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F.

CHARMOT

APELO AO AMOR
MENSAGEM
DO CORAÇÃO DE JESUS AO MUNDO
E SUA MENSAGEIRA
SOROR JOSEFA MENÉNDEZ

RELIGIOSA COADJUTORA
DA SOCIEDADE DO “SACRÉ COEUR D E J É S U S ”
1890 - 1923

4 ' EDIÇÃO
27° M1LHEIRO

1998
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Prólogo da Edição Francesa
Esta nova edição de "Un Appel à YAmour" apresenta-se com o am plo com ple­
m ento do livro publicado em 1938. O acolhim ento feito àquelas páginas desde
seu aparecimento, a rapidez com que as edições se sucederam , o entusiasm o
d as almas em responderem aos desejos do Coração de Jesus, as num erosas
cartas provindas de todos os m eios a atestar a ação p rofunda desta M ensagem ,
e as graças notáveis que a acom panhavam , tu d o parecia confirm ar a prom essa
d e Nosso Senhor: "M inhas Palavras serão Luz e Vida para um núm ero incalcu­
lável de almas. Dar-lhes-ei graça especial a fim de que ilum inem e transform em
as almas." (Nosso Senhor à Josefa, 13 de novem bro de 1923)
Alguns meses haviam apenas decorrido que o trabalho, já editado em língua
espanhola, era traduzid o em português, italiano, inglês, chinês e húngaro.
Assim se realizava o Desejo divino, de que este A pelo fosse o u vido até os
confins da terra.
A guerra não abafou essa cham a que um desejo providencial acendera antes
d a conflagração geral das nações. E, apesar de todos os obstáculos, o incêndio,
destinado pelo M estre de A m or a cobrir o m undo, alastrou de lar em lar. Ao
m esm o tempo, tam bém , afluíam ao centro da difusão pedidos exprim indo a
esperança de que um a biografia mais completa perm itisse conhecer m elhor Soror
Josefa M enéndez para m elhor aprofundar a M ensagem de que era interm ediá­
ria.
O presente trabalho pretende atender a esse desejo. Aí foi colocada no seu
próprio quadro a M ensagem do Coração de Jesus.

Incrusta-se na vida de Josefa da qual não se pode separar. Para isso basta
apenas citar am plam ente as notas escritas p o r obediência e preciosam ente con­
servadas. Foram traduzidas do espanhol, e o fio condutor que as liga não é
senão o testem unho das pessoas que seguiram , passo a passo, a história dessa
v ida toda inteira em função dos Desígnios do Coração de Jesus.
Esta docum entação direta será, sem dúvida, a forma mais viva e autêntica
dessa biografia em que tu d o é m ensagem de Amor.
Já em 1926, depois de ter cuidadosam ente exam inado os cadernos de Soror
Josefa M enéndez um C onsultor da Sagrada Congregação dos Ritos concluía seu
parecer com as seguintes linhas: "Faço votos para que estas coisas sejam conhe­
cidas para a Glória de Deus; para reconfortar tantas alm as pusilânim es e des­
confiadas como tam bém para glorificar esta santa religiosa do Sagrado Coração
" (Traduzido do italiano).
Sem antecipar em coisa algum a o pensam ento da Igreja, único juiz no assu n ­
to, e à qual nos subm etem os inteiram ente, parece-nos lícito d ar às alm as que
lerem estas páginas, a alegria filial de encontrar novam ente aqui o autógrafo do
cardeal Pacelli, então protetor da Sociedade do Sagrado Coração, abençoando a
prim eira edição de Un Appel à YAmour na prim eira sexta-feira de abril de 1938.

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Introdução
Em 29 de dezem bro de 1923, m orria santam ente, aos trinta e três anos no
convento dos "Feuillants" em Poitiers, a Irm ã Josefa M enéndez.
H um ilde Irm ã coadjutora da Sociedade do Sagrado Coração, tendo vivido
m uito obscuram ente apenas quatro anos na vida religiosa, era dessas cujo nom e
o m undo continuaria a ignorar e cuja lem brança, m esm o entre suas Irm ãs de
hábito, deveria apagar-se rapidam ente. E eis, ao contrário, que, apenas vinte
anos depois de sua m orte o m undo inteiro dela se ocupa.
Dos confins da América, da Africa, da Ásia, da O ceania, é invocada com
fervor e se escuta respeitosa e recolhidam ente a M ensagem que, pelo Coração
de Jesus, foi encarregada de transm itir aos hom ens. Em 1938, sob o título Un
Appel à YAmour aparecia no A postolado da Oração, em Tolosa, a substância
dessa M ensagem . O Cardeal Pacelli, (Pio XII), dignou-se, nu m a Carta-Prefácio
recom endar a todos sua leitura.
Cinco anos depois, reclama-se insistentem ente um a biografia com pleta.
Deseja-se conhecer, em todos os seus porm enores, essa vida tão rica e tão
escondida, em que a própria pobreza do q uadro h um ano vivam ente põe em
relevo o esplendor da Ação divina.
Esta nova edição, com pletíssim a, responde a tão justos desejos. Redigida se­
gundo as próprias notas da Irm ã Josefa, escritas dia a dia por obediência, e
confirm adas pelas preciosíssim as recordações das testem unhas de sua vida, a
Superiora e a A ssistente da casa de Poitiers e o R. P. Boyer O. P., seu diretor,
oferece ela a m áxim a garantia.
Abri-la-emos com ardente curiosidade; lê-la-emos com em oção e adm iração,
e fechá-la-emos com vontade enérgica de nos tornarm os m elhores e de am ar­
mos, afinal, esse D eus que tão grande am or manifesta à sua criatura.
Pois tu d o aqui fala da m aravilhosa providência de am or que D eus exerce
sobre o hom em . A Sagrada Escritura no-lo representa, nos salmos, seguindo
com vigilância sem pre alerta os filhos dos hom ens, perscrutando-lhes atenta­
m ente as ações e respondendo-lhes aos m ínim os gestos de oração.
Inclinado com am or sobre seus filhos revoltados, fala-lhes desde o princípio,
pela voz de seus prodígios e de seus profetas, até o dia em que, encarnando-se
ele próprio, e hum anando-se no seio da Virgem M aria, veio dizer aos hom ens,
em linguagem hum ana, o grande am or que lhe enche o Coração.
E Jesus, o Verbo Encarnado, transm itiu aos hom ens, na sua integridade, a
M ensagem que Ele próprio recebera do Pai: "Eu vos dei a conhecer tudo, o que
ouvi de m eu Pai" (Jo 15.15).
N ada há a acrescentar ao que disse Jesus Cristo e, com a m orte de S. João, o
último apóstolo, a revelação divina ficou encerrada e selada. N o decurso dos
séculos apenas se tornará m ais explícito seu conteúdo.
E, porém , insondável em riqueza. É tão rico e os hom ens, sob o ponto de vista
religioso, tão desatentos e superficiais, que não sabem ler a fundo esse Evange­
lho que precisa ser penetrado, assim como outrora, na A ntiga Lei, enviava Deus,

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profetas para reavivar a fé e a esperança de seu povo, assim suscita Cristo, de
tem pos em tem pos, alm as às quais confia a m issão de explicar aos hom ens suas
Palavras autênticas e de revelar sua profundeza e sentido escondido. O utrora na
m anhã de Páscoa, foi à M aria M adalena que encarregou de levar aos apóstolos a
notícia da sua Ressurreição gloriosa, e desde então, no correr dos tem pos, é
tam bém , m uitas vezes através de hum ildes e pobres m ulheres que há de trans­
m itir ao m undo as suas m ais im portantes Vontades.
Para não citar senão as principais, por meio de Santa Juliana de M ontcornillon
instituiu na Igreja a festa do C orpo de Deus e renovou a devoção ao Santíssim o
Sacram ento. Por meio de Santa M argarida M aria deu increm ento à devoção ao
Sagrado Coração, que tom ou sentido novo e novo alcance. Por meio de Santa
Teresinha do M enino Jesus repetiu ao m undo, que parecia tê-lo esquecido, o
m érito e o valor do estado de infância espiritual.
Assim agiu com a Irmã Josefa.
As três prim eiras receberam da Igreja, com a canonização, como que o reco­
nhecim ento oficial de sua missão. A Irmã Josefa ainda não teve essa honra, m as
antes de lhes ser irm ã na glória, já lhes é, certam ente, irm ã na graça, pois aprouve
a Deus acreditar no seu testem unho. O C riador que trata suas criaturas hum anas
com soberano respeito "nos governais com grande indulgência." " (Sap, 12, 18),
deve pôr seu selo sobre aqueles que envia: é preciso que os possam os reconhe­
cer com o arautos do Senhor. "Seus Cam inhos não são os nossos cam inhos, nem
seus Pensam entos os nossos pensam entos." Para m elhor m ostrar que tu d o vem
dele som ente, escolhe instrum entos débeis que, hum anam ente, parecem inaptos
à obra projetada. Faz brilhar sua Força na fraqueza deles. "N ão buscou, diz São
Paulo, para estabelecer a sua Igreja, nem os sábios nem os grandes do m undo."
Poder-se-ia atribuir a seu talento ou a seu prestígio a rápida difusão do cristia­
nism o. Escolheu ignorantes, pobres, do meio do povo rude, e tornou-os vasos de
eleição.
E para que a grandeza de sua m issão não os ofuscasse e não os induzisse em
tentação de orgulho, aprouve-lhe pô-los constantem ente diante de seu próprio
nada, de sua m iséria inata, de sua fraqueza. Somente nas alm as verdadeiram ente
hum ildes os Dons de Deus estão em segurança.
Tal é o cam inho providencial: sobre o nada é que Deus coloca sua Glória.
"Se Eu pudesse encontrar alguém m ais miserável, que tu, dizia à Santa M ar­
garida M aria, tê-lo-ia escolhido. . . "
A Irmã Josefa ouvirá freqüentem ente as m esm as palavras:
"Se Eu pudesse encontrar criatura mais m iserável, sobre ela teria fitado o
O lhar de m eu A m or e, por ela, m anifestaria os desejos de M eu Coração. Mas
com o não encontrei, foste tu escolhida."
E pouco depois acrescentará:
"Escolhi-te, porque sendo inútil e desprovida de tudo, se veja que sou unica­
m ente Eu quem fala, quem pede, quem age."
A dem ora que havia protelado a realização de sua vocação e que poderia ter
levado a duvidar, a princípio de sua força de alma, a hum ilde categoria que tinha

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em seu Instituto, sua situação de sim ples noviça, o lugar secundário em que a
colocava seu am or à vida oculta, a dificuldade que sem pre teve p ara exprim ir-se
em francês pareciam certam ente obstáculos insuperáveis.
Eis porém , justam ente, o sinal divino: aquela hum ilde noviça a quem um a
extrema sensibilidade de coração tornava tão frágil na luta, m ostrar-se-á de força
invencível. N o deslum bram ento das revelações divinas se refugiará em seu nada.
Q uanto mais Deus dela se aproxim ar, m ais a verem os abaixar-se. A pesar da
evidência da Ação de Deus, receará sem pre enganar-se e enganar os outros.
Suas Superioras não terão filha m ais maleável, m ais dócil, m ais respeitadora
da autoridade, m ais desejosa de sua vigilância, m ais pronta a sacrificar-se.
Em sua piedade, como em sua m aneira de ser e de proceder, nada é exagera­
do, tudo é sim ples e sincero.
Seu tem peram ento é perfeitam ente são. Tem o sentido da m oderação e da
ordem . O divino que carrega em si e cujo peso sente fortem ente, sobretudo em
certas horas, os torm entos inexprim íveis que dele provêm não lhe destroem o
equilíbrio interior. E é todo esse conjunto, com o tam bém a energia sobre-hum ana
com que suporta provas e sofrim entos, ultrapassando largam ente os lim ites de
suas pobres forças, que constituirão, para seus Superiores, a m elhor garantia da
Ação divina.
"O sinal dá-lo-ei em ti" dissera Nosso Senhor à Josefa. D esconfiados e reser­
vados, a princípio seu Diretor e suas Superioras tiveram , afinal, que render-se à
evidência e crer em sua missão.

A M ISSÃ O DE JOSEFA

Foi pouco a pouco que Nosso Senhor lha revelou. Já m uitas vezes lhe dissera
que queria servir-se dela para realizar seus "Desígnios" e para salvar m uitas
almas que tão caro lhe haviam custado.
A 24 de fevereiro de 1921, à noite, na H ora Santa, o A pelo é renovado de
m odo m ais explícito:
"O m undo não conhece a M isericórdia de m eu Coração, diz N osso Senhor à
Josefa — Q uero servir-M e de ti para torná-la conhecida, quero-te apóstola de
m inha B ondade e m in h a M isericórdia. Eu te ensinarei; tu, esquece-te a ti
m esm a."
E como Josefa lhe exprim isse seus temores:
"Ama e nada receies. Q uero o que não queres, m as posso o que não podes.
Não te pertence escolher. A bandona-te."
A lguns meses m ais tarde, na segunda-feira, 11 de junho de 1921, poucos dias
depois da festa do Sagrado Coração, em que recebera graças abundantes, N osso
Senhor diz-lhe:
"Recorda m inhas Palavras e crê nelas. O único desejo de m eu C oração é
aprisionar-te e afogar-te em m eu Amor, fazer de tua pequenez e de tua fragilida­
de um canal de m isericórdia para m uitas alm as que se salvarão p o r teu interm é­
dio. Mais tarde descobrir-te-ei os ardentes Segredos de m eu Coração e servirão

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p ara o bem de alm as num erosas. Desejo que escrevas e que guardes tu d o que
Eu te disser. Tudo se lerá quan d o estiveres no céu. N ão são teus m éritos que Me
inclinam a servir-M e de ti; m as quero que as alm as vejam como m eu P oder se
serve de instrum entos pobres e m iseráveis."
E com o Josefa lhe perguntasse se deveria dizer m esm o aquilo à sua Superio­
ra, Ele respondeu:
"Escreve e ler-se-á depois de tua m orte."
A ssim o Desígnio de Deus torna-se definido:
Escolheu Josefa ao m esm o tem po como vítim a pelas alm as e, em particular,
pelas alm as consagradas, e como anunciadora de um a M ensagem de M isericór­
dia e de A m or que Ele dirige ao m undo.
E d upla sua missão; deve ser Vítima e M ensageira e essas d u as m issões estão
em estreita relação, um a com outra. E por ser vítim a que é m ensageira e é p o r
ser m ensageira que precisa ser vítima.

A VÍTIMA

Uma vítim a é essencialm ente um a alma im olada e geralm ente um a expiadora.


Embora, rigorosam ente falando, qualquer um se possa oferecer com o vítim a
para d ar alegria e glória a D eus com seus sacrifícios voluntários, na m aioria dos
casos, D eus só atrai a esse cam inho as alm as a q u em confia a m issão de
m edianeiras: devem sofrer e expiar p o r outros a quem sua imolação aproveitará,
seja atraindo sobre eles graças de m isericórdia, seja cobrindo-lhes os pecados aos
olhos da Justiça divina. Dai infere que ninguém se poderia m eter por sí m esm o
em tal missão. Para se interpor entre D eus e a criatura é preciso o beneplácito
divino. Q ue valor teria a intercessão de alguém que D eus recusasse escutar? Já
no A ntigo Testamento não se podiam oferecer a Deus vítim as quaisquer? Para
serem aceitas pelo Altíssimo deviam ser de tal ou tal espécie claram ente desig­
nada: deviam ser im aculadas e estar na força da prim eira idade, deviam sobre­
tudo, ser oferecidas por um sacerdote e segundo o rito prescrito; e esses m es­
m os ritos, rigorosam ente exigidos e observados, significavam os sentim entos
que deviam anim ar, tanto o sacerdote que im olava quanto aquele que dava a
vítim a. Em o N ovo Testamento, tendo o novo sacrifício substituído os antigos,
Jesus Cristo é a única Vítima e seu Sacrifício tem valor, não m ais som ente repre­
sentativo, m as real e infinito. Se, pois, Nosso Senhor quer associar a Si outras
vítim as elas deverão, para entrar no seu Sacrifício fazer um a só coisa com Ele
participar dos seus sentim entos e, por conseguinte, só poderão ser pessoas h u ­
m anas, dotadas de inteligência e de vontade.
Essas pessoas, escolhe-as Ele próprio, e p o r serem livres, pede-lhes sua acei­
tação voluntária. Dando-lha, elas se põem à sua mercê. E Ele então delas usa de
m odo soberano.
A ssim ilada a Cristo e transform ada nele, a alm a vítim a exprim e diante do Pai
Celeste os sentim entos de Cristo Jesus, e diante de Cristo, os sentim entos que
deveriam ter os hom ens que ela representa; m antém -se em estado de hu m ilh a­

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ção, de penitência, de expiação.
Justam ente por causa de sua identificação com Jesus Cristo, participará inti­
m am ente da sua dolorosa Paixão, sofrer-lhe-á os torm entos e as agonias, em
diversos graus e m odos diferentes, mas, em geral, sobre-hum anos.
Expiando p or certos pecadores claram ente designados sofrerá as justas penas
de seus crimes: doenças, provas de todo o gênero, e m esm o perseguições do
dem ônio, do qual se tom a m ero joguete.
Foi o caso da Irm ã Josefa, em raro grau. É vítim a, p o r desejo expresso de
Nosso Senhor e sê-lo-á de m aneira total, não som ente quanto a todo o seu ser
inteiram ente voltado à imolação, m as segundo todas as m odalidades que com ­
portam os diversos atributos de Deus, aos quais foi especialm ente oferecida.
Santa Teresinha do M enino Jesus ofereceu-se como vítim a ao A m or m isericor­
dioso; M aria des Vallées especializou-se como vítim a oferecida à Justiça e à Mi­
sericórdia; o m esm o se dá com a Irmã Josefa e N osso Senhor lhe detalha expres­
samente, m elhor do que o fizera com Santa M argarida M aria.
“Escolhi-te como vítim a de m eu Coração" (19 de dezem bro de 1920).
"És a vítim a de m eu A m or" (2 de outubro de 1922 e 23 de novem bro de 1920),
"de m eu A m or e de m inha M isericórdia" (30 de junho de 1921).
"Q uero que sejas a vítim a da divina Justiça e o alívio de m eu C oração" (9 de
novem bro de 1920).
Por todos esses títulos hás de sofrer:
"Sofres em tua alm a e em teu corpo porque és vítim a de m inha A lm a e de
meu C orpo. Com o não sofrerias em teu coração se te escolhi com o vítim a de
meu Coração?" (9 de dezem bro de 1920).
Como vítim a do Coração de Jesus, ela sofre para consolar aquele Coração
ferido pela ingratidão dos hom ens.
Como vítim a de am or e misericórdia, ela sofre para que o A m or m isericor­
dioso de Jesus possa in u n d ar de graças os pecadores tão am ados p o r Ele.
Como vítim a da Justiça divina, carrega o peso das reprovações divinas e ex­
pia por tantas alm as crim inosas que lhe deverão a salvação.
Sua m issão a requer em estado de perpétua imolação, N osso Senhor não lhe
esconde:
"Ama, sofre, obedece — diz Ele — assim poderei realizar em ti m eus Desíg­
nios" (9 de janeiro de 1921).
A 12 de junho de 1923, confirm a todo o seu Plano sobre ela:
"Q uanto a ti, viverás na mais com pleta obscuridade; mas, p o r seres vítim a
por M im escolhida, sofrerás e, abism ada no sofrimento, m orrerás. N ão procures
repouso nem alívio; não os acharás, pois Eu assim determ inei. M eu A m or te
sustentará, nunca te hei de faltar."
Para fazê-la sofrer assim, entretanto, Nosso Senhor lhe pedirá prévio consen­
timento. Soberano em bora, inclina-se diante do livre arbítrio que deixou à sua
criatura. "Q ueres?" pergunta a Josefa, e como ela hesita, receosa, N osso Senhor
se vai, deixando-a desolada com sua partida.
E a Virgem Santíssima vem dizer-lhe: " N ão esqueças que teu am or é livre". (3

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de m arço de 1922).
M uitas vezes ainda, Josefa se furtará, Jesus então se retira e será preciso
cham á-lo repetidam ente para que Ele venha dar, afinal, o que havia apenas p ro ­
posto.
N a m aioria das vezes ela aceita e com que generosidade.
"Ofereci-m e a seu serviço — dirá ela — para que disponha de m im como
quiser."
Deus sabe então que pode operar à vontade e repete:
"Sou teu Deus. Tu Me pertences; tu te entregaste; de agora em diante nada
mais Me poderás recusar (23 de julho de 1921).
"Se não te entregares à m inha Vontade, que queres que Eu faça?" (21 de abril
de 1922).
Ela se entrega. Com o o M estre será vítim a voluntariam ente oferecida.
"Ofereceu-se porque quis." Com o Ele tam bém , será a vítim a pura.
N ão se pode expiar pelos outros quando se tem que expiar p o r si m esm a.
E Deus, desde o nascim ento de Josefa, cercou-a de pureza. N ão se vê na sua
vida falta algum a realm ente consentida. Suas m aiores infidelidades, segundo
sua própria declaração, foram dem oras em responder aos apelos da graça, hesi­
tações diante da m issão que a desconcertava, nada, portanto, que pudesse m an­
char, por pouco que fosse, seu coração e sua alma.
N osso Senhor velava ciosam ente por sua pureza de alma.
"Q uero-te tão esquecida de ti m esm a e tão abandonada à m inha Vontade que
não perm itirei a m enor im perfeição sem te prevenir," (21 de fevereiro de 1921).
Freqüentem ente, quan d o lhe pede que se ponha em estado de vítima, começa
conferindo-lhe graça de purificação total:
"Agora, sofre p or Mim, Josefa, m as antes deixarei cair sobre tua alma a flecha
de am or que a purificará. Pois é preciso que sejas p u ra como devem ser m inhas
Vítimas." (17 de junho de 1923).
N ão encontrando obra de expiação a realizar, o sofrim ento que se lançar sobre
essa pureza irá levar a outras alm as seus frutos de salvação:
Com o todas as vítim as autênticas, seus sofrim entos terão d u p lo caráter:
— Vítima escolhida pelo próprio Cristo, p ara continuar a perfazer a sua O bra
redentora, Josefa deverá estar em união perfeita com o Cristo redentor e partici­
p a r da sua Paixão, suportando os m esm os sofrim entos que Ele.
— Vítima expiadora dos pecados dos outros, seus sofrim entos estarão em
relação com os pecados expiados.

A) Participação nos sofrim entos de Cristo.

Som ente a Paixão de Cristo é redentora. Para serm os purificados de nossos


pecados e salvos, é preciso necessariam ente entrar em contato com o Sangue
derram ado do Cordeiro. O grande grito de Jesus agonizante é um instante apelo
a todo o gênero hum ano. A pressem -se todos em correr às fontes do Salvador de
onde dim anam todas as graças!

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Com as almas que correspondem a este apelo o contato vivificador se estabe­
lece im ediatam ente.
O utros, em grande núm ero desgraçadam ente, ficam voluntariam ente afas­
tados. Para atingi-los, Cristo servir-se-á de outras alm as que transform ará em
canais de suas M isericórdias. Ramos entre todos fecundos da Vinha mística,
carregados de seiva por estreito contato com a Cêpa divina, elas se solidarizam
com os pecadores, constituíndo-se responsáveis por suas faltas; assim sendo
um a só coisa com Cristo, nelas e por elas se faz o contato de graça: são as alm as
vítim as. Para bem preencher esse p ap el é preciso que estejam identificadas
com Cristo crucificado que seus corações batam plenam ente em uníssono com
o Seu. Ele, para delas fazer suas im agens vivas, incrusta-lhes no m ais pro fu n d o
da alma, do coração e do corpo, sua dolorosa Paixão. Nessas alm as, renovará
Ele todos os seus Mistérios; como Ele, serão contraditas, perseguidas, h u m ilh a­
das, flageladas, crucificadas e o que não fizerem os hom ens, o p ró p rio D eus
com pletará por meio de dores misteriosas, agonias, estigm as, que as tornarão
crucifixos vivos. Facilmente se adivinha o poder de intercessão e de m ediação
que têm junto a Deus, alm as tais. quando nelas e através delas, clama ao Pai
aquele Sangue precioso de Cristo, infinitam ente m ais eloqüente que o de Abel.
Em certos santos, porém , como São Francisco de Assis, p o r exem plo, parece
que a Paixão neles se detém e tem por fim torná-los cópias perfeitas, do Crucifi­
cado. Deus lhes corresponde assim ao amor, fazendo-os partilhar, física e m oral­
mente, as dores de seu Filho bem -am ado.
N as vítim as expiatórias, há m ais ainda, são como que expropriadas em be­
nefício de outrem ; a Paixão de Cristo depois de as ter m arcado com seu vinco,
passa por elas para exercer em outras almas, pelas quais expiam , os frutos de
salvação. São, pois, portadoras da graça do Calvário.
São as corredentoras no sentido mais estrito da palavra: o am or do próxim o
as urge, sua m issão é diferente das outras. N aquelas Deus se com praz com o
am or que pára na contem plação e se imobiliza na Glória dada assim à sua infinita
perfeição, quanto às corredentoras, Deus lhes descobre, na contem plação a im en­
sidade de seu A m or pelas alm as e sua Dor pela perda dos pecadores; essa vista
lhes estraçalha o coração.
Seu desejo de consolar Jesus não se contenta em Lhe repetir seu amor, m as
excita-lhes o zelo; precisam, seja a que preço for, trazer as alm as a Cristo e esse
próprio Cristo acende-lhes, cada vez mais, o zelo. C om unica-lhes seu ardente
am or pelas alm as e desde então, elas am am com o Coração dele. Esse am or lhes
dá um a força sobre-hum ana, bem descrita pela própria Josefa.
"H á já quinze ou vinte dias m inha alm a tem atração pelo sofrim ento. O utrora
tudo me fazia m edo. Q uando Jesus me dizia que me escolhera com o vítim a todo
meu ser estremecia; agora, ao contrário, há dias em que sofro tanto que se Ele
não me sustentasse eu não poderia viver assim, pois não tenho um só m em bro
poupado!... A pesar disso, m inha alma, quereria su p o rtar ainda m ais p o r Ele,
em bora não sem resistência da parte sensível. Q uando começo a sentir dores,
trem o e recuo instintivam ente, m as na vontade há um a força que aceita, que

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quer, que deseja sofrer ainda m ais de m odo que, se, nesse m esm o m om ento me
oferecessem escolher, ou ir para o céu, ou continuar a sofrer, preferiria mil vezes
ficar assim, para consolar seu Coração, em bora me consum a no desejo de ir a
Ele. C om preendo que foi Jesus que fez esta transform ação." (30 de junho de
1921).
Josefa tem razão, aquela força não vem dela, m as de Jesus, ou m elhor é a
p rópria Força de Jesus que vem a ela, assim como Ele lhe com unica seus Senti­
m entos, seus Desejos, seus Sofrimentos.
"Já que estás pronta p ara sofrer, — diz — sofram os juntos " (19 de dezem bro
de 1920).
E dá-lhe sua Cruz:
"Jesus veio, com a C ruz ao O m bro e pô-la sobre o m eu" (18 de julho de 1920).
'Venho trazer-te m inha Cruz, pois quero descarregar-M e sobre ti" (26 de julho
de 1921).
"Q uero que sejas m eu Cireneu, ajudar-M e-ás a carregar a cruz." (23 d e feve­
reiro de 1922) .
"Q ue m inha C ruz seja tua C ruz" (30 de m arço de 1923).
E aquela cruz que, inúm eras vezes, lhe põe aos om bros, Josefa a conserva
d u ran te horas, noites, dias inteiros.
Confia-lhe a Coroa de espinhos, que traz d u ran te longos períodos não saben­
do, com o Ele, onde repousar a cabeça dolorida.
"Deixar-te-ei m inha Coroa: N ão te queixes deste sofrimento: é um a participa­
ção do m eu." (26 de novem bro de 1920).
"M inha Coroa... Eu m esm o com ela te cingirei a fronte" (17 de junho de 1923)
Faz-lhe sentir a Ferida do seu Lado:
"Esta dor — diz-lhe a Santíssima Virgem a 20 de junho de 1921 — é um a
centelha do Coração de m eu Filho; quando doer m ais fortem ente é sinal de que
a essa hora um a alm a o fere profundam ente".
Q uer que ela sofra a dor dos cravos nas m ãos e nos pés:
"Vou dar-te nova prova de amor, hoje partilharás a d o r de m eus Cravos." (16
de m arço de 1923)
E na Sexta-Feira Santa, 30 de março de 1923. ela padece verdadeira crucifica­
ção:
"Põe tuas m ãos sob m inhas Mãos, teus pés sob os M eus, a fim de te unires
intim am ente à m inha Dor. Sofram teus m em bros com os m eus M embros.
Associa-a estreitam ente aos sofrim entos de sua Alma e de seu Coração:
Em todas as sextas feiras, e principalm ente nas prim eiras de cada mês, hei de
te d ar parte da am argura de m eu Coração e sofrerás de m aneira especial os
torm entos de m inha Paixão" (4 de fevereiro de 1921).
A I o de m arço de 1922, aparece-Lhe com o sem blante ensangüentado:
"A proxim a-te, repousa este Coração, participa de sua A m argura... "
"A proxim ou-m e de seu Coração e m inha alma se encheu de angústia e de
am argura tal que não posso explicar."
E, como Jesus, é pelos outros que sofre assim:

16
"Q uero que todo teu ser sofra para Me ganhar alm as." (21 de dezem bro de
1920.
"Tenho um a alm a que Me ofende..."
N ão tem as se te sentires desam parada, pois dar-te-ei a participar da angústia
de m eu Coração (13 de setem bro de 1921).
"G uarda m inha C ruz até que aquela alma conheça a verdade. (24 de m arço de
1923).
Toma a m inha Cruz, m eus Cravos, m inha Coroa Eu irei procurar as alm as."
(17 de junho de 1923) Bastam esses poucos exemplos, encontram -se em profusão
no correr deste livro. Vítima expiatória, Josefa participa de todas as dores de
Jesus, traz incrustada em seus m em bros, com o em seu coração, a inenarrável
Paixão.
Torna-se um a só coisa com Jesus crucificado; suas A ngústias a torturam , seus
Desejos a consomem , a sede ardente da salvação das alm as leva-a a oferecer-se
para todas as reparações e expiações.

B) As p e r s e g u iç õ e s d ia b ólica s.

E aceita D eus que de todos os lados sobre ela se lancem provações.


Faltou-lhe talvez a que provém da doença (mas, quem p o d e saber, ela n u n ­
ca se queixava?) e a que vem dos hom ens (sua vida fam iliar tanto q u an to sua
vida religiosa poderiam parecer isentas das grandes contradições que assina­
lam a vida de um a Santa M argarida Maria); em com pensação, m ais que m u i­
tas outras, foi entregue à fúria de satanás. E não é de espantar-se.
Há poucas vidas de Santos em que ele não exerça seu maléfico rancor.
Inim igo pessoal de Cristo, não podendo atingi-lo na Glória do Céu, em prega
todos os recursos de sua poderosa atividade em estorvar a obra divina no m u n ­
do. Q uanto m ais cara é um a alma a Cristo, tanto m ais encarniçado é o inim igo na
sua perda, sem dúvida com o orgulhoso desejo de aum entar o núm ero de seus
desgraçados súbitos, m as tam bém com o perverso intuito de arrebatar a Cristo
alm as am adas pagas com o preço de seu Sangue.
Ataca, pois, de preferência, os santos e os consagrados que queira corrom per,
seduzir, desonrar, odeia mais que as outras, as alm as redentoras. Josefa era-lhe,
pois, especialm ente abom inável. Por am or a Jesus fizera alegrem ente os três
sacrifícios que m ais lhe custavam : m ãe, irm ão e pátria; oferecera-se pela salva­
ção dos pecadores e era destinada a arrebatar grande núm ero ao inferno; p o rtan ­
to verem os Satanás erguer-se-lhe no caminho e tom á-la seu joguete. Deus deixa-lhe
m aior po d er sobre as alm as expiadoras. N ão está na lógica de sua vocação?
Tomando, por sua conta, os pecados de outros, essas alm as aceitam p o r isso
mesmo, arcar com as conseqüências. Ora, consentindo no pecado, o hom em ,
queira ou não, tenha consciência ou não, dá ao dem ônio grande p o d er sobre si,
poder de sedução e de dom inação. Isto pouco se percebe, em geral, p orque o
dem ônio é hábil em dissim ulá-lo para não inquietar a alma.
Ele reforça a natureza pervertida atrás da qual se abriga e, de lá, m ultiplica
ocasiões de pecado e entorpece a alma com m ortal sonolência.

17
M as quando algum a alm a vítima se substitui ao pecador o dem ônio esbarra
em um a vontade que lhe resiste obstinadam ente. Im potente em fazê-la pecar,
vinga-se com furor, usando para isso do p oder que lhe pertencia sobre o próprio
culpado. E Deus o perm ite, prim eiram ente, para que se torne patente a existên­
cia do dem ônio, que m uitos põem em dúvida; pois ele existe tanto qu an to o
inferno que se quereria esquecer ou sepultar no silêncio.
E certam ente um ser real, e em sua conduta para com os santos, aparece com
toda a m aldosa perversidade de sua natureza. E se já é tanta sua crueldade para
com alm as sobre as quais não tem, apesar de tudo, senão p o d er m uito lim itado,
como não será a que exerce sobre os condenados que estão sob seu dom ínio?
Q uem ousará dizer que essa lição é inútil na hora atual, principalm ente? Deus
quer, em seguida, confundir o orgulho do príncipe das trevas. A pesar de todo o
seu p o d er e do seu esforço encarniçado nada adianta e só consegue derrotas. Daí
grande glória se dá a Deus.
Assim se d eu com a Irmã Josefa. Por todos os meios pretenderá ele enganá-la,
disfarçando-se em ",anjo de luz" e tom ando m esm o as feições de Jesus-Cristo:
mais freqüentem ente, porém , é m artirizando-a que tentará desviá-la do cam inho
em que ela lhe rouba tantas almas.
Nessa luta corpo a corpo, que põe em jogo a fraqueza hum ana e o p oder
satânico, D eus intervém para aum entar a constância da alma, com unica-lhe ener­
gia indom ável que a torna superior a qualquer sofrim ento. A força do dem ônio
se despedaça contra a fragilidade de Josefa. Com a ajuda divina, ela, "o n ad a", a
miséria, com o a cham a Nosso Senhor, triunfa do forte arm ado."
Mas quanto teve ela que suportar !
D esde o postulantado, são bordoadas, com as quais m ão invisível a acabru-
nha dia e noite, sobretudo quando reza e declara sua vontade de se m anter fiel. É
violentam ente arrebatada da capela, ou fica im possibilitada de lá entrar. Depois,
sucedem -se aparições do dem ônio sob aspecto de cão repugnante, de serpente,
ou m ais terrível ainda, sob forma hum ana. Em breve m ultiplicam -se os raptos,
apesar da vigilância ativa das Superioras. Ela lhes desaparece dos olhos, subita­
mente, e só é encontrada longas horas depois, atirada nu m sótão, sob u m m óvel
ou em algum lugar solitário. E queim ada em presença delas e, sem que o dem ô­
nio lhes seja visível, vêem arder as roupas de Josefa, e em seu corpo, p rofundos
sinais de queim aduras.
Pensam entos de desespero, de blasfêmias, odiosas tentações que d u ram noi­
tes e dias, d u ran te os quais Deus se esconde e ela não sabe m ais onde está,
vendo-se à mercê do ente perverso por excelência.
Enfim, fato assaz raro na vida dos santos, Deus perm ite que o dem ônio a faça
descer viva ao inferno. Aí passa longas horas, às vezes um a noite inteira, em
angústias inexprim íveis. Desce mais de cem vezes àquele abism o e sem pre lhe
parece lá estar m ergulhada pela prim eira vez e ter ficado séculos.
Exceto o ódio de Deus, sofre todas as torturas e a m enor delas não é o uvir as
confissões estéreis dos condenados, seus gritos de rancor, de d o r e desespero.
Q u an d o volta, extenuada, m agoada, todo o sofrim ento lhe parece p eq u en o

18
para salvar as alm as, e quan d o retom a contato com a vida, seu coração não se
contém mais, verificando que ainda pode amar.
É o seu grande am or que a sustenta. Às vezes, porém , a provação lhe pesa
dolorosam ente à natureza. Com o Jesus em G etsêm ani tem suas horas de abati­
m ento e angústia. Testem unha da perdição de inúm eras alm as, perg u n ta a si
m esm a, para que servirão tantas descidas ao inferno e tão horríveis sofrim entos.
Mas depressa reage e sua coragem não fraqueja. A Santíssima Virgem vem ajudá-la:
"Enquanto sofres, o poder do dem ônio é m enos forte sobre aquela alm a." (22
de julho de 1921).
"Sofres para repousá-lo, não basta isto para te d ar coragem ?" (12 de julho de
1921).
E N osso Senhor lhe descobre os tesouros da reparação e da expiação escondi­
dos sob aquela prova (6 de outubro e 5 de novem bro de 1922).
Ao m esm o tem po perm ite Deus que, no inferno, ela assista às explosões de
raiva quando escapam ao dem ônio, alm as que Ele já cria possuir, exatam ente
aquelas p o r quem Josefa expiava.
Estes dois pensam entos, de um lado que ela consola e repousa N osso Senhor,
de outro, que lhe ganha alm as excitam-lhe a coragem.
Em bora tenha do dem ônio pavor instintivo, pois reconhece bastante e pela
própria experiência sua m aldade e seu poder, nunca esse m edo consegue desviá-la
do m enor dever a cum prir. Em certa época raptava-a quase diariam ente, qu an d o
ela se dirigia a seu ofício; Josefa o prevê, treme, m as nunca recua diante dessa
perspectiva e o dia seguinte a encontra decidida, com a m esm a coragem , a não
ceder ao m edo. Entretanto através dessa heróica fidelidade, o m ais adm irável é
que Josefa, sob a im pressão de seus receios, e às vezes, de suas repugnâncias, se
julga, sinceram ente, criatura ingrata e infiel, e crê sem pre nada ter feito p o r
Deus. Depois de noites de indizíveis torm entos, exausta, m as valente, pega, des­
de a aurora, seu trabalho ordinário sem querer ser dispensada de ponto algum
da vida com um . É certam ente o fogo do Sagrado Coração que a queim a, pois
tudo que sofreu no inferno, tudo que lhe foi d ado como participação das dores
de Cristo, longe de abatê-la ou desanim á-la, só faz atiçar e aum entar seu ard o r
para sofrer. Com o outrora Santa M argarida Maria, ela se imola por alm as religio­
sas, sacerdotes, pecadores de toda espécie. Dócil ao belprazer daquele a quem
se integra, só quer consolá-lo e se oferece a todos os m artírios para lhe ganhar
almas, na m aioria das vezes desconhecidas, m as que, através dele, tanto am a.
Era preciso, dizíam os no começo, que fosse ela vítim a para ser m ensageira. N ão
terá, com efeito, todos os títulos para ser escutada pelos hom ens, aquela que
tanto sofreu por eles? E aquela que tão bem conhecia o am or do Coração de
Jesus pelas almas, não estará, m ais que qualquer outra, indicada e qualificada

19
para transm itir ao m undo sua M ensagem de A m or e de M isericórdia?

A MENSAGEM
I - Sua substân cia

É de fato um a M ensagem de A m or e de M isericórdia. Em lugar nen h u m é


d ada p o r inteiro, m as encontram -se fragm entos dela em quase todas as páginas
d o livro. Os pontos essenciais são freqüentem ente repetidos sob form as pouco
diferentes. Eis o resum o sucinto:
A) Prim eiram ente, é o Coração de Jesus, e sua excessiva caridade pelos h o ­
m ens que estão postos em relevo de m aneira notável, É com o que nova revela­
ção do Sagrado Coração, vindo confirm ar e sobre alguns pontos, perfazer e ap er­
feiçoar, a que outrora recebeu Santa M argarida. Desde 1675 passaram m ais de
dois séculos e meio, surgiram novas correntes de devoção na Igreja.
Pareceria haver regresso na devoção ao Sagrado Coração, ou m enos com pre­
ensão dela.
M uita gente parece considerá-la m utilação da devoção ao Cristo total, ou d e­
voção fem inina, onde o sentim ento, ou melhor, a sentim entalidade tenha parte
d em asiadam ente grande. C ontra tais im pressões tão falsas, reage fortem ente
N osso Senhor. E seu pró p rio Coração de carne, traspassado pela lança, que apre­
senta aos hom ens, seu Coração tão am ante e tão pouco am ado, e cuja chaga
tendo ficado aberta, clama im enso amor. Esse amor, como todo am or verdadei­
ro, anseia por receber resposta, principalm ente porque essa resposta tão justa,
tão natural que Ele exige, é para os hom ens o único meio de serem felizes cá na
terra, e de alcançarem a eterna ventura. Se não a quiserem dar, m editem no
terrível inferno que os espera!...
E o C oração de Jesus lança, p o r m eio de Josefa, um grande Apelo ao am or do
m undo.
B) Para m elhor atrair os hom ens, o Sagrado Coração, por meio dela lhes m ani­
festa e é o que constitui a novidade e a força da M ensagem , sua infinita M iseri­
córdia. Ama-os a todos, individualm ente, a todos, tais como são, m esm o os m ais
m iseráveis, principalm ente, os m ais pecadores.
O que lhes pede, não são nem suas qualidades, nem suas virtudes, m as suas
m isérias e seus pecados. Longe de serem obstáculo as m isérias e as faltas são
encorajam ento aos que dele se aproxim em .
E este o presente que D eus espera de seus caros pecadores, com a única
condição de que se arrependam verdadeiram ente e estejam prontos a se conver­
terem por seu amor.
Seu Coração espera, com todas as impaciências do amor, a volta dos pobres
desgarrados. Prom ete-lhes perdão total.
"N ão é o pecado que m ais fere m eu Coração — diz —; o que O dilacera é não
virem as alm as refugiar-se em M im depois de o terem com etido.
(29 de agosto de 1922).

20
O que Ele quer, o que ardentem ente deseja é confiança em sua B ondade e
sua M isericórdia infinitas.
C) A seus C onsagrados que am a com especial am or Jesus dirige u m apelo
para que partilhem a sua Vida redentora.
Q uer que Lhe sirvam de interm ediários para salvar as alm as e p o r isso pede,
a todos, espírito de sacrifício no amor.
N ão exige grandes sofrimentos, em geral, m as ensina a Suas A lm as escolhi­
das a im portância das ações ordinárias, p o r m ínim as que sejam, feitas em união
com Ele, em espírito de im olação e de am or (30 de novem bro de 1922, 2 de
dezem bro de 1922),
Por outro lado, lem bra o perigo dos pequenos relaxam entos: a ladeira fatal
que pode arrastá-las a grandes infidelidades, e expô-las ao castigo do inferno,
onde sofrerão incom paravelm ente mais que as alm as m enos privilegiadas (3 de
agosto de 1921, 12 de dezem bro de 1922, 14,15, 20 e 24 de m arço de 1923, 4 de
setem bro de 1922):
Reanim em as alm as consagradas a sua confiança no Coração de Jesus:
"Pouco Me im portam as suas misérias, o que quero que saibam é que as am o
com m ais ternura ainda, se depois de suas fraquezas e de suas quedas, se lança­
rem hum ildem ente em m eu Coração: então perdôo-as e sem pre as am o."
"N ão sabes — acrescenta — que quanto mais são m iseráveis as almas, tanto
m ais as am o?"
E insiste ainda:
"N ão quero dizer que a alma seja libertada de seus defeitos e suas m isérias
pelo sim ples fato de eu a ter escolhido. Pode cair e cairá m uitas vezes ainda. M as
se se hum ilhar, se reconhecer seu nada, se tentar reparar sua falta com pequenos
atos de generosidade e amor, se confiar, entregando-se de novo a m eu Coração,
dá-M e m ais glória e pode fazer m ais bem às alm as do que se não tivesse caído.
Pouco Me im porta a miséria, o que peço é am or." (20 de outubro de 1922)
O que o Coração de Jesus quer dos seus é, pois, hum ildade, confiança e amor.
D) A todos, enfim, manifesta o clam or obstinado da Paixão, apresentada ao
m esm o tem po como sinal de seu im enso A m or pelos hom ens, e com o única Via
de Salvação. E sem pre o Coração de Jesus, doloroso e sofredor, que se revela.
Exorta-nos e suplica-nos em nom e de suas im ensas Dores. Com o é preciso que
nos tenha am ado, para ter aceito tanto sofrimento! Mas, ao m esm o tem po, quão
terrível é a desgraça daquele, que, por própria culpa escapam a sem elhante Re­
denção! O hom em pôs o pecado entre Deus e si m esm o e, desde então tornou-se
intransponível o abismo. Então entre o hom em e Deus, Jesus põe sua dolorosa
Paixão. Para vir a nós, passa por cima de nosso pecado, cobre-o com seu Sangue;
o cam inho para D eus está de novo aberto, m as é preciso atravessar a Paixão para
recuperar contato com ele. Im possível é salvar-se sem fazer entrar em si, de
qualquer m odo, a "Paixão de Jesus Cristo. O dilem a é claro: Paixão ou inferno.
A m issão e o papel dos consagrados é entrar plenam ente na Paixão, dar-lhe
entrada em si e, com seus sacrifícios pessoais, com unicar sua v irtude às alm as
pelas quais rezam e se imolam.

21
II - Sua op o rtu n id a d e

E sta m e n sa g e m , tão in s is te n te , a p a re c e com a tu a lid a d e e m p o lg a n te .


M ultiplica-se o pecado p o r todos os lados, de m aneira assustadora. O orgulho
do hom em , que tenta passar sem Deus, pretende transform ar a terra em paraíso.
N ão consegue senão, porém , torná-la vestíbulo do inferno, onde reinam im orali­
dade e im piedade, onde todas as m ás paixões têm circulação livre, onde se de­
sencadeiam as m ais trem endas guerras, e onde a im ensa m aioria dos hom ens
sofre pobreza e servidão, sem o conforto que só a fé pode proporcionar. O C ora­
ção de D eus se inclina sobre seus filhos na miséria: Indica-lhes o cam inho da
felicidade, da paz, da salvação.
Esta M ensagem não é apenas transm itida aos hom ens, é vivida, Jesus Cristo
nos instrui, não som ente pelo que diz a Josefa, m as pelo que opera nela: fatos
com ovem m ais que palavras.
Q uerem os conhecer o A m or de Deus pelas almas? Leiamos as páginas onde
ela nota as palpitações ouvidas do Coração de Jesus.
"C ada um a dessas palpitações - diz Ele - é um a alm a que cham o." (26 de
outubro de 1920).
Poderem os d u v id ar da realidade desse A m or quan d o O vem os queim ar com
sua cham a o coração de Josefa e torná-la tão intrépida e valente em sofrer para
salvar alm as do inferno? Poderem os d u v id ar da im ensidade desse Amor, q u an ­
do Josefa, que aceita sofrer pelas alm as inexprim ível m artírio, nos diz, com o
quem experim entou, que seu pobre am or nada é ao lado do de Jesus, seu sofri­
m ento é apenas som bra, com parado ao da Paixão? (28 de outubro de 1920).
Poderem os d u v id ar da bondade desse Amor, quan d o se descobre, na vida de
Josefa, a m ágoa im ensa do Coração de Jesus diante da perd a das alm as e sua
alegria na conversão dos pecadores? (25 de agosto de 1920, 26 de dezem bro de
1920; 3, 4 de agosto de 1921; 29 de julho de 1921; 3,12, 25 de setem bro de 1922).
A juda-m e — dizia — ajuda-M e a descobrir m eu Coração aos hom ens. Eis
que lhes venho dizer que em vão buscarão felicidade fora de Mim; não a encon­
trarão. Sofre e am a, pois tem os almas a conquistar." (13 de junho de 1923).
N o seu am or tão verdadeiro pelas almas, como não reconhecer o grande A m or
do Coração divino que, unicam ente, o poderia ter inspirado?
Igualm ente, m anifesta ele sua M isericórdia infinita através da própria vida de
Josefa.
"Am ar-te-ei - diz a 18 de julho de 1923, festa do Sagrado Coração - e as alm as
conhecerão m eu A m or pelo am or que te tenho."
"Perdoar-te-ei e as alm as conhecerão m inha M isericórdia pelo p erd ão com
que te envolverei!"
Chegava um dia a dizer:
"É loucura que tenho pelas alm as" (27 de setem bro de 1922).
Surpreende-nos essa palavra; m as não tem ela seu equivalente na infalível
Escritura Sagrada?
"Se a m ãe pode esquecer seu filho, Eu, jamais, te esquecerei — e eis que teu

22
nom e está inscrito em m inha M ão." (Is. XLIX, 15, 16).
" Teus pecados onde estão? Joguei-os no fu n d o do mar". (M ich. VII, 19; Is.
XXXVIII, 17).
"Ele m e am ou e se entregou por m im " (Gal. II. 20). N ão é loucura?
Q uanto ao inferno e à sua realidade, que M ensagem vivida pela Irm ã Josefa!
Todos os sofrim entos da Paixão que continuam nela todas as perseguições do
dem ônio e as descidas ao inferno, só têm p o r fim arrebatar as alm as à perdição e
trazê-las à salvação de que se afastam. É o dogm a da Redenção e da C om unhão
dos Santos em ação.
Com o não crer, de um lado, na existência do dem ônio, do inferno, do p u rg a­
tório; de outro, na eficácia do sofrim ento pelo próxim o, q u an d o lem os as páginas
com ovedoras em que essas grandes realidades sobrenaturais se inscrevem na
carne e na alma de Josefa?
O essencial da M ensagem nada de novo nos traz: descobre som ente, de m a­
neira m ais em polgante e mais clara, o que já sabem os pela fé:
"Repito-o ainda: o que digo agora nad a tem de novo. M as assim com o a
cham a precisa de alim ento para não se apagar, assim as alm as precisam de novo
im pulso, que as leve a progredir, e novo calor que as reanim e", (5 de dezem bro
de 1923).
E que força tem esse Apelo transm itido pela hum ilde Josefa!

III - Sua a u ten ticid a d e


P ortanto com o pudem os averiguar, a M ensagem não consiste apenas nas
palavras confiadas à Josefa, está na sua vida toda inteira.
E de fato, por meio de sua vida principalm ente, que nos fala a privilegiada do
Coração de Jesus. Toda a sua existência é um a garantia m aravilhosa da Ação
divina. Só ela ouviu as palavras de N osso Senhor. Só ela, p o r conseguinte, é
testem unha. Mas sua vida é testem unha da verdade da M ensagem , sua vida que
foi vista, seguida de perto, p o r testem unhas qualificadas. Estas p o d em dizer-nos
tanto a incontestável virtude da pequena e obscura M ensageira do A m or Infinito
quanto a realidade de seus estados sobrenaturais de que tiveram prova p alp á­
vel. Sua virtude foi sem pre adm itida sem contestação pelos que com ela convive­
ram, não que se im pusesse p o r exterior brilhante, Qosefa foi sem pre m ais imitável
do que adm irável) m as porque sua influência penetrava, sem que o suspeitasse
em torno de si. N unca procurava conveniências pessoais, m ostrava exata m orti­
ficação em todas as coisas, obediência sem reserva, suave paciência, frutos da
hum ildade sincera.
"Serás um eco da m inha Voz" (10 de dezem bro de 1922) dissera N osso Senhor
e tudo nela, com efeito, tem ressonância divina.
Essa virtude tão sim ples exige convicção na verdadeira e profunda ação de
Deus em sua alma. Por si só já bastaria para autenticar, como provenientes de
Deus, seus estados sobrenaturais. Suas Superioras e seu Diretor, entretanto,
ficaram p o r certo tem po voluntariam ente hesitantes e duvidosos. D evem os-lhes
gratidão por essa reserva tão sábia, por essa desconfiança instintiva que exige

23
provas. C ândida e leal como era, jam ais poderia ela querer enganá-los, mas,
pergunta-se, não estaria ela própria iludida p o r sua im aginação, e seu cora­
ção?
Tal fato é freqüente m esm o em alm as sinceram ente piedosas. M as - m uito
bom sinal - Josefa vivia nesse p erpétuo temor, pronta, se os Superiores m an d as­
sem, considerar como ilusão tudo que experim entava. E nada é m ais característi­
co que o fato seguinte:
Em Roma, aonde fôra levar à Reverendíssim a M adre Geral, da parte de N os­
so Senhor, um a M ensagem que dizia respeito à Sociedade do Sagrado Coração,
subitam ente sob m entirosa sugestão do dem ônio, crê ser alvo de algum sonho e
não ter na realidade m issão algum a de Deus. Sem hesitar, nem considerar o m al
que faria à sua própria reputarão no espírito das Superioras, conta-lhes a sua
angústia, sua persuasão de estar enganada e pede-lhes que nad a creiam de tu d o
que lhes havia dito. Esta tão hum ilde preocupação de v erdade em m om ento
sem elhante atesta por si só a veracidade de Josefa.
Somente um a alma heroicam ente hum ilde e esquecida de si poderia agir des­
se m odo. O m esm o tim bre de sinceridade ressoa em seus escritos. Por ordem de
N osso Senhor e da Santíssima Virgem põe os Superiores a p ar de tudo.
"Deves escrever", dissera o Mestre. Sem dúvida, quer com isto que nada se
perca de suas palavras. Mas, pretende tam bém assegurar, p o r este meio, a vi­
gilância sobre os m ínim os feitos e gestos de Josefa e dar-lhes m ais crédito aos
olhos de todos. Ora, nesses escritos, nada de inútil, nada de falso, nem de sim ­
plesm ente equívoco, nada que a ponha em relevo ou possa trair a m enor som bra
de vaidade: tu d o aí é justo, m oderado, comovedor, santo.
Seus estados sobrenaturais não escapam à m esm a fiscalização. Q u an d o ela
desce ao inferno ou volta de seus êxtases, estão as M adres, um a de cada lado,
velando atenta e m aternalm ente, até sua volta à existência e escrevendo as p ala­
vras ditas du ran te essas horas em ocionantes. Q uando entra em contato com o
p urgatório e tom a conhecim ento de nom es, lugares e datas da m orte de alm as
que lhe reclam am o auxílio, essas indicações se revelam sem pre exatas todas as
vezes que é possível averiguá-las. N em tam pouco d úvida algum a p o d e subsistir
quanto ao fato dos raptos de Josefa pelo dem ônio: efetuavam -se sob os olhos das
Superioras, im potentes para im pedi-los, nem quanto ao fato das q ueim aduras
surpreendidas, em flagrante, em sua carne, e verificadas nos pedaços de roupa
cham uscada que ainda hoje se conservam .
M ais convincente porém , é que, todo esse sobrenatural diabólico capaz de
desnortear a im aginação (visões do dem ônio, descidas ao inferno) não pertu rb a
nem sua calma, nem seu perfeito equilíbrio; é que o sobrenatural divino, com as
privanças de am or recebidas da Santíssima Virgem e de N osso Senhor que deve­
riam com over profundam ente sua viva sensibilidade, deixam -na pacífica, silen­
ciosa sem m esm o aquela necessidade tão natural à alm a de com unicar a outras
sua em oção. Suas M adres notaram -lhe a extrem a discrição ao contar todos esses
favores de que eram as únicas confidentes.
E, finalm ente, que todos esses sofrim entos que deveriam fazê-la gritar p o r

24
piedade (noites no inferno ou sob o peso da cruz, d o r pu n g en te da coroa de
espinhos, etc.) não conseguem senão dar-lhe novo ardor p ara sofrer ainda mais,
p or am or do Coração de Jesus e pela salvação das alm as que Ele am a até à
loucura. O conjunto dos escritos concorda com o conjunto da vida de Josefa p ara
atestar nela a Ação divina. M esmo os fatos m ais estranhos têm u m fim e um a
significação. N ão há porm enores inúteis, não há revelação, nem p alavra que não
sirva para salientar com mais força, algum a verdade dogm ática ou que não leve
a m aior penetração no Coração de Jesus em seu Amor, no preço das alm as, na
felicidade do céu, na irreparável desgraça dos condenados.
Tudo é graça e apelo nessa vida, graça e apelo que não nos p odem deixar
insensíveis.
Os escritos desta hum ilde irm ã coadjutora ignorante aos olhos do m undo,
serão sem dúvida algum a, lidos e m editados por teólogos e m estres d a vida
espiritual. Com o para Santa Teresa do M enino Jesus, num erosos trabalhos, serão
publicados para desenvolver-lhe a pro fu n d a d outrina e d ar a conhecer os seus
segredos de amor. Mas, o que ainda é melhor, inúm eras graças de conversão e
de santidade se hão de conseguir com sua leitura.
O m undo poderá assom brar-se que desse nada, que é a vida de Josefa, te­
n ham saído tão grandes coisas, pois é justam ente esse nada que constitui a gran ­
de prova.
Esta M ensagem , verdadeiram ente, vem assinada pela M ão divina.
"Aqui está o dedo de Deus".
H. M onier-Vinard. S.J.

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Primeira Parte
A MENSAGEIRA DO CORAÇÃO DE JESUS

I-E L E IÇ Ã O D IV IN A

Despertar de uma Alma


1890 - 1907
" Q u e ro q u e s e ja s to d a m in h a "
Nosso Senhor à Josefa - 2 7 de março de 1901.

Foi em terras de Espanha que Nosso Senhor procurou, p ara tran sp lan tar à
França, a alm a privilegiada do seu Coração.
N asceu Josefa M enéndez em M adri, a 4 de fevereiro de 1890 e foi batizada no
dia 9, na Igreja de S. Lourenço, com os nom es caros, à sua fé, de M aria Josefa.
Seu Pai, Leonardo M enéndez, era oriundo de M adri. Correra-lhe dolorosa a in­
fância. A m ãe, viúva desde o nascim ento do m enino contraíra novo casam ento, e,
não encontrando ele m ais no lar, a afeição de que necessitava, fora confiado aos
Padres das Escolas Pias. Tinha dezessete anos quan d o lhe m orreu essa m ãe tão
ternam ente am ada. Leonardo sentiu am argam ente a sua perd a e, p ara esquecer
a solidão que sofria, alistou-se no exército. Foi querido pelos chefes que logo lhe
descobriram e apreciaram as aptidões artísticas. N om eado decorador no M useu
de A rtilharia, Leonardo adquiriu certo nome. Mais tarde gostava de contar aos
filhos como não havia festa m ilitar sem que presidisse às ornam entações, fosse
no Palácio Real, fosse na catedral de Sto. Isidoro.
No dia 11 de fevereiro de 1888 casava-se com Lúcia dei M oral, nascida em
Loeches, pequena cidade perto de M adri. Alm a de fé e dè dever. Lúcia entregou-se
toda à nova vida e à educação dos filhos com que Deus não tard o u a abençoar o
jovem lar. Um pequeno, Francisco, cham ado ao céu em tenra idade, deixou logo
à Josefa o lugar de prim ogênita na família cristã sobre a qual descera com ela a
predileção divina. Três irm ãs, M ercedes, C arm en e A ngela vieram pouco a p o u ­
co com pletar o círculo de família, enquanto o segundo irm ãozinho, Leonardito,
m orria com alguns m eses de idade.
Graças ao trabalho do pai, enérgico e inteligente, certo bem -estar cercou os
prim eiros anos de Josefa que se escoaram felizes e despreocupados. As crianças
cresciam em atm osfera de fé, alegria, trabalho e caridade, onde desabrochavam
as alm as sem esforço. Com a idade de cinco anos, recebeu a m enina o sacram en­
to da Confirm ação e apoderou-se, então, o Espírito Santo do pequeno instru­
m ento que iria tornar-se tão dócil à ação de Deus.
O Revmo, P. Rúbio grande zelador da devoção ao Sagrado Coração e que
m ais tarde entraria na C dm panhia de Jesus, recebeu as prim eiras confidências
desta alm a privilegiada. Aos sete anos, fez a prim eira confissão. Era prim eira

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sexta feira do mês, data m em orável na sua vida, sobre a qual escreveu:
"3 de outubro de 1897: m inha prim eira confissão. Ah! se eu tivesse ainda a
m esm a contrição que nesse dia!"
D esde então, o confessor, im pressionado com as aptidões sobrenaturais da
m enina, iniciou-a num a vida interior proporcionada à sua idade. Ensinou-lhe
a ir sem eando, pelo dia afora, jaculatórias, cada vez m ais num erosas; e Josefa
habituou-se, pouco a pouco, a conversar incessantem ente com o H óspede escon­
dido em sua alm a. O Revmo. R Rúbio quis tam bém encam inhá-la à oração m en­
tal e p e lo s d e z an o s, q u a n d o já sab ia ler, d eu -lh e "El cuarto de hora de
SantaTeresa'*, pequeno livro de m editações sim ples e curtas que a encantavam .
O Revmo. R D iretor explicou-lhe como ler lentam ente, refletir, falar com N osso
Senhor dizer-lhe de seu am or e nunca term inar sem tom ar um a pequena resolu­
ção prática para o dia. Josefa não faltou m ais ao encontro m atinal com A quele
que já possuía todo seu coração.
A chava m inhas delícias nesse livrinho - dirá ela m ais tarde - principalm ente
q u ando tratava do M enino Jesus e da Paixão. Nele descobria m uita coisa para
dizer a Jesus. G ostava tam bém das passagens sobre o Reino... a eleição de vida...
e dizia com igo m esm a hei de ser dele... m as não sabia como."
A juizada e alegre, caráter vivo e brioso por natureza, bem fazia valer o título
de "m ais velha". A m ãe descansava nela e o pai tinha preferência pela sua "p e­
quena Im peratriz" com o a cham ava. Dava-lhe m uitas provas de confiança e lu­
gar de destaque. Bem sabiam as irm ãs que ele nada lhe recusava e aproveitavam
para fazer passar por ela seus pedidos. Todos os dom ingos, esse bom pai gosta­
va de levar a pequena família à missa cantada. A ntes de sair, não deixava de
distribuir, à cada filha, algum as m oedinhas p ara ensinar-lhes a d a r esm ola,
tom ando-se, assim, conhecidas pelos pobres do bairro. "Se fazia bom tem po,
conta um a das irm ãs de Josefa, as tardes de dom ingo passavam -se em passeios
cam pestre. Se o tem po era m au, ficávamos em casa, onde m eu pai organizava
jogos e os partilhava conosco até a hora do terço, que recitávam os todos juntos ".
Leonardo m esm o quis ser o prim eiro m estre de Josefa e, encantado com seus
rápidos progressos, pensava encam inhá-la para a carreira do ensino. N osso Se­
nhor tinha, porém , outros desígnios e preparava, secretam ente, o cam inho de
sua escolha. O encontro eucarístico ia m arcar a prim eira etapa e selar a união
precoce entre a criança e o Amigo dos corações puros.
Em fevereiro de 1901, aos onze anos de idade, foi adm itida no g rupo de m eni­
nos que, no convento das "R eparadoras", se reunia, todas as tardes, para a p re­
paração da prim eira com unhão. Inflam avam -se-Ihe os desejos com a idéia da
felicidade próxim a. A cerimônia, m arcada para o dia 19 de m arço devia ser p re­
cedida de um retiro. O bteve do pai licença para fazê-lo.
Josefa anotou, em estilo m uito simples, algo do prim eiro intercâm bio de am or
que foi irrevogável de am bas as partes. Com o Jesus fez o prim eiro cham ado à
m inha alm a. "N o prim eiro dia, escreve, m editei essas palavras: "Jesus quer vir a
m im a fim de que eu seja toda dele." Fiquei cheia de alegria porque desejava
tanto... m as não sabia o que era preciso fazer para isso. Uma religiosa a quem

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perguntei, disse-m e que fosse m uito boa e assim seria toda de Jesus.
"N o segundo dia, o assunto da m editação foi: "Jesus é o Esposo das Virgens.
Ele se com praz nas alm as p u ras e inocentes. "Fez-se em m im g ran d e luz e pensei
que, sendo esposa de Jesus, seria toda dele, pois bem via que m am ãe era toda de
papai porque era sua esposa. Então pensei que se fosse virgem seria dele, e, sem
saber o que era, d u ran te o dia inteiro, prom eti ser virgem . À tarde, depois da
bênção do Santíssim o Sacram ento, fiz um a pequena oferta ao M enino Jesus e
pedi-lhe, com grande fervor, que m e ensinasse a ser toda dele. O pensam ento de
que breve O receberia no m eu coração enchia-m e de alegria e q u an d o eu estava
assim, em silêncio, e nessa felicidade ouvi um a voz que nunca m ais esquecerei e
que se fixou no íntim o de m inha alma:
"Sim, m inha filha, quero que sejas toda m inha".
"N ão posso dizer o que se passou, m as saí da capela decidida a ser m uito
boa. Eu não sabia o que era vocação; pensava que as religiosas não eram pessoas
da terra. Mas, desde então, senti em m im um a coisa especial que não m ais me
deixou. C om preendi depois que era vocação."
N o terceiro dia, renovei m inha resolução e no dia feliz da m inha prim eira
C om unhão, fiz esta pequena consagração que m e brotou do fundo da alma:
"Hoje, 19 de m arço de 1901, prom eti a Jesus, diante do Céu e da terra, tom an­
do com o testem unhas m inha Mãe, a Virgem Santíssim a e m eu Pai e A dvogado
S. José, g u ard ar sem pre a preciosa virtude da virgindade, não tendo o u tro desejo
senão o de agradar a Jesus e outro m edo senão o de lhe desagradar.
Ensinai-me, m eu Deus! como Vós quereis que eu seja vossa da m aneira m ais
perfeita, a fim de vos am ar sem pre e de nunca vos ofender. É o que desejo, hoje,
dia da m inha Prim eira C om unhão, ó Virgem Santíssima. Eu vo-lo peço hoje, que
é festa de vosso Esposo, S José.
Vossa filha que vos ama,
Josefa M e n é n d e z ."
Escrevi isto e desde então cada vez que com ungava repetia-o a N osso Senhor.
Q uando disse a m eu confessor o que tinha feito, ele me explicou que as m eninas
não devem prom eter senão serem m uito boas; e queria que rasgasse o papel.
M as eu não podia e repetia: Senhor, é deste dia em diante que sou vossa e para
sem pre."
Josefa conservou preciosam ente esse testem unho de seu prim eiro ofereci­
m ento. O papel am arelado, coberto pela desajeitada caligrafia infantil, ficou sen­
do, até à m orte, o tesouro de sua fidelidade.
O prim eiro encontro com a Eucaristia entregava à Ação divina a alm a em que
ia ser tão poderosa e livre. A santa com unhão tom ou-se a alegria de Josefa, ao
m esm o tem po que enraizada nela os germ es das sólidas virtudes cujo desenvol­
vim ento já se percebia.
D epois da Prim eira C om unhão escreve ainda sua irm ã, pode-se dizer que
deixou de ser criança. Desde então, já não m e lem bro m ais tê-la visto tom ar parte
nas pequenas distrações que ela m esm a nos preparava com tanto carinho.
"Sua caridade era grande tam bém , fora de casa.

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Se algum a m enina, conhecida da igreja ou do convento das R eparadoras,
caía doente, nunca deixava de visitá-la. Sua piedade, seu espírito de sacrifício
frutos precoces dos bons exem plos que nos davam nossos pais, juntos às quali­
dades naturais que já conhecemos, faziam dela a alm a da família. Tínham os
em "Pepa," como a cham ávam os, um a segunda mãe, e lhe confiávam os não
som ente nossos desejos, mas tam bém nossas m ágoas e tem ores infantis. Um
dia, era eu ainda pequenina, m andaram -m e com prar um a coisa. Fi-lo, m as
esqueci-me de pagar. Qual não foi m eu pavor ao percebê-lo, já em meio cam i­
nho de volta. Não ousei retroceder, nem trazer de novo o dinheiro p ara casa.
F.mbrulhei-o *num papel e deixei-o na rua perto de um a porta. D epois corri à
Pepa para contar-lhe, em segredo, o que acontecera. A braçou-m e com ternura
tranqüilizou-m e e encarregou-se, ela m esm a de ir pagar por mim. Era assim
que recorríam os sem pre a ela porque tudo arranjava sem que ralhassem conosco.
G raças à ascen d ê n cia q u e tin h a so b re os p ais o b tev e, p a ra a m esm a
irm ãzinha, a graça da Primeira C om unhão, dois anos antes da idade requerida
naquele tempo. "Assim passou a infância de Pepa na sim plicidade das famílias
cristãs do nosso meio, mas, já aos olhos de Deus, prelúdio do que seria m ais
tarde nossa irmã maior. " Pouco depois da Prim eira C om unhão de Josefa os
pais m atricularam -na no "Fom ento de las A rtes." A prendeu corte, costura e
confecções. Sua inteligência e suas aptidões logo d esp ertaram a atenção das
m estras. Os dedos ágeis e habilidosos realizavam pequenas m aravilhas, e o
trabalho, coroado de êxito, valia-lhe todos os anos diplom as de honra.
Pelos treze anos, Josefa voltou à casa. Era tem po de pensar na educação das
irm ã z in h a s. N essa ép o ca, um a cid en te s o b re v in d o ao chefe d e fam ília,
determ inou-lhes a entrada para a escola das Religiosas do Sagrado Coração.
Era o ano em que a Santíssima Virgem, sob o título de Im aculada Conceição,
acabava de ser escolhida pela tão católica Espanha como padroeira dos regim en­
tos de infantaria. Celebrar-se-ia Missa Cam pal no parque do Palácio Real. Leo­
nardo, sob os olhos interessados do jovem rei Afonso XIII, trabalhava na decora­
ção do altar. Súbito, para reter uma ferram enta que poderia, tom bando, ferir o
príncipe, fez um m ovim ento brusco e perdeu o equilíbrio; caiu dos andaim es e
q u e b ro u um braço. O rei, co m o v id o com o gesto q u e o p re se rv a ra , q u is
encarregar-se da educação das m eninas. Ofereceu ao decorador colocá-las nas
Damas Inglesas de instituição real. Mas Leonardo, em bora sensibilizado pela
bondade do m onarca, não consentiu em separar-se de suas filhas. Preferiu pô-las
na escola do Sagrado Coração, próxim a de sua casa. As duas pequenas entraram
para o Colégio cheias de alegria, enquanto Josefa experim entava o que havia de
mais suave e forte na intim idade familiar. A capela de Leganitos tornou-se desde
então, sua atração quotidiana. N o segredo do Tabernáculo, Jesus já orientava
para seu Coração a criança tão simples que o encantara.
A felicidade ilum inava ainda o interior pacífico da família. "A pequena Im pe­
ratriz" guardava lugar de escol na afeição dos seus, sendo a m ais dedicada das
filhas e a m elhor das irmãs, Tudo era sim ples na união familiar e as m ais suaves
alegrias traziam o cunho da fé que as im pregnava.

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A grande recom pensa das m eninas era, nesse tem po, visitar a p rio ra do
Carm elo de Loeches, sua tia m aterna. Eram recebidas com o princesas, no ap ar­
tam ento do capelão. Incursões na biblioteca puseram -nas de posse da Regra
que liam com prazer. Sua grande alegria era brincar de Carm elo": salm odiando
o ofício, im itavam de longe, as penitências do claustro... Josefa entusiasm ava
as irmãs, m as sua alma encontrava neste carm elo im provisado, algo m ais que
brincadeira favorita.
Seus pais que se orgulhavam de seu jeito e de seu gosto pela costura, fizeram
questão que acabasse a form ação num a oficina. Teve que sofrer nesse am biente
assaz leviano, m as seu coração conservava-se firme e sua alm a hauria, todas as
manhãs, na com unhão corajosam ente alcançada, a força de perm anecer p ura.
"Atravessei m uitos perigos - escreve ainda - m as D eus guardou-m e sem pre,
no meio das conversas tão m ás da oficina. Q uantas vezes chorava, o u v in d o
coisas que me perturbavam ! Mas sem pre achei força e consolo no m eu Deus.
Nada, ninguém me fez jamais m u d ar nem d u v id ar que Jesus m e quisesse só
para Si." No dom ingo, conta a irm ã ia m uitas vezes a um p atronato cuja presi­
dente era a Srta. M aria X.... filha do proprietário da casa em que m orávam os.
Era uma alma toda de Deus, que consagrava grande parte da fortuna às obras
de caridade. As tardes de dom ingo passavam -se, alegre e utilm ente, e m uitas
m eninas en co n trav am , nesse ab rig o a s a lv a g u a rd a de su as alm as. Josefa
trazia-lhe ardor, esquecim ento de si, iniciativa inteligente; assim a benfeitora,
que lhe conhecia e apreciava a virtude, dava-lhe sem pre, nas pequenas rep re­
sentações teatrais os papéis que ninguém queria. Ela os desem penhava com
simplicidade que lhe realçava a graça m adrilenha.
"A com panhava freqüentem ente a Srta. X... nas visitas aos n um erosos p o ­
bres, m as tam bém ia até prestar os mais hum ildes serviços aos enferm os. Este
exemplo excitava-lhe a natureza generosa. Um dia, M aria confiou à Josefa um
segredo: descobrira um a pobre leprosa abandonada e procurava, entre as am i­
gas, alguém que a ajudasse a cuidar dela, a fim de que à infeliz não faltasse
nada e se sentisse am ada. C ham ava-se Trinidad e sofria m uito. Tinha todo o
lado direito paralisado, as m ãos e o rosto carcom idos pela m oléstia e, sozinha o
dia inteiro, não podia fazer o m enor m ovim ento. Pepa ficou encantada com
este convite cujo heroism o escondido correspondia ao p en d o r de sua alm a.
Durante várias sem anas foi levar à Trinidad a com ida de cada dia. U m a vez
pensou em tom ar a irm ã por com panheira contando com sua discrição.
"Mas a im pressão que tive ao ver a pobre leprosa foi tal, continua ela, que,
voltando a casa, m am ãe n o tou e p erg u n to u a causa. Foi preciso contar-lhe
tudo. M inha m ãe proibiu a Pepa voltar e ela ficou m uito triste. "
O tem po passava assim para Josefa, dividido entre a vida de família, traba­
lho na oficina e exercício de caridade. A austera lei do A m or divino ia em breve
imprimir-se nessa existência em flor. Era preciso que o vento da tribulação pas­
sasse sobre a frágil planta para prová-la e firmá-la.
"N ão duvides nunca do am or de m eu Coração - dirá m ais tarde o A m igo
divino. Pouco im porta que o vento te sacuda, m ais de um a vez: "Fixei, Eu
mesmo, a raiz de tua pequenez, na terra do m eu Coração! "

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A Espera
1907— 1920
"Deixa-te conduzir de olhos fechados,
pois sou teu Pai e os tenho abertos
para te conduzir e te guiar "

Nosso Senhor à Josefa — 18 de setembro de 1923.

O sofrim ento, que devia m arcar com seu vinco a vida de Josefa, não tard o u a
vir instalar-se no lar que o ignorava até então. Foi recebido em paz pelos sim ples
e am igos de Deus. Josefa aprendeu a sofrer como aprendera a am ar e seu cora­
ção abriu-se à escola do sacrifício e da dor. Seu caráter ia assim abrandar-se, sua
natureza dom inar-se, sua alm a robustecer-se em contato com a cruz, adq u irin d o
m aturidade no am or sem nada perder do ardor juvenil. Em 1907 entrava a m orte
na sua casa. Carm en, um a das irm ãzinhas, de doze anos apenas, voava ao Pa­
raíso, e, poucos dias depois, a avó m aterna seguia a criança ao túm ulo. O desa­
parecim ento de Carm encita foi um golpe terrível para o coração dos pais. Luta­
ram contra a dor, m as era-lhes superior às suas forças. A lguns m eses depois, a
febre tifóide prostrava a mãe; e o pai era atacado de congestão pulm onar. Josefa,
apoiada na fé e na vida profunda de sua alma, revelou sua coragem . D eixou o
trabalho da oficina, fez-se enferm eira dos queridos doentes e calculou, sem es­
morecer, a tarefa que lhe pesava aos ombros. M ultiplicavam -se os tratam entos
dispendiosos, era preciso atender às necessidades das irm ãzinhas, e as reservas,
depressa, se esgotaram . A pobreza instalava-se, assim, na casa desolada. Josefa
abraçou-a corajosamente. D urante quarenta dias experim entou todas as an g ú s­
tias, privações, inquietudes de coração, e o peso da responsabilidade, que arcava
sozinha.
"D orm íam os todas três n u m colchão no chão — dizia. O nosso m édico, m uito
bom , queria transportar nossos pais para um hospital m as eu jam ais consentiria,
certa de que a Providência viria socorrer-nos. E veio, com efeito, através das
M adres do Sagrado Coração. Com o foram boas ! Poderia eu deixar de lhes que­
rer bem ?"
Santa M adalena Sofia tam bém se inclinou sobre a família em que crescia, na
som bra, aquela que deveria ser um dia sua filha privilegiada. N o curso de um a
novena à F undadora do Sagrado Coração, um a noite, a doente, cujo estado não
perm itia m ais esperança, cham ou as filhas: "N ão chorem, - disse-lhes - a Bem
aventurada M adre veio assegurar-m e que não m orrerei porque vocês ainda p re­
cisam de m im ."
N unca soubem os o que se tinha passado - dizia mais tarde Josefa - m as o
certo é que no dia seguinte estava fora de perigo.
O Pai tam bém se levantou, m as dali em diante não recobrou o antigo vigor e
não voltou ao trabalho.

