifflor não tem nervos — murmurou
Rhodan em tom pensativo. — Já tivemos opor-
tunidade de conhecê-lo nas ações empreendidas
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contra o chamado Supercrânio. Tifflor agiu
com uma tática inteligente. Terei que lhe confi-
ar outra missão, uma missão muito dura.
Reginald Bell aspirou ruidosamente o ar.
Seu rosto largo se tornou ainda mais anguloso.
— OK. Estou de acordo, mas só se você lhe
der todas as informações.
A testa de Rhodan se franziu. Levantou-se
muito devagar atrás da enorme mesa, que mais
parecia um complicado painel de instrumentos
que uma escrivaninha. Quando se encontrava
ao lado de Bell, os olhares dos dois homens se
encontraram.
— Não devemos nos iludir — disse Rhodan
com certa ênfase. — O rapaz só poderá saber
de tudo quando sua missão estiver concluída.
— Você vai arrancá-lo em meio aos exames
finais.
— Terei muito prazer em assinar seu diplo-
ma, assim que a missão esteja concluída.
Os ombros de Bell desceram. Lançou um
olhar inexpressivo para as inúmeras telas que
existiam naquela sala, o centro nervoso da Ter-
ceira Potência.
Com voz hesitante disse:
— Acho que você não se sente nada feliz
com o desaparecimento de três unidades de
nossa frota espacial, não é?
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Rhodan exibiu seu sorriso, que já se tornara
célebre e temível. Era tão meigo que não podia
ser convincente.
— Adivinhou! Alguém que nos é desconhe-
cido começou a se interessar por nós. Aquilo
que procurei evitar durante anos acabou acon-
tecendo: a descoberta da Terra e do sistema so-
lar por inteligências desconhecidas. Já está pro-
vado que não se trata dos Deformadores Indivi-
duais.
Bell se lembrou daqueles seres estranhos,
com os quais tiveram que se defrontar pouco
depois da instalação da Terceira Potência. Des-
ta vez as coisas pareciam mais sérias.
A grande nave auxiliar K-l, da classe Good
Hope, estava desaparecida, além de dois des-
tróieres espaciais. Para Rhodan tais fatos basta-
vam para desencadear uma atividade imediata.
Seres desconhecidos surgiram de um instan-
te para outro e logo desapareceram. Não havia
a menor dúvida de que estavam informados so-
bre a existência do planeta Terra e, portanto,
da Humanidade.
O serviço de escuta de rádio de Rhodan cap-
tara misteriosos impulsos ligeiros transmitidos à
velocidade superior à da luz. A decifração não
produzira qualquer resultado. Tratava-se de gru-
pos simbólicos codificados, aparentemente for-
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mados de maneira inteiramente arbitrária para
designar vários conceitos.
Portanto, Rhodan não tinha a menor dúvida
de que havia agentes de um poder estranho na
Terra. Nem mesmo através da atuação dos ex-
traordinários mutantes, que compunham um
destacamento especial do exército, fora capaz
de localizar por via telepática qualquer desses
agentes. Até parecia bruxaria. Tinha-se a im-
pressão de que sombras provindas do nada se
haviam espalhado sobre a Terra; sombras que
não se podiam ver nem tocar, apenas imaginar.
Rhodan se dirigiu ao videofone mais próxi-
mo. Fez a ligação. O rosto do Dr. Haggard apa-
receu na tela. Haggard era ministro da saúde da
Terceira Potência e chefe da Clínica Arcônida,
que adquirira fama mundial, e funcionava se-
gundo os padrões arcônidas.
— Nosso homem chegará dentro de duas
horas — disse Rhodan em tom lacônico. — O
Dr. Kärner já viajou?
— Saiu há cerca de três horas. Eu irei den-
tro de dez minutos. Acho que conseguiremos.
Rhodan não disse mais nada. Fez um gesto
para o receptor ótico e desligou.
— Então você vai arriscar? — disse Bell, es-
ticando as palavras. — Acho que terá um osso
duro de roer. Devíamos lhe perguntar se está
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de acordo.
— Se houver qualquer vestígio do aconteci-
mento armazenado em sua memória, correrá
um perigo maior do que aquele que enfrentará
se for mantido na ignorância. Faremos uma pe-
quena brincadeira cósmica, meu caro.
Bell enfiou o boné protetor sobre a cabeça.
Pisando fortemente, caminhou em direção à es-
cotilha blindada da sala de trabalho e comando.
— Ninguém mais quer saber da opinião da
gente — resmungou. — OK, então faça seu jo-
guinho. Para mim isso não passa de uma idéia
maluca. O ataque ainda é a melhor defesa.
— Onde poderíamos atacar, e a quem pode-
ríamos atacar? — perguntou Rhodan com a voz
controlada.
Bell cerrou os lábios e desapareceu, soltando
uma praga.
O problema era justamente este. O que po-
dia ser atacado, se não se tinha nada de palpá-
vel à frente?
Registrava-se o dia 28 de junho quando
Perry Rhodan, depois de avaliar cuidadosamen-
te os dados disponíveis, acionou um esquema
de cujos efeitos ninguém estava informado, a
não ser o próprio Rhodan.
Era um esquema grande e potente. Apesar
disso poderia se quebrar com a mesma rapidez
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com que fora elaborado por Rhodan.
28 de junho. Era o grande dia em que o pre-
sidente da Terceira Potência interveio com mão
de ferro no espaço cósmico. Seria registrado
como um dos momentos mais importantes da
história da Humanidade. Mas naquela época
ninguém imaginaria que aquele era um marco
histórico. O homem ainda era um ser fraco e
pequenino, inferior a vários seres do universo
no terreno científico e tecnológico. Mas tinha
uma qualidade que pouquíssimas inteligências
poderiam apresentar: uma iniciativa imensa, a
intrepidez, a coragem e uma tremenda curiosi-
dade.
Rhodan contava com isso, e não estava erra-
do.

O cadete Julian Tifflor olhou para o relógio.


Levou um segundo para perceber que o tremor
incessante dos ponteiros provinha dos seus
olhos. Engolindo em seco, foi ao espelho do ar-
mário embutido e lançou mais um olhar sobre o
uniforme.
Evidentemente teria de vestir uniforme para
comparecer diante do chefe. E neste se incluía
a arma manual, o capacete com rádio e o cinto
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de múltipla finalidade.
Humpry Hifield, um tipo louro sem inibições
nem complexos perceptíveis, estava atirado
numa posição desleixada sobre seu colchão de
espuma.
Hump sabia perfeitamente em que ponto le-
vava vantagem sobre Tifflor. Se este era consi-
derado o gênio matemático da Academia Espa-
cial, não havia a menor dúvida de que Humpry
Hifield saíra vitorioso nos últimos campeonatos
de boxe. Para Hump a cosmomatemática e o
boxe eram disciplinas praticamente idênticas.
Para Tiff era um azar ter de ocupar justamente
o mesmo quarto que Hifield.
— Calma, rapaz, calma — resmungou o ca-
dete Eberhardt em tom de advertência. Era o
terceiro ocupante do aposento. Fungando e re-
puxando seu cinto muito apertado, colocou-se
ao lado de Tifflor, cuja raiva momentânea logo
se desvaneceu. Olhou para o colega; parecia
desorientado.
— Certamente vou desmaiar quando estiver
diante do chefe — confessou em tom sombrio.
Hump Hifield se ergueu do leito. Aproxi-
mou-se a passos balouçantes, com as enormes
mãos enterradas nos bolsos. Tinha a altura de
Tifflor, mas quase o dobro da largura deste.
— Sempre vivo dizendo que uns tagarelas
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sonhadores não servem para o espaço. Antes
que você vá, preciso da equação do campo pro-
tetor que retrate as relações entre a micromate-
mática espacial e um campo gravitacional su-
perposto. O que me diz?
O sorriso de Hump se tornou mais largo.
Suas mãos balançavam junto ao corpo.
— Que diabo! Não tenho nada com isso.
Procure descobrir a equação — disse Tiff indig-
nado, engolindo em seco.
— Isso dá muito trabalho — disse Hump, es-
ticando as palavras. — Você ainda dispõe de
uma hora. Minha aula começa daqui a trinta mi-
nutos.
— Que tal se você encostasse o punho no
rosto desse aprendiz de matemática que é um
fracalhão? — perguntou Eberhardt.
Virou o corpo gordo e baixo. Hump estrei-
tou os olhos.
— Não se meta nisso, gorducho — advertiu-
o Hifield. — Quando eu estiver falando, chegou
a hora de você calar a boca. Entendido?
— Fiquem quietos — interveio Tiff em tom
nervoso. — Que diabo! No momento tenho ou-
tros problemas.
— Vejam só! O pintinho está xingando —
disse Hump em tom de espanto. — Será possí-
vel?
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Tiff cerrou fortemente os olhos. A gargalha-
da do outro o atingiu profundamente.
— Ainda chegará o dia em que alguém lhe
fechará essa boca grande — disse Eberhardt
numa estranha frieza. — Quando isso aconte-
cer, você nunca mais abrirá a boca. Que equa-
ção, que nada!
— Você vai contar ao diretor? — perguntou
Hump num cochicho.
Seus ombros se inclinaram para a frente.
Descontraiu-se num golpe quando alguém
bateu à porta. De um instante para outro um
sorriso jovial surgiu em seu rosto.
Eberhardt lhe deu as costas.
— É o tipo do ciclista — chiou. — Para
cima torce o corpo bem bonitinho, não é? É
mais fácil dar as pisadas para baixo.
Os cadetes entraram em posição de sentido.
Mas não era nenhum superior.
— Posso entrar? — disse uma voz clara.
— É proibido — apressou-se Tiff em respon-
der. — Santo Deus, não crie uma situação in-
conveniente para você mesma. O lugar das mo-
ças não é aqui.
Mildred Orson, estudante de bacteriologia
cósmica do Instituto de Biologia Cósmica da
Academia Espacial, atirou os cabelos pretos na
nuca, num gesto todo seu. Entrou com um mo-
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vimento lânguido.
Sem dizer uma palavra, examinou Tiff com
os olhos críticos.
— Vire-se — comandou. — Hum, o cinto
está torto de novo. Vim para avisar que Dering-
house vai examiná-lo pessoalmente. Na coro-
nha de sua arma há uma mancha escura. Isso é
mau, meu caro, muito mau. Aliás, o quarto de
vocês parece um alojamento de selvagens.
Tifflor estava tremendamente embaraçado.
Seria um bom sinal aquela atitude da moça?
Milly Orson, estimada por todos, tão interessa-
da no seu bem-estar pessoal!
— Vou... vou tirá-la — prometeu apressada-
mente. — Por favor, vá embora. Se pegarem
você no setor dos cadetes, haverá dificuldades.
A mania de justiça de Milly festejava triunfos
espontâneos. Era uma daquelas pessoas que,
por causa de um cachorro magro, querem des-
truir o mundo.
Seus olhos escuros chispavam fogo. Tiff se
encolheu.
— Não é justo que um rapaz seja tratado
dessa forma — disse cheia de indignação. —
Klaus me disse como a ordem foi transmitida a
você. Ao que parece o chefe não sabe o que ar-
rumou com isso. Pois bem, alguém tem de cui-
dar do seu bem-estar. Conseguimos convencer
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o sargento Rous de que alguém tem que dar
uma olhada no seu uniforme. Olhe só essa
bota. Está borrada de chocolate.
Tiff virou a cabeça para baixo. Logo a seguir
seus olhos passaram a encarar Hifield, em cujo
rosto se via um sorriso de deboche.
— Eu as engraxei muito bem — disse Tifflor
fora de si. — Você é mesmo um sujeito muito
falso. Há dez minutos comeu chocolate. Foi
você que borrou minhas botas. Eu...
— Silêncio — gritou Milly, antes que Tiff pu-
desse se atirar sobre Hump, que o aguardava
em postura relaxada.
— Será que todo mundo ficou louco?
Hump, essa história do chocolate é verdadeira?
Se for, permita que lhe diga que você é um pa-
tife nojento.
— Não gosto de gente prosa — confessou
Hifield em tom odiento. — O sujeito vive gri-
tando aos quatro ventos que tem de compare-
cer diante do chefe.
— Recebi ordem para isso — berrou Tiff. —
Não sei por quê...
O estalo no alto-falante fez com que o cade-
te se calasse. Hump foi o primeiro que ficou em
posição de sentido. Imóvel, fitou a tela do vide-
ofone embutida na parede, onde acabava de
surgir o rosto do major Deringhouse. Dering-
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house exercia as funções de chefe da Associa-
ção de Ensino Espacial. No momento a turma
que estava prestes a concluir o curso da Acade-
mia Espacial lidava quase exclusivamente com
ele.
Milly deu um grande salto para se colocar
fora do alcance do receptor ótico. Muito pálida,
se escondeu atrás da porta do armário.
— Cadete Tifflor, está pronto? — ressoou a
voz vinda do aparelho.
Tiff adiantou-se um passo.
— Sim senhor — confirmou com a voz rou-
ca.
— Está bem. Venha imediatamente ao meu
escritório. Peço que apareça decentemente tra-
jado, senão o diabo o carregará para o inferno.
Não há mais alguém no seu quarto?
Tiff quase destroncou os olhos.
— Não... não senhor — mentiu.
— Seja o que quiser. Mas, se essa dama for
de opinião que deve dar o último retoque aos
seus trajes, convém que apareça. Ainda falare-
mos a este respeito, Tifflor. Fim.
Deringhouse desapareceu. Milly saiu de trás
da porta. Tremia como uma vara verde.
— Santo Deus, o homem me viu — gemeu.
— Paciência; só podemos aguardar os aconteci-
mentos. Passe para cá o sapato. Klaus, preciso
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de uma flanela.
— Prefiro dar o fora — observou Humpry
Hifield.
— Está com medo, hein? — chiou Eber-
hardt. — O mui honrado senhor Hifield, estu-
dante, que está cursando o último semestre da
Academia Espacial, poderia ser descoberto ao
fazer uma coisa proibida. Desapareça da minha
vista!
Humpry deu de ombros e saiu. Alguns minu-
tos depois, o capacete-rádio esférico foi enfiado
embaixo do braço de Tiff.
— Muito bem; não se esqueça de respirar —
disse Milly.
Tiff saiu cambaleante e se dirigiu ao elevador
gravitacional. Entrou tão desajeitadamente que
aterrizou de barriga no hall. O sargento Rous
quase chegava a chorar.
— Levante-se, homem — gemeu. — Vá cor-
rendo, vá pulando. Não consigo olhar para
você sem ter um ataque.
Tiff pôs as longas pernas em movimento.
Apavorado, correu pelo longo corredor que
dava para o escritório de Deringhouse.
— A arma! — uivou Rous atrás dele. —
Com os mil demônios! Não é que o sujeito es-
queceu a arma no elevador?
Tiff se transformou num artista. Girou no ar,
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disparou em sentido contrário e arrancou o ra-
diador de impulsos das mãos do instrutor de
vôo, soltando uma observação totalmente in-
compreensível.
Rous seguiu o cadete com os olhos. Sentia-
se profundamente abalado. Isso ainda poderia
ficar muito divertido.

***

Para Julian Tifflor a impressão de fim de


mundo começou no instante em que um robô
arcônida de combate o conduziu através da es-
treita comporta do gigantesco campo energéti-
co em forma de esfera.
Em meio ao espaço coberto pelo campo
energético erguia-se o palácio do governo da
Terceira Potência. Perto dali ficava a abóbada
blindada com o cérebro positrônico instalado
no deserto de Gobi.
Passara pelos rigorosos controles quase in-
consciente, como se fosse um sonâmbulo. Ago-
ra se encontrava no gigantesco gabinete de um
homem que alguns anos antes, quando ainda
era um simples major da Força Espacial dos Es-
tados Unidos, fizera pousar a primeira nave tri-
pulada na superfície da Lua.
Esse fato bastava para transformar Tiff num
27
monte de desgraça. Mas, quando se lembrou
das dificuldades que Perry Rhodan tivera de en-
frentar para utilizar o saber dos arcônidas em
benefício da Humanidade, sentiu-se próximo a
um desmaio.
Agora se encontrava diante dele; diante do
ídolo, do homem que se transformara numa fi-
gura lendária, e de quem se dizia, à boca pe-
quena, que um poder incomensurável lhe havia
conferido a vida eterna.
Mas havia um ponto sobre o qual Tiff estava
bem informado: as realizações militares e políti-
cas do chefe, na Terra e em outros planetas. E
isso bastava para fazer com que suasse de
medo.
Na sua posição de extremo cuidado parecia-
se com um saca-rolha entortado. Por estranho
que parecesse, as pernas só tremiam abaixo
dos joelhos, motivo por que num pânico cres-
cente Tifflor aguardava o momento do colapso
final.
Outros cadetes teriam se saído melhor numa
situação dessas; não havia a menor dúvida. Pro-
vavelmente Humpry Hifield teria se postado
como um toco de pau na frente do chefe; não
mexeria um dedo e não sofreria complexos.
Perry Rhodan realizou um exame demorado
e cuidadoso no aluno da Academia Espacial
28
com seus vinte anos de idade. Ele mesmo já fi-
cara assim diante do comandante da força es-
pacial; tremendo por dentro, com os músculos
endurecidos. Foi naquela época em que a força
espacial havia sido criada sob o comando do
general Pounder.
Reprimiu um sorriso que iria aflorar aos seus
lábios. Continuou a reprimi-lo quando John
Marshall, o telepata, que se encontrava presen-
te na oportunidade, lhe transmitiu a mensagem
silenciosa:
“Chefe, daqui a pouco ele cai. Para ele você
é uma espécie de deus.”
Rhodan compreendia razoavelmente as
mensagens telepáticas. Por isso pigarreou e dis-
se:
— Cadete Tifflor, você foi chamado em ca-
ráter particular. Faça o favor de se sentar.
Tiff cambaleou em direção à poltrona.
Quando caiu na mesma, o capacete-rádio ad-
quiriu sua independência, deixando se levar
pela força da gravidade.
O impacto produziu um ruído tremendo nos
ouvidos de Tiff. Apavorado e preparado para
tudo, lançou um olhar para o homem sentado
do outro lado da mesa-painel.
— Que chapéu bonito! — disse Rhodan em
tom seco. — Não gosta dele?
29
Tiff gaguejou várias afirmações solenes no
sentido de que nunca tivera nada contra os ca-
pacetes de serviço. Evidentemente. Antes pelo
contrário. Os aparelhos de radiofonia e comuni-
cação visual embutidos no mesmo eram exce-
lentes e extremamente úteis.
Rhodan teve dez minutos de paciência, até
que Tiff concluísse os elogios derramados sobre
o capacete-rádio.
John Marshall se retirou discretamente. O li-
geiro aceno de cabeça que deu em direção a
Rhodan dizia tudo. Tudo estava em ordem com
o cadete Julian Tifflor. Em sua consciência não
havia nada que tivesse que ocultar de Rhodan.
— Ainda bem que estamos de acordo — in-
terrompeu-o Rhodan. — Muito obrigado pela
minuciosa explanação. Sabe por que mandei
chamá-lo?
Tiff se calou. Um pouco mais tranqüilo, dis-
se que não. O rosto de Rhodan assumiu uma
expressão indiferente. Aquela indiferença enfa-
tizada deixaria qualquer outra pessoa desconfia-
da. Tifflor apenas sentiu o palpitar do coração.
Agora a catástrofe iria desabar sobre ele.
Rhodan tirou uma folha de papel dobrada de
uma pilha de pastas.
— O senhor seu pai demonstra uma resolu-
ção extraordinária. Não é todo dia que alguém
30
expede um telegrama estritamente particular ao
presidente da Terceira Potência. Neste instante,
você entra em licença, cadete Tifflor.
Tiff se descontraiu para sentir uma tremenda
estupefação.
— Um... um telegrama? — gaguejou, per-
plexo.
Rhodan fez que sim. Daquelas explicações
não se poderia concluir que o chefe estivesse
disposto a conceder favores especiais ao cade-
te. Foi a impressão que Tiff teve. Fitando o cos-
monauta da nova geração pelo canto dos olhos,
Rhodan notou a súbita lucidez de seu espírito.
O jovem parecia alterado. A insegurança cessa-
ra por completo.
— Sua irmã se casa hoje. Por causa disso
tive tanta pressa.
— Eileen vai se casar?
— Isso mesmo. Às dezoito horas, tempo da
costa leste dos Estados Unidos. Você levantará
vôo dentro de uma hora. Irá num caça espacial
de um tripulante. O aparelho está sendo prepa-
rado. Julga-se capaz de levar essa máquina su-
perveloz até Nova Iorque sem arrebentá-la pelo
caminho?
O rosto de Tifflor parecia arder. Santo Deus!
Iria a Nova Iorque num caça espacial da Tercei-
ra Potência! A notícia era mais que surpreen-
31
dente. Tiff não disse uma palavra; limitou-se a
acenar com a cabeça. Já não sabia o que dizer.
Rhodan o contemplou com os olhos pensati-
vos. O telegrama passou de um lado da escriva-
ninha para outro. Realmente tratava-se de uma
notícia extraordinária.
— Normalmente o conteúdo deste telegra-
ma nunca teria chegado ao meu conhecimento
— observou Rhodan. — Acontece que preten-
do lhe confiar uma missão toda especial. E para
isso o casamento de sua irmã vem a calhar.
Não tenho um meio melhor de enviar um men-
sageiro especial a Nova Iorque sem chamar a
atenção de ninguém. Você ficará em casa de
seu pai até que receba alguma notícia com a se-
nha porta do céu. Quando isso acontecer, apre-
sente-se imediatamente a Homer G. Adams,
chefe da General Cosmic Company. Já ouviu
falar no senhor Adams?
Tiff soprou um “sim senhor”. Naturalmente
já ouvira falar em Adams.
— Muito bem. Você viajará com um passa-
porte diplomático da Terceira Potência. Além
disso, receberá uma autorização especial, que o
habilitará a usar livremente sua arma sempre
que haja algum perigo. Seu caça espacial será
registrado por lá. Por isso não precisa se preo-
cupar com os limites dos Estados Unidos; pode
32
sobrevoar o país sem quaisquer formalidades.
Pouse na nova base espacial de Nova Iorque,
onde nossa gente cuidará de seu aparelho. Uma
vez lá, dirija-se imediatamente à casa de seus
pais. Participe da festa de casamento. Mais al-
guma pergunta?
— Nenhuma — respondeu Tifflor tranqüilo
e senhor de si.
Seu rosto estreito assumiu uma expressão
dura.
Os olhos de Rhodan se estreitaram.
— Excelente, cadete Tifflor. Fique logo com
este pequeno cilindro de metal. Entregue-o a
Mr. Adams, a mais ninguém. Se qualquer outra
pessoa demonstrar interesse por ele, lembre-se
de que tem ordem para atirar. Outras instruções
serão ministradas por Homer G. Adams. Em
Nova Iorque estará subordinado a ele. O major
Deringhouse lhe entregará o caça espacial.
Além disso, receberá uma arma de verdade. É
só. Muito obrigado.
Julian Tifflor não formulou outras perguntas.
Guardou o cilindro metálico de cerca de vinte
centímetros de comprimento no bolso interno
do uniforme, executou uma continência impe-
cável e caminhou silenciosamente em direção à
escotilha que se abria. Antes de atravessá-la vol-
tou a ouvir as palavras de Rhodan:
33
— Tifflor, trata-se de uma missão especial.
Não se espante com nada. Caso ache que a ta-
refa é arriscada demais ofereço-lhe a possibili-
dade de desistir após sua chegada a Nova Ior-
que.
Tiff caminhava como um sonâmbulo. Exata-
mente dez metros antes do primeiro posto de
controle, um robô arcônida de combate lhe en-
tregou uma arma de impulsos carregada. A
arma que costumava carregar mudou de mãos.
Num escritório lhe foram entregues as cre-
denciais específicas. Dali a quinze minutos esta-
va de volta ao seu quarto, onde dispunha de ou-
tros quinze minutos para guardar seus perten-
ces pessoais. O cadete Klaus Eberhardt ardia de
curiosidade.
— O que houve? — perguntou em tom ner-
voso. — Vamos, fale logo!
— Seu prosa — resmungou Hifield nos fun-
dos do quarto. — Ficando calado a coisa torna-
se mais interessante, não é? O que é que você
tem no bolso? Deixe-me dar uma olhada.
Tiff trancou o fecho magnético do uniforme.
A cápsula que Rhodan lhe confiara estava em
segurança.
— O que é isso? Já lhe disse que mostrasse.
Eu vou...
Mal percebeu o movimento fugaz da mão.
34
Em compensação notou perfeitamente que o
cano espiral da arma arcônida emitia um brilho
avermelhado.
— Nem um passo mais, Hump — advertiu
Tiff em tom indiferente. — Nem um passo, se-
não você já era.
— Será que você ficou doido? — disse Eber-
hardt, engolindo em seco e empalidecendo. —
Quem foi que lhe deu esse pau de fogo?
— Não tenho comentários. Saia do meu ca-
minho, Hump.
Hifield recuou apressadamente. Sentia que
nunca Tifflor havia falado tão sério. Sua garga-
lhada insegura soou atrás do cadete que se reti-
rava do quarto.
A vários quilômetros dali, Rhodan desligou o
videofone. Os contornos do aposento de três
camas desapareceram.
— Suas reações são rápidas e seguras —
murmurou Rhodan em tom pensativo. Dirigiu o
olhar para os oficiais da Terceira Potência que
se encontravam presentes.
— Bell, cuide da permissão de ingresso da
nave. Allan D. Mercant providenciará o que for
necessário. Freyt, informe Adams de que a de-
colagem é iminente. Marshall, você fará com
que todo mundo nos alojamentos fique sabendo
por que Tifflor voa para Nova Iorque. É apenas
35
por causa do casamento, evidentemente. O pai
de Tifflor é o advogado criminalista mais conhe-
cido da parte leste dos Estados Unidos. Nin-
guém há de se espantar com o fato de eu ter
concedido uma licença ao filho de um homem
tão célebre. Quanto ao resto, veremos no devi-
do tempo. O Dr. Haggard já partiu?
— Sim, o médico já partiu há bastante tem-
po.
— Ok. Muito obrigado. Capitão MacClears,
você assumirá imediatamente o comando do
cruzador espacial pesado Terra. Ao major De-
ringhouse será confiada outra missão. Procure
conhecer a tripulação quanto antes e coloque a
nave em condições de decolar no mais curto es-
paço de tempo possível. Major Nyssen, você
também manterá a nave Solar System em con-
dições de decolar. Eu mesmo assumirei o con-
trole do couraçado Stardust-III. Bell, peço-lhe
que vá para bordo imediatamente. Irei depois.
Capitão Klein, você continuará a cuidar do ser-
viço de escuta de rádio. Quero saber se a deco-
lagem de Tifflor, que deve dar na vista de qual-
quer um, causará reflexos em qualquer emissora
secreta do espaço. Se não estou enganado,
uma criatura inteligente poderá acreditar em
qualquer possibilidade, menos na de que al-
guém obtém uma licença em plena época de
36
exames finais por causa de um acontecimento
de importância relativamente reduzida. A
máquina está começando a funcionar, cavalhei-
ros.
Rhodan se ergueu da cadeira. Nas telas de
vigilância do espaçoporto surgiu um objeto de
proporções minúsculas. Disparou para o céu
azul de Gobi praticamente na vertical. Alguns
minutos depois o ribombar abafado dos jatos
chegou ao local. Julian Tifflor decolara segundo
o plano.
O projeto de Perry Rhodan entrou em sua
primeira fase. A avalanche começara a rolar.
— Devíamos tê-lo informado — resmungou
Reginald Bell. — A situação dele poderá se tor-
nar bastante melindrosa.
— Isso deve acontecer, e vai acontecer mes-
mo — afirmou Rhodan em tom pensativo. —
Já discutimos o assunto. Só nos resta aguardar.
Tenente Everson, você decolará exatamente
dentro de quatro horas em sua nave auxiliar e
tomará a direção do sistema Vega. Não terá
qualquer problema em vencer os vinte e sete
anos-luz. Levará mercadorias comuns, destina-
das ao comércio dos entrepostos existentes no
planeta Ferrol. Faremos com que acreditem
que, além disso, é portador de notícias muito
importantes. Se tudo sair de acordo com as
37
previsões, perceberão a mentira e acreditarão
que Tifflor é o verdadeiro mensageiro. Decole e
mantenha seu girino em condições de entrar
em combate a qualquer instante. Não estou in-
teressado em que mais uma das nossas precio-
sas naves com velocidade superior à da luz seja
perdida de forma tão misteriosa.
Markus Everson não disse uma palavra; limi-
tou-se a fazer continência. Sua tarefa estava
perfeitamente caracterizada. Se fosse atacado
em pleno espaço, devia se concluir que o plano
de Rhodan havia sido descoberto. Se comple-
tasse a transição são e salvo, o primeiro obstá-
culo estaria superado.
Na testa de Rhodan viam-se rugas de preo-
cupação. Tifflor estava a caminho. Agora tudo
dependia das reações do misterioso inimigo.
Poucos segundos depois, houve o primeiro
contato radiofônico do cadete Tifflor. A decola-
gem fora bem sucedida. O caça corria a trezen-
tos mil metros de altura em direção à costa leste
dos Estados Unidos, que atingiria dentro de cin-
co minutos.
— É uma loucura mandar esse rapazinho fa-
zer uma viagenzinha como essa num caça espa-
cial — resmungou Bell. Tinha o rosto contorci-
do. — Se isso der certo, eu como um prego en-
ferrujado.
38
— Aqui dificilmente você encontrará um —
advertiu-o Rhodan em tom gentil. — No territó-
rio da Terceira Potência um prego enferrujado
é um objeto antiquado.
John Marshall procurou reprimir um sorriso.
Depois se concentrou juntamente com os ou-
tros mutantes, para captar as vibrações mentais
das pessoas que haviam sido informadas sobre
a verdadeira missão de Tiff.
Não se notou nenhuma série anormal de
pensamentos. Se é que no território da Terceira
Potência havia agentes de um poder estranho,
eles sabiam se camuflar muito bem. Em com-
pensação, o serviço secreto de escuta de rádio
registrou, vinte minutos após a decolagem de
Tifflor, uma mensagem curta transmitida na fai-
xa de ondas do hiperespaço. Tratava-se de uma
mensagem codificada de dez segundos de dura-
ção. A decifração era praticamente impossível.
Neste ponto até mesmo a calculadora positrôni-
ca falhara, pois se tratava de símbolos comple-
tamente estranhos às características da espécie,
que além disso estavam expressas num código
muito bem concebido.
Rhodan acenou com a cabeça; parecia zan-
gado. Era exatamente isso que esperava.
— Então, Marshall. Como se explica que
nem você nem os outros telepatas consigam
39
identificar os agentes? Essa gente tem de pen-
sar; e, pensando, irradia impulsos que podem
ser captados por via telepática. Como é que
você não capta nada?
John Marshall lançou um olhar desolado
para Betty Toufry. Limitou-se a dar de ombros.
— Não sei como explicar. Apenas posso as-
severar que não há nenhum traidor entre as
pessoas que estão informadas sobre tudo.
— Isso é formidável — disse o coronel Freyt
com um pigarro.
Rhodan assobiou baixinho. Era uma idéia!
No território da Terceira Potência todos os
trabalhos se desenvolviam normalmente. Pouca
gente sabia que lá fora, no espaço cósmico, sur-
gira um perigo misterioso. E o número das pes-
soas que tinham qualquer idéia do passo decisi-
vo que Rhodan acabara de dar, ao atender a
um telegrama em si mesmo pouco importante
vindo de um advogado nova-iorquino, era ainda
menor.
O pedido telegráfico de licença do cadete
Julian Tifflor passou a figurar como um docu-
mento da maior importância na história da Hu-
manidade.

