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Vamos Garotas!
Alceu Penna: moda, corpo e emancipação feminina.
(1938-1957)
São Paulo
2007
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GABRIELA ORDONES PENNA
Vamos Garotas!
Alceu Penna: moda, corpo e emancipação feminina.
(1938-1957)
São Paulo
2007
2
P397z
Vamos Garotas!
Alceu Penna: moda, corpo e emancipação feminina
(1938-1957) / Gabriela Ordones Penna – São Paulo, 2007.
165. f: il. color.
CDD391
3
Gabriela Ordones Penna
Vamos Garotas!
Alceu Penna: moda, corpo e emancipação
feminina
4
Dedico esse trabalho à Thereza
Penna, que me incentivou e apoiou
em todos os momentos, tornando
essa pesquisa um momento de
descobertas e redescobertas.
5
SUMÁRIO
AGRADECIMENTOS............................................................................................................................ 07
RESUMO.................................................................................................................................................. 10
INTRODUÇÃO
CONCLUSÃO......................................................................................................................................... 148
6
AGRADECIMENTOS
escrever sobre uma coluna tão significativa e, ao mesmo tempo, pouco explorada pelo
meio acadêmico, foi um desafio e, com certeza, não teria conseguido sem a ajuda de
Agradeço à Thereza Penna, minha querida tia-avó e irmã de Alceu Penna, que
carinhosamente abriu as portas de seu apartamento no Rio de Janeiro para mim e minha
orientadora a Profa. Dra Maria Claudia Bonadio, nos mostrando o seu acervo sobre o
ilustrador. Coletamos várias imagens que serviram para a minha dissertação e para o
Projeto Figurino: Alceu Penna (2005-2007), bem como para a exposição resultante dele “O
Agradeço a CAPES pelo apoio concedido pela bolsa de estudos, sem a qual não
Obrigada em especial à Ivonete, Karla, Irene e Rafael. Sem esse acervo completo, cuidado
coluna “Garotas”, eu jamais teria conseguido coletar os dados e imagens que precisava.
Obrigada aos meus pais, Aníbal Penna e Patrícia Ordones, que foram o meu porto-
seguro e fortaleza nessa caminhada difícil, mas muito compensadora. Seus esforços em
procurar registros sobre a coluna “Garotas” e sobre Alceu Penna, bem como indicar
À minha tia, Simone Ordones, que tão generosamente me abrigou em sua casa
durante o período do mestrado e tornou possível o meu sonho de escrever essa dissertação.
7
Agradeço ao meu avô Aluízio Ordones pelo carinho e apoio incondicional. Aos
meus avós Carmelita Gontijo Penna, Josaphat Penna e Zélia de Moura Ordones, aonde
Tenho muito a agradecer, também, a paciência dos meus irmãos Marina e Aluisio
Não poderia ter chegado até aqui se não fosse a minha excepcional orientadora
Profa. Dra. Maria Claudia Bonadio (queria que me orientasse o resto da vida!), que
mesmo que não fosse relativo à dissertação. Obrigado pelos constantes incentivos em
buscar novas perspectivas acadêmicas e profissionais. Tenho certeza que você já faz parte,
“As Garotas”.
Obrigada pelo texto de abertura da exposição “O Brasil na ponta do lápis: Alceu Penna,
modas e figurinos”, que acabei empregando, com muito orgulho, na minha dissertação.
Bueno Ramos, Ana Lúcia Castro, Eliane Robert de Morais, Magnólia Costa e Luiz Octávio
posteriormente na minha banca final. À Profa. Dra. Maria Eduarda Guimarães por ter sido
8
suplente na minha qualificação e banca final. À Profa. Dra. Solange Wajnman que aceitou
ser suplente na minha banca final. Agradeço as contribuições para o crescimento do meu
trabalho, abrindo novas perspectivas a ele, muitas vezes, despercebidas por mim.
Silvana Holzmeister, Celinha, Cris Gurgel, Oneide de Carvalho, Mauro Fiorani, Alexandra
À Profa. Daniela Nunes Figueira que, a partir dos desenhos coletados do ilustrador
profissional.
Obrigada a Cyro Del Nero que, no início do mestrado, me recebeu, juntamente com
meu pai, em sua casa. Sua atenção pela memória de Alceu Penna será sempre lembrada.
Às Profas. Ivone Lourdes e Glória Gomide da PUC-MG, bem como ao Prof. Caio
À querida Profa. Dra. Ana Maria Rabelo Gomes, que me auxiliou na época da
elaboração do meu anteprojeto para o mestrado. Obrigada pela sua atenção e carinho.
Por fim, ao meu querido companheiro Luis André Nobre que tão carinhosamente e
pacientemente me “suportou” nos momentos de crise, cansaço e desânimo. Sem você nada
estaria completo.
9
RESUMO
sociedade. Por meio deles, a mulher estabelece um diálogo com o mundo, refletindo suas
aspirações e frustrações. Sendo assim, este trabalho consiste em demonstrar, pelo estudo de
imagens da “As Garotas do Alceu”, como Alceu Penna contribuiu para a formação de uma
ABSTRACT
The fashion and the body acts as important medias of the woman with the society. For way
of them, the woman establishes a dialogue with the world, reflecting its aspirations and
frustrations. Being thus, this work consists of demonstrating, through the images´s study of
"As Garotas do Alceu", in which way Alceu Penna contributed for the formation of a
modern image of the woman, in the column, transmitting, through the bodies and the
10
INTRODUÇÃO
Seria interessante situar o leitor sobre como a coluna “As Garotas do Alceu” cruzou
o meu caminho. Entre tantos assuntos, por que eu escolhi este para ser o objeto da minha
dissertação de mestrado? Não que fosse mera coincidência, mas o ilustrador Alceu de
Paula Penna é meu tio-avô, irmão do meu avô paterno, Josaphat. Desde pequena, os seus
desenhos estiveram presentes na minha vida, inspirando a imaginação. Era comum meu
avô chegar com cópias de trabalhos do Alceu, especialmente no almoço de domingo (com
uma Amandita escondida no casaco), pois sabia que eu adorava passar as tardes
desenhando. Aí, uma vez munida de todas aquelas figuras, eu ia, compenetrada, tentar
fazer pelo menos um parecido. Quanta presunção a minha! Por muitos anos eu não sabia,
pela questão da idade, avaliar aquele trabalho como algo além de belos desenhos.
Meu avô, sua irmã Thereza e meu pai, Aníbal, sempre foram grandes fontes de
visuais: Alceu Penna era um “prato cheio”. Quanto mais eu conhecia o seu trabalho, mais
Além da influência do meu tio-avô, tive uma ajuda da minha mãe, Patrícia Ordones,
para tomar gosto por moda, pois ela trabalhou, durante um bom tempo, como jornalista
1
Publicação do Diário do Comércio que circula, até hoje, semanalmente, direcionada ao público feminino.
2
Publicação dos Diários Associados já extinta.
11
Gráfico e Direção de Arte e acabei fazendo muitos estágios na área. Completei a
graduação, mas já no sexto período (mais da metade do curso) eu sabia que não queria
trabalhar como publicitária. Na ocasião, fiz uma reavaliação de interesses e decidi que era
hora de me voltar para a moda, que sempre permeou a minha vida, de uma forma ou de
outra.
Meu trabalho de conclusão de curso não podia ter seguido outro direcionamento.
Meu grupo apresentou um projeto experimental um estudo de site para a marca mineira de
roupas Elvira Matilde, que explorava mecanismos para venda de vestuário pela internet. 3
Foi a minha primeira experiência acadêmica com a moda e aquilo me instigou a buscar um
mestrado.
oportunidade de concretizar esses objetivos, algo que acabou por me aproximar ainda mais
da moda.
3
http://www.elviramatilde.com.br/
12
2- As Garotas: muitas mulheres em uma representação
Nos últimos anos, têm-se ampliado os estudos sobre a história da moda brasileira,
campo de trabalhos acadêmicos como os de Ruth Joffily 5 , Maria Claudia Bonadio 6 , Carla
Outra iniciativa que resgatou a memória do ilustrador foi o Projeto Figurino: Alceu
que contribuiu para a sua memória instigando alunos e professores. 9 O projeto visou a
alguns de seus modelos. Nesse sentido, as alunas realizaram estudos sobre modelagem da
época, percebendo os significados da moda e do corpo para as mulheres que eram jovens
no período.
4
PESSOA, Fernando. Não sei quantas almas tenho. Disponível em:
http://users.isr.ist.utl.pt/~cfb/VdS/v096.txt. Acessado em 19 de junho de 2007.
5
JOFFILY, Ruth. Jornalismo de Moda. Jornalismo feminino e a obra de Alceu Penna. Dissertação de
mestrado apresentada ao departamento de Comunicação da UFRJ, 2002.
6
BONADIO, Maria Claudia. O fio sintético é um show! Moda, política e publicidade Rhodia S/A. 1960-
1970. Tese de Doutorado. Campinas, 2005
7
BASSANEZI, Carla. URSINI, Bombonatto Leslye. O Cruzeiro e As Garotas. In: Cadernos Pagu. Núcleo
de Estudos de gênero. Unicamp, 1995
8
ANASTÁCIO, Marina Bruno Santo. Garotas do Alceu: moda feminina brasileira nas páginas de “O
Cruzeiro” entre 1938 e 1958. Monografia, UFRJ, Rio de Janeiro, 2003.
9
O Projeto Figurino teve a coordenação geral da Profa Dra Maria Claudia Bonadio e das atividades de
modelagem pela Profa Daniela Nunes Figueira. Esse núcleo de pesquisa resultou a exposição “O Brasil na
ponta do lápis: Alceu Penna, modas e figurinos” no Centro Universitários Senac-SP em maio de 2007.
13
Verifiquei que Alceu Penna é explorado em crônicas e textos não acadêmicos
também. Alguns dos autores que trabalham nesse sentido são Joaquim Ferreira dos
especial das mulheres, assim como a imprensa nacional, moda, arte, entre outros,
necessitando, portanto, de uma dedicação maior por parte dos estudiosos. Dessa maneira,
Na coluna, o corpo e a moda ocupam posição de destaque, tanto que a maioria dos
autores citados neste trabalho que a abordam, tangenciam esses assuntos, de uma maneira
estudo maior sobre eles na coluna “As Garotas”, objetivo que procurei perseguir nesse
trabalho.
Brasil: moda e imprensa 1933/1980”, de Gonçalo Junior, foi um começo para mim, pois
futura emancipação.
Instigada por ela, pesquisei alguns desenhos dele que tinha em casa e confirmei que
vigentes. Isso me chamou a atenção e me interessou, pois, apesar de ser quase um consenso
10
SANTOS, Joaquim Ferreira dos. Feliz 1958: o ano que não devia terminar. Rio de Janeiro: Record, 2003
11
VILLAS, Alberto. O mundo acabou. São Paulo: Globo, 2006
12
JUNIOR, Gonçalo. Alceu Penna e as garotas do Brasil: moda e imprensa 1933/1980. São Paulo: Clube
dos Quadrinhos, 2004.
14
que elas eram muito avançadas para a época, seria uma oportunidade de aprofundar essa
reflexão.
pareceram bons mecanismos para estudá-la, pois era pela visualidade da coluna (cores,
formas, composição, etc.) e pelos textos maliciosos que a figura feminina ousada se
destacava. O corpo e a moda das “Garotas”, juntamente com todos os recursos visuais
coluna “As Garotas do Alceu”, como Alceu Penna contribuiu para a construção de uma
imagem moderna da mulher13 , mostrando nos corpos e na moda das “Garotas” “imagens
da emancipação feminina” 14 .
13
Mulher moderna: compreendo como uma mulher que, apesar de compartilhar de elementos tradicionais
relativos ao seu papel como mãe e esposa, por exemplo, consegue ir além deles, permitindo-se ter outras
aspirações, como uma profissão, uma vida ligada mais aos prazeres que aos compromissos de um lar, ter
vários relacionamentos ao mesmo tempo, enfim, experimentar papéis menos tradicionais, gozando, assim, de
maior liberdade. O conceito de mulher moderna será trabalhado com maiores detalhes no capítulo 3.
14
Entendo como imagens da emancipação feminina um estágio em que a mulher ainda não se libertou
completamente das amarras da sociedade patriarcal, mas demonstra que já está caminhando para isso.
15
3- Estruturação dos capítulos e corpus documental
analisar imagens e textos presentes na coluna caracterizando as ilustrações pelo seu estilo
ilustrações como figuras femininas cariocas. Na segunda parte do capítulo, trato das
“Garotas” como jovens, uma categoria etária que começava a se definir no cenário
brasileiro nos anos 1950. Nele procuro identificá-las como pertencentes a esse grupo, que
Penna para a publicação é colocado em evidência, bem como a sua importância. Por fim, a
coluna “As Garotas do Alceu” é estudada com maior dedicação, sendo investigadas as
16
sociedade. A maneira com que a mulher contemporânea à coluna se relacionava com eles é
analisada, indicando-se, comparativamente, como era essa relação para “As Garotas”,
especialmente em O Cruzeiro. Nesse sentido é explorado até que ponto o perfil feminino
das “Garotas” vai ao encontro desse ideal e de que maneira eles se separam.
que está inserido. Na segunda parte, a forte ligação entre as imagens, os textos e o humor
será abordada. Por fim, será feita uma análise de imagens da coluna, juntamente com o
auxílio dos textos, salientando os dois lados contraditórios das “Garotas”: ousado e
recatado
***
“As Garotas do Alceu” são: o jornal Estado de Minas, em Belo Horizonte, e a Biblioteca
Mário de Andrade, em São Paulo 15 . Optei pelo acervo do Estado de Minas, pois, além de
Outra fonte de pesquisa foi o acervo de Thereza Penna. Nele existem registros
sobre a carreira do ilustrador em geral, tais como capas de revistas, cadernos de desenhos,
15
O acervo de O Cruzeiro foi para o Estado de Minas, publicação dos Diários Associados, após a falência da
revista, em 1980. O jornal foi a única publicação dos Diários Associados com dinheiro e estrutura suficientes
para comprar o arquivo.
17
publicidade e uma enormidade de outras referências pouco conhecidas. As conversas com
Thereza foram igualmente importantes, já que ela conviveu por anos de forma próxima
18
4- Balizas cronológicas
A coluna “As Garotas” conta ao longo de sua vigência com diversas colaborações
de redatores, que auxiliaram “a dar vida” a essas figurinhas tão populares no Brasil em
relevantes foram as de Alceu Penna, Accioly Netto (Lyto), Millôr Fernandes (Vão Gôgo),
redatora Maria Luiza, todos os outros formam um conjunto singular. Os temas e textos
melhor com a imagem da mulher moderna propagada pela coluna. Esse perfil pode ser
obedientes e quietinhas, como seria do nosso agrado, temos que enfrenta-las de igual para
igual.” 17 .
Os temas e textos da redatora Maria Luiza Castello Branco são mais monótonos e
assumem um tom de conselho para as leitoras, deixando de lado a ousadia para tratar de
do primeiro grupo de redatores: “Para dar uma sacudidela nas amigas a Garota resolve dar
um “Chá de panelas”: cada uma das convidadas traz um utensílio para sua futura casa. ” 18
16
Os redatores serão estudados com mais profundidade no capítulo 02, especificamente no item sobre a
coluna “Garotas”.
17
“As Garotas do Alceu”. “Mas as Garotas de hoje são assim!”. Texto A. Ladino. In: O CRUZEIRO. 09 de
outubro de 1948. p. 34 e 35
18
“As Garotas do Alceu”. “Garotas e o chá de panela”. Texto Maria Luiza. In: O CRUZEIRO. 31 de outubro
1959, p. 40-41.
19
Assim, o trabalho terá um recorte cronológico feito pelos textos. O período a ser
estudado vai do início da coluna em 1938, quando Alceu Penna ilustra e escreve os textos
até 1957, quando Edgar Alencar (A. Ladino) finda sua colaboração.
Esse período também se torna oportuno para a análise, pois, além de compartilhar
influência do american way of life na América Latina, principalmente pelo cinema. Esse
ilustrando uma figura feminina que, mesmo diante de influências estrangeiras, permanece
igualmente preciosa, pois ela sofre uma reformulação, presenciando vendagens grandiosas.
Os conteúdos femininos, incluindo a coluna “As Garotas”, ganharam uma atenção especial
nessa empreitada. Essas informações levam a crer que o público leitor da revista aumentou
O período de análise desse trabalho se finda em 1957, pois além de ser o ano de
20
publicação, vai introduzir um formato gráfico mais avançado, impressa em um papel de
melhor qualidade e contando com uma diagramação mais cuidadosa e atraente. A revista
Claudia (1961), por exemplo, coloca em pauta de forma mais aberta que na publicação das
“Garotas”, temas como sexo e comportamento, sendo direcionada a uma mulher que
fase, marcada pelo governo de JK, que introduzirá metas desenvolvimentistas e de abertura
21
5 - Ser Alceu Penna é... ser versátil
Gerais. Em 1932 ele muda para o Rio de Janeiro e matricula-se na Escola Nacional de
Belas Artes. O primeiro emprego que conseguiu quando chegou à capital foi no
O Cruzeiro e, mais tarde, responsável por sua reformulação, a partir da década 1940. Em
contos.
19
CASTRO, Ruy. Texto de abertura da exposição “O Brasil na ponta do lápis: Alceu Penna, modas e
figurinos”. Centro Universitário Senac-SP. Maio 2007
22
“Até o fechamento das luxuosas casas de jogo pelo
Presidente Eurico Gaspar Dutra, em 1946, ele trabalha em
todos os cassinos mais famosos do Rio. Além da Urca, atua
regularmente no Copacabana, no Icaraí e no Atlântico.” 20
20
JUNIOR, Gonçalo. Alceu Penna e as garotas do Brasil: moda e imprensa 1933/1980. São Paulo: Clube
dos Quadrinhos, 2004, p. 40.
21
“O Concurso da A.A.B”. In: Revista O Cruzeiro. 15 de fevereiro, 1936, p.37.
23
“Produzia desenhos que atendiam aos variados tipos
femininos que compunham seu público: desde as mais
modestas, com fantasias menos luxuosas ou modelos
improvisados para o carnaval de rua, até as mais abastadas,
com sugestões sofisticadas para os bailes de gala.” 22
22
ANASTÁCIO, Marina Bruno Santo. Garotas do Alceu: moda feminina brasileira nas páginas de “O
Cruzeiro” entre 1938 e 1958. Monografia, UFRJ, Rio de Janeiro, 2003, p.5.
24
universo de inspiradoras beldades. “Pelas páginas de O Cruzeiro, o país botou na cabeça
que, além de metrópole e centro gerador de cultura, hábitos e modismos, o Rio tem
23
JUNIOR, Gonçalo. Op cit, p. 14.
24
BASSANEZI, Carla. URSINI, Bombonatto Leslye. O Cruzeiro e As Garotas. In: Cadernos Pagu. Núcleo
de Estudos de gênero. Unicamp, 1995, p. 247.
25
Uma das atrações da Feira de Nova Iorque era o pavilhão brasileiro chamado “Café do Brasil”. Alguns
arquitetos como Lúcio Costa e Oscar Niemeyer, contemporâneos de Alceu Penna na Escola de Arquitetura,
estavam participando do projeto na ocasião. Esse pavilhão evidenciava o poder de atuação da “política de boa
vizinhança” dos EUA para com a América Latina, buscando estreitar as relações entre os países.
25
Thereza Penna o ilustrador trabalhou como consultor
2007).
na sua visita. Disney se impressiona com o talento de Alceu Penna e o contato rende ao
todos, Alceu Penna prefere ficar no Brasil, onde já era reconhecido, pois no exterior
Alceu Penna também emprestou seu talento para a publicidade: cigarros Odalisca
(1938), Casa Levy (1938), Melhoral (1947), Glostora (1947) (uma brilhantina para os
cabelos), o sabão Sulfuroso, embalagens para o Café Globo, fraldas infantis. Além disso,
26
Outros trabalhos se destacam, como os desenhos para o livro de partituras O Sapo
As seções de moda da
Feminino e de O Cruzeiro –
internacionais, devidamente
junina.
Em pesquisa ao acervo de
Alceu Penna e Erté possuíam um estilo dinâmico de ilustração. O constantemente utilizados por ele.
movimento era um fator central, assim como a composição de cores.
Nos primeiros anos de carreira o ilustrador parecia se inspirar nos
desenhos de J Carlos, sendo um grande admirador de seu trabalho. Dessa forma, algumas referências
Coluna direita: Fig. 06 a. 06 b. Croquis de Alceu Penna para shows em desenho ficaram mais claras,
ou cassinos. Sem data
Coluna esquerda: Fig. 07 a. Capa livro “J Carlos: Época, vida e obra” como Erté (1892-1990) e J. Carlos
de Álvaro Cotrim (Alvarus). Fig. 07 b. Ilustração de Erté “Alphabet
Cloak”. Sem data.
(1884-1950), alguns dos nomes
27
Após essa observação, ficou clara a influência de Erté e J. Carlos nos desenhos do
como a norte-americana.
Fig.09 a. Capa revista Tricô e colaborar, também, com a revista Tricô e Crochê (1946-
Crochê. Exemplar pertencente à
Mercedes Penna, mãe de Alceu.
Sem data. 52), publicação de trabalhos manuais femininos
Fig. 09 b. Ilustração Calendário
Santista. 1945-46
pertencente à mesma empresa. Segundo Thereza Penna,
a sua mãe, Mercedes, auxiliava na produção das capas ao fazer tricôs para as ilustrações,
de forma a deixá-las com texturas mais reais (informação oral extraída em junho, 2006).
