Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Karen White
Karen White descobriu que seria escritora depois de ler o romance... “E o Vento Levou”
quando estava no colégio. Seu primeiro romance foi publicado em agosto de 2002. Quando não está
escrevendo, Karen dedica o tempo livre a seu hobby preferido: tocar piano.
2
Depois da Chuva Karen White
Capítulo I
As marés têm fases, assim como a lua. Com uma infalível constância, o verão se
encerra e dá lugar ao outono em um ciclo contínuo e inesgotável. Sim, tudo muda e se
renova, e essa era a única verdade na qual acreditava, Suzanne refletiu enquanto
observava a paisagem desfilando diante dos olhos, através da janela.
Sonolenta, tateou o rosto, contornando os lábios e detendo-se no nariz. Assim
como os fenômenos da natureza, ela também estava destinada a mudar. Porém, mesmo
depois de aplicar uma tintura ruiva nos longos cabelos castanho-dourados e percorrer
centenas de quilômetros, a sensação de vazio que inundava sua alma insistia em
acompanhá-la. Apenas a aparência havia mudado, pensou com um sorriso amargo.
Os solavancos do ônibus na estrada deserta despertaram-na por completo,
tirando-a de seus devaneios. Endireitando-se na poltrona, agitou os cabelos e esticou
os braços, sentindo os músculos doloridos das costas.
A lua crescente no céu límpido parecia sorrir, e ela tocou o vidro, como se
pudesse trazê-la para mais perto. O sorriso de tristeza em seu rosto.
Deus, murmurou ao se lembrar das palavras da mãe. Com um gesto involuntário,
procurou pelo pingente em forma de coração preso à gargantilha escondida sob a blusa
e acariciou-o com a ponta dos dedos.
O ônibus reduziu a marcha ao se aproximar de uma placa à margem da estrada,
e os faróis iluminaram a inscrição em letras desbotadas pelo tempo: Bem-vindo a
Walton, onde todos são alguém.
Que tipo de cidade seria aquela? Curiosa, espichou o pescoço para observar um
pequeno quiosque à beira da estrada. Além de uma picape de cabine dupla estacionada
no acostamento e de duas pessoas esperando pelo ônibus, não havia o menor sinal de
vida por ali.
Assim que pararam, uma senhora de cabelos avermelhados presos no alto da
cabeça como um halo, emergiu do fundo do veículo e passou quase correndo pelo
corredor.
Suzanne ouviu o ruído do compartimento de bagagem sendo aberto, seguido por
uma exclamação de alegria da senhora que acabara de descer. Na certa, ela saudava
alguém que estava à sua espera, concluiu ao ouvir a voz grave e profunda responder ao
cumprimento. O sotaque carregado do sul a fez imaginar um homem forte e vigoroso.
3
Depois da Chuva Karen White
Por sorte, ela própria não possuía sotaque algum que revelasse sua procedência, pensou
com alívio.
Enquanto o motorista retirava a bagagem da passageira, Suzanne permaneceu
atenta aos fragmentos de conversa que ouvia. O ritmo melodioso e suave da voz
feminina era entrecortado de tempos em tempos por comentários lacônicos do homem,
que parecia estar com pressa.
Por alguma estranha razão, o timbre profundo e firme a aqueceu como uma
suave carícia. Suzanne se inquietou diante do inesperado efeito que um desconhecido
provocara em sua imaginação. Sem conter a curiosidade, deslizou para a ponta do
banco para tentar ver o dono daquela voz.
Um homem alto, de costas para ela, segurava uma imensa mala com a mão direita
enquanto agitava as chaves do carro com a outra mão. Os ombros largos e a compleição
atlética e vigorosa confirmaram a imagem que fizera ao ouvir a voz. Por um breve
instante, vislumbrou o perfil másculo quando ele se voltou para cumprimentar outro
passageiro que acabara de descer, e se afundou rapidamente na poltrona, receando
ser vista.
A silhueta imponente daquele homem ficou gravada em sua retina por alguns
segundos, como uma fotografia. Embora não pudesse ver claramente os traços do
rosto, não havia dúvida de que era bonito. Aparentava ter pouco mais de trinta e cinco
anos e tinha cabelos castanho-escuros e fartos, que lhe emprestavam certa
displicência.
Suzanne franziu o cenho ao observar que usava camisa muito amarrotada que
parecia ter acabado de ser retirada do varal e que a calça de brim marrom exibia uma
mancha úmida na região do joelho. Porém, esses pequenos detalhes não ofuscavam a
virilidade e a força que pareciam envolvê-lo como uma aura.
Um súbito calor a invadiu e sentiu o rosto se tingir de vermelho ao confessar
para si mesma que a simples visão daquele desconhecido a aquecia e excitava. Com um
gesto inconsciente que sempre a acompanhava em momentos de tensão, puxou a
corrente escondida sob a blusa e acariciou o pingente. Seus dedos percorreram a
inscrição em relevo no verso do pequeno coração: Uma vida sem chuva é como um sol
sem sombra. Joalheria R. Michael, Walton.
Walton... O nome dançava em seu pensamento como se estivesse sendo movido
pela mão invisível de sua mãe. Girando o corpo, procurou pela placa no acostamento
para se certificar de que a lera corretamente.
4
Depois da Chuva Karen White
Sim, era o mesmo nome... Mas não era provável que fosse a mesma cidade da
inscrição no pingente, pensou. Seria quase impossível que a mulher que lhe dera o
presente conhecesse um vilarejo como aquele.
Pensativa, voltou-se para a estrada e seu olhar foi atraído pelas luzes de um
farol se aproximando. De súbito, uma mancha escura no meio da pista chamou sua
atenção. Estreitou os olhos e reconheceu um guaxinim, que parecia estar paralisado
pela luz. Aflita, estendeu as mãos para o vidro como se pudesse protegê-lo, no mesmo
instante em que o carro passava em alta velocidade.
— Não! — balbuciou, fechando os olhos para o inevitável.
Quando o ronco do motor perdeu-se no silêncio da noite, reuniu toda coragem
que pôde e abriu os olhos com cuidado. O pequeno animal permanecia lá, intacto,
enrolado sobre o corpo como uma pequena bola de pêlos castanhos. Parecia não estar
machucado, mas continuava exposto ao perigo. Na certa, estava tão apavorado que não
conseguia se mover, concluiu com uma ponta de tristeza, identificando-se com o
indefeso animal.
De súbito, levantou-se e anunciou em voz alta para ninguém em particular: —
Vou descer aqui.
O motorista do ônibus estava parado à porta, em uma conversa animada com
uma bela jovem, e voltou-se para Suzanne ao vê-la descer os degraus e sair.
— Ei, moça! — chamou, olhando para o relógio de pulso — Vamos partir em cinco
minutos.
— Decidi ficar nesta cidade — anunciou ela, ajeitando a alça da bolsa nos
ombros.
— Mas sua passagem lhe dá direito de chegar até Atlanta! Se parar aqui, você
não poderá usá-la novamente.
— Sim, eu sei. — Suzanne olhou ao redor e meneou a cabeça. — Acabei de mudar
de planos.
Enquanto sua bagagem era retirada do compartimento, avistou duas pessoas
conversando a poucos passos dali. Reconheceu a senhora de cabelos ruivos e o rapaz
alto cuja voz a perturbara.
Ao observá-lo com mais atenção, suspeitou que ele dormira com aquela roupa, a
julgar pelos vincos do tecido. Percebeu a presença de uma caneta no bolso da camisa e
subiu o olhar para o rosto, sendo surpreendida pelos olhos castanhos cravados em seu
peito.
5
Depois da Chuva Karen White
6
Depois da Chuva Karen White
7
Depois da Chuva Karen White
8
Depois da Chuva Karen White
9
Depois da Chuva Karen White
10
Depois da Chuva Karen White
11
Depois da Chuva Karen White
12
Depois da Chuva Karen White
Capítulo II
Suzanne seguiu imóvel como uma pedra durante o trajeto silencioso, quebrado
apenas pelo som da respiração ritmada do bebê profundamente adormecido. Se
pudesse, ela própria deixaria de respirar para não correr o risco de se encostar ao
homem a seu lado, cuja expressão fechada não deixava dúvida de que não era bem-
vinda.
De súbito, uma nuvem de perfume adocicado irritou suas narinas, fazendo-a
espirrar. Sete vozes gritaram "saúde" em coro, e Joe permaneceu mudo, com olhar
fixo na estrada.
— Sou Lucinda Madison. — A simpática senhora fez uma pausa, esperando que
se apresentasse.
— Prazer em conhecê-la. Meu nome é Suzanne — disse com relutância.
— Suzanne... — Lucinda pestanejou, fazendo com que os cílios postiços se
agitassem como pequenas borboletas. — É um lindo nome. E qual é seu sobrenome?
— Suzanne L...
Calou-se de súbito, horrorizada com o nome que quase escapara de seus lábios.
Aflita, decidiu que precisava inventar um sobrenome que protegesse sua identidade.
Então, uma imagem fugaz passou por sua mente tão rapidamente quanto a paisagem
que ficava para trás.
13
Depois da Chuva Karen White
14
Depois da Chuva Karen White
Suzanne fez uma longa pausa enquanto pensava sobre o que dizer, notando o
interesse velado de Joe Então, decidiu que não seria comprometedor se revelasse uma
parte da verdade. Afinal, que mal poderia haver se soubessem que a pequena fortuna
que trazia consigo provinha da venda de seu valioso equipamento?
— Vendi quase tudo. Mantive apenas minha câmera Hasselblade e algumas
lentes. Mas não estou aqui a trabalho.
— Você tem uma Hasselblade? Uau! Só vi uma dessas em revistas
especializadas. É uma câmera grande angular, não é?
Suzanne sorriu, impressionada com o conhecimento daquela adolescente.
— Sim. Ela é meu orgulho.
— Puxa, eu daria tudo para ter uma!
— E por que precisou vender seu equipamento? — Uma voz infantil soou do
banco detrás.
Inclinando ainda mais o corpo, Suzanne deparou com a garotinha encantadora
que sorria para ela sem um dos dentes da frente. Os cabelos ruivos caíam em cachos
bem definidos sobre os ombros e o pequeno nariz coberto por sardas discretas em-
prestava-lhe um encanto especial. Não pôde definir a cor dos olhos, mas notou que
eram vivos e expressivos, com um brilho divertido.
— Qual é seu nome? — indagou curiosa.
— Knoxie. Eu tenho oito anos de idade e já estou na terceira série. A sra.
McRae disse que sou a melhor aluna da classe, mas meu pai não acredita. Ele me obriga
a fazer os deveres de casa bem na hora do meu desenho favorito na televisão!
Suzanne não pôde deixar de rir diante da denúncia acompanhada por um olhar
de censura dirigido ao pai, que grunhiu alguma coisa incompreensível como resposta.
— Mocinha, acho que você se esqueceu das boas maneiras enquanto estive fora
— Lucinda advertiu. — Peça desculpas a srta. Paris por ter sido tão indiscreta.
— Desculpe, senhorita — Murmurou, recostando-se no assento.
Joe, sem tirar os olhos da estrada, pediu:
— Por favor, srta. Paris coloque o cinto de segurança. Embora possa parecer
surpreendente para a senhorita, há algumas leis neste Estado e não tenho intenção de
infringi-las.
Ela obedeceu, contendo-se para não retrucar. Que arrogante! Recriminou-o
secretamente. Joe Warner parecia ser o tipo de homem que jamais admitia ser
contrariado.
15
Depois da Chuva Karen White
16
Depois da Chuva Karen White
17
Depois da Chuva Karen White
18
Depois da Chuva Karen White
vir para cá quando minha sobrinha está fora da cidade, e dedica todo seu tempo livre a
reformá-la. Ele diz que não se pode confiar nos pedreiros de hoje em dia, mas isso é
bobagem! A verdade é que gosta de trabalhos manuais.
— Tem certeza de que posso mesmo ficar aqui? — perguntou a Joe.
Ao abrir a boca para dar uma resposta hostil, ele deparou com a expectativa no
belo rosto e se calou. Aquela jovem parecia maravilhada com a possibilidade de ficar
naquele sobrado e a alegria quase inocente que transbordava dos olhos arregalados o
desarmou. Já vira aquela mesma expressão no rosto de Maddie, ao ganhar sua primeira
câmera fotográfica da mãe.
— Sim, tenho certeza — Afirmou convicto. — Como já sabe, não há hotéis na
cidade. Avisei meu amigo de que não será por muito tempo, já que você está de
passagem pela cidade.
— Eu posso pagar — anunciou com orgulho.
— Converse com Sam sobre o aluguel — Avisou, caminhando em direção à caixa
de correio ao lado do portão. — Ele deve passar por aqui amanhã cedo.
Logo que voltou com as chaves, Lucinda entrou, acendeu as luzes e subiu para o
segundo andar, deixando-os a sós. Suzanne olhou ao redor, encantada com a espaçosa
sala de estar, que ainda conservava alguns móveis cobertos com lençóis. Um cheiro de
tinta fresca preenchia o ambiente e reparou que os rodapés de madeira estavam
sendo trocados.
De súbito, um estranho som vindo do jardim a assustou. Parecia um lamento
agoniado, em tom gutural. Apavorada, segurou no braço de Joe para se proteger.
O toque fez a pele dele se arrepiar e ele se afastou de súbito, forçando-se a
manter a neutralidade.
— Não se preocupe, é apenas uma rã. — E depositou a mochila no sofá. — Você
nunca deve ter visto algo assim no lugar de onde vem.
— Não, nunca vi.
Suzanne se afastou, procurando voltar a atenção para a arquitetura primorosa
da casa. A sala de estar não possuía móveis e estava repleta de caixas de papelão
lacradas. Respirou com alívio ao chegar à cozinha ampla e impecavelmente limpa. Pos-
suía uma pia de mármore branco que ocupava toda a parede envidraçada no lado oposto
à porta pela qual acabara de entrar. Estava equipada com uma geladeira antiga e um
fogão de seis bocas. Aproximou-se para observá-lo melhor, concluindo que se tratava
de uma relíquia, o revestimento de ágata branca estava intacto, assim como a pintura
de flores e frutas em relevo que decorava a tampa do forno. Através do vidro das
19
Depois da Chuva Karen White
janelas pôde ver um encantador quintal com árvores frutíferas, uma pequena horta e
uma garagem.
Suzanne meneou a cabeça, satisfeita. O piso e os azulejos de ladrilhos
hidráulicos deviam datar da construção do imóvel e denotavam o bom gosto de quem
construíra aquela casa. A mesa de madeira maciça mostrava marcas e ranhuras no
tampo, revelando os anos de uso, e seis cadeiras de palhinha dispostas ao redor
completavam o conjunto. Uma imensa peça de madeira que ela vira apenas em
antiquados ocupava uma das paredes. Estava quase vazia, com exceção de alguns copos
e pratos.
Suzanne ficou tão fascinada com o que encontrou que não percebeu a presença
de Joe, observando-a em silêncio.
— E, então, o que achou de seu novo lar?
Com um sobressalto, voltou-se para fitá-lo.
— Oh, é maravilhoso! Nunca vi uma cozinha tão bonita! — Abaixou os olhos,
constrangida. — Espero que seu amigo não esteja pensando em reformá-la.
— Sam já restaurou alguns azulejos e parte do piso. Ele pretende fazer um
trabalho de preservação, e não uma reforma.
— Isso é ótimo — Murmurou, começando a simpatizar com aquele desconhecido
que demonstrava tamanha sensibilidade.
Colocou uma mecha de cabelos por detrás da orelha e só então Joe percebeu as
raízes castanho-douradas destacando-se dos fios ruivos. Mas... O que era aquilo?
Aproximou-se um passo, e Suzanne sentiu o sangue congelar nas veias ao vê-lo
estender a mão para tocá-la.
— Sinto muito, srta. Paris... Há um pirulito preso em seus cabelos. —
Constrangido, apanhou-o com um movimento rápido. — Deve ser de Harry. Acho que
ficou preso aí quando você o pegou no colo.
— Não se preocupe, está tudo bem — Tranqüilizou-o, mal contendo o riso ao ver
a expressão mortificada no belo semblante. — Felizmente não há nenhuma lei que puna
criancinhas que perdem o pirulito nos cabelos de desconhecidos...
Joe fitou-a por um segundo e então, para surpresa de Suzanne, inclinou a
cabeça para trás e riu com vontade.
— Por que está fazendo isso, sr. Warner? — Indagou abruptamente.
— Bem, achei engraçado quando você disse que...
20
Depois da Chuva Karen White
21
Depois da Chuva Karen White
Capítulo III
22
Depois da Chuva Karen White
era o responsável pelo alarido que a acordara. Viu quando o cão saltou para o chão com
uma agilidade admirável e correu para o gramado como se perseguisse a própria
exuberância da vida.
Calçou os sapatos e trocou de camiseta, penteando os longos cabelos com os
dedos enquanto descia a escada. Na certa, a picape e o cachorro pertenciam ao dono
da casa, refletiu.
Ao abrir a porta de súbito, surpreendeu o homem do outro lado no exato
instante em que erguia a mão para bater.
— Bom dia! — Saudou-a com um sorriso amistoso. Suzanne fitou-o por alguns
segundos, sem deixar de notar os olhos azuis, o corpo atlético e a estatura alta. De
uma coisa estava certa: se todos os homens de Walton fossem parecidos com os dois
que já conhecera, seria difícil deixar aquela cidade!
— Sou Sam Parker, e você deve ser a srta. Suzanne Paris — Prosseguiu,
estendendo a mão para cumprimentá-la. — Joe disse que está interessada em alugar a
casa.
— É verdade. — Cumprimentou-o e fez um gesto para que entrasse, fechando a
porta atrás de si. — Se você concordar, prometo que não vai nem perceber que estou
aqui. Pretendo ficar apenas...
A frase morreu em seus lábios ao perceber o olhar indiscreto para seus seios.
Em um gesto de defesa, cruzou os braços e retraiu os ombros.
— Onde conseguiu esse pingente? — Indagou ele, surpreso.
— Ganhei de minha mãe quando tinha catorze anos — Respondeu em tom frio,
escondendo-o sob a camiseta. — Como ia dizendo, gostaria de alugar sua casa por um
breve período. Posso pagar adiantado, em dinheiro.
— Sua mãe era dessa região? Você me parece familiar... Suzanne franziu o
cenho, intrigada. Joe Warner demonstrara o mesmo interesse por aquela peça... Por
que um pingente aparentemente comum despertaria tanta consideração?
— Desculpe a indiscrição, srta. Paris — Disse embaraçado — Não pretendia
constrangê-la.
A voz tinha o ritmo lento e melodioso característico do sotaque sulista, o
mesmo que tanto a perturbara na noite anterior enquanto estava no interior do
ônibus... Passou os dedos pelos cabelos, tentando apagar a lembrança.
— Minha mãe com certeza não era dessa região. Quanto ao aluguel...
Sam enfiou as mãos nos bolsos da calça, refletindo por alguns segundos. Os
olhos brilhantes e expressivos pareciam ter a capacidade de adivinhar todos os seus
23
Depois da Chuva Karen White
24
Depois da Chuva Karen White
— Tudo é uma questão de costume. Como todas as coisas, precisamos apenas nos
acostumar para descobrirmos que não podemos mais viver sem elas. Acredite, isso
aconteceu comigo.
— Você está se referindo a cachorros ou a crianças?
— A ambos. Não há muita diferença entre os dois depois que passa a conhecê-
los.
Com um gesto decidido, colocou Max para fora. Ao ouvir os ganidos
inconformados, Sam começou a rir e o bom humor contagiou Suzanne.
— Bem, preciso ir. Avise-me se precisar de alguma coisa. Aqui está meu cartão.
— Obrigada, sr. Parker — Suzanne apanhou o cartão das mãos dele.
— Eu soube que tia Lucinda vai levá-la às compras. Esteja preparada para
renovar seu estoque de maquiagem e perfume! — Ele tocou a aba de um chapéu
invisível e abriu a porta, para alegria de Max — Vamos embora, parceiro! — Afagou o
pêlo macio do cão — Diga adeus para a srta. Paris.
Como se houvesse compreendido as palavras, Max despediu-se com um latido e
correu para a calçada.
Um sorriso involuntário curvou os lábios de Suzanne. O afeto e o respeito mútuo
entre eles eram dignos de admiração. Quem sabe, um dia, também pudesse ter um
cachorro? Refletiu ao descer os degraus da varanda.
Respirou o ar puro da manhã, sentindo-se mais relaxada. Não esperava que
fosse tão fácil alugar aquela casa adorável! A atitude de Sam Parker a sensibilizara.
Afinal, confiara em uma desconhecida e firmara um contrato sem exigir referência
alguma!
Talvez precisasse rever alguns de seus conceitos, pensou. Aprendera, ao longo
da vida, a não confiar em ninguém, porém existia um mundo para além da redoma de
vidro com a qual tentava se proteger, e nele existiam pessoas boas e generosas... Como
os habitantes daquele pacato vilarejo, que pareciam desconhecer o mal.
Com um suspiro de satisfação, recostou-se na caixa de correio ao lado do portão
para admirar a casa à luz do dia.
A cerca de madeira cuidadosamente pintada de branco, os canteiros de rosas
em flor, a cadeira de balanço na varanda, o canto dos pássaros festejando a liberdade
de cruzar o céu azul... Aquela era a casa de seus sonhos! E seria só dela, ao menos por
um tempo.
O sorriso permaneceu em seus lábios quando foi para o quarto, decidida a
desfazer as malas. Naquela noite, pretendia dormir sob os lençóis...
25
Depois da Chuva Karen White
Quando Joe chegou ao Café Dixie Diner, Sam já o esperava com duas xícaras de
café fumegante. Desde que o amigo concluíra o curso de medicina e voltara para
Walton, haviam se habituado a compartilhar diariamente a primeira refeição do dia.
— Bom dia — Murmurou, sentando-se à mesa.
— O que houve com você? — Sam empurrou uma das xícaras na direção dele —
Está com uma aparência péssima!
— Obrigado! Nada como um elogio sincero para começar bem o dia! — Sorveu um
gole da bebida e passou os dedos pelos cabelos em desalinho — Felizmente, Lucinda
não viaja com freqüência. Lavar, passar, cozinhar, ir ao supermercado... O serviço
doméstico não tem fim!
— E ainda há quem não valorize as mulheres que se dedicam ao lar! — Sam
comentou com simpatia. — Mas não creio que seja essa a justificativa para seu mal
humor. Se não estiver conseguindo dormir bem, posso prescrever algum medicamento
para ajudá-lo.
Joe fitou-o sem dizer nada. Sabia que não era possível ocultar do amigo de
infância o que escondia no coração. Porém, naquela manhã, não estava disposto a
conversar e agradeceu secretamente à garçonete por chegar com a bandeja do
desjejum.
— Bom dia, rapazes — Brunelle Thompson saudou-os com um sorriso afetuoso —
Ovos com bacon, salsicha e torradas, certo?
— Por favor, traga mais uma porção de ovos com bacon para mim — Sam pediu,
levando uma fatia de pão à boca.
A garçonete franziu o cenho. Depois de servi-los durante anos, aquela era
primeira vez que ouvia tal pedido.
— Você não acha que seria mais prático injetar uma dose dessa porcaria
diretamente nas artérias? — Joe indagou ao ver a garçonete se afastar.
— Deixe-me em paz! — Resmungou, apanhando uma fatia crocante de bacon —
Desde que Cassie descobriu que estava grávida, decretou que só faríamos refeições
saudáveis em casa. Isso está me matando! O café da manhã é a única refeição decente
que faço.
— Bem, tenho de admitir que você está certo. Os pratos saudáveis de Cassie
deixam muito a desejar — Joe concordou com uma risada — Para ser honesto, também
não faço uma boa refeição desde que Lucinda viajou.
Naquele momento, a porta da frente se abriu e entraram dois adolescentes
vestidos com o uniforme do colégio.
26
Depois da Chuva Karen White
27
Depois da Chuva Karen White
— Stinky é do tipo que joga sujo, Sam. Deve ter aprendido muita coisa depois
desses anos todos em Atlanta.
— Mas não é páreo para você. Toda a população de Walton sabe que Joe Warner
é um homem decente.
— Sou tão ocupado que não tenho tempo de arrumar problemas. É impossível
fazer qualquer coisa errada quando se tem um bebê e uma criança agarrada a cada
uma de suas pernas.
— Bem, se você estiver procurando problemas, não precisará ir muito longe...
— O que quer dizer? — Joe o fitou intrigado.
— Suzanne Paris! — E sorriu para o amigo com malícia. — Por Deus, ela é
perfeita! Entendi por que não a deixou na estrada no momento em que a vi! Se eu não
estivesse muito bem casado, não deixaria que uma mulher como aquela escapasse!
Joe quase engasgou com o café ao ouvir a declaração do amigo.
— Concordo com você, especialmente quando se refere aos problemas —
Comentou, tentando dar um tom de indiferença à voz.
— E pagou o aluguel em dinheiro... Meu caro, essa mulher está escondendo
alguma coisa!
— Eu tive a mesma impressão, mas não é problema meu.
— Não me diga que Suzanne Paris não é a mulher mais atraente que já viu nos
últimos tempos!
— Para falar a verdade, nem prestei atenção à aparência dela. — Ergueu a
xícara de café, torcendo para que o amigo não notasse o rubor que lhe tingiu o rosto.
— Além disso, não estou interessado em mulher alguma. Sou ocupado demais e estou
muito bem sozinho.
Joe tomou o último gole de café e colocou uma nota de cinco dólares sobre a
mesa. Levantava-se para sair quando a voz afetada de Stinky Harden soou atrás de si.
— Bom dia, prefeito Warner.
O homem alto vestia-se com uma elegância exagerada para àquela hora do dia.
— Bom dia — respondeu sem se voltar.
— Está de saída?
— Sim, tenho muito trabalho a fazer.
28
Depois da Chuva Karen White
— Oh, que pena... — murmurou com falsa decepção. — Esperava que pudéssemos
tomar o café da manhã juntos para conversarmos sobre projetos para tornar Walton
ainda melhor...
— Seria um prazer, Stinky, mas tenho compromissos inadiáveis. Você vem, Sam?
Sem esperar pela resposta do amigo, caminhou até a porta forçando-se a
manter a calma. Antes de sair, ainda pôde ver a expressão fria e calculista de seu
oponente e caminhou com passos rápidos, como se quisesse fugir dali o mais rápido
possível.
Depois de tomar um banho relaxante e se vestir, Suzanne apanhou a câmera
cuidadosamente guardada na mochila. Pretendia aproveitar a luz da manhã ensolarada
para tirar algumas fotografias enquanto esperava por Lucinda.
Caminhou pelo jardim estudando o melhor ângulo e se posicionou a poucos passos
da varanda.
Quando via o mundo por detrás das lentes de sua câmera, sentia-se em seu
elemento. Aquele era seu universo perfeito, onde enquadrava apenas o que queria ver.
Ajustou a lente para enfocar a fachada, colocando em primeiro plano a cadeira
de balanço da varanda. Estava prestes a apertar o botão quando o ronco de um motor
chamou-lhe a atenção. Voltou-se e notou que um conversível rosa-vivo acabara de
estacionar diante do portão.
A mulher exuberante sentada por detrás do volante acenou com animação. O sol
refletia-se nas lentes dos excêntricos óculos escuros e os cabelos ruivos estavam
presos no alto da cabeça, com alguns cachos rebeldes caindo sobre o rosto. Não
conteve um sorriso ao perceber que eram da mesma cor da blusa que usava.
Lucinda Madison era uma mulher autêntica e sincera, e conquistara sua simpatia
desde a primeira vez em que a vira.
— Bom dia, srta. Paris! — Cumprimentou alegremente, transbordando de
entusiasmo.
— Olá, Lucinda. Por favor, pode me chamar de Suzanne — Caminhou até o portão
para abri-lo — Você chegou mais cedo do que eu esperava.
— Oh, e você nem imagina como já trabalhei hoje! Lavei todas as roupas
acumuladas desde que viajei... Desculpe se algumas bolhas de sabão escaparem de
minhas orelhas! — Voltou-se para Harry e Amanda, sentados no banco de trás —
Cumprimentem a srta. Paris, crianças!
Olhos incrivelmente azuis a fitaram.
29
Depois da Chuva Karen White
— Eles são tímidos com estranhos, mas depois que conhecê-los melhor, vai
descobrir que o ar angelical desses rostinhos lindos é puro disfarce!
Suzanne riu, começando a gostar da idéia de passar a manhã fazendo compras
com Lucinda.
— Espere um momento — Pediu, retirando a lente da câmera. — Vou buscar
minha bolsa.
— Claro, querida. Não tenha pressa.
Suzanne correu para o interior da casa e, depois de guardar a câmera debaixo
da cama, apanhou algumas notas no bolso interno da mochila e desceu.
— Tia Lu, preciso ir ao banheiro — ouviu Amanda gritar assim que fechou a
porta da frente.
— Podemos usar o banheiro, querida? — Lucinda indagou, ajudando a sobrinha a
descer do carro.
— Claro! Você sabe onde fica, não é?
— Sim. Vou levá-la enquanto você cuida de Harry. Suzanne sentou-se no banco
de passageiros, esforçando-se para não entrar em pânico. O pior era que o garotinho
parecia acabar sempre sob os cuidados da pessoa menos apta para tal tarefa! Pensou
com agonia. Nunca tivera chance de conviver com crianças e julgava-se incapaz de
distrair um bebê que mal sabia falar.
Tentava pensar em algo para distraí-lo quando ele começou a chorar, deixando-a
ainda mais exasperada.
— Shh... Não chore, por favor! — Suplicou, receando que algum vizinho a
acusasse de maltratar crianças — Tia Lucinda voltará logo...
Para seu desespero, as palavras pioraram ainda mais a situação. Aflita, encarou-
o e fez uma careta. O pequenino arregalou os olhos e, no mesmo instante, o pranto deu
lugar a uma deliciosa risada.
Ambos estavam gargalhando quando Lucinda e Amanda saíram da casa.
— Que bom que vocês se entenderam! — exclamou satisfeita, acomodando a
sobrinha no banco traseiro.
— Harry é uma criança adorável — Suzanne comentou, optando por omitir o
momento de pânico que passara com aquele anjinho.
— Espero que não se importe por nos acompanharem às compras — Girou a
chave na ignição e voltou-se para ela.
30
Depois da Chuva Karen White
32
Depois da Chuva Karen White
— Dois anos e oito meses — Lucinda completou. — Ele nasceu na noite de Natal,
e Harriet morreu na semana seguinte. Joe ficou arrasado. Todos nós ficamos, más
estamos tentando seguir em frente.
Suzanne não deixou de notar uma lágrima furtiva rolar pelo rosto alvo e pensou
em dizer algo para confortá-la, mas não encontrou as palavras certas. Não conseguia
parar de pensar nas crianças, especialmente na bela adolescente de olhos verdes.
Devia estar com cerca de catorze anos quando a mãe morreu, assim como ela, que
perdera a mãe com a mesma idade.
— Sinto muito — Disse, surpresa por realmente sentir.
Lucinda estacionou o conversível defronte a um supermercado e apanhou a bolsa
para aplicar uma espessa camada de batom antes de descer.
— Sabe, eu tenho uma butique de lingeries e estou precisando de alguém para
trabalhar temporariamente até o Natal — Disse de súbito — Se pretende ficar por
aqui algumas semanas, poderia trabalhar para mim. Não ficará rica, mas posso pagar
um salário razoável.
— Eu? Mas não entendo nada desse assunto! — Exclamou surpresa — Por que me
ofereceu o emprego?
— Julguei que você seria útil na loja, além do que teria tempo para pensar
melhor sobre sua vida. Não é preciso que dê a resposta agora, querida. Avise-me
quando tomar uma decisão.
Suzanne desceu do carro e, antes que tivesse tempo de fechar a porta, Harry
foi colocado em seus braços. Olhou ao redor e viu-se em meio ao estacionamento de
um supermercado Chamado Piggly Wiggly, com uma criança nos braços, parada ao lado
de um conversível cor-de-rosa dirigido por uma mulher cujos cabelos eram tingidos
com uma cor que não existia na natureza.
Desolada, consolou-se com o fato de que ninguém a reconheceria ali. Depois de
menos de vinte e quatro horas que chegara a Walton, ela própria mal poderia se
reconhecer!
33
Depois da Chuva Karen White
Capítulo IV
caminhou pêlo imenso supermercado sentindo-se perdida. Há muito tempo não tinha de
se preocupar com os suprimentos da casa.
Quando morava com o ex-noivo, nunca tivera de se ocupar com nada. Costumava
fazer as refeições em um dos restaurantes do poderoso Anthony de Salvo espalhados
por Chicago e todo o serviço doméstico ficava sob a responsabilidade dos empregados
da luxuosa cobertura em que moravam.
No entanto, nem mesmo todo luxo e conforto que Anthony lhe proporcionava
foram suficientes para despertar o amor em seu coração. Ao contrário, a convivência
com ele só lhe causara dor, medo e humilhação.
Quando deu por si, percebeu que estava parada diante da prateleira de ração
para cães havia mais de cinco minutos. Estivera tão absorta em seus pensamentos que
não se dera conta de onde estava.
Sentindo o rosto queimar, olhou discretamente ao redor e respirou aliviada ao
ver que ninguém presenciara seu momento de ausência. Empurrou o carrinho para a
seção de cereais e tentou se concentrar nas compras.
Meia hora depois, já percorrera todos os corredores do supermercado e o
carrinho que conduzia continuava quase vazio. Não sabia por quanto tempo ficaria em
Walton, o que a deixava indecisa sobre o que comprar.
A imagem do sobrado encantador, com o adorável jardim e a cadeira de balanço
na varanda veio-lhe à mente e um sorriso discreto brotou de seus lábios.
Ter conseguido uma casa como aquela lhe parecia um verdadeiro milagre,
especialmente depois de passar duas semanas hospedando-se em motéis baratos e
fugindo da própria sombra.
Talvez o grau extremo de cansaço em que se encontrava estivesse prejudicando
sua capacidade de julgamento, mas a verdade era que não dormia tão bem quanto na
última noite havia muito tempo. Mesmo em reforma e sem móveis, havia uma aura
agradável e acolhedora envolvendo aquela casa.
Em um ímpeto, decidiu que ficaria ao menos uma semana.
Com ânimo redobrado, voltou à seção de frutas e verduras e escolheu alguns
papaias, laranjas e maçãs. Deteve-se diante do freezer de pratos congelados e
completou sua lista de compras com uma porção de panquecas de ricota e filé de
frango com alcaparras. Acrescentou pão integral e queijo branco e deu-se por
satisfeita.
— Isso é tudo de que você precisa? — Lucinda indagou, juntando-se a ela na fila
do caixa.
35
Depois da Chuva Karen White
segundo, julgou que seus olhos estivessem lhe pregando uma peça. Não apenas as
roupas eram idênticas, mas também os traços físicos e o corte de cabelos.
— Você deve ser a nova amiga de Joe! — Uma delas exclamou como se houvesse
acabado de fazer uma grande descoberta.
— Thelma e Selma Sedgewick, esta é Suzanne Paris. Ela é fotógrafa e vai ficar
em Walton por uma temporada.
Cumprimentaram-na com um aperto de mão vigoroso. Para fugir dos olhares
curiosos, Suzanne se pôs a retirar as compras do carrinho.
— Como você e Joe se conheceram? — Perguntou uma delas.
— Já estava na hora do nosso querido prefeito mostrar interesse por uma
mulher! — exclamaram as duas ao mesmo tempo.
