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ARTIGO ORIGINAL

Nexos entre Enfermagem, Nutrição e


Serviço Social, profissões femininas
pioneiras na área da Saúde*

CONNECTIONS AMONG NURSING, NUTRITION AND SOCIAL WORK, PIONEERING


FEMALE CAREERS IN THE HEALTHCARE AREA

NEXOS ENTRE ENFERMERÍA, NUTRICIÓN Y SERVICIO SOCIAL, PROFESIONES


FEMENINAS PIONERAS EN EL ÁREA DE LA SALUD
Pacita Geovana Gama de Sousa Aperibense1, Ieda de Alencar Barreira2

RESUMO ABSTRACT RESUMEN


Estudo histórico-social sobre a emergência This is a historical-social research about Estudio histórico-social sobre el surgimi-
das profissões de nutricionista e de assis- the emergence of the nutrition and social ento de las profesiones de nutrición y servi-
tente social, entre os anos 30 e meados do work professions between the 1930’s and cio social entre los años 30 y mediados del
século 20. O trabalho trata das circuns- the mid 20th century. This study analyzes the siglo 20. El trabajo basado en las circuns-
tâncias do surgimento dos cursos de nu- circumstances involved in the beginning tancias en las cuales surgieron los cursos
trição e de serviço social no interior da Es- of both courses, nutrition and social work, de nutrición y servicio social en la Escuela
cola Anna Nery/UFRJ, e compara as funções at Anna Nery School/FURJ and compares Anna Nery/UFRJ, comparando las funciones
desempenhadas por enfermeiras, nutri- the work developed by nurses, nutritio- realizadas por enfermeras, nutricionistas
cionistas e assistentes sociais à época. As nists, and social workers at the time. The y asistentas sociales en aquella época. Las
fontes primárias de pesquisa encontram- primary research sources are found at fuentes primarias de investigación se en-
se no Centro de Documentação da Escola School of Nursing Anna Nery Archives Cen- contraron en el Centro de Documentación
de Enfermagem Anna Nery/UFRJ e incluem ter/FURJ and among other documents they de la Escuela de Enfermería Anna Nery/UFRJ
documentos escritos e depoimento oral. As include written documents and oral e incluyen documentos y testimonios ora-
fontes secundárias foram artigos, livros e speeches. The secondary sources were arti- les. Las fuentes secundarias fueron artícu-
teses. A análise de textos e documentos evi- cles, books, and theses. The analyses of the- los, libros y tesis. El análisis de los textos y
denciou que a Escola teve papel decisivo na se texts and documents showed that the documentos mostró que la Escuela tuvo un
emergência dessas novas profissões, que school played a decisive role in the emer- rol decisivo para el surgimiento de estas
vieram contribuir para uma melhor orga- gence of these new professions, which con- nuevas profesiones, las cuales contribuye-
nização e funcionamento dos serviços de tributed to a better organization and ope- ron para una mejor organización y funciona-
saúde e para a prestação de uma assistên- ration of health services and to a more com- miento de los servicios de salud, así como
cia mais completa à clientela. Ao mesmo plete care provision to the clients. At the para la prestación de una atención integral
tempo, sua característica feminina veio, ain- same time, their feminine characteristics al cliente. Al mismo tiempo, la característi-
da, favorecer a inserção de mulheres no appeared to benefit the insertion of women ca femenina favoreció en la introducción de
mercado de trabalho qualificado na área in qualified work positions in the mental mujeres calificadas en el mercado de traba-
da saúde. health area. jo, en el área de salud.

DESCRITORES KEY WORDS DESCRIPTORES


História da enfermagem. Nursing history. Historia de la enfermería.
Ciências da nutrição. Nutritional sciences. Ciencias nutricionales.
Serviço social. Social work. Servicio social.
Assistência social. Social care. Asistencia social.

* Extraído do trabalho de conclusão de curso “Nexos entre a Enfermagem, a Nutrição e o Serviço Social, profissões femininas pioneiras na área da saúde”,
Escola de Enfermagem Anna Nery (EEAN), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), 2006. 1Enfermeira. Mestranda da EEAN/UFRJ. Membro do
Núcleo de Pesquisa de História de Enfermagem Brasileira - Nuphebras/UFRJ. Professora Colaboradora da UNIGRANRIO. Rio de Janeiro, RJ, Brasil.
pacitageovana@yahoo.com.br 2 Enfermeira. Membro Fundador do Nuphebras. Pesquisadora 1A CNPq. Líder do Grupo de Pesquisa “A prática profissional
e a formação da identidade da enfermeira brasileira”. Rio de Janeiro, RJ, Brasil. iedabarreira@openlink.com.br

