Você está na página 1de 8

CADEIA DE PRODUÇÃO DO CAMU-CAMU (Myrciaria dubia (Kunth) Mc

Vaugh): O CASO DAS REGIÕES PRODUTORAS DE LORETO E UCAYALI


NA AMAZÔNIA PERUANA
Rodiney Marcelo Braga dos Santos, Pollyana Cardoso Chagas, João Henrique de Mello Vieira
Rocha, Edvan Alves Chagas, Mario Herman Pinedo Panduro, Ricardo Manuel Bardales Lozano e
Carlos Abanto Rodriguez

RESUMO

O camu-camu (Myrciaria dubia (Kunth) Mc Vaugh) é uma dagem de caráter qualitativo do tipo exploratório-descritivo e
fruteira arbustiva encontrada às margens dos rios e lagos da estudo de caso, através da realização de entrevistas semiestru-
Amazônia. Por apresentar boas características agronômicas, turadas. A coleta de dados foi realizada nos meses de junho e
tecnológicas e nutracêuticas, o camu-camu possui grande po- julho do 2016. Foram realizadas 19 entrevistas com os agen-
tencial mercadológico, principalmente devido ao elevado teor tes que estavam diretamente e indiretamente envolvidos com
de ácido ascórbico e de outros princípios ativos encontra- a cadeia de produção do camu-camu. Na hierarquização da
dos em seus frutos. Não obstante a grande importância que apropriação dos resultados, constatou-se que o escasso aden-
o camu-camu tem para a economia das regiões de Loreto e samento das relações entre os diversos agentes tem implicado
Ucayali, não se tem estudos que mostrem a organização da ca- na configuração de uma cadeia desordenada e fragilizada, re-
deia produtiva da espécie na Amazônia peruana, principalmen- sultando em perdas de competitividade dos segmentos produti-
te quanto a sua estruturação, organização e articulação dos vo e de transformação industrial. A partir dessas constatações,
agentes que constituem a cadeia. Assim, objetiva-se descrever identificou-se a necessidade de formulação de políticas públi-
a cadeia de produção do camu-camu nas regiões supracitadas. cas que visem intensificar e aprimorar a interação sociotécnica
Para isto, o presente estudo foi caracterizado por uma abor- entre os elos da cadeia produtiva e seus respectivos agentes.

Introdução araçarana, araçazinho, araçá- vado teor de ácido ascórbico fruticultura na região (Pinedo
do-lago, murta, sarão, socoró (vitamina C) e de outros prin- et al., 2010). Também, visto a
O camu-camu (Myrciaria guayabato e guayabito (Yuya- cípios ativos encontrados em extraordinária adaptabilidade
dubia (Kunth) McVaugh) é ma e Valente, 2011; Chagas seus frutos (Yuyama e Va- às características edafoclimá-
uma fruteira arbustiva encon- et al., 2015). lente, 2011; Chagas et al., ticas é uma das fr utíferas
trada às margens dos rios, Por apresentar boas caracte- 2012; Souza et al., 2015; mais promissoras, dada a sua
lagos, região de várzea e iga- rísticas agronômicas, tecnoló- Grigio et al., 2016). importância nutricional, eco-
pó da Amazônia (Ar r uda gicas e nutracêuticas, o camu- O camu-camu como fonte nômica e social (Chagas
et al., 2011). Sua distribuição -camu possui grande potencial de alimentos e meio de agre- et al., 2015).
geográfica natural é ampla, mercadológico, despertando o gar valor aos recursos natu- Segundo Pinedo et al.
sendo encontrada no Per u, interesse de diversas indústrias rais disponíveis na Amazônia, (2010), em virtude dos atribu-
Venezuela, Colômbia e Brasil processadoras e exportadores sua produção e beneficiamen- tos especiais do camu-camu,
e popularmente é conhecida nacionais e internacionais, to tornam-se uma alternativa desde a década dos anos 70,
como araçá-d’água, araçá, principalmente devido ao ele- viável ao desenvolvimento da tem ocor rido no Per u um

PALAVRAS CHAVE / Caçari / Cadeia Produtiva / Fruteira Nativa / Iquitos / Pucallpa /


Recebido: 02/04/2017. Modificado: 22/03/2018. Aceito: 26/03/2018.

Rodiney Marcelo Braga dos Cajazeiras, Paraíba, Brasil. e-mail: Edvan Alves Chagas. Engenhei- r uana (IIAP), Per u. e-mail:
Santos. Licenciatura Mate- rodiney.santos@ifpb.edu.br ro Agrônomo e D.Sc. em Pro- mpinedo@iiap.org.pe
mática e D.Sc. em Biodiver- Pollyana Cardoso Chagas. En- dução Vegetal, Universidade Ricardo Manuel Bardales Lo-
sidade e Biotecnologia, Univer- genheira Agrônoma e D.Sc. em Estadual de São Paulo, Brasil. zano. Engenheiro Agrônomo e
sidade Federal de Roraima Fitotecnia, Universidade Fede- Pesquisador, Empresa Brasi- D.Sc. em Biodiversidade e
(UFRR), Brasil. Professor do ral de Lavras, Brasil. Professo- leira de Pesquisa Agropecuária Biotecnologia, UFRR, Brasil.
Instituto Federal de Educação, ra, UFRR, Brasil. e-mail: po- (Embrapa Roraima), Brasil. e- Pesquisador, IIAP, Per u.
Ciência e Tecnologia da Pa- llyana.chagas@ufrr.br. mail: edvan.chagas@embrapa.br e-mail: rbardales@iiap.org.pe
raíba, Brasil. Endereço: Insti- João Henrique de Mello Vieira Ro- Mario Herman Pinedo Pan- Carlos Abanto Rodriguez.
t uto Federal de Educação, cha. Agrônomo e D.Sc. em Sis- duro. Engenheiro Agrônomo e Engenheiro Florestal, M.Sc. e
Ciência e Tecnologia da Paraí- tema de Produção Agrícola Fami- D.Sc. em Biodiversidade e Bio- doutorando em Produção Ve-
ba, Campus Cajazeiras. Rua liar, Universidade Federal de Pelo- tecnologia, UFRR. Pesquisa- getal, UFRR, Brasil. Pesquisa-
José Antônio da Silva, Nº 300, tas, Brasil. Professor, UFRR, Bra- dor, Instit uto de Investiga- dor, IIAP, Peru. e-mail: carfo-
Jardim Oásis, CEP: 58900-000, sil. e-mail: j.henrique@yahoo.com ciones de la Amazonía Pe- restal24@gmail.com

