Você está na página 1de 34

HISTÓRIAS DE JAGUAR

Ninfa Jurema - Cigana Aganara pelo Espírito


PAI BENEDITO DE ARUANDA
ÍNDICE

PREFÁCIO

1. ENCARNAÇÕES PERDIDAS

2. A VERDADEIRA MISSÃO DE UMA NINFA

3. A INSISTENTE MENSAGEM DE UMA PRETA VELHA

4. JOSÉ EDUARDO E JOÃO

5. ACONTECEU NUM ANGICAL


(Perdoa as nossas dívidas se nós perdoarmos aos nossos devedores)

6. HÁ DOIS MIL ANOS

7. A COBRANÇA

8. LIVRO DE PONTO NO VALE DO AMANHECER


(A História de um Jaguar)

CONCLUSÃO
PREFÁCIO

Agradeço, com reconhecimento, à minha filha Alice, Aponara do


Adjunto Tanor, por ter me trazido para o Amanhecer e ao Adjunto
Tanor, Mestre Coleta, pelos ensinamentos e orientações.

Agradeço, com humildade, a minha mentora querida,


conselheira de todas as horas, Vovó Catarina de Aruanda , meus
benditos mentores e grandiosa Guia Missionária.

Agradeço, também, com Amor, a minha Mãe Clarividente, Tia


Neiva, por ter aberto o caminho e me ensinado a caminhar.

Salve Deus!

Todos os nomes dos personagens são fictícios.

Salve deus! Este livro pode ser copiado livremente, bem como
postado, publicado e reproduzido, no todo ou em partes, em qualquer
meio de comunicação; apenas devendo ser mantido o texto na
íntegra, sem qualquer alteração.

Jurema, Ninfa Lua - Cigana Aganara - Juiz De Fora, 2012.

Revisado pelo Adjunto Gazano, Mestre Ângelo.


1. ENCARNAÇÕES PERDIDAS

Em Pedra Branca acontece de tudo!


A todo minuto chega gente com carga que pesa muito, faz sofrer e
arrepender!
Ah, meus filhos! Se você soubessem como é triste a chegada
daqueles que deixaram a oportunidade da encarnação escorrer pelos
dedos como areia! Quanta dor e desespero seriam evitados!
Um dia, chegou em Pedra Branca um casal, estavam muito
cansados e não se lembravam sequer o que tinha acontecido. Foram
acolhidos carinhosamente, mas, logo, foram chamados à razão. Em
Pedra Branca tudo é precisão e lei, haja o que houver, seja para quem
for... Tudo é precisão e razão...
Os mentores colocaram o casal à vontade e um deles perguntou:
- Os filhos chegaram muito cansados, por que, filhos?
- Não sabemos o porquê de tanto cansaço - respondeu o homem.
A mulher balançou a cabeça concordando.
Os mentores perceberam muitas manchas pretas no corpo
perispiritual dos recém chegados e souberam que um grupo de
cobradores queriam prendê-los a qualquer custo; mas, foram impedidos
pelo Cavaleiro e Guia Missionária dos mesmos, que no cumprimento da
divina missão não permitiram.
- Filhos, vocês sabem quem são e o que aconteceu com vocês? -
insistiu o mentor. Porque vocês estão passando por esta situação?
O casal, demonstrando grande confusão mental, responderam, ao
mesmo tempo:
- Não sei!
- Salve Deus, disse o mentor para uma Preta Velha que se
aproximava.
- Salve Deus todo poderoso! Mais gente perdida na escuridão da
noite, meu irmão? – perguntou a vovozinha para o mentor.
A Preta Velha era a que trabalhava com sua médium, que agora
ali, na sua frente, sem qualquer reação, parecia nem se reconhecer
como um espírito desencarnado.
- Sim, vovó; veja a situação desses. Estão num emaranhado de
esquecimento e confusão que são verdadeiros pássaros em arapucas!
- Salve Deus, falou a bendita vovó, com ternura.
Ao ouvirem a chave “Salve Deus” foi como se um vendaval
passasse pelos corpos daqueles infelizes. Mas foi tudo muito rápido e
eles voltaram a demonstrar que realmente eram seres perdidos, como
pássaros que tentaram voar na escuridão da noite. Estavam totalmente
desorientados. Não sabiam de onde vieram nem para onde iriam e se
não fossem socorridos vagariam, sem destino, pelo mundo invisível,
sabe-se lá por quanto tempo!...
O retorno de suas consciências daria muito trabalho aos mentores.
Trabalho Crístico. Trabalho doutrinário na lei do amor incondicional e os
mentores sabem fazer isto muito bem!
- É, filhos, vocês se perderam e, por isto, estão aqui de mãos e
mentes vazias, sem qualquer bônus. Estão assim cansados por causa do
tempo perdido na vivência da vida espiritual. O trabalho material cansa
o corpo físico. Mas, o trabalho espiritual descansa o espírito. Salve Deus!
Espero que saibam que estão muito endividados, não é? Podemos ver
que carregam muitas dívidas não saldadas e o direito de cobrança de
muitos credores, suas vítimas.
Como é muito difícil espíritos de Jaguares chegarem em Pedra
Branca em tão lastimável condição, o mentor se apressou em chamar os
mesmos à razão. E como numa tela, o casal passou a ver-se, cada um
por si, quando criança. Cada qual em seu lar, com sua família. O homem
se viu criança dentro de um caminhão indo para um lugar bem longe de
casa. Viu os pais construindo um barraco com madeira e plástico, além
de algumas latas abertas e batidas com martelo, viu a terra vermelha...
A mulher, por sua vez, se viu chegando num carro preto e
brilhante junto com o pai, a mãe e o irmão numa casa nova, de esquina,
toda pintada de rosa.
Viram-se na escola, na época de meninice. Ele, numa escola de
lona e chão batido; ela, numa escola grande e bonita, pintada de azul,
com muitas crianças correndo e brincando.
Assim, de quadro em quadro, iam tomando conhecimento de seus
dias na terra. Fatos e acontecimentos que nem sabiam ou tinham
esquecidos lhes iam sendo revelados.
De repente, a mulher viu o acidente que matou seu pai e seu
irmão, já um rapazinho. Assistiu quando a justiça tomou a casa da
família para pagamento de dívidas deixadas pelo pai; viu quando ela e a
mãe foram morar na rua, a mãe caindo nos vícios e ela, uma menina
sendo abusada por moradores de rua viciados, logo depois, se
prostituindo.
O homem, por sua vez, viu-se quase um adulto e não suportando
a miséria naquela terra nova, de muitas promessas e quase nenhuma
melhoria de vida, que transformou seu pai de um homem descrente na
vida, de lutador a bêbado, violento e agressivo; um farrapo humano.
Viu-se saindo de casa, sem olhar para trás, para nunca mais voltar. E
andando pelas ruas da nova capital, sem conseguir se estabilizar,
dormiu numa praça, onde se deu o encontro de Edgar e Ana Luzia*.
Esses, amantes numa encarnação anterior, destruíram suas
famílias para ficarem juntos.
E, agora, nesta faixa cármica, se reencontraram para o reajuste
com seus cobradores e com eles mesmos.
A mudança do quadro apresentou os dois andando de um lado
para o outro, sem rumo, entre bebedeiras, brigas e roubos até que
tentaram fugir para os lados de Goiás, para fugir de um homem que eles
haviam roubado e espancado e que estava em busca de vingança e
mesmo de entregar o casal para a polícia. Na estrada para Goiás,
andando sem saber por onde, chegaram num amontoado de casinhas de
madeira, ruas de terra. Uma espécie de templo, onde tinha um índio
sentado. Uma mulher bonita os recebeu com carinho. Depois, viram-se
com roupas brancas, depois com roupas marrons; ele, com uma capa
marrom esvoando. Ela com um lindo vestido colorido, brilhante, com
uma capa que voava conforme andava.
Neste momento alguma coisa aconteceu com o casal. Uma sombra
cobriu seus rostos, via-se muita tristeza e muita dor!
- Filhos, por que vocês não ficaram neste lugar? Não eram felizes
ali?
- Sim senhor. A gente era muito feliz ali - respondeu Edgar.
Vivemos bem por um tempo. Nossos filhos estudavam na escolinha.
Mas, a miséria era muita, não dava para aguentar! A gente, cansado da
labuta do dia, e o toque da sineta! Ficava até tarde da noite
trabalhando, atendendo quem chegasse. Isto quando a sineta não
tocava tarde da noite. A mulher bonita dizia que ali, naquela lida nós ia
evoluir, mas, nada! A vida só piorava e nascendo os filhos, piorava cada
dia mais. Aí nós arresolvemos buscar vida melhor e tocamos de
mudança para Goiás.
Neste ponto, viram-se numa cidadezinha, numa modesta casinha.
Os meninos crescendo, a família indo para a Igreja Católica do bairro, a
vida se ajeitando. Então viram o padre, que apareceu na tela, falar:
- E lembrem-se, meus queridos irmãos, isto é viver em pecado.
Quem não recebe os santos sacramentos não pode receber a comunhão!
Eles se apavoraram porque não podiam casar: Ana Luzia não tinha
documentos!
Passando este quadro, outro apareceu na tela fluídica:
Aleluia, irmãos! - um pastor, com a Bíblia na mão apareceu na
tela. Vamos ajudar a obra de Jesus! Coloquem na sacola o que vocês
têm, sejam generosos com deus, e ele lhes dará em dobro!
Outro quadro se abriu:
- Meus “infios”... A vida tá dura... Pega um frango preto... - dizia o
pai de santo para Ana Luzia, em prantos.
- Filhos, disse o mentor - e hoje, onde vocês bendizem o nome de
Deus? Onde trabalham em nome de Deus?
- Senhor, depois de dar muitas cabeçadas, nós tentava voltar
aonde a gente morava na casa de madeira, onde vivia a senhora cigana
de cabelos pretos, que tratava a gente como filho. Vimos que lá a gente
era feliz, só que não deu para chegar! O ônibus que a gente viajava
bateu com outro na estrada pertinho do nosso destino. O pior, senhor, é
que no ônibus a gente soube que, pouco antes do acidente, que a mãe
cigana tinha morrido já fazia um tempinho. Não ia adiantar, né?
O mentor, neste momento, sentiu-se triste por aqueles espíritos.
Edgar e Ana Luzia perderam a encarnação... Eram pássaros que fugiram
de suas metas cármicas e se perderam na escuridão da noite da
incompreensão.
- Filhos, vocês passaram por várias doutrinas, porque não ficaram
em nenhuma? - perguntou o mentor.
- Senhor- disse Edgar - todas pediam coisas que a gente não
podia dar.
Ana Luzia chorava baixinho, como se começasse a recobrar a
consciência de tudo.
- Pediam muito trabalho, ou muito dinheiro ou muito sacrifício. A
gente tinha que sobreviver mais os meninos - concluiu Edgar.
- Não poderiam ter dividido o tempo entre o trabalho material e o
espiritual, de forma a viver para a sobrevivência do corpo. Mas, também
pela sobrevivência e enriquecimento do espírito? - perguntou o mentor,
colocando energia na voz.
Edgar abaixou a cabeça. Nem tentara. Só pensava, quando
encarnado em sair daquela miséria toda. E foi por isto que saiu da casa
dos pais, para vencer na vida. Não queria ser como o pai que ao correr
atrás do sonho de enricar na nova capital, condenou a família à miséria
e à fome! Sempre pensava em dar uma vida melhor para a mulher e os
filhos, era uma questão de honra se dar bem financeiramente. A mulher
também se sacrificara muito; teve três filhos e para não dificultar mais
ainda a vida da família fez aborto de outras três crianças, justamente,
três cobradores da vida passada, assassinados pelo casal e que
perderam o direito de reencarnar naquela família. Tudo que queriam era
uma casa boa, confortável, comida na mesa todos os dias... Seria
pecado querer isso? E ele conseguiu. Muito trabalhador, Edgar se
revelou um ótimo construtor. E naquela terra, com tudo por fazer,
ganhou bastante dinheiro. Muitas cidades surgindo do tijolo e do
cimento, que precisavam de braços para levantar e se transformarem
em casa, lojas, igrejas, hospitais e até em sedes de fazendas. Desta
forma, conseguiu criar a família no conforto e na fartura. Inclusive deu
estudo aos três filhos; atualmente homens formados vivendo bem com
suas próprias famílias. Porém, agora, ao ser cobrado no mundo
espiritual, ao ser confrontado duramente com suas dívidas, de ter que
prestar contas do que não fez, percebeu que perdeu mais do que
ganhou.
- Filhos, o erro não foi vocês terem querido uma vida boa e
confortável para a família, nem ter se dedicado a esta família que
desejaram, ainda que de forma ilegal na encarnação anterior; erraram
porque precisavam resgatar os débitos contraídos e, assim, se
libertarem e libertar suas vítimas do passado recente de assassinatos e
traições; também, como é obrigado a todo espírito, precisavam evoluir
mais um pouco na encarnação atual, que agora termina, mas vocês...
Em quase nada progrediram, a não ser financeiramente. Foram
encaminhados para Koatay 108, Tia Neiva, cujo nome vocês nem
lembram, onde sob a proteção de seus mentores e de Seta Branca,
seriam menos penosos os reajustes, que infelizmente, por suas
incompreensões, não aconteceram. Lá vocês não teriam tanto progresso
material, viveriam com modéstia e dificuldades financeiras, mas,
estariam muito ricos espiritualmente. Mas, a cada espírito cabe a opção
e, por isto, a consequências de suas escolhas na faixa cármica em que
vivem na terra. Que assim seja!
- Vocês - continuou o mentor - se endividaram mais. Tiveram nas
mãos os seis infelizes que vocês assassinaram, na covardia e traição,
para viver o amor que sentiam um pelo outro, mas, desses seis, apenas
três foram aceitos como seus filhos nesta encarnação; justamente os
outros, que tinham maior sede de vingança e vontade de cobrança,
vocês não deixaram nascer!
Perceberam, então, que muitos cobradores ficaram sem receber o
que tinham direito; pois com a melhoria da vida material, esqueceram
totalmente do compromisso de trabalho na Lei do Auxílio, como forma
de resgatar um pouco da grande divida transcendental que possuíam,
não só com os seis espíritos que traíram na encarnação anterior, como
com outros muitos, de outras encarnações, todos associados contra eles.
Esqueceram porque, com a melhoria financeira, sempre tinham uma
festa para ir, uma comemoração, uma viagem, um bom filme para
assistir... Como poderiam ter tempo para a parte espiritual, em qualquer
igreja ou doutrina? Assim passaram a vida como numa festa. E quando o
homem encarnado está numa festa animada, com boa bebida e boa
comida, não vê o tempo passar. E se assusta quando a festa chega ao
fim. Muitas vezes espera ansiosamente por outra festa, se preocupando
com os preparativos. Em qualquer outro credo, ainda que não fosse no
Amanhecer, seria possível resgatar um pouco do carma, mas, faltou a
Humildade, faltou Tolerância, faltou Amor incondicional. Quem quer
seguir a Jesus que deixe seu pai, sua mãe, sua casa e sirva ao próximo.
Isto quer dizer que não se dê importância demasiada ao que se tem na
Terra, que não tenha apego aos bens materiais, que se sacrifique em
favor dos outros seres, porque é dando que se recebe. E
espiritualmente, quando mais se dá, mais se recebe. Bem disse Jesus
que quem quiser salvar a sua alma...
Sabemos - continuou o mentor - que vocês, com o rumo de vida
tomado de seus filhos e algumas dificuldades de saúde que estavam
passando, pensaram em voltar para o lugar onde começaram a vida em
comum, na modesta casinha de madeira ao lado da senhora de cabelos
pretos, que uns chamavam de tia, e da qual vocês não lembram nem o
nome; queriam voltar porque deram oportunidade aos seus espíritos de
lembrarem das promessas feitas e assumidas para esta encarnação,
sabiam, por intuição, que precisavam voltar e cumprir tudo que
prometeram. Mas, o programa da reencarnação dos espíritos tem um
prazo determinado, que não se dilata. Por isto vocês não chegaram: o
tempo acabou; era tarde. O prazo que lhes foi concedido expirou!
E, agora? - perguntou Edgar.
Neste instante Ana Luzia chorava copiosamente segurando, com
força, o braço de Edgar.
- Filhos - disse o mentor. Sim, filhos, a bondade de Deus é infinita.
Vamos esperar que outra oportunidade nos seja concedida - falou a doce
Preta Velha que tudo assistia com emoção.
Nos lábios da vovó havia um sorriso; mas, uma lágrima brilhava
em seus olhos.