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Desde então desapareceu o bem estar da casa e Josefa entregou-se, genero­
samente, ao dever que a solicitava. Tratou de sustentar a família com o traba­
lho da costura, ficando ao m esm o tem po ao lado dos pais para cuidar-lhes da
saúde. As Religiosas do Sagrado Coração velavam discretam ente sobre aquela
atraente fam ília. Josefa não tinha m áquina de costura p o rq u e seus m agros
recursos não Iho perm itiam . A M adre Superiora cham ou-a e encarregou-a de
com prar um a, para ela. Pediu-lhe que a usasse d u ran te algum tem po com o
experiência, e deu-lhe m ilhares de escapulários do Sagrado C oração a fazer
para os soldados de Melilla. Q uando Josefa quis devolver a m áquina a Leganitos,
a R everenda M adre não q uis aceitá-la, d iz en d o que tantos escap u lário s, a
tinham pago, d e sobra. O d elicado coração de P epa ficou p ro fu n d a m e n te
sensibilizado, e essa generosidade, que sentia h au rid a no C oração de Jesus,
apegou-a de tal m odo à Sociedade do Sagrado Coração, que não tinha outro
desejo, senão o de para lá entrar. Chegava-lhe, pouco a pouco, trabalho de
todos os lados.
E spalhava-se sua fam a de costureira. Breve, ap esar do auxílio da irm ã,
Mercedes, em dias laboriosos, serões prolongados já não conseguia aten d er à
freguesia. Foi preciso organizar um a oficina, onde reunia jovens operárias. De
pé, às seis horas, iam as duas irm ãs à missa no Sagrado Coração e punham -se
ao trabalho até meio dia. Depois da refeição, seguida de visita ao Santíssim o
Sacramento, recebiam as aprendizes e toda a tarde passavam na labuta. Reinava
grande anim ação no pequenino grupo, pois, o caráter jovial de Josefa alegrava
o trabalho das suas auxiliares, enquanto que, p o r meio de pequenas delicade­
zas procurava agradar a todas. M as tinha consciência da responsabilidade e,
com suave firm eza, exigia ordem e perfeição. O terço, em com um , recitava-se à
tarde e term inava com várias orações brotadas do fervor de Josefa. Aos sábados,
acabado o dia, iam as d u as irm ãs confessar-se na Igreja dos Jesuitas e Josefa
encontrava a direção segura e forte do Reverendo Padre Rúbio, que a seguia
com interesse paternal.
Aos dom ingos, conta a irmã, toda a família levantava-se cedo para assistir a
várias missas. A tarde, Pepa e eu íamos ver as M adres do Sagrado Coração das
três casas de M adri e depois nossos pais vinham conosco à Benção do Santíssim o
Sacram ento em Leganitos."
Q uando tinham que sair, as duas irm ãs iam sem pre juntas. Era o m om ento
das conversas íntim as que não podiam fazer em casa. Vocação era o assunto
predileto.A m bas haviam recebido o cham ado divino. M as a m ãe não as podia
ouvir sem lágrim as e decidiram que não se falaria m ais disso em família.
"Certo dia, escreve M ercedes, Josefa disse-m e que queria ser religiosa, m as
longe da pátria, a fim de oferecer a N osso Senhor um sacrifício m ais com pleto.
Como eu não concordasse respondeu-m e que para Deus tu d o era pouco."
A pesar de um caráter grave estava sem pre alegre e quan d o a tarefa se tornava
m enos austera sua energia e abnegação davam conta da obrigação. Pouco a
pouco vo lto u o riso ao lar. M as, não d u ro u a estiad a e, em 1910, o chefe
sucum bia nu m a crise de coração. D urante a últim a doença a m u lh er não o

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d eixava dia e noite, n ad a p o u p a n d o que p u d esse aliviá-lo. U m dia, in d o
com prar-lhe um rem édio, viu num a loja, exposta no meio de velharias, um a
bela im agem do Sagrado Coração. Com oveu-se e desejou com prá-la, pensando
na alegria dos seus e no am or de que o Sagrado Coração seria cercado na sua
família, P erguntou tim idam ente o preço. Infelizmente ultrapassava o conteúdo
da bolsa destinado a pagar o rem édio para o m arido. Desconsolada, agradeceu
e retirou-se. M as já na rua ouviu o vendedor chamá-la: "Dê-m e o que p u d er e
leve a estátua." Cheia de em oção Lúcia deu o preço do rem édio e carregou o
tesouro, Voltou depressa a Leonardo, "Em lugar de rem édio — exclam ou —
trago-te o Sagrado Coração." Foi um a verdadeira felicidade para o doente cuja
fé ilum inava o sofrimento. M andou colocar a im agem ao pé da cam a a fim de
contem plá-la sem cessar. Foi sob o olhar do C oração de Jesus que exalou o
últim o suspiro a 7 de abril de 1910 deixando aos seus, nessa estátua d uplam ente
cara, seguro penhor de proteção. O Reverendo Padre Rúbio, que o assistira até
o fim, tornou-se conselheiro e am igo da casa enlutada; Josefa ia ser o único
apoio da mãe, e seu ofício, o ganha-pão da família. Sua alm a vivia, entretanto,
do m esm o amor, e o oferecimento de si mesma, repetido todos os dias, continuava
a ser a força e o horizonte de sua vida, através das som bras deste novo cam i­
nho. Já antes da m orte do pai, descobrira-lhe seu seg red o e solicitava-lhe
perm issão para entrar no " Sagrado Coração". Mas, pela prim eira vez, ouviu-
se em casa o pai, em bora bom cristão, zan g ar-se com a filha P epa, E ela,
enxugando as lágrimas, fechara em sua alma o tesouro da vocação.
M ais tarde vieram -lhe propostas do Carm elo onde um religioso da O rdem
oferecia obter-lhe adm issão. N ão era seu cam inho, Josefa sabia. Recusou com
gratidão e aproveitou a ocasião para repetir à Mãe o cham ado de Deus. Sem se
opor Lúcia suplicou à filha que não a abandonasse e, pela segunda vez, Josefa
esperou. Mas grande foi o sofrimento, quando a irmã obteve o consentim ento
m atern o e, preced en d o à m ais velha, p artiu em 1911 p ara o N oviciado de
C ham artin (Madri). Josefa que a tinha form ado com a esperança de lhe passar
o encargo da fam ília sentiu am arg am en te a decepção. S ustentou-a a fé na
conduta divina e sua virtude já am adurecida ajudou-a a esquecer-se de si. A
esse respeito escreve a m esm a irmã:
"Até m inha entrada para o Noviciado, éram os inseparáveis. M inha partida
foi para ela um a pena que m inha pouca idade e o desejo de dar-m e a N osso
S enhor n ão m e p erm itira m calcular... m ais tard e so m en te, c o m p re en d i o
sacrifício que eu im pusera à m inha querida irmã. Então só o pensam ento de
que os desígnios de D eus se tinham assim realizado, podia consolar-m e."
Josefa prosseguiu, pois, a sua vida de trabalho, dedicando-lhe, sem m edir
tem po e fadigas. Tinha esperanças na irm ã mais nova, que deveria tam bém um
dia ouvir o cham am ento divino. Em 1926, três anos depois da m orte de Josefa,
Angela entrava no C arm elo de Loeches onde tom ou o nom e de Soror M adalena
Sofia do S agrado C oração". Partiria pouco depois p ara Portugal, com um a
pequena colmeia que iria auxiliar a fundação do Carm elo de Coim bra. Deus,
que conduzia Josefa po r vias obscuras, m as seguras, ia m ais de um a vez ainda
desnortear-lhes os passos para ensinar-lhe a ciência do abandono e do sacrifício.

34
O R. P adre Rúbio a seguia, havia já doze anos, e não a abandonava. Em
fevereiro de 1912 achou que chegara o m om ento de auxiliá-la a realizar seu
d esejo . T inha ela e n tã o v in te e d o is a n o s. O rie n to u -a a e s c o lh e r as
"Reparadoras", que conhecia de perto. Josefa, dócil e sim ples, seguiu a direção
dada e renunciou ao atrativo que a solicitava no fundo da alm a para o Coração
de Jesus, Entrou, pois, nas R eparadoras e entregou-se toda inteira à vida de
postulante. Foi feliz na família religiosa cujo espírito am ou e apreciou: rep arar
pelo Coração de M aria correspondia bem à aspiração de sua alm a. N enhum a
tentação perturbou a paz desses meses que deslizaram no meio de hum ildes
trabalhos e onde sua vida interior desabrochava sem obstáculos. Entretanto,
mesmo através dessa paz Josefa não cessava de ouvir outro apelo. Dizia m ais
tarde que os sinos vizinhos, do Sagrado Coração, despertavam nela, cada vez,
outros desejos que se esforçava por sacrificar. A pró p ria Santíssim a Virgem
também viria prevení-la de que não encontrara ainda ali, lugar de repouso.
Encarregada da lim peza de um a sala, Josefa cuidava com am o r de um a
grande estátua de Nossa Senhora das Dores Vestida segundo a m oda espanhola,
a Virgem trazia nas mãos um a coroa de espinhos. Q ual não foi o espanto de
Josefa ao ver um dia essa coroa toda ilum inada p o r um a luz cujo foco não
distinguia! N ão ousou falar do ocorrido, mas, três os quatro dias seguidos con­
servou a coroa a claridade. C riando coragem então, subiu até a im agem e viu
um espinho todo incandescente de onde irradiava a luz. Ao m esm o tem po voz
suavíssima dizia-lhe: "Leva este espinho, m inha filha. Mais tarde Jesus te dará
outros". Josefa destacou o espinho ainda brilhante e, apertando-o ao coração,
respondeu ao presente m aterno com um oferecim ento de si m esm a que não
tardaria a realizar-se em nova experiência de sofrimento.
Seis meses haviam passado desde a sua entrada. A proxim ava-se a época da
tom ada de hábito. Era, porém d u ra a ausência da irm ã m ais velha em casa,
onde a pobreza continuava grande. A mãe recusou consentir; o proprio R Padre
Rúbio aconselhou a volta de Josefa ao lar e mais um a vez ela se im olou. Saiu
d olorosam ente do asilo o n d e ap en as an teg o zara a vida religiosa q u e lhe
consumia os desejos. Levava o espinho, cuja claridade se apagara, mas, que se
enterrava cada vez mais em sua vida.
Josefa re to m o u , p o is , a la b o rio s a s u b id a à p r o c u r a d e D e u s e p ô s
corajosamente, de novo, m ãos à obra. De quinze em quinze dias ia visitar a
irmã noviça em C ham artin e entretinha-se com ela do que lhe ia no coração.
Gostava de falar da vida religiosa das Irmãs Coadjutoras do "Sagrado C ora­
ção", que sentia cada vez mais corresponder única e plenam ente a todas as
suas aspirações,
Ia tam bém aos colégios do "Sagrado Coração", de M adri, p o r ser encarregada
dos uniform es. M ostrava-se com o o tip o da o p eraria sim p les, m o d e sta e
conscienciosa. A religiosa en carreg ad a da ro u p aria d as m en in as n u n ca se
esqueceu " daquela, natureza ardente, indo diretam ente ao dever". G raças à
sua dedicação, escreve, ao seu caráter feliz, que encontrava sem pre o bom lado
das coisas, nunca tive som bra de dificuldade com ela. Mil pequenos serviços
prestou-m e sua discreta cortesia, sua habilidade, sua atividade silenciosa. Era

35
um a alm a de fé e sua devoção à Eucaristia extraordinária. G ostava m uito do
Sagrado Coração, e dizia-m e m uitas vezes: Q uando entro nesta casa sinto-m e
no m eu elemento.
O m esm o não acontecia quando em contato com a clientela, assaz m undana.
M ais de um a vez m agoou- lhe a consciência tão delicada e a alm a tão pura.
Se soubesse, confiava a alguem , quanto sofro quan d o preciso ceder e vestir
essas pessoas de m aneira tão pouco m odesta..."A vista do m u n d o com as suas
exigências confrangia-lhe o coração e fazia-lhe sentir m ais d olorosam ente o
prolongam ento do exílio.
"Ah! exclamava, - desde a infância peço todos os dias ao Sagrado Coração
de Jesus para ser sua esposa e agora, que vejo o que é a vida, suplico-lhe que, se
não p u d er conceder-m e essa graça, me tire do m undo, p orque m inha alm a já
não pode m ais nele viver.
E de fato, já não vivia no m u n d o senão de desejos ardentes alim entados
cada m anhã na santa Eucaristia. Era ao contato do Coração divino que hauria,
não som ente força para si m esm a, m as tam bém bondade, afeição e até alegria,
que derram ava sobre o cam inho do próxim o, gu ard an d o em segredo sua cruz
e seu espinho.
Tinha poucas am igas, mas arrastava com o exem plo, e m antinha, p o r meio
d e co n selh o s, o p e q u e n o g ru p o de c o stu re ira s. A n im a v a-as su a a leg ria
com unicativa quando um a pequena folga no labor quotidiano perm itia joviais
reuniões. A peregrinação a Avila ou ao "Cerro de los Angeles", que o fervor de
Josefa e sua anim ação to rn av am deliciosos, deixavam nas alm as p ro fu n d o
vestígio.
P assav a o tem po, en tre ta n to , e Josefa esp erav a o sin al d iv in o . P ensou
encontrá-lo em 1917 e decidiu-se a pedir adm issão no Sagrado Coração . Foi
aceita com bondade e a m ãe consentiu na partida que se m arcava para o dia 24
de setem bro, festa de Nossa Senhora das Mercês. Surgiu o dia tão desejado
mas, ai! as lágrim as m aternas am oleceram o terno coração de Josefa. H esitou e
cedeu diante da dor de sua Mãe. N aquela tarde ficou vazio o seu lu g ar no
N oviciado e ela chorou por m uito tem po em segredo, o que cham ava a grande
fraqueza da sua vida . Aquele, porém , que trabalha na obscuridade e que é a
"Luz" realizava, através dessas alternativas dolorosas, o plano do seu Amor.
N aquele tem po, via a França, depois da torm enta, reflorir a obra do Sagrado
C oração e atear-se de novo a cham a nos braseiros extintos. Em Poitiers, o
velho m osteiro dos Feuillants, providencialm ente conservado para as filhas de
Santa M adalena Sofia, restituia-lhes seus claustros ainda em balsam ados pelas
recordações da fundadora,
U m pequeno N oviciado de Irm ãs Coadjutoras esboçava-se em projeto. Era
aí que o Coração de Jesus m arcara desde toda a eternidade o lugar de Josefa;
era para lá que ia conduzí-la pela mão, através das últim as tem pestades.
Estava-se em 1919 Josefa tinha 29 anos. C om preendeu, p o r secreto apelo,
que era chegada a hora de Deus e resolveu solicitar ainda um a vez a adm issão
que já não ousava mais esperar,
N o dia 27 de julho fez hum ildem ente a tentativa.
36
Mas, escreve em suas notas, a resposta foi negativa. N o fu n d o d a alm a,
porém ouvia a voz de Jesus que dizia: "Insiste, confia em m im que sou teu
Deus."
A insistência não venceu a decisão que suas hesitações precedentes pareciam
ter tornado irrevogável.
No dia 16 de setem bro, con tin u a, atirei-m e aos pés d o m eu crucifixo e
supliquei-lhe que me recebesse no seu Coração, isto é, na "Sociedade," ou me
tirasse do m undo pois parecia-m e que já não podia m ais sofrer. Então creio que
Ele me m ostrou seus Pés divinos, suas M ãos divinas e me disse: "O lha m inhas
chagas. Beija-as e dize-m e se não podes sofrer m ais ainda? Sou Eu que te
quero para m eu Coração". O que se passou em m im não posso dizer! Prom eti-lhe
não viver senão para amá-Lo e sofrer... m as sou tão fraca, m eu Jesus!"
Dois meses passaram -se ainda em ardentes súplicas, até o dia 19 de novem bro.
"Nesse dia, na m inha C om unhão - diz Josefa - supliquei-Lhe p o r seu Sangue
e suas C hagas que m e abrisse essa porta da Sociedade " que eu m esm a fe­
chara: " Abri-a, m eu Jesus, pois bem sabeis que não peço outra coisa senão ser
esposa de vosso divino Coração!
Soara a hora. N esta m anhã, como de costum e, dirigiu-se ao Sagrado Coração
para buscar a costura. Esperavam-na: chegara carta de Poitiers. Pedia-se, para
o noviciado apenas fundado, algum as vocações seguras. Josefa teria coragem
de solicitar na França a tão desejada adm issão? Sem hesitar respondeu o m ais
generoso " sim." e no m esm o instante escreveu para oferecer-se.
"A tirei-m e de novo, diz em suas m em órias, aos Pés d iv in o s, q u e tan ta
confiança me dão. Com lágrim as a transbordar dos olhos, m as com m ais am or
ainda, ofereci-me para tu d o aceitar e, apesar de m inha fraqueza, senti um a
força que não conhecia!"
A m ãe deso lad a não fez e n tre tan to desta vez n en h u m a oposição: D eus
afastava os obstáculos. Para evitar a dor do adeus, Josefa deixou a casa sem
nada dizer nem levar coisa algum a. A carid ad e d as M adres d o "S ag rad o
Coração" forneceu-lhe o necessário.
Jesus m e pegou - diz ela; não sei como isto se passou, m as cheguei a San
Sebastian. N ão tinha nem dinheiro nem forças; am or e nada mais, creio, m as
estava no Sagrado Coração !... eu sem pre a m esm a, tão fraca. M as Ele sem pre
me sustentando.
O convento do Sagrado Coração de San Setastian, que a tinha acolhido com
tanta caridade ia ainda retê-la d u ran te um mês.
A gradecida, procurava tornar-se útil e vim o-la ajudar p o r todos os lados no
que podia. Entretanto a lem brança de sua m ãe e irm ã que lhe enviavam cartas
pungentes, transpassava-lhe o coração. Com eçava tam bém a m edir qual seria
a dificuldade de um a língua que ignorava. M as sua vontade estava fixa no
Coração que a esperava.
Que fará sem saber a língua do país? " perguntou-lhe alguém - "D eus me
conduz", respondeu sim plesm ente. Era verdade.
Na quarta-feira, 4 de fevereiro de 1920 deixava para sem pre a Pátria para
seguir além das fronteiras, Aquele cujo A m or soberano tu d o pode pedir.
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II - À SOMBRA D O VELHO MOSTEIRO

O Coração Aberto de Jesus


4 de fevereiro - 16 de julho de 1920

"Em troca de tudo que me dás d ou -te


m eu Coração!"

Nosso Senhor à Josefa - 15 de julho de 1920.

Pela sua situação lum inosa, no flanco das colinas de onde a cidade de Poitiers
dom inava o vale do Clain, o antigo m osteiro dos Feuillants parece um a dessas
terras privilegiadas, talhadas para o encontro dos fervores hum anos com os fa­
vores divinos.
Em 1618 veio e stab e lece r-se ali u m a co lô n ia c istercie n se d e m o n g e s
"Bernardos", m as a Revolução Francesa a devastou.
A penas am ainou a tem pestade, Santa M adalena Sofia reacendeu nessas ru í­
nas a cham a do amor, fundando lá, o prim eiro N oviciado da Sociedade do Sagra­
do Coração.
Ali esteve, por várias vezes, ali recebeu graças tão extraordinárias que a casa,
os claustros, o jardim são, para a sua família religiosa como um relicário e memorial
da fundadora.
Era dentro dessas paredes benditas que o Coração de Jesus ia esconder a filha
da sua predileção, cultivá-la como se cultiva um a flor escolhida, abrir-lhe o seu
Coração, associá-la à sua sede de alm as e realizar depois, nela, e p o r meio dela,
a O bra do seu Amor.
Q uando ela chegou a Poitiers, no entanto, ninguém pode desconfiar do g ran ­
de Desígnio que com eçava a efetivar-se. Com o foi vista no princípio do seu
postulantado tal se m anifestou durante os quatro anos da sua vida religiosa:
sim ples, silenciosa, toda entregue ao seu trabalho, figura apagada no meio das
o u t r a s . N ada no seu exterior atraía a atenção: às vezes, sua fisionom ia séria
apresentava vestígios de sofrimento, mas ilum inava-a um belo sorriso quan d o
alguém se aproxim ava para falar-lhe ou para pedir-lhe um serviço. Os seus g ran ­
des olhos negros, m uito expressivos, sem esforço falavam por si sós. Na lim pidez
daquele olhar refletiam o ardor do seu am or e a profundeza do seu recolhim ento.
Inteligente, ativa, adaptando-se a tudo, Josefa recebera verdadeiras p ren d as
do céu. Um bom senso raro, um juízo reto e seguro constituíam nela aquele
fundam ento, sério e equilibrado, sobre o qual a graça divina pode trabalhar à
vontade. De coração terno e generoso, sabia defender-se quando se dava e, como
todos os que têm sofrido m uito, era boa, com aquela bondade que só se aprende
na escola da total renúncia e do esquecim ento de si mesmo.
Levara para a vida religiosa um a alma am adurecida no espírito de sacrifício,
a com preensão sobrenatural da sua vocação, um a vida interior já p rofunda e um

38
am or ardente ao Coração de Jesus. Mas esses dons divinos ficaram escondidos
dos que a cercavam e até aos próprios olhos dela, e p o r isso, desde que entrou
na Sociedade, até à morte, passou despercebida a sua vida apagada e obscura,
mas fidelíssima.
O N oviciado das Irm ãs Coadjutoras contava então apenas algum as recru­
tas, vindas de diferentes casas. Josefa foi a prim eira po stu lan te e d en tro em
pouco, ficou sendo a noviça m ais antiga.
Desde os prim eiros dias, a vida hum ilde e laboriosa, m odelada pela de N azaré,
arrebatou a sua alma. Encontrava resposta a todos os atrativos da sua alm a neste
ideal concebido pela santa Fundadora da Sociedade do Sagrado Coração: m uito
trabalho obscuro para ajudar a Obra do Coração de Jesus nas alm as das crianças.
Mas trabalho realizado com amor, no silêncio e na oração, em perfeita união com
esse Coração Sagrado, do qual lhe vem a riqueza divina e o valor apostólico,
Josefa abraçou com todo o ardor da sua alma, essa nova vida tão lum inosa para a
sua fé e tão cara ao seu amor.
Em poucas palavras poderia resum ir-se o que foram, exteriorm ente, o seu
postulantado, o seu noviciado e os últim os dezoito meses da sua carreira na
terra. N ão nos ensinou Jesus de N azaré o sentido das apreciações divinas, intei­
ram ente diferentes das do m undo? E não resum e o Evangelho os trinta anos da
sua vida terrena nestas palavras tão simples; "Era-lhes subm isso?" Do m esm o
modo, a santidade das Irm ãs C oadjutoras na Sociedade do Sagrado Coração
parece tanto m ais autêntica quanto m enos ruído faz, tanto m ais pro fu n d a quanto
mais se esconde.
Soror Josefa M enéndez foi um a dessas alm as ignoraradas que pouco se vêem,
pouco se ouvem e cuja história se escreve em poucas palavras. M as sob o véu
que lhe encobre a rápida vida religiosa, um a outra aurora não tarda a surgir, a
aurora das graças de escol que aprouve ao Coração de Jesus nela depositar.
Sobre a tram a de sua existência virão, dia a dia im prim ir-se os desígnios do
Amor, em bora nada exteriorm ente denuncie esse segredo resguardado pelo p ró ­
prio Deus.
E justam ente este um dos pontos m aravilhosos da narrativa que vai seguir-se.
O contraste entre as aparências exteriores e as realidades do interior, entre o
visível e o invisível. Josefa em tudo igual às outras Irm ãs na vida quotidiana, m as
carregando em sua alma o peso da predileção divina, que ora a abandona aos
assaltos do sofrimento, ora, a subjuga na presença avassaladora de Deus. D esde
então estabelece-se um a dupla corrente de am or - aquele A m or divino que se
precipita como a águia sobre a presa e cujo im pulso não conhece obstáculos e o
amor de Josefa, frágil, mas ardente, que não cessa de se oferecer e de se conser­
var à mercê de todas as exigências do plano divino.
Tencionam estas páginas m ostrar algum a coisa do m istério dessa vida. Em bo­
ra subm etendo-se plenam ente ao pensam ento da Igreja, único juiz nesta m atéria,
parece, de início, que o silêncio e a som bra onde se desenvolve a história de
Josefa, já trazem o cunho do Espírito de Deus: e não se nos afigura tem erário
descobrir a sua M ão na prudência divina que excedendo os limites de todas as

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possibilidades hum anas conseguiu guardá-la oculta. Com efeito enquanto os
Superiores de Josefa lhe seguem os passos nesse cam inho tão im previsto, a gran ­
de casa dos "Feuillants" ignora até o fim, as m aravilhas de que foram testem u­
nhas as suas paredes.
O utro sinal da ação de Deus, e não o menor, foi tam bém o cuidado cium ento
com que Jesus quis que o seu instrum ento fosse pequeno aos próprios olhos,
com o aos olhos de todos. "N ão foi pelo que tu és que te escolhi - não cessará de
dizer-lhe - m as pelo que tu não és. Achei assim onde colocar m eu P oder e m eu
Amor."
N ão seria, porém , preciso que o M estre de toda Sabedoria começasse cavan­
do nela a capacidade onde fossem derram ar, por assim dizer, as predileções do
seu Coração ?
Josefa, que chegava ao porto da vida religiosa com tão grandes esperanças, ia
em breve conhecer ventos e tem pestades m uito mais perigosos que os que a
tinham até então, sacudido em alto mar.
"Q uinze dias de paz deliciosa - nota - seguiram - se à m inha en trad a no
Postulantado."
D epressa, travou conhecim ento com as M adres e Irmãs, com a casa e o jar­
dim . A inda hoje, se lem bram nos Feuillants, da chegada da pequena espanhola
de olhos negros, que não sabia como exprim ir sua alegria e sua gratidão. Simples
e com placente, achou logo, meio de se fundir na sua nova família. A M adre
A ssistente e m uitas Irm ãs antigas, que em longas estadas na Espanha se haviam
fam iliarizado com a língua, deram à recém -vinda o prazer de ouvir e falar ainda
seu caro castelhano. Bastaram-lhe alguns dias para descansar das em oções da
p artida e foi logo a postulante dada como ajudante à Irmã cozinheira. Trabalho
novo para Josefa m as entregou-se a ele de todo o coração e, a felicidade que
irradiava de sua fisionomia bem dizia que pouco lhe im portava a form a do dom
de si m esm a, contanto que pertencesse àquele que unicam ente possuía todo seu
amor. Parecia que nada poderia p erturbar essa felicidade. O inim igo de todo o
bem , pressentindo o que seria essa alma escondia entretanto na som bra os p ri­
m eiros em bustes. A proxim ava-se a hora em que Deus lhe perm itiria en trar em
cena, Josefa foi subitam ente m ergulhada em noite escura.
..."Dentro em pouco, escreve ela, comecei a vacilar pensando em m inha m ãe
e m inha irmã... em m inha Pátria e na língua que não com preendia.
D urante os prim eiros meses foi tão forte a tentação que cuidei ser-m e im pos­
sível ficar. M inha irm ã, principalm ente, a quem eu tanto queria! . . . pensar que
ela sofria por m inha causa era-me intolerável. Entretanto, decidi-me a abandoná-las
ao Coração divino, a fim de que delas cuidasse e cada vez que m e lem brava
dessas d u as ternuras de m eu coração, ou de m inha Pátria, fazia, como me h a­
viam sugerido, um ato de am or e de confiança.
"U m a noite, foi no começo de abril, a tentação de p artir foi m ais forte ainda.
Pelo dia afora eu não cessara de repetir: "M eu Deus, am o-vos', porque antes de
tu do queria ser-lhe fiel. Ao deitar-m e, como de costum e, pús o crucifixo sob o
travesseiro. Pela m eia-noite acordei e beijando-o disse-lhe de todo o coração:

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"Meu Deus, de hoje em diante vos am arei m ais que nunca." N o m esm o instan­
te, fui agarrada por força invisível e um a chuva de pancadas, como se fossem
m urros caiu sobre m im , com tanta força que pensei m orrer. D urou a noite
inteira este suplício e continuou d u ran te a oração e a missa. Sentia tanto m edo
que não largava o crucifixo. Estava esgotada e não ousava fazer o m enor m ovi­
mento. Na hora da elevação da santa H óstia vi como um relâm pago passar por
mim, com um ruído de sopro violento. Tudo cessou de repente, m as a d o r das
pancadas du ro u m uitos dias."
Assim começa Josefa a luta que vai sustentar d u ran te toda a vida contra o
inimigo das almas. Entretanto, continua sem pre igual no seu trabalho, fiel à Re­
gra. Crescem -lhe a confiança e a obediência para com a M estra das N oviças é
junto a ela que vem buscar paz e força para continuar a sofrer.
"Na sexta-feira 7 de maio, escreve, não agüentando mais, supliquei que me
deixassem partir. M as a M adre A ssistente m ostrou-m e o bilhete que eu m esm a
escrevera, pedindo, pelo am or de Deus, da Santíssim a Virgem, do m eu Pai São
José e da Bem -aventurada M adre Fundadora que, se mil vezes eu pedisse para
partir, mil vezes m e lem brassem que nas horas de luz eu estava convencida de
que a Vontade de D eus era que ficasse.
Desde esse dia, nunca mais tive um m om ento de paz e só D eus sabe quanto
sofri...
Cinco sem anas passaram -se nesses com bates já excepcionais; Josefa repete
sem cessar a palavra da obediência:
"Sim, m eu Jesus, ficarei no vosso serviço, quero amar-Vos, obedecerei. N ão
vejo nada, m as apesar dessa escuridão, ser-Vos-ei fiel..."
N um a tarde de maio o esforço diabólico é ainda m ais tangível.
"Estando na capela em adoração — escreverá depois — fui de repente cerca­
da por um a turba desenfreada. Eram figuras m edonhas, gritos agudos, enquanto
meu corpo era furiosam ente espancado., não podia nem cham ar por socorro!
Achava-me tão mal que tive de me sentar e não p o d endo rezar, olhava p ara o
Tabernáculo. De repente senti-m e puxada fortem ente pelo braço, com o se me
quisessem fazer sair da capela. Tentei lutar m as fui agarrada p o r força invisível.
Não sabendo que fazer nem onde ir, subi à cela da nossa bem av en tu rad a M adre.
Q uando a M adre Assistente me encontrou e me p erg u n to u que acontecia não
pude responder-lhe. M as interiorm ente disse comigo: M esmo que me m atem
irei dizer-lhe tudo. Saí então, para ir a ela. Mas vi-me, subitam ente cercada pela
mesma m ultidão cujos gritos me horrorizavam . Depois tu d o desapareceu à sua
porta, como um relâm pago. Achei-me em tal paz que dela jam ais desejaria sair...
"A m esm a coisa acontecia-me freqüentem ente desde então, acrescenta Josefa.
Cada vez que m e decidia a falar, tudo cessava assim que eu chegava à porta da
M adre A ssistente. Verifiquei, sobretudo, o furor do dem ônio q u an d o ela me
traçava um a cruz na testa: parecia bater com o pé de raiva e se algum a vez ela a
esquecia, eu ouvia um a horrível gargalhada."
No meio dessas provações term ina o postulantado de Josefa. O dia 16 de
julho estava m arcado para a tom ada de hábito, m as tão inesperados sofrim entos

41
deixam -na em dolorosa hesitação e a perspectiva de tantas tribulações levanta-se
diante dela com o obstáculo im possível de transpor. Ora, decide-se a abraçar a
Vontade de D eus seja qual for o preço, ora, sente-se paralisada diante dessa
aceitação que tão caro lhe custa.
" Foi assim - escreve - até o dia em que Jesus quis dar-m e a conhecer, clara­
m ente a sua divina Presença e, desde então, concedeu-m e tanta luz e tanto con­
solo."
N o sábado, 5 de junho de 1920, depois de um assalto m ais form idável do
inferno, Josefa, decidida a partir, entra na capela com as Irmãs. Era ali que Jesus
a esperava. Sob a pressão do dem ônio que a domina:
"N ão - diz consigo - não tom o o Hábito, volto para casa. Disse-o cinco vezes;
não p u d e repetir m ais - escreverá mais tarde. — M eu Jesus, como sois bom para
mim!...
De repente, envolvida em sono suavíssim o, como diz ingenuam ente, Josefa
desperta dentro da Chaga do Coração divino.
"N ão posso explicar o que se passou . . . Jesus ! . . . N ão Vos peço outra coisa
senão amar-Vos e ser fiel à m inha vocação."
A luz que a inunda, vê os pecados do m undo e oferece a sua vida p ara conso­
lar o Coração ferido de Jesus. Consome-a desejo veem ente de unir-se a Ele e
então sacrifício algum lhe parece grande dem ais p ara ser fiel à sua vocação.
D esapareceu a noite com essa claridade de D eus e a desolação diante dessa
insondável felicidade,
Foi m eu D eus que fez isto - continua ela nas notas escritas p o r obediência. -
Sinto-me confundida com tanta Bondade! Q ueria amá-Lo até à loucura ! . . . N ão
Lhe peço senão duas coisas: am or e gratidão para com o Coração Sagrado. . .
M ais que nunca eu conheço m inha fraqueza, m as tam bém m ais que nunca espe­
ro dele força e coragem.. N unca tinha repousado nessa Chaga divina!... m as sei
agora onde refugiar-m e nos m om entos de tribulação: é um lugar de repouso e
de m uito amor!
"Sinto vivo pesar por tanta resistência à graça e tanta infidelidade, m as isto
m e dá ainda m ais m otivos de confiança para esperar que Jesus não me faltará
nunca m esm o quando eu me sentir só. Pois era justam ente o que me dava tanto
m edo, ficar só e não ser fiel. Mas vejo agora que Ele me am parava então sem que
eu suspeitasse. Enfim, não posso dizer quanto desejaria amá-Lo! "
Q uando Josefa sai da capela, ainda toda im pregnada do contato divino, não é
dificil medir, em poucos m inutos de intervalo, a m udança total que se operou
em sua alma.
"E agora não sei o que é - acrescenta dois dias depois - m as creio que Ele quer
revelar-m e novo segredo, pois, na oração de ontem, segunda-feira, 7 de junho,
fez-me entrar de novo na divina Chaga: ó m eu Jesus, como me amais! ! . . N unca
poderei corresponder a tanta bondade. Parece-me ver nessa C haga um a peque­
na abertura e gostaria de saber como entrar... m as Ele me deu a entender que isto
seria para m ais tarde.
"... Doze dias se passaram — escreve a 17 de junho — desde que o Senhor me

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fez tão grande graça. D urante esse tem po tive im ensas consolações m as princi­
palm ente p u d e estudar tudo que me ensinava o Coração divino. M ostrava-m e
claramente que o que mais lhe agrada são pequeninos atos feitos p o r obediência.
C om preendi que é nisso que devo pôr toda m inha aplicação. Por esse meio ap ren ­
derei a m e renunciar em tudo, e p o r m ais pequeno que seja o ato, ag rad ará
muitíssim o ao Coração Sagrado... Q uero que o A m or me consum a. Oh! que C o­
ração é o de J e s u s ! .. . "
Esm agada sob o peso de tantas graças, Josefa continua a atirar sobre o papel o
transbordar de sua alma.
Hoje quarta-feira, 23 de junho, m editava sobre a Bondade do Coração de
Jesus e me veio o pensam ento que esse Coração, tão cheio de amor, que tanto
ama as alm as e a m inha é Aquele que tom arei por Esposo se lhe for fiel. N ão
sabia o que dizer e como agradecer. Ó m eu Deus, não Vos posso pagar, se não
por Vós m esm o, pois, se sou vossa, Vós sois m eu. A bandono-m e a Vós... E
preciso que m inha vida seja unicam ente em D eus e de Deus... entregar-m e a fim
de que tudo em m im se consum a e se apague e que tudo o que faço e sou seja
unicamente dele. Depois de O ter recebido na santa C om unhão, disse-lhe como
sempre, cjuanto O am o e desejo amá-Lo. Então fez-me en trar no m eu divino
Refúgio. E a terceira vez que repouso nesse Coração! N ão posso explicar o que
se passa em mim... senão que sou pequena dem ais para tantas graças... M eu
Deus! esse Coração inunda de am or aquele que O procura e O ama.
N este m om ento do céu que passei dentro da sua C haga, Jesus deu-m e a
conhecer como Ele paga o pouco que fiz para ser fiel. N ão quero buscar em nada
meu interesse, m as em tu d o a Glória do seu Coração. Procurarei ser m uito obe­
diente e m uito generosa nas m ais pequeninas coisas pois creio que nisto consiste
a perfeição e que é o meio de ir a Ele diretam ente.
Diante do Coração de Jesus, que assim se abre para ela, Josefa não sabe como
exprimir os sentim entos que a em polgam .
"Hoje, 24 de junho, Q uinta-feira, vi de m aneira que não sei traduzir, o que é o
Coração de Jesus... Pedi-lhe que me desse sede dele! N ão posso explicar o que
vi. . . mas era Ele. Era o próprio céu . Oh! m eu Deus! N ão posso su p o rtar tanta
felicidade!... Q ueria oferecer algum a coisa... d ar A quele que tanto me dá!
Mas sou tão pequenina. Prom eti-Lhe, de novo, ser fiel e p rin cip alm en te
deixar-me guiar em tudo para ir mais seguram ente ao seu divino Coração."
Mas sem se deixar arrebatar pelos im pulsos de sua alma, Josefa se contém .
Tenta penetrar no fundo do Coração de Jesus para descobrir-Lhe os desejos,
medir-Lhe a bondade.
"A cada m om ento que passa" noto duas coisas: Prim eiram ente, m aior conhe­
cimento da Bondade divina pois em bora sem pre eu acreditasse que Deus am a as
almas até à loucura, vejo agora de m odo tão claro o que é esse Coração Sagrado!
Sua maior dor é não achar correspondência a seu A m or e se um a alm a se aban­
dona a Ele pode estar certa de que a cum ulará de graças e fará nela um céu para
aí fixar M orada. Foi o que prom eti de m aneira especial: fidelidade e obediência,
confiança e abandono.

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A segunda coisa que observo é um conhecim ento mais claro de m im m esm a.
Vejo-me (entretanto, não sei se até o fundo) com o sou: fria, distraída, pouco
m ortificada; pouco generosa... Oh! m eu Deus, por que me am ais tanto, Vós que
sabeis o que sou? Mas não perderei a confiança, Senhor!... O que eu não p u d er
Vós fareis, e com vosso am or e vossa graça irei para a frente."
Jesus vai conduzí-la mais avante dentro do seu Coração. As graças com que a
com ulava no mês de junho eram apenas um prelúdio, Josefa escreve à tarde da
terça-feira 29 de junho:
"A oração de hoje foi sobre as três negações de São P edro e com parando
m inha fraqueza com a dele, tomei a resolução de chorar minhas faltas e de aprender
a am ar com ele. Tantas vezes prom eti fidelidade eu também!... M as hoje fi-lo
com m ais força e m ais decisão. Sim, Senhor, quero ser fiel. Prometo-Vos não
som ente nada Vos negar, m as ir ao encontro do que me parecer agradar-Vos
mais.
"Estava assim em conversa com m eu Deus quando Ele me fez en trar na sua
divina Chega. Vi abrir-se a pequena passagem aonde eu não p u d era en trar no
outro dia e Ele me deu a com preender a felicidade que m e espera se for fiel a
todas as graças que m e preparou.
"N ão posso dizer bem o que vi; era um a grande cham a em que m eu coração
se consum ia. N ão podia ver o fim desse abism o porque é um espaço im enso e
cheio de luz. Estava tão m ergulhada no que via que não podia falar nem p erg u n ­
tar nada.., A oração e parte da missa assim se passaram ... Mas um pouco antes
da elevação da santa Hóstia: m eus olhos.., estes pobres olhos!... viram a m eu
Bem A m ado Jesus, o único desejo da m inha alma, m eu Senhor e m eu Deus!
M antinha-m e sobre seu Coração no meio de grande cham a, sorria um pouco. Eu
não sabia que fazer.., Ele m esm o aproxim ou-m e da Chaga. N ão posso dizer o
que se passou, pois é impossível!... Mas queria que o m undo inteiro conhecesse
o segredo da felicidade. N ão há outra coisa a fazer senão am ar e abandonar-se.
Jesus encarrega-se do resto.
"Estava eu assim abism ada, em presença de tanta b o ndade, de tanta luz,
q u ando Ele me disse estas palavras com voz m uito suave, e ao m esm o tem po
m uito grave:
"A ssim como Eu me im olo como Vítima de Amor, assim quero que sejas
vítima: o am or não recusa nada."
"Eis com o se passou esse grande m om ento do céu, pois não posso cham á-lo
de outro m odo. N ão podia eu dizer outra coisa senão estas palavras: m eu Deus,
que quereis que eu faça?... Pedi e disponde, pois não mais me pertenço; sou
vossa. Em seguida Ele desapareceu."
A lem brança dessa inefável visita, Josefa não pôde conter o seu amor. Já é a
cham a do zelo consum idor, pois, aproxim ando-a de seu Coração, N osso Senhor
deixara transbordar sobre ela a sede que o devora.
Jesus-escreve ela - não desejo senão um a coisa: que o m u n d o inteiro Vos
conheça, m as sobretudo as alm as que escolhestes para esposas de vosso C ora­
ção adorável! Se elas Vos conhecerem , amar-Vos-ão, pois sois o Único Bem.

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Abrasai-me com vosso A m or e isso me bastará... abrasai todas as alm as e será
suficiente, porque com o am or correrem os a Vós pelo cam inho m ais reto. Q u an ­
to a mim, não quero outra coisa senão amar-Vos e am ar -Vos cada vez mais, a
Vós somente, todo o resto não será para m im senão meio para me dirigir a Vós.
Se eu pudesse m esm o pagando com a vida, traria todo o m u n d o a este divino
Braseiro! Jesus deu-m e sede de que todas as alm as O am em . Eis p o r que oferece­
rei tudo. Irei ao encontro do que m e custa mais, para agradecer-Lhe e obter que
algumas alm as O conheçam e am em.
Prometi-Lhe tam bém nada fazer fora da santa obediência e com preendi q u an ­
to Lhe agradará que eu seja m uito simples, m uito franca para me deixar con­
duzir como criancinha." Alguns dias depois desse "grande m om ento do céu",
Nosso Senhor m ostra à Josefa o que vai exigir dela: a sede de alm as que já lhe
começa a comunicar. Escreve ela no sábado, 3 de julho:
"Hoje, estava trabalhando no N oviciado e pensava na felicidade de viver sob
o m esm o teto que Ele e de tê-lo como C om panheiro de todos os m eus trabalhos.
Não sei mais o que Lhe dizia quando de repente, m ostrou-m e o Coração envolvi­
do em cham a ardente e cercado por um a coroa de espinhos.... M eu Deus! Q ue
espinhos!... Eram como pontas profundam ente enterradas e, de cada urna, es­
corria m uito sangue... Eu queria tirá-las. Então m eu coração foi com o que arran ­
cado com dor m uito ag u d a e Ele colocou-o ao lado da divina C haga sob os
espinhos. M as apenas seis enterraram -se no m eu, pois é m uito pequenino! Pas­
sou um m om ento. Eu nada podia dizer. Ele sabe porém como eu queria que m eu
coração fosse m aior para poder tirar-Lhe mais espinhos. Então sua voz tão suave
mas ao m esm o tem po tão dolorosa disse:
"- Foi tudo isto e infinitam ente mais, que m eu Coração sofreu. M as encontro
almas que se unem a Mim e Me consolam por aquelas que se afastam ."
Oh! como sofreu! C om preendi que há espinhos que O ferem m ais que outros.
Queria saber que fazer para consolá-Lo pois não tenho senão coisas pequeninas a
oferecer-Lhe e é pouco para tanto sofrimento! Mas Ele não me disse."
No domingo, 4 de julho, Josefa está na santa missa como de costume. Associa-se
ao divino M istério, "e, para dizer a verdade - escreve pouco depois - não saben­
do o que dizer nem que fazer senão hum ilhar-m e porque conheço cada dia m e­
lhor m inha miséria e m inha pequenez. Estava assim, quando, diante de m im , vi o
adorável Coração. Estava traspassado p o r um grosso espinho que devia ser bem
longo pois vertia m uito sangue... O m eu Jesus! quem vos está ferindo assim?...
Serei eu?... Q ue sofrim ento ver esse Sangue divino! E um a dor que não sei
exprimir — M eu Senhor e m eu Deus tom ai-m e e fazei de m im o que quiserdes
contanto que esse espinho não fique assim, cravado no vosso Coração! Então vi
sair como que um prego m uito grande deixando um a ferida tão pro fu n d a que eu
não podia ver o interior desse braseiro ardente,, e Jesus me respondeu:
"Este grande cravo é a frieza de m inhas Esposas. Q uero que o com preendas a
fim de te abrasares de am or e de consolares m eu Coração."
"Na Sexta-feira, 6 de julho - continua Josefa - d u ran te a m editação m ostrou-
me ainda o Coração, traspassado por seis espinhos. Tenho im ensa pena, tanto do

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que EJe sofre, quanto da minha pequenez que não pode consolá-Lo nem aliviar-lhe
a dor. Fez-me com preender que estes seis espinhos são alm as que atualm ente O
ofendem de m odo especial e disse-me:
"São estes espinhos que te peço tirar com teu am or e teus desejos."
Então deixou cair algum as gotas de seu Sangue sobre m eu Coração... M eu
Deus! m eu coração é pequeno dem ais para tanto amor, m as é todo Vosso."
N o dia seguinte, 7 de julho, Jesus introduzindo-a outra vez, no seu Coração
chagado deixa-lhe a seguinte ordem:
"Am as-M e na tua pequenez: é assim que me consolarás.
De todas as graças que recebo - concluiu Josefa nessa data - ficam d u as coisas
p rofundam ente gravadas em m inha alma: 1" Desejo m uito grande de am ar e
sofrer para corresponder a seu Amor, e isso encontrarei na fidelidade à m inha
vocação; 2 °: Sede ardente de que m uitas almas O conheçam e O am em , sobre
tu do aquelas que escolheu por Esposas, creio que será m eu caminho: nada p o u ­
p ar p ara este fim, procurar pequenas ocasiões para oferecer m uitos atos a Jesus,
àquele que am o até à loucura ou, ao menos, que desejo tanto amar!"
C om e sta s d isp o siçõ e s ap ro x im a-se Josefa da T om ada de H áb ito . Na
quarta-feira, 7 de julho de 1920, começa o retiro que a encam inhará, não sem
lutas, ao tão esperado dia.
"Desejo ardente de dar-m e com pletam ente sem nada omitir, nem recusar, do
que conheço ser vontade de Deus. Ficar m uito atenta à Voz divina, de m odo que
este retiro seja com o que o fundam ento de todo o meu Noviciado. Pedir especi­
alm ente grande am or à m inha vocação que é para m im o cam inho da união e da
conform idade com o Coração de Jesus."
A ssim com eçam as notas de retiro no caderno de Josefa. Cada dia, fielmente
inscreve o resultado de seus esforços e percebe-se através das linhas m uito sim ­
ples, escritas som ente para si, a borrasca de tentações que surgiu, de repente no
céu de sua alma.
Até o terceiro dia do retiro, 10 de julho - escreve - estava em grande consola­
ção. M as na m editação do Juízo, achei-me de repente só, diante de Deus-Juiz.
Então elevou-se em m im tal tem or e tal perturbação, que perdi a paz que não
me havia deixado desde o dia 5 de junho. Vi diante de m im todas essas graças
que me acusarão um dia e senti-me em tão grande solidão e desolação que me
parecia preferível não receber tantas graças para não ter que prestar contas.
Passaram -se assim m uitos dias e decidi partir. M eu Deus, que noite, e que
sofrimento! M inha m ãe e m inha irm ã iam chegar; esse pensam ento alim entava-
me a tentação, renovando m inha ternura para com elas e para com m inha pátria.
"D esde o começo tinha dito tudo à M adre Assistente e não cessava de repetir,
por obediência, a oração de oferecimento que ela me ensinara e que me fazia
tanto bem em outras vezes pois, antes de tudo, eu queria ficar fiel e em certos
m om entos com preendia que era tentação. Mas nada m e aliviava; antes pelo con­
trário!
N a véspera da "Tomada de H ábito", 15 de julho, a luta foi tão forte que não
encontrava outra coisa para oferecer senão a própria tentação; ó m eu Deus. tudo

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que m ais am o m inha liberdade, m inha família, m inha Pátria, nu m a palavra,
tudo que é fonte de tentação, eu vo-lo ofereço porque não quero outra coisa
senão ser fiel ou morrer...
Foi então que Jesus se dignou consolar-m e como direi aqui."
Mas antes de com eçar a narrativa dessas graças Josefa sem pre fiel ao apelo de
Nosso Senhor, especifica sua resposta de amor. Escreve:
"Resultado prático das três prim eiras sem anas do Retiro."
Vi como Deus me cham a à grande perfeição que consiste na conform idade
total com seu Coração.
"Meios: m inha vocação, m inhas santas Regras.
Deus m e cham a à vida íntim a com Ele. Q uer que eu viva im olada, com o as
vítimas.
Encarrega-se da m inha cruz. N ão a tenho que pedir nem escolher, Ele ma dará
a seu gosto. Q uer que m inha vida se passe no seu Coração e devo saber que os
espinhos e a cruz lá estão fincados. Eis a m inha vida, tem que ser assim, é como
cum prirei a Vontade de Deus.
Na contem plação para obter Amor, não sei se poderei dizer o que se passou.
. Tinha tal desejo de Lhe d ar tu d o o que m e pede que Lhe disse de todo o
coração: Tomai, Senhor, recebei toda m inha vontade, dou-vos tu d o o que mais
amo no m u n d o ... Se quiserdes mais algum a coisa, Vo-la sacrificarei com alegria!
Tomai m inhas misérias e consumí-as, tomai m eu coração e m inha alma, tomai-me,
Senhor!"
Nosso Senhor não esperava senão este oferecimento para cum ulá-la com libe­
ralidade divina.
"Então - continua ela - Ele me aproxim ou do seu Coração e, deixando escapar
de sua Chaga um jato de sangue no qual subm ergiu o meu:
Por tudo que me dás - disse - Eu te dou m eu Coração!
Pensei não estar mais sobre a terra!... Hoje, Ele estava vestido com um a túnica
alvíssima que faz sobressair seu Coração de m odo inexprim ível. O Rosto parecia
um sol. . . M eu Deus, que beleza . Vós arrebatais o coração que Vos conhece!
Ingenuam ente Josefa explica nas linhas seguintes que, para m editar sobre o
céu não precisava de livro:
Pois o Céu verdadeiro estava no m eu coração-escreve ela - N ão desejo nada
mais senão amor... e sem pre amor! "
Nosso Senhor, ainda outra vez, antes da alvorada do grande dia, m ostrar-lhe-á
a trilha por onde o A m or quer encaminhá-la. A noite, Josefa, que obteve licença
para fazer a H ora Santa, começa por um ato de profunda hum ildade.
Adorei a M ajestade divina -- nota —depois pensei nas graças que recebera de
meu Deus com desejo cada vez m aior de consolar seu Coração.
Subitamente, vi-O diante de mim, com a túnica resplandecente de brancura e
seu Coração que parecia escapar-Lhe do peito. Com o estava só na tribuna, pros-
trei-me até o chão, hum ilhando-m e o mais possível, sem nada p o d er dizer. De­
pois de um m om ento de silêncio, aproxim ou-m e do seu Coração e, m ostrando-m e
os seis espinhos, disse com voz que traspassa a alma:

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"Filha, tira-Mos... Sim, tira-Me estes espinhos!' "N a sexta-feira, 16 de julho,
dia da m inha Tomada de H ábito, no m om ento em que recebia o véu branco e
depois, até o fim da missa, Jesus apresentou-se a m im e me fez entrar na sua
Chaga. N ão p u d e senão pronunciar estas palavras:
."M eu D eus sou vossa para sem pre, . . E cheguei a dizer-Lhe até loucuras de
amor!... Então respondeu-m e:
Eu tam bém , Josefa, é loucura de am or que tenho p o r ti."
"N ão posso exprim ir quanto me prodigalizou neste dia. A paz transborda de
m inha alm a."

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Vocação Reparadora
17 de julho — 25 de agosto de 1920

"Se Me amas, Josefa, tira-me este espinho"

Nosso Senhor à josefa — 17 de agosto de 1920.

O Coração chagado de Jesus não tarda a reaparecer no horizonte de Josefa.


Fora eleita para um a participação de escol na redenção dos alm as e o M estre
divino bem cedo vem lem brar-lhe sua vocação de vítima.
Dois dias depois da Tomada de H ábito, no dom ingo 18 de julho de 1920,
mostra-lhe o Coração sem pre traspassado por seis espinhos e repete-lhe as m es­
mas palavras: "Josefa, tira-Me estes espinhos!"
"No dia seguinte — escreve ela — tinha licença para fazer a Via Sacra e rezava
em reparação pelas ofensas dos hom ens e principalm ente pela frieza das alm as
escolhidas, Jesus veio com a cruz às costas. Pô-la sobre o m eu om bro e aí a
deixou durante o santo exercício."
O dom da sua C ruz renova-se nos três dias seguintes.
Na quinta-feira, 22 de julho, fazendo Josefa a H ora Santa com as Irm ãs,
oferece-se a N osso Senhor, como de costum e.
"Lá estava Ele — diz ela — com o Coração ensangüentado pelos seis espi­
nhos. Tirou-os e os enterrou no m eu. Vi então naquele Coração o fogo ardente
que O consome. Tentei consolá-Lo e amá-Lo pelos que não O am am . N o fim da
Hora Santa, no m om ento de partir, disse Ele:
"Este Coração!... quero que repouses nele como criança, que O am es como
esposa e que O consoles como vítim a."
"Depois tom ou-m e os seis espinhos e deu-m e a com preender que esse m o­
mento O consolara.
Na m anhã seguinte repetiu-m e o que me havia dito no dia de m inha tom ada
de hábito:
"Eu tam bém ; o que tenho por ti é loucura de amor."
Depois desapareceu, deixando-m e só, como se nunca me tivesse d ad o conso­
lação algum a."
D esde então Josefa conhecerá as vicissitudes espirituais através das quais
Jesus lhe forjará a alma; cam inho de fé e amor, de hum ilhantes experiências de
fraqueza e confiantes recursos ao Coração que nunca se cansa.
A lguns dias depois — escreve ela sim plesm ente ■ — pensei que seria im possí­
vel ver voltar m inha m ãe e m inha irmã, tal era a força da tentação. Descobri-a
im ediatam ente à m adre, para ser am parada por que sozinha, que haveria de
fazer?... Disse adeus às duas sem que de nada suspeitassem , m as a provação
não acabara. . Sou tão pobre e fraca! "
Explica então como as graças recebidas se lhe tornaram p erpétuo torm ento. O
pensam ento da correspondência de am or que exigirão dela tantos favores e das
contas que deverá prestar enchem -na de pavor. Parece-lhe ouvir um a voz
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que a persegue e a persuade que está no cam inho da perdição. Essa tentação
não a deixa durante um mês inteiro.
Nosso Senhor, entretanto, não a abandona totalm ente a si mesm a.
"N a quinta-feira, 5 de agosto fá-la de novo participar na dor dos seis espinhos
que O ferem. Depois reconforta-a com estas palavras:
"— Se fores fiel, dar-te-ei a conhecer a riqueza do m eu Coração. Levarás a
m inha Cruz, m as Eu te cum ularei de dons como esposa bem -am ada. "
Desta vez — diz Josefa — vi-O revestido de esplendor tal que não se podia
fixar, Seu Coração divino, todo inflam ado, parecia escapar-se-Lhe do peito.
"Q uando Lhe pedi que não perm itisse que eu fosse tentada contra a m inha
vocação, cobriu-m e com a sua túnica e envolveu-m e toda com sua paz.
A lguns dias depois, Jesus Salvador com unica-lhe pela prim eira vez a alegria
de seu Coração quando as alm as voltam a Ele.
"Terça-feira, 10 de agosto, na m editação — escreve ela — sentia grande desejo
de consolá-Lo. Ofereci-Lhe todas as ações do dia, dizendo-lhe que, se quisesse
algum a coisa mais, me fizesse compreender... Prometi-Lhe não esquecê-Lo um
só instante e não cessei de Lhe repetir m eu desejo de amá-Lo.
"A tarde antes de ir à adoração, entrei no oratório da Mater, p ara ped ir à
Santíssima Virgem que me ajudasse a consolar seu Filho e, chegando à capela,
vi-me, de repente, em presença de Jesus.., A proxim ou-m e do seu Coração e
fez-me ouvir um a harm onia que nada iguala neste m undo... M eu Deus! isto é
para o céu, não para a terra!... Disse-me então:
N ão tenho outro desejo senão o de ser am ado. Olha m eu Coração. Josefa!
Somente Ele pode tornar-te feliz, Repousa nele. Depois continuou:
"— Eu tinha seis espinhos. Tu me tiraste cinco.
Só fica um e é o que m ais fere m eu Coração. Q uero que nada p o upes para
arrancá-lo."
"Senhor, respondi, que quereis que faça?"
"— O que quero é que Me ames e Me sejas fiel. Lembra-te que só Eu te posso
tornar feliz. Descobrir-te-ei a riqueza do m eu Coração. Ama-M e sem m edida."
"E, de novo, deixou-m e só".
A proxim a-se a festa da Assunção, Josefa, tão ternam ente apegada à sua Mãe
do Céu passa todo o dia em oração, unida com Ela. E como a lem brança do
espinho enterrado no Coração de Jesus não pode deixá-la um só instante:
"Supliquei-Lhe — escreve — que se encarregasse dessa alm a e arrancasse o
espinho que Jesus tanto pede que Lhe tirem.
"N o dia seguinte, segunda-feira, 16 de agosto, pelas três horas da tarde, en­
quanto eu costurava, oferecia a Nosso Senhor m eu desejo de fazer de cada ponto
um ato de am or que pudesse consolá-Lo; não tinha acabado a frase q u an d o me
vi em presença dele. Tirou m eu coração para aproxim á-lo do Seu."
Josefa conta fatos tais como este, e que não são raros em sua vida, com o se se
tratasse de coisa m uito natural. Sua fé pô-la sim plesm ente ao nível dessas gra­
ças, em bora pareçam excepcionais.
"— N ão venho para te consolar, Josefa — disse-me — m as para te u nir a m eu

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sofrimento. Arranca-M e este espinho, vê com o Me traspassa o Coração. Esta
alma está prestes a provocar m inha Justiça", Será com m uito sofrim ento que
Josefa há de cooperar na salvação dessa alma. Nosso Senhor a inicia, pouco a
pouco, nesta Obra de redenção que lhe tom ará tão grande lugar na vida.
"— As ofensas dos hom ens Me ferem profundam ente, m as nada Me aflige
tanto quanto as de m inhas Esposas. Dos cinco espinhos que Me tiraste, os dois
primeiros eram alm as religiosas que Eu cum ulara de favores, porém elas deti­
nham o coração nas criaturas sem se lem brarem de Mim; cham ava-as para que
v o ltassem à v id a de am o r, m as n ão M e o u v ia m e Eu e s ta v a p re s te s a
abandoná-las... A gora estão no m eu Coração.
Os três outros eram almas escolhidas, m as tão frias que a m edida de m inha
Justiça ia transbordar. Eis porque procuro amor. Espero o am or das alm as que
resgatei com m eu Sangue; m as principalm ente o de m inhas Esposas." Pergun-
tou-me ainda:
"— Tu Me am as ?"
"E um a flecha que me lança pois Ele pede como um pobre a m endigar.
"Ontem Terça-feira, 17 de agosto, na m editação foi a prim eira coisa que me
tornou a dizer: "— Amas-Me? Se me amas, Josefa, tira-Me este espinho!"
"Respondi-Lhe: Senhor, bem sabeis que Vos amo. Mas, como sou pobre, é
com vosso próprio A m or e com o de m inha Mãe a Virgem Santíssim a, que Vos
quero amar.
Essas palavras: "Amas-M e?" repetiu-m as ao m enos trinta vezes ao longo do
dia, e com aquela voz que traspassa a alma. D urante a missa disse:
"— Este espinho é um a alma religiosa... C um ulei-a de talentos, ela os atribui
a si; o orgulho está a perdê-la.
A tarde m ostrou-m e o Coração todo abrasado, a Chaga aberta e, sem pre, o
espinho."
"— Tenho para cada alma duas m edidas — disse — um a de M isericórdia, e
essa transbordou... outra de Justiça que está quase no auge. N ada Me ofende
tanto quanto a obstinação e a resistência dessa alma. Vou tocar-Lhe o coração; se
ela não responder deixá-la-ei entregue a si m esm a."
Então não sei o que m e deu a com preender, mas... eu daria a vida p ara salvar
aquela alma! A noite fiz a Hora-Santa, pois tinha perm issão, e me ofereci em
união com Ele na sua Paixão. N ão olheis, ó m eu Deus para os pecados dessa
alma... Olhai para o Sangue que derram astes por ela... esse Sangue que basta
para cobrir todos os pecados do m undo.
"Em seguida recitei as ladainhas de Nossa Senhora, repetindo m uitas vezes
Refúgio dos pecadores, rogai por nós", C hegando às palavras: "C ordeiro de
Deus, que tirais os pecados do m undo... " m eu coração estava cheio de angústia.
Jesus nada dizia, como se não escutasse. Parecia surdo. N o fim da H ora Santa,
veio com o Coração sem pre traspassado pelo espinho. Pedi-lhe que m o desse
para que descansasse um pouco. Fê-lo. Supliquei-Lhe que tivesse com paixão
dessa alm a e como nada respondia, eu disse: mas, Senhor; não a perdoareis?
"—Tocarei ainda o coração dela. Se Me escutar, será m inha Esposa bem -am ada.

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Se resistir, m inha Justiça agirá!
M uitos dias assim se passaram , Josefa m ultiplica oferendas generosas, mas,
confessa ela — sua alma está m ergulhada em sofrim ento indizível, "Creio que
nunca tinha com preendido como hoje o que é resistir à graça, Parece-m e experi­
m entar algo da dor do Coração de Jesus quando um a Lhe resiste, — Se estás
disposta a sofrer — torna Nosso Senhor, na quarta-feira, 18 de agosto — espera­
rei essa alma. Mas não posso perdoá-la enquanto ela própria não quiser, Eu a
criei sem ela, m as tem a liberdade de se salvar ou de se perder.
A lguns dias depois acrescenta:
"— Q uando encontro um a alm a que Me am a e Me deseja consolar, estou
p ronto a d ar tudo que Me pede. Esperarei, pois, baterei ainda à p orta desse
coração, porque, se quiser, o m eu estará disposto a perdoá-lo.''
"Dizia Ele isto com lágrim as na voz e deixou-m e a alma com o em agonia.
Ensinou-m e a repetir freqüentem ente estas palavras: "M eu Deus, sofrerei p o r
vosso A m or e para consolar vosso Coração."
Este sofrim ento oprim e a alm a de Josefa parece-lhe que a cólera divina caiu
sobre ela.
"Ao m esm o tem po — escreve — sinto no m eu coração o que sofrerá o dele
q u ando um a alma consagrada chega a se condenar."
N um a hora de m aior angústia, Josefa O encontra, ainda extenuado e coberto
de suor. É sexta-feira, 20 de agosto e ela nota assim:
"M eu Deus! Q uem Vos pôs em tal estado?. . .
"— Estou cansado de cham ar aquela alma, m as seu coração é insensível e
cheio de orgulho. Espero de ti atos de hum ildade para desagravar m eu Coração.
Pede perdão a m eu Pai e hum ilha-te. E assim que Me consolarás."
Os cham ados reiterados de Nosso Senhor perseguem -na assim sem deixar-
lhe repouso noite e dia. Carrega continuam ente o peso dessa alm a sobre a sua,
acum ulam -se dores em todo o seu ser à m edida que se escoam os dias, m as não
esm orece seu desejo de reparar.
Na quarta-feira, 25 de agosto, depois de um a noite de angústias e súplicas,
Josefa, sem pre fiel ao encontro m atinal, começa a oração no meio das Irmãs.
"De repente — escreve — vi-O a Ele... tão formoso que não posso explicar.
Estava de pé, vestido de branco segurando nas M ãos o Coração envolvido num
braseiro de fogo. Toda sua adorável Pessoa resplendia em luz radiosa. Os Cabe­
los eram como ouro, os Olhos como dois brilhantes,., o rosto.., não posso dizer,.,
não acho com paração.., o Coração, encim ado pela cruz não trazia m ais espinho.
A Chaga aberta deixava escapar chamas... Dir-se-ia o próprio sol. Das Chagas
das M ãos e dos Pés jorrava tam bém um a cham a m uito clara. De tem pos em
tem pos abria os Braços e os estendia. N ão p u d e senão dizer: M eu Jesus como
sois belo!" C apaz de arrebatar todos os corações! e o espinho? Ele sorriu, o C ora­
ção parecia querer escapar-se-Lhe das m ãos e responde.
"— Espinho!, . . N ão o tenho mais, pois nada há de mais forte que o amor. E
Eu o encontro em m inhas Esposas... "O Coração abrasava-se-Lhe cada vez mais.
Rendi-lhe graças por me ter cham ado a esta Sociedade e supliquei-Lhe que tives­

52
se com paixão de mim que sou cada dia mais m iserável e m ais indigna de aqui
estar: "M eu Deus, não perm itais que seja eu quem ponha nódoa neste g ru p o de
Esposas do vosso Coração! N ão perm itais que essas graças sejam m inha conde­
nação, pois sou capaz de tudo. Q uero ser fiel ou morrer."
Foi nesta alegria que Josefa assistiu à missa, instantes depois, associando-se à
Ação de graça da Santíssima Virgem, quan d o Jesus lhe apareceu de novo:
"Aproxim ou-m e do seu Coração, segurando-m e de tal m odo que não podia
fazer um só m ovim ento. Depois de um m om ento de silêncio disse:
"— Vês, Josefa, como te seguro a fim de que não te possas m over sem Mim: é
assim que quero segurar m inhas Esposas."
E continuou: "Aquele espinho Me foi tirado aqui, aquela alm a se salvou pelos
sacrifícios e preces de m inhas Esposas, neste jardim onde m eu Coração encontra
suas delícias... Dize-o à tua M adre."
"Depois da com unhão, pedi-Lhe que me fizesse sua Esposa por meio de um a
verdadeira fidelidade, m as que me deixasse nu m cam inho com um pois nunca
serei capaz de corresponder a todas essas graças.
"— A bandona-te em m inhas Mãos, Josefa. Eu me servirei de ti com o enten­
der. Lançarei m ão de ti quando precisar porque és m inha. Pouco im portam tua
pequenez e tua fraqueza; o que peço antes de m ais nada, é que Me am es e Me
consoles. Q uero que saibas quanto te am a o m eu Coração, que riqueza encerra; e
que sejas como cera mole que Eu possa m anejar a m eu gosto."
"Depois acrescentou:
"— Repete-o à tua M adre; foi por causa de rninhas Esposas que aquela alm a
se salvou. Ela não é daqui, m as de tua pátria, eis por que te escolhi e salvei-a com
o sacrifício que fizeste de tua terra. Dize-me, Josefa, se am as tua pátria...,"
"Amo, sim, Senhor, mas a Vós m uito mais."
"— Escuta. D esde que estás aqui servi-M e de teus sofrim entos p ara salvar
aquela alm a e as outras cinco que estavam longe de Mim. Q uero que Me ofere­
ças tudo, até as mais pequeninas coisas, a fim de consolar m eu Coração do que
sofrer, principalm ente da parte das alm as consagradas. Q uero que repouses sem
temor no m eu Coração. Olha-O e verás até que ponto este fogo é capaz de consu­
mir em ti tudo o que houver de im perfeito. Q uero que digas à tua M adre, com
simplicidade, tudo que te peço e que te abandones ao que fizerem de ti. Enfim,
repito-te, quero-te como cera mole à qual possa d ar a forma que m e aprouver...
Lembra-te de que sou teu Pai, teu Esposo e teu Deus".
Um pouco antes do fim da missa tornou: — "Amas-M e?"
Depois desapareceu. N unca O tinha visto tão belo! D urante todo este tem ­
po— nota Josefa — eu podia falar-Lhe e escutá-Lo porque tinha licença. M as de
hoje em diante, ordenaram -m e que não fizesse m ais caso dessas coisas e não
respondesse a nada.

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A Prova da Dúvida
26 de agosto - 8 de outubro de 1920

"O sin al, dá-lo-ei em ti."

Nosso Senhor à Josefa - 20 de setembro de 1920.

Pelos fins de agosto de 1920, p ara p ro v ar o espírito que co n d u z Josefa,


proíbe-se qualquer com unicação com a aparição que tantas vezes arrebatara sua
alma. Recomenda-se-lhe expressam ente afastar-se, sem d ar im portância algum a,
ao que por acaso vir ou ouvir.
A dúvida paira pois em torno dela. Descoroçoada começa a indagar de si
m esm a se não será objeto d e ilusão com o parecem crer. A liás o d em ô n io
freqüentem ente lhe sugerira esse pensam ento, porém , ela o repelira sem pre,
com o tentação, para ficar fiel ao que pensava ser Vontade de Deus. O nde estará
então a verdade?
Ao m esm o tem po, tortura-a a idéia de que tal cam inho, que ela não procurara,
nem desejara, possa ser considerado obstáculo à vocação.
Seu horror instintivo pelas coisas extraordinárias e seu desejo de um a vida
religiosa, hum ilde e escondida aum entam sua confusão. Mas habituada já ao
m ais íntim o sacrifício de si m esm a e, am adurecida pelo espírito de fé e de
o b ed iên cia , n ão vacila. Sem se d e te r em d iscu ssõ es in te rio re s, n em em
acom odações, entra nessa trilha obscura, onde tanto iria sofrer seu amor, como
revelam as notas escritas então.
"N a segunda-feira, 2 de setem bro - diz - vi, d u ran te a m editação, a m esm a
pessoa tão bela, com o Coração como antes. Perguntou-m e, duas vezes, se a
am ava. N ão respondi por obediência, em bora isso me custasse enorm e esforço;
porque, sem querer, m inha alma se sente im pelida para ela.
Três dias depois — 5 de setem bro— Josefa está na sala do noviciado, "quando,
de repente" - diz ela — comecei a ver grande claridade, no meio da qual, apareceu
a pessoa de sem pre, com o Coração todo ardente. Tive tanto m edo que fugi para
a cela de nossa Bem -aventurada M adre. Esfreguei os olhos com água benta e me
aspergi toda, m as a visão não desaparecia.
"- Por que temes? disse a sua voz - N ão sabes que aqui é o lugar de teu
repouso" Escoaram-se alguns m inutos e acrescentou:
"N ão te esqueças de que te quero vítim a do m eu A m or "
E tu d o desapareceu."A prova continua, dia após dia, Josefa resiste e não
responde. Mas, às vezes, não pode escapar à atração que a dom ina, à alegria
celeste e à paz que a invadem .
"- Vem - diz a voz— entra aqui.. . perde-te neste abism o '
N a quarta-feira, 8 de setem bro, à tardinha, está em oração na cela de Sta.
M adalena Sofia e, como um relâm pago, aquele Coração inflam ado passa diante
dela, dizendo:

54
Que preferes, tua vontade ou a M inha? "
"Com preendi - escreve Josefa - que era a resposta ao que pedia a Jesus do
fundo de m inha alma: ser um a boa religiosa, toda entregue ao am or do seu
divino Coração, m as na vida com um , no cam inho ordinário, pois tenho m edo
que todas essas coisas sejam obstáculo à m inha vocação."
No dia seguinte, 9 de setem bro, na santa m issa ela teve A quele de quem
durante m uito tem po não duvidará. Segurava o Coração em um a das m ãos e
apresentava-lhe com a outra um a taça:
"- Ouvi teus gemidos - diz-lhe - Conheço teus desejos, mas não posso atendê-los.
Preciso de ti para repousar m eu Amor. Toma este Sangue saído do m eu Coração
que é a fonte do Amor. N ada tem as e não me abandones. A praz-m e perm anecer
em ti, pois tantas alm as fogem para longe de m im ."
Josefa fica em silêncio.
Entretanto — observa — não p u d e deixar de pensar: "M eu Deus, se eu tivesse
sabido, não teria vindo para aqui. Esta idéia me atorm enta. Porque creio que se
tivesse ficado no m undo, nada disto me teria acontecido e cada dia cresce m inha
angústia. Certam ente voltaria atrás se Deus não m e tivesse am arrado a Si. M as
sinto-me atada de m aneira incom preensível e aum enta, todos os dias o am or da
minha vocação. É o que me obriga a suplicar incessantem ente ao Coração de
Jesus que m e deixe na vida com um , isto é, sem nada de extraordinário, m esm o
sem nenhum consolo, se Ele quiser, contanto que eu seja fiel nas pequenas coisas
e que ame sem m edida o seu Coração Sagrado."
Esse Coração apareceu-lhe ainda na Q uinta-feira, 16 de setem bro e tornou a
dizer:
"E preciso, p ara satisfazer a tan to am or, que m e ob ten h as alm as. Tu as
encontrarás à custa de sofrimento e amor. Terás que suportar m uitas hum ilhações.
Nada temas porém: estás no m eu Coração."
Diante dessas incertezas, Josefa experim enta fechar os olhos, m as não pode
distrair-se da necessidade de am ar a Deus, que lhe cresce, dia a dia, na alma.
"Repetir-lhe m eu am or — escreve ela — é a única coisa que me repousa e me
desapega da terra. O utrora sentia viva ternura para com m inha família e m uitas
pessoas... am o-as sem pre, m as de outro m odo. Creio que agora, nada me pode
encher o coração e, às vezes, repito, sem saber como, essas palavras: m eu Deus
eu vos amo. Isto me basta e me ajuda a fazer m uita coisa que m e seria impossível.
"As vezes, estou distraída trabalhando e, de repente, como um relâm pago,
aquele Coração passa diante de m im e me deixa m uito tem po abrasada de ardor."
Enquanto se acentua a ação crucificadora da prova e aum entam as apreensões
de Josefa, a obediência conserva-a fiel e, pouco a pouco, o Espírito que nela
opera, se descobre: Jesus, desprendendo-a da criatura, apega-a unicam ente a Si.
Na sexta-feira, 17 de setem bro, na missa, N osso Senhor m ostra-se, com o
semblante triste, as m ãos atadas, a coroa de espinhos na cabeça e o Coração
abrasado como sem pre. A presenta-lhe um a cruz que ela não verá, a princípio:
"— Eis a cruz que te dou — diz ele — vais recusá-la?"
"Estou com grande angústia por não ter licença de responder — escreve ela

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— porque m inha alma se sente im pelida para Ele sem eu querer. A rdo em desejos
de am á-lo e ter certeza de que é Ele mesmo, me enche de tristeza. Então o que
peço é que tudo isso desapareça para sem pre."
M as Ele volta ainda:
N a m editação de dom ingo, 19, procurava eu o que fazer para am á-lo cada vez
mais, pois não posso pensar em outra coisa. De repente vi-o, seu Coração era
com o um incêndio.., aquele Coração — diz ela algures — que m e dá paz e me
torna capaz de tudo sofrer."
"— Se Me am ares — disse — ficarei sem pre p erto de ti. Se Me seguires
constantem ente, serei tua vitória contra o inimigo, manifestar-M e-ei a ti e te
ensinarei a amar. "
N o dia seguinte, 20 de setem bro, perseguida pela m esm a ansiedade, suplica
a N osso Senhor que dê um sinal a seus Superiores, a fim de que saibam se essas
coisas vêm dele ou não.
A pareceu então, de repente.
" — O sinal... dá-lo-ei em ti. O que quero é que te abandones a mim.
E este sinal, com efeito, já Deus o está im prim indo na alma dócil e generosa
de Josefa, através da luta que a deixa invariável na obediência, A pesar dos convites
divinos continua a guardar silêncio. Um dia chegou, entretanto, "em que — escreve
ela — não sei o que se passou em mim, Vi-me como que obrigada a me render e
me entregar ao que Deus queria de m im e não p u d e senão dizer-lhe: sim, Senhor,
so u Vossa. O q ue q u iserd es, tam bém q uero. N o m esm o in sta n te vi Jesus
form osíssim o que m e disse: " N ada tem as sou Eu."
Na sexta feira, 29 de setem bro, diante de nova pergunta:
" — Estás disposta a fazer a m inha Vontade?"
"M eu Deus — escreve ela — se sois Vós, ponho-m e em vossas M ãos p ara que
façais de m im o que quiserdes. O que Vos peço é não ser enganada e que não
haja obstáculo à m inha vida religiosa. Então respondeu Ele: " — Se estás nas
m inhas M ãos que poderás temer? N ão duvides da Bondade de m eu Coração
nem do A m or que tenho por ti."
Brotou-lhe do Coração um a cham a que me envolveu:
"O que te peço — continuou — é que estejas sem pre pronta para consolar
m eu Coração cada vez que precisar de ti. A consolação que Me dá um a alm a fiel
com pensa a am argura de que Me cum ulam tantas alm as frias e indiferentes.
Sentirás, às vezes, em teu coração a angústia do Meu. E assim que Me hás de
consolar. N ad a tem as, e sto u co n tigo. "E stas p a la v ra s, n o e n ta n to , n ão a
tranqüilizam e quand o se encontra de novo sozinha, apodera-se-lhe da alm a
angústia sem igual. Debate-se entre o atrativo, às vezes irresistível, o m edo e a
obediência que a obriga ao silêncio; suplica a N osso Senhor que a deixe na vida
com um , am bicionada pelo seu amor, ou então, dê a luz que acabe com tanta
d úvida e tanto sofrimento.
Soou afinal a hora em que aquela que jamais se invocou em vão viria inclinar-
se sobre sua filha.
A noite de dom ingo, 3 de outubro, a M adre Assistente adivinhando grande

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sofrimento no rosto da noviça, m anda-lhe antecipar a hora do descanso. No
pequeno dorm itório solitário, Josefa, sem poder conciliar o sono, im plora à Mãe
do céu.
Recitei as ladainhas da Santíssima Virgem — escreve — depois, repeti-lhe, de
todo o coração, o que não cesso de pedir-lhe há m uitos dias:
M inha Mãe! Suplico-vos, por am or de D eus, não p erm itais que eu seja
enganada e dai a conhecer se tudo isso é verdade ou não.
No m esm o instante, ouvi como que o passo leve de alguém que se aproxim a
e, de repente, vi perto da cam a um a pessoa vestida de branco, envolvida com
um longo véu, O rosto era m uito fino, as m ãos estavam cruzadas. Fitou-m e com
muita doçura e disse:
"— Filha, não estás enganada. Tua M adre o saberá dentro em pouco, M as
precisas sofrer para dar alm as a m eu Filho."
"E desapareceu, deixando-m e em paz inexprim ível,"
Foi a passagem da Rainha do Céu. Sua filha não pode duvidar, m as M aria
dissera: "Deves sofrer" e a este apelo ao sofrim ento redentor, Josefa terá que
consentir livremente.
No dia seguinte, 4 de outubro, Nosso Senhor m ostrando-lhe o Coração chagado,
diz-lhe:
"— Vê em que estado as almas infiéis puseram m eu Coração. Elas não sabem
o Amor que lhes tenho. Eis por que Me abandonam . Tu, ao m enos, não quererás
fazer m inha Vontade? Uma onda de apreensões sacode-lhe a alma.
Calei-me — escreve lealm ente — M as em mim tu d o recusava. Então, Ele
desapareceu. D esagradei-lhe certam ente, pois partiu com o um relâm pago.
No dia seguinte, Terça-feira, 5 de outubro, enquanto recitava as ladainhas, a
Santíssima Virgem veio, como da prim eira vez. Lá ficou um bom m om ento.
Depois disse:
"— Se recusas a Vontade de m eu Filho, serás tu que lhe ferirás o Coração.
Aceita tudo que te pedir. Mas não atribuas nada a ti m esm a. Sim, filha, sê m uito
humilde..."
O lhou-m e ain d a com g ran d e com paixão e se foi. A M ãe de A m o r e de
Misericórdia tinha intercedido. Entra, desde então, no caminho que o divino Mestre
abre à Josefa. Aí perm anecerá até o fim. Ao lado do Divino Filho, g u ard ará o
lugar que lhe com pete p ara desem penhar o papel, discreto e reservado, tão
especialmente seu, de terna com paixão e firme bondade. Deixará, no prim eiro
plano, o Coração de Jesus, não intervindo senão para tranqüilizar Josefa nas
hesitações, fortificá-la nos temores ou trazê-la à Vontade de Deus. A dm oestando-a
ou reanim ando-a há de iniciá-la nos cam inhos de seu Filho e prepará-la à sua
visita. Ensinar-lhe a se precaver contra as ciladas do inim igo e a rep arar suas
fraquezas. Estará perto, enfim, nos com bates perigosos do dem ônio e defendê-la
sempre, "poderosa como um exército em ordem de batalha." Essa intervenção
da Santíssima Virgem confirma a luz que se fez, pouco a pouco, em torno de
Josefa: a obediência sim ples e corajosa, a indiferença e o abandono, ao m esm o
tempo a hum ilde desconfiança de si, o m edo dos cam inhos extraordinários e,

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sobretudo, o am or a sua vocação que ela não põe em paralelo com coisa algum a
— aí está o sinal de Deus. Será lícito opor-se mais tem po à liberdade dos Desígnios
divinos? Parece pois, aos seus guias, que chegou a hora de abrir passagem à
Ação divina, cercando entretanto Josefa da mais vigilante observação. Então,
apesar de suas vivas repugnâncias, Josefa recebe licença para "se oferecer."
"N a sexta-feira, 8 de outubro, — escreve — d u ran te a m editação, fiz um ato
de entrega à Vontade divina. D urante a missa, um pouco antes do Evangelho vi a
Santíssim a Virgem. Supliquei-lhe que intercedesse p o r m im ju n to de D eus,
expliquei-lhe por que tenho tanta repugnância em receber essas graças, m as estou
decidida a aceitar tudo para glorificar o Coração de Jesus, consolá-Lo e ganhar-lhe
alm as. Creio que Ela teve pena de m im e disse:
" — Filha, repete a m eu Filho estas palavras às quais seu Coração não resistirá:
"O m eu Pai, tornai-m e digna de cum prir vossa Santíssima Vontade pois sou toda
vossa. "
Depois acrescentou:
" — N as M ãos de tão bom Pai, que te poderá faltar?"
Supliquei-lhe que recebesse m eu ato de oferecimento e que o repetisse, Ela
própria, a Jesus. "
A tarde desse m esm o dia, entrando na capela para a adoração, Josefa viu-se,
de repente, em presença de Nosso Senhor.
"Com o rosto tão belo — escreve ela — o Coração no meio das cham as e nesse
C oração, d ia n te da cru z, u m liv ro ab erto . N ão co m p re en d ia o q u e era...
Ofereci-me, de novo, prom etendo não mais voltar atrás. Ele pôs a M ão sobre
m inha cabeça e disse:
"— Se não Me abandonares, Eu tam bém não te deixarei. De hoje em diante,
Josefa, não me cham es de outra m aneira senão de Pai e Esposo. Se Me fores fiel,
farem os um a aliança divina: Es m inha Esposa sou teu Esposo. A gora escreve o
que lês no m eu Coração; é o resum o do que quero de ti." Então eu li no livro:
Serei o único am or de teu coração, o doce suplício de tua alm a, o agradável
m artírio de teu corpo.
"Tu serás vítim a de m eu Coração, com um am argo desgosto de tu d o que não
sou Eu; vítim a de m inha Alma, com todas as angústias de que a tua é capaz;
vítim a de m eu Corpo, com o afastam ento de tu d o que pode satisfazer o teu, e
com ódio à carne crim inosa e m aldita."
"Q uando acabei a leitura Jesus me deu a beijar o livro e desapareceu. "

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III - N A ESCOLA D O C O R AÇ Ã O DE JESUS

Primeiros Passos
9 - 28 de outubro de 1920.

