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A Silepo é sobre tudo e também sobre nada.

É sobre as perguntas que já


fizemos e (nunca) nem
sempre obtemos respostas.
Alerta para o leitor:

Os acontecimentos a seguir, as personagens e as


referências a lugares são itens inerentes ao conto, que são
livres de qualquer má interpretação, são de carácter
espontâneo e nada intencionais ao uso do autor.
Portanto, a relevância de qualquer semelhança à
realidade fica a cargo e discernimento total do leitor.
TÍTULO DO LIVRO:
A Silepo (Filosofias da vida)
AUTOR:
Ramos D´Cassacili
GÊNERO LITERÁRIO:
Ficção Científica (conto)
PROJETO GRÁFICO:
Josimar Anália
CAPA, EDIÇÃO E DIAGRAMAÇÃO:
Aricson Batalha e Josimar Anália
REVISÃO:
Aricson Batalha, Josimar Anália, Fernanda Luís, Raiana Lage
e Joana Tchapinga
IMPRESSÃO E ACABAMENTO:
EDITORA LITE
1ª EDIÇÃO: © MARÇO DE 2022.

Por: Editora LITE


__________________________________________________
1º Edição | Angola (Huíla-Lubango) | ISBN: 978-989-33-3320-4

Copyright © 2022 | Editora LITE


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SUMÁRIO

Página 1..................................................................................................... PREFÁCIO.


Página 3................................................................................ CONHECENDO A SILEPO.
Página 5…................................................................................. UMA SEMENTE DE FÉ.
Página 8............................................................................... A DIDÁTICA DO FUTURO.
Página 14................................................................................ PECATUM ORIGINALE.
Página 18................................................................................................... A MÚSICA.
Página 21.......................................... AUTO-CONHECIMENTO E CRISE DE IDENTIDADE.
Página 26...................................................................... A PROFISSÃO DO PROFESSOR.
Página 30............................................................................. A ORIGEM DAS ESCOLAS.
Página 34.................................................................................................... O SONHO.
Página 41................................................................................................ O MENDIGO.
Página 46..................................................................................... PÁTRIA MADRASTA.
Página 54..................................................................................... SOBRE O DINHEIRO.
Página 56................................................................................ O ENVIO PEDAGÓGICO.
Página 60............................................................................... O ENCONTRO FÚNEBRE.
Página 63................................................................................................. O VILONGA.
Página 66........................................................................................ SOBRE A FAMÍLIA.
Página 70.................................................................................. A DEFESA DA SOPHIA.
Página 74......................................................................................... SOBRE O TEMPO.
Página 77................................................................................. SOBRE O CASAMENTO.
Página 79................................................................................................... A VIAGEM.
Página 89................................................................... AS PESSOAS, O MAR E O AMOR.
Página 91............................................................................... SÓ PODE SER VERDADE.
PREFÁCIO

O que é exatamente um prefácio? Um resumo da obra ou uma


introdução da história? É o que vem antes certamente, e antes da
Silepo, vem o espírito solitário, talvez cativo, pela Igreja e pelas
convenções da sociedade angolana.
Antes da Silepo…. só havia caos.
O pensamento inibido pelo medo da autoridade.

Muitos são abençoados com a terra fértil do raciocínio, mas nada


fazem a respeito. Pois pensar é crime na realidade que nos cerca,
prova de tal, é o tratamento dos mais velhos pra connosco, é o
sistema de ensino do Curso de Filosofia do ISCED da Huíla... Aonde
raios é proibido a um filósofo pensar? Trabalhos plagiados com o
texto formatado em PT/BR são comuns e dignos de dispensa.
A nossa biblioteca é desnecessária. Se só vale o que vem patente nas
brochuras dos mestres, porquê criar o hábito de leitura?
A ciência faz-se na vida, é certo, mas a Filosofia precisa de terra
fértil, a ciência precisa de terra fértil. E aqui não há terra fértil...

Na verdade, este Livro foi extraído no caminho para


Caluquembe e no deserto povoado dos Gambos... É destinado a todos
os espíritos livres que povoam Angola. Nestes tempos em que o
conformismo e a inquestionabilidade dos fenómenos se apoderaram
dos nossos contemporâneos, é bom que se conheça alguém como a
Silepo, alguém que transcendeu a realidade e navegou nos mares
mais longínquos de sua alma.

1
Para além de um romance, A Silepo é a carta da iluminação para
todos os pensadores, é bom pensar e exteriorizar sem medo o
produto da nossa alma. A Silepo é a encarnação de todos os que
morreram por conta do livre pensamento, é a emancipação de todos
os que tombaram por se rebelarem contra a autoridade, é o cânon da
vida de qualquer filósofo.
Ao longo da estória surgirão nomes de personagens ligadas à minha
vida pessoal e social, mas nada têm sobre a estória. Como disse, é só
uma estória. Nunca aconteceu. (…)

Ótima leitura, não sei quantos são os que tomaram a obra para ler,
não obstante a isso, que este livro satisfaça o seu propósito.

— Ramos D’Cassacili (Espírito Livre)

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Conhecendo Silepo

Silepo muito nova foi abandonada pelo pai...


«Metade de sua vida enquanto criada por mãe solteira, foi desperdiçada nas
camas de um hospital.» Dizem os homens modernos, e com a sua razão. Mas
no caso da Silepo, as férias no Hospital Central do Lubango não foram um
desperdício. Antes, foram a melhor coisa que acontecera ao seu espírito.
Como sua mãe não tinha tempo de a acompanhar como uma amiga
acompanha outra para encher a cabeça dos homens, Silepo encontrou nos
livros a melhor companhia de sempre e no seu favorito ‘‘Assim Falava
Zaratustra’’ encontrou um motivo para continuar a viver, encontrou o amor
pela vida, pela terra e o desprezo por Deus e pelos pregadores da morte.
Miúda doente! Não podia estudar assim como as crianças normais.
Quão boa é a professora Rosa que não se cansava de lhe dar aulas
particulares e deixar que a menina se locomovesse duas vezes por trimestre
para fazer as provas do professor, isto, com autorização do Senhor Diretor. E
sim... eu disse duas vezes por trimestre. Como não tinha tempo para mais
nada, Silepo dominava todas as disciplinas do ensino primário e mais alguma
coisa que aprendia com os livros que a mãe lhe comprava. Aprendera
Filosofia, História, Antropologia, Cosmologia, Psicologia e outras ciências do
ciclo de livros que tinha à disposição.

Quando seu sistema imunológico havia evoluído e as enfermidades


deixaram de ser a sua companhia, a diretora clínica decidiu assinar a sua
‘‘alta’’.
— Ulú! Ulú! Weweleketé… — rejubilava a mãe da Silepo pela saúde
que
o Ngana Zambi havia dado a filha.

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— Menina, agora já podes pegar nas tuas coisas, ir para casa viver uma
vida normal e agradecer a Deus pela saúde. — disse a Diretora clínica.

Silepo com um olhar instigador olhou todos à sua volta e fitando a


Diretora balbuciou:
— Graças dou a si, oh minha mãe... — revirando os olhos continuou —
Também ao grupo de enfermeiros que me assistiu, e a si, ó nobre diretora que
me amparaste com a tua graça...

— Fomos todos guiados por Deus. — disse a diretora.


Silepo chegando a porta do hospital depois de passar quase a
adolescência no hospital, olhou para o céu e balbuciou:
— Ó céu azul para além da poluição dos homens, serás tu o abrigo de
um Deus surdo, mudo e cego? Ou apenas testemunha de um mundo
decadente?
— Já sei, és a vitima das orações dos homens e das calamidades que se
passam aqui em baixo.

E assim começou o caso da Silepo...

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UMA SEMENTE DE FÉ

Estando em casa, Silepo recebe do telemóvel a pior ligação da sua vida.


Sua mãe acidentara enquanto vinha da pequena empresa que trabalhara
como gestora de finanças.
Seus ritmos cardíacos aceleravam a cada centímetro que o táxi movia,
nas profundezas do seu inconsciente resgatou as palavras da Diretora sobre
Deus, fé e coisas afins e meditou nisso toda a viagem. Quando chegou antes
que dissesse uma palavra, sua mãe adiantou–se:
— Tem um baú nos arquivos esquecidos do meu curriculum laboral...
lá encontrarás um processo azul com todos os dados de teu pai. Nos últimos
dois anos ele tentou entrar em contacto comigo acerca de ti, ele não teve
nenhuma outra filha. Apenas um filho, seu nome é Tahuma...
Não acabara de falar, quando as máquinas da UTI entraram em gritos
perturbadores, então após as enfermeiras entrarem, Silepo recolheu–se para
a paróquia de Nossa Senhora da Assunção e lá dobrou seus joelhos, inclinou
a cabeça e com o rosto banhado em lágrimas orou assim:
— Antes de recorrer a qualquer outro caminho, volto-me na direção
de quem eu fujo... — olhou para o crucifixo exibido no alto do altar e
continuou — Se existe algum Deus para além do azul estrelado do céu, se por
uma vida inteira tem olhado por nó, se não tem os olhos tapado com um véu
…. Se há salvação no meio de nós (…)
Eu lhe peço, ó tu que habitas no céu, para além da poluição dos homens,
atende ao meu gemido e salva a minha mãe que te serve desde o seu
nascimento…
Que dedicou 10% dos seus tesouros e 100% da sua vida a ti, ó Senhor de
todos os sofredores!

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Não te peço outra coisa na vida. Apenas salva a minha mãe!
E eu me doarei por inteiro ao teu favor...

Depois disso, voltou para a receção ainda com o rosto banhado em


lágrimas e rezou outra vez no coração. De repente, o tempo congelou, o
ruído cessou e os passos do enfermeiro que vinha na sua direção pareceram
cem vezes mais lentos do que os de uma tartaruga e, chegando até ela disse:
— Lamento! Sua mãe agora está com Deus...
Não se ouviu, nem já mais se ouvirá um grito semelhante! O hospital
inteiro congelou ante ao sofrimento da manceba e não haviam lenços que
enxugassem suas lágrimas.
Seu coração tremia junto com seu corpo e seus pés ficaram imóveis até
em casa. A Tia Tina junto com o seu primo Esunguluko, tiveram que carregá-
la até a casa. Por quase dois dias, Silepo ficou em êxtase, até ao dia que
acordou.

***

II

A manhã era bela aos olhos de quem quer que fosse, exceto aos da
Silepo, pois estes estavam nublados com as águas do além. Ela olhava ao
redor e conseguia apenas ver negro. Talvez fosse o uniforme do óbito, talvez
a manhã radiante era uma ilusão dos outros ou ela é que vivia num mundo
diferente agora…

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Todo mundo dava a maior força, não faltou quem desse apoio a recém órfã.
Quando o carro da funerária chegou, Silepo não mais tinha o que dizer,
toda a sua fala se dissipara em choros e lamentos «Deus abandonou-me, e
já fez isso há muito tempo, quando nasci.» dizia em seu coração enquanto o
cortejo decorria. Na última missa do cortejo depois dos elogios fúnebres e
todo ritual, seu maior receio veio à tona: Deus, os Anjos, os Santos, a Virgem
Maria, e todos os milagres não passavam de utopia. E viu pela primeira vez o
que pensava ser a verdade sobre os padres…
«Não passam de caluniadores, hipócritas e mentirosos por profissão.» Dizia
em seu coração.

A promessa do padre não lhe serviu de nenhum consolo, entendia que


a alma da mãe morreu junto com seu corpo e que o espírito de que se falava
era uma ilusão.
A dor só aumentou...

Às vezes precisamos de algum Deus, não para operar milagres ou


coisas supra-naturais, mas para diminuir o nosso sofrimento.
Ao ver sua adorada mãe dentro do uma casota de madeira, sendo
colocada numa tumba fria e a convite aos bichos exclamou: «A vida não tem
sentido! É uma contínua contradição.» «Fé é na verdade uma manifestação
cobarde que consiste em fechar os olhos ante a realidade para fugir da
contradição inevitável.» disse em seu coração.

Foi decidido no Vilonga que Silepo moraria com a Sophia, filha da tia
Tina, para uma a outra acompanharem-se nas vicissitudes da vida. O
cabucado de dinheiro que tinham e mais algumas contribuições do Vilonga,
serviram para elas abrirem uma loja que perturbava constantemente Silepo,

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pois, esta era uma menina fechada e não muito sociável…
Sophia estudava na Escola Técnica de Saúde ‘‘Ana Paula’’ e Silepo
aventurou–se na “Escola de Formação de Professores”.

***

A DIDÁCTICA DO FUTURO

O coração dos adolescentes estava ansioso, havia inquietude em tudo


que era parte na sala de aulas, os estudantes perdiam-se na imaginação de
como seria e, todo movimento profetizava a chegada da nova geração de
professores...

O Professor Chia, havia decidido que chegara a hora de os futuros


professores entrarem em contacto com alunos de verdade: «O básico ficou,
já não há motivos para manter-vos exilados na ansiedade do que está por vir.
Outrora éreis apenas crianças com sonhos, agora já sois professores e,
depois desta experiência estareis preparados para o mundo de trabalho. O
que encontrarão no terreno são seres humanos, pessoas singulares de
culturas singulares e o mais importante, encontrareis pensadores
bloqueados à espera do embrião do desenvolver filosófico» e parou.

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Todos os olhos estavam fitos nele, e todos mostravam algum interesse
celestial no palavreado do professor Chia…
Todos menos a Silepo, que o encarava como um pasteleiro encara a
forma, como só mais um instrumento. Isto indagou a ratio do professor
«Como pode esta menina ficar indiferente ante a experiência mais
interessante da sua vida curricular?» questionou a si mesmo no seu coração
e continuou:
Sereis divididos em grupos de seis para uma escola e em grupos de
dois para uma turma. Tirai proveito disso, pois nunca mais terão uma
experiência semelhante! – vociferou o professor como um comandante de
batalha ordenando e orientando os soldados.

O resplendor era notável aos olhos dos estudantes de Português do


‘‘Comandante Liberdade’’. Já era o professor o escolhido na 11ª classe, mas o
professor Chia tinha o carisma de trazer o passado no presente e o dado
como sendo a primeira vez. Fazia da Língua Portuguesa um prazer e não o
tédio que muitos estavam acostumados no colégio, apresentava a Língua
como o corpo vivo, semelhante a um ‘‘ser humano’’ sujeita a evolução, ao
estudo, e a admiração, fazia da língua um jogo e um ofício, uma amante e
uma rival.
Após a divisão grupal dos estudantes, o professor Chia pediu que
Silepo levantasse e que dissesse aos outros o que era aquela experiência. Já
fora sua aluna no ano anterior, mas como era quieta, tímida e antissocial,
passara despercebida ao carismático professor, então ela levantou-se e
começou a falar:
“A vida é curta e tudo tem um prazo”, não somos mais do que
instrumentos de trabalho do estado. Este monstro, mentiroso, frio e
explorador que faz do nosso trabalho e nossas vitórias seu triunfo.

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Faz da nossa ingenuidade e da nossa ignorância seu trunfo. E, no que
se refere às práticas pedagógicas, não passam de uma tradição do ministério
da educação, em outras palavras, do estado para cumprir o seu sagrado
programa de atuação nas escolas carentes como esta. Lidaremos sim com
seres humanos, mas seres humanos comuns de culturas e vidas comuns. Até
onde sei, é crime em Angola ser incomum. Todos devemos ter uma única
língua, uma única ideia, um único partido e adorar a um único deus. Então,
vivamos esta experiência como apenas mais uma, não nos empolguemos
com esta ideia finita de educação...
A turma ficou pasma ante tal discurso, «O quê? Como e porquê?»

Silepo era uma menina incomum, isto todos já sabiam, daí quase
contradizer o professor? Isto é um caso grave em toda parte, os professores
não se contradizem, os professores ouvem-se e segue-se-lhes as ordens.
— Perdoa a nossa colega professor! Ela não sabe do que trata-se aqui.
— disse o delegado de turma.
— E do que trata-se aqui? — perguntou Silepo.
Antes que mais alguém respondesse, o professor levantou os olhos e
fitou-os para os seus estudantes. Num tom poético, começou a falar:
— A autoridade em Angola é inquestionável, irrevogável e infalível.
Dizem os outros, dizem os superficiais e todos que pensam assim são
superficiais. Apenas os que aprendem a pensar de modo diverso têm a
coragem de questionar e contradizer a autoridade, mas isto, quando
convém. Do contrário do palavreado da vossa colega, não somos
instrumentos de trabalho do estado, somos antes, engenheiros na
construção de uma Didática do Futuro, somos peças fundamentais no puzzle
da educação em Angola e no que se refere às práticas educativas, não
estamos apenas cumprindo um programa do estado referente ao ministério

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da educação... Não! Estamos antes participando na construção de uma
Didática do futuro.
— E o que é a Didática do Futuro? — indagou Silepo.
O Professor olhou para o teto falso das salas anexas do ‘‘Comandante
Liberdade’’ que caíam aos pedaços e disse:
— Olhai para o teto! Vede... como está?
— Está caindo aos pedaços!!! — respondeu a turma em coro.
— E isto porquê? — rebateu o professor.