Pai Benedito de Aruanda


Salve Deus!
2. A VERDADEIRA MISSÃO DE UMA NINFA

Uma Ninfa apesar de muitos anos na Corrente não se sentia


realizada. Dia após dia esperava que um grande fenômeno lhe
acontecesse; mas nada mais acontecia do que rotineira participação nos
trabalhos; a mesma doutrina, os mesmos acontecimentos. Achava
injusto, uma vez que se achava melhor do que muitos Doutrinadores,
que se destacavam nos comandos. Observando as demais Ninfas, Sol e
Lua, percebia que era, de longe, a mais dedicada e sempre que podia
dava um jeitinho de conversar com suas irmãs apontando suas “faltas”;
e, lógico, se colocando como exemplo de conduta doutrinária a ser
seguido.
Muitas vezes o Adjunto precisou de Ninfas para a limpeza e
conservação do templo, mas a Ninfa nunca se dispunha a ajudar -
pensava que limpar o templo não era função para uma Ninfa de sua
estirpe. Também não se dispunha a ajudar na cozinha, nem no Pequeno
Pajé; tinha certeza que uma grande missão a esperava, por isto,
ajudava financeiramente o templo, com boas quantias em dinheiro que
fazia questão de anunciar a todos, para que todos soubessem de sua
generosidade; também doava, frequentemente, finos objetos que, por
seu valor financeiro, destoava do ambiente singelo do Amanhecer.
Certo dia de Trabalho Oficial, ao final do atendimento dos
pacientes, o Preto Velho disse à Ninfa que tinha um pedido a fazer-lhe.
O Preto Velho, humildemente, disse à Ninfa que Pai Seta Branca a
tinha escolhido para uma missão especial naquele templo. Era uma
missão de grande responsabilidade que, se bem cumprida, ajudaria
muito ao templo, bem como a si mesma.
Cheia de orgulho, a Ninfa quase não se aguentava para saber que
grande missão seria; e foi, com certa decepção, que ouviu do Preto
Velho que a mesma deveria assumir a cantina. A modesta cantina, além
de oferecer lanches e cafés que alimentavam os mestres nas longas
horas de trabalho incansável, era responsável pela maior parte da
receita, cujos valores eram empregados nas despesas.
Entretanto, a Ninfa aceitou trabalhar na cantina, embora achasse
que qualquer outra poderia ali ficar.
Não demorou muito e os problemas começaram: ela começou a
achar que ficava com mau cheiro por causa da fritura; perdia a paciência
com quem reclamava se o salgado estivesse frio, se o café estivesse
fraco, se o lanche estivesse caro. Chegava a humilhar aqueles que
pediam troco e começou a achar que tudo aquilo a rebaixava
espiritualmente e mesmo materialmente, pois lavar as vasilhas
estragava suas unhas tão bem cuidadas, o vapor das frituras e
cozimentos estragavam seus cabelos tão bem tratados no salão de
beleza... O certo é que, em menos de três meses, largou a cantina e
voltou à rotina de sempre.
O tempo passou e esta Ninfa desencarnou.
Ao chegar em Pedra Branca, entre seus mentores, viu o Preto
Velho que há alguns poucos anos atrás pediu-lhe para assumir os
trabalhos na cantina. Envergonhada, a Ninfa dirigiu-se ao Preto Velho
apresentando suas justificativas.
- Salve Deus, meu Pai.
- Salve Deus, minha filha! Estou aqui, muito feliz com o seu
retorno e para ter a satisfação de saber se você cumpriu, direitinho, a
missão que lhe foi confiada!
- Ih, Pai! Se o senhor está se referindo à cantina do templo, eu
não fiquei lá por muito tempo, não! Sabe, eu tenho um gênio muito forte
e os Jaguares são gente sem educação, reclamam muito de tudo,
querem exigir... Muitos reclamavam que não tenho educação, tive
muitos aborrecimentos e alguns bate-boca. Vivia cheirando à gordura;
minhas unhas feias e sujas... Mas, como missionária, graças a Deus,
cumpri direitinho! Sempre doei grandes quantias de dinheiro, corrigi
minhas irmãs em suas missões, procurei sempre fazer meu canto e
Emissão em perfeita sintonia, prezei por excelente comportamento no
templo, aliás, muito mais do que qualquer outra Ninfa, sempre me
apresentei com minhas roupas e aparência impecáveis...
- Mas, filha, quem disse que sua missão era o trabalho na cantina?
- Ora, o senhor, Pai Joaquim das Pedreiras... O senhor me disse
naquele dia no Trono...
- Eu sei, filha; o trabalho na cantina foi apenas uma desculpa para
facilitar as coisas para você. Na verdade, sua missão era aprender o
valor da Humildade, da Tolerância e do Amor; aprender a servir, aceitar
e compreender as atitudes daqueles que nos dificultam a caminhada.

