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Temos o gosto de vos fazer chegar o material que ireis utilizar nas diferentes sessões deste
Curso. Nele encontrareis alguns casos práticos de situações familiares que ireis estudar e
debater e algumas notas técnicas que vos servirão para aprofundar questões educativas da vida
familiar.
Para que o Curso vos possa efetivamente ajudar a melhorar a vossa tarefa educativa, é
fundamental que cada um prepare bem os casos; por isso, nesta primeira sessão, propomos-vos
um plano de trabalho exigente.
Convirá começar com uma leitura individual, imediatamente seguida de um debate em casal.
Nesta fase já será possível comentar e questionar-se sobre os problemas que se colocam em
cada caso e também, sobre aquilo que chama particularmente a atenção. Isto pode demorar
entre 20 a 30 minutos. Se conseguirem fazer isso bem, no final, esta parte poderá ser
considerada a fase mais construtiva do Curso.
Depois, pediremos que façam umas reuniões de grupo com mais quatro ou cinco casais, para
discutirdes esses problemas que cada caso apresenta, contribuindo para isso o que foi discutido
entre vós. É conveniente que essa reunião se realize uns dias antes da sessão geral, se possível
de forma rotativa em casa dos que integram o grupo de trabalho e procurando especialmente
que sejam reuniões sóbrias e de discussão eficaz, que não demorem mais de 60 minutos.
As reuniões de grupo são parte essencial da nossa metodologia. Não se tira proveito do Curso
se não se realizam bem. Nelas são trabalhados os casos, complementando o debate com os
guiões de perguntas facultados pelos chefes de equipa. No Entanto, essas reuniões não
substituem o estudo pessoal ou em casal. Não devem ser utilizadas para tentar resolver os casos
nem para procurar respostas coletivas.
Cada tema do Curso conclui com uma sessão geral, em que as diferentes equipas se reúnem
para desenvolver o caso. A participação de todos, além de enriquecer consideravelmente a
discussão, ajuda a aprofundar todas as questões educativas que cada caso apresenta. Esta
sessão geral será dirigida por um moderador (sempre pai ou mãe de família), que ajudará os
participantes a ordenar e a encontrar as possíveis soluções de cada caso. Terminará a sua sessão
tecendo algumas conclusões globais e facilitando alguns critérios básicos sobre o tema em
estudo.
A riqueza desta metodologia justifica e apoia-se na conveniência de que, desde o princípio, cada
um dos cônjuges inscritos no Curso considere os temas na sua perspetiva pessoal: que leia,
pense, escute, diga, se sensibilize, discuta, pergunte, sugira e, sobretudo, elabore e aprenda.
Bem Vindos!
SESSÃO 1 SESSÃO 2
Tema: Tema:
Introdução ao programa Pontos-chave para uma educação integral
Caso: Caso:
Uma tarde no parque Uma família normal
SESSÃO 3 SESSÃO 4
Tema: Tema:
O ambiente familiar Hereditariedade e caracteres
Caso: Caso:
As três amigas O José não é o David
SESSÃO 5 SESSÃO 6
Tema: Tema:
Brincar com os filhos Pais com autoridade
Caso: Caso:
Parabéns António! A lista do Tomás!
Esta tarde, como sempre, encontraram-se no Jardim da Estrela, a Maria de 58 anos e a Teresa,
que faz 70 este ano, com as respetivas netas, de 15 e 10 meses. Enquanto as crianças brincam
nos seus carrinhos, as duas amigas falam das suas famílias, de como a vida está cara, da moda
esperada, mas acima de tudo, das suas netas.
MARIA: Reparaste no número de avós e avôs que estão no parque? Temos de admitir que somos
uma boa solução para os pais «super ocupados». O meu filho e a minha nora foram para o
estrangeiro durante dez dias, numa viagem de negócios; parece-me bem: têm de aproveitar
agora que são novos. Enquanto esta linda menina tiver uma avó, por mim, podem sair sempre
que precisem...
TERESA: Sabes, a minha filha e o meu genro não estão a viajar, contudo, aqui estou eu todos os
dias com este diabinho que não para nem por um segundo. Temo o dia em que a pequena
começar a andar, afinal já não sou uma avó tão jovem como tu. E, além disso, quando chegar a
casa, a minha filha vai submeter-me ao exame diário: a Mãe deu-lhe as papas na altura certa?
Deixou-a gatinhar durante um bocado? Fez a sesta fora de horas? A Mãe voltou para casa cedo
para ela dormir as horas necessárias?
Garanto-te, Maria, que estas mães muito organizadinhas que leem e que anotam tudo são
tremendas. Mas, como estou com a pirralha tantas horas por dia, aproveito para deixá-la fazer
o que ela quiser, que tempo haverá para a educar quando ela já tiver um pouco mais de
discernimento.
A pequena quer dormir? Que durma à vontade! Tem fome? Pois que coma à hora que lhe
apetecer! E quanto à higiene, com estas fraldas que agora há, pode perfeitamente passar meio
dia sem haver necessidade de a aborrecer...
MARIA: Bem, Teresa, como a mãe da minha neta não é minha filha, mas minha nora, eu tenho
de a ouvir para evitar qualquer conflito. Afinal de contas, a criança é deles. Os filhos não são um
adorno do casamento e além disso eles são: primeiro filhos do que netos. Percebes, Teresa?
Tento não contradizer os pais, porque são eles que têm de educar os filhos, não nós, os avós.
TERESA: Mas Maria, tens de aceitar que nestas idades não há propriamente educação, mas sim
um processo de desenvolvimento, e o mais importante é que eles sintam amor na maneira como
os tratamos. Outra coisa bem diferente é quando eles já são crescidos. Nem imaginas o quão
rígida me torno cada vez que a pequenada, do meu outro filho Sérgio, vem cá! Um dos rapazes
que já tem cinco anos vira-me a casa toda de cabeça para baixo, não deixa um boneco com
cabeça. Além disso, assim que chega, a primeira coisa que faz é colocar a mão na minha mala e
perguntar-me: - O que é que nos trouxeste hoje, avó?
MARIA: O mesmo acontece-me com meu filho Xavier, embora a pequena seja calma é bastante
teimosa e quando se irrita, simplesmente porque não lhe dou o que ela quer, a primeira coisa
que me diz é «já não gosto mais de ti, avó». É claro que as crianças de hoje não são como as de
antigamente, além do mais os nossos pais certamente que não leram assim tantos livros sobre
pedagogia para saber como nos educar, e vês, estamos aqui e não correu assim tão mal.
TERESA: Estes preceitos que os livros falam podem ser bons para muitas coisas, mas eu não os
quero nem pintados, porque o meu amor pela minha neta pede-me tudo menos «regras». Às
vezes, quando ela chora à noite e os pais não estão, como eu tenho o sono muito leve, trago-a
para a minha cama e divertimo-nos muito. É tão feliz com a avó!...
As duas avós apanham os brinquedos do chão, sacodem a chupeta de uma das meninas - da
neta da Teresa - que caiu no chão, e penduram-na no vestido.
