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ÍNDICE

PAULO: MULHER E HOMEM EM CRISTO 3

1 - Introdução..................................................................................... 3

2 - A mulher na sociedade judaica........................................................ 4

3 - Influência do idioma e suas traduções............................................. 6

4 - Paulo: citações sobre sua personalidade, caráter e temperamento...9

5 - Mulheres sujeitai-vos a vosso marido…......................................... 14

6 - O véu como símbolo de autoridade (1 Coríntios, 11: 3 a 16)............25

7 - O silêncio da mulher nas assembléias (1 Timóteo, 2 : 8 a 15)..........35

8 – Conclusão.................................................................................... 40

Bibliografia:...................................................................................... 44

1ª EPÍSTOLA AOS TESSALONICENSES 47

Saudações e Exortação...................................................................... 47

A Atitude de Paulo em Tessalônica..................................................... 56

Notícias de Timóteo: Fé e Caridade em Tessalônica............................ 71

Advertências Morais.......................................................................... 79

Vigilância......................................................................................... 94

Bibliografia..................................................................................... 119

MARIA DE NAZARÉ: A EDUCADORA DE JESUS 120

I Parte............................................................................................ 120

Quem foi Maria?.............................................................................. 120

A Gravidez Virginal.......................................................................... 122

Maria era culta ou iletrada?............................................................. 124

Magnificat...................................................................................... 125

Como foi a educação de Jesus?......................................................... 128

Como Maria encarava sua missão?................................................... 130


Maria: Mãe de Toda Humanidade..................................................... 131

Maria e João. O Trabalho da Mãe Após o Desencarne do Filho............134

Maria no Plano Espiritual................................................................. 135

A Hora do Ângelus........................................................................... 141

II Parte .......................................................................................... 143

Maria a Educadora de Jesus............................................................. 143

Administrando as Emoções.............................................................. 149

Fé................................................................................................... 152

Brilhe a vossa luz…, vós sois a luz do mundo…................................. 159

Bibliografia..................................................................................... 162
PAULO: MULHER E HOMEM EM CRISTO

1 - Introdução

O objetivo deste estudo é analisar os textos de Paulo que dizem


respeito à posição da mulher e do homem em Cristo.
Não analisaremos todos os textos que dizem respeito ao assunto
contidos em várias cartas deste que sem dúvida é um dos maiores
conhecedores da mensagem cristã, mas os que julgamos mais opor-
tunos de serem analisados neste momento.
Ao contrário do que habitualmente fazemos não vamos nos preocu-
par em fazer uma análise pormenorizada dos versículos (estudo miu-
dinho do Evangelho), mas apenas de trechos que venham nos auxiliar
no esclarecimento destes pontos polêmicos que têm desafiado os es-
tudiosos de todos os tempos.
É preciso tirar o espírito da letra, pois conforme orientação do pró-
prio apóstolo, a letra mata, e o Espírito vivifica 1. Realizando desta for-
ma, nada mais fazemos do que tentar corrigir o que a nosso ver é
uma injustiça, quando o venerável discípulo de Gamaliel é tachado de
machista.
Porém, para que possamos fazer uma análise espiritual é necessá-
rio antes compreendermos determinadas características históricas,
sociais e culturais que influenciaram o evangelista na formação de
seu pensamento.
Aliás, quando formos analisar um texto, seja ele qual for, necessá-
rio se faz reconhecer quem é o autor, com qual objetivo escreveu,
onde e quando o fez, quem são os personagens, e quais suas raízes
culturais, sociais, etc..
Tentaremos assim responder estas questões e aprofundar no senti-
do espiritual do texto buscando sua universalidade e saber como a
partir deste entendimento realizar a tarefa auto-educativa que nos diz
respeito.

1
2 Coríntios, 3: 6
2 - A mulher na sociedade judaica

O Novo Testamento tanto quanto o Velho, apesar de seu caráter


universal e atemporal, é literatura judaica. Por que assim dizemos? É
que seus autores eram judeus2, os personagens que o compõe na
maioria deles também são, e toda a história vivida se dá no âmbito da
cultura judaica. Assim, é amplamente impossível abrir mão de conhe-
cermos esta cultura3 se quisermos fazer uma análise correta destes
textos, que mesmo quando escritos em grego foram na maioria das
vezes vivido em hebraico ou aramaico.
Dentro deste contexto perguntamos então, qual era a posição da
mulher na sociedade judaica do primeiro século da era cristã?
O lugar da mulher dentro do Judaísmo deve ser analisa-
do à luz do contexto histórico em que se desenvolveu.
Na época bíblica, as mulheres dos Patriarcas eram as
Matriarcas, mulheres ouvidas, respeitadas e admiradas.
Havia mulheres profetisas e juízas. As mulheres esta-
vam presentes no Monte Sinai no momento em que
Deus firmou o Seu Pacto com o povo de Israel. Partici-
pavam ativamente das celebrações religiosas e sociais,
dos atos políticos. Atuavam no plano econômico. Ti-
nham voz, tanto no campo privado como no público. 4
Com o decorrer do tempo e por força das influências
estrangeiras, especialmente a grega, foram excluídas
de toda atividade pública e passaram a ficar relegadas
ao lar. Essa situação das práticas cotidianas daquela
época foi expressa nas leis judaicas então estabeleci-
das e permanece a mesma até hoje.5
Há no Talmud de Babilônia - Tratado "Menachot" 43 B um texto in-
teressante, onde está escrito:
O Rabi Meir disse: O homem deve recitar três bênçãos
cada dia, e elas são: Que me fizeste [do povo de] Israel;
que não me fizeste mulher; que não me fizeste igno-
rante. (Grifos nossos)
Isto nos mostra o quanto esta era uma sociedade patriarcal.
Portanto, as mulheres eram tidas como mães procriadoras; eram
não só dependentes, mas posse mesmo, primeiro do pai, e depois,
quando casava, do marido. Eram consideradas incapazes de dedicar-
se a temas importantes que eram exclusividade dos homens.
Assim, lembra-nos (KOCHMANN, 2007):
2
Mesmo Lucas, que não era um autêntico filho de Israel, sofria uma grande influ-
ência hebraica.
3
Cf. KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos, 50ª ed., questão 627, Rio de Janeiro:
FEB, 1980.
4
KOCHMANN, Sandra (Rabina). O Lugar da Mulher no Judaísmo,.retirado de
http://www.pucsp.br/rever, acessado em 15/11/2007
5
Ibidem.
…a presença de uma mulher num lugar público - na
rua, no mercado, nos tribunais, nas casas de estudo,
nos eventos públicos ou nos cultos religiosos -, era con-
siderada uma ofensa à sua dignidade de mulher.
(…)Na prática, mulheres e escravos tinham as mesmas
obrigações. A liberdade para usar o tempo conforme
lhe aprouvesse era prerrogativa só dos homens. Em
hebraico a palavra "marido" é baal, que significa "dono,
patrão, proprietário e donos do mundo.”
Em Israel só os filhos de sexo masculino tinham direito à herança.
As filhas que herdavam, quando não havia descendentes masculinos,
deviam se casar no clã. Quando uma mulher ficava viúva e não tinha
filhos se casava com parentes do primeiro marido.
Outras características da sociedade deste tempo em Israel:
• Um homem não devia olhar para uma mulher ca-
sada e nem cumprimentá-la. Caso tivessem que
aparecer em público elas deviam usar um véu.
Ninguém podia conversar com uma mulher es-
trangeira.
• Sob o aspecto religioso, a mulher não era igual ao
homem. Estava sujeita a todas as proibições da
Lei, a todo rigor da legislação civil e penal e à
pena de morte. Elas não eram obrigadas a apren-
der a Lei. Alguns mestres julgavam que era prefe-
rível queimar a Torá que ensiná-la às mulheres.
• Elas deviam se purificar quando dessem à luz. Se
fosse um menino o período de purificação era de
quarenta dias. Se fosse uma menina era de oiten-
ta dias.
• O pai podia vender uma filha. A esposa não rece-
bia nenhuma herança do marido, dedicava-se às
ocupações domésticas, preparando a alimentação
do marido. Devia lavar as mãos, o rosto e os pés
do marido e tinha grande crédito com ele se lhe
desse muitos descendentes do sexo masculino.
Poderíamos fazer muitas outras citações, porém pensamos que só
estas já nos dão subsídio para compreender a posição da mulher na
sociedade judaica no tempo do apóstolo Paulo.
Dito isto agora podemos ler um texto contido na Epístola aos Efési-
os e ver se ele está de acordo com os costumes da época:
Vós, mulheres, sujeitai-vos a vosso marido, como ao
Senhor; porque o marido é o cabeça da mulher, como
também Cristo é o cabeça da igreja, sendo ele próprio o
salvador do corpo.
De sorte que, assim como a igreja está sujeita a Cristo,
assim também as mulheres sejam em tudo sujeitas a
seu marido.
Vós, maridos, amai vossa mulher, como também Cristo
amou a igreja e a si mesmo se entregou por ela, para a
santificar, purificando-a com a lavagem da água, pela
palavra, para a apresentar a si mesmo igreja gloriosa,
sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, mas
santa e irrepreensível.
Assim devem os maridos amar a sua própria mulher
como a seu próprio corpo. Quem ama a sua mulher
ama-se a si mesmo.
Porque nunca ninguém aborreceu a sua própria carne;
antes, a alimenta e sustenta, como também o Senhor à
igreja; porque somos membros do seu corpo.
Por isso, deixará o homem seu pai e sua mãe e se unirá
à sua mulher; e serão dois numa carne.
Grande é este mistério; digo-o, porém, a respeito de
Cristo e da igreja.
Assim também vós, cada um em particular ame a sua
própria mulher como a si mesmo, e a mulher reveren-
cie o marido.6
Sem ainda aprofundarmos na análise podemos com segurança afir-
mar que Paulo não era machista, aliás, na época não existia machis-
mo, esta era a cultura e ponto final. Paulo era um revolucionário, isto
sim, era muito avançado para a época, pois pregava com toda clare-
za:
Vós, maridos, amai vossa mulher, como também Cristo
amou a igreja e a si mesmo se entregou por ela…
Assim devem os maridos amar a sua própria mulher
como a seu próprio corpo.
Assim também vós, cada um em particular ame a sua
própria mulher como a si mesmo.
Qual ser humano comum que pensava deste modo naquela época?
Qual o judeu que se preocupava em manifestar amor e carinho por
sua mulher?
E mesmo no polêmico texto da 1ª Carta a Timóteo:
A mulher aprenda em silêncio, com toda a sujeição. 7

Já notamos um avanço, pois conforme vimos anteriormente alguns


mestres julgavam que era preferível queimar a Torá que ensiná-la às
mulheres, e aqui Paulo mostra–nos que elas podiam aprender, isto é,
estudar a Lei. Mais adiante trataremos melhor este assunto quando
falarmos da admiração que tinha de Abigail, e de seu ideal de mulher.

3 - Influência do idioma e suas traduções

6
Efésios, 5: 22 a 33
7
Timóteo, 2: 11
Norbert Baumert, escritor e professor alemão, defendeu uma tese
de doutorado e posteriormente publicou um livro, Mulher e Homem
em Paulo8, em que trata deste assunto que ora abordamos, e de mui-
tos outros, mostrando-nos uma nova imagem de Paulo.
Segundo este autor as traduções que temos não expressam de for-
ma autêntica o pensamento do Apóstolo, e para nos mostrar a real
significação dos textos do Convertido de Damasco, ele os retraduz va-
lorizando não só o contexto judaico do cristianismo do primeiro sécu-
lo, como também dando novas soluções para as expressões idiomáti-
cas tão comuns no idioma hebraico.
Assim, declara nos movimentos iniciais de seu livro:
Muitas acusações contra Paulo poderão ser enfraqueci-
das pela raiz. Outras poderão ser interpretadas como
temporalmente condicionadas, de modo que a mensa-
gem válida para todos os tempos possa ser diferencia-
da de formulações atuais.9
Mais adiante:
O caminho muitas vezes tortuoso da análise de texto
conduz a um surpreendente mundo novo, revelando
um Paulo proclamador da liberdade dos filhos e filhas
de Deus.10
E ao falar dos princípios hermenêuticos básicos afirma:
Exegese significa auscultar a mensagem imodificada
por meio das mudanças dos tempos, dos sistemas de
pensamentos e de valor e aí traduzi-las de forma nova.
11

Para exemplificarmos o como uma tradução ou uma desconsidera-


ção dos valores culturais de um povo podem influenciar na transmis-
são de seus textos a outros povos, consideramos a seguir:
No hebraico temos quatro palavras para expressar “ser humano”.
São elas:
• Nefesh = garganta
• Basar = carne
• Ruah = vento
• Leb = coração.
Nefesh - expressa o ser humano necessitado, que tem um grande
desejo.12 Seja este desejo material (fome, sede), seja espiritual (afeto,
encontro, ajuda, etc.)
Basar - O ser humano finito, limitado. Tem um sentido de fraqueza,
impotência humana.
8
BAUMERT Norbert. Mulher e Homem em Paulo, Ed. Loiola, São Paulo,1999.
9
(BAUMERT 1999), pág. 9
10
Ibidem
11
Idem, ibidem, pág. 251
12
Para estas colocações me oriento por (BAUMERT, 1999), pág. 233 a 236
Ruah - É o ser humano potencializado. Podemos entender como ca-
racterísticas deste ser humano, coragem, energia pessoal, força vital.
Força tanto material quanto espiritual.
Leb - O ser humano racional. É o ser humano diante de Deus em
seu processo de conhecimento e ação, consciência e meio.
Curioso que leb é coração, o que para nós é símbolo de sentimento
e não de razão.
Quando tentamos colocar o sentimento expresso em um idioma em
outro, iniciam-se as dificuldades.
Nefesh (hebraico)  psiquê (grego)  alma (português)
Ruah (hebraico) pneuma (grego)  espírito (português)
Em hebraico ruah significa tanto vento como espírito, em português
temos estas duas palavras diferentes para coisas diferentes, vento e
espírito.
Psique não traduz um nefesh desejante.
Basar (hebraico)  sarx ou soma (grego)  carne ou corpo (portu-
guês)
Em nosso tempo atual, materialista, soma (corpo) expressa bem o
sentido de “pessoa”, pois para o ocidental o corpo é mais real, mais
palpável; porém, para o hebreu bíblico ruah/espírito era o que melhor
designava o “ser”.
Na LXX (Bíblia grega) às vezes nefesh (alma) é traduzido por soma
(corpo); há aí uma ruptura com o pensamento hebraico apesar de
ambas designarem “pessoa”.
Podemos a partir de então entender melhor o sentido das ex-
pressões soma e sarx em Paulo.
Nas traduções comuns temos:
Romanos 8: 13: Porque se viverdes segundo a carne [sarx] mor-
rereis; mas se pelo espírito mortificardes as obras do corpo [soma],
vivereis. (ALMEIDA, 1991)
O mesmo texto com outro entendimento:
Porque se vocês viverem segundo a antiga natureza, com certeza
morrerão; mas se pelo espírito continuarem a matar as práticas do
corpo, viverão. (STERN, 2007)13
Portanto, carne = homem velho (antiga natureza); espírito = ho-
mem novo (nova criatura).
Mais à frente,
Romanos, 8: 27: …e aquele que perscruta corações [leb/kardia]
sabe qual o desejo do espírito. (A Bíblia de Jerusalém, 1992)
Noutra tradução mais judaica temos:

13
STERN, David. O Novo Testamento Judaico, Ed. Vida, São Paulo, 2007
Aquele que investiga os corações conhece exatamente o pensa-
mento do espírito. (STERN, 2007)
Ou seja, é o coração racional, que pensa.
Neste ponto vamos citar novamente (BAUMERT, 1999), pág. 240:
Não nos compete declarar um sistema antropológico
como “verdadeiro” e outro como “falso”; cada um tem
o seu teor de verdade. Mas temos de tentar entender o
sistema hebraico, porque nessa língua foi-nos transmiti-
da a mensagem da salvação que está por trás das pala-
vras e pode ser traduzida para qualquer língua. Porém,
as “palavras” hebraicas sobre o ser humano nunca po-
dem ser distribuídas para o corpo e a alma em sentido
grego, mas cada qual pensa o ser humano como um
todo de determinada perspectiva.
Não vamos continuar aprofundando este assunto, pois além de não
termos autoridade para tal, não é esse o tema de nosso estudo; se
nele nos aventuramos um pouco, é só para deixar claro o quanto é di-
fícil traduzir e o quanto podemos nos enganar em relação ao pensa-
mento de Paulo ou de qualquer outro autor, caso este tenha sido mal
traduzido.
Não dá para ler Paulo de uma forma afoita. Àqueles que quiserem
aprofundar no tema sugerimos o estudo da obra de Norbert Baumert
citada em nossa bibliografia.

4 - Paulo: citações sobre sua personalidade, caráter e tempera-


mento

Tendo sido visto já dois aspectos importantes para o trabalho de


nosso tema, quais sejam, a situação da mulher na sociedade judaica
ao tempo de Paulo, e a influência do idioma e de suas traduções na
formação dos textos e da compreensão que temos dos mesmos, res-
ta-nos agora apontarmos para outras questões. Teria Paulo em sua
personalidade, ou em seu temperamento, ou ainda em seu caráter,
características que poderiam justificar um comportamento machista?
Como descobrir isso?
Paulo é sem dúvida o personagem mais conhecido do Novo Testa-
mento; temos o livro Atos dos Apóstolos e todas as suas epístolas
(quase a metade do todo Novo Testamento) como material de pesqui-
sa. Além disso, nós espíritas, temos o privilégio da obra Paulo e Este-
vão14, que nos traz os bastidores da história da vida do apóstolo tão
bem contada por Lucas, no livro evangélico já citado.
Então, mãos à obra, analisemos alguns textos destas obras impres-
cindíveis para conhecermos um pouco mais daquele que Jesus tinha
por vaso escolhido.
14
XAVIER / Emmanuel (Espírito). Paulo e Estevão, 41ª ed., Rio de Janeiro, FEB,
2004.
Jovialíssimo, Saulo contou ao amigo que, de fato, se
enamorara de uma jovem da sua raça, que aliava os
dotes de peregrina beleza aos mais elevados tesouros
do coração. Seu culto ao lar constituía um dos mais
santificados atributos femininos. ( Saulo fala ao amigo
Sadoc sobre Abigail.15)
A princípio este texto nada teria a acrescentar no estudo da
personalidade de Paulo, porém é bom notar aqui a sua sensibilidade
(mesmo quando ainda Saulo), pois só quem tem esta virtude percebe
certos dotes em uma mulher como tesouros do coração ou
santificados atributos femininos. Saulo valoriza o lar e a família, isto é
caracaterística de Espíritos que já atingiram um certo padrão
evolutivo.

Acolhido generosamente em sua casa, agora farta e


feliz, ali conhecera na jovem Abigail um terno coração
de menina, dona dos mais belos predicados morais que
pudessem exornar uma filha da sua raça. Era, de fato, o
seu ideal de moço: inteligente, versada na Lei e,
sobretudo, dócil e carinhosa. (Ainda em conversa com
Sadoc, sobre Abigail.16)
Mesma sensibilidade citada no comentário anterior. Preocupação
com os predicados morais daquela que lhe seria esposa. E aqui um
item importantíssimo para compreender seu pensamento sobre a mu-
lher. Saulo tinha por ideal de mulher uma que fosse inteligente e, ver-
sada na lei.
Para uma época em que a mulher não podia estudar, ele tinha por
ideal uma que era conhecedora e estudiosa da Torá. Como conjugar
isto com a interpretação usual da carta em que ele fala que a mulher
deveria silenciar e que não era permitido a elas falarem em uma reu-
nião da comunidade? (1 Coríntios, 14: 34)
Aqui falaríamos como Kardec na questão 59 de O Livro dos Espíri-
tos:
“Dever-se-á daí concluir que a Bíblia é um erro? Não; a
conclusão a tirar-se é que os homens se equivocaram
ao interpretá-la.”
Temos ainda sobre este assunto de lembrar que Saulo foi educado
por uma mãe que lia para ele textos da Torá [Cf. (XAVIER /
Emmanuel, 2004), pág. 372]. Ou seja, ele tinha uma lembrança ma-
terna forte, onde esta figura tão importante para a formação de um fi-
lho, tinha também o hábito de estudo dos textos sagrados.
Quem tem uma lembrança assim de uma mãe, e tem isso por im-
portante, como ele mostrava ser, pode ter por ideal uma mulher que
não participa dos momentos mais importantes de uma família?

15
Idem, Ibidem, pág. 85 e 86.
16
(XAVIER / Emmanuel [Espírito] 2004), pág. 86
Desde criança, com a sadia educação doméstica, guar-
dava puros os primeiros impulsos do coração, sem ja-
mais contaminá-los na esteira dos prazeres fáceis ou do
fogo das paixões violentas, que soem deixar na alma o
carvão das dores sem esperanças.
...tivera o heroísmo sagrado de sobrepor as disposições
da Lei às próprias tendências naturais. Sua concepção
de serviço a Deus não admitia concessões a si mesmo.
A seu ver, todo homem devia conservar-se indene de
contactos inferiores com o mundo, até que atingisse o
tálamo nupcial. O lar constituído haveria de ser um ta-
bernáculo das bênçãos eternas; os filhos, as primícias
do altar do Maior Amor, consagrado ao Senhor Supre-
mo.
A vida do lar é a vida de Deus.
(Em conversa com Abigail na casa de Zacarias) 17
Esta conversa com Abigail mostra-nos um Saulo altamente românti-
co. Tinha ele tanta consideração pela mulher que se guardava sexual-
mente para sua eleita, mesmo antes de conhecê-la. Em nosso portu-
guês claro e atual, Saulo era casto.
Tinha o lar e a família como instituição sagrada, sabia o quão esta
era importante para a formação do Ser que devia caminhar conscien-
te para Deus.
Em Paulo vamos ver que seu objetivo maior era fazer com que Je-
sus triunfasse dos corações dos homens, para isso a família tinha im-
portância fundamental em sua feição educativa e disciplinadora.
Como em seu tempo tanto nos altos postos de Roma, quanto entre
os pagãos gregos e outros, a família estava degenerando-se, justifica-
se de forma clara a dureza de alguns textos de Paulo em relação ao
comportamento principalmente da mulher por ser esta a primeira
educadora e a principal responsável pela formação moral da família.

Não era ele um homem excessivamente sentimental,


dado às efusões dos carinhos que passam sem maior
significação
Aqueles meses de convívio, quase diário, davam-lhe a
conhecer o seu temperamento indômito e inquieto, a
par de um coração eminentemente generoso, onde
uma fonte de ignorada ternura se retraía em abismais
profundezas. (Pensamento de Abigail sobre Saulo 18)
Esta é uma opinião que deve ser levada em conta, pois é a opinião
de Abigail que além de ser a noiva do futuro apóstolo era um espírito
de alta sensibilidade espiritual. Segundo ela Saulo era generoso e
terno. Em suas futuras epístolas vamos ver o quanto era afetuoso.

17
op. cit., pág. 99 e 100
18
Ib., pág. 94
Seriam estas caracaterísticas de um homem machista e acusado de
incentivador de um comportamento misógino?
— Mulheres na cerimônia?19
A irmã de Saulo pergunta sobre a presença de Abigail na cerimônia
do martírio de Estevão, o que era proibido, pois não era permitido a
uma mulher estar em determinadas partes do templo.
…e ainda que isso constitua resolução de última hora, a
critério dos sacerdotes, a medida não poderá atingir
decisão pessoal de minha parte e eu desejo que Abigail
participe do meu primeiro triunfo na defesa dos nossos
princípios soberanos. 20
Saulo fere aqui uma tradição e um regulamento mesmo, ao querer
que uma mulher participe de uma cerimônia no templo. Demonstra o
quanto era o seu desejo a participação de Abigail na cerimônia de
Estevão, o que era para ele o seu primeiro triunfo. Vemos aqui
claramente que ele não era contrário à participação da mulher nos
sucessos do noivo ou marido, ou mesmo nas cerimônias religiosas.
Mas, diariamente, à noite, se reuniam, na casa singela
onde funcionava a célula do “Caminho”, grandes gru-
pos de pedreiros, de soldados paupérrimos, de lavrado-
res pobres, ansiosos todos pela mensagem de um mun-
do melhor. As mulheres de condição humilde compare-
ciam, igualmente, em grande número. (Sobre as reuni-
ões em Antioquia.)21
Já notamos aqui - nas reuniões da comunidade cristã de Antioquia -
mulheres estudando o Evangelho, o que não era comum àquele tem-
po.
Ali se reuniam, à noite, às ocultas, como se a
verdadeira igreja de Jerusalém houvesse transferido
sua sede para um reduzido círculo familiar. Observando
as assembléias íntimas do santuário doméstico, o ex-
rabino recordou a primeira reunião de Damasco. Tudo
era afabilidade, carinho, acolhimento. A mãe de João
Marcos era uma das discípulas mais desassombradas e
generosas. (Em Jerusalém, culto na casa de Maria
Marcos, mãe de João Marcos.)22
Maria Marcos, mãe de João Marcos era uma das discípulas (o que
quer dizer que haviam outras) mais participativas, ou seja, mesmo na
igreja em Jerusalém onde o judaísmo era mais tradicional e
influenciava o movimento de Jesus, havia participação dinâmica de
mulheres.
Fundação da igreja em Listra.
Lóide e a filha estavam radiantes. A cura do aleijado

19
Ib., pág. 182
20
Ib.
21
op. cit., pág. 389
22
op. cit., pág. 398
conferia aos mensageiros da Boa Nova singular situa-
ção de evidência. Paulo valeu-se da oportunidade para
fundar o primeiro núcleo do Cristianismo na pequena
cidade. As providências iniciais foram tomadas na resi-
dência da generosa viúva, que pôs à disposição dos
missionários todos os recursos ao seu alcance 23.
Temos aqui a participação de mulheres na fundação de reuniões
para estudos do Evangelho.
Eram líderes do movimento?…
Fundação da igreja de Filipes
Enxugavam discretamente as lágrimas que lhes afluiam
ao rosto, ao receberem notícias do Mestre, e uma
delas, chamada Lídia, viúva digna e generosa,
aproximou-se dos missionários e, confessando-se
convertida ao Salvador esperado, oferecia-lhes a
própria casa para fundarem a nova igreja. 24
Mais uma vez uma igreja fundada na casa de uma mulher (Cf. Atos,
16:14)
Também através de suas epístolas vamos poder notar o carinho, o
respeito e a consideração que tinha por muitas mulheres que eram,
conforme podemos notar, suas colaboradoras na disseminação do
Evangelho
Em Romanos capítulo 16 temos:
Recomendo-vos, pois, Febe, nossa irmã, a qual serve
na igreja que está em Cencréia. (Romanos, 16: 1)
Febe era grande colaboradora na igreja em Cencréia conforme
podemos notar pelas próprias palavras do apóstolo. Era mais uma
mulher que participava ativamente no movimento cristão junto de
Paulo.
Através de Emmanuel (op. cit., pág. 552) ficamos sabendo que foi
ela a portadora da Epístola aos Romanos, que Paulo escrevera na
cidade de Corinto.
Paulo sabia por revelação do próprio Cristo sobre a importância
destas cartas para o movimento que se iniciava e para a cristandade
de todas as épocas; sabedor que era ainda das dificuldades de
transporte, e outros, será que ele encarregaria tal encomenda a
quem não fosse absolutamente de confiança?
Portanto, fica mais uma vez confirmada a participação ativa de
mulheres no movimento, e também que elas assumiam tarefas de
grande relevância.
Saudai a Priscila e a Áqüila, meus cooperadores em
Cristo Jesus (Romanos, 16: 3)

23
op. cit., pág. 458
24
op. cit., pág. 508
Priscila e Áquila eram amigos e colaboradores fiéis de Paulo. Prisci-
la ajudava não só na divulgação da Boa Nova, como era também
companheira de trabalho como tecelã. É mais uma vez a prova de
mulheres participantes. Havia uma reunião também na casa deles
conforme depreendemos de Romanos, 16: 5.
Saudai a Andrônico e a Júnia, meus parentes e meus
companheiros na prisão, os quais se distinguiram entre
os apóstolos e que foram antes de mim em Cristo.
(Romanos, 16: 7)
Este é um texto interessante visto que apóstolo significa enviado e
no Novo Testamento é normalmente usado para se referir aos doze
primeiros discípulos de Jesus, a Matias que substituiu Judas, ou ao
próprio Paulo.
Aqui Paulo dá este título a Andrônico e a Junia que era uma mulher,
ou seja, uma colaboradora acima da média. O texto chocou tanto al-
guns estudiosos que muitos chegaram a negar esta possibilidade,
sendo que alguns tradutores, e de conceituadas traduções, chegaram
a propor que o nome era Júnias, um nome masculino. Porém, como in-
forma-nos Bart D. Ehrman em O Que Jesus Disse? O Que Jesus Não
Disse?25 a crítica textual está muito avançada e consegue hoje perce-
ber estas alterações textuais; além disso, comenta o mesmo autor,
que enquanto Junia (no feminino) era um nome comum à época, não
há indício no mundo antigo de Júnias como nome masculino. 26
Outros versículos poderiam ser citados para mostrar a participação
de mulheres como colaboradoras ativas de Paulo, entre eles, Colos-
senses, 4: 15 em que cita uma igreja na casa de Ninfa, uma outra co-
operadora. Porém para não nos tornarmos mais cansativos com cita-
ções, achamos que estas já bastam para provar que havia participa-
ção ativa de mulheres no cristianismo do primeiro século, principal-
mente como colaboradoras de Paulo, o que inviabiliza a leitura deste
como um judeu machista como é comentado por muitos, inclusive
nos meios cristãos atuais.

5 - Mulheres sujeitai-vos a vosso marido…

Antes de entrarmos mais propriamente no estudo das anotações de


Paulo aos Efésios, no capítulo 5 a partir do versículo 22, que trata da
submissão da mulher, queremos chamar a atenção para alguns pon-
tos que podem funcionar como uma introdução para compreender-
mos o que Paulo queria dizer.
No versículo 15 diz o autor da carta:
Vede, pois, cuidadosamente como andais...
Numa outra tradução temos:
25
EHRMAN, Bart D. O Que Jesus Disse? O Que Jesus Não Disse?, Prestígio, São
Paulo, 2006.
26
Para maiores informações sugerimos (EHRMAN, 2006), pag. 193ss
Vede como estruturais vossa vida…
O que podemos compreender destas palavras? É Paulo nos convi-
dando a uma visão mais profunda; vede bem, ou seja, não é aquela
visão de periferia como naturalmente fazemos quando enxergamos
somente o que nos interessa.
O tema que vai ser tratado a partir deste momento na epístola é
bastante polêmico, trabalha com profundidade as nossas dificuldades
no campo da insubordinação, por isso temos tanta dificuldade para
compreender, sendo este o motivo de nossas lutas incessantes.
E aí Paulo nos alerta: vede bem, vede com os olhos da alma, procu-
re os interesses do Espírito.
…como estruturais vossa vida; esta questão nos remete a pergunta
feita por Kardec aos Espíritos, a de número 132 de “O Livro dos Espíri-
tos”: Qual o objetivo da encarnação dos Espíritos?
Qual de nós já parou para meditar seriamente sobre esta questão?
Por que estamos aqui, qual o objetivo principal de nossa vida? Será
que não temos vivido somente como se estivéssemos a passeio?
O próprio Paulo nos alertara anteriormente, em Cristo, diz ele, não
há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há homem nem
mulher…27
Porque então tanta luta, tanta divergência justamente em cima de
textos daquele que tão bem compreendeu o amor de Cristo?
Pensemos: como estamos estruturando nossa vida?
No versículo 16 deste capítulo 5 de Efésios, diz Paulo assim:
Remindo o tempo, nos convocando a aproveitar a oportunidade, ti-
rando bom proveito da chance que temos de remissão no tempo pre-
sente.
Mais à frente, no versículo 18, só para fechar esta breve introdu-
ção, diz ele:
Não vos embriagueis com vinho, que é uma porta para
devassidão, mas buscai a plenitude do Espírito.
Estas palavras vêm ratificar a nossa interpretação de que Paulo nos
convida a um entendimento superior. O vinho traz a dissolução, a dis-
córdia, o rompimento com a unidade. Aqui pode muito bem represen-
tar a ilusão que deve ser evitada a qualquer custo. Não somos maio-
res nem mais sábios do que ninguém, e Aquele que É, jamais subme-
teu alguém. Então, por que nossa arrogância e desejo tão forte de po-
der? Deixemo-nos, como diz o apóstolo, nos preenchermos com a rea-
lidade imperecível do Espírito, busquemos a plenitude espiritual para
a qual nos preparou Jesus.
O versículo 21 é o elo entre esta nota introdutória e o texto que va-
mos comentar a seguir. Nele temos a condição que nos fará alcançar

27
Gálatas, 3: 28
o entendimento pleno: submetei-vos uns aos outros no temor de Cris-
to.
Aqui é preciso em primeiro lugar compreender o que seja temor de
Cristo, pois esta é a condição maior, tudo deve estar integrado nisto.
No Deuteronômio, 6: 1 e 2, o redator bíblico diz:
São estes os mandamentos, os estatutos e as normas
que IHVH vosso Deus ordenou ensinar-vos, para que
coloqueis em prática na terra para qual passais, a fim
de tomardes posse dela, e, assim, temas a IHVH teu
Deus e observes todos os seus estatutos e mandamen-
tos que eu hoje te ordeno…
Deste modo entendemos que temer a Deus é manter a fidelidade à
Aliança, é observar (obedecer) os seus estatutos e mandamentos.
Paulo era conhecedor profundo desta matéria, e quando ele fala
em temor de Cristo ele está nos chamando a atenção para a fidelida-
de que devemos ter para com Ele, o que podemos resumir como ob-
servar e vivenciar o Seu Evangelho.
Assim, ao interpretarmos estes textos, ou qualquer outro de Paulo,
façamos a seguinte analogia: a nossa interpretação está coerente
com a mensagem do Sermão do Monte? Se sim, aprofundemos nosso
entendimento, se não, busquemos outra melhor.
Deste modo, submetamo-nos uns aos outros em Cristo, isto é, com
o seu mais puro amor.
Efésios, 5: 22 a 33:
22 Vós, mulheres, sujeitai-vos a vosso marido, como
ao Senhor;
23 porque o marido é o cabeça da mulher, como tam-
bém Cristo é o cabeça da igreja, sendo ele próprio o
salvador do corpo.
24 De sorte que, assim como a igreja está sujeita a
Cristo, assim também as mulheres sejam em tudo su-
jeitas a seu marido.
25 Vós, maridos, amai vossa mulher, como também
Cristo amou a igreja e a si mesmo se entregou por ela,
26 para a santificar, purificando-a com a lavagem da
água, pela palavra,
27 para a apresentar a si mesmo igreja gloriosa, sem
mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, mas santa e
irrepreensível.
28 Assim devem os maridos amar a sua própria mulher
como a seu próprio corpo. Quem ama a sua mulher
ama-se a si mesmo.
29 Porque nunca ninguém aborreceu a sua própria car-
ne; antes, a alimenta e sustenta, como também o Se-
nhor à igreja;
30 porque somos membros do seu corpo.
31 Por isso, deixará o homem seu pai e sua mãe e se
unirá à sua mulher; e serão dois numa carne.
32 Grande é este mistério; digo-o, porém, a respeito
de Cristo e da igreja.
33 Assim também vós, cada um em particular ame a
sua própria mulher como a si mesmo, e a mulher reve-
rencie o marido.
Ao iniciarmos este estudo queremos antes de tudo lembrar dois
pontos importantes. O primeiro, o versículo da epístola de Pedro que
diz:
…sabendo primeiramente isto: que nenhuma profecia
da Escritura é de particular interpretação. 28
Isto porque a interpretação que daremos a este texto de Paulo é
apenas uma, outras poderão existir e até melhores que a nossa. Po-
rém esta é o que de melhor pudemos fazer neste momento.
Outro aspecto que queremos salientar é quanto a uma pergunta
que nos é constantemente dirigida, se não estaríamos divagando
muito em nossas interpretações do Evangelho. Teria o apóstolo real-
mente pensado nesta hipótese quando escreveu o texto?
É preciso que fique claro uma coisa, a Bíblia é uma revelação de
Deus; segundo Kardec o Antigo Testamento nos traz os textos da 1ª
Revelação, e o Novo o da 2ª.
A primeira revelação previu a vinda da 2ª, do mesmo modo a 2ª
nos apontou a necessidade de uma 3ª que viria posteriormente, a do
Consolador ou Paráclito.
Assim temos a unidade das revelações sob três aspectos ou mo-
mentos distintos. Isto deixa-nos claro o seguinte fato, do mesmo
modo que o Espírito de Verdade orientou o advento da terceira reve-
lação, também o fez com a primeira e a segunda. Assim, os textos
destas revelações também foram inspirados pelos Espíritos Prepostos
do Cristo encarregados de implantarem na Terra o Reino de Deus no
coração dos homens.
Isto quer dizer que respeitadas as tradições, o contexto histórico,
social e cultural em que foram formados, todo texto revelado pelos
Espíritos através destas revelações transcendem tempo e espaço e
podem na medida de nosso progresso espiritual revelar-nos novos ân-
gulos a auxiliar no processo reeducativo de todos o que estiverem
preparados para tal mister. Isto está de acordo com o versículo citado
acima da epístola de Pedro e nos deixa bem tranqüilo quanto às inter-
pretações que temos feito do Evangelho neste estudo que carinhosa-
mente aprendemos a chamar de Estudo Miudinho do Evangelho.
Costumamos dizer que um dos trechos mais importantes de toda
esta revelação, e que é base para compreensão de toda a Bíblia, está
contida no livro Deuteronômio, no capítulo 6:

28
2 Pedro 1:20
Ouve, Israel, o Senhor, nosso Deus, é o único Senhor.
Amarás, pois, o Senhor, teu Deus, de todo o teu cora-
ção, e de toda a tua alma, e de todo o teu poder.
E estas palavras que hoje te ordeno estarão no teu co-
ração; e as intimarás a teus filhos e delas falarás assen-
tado em tua casa, e andando pelo caminho, e deitando-
te, e levantando-te.
Também as atarás por sinal na tua mão, e te serão por
testeiras entre os teus olhos.
E as escreverás nos umbrais de tua casa e nas tuas
portas.29
Todo o texto da Bíblia gira em torno deste versículo anotado no li-
vro atribuído a Moisés. Pois a história contida na Bíblia nada mais é do
que a da relação de Deus com a humanidade, no livro, representado
pelo povo hebreu, o Israel de Deus.
Fidelidade e traição, estes os dois momentos distintos que fizeram
toda a trama da história e que representam bem toda a nossa trajetó-
ria evolucional.
Diz–nos os primeiros movimentos do livro Gênesis, que quando
Deus criou o homem, o colocou num Jardim no Éden, e fez com ele
uma Aliança: “de toda a árvore do jardim comerás livremente... 30”. E
ali havia vários tipos de árvores representadas pelas que eram agra-
dáveis à vista, as boas para comida, a árvore da vida que ficava no
meio do jardim e a árvore da ciência do bem e do mal. Mas, continuou
o Senhor Deus, da árvore da ciência do bem e do mal dela não come-
rás; porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás.31
Isto significa que Deus ao criar o homem deu a ele todas as condi-
ções para viver bem, feliz, e saudável, mas para isso era preciso se
manter na Aliança, fiel aos desígnios do Senhor. Deus criara uma Lei
para gerir o funcionamento do Cosmos, e era preciso obedecê-la para
manter a harmonia.
Já nos primeiros versículos do capítulo três deste mesmo livro, o
homem inicia seu processo de infidelidade. Notemos que Eva no diá-
logo com a serpente já deturpa o que Deus dissera ao dizer que não
deveria comer da árvore colocada no meio do jardim. (cf. Gn, 3: 3).
Ora, o que o Senhor dissera é que no meio do jardim estava a árvore
da vida, e a que não deveria ser comida era a da ciência do bem e do
mal. É que Eva elegera como centro de seus interesses a árvore da ci-
ência do bem e do mal, quando o interesse maior do ser humano de-
veria ser a da vida, aquela que mais tarde o Cristo viria trazer como
objetivo para todos nós.
Tendo valorizado mais o interesse pessoal que a obediência à har-
monia universal, outra não poderia ser a conseqüência, a queda mo-

29
Deuteronômio, 6: 4 a 9
30
Gênesis, 2: 16
31
Gênesis, 2: 17
ral do homem, o distanciamento de Deus: “porque no dia em que
dela comeres, certamente morrerás.”32
Estava rompida a Aliança.
Todavia Deus é Misericórdia, e para fazer o homem voltar à vida re-
nova a Aliança com este através de Noé. (cf. Gn, 6: 18)
E mais uma vez o humano faz-se infiel e cai.
Porém Deus renova com Abraão o pacto. E mais uma vez o homem
rompe; a aliança é renovada com Moisés e a história se repete.
Por fim Deus envia à Terra Seu Filho maior, o Cristo, e através des-
te dá oportunidade ao homem de refazer a Aliança e voltar à vida:
…eu vim para que tenham vida e a tenham com
abundância.33
Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida. Ninguém vem
ao Pai senão por mim.34
Eu sou o pão vivo que desceu do céu; se alguém comer
desse pão, viverá para sempre; e o pão que eu der é a
minha carne, que eu darei pela vida do mundo. 35

*******

A literatura judaica, principalmente a partir dos profetas, tem re-


presentado a manutenção da Aliança ou a relação de Deus com a hu-
manidade, através do símbolo da união conjugal onde Deus é o mari-
do e a humanidade a esposa.
Entendamos que toda vez que os textos bíblicos falam do povo de
Israel ou do povo de Deus está se referindo a toda a humanidade que
caminha consciente para Deus.
Vemos esta relação expressa nos livros dos profetas Oséias, Jeremi-
as, Isaías, Malaquias, entre outros.
O Novo Testamento retoma o tema em muitas passagens, podemos
citar Mateus, 9: 15; 25: 1 a 15; Apocalipse, 21: 2, entre outras, inclusi-
ve a do encontro de Jesus com a samaritana (João, 4).
O Povo de Israel (humanidade) é visto pelos profetas como sendo
uma prostituta, pois adulterou a relação com Deus; a humanidade é,
então, a esposa que traiu seu marido.
Interessante aqui notar que aquela que nos traz o filho do homem,
que é quem instrumentaliza-nos para a volta ao Criador e à manuten-
ção da Aliança, é justamente a virgem, ou seja, a que se manteve fiel
ao Esposo, pois a virgem é antípoda em relação à prostituta.

32
Idem
33
João, 10: 10
34
João, 14: 6
35
João, 6: 51
Eis aqui a serva do Senhor; cumpra-se em mim segundo a tua pala-
vra.36 Assim se manifesta Maria expressando sua fidelidade.
Da mesma forma podemos dizer que Maria de Magdala foi uma vir-
gem do Evangelho e não uma prostituta, enquanto Judas Iscariotes,
naquele momento evolutivo, foi talvez a maior prostituta do Evange-
lho. E aqui cabe uma consideração, foi através de uma virgem (Joana
d’Arc) que Judas se redimiu e tornou-se fiel a Deus, no plano das
reencarnações.
Deste modo, quando Paulo, que dominava toda esta cultura judai-
ca, e pensava como um judeu de seu tempo, mesmo que transforma-
do pelas luzes do Evangelho, dizia que a mulher devia se submeter ao
seu marido, é como se carinhosamente dissesse: “Ouve ó Israel (hu-
manidade) esteja sujeita a Deus”, e isto ele reforça quando diz: como
ao Senhor.
Ou seja, com uma fidelidade urgente a ser mantida, pois aquele
que tem amadurecimento das questões espirituais, sabe do quanto já
erramos por adulterarmos em relação aos propósitos divinos e quanto
é bom mantermo-nos na segurança de um Pai que é essencialmente
misericórdia.
E o apóstolo aprofunda:
Porque o homem é o cabeça da mulher; cabeça aqui deve ser en-
tendido como origem ou fonte, e não como chefe ou dominador.37
Aliás, esta é a relação Deus – humanidade; Deus é a origem, a fon-
te, e não dominador. Deus é amor, e amor pressupõe liberdade e não
constrangimento, por isso educa-nos através do livre arbítrio.
Do mesmo modo Cristo é o cabeça, a origem da igreja, que aqui
deve ser entendida como “reunião da comunidade”, comunidade esta
que surge para o estudo dos textos originais do Evangelho, pressu-
pondo participação de todos, inclusive das mulheres que eram já nes-
te tempo sempre presente nas reuniões e muitas vezes líderes e fun-
dadoras das igrejas. (Cf. Atos, 16: 14 e 15; Colossenses, 4: 15, entre
outras referências.)
No versículo 24 deste capítulo Paulo afirma:
…como a igreja está sujeita a Cristo, assim também as
mulheres sejam em tudo sujeitas a seu marido.
A grande dificuldade que temos de entender este texto está na
nossa originária rebeldia que faz com que detestemos sujeitar-nos ao
que quer que seja. Queremos ser o que manda, jamais o que obede-
ce, mesmo após Jesus ter nos ensinado que aquele que quiser estar
no Reino do Pai deve servir e obedecer como Ele, que é o maior que
esteve entre nós, fez.

36
Lucas, 1: 38
37
Examinaremos melhor este assunto quando comentarmos 1 Coríntios, 11 a
partir do versículo 3
Neste ponto cabe uma reflexão e um entendimento, que tipo de su-
jeição é esta que Cristo exige da igreja? Que tipo de submissão tem
ela em relação a Ele?
É importante entendermos isto, pois é esta sujeição que segundo
Paulo a mulher tem que ter em relação ao seu marido.
Conforme temos analisado, segundo o pensamento de Paulo, o ho-
mem está para Cristo do mesmo modo que Cristo está para Deus; a
mulher está para a igreja, como esta está para a humanidade.
Cristo representa o nosso superconsciente, é a meta que devemos
alcançar. O homem é a faixa atual em que nos movimentamos, o
campo operacional que nos diz respeito através do qual chegaremos
ao Cristo e a Deus.
A mulher deve se sujeitar ao marido como a igreja está sujeita a
Cristo. Deus é amor, já dissemos anteriormente repetindo o discípulo
amado; Cristo que é o cabeça da criação representa o amor de Deus
dinamizado, operacionalizado. Onde há amor não há exigência, não
há imposição nem constrangimento, portanto Deus não submete a
humanidade a nada, por isso ele faculta o livre arbítrio.
Alguns neste ponto podem dizer, “mas há o determinismo”; sim,
há, mas o determinismo é fruto do livre arbítrio, quando ele traz dor
ou sofrimento é porque foi violada a Lei Divina, não é Deus quem
impõe, a criatura é que escolhe o caminho.
Portanto, se Deus não submete a humanidade, do mesmo modo o
homem não deve submeter a mulher; a humanidade consciente é que
deve se submeter a Deus fazendo uso de sua liberdade, ao que cha-
mamos de “liberdade-obediência”, ou autonomia madura (BAUMERT,
1999), pág. 205; pois ao caminhar nesta submissão liberta-se para
conquistas maiores.
Este é o significado da sujeição que Paulo cobra da mulher; não é a
sujeição de lá para cá como imposição, mas daqui para lá como ele-
mento de libertação, de desvinculação. A mulher aqui representa
toda humanidade, inclusive nós os elementos do sexo masculino.
Para que possamos fundamentar a exposição que aqui realizamos
vamos citar um texto de Paulo ao se dirigir à comunidade de Corinto:
Pois eu vos cortejo com o cativante amor de Deus; pois
vos desposei, para, como único esposo, entregar uma
virgem pura ao Cristo.38
Ou seja, ele prepara a comunidade, a noiva, para que ela se torne
uma virgem pura, fiel, para unir-se ao seu esposo único, que é Cristo.
Desta forma, não vemos nesta carta nenhuma colocação para em
Paulo lermos que a mulher é inferior ao homem, não foi isto que ele
quis dizer e nem é isso que mostra sua personalidade conforme já ci-
tamos em textos tanto de suas epístolas, quanto do livro de Emmanu-
el, Paulo e Estevão.
38
2 Coríntios, 11: 2
Na 1ª Carta aos Coríntios ele fala claramente desta igualdade dos
dois sexos quando responde aos destinatários da carta algumas ques-
tões sobre abstinência sexual. Em determinado ponto ele diz:
Não vos recuseis um ao outro, a não ser de comum
acordo… (grifo nosso)
Como vemos, não prega a sujeição de um em relação ao outro,
mas que estejam de comum acordo, isto é, em estado de igualdade. E
notemos que isto ele fala a respeito de um dos temas mais delicados
que é a comunhão sexual; se neste tema que é tão íntimo, onde deve
vigorar a mais pura verdade, assim deve ser, por que não deve ser
em todas manifestações exteriores?
Assim voltamos a reiterar, qual era o ser humano, que naquele
tempo, numa cultura extremamente patriarcal, onde a mulher nem
era considerada, tratava com tanta delicadeza a mulher em sua rela-
ção com o homem?