Suzanne olhou de uma para a outra, sentindo-se como um espécime raro sendo
analisado.
— O Doutor Parker tinha razão! — Thelma avaliou-a de alto a baixo e meneou a
cabeça em aprovação — Ele disse que você era muito bonita, embora seja difícil saber.
Esses enormes óculos escuros escondem todo o seu rosto.
Constrangida com o elogio, puxou a primeira nota que encontrou na carteira.
— Desculpe, moça, mas não tenho troco para tanto dinheiro — A funcionária do
caixa meneou a cabeça, devolvendo-lhe a nota.
Só então percebeu que entregara quinhentos dólares para pagar as compras. Um
silêncio embaraçoso pairou ao redor dela, enquanto as gêmeas idênticas trocavam um
olhar de cumplicidade.
Recriminando-se duramente por se expor além do necessário, Suzanne guardou
a nota com mãos trêmulas. Como pudera ser tão tola para permitir que suspeitassem
da imensa quantia que carregava consigo?
Aflita, vasculhava a carteira quando Lucinda salvou-a mais uma vez.
— Mellany, inclua as compras da srta. Paris na minha conta
— Ordenou, empurrando-a para fora — Não se preocupe, bem. Acertaremos
depois. Por que não leva suas sacolas para o carro e aproveita para respirar um pouco
de ar fresco?
Embaraçada, apanhou a chave do carro e seguiu para o estacionamento, com uma
sacola em cada mão. Definitivamente Lucinda era seu anjo da guarda! Concluiu ao abrir
o porta-malas do conversível.
37
Depois da Chuva Karen White
38
Depois da Chuva Karen White
Só então percebeu que não havia retirado a etiqueta com o preço e levou a mão
à boca ao constatar que saíra sem pagá-los.
— Meu Deus! Preciso voltar antes que...
— Não se preocupe, ninguém vai prendê-la por causa disso — Maddie
tranqüilizou-a, contendo o riso — Tia Lucinda veio com você?
Meneou a cabeça em afirmativa e apontou para o cigarro.
— Você não sabe que isso vicia?
Maddie ergueu os ombros com desdém, mas não sem que Suzanne notasse a
insegurança estampada nos olhos verdes. Analisou-a discretamente, reconhecendo as
necessidades que ela própria tivera naquela idade.
— Você não acha que seria melhor que estivesse na escola em vez de ficar
enchendo seus pulmões de fumaça?
— Está bem! — Atirou o cigarro no chão e apagou-o com o pé — Você não vai
contar nada para o meu pai, não é?
— Meus lábios estão selados! — E cruzou os dedos sob a boca. — E agora vá,
antes que eu mude de idéia.
Maddie deu dois passos e se voltou.
— Obrigada — Murmurou por sobre o ombro antes de desaparecer.
Suzanne observou-a, incerta sobre o que acabara de prometer. Com um suspiro,
retirou os óculos de sol e se preparou para voltar ao mundo florescente do
supermercado Piggly Wiggly:
— E, então, o que decidiu? — Lucinda indagou, depois de deixar as crianças em
casa.
Suzanne desviou a atenção da paisagem para ela, que mantinha os olhos fixos na
avenida que levava a sua casa.
— Sobre o quê?
— Ora, sobre minha proposta de emprego! — Exclamou como se fosse óbvio —
Acabei de receber uma encomenda de lingeries italiana e estou sem tempo para
catalogá-las. Cordella, filha de Brunelle Thompson, tem cuidado de tudo para mim, mas
ela é muito jovem e inexperiente. Preciso de alguém que possa assumir todas as
responsabilidades, especialmente depois de ter ficado ausente por duas semanas.
— Mas Lucinda, eu...
39
Depois da Chuva Karen White
— Oh, você não imagina o estado deplorável em que se encontra a casa de Joe!
— Interrompeu-a com exagerada dramaticidade. — Vou precisar de um século para
colocá-la em ordem! Não que eu esteja reclamando, claro! Quando me propôs
pagamento para que eu cuidasse da casa e das crianças, fiquei sem falar com ele por
dois dias!
— Entendo seus motivos, mas não posso...
— Além disso, preciso cuidar de minha própria casa — Continuou, como se
estivesse pensando alto — Seria perfeito se você aceitasse!
— E voltou-se para ela, fazendo com que os cílios postiços se agitassem
sedutoramente.
— O que exatamente eu teria de fazer? — Suzanne indagou, sem acreditar no
que acabara de dizer. Devia estar louca por considerar a possibilidade de aceitar
aquele emprego!
— Bem, é preciso catalogar a mercadoria que chega, arrumá-la nas prateleiras e
atender os clientes, além de cuidar do movimento do caixa.
— Impossível! — Sentenciou, resistindo à tentação de aceitar.
— Por quê? Você é uma jovem muito inteligente e, embora pareça não perceber,
tem o dom natural de atrair pessoas.
— Eu?! — Chocada, levou as mãos ao peito e arregalou os olhos — Lucinda, eu
nunca tive facilidade em me relacionar! Sou calada, tímida e introvertida.
— Meu bem, é exatamente por isso que desperta confiança, você tem o dom de
saber ouvir.
Suzanne refletiu por alguns minutos. Nunca alguém se dirigira a ela com tanta
compreensão e ternura, valorizando aspectos que considerava negativos como se
fossem virtudes grandiosas.
— Está bem — Ouviu-se dizer, concluindo que não havia mais dúvida alguma de
que perdera a sanidade mental por completo — Quando começo?
— Hoje mesmo! Vamos para a butique assim que deixarmos as compras em casa
— Informou com naturalidade, como se a resposta não a surpreendesse — Eu já disse,
meu bem... Talvez fique em Walton mais tempo do que imagina!
Joe olhou ao redor para ter certeza de que não havia ninguém por perto e só
então abriu aporta da Butique Lucinda's Lingerie e pestanejou, tentando ajustar os
olhos à luz avermelhada do interior da loja, decorrente do colorido exuberante das
paredes
40
Depois da Chuva Karen White
42
Depois da Chuva Karen White
43
Depois da Chuva Karen White
44
Depois da Chuva Karen White
vida parecia pulsar ali, como se aquela casa guardasse em seu interior todo o amor de
um verdadeiro lar.
O pranto deu lugar a uma acolhedora sensação de alegria e, quando percebeu,
estava sorrindo. Pulou da cama e decidiu colar a folha na porta da geladeira naquele
mesmo instante, tomando apenas o cuidado de prendê-la de forma que não se rasgasse
quando fosse retirado em sua partida.
Capítulo V
45
Depois da Chuva Karen White
47
Depois da Chuva Karen White
Porém, Maddie possuía alguma coisa que ia além das mãos bonitas e dos olhos
encantadores. Havia um apelo quase imperceptível no brilho daquele olhar, que
revelava medo e solidão.
Sentia-se tocada por aquela jovem, talvez porque visse a mesma sombra em seu
próprio rosto cada vez que se olhava no espelho.
— Por que fez aquilo? — Indagou por fim. — Seu pai poderia descobrir
facilmente, já que também dá aulas na escola.
Maddie olhou para as sandálias, e Suzanne notou que as unhas do pé também
estavam pintadas com o mesmo esmalte preto das mãos.
— Queria apenas dar uma volta e ficar sozinha... Você nunca fez isso quando
estava na escola?
— Claro. Creio que todos já fizeram — Disse devagar, tentando encontrar as
palavras para explicar algo que nunca haviam lhe perguntado antes. — Também gosto
de ficar sozinha, mas faço isso porque não estou acostumada a viver rodeada de muita
gente. Creio que isso também tem alguma relação com a criatividade.
— É mesmo? — Maddie a fitou, fascinada por ser compreendida.
— Sim. Pessoas mais criativas gostam de ter seu próprio espaço. O problema é
encontrar o momento certo para se isolar.
— Perder aula é contraproducente — Apanhou uma folha da primavera que subia
pela grade da varanda — E, então, o que trouxe para me mostrar?
A jovem colocou a bolsa sobre o colo, timidamente.
— No dia em que você chegou e me contou que era fotógrafa freelance, fiquei
pensando que... — Hesitante, retirou um envelope da bolsa — Bem, também gosto de
fotografia. Quero dizer, sei que não sou boa, embora minha professora de arte diga
que sou, e gostaria de ouvir uma segunda opinião.
— Deixe-me ver o material que trouxe.
— Está bem, se você não se importar... Dê uma olhada e me diga se estarei
sendo ridícula por mostrar estas fotografias para alguém. Por favor, seja sincera.
Suzanne abriu um envelope, sorrindo ao ver a expressão de ansiedade no rosto
da jovem.
— Claro, serei absolutamente sincera — Garantiu, retirando um maço de
fotografias em branco-e-preto.
Com expressão séria, pôs-se a avaliá-las. As primeiras eram comuns, com pouca
noção de técnicas de iluminação e foco. Porém, à medida que as examinava, pôde
48
Depois da Chuva Karen White
49
Depois da Chuva Karen White
50
Depois da Chuva Karen White
51
Depois da Chuva Karen White
52
Depois da Chuva Karen White
53
Depois da Chuva Karen White
54
Depois da Chuva Karen White
Ao dizer isso, conduziu-a para a saída sem lhe dar chance de reagir e fechou a
porta atrás de si.
Capítulo VI
Suzanne repeliu o braço possessivo assim que se viu livre dos olhares curiosos
dos freqüentadores do restaurante.
— Você tem muita coragem para me tratar como se eu fosse uma criança
indefesa! — Vociferou, ajustando a alça da bolsa no ombro. — Da próxima vez, deixe-
me fora de suas disputas particulares.
Endireitou os ombros e começou a caminhar na direção da loja de Lucinda.
— Espere! — Com passos largos, Joe alcançou-a — Sinto muito. Fui um tanto
infantil, admito, mas acontece que Stinky consegue despertar o pior em mim.
Suzanne tentou seguir em frente, mas seu caminho foi bloqueado.
— Aposto que vai me agradecer se for ao baile comigo.
— E por que deveria agradecer-lhe?
— Por salvá-la de passar uma noite com Stinky Harden. Não posso falar por
experiência própria, mas ouvi de referências confiáveis que estar com ele é o mesmo
que ir para uma cirurgia sem anestesia. Acho que mesmo um só encontro deve ser
suficiente para levá-la ao coma.
Suzanne apertou os lábios, esforçando-se para não rir.
— Nesse caso, obrigada por me salvar. Agora, preciso voltar ao trabalho.
Deu dois passos em direção à loja e ouviu-o dizer:
55
Depois da Chuva Karen White
— Bem... Não deixa de ser uma alternativa — Imitou-o com bom humor. — E
você não terá de ficar com Stinky Harden e acabar na UTI ao final da noite —
Acrescentou, fazendo-o rir.
— Tem razão! Puxa, serei eternamente grato por isso! — O sorriso se
desmanchou, dando lugar a uma expressão séria — Maddie me disse que você é muito
solitária. Não será nada mal sair um pouco para se divertir.
— Eu apenas gosto de ficar sozinha.
Naquele momento, dois rapazes saíram do restaurante e pararam para
cumprimentá-lo. Joe trocou algumas palavras com eles e voltou-se para Suzanne.
— Não estou certo se realmente gosta de ficar sozinha. Talvez seja apenas o
fato de estar acostumada à solidão por não saber outra forma de agir.
Sem responder, ela seguiu para a loja e subiu os degraus. Ao abrir a porta, o
aroma de pétalas de rosas invadiu suas narinas.
— Vejo-a às seis horas da tarde no sábado — Ouviu-o dizer antes que a porta se
fechasse.
Maddie sentou-se na cadeira do salão de beleza Bitsy's Beauty, com Lucinda do
lado esquerdo e Cassie do direito. Sabia que jamais preencheria o vazio que assolava
seu coração, mas estar com as tias era o mais próximo que podia chegar para suprir a
falta da mãe.
Fechou os olhos quando o jato de água morna molhou seus cabelos e as mãos
hábeis da cabeleireira massagearam-lhe as têmporas.
—Você deveria mudar o corte dos cabelos, Maddie — Bitsy sugeriu, espalhando
uma generosa camada de xampu. — Um leve repicado valorizaria seu rosto. Você tem
traços delicados, como os de sua mãe.
— Tem razão, Bitsy — Cassie comentou, o sotaque melodioso do sul ligeiramente
alterado depois dos quinze anos que vivera em Nova York — Claro, você é linda com
qualquer estilo de cabelo, mas poderia tentar alguma coisa diferente — dirigiu-se à
sobrinha.
Ela abriu um olho para lançar um olhar fulminante à tia, que parecia duas vezes
maior pela gravidez adiantada. Fechou o olho quando Bitsy começou a enxaguar seus
cabelos.
— Minha mãe sempre gostou dos meus cabelos assim e não pretendo mudá-los.
Cassie acariciou o ventre roliço e começou a dizer alguma coisa quando Lucinda a
interrompeu.
57
Depois da Chuva Karen White
— Olá, Suzanne! Cheguei a pensar que você não viria! Ela abaixou os olhos,
constrangida ao perceber que todos os olhares se voltaram para ela.
— Olá, srta. Paris! — Maddie cumprimentou-a enquanto seus cabelos eram
envolvidos por uma toalha — Tia Lu esteve preocupada com seu atraso.
Suzanne esboçou um sorriso, o máximo que sua timidez permitiu.
— É verdade — Cassie completou — Ela achou que você estivesse com receio de
colocar seus longos cabelos em risco.
— Não é nada disso — Assegurou, colocando a bolsa numa cadeira — Estava
terminando de verificar uma remessa que acabara de chegar quando as irmãs
Sedgewick entraram na loja e acabei demorando-me mais do que havia planejado.
— Oh, posso imaginar... Na última visita que fizeram, confesso que fiquei
chocada com o que escolheram! Acho que ainda não me recuperei completamente —
Lucinda voltou os olhos para o céu — Não posso acreditar naquelas duas! Que
compraram dessa vez?
Suzanne lançou um olhar em direção a Maddie, indicando que não poderia falar.
— Eu já tenho dezessete anos! — Resmungou ela — Gostaria que parassem de
me tratar como se fosse criança! E por falar em criança...
Indicou com o queixo a entrada de Knoxie, que acabara de sair da sala contígua
e trazia chumaços de algodão separando os dedos dos pés.
— Vejam o que Ornella fez para mim enquanto esperava por vocês! — Exclamou
orgulhosa, estendendo um pé à frente.
Todas se voltaram para admirar as unhas bem-feitas pintadas de cor-de-rosa
claro.
— Ficou ótimo! — Suzanne exclamou com sorriso genuíno.
— É a primeira vez que pinto as unhas — anunciou, retirando as sandálias — Não
ficou exagerado?
— Não, meu bem. Está perfeito. Todas as garotas gostam de cor-de-rosa,
exceto sua irmã Maddie — Lucinda disse, enviando um olhar crítico para a sobrinha
mais velha.
— Posso lhes pedir um favor? — Ela ergueu a cabeça, segurando a toalha
enrolada como um turbante. — Esqueçam que eu estou aqui, sim?
— E parem de amolar — Cassie completou, fazendo com que todas rissem.
58
Depois da Chuva Karen White
Maddie fitou-a, evitando olhar para o imenso ventre. Sempre que a via, tentava
não pensar sobre o que seus tios haviam feito para que ela ficasse grávida e a simples
idéia de que seus pais haviam feito o mesmo para terem seis filhos parecia-lhe tão
obscena que sentia o rosto corar com o simples pensamento.
— Estou feliz por finalmente poder conhecê-la — Cassie disse quando Suzanne
se sentou na cadeira a seu lado — Já ouvi tanto a seu respeito que sinto que já a
conheço. Sou Cassie Parker, esposa de Sam.
Suzanne hesitou alguns segundos, relutante em aceitar a mão estendida. Alguma
coisa naquele olhar a fez estremecer, embora não soubesse precisar o que era.
— Prazer em conhecê-la — Apertou levemente a mão delicada e abaixou o rosto,
tentando fugir do olhar crítico.
— E eu sou Ornella, a manicura que vai deixar suas mãos ainda mais bonitas! — A
simpática senhora se apresentou saudando-a com um sorriso.
— Nós já nos encontramos antes? — Cassie franziu o cenho, curiosa.
— Creio que não — Meneou a cabeça com veemência — Tenho um rosto comum.
— Talvez... Eu podia jurar que já a encontrei antes. Costumo viajar muito a
negócios e pode ter sido em uma dessas ocasiões. De onde você é?
— De nenhum lugar — Abruptamente, Suzanne se voltou para Ornella — Creio
que você está muito ocupada agora acho melhor eu voltar mais tarde.
— Nem pense nisso! Estamos com o quadro de funcionários completo para
atender todas as clientes que querem se embelezar para o baile. Fique aqui mesmo
enquanto chamo Darl para lavar seus cabelos.
Suzanne suspirou resignada. Não lhe restava alternativa a não ser esperar.
Notou com ansiedade que Cassie continuava a analisá-la. Depois de alguns segundos que
lhe pareceram uma eternidade, ela inclinou o corpo e ia dizer alguma coisa quando seu
olhar recaiu sobre o pingente em forma de coração. Sentindo o sangue congelar nas
veias quando seus olhares se encontram, torcendo para que ninguém notasse seu
nervosismo.
— Tia Cass, olhe. É igual ao seu! — Maddie exclame quebrando o clima tenso que
pairava no ar.
Cassie esticou o pescoço e estreitou os olhos.
— Sim... É idêntico! — Tirou o avental que protegia os ombros e se aproximou. —
Fiquei com a gargantilha que pertenceu a minha irmã, mãe de Maddie. A diferença é
que tem cinco pingentes exatamente iguais ao seu.
59
Depois da Chuva Karen White
Knoxie, que andava pelo salão com cuidado para não borrar as unhas dos pés,
aproximou-se para ver.
— Oh, é mesmo! Meu pai deu uma corrente de ouro para, minha mãe como
presente de casamento — Informou ela com ar sonhador — Foi por isso que tia Cassie
se mudou para Nova York.
Maddie lançou um olhar severo à irmã mais nova e voltou os olhos para o céu.
Segurando-a pela mão, levou-a à sala anexa.
— Vamos ver se Ornella encontra alguém para costurar sua boca.
Suzanne ficou intrigada com a revelação, mas nada comentou. Acompanhou-as
com o olhar enquanto saíam da sala, reparando que tia e sobrinha possuíam os mesmos
traços delicados, embora os olhos de Cassie não guardassem a mesma melancolia que
os de Maddie.
Eram calmos è suaves e demonstravam a mesma força dos de Lucinda. Sem
dúvida, seria uma excelente mãe, disposta a proteger seus filhos e a ser a guardiã da
família.
No entanto, havia algo naqueles olhos que a apavorava...
— Crianças... Ainda bem que nunca tive esse tipo de problema — Bitsy comentou,
ajeitando a cúpula do secador sobre a cabeça de Cassie — Ouvi dizer que você não
gosta de crianças, srta. Paris.
— Eu nunca disse tal coisa! A verdade é que não tenho experiência alguma com
elas.
— Bem, em sua estada em Walton, terá chance de adquirir toda experiência do
mundo! — comentou com simpatia.
Suzanne assentiu e reclinou-se na cadeira, disposta a encerrar o assunto.
Porém, o movimento fez com que o pingente se evidenciasse sobre o busto.
— Notei que há uma inscrição em seu pingente... — Cassie observou, aumentando
o tom da voz para suplantar o ruído do secador — O que é?
— Uma vida sem chuva é como um sol sem sombra — Ela disse em voz alta,
guardando-o sob a blusa antes de completar. — Joalheria R. Michael, Walton.
— Oh... Onde você o conseguiu?
— Ganhei de minha mãe — respondeu, controlando o tremor na voz.
Uma dor profunda apertou-lhe o coração ao se lembrar do dia em que sua mãe
retirara aquela corrente do pescoço, e aquela fora a primeira e única vez em sua vida
60
Depois da Chuva Karen White
61
Depois da Chuva Karen White
Suzanne abriu a boca para protestar. Porém, o som da ducha de água quente
impediu-a de falar. Sentiu o perfume suave do xampu e suspirou, desistindo de
argumentar.
— Alberto me pediu em casamento no baile anual do fundador da cidade, muitos
anos atrás — Darlene prosseguiu com um suspiro enamorado — Estava tocando uma
música romântica quando ele se ajoelhou no meio da pista de danças para fazer o
pedido. Foi tão romântico!
Ansiosa por mudar de assunto, Suzanne se inquietou na cadeira.
— Ele vai levá-la ao baile hoje à noite?
— Oh, não! Nós nunca nos casamos — Disse, com uma ponta de apreensão na voz
— Dois dias depois de fazer o pedido, Alberto estava parado em uma esquina, quando o
caminhão de entregas do supermercado perdeu a direção e o atropelou. Não chegamos
nem sequer a ficar noivos.
— Sinto muito... — murmurou, sem saber o que dizer. Darlene recuou um passo
para apanhar, uma toalha seca.
— Sabe, montei um álbum de fotografias para me lembrar dos momentos felizes
que vivemos.
Com expressão nostálgica, pisou no pedal para abaixar a cadeira e levou-a para a
sala ao lado.
— Seus cabelos precisam de tintura. Deveria ter perguntado antes de lavá-los...
Suzanne olhou para o espelho e viu Cassie no outro extremou. Ela a fitava como
se tentasse se lembrar de onde a conhecia.
— Por favor, aplique a tintura — Decidiu de súbito — E use um tom mais forte.
— Oh, você vai ficar linda! — O rosto de Darlene se iluminou.
Afastou-se para voltar instantes depois com a tintura.
— Joe lhe contou sobre o álbum de Maddie? — indagou enquanto separava as
mechas dos longos cabelos.
— Ouça, Joe e eu não temos um relacionamento nem trocamos confidencias —
Explicou, enfatizando as palavras — Vamos ao baile juntos apenas para que ele não se
sinta constrangido por vigiar o primeiro encontro da filha.
— Harriet pretendia que ficasse pronto antes que Maddie fosse para a
universidade — Continuou ela, como se não a houvesse ouvido — Começou a montá-lo
logo que a filha nasceu e parou três anos atrás. Ela o guardava em minha casa para que
ninguém pudesse encontrá-lo. Você sabe como são as garotas... — Espalhou a tintura
62
Depois da Chuva Karen White
com cuidado, e seus olhares se encontraram no espelho. — Joe sabe disso, mas ainda
não pediu que eu o entregasse. Achei que você gostaria de saber, porque Maddie vai
terminar o colegial em dezembro.
Antes que Suzanne pudesse responder, Darlene abaixou a cúpula do secador de
cabelos e abafou seus protestos.
— Voltarei daqui a vinte minutos para retirar a tintura — Avisou, deixando-a
sozinha.
As mãos de Joe tremiam enquanto ajeitava o nó da gravata. Não é um encontro,
tentava dizer a si mesmo. Deteve-se diante do espelho e alisou o paletó. Fez menção
de apanhar a colônia sobre o toucador, presente de Maddie no dia dos pais. Porém,
desistiu a meio caminho.
— Não é um encontro — Repetiu em voz alta ao sair do quarto.
Levara as crianças para passar á noite na casa de Cassie, com exceção de
Maddie. Rob Campbell já a buscara meia hora atrás. Fora com o carro da mãe, em uma
tentativa evidente de impressionar o futuro sogro, e Joe não pôde deixar de notar o
imenso banco de detrás do sedan.
Imaginar sua filha a sós com um rapaz provocou-lhe um estranho desconforto.
Sam tinha razão, pensou com uma ponta de amargura. Sua filhinha havia crescido e não
poderia mantê-la eternamente sob a proteção de suas asas.
Sentou-se no último degrau da escada, ouvindo apenas o tique-taque do velho
relógio na sala de jantar. E quanto a Joey? Refletiu. Como conseguiria sobreviver em
meio a quatro irmãs?
O familiar sentimento de apreensão voltou a incomodá-lo mais uma vez. A
saudade que Harriet deixara parecia ter esvaziado sua alma. Não se sentia capaz de
cuidar sozinho da educação dos seis filhos. Ela deveria estar lá para ajudá-lo...
Suspirou ao se lembrar do constrangimento da filha quando Rob tomou-a pelo
braço para acompanhá-la até o carro. Não conseguira conversar com Maddie e
aconselhá-la sobre o primeiro encontro. Havia planejado conversarem depois que dos
estivessem dormindo. Então, deixaria que ela o acalmasse e dissesse que tudo ficaria
bem... Era como se conseguis esconder a força para que transparecesse apenas a
doçura! Sempre conseguia fazer com que tudo desse certo com um das mãos mágicas.
De súbito, o cansaço de séculos caiu sobre suas costas. Apoiou o rosto nas mãos,
a imagem de Harriet dançando em seu pensamento. Não era justo que a vida lhe
tirasse a companheira e a mãe de seus filhos! Somente ela saberia o que fazer com as
crianças.
63
Depois da Chuva Karen White
Capítulo VII
64
Depois da Chuva Karen White
Deteve-se diante da porta da frente e, para sua surpresa, ela se abriu antes
que tivesse chance de bater.
— Estou pronta.
Suzanne passou por ele e fechou a porta antes de colocar a chave em uma
minúscula bolsa vermelha que combinava com o vestido.
Fitou-a por um momento, incerto se deveria elogiá-la.
Como se tivessem vida própria, seus olhos deslizaram pelo corpo bem-feito,
moldado pelo vestido de finas alças. Percorreu o olhar pelas pernas longas e bem-
feitas, de pele alva e acetinada, admirando-se ao ver os pés delicados descalços.
Franziu o cenho ao reparar no anel de prata colocado no dedo médio e desviou o olhar,
subindo para o pescoço esguio. O pequeno pingente de ouro chamou-lhe a atenção e
tentou não notar como repousava no vale dos seios fartos e sensuais.
Ela segurava um par de sandálias vermelhas de tiras finas na mão direita.
— Não quero colocar as sandálias antes de saber se terei que andar muito —
Anunciou como se estivesse esperando que terminasse de avaliá-la.
— Terá de andar apenas até a caminhonete, estacionada em frente a casa —
Informou, surpreso por conseguir pronunciar as palavras.
Fez um gesto para que ela seguisse à frente e seguiu pelo caminho de
pedregulhos até o portão tentando controlar o ímpeto de seus instintos básicos.
Aquela mulher era simplesmente estonteante! Desde que perdera Harriet, era a
primeira vez que se lembrava de possuir hormônios.
Adiantou-se para abrir o portão e inalou profundamente a nuvem perfumada que
a envolvia.
Suzanne permanecia alheia às suas fantasias, ocupada em ajeitar uma mecha de
cabelo.
— Você acha que este vestido ficou bom? Cassie e eu usamos o mesmo número,
mas sou um pouco maior em alguns lugares...
Joe quase engasgou ao notar como os seios fartos salientavam no recorte do
busto.
— Acho que está... — Irresistível, quase completou, calando-se a tempo — Está
ótimo. Ficou muito bem em você.
— Obrigada.
— É melhor nos apressarmos. Rob e Maddie saíram há mais de meia hora.
65
Depois da Chuva Karen White
— Está bem. Por favor, ajude-me a calçar as sandálias... — Ao dizer isso, apoiou-
se no braço forte.
Joe prendeu a respiração diante da proximidade física. Para distrair sua
atenção dos atributos admiráveis daquela mulher, olhou novamente para o anel no dedo
do pé, o mesmo que notara antes, e mal pôde se lembrar de por que o achara ridículo.
— Obrigada. Podemos ir — Soltou-lhe o braço, fazendo com que um súbito vazio
o invadisse.
Joe observou o movimento suave dos quadris enquanto ela caminhava e seu
corpo acordou de um sono profundo, fazendo-o lembrar de quanto tempo não tocava
uma mulher. Aquela seria uma longa noite, pensou para si.
— Alguma coisa errada?
A voz suave, ligeiramente rouca, trouxe-o de volta para a realidade.
— Sim. Quero dizer, não! Seus cabelos... Estão mais ruivos — Apressou-se em
dizer a primeira coisa que lhe ocorreu.
Com um gesto involuntário, Suzanne levou as mãos à cabeça e ajeitou os cachos
que caíam sobre os ombros.
— É verdade. Acho que Darlene exagerou na cor.
— Não, está muito bom.
Abriu a porta de passageiros e retirou um ursinho de pelúcia para jogá-lo no
banco de detrás. Com um gesto amplo, indicou que ela entrasse.
O que há de errado com você, rapaz? Censurou-se enquanto contornava a
caminhonete para se acomodar por detrás do volante. Antes de dar a partida, lançou
um olhar para o assento de passageiros, concluindo que era grande o bastante para um
casal.
Assim que ligou o carro, percebeu que Suzanne estava tremendo. Desligou o ar-
condicionado e, ao perceber que continuava trêmula, retirou o paletó e estendeu-o na
direção dela.
— Está com frio?
— Sim, obrigada. — Apanhou o paletó e colocou-o sob os ombros.
— Se continuar com frio, abaixe o vidro. O ar de fora esta quente.
— Na verdade, não estou com frio — Ela disse, aperta os dentes.
Joe arqueou uma sobrancelha. Ela parecia distante, como não quisesse encará-
lo.
66
Depois da Chuva Karen White
67
Depois da Chuva Karen White
Suzanne riu, e o som de sua risada soou como melodia para os ouvidos dele.
— É verdade, muita gente tem ido à loja e já percebi que é por pura curiosidade
a meu respeito.
— Bem, um rosto novo em Walton é uma grande novidade. Mas eu posso lhe
garantir que você jamais encontrará pessoas tão honestas e bondosas.
— E por isso que quer ser prefeito?
— Nem sempre é assim tão fácil. Sempre há desacordos; o maior deles é sobre
os limites da cidade. Antes de me eleger quase tivemos uma guerra civil. A questão era
se Walton veria ser um distrito ou se tornar um município: Fiquei furioso naquela
ocasião, mas agora são águas passadas.
Suzanne retirou o paletó dos ombros e pendurou-o no braço.
— Por que quer ser prefeito?
Ele hesitou por alguns segundos, sem saber a resposta exata.
— Por ser um desafio, creio eu.
— Criar seis filhos sozinho já não é o bastante?
— Não sei. Talvez seja por desejar retribuir às pessoas que ajudaram minha
família quando realmente precisei.
— Ou talvez seja para tentar preencher suas horas vazias para não ter tempo
de pensar.
Joe prendeu a respiração e parou de caminhar.
— Você não sabe nada a meu respeito. Por favor, não presuma que sabe todas a
respostas.
Os olhares se encontraram, e ela se arrependeu do que dissera ao ver a sombra
de tristeza enevoar o semblante de Joe.
— Sinto muito. Tenho o péssimo hábito de dizer o que penso — Continuaram a
caminhar e passaram pela Escola Municipal um prédio amplo ao fundo de um jardim
bem cuidado.
Joe permaneceu em silêncio, como se estivesse tentando ficar à vontade ao lado
dela.
Aquela mulher era diferente de todas que conhecera. O andar altivo, as
palavras que usava o jeito com que se movia, a forma como mantinha os braços
cruzados sobre o peito como se quisesse se defender de qualquer envolvimento com o
68
Depois da Chuva Karen White
mundo... A curiosidade sobre ela o fazia se aproximar enquanto, ao mesmo tempo, uma
voz em sua consciência lhe dizia para que se afastasse.
Indicou um banco do jardim e esperou que se sentasse para então se acomodar
ao lado dela.
— Por que você não gosta de multidões?
Ela ergueu os ombros e apertou as mãos em um gesto nervoso.
— Acho que não acredito que as pessoas possam gostar de mim. Admito que sou
muito reservada, e também tenho culpa nisso — Abaixou a cabeça, tentando esconder
a emoção — Passei a maior parte de minha infância em orfanatos. Nunca conheci meu
pai e minha mãe nem sequer tinha certeza sobre quem era. Ela era alcoólatra e
conseguiu minha guarda depois de um tratamento em que parou de beber. Mas depois
da primeira decepção que a vida lhe causou, teve uma recaída e voltou ao vício.
— Sinto muito — Joe murmurou, sentindo-se estúpido por não encontrar nada
mais adequado para dizer para consolá-la.
— Não estou lhe contando para que tenha pena de mim. Quero apenas que
entenda por que sou assim.
— Acredite, não sinto pena de você.
— Na primeira vez em que fui colocada em um orfanato, esforcei-me para que
todos gostassem de mim. Com o tempo, percebi que não valia a pena. Acabava sempre
sendo transferida para outra instituição. Então, parei de tentar — Respirou fundo
antes de prosseguir: — Acho que já me esqueci de como é um relacionamento.
Joe ouvia em silêncio, sentindo que finalmente se abria uma fresta na superfície
impenetrável por detrás da qual ela se escondia.
— Não creio. Maddie acredita que você foi enviada do céu.
Suzanne esboçou um sorriso triste.
— Sua filha é uma garota especial. Você fez um ótimo trabalho.
— Tive muita ajuda. — Ergueu-se e estendeu a mão ajudá-la a se levantar — O
que acha de entrarmos?
Com um ato involuntário, pôs-se a brincar com a aliança no dedo anular da mão
esquerda, julgando que Suzanne não ouvira.
— Está bem — ela disse por fim — Creio que a essa altura Rob já deve ter
despido Maddie!
69
Depois da Chuva Karen White
Joe levou alguns segundos para perceber a brincadeira, então inclinou a cabeça
para trás com uma sonora gargalhada.
— Acredite, essa não é minha maior preocupação.
— Não? Mas achei que...
— Estou mais preocupado com o que poderão estar fala sobre nós dois.
Suzanne o fitou intrigada.
— Você está brincando, não é?
— Nunca falei tão sério em minha vida! — Exclamou com um suspiro.
Parecia que aquela mulher não tinha consciência do efeito que exercia sobre ele.
Seguiram em silêncio a tênue iluminação da rua fazendo com que as sombras
dançassem na calçada. Depois de alguns passos, Suzanne começou a sentir os pés
latejarem. Não estava acostumada a usar saltos altos, e apoiou-se no ombro largo por
um momento.
Joe amparou-a solícito e ofereceu o braço para que prosseguissem. Andaram
dois quarteirões em silêncio quando ele perguntou de súbito:
— Você está fugindo de alguém?
— O que o faz pensar isso?
— Bem, não é preciso ser um adivinho para supor que esconde alguma coisa. A
sra. Lena, uma das mais antigas moradoras de Walton, fez um banco de apostas sobre
você. Alguns dizem que está fugindo de um marido violento e cruel, outros dizem que
foge de algum escândalo e apenas uma pessoa apostou que você roubou um banco.
Ela abriu a boca perplexa, indecisa entre rir ou chorar.
— Quem é a sra. Lena?
— Uma velha amiga da família. Ela é um tanto confusa, mas, na maioria das
vezes, é lúcida e sábia. Provavelmente terá chance de conhecê-la no baile.
Suzanne respirou fundo tentando não pensar no incômodo fato de ser objeto
das apostas locais.
— Apostei em algum escândalo — Ele confidenciou tentando fazê-la rir.
Porém, Suzanne não demonstrou nenhuma reação.
— Sinto despontá-lo, mas não é nenhuma das alternativas anteriores — Manteve
o olhar fixo à frente, ouvindo as folhas secas estalando sob os pés enquanto
caminhava. — E por que você deveria se importar?
70
Depois da Chuva Karen White
72
Depois da Chuva Karen White
— Creio que vai chover — A sra. Lena disse de súbito. Suzanne olhou para o céu
de um azul profundo, iluminado pela luz clara das estrelas.
— Venha, mamãe. Vamos encontrar um bom lugar para nos sentarmos.
