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CENTRO UNIVERSITÁRIO SENAC

Gabriela Ordones Penna

Vamos Garotas!
Alceu Penna: moda, corpo e emancipação feminina.
(1938-1957)

São Paulo
2007
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GABRIELA ORDONES PENNA

Vamos Garotas!
Alceu Penna: moda, corpo e emancipação feminina.
(1938-1957)

Dissertação de Mestrado apresentada ao


Centro Universitário Senac – Campus Santo
Amaro, como exigência parcial para
obtenção do grau de Mestre em Moda,
Cultura e Arte.

Orientadora: Profa. Dra. Maria Claudia


Bonadio

São Paulo
2007

2
P397z

Penna, Gabriela Ordones

Vamos Garotas!
Alceu Penna: moda, corpo e emancipação feminina
(1938-1957) / Gabriela Ordones Penna – São Paulo, 2007.
165. f: il. color.

Orientadora: Profa. Dra Maria Claudia Bonadio


Dissertação de Mestrado – Centro Universitário Senac – Campus Santo Amaro –
São Paulo, 2007.

1. “As Garotas do Alceu” 2. Alceu Penna 3. Imprensa - O Cruzeiro. 4. Mulher –


moda e corpo. 5. Rio de Janeiro. I. Bonadio, Maria Claudia. II. Centro Universitário
Senac - Campus Santo Amaro. Mestrado Moda, Cultura e Arte. III. Título.

CDD391

3
Gabriela Ordones Penna

Vamos Garotas!
Alceu Penna: moda, corpo e emancipação
feminina

Dissertação de Mestrado apresentada ao


Centro Universitário Senac – Campus Santo
Amaro, como exigência parcial para
obtenção do grau de Mestre em Moda,
Cultura e Arte.

Orientadora: Profa. Dra. Maria Claudia


Bonadio

A banca examinadora da Dissertação de Mestrado em sessão pública realizada em


04/09/07, considerou a candidata:

1) Examinadora: Profa. Dra. Maria Gabriela Marinho

2) Examinadora: Profa. Dra. Denise Bernuzzi Sant´Anna

3) Presidente: Profa. Dra. Maria Claudia Bonadio

4
Dedico esse trabalho à Thereza
Penna, que me incentivou e apoiou
em todos os momentos, tornando
essa pesquisa um momento de
descobertas e redescobertas.

5
SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS............................................................................................................................ 07

RESUMO.................................................................................................................................................. 10

INTRODUÇÃO

1. Olá Garotas, muito prazer.................................................................................................................. 11


2. “Garotas”: muitas mulheres em uma representação....................................................................... 13
3. Estruturação dos capítulos e corpus documental............................................................................. 16
4. Balizas cronológicas............................................................................................................................. 19
5. Ser Alceu Penna é... ser versátil.......................................................................................................... 22

CAPÍTULO 1. “GAROTAS” CARIOCAS E JOVENS: UMA NOVA PERSPECTIVA

1.1 “Garotas maravilhosas”: Rio de Janeiro 1938 -1957...................................................................... 31


1.2 O espaço urbano alia-se às cariocas................................................................................................. 46
1.3 Um broto de “Garota” : a emergência do conceito de juventude................................................. 56

CAPÍTULO 2. UMA REVISTA MODERNA: O CRUZEIRO DAS “GAROTAS”

2.1 Os Diários Associados: rumo à integração nacional....................................................................... 64


2.2 O Cruzeiro: a revista dos arranha-céus............................................................................................71
2.3 Uma história: “As Garotas do Alceu”.............................................................................................. 83

CAPÍTULO 3. O CORPO E A MODA DAS “GAROTAS DO ALCEU”: UM ESPELHO DO


AMANHÃ

3.1 A moda e o corpo das “Garotas”: um reflexo de transformações................................................ 97


3.2 A ousadia discreta das “Garotas”: objetos de desejo.................................................................... 116

CAPÍTULO 4. “GAROTAS”... ALGO A SER INDEFINIDO

4.1 Um homem que desenhou mulheres: o olhar diferenciado........................................................... 125


4.2 Imagem e texto na coluna “As Garotas”: uma relação humorística............................................ 129
4.3 Garotas modernas ou emancipadas? Uma análise imagética e textual da coluna...................... 135

CONCLUSÃO......................................................................................................................................... 148

FONTES E BIBLIOGRAFIAS.............................................................................................................. 151

CRÉDITO DAS ILUSTRAÇÕES......................................................................................................... 162

6
AGRADECIMENTOS

A coluna “As Garotas” esteve presente no imaginário de muitos brasileiros. Assim,

escrever sobre uma coluna tão significativa e, ao mesmo tempo, pouco explorada pelo

meio acadêmico, foi um desafio e, com certeza, não teria conseguido sem a ajuda de

algumas pessoas especiais.

Agradeço à Thereza Penna, minha querida tia-avó e irmã de Alceu Penna, que

carinhosamente abriu as portas de seu apartamento no Rio de Janeiro para mim e minha

orientadora a Profa. Dra Maria Claudia Bonadio, nos mostrando o seu acervo sobre o

ilustrador. Coletamos várias imagens que serviram para a minha dissertação e para o

Projeto Figurino: Alceu Penna (2005-2007), bem como para a exposição resultante dele “O

Brasil na ponta do lápis: Alceu Penna, modas e figurinos” no Senac-SP (2007).

Agradeço a CAPES pelo apoio concedido pela bolsa de estudos, sem a qual não

teria conseguido concretizar esse percurso acadêmico.

Ao DEDOC do Jornal Estado de Minas e a todos os seus funcionários atenciosos.

Obrigada em especial à Ivonete, Karla, Irene e Rafael. Sem esse acervo completo, cuidado

e organizado da revista O Cruzeiro e A Cigarra, bem como o de croquis originais da

coluna “Garotas”, eu jamais teria conseguido coletar os dados e imagens que precisava.

Obrigada aos meus pais, Aníbal Penna e Patrícia Ordones, que foram o meu porto-

seguro e fortaleza nessa caminhada difícil, mas muito compensadora. Seus esforços em

procurar registros sobre a coluna “Garotas” e sobre Alceu Penna, bem como indicar

pessoas que eu deveria conversar foram de imensa ajuda.

À minha tia, Simone Ordones, que tão generosamente me abrigou em sua casa

durante o período do mestrado e tornou possível o meu sonho de escrever essa dissertação.

7
Agradeço ao meu avô Aluízio Ordones pelo carinho e apoio incondicional. Aos

meus avós Carmelita Gontijo Penna, Josaphat Penna e Zélia de Moura Ordones, aonde

quer que estejam.

Tenho muito a agradecer, também, a paciência dos meus irmãos Marina e Aluisio

Ordones. Vocês foram demais!

Não poderia ter chegado até aqui se não fosse a minha excepcional orientadora

Profa. Dra. Maria Claudia Bonadio (queria que me orientasse o resto da vida!), que

acreditou em mim e no meu trabalho desde o primeiro momento. Foi generosa e

profissional, me auxiliando e estando sempre à postos quando precisava de qualquer coisa,

mesmo que não fosse relativo à dissertação. Obrigado pelos constantes incentivos em

buscar novas perspectivas acadêmicas e profissionais. Tenho certeza que você já faz parte,

de coração, da família Penna.

À Heloisa Buarque de Hollanda e à editora do Caderno Feminino do Jornal Estado

de Minas, Anna Marina pelos maravilhosos depoimentos sobre a importância da coluna

“As Garotas”.

Ao Ruy Castro pela generosidade e disposição em ajudar com o meu trabalho.

Obrigada pelo texto de abertura da exposição “O Brasil na ponta do lápis: Alceu Penna,

modas e figurinos”, que acabei empregando, com muito orgulho, na minha dissertação.

Ao corpo docente do mestrado Moda, Cultura e Arte pelo profissionalismo no

ensino e a generosidade em compartilhar tantos conhecimentos. Em especial à Maria Lúcia

Bueno Ramos, Ana Lúcia Castro, Eliane Robert de Morais, Magnólia Costa e Luiz Octávio

Camargo. Às funcionárias brilhantes Juliana e Tissyana.

Às Profas. Dras. Maria Gabriela Marinho e Denise Bernuzzi Sant´Anna, que

aceitaram o convite, primeiramente, para estarem na minha banca de qualificação e

posteriormente na minha banca final. À Profa. Dra. Maria Eduarda Guimarães por ter sido

8
suplente na minha qualificação e banca final. À Profa. Dra. Solange Wajnman que aceitou

ser suplente na minha banca final. Agradeço as contribuições para o crescimento do meu

trabalho, abrindo novas perspectivas a ele, muitas vezes, despercebidas por mim.

Aos meus colegas de mestrado, em especial Adriana Hegen, Juliana Schmitt,

Silvana Holzmeister, Celinha, Cris Gurgel, Oneide de Carvalho, Mauro Fiorani, Alexandra

Riquelme e a todos que fizeram dessa jornada algo interessante e divertido.

À Profa. Daniela Nunes Figueira que, a partir dos desenhos coletados do ilustrador

Alceu Penna, coordenou os trabalhos de modelagem resultantes da exposição sobre o

ilustrador no Senac-SP. Ao Prof. Lázaro Mourilo responsável pela bela montagem. Às

alunas do Projeto Figurino que se dedicaram firmemente no resgate da memória do

profissional.

À Giselda Moreira Garcia e Giselle Safar do Centro Integrado de Moda – CIMO,

que me proporcionaram horizontes profissionais e uma oportunidade de expor, pela

palestra “Alceu Penna: a trajetória de um designer versátil” (2007), o conteúdo da minha

pesquisa de mestrado até aquele momento.

Obrigada a Cyro Del Nero que, no início do mestrado, me recebeu, juntamente com

meu pai, em sua casa. Sua atenção pela memória de Alceu Penna será sempre lembrada.

Às Profas. Ivone Lourdes e Glória Gomide da PUC-MG, bem como ao Prof. Caio

César Giannini, que sempre me auxiliaram durante a minha graduação em Publicidade e

Propaganda na instituição e continuam, até hoje, sendo muito gentis e solícitos.

À querida Profa. Dra. Ana Maria Rabelo Gomes, que me auxiliou na época da

elaboração do meu anteprojeto para o mestrado. Obrigada pela sua atenção e carinho.

Por fim, ao meu querido companheiro Luis André Nobre que tão carinhosamente e

pacientemente me “suportou” nos momentos de crise, cansaço e desânimo. Sem você nada

estaria completo.

9
RESUMO

A moda e o corpo atuam como importantes meios de comunicação da mulher com a

sociedade. Por meio deles, a mulher estabelece um diálogo com o mundo, refletindo suas

aspirações e frustrações. Sendo assim, este trabalho consiste em demonstrar, pelo estudo de

imagens da “As Garotas do Alceu”, como Alceu Penna contribuiu para a formação de uma

imagem moderna da mulher, na coluna, transmitindo, pelos corpos e a moda das

“Garotas”, imagens da emancipação feminina.

ABSTRACT

The fashion and the body acts as important medias of the woman with the society. For way

of them, the woman establishes a dialogue with the world, reflecting its aspirations and

frustrations. Being thus, this work consists of demonstrating, through the images´s study of

"As Garotas do Alceu", in which way Alceu Penna contributed for the formation of a

modern image of the woman, in the column, transmitting, through the bodies and the

fashion of the "Garotas", images of the feminine emancipation.

10
INTRODUÇÃO

1- Olá, Garotas, muito prazer

Seria interessante situar o leitor sobre como a coluna “As Garotas do Alceu” cruzou

o meu caminho. Entre tantos assuntos, por que eu escolhi este para ser o objeto da minha

dissertação de mestrado? Não que fosse mera coincidência, mas o ilustrador Alceu de

Paula Penna é meu tio-avô, irmão do meu avô paterno, Josaphat. Desde pequena, os seus

desenhos estiveram presentes na minha vida, inspirando a imaginação. Era comum meu

avô chegar com cópias de trabalhos do Alceu, especialmente no almoço de domingo (com

uma Amandita escondida no casaco), pois sabia que eu adorava passar as tardes

desenhando. Aí, uma vez munida de todas aquelas figuras, eu ia, compenetrada, tentar

fazer pelo menos um parecido. Quanta presunção a minha! Por muitos anos eu não sabia,

pela questão da idade, avaliar aquele trabalho como algo além de belos desenhos.

Meu avô, sua irmã Thereza e meu pai, Aníbal, sempre foram grandes fontes de

conhecimento do trabalho do ilustrador, pois me “abasteciam” de novos desenhos,

reportagens e conhecimentos sobre ele. Sempre gostei de desenhar e apreciava as artes

visuais: Alceu Penna era um “prato cheio”. Quanto mais eu conhecia o seu trabalho, mais

eu o admirava e me interessava por um assunto constante em seus trabalhos: a moda.

Além da influência do meu tio-avô, tive uma ajuda da minha mãe, Patrícia Ordones,

para tomar gosto por moda, pois ela trabalhou, durante um bom tempo, como jornalista

nessa área no Jornal de Casa 1 e no Jornal de Shopping 2 em Belo Horizonte.

Curioso que, a despeito do meu interesse pelo assunto, optei, na ocasião do

vestibular, por Publicidade e Propaganda na PUC-MG. Planejava trabalhar com Design

1
Publicação do Diário do Comércio que circula, até hoje, semanalmente, direcionada ao público feminino.
2
Publicação dos Diários Associados já extinta.

11
Gráfico e Direção de Arte e acabei fazendo muitos estágios na área. Completei a

graduação, mas já no sexto período (mais da metade do curso) eu sabia que não queria

trabalhar como publicitária. Na ocasião, fiz uma reavaliação de interesses e decidi que era

hora de me voltar para a moda, que sempre permeou a minha vida, de uma forma ou de

outra.

Meu trabalho de conclusão de curso não podia ter seguido outro direcionamento.

Meu grupo apresentou um projeto experimental um estudo de site para a marca mineira de

roupas Elvira Matilde, que explorava mecanismos para venda de vestuário pela internet. 3

Foi a minha primeira experiência acadêmica com a moda e aquilo me instigou a buscar um

mestrado.

Há algum tempo, eu me interessava em estudar a obra de Alceu Penna,

principalmente, porque minha tia-avó Thereza sempre manifestou o desejo em dar

continuidade à sua memória de alguma maneira. A pesquisa do mestrado foi uma

oportunidade de concretizar esses objetivos, algo que acabou por me aproximar ainda mais

da moda.

Essa dissertação, posso dizer, é uma concretização de um sonho, há muito tempo

almejado, em contribuir para o resgate do traço e importância do meu tio-avô, um homem,

a meu ver, à frente de seu tempo.

3
http://www.elviramatilde.com.br/

12
2- As Garotas: muitas mulheres em uma representação

Não sei quantas almas tenho. Cada momento mudei.


Continuamente me estranho. Nunca me vi nem achei. De tanto ser,
só tenho alma. Quem tem alma não tem calma. Quem vê é só o que
vê. Quem sente não é quem é. Atento ao que sou e vejo, torno-me
eles e não eu. Cada meu sonho ou desejo. É do que nasce e não
meu. Sou minha própria paisagem, assisto à minha passagem,
diverso, móbil e só. Não sei sentir-me onde estou , por isso, alheio,
vou lendo, como páginas, meu ser (...). 4

Nos últimos anos, têm-se ampliado os estudos sobre a história da moda brasileira,

em especial, sobre um personagem importante nessa narrativa: Alceu Penna. No decorrer

da minha pesquisa, percebi esforços variados, principalmente desde a década de 1990, no

campo de trabalhos acadêmicos como os de Ruth Joffily 5 , Maria Claudia Bonadio 6 , Carla

Bassanezzi e Leslye Bombonatto Ursini 7 e Marina Bruno Santo Anastácio 8 .

Outra iniciativa que resgatou a memória do ilustrador foi o Projeto Figurino: Alceu

Penna, desenvolvido no Senac-SP, do qual participei colaborando com a pesquisa histórica,

que contribuiu para a sua memória instigando alunos e professores. 9 O projeto visou a

familiarizar os alunos de graduação com a obra do ilustrador e a reprodução de looks de

alguns de seus modelos. Nesse sentido, as alunas realizaram estudos sobre modelagem da

época, percebendo os significados da moda e do corpo para as mulheres que eram jovens

no período.

4
PESSOA, Fernando. Não sei quantas almas tenho. Disponível em:
http://users.isr.ist.utl.pt/~cfb/VdS/v096.txt. Acessado em 19 de junho de 2007.
5
JOFFILY, Ruth. Jornalismo de Moda. Jornalismo feminino e a obra de Alceu Penna. Dissertação de
mestrado apresentada ao departamento de Comunicação da UFRJ, 2002.
6
BONADIO, Maria Claudia. O fio sintético é um show! Moda, política e publicidade Rhodia S/A. 1960-
1970. Tese de Doutorado. Campinas, 2005
7
BASSANEZI, Carla. URSINI, Bombonatto Leslye. O Cruzeiro e As Garotas. In: Cadernos Pagu. Núcleo
de Estudos de gênero. Unicamp, 1995
8
ANASTÁCIO, Marina Bruno Santo. Garotas do Alceu: moda feminina brasileira nas páginas de “O
Cruzeiro” entre 1938 e 1958. Monografia, UFRJ, Rio de Janeiro, 2003.
9
O Projeto Figurino teve a coordenação geral da Profa Dra Maria Claudia Bonadio e das atividades de
modelagem pela Profa Daniela Nunes Figueira. Esse núcleo de pesquisa resultou a exposição “O Brasil na
ponta do lápis: Alceu Penna, modas e figurinos” no Centro Universitários Senac-SP em maio de 2007.

13
Verifiquei que Alceu Penna é explorado em crônicas e textos não acadêmicos

também. Alguns dos autores que trabalham nesse sentido são Joaquim Ferreira dos

Santos 10 , Alberto Vilas 11 e Gonçalo Junior 12 , que lançam informações sobre a

representatividade do seu trabalho no cenário brasileiro. Eles enfocam, sobretudo, a coluna

“As Garotas”, o trabalho mais conhecido do ilustrador.

O conjunto de sua obra traz informações importantes sobre a história brasileira, em

especial das mulheres, assim como a imprensa nacional, moda, arte, entre outros,

necessitando, portanto, de uma dedicação maior por parte dos estudiosos. Dessa maneira,

essa dissertação integra os esforços em ampliar as reflexões sobre a sua produção, em

especial, “As Garotas do Alceu”.

Na coluna, o corpo e a moda ocupam posição de destaque, tanto que a maioria dos

autores citados neste trabalho que a abordam, tangenciam esses assuntos, de uma maneira

ou de outra. Entretanto, mesmo com as valorosas iniciativas, existe uma necessidade de

estudo maior sobre eles na coluna “As Garotas”, objetivo que procurei perseguir nesse

trabalho.

Na ocasião da elaboração do meu anteprojeto, a obra “Alceu Penna e as Garotas do

Brasil: moda e imprensa 1933/1980”, de Gonçalo Junior, foi um começo para mim, pois

além de fazer um mapeamento da carreira do ilustrador ele tratava, brevemente, da

contribuição das “Garotas” para o cenário feminino, colocando-as como um exemplo de

futura emancipação.

Instigada por ela, pesquisei alguns desenhos dele que tinha em casa e confirmei que

a mulher era retratada diferencialmente na coluna, principalmente para os padrões morais

vigentes. Isso me chamou a atenção e me interessou, pois, apesar de ser quase um consenso

10
SANTOS, Joaquim Ferreira dos. Feliz 1958: o ano que não devia terminar. Rio de Janeiro: Record, 2003
11
VILLAS, Alberto. O mundo acabou. São Paulo: Globo, 2006
12
JUNIOR, Gonçalo. Alceu Penna e as garotas do Brasil: moda e imprensa 1933/1980. São Paulo: Clube
dos Quadrinhos, 2004.

14
que elas eram muito avançadas para a época, seria uma oportunidade de aprofundar essa

reflexão.

Os estudos imagéticos, juntamente com o auxílio dos textos da coluna, me

pareceram bons mecanismos para estudá-la, pois era pela visualidade da coluna (cores,

formas, composição, etc.) e pelos textos maliciosos que a figura feminina ousada se

destacava. O corpo e a moda das “Garotas”, juntamente com todos os recursos visuais

empregados, trabalhavam juntos para comunicar uma mulher em processo de transição.

Em linhas gerais, este trabalho consiste em demonstrar, por meio do estudo da

coluna “As Garotas do Alceu”, como Alceu Penna contribuiu para a construção de uma

imagem moderna da mulher13 , mostrando nos corpos e na moda das “Garotas” “imagens

da emancipação feminina” 14 .

13
Mulher moderna: compreendo como uma mulher que, apesar de compartilhar de elementos tradicionais
relativos ao seu papel como mãe e esposa, por exemplo, consegue ir além deles, permitindo-se ter outras
aspirações, como uma profissão, uma vida ligada mais aos prazeres que aos compromissos de um lar, ter
vários relacionamentos ao mesmo tempo, enfim, experimentar papéis menos tradicionais, gozando, assim, de
maior liberdade. O conceito de mulher moderna será trabalhado com maiores detalhes no capítulo 3.
14
Entendo como imagens da emancipação feminina um estágio em que a mulher ainda não se libertou
completamente das amarras da sociedade patriarcal, mas demonstra que já está caminhando para isso.

15
3- Estruturação dos capítulos e corpus documental

O primeiro capítulo, “Garotas cariocas e jovens: uma nova perspectiva”, traz

elementos do contexto mostrado pelas “Garotas”. Na parte inicial, procurou-se apresentar e

analisar imagens e textos presentes na coluna caracterizando as ilustrações pelo seu estilo

de vida, o grupo social, os costumes e preferências. Esse enfoque é relevante, pois

confirma as imagens propagadas na coluna, auxiliando no entendimento do contexto e das

ilustrações como figuras femininas cariocas. Na segunda parte do capítulo, trato das

“Garotas” como jovens, uma categoria etária que começava a se definir no cenário

brasileiro nos anos 1950. Nele procuro identificá-las como pertencentes a esse grupo, que

tinha vestuário, linguagem, hábitos e preferências particulares e que, naquele momento,

buscava uma identidade própria.

O segundo capítulo, “Uma revista em especial: O Cruzeiro das ‘Garotas’”, trata,

inicialmente, do império brasileiro das comunicações daquele período, os Diários

Associados, discorrendo sobre a sua história, importância no cenário da imprensa do

Brasil, bem como, de forma breve, os periódicos e propriedades do grupo, em especial as

revistas O Cruzeiro e A Cigarra. Em um segundo momento, é abordado somente O

Cruzeiro, trazendo elementos como a sua história, características, público-alvo e conteúdo,

evidenciado o seu papel como um marco no formato de revistas. O trabalho de Alceu

Penna para a publicação é colocado em evidência, bem como a sua importância. Por fim, a

coluna “As Garotas do Alceu” é estudada com maior dedicação, sendo investigadas as

principais características, os respectivos redatores envolvidos, bem como o período de

vigência de cada um.

O terceiro capítulo, “O corpo e a moda das ‘Garotas do Alceu’: um espelho do

amanhã”, aborda inicialmente o corpo e a moda como meios de comunicação da mulher na

16
sociedade. A maneira com que a mulher contemporânea à coluna se relacionava com eles é

analisada, indicando-se, comparativamente, como era essa relação para “As Garotas”,

perpassando temas como a cultura física e os comportamentos. Na segunda parte é

trabalhado o conceito de mulher moderna veiculado pelos meios de comunicação,

especialmente em O Cruzeiro. Nesse sentido é explorado até que ponto o perfil feminino

das “Garotas” vai ao encontro desse ideal e de que maneira eles se separam.

No quarto capítulo, “’Garotas’... algo a ser indefinido”, é analisada a questão do

ilustrador, um homem que desenhou mulheres, enfocando a produção e interpretação da

imagem como um modo particular de o indivíduo ver o mundo e absorver o contexto em

que está inserido. Na segunda parte, a forte ligação entre as imagens, os textos e o humor

será abordada. Por fim, será feita uma análise de imagens da coluna, juntamente com o

auxílio dos textos, salientando os dois lados contraditórios das “Garotas”: ousado e

recatado

***

Atualmente, os acervos mais completos disponíveis sobre O Cruzeiro e a coluna

“As Garotas do Alceu” são: o jornal Estado de Minas, em Belo Horizonte, e a Biblioteca

Mário de Andrade, em São Paulo 15 . Optei pelo acervo do Estado de Minas, pois, além de

resguardar a coleção completa da revista em microfilme, o jornal também a disponibiliza

em papel, devidamente encadernada e de fácil manuseio. Além disso, o arquivo tem

originais conservados da coluna “Garotas”, os quais trouxeram elementos novos a respeito

do processo de sua elaboração.

Outra fonte de pesquisa foi o acervo de Thereza Penna. Nele existem registros

sobre a carreira do ilustrador em geral, tais como capas de revistas, cadernos de desenhos,

15
O acervo de O Cruzeiro foi para o Estado de Minas, publicação dos Diários Associados, após a falência da
revista, em 1980. O jornal foi a única publicação dos Diários Associados com dinheiro e estrutura suficientes
para comprar o arquivo.

17
publicidade e uma enormidade de outras referências pouco conhecidas. As conversas com

Thereza foram igualmente importantes, já que ela conviveu por anos de forma próxima

com seu irmão.

18
4- Balizas cronológicas

A coluna “As Garotas” conta ao longo de sua vigência com diversas colaborações

de redatores, que auxiliaram “a dar vida” a essas figurinhas tão populares no Brasil em

meados do século XX. As contribuições mais freqüentes e homogêneas, portanto, mais

relevantes foram as de Alceu Penna, Accioly Netto (Lyto), Millôr Fernandes (Vão Gôgo),

Edgar Alencar (A. Ladino) e Maria Luiza Castelo Branco. 16

Examinando as características de cada um deles, percebe-se que, excetuando a

redatora Maria Luiza, todos os outros formam um conjunto singular. Os temas e textos

desse grupo são mais sensuais, maliciosos e bem-humorados e, portanto, se relacionam

melhor com a imagem da mulher moderna propagada pela coluna. Esse perfil pode ser

percebido, por exemplo, no texto de A. Ladino: “E ao invés das Garotas submissas,

obedientes e quietinhas, como seria do nosso agrado, temos que enfrenta-las de igual para

igual.” 17 .

Os temas e textos da redatora Maria Luiza Castello Branco são mais monótonos e

assumem um tom de conselho para as leitoras, deixando de lado a ousadia para tratar de

temas mais tradicionais como o casamento. A passagem a seguir, fala de um chá de

panelas, um evento preparatório para o casamento, em nada semelhante à ousadia e malícia

do primeiro grupo de redatores: “Para dar uma sacudidela nas amigas a Garota resolve dar

um “Chá de panelas”: cada uma das convidadas traz um utensílio para sua futura casa. ” 18

16
Os redatores serão estudados com mais profundidade no capítulo 02, especificamente no item sobre a
coluna “Garotas”.
17
“As Garotas do Alceu”. “Mas as Garotas de hoje são assim!”. Texto A. Ladino. In: O CRUZEIRO. 09 de
outubro de 1948. p. 34 e 35
18
“As Garotas do Alceu”. “Garotas e o chá de panela”. Texto Maria Luiza. In: O CRUZEIRO. 31 de outubro
1959, p. 40-41.

19
Assim, o trabalho terá um recorte cronológico feito pelos textos. O período a ser

estudado vai do início da coluna em 1938, quando Alceu Penna ilustra e escreve os textos

até 1957, quando Edgar Alencar (A. Ladino) finda sua colaboração.

Esse período também se torna oportuno para a análise, pois, além de compartilhar

de textos singulares ele caracteriza-se por transformações importantes no contexto

brasileiro e na própria publicação de O Cruzeiro, os quais seriam importantes destacar.

Além de ser o ano de início da coluna, 1938 torna-se um ponto de partida

importante, pois antecede o conflito da Segunda Guerra Mundial e marca a crescente

influência do american way of life na América Latina, principalmente pelo cinema. Esse

momento vai evidenciar a transição e o convívio das influências francesas e norte-

americanas no país, importante para a compreensão da coluna em geral.

Além disso, é também, ocasião do Estado Novo, um período marcado pela

emergência de um determinado ideal nacional. Esse tom é reproduzido na coluna,

ilustrando uma figura feminina que, mesmo diante de influências estrangeiras, permanece

essencialmente brasileira, cultivando hábitos característicos de um morador do Rio de

Janeiro como ir às praias e aos bailes de carnaval.

Sob a perspectivada publicação O Cruzeiro, a exploração da década de 1940 é

igualmente preciosa, pois ela sofre uma reformulação, presenciando vendagens grandiosas.

Os conteúdos femininos, incluindo a coluna “As Garotas”, ganharam uma atenção especial

nessa empreitada. Essas informações levam a crer que o público leitor da revista aumentou

e, consequentemente, o da coluna também, que começava a se tornar bastante conhecida.

O período de análise desse trabalho se finda em 1957, pois além de ser o ano de

mudança de redator, os últimos anos da seção coincidem com um período de reestruturação

da imprensa e de novos veículos moda/mulher, que compartilharam de um direcionamento

distinto de O Cruzeiro. A revista Manchete (1952), uma importante concorrente da

20
publicação, vai introduzir um formato gráfico mais avançado, impressa em um papel de

melhor qualidade e contando com uma diagramação mais cuidadosa e atraente. A revista

Claudia (1961), por exemplo, coloca em pauta de forma mais aberta que na publicação das

“Garotas”, temas como sexo e comportamento, sendo direcionada a uma mulher que

ansiava por uma identidade em meio à explosão consumista.

Em termos de contexto político-econômico, o Brasil também entra em uma nova

fase, marcada pelo governo de JK, que introduzirá metas desenvolvimentistas e de abertura

de mercado que alterarão o panorama do país em termos de padrões de consumo, imprensa,

tecnologia, transportes entre outros.

Esses fatos, juntamente com o estudo do período dos redatores citados, só

acrescentam informações valiosas ao trabalho, onde o recorte pelos textos complementa as

informações fornecidas pelo contexto nacional contemporâneo à coluna, auxiliando na

delimitação da linha cronológica a ser seguida.

21
5 - Ser Alceu Penna é... ser versátil

“Impossível esquecer o impacto causado por seus desenhos:


as cores, o movimento, a vivacidade e a criatividade. O balanço das
saias e dos corpos de suas Garotas ou o brilho e a sensualidade
esfuziante de suas fantasias para shows e bailes de carnaval. Alceu
misturava, como poucos, texturas, brilhos, babados, sonhos”. (Ruy
Castro. Exposição “O Brasil na ponta do lápis”: Alceu Penna,
modas e figurinos) 19

Alceu de Paula Penna nasceu em 1915 na cidade de Curvelo, norte de Minas

Gerais. Em 1932 ele muda para o Rio de Janeiro e matricula-se na Escola Nacional de

Belas Artes. O primeiro emprego que conseguiu quando chegou à capital foi no

suplemento infantil de O Jornal, publicação do empresário Assis Chateaubriand. Esse

emprego o levaria a conhecer Accioly Netto, inicialmente secretário de redação da revista

O Cruzeiro e, mais tarde, responsável por sua reformulação, a partir da década 1940. Em

1933, após esse contato, Alceu Penna dá início a

um longo período de colaborações para a revista,

incluindo editoriais de moda, capas e ilustrações de

contos.

Em 1936, fruto de uma indicação de

Accioly Netto, que viria a se tornar um grande

amigo, Alceu Penna inicia trabalhos para os mais

Fig 01. Alceu Penna desenhando. O


diversos cassinos da época, contribuindo com os
ilustrador não costumava trabalhar fora
de casa. Apreciava a companhia de sua figurinos, cenários e cardápios:
irmã Thereza e o conforto da sua sala de
estar. Sem data.

19
CASTRO, Ruy. Texto de abertura da exposição “O Brasil na ponta do lápis: Alceu Penna, modas e
figurinos”. Centro Universitário Senac-SP. Maio 2007

22
“Até o fechamento das luxuosas casas de jogo pelo
Presidente Eurico Gaspar Dutra, em 1946, ele trabalha em
todos os cassinos mais famosos do Rio. Além da Urca, atua
regularmente no Copacabana, no Icaraí e no Atlântico.” 20

O carnaval estava, desde o início, presente na

sua trajetória e era um tema popular nas páginas da

revista O Cruzeiro. Ele venceu concursos da Prefeitura

do Rio de Janeiro em 1935, referentes às categorias de

corso, baile e rua. Em 1936 foi a vez de Alceu

Penna concorrer no Palace Hotel, quando se consagrou

o grande destaque dos dois concursos: “Como no

concurso de 1935, coube a maioria dos prêmios, ao

jovem desenhista mineiro Alceu de Paula Penna, que

levantou cinco das nove colocações (...).” 21 Mais tarde,

em 1974, vai assinar as fantasias do bloco Canários das

Laranjeiras, no Rio de Janeiro.

Alceu Penna assinou inúmeras ilustrações de

sugestões para fantasias em O Cruzeiro, Globo Juvenil

Alceu Penna desenhou diversos croquis (periódico de quadrinhos) e na Cigarra (publicação


para cassinos e shows, que encantavam
pela mistura inusitada de cores e formas.
feminina), que eram ansiosamente aguardadas:
Fig.02 a. Figurino inspirado na ópera
Carmem. Sem data.
Fig 02 b. Figurino Bolero. Sem data.

20
JUNIOR, Gonçalo. Alceu Penna e as garotas do Brasil: moda e imprensa 1933/1980. São Paulo: Clube
dos Quadrinhos, 2004, p. 40.
21
“O Concurso da A.A.B”. In: Revista O Cruzeiro. 15 de fevereiro, 1936, p.37.

23
“Produzia desenhos que atendiam aos variados tipos
femininos que compunham seu público: desde as mais
modestas, com fantasias menos luxuosas ou modelos
improvisados para o carnaval de rua, até as mais abastadas,
com sugestões sofisticadas para os bailes de gala.” 22

Alceu Penna se aproximou também das histórias

em quadrinhos, sendo um dos pioneiros no Brasil, já que

não havia muitos quadrinistas nacionais. Entre 1937 e

1938 ilustrou para O Globo Juvenil, propriedade do

empresário Roberto Marinho, adaptações de obras como

O Fantasma de Canterville, de Oscar Wilde, juntamente

com Nelson Rodrigues, além de Rei Arthur, Alice no

País das Maravilhas, entre outros.

Em 1938 começa a desenvolver a coluna “As

Garotas do Alceu” em O Cruzeiro, a qual duraria até

1964. Ela foi inspirada nas “Gibson Girls”, de Charles


As fantasias de carnaval criadas para O
Cruzeiro eram muito aguardadas pelas Dana Gibson, autor de desenhos de lindas e glamourosas
leitoras, que corriam com eles para a
costureira. A variedade de modelos era
impressionante. mulheres. A coluna apresentava, semanalmente, uma
Fig. 03 a e 03 b. “Cada terra tem seu
uso”. Sugestão de fantasias de Alceu
diversidade de ousadas jovens, acompanhada de textos
Penna, para O Cruzeiro. 04 de fevereiro
de 1939. bem-humorados. Tomando como inspiração a mulher,

bem como os modismos cariocas, Alceu Penna criou um

22
ANASTÁCIO, Marina Bruno Santo. Garotas do Alceu: moda feminina brasileira nas páginas de “O
Cruzeiro” entre 1938 e 1958. Monografia, UFRJ, Rio de Janeiro, 2003, p.5.

24
universo de inspiradoras beldades. “Pelas páginas de O Cruzeiro, o país botou na cabeça

que, além de metrópole e centro gerador de cultura, hábitos e modismos, o Rio tem

também as mulheres mais bonitas.” 23

A coluna ilustrada levou milhares de leitores a

copiarem a moda, os gestos, penteados e até mesmo a

maquiagem das “Garotas”:

“(...) elas parecem ter adquirido vida própria. Seus vestidos e


penteados foram copiados, suas poses e atitudes chegaram a
serem imitadas. Saíram das páginas da revista e foram parar
nos “cadernos de recordação”, corte e costura e economia
doméstica de algumas meninas ou nos sonhos e expectativas
afetivas de certos rapazes. Assim, pode-se dizer que os
desenhos de Alceu Penna propagaram modos e modas”. 24

Em 1939 ele viaja para Nova Iorque como

correspondente para O Cruzeiro na Feira Mundial 25 . Sua

intenção, além de conhecer o país, é investigar o

mercado editorial norte-americano. Ele tenta publicar nos


O ilustrador nas suas temporadas
no exterior trazia as novidades em EUA e, apesar de falar muito bem a língua inglesa,
moda, de forma adaptada para as
leitoras de O Cruzeiro.
verifica que a barreira do idioma lhe coloca em
Fig.04 a. Croqui de modelo do
costureiro Balenciaga, Sem data.
desvantagem.
Fig.04 b. Croqui de um modelo do
costureiro Fath. Sem data. Durante a sua temporada no exterior ele se

compromete a enviar regularmente material para a coluna “Garotas” e, também, sobre

Carmen Miranda que, na ocasião, excursionava pelas terras norte-americanas. Segundo

23
JUNIOR, Gonçalo. Op cit, p. 14.
24
BASSANEZI, Carla. URSINI, Bombonatto Leslye. O Cruzeiro e As Garotas. In: Cadernos Pagu. Núcleo
de Estudos de gênero. Unicamp, 1995, p. 247.
25
Uma das atrações da Feira de Nova Iorque era o pavilhão brasileiro chamado “Café do Brasil”. Alguns
arquitetos como Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, contemporâneos de Alceu Penna na Escola de Arquitetura,
estavam participando do projeto na ocasião. Esse pavilhão evidenciava o poder de atuação da “política de boa
vizinhança” dos EUA para com a América Latina, buscando estreitar as relações entre os países.