*****

Os leitores rápidos do Novo Testamento, refiro-me àqueles que


leem apenas superficialmente e tentam tirar conclusões a respeito do
que leem como se fossem definitivas, são os que têm usado estas
anotações de Paulo para o tacharem de machista; pois têm visto em
suas colocações um incentivo à subserviência da mulher.
Talvez estes jamais tenham lido com atenção o versículo 25 deste
capítulo 5 da carta que ora comentamos. Nele o apóstolo propõe uma
tarefa ao homem muito mais difícil do que havia proposto à mulher.
Isto analisando como eles o fazem apenas o sentido literal.
Diz o converso de Damasco: maridos amai vossas mulheres…, e
nós perguntamos, o que é mais difícil para nós em nosso atual está-
gio de evolução, submeter-se ou amar? Obedecer, ou viver na liber-
dade plena do amor?
Obedecer, mesmo que com muita dificuldade temos feito em nosso
dia a dia. Assim fazemos em relação ao pai, ao chefe, às injunções da
vida, aos superiores de um modo geral39. E amar, em algum momento
temos expressado este sentimento com profundidade?
E percebamos que Paulo orienta aos maridos que amem suas mu-
lheres, mas não com qualquer amor, pois diz: como Cristo amou a
igreja, isto é, a assembléia, a humanidade, e continua: e entregou-se
[a si mesmo] por ela.
Portanto, o que Paulo exige dos homens é um amor total, integral,
à sua mulher. Um amor tão grande que o capacita a se entregar por
ela, a dar a própria vida por ela, como Cristo fez pela humanidade.
E a partir destas colocações podemos dizer que o autor deste texto
é machista? Se for, penso que todas as mulheres do mundo, que te-
39
Apesar de não este o sentido do submeter-se desejado por Paulo
nham um mínimo de sensibilidade, vão querer ter ao lado um compa-
nheiro machista como Paulo.
Já dissemos, esta relação marido/esposa é a representação da rela-
ção de Deus com a humanidade, da Aliança feita por IHVH com o
povo de Israel.
Assim, podemos representar Deus pelo elemento masculino e a hu-
manidade como sendo o elemento feminino. Para que haja uma co-
munhão sexual perfeita é preciso que Deus (elemento masculino) fe-
cunde a humanidade (elemento feminino).
A fecundação é um ato de amor em seu momento positivo (ativo):
maridos, amai vossas mulheres, enquanto que no momento opositivo
(passivo) a mulher é fecundada pelo, isto é, recebe, submete-se ao,
seu marido.
Isto é muito mais profundo do que podemos supor com uma sim-
ples leitura deste texto, não diz respeito só a uma relação entre sexos
opostos, mas fala-nos do próprio processo educacional.
O mestre quando ensina a seu aluno, o conferencista quando em
conferência, representam o momento positivo, masculino, está fecun-
dando o aluno ou a assembléia que ouve. Esta por sua vez na função
receptora é feminina, submete-se àquele que a ensina. Lembrando
Paulo, esta é a relação entre Cristo e a assembléia (humanidade). To-
davia o mestre ou o conferencista estão por sua vez numa posição fe-
minina em relação aos Espíritos que os intuem, ou como dizem outro
grupamento religioso, ao Espírito Santo, que neste caso é masculino,
pois é quem fecunda, ensina, ama, dá de si em favor do outro. 40
Deste modo, sejamos humildes, aprofundemos nossa faixa de en-
tendimento que na maioria das vezes é tão acanhada. Reconheçamo-
nos pequenos e aprendamos com o apóstolo. Como já pudemos notar
pelo andamento deste texto, ele que tinha por líderes de comunida-
des várias mulheres, jamais podia desenvolver a idéia de subserviên-
cia destas em relação aos homens, mas sempre um respeito mútuo
conforme expressa o próprio texto já comentado:
Submetei-vos uns aos outros no temor de Cristo.
Muitos podem alegar que estamos exagerando em nossas interpre-
tações deste texto paulino, porém toda esta carta é um convite à uni-
ficação através do Cristo, que encabeça todas as coisas 41; e cabeça da
igreja, isto é, da reunião de pessoas que comungam com o seu Evan-
gelho42, e corpo desta comunidade. Os que estavam separados, são
agora tornados próximos.43
40
Por este motivo Deus é Pai (masculino), pois é Irradiador Sempre, Eternamente
doador, fecundante, não pode ser acrescentado em nada. Apesar de em sua essên-
cia não ser nem masculino nem feminino, pois masculino e feminino limitam, e
Deus é o Ilimitado.
41
Efésios, 1: 10
42
Ibidem, 1: 22
43
Ibidem, 2: 13; cf. ainda (BAUMERT, 1999), pág. 200.
Outros versículos poderiam ser citados para fundamentar nossa ex-
posição, porém, não é objetivo deste trabalho senão fazer uma relei-
tura de Paulo demonstrando que em suas anotações nada há que jus-
tifique a sujeição da mulher ao homem num sentido de que esta lhe é
inferior. Diferentes são (cf. O Livro dos Espíritos, questão 822, item
A), porém não há entre eles relação de inferioridade e superioridade.
Aqueles que quiserem aprofundar mais sobre este tema, que estu-
dem estas cartas versículo por versículo como muitas comunidades
cristãs de várias épocas fizeram, os que assim fizerem só terão a ga-
nhar; nós, porém para encerrarmos nossos breves comentários sobre
este trecho da epístola, nos ocuparemos apenas dos versículos 31 e
32 deste capítulo 5 da Carta aos Efésios:
Por isso deixará o homem seu pai e sua mãe e se ligará
à sua mulher, e serão uma só carne. É grande este mis-
tério: refiro-me à relação entre Cristo e a sua Igreja.
Paulo não apenas cita o Gênesis, 2: 24; ele explica o texto e propõe
novas abordagens.
Para iniciar ele diz que é grande este mistério. Mistério é uma ver-
dade profunda (BAUMERT, 1999), pág. 203; é algo que desafia o nos-
so entendimento, está além de nossa capacidade de compreensão.
Na citação do Gênesis ele vê uma profecia no que diz respeito à
união de Cristo e de sua comunidade, é o casamento perfeito, a co-
munhão de homem e mulher representando a integração da humani-
dade em Deus, a realização da Aliança.
Nesta relação não há sujeição de nenhuma das partes, ambas esta-
rão em pé de igualdade tornando-se uma carne. É o amante e o ama-
do em perfeita comunhão; lembrando Jesus, quando, segundo as ano-
tações de João disse:
Eu e o Pai somos um44.
Ou ainda:
…para que todos sejam um. Como tu, Pai, estás em
mim e eu em Ti, que eles estejam em nós... para que
sejam um, como nós somos um.45
Lembrando ainda que esta citação feita por Paulo, do Gênesis, es-
pelha a relação existente antes da queda, quando era plena a harmo-
nia do éden. O domínio do homem sobre a mulher só surgirá mais
adiante com o rompimento da Aliança (Gênesis, 3: 16), o que mais
tarde os religiosos chamariam de pecado.
É a revelação do mistério.
Dito isto damos por encerrada esta parte buscando ainda avançar
no entendimento de outros textos do mesmo Paulo.

44
João, 10: 30
45
João, 17: 21 e 22
6 - O véu como símbolo de autoridade (1 Coríntios, 11: 3 a 16)

3 Mas quero que saibais que Cristo é a cabeça de todo


varão, e o varão, a cabeça da mulher; e Deus, a cabeça
de Cristo.
4 Todo homem que ora ou profetiza, tendo a cabeça
coberta, desonra a sua própria cabeça.
5 Mas toda mulher que ora ou profetiza com a cabeça
descoberta desonra a sua própria cabeça, porque é
como se estivesse rapada.
6 Portanto, se a mulher não se cobre com véu, tosquie-
se também. Mas, se para a mulher é coisa indecente
tosquiar-se ou rapar-se, que ponha o véu.
7 O varão, pois, não deve cobrir a cabeça, porque é a
imagem e glória de Deus, mas a mulher é a glória do
varão.
8 Porque o varão não provém da mulher, mas a mu-
lher, do varão.
9 Porque também o varão não foi criado por causa da
mulher, mas a mulher, por causa do varão.
10 Portanto, a mulher deve ter sobre a cabeça sinal de
poderio, por causa dos anjos.
11 Todavia, nem o varão é sem a mulher, nem a mu-
lher, sem o varão, no Senhor.
12 Porque, como a mulher provém do varão, assim
também o varão provém da mulher, mas tudo vem de
Deus.
13 Julgai entre vós mesmos: é decente que a mulher
ore a Deus descoberta?
14 Ou não vos ensina a mesma natureza que é deson-
ra para o varão ter cabelo crescido?
15 Mas ter a mulher cabelo crescido lhe é honroso,
porque o cabelo lhe foi dado em lugar de véu.
16 Mas, se alguém quiser ser contencioso, nós não te-
mos tal costume, nem as igrejas de Deus.
Os pontos polêmicos deste texto são:
• A obrigatoriedade do uso do véu pelas mulheres
nas igrejas (assembleias).
• O significado do véu como sendo o da mulher es-
tar sob autoridade do homem.
• O homem não foi criado para a mulher, mas a
mulher para o homem. Isto pressupõe que ela
deva estar sempre dependente do homem e a
serviço dele.
Estes são aspectos que nos saltam às vistas quando da primeira lei-
tura que realizamos de acordo com as traduções comuns. Aqui usa-
mos a de Almeida, revista e corrigida46.
Antes de entrarmos em alguns pontos mais específicos do texto fa-
çamos algumas análises.
A tradição judaico-cristã nos mostra ter sido o homem criado pri-
meiro e depois a mulher a partir dele, e com o objetivo de lhe servir.
Porém, será esta a melhor interpretação do texto?
Este fato por nós citado está no segundo relato da criação confor-
me a narrativa do Gênesis capítulo 2.
Todavia esta não é a história narrada no capítulo 1 do mesmo livro
quando do 1º relato da criação.
Em Gênesis, 1: 27 Deus cria o homem à sua imagem, porém ho-
mem neste relato não significa o elemento do sexo masculino, pois
Adam em hebraico significa o filho da terra; é um termo genérico en-
globando toda a humanidade, é o humano, o ser inteligente que atin-
giu o reino hominal. E a seqüência do texto é clara: macho e fêmea
os criou.
Portanto, cai por terra o primeiro argumento que motiva posição de
submissão da mulher, pois os dois, homem e mulher, foram criados à
imagem de Deus.
Sendo assim, como entender o segundo relato da criação?
Para obtermos tal entendimento não podemos abrir mão dos ensi-
namentos espíritas.
A narrativa do capítulo primeiro do Gênesis nos fala do homem bio-
lógico, o que surge com a evolução natural. É o homem nativo, o au-
tóctone.
No segundo relato, que inicia no capítulo2, a partir do versículo 4b,
surge o homem já mais evoluído, apesar de ainda primitivo. É o ho-
mem “enxertado”, ou o Espírito decaído, que veio de outros orbes por
motivo de rebeldia. Por ele ter mais conquistas no campo do intelecto
veio para auxiliar o autóctone em seus primeiros passos no reino ho-
minal.
O primeiro grupo, a quem a tradição chamou Adão, representa os
que chegaram primeiro, mais comprometidos, mais dominados pela
maldade, por isso vieram completamente inconscientes. O versículo
21 deste capítulo 2 revela isso dizendo que Deus fez cair um sono pe-
sado sobre Adão, e que ele dormiu. Significa isto o restringimento de
Adão, seu alto grau de inconsciência.
O segundo grupo, a quem a tradição chamou Eva, era já um grupo
mais adiantado na área da sensibilidade. Simbolicamente seu surgi-
mento da caixa toráxica de Adão, significa um aperfeiçoamento do in-
telecto - pois para o semita esta região simboliza o racional -, o capa-
46
(ALMEIDA, 1991)
citando para uma condição melhor no campo do sentimento. Este
grupo é semi-desperto, um pouco mais consciente. Tanto é assim que
já sofre influencia espiritual. A serpente não conseguiria influenciar
Adão por falta de sintonia, já que ele é inconsciente.
Portanto, Adão e Eva não significam homem e mulher, mas grupa-
mentos distintos no encaminhamento da evolução.
Desta forma, nada de pensar que a mulher foi feita para o homem,
não é isso que diz o Gênesis, não é isso que Paulo pensava a respeito.
Além disto, quando a Bíblia diz que a mulher seria uma adjutora
(Gn, 2: 18), uma ajudadora para o homem, é preciso compreender o
sentido original da mensagem.
Em hebraico a palavra usada é ezer, que significa “socorro”, “aju-
da”. Deus é, segundo a narrativa bíblica, o ezer ou ajudador da huma-
nidade (cf, Êxodo, 18: 4; Deuteronômio, 33: 7). Portanto, a função da
mulher é de caráter nobre, e não de uma simples auxiliar dependente
do marido.
Se formos avaliar de acordo com o Novo Testamento, ela é que
está à frente, pois é ela quem ajuda, é ela quem serve.
Mais uma vez cai por terra a interpretação machista das ex-
pressões usadas por Paulo, não era este o sentido original dos textos.
Todavia poderá nos ser perguntado, mas como fica o dizer de Pau-
lo, ele não é claro ao dizer que a mulher provém do varão, e que ela
foi criada por causa do varão? E a questão do véu como significado de
autoridade do marido em relação à mulher? Como fica então?
É o que vamos tentar resolver a partir de agora com uma interpre-
tação mais detalhada de alguns versículos. Porém, como dissemos
anteriormente, pode haver dificuldade em relação às traduções. As-
sim, vamos citar a releitura do texto feita através da tradução efetua-
da por Baumert, na obra já citada.47
3. Para mim é importante que vocês estejam
conscientes de que o cabeça de qualquer ho-
mem é Cristo, mas o cabeça de uma mulher é
o homem, e o cabeça de Cristo é Deus.
4. Assim como todo homem, quando, ao orar ou
falar profeticamente, ocupar-se com sua cabe-
ça desonra seu cabeça (a saber, Cristo),
5. toda mulher que, ao orar (em voz alta) ou falar
profeticamente (na reunião) soltar seu cabelo,
desonra seu cabeça ( a saber, o homem); pois
é como se ela tivesse sido raspada.
6. Se, pois, uma mulher não cobre sua cabeça
(com seus cabelos), ela de fato deveria deixar
cortar os cabelos. Se, porém, é feio (inadequa-
do) para uma mulher deixar cortar os cabelos
(fazê-los curtos) ou deixar raspar a cabeça,
47
(BAUMERT, 1999) Págs. 169 e 170
então ela deve encobrir sua cabeça (com pen-
teado).
7. Um homem, como vocês sabem, não está obri-
gado a cobrir a cabeça, por ser imagem e bri-
lho (manifestação, brilho visível) de Deus; a
mulher, porém, é brilho (objeto de brilho e de
glória) do homem.
8. Não é (existe) o homem a partir da mulher
(ser masculino a partir do feminino), mas a
mulher a partir do homem (feminino a partir
do masculino);
9. e sabidamente não foi criado um homem com
base na mulher, mas uma mulher com base
num homem.
10.por isso a mulher é obrigada a manter a cabe-
ça decente com base (na presença) de anjos.
11.Da mesma forma, (é) nem mulher sem homem
nem homem sem mulher no Senhor;
12.pois, assim como a mulher (Eva) a partir do
homem (Adão), assim também o homem (Cris-
to) por meio da mulher – o todo, porém, a par-
tir de Deus.
13.Julgai vós mesmos! É decente uma mulher
orar (publicamente) a Deus com cabelo solto?
14.Também a natureza não vos ensina que para
um homem é uma desonra deixar o cabelo
cair longamente;
15.para uma mulher, ao contrário, é adorno (hon-
ra) deixar o cabelo cair longamente; pois o ca-
belo é dado (para todos) como manto (prote-
ção).
16.Mas, se alguém quiser discutir, nós não temos
tal costume, nem mesmo as comunidades de
Deus.
Para mim é importante que vocês estejam conscientes de
que o cabeça de qualquer homem é Cristo…
Em que sentido pode Paulo ter afirmado que o cabeça do homem é
Cristo?
Muitas interpretações podem ser feitas aqui, e para tal vamos con-
jugar este texto com outros.
Dissemos anteriormente que cabeça aqui deve ser interpretado
como origem, fonte, e não como chefe ou dominador.
A primeira palavra da Bíblia é bereshit, que foi traduzida para o
português por “no princípio”. Bereshit é formada pela preposição be e
pelo substantivo réshit, que significa começo, princípio, parte inicial.
Réshit é por sua vez formado por rosh que significa “cabeça”, mais it.
Portanto, a tradução de bereshit também poderia ser “na cabeça”,
vindo daí o entendimento de cabeça como origem ou fonte. Este en-
tendimento é também confirmado por (TREBOLLE, 1999)48.
Também o Evangelho de João inicia da mesma forma, só que como
foi escrito em grego, temos en arké, e não bereshit, porém como João
era judeu e falava o hebraico, ele deve ter pensado em bereshit para
expressar que no início, ou na origem era o logos.
Logos é também palavra grega que é usualmente traduzida por pa-
lavra ou verbo. Porém, pensando no hebraico “davar” temos ainda
como tradução, “inteligência, informação criadora, poder criador”.
Huberto Rohden afirma que:
Os filósofos antigos da Alexandria e de Atenas, sobretu-
do, Heráclito de Éfeso, designavam com Logos o espíri-
to de Deus manifestado no Universo. Logos seria, pois,
o Deus imanente…49
Afirmando ainda:
Parece, pois, que as Potencias Creadoras (em hebraico
Elohim) são idênticas ao Logos, pelo qual foram crea-
das todas as coisas.50
No versículo 14 deste mesmo Evangelho de João, o autor liga este
logos com Jesus dizendo que “o logos se fez carne”, ou se corporifi-
cou.
Desta forma, temos que Jesus, o Cristo, estava na origem de nosso
orbe conforme veio nos esclarecer mais tarde Emmanuel, em sua be-
líssima obra “A Caminho da Luz51”
A partir deste breve comentário podemos assim compreender o
que Paulo, como bom judeu, conhecedor do hebraico, poderia estar
pensando ao dizer ser o Cristo o cabeça do homem, e em outros tex-
tos o cabeça da igreja, e mesmo de toda a criação.
…mas o cabeça de uma mulher é o homem, e o cabeça de
Cristo é Deus.
Trabalhando a expressão o cabeça como origem, Paulo dá vazão à
idéia dominante da tradição de vir a mulher do homem, com isso, ele
que é um exímio no jogo com as palavras, prepara o que vai falar
mais adiante (versículo 11) sobre a importância da mulher na forma-
ção do homem redimido (Filho do homem). Se quisesse expressar
uma relação de autoridade, de liderança do homem sobre a mulher
talvez usasse a palavra senhor (em grego kyrios). Concluindo com ex-

48
TREBOLLE, Barrera J. A Bíblia Judaica e a Bíblia Cristã, 2ª ed., Petrópolis, Vozes,
1999.
49
ROHDEN, Huberto. Que Vos Parece do Cristo? Pág. 24, 3ª ed., São Paulo, Alvo-
rada.
50
Ibidem, pág. 25
51
XAVIER / Emmanuel, A Caminho da Luz, 10ª Ed., Rio de Janeiro, Feb€, 1980.
celente didática sua exposição nos fala de ser Deus o cabeça de Cris-
to, como a verdadeira origem e fonte de todas as coisas.
Se fizermos o versículo em sentido contrário, isto é:
Deus  Cristo  Homem Mulher
Poderemos fazer uma analogia com a descida vibratória do Espírito
até chegar mais efetivamente em sua prisão na matéria.
Como já dissemos alhures não é objetivo deste trabalho uma análi-
se versículo a versículo deste texto de Paulo, mas analisar alguns
conceitos que advieram de uma interpretação, a nosso ver, errônea
do mesmo.
Assim, temos o problema do véu como sinal de autoridade do ho-
mem sob a mulher e de subordinação desta em relação àquele.
Este é um texto complexo, muito já se brigou por ele. Porém trata-
se de um fato cultural. A mulher na realidade cobria sua cabeça com
os seus próprios cabelos, e era um desrespeito ou uma atitude vergo-
nhosa as mulheres orarem ou receberem uma manifestação proféti-
ca, o que modernamente chamamos de manifestação mediúnica, com
o cabelo solto. Pois ao tempo de Paulo, ou mesmo antes dele, as mu-
lheres que usavam o cabelo solto eram as prostitutas (cf. Números, 5:
18), as mulheres casadas usavam o cabelo preso ou penteado para
cima (BAUMERT, 1999), pág. 168. Portanto, trata-se de uma questão
de vergonha.
É correto, porém, se fizermos uma interpretação literal, relacionar o
cabelo como cobertura da cabeça, através do penteado, uma questão
de estar sob autoridade. Nós não podemos esquecer que na socieda-
de patriarcal em que Paulo vivia, a mulher era posse do marido, devia
a ele se submeter, só que essa não era a mensagem que o Converso
de Damasco queria deixar para as gerações futuras. Tem na sua men-
sagem algo de especial e muito mais profundo, que cabe a nós, hoje,
penetrarmos na busca de seu componente reeducativo mais impor-
tante.
O quarto versículo deste capítulo é claro, não deixa dúvidas sobre a
sua interpretação, todavia cabe aqui ver o quanto as duas traduções
que citamos se completam.
Todo homem que ora ou profetiza, tendo a cabeça co-
berta, desonra a sua própria cabeça. (Almeida)
Assim como todo homem, quando, ao orar ou falar pro-
feticamente, ocupar-se com sua cabeça desonra seu
cabeça (a saber, Cristo). (Baumert)
Dentro desta exposição paulina o cabeça do homem é o Cristo, por-
tanto, quando em oração (conversa com Deus através do coração) ou
em serviço de profecia (prática mediúnica com o Evangelho), o ho-
mem (e mulher) não pode em hipótese alguma deixar o Cristo enco-
berto, é preciso que Ele esteja acima de todas as coisas.
…nem se acende a candeia e se coloca debaixo do al-
queire, mas, no velador, e dá luz a todos que estão na
casa52.
A tradução de Baumert completa por ser ainda mais explícita, pois
relaciona sua cabeça (interesse pessoal) com seu cabeça (Cristo).
Quando em serviço em favor do Bem, não podemos destacar nossa
“cabeça” (interesse pessoal), mas o Cabeça (Cristo). O trabalho é
Dele, é Ele quem age por meio de nós, portanto, nada de destaque,
nada de chamar para si a glória. Talvez seja essa, em concordância
com todo o trabalho que realizou, a melhor mensagem que Paulo
queria passar com este verso.
E dizia a todos: Se alguém quer vir após mim, negue-se
a si mesmo, e tome cada dia a sua cruz, e siga-me. (Je-
sus) 53
Passemos adiante...
Mas toda mulher que ora ou profetiza com a cabeça
descoberta desonra a sua própria cabeça, porque é
como se estivesse rapada.(Almeida)
…toda mulher que, ao orar (em voz alta) ou falar profe-
ticamente (na reunião) soltar seu cabelo, desonra seu
cabeça ( a saber, o homem); pois é como se ela tivesse
sido raspada. (Baumert)
Aqui temos que trabalhar com os símbolos.
A mulher tem representado em nossa simbologia, o sentimento; o
homem a razão. Em se tratando da mulher cristã, aquela já converti-
da ao Cristo, diríamos que trata-se do sentimento sublimado.
Temos aprendido principalmente em nossas obras espíritas vindas
através da pena de nosso querido Chico Xavier, o quanto um senti-
mento sublimado pode realizar. Basta lembrarmos as experiências de
Lívia no Romance Há Dois Mil Anos; Célia, em Cinqüenta Anos Depois;
Alcione em Renúncia; Matilde em Libertação, entre outras.
Deste modo podemos assim compreender, quando estivermos
agindo com base num sentimento sublimado (no texto representado
pela mulher), deixemos a nossa razão encoberta (aqui representado
pelo seu cabeça, ou seja, o homem); ela (razão) nada terá a acrescen-
tar, pois um sentimento profundo vindo do coração (amor), transcen-
de todas as possibilidades da lógica e da razão. Não há como contabi-
lizar um ato de amor.
Observemos, não estamos aqui dizendo que não devamos levar a
razão em conta quando agimos no campo do sentimento, não é isso,
a razão e o sentimento conjugados são dois componentes a serem
equilibrados. Porém aqui Paulo, através da simbologia da mulher cris-
tã nos fala de um sentimento sublimado, o que vai para muito além
de nossa capacidade de quantificação.

52
Mateus, 5: 15
53
Lucas, 9: 23
Olhe que aqui temos um outro ponto a ser trabalhado, porém, isso
faremos mais adiante quando formos falar do silêncio da mulher nas
reuniões de estudo (1 Timóteo, 2: 8 a 15). É o fato de à mulher ser
dada a oportunidade de profetizar ou orar em voz alta nas reuniões.
Isso comentaremos depois.
Voltemos agora sobre a questão do véu como sinal de autoridade
para que possamos encerrar esta parte e partirmos para outras den-
tro deste mesmo texto que são também importantes.
Temos a possibilidade de ter véu neste texto nos versículos 6, 10,
13 e 15.
Vamos comentar por partes.
No 6 temos:
Katakalupto: cobrir para cima; ocultar ou cobrir o ego da pessoa.
Não se trata propriamente de véu, mas cobrir a cabeça com os pró-
prios cabelos (penteado) como era usado à época, como dissemos an-
teriormente, pela mulher casada. É uma questão de respeito. Pode-
mos compreender também como ocultar-se em favor do próprio tra-
balho.
No 13:
Akatakaluptos, com a particular negativa significando não coberto.
Aqui dentro do contexto significa o cabelo solto que era usado por
mulheres que não se davam ao respeito.
É nesse sentido que Paulo pergunta:
Julgai entre vós mesmos: é decente que a mulher ore a
Deus descoberta? (com os cabelos soltos).
No 10 temos:
Exousia = poder, autoridade.
Sobre Exousian echein, que é a expressão completa, afirma
(BAUMERT, 1999), pág. 173:
…significa “receber poder sobre a cabeça, manter a ca-
beça em disciplina” – e não desordená-la, por exemplo,
soltando os cabelos.
E ainda sobre os cabelos soltos há outra informação do mesmo autor ,
páginas167e seguintes:
O pano de fundo da exortação do apóstolo é o fato de
que, ocasionalmente, no meio de uma reunião de ora-
ção, o cabelo da mulher se soltava quando ela orava
em voz alta ou proferia palavra profética. Isso chamava
a atenção. Entre os gregos não era desconhecido o fato
de um profeta ou profetisa, talvez para relaxar a tensão
experimentada durante o êxtase ou para sublinhar o
significado de seu papel profético, muitas vezes soltar
seu cabelo e gesticular fortemente, de modo que o ca-
belo – de forma mais ou menos impressionante – voava
no rosto ou nas costas.
Assim podemos entender melhor o versículo:
…por isso a mulher é obrigada a manter a cabeça de-
cente com base (na presença) de anjos.
Se em determinado ponto fizemos a relação da mulher com o senti-
mento, aqui não é menos correto relacioná-la com a vaidade. É preci-
so manter a cabeça decente, em ordem, sob disciplina, e não cha-
mando para si a atenção. O mais importante é a mensagem, e não
através de quem ela veio, seja o médium ou o Espírito comunicante.
Se assim não for, os anjos (Espíritos voltados para o bem) abando-
nam o médium à sua própria sorte, ou à sua própria vaidade. Este
não é o espírito cristão de serviço, e Paulo sabedor dessa possibilida-
de, pois conhecia a natureza fraca do homem, tentava a todo custo
evitar a queda de qualidade do movimento em favor do Cristo.
Para encerrarmos este assunto, no versículo 15 temos:
Peribolaion, significando: uma coberta lançada ao redor de, uma
envoltura, um manto, ou um véu.
Só aqui literalmente podemos ter véu, porém, de acordo com o
contexto talvez o mais correto fosse manto, mesmo assim no sentido
de proteção. Pois Paulo diz: pois o cabelo é dado como manto (véu). E
um dos objetivos do cabelo, não é principalmente proteger?
Portanto mais uma vez o apóstolo chama a atenção, não é para
usar o cabelo como adorno, como honra, mas como proteção. E em
termos espirituais, principalmente no âmbito de uma reunião mediú-
nica, a melhor proteção não é estar em disciplina quanto ao atuarmos
de acordo com os princípios do Evangelho?
Portanto, concluindo temos, o véu como sinal de autoridade é em
última instância uma subordinação ao Cabeça Primário que é Deus, e
como conseqüência ao Cristo, nada mais do que isto, estejamos sujei-
tos ao Cristo pela vivência evangélica. Esta é a mensagem primordial
de Paulo.
Nos versículos 11 e 12 temos outros pontos importantes a serem
comentados:
12.Da mesma forma, (é) nem mulher sem homem
nem homem sem mulher no Senhor;
13.pois, assim como a mulher (Eva) a partir do
homem (Adão), assim também o homem (Cris-
to) por meio da mulher – o todo, porém, a par-
tir de Deus.
Nos versículos anteriores Paulo faz uma abordagem a partir da tra-
dição vigente à época, nestes, ele lança através de um jogo de pala-
vras, uma nova ordem.
Para tal ele usa uma expressão muito importante, no Senhor. É
como se ele assim dissesse:
Se antes havia uma relação de dependência da mulher ao seu ma-
rido devido à ordem da criação, primeiro o homem, depois a mulher,
agora, no Senhor, isto é, em Cristo, há algo mais, nem a mulher é
sem o homem, nem o homem sem a mulher. As diferenças continuam
existindo, porém diferença não é defeito e sim enriquecimento. Dife-
rença não pode determinar superioridade de um em relação ao outro,
mas necessidade de complementação onde cada um colaborando
com a sua parte coopera na formação do todo.
Guardemos estas palavras, pois elas são imprescindíveis para o en-
tendimento evangélico: colaboração e cooperação; pois no Senhor
não há progresso efetivo sem estas práticas.
Justificando sua exposição, já que é utilizada a história da criação
contada no Gênesis capítulo dois para explicar a situação da mulher,
Paulo relaciona a mulher a Eva, e o homem a Adão, porém na nova
proposta (no Senhor) o homem é Cristo (último Adão54), e a mulher é
Maria, a que deu a luz ao Cristo.
Através de Adão entrou o pecado no mundo, o que quer dizer isto?
É quando o homem rompe a aliança com Deus, ou seja, dissocia de
Seus desígnios agindo por conta própria sem levar em conta Sua Lei
visando exclusivamente o interesse pessoal.
O resgate se dá por meio de Cristo que veio para nos ensinar o ca-
minho de volta ao Pai, caminho esse que é definido justamente pela
obediência à Sua Lei
Jesus disse-lhes: A minha comida é fazer a vontade da-
quele que me enviou e realizar a sua obra. 55
Por sua vez Eva foi quem sofreu a influência da Serpente.
Dissemos anteriormente que Adão representa o primeiro grupo de
Espíritos que vieram deportados de outro Orbe para auxiliar os autóc-
tones de nossa Terra; e que Eva é a representação do segundo grupo,
grupo este já mais sensibilizado a ponto de sofrer influência espiritual
da Serpente que seria o terceiro grupo formado por Espíritos que não
queriam encarnar, o que mais tarde fazem na figura de Caim.
Eva sofre desta forma uma influência espiritual negativa, o que
dentro do vocabulário espírita chamaríamos de mediunidade a servi-
ço das trevas.
Maria realiza justamente o resgate de Eva na medida que faz nas-
cer o Cristo obedecendo a um chamado do plano espiritual superior,
ou seja, usa a mediunidade a serviço da Luz.
No primeiro caso temos a mediunidade gerando desobediência le-
vando à queda. No segundo a mesma faculdade sendo usada para a
obediência conduzindo à redenção.
Concluindo, o Espírito, Ser inteligente (representado pelo primeiro
homem), é levado à queda pelo sentimento desequilibrado (represen-

54
Cf. 1 Coríntios, 15: 45
55
João, 4: 34
tado pela primeira mulher); a redenção se dá justamente pela mulher
(sentimento sublimado) que gera o Cristo (Filho do homem).
A primeira mulher induz Adão (primeiro homem) ao erro; a última
mulher (Maria) dá a oportunidade ao último Adão (Cristo) de realizar a
redenção56.
Através destes símbolos Paulo conta-nos a história de queda e sal-
vação da humanidade dizendo-nos que tudo vem de Deus, Causa Pri-
mária de todas as coisas, para onde tudo deve voltar, confirmando
ele mesmo dezenove séculos depois, através da mesma mediunidade
santificada que, gravitar para a unidade divina eis o fim da Humani-
dade; e que isto se daria tendo unidos o sentimento e a razão.57 Ou
seja, mulher e homem em Cristo.

7 - O silêncio da mulher nas assembléias (1 Timóteo, 2 : 8 a 15)

8 Quero, pois, que os homens orem em todo o lugar,


levantando mãos santas, sem ira nem contenda.
9 ¶ Que do mesmo modo as mulheres se ataviem em
traje honesto, com pudor e modéstia, não com tranças,
ou com ouro, ou pérolas, ou vestidos preciosos,
10 mas (como convém a mulheres que fazem profissão
de servir a Deus) com boas obras.
11 A mulher aprenda em silêncio, com toda a sujeição.
12 Não permito, porém, que a mulher ensine, nem use
de autoridade sobre o marido, mas que esteja em silên-
cio.
13 Porque primeiro foi formado Adão, depois Eva.
14 E Adão não foi enganado, mas a mulher, sendo en-
ganada, caiu em transgressão.
15 Salvar-se-á, porém, dando à luz filhos, se permane-
cer com modéstia na fé, na caridade e na santificação.
Este é um texto de difícil interpretação. Aqui os estudiosos têm tido
grande dificuldade para explicar para a mulher dos tempos atuais o
que Paulo queria dizer nesta carta.
Para compreendê-lo é preciso analisar com cautela.
A epístola foi escrita a Timóteo, porém para que fosse lida por toda
a comunidade. Paulo estava preocupado com certas pessoas que en-
sinavam aos cristãos de Éfeso uma falsa doutrina, assim alertava o
discípulo a quem encarregava de admoestar estes falsos mestres. (cf.
Timóteo, 1: 3 a 7)
Éfeso era uma cidade da Ásia Menor de grande destaque. Em lin-
guagem moderna poderíamos dizer que tinha uma ótima logística por
56
Não estaria aí a explicação de 1 Timóteo, 2: 15? Salvar-se-á, porém, dando à
luz filhos, se permanecer com modéstia na fé, na caridade e na santificação.
57
(KARDEC 1980), questão 1009
situar-se na junção de estradas comerciais e ter como destaque o
templo de Diana, que os gregos identificavam como a deusa Ártemis.
Nela moravam muitos judeus que tinham ali uma sinagoga. A igreja
cristã, segundo Emmanuel 58, se compunha de elementos judaicos e
gentios, e era comum nas reuniões um grande número de polêmicas
estéreis59.
Éfeso foi também muito importante para o movimento cristão do
primeiro século de nossa era devido a Maria, mãe de Jesus, ter ali vi-
vido seus últimos dias, em trabalho de atendimento à comunidade ca-
rente desta cidade, enquanto João Evangelista trabalhava na área da
evangelização.
Assim temos dois pontos contrastantes que fazem de Éfeso um
tema importante para o nosso estudo com muitas oportunidades de
edificação. O templo de Diana e o culto pagão de um lado, e o traba-
lho de Maria e João em favor do Cristo de outro.
Feita esta breve introdução podemos agora comentar mais propria-
mente o texto em questão, porém para isso vamos nos apoiar na tra-
dução já citada de Norbert Baumert.
8. Quero, pois, que os homens em cada lugar
tenham mãos puras,sem fervor e sem dúvi-
da;
9. da mesma forma (quero eu)60 que mulheres
em postura nobre (obediente) se enfeitem
(se tornem elegantes, se produzam) com
sensibiidade e clareza, não com cabelo
trançado, ouro, pérolas ou ainda vestimen-
tas caras,
10.mas – o que cai bem a mulheres que torna-
ram a piedade algo próprio de sua vida –
com boas ações (por meio do agir correta-
mente).
11.Uma mulher pode em plena (toda) tranqüili-
dade aprender subordinação;
12.mas eu não permito a uma mulher ensinar,
nem dominar acima de um homem (agir de
forma autônoma), mas viver em paz (em
sua situação social de paz com o homem).
13.Adão foi constituído (formado) primeiro, de-
pois Eva.
14.E Adão não foi enganado; mas a mulher, de-
pois que ele se deixou iludir, caiu em trans-
gressão,
58
(XAVIER / Emmanuel, 2004), pág. 652
59
id.,ib., pág. 539
60
Nestas traduções citada de Baumert, as palavras entre parênteses são para
auxiliar na compreensão do texto de acordo com o contexto, podendo o mesmo ser
compreendido sem elas.
15.(mas) deverá receber salvação por meio do
parir um filho (o nascimento de um filho).
Se elas permanecerem em confiança (fé) e
amor e santificação com (sob) bom senso.
A polêmica já se inicia no versículo 8, pois enquanto para os ho-
mens há a recomendação em apenas um versículo, para as mulheres
há uma longa pregação moral. (BAUMERT, 1999), pág. 203. O Versí-
culo nono não é de difícil compreensão, porém já vamos notar algu-
mas diferenças quando analisamos as traduções:
9 Que do mesmo modo as mulheres se ataviem em tra-
je honesto, com pudor e modéstia, não com tranças, ou
com ouro, ou pérolas, ou vestidos preciosos… (Almeida)
9 da mesma forma (quero eu)61 que mulheres em pos-
tura nobre (obediente) se enfeitem (se tornem elegan-
tes, se produzam) com sensibiidade e clareza, não com
cabelo trançado, ouro, pérolas ou ainda vestimentas
caras… (Baumert)
O que Paulo está pedindo aqui é um cuidado das mulheres quanto
à vestimenta para que elas não venham a chamar a atenção por as-
pectos exteriores no que diz respeito à vaidade.
Devido à experiência no paganismo algumas mulheres deveriam
estar se vestindo incorretamente com trajes muito enfeitados e até
sensuais, outras usando da vestimenta para mostrar sua posição soci-
al superior.
O apóstolo sabia que a prática cristã depende de postura íntima e
não de formalismos e exterioridades, esta foi sempre a sua luta, di-
vulgar a necessária transformação íntima daquele que aceita o Cristo
por Senhor.
Aqui, segundo a leitura de Baumert, Paulo pede às mulheres uma
postura nobre, que dentro do contexto da época passava também por
obediência, e que se enfeitassem com sensibilidade e clareza, e não,
tendo por destaque as vestimentas caras.
Nos dias de hoje o cuidado deve ser o mesmo. No serviço cristão
não pode haver a distinção entre rico ou pobre, entre doutores ou lei-
gos; o que deve caracterizar o servidor do Evangelho é sua autoilumi-
nação, e sua capacidade de servir. As vestimentas do Cristão devem
ser simples, sem chamar muito a atenção, principalmente no que diz
respeito à sensualidade, cuidado este que devem ter principalmente
as mulheres, porém este chamamento de atenção vale tanto para os
homens quanto para elas.
No versículo 10 Paulo vem justamente confirmar a nossa interpre-
tação, o que caracteriza o seguidor de Jesus é o sentimento renovado
conforme expressa: tornaram a piedade algo próprio de sua vida, e
amplia, com boas ações. Ou seja, é a atitude iluminada pela fé que
61
Nestas traduções citada de Baumert, as palavras entre parênteses são para
auxiliar na compreensão do texto de acordo com o contexto, podendo o mesmo ser
compreendido sem elas.
transforma o ser em uma criatura melhor. Não é simplesmente fazer
o bem, mas tornar-se bom, piedoso, generoso, fraterno. E mais uma
vez dizemos, não é só para a mulher o alerta, mas para ambos os se-
xos, pois tanto a mulher como o homem em Cristo devem ser Nova
Criatura.
No versículo 11 iniciam as dificuldades.
Pela tradução comum temos:
A mulher aprenda em silêncio, com toda a sujeição.
Mesmo se analisarmos do ponto de vista literal este versículo já é
um avanço para época, pois conforme vimos no início de nossas ano-
tações, a presença de uma mulher em reuniões de estudo era uma
ofensa à sua dignidade, sendo que alguns mestres achavam ser pre-
ferível queimar a Torá, que era o que havia de mais importante para
o judeu, do que ensiná-la a uma mulher. E Paulo, ao contrário era a
favor de que ela aprendesse.
Quanto a aprender em silêncio é preciso examinar com um pouco
mais de cautela para saber se era esta mesma a idéia do ex-rabino,
no sentido machista que comumente entendemos.
A palavra grega que foi traduzida por silêncio é hesuchia. Hesuchia
pode ser silencio, mas também significa tranqüilidade, quietude. É
nesse sentido que Baumert entende a fala de Paulo, e parece ser o
mais correto, pois a mulher normalmente já ficava em silêncio nas
reuniões, não sendo preciso que Paulo fizesse esta recomendação.
Portanto, aprender com tranqüilidade sugere um recepção da lição
em harmonia íntima, não se revoltando com a atitude exigida da mu-
lher, de subordinação.
A lição é para todos nós nos dias de hoje de grande significação,
visto que todo o Evangelho tende a nos ensinar um novo comporta-
mento fundamentado no desapego, na inobservância do interesse
pessoal, na desvinculação de coisas, posições e pessoas; quando as-
sim não procedemos com tranqüilidade, a vida nos cobra com uma
dose maior de sacrifício, que é quando nos rebelamos contrariamente
ao que recomenda o apóstolo:
Estejamos em tranqüilidade no aprendizado de subordinação.
Esse é o grande desafio, nos sujeitarmos ao que quer que seja,
mesmo a Deus, no encaminhamento de Sua Magnânima Lei.
As dificuldades aprofundam ainda mais no versículo 12, porém,
como iremos ver as conclusões são as mesmas.
Não permito, porém, que a mulher ensine, nem use de
autoridade sobre o marido, mas que esteja em silêncio.
Ou ainda:
…mas eu não permito a uma mulher ensinar, nem do-
minar acima de um homem (agir de forma autônoma),
mas viver em paz (em sua situação social de paz com o
homem ).
Segundo este texto a mulher não pode ensinar, porém na prática
há movimentos contrários a este dito, e apoiado pelo próprio Paulo.
Em Atos, 18: 26, Priscila, mulher de Áquila, ensina a Apolo, junto
com seu marido, o caminho de Deus:
Ele começou a falar ousadamente na sinagoga. Quando
o ouviram, Priscila e Áqüila, o levaram consigo e lhe de-
clararam mais pontualmente o caminho de Deus.
Em Tito, 2: 3 e 4, Paulo diz que as mulheres idosas devem ensinar
às mais jovens:
As mulheres idosas, semelhantemente, que sejam séri-
as no seu viver, como convém a santas, não caluniado-
ras, não dadas a muito vinho, mestras no bem, para
que ensinem as mulheres novas a serem prudentes, a
amarem seus maridos, a amarem seus filhos...
Na primeira carta aos Coríntios, no cap. 11, texto que já comenta-
mos, Paulo fala claramente na possibilidade da mulher falar profetica-
mente em voz alta, o que não deixa de ser uma forma de levar ensi-
namento:
Mas toda mulher que ora ou profetiza com a cabeça
descoberta desonra a sua própria cabeça, porque é
como se estivesse rapada.
Há ainda como já vimos anteriormente mulheres que fundaram
reuniões de estudo do Evangelho em suas casas, o que pressupõe
uma participação ativa destas nas reuniões. Estariam ensinando?
Portanto, concluímos que não havia uma proibição destas ensina-
rem, mas sim de ministrar ensinamento em determinadas situações.
Segundo Baumert (op.cit., pág. 225), havia um sentimento geral
dentro do âmbito cultural helenístico, e mesmo no contexto judaico
do cristianismo inicial de que as mulheres não podiam ensinar em
uma reunião pública, isto era uma realidade e devia ser respeitada.
Além do mais, como informa este mesmo autor, e que nós também já
citamos neste nosso texto, se a mulher não podia nem aprender a
Torá, como ela ia poder ensinar?
Deste modo, ao analisarmos um texto de Paulo devemos levar tudo
isso em consideração.
Parece-nos que o que Paulo orientava é para que a mulher não
afrontasse em público a autoridade de seu marido. Lembremos que
neste tempo o homem era o representante legal de sua esposa e de
sua família, era o senhor (kyrios) da mulher. Portanto era simples-
mente uma questão de respeitar os papéis de cada um, que são dife-
rentes por se tratarem de seres distintos.
O próprio Livro dos Espíritos, dezenove séculos depois define com
clareza:
Assim sendo, uma legislação, para ser perfeitamente
justa, deve consagrar a igualdade dos direitos do ho-
mem e da mulher?
“Dos direitos, sim; das funções, não. Preciso é que cada
um esteja no lugar que lhe compete…”62
Portanto, não é machismo, mas um respeito à ordem social vigen-
te, hoje não é mais assim, se fosse na atualidade Paulo falaria de ou-
tro modo.
Desta forma podem dizer alguns, então o ensinamento de Paulo
nesta carta está ultrapassado, pois os tempos evoluíram. É aí que en-
tra a importância de compreender o que significa a letra mata e o es-
pírito vivifica, é preciso tirar o espírito da letra.
Qualquer um de nós está sob autoridade. Seja do marido, da mu-
lher, do pai, da mãe, do chefe, do governo, ou numa questão mais
profunda, do próprio destino como conseqüência da lei de causa e
efeito. Mesmo os que têm autoridade sobre nós, estão sob autoridade
de alguém ou de alguma situação.
Em última instância quem dá esta autoridade é Deus, sendo assim,
querer ensinar ou dominar (no sentido de revoltando querer inverter
os papéis) quem está de posse de autoridade maior é ir contrário ao
próprio Deus que assim delegou que seja.
Destarte, estar em silêncio, ou viver em paz como colocam alguns
tradutores é assimilar a ordem que vige no Universo, ajustando-se à
vontade de Deus compreendendo-a, sabendo que Ele é o esposo a
quem devemos sujeição
Conforme orienta-nos o versículo anterior, com tranqüilidade
aprendamos subordinação.
E isto vale tanto para a mulher quanto para o homem renovado em
Cristo.

8 – Conclusão

Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu,


mas Cristo vive em mim…63
Nisto [em Cristo] não há judeu nem grego; não há servo
nem livre; não há macho nem fêmea; porque todos vós
sois um em Cristo Jesus.64
Poderíamos ainda analisar outros textos de Paulo sobre o assunto
que nos propusemos comentar, porém isto talvez nos fizesse repetiti-
vo e por demais cansativo.
O certo é que necessitamos fazer novas abordagens sobre as car-
tas do apóstolo considerando o idioma em que viveu, aquele em que
escreveu, considerando as dificuldades de tradução. Em outras pala-
vras, a cultura e a tradição de sua época de um lado, e a atemporali-
dade de sua mensagem de outra.
62
(KARDEC, 1980), Questão 822, A
63
Gálatas, 2: 20
64
Gálatas, 3: 28
O próprio Pedro (apóstolo) já àquela época dizia que nas epístolas
paulinas há pontos difíceis de entender. (cf. 2 Pedro, 3: 16)
Dentre estes, sem querer nos estender muito há o texto de 1 Corín-
tios, 14: 33 a 36 em que Paulo claramente prega o silêncio da mulher
nas reuniões da comunidade, o que de certa forma já comentamos.
Todavia, devido a este texto do capítulo 14 da primeira carta aos co-
ríntios ser um dos mais usados para a defesa da tese de um Paulo
machista, não podemos, mesmo que singelamente, deixar de dizer
algo a respeito.
Muitos estudiosos têm analisado uma possível contradição destes
versículos de 1 Coríntios, 14 em relação ao texto já por nós comenta-
do da mesma carta no capítulo 11, quando o autor da carta dizia da
possibilidade da mulher orar e profetizar em voz alta nas reuniões.
Seria possível Paulo se contradizer em tão pouco espaço de tempo,
inclusive na mesma carta?
Esta possibilidade tem levado alguns exegetas a concluir que este
texto do capítulo 14 talvez não tenha sido originalmente escrito por
Paulo, mas que seja fruto de alteração textual devido a pouca compe-
tência de copistas, o que era comum nas transmissões das escrituras
no período anterior à imprensa.
Para um estudo mais aprofundado desta possibilidade sugerimos
aos interessados o livro já citado e constante em nossa bibliografia,
de Bart D. Ehrman.65
Porém, sempre que falamos em alteração das escrituras sugerimos
aos nossos leitores calma, e atenção ao que disse Emmanuel no livro
O Consolador, quando nos informa que com relação ao Evangelho em
qualquer tradução o estudioso de boa vontade pode extrair ensina-
mentos valiosos no campo auto-educativo, bastando para isso tirar da
letra o espírito.66
Sendo assim, como compreender esta possível contradição?
Havia no movimento cristão do primeiro século vários tipos de reu-
nião. Do mesmo modo, que hoje temos em nossas casas espíritas,
reuniões públicas, reuniões de estudo (num grupo menor e com estu-
dos mais aprofundados), reuniões mediúnicas, reuniões de diretoria,
entre outras, havia entre os primeiros discípulos do Cristo, reuniões
para culto da palavra de Deus, partir do pão, refeição comunitária,
ensino, aconselhamento e decisão.67
Se em algumas delas apesar de não ser comum a mulher podia
orar em voz alta e falar profeticamente, em outras, que alguns tradu-
tores tratam por “reunião de congregação”, não era permitido à mu-
lher tomar a palavra em público. Este era o caso da reunião citada

65
Ver nota 18 de nosso texto.
66
XAVIER F. C. / Emmanuel, O Consolador, 16ª ed., Rio de Janeiro, FEB, 1993,
questão 321
67
Para este tema me fundamentei em Baumert, op. Cit. Pág. 179.
neste capítulo 14 da primeira epístola aos coríntios, eram reuniões
onde eram analisadas as profecias e onde eram tomadas certas de-
cisões que só cabiam aos homens. Esta era a regra vigente na comu-
nidade àquele tempo, é preciso que compreendamos que não podia
ser diferente. Já demonstramos anteriormente, e pretendemos ainda
voltar ao assunto nesta conclusão, que Paulo era mais avançado e
não concordava com este pensamento legalista, porém ele mesmo
sabia não ser possível romper com todas as tradições de uma hora
para outra.
E aqui cabe uma reflexão para qualquer um de nós nos dias de
hoje. Se em uma oportunidade, mesmo que imaginária, fôssemos
convidados a fazer uma exposição evangélico-doutrinária em qual-
quer templo ligado a outra denominação religiosa, como forma de fa-
zer compreensível a filosofia que esposamos; não seria uma ótima
oportunidade irmos? Porém aqui cabe uma pergunta, para isso fazer-
mos não seria necessário levar em conta o respeito aos ritos e às re-
gras que naquele ambiente são comumente praticados? Podemos não
concordar, mas para nos fazermos ouvidos, seria bom abrirmos mão
do que para eles também não passam de verdades exclusivas de nos-
sa fé.
Deste modo, em Paulo também é preciso separar o que é fruto de
época, da mensagem que ele absorveu vindo das esferas do Cristo, e
que é por isso mesmo universal e atemporal. Sabendo que estas duas
realidades estão intimamente conectadas e magistralmente tornadas
públicas através do lindo jogo de palavras usadas pelo apóstolo, ca-
bendo a qualquer estudioso em qualquer época da humanidade sepa-
rar da letra o espírito.

