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SÉRIE MONOGRÁFICA “ g; «ALBERTO BENVENISTE»


Q,;

Scrigni della memoria


Arquivos e Fundos Documentais
para o estudo das Relações
Luso-Italianas

Nunziatella A1essandrini,Susana Bastos Mateus,


Mariagrazia Russo, Gaetano Sabatini (orgs.)

E D 1 ç Ã o
CÁTEDRA
DE ESTUDOS
SEFARDITAS
ALBERTO
BENVENISTE

U LISBOA UNIVERSIDAM
DE USBUA
LETRAS
LISBDA
CÁMARA ECLESIÁSTICA DE LISBOA:
CONTRIBUTOS PARA 0 ESTUDO DA PRESENÇA DOS ITALIANOS
E FAMÍLIAS DE ORIGEM ITALIANA NA REGIÃO DE LISBOA
(SÉCULOS XVI, xvn E XV|I|)*

RUI MANUEL MESQUITA MENDES“

RESUMO

Um estudo sobre a geografia e cronologia de famílias italianas que se estabeleceram nos


arredores de Lisboa entre os séculos XVI e XVIII e possuíam quintas e casas de campo com
a sua própria capela ou morgadío, recorrendo aos documentos da Câmara Eclesiástica de
Lisboa, um tipo de registo ainda hoje pouco usado na historiografia local.
PALAVRAS-CHAVE: História local e da família; Arquivos eclesiásticos; Portugal e Itália;
Lisboa (região)

ABSTRACT

A study that focuses on the geography and chronology of Italian families that were established
in the Lisbon area between the 16th and 18th centuries and owned country manors or «villas»
with private Chapel or patronage based on entailed estate, resorting to documents of the
Ecclesiastic Chamber of Lisbon, & type of record still scarcely used.
KEYWORDS: Family and local history; Ecclesiastic archives; Portugal and Italy; Lisbon
(region)

* Gostaríamos de deixar o nosso agradecimento & Nunziatella Alessandrini, Gonçalo Monjardino


Nemésio, Nuno Sanches Baena, Luísa Villarinho Pereira, Ana Cortez de Lobão, Francesco Guidi—
Bruscolí, Ricardo Aniceto e Teresa Ponces.
** Investigador FL-UL / CHAM / CDIRP
116 RUI MANUEL MESQUITA MENDES

INTRODUÇÃO

AO longo da história das relações entre Portugal e outros estados e cidades


europeias, são Vários os exemplos de contactos e alianças quer de carácter político
e militar, quer comercial, e que contribuíram para o desenvolvimento económico
e cultural de Portugal, deixando importantes reflexos na sociedade portuguesa
em diversas épocas.
Fazer uma análise histórica destas relações apenas sob um destes prismas,
ou ainda numa perspectiva meramente macro, conduzirá por certo & conclusões
parciais e incompletas sobre o verdadeiro impacto que estas tiveram em Portugal,
uma vez que os agentes nelas intervenientes, quer se tenham mantido no exterior
do país, quer se tenham aqui âxado, acabaram por deixar marcas indeléveis
em praticamente todas as áreas, desde a história política e militar à onomástica
(toponímica e antroponímica), passando pelas artes, tecnologias, ciências e
economia.
«Perdidos» na documentação da Câmara eclesiástica de Lisboa e de outros
cartórios pertinentes à história da Igreja da cidade de Lisboa e do seu entorno
territorial, estão diversos documentos e apontamentos sobre «italianos» e famílias
portuguesas de origem italiana, & sua inserção nas sociedades locais, os bens
adquiridos durante a sua actividade, incluindo propriedades na cidade de Lisboa,
nos seus arredores e região, onde muitos destes «italianos» se estabeleceram e
criaram vínculos familiares e patrimoniais.
A actividade em Portugal de comerciantes e banqueiros do Norte de Itália no
início da idade Moderna e durante o período da Expansão Marítima, tem sido
Objecto de estudo desde 0 fun do século XIX, quer por Sousa Viterbo e Prospero
Peragallo, quer por Jaime Cortesão e Virgínia Rau já no século XX, tema retomado
pelas historiograíias mais recentes nacionais e estrangeirasl.
1 Não sendo o objecto deste artigo a análise da temática do estudo das relações luso italianas, mas tão
somente a divulgação de uma fonte arquivística que pode servir como importante contributo para
o mesmo, importa ainda assim referir alguns dos trabalhos mais significativos sobre esta temática,
sobretudo no campo da História da Expansão Marítima, e que têm vindo ao prelo desde os únais do
século XIX, tais como: Francisco Marques de Sousa Viterbo, Artes e artistas em Portugal. Contribuições
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Por outro lado existem aspectos da Vida privada e do património dessas


famílias italianas que são ainda pouco estudados, ou mesmo desconhecidos, até
porque o período em que muitas destas famílias se estabeleceram em Portugal
não permite O recurso extensivo às fontes disponíveis na Época Moderna.
No presente trabalho, dirigido aos investigadores e interessados na história
da presença italiana na região de Lisboa, fala-se de mercadores, mas também de
artistas naturais das cidades da península itálica, com Florença e Génova à cabeça,
e da sua relação com Portugal, através dos documentos que se podem extrair de
um arquivo tão importante, como é o arquivo da Câmara Eclesiástica de Lisboa.
Procura-se assim divulgar parte do cartório da Câmara Eclesiástica de Lisboa
(CEL), um arquivo que se encontra ainda largamente por explorar e hoje dividido
por duas instituições — o Arquivo Histórico do Patriarcado de Lisboa (AHPL),
integrado no Centro Cultural do Patriarcado de Lisboa; e — o Arquivo Nacional/

para a historia das artes & industrias portuguezas, Lisboa, Livraria Ferreira, 1892; Prospero Peragallo,
Cenni intorno alla Colonia Italiana in Portogallo nei secoli XIV, XV E XVI, Torino, Stamperia Reale
della ditta G. B. Paravia, 1904; Vítor Ribeiro, Privilégios de estrangeiros em Portugal: ingleses, franceses,
alemães, flamengos e italianos, Coimbra, [sn,], 1917; Jaime Cortesão, “Associados Comerciais do Rei
na Expedição. Os Marchioni de Florença”, in A expedição de Pedro Alvares Cabral e O descobrimento do
Brazil, Lisboa, Livrarias Aillaud e Bertrand, 1922; Virgínia Rau, Umafamz'lía de mercadores italianos em
Portugal no século XV: os Lomellini, Lisboa, [s.n.], 1956; Leo Magnino, António de Noli e a colaboração
entre portugueses e genoveses nos descobrimentos marítimos, Lisboa, Centro de Estudos Históricos
Ultramarinos, 1962; Maria Valentina Cotta do Amaral, Privilégios de mercadores estrangeiros no reinado
de D. joão HI, Lisboa, Instituto de Alta Cultura, 1965; Virgínia Rau, Um grande mercador—banqueiro
italiano em Portugal: Lucas Giraldi, [S.]. : s.n.], 1965; Virgínia Rau, Privilégios e legislação portuguesa
referentes a mercadores estrangeiros: séculos XV e XVI, Kõln, Bõhlau Verlag, 1970; Charles Verlinden,
Les génois dans la marine portugaise avant 1385, [S.]., s.n.], 1966; Virgínia Rau, Bartolomeo di Iacopo
di Ser Vanni mercador—banqueiroflorentino “estante” em Lisboa nos meados do século XV, Lisboa, [s.n.],
1971; Fernando de Morais do Rosário, Genoveses na História de Portugal. Lisboa, [s.n.], 1977; Isaías da
Rosa Pereira, Lucas Giraldi, mercadorflorentino na Inquisição de Lisboa, Lisboa, Acad. Port. da História,
1982; Fernando de Morais do Rosário, Privilégios dos genoveses em Portugal, Lisbona, Ist. Italiano
di Cultura in Portogallo, 1983; Carmen M. Radulet, Girolamo Semigi e a Importância Econômica do
Oriente, Coimbra, 1985; Carmen M. Radulet, Os descobrimentosportugueses e a Itália: ensaiosjílológicos-
literários e historiográjícos, Lisboa, Vega, 1991; Marco Spallanzani, Mercantiforentini nelllâsia portoghese
(1500-1525), Firenze: SPES, 1997; Luísa D'Arienzo, La presenza degli italiam' in Portogallo al tempo di
Colombo. Roma, Istituto Poligraflco e Zecca dello Stato, 2003; Milena Raposo, Rui Rebimba, Arquitectos
italianos em Portugal : mobilidade europeia, individualidade e cultura arquitectónica : architetti italiani
in Portugallo : mobilità europea, individualità e cultura architettonica, [Sl.], Librus, 2005; Nunziatella
Allessandrini, Os italianos na Lisboa de 1500 a 1680: das hegemonias florentinas às genovesas (tese
de doutoramento), Lisboa, Universidade Aberta, 2009; Rodrigo da Costa Dominguez, Mercadores—
banqueims e Cambistas no Portugal dos séculos XIV-XV. Dissertação de Mestrado em História Medieval;
FL—UP, 2006; Nunziatella Allessandrini; et al — Le nove son tanto e tante buone, che dir mm se pô Lisboa dos
Italianos: História e Arte (sécs. XIV—XVHI), Lisboa, Cátedra de Estudos Sefarditas «Alberto Benveníste»
da Universidade de Lisboa, 2013; Francesco Guidí-Bruscoli, Bartolomeo Marchionni, «homem de grossa
fazenda»: un mercantejíorentino a Lisbona e Fimpero portoghese, Firenze, Leo S. Olschki, 2014.
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Torre do Tombo (ANTT), situado igualmente em Lisboa, e integrado na Direcção


Geral do Livro, Arquivos e Bibliotecasº.

1. A PRESENÇA ITALIANA NA REGIÃO DE LISBOA E OS FUNDOS


DA CÃMARA ECLESIÁSTICA DE LISBOA (CEL)

Frei Agostinho de Santa Maria escrevia no início do século XVIII que


«verdadeyramente & Cidade de Lisboa he a Patria commua de todos os
Estrangeyros (...) porque os que entraõ nella, se esquecem tanto das suas, que
& ella elegem por sua perpetua habitaçaõ. Nella ajuntaõ muytas riquezas, nella
casão, quando naõ vem casados & nella morrem. Como isto assim seja, he pela
bondade de seu clima»? Mas não seria apenas a bondade do clima & propiciar
O estabelecimento destas comunidades, mas também a situação favorável da
cidade e do seu amplo estuário, que incrementava & sua importância no comércio
marítimo entre o Norte e o Sul da Europa (cujo espaço continental era muitas
vezes assolado por constantes guerras), entre o Velho e o Novo Mundo e entre o
Ocidente e 0 Oriente.
Uma das comunidades estrangeiras presentes em Lisboa no período moderno
que mais se destacou foi a dos mercadores italianos, entenda-se mercadores com
origem nas cidades da península itálica, frguras tão reconhecidas no seu tempo
como por exemplo Bartolomeo Marchionni, mercador florentino do Hm do
século XV e início do XVI, também conhecido por Bartolomeu Marchione ou
Bartolomeu Florentino, sendo estas duas últimas versões do seu nome as mais
comuns nas fontes portuguesasªª, figura que João de Barros apelidou «o mais
principal em substância de fasenda que [Lisboa] naquelle tempo tinha»5, ou ainda
de Giovanni Francesco Affaitati ou Ioão Francisco Lafetá, mercador cremonês
falecido em 1529, que em 1590 era ainda lembrado como «hu italiano muito
nobre que nesta cidade teve muita casa e nome»?

? Para uma breve análise da tipologia de documentos da Chancelaria da Câmara Eclesiástica de Lisboa
veja-se o texto no Anexo 1 do presente artigo.
3 Frei Agostinho de Santa Maria, Santuário Mariano, T. VII, 1721, TITULO IV : Da milagrosa Imagem
de nossa Senhora do Loreto Paroquia da Nação Italiana.
ª Ao longo do texto, sempre que forem apresentados nomes próprios de origem estrangeira, mencionamos
na referência inícial as duas ou três variantes mais comuns, quer a original (sendo esta conhecida), quer
as aportuguesadas, usando uma destas últimas nas referências seguintes.
5João de Barros, Década I, livro V, cap. X.
ª Maria Clara Pereira da Costa; Jorge Segurado; Manuela de Azevedo, Da investigação histórica sobre a
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Nos reinados de D. João II e D. Manuel I, de acordo com Prospero Peragallo,


mais de metade dos italianos em Lisboa eram provenientes de Florença, 0 que dá
bem uma ideia da importância económica, social e cultural desta colónia naquela
época, importância justiflcada, na opinião de Jaime Cortesão, pelo facto de
Florença ser a cidade europeia mais culta dessa época e cuja actividade bancária
em toda a Europa dava uma compreensão mais vasta do comércio, não sendo
por mero acaso, na opinião do mesmo autor, que aparecem juntos na história
os nomes de Pedro Álvares Cabral e Bartolomeu Florentino, uma aliança entre
Florença e Lisboa que de acordo com o historiador português, «mais que uma
aliança de estados, existiu entre as duas cidades uma aliança de tendências,
aptidões e esforço civilizadof»?
Os proveitos que os mercadores estrangeiros obtinham na sua actividade
comercial eram não só reinvestidos na mesma ou em contratos proveitosos com
a Coroa, mas também na aquisição e beneúciação de bens duradouros, como as
ricas e famosas quintas dos estrangeiros que, no olhar de um flamengo visitante
de Lisboa em 1539, Juan de Mayere, quando apresentou à venda uma quinta em
Colares ao seu correspondente Crisóstomo van Immerseel em Sevilha, eram
descritas do seguinte modo: «Por aqui Viven los estranxeros en sus haziendas en
el campo 10 más & tres leguas de aqui donde tienen sus Viãas, Olivares, frutales, y
otros muchos deleytes de rios y arroyos como en nuestra soberana patria, pero
con mucho más Ilaneza que en ella»8.
'Ao adquirirem quintas nos arredores da cidade, os mercadores e outros
importantes membros das comunidades estrangeiras mais influentes de Lisboa
assimilam as práticas comuns nos extractos mais abastados da sociedade
portuguesa da época, entre elas a prática da estadia periódica no campo, com
a deslocação da suas famílias, criados e escravos, o que os leva a investir no
melhoramento das condições de habitabilidade e fruição dessas quintas, com a
construção de melhores casas, jardins e inclusive capelas.
É precisamente através das licenças de construção e abertura ao culto das
capelas das suas quintas que se vai detectar a presença dos italianos nos fundos
casa de Camões em Constância, 1977, p. 196.
7 Jaime Cortesão, “Associados Comerciais do Rei na Expedição. Os Marchioní de Florença”, in A expedição
de Pedro Alvares Cabral e o descobrimento do Brazil, Lisboa, Livrarias Aillaud e Bertrand, 1922, pp. 139-
141. Rui Manuel Mesquita Mendes, Bartolomeo Marchionni, um florentino na Lisboa manuelina: Breve
biografia e notas sobre o seu património efamília. Lisboa, 28 de Maio de 2014 (estudo inédito).
ª Relato de juan de Mayere em 1539, apud Eddy Stols, De Spaanse Brabanders of the Handelsbetrekkingen
der Zuidelíjke Nederlanden met de Iberische Wereld : 1598—1648, 2 Vols., Brussel, Paleis der Academien,
1971, p. 373.
120 RUI MANUEL MESQUITA MENDES

da CEL, pois todo O processo implicava um conjunto de obrigações ao abrigo do


direito canônico e das constituições episcopais, cuja veriúcação e licenciamento
ainda hoje é possível consultar na documentação existenteº.