"Tua m iséria Me atrai!"

Nosso Senhor à josefa - 15 de outubro de 1920.

Parece que o cam inho, tão lum inosam ente aberto diante de Josefa, não deveria
conhecer sombras nem obstáculos. Seria esquecer os cam inhos de Deus na conduta
das almas escolhidas: cham a-as e se esconde; atrai-as e as desnorteia, cum ula-as
de riquezas e as abandona à própria miséria; carrega-as nos braços e dá-lhes a
sentir os limites da própria fraqueza. No meio de tais alternativas vai cavando
nelas abismos de desapego, de abandono e de hum ildade, que põem em evidência
o nada da criatura e colocam o instrum ento à mercê da M ão divina. C om ovedora
é a simplicidade com que as notas de Josefa nos descobrem essas vicissitudes e o
som tão puro e verdadeiro, que delas se desprende, torna-as d ocum ento de
primeira im portância. Desde o principio, exigira a obediência que ela escrevesse
o que via e ouvia. Fôra-lhe, isso então, um desafogo para o transbordar de graças
que a inundavam . Josefa ia lançando sobre o papel, com expansão ingênua e
ardente, os sentim entos que lhe brotavam do coração, Mas, logo, percebeu que
aquelas páginas, que pensava escrever só para si, seriam para seus diretores o
meio indispensável de controle. Então a habitual reserva, a desconfiança de si
mesma, o p u d o r virginal que sem pre lhe envolveram as relações com N osso
Senhor reclamaram seus direitos. Sacrificou todas as repugnâncias, m as com lutas
e desfalecimentos, como provam todas as notas.
Desde esse m om ento, seu estilo m uda, escreve sobriam ente a tram a dos
intercâmbios divinos, entre ela e o Mestre. Raram ente encontram os as efusões
dos primeiros dias. Mas, sinal bem característico, não om ite nenhum a de suas
fraquezas, nenhum a das suas resistências contra esse cam inho que lhe foi sem pre
tão árduo. Sem dúvida, através da história, tão leal dessa alm a, N osso Senhor
quer dar o testem unho mais vivo de sua Com paixão e de seu incansável Perdão.
Antes de folhear a docum entação dos cadernos de Josefa, será conveniente
responder a um legitimo ponto de interrogação que naturalm ente se nos depara.
Como foram escritas essas notas?
Desde os prim eiros contatos com o além, recom endara-se à Josefa que pedisse
licença antes de com u n icar com os celestes in terlo cu to res e desse contas,
imediatamente após. Por mais custoso que lhe fosse, subm eteu-se sem pre a tal
controle. Isso perm itia às Superioras escrever, sem tardar, h o ra e lu g ar dos
divinos encontros e cada palavra que ela repetia ainda como que sob a ação da
Presença invisível.
Assim, com a mais rigorosa exatidão, foram escritas as palavras, das quais

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nenhum a se devia perder, segundo diria o próprio N osso Senhor.
D urante os dias laboriosos que não lhe deixavam lazer, josefa abandonava,
em lugar seguro suas notas. A tarde, se tinha algum a trégua, ou nas horas livres
do dom ingo, transcrevia-as para satisfazer a obediência.
D eixando a agulha, a m áquina de costura ou a vassoura, subia à cela para
aquele trabalho mais penoso do que qualquer outro. Ali de joelhos, quase sem pre,
diante da m esinha, recopiava com a sua letrinha, irregular m as rápida, as notas
que havia confiado às suas Superioras. Acrescentava à narrativa dos fatos onde
se tinham incrustado as Palavras divinas som ente, um a ou outra exclamação,
brotada do coração, ao relembrá-las e a confissão porm enorizada de suas próprias
m isérias e desfalecim entos.
Foram esses preciosos autógrafos conservados religiosamente.
já em 1938 o livro - Un Appel à YAmour, entragava ao m u n d o algum as das
principais passagens despertando, nas almas, o desejo de m elhor conhecerem
aquilo que apenas pressagiavam as páginas dessa discreta biografia. Parece
chegada a hora de retom ar os cadernos de Josefa e de seguí-los, passo a passo.
Será, sem dúvida, o m elhor meio de responder aos desejos do Coração de Jesus:
Ele anseia por descobrir, ao m undo, as riquezas do seu am or e da sua Misericórdia;
q uer d ar a entender às alm as até onde vai sua condescendência, em levar com
elas a vida ordinária a fim de transform á-la em dias de vida divina." Tem sede
dessa união que nossas fragilidades hum anas não devem interrom per. Tem sede,
m ais ainda, de ensinar às almas a segurança do perdão oferecido incessantem ente
à sua fraqueza. Se, porém , deseja tão vivam ente o am or e a confiança d as
alm as, é p ara associá-las ao Dom total e co n tin u ar com elas a sua obra de
A m or e Redenção.
Tudo isso se im prim iu, dia a dia, na vida de Josefa. E não foi para ela m esm a
q ue N csso Senhor a obrigou a escrever com todos os po rm en o res, — essa
exigência claram ente m anifestada só lhe trazia sacrifício — m as queria que m uitas
alm as recolhessem naquelas páginas as lições e os apelos de seu Coração.
Desde 8 de outubro, dia de seu oferecimento, Josefa encontrou de novo, paz e
luz. Em nada, aliás, fora m odificado seu trabalho quo tid ian o , d u ra n te esse
difícil período, e cada vez que Jesus a p rocurava, achava-a sem p re o n d e a
fixava o dever.
Hoje, sexta-feira, 15 de outubro na m editação — escreve ela — pedia-lhe um
am or forte e corajoso como o de Santa Teresa. De repente, apresentou-se a mim
com os braços abertos e eu não p u d e resistir ao atrativ o d aq u eles braços.
Perguntei-Lhe por que me am ava tanto... e entreguei-m e a Ele a fim de que faça
ou desfaça em m im segundo a sua Vontade. Disse-me:
"Tua miséria Me atrai., sem mim, que serias?...
Q uanto m enor fores m ais perto de ti ficarei; não te esqueças e deixa-m e fazer
o que M e agradar.
N essa m anhã ainda, antes da com unhão, Josefa para preparar-se renova o
ato da entrega total de si m esm a à Vontade de Deus. Mal acabara, Jesus aparece
e diz:

60
Perdôo-te tudo. És o preço do m eu Sangue e quero servir-m e de ti para salvar
muitas alm as que tão caro de custaram ."
D izendo essas palavras, cobriu-m e com a cham a de seu Coração e me deu
muita coragem, pois agora não tenho mais m edo de sofrer. M eu único desejo é
fazer sua Vontade. "
A Santíssim a Virgem vem fortificá-la instantes após. "Filha, não é verdade
que nunca abandonarás m eu Filho? "
"N ão, m inha Mãe, nunca! "
Não tenhas m edo de sofrer, pois, não te faltará a força suficiente.
"Pensa: hoje som ente para sofrer e amar. . a eternidade para gozar!"
" Supliquei-lhe que não me abandonasse e m e obtivese de Jesus a fidelidade.
Enfim, pedi-lhe perdão e Ela me respondeu:
"N ão temas, m inha filha Josefa, entrega-te nas M ãos de m eu Filho e repete-lhe
sem cessar:" ó Pai, bom e m isericordioso, olhai para vossa filha e fazei-a tão
vossa que ela se perca em vosso Coração. Ó m eu Pai, que m eu único desejo seja
cumprir sem pre vossa Santíssima Vontade.
Esta oração Lhe agradará, pois, nada deseja tanto com o o nosso abandono a
Ele. Assim consolarás seu Coração. N ada temas, abandona-te Eu te ajudarei. "
"Parece-m e — continua Josefa — que tudo isso me tornou m ais corajosa e,
como me en treg u ei in teiram en te a N osso Senhor, creio q u e n a d a m ais m e
importa.
" À tarde do sábado, 18 de outubro perguntei-lhe p o r que m e dava tantas
graças sem ter eu nada que as m ereça, ao que me respondeu, d u ran te a adoração,
quando O vi coroado de espinhos:
"Não te peço que mereças as graças que te dou.
O que quero é que as recebas. M ostrar-te-ei a Escola onde aprenderás esta
ciência. Deixa-me agir em ti."
Essa Escola ia abrir-se para Josefa.
Pois desde o dia seguinte, 17 de outubro, — escreve ela— vi-o com o ontem ,
com o Coração todo abrasado e a Chaga cada vez maior. A dorei-o com respeito e
pedí-lhe que m e inflam asse em seu Amor. Então, encostou m inha cabeça no seu
Coração, cujo pulsar eu podia ouvir, e disse:
"Eis a Escola onde aprenderás a ciência do abandono. É assim que poderei
fazer de Ti o que desejo. "
Josefa ensaiava os prim eiros passes nessa ciência. É preciso que ap ren d a a
inteira disponibilidade que, pouco a pouco, deixará ao M estre toda a liberdade.
Dois dias se passam em grande solidão de alma. Começa a indagar se não
Lhe terá desagradado de qualquer modo... Cham a-o. Jesus não resiste à ansie­
dade desse amor.
"Por que Me cham as, Josefa?"
"N ão posso viver sem Vós Senhor, e principalm ente porque tenho m edo de
Vos ter contristado: Não, Josefa, gosto que me chames, tenho tão grande sede
de ser am ado !"
D izendo essas p alav ras, en ch eu -m e desse ard e n te desejo q u e m e d á a

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com preender que ainda não comecei a amá-lo. Pedi-lhe que Ele p ró p rio mo
ensinasse. Fez-me escutar as pulsações do seu Coração... Depois disse:
"Se estás disposta a Me ser fiel, derram arei em tua alma, a torrente de m inha
M isericórdia e conhecerás o A m or que tenho por ti. Mas não esqueças que se te
am o é por causa de tua pequenez e não pelos teus m éritos"
Essa lição de hum ildade repetir-se-á freqüentem ente. Enquanto acende no
coração de Josefa o ardente desejo de amá-lo, Jesus não cessará de colocá-la em
face de sua pequenez e ao m esm o tem po em vista das alm as de que tem sede.
"Hoje, quinta-feira, 21 de outubro na meditação—escreve ela—pedi-lhe alm as
para amá-lo; se quereis Amor, Senhor, atraí m uitas alm as para esta Sociedade
pois, aqui, aprenderão a am ar vosso Coração.
D urante a ação de graças vi prim eiro aquele Coração coroado de espinhos,
envolvido por um a cham a, que creio, não é outra coisa senão o Amor.
U m m om ento depois vi a Ele, estendendo os Braços . Disse:
"Sim, Josefa, só quero o am or das almas, m as elas respondem com ingratidão.
Q uereria Eu cum ulá-las de graças, elas traspassam -m e O Coração. Cham o-as;
fogem para longe de mim. Se aceitares, tornar-te-ei encarregada das alm as, que
m e deres por teus sacrifícios e por teu amor."
"D izendo estas palavras, de novo, aproxim ou-m e de seu Coração. O uvi-lhe
as pulsações que m ergulham m inha alma como em agonia. Depois continuou:
Bem sabes que te quero vítima de m eu Amor. Mas, não te deixarei só. A bandona-
te ao m eu Coração."
D esde então, Josefa ouve distintam ente as m isteriosas palpitações do Coração
do M estre. São apelos de am or que despedaçam o seu Coração.
Entre um a e outra — escreve — passa-se um m om ento e m inha alm a fica em
tal agonia que parece ser arrancada. E dor viva e, ao m esm o tem po desejo de
sofrer ainda mais... pois não desejo senão consolar seu Coração e ganhar-lhe
almas.
Jesus lem bra-lhe seus planos no sábado, 23 de outubro. Repete-lhe:
"N ão te esqueças do que leste em M eu Coração.
M edita-o e não temas. "
N o m esm o dia e de m odo tão especialm ente seu, ensina-lhe que toda a sua
vida deve m over-se no A m or como em atmosfera própria: Josefa trabalha na
rouparia qucindo, de repente, apresenta-se Jesus. Mas a tarefa urge, ela pede
licença p ara ficar no seu posto, desculpando-se dessa liberdade. . . pois não
queria m agoar, m eu Jesus... Mas, Ele desapareceu im ediatam ente. Fiquei com
um pouco de pena de lhe ter dito aquilo— continua ela — e então, para consolá-lo
repetia-lhe sem p arar m inha ternura."
A tarde, quando subia ao terceiro andar para fechar as janelas, de que era
encarregada, continuava andando, a dizer seu am or àquele cujo pensam ento
nunca a deixa.
"D e repente, chegando ao corredor de cima — escreve — vi-o, lá no fundo,
vindo ao m eu encontro."
Jesus está rodeado de um a claridade radiosa que ilum ina o escuro e longo

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corredor, cam inha depressa, com o que ansioso p ara se aproxim ar dela.
"De onde vens, diz Ele."
"Fechava as janelas, Senhor! "
"E para onde vais?"
"Vou acabar, m eu Jesus."
"N ão sabes responder, Josefa. "
"Eu não com preendia o que queria dizer. Ele tom ou:
"Eu venho do A m or e vou para o Amor. Pois, que subas ou desças, estás
sempre no m eu Coração que é o abism o do Amor! Estou contigo. "
E desapareceu, m as deixou-m e alegria tal que não posso dizer.
Essa e n c a n tad o ra h istó ria c o n sag ro u o co rre d o r d o en co n tro qu e, nos
Feuillants, ficou cham ando: "C orredor do Amor. "
Mas nessa época, raras são as horas de consolação. Josefa tem que aprender
por experiência própria o que é abandono e o que valem as almas.
Na terça-feira 26 de outubro nota assim a vinda de N osso Senhor no começo
da meditação:
"Estava Ele com o um d esam p arad o no sofrim ento. A coroa de espinhos
cercava-lhe a cabeça e fios de sangue escorriam-lhe da Face. O Coração tam bém
ferido e dilacerado. N ada dizia. Ofereci-me a Ele e ofereci o am or de todas as
almas para consolá-lo. Disse-lhe que desejava esgotar-m e de am or p o r Ele e
acabei pedindo o fogo do seu Coração para amá-lo. Ele me disse, então:
"Sim, só quero Amor! Contem pla-M e e participa do m eu sofrim ento."
"Depois desapareceu deixando m inha alma em grande solidão."
"Quero que consoles m eu Coração, Josefa, repete na m esm a tarde— Estou tão
só!"
"Não, m eu Jesus — responde ela — eu estou aqui m uito pequena, mas, da
cabeça f.os pés, toda vossa! E, além disso tendes m uitas alm as prontas para tudo
a fim de consolar vosso Coração."
"Sim, mas tantas me abandonam ... e tantas se perdem !"
Vem, aproxim a-te de m eu Coração e partilha da m inha dor.
"Então, ouvi a palpitação daquele Coração. Passou-se u m m om ento, depois
outra se fez ouvir... e assim contei sete... Jesus disse:
"Cada pulsação é um a alma que cham o."
"No dia seguinte, quarta-feira 27 de outubro d u ran te a adoração da tarde,
veio Ele e tornou a dizer:
"Quero que salves estas almas..."
Olha o fogo do m eu Coração: é o desejo que te consum irá de sofrer p o r elas"
"M ostrou-m e no fundo do Coração as sete alm as que está cham ando. "
" Tu as ganharás com teus sacrifícios. Repousa em m im e n ad a tem as."
Lerá Nosso Senhor, na alma de Josefa, o m edo, sem pre presente, de que os
que a rodeiam percebam qualquer coisa?...
Enquanto no dia seguinte, quinta-feira, 28 de outubro, d u ran te a ação de
graças, ela expõe seus tem ores, Jesus vem logo com o se tivesse p ressa em
responder:

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Q ue te im porta, Josefa? Já não te preveni de que serás hum ilhada?"
Esta lição de hum ildade e abandono, fundam ento de tudo que nela quer realizar,
Jesus não se cansará de repetir, porém ela só aprenderá à custa de sofrer e amar.
A tarde, aparece-lhe ainda no m esm o doloroso estado que a leva a escrever:
"C ausava compaixão!... O lhou-m e de tal m aneira que não me p u d e m ais
queixar, pois com preendi que m eu sofrim ento é um a som bra do dele. Ao m esm o
tem po vi atrás dele um a fila interm inável de alm as e, enquanto seu O lhar me
fitava, disse:
"Todas estas alm as te esperam...
"Fiz-te escolher, Josefa. Mas se Me am ares, em verdade nada tem erás."
"Confiei-lhe de novo o m edo que todas essas coisas se descubram , continua
ela.
"Q ue te im porta... é assim que glorificarás m eu Coração.
"Senhor! E que sou apenas noviça,"
E eu sei, m as se Me fores fiel nada disso te prejudicará. N ada temas. "
"Então, ofereci-me para seu serviço a fim de que disponha de m im como
quiser."
" Sim — Farei de ti um a vítima, pois se és m inha Esposa, Josefa, deves ser
parecida com igo e não vês como estou?"
"D esde então não o vi mais."

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Lições e Perdão de Todos os Dias
29 de outubro — 18 de dezem bro de 1920

"Buscar-te-ei no teu nada para te unir a Mim."

Nosso Senhor à josefa — 8 de novembro de 1920.

O oferecimento de Josefa vai conduzi-la m ais adiante no cam inho traçado


pelo Mestre.
Mais que nunca, nos dias seguintes, experim enta toda a coragem e confiança
que lhe pedirá a Vontade divina.
"Estou em tal tentação de frieza e confusão — escreve no fim de outubro —
parece-me não ter mais nem vocação, nem fé, tão insensível me encontro e em
tão grande obscuridade. Ofereço m eu sofrim ento para consolar o Coração Sagra­
do e ganhar-lhe almas, mas até esse pensam ento me põe debaixo dos olhos toda
a minha vida de infidelidade. Ver-me como sou e atrever-m e a rezar p o r outras
almas, deixa-me desalentada. "
Parece que Nosso Senhor se com praz em abandoná-la; abandono aparente
que nada tem de anorm al num a vida espiritual, m as que, sucedendo-se, de re­
pente, às fam iliaridades de am or que sua alma experim entara, a deixam no d e­
samparo a que não está ainda acostum ada. Reage, entretanto, e não cessa de
afirmar o am or a que se quer m anter fiel, apesar de tudo. " Ó m eu Deus —
escreve — quero consolar vosso Coração... Sem ver, sem sentir; creio em Vós e
Vos amo!... E além disso, seria preciso acrescentar?... recorro constantem ente à
Santíssima Virgem."
Oito dias se passaram ... m as com o tem po aum enta a tentação.
No sábado, 6 de novem bro de 1920, Josefa acorda convencida de que tu d o é
inútil e sua vocação está perdida. Tenta m ultiplicar atos de fé e confiança.
No meio desse torm ento — escreveu — só podia repetir as palavras "Jesus,
Jesus," não me abandoneis. H orríveis pensam entos apoderavam -se de m inha
alma e eu suplicava à Santíssima Virgem que me detivesse a tem po se eu não
estivesse em estado de comungar... Assim passei a m editação, depois a Missa;
comunguei, m as só podia cham ar Jesus em m eu socorro e repetir: creio que
estais aqui em m inha alma, ó m eu Deus, sim, creio!
Sua voz respondeu de súbito:
"Aqui estou ! "
"No m esm o instante aquietou-se m inha alma e logo O vi. Trazia a coroa de
espinhos na Cabeça e escorriam-lhe da Fronte alguns fios de sangue. A Chaga
estava aberta e as Mãos m ostravam -m e o Coração. O m eu Jesus! Com o me deixais
só... e tanto tem po ... tão tentada! Não ousava aproxim ar-m e. Então pegou m i­
nha mão na sua e pouco a pouco, não sei como, achei-me perto do seu Coração."
"Q uando te deixo fria — disse — é porque tom o teu ard o r para aquecer
outras almas.

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Q uando te abandono à angústia, teu sofrim ento desvia a Cólera divina prestes
a castigar os pecadores. Q uando te parece que não Me am as e que m e repetes,
assim m esm o, teu amor, é quan d o m ais consolas m eu Coração. Eis o que quero:
que estejas pronta para consolar m eu Coração cada vez que precisar de ti. "
Respondi-Lhe que o que mais me atorm enta é o m edo de ofendê-Lo, pois
bem sabeis que sofrer pouco m e im porta. "
" — Vem, Josefa, não temas, não estás só. N ão posso abandonar-te.
"Bem sabes que é loucura de am or que tenho p o r ti. Q uanto m ais pequena e
h um ilde fores, m ais precisas ser preservada e m ais perto de M im te guardo."
Diante dessa divina garantia, ela não pode senão repetir ainda suas fraquezas,
seu amor, seu abandono...
Supliquei-Lhe que m e desse as virtudes de que tanto preciso, principalm ente
a hum ildade. Interrom peu-m e:
"Tenho h um ildade para teu orgulho."
"Sou tão mole, tão fraca para sofrer!..."
"Eu sou a própria Força. "Afinal, ofereci-me sem nada g u ard ar p ara m im ."
"Dizes bem, Josefa: nada para ti."
"Tu, toda para Mim. E Eu para ti."
"Q uando Eu te deixar só, em angústia, abraça m inha Vontade, abandona-te a
m eu Amor."
O M estre do am or insiste ainda no dia seguinte, 7 de novem bro, q u an d o
m ostrando-se a ela du ran te a meditação, repete:
"Dize-m e que Me am as, é o que mais Me consola."
"Respondi que não quero outra coisa senão amá-lo, a Ele som ente — escreve
— Para tu d o m ais só tenho um a som brazinha de amor. Acrescentou:
Sim, reserva-M e esse coração que te dei e não procures, em tu d o senão amor,
eis o que desejo, M eu Coração abrasado quer consum ir as alm as no ard o r deste
amor."
Ao m esm o tem po, porém , Jesus dá-lhe a conhecer as exigências de tal amor,
que deve, pouco a pouco, consum ir nela tu d o que a natureza tem de vivo e
im perfeito. As m ínim as faltas parecem -lhe verdadeiras infidelidades que lam en­
ta e das quais não cessa de pedir perdão.
A tarde de 8 de novem bro (segunda-feira) — enquanto varria a escada dizia-
Lhe que pena m e causava um m ovim ento de vivacidade que tivera pela m anhã e
que m e dava m uito rem orso. Q uase em baixo da escada vi-O, de repente diante
de m im . Seu olhar me dizia que queria algum a coisa. Acabei de varrer. Depois,
segui-O até o N oviciado. Lá disse-m e ele:
"— N ão te aflijas exageradam ente de tuas quedas, pois de nada preciso para
fazer de ti um a santa. Q uero que não resistas nunca ao que te peço. Deixa-Me
agir, hum ilha-te. N ão procuro senão teu nada para te unir a M im."
Tais palavras ilum inam bem o cam inho por onde aprouve ao Senhor dirigí-la.
A h u m ild ad e a levará a an d ar sem pre p o r ele com segurança, a obediência
traçar-lhe-á a linha.
Logo no dia seguinte, terça-feira, 9 de novem bro, insiste ainda:

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"— Se te faço estas graças é som ente contando com tua fidelidade e obe­
diência a M im e à tua M adre que Me representa.
A bandona-te a m eu A m or repito-te. Q uero que sejas a vítim a da divina Justi­
ça e o alívio do m eu Amor. Imolar-te-ei, m as com flechas de Amor. N ão tem as
nada, estás no fundo de m eu Coração. A bandona-te e deixa-M e agir. "
A ação divina continua através de provações, nas quais Josefa só discerne a
própria fraqueza. Dez dias depois, deixando-a a braços com o esforço laborioso,
longo, obscuro, difícil de sustentar contra tentações de fora e de dentro. Entre­
tanto — escreve na Sexta-feira, 19 de novem bro — parece-m e não O ter ofendido
no meio de tantos assaltos."
Mas depara-se de novo esse ponto de interrogação à sua alma delicada, q u an ­
do na m esm a tarde, estando em adoração diante do tabem áculo, Jesus lhe ap are­
ce com o Coração ferido e rasgado de chagas.
O m eu Jesus! Eu é que firo assim o vosso Coração?. Ele não me deixou acabar:
"N ão és tu, Josefa. É a frieza das alm as que não correspondem a m eu Amor.
Se soubesses m inha dor de am ar e não ser am ado! . . . '
Então seu Coração tornou-se como u m incêndio! " — Eis o que teu am or fez
de meu Coração; pois q u an d o te sentes fria e pensas não amar, é então, que
reténs m inha Justiça prestes a castigar as alm as. Um único ato de am or, feito na
solidão, em que te deixo repara, em grande núm ero, as ingratidões de que sou
alvo. M eu coração conta esses atos de teu am or e os recolhe com o bálsam o
precioso."
Toda sua angústia desaparece na cham a que brota da divina chaga e a cobre
por um m om ento,
"— Rezei por todas qs almas, suplicandoTLhe que m uitas O am em e conhe­
çam a bondade do seu Coração."
"— A grada-M e que estejas assim esfom eada do m eu A m or e consum ida em
desejos de Me ver am ado. E só o que consola m eu Coração. Sim, reza pelas
almas, pelas sete que te confiei. A inda alguns sacrifícios e breve voltarão."
No sábado, 30 de novem bro, depois da com unhão, é com o u m pobre que Ele
vem m endigar-lhe o amor. M uitas pequenas chagas rasgavam -lhe o C oração —
escreve ela. Dize-Me, Josefa, que não farias para Me consolar?... Partilha um
pouco da am argura de m eu Coração.
Então, m inha alma ficou com o que desam parada. Ele estava sem pre ali. E
pouco a pouco seu Coração se abrasou e todas as C hagas desapareceram ."
"Escuta — disse — quero que me dês almas. Para isso não te peço outra coisa
senão A m or em todas as tuas ações. Faze tu d o p o r amor, sofre p o r amor, traba­
lha por am or e, sobretudo, abandona-te ao Amor. Q uando te faço sentir a angús­
tia e a solidão, aceita-as e sofre no amor. Q uero servir-M e de ti com o do bordão
sobre o qual se apoia u m a pessoa cansada... Q uero p assu ir-te, envolver-te,
consumir-te toda inteira, m as tudo isso, com grande suavidade, de m odo que,
sofrendo um m artírio de amor, desejes sem pre sofrer mais."
Essas visitas, efetivam ente, deixam Josefa diante de sofrim entos que a des­
norteiam, às vezes, não esgotam a sua generosidade.

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"De alguns dias para cá — escreve ela — m inha alma está im ersa em um a
espécie de tem or de D eus e sob o peso da sua Justiça... Parece que nunca m ais
sairei deste abismo.
Jesus, entretanto, a sustenta e no dom ingo, 21 de novem bro, d u ran te a missa,
aparece-lhe de repente.
— Venho repousar em ti, pois sou tão pouco am ado! Procuro am or e não
encontro, senão ingratidão. Raras são as alm as que Me am am de verdade. "
P erg u n tei-L h e se n ão recebia alg u m consolo neste N o v iciad o . D epois
ofereci-Lhe para O consolar o am or da Santíssima Virgem, o dos santos, o de
todas as alm as fiéis e tam bém o m eu."
Sim, ama-Me, Josefa, e não te canses de m o repetir."
Ela responde com todo o coração à ordem do M estre e apesar da obscuridade
em que a m ergulha a V ontade divina, "tentei — escreve no dia seguinte —
repetir-lhe com toda m inha alma: Eu vos am o ó m eu Jesus!'
"Eu tam bém — respondeu Ele de repente, na m editação."
Estava sem luz em torno de Si, e como um pobre. Fiquei em silêncio. Mas
com o Ele me olhava com tristeza, atrevi-m e a falar e disse, sobretudo, m eu dese­
jo ardente de consolá-Lo."
"—Sim, hoje deves consolar-M e e, para que não me esqueças um só instante,
ficarei a teu lado."
N o fim da m editação, como Ele não se ia, eu disse: agora, Senhor, tenho que ir
varrer. Mas, bem sabeis que tu d o que faço é unicam ente por vosso amor. Duas
vezes ainda du ran te o trabalho perguntou se o am ava."
"— Repete-M e, a m iudo, para suprir o esquecim ento de tantas almas! "
A quela segunda-feira, 22 de novem bro, passou-se toda inteira na divina com ­
panhia.
"Ele sem pre ali — escreve Josefa — sem nos separarm os um só instante."
De tem pos a tem pos, Jesus a detém no meio da tarefa: Enquanto ela varre o
antigo claustro do velho m osteiro forrado de ladrilhos prim itivos:
"— Por que estás fazendo isso? — pergunta.
E parece alegrar-se com a resposta que já sabe de antem ão, m as que espera
que Lhe repita: "Senhor, porque Vos amo. Vedes todos os ladrilhos desse corre­
dor?... tantos são, quantas vezes Vos digo que Vos amo! "
M ais tarde, quando vai buscar carvão no jardim:
"— Q ue estás fazendo?"
"Senhor esforço-me por provar m eu am or nessas pequeninas coisas. "Ele con­
tinuou:
"H á m uitas alm as que julgam que o am or consiste som ente em dizer, "Eu Vos
amo, ó m eu Deus! Não, o am or é suave, age porque am a e faz tu d o am ando.
Q uero que Me am es deste m odo, no trabalho como no repouso, na oração e no
consolo, como na m ágoa e na hum ilhação, provando-M e, sem cessar, esse am or
com tuas obras, pois é isso, o amor. Se as alm as com preendessem com o se adian­
tariam na perfeição, e como Me consolariam o Coração! "O jugo dessa Presença
divina inquieta Josefa, principalm ente quando está entre as Irmãs. Parece-lhe, às

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vezes, não p o d er m ais m anter a necessária atenção ao trabalho em face da
M agestade de Deus que a em polga. O m eu Deus — escreve — que irá aconte­
cer? Tenho m edo de esquecer tu d o ... Um pouco antes de meio dia, pedi-lhe que
se fosse pois precisava servir as m eninas no refeitório. M as Senhor, não Vos
esquecerei, m esm o assim! Jesus respondeu:
" — Vai dizer à M adre que estou contigo e pergunta que deves fazer... Vamos
juntos." Docilmente parte Josefa à procura da M adre Assistente e lhe expõe seu
embaraço. Mas é im possível libertá-la daquela tarefa. Ela se desculpa junto ao
Mestre pela inutilidade da tentativa.
"— E verdade, Josefa, m as fizeste assim um ato de h um ildade e de obediên­
cia.
Toda a tarde prossegue ela nesta vida de intim idade. Se agora Jesus a torna
visível para Josefa, não será para reanim ar mais tarde, em m uitas alm as, a fé na
realidade invisível — quanto mais autêntica e mais segura ! — de sua Presença
pela graça ?
Ela, entretanto, na sim plicidade de sua fé, não se com praz nesses favores,
mas os teme e receia não poder escondê-los em torno de si.
"Como term inará tu d o isso?... Senhor! — diz ela — Bem vedes com o custa
prestar atenção a qualquer coisa fora de Vós e, dentro em pouco, percebê-lo-ão..."
"Escuta, Josefa, se um a criancinha se encontra diante de um a íngrem e ladeira
para subir, m as está com seu pai, deixá-la-á cair?..."
"Estas palavras me deram m uita confiança e me abandonei, de novo, à sua
Vontade. "
A tarde, Jesus, que não a deixara um só instante, acaba as lições do dia,
aparecendo-lhe d u ran te a adoração na capela:
"O que hoje me consolou — diz Ele foi que não me deixaste só. E o que Me
agrada em ti é tua pequenez. Assim deves ter-Me sem pre presente. E quanto
mais pequena e miserável te vires, tanto m ais podes ficar certa de que estou
contente contigo. "
" Então pondo a M ão sobre m inha cabeça — continua Josefa — acrescentou:
"— Não esqueças que serei o divino Tormento de teu ser e que és a vítim a de
meu Amor. Mas sou teu am paro e enquanto fores fiel, não te abandonarei."
"Depois desapareceu. "
Entretanto, Nosso Senhor não lhe perm ite deter-se em si m esm a. A presença
habitual com que a favorece, não tem outro fim, nos planos divinos senão o de
malear o instrum ento e adaptá-lo à M ão que o quer utilizar para a salvação do
mundo. Cada vez m ais deverá ela ocupar-se das almas.
"No dia seguinte — escreve, na terça-feira, 23 de novem bro — pedi-lhe que
desse a todas as Irmãs, assim como me dá, a alegria de estar a seu serviço. No
mesmo instante, veio e me disse:
"— Estás satisfeita, m esm o sofrendo?"
"Sim. Senhor, porque é por Vós. "
"— Q ueres carregar o fardo de outras almas?"
"Sim Senhor, contanto que Vos amem!"

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"— Pois bem , tu sofrerás porque és vítim a de m eu Amor, m as no amor, na
p az e na alegria, sem pre e em tudo. Foi por esse tem po que N osso Senhor lhe
disse:
"U nirei à tua a fidelidade de m uitas almas."
E pela prim eira vez, sem pre tendo em vista as alm as, vai dar-lhe parte nas
dores da sua Coroa de Espinhos .
" Eu estava na capelinha de Santo Estanislau — escreve na sexta-feira, 26 de
novem bro — Pedia-m e Ele que O consolasse e eu procurava o que fazer para
isso. "
"— Deixar-te-ei um m om ento m inha Coroa, Josefa, e verás o que é m eu Sofri­
mento! "
" N esse instante, senti m inha cabeça como que cercada de espinhos que se
enterravam profundam ente."
M uitas vezes repete-se aquela dor, " tão grande que ia quase a queixar-m e,
mas Ele disse:
"— N ão te queixes desse sofrim ento pois nada te aliviará. E um a participação
no m eu.
D esde então a coroa de espinhos entra na vida reparadora de Josefa. O ra, será
o testem unho de sua união com Jesus crucificado, ora, a p arte de sofrim ento
confiada a seu amor, ora, o sinal do perdão longam ente desejado. Em outras
épocas, não lhe deixará a fronte. Sofrim ento m isterioso, aliás, do qual não trará
m arca visível. M edir-se-Ihe-á a intensidade pela palidez extrem a do rosto e pela
dolorosa expressão dos olhos. A cabeça inclinada para a frente não encontrará
repouso dia e noite, e ninguém poderá aliviá-la do peso daquela dor.
E assim que ela continua o aprendizado da O bra de Redenção para a qual fora
escolhida. Jesus revela-lhe, pouco a pouco a solicitude do seu Coração à procura
das ovelhas desgarradas com aquela bondade que nunca se enfada. Pelos fins de
novem bro, confia-lhe um a arm a a propósito da qual ela escreve no dom ingo 28
de novem bro:
"O ntem , veio Ele à rouparia onde eu trabalhava, com o Coração ferido e o
Rosto com o o do " Ecce H om o "— Até que aquela alma torne a mim, disse —
virei p a ra te p e d ir o am o r q u e ela Me recusa. "P or volta de u m a e m eia,
acom panhei-o ao dorm itório, ao lugar onde está m inha cam a e O adorei com
m uito respeito."
"— Para que m elhor com preendas m inha dor, far-te-ei participar dela."
"Então, m inha alm a foi tom ada de angústia: Jesus ficava ali, com o Coração
dilacerado e o Rosto triste. N ada dizia. Consolei-o como pude... Q uando partia:
" — Tu me repousaste disse — porque me deste amor."
"N a segunda-feira, 29 — escreve ela — Ele me disse d u ran te a oração.
"— Deixo-te m inha Coroa de Espinhos e oferecer-me-ás a dor p o r aquela
alm a. Se ela tard ar a vir nós dois unirem os nosso ardente desejo de sua volta.
Assim m eu Coração será consolado."
Mas ao m esm o tem po que N osso Senhor lhe transm ite o ard o r com que espe­
ra as alm as, dá-lhe a experim entar, em si m esm a, a longanim idade do Coração

70
Sagrado. Ela conhece a p ró p ria fraqueza e quão facilm ente é v u ln eráv el às
menores sugestões da tentação, se o M estre a abandona às p róprias forças.
“N ão posso exprim ir o que sofro — continua ela no dia 29 de novem bro —
Minha alma parece longe dele... m eu corpo esgotado e sem coragem ..."
Pergunta ao M estre o que quer fazer dela nesse estado de im potência e afli­
ção.
“O que quero — responde — é que vivas tão unida ao m eu Coração que nada
seja capaz de te afastar dele."
E solicitando-lhe sem pre mais generosidade:
"Quero repousar em ti — diz — N ão Me recuses o que Me pertence."
"Eu que tenho tanto m edo de não ter mais tem po de trabalhar, confessa Josefa,
disse: mas Senhor, vou ficar atrasada no m eu serviço!"
"Não sabes que sou o Dono do teu coração e de todo teu ser?"
Sabê-lo-á suficientemente?... Ela se furta ao apelo e Jesus desaparece. M uitas
resistências contra esse cam inho extraordinário, exigirão m últiplas renovações
de perdão. Somente através de incessante luta aprenderá, pouco a pouco, "a
ciência do abandono". Seu apego à vida com um perm anecerá até o fim, com o
fonte de repugnâncias e tentações. O M estre deixa-lhe m atéria de com bate para
ter, ao que parece, a alegria de lhe descobrir, cada vez mais, sua incansável M ise­
ricórdia.
"Não O vi mais!... Mas não posso viver sem Ele... e desde que p artiu não
cesso de pedir perdão — escreve ela — . O ntem , 3 de dezem bro, depois do traba­
lho, estive um instante na tribuna diante do Santíssim o Sacram ento exposto: ó
meu Jesus! não m ereço ver-Vos, m as dai-m e algum a prova de vosso perdão.
Fiquei sem dizer nada. De repente, todas as tentações destes últim os dias desa­
pareceram e senti em torno da cabeça a coroa de espinhos." A este sinal, p renún-
cio do Perdão divino, ia seguir-se um a das incom paráveis provas de b o n d ad e e
confiança de que foi sem eada a vida de Josefa e que por si só, revelam o Coração
de Jesus.
"No dia seguinte, sábado, 4 de dezem bro, depois da santa com unhão, ap re­
sentou-se a mim, como um Pai que espera a filha:
"— Vem, dize-m e todos os teus receios." E m ostrando-m e o Coração:
"— Se não sabes sofrer, vem cá!...
"Se temes ser hum ilhada, vem cá!...
"Se tens m edo, aproxim a-te mais ainda de Mim!..."
"Disse-lhe como essas graças m e am edrontam porque não as mereço.
"— Eu sei que não as mereces. M as o que quero é que as recebas. Josefa
explica a tristeza de sua alma, pois quanto m ais conheço sua B ondade — conti­
nua ela — tanto mais pena tenho de ver o que sou para com Ele. A proxim ando-m e
do Coração Ele disse:
"Q uando um a criancinha vira as costas ao pai, este não se ofende... Vem, pois;
repousa no m eu Coração."
E ela lhe lem bra a alma que Ele lhe confiara havia alguns dias e que ela não
podia esquecer:

71
"— Sofre ainda por ela — disse Ele — já se está aproxim ando de Mim.
Enche-a d e ad m iração e de desejo tan ta b o n d a d e co m p assiv a. Q u isera
corresponder e lastim a am argam ente sua im potência e o que cham a sua ingrati­
dão. M as a Santíssima Virgem está perto para reconfortá-la: Veio — escreve na
segunda-feira, 6 de dezem bro — enquanto eu estava na m editação, ped in d o a
N osso Senhor, seu Perdão e seu Amor."
"— Filha — diz Ela — não te entristeças assim! N ão sabes o que é Jesus para
ti?... E bom que sofras no silêncio, m as sem angústia; que am es m uito, m as sem
olhares se am as e sem saberes que amas. Se caíres não te aflijas dem ais. Nós dois
estam os aqui para te levantar e Eu nunca te abandono."
"Expliquei-lhe que m eu m aior sofrim ento é não poder seguir em tu d o a vida
com um . Tenho m edo, principalm ente, de ser notada em algum a coisa. "
"— N ão esqueças que é para as almas. Se o inimigo está tão encarniçado em
te fazer voltar atrás é porque vê em ti como um rio, que no seu curso, arrastará
as alm as a Jesus.'
Pedi-Lhe que me abençoasse e não me deixasse só, pois bem vê com o sou
fraca!"
"— Sim, abençôo-te e te amo!"
N o dia seguinte, terça-feira, 7 de dezem bro, aquela Mãe boníssim a voltou
ainda:
"— Se queres consolar Jesus, vou dizer-te o que Lhe agrada: oferecerás tudo
pelas alm as sem nenhum interesse pessoal m as unicam ente pela glória do seu
Coração...
E acrescenta, especificando, o esforço a fazer:
"— Até que Eu te diga que basta, recitarás todos os dias nove Ave M arias com
os braços em cruz. Fá-lo-ás, hum ilhando-te, reconhecendo teu nada, m as ao m es­
m o tem po adorarás a Vontade divina e deixarás toda a liberdade a teu Criador, a
fim de que faça de ti o que quiser. Confia em seu Coração e em m im que sou tua
Mãe."
N osso Senhor, alguns instantes depois, afirm a ainda, outra vez, os direitos
que sua Mãe acaba de citar e relem bra à Josefa seus Desígnios sobre ela.
D urante a Ação de Graças, cobriu-m e com a cham a de seu Coração, dizendo:
"— Desejo que Me deixes toda a liberdade para estabelecer um a corrente en­
tre m eu Coração e o teu, de tal m odo que fiques em Mim sem viveres em nada
para ti m esm a.'
"Ficou um m om ento em silêncio, consum indo m inha alm a, no ardor daquela
cham a. Depois, acrescentou:
"— Q uero que Me ajudes com tua pequenez e tua m iséria a arreb atar as
alm as que o inim igo quer devorar. " Pelo meio dia apareceu com a Face radian­
te:
"—Vem, repousa e saboreia a alegria de meu Coração. Mais um a alma vol­
tou a mim!" E assim, através dessa sucessão de lutas, obscuridade, hum ildes
esforços, N osso Senhor a reanim a m ostrando-lhe que o Amor sabe tirar parti­
d o de nossos combates.

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A Festa da Im aculada Conceição está próxim a. Esse dia não pode su rg ir
sem que a Santíssima Virgem o ilum ine com sua presença. Parece que ela tem
pressa, pois, desde a aurora, aparece à filha:
"— Filha, não tem as nunca nem os sofrimentos, nem os sacrifícios — diz Ela;
os caminhos de Deus são assim. Se quiseres sair vitoriosa dos assaltos do inim i­
go, recom endo-te duas coisas: prim eiram ente hum ilhar-te, pois nada és e nada
mereces... tudo é graça de teu Deus; segundo, quan d o te sentires abandonada,
cercada de tentações, quando tua alma estiver fria e sem forças para combater,
não deixes nunca a prece. Reza com hum ildade e confiança e vai logo abrir teu
coração àquela que m eu Filho te deu por Mãe na terra. Crê, m inha filha, assim
não te enganarás. Recebe m inha bênção. Bem sabes que sou tua Mãe!"
Estes conselhos m aternos bem pressagiam a proxim idade de m aior provação
e da tram a do dem ônio contra os planos de Deus. Mas é preciso que Josefa se
fortaleça na luta quotidiana e será ainda a Santíssima Virgem que virá ajudá-la.
Na sexta-feira 10 de dezem bro, depois da com unhão, traz-lhe a coroa de espi­
nhos, penhor das predileções de seu Filho.
"— Olha — diz Ela — sou Eu que trago para que te seja m ais suave."
"Ela própria enfiou-a na m inha cabeça" — escreve Josefa, que lhe diz quanto
receia estas graças.
"— Se recusares, filha, expor-te-ás à perdição. Se aceitares, sofrerás, m as n u n ­
ca te faltará força. Eu não te abandonarei, pois sou tua Mãe e nós dois te ajudare­
mos."
Logo no dia seguinte, 11 de dezem bro, Nosso Senhor pede-lhe nova prova de
amor."— Hoje — diz Ele d u ran te a ação de graças — quero aprisionar-te no m eu
Coração." E alcançando-a pouco depois quando varre o dorm itório das m eninas:
"— Q uando Eu te cham ar — disse ele — deixa tudo." "Segui-o p erto do
N oviciado."
"— Q uero ser teu torm ento, Josefa, tu serás m eu repouso. Sou com o um
viajante que cam inha e procura de, tem pos em tem pos, um abrigo p ara descan­
sar. Es tu este abrigo."
Ela mal ousa form ular o receio habitual:
Mas, Senhor, que acontecerá se não me deixardes trabalhar?... "
Jesus responde com a grande lição de abandono:
"— Q ue te im porta, se estás no m eu Coração!."
Depois penetrando, com O lhar no mais íntim o da alm a que vê acabrunhada
pela dor:
"—Lembra-te do que sofri na m inha paixão e tu d o p o r ti..."
"A única coisa necessária é que Me sejas fiel."
Ele a m antém assim prostrada a seus pés até que tenha consentido na Sua
Vontade.
"— Levanta-te e trabalha — diz então — ficarei perto de ti. "
Depois acrescenta:
"— Olha o fogo do m eu Coração... Há, entretanto, alm as tão geladas que esta
chama não basta para aquecê-las!... "Perguntei como pode ser que elas não se

73
abrasem ao contato com seu Coração? "
"— É que não se aproxim am — respondeu."
Então, com solenidade que im prim e no fundo da alma cada palavra sua, Jesus
descobre o segredo da generosidade total:
"O A m or não é am ado: pensa nisso e nada Me recusarás!"
A noite cai depressa sobre aquelas horas lum inosas e, na m esm a tarde, Josefa
sente levantar-se nova o n d a de rep u g n ân cia e tem or d ia n te d essas coisas.
Parece-lhe que tu d o é engano e tal força tom a esta idéia, que sua alm a em breve
fica reduzida à m ais extrem a aflição.
"Passei assim do dia 11 ao dia 17 deste m ês de dezem bro — escreve ela
depois de ter porm enorizado o período sombrio. — N esse dia, pela tardinha, fui
à capela e, com toda m inha alma disse a Jesus: S e n h o r! não perm itais que eu seja
infiel e ponde-m e no fundo do vosso Coração para que eu m orra sem nunca m e
separar de Vós."
N esse m esm o instante N osso Senhor lhe aparece. Seu Coração está aberto e
todo abrasado:
"— Com o queres que te ponha m ais no fundo, Josefa?... Q u an d o pensas que
te afastas de m im — acrescenta — é então que te coloco m ais fundo no Coração,
p ara te g u ard ar em segurança. "
E, com o se essa garantia não bastasse a seu Amor, logo no dia seguinte, sába­
do, 18 de dezem bro, revela-lhe o trabalho profundo executado d u ran te o sofri­
m ento. "
D epois da com unhão aparece. Sobre o Coração repousam três almas.
'Via-as com o crianças pequeninas que Ele agasalhava com o braço direito."
"— Q ue te im porta sofrer diante disto!... disse."
"N ão com preendi bem e, então, continuou:
"— Sirvo-me de tua m iséria para salvar as almas, Josefa. Vê o preço de teus
sofrimentos!
"E m ostrou as três alm as reclinadas sobre seu Coração. "
"— Q uero que sejas vítim a deste Coração - continuou Ele — N ada Me recu­
ses, consola-M e cada vez que precisar e lem bra-te de que nada tenho p o u p ad o
para te provar m eu Amor."
D epois de tais palavras, só faltava à Josefa a m ão de sua M ãe do C éu para
orientá-la definitivam ente, naquela generosidade que nada recusa e a nad a se
p o u p a pelas almas.
"—Filha de m eu Coração—disse Ela, aparecendo instantes após — nada recu­
ses a m eu Filho, suplico-te. N ão som ente tua felicidade, m as a de m uitas almas,
d epende de tua generosidade. Se fores fiel e se te abandonares, m uitas alm as
aproveitarão dos teus sofrimentos. Se soubesses o que vale um a alm a!... Repito-te:
és indigna de tantas graças, é verdade, m as se D eus quer servir-se de tua peque­
nez, tens direito de hesitar?..."
"Pedi-Lhe a bênção; Ela pôs a m ão sobre m inha cabeça e partiu."

74
O Apelo das Almas
19 de dezem bro 1920 - 26 de janeiro 1921

" Quero servir-M e de teu so frim en to para


a salvação de m u ita s a lm as. "

(Nosso Senhor à Josefa — 25 de janeiro (1921).

Há cinco meses que Josefa revestiu o santo hábito. N osso Senhor lhe trabalhou
a alma incessantem ente para torná-la maleável sob sua ação.
M ostrou-lhe o eco redentor de seus sofrim entos e com bates e, tam bém , a
repercussão de sua fidelidade sobre a salvação das almas.
De ora em diante cam inhará ela sob essa d u p la luz e entrará m ais além nos
interesses do Coração de Jesus.
No dom ingo, 19 de dezem bro, pela m anhã, ouve a tão conhecida voz do M es­
tre:
"Josefa!"
Olha em volta e não O vendo, continua a tarefa. C hegando, porém , ao pé da
escada próxim a à capela "senti-m e atraída — diz — e subi ao N oviciado. Lá
estava Ele... Do seu Coração jorrava um a torrente de água."
"É a correnteza do Amor, Josefa, pois teu m artírio será de am or."
Ela que não tem outra am bição senão am á-lo e torná-lo am ado, exclama:
"O m eu Deus! para Vos ganhar almas, não recusarei nada. Sofrerei quanto for
preciso, contanto que não me deixeis nunca sair do vosso divino Coração."
"E assim que Me consolas—respondeu Ele com ardor. — N ão espero de ti
outra coisa. Se és pobre, sou rico. Se és fraca, sou a própria Força. O que te peço
é que nada Me recuses. Eu te defenderei, te levantarei. N unca te deixarei só.
Abandona-te e farei tudo."
Depois, atraindo-m e ao Coração:
"Já que estás pronta para sofrer, sofram os juntos. Pouco im porta tua p eq u e­
nez. Sou Eu que te sustentarei."
Então, todo o seu ser fica m ergulhado em dor. M as Jesus, fiel à prom essa,
fortalece-a, reanim a-lhe a coragem e lem bra que ela está un id a à divina Oblação.
"Estás sofrendo na alma e no corpo — diz Ele — porque és vítim a, tanto de
minha Alma quanto de m eu C orpo. Com o não sofrerás em teu coração se te
escolhi para vítim a do m eu Coração?"
E colocando-a diante das almas:
"Escuta as pulsações deste Coração... é pelas alm as que estou cham ando...
Espero-as... Cham o-as de novo e, enquanto não responderem , esperá-las-ei con­
tigo. Sofreremos, porém elas voltarão, voltarão breve ! "
Prolonga-se d urante todo o dia a participação na oblação e na espera do C ora­
ção de Jesus. A tarde, Jesus traz a Coroa, p enhor da divina fidelidade que a
amparará sem pre, e pondo-a na cabeça dela:

75
"Q uando dois esposos se am am de verdade —diz — um não p o d e sofrer
sem o outro. M as não te esqueças de que sou tua força."
Assim a união vai se estreitando nessa com unidade de sofrim ento.
N o sso S e n h o r n ã o fica m u ito te m p o sem r e ite r a r s e u s D esejo s e
freqüentem ente, no meio do trabalho, vem surpreender Josefa.
"Estava eu no dorm itório, fazendo as cam as das m eninas e repetindo-lhe que
o am o — escreve em 21 de dezem bro, terça-feira — De repente, Ele veio buscar-
m e com o rosto todo ensangüentado.
"Vem, preciso de ti."
Ela subiu à pequena m ansarda onde se acha sua cama. Jesus a esperava.
Com o na véspera, um a torrente escapava-lhe da Chaga. Ele a conserva em silên­
cio, algum tem po perto de Si depois aproxim a-a do Coração e lhe com unica um
pouco de sua A ngústia e de sua Dor.
"C ham arei ainda aquelas alm as — diz afinal — e não nos cansarem os de
esperá-las. M eu Coração está tão dolorosam ente ferido pela perda das almas!
principalm ente quando são m inhas escolhidas!''
Josefa reza e sofre por longo tem po com Jesus, depois recolhe essas graves
palavras que são um a ordem do Amor:
"Q uero que hoje te ofereças como vítim a e que todo teu ser sofra para Me
ganhar aquelas almas. H um ilha-te e pede perdão. Estou contigo."
Então, envolvendo-a no fogo do seu Coração, acrescenta:
"Coragem! Sofrer é o m elhor dom que te posso dar, pois, foi o cam inho que
escolhi para M im."
Parece que ela com preendera o valor desse dom e já se calcula o progresso
efetuado desde o dia em que Nosso Senhor lhe perguntava:
Amas-M e? Já agora pode dizer:
"Q ueres sofrer ?"
N o dia seguinte, quarta-feira, 22 de dezem bro escreve ela:
Depois da com unhão, vi-o com as Mãos atadas e a cabeça coroada de espi­
nhos. G otas de sangue caíam-lhe do Coração p o r um a pequena ferida, outras
escorriam -lhe da Chaga.
"O lha em que estado Me encontro, Josefa. Q ueres sofrer?"
"Sim, quero, Senhor! "
Toma a Coroa e se queres desatar m inhas M ãos procura hoje o que te custar e
m ortificar e m ultiplica, p o r Mim, atos de Amor.
"Se as alm as conhecessem esse segredo, como se tornariam outras!... Com o
estariam m ortas para si m esm as e como consolariam m eu Coração! "A tarde
voltou continua ela—as Mãos estavam desatadas e não havia m ais traços de
sangue em seu Rosto. A proxim ou-m e do Coração e disse: "O que sofres não é
nada se aquelas alm as vierem a Mim." D urante noites e dias consecutivos Josefa
não cessa de se oferecer.
"A única coisa que peço — escreve ela — é fidelidade e coragem pois não
quero gozar sobre a terra.
Jesus responde à sua prece:

76
"Nem eu te peço senão um a coisa: am or e abandono."
E explicando o que entende por esse desejo:
"Quero que sejas como um recipiente vazio que Eu m e encarregarei de en ­
cher. Deixa teu C riador encarregar-se da sua criatura. Q uanto a ti, não p oupes
medida."
Na mesma tarde, estam os em 24 de dezem bro —Ele lhe lem bra a razão desse
" amor sem m edida " com o qual quer contar.
"Estava eu na rouparia e ouvi a voz:
"Josefa! M inha Esposa!"
"Eu não o via m as disse: Q ue quereis, Senhor?"
"Ele não respondeu. Pouco depois, na capela, durante a adoração, cham ou-m e
outra vez:
"Josefa! M inha Esposa!"
"Senhor, por que me cham ais de Esposa se não sou m ais que um a noviça?."
Não te lembras do dia em que te escolhi e que Me escolheste?... N aquele dia tive
compaixão da tua pequenez. N ão quis deixar-te sozinha e fizemos aliança para
sempre. Eis porque não terás outro am or senão o de m eu Coração.
"Eu te pedirei e darei o que me aprouver. Tu, porém , não Me resistas nunca! "
Essa divina escolha vai confirm ar-se na noite de Natal, quando, pela prim eira
vez Josefa ouve o apelo que em hora sem elhante conduziu os pastores ao presé­
pio. Como eles, contem pla aquele Pequenino nos braços de sua Mãe .
"Durante a missa da m eia-noite — escreve, no sábado, 25 de dezem bro, —
estava no meio da capela para ir à santa m esa quando vi a Santíssim a Virgem,
vindo ao m eu encontro. Trazia nos braços o M enino Jesus, recoberto p o r um véu
branco, que ela retirou logo que com unguei. Estava vestido com um a camisa
branca e tinha as M ãozinhas ao Peito.
Depois não O vi mais. Q uando cheguei ao m eu lugar, a Santíssim a Virgem, de
novo, se aproxim ou bem perto. Levantou um p ouquinho o M enino que trazia
nos braços. O M enino Jesus abriu os bracinhos e acariciou a Mãe. Depois, com a
Mãozinha direita, parecia pedir a m inha e eu lha dei. A garrou m eu d ed o e o
apertou na Mão. Um delicioso perfum e, não sei de que, envolvia a am bos. A
Santíssima Virgem sorria e disse:
"Filha beija os Pés daquele que é teu D eus e que será teu C om p an h eiro
inseparável se não o repelires. N ada temas. Aproxima-te. Ele é todo Amor."
Beijei-lhe os Pezinhos. Ele me olhou. Depois cruzou os Bracinhos sobre o
Peito. Então a Santíssima Virgem O cobriu com o véu, olhou-m e e pedi-lhe a
bênção. Deu-ma com a m ão sobre m inha cabeça e desapareceu.
"Desta vez — explica Josefa que nunca perde o instinto de costureira — a
Santíssima Virgem estava vestida com um a túnica branca e um m anto rosa páli­
do, o véu tam bém rosa, m as de pano mais fino. A cam isinha do M enino Jesus era
de um tecido que não conheço. Era leve como espum a. Ele tinha em volta da
Cabecinha, um a auréola de luz e a Santíssim a Virgem tam bém ."
A irradiação da festa do N atal estende-se nos dias seguintes e, depois de tê-la
associado às suas dores redentoras, Jesus fá-la participar da sua alegria de Salva­

77
dor. Logo na m anhã seguinte, aparece-lhe, radiante de beleza, tendo apoiadas
sobre o Coração as d uas alm as que, tão longa e ardentem ente, esperara e cham a­
ra. "Olha, m inha Esposa — disse: Salvamo-las!
Teus sofrim entos consolaram-M e o Coração."
Espera-a ainda outra prova das predileções daquele Coração Sagrado. A data
de 27 de dezem bro, d u as vezes lhe m arcará a curta vida religiosa de cunho
particular. E um parentesco de graça com São João, o discípulo predileto, cujas
celestes visitas não tardarão.
V aria u m p o u co a fo rm a d e seu s re la tó rio s. Ela n o ta n a q u e le d ia —
segunda-feira, 27 de dezem bro de 1920 — a prece que repete sem cessar: "D e­
pois da com unhão pedia amor!" — prece à qual Jesus responde sem pre, m esm o
na obscuridade da fé. Mas hoje apraz ao M estre do Amor, dar-lhe disso um a
prova, cum ulando-a extraordinariam ente. "Jesus veio — narra ela sim plesm ente
— Eu não sabia com o olhar para Ele porque não ousava fitar-lhe o Rosto. Ele me
atraiu a Si e ouvi bater seu Coração. Então, entrei nu m sono que não sei bem
explicar. Vi, prim eiro um a luz m uito viva, m as que não cansava a vista e um
espaço im enso cuja entrada era pequenina. Ali, parece que todos os sentidos
encontram delícias, enquanto a irm ã se acha envolvida p o r Deus. Creio que fico
p erd id a nele... em briagada por Ele. Encontrava-m e como da prim eira vez, no dia
5 de junho na Chaga d o seu Coração! N ada me disse Ele. M inha alm a, entretanto,
nunca foi tão inundada de felicidade. Depois, tu d o desapareceu."
Sem transição, acrescenta. "N a m esm a tarde Jesus m e deixou só."
Será ainda preciso pôr em evidência o m étodo divino pelo qual N osso Senhor
a desapega bruscam ente, desses gozos sobrenaturais e puros? São apenas, aqui
na terra, com o um relâm pago destinado a iluminar, por um instante, o cam inho
abrupto que leva às alturas.
"N o dia seguinte — continua ela — m inha alm a se achava tão fria e árida que
precisava de grande esforço para dizer algum as palavras a N osso Senhor.
Tentava, além disso, m ultiplicar atos de am or e de confiança. M as, não p u d e
mais dom inar as tentações que oprim iam m inha alma."
E relata hum ildem ente, com todos os porm enores, os com bates no m eio dos
quais parece que sua coragem vai sucumbir. E com efeito, em bora os assaltos do
dem ônio não variem quanto ao objeto, pois todos se dirigem contra sua vocação,
tom am , entretanto, proporções tais que Josefa fica abalada.
"Passei assim do dia 27 de dezem bro ao dia 9 de janeiro — continua ela —
sofrendo m ais do que posso dizer. Q uando acordei, essa m anhã, m eu prim eiro
pensam ento foi que não podia continuar sem elhante luta. A m editação se passou
em angústia inexprimível.
E ntretanto, apesar de sua aflição, procura sem pre força na obediência, única
coisa que a pode defender, e, com fidelidade com ovente, tenta seguir os conse­
lhos que a desejariam aliviar, guardando-a para Deus.
"Prom eti a N osso Senhor — escreve ela — fazer hoje m uitos atos de hu m ild a­
de para atrair sobre m im sua M isericórdia, e na missa, no m om ento da C onsa­
gração, repeti m eu ato de oferecimento com todo fervor que pude.

78
De repente, antes da Elevação do Cálice, vi Jesus com a Face cheia de bon­
d ad e, o C o ra ç ã o m u ito a r d e n te . P ro s tre i-m e p a ra p e d ir se u P e rd ã o e
hum ilhar-m e diante dele."
"O A m or não se cansa de perdoar." — disse.
E com inigualável com paixão continuou:
"Mas tu não Me ofendeste, Josefa. Com o dizes, os cegos tropeçam ... Vem,
aproxima-te de m eu Coração e descansa nele. Se pudesses com preender quanto
Me consolaste nestes dias!... Eu te trazia tão perto do Coração que não poderias
cair senão nele! "
E perguntando-lhe ela p o r que perm itia tal noite e tais tentações:
"Parece-me que nada vês e que estás caindo no precipício — respondeu —
mas, que necessidade tens de ver, se és guiada? O que é preciso é que te esque­
ças a ti mesm a, que te abandones e não resistas a m eus Planos. Graças aos atos
que fizeste através do teu sofrimento, m uitas daquelas alm as, que verás m ais
tarde, se aproxim aram de m eu Coração. Estavam longe, m uito longe mesm o;
aproximaram-se e em breve virão a Mim!"
"Expliquei-lhe que qu an d o estou assim tentada e isolada, procuro-o p o r to­
dos os lados e não o encontro em lugar nenhum ."
"Q uando não me encontrares em lugar nenhum , procura-M e p erto da tua
Madre. A bandona-te a ela, pois é quem te conduz a Mim. Para isso foi que a dei
a ti, e fica sabendo que, se fizeres o que te m andar, me agradarás tanto qu an to se
obedeceres a M im diretam ente. Ama, sofre e obedece. Assim poderei realizar
em ti meus Desígnios."
Naquela m esm a tarde, em deliciosa lição de coisas, com o lhe ap raz d ar às
almas simples, N osso Senhor renova-lhe as recom endações m ais caras a seu Co­
ração. Enquanto ela reza diante do sacrário aparece-lhe " trazendo na M ão direi­
ta — escreve ela — um a co rren tin h a de b rilh an tes q u e reu n ia três chaves
pequeninas, douradas e m uito bonitas."
"Olha— diz Ele—uma... duas... três... são de ouro. Sabes o que representam
estas chaves? Cada um a guarda um tesouro dos quais quero que te apoderes.
O prim eiro dos tesouros é um grande abandono a tu d o que Eu te pedir, direta
ou indiretam ente, confiando, sem cessar, na Bondade de m eu Coração que tom a
sempre cuidado de ti.
Assim repararás o orgulho de tantas alm as que d u vidam do m eu Amor.
O segundo destes tesouros é um a h um ildade p ro fu n d a que consistirá em
reconheceres que não és nada, em te abaixares diante de todas as Irm ãs e, q u an ­
do Eu te disser, em pedires tam bém a tua M adre que te hum ilhe.
Repararás assim o orgulho de m uitas almas.
O terceiro é o tesouro de um a grande mortificação em tuas palavras e ações.
"Quero que te m ortifiques corporalm ente tanto quanto a obediência te p erm i­
tir e que recebas, com verdadeiro desejo, os sofrim entos que Eu m esm o te envi­
ar. Assim repararás a imorticação de grande núm ero de alm as e Me consolarás
de algum m odo pelas ofensas que Me causam tantos pecados de sensualidade e
tantos prazeres m aus.

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"Enfim, a correntinha que prende as três chaves é am or ardente e generoso
que te ajudará a viver abandonada e entregue, hum ilde e m ortificada."
Q ue lem brança im perecível guardou sem pre Josefa das chavezinhas sim bóli­
cas! N osso Senhor mais de um a vez ainda usará essas com parações, m uito sim ­
ples, que se encontram em profusão no seu Evangelho e sob as quais se escon­
dem os mais profundos ensinam entos.
As horas de repouso espaçam -se, cada vez mais. D esde essa época, já se
tornam raras e breves. Jesus não cessa de relem brar à Josefa as alm as que lhe
confiara havia um mês: estão esperando seus esforços para se desapegarem de si
m esm as e se entregarem definitivam ente a Ele. Esse grande trabalho na vida de
Josefa deverá ultrapassar todos os outros.
"N ão te canses de sofrer — repete — Se soubesses quanto o sofrim ento ap ro ­
veita às almas!"
E, não dem orará, com efeito a exigir dela o sofrim ento dos sofrim entos, que
ela já conhece e cuja experiência se renovará tão freqüentem ente. De novo, le­
vanta-se em sua alma violenta tem pestade de dúvidas e obsessões. N ão Lhe
peço que me tire esta dor, escreve ela — m as que me dê força."
Seus relatórios, então, tornam -se mais longos e circunstanciados como se en­
contrasse alívio em nada esconder de seus desfalecim entos e suas fraquezas.
A sexta-feira, 21 de Janeiro de 1921, foi um daqueles dias trem endos como
m uitos outros de sua vida. Testem unharam -no suas notas:
"N ão podia mais rezar...e se alguns gritos escapavam ainda do m eu coração
para o de Jesus era para dizer: Senhor! para que me cham astes aqui se não p o d e­
rei perm anecer fiel?
N o dia seguinte, quando a M adre me levou à sua cela — escreve ela d irigin­
do-se à M adre A ssistente —perguntou-m e onde estava m eu am or? Pareceu-m e
que estas palavras me arrancavam a alma, porque, m esm o nos m om entos mais
violentos, a única coisa que temo é deixar de amá-lo!
...Então resolvi obedecer à M adre, custasse o que custasse e em bora a tenta­
ção continuasse igualm ente forte, eu tinha, entretanto, algum a luz.
Dois dias se escoaram ainda, no meio dos quais, era difícil, m esm o para quem
a seguia de perto m edir a aflição daquela alma. Mas, como a tem pestade surge
de repente, tu d o devastando à sua passagem , e desaparece no horizonte tão
rápida como veio, com o m esm o im previsto, as tentações precipitam -se em bor­
rasca, passam e fogem, no céu de Josefa.
"N a segunda-feira, 24 de janeiro — escreve —durante o dia todo supliquei à
Santíssim a Virgem que me libertasse... De repente, d u ran te a adoração da tarde,
achei-me em grande paz."
Esta paz súbita é, sem pre, na sua vida militante, o prenúncio de M aria. A
Santíssim a Virgem ali está, sorrindo com m aternal bondade e trazendo nas mãos
a coroa do seu Filho.
"Eis-me aqui, filha — disse ela. N ão te canses de sofrer. Toma a coroa, é um a
jóia de teu Esposo, recebe-a com grande alegria."
" Oh, Mãe — exclama Josefa — por que estas tentações são tão fortes?... Não

80
vedes como sofro?"
"Convém que sofras, Josefa. Jesus assim quer. Dize à tua M adre que um a das
almas que te confiara, entregou-se inteiram ente a ele, teus sofrim entos a obtive­
ram. Agora deverás sofrer ainda pelas outras que m uito caro te custarão. M as o
amor e o sofrim ento tu d o podem obter. N ão te deixes esmorecer, é para as al­
mas! "
A Santíssima Virgem desaparece, mas, sua vinda é um a aurora sobre a qual
não tardará a surgir a lum inosa presença de Jesus. Ele reservava a Si o cuidado
de trazer à Josefa, não já a coroa, m as a certeza, m ais preciosa ainda, de que nada
mudara entre ela e Ele. "Veio N osso Senhor no começo da m issa— escreve na
terça-feira 25 de janeiro. Perguntei-lhe se eu lhe m agoava o Coração. Ele bem
sabe que é o que mais me pesa.
"Não — respondeu com bondade — é como se tivesses posto areia nestes
Olhos que tenho fitos em ti. Amo-te com predileção e nesses dias passados não
te podia olhar a gosto. Mas perdoei-te." Depois acrescenta:
Escuta esta palavra: "O ouro se purifica no fogo, assim tua alma se purifica e
fortalece na tribulação e o tem po da tentação é de grande proveito para ti e para
as almas."
Encorajada por tanta com paixão, confia ela ao M estre a sua m aior ansiedade,
o mais doloroso torm ento desses dias de prova — "o m edo — diz ela — que tais
lutas acabem pondo em perigo m inha vocação.
"Quem poderá d u v id ar de tua vocação, Josefa, se p u d este resistir a essas
tribulações?. . . "
E prevenindo a interrogação que lê na sua alma:
"Permito-as para dois fins — diz — prim eiro para te convencer de que sozi­
nha não és capaz de nada e que m inhas graças não têm outra causa senão m inha
Bondade e o grande A m or que te tenho. '
"Segundo, porque quero servir-m e de teus sofrim entos para a salvação de
muitas almas."
Depois, de novo afirma:
"Sofrerás para ganhar alm as porque és vítim a escolhida pelo m eu Coração,
mas nada te prejudicará pois jamais consentirei"...
Aquela prom essa da qual não duvida, Josefa responde pelo oferecim ento to­
tal de si mesm a. N o dia seguinte, quarta-feira, 26 de janeiro, insiste Ele ainda
sobre a necessidade do sofrimento.
Durante a adoração, veio e aproxim ou-se de m im — escreve ela — não m e
disse nada m as me fez ouvir o palpitar do seu Coração. Pedi-lhe que me conser­
vasse fiel, me ensinasse a am á-lo e não perm itisse que jam ais eu m agoasse seu
Coração. Pareceu regozijar-se com essa prece e disse:
"A alma que am a deseja sofrer. O sofrim ento aum enta o amor. O am or e o
sofrimento unem estreitam ente a alm a a seu D eus e fazem dela um a só coisa
com Ele."
E insistindo ela sobre sua fraqueza:
"Nada temas. Eu sou a própria Força.

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Q uando o peso da cruz parecer m aior que tuas forças ped e socorro a m eu
Coração."
Depois — lem bra onde buscar seu Coração:
"N ão sabes onde estou, Josefa, e com toda a segurança? Deixa-te guiar, Eu
tenho os olhos fitos em ti, fita os teus em M im e abandona-te."

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Vida Ardente e Escondida
27 de Janeiro — 21 de fevereiro 1921.

" D ize-m e: que tens a oferecer p ela s almas?"

Nosso Senhor à Josefa — 20 de fevereiro de 1921.