Ela permitiu que o filho a tomasse pelo braço e a ajudasse a descer alguns
degraus, quando uma cascata de luzes irrompeu pelo céu. Olhou para cima até
encontrar o olhar de Suzanne e sorriu.
— Tenho certeza. Vai chover!
Ed Farrel ergueu a cabeça para enviar-lhe um olhar de desculpas e ajudou a mãe
a descer lentamente a escadaria.
— Boa noite. Foi um prazer conhecê-la — Despediu-se com um aceno.
Suzanne acenou em resposta, detendo a mão em pleno ar ao sentir a presença
de Joe a seu lado antes mesmo que ele falasse.
— Sinto muito. Não pretendia deixá-la sozinha, mas não pude evitar.
A voz profunda fez com que alguma coisa se aquecesse dentro dela, como se um
bloco de gelo começasse a derreter. Sentindo-se desorientada, teve a sensação de
que caminhava às cegas por uma sala familiar onde a mobília fora mudada de lugar.
Respirou profundamente e endireitou os ombros.
— Consigo sobreviver sozinha, obrigada.
— Desculpe, havia esquecido — Joe olhou ao redor — Viu Maddie?
— Ela e Rob estavam conversando com um grupo de adolescentes a cerca de
meia hora atrás. Todos estavam completamente vestidos.
— Puxa, que alívio! — Respondeu no mesmo tom bem humorado — Nesse caso,
não preciso me preocupar. Você gostaria de ver os fogos de artifício? Já reservei
lugares para nós.
Depois de hesitar por alguns segundos, aceitou o braço que ele oferecia.
— A sra. Lena disse que vai chover — Comentou ao descerem os degraus para o
jardim.
— Curioso... Ela costuma acertar a previsão do tempo, mas o céu está tão limpo
quanto a consciência do reverendo Beasley.
Logo que pisaram o gramado defronte ao prédio, uma cascata de luzes e cores
expandiu-se pelo céu como uma bênção gentil, derramando-se sobre todos os
presentes.
73
Depois da Chuva Karen White
Suzanne olhou ao redor, lastimando-se por não estar com sua câmera. Viu casais
jovens e idosos, de mãos dadas, apontando para o céu. Uma jovem mãe com seu bebê
no colo admirava os fogos de artifício, fascinada, quando as irmãs Sedgewick se
aproximaram e cobriram as faces rosadas da criança, de beijos. No outro extremo do
jardim, um grupo de homens tentava fingir que não estava interessado nas mulheres
que conversavam animadamente ao lado deles.
Viu Maddie e Rob circundados por um grupo de alegres adolescentes e sorriu
quando acenou para ela. Então, seu olhar pousou no rosto de Joe. Alheio ao que
acontecia a sua volta, ele parecia fascinado com os fogos de artifício, como se seu
pensamento estivesse distante dali.
Guardou aquela imagem no coração, desejando se lembrar daquela maravilhosa
noite de verão para sempre. E talvez algum dia, quando estivesse longe dali, pudesse
resgatar a lembrança apenas por um momento, antes de devolvê-la ao lugar escuro e
sombrio onde as esperanças e decepções se escondiam.
Fechou os olhos, mas mesmo assim os flashes de luz e as repetidas explosões de
cores ficaram impressos em sua retina. Como seria bom fazer parte daquele mundo,
tão estranho e, ao mesmo tempo, tão familiar! Como seria feliz se pudesse ancorar
suas esperanças naquela cidade, onde todos eram alguém...
— Você está bem?
A voz grave em seu ouvido provocou-lhe um sobressalto. Meneou a cabeça em
afirmativa e deu-lhe as costas, desejando mais uma vez estar com sua câmera para
registrar aquele momento especial de sua vida, enquanto olhava para o clarão no céu e
se permitia sonhar.
74
Depois da Chuva Karen White
Capítulo VIII
75
Depois da Chuva Karen White
A família Bianchi tinha cinco filhos, que alegravam a cozinha com suas risadas.
Nuvens de vapor subiam das panelas no fogão e um delicioso aroma de alho completava
o cenário. Aquele era o único registro que Suzanne guardara do que era uma família.
Durante o pouco tempo em que cuidaram dela, os Bianchi lhe deram o amor que
conservara em algum recanto secreto do coração.
Meses depois, sua mãe fora buscá-la depois de ter alta do tratamento a que
havia se submetido para abandonar o alcoolismo. Suzanne fizera as malas e se mudara
para o apartamento escuro e sombrio no sul de Chicago.
Receava ter de se mudar a qualquer momento e, por um longo período, suas
roupas haviam permanecido dentro da mala.
Talvez as lembranças felizes do período que passara com os Bianchi tivessem
sido responsáveis pelo seu interesse por Anthony de Salvo. O italiano de cabelos
escuros e olhos sedutores era proprietário do restaurante italiano que a atraíra pelo
delicioso aroma de alho frito, que a fazia se lembrar da cozinha de sua mãe adotiva.
Suspirou e apanhou mais uma cabeça de alho para descascar. Por mais que
tentasse reprimir as memórias a imagem da mulher robusta com mãos que lhe
pareciam imensas naquela ocasião e um sorriso terno no rosto, insistia em voltar à
vida.
— E então, o que acham?
A voz de Cassie a distraiu dos devaneios. Olhou para ela, que apontava para o
bolo confeitado com ar orgulhoso.
— Maravilhoso! — Lucinda e Maddie exclamaram ao mesmo tempo.
— E você, Suzanne? O que acha?
— Está magnífico, Cassie. Onde aprendeu a confeitar bolos?
— Oh, se você tivesse seis sobrinhos, entenderia de onde vem tal habilidade! —
Recostou-se na cadeira e acariciou o imenso ventre antes de se voltar para ela —
Continuo achando que a conheço de algum lugar... Estou me esforçando para me
lembrar, mas não consigo. Acredite, esta gravidez tirou a metade da minha capacidade
cerebral! Quem sabe, dentro de um ou dois anos, eu consiga descobrir de onde a
conheço.
— Acho melhor se apressar, porque a srta Paris não vai ficar aqui por tanto
tempo — Maddie disse em tom hesitante, folheando o jornal.
— Talvez ela ainda mude de idéia, meu bem — Lucinda piscou para a sobrinha,
abaixando-se para acender o forno.
77
Depois da Chuva Karen White
79
Depois da Chuva Karen White
80
Depois da Chuva Karen White
81
Depois da Chuva Karen White
Joe abriu a porta da caminhonete e ajudou-a subir, reparando que ela colocara a
bolsa sobre o colo como se estivesse protegendo um valioso bem.
— Haverá muitos convidados na festa?
— Não. Convidamos apenas os amigos mais próximos e a maioria deles você já
conhece. Provavelmente, não vão incomodá-la.
— Oh, não foi isso que eu quis dizer! Só queria ter certeza, de que tenho filme
suficiente. Estou levando minha câmera.
Ele meneou a cabeça e olhou no espelho retrovisor antes de virar à esquerda.
Quando passavam pelo cemitério, um imenso cartaz chamou a atenção de Joe, que
brecou abruptamente.
— O que houve?
— Stinky Harden! — Reclamou por entre dentes antes de descer.
Caminhou com passos firmes até o muro e só então Suzanne percebeu que havia
um cartaz de propaganda sobre o pôster da campanha de Joe. Abaixo do rosto rosado
e sorridente de Stinky Harden, leu as palavras: Você quer que tudo continue igual?
Joe olhou ao redor e, com um movimento rápido, arrancou o cartaz do muro e
levou-o para a caminhonete.
— Por que essa campanha significa tanto para você?
— Não significa tanto assim. Não faço questão de ser reeleito, mas sim de que
esse incompetente não seja nosso próximo prefeito — Vociferou, jogando o cartaz no
banco traseiro.
— E por que não? Vocês dois nasceram em Walton e conhecem os problemas da
cidade. Faria tanta diferença se ele se elegesse?
Ele a fitou profundamente, notando pela primeira vez as pequenas sardas que
cobriam o nariz perfeito.
— Stinky se mudou para Atlanta e ficou por lá desde que se formou. Voltou para
Walton três anos atrás, quando Mary Ettienne, irmã dele, vendeu a casa que herdara
dos pais antes de se mudar para a Flórida. Não tenho certeza, mas ouvi rumores de
que ele está devendo uma pequena fortuna em Atlanta e veio para cá para fugir dos
credores.
— Mas não seria óbvio demais se refugiar na cidade natal?
— Talvez. O fato é que os pais dele deixaram terras nos limites do município
que têm um bosque de mata virgem transformadas em reserva natural pelas leis
ambientais de Walton. Coincidência ou não, foi a partir daí que começou a demonstrar
82
Depois da Chuva Karen White
interesse pela política local — Hesitou por alguns minutos, considerando se deveria
dizer mais — Descobri que ele tem alguns acordos com uma fábrica de papel. Não é
preciso ser brilhante para supor que Stinky se beneficiaria muito por ser uma
autoridade.
— Entendo... Mas, seja como for, ele não tem o direito de colocar cartazes?
— Não no muro do cemitério, e menos ainda sobre o meu cartaz!
A voz era calma e quase hesitante, como se estivesse relutante em demonstrar
a irritação.
— Tem razão. — Suzanne olhou ao redor e desceu da caminhonete. — É um lugar
bonito. Importa-se de nos demorarmos apenas mais alguns minutos? Eu gostaria de
tirar algumas fotografias. A luz está perfeita!
— Claro! Vá em frente. Também preciso de tempo para me recompor.
Ela retirou a câmera da bolsa e trocou as lentes. Atravessou os portões do
cemitério, enquanto Joe permanecia encostado no capo do carro. Sorriu ao vê-lo
menear a cabeça e caminhar na direção de outro cartaz pregado no muro.
As folhas secas espalhadas pelo chão estalaram sob seus pés à medida que
caminhava. Começou a fotografar a hera que subia pelo muro, aproveitando a luz
dourada do entardecer. Trocando as lentes da câmera centrou o foco nas lápides,
algumas tão antigas que os nomes e as datas estavam apagados pelo tempo.
Uma belíssima escultura de anjo sobre um túmulo chamou-lhe a atenção.
Aproximou-se e conteve a respiração ao ver o sobrenome familiar: Warner. Abaixou-
se para ler as inscrições e respirou aliviada quando viu que não era de quem estava
pensando. Então, sentiu a presença de Joe atrás de si antes que pudesse vê-lo. Sem se
voltar, perguntou:
— É o jazigo de sua família?
— Sim. Aqui estão enterrados meus avós e bisavós. Uma lenda da cidade diz que
eles estão aqui desde o começo dos tempos. E eu também estarei aqui algum dia.
Ela estudou o perfil bem-feito, admirando a curva marcante do queixo e a forma
como os cabelos escuros caíam sobre a testa.
— Você nunca pensou em se mudar?
— E por que deveria?
— Não sei... Talvez para encontrar alguma coisa diferente — Ajustou a lente e
focalizou a escultura.
— Simplesmente, por mudar.
83
Depois da Chuva Karen White
— Minha irmã se mudou para Dallas com o marido depois de se casar, há doze
anos, e desde então ela só pensa em voltar para casa. Quando lhe perguntam de onde
é, continua dizendo que é de Walton.
Suzanne abaixou a câmera e o fitou.
— Acho que você não entendeu o sentido do que estou falando — Ele comentou
em tom amargurado.
— Tem razão. Creio que não tenho o registro do que seja um lar — Constrangida,
fingiu estar interessada na inscrição de uma lápide para esconder o sentimento — Sua
irmã tem filhos?
— Três. Dois meninos e uma menina.
— Só três? Puxa, o que há de errado com ela?
Assim que acabou de pronunciar as palavras, Suzanne se arrependeu. Não
pretendia que soasse como provocação, mas era tarde demais.
— Você fala como se ter filhos fosse uma competição. Eles apenas...
Aconteceram.
— Por que teve tantos filhos?
— Desejei todos eles — Olhou para o horizonte, escondendo o rosto —
Desejamos cada um deles.
— Sinto muito por ter brincado com isso — Sentiu-se pouco confortável,
irritada consigo mesma por não conseguir dizer as palavras certas — Não tive intenção
de magoá-lo. Eu apenas... Bem, apenas fiquei curiosa. A maioria das crianças que
conheci não era desejada pelos pais.
Suzanne olhou-o de relance, na expectativa de que suas palavras soassem como
uma explicação. Porém, a expressão indecifrável no rosto viril não lhe deu a resposta
que esperava.
Ajustou a lente da câmera e caminhou para a saída. A meio caminho, um túmulo
majestoso chamou sua atenção. Aproximou-se para ler as palavras gravadas no
mármore e sentiu o sangue congelar ao ver o nome inscrito. Avaliou a imagem sobre a
inscrição, analisando os traços delicados da bela mulher. E admirou-se por Harriet ser
tão jovem. Mesmo estando quase na mesma faixa etária que ela, a esposa de Joe
tivera um o amor de uma família. De súbito, o vazio de sua própria vida pareceu-lhe um
abismo sem fim.
Joe se aproximou e tocou a lápide, acariciando a inscrição com a ponta dos
dedos.
84
Depois da Chuva Karen White
85
Depois da Chuva Karen White
Capítulo IX
86
Depois da Chuva Karen White
87
Depois da Chuva Karen White
Corando até a raiz dos cabelos, ela tentou sorrir com naturalidade, enquanto
Joe tencionava todos os músculos do corpo.
— Pessoal, está na hora! — Sam gritou, batendo na garrafa de cerveja com uma
colher — Ocupem seus lugares!
Assim que acabou de falar, ouviram passos na varanda. Joe arrastou-a para uma
saleta contígua à sala de estar e Suzanne prendeu a respiração ao ver a coleção de
fotografias de família, com exceção de Harry.
Uma, em particular, atraiu seu olhar. As crianças sorriam posicionadas ao redor
de Harriet, sentada em uma cadeira com Amanda no colo. Joe parecia estar radiante
de felicidade atrás da esposa, com as mãos pousadas nos ombros delicados. O foco da
fotografia era a jovem loira que ocupava o lugar do núcleo da família. Parecia feliz, e
Suzanne sentiu um pouco de ciúme ao pensar que aquela mulher era a dona do coração
de Joe.
Nunca saberia o que estava pensando no momento em que a fotografia fora
tirada, mas o posicionamento da família ao redor dela era uma definição em si.
Ela e Harriet pertenciam a mundos opostos não apenas na aparência física, mas
na forma de conduzir a vida. Uma mãe de família e uma mulher solitária...
Duas linhas sem intersecção.
Ergueu os olhos e percebeu que Joe a observava. Naquele momento, a porta da
frente se abriu e um silêncio profundo se abateu sobre a casa.
— Feliz aniversário! — Ecoou o coro potente assim que, Sarah Francês entrou.
O embaraçoso silêncio que se seguiu foi quebrado quanto a adolescente olhou ao
redor, com grossas lágrimas brotando dos olhos, e precipitou-se escada acima sem
olhar para trás.
— Bem, eu não diria que foi um sucesso — Joe balbuciou, fazendo menção de
subir a escada.
— Acho melhor eu ver o que aconteceu, Joe — Cassie o deteve. — É uma
questão feminina.
E subiu lentamente as escadas, segurando o ventre.
Para alívio de Joe, os convidados dedicaram-se à comida e se animaram em
poucos minutos, esquecidos do que acabara de acontecer.
— Creio que você vai precisar disso — Sam se aproximou com uma garrafa de
cerveja e ofereceu-a ao amigo — Entendeu por que quero que meu filho seja menino?
Joe meneou a cabeça em afirmativa, sorvendo um longo gole.
88
Depois da Chuva Karen White
89
Depois da Chuva Karen White
— A propósito, Joe Knoxie comentou que Cassie se mudou para Nova York
quando você e Harriet ficaram noivos — Suzanne comentou, tentando aparentar
naturalidade.
— Bem, não foi exatamente assim. Éramos jovens e imaturos e não medíamos as
consequências de nossos atos...
— Fale a verdade, parceiro! — Sam provocou com um sorriso divertido — A
verdade é que todas as garotas da cidade queriam se casar com você, e Cassie não
suportou perdê-lo para a própria irmã. Mas tudo acabou dando certo, no final das
contas — Sam completou.
— E Cassie se exilou em Nova York por quinze anos... — Suzanne segurou o copo
com ambas as mãos, sentindo a temperatura fria em contraste com a noite quente de
verão — Deve ter sido difícil para ela entender que tudo tinha dado certo.
— Claro que precisei entrar em ação para proporcionar um verdadeiro final feliz
— Sam comentou com bom humor — E, por falar em final feliz, Suzanne, preciso avisá-
la de que encomendei uma banheira de hidromassagem que deverá ser entregue
amanhã à tarde. Não quero que seja surpreendida quando os entregadores chegarem
para instalá-la — Sam olhou de maneira inocente para o casal — Vocês dois são bem-
vindos para usá-la sempre que quiserem.
Suzanne engasgou com o refrigerante, enquanto Joe permaneceu lívido, sem
mover um só músculo. Sam, por sua vez, sorriu como se estivesse falando algo tão
trivial quanto o que teriam para o jantar.
Percebendo a aproximação da sra. Crandall acompanhada por uma das irmãs
Sedgewick, Joe tocou no braço de Suzanne e indicou que saíssem, receando que os
comentários maliciosos se estendessem.
— Lucinda vai servir sua famosa galinha frita. Vamos apanhar os pratos.
— Podem ir. Eu lhes dou retaguarda — Com um grande sorriso, Sam se voltou
para as senhoras que se aproximavam enquanto o casal escapava para a cozinha.
Suzanne pôde observar melhor a decoração. Sorriu ao ver seis capas com as
iniciais de cada filho cobrindo o encosto das cadeiras e a geladeira coberta de
fotografias e recados. O objeto mais singular na cozinha era um grande prato de
cerâmica guardado por detrás da porta de vidro do armário. Nele havia cinco marcas
de dedos, cada uma de uma cor diferente, com uma inscrição Feliz Dia das Mães! Ao
centro.
Era como se estivesse pisando em outro planeta. Quase podia ver Harriet
preparando as refeições, ajudando os filhos a fazer o dever de casa, amamentando
seus bebês no calor aconchegante da cozinha...
90
Depois da Chuva Karen White
91
Depois da Chuva Karen White
— Está vendo este buraco aqui? — Perguntou por fim, mostrando-lhe o defeito.
— É só empurrar um pouco mais as asas... Assim... Pronto! Agora, precisamos ter
certeza de que estão bem alinhadas. Assim, está vendo? Agora, veja se funciona.
Ele o arremessou e sorriu ao vê-lo fazer um vôo rasante.
— Obrigado!
— Não há de quê.
Seu olhar foi capturado pelos olhos de Joe e pôde ver o brilho de um sorriso
iluminando sua expressão.
— Como está o movimento na cidade, xerife?
Ele meneou a cabeça, como se notasse Joe pela primeira vez.
— O de sempre, prefeito. Nada além de alguns atos de vandalismo dos
estudantes — Pegou uma fatia de torta de peca e fechou os olhos para saboreá-la —
Eles insistem em travestir nosso bravo soldado da praça sempre que encontram
oportunidade. E basta ir a sua casa para encontrar o responsável... Melhor, a
responsável!
— Ora, vamos, xerife! Maddie não é a responsável sempre que isso acontece!
Suzanne olhou para Joe, sem entender do que estavam falando, e ele piscou um
olho, escondendo um sorriso.
— Ela está apenas continuando a tradição familiar — O xerife ergueu os ombros
sem esconder um sorriso. — Suponho que agora esteja um pouco difícil para Cassie
subir na estátua, considerando a gravidez adiantada... Além disso, agora ela é uma
respeitável mulher casada. Nada mais natural do que deixar o posto para a sobrinha!
Joe riu com vontade e voltou-se para Suzanne, mas encontrou apenas seu prato
sobre a mesa.
— Com licença, volto em um minuto.
Ele se levantou para sair à procura dela. Encontrou-a no jardim da frente da
casa, ao lado de um arbusto de dama-da-noite, a flor favorita de Harriet è a única a
que se dedicara depois da morte da esposa.
Suzanne estava com os olhos fechados e uma expressão apaixonada no rosto,
inalando o perfume suave da flor que trazia nas mãos.
— Qual é o nome desta flor? — indagou ao sentir a presença de Joe.
— Dama-da-noite.
— É um nome adorável! Por que a chamam assim?
92
Depois da Chuva Karen White
93
Depois da Chuva Karen White
— Por favor, entregue para Sarah Francês — E saiu antes que ela pudesse
responder.
Correu para casa, ansiosa por chegar à solidão de seu quarto. Atirou-se na cama
e permaneceu por um longo tempo olhando para o teto, lembrando-se de como se
sentira quando estava nos braços de Joe. Finalmente adormeceu, com o sabor daquele
beijo nos lábios.
Suzanne resistiu à urgência de sorrir enquanto atendia ao editor-chefe do
jornal Sentinela de Walton. Hall Newcomb fora escolher um presente para sua esposa,
Sugar. Quando ouviu a nome, imaginou uma mulher pequena e delicada. Porém, quando
ele pediu o tamanho grande, a imagem se desvaneceu completamente.
— Vou levar esta! — Exclamou, erguendo uma fina peça de renda preta.
Suzanne fez um bonito pacote de presente e observou enquanto o cliente
satisfeito saía da loja.
Lucinda lhe dissera que as vendas haviam dobrado desde que a contratara. A
princípio, os clientes haviam sido atraídos pela curiosidade natural e, depois de
esgotá-la, pareciam instintivamente confiarem que ela não divulgaria seus segredos
Enquanto guardava as peças que mostrara para o sr. Newcomb, o mobile de sinos
sobre a porta soou. Stinky Harden entrou na loja e sorriu para ela como um gato que
acabara de avistar um rato.
— Olá, srta. Paris. Que pena ter de trabalhar em um dia ensolarado como este!
Talvez queira dar uma volta comigo depois do expediente...
Suzanne respirou fundo, tentando se controlar.
— Obrigada, mas já tenho compromisso.
— Oh, é mesmo? E posso saber do que se trata?
— Vou me encontrar com Maddie Warner para revelar algumas fotografias no
laboratório da escola.
— E teve permissão para isso?
— Claro. O sr. Tener não impôs nenhuma objeção — Respondeu, irritada por
explicar.
Apanhou uma caixa de meias para guardá-la na prateleira, esperando que
percebesse que não estava interessada em conversar.
— Lucinda está aqui?
94
Depois da Chuva Karen White
— Não — Respondeu sem se voltar. Suzanne olhou de soslaio e percebeu que ele
caminhara até a porta para colocar a placa indicando que estava fechada. — O que
está fazendo?
Ele sorriu e atravessou a loja com o olhar fixo sobre ela. Em um gesto de
defesa, Suzanne colocou uma caixa de lingeries sobre o balcão diante dela.
— Não ouse se aproximar!
— Não se preocupe, não vou machucá-la. Quero apenas conversar com você a
sós. Já que está ocupada demais para sair, sou obrigado a conversar aqui.
Ela estendeu a mão para alcançar o telefone na parede e pedir ajuda, mas
congelou o movimento quando pensou nas implicações que aquele gesto poderia ter.
Afinal, estava sendo procurada por Anthony como se fosse uma foragida e não queria
envolvimentos com a polícia.
— Vamos falar sem rodeios, srta. Paris. Nós dois sabemos que você está
escondendo alguma coisa. Ninguém vem do nada e escolhe uma cidade como Walton
sem nenhuma razão. Então, quando percebi que se tornou muito próxima do atual
prefeito, achei que seria de interesse público saber que tipo de pessoa é você —
Sorriu, sem esconder a satisfação ao ver o pânico nos olhos de Suzanne.
Com um esforço sobre-humano, ela fingiu estar indiferente e voltou a embalar
as lingeries espalhadas sobre o balcão.
— Acho que é meu dever civil saber sobre suas referências nos empregos
anteriores, pois creio que Lucinda ainda não fez isso.
— Trate desse assunto com ela. Apenas trabalho aqui.
— Sei qual é o seu jogo, srta. Paris. Mas não conseguirá esconder seu passado
por muito tempo. E diga a seu namorado para ter mais cuidado com suas companhias.
Eleições já foram perdidas por muito menos.
Ele lhe deu as costas e seguiu para a porta, voltando-se com um sorriso
malicioso antes de sair.
— Tenha um bom dia. — Retirou a placa indicando que a loja estava fechada e
deixou que a porta batesse atrás de si.
Antes que seus joelhos a traíssem, Suzanne se sentou no chão. Apoiou o rosto
nas mãos, tentando ignorar a náusea que contraiu seu estômago.
A voz de sua consciência lhe dizia para partir naquele exato instante. Então se
lembrou do perfume da dama-da-noite e do sabor dos lábios macios de Joe e fechou
os olhos. Ainda não, seu coração implorou.
95
Depois da Chuva Karen White
Por mais que estivesse em risco, seu coração criara raízes. Não podia mais
simplesmente ignorá-las, fazer as malas e partir.
— Ainda não — murmurou, deixando que o pranto fluísse livremente.
Capítulo X
96
Depois da Chuva Karen White
97
Depois da Chuva Karen White
filho e penteou os cabelos loiros com os dedos — Sarah Francês se trancou no quarto
e se recusa a sair. Não se preocupe com ela. E todos já jantaram.
Joe se adiantou um passo e ela entrou em pânico ao imaginar que pudesse
mencionar o beijo. Em vez disso, suspendeu Harry no ar, esperando que o segurasse.
Sem saber o que fazer, Suzanne abriu os braços e apanhou a criança, que se
atirou em seus braços. O ursinho de pelúcia que carregava caiu ao chão e ele apontou-o
com a voz de choro.
— Wooble!
Joe se abaixou para apanhá-lo, e Harry abraçou-o antes de apoiar a cabeça nos
ombro de Suzanne. Ela prendeu a respiração, surpresa com a doçura e a maciez do
contato.
— Ele está pronto para ir para cama — Joe disse com um sorriso, acariciando o
rostinho rosado — E não hesite em ligar se precisar de alguma coisa.
— Não se preocupe, ficaremos bem — tranquilizou-o, fazendo menção de entrar
na casa.
— Maddie vai ao cinema depois da reunião, e não devo chegar tarde.
Beijou o rosto do filho antes de se despedir com uma leve inclinação de cabeça
e seguir para a caminhonete.
Aliviada por ter sobrevivido ao encontro, ela subiu os degraus da varanda
sorrindo ao perceber que Harry adormecera em seu colo.
Encontrou o quarto dele com facilidade, seguindo o rastro do perfume de talco
de bebê ao longo do imenso corredor do segundo andar. Acomodou-o no berço com
cuidado e saiu na ponta dos pés para não acordá-lo.
Antes de fechar a porta, observou-o por um longo tempo, pensando em sua mãe
pela primeira vez em muitas semanas. Teria ela acalentado seu sono quando era bebê?
Teria sentido o mesmo desejo de protegê-la? Teria se enternecido com a doçura de
um rostinho inocente adormecido?
Desconcertada por identificar tais sentimentos em si mesma, Suzanne prendeu
a respiração. De onde viriam, se ela própria nunca tivera a proteção e o amor da mãe?
Então, uma memória distante emergiu em seu pensamento e lembrou-se de mãos gentis
e suaves e de um rosto cujos traços mal podia evocar.
Olhou para as prateleiras silenciosas, repletas de bichos de pelúcia. O papel de
parede azul com finas listas brancas era entrecortado por desenhos de ursinhos a
caminho de um pique-nique. O quarto bonito e acolhedor fora decorado pelas mãos de
uma mãe amorosa, concluiu.
99
Depois da Chuva Karen White
100
Depois da Chuva Karen White
Bateu de leve e, quando não obteve resposta, abriu a porta com vagar.
— Sarah Francês? Sou eu, Suzanne. Você está bem?
— Vá embora! — A voz debilitada não soou convincente.
— Posso fazer isso, mas receio que você esteja doente.
— Dei-me em paz! — Balbuciou de forma quase inaudível.
— Não. Vou entrar e ver como você está.
Esperou por alguns momentos e, ao perceber que não fez nenhuma objeção,
entrou e se sentou à beira da cama.
A decoração típica de um quarto de adolescente a fez se lembrar de como
sonhara com um dormitório como aquele. Voltou a atenção para Sarah Francês, deitada
sobre uma pilha de travesseiros. A pele avermelhada indicava que estava com febre.
— Você não parece estar bem. — A adolescente não ofereceu resistência
quando lhe tocou a testa. — Creio que está com febre. Vou chamar seu pai, está bem?
Ela meneou a cabeça em afirmativa, quase sem forças. Suzanne cobriu-a com um
acolchoado e ajeitou os travesseiros para que se acomodasse melhor.
— Vocês têm termômetro? — Indagou, observando os pequenos pontos
vermelhos destacando-se na pele alva.
— Está no armário do banheiro.
— Vou buscá-lo. Volto em um minuto.
Encontrou o termômetro no estojo de primeiros socorros e apanhou uma toalha,
umedecendo-a com água morna. Ao sair, lembrou-se de colocar algumas gotas de
perfume.
Ao voltar, o rosto de Sarah Francês parecia ainda mais vermelho e teve a
impressão de que haviam surgido mais erupções na pele. Tentando aparentar calma,
cobriu a testa febril com a toalha e saiu para telefonar para Joe.
Quando retornou, encontrou-a tremendo de frio.
— Você colocou perfume na toalha — Murmurou, batendo o queixo.
— Lembrei-me que minha mãe fazia isso quando eu estava com febre. Alguém a
ensinara quando era criança, e ela dizia que a fazia se sentir melhor. Achei que
poderia ajudar.
—Minha mãe também costumava colocar perfume na toalha.
101
Depois da Chuva Karen White
Suzanne ficou em silêncio, refletindo sobre mais uma coincidência naquela noite.
Olhou ao redor e notou que a pequena caixa com o presente de aniversário que lhe
dera permanecia intocada sobre o criado-mudo.
— Seu pai vai passar na casa de Sam e estarão aqui em alguns minutos. Posso
fazer alguma coisa para ajudá-la enquanto esperamos?
— Não. Vá embora.
Sarah Francês mantinha os olhos fixos na parede oposta, evitando encará-la.
Em vez de fazer o que ela pedia, Suzanne sentou-se na poltrona ao lado da
cama.
— Não posso. Você está doente e ficarei a seu lado até que seu pai chegue —
Anunciou, resistindo ao impulso de acariciar o rosto febril. — O que mais sua mãe
fazia quando você ficava doente?
A menina resistiu alguns minutos antes de responder:
— Mamãe cantava, mas era tão desafinada que nos fazia sentir pior! —
Exclamou, esboçando um sorriso.
— Oh... Se quiser, posso tentar. Já me disseram que tenho uma boa voz.
— Como quiser — Sarah Francês ergueu os ombros tentando demonstrar
indiferença.
Suzanne se recostou na poltrona e fechou os olhos, vasculhando a memória à
procura de canções antigas de sua infância. Respirou fundo e começou a cantarolar
baixinho uma suave melodia que Lourdes Bianchi costumava cantar para os filhos.
Joe ouviu a voz melodiosa soando como um murmúrio assim que abriu a porta.
Sam parou diante dele e olharam um para o outro, atônitos. Subiram correndo a
escada e pararam diante da porta do quarto, para encontrar Suzanne sentada na
poltrona com os olhos fechados, cantando uma canção de ninar com a voz de um anjo.
Sarah Francês voltara o rosto para ela ouvindo com atenção.
Encantado com a cena, Joe levou alguns segundos para focalizar a atenção no
rosto da filha, e precipitou-se abruptamente para o interior do quarto.
— O que houve? — Sentou-se à beira da cama e beijou o rosto febril.
Com um sobressalto, Suzanne abriu os olhos e se levantou.
— Ela está com febre. Ainda não tomou nenhum medicamento.
A voz soou como desculpa e ela pareceu tão doce e terna que Joe teve de
conter o impulso de beijá-la.
102
Depois da Chuva Karen White
103
Depois da Chuva Karen White
106
Depois da Chuva Karen White
Deitou-se sobre ela, apoiando-se nos cotovelos para protegê-la de seu peso
enquanto a beijava com paixão. A dança sensual das línguas ávidas teve um efeito
explosivo sobre seus hormônios, e girou o corpo para o lado antes que perdesse
autocontrole.
Moveu as mãos para encontrar os seios fartos, sentindo mamilos se enrijecerem
ao toque. Ao sentir que ela arqueava as costas, encorajando-o a seguir em frente,
deixou que suas mãos percorressem a pele acetinada e subissem para desabotoar o
fecho do sutiã.
Despiu-a com urgência, expondo os seios fartos. Uma fina penugem dourada no
pescoço brilhava à luz do luar, fazendo com que uma vaga lembrança o atingisse com
um impacto que o fez voltar à realidade.
Joe se sentou, aturdido, e cobriu o rosto com as mãos.
Chocada, Suzanne abaixou a blusa e se sentou.
— Não sou Harriet — Murmurou em um fio de voz.
— Não. Você não é.
— Creio que seria melhor se nos mantivéssemos distantes. Não quero que isso
aconteça de novo — Ela se levantou e calçou as sandálias — Há muita coisa que você
não sabe a meu respeito e que poderiam prejudicar suas chances de ser reeleito.
Joe sentiu o coração se apertar no peito enquanto a observava se afastar até
que desaparecesse na escuridão. Queria chamá-la e implorar que voltasse, mas não
conseguiu.
Seu mundo se escureceu por um momento. Olhou para o céu no momento em que
uma pesada nuvem encobria a lua. As estrelas haviam desaparecido e os grilos
emudeceram subitamente, como se estivessem mantendo um silêncio solene em
respeito ao que acabara de acontecer.
Joe se ergueu e caminhou com passos rápidos para casa antes que a primeira
gota de chuva começasse a cair.
107
Depois da Chuva Karen White
Capítulo XI
108
Depois da Chuva Karen White
109
Depois da Chuva Karen White
110
Depois da Chuva Karen White
— Você precisa conversar com seu pai, mas, na minha opinião, deveria participar
do concurso. E se vencer, deve seguir em frente. Tenho certeza de que ele vai apoiá-la
em qualquer coisa que você decida fazer — Fez uma pausa antes de prosseguir: — Não
há nada de errado em desejar algo diferente.
Maddie se concentrou enquanto despejava o fixador no tanque. Agitou-o em
círculos, medindo o tempo.
— Você não acha que ele vai ficar furioso comigo? — Indagou sem tirar os olhos
do cronômetro.
— Talvez fique triste e se sinta só, mas não acho que ficará furioso. Ele é um
pai maravilhoso — Suzanne sentiu uma onda de comoção ao pensar em Joe e mudou de
assunto rapidamente — Bem, vamos começar a etapa da lavagem.
Com cuidado, Maddie apanhou a película e colocou-a sob água corrente por vinte
minutos.
— Você se importaria de colocá-la para secar? Combinei ir ao cinema com Rob e
não quero me atrasar para a sessão das seis horas.
— Nesse caso, é melhor se apressar — Suzanne olhou para o relógio de parede.
— Obrigada. — Maddie enxugou as mãos e a fitou — Suzanne...
— Humm?
— Gostaria de lhe pedir mais um favor... — Hesitou antes de prosseguir —
Tente escolher alguma foto boa o bastante para o concurso... Isto é, se encontrar
alguma que valha a pena.
Suzanne meneou a cabeça e sorriu. Notou a insegurança e o medo estampados
no rosto jovial e desejou ter uma poção mágica que a fizesse confiar mais em si.
— Fique tranquila, tenho certeza de que a encontrarei.
