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GEOMORFOLOGIA

Jhonatan dos Santos Dantas


Interações entre as
dinâmicas interna e externa
na transformação do relevo
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Explicar a geomorfologia na teoria geossistêmica.


 Analisar as interações simultâneas entre dinâmicas internas e externas
do planeta Terra.
 Avaliar as ações antrópicas na transformação do relevo e seus impactos.

Introdução
A superfície terrestre adquire diversos formatos e configurações graças
a fatores que agem na formação e modelagem do relevo por meio de
processos endógenos e exógenos. O conhecimento desses processos
é fundamental para a compreensão das dinâmicas geomorfológicas e
dos fenômenos derivados.
Neste capítulo, você entenderá como a teoria geossistêmica orientou
os estudos no campo da geomorfologia, possibilitando uma análise
integrada de diversos fenômenos que agem simultaneamente na forma-
ção da paisagem. Também compreenderá como os agentes internos e
externos agem na formação e modelagem do relevo terrestre, como os
processos de vulcanismo, tectonismo, erosão e intemperismo. Por fim,
conhecerá as transformações da superfície terrestre a partir do impacto
causado pela sociedade, avaliando os inúmeros processos decorrentes
das ações antrópicas.
A compreensão da gênese da formação do relevo e dos inúmeros
processos que causam sua modificação é fundamental para compreender
a dinâmica da paisagem e as ocupações humanas, além da morfologia
que adquire a superfície da Terra.
2 Interações entre as dinâmicas interna e externa na transformação do relevo

A geomorfologia na teoria geossistêmica


A geomorfologia é o ramo do conhecimento que visa estudar e compreender
a dinâmica e a formação do relevo terrestre distinguindo os diversos tipos
de estruturas e formas que conformam a superfície terrestre. Além disso,
preocupa-se com a análise dos variados processos que derivam desse campo
do conhecimento. Essa área da ciência sofreu grande influência da teoria
geossistêmica — essa teoria surgiu por volta da década de 1960 e obteve
influência da teoria geral dos sistemas (GUERRA; SOUZA; LUSTOSA, 2012).
O objetivo da teoria geral dos sistemas é dado a partir da organização de mé-
todos e procedimentos que, com os fenômenos interdependentes e sistematizados,
explicam o todo ou o geral. Essa definição simples dificilmente é aplicada devido
à complexidade de explicações gerais (todo) a partir de processos correlacionais
(NEVES et al., 2014). Essa teoria foi organizada por Bertalanffy na primeira
metade do século XX e tinha como proposta uma resposta científica às trocas de
energia e processos (input e output) — processos de entrada e saída de energia
dentro de um sistema ou subsistema — de um sistema natural organizado e inter-
dependente. Essa teoria deu suporte para o surgimento do conceito de ecossistema.
Esse conceito consegue realizar uma aplicação da teoria geral dos sistemas,
incluindo, de modo interdependente, os seres vivos e os processos físico-químicos
na formação de um conjunto complexo de sistemas organizados dependentes.
Victor Sotchava (1905–1978) aplicou a teoria geral dos sistemas no campo
geográfico buscando entender, de modo integrado, os diferentes processos
que constituem uma paisagem. Assim, ele criou a teoria do geossistema para
compreender os diversos fatores que se relacionavam e que, de forma combi-
nada, formavam as paisagens. Essa aplicação da teoria geral dos sistemas nos
estudos geográficos influenciou, posteriormente, os estudos geomorfológicos.
De acordo com Neves et al. (2014, documento on-line):

Por meio dos estudos sistêmicos, procurou-se entender a parte que cabe
à Geografia na análise integrada entre os fluxos de matéria e energia dos
sistemas ambientais, desenvolvendo nessa empreitada o termo/conceito de
“geossistema” que, desde sua criação, subsidia a análise dos processos geo-
gráficos de interface entre sociedade e natureza através, essencialmente, do
conceito de paisagem, primeiro na perspectiva russa e, posteriormente, na
francesa, onde se atribuiu grande valor à ação antrópica sobre o geossistema.