2. AS CAPELAS OU ERMIDAS PARTICULARES


DAS QUINTAS DE LISBOA E ARREDORES

Antes de falarmos de alguns casos particulares, importa fazer um breve


resumo dos aspectos históricos, sociais, religiosos e artísticos que estiveram na
origem das muitas capelas particulares que existiram em quintas na região de
Lisboa, algumas delas de italianos, para assim compreender o seu contexto dentro
destas quintas.
Em termos de composição, o núcleo das quintas particulares mais nobres
era constituído por uma casa principal com dois pisos, sendo 0 superior 1— 0
andar nobre, o local onde residia () dono e familiares; próximo haveria ainda um
pátio que daria acesso a outras casas (de malta) e anexos como celeiro, lagar e
cavalariças.
]unto ou inserida na casa nobre, situar-se-ia então a capela particular, espaço
que em Portugal aparece nesta época com duas designações — «Ermida», quando
era acessível a todo 0 flel cristão que nela pretendesse assistir à missa, dispondo
de dois acessos, um interior e outro exterior; ou «Oratório», quando era interior à
casa e estava reservada apenas ao proprietário e respectiva família.
A posse de uma capela particular anexa a casa de habitação surge em Portugal
a partir do século XVI, no entanto é no fim do século XVII e meados do século
XVIII que se ediflcam & maior parte das capelas particulares conhecidas da região
do Patriarcado de Lisboa“). Até ao século XVI as famílias mais ricas tinham a
sua capela em algum convento de que fossem protectores, ou em alguma igreja

º Para uma introdução às tipologias de espaços religiosos referidos na documentação, as normas e regras
ligadas ao seu licenciamento e respectivo contexto histórico, veja—se o texto no Anexo 2. Os restantes
anexos incluem um catálogo dos processos e provisões existentes no cartório da CEL sobre capelas de
Italianos ou de famílias de origem italiana (Anexo 3), algumas transcrições documentais (Anexo 4)
e por fim uma breve introdução aos conteúdos documentais provenientes dos fundos da Sé e Capela
Patriarca] de Lisboa (Anexo 5).
"ª Sobre as Capelas de casas e quintas da região de Lisboa nos séculos XVI, XVII e XVII veja—se Ioão
Vieira Caldas, A Casa rural nos arredores de Lisboa no século XVIII, 2.ª ed., Porto, FAUP, 1999, pp.
73—77.
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próxima, com intuito de serem capelas tumulares, assinaladas corn a respectiva


heráldica familiar e/ou memória funerária.

FIG. 1 — Vista aérea da Quinta do Lazarim, Arieíro (Almada), que pertenceu a Pedro António
Virgolino e localização da respectiva capela (Imagem Bing Maps).

Segundo João Vieira Caldas, & religiosidade decorrente do espírito da


Reforma pós Concílio de Trento e a retirada da nobreza para 0 campo, durante
a União Ibérica, proporcionaram a construção junto às habitações rurais de
capelas particulares verdadeiramente dedicadas a serviços regulares e alargados.
Muitas vezes estas obras pias visavam reproduzir na vida privada do campo &
magnificência e riqueza dos rituais religiosos públicos das catedrais e colegiadas
das grandes cidades e Vilas“. No entanto este movimento que se assistiu na região
de Lisboa e um pouco por todo o reino, também se veriíicava em outras partes
da Europa cristã e católica, onde alguns estudos assinalam na mesma época
(i.e. partir do século XVII) um incremento do número de capelas privadas, em
especial nas casas nobres do campo e com o emprego de capelães privativos”.
Os capelães, cuja remuneração assentava num valor anual 6x0, em regra
legado por um instituidor piedoso (em forma de capela de missas), ou então num
sistema de pagamento à peça (por missa rezada ou cantada), sempre tendo atenção
a tabela em vigor em cada diocese, eram normalmente padres das paróquias
Vizinhas ou candidatos ao estado eclesiástico, 0 que aumentou consideravelmente
os números dos membros do clero visto que estas novas capelanias ofereciam &
oportunidade a mais candidatos de se poderem ordenar e manter tendo por base
0 património das capelanias de que estavam encarregueslª.

“ CALDAS, 1999, pp. 74.


12Elizabeth C. Tíngle, Purgatory cmd Píety in Brittany 1480—1720, Routledge, 2016 p. 252.
13 Muitos destes casos estão documentados no fundo da Câmara Eclesiástica de Lisboa (ANTT) nos
122 RUI MANUEL MESQUITA MENDES

Além de membros do clero regular, muitas das capelanias eram também


entregues a membros do clero conventual, como foi o caso do Convento da
Rosa da Caparica (Ahnada) que tinha entre as suas obrigações de capela, duas
que eram rezadas nas ermidas das quinta de Murfacém de D. Maria Pinheira,
na da quinta da-Sobreda de António de Barros, estabelecidas em 1624 e 1638,
respectivamente“.
Do ponto de Vistas artístico, Vieira Caldas constata que até ao reinado de D.
João V temos diversos exemplos de capelas particulares que se destacam artística e
arquitectonicamente, quer pela sua decoração, quer pela sua inserção no conjunto
ediúcado (com porta directa para a rua e localização no centro da fachada das
casas principais do senhorio), mas a partir sensivelmente do meio do século
XVIII, com O reinado de D. ]osé I, «a mudança de rei e de gosto foi fundamental,
algumas capelas começaram a integrar-se discretamente no corpo do edifício»15, e
muitas dessas capelas particulares, mesmo quando abertas ao público, deixam de
ter qualquer sinal visível do exterior (veja—se o exemplo da Fig. 1).
Nas quintas particulares, as capelas não tinham dimensão, nem forma, nem
situação fixa em relação ao resto da casa, variando bastante de quinta para quinta.
Temos casos em que estas úcavam numa extremidade da fachada principal; casos
em que ficavam no centro; e casos em que surgiam como mais uma construção à
volta do pátio, tanto isoladas, como integradas em corpos de serviços.
Quase todas as capelas particulares eram de planta base rectangular,
apresentando-se segundo três variantes: 1) as que não tinham capela-mor, o que
acontecia nas mais pequenas; 2) aquelas cuja capela—mor era apenas sublinhada
por um arco triunfal, mantendo a largura total da nave; e 3) as que tinham uma
capela-mor igualmente rectangular, mas mais estreita e de cobertura mais baixa
que a nave, () que acontecia nos exemplares maiores. A cobertura, por sua vez, era
de madeira em três esteiras, quando a capela pertencia & habitações cujos tipos
construtivos eram mais pobres. As pequenas sacristias tinham em regra acesso
pelo interior das quintas.
Nas capelas encostadas às habitações principais existiam frequentemente
pequenas tribunas discretas e próximas do altar, onde as famílias dos donos
das quintas podiam assistir aos ofícios religiosos separadas dos populares
eventualmente presentes. Casos havia, em que as tribunas eram substituídas por

maços com os títulos «Apresentações» e «Patrimónios».


“ ANTT, Nossa Senhora da Rosa de Caparica, liv. 6, fl. 25 e liv. 4, fl. 505.
”' CALDAS, 1999, pp. 74.
CÁMARA ECLESIÁSTICA DE LISBOA 123

um coro alto com acesso ao corpo da habitação. Outros elementos comuns nestas
capelas eram as janelas com grades, as sinetas (por vezes separadas do corpo
da capela e mais próximas da entrada das quintas) e 0 óculo central de fachada
(substituído por uma janela nas capelas mais amplas). Muito menos comuns
seriam as torres laterais com sino, apenas se destacando em algumas capelas
maiores em forma de igreja“.
As capelas aprovadas e abertas ao público tinham necessariamente de
estar separadas dos restantes espaços privados, com acesso à rua pública, ou
directamente ou através do pátio da quinta, que tinha que estar acessível sempre
que nelas se celebrasse missa, sendo esta assinalada pelo campanário, outro
elemento obrigatório pela regulamentação diocesana, assim como estarem
dotadas de uma renda competente, a fábrica, necessária para as obras e renovação
ou aquisição de paramentos”.
Deste modo, a participação religiosa foí-se tornando nesta época prática
enraizada na vida social, quer por Via da tradição, quer da obrigação. A religião
constituía um objectivo e devia ser vivenciada no dia—a—día e nas práticas
dominicais, ainda que em pequenos grupos como eram os que assistiam ao culto
nas capelas das quintas. Estas expressões semanais de fé pública eram tão ou mais
importantes no caso de famílias de origem estrangeira e mercante, pois assim
evitavam ser associadas quer aos cristãos-novos, quer às práticas não autorizadas
no catolicismo, cuja suspeita seria suúciente para os conduzir aos corredores do
Tribunal do Santo Ofício.

FIG. 2 — Brasão dos Lafetá na «Villa Cosmo» (Sintra) [imagem pub. http:l/ríodasmacasblogspot.
pt/20] 1/02/quinta-do-cosmo.htm1 (15-10-2016)] e FIG. 3 — Licença da ermida da quinta de ]orge
Unzell (Almada) [A.H.P.L,U.I. 305, H. 30V]

“5 R. MENDES, 2010, pp. 87-89.


" Veja—se em detalhe no Anexo 2.
124 RUI MANUEL MESQUITA MENDES

3. AS QUINTAS DE «ITALIANOS» NA REGIÃO DE LISBOA:


ALGUNS EXEMPLOS

3.1 De Barde e Lafetá, duas famílias de mercadores italianos da Lisboa


quinhentista e as suas quintas em Sintra

A referência mais antiga que encontrámos na Câmara Eclesiástica de Lisboa a


uma capela de uma quinta de um italiano, foi precisamente a licença do oratório
ou ermida das casas e quinta do termo de Sintra, propriedade de Giacomo di
Bardi ou Jacome de Barde. A quinta, cuja localização exacta não foi ainda possível
determinar, e assim referida nos livros de registo da Câmara Eclesiástica: «Aos
xxix de Abril de 1574 se passou Licença a Jacome de Barde para poder levantar
altar no Oratório que tem na sua quintana termo de Sintra e para nela se poder
dizer missa e dotou por escretum de dote do dito oratório que se deitou na igreja de
S. Pedro de Penaferrim matriz»?
Barde era um rico mercador italiano, natural de Florença mas súbdito do
monarca português, que na sua actividade tinha como sócio um outro rico
mercador italiano também florentino de nome Luca Giraldi ou Lucas Geraldes”,
o qual Vivia em Lisboa e foi sepultado na capela-mor da Igreja de Nossa Senhora
do Loreto da Nação Italiana, de que era padroeiro (1551).
Pouco se sabe sobre OS bens e propriedades de Iacome de Barde em Sintra,
apenas que elas Vieram a pertencer ao seu úlho de nome Manuel de Barde, e
depois da morte deste à irmã, D. Catarina de Barde, que teve em 2 de Dezembro
de 1643 uma mercê «para que, por sua morte, possa nomear os dois maios de trigo
que tem de tença, com 403000 réis, em D. Maria de Abreu, mulher de António
Galvão [de Andrade], estribeiro [menor], os quaes tinha pelos serviços de seu irmão
o Dr. Manuel de Bardy, fidalgo-capellão, provedor das mercearias, prior mór do
convento de S. Bento de Avis e do mosteiro de Belém»ªº.
A localização da propriedade sintrense da família Barde encontra—se
possivelmente indicada entre a documentação do Convento da Penha Longa de
Sintra, pois foi aí que a referida D. Catarina fundou uma capela de missas dotada

lª Anexo 3, It. 6.
"' Vitorino Magalhães Godinho, Os descobrimentos e a economia mundial, Vol. 2, 1965, pp. 222, 260.
ªº Pedro de Azevedo (dir.), Inventario dos livros das portarias do Reino, Vol. 1. Lisboa, Imp. Nacional,
1909, p. 79.
CÁMARA ECLESIÁSTICA DE LISBOA 125

no produto da venda da sua quinta“, sendo também nesta documentação que


encontramos, numa escritura de 26 de Setembro de 1642, a referência a uma
Francisca Vieira de Góis, moradora na «Quinta Nova de D. Catarina de Bardi»22
e que noutro documento de 1656 se dá como casada com Bartolomeu João e
moradora no lugar do Linhó, lugar onde tinha interesses patrimoniais, bem como
na localidade próxima da Abrunheiraªª. Não será por isso de estranhar que a
referida propriedade fosse uma das Várias quintas existentes na proximidade dos
lugares do Linhó e de Ranholas, algumas das quais estão sinalizadas nos séculos
XVIII e XIX como possuindo capela particular“.
Outra família de origem italiana & estabelecer-se em Sintra no século XVI foi a
família «Affaitati», conhecidos localmente por «Lafetá». Originário de Cremona,
Ioão Francisco Lafetá, () patriarca, mercador com larga actividade mercantil
entre os séculos XV e XVI, fundou em Portugal um morgadio com O objectivo
de perpetuar () seu legado patrimonial e o nome da família em Portugal, em que
sucederá () íilho mais velho, Cosme de LafetẪ.
A cabeça deste morgadio era precisamente a Quinta de Galamares em Sintra,
junto & Colares, devidamente assinalada com o respectivo brasão familiar (Fig. 2).
Aqui mandou Cosme fazer Várias benfeitorias entre 1545 e 155626, transformando

“ ANTT, Hospital de São josé, liv. 2721, fl. 120V.


ºª ANTT, N.“ Sr.“ da Saúde da Penha Longa, mç. 7, nº 3.
ªª ANTT, N.“ Sr.“ da Saúde da Penha Longa, mç. 7, nº 4; mç. 8, n.º 49; mçs. 9, nº 10, 11 e 12.
24 É 0 caso da «Quinta dos Quadros», em Ranholas, que em 1890 pertencia a Eduardo de Sousa
Rodrigues e era dotada de capela pública (AHPL, UI 267, fl. 91v). Esta propriedade pertencera antes,
com a vizinha Quinta do Ramalhão, à rainha consorte, D. Carlota Joaquina de Bourbon, viúva do rei D.
João VI, tendo ido à praça depois da sua morte. Na sua descrição, constante no respectivo anúncio de
arrematação, refere—se a existência de uma terra anexa que antigamente se chamou a «Quinta Velha», e a
sua composição pode servir de exemplo daquilo que seria uma quinta típica desta zona no século XVII
XVIII, como seria a «Quinta Nova de D. Catarina de Barde» fundada em 1574 pelo seu pai, () mercador
florentino Jacome de Barde: «A quinta dos Quadros, á frente da estrada de Cintra: compõe-se de palacio
pequeno e casas de habitação para serventes e gado, jardim com caramachão ao centro sobre forquilhas
de ferro, banquetas que vestem os muros, lago com agoa nativa, assentos. A quinta consta de mas com
arvoredo silvestre e bucho, pomares de laranja e limão, tanques, alegretes, muitas arvores de fructo de
pevide e caroço, abrigos de canaviaes, terras de semeadura e olival, com pinheiros, e pombal, um terreno
baldio em frente do palacio do outro lado da estrada, a cuja quinta pertence uma porçao d'agoa que vem
da serra; e tem fora dos muros uma courella de matto, terra de semeadura no sitio de Ranollas, chamada
a Quinta Velha, e um marta chamada da Lameira, com uma casa de abobada, e um baldio separado da
mesma por um caminho» (Diário do Governo, 21-11-1849).
25 Para um estudo mais aprofundado da presença dos Lafetá na região Lisboa veja-se: Rui Manuel
Mesquita Mendes, «Os ªíàffaítatiªª ] Lafetá na Região de Lisboa e Grande Estremadura nos séculos XVI,
XVII e XVIII», Comunicação apresentada na Quinta dos Louridos em 27 de ]unho de 2015 (aguarda
publicação).
ªª Lucas Geraldes, amigo da família Lafetá, tendo sido inclusive testamenteiro de leão Francisco de
126 RUI MANUEL MESQUITA MENDES

& propriedade numa rica casa nobre de campo, de gosto renascentista, mais tarde
conhecida por Quinta do Cosme ou Villa Cosme, que era dotada da sua própria
capela, dedicada a Santo António”. Esta casa, assim como 0 morgado, veio depois
a pertencer aos Condes de Soure (ºª), um dos Vários casos de famílias da nobreza
portuguesa dos séculos XVII e XVIII, cujo património radicava em parte em bens
deixadas por ricos mercadores dos séculos XVI e XVII.
Lourenço de Lafetá, filho natural de Cosme Lafetá, por não ser legítimo não
pode, ao abrigo da respectiva instituição, suceder no morgadio do pai, mas por
causa das partilhas dos herdeiros do mesmo, foi ainda beneíiciado em 1598 com
propriedades em Lisboa e terras em Sintra, na freguesia de Almargem do Bispo,
estabelecendo-se então na localidade de Sabugo”, onde casou e teve a maior dos
51h05, o primeiro dos quais baptizado na Ermida de São Lourenço da sua Quinta
do Sabugoªº, onde tinha casas nobres hoje desaparecidas.