Um pouco mais à frente, uma empregada bate num menino com cerca de um ano e meio porque
fugiu a correr para o lago. A Teresa, enquanto acaricia a neta, murmura: coitados dos pais, que
deixam os filhos com qualquer uma!
OS PRIMEIROS PASSOS NA
EDUCAÇÃO
Os pais perante a primeira infância dos Uma criança cuja inteligência tenha
filhos sido altamente e bem estimulada,
com bons hábitos comportamentais e
Desde o início da gravidez, que os filhos que tenha crescido com um carinho
exigem dos pais um empenho total, bondoso dos pais, estará
consciente, inteligente e exemplar. É por perfeitamente preparada para ser um
isso, que na nossa abordagem não tem bom cidadão e alcançar a felicidade.
cabimento nenhum uma atitude de
passividade, bem pelo contrário. Uns pais
que deixem passar o tempo para «ir Quando a sabedoria popular fala da
educando» só quando a criança puder qualidade dos «primeiros alimentos» como
entender as exigências educativas não terão importantes no crescimento futuro da
percebido nada sobre os critérios criança, refere-se ao facto de que uma
educativos aqui apresentados. educação atempada, plena e proporcionada
na alegria de um lar onde impere o amor,
ajuda o pequeno a ser aquilo que é
A primeira infância não é uma sala de realmente chamado a ser:
espera, mas uma escola intensiva de
descobertas, repleta de necessidades Um bom filho, um irmão exemplar,
intelectuais e emocionais que devem um colega cordial, um profissional
ser satisfeitas e estimuladas. pleno e um cidadão inteligente e
prestável que certamente colaborará
no progresso da humanidade
Se um pai e uma mãe não colocassem o
filho, de forma assídua, perante a Para terminar esta primeira nota técnica do
possibilidade de aprender muitas e variadas Curso, reiteramos que a sua utilização não
coisas, estariam a deixar que se perdesse o reside tanto nos critérios e perspetivas
seu melhor e mais rico período de educacionais que são expostos ao longo do
aprendizagem. Curso, mas sim no esforço pessoal de
refletir, debater e elaborar princípios
Do ponto de vista do desenvolvimento educativos que permitam a cada um dos
cerebral, o objetivo da educação baseia-se cônjuges realizar coerentemente o seu
em promover a quantidade e a qualidade próprio projeto e modelo familiar.
das ligações neuronais das células que
existem no cérebro. E, aqui é necessário ter
bem presente que os estímulos do
ambiente desempenham um papel
fundamental no estabelecimento e
manutenção destas conexões, e que é
precisamente durante a primeira infância
que o corpo humano está melhor preparado
para as estabelecer.
Programa: Sessão:
Esquema do caso:
Problemas:
Soluções:
O João e a Margarida são pais de duas crianças: a Cristina, de 3 anos e o Francisco, de 18 meses.
Estão convencidos de que os estão a educar muito bem, pois, como diz o João: «até agora não
tivemos nenhum problema, só o normal nas crianças». Segundo eles, há uma perfeita harmonia
no casal, embora discutam sobre algumas questões educativas, mas que mais tarde consideram
de pouca importância.
Há alguns meses atrás, o João e a Margarida passaram por uma verdadeira crise de cansaço e
esgotamento por causa desta situação. Por fim, exaustos por se levantarem 5 e 6 vezes todas as
noites, experimentaram levá-lo para a cama deles e resultou: o Francisco dormiu!
Custou-lhes a habituarem-se, especialmente ao João, pois o filho não parava de se mexer, mas
só o facto de não o ouvir chorar compensava o desconforto. Agora, passado oito meses, dormem
habitualmente os três juntos. O João experimenta algumas vezes passar o Francisco para a cama
dele quando já está a dormir, mas não demora muito para acordar de novo.
Hoje, sábado, por volta das seis horas da tarde, dois dos irmãos solteiros do João vieram ver os
únicos sobrinhos que têm e houve, apesar da tímida oposição da Margarida, distribuição de
guloseimas.
É claro, que a noite foi muito agitada, porque além do Francisco, também a Cristina acordou,
como não quis jantar por ter comido tantos doces, fez tanto barulho na cozinha que toda a
família teve de se levantar.
A manhã seguinte ficou mais curta e com o tempo contado, pois tinham combinado passar o dia
em casa dos avós, fora da cidade. Começa, então, outra das lutas diárias da Margarida: vesti-los
e lavá-los. Para se despacharem, o João trata da Cristina e a Margarida do Francisco, mas
nenhuma das crianças gosta de colaborar. Há pressas, tensões, teimosias e amuos:
- Parece mentira que nem as cuecas consigas vestir direitas! Dá-mas que agora quem te veste
sou eu! – protesta o João.
- João, não te esqueças de lhe lavar os dentes quando lhe lavares a cara! – Recorda a Margarida.
- Margarida, querida, ela só tem três anos! Lava-os quando for mais crescida! Estes dentes de
leite até lhe vão cair!
Porém, a Margarida tem de recorrer ao seu método infalível dos dias de «colégio»: liga a
televisão e as crianças acabam de se vestir enquanto veem o programa que está a dar no
momento.
A verdade é que chegaram a casa dos avós em boa hora, graças ao facto da Margarida ter
amontoado os brinquedos no armário enquanto o João descia com as crianças, «porque, se
tivéssemos de os arrumar todos direitinhos, nem sequer sairíamos amanhã...».
A terceira batalha diária que a Margarida tem com os filhos sucedeu já em casa dos avós: a
refeição.
A avó deu a comida à Cristina, e a Margarida ao Francisco. Só faltou mesmo fazerem o pino só
com uma mão, já que as crianças fizeram de tudo. Finalmente, após uma longo hora de luta,
conseguiram que elas comessem.
- A Cristina vai ter de ser presa à cadeira, ela não para um minuto! – comenta a Margarida com
a mãe.
- Mas mãe, já reparou como é que ela se porta? Não há babete que resista. Além disso, passa o
tempo todo a pôr os dedos no prato. Uma porquita, não sei a quem é que sai...
Já de volta a casa, com as crianças a dormir no carro, a Margarida comenta com o marido:
«Tirando a hora da refeição, até que as crianças acabaram por não se portar muito mal, não
achas? A propósito, temos de responder à minha irmã se queremos frequentar o curso de pais
sobre a educação de crianças pequenas, para o qual ela nos convidou...».
- Eu acho que estamos a fazer tudo bem - respondeu o João, - e não precisamos de mais nenhum
curso além do nosso bom senso. Ninguém ensinou os nossos pais e nós não nos saímos assim tão
mal.
- Ó João, se me explicares como podemos ensinar a Cristina a ser mais limpinha e ao Francisco a
dormir a noite toda no quarto... - mas cada criança é como é.
- Bem, concluiu o João – na verdade cada casal tem o seu estilo próprio, e a mim parece-me que
somos uma família normal. Esperemos que continuemos assim por mais setenta anos!