Assim, é possível notar que o geossistema representa um marco na inter-


pretação científica geográfica — que busca uma análise integrada da paisagem
— enquanto um componente integrador de vários subsistemas. Após os estudos
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de Georges Bertrand, por volta da década de 1960 (uma de suas principais


obras é a Paisagem e geografia física global: esboço metodológico, publicada
em 1968), acerca da paisagem e de seus componentes integradores, a teoria
do geossistema, após uma revisão conceitual, passa a englobar um conjunto
complexo de fatores em sua análise. Bertrand propõe que o geossistema deve
incorporar um conjunto de sistemas combinados como a ecologia (geomorfo-
logia, hidrologia e clima), a biologia (vegetação, fauna e solo), além dos fatores
antrópicos (BERTRAND, 2004; NEVES et al., 2014).
Essa conceituação e aproximação com os elementos humanos transforma a
concepção geossistêmica e também a análise da paisagem, que passa ser vista
como resultado de um conjunto de sistemas e subsistemas interdependentes e
integrados que interagem entre si. A teoria do geossistema modifica a forma
e os métodos de pesquisa em geomorfologia que, até então, era estudada
por uma perspectiva histórica, da formação do relevo a partir de agentes
geológicos ou de suas formas e feições, passando a ser compreendida a partir
da evolução da paisagem. O relevo era estudado pela concepção de evolução
histórica, passando por eras geológicas que conformaram diferentes arranjos
na superfície devido a agentes que atuaram lentamente em sua formação,
criando feições diferenciadas ao longo da superfície. Um grande marco no
modo e no método de análise geomorfológica foi estabelecido pelo brasileiro
AzisAb’Saber que, conforme Mamede (2000, documento on-line):

[...] sugeriu nesse sentido três níveis de tratamento para a pesquisa geomorfo-
lógica, com o objetivo de estabelecer suas bases. O primeiro nível compreende
a compartimentação topográfica regional, a descrição e a caracterização dos
modelados; o segundo relaciona-se à estrutura superficial da paisagem, que
corresponde às observações dos depósitos, às feições pretéritas de relevo
(“superfícies de aplanamento, residuais”, etc.) e às feições recentes (“vertente,
terraços”, etc.); o terceiro nível corresponde à fisiologia da paisagem, com-
preendendo os processos morfoclimáticos e pedogenéticos atuais.

Essa concepção já avançada teórica e metodologicamente é importante para


a leitura e compreensão dos processos geomorfológicos. Contudo, a análise
das inter-relações entre os componentes da paisagem é melhor compreendida
apenas posteriormente, com a influência dos geossistemas no campo da geo-
morfologia. Ainda segundo Mamede (2000, documento on-line):

[...] a teoria dos sistemas forneceu importante embasamento teórico aos es-
tudos geomorfológicos, estimulando a revisão das concepções nesse campo
do conhecimento. Com esse enfoque, observa os fatos geomorfológicos sob
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dois pontos de vista: o do Sistema Fechado e o do Sistema Aberto, embora


Navarra (1973) admita que a conceituação de sistemas fechado e aberto fora
da termodinâmica não seja muito precisa. Os sistemas são fechados em relação
a uma variável, enquanto os sistemas abertos permitem trocas de matéria-
-energia com o exterior. Sob essa perspectiva, a análise geomorfológica e
os modelados estão ajustados aos fluxos de matéria e energia que circulam
pelo sistema, sendo importante assinalar as relações entre os componentes e
o ambiente circunvizinho.

A teoria geral dos sistemas, nesse contexto, permite que haja uma pers-
pectiva de análise geomorfológica que compreenda as trocas (entrada e saída)
dentro do sistema, mas também admite uma relação com o ambiente. Essa
relação com o ambiente é tratada pela teoria do geossistema, em que o con-
junto de sistemas (biológico, ecológico, antrópico) se relaciona, provocando
alterações no relevo terrestre, ou seja, as modificações do relevo não podem
ser compreendidas de maneira indissociável à evolução da paisagem e, con-
sequentemente, ao geossistema (Figura 1).

Figura 1. Modelo do geossistema.


Fonte: Rosolém e Archela (2010, documento on-line).