25
Thereza Penna o ilustrador trabalhou como consultor

informal das fantasias da atriz e cantora, sua conhecida

desde os tempos dos cassinos (informação oral julho

2007).

Uma nova etapa surge em sua carreira quando

Walt Disney (1901-1966) visita o Brasil em 1941.

Nesse período há um esforço de aproximação dos EUA

com os países sul-americanos, fruto da política de “boa


O ilustrador demonstrou a sua
versatilidade ao criar diversos vizinhança”. Um dos objetivos do empresário é
anúncios como esse, para o famoso
sabão Sulfuroso. A bela figura
feminina ousada é explorada pelo divulgar o filme de animação Fantasia. Inspirado pela
proficional até nos anúncios.
Fig. 05. Cartaz de Alceu Penna para o viagem, Disney decide criar o personagem Zé Carioca.
sabão Sulfuroso. Sem data.
Segundo Gonçalo Junior, Alceu Penna é chamado pelo

Itamaraty, provavelmente em virtude da sua experiência internacional, para acompanhá-lo

na sua visita. Disney se impressiona com o talento de Alceu Penna e o contato rende ao

ilustrador um convite para trabalhar nos estúdios do norte-americano. Para a surpresa de

todos, Alceu Penna prefere ficar no Brasil, onde já era reconhecido, pois no exterior

concluiu que seria “mais um na multidão”.

Alceu Penna também emprestou seu talento para a publicidade: cigarros Odalisca

(1938), Casa Levy (1938), Melhoral (1947), Glostora (1947) (uma brilhantina para os

cabelos), o sabão Sulfuroso, embalagens para o Café Globo, fraldas infantis. Além disso,

ele desenvolveu um estudo de uniformes para a Shell e algumas lanchonetes.

26
Outros trabalhos se destacam, como os desenhos para o livro de partituras O Sapo

Dourado (1934), de Hekel Tavares, além de O Palhacinho Quebrado, de Murilo Araújo

(1945). Na coleção Disquinho, da gravadora Continental, ele ilustrou Chapeuzinho

Vermelho (1959) e A Cigarra e a Formiga (1959).

As seções de moda da

revista Cigarra – Suplemento

Feminino e de O Cruzeiro –

Portifólio Modas foram marcos na

carreira do ilustrador, trazendo as

principais novidades em moda

internacionais, devidamente

adaptadas ao país, além de propor

inúmeros figurinos para as

populares festas de carnaval e

junina.

Em pesquisa ao acervo de

Thereza Penna, irmã do ilustrador,

em junho de 2006, pude constatar

na sua biblioteca livros que eram

Alceu Penna e Erté possuíam um estilo dinâmico de ilustração. O constantemente utilizados por ele.
movimento era um fator central, assim como a composição de cores.
Nos primeiros anos de carreira o ilustrador parecia se inspirar nos
desenhos de J Carlos, sendo um grande admirador de seu trabalho. Dessa forma, algumas referências

Coluna direita: Fig. 06 a. 06 b. Croquis de Alceu Penna para shows em desenho ficaram mais claras,
ou cassinos. Sem data
Coluna esquerda: Fig. 07 a. Capa livro “J Carlos: Época, vida e obra” como Erté (1892-1990) e J. Carlos
de Álvaro Cotrim (Alvarus). Fig. 07 b. Ilustração de Erté “Alphabet
Cloak”. Sem data.
(1884-1950), alguns dos nomes

presentes na sua estante.

27
Após essa observação, ficou clara a influência de Erté e J. Carlos nos desenhos do

ilustrador, mais precisamente, no início de sua carreira,

na década de 1930, e, também, nos croquis para shows e

cassinos. A forma do rosto arredondada, as sobrancelhas

finas, os olhos ligeiramente puxados e a boca pequena

são características comuns em ambos os ilustradores e

detectadas nos desenhos de Alceu Penna. Os seus croquis

de shows e cassinos, assim como as ilustrações de Erté,

mostram roupas pomposas, em cores fortes e

contrastantes, que enfatizam o movimento.

Naturalmente, o traço do profissional se modificaria ao

longo de sua carreira, recebendo outras influências, tais

como a norte-americana.

A partir de 1945, ele inicia as ilustrações para os

As capas da Tricô e Crochê Calendários Santista, criados para divulgar os produtos


contavam com a ajuda de
Mercedes Penna, mãe do da empresa Moinhos Santista S/A 26 . As ilustrações dos
ilustrador que tecia tramas
diferentes para dar vida à capa.
calendários eram mais sensuais e provocativas que as
Os calendários Santistas de tão
sensuais eram frequentemente
censurados. “Garotas” e, portanto, sofreram algumas censuras. Ele irá

Fig.09 a. Capa revista Tricô e colaborar, também, com a revista Tricô e Crochê (1946-
Crochê. Exemplar pertencente à
Mercedes Penna, mãe de Alceu.
Sem data. 52), publicação de trabalhos manuais femininos
Fig. 09 b. Ilustração Calendário
Santista. 1945-46
pertencente à mesma empresa. Segundo Thereza Penna,

a sua mãe, Mercedes, auxiliava na produção das capas ao fazer tricôs para as ilustrações,

de forma a deixá-las com texturas mais reais (informação oral extraída em junho, 2006).

26
Inicialmente, em 1905, é uma empresa de moagem de trigo e fabricação de derivados na cidade de Santos,
SP. Posteriormente ela ampliou suas atividades para o setor de alimentos, passando também para a área têxtil,
minero-químico, seguro, imobiliário, comércio exterior e transporte.

28
Já na década de 1950, devido ao fechamento dos cassinos, Alceu Penna desenvolve

figurinos para o teatro e shows como a peça Escândalos (1950), com Bibi Ferreira, e Quem

roubou meu samba (1953), de Silveira Sampaio, no Hotel Glória.

Alceu Penna, segundo sua irmã Thereza, não gostava de ser denominado estilista

(informação oral extraída em fevereiro de 2006). Esse lado, entretanto, ficou muito

evidente quando iniciou a participação nos shows-desfiles da multinacional francesa

Rhodia S/A, assinando figurinos, juntamente com outros talentos, como o costureiro Dener

Pamplona e Guilherme Guimarães. 27

Foi nesse momento que sua ligação com São Paulo se estreita, levando-o a viagens

constantes à cidade. Cyro Del Nero lembra as particularidades de suas visitas a trabalho:

“Meu amigo querido Alceu Penna era um homem de hábitos.


Quando vinha à São Paulo ficava sempre no mesmo hotel e no mesmo
apartamento, por causa da cama que tinha um colchão aprovado por ele.
O hotel era na Praça da Bandeira e para ir para a Standard Propaganda
nos encontrar – na Praça Roosevelt – ele subia a Ladeira da Memória e
seguia pela Consolação.” 28

Em 1972 Alceu Penna desenha figurinos para o show Brazil Export, dirigido por

Abelardo Figueiredo no Canecão, uma casa de shows famosa no Rio de Janeiro. Em 1973

assina a coleção de verão da Fios Pessina e, em 1974, a coleção da Ducal Jeans/Madras,

intitulada Golden Years. Nesse mesmo ano, inicia a sua colaboração com a revista

Manequim, da Editora Abril, em que assina artigos sobre noivas e carnaval.

27
A Rhodia estava presente no país desde 1919, porém, foi só a partir de 1955 que dá início à fabricação do
fio sintético: “Em 1960, a empresa francesa implementa no país uma política de publicidade calcada na
produção de editoriais de moda para revistas e de desfiles, os quais conjugavam elementos da cultura
nacional (música, arte e pintura), a fim de associar o produto da multinacional à criação de uma ‘moda
brasileira’”. In: BONADIO, Maria Claudia. O fio sintético é um show! Moda, política e publicidade Rhodia
S/A. 1960-1970. Tese de Doutorado. Campinas, 2005, p. 10.
28
TOLEDO. Marina Sartori de. A teatralização da moda brasileira: Os desfiles da Rhodia nos anos 60.
Dissertação de mestrado em Artes Cênicas, ECA/USP, São Paulo, 2004, p. 24

29
Segundo Thereza Penna, a partir da segunda metade da

década de 1970, o ilustrador diminui o ritmo das atividades

profissionais, em razão de problemas de pressão. Seu traço já

não tem a mesma firmeza, em virtude dos fortes medicamentos

que é obrigado a tomar (informação oral, extraída em junho

2006). Ela acompanhou, firme e cuidadosa, os últimos dias de

seu irmão. Em 13 de janeiro de 1980, Alceu Penna morre

vítima de problemas circulatórios no Rio de Janeiro.

O ilustrador foi um dos pioneiros do desenho de moda

no Brasil e, também, da orientação de moda nos tempos dos

editoriais de O Cruzeiro, Cigarra e outras. Seu traço, atual até

Fig 08 a. Figurino de Alceu hoje, ensina muito sobre os percursos da história da moda e da
Penna para Elza Soares. Show
Brazil Export, no Canecão.
1972. imprensa nacionais.
Fig. 08 b. Croqui para o
figurino da “Viúva do
Palhaço” do show da Rhodia
Stravaganza. 1969.

30
1. CAPÍTULO. “GAROTAS” CARIOCAS E JOVENS: UMA NOVA
PERSPECTIVA

1.1 “Garotas maravilhosas”: Rio de janeiro 1938 -1957

Este capítulo descreve e analisa o contexto em que se insere a coluna “As Garotas

do Alceu” – o Rio de Janeiro – procurando conectar as ilustrações a esse cenário no

período de sua vigência. Serão observados nas ilustrações elementos, tais como o estilo de

vida, o grupo social a que

indicam pertencer, os seus

gostos e costumes. 29

A cidade havia se

tornado o centro e modelo

cultural para todo o Brasil,

desde a chegada da Corte


As Garotas podem ser consideradas uma das primeiras musas da Cidade
Maravilhosa. Refletindo os hábitos cariocas, como ir à praia, elas davam o
Real Portuguesa, em 1808,
que falar.
Fig 11. Coluna “As Garotas do Alceu”: Garotas em Copacabana. 04 de emergindo como cidade
janeiro de 1941. Texto Lyto.
moderna moldada pelos

padrões europeus de civilidade, que se prolongam ao longo da primeira metade do século

XX 30 : “O Rio passa a editar não só as novas modas e comportamentos, mas acima de tudo

os sistemas de valores, o modo de vida, a sensibilidade, o estado de espírito e as

29
Entende-se por estilo de vida “(...) um conjunto unitário de preferências distintas que exprimem, na lógica
específica de cada subespaço simbólico (mobília, vestimenta, linguagem ou héxis corporal) a mesma
intenção expressiva (...)”. Assim, é pelas preferências de cada conjunto, não coincidentes com as de outros,
que se define a imagem ou identificação de um estilo de vida. “As Garotas” tinham algumas preferências
distintas de outras meninas, reveladas pelas roupas, linguagem, corpo, demarcando um estilo de vida à parte.
BOURDIEU, Pierre. In: ORTIZ, Renato. A sociedade de Pierre Bourdieu. São Paulo, 2003, p.74.
30
Sobre o assunto ver: RAINHO, Maria do Carmo Teixeira. A cidade e a moda: novas pretensões, novas
distinções: Rio de Janeiro, século XIX. Brasília: Ed. UnB, 2002 e NEEDELL, Jeffrey D. Belle Époque
tropical: sociedade e cultura de elite no Rio de Janeiro na virada do século. São Paulo: Companhia das
Letras, 1993.

31
disposições pulsionais que articulam a modernidade como experiência existencial e

íntima.” 31

Apesar de a revista O Cruzeiro circular nacionalmente, Alceu Penna desenhou suas

“Garotas” como cariocas, inspirando-se na cidade e no estilo de vida dos seus habitantes.

Analisando a coluna, percebe-se que, entre os muitos programas sociais, elas gostavam de

ir à praia, tomar um lanche na Confeitaria Colombo e curtir as noites no Teatro Municipal,

ou seja, típicos programas cariocas.

Esse era o modelo difundido pelas ilustrações e textos:

“O Cruzeiro, em seus primeiros anos, ao fazer circular imagens


do Brasil em suas páginas e pretendendo ser um veículo integrador do
território nacional, acabou por levar consigo os costumes da gente do Rio
de Janeiro que era, na época, o portão de entrada para o Brasil e onde as
novidades chegavam primeiro. O Rio é então apresentado por O Cruzeiro
como modelo e índice de desenvolvimento para um país inteiro.” 32

A coluna “As Garotas” surgiu em pleno Estado Novo (1937-1945). As bases do

governo totalitário foram geradas antes, na Revolução de 1930. O projeto modernizador foi

marcado pelo fortalecimento do Estado e conseqüente centralização do poder, conquistada

através de uma linha intervencionista: “A intervenção do Estado tendia a ser mais intensa

no setor da indústria básica. O Estado era, na verdade, um agente de industrialização.” 33

Assim, o presidente implantou uma política nacionalista que, segundo Edgar

Carone, estava focada na valorização do produto brasileiro, rejeitando a influência

estrangeira que ameaçava a soberania do país: “Nacionalismo significa restrição à

iniciativa estrangeira tanto política quanto econômica (...). No entanto, sendo representante
31
SEVCENKO, Nicolau. A Capital irradiante: técnica, ritmos e ritos do Rio. In: SEVCENKO, Nicolau.
História da vida privada volume 03. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 522.
32
URSINI, Leslye Bombonatto. A revista O Cruzeiro na virada da década de 1930. Dissertação mestrado.
Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2000, p. 52.
33
TOTA, Antônio Pedro. Estado Novo. São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 26.

32
de uma tendência geral, o fato se traduz numa ameaça ao capitalismo estrangeiro e

representa barragem à sua maior expansão.” 34

O nacionalismo econômico-político se expandiu para o setor cultural 35 : “A questão

da cultura passa a ser concebida em termos de organização política, ou seja, o Estado cria

aparatos culturais próprios, destinados a produzir e a difundir sua concepção de mundo

para o conjunto da sociedade.” 36

Nesse sentido será buscada a construção de um ideal nacional programado através

das elites intelectuais 37 : “Na verdade não existe uma única identidade, mas uma história da

‘ideologia da cultura brasileira’ que varia ao longo dos anos e segundo interesses políticos

dos grupos que a elaboraram.” 38

O samba viverá, a partir dos anos 1930, uma fase de difusão em escala nunca antes

vista, ao lado do carnaval, contando com o rádio para a sua ampla divulgação. 39 Ele passa

a ser um dos símbolos mais marcantes da cultura brasileira, ou seja, do que se pretendia ser

34
CARONE, Edgar. O Estado Novo (1937-1945). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1988, p. 72.
35
O governo, na tentativa de promover uma cultura brasileira apropriada, lançou mão de recursos como as
datas comemorativas, buscando a legitimidade e envolvimento da população nesse projeto. Getúlio Vargas
criou, por exemplo, o “Dia da Música Popular” em 4 de janeiro de 1939, tornando-se admirado no meio
artístico, apesar da ditadura: “Era de novo a ditadura escarrada, agora sob o nome de Estado Novo, e seria
natural que muitos artistas se pusessem contra ele. Mas, pelas leis que passara beneficiando a música popular,
o teatro, o cinema, o rádio, os cassinos, Getúlio parecia ter crédito ilimitado junto à categoria.” In: CASTRO,
Ruy. Carmen: uma biografia. São Paulo: Cia das Letras, 2005, p.175.
36
VELLOSO, Mônica Pimenta. In: OLIVEIRA, Lucia Lippi; VELLOSO, Mônica Pimenta; GOMES, Ângela
Maria de Castro. Estado novo: ideologia e poder. Rio de Janeiro: Zahar, 1982, p.72.
37
As elites foram encarregadas da manipulação de todo o conteúdo que se pretendia nacional: “(...) O Estado
Novo assumiu posturas marcadamente elitistas, empenhando-se na elevação da nação brasileira a ‘um
patamar de civilização’ que a colocasse ‘em pé de igualdade com as nações mais desenvolvidas do mundo”.
In: VICENTE, Eduardo. A música popular sob o Estado Novo (1937-1945). Projeto de iniciação científica
PIBIC/CNPq. UNICAMP, 1994, p. 6. Disponível em:
http://www.multirio.rj.gov.br/seculo21/pdf/samba/estado_novo_ok.pdf. Acessado em 03 de julho de 2007.
38
ORTIZ, Renato. A moderna tradição brasileira: cultura brasileira e indústria cultural. São Paulo:
Brasiliense, 1994, p. 183.
39
A radiodifusão no Brasil desenvolveu-se rapidamente depois da Revolução de 1930, vindo a superar de
longe o cinema como instrumento de cultura de massa. Cobrindo todo o território nacional, sendo um
instrumento especial na universalização dos gostos e costumes, dando à música popular dimensão
extraordinária, em um momento que a televisão não era a realidade. In: SODRÉ, Nelson Werneck. Síntese de
História da Cultura Brasileira. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1996, p.92. O rádio foi um dos pilares
na difusão da ideologia do Estado Novo e sofreu ao lado de outros meios de comunicação um forte controle
do DIP, o Departamento de Imprensa e Propaganda: “(...) Capanema idealiza um departamento de
propaganda com o objetivo de ‘atingir todas as camadas populares’, instrumento que deveria ser um aparelho
vivaz de alcance, dotado de forte poder de irradiação e infiltração, tendo por função o esclarecimento,
preparo, orientação edificadas numa palavra, a cultura de massa.”. In: ORTIZ, Renato. Op cit, p.51.

33
nacional. 40 O ritmo foi destacado de suas origens, aproximando-se da cultura urbana e do

progresso 41 : “O samba urbano surgiu entre os compositores do Estácio, bairro proletário do

centro com a zona norte, que buscavam uma batida nova, favorável ao ritmo do desfile da

escola de samba. Como a marchinha, o samba alcançava os demais segmentos da

sociedade pelo rádio e carnaval.” 42

Será, particularmente, o samba urbano que terá presença na coluna. A seção

“Garotas carnaval” em 14 de fevereiro de 1942 deixava claro o humor e duplo-sentido

desse tipo de música: “A Margarida disse que só andará de automóvel e ônibus no

carnaval. Mas porque? Tem medo que cantem “... tem galinha no bonde!”

O samba na coluna vinha, normalmente, vinculado à festa carnavalesca. 43 “As

Garotas” compartilhavam dessa experiência em ambientes da classe média e elite. “Garotas

de Fevereiro”, em 7 de fevereiro de 1942 apresenta as figuras em plena folia vestindo

40
No Brasil não havia, até então, uma fixação de gêneros musicais. A indústria fonográfica se ampliou no
período, aparecendo novos intérpretes, inclusive brancos da classe média como Noel Rosa, que impulsionam
e deram visibilidade ao estilo. O samba começa uma aproximação das classes mais abastadas e, naturalmente,
é apropriado e modificado para adequar-se às novas demandas. In: VIANNA, Hermano. O mistério do
samba. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2002. Oportunamente, de alvo de preconceito ele foi alçado a símbolo
nacional. Foram criados os sambas exaltação, verdadeiros aparelhos ideológicos do Estado Novo, como
Aquarela do Brasil. Ary Barroso, o compositor da música, disse que, ao criá-la, “foi sentindo toda a grandeza
e opulência da nossa terra”, comprovando a capacidade de idealização do país nos versos da canção, que veio
a se tornar mais popular que o próprio Hino Nacional. In: ZAN, José Roberto. Música popular brasileira,
indústria cultural e identidade. In: EccoS Ver. Cient., Uninove, São Paulo (n.): 1 e v. 3: 105-122, p. 110.
Certamente, nesse sentido, o Estado soube explorar a capacidade de integração e difusão de ideais contidos
na música em benefício próprio.
41
O samba brasileiro pode ser dividido em duas primeiras fases: o antes da década de 1930 e depois desse
período. O samba no início do século era praticado principalmente por comunidades negras e mestiças, que
levaram consigo essa manifestação da Bahia, sua terra natal, para o Rio de Janeiro, na ocasião do fim do
tráfico negreiro em 1850. Como eram festeiros, as confraternizações eram chamadas de sambas, assim como
a música presente. In: SANDRONI, Carlos. Transformações no samba carioca no século XX. Disponível em:
http://www.dc.mre.gov.br/brasil/textos/78a83%20Po.pdf. Acessado em 28 de setembro de 2006. Assim, o
samba carioca pode ser interpretado como uma adaptação da herança escrava negra, que da Bahia migrou
para o cenário carioca, sendo modificado pelo ritmo das escolas de samba. In: SODRÉ, Muniz. Samba, o
dono do corpo: ensaios. Rio de Janeiro: Codecri, 1979.
42
COSTA, Tânia Garcia da. O “it verde amarelo” de Carmen Miranda (1930-1946).. São Paulo: Annablume;
Fapesp, 2004, p. 34.
43
A festa carnavalesca vai estar intimamente atrelada ao samba urbano nascido no Rio de Janeiro,
contribuindo para a sua difusão como símbolo nacional. In: VIANNA, Hermano. Op cit, p. 122. Antes, a
festa era reprimida pela polícia com o pretexto da violência entre os blocos. Em 1932 foi totalmente
regularizada, cabendo à prefeitura a sua promoção. Com o Estado Novo, o carnaval sofreu mais
modificações, pelo estabelecimento de concursos entre as escolas de samba, que deveriam criar sambas-
enredos com temas folclóricos, literários ou biográficos. Essa era uma forma de inibir a criação de conteúdos
não pertinentes e perpetuar a ideologia estado-novista. In: COSTA, Tânia Garcia da. Op cit, p.59.

34
fantasias impecáveis: “Este mês é o

mês do Momo e as Garotas ‘fans’

da orgia meditam (sabe Deus

como) na escolha da fantasia.”

Em “Batucada das

Garotas”, em 12 de fevereiro de

1944, uma “Garota” relata um

episódio ocorrido com sua amiga

em que o marido desta expressou

grande indignação frente à hora

que ela tinha chegado da folia,

entoando uma canção de carnaval:


O samba e a festa carnavalesca estavam não apenas entre os
símbolos nacionais promovidos pelo discurso do Estado Novo,
mas também das “Garotas”, que continuarão a perpetuar a “Vai, vai, vai... Não pense que eu
dimensão urbana adquirida por eles no período, pelos anos
seguintes com entusiasmo. vou chorar... Mulher igual a você
Fig 12 a. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garotas de
fevereiro”. 07 de fevereiro de 1942. Texto Lyto. eu encontro em qualquer lugar.”
Fig 12 b. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Municipal com as
Garotas”. 18 de fevereiro de 1956. Texto A. Ladino
“No Municipal com as

Garotas”, em 18 de fevereiro de 1956, apesar de fugir ao período em questão, reforça a

dimensão urbana da festa carnavalesca carioca que será perpetuada: “As Garotas atraentes

são jóias resplandecentes do baile monumental. Prêmios, prêmios não ganharam, mas todas

se conformaram, pois podem dizer contentes às coleguinhas ausentes: eu fui ao

Municipal.”

Dentro desse contexto, as manifestações cívicas entraram como mais um suporte

ideológico do governo, buscando ao mesmo tempo aproximar-se das massas e estabelecer

certa distância, ao se apresentar de forma idealizada: “O Estado Novo é o primeiro

momento em que se procura dar sentido mítico ao Estado (...) esse processo será

35
desenvolvido através da imprensa,

do rádio e do cinema, bem como

da promoção de festas populares e

cerimônias cívicas em exaltação às

principais datas nacionais e feitos

do governo.” 44

“Garotas de setembro”, em

5 de setembro de 1942, fazia

referência à data comemorativa da

independência do país, o 7 de

Setembro: “Vivas, vibrantes,

libertas, da pátria um luzido

membro, formam aqui filas


As “Garotas” demonstravam o seu patriotismo na data
comemorativa da independência do Brasil, em um momento que
o Estado Novo procurou forjar uma unidade nacional.
concretas as ‘Garotas’ de setembro
Fig 13 a. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garotas de
setembro”. 05 de setembro de 1942. Texto Millôr Fernandes (...) Salve ufana brasileira, não
As ilustrações estavam mais para o descanso que para o
trabalho. Aproveitavam o máximo a vida com passeios e tens lança, tens espada, mas se te
viagens. Ainda bem, que Getulio Vargas não precisou delas para
dar continuidade ao seu projeto modernizador. beijam faceira, quero crer que...
Fig 13 b. Coluna “As Garotas do Alceu”. “Garotas em férias”.
17 de novembro de 1945. Texto Vão Gôgo. fazes nada.”

Tendo em vista o projeto de construção de um país moderno, o Estado gerou uma

ideologia de valorização do trabalho, sendo encarado como uma ferramenta pela qual a

população participaria desse esforço. Além disso, era necessário apagar tudo que ia contra

esse ideal: “Era preciso combater tanto o subversivo, identificado ao inimigo externo, ao

44
VICENTE. Eduardo. Cit, p. 05

36
estrangeiro de pátria e de ideais, quanto o

malandro, o inimigo interno que se definia

como avesso ao trabalho e às leis e regras

da ordem constituída.” 45

Dessa maneira, reuniram-se esforços

para tentar apagar a noção arraigada de que

o brasileiro era preguiçoso e malandro 46 :

“(...) nos anos 30 procura-se transformar

radicalmente o conceito de homem

brasileiro. Qualidades como preguiça,

indolência, consideradas inerentes à raça

mestiça são substituídas por uma ideologia

As influências do cinema norte-americano são sentidas desde o do trabalho.” 47


início da coluna, reproduzindo a beleza e atitudes
hollywoodinas, com o devido tempero brasileiro.
Observando esse incentivo, as
Fig 14 a. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garota Cinema”. 26
de novembro de 1938. Texto Alceu Penna
ilustrações não pareciam seguir, de maneira
Na temporada de Alceu Penna em NY, o estilo de vida norte-
americano foi trazido para as leitoras e leitores de O Cruzeiro, geral, à risca o propósito do Estado Novo.
comprovada pela tradicional luta de boxe no Madison Square
Garden.
“As Garotas”, de maneira geral, até pela
Fig. 14 b. Coluna “As Garotas do Alceu”: Garotas e a luta de
Box. 27 de julho de 1940
condição de jovens, não apareciam

encarando responsabilidades, como um

emprego. Eram ilustradas curtindo a vida e o relax: “Na serra, no campo, no lago ou na

praia, lá se vão novamente de férias as nossas garotas. Vão e voltam como as andorinhas e

como as andorinhas são inconstantes e aéreas.” 48


45
GOMES, Ângela Maria de Castro. In: OLIVEIRA, Lucia Lippi; VELLOSO, Mônica Pimenta; GOMES,
Ângela Maria de Castro. Estado novo: ideologia e poder. Rio de Janeiro: Zahar, 1982, p. 164
46
A figura do malandro que sempre permeou a vida popular, especialmente manifestado no samba -
malandro, modifica-se para enquadrar-se aos novos anseios. Ele torna-se civilizado, se parecendo um galã de
Hollywood, não anda mais armado e despiu-se do lenço no pescoço e chapéu de palha, à exemplo do samba
de Ary Barroso “Mulatinho bamba” gravado por Carmen Miranda em 1935. In: COSTA. Tânia Garcia da.
Op cit, p. 56
47
ORTIZ. Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 42

37
“As Garotas”, em linhas

gerais, absorveram diretrizes

nacionalistas do período pela

valorização dos cenários brasileiros,

da música, festas, bem como da

mulher e do seu vestuário, ainda que

fossem espelhados na cultura


Nesse período, até mesmo em eventos nacionais populares como
o carnaval, a influência norte-americana se fazia presente na carioca. As ilustrações, mesmo
coluna. Uma ilustração está vestida com um conjunto de short e
blusa estampados com motivos da bandeira dos EUA. Apesar
disso, havia influências da artista Carmen Miranda, também,
assim, não se fecharam às
notada pelas fantasias inspiradas na sua famosa baiana.
influências estrangeiras,
Fig. 15. Coluna “As Garotas do Alceu”: Garotas & Carnaval em
14 de fevereiro de 1942. Texto Alceu Penna
especialmente a norte-americana: “O

traço comum às mudanças que então

ocorriam no Brasil na maneira de ver, sentir, explicar e expressar o mundo era a marcante

influência que aquelas mudanças recebiam do american way of life.” 49

Devido à Segunda Guerra Mundial, o relacionamento entre Brasil e EUA foi

fortalecido, estreitando-se essa ligação pela política de “Boa vizinhança” (1933-1945),

buscando apagar a lembrança imperialista, nada simpatizante, do Big Stick: “Os métodos

mudaram, mas os objetivos permanecem os mesmos: minimizar a influência européia na

América Latina, manter a liderança norte-americana e encorajar a estabilidade política no

continente.” 50

No campo cultural os norte-americanos valeram-se de táticas como a Missão

Rockefeller, para aproximar a nação do Brasil, trazendo os artistas, incluindo Walt Disney

que na ocasião lançava sua última produção - Fantasia: “(...) além de Disney vieram com a

48
“As Garotas do Alceu”. “Garotas em férias”. Texto Vão Gôgo. In: O CRUZEIRO. 17 de novembro de
1945, p. 22 e 23
49
MOURA. Gerson. O Tio Sam chega ao Brasil: a penetração cultural americana. São Paulo: Brasiliense,
1984, p.08
50
MOURA. Gerson. Op cit, p. 18

38
missão cultural famosos artistas do

cinema americano: Tyrone Power,

Henry Fonda, Douglas Fairbanks. O

Rio de Janeiro exultava com os astros

e o governo brasileiro aproximava

ainda mais dos americanos.” 51

Observando o impacto dessa

política na coluna, é perceptível que

os costumes e estilo de vida dos EUA

serão trazidos de maneira próxima

para “As Garotas”, quando Alceu

Penna viaja para a Feira de Mundial

em Nova York. 52 Em 27 de julho de


“As Garotas” tentavam copiar as americanas do norte na
destreza da cozinha, embora o esforço fosse em vão. Os 1940, em “Garotas e a luta de Box”, o
hábitos alimentares, também, sofrerão influências, fazendo as
figurinhas trocarem caviar por um suculento beef. cenário era um torneio de box amador
Fig 16 a. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garotas e a arte da
culinária”. 26 de novembro de 1938. Texto A. Ladino no Madison Square Garden, um
Fig 16 b. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Para Agradar as
Garotas”. 11 de março de 1944. Texto Alceu Penna programa tipicamente norte-

americano: “Não podendo assistir ao

encontro Godoy x Loe Louis, as “Garotas” me carregaram para o Madson. Para encurtar

razões – tive que me retirar antes do fim, para evitar um conflito, dada a torcida ‘violenta’

das meninas, em favor dos boxeus... bonitinhos...”

Na realidade a influência norte-americana será presente durante todo o Estado

Novo. Entretanto, as aproximações com a cultura estrangeira deveriam respeitar um limite,

algo ignorado por Carmen Miranda, que não escapou de uma recepção fria ao voltar de sua

51
TOTA, Antônio Pedro. Op cit, p. 54.
52
Alceu Penna foi para os EUA em 20 de setembro 1939 e permaneceu lá até junho de 1941.

39
turnê pelos EUA, fugindo do ideal musical brasileiro aprovado pelo Estado Novo 53 : “A

denúncia da ‘americanização de Carmen Miranda mostrava que existia no Brasil de 1940

um movimento difuso que defendia a correta utilização desses novos símbolos nacionais.

A mistura do samba com a música norte-americana, por exemplo, não podia ultrapassar

determinados limites.” 54

A figura de Carmen Miranda ecoou não apenas nos EUA, mas aqui no país. É

notável perceber na coluna a quantidade de fantasias de carnaval inspiradas no figurino da

artista. Muitos turbantes com penduricalhos, colares, frutas amarradas, tecidos coloridos e

contrastantes.

O cinema será outra evidência da influência dos EUA na coluna, presente desde os

primórdios dela. 55 Em 10 de dezembro de 1938, em “Garotas de festas”, certo ator famoso

de Hollywood aparenta causar comoção nas ilustrações: “A Elvira se apaixonou de tal

maneira pelo Tyrone Power que quase morreu. E curou-se? Com um sósia...”

Essa influência cinematográfica tende a crescer após a Segunda Guerra Mundial,

sendo um importante porta-voz na difusão de gostos e estilos do american way of life, em

meio à Guerra Fria: “(...) após a Segunda Guerra, o cinema se tornou a vitrine por

excelência da exibição de glamourização dos novos materiais, objetos utilitários e

equipamentos de conforto e decoração doméstica.” 56

53
Carmen Miranda, ao se apresentar no cassino da Urca em julho de 1940, não entendeu de imediato o seu
insucesso. O que os presentes em seu show viram foi uma Carmen demasiadamente estilizada, cantando algo
que não era supostamente a música brasileira pura, gesticulando em excesso (hábito adquirido nos EUA para
suprir a falta de comunicação) e, pior, saudando a platéia com um good night, people! A artista foi aclamada
pelo povo em sua chegada, mas ali ela cantava para o alto escalão do Estado Novo. A frieza, olhada por esse
ângulo, fez completo sentido: “Carmen abriu com ‘South American Way’. Pelo menos três minutos
seguintes, gelo na platéia. O samba-rumba, muito fraco para os padrões brasileiros, teve de arrastar-se
sozinho até a última nota.” In: CASTRO, Ruy. Op cit, 249-250.
54
VIANNA, Hermano. Op cit, p. 131.
55
A influência do cinema norte-americano data desde a década de 1920 no Brasil. Segundo Susan Besse, as
salas de projeção proliferaram a partir de 1910 e, na década de 1920, ir ao cinema estava entre os
passatempos mais populares para jovens e velhos, homens e mulheres, pobres e ricos. In: BESSE, Susan.
Modernizando a desigualdade: reestruturação da ideologia de gênero no Brasil 1914-40. São Paulo:
Universitária SP, 1999, p.26.
56
SEVCENKO, Nicolau. Op cit, p.602.

40
Em “Garotas e a arte da

culinária”, de 22 de abril de 1950,

as ilustrações buscam inspiração

nos hábitos das mulheres norte-

americanas ao encarnarem a

“rainha do lar”: “As Garotas viram

no cinema o desembaraço com que


O bom gosto francês aparecia tanto na moda de gala quanto nos
programas inspirados no país. Apesar da influência norte-
americana maciça, ambas vertentes serão presenciadas na coluna. as americanas do norte vão para a
Fig.17 Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garotas e a comedie
française”. 27 de maio de 1950. Texto A. Ladino cozinha.”

Os EUA promoviam o

consumo de objetos ligados ao seu estilo de vida, levando, discretamente, seu imperialismo

cultural: “Ao importar o cadillac, os chicletes, a coca-cola e o cinema, não importamos

apenas objetos e mercadorias, mas também todo um complexo de valores e condutas que

se acham implicados nesses produtos.” 57

Em “Para agradar as Garotas”, de 11 de março de 1944, a cultura norte-americana

parecia afetar até o paladar das “Garotas”, que buscavam alternativas ao gosto francês:

“Para agradar ao paladar das Garotas alguns aconselham champanhe, caviar e marrom-

glacê. Hoje estamos certos de que um quilo de beef será mais recomendável.”

Além de todos os produtos que traziam o estilo de vida do país internalizado, essa

influência ficava clara até no vocabulário. “Conselhos das Garotas”, em 7 de agosto de

1943, evidencia o emprego de algumas palavras em inglês no cotidiano pelas “Garotas”,

comprovando o quão fundo foi esse imperialismo: “Quando não souberes o destino de uma

estrada, nunca andes nela com um boy. O destino em geral é o espeto.”

57
CORBISIER, Roland. Formação e probabilidade da cultura Brasileira. Rio de Janeiro: ISEB, 1958, p. 69.
In: ORTIZ. Renato. A moderna tradição brasileira: cultura brasileira e indústria cultural. São Paulo:
Brasiliense, 1994, p. 69.

41
Apesar da emergência do modelo norte-americano, o francês continuava sendo uma

referência em bom gosto e tradição. “As Garotas” o apreciavam, sendo isso evidenciado

pelos costureiros franceses, pelo vocabulário usado na coluna e mesmo pelos programas

influenciados pela cultura do país, que garantiam certa aparência de sofisticação: “Jean

Louis Barrault! Madeleine Renaud! As Garotas tinham que assistir às noitadas

maravilhosas da ‘Comedie Française’ no Municipal.” 58

Os dois modelos passam a conviver, lado a lado, disputando constantemente o lugar

de prestígio: “É interessante notar, que apesar da preponderância francesa, as diversas

influências passam a coexistir no mundo da moda com maior flexibilidade de aceitação,

conforme representado na coluna Garotas (...).” 59

Em “Garotas qual é seu tipo?”, de 29 de agosto de 1942, são apresentados variados

tipos de “Garotas”, das quais destaco a Granfina que curiosamente mistura elementos

norte-americanos e franceses, em um tom de valorização dos dois países: “A autêntica, que

já esteve na Europa ou Estados Unidos, foi educada no Sion ou no Sacré Coeur. Produto

nacional, ‘não se dá bem aqui’. Fala francês e inglês. Finge detestar tudo, mas intimamente

possui gostos burgueses.”