Silepo sentia-se responsável pelo novo discurso que vigorara na sala


de aula, todos a encaravam como a ovelha-negra do rebanho. Mas o que
importava isso a ela? A opinião exterior era o que menos importava. Então
Silepo respondeu:
— Por que ninguém teve a coragem de prosseguir com a verdade,
ninguém opinou nas reuniões com os gestores desta instituição, ninguém
queria a mudança, por isso, o tempo abateu este teto.
— Sim! — respondeu o professor e continuou — A Educação é
comparada a este teto. Quando não questionada, adornada e reconstruída,
ela cai aos pedaços. A educação em Angola está assim, caindo aos pedaços...
temos uma educação arcaica, baseada em tendências tradicionais não
liberais. Onde o professor é o centro do ensino, aprendizagem e o aluno,
uma tábua rasa. Onde o aluno aprende tudo do professor da forma mais
mecânica e onde o professor é um deus na sala de aulas. Nossa Didática
atual forma pessoas comuns, de pensamentos comuns e mesquinhos. Vede
vós mesmos... ninguém sonha para além do seu estômago em angola, todos
queremos apenas uma casota e um saco de arroz todo mês, e com sorte pois,
noutros tempos, a meta era aprender a ler e a escrever. Quão mesquinhos
nós somos...

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E o Professor parou.
A turma ficou em silêncio. Nunca antes viram um professor que não
concordasse com a situação atual da educação em Angola.
— Eu vos apresento a Didática do futuro! — exclamou o professor e
continuou — Noutros tempos aprendestes que o professor é o transmissor
de conhecimento. Eu, porém, vos digo: O professor não é um transmissor de
conhecimento, mas sim um facilitador do ensino-aprendizagem. Dizer que o
professor transmite conhecimento, é dizer que ''o aluno'' por outra palavra
''o homem'' é uma tábua rasa... (coisa que não é verdade se assim fosse,
nossos antepassados até século XV, XVI e XVII seriam apenas animais
instintivos, pois não eram letrados.).
O professor é na mais elevada forma de entendimento ''Um Espírito
Livre'', um comandante a frente dos exércitos ideais da nossa sociedade, um
filósofo sedento de conhecimento e um engenheiro de pensadores. Cabe a
ele, a mais delicada responsabilidade, educar o homem para a vida, não
contra ela, mas a favor dela, cabe a ele formar pensadores… Assim fala a
Didática do futuro.
Noutros tempos aprendestes que a escola é a estrutura que abriga os
alunos e a sala de aulas, o reino do professor. Mas eu digo-vos: A Escola
sois vós reunidos em nome do saber.
São todos aqueles que se alienam a um propósito científico comum
entre eles, a escola não é a estrutura de tijolos, blocos ou adobes, a escola é
o conjunto de indivíduos ligados no mesmo propósito científico. Assim fala a
Didática do futuro!
O professor desperta no aluno um pensador, nutre nele a vontade
incontrolada da busca pelo saber, pô-lo a questionar todo sistema de
pensamento moderno, faz dele um novo pensador, por isso, a Didática do

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futuro chama-lhe ‘‘O Engenheiro de Pensadores’’ Assim é o professor aos
olhos da Didática do futuro.

«Não sabia que existia em Angola pensadores que não fizessem parte
da Igreja…» pensava Silepo em seu coração. Nunca tivera ouvido uma linha
de pensamento semelhante, seu interesse pela profissão docente aumentou,
era agradável a ela ser uma engenheira de pensadores.
— Qual é o meio mais rápido de fazer parte da Didática do
futuro? — indagou ela.
— O único meio que existe… — respondeu o professor e continuou —
Aprender a pensar de modo diverso, da sua religião, cultura, língua, meio
social, pátria e coisas afins. Aprender a doar-se de coração para a Pedagogia
e para a Didática. Aprender a ver no docente um super-herói, aprender a ver
no docente, alguém que planta sonhos numa sociedade que perdeu a
capacidade de sonhar, que estimula pensamentos em jovens escravizados
pelo sistema anti-pensamentos, que desperta o interesse interior numa
sociedade exteriorizada que prega a amizade verdadeira para jovens que que
pensam que a única formada amizade é a virtual.

Silepo saiu reflexiva da aula de PSEP (Práticas Seminárias e Estágios


Pedagógicos), o professor Chia sacudira seu espírito, nada mais ocupava seu
ratio para além do problema antropológico da educação escolar.
Quando chegou em casa, encontrou Sophia que também chegara da
Escola Técnica de Saúde.
— No teu refletir, o que é o professor? — perguntou Silepo enquanto
dirigia-se a televisão
para desligá-la.
— Ficou maluca? Estava a ver a novela...

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— Há coisas aqui mais importantes do que a novela que vai repetir no
sábado, ou seja, amanhã. Porquê você gasta meio dia da tua vida todos os
dias para ouvir os professores?
Sophia reiniciou seus processos mentais, para responder a prima e
cala-la, tinha que se pensar além das próprias capacidades. Quer dizer: Silepo
era muito estranha, falava estranho, olhava estranho e andava estranho,
encarava o mundo como um problema cuja solução residia algures na mente
humana.
— Sei lá... — respondeu Sophia e continuou — Porque isso me dará
uma formação, uma nova perceção das coisas e diminuirá uma parte dos
meus problemas sociais?! Agora deixa-me ver a novela!
— Vou ler um pouco. — disse Silepo.

***

PECATUM ORIGINALE

Génesis - CAPÍTULO 3:1-7


«Ora, a serpente era mais astuta que todas as alimárias do campo que
o SENHOR Deus tinha feito. E esta disse a mulher: É assim que Deus disse:
Não comereis de toda a árvore do jardim?

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E disse a mulher a serpente: Do fruto das árvores do jardim
comeremos, mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, disse Deus:
Não comereis dele, nem nele tocareis para que não morrais.
Então a serpente disse a mulher: Certamente não morrereis. Porque
Deus sabe que no dia em que dele comerdes se abrirão os vossos olhos, e
sereis como Deus, sabendo o bem e o mal. E viu a mulher que aquela árvore
era boa para se comer, e agradável aos olhos, e árvore desejável para dar
entendimento; tomou do seu fruto, e comeu, e deu também a seu marido, e
ele comeu com ela. Então foram abertos os olhos de ambos, e conheceram
que estavam nús; e coseram folhas de figueira, e fizeram para si aventais.»
(Bíblia Sagrada Versão Digital; Versão 5.0; Freeware)

Nenhum trecho passou despercebido, até as pausas na entoação


foram motivos de análise. Silepo que se deixara convencer por Sophia,
atentava para a leitura do Missionário que num tom santo, fazia a primeira
leitura do Domingo. E o Padre começou a falar…
— Por um único homem o pecado entrou no mundo, nós e nossos
contemporâneos pagámos todos os dias pelo pecado do primeiro homem. O
Fruto hoje comparado à uma maçã, foi a causa da queda da mulher e a
mulher, a causa da queda do homem.
— Deve ser por isso que ele decidiu não casar! — sussurrou Silepo aos
ouvidos de uma estranha que estava ao seu lado. Esta, não se contendo
pôs-se a rir.

— Silêncio! — repreendeu Sophia.


O resto da homilia foi comum, não falou-se o que Silepo já não tinha

ouvido, na verdade o que mais a chamou atenção não eram as palavras do


Senhor Padre, mas a maneira de como as pessoas fingiam receber as
palavras do Sr. Padre, era notório que a sagrada homilia ficaria na Igreja, pelo

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menos para a maioria. O que vem ao caso? A maioria não faz o todo? Então,
todos eles tinham máscaras quando sentados nas cadeiras de madeira da
paróquia de Nossa Senhora da Assunção. Muitos dos que estavam lá eram
pessoas não dignas de exemplo na sociedade. Corruptos, beberrões,
vagabundas, imorais...

O Padre, este já tentara namorar Sophia noutros tempos e a Irmã Santinha


que orientava o coral. Tinha a fama de a Dama da Vez na Escola Técnica de
Saúde… «As piores máscaras da personalidade humana são forjadas na
fornalha da Santa Eclésia» Pensava Silepo.

Na saída, subiu no mesmo táxi que a moça estranha com quem


cochichou na Igreja…
— Então é abaixo o celibato? — perguntou a moça estranha.
Silepo analisou o ambiente a que se encontrava, adolescentes e jovens.
— Não, não sou contra o celibato, antes, reverencio os que abrem mão
dos prazeres sexuais e da graça de uma família exemplar, pois não é simples
a manutenção de um lar e muito menos conviver com um desconhecido pelo
resto da vida. E no que se refere ao Sr Padre, o seu pior erro foi abraçar uma
vida não alienada a sua realidade.

— Você fala estranho. — respondeu a moça e continuou — Meu nome


é Kassova e o teu?
— Silepo... o que significa o teu nome?
— “Filha Única” e o teu?
— Pecado Original.
— Essa!!! — gritou em coro a turma de rapazes que constituía o táxi.
— Mal-intencionados! — exclamou Sophia.
Silepo então falou assim:
— Não lhes julgue Sophia, afinal, nós todos pagámos por uma maçã

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que
não comemos. A má intenção do coração dos homens resolver-se-ia no
jardim de Deus, mas ele escolheu pôr uma criança a prova. Quem dentre
nós sabendo a inocência de uma criança põe-lhe ao lado de um produto
tóxico ou de uma faca afiada? Porque razão os filhos têm que pagar pelos
pecados de seus pais?! Ou que culpa têm os milhares de bebés que nascem
culpados?

Pecado original por outras palavras ‘‘Silepo’’ ou ‘‘Que eu não coma’’


que é o meu nome, é a desculpa de Deus para castigar o homem pelo
discernimento de causa, por outras palavras, pela ciência. A ciência
representava desde o princípio um perigo para o mundo perfeito de Deus,
mas Deus é cientista e o homem também... Acaso, não é o homem imagem
e semelhança de Deus? Porque Deus pode ser cientista, conhecedor do bem
e do mal e o homem não? Que culpa teve o Diabo em querer ser igual ao seu
Pai Deus? Que culpa teve a mulher de querer ser como deuses? Que culpa
teve o homem em querer ter os olhos abertos?
Desde o começo dos tempos, Deus queria manter o homem com os
olhos fechados, a fim de não ter seus feitos questionados pela mente mais
brilhante do universo, pela mente do homem.

O Táxi ficou murmurando, mas ninguém ousou responder as questões


da Silepo, nem questionar seus pensamentos embora não tendo alguns
concordando. «Miúda estranha! Eu gosto de coisas estranhas» Pensou a
Kassova.
Silepo tinha conseguido uma amiga ou uma discípula? Apenas o tempo
diria...
Silepo gostava de ensinar, Silepo tinha o professorado nas veias e por isso
tentava ensinar onde quer que estivesse. Mas contradizer a opinião cristã era

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a forma que encontrara de ensinar a verdade.

***

A MÚSICA

Depois que desceram do táxi, Sophia convidou Kassova para almoçar


com elas.
Era uma quase estranha, mas Sophia gostava da ideia de ofertar à sua prima
uma amiga. Kassova aceitou o convite «cá entre nós: era uma rejeitada em
massa, nunca tivera um namorado na vida» e quando chegaram em casa,
Sophia pôs a tocar ‘‘Alive’’ de Khalid e ao tom do autofalante da sala, cantava
o coro do ilustre cantor americano...
Kassova gostou e seguia o ritmo meneando a cabeça e Silepo
aventurou-se nos versos soados pelo Khalid. A música era lenta e suave aos
ouvidos, o ambiente tornou-se reflexivo e ameno. E, enquanto Sophia servia
o almoço, Silepo começou a falar assim:
— Um manifestar da alma, as verdades do espírito, um aliviar dos
fardos que coabitam em si no intelecto. Uma expulsão de sentimentos
escondidos, um chorar de amores incorrespondidos. Assim é a música para
aqueles que as compõem...

Não acabara seu discurso quando Kassova interrompeu-a:


— A música é o único lugar do mundo onde podemos falar o que

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pensamos sem sermos julgados pela mente dos superficiais, é o único lugar
na terra onde sinto-me livre...

— É o único lugar onde há liberdade. — disse a Silpo e continuou —


Na música ganhamos asas para sondar o mais alto do nosso coração e descer
aos abismos dos nossos sentimentos.
E, como disse Nietzsche: ‘‘Sem a música, a vida seria um erro’’.

— Pela primeira vez, concordo com a esquistoide da minha prima. —


disse Sophia e continuou — A música é a coisa mais bela que Deus já
criou...

— Deus criou a poesia, e Lúcifer a Música, mas como Deus criou


Lúcifer,
então atribuímos a ele a criação da música. — disse Silepo e continuou — O
que em oração o santo não ousa falar para Deus, que fale na sua música. O
que passa esquecido no exame de consciência, seja manifestado no cantar
do penitente. Mas não é permitido cantar no confessionário, nem é
permitido confessar em canção para o Sacerdote. Mas o que torna o
sacerdote qualificado para mediar o perdão dos homens?

‘‘Todos pecaram e destituídos estão da glória de Deus.’’ Disse uma vez Paulo.
Estará o Padre isento do palavreado do Apóstolo Paulo? Como pode alguém
fora da glória de Deus liberar-me absolvição dos pecados?!

Quem é o Padre afinal? É um bom cantor e isso sabe-se pelo facto de o


ouvirmos cantar no desenrolar da Santa Missa. O precónio e os ritos da
comunhão são cantos que admito que aquietam os espíritos da congregação.
Os meus espíritos não, apenas o vinho da Eucaristia e o Devir da Filosofia têm
esse poder.

Já estavam Sophia e Kasova confusas outra vez... Como o Padre foi

19
parar nessa conversa?!
O que importava isso? O almoço estava servido e no decorrer dele, as três
moças conversavam o que de pouco tinham elas em comum. No fundo,
apenas Silepo e Kassova tinham alguma coisa em comum ‘‘A Filosofia’’.
Kassova estudava no Instituto de Ciências Religiosas de Angola e exercia na
paróquia, a função de catequista e era também membro da Liga Missionária
Juvenil...

20
AUTO-CONHECIMENTO
E CRISE DE IDENTIDADE

A décima segunda classe passara…


Eram novos tempos para os estudantes de Português do ‘‘Comandante
Liberdade’’ e cada um recebera duas turmas para lecionar durante o ano
letivo. Uma para Língua Portuguesa e outra para Educação Moral e Cívica.
Havia ainda aqueles que tiveram a sorte de na mesma turma lecionar as duas
disciplinas do curso.

À Silepo, o Instituto Politécnico nº 124 foi o seu ginásio no que se


refere ao estágio de Língua Portuguesa e na Missão Católica do Lubango,
exercia a função de Professora estagiária de Língua Portuguesa. E naquela
manhã de quarta, estava Silepo na Missão a lecionar EMC. Após a motivação
inicial e toda poesia didática disse:
— Alguém tem uma noção do que será aqui abordado?
— Falaremos do Auto-conhecimento. — disse José, um dos alunos
mais
participativos.

— Sim. — disse a Silepo e continuou — Fechem os vossos livros, que


as
definições que ele acarreta são para os alunos da 7ª classe, e vocês já estão
na 9ª.

O que é o auto-conhecimento?
Silepo era estranha quanto como aluna, quanto como professora e
odeia valiomitar-se nos materiais do Ministério da Educação, procurava

21
como Sócrates o conhecimento no interior das pessoas, sabia que se alguém
não atropelasse o sistema em Angola já mais nasceriam pensadores.
— É a forma mais profunda de conhecer a nós mesmos. — respondeu
o José, novamente.

— Será isso mesmo? — indagou a Silepo.


— Não! — gritou o Aguinaldo, delegado da 9ª B.
— Então Agnaldo, o que é o auto-conhecimento? — perguntou a
Silepo.
— O auto-conhecimento é.… isso mesmo que o José falou. — e a
turma
pôs-se a rir.

— Silêncio! — exclamou Aguinaldo.


— Alguém tem uma opinião contrário à do José? — perguntou a Silepo. A
turma manteve-se reflexiva até que Aguinaldo decidiu falar assim:
— A definição do José é premissa através da qual elaboramos outras
definições que no fundo, não fugirão da definição primeira do nosso colega.

— E é possível conhecer a nós mesmos, senhora Professora?


— Claro que não nê... — respondeu Maria.
— Perguntei para a professora...
Silepo olhou para o teto decadente da sala de aulas, subiu-lhe à alma a
Pedagogia Socrática «Conheça-te a ti mesmo» balbuciou:
— “Nós, que somos homens do conhecimento, não conhecemos a nós
próprios; somos de nós mesmos desconhecidos e não sem ter motivo. Nunca
nós procuramo-nos. Como poderia então que nos encontrássemos algum dia?
Com razão alguém disse: "Onde estiver o teu tesouro, aí estará também o teu
coração". Nosso tesouro está onde assentam-se as colmeias do nosso
conhecimento.” (Nietzsche 1877). Já falei aqui de Nietzsche?

22
— Sim professora! — respondeu a turma em coro.
— Mas já tem-se estudado o homem professora. — afirmou José.
— Sim! Tem-se estudado o homem. Mas ninguém nos minta. No que
refere-se ao Autoconhecimento, comportamo-nos como que alheios a esta

temática que é tão relevante quanto à própria Filosofia. Diz-se que a Filosofia
é o conhecimento de todas as coisas pelas causas últimas, se assim for, e
assim é, também é filosófica a abordagem sobre o autoconhecimento e a
crise de identidade, pois, ambos os temas constituem problemas
antropológicos. São problemas antropológicos porque nem um, nem o outro
fogem do conceito “homem”, na verdade sem o “homem” nenhum dentre
tais temas seria possível, sem estes temas o homem não seria possível.