AS ETAPAS DO
DESENVOLVIMENTO INFANTIL
Todo o desenvolvimento infantil integral sua própria cama (não na cama dos pais
que desejamos para os nossos filhos pode e ou dos irmãos).
deve realizar-se a partir daquilo a que se
tem vindo a chamar de abordagens c) Ordem: a ordem nos horários é
educativas, que não são mais do que os fundamental, a criança quer saber o
diferentes aspetos nos quais a ação que tem de fazer em cada momento e
educativa deve incidir, e como deve incidir. não deve depender dos caprichos dos
adultos. Por outro lado, faz parte da
Na presente Nota Técnica, faz-se uma breve ordem transmitir e ensinar à criança o
descrição de cada uma destas abordagens e respeito pelas pessoas e pelas coisas.
propõem-se, a título de exemplo, alguns
comportamentos adequados que poderão d) Higiene: começa com o controlo dos
melhorar o desenvolvimento de cada um esfíncteres e continua com o asseio
dos filhos. pessoal. A criança deve aprender a
sentir-se confortável e a apreciar o
Vertente Antropológica: os quatro asseio.
hábitos básicos
Para terem sucesso nestes quatro hábitos
O cuidado com os quatro hábitos básicos básicos, que ousamos dizer que são os
deve ser uma constante a partir do pilares da «paz familiar» nos primeiros anos
nascimento da criança. São eles: de vida dos vossos filhos, cada família deve
tentar obter o seu próprio estilo, mas como
a) Alimentação: a criança deve comer conselho universal propomos:
bem, de tudo, à sua hora e num tempo
determinado. Comecem o mais cedo possível e sigam
uma estratégia conjunta firme entre pai
b) Sono: a criança deve ter as suas horas e mãe. Isto não significa ficarem de mau
de sono, sempre as mesmas, deitar e humor para os alcançar ou zangados se
levantar-se à hora prevista, dormir na não conseguirem adquiri-los logo no
✓ Ser um exemplo vivo: evitar fazer troça É por isso que podemos aconselhar:
com as fragilidades da criança. Elogiar
as suas conquistas. ✓ Proporcionar amplas oportunidades de
exercício físico antes dos oito anos e,
✓ É preciso saber pedir desculpa e em especial, antes dos quatro anos.
agradecer. Todos o devem fazer.
✓ O que mais conta são os estímulos do
✓ Os avós representam uma grande fonte meio envolvente e não tanto a genética
de estímulos e informação para os (embora esta também tenha
netos. influência). Na realidade, o que a
criança quer e precisa é que seja
✓ É importante o contacto com outros estimulada e que se lhe dê liberdade o
bebés, mas sem os deixar sozinhos. quanto antes.
✓ É bom falar com eles de forma correta. ✓ Mas, atenção, a falta de estimulação é
Não devemos rir da sua incipiente tão prejudicial como um excesso de
locução, mas antes, explicar-lhes como estímulos desordenados.
se devem pronunciar as palavras de
forma correta. O melhor ✓ Proporcionar-lhes uma dieta
enriquecimento linguístico que se pode equilibrada. É muito importante, neste
dar às crianças é através das conversas sentido, a ajuda que o pediatra e a
escola podem e devem dar. Deixe que facilidade tanto a nadar como a
estes profissionais o aconselhem. reconhecer e a acompanhar uma peça
de Mozart, a designar um sem número
✓ Permita que conheçam os objetos de objetos seja em que língua for, a
usando todos os sentidos. Aprende-se tocar um instrumento, a identificar
com a experiência. conjuntos matemáticos, etc.
Para o adequado progresso educativo, • O melhor para o bebé - antes dos dois
convém fazer e dizer tudo «pela anos - é comunicar amorosamente
positiva», estimulando, encorajando e com ele.
facilitando os meios adequados no
momento oportuno, não • Para aprender a falar, cantar e
desesperando, nem sendo demasiado desenvolver bons sentimentos, utilize
exigente ou negativo. áudios, vídeos ou filmes selecionados,
em vez da televisão.
• Tire partido dos seus tempos livres.
Faça uma lista com opções • Incentivar audições de música erudita,
alternativas à televisão. Coloque-as se possível através da seleção de
em prática. obras adequadas.
• Divirtam-se juntos, mas sem ceder nos • Deixe que a criança memorize versos
limites estabelecidos. e lengalengas desde o momento em
que começa a falar.
• Seja firme com a criança antes dos
dois anos; nunca ceda no campo dos • Utilize cartões de memória, postais,
quatro hábitos básicos (alimentação, etiquetas. Desenvolve o hábito de
sono, ordem e higiene). memorizar e pensar.
Programa: Sessão:
Esquema do caso:
Problemas:
Soluções:
Aproveitando uma viagem de trabalho do meu marido e o facto dos quatro filhos mais velhos
estarem em casa dos avós, telefonei às minhas amigas Ana e Júlia para nos encontrarmos cá em
casa para conversarmos um pouco sobre o pequeno negócio doméstico que partilhamos, em
part-time e em teletrabalho. Numa hora acabaríamos as nossas tarefas. Assim, combinámos às
quatro horas e ambas traziam os respetivos filhos: o Lucas de vinte meses e o Nuno de dois anos.
Enquanto estavam para chegar, preparei a sala de estar com a «ajuda» da minha filha Luísa, de
três anos, para que as crianças que viessem pudessem sentir-se à vontade: tirei do armário dois
ou três brinquedos com os quais os mais velhos já não brincavam, verifiquei se a janela estava
bem fechada e encaminhei-me até à Luísa, que estava a brincar com o André, de seis meses:
- Vão chegar dois meninos, o Lucas e o Nuno, que vêm com as suas mamãs. Empresta-lhes os
teus brinquedos Luísa, brinca com eles e chama-me sempre que precisares, nós vamos ficar a
trabalhar. Vamos pôr o André no parque grande que o avô deu, para não teres de ficar aqui com
ele e poderes ir brincar com os novos amiguinhos que estão quase a chegar.
Dei-lhe um beijo e disse-lhe a sorrir: «Muito obrigada pela tua ajuda, Luísa».
A Júlia e o seu filho Nuno chegaram pontualmente no autocarro que fica a três minutos de casa.
Assim que me cumprimentou, pegou no Nuno pela mão, disse-lhe quem eu era e fomos ter com
a Luísa e o André. Mostrei-lhes onde era a sala de estar, o quarto de banho e a cozinha. A Júlia
entregou ao filho alguns livros de histórias, um brinquedo, e baixando-se, olhou-o nos olhos e
disse-lhe:
- Enquanto eu e a Helena conversamos, tu ficas aqui a brincar com a Luísa. A Luísa vai brincar
contigo e tu vais partilhar os brinquedos. Se precisares de alguma coisa, pede-me, mesmo que
esteja a falar com a Helena e com a Ana, que também virá com outro menino, que se chama
Lucas. Vou-te dizer uma coisa, Nuno: Estou muito contente que tenhas vindo comigo, a
acompanhar-me para eu trabalhar com as minhas amigas!
