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Belém-PA
2017
BEATRIZ GÓES CRUZ
Belém-PA
2017
BEATRIZ GÓES CRUZ
BANCA EXAMINADORA
__________________________________________
Prof.ª Dr.ª Rosa Maria de Souza Brasil – Universidade Federal do Pará
__________________________________________
Prof.ª Me. Lia Barile Carvalho da Silva – Universidade do Estado do Pará
__________________________________________
Prof. Me. Joaquim Maia de Lima – Universidade Federal do Pará
AGRADECIMENTOS
Os anos da graduação são difíceis, exaustivos. Foram longos quase cinco anos
de altos e baixos, perdas na família, conflitos e momentos que levaram bem próximo
do limite em que a desistência foi seriamente considerada. Por isso muito tenho a
agradecer a todos aqueles que estiveram ao meu lado esses anos, ajudando de
algum modo e possibilitando que esses anos também fossem de grandes
aprendizados e momentos de diversão e felicidade. Esses agradecimentos são para
aqueles que, à sua maneira, trouxeram cor mesmo nos dias mais complicados.
A Deus, primeiramente, por ter me dado forças para aguentar e por ter
colocado na minha vida as melhores pessoas para ficarem ao meu lado. Por todo e
qualquer aprendizado. Pela proteção toda vez que ia e voltava da UFPA. E até
mesmo pela beleza de cada parte da faculdade, em especial quando os ipês
florescem, e o tanto de passarinhos: ver isso sempre me deu mais paz.
À minha família, sempre, por ser esse núcleo de força e união revigorante, pelo
apoio constante. Mas nesse meio sou ainda mais grata a duas pessoas: meus pais.
Socorro Góes, mãe e pedagoga, que foi quem me ensinou a ler e escrever, me
inserindo nesse mundo das letras e incentivando sempre, inclusive ajudando em
muitos momentos da graduação e da vida, e muito em especial nas disciplinas
pedagógicas; meu pai, Irandi Cruz, pelos exemplos de superação e por sempre estar
por perto para estender a mão quando precisamos. Também àqueles que já se
foram, mas permanecem presentes em espírito e vivos no coração: meu avô Iran,
minha avó Zeza, e à minha tia Luzia Góes (que também foi profissional de Letras e
deixou seus livros, que muito me ajudaram na graduação). Obrigada por serem essa
fortaleza de amor e apoio, e por estarem sempre aqui por mim.
Aos amigos que já estão comigo desde o colégio e que, ainda que algumas
vezes fiquemos muito tempo sem nos falar, sei que sempre estarão ali com a
palavra certa e razões pra rir e força para lidar com todos os problemas: minha prima
e melhor amiga, Adriane Góes, sempre e sempre comigo, um laço de amizade
reforçado pelo sangue, mas que vai muito além dele; Amanda Alencar, outra melhor
amiga, uma “prima de coração”; Thamia El Souki, Andressa Melo, Manoela
Trindade, Enila Mergulhão, Maria Fernanda Fiedler: amigos que não importa o
tempo e a distância, sempre estão ali quando mais precisa. Amo todos vocês e
obrigada por fazerem parte da minha fortaleza.
Aos amigos que conheci na UFPA, graças ao curso, e que estiveram comigo
nas aulas mais exaustivas e nos trabalhos, nas tardes com almoços compartilhados,
passeios e exploração pela universidade dentro do ônibus circular, músicas
cantadas e gargalhadas compartilhadas pelos corredores, pelo ver-o-pesinho e na
Xerox: Jônatas Amaral, que é mais como um irmão mais velho, sempre de mão
estendida para ajudar, e com um coração gigante, e junto com Elaine Modesto,
Jéssica Castro, Maria Eloise Albuquerque, Ítala Nascimento e Breno Torres, passei e
dividi alguns dos melhores momentos do curso, pois até os trabalhos e aulas mais
cansativos se tornava mais leve com eles. Obrigada também ao André, da Xerox do
bloco de Letras, que se tornou um grande amigo e transformou aquela sala pequena
e laranja num dos melhores lugares para se passar o tempo e jogar conversa fora;
também ao Murilo Alberto, (grande amigo dos projetos de redação, grupo de estudos
e apoio moral durante o período do TCC), Kysa Melo e Mariza Soares. Obrigada de
todo coração a todos vocês.
Aos amigos que não vieram exatamente do curso, e nem da escola, mas que
chegaram à minha vida e também são de grande importância na fortaleza que me
mantém: Anaís Moraes, Neto Rodrigues (inclusive, obrigada pelo abstract), Lara
Nunes, Mariely Oliveira.
