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UTILIZAÇÃO DA PALMA FORRAGEIRA (OPUNTIA) COMO MATÉRIA PRIMA

PARA PRODUÇÃO DE BIOENERGIA EM REGIÕES SEMIÁRIDAS: UMA


REVISÃO SOBRE A PRODUÇÃO DE BIOCOMBUSTÍVEIS

Laura Aparecida Melo Vitt¹, Lúcia Allebrandt da Silva Ries², Bárbara Ribeiro Alencar³,
Emmanuel Damilano Dutra4

¹Universidade Estadual do Rio Grande do Sul - UERGS. laura-vitt@uergs.edu.br.


²Universidade Estadual do Rio Grande do Sul - UERGS. lucia-ries@uergs.edu.br.
³Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. barbara.ribeiro.dbbs@gmail.com
4
Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. emmanuel.dutra@ufpe.br

Resumo: As regiões semiáridas do mundo apresentam alternativas limitadas de cultivo de


biomassa para a produção de biocombustíveis, principalmente no que se refere à limitação
hídrica. Uma das soluções encontradas para este problema é a utilização de plantas de
mecanismo MAC (Metabolismo Ácido das Crassuláceas), capazes de produzir biomassa com
alta eficiência de uso da água. Neste contexto, o objetivo deste trabalho foi analisar o uso da
biomassa da palma forrageira (Opuntia) em rotas termoquímicas e bioquímicas, avaliando seu
potencial na produção de biocombustíveis, como bioetanol, biogás, bio-óleo e biocarvão. Para
isso, estudou-se a composição química e a produtividade desta biomassa, bem como o seu
processamento nas rotas citadas. O trabalho desenvolvido é um estudo exploratório, realizado
por meio de revisão da literatura, utilizando manuscritos científicos nas áreas de bioenergia e
biotecnologia. A partir desta revisão, é demonstrada a grande relevância dessa biomassa para a
produção de biocombustíveis, principalmente em regiões áridas e semiáridas do planeta, onde
culturas energéticas tradicionalmente empregadas apresentam limitações em se desenvolver.

Palavras-Chave: Nopalea, Biomassa, Semiárido.

USE OF CACTUS PEAR (OPUNTIA) AS RAW MATERIAL FOR BIOENERGY


PRODUCTION IN SEMIARID REGIONS: A REVIEW ON BIOFUEL PRODUCTION

Abstract: Semiarid regions around the world exhibit limited agricultural biomass alternatives
for the production of biofuels due to water shortages. One of the solutions found for this
problem is the use of plants with CAM mechanism (Crassulacean Acid Metabolism), able to
absorb and store water more easily. In this context, the aim of this manuscript is to analyze the
use of cactus pear biomass (Opuntia) in thermochemical and biochemical routes, evaluating the
potential and relevance of this raw material for its conversion into biofuels, such as ethanol and
biogas, and biochar. For this, the characterization and productivity of this biomass were studied,
as well as its processing in a biorefinery in the aforementioned routes. The work developed is
an exploratory study, conducted through a literature review using scientific manuscripts in the
areas of bioenergy and biotechnology. The main results founded point to the need for further
research carried out in some countries, such as Brazil, as well as expose the advances in studies
of energy use of this biomass in countries such as Mexico. Although, challenges such as the
realization of a more complete and precise characterization, with an adequate methodology for
this biomass, make these estimates difficult. However, cactus pear shows great potential for the
production of biofuels, and could become a viable alternative for semi-arid regions.

Keywords: Nopalea, Biomass, Semiarid.