Lafetá em 1529 (informação de Nunziatella Allessandrini), em visita assídua da casa Lafetá em Sintra,
assim como da Vizinha e emblemática Quinta da Penha Verde de D. João de Castro, relatando em 1545,
numa das suas míssivas ao 4.º Vice—rei da Índia, «que Sysneiros rem avido a quinta quefoy do secretario (*)
que queria aver ho senhor Cosmo, nã say se por este rrespeito deixam ho termo de Casquaes e de Syntm /
ajnda que que este anno temfeito muitas obras na sua quinta [de Galamares] e por quefazia conta de levar
a senhora dona [Dana (**) a Colares nas casas do senhor Francisco de Mello, lhe mandou primeiro mudar
os portaes por que nã estava a sua vontade e despois nã levou a senhora dana joana he necessário tomar
os portaes a seu lugar», cf. Virgínia Rau, “Um grande mercador—banqueiro italiano em Portugal: Lucas
Giraldi”, in Estudos de História. Lisboa, Ed. Verbo, 1968, pp. 75—130, p. 106. (*) Trata-se da Quinta de São
Bento, na Matalva, propriedade que fora de D. António Carneiro, Secretário de D. Manuel I e D. João
III, e onde Gaspar de Císneíros, Fidalgo da Casa do Duque de Bragança, fundou em 1548 uma ermida
daquela invocação. (**) D. Joana de Noronha, neta do Conde de Prado e mulher de Cosme de Lafetá,
que sendo já Viúva em 1578 e moradora em Lisboa, a S. Roque, arrenda & sua «quinta de Galamares em
Cintra», cf. Index de Notas de Vários Tabeliães de Lisboa, T. IV, 1949, p. 380. '
27 Anexo 3, It. 3.
28 Os Sousas, Condes de Soure, eram descendentes por linha legítima dos Lafetás, em virtude do
casamento de D. Inês Lafetá, irmã de Cosme Lafetá, com D. Leonardo de Sousa. Em 1847 refere—se ainda
a existência junto & Colares, no sítio da Quinta do Cosme, do «Palácio Velho do Conde de Soure» (ANTT,
Ministério das Finanças, liv. 1621, fl. 30), mas em 1879 o espaço é vendido & Sir Francis Cook, visconde
de Monserrate, que a deixa ao úlho Sir Herbert Cook, que a vendeu a António de Almeida Guimarães
em 1937, cf. <http://WWW.patrimoniocultural.pt/pt/patrimoniD/patrimonio-im0vel/pesquisa-do-
patrimonio!classiíicado-ou—em—vias-de-classiúcacao/geral/viewl71073> (12-10-2016).
29 Em Almargem do Bispo, então uma freguesia periférica dividida entre o termo de Lisboa e o de Sintra,
Lourenço de Lafetá foi por certo figura prestigiada, não só pelos bens que possuía, como também pelas
relações que mantinha com a Corte e com eminentes membros da sua família, entre eles os «Sousa»
alcaides de Tomar e futuros Condes de Soure, os «Távoras da Caparica», os «Sande» alcaides de Punhete
(Constância) e os «Moniz» senhores de Angeja. Sinal desse prestígio foi a nomeação em 1610 para o
cargo de Superintendente da obra da nova Igreja paroquial de São Pedro de Almargem do Bispo, que O
rei mandou que «terá particular cuidado que a dita obra se faça em perfeição e que se acabe com toda a
brevidade», cf. ANTT, Chancelaria de D. Filipe II, Privilégios, liv. 2, fl. 179.
ªº Anexo 3, It. 16.
CÁMARA ECLESIÁSTICA DE LISBOA 127

Quer a quinta de Galamares, quer a do Sabugo tiveram, como se refere, capelas


próprias, mas por serem de um período em que os fundos da CEL apresentam
muitas lacunas, nada se refere nestes sobre a sua edifrcação.

3.2 Duas quintas da costa de Cascais no século XVII e as suas capelas


com «invocações italianas»: A Quinta do Estoril dos Turriano de Faria
e a Quinta de Carcavelos de César Guerce

A sul de Sintra, na costa atlântica de Cascais, havia outra quinta e ermida


«de italianos» na paróquia da Ressurreição de Cristo, a qual era dedicada a
Nossa Senhora do Pópulo, e que em 1719 pertencia a um «Leonardo Torriano»,
administrador do Morgado da Quinta do Estoril“, propriedade onde no Inverno
apenas morava um caseiro, segundo a memória paroquial de 1758.
Este Leonardo referido em 1719 era Leonardo Turriano de Faria, neto do
famoso Leonardo Torriani ou Turriano, forma do apelido mais comum em
Portugalªª, arquitecto natural de Cremona, mas naturalizado espanhol, que se
estabeleceu em Portugal no Hm do século XVI, tendo sido nomeado Engenheiro-
mor do reino em 20 de Abril de 159833. Turriano faleceu entre 1628 e 1629, já com
cerca de 70 anos, e segundo o historiador de arte Rafael Moreira, foi proprietário
da Quinta do Estoril, sendo por isso, de acordo com o mesmo autor, um dos
percursores no aproveitamento das qualidades climáticas desta zona“.
Na realidade, apesar da Quinta do Estoril ter de facto pertencido aos
descendentes de Leonardo de Turriano, e nela ter nascido o seu neto Leonardo
Turriano de Faria, ainda menor em 1677, não é certa a sua ligação ao Engenheiro—
mor do Reino, quer pelo facto de nenhum dos 51h05 conhecidos do Engenheiro
mor ter sido natural de Cascais, uns nasceram em Oeiras (1605-1612) eaoutros

31Anexo 3, lt. 12.


32 As formas «Torriano» e «Torreano» também são comuns.
ªª Prospero Peragallo, Cristofom Colombo in Portogallo: studi critici di Prospero Pemgallo, Genova, Tip.
del R. Istituto sordo—muti, 1882, p. 243.
ªªª Como bem refere Moreira, Turriano não teria sido 0 único arquitecto com uma quinta junto à costa
entre Lisboa e Cascais, pois também Baltasar Álvares possuiu uma quinta em Carcavelos e Mateus do
Couto outra em Oeiras, cf. Rafael Moreira, «Leonardo Turriano en Portugal», in Leonardo Turriano :
ingem'ero del rey, coord. Daniel Crespo Delgado, Madrid, Fundación ]uanelo Turriano, 2010, pp. 121—
202, p. 177. Consulta online: < https://íssuu.c0m/juane10turriano/docslle0nardo_turrian0_ingenier0__
del_rey?e=1641776/3126576> (15-10-2016)
128 RUI MANUEL MESQUITA MENDES

em Lisboa (1615-1617)35, quer pelo facto de a Quinta do Estoril ainda em 1626


andar na posse de Bárbara de Gamboa, 2.ª administradora do morgadoªª, 0 que
nos leva a crer que Turriano não tenha chegado a usufruir da mesma.
Depois da morte de Leonardo em 1629, a sua herança ficou na posse da Viúva,
D. Maria Manuel, mãe de uma extensa prole e tutora do pequeno Luís Turriano
de Faria, filho mais novo que haveria de herdar os bens do pai e os morgadios
da mãe”. Diogo Turriano, () úlho mais velho de Maria Manuel e Leonardo, à
data do falecimento deste, ainda recebeu o ofício do pai na condição de servir na
guerra da Flandresªª, mas terá sempre «evitado» este encargo, desconhecendo—se
o seu paradeiro posterior, pois ainda em 1645 era dado como «ausente em reinos
estrangeiros»ªº. João Baptista Turriano, que seguiu a Vida eclesiástica na ordem
beneditina com nome de Frei João Turriano, foi um distinto mestre de matemática
na Universidade de Coimbra, arquitecto e engenheiro com obra na arquitectura
civil, religiosa e militar, tendo exercido a praça do ausente irmão Diogo entre
1646 e 1661, época em que Luís Serrão Pimentel solicitou o mesmo cargoªªº. Esta
herança excluía ainda assim os bens vinculados, já que estes só pertenciam aos
descendentes de D. Maria Manuel, i.e. 08 restantes irmãos, sendo o irmão mais
novo, Luís Turriano de Faria, o único que não seguir a Vida eclesiástica41 e a casar.

35 Carlos Pereira Callixto, «Os Turrianos: engenheiros de El Rei», in São ]ulião da Barra : Os Primeiros
100 Anos, Oeiras, C. M. de Oeiras, 1989, pp. 201—230, apud R. Moreira, Op. cit., pp. 185-186.
“ BNP, Index de Notas de Vários tabeliães de Lisboa, Tomo III, 1944, p. 81: «Barbara de Gamboa mar na
sua (1.111 do Estoril em Cascaez 3 de lamª de 1626 dá drº ajuro.j1. 3.»
” ANTT, Cartório Notarial de Lisboa, Of.º 11, liv. 183, fls. 93v—94, 8—11—1629: Renúncia de legítima de
joão Turriano, f.“ de Leonardo Turrinno, jáfalecido, em sua mãe D. Maria Manuel, apud. R. Moreira, Op.
cit., p. 183.
ªª Apesar de alguns autores colocarem a possibilidade de Diogo ter nascido em Madrid, fruto do primeiro
casamento de Leonardo Turríano com D. Joana Herrera, e que teria vindo para Portugal apenas depois da
morte da mãe, aqui aprendendo a arte e técnica do pai, na realidade, quer o registo de baptismo na Igreja
de Oeiras em 21.11.1605, que refere «diogo, f.º de Lionardo Turriano, Inginheiro mor deste Reyno e dona
Maria Manuel» (ANTT, Paroquiais, Oeiras, Baptismos, liv. 2, fl. 35v, também referida em R. Moreira, op.
cit., p. 185), quer a concessão de uma tença de 2588000 dada pelo exercício do ofício de Engenheiro—mor
que fora do falecido pai, com a condição de «que antes de exercer a dita praça im sentir a Frandres ou
adonde ouuer guerra vina sinco ou seis anos, com a metade do saldo e a outra metade se pagam 5; mai do
dito Diogo Turriano em Portugual», dada por alvarás de 21.12.1631 e 18.3.1632 e conârmada por carta
de 29.9.1633 (ANTT, Chancelaria de D. Filipe III, Doações, liv. 29, fl. 170, apud Francisco Marques de
Sousa Viterbo, Diccionario historico e documental dos architectos, Vol. 111, 1922, pp. 143-144), Lisboa,
Imp. Nacional, 1904 e 1922), parecem indicar que Diogo era de facto português, se bem que não fosse
o tho mais novo, esse teria sido Leonardo, homônimo do pai, baptizado igualmente na Igreja de Oeiras
em 5.7.1604 (Moreira, op. cit., p. 185), mas que não terá chegado à vida adulta.
ªº ANTT, Cartório Notarial de Oeiras, liv. 10, fl. 49—50, apud Moreira — Op. cit., p. 187.
ªº SOUSA VITERBO, 1922, pp. 144—145; 1904, p. 272.
41 Dos thos de Leonardo Turriano que seguiram a vida eclesiástica encontramos duas filhas, ]oana e
CÁMARA ECLESIÁSTICA DE LISBOA 129

Os Turriano de Faria foram de facto herdeiros no século XVII de uma série


de Vínculos e morgadios, quer no então Julgado de Oeiras, por sucessão de D.
Maria Manuel Cabeía de Faria, viúva de Leonardo Turrianoªº, quer no concelho
de Cascais, onde possuíam este Morgado do Estoril, vínculo que fora fundado
em 2 de Janeiro de 1561 por Leonor Fernandes, Viúva de Roque Lopes, Cavaleiro
e Mestre da Carreira da Índiaªªª, moradores no Casal ou Quinta do Estoril,
propriedade que também foi conhecida pela Quinta dos Banhos do Estoril“, e
que antes de pertencer à família Turríano esteve na posse de D. Bárbara Gamboa,
como atrás se refere, pelo menos até 1626.
A invocação da ermida da Quinta do Estoril leva-nos & presumir & sua origem
italiana, uma vez que a imagem e devoção à «Madonna del Popolo» era comum
em muitas igrej as da península itálica, incluindo na própria Catedral de Cremona,
Catarina que foram freiras em Santa Clara de Coimbra, e dois filhos, Frei Carlos, franciscano que chegou
a provincial dos arrábídos, e João Baptista, que foi frade beneditino, () conhecido Frei ]oão Turriano.
Vide MOREIRA — Op. cit., p. 185—188.
42 ANTT, Genealogias Manuscritas, liv. 1652, fl. 333, apud MOREIRA — Op.Cit., p. 185. O enlace realizou-
se em 1 de Janeiro de 1603, na Igreja de Santa Apolónia, na paróquia de Santa Engrácia de Lisboa
(ANTT, Paroquiais, Santa Engrácia, Mistos, liv. 1, fl. 50, informação de Gonçalo Monjardino Nemésio).
43 Roque Lopes foi cavaleiro da Casa de El Rei, e «mt carrejra da India foj insigne Piloto (...), e grande
Mestrepmtico, Cuja molher Leanor Fernandes instituhio () Morgado do Estoril, nos Rangeis de Lisboa arma
de 1561 e ambos estão enterrados em Santo Antonio dos Padres Franciscanos de Xabregas, e Convento
junto a esta terra [de Cascais], mantos armas Cursou a Carrejra da India, que Sabia de Cor Com felix
Suceso Sempre, nem El Rej teve outro Semelhante naquelles tempos», cf. «Memória Paroquial de Nª Sr.ª
da Assunção da Vila de Cascais de 1758», in António Carvalho (coord.); João Miguel Henriques (texto)
— Cascais em 1755: Do Terramoto à Reconstrução, CM Cascais, pp. 122-256.
44 O Morgado ou Capela era composto pelos «seus bens do Estoril, nomeadamente casas, terras, vinhas,
pomar, matas e fontes», cf. Branca de Gonta Colaço e Maria Archer, Memórias da Linha de Cascais,
Lisboa, Parceria António Maria Pereira, 1943, pp. 285—289, apud Luísa Vilarinho, De Lisboa a Cascais:
rostos, liberdade e medicina, Lisboa, Dislivro, 2008, p. 71. A instituição desta Capela de Leonor Fernandes,
a que era obrigada a sua «Quinta do Historil», mandava dar em cada ano três cântaros de azeite a Santo
António e um cruzado por cinco missas, sendo duas cantadas e três rezadas (ANTT, Hospital de São josé,
liv. 2721, H. 12), missas que certamente seriam rezadas sobre & sepultura do casal, existente no Convento
de Santo António do Estoril, casa onde ainda hoje encontramos uma pedra tumular com a seguinte
inscrição: «S.ª DE ROQE LO / PEZ CAVALEIR / O DA CAZA DEL / REI NOSSO SR E D / E SVA
MOLHE / R R. LIANOR FRZ / EM ESTA NÃ SE / E ETERARA NIGE», cf. Ana Cortez de Lobão, «A
Igreja de Santo António do Estoril - estudo para uma publicação», p. 14, pub. <https://www.academia.
edu/10243903/>, visto em 14-10—2016. Depois da morte deste casal sucederam nestes bens urna Joana
Manuel, frlha de Manuel Afonso, Cavaleiro da Casa de El Rei e Almoxarife de Cascais (provavelmente
familiar de Paulo Afonso, Almoxarife do Reguengo de Oeiras, que era pai de D. Maria Manuel de Faria,
mulher de Leonardo Torríano). Joana era casada com Gaspar de Gamboa (que aparece em 1587 como
morador na sua quinta do Reguengo A-par-de-Oeiras e senhor do Casal do Estoril, cf. L. Vilarinho, Op.
cit., p. 72), ambos pais de D. Bárbara de Gamboa, 2.ª senhora do morgado do Estoril, que ao falecer sem
geração dos seus dois casamentos terá deixado o morgado à viúva de Leonardo Turriano. Vide Cristóvão
Alão de Morais, Pedatura lusitana (mobiliário de famílias de Portugal) [1678], Tomo V, Vol. 1.0, Porto,
Livraria Fernando Machado, 1947, p. 100.
130 RUI MANUEL MESQUITA MENDES

