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SUMÁRIO
1
Para além de um romance, A Silepo é a carta da iluminação para
todos os pensadores, é bom pensar e exteriorizar sem medo o
produto da nossa alma. A Silepo é a encarnação de todos os que
morreram por conta do livre pensamento, é a emancipação de todos
os que tombaram por se rebelarem contra a autoridade, é o cânon da
vida de qualquer filósofo.
Ao longo da estória surgirão nomes de personagens ligadas à minha
vida pessoal e social, mas nada têm sobre a estória. Como disse, é só
uma estória. Nunca aconteceu. (…)
Ótima leitura, não sei quantos são os que tomaram a obra para ler,
não obstante a isso, que este livro satisfaça o seu propósito.
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Conhecendo Silepo
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— Menina, agora já podes pegar nas tuas coisas, ir para casa viver uma
vida normal e agradecer a Deus pela saúde. — disse a Diretora clínica.
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UMA SEMENTE DE FÉ
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Não te peço outra coisa na vida. Apenas salva a minha mãe!
E eu me doarei por inteiro ao teu favor...
***
II
A manhã era bela aos olhos de quem quer que fosse, exceto aos da
Silepo, pois estes estavam nublados com as águas do além. Ela olhava ao
redor e conseguia apenas ver negro. Talvez fosse o uniforme do óbito, talvez
a manhã radiante era uma ilusão dos outros ou ela é que vivia num mundo
diferente agora…
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Todo mundo dava a maior força, não faltou quem desse apoio a recém órfã.
Quando o carro da funerária chegou, Silepo não mais tinha o que dizer,
toda a sua fala se dissipara em choros e lamentos «Deus abandonou-me, e
já fez isso há muito tempo, quando nasci.» dizia em seu coração enquanto o
cortejo decorria. Na última missa do cortejo depois dos elogios fúnebres e
todo ritual, seu maior receio veio à tona: Deus, os Anjos, os Santos, a Virgem
Maria, e todos os milagres não passavam de utopia. E viu pela primeira vez o
que pensava ser a verdade sobre os padres…
«Não passam de caluniadores, hipócritas e mentirosos por profissão.» Dizia
em seu coração.
Foi decidido no Vilonga que Silepo moraria com a Sophia, filha da tia
Tina, para uma a outra acompanharem-se nas vicissitudes da vida. O
cabucado de dinheiro que tinham e mais algumas contribuições do Vilonga,
serviram para elas abrirem uma loja que perturbava constantemente Silepo,
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pois, esta era uma menina fechada e não muito sociável…
Sophia estudava na Escola Técnica de Saúde ‘‘Ana Paula’’ e Silepo
aventurou–se na “Escola de Formação de Professores”.
***
A DIDÁCTICA DO FUTURO
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Todos os olhos estavam fitos nele, e todos mostravam algum interesse
celestial no palavreado do professor Chia…
Todos menos a Silepo, que o encarava como um pasteleiro encara a
forma, como só mais um instrumento. Isto indagou a ratio do professor
«Como pode esta menina ficar indiferente ante a experiência mais
interessante da sua vida curricular?» questionou a si mesmo no seu coração
e continuou:
Sereis divididos em grupos de seis para uma escola e em grupos de
dois para uma turma. Tirai proveito disso, pois nunca mais terão uma
experiência semelhante! – vociferou o professor como um comandante de
batalha ordenando e orientando os soldados.
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Faz da nossa ingenuidade e da nossa ignorância seu trunfo. E, no que
se refere às práticas pedagógicas, não passam de uma tradição do ministério
da educação, em outras palavras, do estado para cumprir o seu sagrado
programa de atuação nas escolas carentes como esta. Lidaremos sim com
seres humanos, mas seres humanos comuns de culturas e vidas comuns. Até
onde sei, é crime em Angola ser incomum. Todos devemos ter uma única
língua, uma única ideia, um único partido e adorar a um único deus. Então,
vivamos esta experiência como apenas mais uma, não nos empolguemos
com esta ideia finita de educação...
A turma ficou pasma ante tal discurso, «O quê? Como e porquê?»
Silepo era uma menina incomum, isto todos já sabiam, daí quase
contradizer o professor? Isto é um caso grave em toda parte, os professores
não se contradizem, os professores ouvem-se e segue-se-lhes as ordens.
— Perdoa a nossa colega professor! Ela não sabe do que trata-se aqui.
— disse o delegado de turma.
— E do que trata-se aqui? — perguntou Silepo.
Antes que mais alguém respondesse, o professor levantou os olhos e
fitou-os para os seus estudantes. Num tom poético, começou a falar:
— A autoridade em Angola é inquestionável, irrevogável e infalível.
Dizem os outros, dizem os superficiais e todos que pensam assim são
superficiais. Apenas os que aprendem a pensar de modo diverso têm a
coragem de questionar e contradizer a autoridade, mas isto, quando
convém. Do contrário do palavreado da vossa colega, não somos
instrumentos de trabalho do estado, somos antes, engenheiros na
construção de uma Didática do Futuro, somos peças fundamentais no puzzle
da educação em Angola e no que se refere às práticas educativas, não
estamos apenas cumprindo um programa do estado referente ao ministério
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da educação... Não! Estamos antes participando na construção de uma
Didática do futuro.
— E o que é a Didática do Futuro? — indagou Silepo.
O Professor olhou para o teto falso das salas anexas do ‘‘Comandante
Liberdade’’ que caíam aos pedaços e disse:
— Olhai para o teto! Vede... como está?
— Está caindo aos pedaços!!! — respondeu a turma em coro.
— E isto porquê? — rebateu o professor.
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E o Professor parou.
A turma ficou em silêncio. Nunca antes viram um professor que não
concordasse com a situação atual da educação em Angola.
— Eu vos apresento a Didática do futuro! — exclamou o professor e
continuou — Noutros tempos aprendestes que o professor é o transmissor
de conhecimento. Eu, porém, vos digo: O professor não é um transmissor de
conhecimento, mas sim um facilitador do ensino-aprendizagem. Dizer que o
professor transmite conhecimento, é dizer que ''o aluno'' por outra palavra
''o homem'' é uma tábua rasa... (coisa que não é verdade se assim fosse,
nossos antepassados até século XV, XVI e XVII seriam apenas animais
instintivos, pois não eram letrados.).
O professor é na mais elevada forma de entendimento ''Um Espírito
Livre'', um comandante a frente dos exércitos ideais da nossa sociedade, um
filósofo sedento de conhecimento e um engenheiro de pensadores. Cabe a
ele, a mais delicada responsabilidade, educar o homem para a vida, não
contra ela, mas a favor dela, cabe a ele formar pensadores… Assim fala a
Didática do futuro.