Maddie sorriu com gratidão e, ao ver sua instrutora recostada no balcão com as
mãos por detrás das costas, seu coração se apertou. Ela parecia tão solitária que
quase a convidou para sair. Então, lembrou-se do que seus amigos estavam planejando
fazer naquela noite e mudou de ideia.
— Bem, preciso ir embora. Obrigada pela ajuda.
Em um impulso, abraçou Suzanne e quase se arrependeu ao senti-la recuar.
Respirou fundo quando ela relaxou e correspondeu ao abraço.
— Obrigada mais uma vez — Murmurou, seguindo para a porta.
111
Depois da Chuva Karen White
— Foi você quem fez todo o trabalho! Não fiz nada a não ser ficar por aqui e
observá-la.
— Não é verdade. Sem você, eu não teria seguido em frente.
— Esqueça. Agora vá, antes que Rob desista de esperar.
— Está bem. Por favor, não se esqueça de verificar se a porta está trancada
antes de ir embora, ou o sr. Tener nunca mais vai nos deixar vir ao laboratório.
— Certo. Divirta-se!
Maddie abriu a porta e virou-se antes de sair.
— Quase ia me esquecendo... Charles Harden deverá passar por aqui para deixar
um trabalho do clube de fotografia para o sr. Tener. Se ainda estiver aqui, não o deixe
ver minhas fotografias.
— Ele tem algum grau de parentesco com Stinky Harden?
— É filho dele. Charles Júnior é a versão em miniatura do pai.
— Achei que Stinky não fosse casado.
— Ele é divorciado — Maddie comentou, tentando esconder impaciência por sair.
Como se estivesse lendo sua mente, Suzanne abriu a porta e empurrou-a para
fora com gentileza.
— Não quero prendê-la por mais tempo. Não se preocupe, vou tomar conta das
fotografias.
— Obrigada. Vejo-a mais tarde.
Suzanne acenou e fechou a porta. Colocou os negativos para secar e, enquanto
esperava que ficassem prontos, foi até a cantina da escola para comprar um lanche.
Voltou o mais depressa que pôde e sentou-se diante do balcão para comer. Ao
terminar, recolheu-os do varal, pondo-se a avaliá-los calmamente.
Demorou-se a estudar as cinco primeiras poses que havia tirado no cemitério,
antes de entregar a câmera para que Maddie registrasse a festa-surpresa da irmã.
Não ficou satisfeita com o resultado até deparar com a pose que havia tirado do
túmulo de Harriet. Prendeu a respiração ao ver o efeito espetacular que conseguira.
Embora estivesse vendo as imagens no negativo, percebeu: que conseguira
captar uma delicadeza rara com sua câmera. Parecia haver uma bruma suave no ar que
proporcionava uma impressão etérea de magia.
Verificou a primeira fotografia do rolo e não encontrou o mesmo resultado.
112
Depois da Chuva Karen White
Estendeu o filme contra a luz para obter maior nitidez e passou a analisar as
fotografias que Maddie havia tirado na festa de aniversário de Sarah Francês.
Respirou fundo e se concentrou, disposta a estudá-las uma a uma com olhar crítico.
Estavam maravilhosas! Concluiu com um sorriso orgulhoso depois de analisar
quatro poses. Não havia dúvida, aquela garota tinha um talento especial! Embora
necessitasse aprimorar técnicas de enquadramento e foco, Maddie conseguia captar
as emoções autênticas de seus modelos.
Passou para a pose seguinte e prendeu a respiração ao ver a fotografia de
Cassie abraçada a Sarah Francês, tirada logo depois que desceram do quarto. A
cabeça de Sarah repousava sobre o ombro da tia e os olhos abertos, revelando uma
combinação de sobressalto e indignação, fitavam a lente da câmera. Apenas a mão de
Cassie estava visível sobre a cabeça da adolescente em um gesto de proteção.
Era a mão de uma mãe carinhosa confortando o desamparo e a insegurança da
adolescência.
Nem mesmo o fato de conhecer o relacionamento das duas alterou a primeira
impressão de Suzanne. A fotografia estava perfeita para enviar ao concurso da
revista Lifetime, decidiu.
Continuou a estudar os negativos da festa, admirada com a sensibilidade de sua
aluna. Maddie sabia como captar a essência e a natureza da alma com as lentes da
câmera. Riu ao ver a fotografia das crianças brincando no gramado e a risada se
transformou em uma gargalhada ao ver o flagrante de um prato repleto de comida,
sustentado por mãos roliças e avermelhadas. Provavelmente, era o prato de Ed Farrel,
concluiu.
Ainda estava sorrindo quando seu olhar recaiu sobre a última pose do negativo.
Então, seu sorriso congelou.
A estranha bruma estava presente, da mesma forma que na fotografia que
tirara no cemitério. A névoa esbranquiçada e etérea concentrava-se em um único
ponto e parecia estar atravessada pelo brilho prateado do luar.
Seu rosto aparecia em foco, os lábios entreabertos, separados de Joe por
apenas um suspiro. A boca sensual expressava o desejo incontido e era o único traço
do rosto viril que não se escondia na sombra. Se não soubesse que era Joe quem
estava lá, seria impossível identificá-lo. Seu próprio perfil, no entanto, aparecia por
inteiro e ocupava o centro da fotografia.
Constrangida ao ver a expressão do mais puro enlevo estampada em seu
semblante, Suzanne olhou ao redor, como se quisesse se certificar de que mais
113
Depois da Chuva Karen White
ninguém pudesse vê-la. Sentia-se nua ao olhar para a mulher na fotografia, com a
impressão de que olhava para uma estranha.
Seu coração perdeu um compasso diante da constatação óbvia a que chegou. Não
tinha a menor dúvida de que aquela fotografia poderia ganhar o concurso!
Era a perfeita combinação de inocência e desejo. Era simplesmente brilhante!
Enquanto a contemplava, lembrou-se de uma lenda que ouvira em uma aula de
arte, anos antes.
Dizia a lenda que certa tribo nativa da África nunca permitira que os visitantes
tirassem fotografias, pois acreditavam que sua alma seria capturada. De súbito,
compreendeu o que queriam dizer.
Fechou os olhos, tentando se acalmar. Permitir que aquele retrato fosse
publicado em uma revista de circulação nacional era o mesmo que assinar sua sentença
de prisão! Anthony não perderia tempo em ir a seu encalço.
Àquela altura, já teria descoberto que ela vendera a coleção de Gertrude
Hardt, e tremeu só de pensar na reação violenta do ex-noivo quando a encontrasse.
Um arrepio gelado transpassou-lhe a coluna ao se lembrar dos momentos de
terror que vivera ao lado dele. A única chance que encontrara para deixar de ser o
objeto do sadismo de Anthony fora se refugiar em um local onde ninguém a conheces-
se... E fora então que Walton passara a ser o lar que nunca tivera.
Debruçando-se sobre o balcão, tentou pensar em alguma saída. A idéia de
magoar Maddie era insuportável, mas a noção de que sua vida estaria em risco se o ex-
noivo descobrisse seu paradeiro a impedia de raciocinar.
Por que não partira enquanto ainda era tempo? Recriminou-se. Tudo seria mais
fácil se estivesse longe daquele lugar que a deixara tão vulnerável às emoções...
Voltou a olhar para a imagem, começando a se desesperar. Quando sua vida
controlada dera lugar àquela confusão? Sempre soubera impor a razão sobre a
emoção, mas agora já não podia mais simplesmente ir embora sem olhar para trás.
Comprometera-se a completar o álbum de Maddie e tinha de cumprir a promessa que
fizera a si mesma de terminar o trabalho que Harriet começara.
Com um suspiro profundo, levantou-se e se pôs a andar pela pequena sala.
De súbito, tomou uma decisão.
— Sinto muito, Maddie... — Murmurou, apanhando uma tesoura.
Sem hesitar, cortou a última pose do negativo e observou-o cair ao chão como
uma memória perdida.
114
Depois da Chuva Karen White
115
Depois da Chuva Karen White
— Vai descobrir em breve. Mal posso esperar para ver a reação do prefeito
quando ficar sabendo! Vai ser muito divertido!
Suzanne recuou um passo e congelou ao ver o negativo que cortara caído no
chão. Com a maior discrição que pôde, cobriâ-o com o pé e, assim que teve
oportunidade, abaixou-se e jogou-o na lata de lixo.
Porém, a delicada operação a impediu de proteger os negativos dependurados.
Quando se voltou, Charles as observava com interesse.
— Puxa, estão muito bons! São seus?
— Não. São de Maddie — Informou, recolhendo-os apressadamente para
guardá-los em um envelope.
— Ela vai concorrer com alguma dessas poses no concurso da revista Lifetimel
— Não sei. Ela ainda não decidiu se vai participar. Foi um prazer conhecê-lo,
Charles. Você poderia trancar o laboratório antes de ir embora?
— Claro, não há problema. Diga olá a Maddie por mim.
Suzanne sentiu um arrepio enquanto caminhava pelo estacionamento da escola,
sem parar para refletir se era devido à queda de temperatura ou ao sentimento de
culpa que oprimia seu peito.
Com passos rápidos, seguiu o caminho para casa. As últimas luzes do dia
emprestavam um colorido avermelhado ao céu.
Atravessou a rua em direção à praça central do vilarejo, observando os últimos
raios de sol iluminando as ruas desertas. Aquela era a hora do jantar em Walton, o
momento em que as famílias se reuniam ao redor da mesa e se uniam em uma prece de
agradecimento.
A brisa fresca fez com que as folhas secas se agitassem no chão. Olhou para o
busto feminino no centro da praça, imaginando se aquela mulher seria tão solitária
quanto ela. Definitivamente, precisava tirar uma fotografia da escultura antes de ir
embora, pensou.
Relanceou o olhar para a estátua do soldado e parou espantada. Ele fora vestido
com um sutiã vermelho de renda e trazia uma vistosa echarpe rosa-vivo ao redor do
pescoço. Os lábios pareciam estar pintados de vermelho, muito similar à cor do batom
de Lucinda... Ao se aproximar, pôde observar mais claramente os traços do bravo
combatente enfatizados por uma maquiagem carregada, que incluía cílios postiços.
Sua primeira reação foi rir. Oh, Maddie! Você é especial! Pensou enquanto
contornava a estátua, observando todos os detalhes da cuidadosa produção.
116
Depois da Chuva Karen White
Capítulo XII
117
Depois da Chuva Karen White
119
Depois da Chuva Karen White
Quase podia ver os pedaços de sua vida girando ao seu redor, como uma
infinidade de círculos à procura de um ponto de foco. Finalmente, colocou a chave na
ignição e ligou o carro, seguindo para casa.
Um ruído abafado no jardim despertou Suzanne. Sentou-se na cama para
perscrutar a escuridão da noite. Por um breve momento, sentiu-se com oito anos de
idade novamente, esperando que sua mãe voltasse depois de uma semana de ausência.
Quase podia sentir o cheiro de uísque no quarto escuro.
Bocejando, levantou-se e estendeu os braços para se orientar.
Ouviu o ruído mais uma vez e julgou que fossem duas vozes, feminina e
masculina, vindas da varanda. Vestiu o robe, o único item que comprara na butique de
Lucinda, e desceu a escada enquanto amarrava o laço na cintura. Acendeu as luzes da
varanda e abriu a porta.
— Olá, srta. Paris...
Maddie saudou-a com voz pastosa. Estava parada no último degrau da escada
com Rob atrás dela, com os braços envolvendo-a pela cintura, e mal conseguia se
manter em pé.
— Você está embriagada!
Horrorizada, Suzanne recuou um passo. Tentou manter a calma, mas a
lembrança de situações semelhantes que vivera com a mãe impossibilitou-a de
raciocinar.
— Não estou tão bêbada, não é, Rob? — Balbuciou com dificuldade, apoiando-se
nos ombros do rapaz.
— Suponho que você tenha alguma coisa a ver com isso, Rob!
— Não, srta. Paris! Eu não gosto de bebidas alcoólicas — Relanceou o olhar para
a namorada com expressão preocupada — Estávamos com Clarissa e dois amigos a
caminho de Atlanta e achei que ela estava tomando refrigerante... Não sabia que havia
colocado uísque no copo! Quando percebi, dirigi de volta para cá.
— Vocês pretendiam ir para Atlanta? O pai dela não a autorizou!
— Ela me disse que o treinador Warner havia concordado! Se eu soubesse, não
teria ido.
— Por que Vieram para cá? Não seria melhor levá-la para casa?
Rob tentou empurrar a namorada para a varanda, mas as pernas dela se
recusaram a cooperar.
120
Depois da Chuva Karen White
— Acredite, srta. Paris, é melhor que ela fique aqui — Com cuidado, ajudou-a a
se sentar no degrau — O treinador Warner vai ficar furioso se a vir neste estado!
— E vai responsabilizá-lo por ter permitido que ela bebesse!
— Mas, srta. Paris, eu não sabia! — Fitou-a ofendido — E, mesmo que soubesse
não posso me responsabilizar pelo que ela faz.
— Por favor, Suzanne, não posso ir para casa agora — Maddie suplicou — Papai
vai me matar!
O cheiro forte de uísque ficou impregnado no ar. Suzanne virou-se para entrar
e ligar para Joe, mas se lembrou de um negativo na lata de lixo do laboratório de
fotografia e o sentimento de culpa a impediu de prosseguir.
— Está bem. Vou cuidar dela.
Com relutância, enlaçou-a pela cintura e ajudou-a a se levantar.
— Nós nos veremos amanhã — Rob despediu-se com um beijo.
Maddie olhou para as paredes como se não conseguisse encontrar o foco e
acenou para o namorado.
— Venha, vou levá-la para a cama.
Suzanne segurou-a com firmeza e conduziu-a para a sala, sem deixar de notar o
pânico se evidenciando nos olhos arregalados.
— Obrigada... — A voz cheia de medo e arrependimento tocou-a no coração —
Não tenho para onde ir.
A princípio, não entendeu por que ela não havia pedido ajuda a qualquer um de
seus amigos. Na certa, nenhum dos moradores de Walton se recusaria a acolhê-la.
Porém, de súbito, percebeu o significado do que ela realmente queria dizer. Sua
casa era o único lugar onde poderia ir sem magoar o pai. Era como se, naquelas breves
palavras, Maddie lhe entregasse toda a confiança que alguém poderia ter.
— Descanse um pouco antes de subirmos para o quarto. Vou preparar um café
e...
— Oh... Não estou me sentindo bem... — Maddie a interrompeu com uma careta.
— Acho que vou...
Com a eficiência adquirida depois de anos de experiência com a mãe, Suzanne
correu para a cozinha e voltou com um saco plástico a tempo de salvar o chão da sala.
Levou-o para o lixo e voltou com um copo de água.
— Está se sentindo melhor?
121
Depois da Chuva Karen White
122
Depois da Chuva Karen White
Suzanne envolveu-a em um abraço de uma forma que ela própria gostaria de ser
abraçada. Acariciou os cabelos longos com gentileza enquanto permaneciam unidas,
com as lágrimas se confundindo em um único pranto.
Ao perceber que ela se acalmara, deitou-a com gentileza e a cobriu com um
acolchoado. Esperou até ter certeza de que havia adormecido e desceu para a cozinha.
Apanhou o telefone e discou os números da casa de Joe. Ele atendeu ao
primeiro toque, deixando evidente que ainda não dormira.
— Olá, Joe. Maddie está aqui.
— Graças a Deus! Estou indo até aí para buscá-la.
— Não é preciso. Ela está dormindo agora e creio que seja melhor deixá-la aqui.
Prometo levá-la para casa amanhã bem cedo.
— O que aconteceu com ela?
— Conversaremos amanhã, está bem?
— Há alguma coisa errada com minha filha? Ela andou bebendo?
— Acho que será melhor que ela mesma lhe conte o que aconteceu. Por enquanto,
tudo que precisa saber é que está bem.
— Rob está envolvido? — Insistiu ele, ansioso demais para ouvi-la.
— Não, ao contrário. Foi ele quem cuidou de Maddie e a trouxe para cá. E,
agora, é melhor irmos dormir. Eu queria apenas avisá-lo de que ela está bem e estará
em casa amanhã cedo.
— Não.
— Não?
— Nós saímos para correr todas as manhãs, às seis e meia. Avise-a de que
deverá estar à minha espera quando eu descer a escada para tomar o café da manhã,
ou então ficará de castigo por um mês.
— Joe, ela não fez nada de errado. Eu não acho que...
— Sou o pai dela. Eu dito as regras!
Suzanne ficou em silêncio por um momento.
— Está bem. Esteja certo de que estará em casa a tempo de sair para correr.
— Suzanne?
— Humm?
— Obrigado.
123
Depois da Chuva Karen White
125
Depois da Chuva Karen White
— Sinto muito — murmurou — Não por sua mãe, mas porque a fiz sofrer
relembrando tudo isso. Fui muito imatura.
— É verdade. Por favor, não faça isso novamente.
Concordou e despediu-se com um aceno.
Suzanne acompanhou-a com o olhar até que desaparecesse no corredor. Então,
com um suspiro profundo, caminhou para a cozinha.
Embora a luz estivesse acesa, encontrou-a vazia. Desligou o interruptor e
preparava-se para ir embora quando avistou Joe adormecido no sofá da sala de
televisão, com o controle remoto nas mãos.
Entrou na ponta dos pés e desligou a televisão. Cobriu-o com um xale que estava
sobre o braço do sofá e retirou seus chinelos, colocando-os no chão para que os
encontrasse ao acordar.
Hesitou em ir embora ao pensar que gostaria de ter certeza que Maddie estava
bem. Sentou-se na poltrona à frente do sofá, decidida a esperar mais alguns minutos.
Involuntariamente, seu olhar fitou o rosto de Joe. Recostou a cabeça no
espaldar da poltrona e se pôs a estudá-lo.
Enquanto dormia, ele mais parecia um garoto, com os cabelos negros em
desalinho caindo sobre as têmporas. A linha de preocupação em sua testa parecia ter
se suavizado pelo sono e a sombra de um sorriso insinuava-se nos cantos da boca, o que
a fez supor que estivesse tendo sonhos agradáveis.
Demorou-se em observá-lo até que não pôde mais lutar contra o sono. Acordou
com os raios de sol no rosto e um delicioso aroma de café vindo da cozinha.
Sobressaltada, abriu os olhos e notou que alguém colocara o xale sobre seus ombros e
estava sozinha na sala. Sentou-se rapidamente e viu Joe sentado à mesa na sala de
jantar, observando-a.
— Você fica diferente quando dorme.
— Você também — ela disse, esfregando os olhos.
— Espero que seja um elogio.
— Eu também! — Bocejou e sentou-se à mesa, aceitando a xícara de café que ele
lhe oferecia — Quis esperá-lo acordar para lhe dizer que Maddie está dormindo no
quarto dela.
Ele fitou-a com expressão severa.
— Todos já devem estar comentando que você deu cobertura à filha do
prefeito.
126
Depois da Chuva Karen White
127
Depois da Chuva Karen White
128
Depois da Chuva Karen White
— Não sei — Respondeu, abrindo a porta da frente. Antes que ele pudesse dizer
mais alguma coisa, fechou a porta e seguiu para casa com passos rápidos.
Capítulo XIII
Suzanne olhou mais uma vez para a anotação em sua agenda e procurou pelo
número setenta e dois, detendo-se diante de uma pequena e acolhedora casa térrea
pintada de cor-de-rosa, a mesma cor do carro de Lucinda. Abriu o portão e seguiu pelo
caminho de pedregulhos que levava à varanda, pensando que todos os habitantes
daquela cidade podiam se orgulhar dos jardins bem cuidados.
Quando ia levar a mão para tocar a campainha, a porta da frente se abriu de
súbito. Ao deparar com Darlene, hesitou por alguns segundos, receando ter chegado
no horário impróprio. Ela estava vestida com elegância, como se estivesse pronta para
ir a uma festa. Usava pantalonas de seda, maquiagem e saltos altos.
— Olá, Darlene. Cheguei na hora certa? Parece que está esperando alguém.
— Não seja tola, querida. Quando uma mulher chega aos quarenta anos e
continua solteira, precisa estar sempre preparada, caso o Príncipe Encantado toque a
campainha. Entre.
Suzanne teve a sensação de estar entrando em uma casa de bonecas. Todas as
superfícies disponíveis da mobília estavam cobertas com bibelôs de todos os tipos e
tamanhos. A casa fora arrumada com esmero e se pôs a imaginar que aquele seria o
tipo de lar que combinaria com Anthony.
De súbito, percebeu que estava comparando aquela casa com a de Joe, cuja
desordem, em um primeiro momento, a desorientava, mas era exatamente o que lhe
dava o aspecto da vida pulsante de um lar verdadeiro.
129
Depois da Chuva Karen White
— Tenho um quarto vazio nos fundos, onde guardo tudo que não uso no dia-a-dia.
Vamos até lá.
Ao passarem pela cozinha, Suzanne inalou o delicioso aroma de pão assando no
forno.
— Preparei um lanche para mais tarde, mas teremos de esperar até que os pães
fiquem bem dourados — Avisou, conduzindo-a para o quintal.
Com outro olhar de relance para a imaculada organização, seguiu-a para uma
edícula aos fundos da casa.
— Esta é minha oficina de trabalho, onde posso fechar a porta e fazer toda a
bagunça que quero.
Suzanne sorriu e se esforçou para encontrar alguma desordem naquele quarto,
que parecia tão organizado quanto o restante da casa.
— Querida, achei maravilhoso que você tenha concordado em completar o álbum
de Maddie. Eu sei como Harriet se sentia a respeito disso. Ela pretendia preservar a
história da família para as futuras gerações. Queria fazer um álbum para cada filho...
Foi uma pena não ter tido tempo de terminar nem sequer o primeiro.
Abriu o armário e retirou um embrulho bem-feito. Descolou com cuidado a fita
adesiva que o envolvia e colocou-o sobre a mesa.
Suzanne puxou-o para si como se estivesse tocando em uma relíquia. Ele
continha as esperanças e os sonhos de uma mãe amorosa. Passou a ponta dos dedos
sobre o papel de seda azul, contornando o nome em alto-relevo escrito na capa.
— Madison Cassandra Warner — Leu em voz alta — Eu não sabia o nome
completo de Maddie. O nome do meio é uma homenagem à tia, não é?
— Sim. Harriet e Cassie sempre foram muito próximas.
— Como era Harriet?
Aquela era a primeira vez que dizia o nome da esposa de Joe, e soou natural
para seus lábios.
— Oh, ela era linda! E não apenas na aparência física. Harriet tinha um coração
de ouro. Amava a todos e todos a amavam. — Meneou a cabeça, com ar pensativo —
Mas todos tinham medo quando ficava brava... Ela virava uma fera! E se alguma coisa
precisava ser feita, era a primeira a tomar a iniciativa.
— Agora entendo por que todos parecem adorá-la.
— É verdade. Joe ficou maluco quando ela morreu. Se não fosse pelos filhos,
acho que não teria tido forças para seguir em frente.
130
Depois da Chuva Karen White
131
Depois da Chuva Karen White
132
Depois da Chuva Karen White
Ed Farrel. Claro, naquela época não sabíamos que era filho do juiz Madison. Foi um
escândalo quando descobrimos.
Suzanne voltou a atenção para ela, interessada.
— O que aconteceu?
— Bem, o juiz Madison era um homem rígido e severo com as filhas. Morreu
quando as meninas ainda eram pequenas. Um ano depois, apareceu na cidade uma
mulher vinda de Atlanta. Ela estava muito doente e procurou a sra. Madison dizendo
que o menino de cinco anos agarrado à barra de sua saia era filho do juiz. Deixou-o na
porta da casa e desapareceu na calada da noite.
— Oh, é mesmo? — Suzanne franziu o cenho, admirada — E como a sra. Lena
entrou nessa história?
— Bem, a sra. Madison era orgulhosa demais para aceitar a prova da traição do
marido bem diante do nariz... Então, a sra. Lena se compadeceu do pobre garoto e o
adotou.
Darlene fez uma pausa e suspirou.
— Ela sempre foi uma mulher muito generosa. Cuidou de Ed como se fosse seu
próprio filho.
— Ela nunca se casou?
— Oh, não! Era uma mulher belíssima e não lhe faltaram pretendentes, mas
nunca quis se prender a homem algum. Dizem que, bem antes de Ed, ela havia tentado
adotar uma garotinha. Não sei por que não deu certo.
— Puxa, que história! Deve ser por isso que Ed é tão tímido.
— Ele sempre foi problemático. É um ano mais velho que as meninas, mas repetiu
duas vezes a primeira série.
Olhando mais atentamente para Harriet, percebeu com surpresa que usava uma
corrente de ouro no pescoço. Era muito pequena para ser vista nitidamente, mas tinha
certeza de que o pequeno pingente pendurado era igual ao seu, embora parecesse
menor. Sentindo uma súbita conexão com aquela criança da fotografia, tocou seu
próprio pingente sob a blusa.
Voltou a se concentrar no álbum e virou a folha.
A página seguinte estava decorada com uma fotografia de Maddie quando era
bebê. A data de nascimento fora escrita logo abaixo, com uma caligrafia bem-feita.
À medida que virava as páginas, aumentava a sensação de que Harriet estava
sentada a seu lado, contando a vida da filha antes que Suzanne houvesse conhecido a
133
Depois da Chuva Karen White
menina. Era como se uma mão invisível a ajudasse a reunir as peças de um quebra-
cabeça para completar a imagem da garota que ela conhecia.
Suzanne se lembrou da conversa que tivera com Joe no cemitério, quando lhe
mostrara o jazigo de seus antepassados, e percebeu que fazer um álbum com a
história daquela criança era o mesmo que dar vida às pessoas que haviam constituído
aquela família.
De súbito, sentia-se frágil e desprotegida. Antes de chegar a Walton, não sabia
o significado de ser parte de uma família. Nunca tivera a segurança de saber que
sempre haveria um lugar para voltar.
Ed, Harriet, Cassie, Sam, Joe... Todos eles tinham raízes naquela cidade. Tal
pensamento provocou uma dor profunda em seu coração. Por um breve momento,
desejou ficar por um tempo longo o bastante para criar raízes. Então, iria embora,
carregando todos os sonhos em sua bagagem.
— Oh, meu Deus! — Darlene gritou, dando um pulo na cadeira. — Esqueci-me dos
pães!
E saiu correndo para a cozinha.
Quando os batimentos cardíacos de Suzanne voltaram ao normal depois do susto
que levara, voltou a olhar o álbum.
Virou a página e sorriu diante da fotografia em preto-e-branco de duas
pegadas. A sola do sapato de um homem trazia ao lado a marca de um sapatinho de
bebê. Maddie seguindo os passos do papai, dizia a inscrição manuscrita logo abaixo. A
delicadeza da fotografia tocou-a e fechou álbum, percebendo de onde viera o talento
de Maddie.
Precisava se lembrar de dizer a ela, pensou. Talvez pudesse se sentir
confortada ao saber que carregava uma parte da mãe. Refletiu que ela própria não
sabia o que herdara e tal noção deixava um vazio que jamais poderia ser preenchido.
— Felizmente, consegui salvá-los! — Darlene irrompeu no quarto com o rosto
afogueado — Vamos tomar lanche? Os pães estão quentinhos.
Suzanne se deliciou com uma farta refeição, e Darlene fez questão de separar
quatro pãezinhos para que levasse para casa.
— Obrigada por tudo, Darlene — agradeceu ao se despedir.
— Vou lhe telefonar se precisar de ajuda, mas creio que tenho uma boa ideia do
que Harriet estava tentando fazer. E vou tirar mais fotografias de Maddie, além das
que ela já tirou.
Apanhou a bolsa e guardou com cuidado os pãezinhos ainda quentes.
134
Depois da Chuva Karen White
— Maddie vai adorar, especialmente por saber que vocês trabalharam juntas.
Sem saber o que responder, Suzanne atravessou a cozinha e seguiu para a porta
da frente. Darlene a acompanhou até a varanda e retirou a moeda que guardara no
bolso, colocando-a sobre o álbum.
— É sua. Guarde-a em lugar seguro.
A moeda parecia brilhar à luz do luar. Suzanne pensou em recusar, mas não
queria magoar Darlene, e guardou-a no bolso da calça.
— Obrigada por tudo. Abraçou-a e seguiu para a calçada, sentindo que
carregava uma vida de memórias, embora nenhuma fosse sua, e uma mensagem vivida
de uma mulher que morrera poucos anos antes, mas cuja presença ainda era tão
palpável quanto o chão-que pisava.
Joe se apoiou sobre o cabo da máquina de cortar grama e despiu a camiseta.
Aparar a grama do jardim da sra. Lena usando aquela antiquada máquina manual era o
bastante para matá-lo. O sol do verão estava no fim, dando lugar à brisa fresca do
começo de outono.
Enxugou a testa com a camiseta e ia recomeçar o trabalho quando um carro
estacionou diante da casa. Um olhar bastou para que reconhecesse a mulher que
ocupava o assento da frente do conversível.
Suzanne usava extravagantes óculos escuros, iguais aos de Lucinda, e estava
vestida com roupas que destoavam de seu estilo habitual.
— Olá, Joe! — Lucinda fez um aceno — Não sabia que era sua vez de aparar o
gramado da sra. Lena.
Ele apoiou os braços na cerca e estreitou os olhos, enviando-lhe um olhar
significativo. Realizava aquele trabalho na última quinta-feira do mês havia mais de
cinco anos e duvidava de que sua tia não soubesse que o encontraria lá. Quando olhou
para Suzanne, tornou-se óbvia a intenção de promover um encontro entre eles.
Demorou-se em observar as pernas longas, realçadas pela minissaia amarela,
subindo o olhar pelas curvas do corpo bem-feito. Estranhou o fato de estar usando
saltos altos.
— Levei Suzanne para fazer algumas compras — Lucinda anunciou com orgulho
como se estivesse adivinhando os pensamentos dele — Queridas, ajude-me a levar a
tigela de creme de aspargos para dentro.
Suzanne desceu do carro com relutância, consciente do olhar sobre ela.
— Eu não pretendia ser vista em público — Resmungou contrafeita.
135
Depois da Chuva Karen White
136
Depois da Chuva Karen White
— Joe, não seja ranzinza! — Voltou a sentar-se, sorrindo para Suzanne — Você
gosta de romances? — Sem esperar pela resposta, vasculhou uma cesta de revistas ao
lado da poltrona e apanhou um livro com as páginas amareladas pelo tempo. Amor e
desejo era o título, escrito em letras douradas — Gostaria de ler este livro?
Poderemos discuti-lo na próxima vez que vier me visitar.
Joe quase riu ao ver a expressão surpresa de Suzanne e se moveu para
interceder, mas ela o impediu.
— Obrigada. Estou ansiosa para ler. Minha mãe era uma leitora assídua de
romances. Sempre que me lembro dela, eu a vejo com um livro nas mãos. Era a única
coisa na vida que realmente a fazia feliz — Folheou as páginas envelhecidas. — Faz
muito tempo que não tenho disposição para ler um romance, mas acho que será um bom
começo.
— Esse era um dos favoritos de sua mãe — A velha senhora colocou a mão sobre
o braço de Suzanne.
— Nesse caso, sei que vou adorar!
Suzanne apertou-lhe as mãos com carinho.
Atento à conversa, Joe se sentou ao lado da sra. Lena, tentando se distrair do
fascínio que Suzanne exercia sobre ele.
— Sam tem passado aqui para vê-la?
— Oh, sim! Ele vem quase todas as manhãs.
— Você está maravilhosa. Creio que não a vejo assim desde o casamento de Sue
Ellen.
Enquanto conversava, Joe mantinha um olho em Suzanne, que passeava pela sala
apreciando os porta-retratos com fotografias antigas e os quadros na parede. Havia
um em particular que pareceu ter capturado a atenção dela.
Joe observou-a enquanto o estudava, a mão brincando distraidamente com o
pingente de ouro.
— Essa fotografia também é uma de minhas favoritas! — A velha senhora
exclamou com um sorriso quando Suzana parou diante do porta-retratos sobre a
lareira.
A sra. Lena deveria ter cerca de dezoito anos quando posara: para a fotografia.
Mesmo com o passar dos anos, conservava a mesma doçura no olhar.
— E este é o meu favorito — Joe se aproximou e tocou-a no ombro, apontando
para um quadro na parede.
137
Depois da Chuva Karen White
Analisou a pintura a óleo sobre tela, retratando uma adorável paisagem bucólica.
As iniciais do artista eram as mesmas que vira no painel do quarto de Harry: E.L. Na
certa, a mesma pessoa havia bordado o painel para Harriet, concluiu.
— Quem é E.L.?
— É a sra. Lena. O nome completo é Eulene, mas todos a conhecem pelo apelido.
A mão de Suzanne se fechou sobre o coração de ouro ao redor do pescoço. Uma
estranha sensação a invadiu e afastou-se de Joe para se sentar na poltrona ao lado da
sra. Lena.
— Sua mãe gostava muito daquele quadro — Comentou com naturalidade.
— Oh, é mesmo?
— Sim. Ela era muito observadora!
Uma sombra pareceu enevoar os olhos azuis e ela virou o rosto para Joe.
— Sam, o que está fazendo aqui?
— Sou Joe, sra. Lena. Filho de Mildred Warner. Você foi minha professora no
ensino médio e sempre me enchia de lição de casa quando me esquecia dos versos da
Bíblia — Sorriu e tomou as mãos dela. — Eu achava que era seu aluno preferido.
Ela o fitou com expressão confusa como se tentasse reconhecê-lo.
Naquele momento, Lucinda entrou na sala carregando uma bandeja com uma
jarra de chá gelado e quatro copos. Joe se levantou para ajudá-la a servir e levou um
copo para a velha senhora.
— Oh, eu o conheço! — ela exclamou com um sorriso. — Você é o marido de
Harriet Madison. Agora me lembro! E quem é essa moça bonita?
Inclinou o corpo na direção de Suzanne e estudou-a demoradamente.
— Sou Suzanne Paris.
— Você é solteira, querida? Porque, se for, conheço um rapaz perfeito para
você! — Ela se concentrou em segurar seu copo enquanto agitava os cubos de gelo com
a ponta dos dedos.
— Conheço Ed Farrel, sra. Lena. Seu filho parece ser um ótimo rapaz, mas eu
não estou interessada em um relacionamento agora.
— Oh, não é dele que estou falando! — Meneou a cabeça com veemência —
Temos um excelente cavalheiro na cidade que perdeu a esposa há pouco tempo. Ele
quer que todos acreditem que está muito bem sozinho, mas sabemos que não está, e
provavelmente ele não faz sexo desde que ficou viúvo.
138
Depois da Chuva Karen White
Joe quase engasgou com o chá, evitando olhar para Suzanne. Respirou fundo e
apanhou um guardanapo.
— Lucinda, você colocou muito açúcar no chá! — Reclamou, tentando disfarçar o
constrangimento.
— Não, querido. Coloquei a mesma quantidade de sempre!
— Você não é dessa região — A sra. Lena continuou, ignorando o efeito que seu
comentário provocara.
Feliz por ficar fora do centro das atenções, Joe aproveitou a oportunidade para
sair antes de maiores constrangimentos. Colocando o copo vazio na bandeja, despediu-
se das mulheres e foi para o jardim.
Por que todos insistiam em relembrá-lo todo momento da solidão que o
atormentava?
Enchendo-se de coragem, pegou a velha máquina de cortar grama e se pôs a
trabalhar. Inalou profundamente o cheiro agradável da grama cortada e fez uma
pausa, reconhecendo no ar a mudança de estação.