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Rev Esc Enferm USP Recebido: 01/06/2007 Português
Nexos entre Enfermagem, Nutrição / Inglês:
e Serviço Social,
2008; 42(3):474-82. Aprovado: 11/03/2008 www.scielo.br/reeusp
profissões femininas pioneiras na área da saúde
www.ee.usp.br/reeusp/ Aperibense PGGS, Barreira IA
INTRODUÇÃO ela prestava assistência aos feridos, incluindo o prepa-
ro de dietas especiais. Na América do Sul, o professor
O objeto de estudo são os nexos entre a formação e Escudero, da Argentina, foi o precursor na formação de
atuação de enfermeiras, nutricionistas e assistentes so- profissionais especializados no preparo de dietas. Ele
ciais. O período abrangido é dos anos 30 até meados do fundou sua escola, em 1933, e o governo argentino ofe-
século 20. recia bolsas de estudos a candidatas dos países sul-
americanos. Uma vez graduados ao voltar aos seus paí-
A sociedade brasileira, até o início do século 20, era ses de origem, estas, fundavam nova carreira em suas
caracterizada como sendo patriarcal. As posições soci- sociedades(4).
ais mais importantes eram ocupadas por representantes
do sexo masculino. As mulheres ainda estavam com seus A enfermeira da Escola Anna Nery (EAN), Lieselotte
direitos de cidadania negados; sua posição na sociedade Hoeschl Ornelas - LHO, tendo apenas 21 anos de idade,
era desfavorável social e culturalmente. Ela estava desti- aceitou uma bolsa de estudos para fazer o curso no Insti-
nada a servir a seu marido, criar e educar os filhos, não tuto Nacional de Nutrição Professor Escudero. Ela perma-
tendo o direito de tomar decisões sobre sua própria vida. neceu na Argentina de 1940 a 1943, período em que come-
Esse traço cultural enfatiza no papel da mulher o instinto çava a se delinear a profissão de nutricionista no Brasil.
de mãe, cuidadora, provedora do bem-estar e do êxito dos Ao regressar, integrou o grupo de professoras da EAN na
membros da família. Suas oportunidades de acesso à edu- qualidade de Instrutora de Nutrição (5)
.
cação eram consideravelmente inferiores às dos homens. No que se refere aos problemas de ordem social, deles
A profissionalização feminina, iniciada no final do século se encarregaram organizações caritativas, de cunho reli-
19, ocorreu relacionada aos papéis femini- gioso. Entretanto faltava a esses agentes uma
nos tradicionais. A mulher permaneceu nas instrução especializada e científica(1). A di-
atividades ligadas ao cuidar, ao educar e ao A profissionalização ferença entre Assistência Social e Serviço Soci-
servir, entendidos como dom ou vocação(1). feminina, iniciada no al foi pela primeira vez estabelecida no iní-
Uma autora , comentando o trabalho da
(2) final do século 19, cio do século 20, por Mary Richmond, uma
feminista Joan Scott, lembra que o conceito ocorreu relacionada assistente social norte-americana. Fazer Ser-
de gênero passa pela cultura social de pa- aos papéis femininos viço Social implicava em trabalhar a perso-
péis sexuais estabelecidos pela sociedade e tradicionais. A mulher nalidade das pessoas e o seu meio social e
define como devem ocorrer as relações ho- não apenas prestar uma ajuda material aos
permaneceu nas pobres. Assim, cabia ao assistente social de-
mem-mulher, homem-homem, mulher-mu-
atividades ligadas terminar a história individual da formação
lher e não necessariamente, apenas, a rela-
ção homem-mulher. A construção dos papéis ao cuidar, ao educar da personalidade de seu cliente; estudar e
sexuais direciona, inclusive, a escolha pro- e ao servir, investigar o meio social daquela pessoa, atra-
fissional, estabelecendo que a mulher, aten- entendidos como vés de entrevistas, conversas informais, visi-
dendo ao condicionamento recebido desde a dom ou vocação. tas domiciliares a amigos, professores, pa-
infância, escolhe uma carreira condizente com trões etc. Observando, anotando e fazendo
a sua condição feminina, como professora pri- relatórios minuciosos, este profissional ob-
mária, secretária, enfermeira, dentre outras, que são con- teria um diagnóstico e tentaria descobrir uma forma de
sideradas por muitos como pouco qualificadas e compe- conseguir a ajuda do meio social para a sua causa. A isto,
titivas no mercado de trabalho. Mary Richmond denominou de compreensões: compreen-
são do meio social e compreensão da personalidade(6).
A acentuada transição histórica e cultural ocorrida
na primeira metade do século 20 é evidenciada pela rup- No Brasil, o Serviço Social, enquanto profissão, surge
tura da imagem feminina tradicional e pelo surgimento sob a influência da Igreja Católica , no contexto do pro-
(7)

de novas figuras-tipo de mulher. A enfermagem se consti- cesso de industrialização do país, auxiliando no proces-
tui em um importante vetor de emancipação econômica e so de regulação da vida do operário, uma vez que, ao
social das mulheres de classe média . (3) oferecer as condições para o seu reerguimento social e
moral, direcionava a disciplinarização do trabalhador(8).
No Brasil, a enfermagem foi a primeira profissão femi- Ao mesmo tempo, o hospital passa a ter a preocupação de
nina universitária, destinada a dar sustentação aos pro- evitar que os problemas da vida pessoal do paciente im-
gramas de saúde pública e ao funcionamento dos servi- pedissem a recuperação de sua capacidade de trabalhar
ços de saúde, garantindo-lhes um alto padrão de funcio- e sua reinserção social.
namento. A enfermeira diplomada, além de seu mister de
cuidar, ocupava-se com outros afazeres, também indis- Para nortear o desenvolvimento da pesquisa foram
pensáveis ao bem-estar do paciente, mas que hoje são de traçados os seguintes objetivos:
responsabilidade de outros profissionais.
• Descrever as circunstâncias do surgimento dos cur-
Os cuidados com a alimentação já eram objeto de pre- sos de nutrição e de serviço social e seus nexos com a Es-
ocupação de Florence Nightingale. Na Guerra da Criméia, cola Anna Nery;