Pai Benedito de Aruanda


Salve Deus!
3. A INSISTENTE MENSAGEM DE UMA PRETA VELHA

O Templo do Amanhecer estava cheio naquele dia, tanto de


encarnados como desencarnados. Os Trabalhos se sucediam, sendo que
médiuns e mentores trabalhavam, sem descanso, para cumprir a meta
de auxílio aos que ali chegavam.
A Preta Velha, num Trono Vermelho, com toda humildade e
meiguice, tentava, em vão, trazer à razão uma “fia”.
- Salve Deus, fia, graças a Deus! Fia, agradeça a Deus tudo o que
a “fia” tem!
- Mas eu não tenho nada, vó!
- Fia, graças a Deus, a fia tem bom moradô, não pegá nim chuva,
nim sol.
- É, vó, mas foi construído com muito sacrifício, levou muitos
anos... E a vó sabe que minha casa ainda não tá pronta, falta muita
coisa prá fazer...
A Preta Velha, com toda a paciência, continuou:
- É, fia... Mas, a fia tem famía, fios e amigos, fia...
- Ah, vó, a senhora sabe, né? Família é calo no pé. Meus filhos são
muito desobedientes, meu marido, um descansado. Meus irmãos e
cunhados só querem saber de suas vidas, não adianta nem pedir ajuda,
se precisar. Os amigos... Hum!... Só procura a gente quando precisam
de alguma coisa!
- Mas, fia suncê tem papaizinho e mamãezinha.
- Hi, vó! Aqueles dois só me dão trabalho, estão velhos. Ninguém
ajuda a cuidar deles, fica tudo nas minhas costas. Olha vó, eu não venho
mais aqui, não! Vou entregar esta plaquinha e este vestido branco, vou
desmanchar e fazer uma saia para ir pro trabalho... Pode, não pode?
- Graças a Deus, fia, mas, por que a “fia” esta tão triste; tá
brigada com Deus?
- Ah, vó, a senhora sabe. Tenho que acordar muito cedo prá vir
aqui. Ando a pé até o ponto de ônibus, que é bem longe; pego o ônibus
lotado e levo quase uma hora viajando em pé para chegar aqui. Já
chego cansada. Depois fico aqui o dia inteiro, trabalhando, ajudando no
que posso até de noite, prá ver se a vida melhora, mas, nada! Está cada
vez pior! Na volta pra casa, é a mesma coisa. Já que Deus é um só,
perto de minha casa tem muitas igrejas onde posso rezar. Se ainda Pai
Seta Branca me ajudasse a comprar um carrinho, me facilitava muito na
minha missão...
- Graças a Deus, “fia”; se a “fia” acha que é isso que farta prá fia
cumpri missão, pede com fé ao pai... Que será dado...
O certo é que, dali a alguns dias, um vizinho herdou um carro
usado, mas em excelente estado e como não tinha a carta de motorista
e nem condição de pagar as despesas, resolveu vender o veículo. E a
mulher, negociou com o dono do carro e dando uma pequena entrada,
parcelou o restante em pagamentos mensais e, assim, começou a ir
para o templo de carro.
Mais uma vez, a mulher resolveu passar na vovó como paciente
(para pedir alguma ajuda, sabe?); se identificou e, antes de falar
qualquer coisa, a vovó disse:
- Salve Deus, “fia” Doutrinadora. Deus lhe abençoe. Está achando
menos pedra no caminho?
- Ah, vó! Sabe como é, não? Estou para me elevar, mas a vida
esta muito difícil! A gasolina só aumenta. Tenho que sair muito cedo,
porque a senhora sabe, consegui comprar um carrinho, mas, o trânsito!
Se não saio bem cedo, pego engarrafamento... Está muito difícil vir pro
templo! Estou pensando: acho que não vou continuar, não.
- Graças a Deus, fia. Agradeça a Deus por tudo o que você tem...
- Xi, vó! Mas, eu não tenho nada!
Depois de algum tempo a mulher se mudou para uma casa mais
perto do templo. Uma casa comprada pelo filho mais velho, que recebeu
uma indenização de trabalho. A casa muito boa, espaçosa e confortável
(por coincidência... Será?) Ficava num bairro muito bom, que ficava ao
lado do bairro onde ficava o Templo do Amanhecer que ela frequentava.
Podia até ir a pé, caminhando. A casa, além de quartos amplos e
arejados, tinha pomar e até uma piscina.
A mulher, dali a dias, conseguiu no próprio bairro para onde se
mudou, um bom emprego como recepcionista de uma clínica médica,
recebendo um salário razoável e com horário reduzido de trabalho! A
vida da família melhorou bastante.
Certo dia, aparece lá no templo, sem uniforme; já tinha um
tempinho que não ia trabalhar como médium, apesar de ter dado o
Segundo Passo Iniciático. Sentou-se no Trono, ao lado da Preta Velha,
se identificou e estava pronta para falar, quando a vovó disse:
- Salve Deus, minha “fia”. Que Deus abençoe a “fia”.
- É, vó... Estou muito precisada mesmo!
- É, “fia”? E que precisão é esta?
- Vó, eu até queria e centuriar, mas acho que não vou poder
continuar, acho que Pai Seta Branca não vai poder contar comigo,
embora eu queira muito ajudar! A senhora sabe, compramos uma casa
nova aqui perto e eu estou num bom emprego, graças a Deus. Tudo
conseguido por merecimento meu, trabalhando para Pai Seta Branca.
Mas, a casa é muito grande, dá muito trabalho para manter, não sobra
tempo pra nada. Porque trabalhando fora, ainda tenho que dar conta
das obrigações de casa. Fico sempre cansada e indisposta... Não posso
me dedicar muito ao trabalho espiritual por agora, a senhora entende,
né?
- Graças a Deus, “fia” querida, agradeça a Deus tudo que você
tem.
- Ah, vó!... Salve Deus!... Mas, o que eu tenho é muito
problema...
E não se viu mais a mulher no templo.
Semanas depois do último dia que a mulher foi ao templo
reclamar da vida com a Preta Velha, por consequência das
transformações que passa o planeta, caiu naquela cidade uma
tempestade que destruiu tudo. Toneladas de terra e pedras soterraram
tudo que encontraram pela frente. Muitas pessoas desencarnaram, casas
desapareceram, muita perda material e humana. A casa da mulher foi
uma das que foram atingidas. Não sobrou nada. Nem o carro na
garagem. Jamais houve naquele lugar qualquer enchente e todos foram
pegos desprevenidos. Somente se salvou sua família, alguns com
pequenos ferimentos, mas, todos bem.
Passado o susto e o desespero, não restou outra solução para a
família do que retornar à casinha em que viviam antes, aquela longe, da
época que iniciou o seu desenvolvimento no Amanhecer.
Alguns meses depois. A mulher levantou bem cedo, pegou o
ônibus lotado e viajou quase uma hora em pé chega ao Vale do
Amanhecer. Recebe o carinho e boas palavras de conforto de todos e vai
ao Trono falar com a Preta Velha.
- Salve Deus, “fia”, agradeça a Deus pai todo poderoso por tudo o
que a “fia” tem....
Somente neste momento, a mulher entendeu aquela mensagem
insistente da Preta Velha, somente naquela hora, entendeu a mensagem
que, por meses, não tinha entendido; mensagem transmitida com
humildade; e percebeu que tudo lhe tinha sido concedido para o
cumprimento de sua missão e nem assim percebeu que tinha tudo o que
precisava! Podia ter perdido tudo na tragédia, mas, ainda assim, estava
em melhores condições do que centenas de pessoas vítimas fatais da
tragédia, muitos não tinha nem onde deitar a cabeça para descansar à
noite. Ela, ainda tinha aquela casinha onde se esconder do sol e da
chuva, tinha sua família e amigos que, unidos ajudaram, da melhor
forma possível para dar a ela e aos seus as condições necessárias para
recomeçar a vida. Somente naquele instante as doces palavras da Preta
Velha fizeram sentido; e com lágrimas nos olhos, respondeu:
- Obrigada, vovó! Obrigada, Jesus!
Ao sair do Trono, foi na missionária Darman Oxinto para
recomeçar tudo outra vez.