Aproxima-se a Q uaresm a e as Q uarenta horas convidam a casa dos Feuillants


a redobrar de am or e de reparação. É pois o horizonte que se alarga, cada vez
mais, diante da alma de Josefa. Jesus, até então, não cessara de lhe repetir:
"Es a vítim a do m eu Coração." E vai prová-lo. "
Na primeira sexta-feira do mês, 4 de fevereiro, aniversário de sua chegada
aos "Feuillants", narra que grande sofrim ento se apoderara da sua alm a, desde a
manhã, enquanto o corpo estava acabrunhado pelas dores agudas há m uito co­
nhecidas.
"Depois de ter lavado a cozinha, — relata, — não p o d en d o mais, subi ao
dormitório. Pus-m e de joelhos perto do leito e ofereci-me a N osso Senhor p ara O
consolar."
Mal começa a rezar, eis que Jesus lhe aparece e, m ostrando o C oração abrasa-
do:
"Todas as sextas-feiras — disse — e principalm ente na prim eira de cada mês,
far-te-ei participar da am argura de m eu Coração e sentirás, de m aneira especial,
os torm entos de m inha Paixão."
Josefa fica m uito tem po aniquilada na sua presença e sob o peso da d o r que a
oprime de todos os lados, " Farei de ti, prim eiro um a vítim a — continua o M es­
tre — mais tarde, um a santa!"
Depois, acrescenta:
"Nestes dias em que o inferno se abre para arrastar tantas alm as, quero que
te ofereças a m eu Pai, como vítim a para salvar o m aior núm ero possível delas."
Ficou em silêncio um instante ainda e desapareceu. N o dom ingo das Q u aren ­
ta horas, 6 de fevereiro, renova o m esm o apelo. Logo de m anhã, Josefa se ofere­
cera para reparar as ofensas dos pecadores. Pelas três horas da tarde, estava na
capela quando Jesus se aproxim ou.
"Fazia dó — escreve ela: — com a Face, os Braços, o peito, cobertos de golpes
e de poeira; o sangue escorria-lhe da Cabeça, m as o Coração estava resplandecente
de luz e de beleza."
"E a falta de am or que assim Me fere — disse — é o desprezo dos hom ens
que correm como loucos à perdição."
"Por que então, Senhor, apesar dos pecados do m undo, vosso Coração está
hoje tão belo e ardente?"
Respondeu:
"Meu Coração só é ferido por m inhas Almas escolhidas!"
Esta palavra se im prim e profundam ente na alm a de Josefa,. D escobrindo-

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lhe a d o r m ais íntim a que deverá com partilhar e consolar. D urante aqueles
dias, porém , era pelo m u n d o leviano e culpado que devia responder diante da
Justiça de Deus.
Passa, diante do SSmo. Sacram ento exposto, todas as tréguas que o trabalho
Ihe-dá e absorve-a o pensam ento de tantas ofensas feitas à M ajestade divina...
Jesus, que a encarregara desse fardo, vem, entretanto, reanim ar-lhe a coragem e,
na terça-feira, 8 de fevereiro, às oito horas da noite, aparece-lhe com o que aca­
b ru n h ad o sob pesada carga.
"Os pecados que se estão com etendo são tão num erosos e tão graves que, a
cólera divina transbordaria, se não estivesse detida pela reparação e pelo am or
de m inhas alm as escolhidas. Q uantas alm as se perdem ! "
A pavorada com esse pensam ento:
"Então é assim tão grande o núm ero dos pecadores, Senhor?" exclama.
"E — respondeu Ele dolorosam ente — mas um a alma fiel pode rep arar e
obter m isericórdia por m uitas alm as ingratas."
E um a nova recom endação da missão redentora à qual a convidara o Amor,
desde os prim eiros encontros. Mas, pouco a pouco, outro desígnio se vai desco­
b rindo e na quarta-feira de Cinzas, 9 de fevereiro, recebe disso a prim eira revela­
ção. N aquela m anhã, d u ran te a missa em que o M estre a associara à angústia da
sua A gonia aparece-lhe, de repente, e, abrindo o Coração:
"— Vem — disse— entra aqui e repousa um pouco, pois estás esgotada. "
Com o exprim ir o que é para sua alma esta m isteriosa entrada no Coração de
Jesus?"
"D esapareceu todo o sofrim ento — conta — e fui m ergulhada em Deus!"
Foi então que, pela prim eira vez, Jesus lhe confiou seus projetos:
"O am or que tenho às almas, e especialm ente à tua, é tão grande — disse —
que, não p u d e conter as cham as de m inha ardente caridade. A pesar de tua indig­
nidade e miséria, servir-me-ei de ti para realizar m eus Desígnios.
Esse apelo, pouco a pouco, tornar-se-á mais claro, deixando entrever o alcan­
ce do dom e do abandono que lhe deverão corresponder. Mas, desde já quer o
M estre o seu consentim ento e um sinal palpável que o sele. "Q ueres dar-m e teu
coração?", — pergunta, "Quero, Senhor,. . e mais que m eu coração. . . Jesus mo
arrancou — diz ela — tom ou-o e o aproxim ou do Seu. Com o era pequenino ao
lado daquele Coração! Depois deu-m e um a cham a ardente. D esde aquele mo­
m ento, sinto em mim, um fogo vivíssimo e tenho que fazer m uitos esforços para
m e conter a fim de que ninguém perceba."
Josefa decide guardar, em segredo, essa graça insigne que tão simplesmente
relata. M as Jesus não quer segredo e na quinta-feira, 10 de fevereiro, escreve:
"Tinha algum rem orso de não vos ter contado tudo, M adre — escreve ela à
M adre A ssistente — e estava a dizê-lo a Nosso Senhor quan d o Ele veio e me
perguntou:
"Dize-M e o que é que mais te custa?
"Senhor! dizer estas coisas e ter que escrevê-las como são."
"Escuta, Josefa — N ão quero que escondas nad a à tua M adre. Ela tem ra­

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zão, deves escrever."
Dois dias depois, 12 de fevereiro, insiste ele ainda, sobre a im portância da
sua dependência total.
"Dize sem pre tudo à M adre " — repete.
E tem endo ela, por m enor que fosse, um a som bra de secreta com placência
em falar dessas coisas — Jesus interrom peu-a com energia:
"Escuta, Josefa, teu silêncio, sim, seria orgulho. Tua confiança tua sim plicida­
de, eis a hum ildade."
Depois acrescenta:
Fica sabendo que se Eu te pedir um a coisa e tua M adre, outra, quero que
obedeças a ela antes que a Mim."
Encontramos, com data, de 12 de fevereiro, escrita p o r sua mão, e em longo
parênteses, a ingênua explicação de sua atitude em cada visita de N osso Senhor.
"Para vos obedecer, M adre, vou escrever o que sinto, cada vez que Jesus
vem. Primeiro, grande necessidade de me hum ilhar. Começo sem pre p o r lhe
pedir perdão de todos os m eus pecados, pois vejo m inha alm a repleta de nó­
doas... e se não fosse um m ovim ento irresistível que m e im pele para Ele, não
ousaria aproxim ar-m e nem falar quando estou na divina Presença.
Mas, não sei o que me atrai... m inha alma repousa... quanto m ais m e h u m i­
lho, tanto mais Ele se com praz, creio eu. Às vezes, nada posso dizer, fico como
que aniquilada em adoração. O utras vezes é um a torrente de consolações, ain­
da quando me faz sofrer com Ele. Parece que m eu coração se dilata e se perd e
em Deus. O utras vezes, é como se dentro de m im houvesse um g rande brasei­
ro.
Jesus me queim a ao Fogo do seu Coração. Faz-me, ao m esm o tem po, ver a tal
ponto minha pequenez que não posso com preender com o Deus pode am ar-m e
desta maneira! É o que aum enta m eu desejo de am á-lo e de lhe g anhar almas.
Dá-me tam bém tal horror de m im m esm a que não sei o que quereria fazer para
desarraigar m inhas más inclinações e reparar m eus pecados e ingratidões. M inha
alma é como que arrancada da terra e depois m eu m aior esforço é ter que me
ocupar das coisas desta terra.
Se a M adre visse que tristeza sinto, achando-m e de novo no m eu pobre corpo,
porque em geral, quando estou com Jesus penso que é para sem pre".
Mais adiante, e sem pre p o r obediência, explica como se acostum ou a fazer
tudo com Nosso Senhor e a tu d o lhe confiar.
"Ao meio-dia — escreve — na segunda-feira, 14 de fevereiro, eu estava ser­
vindo, no refeitório, como todos os dias. Faltou a com ida da prim eira porção. Fui
à cozinha. N ão havia mais. Eu não sabia que fazer... e, como tenho o hábito de lhe
falar de tudo, disse logo: m eu Jesus, não há mais nada para comer! q u an d o saí
outra vez do refeitório, vi-O de repente. . . tão formoso! Estava diante da pia,
perto da cozinha, com os Braços abertos e me disse, sorrindo:
"Eu tenho culpa, Josefa, que não haja m ais nada? Ele desapareceu logo e eu
não sei como p u d e acabar de servir, pois era tão bom , tão belo, que se diria no
céu."

85
"É assim que lhe digo tudo que me acontece. Se estou varrendo e deixo cair
qualquer coisa: ó m eu Jesus!... acordei-vos com este barulho!
Se perco as coisas, pergunto: O nde deixei aquilo, Senhor?
Vamos procurar juntos. Q uando estou cansada, confio a Ele. Se fico atrasada
na m inha tarefa como tantas vezes m e acontece, pois tenho m uitas cam inhadas a
fazer com tudo que esqueço, digo-lhe: vam os, Senhor, tem os que nos apressar
hoje porque já é tarde e tem os m uito que fazer, principalm ente no sábado com as
pilhas de roupa e os sapatos a distribuir nos dorm itórios das m eninas. Enfim,
conto-lhe todas as m inhas preocupações. N em sem pre O vejo m as falo-lhe, certa
de que está comigo. Há dias em que lhe digo tu d o que m e passa pela cabeça. As
vezes pergunto a m im m esm a, se não será falta de respeito, m as creio que não,
p orque m inha alm a fica tão feliz que torno a com eçar m inhas pequenas histó­
rias."
Esses entretenim entos espontâneos não im pedem a Josefa de levar, no meio
das Irm ãs, a vida mais sim ples e laboriosa. Depois do postulantado, passado
com o ajudante de cozinha, deu toda a atividade à rouparia das alunas. Lá se
dedica, de m anhã à noite, num a instalação bastante rudim entar, pois saía-se da
guerra e o local dos " Feuillants ". ocupado d u ran te m uito tem po p o r um a am ­
bulância, fora, apenas em parte restaurado. M uitos outros trabalhos enchem -lhe
ainda o tem po sem que n ad a denote o dom ínio de Deus sobre a vida real que a
sua dedicação e o esquecim ento de Si m esm a, tão bem escondem . E na obscuri­
d ad e da vida com um e do labor quotidiano que devem os continuar a segui-la.
U m pequeno fato, que se relaciona com essa data e que tem seu valor, não p o d e­
ria passar em silêncio. Josefa narra-o assim:
"Estava diante do tabernáculo e rezava por m inha m ãe e m inha irm ã. Estava
triste por causa delas. Q ueria p oder consolá-las e pensava no que faria se esti­
vesse perto delas e, nesse m om ento, não pensava bastante em Jesus.... Ele veio,
de repente, com o Coração em cham as e, com voz grave e cheia de m ajestade:
"Tu, sozinha, que poderias fazer por elas? "
E, m ostrando-m e o Coração.
"Fita aqui teu olhar!"
E desapareceu.
N o dia 20 de fevereiro, segundo dom ingo da quaresm a, escreve:
"D urante a santa missa, depois da consagração, Jesus veio formosíssimo,"
superlativo que gosta de em pregar para falar da beleza que a arrebata e que não
p ode definir.
"Dize-me, Josefa, o que tens a Me oferecer pelas alm as que te confiei. Põe
tu d o na Chaga de m eu Coração a fim de dares à tua oferenda valor infinito."
Disse-lhe que podia tom ar tudo, pois tu d o é pelas alm as"
"Dize-M o por m iúdo. "
"Então, enum erei tudo: a H ora Santa, m inhas pequenas penitências e mortifi­
cações, a dor da coroa de espinhos, m inhas respirações, m eu trabalho, meus
receios, m inha fraqueza e m inhas misérias, tu d o o que penso. Tudo p o r vosso
am or e p or aquelas almas, Senhor, em bora seja m uito pouco! Enquanto eu fala­

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va, Jesus trançava entre os dedos um fio de ouro bem grosso. Fez um a espécie
de meada. Depois desapareceu."
"Na Missa das nove horas, voltou, com o Coração todo inflam ado — continua
ela — A proxim ou-m e de sua C haga e no fundo vi duas almas.
"Olha — disse — estas alm as são as que Eu estava esperando. Elas estão
agora no fundo do m eu Coração."
"Eu não ousava olhar nem dizer coisa algum a. Ele continuou:
"Nada temas. H á alm as que cham o a um a grande união com igo e q u an d o elas
não respondem a m eu apelo e se afastam é que ferem m eu Coração. Eis p o r que
Me sirvo das m ais pequenas e m iseráveis como tu p ara atraí-las ao g rau de
perfeição em que as quero."
No dia seguinte, 21 de fevereiro, d ep o is da co m unhão, Jesus aparece e,
olhando-a "com im ensa b o n d ad e" — diz ela — repete-lhe suas exigências.
Quero-te em tal esquecim ento de ti m esm a e tão abandonada à m inha Vonta­
de que não te perm itirei a m enor im perfeição, sem te adm oestar. Deves ter sem ­
pre presente, teu nada, de u m lado, e m inha M isericórdia de outro. N ão te es­
queças que é do teu nada que brotarão m eus Tesouros."
Pela m anhã daquela segunda-feira, enquanto põe em ordem os uniform es de
domingo das m eninas, no dorm itório, m ostra-se-lhe N osso Senhor com as M ãos
atadas e a Coroa de espinhos, ensaguentando a sagrada Cabeça.
"Amas-Me?" — perguntou com ardor.
Não sei o que lhe respondi — mil coisas, pois bem sabe Ele que o amo.
"Escuta, Josefa, quero que cresça tua sede, que me salves m uitas almas... e
que este desejo te consum a!"

87
Os Desígnios do Amor
22 de fevereiro — 26 de março de 1921

"O m u n d o não co n h ece a M isericórd ia do


m eu Coração! Quero servir-M e de ti para
torná-la con h ecid a"

Nosso Senhor à Josefa — 24 de fevereiro de


1921.

C hegou a hora do apelo mais solene que soará pela segunda vez à Josefa. Na
quinta-feira, 24 de fevereiro, 1921, nota a vinda do M estre d u ran te a adoração da
tarde. Já lhe exprim ira o desejo que cada sexta-feira fosse para ela u m dia de
oferecim ento mais especialm ente unido ao seu Coração. Vem lem brar-lho.
"A m anhã oferecerás a m eu Pai todas as tuas ações, unidas ao sangue d erra­
m ado na m inha Paixão. Tratarás de não perder de vista, um só instante, a Presen­
ça divina, e te regozijarás, tanto quanto possível, de tu d o o que tiveres que so­
frer. N ão deixes de pensar nas almas... nos pecadores... Sim, tenho sêde das
almas! "
"Ofereci-me para consolá-lo e dar-lhe almas. Senhor não vos esqueçais de que
sou a m ais ingrata e a mais miserável de todas!"
"Bem sei, m as trabalharei na tua alm a."
"Partiu.... entreguei-m e de novo para tudo que Ele quisesse fazer, e com pre­
endi que m e tom ava ao pé da letra: Ó m eu Jesus, sei que tereis pena de m im e
m e dareis forças...
"A noite, na H ora Santa, pensava nos pecadores tão num erosos... M as é ain­
da, m aior a sua M isericórdia! Ele veio de repente, e, com voz m ajestosa com o a
de um rei, disse:
"O m undo não conhece a M isericórdia de m eu Coração! Q uero servir-M e de
ti para torná-la conhecida. "
A pavorada, Josefa exclama: "M as Senhor! esqueceis que sou tão fraca e que
caio ao m enor obstáculo?"
Com o se não escutasse, Jesus prossegue solenem ente.
"Q uero que sejas apóstola de m inha B ondade e de m inha M isericórdia.
Ensinar-te-ei o que isso significa. Esquece-te de ti m esm a".
"Supliquei-lhe, — escreve ela, — que tivesse com paixão de m im , que me
deixasse sem essas graças às quais não sei corresponder e que escolhesse outras
alm as m ais generosas do que eu".
Jesus respondeu só estas palavras:
"Esqueces, Josefa, que sou teu Deus!"
E desapareceu.
Seu Coração, entretanto, não fica ofendido. Sabe m uito bem que ela Lhe p er­
tence pelo m ais p rofundo de sua vontade e que seus receios não são senão prova

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da desconfiança de si m esm a, que sem pre agrada ao A m or divino. Logo no dia
seguinte, sexta-feira, 25 de fevereiro, d u ran te a missa, volta cheio de bondade.
"O lhou-m e — relata ela — e roguei-lhe que m e deixasse com o todas as ir­
mãs, sem nada de extraordinário, pois não posso viver assim ."
"Se tu não podes, Josefa, posso Eu!"
"É que eu não quero — prossegue tim idam ente, queria ser com o todas as
outras. "M as quero Eu, não te basta ? "
Dpois acrescenta com firmeza:
"O nde está teu am or?"
É um a daquelas provocações às quais Josefa não p o d e resistir — volta-m e
toda a coragem:
"Sim, senhor! Amo-Vos!... Mas, Suplico-vos— insiste — deixai-m e sem essas
graças. — Eu vos trairei perdê-las-ei., e tantas outras aproveitariam .
"Am a e nada temas. Eu quero o que não queres. M as posso o que não pude-
res. N ão te pertence escolher, mas abandonar-te."
Q uantas lutas vai custar à alma de Josefa a aceitação dos desígnios do Amor!
Permite-o Deus, sem dúvida, para atestar com mais evidente garantia a au ten ­
ticidade de sua ação e isolá-la aos olhos de todos, daquilo que se pudesse prestar
à dúvida, ou sim plesm ente a equívocos. Pode-se dizer, em verdade, que Josefa
nunca cessará de tem er tal m issão e, os três anos que se vão seguir m arcarão
continuam ente as dolorosas alternativas entre o abandono que ela qu er praticar e
as apreensões que a apavoram . Dois dias depois dessa m em orável d ata de 25 de
fevereiro de 1921, Jesus aparece-lhe na capela e lhe pede que transm ita um a
recomendação à M adre Assistente. Trêmula, ela recua diante do custoso ato e
logo a tentação se lhe apodera da alma, mais forte que nunca.
"Voltou Jesus no dia seguinte, 28 de fevereiro, disse ela, com rosto severo.
"Am o-te com predileção — disse — e fitei sobre ti m eu olhar m ais terno.
Quero confiar à tua miséria e à tua pequenez um tesouro para ti e para as alm as
e tu feres m eu o Coração!"
"Então desapareceu".
Fácil seria medir, depois de tal partida, a d o r de Josefa. Tenta dissim ulá-la.
Mas o dem ônio explora o silêncio da sua alma.
Fecha-lhe o coração e os lábios e a convence de que, de agora em diante, tu d o
será inútil, pois tudo está p erdido para ela. A palavra "m artírio", que ela em pre­
ga, não parece exagerada para exprim ir a opressão diabólica que D eus deixa em
tão grande liberdade naquelas horas de trevas.
"Oh! M adre, que martírio! — escreve ela alguns dias depois — eu não podia
mais... N ão sei o que teria sido capaz de fazer se a fé não me tivesse preservado.
Então narra, m inuciosam ente, a hum ilhante luta e prossegue:
"Na tarde de 3 de março, quando ia pedir à M adre o p erdão que já pedira a
Jesus, comecei a ver tudo diretam ente... Bem sei que me perdoará sem pre, pois
conheço seu coração.
Durante a H ora Santa (era quinta-feira da 3“’ sem ana da Q uaresm a) atirei-m e a
seus Pés... não sei o que disse, mas, fiquei aliviada, em bora m inha alma con­

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tinuasse fria como ped ra e de vez em quando me sentisse repelida p o r Ele."
N o dia seguinte, I a sexta-feira, 4 de março, diante da paz e da luz que vol­
tam , o dem ônio tenta um esforço que ele desejaria fosse definitivo.
Josefa está no jardim , colhendo flores para a capelinha de que é sacristã. De
repente, sente-se violentam ente em p u rrad a e cai sobre u m caixilho de v idro que
se quebra sob seu peso. Jorra um fluxo de sangue do braço direito, p ro fu n d a­
m ente ferido. C uidados im ediatos estancam a hem orragia, m as o braço fica im o­
bilizado por m uitos dias.
D urante esse tem po, fiel à obediência, dita as notas que não p o d e escrever.
Lê-se aí na data de quarta-feira 9 de m arço (4a sem ana da Q uaresm a): " N o meio
da adoração veio a Santíssima Virgem tão boa e com passiva, com os braços aber­
tos, com o verdadeira Mãe. Pedi-lhe perdão e manifestei-lhe m eu desejo de saber
se posso ainda consolar Jesus e ganhar-lhe almas?"
E certam ente sua prim eira preocupação.
"pois — acrescenta — conhecendo seu Coração não posso d u v id a r do p er­
dão."
"Sim, filha, estás perd o ad a — responde-lhe a divina Mãe. O ódio infernal
prepara-te ainda outro em buste. Mas coragem . N ão sucum birás." "D eu-m e a
bênção e desapareceu."
A quela celeste visita renovou-se dois dias depois, sexta-feira, 11 de março.
"Estava dizendo à Santíssim a Virgem quanto desejava que Jesus se dignasse
esquecer tudo. Q uando, de repente, veio Ela, tão bondosa, com as m ãos cruza­
das sobre o peito. Ajoelhei-me e disse logo Ela:
Sim, filha, Jesus am a-te como antes e quer que Lhe dês alm as."
Depois, aludindo ao braço ferido:
"Se o dem ônio pudesse ter-te-ia m atado. Mas ele não tem p oder". Jesus não
tardará a vir em pessoa, m ostrar à filha que n ad a pode m u d ar seu A m or nem
sua escolha. A grande quinzena da Paixão e da Semana-Santa vem a propósito
p ara oferecer à Josefa a ocasião de reparar e de participar dos sofrim entos reden­
tores do M estre.
"N o dia 14 de m arço segunda-feira da Paixão, depois da com unhão, veio Ele
— disse — Seu O lhar estava penetrante e com passivo com o nunca. Esse Olhar
m e fez grande im pressão e m e disse tanta coisa! A proxim ou-m e do Coração que
estava tão belo e inflamado! Deixou-me ouvir suas palpitações.
N ão posso resistir p o r mais tem po a tua miséria! disse.
D epois de um m om ento de silêncio, continuou: "N ão te esqueças de que tua
pequenez e teu nada são o ím ã que atrai m eu O lhar sobre ti."
Estava eu naquela m esm a tarde, na capela, e sem pre sob a im pressão que me
causara aquele O lhar de Jesus. É a prim eira vez que nota de m aneira explícita a
força do divino Olhar. "N unca me tinha fitado assim continua ela — Creio que
seus olhos m e deram a ver, n u m instante, tu d o o que Ele fez em mim... tu d o que
fiz por Ele (que tristeza!) respondendo ao seu am or com mil ingratidões!
M as aquele O lhar tam bém me dizia que nad a lhe im porta se eu estiver deci­
d id a a lhe ser fiel, pois Ele está sem pre pronto para me p ro v ar seu A m or e me

90
conceder novas graças. Tudo aquilo estava presente à m inha alm a e eu não
cessava de Lhe pedir perdão, repetindo-lhe m eu desejo de nunca m ais resistir
às suas Bondades."
“Subitamente, veio Ele com o Rosto triste e o Coração opresso."
Olha Josefa! Estou sem pre intercedendo pelas alm as e p erd o an d o -as."
“Olhou para m im em silêncio como pela m anhã. M as dizia tanta coisa, sem
falar! Eu tam bém nada dizia. Depois de um m om ento, tom ou a palavra:
"Sabes o que eu fiz por ti?" "Então vi de novo todas as suas graças e todas as
minhas ingratidões. Disse-lhe, do fundo da alma, a vontade que tinha de fazer,
não somente o que me pedir, m as tu d o que eu souber que lhe agrada e enquanto
eu falava, seu Coração m udou inteiram ente, dilatou-se, b rotaram cham as da sua
Chaga o rosto ficou resplandecente. A proxim ou-se de m im e m e encostou sobre
o Coração. Depois disse: "N estes dias, far-te-ei saborear a am argura de m inha
Paixão e so frerás, d e certo m o d o , os u ltrajes q u e receb eu m e u C oração .
Oferecer-te-ás a m eu Pai para obter o p erdão para m uitas alm as".
“Fitou-me ainda com grande am or para m e d ar confiança e partiu. D epois
daqueles desfalecimentos, Josefa não cessava de im plorar perdão. E um a necessi­
dade de sua alm a, m as é tam bém o p en d o r de seu coração delicado e Jesus
nunca resiste àquele apelo.
“No dia 15 de março, festa das Cinco Chagas, e terça-feira da Paixão, depois
da comunhão, pedi-lhe ainda perdão — escreve ela — . Com o um relâm pago,
passou diante de mim, parou u m instante e disse apenas:
"O Amor apaga tudo."
Essa lição penetra cada vez mais a sua alma. Dela vive d u ran te o trabalho.
"Estava no Sótão prep aran d o a roupa para a lavanderia — diz e — com o não
tenho outro desejo senão o de reparar, pedi sim plesm ente a N osso Senhor que
salvasse tantas alm as quantos lenços houvesse para contar. Ofereci todo o m eu
dia nessa intenção, unindo m eus sofrim entos ao seu Coração e a seus M éritos."
Pela tarde, antecipando de alguns instantes a hora de adoração geral, entrava
na capela onde o Santíssimo Sacram ento estava exposto. N osso Senhor lhe ap a­
rece:
"Se te ocupares de m inha Glória — disse — Eu m e ocuparei de ti. Firm arei em
ti meu Reino de Paz e nada te poderá perturbar. Estabelecerei em tua alm a m eu
Reino de Amor e ninguém poderá roubar tua alegria."
Aproximou-se de mim... a Chaga se abriu e m e fez entrar.
Vi então um a fila de alm as prostradas em adoração: fez-me com preender que
aquelas almas todas eram as que eu lhe pedira pela m anhã. Q u an d o saí da divina
Chaga, encostou-me de novo sobre o Coração e m e fitou. D epois deixou-m e em
grande paz.
Quinta-feira da Paixão 17 de março, é o vigésim o aniversário do seu retiro de
primeira com unhão — data que nunca passa despercebida à alm a de Josefa.
“Vinte anos há — escreve em suas notas — que Jesus m e escolheu p ara Si e
nunca fui tão indigna do seu amor!"
Humilha-se pois à idéia de tantas graças às quais parece corresponder tão

91
mal. M as acrescenta logo:
"D ecidi-m e m u d ar com pletam ente e enquanto formava esse firme propósito,
Jesus apareceu diante de m im com os braços abertos, com voz cheia de am or
disse:
"Sim, Josefa, chamei-te naquele dia, e desde então nunca mais te abandonei,
guardei-te sem nunca Me separar de ti. Q uantas vezes ter ias caído se eu não te
houvesse am parado! Repito-te um a vez mais. Q uero que sejas toda M inha... que
Me sejas fiel, que respondas a m eu Amor. Em troca Eu me dou a ti com o Esposo
e te am o com o esposa privilegiada de m eu Coração. Farei todo o trabalho, tu não
tens que fazer outra coisa senão am ar e te abandonar. Pouco im porta teu nada,
m esm o tuas q u ed as. M eu san g u e ap ag a tu d o , b asta-te sab er q u e te amo.
A bandona-te."
E, porém , sem pre com a vista nas alm as que a divina Predileção estimula
Josefa. N a segunda-feira Santa, 21 de março, depois da C om unhão, ela revê Nos­
so Senhor sob aquele aspecto doloroso que a incitava à com paixão e que não
cessará de contem plar d u ran te a Semana Santa: a Coroa de espinhos, pro fu n d a­
m ente enterrada na cabeça, a Face m anchada de sangue, poeira e contusões, as
M ãos atadas e feridas, o Coração largam ente aberto e ensangüentado.
"O lhou para m im — escreve ela — m as eu nada podia dizer pois naquele
estado Ele tinha sem pre a m agestade de um Deus. N ão p u d e então fazer outra
coisa senão hum ilhar-m e diante dele. Seu O lhar parecia perguntar-m e o que eu
pensava vendo-o assim. Então roguei-lhe que dissesse o que eu poderia fazer
para aliviá-lo, principalm ente nas Mãos, cravadas de m uitos espinhos pequenos,
finos com o agulhas e que deviam m agoar tanto... Ficou em silêncio. O ra me
fitava; ora levantava os olhos ao céu. Depois, disse:
"A gora vam os trabalhar; vou contigo.
Saí da capela e Ele me seguiu até o terceiro andar, onde eu ia varrer o dorm i­
tório. Estava confundida por vê-lo ali e supliquei-lhe, com m uito respeito, que Se
fosse um instante em bora".
"Por que queres que Me vá, Josefa? Crês que não me agradas assim?"
"C ontinuei então até o fim. De tem pos a tem pos punha-m e de joelhos para
adorá-lo e a toda hora lhe pedia perdão pelos pecados do m undo. Em troca de
um a pequena mortificação supliquei-lhe que desatasse as M ãos e ele anuiu. De­
pois, à m edida em que Lhe oferecia todos os m ovim entos, como atos de amor, os
espinhos caiam-lhe das M ãos até que não ficasse mais nenhum . Conduziu-m e,
então, ao oratório do N oviciado e lá, o vi resplandecente de beleza e cercado de
luz. D esaparecera a Coroa de espinhos assim como o sangue que lhe cobria a
Face. Seu O lhar parecia dizer que m eus pequeninos atos lhe haviam agradado;
pôs com suas m ãos a Coroa sobre m inha cabeça e disse:
"A m a e abandona-te."
N o dia seguinte, terça-feira santa 22 de março, depois da com unhão, Jesus
aparece com os Braços abertos. A nim ada, pelo que cham a de im ensa bondade
do M estre, "queria pedir m uitas coisas, Senhor!" diz ela:
"N ão sabes, Josefa o que está escrito no Evangelho? Pedi e recebereis!" En­

92
tão ela lhe fala da m ãe e das irm ãs que estão sem pre no prim eiro plano de suas
intenções. Pede a graça de ser fiel, confia-lhe a Sociedade tão cara a seu amor,
enum era todos os seus desejos para com as M adres e Irmãs, suas famílias, etc.
"Pedi-lhe — continua ela — que pudéssem os em breve reabrir em França, as
escolas para os pobres. Ele sorria como um Pai cheio de ternura. M inha confiança
crescia cada vez mais.
"Supliquei-lhe que tivesse com paixão do m undo inteiro e que o abrasasse no
fogo do seu divino Coração.
"Ah! se conhecessem m eu Coração! os hom ens não conhecem sua M isericór­
dia e sua Bondade, eis a m inha mais grave dor!"
"Supliquei-lhe então, que inflamasse as alm as com o zelo de sua Glória, e que
multiplicasse os sacerdotes, que suscitasse m uitas vocações religiosas... Afinal,
parei... m as em silêncio ainda lhe falava. Q uantas coisas me diziam seus Olhos! e
como me davam confiança!
Em seguida, m ostrou-m e as M ãos e me deu a beijar suas C hagas. Depois
desapareceu."
Linhas como estas não bastam para provar que o zelo ardente do Coração de
Jesus já consom e o de Josefa? As almas tornaram -se o grande horizonte de sua
vida e é sem pre delas que trata em cada um dos divinos Encontros.
D urante a oração de Q uarta-feira Santa, 23 de março, enquanto ela lhe pede
explicações sobre o que entende Ele por "salvar alm as."
"Ele veio — disse — e m e fitou com m uito amor. Depois respondeu:
"Escuta, Josefa. Há alm as cristãs e m esm o piedosas às quais um apego basta,
às vezes, para retardar no cam inho da perfeição. O oferecim ento porém , que
outra Me faz de ações unidas a m eus M éritos infinitos obtêm -lhes sair daquele
estado e retom ar a carreira de antes. M uitas outras tam bém vivem na indiferença
e mesmo no pecado. A uxiliadas do mesm o m odo, recobrarão a graça e se salva­
rão um dia.
"O utras ainda, e bem num erosas, ficam obstinadas no m al e cegas pelo erro.
Perder-se-iam se as súplicas de um a alma fiel não obtivessem que a graça lhes
tocasse afinal os corações. Mas tão grande é sua fraqueza que, se arriscariam a
cair na vida de pecado; aquelas levo-as, sem tardar para a eternidade e assim as
salvo. "Perguntei como poderia eu salvar-lhe m uitas almas.
"Une todas as tuas ações às M inhas, quer trabalhes, q u er descanses. U ne a
meu Coração tuas respirações e m esm o as palpitações do teu. Q uantas alm as
ganharás assim!"
O dia se passa naquela união à qual Josefa ajunta o oferecim ento de tu d o que
se faz na casa: o trabalho, as orações, as ações de cada um a das Irmãs. "Reco­
lhei-os, Senhor — diz — pois são para vós".
A tarde, aproveitando um m om ento de liberdade, dirige-se à Capela.
"Ele me estava esperando — escreve —, tão belo ! Seu Coração parecia m er­
gulhado em cham as."
"Como m inhas alm as Me consola m! " — disse.
"Creio que falava da nossa casa. C ontinuou:

93
D urante a tarde de hoje, com seus pequenos atos, tuas Irm ãs aproxim aram
de M im m uitas alm as. .. Q uanto am or recebi aqui! "
"E desapareceu."
Os últim os dias da Q uaresm a ainda mais intim am ente associarão Josefa aos
sofrim entos do Calvário. Pela prim eira vez, ela acom panha o M estre, passo a
passo, na sua Paixão e o dia de Sexta-feira Santa, 25 de março, a m antém , sem
cessar na dolorosa Presença.
"D epois de ter acabado de varrer — escreve — subi para visitar a Santíssima
Virgem do N oviciado. A penas entrara, quando veio N osso Senhor.
Tinha as M ãos atadas, a Cabeça C oroada de espinhos, a Face m anchada de
Sangue e de contusões. Fitou apenas os olhos sobre mim, com grande tristeza.
Depois, desapareceu."
Pouco depois, encontra-o no m esm o estado, no porão onde a cham a o traba­
lho. Ao longo do dia, dá-lhe a participar das dores de sua Alm a e dos torm entos
do seu Corpo.
"Pelas 3 horas da tarde, vi-o ainda um a vez — escreve — m ostrou-m e a Cha­
ga do Lado e m e disse:
"O lha o que fez o Amor! "
"Abriu-se-lhe a Chaga, e continuou:
"Foi pelos hom ens que se abriu... por ti!...
Vem, aproxim a-te e entra!"
"Fez-me entrar e experim entar, creio, algo da dor dos Cravos, das Chagas, da
sua A ngústia."
A M ãe das Dores confirm a as graças daquele dia com um a palavra que bem
revela seu Coração. Pelas duas horas da tarde, Josefa está no oratório do Novi­
ciado:
"Ali, sem nada dizer, sentada aos pés da Santíssima Virgem, repassava tudo
que vira e com preendera hoje. De repente, veio Ela: Sua túnica era de u m roxo
bem escuro, assim com o o longo véu. Trazia nas M ãos a coroa de espinhos
ensangüentada; m ostrou-m a, dizendo:
"Sobre o Calvário, Jesus m e deu todos os hom ens p o r filhos.
Vem, pois és m inha filha. N ão sabes quanto sou tua Mãe?"
Pedi-lhe perm issão para beijar a coroa; deu-m a. Ao m esm o tem po, pondo a
m ão sobre m eu om bro, me dizia:
"Q ue lem brança de Si me deixou Ele, dando-m e as almas!"
A m ad rugada de Sábado Santo, 26 de março de 1921, com pleta aquela etapa
com um favor celeste que deixa na alm a de Josefa lem brança indelével.
"Sabes m eu in ten to , d a n d o -te m in h as g raças com ta n ta ab u n d ân cia?"
p e rg u n ta N osso Senhor, ap arecen d o -lh e d u ra n te a oração, com as Chagas
resplendentes de claridade. E repete-lhe o que dissera o utrora, e quase nos
m esm os term os, à santa M argarida Maria:
"Q uero fazer de teu coração u m altar sobre o qual arda, continuam ente, o
fogo do m eu Amor. Por isso quero que se purifique e que não o toque ninguém
que o possa manchar.

94
"Desapareceu — prossegue Josefa — e eu desci à capela para ouvir missa.
Depois da com unhão, gozei a felicidade do céu! vi n u m trono resplandecente,
três Pessoas vestidas de branco. Todas três iguais e tão belas! Seguravam nas
mãos uma grande cruz entrelaçada de espinhos sobre a qual espalhavam rosas.
Minha alma estava em fogo tal que, sem queimar, abrasa de felicidade. Depois
tudo desapareceu. "
Aquela graça toda interior se renovará no dia 5 de abril próxim o. D iante das
três Pessoas, Josefa é in u n d ad a de um a paz indizível. Tenta explicar de algum
modo o que nela se passa, com sim plicidade que ignora o alcance de tão insigne
favor.
Ordinariam ente — diz ela — a Presença divina m e envolve e m esm o quan d o
entro no Coração de Jesus, fico m ergulhada nele. Mas nestas d u as últim as vezes,
o momento da com unhão era como grande festa que celebrava no interior de
minha alma. Jesus entrou em mim, como em seu Palácio.
Não sei explicar... e como eu estava bem decidida a me entregar inteiram ente
a Ele, para que fizesse de m im tu d o que quisesse, foi verdadeiram ente o céu."
Compreende-se, depois de sem elhantes contatos com o H óspede divino, que
violência Josefa tem que em pregar sobre si m esm a para voltar ao trabalho que a
espera. Aquele esforço, difícil de calcular, é freqüentem ente a porta p o r onde o
inimigo não tarda a entrar.

95
Oposição de Satanás
27 de março - 31 de maio de 1921

"O demônio trabalhará com ardor para te


derrubar, porém , m in h a graça é m ais
pod erosa que toda a m alícia infernal."

Nosso Senhor à Josefa - 6 de abril de 19 22.

Os meses que se seguem à Q uaresm a de 1921 são assinalados com efeito,


pela recrudescência de esfoços do dem ônio. N ada é extraordinário, a princípio
descobre a presença dele. Tentação violenta explora habilm ente os atrativos e as
repugnâncias de Josefa, diante do cam inho por onde o M estre a vai levando,
pouco a pouco.
C ontinuam a intervir a fidelidade daquele incom parável M estre e o poder de
sua Mãe para preservá-la e encam inhá-la novam ente, pois atraiçoou-a, mais de
um a vez, sua fragilidade. Vai aprofundando, entretanto, a lição para no-la trans­
m itir um dia: o A m or tem o segredo de se servir até de nossos desfalecimentos
para a salvação das almas. A de Josefa m uito custa o peso das graças divinas
através da vida laboriosa de que tanto gosta e, quando o dom ingo de páscoa, 27
de março, se levanta radioso, escrevia ela : "Hoje de m anhã , na meditação ,
queixei-m e um pouco a N osso Senhor, pois, se continuar a me prender assim
atenta a Ele, como me hei de aplicar ao trabalho! E há tanto que fazer! Não
estaria eu mais em m eu lugar mas, em outra parte!" N em teve tem po de acabar
a frase, Jesus ali estava e, com um reflexo de tristeza na face:
"Por que te queixas, Josefa, já que te atraí para esta parte querida do meu
coração? Se soubesses o que é esta Sociedade para meu coração!"
"Disse-m e isso com ardor e desapareceu."
Ela o esperara m uitos dias, g uardando no fundo da alma, a lem brança da
tristeza que Lhe lera no Rosto.
"N o dia 6 de abril, quarta-feira de Quasímodo, depois da com unhão, veio de
Braços estendidos, enquanto Lhe exprim ia m eu desejo de am á-lo verdadeira­
m ente. Escutou-m e em silêncio, como se quisesse que eu Lho repetisse. Pedi
perdão, dizendo: Senhor, entrego-m e a Vós! Olhou-m e com grande bondade e
disse:
"A alm a que se entrega verdadeiram ente a Mim me agrada tanto que, apesar
das m isérias e imperfeições, faço dela um céu, onde gosto de perm anecer. Dir-
te-ei Eu m esm o - continuou - o que Me im pede de trabalhar em tua alma para
realizar m eus Desígnios
Depois, respondendo à inquietação que lê nela:
"Sim, o dem ônio trabalhava com ardor para te derrubar, m as m inha Graça é
mais poderosa que toda a malícia infernal. Confia-te à m inha Mãe, abandona-
te a M im, sê sem pre m uito hum ilde e sim ples com tua M adre."

96
Josefa com preende a o portunidade daquela recom endação, pois pressente a
proxim idade do dem ônio, reza e renova seu oferecimento:
"Supliquei-lhe principalm ente - escreve na q u in ta-feira, 7 de abril, - que
me ensinasse a m e hum ilhar e a m e abandonar com o Lhe agrada. Penso que
gosta dessa oração porque veio de repente:
"Podes hum ilhar-te de m uitos m odos - disse - prim eiro, ad o ran d o a Vontade
divina, que, apesar de tua indignidade, quer servir-se de ti p ara espalhar sua
Misericórdia. Dépois, rendendo graças p o r Eu te haver colocado na Sociedade do
meu Coração sem que o tivesses m erecido. N unca te queixes disso."
Gravou, de tal m odo essas palavras na m inha alm a, que lhe supliquei que
nunca mais se lem brasse daquela ingratidão e repeti o desejo de rep arar a m ágoa
que pudesse ter causado a seu divino Coração."
"Consolar-me-ás, Josefa, repetindo freqüentem ente esta oração "Ó Coração
divino! Coração de m eu Esposo! O m ais terno e delicado dos coraçãos, rendo-
vos graças por m e terdes escolhido, apesar de m inha indignidade, p ara derram ar
sobre as alm as vossa divina M isericórdia!".
"Olhou para m im ainda, e desapareceu."
A tarde, na cela de santa M adalena Sofia, onde lhe fora suplicar com toda a
alma, que não duvidasse do seu desejo de ser sua verdadeira filha, Jesus veio,
inesperadamente e, abrindo o Coração, introduziu-a, dizendo-lhe m ais u m a vez:
"Aqui encontrarás perdão:
A solicitude da Santíssim a Virgem fica alerta vigiando sobre a inexperiência
daquela filha.
"O que receio principalm ente - vem dizer-lhe no sábado, 9 de abril, antes da
comunhão - é que não sejas bem expansiva com tua M adre e que os laços do
inimigo passem despercebidos. N ão te deixes apanhar, Josefa. Vela sobre teus
pensamentos para não dares presa à tentação. E se sentires algum a com placência
em ti mesma, dize-o im ediatam ente e hum ilha-te.
"Recomendo-te, outra vez, m uita sim plicidade para com tua M adre. É a única
maneira de te preservares das astúcias do dem ônio."
Alguns dias depois, Jesus acentua a lição. N a segunda-feira, 11 de abril, d u ­
rante a oração, ela lhe repete a prece aprendida no dia anterior.
"Veio im ediatam ente. Seu O lhar parecia dizer que se com prazia em ouví-la e
tomei a repetí-la.
"Cada vez que m e dizes essas palavras, coloco-as no m eu Coração de m odo
que sejam para ti e para as alm as nova fonte de graças e m isericórdia."
"Pedi-lhe, ou antes, roguei-lhe que tivesse com paixão de m im , pois, sou a
primeira a precisar dessa m isericórdia."
"Se é por meio de ti que quero espalhar os tesouros da m inha Bondade, Josefa,
como não os derram arei prim eiro em ti!"
Lembra, depois, a necessidade de nada esconder à M adre a quem fora confia-
da.
"Deves aprender a dizer o que m ais te hum ilha e da m aneira que m ais te
custar - disse Ele - Se eu não te quisesse sujeitar à obediência - acrescenta com

97
firmeza - ter-te-ia deixado no m undo. Mas, conduzi-te a m eu Coração a fim de
que não respires senão para obedecer."
Dois dias depois, ia experim entar a graça sem pre escondida na obediência.
"N a quarta-feira, 13 de abril, - escreve - recebi carta de m inha irm ã e a idéia
de que entrará para o Carm elo, deixando m inha m ãe só, me desorientou.
Entretanto, não cesso de dizer a Jesus que quero ficar-lhe fiel.
Mas, no dia seguinte, a tentação foi grande, pois sei que sois Vós, M adre, que
m e dais luz. Vós m e dissestes um a palavra que se gravou profundam ente na
m inha alma: "O Coração divino am a infinitam ente m ais m inha m ãe do que pode­
rei jam ais fazer." M editei-a e resolvi entregar tu d o a Deus.
"N o dia seguinte, d u ran te a ação de graças, Aquele que conhece m inha fra­
queza veio cheio da bon d ad e e disse:
"Se abandonares tu d o p o r M im, tu d o acharás no m eu Coração."
Com esse apelo de esperar tu d o dele, Nosso Senhor a p rep ara p ara os dias
som brios que, pouco a pouco, se vão abrir diante dela. N ota na sexta-feira, 22 de
abril, os esforços do dem ônio que procura tirar-lhe a paz.
"M inha alm a está atorm entada com as coisas m edonhas que põe na minha
im aginação. Subi ao oratório da Santíssima Virgem do noviciado, p ara suplicar-
lhe que não m e deixasse sucumbir. Ela veio, de repente, com m aternal bondade e
disse:
"Filha, quero dar-te um a lição de grande im portância: O dem ônio é com o um
cão furioso, m as acorrentado, isto é, só tem certa liberdade. Só p o d e agarrar e
devorar a presa, se ela se aproxim ar; e para dela se apoderar, sua habitual tática
é transform ar-se em cordeiro. A alma que não percebe isso, se aproxim a, pouco
a pouco, e não lhe descobre a malícia senão quando já lhe está ao alcance. Q uan­
do ele parece longe, não deixes de vigiar sobre ti m esm a.
Seus passos são silenciosos e escondidos, para passarem despercebidos. "Deu-
m e a bênção e partiu.
A tentação está próxim a, com efeito, e desta vez, Josefa ap ren d erá qual é a
força infernal, m esm o quando D eus não lhe deixa senão certa liberdades," Dois
ou três dias depois - relata - achava-m e só e na desolação. Todo o furor do
dem ônio pareceu cair sobre m im para m e cegar e m e arrancar a vocação. Sofri
m uito até o sábado, 7 de maio, sem deixar, entretanto de pedir socorro a Jesus e
a M aria Santíssima.
"A tarde do m esm o dia, ia fazer adoração com todas as Irm ãs, e p ara me
auxiliar, pus- m e a ler algum as das palavras de N osso Senhor no caderno em que
escrevo. Mas, em vez de m e tranqüilizar, aquela leitura aum entou-m e a pertur­
bação com a idéia de que tais graças seriam m inha perdição.
Esforcei-me, como p u d e, por repetir m eu prim eiro oferecimento, m as no mes­
m o instante, caiu sobre m im um a chuva de pancadas.
A pavorada, saí da capela para ir g u ard ar o caderno e ver se a M adre Assisten­
te estava na cela, a fim de tu d o lhe dizer. Mas, quando cheguei ao fundo de
claustro de S. Bernardo, fui violentam ente agarrada pelo braço e levada à cozi­
n ha com a idéia de q ueim ar o caderno. Ia fazê-lo, m as não p u d e levantar a

98
panela. Uma religiosa que m e viu ali disse que o jogasse no caixote da lenha, de
onde o poriam no fogo, sem tardar."
Josefa am arrota-o nas mãos, atira-o ao caixote e parte aliviada sem perceber
o que havia feito. Vai pegar o ferro de engomar. Mas, pouco a pouco, com prendeu
a gravidade do ato que lhe fora, como que arrancado. Q ue acontecerá, com efei­
to, se o caderno, caindo em m ãos estranhas, revelar o segredo de que N osso
Senhor quer tão expressam ente cercar sua Obra?
"Em outras circunstâncias - teria ficado desesperada. D aquela vez não, rezava
com todo o fervor para ser libertada e principalm ente para obter perdão. Voltei à
cozinha, esperando que ainda não tivessem queim ado o caderno, m as já era
tarde. N ão o encontrei mais, e supliquei à N ossa Senhora que se encarregasse
disso."
O dia seguinte, dom ingo, parece longo à Josefa. N ão ousa descobrir a falta à
Madre A ssistente e procura, sem encontrar, u m meio de nad a dizer. M as, chega­
da a tarde, não p oden d o aguentar sozinha aquele desassossego vai confessar
tudo à M adre.
"Q uando vi seu receio - escreve - supliquei à Santíssim a Virgem que a tran­
qüilizasse e que lhe pusesse o caderno nas mãos. Esperei com g rande confiança;
não por mim; m as por ela".
Poderá M aria ficar surda àquela prece filial?
"Na segunda-feira, 9 de maio, varria o corredor das celas, p ensando sem pre
no caderno... M as perd era a esperança de o achar! "
De repente ouço a voz bem conhecida da Santíssim a Virgem:
"Vai à cozinha que o acharás."
"Entretanto - disse - não quis prestar atenção e continuei a varrer, pensando
que perdia a cabeça. O uvi porém outra vez as m esm as palavras. Subi, então, ao
oratório do N oviciado e, pela terceira vez, a voz repetiu:
" Vai à cozinha que o acharás "
Depressa, desceu a escada, chegou à cozinha e no caixote da lenha avistou o
caderno!... Estava em brulhado nu m papel m uito branco e posto de lado, rente à
parede do caixote. Com que em oção o apanha e leva consigo!
Passam-se dois dias, em agradecim ento m isturado de confusão diante de tan­
ta bondade!
Na sexta -feira, 13 de m aio, na adoração, Jesus de Braços abertos, lhe aparece:
"Pedi-lhe im ediatam ente perdão - escreve ela.
"Deixa isso - diz - m eu Coração apagou tudo."
Depois, acrescenta:
"Não desanim es, pois é na tua fragilidade que m elhor resplandece m inha
grande M isericórdia."
Então ela suplica que não se enfade com suas fraquezas. . . nem com suas
quedas! . . .
"Meu Coração nunca recusa p erdão à alm a que se hum ilha - responde Ele,
acercando-se, principalm ente daquele que o pede com verdadeira confiança. Com ­
preende bem, Josefa. Levantarei u m grande edifício sobre o nada, isto é, sobre

99
tua hum ildade, teu abandono, teu amor. "
Pertenceria à Santíssim a Virgem a últim a palavra desta prova.
N o dia seguinte, sábado, 14 de m aio aparece à filha que acaba a Via Sacra.
Está m ais bela que nunca: reflexos prateados cintilam sobre a túnica, o rosto está
radiante. A nuncia a entrada na Pátria bem -aventura de um a alm a pela qual lhe
pedira, d u ran te m uitos dias a fio, orações e sofrimentos.
"Depois, como ia partindo, escreve Josefa, rendi graças pelo caderno.
"Q ue ias fazer com ele? — perguntou a Santíssim a Virgem.
"C om m uita m ágoa confessei a verdade: infelizm ente, ia queim á-lo."
"Fui eu que te im pedi, filha m inha; quan d o Jesus pronuncia um a palavra,
todo o Céu escuta com admiração! "
Josefa, que com preende cada vez mais o preço das palavras saídas dos lábios
do M estre, não sabe como exprim ir sua mágoa.
"Pedi-lhe perdão e agradeci-lhe ter perm itido que o caderno não se p erd es­
se."
"Q uando o atiraste ao caixote fui eu que o apanhei. As palavras de m eu Filho
- acrescentaria Ela alguns dias depois — só as deixo aqui na terra para o b em das
almas: senão tom o a levá-las para o céu."
Josefa não se cansa de agradecer repetidam ente à Mãe, tão com passiva, que
nunca a abandona.
"Estava pensando, nota ela, na terça-feira de Pentecostes, 17 de m aio até que
ponto Ela m e am a e que ternura m e dedica."
"Ah! filha, - responde N ossa Senhora - com o poderei eu não te am ar? M eu
Filho derram ou o Sangue p o r todos os hom ens - todos são m eus filhos. M as
q u ando Jesus fita o O lhar sobre um a alm a, eu nela repouso o m eu Coração."
U nidade de predileção entre o Filho e a Mãe que N osso Senhor virá confirmar.
No dia seguinte, quarta-feira, 18 de maio, escreve Josefa:
"D epois da com unhão, m inha alma gozou de tal paz que não p u d e deixar de
dizer: ó Jesus!...sei que estais aqui. Tenho certeza - A ntes de acabar, Vi-O perto
de m im . As M ãos estavam abertas, o Rosto transbordava ternura, o Coração
escapava-se-lhe do Peito, toda a sua Pessoa irradiava resplendente luz. Dir-se-ia
que um braseiro ardia dentro dele.
"Sim, aqui estou, Josefa!"
"Eu estava fora de mim... m as dom inei-m e p ara p ed ir p erd ão e repetir m i­
nhas m isérias, m eus pecados, m eus receios "
"Se és um abism o de miséria, Eu sou um abism o de B ondade e M isericórdia!"
D epois, estendendo os Braços para ela, acrescentou:
"M eu C oração é teu Refúgio."
A ssim term inou, em efusão de M isericórdia, a história do caderno de Josefa.
O dem ônio tentará outros m eios para suprim ir aqueles m anuscritos aos quais
N osso Senhor dá tanta im portância, m as nunca o conseguirá.
A quarta-feira, 25 de maio, traz a festa de Santa M adalena Sofia que, em 1921,
era apenas bem -aventurada. Pela prim eira vez, Josefa vê intervir em sua vida a
M adre F undadora a quem am a de coração filia l.

100
Relata m uito sim plesm ente este novo favor que lhe encanta e fortalece a alma.
"Hoje, festa de nossa Bem -aventurada M adre, passei m uitas vezes, pela Sua
cela para lhe dizer um a palavrinha e, um a das vezes em que entrava, de pé, em
avental de trabalho, disse somente:
"Oh! Mãe, de novo vo-lo peço, fazei-me tão hum ilde que eu seja realm ente
vossa filha. N ão havia ninguém na cela e esta prece escapava em voz alta do m eu
coração, q u an d o , de rep en te, vi d ian te de m im u m a M ad re d esco n h ecid a.
Segurou-me a cabeça entre as m ães e apertando-m a, com fervor, disse:
"Filha, atira todas as tuas m isérias no Coração de Jesus, am a o Coração de
Jesus, repousa no Coração de Jesus: sê fiel ao Coração de Jesus."
"Tomei-lhe a m ão para beijá-la. Depois, com dois dedos traçou o sinal da
bênção sobre m inha testa e logo desapareceu."
Este prim eiro encontro seria seguido de m uitos outros, através dos claustros
dos "Feuillants", tantas vezes p o r ela percorridos, na sua cela, à som bra do
Tabernáculo diante do qual rezara Santa M adalena Sofia aparecerá à sua filha
com a fisionom ia viva e ardente que lhe conheceram outrora, m as ilum inada
pelas claridades celestes. Josefa falar-lhe-á, como às M adres da terra, com toda a
simplicidade e confiança. Escutar-Ihe-á as recom endações, acolherá seus conse­
lhos e confiar-lhe-á suas dificuldades. Sob a proteção m aterna, Josefa se sentiu
garantida na graça da sua vocação.
Jesus, entretanto, querendo ensinar-lhe a hu m ild ad e com a experiência da
própria miséria, não a liberta das fraquezas de seu tem peram ento.
Parece, antes, com prazer-se em vê-la confundida e h u m ilh ad a a seus Pés,
para lem brar-lhe, constantem ente, a bondade de seu Coração. As m ais sim ples
comparações, servem ao M estre divino, para inculcar-Ihe suas Lições prediletas.
"S upliquei-lhe - escreve ela no dia d a festa do S antíssim o S acram ento,
quinta-feira, 26 de maio, — que m e desse força para m e vencer pois ainda não sei
humilhar-me como Ele quer. "
Era d u ran te a M editação da m anhã e Nosso Senhor lhe aparece logo:
"Não te inquietes, Josefa — diz-lhe com bondade — Se atirares u m grão de
areia num vaso cheio até à beira, sairá um pouco dágua, Se jogares outro, sairão
mais um as gotas e, à m edida que o vaso se encher de areia, se esvaziará da água.
Igualmente à m edida em que Eu entrar em tua alm a te esvaziarás de ti. M as isso
só se fará pouco a pouco."
Três dias depois no domingo, 29 de maio, am pliando seu pensam ento, fortifica-a
no longo e penoso trabalho.
"Por que temes? Bem sei o que és, m as repito-te m ais um a vez... pouco Me
importa tua miséria! " Q uando um a criancinha dá os prim eiros passos, a m ãe a
segura pela mão; larga-a depois p ara anim á-la a andar, m as estende-lhe os b ra­
ços a fim de que não caia. Dize à M adre que quanto m ais fraca é um a alm a, tanto
mais precisa de am paro. Q ue haverá de m ais fraco que tu?"
"Então fez-me descansar sobre o Coração - prossegue ela - dizendo com voz
mais paternal que nunca:
"Meu Coração acha consolo em perdoar. N ão tenho m aior desejo nem m aior

101
alegria que a de perdoar. Q uando um a alm a volta a Mim, depois de um a queda,
o consolo que Me dá é um grande lucro, pois olho para ela com grande am or".
E acrescentou:
"N ão tenhas receio. Porque és só miséria, servi-me-hei de ti. Suprirei o que te
falta. Deixa-te amoldar... deixa-Me agir em ti."
Esse contínuo intercâm bio, de M isericórdia, de um lado, de hum ilde e gene­
roso amor, de outro, se repete em cada página dessa vida e se destaca, em rele­
vo, como a lição essencial. Mas, aquele que a dá com tanta bon d ad e e perseve­
rança não quer que Josefa se absorva em sua própria fraqueza: tu d o terá que
servir para as almas.

102
IV -EM PR ESA S DO AMOR
Três Almas Sacerdotais
Um Pecador
Duas Almas Escolhidas
1° de junho — julho de 1921

"Q ueres consolar-M e?"

Nosso Senhor à Josefa - 14 de junho de 1921.

"Algum tem po antes da festa do Sagrado Coração, não m e lem bro m ais a
data - escreve Josefa - veio N osso Senhor. Trazia no Coração três novas feridas, e
de cada um a, escorria m uito sangue. "
"Olha o que quero para m inha Festa!"
E quando ela exprim iu a dor que lhe causava a d o r do Mestre:
"São três sacerdotes que ferem m eu Coração. Oferece p o r eles tu d o que fize-
__ //
res.
"Disse-lhe quão pobre sou a fim de que supra ao que m e falta. R espondeu
com m uito am or e bondade:
"Quanto m aior é tua miséria, tanto m ais te sustentará m eu Poder. Tornar-te-
ei rica de Deus. Se Me fores fiel farei m orada em tua alm a e aí m e refugiarei
quando os pecadores Me repelirem . Repousarei em ti e terás vida em Mim.
Tudo de que precisares, vem buscar em m eu Coração, m esm o aquilo que Eu
próprio te pedir. Confiança e amor! "
Desde então, m últiplos sofrim entos de alma e de corpo não deixam trégua à
Josefa até a sexta-feira, 3 de junho, aquela festa do Coração de Jesus que vai
revelar o poder da oração e a m isericórdia que a ela corresponde. "N a oração -
escreve ela - abriu-m e o Coração."
"Entra aqui - disse-m e - e continua a m e confiar tu d o que te pedi. "
"Fez-me descansar de todas as angústias dos dias precedentes. Depois, ficou
a meu lado, tão formoso e como se transbordasse de júbilo. Falei dos três sacer­
dotes."
"P ed e-o s ao m e u C o ra ç ã o . A in d a n ã o v o lta ra m , m a s já se e s tã o
aproxim ando."
Encantada com aquela radiante beleza, Josefa fala daquela festa, que, como
pensa, lhe deve dar tanta glória .
"O Coração se lhe abrasou a tais palavras, nunca o tinha visto assim ."
"Sim, hoje é o dia de m eu Am or. As alm as, as alm as que tan to amo!...
arrebataram-Me o Coração, vindo buscar forças e rem édio neste Coração que
tão ardentem ente deseja enriquecê-las. Eis o que Me glorifica, eis o que m ais Me
consola!"
"Ficou até o fim da oração e me acom panhou à M issa."
Nesse dia, na Sociedade do Sagrado Coração, todas as religiosas renovam

103
solenem ente os Votos diante da Hóstia, no m om ento da santa com unhão. Josefa
não sabe como conter a emoção, ouvindo a renovação, repetida com ardor por
todas as M adres e Irmãs.
"Oh! como sou feliz na m inha cara Sociedade! - escreve.
Depois, prossegue: "De repente, vi Seu Coração! Prim eiro, só m ergulhado
n u m braseiro ardente; depois, como se algum as leves n u v en s se afastassem ,
apareceu Jesus! Estava encantador - N ão sei o que Lhe disse... Com o agradecer
tu d o que faz por mim?"
"Vou dizer-te, Josefa, tom a este Coração e oferece-o a teu Deus. Por meio
dele poderás pagar todas as tuas dívidas. Sabes agora o que quis fazer, atraindo-te
aqui. Desejo que correspondas a m eu Plano com tua docilidade em te deixares
am oldar, em te abandonares a m eu Amor, que não procura outra coisa senão
possuir-te e não te deixará pensar senão em m inha Glória e no bem das almas."
Então, com insistência cheia de ardor, acrescenta:
"Agora, im plora-M e, dize-M e o que queres; pede-M e?"
"Roguei p or tu d o que desejo — escreve ela — prim eiro pela Sociedade, como
é natural, ao m esm o tem po que lhe oferecia todos os atos de renovação pelos
três sacerdotes. Pelo dia afora não cessei de rezar por eles. N ão sei quantas vezes
repeti: Senhor, dissestes-m e que hoje as alm as vos arrebatam o Coração e as
graças... não vos poderíam os ganhar aquelas três almas? Deixai-Vos enternecer.
Pelas três horas da tarde, subiu ao Noviciado. Passando diante da tribuna do
órgão, entrou outra vez para bater — disse ela — à porta daquele Coração a fim
de que não m ais resista às nossas súplicas." Veio logo e perg u n to u como se não
m e tivesse ouvido:
"Q ue queres? Dize-Me."
"M as, m eu Jesus, não sabeis? E vossos três Sacerdotes? Suplico-Vos, já que é
Vosso desejo... Só Vós podeis fazê-lo. "
Então, com majestosa solenidade e, ao m esm o tem po, alegria divina, Jesus,
m ostrando-m e o Coração, disse:
"Josefa! Voltaram a m eu Coração!"
Depois, como que em polgado por grande emoção, prosseguiu:
"Se tivessem repelido m inha Graça, teriam sido responsáveis pela perda de
m uitas almas! "
E, enquanto prostrada diante do Mestre, não sabe o que dizer, tal a sua felici­
dade, acrescenta ele:
"Repetirás todos os dias estas palavras: "Ó m eu Jesus, por vosso Coração
am antíssim o, suplico-vos que inflameis com o zelo do vosso A m or e de vossa
Glória todos os sacerdotes do m undo, todos os missionários, todos aqueles que
são encarregados de anunciar vossa divina Palavra, a fim de que, abrasados de
santo zelo arranquem as alm as ao dem ônio e as conduzam ao asilo do vosso
Coração, onde possam glorificar-Vos sem interrupção."
"Vi, então, no lugar dos espinhos, um a coroa de rosas rubras cercar-lhe o
Coração que estava com o u m incêndio. Toda a sua Pessoa resplandecia e o
Rosto transbordava de bondade. "

104
A lembrança dessa festa do Sagrado Coração nunca m ais se apagará da sua
memória. Tinha experim entado a alegria infinita do Coração de Jesus qu an d o
os sacerdotes lhe dão a totalidade de am or que deles espera. D esde então, a
prece aprendida dos próprios lábios do M estre ficará sendo sua prece q u otidi­
ana e, as alm as sacerdotais, a prim eira e m aior intenção de sua vida.
Uma notinha secreta até sua m orte, prova: que já nessa época, N osso Senhor a
mantém constantem ente diante dessa missão.
"Era o dia 11 de junho, e eu sem pre com m edo que em volta de m im se
percebesse algum a coisa, quando veio Nosso Senhor, de repente. Exprimi-lhe
meus receios e com indizível tern u ra respondeu:
" Lembra-te de m inhas Palavras e crê nelas. O único desejo de m eu Coração é
aprisionar-te dentro dele, possuir-te em m eu A m or e depois fazer de tua p eq u e­
nez e de tua fragilidade um canal de M isericórdia para m uitas alm as que se
salvarão por meio de ti. M ais tarde, te descobrirei os ardentes Segredos de m eu
Coração e hão de servir ao bem de m uitas almas. Desejo que escrevas e guardes
tudo que te disser. Tudo se lerá quando estiveres no céu. N ão é p o r causa de teus
méritos que Me quero servir de ti, mas, a fim, de que as alm as vejam com o m eu
Poder se serve de instrum entos débeis e miseráveis.
"Perguntei-Lhe se tinha m esm o que dizer aquilo - nota ela ingenuam ente: -
Jesus respondeu:
"Escreve e ler-se-á depois de tua m orte."
Assim vai descobrindo, pouco a pouco, o grande Plano de A m or que se p re­
para no silêncio e na labuta de seus dias. N ão podem faltar sofrim entos à Josefa,
que caminha, corajosamente, p ara a hum ildade, não passa sem encontrar fre­
qüentes tentações . O dem ônio procura transform ar em obstáculos certos atos
que seu am or praticaria tão sim plesm ente em outros tem pos. M as a Santíssim a
Virgem ali está sem pre para ilum iná-la, guiá-la e defendê-la.
"Estava a contar-lhe tu d o que aconteceu — escreve ela na segunda feira, 13 de
junho, mas não a esperava quando, de repente, veio com o v erdadeira Mãe, tão
boa!"
"Escuta filha, não faças caso do que sentes. Crê em Mim: quanto m aior for tua
repugnância, tanto m ais mereces aos O lhos de m eu Filho - Vela sobre estes p o n ­
tos que são aqueles por onde o inim igo das alm as procura fazê-las cair: Prim eiro,
não te deixes nunca dom inar pelos escrúpulos que te sugerir, com o intuito de te
afastar da com unhão.
"Em segundo lugar, quando m eu Filho te pedir algum ato de h u m ild ad e ou
outro, faze-o com todo o amor, repetindo sem parar: Senhor, vede com o isto me
custa.,, mas, antes Vós do que eu. Em terceiro lugar, não faças o m enor caso da
astúcia diabólica pois tenta persuadir-te que a confiança em tua M adre dim inui
alguma coisa de tua ternura para com Jesus.
"Se o dem ônio te pegar p o r este lado terá ganho tudo. A bre tua alm a com
confiança e am a tua M adre sem m edo, dize-lhe com sim plicidade tu d o que p en ­
sas que te inquieta, que te perturba. Foi assim que Jesus quis am ar na terra,
aqueles que representavam seu Pai e se com praz em te ver espontânea e sim-

105
pies. Mas, não te esqueças, ainda outra vez te recom endo, nunca percas um a
co m u n h ão ."
Q uem não adm irará a prudência e a delicadeza de tais conselhos?
Seguindo-os é que Josefa se tornará, entre as m ãos do M estre, o instrum ento
m aleável e dócil de que se servirá para m uitas em presas redentoras.
"N a terça-feira 14 de junho na adoração, Jesus veio m uito belo - escreve ela.
Trazia na M ão a coroa de espinhos e, com expressão de grande bondade, p erg u n ­
tou:
"Q ueres consolar-M e?"
"N aturalm ente eu disse que sim! e ele continuou:
"Q uero que trabalhes para aproxim ar do m eu Coração um a alm a m uito am a­
da. O rienta tua intenção a fim de ofereceres tu d o p o r ela. A presenta, a toda a
hora a m eu Pai, o Sangue de m eu Coração. Beija o chão para ad o rar o Sangue
ultrajado e pisado por aquele pecador que tanto amo! Se a M adre permitir, dir-te-ei
o que poderás fazer hoje. N ão tocarei na observância da Regra. "
Essa atenção do M estre para com a observância fiel, guardá-la-á sem pre, em
cam inho seguro.
"Tens licença da M adre? - torna a perguntar no dia seguinte, depois da com u­
nhão.
"Vós bem sabeis, Senhor, responde Josefa, que ela só quer agradar-Vos."
"Sei. M as tu te deves prim eiro sujeitar à vontade de tua Superiora antes de
fazeres o que Eu m esm o te peço."
Então, traça-lhe o plano de seus dias de oferecimento.
"Q uando acordares, entra logo no m eu Coração e um a vez bem dentro, ofere­
ce a m eu Pai, todas as tuas ações, unidas às pulsações do m eu Coração. Une
tam bém todos os teus m ovim entos aos M eus, a fim de que não sejas m ais tu,
m as Eu que opere em ti. D urante a Missa, apresenta a m eu Pai aquela alm a que
quero salvar a fim de derram ares sobre ela, o Sangue da Vítima que se imola.
Q uando com ungares, oferece-lhe a Riqueza divina de que dispõe p ara p ag ar a
dívida daquela alma. D urante a oração, coloca-te a m eu lado no G etsêm ani. P ar­
ticipa da m inha angústia e oferece-te a m eu Pai como vítim a p ronta p ara sofrer
tu do de que tua alm a for capaz. Q uando tom ares alim ento, pensa que é a Mim
que dás esse alívio e, igualm ente, cada vez que encontrares satisfação, seja onde
for."
"N ão te separes um só instante de Mim.
"Beija freqüentem ente o chão.
"N ão faltes um só dia, à Via Sacra.
"Se eu precisar de ti, eu te direi.
"N ão olhes senão p ara m inha Vontade, em tu d o que fizeres e cum pre-a, com
g rande subm issão.
"H um ilha-te profundam ente, ajuntando sem pre à h um ildade a confiança e o
Amor.
"Faze tudo por amor, sem p erder de vista o que sofri pelas alm as. D urante a
noite repousarás no m eu Coração. Ele recolherá as palpitações do teu, como

106
outros tantos atos de desejo e amor.
"É assim que me trarás aquela alm a que tanto me ofende."
"Pedi-Lhe que me perdoe se um a outra coisa não sair bem com o Ele deseja,
pois tenho boa intenção, m as m inha fraqueza é grande."
"À tarde, d u ran te a adoração, veio Ele, com as M ãos e os Pés en san g ü en ta­
dos, e olhando o céu disse-me:
"Oferece ao Pai, por aquela alma, a divina Vítima, oferece o Sangue de m eu
Coração."
"Repetiu três vezes as m esm as palavras. Eu repeti m eu desejo de O consolar
e de tudo fazer como me explicara. "
"Não te inquietes: para tu d o isso tens m eu Coração. "
Josefa vai aprender o preço do resgate de um a alm a. D urante várias sem anas
será associada à Oblação e aos Sofrimentos redentores e seguirá, passo a passo,
o caminho da conversão daquela alma desgarrada.
Na sexta-feira, 17 de junho, perg u n ta a Nosso Senhor se Ele não seria consola­
do com um pequeno ato, que Lhe confia em segredo. E com o Ele lhe exprim isse
sua alegria:
"Por que não dissestes m ais cedo, Senhor?"
"Escuta, Josefa. Q uando teu pai tem sede e te p ed e de beber, se lhe deres um
copo dágua, ficará agradecido. M as se ele nada p ed ir e tu m esm a te lem brares
de lhe oferecer para aliviar sua sede, como ficará contente ao ver que sua filha
procura, por si m esm a, consolá-lo!
"Já te disse, tudo que fizeres por m eu Amor, por pouco que seja, M e dará
muito consolo e será de grande valor para ti e para as almas... A gora dá-M e teu
coração, pois quero nele repousar. Q uando eu precisar de q u alquer o u tra coisa,
to pedirei. Repete-M e que Me am as pelas alm as que Me ofendem ."
Esse am or Josefa terá que afirmar, principalm ente com sua coragem no sofri­
mento. Desde m uitos dias, com efeito, violenta d o r do lado esquerdo do peito se
ajuntará às outras que constantem ente a acabrunham . H á m om entos em que mal
pode respirar. Em vão tentaram -se aliviá-la e a visita m édica nada descobriu de
anormal. Mas, fica-lhe no coração o receio de que aquelas dores se tornem obstá­
culo à vida religiosa. Recorre, então, à Mãe do céu para lhe confiar seu sofrim en­
to e ansiedade.
Na segunda-feira, 20 de junho, reza no oratório do N oviciado, "quando — diz
ela — a Santíssim a Virgem veio, de repente. E com ternura respondeu:
"Não te preocupes, filha, e dize à tua M adre que n ad a receie. Essa d o r é um a
centelha do Coração de m eu Filho. Q uando se tornar m ais aguda, oferece-a ar­
dentemente, é sinal que a essa hora um a alm a O fere profundam ente. N ão recei­
es sofrer, é um tesouro para ti e para as alm as."
"Deu-me a bênção e desapareceu."
Naquela m esm a tarde, no refeitório, fiel à direção do M estre, oferecia m eu
alimento a N osso Senhor, como m e ensinou a fazer," — escreve ela — "Veio, de
repente, e m e disse, com voz triste."
"Dá-Me de comer, pois tenho fome... dá-M e de beber, pois tenho sede."