Noutros tempos aprendestes que a escola é a estrutura que abriga os
alunos e a sala de aulas, o reino do professor. Mas eu digo-vos: A Escola
sois vós reunidos em nome do saber.
São todos aqueles que se alienam a um propósito científico comum
entre eles, a escola não é a estrutura de tijolos, blocos ou adobes, a escola é
o conjunto de indivíduos ligados no mesmo propósito científico. Assim fala a
Didática do futuro!
O professor desperta no aluno um pensador, nutre nele a vontade
incontrolada da busca pelo saber, pô-lo a questionar todo sistema de
pensamento moderno, faz dele um novo pensador, por isso, a Didática do
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futuro chama-lhe ‘‘O Engenheiro de Pensadores’’ Assim é o professor aos
olhos da Didática do futuro.
«Não sabia que existia em Angola pensadores que não fizessem parte
da Igreja…» pensava Silepo em seu coração. Nunca tivera ouvido uma linha
de pensamento semelhante, seu interesse pela profissão docente aumentou,
era agradável a ela ser uma engenheira de pensadores.
— Qual é o meio mais rápido de fazer parte da Didática do
futuro? — indagou ela.
— O único meio que existe… — respondeu o professor e continuou —
Aprender a pensar de modo diverso, da sua religião, cultura, língua, meio
social, pátria e coisas afins. Aprender a doar-se de coração para a Pedagogia
e para a Didática. Aprender a ver no docente um super-herói, aprender a ver
no docente, alguém que planta sonhos numa sociedade que perdeu a
capacidade de sonhar, que estimula pensamentos em jovens escravizados
pelo sistema anti-pensamentos, que desperta o interesse interior numa
sociedade exteriorizada que prega a amizade verdadeira para jovens que que
pensam que a única formada amizade é a virtual.
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— Há coisas aqui mais importantes do que a novela que vai repetir no
sábado, ou seja, amanhã. Porquê você gasta meio dia da tua vida todos os
dias para ouvir os professores?
Sophia reiniciou seus processos mentais, para responder a prima e
cala-la, tinha que se pensar além das próprias capacidades. Quer dizer: Silepo
era muito estranha, falava estranho, olhava estranho e andava estranho,
encarava o mundo como um problema cuja solução residia algures na mente
humana.
— Sei lá... — respondeu Sophia e continuou — Porque isso me dará
uma formação, uma nova perceção das coisas e diminuirá uma parte dos
meus problemas sociais?! Agora deixa-me ver a novela!
— Vou ler um pouco. — disse Silepo.
***
PECATUM ORIGINALE
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E disse a mulher a serpente: Do fruto das árvores do jardim
comeremos, mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, disse Deus:
Não comereis dele, nem nele tocareis para que não morrais.
Então a serpente disse a mulher: Certamente não morrereis. Porque
Deus sabe que no dia em que dele comerdes se abrirão os vossos olhos, e
sereis como Deus, sabendo o bem e o mal. E viu a mulher que aquela árvore
era boa para se comer, e agradável aos olhos, e árvore desejável para dar
entendimento; tomou do seu fruto, e comeu, e deu também a seu marido, e
ele comeu com ela. Então foram abertos os olhos de ambos, e conheceram
que estavam nús; e coseram folhas de figueira, e fizeram para si aventais.»
(Bíblia Sagrada Versão Digital; Versão 5.0; Freeware)
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menos para a maioria. O que vem ao caso? A maioria não faz o todo? Então,
todos eles tinham máscaras quando sentados nas cadeiras de madeira da
paróquia de Nossa Senhora da Assunção. Muitos dos que estavam lá eram
pessoas não dignas de exemplo na sociedade. Corruptos, beberrões,
vagabundas, imorais...
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que
não comemos. A má intenção do coração dos homens resolver-se-ia no
jardim de Deus, mas ele escolheu pôr uma criança a prova. Quem dentre
nós sabendo a inocência de uma criança põe-lhe ao lado de um produto
tóxico ou de uma faca afiada? Porque razão os filhos têm que pagar pelos
pecados de seus pais?! Ou que culpa têm os milhares de bebés que nascem
culpados?
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a forma que encontrara de ensinar a verdade.
***
A MÚSICA
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pensamos sem sermos julgados pela mente dos superficiais, é o único lugar
na terra onde sinto-me livre...
‘‘Todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus.’’ Disse uma vez Paulo.
Estará o Padre isento do palavreado do Apóstolo Paulo? Como pode alguém
fora da glória de Deus liberar-me absolvição dos pecados?!
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parar nessa conversa?!
O que importava isso? O almoço estava servido e no decorrer dele, as três
moças conversavam o que de pouco tinham elas em comum. No fundo,
apenas Silepo e Kassova tinham alguma coisa em comum ‘‘A Filosofia’’.
Kassova estudava no Instituto de Ciências Religiosas de Angola e exercia na
paróquia, a função de catequista e era também membro da Liga Missionária
Juvenil...
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AUTO-CONHECIMENTO
E CRISE DE IDENTIDADE
O que é o auto-conhecimento?
Silepo era estranha quanto como aluna, quanto como professora e
odeia valiomitar-se nos materiais do Ministério da Educação, procurava
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como Sócrates o conhecimento no interior das pessoas, sabia que se alguém
não atropelasse o sistema em Angola já mais nasceriam pensadores.
— É a forma mais profunda de conhecer a nós mesmos. — respondeu
o José, novamente.
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— Sim professora! — respondeu a turma em coro.
— Mas já tem-se estudado o homem professora. — afirmou José.
— Sim! Tem-se estudado o homem. Mas ninguém nos minta. No que
refere-se ao Autoconhecimento, comportamo-nos como que alheios a esta
temática que é tão relevante quanto à própria Filosofia. Diz-se que a Filosofia
é o conhecimento de todas as coisas pelas causas últimas, se assim for, e
assim é, também é filosófica a abordagem sobre o autoconhecimento e a
crise de identidade, pois, ambos os temas constituem problemas
antropológicos. São problemas antropológicos porque nem um, nem o outro
fogem do conceito “homem”, na verdade sem o “homem” nenhum dentre
tais temas seria possível, sem estes temas o homem não seria possível.
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estudando sobre o autoconhecimento e a crise de identidade. — disse o
Aguinaldo.
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conceito. É mais fácil lavar o cérebro cheio de dúvidas do que o convicto da
sua existência, da sua gênese, do seu fim último.