A partir desse paradigma, os componentes pedogenéticos (termo atrelado ao


processo de formação e origem dos solos, depósitos e resquícios de materiais
e agregados deixados por seres vivos que acabam compondo parte do solo),
os processos biogeoquímicos, as propriedades do solo, as forças externas
como clima, seres vivos e outros se tornam relevantes para análise integrada
da estrutura e feição do relevo terrestre. Essa análise combinada com estudos
da estrutura geológica permite uma compreensão simultânea do conjunto de
sistemas envolvidos (MAMEDE, 2000).
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Atualmente, os estudos geomorfológicos a partir da análise de sistemas integra-


dos podem compreender processos de cunho global com estudos localizados em
microbacias hidrográficas. Essa análise dos processos e das correlações envolvendo
o ambiente e o geossistema representa um marco na descrição e explicação de
fenômenos geomorfológicos e processos residuais dessa área do conhecimento.

Os modelos e estudos aplicados em bacias hidrográficas podem ser replicados em


outras áreas. O método científico e a abordagem multivariada adotados podem condu-
zir estudos aplicáveis em pequenas áreas determinadas e replicados em outros locais
com o intuito de obter explicações sobre processos e fenômenos interdependentes.

Relevo terrestre e a relação simultânea


entre os agentes internos e externos
A superfície da Terra é formada por um conjunto de elementos que se relacio-
nam e interagem por meio de processos distintos e variados. Essa superfície
adquire formatos diferentes e impacta diretamente o modo que a vida na
Terra se desenvolve e se espacializa. Em altitudes elevadas, por exemplo, as
baixas temperaturas e o declive do terreno podem inviabilizar ocupações e
o desenvolvimento de certos tipos de vegetação, impedindo a existência de
determinadas espécies. Compreender o que gera essa diversidade de formatos
e configurações, bem como as diversas estruturas que conformam a superfície
da Terra é o interesse da geomorfologia (ROSS, 2005). Para isso, é necessário
identificar alguns agentes que atuam na formatação do relevo terrestre.
Podemos classificar esses agentes em: agentes internos (ou endógenos) e
agentes externos (ou exógenos). Os agentes internos são fenômenos e proces-
sos que ocorrem no interior da Terra ou no interior da camada da litosfera,
impactando na estrutura geológica e contribuindo para a formação do relevo
e da superfície. Esses fenômenos agem constantemente por meio de forças
diastróficas. Os principais agentes internos são: o vulcanismo e o tectonismo
(LOBLER; SIMÕES, 2016). Os agentes externos (exógenos) agem na superfície
da Terra e contribuem para modelar e esculpir o relevo terrestre. A observação
desses processos e fenômenos que agem sob a superfície é importante para
o estudo da paisagem, para a análise ambiental e para a compreensão de
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fenômenos hidrogeomorfológicos, além de contribuir com explicações acerca


do uso da terra e dos impactos gerados na natureza.
Desse modo, o vulcanismo pode ser caracterizado pelo derramamento
e extravasamento de material magmático presente no interior da Terra,
que chega à superfície terrestre em forma de lavas vulcânicas, podendo
expelir outros materiais e detritos presentes no interior da crosta terrestre. O
vulcanismo contribui para a formação do relevo e das rochas. Essas rochas
formadas a partir do extravasamento de lavas vulcânicas são denominadas
rochas magmáticas (CHRISTOPHERSON; BIRKELAND, 2017; LOBLER;
SIMÕES, 2016).
Essas rochas podem ser intrusivas ou extrusivas. As rochas intrusivas
formam-se lentamente, de modo geral, em grandes profundidades. Essas
rochas são resfriadas ainda no interior da Terra pelo magma que fica
retido no subsolo. Um exemplo de rocha magmática intrusiva é o granito.
As rochas magmáticas extrusivas são aquelas que chegam à superfície e
resfriam de forma rápida. Um exemplo desse tipo de rocha é o basalto. O
basalto é uma formação rochosa que compõe grande parte do território
brasileiro. A Figura 2 traz uma representação da formação das rochas
extrusivas e intrusivas.