sendo por isso de admitir que aquela tenha sido edifrcada pelos Turriano, senão
Leonardo, talvez pela Viúva ou pelo íilho Fr. ]oão Turriano, aquí residente entre
1677 e 1679, com a cunhada Isabel de Faria, já Viúva de seu irmão Luís Turriano
de Faria, e com () sobrinho Leonardoªª.
Depois da referência à quinta em 1719 voltamos & registá—la em 1758 numa
petição de um Leonardo Turriano de Faria (II), neto do mesmo nome do atrás
referido, que ao tomar posse da propriedade mandou reediúcar as casas da quinta
em 1758, por estas se acharem «assim de habitaçaõ, como de banhos, asfabrícas e
albergarias tão deterioradas pela ocazião do Terramoto de primeiro de Novembro
passado que não era possível habitar as casas para os banhos a que elas erão
aplicados»46, obra que já só foi concluída pelo f11ho deste, José Aniceto Turriano
' de Faria em 178847.
Junto ao Estoril, mas mais próximo de Lisboa, localizava-se & Quinta da
Cartacheira do mercador genovês Cesare Ghersi ou César Guerce, uma das muitas
quintas de Carcavelos. Guerce era um influente capitalista com acesso directo ao
regente D. Pedro e como aúrrna luan Domingo Maserati, representante em Lisboa
de Carlos II na década de 1670, era «bien visto del Príncipe que los Ministros por
socorrer al Príncipe en sus aprietos y muy estrecho de los dos hermanos Marquês de
Marialua y D. Rodrigo de Meneses...»4ª.
César Guerce, à semelhança do atrás referido Lucas Geraldes, foi também um
dos principais benfeitores da Igreja de Nossa Senhora do Loreto dos Italianos,
não se poupando as esforços e despesas quando foi necessário reconstruí—la, após
um terrível incêndio, na segunda metade do século XVII”. A esta igreja deixou

45 Pr. João que veio depois a falecer em 10 de Fevereiro de 1679, estando no Mosteiro de São de Bento
da Saúde em Lisboa. Veja-se aínda ANTT, Santa Cruz de Coimbra, rnç. 1, liv. 2 : «Livro dos Defuntos»,
apud R. Moreira, op. cit., p. 188.
ªªª ANTT, Desembargo do Paço, Estremadura, Corte e Ilhas, mç. 2074, cx. 1992 (1), n.º 1.
47 Para mais informações veja—se, além das obras citadas: Salete Salvado (coord.), Memorial Histórico
de Oeiras, Memorial Histórico de Oeiras, ou Coleção de Memórias de Oeiras, Tomo II - Instituições de
Capelas, 28ª, p. 117, Edição de CMO de 1992; Rui Oliveira, «Um italiano em Portugal», pub. <httpzl/
sintradeambulada.blogspot.pt/2014/09/um—italíano—em-belas.html>; Luís Alves da Silva, «O Espaço
Rural. Estrutura e Relações Sociais em Oeiras (1750—1820)», in VI Encontro de História Local do Concelho
de Oeiras: História, Espaço e Património Rural, Oeiras, CMO, 2005, pp. 97-106, p. 104; Luísa Vilarinho,
De Lisboa a Cascais : rostos, liberdade e medicina, Lisboa, Dislivro, 2008, p. 71—75; João Aníbal Henriques,
«Fausto de Figueiredo e o sonho do Estoril», in Os 100 Anos do Projecto Estoril 1914—2014, coord. Cristina
Carvalho, e João Miguel Henriques, Cascais, Câmara Municipal de Cascais, 2016, pp. 26-47.
ªª Archivo Geral Simancas. Estado, leg, 2626, carta de 18 de diciembre de 1673, apud Pedro Cardim,
“«Nem tudo se pode escrever». Correspondencía diplomática e información «política» en Portugal
durante el siglo XVII”, Cuademos de Historia Moderna. Anejos, IV, 2005, pp. 95—128, p. 113.
ªº Sergio Filippi, La Chiesa degi Italiani : Cinque secoli di presenza italiana a Lisbona nelllârchivo della
CÁMARA ECLESIÁSTICA DE LISBOA 131

ainda Vários legados de missas e ensino dos mais pobres, cumpridos após a sua
morte em 28 de Março de 1697, e a que se juntaram depois outros deixados pelos
seus irmãos, João Tomás Guerce e Matias Tomás Guerceªº.
Na Quinta de Carcavelos de César Guerce, onde este terá vivido os últimos
anos da sua Vida, houve também uma capela igualmente dedicada à «Madonna di
Loreto», ermida que César mandou edificar em 169451 como sinal último da sua
devoção à padroeira dos italianos de Lisboa.

3.3 Os «italianos» na Outra Banda entre os séculos XVII e XVIII


e as suas quintas nobres no termo de Almada52

A «Banda de Além» ou «Outra Banda do Rio Tejo», i.e. & região fronteira
à cidade de Lisboa situada na margem sul do rio Tejoªª, em especial na Vila e
termo de Almada, foi desde os fins do século XV o local de preferência para
muitos mercadores estrangeiros, como 0 já mencionado Bartolomeu Marchione,
e seus descendentes, o fllho deste, Pedro Paulo Marchione, e 0 neto — Nicolau
Chiesa dz” Nostra Signora di Loreto, Lisboa, Fábrica da Igreja Italiana Nossa Senhora do Loreto, 2013.
ªº João Baptista de Castro, Mappa de Portugal, T. V, 1763, p. 325.
51 Anexo 3, It. 2. Esta propriedade e ermida pertenceram no século XVIII a um familiar seu chamado
António Guerce, segundo registam as memórias paroquiais de Carcavelos escritas em 1758.
52 Sobre a presença italiana no termo de Almada, nomeadamente na localidade da Sobreda, veja-se &
nossa comunicação, Rui Manuel Mesquita Mendes, Virgolino, Afonso e Andrea : Trêsfamílias de origem
italiana e as suas quintas da Outra Banda. Comunicação no Auditório da Junta de Freguesia da Sobreda,
13 de Outubro de 2012, e também referido na pubiicaçâo do Centro de Arqueologia de Almada —
Sobreda : História e Património. Junta de Freguesia da Sobreda, 2013.
53 Sobre o contexto histórico e geográfrco da «Outra Banda» e da sua importância económica para a
cidade de Lisboa, antes e depois & Expansão Marítima, veja-se, entre outros, os seguintes estudos e
textos: Maria Alfreda Cruz, A Margem Sul do Estuário do Tejo: Factores e formas de organização do
espaço, [S. I., s.n.], 1973; Alexandre Magno Flores, Almada: sua circunscrição municipal: abordagem
multidisciplinar, Almada, A.JM. Flores, 1996; Aires dos Passos Vieira, Almada no tempo dos Filipes:
Administração, Sociedade, Economia e Cultura (1580—1640). Dissertação de Mestrado em História
Moderna. Lisboa, FL-UL, 1993; Iosé Augusto da Cunha Freitas de Oliveira, «Aspectos da paisagem da
Outra Banda & partir de dois tombos do início de Quinhentos», in Paisagens rurais e urbanas. Fontes,
metodologias e problemáticas. Actas das Primeiras Jornadas, coord. de Iria Gonçalves, Lisboa, Centro
de Estudos Históricos, Universidade Nova de Lisboa, 2005, pp. 9-23; José Augusto da Cunha Freitas
de Oliveira, “Atravessar o Tejo: Mercadores entre Lisboa e a outra Margem”, in Lisboa Medieval: Os
rostos da Cidade, Lisboa, Livros Horizonte, 2007, pp. 214-220; António Gonçalves Ventura, A “banda
dºale'm” e a cidade de Lisboa durante o antigo regime: uma perspectiva de história econômica regional
comparada. Dissertação de Doutoramento em História Moderna. Lisboa, FL-UL, 2007; José Augusto
da Cunha Freitas de Oliveira, Na Península de Setúbal, em )ínais da Idade Média: organização do espaço,
aproveitamento dos recursos e exercício do poder. Dissertação de doutoramento em História Medieval,
Lisboa, FCSH, 2008.
132 RUI MANUEL MESQUITA MENDES

Marchione, que em 1567 recebeu em dote & quinta que veio a pertencer a um
Jorge Unzellªªª. Igualmente seu descendente foi Bartolomeu Marchione, «o novo»,
proprietário na segunda metade do século XVI a chamada Quinta da Lagoa &
sul da Vila de Almada, propriedade que no fim do século XVII pertenceu a uma
sua descendente, D. Margarida Maria Marchione de Melo, que sendo já Viúva do
SargentO—mor António de Miranda Catela, ali edificou uma ermida dedicada a
Santa Quitéria em 172455.
Como referido anteriormente, era também no termo de Vila de Almada que
se situava a casa de campo de Jorge Unzell, mercador veneziano radicado em
Lisboa, que em 1626 alcançou licença do Arcebispo de Lisboa (Fig. 1), para nela
poder ediíicar uma capela dedicada a São Marcosªª. Esta propriedade situada no
sítio da Várzea, junto ao lugar da Sobreda, na então paróquia de São Tiago, é hoje
conhecida pelo nome de Quinta do Salgado.
Esta apetência pelo território do outro lado do rio, defronte da cidade
de Lisboa, acentua—se ainda mais no século XVIII, referindo-se nos mesmos
documentos da CEL outros membros da comunidade italiana aqui proprietários,
como Domenico Maria Anfossi ou Domingos Maria Afonso, mercador genovês
de diamantes que adquiriu uma quinta junto da Sobreda em 1719, nela erigindo
umas casas nobres com ermida em 1722, que vieram a pertencer à sua segunda
mulher e Viúva, a portuguesa D. Maria Teresa da Encarnação, que frcou conhecida
localmente pela «Genovese», nome actual da Quinta (Fig. 4)”. Esta relação entre
os italianos e a toponímia local, que se encontra na Quinta da Genovesa, encontra-
se também e em outros locais da região de Lisboaªª.

54 ANTT, Mosteiro de São Domingos de Lisboa, mç. 2, cx. 53, s/n.º


55 Anexo 3, lt. 13. Veja—se O nosso estudo, Rui Manuel Mesquita Mendes, Bartolomeo Marchionni, um
florentino na Lisboa manuelina: Breve biografia e notas sobre o seu património e família, Lisboa, 28 de
Maio de 2014 (estudo inédito).
56 Anexos 3 e 4, It. 3.
57 Anexos 3 e 4, It. 3.
58 Tal é 0 caso da «Quinta de Vanicelos» em Setúbal, do Capitão D. Lourenço Vaníchely, Cavaleiro
Professo da Ordem de São Bento de Avis (1677), provavelmente um militar de origem italiana que aqui
se estabeleceu no tempo das Guerra da Restauraçã0,'antepassado do clérigo setubalense D. Francisco
António Vanichelí (1770). São conhecidos outros casos, como o da «Quinta de Charniche» em Torres
Vedras, que deverá originar de Girolamo Sernigí ou Jerónimo Cherniche, ou o sítio do «Corvinel» em
Oeiras, de Francisco Corvínel, ambos mercadores italianos estantes em Lisboa no século XVI.
CÁMARA ECLESIÁSTICA DE LISBOA 133

GENVESA
FIG. 4 — Painel de azulejos da «Quinta da Genovesa, Sobreda (Almada)
[Imagem Col. Rui Mendes, 2012]

Ainda no concelho de Almada e na zona da Sobreda, Viviam também no


século XVIII outras duas famílias origem italiana, os Andrea e os Virgolino.
Os Andrea eram proprietários da Quinta da Várzea, cuja capela foi ediúcada
em 1726 por 10510 Dias, um mercador de Vinhos, que depois deixou ao genro, o
mercador genovês Giovanni Filippo de Andrea ou João Filipe Andreaªº.
Os Vírgolino eram proprietários da Quinta do Arieiro (hoje conhecida por
Quinta do Lazarim) (Fig. 1), propriedade que Pedro António Virgolino, criado
particular e Guarda ]óías do Rei D. João V, úlho de um alfaiate romano, Pietro
Antonio Vergolino, que fora criado de D. Pedro 11, herdou na década de 1740 de
António Ximenes, nela edííicando posteriormente uma capela dedicada a São
Carlos Borromeuõº.

3.4 Barberino, Monjardino e Jorge: Três famílias italianas do século XVIII


e as suas casas e quintas nobres nos arredores de Lisboa

Além de Sintra, da costa de Cascais e da Outra Banda, & documentação da


CEL dá também notícia de famílias italianas & estabelecerem—se mais próximo de
Lisboa, tal foi 0 caso do Licenciado e Desembargador do Conselho do rei D. Pedro
II, Bartolomeu Quifel de Carvalho Barberinoªl, que desde 1682 Vivia na Quinta

ªº Anexo 3, It. 8.
ªº Anexo 3, lt. 18.
61 Anexo 3, It. 1. Bartolomeu era filho de Guilherme de Quiffelt, ou Quifel Barbarino, natural de Anvers
(Antuérpia), e sua mulher D. Isabel Fette Barberíno; neto de Bartolomeu Quifel, Governador de Anvers
e Catarina de Mayala Barberino, natural de Florença, vide o nosso estudo, Rui Manuel Mesquita
Mendes, “Comunidade flamenga e holandesa em Lisboa (séculos XV a XVIII): algumas notas históricas
e patrimoniais”, Ammentu, n. 7,1uglio—dicembre 2015 / Centro Studi SEA, 2015, pp. 57-90, p. 82.
134 RUI MANUEL MESQUITA MENDES

de Molha Pão, em Belas, fora, mas próximo dos limites do termo municipal de
Lisboa, uma rica propriedade campestre corn jardins e uma capela dedicada a
Nossa Senhora do Rosário, edifrcada em 171762, propriedade que se conserva
ainda na posse dos actuais descendentes dos Condes de Anadia, sucessores
daquele magistrado.
A zona de Belas terá sido aliás particularmente interessante para as famílias
de origem italiana, registando-se & presença destas na Quinta da Ribeira da ]arda
da Viúva de Miguel Ángelo Escarlate (1788) e na Quinta de Vale de Lobos de José
Francisco Paganino (1828).
Igualmente junto a Lisboa encontramos a Quinta do Candeeiro, na
freguesia de Santa Maria dos Olivais, propriedade do mercador genovês Lazaro
Mongiardino ou Lázaro Monjardino que & terá adquirido pouco antes de 1710,
e nela reediúcando uma capela dedicada a Nossa Senhora da Assunção em
1738“. Segundo informação do investigador Gonçalo Monjardíno Nemésio (seu
descendente), Lázaro nasceu em 1673 na região Génova e faleceu em 1749 em
Lisboa, nas suas casas da rua da Ametade, Bairro Alto.
Diz ainda 0 mesmo investigador que Lázaro estabeleceu—se em Lisboa nos
princípios do século XVIII e aqui teve uma casa de negócios, onde granjeou uma
sólida fortuna, mantendo relações comerciais com as possessões ultramarinas
portuguesas e com diversos países da Europa, conforme declara no seu testamento.
A quinta do Candeeiro, nos Olivais, foi arrematada em praça por Lázaro
Monjardino nela introduzindo muitas benfeitorias, incluindo a referida capela,
bens que Vínculou em morgado, chamando para seu primeiro administrador 0
filho primogênito, Caetano Monjardino, Cavaleiro da Ordem de Cristo (1747).
Outro mercador italiano com muitos interesses no comércio da Lisboa
setecentista era () milanês Giovanni Francesco ]ori, natural da Vila de Orta, no
Bispado de Novara, Estado de Milão, que em Portugal adoptou o nome de Ioão
Jorge“. Este estabeleceu-se em Lisboa também no início do século XVIII, na

