Este excerto descreve as interações entre Zeca Perpétuo e sua vizinha Dona Luarmina. Zeca é um pescador reformado que gosta de preguiçar, enquanto Luarmina é uma costureira viúva. Zeca tenta flertar com Luarmina, mas ela o rejeita, dizendo que é velha demais. O excerto fornece detalhes sobre os passados de ambos e sugere que, embora sejam vizinhos há muito tempo, eles permanecem sozinhos.
Este excerto descreve as interações entre Zeca Perpétuo e sua vizinha Dona Luarmina. Zeca é um pescador reformado que gosta de preguiçar, enquanto Luarmina é uma costureira viúva. Zeca tenta flertar com Luarmina, mas ela o rejeita, dizendo que é velha demais. O excerto fornece detalhes sobre os passados de ambos e sugere que, embora sejam vizinhos há muito tempo, eles permanecem sozinhos.
Este excerto descreve as interações entre Zeca Perpétuo e sua vizinha Dona Luarmina. Zeca é um pescador reformado que gosta de preguiçar, enquanto Luarmina é uma costureira viúva. Zeca tenta flertar com Luarmina, mas ela o rejeita, dizendo que é velha demais. O excerto fornece detalhes sobre os passados de ambos e sugere que, embora sejam vizinhos há muito tempo, eles permanecem sozinhos.
trabalheira pior que doena: preciso entrar e sair dela, afastar os que nos querem consolar, aceitar psames por uma poro da alma que nem chegou a falecer. Levanta, dono das preguias. E o mando de minha vizinha, a mulata Dona Luarmina. Eu respondo: Preguioso? Eu ando a embranquecer as palmas das mos.
Conversa de malandro... Sabe uma coisa, Dona Luarmina? O trabalho que escureceu o pobre do preto. E, afora isso, eu s presto para viver...
Ela ri com aquele modo apagado dela. A gorda Luarmina
sorri s para dar rosto tristeza. Voc, Zeca Perptuo, at parece mulher... Mulher, eu? Sim, mulher que senta em esteira. Voc o nico homem que eu vi sentar na esteira. Que quer, vizinha? Cadeira no d jeito para dormir. Ela se afasta, pesada como pelicano, abanando a cabe a. Minha vizinha reclama no haver homem com miolo to mido como eu. Diz que nunca viu pescador deixar escapar tanta mar:
Mas voc, Zeca: que nem faz ideia da vida.
A vida, Dona Luarmina? A vida to simples que ningum a entende. como dizia meu av Celestiano sobre pensarmos Deus ou no-Deus... Alm disso, pensar traz muita pedra e pouco caminho. Por isso eu, um reformado do mar o que me resta fazer? Dispensado de pescar, me dispenso de pensar. Aprendi nos muitos anos de pescaria: o tempo anda por ondas. A gente tem que ficar levezinho e sempre apanha boleia numa dessas ondeaes.
No verdade, Dona Luarmina? A senhora sabe
essas lnguas da nossa gente. Me diga, minha Dona: qual a palavra para dizer futuro? Sim, como se diz futuro? No se diz, na lngua deste lugar de frica. Sim, porque futuro uma coisa que existindo nunca chega a haver. Ento eu me suficiento do atual presente. E basta.
S eu quero ser um homem bom, Dona.
Voc mas um aldrabom. A gorda mulata no quer amolecer conversa. E tem razo, sendo minha vizinha desde h tanto. Ela chegou ao bairro depois da morte de meus pais, quando herdei a velha casa da famlia. Nessa altura, eu ainda pescava em longas viagens, semanas de ausncia nos bancos de Sofala. Nem notava a existncia de Luarmina. Tambm ela, logo que desembarcou, se internou na Misso, em estgio para freira. Ficou enclausurada nessas penum-bras onde se murmura conversa com Deus. S uns anos mais tarde ela saiu dessa recluso. E se instalou na casa que os padres lhe destinaram, bem junto minha morada. Luarmina costureirava era seu sustento. Nos primeiros tempos, ela continuava sem se dar s vistas. S as mulheres que entravam em seus domnios que lhe davam conta. No resto, me chegavam apenas os perfumes de sua sombra. Um dia o padre Nunes me falou de Luarmina, seus brumosos passados. O pai era um grego, um desses pescadores que arrumou rede em costas de Moambique, do la do de l da baa de S. Vicente. J se antigamentara h muito. A me morreu pouco tempo depois. Dizem que de desgosto. No devido da viuvez, mas por causa da beleza da filha. Ao que parece, Luarmina endoidava os homens grados que abutreavam em redor da casa. A senhora maldizia a perfeio de sua filha. Diz-se que, enlouquecida, certa
noite intentou de golpear o rosto de Luarmina. S para a
esfeiar e, assim, afastar os candidatos. Depois da morte da me, enviaram Luarmina para o lado de c, para ela se amoldar na Misso, entregue a reza e crucifixo. Havia que arrumar a moa por fora, engom-la por dentro. E foi assim que ela se dedicou a linhas, agulhas e dedais. At se transferir para sua atual moradia, nos arredores de minha existncia.
