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1 - Introdução..................................................................................... 3
8 – Conclusão.................................................................................... 40
Bibliografia:...................................................................................... 44
Saudações e Exortação...................................................................... 47
Advertências Morais.......................................................................... 79
Vigilância......................................................................................... 94
Bibliografia..................................................................................... 119
I Parte............................................................................................ 120
Magnificat...................................................................................... 125
Fé................................................................................................... 152
Bibliografia..................................................................................... 162
PAULO: MULHER E HOMEM EM CRISTO
1 - Introdução
1
2 Coríntios, 3: 6
2 - A mulher na sociedade judaica
6
Efésios, 5: 22 a 33
7
Timóteo, 2: 11
Norbert Baumert, escritor e professor alemão, defendeu uma tese
de doutorado e posteriormente publicou um livro, Mulher e Homem
em Paulo8, em que trata deste assunto que ora abordamos, e de mui-
tos outros, mostrando-nos uma nova imagem de Paulo.
Segundo este autor as traduções que temos não expressam de for-
ma autêntica o pensamento do Apóstolo, e para nos mostrar a real
significação dos textos do Convertido de Damasco, ele os retraduz va-
lorizando não só o contexto judaico do cristianismo do primeiro sécu-
lo, como também dando novas soluções para as expressões idiomáti-
cas tão comuns no idioma hebraico.
Assim, declara nos movimentos iniciais de seu livro:
Muitas acusações contra Paulo poderão ser enfraqueci-
das pela raiz. Outras poderão ser interpretadas como
temporalmente condicionadas, de modo que a mensa-
gem válida para todos os tempos possa ser diferencia-
da de formulações atuais.9
Mais adiante:
O caminho muitas vezes tortuoso da análise de texto
conduz a um surpreendente mundo novo, revelando
um Paulo proclamador da liberdade dos filhos e filhas
de Deus.10
E ao falar dos princípios hermenêuticos básicos afirma:
Exegese significa auscultar a mensagem imodificada
por meio das mudanças dos tempos, dos sistemas de
pensamentos e de valor e aí traduzi-las de forma nova.
11
13
STERN, David. O Novo Testamento Judaico, Ed. Vida, São Paulo, 2007
Aquele que investiga os corações conhece exatamente o pensa-
mento do espírito. (STERN, 2007)
Ou seja, é o coração racional, que pensa.
Neste ponto vamos citar novamente (BAUMERT, 1999), pág. 240:
Não nos compete declarar um sistema antropológico
como “verdadeiro” e outro como “falso”; cada um tem
o seu teor de verdade. Mas temos de tentar entender o
sistema hebraico, porque nessa língua foi-nos transmiti-
da a mensagem da salvação que está por trás das pala-
vras e pode ser traduzida para qualquer língua. Porém,
as “palavras” hebraicas sobre o ser humano nunca po-
dem ser distribuídas para o corpo e a alma em sentido
grego, mas cada qual pensa o ser humano como um
todo de determinada perspectiva.
Não vamos continuar aprofundando este assunto, pois além de não
termos autoridade para tal, não é esse o tema de nosso estudo; se
nele nos aventuramos um pouco, é só para deixar claro o quanto é di-
fícil traduzir e o quanto podemos nos enganar em relação ao pensa-
mento de Paulo ou de qualquer outro autor, caso este tenha sido mal
traduzido.
Não dá para ler Paulo de uma forma afoita. Àqueles que quiserem
aprofundar no tema sugerimos o estudo da obra de Norbert Baumert
citada em nossa bibliografia.
15
Idem, Ibidem, pág. 85 e 86.
16
(XAVIER / Emmanuel [Espírito] 2004), pág. 86
Desde criança, com a sadia educação doméstica, guar-
dava puros os primeiros impulsos do coração, sem ja-
mais contaminá-los na esteira dos prazeres fáceis ou do
fogo das paixões violentas, que soem deixar na alma o
carvão das dores sem esperanças.
...tivera o heroísmo sagrado de sobrepor as disposições
da Lei às próprias tendências naturais. Sua concepção
de serviço a Deus não admitia concessões a si mesmo.
A seu ver, todo homem devia conservar-se indene de
contactos inferiores com o mundo, até que atingisse o
tálamo nupcial. O lar constituído haveria de ser um ta-
bernáculo das bênçãos eternas; os filhos, as primícias
do altar do Maior Amor, consagrado ao Senhor Supre-
mo.
A vida do lar é a vida de Deus.
(Em conversa com Abigail na casa de Zacarias) 17
Esta conversa com Abigail mostra-nos um Saulo altamente românti-
co. Tinha ele tanta consideração pela mulher que se guardava sexual-
mente para sua eleita, mesmo antes de conhecê-la. Em nosso portu-
guês claro e atual, Saulo era casto.
Tinha o lar e a família como instituição sagrada, sabia o quão esta
era importante para a formação do Ser que devia caminhar conscien-
te para Deus.
Em Paulo vamos ver que seu objetivo maior era fazer com que Je-
sus triunfasse dos corações dos homens, para isso a família tinha im-
portância fundamental em sua feição educativa e disciplinadora.
Como em seu tempo tanto nos altos postos de Roma, quanto entre
os pagãos gregos e outros, a família estava degenerando-se, justifica-
se de forma clara a dureza de alguns textos de Paulo em relação ao
comportamento principalmente da mulher por ser esta a primeira
educadora e a principal responsável pela formação moral da família.
17
op. cit., pág. 99 e 100
18
Ib., pág. 94
Seriam estas caracaterísticas de um homem machista e acusado de
incentivador de um comportamento misógino?
— Mulheres na cerimônia?19
A irmã de Saulo pergunta sobre a presença de Abigail na cerimônia
do martírio de Estevão, o que era proibido, pois não era permitido a
uma mulher estar em determinadas partes do templo.
…e ainda que isso constitua resolução de última hora, a
critério dos sacerdotes, a medida não poderá atingir
decisão pessoal de minha parte e eu desejo que Abigail
participe do meu primeiro triunfo na defesa dos nossos
princípios soberanos. 20
Saulo fere aqui uma tradição e um regulamento mesmo, ao querer
que uma mulher participe de uma cerimônia no templo. Demonstra o
quanto era o seu desejo a participação de Abigail na cerimônia de
Estevão, o que era para ele o seu primeiro triunfo. Vemos aqui
claramente que ele não era contrário à participação da mulher nos
sucessos do noivo ou marido, ou mesmo nas cerimônias religiosas.
Mas, diariamente, à noite, se reuniam, na casa singela
onde funcionava a célula do “Caminho”, grandes gru-
pos de pedreiros, de soldados paupérrimos, de lavrado-
res pobres, ansiosos todos pela mensagem de um mun-
do melhor. As mulheres de condição humilde compare-
ciam, igualmente, em grande número. (Sobre as reuni-
ões em Antioquia.)21
Já notamos aqui - nas reuniões da comunidade cristã de Antioquia -
mulheres estudando o Evangelho, o que não era comum àquele tem-
po.
Ali se reuniam, à noite, às ocultas, como se a
verdadeira igreja de Jerusalém houvesse transferido
sua sede para um reduzido círculo familiar. Observando
as assembléias íntimas do santuário doméstico, o ex-
rabino recordou a primeira reunião de Damasco. Tudo
era afabilidade, carinho, acolhimento. A mãe de João
Marcos era uma das discípulas mais desassombradas e
generosas. (Em Jerusalém, culto na casa de Maria
Marcos, mãe de João Marcos.)22
Maria Marcos, mãe de João Marcos era uma das discípulas (o que
quer dizer que haviam outras) mais participativas, ou seja, mesmo na
igreja em Jerusalém onde o judaísmo era mais tradicional e
influenciava o movimento de Jesus, havia participação dinâmica de
mulheres.
Fundação da igreja em Listra.
Lóide e a filha estavam radiantes. A cura do aleijado
19
Ib., pág. 182
20
Ib.
21
op. cit., pág. 389
22
op. cit., pág. 398
conferia aos mensageiros da Boa Nova singular situa-
ção de evidência. Paulo valeu-se da oportunidade para
fundar o primeiro núcleo do Cristianismo na pequena
cidade. As providências iniciais foram tomadas na resi-
dência da generosa viúva, que pôs à disposição dos
missionários todos os recursos ao seu alcance 23.
Temos aqui a participação de mulheres na fundação de reuniões
para estudos do Evangelho.
Eram líderes do movimento?…
Fundação da igreja de Filipes
Enxugavam discretamente as lágrimas que lhes afluiam
ao rosto, ao receberem notícias do Mestre, e uma
delas, chamada Lídia, viúva digna e generosa,
aproximou-se dos missionários e, confessando-se
convertida ao Salvador esperado, oferecia-lhes a
própria casa para fundarem a nova igreja. 24
Mais uma vez uma igreja fundada na casa de uma mulher (Cf. Atos,
16:14)
Também através de suas epístolas vamos poder notar o carinho, o
respeito e a consideração que tinha por muitas mulheres que eram,
conforme podemos notar, suas colaboradoras na disseminação do
Evangelho
Em Romanos capítulo 16 temos:
Recomendo-vos, pois, Febe, nossa irmã, a qual serve
na igreja que está em Cencréia. (Romanos, 16: 1)
Febe era grande colaboradora na igreja em Cencréia conforme
podemos notar pelas próprias palavras do apóstolo. Era mais uma
mulher que participava ativamente no movimento cristão junto de
Paulo.
Através de Emmanuel (op. cit., pág. 552) ficamos sabendo que foi
ela a portadora da Epístola aos Romanos, que Paulo escrevera na
cidade de Corinto.
Paulo sabia por revelação do próprio Cristo sobre a importância
destas cartas para o movimento que se iniciava e para a cristandade
de todas as épocas; sabedor que era ainda das dificuldades de
transporte, e outros, será que ele encarregaria tal encomenda a
quem não fosse absolutamente de confiança?
Portanto, fica mais uma vez confirmada a participação ativa de
mulheres no movimento, e também que elas assumiam tarefas de
grande relevância.
Saudai a Priscila e a Áqüila, meus cooperadores em
Cristo Jesus (Romanos, 16: 3)
23
op. cit., pág. 458
24
op. cit., pág. 508
Priscila e Áquila eram amigos e colaboradores fiéis de Paulo. Prisci-
la ajudava não só na divulgação da Boa Nova, como era também
companheira de trabalho como tecelã. É mais uma vez a prova de
mulheres participantes. Havia uma reunião também na casa deles
conforme depreendemos de Romanos, 16: 5.
Saudai a Andrônico e a Júnia, meus parentes e meus
companheiros na prisão, os quais se distinguiram entre
os apóstolos e que foram antes de mim em Cristo.
(Romanos, 16: 7)
Este é um texto interessante visto que apóstolo significa enviado e
no Novo Testamento é normalmente usado para se referir aos doze
primeiros discípulos de Jesus, a Matias que substituiu Judas, ou ao
próprio Paulo.
Aqui Paulo dá este título a Andrônico e a Junia que era uma mulher,
ou seja, uma colaboradora acima da média. O texto chocou tanto al-
guns estudiosos que muitos chegaram a negar esta possibilidade,
sendo que alguns tradutores, e de conceituadas traduções, chegaram
a propor que o nome era Júnias, um nome masculino. Porém, como in-
forma-nos Bart D. Ehrman em O Que Jesus Disse? O Que Jesus Não
Disse?25 a crítica textual está muito avançada e consegue hoje perce-
ber estas alterações textuais; além disso, comenta o mesmo autor,
que enquanto Junia (no feminino) era um nome comum à época, não
há indício no mundo antigo de Júnias como nome masculino. 26
Outros versículos poderiam ser citados para mostrar a participação
de mulheres como colaboradoras ativas de Paulo, entre eles, Colos-
senses, 4: 15 em que cita uma igreja na casa de Ninfa, uma outra co-
operadora. Porém para não nos tornarmos mais cansativos com cita-
ções, achamos que estas já bastam para provar que havia participa-
ção ativa de mulheres no cristianismo do primeiro século, principal-
mente como colaboradoras de Paulo, o que inviabiliza a leitura deste
como um judeu machista como é comentado por muitos, inclusive
nos meios cristãos atuais.
27
Gálatas, 3: 28
o entendimento pleno: submetei-vos uns aos outros no temor de Cris-
to.
Aqui é preciso em primeiro lugar compreender o que seja temor de
Cristo, pois esta é a condição maior, tudo deve estar integrado nisto.
No Deuteronômio, 6: 1 e 2, o redator bíblico diz:
São estes os mandamentos, os estatutos e as normas
que IHVH vosso Deus ordenou ensinar-vos, para que
coloqueis em prática na terra para qual passais, a fim
de tomardes posse dela, e, assim, temas a IHVH teu
Deus e observes todos os seus estatutos e mandamen-
tos que eu hoje te ordeno…
Deste modo entendemos que temer a Deus é manter a fidelidade à
Aliança, é observar (obedecer) os seus estatutos e mandamentos.
Paulo era conhecedor profundo desta matéria, e quando ele fala
em temor de Cristo ele está nos chamando a atenção para a fidelida-
de que devemos ter para com Ele, o que podemos resumir como ob-
servar e vivenciar o Seu Evangelho.
Assim, ao interpretarmos estes textos, ou qualquer outro de Paulo,
façamos a seguinte analogia: a nossa interpretação está coerente
com a mensagem do Sermão do Monte? Se sim, aprofundemos nosso
entendimento, se não, busquemos outra melhor.
Deste modo, submetamo-nos uns aos outros em Cristo, isto é, com
o seu mais puro amor.
Efésios, 5: 22 a 33:
22 Vós, mulheres, sujeitai-vos a vosso marido, como
ao Senhor;
23 porque o marido é o cabeça da mulher, como tam-
bém Cristo é o cabeça da igreja, sendo ele próprio o
salvador do corpo.
24 De sorte que, assim como a igreja está sujeita a
Cristo, assim também as mulheres sejam em tudo su-
jeitas a seu marido.
25 Vós, maridos, amai vossa mulher, como também
Cristo amou a igreja e a si mesmo se entregou por ela,
26 para a santificar, purificando-a com a lavagem da
água, pela palavra,
27 para a apresentar a si mesmo igreja gloriosa, sem
mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, mas santa e
irrepreensível.
28 Assim devem os maridos amar a sua própria mulher
como a seu próprio corpo. Quem ama a sua mulher
ama-se a si mesmo.
29 Porque nunca ninguém aborreceu a sua própria car-
ne; antes, a alimenta e sustenta, como também o Se-
nhor à igreja;
30 porque somos membros do seu corpo.
31 Por isso, deixará o homem seu pai e sua mãe e se
unirá à sua mulher; e serão dois numa carne.
32 Grande é este mistério; digo-o, porém, a respeito
de Cristo e da igreja.
33 Assim também vós, cada um em particular ame a
sua própria mulher como a si mesmo, e a mulher reve-
rencie o marido.
Ao iniciarmos este estudo queremos antes de tudo lembrar dois
pontos importantes. O primeiro, o versículo da epístola de Pedro que
diz:
…sabendo primeiramente isto: que nenhuma profecia
da Escritura é de particular interpretação. 28
Isto porque a interpretação que daremos a este texto de Paulo é
apenas uma, outras poderão existir e até melhores que a nossa. Po-
rém esta é o que de melhor pudemos fazer neste momento.
Outro aspecto que queremos salientar é quanto a uma pergunta
que nos é constantemente dirigida, se não estaríamos divagando
muito em nossas interpretações do Evangelho. Teria o apóstolo real-
mente pensado nesta hipótese quando escreveu o texto?
É preciso que fique claro uma coisa, a Bíblia é uma revelação de
Deus; segundo Kardec o Antigo Testamento nos traz os textos da 1ª
Revelação, e o Novo o da 2ª.
A primeira revelação previu a vinda da 2ª, do mesmo modo a 2ª
nos apontou a necessidade de uma 3ª que viria posteriormente, a do
Consolador ou Paráclito.
Assim temos a unidade das revelações sob três aspectos ou mo-
mentos distintos. Isto deixa-nos claro o seguinte fato, do mesmo
modo que o Espírito de Verdade orientou o advento da terceira reve-
lação, também o fez com a primeira e a segunda. Assim, os textos
destas revelações também foram inspirados pelos Espíritos Prepostos
do Cristo encarregados de implantarem na Terra o Reino de Deus no
coração dos homens.
Isto quer dizer que respeitadas as tradições, o contexto histórico,
social e cultural em que foram formados, todo texto revelado pelos
Espíritos através destas revelações transcendem tempo e espaço e
podem na medida de nosso progresso espiritual revelar-nos novos ân-
gulos a auxiliar no processo reeducativo de todos o que estiverem
preparados para tal mister. Isto está de acordo com o versículo citado
acima da epístola de Pedro e nos deixa bem tranqüilo quanto às inter-
pretações que temos feito do Evangelho neste estudo que carinhosa-
mente aprendemos a chamar de Estudo Miudinho do Evangelho.
Costumamos dizer que um dos trechos mais importantes de toda
esta revelação, e que é base para compreensão de toda a Bíblia, está
contida no livro Deuteronômio, no capítulo 6:
28
2 Pedro 1:20
Ouve, Israel, o Senhor, nosso Deus, é o único Senhor.
Amarás, pois, o Senhor, teu Deus, de todo o teu cora-
ção, e de toda a tua alma, e de todo o teu poder.
E estas palavras que hoje te ordeno estarão no teu co-
ração; e as intimarás a teus filhos e delas falarás assen-
tado em tua casa, e andando pelo caminho, e deitando-
te, e levantando-te.
Também as atarás por sinal na tua mão, e te serão por
testeiras entre os teus olhos.
E as escreverás nos umbrais de tua casa e nas tuas
portas.29
Todo o texto da Bíblia gira em torno deste versículo anotado no li-
vro atribuído a Moisés. Pois a história contida na Bíblia nada mais é do
que a da relação de Deus com a humanidade, no livro, representado
pelo povo hebreu, o Israel de Deus.
Fidelidade e traição, estes os dois momentos distintos que fizeram
toda a trama da história e que representam bem toda a nossa trajetó-
ria evolucional.
Diz–nos os primeiros movimentos do livro Gênesis, que quando
Deus criou o homem, o colocou num Jardim no Éden, e fez com ele
uma Aliança: “de toda a árvore do jardim comerás livremente... 30”. E
ali havia vários tipos de árvores representadas pelas que eram agra-
dáveis à vista, as boas para comida, a árvore da vida que ficava no
meio do jardim e a árvore da ciência do bem e do mal. Mas, continuou
o Senhor Deus, da árvore da ciência do bem e do mal dela não come-
rás; porque no dia em que dela comeres, certamente morrerás.31
Isto significa que Deus ao criar o homem deu a ele todas as condi-
ções para viver bem, feliz, e saudável, mas para isso era preciso se
manter na Aliança, fiel aos desígnios do Senhor. Deus criara uma Lei
para gerir o funcionamento do Cosmos, e era preciso obedecê-la para
manter a harmonia.
Já nos primeiros versículos do capítulo três deste mesmo livro, o
homem inicia seu processo de infidelidade. Notemos que Eva no diá-
logo com a serpente já deturpa o que Deus dissera ao dizer que não
deveria comer da árvore colocada no meio do jardim. (cf. Gn, 3: 3).
Ora, o que o Senhor dissera é que no meio do jardim estava a árvore
da vida, e a que não deveria ser comida era a da ciência do bem e do
mal. É que Eva elegera como centro de seus interesses a árvore da ci-
ência do bem e do mal, quando o interesse maior do ser humano de-
veria ser a da vida, aquela que mais tarde o Cristo viria trazer como
objetivo para todos nós.
Tendo valorizado mais o interesse pessoal que a obediência à har-
monia universal, outra não poderia ser a conseqüência, a queda mo-
29
Deuteronômio, 6: 4 a 9
30
Gênesis, 2: 16
31
Gênesis, 2: 17
ral do homem, o distanciamento de Deus: “porque no dia em que
dela comeres, certamente morrerás.”32
Estava rompida a Aliança.
Todavia Deus é Misericórdia, e para fazer o homem voltar à vida re-
nova a Aliança com este através de Noé. (cf. Gn, 6: 18)
E mais uma vez o humano faz-se infiel e cai.
Porém Deus renova com Abraão o pacto. E mais uma vez o homem
rompe; a aliança é renovada com Moisés e a história se repete.
Por fim Deus envia à Terra Seu Filho maior, o Cristo, e através des-
te dá oportunidade ao homem de refazer a Aliança e voltar à vida:
…eu vim para que tenham vida e a tenham com
abundância.33
Eu sou o caminho, e a verdade, e a vida. Ninguém vem
ao Pai senão por mim.34
Eu sou o pão vivo que desceu do céu; se alguém comer
desse pão, viverá para sempre; e o pão que eu der é a
minha carne, que eu darei pela vida do mundo. 35
*******
32
Idem
33
João, 10: 10
34
João, 14: 6
35
João, 6: 51
Eis aqui a serva do Senhor; cumpra-se em mim segundo a tua pala-
vra.36 Assim se manifesta Maria expressando sua fidelidade.
Da mesma forma podemos dizer que Maria de Magdala foi uma vir-
gem do Evangelho e não uma prostituta, enquanto Judas Iscariotes,
naquele momento evolutivo, foi talvez a maior prostituta do Evange-
lho. E aqui cabe uma consideração, foi através de uma virgem (Joana
d’Arc) que Judas se redimiu e tornou-se fiel a Deus, no plano das
reencarnações.
Deste modo, quando Paulo, que dominava toda esta cultura judai-
ca, e pensava como um judeu de seu tempo, mesmo que transforma-
do pelas luzes do Evangelho, dizia que a mulher devia se submeter ao
seu marido, é como se carinhosamente dissesse: “Ouve ó Israel (hu-
manidade) esteja sujeita a Deus”, e isto ele reforça quando diz: como
ao Senhor.
Ou seja, com uma fidelidade urgente a ser mantida, pois aquele
que tem amadurecimento das questões espirituais, sabe do quanto já
erramos por adulterarmos em relação aos propósitos divinos e quanto
é bom mantermo-nos na segurança de um Pai que é essencialmente
misericórdia.
E o apóstolo aprofunda:
Porque o homem é o cabeça da mulher; cabeça aqui deve ser en-
tendido como origem ou fonte, e não como chefe ou dominador.37
Aliás, esta é a relação Deus – humanidade; Deus é a origem, a fon-
te, e não dominador. Deus é amor, e amor pressupõe liberdade e não
constrangimento, por isso educa-nos através do livre arbítrio.
Do mesmo modo Cristo é o cabeça, a origem da igreja, que aqui
deve ser entendida como “reunião da comunidade”, comunidade esta
que surge para o estudo dos textos originais do Evangelho, pressu-
pondo participação de todos, inclusive das mulheres que eram já nes-
te tempo sempre presente nas reuniões e muitas vezes líderes e fun-
dadoras das igrejas. (Cf. Atos, 16: 14 e 15; Colossenses, 4: 15, entre
outras referências.)
No versículo 24 deste capítulo Paulo afirma:
…como a igreja está sujeita a Cristo, assim também as
mulheres sejam em tudo sujeitas a seu marido.
A grande dificuldade que temos de entender este texto está na
nossa originária rebeldia que faz com que detestemos sujeitar-nos ao
que quer que seja. Queremos ser o que manda, jamais o que obede-
ce, mesmo após Jesus ter nos ensinado que aquele que quiser estar
no Reino do Pai deve servir e obedecer como Ele, que é o maior que
esteve entre nós, fez.
36
Lucas, 1: 38
37
Examinaremos melhor este assunto quando comentarmos 1 Coríntios, 11 a
partir do versículo 3
Neste ponto cabe uma reflexão e um entendimento, que tipo de su-
jeição é esta que Cristo exige da igreja? Que tipo de submissão tem
ela em relação a Ele?
É importante entendermos isto, pois é esta sujeição que segundo
Paulo a mulher tem que ter em relação ao seu marido.
Conforme temos analisado, segundo o pensamento de Paulo, o ho-
mem está para Cristo do mesmo modo que Cristo está para Deus; a
mulher está para a igreja, como esta está para a humanidade.
Cristo representa o nosso superconsciente, é a meta que devemos
alcançar. O homem é a faixa atual em que nos movimentamos, o
campo operacional que nos diz respeito através do qual chegaremos
ao Cristo e a Deus.
A mulher deve se sujeitar ao marido como a igreja está sujeita a
Cristo. Deus é amor, já dissemos anteriormente repetindo o discípulo
amado; Cristo que é o cabeça da criação representa o amor de Deus
dinamizado, operacionalizado. Onde há amor não há exigência, não
há imposição nem constrangimento, portanto Deus não submete a
humanidade a nada, por isso ele faculta o livre arbítrio.
Alguns neste ponto podem dizer, “mas há o determinismo”; sim,
há, mas o determinismo é fruto do livre arbítrio, quando ele traz dor
ou sofrimento é porque foi violada a Lei Divina, não é Deus quem
impõe, a criatura é que escolhe o caminho.
Portanto, se Deus não submete a humanidade, do mesmo modo o
homem não deve submeter a mulher; a humanidade consciente é que
deve se submeter a Deus fazendo uso de sua liberdade, ao que cha-
mamos de “liberdade-obediência”, ou autonomia madura (BAUMERT,
1999), pág. 205; pois ao caminhar nesta submissão liberta-se para
conquistas maiores.
Este é o significado da sujeição que Paulo cobra da mulher; não é a
sujeição de lá para cá como imposição, mas daqui para lá como ele-
mento de libertação, de desvinculação. A mulher aqui representa
toda humanidade, inclusive nós os elementos do sexo masculino.
Para que possamos fundamentar a exposição que aqui realizamos
vamos citar um texto de Paulo ao se dirigir à comunidade de Corinto:
Pois eu vos cortejo com o cativante amor de Deus; pois
vos desposei, para, como único esposo, entregar uma
virgem pura ao Cristo.38
Ou seja, ele prepara a comunidade, a noiva, para que ela se torne
uma virgem pura, fiel, para unir-se ao seu esposo único, que é Cristo.
Desta forma, não vemos nesta carta nenhuma colocação para em
Paulo lermos que a mulher é inferior ao homem, não foi isto que ele
quis dizer e nem é isso que mostra sua personalidade conforme já ci-
tamos em textos tanto de suas epístolas, quanto do livro de Emmanu-
el, Paulo e Estevão.
38
2 Coríntios, 11: 2
Na 1ª Carta aos Coríntios ele fala claramente desta igualdade dos
dois sexos quando responde aos destinatários da carta algumas ques-
tões sobre abstinência sexual. Em determinado ponto ele diz:
Não vos recuseis um ao outro, a não ser de comum
acordo… (grifo nosso)
Como vemos, não prega a sujeição de um em relação ao outro,
mas que estejam de comum acordo, isto é, em estado de igualdade. E
notemos que isto ele fala a respeito de um dos temas mais delicados
que é a comunhão sexual; se neste tema que é tão íntimo, onde deve
vigorar a mais pura verdade, assim deve ser, por que não deve ser
em todas manifestações exteriores?
Assim voltamos a reiterar, qual era o ser humano, que naquele
tempo, numa cultura extremamente patriarcal, onde a mulher nem
era considerada, tratava com tanta delicadeza a mulher em sua rela-
ção com o homem?
*****
44
João, 10: 30
45
João, 17: 21 e 22
6 - O véu como símbolo de autoridade (1 Coríntios, 11: 3 a 16)
48
TREBOLLE, Barrera J. A Bíblia Judaica e a Bíblia Cristã, 2ª ed., Petrópolis, Vozes,
1999.
49
ROHDEN, Huberto. Que Vos Parece do Cristo? Pág. 24, 3ª ed., São Paulo, Alvo-
rada.
50
Ibidem, pág. 25
51
XAVIER / Emmanuel, A Caminho da Luz, 10ª Ed., Rio de Janeiro, Feb€, 1980.
celente didática sua exposição nos fala de ser Deus o cabeça de Cris-
to, como a verdadeira origem e fonte de todas as coisas.
Se fizermos o versículo em sentido contrário, isto é:
Deus Cristo Homem Mulher
Poderemos fazer uma analogia com a descida vibratória do Espírito
até chegar mais efetivamente em sua prisão na matéria.
Como já dissemos alhures não é objetivo deste trabalho uma análi-
se versículo a versículo deste texto de Paulo, mas analisar alguns
conceitos que advieram de uma interpretação, a nosso ver, errônea
do mesmo.
Assim, temos o problema do véu como sinal de autoridade do ho-
mem sob a mulher e de subordinação desta em relação àquele.