— E o que é crise de Identidade Sra Professora? — gritou


Márcio, que tinha gosto pelas últimas carteiras da sala.

— Chama-se crise de identidade, o desconhecimento existencial da


pessoa humana. O não conhecimento ou ignorância sobre quem “sou eu”,
qual a minha origem e qual é o meu fim último. Por existir muitas teorias
sobre a origem e o destino do homem, o homo-sapiens, sapiens, vive como
que baralhado sobre tais temáticas, pois não pode-se estar convicto de
alguma coisa quando alguém nasce e cresce em meio a tantos contrários. As
religiões muito têm contribuído para a crise de identidade, pela simples razão
de serem as únicas que ditam como o homem deve ser sem escolha alguma
deste “homem”. Não quero aqui sugeri-los a deixarem de rezar, antes
aconselho-vos a rezar, pois a Igreja é boa na moralização dos povos, na
moralização de vocês, diferente de muitos professores de Moral que as
vossas escolas têm. — respondeu Silepo.

— Mas… sra Professora, desde o enceto do pensamento, já vem se

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estudando sobre o autoconhecimento e a crise de identidade. — disse o
Aguinaldo.

— É verdade que muitos “homens do conhecimento” já estudaram e


tentaram resolver este problema, mas também é verdade que todas as
teorias não resultarão em resolução. Então qual é a principal causa do
problema da crise de identidade? Responde Vieira, “Durante todo o
percorrer da história sempre existiram, e ainda existem, aqueles que se
preocupam em responder aos anseios da humanidade, colocando-se na
posição de pesquisador e de pesquisado, buscando sempre a melhor
resposta para o bem viver. Importante lembrar que o pesquisador também é
um ser humano e que tem os seus anseios, dificultando, muitas vezes o
acesso ao conhecimento verdadeiro.

No entanto, de tempos em tempos um gênio nasce, destaca-se e responde,


indicando o ponto-crítico do verdadeiro conhecimento”. (Vieira 2017).

— Qual de concreto este impedimento do evoluir da nossa temática


que
esse Vieira falou? — indaga José.

— Estes anseios, estas falhas, este facto de o pesquisador ser ao


mesmo
tempo o pesquisado, este paradoxo científico é a única razão pela qual até
agora não solucionamos o problema antropológico da crise de identidade.
Esta “Crise de Identidade” é a única razão que através da qual, a religião tem
tido êxito na lavagem cerebral das pessoas, é a única razão que tem levado
os pastores, monges e escritores de auto-ajuda a encherem os seus cofres
com milhões de dinheiros em todo mundo. Porque é mais fácil corromper
aquele que não se conhece do que o indivíduo firmado no seu próprio

24
conceito. É mais fácil lavar o cérebro cheio de dúvidas do que o convicto da
sua existência, da sua gênese, do seu fim último.

Mas nós não nos interiorizamos, por isso sofremos com a crise de
identidade. Nós queremos conhecer o mundo e a natureza, os astros e os
deuses, até coisas supra-sensíveis que habitam nos lugares espirituais, mas
não a nós, não a nós…

Nosso pecado começa no momento em que procuramos o exterior antes de


nós próprios. Que procuramos os extraterrestres antes de nossas fraquezas,
nossas angústias, nossas forças e nossa essência.

A turma ficou maravilhada com o falar filosófico da professora


estagiária de EMC. Nunca tiveram uma professora assim antes, isso já
sabiam, mas não paravam de surpreender-se a cada unidade didática. O
tempo já havia esgotado, 45 minutos não dão para nada quando trata-se de
uma filósofa. Silepo ensinava a Educação Moral e Cívica ao mesmo tempo
que a filosofia e fazia os alunos entender que a EMC é um ramo do problema
axiológico. Sua turma era bem mais avançada do que as outras no que se
refere ao pensamento lógico das coisas…

Como não havia tempo, Silepo liberou os alunos e foi para casa.

***

25
A PROFISSÃO DO PROFESSOR

No caminho para casa, Silepo ouviu um clamor «Professores, até


quando irão continuar a aceitar escrever a giz? Acordem! Exijam melhores
condições de trabalho» e a voz calou-se. Silepo perplexa, olhou à volta na
perspetiva de encontrar o autor do clamor perturbador à ordem pública. Não
obtendo sucesso, continuou o seu caminho.
— Nossos filhos não aprendem porque os professores não trabalham
como deviam e não sem ter motivos, o governo maltrata os professores e os
professores maltratam os nossos filhos...

«É a mesma voz de a minutos» Pensou a silepo e foi ter à roda de


multidão que ouviam o pregador. Perguntando sobre o orador, uns diziam:
«É discípulo de Kalupeteka!» outros «É mais um revoltado contra o sistema…»
e havia ainda quem afirmasse que era um professor que recebera feitiço para
subir na vida e não dando certo, acabou louco.
— Turmas de cem alunos... — continuou o orador — professores com
20 turmas, escolas que estão a cair em cima das crianças, as crianças
apanhando chuva, e o MPLA a ver mesmo isso! Culpa nossa, culpa vossa, que
insistem emeleger esse monstro que não respeita a educação e com razão,
pois o ensino precário impede o pleno saber e quem não sabe nada, já mais
vai entender. O governo nos meteu numa cacimba funda e a única coisa que
vai nos tirar é o ensino com qualidade. Parem de ser burros! Façam greves,
destituam o presidente, dêem de comer aos professores para que eles
pensem em didática e não em pirão no momento da aula!!!

O discurso era bom, mas o tempo impedia Silepo de continuar a ouvir


o sei-lá-quem que falava sem temor. Como se sabe a autoridade e o sistema

26
são inquestionáveis desde tempos pacíficos…
Silepo foi para casa cumprir com sua agenda doméstica e mais tarde
sentou-se na loja para atender os clientes. Minutos primeiros das 6 horas da
noite, entrou na loja um professor e um advogado, ambos moravam no
condomínio onde Silepo também morava.
O professor comprou pão de 300kz e uma latinha de leite Biba (o leite
mais podre das lojas em Angola) e o Sr. Advogado comprou pão de 300kz e
uma lata pequena de leite NIDO. Quando os dois chegaram ao balcão, Silepo
observou-os e fez uma comparação material dos seus clientes: O advogado
era um tipo asseado, usando um terno, uns sapatos de marca, um relógio
Casio de ouro, uma aliança dourada e a sua pele… era uma ótima pele. Já o
professor, era um tipo disperso, calças amarrotadas, uma camisa do
cadispacho, sapatos gastos, relógio pirata e uma aliança de alumínio.

Silepo os atendeu…

II

Foi inevitável o debate sobre o valor do professor, a tempos que os


estudantes de Português do Comandante Liberdade refletiam sobre o valor
do professor e naquele dia, Silepo não se conteve ao balbucio da colega que
afirmara o desvalor da profissão docente.
— Não há coisa ingrata como o trabalho do professor. Na verdade,
ninguém além dele mesmo conhece a nobreza do desenrolar do seu
trabalho. — disse o professor Chia e continuou — Nas palavras de Cury, o

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professor é um herói anônimo, é o tipo que planta sonhos numa sociedade
que perdeu a capacidade de sonhar.

— Porquê só ele conhece o valor da sua profissão? — indagou Silepo.


— Porquê o nosso país é um bebé em crescimento, e pelos pais que
tem
é comum que este bebé cresça com distúrbios sérios. «A educação é o pilar
da sociedade» dizem os homens modernos e reviram os olhos. Se assim for e
assim é, Angola está com um pilar em decadência. A nossa educação tem valor
apenas em Angola. — respondeu o professor Chia.

— Sr professor?! — exclamou Celmira e continuou — Nosso país vem


dos escombros da Libertação Nacional e da Guerra Civil, não será justo o
desenvolvimento que tem por causa disso?

— O que tem a guerra a ver com o estado da educação? —


intrometeu-
se Rui e continuou — Fez no último Abril 16 anos que Angola encontra-se em
paz e em 16 anos é possível reerguer as paredes da educação. Após a guerra,
devia-se apostar na formação de professores.

— E não foi isso que fez-se? — perguntou Syntia.


— O que se fez foi improvisar com qualquer um que terminasse o
ensino
geral e não julgo por isso, eram outros tempos, mas a partir da reforma
educativa, era crucial que melhorassem a formação de professores e as
condições das escolas, assim dar-se-ia ao professor o seu real valor.

— Não! — exclamou o professor Chia — Reparem para os Estados


Unidos da América... Estudem a Educação Europeia, dizei-me: O que dizem
sobre o valor dos professores de lá? O problema aqui não são as condições
onde o professor trabalha, é o que as pessoas pensam sobre ele. Apenas as

28
crianças mais vocacionadas sonham em ser professoras. Em toda parte do
mundo não se dá o real reconhecimento ao professor...

II

O professor é a garantia do desenvolvimento de um indivíduo e um


indivíduo a garantia do desenvolvimento de uma nação, por isso, os filhos
dos mais ricos estudam na Europa. Sem o professor, nenhuma outra
profissão seria possível. O professorado é o Pilar de todas as profissões.
Noutros tempos o professor era venerado como um rei e apenas os mais
nobres o mereciam até que chegaram os Sofistas e começaram a cobrar pelo
serviço e então, qualquer que tivesse dinheiro poderia pagar por um professor
e não encarem os Sofistas como vilões, sem eles talvez não haveria salário
para um professor até agora, mas a partir deles que a veneração pelo
professor diminuiu, porque surgiram várias escolas e vários professores,
surgiram distinções de escolas e professores. Juntem os valores de todas a
profissões que orientam uma sociedade e achareis o valor do professor…

***

29
A ORIGEM DAS ESCOLAS

Depois da escola, Silepo pôs-se a caminho, outra pessoa também


caminhava na mesma trilha que a da Silepo. Silepo sentiu em seu coração
estar ligada à pessoa que caminhara na sua trilha e por isso olhava-a sem
parar…
— Oi moça.... Está a me fazer ideia?
— Não, e você está?
— Também não, meu nome é Tahuma.
Silepo parou no tempo e no espaço, lembrara do que a mãe lhe tinha
dito antes de morrer. «Será ele meu irmão?» Pensou.
— Prazer em conhecê-lo, chamam-me de Silepo.
— Seria um prazer continuar a falar com você, mas eu tenho que
desviar
e rezo para que noutra ocasião nos encontremos.

E a pessoa seguiu outro caminho.

«A professora está a vir!» gritou um dos alunos do Instituto Politécnico


nº 124 do CFM e os outros correram à sala para aguardar a professora
estagiária Silepo. Após pegar o livro de pontos, Silepo entrou para a sala de
aulas e fez a introdução.
Distribuiu os textos e pediu a um de seus alunos para ler.
— A Origem das Escolas...
Há muito, muito tempo, antes do Cristianismo e da Filosofia, nasceu
em Mileto (cidade da Jónia) no ano de 624, um homem cujo nome era Tales.
Sua família era ilustre e viviam muito felizes na Grécia Antiga. Tales quando

30
cresceu, dedicou-se a Matemática e a Astronomia, nunca se casou e nem
teve filhos durante o seu viver.
Certo dia, quando voltava de uma viagem que tinha feito ao Egito,
perguntou a si mesmo de onde surgira o mundo e tudo que nele há. Já
aprendera antes que Zeus Olimpo tinha criado os homens, mas isso não
bastava porque no Egito encontrara outros deuses e outras histórias. Sua
alma se perturbava e em seu coração não se achava paz.
«Qual será a ceiva primordial de todas as coisas?» Pensava em seu
coração.
Quando retornou à Grécia decidiu focar-se no problema: O que
originou todas as coisas? Focou-se tanto que não ligava nem para as mulheres
mais belas de Jónia.
Quando sua mãe o sugeriu casar, disse que não era tempo para aquele
homem. Até que se descobrisse a origem das coisas, não tinha porquê fazer
outras coisas. O que é mais importante? Fazer as coisas ou descobrir de onde
vêm as coisas?
Num dia chuvoso, Tales olhava atentamente para as gotas d’água que
caíam do céu e seu pensamento viajou para quando os homens cavavam os
poços «Há água no céu e há água na terra. Há água debaixo da terra e há
água no ar. As plantas sobrevivem da água e sem água o homem morreria. O
sangue do homem também é água». Pensou e então, depois do seu retiro
reflexivo concluiu assim: Tudo constitui-se de um primeiro princípio, a água é
este o princípio de todas as coisas, porque em toda a parte ela se encontra
presente sob alguma forma.

Assim, após a conclusão de Tales fundou-se a Escola Jónica Antiga que


se ocupava especificamente do problema cosmológico (Ordem, organização,
astros, mundo) e o Arché da Fisis era o ponto principal dos conteúdos que se

31
passavam nesta escola. E assim, surgiram muitas outras escolas depois da
Jónica e muitos outros professores depois de Tales. O que conhecemos hoje
como disciplina ou ciência, noutros tempos era tudo filosofia.

— Não há aqui o nome do autor do texto, senhora professora. —


continuou José após ter terminado a leitura do texto.
— Isto porque nunca ninguém publicou uma obra com este texto. Este
texto foi extraído dos
pensamentos mais obscuros da coletânea de ‘‘A Silepo’’.

Ninguém mais ousou questionar, os alunos do C.F.M não possuíam o


espírito crítico dos alunos da Missão e muitas das vezes não entendiam o que
a Silepo falava.
Silepo não era culpada, na 8ª classe era de esperar que os alunos
possuíssem uma capacidade hermenêutica mais avançada do que a do
primário. Mas o que Silepo estava pensado? Não sabia que os aqueles alunos
nem mesmo escreviam corretamente? Claro que sabia, mas seu método de
ensinar era ‘‘Satânico’’ e os alunos a amavam por isso...
Tinha dias que mesmo não entendo, os alunos pediam que Silepo
falasse.
Ela não era como os outros professores, sua didática era muito avançada.
Com certeza ela deveria estar a fazer estágio na Universidade Mandume, mas
ela era estudante da 13ªclasse. Que azar.

— O que vocês perceberam no texto? — perguntou a Silepo.


Os alunos reliam novamente o texto em silêncio, todos eles queriam
fazer um exercício a mais do que o costume e no meio do silêncio didático a
Ana começou a falar assim:
— Entendi que antes das estruturas com carteiras, a escola já era. Sua

32
utilidade noutros tempos era limitada ao benefício de todo país e
apenas os sábios poderiam ser professores. Entendi que não haviam
disciplinas repartidas e que todos na Grécia estudavam Filosofia e as únicas
que poderiam possuir distinção, eram a Matemática e a Astronomia.

Depois da Ana, Silepo ouviu mais três alunos com um comentário


interessante e prosseguiu para outras fases da aula. Não tardara até o sino
de saída tocar e após arrumar suas coisas, Silepo pôs-se a caminho para casa.
Quando chegara, encontrou um carro de marca i10 em frente à casa delas.
— Estranho... há tempos que esta casa não é brindada com uma visita.

Quem dentre os filhos dos homens lembrou da pobre Silepo e da


antiquada Sophia? — monologava Silepo.

Entrou, e a surpresa invadira seus olhos. «O quê? Como? Desde


quando?» Pensou. Ela não era muito amiga da prima, afinal seguiam rumos
totalmente diferentes. Silepo era uma Filósofa e Sophia uma ambulante do
senso comum. «Volto ou ultrapasso?» Pensou a Silepo enquanto via Sophia
dando uns beijos apaixonados para o rapaz estranho que estava na casa. Não
tardou até que os pombinhos dessem um intervalo no encontro de seus
lábios e Silepo entrou.
— Boa noite!
— Silepo, deixa-me apresentá-la à uma pessoa. — disse a Sophia e
continuou — Silepo, ele é o Edmilson, meu namorado. E, Edmilson, ela é a
minha prima, a Silepo.

— Prazer... — encontraram-se as palavras dos apresentados.


Silepo não quis ficar na contemplação do romance que pairava na sala-
de-estar e indo para o quarto, pôs-se a ler a Bíblia Sagrada.

33
***

O SONHO

Enquanto lia a Bíblia Sagrada, Silepo foi arrebatada para um deserto


de céu vermelho.
«O que faço eu aqui? Não há desertos no Lubango e não me lembro
de ter deixado as terras do Cristo Rei...» Pensava a Silepo.
O deserto era quente e de céu avermelhado, seu Sol não se via e
soprava uma brisa escaldante com cheiro a sangue…
— Que faço eu aqui? — perguntou a si mesma.
— Se tu mesma não sabes, quem dentre os filhos do homem ou de
Deus
saberá a tua missão neste deserto incomum? — falava um escorpião que saía
de um buraco fumegante.

— Quem és tu? — perguntou Silepo.


— Eu sou o filho mais novo de Satan. — respondeu o Escorpião.
— Impossível... Não existe Satan.
— Também não existem escorpiões que falam, mas olha eu aqui.

34
«Só devo estar maluca!» Pensou a Silepo «Como podem haver
desertos no Lubango com escorpiões que falam? Ou como pode Satanás
existir e ter tido filhos? Não será este cenário parte dos meus delírios quando
morava no Hospital Central? Mas estou curada a anos e há anos que não
visito hospitais.»