Mas nós não nos interiorizamos, por isso sofremos com a crise de
identidade. Nós queremos conhecer o mundo e a natureza, os astros e os
deuses, até coisas supra-sensíveis que habitam nos lugares espirituais, mas
não a nós, não a nós…
Como não havia tempo, Silepo liberou os alunos e foi para casa.
***
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A PROFISSÃO DO PROFESSOR
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são inquestionáveis desde tempos pacíficos…
Silepo foi para casa cumprir com sua agenda doméstica e mais tarde
sentou-se na loja para atender os clientes. Minutos primeiros das 6 horas da
noite, entrou na loja um professor e um advogado, ambos moravam no
condomínio onde Silepo também morava.
O professor comprou pão de 300kz e uma latinha de leite Biba (o leite
mais podre das lojas em Angola) e o Sr. Advogado comprou pão de 300kz e
uma lata pequena de leite NIDO. Quando os dois chegaram ao balcão, Silepo
observou-os e fez uma comparação material dos seus clientes: O advogado
era um tipo asseado, usando um terno, uns sapatos de marca, um relógio
Casio de ouro, uma aliança dourada e a sua pele… era uma ótima pele. Já o
professor, era um tipo disperso, calças amarrotadas, uma camisa do
cadispacho, sapatos gastos, relógio pirata e uma aliança de alumínio.
Silepo os atendeu…
II
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professor é um herói anônimo, é o tipo que planta sonhos numa sociedade
que perdeu a capacidade de sonhar.
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crianças mais vocacionadas sonham em ser professoras. Em toda parte do
mundo não se dá o real reconhecimento ao professor...
II
***
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A ORIGEM DAS ESCOLAS
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cresceu, dedicou-se a Matemática e a Astronomia, nunca se casou e nem
teve filhos durante o seu viver.
Certo dia, quando voltava de uma viagem que tinha feito ao Egito,
perguntou a si mesmo de onde surgira o mundo e tudo que nele há. Já
aprendera antes que Zeus Olimpo tinha criado os homens, mas isso não
bastava porque no Egito encontrara outros deuses e outras histórias. Sua
alma se perturbava e em seu coração não se achava paz.
«Qual será a ceiva primordial de todas as coisas?» Pensava em seu
coração.
Quando retornou à Grécia decidiu focar-se no problema: O que
originou todas as coisas? Focou-se tanto que não ligava nem para as mulheres
mais belas de Jónia.
Quando sua mãe o sugeriu casar, disse que não era tempo para aquele
homem. Até que se descobrisse a origem das coisas, não tinha porquê fazer
outras coisas. O que é mais importante? Fazer as coisas ou descobrir de onde
vêm as coisas?
Num dia chuvoso, Tales olhava atentamente para as gotas d’água que
caíam do céu e seu pensamento viajou para quando os homens cavavam os
poços «Há água no céu e há água na terra. Há água debaixo da terra e há
água no ar. As plantas sobrevivem da água e sem água o homem morreria. O
sangue do homem também é água». Pensou e então, depois do seu retiro
reflexivo concluiu assim: Tudo constitui-se de um primeiro princípio, a água é
este o princípio de todas as coisas, porque em toda a parte ela se encontra
presente sob alguma forma.
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passavam nesta escola. E assim, surgiram muitas outras escolas depois da
Jónica e muitos outros professores depois de Tales. O que conhecemos hoje
como disciplina ou ciência, noutros tempos era tudo filosofia.
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utilidade noutros tempos era limitada ao benefício de todo país e
apenas os sábios poderiam ser professores. Entendi que não haviam
disciplinas repartidas e que todos na Grécia estudavam Filosofia e as únicas
que poderiam possuir distinção, eram a Matemática e a Astronomia.
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***
O SONHO
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«Só devo estar maluca!» Pensou a Silepo «Como podem haver
desertos no Lubango com escorpiões que falam? Ou como pode Satanás
existir e ter tido filhos? Não será este cenário parte dos meus delírios quando
morava no Hospital Central? Mas estou curada a anos e há anos que não
visito hospitais.»
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para descobrir ‘‘porquê estás na terra’’ e existes para plantar na terra
algo que dure mais do que a tua própria vida. A vida não faz sentido até
encontrarmos o sentido da nossa vida. O sentido é a missão e a missão a
única coisa pela qual valha pena viver... «Satan existe para matar todos os
homens» Dizem os cristãos. Pode alguém matar o que já está morto? A
maioria dos homens está morto na medida em que desconhecem seus
propósitos para viver e mesmo que tivessem conhecimento, o homem é
assassino por natureza, ele não precisa de Satan para matar-se.
E Silepo lacrimejou...
— Vejo também uma família morando numa barraca perto do rio, ali
na
ponta do Macons, vejo crianças na rua pedindo esmolas para qualquer um
que passa, olha! Aquela criança tem as roupas rasgadas pelo tempo e seus
lábios... seus lábios rachados pela fome.
Olha aquele pasto, tirando até o último kwanza daquela mamã que vende no
mutundo, será que ele já não tem o suficiente?
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E o Escorpião a levou de volta ao deserto. Silepo não parava de chorar,
há muito que galopava entre as ruas do Lubango, mas nunca tinha visto a
realidade.
E, o Escorpião estalou os dedos e levou Silepo a visitar Angola, de
Cabinda ao Cunene.
— O que dizem os cristãos sobre a situação atual de Angola? —
perguntou o Escorpião.
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pensarem que o Diabo é o dirigente deste país. Quando passeavas pelas ruas
viste aquele padre dar ordem dos diocesanos? Aquele, é responsável pela
morte de uma família inteira. Me diga Silepo, de quem é a culpa das milhares
de lágrimas que caem do rosto das crianças pobres do Lubango?
É dos homens.
Silepo, na Chibia e noutras zonas do interior, centenas de crianças
caminham quilómetros com uma cadeira gigante para terem uma aula mal-
ministrada por conta de um professor que entrou na educação de falida e
caminham quilómetros por causa de um administrador que não consegue
biolar um autocarro para ajudar aquelas pobres criaturas que o meu avô
Deus criou.
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a ocupação cristã nos reinos dos Ngolas. Depois da colonização cristã, o meu
pai queria vir pensando que os angolanos voltariam às suas tradições, mas aí
surgiu a guerra civil. O cristianismo já corrompeu este país, não há porquê o
anjo da luz vir até aqui.
— Quem?
— Aquele que realmente amava Angola.
— António Agostinho Neto?
