Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
CCJE
2 ANOS DE PANDEMIA
VERSUS Acadêmica: Fania Fridman e Carlos Henrique Ferreira (IPPUR), Paula Mello e Leila Dahia (FCC/SIBi), Isabela Carlim (FND), Marga-
rida Gutierrez e Antonio Licha (COPPEAD), João Felippe Cury (IE), Sandra Becker (IRID), Mª Cecília Chaves (FACC), Júlia Figueredo (GPDES)
#VERSUS imagem
MARIANA MOYSÉS
H
Antonio Licha
Vice-decano
á dois anos a Organização sistema de saúde do Rio de Janei-
Alessandra Monteiro Mundial da Saúde decla- ro. Prestamos uma homenagem
Superintendente do CCJE
Thais de Souza Andrade
rava o início da pandemia da Co- a Josué de Castro, dada a impor-
Chefe de Gabinete vid-19, mas a maioria dos países tância da fome nas pandemias.
Coordenadores do CCJE
Esther Dweck e Ítalo Pedrosa (Coordenação Acadêmi-
ca em Pós-Graduação);
ainda está aprendendo a conviver Outro homenageado é Zé Ketti,
Junya Rodrigues Barletta (Coordenação Acadêmica em
Graduação); com o vírus. Como toda grande destacando as vozes e lideranças
Sandra Maria Becker Tavares (Coordenação Acadêmi-
ca em Extensão e Pesquisa); crise, a pandemia é também uma do samba. Apresentamos tam-
Vinicius Simas Pereira Fernandes (Coordenação de
Comunicação e Tecnologia da Informação);
Waldelice Maria Silva de Souza (Coordenação de
oportunidade de aprendizagem. bém as ações desenvolvidas sobre
Atividades Culturais);
Zenildo Ferreira de Oliveira (Coordenação Acadêmica Tivemos que viver num mun- Covid-19 por grupos de trabalho
em Planejamento e Projetos de Pesquisa).
do diferente e estranho tentando que atuam no CCJE. Na Versus
COORDENAÇÃO DE ATIVIDADES CULTURAIS
Revista Versus refletir sobre os desafios que se Acadêmica o tema central dos ar-
Conselho Editorial
Eduardo Bastian (IE); Eliane Ribeiro Pereira (FACC);
Margarida Gutierrez (COPPEAD); Mauro Osório (FND);
apresentavam. tigos são as diferentes realidades
Josiane Alcântara (Biblioteca Eugênio Gudin); João
Pedro Nogueira Abdo (Discente - FND); Leonardo Neste número da Revista Versus sob a pandemia. Por último, des-
Valente (IRID); Maria Luiza Busse (ABI – Associação
Brasileira de Imprensa/Comunidade externa); Renata
Bastos (IPPUR).
fazemos, a partir de fatos e dados, tacamos uma seção especial com
Editor um pequeno balanço desses de- um conto de quarentena.
Antonio Licha
Editor Executivo safios e das suas consequências. Manifestamos nossa solidarie-
Renata Bastos da Silva
Jornalista Apresentamos temas e vozes dade às vítimas da Covid-19 no
Elisa Monteiro
Diagramação e arte
diferentes, mas nosso fio condu- Brasil e no mundo e aos profissio-
Beatriz Braga
Projeto Gráfico
tor é mostrar as várias facetas de nais da saúde que lutam na linha
Beatriz Braga, Elisa Monteiro e Júlia Barreto nossa realidade durante a pande- de frente. Todos teremos histórias
Pesquisa
Antonio Licha, Beatriz Braga, Elisa Monteiro,
Gabrielle Dias, Josiane Alcantara, Júlia Barreto, mia. Tratamos de aspectos gerais para contar como testemunhas
Letícia Maia, Mariana Oliveira e Renata Bastos da
Silva. da educação e de alguns temas dos eventos vividos. Convidamos
Revisão
Jorgelina Rivera (Agência Rivera de Consultoria em específicos, como a gestão esco- vocês a lerem os artigos, que cons-
Comunicação).
Bolsistas: lar e as crianças refugiadas. Em tituem um registro histórico deste
Beatriz Braga (PIBIAC - PR1); Gabrielle Dias
(Desenvolvimento acadêmico – CCJE), Letícia Maia saúde analisamos os legados para período, e a refletirem sobre os
(Desenvolvimento acadêmico – CCJE).
Extensionistas: a saúde brasileira e a atuação do desafios vividos.
Júlia Barreto (Produção Editorial), Mariana Oliveira
(Produção Editorial), Bernardo Ribeiro Marques (Artes
Visuais - Gravura) e João Felipe Rocha (Ciência da
Computação)
Colaboradores da Edição
Adolfo Lachtermacher, Adriana Marques, Adriana
Norbert Gomes de Araújo, Alípio Carmo, Ana Luisa
Conheça a Versus:
Cople, Anna Maria de Castro, Antonio Bokel, Antonio
Licha, António Nóvoa, Carlos Henrique Ferreira Jr., versus.ccje.ufrj.br
Dalia Maimon, Diogo Costa, Élida Graziane, Elizabeth
Accioly, Fania Fridman, Flávia Guerra, Geisa Ketti,
Isabela Coimbra, João Felippe Cury, João Sánchez,
Julia Figueredo, Juliana Cristina da Silva Ignácio, Leila
Dahia, Ligia Bahia, Lívia Macieira, Luiane Amorim,
Marcelo Macedo, Margarida Gutierrez, Maria Lidia
Valdivia, Maria Luiza Busse, Maria Cecília Machado,
Mariana Barbosa, Mariana Moysés, Mateu Velasco,
Mauro Osorio, Míriam Maia, Mychelle Araújo, Onésio
Meirelles, Otto Drumond, Pablo Spinelli, Paula Mello,
Pedro Sánchez, Ricardo José de Azevedo Marinho,
Tereza Campello, Vinicius Wu.
Fotos
Fernando Souza / ADUFRJ, Marcelo Camargo /EBC,
Silvana Sá / ADUFRJ, Tânia Rêgo / Agência Brasil.
Apoio Institucional
ADUFRJ
Coordenação de Comunicação e Tecnologia da
Informação (CCJE/UFRJ).
Ação de Extensão Vida Pública - Os temas republica-
nos nos espaços escolares e de ensino. Estúdio Baren.
Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ
Agradecimentos
Níneve Belangieri (Gabinete da Secretaria Municipal de
Niterói), Instituto de Nutrição Josué de Castro (UFRJ);
Geisa Keti, Onésio Meireles.
Revista VERSUS
Publicação semestral do Centro de Ciências Jurídicas e
Edição anterior
Econômicas (CCJE)
Av. Pasteur, 250 – fundos - Campus da Praia Vermelha
22290-240 - Urca, Rio de Janeiro/RJ
SUMÁRIO EDIÇÃO Nº 9
39
A EDUCAÇÃO É
UMA VIAGEM PARA
OUTROS MUNDOS
REDAÇÃO
Financiamento da Educação
durante a pandemia
FOTO: FERNANDO SOUZA | ADUFRJ / ARTE: BEATRIZ BRAGA
Desde março de 2020, os orçamentos públicos política pública de educação durante a crise sanitá-
têm sido impactados pela pandemia da Covid-19 ria da Covid, quais sejam:
em âmbito internacional, donde emergiu como 1) Promulgação e ainda insuficiente regula-
prioridade o custeio das dimensões sanitária, assis- mentação da Emenda nº 108, de 26 de agosto de
tencial e econômica no seu enfrentamento. 2020, que trata da constitucionalização em caráter
A seara educacional foi preterida, a pretexto de permanente do Fundo de Desenvolvimento e Ma-
distanciamento social, quando, a bem da verdade, nutenção da Educação Básica e de Valorização dos
deveria ter sido aprimorada para mitigar a crônica Profissionais da Educação (Fundeb);
desigualdade de oportunidades que afeta as crian- 2) Aprovação no Senado e tramitação na
ças e os jovens inscritos na etapa obrigatória de Câmara dos Deputados da Proposta de Emenda
ensino. Eis a razão pela qual merecem registro, em Constitucional nº 13/2021, que visa anistiar prefei-
especial, três eventos acerca do financiamento da tos e governadores que tiverem incorrido em déficit
O desafio de integrar
a criança refugiada à
Escola Pública
FLAVIA GUERRA CAVALCANTI1, MARIA LIDIA MATTOS VALDIVIA2 E MARIANA PERILLO VELLOSO BARBOSA3
Nosso projeto com crianças refugiadas começou textos sobre migrações e documentos do Ministério
exatamente no dia em que a Organização Mundial da Educação sobre as orientações para o magistério
da Saúde (OMS) confirmou a pandemia da Sars- durante a pandemia.
-COV-19, em 11 de março de 2021. Estávamos eu, A partir das conversas com duas professoras de
Flavia Guerra, e a professora Renata Bastos na sede4 escolas municipais, Jaspe Marques de Mattos (Es-
do IRID, na Praia Vermelha, entrevistando os can- cola Capistrano de Abreu) e Cátia Simone Pereira
didatos às duas bolsas, que o projeto “Vida Pública: de Sousa5 (Escola Adalgiza Nery), pudemos conhe-
como os temas republicanos impactam a integra- cer as dificuldades colocadas pela pandemia6 para o
ção de crianças refugiadas nos espaços escolares e processo de aprendizagem das crianças refugiadas.
de ensino do Estado” acabara de ganhar do Centro Em 2021, a Secretaria Municipal de Educação criou
de Ciências Jurídicas e Econômicas (CCJE), quan- o aplicativo de ensino remoto “Rio Educa em Casa”
do veio o anúncio da OMS que mudaria as condi- disponibilizando ferramentas para o ensino remoto
ções nas quais nosso projeto seria desenvolvido. sem resolver as disparidades de aprendizado entre
O objetivo de nossa extensão era ir às escolas do os alunos pois nem todos contavam com as tecno-
Estado do Rio para interagir com a comunidade es- logias adequadas para acessar as aulas.
colar no acolhimento de crianças refugiadas. Com No entanto, as dificuldades não se resumiram à
a decretação da pandemia – e o consequente fecha- precariedade da infraestrutura. O espaço escolar
mento das escolas - nossas visitas tiveram de ser constitui-se como um todo que engloba a sociabi-
substituídas por encontros remotos para leitura de lidade, a saúde e o aprendizado. Num primeiro mo-
7 Os podcasts podem ser acessados por meio do perfil do grupo de extensão “Vida Pública” no Spotify: https://
open.spotify.com/show/6e2d5NgNCOD27YNcXwaan5?si=fb47571fe8854eb6
V
das Nações Unidas (ONU) e Banco Internacional
inicius Wu é um nome técnico unânime
entre os políticos. Prêmios da Organização
gam com ideias contrárias às suas. Ao mesmo tem-
po, pede dias melhores e livres do negacionismo,
tão maléfico para a gestão da pandemia que ainda
para Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) em nos acompanha. Para a Revista Versus, Wu conce-
projetos de Governo Eletrônico (E-Gov), o his- deu uma aula em formato de entrevista, a qual ofe-
toriador egresso de nossa UFRJ tem participado recemos trechos abaixo, como todo bom professor.
oDepois
legado
da onda
do Ômicron LÍGIA BAHIA
Manifestações de apreço à ciencia e ao Sistema tornaram-se heróis embora o país tenha perdido
Único de Saúde (SUS), que estiveram na linha de mais de 620 mil pessoas, se tornando o primeiro lu-
frente das intepretações, recomendações e atendi- gar em número acumulado de óbitos por habitante.
mento aos pacientes estão presentes em um cotidia- O reconhecimento dos méritos de uma política
no que se arrasta há mais de dois anos. Ao invés pública universal e suas ações objetivas e especial-
das notícias sobre as deficiências assistenciais da mente pelo trabalho de pesquisadores e profissio-
rede pública e universidades públicas consideradas nais de saúde ocorreu em diversos países. Em tese,
custosas e ineficientes. O sinal de mais foi acrescen- bons sistemas saúde, com base cientifica tecnologia
tado na frente das instituições de pesquisa e na pa- adequada, seriam capazes de interpor barreiras efe-
lavra SUS, no contexto das respostas equivocadas e tivas para proteger vidas da população. Experiên-
omissões do governo federal para o enfrentamento cias bem-sucedidas de supressão de casos covid-19
da pandemia do novo coronavírus. Ciência e SUS ocorreram em países asiáticos e na Australia e Nova
Zelandia1, evidenciando a importância das estraté- dades econômicas, medicamentos e vacinas. O que
gias populacionais. Reino Unido, Itália, França e mudou foi a extensão consenso sobre as virtudes do
mesmo Alemanha, apesar da adoção de políticas de SUS para a mídia tradicional. A experiência com a
contenção da transmissão distintas, apresentaram Covid-19 transformou o SUS em talismã nacional.