Este é um texto complexo, muito já se brigou por ele. Porém trata-
se de um fato cultural. A mulher na realidade cobria sua cabeça com
os seus próprios cabelos, e era um desrespeito ou uma atitude vergo-
nhosa as mulheres orarem ou receberem uma manifestação proféti-
ca, o que modernamente chamamos de manifestação mediúnica, com
o cabelo solto. Pois ao tempo de Paulo, ou mesmo antes dele, as mu-
lheres que usavam o cabelo solto eram as prostitutas (cf. Números, 5:
18), as mulheres casadas usavam o cabelo preso ou penteado para
cima (BAUMERT, 1999), pág. 168. Portanto, trata-se de uma questão
de vergonha.
É correto, porém, se fizermos uma interpretação literal, relacionar o
cabelo como cobertura da cabeça, através do penteado, uma questão
de estar sob autoridade. Nós não podemos esquecer que na socieda-
de patriarcal em que Paulo vivia, a mulher era posse do marido, devia
a ele se submeter, só que essa não era a mensagem que o Converso
de Damasco queria deixar para as gerações futuras. Tem na sua men-
sagem algo de especial e muito mais profundo, que cabe a nós, hoje,
penetrarmos na busca de seu componente reeducativo mais impor-
tante.
O quarto versículo deste capítulo é claro, não deixa dúvidas sobre a
sua interpretação, todavia cabe aqui ver o quanto as duas traduções
que citamos se completam.
Todo homem que ora ou profetiza, tendo a cabeça co-
berta, desonra a sua própria cabeça. (Almeida)
Assim como todo homem, quando, ao orar ou falar pro-
feticamente, ocupar-se com sua cabeça desonra seu
cabeça (a saber, Cristo). (Baumert)
Dentro desta exposição paulina o cabeça do homem é o Cristo, por-
tanto, quando em oração (conversa com Deus através do coração) ou
em serviço de profecia (prática mediúnica com o Evangelho), o ho-
mem (e mulher) não pode em hipótese alguma deixar o Cristo enco-
berto, é preciso que Ele esteja acima de todas as coisas.
…nem se acende a candeia e se coloca debaixo do al-
queire, mas, no velador, e dá luz a todos que estão na
casa52.
A tradução de Baumert completa por ser ainda mais explícita, pois
relaciona sua cabeça (interesse pessoal) com seu cabeça (Cristo).
Quando em serviço em favor do Bem, não podemos destacar nossa
“cabeça” (interesse pessoal), mas o Cabeça (Cristo). O trabalho é
Dele, é Ele quem age por meio de nós, portanto, nada de destaque,
nada de chamar para si a glória. Talvez seja essa, em concordância
com todo o trabalho que realizou, a melhor mensagem que Paulo
queria passar com este verso.
E dizia a todos: Se alguém quer vir após mim, negue-se
a si mesmo, e tome cada dia a sua cruz, e siga-me. (Je-
sus) 53
Passemos adiante...
Mas toda mulher que ora ou profetiza com a cabeça
descoberta desonra a sua própria cabeça, porque é
como se estivesse rapada.(Almeida)
…toda mulher que, ao orar (em voz alta) ou falar profe-
ticamente (na reunião) soltar seu cabelo, desonra seu
cabeça ( a saber, o homem); pois é como se ela tivesse
sido raspada. (Baumert)
Aqui temos que trabalhar com os símbolos.
A mulher tem representado em nossa simbologia, o sentimento; o
homem a razão. Em se tratando da mulher cristã, aquela já converti-
da ao Cristo, diríamos que trata-se do sentimento sublimado.
Temos aprendido principalmente em nossas obras espíritas vindas
através da pena de nosso querido Chico Xavier, o quanto um senti-
mento sublimado pode realizar. Basta lembrarmos as experiências de
Lívia no Romance Há Dois Mil Anos; Célia, em Cinqüenta Anos Depois;
Alcione em Renúncia; Matilde em Libertação, entre outras.
Deste modo podemos assim compreender, quando estivermos
agindo com base num sentimento sublimado (no texto representado
pela mulher), deixemos a nossa razão encoberta (aqui representado
pelo seu cabeça, ou seja, o homem); ela (razão) nada terá a acrescen-
tar, pois um sentimento profundo vindo do coração (amor), transcen-
de todas as possibilidades da lógica e da razão. Não há como contabi-
lizar um ato de amor.
Observemos, não estamos aqui dizendo que não devamos levar a
razão em conta quando agimos no campo do sentimento, não é isso,
a razão e o sentimento conjugados são dois componentes a serem
equilibrados. Porém aqui Paulo, através da simbologia da mulher cris-
tã nos fala de um sentimento sublimado, o que vai para muito além
de nossa capacidade de quantificação.
52
Mateus, 5: 15
53
Lucas, 9: 23
Olhe que aqui temos um outro ponto a ser trabalhado, porém, isso
faremos mais adiante quando formos falar do silêncio da mulher nas
reuniões de estudo (1 Timóteo, 2: 8 a 15). É o fato de à mulher ser
dada a oportunidade de profetizar ou orar em voz alta nas reuniões.
Isso comentaremos depois.
Voltemos agora sobre a questão do véu como sinal de autoridade
para que possamos encerrar esta parte e partirmos para outras den-
tro deste mesmo texto que são também importantes.
Temos a possibilidade de ter véu neste texto nos versículos 6, 10,
13 e 15.
Vamos comentar por partes.
No 6 temos:
Katakalupto: cobrir para cima; ocultar ou cobrir o ego da pessoa.
Não se trata propriamente de véu, mas cobrir a cabeça com os pró-
prios cabelos (penteado) como era usado à época, como dissemos an-
teriormente, pela mulher casada. É uma questão de respeito. Pode-
mos compreender também como ocultar-se em favor do próprio tra-
balho.
No 13:
Akatakaluptos, com a particular negativa significando não coberto.
Aqui dentro do contexto significa o cabelo solto que era usado por
mulheres que não se davam ao respeito.
É nesse sentido que Paulo pergunta:
Julgai entre vós mesmos: é decente que a mulher ore a
Deus descoberta? (com os cabelos soltos).
No 10 temos:
Exousia = poder, autoridade.
Sobre Exousian echein, que é a expressão completa, afirma
(BAUMERT, 1999), pág. 173:
…significa “receber poder sobre a cabeça, manter a ca-
beça em disciplina” – e não desordená-la, por exemplo,
soltando os cabelos.
E ainda sobre os cabelos soltos há outra informação do mesmo autor ,
páginas167e seguintes:
O pano de fundo da exortação do apóstolo é o fato de
que, ocasionalmente, no meio de uma reunião de ora-
ção, o cabelo da mulher se soltava quando ela orava
em voz alta ou proferia palavra profética. Isso chamava
a atenção. Entre os gregos não era desconhecido o fato
de um profeta ou profetisa, talvez para relaxar a tensão
experimentada durante o êxtase ou para sublinhar o
significado de seu papel profético, muitas vezes soltar
seu cabelo e gesticular fortemente, de modo que o ca-
belo – de forma mais ou menos impressionante – voava
no rosto ou nas costas.
Assim podemos entender melhor o versículo:
…por isso a mulher é obrigada a manter a cabeça de-
cente com base (na presença) de anjos.
Se em determinado ponto fizemos a relação da mulher com o senti-
mento, aqui não é menos correto relacioná-la com a vaidade. É preci-
so manter a cabeça decente, em ordem, sob disciplina, e não cha-
mando para si a atenção. O mais importante é a mensagem, e não
através de quem ela veio, seja o médium ou o Espírito comunicante.
Se assim não for, os anjos (Espíritos voltados para o bem) abando-
nam o médium à sua própria sorte, ou à sua própria vaidade. Este
não é o espírito cristão de serviço, e Paulo sabedor dessa possibilida-
de, pois conhecia a natureza fraca do homem, tentava a todo custo
evitar a queda de qualidade do movimento em favor do Cristo.
Para encerrarmos este assunto, no versículo 15 temos:
Peribolaion, significando: uma coberta lançada ao redor de, uma
envoltura, um manto, ou um véu.
Só aqui literalmente podemos ter véu, porém, de acordo com o
contexto talvez o mais correto fosse manto, mesmo assim no sentido
de proteção. Pois Paulo diz: pois o cabelo é dado como manto (véu). E
um dos objetivos do cabelo, não é principalmente proteger?
Portanto mais uma vez o apóstolo chama a atenção, não é para
usar o cabelo como adorno, como honra, mas como proteção. E em
termos espirituais, principalmente no âmbito de uma reunião mediú-
nica, a melhor proteção não é estar em disciplina quanto ao atuarmos
de acordo com os princípios do Evangelho?
Portanto, concluindo temos, o véu como sinal de autoridade é em
última instância uma subordinação ao Cabeça Primário que é Deus, e
como conseqüência ao Cristo, nada mais do que isto, estejamos sujei-
tos ao Cristo pela vivência evangélica. Esta é a mensagem primordial
de Paulo.
Nos versículos 11 e 12 temos outros pontos importantes a serem
comentados:
12.Da mesma forma, (é) nem mulher sem homem
nem homem sem mulher no Senhor;
13.pois, assim como a mulher (Eva) a partir do
homem (Adão), assim também o homem (Cris-
to) por meio da mulher – o todo, porém, a par-
tir de Deus.
Nos versículos anteriores Paulo faz uma abordagem a partir da tra-
dição vigente à época, nestes, ele lança através de um jogo de pala-
vras, uma nova ordem.
Para tal ele usa uma expressão muito importante, no Senhor. É
como se ele assim dissesse:
Se antes havia uma relação de dependência da mulher ao seu ma-
rido devido à ordem da criação, primeiro o homem, depois a mulher,
agora, no Senhor, isto é, em Cristo, há algo mais, nem a mulher é
sem o homem, nem o homem sem a mulher. As diferenças continuam
existindo, porém diferença não é defeito e sim enriquecimento. Dife-
rença não pode determinar superioridade de um em relação ao outro,
mas necessidade de complementação onde cada um colaborando
com a sua parte coopera na formação do todo.
Guardemos estas palavras, pois elas são imprescindíveis para o en-
tendimento evangélico: colaboração e cooperação; pois no Senhor
não há progresso efetivo sem estas práticas.
Justificando sua exposição, já que é utilizada a história da criação
contada no Gênesis capítulo dois para explicar a situação da mulher,
Paulo relaciona a mulher a Eva, e o homem a Adão, porém na nova
proposta (no Senhor) o homem é Cristo (último Adão54), e a mulher é
Maria, a que deu a luz ao Cristo.
Através de Adão entrou o pecado no mundo, o que quer dizer isto?
É quando o homem rompe a aliança com Deus, ou seja, dissocia de
Seus desígnios agindo por conta própria sem levar em conta Sua Lei
visando exclusivamente o interesse pessoal.
O resgate se dá por meio de Cristo que veio para nos ensinar o ca-
minho de volta ao Pai, caminho esse que é definido justamente pela
obediência à Sua Lei
Jesus disse-lhes: A minha comida é fazer a vontade da-
quele que me enviou e realizar a sua obra. 55
Por sua vez Eva foi quem sofreu a influência da Serpente.
Dissemos anteriormente que Adão representa o primeiro grupo de
Espíritos que vieram deportados de outro Orbe para auxiliar os autóc-
tones de nossa Terra; e que Eva é a representação do segundo grupo,
grupo este já mais sensibilizado a ponto de sofrer influência espiritual
da Serpente que seria o terceiro grupo formado por Espíritos que não
queriam encarnar, o que mais tarde fazem na figura de Caim.
Eva sofre desta forma uma influência espiritual negativa, o que
dentro do vocabulário espírita chamaríamos de mediunidade a servi-
ço das trevas.
Maria realiza justamente o resgate de Eva na medida que faz nas-
cer o Cristo obedecendo a um chamado do plano espiritual superior,
ou seja, usa a mediunidade a serviço da Luz.
No primeiro caso temos a mediunidade gerando desobediência le-
vando à queda. No segundo a mesma faculdade sendo usada para a
obediência conduzindo à redenção.
Concluindo, o Espírito, Ser inteligente (representado pelo primeiro
homem), é levado à queda pelo sentimento desequilibrado (represen-
54
Cf. 1 Coríntios, 15: 45
55
João, 4: 34
tado pela primeira mulher); a redenção se dá justamente pela mulher
(sentimento sublimado) que gera o Cristo (Filho do homem).
A primeira mulher induz Adão (primeiro homem) ao erro; a última
mulher (Maria) dá a oportunidade ao último Adão (Cristo) de realizar a
redenção56.
Através destes símbolos Paulo conta-nos a história de queda e sal-
vação da humanidade dizendo-nos que tudo vem de Deus, Causa Pri-
mária de todas as coisas, para onde tudo deve voltar, confirmando
ele mesmo dezenove séculos depois, através da mesma mediunidade
santificada que, gravitar para a unidade divina eis o fim da Humani-
dade; e que isto se daria tendo unidos o sentimento e a razão.57 Ou
seja, mulher e homem em Cristo.
8 – Conclusão
65
Ver nota 18 de nosso texto.
66
XAVIER F. C. / Emmanuel, O Consolador, 16ª ed., Rio de Janeiro, FEB, 1993,
questão 321
67
Para este tema me fundamentei em Baumert, op. Cit. Pág. 179.
neste capítulo 14 da primeira epístola aos coríntios, eram reuniões
onde eram analisadas as profecias e onde eram tomadas certas de-
cisões que só cabiam aos homens. Esta era a regra vigente na comu-
nidade àquele tempo, é preciso que compreendamos que não podia
ser diferente. Já demonstramos anteriormente, e pretendemos ainda
voltar ao assunto nesta conclusão, que Paulo era mais avançado e
não concordava com este pensamento legalista, porém ele mesmo
sabia não ser possível romper com todas as tradições de uma hora
para outra.
E aqui cabe uma reflexão para qualquer um de nós nos dias de
hoje. Se em uma oportunidade, mesmo que imaginária, fôssemos
convidados a fazer uma exposição evangélico-doutrinária em qual-
quer templo ligado a outra denominação religiosa, como forma de fa-
zer compreensível a filosofia que esposamos; não seria uma ótima
oportunidade irmos? Porém aqui cabe uma pergunta, para isso fazer-
mos não seria necessário levar em conta o respeito aos ritos e às re-
gras que naquele ambiente são comumente praticados? Podemos não
concordar, mas para nos fazermos ouvidos, seria bom abrirmos mão
do que para eles também não passam de verdades exclusivas de nos-
sa fé.
Deste modo, em Paulo também é preciso separar o que é fruto de
época, da mensagem que ele absorveu vindo das esferas do Cristo, e
que é por isso mesmo universal e atemporal. Sabendo que estas duas
realidades estão intimamente conectadas e magistralmente tornadas
públicas através do lindo jogo de palavras usadas pelo apóstolo, ca-
bendo a qualquer estudioso em qualquer época da humanidade sepa-
rar da letra o espírito.
*******
68
Cf. João, 13: 34
Bibliografia:
EHRMAN, Bart D. O Que Jesus Disse? O Que Jesus Não Disse? São
Paulo, Prestígio, 2006.
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 50a ed., Rio de Janeiro, FEB,
1980.
STERN, David. Novo Testamento Judaico, São Paulo, Ed. Vida, 2007.
45
46
1ª EPÍSTOLA AOS TESSALONICENSES
Saudações e Exortação
48
dução mediúnica; um medianeiro recebe o texto dos espíritos – que
aqui era o de Estevão representando o próprio Jesus -, e o transmite
aos assistentes pela palavra oral (psicofonia) ou escrita (psicografia).
Estes eram os dons espirituais que o apóstolo iria aprofundar e tor-
nar claro mais adiante na primeira Carta aos Coríntios e também em
outras epístolas.
Importa-nos ainda nesta saudação vermos como o fiel divulgador
do Evangelho diferencia Deus, o Pai, do Senhor Jesus Cristo. Para Pau-
lo é clara a distinção, Deus e Jesus são figuras distintas, um é o Cria-
dor, conforme Atos, 17: 24, o outro, Jesus, era o Cristo, ou Messias, o
Filho enviado por Deus para remir a humanidade que encontrava-se
em erro e sob o jugo do mundo, conforme Gálatas, 4: 3 a 5.
Paulo vem nos mostrar aqui, e também vamos notar através do es-
tudo de outras cartas, a relação de afeto existente entre ele e os Cris-
tãos de todas as comunidades por ele fundadas, lembrando o ensina-
mento maior do Mestre:
Nisto todos conhecerão que sois meus discípulos, se
vos amardes uns aos outros.72
Nesta relação afetuosa Paulo lembra sempre de seus amigos em
Cristo seja em suas preces, nas orientações, ou, até mesmo, quando
precisava, nas repreensões visando a correção de algo que não esta-
va correto dentro da proposta de fidelidade ao Evangelho.
Fazendo hoje uma necessária reflexão sobre este ponto aqui co-
mentado, devemos analisar, como tem sido a nossa convivência e a
nossa relação com os divulgadores atuais do Evangelho? Temos culti-
vado este sentimento de afeto e de amor que o Mestre disse ser o di-
ferencial daquele que fosse seu seguidor?
O apóstolo cita aqui a “obra da fé” dos cristãos de Tessalônica,
tema este que será devidamente trabalhado por ele em outros textos,
principalmente na Carta aos Gálatas e aos Romanos, em contraposi-
ção com as obras da lei. E destaca ainda o trabalho da caridade, e da
paciência da esperança, temas também recorrentes em outras epísto-
las e que para ele têm importância fundamental, pois além de serem
compreensões básicas para o perfeito entendimento da Mensagem de
Jesus, foram essas a orientações que deu a ele o Espírito Abigail,
quando num momento de desdobramento espiritual a esferas mais
elevadas, esta alma querida de seu coração disse-lhe:
72
João 13:35
49
Ama, trabalha, espera, perdoa…73
A partir daí este que seria para ele o “lema de Abigail” seria guar-
dado para sempre como instrução divina para a sua edificação em
Cristo Jesus.
Caridade é para ele o amor dinamizado pelo trabalho; esperança é
fator essencial para a iluminação dentro da proposta evangélica, pois
além de germinar a paciência, promove também a perseverança que
é virtude sempre trabalhada por ele através da orientação de fortale-
cimento da fé.74
73
Cf. (XAVIER / Emmanuel, 2004), págs. 381 e 382
74
Este tema será aprofundado na 1ª Carta aos Coríntios.
75
Mateus 22:14
50
beram com o mesmo afeto e também o amaram sobremaneira. Tudo
conforme a orientação de Jesus a quem Paulo foi sempre fiel:
Um novo mandamento vos dou: Que vos ameis uns aos
outros; como eu vos amei a vós, que também vós uns
aos outros vos ameis.76
51
Sejamos imitadores de Paulo, de Francisco de Assis, de Chico Xavi-
er, de Madre Teresa e de outros que do mesmo modo buscaram imi-
tar o Senhor. E não esqueçamos que o objetivo de nossa vida é a evo-
lução, que deve ser compreendida como espiritualização, evangeliza-
ção, ou mesmo, educação para o entendimento do Cristo Jesus e de
Deus nosso Pai e Criador.
…recebendo a palavra em muita tribulação… - A palavra aqui
é o mesmo que Evangelho, pois este é a “palavra de Deus” para cada
um de nós. Se o Velho Testamento representa um pedido do homem
para Deus, o Novo é a resposta de Deus para nós.
Todavia, se a Boa Nova é uma “palavra” de alegria, a sua vivência
requer muita determinação e perseverança no objetivo maior, pois o
cerne de sua mensagem é a destruição do interesse pessoal em favor
do coletivo, é o sacrifício de si mesmo em favor do outro.
A tribulação dos tessalonicenses, de Paulo e dos primeiros cristãos
foi principalmente a incompreensão da religião ortodoxa e dominante
na época. Incompreensão esta que se materializou em muitas dores
para os primeiros seguidores do Meigo Nazareno. Hoje já não temos
as mesmas dificuldades; no país em que vivemos há uma grande li-
berdade de manifestação religiosa, todavia, qual de nós não tem as
suas tribulações na busca da vivência evangélica, seja na convivência
com a multiplicidade de filosofias existentes até mesmo entre os
adeptos do Cristo e de Kardec, ou, seja na luta íntima do dia a dia?
Porém, não nos esqueçamos, a luz só se manifesta nas trevas, sem a
existência destas, como refletir a revelação que vem do Alto?
Desta forma entendemos que a tribulação é essencial para o aper-
feiçoamento individual, são nas provações mais ríspidas que são for-
jados os maiores caracteres.
…com gozo do Espírito Santo… - Podemos entender a expressão
Espírito Santo no Evangelho de dois modos principalmente. Represen-
ta o Espírito que já se santificou através da experiência evolutiva; ou,
em determinados casos o grupo de Espíritos já harmonizados a Deus
e que trabalham para o Cristo na implantação da Verdade Universal
no coração das criaturas.
Em última instância, em nosso planeta Terra, Jesus é o coordenador
do trabalho do Espírito Santo em todas as esferas. A trindade Deus –
Jesus –Espírito Santo, ou, Pai – Filho – Espírito Santo, representa den-
tro desta ótica a harmonia de trabalho, do Criador, daquele que é o
Eleito do Orbe, o Cristo, e o grupo de Espíritos que já ajustados à von-
tade de Deus trabalham como Co-criadores na harmonização deste
Orbe, seja num plano maior ou menor, de acordo com a possibilidade
de cada um.
Com gozo do Espírito Santo conforme expressou o Apóstolo da Gen-
tilidade, significa a alegria daquele que trabalha com amor. O segui-
dor do Evangelho tem por diferencial justamente a alegria de servir.
Mesmos nos momentos de maior contrariedade a alegria deve ser o
52
sentimento sempre presente na intimidade de cada um, pois a dificul-
dade não pode de modo algum ser encarada como castigo, e sim
como promoção a uma oportunidade nova de trabalho em favor do
Cristo.
…de maneira que fostes exemplo para todos os fiéis na Ma-
cedônia e Acaia. – Segundo orientação da espiritualidade superior, o
exemplo não é uma forma de educação, mas a única.
Nós, conhecedores do Evangelho, e que nos dizemos seguidores do
Mestre Galileu, não podemos esquecer que temos constantemente
responsabilidade de educadores na pauta de nossas obrigações diári-
as.
Eis que o semeador saiu a semear…78
Portanto, em todos os momentos temos o compromisso de educar,
não esqueçamos, deste modo, do exemplo.
Paulo ressalta aqui o comportamento de fidelidade dos seguidores
de Tessalônica, e destaca como isso foi importante, pois serviu de
exemplo para várias outras comunidades do Evangelho.
Se queremos ser divulgadores da Doutrina e do Evangelho, temos
sim que estudar Kardec, as lições de Jesus, e sermos fiéis a eles na
oratória; porém, jamais esqueçamos das consequências morais que
devem resultar desta possibilidade. O seguidor fiel é aquele vive o
que prega, como Paulo nos lembra, o justo viverá da fé79.
78
Mateus 13:3
79
Cf. Habacuque, 2: 4; Rom, 1: 17; Gl, 3: 11; Hb, 10: 38
53
Como nos afirmou o próprio discípulo de Gamaliel, um pouco de
fermento leveda toda a massa80. Se ele usou desta sentença para
alertar aos gálatas a respeito dos judaizantes que os fazia retroceder
no Evangelho, podemos também usá-la em sentido positivo com refe-
rência aos exemplos nobres, e sua influência nos outros.
…e como dos ídolos vos convertestes a Deus, para servir ao
Deus vivo e verdadeiro… - Paulo destaca aqui a mudança realizada
pelos tessalonicenses. Para tal ele usa a palavra convertestes. Con-
verter é realizar em si uma mudança profunda, uma transformação;
não é simplesmente trocar de lado, mas mudar com determinação e
consciência do que se está fazendo. Paulo na estrada de Damasco se
converteu ao Cristo, nós muitas vezes trocamos de religião mas nem
por isso nos convertemos, já que valorizamos mais as aparências ex-
teriores do que propriamente o sentido profundo da filosofia esposa-
da.
Esta palavra, conversão, deve ser por nós muito bem analisada,
pois a proposta essencial da doutrina espírita é a nossa autoilumina-
ção, e isso se dará de forma mais tranqüila e segura pela nossa con-
versão ao Evangelho.
É bom que se entenda que a justiça antecede ao amor, a disciplina
à espontaneidade. Assim, quando buscamos o conhecimento, a ciên-
cia, vamos comparar, analisar, esmiuçar, este é o primeiro passo; po-
rém, a conversão se dá no momento em que sentimos e aderimos à
mensagem de tal forma que naturalmente a vivenciamos. Por isso
Paulo afirma que a conversão só se dá pela fé, que é o estado de
amadurecimento tal em que a criatura espontaneamente vive a fideli-
dade. Aliás, a palavra fé é a tradução do grego pistis, que expressa
por si só, fidelidade, jamais crer de uma forma passiva e sem compro-
metimento com a mudança interior.
Eles se converteram dos ídolos a Deus. Como gentios eram adora-
dores de várias entidades, não tinham uma crença firme, substancio-
sa. A partir da recepção da Boa Nova, transformaram-se através de
uma atitude cristã, deixando as ilusões do mundo em favor de uma
vida mais ajustada aos princípios de espiritualidade.
Eles alcançaram uma compreensão tão ampla da mensagem evan-
gélica que passaram a servir a Deus conforme anotação do missivis-
ta; servir, e não ser servido conforme normalmente queremos. E o
que é mais importante, servir ao Deus vivo e verdadeiro, pois aqui
cabe mais uma reflexão: a quem temos servido? A que Deus temos
adorado? Porque se hoje já entendemos a mensagem do Deus único,
nem por isso deixamos de adorar aos deuses dinheiro, poder, beleza,
num constante culto ao corpo ou às conquistas referentes aos cargos
mundanos e transitórios.
…e esperar dos céus a seu Filho, a quem ressuscitou dos
mortos, a saber, Jesus, que nos livra da ira futura. – Aqui nova-
80
Gálatas 5:9
54
mente Paulo destaca o valor da esperança, a esperar dos céus a seu
Filho. Mais uma vez diferenciando Deus, que é o Pai, de Jesus, que é o
Filho.
Aquele que trabalha com tranqüilidade e consciência os valores es-
pirituais espera dos céus naturalmente o atendimento de suas expec-
tativas espirituais. Por estar certo de que faz o melhor dentro de suas
possibilidades, fica também tranqüilo, isto é, sem ansiedade quanto
ao que virá do Alto aqui representado pela palavra céus, no plural, in-
dicando a infinitude das possibilidades.
O que espera, este que assim faz, dos céus? A seu Filho, diz o apos-
tolo, representado aqui tudo o que Jesus significa em matéria de co-
nexão ou ajustamento com o Altíssimo.
Deus, em seu aspecto Lei, ressuscitou Jesus. Como a Lei de Deus é
Unidade ela age do mesmo modo para com todos, assim todos sere-
mos ressuscitados, pois a imortalidade da alma é uma prerrogativa
para todos.
Não esqueçamos que estas epístolas paulinas eram mensagem do
próprio Cristo através de Estevão para que Paulo, por via mediúnica,
recebesse e encaminhasse para os cristãos daquele tempo 81, mas
com conteúdo a ser minuciado pelos seguidores do Mestre de todas
as eras de conformidade com a exegese possível a cada um a seu
tempo.
E o Apóstolo continua…
Jesus, que nos livra da ira futura. – A ira de Deus, que Paulo
cita também em outros textos82, representa a ação da Lei de Deus
que julga o passado no presente,e este no futuro. Ira dá um sentido
de conseqüência negativa, pois refere-se a uma semeadura negativa.
Se futura, é porque vai ainda acontecer, portanto está vinculada a
nossa ação no presente, que pode ser modificado. Jesus é o libertador
das consciências, pois promove a ascensão desta para Deus, deste
modo, Jesus nos livra da ira futura, na medida em que, aderindo às
suas propostas realizamos a conexão que nos religa ao Criador, liber-
tando-nos assim de momentos de dor em futuras manifestações.
81
(XAVIER / Emmanuel, 2004), cap VI, 2a parte.
82
Cf. Romanos, 1:18 ; Efésios, 5:6; Colossenses, 3:6 e 1 Ts, 2:16.
55
2
56
quais também mataram o Senhor Jesus e os seus pró-
prios profetas, e nos têm perseguido, e não agradam a
Deus, e são contrários a todos os homens.
E nos impedem de pregar aos gentios as palavras da
salvação, a fim de encherem sempre a medida de seus
pecados; mas a ira de Deus caiu sobre eles até ao fim.
Nós, porém, irmãos, sendo privados de vós por um mo-
mento de tempo, de vista, mas não do coração, tanto
mais procuramos com grande desejo ver o vosso rosto.
Pelo que bem quisemos, uma e outra vez, ir ter convos-
co, pelo menos eu, Paulo, mas Satanás no-lo impediu.