ºª Anexo 3, It. 1.
ªª Anexos 3 e 4, It. 14.
64 Sobre Ioão ]orge e seus familiares veja—se entre outros: Emilio Enrico Franco, Un anatomico italiano,
professam a Lisbona nel secolo XVIII: Bernardo Santucci, da Cortona, 1701—1764.- bio-bibliogmjía
documentam e illustrator da Jigure, Arezzo, Viviani, 1925, p. 81; Maria Alice de Oliveira Lázaro, «As
Loges da Travessa de Paulo Iorge, à Junqueira [. . .]», Boletim do Grupo «Amigos de Lisboa», 11 Série, Nº
28, Out.º-Dez.º 2007, pp. 62-87; Luísa Vilarinho, «Os ]orge da Rua da ]unqueira», in De Lisboa a Cascais:
rostos, liberdade e medicina, Lisboa, Díslivro, 2008, pp. 45-56; Rui Manuel Mesquita Mendes, “Fenómenos
de Religiosidade Popular na Caparica dos Séculos XVIII e XIX”, Anais de Almada: Revista Cultural, nº
15-16 (2012-2013), 2013, pp. 215-262. Alguns investigadores lisboetas como Luís Pastor de Macedo ou
CÁMARA ECLESIÁSTICA DE LISBOA 135

freguesia de São Paulo, onde 0 investigador Gonçalo Monjardíno Nemésio regista


o seu casamento com Catarina Hebert em 1715.
João Jorge tinha na primeira metade do século XVIII propriedade e/ou
sociedade numa frota de embarcações (um navio, uma caravela, dois patelos,
uma sétea e um barco de Cacilhas) as quais serviam de apoio para o comércio
de gêneros diversos entre Portugal, a Europa e o Brasil, em especial exportando
Vinhos produzidos na Outra Banda (Almada) e na região de Carcavelos (Cascais).
Era além disso proprietário de uns grandes armazéns que mandou ediíicar na
Praia da Junqueira, junto a Belém, e defronte destes de umas casas grandes e
nobres onde Vivíaªª, casas que ampliou entre 1734 e 1736, nelas construindo uma
ermida dedicada a São João Baptista, que no entanto não consta no registo geral
da Câmara Eclesiástica“.
Na outra banda do rio, defronte da Junqueira, () mesmo João Jorge mandou
também editicar outros grandes armazéns no «esteyo da Banátíca», freguesia de
Caparica (Almada), a que depois acrescentou uma fazenda onde, por devoção e
utilidade dos moradores do lugar, erigiu em 1754 uma ermida com o título de
Nossa Senhora do Cabo67 e que servirá de lugar de passagem do Círio dos saloios
ao Santuário de Nossa Senhora do Cabo Espichelªª.

Perry Vidal atribuíram erradamente a João Iorge & origem irlandesa, e que supostamente teria Vindo
para Lisboa no início do séc. XVIII como Vieram muitos desta nacionalidade na sequência religiosas na
Grâ-Bretanha, cf. Mário de Sampayo Ribeiro, Do Sítio da ]unqueim, Lisboa, Câmara Municipal, 1939,
apud Frederico Gavazzo Perry Vidal, «Os velhos palácios da Rua da Junqueira», Olisipo: Boletim do
Grupo “Amigos de Lisboa”, A. XVIII, nº 70, Abril 1955, pp. 55-68, p. 60-61; <httpsz/lt0p0nimialisboa.
wordpress.com/2015/04/02la-travessa—de-paulo—jorge—do-vínho-de—carcavelos/>.
65 No inventário de partilhas dos bens do casal, depois da morte da mulher de João Jorge, começado em
11.3.1734 e terminado em 15.4.1734, são referidas «umas casas no sítio da ]unquez'mforeiras em fariam
a Ayres de Saldanha em 158000 rs que ocupa a viúva, bem um pátio e quintal, com um passo e foram
avaliados em 3 contos de reis e no mesmo chão para a parte de baixo tem () inventariante principiado
outras casas com irmida e armazém que estão por acabar e não tem habitação cujas obras no estado
presente se avaliarão em 2 contos de réis (..) mais outra propriedade de casas no lugar de Bellem com seu
Iogmdourofronteiros ao mar sobre o cais e se declaravão livres eforam avaliadas em 1:800$ rs (. . . ) Outras
místicas às de cima foreíras aos Religiosos de Bellem em 18750 rs em fatiota que estão damnijicadas e
avaliadas com atenção ao damno em 4008 rs (. . .) outras casas onde chamda o Esteyo de Banatega da parte
de Alem termo de Almada que se declarou serem prazo em vidas foreiras a António Guedes Pereira em
300 rs cada ano e se avaliarão em 8001“ rs», que com a mais fazenda e interesses somava então a quantia
de 34: 1248708 rs, cf. ANTT, Hospital de São ]osé, Escrivão Botelho, mç. 24, n.º 1, fls. 98—101v — Autos de
Contas da Capela de Padre Vitorino Gabriel Iorge.
55 Ermida referida no assento de casamento do frlho, cf. ANTT, Registos Paroquiais do Distrito de Lisboa,
Ajuda (Lisboa), Casamentos, liv. 5, fl. 66v —— Casamento de Paulo jorge com Catarina Maria Caetana Bis
em 14-10-1736 na Ermida de São joão Baptista do Lugar da junqueira.
67 Anexo 3 e 4,It.11.
6310510 Jorge foi especial devoto da Senhora do Cabo, imagem de que era procurador em 1752 (ANTT,
136 RUI MANUEL MESQUITA MENDES

Paulo Jorge, úlho e sucessor nos negócios da família, foi também proprietário
de Várias terras no concelho de Cascais, como a conhecida propriedade Vinhateíra
de Carcavelos designada por Quinta de Paulo Jorge, ou ainda a Quinta de Santa
Rita em Caparide, onde mandou edificar uma capela da mesma invocação
(possivelmente um simples oratório, pois também não consta nos livros de
registo da CEL) e que é referida em 1777 no testamento da íilha, Luísa Maria
Joaquina Jorgeóº. Como nota Luísa Vilarinho & vasta prole de João Jorge e do seu
sucessor Paulo ]orge irá estabelecer relações familiares com importantes figuras e
capitalistas lisboetas da segunda metade do século XVIII, tais como o mercador
Ambrósio Lopes Coelho, casado com Joana Jorge, irmã de Paulo, antepassados
dos Viscondes de Benagazil; ou o Dr. Bernardo Santucci casado com Maria Iorge,
outra das irmãs de Paulo; ou ainda os irmãos Pereira Caldas, conhecidos magnates
da Lisboa pombalina, casados com duas das frlhas de Paulo Jorge.
De acordo com Vários números do Correio mercantil do ano 1798, Paulo
Jorge e os seus irmãos comerciavam com Várias praças e portos do Norte da

Ministério do Reino, mç.693, s/n.º) e nas partilhas dos seus bens, feitas pelos íilhos após 0 seu falecimento
em 11.12.1759, menciona-se «2828352 rs que recebeu dos ofrciaís da Prata de Carnide do Sírio Saloyo
por mão de Manuel Francisco Pato que deve ao Sírio de empréstimo», cf. ANTT, Hospital de São josé,
Escrivão Botelho, mç. 24, nº 1, fl. 315, Inventáríofeito em 9.1.1760. Aliás, no seu testamento João Jorge
deixa Vários legados de carácter religioso e social, assim, além de pedir para ser sepultado na «Capela
do Senhor dos Passos do Convento de Belém», institui duas capelas com «dois Capelães um na Ermida
das minhas Casas sitas mt junqueira da Invocação de São João Baptista ao qual se dará de esmola pelas
Missas da dita Capela 608000 réis em cada um ano com uma Missa livre em cada semana não sendo esta
tomada aos Domingos e Dias Santos e sendo Capelão da dita Capela o dito meu Filho Vitorino Gabriel
jorge, este terá duas Missas livres em cada semana enquantofor Capelão da dita Capela : E outro Capelão
será obrigado a dizer Missa todos os Domingos e Dias Santos na Ermida de Nª 8“ do Cabo que edijíquei
no Porto de Banática ao qual se dará de esmola pelas ditas Missas 248000 réis cada ano»; determina
que pelo rendimento de «uma Vinha com seu Mato que possuo no sítio de Vale de Figueira [Caparica]
(..) ponho a Pensão de pagarem a despesa que sejªzer com o Ensino de seis Meninos Órfãos da freguesia
de N“ S“ da Ajuda no lugar de Belém à razão de $120 réis cada um por mês que se dará ao Mestre pelo
trabalho do seu Ensino; os quais Meninos sempre serão dos mais Pobres da dita freguesia»; manda «aos
Padres Barbadinhas Missionários de Santa Apolónia [Italianos] para guizamento da sua Igreja enquanto
o Mundo durar, uma pipa de vinho todos os anos» e por fun determina que se mandem igualmente
dizer «Missas na Capela da Santíssima Trindade em o lugar da Horta na Itália enquanto o Mundo for
Mundo pelas Almas de meus Pais e Parentes», cf. ANTT, Registo Geral de Testamentos, liv. 273, fls. 52V—-
55, informação de Gonçalo Monjardino Nemésio. Veja-se ainda o nosso estudo, Rui Manuel Mesquita
Mendes, “Fenômenos de Religiosidade Popular na Caparica dos Séculos XVIII e XIX”, Anais de Almada:
Revista Cultural, n.º 15—16 (2012—2013), 2013, pp. 215—262.
ªº A ermida é referida no testamento da filha de Paulo Jorge, Luísa María Ioaquína Jorge, feito em 21-2-
1803, ANTT, Cartório Notarial de Lisboa Nº 11, Livros de notas, cx. 168, liv. 810, fls. 48V—49v; e a quinta
na adjudicação de uns terrenos à Quinta de Paulo Jorge em Caparíde em 1777. Estas duas informações
foram gentilmente cedidas pela investigadora Luísa Villarinho Pereira, a quem penhoradamente
agradecemos a amabilidade.
CÁMARA ECLESIÁSTICA DE LISBOA 13?

Europa, como Amesterdão, Hamburgo e Danzig, de onde vinham centeio, trigo e


legumes, mantendo ainda uma rota comercial com o Maranhão.
A ida dos herdeiros da casa Jorge no século XIX para a Vila do Seixal, na outra
banda do rio Tejo, onde se dedicaram à actividade agrícola e comercial, tendo
por base a Quinta da Bela Vista também conhecida por Quinta do Paulo Jorge,
foi O reflexo do declínio da actividade mercantil das antigas casas comerciais de
origem italiana, muitas delas vergadas ao peso das dívidas acumuladas ao longo
do século XVIII. “

4. NOTAS FINAIS

Como se pode verificar pela análise dos casos aqui apresentados, a maioria
das famílias italianas que se radicararn em Lisboa e arredores ao longo dos séculos
XVI, XVII e XVIII e cujas quintas e capelas foram registadas na documentação
da Câmara Eclesiástica de Lisboa, estavam ligadas ao comércio, actividade e
principal dínamo das relações luso italianas durante O período moderno.
Ocasionalmente encontram—se referências a outras actividades, nomeadamente
de carácter artístico e técnico, ligadas sobretudo à Casa Real, tal é o caso da família
de arquitectos Turriano no século XVII, ou mais recentemente dos músicos
da Patriarcal de Lisboa como é o caso de João Baptista Seculi estabelecido na
sua Quinta da Palhagueira (Caldas da Rainha) em 1782. Será aliás a partir da
fundação da Igreja Patriarcal de Lisboa em 1716 que se veriúcará um afluxo
mais significativo de artistas e músicos de origem italiana à cidade de Lisboa,
muitos dos quais cá se radicaram e constituíram família, como se pode ver pelos
exemplos que detalhamos no Anexo 5 do presente artigo.
Além dos fundos da CEL relativos & capelas fundadas ou administradas por
italianos importa referir que existem outros fundos que não foram objecto do
nosso estudo, mas que importa considerar por fazerem igualmente referência &
italianos e famílias de origem italiana, como sejam os dos processos de casamento,
úanças matrimoniais, habilitações de genere, ordenações e patrimônios de
clérigos. Nos fundos documentais eclesiásticos & nível local importa destacar a
importância dos livros dos róis dos confessados e das visitações, fontes que dada
a sua extensão não foi possível considerar neste trabalho.
Como se pode veriâcar pelo conjunto de dados que aqui apresentamos,
recolhidos na sua maioria no antigo cartório da Câmara Eclesiástica / Cúria
138 RUI MANUEL MESQUITA MENDES

Patriarcal de Lisboa, este arquivo constitui um manancial de grande valor histórico


e arquivístico, nomeadamente no âmbito dos estudos patrimoniais e sócio-
religiosos locais. O índice ou catálogo documental que publicamos no Anexo 3
foi limitado, no essencial, a duas fontes e arquivos (Arquivo Nacional da Torre do
Tombo — Câmara Eclesiástica de Lisboa e Arquivo Histórico do Patriarcado de
Lisboa), excluindo portanto outras que devem servir de complemento e ampliação
às mesmas, como os arquivos e registos paroquiais, os livros de visitações e as
memórias paroquiais, os arquivos notariais, ou os arquivos das provedorias,
fontes em que se podem encontrar referências não só à instituição e/ou simples
existência de ermidas e capelas ligadas a propriedades de italianos ou famílias de
origem italiana, como também ao demais património dessas famílias.

CONCLUSÓES

O presente estudo reforça a ideia que outros autores já tinham evidenciado, que
a partir da Expansão marítima se estabeleceu em Portugal, e sobretudo na região
de Lisboa, uma influente comunidade italiana constituída maioritariamente por
mercadores, mas não só, e que aqueles que conseguiram angariar «maior fazenda»
entre os séculos XVI e XVIII, acabaram por constituir família portuguesa
reinvestíndo parte dos seus rendimento na aquisição de bens duráveis, como
propriedades urbanas e rústicas, que Vincularam por via de morgadio à sucessão
das suas casas familiares.
Esta comunidade, apesar de um forte sentimento identitário que se evidencia
pela ligação comercial e familiar a outras membros da mesma origem e ainda pelo
patrocínio da irmandades e conventos de origem italiana, assimilam rapidamente
as práticas comuns aos restantes extractos mais abastados da sociedade portuguesa
e lisboeta da época. Uma dessas práticas era a estadia periódica no campo, em
quintas e casas com algum aparato, muitas das quais com a sua própria capela,
onde se invocava O culto de santos da sua guarda ou de invocações de cunho
marcadamente italiano, como São Marcos, São Carlos Borromeu, Nossa Senhora
do Loreto ou Nossa Senhora do Pópulo. '
Analisando a geografia e cronologia dessa presença italiana em quintas
nos arredores de Lisboa, recorrendo aos arquivos provenientes da Câmara
Eclesiástica de Lisboa, uma fonte ainda hoje pouco usada na historiograúa da
cidade, demonstrámos que algumas famílias italianas mais abastadas seguiram
CÁMARA ECLESIÁSTICA DE LISBOA 139

num período inicial o gosto da Corte, estabelecendo—se no século XVI junto de


Sintra, e em épocas posteriores Vieram a dar preferência a outras áreas, que não
na zona do interior do estuário do Tejo, como aconteceu por exemplo com a
comunidade flamenga que recentemente estudámos, mas na costa entre Lisboa e
Cascais e em especial na outra banda do rio Tejo, no termo de Almada.
Estas conclusões são no entanto parciais, feitas com base numa catalogação
e inventário do arquivo do Patriarcado de Lisboa ainda em curso, trabalho que
uma vez concluído, permitirá certamente complementar e acrescentar () presente
estudo.