— O que faço eu aqui? — perguntou a silepo novamente ao Escorpião.


— O que fazes tu na terra, menina?
— Não sei...
— Se não sabes o que fazes na terra, como sabes que estás na terra?
— Sei porque conheço a terra e me sirvo dela para fazer valer a minha
existência.

— Sua existência? Por acaso você existe?


— Sim. Eu existo.
— Porquê você existe?
— Não sei...
— Se não sabe porquê existe, como pode saber que existe?
Acaso pode um adulto ir para a escola sem saber porquê vai? Ou pode um
executivo assinar um documento sem ler seu conteúdo? Talvez... Porque
desde que Deus sumiu que os homens fazem coisas sem sentido. Mas você
não é assim, Silepo...

— Como sabe meu nome?


— Eu sei tudo sobre os homens e seus filhos, eu vi essa terra crescer e
vi também os escritos do teu destino no grande livro da existência.

— E qual é o meu destino? O que faço eu na terra? Porquê existo?


— O seu destino é aquele que você traçar para si... Tu estás na terra

35
para descobrir ‘‘porquê estás na terra’’ e existes para plantar na terra
algo que dure mais do que a tua própria vida. A vida não faz sentido até
encontrarmos o sentido da nossa vida. O sentido é a missão e a missão a
única coisa pela qual valha pena viver... «Satan existe para matar todos os
homens» Dizem os cristãos. Pode alguém matar o que já está morto? A
maioria dos homens está morto na medida em que desconhecem seus
propósitos para viver e mesmo que tivessem conhecimento, o homem é
assassino por natureza, ele não precisa de Satan para matar-se.

Neste momento o Escorpião bateu as mãos e levou Silepo para as ruas


da cidade do Lubango.
— Vede Silepo! E, diga o que vês...
— Vejo pessoas aparentemente bem-sucedidas e felizes, vejo pessoas
dirigindo, vejo pessoas entrando e comendo em restaurantes caros... aquele
aí, acaba de jogar um hambúrguer no lixo. Vejo pessoas indo ao cinema, vejo
pessoas indo para a escola. Também, vejo pessoas aparentemente
fracassadas e sem futuro, vejo bêbados, vejo idosas a recolherem plásticos
nos contentores de lixo, vejo homens procurando o que comer no lixo... olha!
Aquele ali acabou deapanhar o hambúrguer que aquele outro jogou...

E Silepo lacrimejou...

— Vejo também uma família morando numa barraca perto do rio, ali
na
ponta do Macons, vejo crianças na rua pedindo esmolas para qualquer um
que passa, olha! Aquela criança tem as roupas rasgadas pelo tempo e seus
lábios... seus lábios rachados pela fome.

Olha aquele pasto, tirando até o último kwanza daquela mamã que vende no
mutundo, será que ele já não tem o suficiente?

36
E o Escorpião a levou de volta ao deserto. Silepo não parava de chorar,
há muito que galopava entre as ruas do Lubango, mas nunca tinha visto a
realidade.
E, o Escorpião estalou os dedos e levou Silepo a visitar Angola, de
Cabinda ao Cunene.
— O que dizem os cristãos sobre a situação atual de Angola? —
perguntou o Escorpião.

— Dizem que a culpa é do Diabo, dizem que o Diabo veio em Angola


para
matar, roubar e destruir. Tudo o que lhes acontece é culpa do Diabo, e
quando as famílias mais pobres do nosso país não têm o que comer, reúnem-
se em oração e repreendem o Diabo pela fome que trouxe. Até as crianças
aprenderam a rezar... as crianças acreditam que depois do sofrimento que
lhas obrigam a passar, virá a bonança no além-mundo. E em troca, só temos
que rezar...
— Eles estão errados, Silepo! — disse o Escorpião e continuou — A
culpa
não é do Diabo. Se for, o Diabo vive em Angola e é um dos que dirige este
país. Quem veio para matar roubar e destruir é o parlamento em cooperação
com a abadia, os deputados que vos representam são alheios à vossa
realidade. Me responda, Silepo... Foi o Diabo que desviou os 500 milhões de
dólares dos angolanos? Foi o Diabo que enriqueceu sua família mandando
para a merda os milhares de angolanos que vivem de biscatos? Foi Satanás
que construíu estradas descartáveis mandando o resto do dinheiro do
orçamento para o cafocolo? Foi o Diabo que comeu o dinheiro dos
professores fazendo com que eles pensem em pirão no momento da aula? É
o Diabo que governa esta nação? A culpa, Silepo, é dos cristãos! Por

37
pensarem que o Diabo é o dirigente deste país. Quando passeavas pelas ruas
viste aquele padre dar ordem dos diocesanos? Aquele, é responsável pela
morte de uma família inteira. Me diga Silepo, de quem é a culpa das milhares
de lágrimas que caem do rosto das crianças pobres do Lubango?

É dos homens.
Silepo, na Chibia e noutras zonas do interior, centenas de crianças
caminham quilómetros com uma cadeira gigante para terem uma aula mal-
ministrada por conta de um professor que entrou na educação de falida e
caminham quilómetros por causa de um administrador que não consegue
biolar um autocarro para ajudar aquelas pobres criaturas que o meu avô
Deus criou.

O dinheiro do orçamento, Silepo, eles compram V8s para arrastar as


mulatas da Huíla. Um dia Silepo, quando eu ia para o Reino dos Gambos, no
caminho vi um menino deficiente dos membros inferiores, ele anda com um
pau e tinha a bata mais feia que já vi. E não apenas porque estava rota, e
também vi uma menina, tinha o rosto mais bonito que eu já vi. O motorista
que nos levava não deveria ser cristão e se fosse, estava em fase de
desconversão...
— Porquê? — perguntou a Silepo.
— Porque deu boleia para ele, Silepo… Se fosse um cristão, apenas
teria passado. Os cristãos não têm coração, eles venderam-nos para a Nossa
Senhora do Monte e as festas da Muxima é a única coisa que importa.
— Silepo, tudo que dizem sobre o meu pai é mentira, Satanás nunca
esteve em Angola.

Angola é um país miserável e tenebroso para receber o Angelus Lux. Na


verdade, o meu pai há muito que ansiava visitar este decadente país, mas
muitas coisas o impediram e a primeira foi a ocupação colonial... ou devo dizer

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a ocupação cristã nos reinos dos Ngolas. Depois da colonização cristã, o meu
pai queria vir pensando que os angolanos voltariam às suas tradições, mas aí
surgiu a guerra civil. O cristianismo já corrompeu este país, não há porquê o
anjo da luz vir até aqui.

E quando mataram aquele patriota...

— Quem?
— Aquele que realmente amava Angola.
— António Agostinho Neto?
— Este também amava Angola, mas não era forte o bastante por isso
morreu.

— Jonas Savimbe?
— É exatamente esse. Silepo, quando Savimbe morreu, eu pensei que
sem a guerra este país iria evoluir a algo melhor.

— E não evoluiu?
— Vede por si mesma. Pelo menos durante a guerra as pessoas
matavam-se com razões óbvias, agora qualquer desculpa serve para matar
este povo inocente. Silepo, a única revolução possível é dentro de nós e seja
tu a mudança que queres em Angola.

— Espera... você também leu Gandhi?


— Eu o vi crescer Silepo, Gandhi, os que vieram antes dele, Buda,
Confúcio, Cícero, Sócrates, Jesus, e os que vieram depois dele... Eu os
vi
crescer.

— Me fala sobre Jesus. Quem é ele afinal?


— Acredita, Silepo, nem eu que sou o Filho cassula do Diabo sei quem
é

39
realmente o Nazareno... Mas muitos dos meus irmãos dizem que é Deus que
veio dar uma volta no mundo, outros dizem que é o filho de Deus que tira o
pecado do mundo e, outros ainda que é um profeta.

— E você, o que dizes que ele é?


— Sinceramente Silepo... Não sei, sou novo demais para saber alguma
coisa sobre o Nazareno. Como disse, eu sou o mais novo dentre os meus
irmãos.

**

E Silepo acordou... «Que sonho mais estranho» Pensou em seu


coração.
«Eu sei que Satanás não existe, mas porquê fui sonhar com o filho dele?
E o que tenho a ver com tudo que ele me disse sobre o estado da nação,
Savimbe e coisas afins? Como ousou questionar a mim sobre o meu propósito
na terra? Qual é o meu propósito na terra? O que é o deserto e o que é o céu
vermelho?»

Eis algumas questões que a partir daquele instante iria mudar o seu
rumo de vida...

***

40
O MENDIGO

Silepo estava com um semblante reflexivo, mesmo depois do banho


continuava a olhar para si mesma. O clima na casa estava constrangedor,
Sophiapensava que era sua culpa o estado reflexivo da prima.
— Silepo... desculpa-me.
— Porquê me pedes desculpa? O que fizeste tu contra a pobre Silepo?
— Acaso não foi para você inconveniente que tenha trazido para casa
o
meu namorado?

— O namoro é bom e belo aos olhos dos que o apreciam, quem sou eu
para que não aprove o que te faz bem? A culpa do meu estado é do sonho
que tive, aquele escorpião soube colocar uma guerra entre os meus
pensamentos.

Sophia não mais perguntou, entendera que a prima viajara mais uma
vez para o mundo das ideias de Platão. Silepo pegou na mochila e pôs-se a
caminho da escola. Quando desceu do táxi, ouviu uma voz que lhe falava
assim:
— Ó bela jovem, será que o teu coração é tão ventilado que irás te
recusar abençoar este trapo com uma esmola?

Era o mendigo que falava…

Silepo era uma menina incomum. Bela para os olhos, mas incomum,
usava saias compridas e escuras, noutras vezes um macacão Jeans. Quando

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usava saias compridas e escuras, usava-as com uma blusa de mangas
compridas. Usava uma mochila preta e nos olhos tinha óculos por causa do
seu problema de visão. Não era o epicentro dos rapazes, mas era bela aos
olhos, se por um lapso entrasse na linhagem da vaidade não teria rapaz que
não a quisesse namorar.
Silepo ficou atónita à verbosidade do homem, o que falava não era
uma construção frásica que viesse de um indigente.
— Quem dentre os filhos dos homens importuna esta aluna atrasada?
— Uma alma emudecida com uma arte desprezada. — respondeu o
mendigo e continuou — um andarilho no deserto próspero do Lubango, um
eremita das lixeiras da N´gola.

— Quem é você? — perguntou a Silepo.


O mendigo parou.... Sabia que não era qualquer uma que ele
importunara, sabia que não era como as meninas superficiais que passavam
na sua calçada.

Então, fitando os olhos em Silepo começou a falar assim:


— Ando nu, sujo e descalçado,
Podes crer eu sou nem um pouco afortunado
Não tenho estatuto nem reconhecimento neste mundo
Sou uma alma emudecida
Com uma arte desprezada

Minha história é um drama


E minha vida uma grama
Sou pisoteado todo dia
Ando cambaleando e sem um guia

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Sou um indigente…
Um mendigo neste mundo
Um sem teto nesta sociedade decadente

Cedo me casaram com a tristeza


Que nem Agostinho Neto
Não faço proezas nem dinheiro no meu bolso meto
No meu dia-a-dia sofro represa…

Ah ando nu, sujo e descalçado


Podes crer eu sou nem um pouco afortunado
Eu sou um indigente poetizando.
E o mendigo calou-se…

Silepo vira muitas coisas na vida, até pessoas sorrindo ante a morte ela
viu, mas nunca vira um mendigo que também é poeta.
— Como pelo Deus desconhecido viestes tu parar às ruas do Lubango?
Silepo passa por aqui há anos, mas nunca encontrara alguém sentado
com uma arte nobre.

— A poesia não é uma arte nobre. É uma arte para elevar os que a vida
lhes afastou da nobreza. É a terapia dos espíritos solitários e a arma dos
únicos que vêm beleza nesta feia cidade.

— Apenas os verdadeiros são poetas. Um homem chamado Cury falou


que existem até poetas da vida, os que não declamam, mas vivem uma
verdadeira poesia.

— O que é a poesia? — perguntou o mendigo.


— É a manifestação da beleza e da estética através das palavras, é a

43
denuncia mais sincera das coisas que constitui o que nos rodeia…

— O que disseste não é mentira, mas é limitado à etimologia latina


‘‘poesis..’’

Silepo pensou «Não é possível! Um mendigo que entende de


etimologia e poesia». Soube que não conversava com qualquer um e queria a
todo custo saber a origem daquele espírito poético que encontrara na rua.
— A poesia é a denúncia sincera das coisas… – continuou o Mendigo –
O
que não é possível expressar com objetividade, usa-se da poesia para ser
descrito neste mundo mal escrito. A poesia é uma viagem em além-mundos,
apenas através dela pode-se entender o paradoxo de um ser perfeito criar
algo tão imperfeito, de um ser omnisciente permitir o mal que destruiria
tudo o que ele ama.

— No princípio era o verbo, o verbo estava com Deus e o verbo era


Deus. — disse a Silepo.
— Sim... Isto também é poesia. Usamos da poesia para manifestar o
que
não cabe no nosso entendimento, como o paradoxo de um Deus na Cruz e o
de um ser amoroso castigar às pessoas que ama.

— Vejo que é um ateu. — disse a Silepo ao Mendigo.


— Não existem ateus no mundo da poesia. Aquele que é poeta e é
ateu
ou não é ateu ou não é poeta.

— Se existe Deus, porquê não oras para que lhe tire da mendigagem?
— «A vida tem razões que a própria razão desconhece» Disse um

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homem sábio uma vez. A culpa do meu estado atual não é de Deus, mas dos
homens. Seria injusto que lhe pedisse que me livrasse quando eu mesmo me
arrastei até aqui. Não tenho motivação para voltar ao mundo real.

— Mundo real? Mas tu estás no mundo real.


— Como você sabe que estou no mundo real? Não serei eu uma
miragem criada pelo fruto de tua frustração?

— Eu não estou frustrada.


— E quem dentre nós disse que estás? Deixa-me uma esmola e corra
que se faz tarde para a tua aula.

Silepo deu ao mendigo 1000kz e correu para a aula. Tendo atrasado,


sentou no passeio olhou pelos eucaliptos gigantes que rodeavam as salas
anexas do Comandante Liberdade e pensou: «Eu passo todos os dias pelo
mesmo caminho e em todos os dias nunca antes vi aquele indigente. Será
nova a sua calçada ou será ele fruto dos meus devaneios? Mas eu não tenho
alucinações desde que morava no Hospital e o dinheiro que o dei é de
verdade.» Neste instante, apareceu o professor Chia.
— Mas uma vez chegou atrasada, menina Silepo.
— Sr professor.... Tem visto um mendigo na rua do Comandante
Liberdade?

— Chegou atrasada e preocupa-se com um mendigo... às vezes há


mendigos por aqui, sim, não constantemente, pois, a maior parte dos que
aqui passam são alunos.

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PÁTRIA MADRASTA

A hora da entrada havia chegado, começava o segundo tempo de


Língua Portuguesa na sala 9 das salas anexas do Comandante Liberdade no
Popular.
— Agora que já todos defenderam os trabalhos, vamos dar início a um
novo assunto.
Eu apresento-lhes um novo texto. — disse o professor Chia enquanto
distribuía os textos.

O título era sugestivo, chamava a atenção de todos. Quando o


professor chamou por um voluntário, levantou-se a Celmira e começou a ler:
— ‘‘Pátria Madrasta’’
Era uma vez, alguns grupos de emigrantes que saíam de terras
longínquas e acharam uma linda Terra a sul do equador para se instalar. A
Terra era grande e próspera, e todos acharam graça ante aquela terra
maravilhosa. A Terra decidiu estabelecer laços com os forasteiros e não
tardou até que nasceram os filhos biológicos daquela terra. Fruto do amor
entre a Terra e os forasteiros.
Passaram-se anos, muitos anos e os forasteiros morreram deixando a
Terra e os filhos que tinham tido com ela. E por anos a terra chorou pelo luto
dos seus maridos, mas acabou se reconfortando com os lindos filhos que
tivera. A Terra era amorosa e tratava todos os filhos como um só (Ubunto),
todos viviam felizes e seguiam a ética estabelecida pela Terra. A Terra tinha
constituído líderes para orientar seus vários filhos, líderes dentre os mais
fortes dos seus filhos e todas as noites era festa nos reinos dos N´gola. Mas a
Terra ficou velha... E, um dia foi assaltada pelos filhos da sua antiga rival. Os
filhos da Terra eram de pele escura e os da Rival, eram de pele clara como se

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tivessem uma deficiência da pele. A Terra foi gravemente ferida, tentou
resistir com ajuda dos seus filhos, mas não resistiu. Acabou morrendo e a
sepultaram junto dos seus amantes emigrantes.

Os filhos da rival da Terra ficaram sabendo do funeral da Terra e sem


demora anunciaram à mãe. A Terra era muito rica e deixara muitas riquezas
para os seus filhos e infelizmente a Rival sabia disso. Não tardou até que se
deslocou para reclamar os bens da Terra. Sem sua mãe, os filhos da Terra
não souberam defender-se e acabaram aceitando uma madrasta.
— Chamo-me Angola e sou a vossa nova mãe. — mentia a Madrasta
descaradamente, enquanto mudava o nome dos filhos da Terra — Vocês são
meus filhos agora e doravante não mais tereis os nomes postos pela vossa
antiga mãe. Agora, vos chamareis João, José, Carlos, Joaquim, Madalena,
Antónia e outros nomes que ainda não pensei. — dizia a madrasta.