Influências estrangeiras continuaram a crescer, principalmente durante o governo

do presidente JK, a partir de 1956, configurando-se como o auge do americanismo no

Brasil. Ainda na trilha do desenvolvimento, o país passa a vivenciar uma urbanização e

industrialização em proporções desconhecidas. Com uma política desenvolvimentista e de

abertura do mercado, o Brasil assistiu a uma invasão de indústrias estrangeiras, como a

automobilística. O presidente propunha realizar 50 anos em 5, mesmo à custa de uma

58
“As Garotas do Alceu”. “Garotas e a Comedie Française”. Texto A. Ladino. In: O CRUZEIRO. 27 de maio
de 1950, p.38 e 39.
59
ANASTÁCIO, Marina Bruno Santo. Garotas do Alceu: moda feminina brasileira nas páginas de “O
Cruzeiro” entre 1938 e 1958. Monografia, UFRJ, Rio de Janeiro, 2003, p. 38.

42
inflação galopante: “A industrialização era apresentada, tal e qual nos anos 30, como chave

da emancipação de todos e a conquista do bem-estar geral.”60

Os bens de consumo diversificaram-se e invadiram os lares brasileiros, tornando

cada vez mais prática a vida doméstica:

“Dispúnhamos, também, de todas as maravilhas


eletrodomésticas: o ferro elétrico, que substituiu o ferro a carvão (...) o
chuveiro elétrico; o liquidificador e a batedeira de bolo; a geladeira; o
secador de cabelos (....) o aspirador de pó, substituindo as vassouras e o
espanador; a enceradeira, no lugar do escovão(...).” 61

Uma febre do “novo” e “moderno” se instalava no gosto nacional: “Da simples

lâmina de barbear ao mais requintado automóvel, não havia nos anos 50 e 60 bem de

consumo que não pretendesse “moderno”, “novo”, “inédito.” 62 A modernização tornou-se

um ideal a ser alcançado a fim de nos livramos do atraso em que nos encontrávamos frente

a nações mais desenvolvidas.

Os eletrodomésticos eram anunciados como supostos libertadores da mulher,

dotados de certa aura fantástica:

“Do mesmo modo, as ilustrações das propagandas de fogões, com


fornos que transbordam assados, suflês e outros pratos, enquanto
mulheres elegantemente vestidas apreciavam o espetáculo, sugeriam que
se tratava de máquinas de cozinhar mágicas, com capacidade de preparar
refeições por algum processo de imaculada concepção.” 63

60
FIGUEREDO, Anna Cristina Camargo Moraes. Liberdade é uma calça velha, azul e desbotada.
Publicidade, cultura de consumo e comportamento político no Brasil (1954-1964), São Paulo: Hucitec 1998,
p.62
61
MELLO, João Manuel Cardoso de; NOVAIS, Fernando A. Capitalismo Tardio e sociabilidade moderna.
In: SCHWARCZ, Lilia Moritz (Org.). História da Vida Privada v.4. São Paulo: Companhia das letras, 1998,
p. 564.
62
FIGUEREDO, Anna Cristina Camargo Moraes. Op cit, p.31.
63
FORTY, Adrian. Objeto de desejo: design e sociedade desde 1750. São Paulo: Cosac & Naif, 2007, p.283.

43
Paralelamente a esse movimento de desenvolvimento, a classe média brasileira

ampliou-se aproveitando de todas as novidades: “Nos anos 50 do século XX o Brasil viveu

um período de ascensão da classe média, com possibilidades de acesso à informação, ao

lazer e ao consumo.” 64

Muitos empregos, especialmente no setor terciário, foram criados, já que o aparato

urbano crescia e precisava de uma estrutura eficiente de funcionamento:

“O leque de ocupações no mercado de trabalho aumenta


consideravelmente promovendo a expansão e incorporação das classes
médias (além do proletário industrial). Cresce de forma significativa o
número de trabalhadores dos serviços urbanos (bancos, comércio,
propaganda, transportes, comunicação), da administração de empresas
industriais, funcionários do governo, serviços burocráticos em geral,
profissionais liberais etc.” 65

Em vista desse movimento, a classe média presenciou uma sistemática salarização,

ou seja, um declínio do trabalho autônomo e da prática privada:

“Empregos em escritórios aumentaram, indicando o aparecimento


no censo de uma nova categoria ‘ocupações relativas ao funcionamento
de escritórios’. Mais mulheres entraram como parte da força de trabalho
não manual, especialmente como funcionárias públicas, professoras,
vendedoras, assistentes sociais e datilógrafas.” 66

Examinando os hábitos e posses das “Garotas”, tais como os locais freqüentados

por elas e as roupas, sempre na última moda, percebe-se à primeira vista que,

provavelmente, ou representavam moças pertencentes à classe média ou à elite.

64
ALVES, Andréia Matias; FILHO-COURA, Pedro. Avaliação das ações das mulheres sob violência no
espaço familiar, atendidas no Centro de Apoio à Mulher (Belo Horizonte), entre 1996 e 1998. Artigo retirado
de: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-81232001000100020&script=sci_arttext&tlng=en. Acessado
em 28de outubro de 2006.
65
BASSANEZI, Carla. Virando as páginas, revendo as mulheres: revistas femininas e relações homem-
mulher, 1945-1964. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996, p.69.
66
OWENSBY, Brian P. Intimate Ironies: modernity and the making of middle class in Brazil. Califórnia:
Stanford University Press, 1999, p.49.

44
Entretanto, as “Garotas” se diferenciavam da elite em certos aspectos: o desejo de

ascensão social e a preocupação com dinheiro. É freqüente no discurso dessas meninas a

vontade de encontrar um rapaz que possa proporcionar uma vida financeira mais

confortável, com alguns luxos: “O garimpo não é, como se poderia supor, nas minas ou nas

lavras. E o filão conduz diretamente

ao dedo de um bacharel, promissor

bom partido.” 67 Elas reclamam,

também, do preço dos ingressos nas

noites do Teatro Municipal: “Você

não ficou emocionada com o

espetáculo de ontem? Tinha que

ficar. Paguei 120$000 por uma


As ilustrações costumavam freqüentar as noites elegantes no
Municipal, mas não deixavam de se preocupar com os preços das poltrona.” 68 Essas situações destoam
poltronas, indicando destoar das elites.
Fig. 18. Coluna “As Garotas do Alceu”: Garotas no Municipal. dos hábitos da elite e, assim, levam a
Texto Alceu Penna. 25 de julho de 1942.
crer que a aparência e os hábitos

mostrados pelas ilustrações indicam pertencimento à classe média.

“As Garotas”, representantes do segmento médio, não indicavam estar apenas em

sintonia com as transformações no contexto do país, mas também se conectaram

intimamente ao espaço urbano carioca, absorvendo o seu desenvolvimento.

67
“As garotas do Alceu”. “As Garotas no Garimpo”. Texto Maria Luiza. In: O CRUZEIRO, 5 de dezembro
de 1959, p.48-49.
68
“As garotas do Alceu”. “Garotas no Municipal”. Texto Alceu Penna. In: O CRUZEIRO. 25 de julho de
1942, p. 20-21.

45
1.2 O espaço urbano alia-se às cariocas

Além de representarem essa classe em ascensão, “As Garotas” compartilhavam do

habitat correspondente a ela: as grandes cidades, no caso o Rio de Janeiro. O universo

retratado na coluna se concentrava na área urbana, em bairros como Copacabana, Arpoador

e o Centro da cidade, mais especificamente, a Avenida Rio Branco.

Desde o início do século XX, a Avenida Rio Branco, inicialmente chamada de

Avenida Central, abrigava o espírito das elites da Belle Époque no país: “(...) a nova

avenida exprimia os desejos da elite brasileira de ver “sua” capital mais parecida com a

Paris de Haussman que com uma cidade tropical e mestiça.” 69 Desde 1925, a Avenida Rio

Branco abrigava a famosa Cinelândia: “(...) Capitólio, Glória, Império e Odeon (...)

formariam a Cinelândia, grande centro de lazer para a população.” 70

Mesmo com as grandes modernizações presenciadas no Brasil, especialmente na

década de 1950, a Avenida Rio Branco continuava a gozar de um status ímpar. Ainda nos

seus arredores, concentravam-se outros points, como a Tabacaria Londres, a notável

Livraria Odeon, o Café Belas-Artes e a Galeria Cruzeiro. Ela abrigou um intenso comércio

e atrações culturais diversas: “(...) concentrou obras como a Escola Nacional de Belas

Artes, a Biblioteca Nacional, o Supremo Tribunal, o Palácio Monroe e o Teatro

Municipal.” 71

“As Garotas” freqüentavam a região central e tinham destino certo na hora de

lanchar e fofocar: “Depois de lerem ‘A ceia dos Cardeais’, as Garotas resolveram lanchar

na ‘Colombo’ e contar a suas impressões da semana passada. E lá, entre um sorvetes e uns

69
SANDRONI, Carlos. Transformações do samba carioca no século XX. In:
http://www.dc.mre.gov.br/brasil/textos/78a83%20Po.pdf. Acessado em 28 de setembro de 2006 p.82.
70
LIMA, Vera; MENDONÇA, Vera Rodrigues de e CRIB; Tanaka. Avenida Rio Branco,
161. In: Anais do Museu Histórico Nacional, volume 35, 2003. p. 333.
71
TANAKA, Crib. LIMA, Vera. Mendonça, Vera Rodrigues. Op cit, p. 332.

46
biscoitos, fizeram-se confidências. E por incrível que pareça só disseram a verdade, tão

somente a verdade.” 72

É interessante perceber que, provavelmente por esses locais serem privilegiados, os

problemas sociais não apareciam de forma tão marcante na coluna, sendo a atmosfera

retratada na coluna leve e descontraída. “As Garotas”, por representarem os segmentos

médios da sociedade, tinham uma condição financeira boa e eram ilustradas em freqüentes

temporadas de descanso: “Cansadas de tanto carnaval, de tanta buate, de tanto cinema, de

tanto tanto, as garotas entraram de férias, como se férias não lhes fossem a vida inteira.” 73

Mesmo sendo selecionados os locais ilustrados na coluna, a cidade não apresentava

grande freqüência de episódios de violência e insegurança, como os vistos nos dias atuais:

“(...) foi em 58 que resumiu toda a felicidade de ser brasileiro no fim dos anos cinqüenta,

vivendo sem militares no cangote e só se assustando, no máximo, com os óculos escuros

do Ronaldo Souza Castro, o assassino de Aída Curi.” 74 A cidade ainda não tinha uma

legião de arranha-céus e poluição, como descreve Danuza Leão: “ Era muito bom morar no

Rio: as praias quase vazias, poucos carros nas ruas.” 75

No espaço urbano o desenvolvimento chegava, ampliando-se a rede de transportes.

“As Garotas”, já havia algum tempo, circulavam pelo Rio de Janeiro em ônibus,

enfrentando os percursos em pé, se fosse preciso, como figuras independentes: “Garotas

alucinantes de atrativos transbordantes, cheias de graça e de fé, como aves em sobressalto,

invadem o ônibus de assalto e viajam todas em pé.” 76

72
. “As Garotas do Alceu”. “O lanche das Garotas”. Texto A. Ladino. In: O CRUZEIRO 6 de maio de 1950,
p.42 e 43.
73
“As Garotas do Alceu”. “Garotas em férias”. Texto A. Ladino. In: O CRUZEIRO. 3 de abril de 1954, p.46
e 47.
74
SANTOS, Joaquim Ferreira dos. Feliz 1958: o ano que não devia terminar. Rio de Janeiro: Record, 2003,
p.16
75
LEÃO, Danuza. Quase tudo: memórias. São Paulo: Companhia das Letras, 2005, p. 27
76
“As Garotas do Alceu”. “Um ônibus e Garotas em pé”. Texto de Frivolino. In: O CRUZEIRO. 20 de julho
de 1946, p.23 e 24.

47
Nesse período a população

urbana ainda era minoria, frente a

um Brasil predominantemente

agrário, situação que começa a se

modificar na década de 1970. O Rio

de Janeiro se tornava, cada vez

mais, um pólo atrativo para todos

aqueles que tentavam “ganhar a

vida” com mais sucesso. Se a

cidade vivenciava um aumento do

setor terciário, o mesmo não era

As ilustrações são apresentadas como figuras urbanas, ligadas visto no setor agrário, que decaía
à agitação do Rio de Janeiro, mas, ocasionalmente, aderiam a
temporadas no campo. atraindo cada vez mais o
Fig. 19 a. Coluna “As Garotas do Alceu”: Garotas em ferias”.
Texto A. Ladino. 03 de abril de 1954. trabalhador rural para os grandes
Os transportes se modernizavam e “As Garotas” noticiaram o
movimento, andando em ônibus e de pé, mostrando centros: “Matutos, caipiras, jecas:
flexibilidade ao encarar os novos desafios impostos por uma
cidade em desenvolvimento. certamente era com esses olhos que,
Fig. 19 b. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Um ônibus e
Garotas em pé”. 27 de maio de 1950. Texto A. Ladino em 1950, os 10 milhões de

citadinos viam os outros 41 milhões de brasileiros que moravam no campo, nos vilarejos e

cidadezinhas de menos de 20 mil habitantes.”77

Os meios de comunicações e os transportes, mesmo com as modernizações, ainda

não haviam alcançado pleno desenvolvimento a ponto de integrar eficientemente o país

todo. A revista O Cruzeiro será uma das primeiras tentativas, por parte das comunicações,

de uma efetiva integração anterior ao surgimento da televisão na década de 1950. 78 Entre

outros fatores, essa falta de conexão entre as regiões será um dos responsáveis pelo

77
MELLO, João Manuel Cardoso de. NOVAIS. Fernando A. Op cit, p.574
78
A revista O Cruzeiro será tratada no capitulo 2 com maiores detalhes.

48
estabelecimento do Rio de Janeiro como modelo para o Brasil, propagado amplamente

pelos meios de comunicação: “Apesar de todo o processo de centralização iniciado pela

revolução de 1930 e fortalecido pelo Estado Novo, a sociedade brasileira, no período em

que a consideramos, é ainda fortemente marcada pelo localismo.” 79

Mesmo sendo figuras urbanas, aos fins de semana “As Garotas” eram ilustradas,

algumas vezes, abandonando a cidade em busca de diversão: “Elas estão em Petrópolis,

elas e eles. Tomando refresco, passeando de bicicleta, jogando tênis e descansando da

folga do Rio.” 80 O passeio ao campo para elas indicava apenas um descanso da rotina da

cidade: “De varinha de pescar, com um romance barato diante dos olhos, de roupa de

montaria, escalando morros elas tomam novo alento para novas brincadeiras, pois a cidade

continua...” 81

Entre outras atividades, “As Garotas” quando se encontravam na cidade gostavam

de passar o tempo entre as praias e as piscinas do Rio de Janeiro. O hotel Copacabana

Palace, propriedade da família Guinle, nesse período, era um ambiente em que circulava a

alta-sociedade carioca, bem como celebridades nacionais e internacionais, e tinha a piscina

mais concorrida: “O supra-sumo do luxo eram festas no Goldem Room do Copacabana

Palace. Lá aconteciam os desfiles de moda, lá se escolhiam a Glamour Girl e a Charm

Girl, lá se apresentavam os grandes nomes da música internacional.” 82

79
ORTIZ, Renato. A moderna tradição brasileira: cultura brasileira e indústria cultural. 5. ed. São Paulo:
Brasiliense, 1994, p. 49
80
“As Garotas do Alceu”. “Garotas em Petrópolis”. Texto: Rui Costa. O CRUZEIRO. 1 de abril de 1944,
p.46-47.
81
“As Garotas do Alceu”. “Garotas em férias”. Texto A. Ladino. In: O CRUZEIRO. 3 de abril de1954, p.46
e 47.
82
LEÃO, Danuza. Op. Cit, p. 27.

49
“As Garotas” não perdiam a

oportunidade de se verem cobertas de

um sol radiante e uma boa piscina: “E

enquanto as Garotas molham o corpo

nas águas claras da piscina vão

A pele bronzeada será um dos traços mais marcantes do deixando transpirar, para benefício do
estilo de vida carioca, amplamente divulgado pelas
ilustrações.
corpo, um pouco de veneno, na forma
Fig. 20. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Sol é maluco
por Garotas”. 22 de outubro de 1955. Texto A. Ladino. agradável de conselhos e

comentários.” 83

A praia era um local descontraído em que as cariocas exibiam as curvas, embora

ainda timidamente, de seus corpos bronzeados na areia: “Morenidade parece ser uma

espécie de palavra de ordem na cidade, a conquista de uma cor considerada a perfeição do

corpo. O que, por sua vez, indica um aspecto essencial ao charme da praia: é o lócus por

excelência da exibição corporal.” 84

“As Garotas do Alceu” não ficavam fora disso: “E presas nos maiôs as Garotas

saúdam o sol e dele recebem as carícias luminosas. Uma praia sem sol quase não tem

graça. Mas mesmo com sol, que seria da graça das praias se não houvesse Garotas?...” 85

Na coluna elas freqüentavam a Praia de Copacabana e iam ao Arpoador, em Ipanema,

reduto dos modernos e “arejados”: “Ipanema foi o berço de várias revoluções de

comportamento, na moda nas artes plásticas, no cinema, na música popular, na Imprensa

(...). 86

83
“As Garotas do Alceu”. “Garotas na piscina”. Texto sem referência. In: O CRUZEIRO. 10 de março de
1945, p.45.
84
FARIAS, Patrícia. Corpo e classificação de cor numa praia carioca. In: Mirian Goldenberg (Org.). Nu &
Vestido: dez antropólogos revelam a cultura do corpo carioca. Rio de Janeiro: Record, 2002, p. 264.
85
“As Garotas do Alceu”. “Sol é maluco por Garotas!” Texto de A. Ladino. In: O CRUZEIRO. 22 de
outubro de 1955, p. 110 e 111.
86
CASTRO, Ruy. Ela é carioca: uma enciclopédia de Ipanema. São Paulo: Companhia das Letras, 1999,
p.11

50
O período de vigência da coluna vai assistir, cada vez mais, ao cultivo da pele

bronzeada, principalmente pelas cariocas, como Danuza Leão: “Depois de me lambuzar

com os óleos da moda – cada uma queria ser a mais queimada do grupo –, atravessávamos

a rua e, com Murilinho de Almeida (...) íamos para a piscina do Copa, onde as crianças

tomavam aula de natação com a campeã Maria Lenk.” 87

Nas ilustrações das “Garotas” a pele clara, em alguns momentos, marcadamente

bronzeada, vai ilustrar os hábitos e padrão de beleza do cidadão carioca: “Foi a praia que

criou aquela mocinha queimada e de óculos escuros, que fala uma linguagem que você da

Tijuca ou Madureira, não compreenderá.” 88 .

Desde o início do século, a pele levemente bronzeada transformou-se em status,

principalmente na Europa, referindo-se às pessoas que tinham condições de desfrutar de

férias de veraneio. 89 No Brasil, a elite, por algum tempo, ligará a pele clara ao status

social. 90 A pele rosada, apenas para conferir um aspecto saudável, é que será mais

valorizada: “Durante o decênio de 1920, apesar dos movimentos intelectuais que tentam

reabilitar as raízes negras da nação, ou valorizar a miscigenação cultural especificamente

brasileira, a ideologia do branqueamento persiste, bem ancorada no pensamento das

elites.” 91

Nos anos 1930 a situação começa a se modificar. A praia e o bronzeado tornaram-

se elementos relacionados ao Rio de Janeiro: “(...) a elevação da categoria moreno como

87
LEÃO, Danuza. Op cit, p. 56
88
ANASTÁCIO, Marina Bruno Santo. Op cit, p.42.
89
Segundo Wilson, a pele bronzeada fora anteriormente o sinal do trabalhador e repudiada pelos mais
requintados: “Por volta dos anos 20, que a pele bronzeada passou a ser um sinal daqueles que tinham
possibilidade de viajar. A pele bronzeada, desde essa época, passou a ser associada à modernidade”. In:
WILSON, Elizabeth. Enfeitada de sonhos: moda e modernidade. Lisboa: Ed 70, 1985, p.44
90
Essa valorização tem origem na teoria do branqueamento, muito aceita, especialmente, entre o período da
Abolição da Escravatura e a Primeira Guerra Mundial. Segundo a teoria, pela miscigenação, a população
ficaria cada vez mais branca com o passar das gerações. Um dos principais defensores do branqueamento é o
teórico Oliveira Vianna. In: SCHPUN. Mônica Raisa. Beleza em Jogo: cultura física e comportamento em
São Paulo nos anos 20. São Paulo: SENAC, 1999
Op cit, p.116.
91
SCHPUN, Mônica Raisa. Op cit, p.116.

51
forma favorita de inclusão numa totalidade: a dos habitantes da cidade. Assim, quem é

carioca é moreno – e quem não for...” 92

Nesse período a origem mestiça do brasileiro é resgatada, embora na prática a cor

branca ainda fosse estimada. 93

“Por fim, na representação vitoriosa dos anos 1930, o mestiço


transformou-se em ícone nacional, em símbolo de nossa identidade
cruzada no sangue, sincrética na cultura, isto é, no samba, capoeira,
candomblé, futebol. Redenção verbal que não se concretiza no cotidiano,
a valorização do nacional é acima de tudo uma retórica que não tem
contrapartida na valorização das populações mestiças discriminadas.” 94

Ao mesmo tempo em que a coluna se conecta ao estilo de vida carioca, absorvendo

a cultura do corpo bronzeado, ela paralelamente propaga o perfil branco elitista, o que é

comprovado pela ausência de “Garotas” de outras raças, como negras, mulatas, entre

outras, não refletindo a realidade da miscigenação do país. Aliás, a mistura de raças será

colocada como uma das características mais singulares do brasileiro: “(...) muitos daqueles

que se propuseram a definir uma especificidade nacional selecionaram a ‘conformação

racial’ encontrada no país, destacando a particularidade da miscigenação.” 95

Ao lado dos corpos bronzeados e do ambiente descontraído da praia, outras

diversões eram bastante valorizadas entre os cariocas. O Jockey Club era, também, palco

de eventos sociais disputados pelas elites e muito noticiados nas colunas sociais como a de

92
FARIAS, Patrícia. Op cit, p.281.
93
A valorização da mestiçagem atendia aos propósitos do Estado Novo em construir uma unidade nacional:
“A tendência de valorizar a mestiçagem é uma opção pela ‘unidade da pátria’ pela homogenização.” In:
VIANNA, Hermano. Op cit, p. 71. Teóricos como Gilberto Freyre em Casa Grande & Senzala foram
responsáveis pela sustentação desse novo posicionamento. Segundo Regina Abreu, a figura do mulato
carioca é resgatada, sendo a miscigenação uma característica valorizada por singularizar o Brasil. O conceito
de raça foi nesse momento substituído pelo de cultura. In: ABREU, Regina. A capital contaminada:
construção da identidade nacional pela negação do espírito carioca. In: LOPES, Antônio Herculando. (Org)
Entre Europa e África: a invenção do carioca. Rio de Janeiro: Fundação Casa Rui Barbosa: Top books, 2000,
p. 167-186.
94
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Nem preto nem branco, muito pelo contrário: cor e raça na intimidade. In:
NOVAIS, Fernando A.; SCHWARCZ, Lilia Moritz. História da vida privada no Brasil: volume 4: contrastes
da intimidade contemporânea. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 178
95
SCHWARCZ, Lilia Moritz.Op cit, p. 178

52
Jacinto Thormes e Ibrahim Sued: “Em julho havia o Grande prêmio Brasil. O Sweeps-take,

no Jockey Club do Rio de Janeiro, compreendia uma semana de festividades, dois jantares

nos salões do clube, uma noitada no Copa e duas tardes no prado.” 96

“As Garotas”, com seus compromissos sociais, freqüentavam as noites elegantes no

Municipal e notavam tudo, menos o espetáculo: “Dizem que aquela soprano tem um

repertório enorme! É. E com aquele vestido parece muito maior ainda!”97 Eventos como o

Grande Prêmio Brasil, no hipódromo da Gávea, reuniam o high society, sendo um local

para ver e ser visto. Os bailes movimentavam a cidade também, como os do Ginástico e do

Clube da Aeronáutica, e “As Garotas”, é claro, não perdiam esse tipo de evento: “O Baile é

um acontecimento social. Reúne pessoas numa congregação mais ou menos íntima,

aproximativa, agrupadora.” 98

A lista de “As dez mais elegantes”, do colunista Ibrahim Sued, assim como “As

Certinhas do Lalau”, de Stanislaw Ponte Preta, eram muitos aguardadas. Carmem Mayrink

Veiga, Danuza Leão e a atriz Ilka Soares eram nomes freqüentes nessas listas. O concurso

de miss, contudo, era o mais popular entre as “Garotas”. A maioria das mocinhas no Brasil

sonhava em concorrer e desfilar na passarela, sob os flashes atentos dos fotógrafos. “As

Garotas” já reinavam, também, nos concursos de beleza: “O reinado das Garotas é tudo o

que há de mais real. Toda Garota se sente tanto ou quanto Rainha. E muitas delas avaliam

o seu prestígio e o seu fascínio pelo número de vassalos que conta (...).” 99

“As Garotas” foram concebidas por Alceu Penna tendo como inspiração o cenário

carioca e as especificidades da classe média urbana, refletindo um estilo de vida particular.

96
DURAND, José Carlos. Moda, Luxo e economia. São Paulo: Babel cultura, 1998, p.70.
97
“As Garotas do Alceu”. “Garotas no Municipal”. Texto Alceu Penna. In: O CRUZEIRO. 25 de julho de
1942, p. 20 e 21.
98
. “As Garotas do Alceu”. “Garotas num baile”. Texto sem referência. In: O CRUZEIRO. 5 de junho de
1943, p. 40 e 41.
99
“As Garotas do Alceu”. “O reinado das Garotas”. Texto A Ladino. In: O CRUZEIRO. 7 de setembro de
1957, p.58 e 59.

53
É possível que, por pertencerem a esse universo, elas se mostrassem despreocupadas e

pouco conscientes com os problemas sociais, que estavam longe da sua realidade.

A vida social intensa que a capital abrigava se encaixava perfeitamente ao estilo de

vida da juventude emergente da classe média. Pelos encantos dessas ilustrações, Alceu

Penna conectou intimamente os jovens ao cenário da Cidade Maravilhosa.

54
55
1.3 Um broto de “Garota”: a emergência do conceito de juventude

Foi especialmente na década de 1950 que a cultura jovem tomou formas mais

concretas. Era a primeira vez que essa categoria era reconhecida: “(...) o processo que

conduz à codificação da

adolescência como fase em si

atingiu a maturação plena após

a Segunda Guerra

Mundial.” 100 Os jovens

passaram a desenvolver

atividades típicas para a sua

faixa etária, assim como gostos

“As Garotas” estavam passando pela experiência da primeira paixão, e estilo de vida: “Nas cidades,
divididas entre receios e desejos.
Fig. 21. Coluna “As Garotas do Alceu”. 1° amor das Garotas. Texto sem várias atividades juvenis não
referência. 10 de novembro de 1945.

se confundiam nem se

misturavam com as dos adultos.” 101

“As Garotas do Alceu” exibiam a atmosfera juvenil em suas páginas. Elas se

autodenominavam “brotos”, uma gíria comum na época para designar os adolescentes. A

lógica por trás do termo parece remeter à mulher que está começando a experimentar a

vida e seus desafios, desabrochando como uma flor.

100
PASSERINI, Luisa. A Juventude, metamorfose da mudança social. Dois debates sobre os jovens: a Itália
fascista e os EUA da década de 1950. In: História dos Jovens volume 2. São Paulo: Companhia das Letras,
1996, p. 352
101
BASSANEZI, Carla. Mulheres nos Anos Dourados. In: PRIORI, Mary. História das Mulheres no Brasil.
São Paulo: Contexto, 1997, p.620.

56
Essa teoria pode ser comprovada

pela seção “Garotas e a Broticultura”, em

que as ilustrações aparecem regando

botões de flores: “A broticultura tem

tomado grande incremento nesses últimos

tempos. Os brotos estão dominando em

todos os reinos da natureza. E as Garotas

por causa desse cartaz estão com tudo e

cheias de prosa.” 102

A juventude está associada à

beleza como algo admirado e almejado,

especialmente pelas mulheres mais


Como jovenzinhas que se prezem, as ilustrações queriam
o autógrafo do astro internacional do momento, ao
mesmo tempo em que cultivavam uma vaidade e tanto. maduras, que com a crescente valorização

de um perfil jovem se atiravam em


Fig. 22 a. Coluna “As Garotas do Alceu”: A beleza das
Garotas. Texto Alceu Penna. 01 agosto de 1942.
cuidados para manter por mais tempo o
Fig. 22 b. Coluna “As Garotas do Alceu”: Garotas e os
autógrafos. Texto A. Ladino. 11 de outubro de 1952
frescor característico dessa idade, algo

compartilhado também pelas adolescentes: “A juventude está associada a um padrão de

beleza e isso envolve um aumento progressivo com os cuidados do corpo, cuidados que,

em geral, tendem a atenuar e dissimular a idade sócio-biológica e causar a impressão de

vitalidade perene.” 103

“As Garotas”, mesmo sendo naturalmente jovens, se interessavam por rituais de

beleza que pudessem potencializar os seus predicados. Elas aparentavam cultivar a

vaidade, fato evidenciado na seção de 01 de agosto de 1942, “A beleza das Garotas”, que

102
“As Garotas do Alceu”. “Garotas e a broticultura”. Texto A Ladino. In: O CRUZEIRO. 8 abril 1950, p.38
e 39.
103
VIANNA, Letícia C.R. A idade mídia: uma reflexão sobre o mito da juventude na cultura de massa. Série
Antropologia 121, Brasília, 1992, p.2. Disponível em: http://www.unb.br/ics/dan/Serie121empdf.pdf. Acessado em 10 de
agosto de 2006.

57
revela ao leitor os profissionais da estética por trás das suas aparências: “O leitor é um

esteta naturalmente. Gosta de apreciar o belo. (...) Por isso quando contempla na rua a

silhueta provocante de uma “Garota”, nem lhe passa pela cabeça o conjunto de artistas

anônimos que burilaram o motivo ondulante de sua admiração.”

Na batalha para se manterem jovens e belas, a escolha correta da roupa se tornava

imprescindível: “O sistema de valores da sociedade adolescente acentuava a importância

da aparência por meio das roupas, popularidade, atrativos externos.” 104 Na coluna a

maratona para escolher o melhor modelo era muito penosa, especialmente para os

namorados, que eram obrigados a esperar as indecisas figuras: “Pois sim! Vão esperando,

sentados, rapazes incautos, de muito topete e pouco bom senso. Uma Garota quando diz

que vem já já é porque começou a vestir-se. E quando ela começa a vestir-se o mundo pára

e espera...” 105

Ao lado dessa corrida pelas aparências, freqüentemente, “As Garotas” eram

ilustradas em situações em que seus pensamentos voavam longe, mais próximos dos

bonitões rapazes e das fofocas da última festa, aliás, um típico comportamento adolescente:

“Fixava-se o cabelo, mas não os pensamentos. E eles voavam com os toques das Garotas

do Alceu, a bíblia do visual fashion e intelectual dos brotinhos.” 106

Ao mesmo tempo em que os jovens, em geral, tendiam a ter gostos e

comportamentos comuns, como a vaidade exacerbada e a insegurança, ao mesmo tempo,

compartilhavam de estilos de vida específicos. A coluna apresentou um universo ligado à

juventude da classe média carioca, que começava a adquirir representatividade, fixando

locais específicos de diversão, bem como comportamentos: “(...) um viver urbano na zona

104
PASSERINI, Luisa. Op cit, p.358
105
“As Garotas do Alceu”. “A Garota vem já já”. Texto A Ladino. In: O CRUZEIRO. 14 de janeiro de 1956,
p. 70 e 71.
106
SANTOS, Joaquim Ferreira dos. Op cit, p. 57

58
sul, em festas, nos cinemas, nos barzinhos, na praia, praticando esportes, regado a muita

música “moderna” (Dick Farney e Lúcio Alves), jazz e Frank Sinatra.” 107

A linguagem desse grupo etário também se fazia particular, sendo, para o pavor dos

pais conservadores, repleta de gírias como “é de lascar o cano” (ruim demais), “que

mocotó” (que coxa!) ou “da fuzarca” (farra).108

Em “Lanhe das Garotas” publicada em 06 de maio de 1950, as ilustrações também

se animavam com as gírias durante um papo com as amigas, marcado por um ar de

informalidade e descontraído: “Um artista, um tarzan, mais tarde um senhor de idade que

me fez declaração. Dei pelota nos três!”

O estilo de vida jovem era, comumente, impregnado de uma rotina agitada, repleta

de eventos com uma animação desconhecida em outra idade. “As Garotas” apareciam em

cenários agitados mesmo quando, supostamente, estavam descansando: “As Garotas estão

de férias, descansando (...) para elas repousar significa andar a cavalo, subir montanhas,

dançar noites inteiras, nadar centenas de metros, ir ao cinema, etc., etc., etc.” 109

O rock, um ritmo norte-americano tão agitado quanto a vida dos jovens que o

escutavam, começava a tornar-se mais presente no Brasil nos anos 1950:

“Um novo comportamento começou a se delinear, interferindo


em uma sociedade conservadora. Elvis Presley com sua voz rouca e
sensual, seus rebolados, seu modo de vestir colocou em cena uma nova
estética: o corpo é a mensagem. Essa movimentação corporal representa
para o jovem a afirmação da sua identidade.” 110

107
PEREIRA. Simone Luci. Imprensa e Juventude nos anos 50. INTERCOM – Sociedade Brasileira de
Estudos Interdisciplinares da Comunicação. XXIV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, p. 3.
Disponível em: http://reposcom.portcom.intercom.org.br/bitstream/1904/4373/1/NP2PEREIRA.pdf.
Acessado em 10 de maio de 2006
108
SANTOS, Joaquim Ferreira dos. Op cit, p. 10
109
“As Garotas do Alceu”. “As Garotas descansam”. Texto João Moço. In: O CRUZEIRO. 18 de março de
1944, p.46 e 47.
110
GUMES, Nadja Vladi Cardoso. RG: Jovem: Culturas Juvenis e a formação das identidades da juventude.
Belo Horizonte, 2003, p. 2. Disponível em:
http://reposcom.portcom.intercom.org.br/dspace/bitstream/1904/4992/1/NP13GUMES.pdf. Acessado em 28
de outubro de 2006

59
Carlos Gonzaga regrava “Diana” (1958), sucesso de Paul Anka, e Celly Campelo

grava a música “Estúpido Cupido” (1959): “O rock começava aqui. Mas não era

exatamente como no resto do mundo. As famílias não se assustavam. E as cobras

transviadas do Snack iam ter que esperar o “pega pra capar” dos anos 60.” 111

Enquanto isso, um novo ritmo surge – a bossa nova – que teve como marco o

lançamento de “Chega de Saudade”, música interpretada por João Gilberto no fim da

década. Esse estilo musical foi protagonizado, sobretudo, pelos jovens da classe média

intelectualizada:

“Caracterizada pela sintetização de elementos musicais do jazz,


da música erudita, e da música popular brasileira urbana das décadas
anteriores, a bossa nova traduziu, de certa forma, as expectativas de um
Brasil moderno, alimentadas por uma parte da classe média brasileira
durante a vigência da política desenvolvimentista de JK” 112 .