APRIL 2018 • VOL. 43 Nº 4 0378-1844/14/07/468-08 $ 3.00/0 261


CADENA DE PRODUCCIÓN DE CAMU-CAMU (Myrciaria dubia (Kunth) Mc Vaugh): EL CASO DE LAS REGIONES
PRODUCTORAS DE LORETO Y UCAYALI, AMAZONÍA PERUANA
Rodiney Marcelo Braga dos Santos, Pollyana Cardoso Chagas, João Henrique de Mello Vieira Rocha, Edvan Alves Chagas, Mario
Herman Pinedo Panduro, Ricardo Manuel Bardales Lozano y Carlos Abanto Rodriguez
RESUMEN
El camu-camu (Myrciaria dubia (Kunth) Mc Vaugh) es un ar- racterizó por ser un estudio de caso descriptivo y exploratorio
busto frutal que se encuentra en las orillas de los ríos y lagos con enfoque cualitativo, mediante la realización de entrevistas
de la Amazonia. Por presentar buenas características agronómi- semiestructuradas. La recolección de datos se llevó a cabo en
cas, tecnologicas y nutracéuticas, el camu-camu tiene un gran junio y julio de 2016. Se realizaron 19 entrevistas con agentes
potencial de mercado, principalmente debido al alto conteni- que intervienen directa o indirectamente en la cadena de pro-
do de ácido ascórbico y otros ingredientes activos que se en- ducción de camu-camu. En el análisis de los resultados se en-
cuentran en sus frutos. A pesar de la gran importancia que el contró una baja intensidad en las relaciones entre los diversos
camu-camu tiene para la economía de las regiones de Loreto y actores involucrados, que lleva a la formación de una cadena
Ucayali, no hay estudios acerca de la organización de la cadena desordenada y frágil resultante en una pérdida de competitivi-
de producción de esta especie en la Amazonía peruana, espe- dad de los sectores productivos y la elaboración industrial. A
cialmente en cuanto a su estructura, organización y articulación partir de estos resultados, se identificó la necesidad de la for-
de agentes que componen la cadena. Así, el objetivo del trabajo mulación de políticas públicas dirigidas a aumentar y mejorar
es describir la cadena de producción de camu-camu en las re- la interacción socio-técnica entre los eslabones de la cadena de
giones antes mencionadas. Para ello, el presente trabajo se ca- producción y sus respectivos agentes.

CAMU-CAMU PRODUCTION CHAIN (Myrciaria dubia (Kunth) Mc Vaugh): THE CASE OF THE PRODUCING
REGIONS OF LORETO AND UCAYALI, PERUVIAN AMAZON
Rodiney Marcelo Braga dos Santos, Pollyana Cardoso Chagas, João Henrique de Mello Vieira Rocha, Edvan Alves Chagas,
Mario Herman Pinedo Panduro, Ricardo Manuel Bardales Lozano and Carlos Abanto Rodriguez
SUMMARY
Camu-camu (Myrciaria dubia (Kunth) Mc Vaugh) is a shrub approach of the exploratory-descriptive type and case study,
fruit tree found on the banks of Amazonian rivers and lakes. through semi-structured interviews. Data collection was car-
Because camu-camu has good agronomic, technological and ried out in June and July of 2016. Nineteen interviews were
nutraceutical characteristics, it has a great market potential, conducted with the agents that were directly or indirectly in-
mainly due to the high content of ascorbic acid and other ac- volved with the camu-camu production chain. In the analysis
tive principles found in its fruits. Despite the great importance of the results, it was verified that the low level of the relations
that camu-camu has for the economy of the regions of Loreto between the different agents has led to the configuration of a
and Ucayali, there are no studies about the organization of the disordered and fragile chain, resulting in loss of competitive-
camu-camu productive chain in the Peruvian Amazon, mainly ness of the productive and industrial transformation segments.
as to its structure, organization and articulation of the agents Based on these findings, the need to formulate public policies
that constitute the chain. Thus, our aim is to describe the pro- that aim to intensify and improve the socio-technical interac-
duction chain of camu-camu in the above-mentioned regions. tion between the links of the productive chain and their respec-
For this, the present study was characterized by a qualitative tive agents was identified.

processo gradativo quanto à da pela produção oriunda do pragas e doenças. A produção O conceito de cadeia utiliza-
sua domesticação e ao avanço extrativismo nas áreas próxi- proveniente do cultivo geral- do na pesquisa permeia as no-
da modernização da produção, mas à cidade de Iquitos, bem mente começa em julho e é ções de filières (cadeias agroin-
beneficiamento e comercializa- como pelo cultivo do fruto pe- estendida, ainda em pequenas dustriais) dentro da perspectiva
ção. Esse processo tem apre- las condições naturais favorá- quantidades, até o mês de de- global do sistema de produção
sentado uma atenção prioritária veis que estão ao alcance de zembro (Pinedo et al., 2010). e das suas relações a partir das
do setor público do país para pequenos produtores. Sua pro- Cont udo, não obstante a articulações de interdependên-
promoção do seu cultivo, bem dução natural ocorre entre os grande importância que o ca- cia ou de complementaridade
como do setor privado a partir meses de dezembro a março. Já mucamu tem para a economia entre a pluralidade de agentes,
das iniciativas de investimento o segundo cenário, compreende das regiões de Loreto e estratégias e dinâmicas que são
para sua utilização e comercia- a região Ucayali, é caracteriza- Ucayali, não se tem estudos determinadas por forças hierár-
lização junto aos mercados do pelo maior controle sobre o que mostram a organização da quicas e que produzem uma
estrangeiros. processo de produção, através cadeia produtiva do camu-ca- diversidade de dispositivos e
O cenário socioprodutivo do do uso de material genético mu na A mazônia per uana, de formas de regulação.
camu-camu peruano está recor- selecionado, fertilização sincro- principalmente quanto a sua Pressupõe-se que com o in-
tado por duas realidades distin- nizada com a poda, aplicação estr uturação, organização e cremento da relação social en-
tas. A primeira compreende a de desfolhantes, sistemas de articulação dos agentes que tre os agentes da cadeia de
região Loreto, que é caracteriza- irrigação e intenso controle de constituem a cadeia. produção é possível contribuir

