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Saiba como ajudar os seus filhos a adaptarem-

se ao isolamento
15 mar, 2020 - 13:00 • Filipe d'Avillez , Marina Pimentel
Trabalhar a partir de casa, ajudar nos estudos dos filhos e
ainda lidar com a casa e possivelmente com bebés pode
parecer uma tarefa impossível. Leia as dicas de uma psicóloga
educacional e mãe de três filhos que está a passar pelo
mesmo.

Como é que se explica às crianças que o tempo que têm de passar agora em casa não é de
férias? E como lhes falar da pandemia do coronavírus, e dos cuidados a ter, sem os alarmar?
A psicóloga educacional e clínica Rita Faria Blanc está na mesma situação que muitas
famílias portuguesas. Mãe de três filhos pequenos, dá-nos dicas sobre como lidar com todos
os desafios que se colocam nesta fase em que as autoridades pedem que haja isolamento
social.
Com as famílias juntas, sem poder descomprimir das formas tradicionais, quais as
estratégias para que esta convivência não se torne difícil de suportar?
Acima de tudo, não podemos querer fazer tudo ao mesmo tempo.
Houve aqui uma grande reviravolta. Ter de trabalhar, fazer desporto, fazer de professores
para os nossos filhos, tarefas domésticas, as mensagens constantes e vontades de ver notícias,
tratar dos filhos, dar banho, dar jantar, tudo isso, o tempo em casal... São muitas coisas que
temos de fazer, confinados a um espaço muito reduzido.
Mas há três pontos que podemos focar e que são essenciais para que as coisas corram com
menos conflitos e desorganização.
Em primeiro lugar parece essencial que cada família crie um horário e mantenha rotinas. Que
o despertador toque na mesma de manhã – pode não ser tão cedo, claro – e que exista um
horário de estudo para os filhos e horário de trabalho para os pais. Que as refeições se
mantenham como habitualmente, que os miúdos acordem e toda a gente se vista.
O segundo ponto são as tarefas em si. Quem é que as vai executar? Em casal, e quem tem
filhos mais velhos, e adolescentes, quem é que cozinha, arruma a cozinha, faz as camas,
estuda com os miúdos. Não podemos querer estar a trabalhar e os miúdos estarem a estudar e
ao mesmo tempo termos um pequeno que está a brincar. Pode tornar-se caótico querer chegar
a tudo e não conseguirmos.
Finalmente, temos a questão dos espaços e parece-me muito importante haver uma definição
do que é que acontece onde. Se na sala comum estiverem uns a trabalhar, outros a estudar e
outros a brincar e outros a ver televisão, será muito complicado que as coisas corram bem.
Idealmente deve haver uma divisão para os pais trabalharem, nesta perspetiva de horário –
com um a trabalhar numa hora e outro noutras horas, porque os dois ao mesmo tempo será
complicado – e outra divisão para as crianças poderem brincar; outra, se possível, para os
mais crescidos poderem estudar, e depois as refeições manter a rotina habitual.
Como convencer os mais novos que isto não é um tempo de férias?
É difícil. Vamos colocar-nos na posição deles, o nosso rendimento, a trabalhar nesta situação,
desce consideravelmente. Não podemos exigir estar o tempo que estaríamos num escritório,
estando em casa, mesmo que numa divisão diferente, a ouvir o que está a acontecer e com
preocupações em relação à dinâmica de casa.
Havendo este trabalho de colaboração entre todos e esta definição de horários de tempo de
estudo, será muito mais fácil para eles. Porque se eles acordarem e forem automaticamente
ver televisão de pijama e depois tomar o pequeno-almoço ao fim da manhã, e o dia vai
continuando sem eles perceberem bem quando é que é preciso estudar, vamos interromper
uma brincadeira e aí vai ser muito mais complicado. Mas se decidirmos em família e
definirmos que de manhã eles acordam, vestem-se, tomam o pequeno almoço e depois vão
cada um para a sua secretária fazer aquilo que os professores enviam por email, parece-me
que aí as coisas poderão funcionar melhor.
Mas temos de assumir que não vão estudar tanto como se estivessem na escola, claro.
Como explicar-lhes tudo o que se está a passar sem as fazer entrar em pânico?
Nada é mais importante do que o estado emocional dos próprios pais. Sejam as crianças
bebés, mais crescidos, mesmo com recém-nascidos, a forma como os pais encaram a
quarentena, as preocupações que têm com o coronavírus, serão um fator que sem dúvida mais
influenciará o estado emocional e a tranquilidade ou falta dela como as crianças vivem o