Salve Deus!
Pai Benedito de Aruanda
4. JOSÉ EDUARDO E JOÃO
Desde que João chegou ao Vale do Amanhecer foi tomado por uma
grande paz e alegria. Até aquele dia tinha tido uma vida normal, sem
altos e baixos, sem grande felicidade, mas, também, sem grandes
sofrimentos. Mas, quando conheceu a Corrente, teve a certeza que ali
estaria sua missão real e verdadeira a ser realizada. Mostrou-se um
Jaguar reservado, sério até. Muito prestativo, sempre se dispunha a
ajudar e a cooperar. Porém, João era um ser muito limitado, pois apesar
da não muito boa aparência física, não tinha boa voz e articulava as
palavras com péssima dicção, demonstrava ter muita dificuldades para
entender o que os outros diziam para ele. Parecia, na verdade, meio
abobalhado.
No mesmo templo, havia um instrutor, com “muitos anos de
estrada”, como gostava de dizer: “Rama 2000”. Com muitas plaquinhas
no Colete, motivo de seu orgulho mediúnico e com muito orgulho na
cabeça, de cara, não simpatizou com João, o novo Doutrinador
desenvolvente, que chegou e iniciou suas aulas com José Eduardo. José
Eduardo achou-o bronco, inseguro, não conseguindo memorizar as
chaves, sempre improvisando durante a doutrina, incluindo palavras,
tirando palavras que constava das orientações, colocando palavras
como: paz, amor, luz. Sendo que, para cada sofredor, fazia uma
doutrina diferente, o que irritava demais José Eduardo, que gostava de
mandar e ser obedecido. O instrutor, Mestre José Eduardo, sempre
perdia a paciência com João, sendo muitas vezes, até grosseiro, quase
agressivo. João, por sua vez, parecia nem perceber a atitude do José
Eduardo e, muitas vezes, agradecia, as correções do instrutor com um
“Deus lhe pague, Mestre” ou um “Salve Deus!” ou um simples
“obrigado”, atitude que irritava mais ainda a José Eduardo que vibrava,
negativamente, em João; nestas horas, ainda que inconscientemente,
José Eduardo, e pensava:
- Este camarada é bobo ou burro!
Neste quadro, João deu seu Primeiro Passo Iniciático. O
sentimento de José Eduardo em relação a João em nada mudou. José
Eduardo não perdia uma oportunidade para humilhar João, embora
muitas vezes fazendo a humilhação sob uma capa de humildade, como
se quisesse ajudá-lo, pois João ainda não tinha segurança para falar
chaves e mantras. Nesta situação, José Eduardo chamava a atenção de
João na frente de outros médiuns, e até de pacientes. Dizia: “estou lhe
mostrando o seu erro para o seu bem, viu, Mestre?” (e dizia a palavra
“Mestre” com ironia). João, em sua simplicidade, sem perceber o
objetivo do outro, sempre agradecia, crente que José Eduardo queria
ajudá-lo! Ao que José Eduardo entendia que, este comportamento de
João era para irritá-lo cada vez mais, ou para mostrar uma humildade
que este não tinha. João cumpriu o Ritual de Elevação Espada e de
Centúria, e, iniciando a vida missionária como comandante, ainda
vencendo as primeiras dificuldades, as primeiras inseguranças,
demonstrava firme propósito em acertar, sempre agindo com Amor e Fé.
Mas, para José Eduardo a atitude de João era motivo para trazer para si
uma irritação incontrolável, e fazia-se cheio de ódio, ao ponto de desejar
esganar o pobre. Cada erro de João, cada hesitação, cada engasgo era
uma vitória para José Eduardo, que demonstrava sua irritação para com
o mesmo; chegou a aconselhar ao Adjunto que retirasse João das
Escalas de Comando, alegando que ele não sabia comandar e que não
ficava bem para o templo um comandante tão inseguro em suas ações e
palavras. José Eduardo não perdia uma oportunidade de fazer piadas
sobre João imitando-o, destacando, com sarcasmo, seus gestos e modo
de falar. Dizia que não sabia como o “camarada” podia ser tão burro ao
ponto de enfiar os pés pelas mãos, chegando a não memorizar sequer as
chaves ritualísticas. O que José Eduardo não sabia é que João,
conhecedor de suas limitações, sempre pedia o auxílio e amparo de seus
mentores, ligando-se intimamente, pelos laços da oração e da vibração
com seu cavaleiro e ministro, sempre se colocando à disposição do astral
para os trabalhos que pudesse realizar, sempre com o objetivo de ajudar
aos mais necessitados. O Mestre João não tinha o comando como motivo
de orgulho e, sim, como dever a ser cumprido, que realizava com
grande equilíbrio e Fé! Após alguns anos, João precisou mudar de cidade
e mudou para outro estado, sendo que por este motivo João e José
Eduardo se separaram. Porém o ódio do segundo pelo primeiro durou
ainda por muito tempo, e não perdia tempo em comentar nas rodinhas
de conversa o comportamento do mestre João; muitas vezes, nas aulas
de Iniciação, se referia ao mesmo como exemplo de má atitude de um
Jaguar. Como estava sempre cercado por outros médiuns, mantinha sua
atitude altiva, quase prepotente, portador de grande capacidade
comunicativa, sempre tinha à sua volta Jaguares e, especialmente
Ninfas, atraídas por sua bela figura, riso fácil, sempre fazendo uma
graça ou piada, sempre derramando elogios sinceros ou não, às
mesmas, era o centro de atenção sempre que estava no templo. Depois
de um tempo não pensava mais de João, o fazendo apenas, quando
alguém dele se lembrava, o que fazia o ódio e desprezo tomar conta de
seu espírito e de seu pensamento, o que o envolvia numa energia densa
e perigosa.
Muitos anos depois, já idoso José Eduardo desencarnou. Após
tantos anos de doutrina, já Adjunto, com um grande Povo, foi
reverenciado como um grande comandante de Seta Branca, tendo
recebido inúmeras demonstrações de afeto e respeito por grande parte
do corpo mediúnico. E, José Eduardo chegou ao mundo espiritual,
deixando para trás as homenagens e lembranças de sua passagem pela
terra e foi recebido por várias entidades espirituais; José Eduardo
percebeu, contrariado que, entre os espíritos encontrava-se João, que
mantinha a mesma aparência simplicista que sempre o irritou. “Não é
possível que este camarada veio me receber!” - pensou José Eduardo e
fingiu não reconhecer o espírito que suavemente lhe sorria. Porém, João
se aproximou do mesmo e, rindo, com os braços abertos para um
abraço, se aproximou de José Eduardo que estendeu muito contrariado a
mão, que foi apertada com alegria.
- Salve Deus, meu mestre! Que bom revê-lo!
- Que faz você aqui, João? - perguntou José Eduardo bastante
contrariado. E sem qualquer vontade de esconder seus sentimentos.
João ia responder; mas, um mentor chamou-o para resolver uma
emergência e este, que não deixava transparecer que percebia a
irritação de José Eduardo, sempre sorrindo e feliz por estar recebendo
uma pessoa muito amada, disse:
- Preciso ir; depois conversamos, Mestre! Fique com Deus.
José Eduardo, neste momento, deixou a vaidade aflorar e pensou
se aquele bobo alegre do João estava atuando junto com os mentores,
imagine ele, um Adjunto, um Comandante exemplar! Certamente ele
estaria mais preparado para ocupar um bom lugar ali no astral e
desenvolver um trabalho de grande responsabilidade. Quem sabe, ser
um Cavaleiro de Oxossi, como o boboca do João ou até mesmo
incorporar como Preto Velho no Amanhecer!
Neste exato momento, seu Ministro e Cavaleiro chegaram e
pediram que os acompanhassem, pois era chegada a hora de verem sua
contagem, centil por centil, e saber como cumprira sua missão, como
usara sua encarnação. Confiante e tranquilo, José Eduardo seguiu os
mentores.
Como acontece, acompanhou toda a sua jornada na tela fluídica e,
em seu entendimento, nada viu que o condenasse. Tudo era aceitável
dentro de sua evolução e, se nada fizera de extraordinário, também
nada fizera de desastroso. Na sequência de seu convívio com João,
apesar de agora, na roupagem espiritual, perceber que agira com
sentimentos contrários às Leis Crística, entendeu que agira daquela
forma por ser um ser encarnado, com direito a alguns equívocos, como
qualquer ser humano. Porém, este entendimento caiu por terra ao
saber, pelos mentores, que o mais importante em sua jornada era o
reajuste com João. Pela importância de seu encontro com João, foi
concedido que acontecesse dentro do Vale do Amanhecer e não numa
relação de parentesco, de trabalho ou de convivência social, onde as
aparências são maquiadas pela conveniência. Mas, no Vale do
Amanhecer, sob os ensinamentos de Jesus, sem campo para
competições ou falsos sentimentos, estão as condições ideais para a
evolução. Pois ali nada é necessário a não ser o Amor, a Tolerância e a
Humildade.
- Filho, disse-lhe seu Cavaleiro, chamando sua atenção para uma
cena da tela, preste atenção neste quadro.
E na tela surgiu a figura de um homem que sabia ser a sua, há
tempos atrás, matando covardemente João, na época do crime, seu
irmão de sangue, por inveja do que achava que, o mesmo representava
na província onde viviam como filhos de um rico fazendeiro...
João, espírito evoluído, aceitou retornar em nova encarnação e
reencontrar com José Eduardo, estando em uma situação “inferior” e,
assim, possibilitá-lo, pelo reajuste, a pagar sua dívida. Pois a dívida da
vida pregressa ainda lhe perturbava o espírito, inconscientemente. Com
a morte de João, que recebeu o título de comendador, homenagem
sincera do imperador e a mão de uma senhorinha que também era
objeto do desejo do irmão assassino, este não conseguiu o que
almejava: o sucesso e a projeção social; viveu e morreu sem qualquer
glória. Também não conseguiu casar-se nem com a senhorinha, nem
com qualquer outra, pois descoberto o seu crime, morreu na prisão;
confirmando, assim, a falta de caráter que todos conheciam.
João, por sua vez, tendo vivido pouco tempo e morrido nas mãos
de seu irmão mais velho, com requintes de maldade, não lhe guardou
nenhum rancor e, ainda naquela existência se tornou mentor do mesmo,
espírito amigo a lhe acompanhar, sempre buscando a evolução do
irmão.
O Ministro deu um passo à frente e colocou a mão no ombro de
José Eduardo, que arrepiou, e disse-lhe:
- Meu filho; filho querido do meu coração, você achava que só há
missão na casa de Pai Seta Branca, achava que ter oportunidade de
evoluir tantos sofredores bastava para te fazer realizado? Que somente
o comparecimento na santa casa espiritual seria o bastante para te fazer
evoluir?
Neste momento, José Eduardo lembrou-se de uma frase que
sempre dizia, quando era instrutor da Iniciação, que falava naquelas
longínquas manhãs de domingos, aos médiuns iniciantes que o
escutavam. Naquela hora, parecia ouvir as palavras diretamente da boca
do Pai Simiromba, embora tivesse consciência que a voz que ouvia era a
de sua própria consciência: “apressa-te, filho, para não deixardes
escapar nenhuma ovelha do teu rebanho, que o teu carma te entregou.
Não deixe que partam sem a tua compreensão, sem o teu calor vital”.
José Eduardo sequer olhou para o mentor, porque neste momento,
foi ofuscado pelo brilho que do mesmo emanava. E pode perceber que
sua situação espiritual lhe impedia até mesmo de encarar o rosto de seu
Ministro. E chorou arrependido. Chorou ao compreender que ele, que
tanto tinha se dedicado à sua missão, se empenhando por ser um bom
Jaguar, errou ao perseguir e humilhar sua vítima do passado, durante a
breve convivência com o mesmo no Vale do Amanhecer. E mesmo
estando, materialmente falando, em situação superior ao de sua vítima:
melhor aparência física, melhor condição mental e psicológica,
capacidade de se comunicar, posição na Doutrina, etc. Ainda assim não
teve sequer compaixão pelo mesmo. Percebeu como era involuído, pois
nem o sangue de sua vítima foi suficiente para aplacar todo o ódio,
inveja e ciúme que sentia e assim, conservando estes sentimentos se fez
seu próprio cobrador, uma vez que, sua vítima há muito o havia
absolvido pelo perdão. Na encarnação agora encerrada; não só foi
incapaz de pagar sua dívida para com seu irmão, sua vítima do passado,
mostrando que estava evoluído a ponto de reencarnar apenas para
ajudá-lo a evoluir também. Ainda assim, sendo o algoz, devedor,
manteve nesta nova oportunidade o ódio, o rancor, a inveja e o ciúme,
tendo sua dívida não apenas não quitada como acrescida de alguns juros
cármicos...
José Eduardo soube, naquele momento que, apesar de ter
demonstrado Amor, Tolerância e Humildade durante toda a sua jornada
na Terra com tantos encarnados e desencarnados que se aproximaram
dele por consequência de sua missão como Jaguar; faltou ter este
sentimento para com aquele a quem mais devia, a quem mais
necessitava acolher como verdadeiro irmão!
José Antônio abaixou a cabeça. Nada lhe restava senão pedir nova
oportunidade a Deus Pai todo poderoso e se preparou para ir ao Canal
Vermelho. Percebeu que alguém lhe abraçava, com amor. Abriu os olhos
e viu-se abraçado por João que envolto em uma luz brilhante e intensa,
um verdadeiro Cavaleiro de Oxossi, que lhe mostrava, neste abraço, o
verdadeiro Amor incondicional.