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• Analisar as inter-relações entre as funções da enfer- ção de quatro horas; as fitas foram transcritas e revi-
meira e da nutricionista; sadas. A entrevistada assinou um termo de cessão dos
direitos da entrevista ao Centro de Documentação da
• Analisar as inter-relações entre as funções da enfer- Cedoc/EEAN/UFRJ, o que permitiu que a mesma fosse in-
meira e da assistente social.
corporada ao acervo do mesmo, estando aberta à consul-
A relevância deste estudo decorre da importância do ta pública.
conhecimento das raízes históricas comuns às primeiras
profissões universitárias femininas no Brasil e de como As fontes secundárias utilizadas incluem artigos, te-
elas contribuíram para o processo de profissionalização ses e livros pertencentes ao Banco de Textos do Nuphebras
da mulher em nossa sociedade. Este trabalho também ou ao acervo da Biblioteca Setorial de Pós-Graduação da
enriquecerá a História da Enfermagem, por se tornar fon- EEAN, sobre as profissões em questão.
te para pesquisas posteriores, tanto de alunos de gradua-
Os instrumentos utilizados foram quadros, que facili-
ção quanto de pós-graduação.
taram a ordenação cronológica e temática dos documen-
tos. Os procedimentos de análise consistiram na compa-
MÉTODO ração do teor de textos e documentos, bem como na contex-
tualização das informações. O relatório preliminar da pes-
Trata-se de uma pesquisa histórico-social, desenvol- quisa foi apresentado no Seminário Permanente do Nuphe-
vida como Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) pela pri- bras, a fim de obter uma apreciação crítica dos partici-
meira autora, enquanto bolsista de iniciação científica pantes, ou seja, pesquisadores, estudantes dos cursos de
do Núcleo de Pesquisa de História da Enfermagem Brasi- mestrado e doutorado, candidatos e bolsistas de inicia-
leira (Nuphebras). Este TCC está inserido no projeto A en- ção científica.
fermeira brasileira em meados do século 20: saberes e práti-
cas e refere-se ao grupo de pesquisa cadastrado no CNPq RESULTADOS E DISCUSSÃO
sob a denominação de A prática profissional e a formação
da identidade da enfermeira brasileira. Cabe esclarecer que
o projeto maior ao qual esta pesquisa está vinculada foi Dos mencionados catálogos foram selecionados arti-
aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa e este artigo é gos que apresentavam em seu título termos como, enfer-
um dos seus produtos. magem, saúde pública, serviço social, assistente social,
nutrição, dietética ou alimentação. A partir da leitura
As fontes primárias escritas foram localizadas no minuciosa dos 25 textos inicialmente assinalados, foram
Centro de Documentação da Escola de Enfermagem Anna selecionados 12 artigos, sendo quatro sobre nutrição, sete
Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Cedoc/ sobre serviço social e um sobre ambos os assuntos, como
EEAN/UFRJ), mediante busca nos seguintes catálogos do- descrito no Quadro 1.
cumentais elaborados por Vilma de Carvalho e Jussara
Sauthier: Annaes de Enfermagem Informatização das publi- As enfermeiras escreveram a maioria dos artigos sele-
cações de 1932 a 1954, publicado em 2002 pela EEAN e As cionados, o que já era esperado uma vez que se trata de
pioneiras e a consolidação da enfermagem no Brasil – Docu- uma Revista de Enfermagem. Destaque para LHO e Edith
mentos Históricos da EEAN/UFRJ - 1932 a 1950, publicado Fraenkel, enfermeiras ilustres que realizaram grandes fei-
pela EEAN em 2004. Foram selecionados artigos cujo teor tos pela enfermagem como observado no decorrer da dis-
está relacionado à nutrição ou ao serviço social e esti- cussão dos resultados. Apesar de ser uma Revista de En-
vessem dentro do recorte temporal. fermagem, um médico, Alvino de Paula, também escreveu
Também foi utilizado como fonte primária o depoi- um artigo e apontou para o delineamento destas novas
mento concedido pela enfermeira LHO, personagem da profissões no campo da saúde. Outra relevância está na
História da Nutrição no Brasil. O roteiro da entrevista foi presença de dois editoriais abordando o assunto em ques-
elaborado a partir da análise dos dados biográficos de tão, o primeiro tratando da nutrição e o segundo, da nu-
LHO. A entrevista, gravada em fitas cassete, teve a dura- trição e do serviço social.