*******

Para que possamos compreender a literatura bíblica de um modo


geral é preciso levarmos em conta a seguinte realidade, o que nem
sempre é feito pelos estudiosos, mesmo os ligados a alguma crença
religiosa.
A Bíblia relata a história do homem de um modo geral em busca de
sua “salvação”, o que modernamente denominamos redenção.
Toda história desde a queda do Éden, até a Nova Jerusalém do Apo-
calipse gira em torno disto.
O Antigo Testamento ou Bíblia hebraica, como preferem alguns,
trata da formação do homem biológico, daquele que chamamos de
homem do mundo. Há ali além de ensinos valiosos, toda uma norma
de comportamento que diz respeito ao andamento deste na constru-
ção de um Ser ético que amadurece no bate e rebate da vida.
O Novo Testamento da Bíblia Cristã por sua vez, através da vinda
do Messias predita nas escrituras hebraicas, nos traz o caminho para
a construção do homem espiritual. Aqui cessa a preocupação com os
valores exclusivamente transitórios e o que passa a ser levado em
conta é o aperfeiçoamento do Espírito imortal.
A história do homem passa a ter então dois momentos distintos,
antes e depois do Cristo. Aqui é preciso não confundir esta idéia com
o movimento do calendário que também nos fala em antes e depois
de Cristo, pois no primeiro caso o depois do Cristo significa o Cristo
Vivo na intimidade da criatura, ou seja, a adesão profunda ao Amor
do Novo Mandamento68, o que nos faz segundo a denominação pauli-
na, uma Nova Criatura.
Este era o entendimento de Paulo e o estado em que tinha como
objetivo, como meta, para toda a humanidade. Esta era a idéia que
ele queria dar a compreender todos, simbolizados por judeu ou grego,
servo ou livre, macho ou fêmea.
Quando ele diz, em Cristo, ou, no Senhor, ele está se referindo jus-
tamente a este que já atingiu este patamar de vivência.
A carta aos Gálatas, apesar de situar-se cronologicamente em mea-
dos de sua missão, já mostra-nos um Paulo amadurecido a ponto dele
poder dizer que já não vive, ele Paulo, mas que Cristo é quem vive
nele, o que a ele dá autoridade para afirmar que em Cristo não há ju-
deu ou grego, servo ou livre, macho ou fêmea.
Esse é o pensamento básico de nossa conclusão; Paulo não prega a
igualdade entre os diversos, mas a valorização da singularidade de
cada um demonstrando-nos que para Deus, ou no Senhor, não há
acepção de pessoas. A diferença existe, a diversidade é uma realida-
de e um bem, porém não há, dentro de um quadro hierárquico superi-
or ou inferior, melhor ou pior. Cada um é, segundo suas possibilidades
um elo, um componente do corpo de Cristo, que vivendo sob a autori-
dade do Cabeça, que em última instância é Deus, caminha para a for-
mação de um Sistema Perfeito, onde há Paz, Saúde, e Felicidade.

68
Cf. João, 13: 34
Bibliografia:

A Bíblia de Jerusalém, 2ª impressão, SP, Edições Paulinas, 1992.

ALMEIDA, João Ferreira. A Bíblia, 74a Impressão. Rio de Janeiro,


Imprensa Bíblica Brasileira, 1991.

BAUMERT, Norbert. Mulher e Homem em Paulo, São Paulo, Ed. Loyola,


1999.

EHRMAN, Bart D. O Que Jesus Disse? O Que Jesus Não Disse? São
Paulo, Prestígio, 2006.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio Eletrônico


Sec. XXI, versão 3.0, Nova Fronteira, 1999.

HOUAISS, Antônio. Dicionário Eletrônico Houaiss, Versão 1.0 ed.


Objetiva, 2001.

ROHDEN, Huberto. Que Vos Parece do Cristo, São Paulo, Alvorada, 3ª


Ed.

KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 50a ed., Rio de Janeiro, FEB,
1980.

KOCHMANN, Rabina Sandra. O Lugar da Mulher no Judaísmo. Site:


http://www.pucsp.br/rever/rv2_2005/t_kochmann.htm, acessado em
15/11/2007

STERN, David. Novo Testamento Judaico, São Paulo, Ed. Vida, 2007.

TREBOLLE Barrera, Júlio. A Bíblia Judaica e a Bíblia Cristã, 2ª ed.,


Petrópolis, Vozes, 1999.

XAVIER, Francisco C. / Emmanuel. O Consolador, 16ª ed., Rio de


Janeiro, FEB, 1993.
------------ Paulo e Estevão, 41ª ed., Rio de Janeiro, FEB, 2004.

45
46
1ª EPÍSTOLA AOS TESSALONICENSES

Saudações e Exortação

Paulo, e Silvano, e Timóteo, à igreja dos tessalonicen-


ses, em Deus, o Pai, e no Senhor Jesus Cristo: graça e
paz tenhais de Deus, nosso Pai, e do Senhor Jesus Cris-
to.
Sempre damos graças a Deus por vós todos, fazendo
menção de vós em nossas orações,lembrando-nos, sem
cessar, da obra da vossa fé, do trabalho da caridade e
da paciência da esperança em nosso Senhor Jesus Cris-
to, diante de nosso Deus e Pai, sabendo, amados ir-
mãos, que a vossa eleição é de Deus; porque o nosso
evangelho não foi a vós somente em palavras, mas
também em poder, e no Espírito Santo, e em muita cer-
teza, como bem sabeis quais fomos entre vós, por amor
de vós.
E vós fostes feitos nossos imitadores e do Senhor, rece-
bendo a palavra em muita tribulação, com gozo do Es-
pírito Santo, de maneira que fostes exemplo para todos
os fiéis na Macedônia e Acaia.
Porque por vós soou a palavra do Senhor, não somente
na Macedônia e Acaia, mas também em todos os luga-
res a vossa fé para com Deus se espalhou, de tal ma-
neira que já dela não temos necessidade de falar coisa
alguma; porque eles mesmos anunciam de nós qual a
entrada que tivemos para convosco, e como dos ídolos
vos convertestes a Deus, para servir ao Deus vivo e
verdadeiro, e esperar dos céus a seu Filho, a quem res-
suscitou dos mortos, a saber, Jesus, que nos livra da ira
futura.69

PAULO, E SILVANO, E TIMÓTEO, À IGREJA DOS TESSALONICENSES, EM


DEUS, O PAI, E NO SENHOR JESUS CRISTO: GRAÇA E PAZ TENHAIS DE
69
1 Tessalonicenses, 1: 1 a 10
DEUS, NOSSO PAI, E DO SENHOR JESUS CRISTO.

Por volta do ano 50 de nossa era, já em franca atividade apostólica,


Paulo, o fiel amigo dos gentios, se vê diante da seguinte dificuldade: a
expansão das comunidades por ele fundadas crescia e com o cresci-
mento surgiam dificuldades para o bom andamento da divulgação do
Evangelho. Sua presença era sempre solicitada entre os novos segui-
dores do Cristo, e ele já não dava conta de atender à solicitação de
todos como gostaria.
Após uma sentida oração percebeu-se envolvido pela presença es-
piritual do próprio Jesus que buscando tranquilizá-lo inspira-o a mudar
a forma de assistência aos queridos seguidores.
Conforme anotações de Emmanuel, o Senhor o orienta com brandu-
ra:
Poderás resolver o problema escrevendo a todos os ir-
mãos em meu nome… (…) doravante Estevão perma-
necerá mais aconchegado a ti transmitindo-te meus
pensamentos, e o trabalho de evangelização poderá
ampliar-se em benefício dos sofrimentos e das necessi-
dades do mundo.70
Deste modo, o Apóstolo convidou Timóteo e Silas, aqui chamado de
Silvano, para juntos redigirem a primeira de suas importantes epísto-
las.
Paulo escreve esta sua primeira epístola em Corinto, por volta do
ano 50 ou 51 de nossa era. Esta carta tem importância histórica, pois
provavelmente é o primeiro documento escrito do Novo Testamento.
Emmanuel71 relata que por volta do ano 34 ou 35 d.C. os seguidores
do Cristo tinham um manuscrito de Mateus onde consultavam os ensi-
namentos de Jesus. Porém os historiadores informam-nos que o Evan-
gelho de Mateus conforme temos hoje, em sua forma narrativa, é de
composição mais tardia. O texto a que Emmanuel se refere deve ser
um primeiro Evangelho escrito por Mateus em aramaico (ou
hebraico); o atual foi escrito em grego. Mais tarde Mateus teria com-
posto um novo texto, inclusive com influência do texto de Marcos que
segundo os estudiosos foi o primeiro a ser redigido.
Estas cartas, escritas por Paulo, foram produzidas por um método
que alguns autores denominam de círculos de profecia, que consistia
em uma meditação por parte do apóstolo e de seus companheiros,
em que Paulo, concentrado, recebia por inspiração as palavras e es-
tas vinham naturalmente e eram faladas em voz alta e anotadas. Há
desde aqui, e mesmo bem antes, pois alguns estudiosos informam-
nos que desde Samuel os textos sagrados eram produzidos desta for-
ma, uma identidade com o que hoje nós espíritas chamamos de pro-
70
XAVIER, Francisco. C. / Emmanuel (Espírito). Paulo e Estevão, pág. 529 41ª Ed.
Rio de Janeiro: FEB, 2004.
71
Idem, ibidem.

48
dução mediúnica; um medianeiro recebe o texto dos espíritos – que
aqui era o de Estevão representando o próprio Jesus -, e o transmite
aos assistentes pela palavra oral (psicofonia) ou escrita (psicografia).
Estes eram os dons espirituais que o apóstolo iria aprofundar e tor-
nar claro mais adiante na primeira Carta aos Coríntios e também em
outras epístolas.
Importa-nos ainda nesta saudação vermos como o fiel divulgador
do Evangelho diferencia Deus, o Pai, do Senhor Jesus Cristo. Para Pau-
lo é clara a distinção, Deus e Jesus são figuras distintas, um é o Cria-
dor, conforme Atos, 17: 24, o outro, Jesus, era o Cristo, ou Messias, o
Filho enviado por Deus para remir a humanidade que encontrava-se
em erro e sob o jugo do mundo, conforme Gálatas, 4: 3 a 5.

SEMPRE DAMOS GRAÇAS A DEUS POR VÓS TODOS, FAZENDO MEN-


ÇÃO DE VÓS EM NOSSAS ORAÇÕES,LEMBRANDO-NOS, SEM CESSAR,
DA OBRA DA VOSSA FÉ, DO TRABALHO DA CARIDADE E DA PACIÊNCIA
DA ESPERANÇA EM NOSSO SENHOR JESUS CRISTO, DIANTE DE
NOSSO DEUS E PAI…

Paulo vem nos mostrar aqui, e também vamos notar através do es-
tudo de outras cartas, a relação de afeto existente entre ele e os Cris-
tãos de todas as comunidades por ele fundadas, lembrando o ensina-
mento maior do Mestre:
Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se
vos amardes uns aos outros.72
Nesta relação afetuosa Paulo lembra sempre de seus amigos em
Cristo seja em suas preces, nas orientações, ou, até mesmo, quando
precisava, nas repreensões visando a correção de algo que não esta-
va correto dentro da proposta de fidelidade ao Evangelho.
Fazendo hoje uma necessária reflexão sobre este ponto aqui co-
mentado, devemos analisar, como tem sido a nossa convivência e a
nossa relação com os divulgadores atuais do Evangelho? Temos culti-
vado este sentimento de afeto e de amor que o Mestre disse ser o di-
ferencial daquele que fosse seu seguidor?
O apóstolo cita aqui a “obra da fé” dos cristãos de Tessalônica,
tema este que será devidamente trabalhado por ele em outros textos,
principalmente na Carta aos Gálatas e aos Romanos, em contraposi-
ção com as obras da lei. E destaca ainda o trabalho da caridade, e da
paciência da esperança, temas também recorrentes em outras epísto-
las e que para ele têm importância fundamental, pois além de serem
compreensões básicas para o perfeito entendimento da Mensagem de
Jesus, foram essas a orientações que deu a ele o Espírito Abigail,
quando num momento de desdobramento espiritual a esferas mais
elevadas, esta alma querida de seu coração disse-lhe:

72
João 13:35

49
Ama, trabalha, espera, perdoa…73
A partir daí este que seria para ele o “lema de Abigail” seria guar-
dado para sempre como instrução divina para a sua edificação em
Cristo Jesus.
Caridade é para ele o amor dinamizado pelo trabalho; esperança é
fator essencial para a iluminação dentro da proposta evangélica, pois
além de germinar a paciência, promove também a perseverança que
é virtude sempre trabalhada por ele através da orientação de fortale-
cimento da fé.74

SABENDO, AMADOS IRMÃOS, QUE A VOSSA ELEIÇÃO É DE DEUS; POR-


QUE O NOSSO EVANGELHO NÃO FOI A VÓS SOMENTE EM PALAVRAS,
MAS TAMBÉM EM PODER, E NO ESPÍRITO SANTO, E EM MUITA
CERTEZA, COMO BEM SABEIS QUAIS FOMOS ENTRE VÓS, POR AMOR
DE VÓS.

A eleição de Deus se dá quando o Espírito que recebe a orientação


ou a revelação do Alto, transforma-se operacionalizando a informação
recebida, ou seja, transformando-a em virtude através do testemunho
no bem.
Porque muitos são chamados, mas poucos, escolhidos.
75

Podemos, interpretando estas palavras de Jesus, dizer que, todos


somos chamados pelo Senhor da Vida a, na pauta de nossas obriga-
ções, realizar o melhor em comunhão com o objetivo essencial da
vida que é a auto-realização. Quando em acordo com as Leis Univer-
sais realizamos, encerramos um ciclo evolutivo, tornando-nos assim
“eleitos” ou “escolhidos” dentro daquela faixa de realizações.
Aqueles que acolheram a mensagem da Boa Nova em Tessalônica,
tiveram muitos testemunhos a dar diante dos Judeus que naquele mo-
mento não compreenderam a superioridade da mensagem de Jesus.
Por terem sido grandes as dificuldades encontradas pelos habitantes
desta comunidade para vivenciar as lições do Evangelho, Paulo os es-
creve dizendo que a eles o Evangelho não foi somente em palavras,
mas também em poder, isto é, em autoridade conferida àquele que é
provado no testemunho e neste se promove a uma condição melhor
em matéria de espiritualidade.
Espírito santo é o espírito que se santificou através deste processo
evolucional, processo este que dá a certeza do valor conquistado, por
isso Paulo pôde dizer que estes eram irmãos aos quais a eleição foi de
Deus, e completa a exposição dizendo que tudo foi feito entre eles,
com muito amor. O apóstolo amou os novos seguidores, estes o rece-

73
Cf. (XAVIER / Emmanuel, 2004), págs. 381 e 382
74
Este tema será aprofundado na 1ª Carta aos Coríntios.
75
Mateus 22:14

50
beram com o mesmo afeto e também o amaram sobremaneira. Tudo
conforme a orientação de Jesus a quem Paulo foi sempre fiel:
Um novo mandamento vos dou: Que vos ameis uns aos
outros; como eu vos amei a vós, que também vós uns
aos outros vos ameis.76

E VÓS FOSTES FEITOS NOSSOS IMITADORES E DO SENHOR, RECEBEN-


DO A PALAVRA EM MUITA TRIBULAÇÃO, COM GOZO DO ESPÍRITO
SANTO, DE MANEIRA QUE FOSTES EXEMPLO PARA TODOS OS FIÉIS
NA MACEDÔNIA E ACAIA.

Paulo leva muito a sério os ensinamentos de Jesus. Deste modo,


compreende que do mesmo jeito que Jesus se fez um com o Pai, nós
também poderemos nos fazer um com o Cristo e também um com
Deus. Esta é uma prerrogativa que é dada a todos nós.
Assim, busca incessantemente imitar a Jesus a quem ele tem por
Senhor. Buscou viver isto de tal modo, que mais tarde pôde afirmar:
Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu,
mas Cristo vive em mim.77
Aqui ele exalta a coerência dos discípulos de Tessalônica, pois es-
tes tendo recebido o Evangelho, a palavra em muita tribulação, o fize-
ram com gozo do Espírito Santo, isto é, com alegria e compreensão
de tal forma, que entendendo a essência da Mensagem buscaram imi-
tar Paulo e o Senhor. Ou seja, entenderam a importância da vivência
dos ensinamentos que recebiam, e tinham não só Paulo mas o próprio
Jesus como modelo.
Cabe aqui analisar algumas expressões minuciosamente buscando
a aplicação das lições em nosso dia a dia.
Nossos imitadores e do Senhor – É importantíssimo termos um
modelo. Os Espíritos nos informam na questão 625 de O Livro dos Es-
píritos que Jesus é o nosso guia e modelo.
Temos deste modo, de refletirmos sobre esta colocação e entender
que a verdadeira “religião espírita” é a imitação de Jesus. É certo que
a distancia que nos separa em matéria evolutiva, é imensa, todavia
temos que colocar o objetivo na frente e buscarmos alcançá-lo com
determinação e perseverança. Haverá momentos de dores, de lágri-
mas, e até mesmo de quedas, mas o que nos faz diferente dos de-
mais é a capacidade que podemos ter de nos erguermos e seguirmos
adiante rumo ao objetivo para o qual fomos criados.
Todas as grandes almas que serviram de exemplo para humanida-
de assim fizeram, e se em determinado momento erraram, pois só Je-
sus foi perfeito, souberam fazer do erro ponte para integração com o
Eterno.
76
João,13: 34
77
Gálatas, 2: 20

51
Sejamos imitadores de Paulo, de Francisco de Assis, de Chico Xavi-
er, de Madre Teresa e de outros que do mesmo modo buscaram imi-
tar o Senhor. E não esqueçamos que o objetivo de nossa vida é a evo-
lução, que deve ser compreendida como espiritualização, evangeliza-
ção, ou mesmo, educação para o entendimento do Cristo Jesus e de
Deus nosso Pai e Criador.
…recebendo a palavra em muita tribulação… - A palavra aqui
é o mesmo que Evangelho, pois este é a “palavra de Deus” para cada
um de nós. Se o Velho Testamento representa um pedido do homem
para Deus, o Novo é a resposta de Deus para nós.
Todavia, se a Boa Nova é uma “palavra” de alegria, a sua vivência
requer muita determinação e perseverança no objetivo maior, pois o
cerne de sua mensagem é a destruição do interesse pessoal em favor
do coletivo, é o sacrifício de si mesmo em favor do outro.
A tribulação dos tessalonicenses, de Paulo e dos primeiros cristãos
foi principalmente a incompreensão da religião ortodoxa e dominante
na época. Incompreensão esta que se materializou em muitas dores
para os primeiros seguidores do Meigo Nazareno. Hoje já não temos
as mesmas dificuldades; no país em que vivemos há uma grande li-
berdade de manifestação religiosa, todavia, qual de nós não tem as
suas tribulações na busca da vivência evangélica, seja na convivência
com a multiplicidade de filosofias existentes até mesmo entre os
adeptos do Cristo e de Kardec, ou, seja na luta íntima do dia a dia?
Porém, não nos esqueçamos, a luz só se manifesta nas trevas, sem a
existência destas, como refletir a revelação que vem do Alto?
Desta forma entendemos que a tribulação é essencial para o aper-
feiçoamento individual, são nas provações mais ríspidas que são for-
jados os maiores caracteres.
…com gozo do Espírito Santo… - Podemos entender a expressão
Espírito Santo no Evangelho de dois modos principalmente. Represen-
ta o Espírito que já se santificou através da experiência evolutiva; ou,
em determinados casos o grupo de Espíritos já harmonizados a Deus
e que trabalham para o Cristo na implantação da Verdade Universal
no coração das criaturas.
Em última instância, em nosso planeta Terra, Jesus é o coordenador
do trabalho do Espírito Santo em todas as esferas. A trindade Deus –
Jesus –Espírito Santo, ou, Pai – Filho – Espírito Santo, representa den-
tro desta ótica a harmonia de trabalho, do Criador, daquele que é o
Eleito do Orbe, o Cristo, e o grupo de Espíritos que já ajustados à von-
tade de Deus trabalham como Co-criadores na harmonização deste
Orbe, seja num plano maior ou menor, de acordo com a possibilidade
de cada um.
Com gozo do Espírito Santo conforme expressou o Apóstolo da Gen-
tilidade, significa a alegria daquele que trabalha com amor. O segui-
dor do Evangelho tem por diferencial justamente a alegria de servir.
Mesmos nos momentos de maior contrariedade a alegria deve ser o

52
sentimento sempre presente na intimidade de cada um, pois a dificul-
dade não pode de modo algum ser encarada como castigo, e sim
como promoção a uma oportunidade nova de trabalho em favor do
Cristo.
…de maneira que fostes exemplo para todos os fiéis na Ma-
cedônia e Acaia. – Segundo orientação da espiritualidade superior, o
exemplo não é uma forma de educação, mas a única.
Nós, conhecedores do Evangelho, e que nos dizemos seguidores do
Mestre Galileu, não podemos esquecer que temos constantemente
responsabilidade de educadores na pauta de nossas obrigações diári-
as.
Eis que o semeador saiu a semear…78
Portanto, em todos os momentos temos o compromisso de educar,
não esqueçamos, deste modo, do exemplo.
Paulo ressalta aqui o comportamento de fidelidade dos seguidores
de Tessalônica, e destaca como isso foi importante, pois serviu de
exemplo para várias outras comunidades do Evangelho.
Se queremos ser divulgadores da Doutrina e do Evangelho, temos
sim que estudar Kardec, as lições de Jesus, e sermos fiéis a eles na
oratória; porém, jamais esqueçamos das consequências morais que
devem resultar desta possibilidade. O seguidor fiel é aquele vive o
que prega, como Paulo nos lembra, o justo viverá da fé79.

PORQUE POR VÓS SOOU A PALAVRA DO SENHOR, NÃO SOMENTE NA


MACEDÔNIA E ACAIA, MAS TAMBÉM EM TODOS OS LUGARES A VOSSA
FÉ PARA COM DEUS SE ESPALHOU, DE TAL MANEIRA QUE JÁ DELA
NÃO TEMOS NECESSIDADE DE FALAR COISA ALGUMA; PORQUE ELES
MESMOS ANUNCIAM DE NÓS QUAL A ENTRADA QUE TIVEMOS PARA
CONVOSCO, E COMO DOS ÍDOLOS VOS CONVERTESTES A DEUS, PARA
SERVIR AO DEUS VIVO E VERDADEIRO, E ESPERAR DOS CÉUS A SEU
FILHO, A QUEM RESSUSCITOU DOS MORTOS, A SABER, JESUS, QUE
NOS LIVRA DA IRA FUTURA.

Diante do já exposto até aqui pouco temos que comentar sobre


este trecho. Para não cairmos em repetições desnecessárias vamos
comentar apenas alguns pontos que achamos mais importantes.
O comportamento dos tessalonicenses que a princípio serviu de
exemplo às comunidades da Macedônia e da Acaia, com o tempo se
estendeu em matéria de influência de tal modo, que o Apóstolo fala
dela de uma forma ampla, em todos os lugares, a nos mostrar, como
já salientamos, a importância do exemplo, e como um ato nosso pode
refletir de maneira incalculável por nós em vários locais.

78
Mateus 13:3
79
Cf. Habacuque, 2: 4; Rom, 1: 17; Gl, 3: 11; Hb, 10: 38

53
Como nos afirmou o próprio discípulo de Gamaliel, um pouco de
fermento leveda toda a massa80. Se ele usou desta sentença para
alertar aos gálatas a respeito dos judaizantes que os fazia retroceder
no Evangelho, podemos também usá-la em sentido positivo com refe-
rência aos exemplos nobres, e sua influência nos outros.
…e como dos ídolos vos convertestes a Deus, para servir ao
Deus vivo e verdadeiro… - Paulo destaca aqui a mudança realizada
pelos tessalonicenses. Para tal ele usa a palavra convertestes. Con-
verter é realizar em si uma mudança profunda, uma transformação;
não é simplesmente trocar de lado, mas mudar com determinação e
consciência do que se está fazendo. Paulo na estrada de Damasco se
converteu ao Cristo, nós muitas vezes trocamos de religião mas nem
por isso nos convertemos, já que valorizamos mais as aparências ex-
teriores do que propriamente o sentido profundo da filosofia esposa-
da.
Esta palavra, conversão, deve ser por nós muito bem analisada,
pois a proposta essencial da doutrina espírita é a nossa autoilumina-
ção, e isso se dará de forma mais tranqüila e segura pela nossa con-
versão ao Evangelho.
É bom que se entenda que a justiça antecede ao amor, a disciplina
à espontaneidade. Assim, quando buscamos o conhecimento, a ciên-
cia, vamos comparar, analisar, esmiuçar, este é o primeiro passo; po-
rém, a conversão se dá no momento em que sentimos e aderimos à
mensagem de tal forma que naturalmente a vivenciamos. Por isso
Paulo afirma que a conversão só se dá pela fé, que é o estado de
amadurecimento tal em que a criatura espontaneamente vive a fideli-
dade. Aliás, a palavra fé é a tradução do grego pistis, que expressa
por si só, fidelidade, jamais crer de uma forma passiva e sem compro-
metimento com a mudança interior.
Eles se converteram dos ídolos a Deus. Como gentios eram adora-
dores de várias entidades, não tinham uma crença firme, substancio-
sa. A partir da recepção da Boa Nova, transformaram-se através de
uma atitude cristã, deixando as ilusões do mundo em favor de uma
vida mais ajustada aos princípios de espiritualidade.
Eles alcançaram uma compreensão tão ampla da mensagem evan-
gélica que passaram a servir a Deus conforme anotação do missivis-
ta; servir, e não ser servido conforme normalmente queremos. E o
que é mais importante, servir ao Deus vivo e verdadeiro, pois aqui
cabe mais uma reflexão: a quem temos servido? A que Deus temos
adorado? Porque se hoje já entendemos a mensagem do Deus único,
nem por isso deixamos de adorar aos deuses dinheiro, poder, beleza,
num constante culto ao corpo ou às conquistas referentes aos cargos
mundanos e transitórios.
…e esperar dos céus a seu Filho, a quem ressuscitou dos
mortos, a saber, Jesus, que nos livra da ira futura. – Aqui nova-
80
Gálatas 5:9

54
mente Paulo destaca o valor da esperança, a esperar dos céus a seu
Filho. Mais uma vez diferenciando Deus, que é o Pai, de Jesus, que é o
Filho.
Aquele que trabalha com tranqüilidade e consciência os valores es-
pirituais espera dos céus naturalmente o atendimento de suas expec-
tativas espirituais. Por estar certo de que faz o melhor dentro de suas
possibilidades, fica também tranqüilo, isto é, sem ansiedade quanto
ao que virá do Alto aqui representado pela palavra céus, no plural, in-
dicando a infinitude das possibilidades.
O que espera, este que assim faz, dos céus? A seu Filho, diz o apos-
tolo, representado aqui tudo o que Jesus significa em matéria de co-
nexão ou ajustamento com o Altíssimo.
Deus, em seu aspecto Lei, ressuscitou Jesus. Como a Lei de Deus é
Unidade ela age do mesmo modo para com todos, assim todos sere-
mos ressuscitados, pois a imortalidade da alma é uma prerrogativa
para todos.
Não esqueçamos que estas epístolas paulinas eram mensagem do
próprio Cristo através de Estevão para que Paulo, por via mediúnica,
recebesse e encaminhasse para os cristãos daquele tempo 81, mas
com conteúdo a ser minuciado pelos seguidores do Mestre de todas
as eras de conformidade com a exegese possível a cada um a seu
tempo.
E o Apóstolo continua…
Jesus, que nos livra da ira futura. – A ira de Deus, que Paulo
cita também em outros textos82, representa a ação da Lei de Deus
que julga o passado no presente,e este no futuro. Ira dá um sentido
de conseqüência negativa, pois refere-se a uma semeadura negativa.
Se futura, é porque vai ainda acontecer, portanto está vinculada a
nossa ação no presente, que pode ser modificado. Jesus é o libertador
das consciências, pois promove a ascensão desta para Deus, deste
modo, Jesus nos livra da ira futura, na medida em que, aderindo às
suas propostas realizamos a conexão que nos religa ao Criador, liber-
tando-nos assim de momentos de dor em futuras manifestações.

81
(XAVIER / Emmanuel, 2004), cap VI, 2a parte.
82
Cf. Romanos, 1:18 ; Efésios, 5:6; Colossenses, 3:6 e 1 Ts, 2:16.

55
2

A Atitude de Paulo em Tessalônica

Porque vós mesmos, irmãos, bem sabeis que a nossa


entrada para convosco não foi vã; mas, havendo pri-
meiro padecido e sido agravados em Filipos, como sa-
beis, tornamo-nos ousados em nosso Deus, para vos fa-
lar o evangelho de Deus com grande combate.
Porque a nossa exortação não foi com engano, nem
com imundícia, nem com fraudulência; mas, como fo-
mos aprovados de Deus para que o evangelho nos fos-
se confiado, assim falamos, não como para agradar aos
homens, mas a Deus, que prova o nosso coração.
Porque, como bem sabeis, nunca usamos de palavras li-
sonjeiras, nem houve um pretexto de avareza; Deus é
testemunha.
E não buscamos glória dos homens, nem de vós, nem
de outros, ainda que podíamos, como apóstolos de Cris-
to, ser-vos pesados; antes, fomos brandos entre vós,
como a ama que cria seus filhos.
Assim nós, sendo-vos tão afeiçoados, de boa vontade
quiséramos comunicar-vos, não somente o evangelho
de Deus, mas ainda a nossa própria alma; porquanto
nos éreis muito queridos.
Porque bem vos lembrais, irmãos, do nosso trabalho e
fadiga; pois, trabalhando noite e dia, para não sermos
pesados a nenhum de vós, vos pregamos o evangelho
de Deus.
Vós e Deus sois testemunhas de quão santa, justa e ir-
repreensivelmente nos houvemos para convosco, os
que crestes.
Assim como bem sabeis de que modo vos exortávamos
e consolávamos, a cada um de vós, como o pai a seus
filhos, para que vos conduzísseis dignamente para com
Deus, que vos chama para o seu reino e glória.
Pelo que também damos, sem cessar, graças a Deus,
pois, havendo recebido de nós a palavra da pregação
de Deus, a recebestes, não como palavra de homens,
mas (segundo é, na verdade) como palavra de Deus, a
qual também opera em vós, os que crestes.
Porque vós, irmãos, haveis sido feitos imitadores das
igrejas de Deus que, na Judéia, estão em Jesus Cristo;
porquanto também padecestes de vossos próprios con-
cidadãos o mesmo que os judeus lhes fizeram a eles, os

56
quais também mataram o Senhor Jesus e os seus pró-
prios profetas, e nos têm perseguido, e não agradam a
Deus, e são contrários a todos os homens.
E nos impedem de pregar aos gentios as palavras da
salvação, a fim de encherem sempre a medida de seus
pecados; mas a ira de Deus caiu sobre eles até ao fim.
Nós, porém, irmãos, sendo privados de vós por um mo-
mento de tempo, de vista, mas não do coração, tanto
mais procuramos com grande desejo ver o vosso rosto.
Pelo que bem quisemos, uma e outra vez, ir ter convos-
co, pelo menos eu, Paulo, mas Satanás no-lo impediu.
Porque qual é a nossa esperança, ou gozo, ou coroa de
glória? Porventura, não o sois vós também diante de
nosso Senhor Jesus Cristo em sua vinda?
Na verdade, vós sois a nossa glória e gozo. 83

PORQUE VÓS MESMOS, IRMÃOS, BEM SABEIS QUE A NOSSA ENTRADA


PARA CONVOSCO NÃO FOI VÃ; MAS, HAVENDO PRIMEIRO PADECIDO E
SIDO AGRAVADOS EM FILIPOS, COMO SABEIS, TORNAMO-NOS
OUSADOS EM NOSSO DEUS, PARA VOS FALAR O EVANGELHO DE
DEUS COM GRANDE COMBATE.

Não foi inútil a presença de Paulo entre os tessalonicenses. Cada


expressão evangélica requer cuidado e atenção em sua interpreta-
ção. Não podemos atropelar as palavras como se elas nada quises-
sem dizer, todo o texto evangélico é uma expressão do pensamento
do Cristo, é a mensagem viva de Deus.
Ao nos dizer que sua estada entre os irmãos de Tessalônica não foi
vã, como também não foi em nenhuma outra comunidade, o fiel discí-
pulo do Cristo nos leva a refletir em como tem sido a nossa participa-
ção na comunidade de fé que elegemos. Que mensagem temos leva-
do nas entrelinhas de nossas ações? Que ambiente temos criado?
Como temos nos entregado à proposta de edificação? Tem sido útil a
nossa participação, ou melhor seria para os outros, se lá não estivés-
semos? São pontos, entre outros do mesmo conteúdo, a ser por nós
trabalhado em nosso necessário serviço de autoconhecimento.
Paulo chegou a Tessalônica após passar por Filipos, aqui ele lembra
a seus amigos como foi sua passagem por lá, cheia de padecimentos;
sendo inclusive açoitado e castigado em praça pública e conduzido à
prisão em péssimas condições. Para compreendermos melhor tais tor-
turas devemos ler o livro de Atos em seu capítulo 16 nos versículos
de 11 a 40, e o livro de Emmanuel, já citado, Paulo e Estevão, no cap.
VI da segunda parte, mais propriamente a partir da pág. 50684.

83
1 Tessalonicenses, 2: 1 a 20
84
(XAVIER / Emmanuel, 2004).

57
Não queremos pregar a necessidade de se ter que padecer para vi-
venciarmos o Evangelho que é em sua essência expressão de alegria.
Esta não foi de nenhum modo a intenção do apóstolo; porém, deixa-
nos a lição de que, quando esse padecimento surge de forma natural
devido a incompreensão do mundo, ou de nossa adaptação a uma
proposta de maior espiritualidade, não devemos jamais abandonar a
luta que ele próprio denominou de bom combate85.
Dizemos isso por que é muito comum entre nós aguardarmos uma
situação de maior tranqüilidade para exercermos o trabalho no cam-
po do Espiritismo e do Evangelho. Este não é o exemplo de grandes
almas que tiveram e têm-se dedicado ao serviço do Cristo apesar de
todas as dificuldades e contrariedades.
Por assim ter feito, Paulo pôde, com autoridade, dizer ter tornado-
se ousado em Deus, para falar o evangelho com grande combate.
Aqui sentimos novamente a necessidade de analisarmos separada-
mente algumas expressões.
…tornamo-nos – Isto é, fizeram-se - eles e Silas, que é os que es-
tavam em Filipos – de dentro para fora. Transformaram-se em…
…ousados em nosso Deus – O que é ser ousado em Deus? Sin-
ceramente, em nossa pequenez, não sabemos se temos condição de
analisar com profundidade este trecho, todavia, dentro das nossas li-
mitações entendemos que é avançar no entendimento sincero da pro-
posta do Criador para a nossa vida, com fidelidade e atitude sincera
de transformação de si mesmo para atendimento de Seus desígnios.
A filosofia é necessária, e até prazerosa, mas muito mais é preciso,
comprometimento com a mensagem superior que Deus nos enviou
que é o próprio Evangelho.
O apóstolo é claro, é preciso ser ousado para falar do Evangelho,
pois senão vira simplesmente retórica; e notemos que ele atribui o
Evangelho a Deus. Jesus foi e é o Espírito mais evoluído que pisou em
nosso orbe, todavia, foi apenas o instrumento de Deus para trazer a
nós sua Perfeita Mensagem. Paulo cita sempre o Cristo, que foi uma
missão de Jesus, admira profundamente este grandioso Espírito a
quem ele é grato e fiel, todavia jamais se deixa levar pela idolatria,
nem mesmo ao Mestre que ele tanto ama.
… com grande combate. – Já comentamos a respeito, mas é
sempre bom lembrar. É um combate interior, contra as próprias im-
perfeições. Não um combate às pessoas, exterior. Se às vezes parecia
que Paulo ou o próprio Jesus combatiam os fariseus e saduceus como
pessoas, em essência não é isso o que acontecia, eles lutavam era
contra o que eles representavam em termos de atraso para a mensa-
gem da Boa Nova. Era a condição de retaguarda, de falsidade, de cul-
tivo de aparências simplesmente exteriores em que se encontravam
é que deveria ser combatida. Deus não quer a morte do pecador, mas
do pecado. É o mesmo Paulo quem afirma:
85
Cf. 2 Timóteo, 4:7

58
Ora, o último inimigo que há de ser aniquilado é a mor-
te.86

PORQUE A NOSSA EXORTAÇÃO NÃO FOI COM ENGANO, NEM COM


IMUNDÍCIA, NEM COM FRAUDULÊNCIA; MAS, COMO FOMOS
APROVADOS DE DEUS PARA QUE O EVANGELHO NOS FOSSE
CONFIADO, ASSIM FALAMOS, NÃO COMO PARA AGRADAR AOS
HOMENS, MAS A DEUS, QUE PROVA O NOSSO CORAÇÃO.

Aqui faz-se necessário trabalharmos alguns significados:


Exortação: Ato de exortar, animar, estimular. Conselho, advertên-
cia, admoestação.
Imundícia: Falta de asseio, porcaria, lixo, sujidade, sujeira. Qualida-
de, estado ou condição de imundo. Para este versículo podemos tam-
bém traduzir por motivos espúrios.
Fraudulência: Qualquer ato ardiloso, enganoso, de má-fé, com o in-
tuito de lesar ou ludibriar outrem; logro; ação que se vale de astúcia,
manha, sagacidade; ardileza, maquinação.
Paulo buscava animar, estimular os seus seguidores, mas também
advertir. Pois tinha grande experiência e conhecia as armadilhas que
o mundo prepara para aqueles que aderem a uma proposta sincera
de renovação dentro de uma prática baseada na pura moral do Evan-
gelho. Ele não fazia isso visando enganar, nem muito menos sendo
astuto, ou maquinando para atender os seus objetivos.
Tinha ele perfeita consciência de que fora aprovado e escolhido por
Deus para divulgar o Evangelho. Deus o confiara uma missão, e ele
como sempre lhe fora fiel, fazia questão de executar sua tarefa com
grandiosidade nos mínimos detalhes. Não que primasse pelo perfecci-
onismo, mas procurava realizar bem e com fidelidade a Vontade do
Alto.
O Criador nos tem achado digno de várias realizações, a cada um
de nós chamou para realização de determinada tarefa. Como temos
nos saído? Insistimos nesta colocação, pois esta é uma reflexão que
temos de fazer constantemente.
Agradar a Deus é realizar a Sua Vontade, atender aos objetivos da
criação. Porém, como isso passa pela eliminação do interesse pesso-
al, nossa vinculação com essa proposta desagrada a todos que ainda
encontram-se levados pela ilusão da vida imediatista, dos valores ma-
teriais. Esses, a quem o autor desta carta chamou de homens, sen-
tem-se prejudicados e buscam desarticular o nosso trabalho. Todavia,
Aquele que perscruta o nosso coração, que nos prova visando a nossa
promoção, sabe a sinceridade com que trabalhamos e dá a cada um
segundo as suas obras. Essa consciência é clara em Paulo, por isso a
sua fidelidade. Ele não desiste nunca, enfrenta açoites, prisões, e até
86
1 Coríntios 15:26

59
mesmo naufrágios; e tem um só objetivo, a implantação do Evange-
lho no coração de todos os que ele sabe serem irmãos por parte do
Pai que é também o Pai de Jesus, o Cristo de Deus.

PORQUE, COMO BEM SABEIS, NUNCA USAMOS DE PALAVRAS LISON-


JEIRAS, NEM HOUVE UM PRETEXTO DE AVAREZA; DEUS É
TESTEMUNHA. E NÃO BUSCAMOS GLÓRIA DOS HOMENS, NEM DE VÓS,
NEM DE OUTROS, AINDA QUE PODÍAMOS, COMO APÓSTOLOS DE
CRISTO, SER-VOS PESADOS; ANTES, FOMOS BRANDOS ENTRE VÓS,
COMO A AMA QUE CRIA SEUS FILHOS.

Paulo jamais se envaideceu com a sua condição de apóstolo, muito


pelo contrario. Tinha consciência de sua missão, todavia sem se valo-
rizar pessoalmente. São dele essas palavras:
A mim, o mínimo de todos os santos, me foi dada esta
graça de anunciar entre os gentios, por meio do evan-
gelho, as riquezas incompreensíveis de Cristo87
Também, nunca quis tirar proveito para si próprio. Se continuasse
na sua posição de fariseu, doutor da lei, substituto de Gamaliel, teria
todos os louros do mundo, e excelente condição material. Porém, dei-
xou tudo isso pela conversão ao Cristo.
Não temos hoje a idéia do que significou para ele em termos de
perda quanto aos valores do mundo a sua opção pela Boa Nova, pois
hoje divulgar os valores do espírito dá até status, porém àquele tem-
po não era assim, e ele saiu da condição de líder de uma facção domi-
nante, para simples operário da construção de um edifício o qual ain-
da estava sendo lançado as suas bases. Como então acusá-lo de ava-
ro?
É muito bom poder dizer com sinceridade de consciência, que Deus
é testemunha de nossas intenções mais íntimas, e do desinteresse
das mesmas, e ele podia assim dizer: Deus é testemunha.
Jesus já dissera da impossibilidade de servir a Deus e mundo ao
mesmo tempo, pois ou se agrada a um ou ao outro, ninguém pode
servir a dois senhores88.
Paulo era conhecedor desta realidade e por isso jamais quis o elo-
gio ou a glória dos homens fossem estes quem fossem; pois sabia que
os discípulos sinceros do Cristo não elogiavam por saberem da res-
ponsabilidade que tinham, e porque o mérito não eram deles e sim do
Senhor que eles representavam. E quanto aos outros homens, os liga-
dos ao mundo, já dissemos, não interessa ao servidor do Evangelho a
sua opinião e sim amá-los conforme a orientação do Mestre.
Na condição de liderança que exercia, podia usar de privilégios tan-
to materiais, quanto de desejar facilidades devido a um suposto pres-
87
Efésios, 3:8
88
Cf. Mateus, 6: 24; Lucas, 16: 13

60
tígio, pois era um apóstolo indicado pelo próprio Cristo a serviço de
Deus; todavia abriu mão de tal prerrogativa, pois não era um profissi-
onal da fé e sim um irmão que buscava também mais acertar do que
errar. Este exemplo tanto de Paulo quanto de outros grandes apósto-
los do Senhor89, merece ser por nós avaliado, seguido, e divulgado en-
tre os irmãos de fé.
Através do livro de Atos dos Apóstolos, e também da já citada obra
de Emmanuel, Paulo e Estevão, tomamos conhecimento que Paulo
aprendeu o ofício de tecelão. Era comum à época, entre os judeus, o
pai exigir que os seus filhos aprendessem um trabalho mecânico afim
de num momento de maior necessidade poder ganhar o seu sustento
de forma honesta. Paulo assim fez, quando afastou-se do templo, e
por não achar justo viver às custas da fé que agora esposava, exer-
ceu com dignidade seu ofício de tecelão não sendo assim pesado aos
companheiros de fé.
Vale a pena mais uma vez destacar o sentimento de afeto que todo
servidor do Cristo deve ter uns em relação aos outros:
…fomos brandos entre vós, como a ama que cria seus filhos. Dis-
pensa qualquer comentário esta colocação, pois a afabilidade e a do-
çura devem ser características básicas daquele que tem Jesus como
guia e modelo para sua própria conduta.

ASSIM NÓS, SENDO-VOS TÃO AFEIÇOADOS, DE BOA VONTADE QUISÉ-


RAMOS COMUNICAR-VOS, NÃO SOMENTE O EVANGELHO DE DEUS,
MAS AINDA A NOSSA PRÓPRIA ALMA; PORQUANTO NOS ÉREIS MUITO
QUERIDOS.

É confirmado aqui os laços afetivos que uniam o apóstolo aos seus


seguidores, assim nós, sendo-vos tão afeiçoados. Este é realmente o
diferencial do seguidor do Evangelho, o sentimento de carinho, de
atenção, de cuidado, com tudo o que realiza e que todos com quem
convive.
De boa vontade quiséramos comunicar-vos, não somente o Evan-
gelho de Deus… Boa vontade expressa o sentimento mais profundo
de desejo de realizar algo. Dizia nosso querido Leão Zállio, um dos
nossos primeiros orientadores da Doutrina e do Evangelho, quando
ainda encarnado, que não basta a vontade, temos de ter boa vonta-
de, a definir aquele sentimento característico do servidor do Evange-
lho que o Cristo qualificou de “segunda milha”, isto é, o ir além do
que é pedido, o dar um pouco mais expressando o amor além da jus-
tiça.
Este era o sentimento dominante de Paulo quando se tratava de di-
vulgar o Evangelho, que como já explicamos, ele dizia ser de Deus.
89
Assim também fizeram Pedro, João, Francisco de Assis, Chico Xavier, entre ou-
tros que jamais quiseram ser pesados financeiramente aos seguidores de suas pro-
postas de religiosidade.

61
…ainda a nossa própria alma; porquanto nos éreis muito queridos.
Ministrar o Evangelho segundo o entendimento superior de Paulo, era
não somente comunicar-lhe aos seus adeptos, mas dar a própria
alma pela causa, que em se tratando do Evangelho, era o bem do se-
melhante sob o ponto de vista de mais espiritualidade.
É muito comum nos meios religiosos tradicionais a afirmativa de
que os grandes iniciados deram a vida por nós, no sentido de morrer
por nós. Essa não é a grande questão, pois morrer por nós significan-
do desencarnar, para aquele que tem certeza da imortalidade da
alma e a consciência tranqüila do dever cumprido, não é nenhum so-
frimento. Os grandes avatares, os que tiveram grandes realizações
sob a ótica espiritual, têm mérito, justamente por ter vivido por nós,
ou seja, vivenciaram cada momento com amor, matando o interesse
pessoal em favor da universalidade do Bem.
Paulo assim fez pela divulgação da Boa Nova de Deus e pelo bem
daqueles que eram seus seguidores e também conversos ao Evange-
lho.

PORQUE BEM VOS LEMBRAIS, IRMÃOS, DO NOSSO TRABALHO E FADI-


GA; POIS, TRABALHANDO NOITE E DIA, PARA NÃO SERMOS PESADOS
A NENHUM DE VÓS, VOS PREGAMOS O EVANGELHO DE DEUS.

Neste versículo poucos temos que comentar, visto já termos trata-


do de todos os temas aqui expostos. Resta-nos apenas ressaltar que
o trabalho no bem deve ser incessante e com continuidade, como ex-
pressa a seqüência noite e dia, ou seja, sem interrupção e com perse-
verança.
Quando se adquire a consciência que Paulo obteve na estrada de
Damasco e no deserto da Arábia, passa-se a ter a própria redenção
como o tesouro maior a ser conquistado; e como ensina o Cristo que
esta redenção só vem após o trabalho pelo aperfeiçoamento de nos-
sos sentimentos que se dá pela constância no bem, passamos a prio-
rizar a proposta de autorealização que se dá, deste modo, noite e dia.
Noite, expressando o trabalho a ser realizado de autoiluminação
para iluminar as trevas íntimas. É operando na noite (trevas) que soli-
dificamos a nossa luz. E dia como a seqüência natural de um novo ci-
clo, aberto também com a continuidade do trabalho em um dinamis-
mo incessante.
Sobre este momento de amadurecimento espiritual de Paulo na
Arábia, que citamos acima, o Professor Huberto Rohden tece valiosos
comentários que muito podem nos auxiliar na compreensão da con-
versão deste que é, segundo ele mesmo, o maior bandeirante do
Evangelho:
Antes de tudo, convém rebater a idéia pueril de certos
cristãos piedosos e ingênuos que imaginam os santos
como que “caídos do céu” e se esquecem de que o san-

62
to se forma aos poucos, evolve, progride, se aperfeiçoa
através de mil vicissitudes, por entre os fluxos e reflu-
xos da luz e das trevas, do bem e do mal.90

VÓS E DEUS SOIS TESTEMUNHAS DE QUÃO SANTA, JUSTA E IRRE-


PREENSIVELMENTE NOS HOUVEMOS PARA CONVOSCO, OS QUE
CRESTES.

Em particular neste versículo, gostamos mais da tradução da Bíblia


de Jerusalém que diz:
Vós sois testemunhas, e Deus também o é, de quão puro, justo e ir-
repreensível tem sido o nosso modo de proceder para convosco, os fi-
éis.
É que de acordo com a lógica do pensamento de Paulo não pode-
mos traduzir o grego pistis (fé) cujo verbo é pisteuein, que designa o
ato de ter fé, por crer. É que em latim o substantivo fides (fé) não tem
um verbo derivado. Deste modo, os tradutores latinos tiveram que re-
correr a um verbo de outro radical para designar o ato de ter fé. Este
verbo é credere, que em português quer dizer crer. Todavia pisteuein
designa um estado de fidelidade, e não apenas de crer o que pode
ser muito vago.91
Portanto, estes a quem Paulo dirige esta carta são na realidade, os
fiéis, conforme expressa a tradução da Bíblia de Jerusalém, e não os
que crestes, conforme a tradução de Almeida.
No mais é importante destacar a sequência dita por Paulo, quão
puro, justo e irrepreensível, definindo seu modo de proceder perante
os adeptos da mensagem do Cristo.
Puro, isto é, sem nenhuma impureza ou contaminação, honesto,
cristalino.
Justo, imparcial, reto, íntegro.
Irrepreensível, que não merece censuras, perfeito, correto.
O que entendemos por pureza doutrinária passa pela vivência do
sentimento expresso nestes três adjetivos, não só no que diz respeito
aos aspectos doutrinários em si, mas principalmente na convivência
com os semelhantes que é o objetivo maior da práxis cristã.

ASSIM COMO BEM SABEIS DE QUE MODO VOS EXORTÁVAMOS E CON-


SOLÁVAMOS, A CADA UM DE VÓS, COMO O PAI A SEUS FILHOS, PARA
QUE VOS CONDUZÍSSEIS DIGNAMENTE PARA COM DEUS, QUE VOS
CHAMA PARA O SEU REINO E GLÓRIA.

90
ROHDEN, Huberto. Paulo de Tarso – O Maior Bandeirante do Evangelho, pág.
64, Ed. Martin Claret, Série Ouro, São Paulo, 2005.
91
Ver a este respeito os comentários de Huberto Rohden na obra já citada.