26
Inicialmente, em 1905, é uma empresa de moagem de trigo e fabricação de derivados na cidade de Santos,
SP. Posteriormente ela ampliou suas atividades para o setor de alimentos, passando também para a área têxtil,
minero-químico, seguro, imobiliário, comércio exterior e transporte.
28
Já na década de 1950, devido ao fechamento dos cassinos, Alceu Penna desenvolve
figurinos para o teatro e shows como a peça Escândalos (1950), com Bibi Ferreira, e Quem
Alceu Penna, segundo sua irmã Thereza, não gostava de ser denominado estilista
(informação oral extraída em fevereiro de 2006). Esse lado, entretanto, ficou muito
Rhodia S/A, assinando figurinos, juntamente com outros talentos, como o costureiro Dener
Foi nesse momento que sua ligação com São Paulo se estreita, levando-o a viagens
constantes à cidade. Cyro Del Nero lembra as particularidades de suas visitas a trabalho:
Em 1972 Alceu Penna desenha figurinos para o show Brazil Export, dirigido por
Abelardo Figueiredo no Canecão, uma casa de shows famosa no Rio de Janeiro. Em 1973
intitulada Golden Years. Nesse mesmo ano, inicia a sua colaboração com a revista
27
A Rhodia estava presente no país desde 1919, porém, foi só a partir de 1955 que dá início à fabricação do
fio sintético: “Em 1960, a empresa francesa implementa no país uma política de publicidade calcada na
produção de editoriais de moda para revistas e de desfiles, os quais conjugavam elementos da cultura
nacional (música, arte e pintura), a fim de associar o produto da multinacional à criação de uma ‘moda
brasileira’”. In: BONADIO, Maria Claudia. O fio sintético é um show! Moda, política e publicidade Rhodia
S/A. 1960-1970. Tese de Doutorado. Campinas, 2005, p. 10.
28
TOLEDO. Marina Sartori de. A teatralização da moda brasileira: Os desfiles da Rhodia nos anos 60.
Dissertação de mestrado em Artes Cênicas, ECA/USP, São Paulo, 2004, p. 24
29
Segundo Thereza Penna, a partir da segunda metade da
Fig 08 a. Figurino de Alceu hoje, ensina muito sobre os percursos da história da moda e da
Penna para Elza Soares. Show
Brazil Export, no Canecão.
1972. imprensa nacionais.
Fig. 08 b. Croqui para o
figurino da “Viúva do
Palhaço” do show da Rhodia
Stravaganza. 1969.
30
1. CAPÍTULO. “GAROTAS” CARIOCAS E JOVENS: UMA NOVA
PERSPECTIVA
Este capítulo descreve e analisa o contexto em que se insere a coluna “As Garotas
período de sua vigência. Serão observados nas ilustrações elementos, tais como o estilo de
gostos e costumes. 29
A cidade havia se
XX 30 : “O Rio passa a editar não só as novas modas e comportamentos, mas acima de tudo
29
Entende-se por estilo de vida “(...) um conjunto unitário de preferências distintas que exprimem, na lógica
específica de cada subespaço simbólico (mobília, vestimenta, linguagem ou héxis corporal) a mesma
intenção expressiva (...)”. Assim, é pelas preferências de cada conjunto, não coincidentes com as de outros,
que se define a imagem ou identificação de um estilo de vida. “As Garotas” tinham algumas preferências
distintas de outras meninas, reveladas pelas roupas, linguagem, corpo, demarcando um estilo de vida à parte.
BOURDIEU, Pierre. In: ORTIZ, Renato. A sociedade de Pierre Bourdieu. São Paulo, 2003, p.74.
30
Sobre o assunto ver: RAINHO, Maria do Carmo Teixeira. A cidade e a moda: novas pretensões, novas
distinções: Rio de Janeiro, século XIX. Brasília: Ed. UnB, 2002 e NEEDELL, Jeffrey D. Belle Époque
tropical: sociedade e cultura de elite no Rio de Janeiro na virada do século. São Paulo: Companhia das
Letras, 1993.
31
disposições pulsionais que articulam a modernidade como experiência existencial e
íntima.” 31
“Garotas” como cariocas, inspirando-se na cidade e no estilo de vida dos seus habitantes.
Analisando a coluna, percebe-se que, entre os muitos programas sociais, elas gostavam de
governo totalitário foram geradas antes, na Revolução de 1930. O projeto modernizador foi
através de uma linha intervencionista: “A intervenção do Estado tendia a ser mais intensa
iniciativa estrangeira tanto política quanto econômica (...). No entanto, sendo representante
31
SEVCENKO, Nicolau. A Capital irradiante: técnica, ritmos e ritos do Rio. In: SEVCENKO, Nicolau.
História da vida privada volume 03. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, p. 522.
32
URSINI, Leslye Bombonatto. A revista O Cruzeiro na virada da década de 1930. Dissertação mestrado.
Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2000, p. 52.
33
TOTA, Antônio Pedro. Estado Novo. São Paulo: Brasiliense, 1987, p. 26.
32
de uma tendência geral, o fato se traduz numa ameaça ao capitalismo estrangeiro e
da cultura passa a ser concebida em termos de organização política, ou seja, o Estado cria
das elites intelectuais 37 : “Na verdade não existe uma única identidade, mas uma história da
‘ideologia da cultura brasileira’ que varia ao longo dos anos e segundo interesses políticos
O samba viverá, a partir dos anos 1930, uma fase de difusão em escala nunca antes
vista, ao lado do carnaval, contando com o rádio para a sua ampla divulgação. 39 Ele passa
a ser um dos símbolos mais marcantes da cultura brasileira, ou seja, do que se pretendia ser
34
CARONE, Edgar. O Estado Novo (1937-1945). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1988, p. 72.
35
O governo, na tentativa de promover uma cultura brasileira apropriada, lançou mão de recursos como as
datas comemorativas, buscando a legitimidade e envolvimento da população nesse projeto. Getúlio Vargas
criou, por exemplo, o “Dia da Música Popular” em 4 de janeiro de 1939, tornando-se admirado no meio
artístico, apesar da ditadura: “Era de novo a ditadura escarrada, agora sob o nome de Estado Novo, e seria
natural que muitos artistas se pusessem contra ele. Mas, pelas leis que passara beneficiando a música popular,
o teatro, o cinema, o rádio, os cassinos, Getúlio parecia ter crédito ilimitado junto à categoria.” In: CASTRO,
Ruy. Carmen: uma biografia. São Paulo: Cia das Letras, 2005, p.175.
36
VELLOSO, Mônica Pimenta. In: OLIVEIRA, Lucia Lippi; VELLOSO, Mônica Pimenta; GOMES, Ângela
Maria de Castro. Estado novo: ideologia e poder. Rio de Janeiro: Zahar, 1982, p.72.
37
As elites foram encarregadas da manipulação de todo o conteúdo que se pretendia nacional: “(...) O Estado
Novo assumiu posturas marcadamente elitistas, empenhando-se na elevação da nação brasileira a ‘um
patamar de civilização’ que a colocasse ‘em pé de igualdade com as nações mais desenvolvidas do mundo”.
In: VICENTE, Eduardo. A música popular sob o Estado Novo (1937-1945). Projeto de iniciação científica
PIBIC/CNPq. UNICAMP, 1994, p. 6. Disponível em:
http://www.multirio.rj.gov.br/seculo21/pdf/samba/estado_novo_ok.pdf. Acessado em 03 de julho de 2007.
38
ORTIZ, Renato. A moderna tradição brasileira: cultura brasileira e indústria cultural. São Paulo:
Brasiliense, 1994, p. 183.
39
A radiodifusão no Brasil desenvolveu-se rapidamente depois da Revolução de 1930, vindo a superar de
longe o cinema como instrumento de cultura de massa. Cobrindo todo o território nacional, sendo um
instrumento especial na universalização dos gostos e costumes, dando à música popular dimensão
extraordinária, em um momento que a televisão não era a realidade. In: SODRÉ, Nelson Werneck. Síntese de
História da Cultura Brasileira. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 1996, p.92. O rádio foi um dos pilares
na difusão da ideologia do Estado Novo e sofreu ao lado de outros meios de comunicação um forte controle
do DIP, o Departamento de Imprensa e Propaganda: “(...) Capanema idealiza um departamento de
propaganda com o objetivo de ‘atingir todas as camadas populares’, instrumento que deveria ser um aparelho
vivaz de alcance, dotado de forte poder de irradiação e infiltração, tendo por função o esclarecimento,
preparo, orientação edificadas numa palavra, a cultura de massa.”. In: ORTIZ, Renato. Op cit, p.51.
33
nacional. 40 O ritmo foi destacado de suas origens, aproximando-se da cultura urbana e do
centro com a zona norte, que buscavam uma batida nova, favorável ao ritmo do desfile da
carnaval. Mas porque? Tem medo que cantem “... tem galinha no bonde!”
40
No Brasil não havia, até então, uma fixação de gêneros musicais. A indústria fonográfica se ampliou no
período, aparecendo novos intérpretes, inclusive brancos da classe média como Noel Rosa, que impulsionam
e deram visibilidade ao estilo. O samba começa uma aproximação das classes mais abastadas e, naturalmente,
é apropriado e modificado para adequar-se às novas demandas. In: VIANNA, Hermano. O mistério do
samba. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2002. Oportunamente, de alvo de preconceito ele foi alçado a símbolo
nacional. Foram criados os sambas exaltação, verdadeiros aparelhos ideológicos do Estado Novo, como
Aquarela do Brasil. Ary Barroso, o compositor da música, disse que, ao criá-la, “foi sentindo toda a grandeza
e opulência da nossa terra”, comprovando a capacidade de idealização do país nos versos da canção, que veio
a se tornar mais popular que o próprio Hino Nacional. In: ZAN, José Roberto. Música popular brasileira,
indústria cultural e identidade. In: EccoS Ver. Cient., Uninove, São Paulo (n.): 1 e v. 3: 105-122, p. 110.
Certamente, nesse sentido, o Estado soube explorar a capacidade de integração e difusão de ideais contidos
na música em benefício próprio.
41
O samba brasileiro pode ser dividido em duas primeiras fases: o antes da década de 1930 e depois desse
período. O samba no início do século era praticado principalmente por comunidades negras e mestiças, que
levaram consigo essa manifestação da Bahia, sua terra natal, para o Rio de Janeiro, na ocasião do fim do
tráfico negreiro em 1850. Como eram festeiros, as confraternizações eram chamadas de sambas, assim como
a música presente. In: SANDRONI, Carlos. Transformações no samba carioca no século XX. Disponível em:
http://www.dc.mre.gov.br/brasil/textos/78a83%20Po.pdf. Acessado em 28 de setembro de 2006. Assim, o
samba carioca pode ser interpretado como uma adaptação da herança escrava negra, que da Bahia migrou
para o cenário carioca, sendo modificado pelo ritmo das escolas de samba. In: SODRÉ, Muniz. Samba, o
dono do corpo: ensaios. Rio de Janeiro: Codecri, 1979.
42
COSTA, Tânia Garcia da. O “it verde amarelo” de Carmen Miranda (1930-1946).. São Paulo: Annablume;
Fapesp, 2004, p. 34.
43
A festa carnavalesca vai estar intimamente atrelada ao samba urbano nascido no Rio de Janeiro,
contribuindo para a sua difusão como símbolo nacional. In: VIANNA, Hermano. Op cit, p. 122. Antes, a
festa era reprimida pela polícia com o pretexto da violência entre os blocos. Em 1932 foi totalmente
regularizada, cabendo à prefeitura a sua promoção. Com o Estado Novo, o carnaval sofreu mais
modificações, pelo estabelecimento de concursos entre as escolas de samba, que deveriam criar sambas-
enredos com temas folclóricos, literários ou biográficos. Essa era uma forma de inibir a criação de conteúdos
não pertinentes e perpetuar a ideologia estado-novista. In: COSTA, Tânia Garcia da. Op cit, p.59.
34
fantasias impecáveis: “Este mês é o
Em “Batucada das
Garotas”, em 12 de fevereiro de
dimensão urbana da festa carnavalesca carioca que será perpetuada: “As Garotas atraentes
são jóias resplandecentes do baile monumental. Prêmios, prêmios não ganharam, mas todas
Municipal.”
momento em que se procura dar sentido mítico ao Estado (...) esse processo será
35
desenvolvido através da imprensa,
do governo.” 44
“Garotas de setembro”, em
independência do país, o 7 de
ideologia de valorização do trabalho, sendo encarado como uma ferramenta pela qual a
população participaria desse esforço. Além disso, era necessário apagar tudo que ia contra
esse ideal: “Era preciso combater tanto o subversivo, identificado ao inimigo externo, ao
44
VICENTE. Eduardo. Cit, p. 05
36
estrangeiro de pátria e de ideais, quanto o
da ordem constituída.” 45
emprego. Eram ilustradas curtindo a vida e o relax: “Na serra, no campo, no lago ou na
praia, lá se vão novamente de férias as nossas garotas. Vão e voltam como as andorinhas e
37
“As Garotas”, em linhas
ocorriam no Brasil na maneira de ver, sentir, explicar e expressar o mundo era a marcante
buscando apagar a lembrança imperialista, nada simpatizante, do Big Stick: “Os métodos
continente.” 50
Rockefeller, para aproximar a nação do Brasil, trazendo os artistas, incluindo Walt Disney
que na ocasião lançava sua última produção - Fantasia: “(...) além de Disney vieram com a
48
“As Garotas do Alceu”. “Garotas em férias”. Texto Vão Gôgo. In: O CRUZEIRO. 17 de novembro de
1945, p. 22 e 23
49
MOURA. Gerson. O Tio Sam chega ao Brasil: a penetração cultural americana. São Paulo: Brasiliense,
1984, p.08
50
MOURA. Gerson. Op cit, p. 18
38
missão cultural famosos artistas do
encontro Godoy x Loe Louis, as “Garotas” me carregaram para o Madson. Para encurtar
razões – tive que me retirar antes do fim, para evitar um conflito, dada a torcida ‘violenta’
algo ignorado por Carmen Miranda, que não escapou de uma recepção fria ao voltar de sua
51
TOTA, Antônio Pedro. Op cit, p. 54.
52
Alceu Penna foi para os EUA em 20 de setembro 1939 e permaneceu lá até junho de 1941.
39
turnê pelos EUA, fugindo do ideal musical brasileiro aprovado pelo Estado Novo 53 : “A
um movimento difuso que defendia a correta utilização desses novos símbolos nacionais.
A mistura do samba com a música norte-americana, por exemplo, não podia ultrapassar
determinados limites.” 54
A figura de Carmen Miranda ecoou não apenas nos EUA, mas aqui no país. É
artista. Muitos turbantes com penduricalhos, colares, frutas amarradas, tecidos coloridos e
contrastantes.
O cinema será outra evidência da influência dos EUA na coluna, presente desde os
maneira pelo Tyrone Power que quase morreu. E curou-se? Com um sósia...”
meio à Guerra Fria: “(...) após a Segunda Guerra, o cinema se tornou a vitrine por
53
Carmen Miranda, ao se apresentar no cassino da Urca em julho de 1940, não entendeu de imediato o seu
insucesso. O que os presentes em seu show viram foi uma Carmen demasiadamente estilizada, cantando algo
que não era supostamente a música brasileira pura, gesticulando em excesso (hábito adquirido nos EUA para
suprir a falta de comunicação) e, pior, saudando a platéia com um good night, people! A artista foi aclamada
pelo povo em sua chegada, mas ali ela cantava para o alto escalão do Estado Novo. A frieza, olhada por esse
ângulo, fez completo sentido: “Carmen abriu com ‘South American Way’. Pelo menos três minutos
seguintes, gelo na platéia. O samba-rumba, muito fraco para os padrões brasileiros, teve de arrastar-se
sozinho até a última nota.” In: CASTRO, Ruy. Op cit, 249-250.
54
VIANNA, Hermano. Op cit, p. 131.
55
A influência do cinema norte-americano data desde a década de 1920 no Brasil. Segundo Susan Besse, as
salas de projeção proliferaram a partir de 1910 e, na década de 1920, ir ao cinema estava entre os
passatempos mais populares para jovens e velhos, homens e mulheres, pobres e ricos. In: BESSE, Susan.
Modernizando a desigualdade: reestruturação da ideologia de gênero no Brasil 1914-40. São Paulo:
Universitária SP, 1999, p.26.
56
SEVCENKO, Nicolau. Op cit, p.602.
40
Em “Garotas e a arte da
americanas ao encarnarem a
Os EUA promoviam o
consumo de objetos ligados ao seu estilo de vida, levando, discretamente, seu imperialismo
apenas objetos e mercadorias, mas também todo um complexo de valores e condutas que
parecia afetar até o paladar das “Garotas”, que buscavam alternativas ao gosto francês:
“Para agradar ao paladar das Garotas alguns aconselham champanhe, caviar e marrom-
glacê. Hoje estamos certos de que um quilo de beef será mais recomendável.”
Além de todos os produtos que traziam o estilo de vida do país internalizado, essa
comprovando o quão fundo foi esse imperialismo: “Quando não souberes o destino de uma
57
CORBISIER, Roland. Formação e probabilidade da cultura Brasileira. Rio de Janeiro: ISEB, 1958, p. 69.
In: ORTIZ. Renato. A moderna tradição brasileira: cultura brasileira e indústria cultural. São Paulo:
Brasiliense, 1994, p. 69.
41
Apesar da emergência do modelo norte-americano, o francês continuava sendo uma
referência em bom gosto e tradição. “As Garotas” o apreciavam, sendo isso evidenciado
pelos costureiros franceses, pelo vocabulário usado na coluna e mesmo pelos programas
influenciados pela cultura do país, que garantiam certa aparência de sofisticação: “Jean
tipos de “Garotas”, das quais destaco a Granfina que curiosamente mistura elementos
já esteve na Europa ou Estados Unidos, foi educada no Sion ou no Sacré Coeur. Produto
nacional, ‘não se dá bem aqui’. Fala francês e inglês. Finge detestar tudo, mas intimamente
58
“As Garotas do Alceu”. “Garotas e a Comedie Française”. Texto A. Ladino. In: O CRUZEIRO. 27 de maio
de 1950, p.38 e 39.
59
ANASTÁCIO, Marina Bruno Santo. Garotas do Alceu: moda feminina brasileira nas páginas de “O
Cruzeiro” entre 1938 e 1958. Monografia, UFRJ, Rio de Janeiro, 2003, p. 38.
42
inflação galopante: “A industrialização era apresentada, tal e qual nos anos 30, como chave
lâmina de barbear ao mais requintado automóvel, não havia nos anos 50 e 60 bem de
um ideal a ser alcançado a fim de nos livramos do atraso em que nos encontrávamos frente
60
FIGUEREDO, Anna Cristina Camargo Moraes. Liberdade é uma calça velha, azul e desbotada.
Publicidade, cultura de consumo e comportamento político no Brasil (1954-1964), São Paulo: Hucitec 1998,
p.62
61
MELLO, João Manuel Cardoso de; NOVAIS, Fernando A. Capitalismo Tardio e sociabilidade moderna.
In: SCHWARCZ, Lilia Moritz (Org.). História da Vida Privada v.4. São Paulo: Companhia das letras, 1998,
p. 564.
62
FIGUEREDO, Anna Cristina Camargo Moraes. Op cit, p.31.
63
FORTY, Adrian. Objeto de desejo: design e sociedade desde 1750. São Paulo: Cosac & Naif, 2007, p.283.
43
Paralelamente a esse movimento de desenvolvimento, a classe média brasileira
lazer e ao consumo.” 64
por elas e as roupas, sempre na última moda, percebe-se à primeira vista que,
64
ALVES, Andréia Matias; FILHO-COURA, Pedro. Avaliação das ações das mulheres sob violência no
espaço familiar, atendidas no Centro de Apoio à Mulher (Belo Horizonte), entre 1996 e 1998. Artigo retirado
de: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-81232001000100020&script=sci_arttext&tlng=en. Acessado
em 28de outubro de 2006.
65
BASSANEZI, Carla. Virando as páginas, revendo as mulheres: revistas femininas e relações homem-
mulher, 1945-1964. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996, p.69.
66
OWENSBY, Brian P. Intimate Ironies: modernity and the making of middle class in Brazil. Califórnia:
Stanford University Press, 1999, p.49.
44
Entretanto, as “Garotas” se diferenciavam da elite em certos aspectos: o desejo de
vontade de encontrar um rapaz que possa proporcionar uma vida financeira mais
confortável, com alguns luxos: “O garimpo não é, como se poderia supor, nas minas ou nas
67
“As garotas do Alceu”. “As Garotas no Garimpo”. Texto Maria Luiza. In: O CRUZEIRO, 5 de dezembro
de 1959, p.48-49.
68
“As garotas do Alceu”. “Garotas no Municipal”. Texto Alceu Penna. In: O CRUZEIRO. 25 de julho de
1942, p. 20-21.