Introdução
As regiões secas (áridas, semiáridas e subúmidas) ocupam cerca de 41% da superfície
terrestre do planeta, produzem mais de 40% das culturas agrícolas, abrigando metade do
rebanho pecuário e cerca de 2 bilhões de habitantes (UNCCD, 2017). Estas regiões, devido às
limitações hídricas, são muitas vezes consideradas terras marginais e de baixo valor.
Consequentemente, o desenvolvimento econômico e a qualidade de vida das suas populações
são geralmente inferiores às das populações das zonas úmidas vizinhas. Em decorrência da
insuficiência de recursos hídricos e das características climáticas, nestas regiões, a biomassa
agrícola destinada à produção de biocombustíveis e bioprodutos acaba disputando espaço com
as cultivadas para consumo humano e animal. No entanto, existe um grupo de plantas que tem
evoluído nestas áreas, e que são adaptadas às condições de baixa disponibilidade hídrica. Estas
plantas usam um mecanismo fotossintético específico conhecido como metabolismo ácido das
crassuláceas (MAC). As plantas de metabolismo MAC, em geral, são altamente tolerantes a
temperaturas elevadas, radiação UV-B e condições de seca, devido à sua elevada capacidade
de absorver e armazenar água em tecidos suculentos acima do solo e de tolerar grandes perdas
de água (Yang et al., 2015). Tem-se observado que algumas espécies alcançam elevada
produtividade, sob condições de crescimento favorável, e destas, destaca-se a palma forrageira
(Buckland e Thomas, 2021).
No Brasil, os principais gêneros de palma forrageira cultivados são Opuntia e Nopalea,
com destaque para a Opuntia ficus-indica (variedades gigante, redonda e clone IPA-20) e
Nopalea cochenillifera (genótipo doce) (Edvan et al., 2020). Segundo Marques et al., (2017)
apud Lopes et al., (2012), a região Nordeste do Brasil corresponde à maior área de cultivo de
palma forrageira do mundo (estimada em 600.000 ha), sendo cultivada principalmente para
alimentação animal. Além disso, em alguns países como México e Itália, além de regiões como
o sul dos EUA, os cladódios e as frutas são consumidos pelas pessoas e comercializados em
suplementos alimentares, formulações cosméticas e para uso medicinal. Devido ao seu alto teor
de açúcar, as frutas podem ser consumidas in natura ou na forma de geleias, compotas, sucos,
xaropes e licores (Yang et al., 2015).
Embora a Opuntia (Cactaceae) seja originária do continente americano, sendo
encontrada desde a Patagônia até os Estados Unidos, diversas espécies foram introduzidas em
muitas outras áreas do mundo, podendo ser encontradas em abundância no México, Argélia,
África, Itália, Israel, EUA, Argentina, Bolívia, Chile e Brasil (Comparetti et al., 2017). Dessa
forma, sob boas condições de irrigação, são comumente relatados rendimentos médios de
matéria seca na faixa de 40-50 Mg.ha-1.ano-1 (Cushman et al., 2015). Essas taxas de produção
de biomassa são comparáveis a de outras matérias-primas bioenergéticas, como milho, cana-
de-açúcar, sorgo e álamo (Yang et al., 2015). Além disso, deve-se observar que a produção
desta biomassa não compete com as culturas agrícolas destinadas à produção de alimentos. As
plantas de metabolismo MAC demandam cerca de dez vezes menos água por unidade de massa
seca do que as culturas de metabolismo C3 e C4 (Mason et al., 2015). Este fato permite que
essas plantas sobrevivam em áreas onde a agricultura tradicional apresenta dificuldade em se
tornar uma atividade lucrativa.
Atualmente, a palma forrageira vem recebendo crescente atenção como importante
matéria-prima para a produção de biocombustíveis renováveis e de produtos químicos de
elevado valor agregado. Estudos publicados recentemente vêm demonstrando o potencial desta
biomassa para a produção bioenergética, principalmente para as regiões semiáridas e áridas do
planeta.
Dentro deste contexto, o presente trabalho tem como objetivo realizar uma revisão
sobre os principais processos propostos na literatura para a conversão da biomassa da palma
forrageira em biocombustíveis e produtos químicos, bem como analisar os principais desafios
e perspectivas futuras.