Por muito tempo resistira a qualquer mudança, recusando-se a se separar de um
passado com Harriet e da vida que haviam compartilhado juntos. Porém, naquele
momento, pela primeira vez desde que perdera a esposa, a ideia de mudança não
parecia tão impossível para seu coração.
Não tinha certeza do que estava diferente, mas já não era tão doloroso admitir
que Maddie se mudaria para outra cidade em breve, Harry estava crescendo e já não
era mais seu bebê... E já não se sentia morrer a cada vez que pensava em passar mais
um Natal sem Harriet.
Era como se as mudanças seguissem um ritmo lento e gradual, levando-o de volta
para o lugar onde tudo começara.
Empurrou com força o cortador de grama, erguendo o rosto para receber a
brisa fresca e dar as boas-vindas às mudanças, com um entusiasmo novo e repleto de
novas esperanças.
139
Depois da Chuva Karen White
Capítulo XIV
— Você não pode se coçar, querida. Sua pele é linda e não queremos que fique
cheia de cicatrizes.
A sensação incômoda continuou a atormentá-la, espalhando-se para o pescoço,
abdômen e pernas.
— Por favor, preciso me coçar!
— Vou preparar um banho quente com ervas medicinais que vão aliviar a coceira.
— Lucinda caminhou até a escrivaninha e voltou com uma pílula nas mãos — Tome seu
medicamento. Vai se sentir melhor.
Suzanne resistiu, rejeitando sua indesejada dependência, mas Lucinda a forçou
a abrir a boca e colocou o comprimido sobre sua língua, fazendo com que engolisse.
— Querida, cuidei de seis crianças e posso lhe garantir que é perda de tempo
tentar lutar comigo — Avisou-a a caminho do banheiro. — Enquanto estiver doente,
sou mais forte que você e terá de fazer o que eu digo.
Suzanne abriu a boca para protestar, mas uma emoção indescritível a emudeceu.
Relutou em gostar de ser cuidada... No entanto, precisou admitir que era a sensação
mais reconfortante que já experimentara, apesar do desconforto proporcionado pela
doença. O imenso alívio por não estar sozinha era um sentimento novo e
surpreendente.
— Está pronta para o banho ou gostaria de comer alguma coisa primeiro? —
Lucinda voltou do banheiro e sentou-se à beira da cama — Eu trouxe canja de galinha.
Não há nada melhor quando estamos doentes! E está tão deliciosa que prometo que não
vou precisar obrigá-la a comer.
Suzanne forçou um sorriso.
— Posso tomar o banho primeiro?
— Certo. Acho que será melhor. Enquanto você fica na banheira, vou trocar a
roupa de cama e aquecer a canja.
Concordou e se ergueu com dificuldade. Pela primeira vez em sua vida, sentiu
que o abismo de solidão no qual mergulhara não parecia tão profundo.
Depois do banho de imersão e de um imenso prato de canja, adormeceu
novamente. Quando acordou, ficou surpresa por encontrar Sarah Francês em uma
cadeira ao lado da cama, fazendo o dever escolar.
— Como está se sentindo agora? — Indagou com ar de preocupação.
— Péssima!
— Tenho de medir sua temperatura — Fechou o caderno e se pôs de pé.
143
Depois da Chuva Karen White
144
Depois da Chuva Karen White
Antes que pudesse responder, Sarah Francês beijou-a de leve no rosto, pronta
para ir embora.
— Não se esqueçam de que ela precisa tomar o antitérmico daqui a uma hora. E
ela ainda não jantou.
—Trouxemos nosso creme de legumes especial, aquele que ganhou o concurso
três anos atrás.
— Ótimo. Tia Cassie disse para chamá-la se precisarem de alguma coisa. E
deixei a camisola limpa no armário — Observou com expressão severa quando Suzanne
levantou a mão para coçar o pescoço — E não se esqueçam de verificar as luvas. Ela
costuma retirá-las enquanto está dormindo.
As gêmeas concordaram com solenidade e colocaram uma cadeira de cada lado
da cama para se acomodarem.
Sarah Francês deteve-se na soleira da porta antes de sair.
— Você se sentirá péssima nos primeiros cinco dias, mas depois ficará melhor.
Eu tomei os banhos de ervas da tia Lu pelo menos duas vezes por dia e me ajudaram
muito.
—Obrigada, Sarah Francês. Gostei muito por ter vindo aqui.
— Não foi nada.
Assim que a porta se fechou, as gêmeas se debruçaram sobre ela ao mesmo
tempo.
— Você precisa ir ao banheiro, querida?
— Não, obrigada. Mas gostaria que me ajudassem a retirar essas coisas! —
Ergueu as mãos, mostrando as luvas — Estão me deixando louca!
As duas a fitaram com ar de reprovação.
— Não é possível, meu bem. Não queremos que fique com marcas na pele. Selma
vai preparar seu banho enquanto eu a distraio.
Suzanne forçou um sorriso quando ela começou a cantar em um falsete que seria
capaz de estilhaçar uma taça de cristal, enquanto a irmã seguia para o banheiro.
Afundou a cabeça no travesseiro enquanto tentava se coçar discretamente na
região do ventre.
— Pare de coçar, querida. — Depois de atingir um tom altíssimo, Thelma
interrompeu a melodia subitamente — Não se esqueça, é para seu próprio bem.
145
Depois da Chuva Karen White
146
Depois da Chuva Karen White
— Gostaria que apanhasse minha câmera. Quero tirar uma fotografia de todos
que se sentarem nessa cadeira. Creio que farei uma bela coleção.
— Claro. É só me dizer onde está.
— Na última prateleira do armário.
Antes de se levantar, retirou uma pilha de revistas da valise.
— Eu trouxe alguns exemplares da revista Lifetime. Maddie disse que é sua
favorita. Dei algumas entradas para o jogo de beisebol para que a sra. Harmon
deixasse retirá-las da biblioteca.
— Oh, obrigada! — Apanhou as revistas com um sorriso satisfeito. — Espero que
ela não conte a todo mundo que você a chantageou...
— Ela jurou manter segredo! — Deu uma piscadela maliciosa, fazendo-a rir.
Joe caminhou até o armário e, quando puxou a câmera da prateleira, sua mão
esbarrou acidentalmente em uma caixa, derrubando-a e espalhando seu conteúdo no
chão.
Sentiu o sangue congelar nas veias ao ver inúmeras notas de cem e quinhentos
dólares. Mesmo sem contá-las, percebeu que havia uma pequena fortuna.
— Encontrou a câmera?
— Sim, já estou indo.
Recolocou o conteúdo dentro da caixa e guardou-a na prateleira. Embora
estivesse muito intrigado, julgou que seria melhor falar sobre aquele assunto mais
tarde, quando Suzanne estivesse se sentindo melhor. Além disso, não sabia explicar a
razão, mas confiava naquela mulher.
Colocou a câmera ao alcance dela e se sentou.
— Gostaria de jogar baralho? — Indagou, tentando esquecer o que acabara de
ver.
— Acho que não tenho forças para segurar as cartas.
— Que tal se você lesse em voz alta os livros que a sra. Lena trouxe?
— Não...
— Tem certeza de que não quer comer nada?
Ela pegou a câmera para focalizá-lo e tirar uma fotografia.
— Não, obrigada. Quero apenas um pouco de companhia.
Joe a fitou profundamente enquanto refletia.
148
Depois da Chuva Karen White
— Receio que não esteja sendo um bom pai para meus filhos...
— Oh, nunca diga tal coisa! Você é um pai admirável. Harriet deve ter sido uma
mãe maravilhosa — Hesitou antes de prosseguir — Sabe, fui à casa de Darlene na
semana passada e peguei o álbum de Maddie. Harriet fez um trabalho maravilhoso.
Joe esperou pelo aperto no peito sempre que o nome da esposa era mencionado
e ficou surpreso por sentir nada além de uma dor fugaz.
— Ainda não o vi.
— Gostaria de vê-lo agora? Está escondido sob a cama, para que Maddie não o
veja. Não quero estragar a surpresa.
— Não, vou esperar até que esteja pronto.
Um sorriso suave brilhou nos lábios macios e, apesar do rosto coberto por
pontos vermelhos, Joe concluiu que continuava linda.
— Você está parecendo uma adolescente com o rosto coberto de acne.
— Creio que ainda seja uma adolescente em vários aspectos — Abaixou os olhos,
constrangida, e se apressou em mudar de assunto — Notei que não há fotografia do
seu casamento. Se puder me dar alguma, ficarei feliz em colocá-la.
Uma velha lembrança o atingiu com a força de um furacão, mas não com a dor
que esperava. Em vez disso, teve a sensação de que a dor estava adormecida, envolta
em um casulo.
— Não há fotos. Harriet e eu nos casamos no civil e desejávamos fazer uma
grande festa de casamento mais tarde, com a família toda. Mas ficou grávida logo que
nos casamos, e depois vieram os outros filhos...
— Não creio que ela tenha se importado. É curioso, mas trabalhar no álbum e
ver as fotografias que escolheu para mostrar a história da família fez com que eu a
conhecesse.
Joe sentiu a garganta se apertar e se pôs a guardar as avaliações dos alunos até
se sentir em condições de falar novamente.
— Ela era uma mulher especial.
— Sei disso. Posso dizer pelo tempo que convivi com você e com as crianças.
— Quanto tempo acha que vai levar para terminar o álbum? — Mudou de
assunto, guardando para si inúmeras perguntas que gostaria de fazer.
— Não sei. Gostaria de tirar mais fotografias da família, dos amigos, da casa, da
escola... De lugares e pessoas, para que ela possa se lembrar mais tarde — A voz soou
150
Depois da Chuva Karen White
cheia de certeza, como se ela soubesse a verdade das palavras por experiência
própria.
— Você acha que estará aqui no Natal?
— Ainda não pensei nisso. Não tenho motivos para ficar depois que o álbum
estiver pronto.
— Por quê?
— Creio que será melhor ir embora antes das eleições. Stinky... — Calou-se a
tempo, antes de revelar que fora ameaçada.
— Bem, digamos que ele fará uma oposição dura e é melhor que eu não esteja
por aqui para não prejudicar sua candidatura.
— Ele a está constrangendo?
— Você o conhece — Respondeu de forma vaga — Ele quer vencer as eleições e
fará tudo que puder para isso.
— Por favor, não deixe de me avisar se ele fizer alguma coisa que a incomode.
Suzanne ficou em silêncio, olhando para o teto, mergulhada em seus
pensamentos.
— Quando serão as eleições? — Perguntou de súbito.
— Em janeiro.
— Posso ficar até lá, se você quiser.
— Sim, eu quero.
Um silêncio tenso pairou no ar. De repente, todas as palavras foram esquecidas.
Suzanne se pôs a apertar as mãos, aflita por encontrar alguma coisa para dizer.
— Quer que eu retire suas luvas?
— Oh, sim! — Quase gritou entusiasmada — Thelma e Selma não me deixavam
retirá-la nem por um minuto!
— Vou aquecer a sopa que Lucinda mandou e tomar um prato com você — Avisou,
guardando as luvas no criado-mudo.
— Será ótimo — Acompanhou-o com o olhar até a porta e chamou-o antes que
saísse — Obrigada.
As palavras soaram estranhas, como se seus lábios estivessem pouco habituados
a pronunciá-las.
— Não há de quê. E tente não se coçar, ou terei de recolocar as luvas.
151
Depois da Chuva Karen White
152
Depois da Chuva Karen White
Capítulo XV
Suzanne foi para a varanda levando consigo seu xale de lã e suas pantufas de
feltro, cortesia de Sugar Newcomb.
Ainda ressentida pela reclusão, reclamara que estava a ponto de enlouquecer
por ficar trancada no quarto e Lucinda havia permitido que tivesse mais liberdade com
uma condição: não poderia sair com sandálias. Então, Sugar tivera a idéia de lhe dar o
presente para que ficasse com os pés aquecidos.
Quando se sentou na cadeira de balanço e enrolou o xale ao redor das pernas,
sentiu-se voltar à vida. Ergueu o rosto para receber a brisa da tarde, apreciando o
calor do xale e até mesmo das ridículas pantufas. Ficou lá por duas horas, até
interromper a leitura dos romances da sra. Lena para apenas observar o tempo passar.
Fechou os olhos por um momento e respirou fundo, notando que a brisa fresca
indicava a mudança da estação. Ela própria havia mudado, refletiu, e o simples fato de
se permitir ficar em Walton era a maior prova disso.
Abriu os olhos com a desconcertante sensação de que sua vida saíra do eixo.
Não planejara se envolver emocionalmente com Lucinda, Joe, Maddie, as crianças...
Porém, era tarde demais. Eles eram a razão para ficar... E, ao mesmo tempo, a razão
para partir.
Forçando seus olhos a focalizar as letras, tentou retomar a leitura. Porém, não
teve tempo de ler duas linhas. Maddie abriu o portão e entrou carregando um grande
envelope.
— O que há de novo? — Suzanne perguntou, notando sua excitação.
— Acabei de falar com papai sobre o concurso da revista Lifetime.
— Oh, que bom! E o que ele disse?
— Bem, a princípio, relutou um pouco em permitir que eu participasse... Mas
quando contei que você disse que tenho talento, decidiu deixar.
— Isso é ótimo, Maddie!
— E aproveitei o momento de coragem para falar sobre a exposição em Atlanta.
Eu disse que é muito importante para minha carreira como fotógrafa e ele concordou
que eu vá com vocês, em vez de ir com a excursão da escola.
153
Depois da Chuva Karen White
Suzanne ouviu sem dizer nada. A idéia de ir àquela exposição ainda a deixava em
pânico. Não havia razão lógica para ter medo, tentava se convencer. Seria quase
impossível que Anthony fosse procurá-la em Atlanta. No entanto, seu sexto sentido
lhe dizia para não ir.
Lembrou-se da valiosa coleção de Gertrude Hardt que tivera nas mãos, sem
imaginar naquela ocasião que um dia as encontraria em uma exposição pública...
— Quando será a exposição?
— Em novembro, logo depois do dia de Ação de Graças. É a primeira exibição
das fotografias de Gertrude em doze anos e nada vai me impedir de vê-la.
— E o que é isso? — Apontou para o envelope no colo de Maddie.
— É a fotografia que vou enviar para o concurso. Queria que você a visse antes
de enviá-la. Tentei usar as técnicas que aprendi com você para ressaltar a imagem.
Não sei se ficou bom.
Suzanne apanhou o envelope, notando o brilho de esperança na voz de Maddie.
Ao abri-lo, sorriu ao ver que a bela imagem de Cassie e Sarah Francês havia se
evidenciado com os efeitos especiais que usara. Uma ponta de culpa apertou-lhe a
garganta ao se lembrar da fotografia que destruíra. Seu único consolo foi pensar que
ambas estavam no mesmo nível de qualidade e Maddie teria as mesmas chances de
vencer, convenceu-se.
— Está perfeita! Acho que você vai ganhar o concurso.
Ouviu-a soltar a respiração com alívio.
— Graças a Deus! Estava com medo de que você não gostasse.
— Não teria como não gostar. Está maravilhosa. E deve acreditar em mim,
porque sou imparcial.
— Sim, eu acredito. Vou colocá-la no correio ainda hoje. Obrigada. — Tomou as
mãos de Suzanne e apertou-as — Obrigada por tudo, especialmente pelo que fez por
mim naquela noite em que fui para Atlanta e bebi um pouco...
— A melhor forma de gratidão será nunca mais colocar uma gota de bebida
alcoólica na boca — Tentou parecer brava para disfarçar a emoção.
— Eu prometo!
Maddie ergueu a mão direita com ar solene e ambas começaram a rir. Enquanto
guardava a fotografia no envelope, comentou com naturalidade:
— Acho que perdi uma pose no final do filme.
154
Depois da Chuva Karen White
155
Depois da Chuva Karen White
156
Depois da Chuva Karen White
Não importava quantas vezes ouvisse o apelido da sra. Crandall ser pronunciado
por seus contemporâneos, Joe nunca conseguiria conciliá-lo à imagem de sua
professora. Cruzou as pernas e se recostou na cadeira.
— Sweet pea ficou encantada com a fotografia dela. A srta. Paris fez uma cópia
e lhe deu de presente. Colocamos em um porta-retratos sobre a lareira — Segurou a
tesoura suspensa no ar e olhou para Joe por sobre os óculos — Não que Sweet pea não
seja naturalmente bonita, é claro, mas aquela garota tem jeito com a câmera!
— É verdade, ela é excelente fotógrafa — Entre outras qualidades, Joe pensou.
— Ela deveria abrir um estúdio fotográfico na cidade. Quando alguém precisa
tirar fotografia, tem de ir até Mapleton.
— Creio que ela não planeja ficar aqui por muito tempo — É uma pena. Sweet pea
gosta dela como se fosse sua filha, embora a srta. Paris não demonstre precisar de
mãe.
Os pequenos sinos pendurados à porta balançaram, e Joe olhou de soslaio para
Stinky Harden, que acabara de entrar na barbearia com a testa coberta de gotículas
de suor, apesar da temperatura amena.
— Olá, Bill. Prefeito Warner... — Inclinou levemente a cabeça — Preciso fazer a
barba e cortar os cabelos. Você tem horário para mim?
— Sim. Acomode-se. Vou atendê-lo assim que acabar o trabalho neste cliente
importante.
Harry ergueu os olhos incrivelmente azuis para ele e sorriu.
— É um prazer revê-lo, prefeito — Stinky se acomodou na cadeira ao lado de
Joe e apanhou o último número do jornal Sentinela de Walton — Acabei de ver Maddie
na praça, pintando o cercado da estátua. Não parecia muito feliz.
— Não há motivo para que fique feliz. Ela está sendo punida.
— Como um homem que mal pode controlar a própria filha planeja administrar
uma cidade? — Provocou, simulando interesse em uma manchete do jornal — Vá se
acostumando, meu caro. Este será o novo slogan da minha campanha.
Joe apertou os braços da cadeira, contendo a raiva.
— Obrigado, Stinky. Vou me lembrar disso.
Virando a página do jornal, manteve o tom de voz baixo para que apenas ele
pudesse ouvir:
— Fiquei sabendo que andou investigando a meu respeito...
157
Depois da Chuva Karen White
158
Depois da Chuva Karen White
159
Depois da Chuva Karen White
Tentando aparentar calma, Suzanne fez um gesto para que entrasse e apontou
para a sacola em suas mãos.
— Por favor, diga que são chinelos! Não aguento mais andar pela casa com essas
pantufas! — E indicou os enormes pompons de feltro que cobriam seus pés.
— Ah, não... Mas vou me lembrar disso na próxima vez que vier aqui — Estendeu
a sacola para ela com um sorriso que a fez enterneceu — São roupas de banho. E,
antes que você reclame, devo adiantar que não foi idéia minha.
— Lucinda! — Exclamou com um sorriso, apanhando a sacola — Mas estamos no
outono! Por que resolveu me dar roupas de banho agora?
— Porque eu comentei sobre as aulas de natação.
— Aulas de natação? — Franziu a testa, levando alguns segundos para se
lembrar da conversa que tivera com Joe dias antes. — Oh, não! Esqueça!
— Por quê? Você disse que...
— Sim, lembro-me do que disse — Foi para a cozinha, e Joe a seguiu. — Em
primeiro lugar, tenho medo da água. Além disso, está muito frio.
— Quanto ao primeiro obstáculo, não se esqueça de que estarei do seu lado. —
Joe apoiou-se na pia e cruzou os braços sobre o peito — E não vamos mergulhar na
água gelada. As primeiras aulas serão na banheira.
— O quê? — Suzanne segurou o copo de água que levava à boca em pleno ar —
Você deve estar brincando!
— Claro, sei que não se pode nadar em uma banheira, mas é possível aprender
várias técnicas, como prender a respiração sob a água e flutuar.
Joe se calou, rezando para que ela não ouvisse as batidas desenfreadas de seu
coração. Imaginá-la vestida com um biquíni, mergulhada em uma banheira, era o
bastante para fazer com que seus hormônios entrassem em ebulição.
— Não vejo alternativa para começarmos as primeiras lições — Prosseguiu ele,
ignorando a expressão de desagrado no belo rosto — Você não disse que queria
aprender a nadar para saber como eram os verões de meus filhos?
— Algumas aulas de natação não serão capazes de resgatar todos os verões que
perdi.
— Tem razão — Ele murmurou, aproximando-se um passo.
— Mas já é um começo...
160
Depois da Chuva Karen White
161
Depois da Chuva Karen White
162
Depois da Chuva Karen White
Capítulo XVI
Quando Joe sentiu o corpo de Suzanne relaxar em seus braços, soube que ela
estava pronta. Com um movimento quase imperceptível, afastou as mãos e se recostou
na borda da banheira, observando-a flutuar. Naquele momento, ao analisar a expressão
serena e confiante no rosto perfeito, teve consciência de que era a primeira vez que a
via sem as barreiras com que costumava se defender.
Tocou-a de leve no ombro e sorriu quando os olhos translúcidos se arregalaram
sobressaltados.
— Não foi tão difícil como parecia, não é? — E segurou-a pelos braços para
ajudá-la a se erguer.
Ao sentir a pele arrepiada de frio, deslizou as mãos para aquecê-la. Para sua
surpresa, Suzanne fitou-o, para a seguir se aproximar e aninhar-se em seu peito.
163
Depois da Chuva Karen White
— Obrigado, tia Lucinda — Murmurou ele ao sentir a pressão dos seios firmes
em seu peito.
— Por quê? — Suzanne ergueu os olhos, curiosa.
— Pelo biquíni — Foi a resposta em voz rouca, enquanto ele deslizava os dedos
pelas costas macias.
— Você não acha que está muito pequeno?
Joe se afastou ligeiramente para estudá-la, admirando os seios arredondados e
voluptuosos.
— Não. Está perfeito! — Exclamou, prendendo a respiração. Então, seu olhar foi
atraído para o pingente que repousava no vale dos seios. Porém, não ficou alarmado
como na noite em que o descobrira, quando Suzanne chegara à cidade. Ao contrário,
lembrou-se de quando tocara um objeto como aquele pela última vez no colo de Harriet
e sentiu que alguma coisa adormecida havia muito tempo despertava dentro dele. Com
um gesto respeitoso, suspendeu-o para observá-lo melhor e percebeu que havia uma
inscrição em relevo no verso.
— O que está escrito aqui?
— Uma vida sem chuva é como um sol sem sombra. — Ela fez uma pausa sem
deixar de encará-lo. — Minha mãe ganhou-o quando ainda era criança e me deu no dia
em que desapareceu da minha vida.
Joe ouviu atentamente e refletiu sobre sua própria vida, repleta de luzes e
sombras. De súbito, a verdade das palavras o atingiu. Os prazeres pareciam ser ainda
mais brilhantes quando ocupavam o lugar do sofrimento... Como aquela bela mulher a
seu alcance.
— É uma grande verdade — Ele disse depois de refletir por alguns minutos.
— Para mim, o sol parece nunca brilhar.
Joe pousou as mãos sobre os ombros delicados.
— Creio que está brilhando para nós dois, agora.
Os lábios de Suzanne se curvaram em um sorriso espontâneo e abriu a boca para
dizer alguma coisa, mas as palavras ficaram esquecidas quando um beijo cheio de
desejo selou seus lábios.
— Desculpe — Joe se afastou de súbito, como se houvesse levado um choque —
Não foi para isso que vim aqui.
Porém, para sua surpresa, Suzanne sorriu com ternura.
164
Depois da Chuva Karen White
— Sei disso — Foi a resposta em tom firme e seguro — E sei também que, se eu
não fizer amor com você agora, serei capaz de morrer!
Para confirmar o que dissera, afastou-se ligeiramente para despir a última
barreira que os separava. Ao vê-lo imitar seu gesto e despir o calção, voltou a se
posicionar sobre ele.
Joe a fitava, sentindo-se ainda mais excitado ao ver o sorriso sereno se
transformar na expressão do mais puro êxtase enquanto penetrava a umidade macia
da feminilidade pronta para recebê-lo. Em uma súbita contração, ela fechou os olhos e
inclinou a cabeça, completamente entregue à violenta onda de prazer que estremeceu
seu corpo.
— Suzanne, não sei se conseguirei manter o controle por muito tempo — Ele
disse com a respiração ofegante — E eu não trouxe nada que... Bem, eu não planejava
que nós...
— Sam prescreveu-me pílulas anticoncepcionais — Ouviu-a dizer, sem
interromper a dança sensual que unia os dois corpos.
— Sam? Mas por que você...
— Para regular meus hormônios, entre outras coisas.
Só então Joe pôde se entregar ao seu próprio êxtase, inundando a intimidade
macia com a explosão de seu prazer.
Com uma deliciosa sensação de plenitude, Suzanne relaxou todos os músculos do
corpo e caiu sobre ele, sentindo as batidas do coração no peito largo pulsando no
mesmo compasso que as suas.
Joe fechou os olhos e agradeceu secretamente aquela mulher por fazê-lo
esquecer, ainda que por apenas um momento, das solitárias noites de amargura que
pareciam não ter fim.
Suzanne despertou com o som abafado de passos no piso de madeira do quarto.
Abriu os olhos com dificuldade e olhou para o relógio digital sobre o criado-mudo,
marcando quatro horas da madrugada. Sonolenta, abraçou o travesseiro, incerta se
estava sonhando ou se a figura esguia delineada pelo brilho do luar era real.
— Joe?
Uma sombra se moveu na escuridão e sentou-se à beira da cama ao lado dela.
— Preciso ir para casa. — A voz grave ecoou pelo quarto enquanto lábios macios
pousavam em sua testa.
166
Depois da Chuva Karen White
167
Depois da Chuva Karen White
168
Depois da Chuva Karen White
Não sabia como aquelas palavras saíram de seus lábios, mas ficou satisfeita com
o efeito que provocaram.
Lucinda tomou-a pelo braço e a apresentou às poucas mulheres que ainda não
conhecia.
A sra. Crandall passou com uma bandeja de bolo de café com creme de baunilha
e ela provou um pedaço, ouvindo atentamente todos os passos da receita. Em pouco
tempo, sentia-se mais relaxada e descobriu que estava se divertindo.
Lilly Beasley sentou-se ao lado dela e entabulou uma animada conversa com
Sweet pea Crandall e Brunelle Thompson sobre a melhor técnica para descascar nozes
pecas. Suzanne ouvia com um sorriso nos lábios, meneando a cabeça de tempo em
tempos para demonstrar que estava atenta. Porém, além de não ter a menor noção
sobre técnicas culinárias, seu pensamento estava voltado para os momentos
inesquecíveis que vivera, na noite anterior.
Joe fora muito mais do que ela podia esperar. Era ao mesmo tempo, doce e
selvagem, gentil e possessivo, em uma combinação perfeita e absolutamente excitante.
Aquele homem conseguira despertar a feminilidade que se escondia no mais secreto
refugio de sua alma e concluiu que Anthony parecia sem brilho quando comparado a
ele.
Levou um pedaço de bolo à boca, mastigando-o sem sentir o sabor. Surpreendia-
se por se lembrar do ex-noivo depois de passar semanas sem pensar nele. Na verdade,
nunca estivera apaixonada. Iludira-se com a falsa segurança que o descendente de
italianos demonstrara e se deixara seduzir pela promessa de construírem um lar. Se
pudesse voltar no tempo, jamais teria se envolvido com um homem como aquele,
concluiu com pesar.
Como consequência daquele envolvimento, fora obrigada a fugir do ex-noivo
possessivo, inconformado pela rejeição... E lá estava ela, cercada pelo grupo de
mulheres do Clube de Bridge de um vilarejo perdido no mapa!
— Você não acha, Susie? — A voz de Brunelle tirou-a de seus devaneios.
Olhares curiosos pousaram sobre ela que balbuciou alguma coisa ininteligível
como resposta. Depois de alguns segundos de silêncio, o burburinho animado voltou a
preencher o ambiente, deixando-a livre para retomar suas reflexões.
Walton, a cidade onde todos são alguém... Sorriu ao se lembrar da inscrição na
placa que havia chamado sua atenção três meses atrás. Quando poderia imaginar que
aquela afirmação também a incluía?
169
Depois da Chuva Karen White
com o talento dela. Não são escolhas aleatórias. Ela parecia saber o que cada uma das
pessoas fotografadas estava fazendo e até mesmo o que deveriam estar pensando.
Naquele momento, Cassie se aproximou e sentou-se em uma cadeira ao lado dela,
interessada na conversa.
— É uma pena não poder contar com a ajuda de Maddie — Disse, esforçando-se
por não se intimidar pela presença.
Por alguma estranha razão, o brilho de suspeita nos olhos vividos provocava-lhe
desconforto. A familiar sensação de pânico provocada pela proximidade de Cassie
parecia ainda mais intensa naquele momento.
— Claro, não podemos estragar a surpresa — Sweetpea comentou com ar
sonhador.
— Não, em hipótese alguma! — Concordou, desviando o olhar — O problema é
que percebi que não há nem uma fotografia tirada nos últimos dois anos.
— Você deveria ter me consultado — Cassie ofereceu. — Tenho centenas de
fotografias das crianças desde que... Bem, dos últimos dois anos. Posso mostrá-las a
você e fazer cópias daquelas que julgar adequadas.
— Obrigada — Suzanne apertou as mãos, torcendo para que ninguém notasse
seu desconforto.
— Por que não me telefona durante a semana para marcarmos um encontro?
Posso ajudá-la a classificar as fotografias. Nasci em Walton e garanto que conheço
cada um dos moradores daqui.
Evitando se amedrontar pelo desafio dos olhos perspicazes, concordou com um
meneio de cabeça. Sem encará-la, colocou o prato quase intocado no chão ao lado da
cadeira antes que o tremor de suas mãos a denunciasse.
Não teria desculpa para evitar aquele encontro e teria de ser extremamente
cuidadosa para não revelar nada que pudesse comprometê-la. Embora sempre
atenciosa e gentil, Cassie parecia estar à espera do momento certo para desmascará-
la.
— Bem meninas acho que está na hora de voltarmos para casa! — Lucinda
comunicou, para seu alívio.
O anúncio provocou uma pequena revolução e, em menos de um minuto, todos os
pratos de papel, copos e talheres de plástico desapareceram como por milagre.
Quando as associadas do Clube de Bridge foram embora, não havia o menor vestígio da
recepção que acabara de acontecer ali.
171
Depois da Chuva Karen White
— Fique com a toalha de mesa e com o vaso, meu bem. Assim, a cozinha ficará
mais aconchegante, não acha?
Suzanne sorriu ao vê-la dobrar às pressas a magnífica peça bordada em ponto
cruz antes que fosse recusada.
— Obrigada. Você tem sido maravilhosa! — Agradeceu com sinceridade — Eu não
sei o que faria se...
— Oh, não diga mais nada! — A simpática senhora ergueu as mãos, impedindo-a
de continuar — Você é que esteve maravilhosa hoje!
— Não sei Lucinda... Eu não tenho a mesma habilidade que você em recepcionar
os convidados... Aliás, confesso que sinto inveja de sua competência.
— Querida, considere os longos anos de experiência que tenho à sua frente,
além de conhecer todos os habitantes de Walton... — E sorriu envaidecida pelo elogio
— Não há segredo algum, basta querer se divertir.
— Vou seguir seu conselho na próxima vez que tiver de receber.
— E creio que será em breve... Acho que as associadas serão unânimes em
aceitá-la no Clube.
— O que terei de fazer caso isso aconteça?
— Fique tranqüila. — Apanhou a imensa bolsa de brim e abriu a porta da cozinha.
— Basta oferecer a casa para a próxima reunião.
— Quando será o próximo encontro? — Suzanne seguiu-a para o quintal, aflita —
Você sabe que não pretendo ficar em Walton por muito tempo! Foi muito divertido
recebê-las, ma não faz sentido tornar-me membro de um clube daqui, não acha?
— Há uma razão para tudo. Pense no sentido de você e eu estarmos no mesmo
ônibus quando ele parou em Walton... — Sorriu com sabedoria. — Apenas seja
paciente, meu bem.
Uma gota de chuva caiu no rosto de Suzanne, e as duas olharam ao mesmo
tempo para as nuvens carregadas no céu.
— Preciso me apressar antes que chova. Vou almoçar com o xerife Adams —
Lucinda deu alguns passos e se deteve abruptamente. — Ah, quase ia me esquecendo...
Encontrei isso ao lado da banheira.
Corando até a raiz dos cabelos, Suzanne apanhou o sutiã do biquíni, ainda
molhado, estendido em sua direção.
172
Depois da Chuva Karen White
173
Depois da Chuva Karen White
Capítulo XVII
— Para acabar com sua teimosia de uma vez por todas. Você está agindo como se
estivesse diante de um estranho. Achei que, se a beijasse, faria com que se lembrasse
do que vivemos duas noites atrás.
— Não me esqueci daquela noite.
— É mesmo? Nesse caso, podemos continuar o trabalho — Agachou-se para
apanhar outra muda.
— Joe, eu estava pensando...
— Humm?
— Acho que não foi uma boa idéia — Suzanne se pôs de pé e observou uma névoa
escura encobrir o brilho dos olhos esverdeados.
— Sim, eu sei. Foi apenas uma noite, certo? — Ele interrompeu o trabalho e se
levantou — Mas o que aconteceria se tivéssemos uma segunda chance? Estou
começando a acreditar que seria possível.
— Acredite, não há uma segunda chance. Aprendi isso com muito sofrimento e
não planejo cometer os mesmos erros do passado.
Ele cruzou os braços sobre o peito para conter o impulso urgente de abraçá-la.
Ignorando as emoções que faziam seu coração pulsar em um ritmo acelerado, voltou a
atenção para a caixa de mudas a seus pés.
— Por que não vem até aqui para eu lhe mostrar como fazer? — Sugeriu,
agachando-se ao lado do canteiro.
Ao vê-la hesitar, sentiu um prazer quase perverso ao perceber a frustração nos
olhos translúcidos, como se ela esperasse algum argumento que a desarmasse. Uma
ponta de esperança invadiu seu coração, mas manteve-se em silêncio.
Já fora longe demais e não pretendia forçá-la, refletiu enquanto mostrava como
retirar o saco plástico que envolvia o torrão.
Observou os dedos esguios mergulharem na terra úmida e a lembrança daqueles
mesmos dedos percorrendo seu corpo duas noites atrás invadiu seu pensamento.
Forçando-se a se concentrar na tarefa, trabalhou em silêncio, evitando o menor
contato com as mãos delicadas.
Depois de plantar todas as mudas, Joe ergueu-se e limpou a terra das mãos.
— Eu trouxe algo para você — Comunicou, retirando uma caixa do bolso da
jaqueta — Achei que você gostaria.
175
Depois da Chuva Karen White
Curiosa, ela abriu-a às pressas e sorriu ao ver um mobile com sete pequenos
sinos prateados.
— Obrigada. Vou pendurá-lo na janela do quarto hoje mesmo — Disse.
— Quer ajuda?
— Não é preciso, obrigada.
— Aposto que você nunca segurou um martelo! — Ignorando a recusa, subiu os
degraus para a varanda. — Vou apanhar a caixa de ferramentas que Sam deixou na
sala.
Quando ia entrar, notou o livro que a sra. Lena emprestara para Suzanne ao lado
da cadeira de balanço e apanhou-o. Uma gardênia desidratada caiu do meio das
páginas, as pétalas secas amareladas pelo tempo.
— O que é isso? — Suzanne parou ao lado dele.
— Uma gardênia. Parece que está aqui há muito tempo. Ela apanhou-a,
colocando-a sobre a palma da mão.