45
1.2 O espaço urbano alia-se às cariocas
Avenida Central, abrigava o espírito das elites da Belle Époque no país: “(...) a nova
avenida exprimia os desejos da elite brasileira de ver “sua” capital mais parecida com a
Paris de Haussman que com uma cidade tropical e mestiça.” 69 Desde 1925, a Avenida Rio
Branco abrigava a famosa Cinelândia: “(...) Capitólio, Glória, Império e Odeon (...)
década de 1950, a Avenida Rio Branco continuava a gozar de um status ímpar. Ainda nos
Livraria Odeon, o Café Belas-Artes e a Galeria Cruzeiro. Ela abrigou um intenso comércio
e atrações culturais diversas: “(...) concentrou obras como a Escola Nacional de Belas
Municipal.” 71
lanchar e fofocar: “Depois de lerem ‘A ceia dos Cardeais’, as Garotas resolveram lanchar
na ‘Colombo’ e contar a suas impressões da semana passada. E lá, entre um sorvetes e uns
69
SANDRONI, Carlos. Transformações do samba carioca no século XX. In:
http://www.dc.mre.gov.br/brasil/textos/78a83%20Po.pdf. Acessado em 28 de setembro de 2006 p.82.
70
LIMA, Vera; MENDONÇA, Vera Rodrigues de e CRIB; Tanaka. Avenida Rio Branco,
161. In: Anais do Museu Histórico Nacional, volume 35, 2003. p. 333.
71
TANAKA, Crib. LIMA, Vera. Mendonça, Vera Rodrigues. Op cit, p. 332.
46
biscoitos, fizeram-se confidências. E por incrível que pareça só disseram a verdade, tão
somente a verdade.” 72
problemas sociais não apareciam de forma tão marcante na coluna, sendo a atmosfera
médios da sociedade, tinham uma condição financeira boa e eram ilustradas em freqüentes
tanto tanto, as garotas entraram de férias, como se férias não lhes fossem a vida inteira.” 73
grande freqüência de episódios de violência e insegurança, como os vistos nos dias atuais:
“(...) foi em 58 que resumiu toda a felicidade de ser brasileiro no fim dos anos cinqüenta,
do Ronaldo Souza Castro, o assassino de Aída Curi.” 74 A cidade ainda não tinha uma
legião de arranha-céus e poluição, como descreve Danuza Leão: “ Era muito bom morar no
“As Garotas”, já havia algum tempo, circulavam pelo Rio de Janeiro em ônibus,
72
. “As Garotas do Alceu”. “O lanche das Garotas”. Texto A. Ladino. In: O CRUZEIRO 6 de maio de 1950,
p.42 e 43.
73
“As Garotas do Alceu”. “Garotas em férias”. Texto A. Ladino. In: O CRUZEIRO. 3 de abril de 1954, p.46
e 47.
74
SANTOS, Joaquim Ferreira dos. Feliz 1958: o ano que não devia terminar. Rio de Janeiro: Record, 2003,
p.16
75
LEÃO, Danuza. Quase tudo: memórias. São Paulo: Companhia das Letras, 2005, p. 27
76
“As Garotas do Alceu”. “Um ônibus e Garotas em pé”. Texto de Frivolino. In: O CRUZEIRO. 20 de julho
de 1946, p.23 e 24.
47
Nesse período a população
um Brasil predominantemente
As ilustrações são apresentadas como figuras urbanas, ligadas visto no setor agrário, que decaía
à agitação do Rio de Janeiro, mas, ocasionalmente, aderiam a
temporadas no campo. atraindo cada vez mais o
Fig. 19 a. Coluna “As Garotas do Alceu”: Garotas em ferias”.
Texto A. Ladino. 03 de abril de 1954. trabalhador rural para os grandes
Os transportes se modernizavam e “As Garotas” noticiaram o
movimento, andando em ônibus e de pé, mostrando centros: “Matutos, caipiras, jecas:
flexibilidade ao encarar os novos desafios impostos por uma
cidade em desenvolvimento. certamente era com esses olhos que,
Fig. 19 b. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Um ônibus e
Garotas em pé”. 27 de maio de 1950. Texto A. Ladino em 1950, os 10 milhões de
citadinos viam os outros 41 milhões de brasileiros que moravam no campo, nos vilarejos e
todo. A revista O Cruzeiro será uma das primeiras tentativas, por parte das comunicações,
outros fatores, essa falta de conexão entre as regiões será um dos responsáveis pelo
77
MELLO, João Manuel Cardoso de. NOVAIS. Fernando A. Op cit, p.574
78
A revista O Cruzeiro será tratada no capitulo 2 com maiores detalhes.
48
estabelecimento do Rio de Janeiro como modelo para o Brasil, propagado amplamente
Mesmo sendo figuras urbanas, aos fins de semana “As Garotas” eram ilustradas,
folga do Rio.” 80 O passeio ao campo para elas indicava apenas um descanso da rotina da
cidade: “De varinha de pescar, com um romance barato diante dos olhos, de roupa de
montaria, escalando morros elas tomam novo alento para novas brincadeiras, pois a cidade
continua...” 81
Palace, propriedade da família Guinle, nesse período, era um ambiente em que circulava a
79
ORTIZ, Renato. A moderna tradição brasileira: cultura brasileira e indústria cultural. 5. ed. São Paulo:
Brasiliense, 1994, p. 49
80
“As Garotas do Alceu”. “Garotas em Petrópolis”. Texto: Rui Costa. O CRUZEIRO. 1 de abril de 1944,
p.46-47.
81
“As Garotas do Alceu”. “Garotas em férias”. Texto A. Ladino. In: O CRUZEIRO. 3 de abril de1954, p.46
e 47.
82
LEÃO, Danuza. Op. Cit, p. 27.
49
“As Garotas” não perdiam a
A pele bronzeada será um dos traços mais marcantes do deixando transpirar, para benefício do
estilo de vida carioca, amplamente divulgado pelas
ilustrações.
corpo, um pouco de veneno, na forma
Fig. 20. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Sol é maluco
por Garotas”. 22 de outubro de 1955. Texto A. Ladino. agradável de conselhos e
comentários.” 83
ainda timidamente, de seus corpos bronzeados na areia: “Morenidade parece ser uma
corpo. O que, por sua vez, indica um aspecto essencial ao charme da praia: é o lócus por
“As Garotas do Alceu” não ficavam fora disso: “E presas nos maiôs as Garotas
saúdam o sol e dele recebem as carícias luminosas. Uma praia sem sol quase não tem
graça. Mas mesmo com sol, que seria da graça das praias se não houvesse Garotas?...” 85
(...). 86
83
“As Garotas do Alceu”. “Garotas na piscina”. Texto sem referência. In: O CRUZEIRO. 10 de março de
1945, p.45.
84
FARIAS, Patrícia. Corpo e classificação de cor numa praia carioca. In: Mirian Goldenberg (Org.). Nu &
Vestido: dez antropólogos revelam a cultura do corpo carioca. Rio de Janeiro: Record, 2002, p. 264.
85
“As Garotas do Alceu”. “Sol é maluco por Garotas!” Texto de A. Ladino. In: O CRUZEIRO. 22 de
outubro de 1955, p. 110 e 111.
86
CASTRO, Ruy. Ela é carioca: uma enciclopédia de Ipanema. São Paulo: Companhia das Letras, 1999,
p.11
50
O período de vigência da coluna vai assistir, cada vez mais, ao cultivo da pele
com os óleos da moda – cada uma queria ser a mais queimada do grupo –, atravessávamos
a rua e, com Murilinho de Almeida (...) íamos para a piscina do Copa, onde as crianças
bronzeada, vai ilustrar os hábitos e padrão de beleza do cidadão carioca: “Foi a praia que
criou aquela mocinha queimada e de óculos escuros, que fala uma linguagem que você da
férias de veraneio. 89 No Brasil, a elite, por algum tempo, ligará a pele clara ao status
social. 90 A pele rosada, apenas para conferir um aspecto saudável, é que será mais
valorizada: “Durante o decênio de 1920, apesar dos movimentos intelectuais que tentam
elites.” 91
87
LEÃO, Danuza. Op cit, p. 56
88
ANASTÁCIO, Marina Bruno Santo. Op cit, p.42.
89
Segundo Wilson, a pele bronzeada fora anteriormente o sinal do trabalhador e repudiada pelos mais
requintados: “Por volta dos anos 20, que a pele bronzeada passou a ser um sinal daqueles que tinham
possibilidade de viajar. A pele bronzeada, desde essa época, passou a ser associada à modernidade”. In:
WILSON, Elizabeth. Enfeitada de sonhos: moda e modernidade. Lisboa: Ed 70, 1985, p.44
90
Essa valorização tem origem na teoria do branqueamento, muito aceita, especialmente, entre o período da
Abolição da Escravatura e a Primeira Guerra Mundial. Segundo a teoria, pela miscigenação, a população
ficaria cada vez mais branca com o passar das gerações. Um dos principais defensores do branqueamento é o
teórico Oliveira Vianna. In: SCHPUN. Mônica Raisa. Beleza em Jogo: cultura física e comportamento em
São Paulo nos anos 20. São Paulo: SENAC, 1999
Op cit, p.116.
91
SCHPUN, Mônica Raisa. Op cit, p.116.
51
forma favorita de inclusão numa totalidade: a dos habitantes da cidade. Assim, quem é
a cultura do corpo bronzeado, ela paralelamente propaga o perfil branco elitista, o que é
comprovado pela ausência de “Garotas” de outras raças, como negras, mulatas, entre
outras, não refletindo a realidade da miscigenação do país. Aliás, a mistura de raças será
colocada como uma das características mais singulares do brasileiro: “(...) muitos daqueles
diversões eram bastante valorizadas entre os cariocas. O Jockey Club era, também, palco
de eventos sociais disputados pelas elites e muito noticiados nas colunas sociais como a de
92
FARIAS, Patrícia. Op cit, p.281.
93
A valorização da mestiçagem atendia aos propósitos do Estado Novo em construir uma unidade nacional:
“A tendência de valorizar a mestiçagem é uma opção pela ‘unidade da pátria’ pela homogenização.” In:
VIANNA, Hermano. Op cit, p. 71. Teóricos como Gilberto Freyre em Casa Grande & Senzala foram
responsáveis pela sustentação desse novo posicionamento. Segundo Regina Abreu, a figura do mulato
carioca é resgatada, sendo a miscigenação uma característica valorizada por singularizar o Brasil. O conceito
de raça foi nesse momento substituído pelo de cultura. In: ABREU, Regina. A capital contaminada:
construção da identidade nacional pela negação do espírito carioca. In: LOPES, Antônio Herculando. (Org)
Entre Europa e África: a invenção do carioca. Rio de Janeiro: Fundação Casa Rui Barbosa: Top books, 2000,
p. 167-186.
94
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Nem preto nem branco, muito pelo contrário: cor e raça na intimidade. In:
NOVAIS, Fernando A.; SCHWARCZ, Lilia Moritz. História da vida privada no Brasil: volume 4: contrastes
da intimidade contemporânea. São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 178
95
SCHWARCZ, Lilia Moritz.Op cit, p. 178
52
Jacinto Thormes e Ibrahim Sued: “Em julho havia o Grande prêmio Brasil. O Sweeps-take,
no Jockey Club do Rio de Janeiro, compreendia uma semana de festividades, dois jantares
Municipal e notavam tudo, menos o espetáculo: “Dizem que aquela soprano tem um
repertório enorme! É. E com aquele vestido parece muito maior ainda!”97 Eventos como o
Grande Prêmio Brasil, no hipódromo da Gávea, reuniam o high society, sendo um local
para ver e ser visto. Os bailes movimentavam a cidade também, como os do Ginástico e do
Clube da Aeronáutica, e “As Garotas”, é claro, não perdiam esse tipo de evento: “O Baile é
aproximativa, agrupadora.” 98
A lista de “As dez mais elegantes”, do colunista Ibrahim Sued, assim como “As
Certinhas do Lalau”, de Stanislaw Ponte Preta, eram muitos aguardadas. Carmem Mayrink
Veiga, Danuza Leão e a atriz Ilka Soares eram nomes freqüentes nessas listas. O concurso
de miss, contudo, era o mais popular entre as “Garotas”. A maioria das mocinhas no Brasil
sonhava em concorrer e desfilar na passarela, sob os flashes atentos dos fotógrafos. “As
Garotas” já reinavam, também, nos concursos de beleza: “O reinado das Garotas é tudo o
que há de mais real. Toda Garota se sente tanto ou quanto Rainha. E muitas delas avaliam
o seu prestígio e o seu fascínio pelo número de vassalos que conta (...).” 99
“As Garotas” foram concebidas por Alceu Penna tendo como inspiração o cenário
96
DURAND, José Carlos. Moda, Luxo e economia. São Paulo: Babel cultura, 1998, p.70.
97
“As Garotas do Alceu”. “Garotas no Municipal”. Texto Alceu Penna. In: O CRUZEIRO. 25 de julho de
1942, p. 20 e 21.
98
. “As Garotas do Alceu”. “Garotas num baile”. Texto sem referência. In: O CRUZEIRO. 5 de junho de
1943, p. 40 e 41.
99
“As Garotas do Alceu”. “O reinado das Garotas”. Texto A Ladino. In: O CRUZEIRO. 7 de setembro de
1957, p.58 e 59.
53
É possível que, por pertencerem a esse universo, elas se mostrassem despreocupadas e
pouco conscientes com os problemas sociais, que estavam longe da sua realidade.
vida da juventude emergente da classe média. Pelos encantos dessas ilustrações, Alceu
54
55
1.3 Um broto de “Garota”: a emergência do conceito de juventude
Foi especialmente na década de 1950 que a cultura jovem tomou formas mais
concretas. Era a primeira vez que essa categoria era reconhecida: “(...) o processo que
conduz à codificação da
a Segunda Guerra
passaram a desenvolver
“As Garotas” estavam passando pela experiência da primeira paixão, e estilo de vida: “Nas cidades,
divididas entre receios e desejos.
Fig. 21. Coluna “As Garotas do Alceu”. 1° amor das Garotas. Texto sem várias atividades juvenis não
referência. 10 de novembro de 1945.
se confundiam nem se
lógica por trás do termo parece remeter à mulher que está começando a experimentar a
100
PASSERINI, Luisa. A Juventude, metamorfose da mudança social. Dois debates sobre os jovens: a Itália
fascista e os EUA da década de 1950. In: História dos Jovens volume 2. São Paulo: Companhia das Letras,
1996, p. 352
101
BASSANEZI, Carla. Mulheres nos Anos Dourados. In: PRIORI, Mary. História das Mulheres no Brasil.
São Paulo: Contexto, 1997, p.620.
56
Essa teoria pode ser comprovada
beleza e isso envolve um aumento progressivo com os cuidados do corpo, cuidados que,
vaidade, fato evidenciado na seção de 01 de agosto de 1942, “A beleza das Garotas”, que
102
“As Garotas do Alceu”. “Garotas e a broticultura”. Texto A Ladino. In: O CRUZEIRO. 8 abril 1950, p.38
e 39.
103
VIANNA, Letícia C.R. A idade mídia: uma reflexão sobre o mito da juventude na cultura de massa. Série
Antropologia 121, Brasília, 1992, p.2. Disponível em: http://www.unb.br/ics/dan/Serie121empdf.pdf. Acessado em 10 de
agosto de 2006.
57
revela ao leitor os profissionais da estética por trás das suas aparências: “O leitor é um
esteta naturalmente. Gosta de apreciar o belo. (...) Por isso quando contempla na rua a
silhueta provocante de uma “Garota”, nem lhe passa pela cabeça o conjunto de artistas
da aparência por meio das roupas, popularidade, atrativos externos.” 104 Na coluna a
maratona para escolher o melhor modelo era muito penosa, especialmente para os
namorados, que eram obrigados a esperar as indecisas figuras: “Pois sim! Vão esperando,
sentados, rapazes incautos, de muito topete e pouco bom senso. Uma Garota quando diz
que vem já já é porque começou a vestir-se. E quando ela começa a vestir-se o mundo pára
e espera...” 105
ilustradas em situações em que seus pensamentos voavam longe, mais próximos dos
bonitões rapazes e das fofocas da última festa, aliás, um típico comportamento adolescente:
“Fixava-se o cabelo, mas não os pensamentos. E eles voavam com os toques das Garotas
locais específicos de diversão, bem como comportamentos: “(...) um viver urbano na zona
104
PASSERINI, Luisa. Op cit, p.358
105
“As Garotas do Alceu”. “A Garota vem já já”. Texto A Ladino. In: O CRUZEIRO. 14 de janeiro de 1956,
p. 70 e 71.
106
SANTOS, Joaquim Ferreira dos. Op cit, p. 57
58
sul, em festas, nos cinemas, nos barzinhos, na praia, praticando esportes, regado a muita
música “moderna” (Dick Farney e Lúcio Alves), jazz e Frank Sinatra.” 107
A linguagem desse grupo etário também se fazia particular, sendo, para o pavor dos
pais conservadores, repleta de gírias como “é de lascar o cano” (ruim demais), “que
informalidade e descontraído: “Um artista, um tarzan, mais tarde um senhor de idade que
O estilo de vida jovem era, comumente, impregnado de uma rotina agitada, repleta
de eventos com uma animação desconhecida em outra idade. “As Garotas” apareciam em
cenários agitados mesmo quando, supostamente, estavam descansando: “As Garotas estão
de férias, descansando (...) para elas repousar significa andar a cavalo, subir montanhas,
dançar noites inteiras, nadar centenas de metros, ir ao cinema, etc., etc., etc.” 109
O rock, um ritmo norte-americano tão agitado quanto a vida dos jovens que o
107
PEREIRA. Simone Luci. Imprensa e Juventude nos anos 50. INTERCOM – Sociedade Brasileira de
Estudos Interdisciplinares da Comunicação. XXIV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação, p. 3.
Disponível em: http://reposcom.portcom.intercom.org.br/bitstream/1904/4373/1/NP2PEREIRA.pdf.
Acessado em 10 de maio de 2006
108
SANTOS, Joaquim Ferreira dos. Op cit, p. 10
109
“As Garotas do Alceu”. “As Garotas descansam”. Texto João Moço. In: O CRUZEIRO. 18 de março de
1944, p.46 e 47.
110
GUMES, Nadja Vladi Cardoso. RG: Jovem: Culturas Juvenis e a formação das identidades da juventude.
Belo Horizonte, 2003, p. 2. Disponível em:
http://reposcom.portcom.intercom.org.br/dspace/bitstream/1904/4992/1/NP13GUMES.pdf. Acessado em 28
de outubro de 2006
59
Carlos Gonzaga regrava “Diana” (1958), sucesso de Paul Anka, e Celly Campelo
grava a música “Estúpido Cupido” (1959): “O rock começava aqui. Mas não era
transviadas do Snack iam ter que esperar o “pega pra capar” dos anos 60.” 111
Enquanto isso, um novo ritmo surge – a bossa nova – que teve como marco o
década. Esse estilo musical foi protagonizado, sobretudo, pelos jovens da classe média
intelectualizada:
cinematográfica voltada para os jovens, com ídolos teen como James Dean e Marlon
Brando, que, em certa medida, vendiam um estilo de vida do seu país de origem e o
propagavam como identidade juvenil: “Os meios de comunicação são o palco para a
consumo.” 113
principalmente, como boas tietes, colecionavam autógrafos: “Elas têm suas preocupações e
111
SANTOS, Joaquim Ferreira dos. Op cit, p.131.
112
ZAN. José Roberto. Op cit, p.16
113
GUMES, Nadja Vladi Cardoso. Op cit, p. 03
60
algumas são de ordem intelectual como, por exemplo, a de colecionar autógrafos. São
adolescente, ou seja, de nunca ser totalmente compreendido pela sociedade e pelos pais:
oscilando entre a ousadia e o recato, assim como “As Garotas”, que pareciam absorver um
pouco dessas duas influências. A atriz Marilyn Monroe idealizou a vamp maliciosa:
“Marilyn Monroe, vamp molhada de Tormenta das Paixões, nua sob o vestido vermelho,
system.” 116 Já o perfil inocente sensual foi imortalizado por Brigitte Bardot, em “Deus
criou a mulher” (1957), e Audrey Hepburn, em “Sabrina” (1954): “Muitos jovens das
classes médias em ascensão queriam imitar seus ídolos, mas estavam apenas iniciando uma
massa.” 117
114
“As Garotas do Alceu”. “Garotas e os autógrafos”. Texto A ladino. In: O CRUZEIRO. 11 de outubro de
1952, p.76 e 77.
115
HOBSBAWM, Eric J. Era dos Extremos: o breve século XX: 1914-1991. São Paulo: Companhia das
Letras, 1995, p.318
116
MORIN, Edgar. As estrelas: mito e sedução no cinema. Rio de Janeiro: José Olympio, 1989, p.18.
117
SAN´TANNA, Denise Bernuzzi. Representações Sociais da liberdade e do controle de si. In: Revista
Eletrônica do Arquivo do Estado n° 5. São Paulo, 2005. Disponível em:
http://www.historica.arquivoestado.sp.gov.br/materias/anteriores/edicao05/materia01/. Acessado em 10 de
outubro de 2006. São Paulo, 2005, p.01.