momento atual.
É muito importante que, na medida do possível, os pais poupem as crianças à informação que
não têm capacidade de compreender. As crianças não deverão mesmo ver notícias na
televisão e na internet e não deverão estar presentes quando os pais conversam mais
profundamente sobre o tema. É muito importante lembrarmos que quando as crianças têm
acesso a algo que não conseguem compreender acabam por fantasiar e imaginar situações
assustadoras e más que as podem mesmo desorganizar.
Voltando à questão, tem de ser tudo muito adaptado a cada criança e à idade de cada um. Não
será necessário falar todos os dias e a todo o momento, mas ter a certeza que houve uma
altura, sobretudo para quem tem vários filhos, em que se conversou individualmente com
cada um. Mais uma vez, não precisa de ser uma situação forçada, mas quando notarem sinais
de inquietação, quando fizerem perguntas, recolher aquele filho e ter uma conversa simples.
Com os mais pequenos é engraçado pedirem que desenhem numa folha o vírus em si, porque
dá-nos logo um sinal do que está a acontecer com eles.
Com os mais crescidos, os adolescentes, depois de os pequeninos estarem a dormir, pode-se
ter uma conversa e discutir notícias.
Há duas questões que são importantes e que nós próprios temos de focar e passar esta
mensagem às crianças, é que o vírus não será, à partida, muito perigoso para as pessoas
saudáveis, os sintomas têm sido semelhantes aos da constipação, da gripe, e por outro lado
que a grande razão para estarem em casa – porque isso é o que lhes causa alguma confusão –
é porque é um vírus que se espalha muito rapidamente, de umas pessoas para as outras e não
é bom estarmos todos doentes ao mesmo tempo.
Até que ponto se explica às crianças que os idosos são os mais vulneráveis, para não lhes
passar o medo de que os avós podem morrer?
Eu aconselho vivamente – claro que para quem não tem avós internados – a conversarem
todos os dias um bocadinho por videochamada, tranquiliza muito as crianças poderem falar
com os avós, com os tios, os primos, os amigos da escola, com quem gostam e querem
partilhar a situação que se está a viver e sentirem-se um bocadinho mais próximos.
Esta situação dos avós angustia muito as crianças. Dizemos que as pessoas saudáveis não vão
ficar doentes e a primeira pergunta é "e então os velhinhos? E as pessoas que não são tão
saudáveis?". Nos pequenos, ajuda muito dar exemplos concretos de coisas que aconteceram,
lembrar por exemplo: "Lembras-te daquela vez que estavas muito constipado e tiveste que
faltar à escola? E a avó queria muito visitar mas pedimos para não visitar porque não
queríamos que ela apanhasse a constipação? Depois fica mais fraquinha e com dificuldade
em respirar", no fundo ir buscar outras situações de doença das crianças, de que se lembram,
ou dos irmãos, ou nossas, ou mesmo até dos avós, e fazer esta equiparação.
Claro que nas situações de internamento, aí o discurso será diferente, sem dúvida.
Neste momento a sensação que tenho, com todas as famílias com quem tenho falado, é que
efetivamente as crianças acabam por já ter ouvido muito mais do que aquilo que deviam e
que compreendem, e certamente que se sentem ansiosas e depois há esta quebra tão
inesperada na rotina do dia-a-dia.
Mais até do que conversarmos com elas e explicar o que é que se está a passar, é muito
importante darmos espaço para poderem partilhar connosco os seus medos e preocupações
para que se possam reorganizar e tranquilizar. Aproveitar quando vamos adormecer à noite,
para com atenção, paciência e interesse, e com uma coisa que finalmente temos, que é tempo,
ouvir o que as crianças têm para nos dizer.
Sem criticar, sem desvalorizar, mesmo que às vezes nos pareça absurdo, ou esquisito, poder
ouvir o que nos trazem, os seus medos e inquietações.
Não nos podemos esquecer que não há nada que dê mais segurança a uma criança do que a
presença dos pais e do que o ambiente familiar. Elas estão bem porque estão em família e
estão todos juntos.
A frase que tenho pedido aos pais para repetirem em casa, quando as crianças se sentem mais
inseguras, menos tranquilas e quando efetivamente conhecemos pessoas próximas que não
estão tão bem, é que o mais importante é que estão todos juntos e que gostam muito uns dos
outros. Isso é o mais importante de tudo.

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