A Júlia estranhou ver o André no parque. Olhou para ele com pena, e disse-me com alguma
diplomacia:
- O André não estaria melhor a brincar com os outros, Helena? O parque, mesmo grande como
este, limita o espaço dos bebés...
Estávamos a trabalhar há meia hora, quando a Ana chegou, toda afogueada, a puxar
literalmente pelo Lucas, que choramingava e se arrastava pelo chão do patamar da escada.
Assim que lhe abri a porta, cumprimentei-a e ela começou a gritar:
- Este pestinha!! Tive de sair do autocarro para não dar espetáculo e vir de táxi. Anda, filho, vai
brincar com os outros e deixa-nos uns momentos em paz.
Entre muitos soluços, o Lucas tentou dizer algo à mãe, mas, perante o seu desinteresse, ele
relutantemente juntou-se às outras crianças.
Após alguns minutos, as três mães tiveram de intervir numa luta, que parece ter sido provocada
pelo Lucas, destruiu um castelo e arrancou a cabeça a uma boneca. A Ana berra com ele, dá-lhe
dois açoites e ameaça-o:
- É a última vez que te trago a casa de alguém. Se não fosse termos ainda de trabalhar, íamos já
embora. Que belo espetáculo o teu, filho!
- É que me sinto muito sozinha, Helena. O João não para em casa com tanto trabalho que tem.
Às vezes deixo o Lucas a brincar e vou até à rua falar com alguém… em minha casa há demasiado
silêncio. E tu vês como este macaquinho me obedece, nunca para. Vou falar com o João,
sinceramente penso que este meu filho precisa de um psicólogo: não obedece nem com ameaças
nem com castigos. Que sorte a vossa! E tu Helena, como é que consegues ter a casa tão
arrumada com seis filhos? Tenho tanta inveja de ti! Calharam-te uns anjinhos, na distribuição
dos filhos...!
- Esqueci-me de dizer ao Lucas que guardasse os doces que lhe comprei para ir sossegado no
táxi. Olha como este porquito te pôs a casa! Desculpa Helena, mas tu sabes como são as crianças
nestas idades...
- Por falar nisso, tens de me ajudar a ter a minha casa tão arrumada como a tua. Acho que tenho
demasiados móveis e o miúdo não tem espaço para brincar. O João diz que temos de levantar
meio metro do chão, todos os bibelots que estão na mesa de apoio e nas estantes da biblioteca,
para que o Lucas não os parta… Além disso, num ataque de impulsividade, já me disse que atira
pela janela todos os vasos que estão no terraço para que o Lucas tenha mais espaço para brincar.
Na realidade, seria uma pena, porque o terraço parece mesmo um jardim. Para mais, precisamos
do quarto de hóspedes, mesmo que só se utilize de vez em quando, quando vêm os meus pais.
Complicações da nossa vida!
- Olha, Helena, infelizmente penso que estamos a perder o nosso tempo, em vez de estarmos a
trabalhar. O que é que fizemos hoje? Assistimos a um espetáculo lastimável e desagradável de
choro e ranger de dentes.
Tentei convencer a Júlia de que a Ana está verdadeiramente desorientada, que não sabe que
atitude deve tomar em relação ao trabalho e cria até para ela própria, imensas dificuldades
devido à sua falta de organização:
- A Ana tem hábitos que devia mudar, mas isso não se consegue de um dia para o outro. Se nós
trabalharmos de forma adequada, ou seja: bem, ela vai-se entusiasmando, pouco a pouco, com
o bom ambiente que desejamos para as nossas reuniões...
- Acreditas que vai mesmo mudar por nos ver a agir de uma outra forma? – objetou a Júlia.
- O importante é que ela se aperceba de que a educação requer empenhamento, que a ordem
requer esforço e que a organização da casa dá trabalho... temos de ter paciência. Um dia
também descobrirá o gosto de fazer as coisas melhor, vais ver. Eu acredito nisso.
Combinámos nova reunião para quarta-feira à mesma hora. Entretanto, a Maria ajudou-me a
limpar «o campo de batalha» sem fazer grande alarido. Para que ela não desanimasse,
cantámos, dissemos lengalengas, e jogámos às adivinhas...
A CRIANÇA E O
AMBIENTE QUE A RODEIA
✓ Conversar muito com elas todos os dias. Convém ir habituando o ouvido, pondo
música adequada desde que nascem, e
✓ Usar uma linguagem correta, sem mesmo antes, não só para cultivar neles o
repetir os erros da criança. gosto pela música, mas também porque isso
favorece o desenvolvimento global da
✓ Ler e contar-lhes histórias. inteligência e das diversas aprendizagens.
Programa: Sessão:
Esquema do caso:
Problemas:
Soluções:
A Joana e o Mário têm três filhos, o David, de cinco anos, o José de três e a Carolina com pouco
mais de um ano. O Mário trabalha em artes gráficas e a Joana numa empresa multinacional,
embora, desde o nascimento da Carolina, e tendo ponderado com o Mário, tenha ficado de
licença.
O David é um rapaz organizado, calculador, aplicado, obediente e calmo. A mãe educou-o desde
pequeno segundo o ideal que ela tinha, também pelo que leu sobre educação, puericultura,
pedagogia, etc. O Mário sempre disse que ela exagerava, que as crianças tinham de desenvolver
a sua personalidade sem demasiadas regras ou limites.
A verdade é que, perante os bons resultados educativos que a Joana tinha tido com o David, o
Mário nunca se preocupou muito com o tema da educação e limitava-se a apoiar a mulher, a
quem via como uma autêntica profissional na matéria. «Ao fim e ao cabo, até eles chegarem ao
uso da razão, o pai tem muito pouco que fazer». E, limitava-se a «desfrutar dos seus filhos», nos
poucos tempos livres em que os via.
Efetivamente, este era outro problema que os preocupava e que provocava algumas discussões,
porque quando o Mário chegava do trabalho, já as crianças dormiam, e a joana proibia-o de as
acordar. Assim o pai, praticamente, só as via ao fim-de-semana.
«Mas que sujidade que está aqui, olha me só esta confusão! O que é que vamos fazer contigo!
Já viste como é que puseste a tua irmã? Deixa-a em paz, porque é que a excitas tanto? Depois
não dorme! Porque é que não fazes como o teu irmão? São as «recomendações» habituais que
o José ouve da mãe.
Hoje, sábado, como a Carolina apareceu com muita febre, o Mário levou os mais velhos ao
parque de diversões. «O que estes miúdos precisam é de mais distração», resmungou
interiormente, enquanto descia o elevador.
Acabaram por se divertir bastante no parque de diversões, especialmente o Mário e o José, pois
este quis andar em tudo o que eram atrações, fazendo as delícias do pai.
Já o David passou por alguns maus bocados uma vez que concordou em andar em algumas
atrações só para não dar parte de fraco, por puro amor-próprio.
- Vamos lá David, tens de te fazer um homem! Olha para o teu irmão como ele sobe, já viste que
valente que é? E pegando-lhe pelos braços, sentou-o num comboio aquático com ondas – Mas,
será possível que tu, com cinco anos ainda chores por causa disto, se o José, só com três, se está
a rir? Vamos lá!