61
A juventude compartilhava, além de um estilo de vida específico, um visual
característico também. Em linhas gerais, a imagem juvenil no Brasil era associada, para os
rapazes, ao penteado pega-rapaz, o blue jeans, o Glostora 118 no cabelo e, para os mais
Os óculos “gatinho” para as moças eram muito populares também. O sucesso desse
modelo foi tão grande, que algumas óticas chegaram a vendê-lo sem as lentes de grau.121 O
O jovem brasileiro nos anos 1950, à medida que ganhava destaque na sociedade,
via-se dividido entre dois perfis distintos, um influenciado pelos discursos morais e de
“Nos discursos dos anos 50, é possível perceber um padrão de jovem responsável, que se
ideal de amor romântico, propagado pelos meios culturais, onde nem os artistas fugiam a
118
Glostora era marca de uma espécie de pomada masculina usada para modelar e deixar os cabelos com
aspecto lustroso. Segundo Alberto Villas, Glostora distinguia o cavalheiro de todos os demais, porque fixava
sem empastar e amaciava sem engordurar. VILLAS, Alberto. O Mundo acabou. São Paulo: Globo, 2006,
p.110
119
De acordo com Joaquim Ferreira dos Santos, eram os óculos escuros usados por Ronaldo de Souza Castro
o assassino de Aída Curi – jovem que se atirou de um prédio na Avenida Atlântica, no fim dos anos 1950,
para fugir de um suposto assédio. Esses óculos simbolizavam a juventude transviada. In: SANTOS, Joaquim
Ferreira dos. Op cit, p. 137
120
CRANE, Diana. A moda e seu papel social: classe, gênero e identidade das roupas. São Paulo: Editora
Senac São Paulo, 2006, p.360.
121
GONTIJO. Silvana. 80 anos de moda no Brasil. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1987, p.77
122
PEREIRA, Simone Luci. Op cit, p. 09.
62
“As Garotas” também
que elas são forçadas a cortar a trajetória de um beijo.”123 Ao mesmo tempo emanavam um
ar independente, que não era muito comum para a época, especialmente para uma jovem:
“As garotas são todas uns anjinhos (que Deus me perdoe!)... Capazes de atear qualquer
parâmetros sociais de conduta colocavam-se ao lado dos novos, era muito natural que a
“transviado”. Do jovem, nesse período, era esperado saber dosar ingredientes modernos e
123
“As Garotas do Alceu”. “Alto, Garotas!” Texto A Ladino. In: O CRUZEIRO. 10 de abril de 1948, p.22 e
23.
124
“As Garotas do Alceu”. “As Garotas mais revolucionárias”. Texto sem referência. In: O CRUZEIRO. 13
de setembro de 1947, p.22 e 23.
63
CAPÍTULO 2. UMA REVISTA MODERNA: O CRUZEIRO DAS “GAROTAS”
jornalismo a sua grande vocação. Começou sua carreira no Jornal de Pernambuco e foi
para o Rio de Janeiro em 1917. Chateaubriand, mesmo advogando, prática que logo
Em 1924 adquiriu seu primeiro periódico, O Jornal, por uma quantia modesta: “(...)
fiado o matutino O Jornal, por 100 contos de réis, com dinheiro dado por um inglês,
gerente do Banco de Londres.” 125 Aliás, é nesse periódico, considerado um dos principais
dos Diários Associados, que Alceu Penna conseguirá seu primeiro emprego, ilustrando o
suplemento infantil.
Noite, o Diário de São Paulo e o Jornal do Commércio, um dos mais antigos do país. Irá
iniciou sua carreira. Em 1934, dando seqüência aos seus planos, o jornalista inaugura sua
125
NASSER, David. Diários Associados: ascensão e queda. In: ESTADO DE SÃO PAULO. 15 de julho de
1980, p. 5.
64
O jornalista, desde jovem, já ambicionava grandes feitos: “Seu objetivo, desde
jovem, era implantar uma cadeia de jornais, para promover a integração nacional (...).”126
preocupando em liquidar o resto da quantia mais tarde. Aliás, essa é uma característica que
formariam a base do seu império. Desde a Revolução de 1930, quando se tornou aliado de
Getúlio Vargas, conseguiu um enorme apoio financeiro do governo para suas empreitadas:
Cruzeiro. Em 1928 Chateaubriand, atraído pela idéia de lançar uma revista diferente, em
formato inovador, arrecada uma pequena fortuna para os padrões da época, a fim de
bastante no parque gráfico e nas instalações da revista recém-nascida, que mais tarde seria
a maior do Brasil. Com certeza, O Cruzeiro, a primeira revista ilustrada nacional, marcou a
126
COSTA, Camillo Teixeira da. Jornalismo: do lirismo às empresas modernas. In: Cadernos de Entrevistas.
Belo Horizonte: PUC MINAS. Departamento de Comunicação. V.1 n°1, fevereiro de 1996, p. 26.
127
NASSER, David. Diários Associados: ascensão e queda. Op cit, p. 5.
128
CUNDARI, Paula Casari. Assis Chateaubriand e a implantação da TV no Brasil. Dissertação mestrado.
Instituto Metodista de Ensino Superior. São Bernardo do Campo, São Paulo, 1984, p. 35.
65
tiragens de recordes. Ela será uma das responsáveis por iniciar
através da imprensa.
Assis.
reportagens, moda, beleza, uma seção de cartas muito movimentada.” 129 Mesmo sendo
considerada uma publicação feminina, não foi pensada originalmente para esse público,
mas seu conteúdo acabou configurando-a como tal: “ O conteúdo ameno, proclamado por
129
BUITONI, Dulcilia Helena Schroeder. Imprensa Feminina. São Paulo: Ática, 1990, p. 45.
130
AZEVEDO. Lílian H. de. Mulheres revistas: Educação, sociabilidade e cidadania na revista A Cigarra
(1914-1920). Artigo apresentado no INTERCOM. XXV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação –
Salvador/BA, setembro, 2002, p. 02.
66
Alceu Penna foi uma presença marcante na publicação, sobretudo, a partir da
incluindo desenhos de sugestões de fantasias, bem explicadas, que iam das carnavalescas
às de festa junina. A partir de 1948, ele irá, juntamente com Elza Marzullo, responsável
beleza, maquiagem para a noite, conselhos de moda (modelos americanos desenhados por
década de 1950, em parceria com a cronista Helena Ferraz, sob o pseudônimo de Álvaro
filiais no Rio de Janeiro e São Paulo. Em 1947 ele funda o Masp – Museu de Arte de São
Paulo –, em ação conjunta com Pietro Maria Bardi, jornalista e crítico de arte, reunindo
cerca de 100 milhões de dólares em patrimônio. Accioly Netto, que viria a ser o redator-
chefe de O Cruzeiro, relembra que era comum Chateaubriand reunir colecionadores de arte
em uma confraternização e depois anunciar no microfone que alguns deles estavam doando
obras para o museu e, claro, sem-graça, esses colecionadores não protestavam. 132
senador João Calmon. O grupo já estava amargando uma forte concorrência de novos
Disponível em:
http://www.intercom.org.br/papers/xxvci/comunicacoes/COMUNICACOES_AZEVEDO.pdf. Acessado em
30 de outubro de 2006.
131
BUITONI, Dulcilia Helena Schroeder. Mulher de Papel. São Paulo: Loyola, 1981, p. 75.
132
NETTO, Accioly. Império de Papel: Os bastidores de O Cruzeiro. Porto Alegre: Sulina, 1998, p. 36.
67
133
conglomerados que se fortaleciam no cenário nacional, como O Grupo Abril e
Bloch 134 .
de O Cruzeiro: “Imigrante russo naturalizado brasileiro que aqui chegou com a família em
1922, Adolpho Bloch apostava que havia lugar no mercado para mais uma revista de
diagramação: “(...) a Ed. Bloch lança Manchete, revista de caráter mais moderno, que
incorporava inovações gráficas, inclusive com mais páginas a cores, sempre em papel de
133
Fundado em 1950 por Victor Civita como Editora Abril, o Grupo Abril é hoje um dos maiores e mais
influentes grupos de comunicação da América Latina. A editora começou com a publicação O Pato Donald
num pequeno escritório no Centro de São Paulo. Em 1960, num empreendimento inovador e ousado, Victor
Civita resolveu publicar obras de referência em fascículos. Foi um fenômeno editorial. Ao mesmo tempo, o
crescimento da família Disney e o lançamento de Zé Carioca, em 1961, estimularam os quadrinhos nacionais.
A Abril é responsável pelas publicações Capricho, Quatro Rodas, Placar, Playboy, Vip e Veja, hoje a maior
revista do país e a quarta maior revista semanal de informação do mundo. In: www. abril.com.br.
134
A Bloch foi fundada por Adolpho Bloch, em 1952. Bloch, anteriormente, chegou atrabalhar na Rio
Gráfica, de Roberto Marinho. O grupo possuiu duas gráficas, editora e distribuidora de livros didáticos,
fábricas de tinta, revistas, entre elas Desfile, Fatos e Fotos e Ele e Ela, emissoras de rádio e TV, que
formavam a Rede Manchete. Ele sobrevive até o ano de 2000. Entre suas principais publicações está a revista
Manchete e Jóia, uma publicação que servia basicamente aos produtos da multinacional Rhodia. “(...) Em
1979 com uma receita operacional de Cr$ 1 bilhão 179 millhões a Bloch Editores apresentava um balanço de
crescimento de vendas de 7,4% (acima da mediado setor 6,3 %) (...)”. In: Governo concede TVs aos grupos
Bloch e Sílvio Santos. 1° Caderno. JORNAL DO BRASIL. 20 de março de 1981, p.15.
135
ANDRADE, Ana Maria Ribeiro de; CARDOSO, José Leandro Rocha. Aconteceu, virou manchete. In:
Revista Brasileira História, São Paulo, v. 21, n. 41, 2001. Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010201882001000200013&lng=en&nrm=iso>
Acessado em 10 de outubro de 2006.
136
BUITONI, Dulcilia Helena Schroeder. Op cit, p.87.
137
ANDRADE, Ana Maria Ribeiro de. CARDOSO, José Leandro Rocha. Op cit, p. 2.
68
A Editora Abril lançou também, em 1958, a Capricho, que vai apostar inicialmente
feitas pelo ibope, como realizada em 1950, mostram que Seleções era a principal
concorrente de O Cruzeiro (...).” 139 Ela contava com poucas ilustrações e o tom dos textos
era crítico, ao passo que a revista de Chateaubriand era essencialmente ilustrada, dotada de
“Não é segredo para ninguém que a política editorial de Seleções do Reader´s Digest é
ditada dos EUA (...) são os americanos que orientam intelectualmente ambas
publicações.” 140
contratos de concessão são assinados para ocuparem o lugar da antiga rede de TV: “Os
contratos de concessão dos canais de TV da antiga Tupi foram assinados (...) Eles
138
CASTRO, Ana Lucia. Revistas femininas: aspectos históricos, produção e usos sociais. Dissertação de
mestrado, São Paulo, 1994, p. 59.
139
MIRA, Maria Celeste. O leitor e a banca de revista: a segmentação da cultura no século XX. São Paulo:
Olhos D´água/ FAPESP, 2001, p.27.
140
SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. Rio de Janeiro: Graal, 1977, p.456.
69
possibilitam o surgimento de duas novas redes nacionais transmissoras de imagens: a SBT
Pernambuco (Recife), entre outros. Controla emissoras de rádio como a Tupi AM (RJ), a
entre outros. Hoje os Associados são controlados por um grupo acionário, de propriedade
dos funcionários mais proeminentes das empresas. Mesmo tendo enfrentado um período
difícil, o grupo é, até os dias de hoje, um grande império das comunicações, que controlou
mais de 100 jornais, revistas, estações de rádio e TV, agências de notícias. As principais
tempo em que a televisão não era a realidade geral, lançando-se na difícil tarefa de integrar
141
Contratos de concessão de canais são assinados. In: Folha Ilustrada. FOLHA DE SÃO PAULO. 20 de
agosto de 1981, p. 36.
70
2.2 O Cruzeiro: a revista dos “arranha-céus”
maior e mais importante avenida do Rio de Janeiro: a Rio Branco. Uma chuva de papel,
que estava sendo atirada do alto dos edifícios, cobria as ruas, chamando as pessoas a
A revista era de variedades, pois abordava diversos assuntos e seu público-alvo era
amplo: “O Cruzeiro trazia um pouco de tudo e se dirigia a todos, homens, mulheres, jovens
ou não, longe da preocupação hoje obrigatória de descobrir preferências de cada um, seus
Ela foi a primeira revista ilustrada a circular nacionalmente e foi, durante muito
tempo, a mais lida: “Quando O Cruzeiro atingiu a sua fase de maior sucesso, era uma
142
NETTO, Accioly. Op cit, p. 36.
143
MORAIS, Fernando. Chatô: o rei do Brasil. São Paulo: Cia das Letras, 1994, p. 178.
144
MIRA, Maria Celeste. Op cit, p. 13.
71
revista essencialmente eclética, destinada a ser lida por um
revista com “a cara do Brasil”, ela mostrou, na prática, mais os eventos relativos ao Rio de
Janeiro, o modelo cultural dominante: “Ao mesmo tempo em que O Cruzeiro mostra o
Brasil para o Brasil permeia os entendimentos dos leitores a fim de ajustá-los à visão de
145
NETTO, Accioly.Op cit, p. 123.
72
Em seus primeiros números, tinha uma
O Cruzeiro prestou bastante atenção ao seu contava com muitas contribuições de peso,
público feminino leitor, especialmente após a
entrada de Accioly Netto, abordando receitas
culinárias e matérias sobre o cinema norte- desde o setor de ilustrações, com Anita Malfati
americano.
Fig. 26 a. Coluna Lar doce Lar: Mais salgadinhos e Di Cavalcanti, além de nomes literários, como
de salsichas. Assinada por Thereza Penna, irmã de
Alceu, no O Cruzeiro. 13 de dezembro de 1958. Manuel Bandeira, Mário de Andrade, Murilo
Fig. 26 b. Reportagem O Cruzeiro: Vivi!. Sobre a
atriz norte-americana Hedy Lammar. 05 de Rubião e Graciliano Ramos. Raquel de Queiroz
dezembro de 1938.
O conteúdo da publicação era variado. Havia desde colunas sociais, seções de moda
(em sua maioria, feitas por Alceu Penna), reportagens sobre o Brasil e o exterior, até
pela coluna de culinária da revista Lar Doce Lar, que teve como antecessora Helena
146
URSINI, Leslye Bombonato. A revista O Cruzeiro na virada da década de 1930. Dissertação mestrado.
Campinas: Universidade Estadual de Campinas, 2000, p. 53.
147
BARBOSA, Marialva. O Cruzeiro: uma revista síntese de uma época da história da imprensa brasileira.
São Paulo, 2002, p.6. Disponível em:
http://www.eca.usp.br/alaic/material%20congresso%202002/congBolivia2002/trabalhos%20completos%20B
olivia%202002/GT%20%207%20%20Juan%20Gargurevich/marialva%20Historia%20da%20comunicacao.d
oc. Acessado em 10 de outubro de 2006.
73
Sangirardi: “São tantas as variedades de
Fig 27 a. O Pif Paf. Seção de humor, já estava na empresa. Tinha 17 anos. Passou a fazer
assinada por Millôr Fernandes, em O
Cruzeiro. 17 de outubro de 1959.
dupla com Millôr, no Poste Escrito e no
Fig 27 b. O Amigo da Onça. Seção de
humor assinada por Péricles, em O
Cruzeiro. 11 de janeiro de 1964. personagem Oliveira, O trapalhão – um português
Natal e carnaval, alavancando enormes vendagens: “O número de Natal, por exemplo, era
sempre uma edição luxuosa, com algumas páginas impressas em papel especial (cartolina e
148
Coluna “Lar doce lar”. “Mais salgadinhos de salsichas”. Thereza Penna. In: O CRUZEIRO. 13 de
dezembro 1958.
149
CARVALHO, Luiz Maklouf. Cobras criadas: David Nasser e O Cruzeiro. São Paulo: Senac, 2001, p. 57.
150
NETTO, Accioly. Op cit, p.136.
74
No início dos anos 1930, O Cruzeiro nem bem nascia e já perdia fôlego. Em 1933,
todos os recursos, inclusive a pirataria 151 : “Como não há dinheiro, vale até inventar, criar
fatos para justificar as imagens. O próprio Accioly Netto escreve uma coluna nesse
de olho nos padrões internacionais: “Foi sem dúvida, o magazine que criou o moderno tipo
começa a se reerguer:
1951 uma comitiva formada por Accioly Netto, Alceu Penna e outros visitou as redações
151
O Cruzeiro conseguia fotografias para preencher suas páginas junto às agências estrangeiras como a
Atlantic Photo Berlim e a Consortium Paris e, possivelmente, junto à própria editora da revista a Empresa
Gráfica Cruzeiro. In: URSINI, Leslye Bombonato. Op cit, p.53
152
JUNIOR, Gonçalo. Alceu Penna e as Garotas do Brasil: moda e imprensa 1933/1980. São Paulo: Clube
dos Quadrinhos, 2004. p. 36.
153
“Cover Girl: Como a revista ilustrada criou um novo tipo de beleza feminina”. In: O CRUZEIRO. 6 de
janeiro de 1945, p. 59-64.
154
MAUAD. Ana Maria. Sob o olhar: um exercício de análise da fotografia nas revistas ilustradas cariocas,
na primeira metade do século XX. In: Anais do Museu Paulista v. 13, número 001. São Paulo, 2005.
Disponível em: http://redalyc.uaemex.mx/redalyc/pdf/273/27313105.pdf. Acessado em: 10 de outubro de
2006, p. 24
75
inovadoras para a revista brasileira. Após um início
analítico e tudo o que chamamos de maquilagem.” 158 A revista contava, também, com “De
mulher para mulher”, de Maria Teresa: “Quando uma moça deixa de gostar de um rapaz
155
MIRA, Maria Celeste. Op cit, p. 23.
156
HONS, André de Seguin dês. Lê Brésil. Presse et histoire 1930-85. Paris: L' Harmattan, p.28.
157
BARBOSA, Marialva. Op cit, p.8.
158
Coluna “Elegância e Beleza”. In: O CRUZEIRO.06 de julho de 1957. Sem paginação.
76
que a ama, ou mesmo quando o amou apesar da ternura
Alceu Penna emprestou a sua colunas sociais “G de A”, “O Jockey Club Mundano”,
versatilidade em contos e editoriais na
revista. As novidades em moda eram além da seção “Spot Light”, que cobria, sobretudo,
devidamente explicadas, com textos que
auxiliavam as leitoras a montar as peças.
Fig. 29 a. Conto Bahia de Gilka
acontecimentos e celebridades do teatro, entre outros.
Machado, ilustrado por Alceu Penna,
em O Cruzeiro. 08 de outubro de 1938. Essa era assinada por Crock, pseudônimo de Accioly
Fig. 29 b. Portifólio Modas, em O
Cruzeiro. Assinado por Alceu Penna. Netto.
Moda norte americana, B. Altaman &
Co, 5 ª Avenida. 17 de julho de 1943.
Entre todos os profissionais que trabalharam em
O Cruzeiro, Alceu Penna ocupou um lugar especial. Accioly Netto recorda: “(...) Alceu
Penna, ele que foi um dos responsáveis pelo enorme sucesso da revista, com a qual
159
Coluna “De mulher para mulher”. In: O CRUZEIRO. 27 de julho de 1957. Sem paginação.
160
NETTO, Accioly. Op cit, p.48.
77
colaborou durante nada menos que 28 anos.” 161 Ziraldo, que também trabalhou na
ilustradores e humoristas de O Cruzeiro criaram vários mitos naqueles tempos – que não
vão muito longe. Não tenho, porém, conhecimento da história da nossa imprensa, de
nenhum outro artista que tenha influenciado, com seu trabalho, o comportamento de toda
uma geração (talvez só o Pasquim, com seu conjunto de colaboradores, tenha conseguido
Millôr Fernandes, além de ter contribuído com os textos da coluna, auxiliou na arte-
verdadeira. Ele ilustrou a tradicional coluna “As Garotas do Alceu”, uma das principais
atrações da revista, assim como contos, até o final da década de 1930, em quase todas as
edições, como “O Casal Solteiro”, em 23 de agosto de 1947, de Mayse Greig. Além disso,
Alceu Penna ilustrou colunas, como “Spot Light”, assinada por Crock e produziu tanto o
texto como a ilustração de sugestões de beleza como na reportagem “Cabelos mais curtos”,
161
NETTO. Accioly. Op cit, p.125.
162
Apresentação do catálogo da exposição “Garotas do Alceu”, realizada em julho de 1983, no Palácio das
Artes.
163
MILLÔR. Fernandes. Apresentações. Rio de Janeiro: Record, 2004, p.31.
78
década de 1960, Alceu Penna também
Natal.
Nos anos 1950, sobretudo, os editoriais fotografados Cruzeiro para Europa e EUA, cobrindo
acompanhados de textos do ilustrador eram freqüentes.
Fig. 30 a. Reportagem sobre os lançamentos da Maison de os principais desfiles.
Christian Dior, de Alceu Penna, para O Cruzeiro. 28 de
agosto de 1957.
Alceu Penna assinava,
Fig. 30 b. Reportagem sobre a coleção de Lanvin Castillo,
inspirada no Japão, de Alceu Penna, para O Cruzeiro. 03 de
agosto de 1957. regulamente, a seção de moda
“Portifólio Modas”, a partir da década de 1940. Nela eram propostos modelos variados,
baile, etc...), ele sugeria usos e cores apropriadas para o país, algo, na época, pouco usual.
No editorial “Lar”, em 28 de setembro de 1946, Alceu Penna dava dicas para modelos
informais, mais adequados ao espaço doméstico: “Bergdorf criou e Alceu desenhou os três
modelos que estampamos em nossa página. São três maravilhosas sugestões, não apenas
164
Seção modas. “O Lar”. In: O CRUZEIRO. 28 de setembro de 1946, p.67.