Materiais e Métodos
Este estudo é uma revisão narrativa da literatura, com o objetivo de analisar o potencial
da biomassa da palma forrageira para a produção de biocombustíveis e bioprodutos, por isso
não foram utilizados métodos estatísticos. A pesquisa bibliográfica foi realizada com base em
trabalhos científicos utilizando a base de dados Science Direct. Foram utilizados os seguintes
termos na pesquisa: opuntia, nopalea, cactus pear, biochar, biogas, bioethanol, bio-oil, biofuel,
biochar e CAM crops. A busca foi realizada entre maio de 2021 e outubro de 2022, com 25
artigos selecionados, referentes ao período de 2015 a 2023, e um site.

Resultados e Discussão

Caracterização da biomassa de palma forrageira

Para compreender e otimizar o potencial de conversão da biomassa da palma forrageira


em biocombustíveis renováveis e compostos químicos de alto valor agregado, é necessário
conhecer sua composição química. Dessa forma, Yang et al. (2015) caracterizaram a
composição físico-química da Opuntia ficus-indica (variedade gigante) e avaliaram seu
potencial como matéria-prima na produção de biocombustíveis. Uma das conclusões
alcançadas é que ela possui alto teor de celulose amorfa e paracristalina (> 80%) e baixo teor
de lignina (< 13%), o que confere à esta biomassa reduzida recalcitrância, sendo mais
facilmente hidrolisada do que a de biomassas herbáceas ou lenhosas, tradicionalmente
empregadas na produção de bioetanol. Essa importante característica leva a um menor número
de operações ou etapas envolvidas no processo de sacarificação, dispensando os pré-
tratamentos químicos convencionais, reduzindo, consequentemente, os custos envolvidos, o
tempo de processamento e a necessidade de adição de produtos químicos. Tal fato foi relatado
por Alencar et al. (2018). Os autores obtiveram alta eficiência na produção de bioetanol
empregando a palma forrageira na ausência de pré-tratamentos químicos, demonstrando a
importância desta biomassa na produção de biocombustíveis, principalmente para regiões de
baixa disponibilidade de água. Além disso, Mason et al. (2015) argumentaram que o baixo teor
de lignina (2,9 - 4,8%, em base seca), apresentado pelas plantas de mecanismo MAC, as tornam
matérias-primas muito propícias para a digestão anaeróbia.
Outra característica apresentada pela palma forrageira é o alto teor de cinzas (8,5 a
23,7%), resultante do acúmulo de íons (K+, Na+, Mg2+ e Ca2+) e de sais inorgânicos,
principalmente cristais de oxalato de cálcio. Um alto teor de cinzas pode causar problemas de
corrosão nos equipamentos, levando a maiores custos no processamento, muito embora, a
realização de uma pré-lavagem ácida da biomassa pode remover os compostos inorgânicos
presentes (Cushman et al., 2015). Pode-se ainda citar como característica química relevante
dessa biomassa, o alto teor de água apresentado pelos cladódios e frutos (88 a 95% e 84 a 90%,
respectivamente), o que pode contribuir para a redução das adições de água nas etapas de
processamento da biomassa (Alencar et al., 2020). No entanto, um elevado conteúdo de água
desfavorece as reações cuja finalidade é a obtenção de monossacarídeos, diminuindo o
rendimento fermentativo.
Apesar da grande importância de se conhecer a composição química de uma biomassa,
esta pode variar, consideravelmente, de acordo com o cultivar, idade da planta, condições de
cultivo e com o próprio a procedimento analítico empregado na extração e quantificação dos
compostos (Yang et al., 2015). Para solucionar este problema, e reduzir a grande variabilidade
de resultados publicados na literatura, nesta área, torna-se necessário padronizar os métodos
analíticos empregados. Para tal, uma proposta que surge é a utilização de procedimentos
analíticos laboratoriais padronizados para a análise de biomassas, desenvolvidos e
disponibilizados pelo Laboratório Nacional de Energias Renováveis (NREL), como realizado
por (Yang et al., 2015).
A Tabela 1 apresenta a composição química para duas variedades de palma
forrageira: Opuntia ficus-indica e Nopalea cochenillifera. A fim de comparação, a Tabela 2
exibe a composição química para três biomassas tradicionalmente empregadas na produção de
biocombustíveis.