altas taxas de mortalidade. O país que mais gasta A expressão “se não fosse o SUS seria muito pior”
com saúde no mundo, os EUA, acumula o maior passou a ser pronunciada como agradecimento e
número de mortes. Sob este critério, evitar mortes, respeito. A saúde pública de mazela se tornou so-
tradicionais sistemas universais de saúde europeus lução. A valorização do SUS tal como ocorreu em
e o orientado pelo mercado, na America do Norte, países com sistemas públicos universais veio acom-
teriam sido reprovados.2 panhada pela conscientização sobre a relevância da
Entretanto, em países com governos bem ava- ciência e fragilidade da base tecnológica e produtiva
liados ou não, os sistemas públicos de saúde rece- setorial.
beram elogios. Um apoio amplo, inclusive à de- Falta de testes, oxímetros, cilindros de oxigênio,
claração de profissionais de saúde“não queremos aventais, máscaras cirúrgicas, leitos de CTI e pro-
só aplausos” em diversas línguas3, expressandoa fissionais de saúde que evidenciaram a forte de-
necessidade de condições adequadas de trabalho, pendência de importações de itens estratégicos e
desde equipamentos de proteção individual, remu- incompetências administrativas trouxeram à tona
neração ajustada à sobrecarga laboral, equipes com- desafios antigos que se somaram à competição nos
pletas e oferta adequada de leitos, equipamentos e processos de aquisição de insumos favoráveis aos
medicamentos. compradores privados.4 O SUS exibiu mais insufi-
No Brasil, apesar da magnitude dos desfechos ciências do que os sistemas de saúde de países ricos.
letais, houve uma mudança radical em direção a A rede capilarizada e potencialmente capaz de rea-
um status positivo do SUS. Sob o fogo cruzado dos lizar ações de vigilância epidemiológica nos territó-
debates sobre lockdown e testagem versus políticas rios permaneceu desmobilizada e o atendimento a
menos radicais de fechamento de atividades econô- casos graves tem sido perpassado por atos nobres e
micas, o atendimento aos pacientes, exigente de or- angústia e desespero de pacientes, familiares e res-
ganização de serviços e dedicação de médicos, en- ponsáveis pelo atendimento.
fermeiros, que foram junto com pacientes idosos os Portanto, o SUS e a ciência tornaram-se heróis
primeiros a morrer causou enorme comoção. Foi trágicos: as tentativas de proteção alcançaram resul-
estabelecida uma linha divisória entre os governos tados insuficientes. Suas imensas e extensas falhas
e as instituições públicas de saúde. assistenciais, antes objeto de críticas sobre proble-
A admiração pelo SUS contou, desde o início, mas de acesso e qualidade das ações da rede públi-
com a adesão de lideranças de todos os matizes po- ca, cederam vez a crônicas emotivas das batalhas
líticos. As polêmicas se concentraram em torno da pela vida. As glórias nacionais, no entanto, não tive-
magnitude da pandemia, funcionamento das ativi- ram as mesmas consequências daquelas outorgadas
SUS
vidas. Aproximadamente 120 mil mortes, entre as cial de transmissão tem sido rarefeito e desigual
que ocorreram até o final de março de 2021, po- em termos de raça/cor e renda, uma inversão entre
deriam ter sido evitadas por medidas de controle, necessidades e obtenção de cuidados inadmissível,
baseadas em ações de isolamento social e vigilância especialmente durante uma pandemia. Haveria
epidemiológica8. As mortes em excesso foram mais ainda a possibilidade de poupar vidas de pacientes
elevadas em homens na faixa etária entre 20 a 59 hospitalizados. Maisde 20 mil pessoas morreram,
anos, negros e indígenas.9 em 20208, em unidades de atendimento pré-hos-
Profissionais de saúde, trabalhadores expostos a pitalar ouemergências na rede pública, não conse-
ambientes com ar rarefeito e aglomerações, pessoas guiram ter acesso a leitos de terapia intensiva. Seria
vivendo em instituições asilares e prisionais, povos imprudente ter um cálculo preciso de quantas vidas
indígenas, quilombolas (comunidades remanes- seriam salvas se essas pessoas tivessem acesso a hos-
centes da escravidão) e ribeirinhos (povos que vi- pitais e unidades de terapia intensiva. Mas é impor-
vem à margem de rios com dificil acesso a serviços tante afirmar que as informações sugerem retenção
de saúde) e habitantes de favelas e periferias e mor- do acesso e que as mortes em instalações de urgên-
bidades prévias deveriam ter sido prioritariamente cia e emergência não foram igualmente distribuí-
protegidas. das. Ocorreram óbitos especialmente na popula-
O país atravessa uma pandemia há mais dois ção que buscou a rede pública, integrada por uma
anos sem implementar as ações necessárias para en- maior proporção de negros e pessoas com menor
frentar a disseminação do novo coronavírus, agora status de renda e possivelmente mais vulneráveis.
com o predomínio da cepa Ômicron. O desprezo
do governo pelas vidas impediu realizar campanhas SALVAR VIDAS E REGENERAR O
sanitárias informativas, mobilizar a solidariedade MUNDO EM QUE VIVEMOS
social (convocação de movimentos sociais, igrejas, A chamada urgente é para salvar vidas mediante
empresas, mídias e instituições de ensino e pesqui- uma dupla estratégia vacinação e adesão a medidas
sa), prover máscaras de boa qualidade, testes para de saúde pública de proteção da infecção. Ninguém
rastreamento e aquisição tempestiva de vacinas. está seguro até que todos estejam seguros. O Pre-
Outro contingente significativo de mortes evitá- sidente da República, que continua estimulando
veis, embora também de difícil dimensionamento, aglomerações, não se vacinou e retirou a máscara
são aquelas que poderiam não ter ocorrido pela de uma criança, encarna o estado de coisas incons-
efetiva atuação da rede básica de serviços de saúde, titucional na política pública de saúde brasileira.
ou seja, incluindo testes, monitoramento de casos, Diversas iniciativas, solicitam: garantir a alocação
providências para autoisolamento e referenciamen- do maior volume possível de recursos para o SUS,
to ágil para hospitais de qualidade. O acesso a testes imposição de realização de testes na população em
para detecção de casos e contatos, que deveriam condições de suspeita de infecção por Covid-19,
permanecer isolados para buscar reduzir o poten- distribuição gratuita de máscaras PFF-2; levanta-
mento e divulgação de dados estatísticos sobre os política, desastres ambientais e aumento da miséria.
casos confirmados, suspeitos e em investigação; e a Depois da Omicron encontraremos um legado de
criação de uma central nacional de regulação unifi- perda, angústia e marginalização. Para uma parcela
cada de leitos públicos e privados em unidades de da população, o futuro aberto está bloqueado pela
tratamento intensivo. intensificação das desigualdades e racismo. Precisa-
Em contrapartida, a mensagem do governo fe- mos desenvolver políticas de saúde que contribuam
deral “temos que aprender a viver com o vírus” se para o sentimento de pertencimento igualitário e
cristalizou com slogans conectados com o afã da emancipado no mundo.
abertura indiscriminada de atividades econômi-
cas. Vacinas e medidas de saúde pública altamente REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
eficazes viabilizam a possibilidade de não natura-
1. Skegg DC, Hill PC. Defining covid-19 elimination. bmj.
lizarmos a convivência com a Covid-19, uma in- 2021 Jul 15;37.
fecção de múltiplos órgãos com consequências de 2. López Cabello A. Pandemic momentum for health sys-
tems financialisation: Underthecloaksof Universal Health Co-
longo prazo (longo Covid) para muitos, incluindo
verage. Global Public Health. 2021 Apr 28:1-2.
crianças. Historicamente, optamos por não convi- 3. De Caro W. Urgentinvestment in nursing: if not now,
ver com infecções virais graves, como poliomielite when?.Professioniinfermieristiche. 2021 Aug 18;74(2):64-5.
4. David Williams O, Yung KC, Grépin KA. The failureo-
e sarampo, e temos estratégias nacionais e regionais
fprivatehealthservices: COVID-19 induced crises in low-and-
para eliminar essas infecções. middle-income country (LMIC) health systems. Global Public
Limitar a disseminação de Covid-19 o mais rápi- Health. 2021 Jan 19:1-4.
5. Sagan et al. Health systems resilienceduring COVID-19:
do possível é a melhor defesa contra o surgimento
Lessons for buildingbackbetter. Health Policy Series 56. Euro-
contínuo de variantes mais infecciosas. O poten- peanObservatoryon Health Systems and Policies. 11 Novem-
cial do país para debater, formular e implementar ber 2021
6. Vinetz JM. Lackofefficacyofhydroxychloroquine in co-
estratégias efetivas de saúde pública foi boicotado
vid-19. bmj. May 19;369, 2020.
e encontra-se objetivamente ameaçado. Não le- 7. CEPEDISA (Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sa-
var a ciência em consideração, agredir cientistas e nitário), Faculdade de Saúde Pública da USP. A linha do tempo
da estratégia federal da disseminação da covid-19. Atualizado
mesmo ridicularizar as possibilidades de realizar
mediante solicitação da Comissão Parlamentar de Inquérito,
ações de cuidados à saúde minaram as bases para por meio do Ofício 57/2021-CPIPANDEMIA. 28 de maio de
o enfrentamento de ameaças da saúde pública. A 2021.
8. Alerta Covid. Mortes evitáveis por covid-19 no Brasil.
certeza de que o Brasil ter evitado milhares de mor-
Estudo apresentado à Comissão Parlamentar de Inquérito da
te em experiências históricas anteriores. A maioria Pandemia em 23 de junho de 2021.
dos países estão transformando seus sistemas de 9.Santos, A. M. dos et al. Excess deaths from all causes andby
COVID-19 in Brazil in 2020. Revista De Saúde Pública, 55, 71,
saúde, dotando-os de recursos humanos, materiais
2021
e financeiros para proteger suas populações de ris-
cos à saúde. Mas o Brasil, ainda está às voltas com
ondas sucessivas de crises. Crise econômica, crise
Artigo
BANSKY / REPRODUÇÃO | INSTAGRAM
Crise estrutural
e pandemia
MAURO OSÓRIO1
Josué de Castro
O legado do cidadão do mundo contra a fome
LETÍCIA DA PAZ MAIA
Quando comer se torna um privilégio é pos- mentar grave, o país passou a integrá-lo novamente
sível entender as palavras de Carolina Maria de em 2018 e em 2020 foram registrados 55,2% dos
Jesus: “quem inventou a fome são os que comem”. brasileiros vivendo sob algum grau de insegurança
A doutora honoris causa da UFRJ, escritora e cata- alimentar, segundo os dados da Rede Brasileira de
dora de papéis sentiu no estômago a dor do prato Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e
vazio, como expresso no livro Quarto de Despejo: Nutricional e da ONU. O fantasma da falta do que
Diário de uma Favelada (1960). Alguns anos an- comer assombra novamente Carolinas e Josués do
tes, em 1946, Josué de Castro publicava Geografia século XXI que, tão atuais quanto no século passa-
da Fome, obra de referência mundial que revelou a do, exigem que a fome seja encarada de frente - e
fome como um problema cronicamente histórico, pra ontem.
social e político, afastando-o das usuais associações O reencontro com os escritos de Josué de Castro
a um fenômeno natural ou biológico e propondo na atualidade não é particularmente especial ape-
caminhos para enfrentá-lo. Depois do Brasil sair nas devido à comemoração dos 75 anos de publi-
do Mapa da Fome da FAO/ONU (Organização das cação do Geografia da Fome, que ocorreu em 2021,
Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) mas também configura-se como um refúgio onde
pela primeira vez na história em 2014, com menos se pode encontrar algum horizonte para um Brasil
de 5% da população em estado de insegurança ali- que morre de fome. Há quase um século, um brasi-
Um dos pilares desse enfrentamento, para Josué diretor do Serviço Técnico de Alimentação Nacio-
de Castro, são as políticas públicas. Em sua linha de nal (STAN) - transformado em 1945 na Comissão
análise, é preciso ter estratégia e agir politicamente Nacional de Alimentação (CNA) - cargo que Josué
sobre as manifestações da fome em suas dinâmi- de Castro ocupou até 1954.
cas territoriais, ambientais, sociais e culturais es- Devido a sua trajetória e contribuições no com-
pecíficas, levando em consideração o diálogo com bate à insegurança alimentar, foi eleito Presidente
o cenário macro de disponibilidade, produção e do Conselho Executivo da FAO e pôde expandir
distribuição de alimentos. Dessa forma, é possível suas ações por todo o mundo. A partir de 1955,
atacá-la por meio de esforços do Estado que pressu- buscou na política institucional brasileira caminhos
põem a alimentação como um direito à vida. para avançar nessa agenda no país, foi deputado fe-
Nesse sentido, Josué atuou em movimentos à deral de Pernambuco em 1955 e 1959 e, ao sair da
sua época pelo estabelecimento do salário mínimo presidência da FAO em 1957, fundou a Associação
nacional para a subsistência dos trabalhadores, rei- Mundial de Luta Contra Fome (ASCOFAM).