Figura 2. Representação da formação de basalto (rocha extrusiva) e granito


(rocha intrusiva).
Fonte: Cientic ([200–?], documento on-line).
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Outro processo importante na formação do relevo é o tectonismo. O tec-


tonismo é o movimento de placas tectônicas que transforma a superfície
continental. Existem três tipos de movimentos realizados por placas tectônicas:
divergentes, convergentes e transformantes (Figura 3).

Figura 3. Tipos de movimentos das placas tectônicas.


Fonte: Adaptado de Designua/Shutterstock.com.

O movimento divergente é responsável pela existência de grandes falhas


geológicas e pela formação de cordilheiras. Essas cordilheiras originam-se
devido ao extravasamento de material magmático que, ao resfriar, preenche
uma lacuna entre duas placas, formando elevadas altitudes. As placas transfor-
mantes movimentam-se em direções distintas, e seu movimento pode causar
intensos terremotos. As placas convergentes formam grandes cordilheiras, a
exemplo das cordilheiras dos Andes e do Himalaia. Ao se chocarem, essas
placas também podem provocar intensos terremotos. O soerguimento do relevo
ocorre devido ao processo de subducção existente.
Enquanto esses movimentos agem na elevação e deformação da superfície,
criando falhas geológicas e/ou grandes cadeias montanhosas com altitudes elevadas
e grandes declives, os agentes externos acabam promovendo o rebaixamento e o
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aplainamento, esculpindo o relevo por meio de processos erosivos e fenômenos


intempéricos. O intemperismo causa o desgaste do relevo e das rochas. Existem
três tipos de intemperismo: o químico, o físico e o biológico (ROSS, 2005).

 Intemperismo químico: processo que causa o desgaste do relevo e das rochas


por meio da dissolução e alteração química dos componentes rochosos.
Geralmente, a água é o principal agente causador do intemperismo químico.
 Intemperismo físico: processo que provoca a desagregação e o desgaste
das rochas por meio da ação dos ventos, da temperatura, da água e do
gelo. O intemperismo físico é provocado por meio de uma desintegração
de partículas devido à força mecânica.
 Intemperismo biológico: processo de desgaste e desagregação de rochas
provocado pela ação dos seres vivos (plantas e animais).

Esses processos promovem uma alteração no relevo terrestre e contri-


buem para modelar a superfície da Terra. O intemperismo provoca, em
longo prazo, o aplainamento do relevo. Assim, as partículas desagregadas
das rochas são depositadas em áreas baixas e formam as grandes bacias
sedimentares ao longo do tempo. As bacias sedimentares apresentam
uma formação rochosa sedimentar, cuja origem está na sedimentação de
partículas e detritos que foram depositados e compactados (CHRISTO-
PHERSON; BIRKELAND, 2017).

Sedimentação é o acúmulo de sedimentos e partículas que foram desgastados e


transportados. A compactação e solidificação desses agregados ocorre por meio de
um longo processo de acúmulo desses materiais, também conhecido como processo
de cimentação.

A erosão de solo pode ser definida como um processo de transporte de


sedimentos e partículas do solo. Ela pode ocorrer por diversos fatores, mas
o principal agente que atua na retirada do solo é a água (CHRISTOPHER-
SON; BIRKELAND, 2017). A erosão pode contribuir para a formação de
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belíssimas paisagens, como os cânions, que se formam a partir de um intenso


processo de erosão fluvial, criando enormes paredões entorno do leito do
rio que, ao longo de milhões de anos, escava e esculpe o relevo. Ao mesmo
tempo, a erosão pode representar um grave problema ambiental. A erosão,
quando causada em áreas urbanas, pode levar a enormes problemas de
cunho socioambiental, provocando buracos e rachaduras na malha urbana,
no asfalto, danificando pontes e edifícios, entre outros. Em áreas rurais, a
erosão pode promover a perda de regiões agricultáveis, assoreamento no
leito dos rios, entre outros.
As erosões podem ser intensificadas com a exposição do solo sem cobertura
vegetal e/ou por meio do manejo errado da terra. As erosões podem iniciar
como sulcos, ou pequenas fissuras no solo, e transformar-se em uma ravina
ou voçoroca. As ravinas são fissuras com maior intensidade. As voçorocas
representam uma erosão grave, caracterizada por um enorme buraco provocado
pela grande perda de solo.
Na Figura 4, é possível observar a gravidade ambiental de uma voçoroca:
a quantidade de perda de solo e a alteração morfológica da superfície são
consideráveis. A água é a principal responsável pelo transporte das partículas
que compõem o solo. A falta de cobertura vegetal e o manejo equivocado da
terra contribuem para intensificar a erodibilidade.