Tabela 1 – Caracterização química de duas variedades de palma forrageira.

Nopalea Opuntia ficus - Opuntia ficus -


Componentes (% cochenillifera indica (L.) Mill indica (L.) Mill
base seca) (ALENCAR et al., (ALENCAR et (YANG et al.,
2018) al., 2018) 2015)

Celulose (%) 25.85 ± 0.01 28.51 ± 0.06 13.1 ± 0.7

Hemiceluloses (%) 9.08 ± 0.02 10.59 ± 0.02 18.5 ± 0.7

Lignina (%) 5.77 ± 0.32 6.40 ± 0.28 12.3 ± 1.1

Cinzas (%) 11.65 ± 0.47 11.15 ± 0.95 23.7 ± 0.1

Extrativos (%) 30.73 ± 1.45 31.03 ± 1.65 25.00 ± 0.9


Autor: Vitt et al. (2021)

Tabela 2 – Caracterização química das biomassas de casca de arroz, bagaço de cana-de-açúcar


e palha de trigo.

Componentes (%
Casca de Arroz Bagaço de Cana Palha de Trigo
base seca)

Celulose (%) 32,4 36,6 36,6

Hemiceluloses (%) 13,9 18,7 18,9

Lignina (%) 27,8 22,5 22,2

Cinzas (%) 17,4 4,4 10,5

Extrativos (%) 9,1 19,6 13,0

Fonte: Adaptado de Raj et al. (2015)

Rotas de processamento da palma forrageira

O processamento da biomassa da palma forrageira, empregado para produção de


biocombustíveis e bioprodutos, envolve basicamente duas rotas: a termoquímica para produção
de bio-óleo e de biocarvão e a rota bioquímica para obtenção de bioetanol e biogás.
Na rota termoquímica, os destaques são a pirólise lenta e a pirólise rápida. Por sua vez,
a rota bioquímica envolve basicamente os processos de fermentação e de digestão anaeróbia.
Os principais produtos obtidos a partir dessas rotas estão ilustrados na Figura 1.

Figura 1 – Principais rotas de processamento da biomassa de palma e seus principais produtos


Autor: Vitt et al. (2021)

Produção de bio-óleo e biocarvão

Os processos de conversão termoquímica, incluindo pirólise, tratamento hidrotérmico,