Obrigada à minha professora orientadora e amiga, Rosa Brasil, por todo
aprendizado e paciência, durante as manhãs nas aulas, e durante as tardes nos
projetos de redação e grupos de estudo de Bakhtin; obrigada por esses anos nos
projetos, pois foi durante essas tardes na UFPA, estudando Bakhtin em grupo e
aprendendo a corrigir redações do ENEM, que encontrei um caminho a seguir e um
modelo de professora que quero um dia alcançar.
Obrigada também aos demais professores que trouxeram grande aprendizado
na minha formação como futura profissional de Letras: professoras Lia Carvalho,
Márcia Goretti, Antônia Alves e aos professores Joaquim Maia e Silvio Holanda.
E por fim, obrigada também a todos que, mesmo não mencionados aqui,
torceram por mim e me apoiaram, ajudando de algum modo nessa jornada.
“(…) os seres humanos aprendem e
absorvem ideias através de narrativas, de
histórias e não de lições magistrais ou
discursos teóricos.”
(O Jogo do Anjo – Carlos Ruiz Zafón)
RESUMO
Não é raro escutar que “os jovens de hoje não sabem escrever direito e não tem
criatividade”, analisando-se algumas provas e exercícios de redação na escola e as
notas. Mas isso não é verdade. O que acontece muito nas escolas hoje em dia é
uma mecanização do processo de escrita, em que os alunos precisam produzir
tantas redações (isso quando têm aula de produção textual) e são avaliados muitas
vezes de forma superficial. Enquanto isso, muitos desses mesmos alunos produzem
narrativas denominadas fanfictions e publicam na internet, por livre vontade.
Considerando-se essas ocorrências, o objetivo desse trabalho é investigar uma
possibilidade de se trazer uma maior e mais maleável liberdade criativa para as
redações escolares ao mesmo tempo em que se trabalhe o senso crítico dos alunos.
Para tanto, a metodologia propõe uma sequência didática baseada nos conceitos
dialógicos de Bakhtin e sua perspectiva enunciativa, trabalhando dentro do estudo
de estrutura de gêneros discursivos, focando no conto, por meio de fanfictions, para
conseguir alcançar produções criativas.
INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 9
1. PERSPECTIVA ENUNCIATIVA E DIALOGISMO ................................................ 11
2. GÊNERO DISCURSIVO DA ORDEM DO NARRAR: O CONTO E AS
FANFICTIONS .......................................................................................................... 15
2.1. O GÊNERO DISCURSIVO ............................................................................. 15
Deste modo, o sujeito está repleto do discurso de outros, que formam o “eu”
desse sujeito. O discurso toma a expressão alheia e expressão do enunciado que a
acolhe. Ou seja, todo discurso possui dentro de si um emaranhado de outros
discursos. O dialogismo é a relação de sentido que estes estabelecem entre si para
formar o todo do “novo” enunciado. Para Bakhtin, a alteridade faz parte essencial
desse processo dialógico, pois o “outro” é fundamental, uma vez que é impossível,
nessa concepção interacionista, que haja um sem o outro. Assim,
Quando escolhemos as palavras no processo de construção de um
enunciado, nem de longe as tornamos sempre do sistema da língua em sua
forma neutra, lexicográfica. Costumamos tirá-las de outros enunciados
congêneres com o nosso, isto é, pelo tema, pela composição, pelo estilo;
consequentemente, selecionamos as palavras segundo a sua especificação
de gênero. O gênero do discurso não é uma forma da língua mas uma
forma típica do enunciado; como tal forma, o gênero inclui certa expressão
típica a ele inerente.” (BAKHTIN, 1992. p. 292-293)
outros textos, em especial quando se trabalha dentro dos textos escritos por jovens
que começam a dar seus primeiros passos dentro da escrita criativa, através,
principalmente, de fanfictions na internet.
2. GÊNERO DISCURSIVO DA ORDEM DO NARRAR: O
CONTO E AS FANFICTIONS
Mas antes de explorar melhor os dois gêneros, é preciso que se responda: por
que estes foram os escolhidos? Ambos, o conto e a fanfiction, permitem tratar de
diversas formas os mais variados temas dentro de uma estrutura mais “simples”,
como o conto; e as fanfictions trazem certa familiaridade aos jovens e, por isso, uma
facilidade maior de fazê-los interagir e se interessar pelo processo de construção
textual, sendo favorável ao seu desenvolvimento em questão de leitura, escrita e
criatividade, e também proporcionar a esses jovens uma atividade colaborativa com
os outros que se envolvem no projeto. Futuramente, esse processo pode ajudá-los
também a compor outros tipos de gêneros, ao aprender as etapas em que se dá o
processo da escrita.