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Quadro 1 - Artigos sobre nutrição e serviço social publicados na revista Annaes de Enfermagem de 1933 a 1951 - Rio
de Janeiro - 2006
NºArt Nº no Referência Autor Título do trabalho
catálogo Ano/vol.n./p./mês
1933
1 I/1; 27-9; dez ZOUROB, Adelina. As necessidades da organização de um Serviço Social para
38 melhorar as condições do pobre.
2 28 I/1; 13-15; dez; Editorial Um Novo Serviço.
1934 Serviços de Dietética infantil
3 61 I/3;30; abr; ROSA, Margarida P.
IV/4; 14-7; abr; FRAENKEL, Edith Histórico do Serviço de Enfermeiras do Departamento Nacional de
4 79
Saúde Pública.
IV/4;27-9; jul CHERSTIE,C.D. Relação entre a Dietética e o Serviço de Hospital
5 84
[tradução Carrie Reno]
1937
6 IX/9; 24-7; mai; FONSECA, Adelina Z. Plano de uma Escola de Serviço Social e suas finalidades.
206
7 222 V/10; 5-7; set FRAENKEL, Edith. O Serviço Social.
1948
8 I/4; 173-79; out; SANIOTO, Cecilia Mª Tentativa de definição do campo da enfermagem de saúde pública e
475
suas relações com a assistente social
1949
9
512 II/3; 99-100; jul Editorial As funções da Enfermeira
II/4; 159-164; out PAULA, Alvino de A assistência sanitária no Brasil e a enfermeira nos serviços de
10 530
saúde.
1951
11 IV/2;185-88; abr HOESCHL, Lieselotte Interrelação do serviço de enfermagem e do serviço de dietética.
650
12 669 IV/3; 224-29; jul CARVALHO, Zilda A. A Enfermagem no Serviço Especial de Saúde em Araraquara
Fonte: Catálogo documental Annaes de Enfermagem (1932-1954).

Quadro 2 – Documentos sobre nutrição e serviço social do CEDOC/EEAN/UFRJ de 1933 a 1951 - Rio de Janeiro - 2006
NºDoc LOCALIZAÇÃO CONTEÚDO DO DOCUMENTO
1 Série M. Parsons, ModA, cx18, Ofício enviado ao inspetor de Higiene Infantil, por Ethel Parsons, relatando a situação da
doc.62. infraestrutura e dos recursos humanos do Abrigo Hospital Artur Bernardes.

2 Série As Pioneiras, ModB, cx65, Ofício enviado ao Diretor do Serviço de Saúde do Distrito Federal, por Bertha Lucille Pullen,
doc106. diretora da EAN, solicitando a rejeição da emenda nº1 do projeto 595 de 1936, a qual destinava a
EEAN ao ensino da Enfermagem e do Serviço Social.
3 Série As Pioneiras, ModB, cx45, Recorte de jornal. Título não identificado. Discurso do profº Miguel Couto, a favor da instalação do
doc1. Serviço Social nos hospitais brasileiros e no qual ele elogia o trabalho das enfermeiras.

Do segundo catálogo foram assinalados inicialmente compreendia duas semanas de estágio nas enfermarias
40 documentos; a leitura minuciosa desses resultou na e no serviço noturno no La-boratório de Dietética do Abri-
seleção dos três listados no Quadro 2. go Hospital Artur Bernardes. Esse campo de estágio (atu-
al Instituto Fernandes Figueira) contava com 112 leitos,
Durante a apresentação dos resultados os artigos e
documentos analisados dos quadros acima serão refe- onde as alunas preparavam os ali-mentos para atender
renciados, respectivamente, por Art. e Doc. seguidos do as crianças hospitalizadas (Doc. 1).
número correspondente. Na inauguração do Gabinete de Dietética Infantil, do
ambulatório de pediatria do Hospital São Francisco de
Circunstâncias do surgimento do curso de nutrição e de Assis, idealizado por Rachel Haddock Lobo (RHL), o pro-
serviço social e seus nexos com a Escola Anna Nery fessor Luiz Barbosa, chefe desse serviço em 1933, destaca
À época, o curso de enfermagem da EAN apresentava em seu discurso a importância da atuação das enfermei-
em seu programa teórico, quatro matérias básicas, dez ras e alunas da EAN na educação das mães no regime
mé-dicas, dezesseis específicas e cinco complementa- higieno-dietético e em atividades voltadas para o cuida-
res, entre as quais a denominada Nutrição e cozinha. Dos do com a alimentação das crianças (Art. 2). Após a morte
trinta e cinco conteúdos do programa teórico, à dietética dessa diretora da EAN o gabinete recebeu seu nome. O
eram dedi-cadas 45 horas, o que correspondia a tercei- Art.3 também aborda a importância do serviço dietético
ra maior carga horária, perdendo apenas para a Arte de dos postos de saúde e ambulatórios clínicos, por serem
Enfermagem e para Anatomia e Fisiologia, com 105 e 60 estes verdadeiras escolas de mães, destacando o papel
horas, respectivamente (Art. 3). Já o programa prático desempenhado pelo ambulatório Rachel Haddock Lobo.