vindicação que foi conquistada em 1940 por meio A conciliação entre a teoria e a prática é funda-
de Decreto-Lei, e pela criação dos Restaurantes mental ao se pensar uma questão que é responsável
Populares. Durante a década de 1940 trabalhou na diretamente pela morte de milhões de pessoas ao
fundação dos Arquivos Brasileiros de Nutrição e redor do planeta todos os anos. Quem tem fome,
da Sociedade Brasileira de Alimentação, assumiu tem urgência de ação. Josué de Castro exemplificou
como professor de Nutrição no curso de Sanitaris- essa postura durante toda sua carreira como médi-
tas do Departamento Nacional de Saúde e como co, geógrafo, político, intelectual público, professor
INTERNET
raça, idade, território e as nuances da má nutri-
ção”; “implicações do modelo de desenvolvimen-
to agroindustrial nas principais crises ambientais
globais – mudanças climáticas, perda da biodiver-
sidade, disponibilidade hídrica – e na persistência
da pobreza e das desigualdades no meio rural”; “sis-
tema de produção e consumo de alimentos vigente,
desigual e excludente, responsável pela convivência
e pelo acirramento de três pandemias: a pandemia
da fome, a da obesidade e a das mudanças climá-
ticas (uma sindemia)”; “governos, produtores ru-
rais, indústria de alimentos, consumidores: quais
responsabilidades e mudanças de postura podem
Livro "Fome: Um Tema Proibido"
ser adotadas, contribuindo com sistemas alimen-
tares mais sustentáveis?”; “como as desigualdades positivos significativos. “O maior absurdo de nos-
se somam e se retroalimentam na explicação dos sa sociedade é termos deixado morrer centenas de
flagelos da pobreza e da fome como fenômenos milhões de indivíduos de fome num mundo com
políticos, sociais e econômicos no Brasil de hoje e capacidade quase infinita de aumento de produção
no Brasil que virá?” e “perspectivas e construção e que dispõe de recursos técnicos adequados à reali-
de uma narrativa para um Brasil sem fome, sem zação desse aumento. (...) Não podemos viver num
miséria e com menor desigualdade”. Campello co- mundo partilhado por 2/3 que não comem e, tendo
menta que os resultados do Seminário foram po- consciência das causas de sua fome, se revoltam, e
sitivos tanto como homenagem a Josué de Castro 1/3 que come bem – às vezes demais – mas que já
quanto como ambiente propositivo para enfrentar não dorme com medo da revolta dos 2/3 que não
a agenda da fome no Brasil. Accioly também des- comem”, as palavras de Josué de Castro soam mais
taca os recorrentes tributos promovidos pela UFRJ atuais do que nunca, ainda que ele estivesse se refe-
às efemérides de seu primeiro diretor do Instituto rindo ao mundo do século passado no livro Fome:
de Nutrição, que em 2021 também comemorou 75 um tema proibido.
anos, como forma de fortalecimento de sua memó- A atemporalidade de suas contribuições foi reco-
ria e legado. nhecida: concorreu três vezes ao Prêmio Nobel, em
Elaborar perspectivas de futuro que vislumbrem 1954 foi indicado ao Nobel de Medicina e em 1963
o fim da fome implica em considerar ações que e 1970 ao Nobel da Paz. Recebeu o Franklin Delano
Josué de Castro já propunha e que, quando apli- Roosevelt, da Academia de Ciências Políticas dos
cadas na experiência brasileira, deram resultados Estados Unidos em 1952 e o Prêmio Internacional
até que fiquem limpos como um copo e com sua mentar”, conceito elaborado por Castro, é pressupor
carne feita de lama fazer a carne do seu corpo e a do o fim das monoculturas agrícolas e de pensamento,
corpo de seus filhos. São duzentos mil indivíduos, o fim do agronegócio, da lógica de produtividade
duzentos mil cidadãos feitos de carne de carangue- industrial sem limite, do lucro sobre a dignidade
jos. O que o organismo rejeita volta como detrito humana, é entender que é preciso voltar à terra, ao
para a lama do mangue para virar caranguejo outra seu ritmo e sua diversidade. Assim, é possível elabo-
vez. Nesta aparente placidez do charco desenrola-se rar políticas públicas eficazes que garantam o equi-
trágico e silencioso o ciclo do caranguejo. O ciclo da líbrio ambiental e humano, rompendo a falsa hie-
fome devorando os homens e os caranguejos todos rarquização imposta pelo capitalismo moderno. A
atolados na lama” (CASTRO, 1967, p. 28-9). concentração de renda e terra, apontadas por Josué
Desde as análises geográficas e sociológicas, até o como uma das grandes causas da fome, nos levarão
ativismo político e a veia literária, Josué de Castro e ao fim que precisamos adiar através da demarcação
sua obra são incontornáveis ao pensarmos um pro- de terras indígenas e tradicionais, da reforma agrá-
jeto de país que parte da perspectiva do seu chão, da ria, de políticas voltadas para o fomento à agroeco-
lama, para construir um futuro socialmente justo e logia, à agricultura familiar, à recuperação de áreas
livre da fome, a pior de todas as doenças. Para isso, é degradadas e das águas, ao saneamento básico, à
preciso oportunizar que as pessoas e os saberes dos assistência social, à educação ambiental e seguran-
povos originários, quilombolas, ribeirinhos, favela- ça alimentar, ao combate às mudanças climáticas e
dos, de rua, da floresta, dos mangues e dos sertões, aos crimes ambientais, além de um compromisso
aqueles que sentem na pele os flagelos da má nu- com o direito à qualidade de vida das pessoas e do
trição, desnutrição e destruição ambiental, sejam planeta.
postos no centro do debate e das decisões aliados O legado de Josué de Castro reverbera e apon-
ao conhecimento científico. Pensar em tecnologias ta caminhos. Que possamos aprender a andar por
e maneiras de driblar a miséria e a “monotonia ali- eles, sem voltar atrás.
Josué de Castro
#VERSUSimagem
PEDRO SÁNCHEZ1
Em março de 2020, impossibilitado de frequen- em parceria com estes, edições de obras gráficas.
tar seu ateliê, João Sánchez lançou mão dos mate- “Durante o período de restrição da mobilidade,
riais que tinha em sua casa e iniciou uma pesquisa fiquei sem acesso ao meu ateliê, às ferramentas
em busca de meios alternativos de impressão que o e equipamentos. Todos os projetos foram inter-
levou ao desenvolvimento da técnica que ele veio a rompidos ou cancelados e a falta de perspectiva se
chamar de "vitrografia". Desde 2011, após retornar apoderou de todos. Tratei então de continuar meu
de uma vivência de 5 anos em Madri, João criou e trabalho de investigação com os escassos materiais
vem atuando no Estúdio Baren, onde recebe artis- que tinha à mão”, conta o artista.
tas atuantes nos mais variados meios e desenvolve, A vitrografia é uma vertente alternativa da tra-
dicional litografia criada pelo suíço Aloys Sene- A resposta veio com uma pesquisa coletiva, le-
felder em 1798 e que, ao longo do século seguin- vada adiante ao longo dos períodos letivos subse-
te, popularizou-se em todos os continentes como quentes. Partindo da obra da artista-pesquisadora
uma técnica moderna, ágil, extremante versátil e Emilie Aizier, com quem entrou em contato, e fun-
economicamente interessante de reprodução de damentando-se na cultura DIY ("do it yourself"),
imagens2. Nas palavras de Walter Benjamin, no seu Ana Luisa e suas turmas desenvolveram a técnica
ainda impactante artigo, A obra de arte na era de da "litografia de cozinha", ou "kitchen lithography",
sua reprodutibilidade técnica, esse procedimento um conjunto de procedimentos alternativos, de
"permitiu às artes gráficas pela primeira vez colo- guerrilha, que se fundamentam no mesmo princí-
car no mercado suas produções não somente em pio bicentenário e revolucionário da litografia, ob-
massa, como já acontecia antes, mas também sob a tendo imagens multiplicáveis a partir de materiais
forma de criações sempre novas" 3. como papel alumínio, Coca-Cola, vinagre, sabão
Enquanto João Sánchez obtinha seus primeiros de coco e ferramentas manufaturadas a partir de
resultados positivos em suas experimentações nas rolos de espuma, manoplas de bicicleta e cabides de
placas de vidro granitado, testando diversos mate- roupa. “Dadas as circunstâncias de uma disciplina
riais para obter uma imagem capaz de ser entinta- prática cujo pensamento é desenvolvido a partir
da com tinta a base de óleo e tornar a matriz hidró- de experiência em ateliê, buscamos alternativas de
fila, ou seja, receptiva à água, passando a convidar criação gráfica com materiais e recursos passíveis
artistas para testarem e expandirem os limites do de obtenção no ambiente doméstico”, relata.
procedimento, em agosto daquele primeiro ano de As imagens reunidas na Galeria da edição nú-
pandemia, iniciava-se finalmente o período letivo mero 9 da Revista Versus, além de reproduzirem
na UFRJ. No momento em que toda a comunidade obras elaboradas por artistas colaboradores do
universitária começava a encarar o desafio de adap- Estúdio Baren e estudantes da EBA, apresentam
tar-se a uma nova realidade — isolada e remota—, etapas do processo criativo das pesquisas desenvol-
Ana Luisa Cople, artista visual e professora subs- vidas por João Sánchez e Ana Luisa Cople diante
tituta responsável pelas disciplinas de litografia do do desafio do isolamento trazido pela pandemia.
curso de Artes Visuais — Gravura da Escola de Be- Revelam também que isso que demos o nome de
las Artes, interpretava esse desafio em sua própria arte é — sempre foi — não apenas uma atividade
realidade: como reproduzir as condições de traba- coletiva, fruto da ação colaborativa de uma série de
lho criativas e pedagógicas encontradas nos ateliês agentes, como também uma ação simbólica, capaz
e laboratórios da universidade dentro de casa — a de mudar a realidade do mundo e de nós mesmos.
sua e a de seus estudantes?
MATEU VELASCO
JOÃO SÁNCHEZ
MARCELO MACEDO
OTTO DRUMOND
Curricularização, pandemia e a
internacionalização da Extensão
Sandra Becker
Danielle Costa da Silva Pág. 74
ADUFRJ
FERNANDO SOUZA / ADUFRJ
Versus Acadêmica
1 Este artigo é uma versão de nosso trabalho publicado em uma coletânea (Almico; Goodwin Jr.; Saraiva, 2020)
reunindo reflexões sobre economia, história e pandemias elaboradas no contexto das medidas de isolamento
impostas para conter a pandemia de COVID-19.
2 Professora titular do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional da UFRJ. e-mail: fania@ippur.ufrj.
br
3 Doutor em Planejamento Urbano e Regional, advogado e pesquisador associado do Instituto de Pesquisa Eco-
nômica Aplicada – IPEA. e-mail: carloshenrique@alu.ufc.br 52
teve seu sentido conferido pelo movi- Uma característica importante deste
mento romântico(Lowy; Sayre, 2015). pensamento encontrava-se na escala das
Seus militantes argumentavam que além intervenções: a reestruturação total das
de avanços civilizatórios a modernidade cidades em um “plano de conjunto”, inau-
trazia sofrimento. gurando a perspectiva de harmonizar o
Um de seus mais importantes pen- território levando em conta as demandas
sadores foi Charles Fourier que, em sua da população. Por exemplo, O Globo,
crítica ao capitalismo, apontava a cida- órgão de representação dos simpatizan-
de industrial como epicentro das graves tes socialistas, trazia a recomendação de
dificuldades sociais. Recomendava sua um “plano de organização para as vilas
extinção e a organização de falanstérios. que (os novos habitantes) devem povoar”
Seu discípulo dileto, Victor Considerant, antes da implementação da política de
pregava um socialismo para superar as imigração (O Globo, 13/10/1844, p. 2). O
precárias condições de vida das popula- jornal manifestava-se contra a escravidão,
ções urbanas realizando o cristianismo e a favor do descanso aos domingos e da
através da “verdadeira higiene” com a eli- igualdade entre mulheres e homens.
minação do lixo, dos cafés e das casas de Nossas cidades insalubres, nos-
jogos aliada à limpeza das ruas, ao con- sas aldeias, nossas vilas serão subs-
forto e à estética. O cristianismo incluiria tituídas pelas salubres e suntuosas
também a abolição da escravatura. Entre moradas discutidas pelo gênio
os socialistas românticos estava Pierre de Fourier. Este palácio fornecerá
Leroux que fundou e dirigiu o LeGlobe, todo o necessário e ainda o ar, a
órgão dos sainsimonianos, no qual mili- água pura, a luz, o calor, conforme
tava pela não sujeição das mulheres aos o gosto de cada um [...] (O Globo,
homens, dos estrangeiros aos nacionais e 13/10/1844, pp.3-4).
dos proletários aos burgueses. O Socialista da Província do Rio de Ja-
Os seus seguidores no Brasil propuse- neiro, editado desde agosto de 1845 pelo
ram ações para transformação social na médico francês Benoit Mure era uma
REVISTA VERSUS ACADÊMICA, MAIO DE 2022
cidade carioca em meados do século XIX. gazeta que se manifestava a favor do fim
Face às epidemias, uma constante que assumia da escravidão, da demarcação das terras
contornos dramáticos com as elevadas taxas de indígenas, da conservação (com refor-
mortalidade, sugeriam medidas de “higiene” mas) da monarquia constitucional para
para mitigar os efeitos das doenças. a estabilidade política, e da homeopatia
53 4 Chegado ao Rio de Janeiro após a fracassada experiência do Falanstério de Saí, considerada a primeira experi-
ência socialista romântica no país.