63
Paulo jamais privilegiou quem quer que fosse, tratava todos com
equanimidade. Assim, consolava e exortava cada um em particular se
preciso fosse, valorizando e compreendendo a individualidade de
cada um dentro da universalidade da mensagem cristã. Fazia deste
modo, como o pai zeloso faz pelos seus filhos, buscando conduzir
cada qual para o melhor dentro de sua ótica.
Tinha, o converso de Damasco, a certeza de que a mensagem da
Boa Nova era o melhor para cada um, que a busca de Deus é o objeti-
vo de todos, até mesmo daqueles que esquecidos e iludidos encon-
tram-se momentaneamente querendo negá-Lo. Deste modo, alertava
seus leitores conduzindo-os dignamente para com Deus, essa era
uma de suas características, a fidelidade constante para com Deus e
a sua consciência que dizia ser seu dever, segundo recebera do pró-
prio Cristo, conduzir as almas simples para o Reino e Glória do Se-
nhor.
Deus chama cada um de nós para voltar a este Reino; basta que
entremos no silencio do Criador e escutemos as suas propostas, pro-
postas estas que nos ocorrem no dia a dia de nossa vida através das
circunstâncias.
A questão 621 de O Livro dos Espíritos 92 nos diz que a Lei de Deus
está gravada em nossa consciência, na de todos, e que nós a esque-
cemos. Deus quer que disto nos lembremos e para tal nos proporcio-
nou a lei da evolução. Como se isso não bastasse, por misericórdia,
permite que mensageiros diretos deste Seu Reino, venha até nós
para nos lembrar desta perda que tivemos e novamente nos conduzir
para o Seu equilíbrio. Paulo foi um destes maiores condutores ao Rei-
no que o Criador permitiu encarnar entre nós; através do Cristo o res-
gatou para o cumprimento desta valiosa missão, e ele consciente de
tudo isso quer aos seus seguidores daquele tempo, e todos que mais
tarde aderissem, conduzir com dignidade para essa esfera de graça e
felicidade.

PELO QUE TAMBÉM DAMOS, SEM CESSAR, GRAÇAS A DEUS, POIS, HA-
VENDO RECEBIDO DE NÓS A PALAVRA DA PREGAÇÃO DE DEUS, A
RECEBESTES, NÃO COMO PALAVRA DE HOMENS, MAS (SEGUNDO É,
NA VERDADE) COMO PALAVRA DE DEUS, A QUAL TAMBÉM OPERA EM
VÓS, OS QUE CRESTES.

O apóstolo aqui dá graças a Deus, com muita consciência, pela


oportunidade de participar deste projeto de implantação do Reino no
coração das criaturas. Sabia da sua condição de intermediário, a re-
velação era de Deus, e não de homens, e deste modo foi acolhida pe-
los seguidores de Tessalônica.

92
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos, 50ª Ed., Rio de Janeiro FEB,1980.

64
Importa-nos aqui fazer duas considerações sobre a importância
deste correto acolhimento da Palavra, que aqui representa a revela-
ção do Alto.
Allan Kardec fez-nos ver o Espiritismo como a terceira revelação da
Lei de Deus93, para nós os ocidentais. Do mesmo modo que esta reve-
lação foi orientada por Espíritos superiores a serviço do Criador, as
outras duas, a de Moisés e a de Jesus, também foram. Deste modo,
vale tanto para o Antigo quanto para o Novo Testamento, o que Kar-
dec fala sobre a revelação espírita, não é esta uma revelação de ho-
mens, mas de Deus. É preciso que entendamos que se a terceira re-
velação se dá também no âmbito da ciência, as outras duas, se ex-
pressam de forma alegórica, onde é preciso que se tire o “espírito da
letra” para que alcancemos seu profundo conteúdo revelador. Allan
Kardec nos orienta para esta necessidade, vide a questão 59 de O Li-
vro dos Espíritos, e A Gênese, onde no cap. XII, item 12, diz claramen-
te:
Não rejeitemos, pois, a Gênese bíblica; ao contrário, es-
tudemo-la, como se estuda a história da infância dos
povos.
Trata-se de uma época rica de alegorias, cujo sentido
oculto se deve pesquisar; que se devem comentar e ex-
plicar com o auxílio das luzes da razão e da Ciência. 94
A segunda consideração a ser feita sobre o acolhimento da Revela-
ção é que ela se dá de forma completa em três ciclos. No primeiro
momento recebe-se a Palavra95, num segundo acolhe-se esta na pró-
pria intimidade da criatura, (os discípulos de Tessalônica receberam
de Paulo a Palavra, e esta operava neles, os fiéis); no terceiro mo-
mento, a Palavra já faz parte da conduta íntima daquele que aderiu a
ela, e ela, a Palavra, é exteriorizada em forma de atitudes.
Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu,
mas Cristo vive em mim96

PORQUE VÓS, IRMÃOS, HAVEIS SIDO FEITOS IMITADORES DAS IGRE-


JAS DE DEUS QUE, NA JUDÉIA, ESTÃO EM JESUS CRISTO;
PORQUANTO TAMBÉM PADECESTES DE VOSSOS PRÓPRIOS
CONCIDADÃOS O MESMO QUE OS JUDEUS LHES FIZERAM A ELES…

É comum quando passamos por momentos de testemunhos difí-


ceis, de grandes tribulações em nossa alma, achar que Deus se es-
queceu de nós ou que o fardo está por demais pesado. Se assim não
nos expressamos formalmente, é preciso entendermos que, qualquer
93
Cf. KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo, Cap. I, Item 6, 104a
ed., Rio de Janeiro, FEB, 1991
94
KARDEC, Allan. A Gênese, 26ª Ed., 1984.
95
Ver 1ª Coríntios, 11: 23
96
Gálatas, 2:20

65
reclamação por mínima que seja, pressupõe falta de conhecimento
dos mecanismos de funcionamento do Universo, pois se assim faze-
mos, é porque nos achamos de um modo ou de outro, injustiçados.
Essa não era a consciência que o Apóstolo dos gentios tentava des-
pertar em seus seguidores. Para ele, o sacrifício em nome do Cristo
era privilégio, pois ele compreendia que tratava-se de promoção e
não de esquecimento por parte do Criador.
Os judeus mais ortodoxos ligados ao templo de Jerusalém fizeram
com que os da primeira comunidade cristã do Caminho passassem
por momentos de grandes dificuldades, Paulo era não só testemunha
disto, como na condição de antigo fariseu, doutor da lei, tinha partici-
pado das primeiras perseguições aos seguidores do Nazareno.
Como verdadeiro converso ao Evangelho, sabedor do quanto teria
que padecer pelo Cristo, buscava, ao invés de lamentar, incentivar os
tessalonicenses comparando-os aos cristãos de Jerusalém, pois assim
os fazia ver que tudo isso era natural dentro do encaminhamento ree-
ducativo para as questões imortais.
Hoje quando lemos textos históricos sobre este período inicial do
cristianismo, ou quando meditamos sobre acontecimentos anteriores
ligados a estes valorosos Espíritos precursores do Bem, muitas vezes
o fazemos como se a um romance estivéssemos lendo ou a uma tele-
novela assistindo, devido à distância dos fatos e a uma realidade bem
diversa da que temos atualmente. Porém, é preciso identificarmos
nossos testemunhos atuais como momentos semelhantes a estes; se
já não temos perseguições explícitas em nome da fé, se não mais
existem arenas com leões devoradores, existem outros tipos de tor-
mentos que com sutileza nos fazem chorar do mesmo modo, ou situa-
ções que nos fazem sangrar e sermos devorados mesmo nos manten-
do fisicamente intactos.
Portanto, diante destes momentos em que somos visitados pela an-
gústia, e até mesmo por empecilhos quando desejamos simplesmen-
te realizar o bem, não desistamos, tomemos como exemplo nossos
antepassados iniciadores do movimento pelo Cristo; pois estes, tam-
bém padeceram ao seu tempo na mão dos próprios concidadãos ou
de judeus inobservantes dos mesmos mandamentos que diziam se-
guir.
Devemos também sermos imitadores do Cristo e das comunidades
primeiras que testemunharam em nome de Deus, pois se assim não
fizermos, que galardão desejamos?

OS QUAIS TAMBÉM MATARAM O SENHOR JESUS E OS SEUS PRÓPRIOS


PROFETAS, E NOS TÊM PERSEGUIDO, E NÃO AGRADAM A DEUS, E SÃO
CONTRÁRIOS A TODOS OS HOMENS. E NOS IMPEDEM DE PREGAR AOS
GENTIOS AS PALAVRAS DA SALVAÇÃO, A FIM DE ENCHEREM SEMPRE
A MEDIDA DE SEUS PECADOS; MAS A IRA DE DEUS CAIU SOBRE ELES
ATÉ AO FIM.

66
Paulo refere aqui ao fato histórico dos Judeus terem matado Jesus,
o Manso por excelência, e aos próprios profetas que eles já cultuavam
àquele tempo. Mostrando-nos assim como o mundo se engana diante
das pessoas e dos fatos. A incompreensão leva-nos às vezes a exces-
sos que vão ser mais tarde motivos de arrependimentos e de grandes
dissabores para todos nós, por isso, tenhamos cautela no julgamento,
e busquemos analisar sempre pela ótica do espírito que transcende
ao tempo, só assim evitaremos o dissabor do arrependimento motiva-
do por atitudes de orgulho e egoísmo.
Era o Apóstolo, redimido às luzes de Damasco, um visionário, um
homem além de seu tempo. Sabia que esta perseguição causava de-
sagrado a Deus, por infringir a Sua Lei. Aqueles que assim agem são
contrários ao sentimento natural de todos os homens que é o de re-
fletir Deus, e ser, deste modo, feliz. Pois em nosso estado próprio de
equilíbrio, não desejamos contendas nem ser adversários Daquele
que é Todo Poder. Se, recebemos um ensinamento ou uma revelação
importante, o primeiro desejo que temos é o de também transmitir
aos nossos semelhantes aquela ciência que tanto bem nos faz. São
essas as palavras da salvação. Os que impedem este andamento na-
tural da ordem, em verdade estão, segundo o linguajar do texto, en-
chendo a medida de seus pecados, ou seja, aumentando seu endivi-
damento diante da Lei. Os que assim fazem, ou quando assim faze-
mos, estamos na realidade obstruindo o fluxo normal dos eventos uni-
versais e chamando para nós a responsabilidade de opositores do
Bem, despertando o que o redator da carta denominava de ira de
Deus, que não é outra coisa senão a Lei se impondo à criatura no
campo das reações dolorosas, porém necessárias, porque restaurado-
ras da Ordem.
Em verdade te digo que, de maneira nenhuma, sairás
dali, enquanto não pagares o último ceitil.97

NÓS, PORÉM, IRMÃOS, SENDO PRIVADOS DE VÓS POR UM MOMENTO


DE TEMPO, DE VISTA, MAS NÃO DO CORAÇÃO, TANTO MAIS
PROCURAMOS COM GRANDE DESEJO VER O VOSSO ROSTO.

Como dissemos no início destes comentários, a presença física de


Paulo junto às comunidades do Evangelho já não era possível devido
ao crescimento das mesmas e a problemas outros enfrentados por
todo aquele que se dedica ao trabalho do Bem. Porém sabia ele que
este distanciamento era questão de tempo e estava ligado à relativi-
dade deste. Eram ligados pelo laço indissolúvel do coração, pelos vín-
culos da alma, e como já somos sabedores, as questões do espírito
não se sujeitam às dimensões tempo e espaço, pois estas dizem res-
peito apenas às questões vinculadas à matéria.

97
Mateus, 5: 26

67
Paulo sabia da transitoriedade das imposições do mundo, sabia
compreender a necessidade de se passar por elas, e, superá-las, era
assim, o seu objetivo.
Por quantas vezes o mesmo não acontece conosco no encaminha-
mento de nossa vida? Quantas vezes não somos afastados daqueles a
quem somos ligados pelos laços afetivos? Saibamos compreender a
necessidade de vencermos etapas que se fazem necessárias dentro
do plano operacional da Vida… lembremos, a citação evangélica, o
justo viverá por sua fidelidade 98. Se assim fizermos, aceitando os de-
sígnios superiores, ajustando a eles a nossa liberdade, atuaremos na
faixa do espírito que como dissemos transcende tempo e espaço e
mais cedo do que poderemos supor estaremos juntos a estes queri-
dos do coração para o prazeroso trabalho do Bem.

PELO QUE BEM QUISEMOS, UMA E OUTRA VEZ, IR TER CONVOSCO,


PELO MENOS EU, PAULO, MAS SATANÁS NO-LO IMPEDIU.

Paulo informa aos seus leitores que esta distância não é por vonta-
de sua, mas além da imposição do trabalho, existem outras contrárias
à sua vontade.
Quis ele por mais de uma vez voltar aos seus amigos de Tessalôni-
ca, mas diz: Satanás no-lo impediu.
Existem no mundo dual em que vivemos duas forças opostas, a do
Bem e a do mal. Toda força contrária ao Bem que é natural na criatu-
ra em seu estado de origem, pois a nossa origem é Deus, pode ser
compreendida como satanás, diabo, ou demônio, que no Evangelho
são designadas por três palavras gregas diferentes, mas que no geral
têm o mesmo sentido, o de desunião, de caluniador de acusador, de
adversário. Do mesmo modo que quando aderimos às forças superio-
res da vida somos instrumentos de Deus, se por invigilância ou ig-
norância vincularmo-nos às propostas adversárias, da treva, seremos
instrumentos de satanás.
Neste ponto da carta Paulo refere-se por satanás, a todas as forças
contrárias ao Evangelho, que comumente eram os judeus ortodoxos e
outras vezes eram alguns dentro das próprias comunidades cristãs
nascentes que insistiam em não compreenderem a liberdade da men-
sagem de Jesus e continuavam a valorizar mais os ritos e atitudes ex-
teriores exigidos pela prática religiosa dominante.
Este mecanismo de ação de satanás como instrumento das trevas,
é muito bem descrito no Apocalipse, no capítulo 13, que citamos abai-
xo para que possamos compreender a sutileza com que os ainda ad-
versários do Bem agem em nossa vida, e o que é pior, muitas vezes
através de nós:
…E adoraram o dragão que deu à besta o seu poder; e

98
Habacuc, 2: 4, citado por Paulo em Gl, 3: 11 , Rm, 1: 17 e Hb, 10: 38.

68
adoraram a besta, dizendo: Quem é semelhante à bes-
ta? Quem poderá batalhar contra ela?
E foi-lhe dada uma boca para proferir grandes coisas e
blasfêmias; e deu-se-lhe poder para continuar por qua-
renta e dois meses.
E abriu a boca em blasfêmias contra Deus, para blasfe-
mar do seu nome, e do seu tabernáculo, e dos que ha-
bitam no céu.
E foi-lhe permitido fazer guerra aos santos e vencê-los;
e deu-se-lhe poder sobre toda tribo, e língua, e nação.
E adoraram-na todos os que habitam sobre a terra, es-
ses cujos nomes não estão escritos no livro da vida do
Cordeiro que foi morto desde a fundação do mundo.
Se alguém tem ouvidos, ouça.99

PORQUE QUAL É A NOSSA ESPERANÇA, OU GOZO, OU COROA DE


GLÓRIA? PORVENTURA, NÃO O SOIS VÓS TAMBÉM DIANTE DE NOSSO
SENHOR JESUS CRISTO EM SUA VINDA? NA VERDADE, VÓS SOIS A
NOSSA GLÓRIA E GOZO.

A esperança é uma das virtudes sempre referidas pelo apóstolo das


gentes. Faz parte do lema de Abigail, o que já comentamos 100. É ela
uma virtude ligada ao otimismo, é o que esperamos que de melhor
aconteça.
O gozo, ou alegria, é a satisfação de ver um projeto, pelo qual tra-
balhamos, realizado. Paulo se empenhava ao máximo na evangeliza-
ção das criaturas, e tinha imenso gozo ao ver os frutos do Evangelho
crescer na intimidade de cada um.
A coroa da glória representa também um momento de grande sa-
tisfação, todavia é mais profunda, pois é a bem aventurança destina-
da àquele que completou um ciclo dentro do plano evolucional. É o
descanso do sétimo dia.
Paulo estava sensivelmente feliz com os seus pupilos de Tessalôni-
ca, tinha enviado até eles Timóteo, para que este lhe trouxesse notíci-
as desta querida comunidade, e estava imensamente feliz por saber
que estes tinham se mantido fiéis ao Cristo através da obras de cari-
dade. Este era o seu gozo, a coroa da glória. Seus amigos estavam se
preparando bem para a “parusia” do Cristo.
Parusia era o termo técnico com que os cristãos desse tempo de-
signavam um novo Advento do Senhor no fim do mundo. Informa-nos
o professor Huberto Rohden que esta palavra era tomada da lingua-

99
Apocalipse, 13: 4 a 9
100
Capitulo 1º deste estudo, nos comentários do Versículo 3 do cap. 1 desta epís-
tola.

69
gem da vida civil da época, quando parusia significava a solene visita
do César a uma província ou cidade do império.101
Esse tema merece de nossa parte um comentário, mesmo que sin-
gelo, por se tratar de um dos temas desta carta que ora estudamos.
Era comum à grande parte dos cristãos primevos, a crença na volta
do Senhor. Porém, hoje, à luz da filosofia espírita é importante co-
mentarmos como isto se dará segundo a nossa ótica.
Não temos a pretensão de esgotar o assunto, nem de dar nenhuma
posição definitiva sobre o assunto, até porque não temos condições
para isso. Porém, não podemos nos ausentar de tema algum desta
importância.
Algumas traduções modernas do Novo Testamento têm, neste ver-
sículo, excluído o termo “Cristo”, ficando assim, a tradução: “na pre-
sença de nosso Senhor Jesus em sua vinda?”
Neste ponto ficamos com a versão de Almeida, que usamos, pois a
palavra Cristo aqui é essencial, pois no segundo Advento do Senhor, o
que se dará segundo temos apreendido dos estudos do texto evangé-
lico, é a volta do Cristo (em nós), e não de Jesus em um outro mo-
mento encarnatório ou numa presença apocalíptica.
O texto de João, no capítulo 14 é claro:
Jesus respondeu e disse-lhe: Se alguém me ama, guar-
dará a minha palavra, e meu Pai o amará, e viremos
para ele e faremos nele morada.
Assim, essa segunda vinda do Senhor é individual e dará em cada
um a partir do amadurecimento espiritual de cada um. Para uns,
como Francisco de Assis, ou o próprio Paulo de Tarso, este Advento já
aconteceu, para outros poderá demorar séculos ou mesmo novos mi-
lênios. Para nós, quando se dará não sabemos, a oportunidade está
aí, a nossa adesão e fidelidade a ela poderá abreviar sua chegada,
nossa recalcitrância nos valores do atraso, retardar.

101
(ROHDEN, 2005), pág. 191.

70
3

Notícias de Timóteo: Fé e Caridade em Tessalônica

Pelo que, não podendo esperar mais, de boa mente qui-


semos deixar-nos ficar sós em Atenas; e enviamos Ti-
móteo, nosso irmão, e ministro de Deus, e nosso coope-
rador no evangelho de Cristo, para vos confortar e vos
exortar acerca da vossa fé; para que ninguém se como-
va por estas tribulações; porque vós mesmos sabeis
que para isto fomos ordenados; pois, estando ainda
convosco, vos predizíamos que havíamos de ser afligi-
dos, como sucedeu, e vós o sabeis.
Portanto, não podendo eu também esperar mais, man-
dei-o saber da vossa fé, temendo que o tentador vos
tentasse, e o nosso trabalho viesse a ser inútil.
Vindo, porém, agora, Timóteo de vós para nós e trazen-
do-nos boas novas da vossa fé e caridade e de como
sempre tendes boa lembrança de nós, desejando muito
ver-nos, como nós também a vós, por esta razão, ir-
mãos, ficamos consolados acerca de vós, em toda a
nossa aflição e necessidade, pela vossa fé, porque,
agora, vivemos, se estais firmes no Senhor.
Porque, que ação de graças poderemos dar a Deus por
vós, por todo o gozo com que nos regozijamos por vos-
sa causa diante do nosso Deus, orando abundantemen-
te dia e noite, para que possamos ver o vosso rosto e
supramos o que falta à vossa fé?
Ora, o mesmo nosso Deus e Pai e nosso Senhor Jesus
Cristo encaminhem a nossa viagem para vós.
E o Senhor vos aumente e faça crescer em caridade
uns para com os outros e para com todos, como tam-
bém nós para convosco; para confortar o vosso cora-
ção, para que sejais irrepreensíveis em santidade dian-
te de nosso Deus e Pai, na vinda de nosso Senhor Jesus
Cristo, com todos os seus santos.102

PELO QUE, NÃO PODENDO ESPERAR MAIS, DE BOA MENTE QUISEMOS


DEIXAR-NOS FICAR SÓS EM ATENAS; E ENVIAMOS TIMÓTEO, NOSSO
IRMÃO, E MINISTRO DE DEUS, E NOSSO COOPERADOR NO
EVANGELHO DE CRISTO, PARA VOS CONFORTAR E VOS EXORTAR
ACERCA DA VOSSA FÉ;

102
1 Tessalonicenses, 3: 1 a 13

71
Como dissemos anteriormente esta carta data dos anos 50 ou 51
de nossa era. Paulo tinha estado em Tessalônica pelos fins do outono
de 49 após passar por Filipos. Após alguns incidentes, mais uma vez
ocasionados pela ira dos judeus contra a pregação paulina, este se vê
obrigado a deixar Tessalônica rumo à Beréia.103
Segundo a exposição de Lucas, estes, os de Beréia, foram mais
nobres do que os que estavam em Tessalônica, porque de bom grado
receberam a palavra, examinando cada dia nas Escrituras se estas
coisas eram assim.104
Porém, quando os judeus de Tessalônica souberam de como estava
sendo divulgado o Evangelho em Beréia, para lá se dirigiram com o
fim de agitarem e perturbarem os que aderiam à Boa Nova.
Então, Paulo se vê mais uma vez constrangido a partir, e os que es-
tavam com ele o levam para Atenas na Grécia.
Como sabemos pela excelente narração do autor de Atos, o apósto-
lo das gentes, também em Atenas tentou veicular a mensagem do
Cristo, porém sem nenhum sucesso, apesar de pequenas adesões.
Para o apóstolo foi um momento de grande decepção, ele esperava
mais dos conterrâneos de Platão. Preferiria ele ter sido flagelado ou
encarcerado como já acontecera em outras cidades, mas que uma
nova comunidade do Evangelho fosse fundada; não foi o que aconte-
ceu, os filósofos e sábios em seu orgulho não quiseram saber do Cris-
to, mostrando-nos mais uma vez que a ciência e a arte se dissociada
de seu objetivo maior que é conectar a criatura ao seu Criador, pouco
podem realizar; nem epicureus, nem estóicos necessitavam de reden-
ção.
É a este momento que o missivista se refere neste versículo quan-
do então envia Timóteo a Tessalônica; este, a quem tinha por irmão e
servidor de Deus, vai com o objetivo de fortalecê-los na fé e nas tribu-
lações advindas daquela atitude de conversão ao Bem.

…PARA QUE NINGUÉM SE COMOVA POR ESTAS TRIBULAÇÕES; POR-


QUE VÓS MESMOS SABEIS QUE PARA ISTO FOMOS ORDENADOS;
POIS, ESTANDO AINDA CONVOSCO, VOS PREDIZÍAMOS QUE HAVÍAMOS
DE SER AFLIGIDOS, COMO SUCEDEU, E VÓS O SABEIS.

Há no mundo materializado e hedonista em que vivemos uma su-


pervalorização das questões transitórias e fugazes em detrimento da
perenidade das conquistas espirituais e morais. Quando já saturados
da ilusão e das decepções causadas por esta tomamos uma atitude
de mudança e inversão dos antigos costumes, não somos por nossos
antigos comparsas compreendidos, e estes, ou outros que ainda culti-
vam os prazeres fáceis, tendem num primeiro instante a fazer oposi-
103
Cf. Atos, cap. 17
104
Atos, 17: 11

72
ção às nossas conquistas até mesmo trazendo-nos transtornos de difí-
cil solução.
Sempre foi assim, e com os primeiros discípulos do Evangelho não
foi diferente, o próprio Cristo dissera a Ananias a respeito daquele
que era o seu vaso escolhido, …eu lhe mostrarei quanto deve pade-
cer pelo meu nome105.
Deste modo, Paulo sabia o que esperar todo aquele que invertesse
os valores do mundo, e como bom educador que era não deixava de
colocar a seus educandos a ciência do que advém quando se assume
a responsabilidade da autoiluminação.
Assim, orienta, que ninguém se comova por estas tribulações, pois
não são estas, mais do que testes, com o fim de aferir o aluno se
pronto está para a promoção a serviços mais nobres.
Paulo tinha perfeita consciência de sua missão e que o convite do
Senhor para aquele que adere com espontaneidade é uma ordem a
ser prazerosamente cumprida, para isto fomos ordenados, disse a
seus leitores, e mais, vos predizíamos que havíamos de ser afligidos,
conforme expusemos anteriormente. É a educação preventiva e sem
melindres. Tudo isso sucedeu, e muito mais, como todos os que nos
interessamos por estas coisas, sabemos.

PORTANTO, NÃO PODENDO EU TAMBÉM ESPERAR MAIS, MANDEI-O


SABER DA VOSSA FÉ, TEMENDO QUE O TENTADOR VOS TENTASSE, E
O NOSSO TRABALHO VIESSE A SER INÚTIL.

Como dissemos Paulo estava decepcionado com o que acontecera


em Atenas, e ele tinha imenso apreço por comunidades como as de
Filipos e Tessalônica que cultivavam a fé em sua simplicidade. Daí
seu receio que alguma impureza pudesse conspurcar estes redutos
onde o Cristo nascia de forma desejável. É aquele cuidado que tem o
bom jardineiro com suas plantas ainda incipientes.
Deste modo, estava ansioso por saber como comportavam os neófi-
tos de Tessalônica; saber de vossa fé, já que para ele a fé se manifes-
ta nas obras de transformação do ser em nova criatura.
…temendo que o tentador vos tentasse, tentador aqui é o sa-
tanás já citado e comentado (1Ts, 2:18), ou seja, os judeus, que em
tudo buscavam prejudicar a disseminação da Boa Nova.
É o mesmo cuidado que temos de ter com o trabalho atual de divul-
gação da Doutrina e do Evangelho. Existem hoje outros tipos de “ten-
tadores” encarnados e desencarnados, que insatisfeitos com o traba-
lho de disseminação do Bem entre nós buscam de toda maneira, e às
vezes de forma bastante sutil, prejudicar o andamento do trabalho e
a nossa queda em posições ligadas ao comodismo e à retaguarda.

105
Atos, 9: 16

73
Portanto, estejamos atentos para que o trabalho daqueles que em
todos os tempos se dedicaram ao serviço em nome de Deus, e até
mesmo as nossas conquistas, mesmo que pequenas, não venham a
ser inúteis.

VINDO, PORÉM, AGORA, TIMÓTEO DE VÓS PARA NÓS E TRAZENDO-


NOS BOAS NOVAS DA VOSSA FÉ E CARIDADE E DE COMO SEMPRE
TENDES BOA LEMBRANÇA DE NÓS, DESEJANDO MUITO VER-NOS,
COMO NÓS TAMBÉM A VÓS…

Timóteo chegara a Corinto e trazia boas notícias segundo depreen-


demos das anotações do missivista.
Quando Emmanuel informa o porquê de Paulo ter redigido esta car-
ta ele coloca que as notícias trazidas pelos portadores de Tessalônica
eram desagradabilíssimas, os judeus haviam, segundo suas coloca-
ções, conseguido despertar, na igreja, novas e estranhas dúvidas e
contendas.106
Numa leitura rápida desta carta podemos a princípio pensar que há
aqui uma contradição, pois Paulo mostra-se satisfeito com as notícias.
Notemos que Emmanuel informa-nos que Timóteo corroborava com
observações pessoais.
Analisemos…
É bem provável que tenha acontecido o que narra Emmanuel, e
que os tessalonicenses reclamassem a presença de Paulo para aju-
dá-los; o próprio texto da carta diz: desejando muito ver-nos. Não po-
demos supor que os judeus dessem trégua aos seguidores do Nazare-
no; as observações pessoais de Timóteo a que Emmanuel se refere,
devem ser que apesar das contendas, e de que em alguns pudessem
ter despertado estranhas dúvidas, na maioria a fé prevaleceu e as ob-
ras de caridade não foram afetadas.
Porque o que Paulo ressalta é a firmeza dos neófitos em manter-se
fiéis ao Cristo durante as tribulações. O nosso pensamento é confir-
mado pelo destaque que Paulo dá à fé dos seguidores de Tessalônica,
pois como ser testado na fé, senão nos momentos adversos? Quando
tudo vai bem, quando estamos plenamente satisfeitos e sem proble-
mas, não é aí que nossa fé está se manifestando, mas justamente nos
momentos opostos. Além de tudo Paulo mostra-nos que valorizar o
que é bom e ser otimista, é um ótimo recurso educativo. Sua psicolo-
gia mostra mais uma vez ser eficaz. Ele inicia levantando o moral de
seus leitores, para depois, sutilmente alertá-los para pontos em que
estes correm perigo de queda.
Portanto, Emmanuel, novamente mostra-se coerente com os textos
evangélicos, fazendo-nos ver quão importante é a sua exegese neo-

106
Cf. (XAVIER / Emmanuel, 2004), pág. 529

74
testamentária no sentido de nos mostrar a interpretação mais coeren-
te com vistas ao nosso processo reeducativo.
Outros pontos que poderiam ter sido relatados por Timóteo e que
preocuparam o apóstolo, são referencias feitas pelo primeiro a ten-
dências para a luxúria, para a deslealdade, entre outras, cultivadas
pelos gentios e que ainda não tinham sido totalmente extirpadas de
seus hábitos; e ainda, uma notícia falsa que se espalhara entre eles
sobre um próximo fim do mundo. Porém, quanto a isto trataremos
mais tarde quando da análise dos versículos referentes.

POR ESTA RAZÃO, IRMÃOS, FICAMOS CONSOLADOS ACERCA DE VÓS,


EM TODA A NOSSA AFLIÇÃO E NECESSIDADE, PELA VOSSA FÉ,
PORQUE, AGORA, VIVEMOS, SE ESTAIS FIRMES NO SENHOR.

Estes versículos mostram-nos a satisfação de Paulo com o compor-


tamento de seus novos seguidores, mostra até mesmo o quanto ele
ficava ansioso, na expectativa de que todos se saíssem bem diante
das provas promovidas pela Vida com o objetivo de fixarem em cada
um o conteúdo moral das experiências.
Sabia ele que as dificuldades eram necessárias, porém, se estives-
sem ajustados aos Desígnios Superiores tudo passaria trazendo efeti-
vos ganhos a todos, individualmente.
Esse era também o sentimento de seu Mestre sobre seus discípu-
los, os quais Ele tanto amava:
Não peço que os tire do mundo, mas que os livres do
mal.107
Esta é a mesma preocupação que têm conosco os nossos guias e
mentores espirituais, não se afligem pelas angústias e dores necessá-
rias por que passamos com vistas ao nosso crescimento espiritual; o
que importa para eles, e que trazem momentos de grande satisfação,
é quando por tudo passamos estando fiéis à programação feita na es-
piritualidade antes de nossa experiência encarnatória atual; pois há
necessidade de todos sermos avaliados em nossas conquistas. A
grande tristeza destes e de todos os que nos querem bem, se dá
quando entramos em queda espiritual, mesmo que momentaneamen-
te estejamos felizes e de bem com a vida, já que têm nossos verda-
deiros amigos uma visão de maior profundidade onde o que conta é a
nossa caminhada nos terrenos do espírito.
A última frase do último versículo mostra-nos o quanto é sincera a
dedicação de Paulo, e o mesmo podemos dizer dos espíritos amigos
que nos orientam, ensinando-nos assim, o quanto devemos de dedi-
cação àqueles a quem nos é permitido a alegria de orientarmos:
…agora, vivemos, se estais firmes no Senhor.

107
João, 17: 15

75
PORQUE, QUE AÇÃO DE GRAÇAS PODEREMOS DAR A DEUS POR VÓS,
POR TODO O GOZO COM QUE NOS REGOZIJAMOS POR VOSSA CAUSA
DIANTE DO NOSSO DEUS, ORANDO ABUNDANTEMENTE DIA E NOITE,
PARA QUE POSSAMOS VER O VOSSO ROSTO E SUPRAMOS O QUE
FALTA À VOSSA FÉ?

Muitos estudiosos dos textos evangélicos têm em Paulo um exage-


rado em suas manifestações de sentimento àqueles que ele iniciava
na doutrina cristã.
É certo que ele às vezes repete os mesmos ensinamentos, porém
fazia ele isso de forma consciente conforme depreendemos de seus
próprios textos:
Resta, irmãos meus, que vos regozijeis no Senhor. Não
me aborreço de escrever-vos as mesmas coisas, e é se-
gurança para vós.108
O que Paulo tinha era um imenso amor pelo que fazia, e tinha ele
uma enorme capacidade de doação e entrega aos seus afazeres, de
tal forma, que dava a própria alma, se preciso fosse, para atingir seus
objetivos de disseminação da Boa Nova. Ele compreendeu a essência
da mensagem de Jesus e sabia ser o Cristo aquela pérola de grande
valor do qual nos noticia o autor do primeiro evangelho:
Outrossim, o Reino dos céus é semelhante ao homem
negociante que busca boas pérolas; e, encontrando
uma pérola de grande valor, foi, vendeu tudo quanto ti-
nha e comprou-a.109
Ele não economizava na oração, pois sabia ser esta um poderoso
instrumento de fortalecimento da criatura no caminho do Bem, e de
conexão com o Criador; assim, orava abundantemente, dia e noite,
pois sabia que grande era a sua necessidade de ajudar ainda mais os
que iniciavam na fé cristã. Tinha plena consciência de que o amadu-
recimento desta fé só aconteceria após os necessários testemunhos
que se dariam no decorrer dos dias, através dos quais seria necessá-
rio muita determinação e fidelidade às propostas do Meigo Rabi Gali-
leu.
Por isso ele repetia tanto, para que todos soubessem que era assim
que ele supriria o que faltava à fé de cada um. É que está nasce dócil
com uma planta tenra no início de sua germinação, mas é preciso que
se faça forte, inabalável, capaz de encarar a razão e a má intenção
daqueles que não compreendem o valor das questões imortais do es-
pírito, em todas as épocas da Humanidade.

ORA, O MESMO NOSSO DEUS E PAI E NOSSO SENHOR JESUS CRISTO


ENCAMINHEM A NOSSA VIAGEM PARA VÓS.

108
Filipenses, 3: 1
109
Mateus, 13: 45 e 46

76
Temos aqui a segurança daquele que tem na fé, não o ato de sim-
plesmente crer, mas acima de tudo de saber; saber e ver a atuação
da Providência nas circunstâncias que nos ocorrem dia a dia.
Paulo queria muito, queria de coração, estar com os tessalonicen-
ses mais uma vez; porém, tinha entregado seu destino ao Cristo, Ele
é que dirigia, portanto, deixava que Deus, que é Pai, e o Senhor Jesus
Cristo que é o maior refletor da luz divina que conhecemos, encami-
nhassem seus passos do modo como fosse melhor.
Queridos irmãos, no dia em que assim fizermos, ou seja, que assim
realizarmos, fazendo o melhor, o que for da nossa parte para realiza-
ção de nossos objetivos, mas que acima de tudo entregarmos a reali-
zação destes a Deus e ao Cristo, não mais teremos qualquer tipo de
contratempo ou insatisfação, pois estes que criaram nossa imensa
Casa Planetária têm também o poder dirigir e bem a nossa vida, se a
eles nos ajustarmos com toda a nossa alma, confiando no melhor.
Não é uma entrega por comodismo, mas por consciência; é uma li-
berdade-adesão a propostas maiores, por isso mesmo mais realizado-
ras de acordo com as forças cósmicas que dirigem a Vida num plano
maior ao que nos situamos.

E O SENHOR VOS AUMENTE E FAÇA CRESCER EM CARIDADE UNS


PARA COM OS OUTROS E PARA COM TODOS, COMO TAMBÉM NÓS
PARA CONVOSCO…

Se assim o fizermos, o Senhor, que se manifesta também através


da própria Lei que rege todos os eventos Universais aumenta sempre
a nossa satisfação e a nossa possibilidade de estar integrado na Uni-
dade do Universo. Porém, é preciso, como já dissemos, a nossa ade-
são a esta proposta da Vida, de cooperação, de compartilhar, expres-
sa no Novo Mandamento de Jesus que nos orienta a amar uns aos ou-
tros como Ele nos amou. É o que Paulo diz aqui, caridade uns para
com os outros e para com todos. Isto é, nos mínimos detalhes da
vida, e não só na ação, mas principalmente na reação, nos relaciona-
mentos, mesmo quando estes não forem exatamente como deseja-
mos que fossem.
Entender esta proposta de caridade que tanto nos fala o convertido
de Damasco é para nós um grande desafio devido a sutileza da pro-
posta. Caridade, ou amor, do grego, ágape, é literalmente o mais
puro amor, representa a síntese de todas as qualidades da alma. É,
conforme Kardec, a senda única da salvação110, ou ainda conforme o
próprio Paulo, a mais excelente das virtudes111, pois significa despren-
dimento total, sacrifício pessoal em favor dos outros, e não só daque-
les que conhecemos, a quem admiramos, mas de todos, mesmo da-
queles a quem não conhecemos ou que nos calunia e nos persegue.
110
(KARDEC, 1991), cap. XV, item 5
111
Cf. 1Coríntios, 13: 13

77
Pois, se amardes os que vos amam, que galardão te-
reis? Não fazem os publicanos também o mesmo?
E, se saudardes unicamente os vossos irmãos, que fa-
zeis de mais? Não fazem os publicanos também assim?
112

PARA CONFORTAR O VOSSO CORAÇÃO, PARA QUE SEJAIS IRRE-


PREENSÍVEIS EM SANTIDADE DIANTE DE NOSSO DEUS E PAI, NA
VINDA DE NOSSO SENHOR JESUS CRISTO, COM TODOS OS SEUS
SANTOS.

Neste fim de capítulo Paulo começa a preparar o terreno íntimo de


seus leitores para o assunto que irá tratar no próximo tópico da carta,
que são as advertências morais.
Anteriormente disse ele que preciso era suprir o que faltava à fé
dos cristãos de Tessalônica. Mostrou depois que isto se daria pela vi-
vência da caridade uns para com os outros e para com todos. Seguin-
do estes passos dentro do encaminhamento evolucional, faz-nos ver
que assim nos tornamos irrepreensíveis em santidade, isto é, perfei-
tos, como é perfeito o vosso Pai, que está nos céus,segundo a orien-
tação de Jesus113, e que é a meta da evolução para todos. Paulo sabia
disso e por isso insistia tanto para que assim fizessem todos aqueles
a quem ele amava; e por ter a intuição espiritual de sua missão, aten-
deu ao chamado do Cristo escrevendo estas cartas, para que pudes-
sem suas instruções servirem para todos os seguidores do Nazareno,
e todas as épocas.
Quando alcançamos esta compreensão diante de Deus nosso Pai,
nos autorealizamos, confortamos o nosso coração, e nos preparamos
de modo consciente para a vinda do Cristo, que se dará, como disse-
mos, pela nossa espiritualização e nas virtudes por nós conquistadas.
E Paulo ainda acrescenta: com todos os seus santos, isto é, não só re-
presentando a coorte dos espíritos já purificados na senda da virtude,
como também a nossa conquista dos valores que nos farão angeli-
cais.

112
Mateus, 5: 46 e 47
113
Idem, versículo 48

78
4

Advertências Morais

Finalmente, irmãos, vos rogamos e exortamos no Se-


nhor Jesus que, assim como recebestes de nós, de que
maneira convém andar e agradar a Deus, assim andai,
para que continueis a progredir cada vez mais; porque
vós bem sabeis que mandamentos vos temos dado
pelo Senhor Jesus.
Porque esta é a vontade de Deus, a vossa santificação:
que vos abstenhais da prostituição, que cada um de
vós saiba possuir o seu vaso em santificação e honra,
não na paixão de concupiscência, como os gentios, que
não conhecem a Deus.
Ninguém oprima ou engane a seu irmão em negócio al-
gum, porque o Senhor é vingador de todas estas coisas,
como também, antes, vo-lo dissemos e testificamos.
Porque não nos chamou Deus para a imundícia, mas
para a santificação.
Portanto, quem despreza isto não despreza ao homem,
mas, sim, a Deus, que nos deu também o seu Espírito
Santo.
Quanto, porém, ao amor fraternal, não necessitais de
que vos escreva, visto que vós mesmos estais instruí-
dos por Deus que vos ameis uns aos outros; porque
também já assim o fazeis para com todos os irmãos
que estão por toda a Macedônia. Exortamo-vos, porém,
a que ainda nisto continueis a progredir cada vez mais,
e procureis viver quietos, e tratar dos vossos próprios
negócios, e trabalhar com vossas próprias mãos, como
já vo-lo temos mandado; para que andeis honestamen-
te para com os que estão de fora e não necessiteis de
coisa alguma.
Não quero, porém, irmãos, que sejais ignorantes acerca
dos que já dormem, para que não vos entristeçais,
como os demais, que não têm esperança.
Porque, se cremos que Jesus morreu e ressuscitou, as-
sim também aos que em Jesus dormem Deus os tornará
a trazer com ele.
Dizemo-vos, pois, isto pela palavra do Senhor: que nós,
os que ficarmos vivos para a vinda do Senhor, não pre-
cederemos os que dormem.
Porque o mesmo Senhor descerá do céu com alarido, e
com voz de arcanjo, e com a trombeta de Deus; e os

79
que morreram em Cristo ressuscitarão primeiro; depois,
nós, os que ficarmos vivos, seremos arrebatados junta-
mente com eles nas nuvens, a encontrar o Senhor nos
ares, e assim estaremos sempre com o Senhor.
Portanto, consolai-vos uns aos outros com estas pala-
vras.114

FINALMENTE, IRMÃOS, VOS ROGAMOS E EXORTAMOS NO SENHOR JE-


SUS QUE, ASSIM COMO RECEBESTES DE NÓS, DE QUE MANEIRA
CONVÉM ANDAR E AGRADAR A DEUS, ASSIM ANDAI, PARA QUE
CONTINUEIS A PROGREDIR CADA VEZ MAIS; PORQUE VÓS BEM
SABEIS QUE MANDAMENTOS VOS TEMOS DADO PELO SENHOR JESUS.

Paulo fazia questão sempre de mostrar que tudo o que realizava,


aqui, rogamos e exortamos, era em nome de Jesus, quem ele sabia
ser o Cristo. Portanto, seus feitos jamais tiveram um caráter persona-
lista, sabia ele ser simplesmente instrumento de uma revelação, e
procurava, deste modo, ser o mais fiel possível.
Assim, passava aos seus diletos companheiros todo um modo de
proceder com o objetivo de torná-los melhores diante da vida. Este
trecho que ora iniciamos os comentários, o capítulo quarto desta epís-
tola, é, em verdade, um valioso manual de conduta moral com vistas
ao nosso necessário processo de autoiluminação.
Assim andais, escreve ele, para que continueis a progredir cada
vez mais. Já tinham os neófitos de Tessalônica adquirido algum dis-
cernimento quanto à conduta, e assim procediam; todavia era neces-
sário progredir cada vez mais, é que a evolução é contínua e a pro-
posta do Evangelho é sempre dinâmica, após uma conquista, realizar
outra; a Seara do Cristo é enorme e os horizontes se abrem sempre
que caminhamos em direção ao Eterno.
O mesmo se dá hoje com cada um de nós. Já possuímos nossas
conquistas morais, porém não podemos estacionar, é imperioso cami-
nhar realizando em nós, cada vez mais, a proposta de cooperação
que nos dignificará na esfera do espírito. Esse é o mecanismo e a lei
da Vida; do átomo ao arcanjo tudo obedece a este princípio: “para
frente e para o alto.”
O apóstolo ainda alerta com a seguinte consideração: …porque vós
bem sabeis que mandamentos vos temos dado pelo Senhor Jesus, ou
seja, já eram todos conscientes, ele, Paulo, já tinha passado em suas
vidas e despertado a semente crística em cada um deles, a partir de
agora, era necessário que se transformassem em “nova criatura” de
acordo com o que já conheciam.
Lembremos neste instante da consideração do próprio Jesus:
Se eu não viera, nem lhes houvera falado, não teriam

114
1 Tessalonicenses, 4: 1 a 18

80
pecado, mas, agora, não têm desculpa do seu pecado.
115

Pensemos um pouco mais, não é o mesmo que se dá conosco hoje?


Deste modo, a exortação de Paulo serve para todos nós, como para
todos que elegeram a evolução através da ética do espírito em qual-
quer época da humanidade.

PORQUE ESTA É A VONTADE DE DEUS, A VOSSA SANTIFICAÇÃO: QUE


VOS ABSTENHAIS DA PROSTITUIÇÃO…

É preciso que façamos uma distinção entre o que seja a vontade de


Deus, e a permissão de Deus.
Muitas vezes dizemos que realizamos algo com a permissão de
Deus, por isto o que fazemos é lícito. Ouçamos o apóstolo, todas as
coisas me são lícitas, mas nem todas as coisas convêm; todas as coi-
sas me são lícitas, mas nem todas as coisas edificam.116
Sim, uma das prerrogativas do Espírito é a liberdade, temos livre
arbítrio; se optamos por um caminho Deus permite que assim se faça,
todavia dentro deste quadro nem sempre seguimos a vontade de
Deus, pois a vontade de Deus é a Lei de Deus e esta induz-nos sem-
pre para o melhor, para a evolução, ou conforme o dizer do autor des-
ta carta, para a santificação.
Assim sendo, se quisermos caminhar dentro da Lei de Deus e evi-
tarmos conseqüências desagradáveis, tenhamos uma conduta basea-
da em alguns princípios.
Abstenhais da prostituição…, o termo grego porneia é traduzido por
Almeida por prostituição; outros o traduzem por fornicação. Pensamos
que traduzir neste versículo porneia por prostituição é um pouco in-
completo, pois prostituição refere-se ao comércio habitual ou profissi-
onal do amor sexual117; o que Paulo pede para que se abstenha não é
só a prostituição, mas qualquer atividade sexual sem compromisso ou
responsabilidade. Em Gálatas, 5: 19 a 21 e em Marcos 7: 21 temos
por dois evangelistas distintos a relação de algumas ações indesejá-
veis para aquele que preocupa-se com a sua evolução espiritual. Con-
firamos, e meditemos a respeito, pois Paulo é claro:
…os que cometem tais coisas não herdarão o Reino de
Deus.118

…QUE CADA UM DE VÓS SAIBA POSSUIR O SEU VASO EM SANTIFICA-


ÇÃO E HONRA…
115
João, 15:22
116
I Coríntios, 10: 23
117
Cf. HOUAISS, Antônio. Dicionário Eletrônico da Língua Portuguesa, Versão 1.0
Ed. Objetiva 2001
118
Gálatas, 5: 21

81
Como dissemos, estes versículos representam um verdadeiro ma-
nual de conduta para aquele que deseja transformar-se pelo progres-
so espiritual. O evangelista continua…
…que cada um de vós saiba possuir o seu vaso em santificação e
honra…
Vaso representando o nosso corpo físico e a responsabilidade que
temos para com ele. Já àquele tempo o apóstolo preocupava com a
atividade sexual que fosse contrária aos princípios morais que regem
as relações das criaturas. Estas atividades geram, não poucas vezes,
complicações físicas que podem comprometer a qualidade de vida
dos envolvidos. Hoje, com as pesquisas científicas já mais avançadas,
e unindo-se questões de espiritualidade, é comprovado que não é só
com a transmissão de doenças que devemos nos preocupar nestes
casos, mas também com a influência psíquica e espiritual, que ligadas
a sentimentos inferiores das criaturas, e processos recorrentes no
campo da culpa, podem ser fatores desencadeadores não só destas
enfermidades já citadas, mas de muitas outras, e até piores, que po-
dem influenciar negativamente a criatura não só nos dias de hoje,
mas em várias experiências reencarnatórias. Por isso tenhamos aten-
ção com o que desejamos e semeamos, pois a colheita do amanhã
estará sendo definida de forma determinista a partir do que realiza-
mos hoje.
Assim, que cada um de nós saiba cuidar do seu vaso físico em san-
tificação e honra, isto é, vinculado a propostas superiores de conduta
em bases de uma moral elevada.

…NÃO NA PAIXÃO DE CONCUPISCÊNCIA, COMO OS GENTIOS, QUE


NÃO CONHECEM A DEUS.

Concupiscência é o desejo intenso de bens ou gozos materiais; é o


desejo da vida hedonista onde o culto ao prazer é o princípio da vida
moral. Estes que assim agem, têm da vida uma visão puramente
transitória, onde só o agora existe, não têm o menor compromisso
com a ética pois o que vale é só a sua satisfação; tudo que obstaculi-
za esta deve ser eliminado a qualquer preço. Esta é a conseqüência
do materialismo e do desconhecimento de Deus como sempre pre-
sente em todos os eventos universais a geri-los com Sabedoria imar-
cescível.
Notemos que muitos destes leitores de Paulo eram considerados
gentios pelos judeus, porém, por gentios aqui Paulo refere a estes
que não tinham a menor preocupação com o futuro espiritual, os seus
seguidores já tinham conhecido o Cristo, e isto já fazia toda diferença.

NINGUÉM OPRIMA OU ENGANE A SEU IRMÃO EM NEGÓCIO ALGUM,


PORQUE O SENHOR É VINGADOR DE TODAS ESTAS COISAS, COMO
TAMBÉM, ANTES, VO-LO DISSEMOS E TESTIFICAMOS.