262 APRIL 2018 • VOL. 43 Nº 4


para o fortalecimento dos elos. bilística por julgamento ou in- artesanal até o cultivo em larga O segmento de transforma-
Diante disto, a análise dessa tencional, em que as unidades escala e com maiores conheci- ção industrial compreende as
sinergia pressupõe a configu- da amostra foram selecionadas mentos técnicos, o qual gera empresas de derivados (local e
ração prévia de seus compo- com base no julgamento de maiores rendimentos. É repre- nacional) e as agroindústrias
nentes, através da identificação dois especialistas com vasta sentada pela presença do extra- exportadoras. Quanto aos ní-
dos diversos agentes e dos di- experiência e atuação nas res- tivismo comercial, proveniente veis de valor agregado tradicio-
ferentes elos relacionais. pectivas localidades. da coleta em zonas naturais. A nal, pode-se catalogar seus de-
Para Christopher (2009), a Para tanto, foram realizadas atividade extrativista é caracte- rivados em dois tipos. O pri-
relevância de mapear uma ca- 19 entrevistas com os agentes rizada pela produção tradicio- meiro, tipo básico, corresponde
deia de produção consiste na que estão diretamente e indire- nal nas margens dos rios, áreas ao manejo e ao beneficiamento
absorção das ideias de valor e tamente envolvidos com a ca- pequenas e fragmentadas que do fruto (polpa, refrescos, sor-
utiliza-las na tomada de deci- deia de produção do camu-ca- gera baixa produtividade. Já vetes, etc.) que exigem o uso
são. Ademais, o mapeamento mu, quais sejam: produtores, em relação a atividade de de processos tecnológicos me-
torna possível identificar-se o extrativistas, processadores, grande escala, é incipiente pelo nos elaborados. O segundo, ti-
fluxo dos elos da cadeia, o que empresários, exportadores, téc- recente desenvolvimento da po intermediário, compreende
favorece a cooperação, a apren- nicos, pesquisadores, gestores, cultura do camu-camu que per- desde o processamento para
dizagem, a transferência de etc. Todas as entrevistas foram mite seu manejo e cultivo im- produção de bens e alimentos
conhecimentos e informações e realizadas com uso de roteiro plantados em áreas de várzea e com tecnologias básicas até o
a otimização do gerenciamento básico. Vale ressaltar que aos de terra firme. Estes transacio- processamento (congelamento,
da cadeia (Fugate et al., 2006; agentes investigados foi escla- nam para trás com os fornece- pasteurização, fermentação,
Furlanetto e Cândido, 2006). recido que sua participação no dores de insumos e para frente secagem, etc.) para gerar pro-
Neste contexto, o objetivo estudo é voluntária, bem como com as organizações produto- dutos de tecnologia intermedi-
desse trabalho é descrever a foi indicado que o estudo é de ras, as empresas processadoras, ária e de consumo massivo
cadeia de produção do camu- natureza confidencial, sendo os comerciantes, os exportado- como a polpa refinada, polpa
-camu nas regiões de Loreto suas respostas apenas conside- res e diretamente com os con- concentrada, polpa desidratada,
(Iquitos) e Ucayali (Pucallpa) da radas em seu conjunto. As in- sumidores finais. polpa liofilizada, pó atomizado,
Amazônia peruana, em virtude formações foram coletadas com
da importância do seu cultivo o uso de gravador e, posterior-
comercial para o desenvolvi- mente transcritas, para a análi-
mento das populações envolvi- se de conteúdo.
das nesta atividade econômica.
Resultados e Discussão
Metodologia
Configuração da cadeia de
O presente estudo foi carac- produção do camu-camu na
terizado por uma abordagem Amazônia peruana
de caráter qualitativo, do tipo
exploratório-descritivo pelo A cadeia de produção do
fato de permitir uma compre- camu-camu na Amazônia peru-
ensão da realidade investigada ana aqui descrita refere-se ao
e do tipo de estudo de caso conjunto de etapas pela qual
que buscou apresentar a estru- passa e vai sendo transformado
tura da cadeia peruana de pro- e transferido os diversos pro-
dução do camu-camu, ressal- dutos que ganham valor agre-
tando os aspectos organizacio- gado em função de seus res-
nais e institucionais. Para tan- pectivos ciclos de produção e
to, a análise qualitativa do es- comercialização. Ou de outra
tudo está relacionada à aplica- forma, compreende a estrutura
ção de entrevistas como fonte dos diversos elos da cadeia
de dados, objetivando a análise produtiva, as formas de inter-
de conteúdos entre os atores -relações e as interações com o
participantes da pesquisa. contexto institucional e organi-
A coleta de dados foi reali- zacional. Pode ser visualizada
zada nas regiões de Loreto mediante seus componentes e
(Iquitos) e Ucayali (Pucallpa) processos interligados que pro-
da Amazônia peruana, nos me- piciam a oferta de produtos aos
ses de junho e julho do 2016. seus consumidores finais por
Os entrevistados foram selecio- intermédio da transformação
nados (julgados) pelos critérios de insumos pelos seus compo-
de experiência, tempo de pro- nentes, conforme ilustrada na
dução, tempo de pesquisa, anos Figura 1.
de processamento, etc., a partir A cadeia apresenta dois mo-
das características típicas se- delos de produção primária
gundo o objetivo da pesquisa. desde a plantação em pequena
O critério de amostragem escala e com baixos níveis de
adotado foi do tipo não proba- rendimento e processamento Figura 1. Cadeia de produção do camu-camu na Amazônia peruana.