Versus Acadêmica
em favor dos despossuídos. No primei- fico das Ciências da Saúde no Brasil).
ro número, o socialismo foi interpretado A Nova Minerva além de apoiar e vei-
como “introdução de novidade no pro- cular os benefícios da homeopatia, posi-
gresso universal [...] quer na parte moral, cionava-se criticamente quanto ao uso de
quer na material,[...] seu fim é ensinar aos violência contra os indivíduos no contro-
homens a se amarem uns aos outros” (O le das epidemias. Essa prática baseava-se
Socialista da Província do Rio de Janeiro, na ideia de que os pobres eram respon-
01/08/1845 apud Rodrigues, 1996, p.3) sáveis por sua condição e pela sujeira em
mantendo o que houvesse de bom e me- que viviam, propiciando a propagação de
lhorando o insuficiente. moléstias. A folha considerava ser dever
Mure em conjunto com Manuel Gas- do Estado socorrer o “homem laborioso”
par de Siqueira Rego, João Vicente Mar- estabelecendo uma junta de caridade e
tins e Edmond Tiberghien, declarados
beneficência em cada freguesia da cidade.
“discípulos veneradores de Fourier”,
De outras publicações extraímos de-
abriram em 1844 o primeiro dispensário
núncias das más condições sanitárias e
homeopático. No ano seguinte fundaram
de medidas a tomar. Como exemplos, O
o Instituto Homeopático do Brasil, cujo
Compilador (17/05/1852) trazia que a si-
periódico, O Hahnemannista, defendia
tuação da cidade “não é infelizmente qual
além da homeopatia, preceitos como ba-
seria de desejar” e o semanário A Abelha
nhos, ar puro, casas construídas acima
apontava para a necessidade de fiscaliza-
do nível do solo, expostas ao vento leste
ção dos estabelecimentos industriais
e com aberturas para entrada da luz (O
Hahnemannista, 17/09/1846, pp.1-2). Polícia e intervenção em José
Em fevereiro de 1850, quando a epidemia Pereira Rego
da febre amarela assolava a cidade, João José Pereira Rego, o segundo Barão do
Vicente Martins se dirigiu à Câmara dos Lavradio, médico e importante agente
Deputados oferecendo medicamentos público, no seu Esboço histórico das epi-
homeopáticos para tratamento dos males demias que tem grassado na cidade do
REVISTA VERSUS ACADÊMICA, MAIO DE 2022
que afligiam a população e propondo a Rio de Janeiro desde 1830 a 1870 levanta
criação de hospitais onde estes pudessem os dados das enfermidades surgidas na
ser administrados. Chegou a ser ameaça- urbe e critica as ações implantadas. Neste
do de deportação por sua crítica à medi- inventário (ver tabela abaixo), das 40 epi-
cina alopática e insistência na adoção da demias, 22 ocorreram na década de 1850
homeopatia (Dicionário histórico biográ- e outras 18 no decênio seguinte.
54
Observações: Tabela elaborada a partir da pág. 172 de Rego (1872) e demais dados contidos na obra.
*As doenças inseridas nesta coluna referem-se àquelas consideradas como causas prevalecentes das mortes no
respectivo ano; **No original há um erro de impressão, pois a soma indicada é 92.955.
As bibliotecas na pandemia:
sobrevivência e criatividade
Paula Mello1
Leila Dahia2
que ser criativos e ágeis. A Base Minerva, pertinentes em 2021, que podem ser ob-
5 UFRJ. (org.). Plano de contingência para enfrentamento da pandemia de covid-19 no âmbito da Universida-
de Federal do Rio de Janeiro. 2021. Aprovação e ativação do Plano de Contingência: Denise Pires de Carvalho e
Carlos Frederico Leão Rocha; Coordenação Técnica: Alexandre Barbosa de Oliveira. Disponível em: https://prefei-
tura.ufrj.br/images/_prefeitura/Plano_de_Contingencia_COVID-19_-_UFRJ_-_v_1.4.pdf. Acesso em: 23 fev. 2022.
6 “O Pantheon, repositório institucional da UFRJ, tem o objetivo de coletar, preservar e divulgar a produção
acadêmica digital da universidade. São os ativos do repositório, além de teses e dissertações da UFRJ, Trabalhos de
Conclusão de Curso de Graduação, Trabalhos de Conclusão de Curso de Especialização, artigos científicos, livros
eletrônicos, capítulos de livros e trabalhos apresentados em eventos por professores, pesquisadores, funcionários
59 administrativos e alunos de mestrado e doutorado.” UFRJ/SiBI (org.). Pantheon. 2021. Disponível em: http://www.
sibi.ufrj.br/index.php/inicio/524-pantheon-repositorio-institucional-da-ufrj. Acesso em: 23 fev. 2022.
Versus Acadêmica
servados no quadro a seguir, incluindo -dados-menu/sibi-em-numeros-menu
2016 com a finalidade de mostrar o que Os canais de comunicação utilizados
todos constataram: a participação remota foram WhatsApp, e-mail, Twitter, Fa-
sem deslocamentos, e na maioria das ve- cebook e Instagram. A pesquisa biblio-
zes sem custos, facilitou a realização dos gráfica, a catalogação, a inserção de do-
cursos e eventos aumentando considera- cumentos no Pantheon, a qualificação
velmente a audiência. dos registros na Base Minerva, foram os
serviços técnicos mais praticados pelas
bibliotecas. A atividade remota foi incre-
mentada e incorporou-se às boas práticas.
8 Mecanismo de coleta de dados estatísticos sobre as 44 bibliotecas e 1 centro de documentação da UFRJ, atualiza- 62
do semestralmente, tornando-se estratégico na gestão do SiBI.
YOUTUBE Esse resultado foi importante para
A criação de canais no Youtube tem comprovar que as mídias sociais e canais
sido fundamental para as bibliotecas re- na internet são eficientes, como ferra-
alizarem treinamentos, divulgar tutoriais, mentas definitivamente incorporadas às
entrevistas e lives. Algumas unidades e boas práticas das bibliotecas.
centros também compartilham seus ca- Estamos trabalhando no modelo hí-
nais com as bibliotecas. brido mas com muita esperança na volta
plena ao presencial, ao retorno da comu-
nidade acadêmica aos campi, às bibliote-
cas. Há diferentes cenários, experiências
e práticas que estão sendo construídas
pelas bibliotecas para a retomada de ser-
viços, ações e programações culturais. O
conhecimento sobre a instituição, sobre
o ensino e a pesquisa desenvolvidos na
INSTAGRAM
UFRJ são fundamentais para o planeja-
O Instagram já é utilizado pela maioria
mento que objetiva eficiência e eficácia,
das bibliotecas. Tem sido um aliado efi-
as bibliotecas sendo pró-ativas, vislum-
ciente na comunicação.
brando cenários potenciais e traçando
estratégias para aperfeiçoar os serviços de
informação. A liderança do bibliotecário
é indispensável para essa articulação, ma-
peamento de problemas e definição das
melhores resoluções.
REFERÊNCIAS
(COVID-19), Grupo de Trabalho Sobre O Pós-
-Pandemia Coronavirus Disease 19; FARIA, Maria de
Fátima Bruno de (org.). Diretrizes para o retorno gra-
REVISTA VERSUS ACADÊMICA, MAIO DE 2022
63
Versus Acadêmica
no de Retorno Gradual: de atividades didáticas práticas
na graduação. Rio de Janeiro, 2021. Disponível em: ht-
tps://www.iq.ufrj.br/noticiasiq/plano-de-retorno-ati-
vidades-didaticas-praticas-graduacao/. Acesso em: 23
fev. 2022.
MELLO, Paula Maria Abrantes Cotta de. Orienta-
ções gerais para a reabertura das Bibliotecas da UFRJ.
2020. Documento revisado pelas bibliotecas integran-
tes do SiBI. Disponível em: https://drive.google.com/
file/d/1rxZNDG_GRT3hISD-wV-k_tGtcr4yuQRU/
view. Acesso em: 23 fev. 2022.
UFRJ. (org.). Plano de contingência: para enfren-
tamento da pandemia de covid-19 no âmbito da Uni-
versidade Federal do Rio de Janeiro. 2021. Aprovação
e ativação do Plano de Contingência: Denise Pires de
Carvalho e Carlos Frederico Leão Rocha; Coordenação
Técnica: Alexandre Barbosa de Oliveira. Disponível em:
https://prefeitura.ufrj.br/images/_prefeitura/Plano_
de_Contingencia_COVID-19_-_UFRJ_-_v_1.4.pdf.
Acesso em: 23 fev. 2022.
64
Por mais ciência nos
tribunais: a atuação do
GREAT durante a pandemia
Isabela Coimbra Carlim1
1 Graduanda em direito na Universidade Federal do Rio de Janeiro (FND/UFRJ). Bolsista PIBIC vinculada ao
Grupo de Pesquisa sobre Epistemologia Aplicada aos Tribunais (GREAT) e pesquisadora no Instituto Ensaio
REVISTA VERSUS ACADÊMICA, MAIO DE 2022
Aberto.
2 É Professora do Departamento de Teoria do Direito da Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (FND/UFRJ) e Professora Permanente do Programa de Pós-graduação em Direito da Univer-
sidade Federal do Rio de Janeiro (PPGD/UFRJ). Doutora em Sociologia pela Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UERJ). Mestre e graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).
É co-líder do GREAT (Grupo de Pesquisa sobre Epistemologia Aplicada aos Tribunais), na UFRJ.
3 É Professora da Faculdade de Direito da Universidade Alberto Hurtado, Chile. Doutora pela Universitat de
Girona, Espanha, tese “sobresaliente cum laude”. Mestre e graduada em Direito pela PUC-Rio. É co-líder do GRE-
AT (Grupo de Pesquisa sobre Epistemologia Aplicada aos Tribunais), na UFRJ. É consultora do projeto Prova sob
Suspeita, do IDDD.
4 Em "O tribunal é lugar de ciência também", artigo publicado no site Consultor Jurídico (Conjur), na coluna
65 limite penal, em 3 de abril de de 2020. Acesso em https://www.conjur.com.br/2020-abr-03/limite-penal-tribunal-
-lugar-ciencia-tambem
Versus Acadêmica
"o que se deve exigir da parte dos nossos tes com câncer e HIV teriam falhado na
juízes é que enfrentem de forma respon- demonstração de que as suas unidades
sável o argumento técnico oferecido pe- prisionais não ofereceriam tratamento
los especialistas", sem adotar uma pos- suficiente à manutenção de sua saúde,
tura de deferência cega. Os juízes devem enquanto o Paciente com as comorbida-
se guiar por critérios de admissibilidade, des não teria demonstrado o incremento
tendo cuidado com as muitas formas de do risco de contágio por Covid-19, caso
pseudociências. No artigo em questão, as fosse mantida a sua custódia".
autoras analisam a Ação de Descumpri- Diante disso, a autora justifica os equí-
mento de Preceito Fundamental - ADPF vocos em matéria probatória a partir
347 - na qual o sistema penitenciário foi dos conceitos de inferências probatórias
reconhecido como "estado de coisas in- epistêmicas e inferências probatórias nor-
constitucional" e a importância de se levar mativas6 . "O argumento central de Ma-
a sério o vasto conjunto de fatos. Janaína tida afirma que a Recomendação n. 62
Matida, ainda sobre o cenário do agrava- do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)
mento do "estado de coisas inconstitucio- — que recomenda a adoção de medidas
nal", causado pela pandemia, escreveu preventivas à propagação da Covid-19
sobre a necessidade de se dar fim à seleti- nos estabelecimentos prisionais e socioe-
vidade probatória5 . O texto começa com ducativos — deveria causar um constran-
cenas do cotidiano de isolamento social, gimento normativo no raciocínio dos
descrevendo a rotina de dois juízes fictí- magistrados. Logo, conclui, “erra o juiz
cios que reiteradamente denegam pedi- que não a observa.” 7
dos de habeas corpus que tenham como Já em relação ao auxílio da opinião dos
fundamento o avanço da Covid-19. Ma- especialistas, um importante indicador
tida faz um recorte de três decisões que de expertise é a existência de consenso
dizem respeito a indivíduos com alguma científico. Quando o Supremo Tribunal
comorbidade, as quais denegam o pedido Federal (STF) decidiu que o agente pú-
com base em uma "suposta insuficiência blico que basear sua escolha política em
REVISTA VERSUS ACADÊMICA, MAIO DE 2022
5 Em "É preciso se dar fim à seletividade probatória", artigo publicado no site Consultor Jurídico (Conjur), na
coluna limite penal, em 17 de julho de 2020.