82
Estes versículos escritos praticamente há dois mil anos atrás são de
uma atualidade impressionante, podemos estudá-los como se fossem
escritos ontem e por um cientista qualquer que estudasse o compor-
tamento humano e suas relações com o mundo em que vivemos.
Ninguém oprima…; o texto é claro e desmereceria comentários, to-
davia é bom salientar alguns aspectos. Ninguém quer dizer nenhuma
pessoa; ninguém possui autoridade moral para qualquer tipo de cons-
trangimento, quando isto ocorre é a lei de amor que está sendo der-
rogada. Quando assim fazemos em algum momento vamos ter de
restabelecê-la. Ou engane a seu irmão em negócio algum; enganar é
induzir ao erro, é iludir, é trair. Estas são atitudes que não podem fa-
zer parte do dicionário prático do cristão. É muito comum nos dias
atuais dissociarmos nosso comportamento religioso daquele que pra-
ticamos no dia a dia em nosso trabalho, na família, ou nas relações
naturais com as pessoas. Temos assim, um comportamento no tem-
plo que escolhemos para cultivar nossa religiosidade e outro diante
da sociedade de um modo geral. E chegamos a dizer muitas vezes
sobre o nosso trabalho material:
“-isso aqui não é casa de caridade”
Sim, não é casa de caridade, mas o comportamento daquele que se
diz seguidor do Cristo em qualquer ambiente deve pautar por uma
conduta ética e moral em que o ato de enganar, ou de iludir as pesso-
as não pode acontecer jamais. A práxis espírita-cristã não pode de
modo algum ser uma entre os afins de fé, e outra diante da socieda-
de. Todos somos irmãos, é a lição do Cristo, assim, devemos fazer a
cada um como se a Deus fizéssemos. Essa é a grande mensagem do
Evangelho, fazer a cada um o que desejamos que cada um para co-
nosco faça, independente de onde estejamos, no templo ou na rua.
Para completar a lição o apóstolo usa uma expressão forte para
que todos compreendam, é que, com espíritos ainda vinculados aos
processos escravizadores do mundo, a linguagem tem que obedecer
a determinados padrões para que possa ser fixada na consciência,
porque o Senhor é vingador de todas estas coisas; não que Deus seja
um carrasco ou que use da vingança para com os Seus filhos, não é
isso; a expressão é uma figura de linguagem, forte, como dissemos
ser necessária em determinados casos, é como em outros momentos
que ele fala da ira de Deus. Paulo mostra aqui que há na Lei do Se-
nhor um mecanismo capaz de retificar todas as injustiças, e como
aquele que causou injustiça gerou danos ao injustiçado, é natural que
na retificação o causador passe por constrangimentos capazes de re-
direcionar o fluxo da ação para o caminho correto de onde fora desvi-
ado. Em síntese, passaremos todos pelos sentimentos que tivermos
feito os outros passarem.
Tudo isso já fora dito e testificado por ele próprio, por isso falava
com tamanha autoridade, por isto suas cartas têm a atualidade que
têm, vencendo assim a dimensão tempo em todas as suas prerrogati-
vas.

83
PORQUE NÃO NOS CHAMOU DEUS PARA A IMUNDÍCIA, MAS PARA A
SANTIFICAÇÃO.

Paulo, conforme já dissemos anteriormente, tinha perfeita consci-


ência de sua missão; sabia ter sido por Deus chamado. Todos somos,
cada qual no seu lugar.
Imundícia é palavra que expressa sujidade, sujeira, representando
nesse passo um comportamento desajustado com os desígnios supe-
riores; não fomos chamados para imundícia como nos faz ver o ex-
discípulo de Gamaliel, mas para a santificação, como ele mesmo já
dissera. É que a Lei de Deus tem para nós, não cansamos de repetir,
pois é necessário, um projeto, e este projeto é o de santificação, de
evolução, de ajustamento a Deus.

PORTANTO, QUEM DESPREZA ISTO NÃO DESPREZA AO HOMEM, MAS,


SIM, A DEUS, QUE NOS DEU TAMBÉM O SEU ESPÍRITO SANTO.

Aqui somos levados à conscientização da gravidade que é descum-


prirmos os desígnios divinos em nossas relações, pois não é aos ho-
mens que estamos desprezando ou enganando, mas a Deus. Como
Deus em Sua onipotência não pode ser enganado, estamos enganan-
do ao Deus imanente em nós, ou seja, a nós mesmos; estamos train-
do aos nossos próprios objetivos. Para dar o tom correto da gravidade
do assunto, podemos dizer que estamos nos suicidando espiritual-
mente, pois exterminando em nós mesmos a faculdade divina.
O Espírito Santo dado por Deus a nós é o dom do espírito, ou seja, a
consciência que representa Deus em nós, ou como no dizer dos Espí-
ritos a Kardec, o lugar onde está gravada a Lei de Deus.
Quando desprezamos isto, estamos agindo contra a consciência,
contra o Espírito Santo que há em nós. Esse é o significado de peca-
do, agir contra a consciência profunda, e quando isso se dá gera-se a
culpa que exige de nós, dores, para que seja restabelecida a ordem.
E, se qualquer disser alguma palavra contra o Filho do
Homem, ser-lhe-á perdoado, mas, se alguém falar con-
tra o Espírito Santo, não lhe será perdoado, nem neste
século nem no futuro.119

QUANTO, PORÉM, AO AMOR FRATERNAL, NÃO NECESSITAIS DE QUE


VOS ESCREVA, VISTO QUE VÓS MESMOS ESTAIS INSTRUÍDOS POR
DEUS QUE VOS AMEIS UNS AOS OUTROS…

O amor é o tema básico do Novo Testamento, porém, nos dias em


que vivemos seu significado já vulgarizou a tal ponto, que muitos o

119
Mateus 12:32

84
confundem com sentimentos puramente ligados à sensualidade e às
questões materialistas.
Paulo aqui fala em amor fraternal, que é aquele onde não vigora o
interesse pessoal, mas aquele em que há carinho, afeto, cordialidade.
É o cultivo da relação plenamente ajustada ao servir desinteressada-
mente.
Nesta carta ele não aprofunda o tema, o que fará depois na 1 a epís-
tola aos Coríntios; mas dizendo que não necessita escrever agora
sobre o assunto, não deixa de salientar a importância deste sentimen-
to, pois trata-se do diferencial do Cristão. É a didática do apóstolo fa-
lando mais alto.
Vós mesmos estais instruídos por Deus; Paulo se refere ao Novo
Mandamento de Jesus que ficou para a história graças à inspiração do
discípulo amado, em João, 13: 34. 120 Muitos aqui podem fazer confu-
são e achar que Paulo pensava que Jesus e Deus fossem a mesma
pessoa, pois diz o apóstolo que os cristãos estavam instruídos por
Deus, quando foi Jesus quem imortalizou este mandamento. Ora, Pau-
lo tinha perfeita consciência, e dá mostras disto em suas cartas, de
que a identidade de Deus e de Jesus eram distintas. É que ele sabia,
que Jesus, como perfeito instrumento do Criador, agia a serviço Des-
te, e que quando ele – Jesus - falava em Novo Mandamento, ele ex-
pressava uma Lei em nome Daquele que carinhosamente nos revelou
como Pai. Ou seja, Jesus nos instruía, nos educava, a serviço de Deus,
por ordem Dele. Isso foi Ele mesmo, Jesus, quem nos disse:
Mas é para que o mundo saiba que eu amo o Pai e que
faço como o Pai me mandou121.
Que vos ameis uns aos outros, essa é a máxima de Jesus; se para
os fariseus Ele resumiu toda a Torá em dois mandamentos (cf. Mt, 22:
40), para aqueles que já tinham condição de entendê-lo melhor, disse
que o Seu mandamento era que amássemos uns aos outros como Ele
nos amou, e que Seus discípulos seriam reconhecidos por muito se
amarem. (cf. Jo., 13: 35).
Alguns estudiosos têm dito ser o Evangelho de João anterior a esta
epístola, pois, dizem estes, que, para que Paulo se referisse ao Novo
Mandamento seria necessário que os textos de João já circulassem
entre os cristãos. Nós particularmente não vemos necessidade disto,
pois os discípulos eram amigos entre si, e o ensinamento do Cristo se
multiplicava por via oral, assim, não era preciso que João já tivesse
escritos seus textos, mas que simplesmente ensinasse se referindo a
esta máxima, de forma oral. Este nosso pensamento não descarta, no
entanto, que João, ou qualquer outro evangelista, já há esse tempo,
pudesse estar preparando seus textos definitivos e que entre as lide-
ranças já circulassem alguns manuscritos. Todavia, sabemos que os

120
“Um novo mandamento vos dou: Que vos ameis uns aos outros; como eu vos
amei a vós, que também vós uns aos outros vos ameis.”
121
João, 14: 31

85
textos definitivos, e há indicações disto, só ganharam sua forma com-
pleta mais tarde, no caso de João, nos fins do primeiro século de nos-
sa era, ou até mesmo, no início do segundo.

PORQUE TAMBÉM JÁ ASSIM O FAZEIS PARA COM TODOS OS IRMÃOS


QUE ESTÃO POR TODA A MACEDÔNIA. EXORTAMO-VOS, PORÉM, A
QUE AINDA NISTO CONTINUEIS A PROGREDIR CADA VEZ MAIS…

O Evangelho é um material rico de conteúdo transformador. Quan-


do nos propomos a estudá-lo devemos nos despir de qualquer propó-
sito místico ou dogmático, entretanto, não podemos preterir sua pro-
posta reeducativa.
Paulo mostra-nos neste ponto, mais uma vez, a sua satisfação com
os neófitos de Tessalônica; eram eles praticantes das lições do Mestre
com todos os irmãos da Macedônia, todavia os alerta, a que ainda
nisto continueis a progredir cada vez mais…
O objetivo evolucional é a perfeição como é perfeito o vosso Pai,
que está nos céus.122. Deste modo, não podemos abrir mão do desafio
de prosseguir caminhando sempre, nos aperfeiçoando cada vez mais,
mesmo naquilo que já alcançamos de melhor. O comodismo não pode
ser em hipótese alguma uma prática daquele que deseja fazer de Je-
sus seu “guia e modelo”.
O amor é um dom divino, é o perfume do Criador em cada um, to-
davia, para que possa ganhar força em nós é preciso que seja cultiva-
do dia a dia, minuto a minuto, com vigilância e determinação; por isto
estes mensageiros do Alto, como Paulo era, não cansam de exortar-
nos a permanecermos fiéis e incansáveis em sua vivência, cada vez
mais.
E isto tem que se dar, por toda a Macedônia, ou seja, onde Deus,
que é Pai, nos colocou para realizarmos a necessária tarefa da promo-
ção espiritual.
Entendemos que Macedônia, aqui, representa o campo operacional
daquele que já despertou para a necessidade de autoiluminação, e
sabe que o tempo, e tudo mais o que nos é permitido deter, são ele-
mentos didáticos com fins reeducativos que não podem ser menos-
prezados.
Para o samaritano da parábola, o viajante que descia de Jerusalém
era exatamente este campo de ação que proporcionava sua promo-
ção. O mesmo pode-se dizer quanto à oportunidade do levita e do sa-
cerdote; a diferença básica entre eles está que o primeiro conseguiu
aliar ao que conhecia a prática, enquanto os outros, por descuido, não
viram ali a oportunidade que os levaria ao progresso. Conforme narra
o evangelista, compaixão foi o sentimento básico que permitiu o
aproveitamento da oportunidade por parte do discriminado de Sama-

122
Mateus, 5: 48

86
ria; será em nosso caso o recurso que nos levará a aumentar cada
vez mais, nossas conquistas no campo do amor.

…E PROCUREIS VIVER QUIETOS, E TRATAR DOS VOSSOS PRÓPRIOS


NEGÓCIOS, E TRABALHAR COM VOSSAS PRÓPRIAS MÃOS, COMO JÁ
VO-LO TEMOS MANDADO…

Paulo quer reforçar o que tem ensinado com suas palavras, e o que
é mais importante, com seu próprio exemplo.
Procureis viver quietos; não prega o apóstolo a ociosidade, viver
quietos é no sentido de uma vida tranqüila, sem ansiedades nem am-
bições no que diz respeito às questões do mundo. O bom cristão sabe
que está aqui para servir, e não para o pleno gozo do poder temporal;
desta forma, não precisa de se preocupar em demasia com o que é
transitório. Ensina-nos Jesus a cultivarmos os bens que o mundo não
pode tirar, pois se supervalorizamos o que alguém ou alguma situa-
ção pode nos tirar, estamos colocando a nossa felicidade nas mãos
dos outros, ou na dependência de alguma situação, o que não é acon-
selhável. Nossa felicidade é algo que deve depender exclusivamente
de nós mesmos. É importante que nos façamos senhor de nossa pró-
pria satisfação, só assim seremos diretores de nossa vida.
Tratar dos próprios negócios é lição de grande sabedoria que
aprendemos também no Evangelho. É preciso não dar a ninguém o
poder de delegar sobre o que devemos ou não fazer em se tratando
de conquistas do espírito. O Evangelho de Paulo é o Evangelho da li-
berdade, mas não de uma liberdade rebeldia, mas de uma liberdade
que agrega, que contribui, que sabe obedecer com espontaneidade,
se desvinculando da escravidão gerada pela ambição desmedida. É a
liberdade do Espírito, do aprisionamento da matéria.
O objetivo maior de nossa vida é a nossa espiritualização, é para
isso que encarnamos, portanto, não podemos priorizar o que é mate-
rial, como temos feito até hoje. Por assim fazer estamos desviando do
caminho e alongando o nosso processo evolutivo.
Para que possamos dedicar mais tempo ao Evangelho e às coisas
espirituais é preciso nos afastarmos dos interesses puramente materi-
ais. Não que estejamos pregando uma irresponsabilidade com o que é
ainda necessário ao nosso estágio atual, mas é questão de dar a cada
coisa o seu real valor e priorizar o que é mais importante.
Paulo era artesão, e trabalhava dia e noite para o seu sustento e
para não ser pesado a ninguém, mas buscava atender somente ao
que era necessário à sua subsistência, assim podia dedicar mais tem-
po ao trabalho mais importante, que era o da sua própria edificação.
É o que ele aconselha a todos, aos iniciantes cristãos daquela época,
e a nós os atuais educandos do Mestre de Nazaré.
Esta era a sua diretriz, proposta simples, que justamente por isso
temos dificuldade de assimilar.

87
…PARA QUE ANDEIS HONESTAMENTE PARA COM OS QUE ESTÃO DE
FORA E NÃO NECESSITEIS DE COISA ALGUMA.

Andar honestamente com os que estão de fora, é ter um procedi-


mento digno, decente, íntegro, para com as pessoas. É não prejudicar
a quem quer que seja por motivo algum.
Ser honesto em última instância é não agir contrário à consciência,
é não estar em desacordo com o Deus interior que vige em nós.
Paulo cuida de orientar seus seguidores nos mínimos detalhes, com
muito amor, para que esses possam evitar passar por dissabores de
agirem contrários aos princípios morais que regem o Cosmos.
Sabe ele, que em realidade temos daquilo que damos, e que passa-
remos mais cedo ou mais tarde pelas situações que tivermos promo-
vido aos outros. Portanto, se queremos para nós uma vida tranqüila,
sem muitos dissabores, patrocinemos isto aos nossos semelhantes;
se não queremos ser enganados por ninguém, não enganemos, ande-
mos honestamente com todos.
Agindo assim evitamos futuras chateações.
Mas é preciso aprofundar este aconselhamento do apóstolo trazen-
do-o para o nosso dia a dia.
Se buscarmos ter uma vida valorizando mais as questões do espíri-
to, viveremos de forma simples, sem ambições desnecessárias, admi-
nistrando somente o que é inerente ao nosso processo evolutivo. Se
ao contrário nos preocuparmos mais com as questões materiais, va-
mos ter que passar pelas dores e angústias geradas por essas mes-
mas questões. Ninguém que deseje ter posses mais vultuosas, e exer-
cer o poder temporal, por mais cuidadoso que seja, consegue atingir
seus objetivos sem prejudicar alguém, ou deixar de dar aos outros o
que é seu. Em outras palavras, é muito difícil viver no mundo da ma-
téria sem ferir a própria consciência. E sem querer alongar-nos de-
mais neste raciocínio, tal comportamento sempre traz no momento
oportuno, dores que são corretivas de percurso, mas que sempre dei-
xam suas marcas desagradáveis em nós.
Ao aconselhar seus seguidores a uma vida simples, sem maiores
ambições quanto ao mundo material, a ter sua própria profissão e ho-
nestamente ganhar seu sustento, satisfeito com o que a vida propor-
ciona, Paulo com muita perspicácia, e visão de futuro oferecia a estes
como a todos nós que tivermos a felicidade de compreendê-lo o cami-
nho mais curto para a paz íntima que tanto almejamos.

NÃO QUERO, PORÉM, IRMÃOS, QUE SEJAIS IGNORANTES ACERCA


DOS QUE JÁ DORMEM, PARA QUE NÃO VOS ENTRISTEÇAIS, COMO OS
DEMAIS, QUE NÃO TÊM ESPERANÇA.

88
A partir deste versículo o apóstolo muda o tema abordado na carta.
É que como dissemos, havia entre os cristãos da época uma crença
na parusia do Cristo, e provavelmente, Timóteo noticiava que alguns
crentes de Tessalônica estavam preocupados com seus parentes já
desencarnados; pois segundo acreditavam, estes seriam prejudicados
por não estarem entre os vivos quando da volta do Senhor.
Existia também um outro problema, é que muitos pagãos criam na
extinção da consciência após a morte, e estas crenças estavam difi-
cultando o entendimento de alguns iniciantes cristãos da comunidade
a respeito da Boa Nova.
Paulo, portanto, esclarece, não quero porém, irmãos, que sejais ig-
norantes acerca dos que já dormem, isto é, dos já desencarnados.
Para Paulo o estado da alma após o desenlace é de perfeita consciên-
cia, e é o que ele quer que seus neófitos compreendam, pois assim
não ficarão tristes, como os demais, que não têm esperança, por em
nada crer.
A imortalidade é um tema sempre recorrente tanto no Antigo quan-
to no Novo Testamento. Os próprios fariseus, dos quais Paulo faz
questão de mostrar que teve sua origem, tinham a ressurreição como
ponto de fé. Os textos sagrados só têm razão de ser devido a realida-
de da imortalidade, pois se tudo se extinguisse com a morte, não ha-
veria conseqüência moral, nem ética a ser vivida por ninguém.
Quando é dito que o Espiritismo é a doutrina consoladora a que Je-
sus se referiu segundo as anotações de João, é porque ele mostra
com clareza, com lógica, de uma forma sistematizada, a verdade das
crenças até então incompreendidas, da imortalidade da alma e da
reencarnação. Pois os judeus, que eram os mais espiritualizados da
época, tinham uma noção confusa e indefinida a respeito do assunto,
fazendo uma falsa idéia da vida após a morte.
A continuidade da vida era para Paulo um fato concreto que ali-
mentava sua fé, pois segundo a narrativa de Marcos, Jesus tudo de-
clarava em particular aos seus discípulos 123, e lógico que Paulo tendo
convivido com aqueles que testemunharam estas confidências, estes
por sua vez, revelaram tanto a Paulo como a outros seguidores desta
época, o conteúdo destas importantes revelações.
Era necessário deste modo, multiplicar a esperança através da di-
vulgação do Evangelho da alegria, e o doutor de Tarso, por fidelidade,
tinha a proposta de extinguir a ignorância espiritual dos adeptos do
Nazareno, fazendo florescer em cada um a esperança através da cer-
teza da vida imortal; a incredulidade é uma das maiores tristezas que
pode visitar o homem comum, justamente por negar a este a com-
preensão de sua origem e do fim maravilhoso da vida.

PORQUE, SE CREMOS QUE JESUS MORREU E RESSUSCITOU, ASSIM


TAMBÉM AOS QUE EM JESUS DORMEM DEUS OS TORNARÁ A TRAZER
123
Ver Marcos, 4: 34

89
COM ELE.

Puro raciocínio lógico expresso pelo converso de Damasco. Se Jesus


morreu e ressuscitou, isto é, morreu e não se extinguiu, o mesmo se
dará a todos nós que somos seus irmãos e filhos do mesmo Pai, se-
gundo seus próprios ensinamentos.
Sendo Deus a expressão máxima de Justiça, não pode haver privilé-
gio na criação; deste modo, se há um simples ser que continue a vi-
ver após o trespasse físico, o mesmo se dará com todos os outros,
simples questão de bom senso.
Quanto ao destino dos seres neste continuum da vida, podemos to-
mar um outro ensinamento de Jesus para justificar a teoria contrária à
extinção da vida e a das penas eternas. Qual dentre vós é o homem,
disse Ele em Seu Imortal Sermão, que pedindo-lhe pão o seu filho, lhe
dará uma pedra? E pedindo-lhe peixe, lhe dará uma serpente? Se vós,
pois, sendo maus, sabeis dar boas coisas aos vossos filhos, quanto
mais vosso Pai, que está nos céus, dará bens aos que lhe pedirem?124
Portanto, diante deste sensacional ensinamento, como justificar a
teoria das penas eternas, ou da infelicidade futura das almas, ou da
extinção da consciência depois da morte?
Mesmo que de forma inconsciente, o maior entre todos os pedidos
que faz o ser humano a Deus, mesmo os materialistas, é o de que não
seja extinta a vida, portanto, porque Deus não atenderia este pedido
comum, tão insistentemente feito por toda Humanidade? Negar esta
possibilidade é negar a própria existência do Criador, ou o seu atribu-
to essencial que é a Misericórdia.
Com esta certeza da vida plena, Paulo ensinava aos seus discípu-
los, todos os que em Jesus dormem, ou seja, os que mesmo desencar-
nados têm Jesus por Senhor, Deus os tornará a trazer com ele, seja
pelas vias da reencarnação seja pela própria presença do Senhor com
eles como desencarnados trabalhadores no plano em que se encon-
tram. O mesmo se dará com aqueles que dormem sem a presença de
Jesus em suas vidas. Deus através de Sua Lei os fará também retor-
nar, só que do modo como se encontram, isto é, sem o Cristo a orien-
tá-los; serão estes guiados pela Lei, no plano da inconsciência, que os
fará sofrer no fluxo e refluxo da existência até que adquiram o conhe-
cimento da verdade que os libertará conforme ensinamento do Cristo
quando esteve fisicamente entre nós.
Se alguém tem ouvidos para ouvir, que ouça. 125

DIZEMO-VOS, POIS, ISTO PELA PALAVRA DO SENHOR: QUE NÓS, OS


QUE FICARMOS VIVOS PARA A VINDA DO SENHOR, NÃO
PRECEDEREMOS OS QUE DORMEM.

124
Mateus, 7: 9 a 11
125
Marcos, 4:23

90
Dizemo-vos, pois, isto pela palavra do Senhor; a autoridade de Pau-
lo estava em que ele ensinava de conformidade com o que lhe era re-
velado por Jesus. Esta revelação podia vir através dos manuscritos de
Levi, a que os primeiros cristãos tiveram acesso, pelo testemunho da-
queles que com o Mestre estiveram pessoalmente, ou pela via da me-
diunidade, já que esta era uma prática comum entre os primeiros dis-
cípulos do Senhor. As próprias epístolas eram, como já dissemos, ins-
piradas por Jesus através de Estevão.
Esta mesma autoridade se ampliava na medida em que Paulo não
só recebia e transmitia os ensinamentos pela palavra, mas principal-
mente pelo exemplo de sua conduta sempre coerente com o Evange-
lho.
Este texto serve assim de reflexão para todos nós os que hoje nos
predispomos a divulgar a mensagem pura do Manso Galileu; temos
sido fiéis ao Evangelho? Temos interpretado as lições despidos do in-
teresse pessoal? Como tem sido a nossa conduta diante daqueles a
quem mais temos que testemunhar nossa adesão às propostas reno-
vadoras do Cristo?
A vinda do Senhor como já dissemos não será material, mas espiri-
tual; e isso dizemos baseado nas palavras do próprio Paulo, que por
sua vez se inspirava em Jesus. Após um texto genial e esclarecedor
que deve ser lido por todos e que está contido no capítulo 15 da pri-
meira epístola aos Coríntios, conclui o apostolo:
O mesmo se dará com a ressurreição dos mortos [que
segundo ele se dará na vinda do Senhor], semeado cor-
po corruptível, o corpo ressuscita incorruptível; semea-
do desprezível, ressuscita reluzente de glória; semeado
na fraqueza, ressuscita cheio de força; semeado corpo
psíquico, ressuscita espiritual.126
E continua:
Digo-vos irmão: a carne e o sangue não podem herdar
o Reino de Deus…127
Em João temos o próprio Jesus ensinando:
Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e meu
Pai o amará, e viremos para ele e faremos nele mora-
da.128
Portanto, e não estamos inventando, pois usamos as próprias pala-
vras contidas no Novo Testamento, a ressurreição definitiva, que é a
máxima realização da criatura que retornará ao Criador, se dará espi-
ritualmente, e esta será, para cada um, no seu momento próprio, o
Dia do Senhor, ou dentro da terminologia da época, a “parusia do
Cristo”.

126
1 Coríntios, 15: 42 a 44
127
Ibidem, 50
128
João, 14: 23

91
Neste momento não haverá privilégios, não será o fato de estar de-
sencarnado (os que dormem) ou encarnado (os que ficarem vivos)
que indicará quem receberá primeiro a Glória do Senhor, até porque,
primeiro e depois são expressões relativas, que dizem respeito à cro-
nologia deste mundo, no Reino do Pai, já foram superadas as di-
mensões tempo e espaço.

PORQUE O MESMO SENHOR DESCERÁ DO CÉU COM ALARIDO, E COM


VOZ DE ARCANJO, E COM A TROMBETA DE DEUS; E OS QUE
MORRERAM EM CRISTO RESSUSCITARÃO PRIMEIRO…

Como dissemos nos comentários relativos ao versículo anterior, as


expressões primeiro, depois, primeiro dia, dia segundo, entre outras
contidas nos textos bíblicos, têm sentido relativo e devem ser inter-
pretadas em espírito, dentro da lógica, do bom senso, e da razão.
É preciso saber que Paulo como os demais evangelistas estavam
realizando um trabalho de educar almas que não tinham a mínima
noção de espiritualidade. Ou eram religiosos ortodoxos mais ligados
ao plano exterior, ou pagãos ainda no início de suas projeções espiri-
tuais.
Portanto Paulo tinha que adequar a mensagem do Evangelho de tal
forma que todos compreendessem. Afinal, seu objetivo era universali-
zar a mensagem do Cristo tirando-a das paredes do templo e dos
dogmas que tanto a descaracterizava.
Como analisamos anteriormente, Paulo tinha por meta que seus lei-
tores compreendessem, que com relação ao novo advento do Senhor,
não era o fato de estar ou não encarnado que daria ao homem maior
ou menor facilidade diante deste evento, mas sim a postura íntima
em relação às verdades trazidas por Jesus e sua fiel adesão a estas.
Quanto à manifestação do Senhor neste dia de redenção, era ca-
racterística da literatura da época a utilização de símbolos como nu-
vens, trombetas, vozes etc.; tanto textos mais antigos como os livros
Êxodo, Deuteronômio, entre outros, quanto alguns do Novo Testa-
mento, usam e abusam destas simbologias que sempre reforçam a
manifestação espiritual das entidades celestes (os Espíritos) nestes
momentos de glória.
O mais importante neste verso é a colocação do redator da carta
com relação aos que morrerem em Cristo, significando a desativação
em nós das necessidades e desejos ligados às questões materiais.
Pois morrer em Cristo é justamente a desvinculação do mundo atra-
vés do viver nele sem ser dele, ou seja, sem paixão e apego. Jesus
com muita propriedade disse ter vencido o mundo, e não no mundo
como é desejo dominante na maioria da Humanidade, e em outra
oportunidade nos alertou que o Seu Reino não era deste mundo, se
referindo ao imperativo de nos espiritualizarmos para atingirmos a
meta da felicidade.

92
…DEPOIS, NÓS, OS QUE FICARMOS VIVOS, SEREMOS ARREBATADOS
JUNTAMENTE COM ELES NAS NUVENS, A ENCONTRAR O SENHOR NOS
ARES, E ASSIM ESTAREMOS SEMPRE COM O SENHOR. PORTANTO,
CONSOLAI-VOS UNS AOS OUTROS COM ESTAS PALAVRAS.

Estes versículos que encerram o capítulo quarto desta carta não su-
gerem muitos outros comentários, pelo menos a nós diante do que já
expusemos anteriormente, sem cairmos em repetições que julgamos
desnecessárias neste momento.
Importa-nos, portanto, analisar algumas expressões.
…a encontrar o Senhor nos ares; expressando justamente que este
encontro se dará fora do plano comum da matéria, ou seja, será um
encontro espiritual. Neste ponto repetimos, pois a terminologia usada
vem reforçar nossa conclusão pelo caráter espiritual do advento.
…e assim estaremos sempre com o Senhor; nos mostrando que de-
pois da morte gerada pela ilusão do que é transitório retornaremos ao
plano original e estaremos com o Senhor para sempre. Deste modo,
tudo o que passamos anteriormente como sacrifício para atingirmos
este desiderato, mesmo que seja num período de milênios, fica mini-
mizado, pois a felicidade será eterna, isto é, para sempre, numa di-
mensão em que o tempo jamais passará pois a conquista existirá na
intimidade de todos os que tiverem vencido o último inimigo; a morte.
129

…consolai-vos uns aos outros com estas palavras; é mais uma vez
a preocupação de um Espírito superior com a tranqüilidade e a paz de
todas as criaturas; preocupação de que as suas palavras possam ge-
rar somente o bem e a alegria.
Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão
chamados filhos de Deus.130

129
Cf. 1 Coríntios, 15: 26
130
Mateus, 5:9

93
5

Vigilância

Mas, irmãos, acerca dos tempos e das estações, não


necessitais de que se vos escreva; porque vós mesmos
sabeis muito bem que o Dia do Senhor virá como o la-
drão de noite.
Pois que, quando disserem: Há paz e segurança, então,
lhes sobrevirá repentina destruição, como as dores de
parto àquela que está grávida; e de modo nenhum es-
caparão.
Mas vós, irmãos, já não estais em trevas, para que
aquele Dia vos surpreenda como um ladrão; porque to-
dos vós sois filhos da luz e filhos do dia; nós não somos
da noite nem das trevas.
Não durmamos, pois, como os demais, mas vigiemos e
sejamos sóbrios.
Porque os que dormem dormem de noite, e os que se
embebedam embebedam-se de noite.
Mas nós, que somos do dia, sejamos sóbrios, vestindo-
nos da couraça da fé e da caridade e tendo por capace-
te a esperança da salvação.
Porque Deus não nos destinou para a ira, mas para a
aquisição da salvação, por nosso Senhor Jesus Cristo,
que morreu por nós, para que, quer vigiemos, quer dur-
mamos, vivamos juntamente com ele.
Pelo que exortai-vos uns aos outros e edificai-vos uns
aos outros, como também o fazeis.
E rogamo-vos, irmãos, que reconheçais os que traba-
lham entre vós, e que presidem sobre vós no Senhor, e
vos admoestam; e que os tenhais em grande estima e
amor, por causa da sua obra. Tende paz entre vós.
Rogamo-vos também, irmãos, que admoesteis os de-
sordeiros, consoleis os de pouco ânimo, sustenteis os
fracos e sejais pacientes para com todos.
Vede que ninguém dê a outrem mal por mal, mas se-
gui, sempre, o bem, tanto uns para com os outros como
para com todos.
Regozijai-vos sempre.
Orai sem cessar.
Em tudo dai graças, porque esta é a vontade de Deus
em Cristo Jesus para convosco.
Não extingais o Espírito.

94
Não desprezeis as profecias.
Examinai tudo. Retende o bem.
Guardai-vos de toda espécie de mal.
O Deus da paz vos conceda santidade perfeita; e que o
vosso ser inteiro, o espírito, a alma, e o corpo sejam
guardados de modo irrepreensível para o dia da vinda
de nosso Senhor Jesus Cristo.
Quem vos chamou é fiel, e é ele que vai agir.
Orai por todos nós irmãos..
Saudai a todos os irmãos com ósculo santo.
Conjuro-vos no Senhor, que esta carta seja lida a todos
os irmãos.
A graça de nosso Senhor Jesus Cristo esteja convosco.
131

MAS, IRMÃOS, ACERCA DOS TEMPOS E DAS ESTAÇÕES, NÃO NECES-


SITAIS DE QUE SE VOS ESCREVA; PORQUE VÓS MESMOS SABEIS
MUITO BEM QUE O DIA DO SENHOR VIRÁ COMO O LADRÃO DE NOITE.

Paulo repete Jesus segundo as anotações de Lucas em Atos:


Não vos pertence saber os tempos ou as estações que
o Pai estabeleceu pelo seu próprio poder. 132
E de Mateus:
…se o pai de família soubesse a que vigília da noite ha-
via de vir o ladrão, vigiaria e não deixaria que fosse ar-
rombada a sua casa.133
O tempo é a dimensão que diz respeito à sucessão dos eventos; no
texto, no plural, diz de uma época ou de um ciclo num contexto mais
abrangente. Estações falam-nos de um período mais determinado de
ocorrência do fato. São também períodos cíclicos que se repetem, tra-
zendo, porém, sua característica própria.
Continuando a orientar os novos cristãos, o apóstolo confirma que
não é dado a nenhum de nós saber sobre o momento exato do dia do
Senhor. Aliás, o próprio Jesus, através do qual tudo em nosso Orbe foi
feito, já dissera que daquele dia e hora, ninguém sabe, nem os anjos
do céu, nem o Filho, mas só o Pai.134
É que por ser este momento individual, ninguém tem condições de
saber quando se dará, pois o componente “livre arbítrio” irá influenci-
ar decisivamente no “quando” será este dia. Se fosse um evento ge-
ral, que ocorresse para todos no mesmo momento, seria fácil para os

131
1 Tessalonicenses, 5: 1 a 28
132
Atos, 1: 7
133
Mateus, 24: 43
134
Cf. Mateus, 24: 36

95
Espíritos encarregados da administração do planeta saberem a data
exata do acontecimento. Porém, assim não será; só Deus que trans-
cende a tudo, que atua através de Sua Lei Universal, tem o conheci-
mento da Matemática Cósmica que O capacita a saber do momento
exato de todas as ocorrências.
Sabedor de tudo isso Paulo orienta para que não nos preocupemos
com o tempo em sua feição exterior, mas que busquemos aproveitar
bem cada oportunidade. O que será determinante para que este dia
ocorra em nós é a pureza de nosso sentimento; só através do fato de
criarmos condições favoráveis é que este instante se estabelecerá
como evento inadiável. Quando? Ninguém sabe, virá como um ladrão,
isto é, de surpresa, não será de hora marcada, mas quando nosso
amadurecimento favorecer para que aconteça. A expressão de noite,
referida por Paulo, aqui não representa trevas; lembremos que exis-
tem noites de grandes claridades, iluminadas por estrelas ou até mes-
mo por lua cheia. Noite, aqui, portanto, pode ser entendida como o
momento que sucede ao dia de trabalho, de conquistas, de realiza-
ções que produzam em nós o amadurecimento necessário, fomenta-
dor de espiritualidade.
Bem-aventurado o varão que não anda segundo o con-
selho dos ímpios, nem se detém no caminho dos peca-
dores, nem se assenta na roda dos escarnecedores.An-
tes, tem o seu prazer na lei do Senhor, e na sua lei me-
dita de dia e de noite.135

POIS QUE, QUANDO DISSEREM: HÁ PAZ E SEGURANÇA, ENTÃO, LHES


SOBREVIRÁ REPENTINA DESTRUIÇÃO, COMO AS DORES DE PARTO
ÀQUELA QUE ESTÁ GRÁVIDA; E DE MODO NENHUM ESCAPARÃO.

Este momento definido pelo apóstolo é bem parecido com o que vi-
vemos atualmente.
…quando disserem: Há paz e segurança, então, lhes sobrevirá re-
pentina destruição; Não é o que acontece nos dias de hoje? Basta di-
zermos que está tudo bem, que os problemas estão equacionados,
que algo acontece quebrando a tranqüilidade. Por que isto acontece?
Será mesmo Deus um tirano que se vinga da humanidade como che-
garam a pensar alguns de nossos antepassados? Nada disso. A difi-
culdade é exclusivamente nossa quando da eleição de nossas priori-
dades. É que a nossa paz é baseada em sentimentos fugazes e a nos-
sa segurança em valores transitórios.
Jesus nos fala da paz. Em Mateus, nos diz:
Não cuideis que vim trazer a paz à terra; não vim tra-
zer paz, mas espada 136
Em João afirma:
135
Salmo, 1: 1 e 2
136
Mateus, 10: 34

96
Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou137
Por que esta contradição? Afinal veio Ele trazer a paz ou não? É Ele
mesmo quem responde:
…não vo-la dou como o mundo a dá.138
É, como já afirmamos, uma questão de conceito. O que é paz para
nós? Quando nos sentimos em segurança? Aliás estes são dois senti-
mentos dos mais requisitados nos dias atuais; fazem parte das princi-
pais preocupações da humanidade.
A segurança que almejamos é simplesmente a ausência de perigo
externo, a paz que normalmente buscamos é a da ociosidade; foi por
isso que Jesus fez questão de asseverar, não vo-la dou como o mundo
a dá, pois para Ele o que o mundo entende por paz está longe de real-
mente ser.
Paz e segurança para o Cristo são estados de harmonia para com
Deus, estado este conquistado pela boa relação com o semelhante
que deve ser para nós a expressão do Criador. Segurança só o espíri-
to pode ter, pois tudo o que é material está sujeito a constante trans-
formação; deste modo, a segurança é a conquista de valores que o
mundo não pode tirar, valores estes que o Mestre definiu como sendo
os que o ladrão não rouba, nem a traça corrói.
No dia que realizarmos esta mudança de conceitos, e passarmos a
compreender a vida pela ótica do Espírito imortal, neste dia obtere-
mos a tão sonhada paz, e a segurança será natural.
Nestes dias os nossos filhos serão incentivados por nós, a ter, não a
profissão que rende mais lucros financeiros, mas a que lhes realizan-
do mais, promoverem a maior oportunidade de serviço à comunidade;
a nossa preocupação será não com a aparência exterior, mas com a
virtude que efetivamente possuirmos.
Por não ser esta ainda a nossa realidade atual, nossa paz e segu-
rança são fugazes, se destroem repentinamente; como a mulher grá-
vida, estamos sujeitos a vários sentimentos contraditórios, angústia e
alegria, dor e alívio, harmonia e desequilíbrio.
Todavia conscientizemo-nos, este momento é de grande importân-
cia, pois realmente estamos grávidos, estamos gerando o filho do ho-
mem em nós; e o dia em que ele nascer, ou seja, o dia em que trou-
xermos ao mundo este ser renovado, será para nós, o Dia do Senhor,
onde a paz e a segurança serão efetivas e constantes não se alter-
nando mais com tribulações e incertezas.

MAS VÓS, IRMÃOS, JÁ NÃO ESTAIS EM TREVAS, PARA QUE AQUELE


DIA VOS SURPREENDA COMO UM LADRÃO…

137
João. 14: 27
138
Ibidem.

97
Como bom discípulo Paulo também se torna um bom educador.
Deste modo, valoriza o que cada um tem de positivo. Quando é ne-
cessário ele chama a atenção, porém, sempre com muito afeto; e
quando há condições ele realça a virtude como forma de promovê-la
ainda mais.
Os neófitos de Tessalônica tinham ainda pontos a serem trabalha-
dos, todavia tinham também suas conquistas e Paulo buscava valori-
zá-las sempre.
A nossa situação é a mesma, ainda tempos muito que caminhar em
matéria de espiritualidade, mas não podemos esquecer que temos
nossos valores já alcançados. Já não estamos em trevas...
Porque, noutro tempo, éreis trevas, mas, agora, sois
luz no Senhor; andai como filhos da luz. 139
Se isso é para nós motivo de alegria, não deixa de ser também de
grande responsabilidade, pois Jesus já passou por nós, não somos
mais os mesmos, devemos assim dar frutos mais coerentes com o
bem que já possuímos.
Fica, no entanto, uma questão, por que oscilamos tanto entre luz e
trevas, bem e mal, amor e ódio?
É que nossas conquistas ainda estão mais nas faixas do intelecto,
da informação, e menos no campo do sentimento. A educação inte-
lectual não só é importante, como é mesmo imprescindível, porém, é
o sentimento o motor de nossa transformação. É preciso estudar o
Evangelho, pesquisar sua origem, saber sobre a veracidade dos fatos,
afinal a Doutrina Espírita é doutrina que incentiva a faculdade de pen-
sar e de analisar; porém é imperioso que sintamos o Evangelho, bus-
car colocar-nos na posição de cada personagem e sentir o que ele
sentiu. Só assim, nos colocando nas várias situações trabalhamos em
nós o autoconhecimento e nos disponibilizamos às mudanças. Por que
ainda temos tanta dificuldade em caminhar nas faixas do espírito?
Simplesmente porque não realizamos a entrega à Boa Nova como se-
ria desejado de acordo com o nível de informação que já possuímos.
Fé é adesão, é entrega total a uma proposta. Quando verdadeiramen-
te tivermos fé de que os ensinamentos de Jesus podem em nós ope-
rar maravilhas, como Abraão teve em disponibilizar seu próprio filho
para o sacrifício, aí não mais haverá treva que ofusque a nossa luz,
que surpreenda com sua imprevisibilidade.
Somos inconstantes e vulneráveis porque por demais exteriores,
quando adotarmos a consciência profunda como norteadora de nossa
livre escolha, não seremos mais roubados, mas realizados através de
uma moral superior.

PORQUE TODOS VÓS SOIS FILHOS DA LUZ E FILHOS DO DIA; NÓS NÃO
SOMOS DA NOITE NEM DAS TREVAS.

139
Efésios, 5: 8

98
Este versículo nos leva a meditar sobre a questão das origens.
Como citamos o próprio Paulo nos comentários do versículo anterior,
noutro tempo éramos trevas, espíritos prazerosos no erro, porém,
este é um passado mais recente.
Nossa gênese é a luz, viemos de Deus, no primeiro momento éra-
mos puro espírito, depois é que despencamos de dimensões e imergi-
mos na matéria, que é justamente o laço que prende o espírito.140
Portanto, o “pecado” foi um erro de percurso, um afastamento, não
desejado, do Criador. Somos filhos da luz e filhos do dia, isto é, seres
que se realizam no trabalho a serviço do bem. Este é o dinamismo
que a Vida anseia para cada um de nós e a proposta eterna da cria-
ção; não somos da noite nem das trevas, pois em Deus vivemos, e
nos movemos, e existimos.141
Isto significa que a nossa felicidade, a nossa paz, o nosso equilíbrio,
está na prática e na vivência da virtude, e se esse não parece o cami-
nho natural por ser tão difícil de percorrê-lo, é porque desabituamos
do que é espiritual, fomos seduzidos pela matéria e nela nos iludimos
como se esta fosse a realidade única. A repetição forma o hábito, e o
hábito a personalidade. Portanto, mudemos de conduta, construamos
um novo caminho, ou, retomemos o “paraíso perdido”, o laço com o
Criador, e seremos eternamente felizes.
…deixemos as obras das trevas, e vistamos as armaduras da Luz. 142

NÃO DURMAMOS, POIS, COMO OS DEMAIS, MAS VIGIEMOS E SEJAMOS


SÓBRIOS; PORQUE OS QUE DORMEM, DORMEM DE NOITE, E OS QUE
SE EMBEBEDAM, EMBEBEDAM-SE DE NOITE.

Não durmamos, pois, como os demais; mais uma vez o apóstolo


nos alerta para que nos diferenciemos da multidão. Não sejamos co-
muns como a massa, tenhamos perspectiva diferente. Dormir é estar
desligado dos objetivos maiores, é estar sonolento, estacionado, não
operante. Esta é uma característica daquele que tem no agora o seu
objetivo, daquele que não deseja o progresso; para este, do jeito que
está, está bom, para que tentar mudar? Podemos piorar, perder…
Esta é a tônica do pessimista, daquele que não quer avançar. Infeliz-
mente, no mundo em que vivemos, de provas e expiações, a maioria
está nesta faixa evolucional. Por isto o alerta do apóstolo: não durma-
mos… como os demais.
Mas vigiemos e sejamos sóbrios…; devido ao nosso passado recen-
te estar mais ligado ao erro, nossa tendência atual é retornar a ele. É
como o animal equino que vai mais facilmente pelo caminho já co-

140
(KARDEC, 1980), questão 22
141
Cf. Atos, 17: 28
142
Romanos, 13: 12

99
nhecido, se quisermos dirigi-lo por uma estrada nova, é preciso nos
esforçar, segurarmos a rédea com firmeza, e até usarmos de espora.
Há muito que nos iludimos e nos deixamos levar pelo prazer fácil e
libertino; deste modo, vigiemos e sejamos sóbrios, isto é, simples,
moderado, austero.
Porque os que dormem, dormem de noite; a vida nos desfia a todo
instante. E um destes grandes desafios é estarmos sempre dinâmi-
cos, atuantes no Bem. Na maioria das vezes realizamos grandes mo-
vimentos, porém sem um produto final satisfatório no que diz respeito
à nossa própria iluminação.
Muitas vezes os que dormem não estão paralisados; quando disse-
mos que estão sonolentos, estacionados, dizemos no que diz respeito
às buscas espirituais. Estes podem estar em pleno dinamismo, mas só
que com a mente voltada exclusivamente para as questões materiais.
Dormem para o que é essencial.
Como então saber o que é este essencial, e se não são eles que es-
tão com a razão? Afinal, são eles os vencedores dos tempos atuais.
A questão é delicada, todavia com bom senso conseguimos racioci-
nar melhor.
Nosso tempo de vida na matéria, fazendo conta apenas de uma en-
carnação, é de sessenta a noventa anos em média. Para uns menos,
para outros um pouco mais. Mas o que são noventa ou cem anos se
comparado aos séculos, ou mesmo à eternidade?
Todavia, se pensamos que a vida é só o aqui e agora, então coma-
mos, bebamos e durmamos, pois nada mais interessa; no entanto, se
já fazemos parte daqueles que veem na vida uma experiência mais
ampla, em que o passado é julgado no presente e este será da mes-
ma forma no futuro; e se sinceramente acreditamos que a vida não
pode ser só esse tempo chamado agora, o que é muito mais lógico do
que o contrário, então, dormir significa, mesmo que dentro da dinâmi-
ca materialista, estar pensando em construir somente baseado nos
valores transitórios, enquanto estar acordado é realizar-se sabendo
que o que conquistamos de valor nos terrenos do espírito será a moe-
da corrente onde estivermos após esta transitória experiência materi-
al.
Portanto, qual o melhor investimento, o que fazemos pensando em
gozar alguns anos, mesmo que muitos segundo o nosso conceito atu-
al, ou o que fazemos em favor de nossa tranquilidade e equilíbrio
num tempo sem conta a que denominamos eternidade?
Deste modo, os que dormem, dormem de noite, isto é, sem a luz da
razão que troca o eterno pelo duradouro; os que assim agem, encon-
tram-se iludidos pelo que podem agarrar com os sentidos atuais, ou
seja, se embebedam nos prazeres fáceis que em verdade são trevas
na longa noite, porém, não eterna, das ilusões materiais.

100
Apenas para mostrar como são diversos o comportamento e a ex-
pectativa de um cidadão do Reino – o que está acordado – e um do
mundo – o que dorme -, citamos abaixo o diálogo de Paulo e seu al-
goz, segundo a narrativa de Emmanuel, no momento final de seu
martírio:
O militar que chefiava a escolta mandou parar o carro
e, fazendo descer o prisioneiro, disse-lhe hesitante:
- O Prefeito dos Pretorianos, por sentença de César, or-
denou que fosseis sacrificado no dia imediato ao da
morte dos cristãos votados às comemorações do circo,
realizadas ontem. Deveis saber, portanto, que estais vi-
vendo os últimos minutos.
Calmo, olhos brilhantes e mãos amarradas, Paulo de
Tarso, mudo até então, exclamou, surpreendendo os
verdugos com a sua majestosa serenidade:
- Ciente da tarefa criminosa que vos incumbe desempe-
nhar .. Os discípulos de Jesus não temem os algozes
que só lhes podem aniquilar o corpo. Não julgueis que
vossa espada possa eliminar-me a vida, de vez que, vi-
vendo estes fugazes minutos em corpo carnal, isso sig-
nifica que vou penetrar, sem mais demora, nos taber-
náculos da vida eterna, com o meu Senhor Jesus Cristo,
o mesmo que vos tomará contas, tanto quanto a Nero e
Tigelino…
A patrulha sinistra estarrecia de assombro. Aquela
energia moral, no momento supremo, era de molde a
abalar os mais fortes. Percebendo a surpresa geral e ci-
oso do seu mandato, o chefe da escolta tomou a inicia-
tiva do sacrifício. Os demais companheiros pareciam
desorientados, nervosos, trêmulos. O inflexível prepos-
to de Tigelino, porém, ordenou ao prisioneiro que desse
vinte passos à frente. Paulo de Tarso caminhou serena-
mente, embora, no íntimo, se recomendasse a Jesus,
compreendendo a necessidade de amparo espiritual
para o testemunho supremo.
Ao chegar no local indicado, o sequaz de Tigelino de-
sembainhou a espada, mas, nesse instante, tremeu-lhe
a mão, fixando a vítima, e falou-lhe em tom quase im-
perceptível:
- Lastimo ter sido designado para este feito e intima-
mente não posso deixar de lamentar-vos...
Paulo de Tarso, erguendo a fronte quanto lhe era possí-
vel, respondeu sem hesitar:
- Não sou digno de lástima. Tende antes compaixão de
vós mesmos, porquanto morro cumprindo deveres sa-
grados, em função de vida eterna; enquanto que vós
ainda não podeis fugir às obrigações grosseiras da vida
transitória. Chorai por vós, sim, porque eu partirei bus-
cando o Senhor da Paz e da Verdade, que dá vida ao

101
mundo; ao passo que vós, terminada vossa tarefa de
sangue, tereis de voltar à hedionda convivência dos
mandantes de crimes tenebrosos da vossa época!...
O algoz continuava a fitá-lo com assombro e Paulo, no-
tando a tremura com que ele empunhava a espada,
concitou resoluto:
- Não tremais!... Cumpri vosso dever até ao fim…143

MAS NÓS, QUE SOMOS DO DIA, SEJAMOS SÓBRIOS, VESTINDO-NOS DA


COURAÇA DA FÉ E DA CARIDADE E TENDO POR CAPACETE A
ESPERANÇA DA SALVAÇÃO.