— Este também amava Angola, mas não era forte o bastante por isso
morreu.
— Jonas Savimbe?
— É exatamente esse. Silepo, quando Savimbe morreu, eu pensei que
sem a guerra este país iria evoluir a algo melhor.
— E não evoluiu?
— Vede por si mesma. Pelo menos durante a guerra as pessoas
matavam-se com razões óbvias, agora qualquer desculpa serve para matar
este povo inocente. Silepo, a única revolução possível é dentro de nós e seja
tu a mudança que queres em Angola.
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realmente o Nazareno... Mas muitos dos meus irmãos dizem que é Deus que
veio dar uma volta no mundo, outros dizem que é o filho de Deus que tira o
pecado do mundo e, outros ainda que é um profeta.
**
Eis algumas questões que a partir daquele instante iria mudar o seu
rumo de vida...
***
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O MENDIGO
— O namoro é bom e belo aos olhos dos que o apreciam, quem sou eu
para que não aprove o que te faz bem? A culpa do meu estado é do sonho
que tive, aquele escorpião soube colocar uma guerra entre os meus
pensamentos.
Sophia não mais perguntou, entendera que a prima viajara mais uma
vez para o mundo das ideias de Platão. Silepo pegou na mochila e pôs-se a
caminho da escola. Quando desceu do táxi, ouviu uma voz que lhe falava
assim:
— Ó bela jovem, será que o teu coração é tão ventilado que irás te
recusar abençoar este trapo com uma esmola?
Silepo era uma menina incomum. Bela para os olhos, mas incomum,
usava saias compridas e escuras, noutras vezes um macacão Jeans. Quando
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usava saias compridas e escuras, usava-as com uma blusa de mangas
compridas. Usava uma mochila preta e nos olhos tinha óculos por causa do
seu problema de visão. Não era o epicentro dos rapazes, mas era bela aos
olhos, se por um lapso entrasse na linhagem da vaidade não teria rapaz que
não a quisesse namorar.
Silepo ficou atónita à verbosidade do homem, o que falava não era
uma construção frásica que viesse de um indigente.
— Quem dentre os filhos dos homens importuna esta aluna atrasada?
— Uma alma emudecida com uma arte desprezada. — respondeu o
mendigo e continuou — um andarilho no deserto próspero do Lubango, um
eremita das lixeiras da N´gola.
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Sou um indigente…
Um mendigo neste mundo
Um sem teto nesta sociedade decadente
Silepo vira muitas coisas na vida, até pessoas sorrindo ante a morte ela
viu, mas nunca vira um mendigo que também é poeta.
— Como pelo Deus desconhecido viestes tu parar às ruas do Lubango?
Silepo passa por aqui há anos, mas nunca encontrara alguém sentado
com uma arte nobre.
— A poesia não é uma arte nobre. É uma arte para elevar os que a vida
lhes afastou da nobreza. É a terapia dos espíritos solitários e a arma dos
únicos que vêm beleza nesta feia cidade.
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denuncia mais sincera das coisas que constitui o que nos rodeia…
— Se existe Deus, porquê não oras para que lhe tire da mendigagem?
— «A vida tem razões que a própria razão desconhece» Disse um
44
homem sábio uma vez. A culpa do meu estado atual não é de Deus, mas dos
homens. Seria injusto que lhe pedisse que me livrasse quando eu mesmo me
arrastei até aqui. Não tenho motivação para voltar ao mundo real.
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PÁTRIA MADRASTA
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tivessem uma deficiência da pele. A Terra foi gravemente ferida, tentou
resistir com ajuda dos seus filhos, mas não resistiu. Acabou morrendo e a
sepultaram junto dos seus amantes emigrantes.
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riquezas e provocou uma guerra entre membros da mesma casa. Conta-se
que Agostinho ficou doente e morreu no quintal do doutor Moscovo, mas
José e Jonas travaram uma guerra sangrenta que durou quase três décadas...
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— A terra de que se fala é na sua simplicidade este território. Os
forasteiros ou emigrantes são os povos: San, Bantu e Kongo. Os filhos
são os descendentes destes povos, os Herero, os Nyanekas, os
Ngangelas,
os Ovambo e outros que nós conhecemos. A Terra, são o conjunto dos reinos
que este território possuía. A Terra foi assaltada pelos filhos da sua rival, foi
saqueada pelo ocidente, pelos portugueses liderados pelo Diogo Cão ao
domínio do Rei João II. A terra morreu, os reinos perderam a guerra. A
Madrasta se manifestou: a Madrasta é aqui, uma nova moral, uma nova
ética. A Madrasta são os novos hábitos e costumes embutidos pelos
portugueses, são as indulgências e as abadias, são a colonização espiritual,
são a vergonha do ovimbundo em aceitar a sua cultura e a sua religião. A
Madrasta são os conceitos de beleza que até hoje nós temos. — e fez uma
pausa... Olhando para o seus colegas continuou — Quem dentre vós não
quer namorar uma mulata?
Ninguém respondeu…
— Vós achais que a mulata é o exemplo de beleza feminina porque
assim vos ensinou a Madrasta, achais que o negro é feio, tenebroso e
diabólico porque a Madrasta vos ensinou que apenas o branco é belo,
agradável, a ‘‘Facta Lux’’ da raça humana. Por isso, os mais ricos desta terra,
aqueles que injustamente herdaram as riquezas da nossa mãe, investem nas
terras da Madrasta. Eles amam mais as terras da madrasta do que as terras da
nossa própria mãe Terra... que Deus a tenha. A Madrasta ainda vive aqui,
nestas terras... Ela chama-se ‘‘Moral pós-colonial’’ e não há diferenças com a
moral colonial. Esta geração é apenas livre pelos lábios, sua ética é escrava
até nos dias atuais. Todo aquele que tenta resgatar os ensinamentos da nossa
mãe Terra, que descanse em paz, é tido como mula, atrasado. Vede por vós
mesmos:
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Quem dentre os filhos dos mais ricos desta terra termina sua formação aqui?
Ou quem para além da filha do José investiu grandemente nesta terra? Acaso
os preferidos da Madrasta não preferiram investir e tornar mais bonita as
terras da Madrasta? Acaso não foram eles que tiraram daqui bilhões de
dólares americanos e guardaram nas terras da Madrasta? Porquê não
guardaram aqui? Se investissem aqui criariam emprego e diminuiriam o
nosso sofrimento. — neste instante Silepo lacrimejou. — Mas preferiram
entregar a quem já tinha por sobrecarga.