79
Além dessa seção, havia as reportagens de moda com fotografias de ótima
qualidade e em cores. Alceu Penna trazia aos leitores um texto comentando as novidades e
coleções de moda, como a pertinência para a adoção de certas linhas. Nomes como
típicos, os vestidos de Lanvin Castilho são ultraparisienses, incluindo, apenas esta sugestão
oriental para dar uma graça especial.” 165 É importante salientar que as fotografias eram
exterior.
conteúdos, nas fotografias ou ilustrações, mesmo com a pirataria de fotos e textos vindos
do exterior. As reportagens sobre o Brasil eram freqüentes, contando com uma cobertura
fotográfica extensa, noticiando diversos locais e fatos nacionais, muitas vezes, explorando
regiões distantes da, até então, capital do país. “É, contudo, O Cruzeiro, que permanece
país que não só as cariocas eram belas e chiques 167 . Em outra, o estado de São Paulo é
que, mesmo no inverno, esse litoral era movimentado, repleto de rapazes e moças
confraternizando. 168
165
Reportagem “Castillo inspirou-se no Japão”. In: O CRUZEIRO. 3 de agosto de 1957. Sem paginação.
166
HONS, André de Seguin dês. Op cit, p. 29
167
Reportagem “Garotas do Ceará”. In: O CRUZEIRO. 4 de dezembro de 1948, p. 100-103.
168
Reportagem “Inverno no Guarujá”. In: O CRUZEIRO. 27 de maio de 1944, p. 36-37.
80
A partir de 1943, entram para o time
comum em revistas estrangeiras. O par perfeito era David Nasser e, assim, todas as
169
CARVALHO, Luiz Maklouf. Op cit, p. 63.
170
MORAIS, Fernando. Op cit, p. 419.
81
As reportagens eram quase sempre sensacionalistas e vinham em séries:
O texto de Nasser era estrondoso e apocalíptico. O que não sabia, ele inventava,
a revista O Cruzeiro acumulava a cada ano um prejuízo de 340 milhões de cruzeiros (200
Muitas estrelas da casa foram saindo, como Manzon, que se fixou na concorrente
anúncios excessivos: “Um dos problemas que levam ao seu fim é a decisão de exceder o
histórica revista, ela é transferida para Hélio de Bianco. A revista sobrevive até 1980 e,
171
COSTA, Helouise. Diacuí: a fotorreportagem como projeto etnocida. São Paulo, p.2. Disponível em:
http://www.studium.iar.unicamp.br/17/diacui/diacui.pdf. Acessado em 17 de outubro de 2006.
172
CARVALHO, Luiz Maklouf. Op cit, p. 64.
173
MORAIS, Fernando. Op cit. P. 676.
174
JUNIOR, Gonçalo. Op cit, p. 136.
82
2.3 A coluna “As Garotas do Alceu”
um ícone de uma revista que acompanhava a vida moderna. O título da coluna inaugural
era “Garotas da Praia”: “Olha, depois vá dizer que não sou econômica. Fiz um belo maillot
aos jovens.
A primeira edição de “As Garotas” não poderia ter como fundo outro lugar
senão as praias, ponto de encontro, cada vez mais freqüente dos cariocas. A coluna era
Fig 32. Coluna “As Garotas do Alceu” inaugural, em 19 de novembro de
1938. composta por textos e
ilustrações 175 , sendo a relação entre eles próxima: um enriquece e complementa a “leitura”
do outro. As imagens nos mostram “Garotas” belas e ousadas, com diálogos à sua altura:
picantes e atrevidos. Os textos são escritos em tom humorístico e crítico. Às vezes vêm em
versos, com rima, outras, apenas em diálogo. Normalmente, a coluna tinha textos
Os textos da coluna podem ser divididos entre as contribuições dos seus redatores.
É importante ressaltar que, durante a minha pesquisa, notei que elas são, muitas vezes,
175
A relação entre ilustração e texto será abordada no capítulo 4.
83
irregulares, alternando, em um mesmo período, participações de redatores diferentes. Os
períodos mais homogêneos quanto às colaborações são dos redatores Edgar Alencar (A.
Segundo Thereza Penna, as ilustrações eram criadas primeiro que os textos. Era
comum Alceu Penna deixar várias prontas, para depois serem legendadas quando precisava
Na coluna, que começa em 1938 e acaba por volta do começo de 1941, Alceu
Penna divide as participações com Accioly Netto (Lyto). É interessante notar, porém, que a
partir do final de 1939, quando Alceu Penna viaja para os EUA, os textos serão todos dele.
Em 28 de agosto de 1943 Alceu Penna assinava “Na terra onde mandavam as Garotas”:
“Segura só aqui nestes músculos florzinha. Veja como é forte tua mulher.” Lyto assina
automóvel, ao luar, porque quando a gasolina acaba, volto para casa de patins.”
A participação de Millôr Fernandes é composta por dois momentos, a que ele assina
apenas Millôr, do final de 1942 até o início de 1944, e a assinada por Vão Gôgo, que vai
até o final de 1946. Nas duas fases ele divide as participações com Alceu Penna. Vão Gôgo
assina “Garotas Vamps” em 27 de janeiro de 1945: “Um copo de vinho, teu corpo em flor,
as rosas mais belas do mercado de Omar, eis meu sonho Garota. O teu, porém, não será o
A contribuição de Edgar Alencar (A. Ladino) começa no final de 1946, logo após
Millôr Fernandes, e começa a desaparecer no final de 1957. A. Ladino assina “Tática das
Garotas” em 13 de maio de 1950: “Se o Carlos banca o matreiro, bato o pé, sacudo o dedo,
84
A seguir começam a
passaram a serem feitas pela inexperiente Lia Castello Branco. E as Garotas passaram a
Existiram outras contribuições de redatores, que vão aparecer mais em 1944 e 1946.
O irmão de Alceu Penna, Aloysio, será um deles assinando “Pensamentos das Garotas” em
26 de fevereiro de 1944: “As mulheres devem levar, e não serem levadas.” Houve outros,
como João Velho 177 em “A batucada das Garotas”, assinando legendas em 12 de fevereiro
de 1944: “Cada vez que você decota um pouco mais o vestido, vem com esta história de
176
NETTO, Accioly. Op cit, p. 82.
177
Não há registros de quem seja João Velho. Possivelmente é um pseudônimo de um redator que colaborou
de forma ocasional na coluna.
85
Hawai...” Milton Brandão 178 será mais um exemplo em “Garotas e o horóscopo do mês”,
em 10 de janeiro de 1942: “Se ele nasceu sob aquarius pode ser um bom partido... mas,
interessantes para o público feminino do que a única mulher, de que se tem registro, que
contribuiu como redatora na coluna. Mesmo não pertencendo ao universo das mulheres,
que dialogava com as mulheres e cativava até mesmo os homens, como já explorado:
expressada através das rimas, que provocam um ritmo de leitura diferenciado, sensível, em
que a palavra em si é um componente extra do texto: “(...) mais que a história que se vai
contar, mais que o enredo que se desenvolve, importam o som das palavras, a textura de
178
Não há registros de quem seja. Possivelmente é um pseudônimo de um redator que colaborou de forma
ocasional na coluna.
179
BRANCO, Lúcia Castello. O que é a escrita feminina? São Paulo: Brasiliense, 1991, p. 20.
180
BRANCO, Lúcia Castello. Op cit, p. 22.
86
definidos, ora apresentando os seus nomes e muitas vezes não. A coluna compunha uma
diversidade de “Garotas”: cabelos loiros, morenos, ruivos, curtos, longos, presos, soltos.
“Garotas, qual o seu tipo”, em 29 de agosto de 1942, mostrava a variedade de tipos, entre
Heddy Lammar.”
Curiosamente Alceu Penna era daltônico. Thereza Penna conta que tinha que colocar
legendas nas tintas do irmão para ele não se confundir. (Informação oral extraída em junho
de 2006.) Durante toda a sua carreira, as cores vivas empregadas em suas criações vão
década de 1940, período em que ele vai pela primeira vez aos EUA. As ilustrações das
“Garotas” têm olhos pequenos, muitas vezes representados por traços, que se assemelham
característica que se repete em outros trabalhos na época, como nas ilustrações para
década de 1940, o desenho de Alceu Penna vai se modificando. O rosto das ilustrações das
“Garotas” torna-se mais detalhado, os olhos ganham ênfase e contornos maiores, assim
181
As cores na coluna serão tratadas, com mais precisão, no capítulo 4, como parte da análise das imagens
das “Garotas”.
87
A coluna surgiu de um pedido de Accioly Netto
182
As Gibson Girls podem ser consideradas os primeiros exemplares famosos de pin ups. Alberto Vargas
(1896 - 1982) e George Petty (1894 -1975) tornaram-se, mais tarde, expoentes do gênero. As pin ups
estamparam pôsteres e calendários, tornando-se populares, entre os soldados americanos, durante a Segunda
Guerra Mundial. Betty Grable ficou famosa nas estampas desses pôsteres, assim como Josephine Backer,
Lauren Bacall, Marilyn Monroe, Kim Novak, entre outras.
183
Artigo “Charles Dana Gibson's elegant drawings captured the spirit of an age”, p. 4. Disponível em
http://www.gibson-girls.com
88
Elas se tornaram um ideal de beleza vigente na época:
Normalmente elas eram ilustradas com roupas impecáveis, na última moda, com
cabelos penteados amarrados no topo da cabeça, bem volumosos, usando enormes chapéus.
A silhueta era curvilínea, com uma cintura marcada e os traços finos e delicados.
Algumas semelhanças são notáveis entre as Gibson Girls e a coluna “As Garotas do
tomando um chá da tarde e “As Garotas” passeando em Copacabana, por exemplo. Havia
ambos de 1909, assim como nas “Garotas”. Em 1900, “Em qualquer lugar na costa sul”,
184
BRUMBERG, Joan Jacobs. The Body Project: an intimate history of american girls. New York, 1997, p.
21.
185
CRAICK, Jennifer. The face of fashion: cultural studies in fashion: Londres: Routledge, 1997, p. 74.
89
mostrava-se um grupo de garotas
para a ocasião.
Comumente, mulheres
186
JUNIOR, Gonçalo. Op cit, p.56.
90
“E hoje apresentamos novamente aos leitores as famosas
“Garotas do Alceu”, mas agora em carne e osso. (...) As garotas todas
pertencentes à alta sociedade carioca, estavam ‘belas e delicadas quais
borboletas da primavera’, como diriam nossos eufóricos cronistas
sociais.” 187
Estado de Minas, foi considerada uma representante das “Garotas” em Minas Gerais. A
A beleza das “Garotas”, entretanto, se diferencia tanto das pin-ups quanto das
conseguir mimos, namorar quantos rapazes fossem possíveis, enfim, conseguirem o que
querem e fazer o que bem entendem. Elas não estão acostumadas a serem contrariadas:
“Nada mais justo do que respeitarmos os enfados dessas criaturinhas, que são anjos de
candura quando não são contrariadas.” 189 A conquista, para as “Garotas”, não é passiva. A
beleza é fatal e elas “atacam” sem piedade suas “presas”: “Esta é uma página dedicada a
187
Reportagem “Garotas do Alceu” sobre o desfile “Charme”. Providência dos Desamparados. In: O
CRUZEIRO. 30 de outubro 1948, p. 86-89.
188
MARINA, Anna. Texto manuscrito. Belo Horizonte, 2006.(mimeo). 9 de novembro de 2006.
189
“As Garotas do Alceu”. “Não contrarie as Garotas”. Texto A. Ladino. In: O CRUZEIRO. 10 de dezembro
de 1955, p.78-79.
91
belas, feras, a feras belas e a belas
Fig. 36 b. Coluna “As Garotas do Alceu”: Garotas dão aula atmosfera de intimidade entre leitor e
de moda. Texto Maria Luiza. 25 de outubro de 1958.
cronista, que refere experiências
acerca dos fatos versados.” 191 Os textos das “Garotas” tinham um tom coloquial, como se
elas estivessem conversando intimamente entre si e com o leitor: “O Júlio pensa, que
tonto! Que eu não estou observando, mas ele que vá pensando que a ‘mamãe’ dorme no
ponto!” 192 Situações do cotidiano eram a essência dos assuntos abordados, por exemplo,
190
“As Garotas do Alceu”. “As Garotas e as feras”. Texto Alceu Penna. In: O CRUZEIRO. 15 de maio de
1943, p.40-41.
191
PAES, José Paulo; MASSAUD. Moisés. Pequeno dicionário de literatura brasileira. São Paulo, p.82.
192
“As Garotas do Alceu”. “Garotas manjando”. In: O CRUZEIRO. 25 de agosto de 1956, p.58-59.
92
quando as meninas enfrentavam os temidos exames: “Ao professor Ludgero de agradar
“As Garotas do Alceu” chegaram a ser programa na Rede Tupi, uma emissora dos
França, sob a direção de Paulo Gracindo e patrocinado pelo Jóquei Club Brasileiro.” 194
carinhosamente referidas por ele, também, como suas “Garotas”. Não se sabe se foram,
indagava sobre a atitude indiferente de seu namorado e eis o que elas responderam: “Não
se preocupe com isso! Vá usando a maior quantidade de ‘visgo’ que puder. Em qualquer
caso, porém, lembre-se do provérbio: ‘Não corra atrás de um bonde, nem de um homem.
11 de agosto de 1956, que mostrava a opinião das “Garotas” (ilustrações) sobre a forma em
que eram retratadas em O Cruzeiro: “Apesar dos comentários, às vezes muito ordinários,
aqui não temos rivais. E sempre somos bonitas, mas verdades sejam ditas, mas na vida nós
somos mais.” Essa abordagem aponta para uma figura feminina menos passiva em relação
193
“As Garotas do Alceu”. “Exame das Garotas”. In: O CRUZEIRO. 22 de novembro de 1958. Sem
paginação.
194
NETTO, Accioly. Op cit, p. 125.
93
à sua representação, no caso pelos redatores da coluna, especialmente, em se tratando, eles,
Alceu Penna. É aparente pelos versos da edição que todos da redação já tinham sido
seduzidos pelas “Garotas”. Eis o que Millôr dizia: “Ó jovem garota bela, ó bela, jovem
pequena, vossas curvas tentadoras é que vos colocam em cena.” David Nasser já dizia de
outra maneira: “Garotas da minha vida, amores do meu amor... Onde estais, sonhos
A coluna “Garotas”
“Garotas a postos”, em 17 de
diferentes poderá ingressar ao Corpo de Saúde e Pronto-Socorro, além de tratar dos feridos
em caso de ataque aéreo.” É interessante que, apesar desse exemplar, o racionamento fruto
mês de dezembro, sendo muito aguardados. Uma “Garota” a cada mês era apresentada,
94
com motivos típicos referentes. No mês de
ups.
2006), fatos que levam a crer que a situação foi criada para a reportagem. Como a matéria
acima descrita evidenciou, é provável que Alceu Penna tenha se inspirado em belas
mulheres de sua época para desenhar suas “Garotas”. Mesmo assim, não se tem um
durante 28 anos, moças e rapazes do Brasil e deixaram recordações. Talvez elas tivessem
195
Reportagem “Calendário das Garotas”. In: O CRUZEIRO. 6 de dezembro de 1952, sem paginação.
95
alcançado tamanha popularidade porque, mesmo não sendo figuras estranhas a suas
leitoras, elas conseguiam estar um pouco à frente delas. “N´O Cruzeiro, ao contrário da
fotografia cuja função era resgatar o presente passando, pode-se dizer que a ilustração ia
196
URSINI, Leslye Bombonatto.Op cit, p. 50.
96
3. O CORPO E A MODA DAS “GAROTAS DO ALCEU”: UM ESPELHO DO
AMANHÃ
sociedade podem ser revelados, por meio das roupas e da maneira com que o corpo é
cultura de uma sociedade. Segundo Célia Maria Antonacci Ramos: “Com esses gestos, os
mesmo tempo a coisa mais sólida, mais elusiva, ilusória, concreta, metafórica, sempre
multiplicidade”. 200
197
SOUZA. Gilda de Melo e. O espírito das roupas: a moda no século dezenove. São Paulo: Cia das Letras
1987, p. 23.
198
RAMOS. Célia Maria Antonacci. Tatuagem e Globalização: uma incorporação dialógica em tempos de
globalização. In: Corpo Território da Cultura.(Org) BUENO, Maria Lúcia. CASTRO, Ana Lúcia. São Paulo:
Annablume, 2005, p. 98
199
RAMOS. Célia Maria Antonacci. Op cit. p. 91
200
TURNER. Bryan. S. El Cuerpo y la sociedad: exploraciones em teoria social. México: Fondo de Cultura
Econômica. 1989, p. 33
97
Através dos gestos e expressões corporais uma rede de significação não-verbal é
posta em evidência: “O corpo age, põe em ação o gesto, por intermédio da mobilidade, que
constante interação, pois a moda projeta-se no corpo e esse na moda, funcionando como
construção de significados simbólicos, deixando como legado a idéia de que o uso que dele
viviam sob o comando de uma sociedade patriarcal. Mesmo refletindo o universo das
parece dar pistas de certos avanços em direção a uma situação menos conservadora para a
mulher.
ambiente social. Ou seja, o discurso, tanto quanto a roupa ou o próprio indivíduo, traduz
201
LURIE, Alison A linguagem das roupas. Rio de janeiro, 1997, p. 71
202
BUENO, Maria Lúcia. CASTRO, Ana Lúcia. Corpo Território da Cultura. Citação da introdução. Op. cit,
p. 10
98
ela que se faz referência, é sempre ela que orienta não apenas a forma de pensar o mundo,
modelo específico voltado ao progresso. Esse direcionamento exigiu um controle geral sob
política: “O domínio, a consciência de seu corpo só puderam ser adquiridos pelo efeito do
A prática de esportes que, desde os anos 1920 se tornava mais freqüente, toma lugar
mas a disciplina das massas passa necessariamente pela do corpo. (...) O esporte define as
estabelecida a obrigatoriedade dos exercícios de educação física para todas as classes (...).
Todos os programas são precedidos de uma orientação metodológica e a que diz respeito à
harmonioso do corpo e do espírito, concorrendo, assim para formar o homem de ação física
203
BERGAMO, Alexandre. Elegância e atitude: diferenças sociais e de gênero no mundo da moda. In:
Cadernos Pagu, Campinas, n. 22, 2004, p.88
204
FOUCAULT. Michel. A Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 2004, p.146
205
SCHUPUN. Mônica Raisa. Beleza em jogo: cultura física e comportamento em São Paulo nos anos 1920.
São Paulo: Senac, 1999, p.12
206
ACCIOLY. Aluízio Ramos. MARINHO. Inezil Penna. História e organização da Educação Física e dos
Desportos. Rio de Janeiro: Batista de Souza, 1956, p.174
99
Nesse período e, também,
“Garotas e equitação” em 16 de
Fig. 39 a. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Bicicletas e de aprender. Por esse motivo
Garotas” em 05 de Agosto de 1946. Texto A. Ladino
Fig. 39 b. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garotas e
equitação” em 16 de janeiro de 1943. Texto Millôr resolvemos instruí-las sobre em que
Fernandes
consiste, na realidade, a arte de montar.
Sigam nossos passos ou, falando em linguagem própria, o nosso trote e aprendam
conosco”.
As atividades físicas tornam-se cada vez mais incentivadas, não apenas pelo lado da
saúde, mas também do bem-estar: “Mas menos do que o fim da vontade de controlar os
corpos, essa exaltação do bem-estar emerge como uma nova estratégia para legitimá-la.
Pois controlar o corpo implica agora colocá-lo em movimento muito mais do que cerceá-
lo” 207 .
207
SANT´ANNA. Denise Bernuzzi. Corpo e História. In: Cadernos de Subjetividade. Núcleo de Estudos e
Pesquisas da Subjetividade. Programa de Estudos Pós Graduados em Psicologia Clínica PUC-SP. v 01, nº 02.
São Paulo, 1993, p. 256
100
O bem-estar, especialmente após a Segunda Guerra Mundial, passa ser valorizado,
colocando em pauta algo até então inédito em relação aos cuidados corporais - o prazer:
“(...) a apologia do bem-estar – ora traduzido em termos de prazer, ora compreendido como
relação com os esportes mais fluida, ou seja, para elas estar em movimento significava um
paquera, ou seja, encaravam a situação como uma oportunidade de estar mais visível e
exposta aos olhos do sexo oposto. Os corpos em movimento na coluna apontavam para o
houve um homem tão gozado como o Silvinho! Disse que gosta de me ver de bicicleta só
em relação às mulheres durante o governo totalitário, pois não eram todas as atividades
em relação ao esporte feminino foram levadas à cabo posteriormente pelo Estado Novo,
como aquelas que vedavam às mulheres a prática de esportes incompatíveis com a sua
natureza” 210 .
208
SANT´ANNA. Denise Bernuzzi. Op cit, p. 256
209
“As Garotas do Alceu”. Bicicletas & Garotas. In: O CRUZEIRO. 05 de Agosto de 1946, p.22 e 23
210
KNIJNIK, Jorge Dorfman. A mulher brasileira e o esporte: seu corpo, sua história. São Paulo: Mackenzie,
2003, p.62
101
limitavam a atividades mais leves como a
que prevaleciam sobre a natureza fraca do corpo e do sistema reprodutivo femininos”. 211
ganha cada vez mais espaço, principalmente para a juventude. Esse movimento pode ser
observado, desde os anos 1920 no Brasil, não somente no Rio de Janeiro, mas em São
Paulo: “Na metrópole emergente (São Paulo), estar na moda era estar sintonizado com o
que ocorria em Paris, Londres, e a partir da década de 20, Estados Unidos, cuja influência
seria fortalecida pelo cinema. Era preciso afirmar a modernidade imitando os grandes
Os EUA ampliam sua influência no Brasil com a “política de boa vizinhança” e ela
se acentua, ainda mais, após a Segunda Guerra Mundial com a Europa devastada. A moda
feminina assiste a uma difusão em larga escala de trajes para esportes e atividades ao ar
livre, privilegiando talentos como Claire Mc Cardell, que inspirará alguns vestidos casuais
das “Garotas”.