ANEXO 1: A DOCUMENTAÇÃO DA CÃMARA ECLESIÁSTICA


DE LISBOA (CEL) NUMA BREVE ANÁLISE INTRODUTÓRIA
Não cabendo no âmbito do presente trabalho aprofundar a história e razões pelas
quais 0 arquivo deste cartório da CEL se encontra hoje dividido pelo Arquivo Histórico do
Patriarcado de Lisboa (AHPL) e pelo Arquivo Nacional / Torre do Tombo (ANTT), importa
referir que esta divisão resulta da incorporação, em 1930, de uma parte do fundo da CEL na
Biblioteca Nacional de Lisboa (BNL), actual Biblioteca Nacional de Portugal (BNP)7º, parte
que posteriormente transitou para a Torre do Tombo em 1997. Já quanto ao restante fundo
documental da Cúria Patriarca] de Lisboa (CPL) — designação usada a partir da instituição
do Patriarcado de Lisboa em 1716, este permaneceu sob a custódia do Patriarcado de Lisboa
e hoje encontra-se no Arquivo Histórico do Patriarcado de Lisboa instalado no Mosteiro de
São Vicente de Fora.
O acesso dos investigadores & esta documentação começou pela pesquisa da parte do
cartório da CEL que se encontrava inicialmente na BNL, documentação na sua maioria de
carácter genealógica, i.e. maços com processos de casamento e processos de habilitação de
genere, para os quais & BNL produziu um índice que foi publicado logo em 1933, edição
que não teve sequência além do 1.0 volume. Na mesma época foram produzidos índices
manuscritos para os processos de casamento, dispensas matrimoniais e habilitações de
genere, os quais foram posteriormente incorporados no ANTT, sem que o restante fundo
fosse organizado e inventariado.
O direito canônico, antes e depois do Concílio de Trento (1545-1563), obrigava a urna

70 A Biblioteca Nacional, inicialmente denominada “Real Biblioteca Pública da Corte”, foi criada por
alvará de 29 de Fevereiro de 1796 e licou instalada nas antigas acomodações da Real Mesa Censória,
na ala ocidental da Praça do Comércio. Transferida em 1836 para o antigo Convento de São Francisco
da Cidade, passou então a designar—se por Biblioteca Nacional de Lisboa, local onde se manteve até
10 de Abril de 1969, quando foi ocupar as novas instalações construídas para O efeito junto a Cidade
Universitário no Campo Grande, Vide Maria Alzira Proença Simões, Catálogo dos Impressos de Tipografa
Portuguesa do Século XV1:A Colecção da Biblioteca Nacional, Lisboa, Biblioteca Nacional, 1990, p. 11. A
sua designação actual, Biblioteca Nacional de Portugal, foi estabelecida pelo artigo 14." do Decreto-Leí
nº 215/2006, de 27 de Outubro.
140 RUI MANUEL MESQUITA MENDES

licença expressa do prelado para & erecção e a celebração de missa nos lugares de culto,
estando previstas no regulamento da Chancelaria da Câmara Eclesiástica de Lisboa (CEL)
publicado em 1560 no 3.0 Livro de Registo da Câmara, as normas para a concessão de licenças
de ermidas ou para levantar altares em igrejas (AHPL, ms. 658, 11. 4), do mesmo modo que
havia sido determinado por diversos arcebispos de Lisboa nas suas Constituições, como
foi 0 caso das publicadas por D. Ioão de Azambuja em 1402, que diziam no Cap. 46: «Item
deleiulemos e mandamos a todollos sacerdotes do nosso arcebispado que num digam missas
em ermidas nem baptizem nem façam em outros edifzçios, nem leygos façam oratórios nem
hirmidas nem leuantem altar nouamente ainda que sseia em igreia sob penna de excomunhom
a qual! poeemos em elles passados seis dias do contrairofazendo ssem nossa carta de licença ou
de quem nosso lugar teuer que ponham as constituições sinodaes»“, preceito coníirmado pelo
Cap. 34 das Visitações Gerais de D. Jorge da Costa de 1464-6872.
]á depois do Concílio de Trento, D. Rodrigo da Cunha, Arcebispo de Lisboa, determinou
nas Constituições de 1640, o seguinte sobre a edificação de lugares de culto: «Assim como
se não podem fundar igrejas, de novo em nosso arcebispado sem licença nossa, assim também
as Ermidas Pelo que mandamos que, querendo algumas pessoas fundá-las em louvor, e honra
de Deus, ou nos seus Santos, nos dêem primeiro conta por petição, apontando o lugar, e sítio, e
invocação de que se hão de chamar. E achando nós ser lugar decente, e que se lhes assina dote, e
renda competente para suafábrica, reparação e ornamentos, lhe concederemos licença, fazendo
de tudo autos, e escrituras, que se guardarão no Cartório do Arcebispadwiª.
Apesar destas determinações e das suas implicações, foram ainda assim poucos os estudos
de história do património religioso da região de Lisboa e Grande Estremadura & fazerem
qualquer referência à documentação da CEL, sendo as excepções ou investigações mais
recentes ou que tiveram acesso a documentação ainda existente nos cartórios paroquiais.
No entanto, investigadores da história e património religioso de outras regiões portuguesas
remetem e recorrem frequentemente aos arquivos das respectivas chancelarias eclesiásticas“.
Chegámos & pensar que tal omissão fosse 0 resultado da perda de documentos e fundos
na sequência do Terramoto de 1 de Novembro de 1755, que tanto afectou documentação
de outra natureza, como por exemplo os fundos notariais de Lisboa, mas tal não era o caso.
Assim, depois de no ano de 1997 termos feito uma primeira tentativa, íniciámos em 2007 um
levantamento sistemático de documentos da CEL. Foi a partir deste levantamento, que incluiu
os livros de registo e maços de expediente existentes no Arquivo Histórico do Patriarcado de

“ Margarida G. Ventura, As « Visitações gerais» de D. ]orge da Costa: notícia e breve análise, p. 22.
” Figueiredo, 1887.
7ª D. Rodrigo da Cunha, Constituições do Arcebispado de Lisboa, 1640 (1737), Livro I — Título V - Decreto
1; Livro II - Título I — Decreto I). Veja—se R. Mendes, 2010 : notas 52, 53, 54, 55 e 56.
“ Veja-se o caso da obra «O Couzeiro ou Memórias do Bispado de Leiria», manuscrito anónimo
publicado em 1868 pelo P.e INÁCIO JOSÉ DE MATOS; ou dos 3 vols. de «Bragança e Miranda (bispado)»,
de José de Castro ( 1946); ou ainda de catálogos documentais modernos, como os da região de Viseu —
«Igrejas e capelas públicas e particulares da Diocese de Viseu nos século XVII, XVIII eXIX (os vínculos, as
confrarias, cronologia artística) - Novas Achegas par a História da Arte na Diocese de Viseu», publicado
por Alexandre Alves em Vários números da revista Beira Alta (entre 1966 e 1972); e os da região de
Coimbra e Aveiro — «Instituições Pias (sécs. XVI-JOC) em Documentação do Cabide e Mitra da Sé de
Coimbra»,pub1icad0 por Alice Correia Godinho Rodrigues e Filomena Maria Matos Ala Rodrigues em
1987.
CÁMARA ECLESIÁSTICA DE LISBOA 141

Lisboa, trabalho ainda incompleto, e os maços existentes na Torre do Tombo, que publicárnos
em 2009 e 2010 os primeiros catálogos e estudos sobre a história do património religioso
da região, que incidiram sobre o território dos concelhos de Almada e Seixal”. É também a
partir deste levantamento, que agora publicamos 0 presente estudo sobre a presença italiana
na região de Lisboa.
A ínventaríação dos fundos da CEL / GPL e' um processo moroso devido à extensão e
dimensão das unidades de instalação, basta para tal referir que só no AHPL existem perto de
2000 livros manuscritos, 690 caixas, 840 maços e cerca de 750:000 processos de casamento.
Quanto à Torre do Tombo, só aqui existem 3687 maços originários da CEL, em que cada maço
poderá ter até 350 a 360 processos, como acontece por exemplo no importante maço 1809:
«Capelas / Ermidas», que constava originalmente de 373 processos de licenças organizados
por ordem alfabética do requerente / localidade e dos quais, segundo nota arquivística de 7 de
Dezembro de 1966, já não se sabia o paradeiro de 18.
No trabalho de inventário documental do fundo da CEL existente no ANTT, a primeira
prioridade foi a conclusão da ídentiúcaçâo dos maços que no inventário provisório ali
existente ainda não se encontravam identificados, e a segunda foi catalogar o conteúdo
dos maços que pudessem ter processos de requerimento de licenças de lugares de culto,
irmandades e respectivos compromissos, e outros de interesse para história do património
religioso, levantamento que abarca até à data meros 5% dos 3687 maços já referidos, 194
maços respeitantes a — autos de patente; capelas; causas beneúciaís; certidões diversas;
demissórias; erecções; ermidas; expediente; justíúcações diversas; licenças; papéis diversos;
petições; processos vários; redução de missas / capelas; requerimentos; e visitações. Os
restantes 3493 maços, que não foram catalogados, tratam de temas de interesse em diversas
áreas que fugiam ao âmbito do nosso trabalho de pesquisa, que se centrava na história do
património religioso“?
A documentação identiíicada permite, desde já, localizar processos e licenças que
clarificam, ou trazem ao nosso conhecimento, dados inéditos sobre a cronologia e geograúa das
devoções e lugares de cultos (públicos e particulares) existentes nas paróquias do Patriarcado
de Lisboa nos séculos XVI, XVII, XVIII e XIX. O objectivo deste trabalho não é produzir um
catálogo ou índice documental definitivo sobre o património religioso da região de Lisboa,
mas servir de ponto de partida para outros estudos mais desenvolvidos, procurando tornar
finalmente acessível uma fonte documental, até agora bastante subvalorizada.
O índice que organizámos sobre a presença italiana neste fundo, cujo breve catálogo
publicamos no Anexo 3, tem os processos ordenados alfabeticamente pelo nome da localidade
e/ou do requerente, seguidos da designação e localização do lugar de culto (ou instituição),
e por fun 0 ano do processo ou provisão, com a cota respectiva, quer de: m.º — maço, para os
processos de autos de licença da CEL, existentes no ANTT; quer do ms. — manuscrito, ou UI

75 Rui Manuel Mesquita Mendes, Caparica: Igrejas e Ermidas do Século XV ao Século XX [texto
policopiado], Almada, Arquivo Histórico Municipal, 2009; Rui Manuel Mesquita Mendes, “Património
Religioso de Almada e Seixal: Ensaio sobre a sua História no Século XVIII”, Anais de Almada: Revista
Cultural, n.º 11—12 (2008—2009), pp. 67—138,
76 São os casos identifrcados no respectivo inventário provisório como — Apresentações; Banhos; Cadeiras
Suprimidas; Coleções; Dispensas Matrimoniais; Habilitações de Genere; ]ustíflcação de Compatríota;
Licenças da Misericórdia; Mandados ao Tesoureiro; Multas; Ordenações; Ordens; Padroado Real;
Patrimónios; Processos de Casamento; Reverendas; Sumários Matrimoniais; e Testamentos.
142 RUI MANUEL MESQUITA MENDES

— unidade de instalação, para as provisões registadas nos livros do registo geral, existentes no
Arquivo Histórico do Patriarcado de Lisboa.
Importa referir que a grande maioria dos maços da CEL são constituídos por documentos
avulsos, sem uma ordenação cronológica ou alfabética pré—deúnída, nem uma ordenação
interna por nº de processo. A única excepção & esta ausência de nº de processo é a dos
maços 1809 e 1810, designados na origem como os maços das «CAPELAS» (em maiúsculas),
já os restantes maços, em especial os n.ºs 1807 e 1808, designados na origem como os das
«ERECÇÓES» (em maiúsculas), não têm número de índice, apenas o ano, pelo que nos
limitaremos & referi-los na respectiva cota como «s/n.º», podendo no entanto ser pesquisados
pelo respectivo ano.
Em complemento ao catálogo da CEL, e para os casos em que não existam processos
de requerimento no ANTT, há também referências a previsões de licenças lançadas nos
livros do Registo Geral da CEL (dos séculos XVI, XVII e XVIII), existentes no AHPL, e as
escrituras de dote e obrigação à fábrica das ermidas e capelas, que se podem consultar no
índice de escrituras dos livros do distribuidor de Lisboa ou dos cartórios notariais de Lisboa
e ainda algumas das capelas identííicadas nas visitações, memórias paroquiais e outras fontes,
permitindo assim identificar outros processos de requerimento não localizados no Cartório
da CEL.