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Devido à estreita relação do trabalho da enfermeira Com o caráter de instituições complementares, nos ter-
com o da nutricionista, achava-se que deveria constar mos deste artigo, ficam incorporados à Universidade do
do currículo de enfermagem, disciplinas referentes à nu- Brasil, o Collegio Universitário, destinado ao ensino se-
trição e à dietética; da mesma forma que deveria conter cundário complementar e a EAN, destinada ao ensino de
no curso de nutrição matérias como anatomia, patolo- Enfermagem e Serviço Social.
gia e técnica de enfermagem (Art. 11). O primeiro passo
para a implantação do ensino de nutrição no Brasil ocor- A americana Bertha Pullen, que antecedera RHL na dire-
reu em 1943, com a especialização das enfermeiras da ção da EAN opôs-se à iniciativa(11), e neste sentido enviou
EAN, LHO e Firmina Sant’Ana, na Argentina, designadas uma carta ao Diretor Geral do DNSP. (Doc. 2) Apesar dos
por Laís Netto dos Reys. Neste mesmo ano, quando foram seus esforços para neutralizar aquela emenda, a EAN foi
criados os primeiros cursos de Nutrição no Serviço de incorporada à Universidade do Brasil incluindo o Serviço
Alimentação da Previdência Social (SAPS), hoje Instituto Social como curso ministrado por ela(12).
de Nutrição da UNIRIO, estas enfermeiras/nutricionistas Como consta no artigo publicado no ano da criação do
foram convocadas para integrar o seu corpo docente(9). curso de Serviço Social na Escola Anna Nery, em 1937 (Art. 6),
Em 1948, passaram a integrar também, o corpo docente o objetivo de uma Escola de Serviço Social seria o de
do Curso de Nutrição do Instituto de Nutrição da Univer-
sidade do Brasil (atual Universidade Federal do Rio de preparar agentes sociais para ensinar com eficiência e
Janeiro)(10). individualmente a arte de viver física, moral e economica-
mente, aos que submergem no turbilhão dos problemas
Por outro lado, nos anos 30 do século 20, enfermeiras sociais e vivem sem diretrizes.
diplomadas brasileiras, atuantes no campo da saúde pú-
blica, com o agravamento da questão social, decorrente O curso deveria incluir matérias como: Educação Cívi-
da industrialização e da urbanização, passaram a apon- ca, Legislação, Psicologia, Medicina Social, Assistência
tar a necessidade de distingüir os verdadeiros pobres Social, Ética Profissional, História do Serviço Social, Higi-
daqueles que se diziam pobres, de forma a auxiliar de ene Mental, Puericultura, Primeiros Socorros e Composi-
maneira justa aqueles realmente necessitados (Art. 1). Do ção Fichário e Organização. A duração do curso deveria
mesmo modo, a Superintendente do Serviço de Enfermei- ser de três anos e meio, sendo os últimos seis meses dedi-
ras do Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP), cados à prática do tratamento individual de casos. Esse
considerava que, para que a enfermeira de saúde pública tratamento incluía:
pudesse cumprir plenamente seu papel, havia a necessi- • O estudo de causas morais, materiais, com aplica-
dade de um trabalho social junto à população. Opinava ção de medicamento adequado;
que, antes de ser concedido, qualquer auxílio precisava
ser estudado profunda e cientificamente. O intuito era
• Evitar os meios paliativos, procurando a cura radi-
cal do mal, impedindo a recaída;
não criar ou reforçar o mau hábito de dependência, pro-
duzido pela esmola dada de forma indiferente e impensa- • Fazer retornar, o mais cedo possível, o auxiliado à
da, mas sim dar condições que permitissem o reergui- vida normal e independente;
mento social e moral do indivíduo, a partir das soluções • Cooperar para a elevação do seu nível de vida materi-
dos seus problemas financeiros/familiares. Assim, aju- al e moral;
dar aos outros a se ajudarem a si próprios, era o lema do • Trabalhar em coordenação com os esforços carita-
trabalho em Serviço Social. Neste sentido, a enfermeira de tivos de associações e estabelecimentos de auxílio aos
saúde pública era vista como uma colaboradora essenci- necessitados.
al, uma vez que a ela cabia visitar repetidas vezes as resi-
dências desses pobres, durante seu trabalho de profilaxia O Art.7 também descreve as qualidades próprias do
e higiene. Através da observação e de informações sobre assistente social explicitando sua semelhança com as
fatos verificados e constatados, ela obrigatoriamente co- qualidades da enfermeira.
nheceria quem, de fato, precisava de auxílio (Art. 7).
Em Editorial de 1949, a revista Anais de Enfermagem
Ao mesmo tempo que médicos e enfermeiras descrevi- declarava que nos grandes centros do país, já existiam
am a enfermeira como a profissional mais indicada a profissionais específicos responsáveis pela alimentação
exercer as funções de serviço social (Doc.3), indicavam a dos doentes e também profissionais que tratavam de re-
EAN como a Escola mais capacitada para ministrar o cur- solver os problemas sociais dos mesmos (Art. 9).
so de Serviço Social. Um grupo de enfermeiras brasileiras
era favorável à organização de um Serviço Social seme- Inter-relações entre as funções da enfermeira e da
lhante ao existente nos EUA e na Europa, porém adaptado nutricionista
ao meio brasileiro (Art. 1).
Um médico americano defendia a existência de uma
À época da discussão do projeto de Lei 595/1936 organização dietética no hospital, explicando que o mes-
de criação da Universidade do Brasil (UB), a emenda mo não afetaria o trabalho dos médicos, dos serviços de
número 1, da Deputada Carlota de Queiroz, definiu que enfermeiras e do serviço social, sendo, ao contrário, de