6 Ambos conceitos são conceitos centrais nas discussões do GREAT, a partir do artigo escrito por Rachel Herdy e
Janaína Matida, 'As Inferências Probatórias: Compromissos Epistêmicos, Normativos e Interpretativos', considera-
do fundador da linha teórica trabalhada pelo grupo.
7 HERDY, R. A recomendação de uma instituição normativa serve para quê?. Artigo publicado no site Consultor
Jurídico, na coluna limite penal, em 31 de julho de 2020. No artigo, Herdy comenta as críticas à publicação de
Matida, à luz da teoria do direito e da teoria da decisão judicial sobre a obrigatoriedade normativa da resolução do 66
CNJ e o problema do não-consenso científico sobre as orientações da resolução.
ca, nacional ou internacionalmente reco- na qual se permite a prescrição de medi-
nhecida, não pode ser responsabilizado camentos ineficazes, como a cloroquina e
por eventuais danos causados no contex- a hidroxicloroquina.
to da pandemia da COVID-19, Rachel A última publicação9 de Herdy com
Herdy traçou uma reflexão crítica sobre a o tema da pandemia foi sobre a decisão
suficiência do critério do consenso cien- do ministro Ricardo Lewandowski, a
tífico e as condições de sua obtenção. Se- qual suspendeu decisão do presidente
gundo Herdy, "acreditamos no consenso do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro
formado por um grupo de experts por- (TJRJ) sobre decreto estadual que alterava
que acreditamos na qualidade do proces- a ordem da vacinação contra a Covid-19,
so de deliberação". Assim sendo, o STF pela falta de motivação técnica e científica
poderia ter inserido como critério de afe- da medida. Mais uma vez o STF reforça
rição da qualidade do consenso científico a importância do uso de evidências cien-
uma série de perguntas relevantes que tíficas para elaboração de políticas pú-
servem como bons indicadores de exper- blicas, contudo, uma análise mais detida
tise, as quais questionam, por exemplo, o da decisão sugere que a relação entre o
enfrentamento de opiniões divergentes tribunal e a ciência ainda é problemática,
àquela consensuada, a revisão por pares uma vez que o próprio ministro fez uso
ou se existe alguma razão para acreditar de fontes jornalísticas de baixa fiabilidade
que a opinião esteja enviesada. epistêmica para fundamentar a decisão.
Herdy defende que a crítica que se As publicações das pesquisadoras Ra-
deve fazer à decisão do Supremo é a su- chel Herdy e Janaína Matida sobre a pan-
posição de que a suficiência para aferir demia refletem o esforço e a seriedade
o erro grosseiro do agente público possa das análises do GREAT. O grupo ainda
ser pensada de forma atomística, como se é composto por nove pesquisadores da
um único elemento - o consenso cientí- graduação, do mestrado e do doutorado,
fico - pudesse cumprir esta função pro- além de uma bolsista do programa PI-
batória. Quase um ano depois, em outro BIC-UFRJ. Além do tema da pandemia,
REVISTA VERSUS ACADÊMICA, MAIO DE 2022
8 Em "Precedente do STF pode beneficiar negacionistas", artigo publicado no site JOTA em 31/05/2021 e no sítio
67 eletrônico da revista Questão de Ciência em 01/06/2021.
9 HERDY, R. 'Lewandowski e suas fontes científicas'
Versus Acadêmica
Reflexos da pandemia no
financiamento do déficit
fiscal brasileiro
Margarida Gutierrez
Antonio Licha
tal na sustentação do nível de atividade e 5%. Nesse mesmo período, a dívida bru-
manutenção do emprego e da renda das ta de Governo Geral, a vencer em até 12
famílias em 2020 (o PIB sofreu uma con- meses, passou de 30 para 40% do PIB.
tração de apenas 4,1%, muito inferior à da Ainda que a partir de outubro de 2020
maior parte dos países), houve um brutal esses indicadores começaram a cair, nos
1 A resposta de política econômica brasileira acompanhou o realizado pela maioria dos países. Para uma síntese 68
das respostas de política em diversos países, ver International Monetary Fund (2020).
meses de novembro e dezembro o risco Podemos resumir o argumento desta-
e a iliquidez ainda estavam num patamar cando que uma parte substancial da ele-
elevado. vação das despesas públicas e das neces-
Para garantir seu financiamento, o Te- sidades de rolagem da dívida pública foi
souro Nacional recorreu aos recursos da financiada pela expansão da base mone-
sua Conta Única no Banco Central do tária e das operações compromissadas re-
Brasil. O uso dessa conta implicou na alizadas pelo Banco Central. O montante
expansão da base monetária e o Banco de operações compromissadas colocadas
Central do Brasil precisou esterilizar par- dependeu da demanda de reservas por
te dessa expansão monetária para permi- parte dos bancos e da demanda do pú-
tir que a taxa de juros Selic, estabelecida blico por papel moeda emitido. Como
pelo Comitê de Política Monetária (CO- a demanda por reservas bancárias e por
POM), mantivesse a sua meta.2 Por esse papel moeda emitido aumentou, o Banco
motivo, as operações compromissadas Central precisou colocar menos opera-
(que são a colocação de títulos públicos ções esterilizadas para manter a taxa de
de curto prazo em poder do Banco Cen- juros Selic.
tral com compromisso de recompra) Ressaltemos que o encurtamento da
expandiram-se rapidamente. De acordo dívida pública e o aumento das operações
com os dados apresentados pelo Banco compromissadas tornaram o financia-
Central do Brasil (2020), as operações mento do setor público extremamente
compromissadas do Banco Central equi- frágil às circunstâncias vigentes, não ape-
valiam a 13,1% do PIB em dezembro de nas por obrigar o Tesouro Nacional ir
2019, mas chegaram a 16,7% do PIB em frequentemente a mercado, mas também
dezembro de 2020. porque facilitaram a migração de recur-
Nem toda a expansão da base monetá- sos nele aplicados para outros ativos (dó-
ria foi esterilizada, pois houve um cresci- lares e outros).
mento acentuado da base monetária em A contrapartida macroeconômica no
2020 devido à expansão da demanda de aumento do déficit público foi uma eleva-
REVISTA VERSUS ACADÊMICA, MAIO DE 2022
moeda. Em especial, boa parte da população ção da poupança privada. Pires de Souza
brasileira, receptora dos auxílios emergen- (2021) analisa e quantifica o comporta-
ciais e que não tem conta bancária, aumen- mento do setor privado (financeiro e não
tou a demanda de papel moeda emitido. financeiro) entre os meses de fevereiro e
2 Esta expansão monetária, sem paralelo no passado recente da economia brasileira, levou a que o Banco Central
do Brasil transferisse R$ 375 bilhões para o Tesouro Nacional no mês de agosto de 2020, decorrente da valorização
69 das reservas internacionais (efeito desvalorização cambial), e discutiu-se a possibilidade de transferir títulos do
Tesouro Nacional para a carteira do Banco Central.
Versus Acadêmica
outubro de 2020 e mostra que aconteceu que dispunha de um instrumento finan-
uma forte variação patrimonial. A rique- ceiro aceito pelos bancos. As operações
za financeira líquida do setor privado compromissadas cumpriram um papel
aumentou em 12,2% do PIB, quase que fundamental por serem ativos com risco
compensando a redução da riqueza líqui- baixo e liquidez elevada que permitiram
da do setor público que foi -13,1 do PIB. ajustar os portfolios privados durante um
Desta forma, quase todo o ajuste macroe- período de estresse financeiro. Sem essas
conômico do déficit público brasileiro foi operações, o Banco Central do Brasil não
realizado através do setor privado domés- esterilizaria adequadamente a expansão
tico. da base monetária gerada pelo uso da
Esse ajuste patrimonial, visto do ponto Conta Única, levando o aumento das re-
de vista macroeconômico, mostra que o servas bancárias a reduzir a taxa de juros
setor privado aumentou a demanda de Selic. Nesse contexto, o Banco Central do
ativos financeiros e que parte desse au- Brasil perderia o controle do processo in-
mento pode ser explicado pela demanda flacionário e fragilizaria o regime de me-
de operações compromissadas dos ban- tas de inflação. A credibilidade do Banco
cos comerciais. Os bancos, por sua vez, Central do Brasil permitiu fazer essa “tra-
desenvolveram fundos lastreados nessas vessia” sem provocar nenhuma ruptura
operações que foram oferecidos a seus nas condições financeiras brasileiras afe-
clientes. O aumento da poupança priva- tando apenas o tamanho, a estrutura e as
da foi a contraface da expansão fiscal e taxas de juros da dívida pública.
foi constituída pela demanda de ativos fi-
nanceiros lastreados nas operações com- Referências bibliográficas
promissadas dos bancos. Banco Central do Brasil (2020), Cartas circulares
divulgadas no período de março a agosto, vários nú-
Concluindo, a Covid−19 afetou o fi-
meros.
nanciamento do déficit fiscal brasileiro International Monetary Fund (2020), Policy Res-
entre os meses de março e outubro de ponses to Covid-19, in https://www.imf.org/en/Topics/
imf-and-covid19/Policy-Responses-to-COVID-19.
2020. A especificidade do caso brasileiro
Pires de Souza, F.E. (2021), Panem et circenses: A
REVISTA VERSUS ACADÊMICA, MAIO DE 2022
foi o uso da Conta Única da União por propósito da Macroeconomia da pandemia, Revista de
parte do Tesouro Nacional e das opera- Economia Política, Vol. 41, Nº 2, abril-junho, pp. 236-
253.
ções compromissadas por parte do Ban-
Secretaria do Tesouro Nacional (2020), Transparên-
co Central do Brasil. O Banco Central do cia do COVID, publicações de junho, julho e agosto.
Brasil assumiu um papel importante no
financiamento fiscal, porém apenas por-
70
Covid-19, meio ambiente e
políticas públicas: reflexões
para o pós-pandemia
João Felippe Cury Marinho Mathias
Referências
YOUNG, Carlos Eduardo Frickmann; MATHIAS,
João Felippe Cury Marinho. Covid-19, meio ambiente e
políticas públicas. São Paulo: Hucitec, 2020. Disponível
para download gratuito na página: https://pantheon.
ufrj.br/handle/11422/13400
REVISTA VERSUS ACADÊMICA, MAIO DE 2022
73
Versus Acadêmica
Curricularização, pandemia
e a internacionalização da
Extensão
Sandra Maria Becker Tavares
Danielle Costa da Silva
A linha do tempo da História do Homo -se com três opções: a) aliar à atual sem
sapiens, tem sinalizado que tempos ex- rupturas expressivas; b) aliar à atual com
cepcionais costumam ser largas portas de rupturas expressivas; ou, c) excluir a reali-
envolvimento entre os âmbitos público e dade anterior e criar outra.
privado. Isto posto, a emergência sanitá- Feita a escolha, em algum momento
ria decorrente do vírus SARS-CoV-2, ca- da transição ou término da excepciona-
racteriza uma excepcionalidade. lidade, a decisão deverá ser analisada e
Em essência, a excepcionalidade susci- avaliada como um fato histórico. Como
ta o caos social e a redução, ou total cerce- afirma Santos (2021, p.15) “os fatos estão
amento, dos direitos civis. A COVID-19 todos aí… cabe a nós com que se tornem
provocou, de forma direta ou indireta, fatos históricos… para formar um novo
abruptas alterações dos hábitos, dos cos- sistema temporal…”.