107
"Ficou assim todo o tem po da refeição — continua Josefa — . D epois disse:
"Vem comigo. . . não Me deixes Só. "
O M estre a cham a a um a via de dores, sem pre m aiores, m anifestando-se a
ela d u ran te a ação de graças do dia seguinte, 21 de junho.
"Oferece tudo a m eu Pai, em união com m eus Sofrimentos - disse-lhe - Todos
os dias far-te-ei passar três horas na agonia e no desam paro de m inha C ruz, e
será de grande proveito para aquela alma."
Josefa não hesita nessa via dolorosa. Tanto tem e os favores cuja responsabili­
d ad e avalia, quanto se acha sem pre pronta a participar da cruz que salvará as
alm as. N osso Senhor sabe disso e m ultiplica os pedidos. N a quinta-feira, 23 de
junho, na santa Missa, aparece-lhe ainda:
"Q uero que peças licença para fazer a H ora Santa. A presentarás aquele peca­
d o r a m eu Pai Eterno, lem brando-Lhe que foi por essa alm a que sofri a Agonia
do G etsêm ani. Oferecerás m eu Coração e teus sofrim entos, unidos aos meus...
Dize à tua M adre que esses sofrim entos n ad a são, em com paração com a alegria
que m e dará aquela alm a quan d o vier a M im."
"À noite - continua Josefa - acordei sob a violência da d o r e, pouco depois,
veio Jesus coroado de espinhos."
"Venho para que sofram os juntos." Juntou as m ãos e ficou longam ente em
oração.
Se visses, M adre, como estava belo! Os olhos voltados para o alto, o sem blan­
te im pregnado de um a tristeza tão bela... caía-Lhe sobre a Face um a claridade
que parecia reflexo do céu."
Dias e noites se seguem... Josefa nota as visitas do M estre, que lhe m anifes­
ta, sem cessar, sua Sede e sua Expectativa. Pode-se dizer que ela assiste à am o­
rosa perseguição que corre ao encalço daquela alma em perigo. Tornando Josefa
responsável por ela diante de Deus, Jesus quer colaboração inteira, desinteres­
sada. Q uando ela Lhe pergunta se o pecador já se está deixando tocar, responde,
na terça-feira 28 de Junho, acercado-se dela d u ran te o trabalho:
"Escuta o que te vou dizer: queres agradar-m e verdadeiram ente? N ão te
ocupes de outra coisa senão sofrer e de Me dares tudo que peço sem procurares
saber "com o" e "quando."
"A noite - continua ela - na quarta feira, 29 de junho - no m om ento de me
deitar, disse a N osso Senhor que estava sem pre a seu dispor. Eram 11 horas,
creio, quando acordei como nas noites precedentes. Estava m ergulhada num
fogo que não sei explicar, sem encontrar alívio algum para a dor que com qual­
quer m ovim ento aum entava. Pelas duas horas da m anhã, veio, de repente Nossa
Senhora. Trazia nas mãos um véu branco que estendeu sobre m inha cam a e a dor
desapareceu. Ela estava de pé e m e fitava com expressão de g rande tristeza.
C om o nada dizia, falei-lhe, eu mesm a, daquela alma, suplicando-lhe que pedis­
se, Ela própria, a Jesus que afastasse dele a ocasião de pecar e Lhe desse força
p ara voltar ao bom cam inho. Os olhos encheram -se-lhe de lágrim as e disse:
"Com o caiu fundo. Deixou-se enganar como um cordeiro! Mas, coragem! Faz

108
tudo que te disse m eu Filho e pede-lhe que descarregue, sobre ti, o que o peca­
dor merece. Assim a Justiça divina o poupará.
Não tenhas m edo de sofrer. N ão te faltará a força necessária, e quan d o não
puderes mais, eu te darei coragem e te aliviarei. Sou o Refúgio dos pecadores;
aquela alm a não se há de perder."
No dia seguinte, quinta-feira, 30 de junho, depois da com unhão, Jesus apare­
ceu à Josefa m ostrando-lhe as C hagas das M ãos e dos Pés e ensinando-L he a
descobrir a C haga invisível do seu Amor.
"Olha m inhas Chagas - diz ; adora-as! beija-as. N ão foram as alm as que as
fizeram, foi o Amor. E como Josefa não sabe o que dizer, Ele repete:
"Sim, é o A m or que tenho às almas, o A m or de com paixão que tenho aos
pecadores. . . Ah! se soubessem! "
Então, no silêncio de sua alm a, Josefa deixa o M estre im prim ir nela, aquela
Chaga invisível que ela tem que p artilhar e aliviar.
"A m aior recom pensa que posso d ar à um a alm a —prossegue Ele - é fazê-la
vítima de m eu A m or e de m inha M isericórdia, tornando-a sem elhante a M im
que sou a Vítima divina pelos pecadores."
"Estava triste com o nas últim as vezes - escreve - m as com um a tristeza que
Lhe dá nova form osura como não posso explicar... pois tu d o nele cativa! Fita os
Olhos no céu e, quando os baixa, para m e olhar, estão m olhados de lágrim as.
Creio que não são lágrim as de dor, m as de amor.
Suas M ãos estão traspassadas e os Pés tam bém . É Ele m esm o que os estende,
quando quer que os beije, e creio que isso O consola.
"Desde que m e falou daquele pecador, nem Ele, nem a Santíssim a Virgem se
aproximam de mim. É um sofrimento!... Mas há quinze ou vinte dias, m inha
alma tem atração pelo sofrim ento. Antes, tu d o me fazia m edo e q u an d o Jesus
me dizia que me escolhera como vítim a, todo m eu ser estrem ecia. Agora, é o
contrário. Há dias porém , em que sofro tanto que se Ele não m e am parasse não
poderia viver assim, pois não tenho um só m em bro poupado... A pesar disso
minha alma quereria suportar m uito m ais por Ele, em bora não sem resistência
da parte sensível. Q uando começo a sentir as dores, trem o e receio instintiva­
mente. Mas na vontade, há um a força que aceita, que quer, que deseja m esm o
sofrer ainda mais, de m odo que, se naquele m om ento, me m andassem escolher,
ou ir para o céu, ou continuar a sofrer, preferiria mil vezes ficar para consolar seu
Coração, em bora me consum a em desejos de ir para Ele. Sinto que foi Jesus que
fez esta transform ação e que Ele cuida de m im com desvelo. Isso m e faz tran s­
bordar de am or e de gratidão."
No dia 1° de julho, festa do Precioso Sangue e prim eira sexta-feira do mês,
Nossa Senhora veio ainda lem brar à filha o valor redentor do Sangue que ela
deverá utilizar pelo pecador.
"Adora o Sangue divino de Jesus, filha, e suplica-lhe que o derram e sobre
aquela alma, a fim de comovê-la e perdoá-la ou purificá-la... E além disso - acres­
centa - hoje à tarde, às 6 e meia, confia-a a seu Anjo da G uarda e reza por ela."
No dia seguinte, sábado, 2 de julho, pela tarde, Jesus aparece com o nos últi­

109
m os dias, com as M ãos e os Pés dilacerados:
"Seu Rosto estava m aravilhosam ente belo - nota Josefa - e principalm ente o
Coração! Com o sofro por não m e p oder aproxim ar dele. M as hoje, ele não me
perm itiu nem que lhe beijasse as Chagas. Disse somente:
"Estás pronta para Me consolar?"
O lhava para m im de m aneira inexprim ível. Seus O lhos m e fazem com preen­
der tanta coisa!
Depois, acrescentou:
"Tu m e sacias a sede, Josefa... tu Me dás de beber. A noite, d u ran te três horas,
unir-te-ei à m inha Agonia. A gora oferece-te a m eu Pai a fim de que descarregue
sobre ti sua justa Cólera."
"Q uando acabou de falar, olhou para o céu, de m ãos postas e, depois de um
m om ento de silêncio, partiu."
E assim que, dia a dia, lhe vai desvendando sua missão.
"N ão cesses de unir teus atos aos M eus e de oferecer ao Pai, m eu Sangue
precioso - repete N osso Senhor. N ão te esqueças de que és a vítim a de m eu
Coração."
N ão se lim ita som ente àquele pecador o horizonte de Josefa.
N a sexta-feira, 8 de julho, confia-lhe duas outras alm as das quais diz:
"Vê como Me traspassam o Coração, como Me dilaceram as Mãos!...
"D urante a m editação, voltou" - escreve ainda.
"O lha para m eu Coração. É todo am or e ternura, m as há alm as que O não
conhecem!"
"Depois, antes de partir, acrescentou:
"Voltarei, m uitas vezes, até que aquelas duas alm as se convertam . Q uando
sofres, Eu descanso, e m eu Coração folga em se com unicar a ti. N ada temas,
m inhas Visitas em nada te prejudicarão, pois estás nas m inhas M ãos e te guarda­
rei contanto que nada Me recuses."
Pode-se calcular a soma de energia e generosidade escondida no esforço que
Josefa tem de sustentar para arcar com o m ovim ento d u plo de sua vida de um
lado, dias e noites em contato com o invisível e tu d o que ele exige de oblação; de
outro, a fidelidade que a m antém sem pre apegada ao trabalho e à Regra. Eis por
que, com bondade incom parável, o Senhor vem reconfortá-la, fazendo-a parti­
lhar da sua Alegria de Salvador:
"Veio d u ran te a adoração, formosíssimo - escreve no sábado, 9 de julho, e me
disse:
"Vês Josefa, um a das duas alm as Me deu, enfim, o que m e recusava, mas a
outra, está bem próxim a da perdição se não reconhecer seu nada."
Então, Josefa perguntou-lhe se se referia ao pecador que tanto Lhe preocupa­
va o Coração:
"N ão — torna o M estre — esse está próxim o da vitória e, breve, repelirá o
perigo para longe. E assim que tiro o bem , m esm o das m aiores quedas. "
N o dia seguinte, dom ingo, 10 de julho, Jesus vem excitar-lhe, de novo, a gene­
rosidade. A parece-lhe depois da com unhão e lem bra aquela alm a que resiste

110
ainda ao seu A m or e a quem o orgulho está pondo em grave perigo.
"Sim; oferece-te para lhe obter Perdão.
Se um a alm a se hum ilhar, m esm o depois de se ter deixado levar pelos m aiores
pecados conseguirá o perdão. O orgulho, porém , irrita a Cólera de m eu Pai, pois
é coisa que Ele odeia com ódio infinito. Busco almas que saibam hum ilhar-se
para reparar o orgulho - repete na tarde seguinte, 11 de julho - Procura fazer
muitos atos de hum ildade, sem olhar para o que te custa. Se soubesses quanto
me agradam!
"Depois partiu, acrescentando:
"Não te esqueças que eu quero que te entregues a m eu Coração."
Escreve ainda na terça-feira, 12 de julho:
"Pelas quatro horas da tarde voltou, com o Rosto tão triste e tão belo, com o
Coração ferido p or um a grande Chaga.
"Dá-Me teu coração, Josefa, a fim de que o encha com a am argura do M eu e
oferece-te incessantem ente p ara reparar o orgulho daquela alma. N ada Me recu­
ses, sou tua Força"
"Parecia pedir esm ola e eu não sei o que faria para O consolar. Disse-lhe mil
coisas, ofereci-lhe, principalm ente, m eus desejos e pedi-lhe a graça de nunca
mais Lhe resistir. Q ue se digne de olhar para o que sou. . . Só m iséria "
"Pouco im porta! Tua m iséria Me consolará. O que peço é liberdade p ara d is­
por de ti. N ão preciso de nada mais, em m inhas almas, senão do abandono e do
amor... sim, am or ao Coração que se consom e de Amor!"
"Disse então, olhando p ara o céu:
"E o orgulho que a cega! Esquece que sou Deus e que sem M im ela é nada!
que im porta subir aqui nesta terra! Q uero que te prostres, a toda hora, diante de
meu Pai: oferece-lhe a hum ildade de m eu Coração. N ão te esqueças de que, sem
Mim, a alma é um abism o de miséria. Exaltarei os hum ildes... suas fraquezas,
mesmo suas quedas, pouco m e im portam ... o que quero é h u m ild ad e e amor!,
Passam sem anas sem que Josefa possa experim entar um só m om ento de re­
pouso. A dor do lado, a Coroa, todos os m em bros doloridos, a alm a sob o peso
da Cólera divina, tudo lhe lem bra a carga com que a presenteou o Amor. M as a
Santíssima Virgem a reanim a pois, escreve ela, não posso m ais de tanta dor!
"Filha - diz-lhe aquela boa mãe, respondendo a seu cham ado d u ran te a noite
de 12 a 13 de julho, - estás sofrendo para repousar o Bem A m ado, não basta para
te dar coragem? Se soubesses com o te sustém p ara nunca te deixar só! N ão
receies sofrer ainda .. . "
Depois, quando a noite term inou:
"Agora são quatro horas. D orm e no Coração de Jesus e nos braços de sua
Mãe. Não te abandonarei. N ão temas. "
Josefa, tinha pois que sofrer m ais ainda. Com efeito, nos dias seguintes, re­
crudesciam as dores...
A im potência a que se vê reduzida acrescenta, a tanto sofrim ento, a pena de
não poder d ar conta do trabalho habitual. Explora-lhe o dem ônio ainda o receio
de ser notada e procura persuadí-la de que tu d o que sofre é inútil, pois as alm as

111
não se vão salvar... Sucedem-se assim os dias de obsessão, às noites dolorosas,
hum ilhando-a e dim inuindo-a sem pre a seus próprios olhos.
Então, como sem pre, vem -lhe M aria em socorro. "Eram três horas da m anhã,
creio - escreve na sexta-feira 22 de julho. Ela veio de repente e, pondo as Mãos
sobre os ombros, disse:
"Filha de m eu Coração. Venho-te am parar, pois sou tua Mãe. N ada do que
estás sofrendo é inútil. Terás ainda um a grande prova a atravessar para salvar
aquela alm a orgulhosa. D esde que sentires a proxim idade da tentação, descobre-
a logo a tua M adre. Depois, obedece, obedece, obedece! "Disse-lhe que é justa­
m ente o que m ais m e custa agora: dizer e obedecer."
"Escuta, Josefa, é o m om ento propício para subm eteres teu juízo à obediência
e será com atos assim de hum ildade, no mais forte da tentação, que expiarás o
orgulho daquela alma. Enquanto lutas, a coação do dem ônio é m enos poderosa
sobre ela " E, insistindo mais fortem ente ainda:
"Deves sofrer pelas almas, deves ser tentada, pois, com preende bem , o d e­
m ônio tem e a fidelidade.... coragem, pois. "
D eu-m e a bênção e partiu. C onfirm ando as palavras da Mãe, Jesus vem logo
pela m adrugada daquela noite dolorosa e se m ostra à Josefa, depois de um a
com unhão, obtida por duros combates.
"Estava tão belo; - escreve - em bora trouxesse a coroa de espinhos na Cabeça
e as C hagas ensangüentadas!
"O lha m inhas Chagas e beija-as. Sabes quem as fez? o Amor! Sabes quem Me
enterrou esta coroa ? O Amor. Sabes quem Me abriu o Coração? O Amor. Se Eu
te am o a tal ponto que nada recusei p o r ti, dize-M e Josefa, não poderás sofrer
sem nada m e recusares? A bandona-te!"
E com tais palavras que Jesus p ren d e a Si, m ais fortem ente que nunca, a
vontade de Josefa.
Logo no dia seguinte, Sábado, 23 de julho, manifesta-se ainda a ela, depois da
santa com unhão.
"Se soubesses quantas alm as Me ofendem e Me magoam! Eis p orque procuro
vítim as que Me consolem e que sofram p o r m eu Amor. Fui Eu que te escolhi!
Sou teu D eus e m e pertences.
"Tu te abandonaste e desde então nada Me poderás recusar..."
"Pouco depois da m eia-noite - escreve ela ainda no m esm o dia - quan d o a
angústia e a dor desapareceram , pus-m e de joelhos e beijei m eu Crucifixo para
Lhe m anifestar m inha alegria de ter sofrido p o r Ele e m eu reconhecim ento, pois
m ais um a vez me am parara. De repente, vi-O perto da cama, belíssimo.
"Q uanto m ais generosa fores para comigo, tanto m ais sê-lo-ei p ara contigo.
A quela generosidade divina não cessa de am pará-la e de afastar os temores
que surgem ainda na sua alma, quando ela se vê na im possibilidade de d a r conta
de todo seu trabalho.
"Q uando sofres, és m eu consolo e m eu repouso.
Q uando repousas, sou Eu que te guardo. N ão perm itirei que nad a disso te
prejudique, pois estás em m eu Coração. "

1/2
O fruto de tanto sofrim ento am adureceu em longas sem anas de oblação e
combate. Josefa não tarda a sabê-lo.
Na terça-feira, 25 de julho, o A m or do M estre, faz a m esm a pergunta:
"Estás pronta para Me consolar?... Estás pronta para sofrer? "
Lembra o m ú tu o com prom isso do dia 5 de agosto de 1920.
"Se Me fores fiel, dar-te-ei a conhecer a Riqueza de m eu Coração. Experim en-
tarás a Cruz, m as te consolarei como Esposa caríssim a".
Depois, acrescenta:
"Nunca falto à m inha Palavra".
N aquela m esm a tarde, notícias cheias de esperança chegavam indiretam ente
ao convento.
"Não sabia como render graças - escreve ela, no dia seguinte, quarta-feira, 26
de julho - ainda eu estava sob a im pressão do que m e dissera:
"Nunca falto à m inha Palavra."
"Ele veio - continua - e m e disse:
"A obra não está term inada, m anifestarei ainda m inha B ondade p ara com
aquela alma. A única coisa que te peço é que Me sejas fiel "
Na quarta-feira, 3 de agosto pelas sete e m eia da tarde, Jesus apareceu, ra­
diante, e disse finalmente:
"O pecador que tanto Me fez sofrer, Josefa, está agora no m eu Coração."
No dia seguinte, lem bra-lhe a alm a cujo orgulho continua a ferí-la tão p ro fu n ­
damente:
"Quero que aquela alm a volte, dentro em breve, a Mim. Q ueres sofrer por
ela? Oferece hoje tudo que fizeres, p o r esta intenção. Voltarei breve". "A tarde,
pelas 4 horas, Jesus deu-m e a pressentir a Sua vinda-escreve ela — e eu fui à
tribuna do N oviciado. Logo se m ostrou: O Coração não tinha m ais a chaga que
trazia desde que m e falara da alma orgulhosa .
"Vem - disse - aproxim a-te e descansa. A quela alm a está no m eu Coração!...
Mas, - acrescenta - só viverá o tem po necessário para se purificar das faltas, pois
é tão fraca que tornaria logo a cair."
"Como eu sou m ais fraca que ninguém , supliquei-Lhe que m e desse a m esm a
graça, pois, se não p u d e r ficar fiel, prefiro mil vezes morrer. E nquanto eu Lhe
dizia isso, Ele me apertava encostada ao seu Coração. Perguntei-lhe p o r que
desejava tanto a salvação daquela alma?
"E que ela própria salvou m uitas outras alm as que estão agora M e glorifican-
do."
Foi quarta-feira, 14 de agosto, que N osso Senhor confirm ou definitivam ente,
a salvação daquelas alm as, com pradas a tão alto preço.
"A tarde Jesus veio, belíssimo, e m e disse:
"Aquela alma, que ficava aqui na terra só para acabar de se purificar, está
agora no céu. Q uanto ao pecador, m eu Coração obteve a vitória definitiva sobre
ele, Consolar-me-á, de ora em diante e corresponderá a m eu Amor.
"E tu - continua o M estre - tu Me am as? Tenho m eus desígnios sobre ti e são
Desígnios de Amor.. N ada Me recuses."

113
Uma Comunidade Religiosa
" Q u e ro s e rv ir-M e d e ti p a ra u m a g r a n d e
O b ra !"

Nosso Senhor à Josefa - 25 de julho de 1921.

N aquela m esm a data, agosto de 1921, term inava tam bém um a em presa de
reparação para a qual o Senhor convidara Josefa. É preciso para segui-la, dia a
dia, voltar atrás, à terça-feira, 26 de julho, quando, depois da com unhão, Jesus
p erguntava à esposa:
"Estás disposta a Me ser fiel?"
"Disse-lhe tudo o que receio da m inha fraqueza - escreve ela - m as bem co­
nhece Ele m eus desejos."
"Q uero servir-M e de ti p ara um a grande Obra.
D everás trazer a m eu Coração, um a C om unidade que se afastou. Q uero que
m inhas Esposas voltem para aqui!"
" E m ostrava o Coração. Perguntei-lhe que esperava de mim.
" C ontinua a fazer tu d o que te ensinei p ara aquele pecador. Oferece meu
Sangue divino, cujo preço é infinito."
"Voltou pelo meio dia, carregando enorm e cruz, prossegue ela.
"Venho trazer-te m inha C ruz - disse - pois quero descarregá-la sobre ti."
Então Ele ficou sem a cruz e eu me senti acabrunhada de tal sofrim ento que
não poderia aguentar, se Jesus não me desse força especial.
"Para essa em presa, - continuou o Senhor - escolhi nove almas. Estou contigo
agora. Vou te deixar para ir à outra alma. Assim será sem pre um a de m inhas
Esposas que vai M e consolar."
Ficou um m om ento em silêncio; depois como se falasse a Si mesmo:
" Sim, é verdade, m uitas alm as Me ferem com ingratidões. Mas, são ainda
m ais num erosas aquelas, nas quais repouso e que são m inhas delícias".
Sob o peso da cruz, Josefa recomeçou o trabalho na presença do M estre que
lhe diz:
"Trabalha em m inha com panhia."
Ela está só e, de vez em quando, ajoelha-se para adorá-lo e se oferecer a Ele.
" Q uero, não som ente, que aproxim es de Mim aquelas alm as - explica Nosso
Senhor - m as que pagues por elas, a fim de que não tenham m ais nenhum a
dívida diante de m eu Pai".
Eram quatro horas - acrescenta ela - quando me disse:
"Agora, vou-M e em bora. Voltarei quando for de novo tua vez".
"Tomou a C ruz e desapareceu... e fiquei sem sofrer."
D esde então, as longas horas de expiação voltarão exatam ente no m om ento
fixado por N osso Senhor, que vai de um a alma escolhida à outra, p ara lhe confiar
a C ruz. "

114
Depois da com unhão, na quarta-feira, 27 de julho m ostra-se à Josefa.
"Venho descansar em ti - diz-lhe - " Q uero que te esqueças de ti m esm a, que
Me consoles, que penses tanto em Mim, que Me am es com tal ardor, que só Eu
ocupe teus pensam entos e teus desejos. N ão tem as sofrer. Sou bastante podero­
so para cuidar de ti."
Ela lhe fala logo da em presa de am or com eçada na véspera.
"E, com o se eu Lhe tivesse lem brado um a grande dor - escreve ela - respon­
deu:
" É um a com unidade tíbia e relaxada. . . "
" Então, ficou em silêncio, e um m om ento depois continuou:
" Mas serão m inhas. . . voltarão a m eu Coração. Foi para convertê-las que
escolhi nove vítim as. N ada tem mais valor do que o sofrim ento, u n id o a m eu
Coração. Hoje à noite hei de trazer-te m inha Cruz. A qui estarei à m eia noite, que
é a hora correspondente à tua vez".
Na m esm a tarde, veio tam bém a Santíssim a Virgem confiar à Josefa, um a
alma em perigo.
"Até am anhã - disse - queria que pusesses todo o ardor para salvar um a filha
que amo. Jesus a queria para Si e tinha-lhe dado o tesouro da vocação. Ela o
perdeu por infidelidade. Vai m orrer am anhã e o que Me dá m ais p en a é que ela
rejeitou m eu escapulário. Q ue consolação para m eu Coração de M ãe se aquela
filha se salvar! Deu-me a bênção e desapareceu".
'Não p u d e dorm ir à noite, pois estava angustiada, pensando naquela alm a tão
próxima da morte, sem falar da d o r do lado, da coroa de espinhos e de todos os
sofrimentos de cada noite.
"Pela meia noite, Jesus veio com a Cruz. Ficou a m eu lado, m as sem a cruz
que senti pesar sobre m eu corpo, como um a carga que me esm aga, enquanto
minha alma fica oprim ida de dor inexplicável. "
De fato, o peso daquela cruz invisível que carrega sobre o om bro direito dobra-a
pelo meio e parece esmagá-la. A respiração, já penosa, por causa da d o r que tem
no peito, torna-se ainda mais difícil, e é inútil tentar aliviá-la.
"Sofre com coragem - diz Nosso Senhor - a fim de que m inhas Esposas se
deixem penetrar por esta flecha de Amor!"
E do seu Coração sai um a centelha de fogo.
"Beija m inhas Mãos, beija tam bém m eus Pés. Repete comigo:" Pai! O Sangue
de vosso Filho não terá bastante valor? Q ue m ais desejais? Seu Coração, suas
Chagas, seu Sangue... Ofereço-Vos tudo pela salvação das almas. "
"Eu repetia aquelas palavras, - escreve Josefa no dia seguinte - "Ele ficava em
silêncio longos m om entos. Creio que rezava, pois tinha as M ãos postas e olhava
para o Céu... Eram quatro horas da m anhã quando disse:
"Agora deixo-te, pois um a outra das m inhas Esposas Me está esparando.
Sabes que são nove... as escolhidas de m eu Coração! Voltarei am anhã à u m a hora
e te darei de novo a Cruz.. Adeus! Tinha sede e Me deste de beber. Serei tua
recompensa!
Na sexta-feira, 29 de julho, à um a hora da tarde, como dissera, veio Jesus com

115
a C ruz.
"A qui estou - disse - a fim de te d ar a p articip ar do sofrim ento de m eu
Coração oprim ido e am argurado. "
Entrega-lhe a C ruz e m ergulha-a no sofrim ento que experim entara nos dois
dias precedentes.
"Escorria-lhe m uito sangue da Chaga do C oração' - escreve ela.
"Repete comigo - disse: - Pai Eterno, olhai estas alm as banhadas no Sangue
de vosso Filho Jesus Cristo, da Vítima que se oferece a Vós incessantem ente.
Este Sangue que purifica, abrasa, consom e, não será bastante pod ero so para
com over aquelas alm as?'
"Ficou em silêncio, alguns m inutos. Eu repetia, m uitas vezes, suas palavras,
Depois, disse com força:
"Sim quero que voltem a M im. Q uero que se abrasem d e am or ardente,
enquanto Eu m e consum o p o r elas de A m or doloroso!"
"E acrescentou, com tristeza:
"Ah! se as alm as com preendessem quão ardentem ente desejo com unicar-M e
a e la s!. . . Mas, quão poucas com preendem ! e como m eu Coração fica m agoado!"
"Consolei-o como pude; disse-lhe que esquecesse um pouco as alm as que O
ofendem e que pensasse antes nas que O consolam e am am . Seu Coração pare­
ceu dilatar-se a essas palavras e disse:
"Sou a única felicidade das almas. Por que se afastam de M im? "
"Senhor, nem todas se afastam e se nós caímos é porque som os fracas, bem
sabeis!"
"Pouco Me im portam as quedas... Conheço a m iséria das almas. O que que­
ro é que não fiquem surdas a m eu cham ado e que não recusem m eus Braços
q u ando os estendo para as levantar."
"Assim passei da um a hora às quatro da tarde. O ferecendo ao Pai seu San­
gue e todos os seus M éritos, e repetindo a oração que me tinha ensinando." No
silêncio que a envolve, Josefa continua o trabalho en q u an to Jesus retom a a
C ruz. M as sua alma não abandona a dolorosa intenção cujo segredo ela guar­
da.
N a tarde de sábado, 30 de julho, chega sua hora de guarda.
"Ia subir a escada do internato, quando O encontrei com a C ruz, disse:
"Estou à tua espera."
D epois de lhe ter p ed id o licença p ara g u ard ar as peças de trab alh o que
trazia na mão:
"F u i - c o n tin u a ela - ao lu g a r d a m in h a cam a e o e n c o n tre i: estav a
esperando-m e. Então, ela fala da alma infiel à vocação que a Santíssim a Vir­
gem lhe confiara.
D esde a véspera, quan d o o furor do dem ônio se abatera sobre ela, já sabia
p or sua M ãe do céu que aquela filha m uito am ada p o r M aria saíra vitoriosa
dos assaltos do inferno. M as na noite anterior, aquela alm a lhe aparecera mer­
gulhada nas penas do purgatório, suplicando-lhe que intercedesse a fim de que
seu sofrim ento fosse abreviado. M uito im pressionada com aquele prim eiro en­
contro do purgatório, Josefa confia ao M estre seu temor: " Senhor, se é tanto o
116
tormento de um a alm a do m undo, qual não será o de um a alm a religiosa, que
não aproveita as graças de que é cum ulada?
"É verdade" - responde Ele.
E reconfortando-a com bondade:
"Q uando um a de m inhas alm as cai, estou sem pre perto para levantá-la d es­
de que se hum ilhe com amor. Pouco Me im porta a m iséria da alm a cujo único
desejo é o de Me glorificar e consolar. N a sua pequenez, ela obtém graça para
muitas outras. "Gosto da hum ildade... e quantas se afastam de m im , p o r o rg u ­
lho. Q uero que teus sacrifícios e teu zelo atraiam as alm as a m eu Coração e,
especialmente, aquelas que Me são consagradas, que o desejo de Me d ar alm as
e de Me ver am ado te consum a e que teu am or Me console." Ficou depois m ui­
to tempo em silêncio - prossegue ela - eu lhe disse mil coisas p ara O consolar e
lhe falei de um a alma que precisa de socorro."
"Se ela não procura força no m eu Coração - respondeu - onde a encontrará?...
O amor dá força, m as é preciso o esquecim ento de si."
" Então, eu Lhe disse: Senhor, perdoai-nos, pois som os tão fracas!'
"Q uando um a alm a deseja, com ardor, ser fiel, Josefa, Eu lhe am paro a fra­
queza e suas próprias quedas clam am com m ais força p o r m inha Bondade e
minha M isericórdia. Só peço que, esqueça si m esm a, ela se hum ilhe e faça esfor­
ços, não para sua própria satisfação, mas para m inha Glória. "
Essa prom essa de M isericórdia, sem pre oferecida à fraqueza, Jesus a deixa na
hora em que Josefa vai experim entá-la um a vez mais.
Aquelas longas horas sob a cruz pesam , não à sua coragem, m as ao desejo de
trabalho e dedicação que traz sem pre consigo. Queixa-se ao M estre, infelizm en­
te, e Ele desaparece sem voltar à hora anunciada.
Fica desolada, pois não calculara as conseqüências do prim eiro m ovim ento.
Deixando-a porém no desconsolo, Jesus, que a conhece, não a perd e de vista e
lhe envia, sem tardar, sua Mãe Santíssima.
"Na tarde da segunda-feira 2 de agosto, pelas sete horas — escreve — subi ao
oratório da Santíssima Virgem, no Noviciado, e pedi-lhe que se dignasse, Ela
própria suplicar a Jesus que me perdoasse... pois, um dia sem Ele, m e parece um
século. Ela veio de repente, com ternura de Mãe:
"E verdade, filha, que não queres mais a C ruz de Jesus?"
" Oh Mãe, Bem sabeis que não posso viver sem Ele! "
"Então, desce, pois Ele está à tua espera. "
"Desci logo. Lá estava Jesus com a Cruz. N ão sei como ousei pedir-lha.
"Olhou para m im e disse:
"E livrem ente que queres m inha Cruz? "
"Supliquei-lhe que tivesse piedade de m im e m e desse aquele tesouro que é
minha única felicidade... Senhor, não façais caso do que digo q u an d o estou em
tentação e dignai-Vos não me deixar sozinha."
"Deixo-te só, Josefa, p ara que vejas o pouco que podes sem Mim! A gora não
penses mais nisso. Pega m inha C ruz e vam os trabalhar p ara as alm as.
"Deu-me então a C ruz e a Coroa e ficou em oração até o fim d as q u atro

117
h o ras".
Era aquela quarta-feira, 3 de agosto em que Jesus, term inando a conquista do
pecador, que tanto custara à Josefa, lhe aparecera dizendo:
"O pecador?... Está agora no m eu Coração."
N a m esm a tarde, entrando ela no dorm itório, e levantando a cortina de sua
alcova, aí encontra o M estre que a espera com a Cruz.
"Pega m inha C ruz — diz — venho repousar em ti. Se as alm as religiosas
soubessem quanto as am o e quanto me ferem com sua frieza ou tibieza! essas
alm as não com preendem o perigo que correm , fazendo pouco caso de suas m i­
sérias. Com eçam com um a pequenina infidelidade e term inam no relaxam ento.
Hoje concedem a si m esm as um pequeno prazer, am anhã deixarão passar um a
inspiração da graça e, pouco a pouco, sem perceber, irão esfriando no am or ".
E para lhe m ostrar onde se encontra a única salvaguarda de toda fidelidade,
dá-lhe Jesus esta lição de grande valor.
"Ensinar-te-ei, Josefa, como deves abrir tua alm a à M adre com sim plicidade e
hum ildade."
Então, depois de ter entrado nos porm enores da confidência que Ele exigia:
" Q uero-te santa, m uito santa, e não o serás senão pelo cam inho da hu m ild a­
de e da obediência. M ostrar-te-ei tudo, pouco a pouco." depois, antes de deixá-la,
acrescenta:
Recom endo-te que tenhas sem pre diante dos olhos, arraigadas no coração,
d u as convicções. Primeiro, se Deus fitou o O lhar em ti, é som ente para m anifes­
tar m elhor seu Poder, elevando um grande edifício sobre um abism o de miséria.
S eg u n d a, se Ele te q u e r c o n d u z ir p a ra d ire ita e tu q u ise re s ir p a ra a
esquerda,certam ente te perderás. Enfim, Josefa, a conseqüência de tu d o deve
ser, o conhecim ento mais real de tua miséria, o abandono com pleto nas M ãos de
teu Deus."
Essa lição de confiança e hum ildade é tão cara ao Coração de Nosso Senhor,
que Ele insistirá freqüentem ente no mesmo sentido.
Encontram -se nas notas de Josefa os seguintes conselhos, guard ad o s cuidado­
samente:
"Q uero dar-te a conhecer os atrativos mais delicados de m eu coração. Já te
disse com que sim plicidade deves confiar-te à M adre e abrir-lhe tua alma, sem
g u ard ar a mais pequena dobra em que ela não penetre.
"Q uero recom endar-te, hoje, que tu te esforces por não perd er nem sequer
um a ocasião de te hum ilhar. Q uando tiveres liberdade de fazer ou não, um da­
queles pequenos atos custosos, vai e faze-o. Q uero que, de quinze em quinze
dias, prestes contas, fielmente, à tua M adre, dos esforços que tiveres feito, das
ocasiões que tiveres utilizado ou perdido. Q uanto mais conheceres o que és,
m elhor saberás o que sou. N unca tom es o repouso da noite com algum a sombra
em tua alma; recom endo-te isto insistentem ente. Q uando com eteres algum a fal­
ta, repara-a im ediatam ente.
"Desejo que tua alma seja pu ra como o cristal.
"N ão te perturbes se caíres ainda, mais de um a vez. São a perturbação e a

118
inquietação que afastam a alm a do seu Deus. Pede perdão e, repito, não espe­
res, dize-o logo à M adre.
Q uero-te pequenina e hum ilde e sem pre sorridente. Sim, quero que vivas
alegre m as sem pre procurando ser, de algum m odo, algoz para ti m esm a. Esco­
lhe freqüentem ente o que te custa, m as conservando-te alegre e jovial, pois, é
servindo-Me em paz e alegria, que m ais glorificarás m eu Coração."
Essa direção, tão clara, m antém Josefa no cam inho seguro e lhe ensina que
esse é tam bém o único cam inho por onde devem seguir, após o M estre, os ope­
rários da Redenção.
E assim prossegue a grande "em presa" como a cham ara N osso Senhor. Josefa
continua a carregar a cruz que Jesus, vai passando, sucessivam ente, às suas nove
escolhidas, pelas alm as religiosas que quer reconduzir a seu Coração. Essa obra
está, entretanto, a findar.
"D urante a M issa — escreve ela, no dia 5 de agosto, sexta-feira, veio, resplan­
decente de beleza.
"Quero, disse-m e Ele - que te consum as no m eu Amor; já te m ostrei que só
encontrarás felicidade em m eu Coração. Q uero que Me ames, pois tenho fome
de amor... m as que ardas no desejo de Me veres am ado, e que teu coração não
tenha outro alim ento senão este desejo. "
"Eu lhe disse mil coisas e Jesus continuou:
"Todos os dias, depois da com unhão, repete com o m áxim o ard o r possível:
"Coração de Jesus que o m u n d o inteiro se abrase no vosso Amor!"
E certam ente neste ard o r que ela passa aquele dia "abrasada em desejos"
como escreveu.
Pelas sete horas, sobe ao dorm itório. Jesus a esperava.
"Pega m inha C ruz - disse, e vam os sofrer pelas alm as."
Depois de um m om ento de silêncio, acrescentou:
"Se m inhas Esposas m editaram bem que sou todo A m or e que m eu m aior
desejo é ser am ado, por que me tratam assim ? "
E, explicando o preço que o am or dá ao m ais pequenino esforço:
"Q uando a alm a faz um ato, m esm o custoso mas, p o r interesse ou prazer, não
por amor, pouco m érito alcança. U m a coisa pequena, ao contrário, oferecida com
grande amor, consola m eu Coração a tal ponto, que Ele se inclina p ara ela e
esquece todas as suas misérias."
"Sim - repete - m eu Desejo ardente é ser am ado. Se as alm as soubessem o
excesso de m eu A m or poderiam deixar de corresponder?... Eis p o r que corro à
procura delas e, nada poupo, para que voltem a M im."
"Dizia tu d o isso de m odo com ovedor; era um grito de Amor! Ficou m uito
tempo em silêncio e com o que em oração. Pelas onze horas da noite, p artiu
dizendo:
"Sofre com m uito amor. Oferece constantem ente m eu Sangue pelas almas... E
agora dá-m e m inha C ruz."
Três dias passam -se ainda, d u ran te os quais, às dores m isteriosas que a asso­
ciam à C ruz do M estre, vem juntar-se o sacrifício p ed id o à toda a casa dos

119
"Feuillants": a m udança da superiora. Josefa, como todas as M adres e Irmãs,
participa daquela m eritória oblação de que N osso Senhor se vai servir para ter­
m inar sua Obra.
A segunda-feira, 8 de agosto, será para o Convento dos " Feuillants", um
desses dias preciosos para o Coração de Jesus em que, Mãe e Filhas, unidas num
m esm o e profundo sacrifício, oferecem a separação.
Depois da com unhão, Jesus aparece à Josefa.
"Q uero que as alm as venham a mim sem tardança. Reza, sem cessar, a fim de
que se deixem penetrar pela graça. M esmo que não possas fazer outra coisa
senão desejar que Eu seja am ado, já é m uito. M eu Coração fica aliviado, pois
esse desejo é Amor. Brevemente aquelas alm as religiosas vão entrar em retiro.
Oferece-te a fim de que se deixem traspassar pelo Amor. "
A tarde, pelas sete horas, no esplendor radiante de seu Coração e de suas
C hagas, Jesus volta, m as sem a C ruz. Josefa não ousa crer na felicidade que
adivinha no sem blante radioso do M estre. Pergunta-Lhe pela Cruz.
"N ão - responde - aquelas alm as já não Me ferem o Coração. E além disto -
acrescenta - hoje aceitei p o r elas o sacrifício desta casa e encontrei aqui muito
amor! A m anhã aquela com unidade religiosa começará o retiro e brevem ente será,
p ara m eu Coração, um refúgio de grande consolo. "
A ssim acaba aquela história das M isericórdias divinas.
Josefa tam bém ia en trar em nova etapa de sua vida.

120
V - A G R A N D E PROVA

Primeiros Assaltos
26 de agosto - outubro de 1921.

"Não ten h as m e d o de sofrer.


Se v is s e s q u antas alm as se aproxim aram
do Coração d e Jesus durante o tem p o da
te n ta ç ã o !"

A Santíssima Virgem à Josefa - 24 de outubro de


1921.

Entram agora em nova fase os adm iráveis Desígnios de D eus sobre a vida de
Josefa.
Desde o fim do m ês de agosto de 1921, suas notas revelam a dependência
mais estreita que lhe é im posta. N ão poderá mais, fora dos tem pos ordinários de
oração, responder ao cham ado do M estre, sem prévia perm issão. Significará
essa determ inação, algum a d ú v id a em tom o dela ? . ..
A nova Superiora dos "Feuillants", posta a p ar de tudo, desde sua chegada,
por indicação expressa de N osso Senhor, deve à prudência as reservas de um a
sábia lentidão e de um a circunspecção que tu d o exam inará, antes de d ar crédito
à misteriosa conduta divina.
Josefa se subm ete, com toda a sua alma, à direção da obediência. C onhecera
de muito perto o Coração de Jesus para que a m enor som bra dim inuísse a sua
confiança. E, m elhor ainda, sabe a que exigências de fidelidade a obrigam os
planos do M estre. N enhum a hesitação perturba a facilidade, a sim plicidade, a
confiança sobrenatural com que abraça qualquer decisão das Superioras.
Mas, quanto custará ao p u d o r n atural de sua índole, tão reservada nesses
assuntos, ter que falar, explicar, responder às perguntas, p ô r tu d o sob a d u p la
vigilância das duas M adres e se sentir alvo de observação ainda m ais estreita!
Tudo porém , se encadeia divinam ente, nessa vida. É a hora em que a Ação de
Deus vai aparecer, com evidência tal, que d ú v id a nenhum a possa subsistir em
tomo dela: e Jesus dará o sinal autêntico, na fidelidade daquela obediência e
daquele desprendim ento, sem pre inalteráveis. É a hora em que o dem ônio vai
receber o terrível po d er de joeirar o trigo das predileções divinas; m as, Jesus
cercará sua Obra, de baluartes que possam enfrentar todos os assaltos do inimigo.
É assim que se abre, diante de Josefa, aquela nova e surpreendente etapa que
a conduzirá aos Votos.
Na grande casa dos "Feuillants" para onde afluem as m eninas no meio de
numerosa com unidade, a Irm ã m ais antiga do pequeno N oviciado, que aum enta
pouco a pouco, ficará sem pre apagada, laboriosa e dedicada. Somente a Superiora
e a Assistente guardarão o segredo da Obra que se desenvolve às suas vistas. E

121
o apoio do Reverendo Padre Boyer, prior dos Dominicanos, designado nessa
ép oca p o r N o sso Senhor, c o o p era rá em seu s D esíg n io s, tra n q ü iliz a rá as
ansiedades e descobrirá os em bustes do dem ônio.
Então, quando todas as garantias e todas as seguranças cercarem Josefa, o
Senhor a encam inhará para a noite da grande prova que só iria term inar no dia da
sua Consagração religiosa (julho de 1922).
É o batism o de d o r que a dedica à O bra redentora, da qual terá que ser
testem unha e colaboradora antes de ser m ensageira.

***

Chegou, pois, a hora do príncipe das trevas, e Josefa vai defrontar-se com ele.
D esde então, o encontrará a cada passo do cam inho.
M as Jesus, que com bate nela, prepara, ao inimigo, a m ais hum ilhante derrota.
Faz-lhe sentir o limite de seus esforços, a inutilidade de seus m eios e a impotência
de seus artifícios. Se Ele deixa ao dem ônio a aparência de fáceis triunfos, se
abandona Josefa a esse adversário que parece sobrepujá-la, se consente que ela
desça aos abism os onde não se pode m ais amar, perm anece porém , no fundo
daquela alma que escolheu como vítim a e a am para com a fidelidade de seu
Amor. N unca lhe terá ficado m ais intim am ente presente do que nas horas de
v e rd a d e iro m a rtírio , o n d e só a A ção d iv in a p o d e ria co m p en sa r p ro v as e
hum ilhações, que escapam às experiências hum anas. A través da fragilidade do
instrum ento, é verdadeiram ente a luta entre D eus e Satanás, entre o A m or e o
Ódio, entre a m isericordiosa B ondade que se quer m ostrar um a vez m ais ao
m undo, e o inim igo das almas, que adivinha o lado divino e levanta contra ele a
fúria satânica. Todo o esforço do dem ônio, d u ran te esse longo período de nove
m eses se concentra, com efeito, contra a vocação de Josefa, enquanto ainda é
tem po. N ada om ite para lhe quebrar a vontade: tentações violentas, tem or da
responsabilidade, que o dem ônio torna esm agadora, palavras m entirosas que
alarm am a sua consciência, obsessões que desdobram , p o r assim dizer, a sua
alm a e a fazem pensar no que não crê, dizer e fazer o que não quer, sem que
p o ssa , no m o m en to , d iscern ir a força d iab ó lica q u e a d o m in a; aparições
am eaçadoras ou enganosas, espancam entos, raptos, qu eim ad u ras... tu d o se
precipita sobre a frágil criatura, como borrasca, no meio da qual parece que vai
so sso b rar. Ela resiste, e n tre ta n to , com en erg ia in crív el. É o fru to d a sua
sim plicidade habitual no cum prim ento do dever e, m ais ainda o de sua fidelidade
em se deixar guiar. E sobretudo, a Força divina que a sustenta, sem pre presente,
em bora escondida em certas horas, a força da Eucaristia de que nada, jamais, a
separará.
Os últim os dias do m ês de agosto, trazem , ainda, algum as visitas celestes que
fortalecem a sua alm a p ara as lutas vindouras.
N a sexta-feira, 26 de agosto pelas nove horas da m anhã, fiel à ordem recebida,
Josefa entra na cela da Superiora.
Está envolta em recolhim ento que faz adivinhar um a presença invisível. Com

122
poucas palavras, pede licença para seguir a N osso Senhor, " pois — diz ela —
Ele está aqui."
Dizem-no ainda melhor, seus olhos baixos, a fisionom ia, a atitude de oração,
o esforço que faz para falar.
"Q uando saí, M adre — escreve ela — disse a N osso Senhor: tenho licença.
"Ele andava a m eu lado e me levou à tribuna. Comecei por dizer o que a
Madre me recom endou: se Vós sois de v erd ad e A quele que penso, Senhor,
dignai-Vos não Vos ofender se me obrigam a ped ir licença, todas as vezes, para
Vos ouvir e Vos seguir - Ele respondeu:
" Não m e sinto em nada ofendido; pelo contrário. Q uero que obedeças sem pre
e eu tam bém obedecerei. "
"Ele parecia um pobre, dizendo isso. Depois, acrescentou:
"Tuas M adres Me consolam , certificando-se com tanto ardor de que sou Eu
mesmo. Hoje, fica un id a a m eu Coração e repara p o r m uitas alm as."
Incom parável a delicadeza com que N osso Senhor consente em subm eter-se
às exigências, que desde então, cercarão suas visitas. A fidelidade de seu coração
apoiando a da sua filha é o selo divino que atesta a Sua presença. N aqueles
meses de agosto e setem bro, m u d a seus entretenim entos com Josefa e continua a
pedir, como antes, o auxílio de suas oferendas p ara as almas.
Na quinta feira, I o de setem bro depois da com unhão, veio, belíssim o - escreve
ela — quando com eçou a falar, sua Voz estava triste.
"Desejo que Me consoles - disse. - A frieza das alm as é g ran d e e qu an tas se
precipitam na perdição! Se eu te pudesse deixar m inha C ruz com o antes."
"Depois quando ped i licença, levou-m e ao oratório de Santo Estanislau e me
disse:
"Se Eu não encontrasse alm as p ara Me consolar e atrair m inha M isericórdia, a
Justiça não poderia ser contida"
"Um pouco depois, continuou:
"Meu A m or às alm as é tão grande que m e consum o no desejo de sua salvação.
Mas quantas se perdem .
Q uantas esperam tam bém que sacrifícios e oblações obtenham a graça de
sair do estado em que se encontram ... Tenho, entretanto, ainda m uitas alm as
que são m inhas e Me am am . Uma só destas obtém p erdão p o r m uitas outras,
ingratas e frias.
"Quero que te abrases no desejo de Me salvar almas, que te atires no m eu
Coração e que só te ocupes de m inha Glória. Voltarei, à tarde, a fim de açaim ares
esta sede que m e devora e repousarei em ti". N o começo da H ora Santa, voltou,
de fato, e disse:
"Vamos oferecer-nos como vítim as a m eu Pai Eterno."
Prostremo-nos, com profundo respeito, em sua Presença... Adoremo-Lo, apre­
sentemos-lhe nossa sede da sua Glória... Oferece e repara em união com a divina
Vítima."
"Dizia isso m uito lentam ente. Foi-se, um pouco antes do fim da H ora Santa".
Alguns dias depois, a Santíssim a Virgem aparece à Josefa. Vem am pará-la pois

123
as lutas íntim as não faltam àquela filha.
"N ão te posso dizer quanto Eu, que sou tua Mãe, desejo que sejas fiel — diz
Ela — m as não te aflijas. A única coisa que Jesus pede é que te abandones à sua
Vontade. O resto Ele fará."
"Expliquei-Lhe quanto m e custa ter que dizer essas coisas não som ente à
M adre A ssistente mas, agora tam bém à M adre Superiora."
"Q uanto m ais Jesus te pede, m ais te deve regozijar, filha."
Responde a Santíssim a Virgem e, como que para arraigar nela a hu m ild e des­
confiança de si mesma:
"D iante de um a obra-prim a — continua Ela —não é o pincel, m as a m ão do
artista que se adm ira... Também, Josefa, se acontecer que grandes coisas se fa­
çam por teu interm édio, não atribuas nada a ti m esm a, pois é Jesus que age. Ele
que vive em ti e quem se serve de ti. Dá-Lhe graças p o r tanta Bondade!. . Sê
m uito fiel nas coisas pequenas como nas grandes, sem olhar para o que te cus­
tam . O bedece a Jesus, obedece às tuas M adres e conserva-te bem h um ilde bem
abandonada. Jesus se encarrega da tua pequenez e Eu sou tua Mãe!"
N a quinta-feira, 8 de setem bro, Nosso Senhor tranquiliza-a dando-lhe o segre­
do da coragem:
"N ão te ocupes senão em amar-Me: o A m or te dará força.
M as o A m or deve conservá-la constantem ente ocupada com as almas.
"Tenho um a alma que Me ofende — diz-lhe, aparecendo na terça-feira, 13 de
setem bro, e venho consolar-Me contigo. Vai pedir licença para ficar um pouquinho
comigo; não te ocuparei p o r m uito tem po. N ão tem as se te sentires desam para­
da, pois far-te-ei participar da angústia de m eu Coração. Pobre alma... como se
vai precipitando no abismo! "D urante três horas, em a noite de 14 para 15 de
setem bro, deixou-m e a Cruz e a Coroa — acrescenta Josefa — A m esm a coisa
nas noites seguintes e d u ran te m uitos dias coopera assim p ara o regresso da
ovelha desgarrada."
"A inda tens que sofrer — repete N osso Senhor na quinta -feira 2 de setembro
— Oferece todas as tuas ações banhadas no m eu Sangue e n ad a te poupes, pois
tu d o servirá para aquela alma. "
As noites se sucedem sob a cruz e logo de m anhã recom eça o trabalho sem
que n ad a lhe atraiçôe o esgotam ento.
A Santa M adre F undadora vem tam bém animá-la: N o sábado, 24 de setem­
bro, aparece, com um sorriso celeste"— escreve Josefa e depois de lhe ter con­
fiado algum as recom endações.
"Q uanto a ti, filha, m uita h um ildade m uita obediência e m uito amor, — diz
Ela, pondo-lhe a m ão sobre a cabeça. Depois acrescenta: G uardo com predileção
esta casa de Poitiers."
N o fim da noite de 24 para 25, noite terrível de angústia e de dores.
De repente — escreve ainda Josefa — desapareceu todo o sofrim ento. Inva­
diu-m e a alm a, im ensa paz. Ali estava Jesus, belíssimo, resplandescente de lu z ,
a Túnica parecia de ouro e o Coração estava como um incêndio. "
"A quela alm a — disse, nós a ganham os."

124
"Dei-Lhe graças e o adorei com m uito respeito, pois a M ajestade de Deus
estava nele. Pedi-Lhe perdão de m eus pecados e supliquei-Lhe que m e conser­
vasse fiel, pois me vejo tão fraca. Entretanto, Ele bem sabe que não desejo outra
coisa senão consolá-Lo e amá-Lo."
"Não te aflijas com tua miséria... M eu Coração é o trono da M isericórdia,
onde os m ais m iseráveis pecadores são os m ais bem recebidos, contanto que
venham perder-se neste abism o de Amor.
Fitei os Olhos em ti porque és pequena e miserável.
Eu sou tua Força!
" E agora, vam os g anhar outras alm as !
" Mas antes, repousa um pouco, em m eu Coração."
Aquele repouso seria de curta duração e, "para ganhar outras alm as" Josefa
ia dar-se m ais que nunca.
No m esm o dia, dom ingo, 25 de setem bro, começa a etapa das terríveis ten­
tações que ficarão prim eiro no dom ínio silencioso da alm a, m as que logo se lhe
apoderarão do espírito, com estranha força. C ontinuando a escrever as notas,
não sabe como exprim ir sua dor.
"Tenho na im aginação, vistas tão m edonhas, que não sei que fazer nem
pensar. E o que m ais m e faz sofrer é que nunca tive esta espécie de tentação,
nem nunca desejei outra coisa no m undo senão ser toda de Jesus.
"Passei assim m uitas sem anas e p erd i a paz de tal m odo que nãó ousava
mais receber N osso Senhor. Entretanto, a obediência m e ajudou e é v erdade
que no fundo da alma não me posso resignar a ficar sem com unhão."
Dias e noites se seguem assim, em angústia inexprim ível, p ara aquela alma
tão pura, às voltas com a visão do pecado. O m aior to rm en to é o m edo de
ofender a D eus e o desaparecim ento da coroa de espinhos, que sentia ainda em
torno da cabeça, aum enta-lhe a perturbação.
"D urante a adoração — escreve no dom ingo, 2 de o u tu b ro , não o usava
falar com nosso Senhor e m e virei p ara sua M ãe p ara que Ela Lhe ped isse
aquela coroa que m e tranqüilizaria u m pouco.
Veio de repente, tão boa! e disse:
" Filha, que te im porta não teres a coroa na cabeça, se a tens no coração?
Confia às M adres as ciladas cio dem ônio, pois ele não te deixará em paz, e
ainda, tens m uito que combater.
E de fato, é a hora das batalhas encarniçadas. Às voltas com a ação violenta
do dem ônio, Josefa não cessa de repetir, na sua vontade: "Ser fiel ou morrer. "
Mas pouco depois, pensa estar abandonada e repelida por Deus.
Duas ou três vezes volta a paz instantaneam ente, à lem brança das Palavras
do Mestre. N aqueles raros min-utos, toda a sua alm a se reanim a de amor, tão
ardente, que não encontra expressões. Então pode-se averiguar a que p o nto
aquela alm a é sincera e que m artírio sofre, como está apegada à vocação que

125
tão caro lhe custa e que am a acima de tudo!
O utras vezes é um a tal desolação que n enhum meio hum ano pode aliviá-la
ou arrancá-la à pressão diabólica. Fica m u d a e abism ada na dor. As comu­
nhões são para ela preço de esforço e coragem que só obtém a vitória no último
instante, pois o dem ônio, sem o conseguir, teim a em privá-la da Eucaristia,
cujo desejo a consome. Assim passa um mês sem que n ad a exteriorm ente, de­
note a violência da luta. A pesar da continuidade de tanto sofrim ento, ela vai
invariavelm ente, cum prindo seu dever e sua vida religiosa, e se conserva sem­
pre silenciosa e corajosa no seu posto de dedicação.
Redobram , entretanto, os assaltos do dem ônio.
" Eu estava como que desesperada — escreve na segunda-feira, 7 de outu­
bro. '"E ra festa de Santa M argarida M aria e, depois da com unhão, supliquei-
Lhe que m e obtivesse do Coração de Jesus a graça de ser fiel e de m orrer sem
nunca m e separar dele. Todo o dia fiquei naquela horrivel tentação. De noite,
com o não podia dorm ir, rogava à N ossa Senhora que me desse luz e força, mas
um a espécie de furor se apoderou de mim, e me decidi deixar tu d o e partir."
N o dia seguinte, ela se levanta sob a pressão daquela força diabólica cuja
intensidade só as testem unhas podem avaliar.
"N a hora da missa, fui varrer o corredor das celas— escreve ela — quando,
de repente, como um relâm pago, fui invadida pela paz ao m esm o tem po, que
se im prim ia em m inha alma o pensam ento: "poderia eu passar sem Ele? "
"N o m esm o instante, tu d o desapareceu como se nunca tivesse sofrido, como
se n u n ca tivesse tido todas aquelas tentações... corri à capela e ain d a pude
com ungar! "
Q uantas vezes, através dos assaltos do inferno, Josefa reconhecerá essa li­
bertação, súbita e total que só pode vir de Deus!
O dem ônio não larga a presa, senão por pouco tem po. Ronda em volta dela,
p ro c u ra n d o d esco b rir q u a lq u e r circ u rstân cia em q u e su a v o n ta d e possa
fraquejar. Por outro lado, N osso Senhor, sabendo dos grandes com bates que se
prepararam e que ela não pode sustentar sozinha, pede-lhe, cada vez mais, a
confiança sim ples e total que redobrará suas forças, conservando-a na humil­
dade. M as ao m esm o tem po, não lhe esconde as tribulações próxim as.
N a q u in ta-feira, 20 d e o u tu b ro . aparece-L he com o C oração abrasado;
m ostra.Lhe a taça que tem nas m ãos e diz-lhe:
"Só bebeste um a parte, Josefa. Mas, Eu estou aqui p ara te defender. "
A larm ada diante da perspectiva de tantas provações, Josefa não sabe como
se resolver e parece que a coragem se lhe abate p o r um m om ento.
É apenas um desfalecim ento, m as quão doloroso p ara seu amor!
Q uatro dias passam -se naquela angústia e é a Santíssim a Virgem, como sem­
pre, que traz a paz com a sua presença. A parece-lhe cheia de tern u ra, nota
Josefa, na tarde de segunda-feira, 24 de outubro.

126
"Pobre filha! diz Ela — Com o sofres! Por que não cham as p o r Jesus? N ão
tenhas m edo de sofrer — acrescenta Ela — Se visses quantas alm as se aproxi­
maram do seu Coração d u ran te o tem po da tentação! "
E o M estre, cheio de bondade e sem pre próxim o daqueles que sofrem , res­
ponde na segunda-feira 25 de outubro, a seu cham ado:
"Venho porque me cham aste."
Na desorientação em que a deixa o dem ônio, Josefa, que tem e sem pre ter
fraquejado, pergunta que poderia fazer para reparar?
"Sabes o que deves fazer: amar, amar! "
O am or fica sendo então a prim eira como a últim a palavra do com bate que se
vai travar.

127
Perseguição Aberta
N ovem bro de 1921 - 14 de fevereiro 1922

"D ar-te-ei coragem para to d o s o fr im e n to


q u e te pedir."

Nosso Senhor à Josefa — 29 de novembro de


1921.

D urante algum as sem anas ainda, continua Josefa, fielmente, a escrever suas
notas; esforço de obediência tanto m ais m eritório, quanto m ais sincero. A tenta­
ção tom a, desde então, força tal sobre sua alm a que não sabe m ais distinguir que
parte de responsabilidade lhe cabe nos desfalecim entos da vontade.
"De sexta-feira, 11 de novem bro, em diante — nota ela — não tive m ais um só
m om ento de paz e passei dias e noites em sofrim ento intenso."
Salientam -se então as perseguições sensíveis do dem ônio. É espancada, en­
quanto reza ou trabalha: arrancada da capela p o r força invisível que a detém no
m om ento de seguir as noviças.
Três vezes tenta ir adiante, três vezes é violentam ente repelida e só a interven­
ção da obediência consegue libertá-la.
Ao m esm o tem po redobram as tentações im portunas contra a pureza, a per­
severança e m esm o a fé, deixando-a exausta e como que desam parada.
Seu am or protesta, entretanto, e repete corajosamente: "Senhor, m esm o que
me m atem , ser-Vos-ei fiel. "
"Fui aliviada — escreve na segunda-feira, 21 de novem bro, pelo contrato que
m e m andaram fazer com N osso Senhor, pedindo-Lhe que todas as m inhas respi­
rações e todas as palpitações de m eu coração fossem atos de am or e lhe repetis­
sem m eu desejo de ser fiel até à m orte. Isso me deu m uita paz."
N a terça-feira 22 de novem bro, pela m anhã, Josefa, com o de costum e, varria
as salas de que era encarregada .
"De repente — escreve ela — d u as m ãos se puseram , suavem ente, sobre
m eus ombros. Voltei-me e vi N ossa Senhora, tão bela, tão m aternal que meu
Coração foi im pelido p ara ela. Disse-me, com ternura:
"M inha filha! C oitadinha!"
"Pedi-Lhe perdão e supliquei-Lhe que intercedesse por m im junto a Jesus. E
sem pre o prim eiro m ovim ento de sua alma delicada, pois nad a há que receie,
com m ais tem or no meio de suas atribulações, do que m agoar o Coração do
M estre, m esm o involuntariam ente.
"N ada tem as Josefa — responde a Santíssima Virgem — Jesus fez contigo
um a aliança de am or e de M isericórdia. Estás de todo p erdoada e Eu sou tua
Mãe. "
"N ão sei quê Lhe respondi pois transbordava de alegria. Ela é Mãe, cada vez
mais! A gradecí-Lhe e pedi que me alcançasse de Jesus, de novo, a coroa."

128
"Sim, Filha. Ele te dará! Se não for Ele m esm o serei Eu que a trarei. "
"À tarde, du ran te a adoração, Jesus veio, belíssimo — n arra ela — Trazia na
Mão a coroa de espinhos. Assim que O vi pedi-Lhe p erdão e disse tu d o que me
lembrei de m ais terno a fim de que tivesse com paixão de mim.
"A proxim ou-se com bon d ad e e, colocando a Coroa sobre m inha cabeça d is­
se:
Q uero que ap ro fu n d es bem as palav ras de m inha Mãe: Fiz contigo um a
aliança de A m or e de M isericórdia. O A m or não cansa e a M isericórdia não se
esgota nunca!
Logo no dia seguinte, quarta-feira, 23 de novem bro lem bra-lhe o Senhor que
não há repouso possível diante da indigência das alm as. "
" Q uero que arranques da goela do lobo um a alm a que Me é m uito cara."
E pergutando-lhe Josefa que era preciso fazer:
"Am ar -Me, hum ilhar-te e deixar que te hum ilhem . O lha m eu C oração —
prossegue Ele — só aqui poderão as alm as encontrar felicidade, e qu an tas dele
se afastam! "
Dois dias m ais tarde, depois da com unhão, Jesus aparece " com a m agestade
de um Deus ", escreve ela na sexta-feira, 25 de novem bro . " M ostrou-m e o
Coração todo abrasado, abriu-se-lhe a Chaga e Ele disse: "Vê com o se consom e
o meu Coração de A m or pelas Almas. Tu tam bém te deves abrasar com o desejo
de sua salvação. Q uero hoje que entres bem no fundo deste Coração e repares a
união com Ele. Sim, tem os que reparar — repete Ele — Eu sou a g rande Vítima,
tu és um a vítim a pequenina. Mas, u nida a Mim, podes ser aten d id a pelo Pai. "
"Ficou ali um m om ento e desapareceu. "
No sábado, 26 de novem bro, pelas três horas da tarde, Josefa trabalhava com
o ardor habitual nos uniform es das rneninas, na oficina do N oviciado. Jesus dela
se acerca, de repente.
"Estava tão formoso!... escreve ela - m as parecia um pouco triste. "
"Quero — disse — que peças à M adre, licença p ara Eu ficar u m m om ento
contigo."
"Corri a pedi-la depois fui à Capela das O bras aonde Ele p odia fazer de m im
tudo que quisesse, pois é m eu Deus e não quero outra coisa senão consolá-lo e
amá-lo. Jesus cheio de bondade, m e disse com um a voz que gravou no m ais
profundo de m inha alma."
"Tenho tantas alm as que Me abandonam e tantas que se perdem ! O que M e é
mais doloroso é que são m inhas almas, as alm as sobre as quais fitei os olhos e
que cumulei de Dons! Em troca não têm p o r m im senão frieza e ingratidão. Ah!
quão poucas alm as encontro que correspondam ao m eu Amor! . . .
Confia-lhe sua C ruz e desaparece, sem nada acrescentar. M ais no dia seguin­
te, domingo, 27 de novem bro, no fim da missa, voltou, subitam ente, p ara dizer
com vivo ardor .
"Eis o que desejo: envolver-te, consum ir-te, aniquilar-te a fim de ser Eu quem
vive em ti."
Então, apoiando-m e sobre seu Coração:

129
" O nde, fora de Mim, poderás encontrar a paz que te dou a saborear? Entre­
tanto, não conheces ainda a verdadeira doçura. Hás de saboreá-la q u a n d o ... "
"Aí — escreve Josefa — tocou o sino e Jesus partiu sem acabar."
N a segunda-feira, 28 de novembro, nota laconicam ente a provação que não a
deixará m ais em sossego: novo poder é d ad o ao dem ônio. Pela prim eira vez,
ouve a voz diabólica que a persegue através dos corredores , no noviciado, na
oficina, no dorm itório... "Serás nossa... sim, cansar-te-emos! Vencer-te-emos!..."
A quela voz a apavora, m as não lhe tira a coragem.
À tarde daquele dia, escreve:
"D urante a adoração Jesus veio com a Cruz. Pedi-lha e respondeu:
"Sim, foi para isto que vim. Q uero que Me descanses e que repares o que
m inhas alm as recusam a m eu Coração. Q uantas não são o que deveriam !"
D eixou-m e a C ruz, d u ran te um a hora, e quando veio buscá-la disse somente:
" Voltarei breve", À noite, creio que seriam 24 horas, acordei de repente. Ali
estava Ele.
"Trago-te m inha C ruz e am bos vam os reparar."
Ela confessa hum ildem ente que se sentia fraca sob tão g rande peso que a
ac a b ru n h av a.
"Supliquei que m e ajudasse — escreve — pois bem sabe como sou pequena!"
"N ão olhes para tua pequenez, Josefa! Vê o p o d er de m eu Coração que te
am para. Sou tua Força e o R eparador de tua miséria. Dar-te-ei coragem para
todo o sofrim ento que te pedir.
"Então deixou-m e só e pelas três horas voltou. "
"Dá-m e de novo m inha Cruz. Em breve tornarei a trazê-la."
Logo na m adrugada de terça-feira, 29 de novem bro, d u ran te a oração trouxe-
lha de fato pesa ainda sobre o om bro de Josefa enquanto Ele a segue ao trabalho
e a acom panha à missa. Depois da com unhão, lem bra-lhe Jesus o segredo de
toda generosidade:
" Tens agora a vida em mim. Sou tua Força. C oragem leva m inha Cruz! "
Fui fazer m inha tarefa com sua C ruz — diz ela sim plesm ente.
M as logo, as b o rd o ad as e os gritos do dem ônio a ato rm en tam de novo.
Parece-lhe que as forças a abandonam de repente e que vai cair.
"A quilo m e encheu de susto — escreve ela — e supliquei a Nosso Senhor que
viesse em m eu socorro.
"Estava passando roupa, quando, de repente, Ele veio tão belo."
Então recobrando a confiança perto dele, desabafa no Coração Sagrado as
angústias do seu. Jesus lhe responde com bondade.
" Q uando o inim igo quer derrubar-te, dize-lhe que tens p o r ti aquele que te
sustenta com Força divina. "
"D esde aquele dia — acrescenta ela — o dem ônio m uito m e atorm entou. "
Até então Josefa só conhecera a saraivada de pancadas que lhe sacudia todo o
corpo. N enhum vestígio será visível ela porém fica extenuada depois de noites e
dias de suplício, enquanto a voz diabólica, ora insinuante, ora am eaçadora, lhe
perturba e atorm enta a alma.

130
Em a noite de dom ingo, 4 de dezem bro, experim enta nova tortura.
Violentamente arrancada do leito é atirada ao chão, p riv ad a de força, sob os
golpes do inim igo invisível que a acabrunha com injúrias e vom ita contra N os­
so Senhor e a Santíssim a Virgem as m ais abom ináveis blasfêm ias. A ssim passa
longas horas. O torm ento se renova com m ais violência nas d u as noites seguin­
tes:
" No fim de um a dessas noites trem endas — escreve ela na m anhã de 6 de
dezembro, — não sabendo m ais que fazer, fiquei de joelhos ao pé da cam a,
tentando esquecer os horrores que aquela voz infernal rugia contra Jesus e sua
Mãe;
"De repente, ouvi um ranger de dentes e u m bram ido de raiva. D epois tu d o
desapareceu e vi diante de m im a Santíssim a Virgem, formosíssima! "
"Não temas, filha, aqui estou!"
"Disse-Lhe que m edo tenho do dem ônio, que tanto m e faz sofrer'"
"Ele te pode atorm entar, m as não te fará mal. Sua fúria é g ran d e por causa
das almas que lhe escapam ., as alm as valem tanto! . . . Se soubesses o valor de
uma alma!... "
" Então Ela m e deu a bênção, acrescentando: “ N ão tem as coisa algum a."
Beijei-Lhe a m ão e Ela se foi. "
Depois daquela m aternal recapitulação sobre o preço necessário à salvação
das almas, a Mãe e o Filho desaparecem , p o r algum tem po, do cam inho doloroso
de Josefa, enquanto fica em cena, apenas, o dem ônio.
Nada m ais escreverá ela sobre essas lutas quotidianas através das quais, de
sofrimento em sofrim ento, a g en ero sid ad e d e seu am o r vai fortalecer-se e
amadurecer. O relatório dessa etapa foi, porém , escrito, dia a dia, à m ed id a em
que se desenrolavam os fatos. E o que perm ite m ergulhar nela o olhar p ara lhe
avaliar, em parte ao menos, a pungente realidade.
Naquela sexta-feira, 6 de dezem bro, saindo d a capela onde acabava de se
confessar, Josefa se encontra subitam ente, e pela prim eira vez, diante da visão
infernal: enorm e cão negro, lançando cham as pelos olhos e pela goela escancara­
da, estorva-lhe a passagem e tenta atirar-se sobre ela. Ela não recua e, dom in an ­
do o medo que a sufoca, pega o terço e estendendo-o diante de si prossegue o
caminho.
Desde então aparece-lhe o dem ônio sensivelm ente. D epois do cão am eaçador
que a persegue nos corredores, um a cobra se lhe ergue no meio do chão. Toma,
em breve, a m ais terrível de todas as formas, a hum ana. É assim que se apresen­
ta no sábado, 18 de dezem bro, envolto em luz em baciada com fum aça. A pavora­
da, inicia ela a luta heróica nesse dia. A m edonha criatura não p o u p ará esforços
para vencer a pureza da frágil moça fortalecida por Aquele que prom eteu sustentá-
la.
Encontros tais se hão de m ultiplicar, através dos dias de Josefa, sem lhe m o d i­
ficarem, nem a fidelidade nem a dedicação, m as a preço de que coragem! Chega
entretanto a hora em que provação, ainda m aior vai exigir abandono m ais com ­
pleto.

131
N a quarta-feira, 28 de dezem bro, pelas sete horas da noite, voltando do traba­
lho com as Irmãs, vê-se Josefa subitam ente em presença do inim igo. Com a
rapidez do relâm pago, carrega-a e a coloca num sótão de difícil acesso na outra
extrem idade da casa. Desde aquele dia Josefa não conhecerá m ais u m instante de
paz. O dem ônio a agarra quando e onde quer, zom bando de todas as precauções
e iludindo qualquer vigilância fora a de Deus.
Raptos tais se m ultiplicaram . M esmo sob os olhos m aternais das Superioras,
que procuram não perdê-la de vista, ela desaparece, de rep en te sem que se
possa dizer de que m aneira, pois é sem pre no espaço de um relâm pago. Depois
de longa procura é encontrada em algum lugar escondido da casa, onde o dem ô­
nio a lançara e a está m altratan d o . M uitas vezes é rolada, ap ertad a, quase
esm agada em algum desvão, ou sob cam as em lugar onde não se poderia ter
m etido sozinha. As vezes não se consegue encontrá-la na vastíssim a casa dos
"Feuillants" Passam-se noites em que é preciso deixá-la entregue a Deus. Ele,
porém , m ais que todos a am a e vela sobre ela.
Q uer m ostrar que é o Dono e que reserva para Si a vigilância divina. Intervém
sem pre, na hora escolhida, para afirm ar seus direitos.
O dem ônio tem que largar a presa e, com um a blasfêmia, se aniquila na p re­
sença de Deus...
Então, Josefa libertada, levanta-se. Exausta, m as consciente de tudo, cria cora­
gem reza e põe-se a trabalhar. O inimigo, com efeito, não conseguirá dom inar a
indom ável energia daquela frágil criatura que Jesus reveste com a sua própria
Força e defende com seu Amor. Parece que a fúria do dem ônio centuplica diante
de resistência tão im prevista. Procura desvendar a todos os olhos o segredo que
envolve a sua vítima, m as apesar de seus esforços ninguém percebe os desapa­
recim entos de Josefa, ninguém , afora as duas M adres, descobre onde ela jaz, às
vezes longas horas, sob a perseguição diabólica.
A lgum as estiadas vêm de tem pos em tem pos projetar algum a luz sobre o
cam inho tenebroso. Josefa, para obedecer, recomeça a escrever suas notas:
" N o dia I o de janeiro de 1922, — escreve— d u ram te a m issa das nove horas,
pouco depois da elevação, ouvi a voz de um a criancinha que m e encheu de
alegria:
"Josefa, m inha p e q u e n in a ... Tu m e reconheces? "
" Vi logo diante de m im Jesus! Estava como um a criança de u m ano, talvez
um pouco mais, vestido com a túnica branca, m ais curta que habitualm ente. Os
pezinhos estavam nús, a cabeleira de um louro ardente... Estava lindo! . Reco-
nheci-o logo e disse: De certo Vos reconheço! Vós sois m eu Jesus! M as como
estais pequenino, Senhor!... m e sorriu e respondeu:
"Sim. Sou pequeno! M as m eu Coração é grande! "
"Q uando dizia estas palavras, pôs a m ãozinha sobre o peito e vi seu Coração.
N ão posso exprim ir o que encheu o m eu ao vê-lo! . . . Oh! Senhor! Se Vós não
tivesseis esse Coração, eu não Vos poderia am ar tanto, m as vosso Coração me
encanta!"... Com ternu ra que não se pode explicar, disse:
"Eis porque quis que O conhecesses, Josefa, eis porque te p u s no m ais pro­

132
fundo deste Coração." "Perguntei-Lhe se todos os sofrim entos estavam acaba­
dos. "
" Não, ainda tens que sofrer! " Depois acrescentou:
"Preciso de corações que am em , de alm as que reparem , de vítim as que se
imolem.... m as sobretudo de alm as que se abandonem ! "
Então ela lhe confia sua m aior pena: o receio de que sua alm a tenha p erd id o
alguma coisa de sua pureza, ao m enos da inocência de outrora, "pois antes eu
nada sabia de todas aquelas coisas com que o dem ônio me atorm enta. . . " Jesus
respondeu:
" Nada temas, tua alm a está coberta com m eu Sangue e nad a de tu d o isto te
poderá manchar. " Depois, alu dindo à palavra que, m ais de um a vez, nos dias
precedentes a fortificara:
" Tuas M adres têm razão — disse — O dem ônio não tem o utro p o d er senão o
que Lhe vem do alto. Dize-lhe que Eu estou acima de tudo."
"Ultima recom endação de h um ildade term ina as lições da D ivina Criança.
"Vês como m e quis tornar pequeno, Josefa p ara te ajudar a ficar tu tam bém
assim bem pequenina. Se Me quis h um ilhar a este p o nto é p ara te ensinar a te
humilhar por tua vez."
"Deu-me a bênção com a sua m ãozinha e desapareceu. "
As notas de Josefa interrom pem -se ainda. N a m esm a tarde recom eça a prova,
mais violenta do que nunca.
Onze dias de perseguições crescentes, de raptos, espancam entos e ultrajes,
enchem-lhe a alma de dores, angústias, quase desespero, sem aliás lhe dim inuirem
a coragem.
Na quarta-feira, 11 de janeiro, o P adre D iretor é cham ado p ara ouvi-la e
reconfortá-la. M as o dem ônio no m om ento, apodera-se dela e já triunfa d a sua
vitória. Depois de longa luta, Josefa consegue escapar àquela pressão e volta a si,
sob a bênção sacerdotal. O P adre que tu d o acom panha naquelas horas trágicas,
propõe-lhe fazer, im ediatam ente, o voto de virgindade até o dia de sua consa­
gração religiosa. De joelhos, em celeste alegria, ela prom ete a Jesus fidelidade
até à morte. Oferece aquela consagração em reparação das blasfêm ias com que o
demônio ultraja a pureza da Virgem Im aculada. A quele ato, feito com tanta es­
pontaneidade, a enche de paz. N a m esm a tarde, revestida de nova força, afronta
os assaltos do dem ônio que parece querer vingar-se furiosam ente. M as, não tem
"outro poder senão o que lhe vem do A lto" e m ais um a vez o p é virginal de
Maria o detém dizendo:
" Não irás adiante . "
"Na m anhã de quinta-feira, 12 de janeiro, — continuam as notas — no m o­
mento em que o dem ônio m e m altratava, horrivelm ente, de repente, a Santíssim a
Virgem apareceu e tom ando-m e pela m ão, levantou-m e e disse:
"Filha, basta p o r esta vez! Jesus te defende e Eu tam bém . Crês que Ele possa
abandonar sua Esposa? N ada temas, Josefa." " D eu-m e a bênção e d esap are­
ceu."
Alguns instantes depois, d u ran te a Ação de Graças, o pró p rio Jesus se m os­

133
trou e aludindo ao voto de virgindade da véspera:
Josefa, m inha Esposa — diz — sabes o que teus Superiores te alcançaram com
esse voto? O brigaram m eu Coração a tom ar conta de ti de m aneira especial.
Dize-lhes que aquele ato Me deu m uita glória",
"Perguntei-Lhe se a provação tinha acabado."
"Q uero que te abandones para sofrer ou gozar e que estejas sem pre pronta
p ara suportares os torm entos do dem ônio, tanto quanto p ara receberes m inhas
consolações. "
E pois sem pre no m esm o cam inho de abandono que Nosso Senhor a m antém
através de tudo. Deve ela cam inhar com os olhos fechados, apoiada nele, sem
n enhum a outra garantia. O Reverendo Padre Boyer, que a segue de perto, a
sustenta naquele m esm o cam inho de fé e hum ildade.
" R ecom endou-m e — escreve ela — que m e torne bem pequena, que me
p onha abaixo de todo o m undo e m e considere a m ais indigna das criaturas. "
Jesus insiste ainda sobre essa recom endação que corresponde ao desejo do seu
próprio Coração.
" Josefa, com preendeste bem os conselhos que te d eu o Padre? Sim. Desejo
que sejas bem pequena. Q uero — continuou com força — que sejas h u m ilh ad a e
triturada. Deixa operarem em ti segundo os planos de m eu Coração. "
N a m esm a tarde, pela prim eira vez, a Santíssim a Virgem lhe faz entrever que
sua passagem será curta aqui na terra.
Josefa lhe exprim e o desejo de nunca m ais revogar o sacrifício da pátria.
" Sim —responde sua M ãe Im aculada — m orrerás aqui na França, nesta casa
de Poitiers; antes de 10 anos estarás já no céu.
Creio — escreve alguns dias depois — que foi no dia 13 ou 14 de janeiro que o
dem ônio recom eçou a atorm entar-m e. Procura com fúria, cada vez maior, levar-
m e a abandonar a vocação. Tentou m esm o enganar-m e sob a figura de Nosso
Senhor."
A qui p aram outra vez as notas de Josefa. D esde a sexta-feira, 13 de janeiro, o
dem ônio investe novam ente sem conseguir abalá-la e ouve-se a resposta que dá
às am eaças do inimigo.
"Pois bem , m ata-m e. "
Então, com o diz ela m esm a, o dem ônio se transform a em anjo de luz e para
m elhor seduzi-la apresenta-se-lhe sob os traços de N osso Senhor... prim eiro ela
fica desnorteada m as logo discerne a im postura.
As palavras que ouve não trazem o cunho hum ilde e grande, forte e suave
das do M estre. Sua alm a recua invencivelm ente, diante da visão que não traz
nem p az nem confiança. Inúm eras vezes a m esm a prova se apresentará. A hu­
m ilde desconfiança de Josefa em si m esm a a confiança em seus guias, sua obe­
diência à direção que lhe é dada, salvá-la-ão de novo perigo. Segundo ordem
do P adre E spiritual, d esde então, a cada aparição, seja qual for, renovará o
Voto de virgindade esperando os Votos religiosos. A astúcia do dem ônio nunca
suportará aquele ato de fé e de am or feito em sua presença. M uda de aspecto e
de atitude, agita-se, trai-se a si m esm o e desaparece de repente com um a blas­

134
fêmia, como im postor apanhado em flagrante delito. M ais tarde, à renovação
dos votos, Josefa acrescentará, p o r obediência, os Louvores divinos, p ed in d o às
aparições que repitam com ela. O próprio Jesus, sua M ãe Im aculada, a Santa
Madre F undadora, os parafrasearão com incom parável ardor. O príncipe das
trevas nunca poderá pronunciar, com seus lábios m alditos, palavras de louvor
e bênção, pois ele não pode m ais amar... Então, descoberto, redobra de furor e
violência. O ra a acabrunha de ultrajes por ela não ceder às suas am eaças, p o r
não consentir no pecado a que a provoca nem querer partir. Ora, apodera-se-
lhe do espírito e obsessões mais perigosas ainda parecem conduzi-la às bordas
do desespero N o m eio d aq u ela v id a de so frim en to h u m ilh açõ es, p ro v as,
entretanto — e é justam ente nisso que se revela o Espírito que a guia e o A m or
que a conduz — Josefa não se afasta da Regra, da vida com um e do seu trabalho
cotidiano.
Apenas acabadas a M editação e a Missa, vai v arrer as salas das quais é encar­
regada, e, fiel a seu ofício, podem os vê-la engom ando ou lim pando a capela das
obras; todo o resto do tem po é dado à costura e aos rem endos. Os pequenos
serviços im previstos, que não faltam em casa, parecem caber-lhe p o r direito.
Torna-se preciosa, sem pre ativa e inteligente no trab alh o e p rin cip alm en te,
dedicada e esquecida de seus próprios interesses.
Através desses dois m eses — dezem bro de 1921 e Janeiro de 1922 — com o em
todos os que se vão seguir, coisa algum a em suas tarefas é alterada. D esde que o
demônio a larga, em bora no limite de suas forças, põe-se a trabalhar heroicam en­
te, corajosa, como se nada tivesse havido de anorm al. Vendo-a assim, sem pre a
mesma, quem poderia desconfiar do que acabava que sofrer e do que a espera a
cada passo? . G rande m istério continua a pairar sobre ela e, apesar dos esforços
do dem ônio, nada desvenda a via dolorosa pela qual Nosso Senhor decidiu fazê-
la passar. A quela vigilância de Deus não é o m enor sinal a atestar sua Presença e
sua Ação.
Como sem pre, é à Santíssim a Virgem que cabe lançar, de quan d o em quan d o
um raio de paz sobre aquela noite.
No dia 3 de fevereiro, prim eira sexta-feita do mês, o Reverendo Padre Boyer,
acedendo-lhe ao desejo, perm ite à Josefa, para fortificá-la na sua vocação, ajun-
tar, ao voto de V irgindade, o de ficar para sem pre na Sociedade do Sagrado
Coração, enquanto as Superioras a queiram conservar.
Nesse segundo com prom isso, encontra ela nova intrepidez que a decide ao
sofrimento e à luta tanto tem po quanto aprouver a N osso Senhor.
No dom ingo, 12 de fevereiro, depois daquela m anhã em que o dem ônio tudo
pusera em obra para vencê-la, pela tarde, está com todas as Irm ãs na capela das
Obras, onde se dá a bênção do Santíssim o Sacram ento. De repente, envolta em
claridade e bem junto dela aparece Nossa Senhora. Josefa estremece... havia tan­
to tem po que a Mãe celestial não a visitava! R eceia... hesita. Mas à paz que não
engana, acom panha a voz tão suave e tão conhecida.
"Não tem as filha! Sou a Virgem Im aculada, a Mãe de Jesus Cristo, teu R eden­
tor e teu Deus."