Porque qual é a nossa esperança, ou gozo, ou coroa de
glória? Porventura, não o sois vós também diante de
nosso Senhor Jesus Cristo em sua vinda?
Na verdade, vós sois a nossa glória e gozo. 83
83
1 Tessalonicenses, 2: 1 a 20
84
(XAVIER / Emmanuel, 2004).
57
Não queremos pregar a necessidade de se ter que padecer para vi-
venciarmos o Evangelho que é em sua essência expressão de alegria.
Esta não foi de nenhum modo a intenção do apóstolo; porém, deixa-
nos a lição de que, quando esse padecimento surge de forma natural
devido a incompreensão do mundo, ou de nossa adaptação a uma
proposta de maior espiritualidade, não devemos jamais abandonar a
luta que ele próprio denominou de bom combate85.
Dizemos isso por que é muito comum entre nós aguardarmos uma
situação de maior tranqüilidade para exercermos o trabalho no cam-
po do Espiritismo e do Evangelho. Este não é o exemplo de grandes
almas que tiveram e têm-se dedicado ao serviço do Cristo apesar de
todas as dificuldades e contrariedades.
Por assim ter feito, Paulo pôde, com autoridade, dizer ter tornado-
se ousado em Deus, para falar o evangelho com grande combate.
Aqui sentimos novamente a necessidade de analisarmos separada-
mente algumas expressões.
…tornamo-nos – Isto é, fizeram-se - eles e Silas, que é os que es-
tavam em Filipos – de dentro para fora. Transformaram-se em…
…ousados em nosso Deus – O que é ser ousado em Deus? Sin-
ceramente, em nossa pequenez, não sabemos se temos condição de
analisar com profundidade este trecho, todavia, dentro das nossas li-
mitações entendemos que é avançar no entendimento sincero da pro-
posta do Criador para a nossa vida, com fidelidade e atitude sincera
de transformação de si mesmo para atendimento de Seus desígnios.
A filosofia é necessária, e até prazerosa, mas muito mais é preciso,
comprometimento com a mensagem superior que Deus nos enviou
que é o próprio Evangelho.
O apóstolo é claro, é preciso ser ousado para falar do Evangelho,
pois senão vira simplesmente retórica; e notemos que ele atribui o
Evangelho a Deus. Jesus foi e é o Espírito mais evoluído que pisou em
nosso orbe, todavia, foi apenas o instrumento de Deus para trazer a
nós sua Perfeita Mensagem. Paulo cita sempre o Cristo, que foi uma
missão de Jesus, admira profundamente este grandioso Espírito a
quem ele é grato e fiel, todavia jamais se deixa levar pela idolatria,
nem mesmo ao Mestre que ele tanto ama.
… com grande combate. – Já comentamos a respeito, mas é
sempre bom lembrar. É um combate interior, contra as próprias im-
perfeições. Não um combate às pessoas, exterior. Se às vezes parecia
que Paulo ou o próprio Jesus combatiam os fariseus e saduceus como
pessoas, em essência não é isso o que acontecia, eles lutavam era
contra o que eles representavam em termos de atraso para a mensa-
gem da Boa Nova. Era a condição de retaguarda, de falsidade, de cul-
tivo de aparências simplesmente exteriores em que se encontravam
é que deveria ser combatida. Deus não quer a morte do pecador, mas
do pecado. É o mesmo Paulo quem afirma:
85
Cf. 2 Timóteo, 4:7
58
Ora, o último inimigo que há de ser aniquilado é a mor-
te.86
59
mesmo naufrágios; e tem um só objetivo, a implantação do Evange-
lho no coração de todos os que ele sabe serem irmãos por parte do
Pai que é também o Pai de Jesus, o Cristo de Deus.
60
tígio, pois era um apóstolo indicado pelo próprio Cristo a serviço de
Deus; todavia abriu mão de tal prerrogativa, pois não era um profissi-
onal da fé e sim um irmão que buscava também mais acertar do que
errar. Este exemplo tanto de Paulo quanto de outros grandes apósto-
los do Senhor89, merece ser por nós avaliado, seguido, e divulgado en-
tre os irmãos de fé.
Através do livro de Atos dos Apóstolos, e também da já citada obra
de Emmanuel, Paulo e Estevão, tomamos conhecimento que Paulo
aprendeu o ofício de tecelão. Era comum à época, entre os judeus, o
pai exigir que os seus filhos aprendessem um trabalho mecânico afim
de num momento de maior necessidade poder ganhar o seu sustento
de forma honesta. Paulo assim fez, quando afastou-se do templo, e
por não achar justo viver às custas da fé que agora esposava, exer-
ceu com dignidade seu ofício de tecelão não sendo assim pesado aos
companheiros de fé.
Vale a pena mais uma vez destacar o sentimento de afeto que todo
servidor do Cristo deve ter uns em relação aos outros:
…fomos brandos entre vós, como a ama que cria seus filhos. Dis-
pensa qualquer comentário esta colocação, pois a afabilidade e a do-
çura devem ser características básicas daquele que tem Jesus como
guia e modelo para sua própria conduta.
61
…ainda a nossa própria alma; porquanto nos éreis muito queridos.
Ministrar o Evangelho segundo o entendimento superior de Paulo, era
não somente comunicar-lhe aos seus adeptos, mas dar a própria
alma pela causa, que em se tratando do Evangelho, era o bem do se-
melhante sob o ponto de vista de mais espiritualidade.
É muito comum nos meios religiosos tradicionais a afirmativa de
que os grandes iniciados deram a vida por nós, no sentido de morrer
por nós. Essa não é a grande questão, pois morrer por nós significan-
do desencarnar, para aquele que tem certeza da imortalidade da
alma e a consciência tranqüila do dever cumprido, não é nenhum so-
frimento. Os grandes avatares, os que tiveram grandes realizações
sob a ótica espiritual, têm mérito, justamente por ter vivido por nós,
ou seja, vivenciaram cada momento com amor, matando o interesse
pessoal em favor da universalidade do Bem.
Paulo assim fez pela divulgação da Boa Nova de Deus e pelo bem
daqueles que eram seus seguidores e também conversos ao Evange-
lho.
62
to se forma aos poucos, evolve, progride, se aperfeiçoa
através de mil vicissitudes, por entre os fluxos e reflu-
xos da luz e das trevas, do bem e do mal.90
90
ROHDEN, Huberto. Paulo de Tarso – O Maior Bandeirante do Evangelho, pág.
64, Ed. Martin Claret, Série Ouro, São Paulo, 2005.
91
Ver a este respeito os comentários de Huberto Rohden na obra já citada.
63
Paulo jamais privilegiou quem quer que fosse, tratava todos com
equanimidade. Assim, consolava e exortava cada um em particular se
preciso fosse, valorizando e compreendendo a individualidade de
cada um dentro da universalidade da mensagem cristã. Fazia deste
modo, como o pai zeloso faz pelos seus filhos, buscando conduzir
cada qual para o melhor dentro de sua ótica.
Tinha, o converso de Damasco, a certeza de que a mensagem da
Boa Nova era o melhor para cada um, que a busca de Deus é o objeti-
vo de todos, até mesmo daqueles que esquecidos e iludidos encon-
tram-se momentaneamente querendo negá-Lo. Deste modo, alertava
seus leitores conduzindo-os dignamente para com Deus, essa era
uma de suas características, a fidelidade constante para com Deus e
a sua consciência que dizia ser seu dever, segundo recebera do pró-
prio Cristo, conduzir as almas simples para o Reino e Glória do Se-
nhor.
Deus chama cada um de nós para voltar a este Reino; basta que
entremos no silencio do Criador e escutemos as suas propostas, pro-
postas estas que nos ocorrem no dia a dia de nossa vida através das
circunstâncias.
A questão 621 de O Livro dos Espíritos 92 nos diz que a Lei de Deus
está gravada em nossa consciência, na de todos, e que nós a esque-
cemos. Deus quer que disto nos lembremos e para tal nos proporcio-
nou a lei da evolução. Como se isso não bastasse, por misericórdia,
permite que mensageiros diretos deste Seu Reino, venha até nós
para nos lembrar desta perda que tivemos e novamente nos conduzir
para o Seu equilíbrio. Paulo foi um destes maiores condutores ao Rei-
no que o Criador permitiu encarnar entre nós; através do Cristo o res-
gatou para o cumprimento desta valiosa missão, e ele consciente de
tudo isso quer aos seus seguidores daquele tempo, e todos que mais
tarde aderissem, conduzir com dignidade para essa esfera de graça e
felicidade.
PELO QUE TAMBÉM DAMOS, SEM CESSAR, GRAÇAS A DEUS, POIS, HA-
VENDO RECEBIDO DE NÓS A PALAVRA DA PREGAÇÃO DE DEUS, A
RECEBESTES, NÃO COMO PALAVRA DE HOMENS, MAS (SEGUNDO É,
NA VERDADE) COMO PALAVRA DE DEUS, A QUAL TAMBÉM OPERA EM
VÓS, OS QUE CRESTES.
92
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos, 50ª Ed., Rio de Janeiro FEB,1980.
64
Importa-nos aqui fazer duas considerações sobre a importância
deste correto acolhimento da Palavra, que aqui representa a revela-
ção do Alto.
Allan Kardec fez-nos ver o Espiritismo como a terceira revelação da
Lei de Deus93, para nós os ocidentais. Do mesmo modo que esta reve-
lação foi orientada por Espíritos superiores a serviço do Criador, as
outras duas, a de Moisés e a de Jesus, também foram. Deste modo,
vale tanto para o Antigo quanto para o Novo Testamento, o que Kar-
dec fala sobre a revelação espírita, não é esta uma revelação de ho-
mens, mas de Deus. É preciso que entendamos que se a terceira re-
velação se dá também no âmbito da ciência, as outras duas, se ex-
pressam de forma alegórica, onde é preciso que se tire o “espírito da
letra” para que alcancemos seu profundo conteúdo revelador. Allan
Kardec nos orienta para esta necessidade, vide a questão 59 de O Li-
vro dos Espíritos, e A Gênese, onde no cap. XII, item 12, diz claramen-
te:
Não rejeitemos, pois, a Gênese bíblica; ao contrário, es-
tudemo-la, como se estuda a história da infância dos
povos.
Trata-se de uma época rica de alegorias, cujo sentido
oculto se deve pesquisar; que se devem comentar e ex-
plicar com o auxílio das luzes da razão e da Ciência. 94
A segunda consideração a ser feita sobre o acolhimento da Revela-
ção é que ela se dá de forma completa em três ciclos. No primeiro
momento recebe-se a Palavra95, num segundo acolhe-se esta na pró-
pria intimidade da criatura, (os discípulos de Tessalônica receberam
de Paulo a Palavra, e esta operava neles, os fiéis); no terceiro mo-
mento, a Palavra já faz parte da conduta íntima daquele que aderiu a
ela, e ela, a Palavra, é exteriorizada em forma de atitudes.
Já estou crucificado com Cristo; e vivo, não mais eu,
mas Cristo vive em mim96
65
reclamação por mínima que seja, pressupõe falta de conhecimento
dos mecanismos de funcionamento do Universo, pois se assim faze-
mos, é porque nos achamos de um modo ou de outro, injustiçados.
Essa não era a consciência que o Apóstolo dos gentios tentava des-
pertar em seus seguidores. Para ele, o sacrifício em nome do Cristo
era privilégio, pois ele compreendia que tratava-se de promoção e
não de esquecimento por parte do Criador.
Os judeus mais ortodoxos ligados ao templo de Jerusalém fizeram
com que os da primeira comunidade cristã do Caminho passassem
por momentos de grandes dificuldades, Paulo era não só testemunha
disto, como na condição de antigo fariseu, doutor da lei, tinha partici-
pado das primeiras perseguições aos seguidores do Nazareno.
Como verdadeiro converso ao Evangelho, sabedor do quanto teria
que padecer pelo Cristo, buscava, ao invés de lamentar, incentivar os
tessalonicenses comparando-os aos cristãos de Jerusalém, pois assim
os fazia ver que tudo isso era natural dentro do encaminhamento ree-
ducativo para as questões imortais.
Hoje quando lemos textos históricos sobre este período inicial do
cristianismo, ou quando meditamos sobre acontecimentos anteriores
ligados a estes valorosos Espíritos precursores do Bem, muitas vezes
o fazemos como se a um romance estivéssemos lendo ou a uma tele-
novela assistindo, devido à distância dos fatos e a uma realidade bem
diversa da que temos atualmente. Porém, é preciso identificarmos
nossos testemunhos atuais como momentos semelhantes a estes; se
já não temos perseguições explícitas em nome da fé, se não mais
existem arenas com leões devoradores, existem outros tipos de tor-
mentos que com sutileza nos fazem chorar do mesmo modo, ou situa-
ções que nos fazem sangrar e sermos devorados mesmo nos manten-
do fisicamente intactos.
Portanto, diante destes momentos em que somos visitados pela an-
gústia, e até mesmo por empecilhos quando desejamos simplesmen-
te realizar o bem, não desistamos, tomemos como exemplo nossos
antepassados iniciadores do movimento pelo Cristo; pois estes, tam-
bém padeceram ao seu tempo na mão dos próprios concidadãos ou
de judeus inobservantes dos mesmos mandamentos que diziam se-
guir.
Devemos também sermos imitadores do Cristo e das comunidades
primeiras que testemunharam em nome de Deus, pois se assim não
fizermos, que galardão desejamos?
66
Paulo refere aqui ao fato histórico dos Judeus terem matado Jesus,
o Manso por excelência, e aos próprios profetas que eles já cultuavam
àquele tempo. Mostrando-nos assim como o mundo se engana diante
das pessoas e dos fatos. A incompreensão leva-nos às vezes a exces-
sos que vão ser mais tarde motivos de arrependimentos e de grandes
dissabores para todos nós, por isso, tenhamos cautela no julgamento,
e busquemos analisar sempre pela ótica do espírito que transcende
ao tempo, só assim evitaremos o dissabor do arrependimento motiva-
do por atitudes de orgulho e egoísmo.
Era o Apóstolo, redimido às luzes de Damasco, um visionário, um
homem além de seu tempo. Sabia que esta perseguição causava de-
sagrado a Deus, por infringir a Sua Lei. Aqueles que assim agem são
contrários ao sentimento natural de todos os homens que é o de re-
fletir Deus, e ser, deste modo, feliz. Pois em nosso estado próprio de
equilíbrio, não desejamos contendas nem ser adversários Daquele
que é Todo Poder. Se, recebemos um ensinamento ou uma revelação
importante, o primeiro desejo que temos é o de também transmitir
aos nossos semelhantes aquela ciência que tanto bem nos faz. São
essas as palavras da salvação. Os que impedem este andamento na-
tural da ordem, em verdade estão, segundo o linguajar do texto, en-
chendo a medida de seus pecados, ou seja, aumentando seu endivi-
damento diante da Lei. Os que assim fazem, ou quando assim faze-
mos, estamos na realidade obstruindo o fluxo normal dos eventos uni-
versais e chamando para nós a responsabilidade de opositores do
Bem, despertando o que o redator da carta denominava de ira de
Deus, que não é outra coisa senão a Lei se impondo à criatura no
campo das reações dolorosas, porém necessárias, porque restaurado-
ras da Ordem.
Em verdade te digo que, de maneira nenhuma, sairás
dali, enquanto não pagares o último ceitil.97
97
Mateus, 5: 26
67
Paulo sabia da transitoriedade das imposições do mundo, sabia
compreender a necessidade de se passar por elas, e, superá-las, era
assim, o seu objetivo.
Por quantas vezes o mesmo não acontece conosco no encaminha-
mento de nossa vida? Quantas vezes não somos afastados daqueles a
quem somos ligados pelos laços afetivos? Saibamos compreender a
necessidade de vencermos etapas que se fazem necessárias dentro
do plano operacional da Vida… lembremos, a citação evangélica, o
justo viverá por sua fidelidade 98. Se assim fizermos, aceitando os de-
sígnios superiores, ajustando a eles a nossa liberdade, atuaremos na
faixa do espírito que como dissemos transcende tempo e espaço e
mais cedo do que poderemos supor estaremos juntos a estes queri-
dos do coração para o prazeroso trabalho do Bem.
Paulo informa aos seus leitores que esta distância não é por vonta-
de sua, mas além da imposição do trabalho, existem outras contrárias
à sua vontade.
Quis ele por mais de uma vez voltar aos seus amigos de Tessalôni-
ca, mas diz: Satanás no-lo impediu.
Existem no mundo dual em que vivemos duas forças opostas, a do
Bem e a do mal. Toda força contrária ao Bem que é natural na criatu-
ra em seu estado de origem, pois a nossa origem é Deus, pode ser
compreendida como satanás, diabo, ou demônio, que no Evangelho
são designadas por três palavras gregas diferentes, mas que no geral
têm o mesmo sentido, o de desunião, de caluniador de acusador, de
adversário. Do mesmo modo que quando aderimos às forças superio-
res da vida somos instrumentos de Deus, se por invigilância ou ig-
norância vincularmo-nos às propostas adversárias, da treva, seremos
instrumentos de satanás.
Neste ponto da carta Paulo refere-se por satanás, a todas as forças
contrárias ao Evangelho, que comumente eram os judeus ortodoxos e
outras vezes eram alguns dentro das próprias comunidades cristãs
nascentes que insistiam em não compreenderem a liberdade da men-
sagem de Jesus e continuavam a valorizar mais os ritos e atitudes ex-
teriores exigidos pela prática religiosa dominante.
Este mecanismo de ação de satanás como instrumento das trevas,
é muito bem descrito no Apocalipse, no capítulo 13, que citamos abai-
xo para que possamos compreender a sutileza com que os ainda ad-
versários do Bem agem em nossa vida, e o que é pior, muitas vezes
através de nós:
…E adoraram o dragão que deu à besta o seu poder; e
98
Habacuc, 2: 4, citado por Paulo em Gl, 3: 11 , Rm, 1: 17 e Hb, 10: 38.
68
adoraram a besta, dizendo: Quem é semelhante à bes-
ta? Quem poderá batalhar contra ela?
E foi-lhe dada uma boca para proferir grandes coisas e
blasfêmias; e deu-se-lhe poder para continuar por qua-
renta e dois meses.
E abriu a boca em blasfêmias contra Deus, para blasfe-
mar do seu nome, e do seu tabernáculo, e dos que ha-
bitam no céu.
E foi-lhe permitido fazer guerra aos santos e vencê-los;
e deu-se-lhe poder sobre toda tribo, e língua, e nação.
E adoraram-na todos os que habitam sobre a terra, es-
ses cujos nomes não estão escritos no livro da vida do
Cordeiro que foi morto desde a fundação do mundo.
Se alguém tem ouvidos, ouça.99
99
Apocalipse, 13: 4 a 9
100
Capitulo 1º deste estudo, nos comentários do Versículo 3 do cap. 1 desta epís-
tola.
69
gem da vida civil da época, quando parusia significava a solene visita
do César a uma província ou cidade do império.101
Esse tema merece de nossa parte um comentário, mesmo que sin-
gelo, por se tratar de um dos temas desta carta que ora estudamos.
Era comum à grande parte dos cristãos primevos, a crença na volta
do Senhor. Porém, hoje, à luz da filosofia espírita é importante co-
mentarmos como isto se dará segundo a nossa ótica.
Não temos a pretensão de esgotar o assunto, nem de dar nenhuma
posição definitiva sobre o assunto, até porque não temos condições
para isso. Porém, não podemos nos ausentar de tema algum desta
importância.
Algumas traduções modernas do Novo Testamento têm, neste ver-
sículo, excluído o termo “Cristo”, ficando assim, a tradução: “na pre-
sença de nosso Senhor Jesus em sua vinda?”
Neste ponto ficamos com a versão de Almeida, que usamos, pois a
palavra Cristo aqui é essencial, pois no segundo Advento do Senhor, o
que se dará segundo temos apreendido dos estudos do texto evangé-
lico, é a volta do Cristo (em nós), e não de Jesus em um outro mo-
mento encarnatório ou numa presença apocalíptica.
O texto de João, no capítulo 14 é claro:
Jesus respondeu e disse-lhe: Se alguém me ama, guar-
dará a minha palavra, e meu Pai o amará, e viremos
para ele e faremos nele morada.
Assim, essa segunda vinda do Senhor é individual e dará em cada
um a partir do amadurecimento espiritual de cada um. Para uns,
como Francisco de Assis, ou o próprio Paulo de Tarso, este Advento já
aconteceu, para outros poderá demorar séculos ou mesmo novos mi-
lênios. Para nós, quando se dará não sabemos, a oportunidade está
aí, a nossa adesão e fidelidade a ela poderá abreviar sua chegada,
nossa recalcitrância nos valores do atraso, retardar.
101
(ROHDEN, 2005), pág. 191.
70
3
102
1 Tessalonicenses, 3: 1 a 13
71
Como dissemos anteriormente esta carta data dos anos 50 ou 51
de nossa era. Paulo tinha estado em Tessalônica pelos fins do outono
de 49 após passar por Filipos. Após alguns incidentes, mais uma vez
ocasionados pela ira dos judeus contra a pregação paulina, este se vê
obrigado a deixar Tessalônica rumo à Beréia.103
Segundo a exposição de Lucas, estes, os de Beréia, foram mais
nobres do que os que estavam em Tessalônica, porque de bom grado
receberam a palavra, examinando cada dia nas Escrituras se estas
coisas eram assim.104
Porém, quando os judeus de Tessalônica souberam de como estava
sendo divulgado o Evangelho em Beréia, para lá se dirigiram com o
fim de agitarem e perturbarem os que aderiam à Boa Nova.
Então, Paulo se vê mais uma vez constrangido a partir, e os que es-
tavam com ele o levam para Atenas na Grécia.
Como sabemos pela excelente narração do autor de Atos, o apósto-
lo das gentes, também em Atenas tentou veicular a mensagem do
Cristo, porém sem nenhum sucesso, apesar de pequenas adesões.
Para o apóstolo foi um momento de grande decepção, ele esperava
mais dos conterrâneos de Platão. Preferiria ele ter sido flagelado ou
encarcerado como já acontecera em outras cidades, mas que uma
nova comunidade do Evangelho fosse fundada; não foi o que aconte-
ceu, os filósofos e sábios em seu orgulho não quiseram saber do Cris-
to, mostrando-nos mais uma vez que a ciência e a arte se dissociada
de seu objetivo maior que é conectar a criatura ao seu Criador, pouco
podem realizar; nem epicureus, nem estóicos necessitavam de reden-
ção.
É a este momento que o missivista se refere neste versículo quan-
do então envia Timóteo a Tessalônica; este, a quem tinha por irmão e
servidor de Deus, vai com o objetivo de fortalecê-los na fé e nas tribu-
lações advindas daquela atitude de conversão ao Bem.
72
ção às nossas conquistas até mesmo trazendo-nos transtornos de difí-
cil solução.
Sempre foi assim, e com os primeiros discípulos do Evangelho não
foi diferente, o próprio Cristo dissera a Ananias a respeito daquele
que era o seu vaso escolhido, …eu lhe mostrarei quanto deve pade-
cer pelo meu nome105.
Deste modo, Paulo sabia o que esperar todo aquele que invertesse
os valores do mundo, e como bom educador que era não deixava de
colocar a seus educandos a ciência do que advém quando se assume
a responsabilidade da autoiluminação.
Assim, orienta, que ninguém se comova por estas tribulações, pois
não são estas, mais do que testes, com o fim de aferir o aluno se
pronto está para a promoção a serviços mais nobres.
Paulo tinha perfeita consciência de sua missão e que o convite do
Senhor para aquele que adere com espontaneidade é uma ordem a
ser prazerosamente cumprida, para isto fomos ordenados, disse a
seus leitores, e mais, vos predizíamos que havíamos de ser afligidos,
conforme expusemos anteriormente. É a educação preventiva e sem
melindres. Tudo isso sucedeu, e muito mais, como todos os que nos
interessamos por estas coisas, sabemos.
105
Atos, 9: 16
73
Portanto, estejamos atentos para que o trabalho daqueles que em
todos os tempos se dedicaram ao serviço em nome de Deus, e até
mesmo as nossas conquistas, mesmo que pequenas, não venham a
ser inúteis.
106
Cf. (XAVIER / Emmanuel, 2004), pág. 529
74
testamentária no sentido de nos mostrar a interpretação mais coeren-
te com vistas ao nosso processo reeducativo.
Outros pontos que poderiam ter sido relatados por Timóteo e que
preocuparam o apóstolo, são referencias feitas pelo primeiro a ten-
dências para a luxúria, para a deslealdade, entre outras, cultivadas
pelos gentios e que ainda não tinham sido totalmente extirpadas de
seus hábitos; e ainda, uma notícia falsa que se espalhara entre eles
sobre um próximo fim do mundo. Porém, quanto a isto trataremos
mais tarde quando da análise dos versículos referentes.
107
João, 17: 15
75
PORQUE, QUE AÇÃO DE GRAÇAS PODEREMOS DAR A DEUS POR VÓS,
POR TODO O GOZO COM QUE NOS REGOZIJAMOS POR VOSSA CAUSA
DIANTE DO NOSSO DEUS, ORANDO ABUNDANTEMENTE DIA E NOITE,
PARA QUE POSSAMOS VER O VOSSO ROSTO E SUPRAMOS O QUE
FALTA À VOSSA FÉ?
108
Filipenses, 3: 1
109
Mateus, 13: 45 e 46
76
Temos aqui a segurança daquele que tem na fé, não o ato de sim-
plesmente crer, mas acima de tudo de saber; saber e ver a atuação
da Providência nas circunstâncias que nos ocorrem dia a dia.
Paulo queria muito, queria de coração, estar com os tessalonicen-
ses mais uma vez; porém, tinha entregado seu destino ao Cristo, Ele
é que dirigia, portanto, deixava que Deus, que é Pai, e o Senhor Jesus
Cristo que é o maior refletor da luz divina que conhecemos, encami-
nhassem seus passos do modo como fosse melhor.
Queridos irmãos, no dia em que assim fizermos, ou seja, que assim
realizarmos, fazendo o melhor, o que for da nossa parte para realiza-
ção de nossos objetivos, mas que acima de tudo entregarmos a reali-
zação destes a Deus e ao Cristo, não mais teremos qualquer tipo de
contratempo ou insatisfação, pois estes que criaram nossa imensa
Casa Planetária têm também o poder dirigir e bem a nossa vida, se a
eles nos ajustarmos com toda a nossa alma, confiando no melhor.
Não é uma entrega por comodismo, mas por consciência; é uma li-
berdade-adesão a propostas maiores, por isso mesmo mais realizado-
ras de acordo com as forças cósmicas que dirigem a Vida num plano
maior ao que nos situamos.
77
Pois, se amardes os que vos amam, que galardão te-
reis? Não fazem os publicanos também o mesmo?
E, se saudardes unicamente os vossos irmãos, que fa-
zeis de mais? Não fazem os publicanos também assim?
112
112
Mateus, 5: 46 e 47
113
Idem, versículo 48
78
4
Advertências Morais
79
que morreram em Cristo ressuscitarão primeiro; depois,
nós, os que ficarmos vivos, seremos arrebatados junta-
mente com eles nas nuvens, a encontrar o Senhor nos
ares, e assim estaremos sempre com o Senhor.
Portanto, consolai-vos uns aos outros com estas pala-
vras.114
114
1 Tessalonicenses, 4: 1 a 18
80
pecado, mas, agora, não têm desculpa do seu pecado.
115
81
Como dissemos, estes versículos representam um verdadeiro ma-
nual de conduta para aquele que deseja transformar-se pelo progres-
so espiritual. O evangelista continua…
…que cada um de vós saiba possuir o seu vaso em santificação e
honra…
Vaso representando o nosso corpo físico e a responsabilidade que
temos para com ele. Já àquele tempo o apóstolo preocupava com a
atividade sexual que fosse contrária aos princípios morais que regem
as relações das criaturas. Estas atividades geram, não poucas vezes,
complicações físicas que podem comprometer a qualidade de vida
dos envolvidos. Hoje, com as pesquisas científicas já mais avançadas,
e unindo-se questões de espiritualidade, é comprovado que não é só
com a transmissão de doenças que devemos nos preocupar nestes
casos, mas também com a influência psíquica e espiritual, que ligadas
a sentimentos inferiores das criaturas, e processos recorrentes no
campo da culpa, podem ser fatores desencadeadores não só destas
enfermidades já citadas, mas de muitas outras, e até piores, que po-
dem influenciar negativamente a criatura não só nos dias de hoje,
mas em várias experiências reencarnatórias. Por isso tenhamos aten-
ção com o que desejamos e semeamos, pois a colheita do amanhã
estará sendo definida de forma determinista a partir do que realiza-
mos hoje.
Assim, que cada um de nós saiba cuidar do seu vaso físico em san-
tificação e honra, isto é, vinculado a propostas superiores de conduta
em bases de uma moral elevada.