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grande utilidade para a equipe de saúde (Art. 5). Por sua cia da ampliação das funções da nutricionista junto ao
vez, um médico sanitarista brasileiro (Art. 10) opinava, paciente, explicitada nos artigos em meados do século
que nas unidades sanitárias, nas escolas, nas fábricas e 20, esta não se concretizaria nas décadas seguintes. So-
no lar, a nutricionista deveria exercer as funções de edu- mente em meados dos anos 60.
cadora alimentar, demonstrando o valor e as vantagens
Duas enfermeiras norte-americanas viriam a afirmar
econômicas, sociológicas e eugênicas da alimentação ra-
que as dietistas é que planejavam os cardápios e supervi-
cional, suficiente e própria. No que se refere às relações
sionavam sua preparação, traduzindo a prescrição
entre nutricionistas e médicos especialistas (nutrólogos)
dietética em alimentos. Opinavam elas que, estas profis-
nota-se uma expectativa de subordinação, como se vê na
sionais dependeriam, em grande parte, da equipe de en-
descrição das atividades da nutricionista :
fermagem, para saber tomar conhecimento dos proble-
• Organizar o fichário do consultório nutrológico; mas do paciente que afetavam sua capacidade de se ali-
mentar, devido ao fato de a enfermagem acompanhar o
• Converter as prescrições nutrológicas em dietas, ori- paciente 24 horas por dia(13).
entar a sua execução e distribuição;
• Anotar as sobras de alimentos; Ainda na década de 60, registrava-se que a assistên-
cia de enfermagem na alimentação do paciente hospitali-
• Controlar o estado nutritivo de cada doente; zado, abrangia as seguintes atribuições:
• Levar ao conhecimento do nutrólogo as alterações • Incluir a assistência à alimentação nos planos de
verificadas;
cuidados dos pacientes;
• Difundir a importância da alimentação adequada e • Controlar os fatores que influenciam a aceitação
higiênica.
dos alimentos pelos pacientes;
Em meados do século 20, uma enfermeira, também • Orientar e supervisionar o pessoal auxiliar quanto
nutricionista (Art. 11), já chamava a atenção para a ten- à assistência à alimentação;
dência de se entregar à dietista o cuidado exclusivo de
tudo o que concerne à alimentação do doente, como: copi- • Orientar o paciente e seus familiares(14).
ar as prescrições médicas das papeletas, calcular os re- Na década seguinte, professoras da Escola de Enfer-
gimes especiais, determinar a confecção de dietas, distri- magem da Universidade de São Paulo, reconheciam que o
buí-las e observar a aceitação do doente, para fazer even- cuidado integral do paciente, finalidade do serviço de
tuais substituições. Deste ponto de vista, caberia à enfer- enfermagem, incluía o cuidado nutricional, cabendo à
meira apenas a responsabilidade pela ingestão dos ali- enfermeira o desenvolvimento de atividades como:
mentos pelo paciente.
• Orientação do paciente, família ou comunidade;
Com o surgimento da profissão de nutricionista, as
atribuições da enfermeira tiveram que ser revistas. Para
• Supervisão da aceitação dos alimentos oferecidos;
atender às necessidades nutricionais dos pacientes, ca- • Avaliação da mudança de comportamento alimentar;
beria à enfermeira: • Colaboração com a nutricionista no planejamento
• Ajudar na coleta de dados sobre o padrão alimentar da dieta e sua administração(15).
do paciente e suas preferências; Apesar do destaque dado, nos artigos supracitados, à
• Obter uma prescrição dietética, caso necessário; importância da administração da dieta aos pacientes
• Prover alimentação adequada às necessidades do hospitalizados, o número de enfermeiras e de nutricio-
paciente e, se possível, às suas preferências; nistas, existentes no Brasil indicava uma enorme carên-
cia desses profissionais, o que aponta para uma grande
• Colocar o paciente em posição confortável para in- dificuldade em atender às necessidades alimentares e
gerir os alimentos; nutricionais dos pacientes. De acordo com o Levantamen-
• Ajudar o paciente a alimentar-se ou ministrar sua to realizado pela Associação Brasileira de Enfermagem
dieta; sobre a distribuição do pessoal de enfermagem nos ór-
gãos estaduais, no ano de 1956, portanto, 33 anos após a
• Explicar ao paciente as razões da mudança de sua criação do primeiro curso de Enfermagem, o país contava
dieta habitual;
com apenas 376 enfermeiras diplomadas, estando 287
• Observar e registrar a aceitação dos alimentos pelo delas (76%) na região sudeste; 59 enfermeiras (16%) no
paciente e o apetite demonstrado; sul; 14 (4%) no nordeste; 11 (3%) no centro-oeste e 5 (1%)
• Identificar os pacientes que necessitariam de ajuda no norte. Em relação ao número de nutricionistas, onze
para, após a alta hospitalar, preparar sua dieta(13). anos após a criação do primeiro curso de nutrição, este
era reduzidíssimo, de apenas 14 profissionais, estando 6
Apesar do reconhecimento da importância da alimen- no Sudeste, 6 no Sul e 2 no Nordeste; nas regiões Norte e
tação para a recuperação do paciente e apesar da tendên- Centro Oeste, não havia nutricionista à época. No entan-