2.2. O CONTO
Geralmente relacionam o conto a uma narrativa menor e mais concisa que o
romance e a novela, e não está equivocado, embora isso tenha mais a ver com
questões estruturais do que com a relação quantitativa de número de páginas ou
palavras. Enquanto que no romance a trama se pode enredar para outras tramas
secundárias, no conto isso não ocorre: há apenas um núcleo, um clímax, poucos
personagens – não muito aprofundados – e acontecimentos breves.
Essencialmente, é a definição que se encontra quando se busca por “conto” em
mecanismos simples de busca. Tal definição é corroborada por Massaud Moisés,
conhecido teórico literário, ao endossar:
Para bem compreender a unidade dramática que identifica o conto, é
preciso levar em conta que os seus ingredientes convergem para o mesmo
ponto. A existência de uma única ação, ou conflito, ou ainda de uma única
“história” ou “enredo”, está intimamente relacionada com a concentração de
efeitos e de pormenores: o conto aborrece as digressões, as divagações, os
excessos. Ao contrário: cada palavra ou frase há de ter sua razão de ser na
economia global da narrativa, a ponto de, em tese, não se poder substituí-la
ou alterá-la sem afetar o conjunto. Para tanto, os ingredientes narrativos
galvenizam-se numa única direção, ou seja, em torno de um único drama ou
ação. (MOISÉS.1982, p.41)
18
Uma vez tendo a noção básica – já que não é objetivo deste trabalho entrar em
detalhes minuciosos da construção literária neste momento – de como se estrutura o
conto, deve-se levar em consideração que este tem vários tipos. Dentre os mais
conhecidos estão: contos de fadas, contos de horror/terror, suspense, conto
maravilhoso, conto fantástico ou de fantasia, humorísticos, psicológicos,
sentimentais, policiais, de mistério, aventura e etc. No entanto,
Assim, o autor tem a seu dispor a liberdade criativa para moldar seus contos
como mais lhe aprouver, afinal a ficção possibilita uma infinidade de caminhos.
2.2.1. As fanfictions
Mas como exatamente são essas histórias? Félix (2008) compreende as fanfics
como um explícito exemplo do dialogismo bakhtiniano, já que as obras dos fãs vêm
a confirmar, refutar, complementar, retomar ou sugerir outras possibilidades aos
enunciados originais. Por isso, como dito acima, pode se tratar de qualquer coisa:
alguns apenas preenchem “buracos” que sentiram na narrativa original; imaginam
outro final para um filme/novela/série/livro; ou então rotas alternativas, como: “E se
tal personagem na verdade…?”. Há tantas outras que inserem seus personagens
favoritos em universos tão alternativos e destoantes do original, com personalidade
tão diferente, que se alterassem os nomes de tais personagens as histórias
poderiam se passar por completamente originais. Um exemplo mais concreto do que
pode acontecer dentro de uma fanfic: uma história de “Senhora”, do José de
Alencar, mesclada com a novela mexicana “A Madrasta”, misturando aspectos
20
1
Texto de autoria de “Loreh Rodrigues” (<https://fanfiction.com.br/u/513768/>) disponível em
<https://fanfiction.com.br/historia/585852/Em_Busca_de_Teu_Perdao>.
21
Figura 1: Página inicial do site Spirit. Foi diminuído o zoom da página e abaixado um pouco a página,
para que fosse possível visualizar onde se encontram as informações necessárias do site.
Figura 3: Subcategoria “Teen Wolf”, dentro da categoria “Séries, Novelas e TV”, com as opções de
histórias e filtros de busca.
De todo o modo, o
Por fim, um dos fatos mais incríveis que se encontram dentro dos sites de
fanfics é que boa parte de seus autores ou participantes de tais comunidades são
jovens ainda em idade escolar a partir dos 10 anos, (ou que começaram a participar
nessa faixa etária e que continuam mesmo adultos) e estes apresentam uma
23
Não há quem ainda não tenha feito, em seus anos de escola, alguma redação
em que se pedia que contasse o que fez durante as férias, ou algum assunto que
não exigia muito das habilidades inventivas. E então, após receber o texto de volta
do professor, só eram levados em consideração os aspectos linguísticos de ordem
ortográfica e gramatical. Além disso, muitas vezes (a significativa maioria) essas
redações produzidas em sala de aula não estabelecem um público-alvo, um objetivo,
função específica: é apenas um exercício, uma avaliação que tem como feedback
única e exclusivamente a caneta vermelha do professor, apontando os erros e
aferindo uma nota. E a motivação para a escrita? O estímulo?
