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O professor

e a educação
inclusiva
formação, práticas e lugares

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Universidade Federal da Bahia
Reitora
Dora Leal Rosa
Vice-Reitor
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Editora da Universidade Federal da Bahia


Diretora
Flávia Goulart Mota Garcia Rosa
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O professor
e a educação
inclusiva
formação, práticas e lugares

Theresinha Guimarães Miranda


Teófilo Alves Galvão Filho
ORGANIZADORES

EDUFBA
Salvador
2012

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2012, Autores 
Direitos para esta edição cedidos  à Editora da Universidade Federal da Bahia.

Feito o depósito legal. 

Grafia atualizada conforme o Acordo  Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990,
em vigor no Brasil desde 2009. 



Capa, Projeto Gráfico e Editoração 
Lúcia Valeska Sokolowicz 



Normatização 
Susane Barros 


Revisão 

Flávia Rosa 






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Editora filiada à:

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Sumário

9 Apresentação

FORMAÇÃO
17 Formação docente e práticas pedagógicas:
conexões, possibilidades e tensões
Denise Meyrelles de Jesus | Ariadna Pereira Siqueira Effgen

25 Reflexões sobre a formação de professores com vistas


à educação inclusiva
Lúcia de Araújo Ramos Martins

39 Educação inclusiva e preconceito: desafios para a prática


pedagógica
José Leon Crochík

61 Vygotsky e a concepção sócio-histórico cultural da aprendizagem


Felix Díaz

89 Formação de professores e educação inclusiva frente às


demandas humanas e sociais: para quê?
Valdelúcia Alves da Costa

111 Trajetória de um grupo de pesquisa da Universidade do Estado


da Bahia
Luciene Maria da Silva

123 O grupo de pesquisa em educação inclusiva e necessidades


educacionais especiais do PPGE/UFBA
Theresinha Guimarães Miranda

139 Formação de professores para a inclusão: saberes necessários


e percursos formativos
Susana Couto Pimentel

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PRÁTICAS
159 As propriedades do professor e do aluno com deficiência na
utilização de recursos de comunicação alternativa em sala de
aula comum
Rafael Luiz Morais da Silva | Ana Irene Alves de Oliveira | Simone Souza da
Costa Silva | Fernando Augusto Ramos Pontes | Marcilene Alves Pinheiro

179 O ensino de ortografia para crianças cegas


Amanda Botelho Corbacho Martinez

203 O uso de jogos pedagógicos e recreativos com pacientes


pediátricos do Hospital Universitário Professor Edgar Santos
Alessandra Barros | Adriana Santos de Jesus | Aurenívea Garcia Barbosa

223 Comunicação alternativa, autismo e tecnologia: estudos de caso


a partir do Scala
Liliana M. Passerino

247 Tecnologia Assistiva e salas de recursos:


análise crítica de um modelo
Teófilo Alves Galvão Filho | Theresinha Guimarães Miranda

267 Práticas municipais de inclusão da pessoa com deficiência no


estado do Pará
Ivanilde Apoluceno de Oliveira

285 Audiodescrição: ferramenta de acessibilidade a serviço da


inclusão escolar
Manoela Cristina Correia Carvalho da Silva

299 Contribuições da Tecnologia Assistiva para a inclusão


educacional na rede pública de ensino de Feira de Santana
Antonilma S. Almeida Castro | Lucimêre Rodrigues de Souza |
Marilda Carneiro Santos

321 A comunicação construindo redes entre a escola e


o aluno com surdocegueira
Nelma de Cássia Silva Sandes Galvão

LUGARES
349 Salas de recursos multifuncionais: é possível um serviço
“tamanho único” de atendimento educacional especializado?
Enicéia Gonçalves Mendes | Cícera A. Lima Malheiro

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367 Inclusão da pessoa com deficiência no Ensino Superior:
primeiras aproximações
Hildete Pereira dos Anjos

385 Inclusão e preconceito na universidade: possibilidades


e limites para estudantes com deficiência
Jaciete Barbosa Santos

403 Pessoas com deficiência no mercado de trabalho:


um estudo da cultura organizacional
Ana Cristina Cypriano Pereira | Liliana M. Passerino