40
Para Julian Tifflor a cerimônia de casamento
foi um verdadeiro martírio. As intenções do
pastor Shielmann, um velho amigo da família,
foram boas demais. O sermão foi muito longo.
Finalmente, quando a cerimônia chegou ao
fim, Julian saiu da igreja quase correndo. No
pequeno jardim fronteiro procurou com as
mãos trêmulas a arma que ali havia escondido.
Sua consciência e suas boas maneiras não
puderam se conformar em entrar na casa de
Deus com um instrumento de destruição.
Encontrou a arma de impulsos, juntamente
com o cinto, atrás da densa cerca de rosas. Sus-
pirando aliviado, colocou-o segundo as prescri-
ções, botou a mão sobre o peito para se certifi-
car de que a cápsula metálica continuava no
mesmo lugar e se apressou para não chegar
atrasado às congratulações.
James Frederik Tifflor, um homem bem
apresentável, de pouco mais de cinqüenta anos,
lançou um olhar arrasador sobre o filho. A irmã
de Tiff, que acabara de se transformar em mu-
lher casada, soltou um grito de pavor, e os
olhos de algumas damas de meia-idade torna-
ram-se vidrados.
Ninguém poderia negar que uma arma ar-
cônida de impulsos não só tinha um efeito de-
vastador, mas também parecia representar um
41
perigo comum, ainda mais que a mesma só po-
dia ser carregada num coldre aberto.
— Você não podia ter deixado de fazer uma
coisa dessas, meu filho? — perguntou James
Tifflor em tom gelado.
Pela primeira vez, Julian se deu conta de
como era difícil estabelecer a devida distinção
entre as leis da cortesia e os preceitos emana-
dos de uma ordem lacônica.
— Não poderia, papai — disse em tom gu-
tural e ficou em posição de sentido.
Durante a pomposa viagem de regresso, a
situação piorou ainda mais, pois Tiff foi obriga-
do a ir no carro de uma velha tia.
Palavras duras foram proferidas sobre a Ter-
ceira Potência e sobre Perry Rhodan, tão céle-
bre e tão difamado.
A grande casa de campo da família de Tif-
flor ficava a leste da cidade, em Long Island. Ja-
mes F. Tifflor era um homem que podia se per-
mitir esse luxo.
Quatro horas depois da cerimônia de casa-
mento e pouco antes do escurecer, Tiff ainda
estava sentado em seu quarto. Ninguém conse-
guira convencê-lo a largar a perigosa arma.
— Para mim seria preferível que você resol-
vesse trabalhar em meu escritório — disse Tif-
flor-pai laconicamente. — Não dou muito valor
42
à chamada conquista das estrelas. Pode-se sa-
ber o que significa essa palhaçada?
Mais uma vez Julian não soube dar resposta.
Pouco depois do pôr do sol se sentiu rejeitado
pela família. Defendera-se com algumas pala-
vras ásperas das aproximações interesseiras das
moças e das perguntas idiotas dos rapazes de
sua idade. Tiff não pertencia à classe dos cade-
tes da Academia Espacial que gostavam de
apresentar seu saber numa bandeja. Dessa for-
ma, houve uma verdadeira ruptura social.
Amargurado, Julian saiu para a pequenina
sacada de seu quarto. As primeiras estrelas ha-
viam surgido no céu noturno. Pareciam chamar
e seduzir. Exprimiam um profundo mistério e
um poder desconcertante.
Ali permaneceu mais ou menos até as vinte
e três horas. Só então chegou o momento que
estava aguardando com tamanha impaciência;
mas não veio pela forma que esperava.
O ataque mental foi desfechado de sopetão.
Um poder invisível procurou se apoderar de sua
personalidade consciente.
Tiff gemeu e recuou cambaleante. Conhecia
os efeitos daquilo. De uma hora para outra vol-
tou a se transformar num cadete da Academia
Espacial que recebera um excelente treinamen-
to.
43
Procurou bloquear sua mente, repelir os im-
pulsos estranhos, fazer qualquer coisa contra
eles. Levou algum tempo para reconhecer a
mensagem que chegava juntamente com o ata-
que.
“Aqui fala John Marshall, do Exército de
Mutantes”, soou claramente a voz em sua men-
te. “Já nos conhecemos. Você deixou cair o ca-
pacete no gabinete do chefe. Desista do seu
bloqueio mental. Já me identifiquei.”
Tiff se esqueceu do lugar em que se encon-
trava. Subitamente tudo estava mudado. O am-
biente marcado de impressões familiares perdeu
todo significado. A tarefa misteriosa iria come-
çar. Esforçou-se para compreender.
“Muito bem; assim fica mais fácil”, foi a
próxima mensagem. “A senha é porta do céu.
Tome imediatamente um táxi aéreo e mande
que o leve ao edifício da G.C.C. Tenha cuida-
do; alguns desconhecidos o estão observando.
Ficarei por perto. Não se despeça. Deixe um bi-
lhete e passe pelo jardim. Tenha cuidado. Fim.”
A pressão mental cessou. Seu cérebro recu-
perou a liberdade. Soltou um suspiro de alívio e
escreveu algumas linhas.
Já conhecia o caminho pelo amplo parque.
Não havia qualquer recanto que não tivesse ins-
pecionado repetidas vezes.
44
Antes de chegar ao portão de ferro recebeu
a nova mensagem.
“Aqui fala Marshall. Estou num planador
gravitacional bem em cima do lugar em que
você se encontra. Vá à rua e chame o táxi aé-
reo.”
“Existe algum perigo?”, pensou Tiff, forçan-
do a mente ao máximo.
O outro hesitou em responder.
“Não tenho certeza. As impressões estão
um tanto apagadas. Há muita gente na casa.
Experimente.”
Tiff engatilhou a arma. A luz vermelha co-
meçou a brilhar na parte superior da coronha.
O portão era usado poucas vezes.
Quando estava prestes a puxar o enorme
ferrolho, percebeu a advertência enérgica do te-
lepata invisível. Tifflor se virou apressadamente.
Atrás dos velhos carvalhos surgiram os vul-
tos apagados de dois homens. Não se percebi-
am os rostos, mas Tiff viu as pernas que se mo-
viam apressadamente.
Ouviu seu próprio grito. Apesar das ordens
terminantes que recebera, não conseguiu abrir
fogo sem prévio aviso.
“Atire!”, retumbou a mensagem telepática
em sua mente. Ao que parecia, Marshall estava
dominado pelo pânico.
45
Tifflor puxou a arma e saltou para trás da
enorme coluna da pedra que ladeava o portão.
No momento em que caía ruidosamente ao
chão, sentindo a forte dor provocada pelo im-
pacto do joelho, ouviu um chiado agudo, segui-
do de um baque surdo.
Numa fração de segundo, viu os vapores que
saíam de um envoltório de plástico rompido.
Sua fluorescência azulada rompeu a escuridão
que reinava sob as árvores do parque. Mais ao
longe alguém soltou um grito gutural.
Naquele instante dois rostos mascarados sur-
giram numa estranha luminosidade. Ao inalar o
ar, Tiff sentiu-se próximo a um desmaio.
Enquanto os objetos começaram a ondear
diante de seus olhos, reuniu as últimas forças e
comprimiu o botão que acionava a arma.
Um fluxo incandescente que brilhava numa
branquidão ofuscante saiu do cano. Abrindo-se
em leque, atingiu os dois vultos e se espalhou
para as árvores do parque.
Foi um disparo de radiações de curta dura-
ção. Tiff ainda ouviu o rugido da arma de im-
pulso e o estrépito de uma grande árvore que,
enquanto caía, começava a ser consumida pelas
chamas.
Não conseguiu fugir da nuvem de gases fluo-
rescentes antes de inalar o ar mais uma vez.
46
Soltou um gemido e caiu para trás. Bilhões de
cristais de aço pareciam espetar seu pescoço.
Não chegou a ver o planador gravitacional que
desceu do céu enrubescido pelas chamas.
Ao longo da trajetória do raio disparado pela
arma de impulsos toda a vegetação ardia. Um
pequeno inferno fora desencadeado por um
simples movimento de dedo daquele jovem.

***

O recinto não era muito grande nem muito


alto. Mas nele se viam coisas tão estranhas que
qualquer outro homem que não fosse Homer
G. Adams dificilmente conseguiria se orientar
ali.
Numa das grandes telas via-se o rosto mar-
cante, um tanto cansado, de um homem unifor-
mizado. Era Perry Rhodan, chefe da Terceira
Potência.
— Como foi que ele o encontrou? — soou a
voz baixa vinda do alto-falante invisível.
Homer G. Adams, um homem baixo e lar-
go, que exercia as funções de diretor da
G.C.C., era considerado o maior gênio finan-
ceiro do século. Passou a mão de traços extra-
ordinariamente finos pelo enorme crânio.
Piscando em virtude de uma miopia recente-
47
mente adquirida, contemplou a figura do ho-
mem que proporcionou a ele, Adams, a possibi-
lidade de montar um gigantesco complexo em
base interestelar.
A mão da General Cosmic Company já se
estendia em direção às estrelas. O monopólio
de comércio com os ferrônios, uma raça seme-
lhante à dos humanos, trazia lucros que se
aproximavam das receitas tributárias de todas
as grandes nações do planeta Terra. Não havia
a menor dúvida de que Homer G. Adams con-
trolava a maior potência econômica de todos os
tempos.
— Não é fácil responder a essa pergunta —
respondeu Adams em tom cauteloso. — Caso
não se oponha, gostaria de comparecer pesso-
almente diante de você. Meu hipertransmissor
de matéria está preparado.
Adams lançou um olhar para o mais estra-
nho dos aparelhos que havia no recinto. Ele lhe
permitira por várias vezes penetrar no palácio
da Terceira Potência sem ser visto nem percebi-
do.
— Sinto muito; estou nos preparativos de
uma decolagem — recusou Rhodan. — Qual foi
a reação dos atacantes? E quem são eles?
— Infelizmente não foi possível identificar os
homens mortos por Tifflor. Mas conseguimos
48
recolher pequena quantidade do gás estranho
por eles utilizado. A análise dos mesmos deverá
trazer alguns esclarecimentos. No último instan-
te John Marshall tirou Tifflor da nuvem de gás.
Quase chegou a desmaiar. É uma droga infer-
nal.
— É de procedência terrestre?
Adams ergueu os ombros encurvados.
— Ainda não temos certeza. Tudo isso é
muito misterioso. Estou em contato com o ser-
viço secreto deste país. A imprensa foi engana-
da sobre a verdade dos fatos, ainda mais que os
agentes de Mercant conseguiram prender al-
guns sujeitos. Trata-se de um conhecidíssimo
bando nova-iorquino, que foi encarregado por
um desconhecido de dar cabo de Julian Tifflor
através de uma carga de gás. Foi só o que con-
seguimos descobrir até agora. Uma coisa é cer-
ta: as pessoas que puderam ser agarradas não
são os verdadeiros inimigos. Nosso inquérito
hipnótico não forneceu qualquer indicação.
Ninguém sabe quem é o mandante do crime.
— Como está Tifflor?
— Seu estado é satisfatório. Graças ao seu
desmaio nos livramos da preocupação de nar-
cotizá-lo sem que ele desconfiasse. O professor
Kärner adiou sua intervenção por cinco horas,
porque deseja verificar os prováveis efeitos cola-
49
terais do gás inalado por Tifflor. Não foram no-
tadas quaisquer perturbações orgânicas. Antes
que Tifflor despertasse, lhe proporcionamos
uma narcose profunda. A intervenção está sen-
do realizada neste instante.
Uma expressão séria surgiu no rosto de
Perry Rhodan.
A hora havia chegado.
— Adams, por enquanto tenho de confiar
exclusivamente em você. Caso o micro instru-
mento provoque em Tifflor a reação que espe-
ramos, ele se transformará num emissor gonio-
métrico de potência extraordinária. Um telepa-
ta do tipo de Marshall conseguirá localizá-lo a
uma distância de dois anos-luz com a mesma
rapidez e precisão de quem se encontra a seu
lado. Uma vez realizada a intervenção, faça a
experiência.
Homer G. Adams respirava com dificuldade.
Uma fina camada de suor cobria a testa abaula-
da.
— Esse instrumento é uma coisa do diabo.
Mal consegui permanecer próximo a ele, embo-
ra não tenha nada de telepata. As vibrações su-
perdimensionais que emite são extremamente
intensas. Onde arranjou aquilo?
Rhodan viu crescer o rosto de seu interlocu-
tor distante. Adams aproximara-se do receptor.
50
— Quando souber, cale a boca. Há poucos
dias regressei do planeta Peregrino, o mundo
da vida eterna. Você já está informado a este
respeito. Por lá não existem deuses, mas inteli-
gências inconcebíveis que conseguiram decifrar
os segredos mais recônditos da natureza. Foram
esses seres que me forneceram esse aparelho,
que foi fabricado a meu pedido num espaço de
tempo reduzidíssimo, como se não passasse de
um simples brinquedo de criança. O micromo-
dulador de vibrações celulares alterará as vibra-
ções de cada uma das células do corpo do cade-
te. Tifflor será transformado num emissor ga-
lático. Só nos resta esperar que o desconhecido
venha captá-lo. O ataque que sofreu constitui
um indício de que já é considerado um mensa-
geiro secreto. Procure estimular essa opinião,
Adams, especialmente perante Tifflor. Entre os
dados armazenados em sua memória não deve
haver nada que num inquérito hipnótico possa
levá-lo a revelar algum segredo. Não sabe nada,
nem deve saber. Entendido?
Adams se limitou a acenar com a cabeça.
Seu rosto parecia cansado.
— Faça o favor de me ligar para a sala de
operações — pediu Rhodan em tom indiferen-
te.
As mãos de Adams entraram em atividade.
51
A clínica da G.C.C., instalada no gigantesco ar-
ranha-céu em que a empresa tinha sua sede,
surgiu em outra tela.
O médico-operador era o Dr. Kärner, um ci-
rurgião genial. O Dr. Haggard e o Dr. Eric Ma-
noli serviam de assistentes. Ainda outros médi-
cos com treinamento arcônida se encontravam
presentes.
Qualquer outro médico estranharia bastante
a técnica operatória ali empregada. O próprio
aparelho de anestesia era uma maravilha da mi-
cropositrônica mais avançada.
Um corte já fora feito do lado direito da regi-
ão renal. O soro arcônida de anticorpos permi-
tia que o transplante de substâncias estranhas
se realizasse sem qualquer risco. No momento
em que Adams ligou a tela, o Dr. Kärner estava
implantando um objeto que tinha o tamanho de
um dedal cercado de numerosos tentáculos.
O alto-falante reproduziu a respiração pesa-
da do operador treinado nos métodos arcôni-
das. Nesse momento aquela figura meio orgâni-
ca meio mecânica começou a ligar seus tentácu-
los microscópicos ao tecido nervoso da coluna
vertebral. O contato com os vasos sangüíneos
também foi realizado sem qualquer participação
dos médicos. Todo o processo não durou mais
de cinco minutos. Depois disso aquela coisa es-
52
tranha se havia unido de forma quase invisível
aos tecidos do corpo de Tiff.
— Pronto — disse alguém. — Vamos come-
çar?
Homer G. Adams desligou. Logo voltou a fi-
tar a outra tela.
— Que coisa medonha — cochichou. —
Como é que se pode fabricar um objeto destes?
Até parece que tem inteligência.
Rhodan soltou uma risada um tanto forçada.
Parecia ter os lábios ressequidos.
— Não pergunte mais nada. Parece que no
planeta Peregrino nada é impossível. Quanto
tempo demorará a cicatrização da ferida?
— Doze horas no máximo. É o que Haggard
afirma. Com o plasma arcônida a cicatrização
que não deixa nenhum vestígio pode ser até
mais rápida.
— OK. É preferível esperar as doze horas.
Quando despertar diga-lhe que aquele gás mis-
terioso provocou um desmaio prolongado. Não
perca a cabeça, Adams. O tenente Everson já
partiu. No momento encontra-se nas proximi-
dades da órbita de Plutão e prepara o salto inte-
restelar em direção ao sistema Vega. Por en-
quanto não foi atacado nem localizado. Tenho
a impressão de que morderam a isca que é Tif-
flor. Assim que estiver restabelecido, envie-o à
53
base na Lua. Ali o major Deringhouse o aguar-
dará com a Good Hope-IX. Entendido?
Adams confirmou as últimas observações,
um tanto misteriosas, e concluíram a palestra.
O cadete Julian Tifflor, um estudante da
Academia Espacial que cursava o último semes-
tre, iria desempenhar um papel importante na
história da Humanidade.
Ainda não sabia disso. Aliás, ninguém sabia
exatamente o que Perry Rhodan esperava con-
seguir com a ação de Tiff. Adams tinha certeza
de uma coisa: o chefe fizera exatamente o ne-
cessário para provocar uma suspeita mínima
em relação a Tifflor. Se os indícios fossem mais
fortes, o fracasso seria fatal.
Adams, um homem genial e decidido em
questões financeiras, estremeceu por dentro.
Lembrou-se das notícias que o cadete carrega-
ria pelo espaço afora. Sabia perfeitamente que
o cérebro positrônico instalado na base de Vê-
nus gastara três semanas de tempo terrestre
para dar um caráter de verossimilhança aos da-
dos registrados em microfita. Face à enorme
capacidade de processamento da máquina, três
semanas representavam um tempo imenso.
O rosto de Rhodan desapareceu da tela.
O silêncio passou a tomar conta daquela sala
estranha, onde só um homem podia penetrar
54
além de Rhodan. Na verdade, a pequena sala
situada no quartel-general da G.C.C. era uma
das estações de controle que os cronistas de
épocas posteriores designariam como bases-
miniatura do imortal.
Adams se ergueu do assento giratório. O
transplante ainda não havia sido concluído, se-
gundo descobriu ao lançar um ligeiro olhar para
o aparelho de observação ótica que voltara a
ser ligado.
Kärner e Haggard estavam fechando a ferida
com bioplasma arcônida. Não havia a menor
possibilidade de que se formasse uma cicatriz vi-
sível. A cura se processava com uma rapidez
desconcertante. Começava praticamente no
mesmo instante em que o plasma, despejado
por um spray, atingia a ferida.
Adams estremeceu quando ouviu alguém
choramingar pelo alto-falante. Apressou-se em
ligar o amplificador de ângulo do receptor.
John Marshall, o telepata, que assistira ao
transplante como simples observador, foi con-
duzido apressadamente para fora da sala de
operações por dois médicos. Aqueles sons es-
tranhos haviam sido emitidos por ele. Estava
com o rosto contorcido.
Adams concluiu que o micromodulador celu-
lar já estava funcionando. Julian Tifflor se trans-
55
formou num emissor. No entanto, os impulsos
irradiados por seu corpo só poderiam ser capta-
dos por um telepata bastante capacitado que se
tivesse sintonizado com as vibrações de Tifflor.
Foi através de um planejamento grandioso e
de múltiplas ramificações que Perry Rhodan fi-
nalmente estendeu a mão em direção às estre-
las. Naquele dia 28 de junho transformou-se no
fator invisível do poder, que se mantinha atrás
dos bastidores.
Adams penetrou no campo identificador de
cinco dimensões do espaço secreto. Uma vez
reconhecida sua legitimação para entrar ali,
uma parede de concreto do último pavimento
subterrâneo se transformou num conjunto ma-
terialmente instável.
Passando pelo campo de desmaterialização,
saiu do edifício. A matéria sólida voltou a se es-
truturar atrás dele. No momento em que Adams
pegou o elevador especial para subir ao centési-
mo oitavo pavimento, o cadete Julian Tifflor,
ainda sob os efeitos da anestesia, estava sendo
levado para fora da sala de operações. A inter-
venção cirúrgica mais misteriosa de toda a his-
tória da Humanidade havia sido concluída.