APRIL 2018 • VOL. 43 Nº 4 263


cosméticos, cápsulas, vinagre, articulação com o mercado, e 358,95ha em crescimento boas práticas agrícolas, con-
farinha, bebida gaseificada, bem como pelas instituições de vegetativo localizado princi- trole de pragas, melhoramento
néctar, geleia e yogurt. pesquisa que desenvolve paco- palmente nos distritos de e formalização de produtores.
Um dos principais pontos de tes tecnológicos e capacitação. Manantay, Callería, Masisea e Todavia, um dos fatores frá-
estrangulamento da cadeia pro- Ademais, pelas organizações Yarinacocha. geis da transferência de tecno-
dutiva do camu-camu foram os não governamentais que pro- O incentivo ao cultivo do logia tem sido a capacitação
temas referentes aos sistemas e movem a produção da matéria camu-camu na Amazônica po- dos demais atores que consti-
processos de comercialização. prima para o mercado interno deria contribuir para minimizar tuem os elos da cadeia de pro-
Parte da produção é distribuída e externo, a partir da prestação os efeitos do êxodo rural, ou dução do camu-camu, ou seja,
a nível de varejo, através das de serviços de assessoria, des- seja, desde a melhoria do nível no segmento de transformação
organizações produtoras, atra- de a formulação de projetos, de vida da família rural até a industrial e de comercializa-
vessadores e os próprios agri- manejo das zonas naturais, produção de frutas nativas para ção, sendo reconhecidas como
cultores independentes, para os promoção da instalação de no- um mercado competitivo, pois obsoletas.
locais de venda ao consumidor, vas plantações para produção possibilita o extrativismo na Para Gómez (2007), a trans-
como restaurantes, bares, feiras, de viveiros até a articulação região durante o período das ferência de tecnologia é reali-
mercados, ademais para as em- com empresários para conse- enchentes dos rios (Yuyama e zada por instituições públicas
presas processadoras locais e guir mercados para o fruto; as Valente, 2011). ou privadas que participam em
nacionais e agroindústrias agências agrárias; agências fi- O Estado tem dado ênfase às todos os elos da cadeia de pro-
exportadoras. nanceiras e etc. cadeias produtivas com enfo- dução do camu-camu. Con-
A demanda do produto in que na associatividade com os forme García (2002), os institu-
natura é localizada a nível re- A cadeia de produção do pequenos e médios produtores tos de investigação desempe-
gional, porém o produto na for- camu-camu peruano e seu a partir das linhas de produ- nham um papel decisivo quan-
ma de polpa congelada tem sido contexto ção. O governo regional das do prestam dois tipos de servi-
colocado no mercado nacional respectivas localidades investi- ços, desenvolvimento de paco-
através de cadeias de supermer- Segundo a Lei 28.846 de gadas, através da Dirección de tes tecnológicos e capacitação.
cados em Lima. No entanto, 2002, o Peru tem dado ênfase Promoción Agraria, tem discu- Nos últimos anos as referi-
existe também a compra in na- as cadeias produtivas, com en- tido junto aos produtores estra- das instituições de pesquisa o Ins-
tura em Pucallpa, onde a fruta foque na associatividade com tégias para orientação da pro- tituto de Investigaciones de la
fresca chega aos supermercados os pequenos e médios produto- dução. Também, tem apoiado Amazonia Peruana (IIAP) e o
em Lima. A polpa congelada res a partir das linhas de pro- os produtores a partir da for- Instituto Nacional de Innova-
era o principal produto de ex- dução. A exploração econômica mulação de projetos produtivos, ción Agraria (INIA) vêm rea-
portação, que começou a ser do camu-camu na Amazônia através do Sistema Nacional de lizando estudos sobre o me-
processada em Lima e exporta- peruana é significativa para as Inversión Pública, para arreca- lhoramento genético do fruto
da na forma de polpa concen- comunidades ribeirinhas ama- dar fundos para o investimento que consiste em um pré-aper-
trada e desidratada, ou seja, o zônicas. A região de Loreto e na produção de camu-camu. feiçoamento (coleção, avalia-
produto pode ser processado em Ucayali possui uma área de Destaca-se que ao longo dos ção e seleção de material ge-
vários estágios de concentração, 500.000km 2, onde são explora- anos as instituições investiga- nético) e no melhoramento
fermentação e desidratação, dos ~8.554,95ha de camu-ca- das têm outorgado algum tipo agronômico, que compreende
embora em pequena escala, e mu, somadas as áreas cultiva- de crédito para o cultivo em o manejo da cultura (propaga-
com destino diversificado das e extrativistas, exploradas sua fase produtiva através do ção, instalação de plantações,
(Pinedo et al., 2010). por cerca de 3.000 famílias. Agro Banco e outros. Por outro manipulação in vitro, aduba-
Os consumidores finais são Conforme o Ministerio de lado, no que diz respeito à fase ção, controle de pragas, pós-
representados por aqueles que Agricultura y Riego del Perú de processamento, o governo -colheita e valor agregado).
consomem o camu-camu fresco (MINAGRI, 2015), o camu- não vem encaminhando ações Todavia, segundo as referidas
ou processado em derivados -camu é naturalmente distribu- de fomento setorial. instituições, as linhas de pes-
representando o mercado inter- ído ao longo das margens dos Em virtude das característi- quisa que necessitam ser in-
no; as empresas estrangeiras principais rios e lagos da cas agronômicas, tecnológicas centivadas e financiadas, são:
que utilizam a matéria prima Amazônia peruana, sendo os e nutricionais, o camu-camu recombinação genética, marca-
para o beneficiamento do pro- principais os rios Putumayo, tem despertado o interesse de dores moleculares, nutrição,
duto e os consumidores estran- Napo, Nanay, Curaray, Tigre e diversos institutos de pesquisa manejo integrado, processo de
geiros de derivados produzidos Marañón em Loreto e Ucayali ao redor do mundo, bem como transformação e o desenvolvi-
no país que representam o com um total de 1.345ha. Por de empresas far macêuticas, mento do agronegócio.
mercado externo. outro lado, no que diz respeito nutracêuticas, de cosméticos, Identificou-se nas respectivas
Quanto aos atores indiretos, às plantações, atualmente a de alimentos e entre outras, áreas de estudo que existem
estes foram compreendidos região de Loreto possui um bem como é aproveitado como organizações não governamen-
pelas instituições públicas e total de 5.894ha, dos quais conservante e antioxidante e a tais que promovem a produção
privadas que dão suporte ao 5.291 estão em produção e 603 sua casca como fonte de fibra da matéria prima para o mer-
funcionamento da cadeia pro- em crescimento vegetativo, alimentar, porém ainda é pouco cado interno e externo, desde a
dutiva e que atuam através do distribuídos nos distritos do produzida e comercializada prestação de serviços a partir
apoio técnico, financeiro e de Alto Amazonas, Datem del (Yuyama e Valente, 2011; Cha- da formulação de projetos, ma-
promoção da cadeia. São repre- Marañon, Requena, Loreto, gas et al., 2012). nejo das zonas naturais, pro-
sentados pelos governos locais Maynas e Ramón Castilla. As instituições de pesquisa moção da instalação de novas
e regionais que promovem a Ademais, na região de Ucayali investigadas têm prestado ser- plantações para produção de
cadeia produtiva, desde a plan- de acordo com a DRSAU viços de extensão ag rár ia, viveiros até a articulação com
tação do fruto até a associati- (2016), existem 1.315,95ha dos principalmente, em temas de empresários para conseguir
vidade dos produtores e sua quais 957ha estão em produção manejo agronômico do cultivo, mercados para o fruto.