423 Educação e trabalho: temas a considerar para inclusão de


pessoas com deficiência no mercado de trabalho
Maria Candida Soares Del-Masso

435 Universidade Estadual de Feira de Santana: trajetórias, desafios


e proposições para a inclusão no ensino superior
Marilda Carneiro Santos

451 O letramento de surdos em escolas especiais em Salvador, Bahia


Elizabeth Reis Teixeira | Erivaldo de Jesus Marinho

461 Inclusão, ensino e pesquisa na Universidade Federal de Sergipe


Verônica dos Reis Mariano Souza | Antônio Carlos Nogueira Santos

479 Políticas de inclusão de alunos com deficiência e avaliação de


desempenho: pontos e contrapontos
Maria José Oliveira Duboc

489 Sobre os autores

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Apresentação

A coletânea O professor e a educação inclusiva: formação, práticas e lugares


é resultado das palestras, proferidas por convidados, em 2011, durante a
realização do III Congresso Baiano de Educação Inclusiva e I Simpósio Bra-
sileiro de Educação Inclusiva, organizados pelas seis universidades públicas
no Estado da Bahia – Universidade Federal da Bahia (UFBA), Universidade
Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), Universidade do Estado da Bahia
(UNEB), Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), Universidade
Estadual de Santa Cruz (UESC) e Universidade Estadual do Sudoeste da
Bahia (UESB) – sob a liderança do Grupo de Pesquisa Educação Inclusiva
e Necessidades Educacionais Especiais (GEINE), do Programa de Pós-
-Graduação em Educação da Universidade Federal da Bahia (PPGE/UFBA),
em que participaram profissionais de vários estados brasileiro.
Esta obra tem como questão central: quais sentidos, significados e inten-
cionalidades, vêm se materializando na formação, na prática e nos lugares
de atuação do professor, para atuar na perspectiva da educação inclusiva?
A questão proposta é analisada sob a ótica de diferentes experiências
construídas durante o desempenho da trajetória profissional de seus autores.
Contudo, o leitor vai observar que os autores mantiveram uma importante
relação pedagógica e política entre o social e o educacional, na busca de
aprofundar as reflexões referentes a educação inclusiva, principalmente em
relação a formação docente, suas práticas e lugares de atuação, para uma
educação especial na perspectiva do novo paradigma inclusivo.
O referido Congresso teve como tema gerador “Educação inclusiva: prá-
tica, formação e lugares” e como objetivo, discutir questões epistemológicas,
conceituais, políticas, culturais e ética relativas à educação inclusiva. Nessa
discussão, reconhece que a construção de uma escola inclusiva envolve a

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criação de dinâmicas escolares com a participação de toda a comunidade
escolar, bem como o seu entorno, e que essas dinâmicas podem ser mais
bem compreendidas, admitindo suas articulações com a dinâmica social
mais ampla.
Um dos desafios fundamentais que emergem daproposta de escola in-
clusiva é a formação do professor, que para Fávero (2009)1 é, justamente,
o de repensar e resignificar a própria concepção de educador. Isto porque,
o processo educativo consiste na criação e no desenvolvimento de “contex-
tos” educativos que possibilitem a interação crítica e criativa entre sujeitos
singulares, e não simplesmente na transmissão e na assimilação disciplinar
de conceitos e comportamentos estereotipados.
Os artigos apresentados nesta coletânea, estão agrupados em três blocos,
de acordo com os tópicos discutidos no evento. No primeiro bloco estão
os artigos que tratam da Formação Docente e dele constam, os trabalhos
relativos a: resultados de pesquisas sobre formação docente (Jesus e Effgen,
Martins e Pimentel); princípios teóricos e fundamentos para a formação
docente (Crochík, Díaz e Costa) e caminhos percorridos por grupos de
pesquisa na formação profissional e produção do conhecimento (Silva e
Miranda).
O segundo bloco aborda as questões relativas às práticas pedagógicas
para a educação inclusiva, suas possibilidades e tensões. Ele é composto
de nove artigos, dentre eles cinco analisam o uso da Tecnologia Assistiva
(TA) como recurso para favorecer a autonomia e o desenvolvimento da
pessoa com deficiência. Oliveira e colaboradores,Passerino discutem o uso
da comunicação alternativa, Silva descreve a audiodescrição (AD), modali-
dade de tradução intersemiótica criada com o objetivo de tornar materiais
como filmes, peças de teatro, espetáculos de dança, programas de TV etc.,
acessíveis a pessoas com deficiência visual e a contribuição da TA em di-
ferentes realidades é analisada por Galvão Filho e Miranda e por Castro e
colaboradores. Os demais textos deste bloco referem-se a pesquisas sobre
a prática de inclusão: o uso de jogos com crianças hospitalizadas (Barros
e colaboradores); o ensino da ortografia para crianças cegas (Martinez); a
comunicação e o aluno com surdocegueira (Galvão) e práticas municipais
de inclusão (Oliveira).