Mas nós que somos do dia; Paulo não pergunta se somos nem se
queremos ser do dia, ele afirma a todos, daquele tempo ou de quais-
quer dos tempos, que se dizem seguidores do Mestre de Nazaré, que
somos do dia, isto é, faz ver a cada um a sua responsabilidade. Antes
de Jesus passar em nossa vida podíamos fazer isso ou aquilo, sermos
até da noite, mas depois que O conhecemos nossa atitude tem de
mudar; um dos piores defeitos que a criatura pode ter é o de não as-
sumir a sua responsabilidade seja em que estágio for. Somos cristãos,
então que atuemos como seguidores do Cristo.
Deste modo, sejamos sóbrios, o que já comentamos no versículo
anterior; porém, aqui, Paulo dá uma ajuda dizendo-nos como ser: ves-
tindo-nos da couraça da fé e do amor.
Sobre fé vamos comentar melhor quando estudarmos a carta escri-
ta aos gálatas e a que foi dirigida aos romanos, pois nestas é o tema
principal. Todavia aqui não podemos deixar de tocar no assunto para
que possamos melhor entender a simbologia.
Fé, segundo o entendimento de Paulo, não é simplesmente crer em
uma proposta, mas aderir a esta de tal forma que há uma entrega da-
quele que adere a esta mesma proposta. Portanto, fé é ação, dinamis-
mo, trabalho.
Amor por sua vez é outra expressão que não podemos entender
como mensagem de ociosidade, muito pelo contrário; quem ama,
ama a alguém, deste modo quer o bem deste alguém; age assim em
favor daquele que ama. Portanto, amor é atitude, é dinamismo, é tra-
balho.
Ao dizer que o cristão deve vestir-se da couraça da fé e do amor,
Paulo prega uma defesa atuante, e não um momento de fuga. É que
as grandes almas, aquelas que compreendem o modus operandi da
Vida, sabem que só temos do que damos, que só nos acontece do
modo como procedemos com os outros, portanto, se desejamos segu-
rança, proteção ou defesa, temos que dar segurança, proteger ou de-
fender os outros, em síntese nos doarmos (amor), nos entregarmos
(fé) ao serviço em favor do semelhante. Só assim estaremos prepara-
143
(XAVIER / Emmanuel, 2004), cap. X, II parte.

102
dos para o “Dia do Senhor”, que como comentamos é o projeto da
Vida para cada um de nós.
Paulo vai além e nos fala em termos por capacete a esperança da
salvação. A proposta é similar, capacete também é instrumento de
proteção, e como só se protege quem protege, só é digno de esperan-
ça quem promove a esperança dos outros. Em outras palavras, só se-
remos salvos, isto é, só nos ajustaremos a Deus, se promovermos as
pessoas a este mesmo ajustamento.
Entendamos de uma vez por todas, em última instância o objetivo
da Vida é o aperfeiçoamento das criaturas. Foi por isso que Jesus veio
até nós. O resto é tudo material didático para que isto, ou seja, o
aperfeiçoamento, aconteça. Se quisermos de algum modo ser felizes,
temos de caminhar de acordo com a Lei, isto é, sem fazer oposição a
ela. Deste modo compreendemos que se desejamos estar bem temos
que auxiliar no aperfeiçoamento dos outros, pois do contrario esta-
mos colocando obstáculo a que Deus realize o seu projeto.
Se desejarmos aprofundar mais nos ensinamentos desta carta, po-
demos ainda ver que Paulo propõe instrumentos de proteção para a
área do peito, onde se situa o coração, e para a cabeça, onde está o
cérebro. É mais uma vez a simbologia evangélica nos ensinando a
trabalhar as expressões de sentimento e razão, lado a lado, conjunta-
mente, para que possamos ganhar em sabedoria e assim atingirmos
a condição de espíritos salvos, isto é, redimidos e aptos para o Reino
que nos foi oferecido desde o princípio dos tempos, antes mesmo da
criação do Universo físico e temporal.

PORQUE DEUS NÃO NOS DESTINOU PARA A IRA, MAS PARA A AQUISI-
ÇÃO DA SALVAÇÃO, POR NOSSO SENHOR JESUS CRISTO…

Este versículo tem colocações que devem ser por nós analisadas
com muito carinho e atenção.
Deus não nos destinou para a ira...; ao falar deste modo o missivis-
ta mostra a seus leitores que toda a criação tem um objetivo, e se as-
sim é, caso esse objetivo não se concretize, é um fracasso do Criador.
Como em se tratando de Deus o fracasso é impossível, chegamos à
conclusão lógica de que tudo se cumprirá como foi planejado e deter-
minado por Sua Soberana Vontade. Fica claro assim, que não existe a
possibilidade de perda do Espírito, e a teoria das penas eternas passa
a ser fruto do não raciocínio daqueles que assim creem.
Não fomos destinados para a ira, esta é uma expressão recorrente
nos textos de Paulo. Podemos entender por ira divina a reação da Lei
às atitudes que se opõem a ela, ou em outras palavras, as que obsta-
culizam seu seguimento natural.
Deus é amor, portanto, só o que gravita em torno deste sentimento
está no campo magnético do Criador; assim, toda ação que contraria
este sentimento afasta aquele que age, de Deus. É lógico que em ter-

103
mos espaciais isto não é possível, mas é como se ficássemos à mar-
gem do caminho, se fôssemos expulsos de Seu campo vibracional.
A partir desta ação contrária ao propósito do Criador, a Lei por Ele
instituída, promove uma ação que visa fazer voltar aquele que se
“afastou” de Deus para o caminho original que é estar diante Dele.
Essa ação da Lei é muitas vezes dolorosa, pois requer sacrifício para
que se conquiste a posição perdida.
Vejamos como essa análise é coerente com o pensamento do Espí-
rito Paulo dezenove séculos depois:
Gravitar para a unidade divina, eis o fim da Humanida-
de. Para atingi-lo, três coisas são necessárias: a Justiça,
o Amor e a Ciência.144
É a essa ação da Lei, que Paulo chama de ira, em outros textos de
“ira divina”.
Entretanto ele é claro: Deus não nos destinou para a ira, ou seja,
não fomos criados nem para dor nem para a infelicidade, se isto acon-
tece é por erro de rota, mas erro que devemos tributar exclusivamen-
te a nós mesmos.
Deus não cria autômatos, por isso deu ao Espírito a liberdade, o li-
vre arbítrio, fazendo mau uso dele é que criamos em nós a necessida-
de de estarmos diante da ira, mas parafraseando Jesus: ao princípio,
não foi assim145.
E o apóstolo continua ensinando: Mas para a aquisição da salvação
por nosso Senhor Jesus Cristo.
Aqui temos uma colocação perfeita a começar pela palavra aquisi-
ção.
É que a salvação não será gratuita, mas deve ser conquistada, ad-
quirida, e isto se dará dia a dia, etapa por etapa. Todavia esta aquisi-
ção não implica necessariamente em sofrimento como chegamos a
supor um dia; Paulo é claro a salvação virá por nosso Senhor Jesus
Cristo. Não entendamos com isto que Ele é que vai realizá-la por nós,
não é isso, seria muito cômodo, mas não é essa a realidade. Por nos-
so Senhor Jesus Cristo deve-se compreender que será a conquista
através da vivência do amor; Ele mesmo ensinou, misericórdia quero
e não sacrifício.146
E se falamos em amor, dizemos não ao constrangimento, não à dor
e ao sofrimento.
Mas a Doutrina Espírita não diz que a dor é necessária? Podem di-
zer alguns; sim, ela é necessária como reação ao erro para restabele-
cer a Ordem. É que escolhemos um caminho que passa por quedas e
mais quedas, se tivéssemos sido obedientes desde o princípio, muitos
dissabores teriam sido evitados. E isso não é opinião nossa, é O Livro
144
(KARDEC, 1980), questão 1009.
145
Mateus, 19: 8
146
Mateus, 9: 13

104
dos Espíritos que nos informa que existem Espíritos que seguiram o
caminho do bem desde o início 147, e diz mais, a escolha pelo caminho
do erro está muito bem simbolizada na figura da queda do homem e
do pecado original.148
Por fim resta-nos falar sobre a salvação, o que entende o apóstolo
Paulo por salvação?
Salvação de acordo com seu pensamento é o mesmo que reden-
ção, ou ainda o mesmo que justificação, que segundo o professor Hu-
berto Rohden, não é simplesmente um processo meramente lega, ou
social, mas o ato de estabelecer uma atitude de justeza ou correto
ajustamento entre o homem e Deus.149
Esta salvação se dará segundo ele pela fé em nosso Senhor Jesus
Cristo, mas este é assunto que deixaremos mais para adiante, quan-
do estivermos estudando as epístolas, aos gálatas e aos romanos.

…QUE MORREU POR NÓS, PARA QUE, QUER VIGIEMOS, QUER DURMA-
MOS, VIVAMOS JUNTAMENTE COM ELE.

Aqui faz-se necessário buscarmos uma visão mais profunda para


não cairmos na visão acanhada das religiões tradicionais e não super-
valorizarmos a morte física de Jesus.
Dizemos isto por que, quando um Espírito de alta evolução se en-
trega totalmente para a realização de uma missão, não é o ato de
morrer fisicamente que deve ser levado em conta, mas o de viver
cada momento de sua existência em favor de uma causa maior em
benefício da humanidade.
Morrer para as contradições do mundo material, para aquele que
tem a certeza da vida espiritual e que se ajustou aos desígnios superi-
ores, é até um alívio, visto que sua vida espiritual compensa com
grande vantagem todos os sofrimentos por que passou. Portanto, o
que deve ser valorizado é justamente o contrário, ou seja, o que esse
Espírito fez em vida, seus sacrifícios, as dores por que passou e o
ajustamento de seu tônus vibratório para que pudesse estar entre nós
neste mundo de fluidos tão densos e grosseiros.
Não temos, devido ao nosso atraso espiritual, a mínima condição
de avaliar o que para Jesus foi ou não sofrimento, mas é bem prová-
vel que o que para nós representa motivos de grande dores, para Ele,
Espírito já liberto da influência da matéria, não foi o seu maior sacrifí-
cio.
Deste modo até entendemos quando Paulo ou qualquer outro evan-
gelista reporta ao ato de morrer por nós se referindo a Jesus , porém
devemos entender que ele morreu foi quando tomou um corpo físico
147
(KARDEC, 1980), questão 124
148
Ibidem, questão 122
149
(ROHDEN, 2005), cap. 52

105
semelhante ao nosso, e teve que se harmonizar aos fluidos grosseiros
de nosso orbe, adequando sua condição superior para que pudésse-
mos compreendê-lo.
Este é o sentido que damos ao ato da morte de Jesus; Ele veio até
nós para que pudéssemos resgatar os erros que ainda nos prendem
aos vales de sombra.
Outro fato que deve ser bem compreendido é que não foi o ato de
Jesus estar entre nós que possibilitou a condição de salvação para
cada um de nós, pois o salvar-se é inerente a cada um, e cabe a cada
um realizar por si através de sua própria iluminação. Quando é dito
que Jesus é o nosso salvador, devemos entender no sentido de que
Ele trouxe para nós os recursos que, se vivenciados, podem nos levar
à perfeita sintonia com o Eterno. Dissemos em outro momento e aqui
repetimos, não é o Cristo que salva, como pensam alguns, mas a cris-
tianização de nós mesmos.
Quer vigiemos, quer durmamos, vivamos juntamente com ele; o
ato de vigília aqui neste verso significa, segundo nosso entendimento,
a condição de encarnado em oposição aos que se situam no plano ex-
tra-corpóreo representado aqui pela expressão durmamos.
Portanto, salienta o apóstolo, quer estejamos entre os que denomi-
namos vivos, quer entre os desencarnados, vivamos juntamente com
o Cristo, isto é, de acordo com o que Ele ensinou.
Façamos assim, nossa opção, ninguém vai por nós poder realizar o
que só a cada um cabe fazer; não existe transferência de responsabi-
lidade na contabilidade da Vida, o processo de harmonização, saúde e
felicidade é individual, e por mais que aja colaboração, e devemos
mesmo colaborar, cada um só pode fazer por si.

PELO QUE EXORTAI-VOS UNS AOS OUTROS E EDIFICAI-VOS UNS AOS


OUTROS, COMO TAMBÉM O FAZEIS.

A Casa do Pai é o Universo. Do mesmo modo que cada família tem


o seu sistema de vida, tem um princípio que norteia a convivência e
os atos de cada um de seus elementos, Deus criou uma Lei que rege
todos os eventos universais do micro ao macrocosmo.
Criou também um “cimento” que une Ele próprio a todas as criatu-
ras, e estas entre si. Este “cimento”, que é a manifestação primária
de Sua Lei, é o amor. É através dele que todos podemos dizer confor-
me a citação do próprio Paulo, nele vivemos, e nos movemos, e exis-
timos.150
Portanto, já dissemos e não cansamos de repetir, a Vida é essenci-
almente dinâmica, sermos partícipes dela é o objetivo para o qual fo-
mos criados. Só vamos atingir plenamente esse objetivo através de
nosso aperfeiçoamento, e Deus em Sua sabedoria nos criou de tal for-
150
Atos, 17: 28

106
ma que só colaborando no aperfeiçoamento do outro realizamos o
nosso. Não esqueçamos, estamos cimentados uns aos outros através
do amor.
Se, como dissemos, cada um, em se tratando de sua evolução, só
pode realizar por si, é promovendo o outro, auxiliando sua edificação,
que efetivamente fazemos por nós. É este o perfeito equilíbrio entre
promoção pessoal e promoção do outro. Assim promovemos auto-rea-
lização.
Paulo, Espírito avançado que era, e inspirado pelo Senhor, sabia de
tudo isso e buscava orientar seus leitores e também discípulos, de
uma forma simples, para que estes assim fizessem. Deste modo, des-
cendo ao entendimento de cada um repete Jesus com outras pala-
vras: exortai-vos uns aos outros, trocando em miúdos, consolai-vos
uns aos outros, animai-vos uns aos outros, aconselhai-vos.
Só através da relação construtiva e positiva com os nossos seme-
lhantes é que poderemos exercitar e fixar em nós as virtudes liberta-
doras. Podemos aí parar para uma pausa e pensar, como tem sido a
nossa relação com as pessoas? Temos promovido o quê? A paz, o en-
tendimento, ou a polêmica? Como será que os outros têm nos senti-
do? Temos sido importantes para as pessoas com quem convivemos?
Estas são reflexões que temos de fazer dia a dia. É do resultado de-
las que vamos avaliar nosso atual momento evolutivo, e como tem
sido o nosso ajustamento à lei do progresso, seja na matéria ou em
espírito.
O texto continua e vai mais além. Edificai-vos uns aos outros; esta
é a Lei, realizemos visando a edificação. Isso a princípio parece muito
simples, e não deixa de ser, porém, é muito mais profundo do que
pensamos. Tenhamos por móvel de nossas ações o bem do outro, te-
nhamos alegria no progresso e na realização positiva de nosso próxi-
mo, e não tenhamos dúvida, estaremos comungando com o Criador,
Pai de todas as criaturas, e só assim, estaremos realizando a nossa
própria felicidade através de um destino mais seguro e confortável.
Jesus no o ensinamento de Seu “Novo Mandamento”, pôde dizer:
como eu vos amei; Paulo, cônscio de suas limitações, e praticando
sua humildade, sabedor que Jesus é que deve ser o modelo, não se
qualificou a tal prática, e mostrando-se um educador positivo, exortou
por sua vez seus leitores, como também o fazeis. Essa é também uma
grande lição, como temos educado e buscado ensinar aqueles que es-
tão sob nossa responsabilidade, incentivando-os naquilo que já possu-
em de melhor, ou salientando seus processos negativos e aprofun-
dando-os ainda mais em suas dificuldades?
Somos sim educadores, porque o semeador, que também somos
nós, saiu a semear, ensina-nos a parábola 151, e o mais eficiente instru-
mento didático da Vida é o amor, portanto, cultivemos este sentimen-

151
Cf. Mateus, 13: 3 e seguintes.

107
to, pois só com amor educaremos, seguindo assim, o exemplo Daque-
le que pelo menos deveríamos ter como Guia e Modelo.

E ROGAMO-VOS, IRMÃOS, QUE RECONHEÇAIS OS QUE TRABALHAM


ENTRE VÓS, E QUE PRESIDEM SOBRE VÓS NO SENHOR, E VOS
ADMOESTAM…

Em sua dinâmica de implantação do Evangelho, Paulo fundava


nova comunidade por onde passava; dava assistência aos neófitos
durante um período e depois deixava a cidade para fundar em outros
locais novos grupos de reflexões acerca do Evangelho.
É certo que tinha seus colaboradores mais próximos, e na ausência
do apostolo eram esses que lideravam as comunidades nascentes.
Se hoje, com todas as facilidades da vida moderna, grandes possi-
bilidades de comunicação, fácil locomoção, temos tanta dificuldade
no que diz respeito à divulgação da mensagem do Cristo, podemos no
mínimo imaginar quão grandes e muito maiores que as nossas, eram
as dificuldades destes primeiros líderes do movimento cristão.
Como Paulo tinha consciência de que esta carta, como outras que
escreveria, ia ser lida para todos os irmãos de fé, ele orienta que te-
nham consideração – reconheçais – para com os líderes nascentes –
os que trabalham entre vós….
O mesmo pensamento deve-se ter hoje em relação aos mensagei-
ros do Senhor que coordenam os trabalhos que participamos. Será
que já paramos para pensar no quanto temos sido beneficiados por
estudos, orientações, e até mesmo “puxões de orelha” que estes atu-
ais trabalhadores do Evangelho têm feito por nós? Quanto têm eles
renunciado em termos de convívio com a família, de momentos de la-
zer, tudo em benefício do Evangelho e de nosso bem estar?
Deste modo a orientação de Paulo serve para todos nós ainda hoje,
pois reconhecer os que trabalham entre nós em nome do Senhor, é o
mínimo que podemos fazer como gratidão a estes bandeirantes do
Evangelho.
Quando a posição é inversa, ou seja, quando somos nós os traba-
lhadores da Seara do Pai Maior, não exijamos, no entanto, reconheci-
mento e gratidão; saibamos reconhecer as dificuldades de cada um, e
se realmente temos consciência de que presidimos no Senhor, sabe-
mos que automaticamente seremos os primeiros beneficiados e ali-
mentados pelo próprio Senhor para quem trabalhamos; pois se um
patrão em nosso mundo atual, que pensa em primeiro lugar nos seus
próprios lucros está começando a entender que é dando melhores
condições de vida a seus empregados que vai mais facilmente con-
quistar seus objetivos, o que não devemos esperar do Senhor da Vida,
que reina através da Misericórdia e do atendimento ao bem comum?

108
Assim, sejamos eternamente gratos, sem exigir gratidão; sirvamos
sempre, sem todavia, aguardarmos facilidades ou reconhecimento
por parte daqueles a quem servimos; estar maduro para a vida, é
amar sem exigir ser amado. Se assim o fizermos estaremos gravitan-
do na órbita do Cristo, e em sã consciência, se for essa a nossa postu-
ra, nos faltará algo de que venhamos a necessitar?
O Senhor é meu pastor diz o Salmo, e podemos, captando o pensa-
mento do salmista completar: Ele não nos faltará…

…E QUE OS TENHAIS EM GRANDE ESTIMA E AMOR, POR CAUSA DA


SUA OBRA. TENDE PAZ ENTRE VÓS.

Paulo aprofunda neste ponto ainda mais, o sentimento que deve-


mos ter para com estes trabalhadores que nos ladeiam em nome do
Cristo. Se no verso anterior ele fala em reconhecimento, aqui ele
pede estima e amor, isto é, um amor especial. É que podemos ter re-
conhecimento, ter realmente grande consideração por alguém, mas
não nos dispormos a expressar por este alguém sentimento de amor,
o que é diferente. Amor exige de nós um apagar dos interesses pes-
soais em favor do amado, e é isso que Paulo motiva a trabalharmos
em favor uns dos outros, pois além de assim retribuirmos o que estes
têm feito por nós, agindo deste modo estaremos alcançando a condi-
ção de bem aventurados no Reino do Senhor; e esse é sinceramente
o desejo de Paulo e de todos trabalhadores do Evangelho em favor de
seus adeptos.
Outro ponto a considerar na colocação do apóstolo é o motivo des-
se amor; por causa da sua obra.
Muitos leitores rápidos do texto evangélico têm interpretado de for-
ma errônea o pensamento de Paulo dizendo ter ele afirmado que o
que vale é a fé e não as obras, chegando mesmo a criar um confronto
doutrinário entre Paulo e Tiago quando este afirma que a fé sem ob-
ras é morta152.
É preciso desconhecer a vida de Paulo para fazer esta afirmativa,
Paulo foi um dos discípulos de Jesus que mais se preocupou em ter
obras dignas do verdadeiro Cristão, e não só isso, buscou orientar a
todos para que assim também fizessem. Quando Paulo fala na justifi-
cação pela fé não está desprezando as obras, e comparado com Tia-
go, os dois estão falando de coisas distintas, e não, se confrontando,
como pensam os criadores de polêmicas em torno do Evangelho.
Paulo aqui é claro, tenham reconhecimento, estima e amor a esses
líderes cristãos, por causa da sua obra, ou seja, por seu trabalho de
dedicação e amor à causa do Cristo que outra não é senão a do aper-
feiçoamento moral das criaturas.

152
Cf. Tiago, 2: 17 e 26

109
Estejamos atentos a este ponto, a causa do Cristo não é a sua dou-
trina, mas as pessoas; essas são as que verdadeiramente importam,
a realização de cada um para Deus; a doutrina é simplesmente o ins-
trumento didático para que cada um atinja o desiderato da Vida.
Paulo termina o versículo expressando para todos o sincero desejo
de paz e harmonia, e pelo que conhecemos do pensamento deste
cristão essencial, a paz que ele deseja não é a do mundo, ociosa, mas
a do Cristo, do trabalho constante em favor do Bem. É sem possibili-
dade a paz íntima para aquele que não tem a consciência tranqüila do
dever cumprido. E já meditamos cada um de nós na extensão do que
é dever para aquele que aderiu às propostas do Carpinteiro de Naza-
ré?

ROGAMO-VOS TAMBÉM, IRMÃOS, QUE ADMOESTEIS OS DESORDEI-


ROS, CONSOLEIS OS DE POUCO ÂNIMO, SUSTENTEIS OS FRACOS E
SEJAIS PACIENTES PARA COM TODOS.

Paulo mostra aqui mais uma vez o que já comentamos, o compro-


misso que cada um tem de auxiliar na edificação uns dos outros.
Admoestar é avisar (alguém) da incorreção de seu modo de agir,
pensar; advertir (alguém) de maneira branda (sobre alguma coisa);
aconselhar153.
Qualquer grupo que formamos com qualquer objetivo que seja, até
mesmo para nos dedicarmos ao Evangelho, é diverso; somos pessoas
em vários estágios da evolução. Se já existem entre nós os disciplina-
dos há também os desordeiros. Como aquele que se propõe a uma re-
forma através do Evangelho tem no crescimento espiritual o maior
objetivo, ele não se importa com a advertência daquele que neste
ponto já realizou conquistas, deste modo, quando for o caso, não nos
acanhemos, admoestemos os desordeiros, no entanto tenhamos cau-
tela, como vimos, admoestar é advertir de forma branda, e para que
assim realizemos não podemos abrir mão do afeto na relação com es-
tes a serem advertidos.
Consoleis os de pouco ânimo; havia àquele tempo com há ainda
hoje os que se deixam abater com mais facilidade. O Evangelho, prin-
cipalmente quando interpretado à luz dos conhecimentos espíritas, é
altamente consolador, cabendo aos seus profitentes exercerem com
estes, de pouco ânimo, esta virtude tão desejada entre os cristãos.
Estejamos atentos pois este é um dos principais deveres daquele que
já assimilou os ensinamentos evangélicos; e se para nós ainda não é
uma vivência natural, exercitemos, para que num futuro próximo es-
pontaneamente assim possamos nos comportar com todos.
Sustenteis os fracos; às vezes consolar não basta, é preciso susten-
tar estes que se encontram em momentos de fraqueza. Se no consolo
há o nosso carinho, aqui há também a doação; é a nossa entrega em
153
(HOUAISS, 2001)

110
auxílio destes que necessitam se firmar no bem. É através do exercí-
cio cristão que fixaremos em nós as virtudes a serem conquistadas.
Sejais pacientes para com todos; a conquista da paciência para
com todos, principalmente para com aqueles que nos são desafetos,
fala-nos do domínio que alcançamos sobre as nossas próprias imper-
feições e sobre os nossos estados de mais acentuada animalidade.
Como este é o principal objetivo de nossa vida, faz-se necessário es-
tarmos atentos para o cultivo desta prática. Paulo como educador da
alma, missão essa que recebeu do Cristo, não podia deixar de acon-
selhar-nos quanto a esta qualidade a ser buscada sempre, por isso
nos diz com clareza:
…sejais pacientes para com todos.

VEDE QUE NINGUÉM DÊ A OUTREM MAL POR MAL, MAS SEGUI, SEM-
PRE, O BEM, TANTO UNS PARA COM OS OUTROS COMO PARA COM
TODOS.

Como temos visto Paulo buscava orientar seus seguidores para que
estes tivessem um comportamento baseado na moral superior ensi-
nada pelo Cristo.
Aqui ele faz lembrar a todos da recomendação de Jesus grafada por
Mateus no capítulo cinco de suas anotações evangélicas:
Ouvistes que foi dito: Olho por olho e dente por dente.
Eu, porém, vos digo que não resistais ao mal; mas, se
qualquer te bater na face direita, oferece-lhe também a
outra154;
Os ensinamentos antigos recomendavam o uso da lei de talião,
onde o mal deveria ser retribuído também com o mal.
Jesus mudou a forma de compreender a vida, e ensinou-nos que
devemos sempre agir visando o bem de todos, sejam eles quem fo-
rem, independente de como comportam-se conosco.
Até hoje não compreendemos bem o avanço que significou a pre-
sença de Jesus entre nós, visto que, mesmo na atualidade, dois milê-
nios depois de sua vinda, ainda temos a tendência de usar para com
todos a lei do olho por olho, dente por dente.
Paulo como bom discípulo que era do Meigo Rabi, buscava orientar
os seus a seguirem Jesus: ninguém dê a outrem mal por mal, ou seja,
não temos nenhuma desculpa para o nosso comportamento vingativo
para com as pessoas, pois há dois mil anos já aprendemos o caminho
correto para o nosso equilíbrio.
Muitas vezes tentamos justificar o nosso modo de proceder negati-
vo como sendo uma reação ou uma necessidade dos tempos atuais,
porém, devemos compreender de uma vez por todas, que o cristão

154
Mateus, 5: 38 e 39

111
não é aquele que se justifica por não se comportar devidamente, por-
que o outro anteriormente não foi correto para com ele, mas o que
quebra o círculo vicioso do mal pela prática do bem.
Não importa como ajam conosco, nosso dever é ser um represen-
tante do Evangelho através do nosso modo de proceder. Esse com-
portamento não é bom para o outro por sermos pacífico com ele, é
antes, importante e precioso para nós mesmos, visto que de acordo
com a Lei da Vida temos exclusivamente do que damos.
Assim, nosso dever cristão é seguir sempre o bem, e o advérbio
usado não deixa dúvida de quando devemos assim agir, é sempre; e
tanto uns para com os outros, como para com todos, isto é, na comu-
nidade, no grupo dos afins, mas também entre os desafetos. É que
desde os tempos de Moisés já se pregava o amor ao próximo, porém
o conceito de próximo era bem limitado, representava somente os
afins. Jesus veio justamente ampliar esta dimensão, próximo são to-
dos os filhos de Deus a quem tivermos a oportunidade de servir e re-
lacionar; e também a qualidade do bem a fazer se amplia na medida
em que reconhecemos todos como filhos do mesmo Pai e conseqüen-
temente irmãos de uma mesma família chamada Humanidade.
Este é o resumo da filosofia cristã, como vemos não é nada com-
plexo nem impossível, muito pelo contrário, é, não só desejável, mas
também bom se assim procedermos.

REGOZIJAI-VOS SEMPRE. ORAI SEM CESSAR. EM TUDO DAI GRAÇAS,


PORQUE ESTA É A VONTADE DE DEUS EM CRISTO JESUS PARA
CONVOSCO.

Estes são três versículos curtos, porém de grande importância e


profundidade. Nossa análise, como temos feito, será individual.
Regozijai-vos sempre; o apóstolo convida a todos os cristãos a es-
tarem sempre alegres.
É muito comum nos meios onde é cultivada a religião cristã, a idéia
de que é preciso sofrer para atingir uma condição mais tranqüila em
matéria de espiritualidade. Outros acham a vida uma imensa tristeza,
todavia, dizem compreender esta necessidade, por isso suportam
tudo com resignação.
Não estamos aqui para criticar ninguém que assim pensa, pois é
preciso mesmo ser resignado e não se deixar abater com as contrari-
edades. Todavia não podemos deixar de fazer uma análise mais am-
pla da questão.
Nosso querido Chico Xavier certa vez foi questionado sobre qual se-
ria o nome de Jesus se reencarnasse entre nós, ao que ele rapidamen-
te respondeu que seria “alegria” o novo nome de nosso incomparável
Mestre.

112
Com isso aprendemos que ser cristão não é estar sempre triste su-
pervalorizando as dificuldades que muitas vezes temos de passar,
mas muito pelo contrario administrá-las com alegria por serem elas
oportunidades para uma possibilidade evolutiva melhor. Se temos
consciência de que o mais importante é o fator espiritual, por que en-
tão tanto sofrer com as limitações materiais ou pelas contrariedades
que dizem respeito somente ao que é transitório?
Assim, como nos orienta o importante discípulo de Gamaliel, esteja-
mos sempre alegres, pois, se analisarmos bem, há sempre motivos de
regozijo em nossa vida.
Orai cem cessar; esta é uma outra prática comum nos meios cris-
tãos, e trata-se de ótima recomendação. Todavia é preciso compreen-
der seu significado sem nenhuma espécie de fanatismo religioso.
Somos, no mundo em que vivemos, um Ser que transita entre as
condições de espírito e matéria. Se temos uma constituição física com
que nos devemos preocupar, temos também uma natureza espiritual,
aliás mais importante, que não podemos esquecer. Portanto, se culti-
vamos alimento e lazer que agradam aos nossos componentes físico-
químicos, por que não pensar também em alimentar e fortalecer nos-
so Ser espiritual?
A prece, como todo trabalho no bem, é significativo alimento para
nossa alma; é um canal direto de comunicação com Deus. Todo sofri-
mento e dor por que passamos acontecem simplesmente porque nos
afastamos de Deus, se temos uma ótima oportunidade de a Ele nos
integrarmos novamente, por que duvidarmos e desprezarmos tal
oportunidade?
Assim, aprendamos a orar, oremos, e estaremos sempre cultivando
a alegria de estar em comunhão com o Criador que é o Pai Eterno de
nossas vidas. Esta é uma possibilidade que não depende de ninguém,
não custa algo que não podemos pagar, por isso está ao alcance de
qualquer um de nós; portanto, não percamos a oportunidade, escute-
mos com carinho o alerta de quem sabe: orai sem cessar.
Em tudo daí graças. É necessário e importante que sejamos agra-
decidos. O Criador do Universo é nosso Pai, Ele é amor e misericórdia,
deste modo, dá-nos do melhor sempre; entendamos isso e seremos
plenamente felizes. Tudo o que nos acontece é o melhor que pode
acontecer para nós visando a nossa plenitude espiritual, portanto,
mudemos a ótica pela qual analisamos os eventos que nos aconte-
cem, pois esta é a Vontade de Deus, e a Vontade de Deus é sempre o
melhor para todos nós.
Isto não é de nenhum modo uma visão conformista, é muito pelo
contrário um entendimento tão amplo capaz de nos fazer transformar
tudo à nossa volta. E transformar, inclusive, e principalmente, a nós
mesmos, jamais pode ser tido como conformismo, é antes uma revo-
lução interior, revolução tão ampla que capaz de transformar todo o
Universo.

113
É deste modo que devemos entender o que Jesus disse, quando nos
afirmou que poderíamos realizar tudo o que Ele realizou e muito
mais…
O próprio Paulo nos alerta em versículo já por nós analisado (1Ts,
4: 3), que a Vontade de Deus é a nossa santificação. Não esqueça-
mos, a Vontade de Deus é Lei, e será feita; portanto, não ofereçamos
a Ela resistência, deixemos que ela se realize em paz e para o nosso
bem.
Ao dizer que esta é a vontade de Deus em Cristo, Paulo se expres-
sa da forma mais pura que conseguiu sobre o quanto será o melhor
para todos nós. Assim, ajustemo-nos a Ela.

NÃO EXTINGAIS O ESPÍRITO. NÃO DESPREZEIS AS PROFECIAS. EXAMI-


NAI TUDO. RETENDE O BEM. GUARDAI-VOS DE TODA ESPÉCIE DE MAL.

A comunicação com os Espíritos não foi invenção do Espiritismo,


ela sempre existiu, em todos os tempos.
Nas primeiras comunidades cristãs tais ocorrências se davam natu-
ralmente, e era comum o que hoje chamamos de prática mediúnica.
O livro Atos dos Apóstolos narra uma imensidade de fatos desta natu-
reza.
Paulo aborda o assunto com maior profundidade na 1 a carta aos co-
ríntios, mais especificamente nos capítulos de 12 a 14, texto este que
é visto por muitos espíritas como sendo o primeiro livro dos médiuns.
Mostrando-nos assim, que a mediunidade é uma força natural e deve
ser bem aproveitada visando o crescimento pessoal e o esclarecimen-
to de todos.
Esta carta que ora estamos estudando, como já dissemos, é o pri-
meiro documento escrito do Novo Testamento e Paulo aqui já aborda
o assunto nos falando da necessidade dos cristãos de se orientarem
com os Espíritos.
Não extingais o espírito, diz ele, como a nos ensinar a não abrir
mão das orientações daqueles que já desencarnaram que por esta-
rem em condições de melhor analisar os fatos podem por isso nos ori-
entarem melhor.
Este era um fato tão comum entre os cristãos, que além de Paulo,
como já informamos, ter escrito um outro texto para regulamentar
como se daria tal comunicação, o apóstolo João também diria a todos
não acreditais em qualquer espírito, mas examinai os espíritos para
ver se são de Deus.155
Ora, se a prática mediúnica não fosse comum entre os primeiros
cristãos, por que então estas orientações?

155
1 João, 4: 4

114
O Espiritismo tem o dever de reviver as primeiras práticas cristãs,
aliás esta foi uma das características que Jesus destacou do Consola-
dor:
…ele vos fará lembrar de tudo quanto vos tenho dito.156
Deste modo, relembrando Paulo, podemos também dizer aos cris-
tãos atuais, não extingais o Espírito, pois é extremamente importante
para os encarnados como para os desencarnados, este intercâmbio
tão produtivo desde que observado o alerta de João, que aliás, é o
mesmo de Kardec: examinai os Espíritos para ver se são de Deus.
E para que não ficasse qualquer dúvida acerca do que estava falan-
do, o apóstolo da gentilidade continua: Não desprezeis as profecias;
isto é, não desprezeis o conteúdo da revelação feita pelos Espíritos.
Ele mesmo em várias ocasiões se orientou pelas indicações que vi-
nha do plano espiritual; em Atos, 13: 4 temos:
…enviados, pois, pelo Espírito Santo, eles desceram até
Selêucia.
Neste mesmo livro, no capítulo 18 mais uma vez o plano superior
orienta o apóstolo:
…uma noite, disse o Senhor a Paulo em visão: não te-
mas, continua a falar e não te cales eu estou contigo, e
ninguém porá a mão sobre ti para fazer-te mal…
E outra vez conforme narra Lucas, entre outras tantas, uma noite
apareceu-lhe um anjo de Deus que o disse:
Não temas, Paulo. Tu deves comparecer perante César,
e Deus te concede a vida de todos os que navegam
contigo…157
Todavia, adiantando o que João diria mais tarde, Paulo orienta: exa-
minai tudo, retende o bem, a nos alertar para a necessidade de dis-
cernirmos sobre as orientações e sobre as comunicações que recebe-
mos, pois conforme Kardec nos orienta, os Espíritos imperfeitos conti-
nuam imperfeitos no outro lado da vida, os maus também fazem mal-
dade por lá; portanto, tomemos cuidado também com o que vem dos
Espíritos. Entretanto, este não é um cuidado que devemos ter só com
a literatura que vem dos Espíritos, mas com tudo de um modo geral;
a Doutrina Espírita é uma doutrina que nos orienta a pensar e a usar
de lógica e bom senso em tudo, assim, examinemos tudo o que nos é
oferecido, retendo somente o que for bom, usando só do que for con-
veniente ao nosso crescimento espiritual, é o próprio Paulo que em
outro momento nos lembra:
Todas as coisas me são lícitas, mas nem todas as coi-
sas convêm; todas as coisas me são lícitas, mas nem
todas as coisas edificam.158

156
Cf. João, 14: 26
157
Atos, 27: 23 e 24
158
1 Coríntios, 10: 23

115
Guardemo-nos assim de qualquer espécie de mal, lembrando sem-
pre que o mal é tudo o que se opõe à Lei de Deus.

O DEUS DA PAZ VOS CONCEDA SANTIDADE PERFEITA; E QUE O VOS-


SO SER INTEIRO, O ESPÍRITO, A ALMA, E O CORPO SEJAM
GUARDADOS DE MODO IRREPREENSÍVEL PARA O DIA DA VINDA DE
NOSSO SENHOR JESUS CRISTO.

A vontade de Deus é Lei, ela sempre se cumprirá. Ela promove


sempre o Bem, gere com perfeição tudo, para que todo o fim da cria-
ção se dê de forma mais produtiva possível. Por isso, Deus o Criador
de tudo é o Deus da paz, pois Ele sempre proporciona o melhor para
as criaturas visando o ajustamento de cada um para o bem de todos.
Deus concede sempre para todos nós a santidade através de opor-
tunidades que visam sempre a nossa evolução, no entanto é preciso
que reconheçamos isso afim de realizarmos este progresso em nós
sem gerarmos qualquer tipo de conflito íntimo. A dinâmica da Vida
opera sempre para a edificação e reconhecermos isso é um grande
ganho, uma prova de amadurecimento.
Paulo nos fala da santidade perfeita, significando nossa santificação
completa, e para isso ele se refere já àquele tempo ao homem inte-
gral que viria mais tarde a ser amplamente estudado pelo espiritismo.
Vosso ser inteiro, é o homem trino detalhado por Kardec como sen-
do formado por espírito, perispírito e corpo físico , que na linguagem
de Paulo era espírito, alma e corpo. Nomenclatura às vezes diferente,
mas com o mesmo sentido.
Essa evolução do ser através deste processo que visa sempre a es-
piritualização de todos, é o caminho e o preparo para que atinjamos a
condição de estarmos preparados de forma irrepreensível para o dia
da vinda do Senhor, com a túnica nupcial de cada um conforme a
simbologia usada por Jesus.
Paulo conhece todo esse mecanismo e busca esmiuçar o ensina-
mento para todos possam compreender.

QUEM VOS CHAMOU É FIEL, E É ELE QUE VAI AGIR.

Ao dizer quem vos chamou o apóstolo está se referindo a Deus que


é o promotor da evolução e Aquele que por processos inacessíveis ao
homem trouxe cada um de nós para o aqui e agora.
Dizendo que Deus é fiel, Paulo não está referindo a uma qualidade
de Deus, como se o Criador pudesse não tê-la, pois mais do que ser
fiel, Deus é a própria fidelidade na medida em que Ele é Uno, e sua
Lei um Princípio Único que não pode ser derrogado.

116
Ao dizer que Deus é fiel, Paulo traduz para nós, Espíritos imperfei-
tos, esta qualidade da Lei de ser imutável em todas as dimensões pe-
las quais possa ser entendida.
Esta Lei age na intimidade de todos os acontecimentos levando
tudo e todos sempre para frente e para o alto. É esta Perfeição Única
que promove a recuperação dos tecidos, a conexão entre as criaturas
dos diversos reinos da natureza, a edificação de todos…
O Reino de Deus é a cada instante implementado na intimidade de
cada um através desta Lei; tudo o que se corrompeu se regenera e
retorna às origens. Esta é a Perfeição do Criador.

ORAI POR TODOS NÓS IRMÃOS. SAUDAI A TODOS OS IRMÃOS COM ÓS-
CULO SANTO.

Continuando sua oração e despedida nesta carta, Paulo pede aos ir-
mãos de Tessalônica que orem uns pelos outros. Esta era uma prática
constante do cristianismo nascente e que até hoje é praticada pelos
seguidores do Mestre nazareno. Paulo sabia do poder da oração e re-
comendava sempre esta prática por si mesmo, mas acima de tudo de
forma altruística, pois sabia que do mesmo modo que aquele que
acende da vela é o primeiro a ser iluminado, aquele que ora pelo ou-
tro é o que recebe primeiro os seus benefícios. Assim, se ele queria o
bem dos discípulos orientava a estes que orassem, pois desta forma
entravam em sintonia com o Eterno, sendo portanto abençoados.
Do mesmo modo orientava a todos o cultivo do afeto, e a expres-
são ósculo santo diz bem deste sentimento de afetividade que deve
ser cultivado entre todos nós os servidores do Evangelho.
É cada vez mais comum, infelizmente, a desarmonia entre os parti-
cipantes da comunidade espírita por vários motivos. Entretanto, não
há justificativa para que assim nos comportemos, pois o exemplo da-
queles que nos antecederam na prática cristã, desde os tempos apos-
tólicos iniciais, é o do cultivo da relação amorosa uns com os outros.
O mesmo hoje pode se visto na literatura espírita quando narra para
nós o relacionamento entre espíritos instrutores das colônias espiritu-
ais.
Assim, tenhamos atenção, pois o próprio Jesus já nos ensinava:
Nisto reconhecerão todos os que sois meus discípulos,
se tiverdes amor uns pelos outros.159

CONJURO-VOS NO SENHOR, QUE ESTA CARTA SEJA LIDA A TODOS OS


IRMÃOS.

Paulo sabia da importância que tinha o texto de suas epístolas para


as comunidades cristãs - ele tinha consciência que elas eram inspira-
159
João 13, 35

117
das pelo próprio Cristo -, por isso pedia que elas fossem lidas para ou-
tros irmãos. (cf. Colossenses, 4:16; 2 Coríntios, 1: 1).
Estas eram não só lidas como também estudadas, conforme pode-
mos notar na segunda epístola de Pedro.160
Aqui também temos de levar em conta o seguinte dado histórico:
Se hoje com o avanço das possibilidades de comunicação, existe uma
grande parte da humanidade que é analfabeta, e outra não menor
parte que sabe ler, mas que não consegue entender o que lê, imagine
como era nos primeiros séculos de nossa era, quando ainda não exis-
tia a imprensa e raríssima era a oportunidade de se ter um livro?
O Cristianismo do primeiro século era por demais inclusivo, assim,
criava oportunidades para que todos participassem em condições de
aprender e de aproveitar os ensinamentos de alto alcance filosófico.
Também no Apocalipse vamos encontrar citações destas leituras pú-
blicas :
Bem aventurado aquele que lê, e os que ouvem as pa-
lavras desta profecia…161
Assim, Paulo dissemina a mensagem que lhe era inspirada, ensi-
nando a todos os cristãos de hoje e de todos os tempos a cultivar o
estudo do Evangelho de forma pública, seja em números maiores ou
menores, conforme a oportunidade.
Nós, espíritas, que temos a consciência de nossa responsabilidade
no que se refere ao ide e pregai o Evangelho… não podemos abrir
mão de tal prerrogativa, assim, busquemos não só incentivar, mas
também, até mesmo, solicitar que em todas as casas espíritas da Pá-
tria do Evangelho possa ser cultivado o estudo sincero e metódico
deste livro que é sem dúvida a carta magna da libertação de todos
nós: o Evangelho.
E após estas inspiradas linhas o apóstolo se despede desejando o
melhor para todos:
A graça de nosso Senhor Jesus Cristo esteja convosco.

160
2 Pedro, 3: 15 e 16
161
Apocalipse, 1: 3

118
Bibliografia

A Bíblia de Jerusalém. São Paulo, Ed. Paulinas, 1992.


ALMEIDA, João Ferreira de. A Bíblia, 74ª Impressão, Rio de Janeiro,
Imprensa Bíblica Brasileira.1991.
HOUAISS, Antônio. Diocionário Eletrônico da Língua Portuguesa, versão
1.0. Editora Objetiva, 2001.
KARDEC, Allan. A Gênese, 26ª Ed. Rio de Janeiro, FEB, 1984.
---------- O Evangelho Segundo o Espiritismo, 104ª ed. Rio de Janeiro,
FEB, 1991.
---------- O Livro dos Espíritos. 50ª ed., Rio de janeiro, FEB, 1980.
ROHDEN, Huberto. Paulo de Tarso - O Maior Bandeirante do Evangelho,
São Paulo, Ed. Martin Claret, 2005.
XAVIER, Francisco C. / Emmanuel (Espírito), Paulo e Estevão, 41ª Ed.,
Rio de Janeiro, FEB, 2004.
MARIA DE NAZARÉ: A EDUCADORA DE JESUS

Ao escrever o seu Evangelho, Mateus compreendeu a


inspiração que lhe vinha do Alto, de que um espírito vir-
ginal tinha sido escolhido para vir a ser mãe do Mestre.
Um espírito virginal é aquele que, através de sucessi-
vas e incontáveis reencarnações, torna-se isento das
máculas da matéria – (Eliseu Rigonatti, O Evangelho
dos Humildes)

(…) Esta interpretação dá uma razão de ser toda natu-


ral ao dogma da Imaculada Conceição, do qual o ceti-
cismo tanto tem zombado. Esse dogma estabelece que
a mãe do Cristo não estava manchada pelo pecado ori-
ginal; como pode ser isto? É muito simples: Deus envi-
ou um Espírito puro, não pertencente à raça culpada e
exilada, para se encarnar sobre a Terra e nela cumprir
essa augusta missão; do mesmo modo que, de tempos
em tempos, envia Espíritos superiores para nela se en-
carnarem, para darem um impulso ao progresso e
apressar o seu adiantamento. Esses Espíritos são, sobre
a Terra, como o venerável pastor que vai moralizar os
condenados em sua prisão, e mostrar-lhes o caminho
da salvação. (Allan Kardec, Ensaio Sobre a
Interpretação da Doutrina dos Anjos Decaídos, Revista
Espírita, Janeiro de 1862)

I Parte

Quem foi Maria?

Falar de Maria de Nazaré, a mãe de Jesus, não é fácil devido a falta


de informações que temos dela, e entre as que temos poucas são
confiáveis, isentas e imparciais do ponto de vista religioso.
Estão no Novo Testamento, apesar de raros, os melhores esclareci-
mentos que temos da Mãe de nosso Senhor Jesus.
Nós, os espíritas, ainda temos o privilégio de termos algumas ano-
tações vindas do Plano Espiritual que nos ajudam a esclarecer sobre a
grande evolução e a missão deste nobre Espírito.
Não temos informação de como foi sua infância, nem de sua ado-
lescência; a tradição cristã nos informa que Maria era filha de Joaquim
e Ana. Seus pais eram judeus e pelo que podemos depreender dos
textos do Evangelho formavam uma família simples e praticantes fieis
de seus princípios religiosos.
Provavelmente nasceu entre os anos 18 e 20 a.C., e como era habi-
tual àquele tempo, deve ter casado por volta de seus 14 anos, às ve-
zes até antes.
Os historiadores do cristianismo apontam como data provável do
nascimento de Jesus o ano 6 a.C., o Espírito Humberto de Campos
através da mediunidade de Francisco Cândido Xavier define o ano 5
a. C. como sendo o correto para a vinda do Cristo à carne 162. O casa-
mento de Maria deve ter acontecido de seis meses a um ano do nas-
cimento de seu primogênito.
Outra questão que não temos como certa é se Maria teve ou não
outros filhos além de Jesus. O Evangelho não é totalmente claro a res-
peito; Mateus fala que Jesus teve irmãos e irmãs, e até dá o nome de
seus irmãos163. Entretanto, em hebraico ou em aramaico, os primos
também eram chamados de irmãos.
Muitos estudiosos contestam esta questão de os supostos irmãos
de Jesus serem seus primos. Afirmam estes que é uma realidade que
o termo hebraico designava tanto irmão quanto primo, porém ressal-
tam que o Evangelho foi escrito em grego, e no grego temos duas pa-
lavras distintas, adelphos, para irmão, e anepsios que é literalmente
primo. Portanto, insistem, se os autores do Novo Testamento, que à
época sabiam se eram primos ou realmente irmãos, quisessem falar
em primos, usariam anepsios e não adelphos164.
Outro argumento a favor de serem irmãos é que na maioria das ve-
zes em que eles são citados no Evangelho estão acompanhados de
Maria; por que, perguntam, eles estariam sempre acompanhados da
tia? Entretanto, há argumentos fortes também, por parte daqueles
que defendem que Maria e José não tiveram outros filhos, como o fato
de Jesus ter, no momento da crucificação entregado Maria – sua mãe
- a João, o discípulo amado, para que este tomasse conta dela a partir
de então. Se formassem uma família numerosa, com vários outros fi-
lhos, não seria natural que estes cuidassem de Maria?
Há uma terceira hipótese, menos comentada e menos provável, a
de que José ao casar com Maria já teria outros filhos de casamento
anterior, e estes é que seriam os irmãos de Jesus.
Como este não é o objetivo principal deste estudo, não vamos mais
nos ocupar com este tema. No judaísmo era comum o casal ter mui-

162
XAVIER, Francisco C. / Humberto de Campos. Crônicas de Além Túmulo, cap.
15, Rio de Janeiro, FEB, 1937.
163
Cf. Mateus, 12: 46 e Mateus, 13: 55 e 56. Ver também Marcos, 6: 3
164
Existem controvérsias. Segundo PASTORINO, Carlos Torres. Sabedoria do
Evangelho Vol. 8. Rio de Janeiro: Sabedoria, 1967, Pg. 197, a palavra adelphos “ir-
mão”, referia-se também a “primos”, e ainda cita vários autores profanos como He-
ródoto, Thucidides, etc. onde isto acontecia.