56
O Secretariado ainda apresentava um aspec-
to corriqueiro e inofensivo. Se não considerás-
semos o elevado número de pessoas que ali tra-
balhavam e as instalações altamente sofistica-
das, destinadas à rápida transmissão de mensa-
gens, a sala era igual a qualquer uma das que se
situavam nos arranha-céus daquela área.
Mas a impressão sofreu uma modificação ra-
dical no instante em que Julian Tifflor foi con-
duzido à porta corrediça, cujo aspecto nada ti-
nha de especial.
Abriu-se silenciosamente, mas não havia
como abafar o ruído do aço arcônida que desli-
zava. Logo se viram os dois robôs colocados de
um e outro lado da entrada. Os braços mecâni-
cos armados, dotados de ampla mobilidade,
não pareciam tão vulgares.
Tiff entrou sem demonstrar a menor emo-
ção. Já estava acostumado a esse tipo de medi-
da de segurança. Homer G. Adams, largo e pe-
sado, estava sentado atrás de um gigantesco
instrumento de trabalho que já não poderia ser
designado como escrivaninha.
Era a primeira vez que Tifflor se defrontava
com o homem que costumava ser considerado
o ministro das finanças da Terceira Potência. O
estranho era que a sede das atividades de um
funcionário de categoria tão elevada se locali-
57
zasse em Nova Iorque.
— Queira se sentar — disse uma voz cheia e
agradável.
Adams sorriu. Tiff fora informado de que
aquele homem de espinha curvada era um se-
mimutante. Era só o que sabia a seu respeito.
Não tinha a menor idéia da memória fotográfi-
ca de Adams e de sua capacidade de prever os
acontecimentos econômicos.
— Lamento que por minha causa tenha se
envolvido em acontecimentos tão desagradáveis
— precipitou Adams em tom indiferente. — É
claro que poderia tê-lo chamado antes, através
de John Marshall, visto que seus deveres sociais
já haviam sido cumpridos. Mas estava interessa-
do em retê-lo em casa de seus pais, até que pu-
desse contar com o aparecimento dos prováveis
inimigos. Digamos que eu quis fazer certo tipo
de experiência.
Tifflor engoliu em seco de forma a ser ouvi-
do perfeitamente. A revelação era um tanto sur-
preendente.
— Naturalmente — disse com a voz apaga-
da.
— De qualquer maneira o senhor se saiu
bem. As informações de nossos médicos são sa-
tisfatórias. Como se sente?
Tiff parecia mergulhar nos olhos grandes e
58
ardentes do corcunda. Desvencilhou-se à força,
para dar expressão à sua angústia mental:
— Acho que matei dois seres humanos.
Adams lançou um olhar sobre suas mãos estrei-
tas. Conhecia o sentimento de auto-recrimina-
ção que angustiava aquele jovem.
— Não se preocupe com isso. Não há dúvi-
da de que agiu em legítima defesa. Não será
aberto inquérito. De resto, o caso está sendo
examinado pela Federação de Defesa da Terra.
Tenho instruções para mandá-lo imediatamente
à Lua, onde a nave Good Hope-IX, comandada
pelo major Deringhouse, está à sua espera. Não
queremos que a conclusão de seu exame final
seja retardada ainda mais.
Um sentimento de profunda decepção se
apossou de Julian Tifflor. Aquilo começara de
forma tão estranha, interessante e misteriosa...
e vinha aquele homem falar no seu exame final.
— Sim senhor — disse.
Adams se esforçou para sorrir. Mas só o
conseguiu em parte. Falando devagar, disse:
— Quero lhe pedir que cuide de mais um as-
sunto. Senhor Tifflor, tenho ordens para lhe
lembrar que poderá desistir a qualquer hora.
Ninguém, nem mesmo Perry Rhodan, vai
obrigá-lo a aceitar esta missão.
Tiff se transformou na concentração perso-
59
nificada. De uma hora para outra a lembrança
do temível exame final de treinamento tático se
desvaneceu.
— De que se trata? — perguntou com voz
gutural.
Um cilindro metálico de cerca de vinte centí-
metros de comprimento surgiu na mão de
Adams. Era praticamente idêntico àquele que
Tiff recebera poucas horas antes das mãos de
Rhodan.
— Chegamos à conclusão de que é necessá-
rio recorrer a um meio extraordinário para fa-
zer chegar estes dados secretos sobre o planeja-
mento econômico da Terceira Potência ao sis-
tema Vega, que fica a uma distância de vinte e
sete anos-luz. Neste cilindro se encontra uma
microfita de gravações audiovisuais, que em hi-
pótese alguma deve cair em mãos de pessoas
não credenciadas. O senhor há de compreen-
der que o planejamento econômico a longo
prazo é de importância vital para toda a Huma-
nidade. Os dados obtidos pelos planejadores
não podem ser alterados da noite para o dia,
pois deles dependem, além das construções de
naves, muitas outras coisas que em linhas gerais
devem ser adaptadas aos planos. Sua missão
consistirá em entregar este cilindro ao governa-
dor das dependências da Terceira Potência situ-
60
adas no planeta Ferrol, sem que ninguém o
perceba. É só. Concorda em se encarregar des-
ta missão secreta?
Mais uma vez Tiff se sentiu decepcionado.
Era evidente que o destino da nave Good
Hope-IX seria o sistema Vega. Indagou a este
respeito.
— É claro que irá a Vega — confirmou
Adams em tom enfático. — O major Dering-
house recebeu instruções nesse sentido. O que
nos interessa é que os dados cheguem a Ferrol
sem que caiam em mãos estranhas. O senhor
não deverá falar sobre isto com ninguém.
Tiff concordou. A pequena cápsula metálica
mudou de mãos. Antes de se erguer de trás de
sua monstruosa mesa de trabalho, Adams for-
mulou mais uma advertência:
— Se houver qualquer problema, basta aper-
tar o botão blindado que aciona a carga destru-
tiva. Com isso o envoltório se desmanchará. Dê
uma olhada.
Tiff fez questão de se informar sobre todos
os detalhes. Foi nesse instante que começou a
desconfiar de que sua missão não ficaria restrita
a um simples serviço de mensageiro. Devia ha-
ver outras coisas em jogo, que preferiam não
comunicar a um simples cadete como ele.
Adams ficou satisfeito ao registrar a descon-
61
fiança do cadete, que começava a despertar. As
coisas estavam correndo exatamente pela for-
ma que Perry Rhodan havia previsto. Tiff devia
desconfiar, mas não a tal ponto que a simples
suposição se transformasse num verdadeiro sa-
ber.
Tiff guardou o cilindro. Permaneceu imóvel
diante do homem de meia-idade com a cabelei-
ra loura rala e desbotada.
— Quer dizer que aceita? — procurou se
certificar Adams. Tiff quase chegou a ter a im-
pressão de que aqueles grandes olhos implora-
vam: “Não o faça!”
Mas logo sacudiu aquela idéia fugaz.
— Naturalmente; terei muito prazer.
— Pois venha — disse Adams, pigarreando
para dentro da mão colocada diante da boca.
— Pegue meu elevador particular. Já sabe
como funciona um hipertransmissor de maté-
ria?
O calafrio provocado por um grande nervo-
sismo sacudiu Tiff. Um hipertransmissor de ma-
téria! Era um daqueles aparelhos extraordiná-
rios que Perry Rhodan encontrara no sistema
Vega e que chegara a compreender. O cadete
gaguejou com a garganta ressequida:
— Conheço os princípios do seu funciona-
mento, mas não tenho qualquer experiência
62
com o aparelho.
— Pois vai adquirir essa experiência. Faça o
favor de vir comigo.
O pequeno elevador especial desceu vertigi-
nosamente. Tiff quase chegou a engasgar quan-
do Adams recorreu às suas ondas individuais
programadas para acionar o transformador de
cinco dimensões. Num ponto as paredes maci-
ças do subterrâneo se transformaram numa es-
piral cintilante.
— É um campo de dissolução situado num
espaço de grau superior — explicou Adams em
tom indiferente. — A matéria se transforma
numa forma de energia capaz de ser atravessa-
da. Não, não são gases. E a travessia não é tão
curta como se poderia ser levado a acreditar. A
sala de controle fica a mais de um quilômetro
daqui, nas rochas de Manhattan. Venha comi-
go. Já realizei sua identificação junto ao contro-
le automático.
A passos hesitantes Tifflor penetrou no es-
tranho campo. Não sentiu nada, além de uma
leve pressão na nuca. Era muito menos penoso
que uma transição no espaço cósmico.
A distância indicada por Adams parecia exa-
gerada. De qualquer maneira, Tiff não se lem-
brava de jamais ter vencido a distância de um
quilômetro com um único passo.
63
Nem desconfiou de que nesse ligeiro instan-
te deixara de existir materialmente. Pela própria
natureza das coisas era impossível atravessar
um campo de dissolução da quinta dimensão
mantendo estável a forma normal da matéria.
O raciocínio matemático de Tiff deu sinal de
vida. Poucos segundos depois encontrou um es-
boço da provável solução. Ao menos sua inteli-
gência bem treinada lhe permitia imaginar de
forma realista esses fenômenos aparentemente
improváveis. Era uma coisa que só se aprendia
na Academia Espacial da Terceira Potência.
Seu olhar foi atraído por um aparelho com
o formato de jaula, em cujo interior se via uma
plataforma circular. Devia ser o hipertransmis-
sor. Adams já estava ocupado com as regula-
gens.
Pesadas máquinas começaram a rumorejar.
— É a usina de força independente — expli-
cou Adams, seguindo as instruções recebidas.
Rhodan fizera questão de que Tifflor fosse
informado sobre essas coisas.
— É claro que não podemos depender do
suprimento de energia sempre incerto da cida-
de. Faça o favor de entrar. Dentro de um ins-
tante o senhor voltará a se materializar no hi-
pertransmissor sincronizado da Lua. Prepare-se
para sentir uma dor leve. Faça de conta que vai
64
passar pela transição de uma nave espacial.
Com os olhos vidrados e as pernas cambale-
antes, Tifflor se dirigiu à terrível máquina. Uma
luminosidade violeta surgiu entre as barras cir-
culares que cercavam a plataforma.
— Não há o menor perigo — tranqüilizou-o
Adams. — A máquina foi regulada para o se-
nhor. É bem verdade que não recomendaria a
uma pessoa não autorizada que se atrevesse a
um hipersalto espacial. O cilindro com os dados
está com o senhor?
Tiff fez que sim. Colocou-se entre as duas
plataformas e segurou os pólos com ambas as
mãos.
Antes que pudesse formular outra pergunta,
sentiu a dor intermitente da desmaterialização.
Adams viu que uma espiral turbilhonante se for-
mava entre os bastões dos pólos, para desapa-
recer dentro de poucos segundos. O hipertrans-
missor emitiu um zumbido grave e parou de
funcionar. Julian Tifflor, estudante de cosmo-
náutica, havia desaparecido.
Ao se rematerializar, Tifflor acreditou que ti-
vesse sonhado por uma fração de segundo. Não
havia a menor recordação do transporte a uma
velocidade superior à da luz, realizada através
de uma dimensão de ordem superior, que não
conhece as leis que prevalecem no universo co-
65
mum.
Voltou a distinguir nitidamente o quadro que
se oferecia diante de seus olhos. Encontrava-se
num aparelho absolutamente idêntico ao que
deixara na Terra. A única diferença era que não
se encontrava naquela sala situada bem abaixo
da rocha de Manhattan.
— Olá — disse o major Deringhouse em
tom seco. — Como se sente? Deixe de boba-
gens. Um homem que acaba de se remateriali-
zar não deve perder tempo em continência.
Saia logo dessa jaula.
Tiff passou desajeitadamente por cima da li-
nha vermelha que demarcava a zona de perigo.
Perplexo, lançou os olhos em torno de si. O hi-
pertransmissor estava instalado num recinto ca-
vado na rocha. As paredes estavam nuas, com
exceção de um enorme painel de controle, pre-
so a uma delas. Atrás do mesmo, uma máquina
cessou de funcionar com um ligeiro zumbido.
Devia ser a usina atômica que gerava a energia.
Uma coisa era certa: não devia ser muito gran-
de. Os construtores dessas estranhas transpor-
tadoras nunca fizeram questão de que os gera-
dores fossem de dimensões avantajadas. Pelo
que se dizia, havia hipertransmissores cujas fon-
tes de energia estavam embutidas nas platafor-
mas inferiores.
66
De qualquer maneira, Tiff colocou a mão no
boné do uniforme. Deringhouse o examinou de-
tidamente antes de formular a pergunta lacôni-
ca:
— Tudo em ordem? Como se sente?
— Muito bem. Foi uma experiência excitan-
te.
— Não foi isso que perguntei, mas acredito
em você. Venha comigo.
Tiff esperara uma série de perguntas. De-
ringhouse não soltou qualquer observação que
pudesse se relacionar com a missão confiada a
Tiff. Apesar disso, o major parecia estar infor-
mado sobre as linhas gerais da mesma. O olhar
perscrutador que lançou sobre o bolso do uni-
forme de Tiff era bastante revelador.
O desmaterializador subia pela superfície
nua e áspera da parede. Isso significava que
também aqui a pessoa era levada para fora
através de um campo do tipo A.
— Você se encontra no satélite Lua, bem
abaixo da base do pólo sul — explicou Dering-
house. — Quando chegarmos lá em cima, você
não vai dizer nada que não seja absolutamente
necessário. Decolaremos imediatamente para
realizar nosso vôo de treinamento, e você ocu-
pará o lugar que normalmente cabe a um exa-
minando. Entendido?
67
— Sim senhor — gaguejou Tiff em tom de-
primido. As coisas estavam ficando cada vez
mais confusas.
Um sorriso parecia se insinuar no rosto es-
treito de Deringhouse. Todos sabiam que o jo-
vem oficial tinha bastante senso de humor.
— As perguntas que seus colegas certamen-
te formularão não lhe interessam. Sou a única
pessoa a bordo da nave que está informada so-
bre sua tarefa de mensageiro. Se acreditar que
haverá dificuldades, dirija-se diretamente a mim.
Acho que não há mais nada a dizer, não é? Ah,
sim, há mais uma coisa. Devo informá-lo de
que, dentro de uma hora, seu sósia voltará para
o deserto de Gobi. Ao que parece os fabrican-
tes de máscaras fizeram um serviço excelente.
Neste instante seu substituto provavelmente se
encontra numa cerimônia de despedida regada
a lágrimas. Fazemos questão de encenar um li-
geiro engano para os visitantes que certamente
se encontrarão presentes.
Tiff sentiu sua garganta se estreitar ainda
mais. Engoliu com grande esforço.
— Um sósia? — gaguejou.
Um largo sorriso cobriu o rosto de Dering-
house.
— Isso mesmo — confirmou. — Dissemos
ao rapaz que, em hipótese alguma, deve beijar
68
sua irmã.
Numa súbita clarividência, Tiff percebeu
com que cuidado o chefe planejara tudo. A
nave Good Hope-IX havia decolado sem Tifflor;
não havia a menor dúvida. Se de repente seu
sósia aparecesse por lá, só por obra do demô-
nio alguém poderia perceber a trama.
Era essa a opinião de Tiff. Não contava com
a lógica fria de um homem que acreditava ple-
namente que outras inteligências pudessem ter
bastante visão para perceber a manobra. Se
isso acontecesse, a história da missão de men-
sageiro deveria parecer verdadeira.
— Há uma certa turbulência — disse Tiff em
tom respeitoso.
— Turbulência? — exaltou-se Deringhouse.
— É uma névoa em espiral. Muito bem. Entre...
e não diga uma palavra sobre sua missão.
O comandante da Good Hope-IX seguiu o
cadete para o interior do campo transportador,
que nada mais era senão um hiper-transmissor
para distâncias reduzidas. Quando chegaram à
parte de cima, lâmpadas fortes iluminavam o
espaço. A saída ficava no escritório do chefe de
segurança. O homem mal levantou os olhos
quando os dois homens uniformizados passa-
ram junto à sua escrivaninha.
Sob a imensa abóbada energética que cobria
69
a base lunar estava estacionada a nave esférica
auxiliar do tipo Good Hope, que tinha um diâ-
metro de sessenta metros. Um couraçado da
classe da Stardust-III trazia doze naves desse
tipo a bordo.
Sem dizer uma palavra, caminharam em di-
reção à nave, pronta para decolar. A comporta
do pólo inferior fora aberta entre os suportes
bastantes estáveis. Subiram no elevador antigra-
vitacional e logo entraram na sala de comando.
— Atenção! — berrou alguém a plena força
dos pulmões.
Tiff estremeceu ao reconhecer a voz de
Humpry Hifield. Com o rosto pálido, passou os
olhos pelos cadetes enfileirados. À entrada do
comandante, mantinham-se imóveis como colu-
nas de granito.
O sargento Rous também estava presente.
Exercia as funções de imediato do girino que se
deslocava a velocidade superior à da luz.
Tiff contou onze cadetes de sua turma. Ain-
da havia duas moças, uma das quais era Mildred
Orson. Também conhecia a outra, Felicitas
Kergonen, uma pessoa frágil e esguia. Felic,
como era chamada, só tinha dezoito anos. Ain-
da tinha dois semestres de estudos de botânica
galáctica diante de si. O que estaria fazendo a
bordo da nave dos formandos?
70
Tiff sentiu seu pulso bater mais depressa
quando seu olhar se encontrou com o de Milly.
Ao que tudo indicava, Deringhouse preferira
não mencionar sua ligeira excursão ao setor re-
sidencial dos cadetes.
— A licença especial do cadete Tifflor che-
gou ao fim. Decolaremos imediatamente. Ocu-
pem seus lugares — foram as palavras bastante
lacônicas de Deringhouse. Para os nervos ten-
sos dos futuros cosmonautas representavam
uma indicação pouco precisa sobre o misterioso
aparecimento de Tiff.
Klaus Eberhardt parecia prestes a estourar.
O rosto de Hump se manteve impassível. Sem-
pre permanecia assim quando um superior se
encontrava nas proximidades.
Enquanto Deringhouse caminhava em dire-
ção à comporta de segurança transparente da
cabina de telegrafia, para realizar pessoalmente
algumas das regulagens que se faziam necessá-
rias, Rous resmungou naquela gentileza que lhe
era peculiar:
— Não precisamos de estátuas. Quem sabe
se os cavalheiros não querem ocupar logo os
seus lugares? As damas farão o favor de desa-
parecerem no interior dos seus camarotes. Va-
mos logo!
As intenções de Rous não eram tão ruins.
71
Quando Milly Orson, ao passar por ele, lhe lan-
çou um olhar aniquilador, reprimiu um palavrão
bem intencionado.
Felic Kergonen, uma loura tímida, caminha-
va atrás de sua colega, que tinha um ano mais
que ela. A escotilha voltou a se fechar. A respi-
ração de Rous emitia um chiado igual ao do va-
por que escapa de uma caldeira.
— Que porcaria! — chiou, lançando um
olhar furioso. — Afinal, qual é a graça? Não
são moças, mas alunas da Academia Espacial.
Entendido? Peço que recebam um tratamento
igual ao de qualquer homem que se encontre a
bordo. As damas terão de mostrar em mundos
estranhos o que aprenderam de bacteriologia
cósmica e botânica galáctica. Cadete Tifflor!
Tiff se encolheu. Mais uma vez Rous, seu ve-
lho martirizador, parecia ser feito de uma carga
de explosivo.
— No primeiro intervalo o senhor cuidará
do controle de armamentos. Se quiser, pode fa-
zer a Good Hope-IX passar por dentro do pri-
meiro planeta que tivermos pela frente. Eber-
hardt e Hifield, os senhores controlarão o setor
técnico. Os outros homens ocuparão os postos
anteriores. Decolaremos dentro de cinco minu-
tos.
Aquilo era típico do sargento Rous! Tinha
72
que ser levado conforme era.
— Ora, veja! Você ainda está de traje de
gala — disse o sargento, muito nervoso. — Da-
qui a alguns segundos você estará de volta, em
trajes de serviço.
Tifflor saiu correndo. Não chegou a ver o
sorriso largo de Rous. Eberhardt e Hifield se di-
rigiram às poltronas giratórias que ficavam jun-
to aos dois assentos de piloto.
— Que cachorrão, não é? — chiou Eber-
hardt. — Você viu alguma nave pousar? Ainda
está com a arma de verdade.
— Depois da decolagem receberemos uma
igual. Fique quieto.
As máquinas começaram a trabalhar no gi-
gantesco bojo da Good Hope-IX. A reação do
dispositivo automático aos comandos de Rous
foi tão precisa que nenhum homem conseguiria
fazer igual. A nave em que se encontravam não
fora construída na Terra. A supertecnologia ar-
cônida ressaltava em todos os cantos. O desem-
penho dos conversores de impulso arcônidas
subia numa curva íngreme. Eberhardt anunciou
que a energia necessária à ativação dos neutrali-
zadores de pressão se encontrava disponível.
Uma vida de múltiplas facetas passara a tomar
conta da nave ainda há pouco amortecida.
Rous mantinha contato audiovisual com o
73
comandante da base. Além da cortina energéti-
ca protetora começava o espaço cósmico. Para
que a Good Hope-IX pudesse decolar tornava-
se necessário abrir a abóbada energética, por
uma fração de segundo, no setor pelo qual a
nave teria de passar.
— Pronto para decolar. Solicito a delimita-
ção vertical do setor — transmitiu Rous.
Fora do girino os projetores do espaçoporto
lunar entraram em funcionamento.
Uma coluna energética luminosa se projetou
para o alto, combinou-se com o abaulado da gi-
gantesca abóbada e envolveu a nave.
Tratava-se de uma comporta imensa e supe-
raperfeiçoada, que ainda provocava a admira-
ção dos cientistas terrestres. No distante planeta
de Árcon já há dez mil anos a decolagem das
naves espaciais era realizada dessa forma. A
manobra era indicada sempre que o espaçopor-
to se localizasse em astros onde não houvesse
atmosfera, ou esta fosse venenosa.
Olhando pela parede blindada e transparen-
te, Rous contemplou a sala de telegrafia. O co-
mandante continuava sentado diante de uma
tela de telecomunicação. Da sala de comando
não se podia ver a pessoa que aparecia na mes-
ma.