O cinema participou, também, ao lado da música, na difusão do estilo de vida

jovem. A cultura teeneager, em evidência nos EUA, propagava-se no Brasil,

principalmente, através do cinema hollywoodiano. Começava a surgir uma produção

cinematográfica voltada para os jovens, com ídolos teen como James Dean e Marlon

Brando, que, em certa medida, vendiam um estilo de vida do seu país de origem e o

propagavam como identidade juvenil: “Os meios de comunicação são o palco para a

propagação de imagens juvenis de rebeldia, heroísmo, moda, gostos e identidades. A

juventude é uma fonte de modo de expressão que apropria e é apropriada pelo

consumo.” 113

“As garotas” também adoravam cinema, acompanhando a programação e,

principalmente, como boas tietes, colecionavam autógrafos: “Elas têm suas preocupações e

111
SANTOS, Joaquim Ferreira dos. Op cit, p.131.
112
ZAN. José Roberto. Op cit, p.16
113
GUMES, Nadja Vladi Cardoso. Op cit, p. 03

60
algumas são de ordem intelectual como, por exemplo, a de colecionar autógrafos. São

eméritas colecionadoras (...).” 114

O cinema norte-americano revelou imagens ousadas e transgressoras. James Dean

protagonizou o filme “Juventude Transviada” (1955), definindo a essência de ser

adolescente, ou seja, de nunca ser totalmente compreendido pela sociedade e pelos pais:

“A ‘nova’ autonomia da juventude como uma camada social


separada foi simbolizada por um fenômeno que, nessa escala,
provavelmente não teve paralelo desde a era romântica do início do
século XIX: o herói cuja vida e juventude acabavam juntas. Essa figura,
antecipada na década de 1950 pelo astro de cinema James Dean (...).” 115

Outros ícones do cinema ofereceram diversas identidades ligadas à juventude,

oscilando entre a ousadia e o recato, assim como “As Garotas”, que pareciam absorver um

pouco dessas duas influências. A atriz Marilyn Monroe idealizou a vamp maliciosa:

“Marilyn Monroe, vamp molhada de Tormenta das Paixões, nua sob o vestido vermelho,

sexo devorador, rosto desinibido, é quase um símbolo do novo relançamento do star

system.” 116 Já o perfil inocente sensual foi imortalizado por Brigitte Bardot, em “Deus

criou a mulher” (1957), e Audrey Hepburn, em “Sabrina” (1954): “Muitos jovens das

classes médias em ascensão queriam imitar seus ídolos, mas estavam apenas iniciando uma

trajetória de liberação e rebeldia que, nas décadas seguintes, se tornaria um fenômeno de

massa.” 117

114
“As Garotas do Alceu”. “Garotas e os autógrafos”. Texto A ladino. In: O CRUZEIRO. 11 de outubro de
1952, p.76 e 77.
115
HOBSBAWM, Eric J. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das
Letras, 1995, p.318
116
MORIN, Edgar. As estrelas: mito e sedução no cinema. Rio de Janeiro: José Olympio, 1989, p.18.
117
SAN´TANNA, Denise Bernuzzi. Representações Sociais da liberdade e do controle de si. In: Revista
Eletrônica do Arquivo do Estado n° 5. São Paulo, 2005. Disponível em:
http://www.historica.arquivoestado.sp.gov.br/materias/anteriores/edicao05/materia01/. Acessado em 10 de
outubro de 2006. São Paulo, 2005, p.01.

61
A juventude compartilhava, além de um estilo de vida específico, um visual

característico também. Em linhas gerais, a imagem juvenil no Brasil era associada, para os

rapazes, ao penteado pega-rapaz, o blue jeans, o Glostora 118 no cabelo e, para os mais

rebeldes, os óculos “Ronaldo” 119 e a jaqueta de couro:

“(...) a jaqueta preta, com ou sem o jeans e camiseta, sempre foi


usada quase invariavelmente por grupos musicais que assumiam uma
postura rebelde (...) Essas convenções foram estabelecidas pelos filmes
de Hollywood sobre adolescentes, na década de 1950, embora apenas um
deles tenha usado o rock.” 120

Os óculos “gatinho” para as moças eram muito populares também. O sucesso desse

modelo foi tão grande, que algumas óticas chegaram a vendê-lo sem as lentes de grau.121 O

rabo-de-cavalo (muito presente nos penteados das “Garotas”), o bambolê, as alpargatas no

pé e goma de mascar na boca, compuseram também a imagem das jovenzinhas da época.

O jovem brasileiro nos anos 1950, à medida que ganhava destaque na sociedade,

via-se dividido entre dois perfis distintos, um influenciado pelos discursos morais e de

desenvolvimento do país e outro em sintonia com as imagens do cinema norte-americano:

“Nos discursos dos anos 50, é possível perceber um padrão de jovem responsável, que se

ocupa em trabalhar, estudar, ‘construir um futuro’, apresenta-se em concomitância com um

ideal de amor romântico, propagado pelos meios culturais, onde nem os artistas fugiam a

esta construção.” 122

118
Glostora era marca de uma espécie de pomada masculina usada para modelar e deixar os cabelos com
aspecto lustroso. Segundo Alberto Villas, Glostora distinguia o cavalheiro de todos os demais, porque fixava
sem empastar e amaciava sem engordurar. VILLAS, Alberto. O Mundo acabou. São Paulo: Globo, 2006,
p.110
119
De acordo com Joaquim Ferreira dos Santos, eram os óculos escuros usados por Ronaldo de Souza Castro
o assassino de Aída Curi – jovem que se atirou de um prédio na Avenida Atlântica, no fim dos anos 1950,
para fugir de um suposto assédio. Esses óculos simbolizavam a juventude transviada. In: SANTOS, Joaquim
Ferreira dos. Op cit, p. 137
120
CRANE, Diana. A moda e seu papel social: classe, gênero e identidade das roupas. São Paulo: Editora
Senac São Paulo, 2006, p.360.
121
GONTIJO. Silvana. 80 anos de moda no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987, p.77
122
PEREIRA, Simone Luci. Op cit, p. 09.

62
“As Garotas” também

eram ilustradas em situações,

muitas vezes, contraditórias. A

liberdade se alternava com

atitudes um tanto quanto

conservadoras. Elas sentiam-se

censuradas, muitas vezes, ao

entregarem-se aos prazeres de


“As Garotas” usavam também os óculos estilo gatinho, muito popular
entre as jovens do período.
Fig. 23. Coluna “As Garotas do Alceu”. Garotas na areia. Texto sem
um beijo: “Momento terrível
referência. 10 de novembro de 1945.
para as Garotas é aquele em

que elas são forçadas a cortar a trajetória de um beijo.”123 Ao mesmo tempo emanavam um

ar independente, que não era muito comum para a época, especialmente para uma jovem:

“As garotas são todas uns anjinhos (que Deus me perdoe!)... Capazes de atear qualquer

incêndio, desses que não há bombeiro que apague.” 124

Em um Brasil, que passava por uma grande modernização, em que velhos

parâmetros sociais de conduta colocavam-se ao lado dos novos, era muito natural que a

figura do jovem “certinho” convivesse com a do jovem “moderninho” ou até mesmo

“transviado”. Do jovem, nesse período, era esperado saber dosar ingredientes modernos e

tradicionais, tentando estabelecer um equilíbrio entre eles.

123
“As Garotas do Alceu”. “Alto, Garotas!” Texto A Ladino. In: O CRUZEIRO. 10 de abril de 1948, p.22 e
23.
124
“As Garotas do Alceu”. “As Garotas mais revolucionárias”. Texto sem referência. In: O CRUZEIRO. 13
de setembro de 1947, p.22 e 23.

63
CAPÍTULO 2. UMA REVISTA MODERNA: O CRUZEIRO DAS “GAROTAS”

2.1 Os Diários Associados: rumo à integração nacional

Assis Chateaubriand Bandeira de Mello (1891-1968) foi um homem visionário que

fundou um grande império jornalístico na primeira metade do século XX: os Diários

Associados. Nascido em Umbuzeiro, na Paraíba, formou-se em Direito, mesmo sendo o

jornalismo a sua grande vocação. Começou sua carreira no Jornal de Pernambuco e foi

para o Rio de Janeiro em 1917. Chateaubriand, mesmo advogando, prática que logo

abandonou, chegou a contribuir para vários jornais, incluindo o La Nacion, de Buenos

Aires. Foi redator-chefe do Jornal do Brasil e, até mesmo, correspondente do Correio da

Manhã em assuntos internacionais.

Em 1924 adquiriu seu primeiro periódico, O Jornal, por uma quantia modesta: “(...)

em 1924 quando Assis Chateaubriand Bandeira de Mello saindo da maioridade, comprou

fiado o matutino O Jornal, por 100 contos de réis, com dinheiro dado por um inglês,

gerente do Banco de Londres.” 125 Aliás, é nesse periódico, considerado um dos principais

dos Diários Associados, que Alceu Penna conseguirá seu primeiro emprego, ilustrando o

suplemento infantil.

Logo depois, Chateaubriand consegue lançar outros jornais, como o Diário da

Noite, o Diário de São Paulo e o Jornal do Commércio, um dos mais antigos do país. Irá

concretizar, também, um sonho antigo: comprar o Diário de Pernambuco, publicação onde

iniciou sua carreira. Em 1934, dando seqüência aos seus planos, o jornalista inaugura sua

primeira estação de rádio – a Tupi.

125
NASSER, David. Diários Associados: ascensão e queda. In: ESTADO DE SÃO PAULO. 15 de julho de
1980, p. 5.

64
O jornalista, desde jovem, já ambicionava grandes feitos: “Seu objetivo, desde

jovem, era implantar uma cadeia de jornais, para promover a integração nacional (...).”126

Audacioso, ampliava a sua cadeia de periódicos dando apenas uma entrada e se

preocupando em liquidar o resto da quantia mais tarde. Aliás, essa é uma característica que

irá acompanhá-lo: ser um mal pagador.

Chateaubriand acumulou uma extensa rede de contatos e amizades influentes, que

formariam a base do seu império. Desde a Revolução de 1930, quando se tornou aliado de

Getúlio Vargas, conseguiu um enorme apoio financeiro do governo para suas empreitadas:

“O Rio era o centro do poder de Chateaubriand, vigoroso


jornalista, conseguiu lançar o Diário da Noite, outro que vendia uma
barbaridade”. 127 Entretanto, como característica ele fazia alianças
conforme o seu interesse: “A atenção dos governantes esteve sempre
voltada aos Diários Associados devido à sua condição de poderosa
máquina manipuladora da opinião pública (...) fez acordos com JK e mais
que todos um relacionamento bastante controvertido com Getúlio
Vargas.” 128

O grupo Diários Associados reuniu algumas importantes revistas do país, como O

Cruzeiro. Em 1928 Chateaubriand, atraído pela idéia de lançar uma revista diferente, em

formato inovador, arrecada uma pequena fortuna para os padrões da época, a fim de

comprar o título Empresa Gráfica O Cruzeiro de Edmundo Miranda Jordão. Investiu-se

bastante no parque gráfico e nas instalações da revista recém-nascida, que mais tarde seria

a maior do Brasil. Com certeza, O Cruzeiro, a primeira revista ilustrada nacional, marcou a

história da imprensa, sendo na época a menina-dos-olhos dos Diários Associados com

126
COSTA, Camillo Teixeira da. Jornalismo: do lirismo às empresas modernas. In: Cadernos de Entrevistas.
Belo Horizonte: PUC MINAS. Departamento de Comunicação. V.1 n°1, fevereiro de 1996, p. 26.
127
NASSER, David. Diários Associados: ascensão e queda. Op cit, p. 5.
128
CUNDARI, Paula Casari. Assis Chateaubriand e a implantação da TV no Brasil. Dissertação mestrado.
Instituto Metodista de Ensino Superior. São Bernardo do Campo, São Paulo, 1984, p. 35.

65
tiragens de recordes. Ela será uma das responsáveis por iniciar

a consolidação do ideal de seu fundador: integrar o Brasil

através da imprensa.

Depois de O Cruzeiro, a revista A Cigarra foi

comprada pelo grupo, se tornando uma importante publicação

do período para mulheres. Ela foi criada em 1914 por Gelásio

Pimenta, mas apresentava desempenho insatisfatório. Em 1933

é adquirida pelos Diários Associados, circulando até 1956. A

direção ficou a cargo de Freddy Chateaubriand, sobrinho de

Assis.

Quando incorporada ao grupo, a publicação circulava

no interior de O Cruzeiro, somente em São Paulo. Essa prática


A Cigarra se tornou muito
popular e com um
direcionamento feminino não repercutiu positivamente nas vendas e, a partir dessa
declarado, abordava temas
como relacionamentos, experiência, A Cigarra tornou-se uma publicação de
beleza e o mundo das
celebridades.
Fig. 24 a. Capa Cigarra.
circulação independente. O seu conteúdo era diversificado e
Sem data.
Fig 24 b. Suplemento continha um editorial bastante comum às publicações
feminino em A Cigarra.
Ilustração de Alceu Penna. femininas da época: “A Cigarra mantinha a mesma receita
Janeiro de 1945

editorial: contos, relatos de viagem, pequenas crônicas e

reportagens, moda, beleza, uma seção de cartas muito movimentada.” 129 Mesmo sendo

considerada uma publicação feminina, não foi pensada originalmente para esse público,

mas seu conteúdo acabou configurando-a como tal: “ O conteúdo ameno, proclamado por

alguns pesquisadores ao tratarem de A Cigarra, na verdade se dava na quase ausência de

comentários sobre política e confrontos sociais em suas páginas.” 130

129
BUITONI, Dulcilia Helena Schroeder. Imprensa Feminina. São Paulo: Ática, 1990, p. 45.
130
AZEVEDO. Lílian H. de. Mulheres revistas: Educação, sociabilidade e cidadania na revista A Cigarra
(1914-1920). Artigo apresentado no INTERCOM. XXV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação –
Salvador/BA, setembro, 2002, p. 02.

66
Alceu Penna foi uma presença marcante na publicação, sobretudo, a partir da

década de 1940. “O suplemento modas” da revista contou com a sua contribuição,

incluindo desenhos de sugestões de fantasias, bem explicadas, que iam das carnavalescas

às de festa junina. A partir de 1948, ele irá, juntamente com Elza Marzullo, responsável

pela coluna de beleza no O Cruzeiro, assinar “O Suplemento feminino”: “Conselhos de

beleza, maquiagem para a noite, conselhos de moda (modelos americanos desenhados por

Alceu) (...)” 131 .

Além de ilustrações de moda, na revista, Alceu Penna investiu nos quadrinhos, na

década de 1950, em parceria com a cronista Helena Ferraz, sob o pseudônimo de Álvaro

Armando. Os dois criaram o “Marido da Madame”, que contava a história, em forma de

textos rimados, de Gonçalo e Lolita, um casal de classe média alta.

Chateaubriand, entre muitas empreitadas, foi um pioneiro, responsável pelo

lançamento da primeira emissora de TV do Brasil, a Tupi (1950-1980), que contou com

filiais no Rio de Janeiro e São Paulo. Em 1947 ele funda o Masp – Museu de Arte de São

Paulo –, em ação conjunta com Pietro Maria Bardi, jornalista e crítico de arte, reunindo

cerca de 100 milhões de dólares em patrimônio. Accioly Netto, que viria a ser o redator-

chefe de O Cruzeiro, relembra que era comum Chateaubriand reunir colecionadores de arte

em uma confraternização e depois anunciar no microfone que alguns deles estavam doando

obras para o museu e, claro, sem-graça, esses colecionadores não protestavam. 132

Os Diários Associados enfrentaram uma fase difícil após a morte de Chateaubriand,

em 4 de abril de 1968, transformando-se em Condomínio Associado, controlado pelo

senador João Calmon. O grupo já estava amargando uma forte concorrência de novos

Disponível em:
http://www.intercom.org.br/papers/xxvci/comunicacoes/COMUNICACOES_AZEVEDO.pdf. Acessado em
30 de outubro de 2006.
131
BUITONI, Dulcilia Helena Schroeder. Mulher de Papel. São Paulo: Loyola, 1981, p. 75.
132
NETTO, Accioly. Império de Papel: Os bastidores de O Cruzeiro. Porto Alegre: Sulina, 1998, p. 36.

67
133
conglomerados que se fortaleciam no cenário nacional, como O Grupo Abril e

Bloch 134 .

A Editora Bloch lança em 1952 a revista Manchete, configurando-se na maior rival

de O Cruzeiro: “Imigrante russo naturalizado brasileiro que aqui chegou com a família em

1922, Adolpho Bloch apostava que havia lugar no mercado para mais uma revista de

circulação nacional, ou seja, que poderia concorrer com O Cruzeiro.” 135

Ela se diferenciava, assim, como O Cruzeiro, por uma atenção ao fotojornalismo e

diagramação: “(...) a Ed. Bloch lança Manchete, revista de caráter mais moderno, que

incorporava inovações gráficas, inclusive com mais páginas a cores, sempre em papel de

qualidade, com um bom corpo de redatores e de colaboradores, excelentes fotógrafos,

ilustradores e diagramadores.” 136 Com um projeto semelhante ao de O Cruzeiro, a revista

Manchete ia se tornando aos poucos superior: “O apogeu da Manchete coincidiu com o

declínio de O Cruzeiro e com a transferência de dezessete jornalistas deste periódico para a

Manchete, em 1958, por divergirem da postura ética do proprietário. 137 ”

133
Fundado em 1950 por Victor Civita como Editora Abril, o Grupo Abril é hoje um dos maiores e mais
influentes grupos de comunicação da América Latina. A editora começou com a publicação O Pato Donald
num pequeno escritório no Centro de São Paulo. Em 1960, num empreendimento inovador e ousado, Victor
Civita resolveu publicar obras de referência em fascículos. Foi um fenômeno editorial. Ao mesmo tempo, o
crescimento da família Disney e o lançamento de Zé Carioca, em 1961, estimularam os quadrinhos nacionais.
A Abril é responsável pelas publicações Capricho, Quatro Rodas, Placar, Playboy, Vip e Veja, hoje a maior
revista do país e a quarta maior revista semanal de informação do mundo. In: www. abril.com.br.
134
A Bloch foi fundada por Adolpho Bloch, em 1952. Bloch, anteriormente, chegou atrabalhar na Rio
Gráfica, de Roberto Marinho. O grupo possuiu duas gráficas, editora e distribuidora de livros didáticos,
fábricas de tinta, revistas, entre elas Desfile, Fatos e Fotos e Ele e Ela, emissoras de rádio e TV, que
formavam a Rede Manchete. Ele sobrevive até o ano de 2000. Entre suas principais publicações está a revista
Manchete e Jóia, uma publicação que servia basicamente aos produtos da multinacional Rhodia. “(...) Em
1979 com uma receita operacional de Cr$ 1 bilhão 179 millhões a Bloch Editores apresentava um balanço de
crescimento de vendas de 7,4% (acima da mediado setor 6,3 %) (...)”. In: Governo concede TVs aos grupos
Bloch e Sílvio Santos. 1° Caderno. JORNAL DO BRASIL. 20 de março de 1981, p.15.
135
ANDRADE, Ana Maria Ribeiro de; CARDOSO, José Leandro Rocha. Aconteceu, virou manchete. In:
Revista Brasileira História, São Paulo, v. 21, n. 41, 2001. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010201882001000200013&lng=en&nrm=iso>
Acessado em 10 de outubro de 2006.
136
BUITONI, Dulcilia Helena Schroeder. Op cit, p.87.
137
ANDRADE, Ana Maria Ribeiro de. CARDOSO, José Leandro Rocha. Op cit, p. 2.

68
A Editora Abril lançou também, em 1958, a Capricho, que vai apostar inicialmente

em um gênero feminino nascente: as fotonovelas. Sua divulgação foi bastante estruturada

sob a direção do publicitário J.Thompson:

“Nos primeiros números, as seções fixas, além das fotonovelas,


são: contos, psicologia, moda e beleza, vida e atualidades, fatos reais e
variedades. As matérias sempre muito curtas – a maioria de meia página
–, “cortam” as fotonovelas, como se fossem uma “pausa para o
descanso”, evidenciando que a fotonovela ocupa lugar de destaque na
ordem de prioridade interna.” 138

Na década de 1950 a revista Seleções, uma adaptação da Reader´s Digest, norte-

americana, existente desde 1942, engrossa os concorrentes de O Cruzeiro: “(...) pesquisas

feitas pelo ibope, como realizada em 1950, mostram que Seleções era a principal

concorrente de O Cruzeiro (...).” 139 Ela contava com poucas ilustrações e o tom dos textos

era crítico, ao passo que a revista de Chateaubriand era essencialmente ilustrada, dotada de

um tom mais descontraído. Seleções era a marca de um imperialismo crescente no país:

“Não é segredo para ninguém que a política editorial de Seleções do Reader´s Digest é

ditada dos EUA (...) são os americanos que orientam intelectualmente ambas

publicações.” 140

A má administração e desorganização dos Diários Associados, juntamente com a

concorrência que se fortalece, fazem o grupo entrar em um período de decadência,

culminando com a perda da concessão da rede Tupi de TV em julho de 1981. Outros

contratos de concessão são assinados para ocuparem o lugar da antiga rede de TV: “Os

contratos de concessão dos canais de TV da antiga Tupi foram assinados (...) Eles

138
CASTRO, Ana Lucia. Revistas femininas: aspectos históricos, produção e usos sociais. Dissertação de
mestrado, São Paulo, 1994, p. 59.
139
MIRA, Maria Celeste. O leitor e a banca de revista: a segmentação da cultura no século XX. São Paulo:
Olhos D´água/ FAPESP, 2001, p.27.
140
SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1977, p.456.

69
possibilitam o surgimento de duas novas redes nacionais transmissoras de imagens: a SBT

e a Manchete (...).” 141

Os Diários Associados hoje editam jornais importantes, como O Estado de Minas

(MG), O Jornal do Commércio (RJ), o Correio Brasiliense (Brasília), O Diário de

Pernambuco (Recife), entre outros. Controla emissoras de rádio como a Tupi AM (RJ), a

Guarani FM (BH), e de TV, como a Alterosa (BH) e TV Clube (Recife, Pernambuco),

entre outros. Hoje os Associados são controlados por um grupo acionário, de propriedade

dos funcionários mais proeminentes das empresas. Mesmo tendo enfrentado um período

difícil, o grupo é, até os dias de hoje, um grande império das comunicações, que controlou

mais de 100 jornais, revistas, estações de rádio e TV, agências de notícias. As principais

publicações da imprensa pertenciam ao grupo, entre elas o grande fenômeno editorial O

Cruzeiro. Foi uma empresa pioneira no campo das comunicações, pertencendo a um

tempo em que a televisão não era a realidade geral, lançando-se na difícil tarefa de integrar

o Brasil de norte a sul.

141
Contratos de concessão de canais são assinados. In: Folha Ilustrada. FOLHA DE SÃO PAULO. 20 de
agosto de 1981, p. 36.

70
2.2 O Cruzeiro: a revista dos “arranha-céus”

A revista O Cruzeiro foi um marco na imprensa nacional. O primeiro número

chegou às bancas em 05 de dezembro de 1928. Seu lançamento literalmente parou a então

maior e mais importante avenida do Rio de Janeiro: a Rio Branco. Uma chuva de papel,

que estava sendo atirada do alto dos edifícios, cobria as ruas, chamando as pessoas a

comprarem a publicação: “(...) Compre amanhã O Cruzeiro, em todas as bancas, a revista

contemporânea dos arranha-céus.” 142

O Cruzeiro tinha um projeto audacioso para a época:

“(...) Cruzeiro de Chateaubriand era uma revista com papel de


melhor qualidade, repleta de fotografias, contaria com os melhores
articulistas e escritores do Brasil e do exterior, e assinaria todos os
serviços estrangeiros de artigos e fotografias (...) seria semanal. Com
tiragem de 50 mil exemplares (...) que circulariam em todas as capitais e
principais cidades do Brasil.” 143

No lançamento da publicação, a tiragem passa dos 48.000 exemplares, custando em

torno de 1$000, o exemplar.

A revista era de variedades, pois abordava diversos assuntos e seu público-alvo era

amplo: “O Cruzeiro trazia um pouco de tudo e se dirigia a todos, homens, mulheres, jovens

ou não, longe da preocupação hoje obrigatória de descobrir preferências de cada um, seus

gostos, expectativas ou estilo de vida. Era a revista da família brasileira.” 144

Ela foi a primeira revista ilustrada a circular nacionalmente e foi, durante muito

tempo, a mais lida: “Quando O Cruzeiro atingiu a sua fase de maior sucesso, era uma

142
NETTO, Accioly. Op cit, p. 36.
143
MORAIS, Fernando. Chatô: o rei do Brasil. São Paulo: Cia das Letras, 1994, p. 178.
144
MIRA, Maria Celeste. Op cit, p. 13.

71
revista essencialmente eclética, destinada a ser lida por um

público diversificado, de todas as classes sociais, incluindo

homens e mulheres.” 145

O Cruzeiro se encaixava no projeto audacioso dos

Diários Associados de integrar o Brasil através da

imprensa, compartilhando, durante o Estado Novo, do

resgate à identidade nacional. Realmente, noticiou

acontecimentos em diversas regiões do país, como Pará,

Rondônia, entre outros estados. A revista normalmente

dava importância, por exemplo, a toda produção nacional

de destaque, como Carmen Miranda, que ganhou diversas

reportagens na revista durante o período de sua carreira

meteórica. Em uma reportagem de 03 de agosto de 1957,

O Cruzeiro reunia assuntos intitulada “A Arte Moderna do Brasil em Buenos Aires”,


diversos, agradando à homens e
mulheres. Foi uma tentativa de
integração nacional de um país, destaca-se o orgulho de terem expostas na Argentina obras
ainda, naquele período, dominado
pelo localismo. Pretendia ser a
porta-voz de toda a modernidade. de artistas nacionais renomados, como Heitor dos Prazeres
Fig. 25 a. Capa O Cruzeiro, feita
por Alceu Penna. 24 de dezembro e Di Cavalcanti: “O público e críticos de arte argentinos
de 1938
Fig. 25 b. Capa O Cruzeiro puderam apreciar de perto as telas, os desenhos, as
inaugural. 05 de dezembro de 1928
esculturas dos mestres das artes plásticas do Brasil.”

Entretanto, mesmo sendo recebida como uma

revista com “a cara do Brasil”, ela mostrou, na prática, mais os eventos relativos ao Rio de

Janeiro, o modelo cultural dominante: “Ao mesmo tempo em que O Cruzeiro mostra o

Brasil para o Brasil permeia os entendimentos dos leitores a fim de ajustá-los à visão de

mundo moderno veiculada pela própria revista.” 146

145
NETTO, Accioly.Op cit, p. 123.

72
Em seus primeiros números, tinha uma

característica curiosa: ao lado das reportagens,

havia o tempo necessário para lê-las:

“Assim, para ler a entrevista com o


presidente de Portugal, Oscar Carmona, o leitor iria
precisar de treze minutos e vinte segundos. O conto
‘Salva pelo amor’ demandaria um tempo maior: 26
minutos e vinte segundos. A reportagem sobre a
realização do filme Helena de Tróia, da Metro
Goldwyn Mayer, dez minutos exatos.” 147

Com um projeto arrojado, a publicação

O Cruzeiro prestou bastante atenção ao seu contava com muitas contribuições de peso,
público feminino leitor, especialmente após a
entrada de Accioly Netto, abordando receitas
culinárias e matérias sobre o cinema norte- desde o setor de ilustrações, com Anita Malfati
americano.
Fig. 26 a. Coluna Lar doce Lar: Mais salgadinhos e Di Cavalcanti, além de nomes literários, como
de salsichas. Assinada por Thereza Penna, irmã de
Alceu, no O Cruzeiro. 13 de dezembro de 1958. Manuel Bandeira, Mário de Andrade, Murilo
Fig. 26 b. Reportagem O Cruzeiro: Vivi!. Sobre a
atriz norte-americana Hedy Lammar. 05 de Rubião e Graciliano Ramos. Raquel de Queiroz
dezembro de 1938.

assinava, no final da edição, uma crônica,

intitulada “Última página”.

O conteúdo da publicação era variado. Havia desde colunas sociais, seções de moda

(em sua maioria, feitas por Alceu Penna), reportagens sobre o Brasil e o exterior, até

mesmo culinária. Curiosamente, é Thereza Penna a responsável, durante um bom tempo,

pela coluna de culinária da revista Lar Doce Lar, que teve como antecessora Helena

146
URSINI, Leslye Bombonato. A revista O Cruzeiro na virada da década de 1930. Dissertação mestrado.
Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2000, p. 53.
147
BARBOSA, Marialva. O Cruzeiro: uma revista síntese de uma época da história da imprensa brasileira.
São Paulo, 2002, p.6. Disponível em:
http://www.eca.usp.br/alaic/material%20congresso%202002/congBolivia2002/trabalhos%20completos%20B
olivia%202002/GT%20%207%20%20Juan%20Gargurevich/marialva%20Historia%20da%20comunicacao.d
oc. Acessado em 10 de outubro de 2006.

73
Sangirardi: “São tantas as variedades de

salgadinhos que se podem fazer com salsichas, que

podemos assegurar que as receitas chegam a

centenas. É também um ingrediente que quase

sempre se tem em casa, servindo para o

enriquecimento de qualquer ‘menu’ (...).” 148 O

cinema era uma pauta constante na revista. Havia a

seção “Cinelândia”, assinada por Pedro Lima, que

se dedicava às fofocas do meio, noticiando a vida

das estrelas como Judy Garland e Greta Garbo.

As seções de humor se tornariam célebres

pelas mãos de talentos como Millôr Fernandes em


As seções de humor ficaram imortalizadas
por talentos como Péricles e Millôr
Fernandes, que salientaram a característica
“O Pif Paf” e Péricles de Andrade Maranhão no
marcante da publicação: oferecer
diversidade, mas com conteúdo. “Amigo da Onça”: “Em 06 de junho de 42, Péricles

Fig 27 a. O Pif Paf. Seção de humor, já estava na empresa. Tinha 17 anos. Passou a fazer
assinada por Millôr Fernandes, em O
Cruzeiro. 17 de outubro de 1959.
dupla com Millôr, no Poste Escrito e no
Fig 27 b. O Amigo da Onça. Seção de
humor assinada por Péricles, em O
Cruzeiro. 11 de janeiro de 1964. personagem Oliveira, O trapalhão – um português

para variar – antecessor de O Amigo da Onça, que logo o consagraria.” 149

A revista promovia, também, edições especiais em datas comemorativas, como

Natal e carnaval, alavancando enormes vendagens: “O número de Natal, por exemplo, era

sempre uma edição luxuosa, com algumas páginas impressas em papel especial (cartolina e

papel couchê), muitas vezes com tarjas na cor prata.” 150

148
Coluna “Lar doce lar”. “Mais salgadinhos de salsichas”. Thereza Penna. In: O CRUZEIRO. 13 de
dezembro 1958.
149
CARVALHO, Luiz Maklouf. Cobras criadas: David Nasser e O Cruzeiro. São Paulo: Senac, 2001, p. 57.
150
NETTO, Accioly. Op cit, p.136.

74
No início dos anos 1930, O Cruzeiro nem bem nascia e já perdia fôlego. Em 1933,

Accioly Netto assumiria o controle da redação no sentido de reestruturar a revista, usando

todos os recursos, inclusive a pirataria 151 : “Como não há dinheiro, vale até inventar, criar

fatos para justificar as imagens. O próprio Accioly Netto escreve uma coluna nesse

formato com o pseudônimo de Marius Swenderson, ‘o correspondente de ao Cruzeiro em

Hollywood’.” 152 A passagem da coluna de Swenderson evidenciava que O Cruzeiro estava

de olho nos padrões internacionais: “Foi sem dúvida, o magazine que criou o moderno tipo

de beleza feminina. A grande revista, com as exigências da publicidade decorativa, dignas

de seu apuro gráfico (...).” 153

A partir da década de 1940, observando os esforços de reformulação, a revista

começa a se reerguer:

“(...) foi a partir de 1940 que a revista incorporaria o padrão de qualidade


das publicações internacionais, incluindo, desde então, nas suas primeiras
páginas, um detalhado expediente, em que se podia constatar a
especialização dos seus serviços em vários departamentos, nos moldes
das famosas revistas Life, Look, Paris Match e outras.” 154

A publicidade da revista também sofreu mudanças. A partir de 1933, quem

assumirá o posto é J.Thompson, angariando verbas consideráveis para a publicação. Em

1951 uma comitiva formada por Accioly Netto, Alceu Penna e outros visitou as redações

das principais revistas norte-americanas, a fim de se atualizarem e trazerem práticas

151
O Cruzeiro conseguia fotografias para preencher suas páginas junto às agências estrangeiras como a
Atlantic Photo Berlim e a Consortium Paris e, possivelmente, junto à própria editora da revista a Empresa
Gráfica Cruzeiro. In: URSINI, Leslye Bombonato. Op cit, p.53
152
JUNIOR, Gonçalo. Alceu Penna e as Garotas do Brasil: moda e imprensa 1933/1980. São Paulo: Clube
dos Quadrinhos, 2004. p. 36.
153
“Cover Girl: Como a revista ilustrada criou um novo tipo de beleza feminina”. In: O CRUZEIRO. 6 de
janeiro de 1945, p. 59-64.
154
MAUAD. Ana Maria. Sob o olhar: um exercício de análise da fotografia nas revistas ilustradas cariocas,
na primeira metade do século XX. In: Anais do Museu Paulista v. 13, número 001. São Paulo, 2005.
Disponível em: http://redalyc.uaemex.mx/redalyc/pdf/273/27313105.pdf. Acessado em: 10 de outubro de
2006, p. 24

75
inovadoras para a revista brasileira. Após um início

difícil, O Cruzeiro finalmente se recupera: “Tornou-se

uma das revistas de maior vendagem na história do país,

quanto mais para sua época. Saiu inicialmente com 50

mil exemplares, passando dos 700 mil na edição histórica

sobre o suicídio de Vargas.” 155 Em 1949 a tiragem era de

300.000 e, em 1955, pulava para 630.000. 156

O Cruzeiro era, originalmente, uma revista de

variedades, mas, no decorrer do seu projeto de

reformulação, o segmento feminino ganhou maior

destaque: “(...) dedica também ao público feminino a

seção Carta de Mulher, onde publicam correspondências

das leitoras (...).” 157 A coluna “As Garotas do Alceu”,

surgida em 1938, atraiu o público feminino, levando as


O direcionamento feminino da
publicação ficava evidente com as mulheres a acompanhar a moda e os modos dessas
colunas regulares de beleza e
comportamento, que auxiliavam
com dúvidas tanto de mulheres figurinhas.
solteiras como das casadas.
Fig 28 a. Coluna Elegância e As colunas de etiqueta e beleza se faziam
beleza. Assinada por Elza
Marzullo, O Cruzeiro. Destacava
os milagres da boa maquiagem e presentes, aproximando-se das mulheres com um tom de
dicas para não engordar. 06 de
julho de 1957. conselho. Havia a coluna “Elegância e Beleza”, de Elza
Fig 28 b. Coluna De mulher para
Mulher. Assinada por Maria Marzullo: “Para realizar os mesmos milagres, você
Teresa, em O Cruzeiro. Destacava
“a arte” de agradar os homens. 27
de julho de 1957. precisará de um bom espelho de aumento, um olho

analítico e tudo o que chamamos de maquilagem.” 158 A revista contava, também, com “De

mulher para mulher”, de Maria Teresa: “Quando uma moça deixa de gostar de um rapaz

155
MIRA, Maria Celeste. Op cit, p. 23.
156
HONS, André de Seguin dês. Lê Brésil. Presse et histoire 1930-85. Paris: L' Harmattan, p.28.
157
BARBOSA, Marialva. Op cit, p.8.
158
Coluna “Elegância e Beleza”. In: O CRUZEIRO.06 de julho de 1957. Sem paginação.

76
que a ama, ou mesmo quando o amou apesar da ternura

que ele lhe dedica, deve ser franca.”159 Havia também

uma coluna de etiqueta social, assinada por Emily Post

– um provável pseudônimo –, em que Alceu Penna

assinava ilustrações, no final da década de 1940.

Accioly Netto relembra do período de

reestruturação da revista, assim como o que foi

explorado nesse projeto: “Explorou bastante a figura

feminina em diferentes situações, nas festas da alta

sociedade ou nos desfiles de moda que se realizavam

periodicamente no Goldem Room do Copacabana

Palace.” 160 Percebe-se um intenso colunismo social,

que não deixava de ser um chamariz para as mulheres,

atraindo-as pela atmosfera de sonho e a possibilidade

de espiar o que as “famosas” estavam usando. Havia as

Alceu Penna emprestou a sua colunas sociais “G de A”, “O Jockey Club Mundano”,
versatilidade em contos e editoriais na
revista. As novidades em moda eram além da seção “Spot Light”, que cobria, sobretudo,
devidamente explicadas, com textos que
auxiliavam as leitoras a montar as peças.
Fig. 29 a. Conto Bahia de Gilka
acontecimentos e celebridades do teatro, entre outros.
Machado, ilustrado por Alceu Penna,
em O Cruzeiro. 08 de outubro de 1938. Essa era assinada por Crock, pseudônimo de Accioly
Fig. 29 b. Portifólio Modas, em O
Cruzeiro. Assinado por Alceu Penna. Netto.
Moda norte americana, B. Altaman &
Co, 5 ª Avenida. 17 de julho de 1943.
Entre todos os profissionais que trabalharam em

O Cruzeiro, Alceu Penna ocupou um lugar especial. Accioly Netto recorda: “(...) Alceu

Penna, ele que foi um dos responsáveis pelo enorme sucesso da revista, com a qual

159
Coluna “De mulher para mulher”. In: O CRUZEIRO. 27 de julho de 1957. Sem paginação.
160
NETTO, Accioly. Op cit, p.48.