211
ADELMAN. Mirian. Mulheres atletas: re-significações da corporalidade feminina. In: Estudos feministas,
Florianópolis 11(2): 360, julho-dezembro 2003, p.446. Disponível em:
http://www.scielo.br/pdf/ref/v11n2/19131.pdf. Acessado em maio de 2007
212
BONADIO. Maria Claudia. Moda: costurando mulher e espaço público. Estudo sobre sociabilidade
feminina na cidade de São Paulo 1910-1930. Pré-projeto de Mestrado apresentado ao Departamento de
História da UNICAMP, 1997, p.06
102
As roupas práticas americanas
Fig 41. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garotas & New produtores americanos também
York” 19 de janeiro de 1946. 29 de Junho de 1940. Texto
Alceu Penna mapearam com precisão o mercado
adolescente e fizeram roupas com o “visual jovem” especificamente para essa faixa etária”
213
Após a Guerra o comércio de roupas prontas começa a ser, cada vez mais,
Unidos, que desde o século XIX já desenvolvia técnicas para a confecção industrial:
“Depois da 2ª Guerra o poder real da moda produzida em série foi, pela primeira vez,
beleza diferente da tradicional Alta Costura francesa, o que, sem dúvida, vai ao encontro
das idéias de modernidade e progresso tão incorporadas pela revista O Cruzeiro: “Na
moda lançada pelas atrizes americanas também está ligada à ideologia de progresso (...) Os
213
MENDES, Valerie. LA HAYE, Amy. A moda do século XX: Martins Fontes, 2003, p. 146
214
HOLLANDER. Anne. TORT. Alexandre Carlos. O sexo e as roupas: a evolução do traje moderno. Rio de
Janeiro: Rocco, 1996, p. 206
103
Estados Unidos carregam todas as
Fig 42. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garotas em as modas desse país: “Depois de uma
shorts”. 18 de outubro de 1952. Texto A. Ladino
temporada em Washington, as Garotas
voltaram a New York para a inauguração da Feira Mundial. (...) Nos primeiros dias, e nas
primeiras semanas, o tempo foi pouco para visitar os cinemas, os theatros, as estações de
cigarretes, que podiam vir acompanhadas de suéteres e, também, os dos práticos e sensuais
shorts: Em um tempo em que a mulher não gozava de muita liberdade no vestir e que as
calças femininas e shorts ainda eram vistos com algumas ressalvas, essas ilustrações, de
fato, faziam escolhas incomuns, mesmo que, aparentemente, de forma acidental: “Rasguei
as calças na canela pulando um cerca de arame farpado e tive que cortá-la como recurso
extremo. Agora todas as minhas amigas estão fazendo o mesmo, julgando que se trata da
217
última moda...”.
Os shorts, apesar de usados para práticas esportivas desde os anos 1930, só no final
dos anos 1960 começam a aparecer nas ruas efetivamente: “O short tomou conta das
Garotas. Ou melhor, as Garotas tomaram conta do short. Às vezes o short deixa de sê-lo
215
SCHUPUN. Mônica Raisa. Op cit, p. 127
216
“As Garotas do Alceu”. Garotas & New York. In: O CRUZEIRO. 29 de Junho de 1940, p.22 e 23
217
“As Garotas do Alceu”. As Garotas descansam. In: O CRUZEIRO. 18 de março de 1944, p.46 e 47
104
para se transformar em calças compridas para o cinema e os passeios de auto, ou ‘pesca-
siris’ para os piqueniques e bailaricos campestres. O short ajuda o movimento das Garotas
e por isso mesmo elas o tem como sua indumentária preferencial...” 218
bom gosto francês. Essa moda, ao contrário da norte-americana, seguiu linhas distintas de
vigência da coluna.
essa função natural redescoberta... Os seios, os quadris se ‘ajustam’, a cintura se afina”. 219
rigor na aparência. As luvas, por exemplo, eram acessórios muito presentes nas ocasiões
formais.
218
“As Garotas do Alceu”. Garotas em shorts. A. Ladino. In: O CRUZEIRO. 18 de outubro de 1952, p. 76 e
77
219
VEILLON. Dominique. Moda & Guerra. Um retrato da França ocupada. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Editor, 2004, p.212
105
A coluna “Garotas” exibe a presença de conjuntos de saias e blusas, além dos
tailleurs, modelos muito usados durante a Segunda Guerra Mundial. Os chapéus eram,
também, freqüentes na década de 1940. Entretanto, essa linha não seria a predominante no
período. As roupas coloridas, os vestidos de gala esvoaçantes para bailes, com metros e
Com o fim do conflito, a França aos poucos retomou as suas atividades no setor da
conservadorismo como nos tempos da Guerra, porém a austeridade cede espaço às roupas
mais glamourosas, que utilizam uma fartura de tecidos, imortalizadas pelo New Look de
As saias rodadas, volumosas, com a cintura marcada, muitas vezes por um cinto
apertado eram cada vez mais freqüentes na coluna, principalmente a partir dos anos 1950.
Os chapéus enfeitados cedem lugar à simplicidade dos rabos de cavalo e laços de fita no
“Garotas”.
moda dialogavam com esse momento de resgate aos valores tradicionais: “Uma
como inerente à “natureza” das mulheres, como sua “marca”, não obstante a pluralidade de
106
permanência desse “pudor”, dessa marca de
A esbelteza era cada vez mais valorizada, entretanto, sem características andróginas
como as vivenciadas nos anos 1920. As curvas eram bem vindas: “Era o que os homens
preferiam: as cheinhas, de corpo violão sete cordas. Se uma delas passasse por perto seria
de engordar quando se torna uma obsessão, isto é, quando não é confortado por uma exata
indicação médica, é pura e simples doença: é uma psicose cujas vítimas são levadas a não
alcançar um escopo estético, mas a por em sério e grave risco a sua saúde”.222
estabelecido na época. Eram magras e longilíneas, mas possuíam curvas, ostentando uma
220
RIOS. Gilma Maria. Educação Física e a “masculinização da mulher moderna”. Universidade Presidente
Antonio Carlos. Unipac Araguari, MG, p. 02. Disponível em:
http://www.fazendogenero7.ufsc.br/artigos/G/Gilma_Rios_38_B.pdf. Acessado em 07 de março, 2007.
221
SANTOS. Joaquim Ferreira dos. Feliz 1958: o ano que não devia terminar. Rio de Janeiro: Record, 2003,
p. 12
222
MARZULLO. Elza. Coluna Elegância e Beleza. In: O CRUZEIRO 06 de julho de 1957
107
cinturinha minúscula. Mesmo possuindo, muitas vezes, um vestuário que expunha mais a
pele, elas não fugiam do ideal feminino de corpo, aquele ainda confinado às cintas elásticas
A mulher deveria camuflar suas imperfeições com a ajuda dos cosméticos e vigiar
sempre, para que seu marido nunca visse a sua verdadeira face: “(...) fingir ser bela, fingir,
sobretudo perante o homem amado, que se tem a cintura fina, o porte de rainha e uma voz
saudável”. 223
A beleza ainda era um tanto programada e a naturalidade dos brotos dos anos 1960
ainda não era a realidade, embora não estivesse tão distante de sua emergência: “É na
nas democracias entre as duas guerras: a idéia sempre mais aguçada de que a beleza se
estratégias de guerra: “Uma aplicação dessas cintas em sacos de areia não constituiria uma
armadilha formidável?”
encarnado pela figura da vamp hollywoodiana, embora não fossem tão fatais quanto às
divas Jean Harlow e Marlene Dietrich, exemplos do gênero: “Na órbita do filme noir, essa
sedutora insubmissa e temível inaugurou a era do glamour (...).” 225 Os traços são mais
apesar da semelhança, com o avançar do tempo, elas pareciam estar mais próximas da
223
SANT´ANNA, Denise Bernuzzi. Cuidados de si e embelezamento feminino: fragmentos para uma história
do corpo no Brasil. In: Políticas do Corpo: elementos para uma história das práticas corporais. São Paulo:
Estação Liberdade, 1995, p. 127
224
VIGARELLO. Georges. A história da beleza. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006, p. 167
225
FAUX. Dorothy Schefer. A beleza do século. São Paulo: Cosac & Naif. Edições, 2000, p.146
108
beleza da virgem inocente e rebelde dos
Nessa seção a maquiagem e alguns recursos de beleza como (...)” 226 . “As Garotas” irão estampar
um poderoso sutiã ou uma cinta, estavam na lista das
“Garotas” para camuflar suas imperfeições. Essa será uma uma beleza cada vez mais jovial. Os
prática comum às mulheres do período. Aqui esses artifícios
serão comparados à artilharia de guerra, evidenciando a
batalha que era se manter bela. olhos tornam-se maiores e o sorriso se
Fig.45 Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garotas e
camuflagem". 21 de novembro de 1942. Texto Alceu Penna. alarga, aproximando-se cada vez mais
ups.
nos últimos anos da década de 50, quando os gestos dedicados a embelezar começavam a
demonstrar uma desenvoltura outrora desconhecida; sob o signo das marcas ‘Made in
Hollywood’, a feminilidade das femmes fatales da década anterior parecia ter se tornado do
appeal dos brotos era a nova inspiração. A maquiagem deveria ser mais leve, nada de cores
depilação era comumente feita com gilete e depilar as sobrancelhas nem sempre era visto
como coisa de mulher de boa família. A sombra para as pálpebras, quando podia ser usada,
era considerada adequada para festas noturnas. Esmalte de cor forte costumava despertar
226
MORIN. Edgar. Estrelas: mito e sedução no cinema. Rio de Janeiro, 1989, p.08
227
SANT´ANNA. Denise Bernuzzi. Do glamour ao sex-appeal: notas sobre o embelezamento feminino entre
1940 e 1960. In: História &Perspectivas. Uberlândia (23): 115-128 julh/dez.2000, p. 116
109
suspeitas.” 228 A cor dos esmaltes das “Garotas”, ignorando essa regra, era normalmente
Com o avançar da década de 1950 a beleza feminina passa, cada vez mais, a ser
acreditava, ela passou a encarar os cosméticos como uma chance de corrigir as suas
principalmente, a que é empregada por suas amigas, as quais naturalmente você vê sem
cosméticos”. 229
controle dos corpos: “(...) o ideal de elegância perpassa também o discurso do “deve ser”
para as mulheres dos anos 50. Ressalta-se inclusive que não adianta só “beleza pura”, mas
228
SANT´ANNA. Denise Bernuzzi. Op cit, p.120
229
MARZULLO. Elza. Coluna Elegância e Beleza. In: O CRUZEIRO. 06 de julho de 1957
230
PEREIRA, Simone Luci. Imprensa e Juventude nos anos 50. INTERCOM – Sociedade Brasileira de
Estudos Interdisciplinares da Comunicação. XXIV Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação.
Disponível em: http://reposcom.portcom.intercom.org.br/bitstream/1904/4373/1/NP2PEREIRA.pdf.
Acessado em 10 de maio de 2006, p. 08
110
A expressão “só é feia quem
constatado que, para a época, em que o corpo feminino era objeto de extrema vigilância e
controle as ilustrações exibiam pelo corpo e a moda, mais liberdade do que era costumeiro
anunciavam uma etapa nova que caracterizaria a transição dos anos 1950 para 1960:
“Beleza mais livre (...) secretamente trabalhada pela dinâmica da igualdade.” 231
231
VIGARELLO. Georges.Op cit, p. 171
111
embelezar: “(...) segue-se a modernização da beleza, sobretudo das mulheres. O rouge foi
sendo preterido pelo blush, o pó de arroz pelo pó compacto, as máscaras caseiras de beleza,
empresas estrangeiras consagradas, que apareciam até mesmo em seções em que o tema
era a culinária: “Os morangos devem ser servidos com creme. Não há creme chantili. Será
Uma boa aparência era imprescindível para uma jovem, que desejava escolher entre
vários partidos aquele que a mais interessava. A beleza deveria servir ao homem, ou seja,
máscaras no batom que marca seus lábios, no pó facial sobre a tez que quer sem manchas,
processual.” 234
democratizado: “(...) Daí a ‘generalização’ dessa beleza, impensável até então, ao alcance
232
MELLO. João Manuel Cardoso de. NOVAIS. Fernando A. Capitalismo Tardio e sociabilidade moderna.
In: SCHWARCZ. Lilia Moritz (org.). História da Vida Privada v.04. São Paulo: Companhia das letras,
1998, p. 568
233
“As Garotas do Alceu”. Garotas e a arte culinária. In: O CRUZEIRO. 22 de Abril de 1950, p.118 e 119
234
ROMERO, Elaine. Corpo, mulher e sociedade. Campinas: Papirus, 1995. p 132
235
VIGARELLO. Georges. Op cit, p. 171
112
Era necessário romper
em sua linha editorial uma mulher que atendesse aos interesses da modernização do país,
mas que fosse alienada aos problemas políticos femininos, não ferindo aos interesses
feminino, a revista de grande tiragem nacional procurou enfatizar muito mais libido,
vaidade e mito fantasioso das mulheres, num período definido como moderno, do que
tratar dos problemas da dura realidade da maioria das brasileiras, que viviam na mais
novo modelo de mulher moderna: “Uma enquête realizada por O Cruzeiro na América
Latina demonstra que a jovem deste continente realiza um sadio equilíbrio entre as virtudes
236
FIGUEREDO, Anna Cristina Camargo Moraes. Liberdade é uma calça velha, azul e desbotada.
Publicidade, cultura de consumo e comportamento político no Brasil (1954-1964), 1998
237
CERPA. Leoní. A máscara da modernidade: a mulher na revista O cruzeiro (1928-1945). Passo Fundo:
UPF, 2003, p.73
238
O CRUZEIRO. A mulher em nova edição. 28 de Setembro de 1957, p.24 e 25
113
O conceito de mulher moderna vigente no período da coluna diferenciava-se
daquele popularizado nos anos 1920, sobretudo, pelos EUA: “(...) o desafio competitivo
que o modelo da mulher americana moderna lançava, tanto ao velho estilo de vida
patriarcal como ao novo estilo de vida coletivista, tinha menos a ver com a bandeira do que
com a sua representação em produtos, na moda, nas notícias e no cinema. Na sua realidade
tão diversa, as mulheres modernas emergiram das lutas anteriores pela emancipação
política, econômica e sexual. (...) Por volta dos anos 20, empenhados agentes da
alcançava apenas uma independência consumista, e ainda com o dinheiro dos maridos,
compartilhavam, até certa medida, do pensamento que deveriam ser sustentadas pelos seus
mimos caros: “O Antônio tem mania de me dar orquídeas, mas ele revela gosto fino. São
brasileira. Pode se dizer muito sobre aquele tempo, pela observação dos traços que
uma visão se destacou, graciosa e ao mesmo tempo controversa, chamada “As Garotas do
239
COTT. Nancy F. A mulher moderna: o estilo americano dos anos 20. DUBY. Georges. PERROT.
Michelle. História das mulheres: o século XX, v.5. Roma: Afrontamento, 1991, p. 95.
240
CERPA. Leoní. Op cit, p. 79
114
Alceu”, ensinado os brotinhos da época os benefícios incomparáveis da malícia e do bom-
115
3.2 A ousadia discreta das “Garotas”: objetos de desejo
dotes físicos e charme invejáveis. As moças do período queriam ser uma “Garota” e os
inevitável, para mim, voltar no tempo quando penso em Alceu Penna. Lembro-me
bancas e eu, correndo as páginas da revista, para encontrar as “Garotas” da semana. Não só
para mim, mas para minha geração de meninas que iam ao cinema Rian à tarde e depois
iam em grupo tomar sunday de Morango com waffles nas Americanas, Alceu Penna era um
Eram frases, gestos, formas de olhar e seduzir, as roupas, chapéus, maiôs, fantasias. Ah!
Se para as moças da época, “As Garotas” tornaram-se modelos, para os rapazes elas
eram objetos de desejo. Alberto Villas relembra o lugar ocupado pelas ilustrações em seu
imaginário: “Um dia sonhei que estava me casando com uma garota do Alceu. Ela vestia
um vestido branco com uma cauda enorme e segurava um buquê de flores cor-de-rosa e
quase que boas demais para serem verdade. E de fato eram mesmo. Sua imagem tornou-se
241
HOLLANDA, Heloisa Buarque. Texto manuscrito. Rio de Janeiro, 2006.(mimeo).
242
VILLAS. Alberto. O mundo acabou. São Paulo: Globo, 2006, p.261
116
em diversos contextos que
fetichizado”. 243
isto basta. Ela possui olhos grandes, uma boca larga que ri, mostrando os dentes muito
brancos, um busto que poderia servir de cabide, nádegas que fariam com que um atirador
revirasse os olhos, coxas acolchoadas e tornozelos decentes. Seios nádegas, sorriso: eis de
que é composta a pin-up, e esta ausência de mistério acaba por ser o mais misterioso dos
mistérios.” 244
243
BOTTI. Mariana Meloni Vieira. Fotografia e fetiche: um olhar sobre a imagem da mulher. In: Cadernos
Pagu (21) 2003, p. 105
244
PIPER, Rudolf. Garotas de papel: história da pin-up brasileira em 170 ilustrações. São Paulo: Ed Global,
1976, p. 88
117
Na coluna as ilustrações não possuem um apelo sexual tão explícito quanto as pin-
código de sedução delas. “As Garotas”, muitas vezes, posam para o leitor, ou seja, olham
diretamente para ele, quase como um convite a apreciá-la. A roupa também é parte
importante, pois é decotada, apresentando peças que mostram pernas, colo, braços, sem
revelar tudo: “Acompanhado desse olhar, por vezes lúdico, sério ou insinuante, temos a
indumentária, que reforça o convite. A escolha por vestir a modelo ao invés de representá-
mulher como objeto de desejo e, portanto, de apreciação. Simone de Beauvoir fala sobre a
face estática e submissa dos corpos femininos: “O ideal da beleza feminina é variável, mas
certas exigências permanecem constantes: entre outras exigi-se que seu corpo ofereça as
(...) não deve ser promessa de outra coisa senão de si mesmo: precisa deter o desejo”. 246
aflorar a sensualidade. A praia era um dos programas mais ilustrados nas páginas das
charme para os rapazes: “Na areia fresca e macia que tanto repouso enseja, a Garota só
direção a uma nova e incerta realidade. Na praia se desfrutava de liberações, tanto do ponto
de vista das roupas, pelo uso de trajes de banho que mostravam partes do corpo
245
BOTTI. Mariana Meloni Vieira. Op cit, p. 125
246
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980, p. 200
247
“As Garotas do Alceu”. Na barraca das Garotas. In: O CRUZEIRO. 05 de novembro de 1955, p .26 e 27
118
A praia tornava-se um local de
A praia possibilitou muitos encontros para “As Garotas” e pudesse por abaixo a reputação da
as mocinhas da época. Corpos à mostra e sensualidade aos
olhos do sexo oposto, ao mesmo tempo em que aproximava,
colocava novos receios em relação ao corpo. moçinha: “Calma, deitada na areia,
Fig.49 Coluna “As Garotas do Alceu”: “O banho das desacata a vida alheira, mas não entres
Garotas”. 31 de janeiro de 1942. Texto A. Ladino
no mar, não, pois o teu maiô estético, de tão bonito e sintético pode atrair tubarão” 248 .
liberdade. O desejo incontido de agradar aos olhos do sexo oposto torna-se uma coação
padrão. “As Garotas” como qualquer moça da época, estavam divididas, cotidianamente,
Esse comportamento não era estranho para uma sociedade conservadora, à despeito
Palmer, a seção “Correio Feminino” no Correio da Manhã entre 1959 e 1961. Nesse espaço
ela dava dicas de beleza e comportamento que, em muito, refletiram a realidade feminina
do período: “A mulher deve ser primeiro que tudo feminina. Deve ter a habilidade de se
controlar a ponto de deixar que outras pessoas se tornem mais importantes que ela dentro
agradar, mas ao mesmo tempo, rompiam esse padrão para incorporar um modelo mais
248
“As Garotas do Alceu”. Garotas cuidado com o tubarão! In: O CRUZEIRO. 03 de março de 1953, p. 70 e
71
249
NUNES. Maria Aparecida (org). Correio Feminino. Qualidades para tornar a mulher In: Correio da
Manhã. LISPECTOR, Clarisse. 22 de janeiro 1960, p.100
119
pessoal em sintonia com as suas vontades, mesmo que essas não fossem exatamente as
ampliação das possibilidades de encontro entre os sexos. Mesmo com as regras que
footing proporcionam contatos cada vez mais freqüentes e diretos entre jovens de ambos os
sexos. Estas práticas, ao longo do tempo ‘destroem’ (substituindo por processos mais
Eram nesses espaços de convivência que a jovem solteira poderia entrar no jogo da
receptiva tinha que ser pautado pela moral e bons costumes, deixando a iniciativa, o flerte
para os rapazes: “A minúcia dos gestos e a escolha das roupas expressam a unidade
comportamentos, embora expressos como algo alheio que possa ser aprendido, não passa
de procedimentos de autocontrole para que o indivíduo não fira a unidade esperada entre
um sorriso discreto e maroto: “IT, sorriso e menelo, atrevimento e receio, que torna a
250
“As Garotas do Alceu”. Garotas manjando. In: O CRUZEIRO. 25 de Agosto de 1956, p. 58 e 59
251
BASSANEZZI. Carla. Virando as páginas, revendo as mulheres. Revistas femininas e relações entre
homem e mulher (1945-1964). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1996, p. 80
252
BERGAMO. Alexandre. Op cit, p. 90
120
garota ‘a tal’, eflúvio gostoso e quente, imponderável presente que nos faz bem e nos faz
mal” 253 . Mesmo deixando o homem achar que está sendo conquistado, como era o costume
da época, elas investiam ativamente no flerte, uma iniciativa masculina, abusando do seu
charme e beleza: “É das causas mais singelas a que o Rio descontrola: é que as Garotas,
O corpo e a moda das “Garotas”, frequentemente, eram usados como “armas” para
conseguir coisas dos rapazes através da sedução, uma prática que destoava das normas de
boa conduta: “(...) considerava-se que o culto á beleza deveria levar em conta os princípios
médicos procuravam frear a libido feminina, estabelecendo limites entre a ‘vaidade das
A beleza das ilustrações não estava a serviço dos homens, pois atendia a um
interesse maior: o delas: “Dos truques dessas pequenas não há que possa escapar,
estrategistas serenas, elas sabem despistar. E, guerrilheiras capazes, que lutam sempre a
Era para a época um consenso, que as mulheres utilizavam o choro para desarmar
os homens e conseguir o que queriam, como até hoje, muitas ainda o utilizam. Era uma
tática comum ao chamado sexo frágil, que se posicionava de modo passivo na sociedade,
não gozando de nenhum poder de iniciativa: “Não raro estas mulheres aconselharam,
inclusive, suas filhas a ‘Fazer coisas não aparentando estar fazendo’, a exigir coisas sem
parecer estar exigindo, a ‘fazer tudo com muito jeito e tato’, porque afinal, ‘homem não
253
“As Garotas do Alceu”. charme it., ophm... In: O CRUZEIRO. 25 de fevereiro de 1956, p. 58 e 59
254
“As Garotas do Alceu”. Garotas dando bola. In: O CRUZEIRO. 03 de Agosto de 1946, p.23
255
CERPA. Leoní. Op cit, p. 82
256
“As Garotas do Alceu”. A tática das Garotas. Texto A. Ladino. 13 de maio de 1950, p.46 e 47
257
COUTINHO. Maria Lúcia Rocha. Tecendo por trás dos panos: a mulher brasileira nas relações familiares.