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to, ao final dos anos 70 do século 20, portanto 14 anos • Melhorar as condições de moradia dos pobres;
após o citado Levantamento, existiam três Hospitais Ge- • Facilitar o acesso à instrução de novas gerações;
rais, em Belém do Pará, que não possuíam nutricionistas.
Cabe ressaltar que à época, havia no país 28 cursos de • Orientar os adultos, por intermédio de atividades
nutrição, inclusive no estado do Pará. Entretanto, devido educativas, mostrando-lhes a possibilidade de uma vida
às melhores condições do mercado de trabalho em outros normal de trabalho;
estados, as profissionais ali diplomadas terminavam por • Apoiar pessoas mais vulneráveis, como as viúvas e
emigrar. O déficit de nutricionistas muitas vezes sobrecarre- os abandonados, prestando-lhes auxílio financeiro, so-
gava as enfermeiras, também em número insuficiente(16-17). mente enquanto necessário;
A opinião de enfermeiras entrevistadas nesses hospi- • Prestar a grupos populacionais vitimados por ca-
tais, acerca das responsabilidades do Serviço de Enfer- tástrofes e desastres socorro financeiro e moral;
magem na alimentação do paciente no período pós-ope- • Assistir à população sem especificação de raça, na-
ratório, relacionava-se àquilo que estava ligado ao cui- cionalidade, religião ou classe social;
dado com o paciente (no caso paciente cirúrgico) como:
• Ajudar a combater os vícios, fator de empobrecimento
• Verificar a aceitação da alimentação pelo paciente; do ser humano.
• Ministrar a alimentação, quando necessário; Em discurso proferido na Academia Nacional de Me-
• Orientar a equipe quanto à alimentação do paciente dicina por seu presidente Miguel Couto, um dos mais no-
no pós-operatório; táveis clínicos de sua época; e, divulgado pela imprensa
• Orientar e supervisionar o pessoal auxiliar; descrevia as vantagens da introdução do Serviço Social
em nossa sociedade, explicando haver esta área se torna-
• Verificar as condições de conforto e higiene do paci- do uma ciência com suas leis e métodos, revestindo-se de
ente para a alimentação; um caráter acentuadamente técnico. Definia ele o objeto
• Avaliar mudanças de comportamento alimentar do desta prática como o
paciente no pós-operatório.
estudo dos flagelados sociais, nas causas e nos seus
Elas não consideraram de sua competência, funções efeitos, com o objetivo de remediá-los e, sobretudo, me-
relacionadas às seguintes atividades: lhor preveni-los, sem detrimento de forças e com mais
segura eficácia.
• Planejar menus, de acordo com os recursos de pes-
soal e financeiros; Defendia ele a importância desse serviço nos hospitais, a
ser custeado pelos poderes públicos, argumentando que o
• Estabelecer as técnicas a serem adotadas no prepa- Serviço Social prestaria aos infelizes arrastados aos hospi-
ro dos alimentos; tais, os melhores auxílios, desde que fossem traçados níti-
• Planejar programas de educação alimentar; dos limites de competência para que se evitassem confli-
• Uniformizar receitas culinárias; tos com a administração ou com as enfermeiras. Pontua-
va ele como funções das assistentes sociais:
• Analisar as tarefas do pessoal.
indagar da situação pecuniária da família do doente duran-
Cabe destacar não ter havido consenso entre as enfer- te a sua permanência no hospital; inquirir do médico de
meiras entrevistadas, em 1980, no que se refere ao plane- que modo poderiam ser úteis ao doente que sai apenas
jamento de programas de educação alimentar. Do total sobressarado, e a cura se protela; averiguar se os doen-
entrevistado 73%, 8 enfermeiras, não consideravam este tes precisam de longo repouso, de mudança de clima, de
item como função da enfermeira. Já 23%, três enfermei- aparelhos ortopédicos, se perderam o emprego com essa
ras, assim o consideravam. As enfermeiras que entende- doença, etc (Doc. 3).
ram ser esta uma função da enfermagem, possivelmente,
pensaram na sua ação educativa junto ao paciente quan- Ao relacionar o campo da enfermeira de saúde públi-
to à ingestão alimentar. Podemos notar então, que mesmo ca com a assistência social, uma enfermeira e socióloga
nos anos 70 e em serviços que não contavam com registra o pensamento do Dr. Richard Cabot, médico, filó-
nutricionistas, as atividades consideradas pelas enfer- sofo, educador e pioneiro no trabalho social, já em 1919
meiras como inerentes às suas funções, basicamente, não preconizava ele a inexistência de fronteiras entre as fun-
diferiam dos autores dos livros e artigos já citados acima ções da enfermeira visitadora e da assistente social. Se-
e publicados em décadas anteriores(17). gundo ele, para ser eficiente, a enfermeira necessitava
conhecer os aspectos econômicos e mentais de seus paci-
entes, assim como a assistente social precisava ter co-
Inter-relações entre as funções da enfermeira e da assistente
nhecimentos básicos de medicina e de enfermagem, para
social
entender como certas doenças afetavam o paciente soci-
Os objetivos de um programa de Serviço Social eram almente. Entretanto, a autora apresentava exemplos de
descritos como (Art. 1): países nos quais, a formação de enfermeiras e de assis-