135
Toda a alm a. de Joseta sente-se im pelida para Ela. M as fiel à obediência e para
frustrar os ardis possíveis do inimigo:
"Se Vós sois a Mãe de Jesus— diz — perm iti-m e renovar diante de Vós o voto
de virgindade que fiz até o dia em que tiver a felicidade de pronunciar Votos na
Sociedade do Sagrado Coração. Renovo assim, entre vossas m ãos o Voto que fiz
de ficar nesta Sociedade querida até à m orte e de m orrer antes que ser infiel à
m inha vocação. "
Enquanto fala não desvia os olhos da meiga visão que a fita com ternura. A
Virgem estende a m ão direita sobre a cabeça da filha e prossegue:
"N ada tem as, filha, Jesus está aqui para te defender e tua Mãe tam bém " .
Depois traça-lhe sobre a fronte o sinal da cruz, dá-lhe a m ão a beijar e d esapa­
rece.
A quele instante do céu in unda Josefa de paz e alegria. O inim igo não está
entretanto desarm ado. Passa o resto da tarde sob pancadas que a fúria redobra.
Já saberá que está vencido? Josefa porém , em bora exausta, fica toda confiante na
recordação lum inosa do olhar e do sorriso de sua divina Mãe. A prova vai term i­
n ar por algum tem po. Logo no dia seguint;?, segunda-feira, 13 de fevereiro de
1922, ela ouve o A pelo do Mestre:
" Vem nada temas, sou Eu! "
"Eu não sabia se era Ele m esm o — continuam as notas — fui dizer às M adres,
depois voltei à tribuna. Ele já lá estava."
"Sim, sou Eu mesm o, Jesus o Filho da Virgem Im aculada."
N unca o dem ônio apesar de sua audácia poderia pronunciar tais palavras. "
Senhor! M eu único Amor! — responde ela — se sois Vós, dignai-Vos perm itir
que eu renove em Vossa Presença os Votos que fiz por Vós. Escutou-m e com
com placência e quando acabei, respondeu:
"D ize a tuas Superioras que, como foste fiel em fazer a m inha Vontade, eu
tam bém vos serei fiel. Dize-lhes que a prova passou e quanta glória recebeu no
Coração.! Tu, Josefa, -- ( aí ele abriu os braços e aproxim ou-m e do seu C ora­
ção), repousa em Mim e na m inha Paz, assim como repousei em teus sofrim en­
tos."
Logo à tarde, porém , o D ivino M estre põe em evidência as condições de
paz:
"Deixa-me toda a liberdade para agir em tí."
Então, n u m gesto de am or indizível a atrai a Sí e lhe abre o Coração.
"Vem e repousa aqui."
"M ergulhou-m e ali -- disse Josefa —e me fez saborear um a felicidade que já
é, creio, do Céu? D urou isto quase um a hora. Depois disse, despedindo-se:
se fores fiel, viverás no m eu Coração, sem nunca saíres. "

136
Uma Estiada
As 40 horas
14 de fevereiro — 3 de março de 1922

"Não creias que te ten h o m ais amor


agora, que te co n so lo , do q u e q u a n d o te
p eço sofrim en to."

Nosso Senhor à Josefa — fevereiro de 1922.

Um oásis de paz se abre para Josefa, um a estiada de alguns dias n u m céu


proceloso, entre dois tem porais. Assim se podem cham ar as três sem anas que
escoam entre 12 de fevereiro e 3 de março de 1922.
Nosso Senhor volta às divinas condescendências. Mas Josefa, tão corajosa na
luta, tão cheia de abandono no sofrim ento, sê-lo-á bastante diante dos C ham a­
mentos do Mestre? Jesus a detém m uitas vezes no meio do trabalho, e sua incli­
nação pela vida com um parece aum entar cada vez que tem de sacrificá-la. Nisso
está sem pre a entrada das tentações habituais, m as tam bém a origem da hu m il­
de contrição e das generosas resoluções, por meio das quais o D ivino Coração
quis ensinar às alm as a incom parável riqueza de seu Perdão.
Tomemos novam ente os cadernos que narram , dia a dia, as Visitas celestiais.
"Na terça-feira, 14 de fevereiro, d u ran te a missa — escreve ela — preparava-m e
para a com unhão, com verdadeira fome de Jesus. Pouco depois da elevação vi-o
e me disse:
" Se tens fome de me receber, Eu tam bém tenho fome de ser recebido por
minhas almas. Tenho tanta alegria em descer a elas."
Depois da com unhão veio, estendendo-m e as mãos:
"Aproxima-te e beija m inhas Chagas."
Oh! m eu Jesus! E felicidade demais! . . . "
" Toda esta doçura nada é, Josefa, com parada com o bálsam o que tu M e deste
com os teus sofrim entos, tua subm issão e teu abandono à m inha Vontade. N ão
creias que te tenho m ais amor, agora que te consolo, do que quan d o te peço
sofrimento — acrescenta Ele. " E depois de um m om ento de silêncio:
"Aliás, não te posso deixar sem sofrer. M as tua alm a deve ficar em paz, m es­
mo no meio do sofrimento. "
Naquela m esm a tarde — conta ela hum ildem ente — entrei em grande tenta­
ção. " O dem ônio, vencido p o r certo tem po, ronda, procurando devorar a presa.
Josefa fica invulnerável. Vivas são as repugnâncias diante do seu cam inho: acu­
sa-as, detalhando as fraquezas. Q uatro dias de luta passam -se assim até que
Jesus, cheio de compaixão, lhe devolva a luz que acom panha o perdão.
"Pobre Josefa! - diz, na tarde de Sexta-feira, 17 de fevereiro, aparecendo en­
quanto ela se h u m ilh av a diante do tabernáculo... Q ue farias se não tivesses

137
m eu Coração? Q uanto m ais m iséria encontro em ti, com tanto mais ternura te
amo! "
"Supliquei-lhe que me desse o am or verdadeiro escreve ela — no dia seguin­
te, sábado, 18 de fevereiro —- pois creio que, se soubesse amar, saberia vencer-
m e melhor. D urante a meditação, Jesus veio, de repente, e disse: Sim, Josefa,
que teu alim ento seja am or e hum ildade. Mas não esqueças que te quero tam ­
bém abandonada e sem pre feliz, porque m eu coração cuida de ti com ternu­
ra."
Então expliquei-lhe que pena tenho de não saber dom inar-m e nem corresponder
a tanta bondade!"
"N ada temas. Lança-te no m eu Coração e deixa-te guiar. . . isso basta."
N o dia seguinte, dom ingo 19, depois da elevação, m ostra-lhe as Chagas,
radiantes de luz.
"E para aqui que atraio m inhas almas, a fim de purificá-las e abrasá-las na
corrente do Amor! É aqui que encontrarão paz verdadeira e é delas que espero
o verdadeiro consolo. "
Perguntei-lhe como havem os de o consolar, nós que som os tão cheias de m i­
sérias e fraqueza! Respondeu, m ostrando o seu Coração:
"Pouco im porta, contanto que venham aqui com am or e confiança. Eu supri­
rei o que faltar à sua fragilidade."
A proxim ava-se o carnaval; aqueles dias acum ulados de divertim entos peca­
m inosos e ofensas a D eus não passariam sem trazer as alm as p ara o prim eiro
plano dos apelos cotidianos do Salvador.
N a quinta-feira, 23 de fevereiro, Josefa está engom ando, no meio das Irmãs,
q u ando Jesus aparece, de repente, e diz:
"Q ueria que viesses comigo. "
Sem pre fiel, previne o M estre de que precisa pedir licença e Ele a acom panha
até à cela da Superiora.
"Bati duas vezes — escreve ela — ninguém respondeu: Ia-me em bora m as Ele
insistiu:
" Bate m ais outra vez. "
Q uando obtive licença fui à tribuna. Jesus andava a m eu lado. Pelo cam inho
fui-lhe pedindo perdão por ter desleixado m uitos pequeninos atos que Ele dese­
java e prom eti ser m uito fiel em todas aquelas pequeninas coisas que lhe agra­
dam : se quiserdes ? :nda mais, Senhor, dizei-m e e fá-lo-ei. "
"Am a, Josefa! O am or consola, o am or se hum ilha, o am or é tudo!... D urante
estes dias sou tão ofendido, quero que sejas m eu Cireneu. Sim, ajudar-m e-ás a
carregar m inha Cruz. É a C ruz do Amor! A C ruz do m eu A m or às almas! Tu Me
consolarás e am bos sofrerem os por elas! "
Logo no dia seguinte, a Santíssima Virgem confirm a o apelo do Filho.
"Passara eu toda a tarde conversando com Ela — escreve Josefa n a Sexta-
feira, 24 de fevereiro — D urante a adoração continuei a pedir-lhe, pois é m inha
Mãe, que m e ensinasse a am ar a Jesus e a consolá-lo. N ada m ais quero, m as é
g ran d e m inha fraqueza... e apesar de m inhas resoluções, caio tão depressa.

138
Creio que é falta de amor. Dizia-lhe tudo isso, quando Ela veio, de repente, tão
bela e tão maternal! Cada vez que a vejo parece-m e m ais bela e m e inspira mais
confiança e paz. Ela m e disse com carinho:
"Sim, filha, se fores dócil e generosa serás o consolo do Coração de Jesus e
do Meu — Ele será glorificado por tua miséria "
"Depois, pondo-m e a m ão sobre a cabeça, continuou:
Vê como seu Coração está sendo ultrajado no m undo! N ão percas a m ais
pequenina ocasião de reparar durante estes dias. Oferece tu d o pelas almas... e
sofre com m uito amor."
Não se passa dia sem que as ofensas do m undo apareçam à Josefa através das
dores do M estre.
No sábado, 25 de fevereiro, pelas oito horas da m anhã, enquanto vai fechar a
janela do clau stro das celas, avista, no orató rio de Santo E stanislau, Jesus
carregando a Cruz.
"Entrei — diz ela — e Jesus m e disse:
"Consola-me, Josefa, pois as alm as Me estão de novo crucificando. M eu Co­
ração é um abism o de dor. Os pecadores Me d esp rezam e m e espezinham .
Nada há para eles m enos digno de estim a que seu Criador!
"Deixou-me a C ruz e desapareceu. "
Naquela noite pelas dez horas — continua ela — voltou com um a pesada
Cruz às costas, a Coroa de espinhos na cabeça e m uito sangue no rosto."
"Olha em que estado me encontro.
"Quantos pecados estão cometendo! Q uantas alm as se perdem ! Eis porque
venho buscar algum alívio junto das alm as que vivem p ara Me consolar."
Ficou um instante em silêncio com as m ãos postas. Estava triste, m as tão belo!
Seus olhos falavam mais do que os seus lábios."
"Depois, disse:
"As alm as correm para a perdição e m eu Sangue é inútil para elas!"
"Ofereci-lhe tudo que pude: o amor, os atos, os sofrim entos das alm as fervo­
rosas da "Sociedade", desta casa..., o am or de M aria Santíssima... enfim, tudo
que me pareceu poder consolá-lo!"
"Os pecadores Me despedaçam e Me enchem de am argura. As alm as que Me
amam se im olam e se consom em como vítim as de reparação, atraem a m inha
Misericórdia e é o que salva o m undo. "
" Depois de um m om ento acrescentou: "Agora vou partir."
"Pedi-lhe que ficasse ainda um pouco já que repousa aqui."
"Tenho outras alm as que tam bém Me consolam, m as deixar-te-ei parte de
meu sofrimento."
"Desapareceu. Creio que seria um a hora da m anhã e eu fiquei com a C ruz até
depois das quatro horas"
Surgem os dias das "Q uarenta horas" no dom ingo, 26 de fevereiro, como
apelo mais instante ainda à reparação:
Jesus exposto no Santíssimo Sacram ento vê toda a casa a seus pés, suceden­
do-se em adoração de am or ininterrupto, querendo desagravá-lo e consolá-lo

139
pelos ultrajes do m un d o . Josefa, despercebida no meio das Irm ãs, une-se às
suas intenções e recolhe, em nom e de todas, as Confidências do M estre. D urante
a m issa das nove — escreve ela no D om ingo — Jesus, veio, o Coração resplan­
decia — era como o sol!"
"Eis o Coração que dá Vida às alm as — disse — o Fogo desse A m or é mais
forte que a indiferença e a ingratidão dos hom ens. Eis o C oração que dá, às
A lm as escolhidas, ardor para se consum iram e m orrerem se for preciso, para
provarem seu Amor. "
"A quelas palavras tinham força que penetrava na alma. Depois, Ele m e fitou
e continuou:
Os pecadores excitam a cólera divina — disse — Mas não queres tu, pequenina
vítima, que escolhi, rep arar tanta ingratidão? "
"Perguntei-lhe que queria que fizesse pois bem conhecia m inha pequenez.
"Q uero hoje que entres no fundo de m eu Coração. Lá encontrarás força para
sofrer. N ão penses na tua pequenez, m eu Coração é bastante poderoso p ara te
sustentar. E teu. Toma nele tudo de que necessitas. Consom e-te nele. Oferece
ao Pai Celeste este Coração, este Sangue... N ão vivas senão desta vida de ardor,
de sofrim ento, de reparação."
"A tarde, pelas três horas, voltou e disse:
"Venho refugiar-M e aqui pois m inhas Almas fiéis são para m eu Coração como
os baluartes de um a cidadela: defendem -M e e consolam-Me!"
" D urante a adoração prosseguiu:
"O m undo corre para a perdição. Procuro alm as que reparem tantas ofensas
feitas à M ajestade divina e m eu Coração se consom e no desejo de perdoar... Sim,
perdoar, aqueles filhos queridos pelos quais derram ei todo o m eu Sangue. Po­
bres alm as, quantas se perdem .,, quantas se precipitam no inferno!"
"D iante dessa ardente dor, Josefa não sabe como exprim ir o desejo de sofrer e
reparar.
" N ão te preocupes. Se não te separares de Mim, serás forte com a minha
própria Força e m eu Poder será teu."
"Então desapareceu, deixando-M e a Cruz."
A segunda-feira das quarenta horas, e a noite seguinte vêm acum ular-se nela
os sofrim entos do corpo e as angústias da alm a que acom panham a C ruz de
Jesus. N a m anhã de Terça-feira, 28 de fevereiro, está na lavanderia como de
costum e, m as depois de algum as horas" a d o r do lado tornou-se tão forte que
não podia quase respirar — escreve. "
Refugia-se na pequena m ansarda onde está sua cam a e que já consagraram
m uitos sofrim entos e visitas celestiais.
"Jesus veio logo — continua ela —sem pre tão belo, com o Coração todo abra-
sado!
"Com o Me ofendem as almas! O que m ais despedaça m eu Coração é vê-las
precipitarem -se por si m esm as na perdição! C om preendes o que sofro, Tosefa,
vendo a p erd a de tantas alm as que m e custaram a vida? Eis a m inha Dor: ineu
Sangue é para elas inútil! Vamos, nós dois, reparar e desagravar m eu Pai Celeste

140
por tantos ultrajes que recebe."
"Então, m e uni a seu Coração oferecendo-lhe m eus sofrim entos."
Gosta ela de anotar a atitude suplicante do Mestre: as m ãos postas, os olhos
erguidos para o céu, seu silêncio, tu d o nele fala da constante e divina Oblação ao
Pai.
"Dize a tuas M adres que esta casa é o Jardim de m inhas Delícias—continua
com bondade — Venho aqui consolar-M e quando os pecadores Me fazem sofrer.
Dize que sou de fato, Dono desta casa e que m eu Coração descansa neste refúgio
querido! "N ão procuro, nem peço grandes coisas: o que desejo, o que M e conso­
la é o amor, e m inhas Almas m o dão."
A tarde, na benção do Santíssim o Sacram ento Jesus aparece ainda cercado da
luz que lhe jorra do Coração.
"Um pequeno grupo de alm as fiéis obtém m isericórdia p ara g rande núm ero
de pecadores — diz Ele — M eu Coração não pode ficar insensível às suas sú p li­
cas. Procurava alguém para Me consolar e encontrei."
Os prim eiros dias da Q uaresm a introduzem , mais profundam ente ainda, Josefa,
no cam inho da reparação.
No dia 1 de março, quarta-feira de cinzas, durante a adoração da tarde, Jesus
aparece com a Face ensangüentada e diz:
"Não há sobre a terra, um a só criatura que seja desprezada e ultrajada como
Eu pelos pecadores! Pobres almas! Dei-lhes a vida e elas procuram dar-M e a
morte. A quelas alm as que tão caro Me custaram , não som ente m e esquecem ,
mas fazem de Mim, objeto de derrisão e desprezo."
Depois de um instante de silêncio, continua:
"Tu Josefa, vem, aproxim a-te de Mim, repousa neste Coração e partilha de
sua am argura: Cornsola-O, dando-lhe amor! Tantas alm as o in u n d am de dor! "
"A proxim ou-m e de seu Coração e m inha alm a ficou cheia de angústia e de
amargura tal que não posso explicar. O que m ais m e faz sofrer é não p o d er
consolá-lo com o queria, pois sinto m inha im potência. Tento unir-m e a Ele e
ofereço-lhe seu próprio sofrim ento para suprir o que não posso fazer... Fiquei
muito tem po assim, sem nada dizer, adorando, hum ilhando- m e e ped in d o p er­
dão pelas alm as."
Jesus m e disse então: ..
"Sim, repara por aquelas que deveriam fazê-lo e não o fazem."
"Aqui — continua ela — o sino tocou o fim da adoração e saí da capela. Jesus
andava a m eu lado."
"Vai Josefa, vai perguntar à M adre se dá licença que Eu fique contigo, en q u an ­
to trabalhas"
"Quando tive licença, fui n u m instante à tribuna, depois peguei o trabalho na
rouparia, pois creio que é o que mais lhe agrada. Jesus lá estava — De vez em
quando dizia:
"Pede perdão pelos pecados do m undo! Q uantos pecados! Q uantas alm as se
perdem!... alm as que Me conhecem e que Me am aram outrora!... m as que hoje
preferem seu gozo e seu prazer a m eu Coração... Por que m e tratam assim? N ão

141
lhes dei, já m uitas vezes, provas do m eu Amor? Elas então corresponderam .
Mas hoje Me calcam aos pés, Me cobrem de desdém e m eus Desígnios sobre elas
ficam frustrados — O nde acharei consolo!"
"Respondí-lhe — aqui, Senhor, nesta casa, em nossas almas... H á ainda em
toda parte m uitas alm as que Vos amam!"
"Sim, bem sei, m as são aquelas almas que desejo; am o-as sem limites."
"Oferecí-me de novo p ara sofrer por elas e até que se arrependam . Jesus
estava sem pre ali. De vez em quando repetia:
"Recolhe o Sangue que derram ei na m inha Paixão. Pede p erdão pelo m undo
inteiro — por aquelas alm as que Me conhecem e Me ofendem e oferece-te em
reparação por tantos ultrajes."
"Ficou até às onze horas da noite, m ais ou menos. Depois partiu, deixando-
m e a Cruz, a dor do lado e angústia na alma. Pouco antes das três horas, tudo
desapareceu e adorm eci porque estava exausta".
A proxim a-se infelizm ente, a hora da tentação. Parece que Josefa nunca mais
fraquearia depois de ter conhecido de tão perto o Coração chagado do Mestre.
Jesus prefere deixá-la na sua fraqueza. É de sígnio bem claro do A m or p ara com
ela, é o meio escolhido pela Sabedoria para conservá- la em segurança através de
tantas graças e de tantos perigos, m antendo-a na experiência contínua de sua
baixeza e seu nada.
Já se adivinha em torno dela, nova ofensiva do p oder infernal.
No dia 2 de março, prim eira Q uinta-feira da quaresm a, suas notas trazem a
hum ilde confissão que, à tardinha, ao pedido do M estre, "Q ueria que m e conso-
lasses", havia-Lhe resistido em sua alm a", pois — dizia ela —não tinha acabado
m inha tarefa na rouparia, tendo que varrer a capelinha:"
"Vai depressa pedir licença — insiste o Senhor, — Preciso de vítim as que Me
consolem e reparem e, se não as encontrar aqui, aonde irei? „
"Fui p edir licença m as Jesus não voltou. A cruz e a coroa tam bém desaparece­
ram e não posso dizer em que angústia fiquei... pois desejo, ardentem ente consolá-
lo, m as m inha fraqueza é tão grande!"
Passa o dia seguinte, prim eira Sexta-feira, 3 de março, com m uita pena. Du­
rante o dia inteiro suplica a Nosso Senhor, e principalm ente à M aria Santíssima
que a perdoem ... "pois — explica ela, — Eles bem sabem que é m inha fraqueza,
m ais do que m inha vontade. "
M aria não resiste à ansiedade da filha e vem tranquilizá-la, quan d o está aca­
bando a Via Sacra:
"Fica em paz, filha. Se quiseres, Jesus continuará a buscar consolo em ti; Ele
deseja tanto!
Mas não te esqueças de que teu am or é livre!"
Então, continua a confissão da m aior falta de sua vida, com o diz:
"N a m esm a tarde, ao anoitecer, Jesus veio. Estava belo como sem pre, mais
tinha algo de triste no Olhar.
"Trago-te m inha C ruz e m inha Coroa, Josefa.
Repousa-Me! Tantas alm as se perdem . .. aquelas que tanto amo!"

142
E como Josefa im plorasse perdão e se oferecesse a seus Desejos:
"Sim — diz Ele — N unca Me recuses o consolo que espero de ti. Escuta, tenho
muitas alm as que Me am am e Me consolam, é verdade m as nenhum a poderá
ocupar o lugar que te reservei, pois fitei o O lhar em ti de m aneira especial.'
Diante dessas palavras Josefa, que guarda, no fundo da alma, invencível te­
mor daquela escolha extraordinariam ente crescer em si, como onda poderosa, a
oposição que lhe custa tanto vencer.
Q uando contar mais tarde aquele doloroso m om ento cham ar-lhe-á "sua in­
gratidão".
Jesus, que vê o fundo das almas, sabe discernir aquele receio que ela nunca
conseguirá dom inar com pletam ente e seu Coração tem dela a m ais divina com ­
paixão.
"Se m edisses as ofensas cjue recebo não recusarias m inha C ruz — disse então
— Sabes qual é essa Cruz. E a liberdade que Me deves d ar de te tomar, quan d o
precisar de ti: sem olhares lugar, ocupação, nem hora; basta-te saber que te peço
consolo e que te defenderei contra tudo quanto se disser ou pensar de ti. N ão me
pertences? Se estou Eu contigo que im porta que todo m undo esteja contra ti?
"Aí — escreve Josefa lealm ente — direi para m inha m aior confusão, que lhe
respondi como se Ele não tivesse todo o direito sobre mim, suplicando que me
deixasse fora desse cam inho. Ele me olhou com tristeza e disse:
"Não te posso abandonar, pois m eu A m or para contigo é sem m edida. M as já
que assim queres, que te seja feito segundo teu desejo. A Chaga de m eu Coração
ninguém mais poderá fechar senão tu!"
"Tomou a cruz e a coroa e desapareceu."
Josefa acrescenta, alguns dias depois: "N ão posso dizer quanto estou sofren­
do desde aquele m om ento; é um torm ento que nada desta terra poderia causar.
Primeiro, porque sei que O magoei e, depois se Ele não voltar, m inha vida será
um m artírio pois fui eu quem m u d o u os Desígnios do seu A m or".
Josefa ainda não sondara as profundezas de M isericórdia do Coração de Je­
sus! Seja qual for sua fraqueza, nada m u d o u nos Desígnios daquele Amor. Vão
desenvolver-se, em plano diferente, previsto pela Sabedoria, no qual a d ata de 3
de maio nos vai introduzir.

143
Entrada nas Trevas do Além Túmulo
4 d e m arço — 15 de abril d e 1922

"Não te esqueças, filha, de que nada


acontece que não entre nos Desígnios
de Deus."

(Santa Madalena Sofia à Josefa — 14 de março


de 1922).

O p eríod o que se abre diante d e Josefa é talvez o m ais m isterioso de


sua vid a. Parece, à prim eira vista, que está p esa n d o sobre ela o castigo
m erecid o pela sua resistência ao ap elo d e N o sso Senhor. M as, sobre essa
obscura trama, outro d esíg n io se im prim e lo g o d esv en d a n d o a predile­
ção d ivin a que tira p roveito de u m m om en to d e fraqueza para, nela e por
m eio dela, adiantar sua Obra a p assos d e gigan te. Enquanto n o v o poder é
d eixad o ao d em ô n io e os próprios ab ism os d o inferno se lhe abrem dian­
te d o s olh os, Josefa descobre, m ergulhada em sofrim en tos até en tão n u n ­
ca exp erim en tados, o que é a perda das alm as, e avalia, com sen tid o m ais
agu çad o, a im olação total exigida pela redenção. E sm agando-a na dor,
Jesus cava nela, p rofu n d ezas de h u m ild ad e, d e fé, d e ab an don o, q ue n e­
n h u m esforço p esso a l poderia realizar. O d iv in o M estre reservara, para si
m esm o aq u ele trabalho, na hora escolh ida, e por m eio s que desnorteiam
qualquer p revisão.
Santa Teresa, em págin a adm irável, descreve a p a ssa g em n o inferno,
que lh e d eix o u na alm a v estíg io in d elév el. Josefa, que nunca tinha lido
revelações d e sua santa Patrícia, escreveu várias v eze s, por obed iên cia, o
relatório d e su as lon gas d escid as ao abism o d e todas as d ores e d e to d o o
d esesp ero. Essa docum entação, tão em p olgan te q uanto sin gela, concor­
da, quatro séculos d ep ois, com a descrição clássica da grande contem plativa
d e Àvila.
Vibra, com o m esm o tom d e sofrim ento, contrição, am or reparador e
ze lo ardente. O d og m a d o inferno, tão freq ü en tem en te com b atid o, ou
sim p lesm en te d eixad o em silêncio, por esp iritualid ad e in com p leta, para
prejuízo das alm as, e m esm o p erigo de salvação, é p osto d iv in a m en te em
ev id ên cia
Q u em p oderá d u vid ar da existência d o pod er infernal encarniçado con ­
tra C risto e seu R eino, lend o, nestas págin as, o que Josefa v iu , e sofreu.
Q u em p od erá tam bém calcular o valor redentor daq uelas lo n g a s horas
p assad as na prisão d e fogo? Josefa, que pen sa ali estar presa para sem ­

144
pre, testem u n ha d os esforços san guinários d o d em ô n io para arrebatar
eternam ente as alm as a Jesus Cristo, experim enta a dor d as dores: a de
não p od er m ais amar. A lg u n s trechos d o s seu s escritos p o d erã o ser ú teis
a m uitas alm as. Servirão d e grito d e alarm e lançado àq u elas q ue escorre­
garam em algu m d eclive. Servirão, m elhor ainda, d e a p elo d irig id o por
Amor àquelas q ue d ecidirem nada p ou par para arrancar as alm as à p er­
dição...
Foi na n oite da quarta-feira, 16 de m arço, que Josefa co n h eceu , pela
primeira v ez, a m isteriosa d escid a ao inferno
Já d esd e a prim eira segu n da-feira da quaresm a, 6 d e m arço, p o u co
depois d o d esap arecim ento d e N o sso Senhor v o z e s infernais a im p ressi­
onavam, dolorosam en te, d e v e z em quando. A lm as caídas n o abism o v êm ,
sem que ela as veja, censurar-lhe a falta d e g en ero sid a d e. Ela fica trans­
tornada.
O u ve gritos de d esesp ero com o estes:
"Estou para sem p re n o lugar on d e já n ão se p o d e amar! C om o foi cur­
to o prazer! e a desgraça é eterna!
— Q ue resta?... odiar com ó d io infernal e para sem pre!...
"Oh — escreve ela — saber a perda d e um a alm a e nada m ais p od er
por ela!
Saber que, durante toda a eternidade, haverá u m a alm a a m ald içoan ­
do a N o sso Senhor e sem rem édio! M esm o se eu p u d e sse sofrer to d o s os
tormentos d o m u n d o . . . q ue dor terrível! M ais vale, m il v e z e s morrer, d o
que ser resp on sável pela perdição d e um a alma!"
Ela escreve n o d o m in g o , 12 d e m arço, à sua su periora q u e está em
Roma, por algu n s dias:
Se sou b ésseis, R everenda M adre, com que tristeza v en h o a vós! D esd e
o dia 2 d e m arço, já n ão ten h o n en h um a d e m in h as jóias (cham a assim a
Coroa d e esp in h os, e a C ruz d e N o sso Senhor) porque, m ais outra vez,
magoei a Jesus, tão b om para m im !.. Espero entretanto que, outra v ez
ainda, Ele tenha pen a de m im . M as por enquanto, esto u p a g a n d o b em
caro, p ois d esd e a n oite da prim eira sexta-feira, em lugar d e su as visitas,
sofrimento maior... Enfim M adre, quand o voltard es sabereis o q ue é m i­
nha fraqueza! — E, co m o para n ão entristecer a Superiora, acrescenta
com a habitual d elicad eza — Q uanto m e alegro com os b o n s d ias que
passais na Casa Madre! A qui, fora eu, to d o m u n d o se esforça p or co n so ­
lar Jesus, e seu Coração encontra o q ue espera d o seu Jardim d e delícias,
(quanto a m im , con tin u o a v id a co m o antes: esforço para ser am ável,
fidelidade em d izer tu d o à M adre A ssisten te e o resto que sabeis. R ezai,
Reverenda M adre, para que a Santíssim a Virgem esten d a su as M ãos e m e

145
obtenha perdão."
Será Santa M adalena Sofia, desta v ez, a em baixatriz d e Jesus e d e sua
M isericórdia. N a terça-feira, 14 de m arço, aparece-Lhe na cela. Escuta-lhe
a h u m ild e con fissão, reanim a-lhe a confiança e a encoraja com as seg u in ­
tes palavras:
"N ão te esq u eças, filha, de que nada acontece q ue não entre n o s D e­
síg n io s d e D eu s "
Josefa lhe confia a im ensa pena e dor que a op rim e q u and o calcula as
con seq ü ên cias de sua fraqueza que crê irrem ediáveis
"C om o não! filha, p o d es reparar — torna lo g o a Santa M adre — se
d essa q u ed a retirares m uita h u m ild ad e e generosidade."
"Perguntei se Jesus n ão voltaria nunca m ais. Deseja-O , cham a-O , p ois
não p o sso pensar que n ão m ais h ei de v ê-lo por m inha própria culpa."
"C om o não, filha! Espera-O: o desejo e a espera da Esposa são a glória
d o E sposo."
A q u ele en treten im en to celestial testem unha que o A m or n ã o m udara
e q ue o p erdão não cansa. Jesus quis dá-lo a Josefa, para m ostrar-lhe, na
entrada da grande provação, que Ele está com ela sem p re o M esm o .
" Em a n oite d e quarta para a quinta-feira, 16 d e m arço, p ela s d ez
horas — escreve ela — com o n o s ú ltim os dias, ru íd o co n fu so d e gritos e
cad eias. L evantei-m e, v esti-m e e, trem endo d e m ed o , p u s-m e d e joelhos
perto d o leito. O b arulho se aproxim ava. Saí d o d orm itório sem saber
q ue fazer, fui à cela d e n o ssa Bem -aventurada M adre, d ep o is v o ltei ao
d orm itório. O m esm o barulho terrível cercava-m e sem pre. D e repente,
v i o d em ô n io d iante d e m im , que gritava:
"A m arrem -lhe os pés... atem -lhe as m ãos,"
" N o m esm o instante n ão vi m ais on d e eu estava, sen ti que m e am arra­
vam fortem ente e que m e arrastavam .
O utras v o z e s rugiam:
N ã o são os p és q ue se lhe d ev em atar, é o coração " — E o d em ô n io
respondia: " N ã o é meu!"
"Então arrastaram -m e por um lo n g o cam inho, m ergu lh ad o em escu ­
ridão. C om ecei a ouvir d e to d o s os lad os gritos m ed o n h o s.
P elas p ared es d o estreito corredor h avia n ich o s, u n s em frente d o s
outros, d e on d e saía fum aça quase sem cham a e com cheiro intolerável.
D ali v o z e s proferiam toda esp écie d e blasfêm ias e palavras im puras.
A lgu m as m ald iziam seu s próprios corpos outras, seu s pais. O utras cen ­
su ravam a si m esm as por n ão terem a p roveitad o tais oca siõ es o u tais
lu ze s para abandonarem o m al. Era um a con fu são d e gritos, d e raiva e de
d esesp e ro .

146
"Fui p u xada através d essa esp écie de corredor que n ão tinha m ais fim .
Depois d eram -m e u m v io len to em purrão q ue m e en fiou , dobrada p elo
meio, dentro de u m d aq ueles nichos. Senti-m e co m o que esm a g a d a en ­
tre tábuas in cend iad as e esp etad a, de lad o a lado, por a gu lh as em brasa.
Diante de m im , alm as am aldiçoavam e blasfem avam . Foi o q u e m ais m e
fez sofrer. M as o que n ão p o d e ter com paração com torm ento a lg u m é a
angústia da alm a q ue se v ê separada d e D eu s.
"Parece-me q ue p a ssei lo n g o s anos naq uele inferno — con tin u am as
notas, e entretanto, só d u rou seis ou sete horas. D e repente, tiraram -m e,
violentam ente, d e on d e estava e encontrei-m e n u m lugar escu ro, o n d e o
dem ônio d ep o is d e m e ter esp an cad o, m e d eix o u livre... N ã o p o sso d izer
o que senti na alm a, q u and o percebi que estava viv a e q ue ain d a p o d ia
amar a D eus...
"Para evitar aq u ele inferno, e em bora tenha tanto m ed o d e sofrer, n ão
sei o que estou pronta para suportar. Vejo claram ente q ue to d o s o s sofri­
mentos d o m u n d o nada são, em com paração co m a d or d e n ão p o d er
mais amar, p o is lá só se respira ó d io e sed e da p erdição das alm as!...
D esde então, Josefa conhece freqüentem ente aquela dor m isteriosa.
Tudo é, d e fato, m istério n aquelas lon gas sessõ es n o m u n d o tenebroso.
Ela as ad ivin h a cada v ez, p elo ruído d e correntes e gritos lo n g ín q u o s que
se aproxim am , cercam -na e a acabrunham . Tenta fugir, distrair-se, traba­
lhar, para e sc a p a r ao a s s é d io d ia b ó lic o q u e acab a fin a lm e n te p o r
subjugá-la.
Tem apenas tem p o para se refugiar na p eq u en a cela, em breve p erd e a
noção d o que a rodeia. Encontra-se prim eiro n o que cham a d o lugar e s­
curo, diante d o d em ô n io , que triunfa dela e parece crer que lhe pertence
para sem pre. O rdena com violên cia que a lancem , n o lugar a ela d estin a ­
do, e Josefa, fortem ente amarrada, cai n aq uele caos d e fo g o e d e dores, d e
raiva e de ód io.
Ela relata tu d o , s im p le s m e n te e o b je tiv a m e n te , c o m o v ê , o u v e ,
experimenta. N o exterior um leve estrem ecim ento anuncia u n icam en te a
partida m isteriosa. N o m esm o in stan te, seu corp o fica flex ív el e sem
resistência com o o d e a lgu ém que acaba d e perder a vid a. A cabeça, os
membros, n ão se sustentam m ais, o coração bate norm alm ente, Entretanto,
Josefa v iv e com o que sem viver... - A q u ele estad o se p rolon ga m ais ou
menos, seg u n d o a V ontade de D eu s que a entrega assim ao inferno, m as a
conserva na sua M ão seguríssim a.
N o m om en to por Ele determ inad o, u m n o v o e q u ase im p ercep tív el
estrem ecim ento e o corpo ab andonado retom a v id a . Ela n ão fica, porém ,
logo libertada d o p od er d o d em ô n io que a retém ainda sob su as p an ca­

147
das, n o tal lugar escu ro o n d e ela só v ê aquele q ue a ultraja e am eaça,
an tes q u e escap e d o seu poder. Q u an d o ele a larga afinal, e ela volta
lentam en te a si, as horas passad as n o inferno lhe pareceram sécu lo s. Só
p o u co a p o u co entra em contato com os lu gares e as p esso a s q ue a cer­
cam . "O nde estou?... q u em está aí. . estou viv a ainda? p ergu n ta ela —
S eus pob res olh os procuram reconhecer o quadro d e um a v id a q ue lh e
parece ter ficado tão lon ge n o passado!
A s v e z e s, grossas lágrim as escorrem silen cio sa m en te, en q u a n to na
fision om ia se lh e im p rim em v in co s de in d izív el sofrim ento. A caba afinal
d e encontrar o sen tid o da v id a atual, e com o exprim ir a in tensa em oção
q ue d ela se apodera, quand o com p reend e, d e repente, q ue ainda p od e
amar. E screveu isto várias v eze s, em term os cuja sim p licid a d e e ardor
n ão se p o d em interpretar.
D o m in g o , 19 d e m arço d e 1922, terceiro d o m in g o da quaresm a — D es­
ci outra v e z àq u ele abism o, parecia-m e lá ter ficado lo n g o s anos.
Sofri m u ito, m as o m aior torm ento é julgar que m e tornaria para sem ­
pre in cap az d e amar a N o sso Senhor. Por isso q u and o v o lto à v id a sinto-
m e louca d e alegria. P en so que O am o m ais q ue nunca e para provar-Lhe
sou capaz de sofrer tu d o que Ele quiser. Parece-m e tam bém am ar e esti­
m ar m inha vocação até à loucura."
A crescenta algu m as linhas adiante: "O q ue vejo m e dá im en sa cora­
g em para sofrer. C om preen d o o valor d o s m en ores sacrifícios. Jesus os
recolh e e se serve d eles para salvar alm as. E grande cegu eira evitar o
sofrim en to, m esm o nas p eq u en in as coisas, p ois n ão so m en te é d e grande
valor para n ós, m as serve para preservar m uitas alm as d e tão grandes
torm en tos
Josefa tenta, por obediência, algu m as d escrições das d escid a s q ue se
ren ovam freq ü en tem en te naquela época.
Tudo n ão p od eria ser traduzido, m as algu m as p ágin as a m ais servirão
d e p recioso en sin am en to. Estim ulação às alm as a se ded icarem e se sacri­
ficarem p ela salvação daq uelas q ue to d o s os dias, a tod as as horas, à beira
d o ab ism o, estão à m ercê da trágica luta entre o A m or e o ó d io, entre o
d esesp ero e a M isericórdia .
"Q uando ch eg o àq u ele lugar — escreve ela n o d o m in g o , 26 d e março,
o u ço gritos d e raiva e d e g o z o infernal, porque m ais um a alm a foi m er­
gu lh ad a n o torm ento. . .
N aq u ela hora n ão ten h o lem brança algu m a d e ter jam ais d escid o ao
inferno; parece-m e sem pre q ue e a prim eira vez.
P arece-m e tam bém lá estar para a eternidad e e é o q ue tanto m e faz
sofrer, p o is m e lem bro d e que conhecia e am ava a N o sso Senhor... q ue era

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religiosa, que Ele m e tinha feito grandes graças e d a d o ab u n d an tes m eio s
de me salvar. Q ue fiz p o is para perder tantos bens?... C om o p u d e ser cega
a tal ponto?... A gora n ão há m ais rem édio.. Lem bro-m e tam bém d e m in h as
comunhões, de m eu N o v icia d o . M as o q ue m ais m e atorm enta é que eu
amava tanto ao Coração d e Jesus. C onhecia-O . Ele era m eu ú n ico T esou­
ro... Só vivia para Ele... C om o v iver agora sem Ele... Sem am á-Lo, cercada
de blasfêm ia e d e ódio? M inha alm a fica oprim ida e acabrunhada d e tal
modo que não p o sso explicar, é in d izível! "M uitas v e z e s tam b ém assiste
ela aos e sfo r ç o s en c a r n iç a d o s d o d e m ô n io e d e s e u s s a té lite s para
arrancarem à M isericórdia, as alm as d e q ue estão prestes a se apoderar.
Seus sofrim entos parecem ser então, n o s p lan os de D eu s, resgate d aq uelas
pobres alm as q ue lh e d everão a graça vitoriosa d o ú ltim o in stan te "O
demônio — escreve na quinta-feira!, 30 d e m arço — está m ais en fu recid o
que nunca, porque crê perder três alm as. Gritava furiosam ente, aos outros:
"Cuidado para que n ão escapem ... lá se vão... id e, id e com força."
Durante d o is ou três dias seg u id o s é ela testem u n ha d aq u ela luta.
"Supliquei a N o ss o Senhor q ue fiz e sse d e m im tu d o q u e q u isesse ,
contanto q ue aquelas alm as n ão se p erd essem — escreve ela, v o lta n d o d o
abismo n o sábado, I o d e abril — D irigi-m e tam bém à Santissim a V irgem
que m e d eu grande p az, p ois m e d eix o u d ecid id a a sofrer, seja o q u e for,
para salvá-las. Creio que não perm itirá q ue o d em ô n io saia vencedor.
N o d o m in g o , 2 de abril, d o m in g o da paixão, escreve d e novo:
O d em ôn io vociferava: " N ã o largueis! Prestai atenção a tu d o q ue p u ­
der perturbar... que não escapem ! ... ob ten d e q ue d esesp erem ! ...
"Era um a con fu são d e u iv o s e blasfêm ias. D e repente, lan çan d o um
rugido d e cólera, gritou: "N ão im porta! ainda ficam d u a s, tirai-lhes a
confiança!"
"C cm preendi que um a d aquelas alm as acabara de escapar para sem ­
pre."
"Depressa, depressa . . . — rugia — que essas d uas não fujam! agarrai-as,
que desesperem ! depressa! Lá se vão!"
" E n tã o o u v iu - s e n o in fe r n o u m r a n g e r d e d e n t e s e u m fu r o r
indescritível. O d em ô n io rugiu: "Ó Poder.. P oder d aq u ele D eus!... que
tem m ais força d o que eu! Sobrou uma! . . . Esta n ão deixarei q ue m e
roube! "
"O inferno tornou-se um só grito de blasfêm ia, n u m a trem enda con fu ­
são d e queixas e g em id o s. C om preendi então que as alm as estavam salvas.
M eu coração ficou ch eio d e alegria, em bora na im p o ssib ilid a d e d e fazer
um só ato d e amor, apesar da grande n ecessid a d e q ue sen te d e amar.
Entretanto n ão sin to aquele ó d io de N o sso Senhor q ue têm as in felizes

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alm as q ue m e cercam , e q u and o as ou ço am ald içoand o e b lasfem ando, é
um a dor tal q ue sofreria n ão sei quê, para que Ele n ão fosse assim ultraja­
d o e o fen d id o . O que m e faz m ed o é que com o tem p o eu m e torne como
as outras. É o q ue m e faz sofrer, p ois sem pre m e lem bro q u anto O amava
e co m o era b om para mim!". "Sofri m u ito — continua ela — principal­
m en te n estes ú ltim os dias. Era com o se um rio d e fogo m e entrasse pela
garganta atravessan do-m e tod o o corpo, ao m esm o tem p o era esm agada
entre d u as tábuas d e cham as com o já disse; n ão p o sso exprim ir esta dor, é
extrema! Parece q ue o s m eu s o lh o s saem das órbitas co m o se fossem ar­
rancados, os n ervos d isten d id o s, o corpo dobrado p elo m eio , sem se po­
der m over, u m cheiro infecto penetra tudo.
E isso nada é, entretanto, com parado com a alm a que con h ece a Bon­
d ad e d e D eu s e se v ê obrigada a odiá-L o, sofrim ento ainda m aior se ela 0
am ara m uito."
O utros m istérios d e além -tú m u lo v ã o -se ainda revelar à Josefa. Nessa
m esm a época, quaresm a de 1922, enquanto por dias e n o ites ela carrega o
p eso d e tantas p erseg u içõ es, D eu s a p õ e em contato com outro abism o de
d ores, o d o purgatório. M uitas alm as v êm então solicitar su frágios e sa­
crifícios com term os d e profunda h u m ild ad e. D ep o is d o prim eiro susto,
acostu m a-se Josefa às confidências das alm as sofredoras. Escuta-as, per­
gu n ta-lh es os nom es; encoraja-as e se recom enda "confiar-te, à sua inter-
cessão. São lições p reciosas a recolher. U m a delas, v in d o anunciar sua
libertação, acrescenta:
"O im portante não é a entrada na religião, m as a entrada na eternida­
de."
"Se as alm as religiosas so u b essem com o é p reciso pagar aqui todas as
p eq u en as carícias que con ced em os a n ós m esm as — dizia outra pedindo
orações."
"M eu exílio acabou, v o u subir para a Pátria eterna."
U m sacerdote dizia:
"C om o são infinitas a B ondade e a M isericórdia d e D eu s q u an d o se
d ign a servir-se d os sacrifícios e d o s sofrim en tos d e outras alm as para
reparar n ossas grandes in fid elid ad es. Q uantos graus d e glória poderia eu
ter ad q uirid o se m inha v id a tiv esse sid o outra."
U m a alm a religiosa ao entrar n o céu confiava à Josefa:
"C om o v em o s d iferentem ente as coisas da terra q u an d o p a ssa m o s para
a eternidade!
"Os en cargos d e nada va lem d ian te d e D eu s, só conta a p u reza de
in ten ção com a qual foram exercidos, m esm o as p eq u en a s coisas!
"Q uão p o u co vale a terra e tu d o o que encerra!... entretanto com o é

150
amada!... Por lon ga que seja a vid a, nada é em com paração com a eterni­
dade! Se so u b e ssem o que é u m só instante p a ssa d o n o purgatório! e
como a alm a se extenua e se con som e n o desejo d e ver a N o sso Senhor!"
H avia tam bém alm as escap ad as, pela M isericórdia d e D eu s, a p erigo
maior e que vin h am suplicar a Josefa que an tecip asse sua libertação.
Estou aqui por grande B ondade d e D eu s — dizia um a d elas — p o is
meu orgu lh o ex cessiv o havia aberto d iante d e m im as portas d o inferno.
Tinha a m eu s p és gran d e n ú m ero d e p esso a s e agora precipitar-m e-ia
abaixo d o ú ltim o pobre. Tem pena d e m im e faze atos d e h u m ild a d e para
reparar m eu orgulho! E assim que m e pod erás livrar d esse abism o!"
"Passei sete anos em p eca d o m ortal — con fessava um a outra — e três
anos doen te... recusei confessar-m e. Estava b em preparada para o infer­
no e lá teria caíd o se p elo s sofrim en tos d e hoje, n ão m e tiv esses o b tid o
força para voltar á graça, Estou agora n o purgatório e su p lico -te, já que
me p u d este salvar, tira-m e desta prisão tão triste! "
"Estou n o purgatório por causa d e m inha in fid elid a d e, p o is n ão quis
responder ao ap elo d iv in o — vin h a outra d izer-lh e d ep o is.
"Durante 12 anos resisti à m inha vocação e v i-m e em grande p erig o d e
me condenar, p o is, para abafar o rem orso, tinha-m e en tregu e ao p ecad o.
Graças à B on d ade d ivin a, q ue se d ig n o u servir-se d e teu s sofrim en tos,
tive coragem para voltar a D eu s e agora faze-m e a caridade d e m e arran­
car daqui."
Oferece por n ós o S an gue d e Jesus Cristo — d izia outra n o m o m en to
de deixar o purgatório — q ue seria d e n ó s se n ão h o u v e sse n in g u ém para
nos aliviar?...
Os n om es daq uelas santas v isita s d esco n h ecid a s d e Josefa, cu id a d o sa ­
mente an otad os com a data e o lugar da m orte, foram m ais d e u m a v ez,
sem que ela o sou b esse, alv o d e m in u ciosa in vestigação. A certeza, assim
adquirida, da realidade d o s fatos, fica sen d o p recioso testem u n h o d e su as
relações com o purgatório.
A quaresm a ia findar-se n o m eio d aquelas alternativas d e d ores e gra­
ças austeras. C om o, sem esp ecial socorro d e D eu s, pod eria Josefa ter su s­
tentado tantos contatos com o in v isív el, en q u anto con tin u ava sua v id a
sempre igu al d e labuta e dedicação? Era o esp etá cu lo que seu h eróico
amor reservava, q u otid ian am en te, ao Coração d aq u ele q ue v ê os seg re­
dos, ao p a sso q u e o s circunstantes nada p o d ia m su speitar d o valor de
seus dias to d o s sem elh an tes, exteriorm ente n o sim p les cu m p rim en to d o
dever.
D ois fatos sob ressaem ainda n o s ú ltim o s dias da Sem ana Santa:
A tarde da quinta-feira Santa, 13 d e abril de 1922, Josefa escrev e:" Estava

151
na capela p elas três e m eia, quand o vi de repente, diante d e m im algu ém
v estid o com o N o sso Senhor, um p ou co m ais alto que Ele, m u ito b elo e
trazend o n o rosto atraente expressão de paz. Sua túnica era d e u m roxo
averm elh ad o escuro, trazia na m ão a coroa de esp in h o s igu al à q u e Jesus
m e trazia outrora.
"Sou D iscíp u lo d o Senhor— d isse— Sou João E vangelista e trago-te
um a das m ais p reciosas joias d o d iv in o M estre."
" D eu-m e a coroa e pô-la ele m esm o na m inha cabeça."
Josefa, a principio assustada, com a inesperada aparição, tranquiliza-se
p o u co a p ou co, sen tin d o a p az que a invade. Confia ao C eleste Interlocutor
a an gú stia que a oprim e n o m eio d e tudo o que o d em ô n io a faz sofrer.
"N ada tem as. Tua alm a é um lírio que Jesus guarda n o Coração." res­
p o n d e-lh e o A p óstolo . D ep ois, continua:
"Fui m an d ad o para te revelar algu n s d o s sen tim en tos que transborda­
v am d o Coração d o D iv in o M estre neste grande dia. O A m or ia separá-
Lo d os d iscíp u lo s d ep o is de batizá-Lo com o b atism o d e san gu e. M as o
A m or O forçava a ficar com Eles e foi o q ue Lhe fez inventar o Sacram en­
to da Eucaristia. Q ue luta se travou naq uele Coração! C om o h avia de
repousar nas alm as puras! M as sua Paixão se haveria d e p rolon gar nos
corações m anchados! C om o sua A lm a estrem ecia d e alegria com a proxi­
m id a d e d o m om en to em que ia para o Pai! M as com o era esm agad a de
dor v e n d o u m d os D oze, escolh id o por Ele, entregá-lo à m orte e seu San­
g u e in ú til p ela prim eira v e z para a salvação d e um a alma!
"C om o seu Coração se d esfazia d e amor! M as co m o a p ou ca corres­
p on d ên cia das alm as que Ele tanto am ava, m ergu lh ava o próprio Am or
na m ais p rofu n d a am argura! e q ue d izer da in gratidão e da frieza de
tantas alm as escolhidas!
Term inadas aquelas palavras, desapareceu com o u m relâm pago."
A qu ela celeste aparição reconfortou-a por u m instante, lem brando-lhe
o ap elo a reparação que sob e da Eucaristia às alm as consagradas.
M as esse "relâm pago" d e p az apenas p assou , n o m eio da tem pestade.
N a m esm a tarde desaparece-lhe a coroa, d eixan d o-a perplexa. A ngustio-
sa interrogação levanta-se n o seu espírito; n ão estará ela sen d o alv o de
ilu sã o e m entira? Todas aquelas coisas d o A lém n ão serão m iragem de
sua im aginação... coisas d e natureza desequilibrada o u d e su g estã o in­
co n scien te?
E sses p o n to s d e interrogação só a ela se oferecem . N ad a n aquela jo­
v em h avia que, m esm o de lon ge, física ou m oralm ente, se p restasse a tal
h esitação. Cerca-a, entretanto, a m áxim a prudência, vig ia n d o -a d e perto e
p rocurando algu m sinal autêntico q ue perm ita discernir e afirm ar nela a

152
ação direta d o d em ôn io . D eu s vai dá-la e afastar toda a d ú v id a .
N o sábado d e A leluia, 15 de abril, p elas quatro horas da tarde, d ep o is
de ter p assad o os d ois ú tim os dias n os m ais d o lo ro so s com b ates o u v e,
enquanto está cosen d o , os ru id os p renunciadores d o inferno. Sustentada
pela ob ediência resiste com a m aior energia, para fugir ao d em ô n io que
afinal a subjuga.
Então, com o sem pre, seu corpo parece perder a v id a. A joelh ad as ao
lado dela, as M adres rezam , p ed in d o a N o ss o Senhor que n ão d eix e in ­
certezas sobre o m istério q ue se passa diante d o s seu s olh os.
De repente, p elo le v e estrem ecim en to habitual, reconh ecem q u e Josefa
retoma contato com a vid a. N o seu rosto d o lo ro so a d iv in h a -se o q u e aca­
bara de sofrer. D e repente, lev a n d o a m ão ao p eito, exclam a: "Q uem m e
está queim ando?"
N enhum a fonte de fo g o havia. O hábito religioso estava intato. Ela o
desata rapidam ente. U m cheiro d e fum aça acre e fétid o se esp a lh a na
sala.
Vê-se então, q u eim an d o sobre ela, a cam isa e a flanela. U m a larga q u ei­
madura fica-lhe perto d o coração, com o d iz ela, atestan do a realid ad e n o
primeiro atentado d e Satanás. Josefa sen te-se desnorteada:
"Prefiro ir-m e em bora — exclam a n o prim eiro m o m en to — a ser jo­
guete d o dem ônio"
A fid elid ad e d e D eu s em m anifestar tan givelm en te o p o d er d iab ólico
vai ficar sen d o a m aior fonte d e conforto d o s m eses seg u in tes.
Dez v e z e s será Josefa q u eim ad a. Verá o d em ô n io vom itar sobre ela
fogo que deixará traços, n ão som en te sobre su as v estes, m as ainda m ais
sobre os seu s m em bros. A s chagas v iv a s custarão a fechar e seu corp o
levará cicatrize para o tú m ulo. Várias p eças d e roupas assim q u eim ad as
foram conservadas, atestando a realidade da fúria infernal e a coragem
heróica que lhe su p ortou os assaltos, para ficar fiel à Obra d o Am or.

153
Alguns Clarões na Procela
16 de abril — 8 de julho de 1922

"Serei a Luz de tua alma."

(Nosso Senhor à Josefa — 17 de abril de 1922).

Surge o dom ingo de Páscoa, 16 de abril de 1922 e Jesus esm agando com a
vitória da ressurreição os poderes infernais, vai repousar sua vítim a p o r algum
tem po. Pela m anhã, d u ran te a missa, Josefa O vê aparecer. É a prim eira vez,
desde o dia 3 de março, cuja lem brança lhe ficara no coração como um espinho
doloroso em bora nunca tivesse duv id ad o de seu Perdão e do seu Amor. "Res­
plandecia de beleza e de luz— escreve ela — m as eu Lhe disse que não tinha
licença p ara Lhe falar."
"N ão tens licença, Josefa?... responde com bondade. E p ara Me fitares?...
" Eu não sabia que dizer. Ele continuou:
"O lha para M im e deixa-M e olhar para ti. Isso nos basta."
"Olhei para Ele e Ele fitou tam bém os Olhos em m im com tanto amor, que
não sei o que se passou em m inha alma. Depois de um m om ento disse:
"Q uando tua M adre te chamar, pede licença para falar comigo."
" E desapareceu. "
A obediente noviça, em bora encontre a Superiora instantes depois, espera,
segundo a Palavra do M estre, ser cham ada.
"Pelas onze e meia — continua ela — a M adre me deu licença. Fui à capela e
Jesus logo veio. "
"A qui estou Josefa! Por que querias que eu voltasse ao m enos um a só vez?"
"Oh! Senhor, para Vos pedir perdão, pois tenho tanta necessidade.
Então contei-Lhe todas as m inhas fraquezas, todas as m inhas misérias; e,
com am or que não se pode traduzir, respondeu:
"A quele que nunca precisa de perdão não é o mais feliz, m as antes aquele
que teve de se hum ilhar m uitíssim as vezes!"
Então, abrindo toda a sua alma, derram a ela no Coração Sagrado tudo que
a enchera de p ertu rb ação e o bscuridade nas sem anas passad as. Conta-Lhe
tam bém sua inquietação. Seria m esm o Ele que lhe enviara a coroa na quinta-feira
para tirá-la tão depressa?
Jesus tranquiliza-a:
"Fui Eu que te confiei aquele precioso tesouro do m eu Coração. Mas era
consolo dem ais para ti, Josefa, e me consolaste m uito mais aceitando a incerteza,
do que trazendo m inha coroa em tua cabeça."
"Então falei-Lhe da queim adura de sábado e disse-lhe que fico desnorteada
p or m e tornar assim joguete do dem ônio.
O nde está tua fé? Se perm ito que sejas joguete do dem ônio fica sabendo que
é para dar prova irrecusável dos Planos do m eu Coração sobre ti.

154
Prolonga-se a aurora pascal, por vários dias.
Como outrora aos A póstolos perturbados, descoroçoados, depois das horas
da Paixão, Jesus lhe aparece para repetir palavras que consolem , pacifiquem ,
fortaleçam.
Na segunda feira, 17 de abril, escreve ela:
"Hoje o Evangelho foi o d a aparição aos discípulos de Emaús... Enquanto
eu dizia: " Senhor, ficai comigo pois já entardece", Ele veio de repente, belíssim o
e disse:
"Sim, ficarei contigo. Serei a Luz de tua alm a. Tens razão. Já entardece...
Dize-Me que farias sem Mim? "
Na sexta-feira, 21 de abrir depois de um a noite em que o dem ônio e os tor­
mentos do inferno lhe haviam desnorteado as esperanças, as notas continuam :
"Hoje de m anhã, du ran te a missa, Nosso Senhor veio. Eu pensava que todos
os suplícios estavam acabados e suplicava-Lhe que m e deixasse um pouco de
liberdade para trab a lh ar."
Jesus responde com autoridade:
"Escuta, Josefa. Já te disse que Me quero servir de ti com o instrum ento de
minha M isericórdia para com as almas. Mas se tu não te entregas com pletam ente
à minha Vontade, que queres que Eu faça? H á tantas alm as que precisam do m eu
Perdão e m eu C oração quer servir-se de vítim as que o ajudem a rep arar os
ultrajes do m undo e derram ar sua M isericórdia. Q ue te im porta o resto se Eu te
sustentar? N unca te abandono. Q ue podes m ais querer? "
A sem ana de Páscoa term ina pois naquela recapitulação d a m issão p ara a
qual m uito terá ela que sofrer. E de fato, o dem ônio não abandona o cam inho de
Josefa. As alm as do Purgatório continuam a p ed ir o auxílio dos seus sofrim en­
tos. Mas Jesus, fiel à Prom essa, fica com ela e se torna a Luz de sua vida.
"Veio du ran te a missa, tão formoso! —escreve ainda no sábado, 22 de abril.
— Renovei os votos e creio que isto Lhe agradou, pois o Coração se Lhe abrasa-
va." Ela explica suas ansiedades a propósito das alm as do outro m u n d o que vêm
pedir orações e sacrifícios. Nosso Senhor a tranqüiliza com sua Bondade habitual
e lhe faz entrever as graças de salvação com pradas com tantas dores.
" Se te dou a saber todas essas cousas — diz Ele — é a fim de que não recues
diante de sacrifício nem de sofrim ento algum.
"N unca duvides: quando m ais sofres é então que mais Me consolas, e quanto
menos podes perceber, m ais alm as aproxim as de m eu Coração."
E como confiasse ao M estre o esgotam ento a que ficara red u zid a naquelas
dolorosas semanas:
" N ão preciso de tuas forças, m as de teu abandono — responde cheio de
ternura.
"A verdadeira força está no m eu Coração. Fica em paz e não esqueças que
são a M isericórdia e o A m or que operam em ti. "
E, pois, naquele Coração Sagrado, que deverá h au rir a força que necessita
para prosseguir na trilha do abandono, cada vez m ais sua.
"Há m uitos dias — escreve na segunda-feira, 22 de abril, — que o dem ônio

155
m e arrasta para o inferno à m esm a hora para lá me deixar, de cada vez, m ais
ou m enos o m esm o tem po. Isso me aflige, pois desconfio que eu seja responsá­
vel por algum a coisa."
E então, a prim eira coisa que expõe a Nosso Senhor, quando lhe aparece
naquela m anhã depois da com unhão.
"N ão te apoquentes — disse — há um a alm a que precisam os arrancar ao
dem ônio e está justam ente em hora perigosa. Pelo sofrimento, porém , podem os
salvá-la. Tantas alm as há, expostas à perdição!...
" M as há tam bém m uitas que Me consolam e voltam a m eu Coração. "
" Então — diz ela — perguntei que poderíam os fazer para obter a conver­
são de um pecador que recom endara às nossas orações e que está d an d o m uito
escândalo."
"E preciso pôr m eu Coração entre aquele pecador e o Pai Eterno, Josefa. É
m eu Coração que aplacará a sua Cólera e que inclinará para aquela alm a a Com ­
paixão divina. A deus, consola-Me com teu am or e teu abandono."
Sucedem -se os dias de provação aos dias de graça, pois o dem ônio centuplica
esforços para nela despertar mais ondas de renpugnância.
A cabrunha-a tam bém com toda espécie de torm entos: ela o encontra por
todos os lados; espanca-a, queim a-a, arrasta-a ao inferno. E, na sexta-feira, 29 de
abril, apavorada com suas ameaças, ela não ousa com ungar. M as o pensam ento
da com unhão perdida fica-lhe como um gládio enterrado no coração.
A queles dias dolorosos servem para resgate de m uitas alm as sem que ela
tenha o conforto de saber.
N a Terça-feira, 2 de maio, pelas dez e m eia, enquanto varre a capela das
O bras, o M estre aparece, de repente, no m eio de sua lum inosa Beleza.
Estava em pé, entre os bancos — escreve ela. "
"Josefa, queres que eu fique contigo? N ão te im pedirei de trabalhar."
''R enovei os Votos e disse que tinha de pedir licença. "
"Vai sim..."
"D esapareceu e fui logo dizer à M adre. Q uando voltei à capela, vi-O pela
p orta aberta. Estava sem pre no mesm o lugar, como que à m inha espera... tão
cheio de ternura que não sei dizer! . . . É um a ternura de Pai, não há palavras
p ara exprim i-la.
Eu queria tanto vir a ti, Josefa, e tu quererias recusar-M e entrada? "
A quela pergunta é um a flecha que lhe traspassa a alm a. Ela confessa sua
fraqueza diante do dem ônio que, cisma em im pedir que se aproxim e da santa
M esa.
" N ão sabes, Josefa, que ele te pode torturar, mas, não prejudicar? Q uem será
m ais poderoso, ele ou Eu? "
" Prom eti ser generosa, depois falei das intenções das M adres, pois bem sabe
todas as dificuldades e inquietações que têm que suportar."
"M eu Coração é todo delas" responde com bondade, e acrescenta
" Tomo conta de m inha Obra. G uardo M inha " Sociedade."
" R epetiu aquelas d u as palavras com ardente amor. D epois aproximou-me

156
do seu Coração e m e fez o u v ir as palpitações... N o fim falei d a Santíssim a
Virgem pois há tanto tem po não a vejo e desejo-a tanto!..."
" Cham a-a — disse. "
E desapareceu.
"Desde aquela hora, não cesso de chamá-La, repetindo à M ãe caríssim a que
foi Jesus que m andou, pois preciso dela.
Durante a adoração, subitam ente, ela veio com os braços abertos e disse:
"Que queres, filha! "
Então Josefa confessa ainda a sua m iséria naqueles dias de lutas, de sustos,
de assaltos diabólicos e M aria tranqüiliza-a m aternalm ente.
"Escuta filha, deves abandonar-te como criancinha nos Braços de teu D eus „
" E verdade, Mãe ! som ente, tenho tanto m edo, não só do diabo, m as tam ­
bém de m im mesma! "
"Que podes tem er se nos tens para te proteger?" "Disse-Lhe, então, com o eu
ficaria feliz se tivesse ao m enos a coroa de espinhos. M as não sei se Jesus ma
quer dar ainda? "
"Não, filha, não tardará agora, porque tu és que Lhe estás p rep aran d o o utra
coroa; se visses de quantas alm as está formada!... "
Depois acrescentou:
"Jesus fitou os O lhos em ti e apesar de tua m iséria e m esm o de tuas ingrati-
dões, não os desviará. "
" Deu-me a bênção e desapareceu."
As visitas da Mãe anunciam em geral as do Filho, e na quarta-feira, 3 de
maio, depois da com unhão Jesus apareceu subitam ente:
"Josefa! "
"Pedí-Lhe licença p ara renovar os Votos e então, cada vez que O vejo, tenho
necessidade de dizer todas as m inhas fraquezas. "
" Não podes saber — responde Ele — quanto se alegra m eu Coração, p er­
doando faltas que são de p u ra fragilidade. N ão te aflijas. E p o r seres tão fraca
que fitei os O lhos em ti."
E tão bom , tão condescendente, que ela se atreve a Lhe exprim ir u m ard en ­
te desejo: queria que o dem ônio não a im pedisse de ser fiel aos exercícios co­
muns... pois está sem pre a ameaçá-la...
"Deixa-Me dispor de ti segundo m inha Vontade — responde o Senhor — pois
és minha. N ão terei, por acaso, todos os direitos sobre ti? ".
" A quem crês tu que a vida com um agrada mais? A ti ou a Mim?
"Tomo-te quando preciso de ti, m as sobretudo, p ara te ensinar a te subm ete-
res à minha Vontade".
Assim o M estre do A bandono não cessa, através de tantas vicissitudes, de
prosseguir seu trabalho na alm a de Josefa. Repousa-a, entretanto, de vez em
quando no meio da luta e páginas radiantes como esta, lêem-se ainda em suas
notas:
" A tarde, durante a adoração e enquanto se cantava o "C rux Ave" pois era
festa da Invenção da Santa Cruz, senti ardente desejo de beijar as C hagas de

157
Jesus.
" Beijei m eu Crucifixo e pedi à Santíssima Virgem que o fizesse por mim.
'Ela veio, subitam ente, com as Mãos cruzadas sobre o peito e me disse com
m uita doçura:
"Q ue queres, filha, que queres?"
"Oh! Mãe! beijar os Pés e as Mãos de Jesus e, se perm itirdes — continua,
hesitando um pouco, beijar tam bém a vossa mão.
"Q ueres beijá-la, filha? Toma-a!"
" E dando-m e a m ão acrescentou:
"Q uerias beijar as Chagas de Jesus? "
"N em m e deixou tem po de responder... Jesus estava ali, belíssimo... com as
C hagas ab rasad as!"
" Q ue queres, Josefa? "
"Beijar vossas Chagas, Senhor! "
" Beija-as"
"Ele próprio m e m ostrou os Pés, como para dizer: começa por aqui. Beijei-os,
depois, as mãos. Então, estendendo o braço direito, aproxim ou-m e do Coração e
disse:
" Esta C haga é tua, pertence-te."
"N ão posso dizer o que se passou em m inha alma... Jesus continuou:
" Vês com o nada te recuso. E tu, recusar-m e-ás algum a coisa? "
"Disse-Lhe que bem conhece m eu desejo, m as m inha fraqueza é m aior que
m inha v o n ta d e ."
E assim que tenta exprim ir a desproporção que sente, a certas horas, entre o
que ela deseja e o que realiza.
" E porque Lhe faço tão a m iúde a prom essa de nada Lhe recusar e, depois
não sei m antê-la quando chega a ocasião... Logo depois sinto cruelm ente, a pena
que Lhe causo, a Ele, que tanto me am a e que é tão bom p ara m im ."
" Sim, m eu Coração te am a e se com praz na tua miséria. Sabes como Me
podes consolar? A m ando-M e e sofrendo pelas almas, sem n ad a Me recusares."
A quelas graças de predileção são sem pre para Josefa prelúdio de sofrimen­
tos próxim os e o dem ônio, que não p erdeu a liberdade sobre ela, lho faz cruel­
m ente com preender nos dias seguintes. Antes, porém , de abandoná-la ao poder
do inim igo, Jesus faz questão de confirm ar outra vez os Planos de seu Amor
sobre ela.
"H avia-Lhe eu dito quanto desejava recebê-Lo — escreve na Quinta-feira, 11
de m aio, pois tenho fome dele e quanto m ais m iserável me vejo, tanto mais Lhe
suplico que traga, Ele próprio rem édio à tanta miséria. Veio depois da comunhão
com os braços abertos e aproxim ou-m e do Coração... Fiquei um m om ento per­
d ida naquela felicidade".
Depois de ter renovado os Votos de virgindade e de perseverança na "Soci­
edade", lem bra ela a Nosso Senhor que, brevem ente, serão os próprios Votos de
Religião que a unirão a Ele.
"Pois — diz ela — só faltam dois meses e Vós sabeis, Senhor, quanto desejo

158
esse dia! Q ue alegria quando for vossa para sempre!"
"Eu tam bém — responde Ele — desejo aprisionar-te toda inteira, ao m eu
Coração, pois m eu A m or é sem m edida. "E, apesar de tuas faltas e tuas m isé­
rias, servir-M e-ei de ti para tornar conhecidos de m uitas alm as m eu A m or e
minha M isericórdia. Tantas há que não conhecem a B ondade de m eu Coração!
. . . e é m eu único desejo que aquelas alm as que am o se lancem e se percam no
abismo sem limite de m eu Coração."
E a segunda vez que N osso Senhor lhe descobre sua m issão próxim a. E
como lê no m ais p ro fu n d o da alm a o que ela não ousa exprim ir, acrescenta
imediatamente;
"Q uando te sen tires fraca e o m edo te invadir vem aqui buscar força. "
" Senhor, não Vos vejo sem pre e há m om entos em que não posso sofrer sozi­
nha''.
"Não sabes onde Eu estou, Josefa?... não te disse m ais de um a v e z ? ... E um a
das provas m ais visíveis de m eu A m or ter-te d ad o d u as M adres p ara te am ar e
amparar. Procura-M e nelas. Lá sem pre m e encontrarás. Adeus! . . . "
Aquele A deus abre o últim o período de que a separa dos Votos. Desaparece
Jesus de seu cam inho e entra o dem ônio como dono — Todas as tribulações dos
meses passados se reunem para lhe alquebrar a fé, a virtude, a fidelidade.
A fúria de Satanás não p o u p a esforços contra aquela vocação que vê tão
fecunda para salvação das almas. Josefa parece ter-se tornado sua inim iga p es­
soal e, durante aqueles dois meses, trava-se com bate singular entre o p o d er
desenfreado do inferno e aquela pequenina criatura, frágil p o r natureza, é certo,
mas forte com a própria força de Deus.
Desde então, dias e noites se passam quase sem tréguas, em luta, cuja violên­
cia ultrapassa tudo quanto ela sofrerá até ali. M ilagre é que suas forças se susten­
tem, que seu trabalho não tenha sido interrom pido e que n enhum olhar descubra
a misteriosa provação.
Experimenta então ela todas as angústias da alma, sua consciência puríssim a
é desnorteada pela vista do mal, sua vontade sente-se prestes a desfalecer.
A dor atinge o paroxism o nas horas de obsessão, quando sofre a violência da
força que a dom ina e sob a qual tem a im pressão de sucumbir. C onhecerá m es­
mo o que é desespero e atingirá às vezes o fundo do abismo. E o m ais acerbo dos
sofrimentos, que só a Virgem das Dores aplacará. A intercessão de "M aria deso­
lada", tão cara à M adre F undadora do Sagrado Coração, vencerá m uitas vezes o
demônio. N um abrir e fechar de olhos, quando ao lado dela invocarem a Santíssima
Virgem para que intervenha em nom e de suas dores, Josefa, im passível até então
sob a dominação diabólica, se ajoelhará. Cairá o véu dos seus olhos e sua alma
libertada, hum ilhada m as confiante, protestará a Deus seu am or que sairá cada
vez mais forte e mais generoso do cadinho do sofrimento.
Jesus e sua M ãe velam sobre ela no meio das ondas tem pestuosas que se
quebram na hora m arcada por Deus.
Na Sexta-feira, 19 de maio o exam e canônico, exigido p ara a em issão dos
Votos religiosos passa-se na paz de certa m anhã em que o dem ônio não aparece.

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Josefa sente-se em plena alegria, podendo afirm ar sua vontade de seguir a Nos­
so Senhor e de Lhe ser fiel até à morte.
M as o dem ônio redobra de furor.
A Ascensão, a 25 de rnaio, Pentecostes a 4 de Junho, passam sem o menor
clarão na torm enta.
No dom ingo, 11 de Junho, o correio traz da Casa M adre, a feliz notícia da
a d m is s ã o ao s p rim e ir o s v o to s. R ecebe a p a r tic ip a ç ã o d a q u e la graça
especialíssim a, com grande alegria e, mal pode crer, na tão alm ejada ventura.
A folha de adm issão traz: "Roma, 5 de junho."
Coincidência que a enche de adm iração, pois 5 de junho é a data inesquecível
do dia em que, havia dois anos, Jesus pela prim eira vez lhe descobria seu Cora­
ção. A quelas graças exasperam o dem ônio cuja fúria aum enta; não p ára de
acabrunhá-la, queim á-la; derrubá-la, repetindo com tenacidade assustadora:
Esse dia não te chegará hei de te esgotar... torturar... arrancar daqui. .. "
A festa do Santíssim o Sacram ento, quinta-feira, 15 de junho, a do Sagrado
C oração, sexta-feira, 23 de ju nho, com sua oitava priv ileg iad a, não trazem
alívio algum a tantas dores.
N o meio de encarniçados com bates chega o mês de julho. A cerim ônia dos
votos está m arcada para o dom ingo, 16, festa de Nossa Senhora do Carmo e
Josefa entrará em retiro na sexta-feira 7, a prim eira do mês.
M as naquele dia, poderosa obsessão apodera-se-lhe do espírito e a lança na
m ais trem enda crise de desespero que jam ais atravessara. Dirá m ais tarde que
nunca se vira tão perto do abismo. H oras de sofrim ento incrível, m as que não
lhe conseguem arrancar do fundo da alm a a necessidade de Deus. Pertence,
outra vez, à Mãe das Dores aniquilar os planos de Satanás.
A tarde de que a prim eira sexta-feira e a do sábado, 8 de julho, assinalam,
sem dúvida, o ponto culm inante dos atentados diabólicos.
São cinco da tarde. N a p equena cela onde p asso u o terrível 8 de julho,
Josefa, exausta, está sentada. Parece não ouvir as Ave M arias que se multiplicam,
baixinho, p erto dela, lem brando a N ossa Senhora o p o d er de suas Dores e
suplicando-Lhe que venha socorrer a filha. De repente, o rosto contraído se lhe
destende, abrem -se-lhe os lábios e, pouco a pouco, m urm uram a m esm a prece.
Então na pacificação que começa, as M adres põem -se a reler algum as das
palavras da Santíssim a Virgem, piedosam ente conservadas.
A essas palavras:
"Filha, não é verdade que jamais abandonarás m eu Filho? "
"N ão, M ãe, jam ais."
Josefa lança-se de joelhos, o rosto se ilum ina diante de sua alm a libertada a
M ãe Im aculada ali está... N um transporte de amor, difícil de narrar, ela repete
ardentem ente: "N ão, M ãe, jamais!"
M om ento em polgante, em que o p o d er do dem ônio rui e desaparece diante
d a soberana intervenção d a R ainha do céu. Por coincidência reveladora da
delicadeza de N osso Senhor, o Revmo. Padre Boyer, diretor de Josefa, chega na
m esm a hora, ao "Sagrado Coração". Josefa pode recebê-lo e as suas palavras
de coragem e confiança acabam de lançá-la nos Braços de Deus.