gaseificação e combustão, têm sido amplamente desenvolvidos e aplicados para a valorização
da biomassa lignocelulósica (Seo et al., 2022), e dentre tais processos, a pirólise vem ganhando
destaque por produzir uma variedade de produtos a uma temperatura comparativamente baixa.
A pirólise é um processo de conversão termoquímica, onde se empregam temperaturas na faixa
de 400-800 ºC, sob atmosfera inerte. Deste processo, originam-se três fases: uma líquida (bio-
óleo), uma sólida (biochar) e uma gasosa (gases não condensáveis). O bio-óleo, tido como o
principal produto, pode ser usado na geração de biocombustíveis em substituição aos
combustíveis oriundos do petróleo, e na obtenção de produtos químicos de elevado valor
agregado utilizados na indústria química e outras. O biochar, por outro lado, vem merecendo
destaque nos últimos anos, com uma ampla gama de aplicações sendo evidenciada em vários
estudos. Destas aplicações, pode-se citar o uso na correção e melhoramento de solos
empobrecidos, como suporte em catálise, como adsorvente na remoção de poluentes e de metais
pesados em águas e solos, como eletrodo em células a combustível e supercapacitores e como
aditivo para otimização de processos bioquímicos como a digestão anaeróbia e a fermentação
(Gupta et al., 2021).
De acordo com os parâmetros de operação empregados (temperatura, taxa de
aquecimento e tempo de residência) a pirólise pode ser classificada em torrefação, pirólise lenta,
pirólise rápida e pirólise flash). Na torrefação, o produto majoritário é o carvão, na pirólise
lenta, biochar, bio-óleo e gás são produzidos em quantidades equivalentes, e na pirólise rápida
e na pirólise flash, o produto de maior rendimento é o bio-óleo. A pirólise da biomassa da palma
forrageira tem sido estudada nos últimos anos em relação à produção de bio-óleo e de biocarvão.
Cross et al. (2018) avaliaram o efeito da temperatura na produção de compostos químicos nas
fases líquida e gasosa empregando a Opuntia ficus-indica em processos de pirólise rápida.
Constataram que a palma forrageira é uma valiosa matéria-prima para a obtenção de compostos
oxigenados e de hidrocarbonetos, em altas temperaturas (650 ºC), podendo ser utilizada na
produção de biocombustíveis e insumos químicos de maior valor agregado, contribuindo
significativamente para o estabelecimento de biorrefinarias em regiões semiáridas. Por outro
lado, Maaoui et al. (2023) investigaram o potencial dos cladódios de Opuntia ficus-indica na
conversão simultânea em biocombustíveis e em biochar, sob condições de pirólise lenta,
avaliando o efeito da temperatura e do tempo de residência no rendimento e características das
fases obtidas. Constatou-se que o rendimento máximo de bio-óleo chegou a 35,03% a 700ºC e
2 horas, enquanto o rendimento de biochar chegou a 40,08% sob 500ºC e 30 minutos de
duração. Com este estudo, os autores mostram a importância do aproveitamento dessa
biomassa, principalmente em regiões rurais, contribuindo para a economia circular local.
Além dos parâmetros operacionais do processo, a composição química da biomassa
também impacta no rendimento das fases obtidas. Cedillo et al. (2017), avaliaram o efeito
combinado da hidrólise e do uso de um catalisador ácido sobre a remoção de pectina em várias
biomassas, para posterior processamento termoquímico das mesmas. No caso da Opuntia ficus-
indica, variação expressiva foi observada para o rendimento da fase líquida, onde se obteve um
aumento na produção de bio-óleo com a redução de pectina, com valores de 14% (para 5% de
pectina) e 22% (para 0% de pectina).
Nos últimos anos, a produção de biochar (sem ou com ativação), a partir de biomassas
residuais, e seu emprego como adsorvente de baixo custo na remoção de poluentes, vem sendo
bastante estudado. Neste contexto, Elhleli et al. (2020) avaliaram o emprego de carvão ativado
derivado da Opuntia ficus-indica para remoção de p-nitrofenol em águas, e concluíram que a
biomassa pode ser considerada uma fonte promissora para a produção de bioadsorventes de
baixo custo, obtendo uma eficiência de remoção de 99,3%. Em outro estudo, Volpe et al. (2017)
avaliaram os efeitos da temperatura, tempo de reação e carga de biomassa no rendimento e
qualidade da fase sólida produzida via carbonização hidrotermal. Os autores demonstraram que
a carbonização hidrotermal apresenta grande potencial para a conversão da Opuntia spp. (que
possui alto teor de água e cinzas) em um biocombustível sólido com características semelhantes
ao carvão, podendo ser utilizado em sistemas de combustão.
Com base nos estudos publicados, percebe-se que a principal dificuldade encontrada
no uso da palma forrageira em processos termoquímicos de conversão reside no seu elevado
teor de água - cerca de 90% - (Santos et al., 2016), que impacta diretamente no rendimento das
fases obtidas. Apesar disto, observa-se um crescente interesse na conversão termoquímica desta
biomassa visando a produção integrada de biocombustíveis renováveis, compostos químicos de
elevado valor agregado e de bioprodutos sólidos, principalmente nas regiões áridas e semiáridas
do planeta.