Figura 4. Voçoroca: erosão caracterizada por uma grande perda de solo.


Fonte: Vassen (2015, documento on-line).
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Na Figura 5, é possível notar que a precipitação, o formato do relevo e os cursos


de água contribuem para o transporte de sedimentos e para a retirada do solo.
Quando esse solo fica exposto (sem cobertura vegetal) a essas intempéries e ao
efeito direto da água, formam-se os sulcos, as ravinas e as voçorocas que, apesar
das intensidades diferentes, são processos em que a erodibilidade está em questão.

Figura 5. Processos que favorecem a erodibilidade do solo.


Fonte: Adaptada de Teixeira et al. (2009).

Os agentes internos e externos agem simultaneamente na transformação da


superfície terrestre, pois o material magmático é responsável pela formação de
rochas cristalinas, enquanto os processos de vulcanismo e tectonismo (movimen-
tação da crosta terrestre) contribuem para a configuração do relevo. Ao mesmo
tempo, os agentes externos acabam esculpindo e desgastando essa superfície por
meio dos fenômenos da erosão e do intemperismo, que são causados por diversos
fatores e contribuem para a formação das bacias sedimentares. Na Figura 6, é
possível observar esses processos correlacionais atrelados ao ciclo das rochas.
Esse ciclo natural permite verificar os inúmeros processos que resultam
na estrutura da superfície terrestre, iniciando com os processos vulcânicos
de extravasamento até a formação das rochas ígneas, passando pelos agen-
tes externos (erosão e processos de intemperismo) até sofrerem alterações
motivadas pela queda de pressão e temperatura. Além desse processo, outro
fator relevante que contribui para modelar o relevo terrestre são as ações
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antrópicas. Os seres humanos são um importante agente modelador da


superfície terrestre devido às drásticas alterações que as sociedades criam
no meio ambiente pela ocupação, pela exploração e pelo uso da superfície
da Terra e dos elementos da natureza.

Figura 6. Processos atrelados ao ciclo das rochas.


Fonte: De Rerum Natura (2014, documento on-line).

Transformação do relevo a partir


das ações antrópicas
Os seres humanos sempre atuaram como um importante agente modificador
não apenas do relevo, mas da paisagem em geral. Não obstante, Bertrand, ao
realizar uma análise da paisagem com base na teoria geossistêmica, consi-
dera o homem um agente fundamental. Assim, os seres humanos não apenas
produzem depósitos tecnogênicos historicamente, como também alteram de
forma marcante a superfície onde habitam (PELOGGIA, 2005).
Segundo Peloggia (1997), o que realmente difere os seres humanos dos demais
agentes biológicos e modificadores do relevo é, essencialmente, o trabalho. Por
meio do trabalho, extrai-se grande parte das riquezas, e a vida social é produzida.
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Para isso, os seres humanos se apropriam da natureza, para dar prosseguimento


à vida social e econômica. Nesse sentido, a apropriação dos recursos e o uso da
terra, além de deixarem marcas e resquícios na paisagem, modificam a superfície
habitável de forma considerável. Desse modo, além dos resquícios habitacionais
e dos legados deixados pelas sociedades, como os depósitos tecnogênicos, é
importante compreendermos qual é o uso e as transformações que o homem
causa na superfície terrestre, e quais são os impactos e consequências. Essas
perguntas são respondidas, em grande parte, por teóricos críticos-ambientais,
mas é certo que a sociedade, ao apropriar-se do espaço e do solo, interfere na
forma e estrutura do relevo. A grande questão é identificar o papel e a força que
os seres humanos têm enquanto agentes modeladores da superfície da Terra.