Rio de Janeiro: Rocco, 1994, p.101
121
“As Garotas” assumiam uma posição diferente. Sua arma secreta era seu charme,
seus encantos e sorriso: “Depois de um dia de lucidez, alguém descobriu que o pranto
incha os olhos, avermelha o nariz, enfeia. E assim como se evoluiu do tacape para a
metralhadora, assim as mulheres evoluíram do choro para o sorriso. Uma Garota de dentes
exemplos do cotidiano. O que seria aceitável? : “Ser brotinho em 1958 (...) é ficar dividida
O jovem como faixa etária à parte, era uma novidade, e muitas vezes, esses não
deveriam se portar com descrição, não era bem visto uma moça ir a festas
código de conduta era rígido, especialmente para as senhoritas. Obstante a isso, “As
Garotas”, mesmo compartilhando desse código cometiam seus excessos: “Querendo bancar
grã fina e mostrar seus predicados, bebe tanto a Rosalina que confessa seus pecados!”. 260
tratadas entre mulheres com muito pudor, sendo jamais discutidas abertamente. Em vista
de tamanha artificialidade, era pouco provável, que alguma mulher nutrisse intimidade e
conhecimento sobre seu próprio corpo: “Todas essas mulheres andavam soterradas debaixo
258
“As Garotas do Alceu”. O sorriso é a arma das Garotas. In: O CRUZEIRO. 08 de março de 1958, p. 76 e
77.
259
SANTOS. Joaquim Ferreira dos. Op cit, p. 49
260
“As Garotas do Alceu”. Garotas dão cada baixo. In: O CRUZEIRO. 01 de novembro de 1952, p.76 e 77
261
SANTOS, Joaquim Ferreira dos. Op cit, p. 56
122
Estar consigo mesma era um dever, ao contrário de hoje, que deve ser um prazer,
objeto do olhar e do desejo (aspectos que logo se tornam alvo das campanhas
publicitárias), mas aparece calado devido ao pudor que lhe é exigido como marca de
feminilidade”. 262
“As Garotas” nesse sentido foram representadas de forma mais à vontade com seu
corpo, mas não apenas com ele. Levando em conta que a moda e o corpo funcionam como
“parceiros”, era natural que elas estivessem á vontade com suas roupas também. Mesmo
Se por um lado, “As Garotas” demonstraram uma maior intimidade com o corpo e
foram adeptas de uma moda sedutora e prática, que valorizasse seus atributos físicos, em
parte, era porque existiam apenas nas páginas de O Cruzeiro. Não tinham que enfrentar se,
mesmo sendo de papel, inspiraram mulheres reais. Desde mulheres da sociedade, como
Ruy Castro discorre sobre a importância das “Garotas” como modelo de beleza e
acompanhou e esteve à frente de muitas transformações que o Brasil viveu. Suas Garotas
262
ANGELI, Daniela. Uma breve história das representações do corpo feminino na sociedade. Rev. Estud.
Fem. [online]. 2004, vol. 12, no. 2 [cited 2007-03-13], pp. 243-245.Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-026X2004000200017&lng=en&nrm=iso>.
ISSN 0104-026X. doi: 10.1590/S0104-026X2004000200017
123
tinham it e ensinavam às mulheres que ter personalidade e ser independente não era uma
utopia. Os rapazes ficavam malucos e queriam ser maridos, namorados ou qualquer outra
coisa dessas meninas tão características do charme e do meneio brasileiros. Pois a página
de Alceu lhes ensinou que, para conquistá-las, teriam de mudar seus conceitos e aceitar
estava no ar, e com ela, o sabor da mudança e o desejo do novo. Elas compartilhavam da
realidade vivenciada pelas moças da época, viviam as mesmas angústias e obstáculos, além
de gostarem das mesmas coisas. Seu corpo e moda estavam sujeitos às mesmas restrições e
representou uma tendência que pairava no ar, ainda tímida, que se tornou mais concreta nas
263
CASTRO. Ruy. Texto de apresentação da exposição “O Brasil na ponta do lápis: Alceu Penna, modas e
figurinos”. Centro Universitário Senac-SP. Maio 2007
124
CAPÍTULO 4. “GAROTAS”... ALGO A SER INDEFINIDO
Toda imagem produzida pelo homem contém a visão de mundo dele, revelando,
que sua cultura está inserida: “O modo de ver o mundo, as apreciações de ordem moral e
cultura.” 264
Essa imagem não terá a neutralidade como característica e sempre evidenciará seu
Quando Van Gogh pintou os famosos girassóis, ele os fez tão singulares que são
identificados como “Os girassóis de Van Gogh”, e não como uma simples retratação desse
tipo de flor. Os girassóis pintados eram diferentes e jamais seriam iguais a outro tipo de
produção com esse tema, pois naquela imagem continha algo muito particular: o modo de
264
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Zahar, 1996, p.70.
265
FIGUEIREDO, Rubens; MANGUEL, Alberto;EICHEMBERG, Rosaura; STRAUCH, Claudia. Lendo
imagens: uma história de amor e ódio. São Paulo: Companhia das Letras, 2001, p. 21.
125
Esse modo de ver está, portanto, condicionado a diversos fatores, como a
que foi produzida, podendo revelar muito sobre o criador e o tempo por ele vivido:
É interessante perceber que, da mesma forma que uma determinada imagem reflete
o olhar de uma pessoa, a sua apreciação também depende daquele que a vê. O olhar do
ser um registro imparcial, o olhar estará sempre condicionado: “Todavia, embora todas as
imagem dependem também do nosso próprio modo de ver. Por exemplo, Sheila pode ser
uma entre vinte pessoas, mas por motivos pessoais, só temos olhos para ela.” 267
fotografias. Percebe-se que esse tipo de pintura é um movimento particular, pois revela,
momento histórico, que freqüentemente foi retratado por figuras masculinas: “(...) como
qualquer representação a imagem é um jogo, guiado por regras culturais que evoluíram e
que continuarão a evoluir. A imagem da mulher tem uma história em si mesma.” 268
266
BERGUER, John. Modos de Ver. Lisboa: Edições 70, 1972, p.14.
267
BERGUER, John. Op cit, p.14.
268
DUBY, Georges; PERROT, Michelle. Imagens da Mulher. São Paulo: Afrontamento, 1992, p. 140.
126
Alceu Penna, ao criar as ilustrações das “Garotas”, como não podia deixar de ser,
corporizou seu próprio modo de ver a figura feminina. A imagem um pouco contraditória
que temos das mulheres é entendida pela ótica do autor, que vivenciou um período em que
Por outro lado, não podemos deixar de perceber que a malícia tomava um espaço
maior nas ilustrações, destacando, de forma sutil, essas figuras do cenário feminino comum
da época, algo que não pode ser explicado pela simples influência do contexto do país
naquele momento. Nesse sentido as imagens são entendidas menos por um movimento
exterior e mais interior, que parte do próprio ilustrador e de sua sensibilidade ao lidar com
a realidade: “As imagens em si mesmas não são falsas nem verdadeiras, são expressões de
anseios e sentimentos correspondentes ao que a realidade é ou ao que pode vir a ser.” 270
em que estava inserido, mas também de sua sensibilidade ao lidar com essa realidade.
Examinando os registros profissionais de Alceu Penna, percebe-se que ele concebeu muitas
ilustrações de figurinos para cassinos e shows, tendo trabalhado nesses lugares ao longo de
sua carreira. Haja vista a extensa atividade do profissional nessa área, ele provavelmente
esteve em contato, mais do que a grande maioria das pessoas, com um ambiente liberal e
269
FIGUEIREDO, Rubens; MANGUEL, Alberto; EICHEMBERG, Rosaura; STRAUCH, Claudia. Op cit p.
27.
270
COSTA, Cristina. A imagem da mulher: um estudo de arte brasileira. Rio de Janeiro: Senac, 2002, p.161.
127
descontraído, algo que deve ter contribuído, em certa medida, para a sua retratação
incomum da mulher.
Não podemos esquecer que, mesmo Alceu Penna tendo convivido em meio ao
mundo dos espetáculos, ele ainda assim era um homem, ou seja, algo que teria potencial
para influenciar o seu traço de maneira inquestionável, como de fato o fez. O modo com
que seu gênero atuou nos seus desenhos pode ser percebida, sobretudo, pela exploração da
Pode-se dizer, em linhas gerais, que o conjunto de seus desenhos não afirmaram
malícia. Em “As Garotas”, devido ao seu olhar incomum, Alceu Penna ilustrou mulheres
que, mesmo se encaixando nos padrões conservadores, deram aos leitores de O Cruzeiro
271
MATTAR, Denise. Texto de abertura do livro da exposição Traço, Humor e Cia. Museu de Arte Brasileira
(MAB). Fundação Armando Álvares Penteado. 24 de maio a 298 de junho de 2003, p.8.
128
4.2 Imagem e texto na coluna “As Garotas”: uma relação humorística
Como já explorado, a coluna foi locada, por muitos anos, na seção de humor de O
Cruzeiro, fato que atesta a importância desse na sua caracterização. É provável que grande
parte do sucesso que a coluna alcançou ao propagar idéias avançadas em relação à mulher
dependência.
do lar” permanece intacto ao observar as imagens. Entretanto, o texto revela, por exemplo,
272
CORRÊA, Thomaz Souto. In: MATTAR, Denise. Texto de abertura do livro da exposição Traço, Humor
e Cia. Museu de Arte Brasileira (MAB). Fundação Armando Álvares Penteado. 24 de maio a 298 de junho de
2003, p.77.
273
BARTHES, Roland. O óbvio e o obtuso. Lisboa: Ed. 70, 1982, p. 32.
129
que elas não estão ligando muito para o desempenho desse papel: “Porque você não
Fig.50. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garotas e o lar”. “(...) se o riso, essa epifania da
31 de julho de 1943. Texto Alceu Penna
emoção não nos dá nada de
duradouro, pelo menos humaniza e nos faz parte daquela integridade acabada da existência
cotidiana.” 274
engraçado sobre o vestido de uma amiga, não se mostravam vulgares ou mesmo chatas, e
sim engraçadas.
idealização da mulher às avessas. Nela as ilustrações estão sofrendo dos males de terem
abusado das bebidas, uma situação que não ficava bem a mocinha nenhuma, mas encarada
pela lente do bom humor. Em um determinado trecho da coluna, um rapaz se interessa por
uma “Garota” nesse particular estado, notadamente com segundas intenções: “Não quero
274
TOMÉ, Elias Saliba. Dimensão cômica da vida privada na República. NOVAIS, Fernando A.;
SEVCENKO, Nicolau. História da vida privada no Brasil: vol. 3: República: da belle époque à era do rádio.
São Paulo: Companhia das Letras, 1997, p. 364.
130
gim nem cachaça, nem quero beber mais nada, só quero agora teus lábios minha adega
divinizada.”
Fig. 51 Coluna “As Garotas do Alceu”: “A ressaca das se leva à sério, desdramatiza o real e
Garotas”. 09 de março de 1946. Texto Alceu Penna.
caracteriza-se por uma atitude
maliciosamente desprendida ante os acontecimentos (...) não há entrada para ninguém que
não seriam sozinhos tão eficazes em disseminar a malícia na coluna, se não fosse pelo
humor contido neles. Esse recurso proporcionou um desvio da seriedade dos assuntos
abordados, permitindo, ao mesmo tempo, exprimir de uma forma despretensiosa idéias não
tão aceitas para os padrões conservadores femininos. Aliás, essa será uma prática bastante
comum entre os humoristas em geral, que irão explorar o riso para criticar realidades, sem,
275
As “Garotas” podiam ser figuras perfeitas esteticamente, mas seus comportamentos não o eram, pois
ficavam de ressaca, tinham muitos namorados e paqueravam abertamente, atitudes que violavam as normas
de bom comportamento da época. Essa característica vai ao encontro das idéias de Gilles Lipovetsky ao
discorrer sobre as facetas do humor na pós-modernidade, ao falar do “novo herói”, que é descontraído mesmo
em situações tensas, exemplificando com personagens como James Bond, que por essa atitude são
extremamente sedutores e populares. In: LIPOVETSKY, Gilles. A era do vazio: ensaio sobre o
individualismo contemporâneo. Lisboa: Relógio D'Água, 1983, p. 132.
276
LIPOVETSKY, Gilles. Op cit, p. 132.
131
contudo, perder de vista a
abertamente, mas se insinuava nas entrelinhas: “(...) o cômico também sempre constituiu,
sentido: “Não sei para que prova escrita. Se o professor fosse mais inteligente e menos
míope veria logo que meu saber está na cara.” Esse exemplo fornece uma dimensão de
algo socialmente condenável até os dias de hoje: a aluna seduzir o professor. No caso, a
passagem remete à investida interesseira da “Garota”, que tenta conseguir uma nota melhor
ou pudores, ao dizer sem querer dizer, disfarçando o que intencionava manifestar, algo que
277
BARBOSA, Francisco de Assis. In: ZIRALDO. 1964-1984: 20 anos de prontidão. Rio de Janeiro:
Record, 1984, p. 7.
278
TOMÉ, Elias Saliba. Op cit, p. 364.
132
“Há no humor uma vocação dialética espontânea, que o leva a
questionar os princípios que enrijecem as certezas que se cristalizam, as
conclusões que se pretendem definitivas. O humor força a consciência a
se abrir para o novo, para o inesperado, para o fluxo infinitamente rico da
vida, para a inesgotabilidade do real.” 279
imputada aos engraçados textos da coluna, que, se colocados de forma mais direta, não
seriam possíveis de estar em uma revista familiar da época. Nessa seção as ilustrações se
encontram na praia e munidas de más intenções, atrás de uma companhia masculina: “Na
é maior.” Pode-se entender nas entrelinhas, também, que a figurinha desejava estreitar as
aproximações, talvez, para algo além dos olhares, uma atitude complicada para uma moça
não seriam sozinhos tão eficazes em disseminar a malícia na coluna, se não fosse pelo
humor contido neles. Esse recurso proporcionou um desvio da seriedade dos assuntos
abordados, permitindo, ao mesmo tempo, exprimir de uma forma despretensiosa idéias não
tão aceitas para os padrões conservadores femininos. Aliás, essa será uma prática bastante
comum entre os humoristas em geral, que irão explorar o riso para criticar realidades, sem,
contudo, perder de vista a descontração: “Os humoristas quase sempre são mais graves do
que possam parecer à primeira vista, sob o disfarce anedótico de uma piada.” 280
Na coluna “As Garotas” uma figura feminina atípica foi difundida por meio dos
279
KONDER, Leandro. Barão de Itararé: o humorista da democracia. Coleção Encanto Radical. São Paulo:
Editora Brasiliense, 1983. p.65.
280
BARBOSA, Francisco de Assis. In: ZIRALDO. 1964-1984: 20 anos de prontidão. Rio de Janeiro:
Record, 1984, p. 7.
133
revelou o talento de um ilustrador e redatores que, como “As Garotas”, não se encaixavam
134
4.3 Garotas modernas ou emancipadas? Uma análise imagética e textual da coluna
Alceu” nos aponta para uma incerta realidade da mulher brasileira. A análise imagética e
textual da coluna procura esclarecer até que ponto as imagens da emancipação feminina
vão ao encontro das figuras de Alceu Penna e em que momento elas se separam.
adornadas com colares e usando saias floridas. Esse traje, constituído de um pedaço de
tecido envolto nos quadris, é popular, sobretudo, na Ásia e nas ilhas do Pacífico. Segundo
o texto, escrito pelo próprio Alceu Penna, elas trouxeram essa moda para as praias cariocas
O traje aparece como novidade e servirá para atrair o olhar feminino ansioso por
imitar “As Garotas”. É fato também que, pela sensualidade com que são ilustradas e pela
A moda dos Sarongs aparece como ponto central da coluna, mas o corpo das
corpo e a moda avança para além das imagens: “Sabes qual a diferença entre as Garotas de
ontem e de hoje? As Garotas de ontem costumavam exibir as modas. Mas hoje, com os
135
Fig.53. “Garotas de Sarongs” em 10 de abril de 1943. Texto Alceu Penna. “As Garotas” convidam o leitor a apreciar a
beleza dos seus corpos e chamam a atenção das leitoras para uma nova moda, inspirada nos trajes havaianos chamados
Sarongs. A coluna dialoga com moças e rapazes ao mesmo tempo. Uma diversidade de beldades são ilustradas por
Penna, desde o tipo morena da pele bronzeada até a loura platinada de pele alva. Os Sarongs combinavam com todas!
composição da moda e da beleza feminina. Ela sublinha uma tendência, cada vez maior, de
tecido, fato que não deixa de acentuar a íntima relação entre esses elementos: “A relação
entre corpo e moda é ambígua, na medida em que a moda atua na formatação do corpo, ao
“Na terra onde mandavam as Garotas”, de 28 de agosto de 1943, Alceu Penna nos
mulheres, em uma inversão dos papéis entre homem e mulher: “Consta que houve um
281
CASTRO. Ana Lúcia. Identidades e Estilos de vida. In: CASTRO. Ana Lúcia. RAMOS. Maria Lúcia
Bueno. Corpo Território da Cultura. São Paulo: Annablume, 2005, p.141.
136
reino – isso foi há muito tempo – em que as mulheres mandavam nos homens. Esse reino
era o das amazonas (...) Bom será saber como as coisas corriam naquele tempo que agora
Fig 54. “Na terra onde mandavam as Garotas” em 28 de agosto de 1943. Texto Alceu Penna.. O ilustrador aspirou
um mundo em que as suas graciosas ilustrações estivessem no comando. Longe de estar fantasiando ele mostrou uma
tendência que começava a se tornar mais consistente para as mulheres brasileiras. Com muito humor, “As Garotas”
deixavam de ser, pelo menos nas páginas de O Cruzeiro, o sexo frágil.
notamos que Alceu Penna nos apresenta menos uma situação fantasiosa e mais um
mudanças.
sobretudo, por homens. Além dessa alusão, elas estão, em certa medida, incorporando
atitudes típicas masculinas, como a “Garota” que inclina um homem para beijá-lo.
137
feminilidade, vestindo-se com um uniforme provocante, mostrando bastante as pernas.