- Podem beber o que quiserem hoje, mas não digam nada à mamã - respondeu, e depois
acrescentou em voz alta e para si mesmo: «A vossa mãe é um sargento de infantaria».
Quando chegaram a casa, muito para além da hora habitual do almoço, houve logo uma zanga.
Os miúdos chegaram com alguns arranhões e sujíssimos. O José com a pressa de contar tudo à
sua confidente, Carolina acordou a rapariga. O David queixou-se enquanto explicava à mãe que
tinha tido medo e, para cúmulo, contou-lhe da «Cola-Cola».
A Joana leu a cartilha ao Mário: sujos, comerem fora de horas, mortos de cansaço, botões
perdidos, David assustado...
O Mário recuou, no entanto, estava convencido de que toda aquela aventura devia ser repetida:
«a esta criança fazem-lhe falta muitos dias assim», pensou ele, referindo-se a David.
Já na sala ao lado, fechou os olhos e pressionou as pálpebras quando ouviu a última pergunta
do David à mãe:
O José acabou por adormecer no chão do quarto. Entretanto, a comida ficou à espera em cima
da mesa...
Dizer que todos os filhos são diferentes é competência, quanto mais os ótimos, a
uma verdade que qualquer mãe ou pai tem menos que tenha certas experiências de
a oportunidade de comprovar ao longo da estimulação e aprendizagem.
vida. Talvez por isso se tenha dito que «a
verdadeira igualdade consiste em tratar E aqui, entra o papel fundamental dos pais,
desigualmente os desiguais». E, de certa pois são eles que devem fornecer-lhes os
forma, assim é. complementos – e não os suplementos -
que são necessários (pré-escolar, familiares,
Devemos transmitir a todos os filhos os especialistas, terapeutas, etc.).
mesmos princípios e propor as mesmas
metas essenciais, contudo de forma Esta é a responsabilidade e a alegria
diferente, porque não se educa no «geral», daqueles que têm o direito de educar os
a educação de cada filho deve ser sim seus filhos: proporcionar-lhes as melhores
concretizada e personalizada. experiências, sobretudo nos primeiros anos
de vida, independentemente do potencial
A herança genética e a criança que a criança possa ter herdado.
Podemos dizer que a criança ao nascer traz A tabela na página seguinte mostra, com a
consigo um dote: a sua herança genética é cautela que exige, todo o cálculo percentual
o limite das suas potencialidades, mas não que diz respeito ao comportamento
garante um determinado nível para elas. humano, à influência que o ambiente e à
Uma criança que nasce com uma lesão experiência que podem ter sobre o
cerebral não pode, logicamente, atingir o desenvolvimento de uma criança.
mesmo nível de outra cujo sistema nervoso
central está ileso.
Tabela 1
O que é certo é que a criança que não tem
condições físicas e/ou neurológicas não Influência da genética e aprendizagem nos
será capaz de atingir os níveis de diferentes âmbitos da pessoa:
Desporto e exercício
Material Gerir 78% 22%
físico
Aprendizagem e
Intelectual Instruir 52% 48%
conhecimentos
Aceitá-los não é resignarmo-nos, mas sim A criança de zero aos três anos de
saber de onde partimos, para fixar com idade precisa da presença do pai e da
clareza a meta até onde podemos chegar. É mãe, do seu contacto físico. Na maior
importante que conheçamos como é cada parte das ocasiões não é necessário
filho para que, ao encorajá-lo no que é bom, estar sempre em cima da criança, pois
não o enganemos, fazendo-o crer que tem ela precisa de tempo para desenvolver
umas qualidades diferentes, ou talentos a imaginação e brincar sozinha; mas,
mesmo assim, precisa de saber que a ✓ Evitar as pressas: a criança não tem a
mãe ou o pai estão por perto, a noção do tempo.
trabalhar em casa, a ler ou a conversar
com os amigos, que estão lá. ✓ Respeitar a sesta dos bebés para que se
comportem depois como queremos.
E somos nós, pais, que temos de ultrapassar
a tentação de pensar: «para estarem aqui ✓ Ouvir atentamente os nossos filhos,
sozinhos ou sem me prestarem atenção, desde que começam a balbuciar
mais vale deixá-los com uma palavras.
ama/empregada/baby-sitter». Não, as
crianças brincam bem, felizes e seguras, Não é suficiente apenas estar com os
precisamente porque a mãe ou o pai estão filhos. É importante saber estar e
lá. saber ouvi-los. Os filhos confiam nos
pais quando eles estão próximos,
Aqui não há espaço para receitas, cada acessíveis, dispostos a interessarem-
família tem a sua própria personalidade, se pelo que lhes está a acontecer
mas atrevemo-nos a fazer algumas
sugestões: A preocupação com os filhos requer esforço
e deve englobar todos os seus aspetos. Não
✓ Se não podemos chegar a casa mais podemos só nos preocupar com a saúde
cedo e estar com os filhos à noite, deles. Temos de descobrir esse outro
podemos sempre levantar-nos mais mundo mais egocêntrico. E devemos fazê-lo
cedo de manhã e tomar o pequeno- escutando os silêncios interiores dos nossos
almoço com eles. filhos, tudo o que eles expressam sem
palavras: um olhar questionador, um sorriso
✓ Levá-los à creche ou ir buscá-los, pelo de conforto, uma simples palavra de
menos um dia por semana. desapontamento. Os filhos confiam nos pais
quando eles estão próximos, acessíveis,
✓ Em vez de praticar desporto aos dispostos a interessarem-se pelo que lhes
sábados às onze horas, experimentar às está a acontecer.
nove… ou às oito, para poder dedicar
toda a manhã à família. Não basta, embora seja um pressuposto
necessário, estar com os filhos. Precisamos
✓ Dar banho aos bebés, tanto o pai como de saber estar e, sobretudo, de saber
a mãe. escutar. Se queres mesmo saber o que
realmente sente e pensa o teu filho, não
✓ Em vez de ler o jornal de manhã/livro,
fales muito: escuta-o.
quando os filhos estão cheios de
energia e vontade de brincar, lê-lo à Como é que devemos escutar os nossos
noite. filhos?
Convém fixar objetivos para cada filho, valorização, que a criança construirá
pequenos, simples e fáceis, que não se com os elementos que tem mais à
prolonguem demasiado no tempo, sem mão: palavras, linguagem corporal e a
tentar corrigir tudo, mas que se vão relação com as pessoas ao seu redor
revendo e implementando eficazmente.
A autoimagem é o conceito da sua própria
Estes devem ser objetivos que podemos valia, que a criança construirá com os
reter na cabeça sem grande esforço, que elementos que tem mais à mão: palavras,
nos saíam naturalmente quando agimos, linguagem corporal e a relação com as
porque estamos convencidos de que são pessoas ao seu redor. Se as mensagens e as
aqueles que queremos e acreditamos que impressões que recebe são negativas, a sua
aquele filho precisa. autoimagem e, portanto, a sua autoestima
será também negativa.