Pai Benedito de Aruanda


Salve Deus!
5. ACONTECEU NUM ANGICAL
(PERDOA AS NOSSAS DÍVIDAS SE PERDOARMOS AOS NOSSOS DEVEDORES)

Dia de Angical, muitos Mestres chegando ao templo trazendo no


coração muitos motivos justos, ou não, para reencontrar suas vítimas do
passado. Quem tudo sabia sobre cada um ali presente, deste mundo ou
do outro, era apenas o grande Simiromba de Deus, que a todos recebia
com emanações de Amor paterno, que envolvia o templo com uma
áurea de luminosidade. Além desta beleza de emanação, se os olhos
físicos pudesse ver a manifestação do mundo espiritual, ficariam
extasiados: muitos Ministros, Cavaleiros, Guias Missionárias luminosas,
mentores dos médiuns e mentores dos desencarnados que
acompanhavam seus tutelados, de ambos os planos, para a participação
no ritual. No lugar determinado, os “cobradores” esperavam, recebendo
desde cedo, bem antes do ritual, as energias necessárias para a
manipulação, vinda dos mentores e do ectoplasma dos médiuns
presentes e assim possibilitar o encontro, frente a frente, com seus
desafetos encarnados e, com o perdão mútuo, se libertarem pelas
bênçãos de Deus. Muitos médiuns chegavam ao Vale do Amanhecer com
suas mentes realmente voltadas para a importância daquele trabalho e
doavam relevantes emanações para a realização do mesmo, com
sentimentos de Amor, Tolerância e Humildade, recebiam energias
benditas que lhes fortaleciam naquele dia, confirmando as palavras de
Jesus: “a quem mais tem, mais será dado.” Infelizmente, alguns
chegavam com baixa vibração, com pensamentos negativos ou levianos
e iam sendo cercados por “seres” atraídos pelo baixo padrão vibratório e
tinham sugado pouco a pouco o resto de energia que portavam,
confirmando, também, o que disse o mestre Jesus: “quem tem pouco,
até mesmo o que tem lhe será tirado.”
O certo é que, em dia de Angical, muitos fenômenos acontecem
tanto num plano como no outro. Mas, nesta história, vale destacar o que
aconteceu num dia de Angical específico, que aconteceu há pouco tempo
e a atuação de quatro espíritos participantes: dois encarnados e dois
desencarnados; são acontecimentos muito comuns, que podem
acontecer muitas vezes, sem que se preste a devida atenção: o primeiro
espírito, encarnado, era uma Ninfa de incorporação, que há dias estava
se preparando para este trabalho. Inclusive foi ao salão de beleza e
arrumou, com capricho, os cabelos e as unhas longas e bem tratadas.
Tomou um longo banho com sabonete perfumado, passou um creme de
cheiro no corpo e se perfumou. Preparou, com desvelo, suas
Indumentárias.
A Ninfa, muito bonita, parecia uma cigana, e se realçava com uma
maquiagem bem feita.
Acordou bem cedo e quando se preparava para ir para o templo,
sua mãe acordou com a movimentação e foi à cozinha tomar café com a
filha, que chamaremos por Tereza.
- Bom dia, filha - disse a mãe, cumprimentando a filha.
- Bom dia. Falou a Ninfa, secamente.
-Tetê, você vai sair tão cedo! Hoje não é seu dia de folga? Pensei
que você fosse ficar em casa.
- Vou ao Vale, mãe. Estou precisando...
- Filha, desculpa eu te amolar, mas, o Maurício ligou ontem e disse
que você levantou muitos falsos no processo de divórcio de vocês.
- E daí?! Agora ele vem para “chorar” com você, mãe? Eu quero
que ele se dane... Vou arrancar dele tudo o que eu puder!
- Filha, você acha que está agindo certo? Afinal...
- Ih, mãe, não quero nem saber! Vou passar aperto prá dar boa
vida prá malandro?
- Pensa bem, filha, o Paulinho disse que se você continuar
judiando com o pai dele, vai pedir para morar com o pai...
- Azar, mãe! É uma amolação a menos!
Tereza não estava se dando bem no casamento e há meses
mantinha um caso com outro homem.
A conversa com a mãe irritou Tereza que saiu de casa com o carro
em alta velocidade. No caminho ia pensando no desastre do seu
casamento. Maurício, o marido, bem mais velho do que ela, desenvolveu
uma doença de origem genética, que o invalidava para vários atos da
vida; os gastos com remédios eram altos; nesta fase, Tereza conheceu
outro homem pelo qual se apaixonou e tempos depois saiu de casa e
voltou para a casa de sua mãe levando o filho do casal. Tereza começou
a trabalhar e o filho quase não via a mãe, pois a cada dia ela chegava
mais tarde em casa aproveitando a sua “liberdade”, para viver sua
“liberdade” ao lado de um militar casado, pai de três filhos e que já
estava providenciando a separação com a esposa.
Tereza chega ao templo. Trocou de roupa, entrou no templo e
colocou o próprio nome e do amante em vários mentores, inclusive no
Pai Seta Branca. Tereza nem desconfiava, mas, seu Leilão já tinha sido
requerido no mundo astral, porém, sua Guia Missionária intercedeu e
conseguiu uma chance para que a Ninfa se encontrasse com seu maior
cobrador, aquele que a odiava incondicionalmente. Naquele Angical seria
a chance de se mostrar transformada e conseguir o perdão e a
libertação do mesmo.
O outro espírito, também encarnado que participou deste Angical e
também teria o encontro com o cobrador que lhe induziu ao suicídio
moral pelo vício do álcool, era o Doutrinador Jair. Este homem, muito
doente, levava a vida com todas as dificuldades que um encarnado pode
enfrentar. Para chegar ao templo, naquele dia, saiu de casa, de
madrugada, após fazer uma prece. E para não perder o ônibus, mal teve
tempo para tomar um banho com um pedaço de sabão barato e engolir
o café dormido com pão.
Quase uma hora depois, entrou no segundo ônibus, que o levaria
ao templo para o Retiro e Trabalho de Angical. Já no templo, dirigiu-se
ao vestiário e vestiu o uniforme, desbotado e um pouco amassado.
Levava uma vida muito diferente da que levava anos atrás, quando tinha
um bom emprego, uma boa casa, mulher e perdeu tudo por causa do
vício da bebida, que abandonou quando chegou ao Vale do Amanhecer.
Agora, estava se reerguendo aos pouquinhos. Salve Deus!
Assim, estes dois espíritos encarnados, verdadeiros sofredores,
cumpriam suas missões, e, naquela segunda-feira, também cumpriam
suas obrigações doutrinárias, dentro de suas possibilidades e não vamos
julgar, pesar ou medir estes seres.
Dado o sinal para o início dos trabalhos de Angical, após todo o dia
de trabalho mediúnico, os médiuns, aos pares se colocavam em seus
lugares. Aconteceu de Tereza ficar sem Doutrinador; o mesmo
aconteceu com o Mestre Jair, que se aproximou da Ninfa para fazer o
convite para o Trabalho. Tereza olhou o Doutrinador de alto a baixo e
percebeu o desleixo das roupas e sentiu o forte cheiro de suor misturado
com cigarro que emanava daquele homem. Seu Jair percebeu o nojo de
Tereza e, sem jeito, se afastou com um “Salve Deus”, disfarçando a
vergonha, pois a Ninfa não respondeu e ainda virou a cabeça olhando
para o outro lado, como se nem fosse com ela. Jair, pensava: “também
que burrice a minha! Convidar uma Ninfa tão bonita para trabalhar
comigo!” Ficou, num canto do templo, sentado Apona, elevou o
pensamento aos seus mentores e fazia orações e preces que
encaminhava a todos os que necessitassem daquelas emanações.
Tereza, aborrecida, também ficou Apona e saiu do templo.
Olhando no relógio o avançar da hora, irritadíssima, resolveu pegar o
carro e ir para casa. “Também – pensava - fui idiota! Devia ter
conseguido, com antecedência, um Mestre decente para participar do
Angical. Não pude fazer o trabalho... Mas, trabalhar com o seu Jair?! Eu,
hein! Ele fede muito, credo!”
Com o Trabalho iniciado, os cobradores eram encaminhados aos
respectivos médiuns para o encontro permitido e programado pela
espiritualidade. Um cobrador, entre dois mentores, se debatia,
mostrando todo o ódio que sentia, acrisolado em seu íntimo, mal sendo
contido pelo limite magnético dos mentores. Mas, ao olhar para Jair teve
uma reação surpreendente ao presenciar o comportamento do mesmo
diante da desfeita da Ninfa Tereza. Reparou, também sua roupa, seu
aspecto sofrido e sua humildade e este sentimento fez aquele espírito se
julgar vingado. Pois quase não reconhecia em Jair o homem prepotente
e altivo que lhe destruíra a vida. Por isto, chegou na vida do mesmo,
para destruir tudo o que ele tinha, induzindo-o, por anos, a beber e a
maltratar a família. Agora, o que o cobrador via, era um Jair encurvado
sobre o sofrimento e humilhado publicamente. Também percebeu sua Fé
nas orações e a vontade de servir. E esta visão e entendimento levou o
espírito a se acalmar e libertar Jair.
Lá fora, Tereza acelerou o carro e pretendia, ao chegar em casa,
ligar para o amante e marcar um encontro para o dia seguinte.
No templo o Trabalho de Angical terminou e o silêncio se fez, cada
qual indo para o seu lugar. Uma fila de espíritos voltavam para Deus,
mais calmos e tranquilos pelo exercício do perdão. Mas, o que chamava
a atenção não eram os espíritos renitentes que não aceitaram aceitar a
lição que ali vieram aprender, e teriam que voltar em outra
oportunidade. Mas, sim, um espírito de tal forma deformado pelo ódio
que não era possível saber se era masculino ou feminino. Aprisionado
numa rede magnética, gritava e se debatia em um ódio violento, ao
mesmo tempo que colocava por uma cavidade , que se supunha ser a
boca, um liquido verde e viscoso. Este espírito ao sentir a emanação de
Tereza, vociferou:
- Maldita!
Este espírito pediu a última chance para se libertar e libertar
aquela que tanto lhe fez mal. Porém, a Ninfa, no momento
abençoado, resolveu não participar do trabalho e, assim, negou ao
espírito sofredor o direito que lhe cabia.
O Leilão seria realizado dali a alguns dias, pelas bênçãos de
Deus.