Depósitos tecnogênicos são locais onde são encontrados registros históricos da interfe-
rência humana em processos naturais. Esse registro marca uma drástica alteração natural
efetuada em tempos antigos, e os detritos são depositados, geralmente, em fundos de vale.

Historicamente, as ocupações humanas ficaram restritas às áreas mais


planas, em geral, com clima favorável à prática agrícola. Esse processo levou a
uma concentração populacional lindeira ao litoral em grande parte do mundo,
principalmente, em áreas de planícies litorâneas com fácil acesso à navegação.
Por outro lado, constituíram-se grandes vazios demográficos em regiões
montanhosas e/ou muito frias. Essa constatação é relevante, pois, em locais
com menor interferência antrópica, o predomínio da dinâmica da natureza
prevalece na formação da paisagem e de suas estruturas. Em locais com maior
interferência humana, a paisagem, o solo e os biomas sofrem mais alterações.
Outra questão importante é o modo como o homem ocupa o espaço. Antes,
essencialmente, o uso da terra estava vinculado ao desenvolvimento da agri-
cultura. Na atualidade, o uso é bastante diversificado, indo desde a construção
de metrópoles até áreas de exploração mineral e vegetal, além das grandes
fazendas agropecuárias. Assim, o uso da terra e a forma do relevo terrestre
alteram-se drasticamente, criando implicações de variadas ordens.
Na Figura 7a, é possível observar uma área de mineração com a superfície
totalmente alterada por conta das ações humanas. A Figura 7b mostra uma área
urbana, na qual observa-se uma obra de terraplanagem, outra modificação da
superfície. Por fim, na Figura 7c, é possível notar o avanço do agronegócio e
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uma paisagem completamente alterada pelo homem. Essa apropriação e esse


uso do espaço e da terra intensifica uma série de problemas ambientais, entre
eles a erodibilidade do solo e os deslizamentos de encostas, ambos potencia-
lizados por ações antrópicas.

Figura 7. Exemplos de ações antrópicas. (a) Área de mineração; (b) terraplanagem


em área urbana; (c) área dominada pelo agronegócio.
Fonte: (a) Aroeira (2018, documento on-line); (b) ASCOM (2018, documento on-line); (c) Martins
(2015, documento on-line).
14 Interações entre as dinâmicas interna e externa na transformação do relevo

Na Figura 8, é possível observar dois desastres socioambientais motivados


pela ação humana. Ao mesmo tempo, é possível verificar como o homem age
diretamente na modelagem do relevo terrestre, alterando a morfologia e a estrutura
da superfície de maneira constante. Na Figura 8a, é possível notar uma erosão em
área urbana provocada pela perda de solo devido ao avanço da urbanização em área
de declive acentuado. Essas ocupações com ausência de planejamento urbano e
planejamento ambiental geram enormes danos à natureza e às populações residentes
que sofrem com deslizamentos e grandes fissuras geradas no solo. Na Figura 8b,
é possível verificar um deslizamento de terra também provocado pelo avanço da
urbanização em área de declive acentuado. Esses deslizamentos podem causar
danos materiais, ferimentos e mortes da população que ocupa essas áreas de risco.

Figura 8. (a) Erosão de solo em área urbana; (b) deslizamento de encosta no Rio de Janeiro.
Fonte: Paula (2016, documento on-line); Lucena (2018, documento on-line).

Acesse o link a seguir e leia um artigo que apresenta um estudo de caso relacionado
à exploração da mineração e à alteração do relevo local (SOUZA; PEREIRA, 2015).

https://qrgo.page.link/vBjPj

Compreender os fenômenos atrelados à geomorfologia é essencial para


conseguir explicações integradas envolvendo processos físico-químicos, ações
humanas, efeito da vegetação e dos seres vivos na constituição da superfície,
além dos fenômenos geológicos. Esse caráter integrador tornou-se possível
a partir da concepção geossistêmica, que permitiu desvendar processos que
ocorrem de modo simultâneo na formação e configuração do relevo.
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