Antunes (2003) ao refletir sobre a prática da aula do português faz algumas
constatações negativas ainda muito presentes nas escolas, fixando-se em quatro
campos: oralidade, escrita, leitura e gramática. Aqui, o enfoque está exclusivamente
na escrita, e entre os pontos destacados estão:
* a prática de uma escrita mecânica e periférica, centrada, inicialmente nas
habilidades motoras de produzir sinais gráficos e, mais adiante, na
memorização pura e simples de regras ortográficas: para muita gente, não
saber escrever ainda equivale a escrever com erros de ortografia […] * a
prática de uma escrita sem função, destituída de qualquer valor interacional,
sem autoria e sem recepção (apenas para “exercitar”), uma vez que, por
ela, não se estabelece a relação pretendida entre a linguagem e o mundo,
entre o autor e o leitor do texto […] *a prática, enfim, de uma escrita
improvisada, sem planejamento e sem revisão, na qual o que conta é,
prioritariamente, a tarefa de realizá-la, não importa “o que se diga” e o
“como se faz”. (ANTUNES, 2003, págs. 25-27)
Antes de tudo, o que seria uma escrita criativa? Na concepção geral, é uma
expressão usada para designar toda escrita literária, como contos, poemas,
romances, novelas, etc., distinguindo-se, assim, da escrita técnica ou jornalística. A
criatividade está diretamente ligada à “criar”, inventar, e também é associada à
imaginação. Mas, em sala de aula, como essa escrita criativa poderia se manifestar?
Primeiramente, e isso é quase óbvio, fazendo o oposto do que foi pontuado no
tópico anterior, isto é: empregar às propostas de redação um objetivo, uma
motivação e um destinatário/público-alvo. Em suma, trabalhar com o texto dentro do
gênero, trabalhar com sua funcionalidade. Afinal,
Quanto melhor dominarmos os gêneros, tanto mais livremente os
empregamos, tanto mais plena e nitidamente descobrimos neles a nossa
individualidade (onde isso é possível e necessário), refletimos de modo
mais flexível e sutil a situação singular da comunicação; em suma,
realizamos de modo mais acabado o nosso livre projeto de discurso.
(BAKHTIN, 1992, p.285)
Assim, o trabalho com gênero se faz essencial, pois é o que dará a estrutura e
direcionamento necessários ao texto. É parte importante do processo da produção
entender por que e para quem se está escrevendo. Para alcançar a escrita dita
criativa, é imprescindível que o processo de produção seja mais crítico e reflexivo:
não basta simplesmente passar uma proposta “inovadora”, e negligenciar o
processo da construção textual, delegando tudo para a “criatividade” do aluno.
Para Giglio (1996) os critérios para a produção do texto criativo atentam para o
processo e não apenas para o resultado, e alguns desses critérios seriam
justamente: o conhecimento e uso da linguagem formal, saber ler e entender o texto
dentro do contexto em que se apresenta, conhecer sobre o que se vai escrever,
possuir e aumentar o repertório de informações, e ter motivação. Além disso,
enfatiza o papel do professor, que também precisa ser criativo. Afinal, como exigir
que os alunos sejam criativos se o próprio mestre não mostra como e não assume
tal atitude?
Voltando a Bereiter e Scardamalia (1987 apud SILVA, 2014), a escrita dita
“madura” seria então aquela que possui a reprodução de conhecimento já como
parte de um complexo processo de solução de problemas, em que o autor
constantemente faz escolhas conscientes no que tange ao conteúdo, retórica, léxico
e resoluções de problemas. No caso da narrativa, que é nosso enfoque aqui, seria
27
4.1 OS MÓDULOS
2
Em anexo.
30
pouco maior que o costume (uma lauda e meia no máximo). Será com base nos
resultados dessa primeira produção que os módulos seguintes irão trabalhar,
avaliando em que aspectos os alunos apresentaram mais dificuldades, e irão se
adaptar de acordo com a necessidade de cada turma.