Pai Benedito de Aruanda


Salve Deus!
6. HÁ DOIS MIL ANOS

Naquele dia de sol brilhante uma energia estava no ar. Naquele


ano perdido na lembrança do homem. Mas cada vez e sempre mais vivo
na memória universal. Um homem ia ser crucificado, nada de especial
naqueles tempos, e o condenado percorria as ruas de Jerusalém
carregando nos ombros o madeiro onde seria pregado dali há pouco,
símbolo de sofrimento e humilhação. De longe se ouvia o clamor do
povo, ávido por sensações e emoções. Naquela época as crucificações
eram espetáculos públicos muito concorridos, porque eram gratuitos. Por
isto os gritos, palmas e toda a manifestação popular enchia o ar de um
barulho ensurdecedor.
As ruas estavam cheias de gente que esperava para ver passar o
condenado e, por outros que iam atrás do condenado, xingando-o e
dizendo palavras ofensivas; alguns até aproveitavam o negror íntimo do
espírito atrasado que possuíam para agredi-lo com socos, tapas e
escarradas no rosto todo ensanguentado. Momentos antes, o condenado
ao sair da frente de Pôncio Pilatos e após levar uma chicotada que lhe
cortou a carne, tão logo dobrou uma curva do caminho seus olhos
cruzaram com os de um homem que, intimamente, clamava pelo sangue
daquele inocente. Como os outros seres ali reunidos e muitos em grande
festa saíram andando atrás do homem, que todos conheciam por Jesus e
muitos eram contidos na euforia pelo chicote dos soldados romanos que
temiam que o mesmo viesse a ser linchado antes de ser crucificado.
Quando o olhar de Jesus cruzou com os olhos de Zeferino de
Canaã, uma energia cercou Zeferino. Zeferino, embora não fosse um
homem extremamente rico, era muito abastado, pois era um grande
trabalhador do ferro e, fazia inclusive rodas para as carruagens dos
romanos, o que lhe dava um grande prestígio. Mas, esta situação
privilegiada do ferreiro não evitou que uma doença terrível acometesse
seu único filho. Por isto, Zeferino saiu pelos campos atrás de um judeu
que dizia-se curar doentes e até trazer à vida aqueles que morreram. Na
sua procura, em desespero, carregava, ora nas costas, ora em seus
braços o querido fardo, seu filho único, pequeno fardo fético, moribundo,
acometido pela “Peste do Jordão”.
Dias depois, já exausto, sujo e cansado, avistou o judeu, a quem
chamavam de mestre no meio de uma multidão e, desesperado,
percebeu que não conseguiria se aproximar de Jesus, devido ao grande
número de pessoas que o cercavam. Porém, Jesus sentido a energia que
emanava daquele pai sofredor, daquele olhar de dor e agonia, voltou-se
e fixou seus olhos puros naqueles cheios de Fé ilimitada. Jesus se
compadeceu daquele homem empoeirado, suado, com as roupas sujas e
rasgadas, lábios sulcados pelo sol e pela sede e percebeu que não seria
possível chegar mais perto. Mas, buscando as energias do pai celestial
as enviou ao pequeno doente que jazia nos braços do pai.
Imediatamente, a criança abriu os olhos; suas feridas milagrosamente
cicatrizaram, febre cessou e pedindo ao pai água, ficou de pé, como se
todo aquele tempo apenas estivesse dormindo. Pai e filho ainda ficaram
por ali, junto à multidão, ouvindo as palavras de Jesus.
E agora, naquela rua de Jerusalém, Zeferino teve o olhar de Jesus
mais uma vez sobre si. Naquela hora, lembrando-se de como Jesus
curara seu filho, teve vontade de o ajudar. Sentiu vontade de fazer
alguma coisa: gritar que ele era realmente o Filho de Deus, que salvara
seu filho Ismael, com apenas um olhar; que vira outros tantos
receberem seus milagres naquela tarde distante. Mas teve medo. Como
se colocar sozinho contra o povo e contra Roma? E se fosse linchado? E,
pior, se morresse: que seria de sua mulher e filho? E Zeferino se calou.
Os olhos de Jesus, cheios de lágrimas e de amor fixou, mais uma vez em
seus olhos e ele sentiu a serenidade grandiosa que lhe invadiu todo o
corpo e o espírito.
Jesus seguiu em frente. Zeferino olhou em volta, viu muitos outros
que também tinham recebido curas, bênçãos e milagres; pensou
conhecer um ou outro, mas não tinha certeza. O certo é que nenhum
deles parecia ter qualquer gratidão para com Jesus. Pelo contrário,
também xingavam e ofendiam. E Zeferino nada fez. O certo, porém, é
que o olhar de Jesus jamais saiu de sua lembrança e um pouco da
imensa dor que o divino caminheiro sentia cravou em seu peito. Zeferino
ainda subiu até o monte e assistiu a crucificação e, ao final, em incontido
arrependimento, chorou aos pés da cruz.
Os anos se passaram e Zeferino, o ferreiro, esmagado pelo
sentimento de culpa que levava dentro de si, que aumentava cada vez
mais quando via seu filho, Ismael, cada vez maior e mais forte,
cumprindo uma vida que talvez não tivesse se não fosse o encontro com
Jesus, enfraqueceu e adoeceu. Isto aconteceu porque Zeferino não
entendeu que o olhar de Jesus não era uma condenação, mas,
absolvição. O mestre sabia que aquele homem, como outros tantos que
estavam pelo caminho vendo-o carregar sua cruz, nada podiam fazer,
diante da natureza humana do homem em evolução. Eram apenas seres
humanos, com seus medos e inseguranças, com a imaturidade espiritual
dos que estão ainda construindo a Fé inabalável e a confiança suprema
no poder maior. Aos homens só é exigido atitudes de homens. Mas,
Zeferino, definhou pela culpa e se condenou a um fim de vida mais
rápido e mais sofrido. Na hora de sua morte Zeferino de Canaã, se
confessou à mulher e ao filho, agora um homem maduro e realizado, e
contou aos mesmos aquele encontro que mudou toda a sua vida.
Confessou ainda que, se tivesse outra chance não ficaria sem fazer
nada. Defenderia Jesus ainda que lhe custasse a vida. Gritaria para
todos que o poder do Caminheiro era ilimitado; que realmente ele podia
mover as forças do céu e da terra, as distribuindo para todos os
sofredores. E jurando fazer isto, se tivesse outra oportunidade,
desencarnou.
Os anos se passaram e os séculos se sucederam. Zeferino teve
outras vivências neste plano, sempre em busca de cumprir o seu
juramento. Entretanto, o olhar de Jesus mudara para sempre o seu
espírito e em cada encarnação, sempre buscava cumprir seu juramento
feito no leito de morte, na encarnação como Zeferino de Canaã, vivendo
sempre envolvido com a religião, sendo que em uma das vidas
pregressa, tanto se sacrificou que, na Igreja Católica é venerado como
“santo”, pois foi morto defendendo o nome de Jesus.
Agora, no Limiar do Terceiro Milênio, embora não tenha a
lembrança de tudo o que se passou desde a crucificação, o espírito que
conhecemos como Zeferino de Canaã, ainda sente, dois mil anos após,
que deve manter a promessa de defender e transmitir a mensagem de
Jesus e, assim, aliviar os sofrimento dos sofredores.
Hoje, Zeferino é um Jaguar do Vale do Amanhecer.