264 APRIL 2018 • VOL. 43 Nº 4


Exploração nativa e plantio a rentabilidade como o princi- de outros cultivos, bem como porém tem sido pouco investi-
regular pal fator para trabalhar com o de outras atividades que geram do em insumos para melhorar
cultivo do fr uto, pois é de ganhos econômicos, pois de seu rendimento e qualidade do
As justificativas motivacio- onde obtêm os recursos para acordo com o relato dos entre- produto, como fertilizantes e
nais relatadas pelos agriculto- manter a família e os gastos vistados não tem sido outorga- inseticidas.
res entrevistados quanto à ati- com a atividade de cultivo do do crédito para cultivos de ci- Em sua maioria, participam
vidade do cultivo de camu-ca- fruto. clos de larga produção do ca- de organização de produtores
mu estão na rentabilidade do As principais dificuldades mu-camu. Em geral, os progra- de camu-camu, ressaltando que
negócio e no fácil cultivo se encontradas para o cultivo co- mas de financiamento do go- sua participação é necessária
comparado com outras espécies mercial do fruto são: o aumen- ver no regional, à guisa de para o fortalecimento da classe.
nativas. As atividades desen- to do volume dos rios na época exemplificação, a Promoção do Quanto às organizações produ-
volvidas pelos produtores en- da floração do fruto; a remo- Crédito Agrícola (PROCREA), toras investigadas (Asociación
trevistados com a exploração ção das er vas daninhas, ou se caracterizam por ser de cur- de Productores de Camu de
do camu-camu ao longo do ano seja, a limpeza das gramíneas to prazo e com um alto custo. las Cuencas del Amazonas,
consistem na manutenção da (gramalotes) que as águas tra- Ademais, quanto aos projetos Napo y Tigre (APROCCANT)
área de plantação, na comercia- zem no período de inverno; o financiados pela cooperação e Cooperativa Reverendo Pa-
lização do fruto, no seu bene- controle da incidência de pra- internacional basicamente tem dre Gerardo Coté - Ucayali
ficiamento (polpa e refresco) gas que é considerada a princi- sido feita cooperações com (COOPAGRA)), verificou-se
para comercialização e consu- pal causa de perda do fruto; a agências nacionais de financia- que ambas tem permitido aos
mo próprio. No caso do extra- falta de investimento em mate- mento devido o apoio interna- produtores associados melhores
tivista, todo fruto colhido é riais e infraestrutura para que cional não está atingindo este serviços agrários devido a sua
destinado à comercialização, o agricultor possa produzir; a tipo de projeto produtivo. Os organização em termos de ges-
porém quando os frutos estão falta de um comprador perma- organismos internacionais têm tão e apoio técnico, ou seja,
picados são separados e utili- nente; os produtores desmotiva- apoiado projetos que visam desde a assistência técnica,
zados para ser secados e vendi- dos pelos baixos preços que proteger o meio ambiente e que acesso à insumos até a facili-
dos como matéria prima para recebem pela fruta comerciali- atuem diretamente contra as dade de negociação.
fazer farinha, bem como para zada no período de safra e a alterações climáticas. Do ponto de vista da produ-
o consumo próprio. baixa tecnologia para obter Os problemas expostos pe- ção primária, considera-se ex-
No geral, os produtores utili- uma melhor produção no perí- los produtores confirmam a pressivos os níveis de trabalho
zam mão de obra familiar e odo de seca. falta de políticas públicas de e renda gerados pela atividade.
temporária, com exceção do Em virtude da crescente de- apoio e valorização da produ- E nesse aspecto, os problemas
produtor em terra firme que é manda do fruto e por ser um ção, através de financiamentos sociais gerados pela atividade
fixa. Nesse sentido, o recurso fruto nativo e estacionário que de novas tecnologias, e de em seus diversos segmentos
da mão de obra temporária em não é de consumo diário, a falta de apoio ao empreende- são caracterizados pela existên-
função do período de safra atividade de cultivo e extrati- dorismo coletivo e social, que cia de condições insalubres e
torna necessária sua contrata- vista é destinada, basicamente, coloque os pequenos produto- precárias, especialmente em
ção apenas nesse período. O a sua comercialização. De res em condições de competi- períodos de transição de inun-
período de colheita varia entre acordo com Revilla (2006), o tividade, bem como a consoli- dação à seca, por dificuldades
os meses de agosto a julho. A cultivo do camu-camu se cons- dação e o fortalecimento de de transporte e acessibilidade
colheita é feita de forma manu- titui em uma alter nativa de organizações produtoras e en- aos terrenos produtivos. Isso
al, com a utilização de baldes desenvolvimento e crescimento tidades sociais. ocorre durante o intervalo dos
de plásticos e ocasionalmente econômico para os agricultores, Geralmente um dos fatores meses de maio e julho e me-
sobe-se nos galhos para chegar porém as dificuldades e limita- determinantes da rentabilidade lhora no período de agosto a
aos frutos e colocados sob a ções encontradas ocupam seu dos produtos agrícolas são os novembro.
sombra da casa e acondiciona- grande potencial econômico, preços de venda. No caso do O segmento de produção
dos em caixas. O rendimento pois é uma atividade que gera camu-camu, verificou-se que agrícola da cadeia produtiva do
depende da quantidade de fru- rentabilidade a partir do quinto os preços de venda do fruto camu-camu representa o elo
tos produzidos nas plantas, ou ano do seu plantio. são caracterizados por um va- mais vulnerável da cadeia. Na
seja, na safra principal e a ren- Outrossim, constatou-se que lor baixo e instável em virtude maioria das vezes seus atores
da obtida varia em virtude da devido ao tempo para obtenção dos sistemas informais de co- não possuem interação com os
quantidade de produção e da de resultados imediatos, os mercialização. Neste sentido, outros elos da cadeia. Este ce-
lei da oferta e da procura. agricultores não têm dado a pode-se encontrar alta variabi- nário é caracterizado pela bai-
Em relação ao seu perf il, devida atenção à atividade lidade nos preços de venda do xa utilização de tecnologia,
constatou-se que a produção é quanto ao investimento nece- fruto. Ademais, os ganhos eco- pela falta de assistência técnica
proveniente de agricultores do ssário em tecnologia e insumos nômicos se concentram em uma e pela falta de infraestrutura
gênero masculino e sobre a que melhorem os níveis de determinada época do ano e adequada por parte dos produ-
propriedade, predomina a ex- rendimentos. As atividades no são destinados, basicamente, a tores. O principal obstáculo
ploração em base familiar. O campo requerem investimentos cumprir os gastos familiares e a enfrentado pelo pequeno pro-
cultivo comercial do camu-ca- e a maioria dos produtores de satisfação das necessidades bá- dutor do camu-camu é a falta
mu, em sua maioria, é a prin- camu-camu não contam com sicas (alimentação e educação). de conhecimento de mercado
cipal atividade desenvolvida recursos financeiros para co- Foi consenso dos agriculto- mais aprofundado, bem como a
das propriedades rurais investi- brir os custos de produção, res que os ganhos econômicos dificuldade de acesso aos ca-
gadas e é de onde os produto- transporte e comercialização. destinados para o investimento nais de comercialização que se
res obtêm sua renda. Este dado Assim, têm autofinanciado nas áreas de produção de ca- dá pela ausência de força polí-
permite entender o motivo de suas atividades com o fruto, a mu-camu são em mão de obra, tica e recursos financeiros até
os produtores terem enfatizado partir das atividades de pesca, na aquisição de ferramentas, a dependência de compradores.