74
***

— Tudo pronto a bordo — disse Deringhou-


se, em voz muito baixa, para dentro do micro-
fone do aparelho de comunicação audiovisual,
que funcionava à velocidade superior à da luz.
Rhodan confirmou com um aceno de cabe-
ça. O major não sabia quem era a pessoa para
a qual olhava de esguelha. De qualquer manei-
ra, Perry Rhodan parecia satisfeito.
Deringhouse nem desconfiava de que, ao re-
colher Tifflor a bordo, colocara no interior da
nave uma emissora orgânica que funcionava no
espaço hiperdimensional. Nem mesmo Dering-
house sabia tudo.
Rhodan percebera o aceno de cabeça do te-
lepata do Exército de Mutantes que se encon-
trava a seu lado. Isso lhe bastava para provar
que Tifflor chegara em boas condições à base
situada na Lua.
— Muito obrigado. Nave liberada para a de-
colagem. Queira seguir estritamente as suas ins-
truções. Mais algum esclarecimento?
Deringhouse hesitou. Depois de algum tem-
po perguntou apressadamente.
— Everson passou?
— Sim, realizou a transição sem qualquer
problema. Mais alguma coisa?
75
Deringhouse disse que não. Não se atreveu
a perguntar se o sósia de Tifflor já havia chega-
do. Era quase certo que sim.
— Nesse caso lhes desejo boa sorte — con-
cluiu Rhodan. — Cuide para que o exame final
dos cadetes seja o mais perfeito possível. Os ca-
detes de hoje serão os combatentes siderais de
amanhã.
O major compreendia perfeitamente aquele
estranho sorriso do chefe. Naquele instante o
inferno devia andar às soltas no espaçoporto da
Terceira Potência.
Há tempo as três maiores dentre as unida-
des de Perry Rhodan estavam prontas para de-
colar em caso de alarma. Deringhouse se lem-
brou com saudades do cruzador pesado Terra,
que costumava comandar. A essa hora o co-
mando estava sendo exercido pelo capitão Mac-
Clears. Tratava-se de uma nave de duzentos
metros de diâmetro, construída na Terra.
Ao lembrar-se de seu cruzador, Deringhouse
teve a impressão de que dali a pouco tempo
bem que precisaria de seus potentes canhões de
radiação. A Good Hope-IX, sem dúvida muito
grande, não passava de um brinquedo se com-
parada com o cruzador Terra.
A imagem de Rhodan se apagou. Dering-
house se levantou lentamente e se dirigiu à sala
76
de comando. Rous desfiou um relato. Aqueles
homens já se conheciam; sabiam o que pensar
um do outro.
O comandante lançou um olhar bastante ex-
pressivo para o sargento.
— Tudo bem, Rous? Não temos nenhum
pé-frio a bordo?
— Nenhum — disse Rous, esticando as pala-
vras e olhando Deringhouse de baixo.
A ponta da língua passou ligeiramente pelos
lábios ressequidos.
— Ok. Vamos dar partida. Tifflor, tudo bem
no seu setor?
Tiff, que depois de uma complicada troca de
roupas acabara de voltar à sala de comando,
confirmou em atitude tensa. Se ninguém mais
desconfiava que dali a pouco as coisas ficariam
muito sérias, ele desconfiava.

***

Fazia exatamente trinta minutos, tempo pa-


drão, que a Good Hope-IX havia saído da com-
porta de campo para penetrar no espaço vazio.
As estações de Marte anunciavam que, seguin-
do as instruções, Deringhouse acelerava exata-
mente na base de 500 km/s2. Dessa forma
atingiria, dentro de cerca de dez minutos, uma
77
velocidade aproximada à da luz.
No momento em que chegou o primeiro avi-
so da estação automática instalada em Calisto,
uma das luas de Júpiter, essa marca havia sido
atingida.
Rhodan se acomodou no assento do pri-
meiro-oficial. Bem embaixo dele vibravam as
máquinas titânicas do couraçado Stardust-III,
um gigante esférico de oitocentos metros de di-
âmetro, pertencente à classe das naves arcôni-
das do tipo Império. No império estelar de Ár-
con jamais foram construídos couraçados maio-
res e mais potentes. A forma pela qual Rhodan
conseguiu apresar o gigantesco veículo espacial
constitui, por si, uma história.
— Decolaremos dentro de vinte segundos —
anunciou pelo rádio.
Nas grandes telas de observação global via-
se a imagem reluzente de dois cruzadores pesa-
dos, o Terra e o Solar System.
Com a precisão de um segundo, as três na-
ves espaciais mais poderosas da Terceira Potên-
cia se levantaram do solo. Muito embora Rho-
dan tivesse dado instruções para manter a ace-
leração num nível mínimo até que atingissem a
ionosfera, a cidade de Terrânia, situada nas
proximidades do espaço-porto, assistiu a um
verdadeiro fim de mundo. Nunca antes os três
78
gigantes haviam subido ao céu ao mesmo tem-
po.
Uma vez ultrapassadas as camadas superio-
res da atmosfera terrestre, o grupo acelerou ao
máximo. Seguiu exatamente a rota que Dering-
house tomara pouco antes.
— Rigorosa prontidão em todas as unidades!
Essa ordem foi transmitida depois que as
três naves haviam cruzado a órbita de Marte.
Os tripulantes, todos homens altamente especi-
alizados, se encaravam. O chefe falara com
uma indiferença tão estranha!
— Se nos próximos quinze minutos não
houver uns estouros por aqui, volto para casa a
pé — disse um dos engenheiros de máquinas
do cruzador pesado Solar System.
Trezentos metros acima dele, Perry Rhodan
se dirigiu ao mutante John Marshall.
— Conseguiu estabelecer contato, John? —
indagou nervosamente.
Marshall esboçou um sorriso contrafeito.
— Que coisa horrível! — gemeu. — Esse ra-
paz irradia impulsos como uma superbomba.
Mal consigo bloquear as vibrações.
— Apesar de tudo continue nos exercícios
goniométricos. A qualquer momento devemos
estar em condições de determinar a posição de
Tifflor sem lançar mão de quaisquer recursos
79
técnicos. É bom que se acostume quanto antes
aos duros impulsos. Tem de ser.
Reginald Bell que, como sempre, ocupava o
assento do segundo-oficial, contorceu os lábios
muito largos.
Nas gigantescas telas, Júpiter surgiu em for-
ma de uma estreita foice. Passariam pelas pro-
ximidades do planeta.
— Sinto-me como um patife — recriminou-
se, falando por entre os dentes.
— Era nosso dever avisá-lo sobre o trans-
plante que pretendíamos realizar.
Rhodan estreitou os lábios. Sentiu-se martiri-
zado por idéias sombrias. Além da órbita de
Plutão começava o espaço intercósmico. Se al-
guma coisa tivesse de acontecer, só poderia ser
nessa região.
— Se soubesse dessas coisas, isso lhe teria
custado a vida, ou melhor, poderia ter lhe cus-
tado a vida.
— Você conta com um ataque dos desco-
nhecidos?
Rhodan não disse uma palavra; se limitou a
acenar com a cabeça. No momento em que
Plutão se tornou bem perceptível, o chefe da
Terceira Potência concluiu a palestra com estas
palavras:
— Tenho a impressão de que procurarão
80
agarrar a Good Hope-IX, porque supõem que
Tifflor está no interior da mesma. As indicações
por nós deixadas são muito fracas, mas um
bom observador, dotado de um raciocínio per-
feito, saberá interpretá-las. Everson não foi mo-
lestado. A esta hora já chegou ao sistema Vega.
— É um prognóstico frio — disse Bell com
um riso que não revelava muito senso de hu-
mor. — E se esses desconhecidos não possuí-
rem a lógica que você supõe neles? Nesse caso
seu lindo plano cai na água. Nosso chamariz
cósmico terá piado em vão.
— Vamos aguardar. A coisa acontecerá
para lá de Plutão. Nós só teremos de aparecer
em tempo. A manobra será preparada assim
que atingirmos a órbita de Urano. Transmita
isso à tripulação. Se necessário efetuaremos um
ligeiro salto de transição. Preciso descobrir
quem está de olho em nós. Tifflor saberá se de-
fender. O homem por mim escolhido não é ne-
nhum fracote. É só.
Bell voltou a fechar a boca, que já se abrira
para dizer alguma coisa. Conhecia perfeitamen-
te essa expressão no rosto de Rhodan.
Rhodan lançou um olhar para a figura ma-
gra de Crest, um ser extraterreno. Tratava-se
do cientista mais capaz do planeta Árcon, que
trouxera à Humanidade não só uma tecnologia
81
superior, mas também o verdadeiro saber. Seu
cabelo quase completamente branco brilhava na
luminosidade das inúmeras telas.
Sem dizer uma palavra, acenou com a cabe-
ça. Parecia muito sério. Se havia alguém capaz
de descobrir quem era o inimigo com que se de-
frontavam nas profundezas do espaço, era
Crest, o representante de uma velha dinastia de
soberanos.
Os arcônidas haviam fundado seu império
estelar numa época em que o homem ainda ha-
bitava as cavernas. Agora o mesmo homem se
tornara adulto. Lançando mão de suas enormes
reservas de energia, penetrou com audácia, dis-
posição de assumir riscos e decisão em áreas
que, sem o supersaber dos arcônidas, ainda lhe
permaneceriam fechadas por muitos séculos.
Rhodan fez um ligeiro sinal àquele homem
que tanto se parecia com um humano. Enquan-
to isso, nas três naves estavam sendo tomados
os preparativos para uma ligeira demonstração
de força.
— Eu os agarrarei, não tenha a menor dúvi-
da — cochichou Rhodan. — Esses seres nunca
destruirão aquilo que conseguimos erguer num
trabalho estafante. Não existe nenhum risco
que eu não esteja disposto a assumir em benefí-
cio de nossa Humanidade.
82
5

O Sol se transformara num ponto cintilante.


Plutão, o planeta exterior do sistema solar, não
recebia muita luz daquela fonte de vida.
As telas de visão global da Good Hope-IX,
que quase havia atingido a velocidade da luz,
não mostravam nada daquele mundo de gelo.
Plutão se encontrava em oposição ao Sol. Por
isso, Conrad Deringhouse teve que dispensar o
contato com a estação automática lá instalada.
Há quinze minutos os estéreo compensado-
res forneciam as medidas comparativas neces-
sárias à transição.
Os doze cadetes que se encontravam a bor-
do ao lado da tripulação normal haviam realiza-
do, nas últimas horas, todas as tarefas que ge-
ralmente ficam a cargo de experimentados cos-
monautas. Era claro que os examinandos eram
rigorosamente controlados e vigiados. Embora
no exame final se exigisse tudo que um cosmo-
nauta competente deve saber, os instrutores da
Terceira Potência nunca seriam capazes de agir
levianamente.
Isso se aplicava especialmente a um salto
executado numa velocidade superior à da luz,
onde o menor erro de cálculo poderia ter con-
83
seqüências catastróficas.
Só dois homens a bordo desconfiavam que,
desta vez, o que interessava não era tanto uma
transição exata. Era claro que o comandante
pretendia realizar um salto bem calculado, se é
que teria de saltar. O que importaria nesse caso
era que a nave realmente atingisse o distante
sistema Vega.
Deringhouse e Rous eram os homens nos
quais a tensão crescia a cada minuto que passa-
va. Percorreram a escala de sentimentos de
cima para baixo, o que, apesar de todo o auto-
controle, se refletia em seus rostos.
Talvez Julian Tifflor fosse o único homem
que, além dos cosmonautas que haviam sido in-
formados sobre os fatos, suspeitava de que pen-
samentos de outra espécie desfilavam atrás da
testa enrugada de Deringhouse.
Eberhardt, Hifield e os outros cadetes não ti-
nham a menor dúvida de que o nervosismo do
comandante estava ligado à transição que seria
realizada pelos alunos. Para um piloto espacial
experimentado não seria nada agradável deixar
o destino da nave a cargo de um grupo de jo-
vens.
Era claro que todos eles já haviam realizado
muitos saltos à velocidade superior à da luz,
mas nunca tiveram de agir sob responsabilidade
84
própria. Havia uma pequena diferença; nem
mesmo Hifield deixou de reconhecer isso. A si-
tuação era comparável à do primeiro vôo desa-
companhado dos alunos de aviação de tempos
idos. Uma prova desse tipo desgastava os ner-
vos, por mais certeza que se tivesse de dominar
perfeitamente a matéria.
A distância relativamente pequena em que
se encontrava o sol de Vega permitia um salto
direto por meios óticos. A velocidade da estrela
era tão pequena em comparação ao tempo de
transição que podia ser desprezada.
Há uma hora Tifflor, que era considerado o
melhor matemático da Academia Espacial, ope-
rava a calculadora cosmonáutica que apuraria
as últimas correções de dados. Os dados funda-
mentais, introduzidos na calculadora, eram for-
necidos pela cúpula polar superior, onde as me-
dições comparativas eram realizadas de forma
inteiramente automática.
O cérebro central das naves da classe da
Good Hope tinha a finalidade de receber a pro-
gramação corrigida, obtida de forma semi-auto-
mática, para transmiti-la aos mecanismos pro-
pulsores, que afinal teriam de realizar as peque-
ninas correções de curso.
O ribombar surdo dos conversores de impul-
so arcônidas enchia a Good Hope-IX. O funcio-
85
namento dos reatores de energia era muito
mais silencioso.
— Tudo preparado para o desempenho
máximo dos propulsores. Tudo claro para a in-
serção das massas de apoio — comunicou De-
ringhouse à central de controle de máquinas.
Ali alguns homens experimentados estavam
sentados atrás dos painéis. Os examinandos de
engenharia só poderiam desencadear os impul-
sos vitais quando se verificasse que os dados
eram rigorosamente corretos.
— Tudo preparado na central de máquinas
— soou a resposta vinda das profundezas da
nave. — Massa de apoio a cinco segundos da
manobra de transição.
Tifflor acompanhava a troca de mensagens.
Não sabia por que motivo Deringhouse e Rous
pareciam cada vez mais nervosos. Apenas nota-
ra que, já há duas horas, haviam dado ordem
para que a estação de rastreamento de alta pre-
cisão da Good Hope-IX fosse ocupada.
Ali os experimentados telegrafistas-localiza-
dores estavam sentados diante dos rastreadores
e dos sensores estruturais. Os aparelhos funcio-
navam à velocidade superior à da luz.
A localização ótica comum estava fadada ao
fracasso.
Tiff prestou atenção ao ribombar surdo dos
86
mecanismos propulsores, localizados no abaula-
mento equatorial da nave. Esse tipo de constru-
ção era de feição tipicamente arcônida, e apre-
sentava vantagens consideráveis face a outras
modalidades. A principal delas era a de permitir
a utilização de todo o volume da célula princi-
pal. A mudança de direção das radiações duran-
te as manobras de frenagem também era muito
menos complicada que nas naves dotadas de
propulsores de popa.
Essas e muitas outras idéias passaram pelo
cérebro de Tiff. Os cálculos que estavam a seu
cargo foram executados num estado que chega-
ra a ser de sonambulismo.
Quando a débil luz vermelha se acendeu,
anunciou pelos microfones de bordo:
— Faltam treze minutos inteiros para a ma-
nobra. Contagem regressiva funcionando.
Deringhouse voltou a cabeça. Lançou um
olhar perscrutador sobre as superfícies diagra-
máticas iluminadas do robô cósmico. Os dados
eram corretos.
Era de admirar que Rous vivesse olhando
para o relógio de uso diário, que para essa fina-
lidade era de uma inexatidão lamentável. Uma
sensação pouco agradável logo se apossou de
Tiff.
Lançou um olhar rígido para os dois pilotos.
87
Deringhouse ainda não tirara a cobertura de
plástico da chave de contato, embutida na bra-
çadeira direita de seu assento. Enquanto a capa
transparente continuasse ali, não se poderia co-
gitar do salto.
Seria evidentemente uma tolice e uma levi-
andade remover a capa treze minutos antes da
transição. Apesar disso, Tiff teve a impressão
um tanto gratuita de que seria preferível, no in-
teresse da Good Hope-IX, que a capa fosse reti-
rada.
Quando ainda estava refletindo sobre os
prós e os contra, o contador anunciou que o
primeiro dos treze minutos havia chegado ao
fim. Faltavam doze minutos para a transição. A
contagem de precisão teria início sessenta se-
gundos antes. Ali até os milésimos de segundo
importariam. Qualquer alteração do momento
do impulso poderia trazer conseqüências sur-
preendentes, sempre incontroláveis. Várias na-
ves arcônidas já haviam desaparecido no hipe-
respaço sem deixar o menor vestígio.
Exatamente 6,53 segundos depois da conta-
gem chegou uma notícia que o major Dering-
house registrou com um forte estremecimento
do corpo. Rous virou apressadamente a cabeça.
— Central de observação — disse a voz saí-
da do alto-falante. — Objeto desconhecido no
88
verde 45,3°, localização vertical verde 18,6°.
Distância apurada pelo rastreador de objetos
0,8 horas-luz. Deslocamento provável do objeto
estranho abaixo da muralha L. Resultado da
análise estrutural pouco preciso. Provavelmente
trata-se de ligas metálicas. Fim.
Deringhouse não disse uma palavra. Isso
não condizia com sua personalidade, e o mes-
mo acontecia com os olhares indiferentes que
lançava em torno de si. Um sorriso gelado se
desenhou em seus lábios largos. O rosto do jo-
vem major adquiriu certa semelhança com o de
Perry Rhodan. Eram os tipos admiráveis de ho-
mem que, ao serem avisados de algum perigo,
esquecem que têm nervos.
Tiff respirava com dificuldade. Teve a im-
pressão de que o cilindro metálico que trazia no
bolso interno do uniforme, na altura do peito,
iria lhe esmagar as costelas.
Eberhardt se admirou com a estranha reação
do comandante. Hifield empalideceu. Seu olhar
seguro caminhava de um dos responsáveis para
outro.
Depois da segunda observação do rastreador
que, apesar da distância ainda grande, era bem
precisa e minuciosa, Deringhouse se ergueu do
seu assento com a tranqüilidade de quem vai to-
mar uma xícara de café. Todo mundo viu quan-
89
do ligou o rádio do grosso capacete de serviço.
— Sargento Rous, o senhor assumirá o co-
mando da nave — soou a voz clara e enfática
vinda dos alto-falantes em concha embutidos
nos capacetes. — Para os tripulantes: ligar a
comunicação individual. Para a sala de controle
de máquinas: anular os preparativos de mano-
bra. Preparar a nave para a batalha.
O punho cerrado de Rous bateu sobre a
chave-mestra do dispositivo automático de tran-
sição. O cérebro central parou de funcionar,
emitindo um zumbido grave. De um instante
para outro, os cálculos haviam perdido todo
sentido. Logo após o comando de preparar a
nave para o combate, o inferno parecia andar
às soltas no interior da nave. Os homens corri-
am apressadamente em busca de seus trajes es-
paciais, cujo uso não podia ser dispensado
numa oportunidade como esta.
Os dedos de Tiff trabalharam com uma se-
gurança e um automatismo de quem está so-
nhando. Não saberia dizer quantas vezes já ha-
viam treinado o ajuste do traje protetor, que
sempre era trazido ao alcance da mão.
As fechaduras automáticas se trancaram. As
luzes de controle que se acendiam davam notí-
cia da prontidão dos principais agregados. Subi-
tamente Tifflor acreditou compreender por que
90
o comandante substituíra as inofensivas armas
de treinamento dos cadetes por perigosas ar-
mas de radiações logo depois que haviam cruza-
do a órbita de Marte. Alguma coisa iria aconte-
cer, alguma coisa que, segundo tudo indicava,
já era esperada há bastante tempo.
Tiff voltou apressadamente ao seu lugar. Do
envoltório da nave, até então de uma lisura im-
pecável, saíram as torres de armas, dirigidas au-
tomaticamente. Nas cúpulas giratórias não tri-
puladas começaram a funcionar os geradores
independentes. Os projetores de campos ener-
géticos começaram a funcionar com um baque
surdo. Consumiam quase toda a energia das
usinas de bordo.
A Good Hope-IX, que ainda há pouco se
preparava para empreender um hiper-salto ino-
fensivo, estava transformada num corpo cheio
de saliências, que funcionavam como dentes afi-
ados.
A Good Hope-IX não poderia ser compara-
da com um dos cruzadores pesados da frota da
Terceira Potência, muito menos com o coura-
çado Stardust-III. Apesar disso, Perry Rhodan
atacara toda uma frota espacial com uma des-
sas naves de sessenta metros, causando graves
estragos.
Deringhouse mandou que os capacetes es-
91
féricos dos trajes espaciais ainda não fossem fe-
chados. Se houvesse qualquer queda de pres-
são, eles se fechariam automaticamente.
Por isso seu capacete balançava sobre as
ombreiras da mochila de oxigênio e de energia.
Na sala de comando, o destacamento de robôs
de combate entrou em formação. As comportas
de saída anunciaram a prontidão dos aparelhos
arcônidas especializados.
Deringhouse estava de pé, com as pernas
afastadas, atrás do assento vazio do piloto. O
sargento Rous havia assumido a direção da
nave.
Tifflor notou o olhar indagador do cadete
Eberhardt, cujo rosto pálido sobressaía da parte
superior do traje espacial.
Tiff ergueu os ombros de forma quase im-
perceptível. Alguém praguejou no microfone do
capacete. Era Humpry Hifield.
— Todos os tripulantes, atenção. Não se tra-
ta de um exercício. Repito. Não se trata de um
exercício — anunciou o comandante. — A
transição será suspensa. Uma reformulação dos
cálculos só poderá ser útil para o êxito dos exa-
mes finais. Os senhores hão de compreender
que o surgimento inopinado de uma nave não
pertencente à Terceira Potência nas proximida-
des do sistema solar constitui motivo mais que
92
suficiente para desistir de um hipersalto já pro-
gramado. A tripulação da Good Hope-IX prati-
camente está duplicada. Os cadetes terão opor-
tunidade de dar provas de sua habilidade num
combate que, ao que tudo indica, iremos travar.
Estou interessado em saber que nave é essa.
— Será que é um meteoro... ou um cometa?
— piou uma voz fina nos alto-falantes em con-
cha.
— Um objeto desses não costuma se deslo-
car a uma velocidade próxima à da luz — disse
Deringhouse em tom professoral, sem se mos-
trar interessado em saber quem havia dito essas
palavras.
Tiff era uma das poucas pessoas a bordo da
nave que, nem por uma fração de segundo,
contorceram os lábios num sorriso. Havia algu-
ma coisa que Deringhouse não queria ou não
podia dizer.
O major atirou a mão esquerda para cima.
Colocou os dedos médio e indicador em posi-
ção de V. O homem sentado diante do hiperte-
légrafo parecia ter esperado apenas esse sinal.
Os feixes luminosos bem coordenados do ajus-
tamento demonstravam claramente que a enor-
me antena direcional da calota polar superior
da nave já apontava para a Terra.
Tiff notou perfeitamente que o telegrafista
93
bateu na tecla um breve sinal, certamente já
combinado. Dali se concluía que o comandante
preferia não recorrer ao contato radiofônico,
perfeitamente possível. Provavelmente a breve
mensagem devia ter sido muito bem codificada.
Não chegou qualquer resposta; mas Tifflor
desconfiava de que certos especialistas já esta-
vam com os ouvidos aguçados para captar a
mensagem. Mais uma vez ficou com a garganta
ressequida, o que constituía sinal evidente de
um grande nervosismo.
Deringhouse notou o olhar quase desespera-
do do jovem cadete. Olhou-o rigidamente, até
que uma das sobrancelhas se moveu. Tifflor
conseguiu engolir de novo. Parecia adivinhar o
que estava para vir, embora não soubesse nada
do aparecimento de inteligências extraterres-
tres. Em compensação sentiu nitidamente que
um grande jogo estava chegando à fase decisi-
va.
Por que Deringhouse não chamara o chefe?
Rhodan poderia chegar ao local num tempo
curtíssimo com suas potentes naves. Havia algo
de misterioso em tudo aquilo.
Deringhouse expulsou um dos cadetes da
enorme poltrona giratória do oficial de armas.
As poucas chaves e botões que se encontravam
diante dessa poltrona encerravam todo o poten-
94
cial de fogo da Good Hope-IX.
Dessa vez, mesmo os tripulantes normais da
nave se espantaram. Por que o comandante re-
solvera exercer pessoalmente as funções de pis-
toleiro?
E foi o próprio Deringhouse que acionou a
chave decisiva que, nos combatentes do espaço
já experimentados, sempre provocava um certo
nervosismo. A pontaria automática foi acoplada
aos instrumentos de localização. Ai da nave ini-
miga que fosse alcançada pelos raios dos rastre-
adores! O superautomatismo arcônida não ofe-
recia qualquer margem de erro. As imperfei-
ções de sua construção já haviam sido elimina-
das há oito mil anos.
— Distância inalterada, velocidade constante
— anunciou a central de observação. — Não
constatamos nenhuma alteração da velocidade
ou da rota de vôo. Temos diante de nós a inter-
pretação do cérebro positrônico. O objeto des-
conhecido consiste num corpo metálico alonga-
do de cerca de trezentos metros de comprimen-
to. Margem de erro, mais ou menos cinco por
cento. Fim.
Deringhouse assobiou entre os dentes. Uma
nave de trezentos metros de comprimento e de
formato cilíndrico não poderia ter sido construí-
da na Terra.
95
— Que monstro, não é? — cochichou Rous
no microfone de capacete. — Bem que eu gos-
taria que a Solar System estivesse por per...
Um ruído ensurdecedor arrancou a palavra
da boca de Rous. A central de observação, visí-
vel através da parede blindada e transparente,
estava envolta numa luminosidade azulada. O
ruído só durou alguns segundos.
Logo se ouviu a voz nervosa de um dos ocu-
pantes do posto de observação:
— O objeto estranho entrou em transição.
Desapareceu do campo de alcance do rastrea-
dor. Sensor estrutural: nível sonoro vinte e três;
é muito elevado. Abalo estrutural a uma distân-
cia de 0,8 horas-luz. Cuidado.
O sargento Rous bateu na chave dos cintos
de segurança. Em todos os assentos as fitas
magnéticas flexíveis saíram dos encostos. De
uma hora para outra Tiff sentiu que essas fitas o
amarravam implacavelmente.
Os dedos ágeis de Rous continuaram a ma-
nipular as chaves. Como piloto não ficava a de-
ver nada ao próprio Deringhouse. E, ao que
tudo indicava, o sargento sabia perfeitamente o
que isso importava naquele instante.
Tiff ouviu o súbito rugir dos reatores de
energia. Rous supriu o campo de defesa hiper-
gravitacional até o máximo da capacidade. E
96
isso foi feito no último instante.
Tifflor segurou fortemente as braçadeiras de
sua poltrona quando os relampejos branco-azu-
lados atravessaram a central de observação. Os
dois sensores estruturais de alta precisão, desti-
nados à medição de abalos contínuos de maior
intensidade, queimaram-se ao mesmo tempo.
Fragmentos incandescentes chiavam en-
quanto atravessavam o enorme recinto. O ran-
ger agudo dos alto-falantes só durou alguns se-
gundos. Logo perderam sua vida mecânica.
Deringhouse berrou alguma coisa que nin-
guém entendeu. Tiff viu apenas que o coman-
dante apertava o contato de seu capacete.
Antes que as terríveis sacudidelas começas-
sem, Tiff lhe seguiu o exemplo.
Nas telas de visão global do girino, viu-se
uma estrela que parecia ter explodido nas ime-
diações. O fenômeno luminoso ofuscante devia
se desenrolar no máximo a meio milhão de qui-
lômetros de distância, isto é, a menos de dois
segundos-luz.
Os turbilhões horríveis, puramente energéti-
cos, que se formavam nas proximidades de uma
nave que volta a penetrar no espaço, não podi-
am ser vistos, apenas sentidos. Um objeto não
protegido, por maior que fosse, estaria irreme-
diavelmente perdido se penetrasse no campo
97
circular atingido pelas influências desencadea-
das por uma nave de grandes proporções que
sai da transição.
E a nave que tinham diante deles era de
grandes proporções. Nas telas de localização
ótica, Tiff percebeu um objeto gigantesco, de
formato cilíndrico, cuja proa e popa apresenta-
va um arredondamento semi-esférico.
Considerando o tempo que um raio de luz
gasta para vencer o percurso, a nave desconhe-
cida devia ter se rematerializado há cerca de
dois segundos.
A ampliação ótica trouxe a imagem do obje-
to estranho para mais perto; via-se perfeita-
mente o revestimento exterior da mesma.
Chamas começaram a sair da popa da nave.
Tratava-se de feixes energéticos de cor violeta,
que emitiam uma estranha fosforescência, pro-
vando que a nave funcionava com base num
mecanismo propulsor de impulsos construído
segundo o modelo arcônida, que era capaz de
um elevado empenho.
Tifflor levou poucos segundos para digerir
essas impressões. Depois foi atingido pelas vi-
brações extremamente duras do envoltório da
nave, transformando-se num montão lamentoso
de carne e sangue.
Sua inteligência se revoltou. Surgiram aque-
98
las estranhas vibrações do hiperespaço, que se
situam, em parte, na mesma freqüência das
emitidas pelo cérebro humano. Tiff gritou para
dar vazão à sua angústia. Todos gritavam com
as dores de cabeça que surgiam a intervalos re-
gulares. Os segundos se transformavam numa
eternidade.
O ruído ensurdecedor e as sacudidelas conti-
nuaram. Embaixo da sala de comando, os rea-
tores das usinas de força começaram a uivar. Se
não conseguissem manter em nível adequado o
suprimento de energia dos campos de defesa,
que constituíam a única proteção, ao menos a
parte mais débil e menos resistente da nave se-
ria destruída: o elemento humano.
— Santo Deus! — cochichou Tifflor, martiri-
zado. — Isso não! Oh, isso não!