82
Estes versículos escritos praticamente há dois mil anos atrás são de
uma atualidade impressionante, podemos estudá-los como se fossem
escritos ontem e por um cientista qualquer que estudasse o compor-
tamento humano e suas relações com o mundo em que vivemos.
Ninguém oprima…; o texto é claro e desmereceria comentários, to-
davia é bom salientar alguns aspectos. Ninguém quer dizer nenhuma
pessoa; ninguém possui autoridade moral para qualquer tipo de cons-
trangimento, quando isto ocorre é a lei de amor que está sendo der-
rogada. Quando assim fazemos em algum momento vamos ter de
restabelecê-la. Ou engane a seu irmão em negócio algum; enganar é
induzir ao erro, é iludir, é trair. Estas são atitudes que não podem fa-
zer parte do dicionário prático do cristão. É muito comum nos dias
atuais dissociarmos nosso comportamento religioso daquele que pra-
ticamos no dia a dia em nosso trabalho, na família, ou nas relações
naturais com as pessoas. Temos assim, um comportamento no tem-
plo que escolhemos para cultivar nossa religiosidade e outro diante
da sociedade de um modo geral. E chegamos a dizer muitas vezes
sobre o nosso trabalho material:
“-isso aqui não é casa de caridade”
Sim, não é casa de caridade, mas o comportamento daquele que se
diz seguidor do Cristo em qualquer ambiente deve pautar por uma
conduta ética e moral em que o ato de enganar, ou de iludir as pesso-
as não pode acontecer jamais. A práxis espírita-cristã não pode de
modo algum ser uma entre os afins de fé, e outra diante da socieda-
de. Todos somos irmãos, é a lição do Cristo, assim, devemos fazer a
cada um como se a Deus fizéssemos. Essa é a grande mensagem do
Evangelho, fazer a cada um o que desejamos que cada um para co-
nosco faça, independente de onde estejamos, no templo ou na rua.
Para completar a lição o apóstolo usa uma expressão forte para
que todos compreendam, é que, com espíritos ainda vinculados aos
processos escravizadores do mundo, a linguagem tem que obedecer
a determinados padrões para que possa ser fixada na consciência,
porque o Senhor é vingador de todas estas coisas; não que Deus seja
um carrasco ou que use da vingança para com os Seus filhos, não é
isso; a expressão é uma figura de linguagem, forte, como dissemos
ser necessária em determinados casos, é como em outros momentos
que ele fala da ira de Deus. Paulo mostra aqui que há na Lei do Se-
nhor um mecanismo capaz de retificar todas as injustiças, e como
aquele que causou injustiça gerou danos ao injustiçado, é natural que
na retificação o causador passe por constrangimentos capazes de re-
direcionar o fluxo da ação para o caminho correto de onde fora desvi-
ado. Em síntese, passaremos todos pelos sentimentos que tivermos
feito os outros passarem.
Tudo isso já fora dito e testificado por ele próprio, por isso falava
com tamanha autoridade, por isto suas cartas têm a atualidade que
têm, vencendo assim a dimensão tempo em todas as suas prerrogati-
vas.
83
PORQUE NÃO NOS CHAMOU DEUS PARA A IMUNDÍCIA, MAS PARA A
SANTIFICAÇÃO.
119
Mateus 12:32
84
confundem com sentimentos puramente ligados à sensualidade e às
questões materialistas.
Paulo aqui fala em amor fraternal, que é aquele onde não vigora o
interesse pessoal, mas aquele em que há carinho, afeto, cordialidade.
É o cultivo da relação plenamente ajustada ao servir desinteressada-
mente.
Nesta carta ele não aprofunda o tema, o que fará depois na 1 a epís-
tola aos Coríntios; mas dizendo que não necessita escrever agora
sobre o assunto, não deixa de salientar a importância deste sentimen-
to, pois trata-se do diferencial do Cristão. É a didática do apóstolo fa-
lando mais alto.
Vós mesmos estais instruídos por Deus; Paulo se refere ao Novo
Mandamento de Jesus que ficou para a história graças à inspiração do
discípulo amado, em João, 13: 34. 120 Muitos aqui podem fazer confu-
são e achar que Paulo pensava que Jesus e Deus fossem a mesma
pessoa, pois diz o apóstolo que os cristãos estavam instruídos por
Deus, quando foi Jesus quem imortalizou este mandamento. Ora, Pau-
lo tinha perfeita consciência, e dá mostras disto em suas cartas, de
que a identidade de Deus e de Jesus eram distintas. É que ele sabia,
que Jesus, como perfeito instrumento do Criador, agia a serviço Des-
te, e que quando ele – Jesus - falava em Novo Mandamento, ele ex-
pressava uma Lei em nome Daquele que carinhosamente nos revelou
como Pai. Ou seja, Jesus nos instruía, nos educava, a serviço de Deus,
por ordem Dele. Isso foi Ele mesmo, Jesus, quem nos disse:
Mas é para que o mundo saiba que eu amo o Pai e que
faço como o Pai me mandou121.
Que vos ameis uns aos outros, essa é a máxima de Jesus; se para
os fariseus Ele resumiu toda a Torá em dois mandamentos (cf. Mt, 22:
40), para aqueles que já tinham condição de entendê-lo melhor, disse
que o Seu mandamento era que amássemos uns aos outros como Ele
nos amou, e que Seus discípulos seriam reconhecidos por muito se
amarem. (cf. Jo., 13: 35).
Alguns estudiosos têm dito ser o Evangelho de João anterior a esta
epístola, pois, dizem estes, que, para que Paulo se referisse ao Novo
Mandamento seria necessário que os textos de João já circulassem
entre os cristãos. Nós particularmente não vemos necessidade disto,
pois os discípulos eram amigos entre si, e o ensinamento do Cristo se
multiplicava por via oral, assim, não era preciso que João já tivesse
escritos seus textos, mas que simplesmente ensinasse se referindo a
esta máxima, de forma oral. Este nosso pensamento não descarta, no
entanto, que João, ou qualquer outro evangelista, já há esse tempo,
pudesse estar preparando seus textos definitivos e que entre as lide-
ranças já circulassem alguns manuscritos. Todavia, sabemos que os
120
“Um novo mandamento vos dou: Que vos ameis uns aos outros; como eu vos
amei a vós, que também vós uns aos outros vos ameis.”
121
João, 14: 31
85
textos definitivos, e há indicações disto, só ganharam sua forma com-
pleta mais tarde, no caso de João, nos fins do primeiro século de nos-
sa era, ou até mesmo, no início do segundo.
122
Mateus, 5: 48
86
ria; será em nosso caso o recurso que nos levará a aumentar cada
vez mais, nossas conquistas no campo do amor.
Paulo quer reforçar o que tem ensinado com suas palavras, e o que
é mais importante, com seu próprio exemplo.
Procureis viver quietos; não prega o apóstolo a ociosidade, viver
quietos é no sentido de uma vida tranqüila, sem ansiedades nem am-
bições no que diz respeito às questões do mundo. O bom cristão sabe
que está aqui para servir, e não para o pleno gozo do poder temporal;
desta forma, não precisa de se preocupar em demasia com o que é
transitório. Ensina-nos Jesus a cultivarmos os bens que o mundo não
pode tirar, pois se supervalorizamos o que alguém ou alguma situa-
ção pode nos tirar, estamos colocando a nossa felicidade nas mãos
dos outros, ou na dependência de alguma situação, o que não é acon-
selhável. Nossa felicidade é algo que deve depender exclusivamente
de nós mesmos. É importante que nos façamos senhor de nossa pró-
pria satisfação, só assim seremos diretores de nossa vida.
Tratar dos próprios negócios é lição de grande sabedoria que
aprendemos também no Evangelho. É preciso não dar a ninguém o
poder de delegar sobre o que devemos ou não fazer em se tratando
de conquistas do espírito. O Evangelho de Paulo é o Evangelho da li-
berdade, mas não de uma liberdade rebeldia, mas de uma liberdade
que agrega, que contribui, que sabe obedecer com espontaneidade,
se desvinculando da escravidão gerada pela ambição desmedida. É a
liberdade do Espírito, do aprisionamento da matéria.
O objetivo maior de nossa vida é a nossa espiritualização, é para
isso que encarnamos, portanto, não podemos priorizar o que é mate-
rial, como temos feito até hoje. Por assim fazer estamos desviando do
caminho e alongando o nosso processo evolutivo.
Para que possamos dedicar mais tempo ao Evangelho e às coisas
espirituais é preciso nos afastarmos dos interesses puramente materi-
ais. Não que estejamos pregando uma irresponsabilidade com o que é
ainda necessário ao nosso estágio atual, mas é questão de dar a cada
coisa o seu real valor e priorizar o que é mais importante.
Paulo era artesão, e trabalhava dia e noite para o seu sustento e
para não ser pesado a ninguém, mas buscava atender somente ao
que era necessário à sua subsistência, assim podia dedicar mais tem-
po ao trabalho mais importante, que era o da sua própria edificação.
É o que ele aconselha a todos, aos iniciantes cristãos daquela época,
e a nós os atuais educandos do Mestre de Nazaré.
Esta era a sua diretriz, proposta simples, que justamente por isso
temos dificuldade de assimilar.
87
…PARA QUE ANDEIS HONESTAMENTE PARA COM OS QUE ESTÃO DE
FORA E NÃO NECESSITEIS DE COISA ALGUMA.
88
A partir deste versículo o apóstolo muda o tema abordado na carta.
É que como dissemos, havia entre os cristãos da época uma crença
na parusia do Cristo, e provavelmente, Timóteo noticiava que alguns
crentes de Tessalônica estavam preocupados com seus parentes já
desencarnados; pois segundo acreditavam, estes seriam prejudicados
por não estarem entre os vivos quando da volta do Senhor.
Existia também um outro problema, é que muitos pagãos criam na
extinção da consciência após a morte, e estas crenças estavam difi-
cultando o entendimento de alguns iniciantes cristãos da comunidade
a respeito da Boa Nova.
Paulo, portanto, esclarece, não quero porém, irmãos, que sejais ig-
norantes acerca dos que já dormem, isto é, dos já desencarnados.
Para Paulo o estado da alma após o desenlace é de perfeita consciên-
cia, e é o que ele quer que seus neófitos compreendam, pois assim
não ficarão tristes, como os demais, que não têm esperança, por em
nada crer.
A imortalidade é um tema sempre recorrente tanto no Antigo quan-
to no Novo Testamento. Os próprios fariseus, dos quais Paulo faz
questão de mostrar que teve sua origem, tinham a ressurreição como
ponto de fé. Os textos sagrados só têm razão de ser devido a realida-
de da imortalidade, pois se tudo se extinguisse com a morte, não ha-
veria conseqüência moral, nem ética a ser vivida por ninguém.
Quando é dito que o Espiritismo é a doutrina consoladora a que Je-
sus se referiu segundo as anotações de João, é porque ele mostra
com clareza, com lógica, de uma forma sistematizada, a verdade das
crenças até então incompreendidas, da imortalidade da alma e da
reencarnação. Pois os judeus, que eram os mais espiritualizados da
época, tinham uma noção confusa e indefinida a respeito do assunto,
fazendo uma falsa idéia da vida após a morte.
A continuidade da vida era para Paulo um fato concreto que ali-
mentava sua fé, pois segundo a narrativa de Marcos, Jesus tudo de-
clarava em particular aos seus discípulos 123, e lógico que Paulo tendo
convivido com aqueles que testemunharam estas confidências, estes
por sua vez, revelaram tanto a Paulo como a outros seguidores desta
época, o conteúdo destas importantes revelações.
Era necessário deste modo, multiplicar a esperança através da di-
vulgação do Evangelho da alegria, e o doutor de Tarso, por fidelidade,
tinha a proposta de extinguir a ignorância espiritual dos adeptos do
Nazareno, fazendo florescer em cada um a esperança através da cer-
teza da vida imortal; a incredulidade é uma das maiores tristezas que
pode visitar o homem comum, justamente por negar a este a com-
preensão de sua origem e do fim maravilhoso da vida.
89
COM ELE.
124
Mateus, 7: 9 a 11
125
Marcos, 4:23
90
Dizemo-vos, pois, isto pela palavra do Senhor; a autoridade de Pau-
lo estava em que ele ensinava de conformidade com o que lhe era re-
velado por Jesus. Esta revelação podia vir através dos manuscritos de
Levi, a que os primeiros cristãos tiveram acesso, pelo testemunho da-
queles que com o Mestre estiveram pessoalmente, ou pela via da me-
diunidade, já que esta era uma prática comum entre os primeiros dis-
cípulos do Senhor. As próprias epístolas eram, como já dissemos, ins-
piradas por Jesus através de Estevão.
Esta mesma autoridade se ampliava na medida em que Paulo não
só recebia e transmitia os ensinamentos pela palavra, mas principal-
mente pelo exemplo de sua conduta sempre coerente com o Evange-
lho.
Este texto serve assim de reflexão para todos nós os que hoje nos
predispomos a divulgar a mensagem pura do Manso Galileu; temos
sido fiéis ao Evangelho? Temos interpretado as lições despidos do in-
teresse pessoal? Como tem sido a nossa conduta diante daqueles a
quem mais temos que testemunhar nossa adesão às propostas reno-
vadoras do Cristo?
A vinda do Senhor como já dissemos não será material, mas espiri-
tual; e isso dizemos baseado nas palavras do próprio Paulo, que por
sua vez se inspirava em Jesus. Após um texto genial e esclarecedor
que deve ser lido por todos e que está contido no capítulo 15 da pri-
meira epístola aos Coríntios, conclui o apostolo:
O mesmo se dará com a ressurreição dos mortos [que
segundo ele se dará na vinda do Senhor], semeado cor-
po corruptível, o corpo ressuscita incorruptível; semea-
do desprezível, ressuscita reluzente de glória; semeado
na fraqueza, ressuscita cheio de força; semeado corpo
psíquico, ressuscita espiritual.126
E continua:
Digo-vos irmão: a carne e o sangue não podem herdar
o Reino de Deus…127
Em João temos o próprio Jesus ensinando:
Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e meu
Pai o amará, e viremos para ele e faremos nele mora-
da.128
Portanto, e não estamos inventando, pois usamos as próprias pala-
vras contidas no Novo Testamento, a ressurreição definitiva, que é a
máxima realização da criatura que retornará ao Criador, se dará espi-
ritualmente, e esta será, para cada um, no seu momento próprio, o
Dia do Senhor, ou dentro da terminologia da época, a “parusia do
Cristo”.
126
1 Coríntios, 15: 42 a 44
127
Ibidem, 50
128
João, 14: 23
91
Neste momento não haverá privilégios, não será o fato de estar de-
sencarnado (os que dormem) ou encarnado (os que ficarem vivos)
que indicará quem receberá primeiro a Glória do Senhor, até porque,
primeiro e depois são expressões relativas, que dizem respeito à cro-
nologia deste mundo, no Reino do Pai, já foram superadas as di-
mensões tempo e espaço.
92
…DEPOIS, NÓS, OS QUE FICARMOS VIVOS, SEREMOS ARREBATADOS
JUNTAMENTE COM ELES NAS NUVENS, A ENCONTRAR O SENHOR NOS
ARES, E ASSIM ESTAREMOS SEMPRE COM O SENHOR. PORTANTO,
CONSOLAI-VOS UNS AOS OUTROS COM ESTAS PALAVRAS.
Estes versículos que encerram o capítulo quarto desta carta não su-
gerem muitos outros comentários, pelo menos a nós diante do que já
expusemos anteriormente, sem cairmos em repetições que julgamos
desnecessárias neste momento.
Importa-nos, portanto, analisar algumas expressões.
…a encontrar o Senhor nos ares; expressando justamente que este
encontro se dará fora do plano comum da matéria, ou seja, será um
encontro espiritual. Neste ponto repetimos, pois a terminologia usada
vem reforçar nossa conclusão pelo caráter espiritual do advento.
…e assim estaremos sempre com o Senhor; nos mostrando que de-
pois da morte gerada pela ilusão do que é transitório retornaremos ao
plano original e estaremos com o Senhor para sempre. Deste modo,
tudo o que passamos anteriormente como sacrifício para atingirmos
este desiderato, mesmo que seja num período de milênios, fica mini-
mizado, pois a felicidade será eterna, isto é, para sempre, numa di-
mensão em que o tempo jamais passará pois a conquista existirá na
intimidade de todos os que tiverem vencido o último inimigo; a morte.
129
…consolai-vos uns aos outros com estas palavras; é mais uma vez
a preocupação de um Espírito superior com a tranqüilidade e a paz de
todas as criaturas; preocupação de que as suas palavras possam ge-
rar somente o bem e a alegria.
Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão
chamados filhos de Deus.130
129
Cf. 1 Coríntios, 15: 26
130
Mateus, 5:9
93
5
Vigilância
94
Não desprezeis as profecias.
Examinai tudo. Retende o bem.
Guardai-vos de toda espécie de mal.
O Deus da paz vos conceda santidade perfeita; e que o
vosso ser inteiro, o espírito, a alma, e o corpo sejam
guardados de modo irrepreensível para o dia da vinda
de nosso Senhor Jesus Cristo.
Quem vos chamou é fiel, e é ele que vai agir.
Orai por todos nós irmãos..
Saudai a todos os irmãos com ósculo santo.
Conjuro-vos no Senhor, que esta carta seja lida a todos
os irmãos.
A graça de nosso Senhor Jesus Cristo esteja convosco.
131
131
1 Tessalonicenses, 5: 1 a 28
132
Atos, 1: 7
133
Mateus, 24: 43
134
Cf. Mateus, 24: 36
95
Espíritos encarregados da administração do planeta saberem a data
exata do acontecimento. Porém, assim não será; só Deus que trans-
cende a tudo, que atua através de Sua Lei Universal, tem o conheci-
mento da Matemática Cósmica que O capacita a saber do momento
exato de todas as ocorrências.
Sabedor de tudo isso Paulo orienta para que não nos preocupemos
com o tempo em sua feição exterior, mas que busquemos aproveitar
bem cada oportunidade. O que será determinante para que este dia
ocorra em nós é a pureza de nosso sentimento; só através do fato de
criarmos condições favoráveis é que este instante se estabelecerá
como evento inadiável. Quando? Ninguém sabe, virá como um ladrão,
isto é, de surpresa, não será de hora marcada, mas quando nosso
amadurecimento favorecer para que aconteça. A expressão de noite,
referida por Paulo, aqui não representa trevas; lembremos que exis-
tem noites de grandes claridades, iluminadas por estrelas ou até mes-
mo por lua cheia. Noite, aqui, portanto, pode ser entendida como o
momento que sucede ao dia de trabalho, de conquistas, de realiza-
ções que produzam em nós o amadurecimento necessário, fomenta-
dor de espiritualidade.
Bem-aventurado o varão que não anda segundo o con-
selho dos ímpios, nem se detém no caminho dos peca-
dores, nem se assenta na roda dos escarnecedores.An-
tes, tem o seu prazer na lei do Senhor, e na sua lei me-
dita de dia e de noite.135
Este momento definido pelo apóstolo é bem parecido com o que vi-
vemos atualmente.
…quando disserem: Há paz e segurança, então, lhes sobrevirá re-
pentina destruição; Não é o que acontece nos dias de hoje? Basta di-
zermos que está tudo bem, que os problemas estão equacionados,
que algo acontece quebrando a tranqüilidade. Por que isto acontece?
Será mesmo Deus um tirano que se vinga da humanidade como che-
garam a pensar alguns de nossos antepassados? Nada disso. A difi-
culdade é exclusivamente nossa quando da eleição de nossas priori-
dades. É que a nossa paz é baseada em sentimentos fugazes e a nos-
sa segurança em valores transitórios.
Jesus nos fala da paz. Em Mateus, nos diz:
Não cuideis que vim trazer a paz à terra; não vim tra-
zer paz, mas espada 136
Em João afirma:
135
Salmo, 1: 1 e 2
136
Mateus, 10: 34
96
Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou137
Por que esta contradição? Afinal veio Ele trazer a paz ou não? É Ele
mesmo quem responde:
…não vo-la dou como o mundo a dá.138
É, como já afirmamos, uma questão de conceito. O que é paz para
nós? Quando nos sentimos em segurança? Aliás estes são dois senti-
mentos dos mais requisitados nos dias atuais; fazem parte das princi-
pais preocupações da humanidade.
A segurança que almejamos é simplesmente a ausência de perigo
externo, a paz que normalmente buscamos é a da ociosidade; foi por
isso que Jesus fez questão de asseverar, não vo-la dou como o mundo
a dá, pois para Ele o que o mundo entende por paz está longe de real-
mente ser.
Paz e segurança para o Cristo são estados de harmonia para com
Deus, estado este conquistado pela boa relação com o semelhante
que deve ser para nós a expressão do Criador. Segurança só o espíri-
to pode ter, pois tudo o que é material está sujeito a constante trans-
formação; deste modo, a segurança é a conquista de valores que o
mundo não pode tirar, valores estes que o Mestre definiu como sendo
os que o ladrão não rouba, nem a traça corrói.
No dia que realizarmos esta mudança de conceitos, e passarmos a
compreender a vida pela ótica do Espírito imortal, neste dia obtere-
mos a tão sonhada paz, e a segurança será natural.
Nestes dias os nossos filhos serão incentivados por nós, a ter, não a
profissão que rende mais lucros financeiros, mas a que lhes realizan-
do mais, promoverem a maior oportunidade de serviço à comunidade;
a nossa preocupação será não com a aparência exterior, mas com a
virtude que efetivamente possuirmos.
Por não ser esta ainda a nossa realidade atual, nossa paz e segu-
rança são fugazes, se destroem repentinamente; como a mulher grá-
vida, estamos sujeitos a vários sentimentos contraditórios, angústia e
alegria, dor e alívio, harmonia e desequilíbrio.
Todavia conscientizemo-nos, este momento é de grande importân-
cia, pois realmente estamos grávidos, estamos gerando o filho do ho-
mem em nós; e o dia em que ele nascer, ou seja, o dia em que trou-
xermos ao mundo este ser renovado, será para nós, o Dia do Senhor,
onde a paz e a segurança serão efetivas e constantes não se alter-
nando mais com tribulações e incertezas.
137
João. 14: 27
138
Ibidem.
97
Como bom discípulo Paulo também se torna um bom educador.
Deste modo, valoriza o que cada um tem de positivo. Quando é ne-
cessário ele chama a atenção, porém, sempre com muito afeto; e
quando há condições ele realça a virtude como forma de promovê-la
ainda mais.
Os neófitos de Tessalônica tinham ainda pontos a serem trabalha-
dos, todavia tinham também suas conquistas e Paulo buscava valori-
zá-las sempre.
A nossa situação é a mesma, ainda tempos muito que caminhar em
matéria de espiritualidade, mas não podemos esquecer que temos
nossos valores já alcançados. Já não estamos em trevas...
Porque, noutro tempo, éreis trevas, mas, agora, sois
luz no Senhor; andai como filhos da luz. 139
Se isso é para nós motivo de alegria, não deixa de ser também de
grande responsabilidade, pois Jesus já passou por nós, não somos
mais os mesmos, devemos assim dar frutos mais coerentes com o
bem que já possuímos.
Fica, no entanto, uma questão, por que oscilamos tanto entre luz e
trevas, bem e mal, amor e ódio?
É que nossas conquistas ainda estão mais nas faixas do intelecto,
da informação, e menos no campo do sentimento. A educação inte-
lectual não só é importante, como é mesmo imprescindível, porém, é
o sentimento o motor de nossa transformação. É preciso estudar o
Evangelho, pesquisar sua origem, saber sobre a veracidade dos fatos,
afinal a Doutrina Espírita é doutrina que incentiva a faculdade de pen-
sar e de analisar; porém é imperioso que sintamos o Evangelho, bus-
car colocar-nos na posição de cada personagem e sentir o que ele
sentiu. Só assim, nos colocando nas várias situações trabalhamos em
nós o autoconhecimento e nos disponibilizamos às mudanças. Por que
ainda temos tanta dificuldade em caminhar nas faixas do espírito?
Simplesmente porque não realizamos a entrega à Boa Nova como se-
ria desejado de acordo com o nível de informação que já possuímos.
Fé é adesão, é entrega total a uma proposta. Quando verdadeiramen-
te tivermos fé de que os ensinamentos de Jesus podem em nós ope-
rar maravilhas, como Abraão teve em disponibilizar seu próprio filho
para o sacrifício, aí não mais haverá treva que ofusque a nossa luz,
que surpreenda com sua imprevisibilidade.
Somos inconstantes e vulneráveis porque por demais exteriores,
quando adotarmos a consciência profunda como norteadora de nossa
livre escolha, não seremos mais roubados, mas realizados através de
uma moral superior.
PORQUE TODOS VÓS SOIS FILHOS DA LUZ E FILHOS DO DIA; NÓS NÃO
SOMOS DA NOITE NEM DAS TREVAS.
139
Efésios, 5: 8
98
Este versículo nos leva a meditar sobre a questão das origens.
Como citamos o próprio Paulo nos comentários do versículo anterior,
noutro tempo éramos trevas, espíritos prazerosos no erro, porém,
este é um passado mais recente.
Nossa gênese é a luz, viemos de Deus, no primeiro momento éra-
mos puro espírito, depois é que despencamos de dimensões e imergi-
mos na matéria, que é justamente o laço que prende o espírito.140
Portanto, o “pecado” foi um erro de percurso, um afastamento, não
desejado, do Criador. Somos filhos da luz e filhos do dia, isto é, seres
que se realizam no trabalho a serviço do bem. Este é o dinamismo
que a Vida anseia para cada um de nós e a proposta eterna da cria-
ção; não somos da noite nem das trevas, pois em Deus vivemos, e
nos movemos, e existimos.141
Isto significa que a nossa felicidade, a nossa paz, o nosso equilíbrio,
está na prática e na vivência da virtude, e se esse não parece o cami-
nho natural por ser tão difícil de percorrê-lo, é porque desabituamos
do que é espiritual, fomos seduzidos pela matéria e nela nos iludimos
como se esta fosse a realidade única. A repetição forma o hábito, e o
hábito a personalidade. Portanto, mudemos de conduta, construamos
um novo caminho, ou, retomemos o “paraíso perdido”, o laço com o
Criador, e seremos eternamente felizes.
…deixemos as obras das trevas, e vistamos as armaduras da Luz. 142
140
(KARDEC, 1980), questão 22
141
Cf. Atos, 17: 28
142
Romanos, 13: 12
99
nhecido, se quisermos dirigi-lo por uma estrada nova, é preciso nos
esforçar, segurarmos a rédea com firmeza, e até usarmos de espora.
Há muito que nos iludimos e nos deixamos levar pelo prazer fácil e
libertino; deste modo, vigiemos e sejamos sóbrios, isto é, simples,
moderado, austero.
Porque os que dormem, dormem de noite; a vida nos desfia a todo
instante. E um destes grandes desafios é estarmos sempre dinâmi-
cos, atuantes no Bem. Na maioria das vezes realizamos grandes mo-
vimentos, porém sem um produto final satisfatório no que diz respeito
à nossa própria iluminação.
Muitas vezes os que dormem não estão paralisados; quando disse-
mos que estão sonolentos, estacionados, dizemos no que diz respeito
às buscas espirituais. Estes podem estar em pleno dinamismo, mas só
que com a mente voltada exclusivamente para as questões materiais.
Dormem para o que é essencial.
Como então saber o que é este essencial, e se não são eles que es-
tão com a razão? Afinal, são eles os vencedores dos tempos atuais.
A questão é delicada, todavia com bom senso conseguimos racioci-
nar melhor.
Nosso tempo de vida na matéria, fazendo conta apenas de uma en-
carnação, é de sessenta a noventa anos em média. Para uns menos,
para outros um pouco mais. Mas o que são noventa ou cem anos se
comparado aos séculos, ou mesmo à eternidade?
Todavia, se pensamos que a vida é só o aqui e agora, então coma-
mos, bebamos e durmamos, pois nada mais interessa; no entanto, se
já fazemos parte daqueles que veem na vida uma experiência mais
ampla, em que o passado é julgado no presente e este será da mes-
ma forma no futuro; e se sinceramente acreditamos que a vida não
pode ser só esse tempo chamado agora, o que é muito mais lógico do
que o contrário, então, dormir significa, mesmo que dentro da dinâmi-
ca materialista, estar pensando em construir somente baseado nos
valores transitórios, enquanto estar acordado é realizar-se sabendo
que o que conquistamos de valor nos terrenos do espírito será a moe-
da corrente onde estivermos após esta transitória experiência materi-
al.