Para conseguir um tratamento
personalizado não devemos impor os «Modifica a tua autoimagem e modificarás
nossos caprichos às suas brincadeiras: as tuas faculdades». Uma criança com boa
autoimagem será ativa, curiosa, com bom
o A criança está deitada no chão, e a mãe humor, confiante e flexível. Terá a energia e
interrompe-a para brincar a algo mais a confiança necessárias para colocar, a si
educativo. própria, desafios e tentar alcançá-los:
sentir-se-á incondicionalmente amada e
o A criança está a olhar para as formigas valorizada como pessoa. A cada novo
no chão, muito concentrada, e o pai sucesso a sua confiança será fortalecida, e
vem por trás e levanta-a no ar. uma rede de conexões neurais boa será
criada.
o Respeitar o seu estado de humor: por
exemplo, à criança que acabou de se
A criança que acredita, ou melhor, que foi
levantar depois da sesta, não lhe
levada a acreditar, de que é inútil ou
costuma apetecer fazer grandes
incapaz, fará escolhas que a conduzirão ao
brincadeiras, nem responder a muitas
fracasso, reforçando assim as suas
perguntas.
convicções negativas. Ninguém a quem
tenha sido repetidamente dito o quão
o Adaptar a casa de forma a terem
inepto, desajeitado e feio ele é pode ter
liberdade para brincar e poder explorar,
energia suficiente para se lançar com
ir à descoberta. Também é a sua casa!
sucesso no caminho da vida, porque nem
Não o ajudar de cada vez que tenha um sequer será feliz consigo mesmo. Será
problema: é melhor dedicar uns momentos sempre uma criança inativa, tímida,
a explicar-lhe e a sugerir-lhe o que pode retraída, hipersensível e carregada de «não
fazer para o resolver sozinho. posso».
Modelos de amor
Programa: Sessão:
Esquema do caso:
Problemas:
Soluções:
O António, até agora, era filho único. A mãe, Marta, está à espera de uma menina dentro de
dois meses. Trabalha em full time num banco. O seu marido, Pedro, gere uma pequena empresa
de publicidade à qual dedica grande parte do dia. Desde que a Marta regressou ao trabalho após
a licença de maternidade do António, o pequeno tem ficado ao cuidado dos avós maternos. Eles
chegam muito cedo a casa do neto, e alternam alguns dias com o tio Gabriel, que também está
reformado. Esta é a razão pela qual o Pedro e a Marta não têm pressa em pôr o filho numa
creche.
- Como em casa, não vai estar em mais sítio nenhum – comenta a Marta quando alguém lhe
pergunta – tem uma infinidade de brinquedos e a família que o sabe entreter.
Na verdade, o António tem muitos brinquedos. Regularmente, um dos avós ou tios, sob
qualquer pretexto, compram-lhe alguma coisa. Assim, tem um cesto enorme cheio de mil
brinquedos. De manhã, esvazia-o no tapete da sala: carros, soldados, cavalos, bombas de
gasolina, etc. Muitos deles estão desmontados, porque o António quer ver o mecanismo de cada
um e não para enquanto não o «encontra». À noite recolhem-se, amontoam-se no cesto e assim
ficam até ao dia seguinte.
- Fica a brincar comigo, mamã. Ao que ela responde, quase automaticamente: - Mas tu tens
todos os brinquedos do mundo!
O Pedro fica zangado porque acha que o filho é demasiado abrutalhado nas suas brincadeiras e
há algumas que são verdadeiras obras de arte.
Desde que a Marta descobriu num livro que as crianças deviam brincar sozinha com as suas
coisas, o António passou a brincar centenas de horas com os seus brinquedos.
Em certos dias o avô ou a avó ou até o tio Gabriel levam o António ao parque. Contudo, os avós
de plantão, dizem que o neto «se porta muito mal» e é por isso que na maioria do tempo
preferem que ele fique em casa a brincar, no grande terraço, que tem sol toda a manhã.
- Ora! Ora! O tio Gabriel, o tio Gabriel! Dava-te a lua se lha pedisses – replica-lhe a avó. Se fosse
ele que tivesse de te educar, estávamos bem arranjados! E nem se pode ir aos parques com tanto
cão por lá...
Mas, hoje no parque aconteceu algo que se vai falar por muito tempo em casa da Marta e do
Pedro: o rapaz trocou o trator teleguiado que o avô António lhe deu no Natal por um balde de
plástico todo velho cheio de areia do parque. Na realidade, nunca se vai saber a verdade, mas o
certo é que o António conta o que aconteceu à sua maneira:
- Dei o trator velho a um menino que vi no parque, para ele me dar a areia e o balde. Toma,
toma, Avó! Vou levar esta areia para casa, para brincar!
Escusado será dizer que nem o balde nem a areia entraram em casa. A avó Rosa fez com que
tudo desaparecesse muito rapidamente, com a promessa de resgatar o trator que tinha sido
objeto de troca.
O avô António está disposto a substituí-lo no próximo aniversário. O Pedro aproveitou a ocasião
para pedir a todos os familiares que fossem o mais modestos possível quanto aos presentes. Ele
acha que o António tem uma «síndrome de saturação» em relação aos brinquedos.
Quando às vezes, a outra avó, Isabel, toma conta do António, tira todos os brinquedos da frente
dele, só lhe dá um de cada vez e brinca com ele a guardar a roupa nos armários, a contar passos
ao longo do corredor, a explicar-lhe o que é uma paisagem e uma natureza morta, a identificar
as pessoas nas fotografias da família e mil e uma outras coisas. A Marta queixa-se que a avó
Isabel, em vez de a ajudar, revolve-lhe a casa toda, muda-lhe as coisas de sítio e deixa o neto
entrar em todas as divisões da casa:
- Ele tem os brinquedos dele, Isabel - faz-lhe ver a Marta. - Não se pode deixar a casa toda à
mercê da criatura.
Passado alguns dias, chegou o dia de aniversário do António, apagaram as velas e cantaram o
«Parabéns a você!». Dos muitos presentes que recebeu, apenas um lhe chamou a atenção: o do
tio Gabriel. Consistia numa caixa de madeira com um metro e meio de comprimento e um palmo
de altura, estava cheia de areia limpa e tinha um balde, uma pá, um ancinho de plástico e alguns
moldes para fazer «bolinhos» no seu interior.
O António passa agora muitas horas a fazer castelos e formas na areia. A Marta protesta
constantemente porque a areia entra na sala de jantar, e porque além disso, o filho convida
sempre dois ou três vizinhos para brincar com o seu novo brinquedo.
Para culminar, no outro dia, uma das crianças descobriu que molhar a areia suporta muito
melhor os bolos e as formas.
- Há areia até à porta! - grita a avó Rosa. - Que grande invenção a do tio Gabriel. É claro que não
é ele que tem de varrer!
O Pedro, contra o desespero da sogra, ficou satisfeito com a desenvoltura e a satisfação do seu
filho. Sem dizer nada, apanha a areia que vem do terraço, enquanto pisca o olho ao António.