APRIL 2018 • VOL. 43 Nº 4 265


Todavia, há uma grande dispo- tivos. Foi constatado que o co- comercialização (formas orga- atores (entidades produtoras)
sição entre esses atores com a nhecimento do produto para nizacionais de suas transações) têm se articulado com institui-
atividade produtiva do fruto. consumo industrial é limitado está relacionada ao problema ções de pesquisa, universida-
No âmbito nacional, ainda no mercado em Iquitos e em da adequação temporal associa- des, instituições governamen-
não existe entidade representati- forma mais incipiente em da a infraestrutura de pós-co- tais, órgãos de assistência téc-
va dos interesses exclusivos dos Pucallpa. Também, constatou-se lheita, ou seja, das alterações nica e demais órgãos públicos.
produtores, porém existem enti- que esse negócio não tem apre- na estabilidade de oferta e nos O camu-camu é um fr uto
dades (pesquisa, governamen- sentado um cenário competitivo, custos de sua preservação, o com potencial econômico na
tais, assistência técnica e etc.) pois apesar do surgimento de que explica a informalidade no forma de produto exportável
que atuam indiretamente na re- muitas empresas, mesmo com segmento de produção. para o mercado de produtos
ferida cadeia. O serviço de as- bastante capital, ao longo do Os agentes intermediários naturais do hemisfério norte
sistência técnica, que é repre- tempo, tanto a nível local e in- que atendem uma clientela local (Yuyama et al., 2003). Nos
sentado pelas instituições públi- ternacional, essas empresas não (feiras livres, restaurantes, bares EUA e no Japão, são utilizadas
cas e privadas (APROCCANT, têm sido capazes de encontrar e empresas agroindustriais) re- na indústria farmacêutica e na
ONG AGROSALUD, Comisión no processamento do fruto a presentam o elo entre os produ- forma de produtos energéticos
de Promoción del Perú para estabilidade adequada quanto tores não organizados em asso- e nutracêuticos e em alguns
la Exportación y el Turismo aos aspectos organolépticos, pois ciações e cooperativas com o países da Europa como polpa
(PROMPERÚ), COOPAGRA, a parte sensitiva é afetada. mercado. No setor de comercia- de fruta seca, extrato em pó e
Dirección Regional de Agricul- O segmento de transforma- lização de frutas na Amazônia, cápsulas, totalmente ou parte
tura Loreto (DRAL), Dirección ção industrial utiliza priorita- dado a dificuldade da logística de suplementos alimentares
Regional Sectorial de Agricul- riamente a polpa do camu-ca- de transporte, os produtos mui- (Ribeiro et al., 2006; Bardales
tura Ucayali (DRSAU), IIAP, mu, sendo as sementes e casca tas vezes são vendidos por pre- et al., 2008). No Brasil, são
INIA, Fundación Peruana para pouco utilizadas pelos produto- ços abaixo do mercado. Estes utilizadas na indústria de cos-
la Conservación de la Natura- res rurais, assim essa prática atores comercializam o produto méticos e na Amazônia, espe-
leza (PRONATURALEZA), reflete no enfraquecimento da no mercado interno e externo, cificamente, são utilizadas no
Universidad Nacional de la cadeia em virtude do desperdí- em virtude do pequeno produtor preparo de refresco, sorvete,
Amazonía Peruana (UNAP), cio dos subprodutos do fruto não possuir uma estrutura de picolé, geleia, xarope, doce e
Sistema Nacional de Innovación por parte desses atores. mercado. licor e não há um sistema de
Agraria (SNIA)) é considerado O mercado do camu-camu Porém, não são todos os pro- plantação em escala comercial
um dos serviços mais demanda- demanda, geralmente, duas dutores que atuam no mercado que atenda à demanda interna-
dos pelos agricultores. Todavia, apresentações, a fruta fresca e desta forma. Existem aqueles cional (Viégas et al., 2004;
conforme os dados coletados na a polpa. A princípio o consu- produtores que estão atuando Chagas et al., 2012).
pesquisa de campo, pressupõe- midor local está acostumado a por meio de organizações pro- Foi constatado que o merca-
-se que não tem alcançado o consumir fruta fresca como dutoras APROCCANT e COO- do de processados do camu-
cumprimento da grande deman- refresco. A demanda de fruta PAGRA, que demonstram uma -camu está concentrado em
da existente entre os agriculto- fresca é só a nível local em preocupação com a expansão da uma pequena parte do mercado
res da região. virtude das limitações e difi- atividade em bases mais compe- nacional, mais precisamente na
culdades do acesso aos merca- titivas, através da busca de par- capital Lima e, principalmente,
Formas de processamento e dos desde a perecibilidade do ceria com representantes da por meio do mercado interna-
comercialização produto até os altos custos de cadeia produtiva do camu-camu cional, sendo exportado princi-
transporte, tendo como princi- em todos seus elos. Estas enti- palmente na forma de pó ato-
O camu-camu apresenta alto pal comprador os intermediá- dades têm buscado assistência mizado. As exportações são
potencial para a indústria ali- rios, consumidores finais e a técnica, jurídica, comercial e extremamente reduzidas, parte
mentícia (úteis na elaboração as empresas agroindustriais que política, bem como tem assumi- são destinadas ao Japão, como
de sucos, bebidas, sorvetes, compram diretamente com os do um papel relevante na dina- medicina natural (fonte de vita-
geleias, licor, xarope, conser- produtores. mização da vida econômica e mina C) e o setor de cosméti-
vante e corante naturais, etc. e Durante este estudo, verifi- social das famílias rurais envol- cos; aos EUA e alguns países
na elaboração de polpas desi- cou-se que o mercado do ca- vidas com a cadeia de produção da Europa, como alimento or-
dratadas por liofilização e con- mu-camu é extremamente in- do camu-camu. gânico. A nível internacional
gelamento); farmacêutica (com- formal. O processo de comer- Quanto aos produtores que existe uma demanda crescente,
primidos concentrados de vita- cialização é temporal, ou seja, atuam no mercado externo, por porém as empresas exportado-
mina C, etc.); nutracêutica (ener- o camu-camu é um produto meio das entidades produtoras, ras não têm podido satisfazer
géticos), de cosméticos (sabão, perecível, sendo necessário re- principalmente, no que tange as quantidades requeridas e
xampus, sabonetes, cremes de alizar a comercialização e be- os fatores de qualidade de pós- com adequada sustentabilidade
beleza, etc.) entre outras, bem neficiamento do produto em -colheita, estes estabelecem no tempo. O Japão já foi o
como é aproveitado como con- um curto espaço de tempo de distintas relações com os de- principal país demandante, to-
servante e antioxidante e a sua modo a evitar perdas no pro- mais elos da cadeia produtiva davia nos últimos anos esse
casca como fonte de fibra ali- cesso de transformação. Neste devido haver um maior nível fluxo tem sido reduzido a fa-
mentar (Yuyama e Valente, 2011; cenário, na medida que as en- de exigência por parte dos con- vor dos EUA.
Chagas et al., 2012). tidades produtoras e empresas sumidores. Para os que atuam
O uso de recursos tecnológi- de derivados monta estrutura, no mercado interno, estes estão Relações entre os atores da
cos potencializa a rápida mo- criam-se condições mais favo- menos articulados com os de- cadeia de produção do camu-
dernização de toda a cadeia de ráveis para manter estabilidade mais agentes da cadeia produ- camu peruano
produção de um determinado de oferta do fruto e derivados tiva, pois há um menor nível
segmento, assim auxiliando a no mercado. Assim, a função de exigência por par te dos No que diz respeito às inter-
otimização dos processos produ- de coordenação da produção e clientes. Para tanto, estes -relações encontradas ao longo