121
tos filhos, era uma benção de Deus, o que faz crer a alguns que José e
Maria seriam pais de uma prole maior; todavia, não há esta necessi-
dade, a família de Jesus era sem dúvida uma família especial, e pode-
ria, portanto, ser diferente das demais sem nenhum desmerecimento
para eles.
O certo, é que Maria era um Espírito de altíssima evolução, um dos
mais puros que encarnou neste Orbe governado espiritualmente por
Seu Filho Jesus.

A Gravidez Virginal

Outro tema polêmico e complexo é o da gravidez de Maria que al-


guns creem ter acontecido sem contato sexual entre ela e José, seu
marido.
Dissemos ser complexo, porque tudo o que dissermos a respeito
não passa de opinião pessoal, já que não temos condições de provar
nem a tese da gravidez virginal nem a da gravidez comum.
Mesmo o Espiritismo não elucida o tema, não há informações confi-
áveis a respeito. Para um assunto de tal complexidade teríamos que
retomar o Controle Universal do Ensino dos Espíritos 165, o que foi por
nós abandonado há muito tempo.
Como dissemos, as melhores informações que temos tanto sobre
Jesus, quanto sobre Maria, são as narradas nos Evangelhos. E o que
dizem eles a respeito?
Marcos e João não comentam nada a respeito, Mateus e Lucas são
claros: Maria e José não tiveram contato sexual antes da concepção
de Jesus.
As igrejas cristãs ligadas ao catolicismo e à reforma protestante de-
fendem a literalidade dos Evangelhos. Segundo os adeptos da primei-
ra, Maria era virgem antes e continuou após o nascimento de Jesus.
Para os seguidores da reforma, pelo menos os atuais, Maria era vir-
gem ao conceber Jesus, porém após o nascimento deste teve relações
normais com seu marido, tendo, inclusive, outros filhos.
Dentro do Espiritismo, que tem por norma uma investigação mais
segura baseada em padrões científicos, as opiniões são divididas, uns
creem como os cristãos tradicionais, outros não aceitam a gravidez
virginal.
Dizem os defensores desta última hipótese que as narrativas dos
Evangelhos a respeito do nascimento de Jesus são expressões de um
simbolismo profundo, e que nada têm de históricas.
Pode ser, aliás, todo o Evangelho tem um conteúdo simbólico de
grande profundidade, entretanto, cremos, que o simbolismo do Novo
Testamento – a não ser no caso das parábolas - tem por princípio
165
Cf. KARDEC, Allan. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 104a ed., Rio de Janei-
ro, FEB, 1991. Introdução, item II

122
eventos reais, e não acontecimentos imaginados. Jesus escolhia mo-
mentos, lugares, personagens, didaticamente perfeitos para seus en-
sinamentos, mas antes de buscarmos o conteúdo espiritual de suas li-
ções, é preciso que compreendamo-las em seu sentido literal, históri-
co e cultural, só a partir daí devemos buscar seu sentido espiritual.
Não estamos com este argumento defendendo a gravidez sem con-
tato sexual, como dissemos, o tema é complexo e deverá ser melhor
estudado hoje e no futuro.
Estes que defendem a gravidez natural de Maria e o relacionamen-
to sexual dela com seu marido antes da fecundação de Jesus, partem
do princípio de que se assim não fosse estaria sendo ferida uma Lei
Universal, e Espíritos Superiores jamais derrogam uma lei qualquer
que seja, antes, cumprem-na com fidelidade.Têm razão, porém, será
que uma gravidez sem contato sexual fere alguma Lei Natural? Não
temos hoje vários exemplos de gravidez gerada em laboratório?
Estamos tentando fazer uma análise espírita do tema, e deste pon-
to de vista, a ciência do Mundo Espiritual mesmo no tempo de Jesus
era muito superior à nossa atual do mundo em que vivemos, e se esta
pode algo fazer, aquela podia com muito mais facilidade. Assim, uma
fecundação espiritual para Jesus, não é algo que fere nenhum princí-
pio de ciência segundo cremos. Voltamos a repetir, não estamos com
isto dizendo que assim se deu, só estamos analisando possibilidades.
De onde surgiu esta idéia de uma gravidez virginal?
Na literatura pagã há muitos casos de nascimentos virginais, al-
guns heróis dos clássicos gregos e romanos eram semideuses, ou
seja, filhos de Deus com uma mulher carnal. Há também na Bíblia
Hebraica nascimentos sob a intervenção divina.
No caso de Jesus a idéia surge num texto de Isaías. Segundo a nar-
rativa do livro deste profeta temos:
Eis que a virgem conceberá, e dará à luz um filho, e
chamará o seu nome Emanuel.166
Porém, a palavra hebraica usada por Isaías que traduzida deu vir-
gem é almah que significa literalmente mulher jovem em idade para
casar ou recém casada. Quando se traduziu a Bíblia Hebraica para o
grego, na versão da Septuaginta, almah foi traduzida por parthenos.
“Parthenos” quer dizer tanto uma moça jovem, quanto uma mulher
que nunca teve relação sexual com homem, é como no português fa-
lado no Brasil a palavra “moça”, que tem tanto o sentido de uma mu-
lher jovem, como a que ainda não teve relações sexuais.
Assim, no texto original de Isaías não é passado esta idéia de vir-
gindade, mas que uma jovem geraria o Messias.
Portanto, a dúvida continuará e só com o nosso amadurecimento
espiritual, o que se dará em paralelo ao desenvolvimento moral, tere-
mos melhores condições de analisar o fato.
166
Isaías, 7: 14

123
O que importa para nós é que Maria era virgem no sentido de fideli-
dade a Deus. Os antigos profetas várias vezes se referem a Israel
como um “prostituta” por ter sido esta nação infiel à aliança feita com
Deus. Virgem é o oposto de prostituta, dentro deste contexto é justa-
mente ser fiel à Divindade.
Neste sentido Maria de Magdala ao ser desligada de seus obsesso-
res e se converter ao Cristo, tornou-se uma grande virgem do Novo
Testamento, e nós se quisermos também gerar em nós o “Filho do
homem”, ou o homem novo, teremos que, do mesmo modo nos tor-
narmos virgens, sem pecado.

Maria era culta ou iletrada?

Esta é outra questão que não é fácil de ser respondida.


Nos dias de hoje dizemos que uma pessoa é culta se ela tem o há-
bito de ler e estudar, se tem muita informação intelectual. Entretanto,
no que diz respeito ao primeiro século de nossa era o julgamento não
pode ser feito desta forma.
Neste século, o marcado pela vida física de Jesus, grande era o per-
centual de analfabetismo. Quase não haviam livros para serem lidos,
e era caríssima a produção de um, desta forma, não era qualquer
pessoa que tinha acesso a livros, sendo assim, poucos sabiam ler, e
muito menos ainda os que tinham o hábito de estudar como fazemos
hoje.
Porém, não podemos dizer por isso que eram mal informados os
habitantes da Palestina daquela época. O processo de aprendizado
era diferente, o que tínhamos era uma cultura oral; as cartas de Paulo
eram lidas na comunidade cristã através de uma leitura coletiva, mui-
tos apenas ouviam o que este valoroso apóstolo escreveu.
Tal hábito fazia com que a memória destes que se dedicavam ao
estudo das escrituras fosse de grande capacidade, pois era preciso
saber os textos de cor já que nem sempre era possível lê-los.
Portanto, saber ler não era pré-requisito para se ter cultura. Além
disso, em se tratando de uma mulher na palestina no tempo de Jesus,
eram bem poucas as chances de que a ela fosse dada a oportunidade
de saber ler.
Assim, do ponto de vista de percentuais, grande é a chance de Ma-
ria não ter sido alfabetizada, o que não estamos querendo dizer com
isso, que não tenha sido. Apenas dizemos de probabilidades.
O que é certo, e podemos dizer com total segurança, é que a Mãe
de Nosso Senhor tinha grande cultura, e muito mais ainda, uma cultu-
ra espiritual, uma espiritualidade inteligente.
Muitos chegam a dizer que Maria teria sido educada no Templo,
que era não só boa leitora, como também, boa redatora. É possível,
porém, não certo. Não estamos querendo trabalhar com hipóteses.

124
No tempo de Maria, o judaísmo não era simplesmente uma religião,
era uma cultura. Entre os hebreus não se podia escolher a que religi-
ão seguir, simplesmente eram judeus. Não havia shoppings, cinemas,
teatros, ou outras diversões quaisquer, o que havia era uma sinago-
ga, e que todos frequentavam, a sinagoga era a vida das pessoas. Na-
zaré era uma pequena cidade, a sinagoga deveria ser próximo de
tudo, e era ali onde eles aprendiam e praticavam seus princípios de
moral elevada.
Como dissemos Maria era um Espírito elevado e sem comprometi-
mentos no campo expiatório, por isso aprendia fácil, com certeza me-
morizava bem, e vivenciava o que aprendia, não era culta dentro de
nosso padrão atual, era sábia.
Por que podemos dizer isso com certeza? O Evangelho nos dá mos-
tra disso a toda hora, e além do mais, Maria foi a educadora do maior
Sábio de todos os tempos, e só isso bastaria para dizer que ela foi en-
tre todas a melhor educadora.

Magnificat

Em se tratando de um estudo sobre Maria, o Magnificat, merece um


capítulo à parte, é um dos mais belos textos de todo Novo Testamen-
to, só Lucas entre os evangelistas, e numa entrevista pessoal com a
mulher de José, teria a capacidade de registrar para a posteridade tão
belo poema, e que prova tudo o que dissemos anteriormente, a espi-
ritualidade inteligente e equilibrada desta que sem a menor dúvida é
a nossa Senhora.
Imagino a beleza da cena, aquela que é a mãe de todos os que so-
frem, cantando este lindo poema para o médico amigo de Paulo. Ela
deve ter dito de cor, pois o sabia de coração, e ele, que à época não
tinha gravador de voz, deve ter tido dificuldade para anotar, pois
deve ter se emocionado ao extremo, talvez ela tenha repetido para
ele várias vezes:
Minha alma engrandece o Senhor, e meu espírito exulta
em Deus em meu Salvador, porque olhou para a humil-
de posição de sua serva.
Sim! Doravante as gerações todas me chamarão de
bem aventurada, pois o Todo-Poderoso fez grandes coi-
sas em meu favor.
Seu nome é santo e sua misericórdia perdura de gera-
ção em geração, para aqueles que o temem.
Agiu com a força de seu braço. Dispersou os homens de
coração orgulhoso.
Depôs poderosos de seus tronos, e a humildes exaltou.
Cumulou de bens a famintos e despediu ricos de mãos
vazias.
Socorreu Israel, seu servo, lembrado de sua misericór-

125
dia – conforme prometera a nossos pais – em favor de
Abraão e de sua descendência para sempre! 167
Não pretendemos neste momento estudar minuciosamente estes
versos, mas não podemos deixar de destacar a cultura espiritual de
Maria.
Ela abre o texto falando de sua comunhão com Deus de uma forma
que só Jesus falará mais tarde. Coloca-se em sua digna posição de
serva e assim se faz grande, engrandecendo o Senhor através de sua
vivência em harmonia com Ele.
Ela faz uma síntese do Antigo Testamento, mostrando seu perfeito
conhecimento de toda Escritura.
Sintetiza também a religião das boas obras e a Lei de Deus que ali-
menta aquele que se faz dependente Dele, e despede os que se
acham ricos e que têm as mãos ociosas.
Dissemos no parágrafo anterior que ela faz uma síntese magistral
do Antigo Testamento. O Magnificat tem dez versículos, nestes, ela
faz quinze citações do Antigo Testamento os harmonizando com pro-
funda sabedoria.
Só quem conhecia e bem as Escrituras, e tinha uma espiritualidade
superior poderia construir esta oração. A seguir vamos destacar cada
versículo e as citações a que se referem no texto da Bíblia Hebraica.

46. Minha alma engrandece o Senhor,


O meu coração exulta ao SENHOR (I Samuel, 2: 1)
47. E meu espírito exulta em Deus em meu Salvador,
Regozijar-me-ei muito no SENHOR, a minha alma se alegrará no meu
Deus; porque me vestiu de roupas de salvação, (Isaías, 61: 10)
Todavia eu me alegrarei no SENHOR; exultarei no Deus da minha sal-
vação. (Habacuc, 3: 18)
48.Porque olhou para a humilde posição de sua serva. Sim! Dora-
vante as gerações todas me chamarão de bem aventurada,
SENHOR dos Exércitos, se benignamente atentares para a aflição da
tua serva, e de mim te lembrares, e da tua serva te não esqueceres, e
lhe deres um filho varão, ao SENHOR o darei por todos os dias da sua
vida, e sobre a sua cabeça não passará navalha. (I Samuel, 1: 11)
Então disse Lia: Para minha ventura; porque as filhas me terão por
bem-aventurada; e chamou-lhe Aser. (Genesis 30:13)
49. Pois o Todo-poderoso fez grandes coisas em meu favor. Seu
nome é santo
Redenção enviou ao seu povo; ordenou a sua aliança para sempre;
santo e tremendo é o seu nome. (Salmo, 111:9)
50.E sua misericórdia perdura de geração em geração, para aqueles
que o temem.
Mas a misericórdia do SENHOR é desde a eternidade e até a eternida-
167
Lucas, 1: 46 a 55

126
de sobre aqueles que o temem, e a sua justiça sobre os filhos dos fi-
lhos; (Salmo, 103: 17)
51.Agiu com a força de seu braço. Dispersou os homens de coração
orgulhoso.
Tu quebraste a Raabe como se fora ferida de morte; espalhaste os
teus inimigos com o teu braço forte. (Salmo, 89:10)
52. Depôs poderosos de seus tronos, e a humildes exaltou.
Aos sacerdotes, leva-os despojados do seu cargo e aos poderosos
transtorna. (Jó, 12: 19)
53.Cumulou de bens a famintos e despediu ricos de mãos vazias.
Pois fartou a alma sedenta, e encheu de bens a alma faminta. (Salmo,
107: 9)
54. Socorreu Israel, seu servo, lembrado de sua misericórdia
Porém tu, ó Israel, servo meu, tu Jacó, a quem elegi descendência de
Abraão, meu amigo; tu a quem tomei desde os fins da terra, e te cha-
mei dentre os seus mais excelentes, e te disse: Tu és o meu servo, a
ti escolhi e nunca te rejeitei. (Isaías 41:8-9 8)
Lembrou-se da sua benignidade e da sua verdade para com a casa de
Israel; todas as extremidades da terra viram a salvação do nosso
Deus. (Salmo, 98:3)
55.– conforme prometera a nossos pais – em favor de Abraão e de
sua descendência para sempre!
E abençoarei os que te abençoarem, e amaldiçoarei os que te amaldi-
çoarem; e em ti serão benditas todas as famílias da terra. (Gênesis
12:3)
Porque toda esta terra que vês, te hei de dar a ti, e à tua descendên -
cia, para sempre. (Genesis 13:15)
E em tua descendência serão benditas todas as nações da terra; por-
quanto obedeceste à minha voz. (Genesis 22:18)
É importante imaginar como foi a cena em que tal evento ocorreu.
Narra-nos Lucas que após Maria receber o aviso através do anjo, a
respeito de sua concepção, que diga-se de passagem era um aviso
mediúnico, e não fica nenhuma dúvida quanto a isso, ela se dirigiu a
uma cidade de Judá para fazer uma visita a sua prima Isabel.
Esta cidade foi identificada segundo uma tradição do século V
como sendo Ain Karim, e situava-se a aproximadamente 6 Km de Je-
rusalém.
A viagem de Nazaré a Ain Karim, segundo alguns autores, se fazia
em quatro ou cinco dias. Como? Provavelmente no lombo de um ani-
mal. Era, portanto, uma viagem através de uma estrada ruim, cansa-
tiva, principalmente para quem estava nas primeiras semanas de gra-
videz. Maria devia ter a esta época algo em torno de 14 anos. Ela
deve ter chegado à casa de sua prima, extenuada.

127
Diz o Evangelista que ao entrar na casa de Zacarias, saudou Isa-
bel168; Isabel, ouviu a saudação e exclamou o que no futuro viria a ser
uma conhecida prece: Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o
fruto de teu ventre!169. E após ouvir a prima Maria profere o belíssimo
poema-oração a que estamos nos referindo. Ou seja, ela teve a capa-
cidade de fazer a genial síntese, o poema magnífico, em uma condi-
ção de extremo cansaço, em condições físicas precárias, mesmo as-
sim ela se manifestou em profunda harmonia espiritual.
Nós quando estamos cansados perdemos a criatividade e até mes-
mo a capacidade de pensar com inteligência, queremos repor as
energias e só depois realizar algo que exija um trabalho mais elabora-
do.
Voltemos à nossa questão inicial, era Maria culta ou iletrada? Não
sabemos, porém, podemos com certeza dizer: “era sábia”, e uma sa-
bedoria de profunda significação espiritual.

Como foi a educação de Jesus?

Este é um tema que buscaremos desenvolver melhor na segunda


parte deste estudo, porém aqui gostaríamos de fazer reverência a ou-
tro personagem de grande importância neste processo: José, o pai de
Jesus.
É comum no meio cristão evidenciar a evolução de Maria, o que é
certo, entretanto, desconsiderar a de seu marido, o que não é corre-
to.
Se Maria teve uma grande contribuição no processo de educação 170
de Jesus, o mesmo podemos dizer em relação a José, pois temos a
certeza, sem querer fazer qualquer comparação, ser ele um Espírito,
também, de grande evolução.
Queremos citar neste momento apenas uma referência de Emma-
nuel, este guia nosso para todas as horas, a respeito deste respeitá-
vel personagem da Galileia. Reflitamos sobre as próximas palavras ci-
tadas neste estudo:
É preciso, porém, observar que, a par de beneficiários
ingratos, de ouvintes indiferentes, de perseguidores
cruéis e de discípulos vacilantes, houve um homem in-
tegral que atendeu a Jesus, hipotecando-lhe o coração
sem mácula e a consciência pura.
José da Galileia foi um homem tão profundamente espi-
ritual que seu vulto sublime escapa às análises limita-

168
Lucas, 1: 40
169
Idem, Ibidem, 42
170
Temos usado esta expressão por não encontrar no momento outra melhor, to-
davia não sabemos se é certo falar em educação em relação a Jesus, que era um
Espírito Puro mesmo encarnado, e que segundo Emmanuel não sofreu as restrições
comuns a qualquer um de nós ao tomar um corpo de carne.

128
das de quem não pode prescindir do material humano
para um serviço de definições.
Já pensaste no cristianismo sem ele?
Quando se fala excessivamente em falência das criatu-
ras, recordemos que houve tempo em que Maria e o
Cristo foram confiados pelas Forças Divinas a um ho-
mem.171
O Espírito Humberto de Campos, através da mediunidade de Chico
Xavier172, nos relata da preocupação dos pais de Jesus com a sua edu-
cação. Eles tinham a intuição de sua missão e a ciência de parte de
suas necessidades, por isso preocupavam-se em preparar o menino
para o cumprimento dos desígnios superiores.
Narra-nos este Espírito, importante diálogo entre Maria e sua prima
Isabel, do qual citamos pequeno trecho, a respeito do tema do prepa-
ro dos filhos para o cumprimento dos propósitos do Pai:
Ainda há alguns dias, estivemos em Jerusalém, nas co-
memorações costumeira, e a facilidade de argumenta-
ção com que Jesus elucidava os problemas, que lhe
eram apresentados pelos orientadores do templo, nos
deixou a todos receosos e perplexos. Sua ciência não
pode ser deste mundo: vem de Deus, que certamente
se manifesta por seus lábios amigos da pureza. Notan-
do-lhe as respostas, Eleazar chamou a José, em particu-
lar, e o advertiu de que o menino parece haver nascido
para a perdição de muitos poderosos em Israel.
Com a prima a lhe escutar atentamente a palavra, Ma-
ria prosseguiu, de olhos úmidos, após ligeira pausa:
Ciente desse aviso, procurei Eleazar, a fim de in-
terceder por Jesus, junto de suas valiosas rela-
ções com as autoridades do templo. Pensei na
sua infância desprotegida e receio pelo seu futu-
ro. Eleazar prometeu interessar-se pela sua sorte; to-
davia, de regresso a Nazaré, experimentei singular mul-
tiplicação dos meus temores.
Conversei com José, mais detidamente, acerca do
pequeno, preocupada com o seu preparo conve-
niente para a vida!... Entretanto, no dia que se se-
guiu às nossas íntimas confabulações, Jesus se aproxi-
mou de mim, pela manhã, e me interpelou: “Mãe, que
queres tu de mim? Acaso não tenho testemunhado a
minha comunhão com o Pai que está no Céu!
Altamente surpreendida com a sua pergunta, respondi-
lhe, hesitante: Tenho cuidado por ti, meu filho! Re-
conheço que necessitas de um preparo melhor
para a vida... Mas, como se estivesse em pleno co-
171
XAVIER, Francisco C. / Emmanuel (Espírito). Levantar e Seguir, São Bernardo
do Campo, GEEM, 1992, cap. 6
172
XAVIER, Francisco C./Humberto de Campos. Boa Nova, 14a ed., Rio de Janeiro,
FEB, 1982, cap. 2

129
nhecimento do que se passava em meu íntimo, ponde-
rou ele: “Mãe, toda preparação útil e generosa no mun-
do é preciosa; entretanto, eu já estou com Deus. Meu
Pai, porém, deseja de nós toda a exemplificação que
seja boa e eu escolherei, desse modo, a escola melhor.
No mesmo dia, embora soubesse das belas promessas
que os doutores do templo fizeram na sua presença a
seu respeito, Jesus aproximou-se de José e lhe pediu,
com humildade, o admitisse em seus trabalhos. Desde
então, como se nos quisesse ensinar que a melhor es-
cola para Deus é a do lar e a do esforço próprio con-
cluiu a palavra materna com singeleza —, ele aperfei-
çoa as madeiras da oficina, empunha o martelo e a
enxó, enchendo a casa de ânimo, com a sua doce ale-
gria! (Os grifos são nossos)
Percebemos neste singelo diálogo o cuidado dos pais de Jesus com
sua educação. Ele por sua vez tinha a perfeita consciência do que era
o mais importante: eu escolherei, desse modo, a escola melhor.
Como nos comportaríamos na mesma situação? Se tivéssemos um
filho deste nível tentaríamos impor as nossas ideias ou saberíamos re-
conhecer sua superioridade não atrapalhando o seu
desenvolvimento?

Como Maria encarava sua missão?

Seria a mãe de Jesus totalmente consciente de seu papel diante da


vida?
Não há como saber ao certo esta resposta, tudo o que dissermos a
respeito não passará de opinião e dedução pessoal a partir de alguns
textos.
Maria era um Espírito de grande evolução, voltamos a dizer, e sabe-
mos pela orientação da Codificação Espírita, que quanto mais o Espíri-
to é evoluído mais tem consciência de sua tarefa. Assim, deduzimos
que a consciência de Maria a respeito de sua missão era acima da
média, porém não total. Todo Espírito ao encarnar perde parte de sua
lucidez de acordo com o estágio em que se encontra.
Apesar de Maria ser um Espírito com uma tarefa especial, e como
dissemos, de alta hierarquia, esta perda se deu com ela também.
Depreendemos, assim, que ela tinha uma grande intuição, tanto de
seu papel, quanto do de Jesus, e o texto do Evangelho nos mostra que
ela foi informada a respeito, porém, não na totalidade dos aconteci-
mentos.
Humberto de Campos, na obra citada, e no mesmo diálogo de Ma-
ria com Isabel, relata a fala da mãe de Jesus:
(…) constantemente, ando a cismar, em relação ao seu
destino.
Apesar de todos os valores da crença murmurou Isabel,

130
convicta —, nós, as mães, temos sempre o espírito aba-
lado por injustificáveis receios.
Se Maria fosse plenamente consciente não teria esta cisma nem se-
ria abalada por estes receios.
Mostra-nos ainda o mesmo autor espiritual em outra página, que a
mãe de nosso Senhor ao saber de sua prisão, confiou em Deus, toda-
via, empreendeu esforços e orou ao Pai na esperança de que o pior
não acontecesse e Jesus fosse solto. Quando seu filho foi entregue a
Herodes, chegou a pensar:
Naturalmente, Deus modificaria os acontecimentos, to-
cando a alma de Ântipas.173
E mesmo quando já parecia consumado o assassinato, ao vê-lo ver-
gado ao peso da cruz, lembra-se de Abraão quando este conduzira o
filho ao sacrifício, e da ação de Deus salvando-o, e pensa:
Certamente o Deus compassivo escutava-lhe as súpli-
cas e reservava-lhe [a Jesus] júbilo igual.174
Só depois, ao ver o filho morto, foi que recordou a visita do anjo no
momento da anunciação. Devem ter passado em sua mente, com a
rapidez de um relâmpago, todas as cenas de sua existência; rememo-
rando, percebeu o quanto sua vida e a do filho estavam ligadas numa
missão maior em nome de Deus. Ela sofria, mas os desígnios do Alto
se cumpriram, a treva havia sido iludida, vencera a luz, suas preces
foram ouvidas, não segundo seus anseios de mãe e sim de acordo
com os planos divinos175. E em sua mente lembrou também de suas
próprias palavras anteriormente ditas: Eis aqui a serva do Senhor176

Maria: Mãe de Toda Humanidade

Uma passagem do Evangelho que nos traz significativos pontos


para reflexão é a da crucificação de Jesus, mais especificamente se-
gundo a narrativa de João que cita a presença da Mãe do Messias no
evento que marcou os momentos finais Dele na carne.
Segundo o redator do quarto Evangelho:
Perto da cruz de Jesus, permaneciam de pé sua mãe, a
irmã de sua mãe, Maria, mulher de Clopas, e Maria Ma-
dalena. Jesus, então, vendo sua mãe e, perto dela, o
discípulo a quem amava, disse à sua mãe: “Mulher, eis
o teu filho!” Depois disse ao discípulo: “Eis a tua mãe!”
E a partir dessa hora, o discípulo a recebeu em sua
casa.177
173
XAVIER, Francisco C./Irmão X. Lázaro Redivivo, Rio de Janeiro, FEB, 1945, cap.
2
174
Idem, ibidem.
175
id., ib.
176
Lucas, 1: 38
177
João, 19: 25 a 27

131
Já de início vemos na narrativa algo que serve para nós do sexo
masculino nos envergonharmos diante da situação. Jesus teve mais
próximo de si doze discípulos homens. Se descontarmos Judas Iscario-
tes que se afastou do grupo no final para entregar a Jesus, ainda res-
taram onze. E de todos estes seus amigos apenas João esteve presen-
te no momento de sua crucificação. Ao contrário, muitas mulheres,
também suas seguidoras, se fizeram presente no instante final, pres-
tando solidariedade e sofrendo junto.
Depreendemos daí, e notamos isto no dia a dia, mesmo hoje, que a
mulher é muito mais corajosa que o homem. Há exceções, todavia, no
geral, elas enfrentam certos momentos de tensão com maior superio-
ridade espiritual do que nós.
Cremos, sem querer fechar a questão sobre o assunto, e principal-
mente aqui no caso da crucificação, que o que deu coragem a estas
fieis seguidoras de Jesus foi o sentimento de amor que já possuíam
como virtude conquistada, sentimento este que na maioria das vezes
têm elas mais do que nós do sexo masculino.
Segundo a observação de alguns estudiosos da área da psicologia,
o oposto de amor não é ódio, e sim medo, pois o temor é paralisante,
estático, enquanto amor é movimento, dinamismo. O medo não deixa
o amor se expressar e o amor dissolve o medo.
Não temos dúvida de que foi o sentimento nobre que já possuíam
que deu coragem àquelas mulheres; os homens, mais afeitos ao raci-
ocínio, pensaram mais no perigo que corriam e afastaram-se.
Temos aprendido a ver que entre os doze da intimidade de Jesus,
João, o filho de Zebedeu, era o que tinha mais destacado o sentimen-
to de amor. Não é outro o motivo de ser ele conhecido como o discí-
pulo amado. Neste caso não havia nenhum privilégio, apenas cumpri-
mento da Lei, a cada um segundo as suas obras, aquele que mais
ama é mais amado.
Assim, foi também o sentimento de amor mais desenvolvido que
deu coragem a este discípulo e que o fez estar com as mulheres nos
momentos finais do Mestre entre nós fisicamente.
O mais significativo, entretanto, nesta passagem, é o ensinamento
transmitido por Jesus ao dizer a sua mãe: “Mulher, eis o teu filho!” e
depois a João: “Eis a tua mãe!”
Mulher; o uso desta forma de tratar é comum na narrativa de
João178 e sugere que Jesus nos fala de algo que vai além da piedade fi-
lial; o que ele ensina é a adoção de um amor capaz de fortalecer os
laços da família universal, não deve haver mais uma distinção que
leve em conta os familiares de sangue, mas uma união de todos os fi-
lhos de Deus.

178
Cf. João, 2: 4

132
Maria surge então como uma “nova” Eva. Esta é segundo os textos
do Antigo Testamento a mãe de todos os viventes 179, Maria seria a
Mãe de toda a humanidade convertida a Cristo.
Do mesmo modo que Paulo refere-se a Cristo como o segundo
Adão, ou o último Adão180, Maria seria a segunda Eva. Se a primeira in-
duziu a humanidade à queda por meio da influência negativa da Ser-
pente, a segunda nos leva à redenção atendendo um convite também
mediúnico, o que o anjo fez para que acolhesse Jesus como filho.
No primeiro caso temos uma mediunidade desequilibrada, no se-
gundo santificada pela fidelidade a Deus; no primeiro a indução à de-
sobediência, no segundo a submissão a um programa do Alto.
Eu sou a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a
tua palavra!181
Maria seria, assim, uma Eva sublimada.
Há outro texto no Gênesis que faz uma relação entre Eva e Maria
que nos ajudará a desenvolver nosso raciocínio. Trata-se do momento
em que Deus, na linguagem simbólica da literatura hebraica, adverte
a Serpente:
Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descen-
dência e o seu descendente. Este te ferirá a cabeça, e
tu lhe ferirás o calcanhar. 182
Algumas traduções falam “entre a tua semente [da Serpente] e a
sua semente” [da mulher], entretanto o termo hebraico usado para
semente é masculino. Como semente neste caso tem o significado de
descendência, em português pode-se usar a forma masculina seu
descendente.
A Serpente é símbolo do mal, as religiões viram-na como o “Diabo”,
o Maligno. A descendência da Serpente é assim toda sorte de erros
cometidos pelo homem, fruto da transgressão inicial induzida por ela
mesma, a Serpente.
Através desta transgressão foi rompida a Aliança do homem com
seu Criador. Numa abordagem que não vamos aprofundar aqui por
não ser o objetivo principal deste estudo, a Serpente representa os
Espíritos desencarnados ainda arraigados no mal e que procuram dis-
tanciar o homem do Bem. Ela age por influência espiritual. No plano
físico quem primeiro captou sua influência negativa foi Eva induzindo
Adão à queda.
Quem restabelecerá o elo de ligação do homem com Deus, que tra-
rá a ele a redenção é Jesus, o descendente de Maria.

179
Gênesis, 3: 20
180
1 Coríntios, 15: 45 a 47
181
Lucas, 1: 38
182
Gênesis, 3: 15

133
Assim, vemos Maria como o resgate de Eva, se através desta veio a
queda, Maria nos proporciona através de sua maternidade a oportuni-
dade da salvação.
Neste sentido é que fazendo uma relação com o texto de Paulo aos
coríntios, onde ele propõe Jesus como o segundo Adão, propusemos
Maria como a “segunda” Eva.

Maria e João. O Trabalho da Mãe Após o Desencarne do Filho

Segundo a narrativa de João já citada neste estudo, após o momen-


to da crucificação de Jesus, o Discípulo Amado, acolheu a mãe do
Mestre em sua casa183.
A literatura espírita confirma este acontecimento, porém diz que tal
acolhimento não se deu imediatamente, mas algum tempo depois.
Quem nos dá a notícia é o Espírito Humberto de Campos através da
mediunidade do cândido Chico Xavier184.
Segundo este autor espiritual, após a morte de seu filho Maria foi
morar na Bataneia onde tinha alguns parentes próximos, na realidade
familiares de José.
Em Jerusalém o clima não estava bom, cristãos e judeus viviam em
luta. Mesmo entre os próprios seguidores de Jesus haviam dissensões
inadequadas; a Mãe de nosso Senhor precisava de um pouco de paz
para se recuperar dos momentos dolorosos do calvário.
Passado algum tempo, João, que nunca esquecera das observações
de Jesus no momento da crucificação, aparece na Bataneia oferecen-
do à Mãe que aprendera a amar, o refugio amoroso de sua prote-
ção185.
Conta o apóstolo, que havia se instalado em Éfeso, Cidade da Lídia,
na costa ocidental da Ásia Menor, onde as ideias cristãs ganhavam
terreno entre as almas devotadas e sinceras.
O filho de Zebedeu vinha buscá-la, andariam ambos na mesma as-
sociação de interesses espirituais. Seria seu filho desvelado…
A demora em buscar a Mãe Santíssima se dera devido ao fato dele
não ter ainda uma casa, mesmo que simples, para acomodá-la. Tendo
agora resolvido esta questão graças à generosidade de um cristão
que lhe doara uma casinha onde poderiam morar, viera rapidamente
buscá-la, iniciariam uma nova era de amor, na comunidade universal.
Maria aceitou a oferta e se instalou junto de seu novo filho em Éfe-
so, e, além de cultivar as lembranças de Jesus, iniciaram importante
trabalho de evangelização na região. Ela atendia em sua própria casa
aos necessitados que lá iam em busca de consolo e até mesmo de

183
Cf. João, 19: 27
184
XAVIER. F. C. / Humberto de Campos (Espírito)1982, cap. 30
185
Idem, Ibidem

134
cura de algumas enfermidades; ele por sua vez cuidava mais especifi-
camente do esclarecimento evangélico comentando sobre os ensina-
mentos recebidos de Jesus.
Narra Emmanuel186, que Paulo de Tarso visitou Maria nesta casinha
singela e que ficou impressionado com a sua humildade. Desejou re-
ceber dela informações sobre Jesus de tal modo que pudesse escre-
ver um Evangelho contando a história do Mestre e ampliar seus ensi-
namentos.
Paulo não pôde realizar este desejo, entretanto, encarregou a seu
amigo de confiança, Lucas, a tarefa de realizar o projeto de escrever
um Evangelho com as informações fornecidas pela mãe de Jesus.
Conta-nos ainda Emmanuel que na despedida de Paulo, em Éfeso,
antes de seu martírio em Jerusalém, Ela também, mesmo que em ida-
de avançada, compareceu para levar uma palavra de amor 187 a este
desbravador de corações em favor do Evangelho.
O trabalho em Éfeso cresce em grandes proporções o que obriga
João a se ausentar repetidas vezes da residência humilde deixando
Maria muitas vezes só no atendimento dos necessitados, ela já bem
idosa não se cansa e trabalha ininterruptamente em favor dos infeli-
zes apascentando as ovelhas de Seu filho amado.
É Humberto de Campos188 quem nos informa que em seus momen-
tos finais no corpo cansado, fisicamente estava só, mas que o próprio
Jesus veio buscá-la. Ela ao reconhecê-lo, com imensa alegria fez men-
ção em ajoelhar-se aos seus pés, ele a impediu, e por sua vez foi
quem ajoelhou nomeando-a conforme a vontade de Deus, Rainha dos
anjos no Reino do Eterno.
Maria desencarnou…

Maria no Plano Espiritual

O Espiritismo como ciência que estuda o plano físico e o homem, o


plano espiritual e os Espíritos que o compõem, e as relações entre os
dois, pôde com autoridade nos informar a respeito das atividades do
nobre Espírito Maria no Plano Espiritual.
Sabemos que quanto mais o Espírito é evoluído, mais ele trabalha
no Plano Maior da Vida. Espíritos ainda materializados que somos,
após o desencarne necessitamos de um período de adaptação à nova
vida, isto é comum a todos, e esta adaptação, segundo nos informam
os próprios Espíritos, tem o tempo maior ou menor de acordo com a
condição evolutiva moral e espiritual de cada um.

186
XAVIER F. C. / Emmanuel (Espírito). Paulo e Estevão, 41ª ed. Rio de Janeiro,
FEB, 2004. Cap. 7
187
XAVIER F. C. / Emmanuel (Espírito) 2004, 2ª Parte, cap. 7.
188
XAVIER F. C. / Humberto de Campos (Espírito) 1982. Cap. 30

135
Na condição mediana em que nos encontramos, mostra-nos a lite-
ratura espírita a necessidade de que o Espírito alterne momentos de
trabalho com momentos de descanso, pois tendo em seu corpo espiri-
tual, ainda, elementos materiais, mesmo que em outra dimensão, ne-
cessita de refazimento e recomposição energética. Todavia há Espíri-
tos que, de tão grande sua evolução, jamais descansam, trabalham
ininterruptamente.
Pelo que podemos depreender através de nossas reflexões este é o
caso de Maria de Nazaré, aquela escolhida pelo Pai para ser a mãe do
Espírito mais nobre que nosso orbe já conheceu.
No livro Boa Nova, no citado capítulo que narra sobre o seu desen-
carne temos que o primeiro desejo da Mãe do Salvador após deixar o
corpo físico foi rever a Galiléia com os seus sítios preferidos 189. Bastou
desejar e lá estava ela revendo o lago de Genesaré e toda sua bela
paisagem.
Neste instante lembrou dos discípulos que eram já e este tempo
perseguidos pela fúria humana ainda dissociada do Bem, e desejou
abraçá-los fortalecendo-os em suas lutas íntimas. É que já acontecia
por parte das autoridades do império romano as perseguições aos se-
guidores de Jesus, perseguições estas que levavam os cristãos autên-
ticos a grandes sacrifícios em favor do Evangelho. Bastou esta ex-
pressão de sua vontade e rapidamente se viu em Roma onde nos cár-
ceres do Esquilino centenas de seguidores de Seu Filho sofriam terrí-
veis constrangimentos.
Narra Humberto de Campos que imediatamente os condenados ex-
perimentaram no coração um consolo desconhecido.
E continuando a narrativa informa-nos o cronista do Mundo Invisí-
vel:
Maria se aproximou de um a um, participou de suas an-
gústias e orou com as suas preces, cheias de sofrimen-
to e confiança. Sentiu-se mãe daquela assembleia de
torturados pela injustiça do mundo. Espalhou a clarida-
de misericordiosa de seu Espírito entre aquelas fisiono-
mias pálidas e tristes.
Eram anciães que confiavam no Cristo, mulheres que
por ele haviam desprezado o conforto do lar, jovens
que depunham no Evangelho do Reino toda a sua espe-
rança. Maria aliviou-lhes o coração e, antes de partir,
sinceramente desejou deixar-lhes nos espíritos abatidos
uma lembrança perene. Que possuía para lhes dar? De-
veria suplicar a Deus para eles a liberdade?! Mas, Jesus
ensinara que com ele todo jugo é suave e todo fardo
seria leve, parecendo-lhe melhor a escravidão com
Deus do que a falsa liberdade nos desvãos do mundo.
Recordou que seu filho deixara a força da oração como
um poder incontrastável entre os discípulos amados.

189
XAVIER F. C. /Humberto de Campos (Espírito), 1982, cap. 30

136
Então, rogou ao Céu que lhe desse a possibilidade de
deixar entre os cristãos oprimidos a força da alegria.
Foi quando, aproximando-se de uma jovem encarcera-
da, de rosto descarnado e macilento, lhe disse ao ouvi-
do:
— “Canta, minha filha! Tenhamos bom ânimo!… Con-
vertamos as nossas dores da Terra em alegrias para o
Céu!…”
A triste prisioneira nunca saberia compreender o por-
quê da emotividade que lhe fez vibrar subitamente o
coração. De olhos extáticos, contemplando o firmamen-
to luminoso, através das grades poderosas, ignorando a
razão de sua alegria, cantou um hino de profundo e en-
ternecido amor a Jesus, em que traduzia sua gratidão
pelas dores que lhe eram enviadas, transformando to-
das as suas amarguras em consoladoras rimas de júbilo
e esperança. Daí a instantes, seu canto melodioso era
acompanhado pelas centenas de vozes dos que chora-
vam no cárcere, aguardando o glorioso testemunho.
Acrescenta ainda o autor espiritual que:
Logo, a caravana majestosa conduziu ao Reino do Mes-
tre a bendita entre as mulheres e, desde esse dia, nos
tormentos mais duros, os discípulos de Jesus têm can-
tado na Terra, exprimindo o seu bom ânimo e a sua ale-
gria, guardando a suave herança de nossa Mãe Santís-
sima.190
Notamos assim, que desde o primeiro momento no Plano Espiritual Maria, já consci-
ente, trabalha e intercede pelos sofredores buscando aliviá-los de suas dores e angústias,
sejam elas de natureza física ou espiritual.
Há belíssimo poema de Maria Dolores que conta-nos com todo liris-
mo o socorro de Maria ao Espírito Judas Iscariotes em momentos que
este sofria grave crise de consciência.
Citamo-lo a seguir:

RETRATO DE MÃE

Depois de muito tempo,


Sobre os quadros sombrios do Calvário,
Judas, cego no Além, errava solitário…
Era triste a paisagem,
O céu era nevoento…
Cansado de remorso e sofrimento,
Sentara-se a chorar…
Nisso, nobre mulher de Planos superiores,
Nimbada de celestes esplendores,
190
XAVIER F. C. /Humberto de Campos (Espírito), 1982, cap. 30.

137
Que ele não conseguia divisar,
Chega e afaga a cabeça do infeliz.
Em seguida, num tom de carinho profundo,
Quase que, em oração, ela lhe diz:
— Meu filho, por que choras?
Acaso, não sabeis? — replica o interpelado,
Claramente agressivo,
Sou um morto e estou vivo.
Matei-me e novamente estou de pé,
Sem consolo, sem lar, sem amor e sem fé…
Não ouvistes falar em Judas, o traidor?
Sou eu que aniquilei a vida do Senhor…
A princípio, julguei
Poder faze-lo rei,
Mas apenas lhe impus
Sacrifício, martírio, sangue e cruz.
E em flagelo e aflição
Eis a que a minha vida agora se reduz…
Afastai-vos de mim,
Deixai-me padecer neste inferno sem fim…
Nada me pergunteis, retirai-vos senhora,
Nada sabeis da mágoa que me agita,
Nunca penetrareis minha dor infinita…
O assunto que lastimo é unicamente meu…
No entanto, a dama calma respondeu:
— Meu filho, sei que sofres, sei que lutas,
Sei a dor que te causa o remorso que escutas,
Venho apenas falar-te
Que Deus é sempre amor em toda parte..
E acrescentou serena:
— A Bondade do Céu jamais condena;
Venho por mãe a ti, buscando um filho amado.
Sofre com paciência a dor e a prova;
Terás, em breve, uma existência nova…
Não te sintas sozinho ou desprezado.
Judas interrompeu-a e bradou, rude e pasmo:
— Mãe? Não me venhais aqui com mentira e sarcasmo.
Depois de me enforcar num galho de figueira,

138
Para acordar na dor,
Sem mais poder fugir à vida verdadeira,
Fui procurar consolo e força de viver
Ao pé da pobre mãe que me forjara o ser!…
Ela me viu chorando e escutou meus lamentos,
Mas teve medo de meus sofrimentos.
Expulsou-me a esconjuros,
Chamou-me monstro, por sinal,
Disse que eu era
Unicamente o Espírito do mal;
Intimou-me a terrível retrocesso,
Mandando que apressasse o meu regresso
Para a zona infernal, de onde, por certo, eu vinha…
Ah! detesto lembrar a horrível mãe que eu tinha…
Não me faleis de mães, não me faleis de amor,
Sou apenas um monstro sofredor…
— Inda assim — disse a dama docemente —
Por mais que me recuses, não me altero;
Amo-te, filho meu, amo-te e quero
Ver-te, de novo, a vida
Maravilhosamente revestida
De paz e luz, de fé e elevação…
Virás comigo à Terra,
Perderás, pouco a pouco, o ânimo violento,
Terás o coração
Nas águas de bendito esquecimento.
Numa nova existência de esperança,
Levar-te-ei comigo
A remansoso abrigo,
Dar-te-ei outra mãe! Pensa e descansa!…
E Judas, nesse instante,
Como quem olvidasse a própria dor gigante
Ou como quem se desagarra
De pesadelo atroz,
Perguntou: — quem sois vós?
Que me falais assim, sabendo-me traidor?
Sois divina mulher, irradiando amor
Ou anjo celestial de quem pressinto a luz?!…

139
No entanto, ela a fitá-lo, frente a frente,
Respondeu simplesmente:
—Meu filho, eu sou Maria, sou a mãe de Jesus.191

Maria dirige no Plano Espiritual várias organizações de socorro aos


necessitados. No livro Memórias de um Suicida192 de autoria do Espíri-
to Camilo Castelo Branco através da médium Yvonne do Amaral Perei-
ra, é-nos relatado o socorro realizado aos Espíritos que praticaram o
autoextermínio pela Legião dos Servos de Maria.
Trata-se de uma Legião de Espíritos dirigidos pelo Nobre Espírito
Maria que tem por finalidade socorrer aqueles que abreviaram volun-
tariamente a sua vida e por isso padecem atrozes dores no Mundo Es-
piritual. Há entre os servidores da Mãe do Senhor disciplina e amor no
auxílio a estes que sem dúvida são grandes necessitados de socorro
espiritual.
Dá-nos a conhecer ainda, este autor espiritual português, outras or-
ganizações chefiadas por este angelical Espírito como o Hospital Ma-
ria de Nazaré e a Mansão da Esperança.
Outras citações poderíamos fazer para falar do trabalho da Rosa de
Nazaré no Mundo do Espírito, entretanto, para encerrar estas singelas
linhas sobre seu trabalho no sentido de apascentar as ovelhas de Seu
Filho amado gostaríamos apenas de citar a referência de André Luiz
àqueles que em prece pedem o socorro da Senhora dos Anjos para o
alívio de seu coração.
Narra-nos este querido mentor estudando os processos de interces-
são no Mundo da Verdade que certa matrona chorava com paciência
e de joelhos diante de seu oratório particular quando seu orientador
sugeriu-o acompanhar as vibrações mentais da irmã em súplica:
(…) postar-nos-emos na retaguarda, de modo a não a
incomodar com a nossa presença. E, envolvendo-a nas
vibrações de nossa simpatia, assimilar-lhe-emos a faixa
mental, percebendo, com clareza, as imagens que ela
cria em seu processo pessoal de oração.
Obedecemos maquinalmente e, de minha vez, à medi-
da que concentrava a atenção naquela cabeça grisalha
e pendente, mais se alterava o estreito espaço do nicho
aos meus olhos...
Pouco a pouco, qual se emergisse da parede lirial, linda
tela se me desdobra à visão, tomada de espanto. Era a
reprodução viva da formosa escultura de Teixeira Lopes
193
, representando a Mãe Santíssima chorando o Divino

191
XAVIER F. C. / Espíritos diversos. Momentos de Ouro, São Bernardo do Campo,
GEEM, 1977 cap. 3
192
PEREIRA, Yvonne do Amaral. Memórias de um Suicida, Rio de Janeiro, FEB,
1955
193
António Teixeira Lopes, notável escultor português. (Nota do Autor espiritual.)

140
Filho morto... E as frases inarticuladas da veneranda
irmã em prece ressoavam-me nos ouvidos:
- "Mãe Santíssima, Divina Senhora da Piedade, compa-
dece-te de meus filhos que vagueiam nas trevas!... Por
amor de teu filho sacrificado na cruz, ajuda-me o espíri-
to sofredor para que eu possa ajudá-los...
Bem sei que por sinistro apego às posses materiais,
não vacilaram em abraçar o crime.
Em verdade, Senhora, são eles homicidas infortunados
que a justiça terrestre não conheceu... Por isso mesmo,
padecem com mais intensidade o drama das próprias
consciências, enleadas à culpa...”
Nesse ponto da petição, Silas tocou-nos, de leve, os
ombros, convidando-nos ao ensinamento devido e ex-
plicou:
- É uma pobre mãe desencarnada que roga pelos filhos
transviados nas sombras.
Invoca a proteção de nossa Mãe Santíssima, sob a re-
presentação de Senhora da Piedade, segundo a fé que
o seu coração pode, por enquanto, albergar, no âmbito
das recordações trazidas do mundo...
- Isso quer dizer que a imagem de nossa visão...
Esta observação ficou, porém, no ar, porque Silas com-
pletou, presto:
- É uma criação dela mesma, reflexo dos próprios pen-
samentos com que tece a rogativa, pensamentos esses
que se ajustam à matéria sensível do nicho, plasmando
a imagem colorida e vibrante que lhe corresponde aos
desejos.
E respondendo automaticamente às indagações que o
problema nos sugeria, continuou:
- Isso, contudo, não significa que a prece esteja sendo
respondida por ela mesma. Petições semelhantes a
esta elevam-se a planos superiores e aí são acolhidas
pelos emissários da Virgem de Nazaré, a fim de serem
examinadas e atendidas, conforme o critério da verda-
deira sabedoria.194

A Hora do Ângelus

Há entre os encarnados, principalmente os que adotam a fé católi-


ca, um importante momento do dia - às dezoito horas, quando a sua-
vidade do início da noite sugere momentos de reflexão - em que têm
o hábito de reverenciar a Mãe das mães.