77
colaborou durante nada menos que 28 anos.” 161 Ziraldo, que também trabalhou na

publicação, relembra da importância do ilustrador: “A equipe de jornalistas, repórteres,

ilustradores e humoristas de O Cruzeiro criaram vários mitos naqueles tempos – que não

vão muito longe. Não tenho, porém, conhecimento da história da nossa imprensa, de

nenhum outro artista que tenha influenciado, com seu trabalho, o comportamento de toda

uma geração (talvez só o Pasquim, com seu conjunto de colaboradores, tenha conseguido

isto, alguns anos mais tarde) (...).” 162

Millôr Fernandes, além de ter contribuído com os textos da coluna, auxiliou na arte-

final das “Garotas”:

“Eu achava Alceu um gênio, acompanhando seu desenho no O


Cruzeiro e também no O Jornal (...) Trabalhamos anos dia a dia lado a
lado (...) Foi aí que, cheio de medo, comecei a passar algumas horas, duas
ou três vezes por semana, enchendo o fundo de seus desenhos. Não foi
muito tempo, mas foi tempo de encantamento e medo. Você não sabe o
pavor que eu tinha de errar tudo, inapelavelmente.” 163

Se O Cruzeiro foi importante na carreira de Alceu Penna, a recíproca é ainda mais

verdadeira. Ele ilustrou a tradicional coluna “As Garotas do Alceu”, uma das principais

atrações da revista, assim como contos, até o final da década de 1930, em quase todas as

edições, como “O Casal Solteiro”, em 23 de agosto de 1947, de Mayse Greig. Além disso,

Alceu Penna ilustrou colunas, como “Spot Light”, assinada por Crock e produziu tanto o

texto como a ilustração de sugestões de beleza como na reportagem “Cabelos mais curtos”,

em 04 de outubro de 1941: “Cabelos curtos! Foi o grito que a revista norte-americana

Vogue lançou, no princípio da estação, para revolucionar o mercado de penteados.” Na

161
NETTO. Accioly. Op cit, p.125.
162
Apresentação do catálogo da exposição “Garotas do Alceu”, realizada em julho de 1983, no Palácio das
Artes.
163
MILLÔR. Fernandes. Apresentações. Rio de Janeiro: Record, 2004, p.31.

78
década de 1960, Alceu Penna também

assinou reportagens, com boas

fotografias, sobre como fazer enfeites de

Natal.

No setor de moda da revista, o

ilustrador se tornou uma referência. A

coluna “Garotas” já o tinha tornado

conhecido, aproximando-o do universo

feminino e, além disso, havia

acumulado no seu currículo muitas

viagens como correspondente de O

Nos anos 1950, sobretudo, os editoriais fotografados Cruzeiro para Europa e EUA, cobrindo
acompanhados de textos do ilustrador eram freqüentes.
Fig. 30 a. Reportagem sobre os lançamentos da Maison de os principais desfiles.
Christian Dior, de Alceu Penna, para O Cruzeiro. 28 de
agosto de 1957.
Alceu Penna assinava,
Fig. 30 b. Reportagem sobre a coleção de Lanvin Castillo,
inspirada no Japão, de Alceu Penna, para O Cruzeiro. 03 de
agosto de 1957. regulamente, a seção de moda

“Portifólio Modas”, a partir da década de 1940. Nela eram propostos modelos variados,

para diversas ocasiões, desde vestidos de noite a trajes para o dia-a-dia.

Em editoriais ilustrados, divididos por temas diversos (estampados, moda praia,

baile, etc...), ele sugeria usos e cores apropriadas para o país, algo, na época, pouco usual.

No editorial “Lar”, em 28 de setembro de 1946, Alceu Penna dava dicas para modelos

informais, mais adequados ao espaço doméstico: “Bergdorf criou e Alceu desenhou os três

modelos que estampamos em nossa página. São três maravilhosas sugestões, não apenas

quanto ao estilo, mas também quanto à combinação das cores.” 164

164
Seção modas. “O Lar”. In: O CRUZEIRO. 28 de setembro de 1946, p.67.

79
Além dessa seção, havia as reportagens de moda com fotografias de ótima

qualidade e em cores. Alceu Penna trazia aos leitores um texto comentando as novidades e

coleções de moda, como a pertinência para a adoção de certas linhas. Nomes como

Balenciaga, Castillo, Dior eram freqüentes: “Longe, porém, de parecerem costumes

típicos, os vestidos de Lanvin Castilho são ultraparisienses, incluindo, apenas esta sugestão

oriental para dar uma graça especial.” 165 É importante salientar que as fotografias eram

normalmente assinadas, mas não se tem registro se provinham de O Cruzeiro ou do

exterior.

O Cruzeiro, em muitos aspectos, tinha uma dose de nacionalização, seja nos

conteúdos, nas fotografias ou ilustrações, mesmo com a pirataria de fotos e textos vindos

do exterior. As reportagens sobre o Brasil eram freqüentes, contando com uma cobertura

fotográfica extensa, noticiando diversos locais e fatos nacionais, muitas vezes, explorando

regiões distantes da, até então, capital do país. “É, contudo, O Cruzeiro, que permanece

como o melhor representante desta tendência, a que se juntam duas particularidades: o

jornalismo de aventura e a redescoberta do Brasil.” 166

O Nordeste recebeu atenção na reportagem “Garotas do Ceará,” que noticiava as

beldades do estado, em poses glamourosas e figurino impecável, evidenciando para todo o

país que não só as cariocas eram belas e chiques 167 . Em outra, o estado de São Paulo é

ressaltado em “Inverno no Guarujá”, destacando as belezas da Praia do Guarujá, colocando

que, mesmo no inverno, esse litoral era movimentado, repleto de rapazes e moças

confraternizando. 168

165
Reportagem “Castillo inspirou-se no Japão”. In: O CRUZEIRO. 3 de agosto de 1957. Sem paginação.
166
HONS, André de Seguin dês. Op cit, p. 29
167
Reportagem “Garotas do Ceará”. In: O CRUZEIRO. 4 de dezembro de 1948, p. 100-103.
168
Reportagem “Inverno no Guarujá”. In: O CRUZEIRO. 27 de maio de 1944, p. 36-37.

80
A partir de 1943, entram para o time

da revista dois nomes que inaugurariam uma

nova forma de fazer jornalismo - David

Nasser e Jean Manzon: “Esse novo método de

abordagem jornalística, em que a fotografia

tem papel essencial, nasceu com as revistas

ilustradas alemãs e francesas, entre o final dos

anos 20 e o começo dos anos 30, e

consolidou-se com o lançamento da revista

americana Life, em novembro de 1936.” 169

Jean Manzon vinha de uma carreira na

O modelo de nacionalidade propagado por O revista francesa Paris Match e espantou-se


Cruzeiro estava atrelado ao Rio de Janeiro.
Fig 31 a. Reportagem sobre o concurso Miss Brasil com a precariedade dos recursos gráficos de
1957, em que Teresinha Morango era a vencedora. O
Cruzeiro. 06 de setembro de 1957.
O Cruzeiro. O francês sugeriu a implantação
Fig 31 b. Reportagem sobre as belezas de
Copacabana. O Cruzeiro. 29 de maio de 1943.
da dobradinha, repórter-fotógrafo, muito

comum em revistas estrangeiras. O par perfeito era David Nasser e, assim, todas as

reportagens começaram a ser assinadas pela dupla.

Essa parceria duraria 15 anos na revista:

“Semanas depois, Manzon está amarrado a uma espécie de gaiola


improvisada, do lado de fora da fuselagem de um Fockwulfe 160 da FAB
que voa a 180 km/h sobre a Serra do Roncador (...) a reportagem
“Enfrentando os Chavantes” (assim mesmo com ch e não com o correto
x) ganhou 18 páginas inteiras de O Cruzeiro, com fatos jamais vistas de
selvagens atacando a flechadas e golpes de bordura, a poucos metros de
distância, um avião.” 170

169
CARVALHO, Luiz Maklouf. Op cit, p. 63.
170
MORAIS, Fernando. Op cit, p. 419.

81
As reportagens eram quase sempre sensacionalistas e vinham em séries:

“Se o modelo da fotorreportagem introduziu uma nova noção de


tempo por meio de um modo específico de edição de imagens, as
seqüências de fotorreportagens sobre um mesmo tema expandem ainda
mais essa temporalidade, incorporando um atributo característico de
certos tipos de ficção que é a construção em capítulos. Como estratégia
comercial estimulava o consumo da revista e induzia o público a
colecioná-la.” 171

O texto de Nasser era estrondoso e apocalíptico. O que não sabia, ele inventava,

dando um ar de legitimidade à notícia. As fotos de Manzon auxiliavam o texto de Nasser,

fazendo-o crescer: “Enquadramento perfeito, ângulos novos, closes de arrepiar, caras e

bocas que pareciam em movimento, um estilo completamente novo se comparado ao das

fotos da imprensa brasileira incluindo O Cruzeiro.” 172

Já no início da década de 1960, a revista começa a ter prejuízos consideráveis. “Só

a revista O Cruzeiro acumulava a cada ano um prejuízo de 340 milhões de cruzeiros (200

mil dólares da época, cerca de 820 mil dólares de 1994).” 173

Muitas estrelas da casa foram saindo, como Manzon, que se fixou na concorrente

Manchete. A falta de recursos culminou com a descredibilidade de matérias pagas e

anúncios excessivos: “Um dos problemas que levam ao seu fim é a decisão de exceder o

percentual de anúncios, chegando a 70% do total das páginas. Ao mesmo tempo as

matérias pagas se tornaram quase uma regra (...).” 174

A publicação encerra as atividades em 1975. Em uma nova tentativa de reerguer a

histórica revista, ela é transferida para Hélio de Bianco. A revista sobrevive até 1980 e,

com ela, encerra-se um importante capítulo na história da imprensa e do Brasil.

171
COSTA, Helouise. Diacuí: a fotorreportagem como projeto etnocida. São Paulo, p.2. Disponível em:
http://www.studium.iar.unicamp.br/17/diacui/diacui.pdf. Acessado em 17 de outubro de 2006.
172
CARVALHO, Luiz Maklouf. Op cit, p. 64.
173
MORAIS, Fernando. Op cit. P. 676.
174
JUNIOR, Gonçalo. Op cit, p. 136.

82
2.3 A coluna “As Garotas do Alceu”

Em 19 de novembro de 1938 surgia a coluna “As Garotas do Alceu” na revista O

Cruzeiro. As “Garotas” foram anunciadas pela revista como “endiabradas e irrequietas” e

um ícone de uma revista que acompanhava a vida moderna. O título da coluna inaugural

era “Garotas da Praia”: “Olha, depois vá dizer que não sou econômica. Fiz um belo maillot

e mais este lenço para a

cabeça com meio metro de

seda!” Curiosamente, até a

década de 1960, sobretudo, a

coluna permanecerá na seção

de humor da publicação, para

posteriormente aderir a uma

seção particular, destinada

aos jovens.
A primeira edição de “As Garotas” não poderia ter como fundo outro lugar
senão as praias, ponto de encontro, cada vez mais freqüente dos cariocas. A coluna era
Fig 32. Coluna “As Garotas do Alceu” inaugural, em 19 de novembro de
1938. composta por textos e

ilustrações 175 , sendo a relação entre eles próxima: um enriquece e complementa a “leitura”

do outro. As imagens nos mostram “Garotas” belas e ousadas, com diálogos à sua altura:

picantes e atrevidos. Os textos são escritos em tom humorístico e crítico. Às vezes vêm em

versos, com rima, outras, apenas em diálogo. Normalmente, a coluna tinha textos

introdutórios, que contextualizam as situações apresentadas pelas “Garotas”.

Os textos da coluna podem ser divididos entre as contribuições dos seus redatores.

É importante ressaltar que, durante a minha pesquisa, notei que elas são, muitas vezes,

175
A relação entre ilustração e texto será abordada no capítulo 4.

83
irregulares, alternando, em um mesmo período, participações de redatores diferentes. Os

períodos mais homogêneos quanto às colaborações são dos redatores Edgar Alencar (A.

Ladino) e Maria Luiza.

Segundo Thereza Penna, as ilustrações eram criadas primeiro que os textos. Era

comum Alceu Penna deixar várias prontas, para depois serem legendadas quando precisava

viajar. (Informação oral novembro de 2006.)

Na coluna, que começa em 1938 e acaba por volta do começo de 1941, Alceu

Penna divide as participações com Accioly Netto (Lyto). É interessante notar, porém, que a

partir do final de 1939, quando Alceu Penna viaja para os EUA, os textos serão todos dele.

Em 28 de agosto de 1943 Alceu Penna assinava “Na terra onde mandavam as Garotas”:

“Segura só aqui nestes músculos florzinha. Veja como é forte tua mulher.” Lyto assina

“Garotas Yatching” em 21 de Janeiro de 1939: “Eu francamente gosto mais de passear de

automóvel, ao luar, porque quando a gasolina acaba, volto para casa de patins.”

A participação de Millôr Fernandes é composta por dois momentos, a que ele assina

apenas Millôr, do final de 1942 até o início de 1944, e a assinada por Vão Gôgo, que vai

até o final de 1946. Nas duas fases ele divide as participações com Alceu Penna. Vão Gôgo

assina “Garotas Vamps” em 27 de janeiro de 1945: “Um copo de vinho, teu corpo em flor,

as rosas mais belas do mercado de Omar, eis meu sonho Garota. O teu, porém, não será o

mesmo. E infelizmente eu sou pobre, pobre, pobre de marré de si.”

A contribuição de Edgar Alencar (A. Ladino) começa no final de 1946, logo após

Millôr Fernandes, e começa a desaparecer no final de 1957. A. Ladino assina “Tática das

Garotas” em 13 de maio de 1950: “Se o Carlos banca o matreiro, bato o pé, sacudo o dedo,

e o pobre fica com medo e amansa que nem um cordeiro.”

84
A seguir começam a

aparecer textos de Maria Luiza

Castello Branco. Essa fase,

especialmente, será marcada por

um tom mais conservador,

diferente dos textos anteriores.

Nesse período, Amélia

Whitaker, a Dona Lili, mulher de

Leão Gondim, diretor de O

Cruzeiro, estava na presidência

da publicação. Ela interferiu em

várias seções, inclusive nas


“As Garotas”, pela pouca idade, se davam ao luxo de se
preocuparem com viagens, rapazes, roupas e o ócio. Curtir a vida “Garotas”, como assinalou
era uma expressão de ordem da coluna.
Accioly Netto: “Mas por
Fig 33 a. Coluna “As Garotas do Alceu”: Malas e Garotas. Texto
sem referência. 23 de novembro de 1940.
interferência de Dona Lili, elas

passaram a serem feitas pela inexperiente Lia Castello Branco. E as Garotas passaram a

falar coisas chatas, sempre em tom de conselho.” 176

Existiram outras contribuições de redatores, que vão aparecer mais em 1944 e 1946.

O irmão de Alceu Penna, Aloysio, será um deles assinando “Pensamentos das Garotas” em

26 de fevereiro de 1944: “As mulheres devem levar, e não serem levadas.” Houve outros,

como João Velho 177 em “A batucada das Garotas”, assinando legendas em 12 de fevereiro

de 1944: “Cada vez que você decota um pouco mais o vestido, vem com esta história de

176
NETTO, Accioly. Op cit, p. 82.
177
Não há registros de quem seja João Velho. Possivelmente é um pseudônimo de um redator que colaborou
de forma ocasional na coluna.

85
Hawai...” Milton Brandão 178 será mais um exemplo em “Garotas e o horóscopo do mês”,

em 10 de janeiro de 1942: “Se ele nasceu sob aquarius pode ser um bom partido... mas,

parece um ‘salafrarius’ com pinta de ‘distinguido’.”

É interessante que os redatores enfocados neste trabalho produzissem textos mais

interessantes para o público feminino do que a única mulher, de que se tem registro, que

contribuiu como redatora na coluna. Mesmo não pertencendo ao universo das mulheres,

esses redatores compartilhavam de um modo de escrever diferenciado (a escrita feminina),

que dialogava com as mulheres e cativava até mesmo os homens, como já explorado:

“De uma maneira fundamental, pode-se dizer que (...) a escrita


feminina não ser exatamente a escrita das mulheres, mas estar sempre
relacionada à mulher, seja pelo grande número de mulheres que escrevem
nessa dicção, seja pela evidência com que esse discurso se manifesta no
texto das mulheres, ou ainda pela mulheridade que está implicada na
escrita feminina, mesmo quando é praticada por homens (há sempre aí,
nesse tipo de discurso, uma certa voz de mulher, um certo olhar de
mulher.” 179

A escrita feminina pode ser identificada na coluna pela impressionante sonoridade,

expressada através das rimas, que provocam um ritmo de leitura diferenciado, sensível, em

que a palavra em si é um componente extra do texto: “(...) mais que a história que se vai

contar, mais que o enredo que se desenvolve, importam o som das palavras, a textura de

voz, os contornos do ritmo, os movimentos respiratórios do texto (...).” 180

Paralelamente aos textos particulares, a coluna era caracteristicamente temática,

com títulos definidos, apresentando, semanalmente, uma diversidade de assuntos como “O

Banho das garotas”, em 31 de janeiro de 1942, “Garotas e meditação”, em 28 de julho de

1956, e “Garotas em exame”, em 22 de novembro de 1952. Não havia personagens

178
Não há registros de quem seja. Possivelmente é um pseudônimo de um redator que colaborou de forma
ocasional na coluna.
179
BRANCO, Lúcia Castello. O que é a escrita feminina? São Paulo: Brasiliense, 1991, p. 20.
180
BRANCO, Lúcia Castello. Op cit, p. 22.

86
definidos, ora apresentando os seus nomes e muitas vezes não. A coluna compunha uma

diversidade de “Garotas”: cabelos loiros, morenos, ruivos, curtos, longos, presos, soltos.

“Garotas, qual o seu tipo”, em 29 de agosto de 1942, mostrava a variedade de tipos, entre

os quais destaco a morena: “Descendentes de várias que vampirizaram o mundo, desde o

episódio da maçã. Nasceu em juiz de Fora, Belém ou Caxias. Temperamental e imita

Heddy Lammar.”

As cores das ilustrações 181 era um outro ponto marcante e diferencial.

Curiosamente Alceu Penna era daltônico. Thereza Penna conta que tinha que colocar

legendas nas tintas do irmão para ele não se confundir. (Informação oral extraída em junho

de 2006.) Durante toda a sua carreira, as cores vivas empregadas em suas criações vão

qualificá-lo como um grande colorista.

É interessante perceber que, no momento inicial da coluna, o desenho de Alceu

Penna é diferenciado, se comparado aos anos seguintes, especialmente a partir do início da

década de 1940, período em que ele vai pela primeira vez aos EUA. As ilustrações das

“Garotas” têm olhos pequenos, muitas vezes representados por traços, que se assemelham

a um asterisco. Analisando o conjunto de sua obra, percebe-se que essa é uma

característica que se repete em outros trabalhos na época, como nas ilustrações para

figurinos de cassinos e ilustrações diversas feitas na própria revista O Cruzeiro. A partir da

década de 1940, o desenho de Alceu Penna vai se modificando. O rosto das ilustrações das

“Garotas” torna-se mais detalhado, os olhos ganham ênfase e contornos maiores, assim

como a boca fica mais evidente.

181
As cores na coluna serão tratadas, com mais precisão, no capítulo 4, como parte da análise das imagens
das “Garotas”.

87
A coluna surgiu de um pedido de Accioly Netto

a Alceu Penna, para criar as primeiras pin-ups

brasileiras 182 . As ilustrações foram inspiradas nas

“Gibson Girls”, de Charles Dana Gibson, um norte-

americano de Roxbury, Massachusetts. Seus desenhos

fizeram história no final do século XIX e nas primeiras

décadas do século XX. Gibson começou seu trabalho

na Life Magazine, mas chegou a contribuir com outras

revistas, como a Bazzar e Weekly. Com a criação das

Gibson Girls, teve seu nome alçado ao estrelato:

“Existia um merchandising das Gibson Girls (....).

Livros grandes, ‘álbuns de mesa’, como eram

chamados, pratos de porcelana, cinzeiros, roupas, capas

de travesseiro, capas de cadeiras, colheres de


As Gibson Girls inspiraram a coluna
“Garotas” e tinham em comum a lembrança, telas, leques, sombrinhas, todos
maneira diferenciada, mais ousada de
retratar a mulher.
estampavam as criações de Gibson.” 183
Fig 34 a. Camille Clifford, atriz,
conhecida por ser uma Gibson Girl.
1905.
Fig 34 b. Ilustração Gibson Girl. 1909

182
As Gibson Girls podem ser consideradas os primeiros exemplares famosos de pin ups. Alberto Vargas
(1896 - 1982) e George Petty (1894 -1975) tornaram-se, mais tarde, expoentes do gênero. As pin ups
estamparam pôsteres e calendários, tornando-se populares, entre os soldados americanos, durante a Segunda
Guerra Mundial. Betty Grable ficou famosa nas estampas desses pôsteres, assim como Josephine Backer,
Lauren Bacall, Marilyn Monroe, Kim Novak, entre outras.

183
Artigo “Charles Dana Gibson's elegant drawings captured the spirit of an age”, p. 4. Disponível em
http://www.gibson-girls.com

88
Elas se tornaram um ideal de beleza vigente na época:

“Na virada do século XX, existia uma variedade de indústrias de


músicas, poemas, livros e ilustrações populares que exaltavam a beleza, a
virtude e a vitalidade da garota americana. Desenhos de Gibson, Howard
Chandler Christy and Harrison Fisher (...) todos contribuíram para fazer
da garota adolescente um ícone do excepcionalismo e progresso material
americano.” 184

As figuras representavam mulheres jovens e ativas:

“As Gibson Girls deram um novo enfoque no vestir e na moda.


Suas roupas poderiam ser reproduzidas de forma simples e fácil. Elas
refletiam uma condição prática da mulher. A proliferação das roupas no
estilo Gibson Girl apontava para uma mulher trabalhadora, tornando esse
estilo disponível nas lojas de departamento, pelos catálogos, refletindo
mudanças na indústria da moda.” 185

Normalmente elas eram ilustradas com roupas impecáveis, na última moda, com

cabelos penteados amarrados no topo da cabeça, bem volumosos, usando enormes chapéus.

A silhueta era curvilínea, com uma cintura marcada e os traços finos e delicados.

Algumas semelhanças são notáveis entre as Gibson Girls e a coluna “As Garotas do

Alceu”. Além, claro, de representarem mulheres que ousavam em moda e comportamento,

os dois exemplares mostravam situações específicas. As Gibsons Girls eram retratadas

tomando um chá da tarde e “As Garotas” passeando em Copacabana, por exemplo. Havia

legendas acompanhando as figuras de Gibson como “A debutante” e “O dia dos sonhos”,

ambos de 1909, assim como nas “Garotas”. Em 1900, “Em qualquer lugar na costa sul”,

184
BRUMBERG, Joan Jacobs. The Body Project: an intimate history of american girls. New York, 1997, p.
21.
185
CRAICK, Jennifer. The face of fashion: cultural studies in fashion: Londres: Routledge, 1997, p. 74.

89
mostrava-se um grupo de garotas

sentadas na praia conversando, com

vestidos leves e elegantes, apropriados

para a ocasião.

Comumente, mulheres

proeminentes, como a atriz Camille

Clifford, que se encaixavam no padrão

de beleza das ilustrações de Gibson,

eram chamadas de Gibson Girls: “O

artista ajuda tanto a popularizar a pin-

up que até as próprias americanas que

se encaixam no seu estilo de

sensualidade passam a ser chamadas

de ‘Gibson Girls’.” 186

Era comum Alceu Penna fazer

croquis de vestidos para as mulheres

da alta sociedade, o que levava muitas

delas a serem chamadas de “Garotas

do Alceu”. Esse aspecto foi


Assim como as Gibson Girls, as “Garotas” tiveram
representantes no mundo real. Damas da sociedade carioca
frequentemente eram apontadas como um exemplo de uma evidenciado pelos desfiles
“Garota”.
Fig 35 a. Reportagem Garotas do Alceu, em O Cruzeiro beneficentes, chamados “Providência
Desfile “Charme”, para o evento beneficente Providência dos
Desamparados. 30 de outubro de 1948.
dos Desamparados”, no Copacabana
Fig. 35 b. Foto desfile Providência dos Desamparados com as
damas da sociedade vestidas de Alceu Penna. 1948
Palace:

186
JUNIOR, Gonçalo. Op cit, p.56.

90
“E hoje apresentamos novamente aos leitores as famosas
“Garotas do Alceu”, mas agora em carne e osso. (...) As garotas todas
pertencentes à alta sociedade carioca, estavam ‘belas e delicadas quais
borboletas da primavera’, como diriam nossos eufóricos cronistas
sociais.” 187

Segundo Thereza Penna, Anna Marina, editora do Caderno Feminino do jornal

Estado de Minas, foi considerada uma representante das “Garotas” em Minas Gerais. A

editora relembra a importância dessas figurinhas:

“As Garotas do Alceu representavam, principalmente para as


garotas dos anos 50, modelo de comportamento, de estilo. Copiava-se
tudo delas: o penteado, a roupa, o savoir vivre. Numa época em que a
televisão era um sonho, as notícias e fotos do outro lado do mundo
levavam dias para chegar até aqui. Alceu Penna recebia as informações
do que estava em moda lá fora, processava as tendências e, pioneiro,
criava com seus desenhos um estilo brasileiro. Com isso, influenciou
toda uma geração. Autênticas, as Garotas não passaram, continuam na
moda até hoje.” 188

A beleza das “Garotas”, entretanto, se diferencia tanto das pin-ups quanto das

Gibson Girls, especificamente, pois, geralmente, não é passiva e serve a um objetivo

maior: o delas mesmas.

As ilustrações mostram meninas que usam a beleza e as armas de sedução para

conseguir mimos, namorar quantos rapazes fossem possíveis, enfim, conseguirem o que

querem e fazer o que bem entendem. Elas não estão acostumadas a serem contrariadas:

“Nada mais justo do que respeitarmos os enfados dessas criaturinhas, que são anjos de

candura quando não são contrariadas.” 189 A conquista, para as “Garotas”, não é passiva. A

beleza é fatal e elas “atacam” sem piedade suas “presas”: “Esta é uma página dedicada a

187
Reportagem “Garotas do Alceu” sobre o desfile “Charme”. Providência dos Desamparados. In: O
CRUZEIRO. 30 de outubro 1948, p. 86-89.
188
MARINA, Anna. Texto manuscrito. Belo Horizonte, 2006.(mimeo). 9 de novembro de 2006.
189
“As Garotas do Alceu”. “Não contrarie as Garotas”. Texto A. Ladino. In: O CRUZEIRO. 10 de dezembro
de 1955, p.78-79.

91
belas, feras, a feras belas e a belas

ferinas. São todas perigosas, todas

traiçoeiras. Tenham cuidado, portanto,

quando avistarem alguma delas.” 190

É interessante perceber que a

coluna foi além da sua designação. Ela

aproximou-se do gênero da crônica,

pois apresentava fatos do cotidiano

dessas meninas, situações, muitas

vezes, íntimas e mundanas. A crônica

conterá algumas particularidades que

vão ao encontro da coluna: “Focaliza,

via de regra, um tema restrito, em


As ilustrações de Alceu Penna não economizavam na fofoca,
mas elas podiam! Até aula de moda para as suas fiéis leitoras
elas davam. prosa amena, quase coloquial (...)
Fig. 36.a Coluna “As Garotas do Alceu”: Cuidado! Garotas. graças a isso, estabelece-se uma
Texto Alceu Penna. 08 de novembro de 1941.

Fig. 36 b. Coluna “As Garotas do Alceu”: Garotas dão aula atmosfera de intimidade entre leitor e
de moda. Texto Maria Luiza. 25 de outubro de 1958.
cronista, que refere experiências

pessoais ou expende juízos originais

acerca dos fatos versados.” 191 Os textos das “Garotas” tinham um tom coloquial, como se

elas estivessem conversando intimamente entre si e com o leitor: “O Júlio pensa, que

tonto! Que eu não estou observando, mas ele que vá pensando que a ‘mamãe’ dorme no

ponto!” 192 Situações do cotidiano eram a essência dos assuntos abordados, por exemplo,

190
“As Garotas do Alceu”. “As Garotas e as feras”. Texto Alceu Penna. In: O CRUZEIRO. 15 de maio de
1943, p.40-41.
191
PAES, José Paulo; MASSAUD. Moisés. Pequeno dicionário de literatura brasileira. São Paulo, p.82.
192
“As Garotas do Alceu”. “Garotas manjando”. In: O CRUZEIRO. 25 de agosto de 1956, p.58-59.

92
quando as meninas enfrentavam os temidos exames: “Ao professor Ludgero de agradar

tanto me esforço, que ele teria remorso se me sapecar um zero.” 193

A coluna alcançou uma grande popularidade durante os anos de sua veiculação.

“As Garotas do Alceu” chegaram a ser programa na Rede Tupi, uma emissora dos

Associados, em 1941: “Viraram até programa de TV no começo da TV Tupi,

protagonizadas por Lourdinha Bittencourt, Salomé Coteli, Nilsa Magrassi e Solange

França, sob a direção de Paulo Gracindo e patrocinado pelo Jóquei Club Brasileiro.” 194

Durante a minha pesquisa ao acervo de O Cruzeiro, deparei-me com edições

singulares da coluna pelos temas abordados. “Das Garotas para as garotas”, em 29 de

setembro de 1942, mostrava Alceu Penna respondendo a questões de suas leitoras,

carinhosamente referidas por ele, também, como suas “Garotas”. Não se sabe se foram,

realmente, perguntas de leitoras ou se foram inventadas. Uma leitora, do Rio de Janeiro,

indagava sobre a atitude indiferente de seu namorado e eis o que elas responderam: “Não

se preocupe com isso! Vá usando a maior quantidade de ‘visgo’ que puder. Em qualquer

caso, porém, lembre-se do provérbio: ‘Não corra atrás de um bonde, nem de um homem.

Há de passar outro depois’.” Se verdadeiras, as perguntas refletiam a grande referência que

essas figuras representavam para as mulheres da época, a ponto de recorrerem ao seu

criador para conselhos íntimos.

Um outro exemplar curioso da coluna foi “Garotas e as Garotas de O Cruzeiro”, em

11 de agosto de 1956, que mostrava a opinião das “Garotas” (ilustrações) sobre a forma em

que eram retratadas em O Cruzeiro: “Apesar dos comentários, às vezes muito ordinários,

aqui não temos rivais. E sempre somos bonitas, mas verdades sejam ditas, mas na vida nós

somos mais.” Essa abordagem aponta para uma figura feminina menos passiva em relação

193
“As Garotas do Alceu”. “Exame das Garotas”. In: O CRUZEIRO. 22 de novembro de 1958. Sem
paginação.
194
NETTO, Accioly. Op cit, p. 125.

93
à sua representação, no caso pelos redatores da coluna, especialmente, em se tratando, eles,

de figuras masculinas, sobretudo.

Uma edição especial, “Garotas na Berlinda”, em 15 de abril de 1944, mostrava

profissionais importantes dentro da revista manifestando suas opiniões sobre as figuras de

Alceu Penna. É aparente pelos versos da edição que todos da redação já tinham sido

seduzidos pelas “Garotas”. Eis o que Millôr dizia: “Ó jovem garota bela, ó bela, jovem

pequena, vossas curvas tentadoras é que vos colocam em cena.” David Nasser já dizia de

outra maneira: “Garotas da minha vida, amores do meu amor... Onde estais, sonhos

perdidos, saudade, sonho sem cor...”

A coluna “Garotas”

refletiu, também, momentos pelos

quais o país estava passando,

como quando o Brasil entra na

Segunda Grande Guerra, em 1942.

“Garotas a postos”, em 17 de

outubro de 1942, chamava a


Edições singulares convocando suas leitoras a participar no
esforço de guerra eram apresentadas com muito charme e poucos atenção para o período de
sabiam resistir os seus apelos.

sacrifícios, em como cada leitora


Fig 37 Coluna “As Garotas do Alceu”: Garotas à postos. Texto
sem referência. 17 de outubro de 1942.
poderia ser útil ao país: “Se,

porém, se julga com aptidões

diferentes poderá ingressar ao Corpo de Saúde e Pronto-Socorro, além de tratar dos feridos

em caso de ataque aéreo.” É interessante que, apesar desse exemplar, o racionamento fruto

do conflito não será amplamente explorado nas páginas da coluna.

“As Garotas” protagonizaram calendários também, exibidos no último número do

mês de dezembro, sendo muito aguardados. Uma “Garota” a cada mês era apresentada,

94
com motivos típicos referentes. No mês de

dezembro, por exemplo, os motivos eram

natalinos, no mês de abril, os motivos eram

relacionados à Páscoa, e assim por diante. O

tom das ilustrações era sensual, já que as

figuras apareciam com pouca roupa, com

decotes, mostrando uma boa extensão dos

seus corpos, lembrando os calendários de pin-

ups.

A revista O Cruzeiro noticiou os

bastidores da criação do calendário:

“Alceu Penna, em seu atelier, desenhando


algumas páginas do ‘Calendário das Garotas’,
servindo de modelo, a bailarina Irene Hozlo, uma
das mais famosas belezas dos palcos cariocas,
cuja plástica perfeita muito auxiliou o artista na
Os calendários das “Garotas” tendiam a ser um pouco concepção de seus desenhos.” 195
mais maliciosos. O corpo ficava mais à mostra
lembrando bastante as pin-ups.
Fig. 38 a. Reportagem Calendário Garotas, em O
Cruzeiro, sobre os bastidores da produção do
Na verdade, segundo Thereza Penna,
calendário. 06 de dezembro de 1952.
Fig. 38 b. Calendário Garotas. Sem data. seu irmão costumava trabalhar em casa e não

possuía um ateliê (informação oral junho

2006), fatos que levam a crer que a situação foi criada para a reportagem. Como a matéria

acima descrita evidenciou, é provável que Alceu Penna tenha se inspirado em belas

mulheres de sua época para desenhar suas “Garotas”. Mesmo assim, não se tem um

registro que ele tinha uma mulher, em especial, como modelo.

A coluna sobreviveu até 1964 na revista O Cruzeiro. As “Garotas” inspiraram,

durante 28 anos, moças e rapazes do Brasil e deixaram recordações. Talvez elas tivessem

195
Reportagem “Calendário das Garotas”. In: O CRUZEIRO. 6 de dezembro de 1952, sem paginação.

95
alcançado tamanha popularidade porque, mesmo não sendo figuras estranhas a suas

leitoras, elas conseguiam estar um pouco à frente delas. “N´O Cruzeiro, ao contrário da

fotografia cuja função era resgatar o presente passando, pode-se dizer que a ilustração ia

onde a fotografia não conseguia: ao passado distante – e idílico – e ao futuro, sempre

apresentado como se avizinhando.” 196

196
URSINI, Leslye Bombonatto.Op cit, p. 50.

96
3. O CORPO E A MODA DAS “GAROTAS DO ALCEU”: UM ESPELHO DO
AMANHÃ

3.1 A moda e o corpo das “Garotas”: um reflexo de transformações

A moda e o corpo atuam como um espelho de uma época e revelam um imaginário

específico, estabelecendo uma comunicação com o mundo em que estão inseridos. A

cultura, os costumes, as regras de conduta social, o modo de pensar e agir de uma

sociedade podem ser revelados, por meio das roupas e da maneira com que o corpo é

revelado ou escondido: “(...) as mudanças da moda ligam-se a transformações mais vastas

e completas, do modo de ser, sentir e pensar de uma sociedade (...)” 197 .

Visto como canal de comunicação, o corpo relaciona-se com a cultura presente e

seus acontecimentos, absorvendo suas características, através de uma troca

comunicacional: “Os índios Cadúveos, no passado tribal de comunicação oral, concebiam


198
que um corpo sem pintura é um corpo mudo” . Assim, através dele podemos entender a

cultura de uma sociedade. Segundo Célia Maria Antonacci Ramos: “Com esses gestos, os

homens registram a conquista do corpo como lugar na cultura” 199 .

O corpo e a moda possuem territórios de múltiplos significados: “O corpo é ao

mesmo tempo a coisa mais sólida, mais elusiva, ilusória, concreta, metafórica, sempre

presente e distante: um sítio, um instrumento, um entorno, uma singularidade e uma

multiplicidade”. 200

197
SOUZA. Gilda de Melo e. O espírito das roupas: a moda no século dezenove. São Paulo: Cia das Letras
1987, p. 23.
198
RAMOS. Célia Maria Antonacci. Tatuagem e Globalização: uma incorporação dialógica em tempos de
globalização. In: Corpo Território da Cultura.(Org) BUENO, Maria Lúcia. CASTRO, Ana Lúcia. São Paulo:
Annablume, 2005, p. 98
199
RAMOS. Célia Maria Antonacci. Op cit. p. 91
200
TURNER. Bryan. S. El Cuerpo y la sociedad: exploraciones em teoria social. México: Fondo de Cultura
Econômica. 1989, p. 33

97
Através dos gestos e expressões corporais uma rede de significação não-verbal é

posta em evidência: “O corpo age, põe em ação o gesto, por intermédio da mobilidade, que

amplia significadamente o potencial de significação da linguagem corporal” 201 .

O corpo possui em si uma capacidade de troca de informações com o ambiente que,

não necessariamente, precisa da moda para concretizar. Entretanto, obstante essa

independência comunicacional, tanto o corpo quanto a moda estão intimamente

conectados. A moda adquire expressão através do corpo e vice-versa. Estão ligados e em

constante interação, pois a moda projeta-se no corpo e esse na moda, funcionando como

“parceiros”: “A Antropologia é rica em estudos que demonstram ser o corpo um espaço de

construção de significados simbólicos, deixando como legado a idéia de que o uso que dele

fazemos, somado ao vestuário, aos ornamentos e pinturas corporais, compõem um universo

no qual inscrevem-se valores e comportamentos”. 202

O corpo e a moda das “Garotas do Alceu” pensados como canais de comunicação,

evidenciam, em parte, a realidade vivenciada pelas moças contemporâneas à coluna, que

viviam sob o comando de uma sociedade patriarcal. Mesmo refletindo o universo das

leitoras de O Cruzeiro, a coluna, ao mesmo tempo em que se aproxima dessa realidade,

parece dar pistas de certos avanços em direção a uma situação menos conservadora para a

mulher.