Os sensores estruturais dos postos de obser-


vação das unidades pesadas não se queimaram,
mas foram forçados até o limite máximo de sua
capacidade.
Perry Rhodan não aguardou qualquer aviso
do hiperespaço. As experiências desagradáveis
colhidas em numerosos vôos permitiam-lhe
compreender o gracejo de mau gosto que al-
99
guém se havia permitido.
Os efeitos da manobra de penetração no es-
paço não foram sentidos pelas unidades do gru-
po comandado por Rhodan. Só os sensores es-
truturais sofreram certos danos.
As três naves estavam bem espalhadas nas
proximidades da órbita de Urano. A distância
entre elas e a Good Hope-IX era de cerca de
três bilhões de quilômetros. Era uma distância
muito curta para a transição e muito longa para
um vôo a uma velocidade próxima à da luz.
Perry Rhodan, que só a contragosto admitira
a possibilidade de um ataque de surpresa atra-
vés de uma transição de adaptação, via-se na
contingência de encarar a mais desfavorável de
todas as hipóteses sob a forma de realidade
consumada.
Não deu atenção ao praguejar de seu repre-
sentante. Reginald Bell estava fora de si. Ao ou-
vir o rugido dos sensores estruturais, deu-se
conta de que havia acontecido exatamente aqui-
lo que, ao contrário de Rhodan, previra com a
força da evidência.
O inimigo desconhecido preferira não correr
o risco de num vôo normal caçar o girino, que
quase atingia a velocidade da luz. Uma mano-
bra desse tipo seria loucura rematada, pois todo
mundo tinha certeza de que uma batalha espa-
100
cial travada junto à barreira da luz era extrema-
mente difícil, ou melhor, quase impraticável.
— Ai está! — gritou, superando o rugido
dos sensores. — Aproximaram-se num salto li-
geiro. Se também dermos um salto nas proxi-
midades, a Good Hope-IX se esfacelará. Não
agüentará tanta coisa! Não agüentaria sequer
um único cruzador que penetrasse no espaço
nas suas proximidades.
Rhodan já compreendera aquilo que Bell
acabava de exprimir em voz alta.
Seus dedos tocaram o hipercomunicador.
Os cruzadores pesados Terra e Solar System se
encontravam numa distância de três minutos-
luz, no mesmo plano espacial, nas posições ver-
de e vermelha.
— Rhodan para MacClears e Nyssen. Instru-
ções: Sigam-me em vôo normal e visual. Man-
tenham o curso exatamente na direção da
Good Hope-IX. Saltarei sozinho com a Star-
dust-III. Aguarde minhas ordens antes de iniciar
a transição de curta distância. Em nenhuma hi-
pótese mergulhem ao mesmo tempo. Sairei do
hiperespaço a dois minutos-luz da Good Hope-
IX. Não há dúvida de que agüentará isso. Fi-
quem atentos à situação. Fim.
Bell se espantou. Era uma situação improvi-
sada, típica de Rhodan. Os êxitos deste foram
101
devidos unicamente às decisões instantâneas,
que esgotavam os limites do possível até a últi-
ma gota.
Realmente, a Good Hope-IX não correria
nenhum perigo se o supercouraçado saltasse do
espaço superior para o universo normal a uma
distância de dois minutos-luz. Afinal, dois minu-
tos-luz representavam uma distância de cerca
de trinta e seis milhões de quilômetros.
Rhodan também poderia ter optado por
uma distância de meio minuto-luz. Isso ainda fi-
caria no âmbito daquilo que a Good Hope-IX
era capaz de suportar.
Mas ainda neste ponto Rhodan calculara ra-
pidamente e, num raciocínio instantâneo, pesa-
ra todas as circunstâncias. Devia-se contar com
certa margem de erro. Nenhum ser pensante
do universo e nenhum aparelho automático,
por mais aperfeiçoado que fosse, poderia calcu-
lar um salto tão complicado com a precisão de
um quilômetro. Isso resultaria, quando menos,
da inevitável tolerância que tinha de ser admiti-
da nos propulsores e nos campos estruturais.
Rhodan tinha de se fixar na distância de dois
minutos-luz. Não tinha outra alternativa. Se rea-
lizasse um vôo normal, à velocidade da luz, che-
garia tarde ao local do ataque. E o fato de que
se tratava de um ataque era tão certo como a
102
existência de icebergs na Groenlândia.
Os tripulantes do supergigante de oitocentos
metros de diâmetro se puseram a trabalhar. Os
dados aproximados, já disponíveis, foram con-
vertidos com uma rapidez espantosa em valores
precisos. O imenso cérebro positrônico do cou-
raçado da classe Império deu mostras de sua ca-
pacidade.
Apesar disso, demorou cerca de seis minu-
tos até que os dados finais pudessem ser intro-
duzidos no dispositivo automático do hipersalto.
Só então a Stardust-III estava preparada para
entrar em ação.
— O comandante para todos os tripulantes
— soou a voz retumbante vinda dos alto-falan-
tes. — A transição será realizada dentro de vin-
te e quatro segundos. Esforcem-se para que a
recuperação do choque transacional seja imedi-
ata. Ninguém deve atirar sem minha autoriza-
ção. Assumirei o comando pessoalmente. Para
a sala de máquinas: preparar a injeção de mas-
sa de apoio. Devemos ser um pouco mais rápi-
dos que as outras naves. Atenção. Saltar!
Logo se sentiu o solavanco duro da transi-
ção, que rompia as moléculas. A última palavra
de Rhodan, ao se apagar, ficou presa em algu-
ma coisa que os hiperfísicos arcônidas costuma-
vam chamar de forma estrutural despadroniza-
103
da. Só quem dispusesse do saber arcônida po-
deria transformar esse conceito em dados mate-
máticos. Os homens da Terceira Potência ti-
nham esse saber.
A imensa Stardust-III, reduzida a um fenô-
meno luminoso tremeluzente, desapareceu da
estrutura espaço-temporal. Os cruzadores pesa-
dos preferiram não registrar o salto nos senso-
res estruturais. O impulso de deslocamento de
um gigante desses abalaria um grande setor do
espaço.

***

Dos robôs arcônidas costumava-se dizer que


seus cérebros mecânicos eram supersensíveis.
Ao que parecia, a opinião não era verdadeira:
foram justamente esses robôs os primeiros a se
recuperarem do choque.
Quando homens como Conrad Deringhouse
e o sargento Rous, ainda semiconsciente, esta-
vam pendurados nos cintos de segurança, os tri-
pulantes mecânicos já haviam começado a tra-
balhar. A outra nave já se encontrava muito
próxima. Os instrumentos de bordo revelaram
que a distância não ultrapassava um segundo-
luz. Eram cerca de trezentos mil quilômetros,
mas para os cosmonautas de Rhodan isso não
104
passava de uma insignificância.
Uma arma de impulsos vencia essa distância
em 1,23485 segundos. Portanto, não represen-
tava uma verdadeira distância, mas uma aproxi-
mação muito perigosa, que praticamente não
deixava margem para qualquer manobra.
E, o que era pior, a nave estranha desenvol-
via praticamente a mesma velocidade. Natural-
mente emergira no hiperespaço a uma veloci-
dade que se aproximava da da luz.
O rugido surdo provocado pelos disparos de
uma das torres arrancou o major Deringhouse
de sua dolorosa apatia. Quando conseguiu en-
xergar, percebeu, na torre César, que os impac-
tos eram terríveis.
O forte recuo da peça fez com que a Good
Hope-IX girasse em sentido contrário ao dos
disparos. O giroscópio logo corrigiu o desvio,
mas de qualquer maneira se tornou necessário
corrigir o desvio de uma fração de um milésimo
de grau através de um movimento giratório das
torres.
Foi por isso que Deringhouse não pôde
comprimir imediatamente os botões que acio-
navam as armas. O cérebro positrônico ainda
não emitira o sinal vermelho.
Com os olhos tensos procurou descobrir os
efeitos do impacto. A nave desconhecida, que o
105
amplificador fazia aparecer com o tamanho de
uma mão humana, mostrou uma reação extre-
mamente violenta.
Nos campos energéticos surgiu uma incan-
descência apavorante. Não havia dúvida de que
a violência do impacto fizera girar a popa, mui-
to embora o raio térmico propriamente dito evi-
dentemente não conseguira romper os campos
energéticos.
Mas os sinais do impacto eram tão desastro-
sos que Deringhouse soltou uma longa exclama-
ção.
Seus olhos se estreitaram. A pontaria auto-
mática deu sinal de fogo. Todas as lâmpadas
vermelhas se acenderam.
O comandante poderia ter tocado todos os
botões de uma só vez, usando os dez dedos.
Não era necessário dizer a um piloto da classe
de Deringhouse o que sobraria, nesse caso, da
nave desconhecida.
Tifflor soltou um grito de decepção quando
viu que o major só tocou um dos botões. E nem
sequer escolheu o do pesadíssimo radiador de
impulsos da calota polar inferior.
Só disparou um dos canhõezinhos situados
na saliência da zona equatorial da nave. O baru-
lho foi infernal, mas o efeito forçosamente seria
nulo.
106
Esse canhão era usado quando se queria
perguntar gentilmente quem era a outra pessoa.
Apesar do berreiro desesperado dos cadetes,
o major Deringhouse conseguiu exibir um sorri-
so que lhe cobria todo o rosto. Até parecia que
não tinha diante de si uma gigantesca nave, de
dimensões verdadeiramente impressionantes.
Um raio energético ofuscante, da grossura
de um dedo, correu em direção à Good Hope-
IX. Face à velocidade que desenvolvia, sua per-
cepção ótica só se tornou possível no último
instante.
Os homens encolheram as cabeças. Um ge-
mido surdo foi ouvido nos alto-falantes de capa-
cete.
O que se seguiu foi um verdadeiro fim de
mundo. Uma incandescência solar encheu os
campos protetores. Verdadeiras tempestades
energéticas afetaram a estrutura desses campos.
O impacto foi tamanho que os dispositivos de
absorção de pressão foram forçados ao máximo
de sua capacidade.
Mais uma vez o envoltório esférico da nave
se transformou num sino retumbante, que vibra-
va intensamente. Só depois de alguns segun-
dos, que pareceram uma eternidade, a vibração
diminuiu. A incandescência do campo hipergra-
vitacional se apagou.
107
— As intenções deles são as melhores possí-
veis — gemeu Rous para dentro do microfone
de capacete. — Se essa gente disparar uma sal-
va, nós já éramos.
— Atire, atire logo! — gritou alguém fora de
si. Num movimento instantâneo Tiff virou a ca-
beça. Humpry Hifield, que gostava de bancar o
homem forte e superior, estava pendurado no
cinto de segurança, sacudido de convulsões.
A Good Hope-IX estava transformada num
verdadeiro inferno. E Tifflor estava firmemente
convencido de que bastaria Deringhouse dispa-
rar em salvas para liquidar o desconhecido.
Por que, santo Deus, por que o major se li-
mitava a brincar com o ridículo canhão da zona
equatorial da nave? Qualquer um notaria o ab-
surdo. Afinal, aquele estranho dera a entender
de forma inconfundível que suas intenções não
eram nada amistosas.
Quando o segundo impacto atingiu os cam-
pos protetores da Good Hope-IX, a situação se
tornou ainda mais perigosa. E o agravamento
veio quando os telegrafistas informaram que os
ocupantes da outra nave não davam a menor
atenção às mensagens não codificadas que lhes
eram dirigidas.
Quando os efeitos do impacto cessaram, o
rosto do major Deringhouse apresentava certa
108
palidez. Deu um aceno de cabeça em direção a
Rous. Foi tudo. Dali se concluía que os dois ho-
mens haviam combinado tudo antes do início
da batalha. Se não fosse assim, o sargento não
teria concebido a idéia louca de confundir a
Good Hope-IX, que afinal tinha um tamanho
bem regular, com um simples caça tripulado
por um homem.
Ligou os controles manuais. Apenas o dis-
positivo de absorção de pressão continuou sob
controle mecanizado. Até chegou a cuidar pes-
soalmente dos propulsores e iniciou alguma coi-
sa que chamou de manobra desviacionista.
Se Tiff soubesse que Perry Rhodan em pes-
soa se encontrava num ponto bem próximo,
com uma potente força de combate, talvez po-
deria compreender a ação turbulenta de Rous.
O sargento quis ganhar tempo.
Deringhouse não atirava de verdade; tudo
indicava que não tinha interesse em destruir a
nave desconhecida. Não se mata uma pessoa
da qual se espera obter algum esclarecimento.
A voz de Deringhouse superou o uivo dos
reatores, que trabalhavam com um desempe-
nho absurdo.
— Mantenham os cintos atados. É possível
que vez ou outra os campos de absorção sejam
atravessados. Ninguém deve soltar os cintos.
109
As estrelas que apareciam na tela transfor-
maram-se em figuras rodopiantes. O curso to-
mado por Rous não poderia ser calculada por
qualquer dispositivo automático, por melhor
que fosse. Isso só podia ser feito por um ser
pensante, dotado de vida orgânica.
Os feixes de incandescência passavam junto
à Good Hope-IX, que dançava de um lado para
outro. Só mesmo por acaso poderia ocorrer um
impacto.
Tifflor se limitou a observar o rosto tenso de
Rous. Resolveu dizer oportunamente ao sargen-
to que, em comparação às suas peripécias, a
manobra de aproximação à Lua por ele realiza-
da não passava de uma brincadeira inocente.
Ficou mergulhado nessas reflexões que se
afastavam totalmente da situação em que se en-
contravam. Subitamente o ranger agudo atra-
vessou a nave. Um solavanco apavorante pas-
sou pela Good Hope-IX. O trovejar dos propul-
sores continuou, mas a eles se uniu uma tre-
menda pressão, que lembrava os tempos primi-
tivos da cosmonáutica.
A pressão subiu rapidamente para 3, 6 e 8
g. Nesse instante a direção manual foi substituí-
da automaticamente pelos controles de segu-
rança.
O cérebro positrônico desligou todos os pro-
110
pulsores. A energia liberada foi transferida para
o mecanismo de absorção de pressão. A pres-
são martirizante diminuiu e logo cessou.
Com um gemido, Deringhouse se ergueu da
poltrona. Alguns dos cadetes haviam desmaia-
do.
Quando os olhos injetados de sangue de Tiff
voltaram ao normal, ele apenas conseguiu ge-
mer. A nave desconhecida encontrava-se bem
próxima à Good Hope-IX, a essa hora reduzida
à impotência.
— Um raio de sucção; que porcaria — soou
uma voz nos alto-falantes de capacete. — Con-
seguiram nos pegar. Rous, dê a potência máxi-
ma aos propulsores. Temos de sair do campo
de sucção, senão estamos liquidados.
O sargento manipulou desesperadamente as
chaves, mas o mecanismo automático já não re-
agia. A bordo da nave desconhecida devia ha-
ver gente muito inteligente. Ao que parecia, sa-
biam perfeitamente que os controles de segu-
rança se concentravam exclusivamente na esta-
bilidade do campo de neutralização de pressão.
Bastava que mantivessem o raio de sucção pou-
co abaixo do limite máximo para que as máqui-
nas não pudessem ser ligadas.
Uma luminosidade ofuscante passou pelas
telas quando os campos protetores das suas na-
111
ves entraram em contato. Na Good Hope-IX as
chaves automáticas de segurança se desligaram,
o que provava cabalmente que a nave maior
possuía máquinas mais potentes.
No último instante Deringhouse tirou os de-
dos de cima dos botões de acionamento das ar-
mas. Se disparasse a essa hora, o girino estaria
liquidado.
A manobra de aproximação do estranho foi
executada com uma perícia impressionante. Pi-
lotos muito experientes deviam se encontrar
junto aos painéis de controle. O longo corpo da
outra nave logo cobriu as telas de estibordo. A
bordo da pequena nave esférica quase todo
mundo gritava.
Deringhouse correu para a sala de telegrafia.
A Good Hope-IX continuava presa ao potente
raio de sucção do desconhecido. Nem se pode-
ria pensar numa fuga, a não ser que na outra
nave houvesse algum descuido.
— O inimigo está pondo sua nave em movi-
mento — berrou alguém pelo rádio de capace-
te. — Carrega-nos consigo. A aceleração é mui-
to elevada. Cuidado!
Tiff viu que Deringhouse falava apressada-
mente para dentro do microfone do grande te-
lecomunicador. Os feixes luminosos da antena
direcional estavam em posição paralela. Era o
112
sinal violeta, que indicava que apenas a Terra
poderia ser atingida pela transmissão.
A pressão crescente voltou a ser sentida. A
aceleração devia ser ligeiramente superior a
500 km/s2. Não havia como pôr as máquinas
da Good Hope-IX a funcionar. Rous manipula-
va as chaves que nem um louco. Era impossível
enganar a regulagem positrônica de catástrofe.
Estava programada para proteger antes de tudo
a vida dos que se encontrassem a bordo da
nave. Todo watt que os reatores de energia
conseguiram produzir foi destinado aos campos
de absorção. Por isso os agregados auxiliares
dos propulsores não recebiam a energia neces-
sária ao seu funcionamento.
Deringhouse mal conseguiu se deixar cair
num assento que logo se colocou na horizontal
antes que a pressão chegasse a um nível peri-
goso.
Tifflor respirava com dificuldade. Viu bem
ao longe o rosto de Rous, que se transformara
numa careta. Eram as deformações típicas da
musculatura.
Segundo os cálculos de Tiff, a pressão devia
atingir 10 g acima do limite de tolerância quan-
do o zumbido ensurdecedor soou nos controles
do sensor estrutural. Uma nave enorme devia
ter emergido do hiperespaço.
113
Os rastreadores, que continuavam a funcio-
nar, mostraram a enorme esfera reluzente de
um couraçado da classe Império. A Stardust-III
havia chegado.
Tiff ouviu o riso entrecortado do comandan-
te. De um instante para outro o cadete com-
preendeu o jogo de Conrad Deringhouse. Seu
grande trunfo era a Stardust-III. Restava saber
se Perry Rhodan chegara em tempo.
O veículo espacial do desconhecido entrou
numa aceleração tresloucada, o que se tornava
fácil em virtude da velocidade já adquirida.
A pressão subiu para 11 g. Logo se sentiu a
pressão mortificante da desmaterialização, que
Tifflor esperara no subconsciente.
Era claro... a enorme nave injetara novas
quantidades de massa de apoio e, juntamente
com a Good Hope-IX presa a ela, resolvera
executar a manobra de transição.
Os traços do rosto de Rous se desvanece-
ram. Só restou uma nebulosa pálida sem con-
tornos fixos. Ouviu o chiado e o sussurro suave
da transição.
Tudo indicava que uma coisa inesperada e
surpreendente acabara de acontecer.