S bem depois de me retirar das pescarias que dei por
mim a encostar desejos na vizinha. Comecei por car tas, mensagens distncia. custa de minhas insistncias namoradeiras, Luarmina j aprendera as mil defesas. Ela sempre me desfazia os favores, negando-se. Me deixa sossegada, Zeca. No v que eu j no desengomo lenol? Que ideia, Dona vizinha? Quem lhe disse que eu tinha essa inteno? Todavia, ela tem razo. Minhas visitas so para lhe caar um descuido na existncia, beliscar-lhe uma ternura. S sonho sem-pre o mesmo: me embrulhar com ela, arrastado por essa grande onda que nos faz inexistir. Ela resiste, mas eu volto sempre ao lugar dela. Dona Luarmina, o que isso? Parece ficou mesmo freira. Um dia, quando o amor lhe chegar, voc nem o vai reconhecer...
Deixe-me, Zeca. Eu sou velha, s preciso um
ombro. Confirmando esse atestado de inutenslio, ela esfrega os joelhos
como se fossem eles os culpados do seu cansao. As pernas
dela, da maneira como incham, dificultam as vias do sangue. Lhe ice-bergam os ps, a gente toca e so blocos de gelo. E ela sempre se queixa. Um dia, aproveitei para me oferecer: Quer que lhe aquea os ps? Arrepiando expectativa, ela at aceitou. At eu fiquei assim, meio desfisgado, o corao atropelando o peito. Me aquece, Zeca? Sim, aqueo mas... pela parte de dentro. Tentava um deslize na defesa dela. Mas levei tampa. Eu estava como essoutro que foi lavar a mo e sujou o sabo. Ou aquele que queria acertar a unha e cortou o dedo. Com esta minha idade eu j devia conhecer os devidos procedimentos, as delicadas tticas de abordagem. Mas no. Meu falecido av sempre dizia:
Em novos s nos ensinam o que no serve. Em
velhos s aprendemos o que no presta. Mas pena eu e a vizinha no nos simetricarmos. Porque ambos somos semivivos: nunca tivemos companheiro, mas esse parceiro, mesmo assim, desapareceu. Sou mais novo que ela, mas j estamos ambos na encosta de l em que a vida s mexe quando a descer.
Hoje sei como se mede a verdadeira idade: vamos ficando
velhos quando no fazemos novos amigos. Estamos morrendo a partir do momento em que no mais nos apaixonamos. E at que Dona Luarmina, alis Albertina da Conceio Melistopolous, j foi bela de espantar a homenzarrada. Sei isso porque testemunhei um flagrante dessa formosura dela. Foi uma certa vez que no fiquei s na varanda. Entrei em sua casa, sentei na sala grande com janela para o mar. Foi ento que eu vi a fotografia. Era de uma moa de es pantvel beleza, corpo de aguar as mais mornas bocas. Quem essa? Sou eu, quando era nova. Antes de chegar aqui... Me levantei, j em vias de tocar a foto. Mas ela, secamente, se levantou e emendou a viso minha, vertendo a moldura sobre a mesa. E ali ficou, para os restantes dias, aquele retrato deitado de costas para a luz. Eu bem tenta va espreitar, da janela, a imagem da sua antiga beleza. Em vo. Restava-me a presente figura de Luarmina, gorda e engordurada. A mulher, por razes de angstia, se deixara acumular, quilos sobre o peso. Eu entendo: uma boa maneira de esconder a tristeza cobrirmo-nos de carne. O sofrimento fatal quando atinge os ossos. Chegada a, a tristeza se apressa em virar esqueleto. Sbio dar cobertura ao corpo, intermediar gordurosas fronteiras.