ANEXO 2: o PATRIMÓNIO RELIGIOSO REFERIDO


NA DOCUMENTAÇÃO DA CEL, CONSIDERAÇÓES SOBRE
A APROVAÇÃO DOS LUGARES DE CULTO
E o SEU CONTEXTO HISTÓRICO

No património religioso referido no cartório da Câmara Eclesiástica de Lisboa ídentíúcam—


se três tipologias especíncas de lugares de culto — 1) as igrejas e respectivos altares; 2) as
capelas ou ermidas públicas, edíúcadas e/ou mantidas por irmandades, devotos e moradores
das Várias paróquias e seus lugares anexos; e 3) as capelas ou ermida particulares, abertas ao
culto público, edificadas por devoção particular dentro ou junto & propriedades privadas,
como quintas e casas nobres. As ermidas públicas ou particulares, que estivessem abertas
ao culto por licença do ordinário, eram subordinadas às paróquias como úliais, Visto que o
direito canônico e as constituições do arcebispado de Lisboa estabeleciam que, na erecção de
ermidas pelo ordinário, sempre íicariam salvaguardados os direitos paroquiais.
As igrejas e ermidas públicas andavam muitas vezes acompanhadas de confrarias
e irmandades com os seus capelâes, que onciavam missa regularmente por obrigação
dos respectivos compromissos, e de que existem registos do movimento de instituição de
irmandades e aprovação dos seus estatutos ou compromissos na Câmara Eclesiástica. No caso
das ermidas particulares, só em algumas delas havia capelão e celebração regular de ofícios,
em regra associados a alguma obrigação de morgado e capela pela alma dos seus ínstítuidores
e padroeiros.
A paramentação e decência das igrejas e ermidas públicas era da responsabilidade quer do
povo, através das suas esmolas e frutas, quer das irmandades, através das suas rendas próprias,
que incluíam bens que eventualmente lhe fossem deixados pelos devotos e irmãos. No caso
CÁMARA ECLESIÁSTICA DE LISBOA 143

das ermidas particulares abertas ao culto público, estas tinham em regra um rendimento anual
fixo — a «fábrica», o qual fora estipulado pelos ínstituidores no momento da sua fundação e
aprovado pelo ordinário, esta renda nas ermidas fundadas no século XVIII valia cerca 4$000
réis anuais, frequentemente Vinculados aos rendimentos da quinta ou casas onde a ermida
estava ediúcada por instituição de morgadio e capela e no caso mais comum, por obrigação
de dote. Num caso e no outro, sempre que em Visitação fosse veríúcada a insuflcíência
de paramentos, & degradação do edifício, o uso indevido do espaço de culto ou qualquer
outra irregularidade (como a falta de licença ou de dote), 0 Visitador tinha autoridade para
suspender o culto na ermida e mandar transferir as imagens e paramentos para a matriz ou
até cativar os seus rendimentos enquanto a irregularidade não fosse suprimida.
A licença de culto era concedida, em regra, para um altar somente, mas no caso das
igrejas paroquiais, conventuaís e em algumas ermidas de maior dimensão, era comum existir
mais que um altar, i.e. haver altares laterais à direita e esquerda da capela—mor (ou seja na
epístola e no evangelho, respectivamente) e altares colaterais no cruzeiro, no corpo ou em
outros espaços do templo e espaço conventual, como & sacristia ou a casa do capítulo, e para
os quais eram necessárias licenças para aí se celebrarem missa, podendo os mesmos serem
paramentados por devotos e irmandades ou por administradores particulares, por obrigação
de morgado e capela.
A ornamentação e paramentos de um lugar de culto incluíam as «alámpadas», castiçais,
patenas, caldeirinha, hyssope, galhetas, cálices, frontais, toalhas, cortinas, mísseis, cruciúxos,
imagens, caixões, retábulos (incluídos os entalhes e pinturas) e a pedra de ara; elementos
próprios de cada lugar de culto sem os quais estes não podiam ser aprovados”.
Os altares da igreja, que se encontravam separados do resto do corpo da mesma por
grades ou portais, eram chamados de «Capelas», poís tinham missa regular privativa por Via
de instituição e/ou disposição testamentaria em memória de um fundador e sua família, sendo
aplicados a estes as mesmas disposições canônicas aplicáveis aos demais lugares de culto.
A partir do século XVI e sobretudo do XVII assístiu-se & um aumento da fundação
de novos lugares de culto públicos, quer por razões de ordem demográíicaª, quer pela

”' No cartório da Casa de Nisa havia em 1921 um maço com as escrituras da «Ermida de Nossa Senhora
das Angústias da Quinta dos Chavões», entre elas um instrumento publico feito em 27 de Julho de 1611
pelo tabelião de Santarém, Domingos da Mota, em que Rui Teles de Menezes e D. Mariana dotavam &
capela com os seus ornamentos e com uma fazenda de Vinhas, olival, pomar, casas e horta, comprada
expressamente para este efeito na Ribeira do Cartaxo, com um rendimento médio de 10 pipas de Vinho
e 30 alqueires de azeite, cf. Sampayo, 1921: p. 204. Veja—se também ANTT, CEL, mç. 1809, nº 295.
“3 Tratou-se de um movimento praticamente sem precedentes em épocas anteriores, consequência não
só da evolução demográfica e económica, como também do espírito da Contra-Reforma assente nas
normas do Concílio de Trento (1545—1563), e que favoreceu O estabelecimento, durante este período,
de novas paróquias e de novos lugares de culto. Era uma preocupação da hierarquia católica de então,
assim como de muitos devotos mais abastados, assegurar uma maior proximidade, envolvimento
e participação na vida religiosa comunitária, em especial nos actos litúrgicos aos quais os fiéis nem
sempre assistiam, especialmente aqueles que residiam ou trabalhavam longe das igrejas matrizes, ou
quando, para se deslocarem & elas, tinham de percorrer caminhos difíceis e perigosos, em especial no
Inverno, por causa dos rios e ribeiras mais caudalosas. A edificação de igrejas frliais e ermidas era feita
pelos moradores das aldeias ou lugares de maior povoação e a multiplicação de lugares de culto facilitou
uma maior assistência aos actos religiosos por parte dos fiéis mais distantes do centro da paróquia, que
assim também evitavam deslocações frequentes à igreja matriz. Veja-se R. Mendes, 2010 : pp. 76-77.
144 RUI MANUEL MESQUITA MENDES

necessidade de prestar assistência religiosa às populações mais distantes das igrejas paroquiais
e ao doentes, possibilitando—lhes assim a administração do sagrado Viátíc079, razão pela qual
as Constituições do Arcebispado de Lisboa de 1640 determinavam & existência «ermidas nas
aldeias, e lugares, aonde ao menos houver 15 vizinhos»ªº.
A par do aumento do número de lugares de culto públicos, assistem—se igualmente a um
aumento de lugares de culto em espaços particulares, fossem eles oratóríos ou ermidas (estas
últimas também abertas ao culto público), os quais eram erigidos por particular devoção e/ou
utilidade dos senhorios desses lugares, em regra palácios, solares ou quintas.

ANEXO 3: CATÁLOGO DE ALGUMAS CAPELAS DE ITALIANOS


OU DE FAMÍLIAS DE ORIGEM ITALIANA NO CARTÓRIO DA CEL

ANTT, CEL
It. Instituidores Capela ou Ermida (Enª) AHPL
] Bartolomeu Quifel de Carvalho Br.“ de Nª ST.“ do Rosário da sua m.º 1807, s/n.º
Barberino, Desembargador do Quinta de Malha Pão (Belas), c/ 1ic.ª ms. 423,11. 036
Conselho da Fazenda, neto de em 1717.
flamengos e florentinos
2 César Guerce, mercador Br.“ de N.“ Sr.“ do Loreto da sua *“
genovês Quinta de Carcavelos (Cartuchez'm),
c/ dote em 1694.
3 Cosme Lafetá (?), filho de Ioão Br.“ de Stº António da sua Quinta de 32
Francisco Lafetá, mercador Galamares (Sintra), constªr. ªº de 1556.
natural de Cremona
4 Domingos Maria Afonso, Br.“ de N.“ Sr.“ do Carmo da sua * m.º 1809, n.º
mercador genovês Quinta da Silveira, Caparica 087
(Almada) c/ lic.ª em 1722. ms. 423, fl. 258
5 Fr. Francisco António de S. Ig.“ do Hospício de N.“ Sr.“ da m.º 1810, nº
Pedro, superior dos religiosos Porciúncula c/ lic.ª em 1739. 149
capuchinhos italianos ms. 024, fl. 482

79 Por exemplo, numa visitação à freguesia de Aldeia Gavinha, em Alenquer, feita em 1627, o visitador
nota que «avia mantas Irmidas comesadas, e mandadas fazer por vizitasois per se aver de aministrar o
viatiqua aos emfermos como sam as do Freyxial e Montegil», cf. ANTT, CEL, mç. 1807, s/n.º - Certidão
inserta numa Petição do Capitão Manuel Monteiro da Costa do Lugar de Montegil, Aldeia Gavinha de
13-3-1738. No caso desta ermida de aldeia de Montegil, a mesma fora feita em espaço particular do
proprietário da quinta do mesmo nome, que mais tarde é instado pelos visitadores & reedificar a ermida.
ªº Constituições do Arc. de Lisboa de 1640, Lv.º I — Tít.D V — Dec.º III, apud R. Mendes, 2010 : n. 51.
81 Em Agosto de 1694, () Distribuidor dos tabeliães de Lisboa lançou um bilhete de distribuição an
tabelião Domingos Carvalho com a seguinte nota: «Date César Ghersy à sua Irmida», cf. ANTT, Livros
do Distribuidor de Lisboa, cx. 17, L.º 69, fl. 175.
ªº <http:l/WWW.monumentos.pt/site/app_pagesuser/SIPA.aspx?íd=61 15> (15—10-2016)
CÁMARA ECLESIÁSTICA DE LISBOA 145

6 Jácome de Barde, mercador Er.“ da sua Quinta de S. Pedro de ms. 702, 11. 002
florentino Penaferrim (Sintra), c/ líc,ª em 1574.
7 João Baptista Ceccoli, músico Br.“ de N.“ Sr.“ do Bom Conselho da mº 1837, s/n.º
italiano da Patríarcal sua Quinta da Palhagueim (Caldas ms. 377, 11. 215
da Rainha) c/ 1ic.ª em 1782.
8 João Dias, mercador de vinhos, Br.“ de N.“ Sr.“ dos Remédios (depois rn.º 1809, nº
e 0 seu genro João Filipe de S. joão e Nª Sr.“ da Conceição) da sua 154
Andrea, mercador genovês Quinta da Várzea (Caparica), c/ líc.ªs ms. 832, fl. 161
de 1726 e 1727. ms. 832, fl. 224
9 Ioão Francisco Bandenucci, Altar do Stº Cristo de Lucca na m.º 1837, s/n.º
legado à Irmandade do SS.º Sacristía da Ig.“ de S. Paulo de Lisboa, ms. 360, fl. 282
Sacramento de S. Paulo c/ linª em 1755.
10 João Jorge, mercador milanês Br.“ de S. ]oão Baptista das suas Casas ªª
da ]unqueim (Belém), c/ culto em
1736.

11 João Jorge, mercador milanês Br.“ de N.“ Sr.“ do Cabo na Banática * Expe 1752-54
(Caparica), c/ lic.ª em 1754. ms. 360, fl. 136
12 Pr. João Turriano / Luís Enª de N.“ Sr.“ do Pópulo da Quinta 84
Torriano de Faria (?), filhos de do Estoril (Cascais), c/ ref.ª em 1719.
Leonardo Turriano, Engenheiro
mor de Portugal, natural de
Cremona
13 Jorge Unzel, mercador Br.“ de S. Marcos da sua Quinta da * UI 305, fl. 030
veneziano Várzea, Caparica (Almada), e! lic.ª
em 1626.
14 Lázaro Monjardino, mercador Br.“ de N.“ Sr.“ da Assunção da sua * m.º 1809, n.º
genovês Quinta do Candieiro, Olivais, cl 1ic.ª 230
em 1738. ms. 024, fl. 407
15 Lisboa, Irmandade de Nossa Altar de S. joão e StªAna na Igª ms. 749, fl. 142
Senhora do Loreto da Nação nova“ de N.“ Sr.“ do Loreto, c/ breve
Italiana de em 1785.

ªª A 14 de Outubro de 1736, «se receberão por marido e mulher (..) Paulo George f º de João George e
de sua mulher Catherina Hebertjá defunta natural e baptizado nesta freguezia : com Catherine: Maria
Cayetana Bis, fª Francisco Bis, 6 de sua mulher Maria Thereza ja' defuntos, e baptizada nesta freguezia,
e nella moradores no lugar da ]unqueyra, e como se recebemõ na Hermida de S. ]oaõ Baptista no ciº
Lugar da ]unqueyra com licença in scriptis do ILmo Rmo Sr. Patríarcha quejíca no Cartório desta Igreja
[da Ajuda] », cf. ANTT, Paroquiais, Ajuda (Lisboa), Casamentos, Liv. 5, fl. 6617, informação de Gonçalo
Monjardíno Nemésio e Luísa Vilarinho.
ªª A 7 de Outubro de 1719, o Dr. António Gomes da Costa, Visitador do Patriarcado de Lisboa, na sua
visita à igreja e paróquia da Ressurreição da vila de Cascais regista que «A ermida de Nossa Sr.“ do
Popullo na qt.“ do Estoril a cuja fabrica he obrigado Leonardo Torriano está decente e paramentada», cf.
AHPL, ms. 576, 11. 295.
146 RUI MANUEL MESQUITA MENDES

16 Lourenço Lafetá, neto de João Erª de S. Lourenço da sua Quinta do 85


Francisco Lafetá, mercador Sabugo (Sintra), e! culto em 1601.
natural de Cremona
17 D. Margarida Maria Marchíone Erª de Stª Quitéria da sua Quinta da rn.º 1807, s/n.º
de Melo e sua úlha Maria Rosa Lagoa (Almada), e] lic.as em 1724 e ms. 423, fl. 339
Marchione Melo, descendentes 1727. ms. 832, fl. 181
de Bartolomeu Marchione,
mercador florentino dos séculos
XV/XVI
18 Pedro António Vírgolino, criado Er.ª de S. Carlos Borromini da sua ªº
e Guarda ]óias de D. Ioão V, Quinta do Arieiro (Caparica), c/ ref.ª
51110 de um alfaiate romano do em 1758.
mesmo nome
19 Teresa Bernarda de Macedo e Enª de Stª Ana da sua Quinta da 87
Amaral, viúva de Miguel Ãngelo Ribeira da ]arda (Belas), c/ dote em
Escarlate 1788.
* Assínala-se com asterisco os processos transcritos no anexo 4.

ANEXO 4: TRANSCRIÇÓES DOCUMENTAIS

It. 4
« [PETIÇÃO] HLmo R.mo Sr. / Diz D.ºs M.ª Affonço mor na freguesia de N. Srª do
Monte de Caparica termo da V.ª de Almada que na sua quinta da Silveyra se acha ediflcada
hua Capella corn a decência com titolo de Nª Srª do Carmo para nella se venerar & dita Sr.ª e
se dizer missa para remédio dos moradores daquele sítio q dista mtº da freguesia e p.ª se dizer
missa nesta necessita de licença de V. Illma Rma. / P. A V. HLma e Rma seia servido dar-lhe
a dita licença precedendo as deligencias necessárias. / E. R. M.ce.
[DESPACHO] EP. de líc.ª e se registe na Câmara o dotte em q úcarão também estes. Líx.ª
Occ.tal, 2 de 8.bro de 1722. RP.»

35 A 19 de Julho de 1601, 0 Sr. Dom Francisco de Sande baptizou na «hermida que está em o lugar de
Sabugo desta freguesia [de Almargem do Bispo] na quinta de Lourenço de Lafetá a hum jílho do dito
Lourenço de Lafetá e de Cosma da Costa e isto de licença e comissão do ILº sr. Arcebispo ao qual puzerão
nome Gaspar efoi padrinho o Pe. Gil ...», cf. ANTT, Paroquiais, Almargem do Bispo (Sintra), Baptismos,
liv. 1, fl. 58.
86 Em Abril de 1758, 0 cura da Caparica, Pe. Iosé António da Veiga, regista na sua «Relação Topográjíca
desta Freguesia de Nossa Senhora do Monte de Caparica», que () «Arieiro, 2.“ povoação, consta de 25fogos,
e uma Ermida de São Carlos Barromeu, em a quinta de Pedro António Virgolino», cf. ANTT, Dicionário
Geográjíco ou Memórias Paroquiais, vol. 9, nº 113, fls. 769-778, apud Alexandre M. Flores, «Vila e Termo
de Almada nas Memórias Paroquiais de 1758», Anais de Almada, 5-6 (2002-2003), pp 23-76.
87 A 10 de Maio de Maio de 1788, 0 tabelião Inácio Correia de Sousa e Andrade lavrou uma escritura
de dote de 88000 rs para a fábrica da Capela de Santa Ana que D.ª Teresa Bernarda de Macedo e
Amaral, Viúva de Miguel Angelo Escarlate, moradora em Lisboa, ao Chiado, na freguesia do Santíssimo
Sacramento, mandou edificar na sua Quinta da Ribeira da ]arda, cf. ANTT, 12.º Cartório Notarial de
Lisboa, Of.º B, Livros de Notas, liV.º 111, 11. 38.
CÁMARA ECLESIÁSTICA DE LISBOA 147