1
FÁVERO, Osmar et al. (Org.) Tornar a educação inclusiva. Brasília: UNESCO, 2009.

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Diante desse quadro, pode-se apreender que essas práticas desenvolve-
ram-se em diferentes lugares de exercício profissional, no entanto, a divi-
são em blocos foi realizada para fins didáticos de organização das ideias,
porém não é possível isolar esses blocos, pois os temas os temas estão
inter-relacionados.
O terceiro bloco, denominado lugares, refere-se aos espaços em que
ocor­rem as práticas pedagógicas, destinadas às crianças e aos jovens com
deficiência. Tradicionalmente, essas pessoas eram segregadas em institui-
ções especializadas e escolas especiais ou ficavam isoladas no seio familiar
e sua escolaridade limitava-se as séries iniciais do ensino fundamental, pois
a sociedade não lhes garantia condições para progressão escolar e inclusão
social. Com o avanço das ciências e a promulgação de dispositivos legais,
é assegurada a educação da pessoa com deficiência, que vem alcançando
níveis mais elevados de escolaridade, atingindo a universidade, alcançando o
mercado de trabalho. Nessa perspectiva, estão os artigos de Anjos; Barbosa
Santos; Carneiro Santos; e, Souza e Santos que pesquisam a inclusão no
ensino superior, a partir da realidade das Universidades que foram anali-
sadas. Pereira e Passerino e Del Masso discutem a relação da pessoa com
deficiência e o trabalho.
Ainda, nessa reflexão sobre os lugares da educação inclusiva, Mendes e
Malheiro questionam o atendimento educacional especializado, proposto
na atual política educacional para ser realizado em salas de recursos mul-
tifuncionais, como modelo único de apoio a inclusão escolar do aluno com
deficiência, em contra ponto destaca-se o texto, intitulado O letramento de
surdos em escolas especiais em Salvador, de autoria de Teixeira e Marinho. Esse
ponto escola regular X escola especial é polêmico e não há consenso, por isso,
esses estudos representam diferentes posicionamentos sobre essa questão
e servem para ampliar a discussão sobre a educação inclusiva.
Para encerrar as reflexões propostas nesta obra, Duboc apresenta algu-
mas considerações acerca da política de inclusão de alunos com deficiência
frente ao sistema de avaliação de desempenho realizada pelo Índice da Edu-
cação Básica (IDEB), conforme está posto no Plano de Desenvolvimento
da Educação (PDE), por entender que esses pontos têm articulação entre
si e precisam ser explicitados, para se ter melhor clareza do cenário que
emoldura a inclusão das pessoas com deficiência.

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Diante dos textos apresentados, a inclusão de pessoas com limites, marca­
damente diferenciados nos processos educativos, para além da atenção e do
atendimento às suas necessidades individuais, implica o desenvolvimento
de linguagens, discursos, práticas e contextos relacionais que potencializem
a manifestação polifônica e o reconhecimento polissêmico, crítico e cria-
tivo entre todos os integrantes do processo educativo. Nesses contextos,
o educador terá a tarefa de prever e preparar recursos capazes de ativar a
elaboração e a circulação de informações entre sujeitos, de modo que se
reconheçam e se auto-organizem em relação de reciprocidade entre si e
como próprio ambiente sociocultural.
A relação educativa constitui-se, como tal, na medida em que se de-
senvolvemmediações (ações, linguagens, dispositivos, representações)
que potencializem a capacidade de iniciativa e de interação das pessoas
(VYGOTSKY, 1997).2 Nesse processo, o educador precisa saber poten-
cializar a autonomia, a criatividade e a comunicação dos estudantes, e,
por sua vez, tornar-se produtor de seu próprio saber. Muitos professores
e professoras acreditam que devem receber a preparação para trabalhar
com estudantes com deficiência a partir de uma formação profissional
que, vinda de fora (orientações, direção, estado), dê a eles autonomia para
atuar. Mas também, se verifica que tais processos de formação adquirem
sentido, na medida em que se articulam com os saberes que os educadores
desenvolvem, tendo em vista as suas histórias de vida individual, as suas
relações coma sociedade, com a instituição escolar, com os outros atores
educativos e os lugares de formação.
Nessa perspectiva, a inclusão de pessoas com deficiência nos processos
institucionais dos vários ambientes, dentre os quais, os escolares requerem,
muito além de mudanças pontuais, mas transformações paradigmáticas
e culturais no sistema organizacional, assim como o desenvolvimento de
concepções, estruturas relacionais e referenciais culturais capazes de agen-
ciarem a complexidade e o conflito inerentes à interação entre diferentes
sujeitos, linguagens, interesses, culturas.
O conjunto dos artigos desta coletânea contempla as múltiplas questões
que se inter cruzam no campo da educação inclusiva, tendo como referência