Portanto, qual o melhor investimento, o que fazemos pensando em
gozar alguns anos, mesmo que muitos segundo o nosso conceito atu-
al, ou o que fazemos em favor de nossa tranquilidade e equilíbrio
num tempo sem conta a que denominamos eternidade?
Deste modo, os que dormem, dormem de noite, isto é, sem a luz da
razão que troca o eterno pelo duradouro; os que assim agem, encon-
tram-se iludidos pelo que podem agarrar com os sentidos atuais, ou
seja, se embebedam nos prazeres fáceis que em verdade são trevas
na longa noite, porém, não eterna, das ilusões materiais.
100
Apenas para mostrar como são diversos o comportamento e a ex-
pectativa de um cidadão do Reino – o que está acordado – e um do
mundo – o que dorme -, citamos abaixo o diálogo de Paulo e seu al-
goz, segundo a narrativa de Emmanuel, no momento final de seu
martírio:
O militar que chefiava a escolta mandou parar o carro
e, fazendo descer o prisioneiro, disse-lhe hesitante:
- O Prefeito dos Pretorianos, por sentença de César, or-
denou que fosseis sacrificado no dia imediato ao da
morte dos cristãos votados às comemorações do circo,
realizadas ontem. Deveis saber, portanto, que estais vi-
vendo os últimos minutos.
Calmo, olhos brilhantes e mãos amarradas, Paulo de
Tarso, mudo até então, exclamou, surpreendendo os
verdugos com a sua majestosa serenidade:
- Ciente da tarefa criminosa que vos incumbe desempe-
nhar .. Os discípulos de Jesus não temem os algozes
que só lhes podem aniquilar o corpo. Não julgueis que
vossa espada possa eliminar-me a vida, de vez que, vi-
vendo estes fugazes minutos em corpo carnal, isso sig-
nifica que vou penetrar, sem mais demora, nos taber-
náculos da vida eterna, com o meu Senhor Jesus Cristo,
o mesmo que vos tomará contas, tanto quanto a Nero e
Tigelino…
A patrulha sinistra estarrecia de assombro. Aquela
energia moral, no momento supremo, era de molde a
abalar os mais fortes. Percebendo a surpresa geral e ci-
oso do seu mandato, o chefe da escolta tomou a inicia-
tiva do sacrifício. Os demais companheiros pareciam
desorientados, nervosos, trêmulos. O inflexível prepos-
to de Tigelino, porém, ordenou ao prisioneiro que desse
vinte passos à frente. Paulo de Tarso caminhou serena-
mente, embora, no íntimo, se recomendasse a Jesus,
compreendendo a necessidade de amparo espiritual
para o testemunho supremo.
Ao chegar no local indicado, o sequaz de Tigelino de-
sembainhou a espada, mas, nesse instante, tremeu-lhe
a mão, fixando a vítima, e falou-lhe em tom quase im-
perceptível:
- Lastimo ter sido designado para este feito e intima-
mente não posso deixar de lamentar-vos...
Paulo de Tarso, erguendo a fronte quanto lhe era possí-
vel, respondeu sem hesitar:
- Não sou digno de lástima. Tende antes compaixão de
vós mesmos, porquanto morro cumprindo deveres sa-
grados, em função de vida eterna; enquanto que vós
ainda não podeis fugir às obrigações grosseiras da vida
transitória. Chorai por vós, sim, porque eu partirei bus-
cando o Senhor da Paz e da Verdade, que dá vida ao
101
mundo; ao passo que vós, terminada vossa tarefa de
sangue, tereis de voltar à hedionda convivência dos
mandantes de crimes tenebrosos da vossa época!...
O algoz continuava a fitá-lo com assombro e Paulo, no-
tando a tremura com que ele empunhava a espada,
concitou resoluto:
- Não tremais!... Cumpri vosso dever até ao fim…143
Mas nós que somos do dia; Paulo não pergunta se somos nem se
queremos ser do dia, ele afirma a todos, daquele tempo ou de quais-
quer dos tempos, que se dizem seguidores do Mestre de Nazaré, que
somos do dia, isto é, faz ver a cada um a sua responsabilidade. Antes
de Jesus passar em nossa vida podíamos fazer isso ou aquilo, sermos
até da noite, mas depois que O conhecemos nossa atitude tem de
mudar; um dos piores defeitos que a criatura pode ter é o de não as-
sumir a sua responsabilidade seja em que estágio for. Somos cristãos,
então que atuemos como seguidores do Cristo.
Deste modo, sejamos sóbrios, o que já comentamos no versículo
anterior; porém, aqui, Paulo dá uma ajuda dizendo-nos como ser: ves-
tindo-nos da couraça da fé e do amor.
Sobre fé vamos comentar melhor quando estudarmos a carta escri-
ta aos gálatas e a que foi dirigida aos romanos, pois nestas é o tema
principal. Todavia aqui não podemos deixar de tocar no assunto para
que possamos melhor entender a simbologia.
Fé, segundo o entendimento de Paulo, não é simplesmente crer em
uma proposta, mas aderir a esta de tal forma que há uma entrega da-
quele que adere a esta mesma proposta. Portanto, fé é ação, dinamis-
mo, trabalho.
Amor por sua vez é outra expressão que não podemos entender
como mensagem de ociosidade, muito pelo contrário; quem ama,
ama a alguém, deste modo quer o bem deste alguém; age assim em
favor daquele que ama. Portanto, amor é atitude, é dinamismo, é tra-
balho.
Ao dizer que o cristão deve vestir-se da couraça da fé e do amor,
Paulo prega uma defesa atuante, e não um momento de fuga. É que
as grandes almas, aquelas que compreendem o modus operandi da
Vida, sabem que só temos do que damos, que só nos acontece do
modo como procedemos com os outros, portanto, se desejamos segu-
rança, proteção ou defesa, temos que dar segurança, proteger ou de-
fender os outros, em síntese nos doarmos (amor), nos entregarmos
(fé) ao serviço em favor do semelhante. Só assim estaremos prepara-
143
(XAVIER / Emmanuel, 2004), cap. X, II parte.
102
dos para o “Dia do Senhor”, que como comentamos é o projeto da
Vida para cada um de nós.
Paulo vai além e nos fala em termos por capacete a esperança da
salvação. A proposta é similar, capacete também é instrumento de
proteção, e como só se protege quem protege, só é digno de esperan-
ça quem promove a esperança dos outros. Em outras palavras, só se-
remos salvos, isto é, só nos ajustaremos a Deus, se promovermos as
pessoas a este mesmo ajustamento.
Entendamos de uma vez por todas, em última instância o objetivo
da Vida é o aperfeiçoamento das criaturas. Foi por isso que Jesus veio
até nós. O resto é tudo material didático para que isto, ou seja, o
aperfeiçoamento, aconteça. Se quisermos de algum modo ser felizes,
temos de caminhar de acordo com a Lei, isto é, sem fazer oposição a
ela. Deste modo compreendemos que se desejamos estar bem temos
que auxiliar no aperfeiçoamento dos outros, pois do contrario esta-
mos colocando obstáculo a que Deus realize o seu projeto.
Se desejarmos aprofundar mais nos ensinamentos desta carta, po-
demos ainda ver que Paulo propõe instrumentos de proteção para a
área do peito, onde se situa o coração, e para a cabeça, onde está o
cérebro. É mais uma vez a simbologia evangélica nos ensinando a
trabalhar as expressões de sentimento e razão, lado a lado, conjunta-
mente, para que possamos ganhar em sabedoria e assim atingirmos
a condição de espíritos salvos, isto é, redimidos e aptos para o Reino
que nos foi oferecido desde o princípio dos tempos, antes mesmo da
criação do Universo físico e temporal.
PORQUE DEUS NÃO NOS DESTINOU PARA A IRA, MAS PARA A AQUISI-
ÇÃO DA SALVAÇÃO, POR NOSSO SENHOR JESUS CRISTO…
Este versículo tem colocações que devem ser por nós analisadas
com muito carinho e atenção.
Deus não nos destinou para a ira...; ao falar deste modo o missivis-
ta mostra a seus leitores que toda a criação tem um objetivo, e se as-
sim é, caso esse objetivo não se concretize, é um fracasso do Criador.
Como em se tratando de Deus o fracasso é impossível, chegamos à
conclusão lógica de que tudo se cumprirá como foi planejado e deter-
minado por Sua Soberana Vontade. Fica claro assim, que não existe a
possibilidade de perda do Espírito, e a teoria das penas eternas passa
a ser fruto do não raciocínio daqueles que assim creem.
Não fomos destinados para a ira, esta é uma expressão recorrente
nos textos de Paulo. Podemos entender por ira divina a reação da Lei
às atitudes que se opõem a ela, ou em outras palavras, as que obsta-
culizam seu seguimento natural.
Deus é amor, portanto, só o que gravita em torno deste sentimento
está no campo magnético do Criador; assim, toda ação que contraria
este sentimento afasta aquele que age, de Deus. É lógico que em ter-
103
mos espaciais isto não é possível, mas é como se ficássemos à mar-
gem do caminho, se fôssemos expulsos de Seu campo vibracional.
A partir desta ação contrária ao propósito do Criador, a Lei por Ele
instituída, promove uma ação que visa fazer voltar aquele que se
“afastou” de Deus para o caminho original que é estar diante Dele.
Essa ação da Lei é muitas vezes dolorosa, pois requer sacrifício para
que se conquiste a posição perdida.
Vejamos como essa análise é coerente com o pensamento do Espí-
rito Paulo dezenove séculos depois:
Gravitar para a unidade divina, eis o fim da Humanida-
de. Para atingi-lo, três coisas são necessárias: a Justiça,
o Amor e a Ciência.144
É a essa ação da Lei, que Paulo chama de ira, em outros textos de
“ira divina”.
Entretanto ele é claro: Deus não nos destinou para a ira, ou seja,
não fomos criados nem para dor nem para a infelicidade, se isto acon-
tece é por erro de rota, mas erro que devemos tributar exclusivamen-
te a nós mesmos.
Deus não cria autômatos, por isso deu ao Espírito a liberdade, o li-
vre arbítrio, fazendo mau uso dele é que criamos em nós a necessida-
de de estarmos diante da ira, mas parafraseando Jesus: ao princípio,
não foi assim145.
E o apóstolo continua ensinando: Mas para a aquisição da salvação
por nosso Senhor Jesus Cristo.
Aqui temos uma colocação perfeita a começar pela palavra aquisi-
ção.
É que a salvação não será gratuita, mas deve ser conquistada, ad-
quirida, e isto se dará dia a dia, etapa por etapa. Todavia esta aquisi-
ção não implica necessariamente em sofrimento como chegamos a
supor um dia; Paulo é claro a salvação virá por nosso Senhor Jesus
Cristo. Não entendamos com isto que Ele é que vai realizá-la por nós,
não é isso, seria muito cômodo, mas não é essa a realidade. Por nos-
so Senhor Jesus Cristo deve-se compreender que será a conquista
através da vivência do amor; Ele mesmo ensinou, misericórdia quero
e não sacrifício.146
E se falamos em amor, dizemos não ao constrangimento, não à dor
e ao sofrimento.
Mas a Doutrina Espírita não diz que a dor é necessária? Podem di-
zer alguns; sim, ela é necessária como reação ao erro para restabele-
cer a Ordem. É que escolhemos um caminho que passa por quedas e
mais quedas, se tivéssemos sido obedientes desde o princípio, muitos
dissabores teriam sido evitados. E isso não é opinião nossa, é O Livro
144
(KARDEC, 1980), questão 1009.
145
Mateus, 19: 8
146
Mateus, 9: 13
104
dos Espíritos que nos informa que existem Espíritos que seguiram o
caminho do bem desde o início 147, e diz mais, a escolha pelo caminho
do erro está muito bem simbolizada na figura da queda do homem e
do pecado original.148
Por fim resta-nos falar sobre a salvação, o que entende o apóstolo
Paulo por salvação?
Salvação de acordo com seu pensamento é o mesmo que reden-
ção, ou ainda o mesmo que justificação, que segundo o professor Hu-
berto Rohden, não é simplesmente um processo meramente lega, ou
social, mas o ato de estabelecer uma atitude de justeza ou correto
ajustamento entre o homem e Deus.149
Esta salvação se dará segundo ele pela fé em nosso Senhor Jesus
Cristo, mas este é assunto que deixaremos mais para adiante, quan-
do estivermos estudando as epístolas, aos gálatas e aos romanos.
…QUE MORREU POR NÓS, PARA QUE, QUER VIGIEMOS, QUER DURMA-
MOS, VIVAMOS JUNTAMENTE COM ELE.
105
semelhante ao nosso, e teve que se harmonizar aos fluidos grosseiros
de nosso orbe, adequando sua condição superior para que pudésse-
mos compreendê-lo.
Este é o sentido que damos ao ato da morte de Jesus; Ele veio até
nós para que pudéssemos resgatar os erros que ainda nos prendem
aos vales de sombra.
Outro fato que deve ser bem compreendido é que não foi o ato de
Jesus estar entre nós que possibilitou a condição de salvação para
cada um de nós, pois o salvar-se é inerente a cada um, e cabe a cada
um realizar por si através de sua própria iluminação. Quando é dito
que Jesus é o nosso salvador, devemos entender no sentido de que
Ele trouxe para nós os recursos que, se vivenciados, podem nos levar
à perfeita sintonia com o Eterno. Dissemos em outro momento e aqui
repetimos, não é o Cristo que salva, como pensam alguns, mas a cris-
tianização de nós mesmos.
Quer vigiemos, quer durmamos, vivamos juntamente com ele; o
ato de vigília aqui neste verso significa, segundo nosso entendimento,
a condição de encarnado em oposição aos que se situam no plano ex-
tra-corpóreo representado aqui pela expressão durmamos.
Portanto, salienta o apóstolo, quer estejamos entre os que denomi-
namos vivos, quer entre os desencarnados, vivamos juntamente com
o Cristo, isto é, de acordo com o que Ele ensinou.
Façamos assim, nossa opção, ninguém vai por nós poder realizar o
que só a cada um cabe fazer; não existe transferência de responsabi-
lidade na contabilidade da Vida, o processo de harmonização, saúde e
felicidade é individual, e por mais que aja colaboração, e devemos
mesmo colaborar, cada um só pode fazer por si.
106
ma que só colaborando no aperfeiçoamento do outro realizamos o
nosso. Não esqueçamos, estamos cimentados uns aos outros através
do amor.
Se, como dissemos, cada um, em se tratando de sua evolução, só
pode realizar por si, é promovendo o outro, auxiliando sua edificação,
que efetivamente fazemos por nós. É este o perfeito equilíbrio entre
promoção pessoal e promoção do outro. Assim promovemos auto-rea-
lização.
Paulo, Espírito avançado que era, e inspirado pelo Senhor, sabia de
tudo isso e buscava orientar seus leitores e também discípulos, de
uma forma simples, para que estes assim fizessem. Deste modo, des-
cendo ao entendimento de cada um repete Jesus com outras pala-
vras: exortai-vos uns aos outros, trocando em miúdos, consolai-vos
uns aos outros, animai-vos uns aos outros, aconselhai-vos.
Só através da relação construtiva e positiva com os nossos seme-
lhantes é que poderemos exercitar e fixar em nós as virtudes liberta-
doras. Podemos aí parar para uma pausa e pensar, como tem sido a
nossa relação com as pessoas? Temos promovido o quê? A paz, o en-
tendimento, ou a polêmica? Como será que os outros têm nos senti-
do? Temos sido importantes para as pessoas com quem convivemos?
Estas são reflexões que temos de fazer dia a dia. É do resultado de-
las que vamos avaliar nosso atual momento evolutivo, e como tem
sido o nosso ajustamento à lei do progresso, seja na matéria ou em
espírito.
O texto continua e vai mais além. Edificai-vos uns aos outros; esta
é a Lei, realizemos visando a edificação. Isso a princípio parece muito
simples, e não deixa de ser, porém, é muito mais profundo do que
pensamos. Tenhamos por móvel de nossas ações o bem do outro, te-
nhamos alegria no progresso e na realização positiva de nosso próxi-
mo, e não tenhamos dúvida, estaremos comungando com o Criador,
Pai de todas as criaturas, e só assim, estaremos realizando a nossa
própria felicidade através de um destino mais seguro e confortável.
Jesus no o ensinamento de Seu “Novo Mandamento”, pôde dizer:
como eu vos amei; Paulo, cônscio de suas limitações, e praticando
sua humildade, sabedor que Jesus é que deve ser o modelo, não se
qualificou a tal prática, e mostrando-se um educador positivo, exortou
por sua vez seus leitores, como também o fazeis. Essa é também uma
grande lição, como temos educado e buscado ensinar aqueles que es-
tão sob nossa responsabilidade, incentivando-os naquilo que já possu-
em de melhor, ou salientando seus processos negativos e aprofun-
dando-os ainda mais em suas dificuldades?
Somos sim educadores, porque o semeador, que também somos
nós, saiu a semear, ensina-nos a parábola 151, e o mais eficiente instru-
mento didático da Vida é o amor, portanto, cultivemos este sentimen-
151
Cf. Mateus, 13: 3 e seguintes.
107
to, pois só com amor educaremos, seguindo assim, o exemplo Daque-
le que pelo menos deveríamos ter como Guia e Modelo.
108
Assim, sejamos eternamente gratos, sem exigir gratidão; sirvamos
sempre, sem todavia, aguardarmos facilidades ou reconhecimento
por parte daqueles a quem servimos; estar maduro para a vida, é
amar sem exigir ser amado. Se assim o fizermos estaremos gravitan-
do na órbita do Cristo, e em sã consciência, se for essa a nossa postu-
ra, nos faltará algo de que venhamos a necessitar?
O Senhor é meu pastor diz o Salmo, e podemos, captando o pensa-
mento do salmista completar: Ele não nos faltará…
152
Cf. Tiago, 2: 17 e 26
109
Estejamos atentos a este ponto, a causa do Cristo não é a sua dou-
trina, mas as pessoas; essas são as que verdadeiramente importam,
a realização de cada um para Deus; a doutrina é simplesmente o ins-
trumento didático para que cada um atinja o desiderato da Vida.
Paulo termina o versículo expressando para todos o sincero desejo
de paz e harmonia, e pelo que conhecemos do pensamento deste
cristão essencial, a paz que ele deseja não é a do mundo, ociosa, mas
a do Cristo, do trabalho constante em favor do Bem. É sem possibili-
dade a paz íntima para aquele que não tem a consciência tranqüila do
dever cumprido. E já meditamos cada um de nós na extensão do que
é dever para aquele que aderiu às propostas do Carpinteiro de Naza-
ré?
110
auxílio destes que necessitam se firmar no bem. É através do exercí-
cio cristão que fixaremos em nós as virtudes a serem conquistadas.
Sejais pacientes para com todos; a conquista da paciência para
com todos, principalmente para com aqueles que nos são desafetos,
fala-nos do domínio que alcançamos sobre as nossas próprias imper-
feições e sobre os nossos estados de mais acentuada animalidade.
Como este é o principal objetivo de nossa vida, faz-se necessário es-
tarmos atentos para o cultivo desta prática. Paulo como educador da
alma, missão essa que recebeu do Cristo, não podia deixar de acon-
selhar-nos quanto a esta qualidade a ser buscada sempre, por isso
nos diz com clareza:
…sejais pacientes para com todos.
VEDE QUE NINGUÉM DÊ A OUTREM MAL POR MAL, MAS SEGUI, SEM-
PRE, O BEM, TANTO UNS PARA COM OS OUTROS COMO PARA COM
TODOS.
Como temos visto Paulo buscava orientar seus seguidores para que
estes tivessem um comportamento baseado na moral superior ensi-
nada pelo Cristo.
Aqui ele faz lembrar a todos da recomendação de Jesus grafada por
Mateus no capítulo cinco de suas anotações evangélicas:
Ouvistes que foi dito: Olho por olho e dente por dente.
Eu, porém, vos digo que não resistais ao mal; mas, se
qualquer te bater na face direita, oferece-lhe também a
outra154;
Os ensinamentos antigos recomendavam o uso da lei de talião,
onde o mal deveria ser retribuído também com o mal.
Jesus mudou a forma de compreender a vida, e ensinou-nos que
devemos sempre agir visando o bem de todos, sejam eles quem fo-
rem, independente de como comportam-se conosco.
Até hoje não compreendemos bem o avanço que significou a pre-
sença de Jesus entre nós, visto que, mesmo na atualidade, dois milê-
nios depois de sua vinda, ainda temos a tendência de usar para com
todos a lei do olho por olho, dente por dente.
Paulo como bom discípulo que era do Meigo Rabi, buscava orientar
os seus a seguirem Jesus: ninguém dê a outrem mal por mal, ou seja,
não temos nenhuma desculpa para o nosso comportamento vingativo
para com as pessoas, pois há dois mil anos já aprendemos o caminho
correto para o nosso equilíbrio.
Muitas vezes tentamos justificar o nosso modo de proceder negati-
vo como sendo uma reação ou uma necessidade dos tempos atuais,
porém, devemos compreender de uma vez por todas, que o cristão
154
Mateus, 5: 38 e 39
111
não é aquele que se justifica por não se comportar devidamente, por-
que o outro anteriormente não foi correto para com ele, mas o que
quebra o círculo vicioso do mal pela prática do bem.
Não importa como ajam conosco, nosso dever é ser um represen-
tante do Evangelho através do nosso modo de proceder. Esse com-
portamento não é bom para o outro por sermos pacífico com ele, é
antes, importante e precioso para nós mesmos, visto que de acordo
com a Lei da Vida temos exclusivamente do que damos.
Assim, nosso dever cristão é seguir sempre o bem, e o advérbio
usado não deixa dúvida de quando devemos assim agir, é sempre; e
tanto uns para com os outros, como para com todos, isto é, na comu-
nidade, no grupo dos afins, mas também entre os desafetos. É que
desde os tempos de Moisés já se pregava o amor ao próximo, porém
o conceito de próximo era bem limitado, representava somente os
afins. Jesus veio justamente ampliar esta dimensão, próximo são to-
dos os filhos de Deus a quem tivermos a oportunidade de servir e re-
lacionar; e também a qualidade do bem a fazer se amplia na medida
em que reconhecemos todos como filhos do mesmo Pai e conseqüen-
temente irmãos de uma mesma família chamada Humanidade.
Este é o resumo da filosofia cristã, como vemos não é nada com-
plexo nem impossível, muito pelo contrário, é, não só desejável, mas
também bom se assim procedermos.
112
Com isso aprendemos que ser cristão não é estar sempre triste su-
pervalorizando as dificuldades que muitas vezes temos de passar,
mas muito pelo contrario administrá-las com alegria por serem elas
oportunidades para uma possibilidade evolutiva melhor. Se temos
consciência de que o mais importante é o fator espiritual, por que en-
tão tanto sofrer com as limitações materiais ou pelas contrariedades
que dizem respeito somente ao que é transitório?
Assim, como nos orienta o importante discípulo de Gamaliel, esteja-
mos sempre alegres, pois, se analisarmos bem, há sempre motivos de
regozijo em nossa vida.
Orai cem cessar; esta é uma outra prática comum nos meios cris-
tãos, e trata-se de ótima recomendação. Todavia é preciso compreen-
der seu significado sem nenhuma espécie de fanatismo religioso.
Somos, no mundo em que vivemos, um Ser que transita entre as
condições de espírito e matéria. Se temos uma constituição física com
que nos devemos preocupar, temos também uma natureza espiritual,
aliás mais importante, que não podemos esquecer. Portanto, se culti-
vamos alimento e lazer que agradam aos nossos componentes físico-
químicos, por que não pensar também em alimentar e fortalecer nos-
so Ser espiritual?
A prece, como todo trabalho no bem, é significativo alimento para
nossa alma; é um canal direto de comunicação com Deus. Todo sofri-
mento e dor por que passamos acontecem simplesmente porque nos
afastamos de Deus, se temos uma ótima oportunidade de a Ele nos
integrarmos novamente, por que duvidarmos e desprezarmos tal
oportunidade?
Assim, aprendamos a orar, oremos, e estaremos sempre cultivando
a alegria de estar em comunhão com o Criador que é o Pai Eterno de
nossas vidas. Esta é uma possibilidade que não depende de ninguém,
não custa algo que não podemos pagar, por isso está ao alcance de
qualquer um de nós; portanto, não percamos a oportunidade, escute-
mos com carinho o alerta de quem sabe: orai sem cessar.
Em tudo daí graças. É necessário e importante que sejamos agra-
decidos. O Criador do Universo é nosso Pai, Ele é amor e misericórdia,
deste modo, dá-nos do melhor sempre; entendamos isso e seremos
plenamente felizes. Tudo o que nos acontece é o melhor que pode
acontecer para nós visando a nossa plenitude espiritual, portanto,
mudemos a ótica pela qual analisamos os eventos que nos aconte-
cem, pois esta é a Vontade de Deus, e a Vontade de Deus é sempre o
melhor para todos nós.
Isto não é de nenhum modo uma visão conformista, é muito pelo
contrário um entendimento tão amplo capaz de nos fazer transformar
tudo à nossa volta. E transformar, inclusive, e principalmente, a nós
mesmos, jamais pode ser tido como conformismo, é antes uma revo-
lução interior, revolução tão ampla que capaz de transformar todo o
Universo.
113
É deste modo que devemos entender o que Jesus disse, quando nos
afirmou que poderíamos realizar tudo o que Ele realizou e muito
mais…
O próprio Paulo nos alerta em versículo já por nós analisado (1Ts,
4: 3), que a Vontade de Deus é a nossa santificação. Não esqueça-
mos, a Vontade de Deus é Lei, e será feita; portanto, não ofereçamos
a Ela resistência, deixemos que ela se realize em paz e para o nosso
bem.
Ao dizer que esta é a vontade de Deus em Cristo, Paulo se expres-
sa da forma mais pura que conseguiu sobre o quanto será o melhor
para todos nós. Assim, ajustemo-nos a Ela.
155
1 João, 4: 4
114
O Espiritismo tem o dever de reviver as primeiras práticas cristãs,
aliás esta foi uma das características que Jesus destacou do Consola-
dor:
…ele vos fará lembrar de tudo quanto vos tenho dito.156
Deste modo, relembrando Paulo, podemos também dizer aos cris-
tãos atuais, não extingais o Espírito, pois é extremamente importante
para os encarnados como para os desencarnados, este intercâmbio
tão produtivo desde que observado o alerta de João, que aliás, é o
mesmo de Kardec: examinai os Espíritos para ver se são de Deus.
E para que não ficasse qualquer dúvida acerca do que estava falan-
do, o apóstolo da gentilidade continua: Não desprezeis as profecias;
isto é, não desprezeis o conteúdo da revelação feita pelos Espíritos.
Ele mesmo em várias ocasiões se orientou pelas indicações que vi-
nha do plano espiritual; em Atos, 13: 4 temos:
…enviados, pois, pelo Espírito Santo, eles desceram até
Selêucia.
Neste mesmo livro, no capítulo 18 mais uma vez o plano superior
orienta o apóstolo:
…uma noite, disse o Senhor a Paulo em visão: não te-
mas, continua a falar e não te cales eu estou contigo, e
ninguém porá a mão sobre ti para fazer-te mal…
E outra vez conforme narra Lucas, entre outras tantas, uma noite
apareceu-lhe um anjo de Deus que o disse:
Não temas, Paulo. Tu deves comparecer perante César,
e Deus te concede a vida de todos os que navegam
contigo…157
Todavia, adiantando o que João diria mais tarde, Paulo orienta: exa-
minai tudo, retende o bem, a nos alertar para a necessidade de dis-
cernirmos sobre as orientações e sobre as comunicações que recebe-
mos, pois conforme Kardec nos orienta, os Espíritos imperfeitos conti-
nuam imperfeitos no outro lado da vida, os maus também fazem mal-
dade por lá; portanto, tomemos cuidado também com o que vem dos
Espíritos. Entretanto, este não é um cuidado que devemos ter só com
a literatura que vem dos Espíritos, mas com tudo de um modo geral;
a Doutrina Espírita é uma doutrina que nos orienta a pensar e a usar
de lógica e bom senso em tudo, assim, examinemos tudo o que nos é
oferecido, retendo somente o que for bom, usando só do que for con-
veniente ao nosso crescimento espiritual, é o próprio Paulo que em
outro momento nos lembra:
Todas as coisas me são lícitas, mas nem todas as coi-
sas convêm; todas as coisas me são lícitas, mas nem
todas as coisas edificam.158
156
Cf. João, 14: 26
157
Atos, 27: 23 e 24
158
1 Coríntios, 10: 23
115
Guardemo-nos assim de qualquer espécie de mal, lembrando sem-
pre que o mal é tudo o que se opõe à Lei de Deus.
116
Ao dizer que Deus é fiel, Paulo traduz para nós, Espíritos imperfei-
tos, esta qualidade da Lei de ser imutável em todas as dimensões pe-
las quais possa ser entendida.