Pai Benedito de Aruanda


Salve Deus!
7. A COBRANÇA
Um Doutrinador do Vale do Amanhecer se destacava por seu
compromisso com a Doutrina. Seu porte altivo chamava a atenção de
todos e, muito responsável, primava pela Conduta Doutrinária, exigindo-
a de si e dos outros. Tinha comportamento exemplar dentro e fora do
templo. Observava a Lei da Corrente e conduzia a todos que chegavam
para o desenvolvimento, com eficiência e responsabilidade. Muitos
reconheciam o zelo deste mestre Jaguar; outros, porém o criticavam,
fazendo, inclusive, julgamentos, e chegavam a responsabilizar o jeito
durão do comandante pelo fato de que ninguém de sua família seguia a
Doutrina.
O Mestre, porém, seguia sua jornada e seus mentores
considerando sua boa intenção de ajudar e vontade de agir
corretamente dentro dos princípios Crísticos entendiam que ele estava
se evoluindo a cada dia, e, embora tivesse o comportamento pessoal
autoritário e chegando a ser exigente exageradamente, isto em nada
afetava a conduta esperada em um Jaguar.
Ninguém sabia que a personalidade do Doutrinador era resultado
de suas encarnações e que o mesmo era um espírito com muitas dívidas
e cobradores ferozes a exigir reparação.
Por volta do ano de 1280, este homem participou da Guerra Santa
e era sanguinário defensor do cristianismo, assassino de tantos que lhe
cruzaram o caminho e professassem outra fé. Certa vez, nos arredores
de Jerusalém, encontrou uma família muçulmana que se dirigia para
aquela cidade e, pela espada matou a todos; embora o homem, em
desespero, implorasse pela vida de sua mulher e filhos, colocando-se,
inclusive, de joelhos. Porém, sem qualquer piedade o cavaleiro cortou a
cabeça do homem na frente da família. Em seguida, matou os cinco
filhos do casal e, vendo que a mulher corria, desesperada, tentando
salvar o filhinho que tinha ao seio, perseguiu-a em seu cavalo e,
alcançando a infeliz, degolou o filhinho que ainda tinha a boca no seio da
mãe, e em seguida a matou.
Séculos depois, vamos encontrar este homem reencarnado em
Portugal e que veio parar no Brasil, como padre, e, em nome Jesus,
matando dezenas que se negavam a seguir a religião de Portugal e a se
deixarem escravizar.
Cerca de dois ou três séculos depois, vamos encontrar este infeliz
espírito ainda trilhando o caminho do engano, da ganância e da
destruição em nome de Jesus. Feitor de uma fazenda entre o sul da
Bahia e o norte de Minas Gerais, se destacava por sua piedade, sendo
assíduo frequentador da capela da fazenda, onde todos os dias ao
amanhecer, ia fazer orações matinais, demonstrando grande devoção
aos santos do altar. Entretanto, sentia grande prazer em dispersar os
negros quando em suas demonstrações religiosas, e não tinha nenhuma
dúvida em matar os negros escravos, mulheres, homens, velhos ou
crianças que se negassem a adorar os santos reconhecidos pela santa
sé. O feitor se escondia para surpreender os negros durante a prática de
rituais em que insistiam em reverenciar seus deuses negros, entre
cantorias, batidas de palmas e danças e, se aproximava, escolhendo
alguns para servir de exemplo. Muitos morreram nos troncos, com ossos
e vísceras expostos. A cada reencarnação, este espírito mais se
endividava por insistir em defender, de forma equivocada, os
ensinamentos do mestre Jesus; embora, seus mentores entendessem
que seus atos eram justificáveis diante de sua pouca evolução espiritual
e sempre providenciassem para que ele voltasse em situação de
aprender e evoluir até entender que, defender a mensagem Crística é
ensinar Amor, a Tolerância e a Humildade; seus cobradores não
entendiam desta forma e faziam suas cobranças. E as cobranças eram
muitas diante do grande número dos que desencarnavam em meio à dor
e ódio. E a cada vez que o homem erguia a mão para o céu em oração,
sempre estavam cheias de sangue, demonstrando o quanto ainda tinha
um espírito inferior.
Por volta de 1958, no Brasil, uma caminhoneira deu início neste
plano ao Sistema Crístico visando acolher e evoluir espíritos endividados,
que perdidos na religiosidade distorcida, quisessem buscar a evolução
pelo verdadeiro ensinamento do mestre Jesus, que defendessem a
bandeira rósea de Jesus, não com armas, nem com ameaças de
punições e condenações, mas, através da caridade baseada no Amor
incondicional, Tolerância consigo e com os irmãos, e na Humildade de
comportamento. No plano astral, milhares de espíritos de alta hierarquia
organizaram-se em grupos e turnos para o trabalho que seria
incessante, pois a Doutrina seria diferente de tudo que a humanidade
tinha visto e vivido em termos de prática religiosa. Ao mesmo tempo,
muitos espíritos já encarnaram com a missão nesta Corrente e outros
mais se preparavam para retornar à Terra e, em determinado momento,
se alistar neste verdadeiro exército visível e invisível de “guerreiros” do
Cristo redivivo. Estes espíritos, independente de lugar de nascimento,
raça, crença familiar, classe social ou profissão, chegarão ao Vale do
Amanhecer e, nesta hora firmariam ou não, o propósito assumido no
astral de cumprir a missão.
O Doutrinador desta história é um desses espíritos. Sem nunca ter
sido espírita, nem ter ouvido falar em Vale do Amanhecer, um dia
chegou a um templo; e até mesmo contra a aceitação de sua família,
aceitou a missão, como já se viu no início do relato. Algo dentro de si lhe
dizia que ali era o lugar que sempre buscou e que ali poderia pagar seus
erros e enganos embora tivesse convicção de não ter feito grande mal a
ninguém. Tinha certeza que era um homem comum, com problemas e
alegrias comuns, desde que se lembrava de sua vida, jamais tinha feito
mal a ninguém, mas gostava de sentir-se fazendo o bem para outros no
Vale do Amanhecer.
Em determinada fase de sua missão, seus credores resolveram
apresentar a fatura. Não acreditavam em sua mudança e exigiam a
reparação. Mas, os mentores deste Mestre buscavam amenizar as
cobranças, negociando com os cobradores, mostrando as atitudes
corretas do Mestre, suas intenções e suas emanações, evitando que o
mal fosse cobrado além do devido.
Em grupos, os cobradores foram conversar com o responsável
espiritual do templo onde o Jaguar cumpria sua missão e o grandioso
Ministro, um espírito de alta hierarquia, com alto grau de evolução, que
servia no Vale do Amanhecer, apesar de poder estar servindo em outro
plano bem superior do astral, ouviu de um cobrador, que falava em
nome de outros:
- O senhor pode ser um Anjo de Deus, mas não entende nada de
homens. Este que vocês chamam de “Mestre”, não vale o que come.
Quero cobrar o que ele me deve! Todos temos este direito.
Os outros espíritos vibravam com ódio e sede de vingança.
- Sim, meus irmãos. Vocês tem a permissão de Deus para a
cobrança; mas, o que vocês precisam saber é que este homem, que
chamamos Mestre, já não erra em nome de Jesus, passou; hoje ele está
esclarecido, luta realmente em favor da palavra de Jesus, mas usando o
Amor incondicional. E todos vocês também podem caminhar para
frente... se perdoarem, como Jesus nos ensinou.
- Isto é o que o senhor pensa - falou o cobrador - ele não vale
nada; o mal que nos fez ainda vive em nossos corações. Temos direito a
fazer este homem pagar. E tem mais: não queremos só a vida e o corpo
dele, mas queremos o seu espírito!
O Ministro, sabendo que o Doutrinador realmente estava em
evolução, pediu ajuda ao céu e orientação através da oração sobre como
resolveria o problema. Embora sabendo que o protegido cumpria
fielmente sua missão, não era possível impedir a cobrança; e após
sincera prece que o ligou diretamente a Deus Pai todo poderoso, disse:
- Está bem, irmãos. Em nome de Deus Pai todo poderoso, podem
fazer suas cobranças; porém cada um aja dentro do valor a ser cobrado,
nem mais nem menos! E vocês devem observar o Jaguar durante um
tempo, para que cada um saiba o limite da cobrança.
Naquele dia, o Doutrinador recebeu da Preta Velha, no Trono
Vermelho, orientações para que naquele período mantivesse o alto
padrão vibratório e a sintonia de Amor, Tolerância e Humildade, que
procurasse se unir aos seus mentores, com orações e bons
pensamentos.
O Doutrinador passou a receber de seus mentores uma maior
atenção, que lhe mandavam vibrações positivas para que as cobranças
se fizessem trazendo o menor dano possível a ele, que tudo se fizesse
dentro das Leis Divinas.
Viram, então, o Jaguar vivenciar todas as cobranças daquele
grande grupo de espíritos cobradores. Assim, viram o Jaguar sofrer um
pequeno acidente, uma doença que precisou de algum cuidado, dívidas
que apareceram em cascata, discussão com um dos filhos, críticas da
esposa, perda de alguns clientes... Mas, o Doutrinador tudo enfrentou,
sabendo que aquela fase passaria e procurou superar.
Tempos depois, os cobradores ficaram satisfeitos. Mas, um deles
achou que tudo era pouco para o homem e retornou ao Ministro. Queria
que sua cobrança fosse feita dentro do templo. Era aquela mãe
mulçumana que viu a família ser assassinada e teve o filho degolado
ainda em seu seio, sendo que quando o corpinho inerte caiu por terra, a
boquinha da criança, na dor da morte ficou segura no seio a escorrer o
leite da mãe. Esta mulher destilava um ódio pestilento há séculos e
jamais aceitou nova encarnação, acrisolada naquele momento distante,
às portas de Jerusalém. Após ouvir seus argumentos, o Ministro disse:
- Irmã querida. Vamos ao templo e você poderá comprovar que
este homem que você odeia tanto não é o mesmo que você conheceu.
Não é o mesmo. Hoje vive para fazer o bem.
O espírito foi levado ao templo, depois de muito discutir e seguiu o
Doutrinador, observando o seu trabalho. Mais tarde, foi encaminhada à
Mesa Evangélica, incorporando em uma Ninfa e justamente pelo
Doutrinador, foi doutrinada. Ouviu palavras de Amor, de esperança;
mas, ao invés de se acalmar, se debatia cada vez mais no ódio,
destilando uma emanação pesada ao redor. A Ninfa começou a suar e a
se debater, tal a vontade da desencarnada agredir seu assassino e da
boca da médium, uivos horríveis saíam. Na hora da elevação, a
desencarnada se negou a receber auxílio e foi recolhida gritando:
“vingança! Vingança!”.
- Quero vingança e não doutrina! Gritou a mulher para o mentor
que a amparava.
- Salve Deus, minha filha. Mas, saiba que o que você fizer,
investirá contra você; e da condição de credora você se tornará uma
devedora diante de Deus.
Mas a mulher não quis saber e saiu para as proximidades do
templo sempre observando sua vítima, pensando na melhor maneira de
se vingar. Pensou em uma doença terrível, que o fizesse sofrer dores
insuportáveis, que não o matasse, mas, que o deixasse na cama por
anos; pensando bem, achou pouco como pagamento pelo mal que lhe
fizera. Então, imaginou atingir toda a família do Jaguar, para que ele
ficasse só, sem ninguém; mas achou pouco; pensou em tirar-lhe todos
os bens materiais e deixá-lo na miséria, de forma que fosse obrigado a
mendigar e até enlouquecer, perdendo, assim, a pose altiva que
possuía; mas, ainda achou pouco.
Tanto observou o Doutrinador, que a cobradora percebeu que ele
realmente parecia mudado; percebeu, também, que era estimado pelos
outros Jaguares e respeitado pelos pacientes; entendeu que ali, no Vale
do Amanhecer, era a oportunidade para que ele se evoluísse, se
tornando cada dia melhor. E isto causou mais ódio ao espírito cobrador:
enquanto ela tinha se arrastado durante séculos no ódio e destruição,
sem conseguir se livrar da dor e desespero, seu assassino e de sua
família estava cada vez melhor, mais iluminado, mais em paz! Não! Isto
não vai ficar assim! - pensou o infeliz espírito. E naquela hora, a
cobradora decidiu a sua cobrança: o afastamento do Mestre de sua
missão.
E a cobradora arquitetou sua cobrança ao perceber uma moça que
estava se desenvolvendo no Vale do Amanhecer, sem muita convicção.
De personalidade egoísta e leviana, parecia sob medida para “ajudar” a
cobradora em seu plano. E a desencarnada começou agir sobre a Ninfa,
levando-a a se interessar amorosamente pelo Mestre; a influência foi
tamanha que a Ninfa não se preocupou com a diferença de idade, nem
do mesmo ser casado há anos, nem de estar em solo sagrado: começou
a enredar o Mestre com energia de luxúria. O Mestre no princípio nada
percebeu, mas, com a insistência da moça, ficou constrangido com a
situação, pois a mesma nem se preocupava em disfarçar o interesse,
sempre intuída pela cobradora, cercava cada vez mais o Mestre em sua
teia de sedução e, que, sem perceber foi se entregando, e acabou por
ter um “caso” com a mesma, que fugiu ao controle e foi do
conhecimento de todos.
A esposa do Doutrinador logo soube da traição e culpou a
Doutrina, onde ele passava boa parte do tempo livre e, entrou em
profunda depressão, colocando-o para fora do lar do casal. Os filhos
sofreram demais pelo comportamento do pai, após tantos anos de
casamento.
O Doutrinador começou a achar que todos estavam contra ele na
Corrente e começou a faltar aos trabalhos no templo e se envolvia cada
vez mais emocionalmente com a amante que intuída pela cobradora,
propôs ao Doutrinador fugirem da cidade e reconstruírem a vida longe
dali, o que foi aceito.
Passado algum tempo, já em outra cidade, a vida segura que ele
conhecia estava totalmente destruída. Não conseguia trabalho e, para
piorar, a amante lhe culpava pela situação que estavam vivendo e pelos
desentendimentos que se sucediam. Sem estrutura emocional diante de
tantos problemas, começou a beber, se embriagando quase todos os
dias.
Não demorou muito para que a moça se interessasse por um
colega de trabalho e informasse ao amante sua decisão de abandoná-lo.
O ex-Doutrinador saiu de casa e passou a morar na rua, bebendo e se
drogando.
Em pouco tempo aquele homem sujo e sem rumo em nada
lembrava o altivo e altaneiro médium do Vale do Amanhecer que se
destacava onde quer que tivesse. Também, com seu espírito fragilizado,
em nada se reconhecia nele, o cavaleiro, o padre, o feitor de escravos de
eras passadas. Não demorou muito estava doente, perdido na miséria e
humilhação. Numa manhã de frio, a polícia foi chamada numa parque
um homem morreu dormindo no banco naquela noite fria.
A cobrança estava feita.