114
Perry Rhodan, que costumava ser chamado
de reator instantâneo pelos psicólogos da Força
Espacial dos Estados Unidos, compreendeu
numa fração de segundo.
Quando a Stardust-III reentrou no universo
normal, a nave estranha foi captada imediata-
mente pelos raios dos rastreadores automáticos
e projetada nas telas.
Rhodan levou cerca de um segundo para
vencer o choque da rematerialização. Só depois
disso se encontrava verdadeiramente presente.
O dispositivo positrônico de medição indicou
a distância entre as duas naves: 1,9356 minu-
tos-luz. O salto fora realizado com muita preci-
são; apenas, gastara-se um minuto a mais para
sair do hiperespaço.
O rugido medonho dos gigantescos propul-
sores irrompeu em meio às reflexões de Rho-
dan. O engenheiro-chefe, Manuel Garand, agira
com muita rapidez e precisão ao cumprir as ins-
truções que lhe haviam sido ministradas antes
do salto.
O supercouraçado entrou em movimento.
Em poucos segundos atingiu o limite máximo
de deslocamento à velocidade inferior à da luz.
A tripulação acordou. A sala de interpreta-
ção chamou.
— A nave estranha encontra-se em viagem
115
preparatória do salto. A ocorrência de uma
transição é bastante provável.
Perry Rhodan ouviu o primeiro-oficial pra-
guejar em altas vozes. Reginald Bell sabia que
os cálculos demorados fizeram com que chegas-
sem pouco depois da hora.
— A Good Hope-IX deve se encontrar num
campo de sucção de enorme potência — com-
pletou a interpretação. — Não é aconselhável
disparar contra a nave.
Rhodan já sabia disso. Agindo rapidamente,
sem perder tempo com palavras desnecessárias,
experimentou a última possibilidade.
As torres escamoteadas do gigante silencia-
ram. Em compensação nos pavilhões de reato-
res eram realizadas regulagens extremamente
rápidas. O uivo dos transformadores se mistu-
rou ao ruído dos condutores de força. Quase no
mesmo instante o radiador de tração começou
a trabalhar com uma potência que absorveu o
suprimento de energia de quase todas as unida-
des geradoras da Stardust-III. Um raio gravitaci-
onal de vinte metros de diâmetro, que se propa-
gava à velocidade da luz, saiu do projetor. Esse
campo energético, altamente concentrado, era
capaz de arrancar um astro de pequenas dimen-
sões de sua órbita. A nave desconhecida não te-
ria a menor chance, nem mesmo levando a
116
massa da Good Hope-IX no reboque energéti-
co.
A bordo do couraçado as discussões acalora-
das cessaram. Notava-se perfeitamente a lumi-
nosidade pálida do raio de tração. Era um pou-
co mais veloz que a Stardust-III, que já desenvol-
via uma boa velocidade.
Assim mesmo o tempo gasto no percurso
foi longo demais. Rhodan foi o primeiro a reco-
nhecer que não devia se entregar a ilusões.
Antes que o alvo fosse atingido os sensores
estruturais emitiram um ruído. O desconhecido
desapareceu em meio a um turbilhonante fenô-
meno luminoso.
A mão de Rhodan bateu na chave de ener-
gia. O projetor de tração se apagou.
— Silêncio a bordo — irrompeu a voz de
Rhodan dos alto-falantes. Veio num tom frio e
metálico, que fez até Bell se calar. — Vejo per-
feitamente que chegamos tarde. A Good Hope-
IX foi capturada por uma nave muito maior. O
que é de admirar é que o desconhecido tenha
conseguido levar para a transição a nave amar-
rada fora de sua célula. Estão utilizando a técni-
ca arcônida. Central de observação: fiquem de
prontidão absoluta. O sensor estrutural deve ser
regulado para a precisão máxima. Apurem de
qualquer maneira em que ponto a nave desco-
117
nhecida atinge o hiperespaço. O salto não deve
ser muito longo. Acho que se trata apenas de
uma transição de emergência, realizada sem um
objetivo definido, tão-somente para possibilitar
a fuga rápida. Por enquanto basta verificar a
posição aproximada em que ocorreu o mergu-
lho.
As instruções logo foram confirmadas. Dali a
um instante os cruzadores pesados Terra e So-
lar System receberam ordens para, dentro de
meia hora de tempo padrão, avançar até a órbi-
ta de Plutão.
O major Nyssen e o capitão MacClears con-
firmaram o recebimento da ordem.
— Ainda não desistiu? — perguntou uma
voz sonora.
Rhodan virou a cabeça. Crest, o arcônida,
estava de pé a seu lado.
— Nem penso nisso. Se conseguirmos fixar
o ponto de mergulho, poderemos realizar um
cálculo aproximado da posição da nave. Uma
pergunta: o formato da nave lhe permitiu qual-
quer conclusão sobre quem seja o inimigo com
que nos defrontamos?
Crest sacudiu a cabeça comprida.
— Não; não consegui chegar a qualquer
conclusão. Muitas raças de cosmonautas da ga-
láxia constroem suas naves nesse estilo. Preci-
118
saria de maiores detalhes.
Desapontado, Rhodan se virou para o painel
de controle. Dali a pouco os sensores estrutu-
rais emitiram um leve ruído.
— A rematerialização acaba de ser levada a
efeito — anunciou o posto de observação. — A
distância é grande. Torna-se muito difícil calcu-
lar a posição.
— Já conheço as fontes de erro; muito obri-
gado — interrompeu Rhodan. — Apurem os
valores aproximados. Juntamente com a equipe
matemática cuidarei da obtenção de outros da-
dos. Crest, peço seu auxílio.
Dali a vinte minutos os dois cruzadores pesa-
dos chegaram ao mesmo tempo. Aproxima-
ram-se a alta velocidade e realizaram uma ma-
nobra de adaptação muito bem executada.

***

Rhodan estava em meio aos seus mutantes.


Todos tinham comparecido. Os telepatas força-
vam os sentidos para captar as vibrações inten-
síssimas que há pouco ainda repercutiam dolo-
rosamente em seus cérebros.
— Então? — perguntou Rhodan.
Seu rosto, que se tornara mais estreito, pa-
recia inexpressivo.
119
Marshall era o porta-voz do exército especia-
lizado. Ergueu os ombros.
— Chefe, se Tifflor pode ser localizado a
uma distância de dois anos-luz, no momento
deve se encontrar bem mais longe. Não esta-
mos captando mais nada.
— Será que a proximidade dos tripulantes os
incomoda? Se for assim, poderei destacar um
destróier para levá-los a algumas horas-luz espa-
ço afora.
— As emanações dessa gente não nos per-
turbam. Estamos acostumados a elas. É bem
possível que o cadete Tifflor tenha perdido qual-
quer forma de expressividade. Não consegui-
mos estabelecer contato.
Rhodan caminhou lentamente em direção à
escotilha. As três naves se encontravam em ple-
na manobra de frenagem. Ainda faltava deter-
minar a posição de mergulho do estranho fugiti-
vo com a maior precisão possível. Era uma ta-
refa tremenda. Rhodan não se iludia a este res-
peito.
Os mutantes olharam-no em silêncio. O pla-
no de Rhodan fora executado segundo seus de-
sejos; apenas o desconhecido procedera com
uma rapidez e exatidão muito maior do que se-
ria desejável na situação. Desde o início sabia-
se que não poderiam ter chegado ao local mais
120
cedo. Afinal, não era possível seguir nos calca-
nhares da nave-chamariz.
Apesar de tudo, Rhodan estava satisfeito no
íntimo. Adquirira a certeza de que no âmbito da
Terceira Potência devia operar uma organiza-
ção de espionagem de primeira ordem. Haviam
descoberto a missão aparentemente tão impor-
tante do cadete Tifflor.
Mas, por enquanto, Rhodan nem pensava
em liquidar o agente. Antes de mais nada tor-
nava-se necessário descobrir quem demonstrava
tamanho interesse pelo planeta Terra. Só de-
pois disso poderia tirar suas conclusões sobre o
equipamento técnico e a linha de conduta. Por
enquanto ainda estava tateando no escuro.
Rhodan parou diante do grande elevador an-
tigravitacional do eixo central; parecia pensati-
vo. Alguns homens fizeram continência. O che-
fe olhou através deles como se nem existissem.
Rhodan se lembrou de que sua melhor arma
havia sido colocada em ação. Seu nome era Ju-
lian Tifflor. O emissor embutido no organismo
de Tiff funcionaria ininterruptamente. Se fosse
possível se aproximar dele a menos de dois
anos-luz, não haveria mais qualquer problema
em realizar a localização por meio do goniôme-
tro.
Seria inútil para o inimigo se esconder nas
121
montanhas ou nos hangares subterrâneos de
mundos estranhos. Ali estaria ao abrigo de uma
localização realizada por meios técnicos, mas
não da que se valesse de recursos puramente
espirituais.
Portanto, só faltava engatilhar a arma secre-
ta chamada Tifflor. O detonador ilusório ainda
teria de ser criado sob a forma de cálculos razo-
avelmente precisos.
Rhodan se consolou com a idéia de que afi-
nal poderia se dar ao luxo de uma tolerância de
dois anos-luz. Era muito grande.
Antes de subir à sala de comando, realizou
uma inspeção na sala de comando das máqui-
nas da nave.
A equipe técnica dirigida pelo Dr. Manuel
Garand realizara um trabalho excelente. As
complexas instalações da grande estação de
controle não ofereciam o menor segredo para
eles.
O rosto bochechudo de Garand se iluminou
quando viu o chefe.
— Deseja alguma coisa? — perguntou no
tom alegre de uma criança que acaba de ganhar
um lindo presente.
Rhodan recuperou o riso. Garand era uma
dessas criaturas aparentemente inofensivas, que
em caso de emergência sabiam falar com uma
122
jovialidade toda especial. Se o engenheiro-chefe
Garand estava radiante, o ar devia estar muito
carregado.
— Não tenho nenhum desejo — disse Rho-
dan em tom enfático. — De qualquer maneira,
mantenha as máquinas em estado de prontidão.
Daqui a pouco precisaremos delas. Seria uma
vergonha se não conseguíssemos agarrar o su-
jeito.
— No que depender de nós, não haverá ne-
nhum problema — exultou o gorducho. — Ali-
ás, andei pensando sobre o campo de tração.
Gostaria de examinar os dados?
O sorriso de Rhodan era genuíno.
— Pois então — disse, esticando as pala-
vras. — Sabia que por aqui devia haver alguma
coisa.
Enquanto Rhodan caminhava em direção ao
cérebro positrônico, a Stardust-III atingiu a imo-
bilidade. Parou a uns duzentos e oitenta milhões
de quilômetros da órbita de Plutão. O Sol, tão
familiar, estava reduzido a um pequeno disco,
muito pálido. Ninguém acreditaria que seria ca-
paz de transformar um planeta como Mercúrio
num inferno de fogo.
Na sala de comando, Bell regulou os contro-
les para a marcha em ponto morto. Resmun-
gando, se ergueu do assento.
123
— Gostaria de saber como vai terminar isso
— murmurou. — É o diabo. Preferia ter esse
sujeito diante de um canhão. Assim seria muito
mais fácil formular perguntas. Seria mesmo?
O robô ao qual foram dirigidas essas pala-
vras não lhe deu a menor atenção. Bell se lem-
brou de que não adiantava xingar. Por isso ca-
minhou em direção ao autômato que fornecia
bebidas; parecia bastante contrariado.
No entanto, tinha a impressão de que, ape-
sar dos contratempos, Rhodan ainda acabaria
por atingir o objetivo.

Conheciam perfeitamente a dor cruciante da


rematerialização. Por isso não podiam deixar de
perceber imediatamente que a transição havia
chegado ao fim.
A grave perturbação dos sentidos e as luzes
vermelhas que dançavam diante de seus olhos
revelavam que o salto fora muito longo. Efeitos
desse tipo só costumavam surgir quando se per-
corria num salto uma distância superior a du-
zentos anos-luz.
Deringhouse se esforçou para sair da poltro-
na reclinada. Os outros homens que se encon-
travam na sala de comando foram recuperando
124
os sentidos. Os cadetes, que ainda não estavam
habituados a esse tipo de provação, levaram
mais alguns minutos.
Tifflor viu que o comandante saiu cambale-
ante da sala de telegrafia. Nos capacetes fecha-
dos, a respiração de Deringhouse era ouvida
sob a forma de assobios agudos. Ao que tudo
indicava precisava reunir todas as forças para
vencer o cansaço.
Rous também já recuperara os sentidos. O
primeiro movimento pesado da mão de Tiff foi
dirigido para o cilindro metálico guardado no
bolso do uniforme. Enquanto o traje espacial
continuasse fechado, não poderia atingir a cha-
ve da carga destrutiva embutida no mesmo.
Sentiu-se dominado pelo pânico. Ninguém
precisaria lhe contar o que os desconhecidos
haviam feito com a Good Hope-IX. Era bem
verdade que Tifflor não saberia dizer se estavam
interessados na nave ou na mensagem secreta
que trazia consigo; de qualquer maneira, isso já
não importava muito.
Face às instruções que lhe haviam sido mi-
nistradas, julgou que havia chegado o momento
de destruir o cilindro juntamente com as micro-
fitas guardadas nele.
As telas voltaram a se iluminar. Tiff lançou
um rápido olhar sobre as telas frontais. A pe-
125
quena distância da nave que, ao que tudo indi-
cava, ainda se deslocava à velocidade da luz,
brilhava uma estrela geminada perfeitamente vi-
sível.
O sol maior, de cor alaranjada, parecia bem
mais próximo que seu companheiro azul.
Por um momento Tiff se esforçou para vas-
culhar a memória em busca do nome de estre-
las desse tipo. Havia muitas, motivo por que de-
sistiu. O que importava realmente era cumprir
as instruções recebidas.
Dali a mais um instante conseguiu se colocar
de pé. Foi nesse momento que os desconheci-
dos abriram a grande comporta de carga situa-
da pouco acima da saliência equatorial que abri-
gava as máquinas.
As luzes de controle da sala de comando se
acenderam. Poucos segundos depois mudaram
para o verde.
O sargento Rous praguejava horrivelmente.
A uma boa distância ouviu-se o ruído caracte-
rístico dos radiadores de impulsos térmicos. Tiff
se virou, apavorado. Qual seria o idiota que era
capaz de utilizar nos recintos apertados da
Good Hope-IX uma arma energética cujos fei-
xes superaquecidos teriam que gerar temperatu-
ras elevadíssimas?
— Utilizem os desintegradores — gritou o
126
comandante pelo rádio. — Que diabo, suspen-
dam imediatamente o fogo térmico. Será que
querem transformar a nave numa nuvem de ga-
ses?
A resposta veio sob a forma de um uivo das
sereias de alarma das instalações de condiciona-
mento de ar. Em vários setores da nave a tem-
peratura devia ter chegado a níveis insuportá-
veis.
Tifflor não se preocupou com os aconteci-
mentos. Dificilmente a pequena tripulação da
Good Hope-IX teria uma chance.
Com um movimento ágil pegou a arma que
Eberhardt lhe atirou. Era um desintegrador pe-
sado, cujo efeito consistia na dissociação da ma-
téria estável.
Nos capacetes surgiu tamanho inferno de ru-
ídos que os homens se viram obrigados a regu-
lar o volume quase para zero. Todo mundo ber-
rava. A toda hora soavam gritos de dor, que fa-
ziam com que Deringhouse temesse o pior. E o
estampido abafado de armas estranhas não po-
deria deixar de ser ouvido.
— Esconda-se na sala 0, rápido — gritou o
comandante para o cadete. — Ande logo!
Tiff se arriscou a abrir o capacete no interior
da sala de comando hermeticamente fechada.
O rumor das armas se tornou ainda mais forte.
127
Aproximou-se. Várias das telas que retratavam
outras salas haviam deixado de funcionar. Pou-
cos segundos depois, o suprimento de energia
foi interrompido. Os tubos luminosos se apaga-
ram, as telas não mais refletiram qualquer ima-
gem.
— Ocuparam a sala de comando das máqui-
nas — disse o sargento Rous com a voz débil.
— Devem ter uma resistência extraordinária.
Penetraram na nave quando nós ainda estáva-
mos quase inconscientes. Se não fosse assim,
isso não teria acontecido. Palavra de honra!
Talvez Rous tivesse razão, mas isso não inte-
ressava mais. Quando o ruído chegou perto da
escotilha fechada da sala de comando e uma
mancha de incandescência branca surgiu na
chapa resistente de aço arcônida, Tiff tirou o
traje espacial de cima do corpo. Teve vontade
de gritar de raiva quando o fecho magnético
que ficava na altura do pescoço emperrou, re-
cusando-se obstinadamente a obedecer aos de-
dos trêmulos.
A sala de telegrafia estava vazia. Quem fosse
capaz de carregar uma arma estava abrigado
atrás de objetos pesados.
O fecho se abriu no momento em que a es-
cotilha começou a derreter. O rosto desprotegi-
do de Tiff foi atingido por uma rufada dolorosa
128
de ar quente. Depois a escotilha caiu para den-
tro com um forte ruído.
Lá fora tudo era luz ofuscante. No momento
em que Tiff abriu o uniforme, a sala de coman-
do se transformou num espaço cortado por re-
lâmpagos. Atiravam com armas desconhecidas
para dentro do amplo recinto. De repente De-
ringhouse compreendeu por que ouvira os gri-
tos no rádio de capacete.
O cadete Eberhardt foi o primeiro que caiu
ao chão. Foi seguido por Rous, Martin e Hifi-
eld. Deringhouse disparou em direção ao corre-
dor antes que fosse atingido por um dos relâm-
pagos.
Logo depois, caiu duro como um pau e sol-
tou um gemido.
Julian Tifflor só se lembrou de sua missão.
Não tocou em nenhuma arma, nem perdeu
tempo em se abrigar.
No momento em que os vultos gigantescos
penetraram na sala e de repente uma luz forte
se acendeu, estava tranqüilamente de pé em
meio à sala de telegrafia perfeitamente visível,
cuja parede blindada e transparente repelira os
impactos energéticos.
Fascinado, contemplou o cilindro metálico
que se desfazia num fogo branco e frio. Colo-
cara-o de forma perfeitamente visível em cima
129
de um dos aparelhos de telegrafia.
Tifflor, o homem eternamente deprimido,
que sempre duvidava de si mesmo, já não sabia
o que era ter nervos.
Com um sorriso irônico contemplou os inva-
sores que se aproximavam. Não havia dúvida
de que tinha diante de si inteligências semelhan-
tes à do homem. Quando o primeiro chegou
perto dele, ainda estava sorrindo.
O estranho, que tinha quase dois metros de
altura e um corpo extremamente pesado, de-
teve-se em meio ao salto. Usava um traje leve
de modelo arcônida. Mas não era arcônida.
A primeira coisa que Tiff notou foi a barba
vermelha e aparada, os grandes olhos ameaça-
dores, plantados em meio a um rosto largo, e
os cabelos longos, também vermelhos como
fogo. Era um verdadeiro gigante que se planta-
ra diante daquele homem aparentemente fraco
do planeta Terra.
Outros vultos do mesmo tamanho foram sur-
gindo. Os gritos haviam cessado. Lançaram
olhares ameaçadores para Julian Tifflor, cujo
sorriso tranqüilo parecia ser mais eficaz que
qualquer gesto de defesa.
Tiff se elevou acima de si mesmo. Com uma
amabilidade extrema e sem demonstrar o me-
nor nervosismo disse, falando em intercosmo:
130
— Olá. Permita que na qualidade de repre-
sentante do comandante, que está impedido
por doença, lhe dê as boas-vindas a bordo da
nave espacial terrana Good Hope-IX. Sua en-
trada foi um tanto agitada. Mas a champanha
não deve demorar. Será que faz questão de to-
mar a legítima champanha francesa? Perdão.
Provavelmente o senhor nem sabe qual é o ve-
lho povo que se especializou na produção dessa
bebida divina. Faça o favor de sentar.
Um dos barbas-vermelhas levantou a mão.
Parecia uma pata. O indivíduo que devia estar
no comando soltou um som que parecia um
rosnado.
Voltou a passar os olhos de um lado para
outro, entre Tiff e a mancha de queimadura
produzida no aparelho de rádio. Do cilindro
não sobrara nem mesmo a cinza.
Por pouco Tiff não acaba desmaiando. O
barba-vermelha cruzou as mãos sobre a barriga,
inclinou o corpo bem para trás e soltou uma
gargalhada tão retumbante que os órgãos audi-
tivos de Tifflor quase entraram em pane.
Tiff se lembrou da velha sereia de alarma
contra fogo que, quando menino, encontrara
num montão de lixo. Juntamente com um ami-
go colocara-a em condições de funcionar.
A essa hora quase chegou a compreender
131
por que, por ocasião do primeiro ensaio, seu
pai sofrera um ataque de fúria nada agradável.
Ele, Tiff, encontrava-se numa situação muito se-
melhante.
Se ainda conservava algum nervosismo em
sua alma, essa gargalhada acabou por tranqüi-
lizá-lo. Os outros sujeitos, de aspecto tão temí-
vel, fizeram coro com o berreiro do chefe. Pa-
recia ser um povo que possuía o dom do riso ir-
reprimível.
Quem sabe se não era um sinal de raiva?
Tiff empalideceu ligeiramente. As reações de
uma inteligência desconhecida podiam ser o ex-
tremo oposto do que se supunha. Ao menos
era o que haviam lhe ensinado na Academia Es-
pacial.
O barbudo de rosto enrugado levou vários
minutos para se acalmar. Tiff cometeu outro
erro ao dizer em tom cortês:
— De qualquer maneira fico satisfeito em
notar que os senhores não são monstros de
olhos salientes e com ventosas nos pés.
O berreiro que se seguiu sacudiu a Good
Hope-IX. Julian Tifflor resolveu que não mais
provocaria o riso daqueles indivíduos que, se-
gundo tudo indicava, reagiam facilmente às pa-
lavras que lhes eram dirigidas.
— Vamos levá-lo — gemeu o barba-verme-
132
lha depois de algum tempo. — É formidável,
excelente. Amigo, como é que o senhor fala a
língua comercial da grande ilha?
— Está aludindo à Via Láctea? — indagou
Tiff em tom hesitante. Lançou um olhar bastan-
te preocupado para os companheiros, que con-
tinuavam inconscientes.
— Logo acordarão — explicou o desconhe-
cido em tom jovial. — Não somos piratas, mas
comerciantes pacíficos. Meu nome é Orlgans.
Sou comandante e proprietário independente
da nave comercial Orla XI. Amamos e respeita-
mos as raças inteligentes da grande ilha. Nunca
nos intrometemos nas suas divergências inter-
nas, a não ser que alguém se atreva de atacar
nosso monopólio comercial. Peço que me des-
culpe pelo tratamento um tanto rude. Mas nin-
guém saiu machucado. No entanto, seu coman-
dante terráqueo tentou atacar minha nave. Es-
capei no último instante.
Tiff não se admirava mais e não temia mais
nada. Embora só tivesse vinte anos, era um ho-
mem dotado de um raciocínio límpido. E isso
não era de admirar, pois era um dos alunos su-
perselecionados de uma escola superior, que
são mandados para o caminho da vida depois
de lhes terem sido aplicados os métodos de en-
sino de uma raça antiqüíssima.
133
Tiff não fez nada. Apenas sentiu-se muito
desconfiado, com o que foram afastados os
complexos de inferioridade que costumavam
atormentá-lo. Teve a impressão de que o gran-
de jogo era travado em torno da Terra, em tor-
no de seu mundo natal, de sua Humanidade, de
seu grande ideal. Nada, absolutamente nada jus-
tificaria melhor um engajamento de todas as
suas forças que a preocupação pelos numero-
sos seres humanos que se encontravam no pla-
neta Terra. Nunca o cadete Tifflor sentira tão
intensamente que toda criatura pensante nasci-
da na Terra é simplesmente um ser humano,
seja qual for a cor de sua pele ou suas crenças.
Essa compreensão transformou o jovem
num tático, que refletia com a maior frieza. Orl-
gans era um elemento perigoso. Sua jovialidade
era uma máscara, e sua gargalhada berrante tal-
vez não passasse de uma característica da es-
pécie a que pertencia.
Tiff desistiu de seu sorriso de cortesia. Lá na
central, outros barbudos carregavam os compa-
nheiros inconscientes como se fossem bonecos.
— Muito obrigado pelo tratamento relativa-
mente humano — disse. — Mas de qualquer
maneira o senhor chegou com um atraso de
dez segundos. Foi o tempo de que precisei para
destruir o cilindro. Deve estar informado a res-
134
peito disso, não está?
Era claro que Orlgans estava informado. Por
um instante seu rosto largo esboçou uma ex-
pressão sombria.
— É um ótimo negociador — disse com um
olhar perscrutador. — Fala com franqueza
quando conhece seus pontos fortes. Nunca usa
de franqueza quando supõe ter um lado fraco. É
assim que os seres inteligentes conseguem fun-
dar impérios. Sim, estou informado. Por que
motivo teria atacado sua navezinha se não por
isso?
Tifflor esteve prestes a dizer que teria sido
fácil destruir a nave comercial Orla XI com uma
única salva. Mas preferiu não fazê-lo.
— O que pretende fazer? — perguntou laco-
nicamente. — Onde estamos?
— Isso não é da sua conta. Aliás, aceite
meus cumprimentos. O senhor fala um excelen-
te intercosmo.
— Nossos couraçados são mais excelentes
que meu intercosmo — retrucou Tiff.
O rosto de Orlgans assumiu uma expressão
rígida. Com uma frieza enorme disse:
— A bordo de minha nave existe um ter-
ráqueo cujo nome é Jean Pierre Mouselet. Ele
nos contou que só por um acaso seu miserável
mundo primitivo conseguiu adquirir um coura-
135
çado. E é um único; procure compreender. O
senhor é, ou foi, portador de uma mensagem
cujo conteúdo diz respeito à minha área de inte-
resses. Um projeto de intercâmbio cósmico a
longo prazo faz com que pessoas como eu se
esqueçam de rir. Como já disse, somos gente
pacífica. Mas nem por isso desistimos do direito
de defender nossos velhos privilégios. Há muito
tempo o Grande Império nos conferiu plenos
poderes para exercer o comércio sem quaisquer
restrições. Ainda temos muito a conversar, ser
humano chamado Julian Tifflor.
— Conhece meu nome?
— Acreditava que não conhecesse? O se-
nhor se julgava muito inteligente, não é mes-
mo?
Mais uma vez a gargalhada retumbante se
fez ouvir. Tiff sentiu-se humilhado. Não tinha a
menor idéia do plano global de Rhodan. Antes,
acreditava realmente que fora portador de notí-
cias da maior importância. Por isso acreditou
que as declarações de Orlgans não eram desti-
tuídas de base. Num homem como Deringhou-
se, as mesmas apenas teriam provocado sorri-
sos. Era claro que as pretensas notícias secretas
eram fictícias.
Tiff foi levado dali de maneira um pouco vio-
lenta, mas assim mesmo gentil. Enquanto isso
136
Orlgans sorriu e disse:
— Nossas espécies são aparentadas, Tifflor.
Bem que devíamos viver em paz. Não há ne-
nhum motivo que impeça isso. É bem provável
que o senhor nem suspeite da existência de
nosso povo. Nós, os saltadores, somos mais po-
derosos que o próprio império. Vivo negocian-
do com inteligências completamente estranhas.
Não sei por que isso não seria possível com a
sua. É bom que saiba que meus antepassados
foram arcônidas iguais ao mestre dos senhores,
que chamam de Crest.
Tiff estremeceu por dentro. Aquele estranho
sabia muito; sabia demais! Quem era Jean Pier-
re Mouselet? Sem dúvida era francês.
Tifflor nunca ouvira esse nome. Mas disse a
si mesmo que as informações detalhadas de que
Orlgans dispunha só podiam provir de um ser
humano. E devia ser um ser humano bastante
intelectualizado, que dispunha de grande cabe-
dal de conhecimentos científicos. Não havia ou-
tra explicação para os conhecimentos de Orl-
gans.
De passagem, Tiff notou que os tripulantes,
ainda inconscientes, foram levados ao grande
salão da nave auxiliar. Todos os postos de im-
portância estavam ocupados por criaturas que
tinham o mesmo aspecto de Orlgans.
137
Ao chegar à grande comporta de carga, situ-
ada acima da saliência equatorial, teve de en-
vergar um traje espacial. A menos de vinte me-
tros dali via-se o abaulamento do casco da nave
estranha. Havia nele uma abertura negra.
Quando viu as criaturas gigantescas flutuarem
em direção à mesma, percebeu que se encon-
travam em queda livre. O sol geminado que ha-
via visto devia estar tão longe que por enquanto
não havia necessidade de realizar uma manobra
de frenagem.
Tiff foi puxado num cabo. Quando penetrou
na comporta da outra nave, teve a impressão
de que praticamente era um homem morto.
Esses saltadores — nome que o próprio Orl-
gans acabara de dar a essas criaturas — eram
mais que perigosos. Não havia a menor dúvida
de que se sentiam ameaçados pela Terceira Po-
tência dirigida por Perry Rhodan. Receavam
que a mesma viesse colocar em risco seu mono-
pólio comercial, que, ao que tudo indicava, até
então era exercido sem restrições. Provavel-
mente só se zangavam quando alguém se atre-
via a violar seus direitos sagrados.
Perry Rhodan devia ter feito precisamente
isso, sem que o soubesse. Tiff apostaria sua ca-
beça como Rhodan não tinha a menor idéia da
existência dos saltadores.
138
Durante a compensação de pressão Orlgans
bateu paternalmente no ombro de Tiff.
— É claro que nosso ar é respirável para o
senhor — disse em tom condescendente. —
Tem mais alguma piada em seu arsenal?
— Piadas? — espantou-se Tiff muito assus-
tado.
Teria feito alguma piada? Isso mesmo pare-
cia representar outra piada para os saltadores.
Mais uma vez irromperam numa sonora garga-
lhada.