Esta Lei age na intimidade de todos os acontecimentos levando
tudo e todos sempre para frente e para o alto. É esta Perfeição Única
que promove a recuperação dos tecidos, a conexão entre as criaturas
dos diversos reinos da natureza, a edificação de todos…
O Reino de Deus é a cada instante implementado na intimidade de
cada um através desta Lei; tudo o que se corrompeu se regenera e
retorna às origens. Esta é a Perfeição do Criador.
ORAI POR TODOS NÓS IRMÃOS. SAUDAI A TODOS OS IRMÃOS COM ÓS-
CULO SANTO.
Continuando sua oração e despedida nesta carta, Paulo pede aos ir-
mãos de Tessalônica que orem uns pelos outros. Esta era uma prática
constante do cristianismo nascente e que até hoje é praticada pelos
seguidores do Mestre nazareno. Paulo sabia do poder da oração e re-
comendava sempre esta prática por si mesmo, mas acima de tudo de
forma altruística, pois sabia que do mesmo modo que aquele que
acende da vela é o primeiro a ser iluminado, aquele que ora pelo ou-
tro é o que recebe primeiro os seus benefícios. Assim, se ele queria o
bem dos discípulos orientava a estes que orassem, pois desta forma
entravam em sintonia com o Eterno, sendo portanto abençoados.
Do mesmo modo orientava a todos o cultivo do afeto, e a expres-
são ósculo santo diz bem deste sentimento de afetividade que deve
ser cultivado entre todos nós os servidores do Evangelho.
É cada vez mais comum, infelizmente, a desarmonia entre os parti-
cipantes da comunidade espírita por vários motivos. Entretanto, não
há justificativa para que assim nos comportemos, pois o exemplo da-
queles que nos antecederam na prática cristã, desde os tempos apos-
tólicos iniciais, é o do cultivo da relação amorosa uns com os outros.
O mesmo hoje pode se visto na literatura espírita quando narra para
nós o relacionamento entre espíritos instrutores das colônias espiritu-
ais.
Assim, tenhamos atenção, pois o próprio Jesus já nos ensinava:
Nisto reconhecerão todos os que sois meus discípulos,
se tiverdes amor uns pelos outros.159
117
das pelo próprio Cristo -, por isso pedia que elas fossem lidas para ou-
tros irmãos. (cf. Colossenses, 4:16; 2 Coríntios, 1: 1).
Estas eram não só lidas como também estudadas, conforme pode-
mos notar na segunda epístola de Pedro.160
Aqui também temos de levar em conta o seguinte dado histórico:
Se hoje com o avanço das possibilidades de comunicação, existe uma
grande parte da humanidade que é analfabeta, e outra não menor
parte que sabe ler, mas que não consegue entender o que lê, imagine
como era nos primeiros séculos de nossa era, quando ainda não exis-
tia a imprensa e raríssima era a oportunidade de se ter um livro?
O Cristianismo do primeiro século era por demais inclusivo, assim,
criava oportunidades para que todos participassem em condições de
aprender e de aproveitar os ensinamentos de alto alcance filosófico.
Também no Apocalipse vamos encontrar citações destas leituras pú-
blicas :
Bem aventurado aquele que lê, e os que ouvem as pa-
lavras desta profecia…161
Assim, Paulo dissemina a mensagem que lhe era inspirada, ensi-
nando a todos os cristãos de hoje e de todos os tempos a cultivar o
estudo do Evangelho de forma pública, seja em números maiores ou
menores, conforme a oportunidade.
Nós, espíritas, que temos a consciência de nossa responsabilidade
no que se refere ao ide e pregai o Evangelho… não podemos abrir
mão de tal prerrogativa, assim, busquemos não só incentivar, mas
também, até mesmo, solicitar que em todas as casas espíritas da Pá-
tria do Evangelho possa ser cultivado o estudo sincero e metódico
deste livro que é sem dúvida a carta magna da libertação de todos
nós: o Evangelho.
E após estas inspiradas linhas o apóstolo se despede desejando o
melhor para todos:
A graça de nosso Senhor Jesus Cristo esteja convosco.
160
2 Pedro, 3: 15 e 16
161
Apocalipse, 1: 3
118
Bibliografia
I Parte
162
XAVIER, Francisco C. / Humberto de Campos. Crônicas de Além Túmulo, cap.
15, Rio de Janeiro, FEB, 1937.
163
Cf. Mateus, 12: 46 e Mateus, 13: 55 e 56. Ver também Marcos, 6: 3
164
Existem controvérsias. Segundo PASTORINO, Carlos Torres. Sabedoria do
Evangelho Vol. 8. Rio de Janeiro: Sabedoria, 1967, Pg. 197, a palavra adelphos “ir-
mão”, referia-se também a “primos”, e ainda cita vários autores profanos como He-
ródoto, Thucidides, etc. onde isto acontecia.
121
tos filhos, era uma benção de Deus, o que faz crer a alguns que José e
Maria seriam pais de uma prole maior; todavia, não há esta necessi-
dade, a família de Jesus era sem dúvida uma família especial, e pode-
ria, portanto, ser diferente das demais sem nenhum desmerecimento
para eles.
O certo, é que Maria era um Espírito de altíssima evolução, um dos
mais puros que encarnou neste Orbe governado espiritualmente por
Seu Filho Jesus.
A Gravidez Virginal
122
eventos reais, e não acontecimentos imaginados. Jesus escolhia mo-
mentos, lugares, personagens, didaticamente perfeitos para seus en-
sinamentos, mas antes de buscarmos o conteúdo espiritual de suas li-
ções, é preciso que compreendamo-las em seu sentido literal, históri-
co e cultural, só a partir daí devemos buscar seu sentido espiritual.
Não estamos com este argumento defendendo a gravidez sem con-
tato sexual, como dissemos, o tema é complexo e deverá ser melhor
estudado hoje e no futuro.
Estes que defendem a gravidez natural de Maria e o relacionamen-
to sexual dela com seu marido antes da fecundação de Jesus, partem
do princípio de que se assim não fosse estaria sendo ferida uma Lei
Universal, e Espíritos Superiores jamais derrogam uma lei qualquer
que seja, antes, cumprem-na com fidelidade.Têm razão, porém, será
que uma gravidez sem contato sexual fere alguma Lei Natural? Não
temos hoje vários exemplos de gravidez gerada em laboratório?
Estamos tentando fazer uma análise espírita do tema, e deste pon-
to de vista, a ciência do Mundo Espiritual mesmo no tempo de Jesus
era muito superior à nossa atual do mundo em que vivemos, e se esta
pode algo fazer, aquela podia com muito mais facilidade. Assim, uma
fecundação espiritual para Jesus, não é algo que fere nenhum princí-
pio de ciência segundo cremos. Voltamos a repetir, não estamos com
isto dizendo que assim se deu, só estamos analisando possibilidades.
De onde surgiu esta idéia de uma gravidez virginal?
Na literatura pagã há muitos casos de nascimentos virginais, al-
guns heróis dos clássicos gregos e romanos eram semideuses, ou
seja, filhos de Deus com uma mulher carnal. Há também na Bíblia
Hebraica nascimentos sob a intervenção divina.
No caso de Jesus a idéia surge num texto de Isaías. Segundo a nar-
rativa do livro deste profeta temos:
Eis que a virgem conceberá, e dará à luz um filho, e
chamará o seu nome Emanuel.166
Porém, a palavra hebraica usada por Isaías que traduzida deu vir-
gem é almah que significa literalmente mulher jovem em idade para
casar ou recém casada. Quando se traduziu a Bíblia Hebraica para o
grego, na versão da Septuaginta, almah foi traduzida por parthenos.
“Parthenos” quer dizer tanto uma moça jovem, quanto uma mulher
que nunca teve relação sexual com homem, é como no português fa-
lado no Brasil a palavra “moça”, que tem tanto o sentido de uma mu-
lher jovem, como a que ainda não teve relações sexuais.
Assim, no texto original de Isaías não é passado esta idéia de vir-
gindade, mas que uma jovem geraria o Messias.
Portanto, a dúvida continuará e só com o nosso amadurecimento
espiritual, o que se dará em paralelo ao desenvolvimento moral, tere-
mos melhores condições de analisar o fato.
166
Isaías, 7: 14
123
O que importa para nós é que Maria era virgem no sentido de fideli-
dade a Deus. Os antigos profetas várias vezes se referem a Israel
como um “prostituta” por ter sido esta nação infiel à aliança feita com
Deus. Virgem é o oposto de prostituta, dentro deste contexto é justa-
mente ser fiel à Divindade.
Neste sentido Maria de Magdala ao ser desligada de seus obsesso-
res e se converter ao Cristo, tornou-se uma grande virgem do Novo
Testamento, e nós se quisermos também gerar em nós o “Filho do
homem”, ou o homem novo, teremos que, do mesmo modo nos tor-
narmos virgens, sem pecado.
124
No tempo de Maria, o judaísmo não era simplesmente uma religião,
era uma cultura. Entre os hebreus não se podia escolher a que religi-
ão seguir, simplesmente eram judeus. Não havia shoppings, cinemas,
teatros, ou outras diversões quaisquer, o que havia era uma sinago-
ga, e que todos frequentavam, a sinagoga era a vida das pessoas. Na-
zaré era uma pequena cidade, a sinagoga deveria ser próximo de
tudo, e era ali onde eles aprendiam e praticavam seus princípios de
moral elevada.
Como dissemos Maria era um Espírito elevado e sem comprometi-
mentos no campo expiatório, por isso aprendia fácil, com certeza me-
morizava bem, e vivenciava o que aprendia, não era culta dentro de
nosso padrão atual, era sábia.
Por que podemos dizer isso com certeza? O Evangelho nos dá mos-
tra disso a toda hora, e além do mais, Maria foi a educadora do maior
Sábio de todos os tempos, e só isso bastaria para dizer que ela foi en-
tre todas a melhor educadora.
Magnificat
125
dia – conforme prometera a nossos pais – em favor de
Abraão e de sua descendência para sempre! 167
Não pretendemos neste momento estudar minuciosamente estes
versos, mas não podemos deixar de destacar a cultura espiritual de
Maria.
Ela abre o texto falando de sua comunhão com Deus de uma forma
que só Jesus falará mais tarde. Coloca-se em sua digna posição de
serva e assim se faz grande, engrandecendo o Senhor através de sua
vivência em harmonia com Ele.
Ela faz uma síntese do Antigo Testamento, mostrando seu perfeito
conhecimento de toda Escritura.
Sintetiza também a religião das boas obras e a Lei de Deus que ali-
menta aquele que se faz dependente Dele, e despede os que se
acham ricos e que têm as mãos ociosas.
Dissemos no parágrafo anterior que ela faz uma síntese magistral
do Antigo Testamento. O Magnificat tem dez versículos, nestes, ela
faz quinze citações do Antigo Testamento os harmonizando com pro-
funda sabedoria.
Só quem conhecia e bem as Escrituras, e tinha uma espiritualidade
superior poderia construir esta oração. A seguir vamos destacar cada
versículo e as citações a que se referem no texto da Bíblia Hebraica.
126
de sobre aqueles que o temem, e a sua justiça sobre os filhos dos fi-
lhos; (Salmo, 103: 17)
51.Agiu com a força de seu braço. Dispersou os homens de coração
orgulhoso.
Tu quebraste a Raabe como se fora ferida de morte; espalhaste os
teus inimigos com o teu braço forte. (Salmo, 89:10)
52. Depôs poderosos de seus tronos, e a humildes exaltou.
Aos sacerdotes, leva-os despojados do seu cargo e aos poderosos
transtorna. (Jó, 12: 19)
53.Cumulou de bens a famintos e despediu ricos de mãos vazias.
Pois fartou a alma sedenta, e encheu de bens a alma faminta. (Salmo,
107: 9)
54. Socorreu Israel, seu servo, lembrado de sua misericórdia
Porém tu, ó Israel, servo meu, tu Jacó, a quem elegi descendência de
Abraão, meu amigo; tu a quem tomei desde os fins da terra, e te cha-
mei dentre os seus mais excelentes, e te disse: Tu és o meu servo, a
ti escolhi e nunca te rejeitei. (Isaías 41:8-9 8)
Lembrou-se da sua benignidade e da sua verdade para com a casa de
Israel; todas as extremidades da terra viram a salvação do nosso
Deus. (Salmo, 98:3)
55.– conforme prometera a nossos pais – em favor de Abraão e de
sua descendência para sempre!
E abençoarei os que te abençoarem, e amaldiçoarei os que te amaldi-
çoarem; e em ti serão benditas todas as famílias da terra. (Gênesis
12:3)
Porque toda esta terra que vês, te hei de dar a ti, e à tua descendên -
cia, para sempre. (Genesis 13:15)
E em tua descendência serão benditas todas as nações da terra; por-
quanto obedeceste à minha voz. (Genesis 22:18)
É importante imaginar como foi a cena em que tal evento ocorreu.
Narra-nos Lucas que após Maria receber o aviso através do anjo, a
respeito de sua concepção, que diga-se de passagem era um aviso
mediúnico, e não fica nenhuma dúvida quanto a isso, ela se dirigiu a
uma cidade de Judá para fazer uma visita a sua prima Isabel.
Esta cidade foi identificada segundo uma tradição do século V
como sendo Ain Karim, e situava-se a aproximadamente 6 Km de Je-
rusalém.
A viagem de Nazaré a Ain Karim, segundo alguns autores, se fazia
em quatro ou cinco dias. Como? Provavelmente no lombo de um ani-
mal. Era, portanto, uma viagem através de uma estrada ruim, cansa-
tiva, principalmente para quem estava nas primeiras semanas de gra-
videz. Maria devia ter a esta época algo em torno de 14 anos. Ela
deve ter chegado à casa de sua prima, extenuada.
127
Diz o Evangelista que ao entrar na casa de Zacarias, saudou Isa-
bel168; Isabel, ouviu a saudação e exclamou o que no futuro viria a ser
uma conhecida prece: Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o
fruto de teu ventre!169. E após ouvir a prima Maria profere o belíssimo
poema-oração a que estamos nos referindo. Ou seja, ela teve a capa-
cidade de fazer a genial síntese, o poema magnífico, em uma condi-
ção de extremo cansaço, em condições físicas precárias, mesmo as-
sim ela se manifestou em profunda harmonia espiritual.
Nós quando estamos cansados perdemos a criatividade e até mes-
mo a capacidade de pensar com inteligência, queremos repor as
energias e só depois realizar algo que exija um trabalho mais elabora-
do.
Voltemos à nossa questão inicial, era Maria culta ou iletrada? Não
sabemos, porém, podemos com certeza dizer: “era sábia”, e uma sa-
bedoria de profunda significação espiritual.
168
Lucas, 1: 40
169
Idem, Ibidem, 42
170
Temos usado esta expressão por não encontrar no momento outra melhor, to-
davia não sabemos se é certo falar em educação em relação a Jesus, que era um
Espírito Puro mesmo encarnado, e que segundo Emmanuel não sofreu as restrições
comuns a qualquer um de nós ao tomar um corpo de carne.
128
das de quem não pode prescindir do material humano
para um serviço de definições.
Já pensaste no cristianismo sem ele?
Quando se fala excessivamente em falência das criatu-
ras, recordemos que houve tempo em que Maria e o
Cristo foram confiados pelas Forças Divinas a um ho-
mem.171
O Espírito Humberto de Campos, através da mediunidade de Chico
Xavier172, nos relata da preocupação dos pais de Jesus com a sua edu-
cação. Eles tinham a intuição de sua missão e a ciência de parte de
suas necessidades, por isso preocupavam-se em preparar o menino
para o cumprimento dos desígnios superiores.
Narra-nos este Espírito, importante diálogo entre Maria e sua prima
Isabel, do qual citamos pequeno trecho, a respeito do tema do prepa-
ro dos filhos para o cumprimento dos propósitos do Pai:
Ainda há alguns dias, estivemos em Jerusalém, nas co-
memorações costumeira, e a facilidade de argumenta-
ção com que Jesus elucidava os problemas, que lhe
eram apresentados pelos orientadores do templo, nos
deixou a todos receosos e perplexos. Sua ciência não
pode ser deste mundo: vem de Deus, que certamente
se manifesta por seus lábios amigos da pureza. Notan-
do-lhe as respostas, Eleazar chamou a José, em particu-
lar, e o advertiu de que o menino parece haver nascido
para a perdição de muitos poderosos em Israel.
Com a prima a lhe escutar atentamente a palavra, Ma-
ria prosseguiu, de olhos úmidos, após ligeira pausa:
Ciente desse aviso, procurei Eleazar, a fim de in-
terceder por Jesus, junto de suas valiosas rela-
ções com as autoridades do templo. Pensei na
sua infância desprotegida e receio pelo seu futu-
ro. Eleazar prometeu interessar-se pela sua sorte; to-
davia, de regresso a Nazaré, experimentei singular mul-
tiplicação dos meus temores.
Conversei com José, mais detidamente, acerca do
pequeno, preocupada com o seu preparo conve-
niente para a vida!... Entretanto, no dia que se se-
guiu às nossas íntimas confabulações, Jesus se aproxi-
mou de mim, pela manhã, e me interpelou: “Mãe, que
queres tu de mim? Acaso não tenho testemunhado a
minha comunhão com o Pai que está no Céu!
Altamente surpreendida com a sua pergunta, respondi-
lhe, hesitante: Tenho cuidado por ti, meu filho! Re-
conheço que necessitas de um preparo melhor
para a vida... Mas, como se estivesse em pleno co-
171
XAVIER, Francisco C. / Emmanuel (Espírito). Levantar e Seguir, São Bernardo
do Campo, GEEM, 1992, cap. 6
172
XAVIER, Francisco C./Humberto de Campos. Boa Nova, 14a ed., Rio de Janeiro,
FEB, 1982, cap. 2
129
nhecimento do que se passava em meu íntimo, ponde-
rou ele: “Mãe, toda preparação útil e generosa no mun-
do é preciosa; entretanto, eu já estou com Deus. Meu
Pai, porém, deseja de nós toda a exemplificação que
seja boa e eu escolherei, desse modo, a escola melhor.
No mesmo dia, embora soubesse das belas promessas
que os doutores do templo fizeram na sua presença a
seu respeito, Jesus aproximou-se de José e lhe pediu,
com humildade, o admitisse em seus trabalhos. Desde
então, como se nos quisesse ensinar que a melhor es-
cola para Deus é a do lar e a do esforço próprio con-
cluiu a palavra materna com singeleza —, ele aperfei-
çoa as madeiras da oficina, empunha o martelo e a
enxó, enchendo a casa de ânimo, com a sua doce ale-
gria! (Os grifos são nossos)
Percebemos neste singelo diálogo o cuidado dos pais de Jesus com
sua educação. Ele por sua vez tinha a perfeita consciência do que era
o mais importante: eu escolherei, desse modo, a escola melhor.
Como nos comportaríamos na mesma situação? Se tivéssemos um
filho deste nível tentaríamos impor as nossas ideias ou saberíamos re-
conhecer sua superioridade não atrapalhando o seu
desenvolvimento?
130
convicta —, nós, as mães, temos sempre o espírito aba-
lado por injustificáveis receios.
Se Maria fosse plenamente consciente não teria esta cisma nem se-
ria abalada por estes receios.
Mostra-nos ainda o mesmo autor espiritual em outra página, que a
mãe de nosso Senhor ao saber de sua prisão, confiou em Deus, toda-
via, empreendeu esforços e orou ao Pai na esperança de que o pior
não acontecesse e Jesus fosse solto. Quando seu filho foi entregue a
Herodes, chegou a pensar:
Naturalmente, Deus modificaria os acontecimentos, to-
cando a alma de Ântipas.173
E mesmo quando já parecia consumado o assassinato, ao vê-lo ver-
gado ao peso da cruz, lembra-se de Abraão quando este conduzira o
filho ao sacrifício, e da ação de Deus salvando-o, e pensa:
Certamente o Deus compassivo escutava-lhe as súpli-
cas e reservava-lhe [a Jesus] júbilo igual.174
Só depois, ao ver o filho morto, foi que recordou a visita do anjo no
momento da anunciação. Devem ter passado em sua mente, com a
rapidez de um relâmpago, todas as cenas de sua existência; rememo-
rando, percebeu o quanto sua vida e a do filho estavam ligadas numa
missão maior em nome de Deus. Ela sofria, mas os desígnios do Alto
se cumpriram, a treva havia sido iludida, vencera a luz, suas preces
foram ouvidas, não segundo seus anseios de mãe e sim de acordo
com os planos divinos175. E em sua mente lembrou também de suas
próprias palavras anteriormente ditas: Eis aqui a serva do Senhor176
131
Já de início vemos na narrativa algo que serve para nós do sexo
masculino nos envergonharmos diante da situação. Jesus teve mais
próximo de si doze discípulos homens. Se descontarmos Judas Iscario-
tes que se afastou do grupo no final para entregar a Jesus, ainda res-
taram onze. E de todos estes seus amigos apenas João esteve presen-
te no momento de sua crucificação. Ao contrário, muitas mulheres,
também suas seguidoras, se fizeram presente no instante final, pres-
tando solidariedade e sofrendo junto.
Depreendemos daí, e notamos isto no dia a dia, mesmo hoje, que a
mulher é muito mais corajosa que o homem. Há exceções, todavia, no
geral, elas enfrentam certos momentos de tensão com maior superio-
ridade espiritual do que nós.
Cremos, sem querer fechar a questão sobre o assunto, e principal-
mente aqui no caso da crucificação, que o que deu coragem a estas
fieis seguidoras de Jesus foi o sentimento de amor que já possuíam
como virtude conquistada, sentimento este que na maioria das vezes
têm elas mais do que nós do sexo masculino.
Segundo a observação de alguns estudiosos da área da psicologia,
o oposto de amor não é ódio, e sim medo, pois o temor é paralisante,
estático, enquanto amor é movimento, dinamismo. O medo não deixa
o amor se expressar e o amor dissolve o medo.
Não temos dúvida de que foi o sentimento nobre que já possuíam
que deu coragem àquelas mulheres; os homens, mais afeitos ao raci-
ocínio, pensaram mais no perigo que corriam e afastaram-se.
Temos aprendido a ver que entre os doze da intimidade de Jesus,
João, o filho de Zebedeu, era o que tinha mais destacado o sentimen-
to de amor. Não é outro o motivo de ser ele conhecido como o discí-
pulo amado. Neste caso não havia nenhum privilégio, apenas cumpri-
mento da Lei, a cada um segundo as suas obras, aquele que mais
ama é mais amado.
Assim, foi também o sentimento de amor mais desenvolvido que
deu coragem a este discípulo e que o fez estar com as mulheres nos
momentos finais do Mestre entre nós fisicamente.
O mais significativo, entretanto, nesta passagem, é o ensinamento
transmitido por Jesus ao dizer a sua mãe: “Mulher, eis o teu filho!” e
depois a João: “Eis a tua mãe!”
Mulher; o uso desta forma de tratar é comum na narrativa de
João178 e sugere que Jesus nos fala de algo que vai além da piedade fi-
lial; o que ele ensina é a adoção de um amor capaz de fortalecer os
laços da família universal, não deve haver mais uma distinção que
leve em conta os familiares de sangue, mas uma união de todos os fi-
lhos de Deus.
178
Cf. João, 2: 4
132
Maria surge então como uma “nova” Eva. Esta é segundo os textos
do Antigo Testamento a mãe de todos os viventes 179, Maria seria a
Mãe de toda a humanidade convertida a Cristo.
Do mesmo modo que Paulo refere-se a Cristo como o segundo
Adão, ou o último Adão180, Maria seria a segunda Eva. Se a primeira in-
duziu a humanidade à queda por meio da influência negativa da Ser-
pente, a segunda nos leva à redenção atendendo um convite também
mediúnico, o que o anjo fez para que acolhesse Jesus como filho.
No primeiro caso temos uma mediunidade desequilibrada, no se-
gundo santificada pela fidelidade a Deus; no primeiro a indução à de-
sobediência, no segundo a submissão a um programa do Alto.
Eu sou a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a
tua palavra!181
Maria seria, assim, uma Eva sublimada.
Há outro texto no Gênesis que faz uma relação entre Eva e Maria
que nos ajudará a desenvolver nosso raciocínio. Trata-se do momento
em que Deus, na linguagem simbólica da literatura hebraica, adverte
a Serpente:
Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descen-
dência e o seu descendente. Este te ferirá a cabeça, e
tu lhe ferirás o calcanhar. 182
Algumas traduções falam “entre a tua semente [da Serpente] e a
sua semente” [da mulher], entretanto o termo hebraico usado para
semente é masculino. Como semente neste caso tem o significado de
descendência, em português pode-se usar a forma masculina seu
descendente.
A Serpente é símbolo do mal, as religiões viram-na como o “Diabo”,
o Maligno. A descendência da Serpente é assim toda sorte de erros
cometidos pelo homem, fruto da transgressão inicial induzida por ela
mesma, a Serpente.
Através desta transgressão foi rompida a Aliança do homem com
seu Criador. Numa abordagem que não vamos aprofundar aqui por
não ser o objetivo principal deste estudo, a Serpente representa os
Espíritos desencarnados ainda arraigados no mal e que procuram dis-
tanciar o homem do Bem. Ela age por influência espiritual. No plano
físico quem primeiro captou sua influência negativa foi Eva induzindo
Adão à queda.
Quem restabelecerá o elo de ligação do homem com Deus, que tra-
rá a ele a redenção é Jesus, o descendente de Maria.
179
Gênesis, 3: 20
180
1 Coríntios, 15: 45 a 47
181
Lucas, 1: 38
182
Gênesis, 3: 15
133
Assim, vemos Maria como o resgate de Eva, se através desta veio a
queda, Maria nos proporciona através de sua maternidade a oportuni-
dade da salvação.
Neste sentido é que fazendo uma relação com o texto de Paulo aos
coríntios, onde ele propõe Jesus como o segundo Adão, propusemos
Maria como a “segunda” Eva.
183
Cf. João, 19: 27
184
XAVIER. F. C. / Humberto de Campos (Espírito)1982, cap. 30
185
Idem, Ibidem
134
cura de algumas enfermidades; ele por sua vez cuidava mais especifi-
camente do esclarecimento evangélico comentando sobre os ensina-
mentos recebidos de Jesus.
Narra Emmanuel186, que Paulo de Tarso visitou Maria nesta casinha
singela e que ficou impressionado com a sua humildade. Desejou re-
ceber dela informações sobre Jesus de tal modo que pudesse escre-
ver um Evangelho contando a história do Mestre e ampliar seus ensi-
namentos.
Paulo não pôde realizar este desejo, entretanto, encarregou a seu
amigo de confiança, Lucas, a tarefa de realizar o projeto de escrever
um Evangelho com as informações fornecidas pela mãe de Jesus.
Conta-nos ainda Emmanuel que na despedida de Paulo, em Éfeso,
antes de seu martírio em Jerusalém, Ela também, mesmo que em ida-
de avançada, compareceu para levar uma palavra de amor 187 a este
desbravador de corações em favor do Evangelho.
O trabalho em Éfeso cresce em grandes proporções o que obriga
João a se ausentar repetidas vezes da residência humilde deixando
Maria muitas vezes só no atendimento dos necessitados, ela já bem
idosa não se cansa e trabalha ininterruptamente em favor dos infeli-
zes apascentando as ovelhas de Seu filho amado.
É Humberto de Campos188 quem nos informa que em seus momen-
tos finais no corpo cansado, fisicamente estava só, mas que o próprio
Jesus veio buscá-la. Ela ao reconhecê-lo, com imensa alegria fez men-
ção em ajoelhar-se aos seus pés, ele a impediu, e por sua vez foi
quem ajoelhou nomeando-a conforme a vontade de Deus, Rainha dos
anjos no Reino do Eterno.
Maria desencarnou…
186
XAVIER F. C. / Emmanuel (Espírito). Paulo e Estevão, 41ª ed. Rio de Janeiro,
FEB, 2004. Cap. 7
187
XAVIER F. C. / Emmanuel (Espírito) 2004, 2ª Parte, cap. 7.
188
XAVIER F. C. / Humberto de Campos (Espírito) 1982. Cap. 30
135
Na condição mediana em que nos encontramos, mostra-nos a lite-
ratura espírita a necessidade de que o Espírito alterne momentos de
trabalho com momentos de descanso, pois tendo em seu corpo espiri-
tual, ainda, elementos materiais, mesmo que em outra dimensão, ne-
cessita de refazimento e recomposição energética. Todavia há Espíri-
tos que, de tão grande sua evolução, jamais descansam, trabalham
ininterruptamente.
Pelo que podemos depreender através de nossas reflexões este é o
caso de Maria de Nazaré, aquela escolhida pelo Pai para ser a mãe do
Espírito mais nobre que nosso orbe já conheceu.