E o sofrimento dos filhos da Terra começou, a Madrasta os maltratava


sem piedade, os filhos dela submetiam os filhos da Terra aos trabalhos
forçados e a Madrasta tratava os filhos da Terra como animais de carga. Por
500 anos os filhos da terra sofreram como escravos. Não aguentando mais o
sofrimento uniram os mais fortes dentre os irmãos Agostinho, Jonas e
Roberto também chamado Holder… nomes dado pela Madrasta. Começaram
uma guerra contra osfilhos da Madrasta.
Os filhos da Terra morriam há tempos e a Madrasta nunca se
importou, mas quando viu seus próprios filhos morrer, ordenou que todos
eles voltassem para casa de seu pai Portugal. Mas a Madrasta decidiu vingar a
morte dos seus filhos, evacuando os que tinham sobrado, começou a castigar
severamente os filhos da Terra, mas para não dar nas vistas das casas
vizinhas e de todo o bairro do Globo, fez isso de forma discreta, plantou
desconfiança entre irmãos e ensinou os mais novos a seguir a ambição das

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riquezas e provocou uma guerra entre membros da mesma casa. Conta-se
que Agostinho ficou doente e morreu no quintal do doutor Moscovo, mas
José e Jonas travaram uma guerra sangrenta que durou quase três décadas...

José e Jonas mataram-se entre irmãos e a Madrasta ria, sangue


escorria nas piscinas e pessoas apodreciam nos jardins da casa, mas a
Madrasta ria. E a Terra mesmo no túmulo, chorava pelo sangue dos seus
filhos. Não demorou até que um dos filhos chamado José, nome dado pela
madrasta, venceu a guerra. Mas a terra chorava pelos seus filhos Jonas,
Agostinho e todos o que morreram em vão porque estes sim a amavam de
verdade.
Então, José como novo chefe, a Madrasta o manipulava para que a
obedecesse e se esquecesse dos seus próprios irmãos. A Madrasta escolheu
alguns além de José e fez deles ricos com as riquezas que a Terra deixara.
Mas os que não constaram na lista da Madrasta, sofrem até hoje em sua
própria casa nas garras da Madrasta Angola. Alguns até hoje não sabem que
a Senhora que temos como pátria não é a nossa mãe, mas a Madrasta que
veio do Ocidente.
Anônimo

— O que tendes a dizer? — perguntou o Professor Chia.


— O texto é claro Sr. Professor, mesmo não conhecendo o autor, digo
que é um dos amantes desta terra. — disse a Celmira.

— Sim… — disse o professor e continuou – Mas alguém pode


transcender os sentido literário deste texto?

Neste instante, o sonho sinistro que a Silepo tivera, envolveu sua


mente. Lembrou-se dos passeios com o filho cassula do Diabo e começou a
falar assim:

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— A terra de que se fala é na sua simplicidade este território. Os
forasteiros ou emigrantes são os povos: San, Bantu e Kongo. Os filhos
são os descendentes destes povos, os Herero, os Nyanekas, os
Ngangelas,
os Ovambo e outros que nós conhecemos. A Terra, são o conjunto dos reinos
que este território possuía. A Terra foi assaltada pelos filhos da sua rival, foi
saqueada pelo ocidente, pelos portugueses liderados pelo Diogo Cão ao
domínio do Rei João II. A terra morreu, os reinos perderam a guerra. A
Madrasta se manifestou: a Madrasta é aqui, uma nova moral, uma nova
ética. A Madrasta são os novos hábitos e costumes embutidos pelos
portugueses, são as indulgências e as abadias, são a colonização espiritual,
são a vergonha do ovimbundo em aceitar a sua cultura e a sua religião. A
Madrasta são os conceitos de beleza que até hoje nós temos. — e fez uma
pausa... Olhando para o seus colegas continuou — Quem dentre vós não
quer namorar uma mulata?

Ninguém respondeu…
— Vós achais que a mulata é o exemplo de beleza feminina porque
assim vos ensinou a Madrasta, achais que o negro é feio, tenebroso e
diabólico porque a Madrasta vos ensinou que apenas o branco é belo,
agradável, a ‘‘Facta Lux’’ da raça humana. Por isso, os mais ricos desta terra,
aqueles que injustamente herdaram as riquezas da nossa mãe, investem nas
terras da Madrasta. Eles amam mais as terras da madrasta do que as terras da
nossa própria mãe Terra... que Deus a tenha. A Madrasta ainda vive aqui,
nestas terras... Ela chama-se ‘‘Moral pós-colonial’’ e não há diferenças com a
moral colonial. Esta geração é apenas livre pelos lábios, sua ética é escrava
até nos dias atuais. Todo aquele que tenta resgatar os ensinamentos da nossa
mãe Terra, que descanse em paz, é tido como mula, atrasado. Vede por vós
mesmos:

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Quem dentre os filhos dos mais ricos desta terra termina sua formação aqui?
Ou quem para além da filha do José investiu grandemente nesta terra? Acaso
os preferidos da Madrasta não preferiram investir e tornar mais bonita as
terras da Madrasta? Acaso não foram eles que tiraram daqui bilhões de
dólares americanos e guardaram nas terras da Madrasta? Porquê não
guardaram aqui? Se investissem aqui criariam emprego e diminuiriam o
nosso sofrimento. — neste instante Silepo lacrimejou. — Mas preferiram
entregar a quem já tinha por sobrecarga.

Com efeito alguém disse:


— «Aquele que tem ser-lhe-há acrescentado, mas aquele que não
tem,
até o que não tem lhe será tirado.»
E a Silepo calou-se...
Ouve um silêncio profundo na sala, nem o professor atreveu-se a falar
antes de pensar mais um pouco. Parecia que a Silepo tinha escrito o texto. «E
quem nos garantes que não foi ela?»
— Minha nengue não fala política se não vás morrer cedo! — disse o
Délcio.

— Por agora, melhor passar para a próxima fase, creio que já estais
esclarecidos acerca do texto. Vamos falar para além do que foi estabelecido
sobre o texto narrativo. Alguém quer opinar? — disse o professor Chia.

Ninguém mais quis opinar, «Como alguém poderia opinar além do


estabelecido nesta sociedade que perdeu a capacidade de opinar no que
ainda não foi estabelecido?» A Silepo tinha sua própria definição, mas não
mais opinou. «A muito que opino, mas não sou entendida... não é dos meus
lábios que estes colegas necessitam» Pensou a Silepo.
E a aula terminou…

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No caminho para casa, Silepo encontrou um jovem que lhe disse:
— Sabes Silepo, sobre aqueles momentos em que desejamos nunca
ter
existido, este é com certeza um deles. Acordei no horizonte quando ainda as
estrelas brilhavam no céu, olhei para mim mesmo e vi apenas vazio… alguém
disse que é impossível ser feliz sozinho e eu digo, é impossível ser feliz de
qualquer jeito. Sou rodeado de muitas pessoas, em contra-partida me sinto
sozinho, vazio, abandonado a minha própria sorte, sem amor ou pingo de
afeição. Eu amo, amo muito, mas falta-me quem ame-me de volta, quem se
importe de volta e quem enxergue de volta. Nasci social, mas vivo isolado,
além das estrelas, só tenho a mim mesmo para conversar.

— Mas eu estou aqui, você pode agora falar-me do que for.


— Sim eu posso, mas eu preciso de um lar, uma família, algum grupo
que aceite e me aceite, sempre me faltou isto.

Não tenho mãe e o pai que tenho me é estranho, meus irmãos odeiam-me e
sempre tive uma madrasta para me lembrar dos meus fracassos. Nada
positivo fiz nesta vida e, meus sonhos se quebram, meus projetos morrem a
cada alvorecer. Que importância tenho eu neste mundo? Diz-me Silepo…

— Um dia, disse um filósofo ‘‘A mais eficaz consolação em toda a


desgraça, em todo o sofrimento, é voltar os olhos para aqueles que são
ainda mais desgraçados do que nós: este remédio encontra-se ao alcance de
todos.’’ Rapaz cujo nome desconheço, eu entendo a tua dor e a tua dor não é
maior do que a minha. Mas quando me encontrava nas montanhas da
depressão em que a vida já não se fez amada, encarei a dor como algo
positivo, extraí dela forças para me segurar no chão da terra e nenhuma
outra aflição será capaz de me derrubar.

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Não te dou um conselho, te dou um aprendizado, se te falta família,
construa uma, tu mesmo, se amas, continue amando, se não enxergas quem
te ame de volta é porque não amas como dizes. Colhemos apenas o plantado,
quem amor planta, amor colhe. Você pode ir tão longe, avante para onde a
luz das estrelas se curvarão ante o brilho do teu olhar.
É você quem determina o teu estado de espírito…
Não permita que superficiais te prendam num labirinto. Em um mundo
tendencioso, ser diferente é considerado malicioso.
Não adormeças sua arte por não agradar aos que nem sequer fazem
parte. Você pode ir tão longe, distante, avante, para as estrelas onde não
existem julgamentos. Mas enquanto estiver aqui, terá que ser mais forte
entre os teus e em toda parte. Não procure a luz no fundo do túnel, seja você
a tua própria luz, a tua força de vontade é tudo que você tem e somente com
as tuas forças você pode ir além…
Olhe para os poucos que te amam e diga-me: Não são as razões
suficientes para fugir da depressão? E se ninguém te ama, lembra-te que
ninguém ama o Diabo. Mas mesmo assim ele ganhou a terça, parte das
estrelas e conquistou o mundo.
Não vamos tão distante, O próprio Jesus é a prova de que apenas
nossa essência importa.

«Dizeres belos ouço da Silepo, continuarei minha caminhada para além


de toda poluição… caminharei na poluição, mas não me contaminarei, olharei
para o além, onde a vida é acessório da existência...» Pensou o Jovem.

52
***

53
SOBRE O DINHEIRO

— Hoje não tens estágio? — perguntou a Sophia.


— Não, não tenho. — respondeu a Silepo.
— Ótimo, porque precisamos conversar.
— O que se passa?
— Estamos falidas.
Um semblante de preocupação envolveu a Silepo, ela não
acompanhava de perto o negócio, mas se servia dele para sustentar a si e aos
seus interesses.
— Falidas? Como assim… falidas?
— Fomos assaltadas ontem, levaram tudo e feriram gravemente o
segurança. À gerente e aos outros funcionários da loja eu dei das economias
um subsídio. Para nós, sobram apenas semanas de vida e temos apenas um
mês para encontrar emprego, nós duas, se quisermos sobreviver.

— Não tenho o que reclamar porque não me dediquei ao negócio. —


disse num tom sereno.

— E tu ficas calma ante esta situação gravíssima? — perguntou a


Sophia
num tom alto.

— Que posso eu fazer ante a factos consumados? Acaso tenho a


máquina de Deus para resolver os problemas do passado? Preocupar-se com
o passado é coisa de cristão, eles choram até hoje a morte de Deus. Muitos
dizem que Ele ressuscitou, mas eles choram mesmo assim. Eu não acredito
na ressurreição... para mim, é inconcebível que Deus tenha morrido. E no
que se refere a nossa atual situação, vamos nos servir do presente e talvez
do futuro para atravessar a uma melhor situação…

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As palavras da prima acalmaram Sophia, entendeu que era o fim, mas
uma metamorfose rumo a um novo estágio da existência. Começariam a
atravessar alguma dificuldade financeira, mas seria só isso. As duas
organizaram seus currículos e os enviaram para possíveis empregadores.

Passaram-se alguns dias e não tardou até que a notícia chegasse a tia
Tina, esta na qualidade de adulta preocupada, sugeriu que as meninas
ficassem na casa dela, mas as duas recusaram.
Então a tia Tina, mãe da Sophia emprestou- lhes o dinheiro para reabrir
a loja. Feliz com o empréstimo, Silepo começou a falar assim:
— Nunca os primeiros homens pensaram que seus posteriores
dependeriam do dinheiro para viver. Os primeiros homens eram crianças
existênciais e eram felizes por isso. A criança é tão inocente que até a
serpente lhe é bela aos olhos. Não inveja, não odeia, não ama nem maltrata,
a criança é o único ser feliz que rodeia os corredores da vida. Mas nós, nós os
posteriores dos primeiros homens, crescemos e sabemos tanto que a
natureza não consegue sustentar a todos.... Então, multiplicamos o que a
natureza nos dá para satisfazeras nossas lacunas vitais.

— Agora tudo é dinheiro minha filha, sem dinheiro não há vida no


mundo. — disse a tia Tina.

— Sem dinheiro haveria vida, sim. — disse a Silepo e continuou – O


dinheiro é o conceito ideal e aceite pelos homens. Se estes decidirem que as
folhas das mangueiras serão as novas notas de dólar, assim será. Tal como os
primeiros homens, sem as notas viveríamos das trocas e da natureza. O
dinheiro é o motor da economia, mas não o motor das nossas vidas. Talvez
Eva tivesse sido corrompida por ele e não pela maçã como dizem os judeus. O

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homem desde o jardim, hipnotizou-se por aquilo que tem valor e o que é o
valor se não aquilo que quantidade superior define como valor? Quem
ensinou a nós o valor das coisas se não os nossos progenitores? «Tem valor
tudo que é belo, fascinante, útil e raro.» Dizem os garimpeiros, mas quem
disse aos garimpeiros que o diamante tem valor? Não será só mais uma
pedra brilhante? Eu daria mais valor noutros tempos às coisas que revigoram
a terra do que ao diamante.

— O que andas a dizer?! Vamos para a casa. — interrompeu Sophia


enquanto pegava Silepo pelos braços, rumo a casa delas.

Chegando em casa, decidiram traçar um novo plano de negócio...


Agora com Sophia como gerente e Silepo como funcionária, contrataram um
novo segurança e as coisas começaram a voltar ao normal na vida da Silepo.

***

O ENVIO PEDAGÓGICO

Passaram-se tempos e o ano letivo findara no comandante Liberdade,


Silepo e todos os outros tinham passado no exame de aptidão profissional e
o resultado final da pauta foi positivo. Silepo nem tinha despedido-se dos

56
seus alunos do estágio, ficara doente no final do ano e até as provas de
escola, fez com dificuldades.

Era uma manhã alegre numa das salas do Comandante Liberdade,


depois de o senhor diretor adiar a entrega de certificados, finalmente tinha
chegado o dia. Todos tinham trabalhado bastante durante o ano que se
findara, seu passo seguinte era óbvio, todos queriam continuar no ramo da
linguística, exceto a Silepo. Na confusão dos sons dos alunos de português,
viu-se o professor Chia carregando nos braços os diplomas dos novos
formados.
— Sois diplomados agora... — disse o professor e continuou enquanto
passava de carteira a carteira distribuindo morosamente os certificados para
os alunos de português — Eis que vos envio como pastores no meio dos
infernos, não vos envio como ovelhas porque vós não sois ovelhas, vós não
sois um monte de pelos condenados a seguir um homem só. Envio-vos como
padres. Sim, vós não guiareis ovelhas, guiareis almas rumo a liberdade da
razão. Esta é a vossa missão...

Em meio a educação corrompida defendei a Didática do Futuro, não


deis ouvidos aos que pregam as tendências tradicionais, nem aos que fazem
da pedagogia a comédia moderna. Não deis ouvidos aos senhores doutores
deste século, nada do que eles falam é pedagógico, eles vêm como
professores vestidos de empresários, mas no fundo são arrogantes,
prepotentes científicos, amantes da glória e do reconhecimento social, a
estes habitantes das universidades estrangeiras e turistas de Angola não deis
ouvidos. Eles dizem amar a profissão, mas na verdade a trocariam por algo
mais lucrativo. Eles cobiçam os cargos altos e conduzem os carros caros.