A NECESSIDADE DE BRINCAR
NA VIDA DA CRIANÇA
Poder-se-ia dizer que a vida da criança de mãe, a propósito das primeiras brincadeiras
dois ou três anos está dividida entre o sono com o seu bebé, diz: «É a senhora, com o
e a brincadeira, apenas interrompida pelas seu rosto fascinante, os seus olhos
refeições. É igualmente perigoso para uma fulgurantes que falam e o embalam. Os seus
criança desta idade não dormir, não brincar braços quentes, as suas mãos suaves, os
ou não comer, porque tal como o seu corpo seus dedos acariciadores, o seu cheiro
precisa e lhe pede para comer e dormir, a familiar, até só a sua presença singular e
brincadeira contribui para o seu divertida se torna, para o seu filho, o
desenvolvimento cerebral e emocional, que primeiro brinquedo que há no mundo e é,
são a base para uma aprendizagem integral de todos, o mais perfeito».
futura.
A criança precisa de ouvir com frequência a
A brincadeira, que inclui certamente prazer, voz da mãe. Enquanto passa a ferro ou
alegria, ação e aprendizagem, é conjugada, realiza as tarefas da casa, ela pode falar com
ao longo do dia, com situações mais ela e contar-lhe coisas, em linguagem
desconfortáveis, tais como ter fome, estar normal, sem diminutivos disparatados.
molhada, etc. Mas durante a maior parte do Assim, ela vai ouvindo sons que pouco a
dia o bebé brinca, ou seja, está ativo, pouco associa ao amor da mãe, e que com
centrado no que lhe interessa. Em certos o tempo articulará em sílabas e palavras.
momentos, fica mesmo sério e concentra-
se, porque o que faz é muito importante
A criança aprende enquanto observa e
para ele. Está a adquirir capacidades, a
imita e a brincadeira é uma imitação de
descobrir o mundo ao seu redor e a
tudo o que a rodeia
começar a desenvolver a sua personalidade,
através dessas vivências lúdicas.
A inteligência de uma criança exige do
Durante o primeiro ano de vida ambiente constantes novidades, «dados»
adicionais para alimentar o seu cérebro, que
Joanne F. Oppenhein, dirigindo-se a uma se desenvolve a um ritmo vertiginoso.
À medida que a criança cresce, a mãe e o pai interessar-se mais por tudo
veem com alegria que vai compreendendo quanto é palpável. Da «fome visual»
as coisas: podem fazer-lhe caretas passa à «fome manual», e o seu apetite
divertidas, deitar a língua de fora, encher as é insaciável. Vai tentar chegar às coisas,
bochechas de ar e fazer sons engraçados sentir, dar pontapés, manusear tudo o
com a boca. Se a criança espirra, a mãe ou o que estiver ao seu alcance e mover-se
pai podem fazê-lo também, se boceja, para ouvir sons.
podem imitá-la. Estas são brincadeiras
autênticas, que divertem a criança e são, ao A boca do bebé será uma maravilhosa fonte
mesmo tempo, veículo para sentir o amor. de informação. Não poderá resistir ao
impulso de levar tudo à boca: brinquedos,
Algumas atividades lúdicas durante mãos, pés, tudo se converterá em elemento
o primeiro ano de vida: de exploração. Começa a dentição.
Apercebe-se das relações causa-efeito.
PRIMEIRO MÊS: Só espera que o Aprende a associar uma ação particular ao
alimentem, limpem e o ponham a efeito que ela produz. Atira repetidamente
dormir. Gosta que lhe peguem ao colo. com os brinquedos para observar como
Volta a cabeça, e os seus olhos fixam-se caem ou como fazem barulho. Ao concluir
em tudo quanto esteja na sua linha de este primeiro ano de vida, irá exceder os
visão. Os ouvidos escutam e limites do berço.
apercebem-se de todos os sons e o
olfato é muito forte. Durante o segundo e o terceiro ano de
vida
DE UM A DOIS MESES: Interessa-se por
tudo o que tem luz e movimento, Celebrou-se o primeiro aniversário e os pais
compreende que «essa coisa que se estão convencidos de que têm a situação
mexe» é a sua mão. A partir de agora, controlada e de que já aprenderam a cuidar
começa a aprender onde é que ele do novo membro da família. Mas o primeiro
acaba e o mundo começa. Compreende ano de experiência não serve de muito para
que não está completamente os anos seguintes. Começam a observar que
desamparado, porque alguém cuida o filho, até agora sem autonomia, se
dele, fala com ele e ocupa-se dele… converteu numa pequena máquina em
contínuo movimento.
NO TERCEIRO MÊS: Tendo descoberto
as mãos, o bebé fica fascinado. Olha Têm ainda muito presente como era
para elas durante horas. Mas o divertido ver o bebé a brincar, diante do
interesse pelos rostos também está a espelho, nos braços dos seus pais: a
crescer, e este é talvez o momento mais observar as mãos e os pés, a deitar a língua
importante para o encorajar a dar os de fora, a bater palmas…
seus primeiros sorrisos.
Porém, aquele pequeno ser cresceu. Já não
NO QUARTO MÊS: Nos aparentes é aquele bebé que dormia muitas horas,
movimentos ao acaso, aprenderá a tranquilamente, no seu berço. Começa a
selecionar aqueles que satisfazem as andar, a levantar-se e a «conquistar» todos
suas necessidades. Ao abrir os punhos os cantos da casa. Quer conhecer tudo,
começará a usar o sentido do tato e a observar e tocar.
fazer pressão para se agarrar com força
às coisas que o abrem ao mundo. O trabalho dos pais será sempre positivo,
ajudando-o a levar a realizar estas
NOS MESES SEGUINTES: Começa a «investigações», sabendo que primeiro
maravilhoso, posto que a sua fantasia materiais mal fabricados, com o tipo de
infantil lhe sugere mil coisas que pode fazer tintas utilizadas em alguns brinquedos, com
com aquilo. Alguns baldes de plástico, o tamanho das peças, etc. Ao comprar
madeira, pás, tachos, colheres e carros brinquedos, é fundamental ler as instruções
podem ser um bom complemento. e recomendações do fabricante. Nem todos
os brinquedos são adequados e seguem as
Quando alguém aconselha brinquedos norma CE.
«baratos», parece que se deprecia a
dignidade do «rei da casa». Longe disso, Partilhamos alguns critérios que podem
umas simples caixas de cartão, embalagens ajudar na escolha de um brinquedo:
de iogurte, garrafas de plástico, rolos de
papel higiénico, retalhos de roupas ✓ Que se adapte aos gostos e
coloridas, etc., podem fazer a delícia dos preferências da criança.
miúdos de dois a três anos, uma vez que
têm potencial, com tudo isso, de criar as ✓ Que seja adequado à sua idade e
suas próprias brincadeiras. ao seu nível de maturidade.
Programa: Sessão:
Esquema do caso:
Problemas:
Soluções:
Era a primeira vez que a Rita e o Tiago confiavam o seu filho Tomás, com pouco mais de um ano
e meio, a alguém que não fosse os avós ou a creche.