No livro Boa Nova, no citado capítulo que narra sobre o seu desen-
carne temos que o primeiro desejo da Mãe do Salvador após deixar o
corpo físico foi rever a Galiléia com os seus sítios preferidos 189. Bastou
desejar e lá estava ela revendo o lago de Genesaré e toda sua bela
paisagem.
Neste instante lembrou dos discípulos que eram já e este tempo
perseguidos pela fúria humana ainda dissociada do Bem, e desejou
abraçá-los fortalecendo-os em suas lutas íntimas. É que já acontecia
por parte das autoridades do império romano as perseguições aos se-
guidores de Jesus, perseguições estas que levavam os cristãos autên-
ticos a grandes sacrifícios em favor do Evangelho. Bastou esta ex-
pressão de sua vontade e rapidamente se viu em Roma onde nos cár-
ceres do Esquilino centenas de seguidores de Seu Filho sofriam terrí-
veis constrangimentos.
Narra Humberto de Campos que imediatamente os condenados ex-
perimentaram no coração um consolo desconhecido.
E continuando a narrativa informa-nos o cronista do Mundo Invisí-
vel:
Maria se aproximou de um a um, participou de suas an-
gústias e orou com as suas preces, cheias de sofrimen-
to e confiança. Sentiu-se mãe daquela assembleia de
torturados pela injustiça do mundo. Espalhou a clarida-
de misericordiosa de seu Espírito entre aquelas fisiono-
mias pálidas e tristes.
Eram anciães que confiavam no Cristo, mulheres que
por ele haviam desprezado o conforto do lar, jovens
que depunham no Evangelho do Reino toda a sua espe-
rança. Maria aliviou-lhes o coração e, antes de partir,
sinceramente desejou deixar-lhes nos espíritos abatidos
uma lembrança perene. Que possuía para lhes dar? De-
veria suplicar a Deus para eles a liberdade?! Mas, Jesus
ensinara que com ele todo jugo é suave e todo fardo
seria leve, parecendo-lhe melhor a escravidão com
Deus do que a falsa liberdade nos desvãos do mundo.
Recordou que seu filho deixara a força da oração como
um poder incontrastável entre os discípulos amados.
189
XAVIER F. C. /Humberto de Campos (Espírito), 1982, cap. 30
136
Então, rogou ao Céu que lhe desse a possibilidade de
deixar entre os cristãos oprimidos a força da alegria.
Foi quando, aproximando-se de uma jovem encarcera-
da, de rosto descarnado e macilento, lhe disse ao ouvi-
do:
— “Canta, minha filha! Tenhamos bom ânimo!… Con-
vertamos as nossas dores da Terra em alegrias para o
Céu!…”
A triste prisioneira nunca saberia compreender o por-
quê da emotividade que lhe fez vibrar subitamente o
coração. De olhos extáticos, contemplando o firmamen-
to luminoso, através das grades poderosas, ignorando a
razão de sua alegria, cantou um hino de profundo e en-
ternecido amor a Jesus, em que traduzia sua gratidão
pelas dores que lhe eram enviadas, transformando to-
das as suas amarguras em consoladoras rimas de júbilo
e esperança. Daí a instantes, seu canto melodioso era
acompanhado pelas centenas de vozes dos que chora-
vam no cárcere, aguardando o glorioso testemunho.
Acrescenta ainda o autor espiritual que:
Logo, a caravana majestosa conduziu ao Reino do Mes-
tre a bendita entre as mulheres e, desde esse dia, nos
tormentos mais duros, os discípulos de Jesus têm can-
tado na Terra, exprimindo o seu bom ânimo e a sua ale-
gria, guardando a suave herança de nossa Mãe Santís-
sima.190
Notamos assim, que desde o primeiro momento no Plano Espiritual Maria, já consci-
ente, trabalha e intercede pelos sofredores buscando aliviá-los de suas dores e angústias,
sejam elas de natureza física ou espiritual.
Há belíssimo poema de Maria Dolores que conta-nos com todo liris-
mo o socorro de Maria ao Espírito Judas Iscariotes em momentos que
este sofria grave crise de consciência.
Citamo-lo a seguir:
RETRATO DE MÃE
137
Que ele não conseguia divisar,
Chega e afaga a cabeça do infeliz.
Em seguida, num tom de carinho profundo,
Quase que, em oração, ela lhe diz:
— Meu filho, por que choras?
Acaso, não sabeis? — replica o interpelado,
Claramente agressivo,
Sou um morto e estou vivo.
Matei-me e novamente estou de pé,
Sem consolo, sem lar, sem amor e sem fé…
Não ouvistes falar em Judas, o traidor?
Sou eu que aniquilei a vida do Senhor…
A princípio, julguei
Poder faze-lo rei,
Mas apenas lhe impus
Sacrifício, martírio, sangue e cruz.
E em flagelo e aflição
Eis a que a minha vida agora se reduz…
Afastai-vos de mim,
Deixai-me padecer neste inferno sem fim…
Nada me pergunteis, retirai-vos senhora,
Nada sabeis da mágoa que me agita,
Nunca penetrareis minha dor infinita…
O assunto que lastimo é unicamente meu…
No entanto, a dama calma respondeu:
— Meu filho, sei que sofres, sei que lutas,
Sei a dor que te causa o remorso que escutas,
Venho apenas falar-te
Que Deus é sempre amor em toda parte..
E acrescentou serena:
— A Bondade do Céu jamais condena;
Venho por mãe a ti, buscando um filho amado.
Sofre com paciência a dor e a prova;
Terás, em breve, uma existência nova…
Não te sintas sozinho ou desprezado.
Judas interrompeu-a e bradou, rude e pasmo:
— Mãe? Não me venhais aqui com mentira e sarcasmo.
Depois de me enforcar num galho de figueira,
138
Para acordar na dor,
Sem mais poder fugir à vida verdadeira,
Fui procurar consolo e força de viver
Ao pé da pobre mãe que me forjara o ser!…
Ela me viu chorando e escutou meus lamentos,
Mas teve medo de meus sofrimentos.
Expulsou-me a esconjuros,
Chamou-me monstro, por sinal,
Disse que eu era
Unicamente o Espírito do mal;
Intimou-me a terrível retrocesso,
Mandando que apressasse o meu regresso
Para a zona infernal, de onde, por certo, eu vinha…
Ah! detesto lembrar a horrível mãe que eu tinha…
Não me faleis de mães, não me faleis de amor,
Sou apenas um monstro sofredor…
— Inda assim — disse a dama docemente —
Por mais que me recuses, não me altero;
Amo-te, filho meu, amo-te e quero
Ver-te, de novo, a vida
Maravilhosamente revestida
De paz e luz, de fé e elevação…
Virás comigo à Terra,
Perderás, pouco a pouco, o ânimo violento,
Terás o coração
Nas águas de bendito esquecimento.
Numa nova existência de esperança,
Levar-te-ei comigo
A remansoso abrigo,
Dar-te-ei outra mãe! Pensa e descansa!…
E Judas, nesse instante,
Como quem olvidasse a própria dor gigante
Ou como quem se desagarra
De pesadelo atroz,
Perguntou: — quem sois vós?
Que me falais assim, sabendo-me traidor?
Sois divina mulher, irradiando amor
Ou anjo celestial de quem pressinto a luz?!…
139
No entanto, ela a fitá-lo, frente a frente,
Respondeu simplesmente:
—Meu filho, eu sou Maria, sou a mãe de Jesus.191
191
XAVIER F. C. / Espíritos diversos. Momentos de Ouro, São Bernardo do Campo,
GEEM, 1977 cap. 3
192
PEREIRA, Yvonne do Amaral. Memórias de um Suicida, Rio de Janeiro, FEB,
1955
193
António Teixeira Lopes, notável escultor português. (Nota do Autor espiritual.)
140
Filho morto... E as frases inarticuladas da veneranda
irmã em prece ressoavam-me nos ouvidos:
- "Mãe Santíssima, Divina Senhora da Piedade, compa-
dece-te de meus filhos que vagueiam nas trevas!... Por
amor de teu filho sacrificado na cruz, ajuda-me o espíri-
to sofredor para que eu possa ajudá-los...
Bem sei que por sinistro apego às posses materiais,
não vacilaram em abraçar o crime.
Em verdade, Senhora, são eles homicidas infortunados
que a justiça terrestre não conheceu... Por isso mesmo,
padecem com mais intensidade o drama das próprias
consciências, enleadas à culpa...”
Nesse ponto da petição, Silas tocou-nos, de leve, os
ombros, convidando-nos ao ensinamento devido e ex-
plicou:
- É uma pobre mãe desencarnada que roga pelos filhos
transviados nas sombras.
Invoca a proteção de nossa Mãe Santíssima, sob a re-
presentação de Senhora da Piedade, segundo a fé que
o seu coração pode, por enquanto, albergar, no âmbito
das recordações trazidas do mundo...
- Isso quer dizer que a imagem de nossa visão...
Esta observação ficou, porém, no ar, porque Silas com-
pletou, presto:
- É uma criação dela mesma, reflexo dos próprios pen-
samentos com que tece a rogativa, pensamentos esses
que se ajustam à matéria sensível do nicho, plasmando
a imagem colorida e vibrante que lhe corresponde aos
desejos.
E respondendo automaticamente às indagações que o
problema nos sugeria, continuou:
- Isso, contudo, não significa que a prece esteja sendo
respondida por ela mesma. Petições semelhantes a
esta elevam-se a planos superiores e aí são acolhidas
pelos emissários da Virgem de Nazaré, a fim de serem
examinadas e atendidas, conforme o critério da verda-
deira sabedoria.194
A Hora do Ângelus
194
XAVIER, Francisco C./André Luiz. Ação e Reação, 6a ed., Rio de Janeiro, FEB,
1978, cap. 11
141
A literatura espírita através da mediunidade de Yvonne do Amaral
Pereira195 nos sugere que esta reverência é fruto de um reflexo do Pla-
no Maior já que na Espiritualidade muitos Espíritos também reverenci-
am a Santa de Nazaré neste mesmo horário.
Conta-nos Camilo Castelo Branco que:
Do templo, situado na Mansão da Harmonia, região
onde se demoravam com freqüência os diretores e edu-
cadores da Colônia, partia o convite às homenagens
que, naquele momento, seria de bom aviso prestarmos
à Protetora da Legião a que pertencíamos todos – Maria
de Nazaré.
Pelos recantos mais sombrios da Colônia ressoavam en-
tão doces acordes, melodias suavíssimas, entoadas pe-
los vigilantes. Era o momento em que a direção geral
rendia graças ao Eterno pelos favores concedidos a
quantos viviam sob o abrigo generoso daquele reduto
de corrigendas, bendizendo a solicitude incansável do
Bom Pastor em torno das ovelhinhas rebeldes, tutela-
das da Legião de sua Mãe amorável e piedosa.
A narrativa continua na obra citada. Para nós importa comentar
apenas que devido ao grande número de Espíritos encarnados e de-
sencarnados envolvidos na prece neste mesmo momento, todos com
a mente voltada para uma espiritualidade edificante, cria-se no plane-
ta uma excelente vibração onde os Espíritos trabalhadores da Seara
do Cristo encontram subsídios para realizar trabalhos inimagináveis
para a mente do homem comum.
Assim, se possível, entremos nesta vibração coletiva do Bem bus-
cando pela prece trabalhar em favor de nossos irmãos mais necessi-
tados; sabedores que, no comando desta poderosa corrente está a
Rosa Mística de Nazaré intercedendo perante Seu Filho, o Governador
Espiritual do Orbe, por todos agregados a esta luminosa correnteza
construtora da Ordem Universal.
195
Cf (PEREIRA 1955), 3ª Parte cap. 2
142
II Parte
Sobre este assunto há algumas reflexões que devem ser feitas. Je-
sus precisava ser educado? Precisava que alguém lhe ensinasse algu-
ma coisa ou já sabia tudo?
Este é mais um desafio em nossa tarefa de compreender o Mestre
maior. Sinceramente penso que não há como responder estas e ou-
tras questões a respeito com certeza, é mais uma área em que o que
falarmos não passa de opinião pessoal.
Jesus é a maior expressão de amor que temos. Uma das maiores
características daquele que ama é a capacidade que este tem de ade-
quação.
Portanto, Jesus ao vir a até nós adequou-se para que melhor pudes-
se cumprir sua missão. Não haveria como ele nos ensinar algo se as-
sim não tivesse feito.
Assim, para que pudesse ter autoridade fez-se como habitante co-
mum de nosso orbe, restringiu-se para que melhor pudesse servir.
Pelo que depreendemos de nossos estudos trata-se de uma restrição
que fez de forma consciente e espontânea, e não por imposição. O
que significa que a qualquer momento que quisesse poderia retomar
suas possibilidades.
Assim, tinha um corpo semelhante ao nosso, não fluídico como che-
garam a supor, entretanto era um corpo mais perfeito que o habitual
dos habitantes de nosso orbe. Ele não adoecia, tinha uma memória
profunda, podia se tornar visível e invisível quando quisesse etc.
Compreendemos então, que Jesus foi um menino como qualquer
outro, teve infância, adolescência e tudo mais, todavia foi especial
porque era especial, tinha uma evolução espiritual que nos escapa.
Deste modo era natural alguém lhe ensinar as primeiras lições, to-
davia este aprendizado era mais que uma recordação, ele sabia em
seu coração e em seu espírito. Era apenas um despertar.
Dizem os que estudam a respeito de educação que educar é tirar
do educando aquilo que ele já possui, e com Jesus isto foi ainda muito
mais claro, ela já possuía todas as virtudes.
Educar uma criança é tarefa complexa, talvez seja a mais impor-
tante e difícil que temos, imagine então, ter a missão de educar Jesus.
Ele surpreendia seus pais a toda hora. Talvez a maior missão des-
tes era realmente não atrapalhar o seu desenvolvimento, e podemos
dizer com segurança, que apenas isto, não atrapalhar, já era uma
missão desafiadora.
Narra-nos o evangelista, que Jesus crescia em sabedoria, em esta-
tura e em graça diante de Deus e diante dos homens.196
É de grande profundidade esta citação. Mostra-nos que Jesus fora
uma criança que cresceu naturalmente como qualquer outra e que
isso aconteceu aos olhos de todos com quem convivia. Que ele rece-
bia informações, porém não as guardava somente no campo intelec-
tual, as transformava em sabedoria pela aplicação do que “aprendia”.
E isto fazia de maneira completa, diante de Deus, observando a sua
Lei, e diante dos homens convivendo com todos, auxiliando, com-
preendendo, aproximando cada um do Pai, o que Ele sabia ser uma
necessidade de todos.
Kardec nos ensinou que educação é a arte de formar os caracte-
res197, o que ele definiu como educação moral. Esta é a que todos pre-
cisamos, é o maior objetivo para vida de cada um. Podemos afirmar
com segurança que sob esta ótica Jesus foi um emérito educador des-
de criança.
Não foi o que ele fez quando aos doze anos foi encontrado por seus
pais entre os doutores no Templo? Não foi o que, invertendo os pa-
peis, fez com José e Maria quando os levou à reflexão dizendo: Não
sabeis que devo me ocupar com as coisas de meu Pai?198
Humberto de Campos, este excelente repórter do Mundo Invisível
nos conta que:
Desde os mais tenros anos, quando [Maria] o conduzia
[Jesus] à fonte tradicional de Nazaré, observava o cari-
nho fraterno que dispensava a todas as criaturas. Fre-
quentemente, ia buscá-lo nas ruas empedradas, onde a
sua palavra carinhosa consolava os transeuntes desam-
parados e tristes. Viandantes misérrimos vinham a sua
casa modesta louvar o filhinho idolatrado, que sabia
distribuir as bênçãos do Céu. Com que enlevo recebia
os hóspedes inesperados que suas mãos minúsculas
conduziam à carpintaria de José!… Lembrava-se bem
de que, um dia, a divina criança guiara a casa dois mal-
feitores publicamente reconhecidos como ladrões do
vale de Mizhep. E era de ver-se a amorosa solicitude
com que seu vulto pequenino cuidava dos desconheci-
dos, como se fossem seus irmãos.199
Desculpem-nos repetir, mas é importante para nossas reflexões,
como deve ter sido desafiadora a tarefa de Maria de educar um filho
que desde criança era um sensacional educador…
196
Lucas, 2: 52
197
KARDEC, Allan. O Livro dos Espíritos. 50ª ed. Rio de Janeiro, FEB, 1980, ques-
tão 685, comentários.
198
Lucas, 2: 49
199
(XAVIER/Humberto de Campos 1982), Cap. 30
144
Normalmente os pais transmitem a seus filhos seus traumas parti-
culares, suas angústias, seus fracassos, seus medos. Teria Maria es-
tes sentimentos? Teria ela passado isto para Jesus?
À primeira pergunta podemos responder que é bem provável que
teria, ela era uma mãe genial, todavia não estava isenta de conflitos
como podemos notar na literatura que temos analisado. Quanto à se-
gunda, é mais difícil de saber a resposta, talvez em alguns momentos
tenha até se mostrado apreensiva diante de seu filho, porém é certo
que ela sabia e bem administrar suas emoções, o que é uma das tare-
fas mais complexas para o homem comum e que mais distinguem
aqueles que se destacam na arte de educar.
Retomaremos este assunto mais adiante.
Temos feito algumas colocações baseadas em alguma literatura
consultada, mas principalmente nas anotações dos evangelistas. E a
partir destas reflexões chegamos à conclusão que Maria não era nem
insegura e nem superprotetora, dois sentimentos, diga-se de passa-
gem, que perturbam e muito o processo educacional, era intrépida e
destemida. Por que assim dizemos?
A insegurança na educação gera a superproteção, ambas são con-
sequências do temor, do receio diante do perigo; a mãe de Jesus po-
dia, como já dissemos, ter tido alguns momentos de apreensão, toda-
via não era sua característica o medo.
Além da passagem da crucificação de Jesus, já citada, há outras
que podem nos ajudar nesta conclusão.
Infelizmente como é rara a literatura a respeito e o próprio Evange-
lho fala pouco sobre ela, às vezes depreendemos nossas conclusões a
partir das atitudes de Jesus.
Quem é educado num ambiente de superproteção raramente se sai
bem diante dos desafios da vida. As primeiras adversidades têm a
função de preparar a criatura para adversidades maiores que virão,
ninguém pode evitá-las; nem a mãe pode, nem mesmo nenhum edu-
cador. Como o organismo que reage positivamente a uma enfermida-
de através de seu mecanismo de defesa, e assim é fortalecido seu
sistema imunológico, as contrariedades fortalecem o nosso Espírito
para os desafios que a vida nos propõe como num processo de re-
composição de nossa estrutura íntima.
Se Maria fosse insegura e superprotetora jamais Jesus conseguiria
dar bom termo à sua missão. Ela deve ter incentivado-o desde crian-
ça a superar todos os obstáculos, a jamais temê-los. Se ela desde a
infância não o ensinasse a perseverança, a nunca desistir de seus ob-
jetivos, a terminar tudo o que começou, é bem provável que ele no
momento supremo, o da crucificação, desistisse e realmente apelasse
para que o Pai enviasse mais de doze legiões de anjos200 para socorrê-
lo.
200
Cf. Mateus, 26: 53
145
Aqui é importante lembrar que Jesus enfrentava as situações, as
classes dominantes, a hipocrisia, o falso moralismo, tocava em pontos
de alta significação para a alma, numa sociedade presa a antigas tra-
dições e que punia severamente quem os contrariava. Em síntese Je-
sus tinha grande coragem e se é lógico que isso era fruto de sua evo-
lução espiritual, não é menos verdade que sua educação deve ter
contribuído para esta realidade.
Vejamos a grandeza da Mãe de nosso Senhor e a segurança com
que agia analisando seu comportamento num momento que seria de
tensão para qualquer um, o anúncio de que seria a mãe do Filho do
Altíssimo.
Um anjo fez esta revelação para Maria, ela seria mãe do Messias.
Só isto já bastaria para deixar qualquer um apreensivo.
O povo hebreu esperava um Messias há muitos séculos, ele seria o
libertador dos seguidores de Moisés, reunificaria as doze tribos e faria
de Israel a maior entre todas as nações.
Vivia-se um período de conflitos, o império romano dominava a na-
ção judaica, e o povo de Israel desejava ardentemente alguém que
revertesse esta situação. Muitos àquele tempo diziam ser o Messias,
ele era aguardado ansiosamente…
Por que ser ele filho de uma mulher tão simples? Deve ter pensado,
Ele poderia ser filho de um sumo sacerdote, de um rei, de alguém re-
almente preparado para lhe dar melhores condições. Ela deve ter tido
vários conflitos a respeito. Deve ter perdido várias noites de sono se
perguntando como educar o menino, um verdadeiro Filho de Deus. E
se ela falhasse, atrapalharia os planos do Todo Poderoso? Deus tem
seus mistérios e Maria tudo refletia em seu coração.
Nós gostaríamos de analisar dois aspectos na passagem do anúncio
do anjo a Maria, comparando–a a um anúncio semelhante feito pela
mesma entidade espiritual a Zacarias, aquele que seria o pai de João
Batista. Quem narra é Lucas:
Anúncio a Zacarias
Existiu, no tempo de Herodes, rei da Judéia, um sacer-
dote chamado Zacarias, da ordem de Abias, e cuja mu-
lher era das filhas de Arão; e o seu nome era Isabel. 6 E
eram ambos justos perante Deus, andando sem re-
preensão em todos os mandamentos e preceitos do Se-
nhor. 7 E não tinham filhos, porque Isabel era estéril, e
ambos eram avançados em idade. 8 E aconteceu que,
exercendo ele o sacerdócio diante de Deus, na ordem
da sua turma, 9 Segundo o costume sacerdotal, coube-
lhe em sorte entrar no templo do Senhor para oferecer
o incenso. 10 E toda a multidão do povo estava fora,
orando, à hora do incenso. 11 E um anjo do Senhor lhe
apareceu, posto em pé, à direita do altar do incenso. 12
E Zacarias, vendo-o, turbou-se, e caiu temor sobre ele.
146
13
Mas o anjo lhe disse: Zacarias, não temas, porque a
tua oração foi ouvida, e Isabel, tua mulher, dará à luz
um filho, e lhe porás o nome de João. 14 E terás prazer
e alegria, e muitos se alegrarão no seu nascimento, 15
Porque será grande diante do Senhor, e não beberá vi-
nho, nem bebida forte, e será cheio do Espírito Santo,
já desde o ventre de sua mãe. 16 E converterá muitos
dos filhos de Israel ao SENHOR seu Deus, 17 E irá adian-
te dele no espírito e virtude de Elias, para converter os
corações dos pais aos filhos, e os rebeldes à prudência
dos justos, com o fim de preparar ao Senhor um povo
bem disposto. 18 Disse então Zacarias ao anjo: Como
saberei isto? pois eu já sou velho, e minha mulher
avançada em idade. 19 E, respondendo o anjo, disse-
lhe: Eu sou Gabriel, que assisto diante de Deus, e fui
enviado a falar-te e dar-te estas alegres novas. 201
O Anúncio a Maria
No sexto mês, foi o anjo Gabriel enviado, da parte de
Deus, para uma cidade da Galiléia, chamada Nazaré, 27
a uma virgem desposada com certo homem da casa de
Davi, cujo nome era José; a virgem chamava-se Maria.
28
E, entrando o anjo aonde ela estava, disse: Alegra-te,
cheia de graça! O Senhor é contigo. 29 Ela, porém, ao
ouvir esta palavra, perturbou-se muito e pôs-se a pen-
sar no que significaria esta saudação. 30 Mas o anjo lhe
disse: Maria, não temas; porque achaste graça diante
de Deus. 31 Eis que conceberás e darás à luz um filho, a
quem chamarás pelo nome de Jesus. 32 Este será gran-
de e será chamado Filho do Altíssimo; Deus, o Senhor,
lhe dará o trono de Davi, seu pai; 33 ele reinará para
sempre sobre a casa de Jacó, e o seu reinado não terá
fim. 34 Então, disse Maria ao anjo: Como será isto, se
eu não conheço homem algum?202
É nas reações que percebemos o estágio evolutivo de um Espírito,
assim vamos analisar apenas as reações de nossos personagens:
Ao ser abordado pelo anjo, narra o evangelista que Zacarias tur-
bou-se, e caiu temor sobre ele. E após Gabriel, o anjo, lhe falar sobre
a gravidez de Isabel, sua esposa, e sobre a evolução do Espírito que
viria ao mundo como enviado de Deus, através deles, Zacarias inqui-
riu: Como saberei isto? pois eu já sou velho, e minha mulher avança-
da em idade.
Com Maria se deu um pouco diferente.
O mesmo Espírito, Gabriel, lhe apareceu e saudou-a. Conta-nos Lu-
cas que ela ao ouvir a saudação, perturbou-se muito e pôs-se a pen-
sar no que significaria esta saudação. Do mesmo modo que com Za-
carias, ele explicou que ela iria dar à luz um filho e que ele seria cha -
mado Filho do Altíssimo e ainda comentou sobre os prodígios que ele
201
Lucas, 1: 5 a 19
202
Lucas, 1: 26 a 34
147
faria. Ela reagiu dizendo: Como será isto, se eu não conheço homem
algum?
Antes de entrar propriamente na análise do comportamento dos
dois, é importante saber um pouco sobre quem eram e em qual ambi-
ente receberam a mensagem da Espiritualidade Superior.
Zacarias era um sacerdote, ou seja, trabalhava no templo, era pes-
soa que cultivava as questões espirituais e estudava a Torah. E não
só isso, segundo o texto evangélico era considerado um justo, e além
de estudar, seguia de modo irrepreensível os mandamentos e estatu-
tos de Deus. Informa-nos ainda Lucas, que era de idade avançada, o
que significa que tinha amadurecimento.
Em que ambiente estava quando recebeu a mensagem? No templo,
no Santuário do Senhor; realizava o ofício de queimar o incenso. Po-
demos dizer em linguagem moderna e espírita, que estava num servi-
ço espiritual em comunhão com os Espíritos e diz o texto evangélico
que as pessoas que o aguardavam do lado de fora estavam em ora-
ção. É como se ele estivesse numa mesa mediúnica, e os que esta-
vam na assistência orassem mantendo a vibração e auxiliando-o em
seus trabalhos.
Neste ambiente de vibrações elevadas, e sendo ele já experiente
no serviço e de moral elevada, seria muito natural uma manifestação
espiritual como a que aconteceu, mesmo assim, apesar de todo o seu
preparo e também do ambiente, quando a manifestação aconteceu
ele teve medo: caiu temor sobre ele. E teve mais, ele ficou cético, não
acreditou no que o anjo lhe falava e pediu um sinal, uma prova: Como
saberei isto?
Maria por sua vez era uma adolescente. Não sabemos bem a sua
idade, mas muito provavelmente tinha entre doze e quatorze anos.
Ou seja, pelo menos em matéria de idade não tinha grande amadure-
cimento e preparo. O evangelista não diz onde ela estava, mas prova-
velmente estava em casa, onde habitualmente não é comum a mani-
festação de Espíritos. Mesmo assim o anjo se manifesta, era natural
que ela também se perturbasse, e foi o que aconteceu. Entretanto, o
redator bíblico nos informa que ela pôs-se a pensar no que significa-
ria esta saudação, o que podemos depreender que apesar da pertur-
bação ter sido grande, diz o texto que perturbou-se muito, ela equilib-
rou-se rápido pois exerceu uma ação que só quem está senhor de si
assim faz, pôs-se a pensar. No momento do susto, quem está sob o
impacto do medo não pensa, reage simplesmente. Ela teve tranquili-
dade, oxigenou o cérebro, e buscou compreender o porquê daquela
saudação. Como era natural, o anjo a orientou que não temesse, o
mesmo já havia acontecido com o marido de sua prima, todavia ela
surpreendeu até mesmo o Mensageiro do Senhor, pois o texto não
fala que ela temeu, e após a exposição de Gabriel sobre a gravidez
maravilhosa por que ela passaria, o que seria mais um motivo de
apreensão, ela ao contrário de Zacarias, creu imediatamente, e se in-
quiriu o anjo a respeito não foi pedindo-lhe provas, mas buscando en-
148
tender como se daria o processo já que não tivera relações com ne-
nhum homem.
O texto é claro: Como será isto, se eu não conheço homem algum?