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Eles, meus alunos... consideram-se os únicos detentores do
conhecimento verdadeiro, não gostam que sejam questionados mesmo
quando sabem que estão errados. Na universidade onde ireis no ano que vem
é o seu ninho de amor. Em verdade, em verdade vos digo: que lá não
encontrareis Didática superior à do Comandante Liberdade. O que vos vão
ensinar não é pedagogia. Eles vender-vos-ão fascículos preto e branco a
10.000kz e vos obrigarão a decorar o código penal, isto para os que seguirem
a linhagem do direito. Mostrar-vos-ão pergaminhos enferrujados e rejeitarão
o vosso conhecimento. Meus filhinhos, fazei o que eles ordenarem para o
bem do vosso currículo, mas não leveis para a vida os seus ensinamentos
Didáticos. Eles têm prazer na reprovação do aluno e rejubilam na cor
vermelha da não compaixão. «Enquanto eu viver, não saireis desta
instituição» Assim falam alguns deles quando sentem seu conhecimento
ameaçado. Eles amam que os trateis por Doutor, Mestre e Vossa Excelência.
Não os deis ouvidos…

Eu vos envio como avivalistas numa sociedade que tem o senso crítico
morto pelo sistema.... Vos dareis com almas, seres humanos únicos, com
histórias únicas. Lembrai que não existem burros dentre os vossos futuros
alunos e que todo ser humano é um génio da construção dos pensamentos e
na formação da inteligência. Lembrai que somos ‘‘Etpluribusunum’’ e que
nem todo mundo é obrigado a ser um génio da linguística. Vós sois
orientadores do ensino- aprendizagem, e é indispensável que procedais como
tal. Lembrai que os alunos não são vossos inimigos, antes pelo contrário são
os vossos amigos;

Se algum dentre vós se apaixonar por uma aluna, não use da


chantagem para tê-la na cama, antes alienando-se a deontologia profissional

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não a revele até que deixe ela de ser sua aluna. Se o sentimento for intenso
declarai-o na paz da amizade terna. E alienando-se aos princípios da
moralidade, não a engravide até que case-se com ela. E a mesma coisa
oriento às meninas;

Se algum dentre vós for corrompido, não seda à corrupção. Antes


lembrando-se das coisas que importam na vida, use do momento para
instruir mais um que abandonou os padrões da moralidade. Lembrai-vos de
que aquele que é professor por amor, é bem-aventurado neste e nos além-
mundos;
Se alguém for injustiçado por um colega ou por um chefe...
denuncie;
Lembrai-vos que a impunidade é a única culpada da desordem desta
terra;
Além das vossas escolas, sede professores da vida e aprendei com a
vida os mistérios da existência. E se alguém sentir que a docência não é a sua
profissão, procure a convicção e se for confirmado que não é, desista para que
não manchemais do que já está o bom nome dos professores de Angola;
Meus filhinhos, evitai os bares durante o dia para o bem dos vossos
alunos, se algum dentre vós quiser tomar uma cerveja que tome em casa ou
vá ao bar na escuridão da noite, pois vós doravante sois exemplos para
muitas crianças, adolescentes e jovens deste país.

Terminando o discurso, todos os alunos levantaram-se e em sincronia


aplaudiram o professor. Despedindo-se todos, dispersaram-se. Silepo depois
de despedir-se dos colegas, decidiu caminhar até a sua casa, mas no
caminho, pensou ter reconhecido o mendigo de outra altura.

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— Bem-aventurada sou por avistar novamente este poeta...
Não terminara de falar quando foi simplesmente ignorada pelo
mendigo e tendo olhado com atenção, reparou que tratava-se do mendigo da
outra altura.
«T a l v e z só se veja uma vez em toda a vida um mendigo igual.»
Pensou a Silepo enquanto continuava o seu caminho…

O ENCONTRO FÚNEBRE

— Qual é o sentido da vida? Por quê existimos? — perguntava um


jovem
bonito que trilhava o mesmo caminho que o da Silepo.

— Pensara que dentre os filhos dos homens fosse a única que falava
comigo mesma.

— E quem dentre os habitantes do Lubango disse que não és? Acaso


não falo eu contigo? — e neste instante, um barulho assustou todos os que
encontravam-se no caminho, um carro batera contra outro. Os estilhaços
voaram perto do rosto da Silepo e o jovem bonito que se interrogava acerca
do sentido da vida clamou amargamente:

— Naaaaaaaaaaaaaaaaaaaão!!!
Uma nuvem de lágrimas cobriu o seu rosto, o jovem corria trêmulo na
direção do acidente, reconhecera o V8 cinzento do seu pai, e a Silepo correu
para segurá-lo. Todos à volta olhavam atónitos, ninguém movimentou-se
para o ajudar ou para ligar para o INEMA «Assim somos nós os angolanos».
— Alguém chame uma ambulância por favor! — gritou uma brasileira
~

60
que passava caminho não sei para onde.

A Silepo continuava a segurar o jovem enquanto algumas pessoas


socorriam as pessoas que estavam no V8 e no Quadradinho. Ambos os carros
tinham sido gravemente atomatados, no Quadradinho, morreram o
motorista e os passageiros da frente no local. O motorista do V8, ainda podia
falar...
— Meu pai?! — disse o jovem — Que pecado fiz eu para merecer a
tortura de te ver morrer?

— Nenhum meu filho... Pago apenas pelos meus próprios pecados.


— O que posso eu fazer para aliviar a tua dor? Procure pela tua irmã, a
Silepo, ela é a tua única família agora…

Neste instante a Silepo gelou…


Estava ante seu pai enquanto este perdia os ritmos cardíacos.
— O que o senhor disse? Quem é o senhor? — perguntou Silepo.

E o senhor morreu...

Então chegou o INEMA que transportou o cadáver até a morgue


municipal. A Silepo acompanhou o jovem até à casa dele. Ela tentou
consolar-lhe, mas quem quer ser consolado ante a morte da pessoa amada?
Silepo foi para casa e contou o ocorrido para a Sophia.
— E você fala calmamente e se realmente aquele senhor for o seu pai?
— perguntou a Sophia.
— E o que tem? Acaso é da natureza humana criar laços com alguém
que nunca viu?

61
Entristece-me o cenário, mas não tenho sentimento por aquele senhor, ainda
que fosse confirmado que é o meu pai.

No dia a seguir, a Silepo foi até a casa do jovem e disse:


— Vim acompanhá-lo para o funeral do seu pai.
Eram apenas os dois na cidade do Lubango, deixaram Luanda quando a
Sra Cassinda, mãe do jovem falecera. Alguns parentes vieram com urgência
de Luanda. Preparado o cortégio, o jovem pediu que chamassem o Padre...
ele sabia que a morte não é o fim.

Durante o elogio fúnebre, Silepo entendera que estava ante o enterro


do seu pai... «Eu nem se quer o conheci e ele morre no dia da nossa
apresentação? O que queres comigo, Ó desconhecido?» Pensava a Silepo.
Depois de todos os rituais, o jovem aproximou-se da tumba, de joelhos e
com uma rosa branca na mão direita, começou a cantar assim:
— Tudo bem...
Ainda que eu não sinta o sol brilhando sobre mim, ainda que viver não
seja mais o mesmo
E nada aqui aconteça do meu jeito, Vou olhar pra mim mesmo e dizer...
Tudo bem, eu sei que o meu redentor Ele vive
E nada aqui neste mundo muda isso
Jesus em ti tenho tudo o que preciso...

E as lágrimas encharcavam a terra vermelha do cemitério.


Até o padre admirara a fé do jovem e a Silepo, pensava que era por
enquanto a única soluçãopara consolar o mancebo.
Depois do funeral, o jovem chegou até a Silepo e disse:

62
— O meu nome é Tahuma e não tenho como agradecer o apoio que
me deste.
— Silepo, e antes que perguntes... sim. Eu sou a tua irmã, a descrição
do elogio fúnebre bate com os documentos que tenho.

— Por isso só a partir do , seu pranto começou... Que quer Deus


contigo
que te faz passar por estas coisas? Mas ele te enviou a mim, para que nem
eu e nem você esteja só neste mundo de pecados.

— Nem Deus nem os meus pecados têm culpa da minha triste sorte,
Deus não quer nada comigo, se quisesse ele mesmo falaria comigo. O
destino nos juntou por alguma razão, agora vivemos nós o inverno do existir.
Nem eu nem meu corpo conhece o inverno, mas deve ser assim.

Neste instante Silepo e seu irmão estreitaram seus laços, no dia do


Vilonga, o quintal estava cheio... até os parentes do Caluquembe vieram.
«Em vida nunca eles preocuparam-se com ele, agora que descansa sob o peso
da terra, até os desconhecidos invadem a sua antiga morada.» — falava
Tahuma à sua própria consciência.

***

O VILONGA
— Vamos começar com o nosso Vilonga. — disse um dos seculos que
estava
no quintal – Como o falecido não deixou o testamento, o que faremos?

63
— Isso de testamento é coisa de fora... nós aqui vamos fazer o que já
temos feito em caso de óbito. — disse uma das tias do Tahuma.

A discussão começou e ninguém queria chegar a um consenso.


— Calmem, minha gente! — gritou outro seculo – É bom que os filhos
fiquem com tudo.

— Filhos? Quais filhos? — disse a tia Gina — O meu irmão só tem um


filho!

Neste instante Silepo entendera que estava no lugar errado e no


instante errado. «Agora pago pela minha própria loucura, porquê não fiquei
em casa ou na loja ajudando a Sophia?» Disse a Silepo a si própria.
— A primeira filha, aquela que ele teve em Caluquembe e mãe, trouxe
para o Lubango sem dar notícias.

— Trouxe para o Lubango ou o mano lhe abandonou porque não a


queria? — disse a outra.

— Também era muito doente. A mulher do mano naquela altura já


deixou falecer duas crianças e era esperado que esta terceira também
morresse. E quase morreu, até batismo da parede aquela miúda recebeu, e
naquele dia o mano estava a casar com a outra.
Por isso nós aconselhamos o mano a deixar só aquela pessoa, não
estás a ver depois que casou com a mãe do Tahuma a criança nasceu forte?
Nós é que choutamos aquela senhora, se achava muito só porque estudou
camucado, por isso, ó mana ó Gina, é bom os nossos filhos procurar só
mulher que não estudou.
E começou uma nova discussão…

64
— Calem! Vocês todos! — disse o Tahuma – Não estão a ver que a
pessoa de quem vocês falam está aqui connosco? Que culpa das vossas
merdas tem a minha irmã a ver?

E o rosto da Silepo ficou mergulhado em lágrimas, os soluços eram


incontroláveis, levantou-se e correu para dentro da casa onde os gemidos de
tristeza eram audíveis. E Tahuma a segiu…
— Calma irmã... Eles não sabem o que falam.
— De todas as pessoas, a vida escolheu a mim para atormentar, a
praga
da escuridão chegou à minha cidade, nem os meus deuses são capazes de
me iluminar agora. Não vejo uma vara em minha frente, a nuvem que cobre
os meus olhos é demasiada densa. Por quê não morri eu nas férias no
Hospital Central do Lubango? Porquê vivi para que o sofrimento me
atormente?

Silepo levantou-se, pegou na sua mochila e andou na direção de


quem vai embora.
— Não vá, filha. — disse um seculo que sentiu compaixão da manceba.
Silepo olhou para todos os presentes, aquietou seu coração e
começou a falar:
— Vós sois piores do que o Diabo, vossa ignorância condenou-me
ao sofrimento e vosso tolo proceder, ao lamento. Que culpa teve a santa da
minha mãe na morte dos seus filhos? Que culpa teve ela que sua outra filha
nascesse doente? Minha mãe vos perdoou antes de morrer, mas eu morrerei
carregando o ódio por vós no meu coração.

— Então morreu? — perguntou alguém baixinho.


— Antes do acidente… — continuou a Silepo – Já tinha ela morrido de

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desgosto por um homem que só lhe trouxe sofrimento, agora mesmo que
queirais, não podeis vos redimir ante ela, seus ouvidos não podem ouvir,
seus olhos não podem ver e seu coração já não bate por compaixão...

Todos olhavam atónitos enquanto a Silepo deixava o quintal. Tahuma


tentou segui-la, mas um dos seculos o impediu. — Já lhe passa, deixa ela ir
descansar agora. É muita emoção para uma jovem…

Não tardou até que a discussão retornasse, lutavam com palavras


entre eles. Quem ficaria com os carros, quem ficaria com a casa e quem
controlaria a conta bancária? Depois de muita luta, os seculos chegaram a
uma conclusão:
— A casa fica com o filho Tahuma e também a conta do banco para lhe
ajudar nos estudos; os carros vende-se e o dinheiro repartisse entre as irmãs;
os bois e os terrenos no mato divide-se entre os tios.

SOBRE A FAMÍLIA

Silepo dirigiu-se para a igreja que testemunhara a morte da sua mãe,


na mesma paróquia sentou-se e olhou para o grande crucifixo. Viu também o
seu vizinho que rezava pela saúde da sua mãe e isso a atormentou…

— Ó tu que habita no céu para além da poluição dos homens... — disse


a Silepo e continuou:
— Não vês o sofrimento daqueles que dizem te servir?

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Ó tirano pai de uns e padrasto de outros como queres que te
lembremos se não fazes nada quando pedimos?
Como queres que derrotemos o diabo se tu não consegues vencer os
falsos profetas? O que fazes exilado no céu?
Não ouves a órfã rezando? Não vês o órfão sofrendo?
Não ouves o clamor do pai africano, não ouves o choro da mãe
desesperada, não vês a criança morrendo de fome?
Como queres eu ame o meu vizinho se tu que és pai o abandonaste?

Mais uma vez, a Silepo rezara a um Deus que não lhe ouve, mais uma
vez atreveu-se a abrir o coração para o desconhecido…
Saindo da paróquia foi para casa onde encontrou Sophia, chorando e
encolhida no sofá.
— Do que choras tu? Qual será o motivo do teu sofrimento? — disse a
Silepo com lágrimas nos olhos.

— Estou grávida e o que choras tu?


— Picotaram sem piedade no meu passado triste, agora sei que fui
rejeitada pelo meu pai ao nascer.

— Silepo... eu sinto muito.


— Não sintas, eu já sabia. Vamos falar do teu problema, tens a
certeza?
— Sim, tenho.
— Não é problema, você e aquele rapaz amam-se, não?
— Ele deixou-me Silepo, disse que não vai assumir a criança porque
não
está preparado para a paternidade, ele quer que eu aborte.

E a Silepo congelou.

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O que diria ela ante aquela situação? Abraçou a Sophia
carinhosamente, colocou sua cabeça nos seus ombros e lhe disse:
— Depende de você, apenas de você que esta criança nasça. O que te
trazer paz, o faça. Mas não te esqueças... todos têm a oportunidade de viver
mesmo sem um pai e talvez, o desejo do embrião que descansa dentro de ti,
é viver.

Talvez um dia, algum moço se te ame, não apenas use do sexo para as
suas próprias vaidades. Quem iria adivinhar que por detrás daquela cara doce
se escondia um sem carácter? Como pode alguém não querer formar uma
família com você Sophia? A família para aqueles que entendem é o bem
supremo do viver humano, sem ela outras formas de bem seria supérflua e
utópica. A família é a socialização primária dos pensadores, é nela onde
nasce a personalidade do indivíduo. A pessoa é aquilo que a família lhe fez,
as pessoas mais frias, são de famílias mais fria, não no absoluto, mas na
maior parte das vezes é assim.

Enquanto a Silepo falava, ouviu-se o bater na porta. Era a tia Tina que
viera visitá-las…

— O que se passa? — assustou-se a tia Tina quando viu os rostos de


ambas encharcados.

Não havia mais o que esconder, Sophia contou a verdade. A tia Tina
enfureceu-se e culpou ambas pelos ocorrido. «Silepo, se fosses mais amiga
da tua prima isto não aconteceria.» A tia Tina decidiu naquele instante levar
Sophia para a sua casa. E repartir entre elas o que havia de saldo na conta da
loja, esquecendo assim a dívida. A Silepo decidiu continuar com o negócio,
mas chorava ao ver afastar-se a sua única companhia.

68
— Minha única família desde a minha mãe. — disse a Silepo e
continuou — Agora a solidão aproxima-se como o vento do Norte, não
haverá
quem me acompanhe nas noites de pesadelos do meu existir. Por quê a
família não é eterna? Por quê a família finda-se nalgum momento?

— Não fica assim Silepo... — disse a tia Tina — Se quiseres, sabes que
podes vir morar connosco, afinal serás de grande ajuda se concordares.

— Sou-lhe para sempre grata, tia. Não quero trazer-lhe mais


preocupação do que já tem. Por hora, é bom que eu fique só, pois é tempo
de organizar a minha vida…

Caminhavam elas rumo à paragem de táxi. No caminho, Sophia contou


tudo que se passara com a Silepo e a tia Tina chorou.
— Tens a certeza que ficas bem sozinha?
— Não tenho, mas é o que devo fazer porque assim como eu, o meu
irmão ficou só. É minha responsabilidade agora cuidar dele, temos quase a
mesma idade, mas ele não tem uns parentes que prestem. E quanto a você
irmã, vamos cuidar deste bebê com tudo que somos, a minha falecida mãe é
o exemplo de que é possível sozinha criar um filho.
— E tu és jovem e bonita, pretendentes não te faltarão enquanto
viveres. — acrescentou a tia Tina.

Silepo mais uma vez entristeceu-se quando viu entrar no táxi a sua
única família...
Quando chegou em casa, era já noite. Encontrou o irmão Tahuma no
portão com as malas.
— O que fazes aqui?
— Por favor minha irmã, é facto que acabaste de me conhecer, mas

69
aceita-me como hóspede, pois não confio em mais ninguém para cuidar de
mim.

— Está bem, vais ficar com o quarto da Sophia.


— E onde ela foi?
E a Silepo contou a história toda para o irmão...

***

A DEFESA DA SOPHIA
«O Planeamento familiar e o Preconceito da mãe solteira.»

— Rápido, Tahuma! vamos nos atrasar... — berrava a Silepo.


Era um dia importante para Sophia, depois de adiar por algumas
vicissitudes, chegara finalmente o dia da defesa de fim de curso na Escola
Técnica de Saúde…

— Finalmente vou conhecer essa tal de Sophia.


— Nem venhas com ideias, seu cristão falso!
— Quando nos deliberamos a análise do fenómeno biológico da
‘‘gestação’’, descobrimos a possibilidade de esta ser planejada e seguida
responsavelmente pelos causadores. E, no presente trabalho vos apresento
os benefícios do planeamento familiar e a importância de um lar bem
constituído para uma criança.