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tentes sociais era feita em carreiras distintas. Para ela, CONCLUSÕES
as funções da enfermeira e da assistente social assumi-
am características peculiares, mas ambas eram partes As transformações econômicas, sociais e políticas ocor-
integrantes das atividades destinadas a aliviar e a suprir ridas na sociedade brasileira exigiram a reformu-lação da
as deficiências sociais e pessoais, a fim de restaurar e prestação dos serviços de saúde, determinando uma nova
defender o bem estar da comunidade e o bem estar indivi- divisão do trabalho, dando origem às profissões paramé-
dual (Art. 8). dicas. A Enfermagem surge como profissão na sociedade
No mesmo artigo, essa autora destacava como res- brasileira antes da Nutrição e do Serviço Social. A EAN as-
ponsabilidade da enfermeira prestar uma assistência que sumiu um papel decisivo na institucionalização dessas no-
contribuísse para a reorganização dos pensamentos do vas profissões, pois a partir da consolidação da carreira
paciente de forma que o mesmo definiria melhor seus pro- de enfermagem é que se observa o surgimento das profis-
blemas para poderem ser objetivamente solucionados, bem sões de nutricionista e de assistente social.
como agir de igual modo em relação à família, grupo Com o surgimento destas duas novas carreiras na área
ocupacional e demais associados. A enfermeira, que aten- da saúde, a enfermagem teve suas funções e atividades
desse a totalidade dos pacientes, deixaria a cargo da assis- redefinidas, de modo a evitar superposições de papéis. À
tente social aqueles cujos problemas não pudessem ser nutricionista coube o cuidado integral com a alimentação
resolvidos por ela, como os do âmbito econômico. do paciente, seus preparo e distribuição, cabendo à enfer-
No mesmo artigo, essa autora destacava como res- magem a administração da mesma e supervisão de sua acei-
ponsabilidade da enfermeira prestar uma assistência tação. À assistente social coube assistir o paciente, nas difi-
objetivando facilitar a reorganização do pensamento do culdades de sua vida social, que poderiam afetar a sua saú-
paciente, pois definindo melhor seus problemas, estes de ou dificultar sua recuperação. A ação preliminarmente
poderiam ser solucionados de forma mais objetiva. A desenvolvida pela enfermeira se constituiu em um elemento
mesma responsabilidade se verificava em relação à famí- importante para o encaminhamento dos problemas sociais.
lia, grupo ocupacional e demais associados. A enfermei- Não obstante suas características peculiares, os papéis
ra atende quase a totalidade dos pacientes deixando a profissionais de enfermeiras, nutricionistas e assistentes
cargo da assistente social apenas os problemas que não sociais estão intimamente relacionados. E se, por um lado,
poderiam ser resolvidos por ela, geralmente os de âmbito contribuíram para a racionalização da organização e fun-
econômico. cionamento dos serviços de saúde, contribuíram tam-
bém para uma assistência mais completa à sua clientela.
Em meados do século 20, nas instituições onde ainda
não houvesse assistente social diplomada, como nos pe- Por serem profissões que englobavam atividades já
quenos hospitais e no interior, o serviço de assistência desenvolvidas por mulheres, ao se constituírem como pro-
social era desenvolvido pela enfermeira de saúde públi- fissões caracteristicamente femininas, elas favoreceram
ca. Neste sentido, as atividades desenvolvidas pelas en- o aumento do número de mulheres no mercado de traba-
fermeiras no Serviço Especial de Saúde, de Araraquara, lho qualificado na área da saúde. Assim, este estudo veio
no Estado de São Paulo, incluíam: visita domiciliar na contribuir para o conhecimento das raízes históricas co-
zona rural e urbana, visita às escolas, orientação do muns às primeiras profissões universitárias femininas
cliente durante a consulta clínica no Centro de Saúde no Brasil e de como elas contribuíram para o processo de
(Art. 12). profissionalização da mulher em nossa sociedade.

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profissões 4 - Penha Circular
pioneiras na área da saúde
www.ee.usp.br/reeusp/ Aperibense PGGS, Barreira
CEP 21011-290 - Rio de Janeiro, RJ, Brasil IA

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