Produção de bioetanol

A demanda crescente por combustíveis e o aumento da conscientização ambiental vem


alavancando a produção de biocombustíveis a partir de fontes e processos mais limpos e
eficientes. A produção de bioetanol de segunda geração apresenta várias vantagens em relação
à produção convencional, tais como emprego de uma fonte renovável, matéria-prima
disponível, abundante e de baixo custo, natureza não competitiva com culturas alimentares e
menor emissão de gases de efeito estufa. Contudo, a produção de bioetanol ainda apresenta
alguns desafios tecnológicos, ligados ao pré-tratamento da biomassa lignocelulósica e à
fermentação do hidrolisado. Atualmente, as pesquisas estão concentradas no desenvolvimento
de tecnologias eficientes voltadas para duas áreas: i) o pré-tratamento da biomassa
lignocelulósica, buscando a liberação das frações de celulose e de hemicelulose da lignina
(deslignificação), e ii) a fermentação dos açúcares redutores obtidos após hidrólise da biomassa
lignocelulósica.
A biomassa de palma forrageira apresenta baixo conteúdo de lignina comparado a
biomassas lenhosas. Esta característica torna esta matéria-prima menos recalcitrante à hidrólise
e à sacarificação, acarretando em uma redução significativa no custo global do processo (Yang
et al., 2015). Contudo, em virtude da baixa liberação de açúcares fermentescíveis durante a
hidrólise, a produção de etanol a partir desta biomassa ainda não é comercialmente viável.
Buscando aumentar a produção de açúcares e, por consequência, a produção de etanol,
pesquisas vêm sendo realizadas nos últimos anos. Neste sentido, pode-se destacar o estudo
realizado por Blair et al. (2021), empregando microrganismos isolados a partir de um consórcio
microbiano na degradação da biomassa de palma forrageira, obtiveram um significativo
aumento na liberação de componentes solúveis. (Santos et al., 2016), por outro lado, estudaram
o potencial de três variedades de palma (palma gigante, palma redonda e palma pequena),
cultivadas no nordeste do Brasil, na produção de bioetanol. A capacidade de produção de
bioetanol das três variedades foi estimada entre 1490-1875 L/ha/ano, valor inferior ao
apresentado por outras biomassas tradicionalmente utilizadas, como cana-de-açúcar (5300-
9400 L/ha/ano), beterraba (5000-6000 L/ha/ano) e mandioca (3600 L/ha/ano). No entanto, a
quantidade de água consumida, por unidade de etanol produzido, pela palma forrageira é
inferior à requerida por outras culturas, fato que deve ser levado em consideração quando se
trata de regiões secas, onde culturas como cana-de-açúcar, beterraba e mandioca não podem ser
cultivadas.
Apesar do potencial para a produção de etanol, a baixa concentração de sólidos e
variações de pH constituem dois fatores limitantes no processo de fermentação alcoólica dessa
biomassa. Buscando compreender e otimizar o efeito destas duas variáveis, Alencar et al. (2020)
avaliaram uma série de fatores para determinação das condições ótimas a produção de etanol,
apontando o início da manhã durante a estação seca como o período mais adequado para a
colheita, cuja biomassa pode ser parcialmente seca a 105ºC por 12h, obtendo cerca de 30% de
sólidos, antes de ser hidrolisada e fermentada com alta eficiência de produção de etanol, com
economia de tempo e custo, em comparação com o processo usual de secagem completa e
posterior reidratação. Nesse estudo, considerando-se valores de produtividade de 85 ton.ha-
1
.ano-1 e 500 ton.ha-1.ano-1 (Santos et al., 2016 apud Nobel et al., 1992), e aplicando-se a carga
de 30% m/v de sólidos, pode-se obter volumes de etanol iguais a 2007-11235 L.ha-1.ano-1, para
a variedade IPA-Sertânia, e 2072-13446 L.ha-1.ano-1, para Orelha de elefante mexicana.
Com o objetivo de reduzir os custos do processo global, Alencar et al. (2018)
exploraram as condições ótimas de hidrólise enzimática para duas variedades, Nopalea
cochenillifera e Opuntia ficus-indica, com alta carga de sólidos (30%), e sem qualquer tipo de
pré-tratamento químico, obtendo uma eficiência média de 60% para a hidrólise, e boa
fermentabilidade para ambas as variedades (76,3% e 82,8% para N. cochenillifera e O. ficus-
indica, respectivamente). A partir desses estudos iniciais pode-se observar o potencial da
biomassa de palma forrageira como matéria-prima para a produção de etanol de segunda
geração, a baixo custo, em regiões de baixa pluviosidade, geralmente associadas a áreas
marginalizadas. Embora os resultados iniciais indiquem um potencial promissor desta biomassa
para a produção de etanol, ainda existem barreiras a serem superadas, principalmente no que
tange à baixa concentração de açúcares fermentescíveis produzidos. Assim, as pesquisas têm
focado em estratégias para otimizar as etapas de pré-tratamento e de hidrólise enzimática,
almejando maximizar a concentração de açúcares fermentescíveis no hidrolisado, e por
consequência, a eficiência na produção de etanol.