Ouvia-se a voz da Sophia no Anfiteatro da escola…

70
— Já nos atrasamos! — disse a Silepo.
— Chama-se gravidez ao período de cerca de nove meses de gestação
nos seres humanos, contado a partir da fecundação e implantação de um
óvulo no útero até ao nascimento.

Tahuma se deslumbrou na melodia vocal de Sophia e não parou mais


de olhá-la mesmo quando sentou. Sophia era uma moça de corpo escultural,
de pele clara, crespa e usava calças e tênis na maior parte do tempo, naquele
dia ela usava a t-shirt de finalista de cor branca, uma saia azul-escura e uns
tênis brancos de marca air.

Planeamento familiar é o controlo do número de filhos e intervalos


entre gestações. Tem o objetivo de garantir o bem-estar da criança e do
casal, pois podem escolher o momento propício para a chegada dos filhos.
Para casais que não conseguem ter filhos, o ideal é programar-se para
métodos como a fertilização in vitro, a inseminação artificial ou a adoção de
crianças.
Esse planeamento, entre outras coisas, é importante para aproveitar
melhor esse momento tão especial que é conceber uma nova vida. É preciso
estar bem preparado para assumir tamanha responsabilidade. O
planeamento familiar, o pré-natal, o parto e o controle de doenças
sexualmente transmissíveis pelo Sistema Único de Saúde (SUS) é direito de
todo cidadão.
A falta de planeamento pode gerar problemas sociais, pois pessoas
sem condições de criar os filhos muitas vezes recorrem às instituições de
adoção, ao aborto, ou simplesmente os abandonam nas ruas. Famílias muito
pobres acabam ficando ainda mais pobres quando tem muitos filhos, não
tendo o que comer e nem o que vestir.

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E outro problema do não planeamento, é o preconceito da mãe
solteira. Em Angola, não é encarado com bons olhos os problemas de as
mães criarem sozinha os seus filhos, ainda mais quando esta mãe for jovem
ou adolescente. O preconceito começa do pressuposto do adultério ou
fornicação, a moral cristã principalmente tem contribuído para a depressão
de milhares de adolescente grávidas em todo país, com os seus princípios de
censura, isolamento e julgamentos. Por isso milhares de moças preferem
recorrer ao aborto. Para que a Santa Igreja continue a
vê-las como virgens. Com estes princípios de afastamento, a igreja só tem
contribuído para o aumento do aborto e aproliferação do pecado.
Mas não viemos falar da Igreja. Vamos falar do principal responsável
pelo preconceito da mãe solteira, vamos falar do pai. O pai, quem é ele? Qual
a sua origem e qual é o seu fim último?
Paternidade é um conceito que vem do latim paternĭtas e que diz
respeito à condição de ser pai. Isto significa que o homem que tenha tido um
filho acede à paternidade. E muitas vezes os filhos não precisam ser
biológicos. A paternidade é um sonho cumprido para muitos. Há homens
para os quais a paternidade lhes é grande, em geral, a paternidade usa-se
para designar a qualidade do pai (homem). No caso da mulher, a noção
associada a ser mãe é maternidade. No entanto, dependendo do contexto,
paternidade pode referir-se tanto ao pai como à mãe.

Em suma, planejem a vida mesmo durante o namoro, se o amor vos


levar as relações sexuais, é mister que não vos descuideis. Se vos
descuidardes, assumem o vosso descuido, homens não abandoneis os vossos
filhos e mulheres não aborteis, doai antes os vossos bebês a quem precisa.

Sophia concluiu a sua dissertada e quase chorou...

72
Sua gravidez não era notável, apenas os membros da família sabiam.
Sendo aprovada com nota 15, felicitaram-na.

Tahuma, aproximou-se do palco e disse:


— Nem mesmo as flores que lhas trago a superam na beleza, mas o
seu
perfume é para desculpar a má educação de não ter a conhecido antes.

Sophia ficou vermelha, mas consigo mesma tencionava ignorar o


Tahuma, pois perdera sua confiança nos homens. Mas recebeu as flores e
agradeceu. E outras pessoas também a presentearam.
— Com que então agora é universidade…. — disse a tia Tina enquanto
caminhavam.

— Não sei, com esta gravidez é bom que eu espere o bebê nascer e
teste
somente no ano que vem. Consegui um emprego de enfermeira numa clínica
e como a mamã sabe, tenho que trabalhar para o bebê que vem.

— Desculpem-me. — intrometeu-se Tahuma — Não sei quais são os


seus sonhos, mas se incluem cursar a universidade, então faça isso. Pode ser
no ano que vem, mas faça. Com a ajuda de Deus, tudo vai dar certo. A
propósito, quero convidá-la para ir a minha igreja no Sábado.

— Iiii vai começar... — disse a Silepo.


— Não se incomode... — disse a Sophia.
— Vá filha. — disse a tia Tina. Ela reparara que Tahuma não parava de
olhar a sua filha e sentia que era um bom moço e que sua atração era pura.

— Está bem, eu vou com uma condição! Leva chocolates para mim.
— A mãe... vai rolar casamento. — gritou o irmão mais velho da
Sophia.

73
— O que é isso idiota?! Claro que não só vamos a missa. Além disso,
nenhum homem vai me levar a sério com esta barrigona...

Tahuma entristeceu-se, queria uma outra reação, pois se apaixonara


pela Sophia quando Silepo contava sobre ela. Com o rosto meio triste disse:
— Porquê todos os homens têm de pagar pelo mau carácter dos
outros? Nem todos os homens pensam iguais. E quem dentre os filhos
de Deus
não quereria levar ao altar uma musa como a Sophia? Eu daria até o que não
tenho para que uma mulher como ela me amasse.

Ninguém mais falou. A tia Tina olhou para o Tahuma e sorriu…


Ela queria que a filha se casasse e jurou neste momento não medir
esforços para persuadir aqueles dois a casarem-se, o que não seria muito
difícil, visto que Tahuma já estava apaixonado e Sophia temia o preconceito
do grupo de Igreja.

***

SOBRE O TEMPO

— Na primeira leitura… — disse o Padre e continuou — Nos é colocada


de forma implícita uma grande questão. O Rei Salomão que Deus o tenha, ao
dizer «Há tempo para todo propósito de baixo do céu» nos leva a viajar para
o princípio sem princípio, para onde tudo começou. Lembrem-se que Adão
amou Eva no segundo em que a viu, ele não precisou pensar para ter certeza
do seu amor.

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O tempo nunca começou e nunca vai acabar, o tempo é o devir do espaço e
da vida em si. O tempo é o presente, apenas existe o agora. Onde está o
ontem? Cadê o amanhã? Alguém consegue ver? Se sentes que estás
apaixonado, é tempo de amar. Se sentes que vais ter um filho, é tempo de
construir um lar...

Neste instante, Sophia foi arrebatada a uma profunda reflexão. «Que


tempo é este que eu vivo?» Perguntou a si mesma.
E o padre continuou…
Não vos atormenteis com os anseios do futuro, esqueçam os
problemas do passado e vivei intensamente o orgasmo do presente... e
se não houver, organizamos no hoje. Buscai a paz, mas sabei que o único
tempo que temos é o agora. Ame agora, sorria agora, cante agora, declame
uma poesia agora, que o amanhã a Deus pertence.

No fim da missa, enquanto saíam aos poucos da igreja, Tahuma se


atreveu:
— Queres ir almoçar comigo noutro sítio?
— Claro, onde?
— No restaurante Lana. — e houve um silêncio constrangedor sem
motivo
algum durante o caminho e ninguém sabia o que dizer ao outro…

Quando chegaram, Tahuma disse:


– Faça favor, Vossa Alteza… — enquanto puxava a cadeira da mesa.
— Não se incomode. — disse a Sophia.
— Não é de jeito nenhum um incómodo servir a minha ama e
senhora…
Durante o almoço, Tahuma agradou a doce Sophia com a melhor
conversa, a manteve não só entretida como também a fez sentir-se segura.

75
Mas quando saíam do restaurante o clima mudou. Sophia apercebeu-se que
começara a ver Tahuma com outros olhos, segurou-lhe a mão e Tahuma não
contendo suas emoções, beijou-lhe.
— Não... não podemos, não posso, você não pode.
— Por quê Sophia?
— Não vês? Eu sou uma mulher grávida, abandonada, você merece
alguém melhor...
Neste instante Sophia correu e mandou parar um táxi, subiu e deixou
Tahuma na reflexão. «Meu Deus, eu amo esta mulher... o que devo fazer?»
Pensava Tahuma.

Foi então que o seu telefone tocou. Era o velho advogado do seu pai
avisando-lhe que ele já poderia assumir as ações que o velho dera numa
empresa de informática.
— Em pleno domingo ele me avisa? — monologava enquanto dirigia-
se
a uma joalharia do 7º Dia.

II

Quando Sophia chegou em casa, enfiou-se no seu quarto e ouvia


música alta enquanto lacrimejava.
— O que foi, filha? — perguntou a tia Tina.
— Nada mãe... é que eu estou me apaixonando pelo Tahuma.
— E isso é motivo para chorar? Acaso não fostes a um encontro santo?
Neste instante ouviu-se o bater na porta. Era Tahuma. . .
— Sophia, tens visita. — disse o seu irmão mais velho.

76
Sophia saíu e em passos incertos atendeu Tahuma na varanda…
— Sophia...
— Por favor! Tahuma vá. Não quero lhe trazer sofrimento.
— Mas eu quero... quer dizer, eu quero ficar contigo nem que isto
signifique sofrer, desde o primeiro momento em que a vi brotou em mim o
fruto do amor. Eu amo-te agora...

Neste instante Tahuma ajoelhou, tirando do bolso uma caixinha preta,


abriu-a e disse:
— Sophia... Casa comigo?
— Mas tu não trabalhas ainda, como vamos sustentar a casa?
— Mas tu sim, tu vais trabalhar como enfermeira na clínica que
disseste
e eu acabei de herdar as ações do meu pai numa empresa de informática.
Casa comigo?

— Sim... é claro que eu me caso com você...

***

SOBRE O CASAMENTO

— O casamento é o contrato entre duas almas solitárias, onde a


remuneração é a companhia mútua, o casamento é a prova de que é possível
viver para sempre ao lado de uma pessoa desconhecida e de que o amor na

77
perspectiva erótica é um presente da existência. O casamento é o primeiro
passo na construção da família, falo da família no seu conceito moderno. No
casamento é o único lugar em que uma criança tem a chance de conhecer a
felicidade do calor fraterno dos pais.
Hoje, meu irmão casa-se com aquela que em tempo me amparou. O
que ele entendeu na vida para tão cedo entregar-se a uma mulher e adotar
um filho abandonado? Talvez queira ser diferente do seu pai ou talvez
conhece como eu o peso da falta de uma das figuras da paternidade.
Um dia... um homem sábio disse: «Apaixonados somos poetas,
casados somos filósofos.» conhecerá o meu irmão agora a Filosofia? Saberá
ele que até aqui o seu Deus não fez nada por ele?

Foi Deus quem instituiu o casamento «Não é bom que homem esteja
só...» Que machista. Ele entregou a mulher ao homem como um amo
entrega uma escrava. O judeu, é a espécie mais terrível de machista. Quem
disse a eles que a mulher é uma eterna empregada? Hãm... foi Deus. Se não
fosse pela serpente, ainda hoje estaríamos exiladas nalgum harém para
satisfazer os desejos ‘‘do macho alfa’’. E o homem que tem a sua gênese no
Império Otomano? Este é a espécie mais terrível, a espécie que encara a
mulher como escrava. «As mulheres não têm voz, foram feitas para obedecer
e satisfazer as vontades dos homens» dizem.

Há muita coisa errada na religião... De onde tiraram a ideia de que um


homem deve possuir várias mulheres se quiser, mas uma mulher mesmo se
contra sua vontade fazer sexo deve ser apedrejada?
Bem-aventurada são as Nações Unidas e a Lei dos Direitos Humanos…
– Falava a Silepo enquanto olhava seu irmão radiante vendo a sua noiva
desfilando no tapete da Igreja.

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Depois da cerimónia, Silepo voltou para casa, voltou novamente para a
solidão. Seu irmão adotara uma nova família e se mudara para a casa de seu
pai. Sophia tinha outros deveres como esposa e a Silepo, nunca tinha
namorado na vida…
«Se o amor me alcançar, o abraçarei, mas se por mim passar sem se
importar, viverei segundo a castidade.» Falava a Silepo.

***

A VIAGEM

Silepo deixava a sua cidade e decidira ir à Luanda ver o mar…


«Dois textões me aguardam neste ano: O de admissão à Universidade
e o de admissão ao concurso público. Vou tirar umas férias pra Luanda deixar
minhas vicissitudes no mar.» Falava a Silepo.
— Eu conheço esta cara... é a Silepo que há muito não via. — Silepo
olhou para o lado e viu que era a Kassova que falava noutro banco do
autocarro.

— Kassova... a menina nascida entre os meninos, tenho pena do

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apaixonado que pegará um dote por você. — respondeu a Silepo enquanto
mudava de lugar.

— Onde tens andado?


— Na minha casa, a seguir a ordem da minha existência e você?
— Fui transferida para Luanda, por isso nunca mais a presenteei com a
minha presença.

No mesmo instante, apareceu um homem alto, com uma barba de 3


anos, escuro, carregando uma Bíblia na mão e falava enquanto rodeava nos
corredores do autocarro.
— Arrependei-vos porque vivemos os últimos dias... Assim como nos
tempos de Noé, eles casavam e davam-se em casamento, viviam
descontraídos e não enxergaram o fim, assim também sucede com os nossos
dias. — e o pregador calou.

— Há muitos deste por aqui? — perguntou a Silepo.


— As vezes aparecem alguns. — respondeu a Kassova — Deus é justo.
— E é preciso ler o Antigo Testamento para saber disso.
— Silepo... eu sei onde queres chegar, mas te digo uma coisa. Para
certas questões da vida, a fé é tudo.

— Como falava Nietzsche ‘‘Se se pudesse compreender pela razão


como
o Deus que mostra tanta cólera e maldade pode ser justo e bom, para que
serviria então a fé?’’

— Para nada. Logo, ele está acima da razão humana, ‘‘É A CAUSA SEM
CAUSA E A CAUSA DE TODAS AS CAUSAS’’ Silepo.

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— ‘‘A causa sem causa e a causa de todos as causas’’ já nós sabemos
através da ‘‘Aurora que a contradição é o motor do mundo, todas as coisas
se contradizem a si próprias porque somos, até em lógica, pessimistas.

— Ou somos bastante pequenos e nos recusamos a entender as coisas


e a verdade, há coisas que só se esclarecem passando séculos e séculos,
Silepo.

— Mas Kassova... Nós não temos séculos para esclarecer a nós


próprios, mas Deus teve a eternidade, mas não fez isso...

— Silepo... um pai é diferente do filho, assim como um avô do pai. Veja


as diferenças no mundo, tua visão de encarar o mundo é de facto diferente
da maioria e aí você sente-se estranha às vezes da maioria. A sabedoria está
por escala…

— É para o bem da humanidade que Deus não se esclareceu... um dia


você entenderá isso... a vida não tem o fim na terra... outros estágios nos
aguardam.

— Bem da humanidade? O não esclarecimento de Deus só nos trouxe


sofrimento: «Milhões de pessoas sofrem enganadas pelos pastores da
cristandade o 1ª aos Coríntios tem arrastados muitos a miséria da
existência.»

— E o não esclarecimento de Deus é para o bem?

Na verdade, a sabedoria é por escala e é dever de um pai velar para


que o seu filho não seja enganado pelas falsas doutrinas, e é dever de um avô
contar a verdadeira história de sua linhagem... ''A vida não tem o fim na
terra''. Disso até nós desconfiamos, mas precisamos do esclarecimento agora
para erradicar o nosso sofrimento.

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— Analise bem as minhas palavras Silepo, não falo do paraíso que a
todos foi prometido como fim da aflição. Minha questão é, você está mesmo
pronta para o esclarecimento de Deus em você? Suponho que vai dizer que
sim, mas te digo que não quero isentar os pastores e padres da culpa que a
ele imputas, mas é o povo que não quer ver. Como disse o profeta: «MEU
POVO SE PERDE POR FALTA DO CONHECIMENTO.» A humanidade precisa
despertar do sono que a anos vem levando sobre seus ombros e Silepo, isso
é um processo.

— E de quem é a culpa do sono? Acaso no JARDIM não proibiu Deus


que os olhos do homem se abrisse afim de que ele não conhecesse o bem e o
mal? Graças a Serpente, hoje até os teus olhos Kassova estão abertos a uma
realidade diferente da deste pregador da morte que se senta no último
banco.

A falta de conhecimento é culpa dos Apóstolos principalmente do


Apostolo Paulo e mais tarde, culpa dos ''PaterEcclésia'' e do ''VicariusFilli Dei'',
também aos pastores neopentecostais recai a culpa.

«E Deus escolheu as coisas vis deste mundo, e as desprezíveis, e as que


não são, para aniquilar as que são» (Paulo Apóstolo)

«A Sabedoria do mundo é loucura» «Paulo Apóstolo»

«Se alguém dentre vós se tem por sábio neste mundo, faça-se louco
para ser sábio.» (Paulo Apóstolo)

Por isso Kassova... a maior parte dos cristãos adere propositadamente


a loucura, mas eles não chamam simplesmente loucura ou insanidade,
chamam antes ‘‘Loucura do Evangelho’’ A única loucura que é mais sábia que
os psiquiatras contemporâneos.