Não havia a menor dúvida de que aquela cri-


atura esbelta, de cabelos negros e olhos irrequi-
etos, cujos dedos brincavam nervosamente, era
um ser humano. Os barbudos deviam ter o tri-
plo do peso daquele homem de cerca de cin-
qüenta anos, cujo rosto se contorcia em tiques.
Ao que tudo indicava estava próximo ao esgota-
mento nervoso.
— Jean Pierre Mouselet, antigo diretor co-
mercial de um conglomerado industrial europeu
— foi assim que se apresentou aquele homem
emagrecido. Tifflor se limitou a lançar-lhe um
olhar frio como gelo.
— Não tem mesmo nenhum cigarro? — im-
139
plorou Mouselet, aproximando-se mais um pou-
co.
— Não sou fumante — respondeu Tiff laco-
nicamente. — Sinto muito. Se tivesse cigarros,
não os daria a um traidor do planeta Terra. É
bom que saiba logo como são as coisas.
Mouselet, que era uma verdadeira ruína hu-
mana, não conseguiu reunir forças para dizer
um palavrão, nem sequer para lançar um olhar
venenoso. Em seus olhos inconstantes voltou a
brilhar aquele desespero que provocou em Tif-
flor uma paixão indefinida.
— Está bem, queira desculpar — apressou-
se Mouselet a dizer. — Eu... sou um fumante
inveterado, sabe? O último maço que eu tinha
acabou há...
— Vamos ao assunto — interrompeu-o o
cadete em tom tranqüilo. — Suponho que o tal
do Orlgans o tenha enviado para soltar minha
língua. É bom que saiba que não há nada a sol-
tar. Não fui informado sobre o conteúdo dos
documentos por mim destruídos. Ou será que
acredita que decorei todos os detalhes do gigan-
tesco plano?
O olhar de Mouselet se tornou penetrante.
— Por que não? Rhodan dispõe de métodos
que lhe permitem armazenar um volume gigan-
tesco de saber no cérebro de um homem. É
140
possível que nem mesmo o senhor saiba que é
portador de informações hipnóticas facilmente
decifráveis. Talvez os registros em fita sejam si-
mulados. Fale, meu jovem. Os saltadores tam-
bém sabem transformar um homem num louco
palrador. Se isso lhe acontecer, o senhor será
um mentecapto para o resto da vida. O que lhe
deram para levar à base de Vega?
— De certo eles lhe darão uns cigarros se o
senhor conseguir arrancar alguma informação
de mim, não é? — escarneceu Tiff apesar da
palidez que se desenhava em seu rosto. Come-
çava a desconfiar de que um perigo tremendo
surgia diante dele.
Mouselet soltou uma terrível praga. Levan-
tou-se de um golpe e passou a caminhar pela
pequena cabina. Do lado de fora, havia duas
sentinelas dos saltadores.
— Antes de dizer qualquer coisa quero saber
como é que o senhor foi se ligar a esses sujeitos
— acrescentou Tiff apressadamente.
Mouselet ergueu os ombros num gesto de
resignação.
— Por que não? Sou um dos colaboradores
do supermutante que costumamos chamar de
Supercrânio. Foi por isso que me interessei bas-
tante pela chamada Terceira Potência. Todos
os documentos secretos ficaram à minha dispo-
141
sição. Por isso é bom que não tente enganar es-
ses mercadores. Sabem perfeitamente de que
forma Rhodan adquiriu seu saber e suas naves.
Orlgans teria subjugado toda a Terra, se isso
não contrariasse suas tradições.
— O senhor é muito auto-suficiente! — disse
Tiff em tom de desprezo.
Mais uma vez esteve prestes a dizer que lhe
teria sido fácil destruir a grande nave.
— É bom que não se iluda quanto a essa
gente — disse Mouselet em tom exaltado. — Já
cheguei a acreditar que são amáveis e inofensi-
vos. Quando Rhodan saiu em perseguição do
Supercrânio, este, desesperado, enviou para o
espaço uma mensagem de socorro não codifi-
cada. Orlgans se encontrava nas proximidades.
Acudiu ao chamado e me salvou. É claro que
tive que lhe dar meu saber em troca da salva-
ção. Um saltador nunca faz nada de graça. Tem
certeza de que não tem cigarro? Dê uma olha-
da.
— Tire a mão do meu bolso — chiou Tiff,
furioso. — Se eu fosse o senhor, meteria uma
bala bem ordinária na minha cabeça. O senhor
é um patife. Traiu a Humanidade. Não pode
haver crime maior que este.
— Essa Humanidade me expulsou e me con-
denou — disse Mouselet com o rosto pálido. —
142
Não lhe devo mais nada.
— De certo o senhor cometeu algum crime.
Ninguém é condenado por nada. O que o se-
nhor sofreu foi bem feito. Não conte com a mi-
nha compreensão. Sempre deve ter sido um
patife dissimulado. O Supercrânio foi outro. E
conseguimos liquidá-lo.
Mouselet conseguiu se controlar. Respirando
com dificuldade e molhando os lábios com a
ponta da língua, parou diante do cadete.
— O senhor será interrogado — disse em
tom indiferente. — Nem desconfia do poderio
que tem diante de si. Os negociantes galácticos
dominam a Via Láctea. Estão divididos em cas-
tas e em famílias. Nenhum saltador aceita or-
dens dos outros. A liberdade de ação é uma tra-
dição de dez mil anos. Desconfiam um do outro
e se espionam mutuamente, mas ai do estranho
que se atreve a tocar no seu monopólio. Seria
bom que visse como as inúmeras castas e famí-
lias sabem se unir num abrir e fechar de olhos
quando isso acontece. Há tempos imemoriais
chamam-se a si mesmos de saltadores, porque
saltam de um planeta a outro para comprar e
vender suas mercadorias. Sua frota comercial é
calculada em mais de trezentas mil naves pesa-
das e superpesadas. Cada linhagem familiar
tem um patriarca que a comanda em caso de
143
necessidade. Os comandantes e proprietários
independentes das naves submetem-se ao mes-
mo. O grande império comercial mantém uma
frota de combate, que é sustentada com uma
parte bem definida dos lucros que cada coman-
dante tem de entregar. Possuem muitos plane-
tas, que transformaram em gigantescas bases e
estaleiros. Em parte, sua tecnologia é superior à
do Grande Império dirigido por Árcon. São des-
cendentes dos arcônidas, mas, graças à influên-
cia exercida pelos habitantes dos outros mun-
dos, inúmeras variedades se desenvolveram no
curso dos milênios. Mas todos eles são saltado-
res, e como tais são independentes, orgulhosos
e fortes. Seu poder econômico é superior ao do
império e, quando necessário, sabem ser uni-
dos. Sabe o que significa isso? Os negociantes
nunca se intrometem em guerras ou coisa que o
valha. Fornecem suas mercadorias a todas as
facções em luta, e nenhuma das facções gosta
de ficar mal com eles. Se alguém deseja negoci-
ar no ambiente cósmico, tem de se habilitar
com uma concessão outorgada por eles. E lá
vem essa figura ridícula do Perry Rhodan com a
idéia maluca de instalar entrepostos comerciais
no sistema Vega.
Mouselet soltou uma risada estridente. Mal
conseguiu se acalmar. Tiff assumiu uma postura
144
rígida. Aos poucos estava compreendendo com
quem se defrontava. O tal do Orlgans era só
uma rodinha numa engrenagem enorme e anti-
qüíssima. Quanto ao mais, Tiff só teve uma
idéia: informar o chefe pela forma mais rápida.
— O senhor há de concordar comigo em
que seu silêncio é inútil. A ganância inata a essa
espécie de mercadores faz com que vejam em
qualquer planeta recém-descoberto uma zona
de comércio inteiramente privada. Nenhum de-
les pensa em chamar em seu auxílio outras na-
ves pertencentes à mesma linhagem familiar,
quanto mais naves pertencentes a outras linha-
gens. Foi este o motivo por que Orlgans pene-
trou sozinho no sistema solar. Tem uma rede
de agentes muito eficiente. Não demorou em
saber que o senhor foi despachado pelo espaço
para servir de mensageiro confidencial. Aliás,
nem era de esperar que fizessem outra coisa,
depois que Orlgans apresou uma nave espacial
e dois destróieres da Terceira Potência para fins
de estudo.
Tiff se levantou de um salto, como se tivesse
sido picado por um marimbondo.
— O quê?
— Ah, ainda não sabe disso? — espantou-se
Mouselet. — Pois está na hora de saber. Rho-
dan enganou o senhor. Contando sua Good
145
Hope-IX, as naves desaparecidas já são quatro.
Isso devia dar que pensar a Rhodan, não é mes-
mo?
Tiff voltou a afundar lentamente na cadeira
de formato esquisito. Aos poucos começou a
compreender por que o chefe o mandara ao es-
paço como mensageiro confidencial em circuns-
tâncias tão misteriosas.
Tiff chegou bem próximo à verdade, mas
nem de leve desconfiou de que havia sido trans-
formado num chamariz cósmico dotado de qua-
lidades todas especiais. Mas tudo indicava que
Rhodan sabia que um perigo vindo do espaço
ameaçava a Terra. Tiff também compreendeu
por que Deringhouse não atirou de verdade, e
por que a Stardust-III chegou tão depressa. Re-
primiu um sorriso de triunfo.
No videofone de parede, que era quase
idêntico ao aparelho dessa espécie existente a
bordo da Good Hope-IX, uma luz amarela se
acendeu. Mouselet estremeceu. Virou-se com
uma expressão de pavor no rosto.
— Seu mestre e senhor está chamando —
disse Tiff em tom irônico. — É claro que esta-
mos sendo vigiados, não é? Pois bem, Orlgans,
já que está ouvindo o que digo, é bom que saiba
que sua chamada potência mercantil não me
impressiona nem um pouco. A história da Ter-
146
ra já nos mostra muitos atravessadores e apro-
veitadores de guerra, que trocam um beijo fra-
ternal com qualquer dos partidos em luta e nun-
ca se intrometem enquanto não se trata do di-
nheiro. Vocês não são melhores que eles, ape-
nas demonstram maior habilidade. Estão lucran-
do com a ruína do grande império dos arcôni-
das. Mantêm a neutralidade até que farejem um
perigo. Então vocês se transformam numas fe-
ras que se unem para defender seus interesses,
para liquidar um penetra indesejável. O traidor
que está à minha frente chamou a atenção de
vocês sobre a Terra. Tenha cuidado, Orlgans,
pois ainda poderemos lhe mostrar os dentes.
Alguém fungou no alto-falante do videofone.
Logo após a voz de Orlgans irrompeu no recin-
to.
— Meu amigo, suas palavras são grandes,
mas seu poder é pequeno. Transformaremos a
Terra numa base de nosso império comercial,
mas antes disso procurarei aproveitar meu privi-
légio de descobridor. Quero que você me diga
quais são os planos cósmicos da Terceira Po-
tência. E ainda quero saber o que esse rapazi-
nho chamado Perry Rhodan encontrou no
mundo lendário da vida eterna. Pelas notícias
que chegaram aos meus ouvidos soube que ele
o descobriu contra todas as leis da probabilida-
147
de.
Tiff lançou um olhar de agressiva ironia para
o receptor. Suas palavras revelavam uma matu-
ridade extraordinária numa pessoa de vinte
anos.
— Daí deveria concluir que se encontra di-
ante de um ser de inteligência superior, que me-
rece o respeito de outros indivíduos que tam-
bém se consideram inteligentes. Sua exigência
representa uma imposição resultante da explo-
ração bárbara de uma superioridade de forças.
Mouselet lançou um olhar de pavor para o
cadete. Depois de um instante de silêncio, um
riso retumbante soou do alto-falante de parede.
O capitão dos saltadores era dotado de um sen-
so de humor muito estranho.
— Muito bem, muito bem — disse Orlgans.
— O senhor acaba de me apresentar a melhor
prova de que esse Rhodan escolheu um homem
muito competente para desempenhar a tarefa
especial. Meu amigo, nas próximas horas esta-
rei ocupado com a manobra de entrada em
órbita que planejamos. Esperarei por aqui até
que a situação se esclareça um pouco. Se ne-
cessário chamarei a frota de minha dinastia.
Mouselet já lhe explicou que os impostos que
pagamos habilitam todo comandante indepen-
dente a recorrer, a qualquer instante, ao auxílio
148
de nossa frota de combate, independentemente
do pagamento das despesas? Meu caro, basta
uma mensagem telegráfica para que quinhentas
naves de guerra de grande porte surjam do hi-
perespaço. Reflita sobre o que vai dizer. Ainda
tem tempo.
Orlgans desligou. O estalido do aparelho
provou que realmente o fez.
— Não faça a minha desgraça — implorou
Mouselet, tremendo como uma vara verde. —
Fale, senão seremos ambos eliminados. Confie
em mim. Sou um ser humano.
— Pois na minha opinião o senhor nunca
foi um ser humano na verdadeira acepção da
palavra — advertiu-o Tifflor com um gesto de
repulsa. — Sem dúvida apenas dava a impres-
são de ser um quando seu raciocínio consciente
despertou.
A porta da cabina se abriu e dois gigantes
barbudos entraram. Tiff soubera que todos os
membros da numerosa tripulação pertenciam à
linhagem de Orlgans. Tudo indicava que o co-
mandante e proprietário da nave ocupava uma
posição hierárquica muito elevada.
Tiff compreendera perfeitamente que se en-
contrava diante de uma grande potência galácti-
cas. Essa gente não dominava apenas um siste-
ma solar com alguns planetas mais ou menos
149
habitáveis. Seu domínio estendia-se por toda a
galáxia, que iam adaptando discretamente aos
seus desejos e interesses, à maneira das compa-
nhias de comércio que desenvolviam atividades
guerreiras.
Isso já acontecera na Terra, mas não em
proporções tão grandes.
Tiff começou a compreender que os chama-
dos saltadores representavam o perigo mais sé-
rio que a Terceira Potência, ainda tão jovem, já
tivera diante de si.
Não se tratava de DI nem de tópsidas, cria-
turas que Perry Rhodan conseguiu derrotar com
uma relativa facilidade. Uma grande potência
surgira no cenário cósmico.
O que Tiff não compreendia era o motivo
do silêncio de Perry Rhodan sobre essa série de
ocorrências. Se é que algumas naves haviam
desaparecido, os órgãos governamentais já de-
viam ter conhecimento do fato.
— Venha conosco — disse um dos barbu-
dos, sorrindo. — Não, não é você. É o rapazi-
nho.
Tiff se levantou sem dizer uma palavra. Jean
Pierre Mouselet ficou para trás; estava reduzido
a um montículo de desgraça. Falhara. Face a
isso, se tornara bastante duvidoso que Orlgans,
um calculista frio, ainda visse qualquer utilidade
150
nele. Em caso negativo, a vida de Mouselet não
valeria um centavo.
Tiff imaginava como esses seres que riam
tão ruidosamente sabiam ser frios e implacá-
veis. Consideravam Perry Rhodan um fator de
perturbação.
Provavelmente o relato enfeitado de Mouse-
let não permitira que se dessem conta do fato
de que Rhodan não representava apenas um fa-
tor de perturbação, mas também de perigo. De
um modo geral pareciam subestimar o gênero
humano. Não contavam com sua inteligência,
sua capacidade de agir e sua pertinácia.