2
VYGOTSKY, Lev. Obras Escogidas. Fundamentos de defectologia. Madrid: Visor, 1997.
Tomo V.

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o professor, a partir de várias abordagens teóricas. Esses artigos ampliam a
compreensão das questões atinentes às políticas, às práticas pedagógicas e
aos lugares que visam garantir a educação inclusiva. Os trabalhos apresen-
tados e as análises feitas suscitam questionamentos e posicionamentos em
relação à formação do professor, às diferentes práticas e lugares em que se
realizam essas práticas, possibilitando o aprofundamento do debate sobre
as ações educacionais,visando assegurar o direito de todas as pessoas à
educação escolar de qualidade social.
A contribuição deste trabalho pode ser identificada a partir do momento
em que se oportunizou a discussão e a reflexão sobre as questões teóricas
e práticas a respeito da Educação Inclusiva, no lugar onde ela ocorre, sus-
citando reflexões e debates sobre o contexto social, a escola e a atuação
do professor no campo educação inclusiva, e, certamente encontrarão eco
naqueles que desejam e se empenham em construir uma sociedade solidária
em que os direitos humanos sejam promovidos e respeitados.
Salvador, outubro de 2012.
Theresinha Guimarães Miranda | Teófilo Alves Galvão Filho

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FORMAÇÃO

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Formação docente e práticas pedagógicas
Conexões, possibilidades e tensões

Denise Meyrelles de Jesus | Ariadna Pereira Siqueira Effgen

Introdução
A escolarização de alunos com deficiência, transtornos globais do de-
senvolvimento e altas habilidades/superdotação tem desafiado os espaços
escolares a construírem novas/outras lógicas de ensino. Diante disso, a
formação continuada em processo tem se configurado como uma possibi-
lidade de pensar as demandas escolares e os processos de escolarização dos
sujeitos que também são público-alvo da educação especial.
Tal formação continuada em contexto deve ter como foco as diferentes
situações que constituem o ato educativo, a análise das práticas docentes
e a criação de espaços para a reflexão coletiva, esforçando-se, sempre, para
criar na escola a crença de que é possível pensar soluções para as questões
que se presentificam. São esses movimentos que nos levam a concordar
com Nóvoa (1995, p. 25):

A formação não se constrói por acumulação (de cursos, de co-


nhecimentos ou de técnicas), mas sim através de um trabalho
de reflexividade crítica sobre as práticas e de (re)construção per-
manente de uma identidade pessoal. Por isso é tão importante
investir a pessoa e dar um estatuto ao saber da experiência [...].
Práticas de formação que tomem como referência as dimensões
colectivas contribuem para a emancipação profissional e para a
consolidação de uma profissão que é autônoma na produção dos
seus saberes e dos seus valores.

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A citação acima pode ser ilustrada na narrativa de um professor de Artes
do Ensino Fundamental ao analisar sua atuação em sala de aula com uma
aluna público alvo da educação especial:

[...] você viu a produção de Melissa? Ela fez uma releitura fantástica
da obra. Eu compreendi que apoiá-la, muitas vezes, vai significar fazer
com ela, até que compreenda e faça sozinha, mas isso não diminui a sua
capacidade de produção e nem significa que ela não alcançou o objetivo.
Ela alcançou uma parte e o processo dela é mais lento, mas ela vai dar
conta, pois tem condições. E o que mais me chamou a atenção foi vê-la
produzindo. Os colegas da sala também ficaram felizes com sua produção
e, ao mesmo tempo, surpresos. Eles sempre me perguntavam: Foi Melissa
que fez?’. Eu afirmava que sim. Esse movimento que estamos vivendo
nessa turma possibilitou uma outra condição, de Melissa ser aluna, uma
condição de produção. Ela saiu daquele lugar de não fazer nada. Estou
feliz com o resultado, agora acredito que é possível, pois eu fiz e deu certo.
(PROFESSOR ROGER, 2010)