[ESCRITURA] Em nome de Deos Amen Saibam quantos este instrumento de Dotte &
Obrigação virem que no Anno do Nascimento de Nosso Senhor ]ezus Christo de mil sette
sentos e Vinte e dous em Vinte e dous dias do mês de Junho na Cidade de Lx.ª Occidental à Rua
da Ametade dentro das portas de Santa Catherine nas cazas de morada de Domingos Maria
Affonso e estando ele ahi prezente e bem assim sua molher Joanna Maria Balby pellos quais foy
dito perante mim Taballíam e testemunhaz ao diante nomeadas que eles tem e pessuem huma
quinta chamada da Silveira sita na Preguezia de Nossa Sr.ª do Monte do Lugar de Caparica,
na qual estam fazendo huma Ermida por Envocação de Nossa Sr.ª do Carmo e porque para
nella se celebrar o sacrefício da Missa lhes he necessario na forma das Constituiçoens deste
Patriarchado fazer lhe Dote para seu ornato e guizamento querendo assim dotalla disseram
portanto elles Domingos Maria Affonso e dita sua molher que por esta escriptura E pella
Via milhor de direito Dotam & dita Ermida por emvocaçam Nossa Senhora do Carmo da sua
quinta da Sylveira Freguezia de Caparica com doze mil reis cada anno para seu ornato e
guizamento os quais doze mil reis desde logo impõem nos rendimentos da mesma quinta
e mais bem parado delles para que de hoje em diante emquanto 0 mundo durar e elegia &
dita quinta e rendimentos della obrigados e Vinculados a este Dote 0 qual elles outorgantes
prometem e se obrigam em seus nomes e de todos seus sucessores herdeiros e descendentes
se sempre e em todo 0 tempo terem cumprirem e guardarem e de não hírern contra ella em
parte nem em todo em Juízo ou fora delle revogalla nem reclamalla por nenhuma Via que
seia mas antes a seu cumprimento obrigam geralmente seus bens. E por especial a dita quinta
e seus rendimentos; E aseitararn E eu Taballiarn por quem tiver auzente sendo testemunhas
prezentes Manoel de Oliveira e Francisco Rodrigues Lima q escrevem no meu escriptorio.
E eu Taballiam conheço & elles outorgantes serem os próprios aqui contheudos que na nota
assignaram & testemunhas. Manuel de Passos de Carvalho, Taballíam 0 escrevy // Domingos
Maria Affonso // Joanna M.ª Balby // Manoel de Olivr.ª // Francisco Rodrigues Lima // Eu
sobscrito Manoel de Passos de Carmº, Tabelião p.eo de notas por El Rey // [H.] nosso Sr. na
Cidade de Lx.ª Oceal e Oriental e seus Termos este ínstrom.tº do meu Livro de notas & que
me reporto foi treslado sobscrevi e asiney . [sinal público] [ass.] Manoel de Passos de Carvº».
Fonte: ANTT, Câmara Eclesiástica de Lisboa (CEL), mç. 1809, nº 87

It. 11
«Erecção de Ermida.
[PETIÇÃO] Emmo Sr. / Diz 10:16 Jorge que elle tern dezejo de mandar fazer hua Irmmida
com porta pera & rua no citio de Banatiga destricto da Villa de Almada por naõ haver no
dito citio Capella alguã, aonde se selebre o St.º Sacraíicío da Missa muitas vezes no Inverno
flcando Ihe & freguezía distante, e serem os caminhos muito dífrcultozos de andar, e como a se
naõ pode fazer sem Licença de V.ª Emna // / P.e & V.ª Em.na seja servido, attendendo ao bem
espiritual que rezulta da dita obra conceder-lhe a licença que pede. / E R. M.cê.
[DESPACHOS] Informe 0 Rdo Vigário da Vara deste destríto LX.ª, 15 de Julho de 1754. A.P.
Fazendo escriptura de dote pera & fabrica da Ermida se deflrira. Lx.ª 27 de Junho de 1754. A. P.
Vista a escritura passe provizão na forma do estylo sem prejuízo dos direytos Parochiaes.
Lx.ª 8 de Agosto de 1754. A. P.
P. P. em 25 de Agosto de 1754».
148 RUI MANUEL MESQUITA MENDES

«Bençaõ de Ermida.
[PETIÇÃO] Emma R.m0 Snr. / Diz 1036 Jorge home de negocio morador na Junqueira,
freguezía de N. Sra da Inda extramuros desta sidade que elle corn faculdade de V. Em.ma
fez edeâcar huma Ermida no citio de Banatica, freg.ª de N. S.a do Monte de Caparica, t.ro de
Almada pera culto e veneraçaõ de N. S.ra com o títullo do Cabo, e com se acha perfeitamente
acabada com porta publica, hum altar, e seu sino, e bem aparamentada, carece de que V. E.ma
seia servido dar Cumíçaõ ao R.d0 Parroco da dita freguezia de Caparica pera que Vizite & dita
Ermida, e que achando—a bem paramentada a Benza e depois se possam nella sellebrar os
ochios devinos por quanto se acha dotada pera sua fabrica na forma da escriptura do dote
que () supplicante apresezentou & V. Emma antes da creaçaõ da dita Ermida. / P. A V. Em.ma
lhe faça mercê fazer lhe & graça deferir lhe na forma pedida em obzequi da Virge N. S.ra do
Cabo, / E R. M.ce.
[DESPACHOS] P. P. na forma do estylo. Lx.ª 31 de Agosto de 1754. A. P.
Passey P. em 3 de 7er de 1754».
Fonte: AHPL, Expediente de 1752-54, s/n.º

It. 13
«De George Unzell / p.ª se dizer Missa
[PROVISÃO] Nos 0 Deaõ e Cabído da Sancta See Metropolitana desta Cidade, e
Arcebispado de Lisboa Sede Vaccante etc. A quanttos esta nossa Provizaõ virem, fazemos
saber que havendo respeito ao que per sua petiçaõ nos enviou a dizer George Unzell Italiano
morador nesta cidade Authoritate ordinaria Ihe concedemos Lisensa para que se possa
dizer missa em hum altar somente da hermída do Bem aventurado Saõ Marcos, cita junto
a sua quinta que tem na Vargem da Solvereda termo da Villa de Almada deste Arcebispado
na freguezia de Sanctiago da ditta Villa, Visto & Informaçaõ, que se tornou, e & escrittura do
dotte, que o supplícante fes para a fabrica desta hermida que havemos por Erecta, e isto sem .
prejuízo dos direiros Parrochiaes, e & escríttura do dotte se lançará no Cartório da Matrix,
com 0 tresllado desta Provízaõ, para que em todo 0 tempo conste de todo na verdade, e pagará
primeiro na nossa Chancelaria dous marcos de pratta, em fee do que mandamos passar &
prezente assinada por nossos assinadores, e sellada com o sello de nossa Meza Capítular, Dada
em Lisboa em Cabide. Aos coatro dias do mês de Fevereiro. Manuel Campello de Andrada,
Escrivaõ da Câmara,pe110 muito Reverendo Cabido & fez de seiscentos e Vinte e seis annos».
Fonte: AHPL, Unidade de Instalação 305, H. 30.

It. 14
«Registo de huma Provizaõ pera ediflcar huma Ermida da quinta de Lazaro de Monjardino
Nos Deaõ e Cabbído da Santa Igreja Metropolitana desta Corte e Cidade de Lisboa
Oriental Sede Vacante etc, Aos que esta nossa Provizaõ virem fazemos saber que havendo
respeito ao que por sua petissaõ nos enviou a dizer Lazaro Monjardino que na sua quinta do
Olivais queria edef1car huma Ermida que & pertendia fazer com porta pera o Pateo e porque
necessitava de Licença nossa pera o dito effeito nos pedia llhe úzesemos mercê conceder lhe
Licença pera edeflcar a dita Ermida e visto por nos 0 que alega em sua petisão Havemos por
bem conceder lhe Licença pera que possa edeíicar & dita Ermida com porta pera o Pateo,
advertindo porem que sempre se franqueara ao povo que quizer entrar a ouvir missa na dita
Ermida e nunca se fechara as portas da Ermida, nem do Pateo ao selebrar os officios devinos
CÁMARA ECLESIÁSTICA DE LISBOA 149

nella, e com este pretexto poderá edificar & Ermida (...) e este se registar no Lª de Reg.º da
Camera e sem isso não valera. Dada em Lx.ª oriental sob signaes de nosso asignadores e sello
de nossa Menza Capitular aos dezanove de Iulho digo de Junho de 1738. Eu 0 Pe. Manuel
Ferreira, Escrivaõ da Camera & íiz escrever // Francisco Perim de Linde. Chantre // o Conigo
D. Ioão de Almeida // Manuel ? d” Oliveira // Lugar do Sello // Mello / pag. Hum marco de
prata Ferreira // Reg.da Tríndade/l
Fonte: AHPL, ms. 24, H. 407.

«M. 1.º / 1738 / n. 230 / Lazaro Monjardino conseguio Licença pera selebrar missa na
Ermida da sua Quinta dos Olívaes
[PETIÇÃO] Emº R.rnº Sr.
Diz Lazaro Monjardino que na sua quinta dos Olivaes quer redefrcar hua Ermida que nella
tem com porta pera 0 pateo da mesma e porque necessita de Licença pera & dita reedificaçaõ.
P. a V. HLma lhe faça mercê conceder Licença pera poder reedifrcar & dita Ermida. E. R.
M.ce.
[DESPACHOS] Passe Provízaõ de Licença pera edeíicar & Ermida. Em cabbido sede
Vacante 5 de ]unhi de 1738.
P. Provizão em 19 de Junho de 1738.
Chantre // Oliveira»
Ponte: ANTT, CEL, mç. 1809, n.º 230.

ANEXO 5 : A PRESENÇA ITALIANA NOS FUNDOS


DA CAPELA OU SE PATRIARCAL DE LISBOA

A documentação proveniente dos arquivos da Capela ou Sé Patriarca] de Lisboa, instituída


em 1716, está hoje à guarda, quer do Arquivo Histórico do Patriarcado de Lisboa (AHPL),
quer da Torre do Tombo. Estes fundos, ainda que não ligados directamente ao cartório da
CEL, são de grande interesse param & história das relações luso-italíanas, pelo que faremos
aqui uma breve menção do seu conteúdo.
A importância da Capela Patriarca] deriva de esta ter empregado muitos músicos
italianos, os quais viveram em Lisboa durante o século XVIII e XIX, alguns deles aqui casando
e estabelecendo descendência portuguesa.
Entre os documentos mais signiúcativos encontram-se os registos paroquiais da paróquia
da Capela Patríarcal existentes no AHPL, nomeadamente:
- 2 livros de recebimentos na Capela Real (1787-1802), (1802-1830);
— 2 livros de óbitos (1757-1782), (1830—1835);
- 1 livro de baptismos;
- 1 livro da receita da ouvidoria da Capela Real (1789);
- 3 livros de assentos de desobrigas (1768—1778), (1779-1786) e (1798—1828).
Nestes registos encontram-se nomes de origem italiana como os de António Maziottiªª,

ªª Família que incluía também 0 abaixo mencionado Miguel Maziotti e cujo apelido dá nome a uma
quinta no alto de Colares, construída no século XVIII pelo Sargento—mor Bento Dias Pereira Chaves, e
que mais tarde se chamará & Quinta Maziotti, por via da ligação familiar com os sucessores do mesmo.
150 RUI MANUEL MESQUITA MENDES

Carlos Baldiªº, Domingos Federíxiºº, Isidoro Bonifácio Sampieriºl, João Baptista Seculi92 e
Joaquim Pecorariºª.
Igualmente interessante é o fundo denominado «Sé Patriarcal de Lisboa», existente no
ANTT, () qual contém documentos da Basílica de Santa Maria Maior de Lisboa, da Fábrica da
Patriarcal de Lisboa e do Cabido da Santa Igreja Patriarcal, também conhecido por Colégio
da Santa Igreja Patriarcal, ou Congregação Camarária da Igreja Patriarca de Lisboa. Nestes
documentos são abundantes a referências a músicos italianos ao serviço da Capela Patriarcal,
nomeadamente nos livros dos «Decretos e Avisos» onde registamos nomes de Ambrósio
Pecorarí, Francisco António Torrianiºªª, Iosé Romanini, Mateus Urseli, Miguel Mazzioti
(Cantor da Real Capela), e Vicente Mucciolo.
E até O próprio fundo da Câmara Eclesiástica de Lisboa, referido nos capítulos anteriores,
contém alguns documentos dispersos provenientes da Capela Patriarcal, onde igualmente
se mencionam nomes de origem italiana tais como: Octaviano Accíaiouli, Monsenhor da
Patriarcal (1757)9ª; Ricardo António Manzoni, morador na Vila de Óbidos (1781)96; Amaro
Zucchelli 0782)”; Francisco Farizelli, músico da Patriarcal (1788)98; Caetano Cottinellli,
tocador de Pagoti e Come Inglês na SPL, no lugar do seu pai António Cottinellí (1853)ºº.

ªº «Aos nove dias do mez de Novembro de 1779faleceu da vida prezente Carlos Balde, natural da cidade de
Roma, Mestre da Capela dos Muzícos da Santa Igreja Patriarca! com todos os sacramentos efoi enterrar a
freguesia de Santos por se achar lá doente nessa ocazião, cazado com Luiza Ignacia, não fez testamento»,
cf. AHPL, Capela Real, Livro de Óbitos de 1757-1782, assento de 9—11—1779.
ºº «Aos nove dias do mez de Dezembro de 1774 faleceo Domingos Federixi, Muzico da Santa Igreja
Patriarchal de idade de 76 armas natural de Fuligno, Cidade Episcopal de Itália nos Estados do Papa,
casado com Thereza de jesus, mulher Portugueza, baptizada na freguezia do Lugar de Odivelas, suburbia
desta Cidade. Não fez testamento (...) Foi a sepultar ao Convento dos Religiosos de S. Francisco desta
Cidade donde era irmão terceiro», cf. AHPL, Capela Real, Livro de Óbitos de 1757—1782, assento de
9—12-1774.
'“ «Aos cinco dias do mês de Março do cmo de 1776faleceu Izidoro Bonifácio Sampieri cazado com Barbara
Francisca Sampieri, muzica da Santa Igreja Patriarca] de idade de 46 anos natural da freguezia de S.
Martinho de Madrid, f. º de André Sampieri e de Roza Rodrigues, morador nafreguezia de Santa Marinha
desta cidade», cf. AHPL, Capela Real, Livro de Óbitos de 1757-1782, assento de 5-3-1776.
ªº João Baptista Ceccoli aparece em 1782 como proprietário de urna Quinta nas Caldas da Rainha, onde
manda edíflcar uma ermida. Vide Anexo 3, It. 7.
93 São ainda mencionados: Agostinho Roqui; Alexandre Bartoquiní; Ambrozio Grazi; D. Ambrozio
Viedma; António Constantini; António Fresca; D. Antonio Todaschi; Baptostino Vasquí; Caetano Tossi;
Constantino Valeri; Domingos Borci; Domingos Soci; Francisco Perílla; Francisco Pocar; D. Gaspar
Marianni; Imobaldo Dureli; ]Dão Antônio; João Baptista Biancardi; Ioão Baptista Vasqui; ]Dão Marqueti;
Ioze Horta Rompinate; ]oze Ioci ?; D. Ioze de Porcari; Lourenço Gargelo ?; Lourenço Maruci ?; Lucas
Lombardi; D. Lucas lovení; Maximino Barnabé; Nicolau Apoloni; Nicolau Palmaci; Otavio Maria;
Pascoal Prancisqueti; Pascoal Marqueti; Paulino Barcyí; e D. Valério Berloqui.
ºª ANTT, Sé Patriarcal de Lisboa, liv. 2, H. 16 — Decreto de nomeação de Francisco António Torriani
como Organísta da Santa Igreja Patriarcal com exercício em N.ª Sr.ª da Ajuda, & 6-3—1787.
ºª ANTT, CEL, mç. 1294, s/n.º.
% ANTT, CEL, mç. 1273, s/n.º.
97 ANTT, CEL, mç. 1177, s/n.º.
ºª ANTT, CEL, mç. 1819, s/n.º.
ºº ANTT, CEL, rnç. 3327, s/n.º.

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