— Por agora, melhor passar para a próxima fase, creio que já estais
esclarecidos acerca do texto. Vamos falar para além do que foi estabelecido
sobre o texto narrativo. Alguém quer opinar? — disse o professor Chia.
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No caminho para casa, Silepo encontrou um jovem que lhe disse:
— Sabes Silepo, sobre aqueles momentos em que desejamos nunca
ter
existido, este é com certeza um deles. Acordei no horizonte quando ainda as
estrelas brilhavam no céu, olhei para mim mesmo e vi apenas vazio… alguém
disse que é impossível ser feliz sozinho e eu digo, é impossível ser feliz de
qualquer jeito. Sou rodeado de muitas pessoas, em contra-partida me sinto
sozinho, vazio, abandonado a minha própria sorte, sem amor ou pingo de
afeição. Eu amo, amo muito, mas falta-me quem ame-me de volta, quem se
importe de volta e quem enxergue de volta. Nasci social, mas vivo isolado,
além das estrelas, só tenho a mim mesmo para conversar.
Não tenho mãe e o pai que tenho me é estranho, meus irmãos odeiam-me e
sempre tive uma madrasta para me lembrar dos meus fracassos. Nada
positivo fiz nesta vida e, meus sonhos se quebram, meus projetos morrem a
cada alvorecer. Que importância tenho eu neste mundo? Diz-me Silepo…
51
Não te dou um conselho, te dou um aprendizado, se te falta família,
construa uma, tu mesmo, se amas, continue amando, se não enxergas quem
te ame de volta é porque não amas como dizes. Colhemos apenas o plantado,
quem amor planta, amor colhe. Você pode ir tão longe, avante para onde a
luz das estrelas se curvarão ante o brilho do teu olhar.
É você quem determina o teu estado de espírito…
Não permita que superficiais te prendam num labirinto. Em um mundo
tendencioso, ser diferente é considerado malicioso.
Não adormeças sua arte por não agradar aos que nem sequer fazem
parte. Você pode ir tão longe, distante, avante, para as estrelas onde não
existem julgamentos. Mas enquanto estiver aqui, terá que ser mais forte
entre os teus e em toda parte. Não procure a luz no fundo do túnel, seja você
a tua própria luz, a tua força de vontade é tudo que você tem e somente com
as tuas forças você pode ir além…
Olhe para os poucos que te amam e diga-me: Não são as razões
suficientes para fugir da depressão? E se ninguém te ama, lembra-te que
ninguém ama o Diabo. Mas mesmo assim ele ganhou a terça, parte das
estrelas e conquistou o mundo.
Não vamos tão distante, O próprio Jesus é a prova de que apenas
nossa essência importa.
52
***
53
SOBRE O DINHEIRO
54
As palavras da prima acalmaram Sophia, entendeu que era o fim, mas
uma metamorfose rumo a um novo estágio da existência. Começariam a
atravessar alguma dificuldade financeira, mas seria só isso. As duas
organizaram seus currículos e os enviaram para possíveis empregadores.
Passaram-se alguns dias e não tardou até que a notícia chegasse a tia
Tina, esta na qualidade de adulta preocupada, sugeriu que as meninas
ficassem na casa dela, mas as duas recusaram.
Então a tia Tina, mãe da Sophia emprestou- lhes o dinheiro para reabrir
a loja. Feliz com o empréstimo, Silepo começou a falar assim:
— Nunca os primeiros homens pensaram que seus posteriores
dependeriam do dinheiro para viver. Os primeiros homens eram crianças
existênciais e eram felizes por isso. A criança é tão inocente que até a
serpente lhe é bela aos olhos. Não inveja, não odeia, não ama nem maltrata,
a criança é o único ser feliz que rodeia os corredores da vida. Mas nós, nós os
posteriores dos primeiros homens, crescemos e sabemos tanto que a
natureza não consegue sustentar a todos.... Então, multiplicamos o que a
natureza nos dá para satisfazeras nossas lacunas vitais.
55
homem desde o jardim, hipnotizou-se por aquilo que tem valor e o que é o
valor se não aquilo que quantidade superior define como valor? Quem
ensinou a nós o valor das coisas se não os nossos progenitores? «Tem valor
tudo que é belo, fascinante, útil e raro.» Dizem os garimpeiros, mas quem
disse aos garimpeiros que o diamante tem valor? Não será só mais uma
pedra brilhante? Eu daria mais valor noutros tempos às coisas que revigoram
a terra do que ao diamante.
***
O ENVIO PEDAGÓGICO
56
seus alunos do estágio, ficara doente no final do ano e até as provas de
escola, fez com dificuldades.
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Eles, meus alunos... consideram-se os únicos detentores do
conhecimento verdadeiro, não gostam que sejam questionados mesmo
quando sabem que estão errados. Na universidade onde ireis no ano que vem
é o seu ninho de amor. Em verdade, em verdade vos digo: que lá não
encontrareis Didática superior à do Comandante Liberdade. O que vos vão
ensinar não é pedagogia. Eles vender-vos-ão fascículos preto e branco a
10.000kz e vos obrigarão a decorar o código penal, isto para os que seguirem
a linhagem do direito. Mostrar-vos-ão pergaminhos enferrujados e rejeitarão
o vosso conhecimento. Meus filhinhos, fazei o que eles ordenarem para o
bem do vosso currículo, mas não leveis para a vida os seus ensinamentos
Didáticos. Eles têm prazer na reprovação do aluno e rejubilam na cor
vermelha da não compaixão. «Enquanto eu viver, não saireis desta
instituição» Assim falam alguns deles quando sentem seu conhecimento
ameaçado. Eles amam que os trateis por Doutor, Mestre e Vossa Excelência.
Não os deis ouvidos…
Eu vos envio como avivalistas numa sociedade que tem o senso crítico
morto pelo sistema.... Vos dareis com almas, seres humanos únicos, com
histórias únicas. Lembrai que não existem burros dentre os vossos futuros
alunos e que todo ser humano é um génio da construção dos pensamentos e
na formação da inteligência. Lembrai que somos ‘‘Etpluribusunum’’ e que
nem todo mundo é obrigado a ser um génio da linguística. Vós sois
orientadores do ensino- aprendizagem, e é indispensável que procedais como
tal. Lembrai que os alunos não são vossos inimigos, antes pelo contrário são
os vossos amigos;
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não a revele até que deixe ela de ser sua aluna. Se o sentimento for intenso
declarai-o na paz da amizade terna. E alienando-se aos princípios da
moralidade, não a engravide até que case-se com ela. E a mesma coisa
oriento às meninas;
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— Bem-aventurada sou por avistar novamente este poeta...