10

Fazia quatro horas, tempo de bordo, que


Tiff fora levado de volta para a Good Hope-IX.
Fizeram-no com a finalidade de induzi-lo a tra-
var palestras com os amigos, das quais pudes-
sem extrair alguma informação. Evidentemente
os cadetes já haviam percebido que os recepto-
res de videofone funcionavam ininterruptamen-
te. Com isso tornava-se possível saber o que se
passava em praticamente todos os recintos da
nave.
— Isso é muito primitivo! — chiou Mildred
Orson, expelindo um olhar chamejante de des-
151
prezo, quando Tifflor reapareceu.
A manobra de entrada em órbita, anunciada
por Orlgans, fora concluída há uma hora. A
nave Orla XI circulava em queda livre em torno
de um grande planeta, cuja posição era total-
mente desconhecida do homem. As numerosas
sentinelas se limitaram a informá-lo de que esse
sol geminado tinha quatro planetas que descre-
viam órbitas bastante esquisitas.
Algumas telas de observação ótica exterior
continuaram a funcionar. Dessa forma o astro
pôde ser visto perfeitamente. Mas tudo isso
apenas se revestia de um interesse secundário
para os tripulantes da Good Hope-IX.
Bastava que o major Deringhouse, o sargen-
to Rous e os cadetes da Academia Espacial se
encontrassem a bordo para que o tempo duran-
te o qual Tiff esteve ausente fosse gasto em fa-
bricar planos.
Quando Tiff entrou na grande sala dos tripu-
lantes, os ânimos estavam muito tensos. As pa-
lestras vazias e indiferentes eram tão estranhas
que não poderiam deixar de ser alarmantes.
Pediram-lhe que contasse o que havia acon-
tecido com ele. Enquanto isso, lançavam olha-
res de esguelha para as telas apagadas. Tifflor
compreendeu que um grupo especial dos mer-
cadores ouvia cada palavra que se dizia por ali.
152
Apresentou seu relato com a mesma indife-
rença, até que surgiu a oportunidade. Humpry
Hifield era o homem indicado para encenar um
barulho a valer. Era de espantar a raiva obstina-
da com que se envolvia numa briga com um
dos membros da tripulação. Aquilo já não era
um boxe decente, mas não deixou de preen-
cher sua finalidade.
Dentro de poucos segundos os canos com-
pridos dos radiadores de impulsos térmicos sur-
giram na escotilha. Logo foram seguidos pelos
vultos enormes das sentinelas. Quando viram
que não se tratava de um motim, a finalidade da
medida havia sido atingida.
Aos berros instigavam os lutadores. Em vir-
tude disso a sobrancelha esquerda de Hump se
arrebentou sob um soco direto de seu conten-
dor musculoso.
Tiff se sentiu arrastado para trás de um gru-
po que também berrava. Deringhouse se limitou
a acenar ligeiramente com a cabeça. Seus olhos
pareciam comandar. Face a isso a reação de
Tifflor foi instantânea, quando Mildred Orson,
que chorava profusamente, se atirou nos seus
braços e se lamentou da falta de juízo dos ho-
mens.
— Tenha cuidado, perigo de escuta — co-
chichou apressadamente em meio aos seus la-
153
mentos. — Felicitas e eu praticamente não so-
mos vigiadas. Andamos livremente pela nave.
Consegui roubar uma micro bomba no depósito
de combate da comporta número três. Tome!
Esconda-a antes que Hump fique esticado no
chão.
Tiff empalideceu. Não sabia a quem dedicar
sua atenção, se à moça necessitada de auxílio
ou à micro bomba atômica. Finalmente se deci-
diu pela bomba atômica.
Deringhouse observava-os discretamente.
Rous empenhou toda a largura de seu corpo
para evitar que os dois jovens pudessem ser
captados pelo receptor de videofone.
A pequena bomba em forma de ovo, cujo
tamanho não ultrapassava o do verdadeiro pro-
duto de uma galinha terrena, passou para o bol-
so da calça de Tiff.
Imediatamente o sargento Rous se pôs a
berrar.
— Que intimidade é essa, cadete Tifflor? —
gritou furiosamente, piscando os olhos. — Se-
nhorita Orson, dirija-se imediatamente ao seu
camarote. Vejo-me forçado a denunciar a ofen-
sa à moral de bordo. Separem-se.
Milly fungou enquanto se desprendia dos
braços de Tiff, o que este notou com grande
tristeza. Nunca antes ela estivera tão próxima
154
dele. Enquanto isso o sargento Rous cochichou
apressadamente:
— Tenha cuidado, Tiff. É uma bomba térmi-
ca cujos efeitos duram quinze minutos. Ela ape-
nas libera calor, que em média chega a cento e
cinqüenta mil graus centígrados no interior da
esfera de gases. O detonador leva exatamente
uma hora para desencadear a explosão. Por
ocasião do próximo interrogatório esconda-a
em algum lugar na outra nave, anotando a hora
exata. Depois trate de voltar. Procure algum
pretexto, fale, por exemplo, num prazo de re-
flexão num ambiente costumeiro. Entendido?
Mais alguma pergunta?
O procedimento era típico dos homens au-
dazes do comando de caça espacial. Rous e De-
ringhouse tiveram uma idéia maluca. Natural-
mente os cadetes e mesmo as moças coopera-
ram com o maior entusiasmo. O comandante
não poderia desejar colaboradores mais efica-
zes.
Tiff logo se sentiu contagiado. Sabia perfei-
tamente por que Hump encenara aquele baru-
lho. Não havia como negar: teve um desempe-
nho excelente na luta de boxe que degenerou
em pancadaria. Era o homem indicado para
isso.
— Tudo entendido — disse Tiff. — Daqui a
155
pouco terei de voltar para lá. Descobrirei um
meio. O que vai acontecer quando a carga de-
tonar.
— No mesmo instante o barulho come cará
por aqui. Há vinte e três sentinelas a bordo. As
moças contaram. Conseguiremos nos livrar de-
las. Primeiro devemos ocupar a sala de coman-
do; o resto virá por si. Dê uma boa olhada nos
radiadores de impulsos térmicos de canos lon-
gos dessa gente. Trabalham com fluxos de im-
pulsos térmicos da grossura de um fio de cabe-
lo. Fora do ponto de impacto a geração de ca-
lor é muito reduzida. Ao que parece estão pro-
tegidos contra efeitos colaterais. São armas
muito eficientes. Daremos um jeito de nos apo-
derar delas. O plano é este. Basta. Hump tem
de interromper a função.
Tudo isso foi obra de poucos segundos. Não
havia o menor risco de que as mensagens co-
chichadas fossem ouvidas em meio ao barulho.
Fizeram um sinal quase imperceptível para
Hifield. Mais um soco, e ele caiu ao chão sem
se levantar.
As sentinelas exultavam. O espetáculo pare-
cia corresponder ao seu gosto. Dentro de pou-
cos minutos o silêncio foi restabelecido na sala
da tripulação. Com um sorriso os homens fo-
ram prevenidos de que, por ocasião da próxima
156
batalha, deviam avisar a tempo, para que os sal-
tadores pudessem aproveitar o espetáculo.
Deringhouse olhou o gigante barbudo com
um sorriso contrafeito.
— Queiram cuidar de Hifield — pediu às
moças. Milly e Felicitas Kergonen ajudaram o
cadete que gemia terrivelmente a pôr-se de pé.
Seu adversário passou a língua pelos lábios ar-
rebentados.
— Uma vez que tudo correu bem, e conside-
rada a situação em que nos encontramos, dis-
penso a punição desta vez — disse Deringhouse
em tom solene. Só o tom de sua voz revelava
alguma coisa. Todo mundo sabia que a micro
bomba arcônida se encontrava no bolso de Tiff.
Se ela detonasse no interior da nave dos
mercadores, a mesma ficaria reduzida a uma
nuvem incandescente.
Tiff sentiu o suor porejar em sua testa. Obri-
gou-se a participar da conversa que se arrastava
penosamente. Poucos minutos depois, ouviu-se
o som da campainha da cozinha automática.
Dava-se todo o conforto possível aos prisionei-
ros; apenas a liberdade lhes era negada.
Deringhouse estava firmemente decidido a
mudar essa situação quanto antes. Pensou de-
sesperadamente na força poderosa comandada
por Perry Rhodan, que ainda devia estar parada
157
no espaço nas proximidades de Plutão. De
qualquer maneira, Deringhouse ainda acredita-
va que mesmo nessa situação o chefe encontra-
ria um caminho.
Tiff apresentou um relato silencioso sobre a
verdadeira natureza dos saltadores. Assim se
passou o tempo de espera.
Exatamente uma hora depois da refeição, a
escotilha se abriu. Tiff seria conduzido a bordo
da Orla XI para ser submetido a novo interroga-
tório.
Caminhou tranqüilamente, mantendo um
perfeito autocontrole. Por algum tempo os
olhos de sua mente continuaram a ver um rosto
de moça muito pálido. Entre as duas comportas
de ar havia sido montado um campo energético
de compensação de pressão. Tiff pôde flutuar
de um lado para outro sem recorrer ao traje es-
pacial. O rumorejar das máquinas provava que
não havia a menor intenção de permitir que a
veloz Good Hope-IX se libertasse do domínio
da nave maior.
Não havia a menor dúvida de que Orlgans
era um ótimo negociante, se é que esse nome
podia ser aplicado a um mercador galáctico.
Sua tática e sua psicologia também eram
formidáveis. Um homem da idade de Tifflor,
que não tivesse a mesma força de vontade des-
158
te, logo teria sucumbido às numerosas perspec-
tivas tentadoras que o saltador lhe oferecia.
Muitas vezes o fato de realmente não saber
nada dos pretensos planos econômicos da Ter-
ceira Potência veio em auxílio de Tiff. Aos pou-
cos chegou mesmo a desconfiar de que Perry
Rhodan apenas o utilizara como chamariz, para
capturar alguns dos desconhecidos.
Tudo indicava que o interesse de Orlgans
nem se dirigia ao planejamento ilusório, pois
sua lógica potente logo lhe permitira reconhe-
cer que um homem como Tiff nunca seria ca-
paz de guardar o mesmo na memória. Na me-
lhor das hipóteses, se lembraria das linhas ge-
rais, mas nunca dos detalhes, que eram o que
realmente importava.
Por isso o comandante dos saltadores abs-
teve-se de perguntas a esse respeito. Em com-
pensação, insistia sempre e sempre na idéia do
mundo da vida eterna. Isso representava um sé-
rio perigo para Tifflor, já que Orlgans não quis
se convencer de que também sobre este assunto
o cadete não sabia absolutamente nada.
Levou duas horas para, em atitude benevo-
lente, conduzir Tiff através da nave. Julian não
se impressionou com o armamento. Nem se
comparavam com as armas que se encontra-
vam a bordo da Good Hope-IX. Em compensa-
159
ção, os propulsores da Orla XI eram potentes e
modernos. Havia outras coisas que deviam re-
presentar o produto da criatividade dos cientis-
tas da raça dos saltadores.
Orlgans explicou de forma quase casual que
se tratava apenas de uma nave de comércio ar-
mada, e que o armamento da mesma era sufici-
ente para permitir a visita a mundos primitivos.
Quando o caso fosse mais sério, dispunha
da frota especializada, para cuja convocação ti-
nha competência.
Tiff foi empurrado brutalmente para dentro
do último compartimento. Quando entrou no
mesmo, o comandante se esqueceu da cortesia
e do cuidado paternal até então demonstrados.
Voltou a chamar Tiff de senhor, muito embora
nas últimas horas lhe tivesse dado o tratamento
de você. Julian viu diante de si um par de olhos
frios e impiedosos.
— Essa máquina é um dissolvente mental —
explicou Orlgans em tom ameaçador. — O in-
terrogatório realizado por meio dela destrói o
cérebro de qualquer ser, mas em compensação
extrai todos os dados armazenados no mesmo.
Precisamos da máquina para lidar com gente de
comportamento menos recomendável, cujo sa-
ber se torna importante para nós. Dou-lhe mais
três horas da sua contagem de tempo. Se de-
160
pois disso não quiser falar, colocaremos o capa-
cete em cima de sua cabeça. Pode se retirar,
meu jovem amigo.
De uma hora para outra, Orlgans foi todo
cordialidade. Quase chegou a carregar o cadete
cambaleante e arrasado.
Também fez questão de levá-lo pessoalmen-
te à cabina que já conhecia. Ficava na parte di-
anteira da grande nave, perto da sala de co-
mando. Antes que Orlgans se retirasse, Tiff re-
solveu fazer uma jogada arriscada. Em tom su-
plicante gaguejou:
— O senhor permite que eu reflita na minha
nave? Por favor, não me deixe num ambiente
estranho. Aqui não me sinto muito...
— Naturalmente, naturalmente — interrom-
peu-o Orlgans numa jovialidade exultante. —
Um momento, meu caro, vou chamar seus
acompanhantes.
Tiff começou a suar quando o gigante barbu-
do saiu e, uma vez no corredor, pôs-se a cha-
mar as sentinelas aos berros.
Tiff pôs a mão no bolso. Desistira de escon-
der a micro bomba em outro lugar. Se fosse re-
vistado, seria encontrada de qualquer maneira.
Mas não fora submetido a outra revista. Puxou
o pino de segurança, comprimiu o botão do de-
tonador de tempo até ouvi-lo engatar com um
161
estalo e fez o ovo mortífero rolar para baixo da
cama. Deu um baque surdo quando bateu con-
tra a parede.
Mal conseguiu se levantar antes que as senti-
nelas entrassem.
— O senhor está muito pálido — disse Orl-
gans em tom de piedade. — Daqui a três horas
voltaremos a nos encontrar, meu jovem amigo.
Essas palavras foram um pretexto suficiente
para que Tiff lançasse um olhar discreto para
seu relógio de precisão. Eram exatamente
17:58 h, tempo de bordo da Good Hope-IX.
Exatamente às 18:58 h ouviriam o estouro, ou
mais precisamente, cinco segundos antes, pois
foi quando acionou o detonador.
Em atitude apática, deixou que o levassem
de volta. Ao regressar à sala dos tripulantes,
caiu numa cadeira giratória. Estava muito páli-
do. Deringhouse lançou-lhe um olhar ansioso.
Acenou a cabeça de forma quase impercep-
tível e acrescentou:
— Seguraram-me exatamente até as 17:58
h. Orlgans me deu três horas para refletir.
O rosto de Rous se descontraiu. Os homens
trocaram olhares. Deringhouse começou a fazer
seus cálculos. Cinco minutos antes do momento
crítico, Humpry Hifield devia encenar a briga
seguinte.
162
Os planos de Deringhouse foram elaborados
com o maior cuidado. Ninguém desconfiaria se
atribuísse a nova pancadaria ao espírito de re-
vanche do cadete derrotado. Depois disso teri-
am que fazer com que as quatro sentinelas en-
trassem na sala. Não havia outras sentinelas
postadas diante da sala dos tripulantes. Os ou-
tros saltadores estavam espalhados pela nave.
O plano não poderia deixar de ser bem sucedi-
do.
Deringhouse caminhou tranqüilamente pela
grande sala e parou diante de uma das telas.
— Lá fora o tempo está formidável, não é?
— disse, esticando as palavras. As estrelas cinti-
lavam friamente. Não responderam.

***

Eram exatamente 18:35 h quando Hump


começou a se enfurecer. Seu velho adversário
irritara-o até a medula com suas observações
irônicas. A pancadaria começou com a precisão
de um segundo. Dentro de cinco minutos a
bomba explodiria. No mesmo instante as senti-
nelas seriam atacadas.
Cerca de trinta segundos depois do início da
gritaria, as sentinelas surgiram na escotilha.
Mais uma vez o espetáculo parecia diverti-los.
163
Não perceberam que doze homens robustos se
colocaram atrás deles! Era um comando bem
escolhido. Nem mesmo aqueles quatro gigantes
conseguiriam enfrentá-lo.
Os olhos de Deringhouse se fixaram na
arma de impulsos térmicos dos saltadores. En-
quanto isso, Hump lutava encarniçadamente,
distribuindo pancadas de verdade.
Tiff também estava pronto para saltar. Tinha
os olhos presos ao relógio eletrônico de preci-
são. Era muito exato.
Dois minutos antes do instante zero, Rous
foi se aproximando lentamente. Hump desferiu
um golpe mortífero. Os saltadores exultaram.
— Atenção, você irá no meu grupo — Tiff
entendeu o cochicho do sargento. — Ocupare-
mos a sala de comando.
Rous logo desapareceu. Atrás dos saltadores
os homens do comando dobraram os joelhos.
Tudo estava bem calculado. Assim que as qua-
tro sentinelas tivessem sido postas fora de com-
bate e as armas trocassem de mão, uma esfera
de incandescência atômica surgiria no interior
da nave vizinha. Com isso, a Orla XI pratica-
mente teria sido destruída. Pelo menos as senti-
nelas que se encontravam na nave esférica não
poderiam contar com qualquer auxílio vindo de
lá. Por outro lado, os condutores de eletricidade
164
logo se volatilizariam, com o que o potente
campo de amarração se dissolveria.
Faltavam trinta segundos para o momento
zero. O berreiro dos homens que assistiam à
luta tornou-se histérico. Ao menos podiam dar
vazão ao seu nervosismo.
Quando faltavam quinze segundos para o
momento zero, os doze homens do comando
saltaram para a frente. Quatro homens investi-
ram contra cada uma das sentinelas. Objetos
metálicos retirados da cozinha robotizada, que
ficava num compartimento contíguo, desceram
sobre os crânios. Num instante os gigantes bar-
budos caíram ao chão, quase sem emitir o me-
nor ruído.
Deringhouse correu para a frente, seguido
de Rous e Tiff. Quando chegou o momento, já
tinham as armas nas mãos.
Tudo correu segundo o plano. O berreiro
continuou, mas os grupos foram saindo pela es-
cotilha aberta.
Uma sentinela apareceu mais adiante. De-
ringhouse atirou enquanto corria. Um grito se
misturou ao chiado agudo da arma. O gigante
caiu ao chão.
— Dividam-se — gritou Deringhouse. —
Rous, vá à sala de comando.
Corriam em direção à escada de emergência
165
quando o som uivante começou. Não era o ruí-
do que Tiff esperava. As paredes da Good
Hope-IX começaram a vibrar. Eram 18:59 h.
— O que houve com a bomba? — gritou
Rous fora de si. Seu rosto se contorceu. —
Com os mil demônios, por que essa geringonça
não estoura?
Tiff teve vontade de gritar. Mais adiante, De-
ringhouse caiu sob os efeitos de um disparo
energético. Atrás dele surgiram vultos barbudos,
que disparavam loucamente para todos os la-
dos.
— Para trás — disse Deringhouse, falando
com dificuldade. — Pelo amor de Deus, para
trás.
Carregaram-no para a sala da tripulação,
não muito distante. Alguma coisa não havia
dado certo. Poucos segundos depois, as vibra-
ções da nave tornaram-se ainda mais fortes.
Pouco depois todos começaram a sentir os pri-
meiros deslocamentos em seus organismos. An-
tes de compreenderem que o inimigo envolvera
a Good Hope-IX num potente campo de vibra-
ções, sem demonstrar a menor consideração
pelas sentinelas dos saltadores que se encontra-
vam a bordo, os homens começaram a gemer
angustiados.
Cada célula de seu corpo parecia executar
166
uma dança louca sob o efeito dos impulsos cada
vez mais fortes.
Hump Hifield foi o primeiro que largou a
arma que acabara de se apoderar. Tiff, Rous e
Martin seguiram seu exemplo.
Quando o som uivante atingiu os níveis mais
elevados da escala auditiva, os homens se con-
torceram, martirizados. O destino das sentinelas
foi idêntico. Mas ao menos os homens da tripu-
lação da Good Hope-IX não atiravam mais.
— Traição — gemeu Rous antes de desmai-
ar. — Com os mil demônios, o que aconteceu
com essa bomba?
Tiff teria chorado se ainda pudesse fazê-lo.
Teve a impressão de que sua cabeça iria arre-
bentar; logo perdeu a consciência. Fora tudo
em vão. Alguma coisa não saíra segundo as
previsões.

***

Desta vez Orlgans estava armado. De pernas


abertas, parou diante do major Deringhouse,
que tinha uma ferida feia na parte superior da
coxa, e lançou-lhe um olhar gelado. Fora uma
penetração direta, mas o canal aberto na carne
apresentava queimaduras graves.
Deringhouse achou que não valia a pena
167
bancar o herói. Todo mundo sabia que sofria
dores cruciantes. Por isso gemeu. Se isso lhe
desse um ligeiro alívio por um segundo, já teria
ganho muita coisa.
Os outros homens da tripulação estavam de
pé, encostados às paredes da sala. Mais de trin-
ta armas mortíferas estavam apontadas para
eles.
Quando recuperaram a consciência, Orlgans
já se encontrava no recinto.
— Quem tramou isso? — voltou a perguntar
o comandante. — Foi o senhor?
Deringhouse deu um sorriso forçado. Final-
mente deu uma risada convulsiva.
— Só podia ser eu — gemeu. — Afinal, sou
o comandante da nave.
Orlgans se aproximou do leito de Dering-
house. A raiva fria não o privou do autocontro-
le. O ferido deu um grito.
— Seu patife! — gritou Milly Orson.
Orlgans não lhe deu atenção. Foi caminhan-
do pesadamente na direção de Tifflor.
Julian sentiu o hálito quente do gigante. Orl-
gans fervia por dentro. Ao que parecia sabia
perfeitamente que só por pouco escapara à
destruição. Mas como chegou a saber?
A explicação foi de uma simplicidade enor-
me.
168
— Foi você, seu hipócrita dos infernos, que
fez rolar a bomba para baixo do leito, não é?
Por certo não se lembrou de que somos gente
muito limpa. Os camarotes de minha nave são
limpos pelos robôs depois de cada utilização.
Nessa oportunidade os leitos são embutidos na
parede. Que pena, não é, Julian Tifflor? Um
dos meus homens desarmou a bomba com um
dedo. Também é uma pena, não é?
Tiff soltou uma risada de desespero. Então
foi isso. Viu a sombra gigantesca caminhar em
sua direção. A pancada terrível da pata de Orl-
gans o fez cair ao chão sem um gemido. Não
chegou a ver a revolta que quase irrompeu.
Quando recuperou a consciência, estava dei-
tado num leito do hospital de bordo, ao lado de
Deringhouse. A ferida do comandante fora tra-
tada. Mais atrás, as moças estavam trabalhan-
do. Não se via nenhuma sentinela.
Deringhouse estava acordado. Fitou os olhos
de Tiff.
— Calma, rapaz, está tudo OK. Escapamos
mais uma vez.
— Não... não foi minha culpa — gaguejou
Tiff e seus olhos ficaram úmidos. — Não conta-
va com isso.
— Esses sujeitos poderiam ter feito a limpe-
za cinco minutos mais tarde — disse Dering-
169
house, soltando uma gargalhada entrecortada.
— OK, não diga mais nada. O plano foi exce-
lente. Sempre temos de contar com algum im-
previsto. Durma. Você sofreu um abalo cere-
bral. Oh, grande Netuno, que pata tem esse su-
jeito!
— E agora? — cochichou Tiff antes que seus
olhos se fechassem de novo.
— Ora, isso se arranjará de alguma forma
— disse Deringhouse, esticando as palavras. —
Não me diga que acredita que o chefe se apo-
sentou na Stardust-III. Tudo OK. Descanse. Isto
é uma ordem, cadete Tifflor.
Tiff viu anéis vermelhos dançarem diante de
seus olhos. Deles se destacaram os contornos
do imenso supercouraçado. Na verdade, se o
mesmo aparecesse por aqui, os saltadores já
não teriam motivo para rir. Mesmo que Tifflor
não acreditasse em mais nada, isso ele sabia.
De qualquer maneira, por enquanto sua atu-
ação terminara. O resto dependia do chefe.

***

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O cadete Julian Tifflor, formando da Aca-
demia Espacial da Terceira Potência, foi es-
colhido por Perry Rhodan para desempenhar
o papel de chamariz cósmico.
O cadete caiu na armadilha em que lhe
puseram. Mas Perry Rhodan, que na Star-
dust-III pretende tirá-lo prontamente da ar-
madilha, defronta-se com dificuldades, pois
de repente tem diante de si A FROTA DOS
SALTADORES.
A FROTA DOS SALTADORES é o título
do próximo volume da série Perry Rhodan.

*
* *

ÐØØM SCANS
PROJETO FUTURÂMICA ESPACIAL
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