Entendemos ser fundamental pensar a escola como lócus de formação


docente, pois é um espaço que possibilita a construção de mudanças nas
práticas pedagógicas, no currículo, no ensino e na aprendizagem dos alunos,
inclusive daqueles com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento
e altas habilidades/superdotação, e ainda abre caminhos para que o educador
adicione a investigação aos seus saberes-fazeres.
Sabendo que a educação é um direito de todos, a formação continuada
representa um espaço-tempo de constituição e reflexão da ação educativa.
É um espaço de potencialização das práticas pedagógicas. Uma oportu-
nidade para (re)pensar as relações de poder existentes no currículo, os
mecanismos utilizados para validar os conhecimentos e os pressupostos
que fundamentam quem pode ou não aprender na escola.

Formação docente e práticas pedagógicas


Considerando experiências como as trazidas pelo professor Roger, temos
por objetivo considerar as tensões e desafios que se colocam para a forma-
ção de professores quando a tensionamos, simultaneamente, à diversidade
de pessoas que são alunos na atualidade. Queremos evocar a presença na

| 18 | denise meyrelles de jesus | ariadna pereira siqueira effgen

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escola do aluno que apresenta deficiências, transtornos globais do desen-
volvimento e altas habilidades/superdotação pensar práticas pedagógicas.
Algumas questões atuais desafiam a nossa inventividade: como está
sendo assegurado o direito à escolarização dos estudantes com indicati-
vos para a Educação Especial? Como são pensadas as escolas de ensino
comum nessa discussão? Há dispositivos de apoio nessas escolas? Como
os profissionais da educação são envolvidos nessas questões? Como se dá
a formação dos educadores? Como está se materializando essa questão
no campo e na interface com outras diversidades? Quais são as condições
concretas de trabalho dos profissionais da educação para a implementação
de um projeto político-pedagógico inclusivo, do currículo e das práticas
docentes para o ensino e a aprendizagem desses alunos?
Tais questões atravessam o direito à escolarização, influenciam a forma-
ção do educador e trazem implicações para o processo de inclusão escolar
que busca se fortalecer. Muitos movimentos vêm ocorrendo, desde a inserção
de professores de Educação Especial nas escolas comuns, para apoio aos
professores regentes, até a abertura de salas de recursos multifuncionais
para atendimento educacional especializado.
Cabe-nos entender como as escolas vêm lidando com as questões da
inclusão escolar e, também, fomentar essas experiências nos processos de
formação docente, possibilitando o acesso a reflexões teórico-práticas, que
permitam uma leitura crítica da realidade e alicercem projetos que visem
à transformação.
Como nos sugere Boaventura Souza Santos (2007), devemos buscar
enxergar sinais, pistas, latências e movimentos, ou seja, o que ele denomi-
na de “ainda-não”, a possibilidade de deslocamentos e ações, ainda não
pensados ou instituídos, mas que, na ação coletiva, podem emergir e nos
apontar sinais e possibilidades.
Meirieu (2005, p. 44) nos ajuda nessa direção quando afirma:

Abrir a Escola para todos não é uma escolha entre outras: é a


própria vocação dessa instituição, uma exigência consubstancial
de sua existência, plenamente coerente com seu princípio funda-
mental. Uma escola que exclui não é uma escola [...]. A Escola,
propriamente, é uma instituição aberta a todas as crianças, uma
instituição que tem a preocupação de não descartar ninguém, de
fazer com que se compartilhem os saberes que ela deve ensinar a
todos. Sem nenhuma reserva.

formação docente e práticas pedagógicas: conexões, possibilidades e tensões | 19 |