Neste instante Kassova riu e disse:

82
— Silepo... Paulo é homem e assim como nós, buscava pela salvação e
revelação divina. Que sentido há em culpá-lo, lembra-te das palavras de
Sócrates e Platão “o conhecimento é um estado de latência em ti”, quer
dizer, o conhecimento está dentro de ti e explore dele o máximo a teu favor, é
a ti mesmo que precisas descobrir para entender a Deus e Deus realizar seu
propósito em ti é vontade da ‘‘CAUSA SEM CAUSA E A CAUSA DE TODAS AS
CAUSAS’’ que chegues a perfeição, porém a perfeição não vem do nada e
precisa ser trabalhada, Silepo. Deus é bem claro ante a nós, é nós quem o
negamos e o desconhecemos ou ainda nos foi mal-ensinado acerca dele.

— Agora sim... «Nos foi mal-ensinado acerca Dele» Isto é certo, mas
como se poderia ensinar bem se Ele não se revelou bem?

Kassova sorriu e disse — O que aconteceu com o mestre Jesus que se


revelou a humanidade, Silepo?

— Se revelou mal também ou os seus Apóstolos o apresentaram mal…


Mas... calma! Não disseste que Paulo também buscava a revelação? Paulo
não foi da geração de Jesus? Se Paulo que foi da geração de Jesus buscava a
revelação, quanto mais nós que somos da geração das novinhas?

Kassova não soube mais o que responder... ela desejava de coração


que Silepo abrisse o coração para a ‘‘Boa Notícia’’ mas como todo o cristão,
ousou dar a sua última palavra.

— A verdade já bateu sua porta, minha amiga, não a dececione...

Silepo calou também... não queria estragar o clima entre elas, queria
desfrutar mais da Kassova antes que se separassem. E então, deixando a
Filosofia, a Ciência e a Religião de lado desfrutaram uma da outra enquanto
viajavam. Ouve muitas paragens e a viajem demorou três dias.

83
Quando chegaram, despediram-se, pois, tomariam caminhos
diferentes. Silepo pegou na sua bagagem e pegou uma mota até a
hospedaria que lhe acolhera. E adormeceu...

A viagem foi longa e cansativa.

Silepo acordou 5 horas depois, tomando um banho foi almoçar num


dos restaurantes baratos da Vila de Cacuaco. De regresso, deparou-se com
uma Igreja Pentecostal, não resistiu e entrou para assistir ao culto.

— Reprochequeebiasrimatracongiaarabasuria. – falava o pregador.

— O que diz ele? Já sei, é mais uma daquelas línguas estranhas que só
Deus entende.

— Juízes 16:19 ... — continuou o pregador — O tema de hoje é ‘‘A


careca’’, repito o tema de hoje é?
— A Careca!!! — respondeu a Igreja em coro.
Continuou o Pregador — Olha para o teu irmão e fala você está careca.
— Você está careca. — respondeu a Igreja enquanto o pianista
passava
um comum fundo sinistro.

— Não. Você não entendeu, vem comigo na glória.


— Ó Glória. — respondeu a Igreja. — “PammMbamPimm rim
pammm.” Ouvia-se o fundo sinistro do piano.
— A bíblia fala que Sansão depois de se envolver com Dalila, cortaram-
lhe o cabelo, logo Sansão ficou careca.
— PamMbamPammm!!!
— Quando lhe cortam a careca, logo ficou sem forças, sem poder, quer
dizer que Sansão agora está num estado de perdas, porque Sansão está
careca.

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— Revela Pregador!!! — gritava a Igreja.
— “PammbammmmmmmPammmmm” Ouvia-se o piano.
— Calma, alguém me agita por favor! — gritou o pregador.
— Ó glórias, tchicontrofibuates!!! — gritava a Igreja.
— Eu estou a pregar pra alguém aqui, que está a viver momentos de
fracassos, é careca, não consegue entrar na faculdade, é careca, não
consegue casar, é careca, vive perturbações, é careca, não encontra
emprego, é careca.

— Meu pai pregaaa!!! — gritava a igreja. — Só que cortaram careca a


Sansão, mas não cortaram a cabeça, KendeplassYayaMabrósókó. Eu sinto
que eu vou começar a pregar.

— Mas ele ainda não começou? — perguntou a Silepo a si mesma.


— Podem te cortar careca, ainda tem cabeça para crescer cabelo. —
disse o pregador.

— Profundo, Papa… — respondeu em coro a Igreja.


— Podes ter dificuldades, ainda tens um Deus que trabalha e opera,
podes ter problemas, ainda tens o mestre que acalma a tempestade.

— PammMbammmmPammtirimmbam. — ouvia-se o piano.


— Algumas carecas hoje vão crescer cabelo. Olha para o teu irmão e diz
«Hoje tem que crescer cabelo!!!»

— Hoje tem que crescer cabeloooo. — respondeu a Igreja.


— HeitaMantókeyBróssokóYa baba Ya baba!!!
É hoje KendeplasssAntepless. — falava o pregador outra vez em línguas
estranhas.

E neste instante a Silepo saiu…

85
— Quem dentre nós carrega a razão? Eu a pregadora da liberdade da
razão ou os pregadores da linguagem incompreensível? Tanto nós espíritos
livres quanto os pregadores da morte têm alguma razão.

— Sim. Há alguma razão para todo o propósito, aqui na terra e além


das
nuvens. — falava um dos que saia com ela da Igreja.

— Qual é o propósito daquele que vive para sempre com relação as


vicissitudes da existência? E quem dentre os filhos dos homens interfere no
meu monologar?

— Eu sou José o que vive Nele, por Ele e para Ele. O propósito daquele
que vive para sempre para nós é salvação e extinção do sofrimento. Quem é
você?

— Eu sou a Silepo e não sei onde vivo, não sei por quê vivo nem para
quem vivo. Sou uma peregrina em busca do sentido do meu existir. O filho do
Diabo uma vez me perguntou por qual razão existo e eu não o soube
responder.
— «Uma vida sem busca, é um navio sem leme» Disse uma vez um
Homem sábio.

— Eu tenho uma busca, busco o propósito da vida.


— Pois até encontrares, não és digna da vida que te sustenta.
— Quem és tu para te dignares a tamanho julgamento? Acaso a Lei da
montanha não o proíbe?

— Não a julgo, antes na verdade que me foi revelada a exorto para o


sentido da vida.

— Qual é este sentido da vida?

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José suspirou, olhou para o céu e em tom de poeta respondeu:
— Jesus o filho de Deus, é ele o sentido da vida... É ele o único
propósito
possível, todos os outros propósitos perecem no anoitecer da peregrinação
daquele que vive para sempre.

— O filho de Deus? Quando é que Deus teve um filho? Como pode


alguém que morreu ser o sentido da vida? Como posso buscar aquele que
nos abandonou a nossa própria sorte?

— ‘‘O Filho de Deus’’ Assim nos referimos para nos referir ao Deus
encarnado que revelou os mistérios dos céus e nos abençoou com todas as
bênçãos no espírito. Deus nunca nos abandonou... mesmo quando errados,
ele tomou o castigo para si. Deus morreu para que nunca mais nós os
homens vivêssemos no vazio existencial. Ele morreu, mas não está morto,
ressuscitou como pregavam os judeus. Subiu aos céus e aguarda o dia do
tempo do fim.

A caminhada deu à hospedaria onde estava a Silepo e parados na


estrada, José disse:
— Se hoje ouvires a voz do Senhor, não endureça o seu coração.
— Não ouvirei, pois, Deus não fala com os mortais.
— Silepo... acreditas que há um Deus que criou tudo?
— Acredito que há sim um ser superior, que criou tudo e abandonou
depois. Desde a criação nunca mais o homem viu ou ouviu Deus.

— Desde a criação, nunca mais o homem viu ou ouviu Deus, mas tem
sentido a sua presença e descodificando os seus sinais. Só alguns o sentem
porque só alguns confiam na fé. Deus se comunica sempre com os homens e
interfere segundo o propósito da criação. Ele não pode mudar o curso do

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mundo por este mesmo propósito, mas a aqueles que o aceitam, Ele
interfere e faz o seu milagre.

— Por quê só alguns afirmam senti-lo?


— Silepo... aqueles que não te solicitaram e nunca atravessaram o teu
caminho podem te sentir? Te ouvir ou tocar?

— Não.
— O mesmo para Deus, apenas os que o solicitam, chamam, e
atravessam o seu caminho o sentem. O mundo é dos homens e importa que
tudo aconteça segundo os homens, mas aqueles que vivem em Cristo são
protegidos pela Graça de Deus. Jesus disse: "Quem conhece tudo, mas está
desprovido em si, está absolutamente desprovido".

— Conhecer tudo é ter domínio do mundo e o mundo é digno de tudo


e
de todos, «Vós não sois do mundo como eu do mundo não sou» há sentido
nisso?

— Aquele que encontra a si mesmo, desta pessoa o mundo não é


digno.
‘‘Feliz aquele que existiu antes de existir...’’

— Está... agora eu preciso entrar.


— Queres ir comigo amanhã à praia?

Num tom envergonhado afirmou. Silepo se intimidara ante ao José,


não pelo debate, mas pela sua aparência e modo de articular o falar, Silepo
se encantara com José e este seguiu Silepo não para falar de Jesus, mas para
trocar um papo e pedindo o número de telefone a Silepo, separaram-se…
Silepo pensou em tudo o que tinham conversado «Encontrar a mim
mesma é o que preciso» — pensava.

88
***

AS PESSOAS, O MAR E O AMOR

No dia seguinte, antes do raiar do sol já estava José na receção da


hospedaria. Depois de chamar a Silepo com uma ligação puseram-se a
caminho…
— Tão cedo assim porquê?
— Eu quero mostrar uma coisa para você.
A brisa do amanhecer surrava seus rostos, o alaranjado do oriente em
concordância com o azul do céu declamava uma poesia de beleza. Silepo
olhava para o oriente onde nascia o sol...
José pegou na mão da silepo e levou-a até as águas.
— Está fria. — disse a Silepo.
— Este era o estado do meu coração antes de encontrar você.
— Que tipo de calor carrego eu? O que pode uma descoordenada
oferecer ao seu coração?

— O calor da paixão.
— Só me conheces a um dia e já estás apaixonado?
— O que é a paixão, Silepo?
— É uma atração física-psicológica dos animais.
— E esta atração segue um padrão de tempo, se sim, qual?
Neste instante Silepo deu um sorriso envergonhado, todos os rapazes

89
a ignoravam, primeiro pelo seu estilo e depois pelo seu falar...
— Não há padrão de tempo para isso. — falou a Silepo.
— Eu soube no momento em que a vi que estava ligado a você por
laço
qualquer, depois de conversarmos eu tive a certeza que é pelo da paixão. —
dizia José enquanto aproximava seus lábios aos da Silepo.

— Se estiveres enganado?
— Então prefiro viver no engano.
— Eu não moro aqui!
— Eu também não.
— Onde você mora?
— No Lubango.
— Eu também...
— Eu sei...
— Qual bairro?
— Cala a boca… — Sussurrou José enquanto envolvia Silepo em seus
beijos. Com aquela paisagem da arte natural, os pombinhos se beijavam
apaixonadamente.

Sem filosofia ou religião, eles decidiram dedicar aquele dia a eles,


matabicharam juntos, almoçaram juntos e jantaram juntos. Depois do jantar,
José acompanhou a Silepo até a hospedaria.

***

90
SÓ PODE SER VERDADE

Depois de uma semana, no Domingo último da sua estadia em Luanda,


José convidou Silepo para ir à Igreja. Silepo aceitou, ela gostava da
companhia de José…
O fundo do piano era sereno e agradável aos ouvidos, o monitor do
culto, um poeta que penetrava o coração com palavras maravilhosas.

O pregador falou:
— Todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus,
daqueles que são chamados segundo o seu propósito. Eu não sei o que você
sofreu, mas eu sei que isso também contribuiu para o seu bem, você
amadureceu e vai ser preciso muito trabalho para abalar você de novo,
quanto as cicatrizes, ou as feridas que ainda pulsam no coração o meu Deus
vai curar, ele é o melhor psicólogo que existe.

No mais profundo do seu ser a Silepo reviveu naquele instante a sua


vida, lembrou da mãe do quanto era devocional...
Nas palavras simples do pregador viajou ao convite de vida do
Salvador...
— Talvez você só esteja viva agora porque alguém suplicou a Deus por
você, talvez você perdeu quem mais amou porque seu propósito estivesse
consumado. Não existem acasos para aqueles que são chamados por Deus.

Silepo mergulhou em lágrimas e os soluços eram audíveis por toda a


congregação. José pegou na mão da Silepo e disse-lhe aos ouvidos:
— Não precisa carregar este fardo sozinha, você tem a mim agora...
melhor do que eu, você tem a Deus agora.

— Você não está só. — disse o pregador e continuou – Deus está com

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você, ele sempre te chamou! Ouça Jesus, ele está aqui. Levante você que está
sentado e dê agora um sentido para a tua vida, estabeleça um propósito para
a tua existência.

Uma irmã levantou, foi até ao altar e começou a cantar enquanto a banda
acompanhava:

Eu já passei no vale e até pensei que era o fim. A escuridão me


envolveu
Pois quando olhei, Eu nada vi
Amigo seu não encontrei, Então pensei em desistir, Mas quando eu ali
chorei
Ouvi alguém dizer assim. — neste instante toda a Igreja em coro
bradou o coro:

Eu estou pertinho e você não vê, Estou querendo abraçar você

Quero te ver outra vez sorrir


Mas você precisa me ouvir
Eu já mais deixei de te amparar
No colo agora vou te levar
Se você não me conheceu
Quem fala é o senhor teu Deus...

Eu sou o teu esconderijo tua fortaleza


Sou a tua segurança em qualquer peleja
Eu sou a luz que ilumina em meio a escuridão
Sou o teu General, farei de ti um campeão

92
Eu sou quem te fez a promessa pode descansar
Se preciso for nos braços vou te carregar
Tu és meu filho estou contigo em qualquer situação.
Te levo bem guardado na palma da minha mão.

Silepo não parava de chorar…


— Só pode ser verdade. — falava em seu coração.

FIM

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A Silepo partiu da ideia do pecado original, acredito que o pecado
original relatado nas mitologias religiosas seja o conhecimento, a
filosofia, a ciência, tal é que, do Umbundu Silepo é igual a "que
eu não coma" traduzido por mim em "pecado original".

Comecei a escrever num domingo após à santa missa, a homilia


baseada no Pentateuco excitou-me o cérebro e a reflexão sobre a
realidade foi inevitável. Cogitei documentar tudo o que pensara
(política, religião, filosofia, pedagogia), assim foi o processo da
criação do romance.

94
Sobre o autor

João Ramos D´Cassacili António, solteiro de 23 anos de


idade, nascido aos 27 de Março de 1999, natural de
Lubango, Município de Lubango, província da Huíla.
Ensino Médio na Especialidade de Português/Educação
Moral e Cívica feito no Magistério Secundário
‘‘Comandante Liberdade’’ – Lubango; Estudante de
Ensino da Filosofia no (Instituto Superior de Ciências da
Educação – ISCED, Huíla) Vice-secretário para os
assuntos literários do Movimento Vanguarda Huílana.
Autor da coletânea poética ‘‘Homilias da Reflexão’’.
Participou das Antologias Consequências de
Adversidade da Diversidade. É professor, poeta e
romancista, com 4 anos na barca literária, entretendo
amantes e apreciadores da arte de compor.

Não percam pela demora! Podem ficar descansados


que teremos mais pensamentos em forma de letras
deste homem das palavras, artista, escritor e poeta (se
preferir). E com certeza a Editora LITE estará por cá
novamente para facilitar a leitura e expansão dos
pensares de Ramos D´Cassacili. Até lá… leiam um e
sejam livres como a Silepo, talvez assim vocês achem o
que sempre vos faltou.

95
Sobre nós – EDITORA LITE

A Editora online, de livros digitais, a LITE, foi


fundada a 2 de novembro de 2021 por Aricson A. M. Batalha.

Hoje mais crescida e determinada a marcar o quadro literário


Angolano, caminhando a bom ritmo para conquistar os seus
objetivos de elevar o amor e incentivo à literatura nacional a
níveis colossais.
Hoje conta com os seguintes membros: Joana Tchapinga, Lídia
Santos, Josimar Anália, Simão Jeremias, Liunda Bento,
Fernanda Luís, Raiana Lage e Paulo Gavino.
A mesma surge para promover, ajudar e publicar as obras de
escritores em ativo e os que estão em anonimato…

Nos serviços da Editora, tem-se plasmados os de: Revisão,


Edição, Acabamento, Capa e Publicidade.
Tudo isto para documentos digitais, de formato PDF.

"Venha escrever a sua história na eternidade"


Visite-nos através de:
www.editoralite.blogspot.com

Capture o nosso código QR e seja direcionado ao site oficial da


nossa editora.

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Ainda temos para si:

Disponíveis para download livre e leitura online em:

www.editoralite.blogspot.com

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