A partir do momento em que ela pergunta como será isto…? É porque
já admitia o fato, sua fé já lhe abastecera, porém ela quis saber mais
já que não tivera contato sexual com seu noivo. Podemos com segu-
rança dizer que o que Maria teve foi muita lucidez e naquele momen-
to ela praticou o que Kardec dezenove séculos depois chamaria de fé
raciocinada, ela não creu de forma cega, mas tendo a confiança supe-
rior, raciocinou, inquiriu e aprofundou seu estado intuitivo. Mostrou
que já tinha vindo preparada para sua missão e que era um Espírito
superior, acima da média, até mesmo de Zacarias que também fora
preparado no plano espiritual, que também era de boa condição mo-
ral, mas em quem o nível de esquecimento era maior devido sua me-
nor condição em relação a Maria.
E consumando sua atitude de fé, pois como falaria mais tarde Tia-
go, a fé, se não tiver as obras, é morta em si mesma 203., pôs-se a ser-
viço em nome de Deus dando para todos nós significativo exemplo:
Eu sou a serva do Senhor; faça em mim segundo a tua palavra.204
Administrando as Emoções
149
contrariados. Entretanto, importa-nos reconhecer que Maria teve mo-
tivos ainda muito maiores que os nossos.
Conforme narram os evangelistas, teve uma gravidez incompreen-
sível para a mentalidade comum, isto gerou nela, em seu noivo, e em
toda sua família, sérias apreensões. Após o menino nascer envolto
em mistérios, teve que deixar sua cidade, sua zona de conforto, o ca-
lor dos familiares, e partir para um novo país, sem saber por quanto
tempo, em que condições lá viveria, com quais recursos, etc. Sua sen-
sibilidade era grande, pois quanto mais o Espírito é evoluído, mais é
sensível; assim, deve ter muito sofrido com a perseguição de Herodes
aos inocentes por causa de seu filho. Tudo isso devia ser para ela e
para os seus, motivo de grandes pressões psíquicas; não esqueçamos
ela era uma adolescente, e estava num dos momentos de maior sen-
sibilidade para uma mulher, o período pós parto.
Como será que reagiríamos numa situação destas? Por muito me-
nos nós nos tornamos angustiados, depressivos, inconformados e pa-
ralisamos todo processo criativo em nossa vida. Qual a diferença en-
tre nossas posições e a de Maria? Simplesmente de atitude. Maria sa-
bia administrar seus conflitos, gerenciar suas emoções.
Em momento anterior neste nosso estudo fizemos uma breve com-
paração entre Maria e Eva, aqui podemos ampliá-la. Através do senti-
mento de Eva entramos em queda por ser ela a representação de um
sentimento dissociado da razão. Maria por representar a sublimação
de Eva, ensina-nos a usar o emocional e o racional em plena harmo-
nia. Não é um sobrepondo-se ao outro, não é a razão dando a palavra
final, mas o perfeito equilíbrio entre estes dois componentes tão im-
portantes para o nosso progresso em todos os níveis.
Neste passo podemos fazer mais uma importante reflexão. Não sa-
bemos se Maria não agisse desta forma, se poderia comprometer a
missão de Jesus. Teoricamente sim, pois se ela se tornasse uma in-
conformada, se ela trabalhasse um sentimento de autopiedade, difi-
cultaria sem dúvida o desenvolvimento de seu filho. Porém, como
este acontecimento - a vinda até nós de Jesus - foi o mais importante
de nosso planeta, desde a sua origem, o Pai não delegaria para esta
missão quem tivesse a chance de falhar. Todavia, o Evangelho não é
uma telenovela ou um romance comum, é preciso trazer para o nosso
dia a dia as suas lições imortais.
Assim, é importante refletirmos, pois nós não sabemos quem o Pai
colocou em nossa vida como filho, qual a missão de cada um deles. A
mãe de um futuro presidente de uma nação não sabe o que ele será
quando criança, o mesmo podemos dizer em relação a um grande ci-
entista, ou, a um importante educador. Será que não estamos atrapa-
lhando o projeto de Deus ao agirmos de forma tão destemperada
como em muitas vezes fazemos? Não estaremos dificultando a vida
de nossos filhos sendo inconformados, ensinando-os com a vida práti-
ca a não perdoarem quando contrariados, a serem violentos e irracio-
nais?
150
São pontos a serem trabalhados por todo aquele que já está côns-
cio de sua necessidade reeducativa e da importância de agir como
um colaborador de Deus.
Voltando ao citado escritor e psicoterapeuta, Augusto Cury, na obra
já aqui comentada, ele sugere-nos três ferramentas para trabalhar-
mos em nossa vida, e para ensinarmos aos nossos educandos - pois
não tenhamos dúvida todos somos, em maior ou menor escala, edu-
cadores - a fim de evitarmos transtornos depressivos, suicídios, enfer-
midades psíquicas e perda de oportunidades. São elas:
• Doar-se sem esperar muito do outro.
• Compreender o outro na sua dimensão interior.
• Saber que ninguém pode dar o que não tem.
Sem dúvida são três princípios de grande importância para todos
nós e que se os praticássemos diminuiríamos e muito nossas dores e
dissabores.
Temos muitas vezes dito e ouvido que Deus nos criou para amar e
sermos amados. É preciso repensar esta informação e analisá-la com
carinho.
Ao nosso ver ela é em parte verdade, mas há nela um pouco de
contaminação de nossa psicologia inferior.
Sim, fomos criados para amar. Deus é amor. A matéria prima da
criação é amor. Assim, se quisermos estar ajustados a Deus, cami-
nhar no fluxo natural da vida de acordo com a Vontade Soberana e
sermos agraciados por sua Misericórdia, temos de amar, pois este é o
“idioma” de Deus, é através dele que nos comunicamos com o Cria-
dor.
Entretanto, a segunda parte da afirmativa “ser amado” deve ser
observada de forma diferente. Não fomos criados para sermos ama-
dos como uma pré-condição básica. Ser amado é efeito, consequên-
cia, retorno. A causa é amar, se amarmos seremos naturalmente
amados. Isto se dará sem nenhuma ansiedade, espontaneamente. É
da Lei, e ela se cumprirá sempre.
Esta questão mal compreendida é que dificulta trabalhar em nós a
primeira ferramenta, pois até admitimos que devemos doar, até nos
sentimos satisfeitos por assim proceder, porém não abrimos mão de
esperarmos retorno, temos o grande defeito de criarmos expectativas
e esse é o problema. Se não criássemos expectativa em relação ao
outro noventa por cento de nossas dificuldades de convivência estari-
am resolvidas.
Vamos trabalhar a terceira ferramenta, saber que ninguém pode
dar o que não tem, junto com a primeira, pois em nosso modo de ver
ela é um acessório desta. Quem não espera muito do outro, sabe que
ele só pode dar o que tem, uma virtude maior contém naturalmente
uma menor. Ou ainda, a vivência da terceira ferramenta, leva natural-
mente à primeira.
151
Aqui nos permitimos uma ressalva muito bem colocada pelo Espíri-
to André Luiz através da mediunidade gloriosa de nosso querido Chico
Xavier, a alegria é a única coisa que podemos dar ao outro mesmo se
não possuirmos.
Portanto, se ainda não conseguimos, como seria desejável, não es-
perar muito do outro, iniciemos o processo de defender a nossa emo-
ção pelo menos não pedindo a ninguém algo que ele esteja incapaz
de dar. Proceder deste modo não é ainda ser bom, mas é pelo menos
agir com inteligência, o que já é um grande passo para a conquista da
sabedoria.
A outra ferramenta colocada por Cury e também de fundamental
importância é compreender o outro na sua dimensão interior.
Compreender o outro por si só é uma virtude de grande alcance e
que evita muitas contrariedades.
Perdoar é uma atitude nobre, compreender é ainda mais, pois
aquele que verdadeiramente compreende o outro não chega nem a
sentir a ofensa, não tendo assim o que perdoar.
Compreender é desativar os pontos de conflito, significa transitar
com segurança na área da emoção. E compreender o outro na sua di-
mensão interior torna-se ainda mais nobre, pois além de enxergar o
outro, o que não é habilidade comum entre nós, é se aperceber do
que está para além do visível, é também saber do outro em suas di-
mensões emocionais, espirituais e sentimentais.
Só Espíritos de boa condição moral e espiritual têm esta capacida-
de, e fazendo deles modelos a serem seguidos temos de ser obstina-
dos em trabalharmos também nosso interior na conquista deste valor.
E Augusto Cury ainda nos faz, na mesma obra e capítulo, importan-
te consideração sobre este tema: por trás de uma pessoa que fere,
há uma pessoa ferida. Como a nos dizer: “quando nos sentirmos ata-
cados, ou agredidos por alguém, trabalhemos nossa acuidade espiri-
tual e enxerguemos nela não um agressor comum, alguém de má ín-
dole, mas um enfermo necessitado de um médico para a sua alma”. E
Jesus, o filho de Maria, já nos alertara, o doente é que precisa de mé-
dico. Ele é o Médico dos médicos, e nós, seus efetivos colaboradores
na implantação de sua Boa Nova no coração de todos.
Tu me amas, ainda fala o Senhor na intimidade de nossos corações,
então, apascenta as minhas ovelhas. O que de outro modo pode sig-
nificar: “educa as minhas ovelhas.”
Fé
152
Já comentamos sobre esta virtude em Maria quando da assimilação
do conteúdo da revelação do anjo a ela explicando-lhe a concepção.
Mas há outros momentos importantes que não podem deixar de ser
destacados e que nos ajudarão a compreender o quanto esta missio-
nária era preparada para realizar a tarefa mais desafiadora de todos
os tempos, a de educar ninguém mais, ninguém menos, que o Gover-
nador Espiritual do Orbe.
José e Maria cumpriam rigorosamente todos os preceitos judaicos.
Circuncidaram o menino no oitavo dia conforme mandava a lei, e ao
completarem os dias da purificação da mãe, o que ocorria trinta e
três dias após206, levaram Jesus ao templo, em Jerusalém, a fim de
apresentá-lo ao Senhor207.
Lá encontraram um homem já idoso, chamado Simeão, que ao ver
o menino, inspirado realiza grande profecia. Entre outras coisas diz
ele a Maria:
Eis que este menino está destinado tanto para ruína
como para levantamento de muitos em Israel e para
ser alvo de contradição (também uma espada traspas-
sará a tua própria alma), para que se manifestem os
pensamentos de muitos corações.208
Imaginemos a cena. Maria, acompanhada do marido e do filho, es-
tava cansada de uma viagem longa e feita com muitas dificuldades.
Ela estava ainda no período do resguardo. Deveria estar fraca e alta-
mente sensível…
Apesar de Simeão exaltar a grandeza espiritual do menino sua pro-
fecia não foi nada agradável. Ele, Jesus, estava destinado tanto para
ruína como para levantamento de muitos em Israel e para ser alvo de
contradição.
Isto pressupunha uma vida de muitas apreensões, de dores e sofri-
mentos. A nação judaica era rigorosa quanto à tradição religiosa.
O anjo havia dito que ele seria Rei, que herdaria o trono de Davi,
talvez naquele momento ela não tenha percebido que para atingir
este fim ele teria uma vida de conflitos, de lutas e de perigos. Agora
aquele homem inspirado dizia que ele seria alvo de contradições que
elevaria alguns – o que se pressupõe eram os simples -, e que tam-
bém arruinaria muitos, e aqui podemos depreender que eram os da
elite, os do poder.
E ainda diz mais, com referência ao sofrimento dela própria, uma
espada traspassará a tua própria alma.
206
Levítico, 12: 4
207
Lucas, 2: 22
208
Lucas, 2: 34 e 35
153
Para quem era profunda conhecedora das Escrituras conforme vi-
mos pelo Magnificat, ela deve ter entendido na hora a que sacrifício
estariam submetidos ela e seu filho.209
A profecia se cumpriu no tempo, mas no coração de Maria deve ter
acontecido naquele instante mesmo. Como suportaríamos uma situa-
ção desta? Se algo parecido acontecesse conosco, isto não atrapalha-
ria a educação de nosso filho?
Vejamos que são duas situações opostas que acontecem com ela;
em qualquer delas estaríamos em dificuldades e talvez comprometi-
dos na realização da missão.
Primeiro o anjo lhe antecipa a vitória. Ela seria mãe do Filho de
Deus, ele herdaria o trono de Davi e reinaria para sempre. Tal infor-
mação poderia ser para ela, se não fosse muito vigilante, pedra de
tropeço, pois a vaidade poderia vir à tona e comprometer todo o pro-
cesso.
Depois Simeão lhe fala de lutas incessantes, até mesmo de um pro-
vável assassínio de seu filho mostrando a ela que o final da história
talvez fosse trágico.
Este nível de informações, até contraditórias, dependendo do ângu-
lo em que as analisarmos, não tenderiam a prejudicar a formação do
menino, já que ela poderia tentar mudar o seu destino?
Se nós soubéssemos que o nosso filho iria passar por um processo
de grande dificuldade, de provável morte por incompreensão de mui-
tos, mesmo que soubéssemos que tudo isto era Desígnio do Altíssimo,
o que faríamos? Ajudaríamos Deus em seu projeto, ou tentaríamos
evitar o “pior” para o nosso filho amado, mudando o seu destino?
Dizemos assim, porque muitas vezes, mesmo não sendo numa
questão tão grave quanto esta, priorizamos para os nossos tutelados,
uma boa escola, boas companhias, uma profissão adequada, mas não
visando seu crescimento espiritual e sim um futuro promissor através
de um emprego rentável, onde através de um salário alto pudesse
manter conforto e estabilidade material.
Falamos muito de espiritualidade, mas na maioria das vezes a se-
gurança desejada pensamos estarem nas conquistas transitórias, e
assim as perseguimos ardentemente.
Jesus veio mudar este paradigma, e para tal tinha de dar o exem-
plo. Aqueles a Ele vinculados e que vieram para auxiliá-Lo, fizeram do
mesmo modo: sacrifício como instrumento de libertação.
Hoje nós tentamos distorcer o entendimento e falamos em prospe-
ridade, porém queremos prosperidade material esquecendo que a fé
se manifesta em qualidade e em maior escala é na carência e nas do-
res.
209
Cf. Zacarias, 12: 10
154
Moisés era um disciplinador – primeiro passo do processo educati-
vo, a disciplina antecede a espontaneidade210 -; Jesus veio como edu-
cador; Kardec como pedagogo; desta forma, temos de compreender
que este foi um projeto traçado por Deus para educar a alma, o Espí-
rito imortal. Maria só pôde ser peça chave deste processo, sendo tam-
bém educadora, e de Jesus, porque compreendeu o Mecanismo Divi-
no, e a ele se ajustou fazendo-se serva do Senhor.
Ela teve a intuição da missão e a ousadia de executá-la. Quando
não compreendia a superioridade do filho tinha humildade para guar-
dar a lição em seu coração211 ou simplesmente dizer: fazei tudo o que
ele vos disser212. O melhor entre todos os educadores é aquele que
não se cansa de aprender, e a isso se dedica dia a dia.
Ainda sobre o tema fé e da forma como Deus prepara o Espírito
para realizar a Sua Vontade, não podemos deixar de analisar a passa-
gem da fuga da família do Messias para o Egito.
Muitas vezes diante de uma grande dificuldade optamos por nos
afastar do cumprimento de uma tarefa que até então pensávamos em
realizar em favor do Bem. Ainda chegamos a dizer desafiando o Cria-
dor: “Se Deus quisesse que eu realizasse tal trabalho não me dificul-
taria tanto a realização, acho que estes empecilhos são os avisos
Dele para me mostrar que essa não é a minha missão”.
Como somos ignorantes e comodistas…
Já pensou se José e Maria pensassem desta forma? “Se Jesus fosse
mesmo o Messias, por que tanta dificuldade? Por que deixar nossa
zona de conforto e ir para um país desconhecido? Por que sermos tão
pobres?”
Desculpas é que não faltariam para o abandono da missão. Em nos-
sa vida temos aprendido que o hábito de dar desculpas é um de nos-
sos maiores vícios e um dos que mais nos atrasam no processo de re-
alizar o Bem em nós.
Fato semelhante ao acontecido com os pais de Jesus se deu com
Abraão. Deus prometeu a ele uma grande benção, uma posteridade
maravilhosa. Mas para isso ele tinha que deixar a sua terra, a sua pa-
rentela, a casa de seu pai. E ir para onde? Deus não o revelou, ele
ainda ia mostrar, no futuro. [Vai] para terra que te mostrarei213, ou
seja, ele tinha que sair da faixa de sua segurança e ir, porém, para
um lugar que nem ele sabia qual era. Era necessário uma confiança
total no Senhor, ser Dele dependente. Nós temos que aprender a ser
dependentes de Deus com naturalidade e sem conflitos íntimos.
210
XAVIER/Emmanuel [Espírito]. O Consolador, 16ª ed., Rio de Janeiro, FEB, 1993,
Q. 254
211
Cf. Lucas, 2: 19 e 51.
212
João, 2: 5
213
Gênesis, 12: 1
155
Hoje dizemos que estamos a serviço do Cristo e de seu Evangelho.
Às vezes somos convidados, por exemplo, para fazer uma palestra
em cidade distante, e até aceitamos. Porém, para que isto se dê exi-
gimos saber, onde será o evento? Para quantas pessoas vamos falar?
Lá vai ter como projetar nossos slides? Vão pagar meu transporte? E
a alimentação como será? Onde vou dormir? E se tudo não estiver
certinho como desejamos, totalmente seguros, não vamos.
Já pensou se um Espírito aparecesse para nós e dissesse: “Sou um
mensageiro do Cristo, é preciso que você saia hoje e vá fazer uma vi-
sita a uma pessoa que te indicarei, num determinado hospital que
vou te falar na hora certa, você irá dar nela um passe e melhorar a
sua situação. Porém, sai de casa agora e vá, depois te falo para onde
e como.” O mínimo que aconteceria é que nós não iríamos, e ainda
tentaríamos saber o nome da Entidade para levar para um reunião de
desobsessão, pois batizaríamos o enviado do Senhor como obsessor.
Fato também semelhante aconteceu com Estevão quando ele ainda
chamava Jeziel.
Estevão tinha uma grande missão, despertar Saulo para o Evange-
lho do Cristo. Emmanuel chega a dizer que sem Estevão não teríamos
Paulo de Tarso214. Porém, para que isto acontecesse aconteceu algo
inusitado.
Ele era uma pessoa simples, mas tinha uma família harmonizada e
pautava sua vida na vivência das Escrituras. Não vamos aqui contar
sua história, pois não é objetivo deste trabalho, mas Deus, para o
chamar para sua missão, tirou-lhe tudo que possuía de mais sagrado:
a casa paterna, a vida do pai, a companhia da irmã querida que nem
sabia para onde teria ido. Para ele fora destinado o cativeiro nas gale-
ras, o que era quase certo, a morte.
Entretanto, seu bom comportamento o salvou e a generosidade de
um ilustre cidadão romano permitiu que, apesar de doente, pudesse
novamente ser livre. Este mesmo cidadão deu-lhe até mesmo alguns
recursos amoedados com o objetivo de suprir suas primeiras necessi-
dades em novas terras. Todavia, mais uma vez surge um imprevisto,
ele é assaltado, malfeitores roubam lhe todos estes recursos, e ele
fica só, doente, e sem nada para iniciar a grande missão de salvar
não apenas uma alma, mas de despertar e guiar alguém que liberta-
ria o Evangelho do jugo do judaísmo permitindo que gerações futuras
conhecessem Jesus em toda sua simplicidade, com profundidade, e li-
berdade.
Por que casos assim, como o de Maria e José, de Abraão, de Este-
vão, entre outros, se dão? Não sabemos ao certo, Deus tem, ainda
para nós, seus mistérios. Talvez este seja o alimento da fé e o que
fará com que ela cresça ainda mais. O certo é que há aí uma mensa-
gem. Quando algo de inesperado nos acontecer, algo que for capaz
de nos perturbar, de tirar o próprio piso e nos projetar numa situação
214
(XAVIER/Emmanuel [Espírito], 2004), prefácio.
156
de desconserto total, não nos desesperemos. Talvez o Pai Criador es-
teja se manifestando e dizendo para nós que tem uma grande missão
onde podemos servi-Lo. Mas para tal é preciso confiar, agir consoante
Sua Vontade, resignando-se, perdoando sempre, amando irrestrita-
mente.
Deus tem para nós uma benção, uma posteridade gloriosa, uma
missão ímpar. Tomemos posse do que Ele nos delega e seremos feli-
zes para sempre.
Maria assim fez, desafiou a imprevisibilidade, correu riscos, sua
vida foi impermanente, mas nem por isso tornou-se depressiva, an-
gustiada, amargurada…
Outra passagem que é importante considerar na busca de elemen-
tos que venham nos auxiliar em nosso processo reeducativo é aquela
que nos fala de Jesus aos doze anos no templo entre os doutores da
lei.
Era habitual que todo judeu seguidor dos preceitos fosse à Jerusa-
lém quando da realização da festa da Páscoa. Assim foram Maria e
José, e Jesus com eles, pois já havia completado doze anos.
Como muitos iam para esta festa eles foram em caravanas, muitos
parentes e conhecidos também foram.
Terminada a festa eles retornaram; após caminharem por um dia
os pais de Jesus perceberam a falta dele, procuraram-no entre aque-
les que viajavam junto e não o encontraram. Retornaram então a Je-
rusalém continuando a busca, só três dias depois o encontram no
Templo em conversa com os doutores.
Nosso objetivo aqui não é estudar minuciosamente esta passagem,
mas o posicionamento de Maria diante da tarefa educacional de seu
filho.
Percebemos pela narrativa de Lucas que ela não era controladora,
nem proibitiva, Jesus tinha liberdade para ir junto de seus amigos e
familiares e seus pais não ficavam ali em cima, querendo saber a
toda hora o que estava fazendo; entretanto, ela não era também per-
missiva, ao notar o afastamento do filho por tempo maior do que
aquele que era natural, se incomodou e foi atrás dele.
Nós muitas vezes somos possessivos por demais, exageramos no
controle, não deixamos nossos filhos, cônjuges ou amigos, à vontade,
queremos que tudo seja feito conforme nossa determinação, passo a
passo. Ou então, com a desculpa da liberdade desejada, somos negli-
gentes, o que é ainda pior; os filhos passam uma semana sem falar
conosco e tudo bem, convivem com amigos que não procuramos sa-
ber quem são, viajam com eles, e só ficamos sabendo quando voltam,
às vezes dias depois.
Jesus é encontrado no Templo assentado entre os doutores, o que
denota por parte dele tranquilidade e a consciência de que não esta-
157
va fazendo nada de errado e nem contrário às determinações pater-
nas.
Se tal acontecesse conosco é quase certo que o pegássemos pela
orelha, gritando, gesticulando, dando o maior show, exteriorizando
todo desequilíbrio que nos é peculiar. Maria simplesmente diz: meu fi-
lho, porque agiste assim conosco? Olha que teu pai e eu, aflitos, te
procurávamos215.
Quem de nós num momento deste, que para nós não seria simples-
mente de aflição, mas de desespero mesmo, trata o filho por meu fi-
lho? Este modo carinhoso de chamar nós só usamos quando está tudo
bem, na tranquilidade, ou quando queremos chantageá-lo. Quando os
filhos nos irritam ou desobedecem, usamos o nome completo, com
sobrenome e tudo.
Maria não mostrou irritação, mas cuidado, carinho, atenção; ela se
preocupava era com o filho e não com uma suposta desobediência
dele.
Ele por sua vez encarou tudo com naturalidade e mostrou que era
excelente em didática desde pequeno, pois respondeu perguntando,
levando seus pais a pensarem: por que me procuráveis? Não sabíeis
que devo estar na casa de meu Pai?216
Ao dizer assim Jesus chamou seu pais para o que era real do ponto
de vista de sua missão, pelo tom da pergunta podemos depreender
que eles conversavam em casa sobre este assunto, sobre a oportuni-
dade dele ser um enviado em nome de Deus. Provavelmente seus
pais, apesar do grau de consciência acima da média, no calor das
emoções tenham se esquecido disto. Isso é natural, quando o Espírito
que não se libertou completamente da matéria encarna, ele perde
muito de sua potencialidade, torna-se vulnerável com certa facilida-
de, é preciso que de vez em quando seja lembrado da realidade mai-
or. Podemos ver ainda neste pequeno diálogo que a proposta educati-
va de José e Maria passava pelo diálogo, a informação transitava em
mão dupla, havia o aprendizado de ambas as partes, autoridade e
não autoritarismo. Eles às vezes não compreendiam a superioridade
do menino, mas respeitavam-na, pois sentiam no coração a grandeza
daquela alma. Educavam educando-se, não tinham a pretensão de
estar com a razão, Jesus devia surpreendê-los a toda hora, nestes mo-
mentos não atrapalhando já faziam muito.
O texto de Lucas na sequência é simplesmente maravilhoso: des-
ceu então com eles para Nazaré e era-lhes submisso217.
Jesus, o Plenipotenciário Divino, o Governador Espiritual do Orbe,
era submisso a seus pais mesmo sabendo-se superior a eles, é mais
um exemplo de humildade, de respeito aos fatores humanos, quanta
lição… Maria por sua vez não conseguia compreender tudo isto, era
215
Lucas, 2: 48
216
Lucas, 2: 49
217
Lucas, 2: 51
158
inexplicável, estava além do racional, assim, conservava a lembrança
de todos esses fatos em seu coração218, ela se enriquecia em espírito,
cultivava sua intuição, bem aventurados os pobres de espírito… 219 e
Ele, Jesus, obedecendo, colaborando sempre, crescia em sabedoria,
em estatura e em graça, diante de Deus e diante dos homens 220, ser-
vindo a seu Pai, no serviço em favor de seus irmãos.
218
Idem, ibidem.
219
Mateus, 5: 3
220
Lucas, 2: 52
221
Mateus, 28: 18
222
João, 13: 3
223
Mateus, 5: 16
224
Mateus, 15: 14
159
Servir sem ser servido, amar sem ser amado, devem ter sido o con-
teúdo das primeiras histórias contadas pela Mãe Santíssima a seu me-
nino.
Muitos podem nos perguntar, como podemos saber que Maria con-
tava histórias a seu filho? O Evangelho nada fala a este respeito.
É mais uma conclusão a que chegamos analisando Jesus. Ele foi o
maior contador de histórias que temos notícia, ele era excelente ob-
servador de todas as coisas, das situações, da natureza. É lógico que
ele tinha registrado em si mesmo todas as virtudes, entretanto, não é
menos lógico que sua mãe despertava nele desde criança estes valo-
res através de uma educação apropriada ao que ele iria necessitar no
futuro. Não foi à toa que ela é que foi a agraciada com esta nobre
missão.
Entre todos o Espíritos que já estiveram fisicamente em nosso orbe
Jesus foi o que mais serviu, ensinando-nos a assim fazer com alegria.
Ele teve o exemplo em sua própria casa, Maria se declarou serva do
Senhor e nos primeiros movimentos do Magnificat disse:
Minha alma engrandece o Senhor, e meu espírito exulta
em Deus em meu Salvador, porque olhou para a humil-
de posição de sua serva.225
A visão de Jesus sobre Deus é ampla, Maria não O encarcerou na
realidade de sua cultura: minha alma engrandece o Senhor. Ou seja,
ela vê Nele muito mais do que a sua religião ensinava… Para a Mãe
de Jesus, Deus não estava preso às paredes de um templo, nem ope-
rava em favor das criaturas de uma religião apenas, Ele era o Senhor
Universal. Ela se alegrava em servir a Deus em sacrificar-se em Seu
nome: meu espírito exulta em Deus, isto é comungava com Ele em
plena harmonia, integrando-se Nele, realizando a Sua vontade, isto
era o mais importante e a fonte de sua alimentação espiritual.
Paulo de Tarso deve ter se maravilhado com esta visão da Mãe de
nosso Senhor, não foi por outro motivo que desejou escrever um
Evangelho a partir de sua ótica, expressando todo seu sentimento. E
na impossibilidade de assim fazer, delegou a seu amigo de maior con-
fiança, Lucas, de deixar registrado para todos nós aquele que seria
referenciado por muitos como sendo “O Evangelho de Maria”.
A nossa espiritualidade não é autêntica, nós oramos e estudamos,
procuramos fazer o Bem, mas tudo com hora marcada, só entre os
afins, em nosso círculo de fé. No dia a dia, na vida comum, somos
muito diferentes do que pregamos em nossas casas espíritas ou nos
templos a que nos afeiçoamos. Maria engrandecia o Senhor, se ale-
grava da presença Dele em sua vida, ela estava sempre em comu-
nhão com o Divino.
Quem vive assim, como Maria, automaticamente está educando
seus filhos ou seus alunos, educar é ser coerente com o que se prega.
225
Lucas, 1: 46 a 48
160
Só podemos levar alguém para o caminho de Deus se nós estivermos
nele.
Maria servia a Deus, mas servia com tal integridade, que podemos
compreender que transcendia ao simples ato de servir. Maria vivia
Deus.
161
Bibliografia