Não terminara de falar quando foi simplesmente ignorada pelo
mendigo e tendo olhado com atenção, reparou que tratava-se do mendigo da
outra altura.
«T a l v e z só se veja uma vez em toda a vida um mendigo igual.»
Pensou a Silepo enquanto continuava o seu caminho…
O ENCONTRO FÚNEBRE
— Pensara que dentre os filhos dos homens fosse a única que falava
comigo mesma.
— Naaaaaaaaaaaaaaaaaaaão!!!
Uma nuvem de lágrimas cobriu o seu rosto, o jovem corria trêmulo na
direção do acidente, reconhecera o V8 cinzento do seu pai, e a Silepo correu
para segurá-lo. Todos à volta olhavam atónitos, ninguém movimentou-se
para o ajudar ou para ligar para o INEMA «Assim somos nós os angolanos».
— Alguém chame uma ambulância por favor! — gritou uma brasileira
~
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que passava caminho não sei para onde.
E o senhor morreu...
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Entristece-me o cenário, mas não tenho sentimento por aquele senhor, ainda
que fosse confirmado que é o meu pai.
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— O meu nome é Tahuma e não tenho como agradecer o apoio que
me deste.
— Silepo, e antes que perguntes... sim. Eu sou a tua irmã, a descrição
do elogio fúnebre bate com os documentos que tenho.
— Nem Deus nem os meus pecados têm culpa da minha triste sorte,
Deus não quer nada comigo, se quisesse ele mesmo falaria comigo. O
destino nos juntou por alguma razão, agora vivemos nós o inverno do existir.
Nem eu nem meu corpo conhece o inverno, mas deve ser assim.
***
O VILONGA
— Vamos começar com o nosso Vilonga. — disse um dos seculos que
estava
no quintal – Como o falecido não deixou o testamento, o que faremos?
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— Isso de testamento é coisa de fora... nós aqui vamos fazer o que já
temos feito em caso de óbito. — disse uma das tias do Tahuma.
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— Calem! Vocês todos! — disse o Tahuma – Não estão a ver que a
pessoa de quem vocês falam está aqui connosco? Que culpa das vossas
merdas tem a minha irmã a ver?
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desgosto por um homem que só lhe trouxe sofrimento, agora mesmo que
queirais, não podeis vos redimir ante ela, seus ouvidos não podem ouvir,
seus olhos não podem ver e seu coração já não bate por compaixão...
SOBRE A FAMÍLIA
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Ó tirano pai de uns e padrasto de outros como queres que te
lembremos se não fazes nada quando pedimos?
Como queres que derrotemos o diabo se tu não consegues vencer os
falsos profetas? O que fazes exilado no céu?
Não ouves a órfã rezando? Não vês o órfão sofrendo?
Não ouves o clamor do pai africano, não ouves o choro da mãe
desesperada, não vês a criança morrendo de fome?
Como queres eu ame o meu vizinho se tu que és pai o abandonaste?
Mais uma vez, a Silepo rezara a um Deus que não lhe ouve, mais uma
vez atreveu-se a abrir o coração para o desconhecido…
Saindo da paróquia foi para casa onde encontrou Sophia, chorando e
encolhida no sofá.
— Do que choras tu? Qual será o motivo do teu sofrimento? — disse a
Silepo com lágrimas nos olhos.
E a Silepo congelou.
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O que diria ela ante aquela situação? Abraçou a Sophia
carinhosamente, colocou sua cabeça nos seus ombros e lhe disse:
— Depende de você, apenas de você que esta criança nasça. O que te
trazer paz, o faça. Mas não te esqueças... todos têm a oportunidade de viver
mesmo sem um pai e talvez, o desejo do embrião que descansa dentro de ti,
é viver.
Talvez um dia, algum moço se te ame, não apenas use do sexo para as
suas próprias vaidades. Quem iria adivinhar que por detrás daquela cara doce
se escondia um sem carácter? Como pode alguém não querer formar uma
família com você Sophia? A família para aqueles que entendem é o bem
supremo do viver humano, sem ela outras formas de bem seria supérflua e
utópica. A família é a socialização primária dos pensadores, é nela onde
nasce a personalidade do indivíduo. A pessoa é aquilo que a família lhe fez,
as pessoas mais frias, são de famílias mais fria, não no absoluto, mas na
maior parte das vezes é assim.
Enquanto a Silepo falava, ouviu-se o bater na porta. Era a tia Tina que
viera visitá-las…
Não havia mais o que esconder, Sophia contou a verdade. A tia Tina
enfureceu-se e culpou ambas pelos ocorrido. «Silepo, se fosses mais amiga
da tua prima isto não aconteceria.» A tia Tina decidiu naquele instante levar
Sophia para a sua casa. E repartir entre elas o que havia de saldo na conta da
loja, esquecendo assim a dívida. A Silepo decidiu continuar com o negócio,
mas chorava ao ver afastar-se a sua única companhia.
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— Minha única família desde a minha mãe. — disse a Silepo e
continuou — Agora a solidão aproxima-se como o vento do Norte, não
haverá
quem me acompanhe nas noites de pesadelos do meu existir. Por quê a
família não é eterna? Por quê a família finda-se nalgum momento?
— Não fica assim Silepo... — disse a tia Tina — Se quiseres, sabes que
podes vir morar connosco, afinal serás de grande ajuda se concordares.
Silepo mais uma vez entristeceu-se quando viu entrar no táxi a sua
única família...
Quando chegou em casa, era já noite. Encontrou o irmão Tahuma no
portão com as malas.
— O que fazes aqui?
— Por favor minha irmã, é facto que acabaste de me conhecer, mas
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aceita-me como hóspede, pois não confio em mais ninguém para cuidar de
mim.
***
A DEFESA DA SOPHIA
«O Planeamento familiar e o Preconceito da mãe solteira.»
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— Já nos atrasamos! — disse a Silepo.
— Chama-se gravidez ao período de cerca de nove meses de gestação
nos seres humanos, contado a partir da fecundação e implantação de um
óvulo no útero até ao nascimento.
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E outro problema do não planeamento, é o preconceito da mãe
solteira. Em Angola, não é encarado com bons olhos os problemas de as
mães criarem sozinha os seus filhos, ainda mais quando esta mãe for jovem
ou adolescente. O preconceito começa do pressuposto do adultério ou
fornicação, a moral cristã principalmente tem contribuído para a depressão
de milhares de adolescente grávidas em todo país, com os seus princípios de
censura, isolamento e julgamentos. Por isso milhares de moças preferem
recorrer ao aborto. Para que a Santa Igreja continue a
vê-las como virgens. Com estes princípios de afastamento, a igreja só tem
contribuído para o aumento do aborto e aproliferação do pecado.