— Minha mãe adorava gardênias. No Natal, costumava comprar inúmeros buquês,
mas as flores sempre morriam — Seus dedos acariciaram as pétalas secas — Ela se
esquecia de colocar água, e mantinha as flores secas na janela durante meses, como se
quisesse fazê-las reviver.
Fechou as mãos, envolvendo a flor, e, quando as abriu, o vento fez com que
voasse, levando as pétalas consigo. Frustrada, ainda tentou apanhá-las, mas não teve
tempo.
A frustração que Joe viu refletida nos olhos dela tocou-lhe o coração e desejou
ter o poder de livrá-la de qualquer sofrimento enquanto vivesse.
— Vamos pendurar o mobile! — Exclamou, emprestando uma falsa alegria à voz.
Sem esperar pela resposta, entrou no interior da casa, tentando controlar a
urgência de beijá-la e fazê-la se esquecer de todas as amarguras que a vida lhe
impingira.
Depois que Joe foi embora, Suzanne permaneceu na cadeira de balanço da
varanda por um longo tempo, sentindo o sol do entardecer aquecer seu rosto enquanto
ouvia a doce melodia dos sinos acariciados pela brisa. Seu olhar pousou no canteiro
recém-plantado e sorriu com orgulho, admirando o alegre colorido das flores.
Plantar aquelas mudas fora a única ação permanente de sua vida. Ao longo da
infância e adolescência, o único lastro que a acompanhava era o desenho de sua própria
176
Depois da Chuva Karen White
sombra. No entanto, acabara de plantar flores que espalhariam suas raízes sob a terra
e permaneceriam lá, mesmo depois que tivesse partido.
Suzanne sorriu com um misto de tristeza e esperança.
Sim, teria de partir em breve... Talvez, depois de tantos meses, Anthony já não
se lembrasse mais da ex-noiva que o rejeitara. Talvez não se importasse por ter
vendido a rara coleção de fotografias de Gertrude Hardt, um presente com o qual
pretendia comprá-la para que reatassem o noivado.
Com um suspiro profundo, levantou-se e foi para seu quarto. Havia ligado para
Cassie e combinado de ir à casa dela à noite.
Depois de um banho relaxante, pegou o álbum e saiu.
À medida que se aproximava da casa dos Parker, seus passos se tornavam mais
lentos. Nem mesmo os imponentes carvalhos com copas majestosas e a fachada
graciosa do amplo sobrado a tranquilizaram. Sabia que mostrar as fotografias para
completar o álbum não era a única razão por Cassie tê-la convidado.
Usando um truque a que sempre recorria na infância, pôs-se a imaginar o pior
que poderia acontecer. Daquela forma, a realidade pareceria sempre mais amena do
que suas fantasias.
Porém, para seu desgosto, o artifício não funcionou. Ao abrir o portão de
madeira, teve a sensação de que caminhava para a forca.
Deteve-se na varanda espaçosa, repleta de vasos floridos, com uma cadeira de
balanço que parecia ser a marca registrada das casas do vilarejo.
Embora estivesse apavorada com o encontro que estava prestes a ter, pôde
perceber a paz que reinava no ambiente e soube que se tratava de um verdadeiro lar.
Bateu à porta de madeira maciça e, depois de alguns segundos, Sam recebeu-a
com um sorriso amigável.
— Olá, Suzanne! Cassie está na cozinha acabando de jantar — E se aproximou
um passo para lhe dizer em tom de confidencia: — Se é que se pode chamar aquilo de
jantar! Arroz integral, salada de soja e legumes grelhados! Argh!
Suzanne não conteve uma risada ao ver a careta de repulsa no rosto simpático.
— Espero não estar atrapalhando comentou, sentindo-se um pouco mais
relaxada.
— Claro que não! Cassie está ansiosa para lhe mostrar as fotografias — Com um
gesto amplo, indicou que entrasse — Você teve uma excelente recuperação da
catapora, não é?
177
Depois da Chuva Karen White
178
Depois da Chuva Karen White
179
Depois da Chuva Karen White
180
Depois da Chuva Karen White
— Joe mencionou que lhe contou sobre a noite em que Maddie exagerou na
bebida.
— Sim, ele me disse.
— O que não contei a ele foi que Maddie acredita que vai morrer logo, como a
mãe e a avó, e isso deve apavorá-la desde que Harriet se foi.
— Oh, ela nunca me disse nada...
— Acho natural que queira poupá-la. Ela sabe que esse assunto traz lembranças
tristes e sofrimento para você também.
Ao dizer isso, Suzanne observou a expressão atônita se transformar na mais
pura raiva.
— E por que a escolheu para dizer o que sente?
— Acho que porque sabe que não ficarei aqui por muito tempo — Respondeu,
erguendo os ombros.
Cassie respirou fundo e a fitou.
— Obrigada, Suzanne. Eu não fazia idéia que...
— Foi por isso que lhe contei — Ela voltou a sentar-se diante da escrivaninha —
Queria que alguém soubesse do que se passa no coração de Maddie para quando eu não
estiver mais aqui — Disposta a mudar de assunto, apanhou uma fotografia da caixa e
colocou-a sobre a escrivaninha — Quem são estas pessoas?
— Oh, são os colegas de Harriet, quando ela se formou no ensino médio... — De
súbito, Cassie a fitou. — Olhar as fotografias está sendo mais divertido do que eu
imaginava! Espero que você não tenha programado nada para hoje à noite.
— Não, estou absolutamente livre.
— Ótimo! Nesse caso, vou preparar um chá gelado antes de prosseguirmos.
Aceita mais um pedaço de bolo?
— Oh, não, obrigada! — Suzanne quase gritou, vendo-a seguir para a cozinha.
Se tivesse de comer outro pedaço daquele bolo, teria uma indigestão! Pensou
com um sorriso.
Cassie voltou minutos depois com a bebida e uma caixa de biscoitos de
chocolate. Nas duas horas que se seguiram, trabalharam juntas escolhendo as
fotografias que seriam incluídas no álbum.
Quando Suzanne apanhou a bolsa e se preparou para ir embora, Cassie olhou
para a caixa de biscoitos vazia sobre a escrivaninha.
181
Depois da Chuva Karen White
— Por favor, não conte a Sam que comi tudo isso! Ele vai me matar se souber...
— Eu prometo. Afinal, você tem uma boa razão para comer algumas calorias a
mais.
— Sim, mas não posso exagerar. Você, sim, é magra o bastante para ingerir
todas as calorias que desejar! — Avaliou-a com um sorriso, meneando a cabeça — Não
há comida em Chicago?
Suzanne sentiu o sangue congelar nas veias. Naquele momento, a familiar
apreensão que a proximidade de Cassie costumava despertar voltou a incomodá-la.
— Como sabe que sou de Chicago? — indagou, evitando encará-la.
— Na verdade, não sei... Estive lá em uma viagem de negócios e tenho a
impressão de tê-la visto.
— Bem, estive em Chicago algumas vezes... — Respondeu de forma vaga — Você
pode ter me visto lá, na Flórida, em Minnesota ou qualquer outro lugar.
Cassie limitou-se a acompanhá-la até a porta da frente sem dizer nada.
— Oh, a propósito... Caso tia Lu não tenha lhe contado, as associadas do Clube
de Bridge aprovaram sua admissão, com apenas um voto contra.
— Oh, é mesmo? E quem não me aprovou como membro do clube?
— Eu.
Suzanne se voltou, e as duas mulheres ficaram face a face.
— Não me leve a mal. Gosto de você e sou muito grata pela forma como cuida de
Maddie. Tenho negligenciado as crianças desde que fiquei grávida, e você tem sido
muito importante para minha sobrinha — Ela pousou a mão no ventre para acariciá-lo —
Mas você não é o que Joe precisa. Por isso, não quero que fique em Walton um minuto
além do necessário. Meu cunhado ainda não se recuperou da terrível perda que todos
nós sofremos, e não vou suportar vê-lo se machucar de novo.
— Como sabe do que Joe precisa? — Suzanne perguntou calmamente, tentando
não se abater pelas duras palavras — Ele é um homem que sabe muito bem camuflar
suas necessidades e dar a impressão de que não precisa de nada.
— Pelo que posso ver, essa é a única coisa que vocês dois têm em comum. A
verdade é que você não é... — Ela calou-se, horrorizada com o que estava prestes a
dizer.
— Eu sei. Não sou Harriet — Suzanne completou — Ouça, a última coisa que
faria seria magoá-lo. Não se preocupe, não está nos meus planos ter um
relacionamento sério.
182
Depois da Chuva Karen White
183
Depois da Chuva Karen White
garota linda, inteligente e talentosa. Suzanne acha que ela tem um grande futuro como
fotógrafa, e todos nós concordamos que herdou esse dom de você, meu amor.
Sorrindo, olhou ao redor para se certificar de que ninguém o observava
enquanto conversava com fantasmas.
— Sarah Francês já está moça e sinto sua falta para orientá-la, mas acho que
estou me saindo bem. Joey é um verdadeiro craque no futebol, e Knoxie tem mostrado
talento para a música. Está tendo aulas de piano com a sra. Krawitz e continua
inconformada por ser ruiva e não loira, como você. Suzanne prometeu que vai ajudá-la
a mudar a cor dos cabelos...
Ao se flagrar falando de Suzanne mais uma vez, interrompeu-se e voltou ao
curso de seus pensamentos.
— Amanda e Harry estão se desenvolvendo bem. São crianças fortes e
saudáveis. Puxa, nem acredito que são meus filhos! Acho que Deus sabia que eu não
poderia cuidar deles sozinho e permitiu que você me ajudasse, de onde quer que
esteja. Às vezes, sou capaz de sentir suas mãos invisíveis me guiando... Obrigado, meu
eterno amor.
Uma saudade pungente oprimiu-lhe o peito e deixou que lágrimas quentes e
silenciosas rolassem por seu rosto. Respirou fundo e ergueu os olhos para vislumbrar a
lua alta no céu límpido, preparando-se para revelar seu mais profundo e assustador
segredo.
— Preciso lhe contar mais uma coisa... — Hesitante, respirou fundo antes de
prosseguir: — Dormi com outra mulher, Harriet... Achei que nunca faria isso, mas o
mais curioso é que, na manhã seguinte, senti que, de alguma forma, você havia
aprovado.
Ao dizer isso, Joe notou um pequeno objeto prateado refletindo o luar, próximo
ao buquê que acabara de colocar no túmulo. Apanhou-o para examinar mais de perto e
se surpreendeu ao ver uma moeda nova em folha. Fechou-a na mão e guardou-a no
bolso, intrigado por não tê-la percebido antes.
— Boa noite, Harriet. Eu sempre a amarei.
Erguendo-se,.caminhou para a entrada do cemitério e sentiu a brisa do outono
acariciar suas costas, como se tentasse empurrá-lo para fora dali.
184
Depois da Chuva Karen White
Capítulo XVIII
187
Depois da Chuva Karen White
— Sim, estou ótima. Olhou para Cassie e notou as gotículas de suor em sua testa
mas não disse nada. Estavam esperando por aquela exposição com tanta ansiedade que
preferiu acreditar que as dores fossem apenas conseqüência do calor.
O ônibus ultrapassou o carro, e Maddie colocou a cabeça, para fora da janela.
— Nós nos veremos mais tarde! — Gritou, acenando freneticamente.
Quando o conversível deslizou pelo asfalto, Suzanne decidir parar de se
debater com o conflito angustiante que oprimia se peito. Já estavam a caminho e era
tarde demais para voltar atrás.
Quando alcançaram a rodovia interestadual, lembrou-se do guaxinim que vira no
meio da pista, na noite em que chegara a Walton. Ele também tivera uma parcela de
responsabilidade em sua decisão de ficar, concluiu.
Cassie ligou o rádio e uma música country ecoou no ar. Voltou-se para Suzanne e
ajeitou os óculos escuros.
— E, então, o que está achando da aventura, Louise?
Suzanne sentiu o sangue congelar nas veias ao supor que ela estivesse fazendo
alguma insinuação sobre sua falsa identidade. Depois de alguns segundos, percebeu que
se referia ao filme Thelma e Louise.
— Maravilhoso, Thelma!
— Quem são Thelma e Louise? — Sarah Francês apoiou-se no banco, curiosa.
— São as personagens de um filme sobre duas mulheres que decidem abandonar
tudo e sair em um carro à procura de aventuras.
— Oh, que interessante! Posso vê-lo, tia Cass?
— Sim, quando tiver dezesseis anos.
Suzanne se recostou no banco, deixando que o vento agitasse seus cabelos.
Tentou esquecer, nem que fosse por apenas algum tempo, a fotografia da criança com
a flor e o que aquilo significara para ela um dia.
Maddie se juntou a elas assim que chegaram à entrada principal do museu. Ela e
Rob estavam de mãos dadas, mas soltaram-nas imediatamente ao avistar Cassie e
Sarah Francês.
A longa fila de estudantes e acompanhantes encheu rapidamente o saguão
principal. Um imenso pôster de Gertrude Hardt pendurado na parede trazia a data do
nascimento e morte, tendo abaixo a biografia da artista.
188
Depois da Chuva Karen White
Suzanne já sabia o texto de cor e afastou-se. Parou para ver outro pôster com
a fotografia da artista, a face alva e os olhos azul claros que escondiam um gênio.
Observou que Maddie fazia o mesmo, e sorriu ao ver como se destacava dos
demais adolescentes.
Apanhou o walkman e fone de ouvido com o monitor e entrou na fila para a
primeira sala da exibição. Era como se uma mão invisível estivesse movendo-a contra
seu desejo.
Enquanto esperava Maddie, Cassie e Sarah Francês alcançarem-na, colocou o
fone nos ouvidos. Ligou o toca-fita e ouviu a voz feminina com sotaque britânico:
Embora passasse quarenta anos fotografando as cidades norte-americanas e
seus habitantes, a artista Gertrude Hart deixou uma obra relativamente pequena.
Até pouco tempo, as fotografias desta exposição permaneciam inéditas para o
público. Pertenciam ao acervo particular do magnata e mecenas de arte Caldwell
Winthorpe, de Chicago, amigo e conterrâneo da artista, e eram mantidas em sua
biblioteca pessoal.
Roubada da mansão do magnata há um ano, a valiosa coleção reapareceu em
posse do colecionador de arte Andy Harrison, de Chicago. Em seu depoimento à polícia,
Andy afirmou que a venda da coleção foi realizada por uma mulher que se manteve
anônima. As investigações da polícia para descobrir a possível autora do furto con-
tinuam...
Suzanne voltou a fita três vezes. Alguma coisa estava errada. Como a coleção
considerada por perdida ou presumivelmente roubada, se havia sido entregue a ela
como para presente de Anthony?
Deu um passo, pressionada pela fila, enquanto seu cérebro trabalhava
furiosamente. Se havia sido roubada, como Anthony tivera acesso à coleção para lhe
dar de presente?
Parou de súbito, prendendo a respiração. Seu sangue congelou nas veias quando
a verdade tornou-se óbvia: as valiosas fotografias nunca haviam pertencido a ele!
Sentindo náuseas, forçou a passagem através da multidão e correu para o hall
de entrada do museu. Estava tão apavorada que seu coração parecia a ponto de
explodir no peito.
Se aquelas fotografias eram roubadas e fora ela quem as vendera, Anthony
nunca seria acusado! Tudo que precisava fazer era mandar uma carta anônima às
autoridades identificando-a como responsável pela venda da coleção, e ela estaria
perdida!
189
Depois da Chuva Karen White
Bastardo!, Exclamou para si mesma, sentindo a fúria crescente dentro dela. Ele
não lhe dera o presente para se reconciliar, e sim para se proteger! Não a procurara
por não suportar ser rejeitado, mas para reaver a preciosa coleção! E depois de saber
que a vendera, tentaria se vingar a qualquer custo...
De súbito, a fúria deu lugar a um medo incontrolável. Respirou fundo, tentando
conter o pânico por imaginar o risco que correra. Anthony não precisava se esforçar
para encontrá-la. Podia deixar que a polícia fizesse o trabalho. Tinha dinheiro e amigos
nos lugares certos. De qualquer forma, ela terminaria nas mãos dele ou na prisão.
Alguém parou ao lado dela e soube no mesmo instante que sua situação poderia
piorar ainda mais.
— Não sabia que você estava aqui... — Stinky Harden a fitava com malícia —
Você não estava no ônibus.
— Vim com Cassie Parker — Respondeu, forçando-se a manter a calma.
— Você parece não estar bem. Está preocupada que Maddie não vença o
concurso de fotografia?
Ela o encarou com hostilidade, imaginando como sabia sobre o concurso. Então,
lembrou-se que Maddie havia comentado que seu filho, Charles, também se inscrevera.
— Não estou preocupada. Acho que ela tem grandes chances de ganhar.
— Se eu gostasse de apostas, diria que Charles tem melhores chances de
vencer. — Fingiu pensar por um minuto. — Apenas por brincadeira, vamos fingir que
sou um apostador. Estaria interessada em arriscar um palpite?
— Não, obrigada.
— Mesmo que o destino estivesse a seu favor?
Suzanne olhou para o rosto avermelhado, contendo o ímpeto de esmurrá-lo.
— Não estou interessada.
— Mesmo que, se ganhasse, pudesse fazer um grande favor a Joe?
— Do que está falando? — Olhou para ele desconfiada.
— Podemos fazer uma pequena aposta entre nós dois. Vamos dizer que, se
Maddie ganhar, eu desisto da campanha, eleitoral.
Suzanne prendeu a respiração, rezando para que ele não ouvisse as batidas
descompassadas do coração.
— E se Charles ganhar?
O brilho vitorioso nos olhos dele revelava que sabia do que estava falando.
190
Depois da Chuva Karen White
191
Depois da Chuva Karen White
192
Depois da Chuva Karen White
— Bem, nesse caso, vou embora. Preciso tomar o avião de volta para Chicago
dentro de duas horas — Tomou-lhe a mão para beijá-la gentilmente — Foi maravilhoso
vê-la novamente. Vou ligar pára sua agência no próximo mês para conversar sobre a
nova campanha.
Suzanne não esperou para ouvir a resposta de Cassie. Sentindo-se com náuseas,
correu para o banheiro. Ao se olhar no espelho, não reconheceu a face lívida e
transfigurada que viu. Abriu a torneira e lavou vigorosamente o rosto com água fria,
tentando se recompor.
A porta se abriu e Cassie entrou, os olhares se encontrando no espelho.
— Precisamos conversar — Disse com expressão severa. — Pedi que Sarah
Francês voltasse com Maddie no ônibus para que pudéssemos ter algum tempo
sozinhas.
Saiu sem esperar pela resposta, deixando que a porta batesse com força atrás
de si.
Sentindo-se uma estranha ao ver seu reflexo no espelho, Suzanne mirou-se até
perder o foco. Resignada, fechou a torneira e saiu, sem outra escolha a não ser segui-
la.
Alcançou Cassie no estacionamento, apoiada ao capo do conversível. Correu até
ela, preocupada ao ver a expressão de dor no rosto pálido.
— Você está bem? — Amparou-a pelo braço — Quer que eu ligue para Sam?
— Não é preciso. Estou bem. Ainda não está na hora de o bebê nascer — Pousou
as mãos no ventre e tentou sorrir — Essas contrações são naturais nessa fase da
gravidez — explicou mais uma vez.
— Deixe-me ficar com o celular, assim poderei ligar para ele se for necessário.
— Não quero preocupá-lo. Tenho certeza de que vou ficar bem assim que
chegarmos em casa — Dobrou o corpo ao sentir uma nova contração — Importa-se de
dirigir?
Quando abriu a boca para dizer que não tinha carteira de motorista, Cassie já
estava sentada no banco do passageiro com as mãos ao redor do abdômen e uma
expressão de dor no rosto.
Sem escolha, acomodou-se atrás do volante e tentou se lembrar das aulas de
direção que Anthony lhe dera. Com um suspiro profundo, ligou o carro e pisou no
acelerador atenta ao tráfego.
— Por que está fugindo de Anthony de Salvo? — Cassie indagou de chofre.
193
Depois da Chuva Karen White
— Porque ele não é um homem bom e será muito mais saudável para mim se não
souber onde estou.
— Vocês estavam noivos, não é?
O arrependimento atingiu Suzanne mais uma vez ao pensar nas promessas e nos
presentes com que ele a seduzira.
— Sim. E eu rompi o noivado.
Cassie abafou um gemido, e Suzanne olhou para ela, aflita.
— Por favor, deixe-me ligar para Sam.
— Não. Estou bem. Você está apenas procurando uma desculpa para encerrar
essa conversa. Por que o deixou?
— Por que ele me machucava e o ferimento foi muito mais profundo do que os
hematomas que ficaram. Ele me fez ver a feia verdade da pessoa que realmente sou.
— Ele batia em você? — Cassie se virou para ela, chocada,
— Sim, muito. Anthony tem um péssimo temperamento e não queria mais ser o
alvo da violência dele.
— E quanto à coleção de Gertrude Hardt? Deve haver uma razão para que ele
aparecesse aqui hoje. Qual é a conexão?
— Ele me deu essas fotografias. Quando eu o deixei, vendi-as para Andy
Harrison por uma pequena fortuna, em uma negociação em que permaneci anônima.
— Não entendo... Então, por que faz tanto segredo disso?
— Achei que Anthony tivesse me dado a coleção para tentar me seduzir. Eu
havia rompido o noivado e ele insistia em reatar. Nunca pude imaginar que... Cassie?
Preocupada, desviou os olhos do trânsito para ela. Cassie respirava
pesadamente, com a cabeça reclinada no encosto.
— Estou bem — Assegurou, soando pouco convincente — Então, basicamente, é a
sua palavra contra a dele.
Suzanne fez uma pausa por um momento, refletindo sobre o quanto poderia
revelar, e percebeu que teria de continuar.
— Pior do que isso. Descobri hoje que essas fotografias foram roubadas da
mansão de Caldwelt Winthorpe exatamente na época em que Anthony deu-as para mim.
— Apertou as mãos no volante — Ele me usou para escondê-las. Agora que as vendi,
tudo que tem a fazer é dizer às autoridades que estou envolvida com o roubo. Ninguém
194
Depois da Chuva Karen White
vai acreditar em mim nem em um milhão de anos se disser que foi Anthony que me deu
a coleção!
— Por que se envolveu com um homem como ele?
— Acho que esse assunto não lhe diz respeito.
Cassie apertou os dentes ao sentir uma forte contração.
— Está enganada. Esse assunto me diz respeito. Harriet era minha irmã!
— E o que isso tem a ver comigo?
— Infelizmente, o que acontecer a você vai afetar diretamente meu cunhado.
Sei que é muito cedo para que Joe se envolva com alguém e será pior ainda se ele se
envolver com a pessoa errada.
As palavras machucaram muito mais do que Suzanne gostaria de admitir e disse
a primeira coisa que lhe veio à mente sabendo que também machucaria Cassie.
— Harriet está morta! Joe não está.
Um gemido profundo impediu Cassie de responder. Arqueou o corpo e apoiou as
mãos no painel, lutando contra a dor.
— Droga, Suzanne! Por acaso, acha que não penso nisso todos os dias da minha
vida?
Suzanne virou à esquerda, tentando fugir do tráfego pesado.
— O fato de Joe seguir a vida dele não significa que esqueceu Harriet — Disse,
pisando no acelerador. — Fazer de Joe um mártir não vai trazê-la de volta.
— Você nunca conseguirá amá-lo como Harriet o amou. Nunca!
Grossas lágrimas embaçaram a visão de Suzanne, e ela piscou com força,
entrando no tráfego pesado de Atlanta. À beira do desespero, olhou no retrovisor e
viu a imensidão de carros se enfileirando atrás do conversível.
— Talvez eu já o ame — Ouviu-se dizer, mal acreditando em sua declaração
arrojada.
— Não! — A voz soou estrangulada, cheia de pânico. Suzanne manteve o olhar
fixo à frente, incapaz de encará-la.
A verdade das palavras que saíram de seus lábios a revigoraram, dando-lhe
conforto.
— Sim, eu amo Joe! Não da mesma forma que Harriet o amava, mas eu o amo! —
Quase gritou, desejando que o mundo inteiro soubesse — Harriet o amou pelo homem
que ele era. Eu o amo pelo que é agora.
195
Depois da Chuva Karen White
— Não!
Daquela vez, a voz era quase um gemido, e Suzanne voltou-se para ela.
— Cassie?
Os olhos azuis revelavam medo e surpresa.
— Minha bolsa acabou de romper!
Capítulo XIX
196
Depois da Chuva Karen White
197
Depois da Chuva Karen White
198
Depois da Chuva Karen White
— Não.
— Preciso que procure algum, mesmo que seja veterinário.
Suzanne se surpreendeu com a própria eficiência da sua atuação. O homem
concordou e seguiu com expressão de alívio.
— Suzanne, o bebê está vindo... Agora!
— Sam? Não consigo ouvi-lo! Diga-me o que fazer!
— ...Cabeça... Quando estiver... Ombros. Mantenha o bebê... — As frases eram
interrompidas pela interferência e Suzanne tentou adivinhar o que ele dizia. —
...nariz... cordão umbilical... Então, a ligação caiu.
Olhou pela janela procurando o homem que saíra em busca de um médico, mas
não viu sinal dele. Respirando fundo, voltou-se para Cassie e fez a primeira coisa que
lhe veio à mente.
Debruçou-se sobre ela e segurou-a pelo queixo, forçando-a a encará-la.
— Querida, nós vamos conseguir — Com um movimento discreto, ajudou-a despir
a roupa de baixo — Faça força e respire. Estarei aqui para amparar o bebê.
Os olhares se encontraram e Suzanne sentiu uma emoção que nunca
experimentara antes. O sentimento de união e confiança a estimulou a seguir em
frente. Armou-se de nova coragem e teve certeza de que conseguiria.
Retirou uma caixa de lenços de papel do porta-luva e se lembrou de que havia
uma garrafa de água mineral sob o banco. Apanhou-a e lavou as mãos o melhor que
pôde, enquanto Cassie fazia força para que o bebê encontrasse o caminho.
Instintivamente, colocou as mãos sobre seu abdômen e pressionou-o de leve.
Naquele momento, o mundo ao seu redor deixou de existir. O som de buzinas, os
olhares curiosos dos ocupantes dos carros vizinhos, tudo pareceu subitamente muito
distante dali. Era como se estivessem envolvidas por uma redoma de energia que as
isolasse de todos.
Um silêncio abrupto pairou no ar e então Suzanne arregalou os olhos, fascinada
ao ver a cabeça do bebê despontar.
— Acabou? — Cassie balbuciou em um fio de voz — Não o ouvi chorar!
— Ainda não. Faça um pouco mais de força. Isso! Muito bem! — Estimulava,
pressionando o abdômen de Cassie — Você é uma mulher corajosa! Estou orgulhosa de
sua bravura.
200
Depois da Chuva Karen White
Depois de uma forte contração, Suzanne apanhou o delicado ser nas mãos,
inundada por uma emoção indescritível. Acolheu a pequena criatura que acabara de
chegar ao mundo enquanto lágrimas quentes lavavam seu rosto.
Irrefletidamente, limpou o nariz e boca do bebê e suspendeu-o pelos pés.
Quando ouviram o estridente grito que cortou o ar, ambas começaram a chorar
de emoção.
— É uma menina? — Cassie indagou por entre lágrimas.
— Não sei!
— Olhe entre as pernas, Suzanne!
Sentindo-se estúpida, ela começou a rir e a chorar ao mesmo tempo.
— É uma menina! — Colocou-a no colo da mãe e estendeu a mão para o banco de
detrás, apanhando o suéter de Sarah Francês para cobri-las.
Pancadas leves no vidro do carro, ao mesmo tempo que ouviam o som de uma
sirene, trouxeram-na de volta para a realidade.
O senhor que saíra à procura de um médico chegara com uma mulher alta,
carregando uma valise preta. Respirando com alívio, Suzanne fez menção de sair, mas
Cassie a segurou pelo braço.
— Obrigada — Disse simplesmente, e foi o que bastou para que demonstrasse
sua gratidão.
O bebê emitiu um som gutural, fazendo-as rir.
Então, Suzanne saiu do carro para que a médica entrasse. Recostou-se no capo e
só então seu corpo reagiu. Sentia-se exausta e enfraquecida, como se houvesse lutado
com um leão.
Esperou até que a ambulância chegasse para se mover. A sensação de que
acabara de mudar os caminhos de sua própria vida a invadiu. Olhou para o céu, que se
encheu de nuvens carregadas, escondendo o sol. Cobriu a cabeça com as mãos e entrou
no carro quando as primeiras gotas de chuva começaram a cair.
Joe tocou o vidro da enfermaria pediátrica e fechou os olhos, lembrando-se das
seis visitas que fizera àquele mesmo hospital. Desde a última vez, com o nascimento de
Harry, aquele se tornara o lugar mais perturbador do mundo. Ali, sentira a alegria e o
amor de novos começos, e a dor e a desesperança do fim.
Abriu os olhos e viu o bebê de Sam e Cassie coberto por uma manta cor-de-
rosa. Sorriu, pensando em como aquele milagre continuava a surpreendê-lo.
201
Depois da Chuva Karen White
A vida sempre prosseguia, não importava quantas vezes o sol se punha. Não
poderia acreditar em tal fato três meses atrás, mas havia mudado. Sabia que a
saudade de Harriet seria eterna e jamais conseguiria preencher o vazio que deixara,
mas ela tornara-se parte de seu passado... Um passado feliz que ficara para trás. O
futuro o esperava para ser vivido e preenchido com o que escolhesse para sua vida.
Uma enfermeira entrou na sala, e ele bateu no vidro e indicou o bebê. Ela pegou-
o no colo e se aproximou para mostrá-lo.
Joe sorriu ao ver os dedinhos perfeitos, o minúsculo nariz, as sobrancelhas
arqueadas. Agradeceu à enfermeira e acenou para sua mais nova sobrinha, alegria e
saudade se misturando em seu coração diante do novo começo de uma vida.
Dirigiu de volta para casa com o pensamento em Suzanne. Se ao menos pudesse
convencê-la de que toda vida tinha a possibilidade de novos começos e segundas
chances...
Guardou a caminhonete na garagem e foi para a varanda. Seu coração perdeu um
compasso ao vê-la sentada no degrau da varanda, com Amanda no colo.
Aproximou-se e escondeu o sorriso ao ver as pálpebras borradas de sombra
azul, dois círculos vermelhos nas faces e uma grossa camada de batom cor-de-rosa
cintilante que ultrapassava em muito o contorno dos lábios. Usava uma coroa presa aos
cabelos e um manto que mal lhe cobria os ombros.
— Alteza... — Parou à frente dela e fez uma mesura galante.
— Papai! — Amanda pulou do colo e correu para os braços dele — Estamos
brincando de princesa e rainha. Ela é a rainha.
A porta da frente se abriu. Knoxie correu para fora e Harry veio logo atrás,
com as mãos cobertas por uma espécie de geléia vermelha. Ele pulou nos braços do pai,
e Joe teve de se esforçar para que sua camisa não ficasse manchada.
— O que é isso nas mãos?
— Estava preparando o almoço e pedi a ele que segurasse os tomates...
Suzanne se pôs de pé e pegou-o no colo.
— Venha, Harry. Vamos lavar as mãos e ajudarmos Knoxie a fazer o almoço.
Joe olhou mais uma vez para a maquiagem pesada no rosto dela e jurou para si
que nunca vira alguém mais bonita.
— Vou ajudar — Ofereceu, seguindo-a.
Todos entraram ao mesmo tempo fazendo algazarra e seguiram para a cozinha.
202
Depois da Chuva Karen White
203
Depois da Chuva Karen White
204
Depois da Chuva Karen White
205
Depois da Chuva Karen White
206
Depois da Chuva Karen White
Calou-se, com a voz embargada pela emoção. Pensou em sua adorada esposa e na
natureza gentil e no coração generoso da maravilhosa filha que lhe dera. Segurando as
próprias lágrimas, continuou:
Maddie parecia um pouco mais calma.
— Você recebeu de sua mãe a beleza, a inteligência e o talento. Mas acima de
tudo, ela lhe deu a vida. O único sonho que tinha para você e para todos os filhos era
que vivessem: plenamente e fossem felizes — Acariciou ternamente os cabelos da
filha — Não seja prisioneira de seus medos. Vá cm frente e lembre-se sempre de que
haverá um lar esperando por você.
Joe se recostou na cama e esperou que ela parasse de chorar.
— Sua mãe me disse, certa vez, que sempre haveria um dia de chuva na vida de
todos nós, mas que era a única forma de ver o arco-íris.
— Suzanne me disse o mesmo...
— Então, deve ser verdade. Se as duas mulheres mais inteligentes que conheço
disseram a mesma coisa, deve ser verdade.
Ao vê-la sorrir, o coração de Joe se aqueceu.
— Obrigada, papai. Estou me sentindo melhor.
— Eu também. — Olhou para a bagunça espalhada pelo chão — Já é tarde. Por
que não vai dormir? Prometo que, amanhã cedo, vou ajudá-la a acabar de arrumar o
armário.
— Está bem.
Ele se levantou e estendeu a mão para erguê-la do chão, notando de súbito que
sua filha estava quase de sua altura.
Quando crescera tanto? Pensou com um aperto no coração. Maddie se deitou,
então ele a cobriu e a beijou de leve na testa.
— Boa noite.
Caminhou para a porta e, antes de fechá-la, ouviu Maddie chamá-lo.
— Papai!
— Humm?
— Eu o amo.
Joe apagou a luz e fechou a porta. Lentamente, caminhou pelo corredor às
escuras para seu quarto vazio. Porém, seu coração estava pleno de amor e de gratidão.
207
Depois da Chuva Karen White
Capítulo XX
Joe bateu o jornal sobre a mesa do Café Dixie Diner, fazendo com que Sam
quase derramasse a xícara de café.
— Bom dia para você também — Disse em tom bem-humorado, mas sua
expressão mudou ao ver o rosto preocupado do amigo — O que houve?
— Veja isso!
Joe colocou o jornal aberto sobre a mesa.
— A polícia foi chamada a uma residência por causa do latido de um cachorro? O
que tem isso?
— Não é essa reportagem — Disse com a impaciência. Apontou para o alto da
página, onde se lia a manchete: Mapleton é notificada em audiência pública. Logo
abaixo, uma extensa reportagem informava sobre o pedido de anexação do bosque de
mata virgem aos limites do município.
— É a propriedade de Stinky Harden!
— Exatamente! — Joe se sentou e fez um gesto para Brunelle — O
administrador regional de Mapleton e ele foram colegas de classe na universidade e,
208
Depois da Chuva Karen White
por uma incrível coincidência, ele também é o maior acionista da indústria Wright
Paper, a maior companhia de fabricação de papel da região. Entendeu a conexão?
— Sim, mas... Por que a anexação? Não seria um passo desnecessário?
— Não. Os regulamentos do meio ambiente em Mapleton não são tão rígidos
quanto os de Walton. Se ele conseguir, será muito mais difícil impedirmos o
desmatamento e a poluição.
— Meu Deus! — Sam colocou as mãos na cabeça, desolado — A audiência será na
próxima quarta-feira. Como não ficamos sabendo antes?
— É o que eu gostaria de saber. Sou prefeito desta cidade e deveria ser o
primeiro a ouvir as notícias. Suponho que Stinky conseguiu omitir a informação de
propósito.
— Mas não há nada comprometedor sobre ele que você possa provar?