tumes, das tradições e das normas. O primeiro fato se refere ao Instituto de
Assim sendo, pode-se afirmar que a Relações Internacionais e Defesa (IRID)
REVISTA VERSUS ACADÊMICA, MAIO DE 2022
pandemia exigiu a mudanças nos estilos que integra o Centro de Ciências Jurídi-
de viver, incluindo os processos de en- cas e Econômicas (CCJE). Sua finalidade
sino-aprendizagem, até então vigentes. consta no Artigo 2.º do seu Regimento: …
Para se adaptarem à realidade, atores so- abordagem integrada e multidisciplinar
ciais em instâncias de decisão, deparam- na área da Análise de Assuntos Interna-
74
cionais e Defesa, criar, desenvolver, forta- através do Conselho Nacional de Edu-
lecer e difundir as atividades de pesquisa cação (CNE) definiu as diretrizes para a
e de extensão reiterados nos desdobra- Extensão instituindo princípios, os fun-
mentos do Artigo 3.º I- Difundir a refle- damentos e os procedimentos que de-
xão acadêmica sobre Análise de Assuntos vem ser observados no planejamento,
Internacionais e de Defesa, inclusive no nas políticas, na gestão e na avaliação das
ensino, na pesquisa e na extensão… re- instituições de educação de ensino supe-
forçando ainda a orientação extensionista rior… assim como, a curricularização das
III- Oferecer atividades de extensão sobre atividades de extensão, ou seja, que 10%
temas pertinentes aos seus objetivos. do total de qualquer currículo universitá-
Este texto busca registrar o fato histó- rio, obrigatoriamente, devem contemplar
rico e responder se o período pandêmico a Extensão.
repercutiu na curricularização da Exten- Essa norma veio ao encontro da equi-
são, no IRID mediante a análise de três dade entre as atividades de ensino e de
dos seus Projetos de Extensão intitulam- pesquisa, tradicionalmente sistematiza-
-se Debates Pós-Coloniais e Decoloniais; das no Brasil. Gadotti (2022), explica que
Vida pública: como os temas republica- as atividades de Extensão eram minimi-
nos impactam a integração de crianças zadas nos currículos universitários, ape-
refugiadas nos espaços escolares e de en- sar de inseridas na Reforma Universitária
sino do Estado; e, Migrantes e refugiados de 1968; nos anos 60/70 reivindicadas pe-
venezuelanos no Brasil contemporâneo. los movimentos da sociedade civil; a cria-
Como fato, os decisores do IRID tive- ção do Fórum Nacional de Pró-Reitores
ram que somar à criação e à instalação de Extensão das Universidades Públicas
de um Instituto com dois cursos de gra- Brasileiras (FORPROEX); e, ainda, pela
duação (de temáticas internacionalistas) Constituição de 1988 que no seu artigo
e adequações curriculares da Extensão, 207 prescreve a indissociabilidade do en-
mais uma variante, a pandemia da CO- sino, pesquisa e extensão.
VID-19 com quarentena e rígidas medi- Os três Projetos do IRID, já mencio-
REVISTA VERSUS ACADÊMICA, MAIO DE 2022
75
Versus Acadêmica
ajuste de carga horária mesmo que altere EX – UNILA (org.) Foz do Iguaçu: PROEX – UNILA,
2022. Disponível em: https://portal.unila.edu.br/pro-
partes do Projeto; instalação de equipes/
ex/copy_of_comunica_extensao/publicacoes-proex/
estratégias para atendimento de deman- copy_of_EbookExtensoePandemia_compressed.pdf
das por meios eletrônicos; desenvolver Acesso em: 01 abril 2022
SANTOS, Boaventura de Sousa. O futuro começa
atividades extensionistas remotas em ou-
agora: da pandemia à utopia. 1ª edição. São Paulo: Boi-
tra(s) língua(s) e horários compatíveis; a tempo, 2021.
curricularização da Extensão possibilita SANTOS, Milton. Pensando o Espaço do Homem.
5ª edição, reimpressão – São Paulo: Editora da Univer-
acessar as intrincadas redes de interna-
sidade de São Paulo, 2021
cionalização como fizeram as áreas de
ensino e da pesquisa; incremento da sis-
tematização de parcerias internacionais.
Considerações Finais
A pandemia afetou a curriculariza-
ção da Extensão do IRID sendo incluída
como agenda permanente dos Núcleos
Docente-Estruturante (NDE) do IRID,
pois alertou para a equidade do tripé uni-
versitário oportunizando expandir e for-
talecer os laços dos extensionistas junto às
organizações internacionais e instâncias
superiores que promovem a internacio-
nalização da Universidade.
Referências
BRASIL. RESOLUÇÃO Nº 7, DE 18 DE DEZEM-
BRO DE 2018 Disponível em: https://www.in.gov.br/
materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/
id/55877808 Acesso em: 03 abril 2022
GADOTTI, Moacir. Extensão Universitária: Para
REVISTA VERSUS ACADÊMICA, MAIO DE 2022
76
A FACC e a Pandemia da
COVID-19: vivências e
aprendizados
Maria Cecília ?
Como elaborar um relato idôneo acer- discutiu sobre o avanço da doença na Eu-
ca de um dos períodos mais difíceis pelo ropa e acerca de uma eventual suspensão
qual passamos nos últimos cem anos? das aulas, que, inicialmente, deveria se
Como não imputar aos colegas minha dar por apenas uns 15 dias, para achatar a
visão própria do que vivemos? Este é um curva de contágio. Lembrando disso hoje,
desafio que espero poder transpor. Ape- penso: éramos felizes e não sabíamos. No
sar dos quase dois anos de pandemia, dia 12 de março foi realizada a colação de
ainda não acredito ter o distanciamento grau presencial dos formandos da FACC
necessário para uma análise crítica ade- de 2019/2. A última presencialmente em
quada, que não esteja carregada de fato- dois anos.
res como o medo, a política e mudanças No dia 16 de março iniciamos o afas-
no cotidiano advindas de medidas adota- tamento social e as atividades presenciais
das ao longo da pandemia. foram suspensas por um período, que
REVISTA VERSUS ACADÊMICA, MAIO DE 2022
A escolha foi destacar alguns momen- hoje sabemos, ter perdurado dois anos.
tos críticos vivenciados ao longo desse O primeiro comunicado oficial da Di-
período. reção da FACC foi enviado aos técnicos e
O dia 11 de março de 2020 foi o pri- docentes no dia 15 de março. Ainda com
meiro desses dias marcantes. A Con- tão pouca definição sobre a situação, esse
gregação da FACC se reuniu e muito se comunicado foi limitado a basicamente
77
Versus Acadêmica
ratificar as diretrizes de contingência no 17 março de 2020) que autorizava, em
âmbito da UFRJ, as notas de nossa Reito- caráter excepcional, a substituição das
ria e o comunicado emitido pela Decania disciplinas presencias por aulas em meios
do CCJE. As atividades presenciais foram digitais. Nessa mesma portaria, ainda
suspensas por 15 dias, estabelecendo um constava a possibilidade de manutenção
esquema provisório de atendimento das da suspenção das atividades acadêmicas.
situações emergenciais. A partir desse A vigência da portaria era de 30 dias, que
momento, muita insegurança, receios e poderiam ser prorrogados. Os colégios
indefinições tomaram conta não só da particulares rapidamente se adequaram à
FACC, como de toda a Instituição e do nova realidade e, em abril, já retomavam
próprio país. suas atividades de ensino no modelo re-
A falta de uma perspectiva correta da moto. As IES privadas e públicas, assim
gravidade da situação fez com que alguns como as escolas municipais e estaduais,
de nossos docentes acreditassem que se- mantiveram suas atividades suspensas.
ria viável, de algum modo, lecionar nesse Impossível desassociar as dificuldades
período de suspensão das atividades. Fo- enfrentadas pela FACC das enfrentadas
ram prontamente cerceados pela Dire- pela UFRJ. Como adotar um modelo re-
ção. Inúmeras questões surgiam e é pos- moto mediante um cenário com severa
sível apontar uma situação particular: a restrição orçamentária, falta de capacita-
angústia de parte dos técnicos, cujas ativi- ção docente ao formato remoto e que, si-
dades tinham natureza mais operacional multaneamente, não agravasse a já imen-
no dia a dia. Como trabalhar à distância? sa desigualdade presente entre nossos
No caso da FACC, parte desses servidores discentes? Essa discussão tomou conta
estava contemplada como grupo de risco, de nossa comunidade por muito tempo.
sendo de fato temerário permitir que re- Recuso-me a dizer que a pandemia nos
alizassem atividades presenciais. Essa dis- trouxe algo positivo. O aprendizado que
cussão sobre o trabalho remoto foi uma fomos, na nossa maioria, obrigados a ad-
situação bastante desafiadora, mas feliz- quirir num exíguo espaço de tempo po-
REVISTA VERSUS ACADÊMICA, MAIO DE 2022
mente superada por novas distribuições deria, e deveria, ter sido obtido sem que
de atribuições. centenas de milhares de vida fossem per-
Seguindo o mais precisamente possível didas. Contudo, o aprendizado veio. Nes-
a linha do tempo, é importante relembrar se aspecto a interação entre os docentes
que no dia 17 de março de 2020, o MEC foi muito positiva. Como narradora que
publicou uma portaria (Portaria 343, de mantém-se imparcial, ouso afirmar que
78
talvez tenha sido o momento de maior maio de 2020) causou muita controvérsia.
cooperação que tenha presenciado na Em linhas gerais, a portaria estabelecia
Universidade. Foi uma troca dinâmica, orientações quanto às medidas de prote-
generosa, bonita de se se presenciar. Di- ção e organizava o Trabalho Remoto na
versas iniciativas autônomas surgiram, UFRJ. As críticas feitas pelos sindicatos
vários colegas se dispuseram a ajudar, (ADUFRJ e Sintufrj) indicavam alguns
compartilhando suas experiências com o elementos do texto que poderiam ocasio-
ensino à distância com os demais. Tenho nar prejuízos aos trabalhadores da UFRJ.
certeza de que isso ajudou a muitos. Apontando para a uma solução que bus-
O período compreendido entre 16 de cava o diálogo, a Reitora da UFRJ, profª
março e 13 de agosto de 2020 foi de mui- Denise Carvalho, decidiu suspender a
to trabalho. E retrabalho. Alguns proble- portaria 3.188 sobre o trabalho remoto na
mas, devido à complexidade envolvida, universidade durante a pandemia.
geraram muita discussão. Impossível Na FACC, apesar do clima de intran-
negar a forte resistência inicial que parte quilidade gerado pela portaria, foi pos-
dos docentes manifestou mediante a pos- sível encaminhar a situação de modo
sibilidade da adoção do ensino remoto. razoavelmente tranquilo. A Direção da
Outro grave obstáculo dizia respeito à pa- FACC, na época exercida pela profª Elia-
dronização dos procedimentos que deve- ne Ribeiro, foi sempre muito transparente
riam ser adotados para viabilizar o ensino em seus direcionamentos e esteve cons-
remoto. Todos usariam a mesma plata- tantemente aberta a ouvir todo seu cor-
forma? O nosso sistema suportaria um po social. Tal posicionamento foi funda-
aumento tão substancial de demanda tão mental para possibilitar o bom clima na
repentinamente? As aulas seriam síncro- Unidade.
nas? E as avaliações? Como garantir que Em paralelo a essa situação institucio-
todos os discentes possuíssem recursos nal, não podemos perder o olhar sobre a
para acessar as aulas? Além dessas ques- situação em que o país mergulhava. Essa
tões que atingiram a todos, não apenas contextualização nos ajuda a entender
REVISTA VERSUS ACADÊMICA, MAIO DE 2022
80
táveis diante dessa nova modalidade. Um da Unidade pudesse ultrapassar este limi-
semestre com 12 semanas? Impossível! te. Nossos coordenadores e nossa Secre-
Além disso, havia os que simplesmente taria Acadêmica trabalharam incansavel-
entendiam que isso não seria socialmen- mente para esclarecer e atender os alunos.
te apropriado. Houve muitas reuniões, Nesse aspecto a FACC foi beneficiada por
muita troca de ideias e, finalmente, nos poder contar com o apoio de profissio-
foi viável ofertar praticamente o mesmo nais muito comprometidos, que conse-
total de vagas do período 2020, pré pan- guiram manter o foco e a disposição mes-
demia. Uma vitória para os alunos e para mo diante de elevada demanda.
a comunidade da FACC. Para os docen- Embora em nenhum momento os
tes foi uma oportunidade de começar a problemas tenham desaparecido, percor-
desmistificar suas crenças sobre a adoção remos os meses com mais tranquilidade.
da nova modalidade, agora imposta pela Aparentemente, até os mais contunden-
realidade da pandemia. tes adversários do ensino remoto pare-
A experiência com o PLE não agradou ciam estar ficando mais confortáveis com
a muitos. Talvez a crítica mais contun- a situação. Talvez até demais. Inegável que
dente seja a que questiona sua real ne- termos tido condição de exercer nossas
cessidade. Ele caracterizou-se como um atividades em casa, com segurança, com
semestre especial que oficialmente faria baixo nível de exposição ao vírus redu-
parte do 2020/1. Quase como um adian- zido foi muito bom. Mas é inegável que
tamento. Em 7 de outubro uma nova nosso papel como educadores sofreu um
resolução CEG foi publicada dispondo impacto muito grande. Como narradora
sobre as regras de transição entre o PLE fiel que me proponho a ser, posso garantir
e o reinício do ano letivo de 2020. Mui- que nas inúmeras discussões que partici-
tos problemas operacionais surgiram. pei, a preocupação expressa com os dis-
Inúmeros discentes tiveram dificuldade centes não teve o protagonismo esperado.
para compreender onde foram parar suas O incômodo com o fato de estarmos com
disciplinas cursadas no PLE. E o limite de as portas trancadas aos alunos há mais de
REVISTA VERSUS ACADÊMICA, MAIO DE 2022
32 créditos? Por que considerar tal limite um ano parecia não nortear as discussões.
se de fato os créditos eram efetuados em Como poderíamos propor alternativas
momentos distintos do tempo? Seguindo que possibilitassem aos que precisassem
uma possibilidade apresentada na Reso- ou desejassem frequentar nossos campi?
lução, a Congregação da FACC tomou a Essa é uma questão que me acompanhou
decisão de permitir que o corpo discente durante todo esse período.