Mas não viemos falar da Igreja. Vamos falar do principal responsável
pelo preconceito da mãe solteira, vamos falar do pai. O pai, quem é ele? Qual
a sua origem e qual é o seu fim último?
Paternidade é um conceito que vem do latim paternĭtas e que diz
respeito à condição de ser pai. Isto significa que o homem que tenha tido um
filho acede à paternidade. E muitas vezes os filhos não precisam ser
biológicos. A paternidade é um sonho cumprido para muitos. Há homens
para os quais a paternidade lhes é grande, em geral, a paternidade usa-se
para designar a qualidade do pai (homem). No caso da mulher, a noção
associada a ser mãe é maternidade. No entanto, dependendo do contexto,
paternidade pode referir-se tanto ao pai como à mãe.
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Sua gravidez não era notável, apenas os membros da família sabiam.
Sendo aprovada com nota 15, felicitaram-na.
— Não sei, com esta gravidez é bom que eu espere o bebê nascer e
teste
somente no ano que vem. Consegui um emprego de enfermeira numa clínica
e como a mamã sabe, tenho que trabalhar para o bebê que vem.
— Está bem, eu vou com uma condição! Leva chocolates para mim.
— A mãe... vai rolar casamento. — gritou o irmão mais velho da
Sophia.
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— O que é isso idiota?! Claro que não só vamos a missa. Além disso,
nenhum homem vai me levar a sério com esta barrigona...
***
SOBRE O TEMPO
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O tempo nunca começou e nunca vai acabar, o tempo é o devir do espaço e
da vida em si. O tempo é o presente, apenas existe o agora. Onde está o
ontem? Cadê o amanhã? Alguém consegue ver? Se sentes que estás
apaixonado, é tempo de amar. Se sentes que vais ter um filho, é tempo de
construir um lar...
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Mas quando saíam do restaurante o clima mudou. Sophia apercebeu-se que
começara a ver Tahuma com outros olhos, segurou-lhe a mão e Tahuma não
contendo suas emoções, beijou-lhe.
— Não... não podemos, não posso, você não pode.
— Por quê Sophia?
— Não vês? Eu sou uma mulher grávida, abandonada, você merece
alguém melhor...
Neste instante Sophia correu e mandou parar um táxi, subiu e deixou
Tahuma na reflexão. «Meu Deus, eu amo esta mulher... o que devo fazer?»
Pensava Tahuma.
Foi então que o seu telefone tocou. Era o velho advogado do seu pai
avisando-lhe que ele já poderia assumir as ações que o velho dera numa
empresa de informática.
— Em pleno domingo ele me avisa? — monologava enquanto dirigia-
se
a uma joalharia do 7º Dia.
II
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Sophia saíu e em passos incertos atendeu Tahuma na varanda…
— Sophia...
— Por favor! Tahuma vá. Não quero lhe trazer sofrimento.
— Mas eu quero... quer dizer, eu quero ficar contigo nem que isto
signifique sofrer, desde o primeiro momento em que a vi brotou em mim o
fruto do amor. Eu amo-te agora...
***
SOBRE O CASAMENTO
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perspectiva erótica é um presente da existência. O casamento é o primeiro
passo na construção da família, falo da família no seu conceito moderno. No
casamento é o único lugar em que uma criança tem a chance de conhecer a
felicidade do calor fraterno dos pais.
Hoje, meu irmão casa-se com aquela que em tempo me amparou. O
que ele entendeu na vida para tão cedo entregar-se a uma mulher e adotar
um filho abandonado? Talvez queira ser diferente do seu pai ou talvez
conhece como eu o peso da falta de uma das figuras da paternidade.
Um dia... um homem sábio disse: «Apaixonados somos poetas,
casados somos filósofos.» conhecerá o meu irmão agora a Filosofia? Saberá
ele que até aqui o seu Deus não fez nada por ele?
Foi Deus quem instituiu o casamento «Não é bom que homem esteja
só...» Que machista. Ele entregou a mulher ao homem como um amo
entrega uma escrava. O judeu, é a espécie mais terrível de machista. Quem
disse a eles que a mulher é uma eterna empregada? Hãm... foi Deus. Se não
fosse pela serpente, ainda hoje estaríamos exiladas nalgum harém para
satisfazer os desejos ‘‘do macho alfa’’. E o homem que tem a sua gênese no
Império Otomano? Este é a espécie mais terrível, a espécie que encara a
mulher como escrava. «As mulheres não têm voz, foram feitas para obedecer
e satisfazer as vontades dos homens» dizem.
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Depois da cerimónia, Silepo voltou para casa, voltou novamente para a
solidão. Seu irmão adotara uma nova família e se mudara para a casa de seu
pai. Sophia tinha outros deveres como esposa e a Silepo, nunca tinha
namorado na vida…
«Se o amor me alcançar, o abraçarei, mas se por mim passar sem se
importar, viverei segundo a castidade.» Falava a Silepo.
***
A VIAGEM
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apaixonado que pegará um dote por você. — respondeu a Silepo enquanto
mudava de lugar.
— Para nada. Logo, ele está acima da razão humana, ‘‘É A CAUSA SEM
CAUSA E A CAUSA DE TODAS AS CAUSAS’’ Silepo.
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— ‘‘A causa sem causa e a causa de todos as causas’’ já nós sabemos
através da ‘‘Aurora que a contradição é o motor do mundo, todas as coisas
se contradizem a si próprias porque somos, até em lógica, pessimistas.
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— Analise bem as minhas palavras Silepo, não falo do paraíso que a
todos foi prometido como fim da aflição. Minha questão é, você está mesmo
pronta para o esclarecimento de Deus em você? Suponho que vai dizer que
sim, mas te digo que não quero isentar os pastores e padres da culpa que a
ele imputas, mas é o povo que não quer ver. Como disse o profeta: «MEU
POVO SE PERDE POR FALTA DO CONHECIMENTO.» A humanidade precisa
despertar do sono que a anos vem levando sobre seus ombros e Silepo, isso
é um processo.