160
VI - O TRIUNFO D O A M O R

Aurora dos Votos


" R epito-V os, Senhor, n u nca m e sep ararei
de V ós. Seguir-V os-ei a on d e m e
c o n d u z ir e s ,"

(Notas do Retiro de Josefa)

Josefa en trara no silêncio do Retiro. Faltam oito dias ap en as p ara 16 de


julho e n e n h u m p a ssa rá sem q u e o d em ô n io se o b stin e em lhe d e rre a r a
generosidade. Pode-se acom panhar essa luta pelas notas q u e ela confiou ao
caderno de retiro. Lê-se ai principalm ente o am or que a conserva en raizada na
Vontade de Deus, tão contrária a seus atrativos e tão exigente em imolação.
" Senhor — escreve no sábado, 8 de julho, à tarde daquele dia de aflição —
bem sabeis quem sou. Mas prefiro mil vezes, sofrer a vos ab an d o n ar ou ser
infiel ao Apelo que me fizestes.
"Começo este Retiro sem desejo algum; fazei entretanto de m im e em m im
tudo que quiserdes. A única coisa que Vos peço é que me am arreis à vossa santa
Vontade e que eu jamais faça outra coisa na terra senão vosso belprazer... " O
dia que eu esperava com tanto entusiasm o chegou agora, m as que gelo em m eu
coração! . . . Estou sem força e sem amor. . . e sem Jesus que seria de mim? —
continua logo -- porque O am o sem m edida em bora não sinta...
"Deixar-me-ei, pois, conduzir, farei este retiro por que é sua Vontade.
"Tenho a certeza de que, m esm o na m aior escuridão, está Ele p reparando
minha alma para m e u nir a si."
Os três prim eiros dias dos santos Exercícios decorrem em paz relativa.
O dem ônio, m uitas vezes presente diante dela, tenta em vão perturbá-la e
atormentá-la de vários m odos.
Fiel, através de tudo, ela continua, assim que pode, a relatar os frutos de
suas meditações.
Revelam-se perfeitam ente, nessas páginas escritas só para si, a sim plicidade,
a retidão, o equilíbrio de sua alma.
"Jesus me deu o ser, a vocação, os meios de servi-lo segundo seu Plano,—
escreve. Tem todo o direito sobre mim. Devo abandonar-m e à sua Vontade com
a mais inteira subm issão. Se o cam inho m e custa, pouco im porta...
A m edida de m eu abandono será, um dia, a de m inha felicidade e acharei
sempre a verdadeira paz fazendo a Vontade de Deus pela inteira renúncia a
mim mesma. . .
"Na m editação sobre a M orte, encontrei força para sofrer, pois será grande
consolo, no últim o dia, ter sofrido por Deus. Vós bem sabeis, Senhor, m eu dese­
jo de me unir a Vós para nunca mais vos perder. Pois não é a m orte que me

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assusta, m as a vida... Entretanto, tenho certeza de que não m e abandonareis e,
se quiserdes que eu sofra, ficarei contente, contanto que vos possa consolar...
Q ue m inha vida não seja senão fidelidade, afim de que m inha m orte não seja
senão felicidade!
Com o o Filho Pródigo tenho grande desejo de me atirar no vosso Coração.
Aí depositarei todas as m inhas misérias!... Estou certa de que serei bem recebi­
da, pois, por m aiores que sejam m inhas faltas, m aiores ainda serão a M isericór­
dia e a Ternura de vosso Coração! "
Q uando chega a hora em que a alma purificada se coloca diante do Apelo
do M estre, na m editação do Reino, como o cham ^ Santo Inácio, Josefa se acha
m ergulhada em noite angustiosa.
"Senhor — escreve ela -- Vede m inha aflição, entretanto, quem Vos poderá
contem plar na prim eira linha do com bate sem desejar seguir-Vos?...
"N ão farei caso do m edo da m inha natureza, m as só olharei p ara a alegria
de an d ar sobre vossas pegadas — Usai de m im segundo vosso Desejo, sois meu
Rei! . . . tudo abandono para encontrar tudo... repito-Vos: jam ais me separarei
de Vós, seguir-Vos-ei aonde m e conduzirdes .
"A m editação da E ncarnação m e d eu coragem , co n tin u a ela. Vejo Jesus
hum ilhar-se e para fazer a Vontade de seu Pai. E assim que m e devo submeter
h u m ild em en te à Sua, seja qual for... am ar esta depen d ên cia e esta sujeição
habitual de tudo fazer, tu d o sofrer, tudo sacrificar para cum prir a Vontade de
Deus. Q uero viver em desprendim ento absoluto a fim de que Ele possa realizar
ei m im seus Desígnios."
A contem plação da N atividade traz à sua alma as alegrias do N atal.
"Jesus, m inha vida! poderia Eu desejar algum a coisa, vendo-Vos nessa ex­
trem a indigência?... M eu Jesus pequenino, como sois belo! Acerco-me da palha
onde repousais, beijo vosso Pezinho e vossa M ãozinha... olhai-me com vossos
O lhos encantadores e dizei-m e que nada tema porque sois m eu Salvador e me
am ais com am or infinito... — Filha, quero que sejas toda Minha!
— Já sou. Senhor, já o sou e para sempre!"
N a quarta-feira, 12 de julho, a som bra de Satanás estende-se m ais e mais
sobre o cam inho de Josefa. Está sofrendo e a desolação a invade. A tarde, uma
longa descida ao inferno põe-na diante de lugares vazios onde o demônio,
atorm entando-a, vinga-se, como diz, das alm as que ela arrebatara com seus
sofrim entos. Ela volta à vida exausta, aniquilada, m as pronta para tu d o sofrer
pela salvação do m undo... Tal oferecimento nunca é feito em vão e sua alma
vai entrar em novas trevas.
A quinta-feira, 13 de julho, é dolorosa por excelência. D esde alguns dias,
suas notas trazem o cunho das ondas de sofrim entos cujo fluxo e refluxo a
atribulam .
"Jesus — escreve ela — vinde em m eu socorro! ... olhai para as trevas onde
estou m ergulhada... não me deixeis às mãos de m eus inimigos."
Depois da m editação das D uas Bandeiras:
"Vós sabeis, Senhor, que há m uitos anos não quero o u tra coisa serão ser

162
Vossa, viver p ara Vós e Vos amar. Agora, estou prestes a fraquear. Oh! O lhai-m e
e tudo desaparecerá, m as olhai me, Senhor! Só faltam dois dias... se eu não
encontrar paz em Vós, onde irei buscá-la? . . . "
Que tom doloroso à lem brança de seus m ais ardentes desejos!
"Sabeis que desejo eu tinha deste Retiro, de m eus Votos! e eis que são dias de
temor e de desgosto, de perturbação e sofrim ento... Por que tem o dem ônio
tanta liberdade?"
Mas, reanim ando sua fé:
"Senhor, tudo espero de vosso Coração, quero ser toda vossa e Vo-lo digo no
momento m ais terrível que conheci, pois bem sabeis em que aflição estou m ergu­
lhada!"
Parece procurar coragem, reafirm ando em si m esm a a vontade de ser fiel e
confiando a seu caderno apelos como este:
"Senhor, aonde irei? A quem me entregarei senão a Vós? Já não tenho nem
desejo nem atrativo m as quero ficar fiel... Estou p ronta p ara fazer o que quiser­
des, para sofrer tanto quanto quiserdes, para seguir-Vos aonde m e conduzirdes,
para mais com pleta e generosa doação de m im m esm a, pois sois m eu Senhor e
meu Deus, fostes Vós que me escolhestes... ó Coração cheio de A m or e M iseri­
córdia, tende pena de m im não m e deixeis sucum bir, dai-m e força p ara resistir,
constância para perseverar e am or para sofrer...,
C hegou a hora desse grito de am or com over o céu.
Na tarde de 13 de julho, ajoelhada no oratório de Santa M adalena Sofia,
começa a H ora Santa em angústia indescritível. Subitam ente, nu m abrir e fe­
char de olhos, invade-lhe a alma um a onda de paz. Jesus, m ais um a vez, m ani­
festa seu poder. N a alegria indizível daquela transform ação, Josefa, libertada,
radiante, renova os Votos que a ligaram de antem ão e p ara a etern id ad e ao
Coração de Jesus e a sua "Sociedade". O dem ônio está em fuga!
E logo na m anhã de sexta-feira, 14 de julho, escreve com toda a expansão de
seu coração reconhecido:
"Jesus, graças Vos dou p o r me terdes d ad o luz e paz! Estou pro n ta p ara
tudo que quiserdes de m im ." Depois, acrescenta com o que falando consigo
mesma: "D urante toda a m inha vida amei-Vos, só a Vós, m as ninguém sabia
que eu era vossa. A gora o céu e a terra saberão que nos am am os am bos e que
somos Esposo e Esposa para a eternidade".
Os dois últim os dias do Retiro continuam envoltos naquela paz. Ela não
pode crer em felicidade tam anha. Mas prossegue seriam ente o trabalho de sua
alma, enquanto o dem ônio até o fim procura roubar-lhe a alegria.
"Jesus no deserto foi tentado — escreve ela — Perm ite que o dem ônio ouse
atacar um D eus para m e d ar coragem e m e ensinar que a tentação é o cadinho
da virtude.
"D urante sua Vida oculta, não sei se Jesus experim entou algum a tentação,
mas no m om ento em que se prepara para a Vida pública quer atravessar essa
provação.
"Q uando Deus se digna servir-se de um a alma, observa a m esm a conduta:

163
p ara fortificá-la na vida interior, guarda-a escondida prim eiro, mas depois,
q u an d o se aproxim a o tem p o d e realizar seu s p lan os, entrega-a à tentação
a fim de fortificá-la e preservá-la da vaidade e torná-la por sua própria experiên­
cia m ais útil ao próxim o .
"Devo ter confiança naquele Coração que vela sobre mim, e a m edida de
sofrim ento, quantas vezes, já não mo fez Ele com preender, será m ais tarde, a da
consolação."
A vista de Nosso Senhor sob o peso de sua Agonia vem ainda fortificá-la.
" Q ue lição me dais aqui, Senhor! . . .
"N a tentação e na desolação é à oração que devo recorrer para p ed ir alívio,
mas, sobretudo força, para fazer vossa Vontade. "
"Com o m eu coração seria du ro se, diante da Paixão de Jesus, eu não me
decidisse a seguí-lo no cam inho por onde me quer levar, da hum ilhação, da
renúncia, do com pleto abandono de m im m esm a".
N a m esm a sexta-feira, depois de ter contem plado N osso Senhor Crucifica­
do, traça as linhas seguintes:
"Senhor:! Eis-Vos sobre a Cruz. Ides morrer, e vosso Coração vai abrir-se por
mim. Coração de m eu Jesus, m ostrai-m e a passagem e deixai-m e en trar até o
fundo... M inha m orada é seu Coração. Ali ficarei escondida: ali trabalharei,
sofrerei e m e perderei. Q uanto m ais pequena for, m ais ao fun d o do abismo
poderei descer... Q ue alegria conhecer esse Coração e ser sua Esposa... "
Um pouco m ais adiante, renova suas prom essas com toda a espontaneida­
de de seu fervor:
"N ão sou capaz de grandes coisas, Senhor ! Mas prom eto seguir o caminho
que me traçais. Se eu fraquear (e será mais de um a vez) não desanim arei, mas
amar-Vos-ei ainda m ais p o r causa da tern u ra que m e dedicais. Vós que me
am ais com o se eu nunca Vos tivesse ofendido.
M esm o se eu cair, levantar-m e-ei e irei ao vosso Coração".
N o sábado, 15 de julho, véspera dos Votos, Josefa passa o dia à espera da
grande felicidade.
Sua alegria é tão fresca e tão profunda ao m esm o tem po, que deve encantar
o Coração daquele que gosta de sim plicidade e de A rdor no amor.
"Dia de grande paz para m inha alma, à espera da hora que m e unirá a Ele
— escreve ela— Q uando vier, nada deve encontrar que Lhe desagrade ou Lhe
em barace a entrada. Purificar a m orada da m inha alma. Vou desposar um Rei
que traz riqueza em superabundância. Pôr de lado m eu pobre juízo p ara pen­
sar com o Ele, querer como Ele, sujeitar-me a todos os seus gostos.
Por volta de m eio dia, o inim igo faz nova tentativa, m as seu p o d er está
acabando. Josefa não o vê, ouve-lhe a voz somente: — A inda é tem po, ruge, se
queres ser feliz, parte, senão te queimo.
Mas aquela som bra não lhe atinge a alegria. A tarde escreve longamente
tu d o que seu coração contém de intenções e desejos, " tão num erosos diz ela —
que não terei tem po am anhã p ara dizê-los todos a N osso Senhor. Colocarei
esta carta sobre m eu coração e Ele a lerá durante m inha ação de g raça s; terei

164
apenas term inado d e pronunciar os Votos e Ele nada m e p od erá recusar.
//
Aquela folha foi preciosam ente conservada. É testem unho da puríssim a afei­
ção de Josefa para com todas as pessoas que conhece. M ultiplica os nom es
caros a seu coração, e com letra cada vez mais apertada, acum ula as intenções
que lhe transbordam da alma, C aridade que se estende até às extrem idades da
terra e abraça a Santa Igreja, a França, a Espanha, o m u n d o inteiro.
N aquela hora solene de sua vida, sente-se poderosa sobre o Coração de Je­
sus e participa-lhe cada vez m ais da sede insondável...
" Q uanto a mim, diz ela, term inando — dou-m e toda inteira a Vós, de corpo
e alma, sem outro desejo senão o de glorificar vosso Coração que tanto amo!
que o m undo inteiro Vos conheça... e as alm as que Vos são consagradas, Vos
amem cada vez mais! . . . N ada nos separará nem a vida nem a m orte.
Abrasai-me com vosso A m or e não me deis outro consolo senão o de conso­
lar vosso Coração! . . .
"Recebei esta carta pelas m ãos da Santíssim a Virgem. A qui na terra e por
toda a eternidade sou de agora em diante:
Maria Josefa M enéndez de Jesus."
O dia finda na irradiação de N osso Senhor que está próxim o e a noite cheia
de suaves anelos.
Está tudo pronto para a oblação que se vai realizar.

165
A Oblação
16 de julho — 7 de agosto de 1922

"Vê com o te fu i fiel . . .


agora v o u com eçar m in h a Obra...

(Nosso Senhor à Josefa— de 16 julho de 1922).

É um dia do céu que desponta no velho m osteiro dos Feuillants.


N aquela casa em que as cerim ônias de Vestidura e de Prim eiros Votos são
freqüentes, um a renovação de fervor e de alegria acom panha sem pre as felizes
privilegiadas ao altar da oblação, toda a família religiosa se associa a elas. N un­
ca é tão viva a divisa do Sagrado Coração." "Um só coração e uma só alma, tio
Coração de Jesus."
Na m anhã de 16 de julho de 1922, ninguém suspeitava das m aravilhas que
se realizavam na Irm ãzinha Josefa M enéndez. D eus guardara-a ciosam ente, à
som bra d e su a Face. F izera d e la o b ra su a. F o rm a ra -a , tr a b a lh a r a nela,
triturando-a para ajustá-la às suas Mãos. Guiara-a ao longo de seus caminhos.
R eduzira a pó os planos de Satanás. Triunfa sua M isericórdia sobre aquela
miséria e seu Poder sobre aquela fraqueza.
Hoje Ele próprio a conduz ao cum prim ento de seus Desígnios.
A aliança que se vai selar daí a instante, diante do céu e da terra, consagrá-la-á
como Esposa sua, não p ara gozar, m as para ajudá-Lo na O bra de A m or que
será entre ela e o Coração divino, consum ação de unidade.
E a ú n ica eleita d a q u e le d ia. Às oito h o ra s d a m a n h ã , n a c ap e la dos
"Feuillants", toda ornada com flores de verão e repleta de m eninas, entra no
meio das M adres e Irmãs, com jubiloso recolhim ento que já não é desta terra .
Ali se acham tam bém a querida m ãe e a m ana, vindas de M adri. Sabe Josefa,
que estão perto dela e aqueles "dois am ores de seu coração", com o diz, fazem
parte da oferenda. Sua irm ã M ercedes, religiosa do Sagrado Coração, da casa
de Las Palm as (Ilha Canárias) tam bém se une a ela. N ada desvenda, nem sua
atitude, nem seu rosto radiante, a m isteriosa proxim idade do céu. N o silêncio
da oração, que os cantos litúrgicos interrom pem de quan d o em quando, a ceri­
m ônia desenvolve seus ritos habituais. Depois de algum as palavras do celebrante,
que cham a a atenção para a austera felicidade da consagração religiosa, Josefa
se aproxim a da m esa de com unhão. R esponde com firm eza ao questionário do
celebrante, e à últim a pergunta: "E livrem ente, e de todo o coração, que tomais
Jesus Cristo por vosso Esposo? "Toda sua alm a transbordou nestas palavras:
"Sim, P adre, é de to d o o coração " Recebei a C ru z " na q u al está cravado
aquele que será, de ora em diante, vosso M odelo e o único Objeto de vosso
A m or" e o véu preto do qual se diz: " Recebei o Jugo do Senhor, pois seu Jugo
é suave e seu peso leve.
Cam eça a Santa Missa... Q u an d o chega o m om ento solene da com unhão,

166
sozinha à Santa M esa fitando a H óstia que o sacerdote eleva diante dela Josefa
pronuncia lentam ente com toda a intensidade de sua vontade e de seu amor,
os Votos que a unem p ara sem pre ao Sagrado C oração de Jesus... m om ento
comovedor, para quem sabe a que preço foi obtido, através de que tem pestades
a barquinha chegou ao porto, e que m ilagres de am or lhe prodigalizou o C ora­
ção que se encantara com sua pequenez!
Enquanto os olhares hum anos repousam sobre a sim plidade daquela oblação,
outro espetáculo desperta a atenção do céu.
Instantes depois, ainda em santo enlevo, Josefa nota p ara nunca m ais es­
quecer, o que aprouvera ao Senhor realizar para ela.
"Depois do serm ão — escreve — aproxim ei-m e p ara receber o Crucifixo dos
Votos e o véu preto. Então vi subitam erte a Santíssim a Virgem, belíssim a ves­
tida de luz. Trazia nas m ãos um véu e quan d o voltei ao genuflexório Ela, em
pessoa, o estendeu sobre m inha cabeça.
Em to rno dela em o ld u ran d o -a, vi ap arecer u m a m u ltid ã o d e cabecinhas
radiantes. Dir-se-iam criancinhas com os olhos e os rostos ilum inados de ale­
gria. Com doçura que não posso exprim ir disse-m e Ela:
"Filha querida, en q u an to sofrias, estas alm as teciam o véu p ara ti. Todas
aquelas que desejavas saíram do purgatório e estão no céu p ara a eternidade.
De lá te protegem ."
"Era um quadro encantador: parecia um a rainha a Santíssim a Virgem, com
belíssimo sem blante, cheio de p u reza e tern u ra, com túnica d o u rad a, m ãos
virginais alvas e finas. E todas aquelas almas... num erosas cabecinhas. . . era
magnífico! . . . N ão sei escrever a im pressão que tu d o aquilo m e fez. E com o eu
tinha tam bém aquele véu que m e envolvia e m eu Crucifixo, não sabia o que
dizer... deixei-me in u n d ar de felicidade, não podia fazer outra coisa,!... "q u an ­
do a Santíssim a Virgem acabou de falar, as cabecinhas desapareceram um as
depois das outras. D eu-m e a bênção e desapareceu ela tam bém . Eu pensei que
estava no céu...
"Depois veio o m om ento de ler, com que em oção e com que alegria!... a
fórmula dos Votos. Depois com unguei... Então vi Jesus form osíssim o. O C ora­
ção estava abrasado, a C haga aberta, saía dele u m a força que m e atraiu, m e
fez entrar até o fundo e m e achei p erd id a dentro do seu Coração!"
"Agora estou contente — disse — p ois te trago presa no m eu C oração.
Desde toda a eternidad e fui Teu, de hoje em diante és M inha, p ara sempre!
Trabalharás p ara M im. Trabalharei p ara ti. Teus interesses são M eus. M eus
interesses são teus. Vê como te fui fiel!
"E agora vou com eçar a m inha Obra.
"E desapareceu."
Algumas horas m ais tarde, o caderno de Retiro deixa transbordar, nas se­
guintes linhas, o que lhe vai na alma:
"Jesus veio, fez-se a união! .. Oh! saberá Ele como sou m iserável e que apesar
de meu desejo de Lhe ag rad ar e de amá-Lo, hei de magoá-Lo ainda de certo,
mais de um a vez? Sim, sabe-o m elhor que eu! Ele, porém , am a. . . e nad a Lhe

167
im porta. Está pronto de antem ão para rep arar m inhas faltas, foi p ara isso que
m e deu seu Coração!
Então procura especificar os com prom issos que a ligam a esse Coração Sa­
grado:
"Ó Jesus: obrigada pela graça incom parável de m eus Votos!
"M eu Voto de Pobreza! que quis eu com esse Voto? Sei que de ora em diante
já não tenho direito a nada: tu d o que usar será esm ola que m e fizerem . Deixei
tam bém tu d o que m ais am ava aqui: m inha mãe, m inha irm ã, m inha casa, m i­
n ha Pátria para não possuir senão a Jesus Cristo... E porém , sobretudo de m im
m esm a que m e devo despojar. Jesus será tu d o p ara m im , não terei desejo al­
gum , nem am bição senão p ara Ele; é m inha Força, m in h a Paz, n a d a quero
senão a Ele, nada senão o que a Ele m e conduzir.
"M eu Voto de Castidade! Com o sou feliz na vida religiosa! Q uem m e arre­
batará Este tesouro? O m u n d o não existe para mim, estou n u m jardim fechado
cujas flores são m uito diferentes. Viverei sem pre neste jardim entre flores reser­
vadas para o divino Jardineiro. Ele m e cultiva, eu o recreio, Ele m e am a eu O
amo! Todo o resto, nada é para mim.. Ó Jesus puríssim o! Esposo das Virgens!
Amo-Vos porque sois a própria Pureza. Foi o que atraiu m eu coração desde os
m eus prim eiros anos de vida. " Jesus é o Esposo das Virgens ". Esta palavra
bastou para m e fazer saborear os encantos reservados a vossas Esposas e desde
então m inha alm a ficou sendo florinha que só para Vós exala seu perfum e. Ó
Jesus, fazei que eu nunca perca a brancura da graça nem o am or à virgindade.
"E m eu Voto de Obediência! — acrescenta ainda — Liga-Me a m inhas legí­
tim as Superioras fazendo-m e nelas ver unicam ente a Vós que m e dais a conhe­
cer vossa Vontade. M eu am or deve ir m ais além, não som ente devo obedecer à
toda autoridade, seja qual for, m as tam bém àquela voz que fala à m inha alma
e que, às vezes, finjo não ouvir, porque me custa fazer o que ela m e diz ou dizer
o que m an d a transm itir... N ão, Senhor, obedecerei p o r am or, sem p erg u n tar
p o r que ou como sem m urm urar, nem hesitar, pois não é m ais m inha vontade
m as a Vossa que vive em mim, e tudo isso p o r am or de Vos!
"Pelo dia afora — concluiu — sentia-m e tão feliz que não sabia o que dizer
a Jesus e à sua Mãe.
E de fato em paz celeste que parece envolvida. Está m ergulhada em Deus.
Mas sem pre boa e atenciosa para com todos, passa o dia sem eando felicidade.
Leva às d o e n te s e e n fe rm a s o beijo d e p a z q u e n ã o d e ra n a cap ela.
Encontrá-la era para cada pessoa um raio de alegria e um a expansão de cari­
d ad e.
A m ãe e a irm ã gozam , largam ente, dela nas horas que lhes consagra, pois
continua a ser filha e irm ã m ais velha, cheia de delicadeza e d e tern u ra so­
b ren atu ral.
Vinda a tarde, em longa adoração diante de Jeseu exposto, acha de novo o
silêncio e de que sua alm a tem sede, para repetir ao Esposo das Virgens o ofereci­
m ento que a consagrou a seu Coração.
Os dias seguintes vão confirm ando sua oblação até à hora em que Jesus lhe

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descobre abertam ente o P lano de seu C oração, realizan d o assim , a p alav ra
ouvida na m anhã dos Votos: " A gora vou com eçar m inha O bra. "
"Na terça-feira, 18 de julho, — escreve ela — ao sinal do sino da tard e deixei
minha m ãe e m inha irm ã para ir à capela. Em cam inho, pedia a Jesus que não
ficasse com pena por eu não lhe falar tão frequentem ente d u ran te estes dias,
mas que recebesse, com o p ara Ele, tu d o que digo a elas, pois é v erd ad e que
tudo é por seu Amor. "
No m om ento em que entrava no oratório de Santa M adalena Sofia, N osso
Senhor aparece de repente:
"Josefa, m inha Esposa, nad a receies. Recebo tanto consolo qu an to se esti­
vesses comigo. Vê-Me nelas e vive em paz."
No sábado, 22 de julho, no começo da missa, veio belíssim o — escreve ela —
Com um a das M ãos segurava o Coração e com a outra acenava que m e ap ro ­
ximasse:
"Olha a Prisão que te preparei desde toda a eternidade, — disse — é neste
Coração que viverás, p erd id a e escondida para sem pre.
Depois da com unhão acrescentou:
"Josefa, m inha Esposa, deixa-M e dilatar-M e em ti. M inha G ran d eza fará
desaparecer tua pequenez. De hoje em diante, trabalharem os sem pre unidos.
Eu viverei em ti, tu viverás para as almas. "
E como Lhe lem brasse ela sua fraqueza:
"Deixa-te conduzir! .. M eu Coração fará tudo, m inha M isericórdia agirá e
meu A m or aniquilará todo teu ser. "
O ntem — acrescenta ela — veio a Santíssim a Virgem de m anhã."
Aquela Mãe incom parável vela com o se receasse que a filha esquecesse os
perigos sem pre escondidos no seu cam inho.
"Fica em paz filha — diz Ela — N ad a reserves p ara ti n ão te preo cu p es
senão com o m om ento presente. Jesus te conduzirá, a ti e as tuas Superioras.
Nunca te separes delas, fica fiel e subm issa à Vontade de m eu Filho, principal­
mente nas horas difíceis .
Depois de algum as recom endações:
"Meu divino Filho quer servir-se desse pequenino instrum ento para sua Glória
e apesar de todos os esforços do inimigo."
Assim é ela inform ada p o r sua M ãe de que o inim igo não desapareceu por
muito tem po, pois, se não lhe p o d e arrebatar a vocação, ao m enos, tentará até
o fim, desm oronar o plano de A m or que se está im prim indo nas páginas da sua
vida. Josefa fica no prim eiro m om ento, desnorteada por se achar o utra vez tão
fraca apesar da graça dos Votos, diante das tentações, cuja dolorosa experiên­
cia já conhece.
Na quarta-feira, 26 de julho, estava d izen d o à Santíssim a Virgem m inha
grande m ágoa — escreve ela — Suplicava-lhe que Ela p rópria pedisse p erd ão a
Jesus e lhe dissesse quão feliz estou p o r lhe pertencer e que m eu único desejo é
amá-lo. M as que se dignasse não esquecer m inha pequerez! Falei-Lhe assim,
para desabafar q u ando Jesus apareceu subitam ente... A proxim ou-se de m im e

169
disse:
"N ada temas: sou teu Salvador, sou teu Esposo.
Ah! Q uão pouco com preendem as almas, estas d u as palavras! Eis a O bra
que quero fazer por teu interm édio; o desejo m ais ardente de m eu C oração é
que as alm as se salvem , quero que m inhas Esposas e especialm ente as de m eu
Coração saibam com que facilidade podem dar-m e almas.
"E n sin ar-lh es-ei p o r teu in term éd io , o te so u ro q u e d eix am p erd er, tão
freqüentem ente, porque não aprofudam o sentido destas d u as palavras: Sal­
v ador e Esposo."
"Então, deixou-rne descansar sobre seu coração e depois de um m om ento,
levantou m inha cabeça para que eu olhasse pala Ele. Com o exprim ir o que me
dizem seus olhos tão belos... C ontinuou:
"N ada tem as, m eu Coração repara as tuas quedas e as de todas as m inhas
alm as.
A única coisa que peço é que elas não percam a confiança pois sou Salvador
e Esposo."
"G uarda m inha paz, m eu Coração te am a e tua pequenez não m e assusta.
Foi por causa dela que fitei os olhos em ti e que te am o com a loucura de um
Deus. "
Foi a m esm a lição de confiança que a Santíssim a Virgem lhe repetiu no dia
seguinte, quinta-feira 27, m ostrando-se a ela à hora das últim as preces:
"Filha querida, não te aflijas com tuas quedas. Cairás m ais de um a vez ain­
da, m as o A m or te levantará sem pre, pois estás am parada pelo Esposo que te
am a e que é teu D eus"
A lguns dias depois, pela tarde de dom ingo, 30 de julho, anuncia à filha a
C ruz de Jesus.
"De noite Ele virá trazer-te a Cruz."
E po n d o a m ão sobre m eu om bro — escreve Josefa — acrescentou:
"N ão olhes para tua pequenez, olha p ara o Tesouro que te pertence, pois és
toda dele e Ele é todo teu."
H oras depois, no meio da noite, envolto em radiante luz, traz-lhe Ele aquela
cruz que ela já não carregara havia muito.
"Josefa m inha Esposa, queres partilhar da C ruz de teu Esposo? "
E, pondo-a sobre m eu om bro direito:
"Recebe-a, com alegria, e carrega-a com am or, pois é p ara as alm as que
tanto am o.
"N ão te parece m enos pesada que antes. . . É que agora estam os unidos para
a eternidade e nada m ais nos separará."
O fiel Amigo, que a deixa ocupar-se de sua tarefa d u ran te o dia, gosta dos
entretenim entos noturnos qu an d o já nad a Lha d isp u ta e sabe encontrá-la sem­
p re pronta para O Consolar.
"Em a noite do sábado, 5, para o dom ingo, 6 de agosto, estava já dormindo
— escreve ela — q u an d o a sua Voz me despertou.
"Josefa, m inha Esposa! "

170
"Estava form osíssim o com sua C ruz e cercado de luz. Levantei-m e d ep res­
sa."
" Venho trazer-te m inha C ruz. "
"E colocou-a sobre o m eu om bro. Disse-Lhe m inha alegria em consolá-Lo
apesar da m inha pequenez."
"Trago-a para ti à noite porque d u ran te o dia dou-a às m inhas Esposas."
Então Josefa lhe fala das alm as e principalm ente dos pecadores pois é esta
sua preocupação constante:
" Sim, há m uitas alm as que Me ofendem , m uitas que se p erd em — responde
Ele com tristeza — m as as que m ais ferem m eu Coração são as alm as que tanto
amo! que reservam sem pre algum a coisa p ara si e não se entregam inteiram en­
te a m im .
"E, no entanto, não lhes dei provas bastantes de am or? N ão lhes d o u todo o
meu Coração?"
"Pedi-lhe p erdão po r aquelas alm as e p o r m im que tantas vezes faço reser­
vas no D om de m im m esm a — continua ela hum ildem ente — Supliquei-Lhe
que recebesse em reparação os atos de am or daquelas que desejam consolá-Lo
e respondeu-m e com bondade:
"E o que procuro: rep arar as m isérias de um as com os atos das outras."
A quela noite passada sob a C ruz é a preparação im ediata que convém ao
domingo, 6 de agosto de 1922, data m em orável na história de Josefa pois abre
as perspectivas da O bra que a espera. M as o M estre divino que não p o d e agir
senão através do n ad a do in strum ento, q u er p rim eiro frisar ain d a um a vez
essa exigência de seu Coração.
Escreve ela:
"Depois da com unhão, N osso Senhor veio belíssimo. O Coração estava dila­
tado, a C haga largam ente aberta. Fitou-m e prim eiro e depois com g rande com­
paixão, disse:
Miséria e nada! . . Eis teu nome.
. . . Pequena é ainda algum a coisa e tu, Josefa és nada!
"Falava com tanto am o r que m inha alm a se abriu a Ele, sim plesm ente é
verdade, sim, Senhor, não sou nada. E queria ser ainda m enos pois "o n ad a"
não vos opõe resistência e não Vos ofende porque não existe e eu Vos resisto...
Vos ofendo."
D urante a segunda m issa voltou e aproxim ando-m e do Coração, continuou:
"Estás bem convencida de teu nada?... De ora em diante as palavras que te
disser jam ais se apagarão. "
"Respondi-Lhe quanto m edo tenho que m e ponha nas m ãos sua O bra de
Amor, pois sou capaz do pior, apesar de m eus bons desejos.
"Jorrou-Lhe do Coração u m fogo que me abrasou".
"Pequena! M iséria de m eu Coração! . . . disse com b o n d ad e — Começa m i­
nha O bra agarrada à m ão de m inha Mãe! N ão te basta p ara criares coragem ?"
O coração de Josefa p u lo u àquela p erg u n ta: tem confiança com pleta na
Santíssima Virgem que tanto ama!

171
" Sim, Senhor — respondeu espontaneam ente — grande coragem e grande
confiança. Dizei-me o que poderei fazer para obter daquela M ãe querida que
jam ais m e deixe trair vossa O bra. Q ue me conserve sem pre fiel a vossos Desíg­
nios, que m e proteja e que vosso Coração m e am pare, pois é m eu unico dese­
jo."
Então, depois de um solene silêncio, Jesus responde, com o se Se recolhesse
antes de pronunciar palavras de extrem a im portância:
Já que m eu Coração se quer servir de instrum entos vis para fazer a maior
obra de seu Amor, eis o que fará com o introdução para esta Obra durante os
dias que precedem à A ssunção de m inha Mãe.
"A profundar o nad a do Instrum ento.
"Confiar-te inteiram ente à M isericórdia de m eu Coração e prom eter do fun­
do da alm a nunca resistires a m eus pedidos p o r m ais cruciantes que pareçam.
"N a quinta-feira farás hora Santa para consolar m eu Coração das resistên­
cias das A lm as escolhidas.
N a sexta-feira pedir-te-ei u m ato de reparação pelas ofensas e mágoas que
recebo dessas almas.
A tarde, escrevendo essas linhas, Josefa fica em polgada, lem brando a soleni­
d ade e a gravidade do tom com que o Senhor lhe falara. N ão ousa continuar,
com receio de não se lem brar exatam ente das palavras e de trair o pensamento
do M estre; apareceu Ele, de repente, e ditou, em Pessoa, o que se segue: "Pou­
co Me im porta! Q uando escreveres dir-te-ei tudo. N enhum a de m inhas Pala­
vras se perderá. N ada do que te digo jamais se apagará. Pouco im porta, por
m ais pequena e m iserável que sejas. Sou Eu que farei tudo.
"D arei a conhecer que m inha O bra repousa sobre o nada e a m iséria e que é
Esse o prim eiro anel da cadeia de am or que p reparo para as alm as desde toda
eternidade. Servir-Me-ei de ti para m ostrar que am o a miséria, a pequenez e o
nada. "D arei a conhecer às alm as até que ponto m eu Coração as am a e lhes
perdoa e com o suas próprias quedas Me servem de complacência... sim, escre­
ve isso, de com placência. Vejo o íntim o das alm as, seu desejo de Me agrada­
rem, de Me consolarem , de Me glorificarem e o ato de h u m ild ad e que são obri­
gadas a fazer vendo-se tão fracas, é exatam ente o que consola e glorifica meu
Coração". "Pouco se me dá sua pequenez. Suprirei o que lhes falta." Darei a
conhecer com o é que m eu Coração se serve de sua própria fraqueza para dar
vida a m uitas alm as que a perderam ,
"D arei a conhecer que a m ed id a de m eu A m or e de m inha M isericórdia
para com as alm as caídas não tem lim ites. Desejo perdoar. R epouso perdo­
ando. Estou sem pre esperando com am or que as alm as venham a Mim! Não
desanim em ! Venham!... Atirem -se nos m eus Braços! N ão ten h am medo! Sou
seu Pai! M uitas Esposas m inhas não com preendem bastante tu d o que podem
fazer para atrair a m eu Coração alm as que estão m ergulhadas n u m abism o de
ignorância, sem saberem qu an to desejo aproxim á-las de M im p ara lhes dar
Vida .. a Vida verdadeira.
"Sim, ensinar-te-ei os m eus segredos de Amor, Josefa, e serás exem plo vivo

172
de m inha M isericórdia, pois se tanto am or e tanta predileção tenho p o r ti, que
não és m ais que m iséria e nada, que não farei p o r outras alm as m u ito m ais
generosas que tu! "
"Perm itiu-m e que Lhe beijasse os Pés e partiu.
Daí em diante, cada vez que tiver de transm itir a M ensagem que o Coração
de Jesus quer transm itir ao m u n d o Ele, em Pessoa, estará presente. Falará com
expansão de ardentíssim o am or e Josefa escreverá, à m edida em que Lhe forem
caindo dos Lábios os A pelos divinos.
Sublinhará esses trechos, a tinta verm elha, em seus cadernos, p ara salien-
tar-lhes o valor excepcional.
"N a segunda-feira, 7 de agosto, depois da com unháo — diz ela — veio N os­
so Senhor, belíssimo.
"Q ue Me queres dizer, Josefa?"
"Senhor, para obedecer, vou renovar os Votos em vossa presença."
(Lembramo-nos da recomendação que lhe havia sido feita, desde vários meses
para evitar os embustes do demônio).
"Enquanto os renovava, Ele sorri alegrem ente. Estava tão formoso! olhava
para m im com ternura e com paixão inexprimíveis! D epois abriu os Braços e
aproxim ando-m e do Coração:
" Vem já que nada és e entra no m eu Coração. E tão fácil perder-se neste
abismo de Amor."
"Então, fez-me entrar no seu Coração." — Josefa escreve que se sente inca­
paz de exprim ir qualquer coisa desse favor misterioso.
Q uando ela se encontra fora do insondável abism o, diz Ele:
"Irei assim consum indo tua pequenez e tua m iséria. Agirei em ti, falarei p o r
ti, dar-m e-ei a conhecer p o r m eio de ti. Q uantas alm as encontrarão vida nas
minhas Palavras! Q uantas criarão ânim o, com preendendo o fruto de seus es­
forços. U m p eq u en o ato d e g en erosidade, de paciência, d e pobreza... p o d e
tornar-se um tesouro e obter p ara m eu Coração grande núm ero de almas... Tu,
Josefa, desaparecerás breve; as m inhas palavras perm anecerão".
"Então disse-lhe m eus receios, pois tem o sem pre não ser fiel. O lhou para
mim com seus O lhos tão belos com inexprim ível bon d ad e acrescentou:
"N ada receies. Eu te manejarei do m odo que m elhor m e convier à m inha
Glória e à salvação das almas. "Entrega-te ao Amor, deixa-te guiar pelo A m or
e vive perdida no Amor!"

173
Segunda Parte

A MENSAGEM DE AMOR

Preliminares
Logo que Josefa pronunciou os Votos, tom ou-se evidente que fora escolhida
unicam ente p a ra um g ran d e D esígnio d e A m or. Toda a graça d a vocação
desenvolvida em sua alm a pelas predileções divinas, a tinha m odelado para
essa Obra.
Esposa do Coração de Jesus, deveria ser para Ele resposta viva de amor... e
Ele lhe tinha descoberto os segredos do am or que espera de sua "Sociedade":
"o mais terno e m ais generoso A m or "
— Esposa de seu C oração, d ev eria p e n e tra r na su a chaga, m e d ir-lh e a
profundeza e associar-se a sua d o r diante da perdição das alm as... e Ele lhe
tinha dado a com preender a orientação redentora da vida, entregue e u n id a ao
divino Reparador.
— Esposa de seu Coração, escolhida pelo D eus Salvador para ser instrum ento
do seu A m or e da sua M isericórdia para com as alm as tão ternam ente am adas,
deveria ela participar da sua sede insondável," e Ele a tinha m erg u lh ad o no
fogo co n su m id o r d e seu C oração, o ferecen d o -lh e o m u n d o in te iro com o
horizonte daquele am or recíproco.
Os anos de sua form ação religiosa foram , pois, p ara ela ap ro fu n d am en to
daquela graça de vocação que cham a to d a religiosa do S agrado C oração a
uma vida de esposa, de vítim a e de apóstolo.
O próprio Jesus quisera destacar, com suas diretrizes, cada linha da Regra e
dar assim, logo na aurora daquela vida religiosa, u m testem unho com ovedor
de seu Pensam ento sobre a "Sociedade fundada no A m or". — segundo diria
uma vez — " e cuja vida, e cujo fim são o A m or".
Não era isso, no entanto, ainda, senão preparação p ara m ais am plo desígnio.
Por várias vezes av isara Josefa dos seus projetos. A p esar d o m ed o e d as
resistências de sua alma, encam inhara-a com firm eza e suavidade no sentido
do oferecimento incondicional de si m esm a, para m issão m ais definida.
No dia dos Votos, afirm an d o seus direitos sobre ela, lhe havia dito essa
palavra reveladora.
"E agora vou com eçar m inha Obra."
Esta Obra, que Ele próprio cham ará " a m aior de seu A m or" vai, de ora em
diante, se desenvolver e se concretizar d u ran te os dezoito m eses que term inarão
aqui na terra, a rápida passagem de Josefa.
A Mão que a dirige, a Ação que nela opera conservá-la-á ciosam ente, a seus
próprios olhos, como instrum ento vil e m esquinho, p o r isso m esm o escolhida
de preferência p o r Deus.

175
Eis p orque o Senhor perm itirá que ela experim ente sua fraqueza na luta
cotidiana, sendo em bora fiel até o fim: a tentação, o dem ônio, m esm o o inferno
hão de perm anecer no prim eiro plano de seus sofrimentos.
É o contrapeso que D eus exige para arraigar, em Josefa, o sentim ento de sua
baixeza e de seu nada. É tam bém o estím ulo que não lhe deixará um só instante
de repouso, diante dos pecados do m undo, das alm as a salvar e da cham a que
consom e o Coração do M estre.
A n te s d e e n c e ta rm o s a ú ltim a e d e c isiv a e ta p a d e s ta v id a , co n v é m
determ o-nos por um instante, para lançarm os um olhar sobre o passado que
term ina e sobre o futuro que se entreabre... O Plano divino nessa O bra de A m or
sobressai melhor, então, no d u plo desígnio que parece resum i-lo, perm itindo,
com o dirá N osso Senhor, que lhe adm irem os todos os porm enores.
O que, prim eiram ente, aflora dos ensinam entos de seu C oração e de sua
Ação sobre Josefa, é o cunho do u trin ai que põe em evidência, os princípios
diretores de nossa fé. N osso Senhor parece ter querido recordá-los às alm as em
divina Lição de coisas.
O S o b eran o D om ín io d o C ria d o r so b re a c ria tu ra , o q u e ele exige de
dependência de sua V ontade e de abandono à sua divina Ação, aparece em
prim eiro lugar como base sólida do verdadeiro amor.
"N ão esqueças — repete Nosso Senhor à Josefa — que tenho todo o direito
sobre ti, "D eixa-M e d isp o r de ti." Deixa-m e fazer o que q u iser d e ti." E a l>
seguintes palavras: "Deixa-M e agir...", "Deixa-M e liberdade em ti... voltam
continuam ente para confirm ar a totalidade de seus direitos.
Ao m esm o tem po, toda a vida de Josefa é a história da Providência que não
se engana nunca em seus cam inhos. "E preciso — disse Ele u m dia — "que
sendo m uito pequenina, te deixes m anejar e conduzir por m inha M ão paternal
poderosa e infinitam ente forte." "M anejar-te-ei como convém à m inha Glória e
ao proveito das almas.
"N ada temas, pois guardo-te com cuidado cium ento, com o a m ais terna das
m ães cuida de seu filhinho."
M agnífica definição da fidelidade divina que p o d e sem pre dizer-nos nas
en cru z ilh ad a s de nossas vidas, com o dizia à Josefa: "N u n ca falto à minha
P alavra.”
A Presença de graça que vivica a alma, fundam ento de sua incorporação a
Cristo, é sem pre relem brada: "Estou nela — diz — "Vivo nela, apraz-M e ser
um a só coisa com ela". M as em com pensação, pede-lhe que nunca o deixe só...
que o Consulte em tudo... que lhe peça tudo... que se revista dele, e desapareça
sob sua Vida: "Q uanto m ais desapareceres, tanto mais, Eu serei tua Vida. Não
parece o com entário da palavra de São Paulo: "Eu vivo; não, já não sou eu,
m as, Jesus Cristo que vive em mim"?
É posto então, em evidência o valor da união vital com Jesus, transformando
as m enores atividades hum anas revestindo-as de "ouro sobrenatural."
M uitíssim as vezes de m aneira tangível, N osso Senhor se d ig n o u m ostrar à
Josefa o que o A m or p o d e fazer das m ínim as ações u n id as com Ele. De tal

176
modo queria reanim ar nas alm as a ventura de crerem nessa riqueza ao alcance
de todas.
"Q uantas alm as criarão coragem — dizia — co m p re en d en d o o fru to de
seus esforços e qual é o valor de um dia de vida divina!".
Aqui tocam os no dogm a que parece ser o nó deste m agnífico ensinam ento,
o da p a rtic ip a ç ã o n o s m é rito s in fin ito s d e Jesu s C ris to . N o sso S e n h o r
freqüentem ente recorda à Josefa o p o d er conferido à alm a batizad a sobre os
tesouros da Redenção.
Se lhe p ed e que com plete nela o que falta à sua Paixão, q u e rep are pelo
mundo e que satisfaça a justiça do Pai, é sem pre com ele, e Nele.
"M eu Coração é vosso, tom ai-o e reparai por Ele".
Brotam então, dos seus lábios aqueles oferecim entos onip o ten tes sobre o
Coração do Pai, que Josefa recolhe e nos transm ite: Pai Bom, Pai Santo, Pai
M isericordioso! Recebei o S angue de vosso Filho. . . suas C hagas. . . o seu
Coração! . . . Vede sua Cabeça traspassada de espinhos... não p erm itais que
Este Sangue seja inútil um a vez m a is .. . " N ão esqueçais que o tem po d a Justiça
ainda não chegou e que estam os no da M isericórdia!"
A grande realidade da C om unhão dos Santos aparece finalm ente com o tela
da vocação de Josefa, o fundo do q u ad ro em que se desenvolve sua vida. A
Santíssima Virgem, M edianeira de todas as graças e M ãe de M isericórdia, tem
lugar excepcional no centro daquela m aravilhosa troca de graças e de m éritos,
entre os santos do céu, as alm as do purgatório e as que m ilitam aqui n a terra...
só ficando fora o inferno. Josefa, pequenino m em bro do corpo de Jesus Cristo,
aprende dele a repercussão no m u n d o das almas, da fidelidade, do sacrifício,
do sofrim ento e da oração.
Mas, acim a dessas lições d o u trin ais q u e parecem já de b astan te valor, a
M ensagem direta que o Coração de Jesus lhe vai confiar para passar ao m undo,
é um A pelo de A m or e M isericórdia.
Um dia Josefa fará esta p erg u n ta ao M estre: "Senhor! não com preendo o
que é essa O bra de que sem pre me falais — "N ão sabes qual é m inha O bra? —
responderá Ele — E de Amor!. Q uero servir-M e de ti p ara to rn ar ainda m ais
conhecidos a M isericórdia e o A m or de m eu Coração... As palavras e os desejos
que transm ito por teu interm édio despertarão zelo em m uitas almas, im pedirão
a perda de m uitas outras e darão a conhecer, cada vez mais, que a M isericórdia
de m eu coração é inesgotável.
"De quando em quan d o — dirá outra vez — tenho sede de fazer ouvir novo
Apelo de Amor. E verdade que não tenho precisão de ti... m as, deixa-M e p o r
meio de ti, pedir amor, m anifestar-M e m ais um a vez às alm as."
Este grande Desígnio de A m or foi, com efeito, confiado à Josefa. através dos
entretenim entos celestiais que se hão de suceder nos últim os m eses de vida.
Nos dias e horas m arcadas Jesus será pontual ao encontro na pequenina cela,
onde tantas vezes já lhe abrira o Coração, lhe entregara a cruz. Ela não p o d erá
prever seus cham ados. O ra a desejará disponível d u ran te dias a fio p ara escrever
o que lhe ditar, ora interrom perá, p o r várias sem anas, a continuação da m en­

177
sagem . O ra ditará apressadam ente apenas algum as linhas: ora, m antê-la-á por
longo tem po de joelhos para recolher, enquanto Ele fala, os segredos do seu
C oração.
O livro "Convite a um a vida de A m or" já ag ru p o u as palavras do M estre
em um conjunto que m elhor lhes salienta o alcance. Aqui, é dentro do próprio
cenário que se vão inscrever, dia a dia, com relevo m ais acentuado.
Parece, no entanto, útil precedê-las com larga síntese dentro da qual as alm as
possam m elhor com preender a significação dessa nova m anifestação do Coração
de Jesus. Ele quer reinar m ediante conhecim ento m ais seguro de sua Bondade,
de seu A m or e de sua M isericórdia. É o testem unho que veio prestar a seu Pai
aqui na terra: "D eus é am or", e é o que deseja que as alm as saibam dele.
Ele quer, p o r m eio desta nova efusão de seu Coração, obter, não som ente a
reciprocidade do amor, m as tam bém a resposta de confiança, que lhe é mais
preciosa ainda, porque é a prova do mais tem o am or e a fonte do am or mais
generoso. Q uer atrair e regenerar as almas pela fé na m isericordiosa Bondade
que o m u n d o não conhece bastante e em que, sobretudo, não crê suficientem ente.
Q uer reanim ar suas A lm as escolhidas n u m a certeza m ais inabalável em seu
Amor, n um a experiência m ais profunda de seu Coração Sagrado, cujos traços
Ele deseja que elas revelem aos que pouco O conhecem, ou O desconhecem de
todo. Q uer que este A pelo vá d esp ertar as alm as adorm ecidas... reerg u er as
alm as decaídas... saciar as alm as fam intas .. até os confins da terra.
Exprim e esse ardente desejo de m aneira tão positiva que não podem os ficar
insensíveis ao cham ado do Amor. Ao m esm o tem po, lem bra aos seus que na
o rd e m c o n s ta n te d a P ro v id ê n c ia , seu s P la n o s d e p e n d e m , em p a rte , da
co o p e ra ç ã o liv re d a s alm as, essa co o p eração Ele a p e d e a to d o s os que
penetrarem o alcance de seus desígnios e o ard o r de seus anelos, m as também
o sen tid o d e seus M eios redentores. " Q u an d o as alm as conhecerem meus
Desejos — dizia Ele — então a nada se poupem , nem a trabalhos, nem a es­
forços, nem a sofrim entos." E assim que Josefa com preenderá aquela sede e
aquela fome divinas que em tão pouco tem po lhe consum irão a vida.

178
VII - O PREFÁCIO D A M ENSAG EM

Os Primeiros Pedidos
8 de agosto — 30 de setem bro de 1922

"Preciso fazer o u vir n o v o A p e lo de


A m or!"

(Nosso Senhor à ]osefa — 29 de agosto de


1929).

Em princípios de agosto de 1922, já três sem anas se haviam escoado depois


das graças do dia 16 de julho e dos dias seguintes, e n ad a parecia haver m u d a d o
na vida de Josefa. Está sem pre no seu trabalho com a m esm a fidelidade e o
m esm o a rd o r d e sem pre. O v éu p reto envolve, talvez, este trab a lh o n u m a
irradiação d e carid ad e, m ais expansiva, n u m reco lh im en to m ais p ro fu n d o
principalm ente, pois bem depressa m ergulhou de novo no ap ag am en to que
convém à vida secreta de sua alm a. Deus começa aliás a cavar o n ad a do ins­
trum ento e esse Desígnio m uito claro de seu A m or só pode desenvolver-se na
sombra e no silêncio .
Na quinta-feira, 10 de agosto de 1922, Josefa escreve:
"N ão sei com o se deu isto, m as há oito dias tenho conhecim ento d e m im
mesma em grau que nunca tinha chegado. Vejo-me capaz de tu d o que há de
pior e m eu coração cheio de m ás inclinações. N ão posso explicar a tristeza e a
confusão que se ap o d eram de m im a essa vista e prin cip alm en te d ian te da
Bondade de Jesus ".
"Hoje, enquanto cosia veio-m e esta idéia: p o r que sou tão pouco generosa
receando sem pre o sofrim ento ?..."
C ontinua na segunda-feira, 14 de agosto, véspera da Assunção:
"C om preendi que não fixo bastante o olhar sobre Ele e ainda m uito em m im
mesma. N ão posso continuar assim pois m inha vida será curta e em breve não
poderei m ais trabalhar pela sua G lória. Pedi licença para fazer um a H ora Santa
para O consolar da m inha pouca generosidade e u m dia de retiro p ara Lhe
pedir que m e ensine a fixar os olhos Nele, em sua Vontade, em sua Glória, em
seu Coração, sem m ais um só olhar sobre m im m esm a. "
Na quinta-feira, 15 de agosto, sob a proteção da M ãe celestial en tro u ela
num dia de solidão.
"D esde que acordei — escreve — pus-m e bem perto de Jesus p ara pedir-Lhe
que m e ensinasse a am á-lo com verdadeiro am or: é m eu único desejo. "
Nosso Senhor respondeu à sua oração, m ergulhando-a na vista do seu nada.
Reduzindo-a a seus próprios olhos m antém -na aniquilada diante de sua Face.
" Supliquei-Lhe duran te a ação de graças que m e desse tanta confiança em
seu Coração, quanta confusão com m inhas faltas. "

179
O M estre de Amor, porém , quer que ela desça m ais p rofundam ente ainda
no conhecim ento de sua baixeza. Vai dar-lhe disso um a visão m uito clara em ­
bora simbólica. N os seguintes term os tenta Josefa traduzi-la:
" N a m anhã de 15 de agosto, sem perceber onde estava, achei-me, de rep en ­
te diante de um lugar escuro, envolvida em neblina. Era com o u m pequeno
jardim úm ido e som brio cheio de ervas daninhas e m oitas de espinheiros, cujos
galhos, sem folhas se entrelaçavam uns aos outros.
Levantou-se ténue claridade como a de u m raio de sol e p u d e ver aquela
desordem de m ato e de espinhos, cobrindo um a água, lodosa e fétida.
Depois, tu d o desapareceu. N ão sabia o que queria dizer aquilo, m as fui à
capela e não pensei m ais nisso.
A única coisa que peço hoje a Jesus é amá-Lo com verdadeiro am or e fixar os
olhos N ele unicam ente.
De repente, veio cheio de beleza. Do seu Coração jorrava intensa luz e me
disse com m uito amor:
"M inha bem -am ada, sou o Sol de Justiça que te descobre tua miséria! Q uan­
to m aior a vires tanto m ais deverá crescer tua tern u ra e teu am or p o r Mim.
N ada temas, o Fogo de m eu Coração consom e tuas m isérias. " Se tua alm a é
terra viciada incapaz de p ro d u zir fruto algum , Eu sou o jardineiro que a cul­
tiva: m an d arei um raio de sol p ara purificá-la e m inha M ão sem eará... Fica
bem pequena, m uito pequenina. Eu sou bastante grande, sou teu D eus, teu
Esposo e tu a m iséria de m eu Coração. "
A quele dia da A ssunção não se acaba sem que a Santíssim a Virgem venha
tam bém lem brar à filha que é dessa m iséria m esm o que Jesus p retende servir-se
para sua O bra. Enquanto Josefa e suas Irm ãs recitam o terço no oratório do
Noviciado, Ela aparece de repente, "vestida — escreve Josefa — com o no dia
dos m eus Votos, com u m diadem a coroando a cabeça, as m ãos cruzadas sobre
o peito e o Coração ornado com um a grinalda de rosinhas brancas. "
" Estas hão de tornar-se pérolas de grande valor p ara a salvação das almas
— disse Ela, olhando prim eiro p ara as noviças ajoelhadas em volta de sua
im agem ."
E depois, virando-se para Josefa:
"Sim, as almas!... eis do que... Jesus m ais gosta! Eu tam bém as am o pois são
o preço de seu Sangue, e há tantas que se perdem!... N ão resistas a seus Desíg­
nios, filha. N ada Lhe recuses. Entrega-te, totalm ente, à O bra de seu Coração
que não é outra senão a salvação das almas.
D epois de alguns conselhos pessoais, acrescenta:
"N ão temas, filha. A vontade de Jesus se cum prirá. Sua obra se fará".
E desapareceu.
Esta afirm ação m aterna que abre de novo à Josefa a perspectiva da O bra à
qual a V ontade de D eus a vai prendendo, pouco a pouco, d esp erta nela um
m u n d o de apreensões; sujeitar-se ao Plano que a encadeia será p ara ela sem pre
m atéria de com bate.
N o sábado, 19 de agosto, enquanto costura, Jesus lhe aparece e a cham a:

180
"Vai p ed ir licença."
Logo depois, acerca-se dela na cela em que, ajoelhada, renova os Votos. D iante
de tanta beleza, ela não sabe como Lhe exprim ir seu amor:
"Sim, repete-M e que Me am as — responde — Pouco m e im porta que caias
ainda. Tua m iséria M e agrada."
E ao explicar-Lhe a repugnância que não consegue d o m in ar q u an d o tem
que com unicar às M adres os desejos que Ele m anifesta, Jesus lhe diz:
"Tudo que te m ando dizer, p o r mais du ro que te pareça, Josefa, é p ara o bem
das almas... N inguém pode saber como quero bem às almas!..." Então o C ora­
ção se Lhe dilatou e prosseguiu:
"N inguém pode saber quanto am o esta casa!. .
Foi aqui que fixei os Olhos. Foi aqui que encontrei m iséria p ara fazer o ins­
trum ento de m eu amor. Foi a este g rupo de alm as que confiei m inha C ruz. N ão
estão sozinhas p ara carregá-La, pois estou com elas e ajudo-as. O am o r se
prova com obras. Sofri p orque as amo; elas têm que sofrer p o r am or de M im. "
Dois dias m ais tarde, N osso Senhor lem bra à Josefa que som ente o olhar da
fé há-de conservá-la no cam inho seguro da obediência. Parece que antes de lhe
confiar seus m ais ardorosos Desejos p ara com o m u n d o , q u er ressalv ar sua
autenticidade com essa dependência que será até o fim, exigência e sinal de sua
Presença.
" C om preende-o bem — diz-lhe —sou eu que dirijo todas as coisas e nunca
permitirei que sejas levada p o r cam inho que não seja M eu. Confia e não olhes
senão para M im, para m inha M ão que te guia e m inha Ternura que te protege
com A m or de Pai e de Esposo. "
Passam-se dias, deixando Josefa à espera das disposições do M estre.
"N a quinta-feira, 24 de agosto, d u ran te a oração, aparece-lhe e só lhe diz
estas palavras:
"Pede licença para Eu falar contigo."
Josefa tem perm issão m as Jesus não volta. Tal ausência não a desorienta,
porém: pois abandona-se à liberdade daquele a quem deseja sem cessar.
Na terça-feira 29 de agosto de m anhã, enquanto está cosendo, sozinha, na
sala com um das Irmãs, um a voz bem conhecida fá-la, de repente, estremecer.
" Sou Eu !
Ajoelha-se. Jesus estava ali. Prostra-se, adora-O e deixa transbordar seu co­
ração. " Vós, Senhor! H á quatro dias Vos esperava e já com eçava a recear que
Vos tivesse m agoado com qualquer coisa."
"Não, Josefa. Regozijo-Me quando m inhas alm as Me esperam ! . . . H á tantas
que não pensam em Mim! "
Palavras com o estas são reveladoras das decepções do A m or que p rocura
sempre algum a com pensação para o esquecim ento e a indiferença das almas.
"Vai à tua cela — continua o M estre — Irei tam bém .
Josefa, depressa, se acha na pequena cela, onde Jesus a esperava.
" Perguntei se Lhe agradaria que eu renovasse os votos—escreve ela.
" Sim — respondeu logo — C ada vez que os renovas, aperto m ais estreita­

181
m ente os laços que te unem a Mim. "
Então supliquei-lhe que não m e deixasse jam ais resistir a seus D esígnios,
nem que m inhas m isérias Lhe im pedissem de fazer sua Obra. "
Tuas m isérias nunca Me afastarão, Josefa.
Bem sabes que foram elas que fixaram m eus Olhos, sobre ti "
Josefa não contém m ais a em oção e o reconhecim ento. Exprim e sua fraque­
za, seus desejos, seus receios! . . .
"Ele m e abriu os braços — escreve ela — De suas C hagas saía um a torrente
d e água."
"A proxim a-te de m inhas Chagas —disse Ele —e bebe a v erdadeira Força.
Pensei não po d er aguentar felicidade tam anha."
"Fica ainda, até que tua alm a se tenha saciado e fortalecido.
D epois de longo m om ento deste m isterioso contato, N osso Senhor tom a de
novo a palavra: prim eiro revela à Josefa algo de suas Predileções e seus Planos
sobre a "Sociedade" de seu Coração. Depois, com g ran d e solenidade, acres­
centa:
"A gora escreve com o as m inhas Almas hão de to m ar conhecido m eu C ora­
ção de Pai pelos pecadores. "
Então, enquanto N osso Senhor falava, Josefa, ajoelhada diante da m esa, vai
escrevendo:
"Conheço o fundo das alm as, suas paixões, sua atração pelo m u n d o e pelos
p razeres. Sei, desd e to d a a etern id ad e, q u an tas alm as M e h ão d e en ch er o
C oração de am arg u ra e que, p ara g rande núm ero, m eus sofrim entos e m eu
Sangue serão inúteis!. . m as, com o as amei, assim as amo... N ão é o pecado que
m ais fere m eu Coração...
"O que O despedaça é não quererem as alm as refugiar-se em M im, depois
de o terem com etido.
"Sim, desejo p erd o ar e quero que m inhas alm as escolhidas dêem a conhecer
ao m u n d o com o m eu Coração transbordando de A m or e de M isericórdia espe­
ra os pecadores. "
«Aqui nota Josefa, eu Lhe disse que as alm as já sabem disso e que Ele não se
esquecesse de que eu não passo de um a m iserável, capaz de lhe estorvar todos
os Planos. "
"Já sei que as alm as o s a b e m — r e sp o n d e c o m firm eza e b o n d ad e — m as, de
vez em quando, preciso fazer novo apelo de amor. E agora quero servir-M e de
ti, pequena e m iserável criatura. N ada tens que fazer: am a-M e e perm anece
ab an d o n ad a à m inha Vontade ."Eu te g uardarei escondida no m eu Coração.
N inguém te descobrirá. Só depois de tua m orte lerão m inhas palavras.
"Lança-te no m eu Coração. A m paro-te com im enso Amor... A m o-te, não
sabes? Já não te dei provas bastantes?. . . "
E com o Josefa opusesse ainda a essa escolha, suas inúm eras fraquezas:
"Eu as vi desde toda a eternidade — respondeu sim plesm ente — e é p o r isso
que te am o."
Dois dias depois, a 31 de agosto, N osso Senhor declara, precisam ente, sua

182
Vontade:
"Q uero que escrevas, Josefa "
E insiste ainda:
"Q uero falar-te das Almas que tanto amo.
Q uero que possam sem pre achar em m inhas palavras, rem édio p ara suas
enferm idades",
N o dia seguinte, porém , não foi p ara escrever que o M estre a convidou.
Propôs à sua generosidade um a daquelas em presas redentoras, lôngas e dolo­
rosas, com o já conhecera antes dos Votos.
Este apelo faz, certam ente, parte da M ensagem que o Senhor deseja que as
almas leiam através da pró p ria vida de Josefa.
É preciso pois, acom panhar nesse m ês de setem bro de 1922, á história da
procura de um a alm a "m uito am ada " com o Jesus m esm o a cham a, u m a alm a
consagrada, um a alm a de Sacerdote.
Teremos que entrar, após Josefa, na d o r insondável do C oração d e Jesus,
para com preender o am or reparador pelo qual anseia e o sofrim ento redentor
que exige.
Na noite da prim eira sexta-feira do mês, I o de setem bro — escreve Josefa—
no m om ento de m e deitar beijava o Crucifixo dos Votos q u ando, de repente,
veio Jesus, irradiando beleza. Transbordava de ternura, desta vez, m ais ainda
que das outras.
Disse:
"Josefa, é no teu coração que quero descansar... neste coração cheio de m isé­
ria, é verdade, m as tam bém cheio de amor.
"N aturalm ente, pus-m e de joelhos, renovei os Votos e disse-Lhe m eu único
desejo: amá-Lo e que as outras alm as O amem!
"Então, falou-m e com grande Amor, das Alm as, e sobretudo, das três que
nos confiara, havia alguns dias, e, com o se esse pen sam en to Lhe oprim isse
subitamente o Coração, disse:
"Duas estão ainda longe, m uito longe de Mim... M as a que Me causa m aior
tormento é a terceira. M inha Justiça não p o d e agir com tanto rigor sobre as
duas prim eiras, porque Me conhecem menos, m as esta é um a alm a consagra­
da, um sacerdote, um religioso.., um a alma que amo... Está abrindo o próprio
abismo onde cairá, se se obstinar!"
No dom ingo, 3 de setem bro, depois da com unhão, Josefa torna a ver o M es­
tre. Resplandece com beleza tal que palavra nenhum a desta terra p o d e a expri­
mir. Baixa o olhar sobre as religiosas, m erg u lh ad as em ação de graças, seu
Coração se abrasa e pronuncia com ardor as seguintes palavras:
"Estou agora sobre o trono que Eu m esm o preparei. M inhas alm as não p o ­
dem im aginar a que ponto fazem repousar o m eu Coração, dando-Lhe entrada
nos seus, pequenos e m iseráveis, sem dúvida, m ais inteiram ente m eus. . .
Pouco Me im portam as misérias, o que quero é amor. Pouco Me im portam
as fraquezas, o que quero é confiança. "Eis as alm as que atraem M isericórdia e
Paz sobre o m undo; sem elas a Justiça divina não poderia se conter... H á tantos

183
pecados. . . "
"Então — diz Josefa — seu Coração pareceu oprim ido e logo se transfor­
m ou todo num a só Chaga!
... Tentei consolá-Lo, olhou-M e tristem ente e continuou:
" Sim, São inúm eros os pecados que cometem... inúm eras as alm as que se
perdem ... M as o que despedaça o m eu Coração e O põe neste estado, são m i­
nhas A lm as escolhidas... É aquela alma que Me ofende... Amo-a e ela Me des­
preza. M inha subm issão tem que chegar ao auge de descer sobre o altar à sua
voz. . . de M e deixar tocar por aqueles dedos m anchados... e, apesar do horrí­
vel estado do seu coração, entrar naquele foco de pecado. Deixa-Me esconder
no teu coração, Josefa.
"Pobre alma! Pobre alma! Saberá o castigo que está p rep aran d o p ara a eter­
nidade? " Supliquei-Lhe que tivesse piedade dela, lembrei-Lhe q uanto seu Co­
ração deseja perdoar. Ofereci-Lhe o am or e os m éritos da am antíssim a Virgem,
dos Santos, de todas as alm as justas da terra os da "Sociedade" que tanto ama
e tam bém os sofrim entos desta casa que são tantos, agora!... Respondeu:
"M nha Justiça não agirá enquanto Eu encontrar vítim as que reparem . "
E anuncia à Josefa que lhe dará a padecer os torm entos que o inferno reser­
va às alm as consagradas e infiéis.
"A fim de estim ular teu zelo — diz — e p ara que m inhas A lm as saibam,
m ais tarde, os castigos aos quais se arriscam .'
"D epois falando de Si para Si, continuou:
"A lm a q ue am o, p o r que Me desprezas? N ão basta que m e ofendam os
m undanos? M as tu que Me és consagrada, por que me tratas assim? . . .
Ah! que dor para m eu Coração, receber tantos ultrajes de um a alm a escolhi­
da com tanto am or!" Foi na segunda-feira, 4 de setem bro, que Josefa conheceu,
consoante o aviso do M estre, a indivizível d o r do inferno das alm as religiosas.
D esde o m ês de julho não tivera m ais contato com o abism o de desolação.
Desta vez porém , teve consciência de levar para lá a m arca dos Votos, como
alm a predileta.
"N ão posso explicar — diz ela —o que foi esse sofrim ento, pois se o tormento
de um a alma secular, já é horrível, em com paração com o de um a alm a religio­
sa, nada é:" Sua pena recusa a escrever. N ota entretanto, que continuamente
as três palavras: Pobreza, C astidade, O bediência, se im prim iam no fundo da
alm a com o acusação e pungente remorso:
"Fizeste os votos livrem ente e em pleno conhecim ento do que exigiarn... Tu
m esm a te obrigaste, tu m esm a quiseste. . . " e a tortura inexprim ível da alma
está em responder sem parar: " Eu os fiz e era livre. Poderia não os ter feito,
m as fi-los eu m esm a e era livre! ' Escreve ainda:
"A alm a se lem bra, a todo o m om ento, que havia escolhido a seu Deus por
Esposo e que O am ava acima de tudo... que por Ele havia renunciado aos mais
legítim os prazeres e a tu d o que tinha de mais caro no m undo., que no começo
d a vida religiosa havia saboreado as doçuras, a força e a p u reza ao Amor
divino e agora, por causa de um a paixão desordenada... é obrigada a odiar

184
eternamente o D eus que a tinha escolhido para amá-Lo...
Essa necessidade de odiar é um a sede que a co n so m e.. N em um a lem brança
que possa d ar o m ínim o alívio. .
" Um dos m aiores torm entos — acrescenta — é a vergonha que a envolve.
Parece que todas as alm as condenadas, que a cercam , lhe g ritam constante­
mente: "Q ue nós nos tenham os perdido, não tendo os m esm os recursos que tu,
será para adm irar? M as tu!... que te faltava? Tu que vivias no palácio do Rei...
tu que comias à m esa dos escolhidos!."
"Tudo que escrevi — conclui ela — é apenas um a som bra ao lado do que a
alma sofre, pois não há palavras que expliquem torm ento igual.'
Josefa volta daquele abism o, m ais entregue à tarefa redentora, à qual N osso
Senhor a ligou: M ediu m elhor a ofensa das alm as consagradas, a Ferida do
Coração de Jesus e o ardente desejo que o consome, de p reservar de tais cha­
mas almas tão ternam ente caras.
Na quarta-feira, 6 de setem bro, durante a missa, o M estre lhe aparece, n u m
misto de form osura e tristeza, que a em polga. O Coração está largam ente feri­
do. Oferece-se para O consolar e Ele responde, como um pobre que p ed e esm o­
la:
Não te peço senão teu coração para nele m e esconder e esquecer a am arg u ­
ra com que aquela alm a Me acabrunha, q u an d o nela tenho que descer. Q ue
assim me tratem as m inhas alm as escolhidas: eis a m inha Dor!"
"Depois da santa com unhão — contínua ela tornou a dizer me:
"Tu que am o com o à m enina dos Olhos, esconde-M e bem em teu coração."
Respondi, com todo o am or de que sou capaz, que descesse até o fundo...
Minha pena é ter um coração tão pequeno... Q uereria u m m u ito g ran d e
para que Ele pudesse descansar à vontade.
"Se é pequeno, pouco im porta. Eu o aum entarei.
O que quero é que seja todo m eu."
Depois, lentam ante, p arando em longas pausas, para m ergulha-la em cada
desejo do seu Coração, Jesus ensina-lhe a fazer ação de Graças:
Consola-Me... Ame-M e...Glorifica-M e...por m eu Coração... R epara p o r Ele
e satisfaze p o r Ele, dian te da Justiça divina... A presenta-O a m eu Pai com o
Vítima de A m or pelas almas... de m aneira especial, pelas que Me são consagra­
das".
Em seguida, acrescenta:
"Vive comigo, viverei contigo. Esconde-te em mim, eu m e esconderei em ti."
E lem brando a união reparadora que quer realizar em sua alma:
Consolar-nos-emos m utuam ente , pois teu sofrim ento será M eu e m eu Sofri­
mento será teu".
Não seria a m esm a com preensão da união de vocação que fazia brotar, ou-
trora, da alm a da santa F undadora do Sagrado Coração essa prece ardente:
"Não haja jam ais outra cruz para as Esposas do Coração de Jesus, senão a
Cruz de Jesus"?.
Todas as noites, seg u n d o seu costum e, o Senhor traz essa cru z e p ed e à

185
Josefa que a carregue pela alma consagrada que O fere.
"Q ueres m inha Cruz? ' — Pergunta.
E ela se pferece para descarregar os om bros divinos. N a tard e de sexta-feira,
8 de setem bro, Ele veio com o u m pobre que tem fom e" — escreve ela. Este
term o exprim e bem a expressão de súplica e de tristeza que envolve to d a a
pessoa do M estre.
Sim — diz — sacia m inha Sede de ser am ado pelas alm as e principalm ente
pelas A lm as escolhidas.
"A quela alm a esquece quanto a am o — continua Ele, alu dindo ao sacerdote
infiel — E sua ingratidão que Me põe neste estado"
"Então pedi-Lhe que recebesse todos os pequeninos atos que se fazem aqui,
os sofrim entos da casa e principalm ente o desejo que tem os de consolá-Lo e de
Lhe agradar. Q ue se digne tu d o purificar e transform ar p ara d ar valor a tão
pouca coisa."
" N ão olho p a ra a A ção, olho p ara a intenção, re sp o n d e Ele — o mais
pequenino ato feito po r am or obtém tanto m érito e M e dá tanto consolo!... Só
procuro amor, só peço amor! "
C om o poderia a Santíssim a Virgem ficar ausente quan d o se trata de correr
ao encalço de um a alma? Vem anim ar Josefa nas horas m ais dolorosas e, apa-
recendo-lhe no dia seguinte, 9 de setembro:
" Sofre com coragem e energia, filha — diz Ela — graças ao sofrimento,
aquela alm a não cai em pecado, ainda m ais crim inoso. "
E assim que Josefa se m antém oferecida a todas as Vontades do M estre. Cada
m anhã, d u ran te a m issa, apresenta-se-lhe Ele com o um pobre extenuado de
fadiga e de dor:
"G uarda-M e bem no teu coração e participa da am argura que M e consome
— repete Ele no dia 12 de setem bro. D urante a ação de graças — N ão posso
m ais su p o rtar os ultrajes que recebo daquela Alma... M as am o-a — torna com
ardor, dépois de um instante de silêncio — Espero-a.. Desejo perdoá-la!
"C om q u e am o r a acolherei q u an d o v o ltar a M im . Q u an to a ti, Josefa,
consola-KÍe, tom a parte em m eu Sofrimento".
Jesus se cala de novo:
"É hora da m inha Dor — torna finalm ente — Partilha essa d o r que também
é tua ".
N a tarde de 12 de setem bro —conta Josefa — no m om ento em que nos le­
vantam os da mesa, depois da refeição da noite, vi de repente, N osso Senhor.
"Estava de pé, no fun d o do refeitório, resplendente de beleza, sua túnica
branca sobressaia, lum inosa, na som bra da tarde. Sua m ão direita estava erguida
com o se nos abençoasse. Passou diante de m im e disse:
"Estou aqui, no m eio de m inhas Esposas, porque encontro nelas consolo e
repouso.
Ela segue o M estre até sua cela, onde Ele lhe repetiu as m esm as palavras,
acrescentando:
" Coragem ! A lguns esforços m ais e aquela alma voltará a Mim! "

186
O utras oblações p articip am tam bém d aq u ele resgate: na m esm a d ata, o
"Sagrado C oração" dos Feuillants contava santas vítim as entregues à cruz
da doença e da im obilidade. Foi alu dindo a elas que N osso Senhor disse a 13
de setembro.
"M uitas alm as Me recebem cordialm ente quan d o as visito com a consola­
ção. M uitas M e acolhem com alegria na com unhão. M as há poucas que m e
abrem de boa vontade, quando lhes bato à p orta com m inha C ruz. "Q uando
uma alma está estendida sobre m inha C ruz e ali se abandona, aquela alm a M e
consola... é a m ais próxim a de M im."
"É por causa do sofrim ento de m inhas Esposas que aquele sacerdote não cai
em perigo maior; m as é preciso sofrer ainda m uito p o r ele. " Q u an d o Ele voltar
a Mim — acrescenta, a fim de que Josefa nunca perca de vista sua m issão —
dar-te-ei a conhecer m eus Segredos de A m or pelas almas, pois quero que sai­
bam todas quanto as am a m eu Coração. "
Esse A m or do Coração chagado de Jesus virá a Santíssim a Virgem repeti-lo
à Josefa, na festa das suas Sete Dores sexta-feira, 15 de setem bro de 1922. Está
vestida com túnica de um roxo pálido, traz as m ãos postas sobre o peito tão
formosa! " diz Josefa. Pedi-Lhe que consolasse, Ela própria, a N osso Senhor,
pois em bora seja m eu único desejo amá-Lo, não sei fazê-lo e preciso do Coração
dela para amá-Lo e reparar. "
"Filha — respondeu tristem ente a Virgem —aquele sacerdote despedaça o
Coração de m eu Filho. Entretanto, salvar-se-á — acrescenta, depois de alguns
instantes, — m as não sem m uito sofrim ento. N ão foi em vão que Jesus encarre­
gou dele, suas Esposas... Venturosas as alm as sobre as quais fitou os O lhos para
lhes confiar tão precioso encargo!"
Dias e noites vão assim escoar-se no sofrim ento do corpo e da alm a que não
larga Josefa.
"Nada tem as, aquela alm a não se perderá — torna N osso Senhor a 21 de
setembro. Voltará, breve, a m eu Coração m as para salvar u m a alm a é preciso
sofrer m uito."
Ela o experim enta, de fato. Investem contra ela os assaltos diabólicos, como
se o dem ônio desconfiasse do papel redentor p o r ela desem penhado em favor
da alma que ele já crê sob seu poder. Descidas ao inferno vêm juntar-se a dolo­
rosas expiações e, d u ran te a noite, pesa-lhe, ru d em en te sobre os om bros, a
Cruz de Jesus. N a segunda-feira, 25 de setem bro, no fim de um a noite ainda
mais atorm entada, apenas volta a si e já o M estre lhe aparece.
"O Coração não tinha ferida, estava radiante de beleza e luz. "
"Esposa de m eu Coração — exclama — olha!... A quela alm a voltou a Mim,
a graça tocou-a e seu coração se com oveu. Ama-M e e n ad a Me recuses p ara
Me obteres o am or de m uitas outras almas! "
Assim — repete no dia seguinte — aquele sacerdote veio atirar-se nos m eus
Braços e discarregou seu pecado. Oferece m ais sofrim ento p a ra alcançar a
graça de subir de novo, o declive até o fim."
Alguns dias m ais tarde, Jesus, transbordando de amor, acrescentará:

187
"A quela alm a M e procura... Espero-a com Ternura p ara presenteá-la com
os m ais suaves favores. "
Afinal, no dia 20 de outubro confirm ando aquela conversão com prada tão
caro:
"Está ela agora no fundo do m eu Coração — dirá — e só lhe resta mérito,
com o lem brança dolorosa de sua queda. "
Q uem , pois, lendo estes linhas, poderá jam ais d u v id ar da M isericórdia cheia
de delicadeza para a qual a ovelha desgarrada é sem pre a m ais querida e o
filho Pródigo o mais ardentem ente esperado e o m ais ternam ente encontrado.
N osso Senhor não deixa, porém , Josefa descansar m uito tem po. A missão,
reparadora das alm as escolhidas é de todos os dias e de todas as horas, como o
são os pecados do m un d o e o perigo das almas: parece ser essa a lição que dá o
Coração Sagrado convidando continuam ente, Josefa a novas conquistas.
"N a tarde de terça-feira, 26 de setom bro — escreve ela — encontrei-O perto
da capela, com a cabeça coroada de espinhos o rosto ensangüentado, m as o
C oração abrasado:
Josefa, não te esqueças de fazer a Via Sacra".
"Fui pedir perm issão e quan d o acabei, Ele voltou e m e disse:
"Temos duas alm as que arrancar de um grande perigo! Põe-te em estado de
vítim a."
E explicando o que seu Coração entende p o r tais palavras:
"Para isso deixa-M e fazer de ti o que quero."
"M inha alm a ficou logo cheia de angústia e sofrim ento e eu não sabia o que
havia de oferecer para salvar aquelas almas. "
O bteve perm issão p ara fazer algum as penitências e não cessava de se unir
ao Sangue redentor. Pela tardinha, N osso Senhor veio encontrá-la em sua cela.
" Juntou as m ãos — escreve ela — e, olhando para o céu, disse com voz clara e
grave:
"Pai Eterno, Pai Misericordioso! Recebei o Sangue de vosso Filho. Recebei
suas Chagas. Recebei seu Coração coroado de espinhos. N ão perm itais que seu
Sangue se torne inútil, outra vez mais, vede m inha Sede de Vos d ar almas...
Pai, não perm itais que essas alm as se percam...
M as salvai-as a fim de que Vos glorifiquem eternam ente.
Então, baixando seu O lhar tão pro fu n d o disse:
" Consolai-M e, m inhas Esposas. . . uní-vos a M im, dai-M e amor! "
E desapareceu.
Passou ela a noite em ansiedade e oração, pois o pensam ento das alm as não
p o de largá-la.
Logo na m ad ru g ad a - da quarta-feira, 27 de setem bro, Jesus cheio de beleza,
com o Coração abrasado, aparece-lhe d u ran te a ação de graças. Fiel à obediên­
cia, ela renova os Votos:
"Dize-M e outra vez, que Me amas! — disse com ardor. D epois continuou:
— Eu tam bém vou confiar-te um Segredo de m eu Coração. Escuta, Josefa! E
loucura que tenho pelas almas!... que não se percam!.. A juda-M e nesta Obra

188
de Amor". "Senhor! — responde ela, não sabendo com o corresponder àquele
ardor — Vós bem sabeis que não desejo outra coisa... dar-Vos almas!... que as
almas Vos consolem!... que sejais conhecido e amado!... M as com o Vos p oderá
servir m inha pequenez"? O M estre lhe explica:
"Há alm as que sofrem p ara obter p ara outras a força de não cederem ao
mal. Se aquelas duas alm as tivessem caído, ontem , em pecado, ter-se-iam p er­
dido para sem pre. Os pequenos atos, que m ultiplicastes p o r elas obtiveram -
lhes coragem p a ra resistir. "Josefa se esp a n ta com o g ra n d e v a lo r d e tão
pequeninas coisas.
"Sim — continua N osso Senhor — m eu C oração dá valor div in o a essas
pequenas ofertas, pois o que quero é amor."
E, com m ais insistência:
"É am or que procuro — prossegue — A m o as alm as, e espero a resposta de
seu amor. Eis porque m eu Coração fica ferido, pois freqüentem ente, em vez de
amor só encontro frieza! Dai-Me am or e dai-M e almas! . . . U ni vossas ações a
meu coração. Ficai com igo pois estou convosco. Sim, sou to d o A m or e não
desejo senão amor. Ah! se as alm as soubessem com o as espero, cheio de M iseri­
córdia! Sou o A m or dos amores! e não posso descansar senão, perdoando!."
É assim que term inam , no fim de setem bro, aquelas em presas de reparação
e salvação, através das quais, parece que N osso Senhor quis escrever pessoal­
mente, o prefácio de sua M ensagem — " Falarei p o r ti, agirei em ti, dar-m e-ei a
conhecer por teu in term éd io / — havia dito. Ele que, d u ran te sua vida terrestre,
começara por agir antes de falar, continua fiel a seu M étodo.
Antes de ditar, e à m edida em que vai ditan d o as revelações de seu A m or e
de sua M isericórdia, q u er que sejam lidas u m a a u m a e dia a dia, na v id a
ordinária de Josefa.
Assim as alm as com preenderão m elhor a história vivida de seus Perdões, a
Mensagem que seu Coração se dispõe a transm itir.