81
Versus Acadêmica
Avançando um pouco mais no tempo, delo e pelo desejo do retorno presencial,
alcançamos o que, a meu ver, foi o início inclusive muitos que poderiam se bene-
de uma fase crítica pela qual passamos e ficiar pela Normativa SGP/SEDGG/ME
que trouxe diversos desdobramentos. Em nº 90, de 28 de setembro de 2021. Outros
julho de 2021, ocorreu o recebimento da tantos, por motivos sanitários ou políti-
ação civil pública proposta pelo Ministé- cos, ou mesmo por conveniência pessoal
rio Público Federal (MPF), que pedia à clamavam pelo não retorno. Havia bons
Justiça o retorno às aulas presenciais até argumentos de ambos os lados, mas a jus-
18/10 nas Instituições Federais de Ensino tiça nos exigia o retorno. A FACC, na me-
Superior (Ifes) do Rio de Janeiro. Nesse dida do possível, cumpriu às exigências e
momento o ensino fundamental I e II já elaborou um plano de retorno às ativida-
haviam retornado ao formato presencial des presencias. Louvável a condução da
(parcialmente), os índices da pandemia já Direção, neste momento já exercida pelo
indicavam uma queda e o ritmo de vaci- prof. Antônio José Barbosa, que soube
nação finalmente parecia mais consisten- conduzir a questão respeitando os diver-
te. Contudo, a situação ainda era difícil e sos pontos de vista, sem perder de vista a
o retorno presencial, de fato, mantinha-se necessidade do cumprimento da ordem
uma questão bastante delicada e polê- judicial e da posterior opção adotada pela
mica. Nesta época, a situação acadêmica reitoria. Contudo, essa volta foi extrema-
da UFRJ consistia em ministrar quase a mente desafiadora. Com as restrições
totalidade de suas aulas remotamente, sanitárias, o que foi possível oferecer não
conforme as condições sanitárias permi- atendeu às expectativas do corpo social
tidas, concomitante com a oferta de au- da Unidade, que enxergou nesse retorno
las presenciais de disciplinas práticas. A uma solução muito aquém da desejada.
discussão no campo jurídico perdurou A FACC enfrentou inúmeros problemas
por um bom tempo, até que a Instituição operacionais nessa volta. Foi impossível
optou pela retomada geral das atividades o retorno ao Campus da Cidade Uni-
presenciais, desde que nos moldes preco- versitária, pois devido à falta de infra-
REVISTA VERSUS ACADÊMICA, MAIO DE 2022
83
Versus Acadêmica
Em meio a discussão sobre “deve ter quase 1/4 da população mundial na épo-
ou não carnaval” em um contexto que ca, matando de 20 a 50 milhões de pes-
ainda podemos considerar pandêmico, o soas, ultrapassando o resultado de quatro
Rio de Janeiro revisita o passado: a Gri- anos de guerra global ininterruptos .
pe Espanhola, de 1918, que foi a maior e Seu surgimento, apesar de ainda deba-
mais mortal epidemia do Século XX. No tido, sabe-se que não se deu na Espanha,
Brasil, foi na ‘cidade maravilhosa’ que ela como ironicamente sugere seu nome. O
mostrou sua face mais terrível. Por outro termo se deu pela postura da Espanha
lado, após amenizada sua devastação, na 1ª Guerra Mundial que, por ter sido
também foi no Rio a festa mais intensa. um país neutro durante o conflito, não
No carnaval de fevereiro de 1919, os ca- costumava censurar as notícias sobre a
riocas não se importaram com o vírus e epidemia. Dessa forma, as primeiras in-
decidiram ir às ruas brincar aquele que foi formações que chegavam no Brasil sobre
considerado, até então, o maior carnaval a “nova epidemia” vinham quase que ex-
da história. clusivamente da Espanha. Naturalmente,
Durante o quarto ano da Primei- o termo “Gripe Espanhola” acabou se po-
REVISTA VERSUS ACADÊMICA, MAIO DE 2022
1 Graduada em Gestão Pública para o Desenvolvimento Econômico e Social pela Universidade Federal do Rio de
Janeiro.
2 SCHWARCZ, Lilia M, e STARLING, Heloisa M: A bailarina da morte: A gripe espanhola no Brasil. Companhia 84
das Letras, 1ª ed, São Paulo, 2020.
poucos pelos jornais. Contudo, todos mas,variados. Segundo Mota Rezende,
amenizavam a doença, uma vez que não de simples zoeiras nos ouvidos, surdez,
havia o conhecimento necessário sobre cefaleias e hipertermias simples, a doen-
o vírus e que a gripe não iria sobreviver ça se desenvolvia apresentando sintomas
por muito tempo no Brasil por causa do como calafrios, hemorragias, urinas e
clima tropical, temperaturas altas ou que vômitos sanguíneos, acompanhados por
dificilmente a doença chegaria aqui. perturbações nos nervos cardíacos, infec-
No dia 16 de setembro de 1918, depois ções nos intestinos, pulmões e meninges,
de fazer paradas em Recife e Salvador, levando a vítima em poucas horas a su-
mesmo com a notificação que contava focações, dores lancinantes, ao letargo, ao
com os enfermos que apresentavam vá- coma, à síncope e finalmente à morte3.
rios estágios da doença na sua tripulação, O número de gripados saltou de 440,
o navio Demerara recebeu autorização no dia 10 de outubro, para cerca de 20 mil
para desembarcar, e assim, a doença co- dois dias depois4 . As primeiras mortes
meçou a se espalhar pelo Rio de Janeiro. pela moléstia foram divulgadas apenas
Aos poucos, a cidade começava a adoecer. dia 13 de outubro, vinte e sete dias após
Por falta de conhecimento dos gestores da chegada do navio Demerara no porto
da época, não havia noção das propor- carioca.
ções que a gripe poderia atingir. O diretor A situação no Rio de Janeiro era o caos.
geral da Saúde Pública da capital “estava Faltavam leitos, remédios, médicos, hos-
convencido que não havia motivos para pitais para tratar os doentes mais graves
intranquilidade”. Desta forma, não eram e até comida. Os socorros, além de insu-
passadas informações suficientes para a ficientes, restringiam-se à população que
população que mantinha sua rotina na habitava os centros urbanos, enquanto os
capital. Não tardou para as pessoas co- subúrbios, morros e outras localidades
meçarem a passar mal, cairem doentes e periféricas sofriam imensa carência no
morrer em questão de horas. atendimento mais básico.
Era extremamente rápida a velocidade Condicionada pela marcha sombria da
REVISTA VERSUS ACADÊMICA, MAIO DE 2022
3 MOTA, Rezende: Basites pulmonares. Arquivos brasileiros de Medicina. Rio de Janeiro, Academia Brasileira de
Medicina, pp. 305-8, 191.
85 4 MEYER CL, Teixeira JR. A grippe epidêmica no Brazil e especialmente em São Paulo. São Paulo: Casa Duprat;
1920.
Versus Acadêmica
algo em torno de 15 mil pessoas, levan- 1918, com a curva natural de declínios
do para o leito seiscentos mil cariocas, ou das epidemias.
seja, cerca de 66% da população local5 . Aos poucos, a população começou a
A população foi buscar maneiras alter- sair às ruas e voltar à rotina. O pico da gri-
nativas de se tratar. Usavam com frequ- pe espanhola havia passado e com ela o
ência aspirina, desinfetante do álcool ou medo da população. Ninguém dotava de
do vinagre e reconheciam as vantagens certeza quando ou se a gripe espanhola
no uso de máscara, no sentido de reduzir iria retornar. Mas, enquanto ela não vol-
o risco de contaminação. A cloroquina já tava, o carnaval de 1919 se aproximava,
havia sido apontada como uma alterna- desencadeando, na população, a vontade
tiva contra a gripe, entretanto, nenhuma de aproveitar a vida antes que fosse tarde
autoridade de saúde aprovou a medica- demais.
ção, pois a mesma só era indicada para Desde o começo de 1919, os jornais
tratar malária, assim como hoje. dedicaram páginas e mais páginas aos
A situação instaurada pela epidemia de preparativos para a folia – o pré-carnaval
gripe espanhola foi encarada como fruto já foi animado, com bailes nos principais
de negligência, descaso, incompetência clubes e blocos nas ruas da então capital
administrativa do governo que não pos- federal. “Os cariocas caíram na farra, co-
suía estratégia alguma para lidar com as memorando o fato de que tinham sobre-
ameaças que intimidavam a nação, fato- vivido ao fim do mundo”, conta o pesqui-
res amplamente explorados pelos jornais. sador da Fiocruz Ricardo dos Santos.
A reação e a tensão populares espelha- Além do fim da primeira grande onda
vam o fracasso do governo em persuadir da gripe, o início de 1919 celebrava tam-
as pessoas sobre a racionalidade de suas bém o encerramento da primeira guerra
ações. mundial e, por isso, motivos não faltavam
Apenas no dia 30 de setembro de 1918 para uma grande festa nas ruas cariocas.
começaram a ser instaurados os servi- Nem a morte do presidente do país, Ro-
ços de assistência domiciliar e socorros drigues Alves, que havia sido acometido
REVISTA VERSUS ACADÊMICA, MAIO DE 2022
5 GOULART, A. da C.: Revisitando a espanhola: a gripe pandêmica de 1918 no Rio de Janeiro. História, Ciências,
Saúde – Manguinhos, v. 12, n. 1, p. 101-42, jan.-abr. 2005.
6 Até hoje existe o mito de que Rodrigues Alves morreu de gripe espanhola. Mas o presidente, segundo Schwarcz.
tinha problemas cardíacos e respiratórios que já vinham há muito tempo. E sabe-se que a gripe matava em poucos
dias após o início dos sintomas. Como o presidente contraiu a gripe em outubro e faleceu em janeiro, fica im-
provável que a morte seja por causa da doença. "Ao dizer que Alves morreu de gripe espanhola, cria-se a ideia de
um herói que morreu junto de seu povo, e não que os brasileiros haviam eleito uma pessoa que já estava doente", 86
completa Schwarcz.
A população brincou e fez pouco da TZ: Assim que terminou o carnaval,
doença, e em 1º de março de 1919 o car- a pandemia já estava entrando no Bra-
naval explode nas ruas da capital. Sem sil e a gente começou a pensar algo que
medo da doença, grande parte da po- fosse importante pra esse momento, que
pulação aproveitou os festejos contando trouxesse alguma mensagem saudável,
com a omissão e nenhuma interferência que tivesse algum diálogo com a atuali-
do governo da época. dade, então fomos em busca de algo que
A gripe, inclusive, foi tema de mar- pudesse nutrir esse anseio das pessoas de
chinhas e carros alegóricos das Grandes passar por aquele momento difícil. E en-
Sociedades Carnavalescas, que é o mais tão a gente leu uma reportagem da Folha
próximo hoje do que é o desfile de Esco- de São Paulo falando sobre o carnaval de
las de Samba. Os cariocas foram para as 1919, que já tínhamos uma vaga ideia
ruas celebrar uma possível vitória contra sobre, já que pra fazer carnaval precisa
a influenza e à vida. “E se for o último car- entender a história, mas a gente não sabia
naval da minha vida?”. Só restava festejar. que era exatamente um carnaval pós pan-
E assim aconteceu o maior carnaval da dêmico e pós a primeira guerra mundial,
história do Rio de Janeiro. e que esse carnaval tinha sido considera-
103 anos depois, a atual campeã do do o maior carnaval de todos os tempos.
carnaval carioca, Unidos do Viradouro, Isso foi o que mais nos estimulou, e até
contará mais sobre esse carnaval e afirma: naquele momento nos trouxe um alento,
“não há tristeza que possa suportar tanta que era um momento de comemorar. A
alegria”. Esse será o enredo da escola de gente tinha acabado de sair de um cam-
Niterói em 2022. peonato, que a gente não pôde comemo-
Os carnavalescos da Viradouro, Mar- rar da forma devida até hoje, então queria
cus Ferreira e Tarcísio Zenon, aceitaram trazer uma mensagem que fosse saudá-
compartilhar um pouco sobre como eles vel, que tivesse esse diálogo com a atuali-
pretendem contar essa história na Sapu- dade e que trouxesse uma esperança para
caí, que retrata uma realidade que, apesar o próximo carnaval, assim como há 103
REVISTA VERSUS ACADÊMICA, MAIO DE 2022
de acontecida há 102 anos atrás, conversa anos atrás, quando o carioca conseguiu
diretamente com o nosso momento atual. ressignificar e virar essa página.