— Não posso provar nada! Felizmente fiquei sabendo a tempo. Talvez possa
conseguir apoio com a oposição de Mapleton. Sou o prefeito, está na hora de começar
a usar meus contatos.
— Há um grupo ambientalista que descobri na internet... Creio que poderão
ajudar. Posso mandar um e-mail e contar o que está acontecendo.
— Faça isso ainda hoje.
Joe abriu espaço para que Brunelle colocasse a bandeja com seu café da manhã
e apanhou a xícara de café. Deu um gole e fez uma careta ao queimar a língua.
— Não quero parecer pessimista, mas acho que precisamos considerar todas as
possibilidades — Sam comentou depois de comer com apetite sua porção de ovos com
bacon. — O que poderá acontecer se Stinky ganhar a eleição? Se ja está escondendo
informações antes de vencer, imagine como será depois. O desmatamento da floresta
vai ser nossa menor preocupação.
— Não deixarei que isso aconteça. A última pesquisa eleitoral promovida por
Hall Newcomb mostrou que tenho noventa e quatro por cento da aceitação dos
eleitores. A menos que aconteça alguma coisa terrível até as eleições, não creio que
ele tenha chance de vencer, não importa quanto dinheiro esteja disposto a gastar.
Naquele momento, a porta do Café se abriu, e Suzanne entrou. Usava uma das
roupas que Lucinda a ajudara a escolher. Em qualquer outra mulher o conjunto de blusa
e saia e passaria despercebido, mas provocou a mesma reação em todos homens
presentes, que se voltaram para observá-la.
O rosto dela se iluminou ao ver Joe, mas esperou que acenasse para se
aproximar.
209
Depois da Chuva Karen White
Para sua surpresa, ele se ergueu e beijou-a nos lábios sem se importar pelo fato
de estarem em um local público. Constrangida, sentou-se com a certeza de que seria o
tema das focas nos próximos dias, como deveria ter acontecido depois de Joe ter
saído de sua casa às quatro horas da madrugada...
No entanto, notou que ele sorria com segurança, como quisesse que todos
ficassem sabendo sobre o relacionamento.
— Café? — Ofereceu, estendendo-lhe o cardápio.
— Bem, preciso ir embora — Sam anunciou, com a evidente intenção de deixá-los
a sós — Cassie está esperando-a para uma visita, quando tiver tempo. Ela disse que
vocês precisaram terminar uma conversa.
— Estou planejando há dias ir à sua casa, mas estive muito ocupada na loja. Você
sabe, estamos nos preparando para o Natal.
Joe podia jurar que ela estava evitando os olhos do amigo.
— Por favor, diga-lhe que vou assim que puder.
— Está bem — Despediu-se com um beijo no rosto — Avise-me se estiver
planejando fazer mais algum parto para que eu possa cuidar da minha aposentadoria.
Ela riu é observou-o se afastar.
— O que há de interessante no jornal? — Indagou, notando o exemplar aberto
sobre a mesa.
— Más notícias. Stinky Harden está disposto a destruir esta cidade e estou
cada vez mais disposto a não permitir. Agora, mais do que nunca, quero a reeleição.
O rosto de Suzanne tornou-se lívido quando ele tentou tocar suas mãos.
Afastou-as para escondê-las sob a mesa.
— O que houve? — Indagou, com expressão confusa.
— Nada. Acho que estou cansada. Estamos trabalhando muito na butique,
tentando organizar a mercadoria que chegou para o Natal.
Joe sorveu um gole de café e estudou o perfil delicado, a pele alva do pescoço e
a doçura dos lábios carnudos. Desejou tomá-la nos braços ali mesmo, diante de todos,
mas receou que ela o rejeitasse novamente.
Com um gesto discreto, ela chamou Brunelle e pediu duas torradas com geléia de
framboesa e uma xícara de chá.
— Então, está trabalhando muito?
210
Depois da Chuva Karen White
211
Depois da Chuva Karen White
212
Depois da Chuva Karen White
213
Depois da Chuva Karen White
214
Depois da Chuva Karen White
215
Depois da Chuva Karen White
— Então, você veio aqui hoje para me contar sobre seu passado escandaloso?
Ainda não se encerraram as apostas!
— Não — Respondeu, sem conter o riso — Queria conversar sobre minha mãe.
A idosa senhora meneou a cabeça e encarou a afirmação com uma naturalidade
surpreendente.
— Eu queria ter adotado sua mãe, mas não era casada e, naquela época, não
permitiam que uma mulher solteira adotasse filhos. Então, eles a levaram embora —
Os olhos azuis assumiram uma expressão vaga, evocando uma lembrança distante —
Queria muito ter uma filha. Michelle e eu combinávamos muito bem. Costumávamos nos
sentar na varanda ao entardecer para ler romances. Discutíamos os livros depois de
lê-los e acho que isso a ajudou muito. Ela falava dos problemas e conflitos dos
personagens sem perceber que estava falando de si própria.
— Que tipo de problemas ela tinha? — Suzanne quis saber, interessada.
— Já lhe perguntei se quer chá gelado, querida? Posso prepará-lo em um
instante. Tenho mesmo de ir para a cozinha preparar o jantar, e não será trabalho
algum.
— Não, obrigada.
Ao ver os olhos tornarem-se opacos, soube que mergulhara em um de seus
momentos de confusão. Esperou pacientemente que ela voltasse ao assunto.
— Ela tinha um grande coração, mas não sabia como dar o amor que guardava.
Nunca ninguém a ensinara.
— Foi por isso que ela nunca conseguiu me amar... — Sentiu um gosto amargo na
boca e se esforçou para não chorar.
Um sorriso doce iluminou o rosto da sra. Lena, fazendo-a parecer muitos anos
mais jovem.
— Não, querida, não é verdade. Eu vi como você cuida dos filhos de Joe. Deve
ter aprendido em algum lugar, não acha?
Suzanne arregalou os olhos, espantada. Abriu a boca para protestar, mas não
encontrou palavras. Lembrou-se de quando acolhera Maddie na noite em que ela
surgira alcoolizada em sua varanda e do sentimento de ternura que a preencheu en-
quanto observava Harry adormecido no berço... Da necessidade de eliminar a dor de
Sarah Francês quando tivera catapora, da brincadeira de rainha e princesa com
Amanda, da reconfortante sensação de ser útil ao consertar o aviãozinho de Joey das
unhas de Knoxie, pintadas pela primeira vez com esmalte cor-de-rosa...
216
Depois da Chuva Karen White
Em algum lugar, no fundo de sua alma, sabia que somente fora capaz de sentir
tais emoções porque havia o toque da mão invisível de sua mãe.
Tomando as mãos enrugadas entre as suas, sorriu.
— Foi você quem a ensinou, não foi?
— Eu tentei querida. Eu tentei... Mas aquela criança tinha problemas profundos.
Porém, não significa que não tenha amado a filha — Tocou no pingente ao redor do
pescoço de Suzanne — Michelle guardou a gargantilha com o pingente durante a vida
toda e deu-o para você. Era o único bem que tinha para dar, percebe?
Suzanne permaneceu em silêncio, ouvindo a respiração suave da sábia senhora
preencher a sala, e seu coração bateu mais alto no peito. Sim, ela percebia. Pela
primeira vez em sua vida, não via o abandono da mãe como um ato de pura irrespon-
sabilidade.
Apertou o pequeno coração nos dedos. Sua mãe a amara o bastante para deixá-
la livre dos fantasmas que ela própria tentara fugir pela vida toda. A gargantilha era
apenas parte daquele legado.
— Que horas são? — A sra. Lena indagou de súbito — Não posso perder o
episódio de hoje da Roda da Fortuna. Você conhece o novo concorrente, Pat Sajak?
O coração de Suzanne se apertou ao ver a confusão expressa nos belos olhos
azuis.
— Sra. Lena, o programa já...
Batidas suaves na porta a interromperam. Suzanne abriu-a e encontrou Sweet
pea Crandall do outro lado.
— Como ela está? — Sussurrou, espiando para dentro — Passei aqui para colocá-
la na cama. Não sabia que ela estava esperando visitas.
— Estou de passagem. Ela parece bem, mas acho que está cansada. Por favor,
entre.
Beijou-a no rosto e sorriu ao ouvir chamá-la de Michelle. Despediu-se da sra.
Crandall e saiu, sentindo-se subitamente exausta.
Sentou-se nos degraus da varanda e acariciou o pingente de ouro. Uma vida sem
chuva é como um sol sem sombra. Finalmente entendera o que sua mãe tentara lhe
dizer todos aqueles anos.
— Sinto muito, mamãe, por não ter percebido antes...
Olhou para as estrelas na escuridão do céu de final de outono. Assim como a
Terra, que girava ao redor de seu próprio eixo por vinte e quatro horas de luzes e
217
Depois da Chuva Karen White
sombras para voltar ao ponto inicial, ela também acabara voltando onde tudo se
iniciara.
Mesmo depois da jornada que fizera para fugir, acabara sendo levada para o
ponto de partida.
Imaginou que sua mãe também já se sentara naqueles mesmos degraus e olhara
para as estrelas do céu de Walton como ela... Tal pensamento a confortou como se
encontrasse um velho amigo depois de uma longa separação:
— Obrigada, mamãe — Murmurou, e as palavras foram carregadas para as
estrelas.
Capítulo XXI
218
Depois da Chuva Karen White
220
Depois da Chuva Karen White
221
Depois da Chuva Karen White
222
Depois da Chuva Karen White
223
Depois da Chuva Karen White
— Oh, meu Deus! Ela está mais linda a cada dia que passa — Exclamou,
debruçando-se sobre o carrinho.
Cassie sorriu orgulhosa e acenou para Suzanne antes de seguir pela calçada.
— Olá, srta. Paris. Vim comprar um presente de Natal para meu marido.
— Não vendemos roupa íntima masculina, sra. Newcomb — Eu sei, meu bem —
Apanhou um delicado conjunto de renda vermelha que estava sobre o balcão — Ele vai
adorar me ver em um conjunto como este.
Suzanne sorriu e procurou atendê-la com a atenção habitual, embora seu
pensamento estivesse muito distante.
Sentia-se perdida. Pela primeira vez em sua vida, desejava permanecer em
Walton e criar raízes. Porém, não era tola a ponto de acreditar que poderia ficar para
sempre. Anthony de Salvo era parte de seu passado e, por mais que fugisse, algum dia
ele viria a seu encontro.
Maddie não conseguia prestar atenção na aula de história. Estava tão aflita que
não parava de bater os pés no chão enquanto o sr. Dorgan explicava como fora a
aquisição do Texas pelo povo norte-americano. Mantinha o olhar fixo no relógio sobre
o quadro-negro, inconformada com a lentidão do ponteiro.
Àquela hora, o carteiro já deveria ter entregado a correspondência que
esperava com ansiedade. O envelope com o nome do vencedor do concurso deveria
estar lá, à sua espera, na caixa de correio. A correspondência mais importante de sua
vida estava ao seu alcance, e não podia apanhá-la!
Olhou mais uma vez para o relógio e suspirou, desolada ao ver que se passara
apenas um minuto desde a última vez que olhara.
Sentiu alguma coisa bater em sua nuca e apanhou a bola de papel amassado.
Olhou para trás e viu um sorriso no rosto de sua melhor amiga, Clarissa White. Os
professores haviam determinado que se sentassem em extremos opostos da sala, can-
sados da necessidade ininterrupta de se comunicarem durante a aula.
Relanceou o olhar para ter certeza de que o sr. Dorgan não a observava para ler
o bilhete: O que há com você? Está mais nervosa do que no dia que Rob beijou-a pela
primeira vez!
Olhou para trás e piscou para a amiga. Sem se conter, ergueu a mão e fez com
que sua voz soasse o mais dramática possível.
— Sr. Dorgan, não estou me sentindo bem. Posso ir até a enfermaria?
O professor ergueu as sobrancelhas e olhou através das grossas lentes dos
óculos com ar suspeito.
224
Depois da Chuva Karen White
225
Depois da Chuva Karen White
226
Depois da Chuva Karen White
227
Depois da Chuva Karen White
sua vida. Porém, daquela vez, seria ainda mais intolerável, depois de ter provado as
delícias daquele Paraíso...
Abraçou-o mais apertado e sussurrou no ouvido de Joe:
— Eu o amo, Joe Warner.
Ele beijou-lhe as pálpebras fechadas, sorvendo suas lágrimas, e quando as bocas
se encontraram novamente, sentiu o gosto salgado dos lábios macios.
— Por favor, vamos entrar...
Permaneceram de mãos dadas, olhando nos olhos um do outro por um longo
momento.
Suzanne sabia que precisaria de tempo para pensar nas palavras que acabara de
dizer e nas respostas que ainda não dera. Lembrou-se de Cassie dizendo que deveria
abrir o coração com Joe...
Porém, ao vislumbrar o brilho do desejo nos olhos dele, todas as dúvidas e
indecisões se desvaneceram. Não queria planejar nada que fosse além das horas
seguintes, consciente de que seria apenas uma noite nos braços de Joe e uma vida
toda sem ele.
Estendeu-lhe a mão e conduziu-o para o quarto, deixando todas as confidências
não ditas do lado de fora, adormecidas na noite fria.
228
Depois da Chuva Karen White
Capítulo XXII
229
Depois da Chuva Karen White
Fez com que ela ficasse de pé e, com movimentos ágeis, despiu-lhe a camiseta.
Recuou um passo para contemplá-la vestindo a sensual peça de seda e renda moldando
as curvas sensuais do corpo perfeito.
— Não apague a luz... — Suplicou, conduzindo-a para a cama.
Os lábios se encontraram enquanto mãos sôfregas se confundiam na ânsia dos
corpos sedentos de paixão. Suzanne fechou os olhos quando os lábios quentes
percorreram o vale dos seios sobre a fina seda da combinação.
Joe sabia precisamente como tocá-la, fazendo com que o desejo a envolvesse
em ondas cada vez mais intensas. Os olhares se cruzaram e, ao ver o reflexo de seu
próprio desejo nos olhos dele, ficou ainda mais excitada.
Nunca experimentara o verdadeiro sentido de fazer amor... Até conhecer Joe,
aquele ato não passava de uma passiva submissão. Nunca experimentara o prazer que a
união de corpos poderia proporcionar até que aquele homem fizesse desabrochar toda
a sua feminilidade.
As roupas espalhadas pelo chão foram as únicas testemunhas silenciosas da
entrega recíproca que os fundia em um só corpo, embalando-os em uma dança sensual,
quase selvagem
Quando Joe girou o corpo para se deitar de costas, com a respiração ofegante,
ela tocou com a ponta dos dedos as gotículas de suor que lhe banhavam a fronte.
Contemplou o rosto másculo, sentindo que parte dela própria morria ali, naquela
noite. Todas as descobertas, a vida nova que planejava, nada daquilo poderia ser
compartilhado com ele.
— Você estava linda com sua nova roupa de baixo...
Ela sorriu e não disse nada para não quebrar a magia daquelas palavras.
Aconchegou-se de encontro a ele, sentindo a seda macia se colar à pele. Procurou
pelas mãos fortes e colocou-as sobre os seios, pressionando-as com força sobre o co-
ração. Precisava senti-lo, pois sabia que a dor da ausência inevitável a acompanharia
pelo resto da vida.
Joe puxou-a para que se deitasse sobre ele. A corrente de ouro pendeu do
pescoço delgado, fazendo com que o pingente repousasse sobre o peito largo.
—Ganhei essa gargantilha de minha mãe — Respondeu sem pensar.
Os olhares se encontraram e ela enfrentou-o, decidida a revelar seu maior
segredo.
— Eu nunca acreditei que ela me amava, até encontrar a sra. Lena. Ela me contou
que, há muitos anos, tentou adotar minha mãe. Foi ela quem lhe deu a gargantilha e o
230
Depois da Chuva Karen White
pingente... — Com a voz embargada pela emoção, tocou o rosto de Joe com a ponta dos
dedos — A sra. Lena me mostrou que minha mãe me amou à maneira dela. Disse que
minha mãe nunca soubera o verdadeiro sentido de ter um lar e fez o máximo que pôde
para que eu tivesse um destino diferente do dela.
Joe a fitou, os olhos ternos traduzindo a gratidão por revelar um de seus
segredos.
— E meu sobrenome é Lewis — Confessou, sentindo um peso enorme aliviar seus
ombros.
— Por que escolheu Paris? — Joe perguntou com naturalidade.
— Porque sempre quis conhecer Paris.
Ele refletiu por alguns segundos, olhando para o teto, e então se voltou para ela.
— O que mais ainda não me contou?
Suzanne suspirou, disposta a revelar tudo que fosse possível.
— Envolvi-me com um homem apenas por interesse... Deixei-me seduzir pela
promessa de segurança e proteção e me submeti aos caprichos dele... — Respirou
fundo tomando coragem para prosseguir.
O olhar acolhedor de Joe a estimulou a se abrir.
— Eu o conheci em um de seus restaurantes... Costumava frequentá-lo, atraída
pelo cheiro de alho frito que me fazia lembrar da melhor fase de minha infância —
Fechou os olhos, atormentada pela dor que as lembranças lhe causavam — Acho que
acabei confundindo tudo e me senti atraída por uma fantasia, mais do que pela
realidade. Nunca amei meu ex-noivo.
Então, sem mencionar nomes, contou-lhe todos os detalhes do relacionamento
com Anthony, interrompendo-se no ponto em que decidira abandoná-lo.
— Foi assim que vim parar em Walton... — Concluiu, sem se referir à coleção de
fotografias — Graças a pessoas como vocês, percebi que é possível que alguém possa
me amar simplesmente pelo que sou, sem precisar dar algo em troca.
Joe beijou-a com ternura e estreitou-a em um abraço envolvente, sentindo o
amor transbordar em seu coração.
— Obrigado por confiar em mim — Balbuciou, embalando-a — Não importa o que
as circunstâncias da vida obrigaram-na a fazer no passado. Você é uma mulher rara e
especial Suzanne Lewis.
231
Depois da Chuva Karen White
232
Depois da Chuva Karen White
— Não a vi. Ela deixou um bilhete dizendo que estava na casa de Clarissa e que
Lucinda ficaria com as crianças — Então, Joe parou de súbito e levou a mão à cabeça
—Oh, não!
Segurou a mão de Suzanne e começou a correr o mais rápido que pôde. Um
sentimento sombrio o invadiu. Maddie estava preparada para não ganhar. Claro, queria
o primeiro lugar, mas havia comentado com naturalidade que havia muitos concor-
rentes de alto nível na competição. Alguma coisa estava errada.
— Onde ela está agora?
— O xerife Adams levou-a para casa. Ao menos, não se machucou. — Apertou os
dentes e deu um soco no ar — Nem sei o que sou capaz de fazer quando a vir!
— Joe, respire fundo e tente se acalmar. Seja lá o que tenha acontecido, tenho
certeza de que Maddie não fez por mal. Antes de ficar bravo com ela, tente descobrir
o que houve. Ajudará se você conseguir controlar a raiva.
— Mas isso poderá me custar a eleição!
— Você realmente acredita que a atitude impensada de uma adolescente
influenciará tanto assim seus eleitores, que o conhecem desde criança? — Ponderou,
tentando acalmá-lo. — Além disso, todos já foram adolescentes...
— Espero que tenha razão.
E segurou-a pela mão, correndo pelo restante do caminho. Em menos de cinco
minutos chegaram ao quarteirão onde se localizava a casa de Joe.
— Maddie é jovem e vulnerável, não se esqueça disso. Por favor, seja gentil com
ela. A relação de vocês vale mais do que uma eleição — Segurando-o pela mão, pousou
um beijo gentil nos lábios tensos.
— Vou tentar me lembrar. Venha, preciso de você comigo.
A sensação de desconforto se intensificou em Suzanne ao ver o carro do xerife,
a caminhonete de Sam e o conversível de Lucinda estacionados à frente da casa.
Todas as luzes estavam acesas. Por um breve momento, passou por sua cabeça a
familiar necessidade de fugir para a calma solidão de seu quarto. Porém o breve flash
se apagou ao pensar na importância de sua presença ao lado de Maddie.
Joe abriu a porta da frente, e correram para a cozinha. O xerife Adams os
saudou com uma inclinação de cabeça e Sam, Lucinda e Cassie ergueram os olhos para
ele, sem dizer nada. Maddie estava sentada à mesa, com Rob e Clarissa em pé às
costas dela. Todos se voltaram quando eles se aproximaram da mesa.
— Oh, papai... Parece que nós dois nos demos mal mais uma vez...
233
Depois da Chuva Karen White
— O que você quer dizer? Não fui eu quem foi trazido para casa pelo xerife.
— Você estava com ela, não é? Dê uma olhada nisso e diga qual de nós dois foi o
mais traído.
Ela colocou o envelope sobre a mesa, retirou a revista e segurou-a no ar, diante
do rosto do pai. Um silêncio sepulcral caiu sobre o ambiente quando todos viram o
retrato de Suzanne e Joe um segundo depois de terem se beijado. O erotismo sutil
ficava ainda mais óbvio pelo efeito da luz etérea que emprestava um contorno
prateado aos traços do rosto enlevado de Suzanne.
Ela começou a tremer, sentindo que seu mundo acabara de sair do eixo.
— Você ficou em segundo lugar — Joe comentou ao pegar a revista — Isso é
maravilhoso, Maddie! Não há razão para cometer tamanho ato de vandalismo com um
carro alheio.
Ela se ergueu com tanta violência que a cadeira caiu no chão.
— Veja quem ficou com o primeiro lugar! — Gritou, apontando para o nome de
Charles Harden abaixo da fotografia.
— E daí? Achei que você fosse madura o suficiente para...
— Não, papai! Você não percebe?
Suzanne sentiu um súbito desejo de fugir, morrer, ou fazer qualquer coisa que a
impedisse de continuar. Porém, permaneceu onde estava, esperando. Merecia aquilo.
Quase podia ouvir a voz acusadora de Anthony: Você teve o que mereceu, Suzanne.
Tocou o pingente de ouro, buscando forças, e fechou os olhos. Quando os abriu,
encontrou o olhar de Maddie.
— Essa fotografia é minha! — vociferou. — Estava no rolo de filme que deixei
com Suzanne. Quero saber como Charles a conseguiu?
De súbito, Suzanne percebeu o colossal erro que cometera. Como pudera ter
sido tão ingênua a ponto de jogar o negativo na lata do lixo e deixar Charles Harden
sozinho no laboratório fotográfico?
— Por que fez isso comigo, Suzanne? Eu confiei em você. Até achei que...
Um pranto convulsivo a impediu de continuar, e Cassie a abraçou, acariciando os
longos cabelos. Olhou para Suzanne sobre a cabeça da sobrinha, mas seu olhar não era
acusador. Ao contrário, parecia esperar por uma explicação que esclarecesse tudo.
— Não dei o negativo para Charles — Disse com firmeza, ela própria sentindo-se
traída — Naquela noite, depois que você saiu, vi os negativos do filme que você usara
234
Depois da Chuva Karen White
para registrar a festa de Sarah Francês. Recortei a última pose e joguei-a no lixo. Ele
deve tê-la apanhado depois que saí.
— Por que fez isso? Devia saber que seria uma fotografia para o primeiro lugar!
Suzanne resistiu à urgência de fugir dali. Procurou as melhores palavras para
explicar sem revelar seu maior segredo.
— Eu não podia correr o risco de ter minha fotografia estampada na capa de
uma revista nacional.
— Por quê? O que está escondendo é pior do que o mal que me causou?
— Acredite, não tive intenção de lhe causar mal algum. Fui tão enganada quanto
você.
Inconformada, Maddie a encarou entre soluços, incapaz de ouvi-la.
— Achei que gostasse de mim. Cheguei a desejar que você fosse parte da minha
própria família. Mas agora... Jamais! Prefiro morrer a olhar para você novamente! —
Ao dizer isso, correu para o quarto.
O silêncio foi quebrado pelos passos subindo os degraus até o piso superior. A
seguir, a porta do quarto bateu com estrondo e o silêncio voltou a reinar.
Suzanne respirava com dificuldade, evitando levantar o rosto. Sentiu-se nos
portões do inferno ao perceber que todos os olhares se focalizavam nela.
— Prometo que não vou permitir que essa injustiça fique impune — Armando-se
de coragem, ergueu os olhos para encará-los. — Já fiz alguns trabalhos para a
Lifetime e conheço a seriedade da revista. Estou certa de que revogarão o prêmio ao
saber da fraude. Com isso, além de Maddie passar automaticamente para a primeira
colocação, será duplamente premiada quando se tornar público que a fotografia
vencedora também é da autoria dela.
— Isso será maravilhoso, querida — Lucinda estimulou-a, fitando-a com os
adoráveis olhos azuis.
Ela fez menção de sair, mas alguma coisa a impedia. Não esperava que a
perdoassem, mas ao menos podia tentar fazê-los entender.
— Fiz isso porque amo Maddie, as crianças, Joe... Não queria que isso tivesse
acontecido, mas não pude evitar. Tudo que queria era ganhar tempo, porque... Porque
não queria partir! — Sussurrou em um fio de voz, contendo o pranto — Infelizmente,
não posso mais adiar esse momento.
E saiu sem olhar para trás, correndo o caminho todo até chegar em casa. Fechou
a porta e se recostou no batente, escorregando para o chão. Perdeu a noção do tempo
235
Depois da Chuva Karen White
enquanto estava ali, respirando pesadamente e se forçando a não chorar. Seus dedos
encontraram o coração pendurado na gargantilha e acariciou-o em busca de conforto.
Tentou se lembrar do que a sra. Lena lhe dissera sobre o amor de sua mãe.
Olhou para o teto como se pudesse vê-la.
— Estou feliz que não esteja aqui para ver isso, mamãe. Fiz tudo errado! Talvez
Anthony tenha razão. Eu mereço ser castigada!
Então, o pranto convulsivo sacudiu seu corpo e deitou-se no chão, abraçando as
pernas. Não conseguia esquecer o semblante de Maddie, aquela imagem permaneceria
pelo resto de sua vida. Como fazê-la entender que a pessoa que jogara aquele negativo
não era a mesma daquele momento? A sra. Lena a ajudara a descobrir uma nova força.
Podia quase acreditar que Cassie, Lucinda, Joe e todas as pessoas que conhecera a
ajudariam a encontrar seu lugar no mundo. Mas a expressão no rosto de Maddie era
implacável. Não havia como voltar atrás.
Lentamente, subiu os degraus e abriu o armário. Jogou todas as peças de roupa
dentro da mochila sem se preocupar em dobrá-las.
O vento soprava forte na janela, anunciando a chegada do inverno, o mesmo
inverno que já chegara em seu coração. Ao pensar em Joe e em todas as esperanças
que teria de deixar para trás, Suzanne sentiu-se morrer um pouco. Caminhou para a
cozinha e retirou a fotografia da torre Eiffel e o desenho de Amanda da geladeira,
antes de sair da casa pela última vez.
Trancou a porta da frente e colocou a chave na caixa do correio. Com um
esforço sobre-humano, caminhou com passos firmes pelas ruas ermas. Aquela casa
fora seu primeiro e único lar e ficaria apenas em sua lembrança. Por um momento, de-
sejou tirar uma fotografia. Talvez quando aquela terrível noite houvesse terminado,
poderia contemplá-la e se lembrar que, ao menos uma vez, fora feliz. Porém, desistiu.
A idéia de limitá-la a um registro em duas dimensões a faria aparecer irreal.
Seguiu para casa de Cassie com o álbum nos braços, ouvindo o eco de seus
próprios passos. Ficou surpresa por encontrá-la sentada nos degraus da varanda,
enrolada em um xale de lã.
— O que está fazendo? — Sussurrou, aproximando-se.
— Eu ia lhe perguntar a mesma coisa. São quatro horas da madrugada! Apenas
quem tem filhos recém-nascidos deveria estar acordado a essa hora.
— Pensei em esperar até que o dia amanhecesse para lhe trazer o álbum, mas...
— Abaixou o rosto, agradecendo pelas sombras da noite que escondiam a tristeza de
seus olhos — Eu não saberia como encará-la — Subiu os degraus e est deu-o para ela
236
Depois da Chuva Karen White
— Está pronto. Por favor, entregue-o por mim. Harriet gostaria que fosse um presente
de formatura, mas suponho que isso não importa mais.
— Por que não fica e o entrega você mesma?
Suzanne meneou a cabeça em negativa, sentindo o peito oprimido pela dor.
— Ela não quer me ver e não posso culpá-la. O que fiz foi imperdoável.
Permaneceram em silêncio por um momento, ouvindo apenas o vento na copa das
árvores.
— Não, Suzanne. Talvez o que nós fizemos tenha sido imperdoável. Nós a
aceitamos com muita facilidade, não tivemos nenhuma consideração por quem você era
ou de onde vinha.
— Se soubessem, teriam me rejeitado?
— Não. Se soubéssemos, poderíamos ter percebido sua fragilidade e cuidado
melhor de você.
Grossas lágrimas molharam o rosto de Suzanne.
— Por favor, não tente ser gentil comigo agora, Cassie. Não mereço. Fiz uma
grande confusão e não há como consertá-la — Implorou.
Suzanne se surpreendeu ao vê-la inclinar a cabeça para e rir.
— Oh, meu Deus! Você me faz lembrar de mim mesma três anos atrás. Aposto
que a próxima coisa que vai dizer é que, vai partir para o bem de todos.
Magoada, Suzanne relutou em dizer que era exatamente o que ia fazer.
— Isso mesmo. Não há como ficar depois de tudo. Além disso, minha fotografia
está na capa da revista Lifetime... Anthony vai pegar o primeiro vôo para cá e me
colocar na cadeia. Vou partir ainda hoje.
Com expressão séria, Cassie se pôs de pé.
— Não cometa outro erro, você vai se arrepender pelo resto de sua vida. Sei do
que estou falando. Lembra-se do que comentei quando fui com Susie à butique?
— Sim, eu me lembro.
— Briguei com Harriet por causa de uma estúpida paixão adolescente e, em vez
de ficar para encará-la, fugi e fiquei fora de Walton por quinze anos. Quando voltei,
minha irmã estava morrendo. Perdi todo aquele tempo em que poderia estar ao lado
dela, e nunca a terei de volta. Não cometa o mesmo erro que eu, Suzanne.
237
Depois da Chuva Karen White
— Não é a mesma coisa. Aqui é um lugar ao qual você pertence. Eu não. Nunca
pertenci a lar algum e é muito tarde para começar — Começou a descer os degraus. —
Não é preciso, dizer a Maddie quem fez o álbum, se você não quiser.
— Suzanne, não vá embora... E quanto a Joe?
Ela olhou para o céu coberto pelas nuvens, com suas sombras envolvendo a
cidade.
— Ele vencerá a eleição e seguirá a vida dele. Tenho certeza de que encontrará
alguém para amar.
— Não, não encontrará. Ele já encontrou. Você.
Suzanne se deteve. Quando falou, sua voz estava embargada pela emoção.
— Não depois desta noite. Não depois da verdade...
— Você não o conhece, Suzanne. Você pode amá-lo, mas certamente não sabe
quem ele é.
— Eu o conheço o bastante para saber que preferiria morrer a perder a eleição
para Stinky Harden e ver a cidade que ama ser destruída. Ter uma namorada que traiu
a própria filha e que será mandada para a prisão não fará com que as pessoas votem
nele. — Tentou não pensar no calor dos braços musculosos, na grandeza do coração e
no modo como a fazia se sentir — Creio que Joe ficará aliviado por me ver partir.
Adeus.
— E para onde você vai?
— Vou tomar o mesmo ônibus que me trouxe e ficar longe pelo maior tempo que
puder. Já fiz isso antes.
— Ao menos vai me telefonar se precisar de alguma coisa?
— Provavelmente não.
Cassie segurou-a pelo braço, impedindo-a de sair.
— Isso não é um adeus. Portanto, não vou dizer nada.
Suzanne tocou a mão sobre seu braço desejando que aquele simples gesto
pudesse expressar toda gratidão que sentia por aquela mulher.
— Adeus, Cassie — murmurou para si mesma ao dar-lhe as costas e sair.
E continuou caminhando lentamente, olhando para as estrelas até que a
escuridão da noite encobrisse suas últimas esperanças.
238
Depois da Chuva Karen White
Capítulo XX
Maddie abriu a torneira e viu suas esperanças serem levadas com a água que
escorria pelo ralo. Jogou água fria no rosto mais uma vez e vislumbrou seu reflexo no
espelho do banheiro. Seus olhos ainda estavam inchados e vermelhos pelo pranto que
parecia não ter fim.
Nada mais importava. Lembrou-se de quando perdera a mãe... Naquela ocasião,
julgara que mais nada poderia magoá-la tanto. Porém, percebeu que estivera enganada.
Ao menos, a mãe não fizera nada intencionalmente.
Ouviu o ruído da porta da frente se abrindo, e a voz de Cassie ecoou pela casa
vazia.
— Maddie? Você está em casa?
Lentamente, saiu do banheiro e desceu os degraus para encontrar a tia na sala.
— Estou aqui. Não fui à escola, mas meu pai sabe.
Cassie olhou para a sobrinha com semblante sereno, fazendo-a relaxar. Depois
da noite anterior, podia jurar que sua tia estava do lado de Suzanne. Amava a única
irmã de sua mãe e odiaria nunca mais ter de falar com ela pelo resto da vida, o que
seria inevitável se descobrisse que estava apoiando sua maior inimiga.
Recebeu o abraço afetuoso e só então percebeu que Cassie carregava alguma
coisa sob o braço.
— O que é isso?
— Vamos para a cozinha. Vou lhe mostrar.
Seguiu a tia e se acomodou à mesa. Ao vê-la colocar a caixa com o álbum a sua
frente, ergueu a sobrancelha, curiosa ao notar que seu próprio nome fora escrito com
a caligrafia feita que conhecia tão bem.
— Sei que é um tanto precoce dá-lo a você agora, mas imaginei que seria bom.
Deveria ser seu presente de formatura.
— Quem me deu este presente?
239
Depois da Chuva Karen White
— Sua mãe. E Suzanne. Foi um trabalho feito com muito amor pelas duas.
Maddie tentou jogá-lo para longe, mas mãos firmes a detiveram.
— Vamos vê-lo juntas. É necessário.
— Não quero! Não quero nada que esteja relacionado com aquela mulher!
— Suzanne completou o trabalho que sua mãe havia começado. Sei que está
magoada com ela, mas tente ser imparcial. A mão de sua mãe também está aí.
— Vou olhar apenas a parte que minha mãe fez, e nada mais.
— Querida, não há como distinguir onde sua mãe parou e Suzanne começou. Você
terá de olhar tudo.
— Não quero!
Cassie colocou a mão sobre o braço da sobrinha.
— Pare de agir como uma criança birrenta! Sei que está furiosa com Suzanne.
Ela cometeu um erro terrível e sabe disso, mas foi por amor.
— Por amor? Só se for amor por ela mesma!
— Não é verdade. Se o ex-noivo de Suzanne visse a fotografia na revista, viria
atrás dela. O nome dele é Anthony de Salvo e é um homem perigoso. Ela não fez nada
de errado, mas ele pretende mandá-la para a cadeia. E ela não queria deixá-la. Pode
entender agora por que se desfez daquele negativo?
— Não me importo! — Maddie cruzou os braços sobre o peito. — Ela mentiu para
mim! Eu fui traída! Não quero nem ouvir o nome dela.
Cassie respirou fundo, como se procurasse reunir paciência.
— Ouça, quero que veja esse álbum como um favor para mim. Apenas olhe. O que
Vai sentir depois de vê-lo depende apenas de você.
