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Trabalho de recuperação de horas

Instruções

- O trabalho deverá ser entregue, através da plataforma moodle em formato digital, até às 23:59h de dia 28 de maio
de 2018.
- O trabalho deverá ter no máximo seis páginas e no mínimo quatro páginas, letra areal 10, espaçamento entre
linhas de 1,5 em formato Word.
- O cabeçalho com a designação do curso, módulo, nome, data e nome do formador.

Leia o texto a seguir transcrito.

Já não existe a casa em que nasci, mas esse facto é-me indiferente porque não guardo qualquer
lembrança de ter vivido nela. Também desapareceu num montão de escombros a outra, aquela que durante dez
ou doze anos foi o lar supremo, o mais íntimo e profundo, a pobríssima morada dos meus avós maternos, Josefa
e Jerónimo se chamavam, esse mágico casulo onde sei que se geraram as metamorfoses decisivas da criança e do
adolescente. Essa perda, porém, há muito tempo que deixou de me causar sofrimento porque, pelo poder
reconstrutor da memória, posso levantar em cada instante as suas paredes brancas, plantar a oliveira que dava
sombra à entrada, abrir e fechar o postigo da porta e a cancela do quintal onde um dia vi uma pequena cobra
enroscada, entrar nas pocilgas para ver mamar os bácoros, ir à cozinha e deitar do cântaro para o púcaro de
esmalte esborcelado a água que pela milésima vez me matará a sede daquele Verão. Então digo à minha avó:
«Avó, vou dar por aí uma volta.» Ela diz «Vai, vai», mas não me recomenda que tenha cuidado, nesse tempo os
adultos tinham mais confiança nos pequenos a quem educavam. Meto um bocado de pão de milho e um
punhado de azeitonas e figos secos no alforge, pego num pau para o caso de ter de me defender de um mau
encontro canino, e saio para o campo. Não tenho muito por onde escolher: ou o rio, e a quase inextricável
vegetação que lhe cobre e protege as margens, ou os olivais e os duros restolhos do trigo já ceifado, ou a densa
mata de tramagueiras, faias, freixos e choupos que ladeia o Tejo para jusante, depois do ponto de confluência
com o Almonda, ou, enfim, na direção do norte, a uns cinco ou seis quilómetros da aldeia, o Paul do Boquilobo,

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um lago, um pântano, uma alverca que o criador das paisagens se tinha esquecido de levar para o paraíso. Não
havia muito por onde escolher, é certo, mas, para a criança melancólica, para o adolescente contemplativo e não
raro triste, estas eram as quatro partes em que o universo se dividia, se não foi cada uma delas o universo
inteiro. Podia a aventura demorar horas, mas nunca acabaria antes que o seu propósito tivesse sido alcançado.
Atravessar sozinho as ardentes extensões dos olivais, abrir um árduo caminho por entre os arbustos, os troncos,
as silvas, as plantas trepadeiras que erguiam muralhas quase compactas nas margens dos dois rios, escutar
sentado numa clareira sombria o silêncio da mata somente quebrado pelo pipilar dos pássaros e pelo ranger das
ramagens sob o impulso do vento, deslocar-se por cima do paul, passando de ramo em ramo na extensão
povoada pelos salgueiros chorões que cresciam dentro de água, não são, dir-se-á, proezas que justifiquem
referência especial numa época como esta nossa, em que, aos cinco ou seis anos, qualquer criança do mundo
civilizado, mesmo sedentária e indolente, já viajou a Marte para pulverizar quantos homenzinhos verdes lhe
saíram ao caminho, já dizimou o terrível exército de dragões mecânicos que guardava o ouro de Forte Knox, já fez
saltar em pedaços o rei dos tiranossauros, já desceu sem escafandro nem batiscafo às fossas submarinas mais
profundas, já salvou a humanidade do aerólito monstruoso que vinha aí destruir a Terra. Ao lado de tão
superiores façanhas, o rapazinho da Azinhaga só teria para apresentar a sua ascensão à ponta extrema do freixo
de vinte metros, ou então, modestamente, mas de certeza com maior proveito degustativo, as suas subidas à
figueira do quintal, de manhã cedo, para colher os frutos ainda húmidos da orvalhada noturna e sorver, como um
pássaro guloso, a gota de mel que surdia do interior deles. Pouca coisa, em verdade, mas é bem provável que o
heróico vencedor do tiranossauro não fosse nem sequer capaz de apanhar uma lagartixa à mão.
in José Saramago, As Pequenas Memórias

Vocabulário: esborcelado - quebrado atrabilioso – melancólico, injusto, violento escafandro - facto


impermeável e hermeticamente fechado, provido de ar para respiração e próprio para ser utilizado
pelo mergulhador que tenha de ficar muito tempo debaixo de água.