Módulo 01: no qual se busca estudar passo a passo a estrutura e elementos
do gênero conto. Após ler a primeira produção escrita dos alunos, pontuando e
avaliando quais as maiores dificuldades que apresentaram, seja no aspecto
linguístico, seja no estrutural, assim como os pontos positivos – e é importante
apontar as falhas como “aspectos a serem melhorados”, com alguma sugestão de
como fazê-lo, em vez de apenas indicar os erros; isso aumenta a receptividade
deles, uma vez que verão uma forma mais concreta para melhoria.
Nesse módulo, entretanto, o objetivo é centrar na estrutura do gênero narrativo
conto, então, por algumas aulas vão centrar em cada parte que constitui a narração:
apresentação, complicação, clímax e desfecho. Quando estiver trabalhando com
uma parte, centrar apenas nesta: ler e analisar em outros contos (nos que já havia
lido antes com eles, mas também novos exemplos) como tal parte se desenvolve,
quais os conectores que o autor usa, assim como os “ganchos” que levam para o
outro momento e que prendem a atenção do leitor. É importante que eles tenham
noções das partes que constituem o texto, mas sem nunca perder de vista o todo
que elas compõem e que cada trecho analisado ali está seguindo um objetivo para
formar a mensagem completa desse todo.
Assim, ao se dar por concluída cada uma dessas partes, propor que eles
construam ao menos um parágrafo – mas frisando que não deve ser apenas algo
aleatório: vão ter que seguir o que começaram na parte de “apresentação”, pois
mesmo que essa produção seja fragmentada, terão que ter em mente ao menos a
ideia do “todo” que querem alcançar. No final, ao transcrever os parágrafos para
outra folha, poderão retificar e dar uma revisada antes de entregarem a folha. A
segunda produção é, portanto, a junção dessas partes.
Módulo 02: no qual se busca aguçar o senso crítico em suas próprias
produções. Seguir na segunda produção o mesmo modelo de correção dialógica que
usada na anterior. É necessário mencionar que a pontuação aferida nas produções
segue a tabela distribuída anteriormente, na apresentação da sequência (e que se
baseia na tabela de competências do ENEM, com devidas adaptações, e que pode
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ser ainda mais simplificada de acordo com o ano/turma), deixando às claras como
se dá a correção.
A proposta dessa vez será um pouco mais dinâmica e até mesmo lúdica, em
sua primeira parte: formando grupos, serão dispostas tantas “ideias” de acordo com
o número grupos. Tais ideias consistem num “combo” de duas imagens ligadas por
uma espécie de palavra-chave, e cada “combo” será sorteado entre os grupos. Há
duas maneiras que se pode proceder a partir de ter as ideias devidamente
distribuídas: a primeira é que cada grupo irá escrever só a parte inicial da ideia que
recebeu e então passará para o outro, numa ordem em sentido horário ou estipulada
pelo professor (dando números aos grupos, talvez), de modo que cada um terá que
dar continuidade às histórias, deduzindo o que pode acontecer no enredo a partir do
que recebeu. Nesse primeiro estilo, os textos produzidos num processo totalmente
colaborativo e até mesmo intuitivo e como numa gincana, não serão pertencentes a
apenas um grupo específico, mas à turma inteira. Do segundo modo, caso não seja
possível o primeiro, por qualquer motivo que seja (desde preferências pessoais até
por muitos alunos na turma, impossibilitando uma boa dinâmica na atividade), essa
construção pode se dar apenas entre os alunos dentro do grupo, cada um
produzindo uma parte da história, depois de entrarem em comum acordo sobre o
todo do enredo. No segundo caso, o processo pode ser tão interessante quanto, e
talvez mais organizado.
A segunda parte da atividade é a qual realmente se propõe o módulo: a
revisão. Se a escola possuir os recursos de data show, seria interessante digitar as
redações para “corrigi-las” e comentá-las diante da turma. E então entraria em
questão tanto os aspectos estruturais do gênero, da construção do enredo, quanto
os lexicais: gramaticais, ortográficos, coesão, coerência e até mesmo estilo,
contemplando cada competência da tabela usada para a avaliação em sala, pondo
em evidencia os pontos altos e mostrando em que aspectos se pode melhorar nas
falhas apresentadas. Desse modo, os alunos vão ter a chance de estudar de modo
mais aplicado as regras da norma culta da língua, em um texto produzido por eles
mesmos e dentro de um contexto. Outra alternativa, caso a escola ou professor não
possuam recursos de multimídia disponível em sala de aula, seria (ainda tendo as
redações digitadas, para facilitar leitura) imprimir as redações, que não seriam
tantas, e bater cópia para os alunos e ir lendo pelo papel, e eles acompanhando com
suas cópias.