Mesmo assim, elas representaram um papel importante no imaginário feminino no

sentido de se tornarem um modelo: “A descrição do indivíduo é a descrição de seu

ambiente social. Ou seja, o discurso, tanto quanto a roupa ou o próprio indivíduo, traduz

sempre um ato de remissão a uma determinada concepção de ordem social, e é sempre a

201
LURIE, Alison A linguagem das roupas. Rio de janeiro, 1997, p. 71
202
BUENO, Maria Lúcia. CASTRO, Ana Lúcia. Corpo Território da Cultura. Citação da introdução. Op. cit,
p. 10

98
ela que se faz referência, é sempre ela que orienta não apenas a forma de pensar o mundo,

mas também a forma de pensar a si próprio dentro desse mundo”. 203

No período em que a coluna surgiu o Estado Novo tentava conformar o país em um

modelo específico voltado ao progresso. Esse direcionamento exigiu um controle geral sob

as massas e, especialmente, de seus corpos, que ocuparam posição de destaque nessa

política: “O domínio, a consciência de seu corpo só puderam ser adquiridos pelo efeito do

investimento no corpo pelo poder: a ginástica, os exercícios, o desenvolvimento muscular,

a nudez, a exaltação do belo corpo (...)”. 204

A prática de esportes que, desde os anos 1920 se tornava mais freqüente, toma lugar

central no governo de Getúlio Vargas: “Muitas pedagogias participam desse movimento,

mas a disciplina das massas passa necessariamente pela do corpo. (...) O esporte define as

normas de saúde e beleza, instaura competição e auto-realização, desenha temporalidade

racional, autônoma e exemplar, simplifica e unifica”. 205

O presidente regulamentou o seu ensino em todo território nacional no início da

década de 1930: “A 18 de abril de 1931, o ensino secundário sofre reforma, sendo

estabelecida a obrigatoriedade dos exercícios de educação física para todas as classes (...).

Todos os programas são precedidos de uma orientação metodológica e a que diz respeito à

educação física específica, a finalidade será ‘proporcionar aos alunos o desenvolvimento

harmonioso do corpo e do espírito, concorrendo, assim para formar o homem de ação física

e moralmente sadio, alegre e resoluto, cônscio do seu valor e responsabilidade”. 206

203
BERGAMO, Alexandre. Elegância e atitude: diferenças sociais e de gênero no mundo da moda. In:
Cadernos Pagu, Campinas, n. 22, 2004, p.88
204
FOUCAULT. Michel. A Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 2004, p.146
205
SCHUPUN. Mônica Raisa. Beleza em jogo: cultura física e comportamento em São Paulo nos anos 1920.
São Paulo: Senac, 1999, p.12
206
ACCIOLY. Aluízio Ramos. MARINHO. Inezil Penna. História e organização da Educação Física e dos
Desportos. Rio de Janeiro: Batista de Souza, 1956, p.174

99
Nesse período e, também,

posteriormente, “As Garotas” foram

ilustradas em situações em que

praticavam atividades físicas. Como a

coluna era centrada em figuras juvenis

e, portanto, dinâmicas, é natural que os

esportes encaixassem perfeitamente em

seu estilo de vida.

“Garotas e equitação” em 16 de

janeiro de 1943 mostra as ilustrações

dominado a prática da equitação:

O esporte possuiu uma dimensão de sociabilidade. “As “Muitas garotas escrevem-nos


Garotas” demonstram descontração ao praticar esportes
e um interesse maior além da boa forma: paquerar!
indagando se a equitação é coisa custosa

Fig. 39 a. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Bicicletas e de aprender. Por esse motivo
Garotas” em 05 de Agosto de 1946. Texto A. Ladino
Fig. 39 b. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garotas e
equitação” em 16 de janeiro de 1943. Texto Millôr resolvemos instruí-las sobre em que
Fernandes
consiste, na realidade, a arte de montar.

Sigam nossos passos ou, falando em linguagem própria, o nosso trote e aprendam

conosco”.

As atividades físicas tornam-se cada vez mais incentivadas, não apenas pelo lado da

saúde, mas também do bem-estar: “Mas menos do que o fim da vontade de controlar os

corpos, essa exaltação do bem-estar emerge como uma nova estratégia para legitimá-la.

Pois controlar o corpo implica agora colocá-lo em movimento muito mais do que cerceá-

lo” 207 .

207
SANT´ANNA. Denise Bernuzzi. Corpo e História. In: Cadernos de Subjetividade. Núcleo de Estudos e
Pesquisas da Subjetividade. Programa de Estudos Pós Graduados em Psicologia Clínica PUC-SP. v 01, nº 02.
São Paulo, 1993, p. 256

100
O bem-estar, especialmente após a Segunda Guerra Mundial, passa ser valorizado,

colocando em pauta algo até então inédito em relação aos cuidados corporais - o prazer:

“(...) a apologia do bem-estar – ora traduzido em termos de prazer, ora compreendido como

sinônimo de satisfação pessoal e harmonia entre o corpo e mente – paralela à galopante

desnaturalização do sofrimento.” 208

Mesmo no período anterior ao pós-guerra, “As Garotas” compartilhavam de uma

relação com os esportes mais fluida, ou seja, para elas estar em movimento significava um

momento de descontração. O martírio fruto obrigação em exercitar-se não aparece, de

forma geral, na coluna.

As ilustrações, por exemplo, combinavam o exercício como uma oportunidade de

paquera, ou seja, encaravam a situação como uma oportunidade de estar mais visível e

exposta aos olhos do sexo oposto. Os corpos em movimento na coluna apontavam para o

seu desnudamento e a conseqüente exploração da sensualidade através do corpo: “Nunca

houve um homem tão gozado como o Silvinho! Disse que gosta de me ver de bicicleta só

para apreciar as minhas curvas!” 209

É interessante perceber que existiu um lado conservador no incentivo dos esportes

em relação às mulheres durante o governo totalitário, pois não eram todas as atividades

esportivas que eram recomendadas ao sexo feminino: “Algumas medidas normatizadoras

em relação ao esporte feminino foram levadas à cabo posteriormente pelo Estado Novo,

como aquelas que vedavam às mulheres a prática de esportes incompatíveis com a sua

natureza” 210 .

Ao examinar as seções de “As Garotas” é possível constatar que elas não

exploravam esportes tradicionalmente exercidos por homens como o futebol. Elas se

208
SANT´ANNA. Denise Bernuzzi. Op cit, p. 256
209
“As Garotas do Alceu”. Bicicletas & Garotas. In: O CRUZEIRO. 05 de Agosto de 1946, p.22 e 23
210
KNIJNIK, Jorge Dorfman. A mulher brasileira e o esporte: seu corpo, sua história. São Paulo: Mackenzie,
2003, p.62

101
limitavam a atividades mais leves como a

natação, equitação, patinação ou ciclismo,

colocando seus corpos em movimento,

sem, contudo, ferir os preceitos

tradicionais impostos às mulheres: “Se a

elegância e delicadeza eram ‘atributos

femininos’ altamente valorizados, as


As ilustrações não competiam com os homens no esporte,
ao contrário, preferiam tê-los agarradinho a elas..
práticas físicas permitidas se restringiam
Fig 40. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garotas patinando”
19 de janeiro de 1946. Texto Vão Gôgo
àquelas que se conciliavam com as idéias

que prevaleciam sobre a natureza fraca do corpo e do sistema reprodutivo femininos”. 211

Paralelamente à crescente importância dada aos esportes, a moda norte-americana,

ganha cada vez mais espaço, principalmente para a juventude. Esse movimento pode ser

observado, desde os anos 1920 no Brasil, não somente no Rio de Janeiro, mas em São

Paulo: “Na metrópole emergente (São Paulo), estar na moda era estar sintonizado com o

que ocorria em Paris, Londres, e a partir da década de 20, Estados Unidos, cuja influência

seria fortalecida pelo cinema. Era preciso afirmar a modernidade imitando os grandes

centros já estabelecidos” 212 .

Os EUA ampliam sua influência no Brasil com a “política de boa vizinhança” e ela

se acentua, ainda mais, após a Segunda Guerra Mundial com a Europa devastada. A moda

feminina assiste a uma difusão em larga escala de trajes para esportes e atividades ao ar

livre, privilegiando talentos como Claire Mc Cardell, que inspirará alguns vestidos casuais

das “Garotas”.

211
ADELMAN. Mirian. Mulheres atletas: re-significações da corporalidade feminina. In: Estudos feministas,
Florianópolis 11(2): 360, julho-dezembro 2003, p.446. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/ref/v11n2/19131.pdf. Acessado em maio de 2007
212
BONADIO. Maria Claudia. Moda: costurando mulher e espaço público. Estudo sobre sociabilidade
feminina na cidade de São Paulo 1910-1930. Pré-projeto de Mestrado apresentado ao Departamento de
História da UNICAMP, 1997, p.06

102
As roupas práticas americanas

agradavam à emergente juventude,

devidamente representada pelas

“Garotas” que, pouco a pouco,

começava a delinear um estilo de vida

particular, sendo a moda um elemento


“As Garotas” mal chegaram a NY e já estavam aflitas para
adquirir a moderna moda das norte-americanas. Essa será importante de identificação: “Os
uma influência forte na coluna.

Fig 41. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garotas & New produtores americanos também
York” 19 de janeiro de 1946. 29 de Junho de 1940. Texto
Alceu Penna mapearam com precisão o mercado

adolescente e fizeram roupas com o “visual jovem” especificamente para essa faixa etária”
213

Após a Guerra o comércio de roupas prontas começa a ser, cada vez mais,

legitimado. Esse movimento abriu definitivamente o mercado da moda para os Estados

Unidos, que desde o século XIX já desenvolvia técnicas para a confecção industrial:

“Depois da 2ª Guerra o poder real da moda produzida em série foi, pela primeira vez,

reconhecido. Somente então a idéia de tirania tornou-se firmemente associada ao design de

roupas elegantes para as mulheres”. 214

O cinema e os costureiros norte-americanos ofereciam alternativas em moda e

beleza diferente da tradicional Alta Costura francesa, o que, sem dúvida, vai ao encontro

das idéias de modernidade e progresso tão incorporadas pela revista O Cruzeiro: “Na

verdade, essa idéia de maior variedade, criatividade, originalidade e mesmo liberdade da

moda lançada pelas atrizes americanas também está ligada à ideologia de progresso (...) Os

213
MENDES, Valerie. LA HAYE, Amy. A moda do século XX: Martins Fontes, 2003, p. 146
214
HOLLANDER. Anne. TORT. Alexandre Carlos. O sexo e as roupas: a evolução do traje moderno. Rio de
Janeiro: Rocco, 1996, p. 206

103
Estados Unidos carregam todas as

conotações de modernidade, permitem

identificações mais vantajosas quanto à

imagem que se faz do futuro.” 215

A coluna “As Garotas” desde a

temporada de Alceu Penna nos EUA

para a Feira Mundial em New York em


As roupas preferidas das “Garotas” mostravam o corpo e
suas formas. Adeptas da roupa norte americana no dia a dia, 1939, demonstravam apreciar bastante
elas aderiram à sua descontração e sensualidade.

Fig 42. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garotas em as modas desse país: “Depois de uma
shorts”. 18 de outubro de 1952. Texto A. Ladino
temporada em Washington, as Garotas

voltaram a New York para a inauguração da Feira Mundial. (...) Nos primeiros dias, e nas

primeiras semanas, o tempo foi pouco para visitar os cinemas, os theatros, as estações de

rádio, e, principalmente as casas de modas”. 216

O visual norte-americano das “Garotas” foi, sobretudo, representado pelas calças

cigarretes, que podiam vir acompanhadas de suéteres e, também, os dos práticos e sensuais

shorts: Em um tempo em que a mulher não gozava de muita liberdade no vestir e que as

calças femininas e shorts ainda eram vistos com algumas ressalvas, essas ilustrações, de

fato, faziam escolhas incomuns, mesmo que, aparentemente, de forma acidental: “Rasguei

as calças na canela pulando um cerca de arame farpado e tive que cortá-la como recurso

extremo. Agora todas as minhas amigas estão fazendo o mesmo, julgando que se trata da
217
última moda...”.

Os shorts, apesar de usados para práticas esportivas desde os anos 1930, só no final

dos anos 1960 começam a aparecer nas ruas efetivamente: “O short tomou conta das

Garotas. Ou melhor, as Garotas tomaram conta do short. Às vezes o short deixa de sê-lo

215
SCHUPUN. Mônica Raisa. Op cit, p. 127
216
“As Garotas do Alceu”. Garotas & New York. In: O CRUZEIRO. 29 de Junho de 1940, p.22 e 23
217
“As Garotas do Alceu”. As Garotas descansam. In: O CRUZEIRO. 18 de março de 1944, p.46 e 47

104
para se transformar em calças compridas para o cinema e os passeios de auto, ou ‘pesca-

siris’ para os piqueniques e bailaricos campestres. O short ajuda o movimento das Garotas

e por isso mesmo elas o tem como sua indumentária preferencial...” 218

A coluna, mesmo ostentando as linhas da moda dos EUA, também privilegiava o

bom gosto francês. Essa moda, ao contrário da norte-americana, seguiu linhas distintas de

elegância. A alternância de influências será uma característica constante nos anos de

vigência da coluna.

O corpo e a moda da mulher

francesa, especialmente durante o

governo de Vichy valorizavam a

seriedade e discrição: “(...) a mulher se

afasta da ‘masculinização dos costumes

femininos’, cobiçada antes da Guerra

pela adoção dos cabelos curtos ou do


A moda austera no período do conflito não chegou a afetar
em muito o visual das “Garotas”, que continuavam a cigarro. Escapando a esse ‘perigo’ por
aparecer com roupas coloridas e visual diversificado.
Apesar da distancia, percebe-se elementos muito usados no
período com os chapéus. uma atitude julgada saudável, ela
Fig.43. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garotas e os
chapéus novos”. 13 de maior de 1939. Texto Alceu Penna redescobre (...) seu lugar no lar, seu

papel de mãe. Seu corpo se adapta a

essa função natural redescoberta... Os seios, os quadris se ‘ajustam’, a cintura se afina”. 219

A influência francesa na coluna se fazia presente, sobretudo, nos vestidos de noite.

Ao se vestirem de acordo com esses ditames, as ilustrações apareciam incorporar certo

rigor na aparência. As luvas, por exemplo, eram acessórios muito presentes nas ocasiões

formais.

218
“As Garotas do Alceu”. Garotas em shorts. A. Ladino. In: O CRUZEIRO. 18 de outubro de 1952, p. 76 e
77
219
VEILLON. Dominique. Moda & Guerra. Um retrato da França ocupada. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor, 2004, p.212

105
A coluna “Garotas” exibe a presença de conjuntos de saias e blusas, além dos

tailleurs, modelos muito usados durante a Segunda Guerra Mundial. Os chapéus eram,

também, freqüentes na década de 1940. Entretanto, essa linha não seria a predominante no

período. As roupas coloridas, os vestidos de gala esvoaçantes para bailes, com metros e

metros de tecidos, a despeito da escassez de matéria prima, seriam ilustrados, amplamente,

nos corpos das “Garotas”.

Com o fim do conflito, a França aos poucos retomou as suas atividades no setor da

moda, especialmente da Alta Costura. A nova silhueta continuaria a delinear o

conservadorismo como nos tempos da Guerra, porém a austeridade cede espaço às roupas

mais glamourosas, que utilizam uma fartura de tecidos, imortalizadas pelo New Look de

Christian Dior lançado em 1947.

As saias rodadas, volumosas, com a cintura marcada, muitas vezes por um cinto

apertado eram cada vez mais freqüentes na coluna, principalmente a partir dos anos 1950.

Os chapéus enfeitados cedem lugar à simplicidade dos rabos de cavalo e laços de fita no

cabelo, usados, principalmente, pelas adolescentes, faixa etária correspondente às

“Garotas”.

Após a Segunda Guerra Mundial, sobretudo, impulsionada por esse movimento da

volta ao lar, a mulher adotou características excepcionalmente femininas. O corpo e a

moda dialogavam com esse momento de resgate aos valores tradicionais: “Uma

feminilidade que foi historicamente construída, naturalizada, universalizada e essencializada

como inerente à “natureza” das mulheres, como sua “marca”, não obstante a pluralidade de

suas histórias. A força instauradora das representações de feminilidade revela-se na

106
permanência desse “pudor”, dessa marca de

silêncio que envolve as mulheres e que pesa

primeiramente sobre seus corpos”. 220

A silhueta estava de acordo com os

novos padrões rígidos de conduta e

apresentação da mulher no pós-guerra. O


A partir da década de 1950, os vestidos inspirados no
New Look de Dior serão a coqueluche na coluna, para corpo voltava a estar sob a vigilância
os eventos sociais, especialmente os de gala. Os corpos
voltam a exibir o conservadorismo sob o comando da
silhueta “cinturinha de pilão”. constante do olhar masculino em oposição
Fig.44 Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garotas dão
cada baixo!”. 01 de novembro de 1952. Texto A. aos tempos do conflito. Ele se viu confinado
Ladino
a um novo espartilho: as modernas cintas

elásticas como a Vespa, para moldar a “cinturinha de pilão”.

A esbelteza era cada vez mais valorizada, entretanto, sem características andróginas

como as vivenciadas nos anos 1920. As curvas eram bem vindas: “Era o que os homens

preferiam: as cheinhas, de corpo violão sete cordas. Se uma delas passasse por perto seria

louvada com um discreto galanteio: ‘Que estouro boazuda’.” 221

Obstante a isso, Elza Marzulo que assinava a coluna “Elegância e Beleza” na

revista O Cruzeiro, já alertava as jovens para os perigos do excesso de magreza: “O medo

de engordar quando se torna uma obsessão, isto é, quando não é confortado por uma exata

indicação médica, é pura e simples doença: é uma psicose cujas vítimas são levadas a não

alcançar um escopo estético, mas a por em sério e grave risco a sua saúde”.222

“As Garotas do Alceu” exibiam um formato de corpo condizente com o padrão

estabelecido na época. Eram magras e longilíneas, mas possuíam curvas, ostentando uma

220
RIOS. Gilma Maria. Educação Física e a “masculinização da mulher moderna”. Universidade Presidente
Antonio Carlos. Unipac Araguari, MG, p. 02. Disponível em:
http://www.fazendogenero7.ufsc.br/artigos/G/Gilma_Rios_38_B.pdf. Acessado em 07 de março, 2007.
221
SANTOS. Joaquim Ferreira dos. Feliz 1958: o ano que não devia terminar. Rio de Janeiro: Record, 2003,
p. 12
222
MARZULLO. Elza. Coluna Elegância e Beleza. In: O CRUZEIRO 06 de julho de 1957

107
cinturinha minúscula. Mesmo possuindo, muitas vezes, um vestuário que expunha mais a

pele, elas não fugiam do ideal feminino de corpo, aquele ainda confinado às cintas elásticas

e submisso à uma certa artificialidade.

A mulher deveria camuflar suas imperfeições com a ajuda dos cosméticos e vigiar

sempre, para que seu marido nunca visse a sua verdadeira face: “(...) fingir ser bela, fingir,

sobretudo perante o homem amado, que se tem a cintura fina, o porte de rainha e uma voz

aveludada é, para os conselheiros de um passado recente, uma estratégia correta e mesmo

saudável”. 223

A beleza ainda era um tanto programada e a naturalidade dos brotos dos anos 1960

ainda não era a realidade, embora não estivesse tão distante de sua emergência: “É na

individualização, e também no artifício, às vezes sistemático, que se aprofundou a beleza

nas democracias entre as duas guerras: a idéia sempre mais aguçada de que a beleza se

constrói pela técnica e os materiais.” 224

“Garotas e camuflagem” em 21 de novembro de 1942 as ilustrações se entregavam

aos tratamentos de beleza, camuflando suas imperfeições, comparando certos artifícios às

estratégias de guerra: “Uma aplicação dessas cintas em sacos de areia não constituiria uma

armadilha formidável?”

A aparência das ilustrações do início da coluna se assemelha ao modelo de beleza

encarnado pela figura da vamp hollywoodiana, embora não fossem tão fatais quanto às

divas Jean Harlow e Marlene Dietrich, exemplos do gênero: “Na órbita do filme noir, essa

sedutora insubmissa e temível inaugurou a era do glamour (...).” 225 Os traços são mais

finos, os olhos puxados e a maquiagem é levemente carregada nos olhos. No entanto

apesar da semelhança, com o avançar do tempo, elas pareciam estar mais próximas da

223
SANT´ANNA, Denise Bernuzzi. Cuidados de si e embelezamento feminino: fragmentos para uma história
do corpo no Brasil. In: Políticas do Corpo: elementos para uma história das práticas corporais. São Paulo:
Estação Liberdade, 1995, p. 127
224
VIGARELLO. Georges. A história da beleza. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006, p. 167
225
FAUX. Dorothy Schefer. A beleza do século. São Paulo: Cosac & Naif. Edições, 2000, p.146

108
beleza da virgem inocente e rebelde dos

cinemas: “A virgem inocente ou

rebelde, com imensos olhos crédulos, de

lábios entreabertos ou suavemente

sarcásticos (Mary Pickford e Lilian Gish

nos EUA, Suzanne Gandais na França

Nessa seção a maquiagem e alguns recursos de beleza como (...)” 226 . “As Garotas” irão estampar
um poderoso sutiã ou uma cinta, estavam na lista das
“Garotas” para camuflar suas imperfeições. Essa será uma uma beleza cada vez mais jovial. Os
prática comum às mulheres do período. Aqui esses artifícios
serão comparados à artilharia de guerra, evidenciando a
batalha que era se manter bela. olhos tornam-se maiores e o sorriso se
Fig.45 Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garotas e
camuflagem". 21 de novembro de 1942. Texto Alceu Penna. alarga, aproximando-se cada vez mais

do ideal de beleza encarnado pelas pin-

ups.

A figura perniciosa da vamp muito feminina, mas demasiadamente liberal, cedia

lugar a um novo modelo, a jovem esbelta e de maçãs-do-rosto coradas: “Principalmente

nos últimos anos da década de 50, quando os gestos dedicados a embelezar começavam a

demonstrar uma desenvoltura outrora desconhecida; sob o signo das marcas ‘Made in

Hollywood’, a feminilidade das femmes fatales da década anterior parecia ter se tornado do

dia para noite, um artifício da velha e cansada Europa.” 227

A indústria de beleza já estava em sintonia com a mudança que se operava. O sex

appeal dos brotos era a nova inspiração. A maquiagem deveria ser mais leve, nada de cores

escuras e truques excessivamente artificiais: “Usava-se laquê em salões de cabeleireiro, a

depilação era comumente feita com gilete e depilar as sobrancelhas nem sempre era visto

como coisa de mulher de boa família. A sombra para as pálpebras, quando podia ser usada,

era considerada adequada para festas noturnas. Esmalte de cor forte costumava despertar

226
MORIN. Edgar. Estrelas: mito e sedução no cinema. Rio de Janeiro, 1989, p.08
227
SANT´ANNA. Denise Bernuzzi. Do glamour ao sex-appeal: notas sobre o embelezamento feminino entre
1940 e 1960. In: História &Perspectivas. Uberlândia (23): 115-128 julh/dez.2000, p. 116

109
suspeitas.” 228 A cor dos esmaltes das “Garotas”, ignorando essa regra, era normalmente

vermelho rubi, assim como os lábios.

Com o avançar da década de 1950 a beleza feminina passa, cada vez mais, a ser

encarada como um trabalho e dever cotidiano da mulher. Ao contrário do que se

acreditava, ela passou a encarar os cosméticos como uma chance de corrigir as suas

imperfeições e não apenas escondê-las. Os novos recursos em maquiagem tornaram-se

imprescindíveis. Elza Marzullo novamente dá dicas em sua coluna no O Cruzeiro: “A

beleza pode ser conquistada. Analisando a maquilagem de outras mulheres e,

principalmente, a que é empregada por suas amigas, as quais naturalmente você vê sem

pintura, chegará a conhecer os pequenos milagres conseguidos com os modernos

cosméticos”. 229

Tradicionalmente, as regras de beleza caminhavam juntas com as de elegância, pois

sozinha ela não bastava. A elegância ocupava a importante tarefa de disciplinação e

controle dos corpos: “(...) o ideal de elegância perpassa também o discurso do “deve ser”

para as mulheres dos anos 50. Ressalta-se inclusive que não adianta só “beleza pura”, mas

tem de ter elegância e charme”. 230

228
SANT´ANNA. Denise Bernuzzi. Op cit, p.120
229
MARZULLO. Elza. Coluna Elegância e Beleza. In: O CRUZEIRO. 06 de julho de 1957
230
PEREIRA, Simone Luci. Imprensa e Juventude nos anos 50. INTERCOM – Sociedade Brasileira de
Estudos Interdisciplinares da Comunicação. XXIV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.
Disponível em: http://reposcom.portcom.intercom.org.br/bitstream/1904/4373/1/NP2PEREIRA.pdf.
Acessado em 10 de maio de 2006, p. 08

110
A expressão “só é feia quem

quer” se aplica a esse contexto. O

descuidado com o corpo e as roupas

eram sinais de fracasso feminino, sob o

ponto de vista de uma sociedade

patriarcal, em que a ascensão máxima

da mulher era um bom casamento. A

jovem solteira deveria cuidar da sua

aparência, a fim de atrair candidatos.

“As Garotas do Alceu” eram

ilustradas de forma impecável. Olhando

sob o ponto de vista atual é coerente que


A beleza das “Garotas” acompanhou as mudanças nos
padrões de beleza do cinema Hollywoodiano, migrando, pensemos nelas como figuras
mesmo que aos poucos, da fatalidade para a ousadia jovial.

Fig. 46 a. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garotas a demasiadamente artificiais. Estavam


bordo”. 30 de novembro de 1938. Texto Alceu Penna
Fig. 46 b. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Que te quero sempre maquiadas, cabelos penteados e
Garota”. 26 de outubro de 1957. Texto A. Ladino.

unhas feitas. Eram ilustradas se

portando de forma polida e elegante. Entretanto, ao observar mais atentamente é

constatado que, para a época, em que o corpo feminino era objeto de extrema vigilância e

controle as ilustrações exibiam pelo corpo e a moda, mais liberdade do que era costumeiro

no dia a dia da maiorias das moças do período. De certa maneira, as ilustrações já

anunciavam uma etapa nova que caracterizaria a transição dos anos 1950 para 1960:

“Beleza mais livre (...) secretamente trabalhada pela dinâmica da igualdade.” 231

Na corrida pela beleza, a indústria de cosméticos e higiene se aperfeiçoavam.

Novos produtos começam a aparecer no mercado, substituindo ultrapassadas formas de se

231
VIGARELLO. Georges.Op cit, p. 171

111
embelezar: “(...) segue-se a modernização da beleza, sobretudo das mulheres. O rouge foi

sendo preterido pelo blush, o pó de arroz pelo pó compacto, as máscaras caseiras de beleza,

de abacate, pepino, camomila etc pelos modernos cosméticos”. 232

“As Garotas” refletiram a crescente invasão de cosméticos no mercado por

empresas estrangeiras consagradas, que apareciam até mesmo em seções em que o tema

era a culinária: “Os morangos devem ser servidos com creme. Não há creme chantili. Será

que creme Pond´s serve?” 233

Uma boa aparência era imprescindível para uma jovem, que desejava escolher entre

vários partidos aquele que a mais interessava. A beleza deveria servir ao homem, ou seja,

ao seu desfrute, impedindo que a sua verdadeira individualidade emergisse: “Mulheres

enfeitam-se, vestem-se de negro ou se cores e encantam. Mascaram e são suas próprias

máscaras no batom que marca seus lábios, no pó facial sobre a tez que quer sem manchas,

sem máculas. Congelam no tempo linear pelo mascaramento do real. Semideusas da

modernidade, as mulheres escapam ao real pelo viés da simulação e constroem existências

inabarcáveis totalmente pela razão masculina. Existência da ordem do ritual, do

processual.” 234

A grande variedade de produtos em oferta no mercado provocou um

redirecionamento da propaganda. A beleza se torna um produto, embalado e

democratizado: “(...) Daí a ‘generalização’ dessa beleza, impensável até então, ao alcance

da retórica lisa e versátil do mercado.” 235

232
MELLO. João Manuel Cardoso de. NOVAIS. Fernando A. Capitalismo Tardio e sociabilidade moderna.
In: SCHWARCZ. Lilia Moritz (org.). História da Vida Privada v.04. São Paulo: Companhia das letras,
1998, p. 568
233
“As Garotas do Alceu”. Garotas e a arte culinária. In: O CRUZEIRO. 22 de Abril de 1950, p.118 e 119
234
ROMERO, Elaine. Corpo, mulher e sociedade. Campinas: Papirus, 1995. p 132
235
VIGARELLO. Georges. Op cit, p. 171

112
Era necessário romper

resistências em adotar novos

artigos, instruindo o consumidor

a absorver novos hábitos:

“Assim, bem antes dos anos

1960 já era possível encontrar

diversos anúncios cujo objetivo


O Cruzeiro procurou conscientizar sobre a suposta “nova mulher
moderna”, já tratando de esclarecer que a designação não deveria
ferir os princípios da moral e bons costusmes. era provocar identificação entre
Fig.47 “A mulher em nova edição”. 28 de setembro de 1957 os consumidores e bens de

consumo mediante apelos dirigidos à subjetividade daqueles.” 236

O Cruzeiro, como veículo porta-voz das elites e da ideologia dominante, defendeu

em sua linha editorial uma mulher que atendesse aos interesses da modernização do país,

mas que fosse alienada aos problemas políticos femininos, não ferindo aos interesses

conservadores: “Com tantas dificuldades e problemas que sempre circundaram o mundo

feminino, a revista de grande tiragem nacional procurou enfatizar muito mais libido,

vaidade e mito fantasioso das mulheres, num período definido como moderno, do que

tratar dos problemas da dura realidade da maioria das brasileiras, que viviam na mais

completa submissão”. 237

A revista chegou a realizar uma reportagem dedicada, exclusivamente, a apontar o

novo modelo de mulher moderna: “Uma enquête realizada por O Cruzeiro na América

Latina demonstra que a jovem deste continente realiza um sadio equilíbrio entre as virtudes

tradicionais e a liberdade da educação moderna, sem perder a feminilidade”. 238

236
FIGUEREDO, Anna Cristina Camargo Moraes. Liberdade é uma calça velha, azul e desbotada.
Publicidade, cultura de consumo e comportamento político no Brasil (1954-1964), 1998
237
CERPA. Leoní. A máscara da modernidade: a mulher na revista O cruzeiro (1928-1945). Passo Fundo:
UPF, 2003, p.73
238
O CRUZEIRO. A mulher em nova edição. 28 de Setembro de 1957, p.24 e 25

113
O conceito de mulher moderna vigente no período da coluna diferenciava-se

daquele popularizado nos anos 1920, sobretudo, pelos EUA: “(...) o desafio competitivo

que o modelo da mulher americana moderna lançava, tanto ao velho estilo de vida

patriarcal como ao novo estilo de vida coletivista, tinha menos a ver com a bandeira do que

com a sua representação em produtos, na moda, nas notícias e no cinema. Na sua realidade

tão diversa, as mulheres modernas emergiram das lutas anteriores pela emancipação

política, econômica e sexual. (...) Por volta dos anos 20, empenhados agentes da

modernidade tinham de ter em conta os anseios e símbolos de liberdade e individualidade

das mulheres”. 239

A exaltação do consumo servia, portanto, ao ideal de desenvolvimento, mas não

significou para a mulher conquistar independência: “O que se percebe é que a mulher

alcançava apenas uma independência consumista, e ainda com o dinheiro dos maridos,

porque poucas usufruíam uma liberdade financeira própria”. 240

“As Garotas” como mocinhas jovens e, provavelmente, dependentes dos pais,

compartilhavam, até certa medida, do pensamento que deveriam ser sustentadas pelos seus

namorados ou futuros maridos. “Para as garotas” em 15 de maio de 1954, salienta o lado

materialista dessas ilustrações, que colocam seus namorados na obrigação de enchê-las de

mimos caros: “O Antônio tem mania de me dar orquídeas, mas ele revela gosto fino. São

muito caras as orquídeas, mas estou cheia de orquídeas e de pulseira de níquel.”

Paralelamente às inúmeras definições e indefinições sobre a mulher, as ilustrações

refletiram medos, inseguranças, alegrias, desejos de muitas mulheres da classe média

brasileira. Pode se dizer muito sobre aquele tempo, pela observação dos traços que

compunham os seus corpos e a moda. Em meio a uma corrida rumo ao desenvolvimento,

uma visão se destacou, graciosa e ao mesmo tempo controversa, chamada “As Garotas do

239
COTT. Nancy F. A mulher moderna: o estilo americano dos anos 20. DUBY. Georges. PERROT.
Michelle. História das mulheres: o século XX, v.5. Roma: Afrontamento, 1991, p. 95.
240
CERPA. Leoní. Op cit, p. 79

114
Alceu”, ensinado os brotinhos da época os benefícios incomparáveis da malícia e do bom-

humor ao burlarem a ordem existente.

115
3.2 A ousadia discreta das “Garotas”: objetos de desejo

A coluna atraiu nos anos de sua veiculação um público diverso. As mulheres as

admiravam como modelos de beleza e comportamento e os homens as admiravam por seus

dotes físicos e charme invejáveis. As moças do período queriam ser uma “Garota” e os

rapazes desejavam se casar com uma delas.

Heloisa Buarque de Hollanda relembra a admiração que sentia pela coluna: “É

inevitável, para mim, voltar no tempo quando penso em Alceu Penna. Lembro-me

imediatamente de minha ansiedade, ainda adolescente, esperando o Cruzeiro aparecer nas

bancas e eu, correndo as páginas da revista, para encontrar as “Garotas” da semana. Não só

para mim, mas para minha geração de meninas que iam ao cinema Rian à tarde e depois

iam em grupo tomar sunday de Morango com waffles nas Americanas, Alceu Penna era um

modelo de comportamento. Sentíamos suas páginas como modernas, atuais, descoladas.

Eram frases, gestos, formas de olhar e seduzir, as roupas, chapéus, maiôs, fantasias. Ah!

As fantasias de carnaval, fielmente copiadas pelas costureiras do bairro...” 241

Se para as moças da época, “As Garotas” tornaram-se modelos, para os rapazes elas

eram objetos de desejo. Alberto Villas relembra o lugar ocupado pelas ilustrações em seu

imaginário: “Um dia sonhei que estava me casando com uma garota do Alceu. Ela vestia

um vestido branco com uma cauda enorme e segurava um buquê de flores cor-de-rosa e

verde. De repente, acordei.” 242

As ilustrações eram cercadas de uma magia inalcançável, uma estética perfeita,

quase que boas demais para serem verdade. E de fato eram mesmo. Sua imagem tornou-se

um fetiche: “A incorporação do fetichismo é evidente em nossa sociedade, e pode ser vista

241
HOLLANDA, Heloisa Buarque. Texto manuscrito. Rio de Janeiro, 2006.(mimeo).
242
VILLAS. Alberto. O mundo acabou. São Paulo: Globo, 2006, p.261

116
em diversos contextos que

representam, de um modo ou de outro,

uma propriedade mágica do objeto

fetichizado”. 243

É sabido, como explorado no

primeiro capítulo que as “Garotas”

foram inspiradas nas pin-ups, mais

precisamente nas Gibson Girls. Essa

inspiração é crucial para as pensarmos

como objetos de desejo masculino. As

ilustrações apareciam vestidas com

trajes decotados, em poses

A coluna atraiu tanto o público feminino quanto o


convidativas e sensuais: “A vamp era
masculino. O banho das “Garotas”, uma situação íntima,
poderia suscitar as mais loucas fantasias masculinas, ao a mulher viciosa, capaz de introduzir
mesmo tempo, que as roupas na última moda, atraíam os
olhos femininos curiosos.
qualquer homem no paraíso tenebroso
Fig.48 a. Coluna “As Garotas do Alceu”: “O banho das
Garotas”. 31 de janeiro de 1942. Texto Alceu Penna
e escaldante do erotismo. (...) Com a
Fig.48 b. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garotas em
passeios”. 02 de novembro de 1946. Texto A. Ladino
pin-up, não há nada disto. Ela existe e

isto basta. Ela possui olhos grandes, uma boca larga que ri, mostrando os dentes muito

brancos, um busto que poderia servir de cabide, nádegas que fariam com que um atirador

revirasse os olhos, coxas acolchoadas e tornozelos decentes. Seios nádegas, sorriso: eis de

que é composta a pin-up, e esta ausência de mistério acaba por ser o mais misterioso dos

mistérios.” 244

243
BOTTI. Mariana Meloni Vieira. Fotografia e fetiche: um olhar sobre a imagem da mulher. In: Cadernos
Pagu (21) 2003, p. 105
244
PIPER, Rudolf. Garotas de papel: história da pin-up brasileira em 170 ilustrações. São Paulo: Ed Global,
1976, p. 88

117
Na coluna as ilustrações não possuem um apelo sexual tão explícito quanto as pin-

ups, pois deveriam agradar ao público feminino também, no entanto, compartilhavam do

código de sedução delas. “As Garotas”, muitas vezes, posam para o leitor, ou seja, olham

diretamente para ele, quase como um convite a apreciá-la. A roupa também é parte

importante, pois é decotada, apresentando peças que mostram pernas, colo, braços, sem

revelar tudo: “Acompanhado desse olhar, por vezes lúdico, sério ou insinuante, temos a

indumentária, que reforça o convite. A escolha por vestir a modelo ao invés de representá-

la nua é, em certo sentido, uma escolha fetichista” 245 .