Apresente, de forma bem estruturada, as suas respostas aos itens que se seguem.

1 . No início do texto o narrador refere um espaço muito significativo e que ficou marcado na sua memória.
Identifique e caracterize esse espaço.

2. O narrador afirma “Essa perda, porém, há muito tempo que deixou de me causar sofrimento…”
(l.l. 5 e 6). Justifique esta afirmação.

3. A voz narrativa refere a importância das fugas para o campo, naquele tempo da infância.
Caracterize o espaço para onde o narrador se evadia.

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4. No texto, é explicitada a diferença entre a infância do narrador e a das crianças “do mundo civilizado”.
Clarifique essa diferença.

5. O narrador/personagem, indiretamente, constrói parte do seu retrato enquanto criança ao longo do texto.
Indique dois traços caracterizadores do eu/personagem, fundamentando-se através de elementos textuais.

6. De entre os diversos textos autobiográficos que conhece, como classificaria esta narrativa? Justifique a sua
resposta. (consulte anexo)

ANEXO:

Textos de caráter Autobiográfico

Biografia
A biografia é um documento escrito que conta a vida de uma determinada personalidade, respeitando a ordem
cronológica.
Na biografia devem constar datas, lugares, pessoas, acontecimentos marcantes da vida dessa personalidade.
Enquadrada no protótipo narrativo, a biografia é redigida na 3ª pessoa e pode apresentar-se, quer como um
relato meramente informativo, quer como uma narrativa em que se evidenciem e valorizem aspetos marcantes do
percurso biográfico.
A biografia, dependendo, por exemplo, do fim a que se destina, pode ter formas muito distintas que vão da
simples e resumida nota biográfica ao livro de maior ou menor extensão e ao romance biográfico.

Autobiografia
A autobiografia representa a expressão do «eu» que explora a face privada da sua vida, procurando, de forma
impessoal e com alguma distanciação, explora experiência própria e a necessidade de uma partilha com os demais.
Sendo um texto ficcional, a autobiografia implica uma perceção consciente da pessoa singular, que se
diferencia da identidade dos outros.

Memória
A memória constitui um tipo de texto que permite representar acontecimentos dignos de lembrança, quer
sejam experiências vividas (memória individual), quer seja um conjunto de recordações de um grupo, uma
comunidade ou um país (memória coletiva).
O memorialismo apresenta-se como género literário que projeta o autor e as suas experiências, traduzindo o
sentir do mundo numa nova perspetiva cronológica.

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Na memória, que se ocupa de registos do passado mesmo quando olha o futuro, há um pendor pessoal,
manifesto no discurso subjetivo, na predominância dos pronomes pessoais e dos determinantes possessivos ou no
recurso à primeira pessoa verbal.

Retrato e autorretrato
O retrato é a representação visível de uma pessoa ou objeto. Às vezes designa a descrição de um ambiente ou
de uma época.
O retrato (pela pintura, pelo desenho, pela fotografia, pela escrita ou através da oralidade) pode não só
reproduzir a fisionomia e as posições, mas também o caráter e a personalidade de quem é retratado. Na escrita ou
na oralidade, o retrato de uma figura assenta na sua descrição, em que se referem: traços importantes do aspeto
físico (estatura, pele, rosto, olhos, voz, cintura, gestos, vestuário, etc); elementos cronológicos e marcas
hereditárias; impressões da personalidade, comportamentos e hábitos; aspetos ligados à educação e ao meio em
que a figura se insere.
O retrato de um ambiente ou de uma época é, igualmente, uma descrição que focaliza indivíduos e grupos
familiares ou sociais que refletem o mundo num determinado espaço e num tempo preciso. O autorretrato
constitui um exercício que se centra na descrição da aparência e do caráter do artista criador.

Memória
A memória constitui um tipo de texto que permite representar acontecimentos dignos de lembrança, quer
sejam experiências vividas (memória individual), quer seja um conjunto de recordações de um grupo, uma
comunidade ou um país (memória coletiva).
O memorialismo apresenta-se como género literário que projeta o autor e as suas experiências, traduzindo o
sentir do mundo numa nova perspetiva cronológica.
Na memória, que se ocupa de registos do passado mesmo quando olha o futuro, há um pendor pessoal,
manifesto no discurso subjetivo, na predominância dos pronomes pessoais e dos determinantes possessivos ou no
recurso à primeira pessoa verbal.

Bom Trabalho!!!

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