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A escola tem por finalidade instituir os cenários políticos e pedagógicos
para permitir o acesso ao conhecimento, empreendendo “[...] esforços per-
manentes de universalização da cultura”. (MEIRIEU, 2002, p. 175) Nesse
sentido, faz-se necessário buscar a escola concreta, onde habitam alunos(as),
professores(as), profissionais em ações pedagógicas; a escola, onde, na atu-
alidade, se coloca o princípio ético da inclusão escolar. Para tal, fazem-se
necessárias reflexões sobre a educabilidade, processos de inclusão-exclusão,
políticas educacionais, condições de aprendizagem, dentre tantas outras.
Concordamos que há, sim, que se investir maciçamente na formação
inicial e continuada do educador. Falamos de política educacional pública
que garanta ao educador o direito ético da formação de qualidade. Uma
formação que considere a diversidade, no caso específico do aluno com
deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/
superdotação.
Reconhecemos que há uma orientação nacional, mas como ela se desdo-
bra em cada espaço local, cabe a cada grupo de profissionais da educação
fazê-la, a partir de seu conhecimento, de suas condições concretas, dos
profissionais presentes localmente, das políticas instituídas por aqueles
que fazem.
Só não podemos abrir mão da ética de que “todos devem estar no jogo”.
Para a garantia da aprendizagem de todos os alunos, precisamos assegurar o
acesso ao currículo escolar, por meio de práticas pedagógicas diferenciadas
que atendam aos percursos de aprendizagem de cada estudante. Tal situa-
ção é um desafio, pois demanda professores detentores de conhecimentos
teórico-práticos, bem como planejamentos coletivos, estratégias e metodo-
logias de ensino e de processos de avaliação que possibilitem ao educador
acompanhar o desenvolvimento de cada aluno que está em sala de aula.
O desafio que se coloca para nós, educadores, é construir um espaço
escolar onde a diferença, de qualquer natureza, possa “existir”. No dizer de
McLaren (2000), há que se construir um “contra script”, precisamos criar
possibilidades, ao invés de mantermos antigos estigmas e práticas.
Nesse sentido, coloca-se oportuna a pergunta: “O que podem as práticas
pedagógicas?”. Meirieu (2002, p. 34) nos oferece pistas para pensar tal
questão quando nos sugere: “[...] descobrir novos meios para que a edu-

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cação seja um lugar de partilha e não de exclusão”. Aponta pistas, ainda,
quando nos direciona a perceber um aluno concreto, um aluno que “[...]
impõe um recuo, que nada tem de renúncia” (MEIRIEU, 2002, p. 85). Ou
quando nos diz do fazer pedagógico: “A pedagogia pode se constituir, como
uma tensão permanente entre o que escraviza e o que alforria” (MEIRIEU,
2002, p. 125). Resistir ao que “escraviza” sinaliza para posturas provisórias,
plurais, incertas e Meirieu (2002, 2005, 2006), em seus textos, aponta-nos
algumas (JESUS, 2008, p. 216):
a) a vontade de jamais se resignar ao fracasso;
b) um esforço de “ignorância da história do outro”, que muitas vezes
poderá representar uma oportunidade de nos libertarmos dos deter-
minismos;
c) a aceitação de que o outro seja o que ele é e não uma “imagem ilu-
sória” ou o produto de uma “elaboração ideológica”;
d) questionamento sobre o que se diz e sobre a maneira como se diz;
e) a colocação da criatividade e da autocrítica no centro da conduta
docente;
f) o reconhecimento do fundamento ético – renúncia a toda “certeza
didática”.
Mesmo na escola se presentificando muitas tensões e desafios, ela pode
se constituir em um espaço de conhecimento capaz de criar alternativas
para a garantia de uma proposta de aprendizagem para todos os alunos.
Para a ação docente no contexto da diversidade, necessário se faz tra-
balhar com redes de encontros. Encontros de saberes, fazeres, reflexões,
metodologias, estratégias de ensino, recursos, perspectivas avaliativas,
pois, dessa forma, estaremos nos constituindo sujeitos coletivos. Vivemos
o tempo de tradução, isto é, o momento de criar diálogos entre os dife-
rentes conhecimentos e experiências disponíveis neste mundo tão plural e
heterogêneo. (SANTOS, 2007)
Cabe também a reflexão de que a formação docente qualificada pode
muito, mas não pode tudo. Há que se pensar em outros aspectos macro
que configuram os sistemas de ensino e as condições de trabalho docente.