194
XAVIER, Francisco C./André Luiz. Ação e Reação, 6a ed., Rio de Janeiro, FEB,
1978, cap. 11

141
A literatura espírita através da mediunidade de Yvonne do Amaral
Pereira195 nos sugere que esta reverência é fruto de um reflexo do Pla-
no Maior já que na Espiritualidade muitos Espíritos também reverenci-
am a Santa de Nazaré neste mesmo horário.
Conta-nos Camilo Castelo Branco que:
Do templo, situado na Mansão da Harmonia, região
onde se demoravam com freqüência os diretores e edu-
cadores da Colônia, partia o convite às homenagens
que, naquele momento, seria de bom aviso prestarmos
à Protetora da Legião a que pertencíamos todos – Maria
de Nazaré.
Pelos recantos mais sombrios da Colônia ressoavam en-
tão doces acordes, melodias suavíssimas, entoadas pe-
los vigilantes. Era o momento em que a direção geral
rendia graças ao Eterno pelos favores concedidos a
quantos viviam sob o abrigo generoso daquele reduto
de corrigendas, bendizendo a solicitude incansável do
Bom Pastor em torno das ovelhinhas rebeldes, tutela-
das da Legião de sua Mãe amorável e piedosa.
A narrativa continua na obra citada. Para nós importa comentar
apenas que devido ao grande número de Espíritos encarnados e de-
sencarnados envolvidos na prece neste mesmo momento, todos com
a mente voltada para uma espiritualidade edificante, cria-se no plane-
ta uma excelente vibração onde os Espíritos trabalhadores da Seara
do Cristo encontram subsídios para realizar trabalhos inimagináveis
para a mente do homem comum.
Assim, se possível, entremos nesta vibração coletiva do Bem bus-
cando pela prece trabalhar em favor de nossos irmãos mais necessi-
tados; sabedores que, no comando desta poderosa corrente está a
Rosa Mística de Nazaré intercedendo perante Seu Filho, o Governador
Espiritual do Orbe, por todos agregados a esta luminosa correnteza
construtora da Ordem Universal.

195
Cf (PEREIRA 1955), 3ª Parte cap. 2

142
II Parte

Maria a Educadora de Jesus

Sobre este assunto há algumas reflexões que devem ser feitas. Je-
sus precisava ser educado? Precisava que alguém lhe ensinasse algu-
ma coisa ou já sabia tudo?
Este é mais um desafio em nossa tarefa de compreender o Mestre
maior. Sinceramente penso que não há como responder estas e ou-
tras questões a respeito com certeza, é mais uma área em que o que
falarmos não passa de opinião pessoal.
Jesus é a maior expressão de amor que temos. Uma das maiores
características daquele que ama é a capacidade que este tem de ade-
quação.
Portanto, Jesus ao vir a até nós adequou-se para que melhor pudes-
se cumprir sua missão. Não haveria como ele nos ensinar algo se as-
sim não tivesse feito.
Assim, para que pudesse ter autoridade fez-se como habitante co-
mum de nosso orbe, restringiu-se para que melhor pudesse servir.
Pelo que depreendemos de nossos estudos trata-se de uma restrição
que fez de forma consciente e espontânea, e não por imposição. O
que significa que a qualquer momento que quisesse poderia retomar
suas possibilidades.
Assim, tinha um corpo semelhante ao nosso, não fluídico como che-
garam a supor, entretanto era um corpo mais perfeito que o habitual
dos habitantes de nosso orbe. Ele não adoecia, tinha uma memória
profunda, podia se tornar visível e invisível quando quisesse etc.
Compreendemos então, que Jesus foi um menino como qualquer
outro, teve infância, adolescência e tudo mais, todavia foi especial
porque era especial, tinha uma evolução espiritual que nos escapa.
Deste modo era natural alguém lhe ensinar as primeiras lições, to-
davia este aprendizado era mais que uma recordação, ele sabia em
seu coração e em seu espírito. Era apenas um despertar.
Dizem os que estudam a respeito de educação que educar é tirar
do educando aquilo que ele já possui, e com Jesus isto foi ainda muito
mais claro, ela já possuía todas as virtudes.
Educar uma criança é tarefa complexa, talvez seja a mais impor-
tante e difícil que temos, imagine então, ter a missão de educar Jesus.
Ele surpreendia seus pais a toda hora. Talvez a maior missão des-
tes era realmente não atrapalhar o seu desenvolvimento, e podemos
dizer com segurança, que apenas isto, não atrapalhar, já era uma
missão desafiadora.
Narra-nos o evangelista, que Jesus crescia em sabedoria, em esta-
tura e em graça diante de Deus e diante dos homens.196
É de grande profundidade esta citação. Mostra-nos que Jesus fora
uma criança que cresceu naturalmente como qualquer outra e que
isso aconteceu aos olhos de todos com quem convivia. Que ele rece-
bia informações, porém não as guardava somente no campo intelec-
tual, as transformava em sabedoria pela aplicação do que “aprendia”.
E isto fazia de maneira completa, diante de Deus, observando a sua
Lei, e diante dos homens convivendo com todos, auxiliando, com-
preendendo, aproximando cada um do Pai, o que Ele sabia ser uma
necessidade de todos.
Kardec nos ensinou que educação é a arte de formar os caracte-
res197, o que ele definiu como educação moral. Esta é a que todos pre-
cisamos, é o maior objetivo para vida de cada um. Podemos afirmar
com segurança que sob esta ótica Jesus foi um emérito educador des-
de criança.
Não foi o que ele fez quando aos doze anos foi encontrado por seus
pais entre os doutores no Templo? Não foi o que, invertendo os pa-
peis, fez com José e Maria quando os levou à reflexão dizendo: Não
sabeis que devo me ocupar com as coisas de meu Pai?198
Humberto de Campos, este excelente repórter do Mundo Invisível
nos conta que:
Desde os mais tenros anos, quando [Maria] o conduzia
[Jesus] à fonte tradicional de Nazaré, observava o cari-
nho fraterno que dispensava a todas as criaturas. Fre-
quentemente, ia buscá-lo nas ruas empedradas, onde a
sua palavra carinhosa consolava os transeuntes desam-
parados e tristes. Viandantes misérrimos vinham a sua
casa modesta louvar o filhinho idolatrado, que sabia
distribuir as bênçãos do Céu. Com que enlevo recebia
os hóspedes inesperados que suas mãos minúsculas
conduziam à carpintaria de José!… Lembrava-se bem
de que, um dia, a divina criança guiara a casa dois mal-
feitores publicamente reconhecidos como ladrões do
vale de Mizhep. E era de ver-se a amorosa solicitude
com que seu vulto pequenino cuidava dos desconheci-
dos, como se fossem seus irmãos.199
Desculpem-nos repetir, mas é importante para nossas reflexões,
como deve ter sido desafiadora a tarefa de Maria de educar um filho
que desde criança era um sensacional educador…

196
Lucas, 2: 52
197
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 50ª ed. Rio de Janeiro, FEB, 1980, ques-
tão 685, comentários.
198
Lucas, 2: 49
199
(XAVIER/Humberto de Campos 1982), Cap. 30

144
Normalmente os pais transmitem a seus filhos seus traumas parti-
culares, suas angústias, seus fracassos, seus medos. Teria Maria es-
tes sentimentos? Teria ela passado isto para Jesus?
À primeira pergunta podemos responder que é bem provável que
teria, ela era uma mãe genial, todavia não estava isenta de conflitos
como podemos notar na literatura que temos analisado. Quanto à se-
gunda, é mais difícil de saber a resposta, talvez em alguns momentos
tenha até se mostrado apreensiva diante de seu filho, porém é certo
que ela sabia e bem administrar suas emoções, o que é uma das tare-
fas mais complexas para o homem comum e que mais distinguem
aqueles que se destacam na arte de educar.
Retomaremos este assunto mais adiante.
Temos feito algumas colocações baseadas em alguma literatura
consultada, mas principalmente nas anotações dos evangelistas. E a
partir destas reflexões chegamos à conclusão que Maria não era nem
insegura e nem superprotetora, dois sentimentos, diga-se de passa-
gem, que perturbam e muito o processo educacional, era intrépida e
destemida. Por que assim dizemos?
A insegurança na educação gera a superproteção, ambas são con-
sequências do temor, do receio diante do perigo; a mãe de Jesus po-
dia, como já dissemos, ter tido alguns momentos de apreensão, toda-
via não era sua característica o medo.
Além da passagem da crucificação de Jesus, já citada, há outras
que podem nos ajudar nesta conclusão.
Infelizmente como é rara a literatura a respeito e o próprio Evange-
lho fala pouco sobre ela, às vezes depreendemos nossas conclusões a
partir das atitudes de Jesus.
Quem é educado num ambiente de superproteção raramente se sai
bem diante dos desafios da vida. As primeiras adversidades têm a
função de preparar a criatura para adversidades maiores que virão,
ninguém pode evitá-las; nem a mãe pode, nem mesmo nenhum edu-
cador. Como o organismo que reage positivamente a uma enfermida-
de através de seu mecanismo de defesa, e assim é fortalecido seu
sistema imunológico, as contrariedades fortalecem o nosso Espírito
para os desafios que a vida nos propõe como num processo de re-
composição de nossa estrutura íntima.
Se Maria fosse insegura e superprotetora jamais Jesus conseguiria
dar bom termo à sua missão. Ela deve ter incentivado-o desde crian-
ça a superar todos os obstáculos, a jamais temê-los. Se ela desde a
infância não o ensinasse a perseverança, a nunca desistir de seus ob-
jetivos, a terminar tudo o que começou, é bem provável que ele no
momento supremo, o da crucificação, desistisse e realmente apelasse
para que o Pai enviasse mais de doze legiões de anjos200 para socorrê-
lo.

200
Cf. Mateus, 26: 53

145
Aqui é importante lembrar que Jesus enfrentava as situações, as
classes dominantes, a hipocrisia, o falso moralismo, tocava em pontos
de alta significação para a alma, numa sociedade presa a antigas tra-
dições e que punia severamente quem os contrariava. Em síntese Je-
sus tinha grande coragem e se é lógico que isso era fruto de sua evo-
lução espiritual, não é menos verdade que sua educação deve ter
contribuído para esta realidade.
Vejamos a grandeza da Mãe de nosso Senhor e a segurança com
que agia analisando seu comportamento num momento que seria de
tensão para qualquer um, o anúncio de que seria a mãe do Filho do
Altíssimo.
Um anjo fez esta revelação para Maria, ela seria mãe do Messias.
Só isto já bastaria para deixar qualquer um apreensivo.
O povo hebreu esperava um Messias há muitos séculos, ele seria o
libertador dos seguidores de Moisés, reunificaria as doze tribos e faria
de Israel a maior entre todas as nações.
Vivia-se um período de conflitos, o império romano dominava a na-
ção judaica, e o povo de Israel desejava ardentemente alguém que
revertesse esta situação. Muitos àquele tempo diziam ser o Messias,
ele era aguardado ansiosamente…
Por que ser ele filho de uma mulher tão simples? Deve ter pensado,
Ele poderia ser filho de um sumo sacerdote, de um rei, de alguém re-
almente preparado para lhe dar melhores condições. Ela deve ter tido
vários conflitos a respeito. Deve ter perdido várias noites de sono se
perguntando como educar o menino, um verdadeiro Filho de Deus. E
se ela falhasse, atrapalharia os planos do Todo Poderoso? Deus tem
seus mistérios e Maria tudo refletia em seu coração.
Nós gostaríamos de analisar dois aspectos na passagem do anúncio
do anjo a Maria, comparando–a a um anúncio semelhante feito pela
mesma entidade espiritual a Zacarias, aquele que seria o pai de João
Batista. Quem narra é Lucas:

Anúncio a Zacarias
Existiu, no tempo de Herodes, rei da Judéia, um sacer-
dote chamado Zacarias, da ordem de Abias, e cuja mu-
lher era das filhas de Arão; e o seu nome era Isabel. 6 E
eram ambos justos perante Deus, andando sem re-
preensão em todos os mandamentos e preceitos do Se-
nhor. 7 E não tinham filhos, porque Isabel era estéril, e
ambos eram avançados em idade. 8 E aconteceu que,
exercendo ele o sacerdócio diante de Deus, na ordem
da sua turma, 9 Segundo o costume sacerdotal, coube-
lhe em sorte entrar no templo do Senhor para oferecer
o incenso. 10 E toda a multidão do povo estava fora,
orando, à hora do incenso. 11 E um anjo do Senhor lhe
apareceu, posto em pé, à direita do altar do incenso. 12
E Zacarias, vendo-o, turbou-se, e caiu temor sobre ele.

146
13
Mas o anjo lhe disse: Zacarias, não temas, porque a
tua oração foi ouvida, e Isabel, tua mulher, dará à luz
um filho, e lhe porás o nome de João. 14 E terás prazer
e alegria, e muitos se alegrarão no seu nascimento, 15
Porque será grande diante do Senhor, e não beberá vi-
nho, nem bebida forte, e será cheio do Espírito Santo,
já desde o ventre de sua mãe. 16 E converterá muitos
dos filhos de Israel ao SENHOR seu Deus, 17 E irá adian-
te dele no espírito e virtude de Elias, para converter os
corações dos pais aos filhos, e os rebeldes à prudência
dos justos, com o fim de preparar ao Senhor um povo
bem disposto. 18 Disse então Zacarias ao anjo: Como
saberei isto? pois eu já sou velho, e minha mulher
avançada em idade. 19 E, respondendo o anjo, disse-
lhe: Eu sou Gabriel, que assisto diante de Deus, e fui
enviado a falar-te e dar-te estas alegres novas. 201
O Anúncio a Maria
No sexto mês, foi o anjo Gabriel enviado, da parte de
Deus, para uma cidade da Galiléia, chamada Nazaré, 27
a uma virgem desposada com certo homem da casa de
Davi, cujo nome era José; a virgem chamava-se Maria.
28
E, entrando o anjo aonde ela estava, disse: Alegra-te,
cheia de graça! O Senhor é contigo. 29 Ela, porém, ao
ouvir esta palavra, perturbou-se muito e pôs-se a pen-
sar no que significaria esta saudação. 30 Mas o anjo lhe
disse: Maria, não temas; porque achaste graça diante
de Deus. 31 Eis que conceberás e darás à luz um filho, a
quem chamarás pelo nome de Jesus. 32 Este será gran-
de e será chamado Filho do Altíssimo; Deus, o Senhor,
lhe dará o trono de Davi, seu pai; 33 ele reinará para
sempre sobre a casa de Jacó, e o seu reinado não terá
fim. 34 Então, disse Maria ao anjo: Como será isto, se
eu não conheço homem algum?202
É nas reações que percebemos o estágio evolutivo de um Espírito,
assim vamos analisar apenas as reações de nossos personagens:
Ao ser abordado pelo anjo, narra o evangelista que Zacarias tur-
bou-se, e caiu temor sobre ele. E após Gabriel, o anjo, lhe falar sobre
a gravidez de Isabel, sua esposa, e sobre a evolução do Espírito que
viria ao mundo como enviado de Deus, através deles, Zacarias inqui-
riu: Como saberei isto? pois eu já sou velho, e minha mulher avança-
da em idade.
Com Maria se deu um pouco diferente.
O mesmo Espírito, Gabriel, lhe apareceu e saudou-a. Conta-nos Lu-
cas que ela ao ouvir a saudação, perturbou-se muito e pôs-se a pen-
sar no que significaria esta saudação. Do mesmo modo que com Za-
carias, ele explicou que ela iria dar à luz um filho e que ele seria cha -
mado Filho do Altíssimo e ainda comentou sobre os prodígios que ele
201
Lucas, 1: 5 a 19
202
Lucas, 1: 26 a 34

147
faria. Ela reagiu dizendo: Como será isto, se eu não conheço homem
algum?
Antes de entrar propriamente na análise do comportamento dos
dois, é importante saber um pouco sobre quem eram e em qual ambi-
ente receberam a mensagem da Espiritualidade Superior.
Zacarias era um sacerdote, ou seja, trabalhava no templo, era pes-
soa que cultivava as questões espirituais e estudava a Torah. E não
só isso, segundo o texto evangélico era considerado um justo, e além
de estudar, seguia de modo irrepreensível os mandamentos e estatu-
tos de Deus. Informa-nos ainda Lucas, que era de idade avançada, o
que significa que tinha amadurecimento.
Em que ambiente estava quando recebeu a mensagem? No templo,
no Santuário do Senhor; realizava o ofício de queimar o incenso. Po-
demos dizer em linguagem moderna e espírita, que estava num servi-
ço espiritual em comunhão com os Espíritos e diz o texto evangélico
que as pessoas que o aguardavam do lado de fora estavam em ora-
ção. É como se ele estivesse numa mesa mediúnica, e os que esta-
vam na assistência orassem mantendo a vibração e auxiliando-o em
seus trabalhos.
Neste ambiente de vibrações elevadas, e sendo ele já experiente
no serviço e de moral elevada, seria muito natural uma manifestação
espiritual como a que aconteceu, mesmo assim, apesar de todo o seu
preparo e também do ambiente, quando a manifestação aconteceu
ele teve medo: caiu temor sobre ele. E teve mais, ele ficou cético, não
acreditou no que o anjo lhe falava e pediu um sinal, uma prova: Como
saberei isto?
Maria por sua vez era uma adolescente. Não sabemos bem a sua
idade, mas muito provavelmente tinha entre doze e quatorze anos.
Ou seja, pelo menos em matéria de idade não tinha grande amadure-
cimento e preparo. O evangelista não diz onde ela estava, mas prova-
velmente estava em casa, onde habitualmente não é comum a mani-
festação de Espíritos. Mesmo assim o anjo se manifesta, era natural
que ela também se perturbasse, e foi o que aconteceu. Entretanto, o
redator bíblico nos informa que ela pôs-se a pensar no que significa-
ria esta saudação, o que podemos depreender que apesar da pertur-
bação ter sido grande, diz o texto que perturbou-se muito, ela equilib-
rou-se rápido pois exerceu uma ação que só quem está senhor de si
assim faz, pôs-se a pensar. No momento do susto, quem está sob o
impacto do medo não pensa, reage simplesmente. Ela teve tranquili-
dade, oxigenou o cérebro, e buscou compreender o porquê daquela
saudação. Como era natural, o anjo a orientou que não temesse, o
mesmo já havia acontecido com o marido de sua prima, todavia ela
surpreendeu até mesmo o Mensageiro do Senhor, pois o texto não
fala que ela temeu, e após a exposição de Gabriel sobre a gravidez
maravilhosa por que ela passaria, o que seria mais um motivo de
apreensão, ela ao contrário de Zacarias, creu imediatamente, e se in-
quiriu o anjo a respeito não foi pedindo-lhe provas, mas buscando en-

148
tender como se daria o processo já que não tivera relações com ne-
nhum homem.
O texto é claro: Como será isto, se eu não conheço homem algum?
A partir do momento em que ela pergunta como será isto…? É porque
já admitia o fato, sua fé já lhe abastecera, porém ela quis saber mais
já que não tivera contato sexual com seu noivo. Podemos com segu-
rança dizer que o que Maria teve foi muita lucidez e naquele momen-
to ela praticou o que Kardec dezenove séculos depois chamaria de fé
raciocinada, ela não creu de forma cega, mas tendo a confiança supe-
rior, raciocinou, inquiriu e aprofundou seu estado intuitivo. Mostrou
que já tinha vindo preparada para sua missão e que era um Espírito
superior, acima da média, até mesmo de Zacarias que também fora
preparado no plano espiritual, que também era de boa condição mo-
ral, mas em quem o nível de esquecimento era maior devido sua me-
nor condição em relação a Maria.
E consumando sua atitude de fé, pois como falaria mais tarde Tia-
go, a fé, se não tiver as obras, é morta em si mesma 203., pôs-se a ser-
viço em nome de Deus dando para todos nós significativo exemplo:
Eu sou a serva do Senhor; faça em mim segundo a tua palavra.204

Administrando as Emoções

Augusto Cury, em seu livro “Maria, a Maior Educadora da História”


defende a idéia de que um dos motivos de Maria ter sido tão bem su-
cedida em sua tarefa de educar o menino Jesus, é porque ela sabia, e
muito bem, proteger a sua emoção; ela fazia questão de ensinar a
seu filho esta arte.
Faz ele interessante raciocínio:
Respeitados educadores ensinam os jovens a ter cuida-
do com seus objetos, não destruir seus materiais didáti-
cos, não manchar suas roupas e a cuidar de seu corpo
evitando acidentes e tendo higiene pessoal. Mas esque-
cem de ensiná-los a proteger o mais difícil espaço do
ser humano, a sua emoção. 205
Continua o autor na sequencia:
Quem não aprender a proteger a sua emoção pode até
conquistar o mundo, mas será sempre infeliz; pode ser
aplaudido, mas será sempre opaco; pode comprar todo
tipo de seguro, mas será sempre frágil.
Todos nós que habitamos um planeta de expiações e provas, e
principalmente nestes dias de transição, temos motivos para nos tor-
narmos tristes, depressivos, angustiados, preocupados e até mesmo
203
Tiago, 2: 17
204
Lucas, 1: 38
205
CURY, Augusto. Maria, a Maior Educadora da História. São Paulo, Ed. Planeta
do Brasil, 2007, cap. 6.

149
contrariados. Entretanto, importa-nos reconhecer que Maria teve mo-
tivos ainda muito maiores que os nossos.
Conforme narram os evangelistas, teve uma gravidez incompreen-
sível para a mentalidade comum, isto gerou nela, em seu noivo, e em
toda sua família, sérias apreensões. Após o menino nascer envolto
em mistérios, teve que deixar sua cidade, sua zona de conforto, o ca-
lor dos familiares, e partir para um novo país, sem saber por quanto
tempo, em que condições lá viveria, com quais recursos, etc. Sua sen-
sibilidade era grande, pois quanto mais o Espírito é evoluído, mais é
sensível; assim, deve ter muito sofrido com a perseguição de Herodes
aos inocentes por causa de seu filho. Tudo isso devia ser para ela e
para os seus, motivo de grandes pressões psíquicas; não esqueçamos
ela era uma adolescente, e estava num dos momentos de maior sen-
sibilidade para uma mulher, o período pós parto.
Como será que reagiríamos numa situação destas? Por muito me-
nos nós nos tornamos angustiados, depressivos, inconformados e pa-
ralisamos todo processo criativo em nossa vida. Qual a diferença en-
tre nossas posições e a de Maria? Simplesmente de atitude. Maria sa-
bia administrar seus conflitos, gerenciar suas emoções.
Em momento anterior neste nosso estudo fizemos uma breve com-
paração entre Maria e Eva, aqui podemos ampliá-la. Através do senti-
mento de Eva entramos em queda por ser ela a representação de um
sentimento dissociado da razão. Maria por representar a sublimação
de Eva, ensina-nos a usar o emocional e o racional em plena harmo-
nia. Não é um sobrepondo-se ao outro, não é a razão dando a palavra
final, mas o perfeito equilíbrio entre estes dois componentes tão im-
portantes para o nosso progresso em todos os níveis.
Neste passo podemos fazer mais uma importante reflexão. Não sa-
bemos se Maria não agisse desta forma, se poderia comprometer a
missão de Jesus. Teoricamente sim, pois se ela se tornasse uma in-
conformada, se ela trabalhasse um sentimento de autopiedade, difi-
cultaria sem dúvida o desenvolvimento de seu filho. Porém, como
este acontecimento - a vinda até nós de Jesus - foi o mais importante
de nosso planeta, desde a sua origem, o Pai não delegaria para esta
missão quem tivesse a chance de falhar. Todavia, o Evangelho não é
uma telenovela ou um romance comum, é preciso trazer para o nosso
dia a dia as suas lições imortais.
Assim, é importante refletirmos, pois nós não sabemos quem o Pai
colocou em nossa vida como filho, qual a missão de cada um deles. A
mãe de um futuro presidente de uma nação não sabe o que ele será
quando criança, o mesmo podemos dizer em relação a um grande ci-
entista, ou, a um importante educador. Será que não estamos atrapa-
lhando o projeto de Deus ao agirmos de forma tão destemperada
como em muitas vezes fazemos? Não estaremos dificultando a vida
de nossos filhos sendo inconformados, ensinando-os com a vida práti-
ca a não perdoarem quando contrariados, a serem violentos e irracio-
nais?

150
São pontos a serem trabalhados por todo aquele que já está côns-
cio de sua necessidade reeducativa e da importância de agir como
um colaborador de Deus.
Voltando ao citado escritor e psicoterapeuta, Augusto Cury, na obra
já aqui comentada, ele sugere-nos três ferramentas para trabalhar-
mos em nossa vida, e para ensinarmos aos nossos educandos - pois
não tenhamos dúvida todos somos, em maior ou menor escala, edu-
cadores - a fim de evitarmos transtornos depressivos, suicídios, enfer-
midades psíquicas e perda de oportunidades. São elas:
• Doar-se sem esperar muito do outro.
• Compreender o outro na sua dimensão interior.
• Saber que ninguém pode dar o que não tem.
Sem dúvida são três princípios de grande importância para todos
nós e que se os praticássemos diminuiríamos e muito nossas dores e
dissabores.
Temos muitas vezes dito e ouvido que Deus nos criou para amar e
sermos amados. É preciso repensar esta informação e analisá-la com
carinho.
Ao nosso ver ela é em parte verdade, mas há nela um pouco de
contaminação de nossa psicologia inferior.
Sim, fomos criados para amar. Deus é amor. A matéria prima da
criação é amor. Assim, se quisermos estar ajustados a Deus, cami-
nhar no fluxo natural da vida de acordo com a Vontade Soberana e
sermos agraciados por sua Misericórdia, temos de amar, pois este é o
“idioma” de Deus, é através dele que nos comunicamos com o Cria-
dor.
Entretanto, a segunda parte da afirmativa “ser amado” deve ser
observada de forma diferente. Não fomos criados para sermos ama-
dos como uma pré-condição básica. Ser amado é efeito, consequên-
cia, retorno. A causa é amar, se amarmos seremos naturalmente
amados. Isto se dará sem nenhuma ansiedade, espontaneamente. É
da Lei, e ela se cumprirá sempre.
Esta questão mal compreendida é que dificulta trabalhar em nós a
primeira ferramenta, pois até admitimos que devemos doar, até nos
sentimos satisfeitos por assim proceder, porém não abrimos mão de
esperarmos retorno, temos o grande defeito de criarmos expectativas
e esse é o problema. Se não criássemos expectativa em relação ao
outro noventa por cento de nossas dificuldades de convivência estari-
am resolvidas.
Vamos trabalhar a terceira ferramenta, saber que ninguém pode
dar o que não tem, junto com a primeira, pois em nosso modo de ver
ela é um acessório desta. Quem não espera muito do outro, sabe que
ele só pode dar o que tem, uma virtude maior contém naturalmente
uma menor. Ou ainda, a vivência da terceira ferramenta, leva natural-
mente à primeira.

151
Aqui nos permitimos uma ressalva muito bem colocada pelo Espíri-
to André Luiz através da mediunidade gloriosa de nosso querido Chico
Xavier, a alegria é a única coisa que podemos dar ao outro mesmo se
não possuirmos.
Portanto, se ainda não conseguimos, como seria desejável, não es-
perar muito do outro, iniciemos o processo de defender a nossa emo-
ção pelo menos não pedindo a ninguém algo que ele esteja incapaz
de dar. Proceder deste modo não é ainda ser bom, mas é pelo menos
agir com inteligência, o que já é um grande passo para a conquista da
sabedoria.
A outra ferramenta colocada por Cury e também de fundamental
importância é compreender o outro na sua dimensão interior.
Compreender o outro por si só é uma virtude de grande alcance e
que evita muitas contrariedades.
Perdoar é uma atitude nobre, compreender é ainda mais, pois
aquele que verdadeiramente compreende o outro não chega nem a
sentir a ofensa, não tendo assim o que perdoar.
Compreender é desativar os pontos de conflito, significa transitar
com segurança na área da emoção. E compreender o outro na sua di-
mensão interior torna-se ainda mais nobre, pois além de enxergar o
outro, o que não é habilidade comum entre nós, é se aperceber do
que está para além do visível, é também saber do outro em suas di-
mensões emocionais, espirituais e sentimentais.
Só Espíritos de boa condição moral e espiritual têm esta capacida-
de, e fazendo deles modelos a serem seguidos temos de ser obstina-
dos em trabalharmos também nosso interior na conquista deste valor.
E Augusto Cury ainda nos faz, na mesma obra e capítulo, importan-
te consideração sobre este tema: por trás de uma pessoa que fere,
há uma pessoa ferida. Como a nos dizer: “quando nos sentirmos ata-
cados, ou agredidos por alguém, trabalhemos nossa acuidade espiri-
tual e enxerguemos nela não um agressor comum, alguém de má ín-
dole, mas um enfermo necessitado de um médico para a sua alma”. E
Jesus, o filho de Maria, já nos alertara, o doente é que precisa de mé-
dico. Ele é o Médico dos médicos, e nós, seus efetivos colaboradores
na implantação de sua Boa Nova no coração de todos.
Tu me amas, ainda fala o Senhor na intimidade de nossos corações,
então, apascenta as minhas ovelhas. O que de outro modo pode sig-
nificar: “educa as minhas ovelhas.”

Em uma missão espiritual não há como prescindir da fé. Ela é com-


ponente essencial para que tudo aconteça como programado pelo
Alto.

152
Já comentamos sobre esta virtude em Maria quando da assimilação
do conteúdo da revelação do anjo a ela explicando-lhe a concepção.
Mas há outros momentos importantes que não podem deixar de ser
destacados e que nos ajudarão a compreender o quanto esta missio-
nária era preparada para realizar a tarefa mais desafiadora de todos
os tempos, a de educar ninguém mais, ninguém menos, que o Gover-
nador Espiritual do Orbe.
José e Maria cumpriam rigorosamente todos os preceitos judaicos.
Circuncidaram o menino no oitavo dia conforme mandava a lei, e ao
completarem os dias da purificação da mãe, o que ocorria trinta e
três dias após206, levaram Jesus ao templo, em Jerusalém, a fim de
apresentá-lo ao Senhor207.
Lá encontraram um homem já idoso, chamado Simeão, que ao ver
o menino, inspirado realiza grande profecia. Entre outras coisas diz
ele a Maria:
Eis que este menino está destinado tanto para ruína
como para levantamento de muitos em Israel e para
ser alvo de contradição (também uma espada traspas-
sará a tua própria alma), para que se manifestem os
pensamentos de muitos corações.208
Imaginemos a cena. Maria, acompanhada do marido e do filho, es-
tava cansada de uma viagem longa e feita com muitas dificuldades.
Ela estava ainda no período do resguardo. Deveria estar fraca e alta-
mente sensível…
Apesar de Simeão exaltar a grandeza espiritual do menino sua pro-
fecia não foi nada agradável. Ele, Jesus, estava destinado tanto para
ruína como para levantamento de muitos em Israel e para ser alvo de
contradição.
Isto pressupunha uma vida de muitas apreensões, de dores e sofri-
mentos. A nação judaica era rigorosa quanto à tradição religiosa.
O anjo havia dito que ele seria Rei, que herdaria o trono de Davi,
talvez naquele momento ela não tenha percebido que para atingir
este fim ele teria uma vida de conflitos, de lutas e de perigos. Agora
aquele homem inspirado dizia que ele seria alvo de contradições que
elevaria alguns – o que se pressupõe eram os simples -, e que tam-
bém arruinaria muitos, e aqui podemos depreender que eram os da
elite, os do poder.
E ainda diz mais, com referência ao sofrimento dela própria, uma
espada traspassará a tua própria alma.

206
Levítico, 12: 4
207
Lucas, 2: 22
208
Lucas, 2: 34 e 35

153
Para quem era profunda conhecedora das Escrituras conforme vi-
mos pelo Magnificat, ela deve ter entendido na hora a que sacrifício
estariam submetidos ela e seu filho.209
A profecia se cumpriu no tempo, mas no coração de Maria deve ter
acontecido naquele instante mesmo. Como suportaríamos uma situa-
ção desta? Se algo parecido acontecesse conosco, isto não atrapalha-
ria a educação de nosso filho?
Vejamos que são duas situações opostas que acontecem com ela;
em qualquer delas estaríamos em dificuldades e talvez comprometi-
dos na realização da missão.
Primeiro o anjo lhe antecipa a vitória. Ela seria mãe do Filho de
Deus, ele herdaria o trono de Davi e reinaria para sempre. Tal infor-
mação poderia ser para ela, se não fosse muito vigilante, pedra de
tropeço, pois a vaidade poderia vir à tona e comprometer todo o pro-
cesso.
Depois Simeão lhe fala de lutas incessantes, até mesmo de um pro-
vável assassínio de seu filho mostrando a ela que o final da história
talvez fosse trágico.
Este nível de informações, até contraditórias, dependendo do ângu-
lo em que as analisarmos, não tenderiam a prejudicar a formação do
menino, já que ela poderia tentar mudar o seu destino?
Se nós soubéssemos que o nosso filho iria passar por um processo
de grande dificuldade, de provável morte por incompreensão de mui-
tos, mesmo que soubéssemos que tudo isto era Desígnio do Altíssimo,
o que faríamos? Ajudaríamos Deus em seu projeto, ou tentaríamos
evitar o “pior” para o nosso filho amado, mudando o seu destino?
Dizemos assim, porque muitas vezes, mesmo não sendo numa
questão tão grave quanto esta, priorizamos para os nossos tutelados,
uma boa escola, boas companhias, uma profissão adequada, mas não
visando seu crescimento espiritual e sim um futuro promissor através
de um emprego rentável, onde através de um salário alto pudesse
manter conforto e estabilidade material.
Falamos muito de espiritualidade, mas na maioria das vezes a se-
gurança desejada pensamos estarem nas conquistas transitórias, e
assim as perseguimos ardentemente.
Jesus veio mudar este paradigma, e para tal tinha de dar o exem-
plo. Aqueles a Ele vinculados e que vieram para auxiliá-Lo, fizeram do
mesmo modo: sacrifício como instrumento de libertação.
Hoje nós tentamos distorcer o entendimento e falamos em prospe-
ridade, porém queremos prosperidade material esquecendo que a fé
se manifesta em qualidade e em maior escala é na carência e nas do-
res.

209
Cf. Zacarias, 12: 10

154
Moisés era um disciplinador – primeiro passo do processo educati-
vo, a disciplina antecede a espontaneidade210 -; Jesus veio como edu-
cador; Kardec como pedagogo; desta forma, temos de compreender
que este foi um projeto traçado por Deus para educar a alma, o Espí-
rito imortal. Maria só pôde ser peça chave deste processo, sendo tam-
bém educadora, e de Jesus, porque compreendeu o Mecanismo Divi-
no, e a ele se ajustou fazendo-se serva do Senhor.
Ela teve a intuição da missão e a ousadia de executá-la. Quando
não compreendia a superioridade do filho tinha humildade para guar-
dar a lição em seu coração211 ou simplesmente dizer: fazei tudo o que
ele vos disser212. O melhor entre todos os educadores é aquele que
não se cansa de aprender, e a isso se dedica dia a dia.
Ainda sobre o tema fé e da forma como Deus prepara o Espírito
para realizar a Sua Vontade, não podemos deixar de analisar a passa-
gem da fuga da família do Messias para o Egito.
Muitas vezes diante de uma grande dificuldade optamos por nos
afastar do cumprimento de uma tarefa que até então pensávamos em
realizar em favor do Bem. Ainda chegamos a dizer desafiando o Cria-
dor: “Se Deus quisesse que eu realizasse tal trabalho não me dificul-
taria tanto a realização, acho que estes empecilhos são os avisos
Dele para me mostrar que essa não é a minha missão”.
Como somos ignorantes e comodistas…
Já pensou se José e Maria pensassem desta forma? “Se Jesus fosse
mesmo o Messias, por que tanta dificuldade? Por que deixar nossa
zona de conforto e ir para um país desconhecido? Por que sermos tão
pobres?”
Desculpas é que não faltariam para o abandono da missão. Em nos-
sa vida temos aprendido que o hábito de dar desculpas é um de nos-
sos maiores vícios e um dos que mais nos atrasam no processo de re-
alizar o Bem em nós.
Fato semelhante ao acontecido com os pais de Jesus se deu com
Abraão. Deus prometeu a ele uma grande benção, uma posteridade
maravilhosa. Mas para isso ele tinha que deixar a sua terra, a sua pa-
rentela, a casa de seu pai. E ir para onde? Deus não o revelou, ele
ainda ia mostrar, no futuro. [Vai] para terra que te mostrarei213, ou
seja, ele tinha que sair da faixa de sua segurança e ir, porém, para
um lugar que nem ele sabia qual era. Era necessário uma confiança
total no Senhor, ser Dele dependente. Nós temos que aprender a ser
dependentes de Deus com naturalidade e sem conflitos íntimos.

210
XAVIER/Emmanuel [Espírito]. O Consolador, 16ª ed., Rio de Janeiro, FEB, 1993,
Q. 254
211
Cf. Lucas, 2: 19 e 51.
212
João, 2: 5
213
Gênesis, 12: 1

155
Hoje dizemos que estamos a serviço do Cristo e de seu Evangelho.
Às vezes somos convidados, por exemplo, para fazer uma palestra
em cidade distante, e até aceitamos. Porém, para que isto se dê exi-
gimos saber, onde será o evento? Para quantas pessoas vamos falar?
Lá vai ter como projetar nossos slides? Vão pagar meu transporte? E
a alimentação como será? Onde vou dormir? E se tudo não estiver
certinho como desejamos, totalmente seguros, não vamos.
Já pensou se um Espírito aparecesse para nós e dissesse: “Sou um
mensageiro do Cristo, é preciso que você saia hoje e vá fazer uma vi-
sita a uma pessoa que te indicarei, num determinado hospital que
vou te falar na hora certa, você irá dar nela um passe e melhorar a
sua situação. Porém, sai de casa agora e vá, depois te falo para onde
e como.” O mínimo que aconteceria é que nós não iríamos, e ainda
tentaríamos saber o nome da Entidade para levar para um reunião de
desobsessão, pois batizaríamos o enviado do Senhor como obsessor.
Fato também semelhante aconteceu com Estevão quando ele ainda
chamava Jeziel.
Estevão tinha uma grande missão, despertar Saulo para o Evange-
lho do Cristo. Emmanuel chega a dizer que sem Estevão não teríamos
Paulo de Tarso214. Porém, para que isto acontecesse aconteceu algo
inusitado.
Ele era uma pessoa simples, mas tinha uma família harmonizada e
pautava sua vida na vivência das Escrituras. Não vamos aqui contar
sua história, pois não é objetivo deste trabalho, mas Deus, para o
chamar para sua missão, tirou-lhe tudo que possuía de mais sagrado:
a casa paterna, a vida do pai, a companhia da irmã querida que nem
sabia para onde teria ido. Para ele fora destinado o cativeiro nas gale-
ras, o que era quase certo, a morte.
Entretanto, seu bom comportamento o salvou e a generosidade de
um ilustre cidadão romano permitiu que, apesar de doente, pudesse
novamente ser livre. Este mesmo cidadão deu-lhe até mesmo alguns
recursos amoedados com o objetivo de suprir suas primeiras necessi-
dades em novas terras. Todavia, mais uma vez surge um imprevisto,
ele é assaltado, malfeitores roubam lhe todos estes recursos, e ele
fica só, doente, e sem nada para iniciar a grande missão de salvar
não apenas uma alma, mas de despertar e guiar alguém que liberta-
ria o Evangelho do jugo do judaísmo permitindo que gerações futuras
conhecessem Jesus em toda sua simplicidade, com profundidade, e li-
berdade.
Por que casos assim, como o de Maria e José, de Abraão, de Este-
vão, entre outros, se dão? Não sabemos ao certo, Deus tem, ainda
para nós, seus mistérios. Talvez este seja o alimento da fé e o que
fará com que ela cresça ainda mais. O certo é que há aí uma mensa-
gem. Quando algo de inesperado nos acontecer, algo que for capaz
de nos perturbar, de tirar o próprio piso e nos projetar numa situação
214
(XAVIER/Emmanuel [Espírito], 2004), prefácio.

156
de desconserto total, não nos desesperemos. Talvez o Pai Criador es-
teja se manifestando e dizendo para nós que tem uma grande missão
onde podemos servi-Lo. Mas para tal é preciso confiar, agir consoante
Sua Vontade, resignando-se, perdoando sempre, amando irrestrita-
mente.
Deus tem para nós uma benção, uma posteridade gloriosa, uma
missão ímpar. Tomemos posse do que Ele nos delega e seremos feli-
zes para sempre.
Maria assim fez, desafiou a imprevisibilidade, correu riscos, sua
vida foi impermanente, mas nem por isso tornou-se depressiva, an-
gustiada, amargurada…
Outra passagem que é importante considerar na busca de elemen-
tos que venham nos auxiliar em nosso processo reeducativo é aquela
que nos fala de Jesus aos doze anos no templo entre os doutores da
lei.
Era habitual que todo judeu seguidor dos preceitos fosse à Jerusa-
lém quando da realização da festa da Páscoa. Assim foram Maria e
José, e Jesus com eles, pois já havia completado doze anos.
Como muitos iam para esta festa eles foram em caravanas, muitos
parentes e conhecidos também foram.
Terminada a festa eles retornaram; após caminharem por um dia
os pais de Jesus perceberam a falta dele, procuraram-no entre aque-
les que viajavam junto e não o encontraram. Retornaram então a Je-
rusalém continuando a busca, só três dias depois o encontram no
Templo em conversa com os doutores.
Nosso objetivo aqui não é estudar minuciosamente esta passagem,
mas o posicionamento de Maria diante da tarefa educacional de seu
filho.
Percebemos pela narrativa de Lucas que ela não era controladora,
nem proibitiva, Jesus tinha liberdade para ir junto de seus amigos e
familiares e seus pais não ficavam ali em cima, querendo saber a
toda hora o que estava fazendo; entretanto, ela não era também per-
missiva, ao notar o afastamento do filho por tempo maior do que
aquele que era natural, se incomodou e foi atrás dele.
Nós muitas vezes somos possessivos por demais, exageramos no
controle, não deixamos nossos filhos, cônjuges ou amigos, à vontade,
queremos que tudo seja feito conforme nossa determinação, passo a
passo. Ou então, com a desculpa da liberdade desejada, somos negli-
gentes, o que é ainda pior; os filhos passam uma semana sem falar
conosco e tudo bem, convivem com amigos que não procuramos sa-
ber quem são, viajam com eles, e só ficamos sabendo quando voltam,
às vezes dias depois.
Jesus é encontrado no Templo assentado entre os doutores, o que
denota por parte dele tranquilidade e a consciência de que não esta-

157
va fazendo nada de errado e nem contrário às determinações pater-
nas.
Se tal acontecesse conosco é quase certo que o pegássemos pela
orelha, gritando, gesticulando, dando o maior show, exteriorizando
todo desequilíbrio que nos é peculiar. Maria simplesmente diz: meu fi-
lho, porque agiste assim conosco? Olha que teu pai e eu, aflitos, te
procurávamos215.
Quem de nós num momento deste, que para nós não seria simples-
mente de aflição, mas de desespero mesmo, trata o filho por meu fi-
lho? Este modo carinhoso de chamar nós só usamos quando está tudo
bem, na tranquilidade, ou quando queremos chantageá-lo. Quando os
filhos nos irritam ou desobedecem, usamos o nome completo, com
sobrenome e tudo.
Maria não mostrou irritação, mas cuidado, carinho, atenção; ela se
preocupava era com o filho e não com uma suposta desobediência
dele.
Ele por sua vez encarou tudo com naturalidade e mostrou que era
excelente em didática desde pequeno, pois respondeu perguntando,
levando seus pais a pensarem: por que me procuráveis? Não sabíeis
que devo estar na casa de meu Pai?216
Ao dizer assim Jesus chamou seu pais para o que era real do ponto
de vista de sua missão, pelo tom da pergunta podemos depreender
que eles conversavam em casa sobre este assunto, sobre a oportuni-
dade dele ser um enviado em nome de Deus. Provavelmente seus
pais, apesar do grau de consciência acima da média, no calor das
emoções tenham se esquecido disto. Isso é natural, quando o Espírito
que não se libertou completamente da matéria encarna, ele perde
muito de sua potencialidade, torna-se vulnerável com certa facilida-
de, é preciso que de vez em quando seja lembrado da realidade mai-
or. Podemos ver ainda neste pequeno diálogo que a proposta educati-
va de José e Maria passava pelo diálogo, a informação transitava em
mão dupla, havia o aprendizado de ambas as partes, autoridade e
não autoritarismo. Eles às vezes não compreendiam a superioridade
do menino, mas respeitavam-na, pois sentiam no coração a grandeza
daquela alma. Educavam educando-se, não tinham a pretensão de
estar com a razão, Jesus devia surpreendê-los a toda hora, nestes mo-
mentos não atrapalhando já faziam muito.
O texto de Lucas na sequência é simplesmente maravilhoso: des-
ceu então com eles para Nazaré e era-lhes submisso217.
Jesus, o Plenipotenciário Divino, o Governador Espiritual do Orbe,
era submisso a seus pais mesmo sabendo-se superior a eles, é mais
um exemplo de humildade, de respeito aos fatores humanos, quanta
lição… Maria por sua vez não conseguia compreender tudo isto, era
215
Lucas, 2: 48
216
Lucas, 2: 49
217
Lucas, 2: 51

158
inexplicável, estava além do racional, assim, conservava a lembrança
de todos esses fatos em seu coração218, ela se enriquecia em espírito,
cultivava sua intuição, bem aventurados os pobres de espírito… 219 e
Ele, Jesus, obedecendo, colaborando sempre, crescia em sabedoria,
em estatura e em graça, diante de Deus e diante dos homens 220, ser-
vindo a seu Pai, no serviço em favor de seus irmãos.

Brilhe a vossa luz…, vós sois a luz do mundo…

Já dissemos alhures que, conforme nosso entendimento, a maior


missão de Jesus foi a de educar nossos Espíritos e Ele foi sem dúvida
o maior educador de todos os tempos.
Ele nos lembrou que somos também filhos de Deus e que o Pai ao
nos criar o fez a partir Dele mesmo o que quer dizer que todos somos
deuses ou possuímos em nós o Reino do Altíssimo.
Trabalhar estes valores e despertar este potencial divino era o seu
objetivo, isto é o que devemos entender por educar o Espírito e para
tal Ele tinha autoridade.
É-me dado todo o poder no céu e na terra. 221
Vós me chamais Mestre e Senhor, e dizeis bem, porque
eu o sou.222
E sintetizando todo este processo nos afirmou:
Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens… 223
Vós sois a luz do mundo…224
Este mecanismo de despertamento destes valores se dá pela trans-
formação moral o que em outras palavras podemos dizer autoilumina-
ção, e o seu exercício deve ser diante dos homens através do serviço
prestado a estes. Se no início ainda não fazemos por amor, devemos
pelo menos, disciplinadamente, tornar-nos úteis.
Maria, que era um Espírito santificado através de suas existências
milenares que provavelmente aconteceram em outro orbe, sabia de
tudo isto e com grande consciência fez-se serva do Senhor. E para
cumprir seu excelente papel de educadora daquele que seria o Mes-
tre por excelência, desde criança deve ter auxiliado seu filho no des-
pertamento desta necessidade, a de servir à humanidade sem dela
nada esperar.

218
Idem, ibidem.
219
Mateus, 5: 3
220
Lucas, 2: 52
221
Mateus, 28: 18
222
João, 13: 3
223
Mateus, 5: 16
224
Mateus, 15: 14

159
Servir sem ser servido, amar sem ser amado, devem ter sido o con-
teúdo das primeiras histórias contadas pela Mãe Santíssima a seu me-
nino.
Muitos podem nos perguntar, como podemos saber que Maria con-
tava histórias a seu filho? O Evangelho nada fala a este respeito.
É mais uma conclusão a que chegamos analisando Jesus. Ele foi o
maior contador de histórias que temos notícia, ele era excelente ob-
servador de todas as coisas, das situações, da natureza. É lógico que
ele tinha registrado em si mesmo todas as virtudes, entretanto, não é
menos lógico que sua mãe despertava nele desde criança estes valo-
res através de uma educação apropriada ao que ele iria necessitar no
futuro. Não foi à toa que ela é que foi a agraciada com esta nobre
missão.
Entre todos o Espíritos que já estiveram fisicamente em nosso orbe
Jesus foi o que mais serviu, ensinando-nos a assim fazer com alegria.
Ele teve o exemplo em sua própria casa, Maria se declarou serva do
Senhor e nos primeiros movimentos do Magnificat disse:
Minha alma engrandece o Senhor, e meu espírito exulta
em Deus em meu Salvador, porque olhou para a humil-
de posição de sua serva.225
A visão de Jesus sobre Deus é ampla, Maria não O encarcerou na
realidade de sua cultura: minha alma engrandece o Senhor. Ou seja,
ela vê Nele muito mais do que a sua religião ensinava… Para a Mãe
de Jesus, Deus não estava preso às paredes de um templo, nem ope-
rava em favor das criaturas de uma religião apenas, Ele era o Senhor
Universal. Ela se alegrava em servir a Deus em sacrificar-se em Seu
nome: meu espírito exulta em Deus, isto é comungava com Ele em
plena harmonia, integrando-se Nele, realizando a Sua vontade, isto
era o mais importante e a fonte de sua alimentação espiritual.
Paulo de Tarso deve ter se maravilhado com esta visão da Mãe de
nosso Senhor, não foi por outro motivo que desejou escrever um
Evangelho a partir de sua ótica, expressando todo seu sentimento. E
na impossibilidade de assim fazer, delegou a seu amigo de maior con-
fiança, Lucas, de deixar registrado para todos nós aquele que seria
referenciado por muitos como sendo “O Evangelho de Maria”.
A nossa espiritualidade não é autêntica, nós oramos e estudamos,
procuramos fazer o Bem, mas tudo com hora marcada, só entre os
afins, em nosso círculo de fé. No dia a dia, na vida comum, somos
muito diferentes do que pregamos em nossas casas espíritas ou nos
templos a que nos afeiçoamos. Maria engrandecia o Senhor, se ale-
grava da presença Dele em sua vida, ela estava sempre em comu-
nhão com o Divino.
Quem vive assim, como Maria, automaticamente está educando
seus filhos ou seus alunos, educar é ser coerente com o que se prega.

225
Lucas, 1: 46 a 48

160
Só podemos levar alguém para o caminho de Deus se nós estivermos
nele.
Maria servia a Deus, mas servia com tal integridade, que podemos
compreender que transcendia ao simples ato de servir. Maria vivia
Deus.

161
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163

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