Zé Kéti era uma personalidade no mundo mu- das pessoas que o produziam: “O que ele fez foi isso,
sical e intelectual daquele momento, e usava o seu ele conseguiu unir o outro lado do túnel, a Zona Sul
espaço para alçar novos nomes, amigos com quem com a Zona Norte”.
atuava frequentemente nas rodas de samba do Zi- Para o historiador e professor Pablo Spinelli, essas
Cartola. O conjunto A Voz do Morro é um exem- críticas dirigidas a Zé Kéti tinham origem nas ‘ga-
plo: Zé Kéti criou o grupo musical em meados da vetas’ que tradicionalmente se colocavam os com-
década de 1960, e reuniu a nova geração de sam- positores: “Zé Kéti, na verdade, era bastante plural
bistas daquele momento, cujos integrantes incluí- e bastante moderno, porque ele percebeu que a
am nomes como Paulinho da Viola, Elton Medei- Bossa Nova era filha do samba e que a Bossa Nova
ros, Nelson Sargento, Jair do Cavaquinho. Segundo poderia dialogar com o seu pai, que era o samba”.
Alípio Carmo, o grupo era formado por integrantes O pesquisador ainda complementa que essa intera-
de diferentes escolas de samba, e evidenciava uma ção promovida pelo compositor era uma forma da
vontade de abrir espaço para novos sambistas. Zona Sul ouvir as críticas sociais da periferia: “Sair
Mas a sua ação não passou sem cismas, con- do sol, da praia, do barquinho e começar a ouvir os
forme lembra Onésio Meireles, afirmando que as problemas de moradia, os problemas da violência, a
principais críticas direcionadas a Zé Kéti diziam de falta d’água…”
um certo ‘embranquecimento’ do seu trabalho de- Falar da realidade, das urgências dos grupos pe-
vido às parcerias com artistas como Nara Leão, ou riféricos, é uma marca no samba composto por Zé
que este estaria ‘traindo’ os compositores de sam- Kéti. Lembremos do samba Opinião (1964), feito
ba, indo para o outro lado. Porém, Onésio ressalta em protesto às remoções dos moradores das favelas
um elemento importante na experiência artística da região central da cidade do Rio de Janeiro, para
de Zé Kéti: o que ele estava querendo era promo- a Zona Oeste do Rio de Janeiro, política tocada du-
ver pontos de interação entre grupos e indivíduos rante a gestão do prefeito Carlos Lacerda:
para ampliar os espaços de circulação do samba e “Podem me prender,
podem me bater.
Podem até deixar-me sem comer.
Que eu não mudo de opinião.
Daqui do morro eu não saio não,
daqui do morro eu não saio não.
(Zé Kéti. Opinião. 1965)
Esta música integrou o show de mesmo nome
que reuniu Nara Leão, Zé Kéti e João do Vale no Te-
atro Arena, em 1965. Com o seu sucesso, o samba
de protesto contra a violenta política habitacional
rizar o próprio povo e nossa cultura”, afirma Geisa. o Estado do Rio de Janeiro atribuiu o nome do sam-
Garantir que as gerações futuras conheçam essa bista, porém a família indica ser insuficiente:
personagem é um dos projetos tocados por sua fi- “Já que ele é carioca, ele nasceu no Rio e morreu
lha Geisa, que no ano de 2021, lançou o projeto Ma- no Rio, então eu acho que pelo que ele fez, pela his-
triarcas do Samba, show em parceria com as her- tória dele, ele tinha que ter um equipamento públi-
deiras de Cartola, Clementina de Jesus e Candeia, co, um teatro, uma rua, uma escola pública com o
cujo objetivo é apresentar aos espectadores compo- seu nome. Mas até hoje não apareceu ninguém para
sições importantes para a história do samba cario- fazer isto”, afirma Onésio.
ca. Porém o projeto visa preservar os legados desses Esta luta pela memória, pelo reconhecimento e
sambistas, dar visibilidade à presença das mulheres preservação dos legados dos sambistas é constan-
no universo do samba e, também, reagir ao esqueci- te, levada com afeto, dignidade e muita resistência,
mento promovido pelos poderes públicos. A esco- como podemos apreender da fala de Geisa Kéti, ao
lha do repertório, segundo Geisa, foi feita por ela e narrar que os projetos junto às demais herdeiras de
seu marido, Onésio Meireles, baseada em questões personalidades do samba, se viram desestabilizados
afetivas, mas buscando aquelas composições e me- pela pandemia e pelas dificuldades, de diferentes
lodias de seu pai, que carregam as lembranças e sig- naturezas, que este contexto evidenciou.
nificados do que a música conseguiu transformar e No entanto, para finalizar este texto, escolhemos
ajudar o povo a pôr em evidência sobre as questões ficar com as palavras carregadas de afeto e satisfação
políticas mais urgentes da sociedade. E afirma que de Geisa, ao lembrar de uma gravação do seu pai
suas músicas prediletas são A voz do morro, Opi- em que ele dizia que sonhava ver o seu nome, como
nião e Máscara Negra, pois para ela essas letras de sambista, na manchete dos jornais e nos outdoors
Zé Kéti “[…] representam, representaram, e ainda dos teatros, e que suas músicas fossem tocadas nas
hoje a gente pode falar sobre com essa juventude, rádios. “Ele queria que valorizassem o samba de
para que eles nunca se esqueçam e nunca percam qualquer maneira, a todo o custo”. E tudo isso acon-
essa essência de também se indignar contra as coi- teceu. “A gente fica feliz porque valeu a pena viver.
sas erradas nesse país”. Houve conquistas, houve sofrimento, mas não há
Apesar das diversas comemorações ao cente- vitória sem luta. E isso é muito bacana, é muito
nário de Zé Kéti, Onésio Meireles denuncia que o gratificante contar a história do meu pai Zé
compositor não teve o reconhecimento que mere- Kéti”, completa Geisa.
cia pelos poderes públicos, carecendo de um equi- Zé Kéti foi um artista do povo. E con-
pamento público com seu nome, promovido pelo forme afirma Onésio de Meireles:
município do Rio de Janeiro, como uma forma de “Zé Kéti, vive. Vive através
eternizar aquele que tão bem cantou a realidade do das suas músicas, que não mor-
subúrbio carioca e seus habitantes. Atualmente, há rem, são imortais”.
um conjunto habitacional na região do Estácio, que Zé Kéti vive.
CCJE E O
GT COVID
GABRIELLE DIAS
gravíssima, para passar um tempo aqui em casa”. O mundo digital propicia oportunidades e é valori-
Sobre a questão da precarização do trabalho, Diogo zado por essa juventude”.
acrescentou: “Eu, por exemplo, pude trabalhar de Por fim, em breve análise sobre o papel das uni-
home office, mas a maioria dos meus amigos não versidades e das demais instituições ligadas à pes-
conseguiu se colocar nessa condição. Boa parte de- quisa na luta contra a pandemia, a professora faz
les são motoboys, eles recebiam informações sobre uma avaliação positiva, destacando o protagonis-
a importância do isolamento social, mas saíam de mo da Fiocruz e do Instituto Butantan na produção
casa e percebiam que, na prática, isso estava total- e distribuição de vacinas, principais responsáveis
mente distante da realidade deles”. pela diminuição no número de casos e mortes por
Por outro lado, um fator interessante apontado Covid-19 no país. Além disso, Dalia ressalta a re-
pelo grupo foi o sucesso da comunicação comu- levância das ciências sociais no enfrentamento das
nitária nas ações contra o vírus da Covid-19. Na drásticas consequências da pandemia: “o papel das
carência de um olhar mais cuidadoso do setor pú- ciências sociais é fundamental hoje em dia porque
blico, a população das favelas tende a organizar-se há uma crise muito grande no momento: proble-
internamente, e não foi diferente com a chegada mas que já existiam, de distribuição de renda, de
da pandemia: “se a comunicação do governo não oportunidades, da diferença entre trabalho manu-
é boa, o que eu vou fazer? Vou ter carro de som fa- al e trabalho intelectual, tudo isso se acirrou com a
zendo uma comunicação de prevenção, vou fazer a pandemia. Essa nossa postura lá no LARES, de ino-
limpeza das ruelas com aparelhos de lava jato. As fa- vação social com tecnologia, é fazer com que as pes-
velas passaram a ter suas próprias estatísticas do nú- soas possam ter outras oportunidades, ganhar mais,
mero de mortes e de morbidade [...], uma iniciativa ir para frente em termos profissionais. É melhorar a
dos moradores”, conta Dalia. Ainda nesse sentido, a qualidade de vida das pessoas. Estamos nessa luta”.
professora evidencia a importância da internet não
só como uma plataforma bem-sucedida de comu-
nicação entre as comunidades, mas também como
uma alternativa à precarização do trabalho nesses
territórios, por meio do empreendedorismo digital:
“Essa tentativa de criar parques tecnológicos nas
favelas é extremamente importante. Quando você
chega para um adolescente e diz ‘Vamos fazer um
curso de profissionalização’, o mundo digital hoje é
o grande atrativo, porque a gente tem no imaginário
que os homens mais ricos do mundo são dessa área.
ADRIANA MARQUES
Pandemia e Defesa:
ARQUIVO PESSOAL
Tempos
Interessantes
MARIA LUIZA FRANCO BUSSE
RIO DE JANEIRO, BRASIL
1 E Professora Adjunta da Universidade Federal do Rio de Janeiro do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional–
IPPUR. Coordenadora de extensão do Programa de graduação Gestão Pública para o Desenvolvimento Econômico e Social.
2 A Gripe Espanhola: Encontros internacionais 'O brasileiro entre os outros hispanos': afinidades, contrastes e possíveis futuros
nas suas inter-relações, disponível em https://youtu.be/u7Xc-l1nPk4
INTERNET
tória da UFG, Libertad Borges Bittencourt sobre o
a autobiografia de um menino-soldado no Sendero
Luminoso, que no período dos anos de 1980 abalou
a sociedade peruana, a terra e pátria do marxista
José Carlos Mariátegui.
Por fim, a terceira parte da coletânea revela-nos
quatro autores que buscam em arquivos e nas ar-
tes o registro de processos traumáticos. Como no
artigo da professora de história da arte, Ana Lucia
Vilela que destaca o Espacio de Arte y Memória
inaugurado em Bogotá, Colômbia, e idealizado
pela artista colombiana Doris Salcedo, instalado
próximo à Plaza Bolívar, no coração da cidade, o lo-
cal celebra o Acordo de Paz, selado em 2016, entre
Livro "História & Traumas: o então Presidente da República Colombiana Juan
Linguagens e Usos do Passado" Manuel Santos e o representante das Forças Arma-
das Revolucionárias da Colômbia — Exército do
referenciais de padecimento nos remetem às expe- Povo (Farc – EP), Timochenko, que se apresentou
riências europeias, em especial aos desdobramen- com seu nome civil, Rodrigo Londoño. O artigo
tos da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). nos leva a recuperar o contexto de atuação da Farc
Através de cinco textos na segunda parte do livro nos anos de 1980. Aqui, aproximo a reflexão do fil-
os organizadores vão além e nos oferecem, inclusive me baseado no livro homônimo de Héctor Abad,
da organizadora da coletânea, uma narrativa do sul ganhador do Prêmio Goya de 2020 como melhor
do mundo, da nossa América Latina, a perturbação filme Iberoamericano, El Olvido que seremos
que as experiências de governos ditatoriais na Ar- (2020), que narra a história de seu pai Héctor Abad
gentina, no Brasil, Chile e suas respectivas opressões Gómez. Héctor foi médico e professor que contri-
trouxeram para nossa sociedade. Aqui, permitam- buiu para a promoção da tolerância, lutando pelos
-me fazer um pequeno paralelo com a filmografia direitos humanos em seu país. No filme, o filho, ex-
recente do diretor espanhol Pedro Almodóvar em põe seus sentimentos acerca de sua relação com seu
seu filme: Madres paralelas (2021), no qual trás para pai, descrevendo sua história familiar e o drama por
cena o enfrentamento com o passado de resistência trás de seu trágico assassinato pelos paramilitares
de civis, em uma pequena comunidade do inte- colombianos.
rior da Espanha, em plena Guerra Civil Espanhola Voltamos ao livro e seguimos o percurso no re-
(1936-1939). Essa segunda parte finda-se com o gistro dos traumas pelas artes, destacando o artigo