Maddie hesitou, contendo o desejo de atirá-lo para longe. Porém, saber que as
mãos de sua mãe haviam trabalhado ali a fez mudar de idéia.
Pegou o álbum e uma fotografia em preto-e-branco deslizou do seu interior.
Colocou-a sobre a mesa para que ambas pudessem ver o retrato de uma tempestade no
deserto.
As nuvens carregadas encontravam-se no horizonte com a areia branca
formando uma névoa que tornava impossível saber onde a terra começava e o céu
terminava. A chuva caía, enchendo as crateras do solo árido. E, como se houvesse sido
acidentalmente registrada pela câmera, via-se a silhueta de uma mulher sentada em
um platô, os braços abertos e a face voltada para a fúria da tempestade.
240
Depois da Chuva Karen White
Havia tristeza naquelas palavras, e Maddie soube que sua tia lamentava os
quinze anos que seu orgulho a separara da irmã. Quinze anos que nunca poderiam ser
trazidos de volta!
Depois de refletir por um longo tempo, apanhou a fotografia em preto-e-branco
e se pôs a observá-la.
— Esta deve ser a fotografia favorita de Suzanne — Comentou em voz baixa,
como se estivesse pensando alto — Parece ser o retrato dela própria, sozinha no
deserto, castigada pela tempestade... Acho que está assim porque não tem ninguém
para protegê-la.
— Talvez tenha razão. — Cassie tirou a fotografia das mãos dela e colocou-a
sobre a mesa. — Mas creio que revela a perspectiva de Suzanne. Na verdade, ela
própria se sente sozinha e desamparada. Creio que está na hora de mostrar-lhe que há
pessoas que a amam e se importam com ela.
Grossas lágrimas rolaram pelo rosto de Maddie, e ela acariciou a capa do álbum
com a ponta dos dedos.
— Ela me deve muitas explicações! E terá de pedir desculpas! — Exclamou,
tentando fazer com que o orgulho soasse mais forte que a ternura.
— Suzanne sabe disso — A voz da tia revelou uma nota de alívio — Porém, você
terá de dar o primeiro passo.
— O erro não foi meu!
— Sei disso, meu bem. Mas você está mais preparada para abrir o coração do
que ela. Suzanne acredita que está sozinha no mundo.
— Está bem — Maddie suspirou, simulando desinteresse — Onde ela está?
— Ela foi embora.
— E voltará? — Os olhos verdes se arregalaram com um brilho de pânico.
— Creio que não esteja planejando voltar para Walton nos próximos cem anos.
Ela pediu que eu lhe entregasse o álbum por acreditar que você não queria vê-la.
— Oh, meu Deus! Não podemos deixá-la partir! Você acha que há alguma forma
de trazê-la de volta?
— Não será fácil, mas podemos tentar encontrá-la. Tenho certeza de que você
pensará em uma forma de convencê-la.
— Oh, fui tão dura com ela...
242
Depois da Chuva Karen White
— Não se culpe, querida. Você estava furiosa e tinha suas razões para odiá-la
naquele momento — Cassie pousou a mão sobre o braço da sobrinha — A grande beleza
da vida está exatamente na capacidade de compreender e perdoar.
— E se eu não conseguir encontrá-la? Papai vai sofrer muito com a ausência
dela... Todos nós vamos sofrer sem Suzanne!
— Sendo filha de Harriet, sei que você a encontrará.
Maddie sorriu pela primeira vez.
— Sim, eu sei. Preciso apenas pensar.
— Vá em frente, mas não faça nada ilegal! — Provocou, com um sorriso terno. —
E me avise sobre o que planejou antes de executar.
— Certo. Obrigada, tia Cassie.
— Agora, preciso encontrar seu pai. Ele está na Prefeitura?
— Sim. Está tentando fingir que nada mudou.
— Vou até lá. Mas se encontrá-lo antes de mim diga-lhe que preciso falar com
ele o quanto antes. Joe precisa saber sobre Suzanne e Anthony de Salvo.
— Por quê?
— Bem, receio que ele virá para Walton assim que o exemplar da revista
Lifetime estiver nas bancas e pressinto que Stinky Harden não vai perder a
oportunidade de se associar a ele. Seu pai precisa estar preparado.
Joe estava sentado em sua sala na Prefeitura, sentindo que vivia uma
experiência única. Desde que Suzanne se fora, a mesma sensação o afligira mais de
uma vez. Era diferente da forma como se sentira quando Harriet morrera, embora a
solidão e o desamparo fossem os mesmos. Porém, daquela vez, a culpa era dele por
cometer o grande erro de abrir o coração para uma mulher e confiar nela.
Tentou focalizar a atenção nos documentos sobre a mesa. Acabara de receber o
último exemplar do jornal Sentinela de Walton, que trazia uma reportagem sobre a
audiência para anexar as terras de Stinky Harden ao município de Mapleton.
Antes que acabasse de ler a matéria, Stinky entrou na sala sem ser anunciado.
Trazia um jornal nas mãos e agitou-o ostensivamente no ar.
— Aqui está, prefeito! Dê uma olhada.
— Já v — Joe não se dignou a erguer os olhos. — Charles deve estar feliz por
ter conseguido o primeiro lugar no concurso.
243
Depois da Chuva Karen White
— Foi uma disputa justa. Ninguém poderá dizer que ele não tirou a fotografia.
Ele tem o negativo!
— Stinky, pode ter certeza de que isso não vai ficar assim.
— Se acha que vai conseguir alguma ajuda da srta. Paris poderá ter uma grande
decepção. A essa altura, ela já deve estar longe de Walton.
Joe passou as mãos pelos cabelos, pensando em tomar mais um analgésico além
dos quatro que já tomara uma hora atrás.
— Aonde você quer chegar?
— Bem, hoje pela manhã, eu vi um homem chegar do aeroporto de Mapleton em
um carro alugado. Ele estava à procura de Suzanne Lewis, afirmando que ela roubara a
coleção de fotografias de Gertrude Hardt — Stinky fez uma pausa, saboreando o
efeito das palavras — Creio que foi falar com o xerife Adams.
Joe lutou bravamente para esconder a perplexidade. De súbito, sentiu-se
atingido como se houvesse levado um soco no estômago. A pequena fortuna guardada
em uma caixa no armário de Suzanne...
Lembrou-se da conversa que tivera com Cassie naquela manhã, quando ficara
sabendo que as fotografias de Gertrude Hardt haviam sido roubadas antes de serem
entregues a ela... Quem estaria dizendo a verdade?
Não, não podia ser! Recusava-se a acreditar que aquela mulher fosse uma
criminosa!
— Meus rapazes já estão trabalhando no próximo slogan da campanha: Stinky
Harden não se envolve com criminosos.
Joe se ergueu abruptamente, fazendo a cadeira bater na parede atrás dele.
Contornou a mesa e se aproximou de Stinky, chegando tão perto que sua presença
imponente fez com que o outro parecesse um anão.
— Você não sabe nada a respeito dela!
— Sei muito mais do que você, pelo que vejo... Ela traiu o acordo que fizemos.
— Que acordo?
Stinky pareceu pouco confortável pela primeira vez de que chegara.
— A srta. Paris se comprometeu a revelar tudo que eu quisesse saber sobre ela
se Charles vencesse o concurso.
— E se ele perdesse?
— Nesse caso, eu abriria mão da minha candidatura para prefeito.
244
Depois da Chuva Karen White
245
Depois da Chuva Karen White
Lucinda surgiu da cozinha, carregando uma bandeja com uma jarra de chá
gelado. Colocou-a na mesa de centro e, ao retirar um livro de Maddie esquecido lá,
alguma coisa deslizou do meio das páginas para o chão.
Anthony de Salvo se abaixou para pegar e ergueu no ar uma fotografia em
preto-e-branco.
— Aqui está a prova! — Exclamou com um sorriso exultante. — Estendeu-a para
o xerife, ostentando um sorriso vitorioso no rosto — Eu trouxe um catálogo das
fotografias roubadas. A que vocês estão olhando está localizada na segunda página.
Joe apanhou o catálogo. Não havia dúvida, era a mesma fotografia.
— E o que isso prova?
— Bem, ah... — O xerife Adams tossiu e olhou para Lucinda — Sinto muito, Joe,
mas se o material roubado está em seu poder, há uma evidência forte para que seja
acusado de cúmplice do roubo.
— Você deve estar brincando! Xerife, você sabe que não roubei isso!
— Claro que sei! No entanto, tenho de cumprir meu dever — Ergueu os ombros
em um gesto de desculpa — Preciso retê-lo e levá-lo para interrogatório. Acho que
será melhor chamar seu advogado.
— Meu advogado? Xerife Adams, sou eu, lembra-se? Seu pai é meu advogado!
— Por favor, Joe, não piore as coisas. Vamos até a delegacia para esclarecermos
tudo o mais rápido possível.
— O que está esperando para prendê-lo, xerife? — Anthony de Salvo se
impacientou.
— Estou agindo de acordo com a lei, senhor. Sei que este homem é inocente,
mas vou cumprir todas as formalidades para que não reste a menor dúvida. Vamos,
Joe.
Seguiram para a calçada e ele entrou no carro. Ser levado para a prisão era
tudo que faltava àquela altura de sua vida! Aliás, desde que conhecera Suzanne, nada
mais o surpreendia, pensou com desgosto.
Suzanne abriu a torneira e olhou ao redor, sentindo-se deslocada naquele quarto
frio e impessoal. Sentia falta da geladeira na cozinha com a gravura da torre Eiffel e
do desenho de Amanda, de uma grande cama em um quarto aconchegante e da voz das
pessoas que preencheram sua solidão.
Olhou para seu reflexo no pequeno espelho do banheiro e suspirou. Seus olhos
ainda estavam vermelhos e inchados como se houvesse chorado durante uma semana.
246
Depois da Chuva Karen White
247
Depois da Chuva Karen White
248
Depois da Chuva Karen White
249
Depois da Chuva Karen White
— Oh, não! — Aflita, Suzanne se pôs a andar pelo quarto — Não queria que isso
acontecesse! Queria apenas sair da vida de vocês sem que nenhum mal lhes
acontecesse.
— Você já é parte de nossa vida. Papai não admite, mas está muito triste desde
que você partiu. Não o vejo assim desde a morte de mamãe.
— Srta. Paris sei que não será fácil voltar e, além disso, talvez tenha de passar
uma noite na prisão, mas Maddie tem um plano e, se tudo der certo, os verdadeiros
culpados vão para a cadeia e o treinador Warner ainda será reeleito. Você vem
conosco?
— Vou arrumar minha bagagem em um minuto! — Respondeu sem precisar
pensar.
Precisava voltar para salvar Joe, mesmo que precisasse encarar seu pior
pesadelo.
Capítulo XXIV
Maddie afastou a folhagem do arbusto e olhou mais uma vez para a estrada. Seu
coração bateu descompassado no peito ao ver que já passava da dez e meia da noite. A
qualquer momento, seu mais genial plano seria executado!
O forte cheiro de estérco de gado parecia estar impregnado em todo seu corpo,
mas não se incomodou.
250
Depois da Chuva Karen White
252
Depois da Chuva Karen White
— Meu assistente está trazendo Suzanne. Ela se apresentou para explicar como
a fotografia roubada foi parar em sua casa.
— Suzanne está vindo para cá?
— Sim. Gostaria de ficar para falar com ela?
Joe saiu da cela sentindo uma onda de esperança crescer em seu peito.
— Gostaria muito.
Quando Suzanne chegou à delegacia, encontrou Joe adormecido sobre um banco
de madeira na recepção. O assistente do xerife se afastou discretamente, deixando-
os a sós.
— Olá, Joe.
Ele abriu os olhos, incerto se estava sonhando. O som daquela voz fez com que
se sentisse renascer. Sentou-se e, ao encará-la, lembrou-se no mesmo instante de
como magoara sua filha, de como se ressentira por ter ido embora sem ver a
devastação que causara...
— Olá, Suzanne. Obrigado por escrever uma carta explicando tudo — Disse com
ironia.
— Na verdade, escrevi várias cartas, mas não tive coragem de enviá-las —
confessou — Achei que não queria ouvir falar de mim.
Ele vislumbrou o rosto pálido emoldurado pelos cabelos ruivos em desalinho e
percebeu com nitidez a fragilidade daquela mulher.
— Maddie já não está tão brava com você. Creio que já a perdoou, o que me
deixa muito orgulhoso dela.
— E deve ficar mesmo. Sua filha é uma pessoa especial. Foi ela quem me
encontrou em Biloxi e me disse que você estava preso.
— Foi Maddie quem a encontrou? — Franziu o cenho, admirado.
— Sim. Ela e Rob.
— Que estavam fazendo em Biloxi?
— Estavam tentando salvá-lo.
— Creio que aprendeu com você sobre os prazeres de viajar, não é? Estou
surpreso que ela e o namorado não tenham tomado um ônibus para a Costa Oeste!
Suzanne o fitou, o peito arfando de indignação, e ele odiou-se por magoá-la
deliberadamente. Porém, ainda não conseguira perdoá-la pelo que fizera à filha e a ele
mesmo.
253
Depois da Chuva Karen White
254
Depois da Chuva Karen White
Nos poucos meses que fiquei aqui, descobri como é maravilhoso ter uma família
e pertencer a um lugar, mas suponho que foi o máximo que pude ter. Não sou
gananciosa a ponto de desejar mais do que a vida reserva para mim. Sinto muito por
ter atrapalhado é esteja certo de que nunca mais vai acontecer.
Sentindo-se derrotado, Joe abaixou os olhos enquanto ela entrava na sala do
xerife. Saiu da delegacia sentindo um peso intolerável sobre os ombros e parou em um
telefone público para ligar para Cassie, furioso por ter perdido seu telefone celular.
Joe abriu com violência a porta do laboratório fotográfico da escola.
— Papai! — Maddie quase deu um pulo quando o viu. — Como soube que eu estava
aqui?
— Tive uma conversa esclarecedora com sua tia Cassie. Onde está Rob?
— Está a sua procura para lhe contar tudo que aconteceu. Mas, agora que já
sabe, poderia me ajudar com essas fotografias?
— O que pretende fazer?
— Convencer Anthony de Salvo a retirar a queixa contra você e Suzanne e
voltar para Chicago o mais rápido possível.
— Maddie, isso não é brincadeira! Você está mexendo em um vespeiro.
— Não se preocupe, papai. Sei o que estou fazendo — Disse sobre o ombro,
ocupada em colocar a impressora fotográfica em movimento — Você sabe que Suzanne
não roubou a coleção de Gertrude Hardt. Precisamos ter certeza de que o sr. de Salvo
também concorda com a inocência dela.
— Não vou deixá-la fazer outra bobagem!
— Você não pode me deter. E antes que resolva tentar, lembre-se de que
Suzanne só voltou para poder tirá-lo da cadeia. Ela não tinha obrigação de fazer isso,
mas fez — Maddie ergueu o queixo em advertência — Você poderia demonstrar um
mínimo de gratidão e retribuir o favor, ajudando-me a expulsar Anthony de Salvo da
vida dela.
Joe ficou em silêncio por um momento, remoendo-se de remorso por Suzanne
estar em uma cela no lugar dele.
— E o que aconteceu com sua determinação em preferir morrer a falar com ela
novamente?
— Já superei.
255
Depois da Chuva Karen White
Olhou para a filha e viu a mesma força e determinação que costumava encontrar
nos olhos de Harriet. Percebeu de súbito que sua menininha se tornara mulher,
sentindo o coração se apertar no peito diante da constatação.
— Um momento de compreensão é maior do que uma vida de perdas, papai.
Joe sentiu o estômago se contrair, lembrando-se da mágoa, nos olhos de
Suzanne quando a deixara momentos atrás.
Ele e a filha permaneceram se olhando por um longo momento e soube que havia
perdido a batalha. Quando ela se tornara tão forte?
— Papai, Suzanne nunca teve intenção de prejudicá-lo. Ao contrário, ela partiu
porque acreditava que o salvaria. Não a deixe ir embora. Você pode imaginar o resto
de sua vida sem ela?
— Não posso nem quero! — Exclamou determinado.
Como conseguia ser tão estúpido a ponto de ter de ser aconselhado por uma
garota de dezessete anos? Olhou para a filha com uma nova esperança.
— Posso ver as fotografias que tirou?
— Só se prometer que não vai tocá-las.
— Prometo — E ergueu a mão solenemente. — Mas não posso prometer que vou
concordar com seu plano.
Maddie forrou o balcão com toalhas de papel e espalhou as fotografias que
acabara de imprimir.
Joe se aproximou e arregalou os olhos, chocado.
— O que é isso, Maddie?
— Calma, papai! Eu posso explicar...
—E que explicação pode haver para fotografar homens nus?
— Não estão nus! Estão usando roupa de baixo.
Joe estava disposto a começar um sermão, mas o ar travesso da filha o
desarmou. Tentou sustentar a expressão grave, como se esperava que um pai severo
fizesse, mas foi vencido pela graça burlesca da deliciosa travessura.
Inclinou a cabeça para trás com uma gostosa gargalhada e abraçou a filha.
— Sua mãe ficaria orgulhosa de sua criatividade — Disse, sem conter o riso — O
que exatamente está planejando fazer?
256
Depois da Chuva Karen White
— Não farei nada — Proferiu com inocência angelical. — Tia Cassie se incumbiu
de tudo! Rob e eu já reproduzimos as poses mais comprometedoras e enviamos a ela
por e-mail. Ela e tio Sam estão a caminho do hotel de Anthony de Salvo em Mapleton.
— Dê-me mais algumas fotografias.
— O quê?
— Eu também vou fazer uma visita ao sr. de Salvo e quero estar preparado no
caso de chegar antes deles.
— Papai, o que pretende fazer?
Ele refletiu por um momento, admirando sua bela filha.
— Vou tentar mostrar ao mundo que posso ser tão generoso quanto você —
Apanhou algumas fotografias e observou-as de perto. — Você ainda terá de me dar
muitas explicações, mocinha!
— Não tantas quantas você terá de me dar se não impedir que Suzanne vá
embora.
Joe resmungou alguma coisa inteligível e saiu, esperando não estar muito
atrasado para mostrar a Anthony de Salvo uma pequena amostra da hospitalidade do
Sul.
Antes de deixar a cidade, Joe parou por cinco minutos na casa de Hall Newcomb
e seguiu pela rodovia deserta a caminho de Mapleton.
Não teve dificuldade em encontrar o Hotel Plaza Inn, próximo ao aeroporto.
Esperou que o funcionário da recepção se distraísse e seguiu para o elevador
sem ser visto, torcendo para que Anthony de Salvo estivesse em seu quarto.
Bateu à porta e apertou com firmeza a alça da valise onde guardara as preciosas
fotografias.
— Finalmente você chegou! — Anthony reclamou antes mesmo de abrir
completamente a porta — Vou reclamar à gerência que o serviço de quarto desse hotel
é de péssima qualidade e... Oh! — Recuou um passo, como se estivesse diante de um
fantasma.
— Boa noite, sr. de Salvo.
— Quan... Quando você saiu da prisão? — Gaguejou lívido — E o que está
fazendo aqui?
257
Depois da Chuva Karen White
258
Depois da Chuva Karen White
259
Depois da Chuva Karen White
seu depoimento. Caso não retire as queixas até as oito horas da manhã, terei como
provar a inocência da srta. Lewis.
Suzanne entrou no Café Dixie Diner e acenou para Sam, sentado com Cassie à
mesa que costumava ocupar todas as manhãs.
Durante o curto trajeto até eles, não houve um só freqüentador do Café que
não a detivesse para cumprimentá-la. Sentou-se ao lado de Cassie e pegou a xícara de
café que estava a sua espera. Ainda não estava completamente refeita da surpresa
que a esperava, logo pela manhã.
O xerife Adams abrira sua cela com um largo sorriso e comunicara que Anthony
de Salvo havia retirado todas as queixas. Como se não bastasse, comprometera-se a
publicar nos jornais da região um pedido de desculpas oficial, isentando Joe e ela
própria de qualquer responsabilidade sobre o roubo.
Ele avisara, também, que seus amigos a esperavam no Dixie Diner para o
desjejum.
— Bem-vinda novamente, Suzanne! — Sam a saudou, pousando a mão sobre seu
braço.
— Eu não disse que não seria um adeus? — Cassie piscou para ela com
cumplicidade.
— Não se precipitem meus caros amigos. Não voltei para ficar — Olhou ao
redor, tentando mudar de assunto — Onde está Susie?
— Ficou com tia Lucinda. Ela ainda é muito pequena para frequentar os mesmos
ambientes que o pai — Sam informou com um sorriso orgulhoso.
— Bem, tome seu café enquanto lhe contamos tudo que aconteceu na noite
passada.
— Sim, por favor! Estou ansiosa para saber como Anthony abriu mão da queixa
com tanta facilidade.
Como resposta, Cassie estendeu-lhe um maço de fotografias, e Suzanne quase
engasgou quando as viu.
— Oh, meu Deus! Presumo que Maddie foi a responsável por isso... — Sorriu, e a
risada transformou-se em uma gostosa gargalhada — Estou orgulhosa em dizer que lhe
ensinei tudo o que sabe!
— Sem dúvida, ela aprendeu rápido. — Sam riu com vontade.
— E o que são essas placas esverdeadas nos cabelos?
260
Depois da Chuva Karen White
261
Depois da Chuva Karen White
— E você não sabe da melhor parte! — Antes de ir, Joe pegou um minigravador
com Hall Newcbmb e gravou toda a conversa!
— Bem, mas tudo que importa agora é que ele retirou todas as queixas e voltou
para Chicago no primeiro vôo desta manhã.
— Cassie sorriu com satisfação — Acho que você ficou livre de Anthony de
Salvo de uma vez por todas, querida!
— Nem que eu viva uma eternidade poderei recompensá-los por tudo que
fizeram por mim. Eu... — Suzanne suspirou, sem encontrar palavras para expressar a
gratidão que sentia — Não sei o que dizer...
— Não precisa dizer nada. Apenas fique — Cassie tomou a mão de Suzanne com
carinho.
— Joe vai usar as fotografias para dissuadir Stinky de concorrer ao cargo de
prefeito? — Indagou, mudando rapidamente de assunto.
— Ele disse que vai usá-las apenas para ajudar a convencê-lo a não abrir queixa
contra Maddie e os rapazes, mas quer ganhar a eleição de uma forma justa — Sam
informou, orgulhoso do amigo.
— Ele é um homem admirável! — Suzanne exclamou em um murmúrio.
— E, então, o que vai fazer, agora que está livre de Anthony de Salvo? — Cassie
quis saber.
— Acho que vou viajar por algum tempo e conhecer um pouco mais do Sul —
Tentou sorrir, ignorando a sombra escura que invadia seu coração — Talvez encontre
uma cidade onde possa montar um estúdio fotográfico.
— Por que não faz isso aqui mesmo? Garanto que teria uma clientela formidável!
E você sabe que eu ficaria feliz em fazer a propaganda de seu negócio.
— Obrigada, Cassie. Eu também adoraria, mas não posso encarar Joe todos os
dias da minha vida. Ele deixou claro que não há espaço para mim na vida dele.
Sam e Cassie beberam um gole do café, sem fazer comentário algum.
— Além disso, já fiz tudo que tinha para fazer nesta cidade. Aliás, só falta uma
coisa... — Abriu a bolsa para se certificar de que o envelope estava lá — Já estou com
os negativos de Maddie e vou enviá-los para a revista Lifetime amanhã mesmo. Será a
prova definitiva de que Charles Harden fraudou o concurso.
— Isso será maravilhoso! — Cassie enviou ao marido um olhar significativo antes
de voltar-se para ela — Nós não vamos dizer-lhe adeus.
262
Depois da Chuva Karen White
263
Depois da Chuva Karen White
Capítulo XXV
264
Depois da Chuva Karen White
— Não exatamente — Ergueu os ombros, desolado. — Ela disse que não vai me
ajudar até que eu tenha readquirido o bom senso.
Suzanne relanceou o olhar para Maddie, parada a poucos passos dali, fingindo
não prestar atenção à conversa.
— Readquirir o bom senso? — Repetiu, esperando que ele explicasse.
— Sim. Ela disse alguma coisa sobre eu ter esquecido tudo que aprendi sobre
perdão e compreensão...
— Não teria sido Maddie quem lhe disse isso?
— Não importa. Ambas estão certas.
— É mesmo? Elas estão certas? — Ecoou, sentindo-se ridícula por repetir tudo
que ele dizia.
Joe meneou a cabeça em afirmativa, constrangido como um adolescente.
O problema era que trabalhara para aquele desempenho por muito tempo e a
reação de Suzanne não era a mesma que antecipara.
Passara horas diante do espelho pensando nas melhores palavras para dizer...
Porém, ao se defrontar com Suzanne, seu cérebro pareceu ter se dissolvido! O único
fato do qual tinha consciência era o pulsar do coração, que parecia ser o único órgão
funcionando em seu corpo.
Depois de se torturar internamente na tentativa de se lembrar das palavras que
havia decorado, decidiu dar voz à emoção.
— Por favor, fique. Sei que fui um idiota por ter sido hostil com você, quando
voltou para me tirar da prisão... Meu Deus, quando penso que permiti que passasse uma
noite presa, tenho vontade de morrer! Sei que não mereço que você nem sequer fale
comigo, mas quero que fique.
Os olhos castanho-esverdeados pousaram em Suzanne, fazendo-a estremecer.
Retraiu os ombros, como sempre fazia em momentos de tensão, e descobriu que
estava tão ansiosa que não conseguia se mover.
— Por quê? — Balbuciou, esforçando-se por encontrar a voz.
— Porque a amo — Foi a resposta simples e direta — Porque quero passar o
resto da minha vida com você.
Suzanne percebeu que se esquecera de respirar e inalou profundamente.
— Mas não temos quase nada em comum...
— É verdade — concordou ele, receando o pior.
265
Depois da Chuva Karen White
266
Depois da Chuva Karen White
Epílogo
267
Depois da Chuva Karen White
voltara a Walton para fazer um acordo com Joe. Compraram a casa de Sam com a
quantia que Anthony desembolsara para que as acusações fossem retiradas.
Ela sorriu secretamente ao pensar que a situação havia se invertido. A chuva
caíra sobre Anthony de Salvo enquanto para ela começara a brilhar o mais radiante
sol.
Olhou para as gotas de chuva acumuladas nas folhas da hera no pilar da varanda.
A tempestade que caíra sobre a cidade durante a cerimônia de formatura de Maddie
não abatera o ânimo dos jovens alegres que recebiam seus diplomas.
Sentira-se tão orgulhosa de Maddie que não pudera conter o sorriso por horas.
Ao receber o canudo com o certificado, ela o erguera e procurara Suzanne em meio à
platéia que lotava o salão de audiências da escola para enviar-lhe um olhar de gratidão.
Sim, Maddie era especial, pensou com ternura.
Ela já lhe havia perdoado antes mesmo de saber que conseguira revogar a
classificação de Charles Harden no concurso da revista Lifetime.
Sorriu ao se lembrar da expressão de júbilo no rosto jovial ao receber a
correspondência enviada diretamente pelo editor-chefe da revista...
Além de ter recebido a justa classificação de primeira colocada, a fotografia
que enviara para concorrer sairia na capa da edição seguinte. Mas o que realmente
deixara Maddie exultante fora a reportagem de três páginas sobre a jovem fotógrafa
que conseguira, de uma só vez, o primeiro e o segundo lugar do mesmo concurso. Ela
fizera apenas uma exigência: que aparecesse ao lado de sua mestra e tutora na
fotografia no alto da página.
Uma profunda onda de esperança a aqueceu ao pensar que o futuro de Maddie
seria brilhante, não apenas por ter conseguido a bolsa de estudos para a Escola de
Arte de São Francisco, mas pela inteligência e sensibilidade daquela jovem a quem
aprendera a amar desde o primeiro momento em que a vira.
— No que está pensando? — A voz de Joe tirou-a de seus devaneios.
— Em Maddie. Estou tão feliz por ela!
— Eu também, embora ainda não tenha aceitado completamente a idéia de ver
minha filha se mudar para São Francisco... — Confessou desolado.
— Eu entendo o que está sentindo. Sabe, a única coisa que me consola é que,
quando ela voltar para casa nas férias de verão, nós a teremos em tempo integral!
— Isto é, se Rob permitir...
Mais convidados chegavam para a festa, e Joe se levantou para recebê-los.
Conduziu-os até a porta e voltou a se sentar ao lado de Suzanne.
268
Depois da Chuva Karen White
Bill e Sweet pea Crandall apareceram logo depois. Ambos se levantaram quando
o casal se aproximou para cumprimentá-los.
— Prefeito Warner, parabéns pela anexação do bosque ao nosso município. Não
sei como você conseguiu isso!
— Obrigado, Bill. Não foi tão difícil, depois que toda a população de Walton se
dispôs a ajudar. Acredite, eu não teria conseguido nada sozinho. Agora, os limites do
nosso vilarejo se expandiram.
— Ouvi dizer que, logo que soube que havia perdido a eleição por uma
esmagadora diferença, Stinky Harden fugiu para o México.
— Não sei se foi para lá por causa da humilhação ou se estava tentando se
esconder dos credores — Sweet pea Crandall comentou com uma risada.
— Espero que nunca mais coloque os pés aqui! — Joe desabafou, passando o
braço pelos ombros de Suzanne.
— Querida, acabei de ver o álbum de Maddie e é simplesmente a coisa mais
bonita que já vi!
— Obrigada, sra. Crandall, mas o mérito não é só meu. Foi Harriet quem
começou a fazê-lo. Eu não fiz nada mais do que tentar preservar a intenção dela ao
criá-lo.
— Oh, eu sei. Parece até que vocês duas trabalharam juntas.
— Tem razão — Joe tomou as mãos de Suzanne com orgulho — Foi um trabalho
maravilhoso.
— Adorei o álbum que você fez de Cassie e Susie. Eu disse a ela que poderia
ficar rica se enviasse as fotos para uma agência de modelos. Posso até ver o rostinho
rosado em um comercial de fraldas ou comida de bebê! — E abaixou a voz, para dizer:
— Se você puder fazer com que eu fique tão bonita em um retrato, seu estúdio vai ser
um sucesso estrondoso!
— Ela é só uma fotógrafa, Sweet pea. Suzanne não faz milagres. — Bill Crandall
riu com vontade.
A sra. Crandall deu uma palmada no ombro do marido.
— Obrigada por nos convidar para a festa de Maddie, Joe. Eu dei-lhe uma
frigideira para fazer panquecas, mas não tenho certeza de que será útil em São
Francisco. Por favor, diga-lhe que pode trocar por um escorredor de macarrão, ou algo
parecido.
— Não se preocupe, sra. Crandall. Obrigado.
269
Depois da Chuva Karen White
— Vamos, meu bem. Não quero perder o episódio de hoje da Roda da Fortuna.
Bill Crandall abriu uma imensa sombrinha e puxou a esposa para si, passando o
braço sobre os ombros dela.
— Fique mais perto, querida, você não pode se molhar — Virou-se para Joe e
deu uma piscadela maliciosa — Açúcar derrete na chuva, e não queremos que você faça
uma poça de melado nos degraus da casa nova de Suzanne e Joe.
Beijou a esposa na testa, conduzindo-a para fora. Joe e Suzanne os observaram
com um sorriso até que viras-sem a esquina.
— Está pronta para entrar?
— Humm. Vamos ficar mais um pouco... Toda aquela energia juvenil é intensa
demais para mim — Acariciou o rosto viril, sentindo a barba espessa despontando na
região do queixo — Sabe, eu chego a invejar Lucinda... Ela parece estar em seu
elemento, especialmente tendo o xerife Adams a seu lado.
Descansou a cabeça nos ombros largos e sorriu ao ver as gotas de chuva
acariciarem o canteiro de amores-perfeitos que haviam plantado juntos.
— Sabe de uma coisa? Estou adorando ficar aqui, ouvindo a chuva cair, sentada
a seu lado... Creio que nunca fiz isso antes.
Ficaram abraçados em silêncio por um longo tempo até que, a porta da frente se
abriu e Ed Farrel e a sra. Lena saíram.
Joe se pôs de pé enquanto Ed ajudava a mãe a colocar o xale cor-de-rosa nos
ombros.
— Você já deu o presente de Maddie, querida? — A sra. Lena indagou, fitando-a
em expectativa.
— Ainda não tive oportunidade.
— Oh, tenho certeza de que ela vai adorar!
— Acredito que sim. — Suzanne endereçou-lhe um sorriso terno.
— Você não precisa mais dele. Já encontrou seu próprio coração.
— Tem toda razão, sra. Lena — E tomou a mão de Joe para levá-la ao peito.
— Querida, todos os apostadores ficaram desolados por não haver vencedores
no banco de apostas...
— Mamãe! — Ed ralhou com ar severo.
— Ora, pare de me recriminar! Ela precisa saber que o palpite "defendendo a
própria pele" não foi cogitado!
270
Depois da Chuva Karen White
271
Depois da Chuva Karen White
— Foi exatamente isso que Darlene disse! Ela devia ganhar comissão pela
propaganda sobre seu estúdio fotográfico.
— Quero lhe dar outro presente além do álbum.
— Espere um pouco! — Maddie ergueu a mão. — Eu também tenho um presente
para você. Encontrei esta manhã no meu vestido e não estava lá ontem à noite.
Perguntei a tia Lucinda, ela também não soube dizer de onde apareceu... Então,
concluímos que é uma moeda do céu e decidi dá-la a você como talismã de boa sorte
para o casamento.
Suzanne estendeu a mão e apanhou a moeda. De alguma forma, conseguiu
controlar o tremor na voz.
— Obrigada — Conteve as lágrimas enquanto levava as mãos por detrás do
pescoço e abria o fecho da gargantilha — Quero que fique com isso — Murmurou,
colocando a corrente no pescoço de Maddie — Minha mãe me deu quando eu mais
precisava e agora quero dá-la a você — Olhou para o pingente repousando no colo de
Maddie e viu o amor e a esperança que sua mãe depositara nele, muitos anos atrás. Já
não precisava mais do pequeno coração de ouro. Estava na hora de passá-lo para
alguém que ainda fosse necessitar dele.
— Uma vida sem chuva é como um sol sem sombra — Ouviu Joe ler a inscrição
em voz alta, os olhos verdes inundando-se de lágrimas — Sua mãe estava certa.
Suzanne abraçou-a, aninhando-a em seu peito. Acariciou os cabelos perfumados,
sentindo as lágrimas quentes molharem seu ombro.
Tudo mudara em sua vida. Finalmente aceitara o amor da mãe, assim como sua
própria necessidade de amar e ser amada. Joe e Maddie haviam se tornado parte
fundamental para que sua mudança acontecesse, pois foram os primeiros a fazer com
que descobrisse os dois tipos de amor essenciais à vida: o amor maternal e o amor
entre um homem e uma mulher.
Eles também estavam amargurados com a perda que haviam sofrido, e seus
caminhos haviam se cruzado como se não pudesse ser diferente. Como se, de alguma
forma, o universo conspirasse para que aquele encontro acontecesse.
— Oh, vejam isso! — Maddie apontou para o céu antes de levantar e sair.
Então, Suzanne notou que a chuva finalmente havia cessado e um brilhante e
imponente arco-íris brilhava no céu, como se pudesse iluminar os recantos mais
escuros da Terra.
— Se você não esperar pela chuva, jamais verá o arco-íris — Murmurou, feliz
por ter entendido o significado pleno daquela frase.
272
Depois da Chuva Karen White
****** FIM******
273