Partindo dessa perspectiva, “As Garotas” mostram sua porção conservadora: a

mulher como objeto de desejo e, portanto, de apreciação. Simone de Beauvoir fala sobre a

face estática e submissa dos corpos femininos: “O ideal da beleza feminina é variável, mas

certas exigências permanecem constantes: entre outras exigi-se que seu corpo ofereça as

qualidades inertes e passivas de um objeto, porquanto a mulher se destina a ser possuída

(...) não deve ser promessa de outra coisa senão de si mesmo: precisa deter o desejo”. 246

Além do corpo, o contexto em que se inseriam as ilustrações era propício para

aflorar a sensualidade. A praia era um dos programas mais ilustrados nas páginas das

“Garotas”. Era sem dúvida um espaço de liberações corporais e aproximações. Elas

exibiam suas curvas, adquiriam um belo bronzeado e, frequentemente, jogavam seu

charme para os rapazes: “Na areia fresca e macia que tanto repouso enseja, a Garota só

deseja boa sombra... e companhia” 247 .

Os corpos desnudados, outrora encobertos por tecidos e tabus se libertavam em

direção a uma nova e incerta realidade. Na praia se desfrutava de liberações, tanto do ponto

de vista das roupas, pelo uso de trajes de banho que mostravam partes do corpo

normalmente escondidas, quanto da possibilidade de estar em contato com o sexo oposto.

245
BOTTI. Mariana Meloni Vieira. Op cit, p. 125
246
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980, p. 200
247
“As Garotas do Alceu”. Na barraca das Garotas. In: O CRUZEIRO. 05 de novembro de 1955, p .26 e 27

118
A praia tornava-se um local de

socialização entre rapazes e moças e,

se por um lado havia as liberações,

também existiam as coações, os

receios que a proximidade dos rapazes

A praia possibilitou muitos encontros para “As Garotas” e pudesse por abaixo a reputação da
as mocinhas da época. Corpos à mostra e sensualidade aos
olhos do sexo oposto, ao mesmo tempo em que aproximava,
colocava novos receios em relação ao corpo. moçinha: “Calma, deitada na areia,
Fig.49 Coluna “As Garotas do Alceu”: “O banho das desacata a vida alheira, mas não entres
Garotas”. 31 de janeiro de 1942. Texto A. Ladino

no mar, não, pois o teu maiô estético, de tão bonito e sintético pode atrair tubarão” 248 .

A insegurança de exibir o corpo em trajes de banho, também cerceava o clima de

liberdade. O desejo incontido de agradar aos olhos do sexo oposto torna-se uma coação

que, como as cintas elásticas sufocantes, tentavam moldar os corpos em um determinado

padrão. “As Garotas” como qualquer moça da época, estavam divididas, cotidianamente,

entre a ousadia e o recato.

Esse comportamento não era estranho para uma sociedade conservadora, à despeito

de todas as modernizações. Clarisse Lispector escreveu, sob o pseudônimo de Helen

Palmer, a seção “Correio Feminino” no Correio da Manhã entre 1959 e 1961. Nesse espaço

ela dava dicas de beleza e comportamento que, em muito, refletiram a realidade feminina

do período: “A mulher deve ser primeiro que tudo feminina. Deve ter a habilidade de se

controlar a ponto de deixar que outras pessoas se tornem mais importantes que ela dentro

do seu estrito meio de relações”. 249

“As Garotas do Alceu” materializaram uma mulher mascarada pelo desejo de

agradar, mas ao mesmo tempo, rompiam esse padrão para incorporar um modelo mais

248
“As Garotas do Alceu”. Garotas cuidado com o tubarão! In: O CRUZEIRO. 03 de março de 1953, p. 70 e
71
249
NUNES. Maria Aparecida (org). Correio Feminino. Qualidades para tornar a mulher In: Correio da
Manhã. LISPECTOR, Clarisse. 22 de janeiro 1960, p.100

119
pessoal em sintonia com as suas vontades, mesmo que essas não fossem exatamente as

esperadas: “Despistando os namorados e a todos mais despistando, mesmo de olhinhos

fechados as Garotas vão manjando” 250 .

Esse conservadorismo vai começar a ser burlado com a crescente urbanização e

ampliação das possibilidades de encontro entre os sexos. Mesmo com as regras que

pautavam a aproximação entre rapazes e moças, essas transformações geraram um impacto

na formatação do namoro: “Os hábitos de ir a bailes, festas, cinema, praia e de fazer o

footing proporcionam contatos cada vez mais freqüentes e diretos entre jovens de ambos os

sexos. Estas práticas, ao longo do tempo ‘destroem’ (substituindo por processos mais

íntimos) antigas formas de namoro e modificam a iniciativa da escolha do cônjuge que se

transfere dos pais para os próprios indivíduos interessados.” 251

Eram nesses espaços de convivência que a jovem solteira poderia entrar no jogo da

conquista. Esse jogo, entretanto, composto de olhares, sorrisos e expressão corporal

receptiva tinha que ser pautado pela moral e bons costumes, deixando a iniciativa, o flerte

para os rapazes: “A minúcia dos gestos e a escolha das roupas expressam a unidade

esperada entre comportamentos e a ordem social da qual o indivíduo faz parte. Os

comportamentos, embora expressos como algo alheio que possa ser aprendido, não passa

de procedimentos de autocontrole para que o indivíduo não fira a unidade esperada entre

ele e a ordem social a que pertence”. 252

“As Garotas”, ao contrário do esperado, flertavam com os rapazes participando,

mesmo que, disfarçadamente, do jogo da conquista. A expressão corporal das ilustrações

ao se verem interessadas em algum rapaz era sempre acompanhada de um olhar de canto,

um sorriso discreto e maroto: “IT, sorriso e menelo, atrevimento e receio, que torna a

250
“As Garotas do Alceu”. Garotas manjando. In: O CRUZEIRO. 25 de Agosto de 1956, p. 58 e 59
251
BASSANEZZI. Carla. Virando as páginas, revendo as mulheres. Revistas femininas e relações entre
homem e mulher (1945-1964). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996, p. 80
252
BERGAMO. Alexandre. Op cit, p. 90

120
garota ‘a tal’, eflúvio gostoso e quente, imponderável presente que nos faz bem e nos faz

mal” 253 . Mesmo deixando o homem achar que está sendo conquistado, como era o costume

da época, elas investiam ativamente no flerte, uma iniciativa masculina, abusando do seu

charme e beleza: “É das causas mais singelas a que o Rio descontrola: é que as Garotas,

seis delas, estão dando bola.” 254

O corpo e a moda das “Garotas”, frequentemente, eram usados como “armas” para

conseguir coisas dos rapazes através da sedução, uma prática que destoava das normas de

boa conduta: “(...) considerava-se que o culto á beleza deveria levar em conta os princípios

médicos higiênicos e nunca a sedução. Para isso, os discursos higienistas de educadores e

médicos procuravam frear a libido feminina, estabelecendo limites entre a ‘vaidade das

mulheres honradas’ e a ‘libertinagem das de condutas duvidosas’ (...).” 255

A beleza das ilustrações não estava a serviço dos homens, pois atendia a um

interesse maior: o delas: “Dos truques dessas pequenas não há que possa escapar,

estrategistas serenas, elas sabem despistar. E, guerrilheiras capazes, que lutam sempre a

sorrir, para vencê-las rapazes, só há um jeito, aderir.” 256

Era para a época um consenso, que as mulheres utilizavam o choro para desarmar

os homens e conseguir o que queriam, como até hoje, muitas ainda o utilizam. Era uma

tática comum ao chamado sexo frágil, que se posicionava de modo passivo na sociedade,

não gozando de nenhum poder de iniciativa: “Não raro estas mulheres aconselharam,

inclusive, suas filhas a ‘Fazer coisas não aparentando estar fazendo’, a exigir coisas sem

parecer estar exigindo, a ‘fazer tudo com muito jeito e tato’, porque afinal, ‘homem não

gosta de saber que está sendo mudado’.” 257

253
“As Garotas do Alceu”. charme it., ophm... In: O CRUZEIRO. 25 de fevereiro de 1956, p. 58 e 59
254
“As Garotas do Alceu”. Garotas dando bola. In: O CRUZEIRO. 03 de Agosto de 1946, p.23
255
CERPA. Leoní. Op cit, p. 82
256
“As Garotas do Alceu”. A tática das Garotas. Texto A. Ladino. 13 de maio de 1950, p.46 e 47
257
COUTINHO. Maria Lúcia Rocha. Tecendo por trás dos panos: a mulher brasileira nas relações familiares.
Rio de Janeiro: Rocco, 1994, p.101

121
“As Garotas” assumiam uma posição diferente. Sua arma secreta era seu charme,

seus encantos e sorriso: “Depois de um dia de lucidez, alguém descobriu que o pranto

incha os olhos, avermelha o nariz, enfeia. E assim como se evoluiu do tacape para a

metralhadora, assim as mulheres evoluíram do choro para o sorriso. Uma Garota de dentes

bonitos tem no sorriso uma arma de trinta e dois gumes...” 258

Ao longo desses 26 anos de coluna modelos provindos do cinema geravam uma

multiplicidade de inspirações para os jovens, assim também como a imprensa e os

exemplos do cotidiano. O que seria aceitável? : “Ser brotinho em 1958 (...) é ficar dividida

entre o erotismo soft de BB, as freiras do Colégio Imaculada Conceição em Botafogo ou

ser comportadamente atrevidinha como as Garotas do Alceu, de O Cruzeiro”. 259

O jovem como faixa etária à parte, era uma novidade, e muitas vezes, esses não

sabiam se portar em relação ao seu corpo e moda. Em ambientes públicos as mulheres

deveriam se portar com descrição, não era bem visto uma moça ir a festas

desacompanhada, ou mesmo ficar até de madrugada nelas e se exceder nas bebidas. O

código de conduta era rígido, especialmente para as senhoritas. Obstante a isso, “As

Garotas”, mesmo compartilhando desse código cometiam seus excessos: “Querendo bancar

grã fina e mostrar seus predicados, bebe tanto a Rosalina que confessa seus pecados!”. 260

Questões sobre a sexualidade, a menstruação, o primeiro sutiã eram freqüentemente

tratadas entre mulheres com muito pudor, sendo jamais discutidas abertamente. Em vista

de tamanha artificialidade, era pouco provável, que alguma mulher nutrisse intimidade e

conhecimento sobre seu próprio corpo: “Todas essas mulheres andavam soterradas debaixo

de toalhinhas, anáguas, combinações e sutiãs de enchimento e preconceitos.” 261

258
“As Garotas do Alceu”. O sorriso é a arma das Garotas. In: O CRUZEIRO. 08 de março de 1958, p. 76 e
77.
259
SANTOS. Joaquim Ferreira dos. Op cit, p. 49
260
“As Garotas do Alceu”. Garotas dão cada baixo. In: O CRUZEIRO. 01 de novembro de 1952, p.76 e 77
261
SANTOS, Joaquim Ferreira dos. Op cit, p. 56

122
Estar consigo mesma era um dever, ao contrário de hoje, que deve ser um prazer,

ou seja, um momento de auto-conhecimento: “(...) o corpo feminino é reconhecido como

objeto do olhar e do desejo (aspectos que logo se tornam alvo das campanhas

publicitárias), mas aparece calado devido ao pudor que lhe é exigido como marca de

feminilidade”. 262

“As Garotas” nesse sentido foram representadas de forma mais à vontade com seu

corpo, mas não apenas com ele. Levando em conta que a moda e o corpo funcionam como

“parceiros”, era natural que elas estivessem á vontade com suas roupas também. Mesmo

não entrando em temas como a sexualidade, de forma explícita, as páginas da coluna

exibiam essa temática de forma discreta.

Se por um lado, “As Garotas” demonstraram uma maior intimidade com o corpo e

foram adeptas de uma moda sedutora e prática, que valorizasse seus atributos físicos, em

parte, era porque existiam apenas nas páginas de O Cruzeiro. Não tinham que enfrentar se,

por ventura, excedessem em algum tipo de bebida ou paquerassem abertamente um rapaz,

as verdadeiras conseqüências de quebrar o código dos bons costumes. “As Garotas”,

mesmo sendo de papel, inspiraram mulheres reais. Desde mulheres da sociedade, como

exemplificado no desfile da Providência dos Desamparados, até moças comuns, todas

queriam ser uma das “Garotas”.

Ruy Castro discorre sobre a importância das “Garotas” como modelo de beleza e

comportamento, destacando a sua singularidade: “O traço do ilustrador mineiro

acompanhou e esteve à frente de muitas transformações que o Brasil viveu. Suas Garotas

262
ANGELI, Daniela. Uma breve história das representações do corpo feminino na sociedade. Rev. Estud.
Fem. [online]. 2004, vol. 12, no. 2 [cited 2007-03-13], pp. 243-245.Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-026X2004000200017&lng=en&nrm=iso>.
ISSN 0104-026X. doi: 10.1590/S0104-026X2004000200017

123
tinham it e ensinavam às mulheres que ter personalidade e ser independente não era uma

utopia. Os rapazes ficavam malucos e queriam ser maridos, namorados ou qualquer outra

coisa dessas meninas tão características do charme e do meneio brasileiros. Pois a página

de Alceu lhes ensinou que, para conquistá-las, teriam de mudar seus conceitos e aceitar

uma nova mulher”.263

“As Garotas do Alceu” representavam um imaginário de uma sociedade em

transição, ou seja, no compasso da renovação de costumes e tecnologias. A modernidade

estava no ar, e com ela, o sabor da mudança e o desejo do novo. Elas compartilhavam da

realidade vivenciada pelas moças da época, viviam as mesmas angústias e obstáculos, além

de gostarem das mesmas coisas. Seu corpo e moda estavam sujeitos às mesmas restrições e

vigilâncias, em uma época que a formalidade ainda se sobrepunha. Alceu Penna

representou uma tendência que pairava no ar, ainda tímida, que se tornou mais concreta nas

páginas das espevitadas “Garotas”.

263
CASTRO. Ruy. Texto de apresentação da exposição “O Brasil na ponta do lápis: Alceu Penna, modas e
figurinos”. Centro Universitário Senac-SP. Maio 2007

124
CAPÍTULO 4. “GAROTAS”... ALGO A SER INDEFINIDO

4.1 Um homem que desenhou mulheres: o olhar diferenciado

Toda imagem produzida pelo homem contém a visão de mundo dele, revelando,

assim, traços de sua subjetividade. O olhar do homem é condicionado pelo contexto em

que sua cultura está inserida: “O modo de ver o mundo, as apreciações de ordem moral e

valorativa, os diferentes comportamentos sociais e mesmo as posturas corporais são

produtos de uma herança cultural, ou seja, o resultado da operação de uma determinada

cultura.” 264

Essa imagem não terá a neutralidade como característica e sempre evidenciará seu

modo de ver determinado objeto, pessoa ou até mesmo uma paisagem:

“As imagens que formam nosso mundo são símbolos, sinais,


mensagens e alegorias. Ou talvez sejam apenas presenças vazias que
completamos com o nosso desejo, experiências, questionamentos e
remorso. Qualquer que seja o caso, as imagens, assim como as palavras
são a matéria de que somos feitos.” 265

Quando Van Gogh pintou os famosos girassóis, ele os fez tão singulares que são

identificados como “Os girassóis de Van Gogh”, e não como uma simples retratação desse

tipo de flor. Os girassóis pintados eram diferentes e jamais seriam iguais a outro tipo de

produção com esse tema, pois naquela imagem continha algo muito particular: o modo de

ver do pintor, ou seja, o seu olhar do mundo.

264
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Zahar, 1996, p.70.
265
FIGUEIREDO, Rubens; MANGUEL, Alberto;EICHEMBERG, Rosaura; STRAUCH, Claudia. Lendo
imagens: uma história de amor e ódio. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p. 21.

125
Esse modo de ver está, portanto, condicionado a diversos fatores, como a

individualidade do produtor da imagem, sua cultura e costumes, bem como ao contexto em

que foi produzida, podendo revelar muito sobre o criador e o tempo por ele vivido:

“As imagens foram feitas, de princípio, para evocar a aparência de algo


ausente. Pouco a pouco, porém, tornou-se evidente que uma imagem
podia sobreviver àquilo que representava; nesse caso, mostrava como
alguém tinha sido – e, conseqüentemente, como o tema havia sido visto
por outras pessoas. Mais tarde ainda, a visão específica do fazedor de
imagens foi também reconhecida como parte integrante do registro. A
imagem tornou-se um registro de como X tinha visto Y.” 266

É interessante perceber que, da mesma forma que uma determinada imagem reflete

o olhar de uma pessoa, a sua apreciação também depende daquele que a vê. O olhar do

criador da imagem e o do apreciador são igualmente subjetivos, ou seja, mesmo desejando

ser um registro imparcial, o olhar estará sempre condicionado: “Todavia, embora todas as

imagens corporizem um modo de ver, a nossa percepção e nossa apreciação de uma

imagem dependem também do nosso próprio modo de ver. Por exemplo, Sheila pode ser

uma entre vinte pessoas, mas por motivos pessoais, só temos olhos para ela.” 267

A mulher foi, ao longo do tempo, extensamente abordada em pinturas, ilustrações e

fotografias. Percebe-se que esse tipo de pintura é um movimento particular, pois revela,

como discutido anteriormente, o modo de ver a figura feminina em um determinado

momento histórico, que freqüentemente foi retratado por figuras masculinas: “(...) como

qualquer representação a imagem é um jogo, guiado por regras culturais que evoluíram e

que continuarão a evoluir. A imagem da mulher tem uma história em si mesma.” 268

266
BERGUER, John. Modos de Ver. Lisboa: Edições 70, 1972, p.14.
267
BERGUER, John. Op cit, p.14.
268
DUBY, Georges; PERROT, Michelle. Imagens da Mulher. São Paulo: Afrontamento, 1992, p. 140.

126
Alceu Penna, ao criar as ilustrações das “Garotas”, como não podia deixar de ser,

corporizou seu próprio modo de ver a figura feminina. A imagem um pouco contraditória

que temos das mulheres é entendida pela ótica do autor, que vivenciou um período em que

elementos novos conviviam com os velhos paradigmas:

“Quando lemos imagens – de qualquer tipo, sejam pintadas, esculpidas,


fotografadas, edificadas ou encenadas, atribuímos à elas o caracter
temporal da narrativa. Ampliamos o que é limitado por uma moldura para
um antes e um depois e, por meio da arte de narrar história (sejam de
amor ou de ódio), conferimos à imagem imutável uma vida infinita e
inesgotável.” 269

Por outro lado, não podemos deixar de perceber que a malícia tomava um espaço

maior nas ilustrações, destacando, de forma sutil, essas figuras do cenário feminino comum

da época, algo que não pode ser explicado pela simples influência do contexto do país

naquele momento. Nesse sentido as imagens são entendidas menos por um movimento

exterior e mais interior, que parte do próprio ilustrador e de sua sensibilidade ao lidar com

a realidade: “As imagens em si mesmas não são falsas nem verdadeiras, são expressões de

anseios e sentimentos correspondentes ao que a realidade é ou ao que pode vir a ser.” 270

O olhar de Alceu Penna em relação à mulher parece emergir do próprio contexto

em que estava inserido, mas também de sua sensibilidade ao lidar com essa realidade.

Examinando os registros profissionais de Alceu Penna, percebe-se que ele concebeu muitas

ilustrações de figurinos para cassinos e shows, tendo trabalhado nesses lugares ao longo de

sua carreira. Haja vista a extensa atividade do profissional nessa área, ele provavelmente

esteve em contato, mais do que a grande maioria das pessoas, com um ambiente liberal e

269
FIGUEIREDO, Rubens; MANGUEL, Alberto; EICHEMBERG, Rosaura; STRAUCH, Claudia. Op cit p.
27.
270
COSTA, Cristina. A imagem da mulher: um estudo de arte brasileira. Rio de Janeiro: Senac, 2002, p.161.

127
descontraído, algo que deve ter contribuído, em certa medida, para a sua retratação

incomum da mulher.

Não podemos esquecer que, mesmo Alceu Penna tendo convivido em meio ao

mundo dos espetáculos, ele ainda assim era um homem, ou seja, algo que teria potencial

para influenciar o seu traço de maneira inquestionável, como de fato o fez. O modo com

que seu gênero atuou nos seus desenhos pode ser percebida, sobretudo, pela exploração da

sensualidade. Essa perspectiva deriva da sua visão, portanto masculina, em apreciar a

mulher como objeto de desejo.

Alceu Penna conseguiu desenhar figuras belas e, ao mesmo tempo, modernas e

arejadas, sem cair nas tradicionais representações femininas:

“A mulher sempre foi um dos temas preferidos dos ilustradores e


cartunistas. Vistas pelos homens, elas se dividiam em tipos bem
definidos. As belas bem vestidas, charmosas, interesseiras e loucas para
casar. A galeria das feias incluía as feministas e as feras, munidas da
vassoura e do rolo de macarrão.” 271

Pode-se dizer, em linhas gerais, que o conjunto de seus desenhos não afirmaram

estereótipos, e muito menos depreciaram a figura feminina pela exploração constante da

malícia. Em “As Garotas”, devido ao seu olhar incomum, Alceu Penna ilustrou mulheres

que, mesmo se encaixando nos padrões conservadores, deram aos leitores de O Cruzeiro

um respiro da realidade monótona e preconceituosa da época.

271
MATTAR, Denise. Texto de abertura do livro da exposição Traço, Humor e Cia. Museu de Arte Brasileira
(MAB). Fundação Armando Álvares Penteado. 24 de maio a 298 de junho de 2003, p.8.

128
4.2 Imagem e texto na coluna “As Garotas”: uma relação humorística

“(...) o humor sobrevive aos tempos, importante na virada do


século, continuou deliciando leitoras e leitores até hoje. Sua função
não se modificou, e políticos e artistas continuam temendo o efeito
sarcástico de uma cena ou frase infeliz no traço de um humorista.
‘Eu tenho medo do Chico Caruso’ disse Fernando Henrique
Cardoso. E era para ter... Só que, ao deixar o governo, uma das
lembranças mais festejadas foi a coleção de charges que ganhou do
humorista.” 272

Como já explorado, a coluna foi locada, por muitos anos, na seção de humor de O

Cruzeiro, fato que atesta a importância desse na sua caracterização. É provável que grande

parte do sucesso que a coluna alcançou ao propagar idéias avançadas em relação à mulher

deva-se, principalmente, à exploração imagética juntamente com a textual. Em “As

Garotas” a imagem necessita do texto e vice-versa, estabelecendo um vínculo de

dependência.

Essa relação existe, pois as retratações visuais, essencialmente, são passíveis de

múltiplas interpretações, ao passo que os textos, mesmo podendo abarcar alguns

entendimentos, conseguem cercar o significado geral associado às imagens: “(...) toda

imagem é polissêmica e pressupõe subjacente a seus significados uma cadeia ‘flutuante’ de

significados, podendo o leitor escolher alguns e ignorar outros.” 273

O elemento do riso pode associar-se à retratação imagética, quando estereótipos são

banalizados, assim como situações levadas demasiadamente a sério, ocupando um papel

importante na coluna ao questionar realidades. “Garotas e o lar”, em 31 de julho de 1943,

coloca as ilustrações na função de dona de casa. Aparentemente, o estereótipo da “rainha

do lar” permanece intacto ao observar as imagens. Entretanto, o texto revela, por exemplo,

272
CORRÊA, Thomaz Souto. In: MATTAR, Denise. Texto de abertura do livro da exposição Traço, Humor
e Cia. Museu de Arte Brasileira (MAB). Fundação Armando Álvares Penteado. 24 de maio a 298 de junho de
2003, p.77.
273
BARTHES, Roland. O óbvio e o obtuso. Lisboa: Ed. 70, 1982, p. 32.

129
que elas não estão ligando muito para o desempenho desse papel: “Porque você não

costura para mim enquanto eu leio?”

Nesse sentido, ao mesmo

tempo em que o humor abria a

possibilidade de explorar realidades

incomuns na coluna e jamais

discutidas em aberto, ele transformava

aquelas ilustrações inanimadas em

entidades mais reais, aproximando-as


Quem olha para essas ilustrações não imaginam que além de
não levarem o menor jeito para tarefas domésticas, elas não
ligavam a mínima para isso. Divertir-se era o lema das dos leitores e leitoras de O Cruzeiro:
“Garotas”.

Fig.50. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garotas e o lar”. “(...) se o riso, essa epifania da
31 de julho de 1943. Texto Alceu Penna
emoção não nos dá nada de

duradouro, pelo menos humaniza e nos faz parte daquela integridade acabada da existência

cotidiana.” 274

A aproximação provocada pelo humor torna a comunicação mais simpática. “As

Garotas” compartilharam desse efeito, pois, ao apresentarem situações, por exemplo, em

que faziam malabarismos para conciliar dois namorados ou faziam um comentário

engraçado sobre o vestido de uma amiga, não se mostravam vulgares ou mesmo chatas, e

sim engraçadas.

A seção “A ressaca das Garotas”, em 09 de março de 1946, mostrava uma

idealização da mulher às avessas. Nela as ilustrações estão sofrendo dos males de terem

abusado das bebidas, uma situação que não ficava bem a mocinha nenhuma, mas encarada

pela lente do bom humor. Em um determinado trecho da coluna, um rapaz se interessa por

uma “Garota” nesse particular estado, notadamente com segundas intenções: “Não quero

274
TOMÉ, Elias Saliba. Dimensão cômica da vida privada na República. NOVAIS, Fernando A.;
SEVCENKO, Nicolau. História da vida privada no Brasil: vol. 3: República: da belle époque à era do rádio.
São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 364.

130
gim nem cachaça, nem quero beber mais nada, só quero agora teus lábios minha adega

divinizada.”

“As Garotas”, por não serem

figuras demasiadamente perfeitas, se

encaixaram no perfil do “novo herói”

descrito por Gilles Lipovetsky, pois

apresentam uma atitude cool frente à

Uma situação complicada para uma boa moça de família:


vida, mesmo tendo sido criadas em um
cair na farra do carnaval e extrapolar no álcool. “As
Garotas” encaravam tudo com bom humor e sem maiores período anterior 275 : “O novo herói não
dramas.

Fig. 51 Coluna “As Garotas do Alceu”: “A ressaca das se leva à sério, desdramatiza o real e
Garotas”. 09 de março de 1946. Texto Alceu Penna.
caracteriza-se por uma atitude

maliciosamente desprendida ante os acontecimentos (...) não há entrada para ninguém que

se leve a sério, ninguém é sedutor se não for simpático.” 276

Mesmo diante da simpatia das ilustrações, os textos da coluna, aliados às imagens,

não seriam sozinhos tão eficazes em disseminar a malícia na coluna, se não fosse pelo

humor contido neles. Esse recurso proporcionou um desvio da seriedade dos assuntos

abordados, permitindo, ao mesmo tempo, exprimir de uma forma despretensiosa idéias não

tão aceitas para os padrões conservadores femininos. Aliás, essa será uma prática bastante

comum entre os humoristas em geral, que irão explorar o riso para criticar realidades, sem,

275
As “Garotas” podiam ser figuras perfeitas esteticamente, mas seus comportamentos não o eram, pois
ficavam de ressaca, tinham muitos namorados e paqueravam abertamente, atitudes que violavam as normas
de bom comportamento da época. Essa característica vai ao encontro das idéias de Gilles Lipovetsky ao
discorrer sobre as facetas do humor na pós-modernidade, ao falar do “novo herói”, que é descontraído mesmo
em situações tensas, exemplificando com personagens como James Bond, que por essa atitude são
extremamente sedutores e populares. In: LIPOVETSKY, Gilles. A era do vazio: ensaio sobre o
individualismo contemporâneo. Lisboa: Relógio D'Água, 1983, p. 132.
276
LIPOVETSKY, Gilles. Op cit, p. 132.

131
contudo, perder de vista a

descontração: “Os humoristas

quase sempre são mais graves do

que possam parecer à primeira

vista, sob o disfarce anedótico de

uma piada.” 277

Na seção os textos casam-se com as imagens. Se apenas De maneira a não confrontar,


observássemos a imagem das “Garotas” não conseguiríamos
entender a malícia colocada: a aluna que seduz o professor.
Aparentemente, elas apenas estão cercas de livros, preocupadas
o humor era um recurso que criava
com as provas.
uma atmosfera de duplicidade, ou
Fig. 52. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garotas em provas”. 29
de outubro de 1955. Texto A. Ladino.
seja, algo que nunca se dizia

abertamente, mas se insinuava nas entrelinhas: “(...) o cômico também sempre constituiu,

no caso do Brasil em especial, uma forma de sublimar emoções.” 278

A seção “Garotas em provas”, em 29 de outubro de 1955, explorava o duplo

sentido: “Não sei para que prova escrita. Se o professor fosse mais inteligente e menos

míope veria logo que meu saber está na cara.” Esse exemplo fornece uma dimensão de

algo socialmente condenável até os dias de hoje: a aluna seduzir o professor. No caso, a

passagem remete à investida interesseira da “Garota”, que tenta conseguir uma nota melhor

com a utilização dos seus atributos físicos.

Os textos da coluna alcançaram as suas leitoras, sem esbarrar em constrangimentos

ou pudores, ao dizer sem querer dizer, disfarçando o que intencionava manifestar, algo que

não funcionaria sem a dimensão do cômico:

277
BARBOSA, Francisco de Assis. In: ZIRALDO. 1964-1984: 20 anos de prontidão. Rio de Janeiro:
Record, 1984, p. 7.
278
TOMÉ, Elias Saliba. Op cit, p. 364.

132
“Há no humor uma vocação dialética espontânea, que o leva a
questionar os princípios que enrijecem as certezas que se cristalizam, as
conclusões que se pretendem definitivas. O humor força a consciência a
se abrir para o novo, para o inesperado, para o fluxo infinitamente rico da
vida, para a inesgotabilidade do real.” 279

“Na barraca das Garotas”, em 5 de novembro de 1955, exemplifica a duplicidade

imputada aos engraçados textos da coluna, que, se colocados de forma mais direta, não

seriam possíveis de estar em uma revista familiar da época. Nessa seção as ilustrações se

encontram na praia e munidas de más intenções, atrás de uma companhia masculina: “Na

barraca que se expande, com franjas ao derredor, se a hospitalidade é grande, a hospedeira

é maior.” Pode-se entender nas entrelinhas, também, que a figurinha desejava estreitar as

aproximações, talvez, para algo além dos olhares, uma atitude complicada para uma moça

de família, que desejava manter a sua reputação.

Mesmo diante da simpatia das ilustrações, os textos da coluna, aliados às imagens,

não seriam sozinhos tão eficazes em disseminar a malícia na coluna, se não fosse pelo

humor contido neles. Esse recurso proporcionou um desvio da seriedade dos assuntos

abordados, permitindo, ao mesmo tempo, exprimir de uma forma despretensiosa idéias não

tão aceitas para os padrões conservadores femininos. Aliás, essa será uma prática bastante

comum entre os humoristas em geral, que irão explorar o riso para criticar realidades, sem,

contudo, perder de vista a descontração: “Os humoristas quase sempre são mais graves do

que possam parecer à primeira vista, sob o disfarce anedótico de uma piada.” 280

Na coluna “As Garotas” uma figura feminina atípica foi difundida por meio dos

textos e imagens. A relação bem-sucedida entre esses elementos, acrescida do humor,

279
KONDER, Leandro. Barão de Itararé: o humorista da democracia. Coleção Encanto Radical. São Paulo:
Editora Brasiliense, 1983. p.65.
280
BARBOSA, Francisco de Assis. In: ZIRALDO. 1964-1984: 20 anos de prontidão. Rio de Janeiro:
Record, 1984, p. 7.

133
revelou o talento de um ilustrador e redatores que, como “As Garotas”, não se encaixavam

em nenhum tipo de classificação.

134
4.3 Garotas modernas ou emancipadas? Uma análise imagética e textual da coluna

A relação particular estabelecida entre o corpo e a moda na coluna “As Garotas do

Alceu” nos aponta para uma incerta realidade da mulher brasileira. A análise imagética e

textual da coluna procura esclarecer até que ponto as imagens da emancipação feminina

vão ao encontro das figuras de Alceu Penna e em que momento elas se separam.

As seções a serem estudadas, a seguir, foram escolhidas por representarem o

constante conflito entre a ousadia e o recato protagonizado pelas “Garotas”. Elas

enfatizam, também, como o corpo e a moda se manifestam nessa aparente contradição.

Em “Garotas de Sarongs”, de 10 de abril de 1943, as ilustrações aparecem

adornadas com colares e usando saias floridas. Esse traje, constituído de um pedaço de

tecido envolto nos quadris, é popular, sobretudo, na Ásia e nas ilhas do Pacífico. Segundo

o texto, escrito pelo próprio Alceu Penna, elas trouxeram essa moda para as praias cariocas

provando estarem sempre por dentro das inovações.

O traje aparece como novidade e servirá para atrair o olhar feminino ansioso por

imitar “As Garotas”. É fato também que, pela sensualidade com que são ilustradas e pela

expressão corporal em pose, como se as “Garotas” estivessem sendo observadas, é

sugerido que haveria uma apreciação masculina.

A moda dos Sarongs aparece como ponto central da coluna, mas o corpo das

ilustrações é também um protagonista. Em uma passagem da coluna, a relação entre o

corpo e a moda avança para além das imagens: “Sabes qual a diferença entre as Garotas de

ontem e de hoje? As Garotas de ontem costumavam exibir as modas. Mas hoje, com os

sarongs, as modas exibem as Garotas.”

135
Fig.53. “Garotas de Sarongs” em 10 de abril de 1943. Texto Alceu Penna. “As Garotas” convidam o leitor a apreciar a
beleza dos seus corpos e chamam a atenção das leitoras para uma nova moda, inspirada nos trajes havaianos chamados
Sarongs. A coluna dialoga com moças e rapazes ao mesmo tempo. Uma diversidade de beldades são ilustradas por
Penna, desde o tipo morena da pele bronzeada até a loura platinada de pele alva. Os Sarongs combinavam com todas!

Esse trecho evidencia o corpo, estabelecendo-o como parte importante da

composição da moda e da beleza feminina. Ela sublinha uma tendência, cada vez maior, de

a moda exibir e acentuar o formato do corpo, e não escondê-lo em enormes quantidades de

tecido, fato que não deixa de acentuar a íntima relação entre esses elementos: “A relação

entre corpo e moda é ambígua, na medida em que a moda atua na formatação do corpo, ao

valorizar determinadas zonas, enquanto o corpo limita a moda, impondo proporções,

volumes, medidas para a criação do estilista.” 281

“Na terra onde mandavam as Garotas”, de 28 de agosto de 1943, Alceu Penna nos

convida a mergulhar em um universo em que a sociedade está sob o comando das

mulheres, em uma inversão dos papéis entre homem e mulher: “Consta que houve um

281
CASTRO. Ana Lúcia. Identidades e Estilos de vida. In: CASTRO. Ana Lúcia. RAMOS. Maria Lúcia
Bueno. Corpo Território da Cultura. São Paulo: Annablume, 2005, p.141.

136
reino – isso foi há muito tempo – em que as mulheres mandavam nos homens. Esse reino

era o das amazonas (...) Bom será saber como as coisas corriam naquele tempo que agora

parecem estar voltando.”

Fig 54. “Na terra onde mandavam as Garotas” em 28 de agosto de 1943. Texto Alceu Penna.. O ilustrador aspirou
um mundo em que as suas graciosas ilustrações estivessem no comando. Longe de estar fantasiando ele mostrou uma
tendência que começava a se tornar mais consistente para as mulheres brasileiras. Com muito humor, “As Garotas”
deixavam de ser, pelo menos nas páginas de O Cruzeiro, o sexo frágil.

À primeira vista, a coluna parece nos mostrar um universo fantasioso, se analisado

pelo ângulo da sociedade conservadora da época. Entretanto, pelo exame da coluna,

notamos que Alceu Penna nos apresenta menos uma situação fantasiosa e mais um

prenúncio de que os papéis tradicionalmente impostos às mulheres estavam prestes a sofrer

mudanças.

As ilustrações estão caracterizadas como guerreiras, um papel ocupado na história,

sobretudo, por homens. Além dessa alusão, elas estão, em certa medida, incorporando

atitudes típicas masculinas, como a “Garota” que inclina um homem para beijá-lo.

Contudo, “As Garotas”, mesmo como guerreiras, não abolem a sensualidade e

137
feminilidade, vestindo-se com um uniforme provocante, mostrando bastante as pernas.