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necessita de que terminem nesse ambiente, ao contrário das outras produções. Eles
têm um limite maior de espaço para escrita do que as outras atividades também, já
que esse texto será digitado e publicado. Ajudá-los com a revisão e correção, mas
sendo mais no campo da sugestão ou quando pedirem ajuda, tentar não interferir
tanto e ver como se saem sozinhos. Se a escola possuir uma sala de informática em
funcionamento, levá-los até lá para que digitem seus textos de acordo com a versão
revisada e reescrita final.
Esse trabalho também pode servir de mote para introduzi-los em outros
gêneros posteriormente: resenha dos textos dos colegas, divulgação das histórias
em redes sociais, sinopse, críticas (construtivas) nos textos dos colegas através do
mecanismo de comentários. As outras produções feitas em sala, caso revisem,
também podem ser publicadas.
Esta sequência é apenas uma sugestão de como se trabalhar a escrita criativa
mesclando as fanfictions, com as quais a maioria dos jovens é familiarizada, em sala
de aula e também trazendo o ensino dos aspectos formais da língua de forma
aplicada. E como dito no começo, pode ser adaptada conforme o necessário de
acordo com os propósitos e objetivos desejados.
Assim, o que se busca mostrar no resultado final das produções é que o
importante não é minar os alunos com tantas redações, não é isso que os fará
escrever melhor; e sim, uma revisão eficiente e colaborativa com o professor, que
mostre o quê e como melhorar em vez de apontar erros, motivação e alguma
liberdade de trabalhar sobre aquilo que demonstram interesses. O momento de
produção textual não precisa e nem deve ser uma hora de “tortura”. Embora seja
mais trabalhoso, e deixar as coisas como estão seja o mais “fácil”, ninguém ganha
com isso: o aluno que não aprende, e o professor, que fica abarrotado de textos
para corrigir e às vezes precisa lutar para prender a atenção desses alunos. Então,
trabalhar em cima daquilo que eles têm interesse costuma ser o melhor caminho
para trazê-los para mais perto e alcançar a competência comunicativa almejada.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao contrário do que alguns podem pensar, as fanfictions não são um gênero
novo, com a internet se popularizaram e ganharam mais espaço, fazendo parte da
vida de muitos que tiveram seu primeiro contato com a escrita criativa através dela.
Sendo um gênero que permite tanta maleabilidade, abrangendo estruturas que vão
deste o conto até romances, e tendo tanto apelo entre os jovens, é imprescindível se
pensar em estratégias que tragam essa “nova forma” de escrever para dentro da
sala de aula, e abandonar velhas práticas de trabalho com texto que já demonstram
estar mais que ultrapassadas e ineficientes.
Esse trabalho se propôs a investigar a possibilidade de trazer para a escola
aulas de redação em que seja trabalhado tanto o senso crítico dos alunos, quanto
sua criatividade, enquanto lhes dá certa liberdade para produzir. Esta sequência se
baseou, essencialmente, na teoria enunciativa e dialógica bakhtiniana, afinal, a
comunicação se dá pelos enunciados, que são dialógicos, ideológicos, e se
manifestam pelos gêneros discursivos, com uma intenção comunicativa em uma
situação específica. Assim, a sequência didática tem como base o dialogismo para o
aprendizado dos alunos, trazendo para isso a fanfiction, constitutivamente dialógica,
e também as correções propostas por Ruiz (1998). As fanfictions abrem espaço para
o trabalho com outros gêneros, que podem ser continuados através de outras
sequências didáticas ao longo do ano, o importante é que haja um trabalho crítico e
uma intenção maior do que apenas avaliações bimestrais: uma intenção
comunicativa e social, algo que os alunos possam aplicar e ver na prática como
funciona, no “mundo real”, um trabalho que não se restrinja à sala de aula.
Há certamente muitas maneiras de se trabalhar escrita criativa, afinal a
proposta é trabalhar com a criatividade, e aqui foi proposto desenvolver o senso
crítico quanto o criativo lúdico, pois assim a formação e capacidade de
desenvolvimento textual dos alunos serão mais bem incentivadas. No entanto, pelo
tempo reduzido, ainda não houve possibilidade para se aplicar a sequência e colher
seus resultados: o que é de fato aplicável em sala de aula e que aspectos podem
ser melhorados para aumentar o alcance de alunos e seu desenvolvimento. Há
sempre algo que pode ser aperfeiçoado e, em busca dessa constante melhora que
se vai desenvolvendo meios de aprendizagem mais eficientes.
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