Pai Benedito de Aruanda


Salve Deus!
8. LIVRO DE PONTO NO VALE DO AMANHECER
(A HISTÓRIA DE UM JAGUAR)

O Jaguar chega ao templo bem cedo e, logo após colocar o seu


“branquinho”, vai para dentro do templo onde faz alguma arrumação,
começa a imantrar e a defumar. Era dia de Retiro no templo e, àquela
hora, o templo estava vazio. O Jaguar, de nome Antônio, um Ajanã, vê
um Doutrinador se harmonizando em frente ao Pai e percebe que é um
amigo que não vê há muito tempo, para lá se dirige.
- Salve Deus, meu irmão, há quanto tempo! Você está meio
sumido, hein?
- Salve Deus, mestre Antônio! É... Estou com alguns problemas lá
em casa, sabe como é, a patroa está acamada porque fez uma cirurgia e
estou dando assistência, sabe como é, né?
- Mas, meu irmão, olha a missão! Alertai! Acontece estas coisas
porque o Jaguar não vem ao templo, você sabe não é? - disse Antônio
se retirando.
E assim passou o dia no templo.
No dia seguinte, Antônio ao se dirigir para o trabalho sofre um
acidente e desencarna.
Ao chegar em Pedra Branca, Antônio encontrou seu mentor e seu
cavaleiro que o aguardavam. Ao chegar, Antônio foi muito bem recebido
pelos espíritos; porém, achou a recepção muito “fria”. Pensou que
quando chegasse ao astral seria recebido com mais festa pelos
mentores. E não deixou por menos, expõe a sua indignação.
- Salve Deus, é assim que vocês me recebem? Eu pensei que seria
mais bem recebido; afinal, tenho trinta anos de trabalho incessante na
Doutrina!
- Salve Deus, meu filho! Você está se preocupando à toa. Todos
são recebidos aqui da mesma maneira; estamos felizes por você ter
chegado bem, ter cumprido a sua trajetória... - falou o Preto Velho,
humildemente.
Mas... Salve Deus! - insistiu Antônio - eu sempre me dediquei
muito à Doutrina! Foram trinta anos! Quantas vezes deixei de
acompanhar meus filhos às festas e reuniões na escola para ir ao
templo! Quantas vezes deixei de dar assistência à minha família... Deixei
de viajar, ir à praia ou ao cinema para trabalhar em prol da Doutrina!
Respirou fundo e disse:
- Quero falar com Pai João de Enoque, ele saberá me dar valor!
- Salve Deus, mestre! Mas, Pai João de Enoque é muito ocupado! -
alertou o Cavaleiro.
Mas, o Jaguar tanto insistiu que foi levado à presença de Pai João
de Enoque.
Então, Antônio se acalmou. Tinha certeza que Pai João saberia
entendê-lo e fazer-lhe justiça! E assim chegou diante do grande
Executivo.
- Salve Deus, meu filho amado! Chegou bem? - perguntou Pai
João de Enoque, tão logo viu o Jaguar.
- Oh! Salve Deus, Pai João de Enoque; cheguei bem, sim senhor! -
respondeu Antônio. E logo, sem perder tempo, começou a reclamação
sobre a recepção que teve e esperando que o grandioso mentor lhe
desse razão, pois percebeu que Pai João tudo escutava, calmamente,
abanando a cabeça em sinal de aprovação. Falou, falou, falou por muitos
e longos minutos, repetindo dezenas de vezes a palavra “injustiça”. De
repente o Jaguar parou de falar um pouquinho para tomar fôlego e,
neste momento, Pai João aproveitou para falar um pouquinho.
- Mas, filho. Você foi recebido tão bem, como são recebidos todos
os missionários de Seta Branca! Não entendo porque você, filho, está
tão aborrecido. Salve Deus, meu filho!
- Mas, Pai João, vocês estão errados! Não podem tratar e receber
todos os Jaguares do mesmo jeito! O senhor sabe que nem todos os
Mestres do Amanhecer são iguais...
Sim, meu filho, concordo com você. Mas, sabe? Para o criador de
todos nós, somos todos iguais e recebemos o mesmo tratamento!
- Mas, Pai João! - insistiu Antônio - isto não é certo! De que
adianta o esforço na Terra se este não é reconhecido neste plano? Veja
o meu caso: eu trabalhei durante trinta anos, acredito ter resgatado
muitos espíritos sofredores, obsessores... Sinceramente, esperava uma
recepção melhor!
Antônio pensou um pouco e disse:
- É, Pai João; estou vendo que é verdade o que dizem: “assim na
terra como no céu...” Aqui como lá tem injustiças.... Os privilégios, as
“panelinhas”. Eu penso que deve ser estudada a possibilidade de se
colocar um livro de ponto na recepção dos templos do Vale do
Amanhecer! Para vocês saberem quem realmente trabalha no Vale do
Amanhecer! Estes devem ser recebidos mais efusivamente!
- Mas, filho! Esse livro de registro já existe! - replicou Pai João.
Antônio arregalou os olhos, espantadíssimo!
- Ué, tem?! - perguntou Antônio muito surpreso - tá vendo? Nunca
me deram esse livro prá assinar!!! Vai ver que só a “panelinha”
assinava!
- Pai João riu muito (coisa rara de acontecer!), que até se sacudiu
- mas, filho, você assinou o livro todos esses trinta anos!
- Assinei?! - falou Antônio, cada vez mais espantado; engraçado,
não me lembro! (será que o desencarne faz a gente esquecer algumas
coisas?)
- Olha, filho; está tudo anotado e registrado, desde o primeiro dia
que você chegou ao Amanhecer! Salve Deus! Quer ver? Vamos começar
pelo dia do Retiro, que foi o seu dia antes do desencarne. Você chegou
ao templo às 8:30, não foi?
- Foi sim, senhor! - falou Antônio, já presumindo que teria o
reconhecimento do mentor.
- E saiu do templo às 23:00 horas, não é filho? - continuou Pai
João.
Antônio até estufou o peito de tanto orgulho. Agora, sim! Estava
sendo reconhecido!
- Isto mesmo, Pai João... Ninguém trabalha como eu naquele
templo...
- Pois é, filho; está tudo registrado. Está registrado aqui que
naquele dia você participou da primeira Mesa Evangélica e assim foi
possível o encaminhamento de muitos sofredores que faziam fila no
Setor Evangélico.
- Isto mesmo! Isto mesmo! - Antônio já se sentia justiçado. Pai
João era realmente um sábio; um Executivo sábio e justo.
- É, filho; você trabalhou bonito! - Pai João fez uma breve parada
e logo falou: - filho, aqui está registrado que logo que saiu da Mesa
Evangélica você foi à lanchonete do templo.
- Ih, Pai; o senhor sabe, para chegar cedo, eu saí de casa sem
tomar o café da manhã - justificou o Jaguar.
- E o café estava bom, filho? - perguntou Pai João com interesse.
- Estava sim, Pai João. Muito bom - respondeu Antônio.
- Ah, Salve Deus. Então isto explica porque o filho ficou uma hora
na lanchonete! - respirando fundo, Pai João continuou: depois você foi
ao banheiro e demorou também um tantinho, não é? Salve Deus, o café
fez mal?
Não Pai João; eu encontrei um Jaguar que falta muito ao trabalho
espiritual e estava orientando-o a participar mais dos trabalhos... O
senhor sabe, né?
- Sei sim, filho; mas com isso você perdeu muito tempo e
manipulou uma energia negativa que poderia ter sido manipulada
adequadamente nos trabalhos dentro do templo, em favor dos mais
necessitados. E você, filho, quase perdeu o encerramento do Primeiro
Intercâmbio... - falou Pai João, tristemente - mas, filho, aqui está
registrado que no Segundo Intercâmbio você estava presente, certo?
Trabalhou na primeira Mesa e no Trono. Mas, depois só temos registro
de trabalho às 20:30!
- Sabe, Pai João... Dei um tempinho para ver um jogo de futebol
na televisão da lanchonete. Sabe Pai, final de campeonato...
- Ih, filho!- assustou-se Pai João - veja esses registros aqui: no
Trono, você discutiu com o Comandante; na Junção ficou pensando
numa dívida a pagar; depois ficou observando e desejando uma Ninfa
que estava no templo...
E Pai João de Enoque foi mostrando ao Jaguar toda a sua atuação
naquele Retiro e este descobriu que trabalhara menos do que quatro
horas naquele dia.
O Jaguar se calou. Ele sabia que durante trinta anos este tinha
sido sempre o seu comportamento e, deste jeito, se contabilizasse o
tempo realmente trabalhado, talvez não chegasse a cinco anos! Achou
melhor se despedir e se retirar da presença de Pai João de Enoque.
Antônio tinha sido recebido melhor do que merecia.

Salve Deus!
Pai Benedito de Aruanda
Que Deus nos abençoe!
CONCLUSÃO

Meus irmãos e irmãs em Cristo.


Este grandioso e abnegado Espírito nos presenteou com esta
história sobre Jaguares do Vale do Amanhecer. Embora sejam histórias
verídicas, testemunhadas por Pai Benedito, algumas sofreram algumas
modificações, apenas para que seus personagens não sejam
reconhecidos e até mesmos julgados indevidamente.
Aliás, o Preto Velho nos pede que, em hipótese alguma, ao pensar
que houve a identificação do Jaguar, seja esta divulgada; pois
certamente haverá erro nesta atitude. Mesmo porque, algumas histórias
são fruto da união das histórias de dois ou mais Jaguares, com a
finalidade de apresentar, mais didaticamente, os comportamentos que
devem ser destacados. E, como exemplos, evitados por nós. Assim,
importa que, reconheçamos em nós mesmos estes comportamentos
equivocados e, nos corrijamos enquanto temos tempo! Um pequeno
texto que pode ser transcrito aqui e que demonstra o objetivo desta
obra é do Trino Tumuchy, Mário Sassi, no livrinho “Instruções Práticas -
fascículo 4”:

Não, não existe acaso na vida humana a não ser na aparência


sensorial, através de cada acontecimentos de nossas vidas, do mais
banal ao mais importante, existe sempre um intricado mecanismo cujo
funcionamento é ainda mais complicado porque muda a cada momento.
Essa mudança se opera a cada instante na dependência de nossas
decisões. Se a decisão é certa, se está de acordo com o programa
traçado pelo nosso espírito, o resultado é bom, se nos sentimos em
harmonia com o universo. Se a decisão é errada, com isso contrariamos
nosso destino transcendente sentimos angústia e dor.

Meus irmãos e meus mestres, todos os textos deste ou de outros


livros que estão chegando a nós, pela mediunidade dos Jaguares, não
substituem nem invalidam, o acervo de nossa mãe nem o acervo oficial
do Amanhecer, são apenas complementos. Em caso de conflito entre os
ensinamentos oficiais da Doutrina e os que nos chegam atualmente, é
evidente que, vale o acervo já solidificado pela clarividência de nossa
Mãe. Sendo que, hoje, estamos recebendo, cada vez mais novos
ensinamentos. Acredito que, são apenas para confirmar a necessidade
da manutenção, em nosso espírito, de tudo que estamos aprendendo
como médiuns do Vale do Amanhecer.
Por isto, use a sua individualidade para meditar e compreender o
que aqui nos foi trazido por Pai Benedito de Aruanda, faça desses
exemplos uma forma de aprendizagem, pois tudo, todas as
oportunidades estão nos sendo dadas nesta corrente divina; aprenda a
vivenciar as situações dentro de sua programação cármica e seja feliz.
Seja feliz não só nesta existência, mas, também, ao final dela, no
retorno à pátria espiritual, em Pedra Branca, Salve Deus! Que o divino
mestre Jesus e nosso Pai Simiromba nos abençoem, hoje e sempre.

Você também pode gostar