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Conexões e encontros
O movimento de formação com o professor Roger assumiu contornos que
nos possibilitam a reflexão, pois, para ele, a formação “[...] é uma troca de
experiência [...] formação é esse conteúdo que é transformado em práxis,
acho que a discussão é práxis, sabe? A teoria com aquilo que nós fazemos
dela em conjunto, é ela que me forma, sou eu que a formo [...]”.
Nessa direção, o envolvimento de Roger e as discussões por ele apresen-
tadas demonstravam sua inquietação sobre a escolarização dos sujeitos com
deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/
superdotação, uma vez que, até aquele momento, esses alunos muitas vezes
eram inviabilizados a partir da fala do professor: “não sei trabalhar” com
esses sujeitos na sala de aula.
Assim, uma frente de trabalho da pesquisa foi organizada por um grupo
de formação continuada com professores da escola “Clarice Lispector” para
que pudéssemos pensar a escolarização de alunos com deficiência, trans-
tornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação, uma
vez que a escola tinha matrícula de alunos que também são público-alvo
da Educação Especial.
Diante disso, em nossos encontros semanais, discutíamos as questões que
nos desafiavam no fazer pedagógico, no que se refere à escolarização desses
alunos. Roger era professor de Melissa e Lucas, dois alunos pertencentes
à 4ª série que também eram deficientes. A partir dos diálogos no grupo, o
professor em questão começou a ressignificar a sua prática que até então
não contemplava esses alunos. O início foi desafiador:

[...] até pouco tempo atrás, não sabia que Lucas tinha dificuldade
para andar. Nunca estabeleci uma relação com Melissa. Eu nem
sei quais são suas preferências. Como trabalhar com eles? E mais!
Tem 36 alunos na sala que precisam de mim o tempo todo e mais
os dois. Como fazer? Eu não tenho como fazer isso sozinho, eu
preciso da ajuda de mais uma pessoa.

Esse era um momento de tranquilizá-lo e, a partir daí, propusemos que


ele observasse esses alunos, tentasse se aproximar e conhecê-los, entendendo
que, assim como todos os outros alunos, eles também tinham seus sonhos
e desejos, e nossa tarefa, como professores, seria nos sensibilizarmos em
busca de descobri-los.

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Posto esse desafio, o professor inicia a tarefa. Em nossos encontros,
percebíamos a relevância do trabalho desenvolvido por ele, quando nos
dizia: “[...] descobri mais uma coisa de Melissa [...]. Lucas gosta de dese-
nhar [...]. Melissa sorriu para mim [...]”. Essas eram pistas e indícios que
lhe permitiriam mais tarde uma intervenção significativa na aprendizagem
desses alunos bem como na sua prática. Esse também foi um momento
de formação.
Esse primeiro momento de reflexão possibilitou ao professor ter outra
forma de olhar para esses alunos – ele passou a “conhecer Lucas e Melissa”
a partir de suas especificidades e entender a necessidade de um trabalho
diferenciado, valorizando as potencialidades desses alunos. Em nossas dis-
cussões do grupo, Roger relatava suas “aventuras”, destacando que estava
sendo uma experiência muito rica.
O trabalho colaborativo com Roger, após a fase de observações e de
conhecer Melissa e Lucas, passa a se constituir em pensarmos práticas
pedagógicas que garantam que esses alunos tenham acesso ao currículo
vivido pelos colegas na sala de aula, ou seja, às atividades que são cumpri-
das no cotidiano.
Assim, após algum tempo de formação, planejamento, práticas peda-
gógicas em sala de aula, reflexão, ação, discussão, foi possível notar uma
mudança na postura do professor, no que se refere à escolarização dos
alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas
habilidades/superdotação. Com relação às suas práticas pedagógicas, ele
diz: “[...] já tenho feito. Não consigo mais não observá-los, não pensar
neles, simplesmente ignorá-los”.
Isso fica evidente na fala a seguir

A minha interação em sala melhorou muito. Eu tenho dado conta de dar


orientações para Melissa. Dando conta de Melissa e Lucas, eu tenho dado
conta da sala e das coisas da 4ª série. Melissa tem desenvolvido uma
pessoalidade comigo. Ela tem vivido e interagido nas aulas com perguntas
e respostas iguais aos seus colegas. E, o mais importante, eu planejo as
minhas aulas a partir de Melissa e Lucas para os outros alunos, não é
um movimento só para eles. (ROGER, 2010)

Dessa forma, a formação continuada foi o lócus de nossas discussões e


contribuiu muito para o amadurecimento do grupo e do professor Roger,
em especial. Ainda possibilitou novas outras práticas pedagógicas para que

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