Os dois estavam tranquilos, afinal a Lúcia era a madrinha do Tomás e a melhor amiga da Rita, e
assim era meio caminho andado para que o pequeno não estranhasse ao ficar com ela.
- Deixo-te uma lista de coisas que te vão ajudar a lidar com o Tomás. Já sabes que, para além de
irrequieto, está numa idade muito difícil. É teimoso como o pai e faz-nos perder a paciência. Para
não o ouvirmos, às vezes cedemos às suas palermices. Mas ainda é tão pequenino... - disse a
Rita.
E acrescentou:
- Tentamos pensar em todas as situações possíveis. Talvez algumas delas te pareçam estranhas,
imagina que ainda nem sequer nos atrevemos a mencioná-las à educadora, mas no caso do
Tomás estão a resultar.
- Mas são onze pontos! Isto não é um pouco exagerado para uma criança tão pequena?
«A chupeta tem de estar sempre à mão, desta forma não vais ter problemas. Dorme uma hora
de sesta e geralmente adormece a ver os desenhos animados do canal Disney Júnior. Põe-se no
berço. Não faz mal se leva coisas à boca, pois está na fase dos dentes, se o impedires, fica
histérico. Dir-te-á o que quer comer à hora do lanche. Se se portar bem, a sobremesa do jantar
pode ser um gelado ou fruta».
- A propósito, Lúcia - acrescentou a Rita - já está assinalado na lista que a hora do banho é vital,
seguindo claro, as orientações anotadas: tiramos-lhe as roupinhas no quarto, pomos-lhe o
roupão do Sponge Bob e damos-lhe banho na nossa casa de banho, que é algo que ele gosta
muito. Às vezes o problema é precisamente tirá-lo da banheira, porque se entretém na água,
inventando histórias com os bonecos.
- Bem, vou acabar de ler o resto dos pontos da lista mais tarde. Agora vão descansados para o
casamento, senão ainda chegam atrasados. Eu cá, fico muito feliz com o meu afilhado.
- Atrasadíssimos! Diz isso ao meu querido marido, que só se lembrou de ir agora lavar o carro,
mesmo antes do casamento…
E não terminou a frase: a porta de entrada fechou-se com um golpe seco, acompanhado por um
«Já cá estou!» do Tiago. A Rita aproveitou para dar um toque na maquilhagem e escolher a
carteira mais adequada para o seu conjunto, deixando a Lúcia e o Tiago na sala, enquanto o
Tomás brincava, ali mesmo, com um carro.
- Tenho a certeza de que a Rita já te deu a lista. Não sei o que ela te disse, mas eu recomendo
que, se ele chorar muito, lhe dês bolachas Oreo. Vais ver como isso o acalma. É o meu «segredo
profissional», que uso quando é a minha vez de ficar com ele.
Estas palavras foram acompanhadas por um olhar de cumplicidade entre o Tiago e o Tomás, que
respondeu com um «papá, bom!».
- Mas se vês que as coisas ficam feias, uma palmadita é linguagem que ele entende muito bem...
O pior é a hora de dormir. Aí é que são elas! Não há maneira: não fiz xixi, tenho sede, não tenho
sono, mas a mãe conta-me sempre uma história, é a luz, é a porta. Enfim, conseguir ficar em paz
nesta casa é uma verdadeira epopeia todos os dias. Vamos ver quando será que ele percebe que
tem de descansar e deixar os outros descansarem!
A Lúcia ouviu o Tiago, embora não concordasse muito com os seus comentários. Antes de
saírem, os pais deram um abraço ao Tomás, dizendo-lhe:
- Agora ficas com a madrinha: queres ficar com ela, não queres?, vais portar-te bem?, vais comer
tudo? Olha, se te portares bem, amanhã, vamos ao parque do baloiço gigante e compramos
«doces».
À meia-noite, a Rita e o Tiago chegaram a casa e não acreditavam no que viam. O Tomás dormia
placidamente na cama de casal e o quarto dele estava arrumado. Ficaram a saber que estava a
dormir desde as 8h, quando o habitual era não adormecer antes das 9h30. Ficaram pasmados.
- Seguindo as minhas regras e esquecendo a vossa lista. O Tomás é uma criança inteligente e
entende mais do que vocês pensam. Eu acho que ele vos põe à prova… têm de aguentar mais e
aplicar sempre os mesmos critérios. Comeu tudo sem problemas, fizemos uma brincadeira na
hora de arrumar o quarto e a hora do banho foi encantadora, divertimo-nos muito. Ah, da
chupeta não se lembrou até à hora de dormir. Não sei do que se queixam com um filho tão bom.
Podem deixá-lo comigo sempre que quiserem.
Quando ficaram sozinhos, a Rita e o Tiago pegaram na famosa lista e começaram a pensar, se
não seria melhor deitá-la fora. A experiência da Lúcia como baby-sitter ajudou-os a repensar e
a conversar sobre a forma como deveriam educar o seu Tomás.
AUTORIDADE: REGRAS E
OBEDIÊNCIA
Para que os seres humanos, desde muito vontade é ainda algo muito incipiente,
pequenos, aprendam a fazer coisas boas e portanto, se queremos que os nossos filhos
valiosas, é necessário que eles as queiram sejam verdadeiramente bem educados, não
fazer. E para isso é conveniente ensinar-lhes bastará usar estímulos, nem vivências, nem
que são capazes de fazer muitas coisas, que uma linguagem rica, nem sequer amá-los
há coisas boas para fazer e que há outras muito. Teremos que concentrar os nossos
que devem ser evitadas. esforços em proporcionar-lhes os meios
para que tenham a vontade educada, essa
O problema é que a vida humana é capacidade humana que rege o
complicada e complexa. Em muitas ocasiões comportamento da pessoa e graças à qual
a nossa natureza, que não é perfeita, mas podemos escolher o bom, ou o mau, nos mil
sim «tendencialmente desordenada», e um acontecimentos de cada dia.
confunde a nossa compreensão e faz com
que nos apresente como bom aquilo que Nos primeiros anos de vida, as crianças
não é. Isto dá-se com mais frequência com recebem e gravam no cérebro, com
as crianças pequenas. uma absorção incrível, todo o tipo de
estímulos positivos, encorajamentos,
Nós, como pais responsáveis, que felicitações e também normas
queremos educar bem os nossos filhos, não elementares de comportamento,
só deveremos evitar que façam coisas más, compreendendo as coisas que é bom
como deveremos conseguir que façam e fazer, e que satisfazem também os pais,
gostem de fazer coisas boas, que saibam e quais as que lhes aborrecem e
apreciar o bem e o que é bom e que, incomodam.
obviamente, tenham a vontade necessária
para o fazer. Desde o início, os filhos observam e
valorizam o que é importante para a mãe e
Educar a Vontade o que é importante para o pai... e o que não
lhes agrada, nem a um nem ao outro! E
Partimos do facto, de que nesta idade, a assim, vai crescendo neles a vontade de
constância, procurando sempre pontos «Confio em que farás isto que te peço o
positivos melhor possível»
Programa: Sessão:
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