«Se alguém dentre vós se tem por sábio neste mundo, faça-se louco
para ser sábio.» (Paulo Apóstolo)
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— Silepo... Paulo é homem e assim como nós, buscava pela salvação e
revelação divina. Que sentido há em culpá-lo, lembra-te das palavras de
Sócrates e Platão “o conhecimento é um estado de latência em ti”, quer
dizer, o conhecimento está dentro de ti e explore dele o máximo a teu favor, é
a ti mesmo que precisas descobrir para entender a Deus e Deus realizar seu
propósito em ti é vontade da ‘‘CAUSA SEM CAUSA E A CAUSA DE TODAS AS
CAUSAS’’ que chegues a perfeição, porém a perfeição não vem do nada e
precisa ser trabalhada, Silepo. Deus é bem claro ante a nós, é nós quem o
negamos e o desconhecemos ou ainda nos foi mal-ensinado acerca dele.
— Agora sim... «Nos foi mal-ensinado acerca Dele» Isto é certo, mas
como se poderia ensinar bem se Ele não se revelou bem?
Silepo calou também... não queria estragar o clima entre elas, queria
desfrutar mais da Kassova antes que se separassem. E então, deixando a
Filosofia, a Ciência e a Religião de lado desfrutaram uma da outra enquanto
viajavam. Ouve muitas paragens e a viajem demorou três dias.
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Quando chegaram, despediram-se, pois, tomariam caminhos
diferentes. Silepo pegou na sua bagagem e pegou uma mota até a
hospedaria que lhe acolhera. E adormeceu...
— O que diz ele? Já sei, é mais uma daquelas línguas estranhas que só
Deus entende.
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— Revela Pregador!!! — gritava a Igreja.
— “PammbammmmmmmPammmmm” Ouvia-se o piano.
— Calma, alguém me agita por favor! — gritou o pregador.
— Ó glórias, tchicontrofibuates!!! — gritava a Igreja.
— Eu estou a pregar pra alguém aqui, que está a viver momentos de
fracassos, é careca, não consegue entrar na faculdade, é careca, não
consegue casar, é careca, vive perturbações, é careca, não encontra
emprego, é careca.
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— Quem dentre nós carrega a razão? Eu a pregadora da liberdade da
razão ou os pregadores da linguagem incompreensível? Tanto nós espíritos
livres quanto os pregadores da morte têm alguma razão.
— Eu sou José o que vive Nele, por Ele e para Ele. O propósito daquele
que vive para sempre para nós é salvação e extinção do sofrimento. Quem é
você?
— Eu sou a Silepo e não sei onde vivo, não sei por quê vivo nem para
quem vivo. Sou uma peregrina em busca do sentido do meu existir. O filho do
Diabo uma vez me perguntou por qual razão existo e eu não o soube
responder.
— «Uma vida sem busca, é um navio sem leme» Disse uma vez um
Homem sábio.
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José suspirou, olhou para o céu e em tom de poeta respondeu:
— Jesus o filho de Deus, é ele o sentido da vida... É ele o único
propósito
possível, todos os outros propósitos perecem no anoitecer da peregrinação
daquele que vive para sempre.
— ‘‘O Filho de Deus’’ Assim nos referimos para nos referir ao Deus
encarnado que revelou os mistérios dos céus e nos abençoou com todas as
bênçãos no espírito. Deus nunca nos abandonou... mesmo quando errados,
ele tomou o castigo para si. Deus morreu para que nunca mais nós os
homens vivêssemos no vazio existencial. Ele morreu, mas não está morto,
ressuscitou como pregavam os judeus. Subiu aos céus e aguarda o dia do
tempo do fim.
— Desde a criação, nunca mais o homem viu ou ouviu Deus, mas tem
sentido a sua presença e descodificando os seus sinais. Só alguns o sentem
porque só alguns confiam na fé. Deus se comunica sempre com os homens e
interfere segundo o propósito da criação. Ele não pode mudar o curso do
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mundo por este mesmo propósito, mas a aqueles que o aceitam, Ele
interfere e faz o seu milagre.
— Não.
— O mesmo para Deus, apenas os que o solicitam, chamam, e
atravessam o seu caminho o sentem. O mundo é dos homens e importa que
tudo aconteça segundo os homens, mas aqueles que vivem em Cristo são
protegidos pela Graça de Deus. Jesus disse: "Quem conhece tudo, mas está
desprovido em si, está absolutamente desprovido".
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***
— O calor da paixão.
— Só me conheces a um dia e já estás apaixonado?
— O que é a paixão, Silepo?
— É uma atração física-psicológica dos animais.
— E esta atração segue um padrão de tempo, se sim, qual?
Neste instante Silepo deu um sorriso envergonhado, todos os rapazes
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a ignoravam, primeiro pelo seu estilo e depois pelo seu falar...
— Não há padrão de tempo para isso. — falou a Silepo.
— Eu soube no momento em que a vi que estava ligado a você por
laço
qualquer, depois de conversarmos eu tive a certeza que é pelo da paixão. —
dizia José enquanto aproximava seus lábios aos da Silepo.
— Se estiveres enganado?
— Então prefiro viver no engano.
— Eu não moro aqui!
— Eu também não.
— Onde você mora?
— No Lubango.
— Eu também...
— Eu sei...
— Qual bairro?
— Cala a boca… — Sussurrou José enquanto envolvia Silepo em seus
beijos. Com aquela paisagem da arte natural, os pombinhos se beijavam
apaixonadamente.
***
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SÓ PODE SER VERDADE
O pregador falou:
— Todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus,
daqueles que são chamados segundo o seu propósito. Eu não sei o que você
sofreu, mas eu sei que isso também contribuiu para o seu bem, você
amadureceu e vai ser preciso muito trabalho para abalar você de novo,
quanto as cicatrizes, ou as feridas que ainda pulsam no coração o meu Deus
vai curar, ele é o melhor psicólogo que existe.
— Você não está só. — disse o pregador e continuou – Deus está com
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você, ele sempre te chamou! Ouça Jesus, ele está aqui. Levante você que está
sentado e dê agora um sentido para a tua vida, estabeleça um propósito para
a tua existência.
Uma irmã levantou, foi até ao altar e começou a cantar enquanto a banda
acompanhava:
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Eu sou quem te fez a promessa pode descansar
Se preciso for nos braços vou te carregar
Tu és meu filho estou contigo em qualquer situação.
Te levo bem guardado na palma da minha mão.
FIM
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A Silepo partiu da ideia do pecado original, acredito que o pecado
original relatado nas mitologias religiosas seja o conhecimento, a
filosofia, a ciência, tal é que, do Umbundu Silepo é igual a "que
eu não coma" traduzido por mim em "pecado original".
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Sobre o autor
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Sobre nós – EDITORA LITE
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Ainda temos para si:
www.editoralite.blogspot.com
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