Pensando assim, especificamente nas vestimentas sensuais, elas ainda servem a um olho

masculino externo, mesmo em uma situação em que parecem estar no comando.

Nessa seção o ilustrador parecia tentar codificar para os leitores e leitoras de O

Cruzeiro uma tendência, ainda tímida, de liberação feminina. Essa mensagem era

contundente, principalmente para as leitoras, pois mostrava uma mulher mais liberada,

mas, ao mesmo tempo, bela e feminina, quebrando o estereótipo da feminista, que por

querer uma igualdade maior entre os sexos era tachada de feia e rabugenta.

Estava implícito na visão de Alceu Penna que, para experimentar posições

masculinas na sociedade, as mulheres não precisariam encarnar linhas austeras no

comportamento e no vestir, o que constituiu um exemplo e tanto para as leitoras: “Algumas

imagens nos levam a rememorar, outras a moldar nosso comportamento; ou a consumir

algum produto ou serviço; ou a formar conceitos ou reafirmar pré-conceitos que temos

sobre determinado assunto; outras despertam fantasias e desejos.” 282

Em “Três Garotas e Páris na sinuca”, de 24 de julho de 1943, Alceu Penna recria

uma cena mitológica em que o deus Páris premia com uma maçã a deusa mais bonita,

como escreve o redator Vão Gôgo: “Senhoras, seus encantos a sua beleza é um tesouro, a

mais bela ganhará uma rica maçã de ouro.” Minerva e Juno são rejeitadas por Páris por

terem mais atributos intelectuais do que físicos. Ele escolhe Vênus, porque ela tem a beleza

como seu atributo maior: “Para falar mesmo a verdade seu presidente da mesa tenho só

vivacidade e um bocado de beleza.”

O tema dessa coluna nos revela a mulher como uma visão que satisfaz ao olho

masculino. A mulher só é notada pelos seus atributos físicos, relegando a sua identidade

àquela imagem idealizada.

282
KOSSOY, Boris. Realidades e Ficções na trama fotográfica. São Paulo: Ateliê Editorial, p.44.

138
Fig. 55. “Três Garotas e Páris na sinuca” em 24 de julho de 1943. Texto Vão Gôgo. As Garotas equilibram signos do
conservadorismo e da ousadia com muito cuidado. Se por um lado são objetos de desejo masculino, por outro não se
inibem ao mostrarem boa dose de pele para os leitores de O Cruzeiro.

De acordo com Berguer, dentro de si a mulher carrega uma porção feminina, a

vigiada, e outra masculina, a vigilante, que observa a sua imagem tal como deve ser

apresentada ao homem: “O vigilante da mulher dentro de si própria é masculino: a vigiada,

feminina. Assim, a mulher transforma-se a si própria em objeto – e muito especialmente

num objeto visual: uma visão.” 283

O corpo da ilustração central, diferentemente das outras duas, está seminu e os

seios estão cobertos por um simples leque. Todos os olhares se convertem para ela.

Podemos inferir que ela seria a Vênus, premiada pela sua incrível beleza, e talvez por isso

esteja com o corpo mais exposto que as outras figuras. Mesmo quando a coluna trata a

mulher de forma conservadora, ela ousa ao apresentar o corpo quase nu em suas páginas.

283
BERGUER. Op cit, p. 51.

139
Em “Garotas, Maio e casamentos”, de 1 de maio de 1954, as “Garotas” são

mostradas inspiradas a se casar, principalmente no mês considerado o da noivas:

“Vou fazer uma novena para meu santo milagroso, para ver se ele
tem pena, e me remete um esposo”. O texto mostra a urgência e pressa
para que se concretize o casamento, colocado como ritual muito
importante e, como de fato era, para a mulher da época: “Proclamava-se
que o casamento era ‘o estado perfeito’ e também uma obrigação à qual
ninguém poderia se furtar.” 284

As cores predominantes são o azul no fundo e branco na roupa das ilustrações,

representando a pureza entregue ao noivo. O vermelho aparece, embora em menor

quantidade, provavelmente, indicando a conquista amorosa e o romance.

A posição corporal das ilustrações, especialmente a maior, novamente indica um

observador masculino externo. Entretanto, as imagens das noivas “Garotas” suscitam,

também, uma apreciação feminina, já que o casamento era um evento muito esperado pelas

moças da época, sendo a coluna uma boa vitrine para elas: “Bela, mulher e imagem são

termos que estão tão intimamente associados que quase se confundem. Homens e

mulheres, estamos sujeitos às seduções terrivelmente associadas da imagem e da beleza

feminina imaginada.” 285

A temática da seção, mesmo essencialmente tradicional, desvia dessa característica

com o emprego de um determinado texto, em um tom bem-humorado e irônico, remetendo

a uma faceta não tão comportada das “Garotas”: “Maio é o mês por excelência dos

casamentos e por isso mesmo é o ideal das Garotas....esses anjos de candura.” Esse recurso

coloca, mais uma vez, o recurso do riso, enfatizando a duplicidade nos textos de forma

despretensiosa.

284
BESSE, Susan. Modernizando a desigualdade: reestruturação da ideologia de gênero no Brasil 1914-40.
São Paulo: Universitária SP, 1999, p. 73.
285
DUBY, Georges; PERROT, Michelle. Op cit, p.140.

140
Fig 56. “Garotas, Maio e casamentos” em 01 de maio de 1954. Texto A. Ladino. Como qualquer mocinha da época, toda
Garota desejava se casar em um modelo luxuoso. As ilustrações se aproximaram das suas leitoras ao desejarem também o
sonho do matrimônio, mesmo que esse lado ficasse um pouco de lado na maioria das vezes.

Em “Garota, o peixe morre pela boca!”, de 29 de setembro de 1956, o redator Edgar

Alencar, o A. Ladino, escreve: “Garotas, se você quer segurar o preferido e, logo que

liberem, transformá-lo em um bom marido, a tarefa é muito pouca, nada tem de

extraordinária: basta só algumas gotas da velha arte culinária, pois vocês sabem, Garotas,

que o peixe cai pela boca.”

Essa edição nos remete ao tema da identidade feminina ligada às atividades

domésticas, como a culinária, muito em voga com a figura da “rainha do lar”, após a

Segunda Guerra Mundial. Uma moça disposta a conseguir um bom partido deve mostrar

como é prendada. Essa é uma exigência masculina e revela como ele quer vê-la, atuando

141
como construtor da sua identidade: “O seu próprio sentido daquilo que é, é suplantado pelo

sentido de ser apreciada como tal por outrem.” 286

Fig 57. “Garota, o peixe morre pela boca!” em 29 de setembro de 1956. Texto A. Ladino. Toda mocinha da época que
desejasse possuir um leque extenso de pretendentes deveria cultivar as prendas domésticas como a culinária. As Garotas,
mesmo não levando jeito para a coisa, se esforçavam bastante para agradar os rapazinhos, incorporando a identidade
feminina tradicional.

A posição corporal das ilustrações é direcionada para um olhar externo, ou seja, a

um espectador, por sinal masculino. No canto esquerdo superior, a “Garota” olha para esse

espectador, como para se certificar de que seu olhar está lá, observando e avaliando, fato

comprovado pelas ilustrações menores, que exibem os seus quitutes. A “Garota” ao centro,

que coloca uma iguaria na boca de um rapaz, demonstra que está ao seu dispor, propondo

realizar os maiores caprichos gastronômicos.

Nota-se que, apesar de estarem em uma atividade doméstica como a culinária, não

estão mal arrumadas, pelo contrário, estão maquiadas e penteadas, com uma roupa, mesmo

286
BERGUER, Jonh. Op cit, p. 50.

142
que adequada à cozinha (com o avental), bem composta. Essa evidência está de acordo

com a norma rígida com que a aparência era regida, em um momento em que a

formalidade, até para os homens, era um imperativo e a beleza para as mulheres, uma

ordem, conquistada com uma boa maquiagem: “A maquiagem é a única expressão

possível, ou mesmo a única verdade. E também construção voluntária, objeto de

perseverança, de determinação (...).” 287

É interessante reparar que há uma grande atenção, de forma geral na coluna, para a

cor vermelha. Retomo nesse ponto o fato de que Alceu Penna era daltônico. Uma pessoa

com visão normal é capaz de ver as cores tais como elas são, podendo fazer, portanto,

combinações que lhe agradam aos olhos, prestando atenção ou não no significado

intrínseco a elas. O ilustrador, por ser daltônico, leva a crer que escolhia as cores mais pela

representação do que pela sua beleza. Esse pensamento nos apresenta uma dimensão

cuidadosa na escolha das cores empregadas na coluna, pois provavelmente não eram feitas

ao acaso. O vermelho como cor recorrente nas ilustrações remete ao perfil sedutor

constante das “Garotas”, bem como à sua malícia e volúpia.

Nessa edição em especial, o vermelho é a cor que mais se sobressai, presente no

detalhe do avental da “Garota” central, no título da coluna, no suéter da ilustração no canto

direito inferior, no avental e fita de cabelo da “Garota” no canto direito superior. O tema é

a sedução, sem dúvida, mas nos moldes conservadores, ou seja, a mulher que atrai o sexo

oposto pelas prendas de futura esposa. O vermelho entra como a cor do desejo, da

conquista e parece que, por essa ser discreta, a sua utilização também o é: “Nas artes

visuais, a cor não é apenas um elemento decorativo ou estético. É o fundamento da

expressão (....)” 288

287
VIGARELLO, Georges. Op cit, p. 167.
288
MODESTO, Farina. Psicodinâmica das cores em comunicação. São Paulo, 1986, p.23.

143
Mesmo abordando um tema conservador como a mulher no lar, a coluna fornece

pistas discretas de que “As Garotas” não serviam muito para esse tipo de papel. Esse fato

não seria plenamente percebido sem a ajuda do texto, que, mesmo reforçando, consegue

contradizer a imagem que está sendo mostrada: “Não há nenhum conflito entre os dois

tipos de informação. Cada uma tem as suas especificidades. Mas as implicações da

natureza universal da informação visual não se esgotam em seu uso como substitutivo da

informação verbal.” 289 O texto consegue imputar uma outra perspectiva à imagem

mostrada: “Mexer com massas, que espiga! Vou meter mãos pelos pés, que esse rolo de

pastéis só serve mesmo é para briga.”

Em “Uma Garota infernal”, de 19 de outubro de 1957, a “Garota” é ilustrada

vestindo-se de capetinha, com tridente e rabo pontudo. Essa imagem, apesar de nos remeter

a uma figura má, tende a encantar e seduzir o espectador. A “Garota” olha fixamente para

ele, em uma posição corporal aberta e convidativa. A roupa é uma espécie de collant, que

realça as formas da ilustração.

A análise que tendemos a fazer desse exemplar da coluna é que ela contém uma

figura feminina maliciosa. Ao mesmo tempo, também podemos perceber uma imagem nos

moldes tradicionais, que parece ter como objetivo preencher os desejos masculinos.

A cor predominante na coluna, no caso, é novamente o vermelho, refletindo a

sedução, mas também sinalizando o perigo: “A paixão aquece o fogo. Há o jogo entre o

amor e pecado e uma relação com o fato: o vermelho como representante do fogo,

aquecerá os amantes e o mesmo fogo indicará a cor da proibição: não toque no fogo.” 290

Esse perigo alerta os rapazes incautos a tomarem cuidado com o poder que essas figuras

exercem sobre eles.

289
DONIS, A. DONDIS. Sintaxe da linguagem visual. São Paulo: Martins Fontes, 1997, p. 185.
290
GUIMARÃES, Luciano. A cor como informação: a construção biofisica, lingüística e cultural da
simbologia da cores. São Paulo, 2000, p. 118.

144
Fig 58. “Uma Garota infernal” em 19 de outubro de 1957. Texto A. ladino. A “Garota” corrompia os mais incautos
rapazes. Ela encarnou nessa edição a mulher tentadora, que leva os homens a cometer loucuras. Como de costume, as
ilustrações demonstravam muita intimidade com seus corpos, sem o receio de explorar a sensualidade, algo pouco
incentivado para as moças de reputação.

Nesse mesmo sentido, a mulher é representada como a tentação, o perigo que leva

os homens à perdição, tal como o exemplo de Adão e Eva, quando essa come a maçã

proibida e os condena a abandonar o paraíso. Aqui está implícito que a mulher é

responsável pelos deslizes masculinos, e não ele próprio.

Esse é um posicionamento que leva a figura feminina ao constante sentimento de

culpa ao usar a sedução. A construção da sua identidade dá-se pelo olho masculino, ou

seja, tal como ele quer vê-la, e não como ela é de verdade, imputando um sentimento de

culpa e embaraço em relação ao seu corpo. Essas atitudes são originadas da visão

pecaminosa em relação à mulher, afirmadas pela tradição cristã ocidental, como salienta

Bryan Turner: “Meu argumento é que, essas atitudes frente ao corpo são, ao menos em

145
parte, um reflexo do conjunto da tradição cristã do Ocidente. Meu corpo é carne: é o local

do apetite corruptor, do desejo pecaminoso e da irracionalidade privada.” 291

Os versos de A. Ladino adicionam elementos não percebidos pela apreciação da

imagem em si: “Garota cheia de bossa, como o Petróleo, bem nossa, tropical, primaveril,

você, Garota flamante, é um hino belo e vibrante, à pujança do Brasil.”

Esse trecho da coluna sublinha uma associação entre a brasileira e a sensualidade,

entretanto de uma forma um tanto quanto nacionalista. Esse trecho parece apontar para o

surgimento da mulher brasileira tipo exportação. Esse perfil associou os predicados e a

sensualidade dessa figura feminina às suas raízes miscigenas, fato ancorado no mito das

três raças (branco, índio, negro) criado no período do Estado Novo para forjar uma unidade

nacional: “A mestiçagem brasileira nunca foi um fenômeno homogêneo. Os defensores do

mestiço como símbolo nacional tiveram que escolher, entre várias mestiçagens ocorridas

no Brasil aquelas que melhor se enquadravam nos seus projetos de identidade nacional.” 292

Essa relação talvez comece a surgir com mais força no momento e, provavelmente, o

redator, assim como intelectuais da época se inspiraram nessa suposta particularidade do

povo brasileiro para explicar essa característica.

É tendencioso colocar “As Garotas do Alceu” em qualquer tipo de rótulo:

modernas, emancipadas, comportadamente ousadas. No entanto, elas não parecem se

encaixar em nenhum deles, sendo isso uma característica constante, de uma forma geral,

nas seções pesquisadas. Elas não eram a “melindrosa”, a “rainha do lar” ou as “feministas

feias”, eram outra coisa no meio desses estereótipos.

A verdade é que podemos, de maneira geral, interpretar as imagens da coluna por

diversos ângulos e, assim mesmo, em todos, modelos novos e antigos de mulher serão

291
TURNER, Bryan. S. El Cuerpo y la sociedad: exploraciones em teoria social. México: Fondo de Cultura
Econômica. 1989, p. 33

292
VIANNA, Hermano. Op cit, p.68.

146
apresentados convivendo ou entrando em conflito entre si: “Por definição, as imagens

visuais sempre propiciam diferentes leituras para os diferentes receptores que as apreciam

ou que dela se utilizam enquanto objetos de estudo.” 293

Se existiu uma intenção, algo discutível, por parte do autor Alceu Penna e do

conjunto de redatores que colaboraram com a coluna, foi a de não estabelecer nenhum tipo

de classificação da mulher. A coluna demonstrou as inúmeras situações em que o novo e o

antigo se esbarravam e como “As Garotas” lidavam com eles. Como ser moderna e ao

mesmo tempo não ficar falada? Até onde ir com o meu namorado, sem que ele pense que

sou demasiadamente experiente? Como aproveitar as ousadias da moda sem, contudo, ser

vulgar? Tudo indica que esses questionamentos pertenciam tanto às “Garotas” quanto a

muitas mocinhas no período de vigência da coluna. É fácil entender, assim, por que a

coluna foi tão popular. O diálogo e a identificação existiam entre a coluna e as leitoras, e

não o discurso normatizador.

A coluna não estava preocupada em estabelecer um padrão de comportamento entre

as suas leitoras, já que as ilustrações eram em si contraditórias. É fato que a coluna refletiu

a sociedade da época, em processo de intensas modernizações, fruto de avanços na

indústria e urbanização. Os novos padrões conviviam com os velhos, já anunciando que os

velhos estavam fadados a desaparecer. Alceu Penna nos deixou uma sugestão de um

modelo de mulher mais independente e individual, que, mesmo vivendo em uma sociedade

ainda conservadora, muitas vezes prestava atenção em seus anseios e sonhos, colocando-se

em primeiro lugar em relação ao homem e aos papéis tradicionalmente impostos a ela.

293
KOSSOY, Boris. Op cit, p. 45.

147
CONCLUSÃO

“As Garotas” viveram seu auge entre as décadas de 1940 e 1950, um momento em

que a mulher se via solapada entre anúncios de cremes e pó-compacto, buscando

reinventar-se, inspirando-se no cinema e nas revistas ilustradas, ansiosa por uma

redescoberta. Na verdade, a coluna pouco auxiliou na tarefa de imputar uma determinada

identidade a ela, pois se ocupou mais das contradições que do discurso homogêneo da

moral e dos bons costumes.

Esse discurso, repleto de regras, que inundavam a literatura e a imprensa,

funcionava na realidade como um apoio na verdadeira crise da identidade feminina, que só

cresceria com o passar dos anos, como discutido por Betty Friedan: “A imagem pública

que desafia a razão e tem pouco a ver com a realidade, teve o poder de modelar

excessivamente a vida da mulher. Mas essa imagem não possuía tal força se não existisse

uma crise de identidade.” 294

A coluna, ao omitir-se dos tradicionais estereótipos femininos, abriu espaço para

uma nova figura feminina, que estava querendo emergir. Esse novo tipo de mulher ainda

não era a realidade e precisaria esperar os movimentos, a partir dos anos 1960, que

procuraram quebrar valores tradicionais profundamente arraigados: “O movimento jovem

da década de 1960 não foi apenas altamente inovador em termos políticos, foi, talvez, antes

de tudo, um movimento revolucionário na medida em que colocou em xeque os valores

conservadores da organização social (...).” 295

“As Garotas do Alceu”, ao mesmo tempo em que eram o espelho da mulher

propagada pelas comunicações, de moral conservadora, mas em sintonia com a

modernidade, se tornaram figuras marginais, na medida em que fugiam desse padrão em

294
FRIEDAN, Betty. Mística feminina. Petrópolis: Vozes, 1971, p.67.
295
PINTO, Céli Regina Jardim. Uma história do Feminismo no Brasil. São Paulo: Fundação Perseu Abramo,
2003, p. 42.

148
direção a um novo modelo. Marilza Mestre fala sobre um conceito de marginalidade na

construção do feminino, que se aplica ao exemplo materializado pelas “Garotas”:

“Natalie Zemon Davies entende por marginalidade a condição daquele (a)


que está às margens da média de comportamento aceito socialmente
como normal. Ela entende que alguns tendem (por diversas razões
contingenciais) a fugir do repertório padrão, e assim ocorre a
variabilidade necessária para que novos padrões comportamentais possam
ser selecionados pela cultura e que esta sofra as mudanças.” 296

“As Garotas”, mesmo representando um tipo de mulher mais livre das amarras da

sociedade patriarcal e dos papéis tradicionalmente atribuídos a ela, não materializaram a

emancipação feminina completa. Um quadro da emancipação feminina, em sua forma

completa, apontado por Françoise Thébaud, é a constituição de um espaço

verdadeiramente comum entre homens e mulheres, um espaço de igualdade de direitos e

oportunidades, preservando a diferença de identidades. 297 Essa igualdade até hoje não se

concretizou plenamente e, assim, muitas batalhas ainda teriam que ser travadas após o

período da coluna para que os efeitos da revolução feminina começassem a tomar formas

mais concretas.

Em um primeiro momento pensei que com o desfecho da dissertação chegaria a

respostas mais concretas sobre “As Garotas”. Hoje, olhando para trás, penso que esse

pensamento só empobreceria a análise e não corresponderia à totalidade do objeto

estudado. É, na verdade, difícil lidar com a indefinição. Tive o intuito, inicialmente, de

dizer exatamente o que foram as ilustrações de Alceu Penna. No entanto, perceber as

contradições e a profundidade do que elas representaram foi um grande aprendizado

retirado dessa experiência. “As Garotas” foram recatadas e modernas, bobinhas e espertas,

296
MESTRE, Marilza. A marginalidade como fator de construção do feminino. Disponível em:
http://www.utp.br/psico.utp.online/site1/artigo_marilza_mestre1.pdf, p. 3. Acessado em 3 de março de 2007.
297
DUBY, Georges; PERROT, Michelle. História das mulheres: o século XX, v.5. Roma: Afrontamento,
1991.

149
doces e ásperas, entre tantos outros paradoxos que as tornam praticamente impossíveis de

definir.

150
FONTES E BIBLIOGRAFIA:

1- Arquivos, acervos e bibliotecas consultadas:

Biblioteca do Centro Universitário Senac. SP

Biblioteca do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas Universidade Estadual de


Campinas. UNICAMP
Biblioteca Pontifícia Universidade Católica. PUC-MG

Biblioteca Pública do Estado de Minas Gerais Luiz de Bessa. BH

Arquivo do Jornal Estado de Minas. BH

Acervo pessoal Thereza de Paula Penna. RJ

2- Exposições visitadas:

“As Garotas do Alceu”. Museu de Arte da Pampulha. Belo Horizonte. 18 de abril de 2005
a 01 de maio de 2005

“Carmem Miranda para sempre”. Memorial da América Latina. São Paulo. 08 de março a
16 de abril de 2006

“O Brasil na ponta do lápis: Alceu Penna, modas e figurinos”. Centro Universitário Senac.
São Paulo. 09 a 26 de maio de 2007 - Campus Universitário Senac - SP

3- Eventos:

Evento Minas Cult. Desfile de estilistas mineiros, sob a direção de Paulo Borges,
inspirados pelo trabalho de Alceu Penna. Praça da Estação. Belo Horizonte. 16 de abril de
2005

1. Fontes e Bibliografia

1.1. Fontes

1.1.1. Fontes orais

Thereza de Paula Penna. Rio de Janeiro: 01 fevereiro de 2006, 07 de junho de 2006, 02


novembro de 2006.

151
1.1.2. Fontes escritas:

O, CRUZEIRO (Acervo Jornal Estado de Minas)


1928 – 1980

“As Garotas do Alceu”. In: O CRUZEIRO (Acervo Jornal Estado de Minas)


1938 – 1964

CIGARRA, A (Acervo Jornal Estado de Minas)


1930 – 1950

ESTADO DE MINAS (Arquivo Estado de Minas)


16/04/00

CASTRO. Ruy. Texto de abertura da exposição “O Brasil na ponta do lápis: Alceu Penna,
modas e figurinos”. Centro Universitário Senac-SP. Maio 2007

HOLLANDA, Heloisa Buarque. Texto manuscrito. Rio de Janeiro, 2006 (mimeo).

MARINA, Anna. Texto manuscrito. Belo Horizonte, 2006 (mimeo). 09 de novembro de


2006.

1.2 Catálogos de exposições:

Apresentação do catálogo da exposição “Garotas do Alceu”, realizada em julho de 1983,


no Palácio das Artes.

1.3 Memórias e Biografias:

CARVALHO. Luiz Maklouf. Cobras criadas: David Nasser e O Cruzeiro. São Paulo:
Senac, 2001

CASTRO, Ruy . Carmem: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2005

DÓRIA. Carlos. Bordado da Fama: Uma biografia de Dener. São Paulo, 1998

JUNIOR, Gonçalo. Alceu Penna e as Garotas do Brasil: moda e imprensa 1933/1980.


São Paulo: Clube dos Quadrinhos, 2004

LEÃO, Danuza. Quase tudo: memórias. São Paulo: Companhia das Letras, 2005

MORAIS. Fernando. Chatô: o rei do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1994

152
NETTO. Accioly. Império de Papel: Os bastidores de O Cruzeiro. Porto Alegre: Sulina,
1998

NUNES. Maria Aparecida (org). Correio Feminino. Qualidades para tornar a mulher In:
Correio da Manhã. LISPECTOR, Clarisse. 22 de janeiro 1960

SANTOS. Joaquim Ferreira dos. Feliz 1958: o ano que não devia terminar. Rio de Janeiro:
Record, 2003

VILLAS. Alberto. O Mundo acabou. São Paulo: Globo, 2006

1.4 Obras e textos literários:

MILLÔR. Fernandes. Apresentações. Rio de Janeiro: Record, 2004

PESSOA. Fernando. Não sei quantas almas tenho. Disponível em:


http://users.isr.ist.utl.pt/~cfb/VdS/v096.txt. Acessado em 19 de junho de 2007.

2. Bibliografia

2.1. Obras de referência:

CASTRO, Ruy. Ela é carioca: uma enciclopédia de Ipanema. São Paulo: Companhia das
Letras, 1999

PAES. José Paulo.MASSAUD. Moisés. Pequeno dicionário de literatura brasileira. São


Paulo

2.2 Livros, teses, relatórios e artigos científicos:

ABREU. Regina. A capital contaminada: construção da identidade nacional pela negação


do espírito carioca. In: LOPES. Antônio Herculando. (org) Entre Europa e África: a
invenção do carioca. Rio de Janeiro: Fundação Casa Rui Barbosa: Top books, 2000

ACCIOLY. Aluízio Ramos. MARINHO. Inezil Penna. História e organização da


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Caderno. 20 de março de 1981, p.15.

4. Artigo publicado em meio digital

CHARLES DANA GIBSON´S ELEGANT DRAWINGS CAPTURED THE SPIRIT OF


AN AGE, p. 04. Disponível em http://www.gibson-girls.com/index.html

161
CRÉDITO DAS ILUSTRAÇÕES

INTRODUÇÃO

Fig 01. Alceu Penna desenhando. Sem data. Acervo Gabriela Ordones Penna

Fig.02 a. Figurino inspirado na ópera Carmem. Sem data. Acervo Thereza Penna.
Fig 02 b. Figurino Bolero. Sem data. Acervo Thereza Penna.

Fig. 03 a e 03 b. “Cada terra tem seu uso”. Sugestão de fantasias de Alceu Penna, para O
Cruzeiro. 04 de fevereiro de 1939. Acervo Jornal Estado de Minas.

Fig. 04 a Croqui de modelo do costureiro Balenciaga, Sem data. Acervo Thereza Penna
Fig. 04 b Croqui de um modelo do costureiro Fath. Sem data. Acervo Thereza Penna

Fig. 05 Cartaz sabão Sulfuroso. Sem data. Acervo Thereza Penna.

Fig. 06 a 06 b Croquis de Alceu Penna para shows ou cassinos. Sem data. Acervo Thereza
Penna

Fig. 07 a Capa livro “J Carlos: Época, vida e obra” de Álvaro Cotrim (Alvarus).
Fig. 07 b Ilustração de Erté “Alphabet Cloak”. Sem data.

Fig 08 a Figurino de Alceu Penna para Elza Soares. Show Brazil Export, no Canecão.
1972. Acervo Thereza Penna.
Fig. 08 b Croqui para o figurino da “Viúva do Palhaço” do show da Rhodia Stravaganza.
1969. Acervo Thereza Penna.

Fig.09 a Capa revista Tricô e Crochê. Exemplar pertencente à Mercedes Penna, mãe de
Alceu. Sem data. Acervo Thereza Penna.
Fig. 09 b Ilustração Calendário Santista. 1945-46. Acervo Jornal Estado de Minas.

Fig. 10a. Croqui feito para show. Possivelmente para o Brazil Export no Canecão em
1972. Acervo Thereza Penna.
Fig. 10 b. Croqui feito para Ducal Jeans e Madras denominado Golden Years 1973.
Acervo Thereza Penna.

CAPITULO 01

Fig 11. Coluna “As Garotas do Alceu”: Garotas em Copacabana. 04 de janeiro de 1941.
Texto Lyto. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.

162
Fig 12 a. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garotas de fevereiro”. 07 de fevereiro de 1942.
Texto Lyto. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.
Fig 12 b. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Municipal com as Garotas”. 18 de fevereiro de
1956. Texto A. Ladino. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.

Fig 13 a. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garotas de setembro”. 05 de setembro de 1942.


Texto Millôr Fernandes. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.
Fig 13 b. Coluna “As Garotas do Alceu”. “Garotas em férias”. 17 de novembro de 1945.
Texto Vão Gôgo. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.

Fig 14 a. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garota Cinema”. 26 de novembro de 1938.


Texto Alceu Penna. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.
Fig. 14 b. Coluna “As Garotas do Alceu”: Garotas e a luta de Box. 27 de julho de 1940. O
Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.

Fig. 15. Coluna “As Garotas do Alceu”: Garotas & Carnaval em 14 de fevereiro de 1942.
Texto Alceu Penna. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.

Fig 16 a. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garotas e a arte da culinária”. 26 de novembro


de 1938. O Cruzeiro. Texto A. Ladino. Acervo Jornal Estado de Minas.
Fig 16 b. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Para Agradar as Garotas”. 11 de março de
1944. Texto Alceu Penna. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas

Fig.17 Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garotas e a comedie française”. 27 de maio de


1950. Texto A. Ladino. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas
Fig. 18. Coluna “As Garotas do Alceu”: Garotas no Municipal. Texto Alceu Penna. 25 de
julho de 1942. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas

Fig. 19 a. Coluna “As Garotas do Alceu”: Garotas em ferias”. Texto A. Ladino. 03 de abril
de 1954. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.
Fig. 19 b. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Um ônibus e Garotas em pé”. 27 de maio de
1950. Texto A. Ladino. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.

Fig. 20. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Sol é maluco por Garotas”. 22 de outubro de
1955. Texto A. Ladino. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.
Fig. 21. Coluna “As Garotas do Alceu”. 1° amor das Garotas. Texto sem referência. 10 de
novembro de 1945. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.

Fig. 22 a. Coluna “As Garotas do Alceu”: A beleza das Garotas. Texto Alceu Penna. 01
agosto de 1942. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.
Fig. 22 b. Coluna “As Garotas do Alceu”: Garotas e os autógrafos. Texto A. Ladino. 11 de
outubro de 1952. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.
Fig. 23. Coluna “As Garotas do Alceu”. Garotas na areia. Texto sem referência. 10 de
novembro de 1945.

163
CAPITULO 02

Fig. 24a. Capa Cigarra. Sem data. Acervo Estado de Minas.


Fig 24 b. Suplemento feminino em A Cigarra. Janeiro de 1945. Acervo Estado de Minas.

Fig. 25 a. Capa O Cruzeiro, feita por Alceu Penna. 24 de dezembro de 1938. Acervo
Jornal Estado de Minas.
Fig. 25 b. Capa O Cruzeiro inaugural. 05 de dezembro de 1928. Acervo Estado de Minas.

Fig. 26 a. Coluna Lar doce Lar: Mais salgadinhos de salsichas. O Cruzeiro. 13 de


dezembro de 1958. Acervo Jornal Estado de Minas.
Fig. 26 b. Reportagem O Cruzeiro: Vivi! 05 de dezembro de 1938. Acervo Jornal Estado
de Minas.

Fig 27 a. O Pif Paf. O Cruzeiro 17 de outubro de 1959. Acervo Jornal Estado de Minas.
Fig 27 b. O Amigo da Onça. O Cruzeiro 11 de janeiro de 1964. Acervo Jornal Estado de
Minas.

Fig 28 a. Coluna Elegância e beleza. O Cruzeiro. 06 de julho de 1957. Acervo Estado de


Minas
Fig 28 b. Coluna De mulher para Mulher. O Cruzeiro 27 de julho de 1957. Acervo Jornal
Estado de Minas.

Fig. 29 a. Conto Bahia. O Cruzeiro 08 de outubro de 1938. Acervo Jornal Estado de


Minas.
Fig. 29 b. Portifólio Modas. O Cruzeiro 17 de julho de 1943. Acervo Jornal Estado de
Minas.

Fig. 30 a. Reportagem sobre os lançamentos da Maison de Christian Dior, de Alceu Penna,


para O Cruzeiro. 28 de agosto de 1957. Acervo Jornal Estado de Minas.
Fig. 30 b. Reportagem sobre a coleção de Lanvin Castillo, inspirada no Japão, de Alceu
Penna, para O Cruzeiro. 03 de agosto de 1957. Acervo Jornal Estado de Minas.

Fig 31 a. Reportagem sobre o concurso Miss Brasil 1957, em que Teresinha Morango era a
vencedora. O Cruzeiro. 06 de setembro de 1957. Acervo Jornal Estado de Minas.
Fig 31 b. Reportagem sobre as belezas de Copacabana. O Cruzeiro. 29 de maio de 1943.
Acervo Jornal Estado de Minas.

Fig 32. Coluna “As Garotas do Alceu” 19 de novembro de 1938. O Cruzeiro. Acervo
Estado de Minas.

Fig 33 a. Coluna “As Garotas do Alceu”: Malas e Garotas. Texto sem referência. 23 de
novembro de 1940. O Cruzeiro. Acervo Estado de Minas.
Fig 33 b. Coluna “As Garotas do Alceu”: Pausa e meditação das Garotas. Texto A. Ladino.
28 de julho de 1956. O Cruzeiro. Acervo Estado de Minas.

Fig 34 a. Camille Clifford, atriz, conhecida por ser uma Gibson Girl. 1905.
http://www.gibson-girls.com/gibson-3.html. Acessado em 25 de outubro de 2006.

164
Fig 34 b. Ilustração Gibson Girl. 1909. http://www.gibson-girls.com/gibson-3.html.
Acessado em 25 de outubro de 2006.

Fig 35 a. Reportagem Garotas do Alceu. O Cruzeiro 30 de outubro de 1948. Acervo Jornal


Estado de Minas.
Fig. 35 b. Foto desfile Providência dos Desamparados com as damas da sociedade vestidas
de Alceu Penna 1948. Acervo Thereza Penna.

Fig. 36.a Coluna “As Garotas do Alceu”: Cuidado! Garotas. Texto Alceu Penna. 08 de
novembro de 1941. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.
Fig. 36 b. Coluna “As Garotas do Alceu”: Garotas dão aula de moda. Texto Maria Luiza.
25 de outubro de 1958. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.

Fig 37 Coluna “As Garotas do Alceu”: Garotas à postos. Texto sem referência. 17 de
outubro de 1942. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.

Fig. 38 a. Reportagem Calendário Garotas. 06 de dezembro de 1952. O Cruzeiro. Acervo


Jornal Estado de Minas.
Fig. 38 b. Calendário Garotas. Sem data. Acervo Gabriela Ordones Penna

CAPITULO 03

Fig. 39 a. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Bicicletas e Garotas” em 05 de Agosto de


1946. Texto A. Ladino. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.
Fig. 39 b. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garotas e equitação” em 16 de janeiro de 1943.
Texto Millôr Fernandes. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.

Fig 40. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garotas patinando” 19 de janeiro de 1946. Texto
Vão Gôgo. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.

Fig 41. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garotas & New York” 19 de janeiro de 1946. 29
de Junho de 1940. Texto Alceu Penna. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.

Fig 42. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garotas em shorts”. 18 de outubro de 1952. Texto
A. Ladino. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.

Fig.43. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garotas e os chapéus novos”. 13 de maio de


1939. Texto Alceu Penna. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.

Fig.44 Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garotas dão cada baixo!”. 01 de novembro de
1952. Texto A. Ladino. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.

Fig.45 Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garotas e camuflagem". 21 de novembro de 1942.


Texto Alceu Penna. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.

Fig. 46 a. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garotas a bordo”. 30 de novembro de 1938.


Texto Alceu Penna. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.

165
Fig. 46 b. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Que te quero Garota”. 26 de outubro de 1957.
Texto A. Ladino. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.

Fig.47 “A mulher em nova edição”. 28 de setembro de 1957. O Cruzeiro. Acervo Jornal


Estado de Minas.

Fig.48 a. Coluna “As Garotas do Alceu”: “O banho das Garotas”. 31 de janeiro de 1942.
Texto Alceu Penna. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.
Fig.48 b. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garotas em passeios”. 02 de novembro de 1946.
Texto A. Ladino. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.

Fig.49 Coluna “As Garotas do Alceu”: “O banho das Garotas”. 31 de janeiro de 1942.
Texto A. Ladino. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas

CAPÍTULO 04

Fig.50 Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garotas e o lar”. 31 de julho de 1943. Texto Alceu
Penna. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.

Fig. 51 Coluna “As Garotas do Alceu”: “A ressaca das Garotas”. 09 de março de 1946.
Texto Alceu Penna. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.

Fig. 52. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garotas em provas”. 29 de outubro de 1955.
Texto A. Ladino. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.

Fig.53. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garotas de Sarongs” em 10 de abril de 1943. O


Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.

Fig 54. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Na terra onde mandavam as Garotas” em 28 de
agosto de 1943. Texto Alceu Penna. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.

Fig. 55. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Três Garotas e Páris na sinuca” em 24 de julho
de 1943. Texto Vão Gôgo. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.

Fig 56. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garotas, Maio e casamentos” em 01 de maio de
1954. Texto A. Ladino. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.

Fig 57. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garota, o peixe morre pela boca!” em 29 de
setembro de 1956. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.

Fig 58. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Uma Garota infernal” em 19 de outubro de 1957.
O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.

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