Produção de biogás

A produção de biogás é um dos processos de conversão de energia renovável mais


populares, devido à ampla aplicabilidade que possui, podendo ser empregado na geração de
eletricidade, de combustíveis para transporte e de calor. E por esta razão, pesquisadores em todo
o mundo vêm estudando e desenvolvendo tecnologias e estratégias sustentáveis e de baixo custo
para a sua produção em larga escala. Constituído por uma mistura de gases, tendo o metano
(com cerca de 60%) e o dióxido de carbono (com cerca de 35%) como componentes
majoritários, o biogás é produzido pela fermentação de produtos de origem orgânica através da
ação combinada de uma associação de microrganismos, na ausência de oxigênio, processo este
denominado de digestão anaeróbia. O processo pode ser dividido em quatro etapas (hidrólise,
acidogênese, acetogênese e metanogênese), e cada uma é promovida por diferentes grupos de
microrganismos, em sintrofia, requerendo diferentes condições ambientais. A qualidade do
biogás produzido depende, fundamentalmente, do percentual de metano presente. Neste
sentido, nos últimos anos, a digestão anaeróbia tem sido amplamente estudada, empregando
uma variedade de reatores e de parâmetros experimentais, tais como temperatura, carga
orgânica, razão C/N, tempo de retenção hidráulica, pH e adição de aditivos (Govarthanan et al.,
2022), fazendo uso de diversos substratos como matéria-prima, visando aumentar a eficiência
do processo. Em geral, todos os tipos de biomassa podem ser empregados como substrato, desde
que contenham carboidratos, proteínas, lipídeos, celulose e hemicelulose como componentes
principais, podendo ser oriundos de fontes vegetais (agricultura), animal (pecuária), industrial
e urbana.
No Brasil, os substratos mais empregados são oriundos dos dejetos da suinocultura, de
resíduos e efluentes das indústrias de alimentos, bebidas, laticínios e bioetanol, e do lodo gerado
em estações de tratamento de esgoto (Kunz et al., 2019). O emprego de resíduos
lignocelulósicos atualmente vem crescendo mais, através de vários estudos desenvolvidos que
buscam estratégias eficientes para a digestão da lignina, componente da biomassa
lignocelulósica mais resistente à ação dos microrganismos.
Com relação ao emprego destes resíduos na produção de biogás, Govarthanan et al.
(2022) discutem o uso da nanotecnologia através da inclusão de nanopartículas metálicas no
processo, e demonstram que um significativo aumento no teor de metano (70-80%) pode ser
alcançado, apontando o emprego das nanopartículas como uma opção promissora para a
degradação da biomassa lignocelulósica e para o aumento da eficiência das reações enzimáticas
associadas a cada etapa do processo.
Com relação à palma forrageira, Quiroz et al. (2021) apresentam uma revisão sobre o
uso desta biomassa na produção de biogás e de biofertilizante. Os autores apontam um volume
máximo de metano produzido por massa de substrato (o denominado potencial de biometano)
de 289-364 m3 CH4/Mg, valor na faixa apresentada por culturas energéticas tradicionais, como
o milho, beterraba e sorgo, indicando a grande biodegradabilidade da palma forrageira e seu
potencial para produzir biogás.
A principal característica que maximiza o rendimento energético de uma cultura é sua
produção de biomassa, sendo esta afetada por uma série de fatores como a região geográfica, o
tipo de solo, clima, chuva, nível de irrigação, tipo de cultivar, estágio de desenvolvimento da
planta, condições de colheita e etc, o que justifica o grande número de trabalhos publicados.
Quiroz et al. (2021) discutem ainda a eficiência na produção de biogás apresentada pela palma
forrageira à luz de sua composição química, e argumentam que o alto teor de metano produzido