Pensando assim, especificamente nas vestimentas sensuais, elas ainda servem a um olho
Cruzeiro uma tendência, ainda tímida, de liberação feminina. Essa mensagem era
contundente, principalmente para as leitoras, pois mostrava uma mulher mais liberada,
mas, ao mesmo tempo, bela e feminina, quebrando o estereótipo da feminista, que por
querer uma igualdade maior entre os sexos era tachada de feia e rabugenta.
uma cena mitológica em que o deus Páris premia com uma maçã a deusa mais bonita,
como escreve o redator Vão Gôgo: “Senhoras, seus encantos a sua beleza é um tesouro, a
mais bela ganhará uma rica maçã de ouro.” Minerva e Juno são rejeitadas por Páris por
terem mais atributos intelectuais do que físicos. Ele escolhe Vênus, porque ela tem a beleza
como seu atributo maior: “Para falar mesmo a verdade seu presidente da mesa tenho só
O tema dessa coluna nos revela a mulher como uma visão que satisfaz ao olho
masculino. A mulher só é notada pelos seus atributos físicos, relegando a sua identidade
282
KOSSOY, Boris. Realidades e Ficções na trama fotográfica. São Paulo: Ateliê Editorial, p.44.
138
Fig. 55. “Três Garotas e Páris na sinuca” em 24 de julho de 1943. Texto Vão Gôgo. As Garotas equilibram signos do
conservadorismo e da ousadia com muito cuidado. Se por um lado são objetos de desejo masculino, por outro não se
inibem ao mostrarem boa dose de pele para os leitores de O Cruzeiro.
vigiada, e outra masculina, a vigilante, que observa a sua imagem tal como deve ser
seios estão cobertos por um simples leque. Todos os olhares se convertem para ela.
Podemos inferir que ela seria a Vênus, premiada pela sua incrível beleza, e talvez por isso
esteja com o corpo mais exposto que as outras figuras. Mesmo quando a coluna trata a
mulher de forma conservadora, ela ousa ao apresentar o corpo quase nu em suas páginas.
283
BERGUER. Op cit, p. 51.
139
Em “Garotas, Maio e casamentos”, de 1 de maio de 1954, as “Garotas” são
“Vou fazer uma novena para meu santo milagroso, para ver se ele
tem pena, e me remete um esposo”. O texto mostra a urgência e pressa
para que se concretize o casamento, colocado como ritual muito
importante e, como de fato era, para a mulher da época: “Proclamava-se
que o casamento era ‘o estado perfeito’ e também uma obrigação à qual
ninguém poderia se furtar.” 284
também, uma apreciação feminina, já que o casamento era um evento muito esperado pelas
moças da época, sendo a coluna uma boa vitrine para elas: “Bela, mulher e imagem são
termos que estão tão intimamente associados que quase se confundem. Homens e
a uma faceta não tão comportada das “Garotas”: “Maio é o mês por excelência dos
casamentos e por isso mesmo é o ideal das Garotas....esses anjos de candura.” Esse recurso
coloca, mais uma vez, o recurso do riso, enfatizando a duplicidade nos textos de forma
despretensiosa.
284
BESSE, Susan. Modernizando a desigualdade: reestruturação da ideologia de gênero no Brasil 1914-40.
São Paulo: Universitária SP, 1999, p. 73.
285
DUBY, Georges; PERROT, Michelle. Op cit, p.140.
140
Fig 56. “Garotas, Maio e casamentos” em 01 de maio de 1954. Texto A. Ladino. Como qualquer mocinha da época, toda
Garota desejava se casar em um modelo luxuoso. As ilustrações se aproximaram das suas leitoras ao desejarem também o
sonho do matrimônio, mesmo que esse lado ficasse um pouco de lado na maioria das vezes.
Alencar, o A. Ladino, escreve: “Garotas, se você quer segurar o preferido e, logo que
extraordinária: basta só algumas gotas da velha arte culinária, pois vocês sabem, Garotas,
domésticas, como a culinária, muito em voga com a figura da “rainha do lar”, após a
Segunda Guerra Mundial. Uma moça disposta a conseguir um bom partido deve mostrar
como é prendada. Essa é uma exigência masculina e revela como ele quer vê-la, atuando
141
como construtor da sua identidade: “O seu próprio sentido daquilo que é, é suplantado pelo
Fig 57. “Garota, o peixe morre pela boca!” em 29 de setembro de 1956. Texto A. Ladino. Toda mocinha da época que
desejasse possuir um leque extenso de pretendentes deveria cultivar as prendas domésticas como a culinária. As Garotas,
mesmo não levando jeito para a coisa, se esforçavam bastante para agradar os rapazinhos, incorporando a identidade
feminina tradicional.
um espectador, por sinal masculino. No canto esquerdo superior, a “Garota” olha para esse
espectador, como para se certificar de que seu olhar está lá, observando e avaliando, fato
comprovado pelas ilustrações menores, que exibem os seus quitutes. A “Garota” ao centro,
que coloca uma iguaria na boca de um rapaz, demonstra que está ao seu dispor, propondo
Nota-se que, apesar de estarem em uma atividade doméstica como a culinária, não
estão mal arrumadas, pelo contrário, estão maquiadas e penteadas, com uma roupa, mesmo
286
BERGUER, Jonh. Op cit, p. 50.
142
que adequada à cozinha (com o avental), bem composta. Essa evidência está de acordo
com a norma rígida com que a aparência era regida, em um momento em que a
formalidade, até para os homens, era um imperativo e a beleza para as mulheres, uma
É interessante reparar que há uma grande atenção, de forma geral na coluna, para a
cor vermelha. Retomo nesse ponto o fato de que Alceu Penna era daltônico. Uma pessoa
com visão normal é capaz de ver as cores tais como elas são, podendo fazer, portanto,
combinações que lhe agradam aos olhos, prestando atenção ou não no significado
intrínseco a elas. O ilustrador, por ser daltônico, leva a crer que escolhia as cores mais pela
representação do que pela sua beleza. Esse pensamento nos apresenta uma dimensão
cuidadosa na escolha das cores empregadas na coluna, pois provavelmente não eram feitas
ao acaso. O vermelho como cor recorrente nas ilustrações remete ao perfil sedutor
direito inferior, no avental e fita de cabelo da “Garota” no canto direito superior. O tema é
a sedução, sem dúvida, mas nos moldes conservadores, ou seja, a mulher que atrai o sexo
oposto pelas prendas de futura esposa. O vermelho entra como a cor do desejo, da
conquista e parece que, por essa ser discreta, a sua utilização também o é: “Nas artes
287
VIGARELLO, Georges. Op cit, p. 167.
288
MODESTO, Farina. Psicodinâmica das cores em comunicação. São Paulo, 1986, p.23.
143
Mesmo abordando um tema conservador como a mulher no lar, a coluna fornece
pistas discretas de que “As Garotas” não serviam muito para esse tipo de papel. Esse fato
não seria plenamente percebido sem a ajuda do texto, que, mesmo reforçando, consegue
contradizer a imagem que está sendo mostrada: “Não há nenhum conflito entre os dois
natureza universal da informação visual não se esgotam em seu uso como substitutivo da
informação verbal.” 289 O texto consegue imputar uma outra perspectiva à imagem
mostrada: “Mexer com massas, que espiga! Vou meter mãos pelos pés, que esse rolo de
vestindo-se de capetinha, com tridente e rabo pontudo. Essa imagem, apesar de nos remeter
a uma figura má, tende a encantar e seduzir o espectador. A “Garota” olha fixamente para
ele, em uma posição corporal aberta e convidativa. A roupa é uma espécie de collant, que
A análise que tendemos a fazer desse exemplar da coluna é que ela contém uma
figura feminina maliciosa. Ao mesmo tempo, também podemos perceber uma imagem nos
moldes tradicionais, que parece ter como objetivo preencher os desejos masculinos.
sedução, mas também sinalizando o perigo: “A paixão aquece o fogo. Há o jogo entre o
amor e pecado e uma relação com o fato: o vermelho como representante do fogo,
aquecerá os amantes e o mesmo fogo indicará a cor da proibição: não toque no fogo.” 290
Esse perigo alerta os rapazes incautos a tomarem cuidado com o poder que essas figuras
289
DONIS, A. DONDIS. Sintaxe da linguagem visual. São Paulo: Martins Fontes, 1997, p. 185.
290
GUIMARÃES, Luciano. A cor como informação: a construção biofisica, lingüística e cultural da
simbologia da cores. São Paulo, 2000, p. 118.
144
Fig 58. “Uma Garota infernal” em 19 de outubro de 1957. Texto A. ladino. A “Garota” corrompia os mais incautos
rapazes. Ela encarnou nessa edição a mulher tentadora, que leva os homens a cometer loucuras. Como de costume, as
ilustrações demonstravam muita intimidade com seus corpos, sem o receio de explorar a sensualidade, algo pouco
incentivado para as moças de reputação.
Nesse mesmo sentido, a mulher é representada como a tentação, o perigo que leva
os homens à perdição, tal como o exemplo de Adão e Eva, quando essa come a maçã
culpa ao usar a sedução. A construção da sua identidade dá-se pelo olho masculino, ou
seja, tal como ele quer vê-la, e não como ela é de verdade, imputando um sentimento de
culpa e embaraço em relação ao seu corpo. Essas atitudes são originadas da visão
pecaminosa em relação à mulher, afirmadas pela tradição cristã ocidental, como salienta
Bryan Turner: “Meu argumento é que, essas atitudes frente ao corpo são, ao menos em
145
parte, um reflexo do conjunto da tradição cristã do Ocidente. Meu corpo é carne: é o local
imagem em si: “Garota cheia de bossa, como o Petróleo, bem nossa, tropical, primaveril,
entretanto de uma forma um tanto quanto nacionalista. Esse trecho parece apontar para o
sensualidade dessa figura feminina às suas raízes miscigenas, fato ancorado no mito das
três raças (branco, índio, negro) criado no período do Estado Novo para forjar uma unidade
mestiço como símbolo nacional tiveram que escolher, entre várias mestiçagens ocorridas
no Brasil aquelas que melhor se enquadravam nos seus projetos de identidade nacional.” 292
Essa relação talvez comece a surgir com mais força no momento e, provavelmente, o
encaixar em nenhum deles, sendo isso uma característica constante, de uma forma geral,
nas seções pesquisadas. Elas não eram a “melindrosa”, a “rainha do lar” ou as “feministas
diversos ângulos e, assim mesmo, em todos, modelos novos e antigos de mulher serão
291
TURNER, Bryan. S. El Cuerpo y la sociedad: exploraciones em teoria social. México: Fondo de Cultura
Econômica. 1989, p. 33
292
VIANNA, Hermano. Op cit, p.68.
146
apresentados convivendo ou entrando em conflito entre si: “Por definição, as imagens
visuais sempre propiciam diferentes leituras para os diferentes receptores que as apreciam
Se existiu uma intenção, algo discutível, por parte do autor Alceu Penna e do
conjunto de redatores que colaboraram com a coluna, foi a de não estabelecer nenhum tipo
antigo se esbarravam e como “As Garotas” lidavam com eles. Como ser moderna e ao
mesmo tempo não ficar falada? Até onde ir com o meu namorado, sem que ele pense que
sou demasiadamente experiente? Como aproveitar as ousadias da moda sem, contudo, ser
vulgar? Tudo indica que esses questionamentos pertenciam tanto às “Garotas” quanto a
muitas mocinhas no período de vigência da coluna. É fácil entender, assim, por que a
coluna foi tão popular. O diálogo e a identificação existiam entre a coluna e as leitoras, e
as suas leitoras, já que as ilustrações eram em si contraditórias. É fato que a coluna refletiu
velhos estavam fadados a desaparecer. Alceu Penna nos deixou uma sugestão de um
modelo de mulher mais independente e individual, que, mesmo vivendo em uma sociedade
ainda conservadora, muitas vezes prestava atenção em seus anseios e sonhos, colocando-se
293
KOSSOY, Boris. Op cit, p. 45.
147
CONCLUSÃO
“As Garotas” viveram seu auge entre as décadas de 1940 e 1950, um momento em
identidade a ela, pois se ocupou mais das contradições que do discurso homogêneo da
cresceria com o passar dos anos, como discutido por Betty Friedan: “A imagem pública
que desafia a razão e tem pouco a ver com a realidade, teve o poder de modelar
excessivamente a vida da mulher. Mas essa imagem não possuía tal força se não existisse
uma nova figura feminina, que estava querendo emergir. Esse novo tipo de mulher ainda
não era a realidade e precisaria esperar os movimentos, a partir dos anos 1960, que
da década de 1960 não foi apenas altamente inovador em termos políticos, foi, talvez, antes
294
FRIEDAN, Betty. Mística feminina. Petrópolis: Vozes, 1971, p.67.
295
PINTO, Céli Regina Jardim. Uma história do Feminismo no Brasil. São Paulo: Fundação Perseu Abramo,
2003, p. 42.
148
direção a um novo modelo. Marilza Mestre fala sobre um conceito de marginalidade na
“As Garotas”, mesmo representando um tipo de mulher mais livre das amarras da
oportunidades, preservando a diferença de identidades. 297 Essa igualdade até hoje não se
concretizou plenamente e, assim, muitas batalhas ainda teriam que ser travadas após o
período da coluna para que os efeitos da revolução feminina começassem a tomar formas
mais concretas.
respostas mais concretas sobre “As Garotas”. Hoje, olhando para trás, penso que esse
retirado dessa experiência. “As Garotas” foram recatadas e modernas, bobinhas e espertas,
296
MESTRE, Marilza. A marginalidade como fator de construção do feminino. Disponível em:
http://www.utp.br/psico.utp.online/site1/artigo_marilza_mestre1.pdf, p. 3. Acessado em 3 de março de 2007.
297
DUBY, Georges; PERROT, Michelle. História das mulheres: o século XX, v.5. Roma: Afrontamento,
1991.
149
doces e ásperas, entre tantos outros paradoxos que as tornam praticamente impossíveis de
definir.
150
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São Paulo. 09 a 26 de maio de 2007 - Campus Universitário Senac - SP
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151
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160
JORNAL DO BRASIL.Governo concede TVS aos grupos Bloch e Sílvio Santos. In: 1°
Caderno. 20 de março de 1981, p.15.
161
CRÉDITO DAS ILUSTRAÇÕES
INTRODUÇÃO
Fig 01. Alceu Penna desenhando. Sem data. Acervo Gabriela Ordones Penna
Fig.02 a. Figurino inspirado na ópera Carmem. Sem data. Acervo Thereza Penna.
Fig 02 b. Figurino Bolero. Sem data. Acervo Thereza Penna.
Fig. 03 a e 03 b. “Cada terra tem seu uso”. Sugestão de fantasias de Alceu Penna, para O
Cruzeiro. 04 de fevereiro de 1939. Acervo Jornal Estado de Minas.
Fig. 04 a Croqui de modelo do costureiro Balenciaga, Sem data. Acervo Thereza Penna
Fig. 04 b Croqui de um modelo do costureiro Fath. Sem data. Acervo Thereza Penna
Fig. 06 a 06 b Croquis de Alceu Penna para shows ou cassinos. Sem data. Acervo Thereza
Penna
Fig. 07 a Capa livro “J Carlos: Época, vida e obra” de Álvaro Cotrim (Alvarus).
Fig. 07 b Ilustração de Erté “Alphabet Cloak”. Sem data.
Fig 08 a Figurino de Alceu Penna para Elza Soares. Show Brazil Export, no Canecão.
1972. Acervo Thereza Penna.
Fig. 08 b Croqui para o figurino da “Viúva do Palhaço” do show da Rhodia Stravaganza.
1969. Acervo Thereza Penna.
Fig.09 a Capa revista Tricô e Crochê. Exemplar pertencente à Mercedes Penna, mãe de
Alceu. Sem data. Acervo Thereza Penna.
Fig. 09 b Ilustração Calendário Santista. 1945-46. Acervo Jornal Estado de Minas.
Fig. 10a. Croqui feito para show. Possivelmente para o Brazil Export no Canecão em
1972. Acervo Thereza Penna.
Fig. 10 b. Croqui feito para Ducal Jeans e Madras denominado Golden Years 1973.
Acervo Thereza Penna.
CAPITULO 01
Fig 11. Coluna “As Garotas do Alceu”: Garotas em Copacabana. 04 de janeiro de 1941.
Texto Lyto. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.
162
Fig 12 a. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garotas de fevereiro”. 07 de fevereiro de 1942.
Texto Lyto. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.
Fig 12 b. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Municipal com as Garotas”. 18 de fevereiro de
1956. Texto A. Ladino. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.
Fig. 15. Coluna “As Garotas do Alceu”: Garotas & Carnaval em 14 de fevereiro de 1942.
Texto Alceu Penna. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.
Fig. 19 a. Coluna “As Garotas do Alceu”: Garotas em ferias”. Texto A. Ladino. 03 de abril
de 1954. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.
Fig. 19 b. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Um ônibus e Garotas em pé”. 27 de maio de
1950. Texto A. Ladino. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.
Fig. 20. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Sol é maluco por Garotas”. 22 de outubro de
1955. Texto A. Ladino. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.
Fig. 21. Coluna “As Garotas do Alceu”. 1° amor das Garotas. Texto sem referência. 10 de
novembro de 1945. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.
Fig. 22 a. Coluna “As Garotas do Alceu”: A beleza das Garotas. Texto Alceu Penna. 01
agosto de 1942. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.
Fig. 22 b. Coluna “As Garotas do Alceu”: Garotas e os autógrafos. Texto A. Ladino. 11 de
outubro de 1952. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.
Fig. 23. Coluna “As Garotas do Alceu”. Garotas na areia. Texto sem referência. 10 de
novembro de 1945.
163
CAPITULO 02
Fig. 25 a. Capa O Cruzeiro, feita por Alceu Penna. 24 de dezembro de 1938. Acervo
Jornal Estado de Minas.
Fig. 25 b. Capa O Cruzeiro inaugural. 05 de dezembro de 1928. Acervo Estado de Minas.
Fig 27 a. O Pif Paf. O Cruzeiro 17 de outubro de 1959. Acervo Jornal Estado de Minas.
Fig 27 b. O Amigo da Onça. O Cruzeiro 11 de janeiro de 1964. Acervo Jornal Estado de
Minas.
Fig 31 a. Reportagem sobre o concurso Miss Brasil 1957, em que Teresinha Morango era a
vencedora. O Cruzeiro. 06 de setembro de 1957. Acervo Jornal Estado de Minas.
Fig 31 b. Reportagem sobre as belezas de Copacabana. O Cruzeiro. 29 de maio de 1943.
Acervo Jornal Estado de Minas.
Fig 32. Coluna “As Garotas do Alceu” 19 de novembro de 1938. O Cruzeiro. Acervo
Estado de Minas.
Fig 33 a. Coluna “As Garotas do Alceu”: Malas e Garotas. Texto sem referência. 23 de
novembro de 1940. O Cruzeiro. Acervo Estado de Minas.
Fig 33 b. Coluna “As Garotas do Alceu”: Pausa e meditação das Garotas. Texto A. Ladino.
28 de julho de 1956. O Cruzeiro. Acervo Estado de Minas.
Fig 34 a. Camille Clifford, atriz, conhecida por ser uma Gibson Girl. 1905.
http://www.gibson-girls.com/gibson-3.html. Acessado em 25 de outubro de 2006.
164
Fig 34 b. Ilustração Gibson Girl. 1909. http://www.gibson-girls.com/gibson-3.html.
Acessado em 25 de outubro de 2006.
Fig. 36.a Coluna “As Garotas do Alceu”: Cuidado! Garotas. Texto Alceu Penna. 08 de
novembro de 1941. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.
Fig. 36 b. Coluna “As Garotas do Alceu”: Garotas dão aula de moda. Texto Maria Luiza.
25 de outubro de 1958. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.
Fig 37 Coluna “As Garotas do Alceu”: Garotas à postos. Texto sem referência. 17 de
outubro de 1942. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.
CAPITULO 03
Fig 40. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garotas patinando” 19 de janeiro de 1946. Texto
Vão Gôgo. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.
Fig 41. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garotas & New York” 19 de janeiro de 1946. 29
de Junho de 1940. Texto Alceu Penna. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.
Fig 42. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garotas em shorts”. 18 de outubro de 1952. Texto
A. Ladino. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.
Fig.44 Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garotas dão cada baixo!”. 01 de novembro de
1952. Texto A. Ladino. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.
165
Fig. 46 b. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Que te quero Garota”. 26 de outubro de 1957.
Texto A. Ladino. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.
Fig.48 a. Coluna “As Garotas do Alceu”: “O banho das Garotas”. 31 de janeiro de 1942.
Texto Alceu Penna. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.
Fig.48 b. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garotas em passeios”. 02 de novembro de 1946.
Texto A. Ladino. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.
Fig.49 Coluna “As Garotas do Alceu”: “O banho das Garotas”. 31 de janeiro de 1942.
Texto A. Ladino. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas
CAPÍTULO 04
Fig.50 Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garotas e o lar”. 31 de julho de 1943. Texto Alceu
Penna. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.
Fig. 51 Coluna “As Garotas do Alceu”: “A ressaca das Garotas”. 09 de março de 1946.
Texto Alceu Penna. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.
Fig. 52. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garotas em provas”. 29 de outubro de 1955.
Texto A. Ladino. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.
Fig 54. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Na terra onde mandavam as Garotas” em 28 de
agosto de 1943. Texto Alceu Penna. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.
Fig. 55. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Três Garotas e Páris na sinuca” em 24 de julho
de 1943. Texto Vão Gôgo. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.
Fig 56. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garotas, Maio e casamentos” em 01 de maio de
1954. Texto A. Ladino. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.
Fig 57. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Garota, o peixe morre pela boca!” em 29 de
setembro de 1956. O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.
Fig 58. Coluna “As Garotas do Alceu”: “Uma Garota infernal” em 19 de outubro de 1957.
O Cruzeiro. Acervo Jornal Estado de Minas.
166
Livros Grátis
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