266 APRIL 2018 • VOL. 43 Nº 4


da cadeia, especialmente na diz respeito à importância dada volvimento da cadeia produtiva Por outro lado, os principais
díade produção agrícola e pelos produtores às organizações se encontra limitado. problemas mencionados pelos
transformação industrial, a pes- produtoras. No tocante às relações de investigados consistem na pro-
quisa de campo revelou que Quanto aos fatores determi- parceria, entre o produtor e as dução sazonal, que dificulta a
existem duas possíveis formas nantes do relacionamento entre instituições de pesquisa e orga- oferta regular e enfraquece o
de relação entre estes atores os atores da referida cadeia, nizações não governamentais mercado; a baixa qualidade de
quando se trata da aquisição de mais precisamente dos segmen- são consideradas como perma- informações a respeito do mer-
matéria-prima. A aquisição do tos de produção agrícola e de nentes. Todavia, com as insti- cado consumidor; os problemas
camu-camu por par te das transformação industrial identi- tuições gover namentais são gerados pela alta variabilidade
agroindústrias pode ser realiza- f icou-se aspectos distintos consideradas como eventuais, das parcelas de produção desde
da por meio de uma relação como determinantes do sucesso mas do ponto de vista das en- muito baixa e pouco produtiva
direta com o produtor; outra da relação entre ambos, assim tidades do governo os produto- somados ao deficiente manejo
possibilidade é a compra atra- demonstrando que não estão res são parceiros permanentes. agronômico; a ausência de or-
vés de um intermediário, res- articulados. Os produtores de- Diante do exposto, verificou- ganizações produtoras fortale-
ponsável por negociar o fruto monstram mais coerência ao -se que as principais dificulda- cidas; a falta de laboratórios
de organizações produtoras. destacar a transparência na des que podem contribuir para especializados para o processa-
Na segunda forma de rela- formação do preço (relação de melhorar o relacionamento das mento do fruto de qualidade e
cionamento as organizações mercado) e a qualidade do pro- entidades governamentais com a ausência de empresas que
produtoras prestam o serviço duto fornecido como os aspec- o produtor consistem na resis- realizem o beneficiamento em
de captação e processamento. tos mais relevantes para que tência às mudanças tecnológi- larga escala.
Este tipo de relação tem o in- haja um bom relacionamento. cas e no pouco conhecimento A competitividade e as van-
tuito de tonificar o poder de Já as agroindústrias, por sua do produtor e as principais tagens comparativas da cadeia
barganha de pequenos produto- vez, enfatizam estes aspectos ações que podem sanar estas do camu-camu peruana têm
res, que se unem em forma de como as principais dificuldades dificuldades são a participação sido comprometidas por ques-
entidade produtora para comer- da relação. dos produtores em organiza- tões atinentes aos aspectos in-
cializar o produto por meio de No escopo do ambiente or- ções produtoras e capacitação. fraestruturais. O potencial de
um intermediário. ganizacional da referida cadeia, Quanto ao relacionamento produção de frutas frescas é
Os dados apresentados nas os componentes mais impor- entre as agroindústrias e os signif icativamente reduzido
subseções anteriores demons- tantes, para efeitos de análise demais atores os relatos con- pelas condições logísticas defi-
tram que há concordância por de competitividade, compreen- vergem para uma percepção citárias, principalmente quanto
parte dos entrevistados sobre dem a pesquisa agropecuária, a coincidente, ou seja, que há à capacidade de transporte, no
os aspectos quanto às relações assistência técnica e o sistema uma relação de parceria even- que tange a exploração adequa-
contratuais firmadas entre os de operação de crédito rural. tual. Para o segmento de trans- da da produção proveniente de
atores, ou seja, enfatizam a Em termos legais, que compõe formação industrial, a criação povoamentos naturais. Ade-
existência de uma relação con- o ambiente institucional, o apa- de políticas que resguardem a mais, devido à falta de infraes-
tratual informal. Assim, perce- rato legal de controle de mer- competitividade é a principal trutura para o processamento
be-se que a predominância cado (normas de importação e ação esperada por parte das da polpa, tem-se um negócio
deste aspecto vai ao encontro exportação) é considerado o instituições governamentais. inviável para exportação, logo
das características de homoge- mais importante. a for ma de benef iciamento
neidade em virtude da quanti- Uma observação da atuação Potencialidades e problemas mais apropriada é o pó atomi-
dade expressiva de fornecedo- dos atores do ambiente organi- zado, sendo considerado o me-
res e o número pequeno de zacional, mais precisamente do No tocante às potencialidades lhor produto para exportação.
captadores. setor público que desenvolve e fragilidades da cadeia de pro- Também, o escasso adensa-
Com relação à importância alguma atividade vinculada dução do camu-camu, ficou mento das relações entre os
que os atores que constituem a direta ou indiretamente à ca- evidenciado que geralmente os agentes produtivos (empresas
cadeia de produção do camu- deia do camu-camu peruano, benefícios econômicos da explo- de derivados e agroindústrias
-camu na Amazônia peruana revela, de maneira pontual, a ração do caamu-camu para os exportadoras) e as organiza-
exercem no desempenho dos falta de articulação entre eles. agricultores são pequenos se ções integrantes do elo institu-
segmentos da referida cadeia, Assim, não se verifica o esta- comparados com aqueles recebi- cional e organizacional foi,
tanto do produtor quanto da belecimento de ações coorde- dos pelos intermediários, pro- dentre os motivos evidencia-
agroindústria, a pesquisa cons- nadas na atuação desses atores cessadores e exportadores. A dos, aquele que teve significa-
tatou que, na percepção dos nos elos da referida cadeia, ou atividade econômica desenvolvi- tiva citação por parte dos en-
produtores, o consumidor final seja, as ações surgem ainda de da em torno do cultivo de ca- trevistados quanto ao fortaleci-
exerce a maior influência so- modo isolado. mu-camu na região gera eleva- mento da cadeia. De modo
bre o desempen ho de suas Também, é possível apontar do nível de ocupação no campo, geral, as expectativas frente a
atividades. que o sistema de governança muito embora, realizada sob articulação das relações entre
Já na visão das agroindústrias, na cadeia de produção do ca- baixos níveis de produtividade, os referidos agentes atenuariam
são reconhecidos no quesito in- mu-camu na Amazônia perua- principalmente devido ao baixo as barreiras e entraves já su-
fluência sobre o desempenho de na não se encontra fortalecido. nível tecnológico. Ademais, foi pracitados nesta seção, ao po-
suas atividades os produtores A governança predominante na identificado outros fatores poten- tencializarem os canais para a
rurais. Ademais, os produtores cadeia é a de mercado, o que ciais, como o alto teor de ácido transferência de conhecimentos
destacaram a relevância das en- prejudica sobremaneira o seg- ascórbico do fruto, as extensas e aplicações de inovações.
tidades processadoras para os mento de produção, em virtude zonas de restingas da região Outrossim, destaca-se a im-
resultados provenientes das suas desse tipo ser o tomador de para seu cultivo e a existência portância de potencializar a
unidades produtoras. Um ponto preços. Assim, é possível infe- de mercados potenciais que ain- viabilidade da organização co-
a destacar sobre estes resultados rir que o potencial de desen- da não foram identificados. letiva dos agentes sociais