é consequência da presença de carboidratos não fibrosos (polissacarídeos solúveis), que são
facilmente degradados pelos microrganismos. Compostos como a lignina apresentam baixa
biodegradabilidade durante a digestão anaeróbia, afetando a eficiência do processo. No entanto,
o conteúdo de lignina apresentado pelos cladódios da palma forrageira é consideravelmente
baixo, comparando com outras biomassas lignocelulósicas.
Outra característica apresentada pela palma forrageira que influencia positivamente a
produção de biogás é seu alto nível de água (88-92%), dispensando a adição de água ao
processo. Apesar dos estudos demonstrarem o potencial da biomassa forrageira em produzir
biogás, mais estudos são necessários abordando principalmente os aspectos econômicos
envolvidos em sua produtividade, como fertilização e irrigação do solo, condições de colheita
e densidade de plantio. Krumpel et al. (2020) estimaram a aptidão da palma forrageira,
variedade gigante, em produzir biogás, em termos de sua densidade de plantio. Os autores
mostram que o rendimento de matéria seca produzida não é afetado por esta variável, e sugerem
o emprego de altas densidades de plantio (20.000 plantas/ha) para uma produção máxima de
metano por unidade de área plantada.
Santos et al. (2016) também estimaram o potencial da biomassa da palma forrageira
para a produção de biogás, utilizando variedades cultivadas no semiárido brasileiro. Observou-
se um rendimento de 3.717 m³/ha/ano de metano, valor semelhante ao produzido por culturas
energéticas tradicionalmente empregadas.
Em outro estudo, Comparetti et al. (2017) também demonstram o potencial
apresentado pela biomassa da Opuntia ficus-indica na produção de biogás, e enfatizam a
necessidade de uma avaliação detalhada do seu ciclo de vida para obter uma estimativa mais
realista referente à produção de biocombustíveis, bem como uma análise econômica da
rentabilidade da conversão de sua biomassa em biocombustíveis. No entanto, segundo os
autores, a palma forrageira tem grande potencial como matéria-prima bioenergética e sua
importância aumenta à medida que as áreas de produção agrícola terrestre se tornam mais
quentes e secas.
Outro estudo envolvendo palma forrageira para produção de biogás foi realizado por
Calabrò et al. (2017). O objetivo foi investigar o efeito de três pré-tratamentos (térmico, alcalino
e ácido) na composição química e produção de metano. De acordo com os resultados, somente
o pré-tratamento ácido produziu significativo aumento na produção de metano, com valores
variando entre 420 a 600 Nm/gVS, após o pré-tratamento ácido (HCl 20%).
Como constatado através dos estudos realizados, a biomassa de palma forrageira
apresenta potencial para ser empregada na produção de biogás. No entanto, estudos econômicos
abordando os diferentes aspectos que afetam a sua produtividade se fazem necessários para sua
consolidação como cultura energética, principalmente em áreas secas.

Conclusões

Conforme observado neste trabalho, a palma forrageira (Opuntia spp. e N.


cochenillifera) vem ganhando espaço nos últimos anos como importante matéria-prima
lignocelulósica para a produção de biocombustíveis e de compostos químicos de maior valor
agregado. Um crescente número de estudos empregando esta biomassa como matéria-prima na
produção de bio-óleo, biocarvão, bioetanol e biogás vem sendo notado. E, através destes
estudos, constata-se a importância dessa biomassa como uma alternativa sustentável e eficiente
na produção de biocombustíveis e bioprodutos, principalmente em regiões áridas e semiáridas,
onde as condições climáticas são desfavoráveis e a maioria das culturas energéticas
tradicionalmente empregadas não encontram condições para se desenvolver.

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