APRIL 2018 • VOL. 43 Nº 4 267


envolvidos direta e indireta- zada, resultando em perdas de LC, Albuquerque TCS (2012) de cadeias de suprimentos no
mente na referida cadeia de competitividade dos segmentos Ocorrência e distribuição geo- agronegócio: um estudo explora-
produção, ou seja, na perspec- produtivo e de transformação gráfica de populações nativas de tório. Rev. Bras. Eng. Agríc.
camu-camu no Estado de Amb. 10: 772-777.
tiva da modernização dos pa- industrial.
Roraima. 22. Anais XXII CBF, MI NAGR I (2015) Ministerio de
drões de relacionamento. Para Outrossim, ressalta-se a ne- Bento Gonçalves. Agricultura y Riego. Perú.
tanto, dependerá de diversos cessidade de formulação de
Chagas EA, Lozano RMB, Bacelar- Pinedo MHP, Delgado DC, Farroñay
fatores, entre eles, a capacida- políticas públicas que visem Lima CG, Garcia MIR, Oliveira
de organizativa, a dedicação à intensificar e aprimorar a inte- PR, Castillo TD, Imán CS,
J V, Souza OM, Morais BS, Fachin, ML, Oliva CC, Abanto
atividade, oferecida pelas enti- ração sociotécnica entre os Chagas PC, Araújo MCR (2015) RC, Bardales LR, Vega VR
dades públicas e privadas e a elos da cadeia produtiva e Variabilidade intraespecífica de (2010) Camu-camu ( Myrciaria
existência de políticas públicas seus respectivos agentes. frutos de camu-camu em popu- dubia, Myrtaceae): Aportes para
direcionada às cadeias produti- Depreende-se que é necessário lações nativas na Amazônia Aprovechamiento Sostenible en
vas de plantas exóticas. potencializar condições que Setentrional. Crop Breed. Appl. la Amazonía Peruana. Peruana.
induzam os modos de gover- Biotechnol. 15: 265-271. IIAP, PROBOSQUES. Lima.
Considerações Finais nança considerados mais ade- Christopher M (2009) Logística e Peru. 135 pp.
quados, como, por exemplo, o Gerenciamento da Cadeia de Revilla JCP (2006) Evaluación de la
A distribuição de produtos desenvolvimento de for mas Suprimentos: Criando Redes Importancia Sócio-Económica
que Agregam Valor. Editorial de Myrciaria dubia (H.B.K) Mc
regionais para o mercado inter- inovadoras de cooperação para
Thomson. São Paulo. Brasil. Vaugh (camu camu) em Los
no e externo criou uma estrati- a promoção da gestão tecnoló- 308 pp. Agricultores de las Cuencas de
ficação social que serve como gica e pela geração e adapta- los Ríos Napo y Tigre - Región
DRSAU (2016) Datos referentes a la
uma forte ligação entre a eco- ção dos conhecimentos neces- cadena productiva de camu Loreto. Tese. Universidad
nomia urbana e rural, aspecto sários ao progresso e fortaleci- camu em Ucayali, Per ú. Nacional de la Amazonía
importante para a coesão da mento da cadeia produtiva. Dirección Regional Sectorial de Peruana. Perú. 120 pp.
cadeia produtiva. Por tanto, Agricultura de Ucayali. Ribeiro OD, Nascimento W MO,
conclui-se que a promoção de AGRADECIMENTOS García J (2002) Amazonía Competitiva: Almeida EGL (2010) Carac-
investimentos nos setores que El Reto de la Bioindustria. 1a ed. terização Morfolôgica de Plan-
configuram a cadeia de produ- Os autores agradecem à Fun- GTZ-CEDECAM: Lima, Perú. tas em Acessos de Camucamu-
ção do camu-camu na Ama- dação de Amparo à Pesqui- zeiro do Banco de Germo-
Gómez JJ (2007) Estudio de Compe- plasma da Embrapa Amazônia
zônia peruana desde a imple- sa do Estado do Amazonas titividad del Cultivo de Myrciaria Oriental. Embrapa. Belem,
mentação de sistemas produti- (FAPEAM). dubia HBK Mc Vaugh (camu- Brasil.
vos com tecnologia avançada camu) Mediante el Análisis de la
Viégas IJM, Thomaz MAA, Silva
que incrementa o rendimento REFERÊNCIAS Cadena Productiva en la Zona de
JF, Conceição HEO, Naiff APM
das áreas de cultivo até a im- Requena y Río Tapiche - Región
(2004) Efeito da omissão de
plementação de uma boa estra- Arruda AS, Lima RG, Silva RM, Loreto. Tese. Universidad Nacio-
macronutrientes e boro no cres-
nal de la Amazonía Peruana,
tégia de marketing que incre- Peixoto N (2011) Desenvolvi- cimento, nos sintomas de defi-
mento do camu-camu (Myr- Iquitos, Perú. 147 pp.
menta a comercialização no ciências nutricionais e na com-
mercado inter no e exter no ciaria dubia) em diferentes Grigio ML, Chagas EA, Durigan posição mineral de plantas de
subst ratos nas condições de MFB, Sousa AA, Mota Filho camucamuzeiro. Rev. Bra.s
constituem um fator determi-
Ipameri-GO, Enciclopédia Bios- AB, Chagas PC (2016) Deter- Fruticult. 26: 315-319.
nante para o fortalecimento da mination of harvest time and
fera 7: 01-07. Yuyama, LKO, Aguiar, JPL, Yuyama
referida cadeia. quality of native camu-camu
Na hierarquização da apro- Bardales XI, Car rillo MP, Her- K, Lopes TM, Fávaro DIT,
nandez MS, Bar rera JA, fruits (Myrciaria dubia (Kunth) Bergl PC, Vasconcelos MBA
priação dos resultados, referen- Fernandez-Trujillo JP, Martinez Mc Vaugh) during storage. (2003) Teores de elementos mi-
te à cadeia de produção do O (2008) Camu-camu f r uit Fruits 71: 373-378. nerais em algumas populações
camu-camu na Amazônia peru- (Myrciaria dubia), a new option Fugate B, Sahin F, Mentzer JT de camu-camu. Acta Amaz.
ana, constata-se que o escasso for productive systems in the (2006) Supply chain manage- 33: 549-554.
adensamento das relações entre Colombian Amazonian region. ment coordination mechanisms. Yuyama K, Valente JP (2011) Camu-
os diversos agentes tem impli- Acta Hort. 773: 173-178. J. Bus. Logist. 27: 129-161. camu (Myrciaria dubia (Kunth)
cado na configuração de uma Chagas EA, Carvalho AS, Bacelar- Furlanetto EL, Cândido GA (2006) McVaugh. Curitiba, Brasil.
cadeia desordenada e fragili- Lima CG, Duarte OR, Neves Metodologia para estruturação 213 pp.

268 APRIL 2018 • VOL. 43 Nº 4

Você também pode gostar