189
Apelo às Almas Escolhidas
1° de o utubro — 21 de novem bro de 1922.

Saberão m in h a s A lm as e sc o lh id a s de que
tesou ro se privam e privam a outras
alm as, q u a n d o faltam à g en ero sid a d e? "

(Nosso Senhor à Josefa — 20 de outubro de


:<*2 2 ).

C om o acontece freqüentem ente na vida red en to ra de Josefa, a provação


sucede logo às horas m ais lum inosas em que, seguindo o M estre, trabalhara na
salvação das almas. N um a recrudescência de assaltos e torm entos, o demônio
parece vingar-se nela. M as tal liberdade não faz m ais do que entrar nos Planos
divinos. Na realidade é o am or que cava em Josefa, novas capacidades de gra­
ça para uni-la A quele que há de, exclusivam ente possuir e m anejar o instru­
m ento. D ecorrem dolorosam ente os prim eiros dias do m ês de ou tu b ro de 1922.
Josefa, no entanto, d u ran te noites atribuladas p o r visões do inferno e dias de
estafantes perseguições do inimigo, continua na lida costum eira. Foi, nossa épo­
ca, encarregada da confecção de uniform es do colégio. Sua habilidade na cos­
tura designara-a para esse ofício, sem lhe im pedir que tom asse parte dos traba­
lhos que solicitam em certos dias, a dedicação de todas: lavandaria, limpeza
geral. A capela das "O bras", situada no fun d o de vasto quintal, em edifício
separado do resto da casa, é seu ofício predileto. Entretém ali a m ais esmerada
lim peza sob a direção da M adre sacristã que lhe aprecia a ordem e o desvelo. A
cela d e S an ta M ad ale n a Sofia, tra n s fo rm a d a em o ra tó rio , assim como a
capelinha, contígua de santo E stanislau onde, de vez em q u an d o , reside o
Santíssim o Sacram ento, são tam bém objetos de ternos cuidados. Ao mesmo
tem po, e até os últim os dias de sua vida, fora encarregada de um a venerável
religiosa debilitada pela idade. C uida dela, veste-a, vela sobre ela como a sua
própria m ãe, com respeitosa solicitude e a cara enferm a esquece, p erto dela, as
dores e a sujeição do seu estado.
N ão será necessário pô r de vez em quando em evidência esse trabalho inces­
sante, hum ilde e ativíssim o para poderm os avaliar o esforço contínuo de Josefa,
enquanto sua vida secreta se m ove em plano totalm ente diverso? Compreende-se
assim m elhor a generosidade, às vezes heróica, que aflora no meio da aflição
em que sua alm a se sente m ergulhada.
A 6 de outubro, prim eira sexta-feira do mês, escreve ela em hora de padeci-
m ento m ais agudo.
"Estava cansada de sofrer e pensava na inutilidade de todas as descidas ao
inferno... quando, de repente, vi diante de m im , luz intensa com o a do sol que I
n ão se pode fixar, e ouvi a Voz de Jesus: I
"A S antidade de D eus está sendo ofendida e sua Justiça exige satisfação, I

190 I
Não, nada é inútil.
Cada vez que te faço experim entar as penas do inferno, o pecado encontra
expiação e a Cólera divina se aplaca. Q ue seria do m u n d o sem reparação a
tantas ofensas que se cometem?
Faltam vítimas.., faltam vítimas!.. . "
"Como reparar, Senhor — responde Josefa, expondo ao M estre suas p ró ­
prias infidelidades — Eu própria estou cheia de m isérias e de faltas".
"Pouco im porta! este Sol de A m or te purifica e torna todos os teus sofrim en­
tos dignos de servirem de reparação pelos pecados do m undo."
Esta afirm ação fortifica sua alm a, sem dim inuir o peso que ela carrega d ian ­
te da justiça de Deus.
Na segunda-feira, 16 de outubro, é a Santíssim a Virgem que lhe vem reani­
mar a coragem por um a graça de escol cuja lem brança assim transcreve:
"Hoje de m anhã, pelas dez horas, estava cosendo à m áquina. Tinha posto o
terço perto de m im e enquanto trabalhava ia dizendo algum as Ave M arias.
Minha alm a estava m ergulhada em angústia, com o nos dias anteriores, e
me sentia esgotada pelas dores de cabeça e do lado... N ão podia m ais com igo e
dizia de m im para mim: que hei de fazer se tu d o continuar assim?... De repente
vi a Santíssima Virgem junto da m áquina de costura. Estava encantadora de
beleza; com as m ãos cruzadas sobre o peito. Com a m ão esquerda pegou m eu
terço pela cruz e, susp en d en d o -o colocou-o, lentam ente na m ão direita. D e­
pois, encostou três vezes a cruz na m inha testa, dizendo:
Podes ainda, filha... É para as alm as que sofres e para consolar Jesus."
O maravilha! N o m om ento em que Nossa Senhora fazia aquele gesto m ater­
nal, três belas gotas de sangue se im prim iram no lugar onde, p o r três vezes, a
cruz encostara na faixa que cobria a testa de Josefa. Ela nada percebeu.
"Sem me deixar tem po de responder, a Santíssim a Virgem colocou, de novo
o terço, sobre a tábua da m áquina e deixando em m inha alm a g rande coragem
para sofrer, desapareceu."
Mas, instantes depois, um a noviça que cosia a seu lado percebe as gotas de
sangue e a previne. A ssustada, levanta-se e corre à cela... e, confusa, queria
fazer desaparecer o vestígio inequívoco do favor celestial. Mas, ela o deixa aos
cuidados das M adres como tu d o mais. A touca traz na face exterior da larga
bainha, três m anchas de sangue rubro vivo, enquanto a parte de den tro que
encostava na cabeça, está intacta. Sua fronte aliás não traz o m enor sinal de
ferimento.
No dia seguinte, Terça-feira, 17 de outubro, N osso Senhor dirá à sua privile­
giada:
"Não podes com preender a que ponto te amo! Lem bra-te do que fiz ontem
por ti... Sim, é m eu Sangue; guarda-O como carícia de m inha Mãe.
"E Ele que te purifica e te abrasa. E nele que encontrarás força e coragem ."
A touquinha iria, m uitas vezes, m anifestar o p oder daquele cujo sinal tra­
zia. O dem ônio não resistirá à benção dad a em nom e do Sangue divino e Josefa
será freqüentem ente libertada dos seus m aus tratos, de sua dom inação, pelo

191
contato com as preciosas gotas.
U m dia, no entanto, a fúria satânica conseguirá apoderar-se daquele tesou­
ro, trancado à chave sob grande vigilância.
N o dia 23 de fevereiro de 1923 desapareceu. Em vão foi procurado, até que
N osso Senhor viesse pessoalm ente, tranqüilizar Josefa.
"N ada tem as — disse dois dias depois, no dom ingo, 25 de fevereiro — Foi o
dem ônio que o tirou, m as m eu Sangue não ficou esgotado."
D epois, resp o n d en d o a seu receio diante d as am eaças do inim igo que se
gaba de p o d er queim ar os cadernos em que transcrevia, p o r obediência, as
P alavras do M estre, co ntinua , "Sim, a astúcia diabólica n u tre m il projetos
para fazer desaparecer m inhas Palavras. M as não o conseguirá, até o fim dos
séculos, m uitas alm as nelas encontrarão vida."
N a tarde de 15 de m arço seguinte (1923) na festa das Cinco C hagas, Maria
renovará à filha caríssim a o do m das três gotas do Sangue precioso de seu
Filho. É com o m esm o gesto da m ão virginal, encostará na testa de Josefa a
C ruz do terço:
"Ofereço-te — dirá Ela — para estancar as feridas que Lhe causam os peca­
dos do m undo."
"Sabes qual o júbilo de seu Coração qu an d o as alm as consagradas se ofere­
cem para O consolar".
M ais u m a vez, 19 de ju n h o de 1923, p o r in term éd io d e sua M ãe, Nosso
Senhor dará à Joseta o m esm o testem unho de sua Bondade. As d u as touquinhas
assim m arcadas de sangue são religiosam ente conservadas, um a em Poitiers e
outra em Roma. A Santa M adre F undadora dirá no dia seguinte, referindo-se a
essa graça insigne:
"Q ue a Sociedade" g uarde Esses dois tesouros como lem brança do dia em
que Jesus lhe deixou estas preciosas relíquias. M ais tarde, serão um a das pro­
vas que atestarão a Bondade de seu Coração para com essa O bra."
M as depois desta antecipação, é preciso voltar ao fim de o utubro de 1922,
quando N osso Senhor se p rep ara para com eçar oficialm ente sua Obra,
confiando a Josefa, os prim eiros d itados da M ensagem . N a Sexta-feira, 2 de
o u tu b ro , p e la s sete h o ra s da n o ite, está a ca b an d o a a d o ra ç ã o d ian te do
Santíssim o Sacram ento, q u an d o Jesus aparece, carregando a C ruz.
Josefa, — diz — partilha do fogo que devora m eu Coração: tenho sede que
as alm as se salvem... que m inhas alm as venham a Mim!... que m inhas almas
não tenham m edo de mim! que m inhas alm as tenham confiança em M im !"
E o Coração se Lhe dilata e se abrasa como se não pudesse conter aquele
fogo:
"Sou todo A m or — continua — e não posso tratar severam ente as almas
que tanto amo! Todas sem d úvida são caras a m eu Coração. Mas há um grande
n ú m e ro d e p re fe rid a s. E scolhi-as, p a ra a c h a r n elas m e u consolo e para
inundá-las com m inhas predileções. Pouco me im portam suas misérias."
"Trago a cruz porque entre m inhas alm as recolhidas há m uitas que Me opõem
pequenas resistências, que em conjunto form am esta cruz...

192
"Fica unida a m eu Coração... Q ueres participar um pouco de m inha am ar­
gura?"
"A proxim ou-se de m im e encostando-M e a seu Coração, encheu o m eu de
tristeza.
"Sabes qual é a causa de todas essas resistências? E a falta de amor... Sim,
talta de am or p o r m eu Coração... am or excessivo de si próprio."
Depois de um instante de silêncio:
"Q uando um a alm a é assaz generosa para Me d ar tu d o que lhe peco, reco­
lhe tesouro para si e para as alm as e as arranca em g rande núm ero, do cam i­
nho da perdição.
"E com sacrifícios e am or que as alm as escolhidas de m eu C oração estão
encarregadas de derram ar m inhas graças sobre o m undo.
"Sim — continua Jesus, como que falando de Si p ara Si: o m u n d o está cheio
de perigos. Q uantas pobres almas, arrastadas para o mal, precisam constante­
mente de socorro visível ou invisível...
Ah! Repito-o, saberão m inhas A lm as escolhidas de que tesouro se p riv am e
privam a outras alm as qu an d o faltam à generosidade?
"Não quero dizer que um a alm a fique libertada de seus defeitos e de suas
misérias pelo sim ples fato de ter sido escolhida p o r M im. Essa alm a pode cair, e
cairá m ais de um a vez ainda, m as se se hu m ilh ar e reconhecer seu n ad a, se
tentar rep arar sua falta, com p eq u en o s atos de g en ero sid ad e e de am or, se
confiar de novo em m eu Coração... dar-m e-á m ais glória e fará m ais bem às
almas do que se não tivesse caído.
"Pouco im portam a m iséria e a fraqueza; o que peço às alm as é amor!."
Nosso Senhor insistirá ainda, freqüentem ente, sobre essa grande lição que
parece a chave de sua M ensagem de M isericórdia.
"Sim — acrescenta — apesar de sua m iséria, p o d e a alm a am ar-M e até à
loucura... C om preende bem , entretanto, Josefa, que só falo das quedas p o r inad-
vertência e fragilidade, não das faltas prem editadas e voluntárias."
E, com o ela Lhe pedia que desse às A lm as escolhidas esse am or que não
guarda limites em confiança e generosidade:
"Sim, conserva em teu coração o desejo de Me ver am ado — responde Ele —
Oferece tua vida, em bora tão im perfeita, a fim de que todas as m inhas Almas
escolhidas com preendam bem a m issão belíssim a que p oderão desem penhar,
com suas ações ordinárias e seus esforços quotidianos. N ão esqueçam jam ais
que as preferi a tantas outras, não p o r causa d e sua perfeição, m as de sua
miséria..
"Sou todo A m or e o fogo que m e abrasa consom e-lhes todas as fraquezas."
Depois, dirigindo-se diretam ente à Josefa, que Lhe repete seus receios diante
de tantas graças e tantas responsabilidades:
" N ada tem as. Se te escolhi., tu, tão m iserável, foi p ara que, m ais um a vez,
se saiba que não procuro nem grandeza, nem santidade. Procuro A m or e farei,
Eu mesmo, to d o o resto. "Dir-te-ei ainda os segredos d e m e u Coração , Josefa.
Mas o desejo que M e consom e é sem pre o mesm o: que as alm as conheçam ,

193
cada vez mais, m eu Coração.
A ssim escrevia a 20 de outubro de 1922, as prim eiras linhas da M ensagem
de Amor. Os ditados celestes alternam , desde então, ao longo dos dias de Josefa,
com as lições diretas do M estre. São com o que a teoria desse ensino vivo e
prático.
N ão precisará ela m esm a, progredir ainda nas sendas do abandono que o
A m or quer vê-la trilhar sem desejos nem apego?
"Q ueres que te dê m inha Cruz? — pergunta Nosso Senhor no dia seguinte,
sábado 21 de outubro . Ela aceita e o M estre, que lê no fun d o de sua alma,
continua:
"Pois então, a prim eira coisa que te recom endo é sacrificar o que estás pen­
sando agora. Põe, de u m lado, teus desejos e de outro, m inha Vontade e esco­
lhe. "
"Pedi-lhe perdão — escreve ela lealm ente — pois estava pensando em certo
p onto da vida com um que desejo muito: mas, Senhor, Vós bem sabeis que que­
ro o que Vós quereis... Depois falei das almas... de tantas alm as que se perdem!
"D olorosam ente, respondeu Ele:
"Pobres almas! M uitas não Me conhecem, é verdade. Porém, m aior ainda é
o núm ero das que Me conhecem e me desprezam , em troca da vida de pra-
zeres.
"H á tantas alm as sensuais no m undo! E m esm o entre m inhas A lm as esco­
lhidas, há tantas que procuram gozar!. Desviam-se portanto, p orque m eu Ca­
m inho é feito de sofrim entos e de cruz.
"Som ente o am or dá força para Me seguir. Eis porque procuro amor."
E, enquanto lhe dá a Cruz:
"Consola-M e — diz — tu que am o. É p o r seres tão pequena que pudeste
en tra r em m eu Coração." C om que cuidado não será preciso recolher estas
m ínim as palavras que trazem em si o "sentido de C risto" de que fala São Pau­
lo!
Na Segunda-feira, 23 de outubro, N osso Senhor veio uni-la à sua mais ínti­
m a Ferida:
"H á alm as m uito am adas de m eu Coração que Me ofendem ... não Me são
bastante fiéis. E justam ente p o r serem as alm as que m ais am o que Me fazem
m ais sofrer."
Tais apelos enchem Josefa da necessidade de reparar e com pensar.
"M as, bem vedes, Senhor, o que sou!... Só tenho desejos e nunca chego aos
atos!... Com ardor que não posso explicar, disse-me:
"Trago-te tão unida a m eu Coração, Josefa, que teu desejo é o mesmo que
m e consom e pelas almas!.. M eu coração repousa quando pode comunicar-se.
Eis porque venho repousar em teu coração, quan d o um a alma Me magoa, e é o
M eu desejo de lhe fazer bem , que passa a ti e se torna teu.
"É verdade que há m uitas alm as que Me ofendem ... m as m uitas também,
perto das quais encontro consolo e am or." Depois voltando às que o ferem:
" Q u a n d o d u a s pesso as se am am — explica — b asta a m ais pequenina

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indelicadeza de um a, para ferir a outra. A ssim é para m eu Coração. Portanto,
quero que as alm as que almejam tornar-se m inhas Esposas, sejam bem form a­
das, afim de m ais tarde, nada recusarem ao A m or".
Sucedem-se m uitos dias de sofrim ento e Josefa os oferece pelas alm as infiéis.
O dem ônio procura enganá-la; m ultiplica ardis, am eaças e lhe enche as noites
com as torturas do inferno. Ela hesita em dizer tu d o o que lá vê e ouve, e que
tanto apavora sua alma, m as afinal decide fazê-lo e N ossa Senhora, aparecen­
do-lhe na Q uarta-feira, 25 de outubro, vem garantir que aquele ato estava nos
Dosígnios de Deus sobre ela:
"Filha, venho dizer-te, em nom e de Jesus, a glória que deste hoje a seu C ora­
ção... C om preende bem tu d o que Ele perm ite que vejas, ou sofras no inferno é,
não só para te purificar, m as tam bém para que o dês a conhecer a tuas M adres.
Não penses em ti, m as unicam ente na glória do Coração de Jesus e na salvação
das almas. "
C ontinuam as noites a passarem sob aqueles torm entos e Josefa escreve,
dolorosamente, no dia 5 de novem bro:
"Vi caírem alm as em grupos compactos... H á m om entos em que é im possí­
vel calcular-se-lhe o núm ero." Sente-se descoroçoada e exausta ao m esm o tem ­
po.
"Sem força especial eu não poderia trabalhar, nem fazer coisa algum r " N o
domingo, depois de um a trem enda noite de expiação, N osso Senhor lhe apa .e-
ce. Não p odendo conter sua dor, ela Lhe fala no n úm ero incalculável de alm as
perdidas para sem pre. Jesus a escuta com o sem blante im pregnado de im ensa
tristeza. E, depois de um m om ento de silêncio:
"Tú vês as que caem, m as ainda não viste as que sobem! "
"Então, vi um a densa fila de inúm eras almas. Elas entravam n u m espaço,
sem limite, cheio de luz, e se perdiam naquela im ensidão."
O Coração de Jesus se abrasou e disse:
"Todas essas alm as são as que aceitaram com subm issão, a C ruz de m eu
Amor e de m inha Vontade. "
Alguns instantes m ais tarde, voltando à parte da expiação e de reparação
que pretende doar a Josefa, Nosso Senhor explica assim seu valor:
"Q uanto ao tem po em que te faço experim entar padecim entos do inferno,
não o creias inútil, nem perdido. O pecado é ofensa à M ajestade infinita, exige
reparação e castigo infinitos.
"Q uando desces àquele abism o, teus sofrim entos im pedem a p erd a de m ui­
tas almas; a M ajestade divina os aceita em satisfação pelos ultrajes que recebe
daquelas alm as e em reparação das penas que seus pecados m ereceram . N u n ­
ca te esqueças de que é m eu grande A m or p o r ti e pelas alm as que o perm ite."
Josefa não esquecerá isso no meio das tem pestades que se sucederão a esta
divina lição. Parece-lhe voltar aos dias mais cruéis do noviciado .
A fúria infernal, que adivinha a hora em que as efusões do Coração de Jesus
se vão espalhar pelo m undo, descarrega-se sobre o instrum ento cuja pequenez
e cuja confiança, entretanto, não consegue derrear.

195
"O deio-te — dirá ele — tanto quanto pode m eu ódio infernal e te persegui­
rei até que saias dessa casa maldita... quantas alm as ela me arranca — confessa
um dia — e se agora é assim, que não será daqui por diante?...
N ão. Im p ed irei essa O bra, farei su m ir esses m a ld ito s escritos... hei-de
queimá-los... usarei de m eu p oder que é tão forte quanto a morte!"
Josefa fica inabalável.
"Achei paz junto de m inhas M adres." — escreve sim plesm ente.
N o entanto, poder-se-á avaliar aquele esforço de constante fidelidade ao
dever, du ran te noites e dias, em torm entos sem pre crescentes?... N ão se calcula
já a im portância da O bra que começa, pelo rancor subitam ente levantado para
lhe em bargar a passagem ?. . Tudo, é porém , vão, diante dos Planos de Deus.
N a terça-feira, 21 de novem bro de 1922, apesar das am eaças do dem ônio,
Josefa renova oficialmente, pela prim eira vez, os Votos que fizera havia já qua­
tro meses. A festa da A presentação da Santíssima Virgem é um a das m ais caras
à Sociedade do Sagrado Coração. Recorda a prim eira consagração d a Santa
Fundadora do Sagrado Coração de Jesus. Todos os anos, nessa data, as jovens
religiosas que ainda não são professas, renovam , diante da santa H óstia, no
m om ento da com unhão, os votos de Pobreza, C astidade e O bediência que pro­
nunciaram no dia da sua prim eira oblação.
Josefa participa dessa renovação. É um clarão entre as tribulações que atra­
vessa. Ela acorre à renovação com júbilo, em bora o dem ônio tentasse subjugá-la
até pela m anhã. Leva p ara N osso Senhor um a convicção m ais n ítida de sua
fraqueza, m as tam bém u m testem unho m ais com pleto de sua h u m ild e con­
fiança .
Lê-se no seu cadern o d e retiro nessa data: "21 de n o v em b ro de 1922 —
"M eu Jesus, há pois quatro m eses que fiz os Votos!... Q uantas vezes desde esse
dia já Vos fui infiel!... E que pensei m ais em m im do que na vossa Glória e nas
almas!... ó Jesus! digo-Vos m eu pesar, de todo o m eu coração, peço-Vos perdão,
pois m inha ventura em ser vossa Esposa não m udou. Renovo hoje, m eus Votos
com m ais alegria ainda que no dia em que os fiz porque Vos conheço melhor, e
m ais vezes m e perdoastes. N ão façais caso de m im qu an d o pareço tão ingrata,
pois m inha vontade não cessa de Vos amar, m as o dem ônio m e engana e eu
não sei resistir-lhe! N o entanto m eu único desejo é ser-Vos fiel até à morte!"
D epois de ter assinado esse protesto ela escreve ainda:
"O Jesus m inha Vida!... eu queria ser santa e amar-Vos m uito, não por mim,
m as para Vos d ar m uita glória e Vos salvar m uitas almas! "
E a p u ra cham a que arde em seu coração e que o sopro de Satanás só fará
alim entar. Jesus sabe disso e seu O lhar repousa com ternura sobre a fraqueza
em que descobre tanto amor.

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O Sentido Redentor da Vida Cotidiana
22 de novem bro — 12 de dezem bro de 1922.

"O am or transform a e d iv in iz a tu d o . "

(Nosso Senhor à Josefa — 5 de dezembro de 1922).

Qual aurora que surge depois de noite som bria, na m anhã de quarta-feira,
22 de novem bro, um pouco antes da m issa, N osso Senhor aparece à Josefa.
Está mais form oso que nunca! O Coração abrasado parece escapar-se-Lhe do
peito. Traz a coroa de espinhos na M ão direita.
"Pensei logo que era para m e dá-la, — escreve ela ingenuam ente — m as
não ousei pedí-la.
Renovei os Votos e repeti os Louvores divinos. Jesus disse, fitando-m e com
Olhos belíssimos:
"Josefa tu Me reconheces?.. Amas-Me? Sabes q uanto te am a m eu Coração?."
Perguntas dessas são flechas ardentes cujo A m or lhe fere e abrasa o cora­
ção. "Sei que Ele m e am a — escreve ela — m as não posso com preender até que
ponto!
Eu tam bém desejo am á-Lo sem m edida em bora não saiba corresp o n d er a
suas bondades... Disse-lhe m inha alegria em ter renovado, ontem , m eus votos e
supliquei-Lhe, m e conservasse fiel, pois bem sabe do que sou capaz! "N ad a
temas, Josefa; apesar da tua pequenez e, m esm o, às vezes, de tuas resistências,
faço m inha O bra em ti e nas alm as."
" Senhor, não com preendo que O bra é essa de que falais sem pre."
Então Jesus se recolhe um instante, e com firm eza e gravidade responde:
"Não sabes qual é m inha Obra? Pois é Amor: Q uero que esta "Sociedade",
que meu Coração am a com predileção Me salve m uitas alm as e quero servir-
Me de ti, que não és nem vales n ad a, p ara to rn ar ain d a m ais conhecidos a
Misericórdia e o A m or de m eu Coração. Eis porque sou glorificado q u an d o Me
dão liberdade de fazer de ti e em ti o que quero. Só tua pequenez e teus sofri­
mentos já salvam m uitas alm as... M ais tard e as P alavras e os Desejos que
transmito por meio de ti despertarão o zelo de m uitas outras, im pedirão a p er­
da de grande núm ero, e darão a conhecer cada vez mais, que a M isericórdia e
o Amor de m eu Coração são inesgotáveis... N ão peço grandes coisas às m i­
nhas almas. O que lhes peço é amor."
"Aí - continua ela - supliquei-Lhe que m e desse este amor... e repeti-lhe
meu desejo de m e abandonar com pletam ente a Ele".
Então, com inexprim ível bondade, pôs-m e a Coroa na cabeça, dizendo:
"Toma! M iséria de m eu Coração, Esposa que am o tom a a m inha Coroa!
Que ela te lem bre constantem ente tua pequenez... Amo-te e tenho tanta com ­
paixão de ti que jam ais te abandonarei. Ama-M e, consola-M e e abandona-te."
A tarde quando está fazendo a Via Sacra N osso Senhor lhe aparece na déci­

197
m a prim eira estação e, m ostrando-lhe sua Cruz:
"Josefa, Esposa de m eu Coração!... Eis a cruz que carreguei por am or a ti.
D ize-m e ainda outra vez que p o r m eu A m or queres levar a cruz de m inha
V ontade."
N o dia seguinte, 23 de novem bro, N osso Senhor dá-lhe a com preender que
cruz será oferecida à sua generosidade:
"É no m eu C oração - com eça Ele - que as alm as que, p o r am or, sabem
renunciar-se a si m esm as encontram verdadeira paz."
D epois acrescenta:
"Pede às M adres que te concedam todos os dias algum tem po em que possas
escrever o que Eu te disser."
C hegou de fato a hora de transm itir ao m undo os Segredos do M estre.
N o sábado, 25 de novem bro, pela m anhã, Ele a encontra na cela. Josefa se
ajoelhara para adorar a M ajestade divina e o Senhor a deixa p ro strad a a seus
Pés. E depois de um m om ento de silêncio diz:
"Q uero que, ao renovares os Votos, te ofereças com inteira subm issão. E
preciso que eu seja livre e que não encontre em ti obstáculo algum a meus
Desígnios... A gora escreve..."
Então ela escuta e transcreve as palavras que caem graves e ardentes dos
Lábios divinos:
"Falarei prim eiro para m inhas alm as escolhidas e p ara todas as que Me são
consagradas. É preciso que Me conheçam a fim de ensinarem às que lhes con­
fio a Bondade e a Ternura de m eu Coração e de dizerem a todas que, sou Deus
infinitam ente justo sou tam bém Pai cheio de M isericórdia. Q ue m inhas almas
escolhidas, m inhas Esposas, m eus Religiosos, m eus Sacerdotes, ensinem às po­
bres alm as quanto m eu Coração as ama!
"Tudo isso, irei, pouco a pouco, ensinando-te e assim Me glorificarei na tua
m iséria, na tua pequenez e no teu nada.
"N ão te am o pelo que tu és... m as pelo que tu não és, quero dizer, por tua
m iséria e teu nada, pois assim encontrei onde colocar m inha G randeza e mi­
nha B ondade."
Jesus pára.
"A deus Josefa. Volta am anhã, sim?
"C ontinuarei a falar-te e tu passarás m inhas P alavras às alm as com zelo
ardente. Deixa-M e agir pois Me glorifico e as alm as se salvam... Lem bra-te que
quero ser servido na alegria e não esqueças a inutilidade do instrum ento. Só
m eu A m or pode fechar os O lhos sobre tuas fraquezas... A m a-m e com ardor a
fim de corresponder à m inha Bondade."
À noitinha, N osso Senhor lhe traz a Cruz.
"Tu, ao m enos, consola-M e e repara tantas ingratidões. C om o sofre meu
Coração vendo que tu d o quanto fiz é inútil p ara tantas almas!... Partilha desse
sofrim ento... Toma a C ruz e fica unida a M im pois não estás sozinha."
Desaparece, deixando-lhe a Cruz. As horas da noite se escoam sob aquele
peso ao qual se ajuntam m últiplos sofrim entos de alm a e corpo, cuja dolorosa

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experiência tinha desde m uito.
Pela m ad rugada volta Jesus. O Sem blante está sem pre im pregnado daquela
tristeza e daquela form osura que ela não pode descrever:
"Pobres alm as - diz - quantas se p erderam para sem pre... quantas tam bém
voltarão à Vida! N ão podes calcular, Josefa, o valor reparador do sofrim ento.
"Se consentires deixar-te-ei participar freqüentem ente da am argura de m eu
Coração. Assim Me consolarás e m uitas alm as se salvarão. Adeus! pensa em
Mim, nas almas, em m eu Amor!"
"Q uando N osso Senhor pediu às M adres que m e dessem todos os dias u m
momento em que eu pudesse escrever suas Palavras - nota ela - elas m e disse­
ram que viesse à m inha cela pela m anhã, entre oito e nove horas. As postulantes
estão ocupadas nos ofícios a essa hora, e assim não ficarei im pedida de coser,
nem de lhes prep arar a tarefa."
Fiel a essa recom endação, ela vinha todas as m anhãs à sua cela.
Cosia esperando o Mestre. Às vezes via-O aparecer sem tardar, outras ve­
zes era vã sua espera: Ele a quer dócil e abandonada. Se não chegava até nove
horas, ela voltava ao trabalho.
No dom ingo, 26 de novem bro, em bora na véspera lho tivesse prom etido,
Jesus não veio. Josefa não se perturba e com o Ele recom endara, fica p ensando
"nele, nas almas, em seu Amor."
A tarde, quando O estava adorando diante do Tabem áculo, Ele apareceu de
repente com a Cruz:
"Minha Esposa, Josefa! Venho repousar em ti... N ão podes com preender o
que é o m undo para m eu Coração. Os pecadores Me ferem sem com paixão e,
não somente os pecadores, m as m uitas alm as m e traspassam constantem ente
de flechas que Me causam grande dor!"
"Supliquei-Lhe que viesse para junto de nós pois em bora sejamos tão m ise­
ráveis (estou falando p o r mim) desejamos m uitíssim o amá-Lo e consolá-Lo."
"Bem sabes que o faço! N ão vês com o aqui venho descansar m eu C ora­
ção?...
"Escuta - continua com bondade - quando Eu te ped ir repouso e consolo
não creias que sejas a única a dá-los. Se soubesses que alegria sente m eu C ora­
ção quando as alm as Me deixam liberdade e que, com suas obras, me dizem:
"Senhor, sois o D ono'. Crês que isso não Me consola? Crês que isso não me
glorifica?"
"Toma a C ruz - continua ele - m as não penses que és a única a levá-la.
Repouso e Me glorifico em ti m as tam bém em m inhas almas... naquelas alm as
que com m uito am or e subm issão, recebem e adoram m inha Vontade sem ou­
tro interesse senão m inha Glória.
"Toma a C ruz, Josefa. Pede m isericórdia pelos pecadores... lu z p ara as
almas cegas... am or p ara os corações indiferentes... C onsola-M e, am a-M e,
abandona-te. U m ato de abandono Me glorifica m ais do que m uitos sacrifí­
cios."
No dia seguinte, segunda-feira, 27 de novem bro, às oito horas, está ela no

199
seu posto de espera e abandono.
"Escrevi prim eiro tu d o que ele m e disse ontem - nota ela - D epois m e p u s à
sua disposição."
E com o Jesus não aparecesse ela se dispõe a partir, quan d o de repente, Ele se
m ostra:
"Vai trabalhar, Josefa. A m anhã direi a m inhas alm as que m eu C oração é
um abism o de Amor.
"Pensa sem cessar em Mim. As alm as Me glorificam tanto, qu an d o se lem­
bram de Mim!".
Josefa parte com a cruz invisível a todos os olhos, m as que sente pesar ru d e­
m ente sobre seus om bros. Leva para o trabalho aquele fardo que sua generosi­
dade prefere a todas as suavidades.
N as prim eiras horas de terça-feira, 28, é Jesus que a espera na sua cela. Ela
se Lhe precipita aos joelhos e segundo o p endor habitual de sua alm a delicada
pede-Lhe perdão p o r tu d o que nela tivesse podido, m esm o sem querer, ferir o
seu divino Olhar.
"N ada tem as - responde Ele - conheço-te! M as am o-te tanto que miséria
algum a desviará de ti o olhar de m eu Amor."
D epois com ardor que parece não se p o d er conter, fala e ela recolhe suas
Palavras inflam adas.
Em adm irável resum o, Jesus descobre às almas, através de sua vida redento­
ra, o fio condutor do A m or infinito:
"Sou todo Amor! M eu Coração é um abism o de Amor."
"Foi o A m or que criou o hom em , e tu d o que existe no m undo, para o pôr a
seu serviço.
"Foi o A m or que inclinou o Pai a d ar o Filho p ara a salvação do homem
p erd id o por sua própria culpa.
"Foi o A m or que fez com que um a Virgem puríssim a, quase um a menina,
renunciando aos encantos da vida no Templo, consentisse em tornar-se Mãe de
D eus e aceitasse todos os sofrim entos que a m aternidade divina Lhe deveria
im por.
"Foi o A m or que Me fez nascer no rigor do inverno, pobre e desprovido de
tu do.
"Foi o A m or que Me escondeu durante trinta anos na m aior obscuridade e
nos m ais hum ildes trabalhos.
Foi o A m or que Me fez escolher a solidão e o silêncio... viver desconhecido
de todos e voluntariam ente subm isso às ordens de m inha M ãe e de m eu Pai
adotivo.
"Pois o A m or via, no correr dos tem pos, m uitas alm as seguirem -M e e porem
suas delícias em conform ar sua vida com a Minha!
"Foi o A m or que Me fez abraçar todas as m isérias da natureza hum ana.
"Pois o A m or de m eu Coração vai m ais longe.
"Sabia quantas alm as em perigo ajudadas pelos atos e sacrifícios de muitas
ou tras recobrariam a Vida.

200
"Foi o A m or que m e fez sofrer os m ais ignom iniosos desprezos e m ais h o rrí­
veis torm entos... d erram ar todo o Sangue e m orrer sobre a C ruz p ara salvar o
homem e resgatar o gênero hum ano.
"E quantas alm as via, tam bém o A m or no futuro unirem às m inhas D ores e
tingirem no m eu Sangue seus sofrim entos e suas ações, m esm o as m ais ord in á­
rias para m e darem assim num erosas almas.
"Ensinar-te-ei tu d o isso com clareza, Josefa, a fim de que se saiba até onde
vai o A m or de m eu Coração pelas almas.
"E agora volta a teu trabalho e vive em M im com o Eu vivo em ti."
Josefa sai então da cela e entrega às M adres as preciosas páginas que acaba­
ra de escrever. N ão as guarda. Sabe que é apenas depositária e seu desapego
cresce à m edida em que vai descobrindo a im portância do que lhe é confiado.
Leva porém no fundo da alm a a lem brança dos in stan tes em que tocara as
profundezas do Amor. Fica como que investida p o r ele e precisa de toda ener­
gia de sua vontade para recom eçar a lida no m eio das jovens Irm ãs que logo
dela se acercam. É o m istério de sua vida inteira que segue seu curso.
No dia seguinte, quarta-feira, 29 de novem bro, en q u an to espera N osso Se­
nhor, trabalhando, sua cela se enche de repente de suave claridade. N ão é Ele,
mas o A póstolo am ado de seu Coração...
"Reconheci-O logo - escreve ela - Trazia nos braços a C ruz de Jesus. Reno­
vei os Votos e Ele m e disse:
Alma bem -am ada do divino M estre sou João Evangelista. Venho dar-te a
Cruz do Salvador. Ela não fere o corpo m as faz d erram ar o sangue do cora­
ção...
"Os sofrim entos que ela traz aliviam a am argura com que os pecadores in u n ­
dam a nosso D eus e Senhor... Seja o sangue de teu coração vinho delicioso que
dê a conhecer a m uitas alm as as doçuras e os atrativos da virgindade.
"Una-se em tu d o teu coração ao de Jesus. G uarda estes preciosos penhores
de seu Amor. Fixa teus olhos no céu, o que é desta terra nad a vale.
"O sofrim ento é a vida da alma e a alm a que com preendeu o valor do sofri­
mento vive da verdadeira Vida."
Josefa já percebera, na Q uinta-feira Santa de 1922 a expressão celestial do
rosto de São João. E um am igo do Alto que tornará a ver m uitas outras vezes e
cujas visitas a envolverão em paz e segurança.
A cruz que lhe deixa hoje pesa-lhe principalm ente na alma.
"Embora em paz - escreve ela - m eu coração e m inha alma estão oprim idos
e angustiados:
"A noite de 29 para 30 de novem bro foi de grande sofrim ento. A cruz, a
coroa e a dor do lado me im pediram o sono e me obrigaram a passar a noite
inteira sentada perto da cam a."
Na quinta-feira, 30 de novem bro, Jesus está ali desde oito horas da m anhã,
fiel ao com prom isso.
"Escreve para m inhas alm as", disse somente. E sem outro preâm bulo, con­
tinuou

201
"A alm a que faz de sua vida constante união com a M inha, Me glorifica e
trabalha enorm em ente em proveito das almas. Estará ela fazendo trabalho de
pouco valor... se o banhar em m eu Sangue ou uni-lo ao que eu próprio fazia
du ran te m inha vida m ortal, que fruto obterá para as almas!... m aior talvez do
que se estivesse pregando ao m u n d o inteiro!... E isso, quer estude, fale ou es­
creva... quer cosa, varra ou descanse... contanto, prim eiro, que essa ação seja
determ inada pela obediência ou pelo dever e não pelo capricho; segundo, que
essa ação seja feita em união íntim a com igo recoberta com m eu Sangue e em
g rande pureza de intenção.
"Desejo tanto que as alm as com prendam isso! N ão é a ação em si que tem
valor, é a intenção pela q u al é feita... Q u an d o Eu v arria ou trabalhava na
oficina de N azaré, dava a m eu Pai tanta glória quanto com m inhas pregações
no decorrer de m inha vida pública.
"H á m uitas alm as que, aos olhos do m undo, têm im portantes encargos e
obtêm g ran d e G lória p ara m eu C oração, é certo: m as tenho m uitas almas
escondidas, que em seus hum ildes trabalhos são operárias utilíssim as à minha
Vinha pois é o A m or que as im pele e elas sabem , b an h an d o suas pequenas
ações no m eu Sangue, recobri-las de ouro sobrenatural.
"M eu A m or vai tão longe que, do nada, m inhas A lm as p odem retirar gran­
des tesouros. Q uando, desde a m anhã, unindo-se a Mim, m e oferecem todo
seu dia com ardente desejo que m eu Coração dele sirva em proveito das al­
mas... quando, por amor, fazem seu dever, hora a hora, e m om ento a momen­
to, que tesouros não acum ulam em um dia!
"Descobrir-lhes-ei cada vez m ais m eu Amor... É inesgotável e é tão fácil à
alm a que am a deixar-se guiar pelo Amor!"
Jesus se cala. Josefa deixa a pena e fica u m instante em adoração diante
daquele cujo Coração se abre tão largam ente para ela.
"A deus - diz Ele afinal - volta a teu trabalho, am a e sofre, pois o am or não
se pode separar do sofrim ento. A bandona-te à guarda do m elhor dos Pais...
ao A m or do m ais terno dos Esposos."
E sem pre essa a lição mais cara ao Deus Salvador. Sua C ruz é um dom de
escol que ultrapassa os m ais insignes favores. N essa prim eira sexta-feira do
m ês Ele a deixa com Josefa que a carregará dia e noite.
N o sábado, 2 de dezem bro, ela nota apenas: "P ude com m uito custo ir à
M editação porque não tenho mais força."
As oito horas da m anhã, entretanto, está no seu posto e Jesus vem.
"Escreve para as alm as - diz como na antevéspera."
E tom ando seu lugar, ajoelha-se ela diante da m esinha perto da qual Nosso
Senhor vai falar:
"M eu Coração é todo A m or e este A m or abrasa todas as alm as, m as como
p o d eria eu d ar a com preender às m inhas A lm as escolhidas a predileção de
m eu Coração que delas se quer servir para salvar os pecadores e tantas almas
expostas aos perigos do m undo?
"Q uero pois que saibam q uanto o desejo de sua perfeição Me consom e e

202
como a perfeição consiste em fazer as ações com uns e o rdinárias em íntim a
união comigo. Se com preenderem isto, divinizarão sua vida e toda a sua ativi­
dade, por meio de estreita união com m eu Coração; e quanto vale u m dia de
Vida divina!...
"Q uando um a alm a arde em desejos de am ar nada lhe é difícil mas, se cai
na frieza e perde o entusiasm o, tu d o se lhe tom a penoso e duro...!
"Venha então a m eu Coração e crie coragem!... Ofereça-M e esse desalen­
to!... U na-o ao ardor que Me consom e e fique tranqüila pois seu dia terá valor
incomparável para as almas. M eu Coração conhece todas as m isérias h u m an as
e tem delas im ensa compaixão.
"N ão desejo som ente, porém , que as alm as se un am a M im de m odo geral,
quero que essa união seja constante e íntim a como é a união daqueles que se
amam e vivem perto um do outro, p orque se não falam constantem ente, ao
menos olham -se e têm m útuas atenções e delicadezas que são fruto do amor.
"Q uando a alm a está em paz e consolação, é sem d ú v id a fácil p en sar em
Mim. M as se a desolação e a angústia dela se apoderarem , não tema!
"Basta-Me um olhar! Com preendo-o. E esse olhar, p o r si só, obterá de m eu
Coração as m ais ternas delicadezas.
"Repetirei ainda às alm as quanto as am a m eu Coração! pois quero que Me
conheçam a fundo a fim de Me darem a conhecer àquelas que m eu A m or lhes
confie.
"Desejo ardentem ente que todas as alm as escolhidas fixem os olhos em M im
e não os desviem ... que, entre elas, não haja m ediocridade, que é ord in aria­
mente fruto de um a falsa com preensão de m eu Amor. Não! A m ar a m eu
Coração não é nem difícil, nem duro, m as suave e fácil. N ão é preciso algo de
extraordinário para atingir um alto grau de amor: p u reza de intenção na ação,
pequena ou grande... união íntim a com m eu Coração e o A m or fará o resto!"
Jesus pára, depois, inclinando-se para Josefa que se prostrava aos seus Pés:
"Vai - diz - e nada receies. Eu sou o Jardineiro que cultiva esta florinha a
fim de que não pereça.
"Ama-M e na paz e na alegria."
A tarde desse dia, prim eiro sábado do mês, N osso Senhor responde a suas
ansiedades pois ela tem e as ciladas do dem ônio, sem pre p ro n to a lhe tirar a
paz reconforta-a com as seguintes palavras:
"Lembra-te do que Eu disse um dia a m eus Discípulos: p orque não sois do
mundo, o m undo vos odeia."
"Repito-vos hoje: po r não serdes do dem ônio, o dem ônio vos persegue. M as
meu Coração vos guarda e, no meio desses sofrim entos se glorifica.
"Ama e sofre, Josefa, é p o r um a alma."
E outra vez ainda confia-lhe um a daquelas alm as consagradas que fraquejam
no am or e cuja generosidade Ele tanto deseja, entretanto.
"P artiu - escreve ela - deixando-m e a C ruz." A quela cruz, com to d o o
cortejo de sofrim entos que a acom panha, vai pesar sobre os dias e as noites
seguintes enquanto o pensam ento de Josefa fica preso à Chaga que adivinha

203
no Coração do M estre.
Três dias depois, na terça-feira, 5 de dezem bro, Ele já está na cela quando
Josefa chega. Ela renova os Votos.
"Sim - diz logo - Sou aquele Jesus que am a as alm as com ternura... Eis o
Coração que não cessa de chamá-las, de preservá-las, de cuidar delas!... Eis o
Coração abrasado no desejo de ser am ado pelas alm as, m as principalm ente
pelas alm as escolhidas".
Depois, com o se essa ardente expansão lhe tivesse aliviado o Amor:
"Escreve ainda para elas:
"M eu Coração não é som ente um Abismo de Amor, é tam bém u m Abismo
de M isericórdia! E, conhecendo todas as m isérias h u m an as que se encontram
m esm o nas alm as m ais am adas, Eu quis que as ações dela, p o r m ais pequenas
que sejam; possam revestir-se, p o r m eu interm édio, de valor infinito p ara o
bem dos que precisam de socorro e salvação dos pecadores.
"N em todas p odem pregar, nem todas podem evangelizar ao longe os povos
selvagens, m as todas sim, todas, podem tornar conhecido e am ado o M eu Co­
ração, todas podem ajudar-se m utuam ente para aum entar o nú m ero de elei­
tos, im p ed in d o a p erd a eterna de m uitas alm as... e isso p o r efeito de meu
A m or e de m inha M isericórdia.
"Direi às m inhas alm as que m eu Coração vai m ais longe ainda: não som en­
te se serve de sua vida ordinária e de suas m ínim as ações, m as quer utilizar
tam bém , pelo bem das alm as, suas misérias... suas fraquezas... até suas pró­
prias quedas.
"Sim o A m or transform a e diviniza tudo... e a M isericórdia tu d o perdoa."
D epois de um m om ento de silêncio, Jesus prossegue:
"A deus. Voltarei ainda para te dizer m eus Segredos. Enquanto isso carrega
m inha C ruz com coragem. Se m e am as, Eu tam bém te amo. N ão m e esque­
ças."
C onform e sua Palavra a volta do Senhor vai tard ar m uitos dias passados
sob a cruz. E ntretanto a festa da Im aculada Conceição não term ina sem que a
Santíssim a Virgem dê à sua filha a certeza de sua presença e de seu auxílio.
Josefa sofrerá m uito du ran te o dia inteiro. Tem o coração angustiado e à tarde
d ep o is da Benção d o Santíssim o Sacram ento, cham a su a M ãe do céu para
socorrê-la.
"Confiei-lhe m inha alm a - escreve ela - e supliquei-lhe que nunca deixasse
de m e segurar pela m ão. A pareceu de repente, belíssima! As m ãos estavam
cruzadas sobre o peito e o véu m uito branco tinha reflexos de ouro."
Só m e disse estas palavras:
"Filha, se queres dar m uita glória a Jesus e salvar-Lhe almas, deixa-O fazer
de ti tu d o que quiser e entrega-te a seu Amor."
"Ela m e deu sua benção, m e fez beijar sua m ão e desapareceu."
Josefa criou ânim o nesse abandono que exige dela tanta im olação e tanto
sofrim ento, para conservá-la fiel dia a dia.
N ão pode, porém , afastar um a inquietação. Parece-lhe que em torno dela já

204
se pressente algo acerca dos desígnios de que é instrum ento e sua hum ildade,
seu desejo de apagam ento se alarm am . .
"Eu queria falar disso tu d o a N osso Senhor d u ran te as vésperas - escreve
ela no dom ingo, 10 de dezem bro - e m al havia eu com eçado, Jesus veio.
"Josefa, por que estás triste? dize-M o."
Ela renova os Votos e Lhe confia sua ansiedade.
"Já te disse que viverás escondida em m eu Coração, p o r que d u v id a s de
meu Amor?... Deixa que m inhas Palavras vão às alm as que delas precisam ."
Depois m ergulhando-a ainda m ais no sentim ento de sua inutilidade:
"Aliás, que te cabe nisso tudo?
"Q uando um a pessoa fala diante de um grande espaço vazio, sua voz res­
soa até às alturas. A ssim se dá contigo: Es o eco de m inha Voz, m as se Eu não
falar, que serás tu, Josefa?
Tais p alav ras a p ro fu n d am nela a convicção do seu n ad a, firm an d o -a ao
mesmo tem po, na confiança e na paz.
"Fui eu, Senhor, que im pedi vossa vinda?... pois já há cinco dias que não
viestes mais!
"N ão - resp o n d eu com b o n d ad e com passiva - tu n ão im p ed es a m inha
volta, m as gosto que Me desejes e Me cham es. Virei em breve falar-te de m i­
nhas Almas. Aliás se Me desagradares em algum a coisa, far-te-ei ver tu a m isé­
ria e teu nada e te m anifestarei a soberania que tenho sobre ti.
"Adeus! fica escondida em m eu Coração e deixa-te cultivar pelas delicade­
zas de m eu Amor."
Nosso Senhor não tarda, com efeito, a continuar suas confidências e na ter-
ça-feira, 12 de dezem bro, aparece à hora do costum e. Insiste sobre sua p ro ­
messa:
"Já te disse, Josefa: não te entristeças pois m eu A m or tom a conta de ti e Eu
me encarrego de te esconder bem no fundo do m eu Coração. Q uero que nunca
duvides de m eu Amor. N ão te esqueças do que te disse m ais de um a vez: nada
mais és do que um a criaturinha m iserável que se deve abandonar nas m ãos do
Criador com inteira subm issão à divina Vontade.
"E agora - continua ele - escreve ainda algum as palavras para m inhas al­
mas. O A m or transform a-lhes as ações m ais ordinárias, dando-lhe valor infi­
nito e, m ais ainda:
"M eu Coração am a tão ternam ente m inhas Almas escolhidas que q u er u ti­
lizar tam bém suas misérias, suas fraquezas e até, m uitas vezes, suas próprias
faltas.
"A alm a que se vê cheia de m iséria não atribui a si m esm a nad a de bom , e a
sua p ró p ria fraqueza a obriga a revestir-se d u m a certa h u m ild ad e q u e não
teria se se visse m enos im perfeita.
"Por isso, quando no seu trabalho ou no seu cargo apostólico, a alm a sente
vivamente a sua incapacidade... q u an d o experim enta certa repugnância em
ajudar as alm as na tendência a um a perfeição que ela m esm a não tem, é então
que se sente como que forçada a hum ilhar-se e aniquilar-se.

205
"E, se, neste conhecim ento hum ilde de sua fraqueza, corre p ara M im, pe-
dindo-M e p erd ão do seu pouco esforço, e im plora do m eu C oração força e
coragem , essa alm a não pode suspeitar com quanto am or os m eus O lhos se
fixam nela e quão fecundos to m a seus trabalhos!
"O utras alm as são pouco generosas em fazer constantem ente os esforços e
os sacrifícios quotidianos. A sua vida parece um a série de prom essas que n u n ­
ca chegam a ser realizadas.
"C om estas, im põe-se um a distinção: Se tais alm as se habituam a prom eter,
sem que no en tan to façam a m enor violência à sua p ró p ria n atu reza, nem
provem em coisa algum a sua abnegação, e seu amor, não lhes direi senão isto:
Acautelai-vos, não aconteça que pegue fogo a toda essa palha que ajuntais nos
vossos celeiros, ou que um a ventania a leve pelos ares n u m instante!"
"M as outras, e é destas que falo, com eçam o dia cheias de boa vontade e
anim adas de verdadeiro desejo de Me darem provas de amor.
"Prom etem -M e abnegação e generosidade nesta ou naquela circunstância...
Mas, chegada a ocasião seu caráter, seu am or próprio, sua saúde, que sei Eu?...
im pedem -nas de realizar o que, com tanta sinceridade, haviam prom etido al­
gum as horas antes.
Todavia, caindo em si, hum ilham -se, reconhecem a sua fraqueza e, cheias
de confusão, pedem -M e perdão e renovam a prom essa. Ah! fiquem sabendo
que essas alm as agradam -M e tanto quanto se não tivessem caído."
Tocou o sino para um exercício religioso e Jesus fiel ao prim eiro sinal de
obediência, p artiu como u m relâm pago.

206
Graças do Advento e do Natal
13 de dezem bro - 31 de dezem bro de 1922

" C om p reen d este o A m or q ue ten h o p ela s


a lm as?"

(Nosso Senhor à Josefa - 16 de dezembro de 1922).

O m ês de dezem bro de 1922 ia trazer ao convento dos "Feuillants", um a


visita que seria ao m esm o tem po provação e alegria p ara Josefa.
Uma das M adres Assistentes Gerais da Sociedade do Sagrado Coração, vin­
da de Roma, percorria as casas de França. Reinava g rande júbilo na família
religiosa de Poitiers, acolhendo a R everenda v isitadora q u e trazia graças e
bênçãos para as alm as e para as obras.
O coração ardoroso de Josefa desejaria regozijar-se, sem apreensões, com
aquela alegria da fam ília, m as ad iv in h av a q u e as M ad res su b m e te ria m à
visitadora m uita coisa a seu respeito e que ela própria teria que responder a um
interrogatório. Os antigos receios parecem d esp ertar nela em bora não perca
sua confiança no divino Mestre.
"C onheci ainda ou tra vez - escreve na quarta-feira, 13 de d ezem b ro - a
fidelidade de Jesus em m anter suas prom essas.
Nossa M adre Assistente Geral me entreteve por um instante... e m e recebeu
com b on dade que eu nunca ousaria esperar. Nosso Senhor bem m e dissera,
muitas vezes:
"Se Me fores fiel não te abandonarei e nada jam ais te prejudicará."
E cada dia mais claram ente verifico isso."
N o dia seguinte, quinta-feira, 14 de dezem bro, veio Jesus encontrá-la no
silêncio da pequena cela:
"Vê - diz - com o sou para ti Pai e Esposo fiel. N ada tem as jamais, m esm o
quando te parecer que a borrasca se vai precipitar sobre ti."
Depois, com aquele ardor que o A m or não pode conter:
"Dize à M adre que Me glorifico no ab andono de m inha Sociedade. Q ue
todas as circunstâncias são perm itidas ou dispostas p o r m eu Coração, em vista
da m inha obra... que m uitas alm as se salvarão por interm édio de m inha Socie­
dade... que m inhas Esposas... e que m uitas o u tras alm as que não apreciam
assaz o valor das m ínim as ações feitas com amor, encontrarão aí fonte de gra­
ças e de consolo."
E depois de ter respondido a tu d o que ainda perturbava a alma de Josefa:
"A deus — diz com incom parável bondade — abandona-te à m inha g uarda
e não duvides jamais do A m or de m eu Coração. Pouco im porta que o vento te
sacuda ainda m ais de um a vez: a raiz de tua pequenez está fincada na terra de
pieu Coração.
"Falarei outra vez para m inhas alm as—acrescenta antes de desaparecer —

207
A gora consola-M e. Beija m eus pés. M ais tarde dar-te-ei m inha C ruz."
N ão tarda em vir trazê- Ia.
"Eu fazia m inhas costuras e esperava N osso Senhor — escreve ela na Sexta-
feira, 15 de dezem bro — quando, pelas oito e meia, Ele veio... trazia a Cruz,
m as nen h u m traço de tristeza. Seu Coração, seus olhos estavam m ais belos que
nunca! "
Ela não sabe com o trad u zir sua adm iração. Sua atitude, sua túnica, de um
branco brilhante, o escuro de sua Cruz, destacando-se sobre aquela luz, era de
beleza tal que não podia explicar...
"Ajoelhei-m e renovando os Votos. Adorei-O, pedi-Lhe que m e desse am or
verdadeiro e Lhe disse: que bom , Senhor! Trazeis-me vossa Cruz!"
"Tu a queres?" tornou logo.
E com o ela se oferecesse para tu d o que dela esperava:
"Toma-a e consola-M e. O cupa-te de m eus interesses, pois Eu cuido de ti."
D epois, respondendo ao pensam ento que lê no fundo de seu Coração:
" Sim! é verdade que não preciso de ninguém ., m as deixa-M e pedir-te am or
e p o r ti, Esposa de m eu Coração, m anifestar-M e, um a vez mais, às alm as. "Deixa
m eu Coração abrir-se e repousar, derram ando A m or sobre este g ru p o de almas
escolhidas."
"Q uero, desta vez, que a Sociedade de m eu Coração seja a M ensageira de
m eu A m or pelas almas... Q uero que todas as alm as saibam a que ponto este
A m or as procura, as deseja e as espera para inundá-las de felicidade.
"N ão tenham m inhas alm as m edo de Mim! não se afastem de M im os peca­
dores.., venham refugiar-se em m eu Coração! Recebê-las-ei com o m ais terno e
m ais paternal Amor.
"Tu, Josefa, am a-M e e nada receies de tua fraqueza, pois te sustentarei. Tu
Me am as e Eu te am o. Es M inha, sou teu. Q ue podes querer m ais?" "Dizia tudo
isso com tão ardente bon d ad e — escreve ela—que m e deixou com o que perdi­
da nele. N ão sei explicar o que se passou em m inha alma... Pedi-Lhe que me
ensinasse a amar, pois é a única coisa que desejo sobre a terra: viver p ara amar
Jesus, tão bom !" N o dia seguinte, sábado, 16 de dezem bro, N osso Senhor lhe
ensina o segredo do verdadeiro amor:
"Josefa — diz-lhe — já que és m inha Esposa, sabes que é dever da Esposa
consolar o Esposo... com o o papel do Esposo é am parar e sustentar a Esposa. "
"N ão p u d e conter m eu coração — escreveu ela — e repetí-Lhe todo meu
amor. Jesus m e escutou com um a bondade que não se pode sequer suspeitar. "
"Hoje, continuou, vais consolar-M e: entra bem d en tro d o m eu C oração e
apresenta-te a m eu Pai com todos os m éritos de teu Esposo.
"Pede-Lhe perdão p ara tantas alm as ingratas. Dize-Lhe que estás pronta,
na tua pequenez, para consolá-Lo e reparar as ofensas que Ele recebe.
"Dize-Lhe que és um a vítim a m uito m iserável. Mas, coberta com o Sangue
de m eu Coração. "
"Passarás assim o dia, im plorando perdão e reparando. Q uero que unas teu
coração ao zelo e ao ardor que consom em o Meu. C om preendem bem as almas

208
que sou sua Felicidade e sua Recompensa!
"N ão se afastem de Mim! Amo-as tanto!... todas as almas! M as quero espe­
cialmente que m inhas A lm as escolhidas com preendam a predileção de m eu
Coração por elas. "
Então, depois de ter falado da "Sociedade" de seu Sagrado Coração, acres­
centou:
"E tu, Josefa, com preendeste o A m or que tenho pelas almas? "
"Como não, Senhor! — exclama ela — Estais sem pre ocupado com elas!"
"É por isso que tanto am o a m inha Sociedade e que m eu Coração repousa
nela com tanto amor.
"É porque ela com preendeu o valor das alm as e a glória de m eu Coração.
Adeus, Josefa, consola-M e e repara. "
As despedidas do Senhor deixam sem pre a m esm a senha de am or. À m edi­
da que se escoam os dias e os meses, a filha generosa com preende cada vez
melhor, até que grau a vida de reparação tem que ser sua e com o a Graça de
sua vocação a acorrenta à cruz red en to ra d o Salvador. É ex atam en te o que
Jesus faz q uestão de frisar em cada en treten im en to . N ão a co n d u z fora do
caminho seguríssim o de sua vocação, m as im pele-a até às conseqüências reais
da doação total de si m esm a ao Coração Sagrado.
No dom ingo, 17 de dezem bro, um pouco antes da m issa das nove horas, Ele
foi encontrá-la na sua cela:
"Consolaste-M e ontem — disse — p orque não m e deixaste só. H á tantas
almas que Me esquecem e tan tas o u tras que se ocu p am de m ilhares de fu-
tilidades e Me deixam sozinho, d u ran te dias inteiros!... m uitas outras que nem
ouvem m inha Voz e, no entanto, Eu lhes falo sem cessar... m as seu coração está
apegado às criaturas e às coisas aqui da terra...
"Dir-te-ei tu d o isso m ais tarde e te m ostrarei o consolo que m e dão as almas,
principalmente as alm as escolhidas, quan d o não Me deixam só! . . . C ontinua-
rás a escrever, a fim de que saibam , até que p o nto m eu Coração as am a. A gora
vai. Hei-de voltar! "
"A missa das nove estava tocando, nota ela". Jesus, o fidelíssimo am ante da
Regra, havia partido.
Passam-se cinco dias. Todas as m anhãs, Josefa espera o M estre que lhe dis­
sera: "Hei de voltar, " m as não volta.
Essa liberdade soberana não é a m enor prova de sua Ação. Gosta de indife­
rença, é certo, m as não quererá mais ainda, provar, pela incerteza e o im previs­
to de suas visitas que são verdadeiram ente dele e que n en h u m a d ú v id a será
possível a respeito disso?
A 22 de dezem bro, ela escreve:
"Há cinco dias que N osso Senhor não vem. Entretanto, disse-m e que volta­
ria... O que m e aflige é não saber se lhe desagradei em algum a coisa, pois não
tenho mais nem a C ru z nem a coroa! "
Continua as notas:
"Antes de m e deitar, ajoelhei-me para Lhe dizer adeus com o todas as noites

209
e acrescentei: "Senhor! há cinco dias que Vos cham o e não vindes!'
N ão acabara a frase e Nosso Senhor já ali estava, resplendente de beleza:
"H á cinco dias que Me cham as, Josefa! E Eu, há quantos anos, cham o as
alm as e elas não Me respondem !
"Q uando Me cham as, não estou longe de ti, m as ao contrário, m uito próxi­
mo! Q uando cham o as almas, m uitas não Me ouvem .. m uitas se afastam . Tu
ao m enos, consola-M e, cham ando-M e e desejando-M e. Sacia m inha Sede com
a fom e que tens de M im. "
Q uantas alm as lerão nestas palavras, brotadas do Coração de Jesus, a razão
divina das longas e d em o rad as Visitas! Q uantas alm as h au rirão coragem , e
m esm o alegria, no pensam ento de Lhe saciarem a Sede, oferecendo-Lhe sua
fome de Jesus.
Esse período, que arraigou Josefa na sua vocação reparadora, e in au gurou a
M ensagem que ela tinha que transm itir ao m undo, term ina no N atal, com uma
cena cheia de encanto. Ela transcreve com toda sim plicidade... Sua alm a har-
m oniza-se cada vez mais, com a pequenez do M enino Deus. M as entre eles não
se trata de outra coisa senão da Redenção das almas: aí está mais que nunca o
laço que os une. C onvém trad u zir essa narração sem com entário algum .
"Segunda-feira, 25 de dezem bro de 1922 — D urante as vésperas, repetia
m eu am or ao M enino Jesus, pois apesar da grande tentação dos dias preceden­
tes, Ele bem sabe ser m eu único Amor, m eu Rei e m eu Tesouro. N ão posso viver
sem Ele. E m inha alegria e m inha Vida. Estava falando assim, quando, de re­
pente, vi-o pequenino. Estava sustentado p o r algum a coisa que eu não via e
enrolado n u m pano branco que lhe deixava descobertos os bracinhos e os pezi-
nhos. Tinha os braços cruzados sobre o peito e os olhos tão encantadores, tão
alegres, que pareciam falar. Os cabelos eram m uito curtos; tu d o nele, enfim,
era pequeno. Com voz m uito terna e suave disse:
"Sim, Josefa, sou teu Rei!
"Q uero — continua o M enino Deus, quero que Me faças um a tunicazinha
o rnada de m uitas almas... daquelas alm as que m eu Coração tanto ama! "
Depois, voltando ao prim eiro pensam ento:
"Vês com o sou pequenino! Pois bem, quero que sejas ainda m ais pequena.
Sabes como?... Com tua sim plicidade, tua hum ildade, tua pro n tid ão em obe­
decer. E tam bém , Josefa, m eu Coração procura o calor do am or e só as almas
Lho podem dar. Dá-Me calor e dá-M e almas. Preparei-te u m g rande número
delas. N ão atrases m inha Obra!
" Se Me deres alm as, Eu te darei m eu Coração. Dize-Me, qual de nós dois
faz dom maior?...
"Voltarei em breve. Enquanto esperas, começa logo m inha túnica e dá-Me
alm as com teu amor! Vê quantas se afastam... não as deixes escapar...
Pobres almas!...não as deixes fugir Josefa. Elas não sabem p ara onde vão! "
Dizia isso tudo - observa ela com voz cheia de ternura. Q uando com eçou a
falar abriu os bracinhos. Estava tão lindo, tão encantador que m uito m e custou
n ão lhe p o d er beijar os pés m as não ousei dizer-lho. Parecia to d o em fogo.

210
Enfim, era tão lindo que não posso escrever e pronunciava estas palavras com
tanta doçura que é im possível explicar." Essa encantadora festa de N atal teria
seu prolongam ento. "E nquanto me preparava para a santa com unhão - conti­
nua ela - na terça-feira, 26 de dezem bro, pedia a N ossa Senhora que fosse ela
que m e desse o seu Filho e que m e ensinasse a am á-lo e consolá-lo. Falei-lhe
como se fala a um a M ãe, com m uita confiança e depois de ter com ungado,
supliquei-lhe que O adorasse p o r m im e que m e ensinasse a render-lhe graças.
"De repente, ela veio vestida como há dois anos, com m anto rosa pálido, da
mesma cor que o céu. Estava de pé e trazia o M enino Jesus envolvido n u m
pano branco com o ontem , m as não se via nem sua cabecinha, n ad a, Ela tão
boa, tão Mãe, logo m e disse: " O lha , filha, trago-te Jesus. " E ao m esm o tem po
descobriu-O. " Põe-no bem no fundo do teu coração. Vê com o tem frio! Tu, ao
menos, aquece-o com teu amor. Ele é tão bom e te am a tanto! Q ue seja Ele o
único Rei de teu coração. " E nquanto ela m e falava, o M enino Jesus estava
deitado nos braços da Mãe, levantava os olhinhos p ara vê-la e olhava p ara
mim tam bém , de vez em quando. " Eu disse à Santíssim a Virgem com o deseja­
ria amá-lo! M as m uitas vezes não sou bastante fiel a tu d o que Ele m e pede,
principalm ente quand o tenho de d ar algum recado de sua parte..." E sem pre
por causa das resistências que ela precisa arrepender-se. Então Jesus com vozi-
nha doce, como a das criancinhas, disse: "M ãe, pedi à Josefa que Me fizesse
uma túnica ornada de m uitas alm as. Há tantas que Me escapam!... E sabeis
quantas confio às alm as que amo. Q uando correspondem à m inha espectativa
é o m aior consolo que possam d ar a m eu Coração. " E a Santíssim a Virgem
continuou tam bém : "Sim, dá-lhe almas, filha e não as deixes afastarem -se dele...
Olha!...Vai chorar! "
" Disse-lhe que é todo o m eu desejo, m as m uitas vezes sem perceber lhe
desagrado e lhe resisto porque me deixo enganar pelo dem ônio."
"N ada tem as, filha, Jesus só espera a tua boa vontade. Esforça-te, sim , e
prova-Lhe, desse m odo, teu amor. Sabes como fazer? Jesus quer-te pequena,
muito pequenina... tão pequenina que possas caber aqui. "
E com a m ão, m ostrava à Josefa o espaço vazio entre seu Coração e o M eni­
no Jesus que nele trazia apoiado.
"Ela sorria dizendo aquilo — escreve Josefa — e o M enino olhava-a sorrindo
também."
"Não sabes com o aqui ficarias bem " continuou a Virgem.E Jesus agitando
os bracinhos disse:
"Josefa, experim enta. . . e verás!... " "Com o são m uito bons, am bos, p ed i
outra vez perdão por todas as m inhas resistências, p o r tu d o que m e passa pela
cabeça no m om ento de tentação. . . A Santíssim a Virgem respondeu:
"Sim, é verdade, há m om entos em que és m uito ingrata. Sabes p o r quê? E
que pensas mais em ti que nele. N ão olhes para o que te custa e dá-lhe provas
de teu amor, fazendo tu d o que te ordenar. Se te m an d ar falar, fala. Se te m an­
dar calar, cala-te. Se te m an d ar amar, am a. Q ue te im porta, se é Ele quem cuida
de ti? "

211
"Prom eti-Lhe obedecer em tu d o e com o já com eçasse a cobrir o M enino
para partir, pedi-Lhe licença para beijar os pezinhos.
"Sim, beija-os!"
"Enquanto os beijava, Jesus passava a m ãozinha sobre m inha cabeça, com
m uita doçura... Beijei tam bém a m ão da Santíssima Virgem. Ela cobriu o Meni­
no Jesus, dizendo:
"A deus, filha! N ão esqueças a túnica!... Aquece-O e dá-Lhe almas!"
"Depois partiram am bos. "
Acabar-se-iam as graças dessa deliciosa visita com São João, o am igo das
alm as virgens. Josefa tenta desta vez descrevê-lo a seu m odo, nas linhas se­
guintes.
"Veio d u ra n te m in h a adoração. Era de beleza m ajestosa, o braço direito
estendido, a m ão esquerda sobre o peito. De porte esbelto, é m ais alto e mais
forte que N osso Senhor. Tem feições mais d u ras e m ais acentuadas. Os olhos
são negros, o rosto pálido e os cabelos castanho escuro. Está envolto em clari­
d ad e m uito p u ra e quan d o fala é tão lentam ente, e em tom tão grave, que as
palavras penetram até o fundo da alma. Sua voz é ao m esm o tem po suave e
forte, com o algo de celeste.
"Renovei os Votos e ele disse logo:
"Alm a, Esposa do Coração Divino, já que o M estre adorável quis achar de­
lícias nas alm as puras, venho reanim ar em ti o fogo que te há de consum ir de
am or; por aquele divino Coração.
"Foi Ele que prim eiro nos am ou. C orresponda nosso am or ao dele em grati­
dão, constância, ternura e generosidade. Seja p u ro e sem m istura de interesse
próprio. Esteja sem pre a Bondade desse divino Coração presente a nossos olhos.
"Seja ela o prim eiro m otivo do am or que não deve pro cu rar senão o bem e a
glória daquele que ama.
"A lm a escolhida com predileção pelo divino M estre, fixa tua m orada em
seu Coração.
"Deixa-te purificar e inebriar pelas doçuras celestes.
"Q ue tua passagem sobre a terra seja com o a da pom ba que m al roça o
chão. Com o abelha sobre a flor, que tua alma não descanse nesta vida senão
para buscar o alim ento necessário."
"Para a alm a que am a o divino M estre, o m u n d o é apenas, escura passa­
gem . "
" C ruzou as m ãos sobre o peito e calou-se um instante, Estava tão belo que
parecia um anjo. Eu não ousava falar. Afinal atrevi-m e a perg u n tar se Nosso
Senhor era consolado no m eio das alm as religiosas, Ele que tanto am a a virgin­
d ad e.
" São João olhou para o céu, seu rosto se ilum inou e respondeu:
"As alm as virgens são m oradas de amor, onde descansa o C ordeiro imaculado

"M as entre essas algum as há que causam adm iração ao céu .


" Sobre elas fixa o Esposo celeste seu O lhar puríssim o e nelas distila o suave

2/2
perfum e que em ana de seu Coração. "
"Então, estendendo o braço direito abençoou-m e e disse:
"Deixa-te possuir e consum ir p o r Ele. Q ue toda a tua solicitude e todo o teu
ardor se em preguem em lhe obter glória e am or e que sua p az te g u ard e."
Naquela tarde 27 de dezem bro, Jesus renova à Josefa a Graça insigne que dois
anos antes na m esm a data, lhe havia concedido.
''Pelas oito horas, veio cheio de beleza... A Chaga do Coração estava abrasa-
da e am plam ente aberta."
" Vem — disse — entra em m eu Coração e descansa, M ais tarde dar-M e-ás
o teu para Eu nele repousar. "
E atraíndo-a m isteriosam ente, m ergulha-a naquele abismo.
"Pensei que era o céu — escreve ela, incapaz de continuar a narração.
"É im possível explicar o que é entrar naquele Coração "
Depois de m ais de um a hora naquele inefável repouso, Jesus, devolvendo-a
à terra lem bra à Esposa o alvo a que visam todos aqueles favores.
"N ão esqueças — diz-lhe — que as alm as que escolhi devem ser vítim as."
Josefa não pode esquecê-Lo. Já se gravou p ro fu n d am en te dem ais em sua
alma esse D esígnio do M estre, ela sabe que a união não se com pleta senão
sobre a cruz. E, no m om ento em que Iho repete, Jesus m ostra-Lhe, p o r m eio de
um símbolo, com o gosta de exprim ir seu pensam ento, que será sem pre o A m or
que a m arcará com a Cruz.
"Enquanto Ele falava, vi — diz ela — um a pom binha m uito alva; as asas
cinzentas estavam abertas como se quisesse levantar vôo p ara o C oração de
Jesus.
Mas ela era repelida p o r um jato que saía da C haga e que caía sobre sua
cabecinha, de um a alvura brilhante. Trazia um a cruz negra im pressa u m p o u ­
co abaixo do pescoço.
Josefa não faz com entário algum sobre o fato. M ais tarde e, até à m orte, verá
de vez em quando, a m esm a pom binha. M as o M estre lhe terá explicado o
sentido dessa visão, im agem de sua Alma.
Por en quanto a luz se apaga. A inda não é tem po de levantar vôo p ara o
Coração de Jesus. U m ano de graças, lutas, sofrim entos, provações de toda
espécie separa-a da entrada definitiva no Coração adorável.
Mas, é o fogo do am or que a detém cativa da dor, para continuar p o r ela, a
se revelar ao m undo.

213
VIII - A QU A RESM A DE 1923

A Via Dolorosa
1° de janeiro de 1923

A obra de Jesus d ev e ser fu n dad a sob re


m u ito so frim en to e amor".

(A Santíssima Virgem à Josefa - 21 de janeiro de


1923).

Está na aurora o ano de 1923 que findará com a m orte de Josefa.


Abre-se pois diante dela a últim a etapa: Josefa o adivinha. Aliás, no dia 3
de dezem bro precedente p o r ocasião de um a cerim ônia de confirm ação na
capela do Sagrado Coração. N ossa Senhora lhe anunciara que deveria transm itir
ao Bispo de Poitiers as palavras de seu Filho. Depois acrescenta: "Vê-lo-ás três
vezes antes de m orrer".
O céu paira, pois, no horizonte de Josefa e essa esperança lhe reanim a a
coragem .
Dela precisa m uito, pois várias som bras estão descendo sobre seu cam inho e
os prim eiros dias de janeiro já trazem outras provações. Entra em cena de novo
o dem ônio e recom eça seus antigos ataques. Entre espancam entos e ameaças,
raptos e longas horas passadas no inferno... Jesus, que a g uarda com o Esposa
caríssim a nela esculpe a sua im agem e associa-a na m esm a m edida à O bra de
R edenção.
A ssim salva as alm as e prepara cam inho para a M ensagem do Amor. Em
v ã o se e x a s p e ra o fu ro r satâ n ic o e ju lg a às v ezes triu n fa r. N o in stan te
determ inado pelo Soberano do céu e do inferno, ele se esvai com um a blasfêmia...
Foi assim que escreveu Josefa na segunda-feira, 8 de janeiro de 1923:
"Tinha no coração, hoje de m anhã, im enso desejo de Jesus. N estes dias em
que estou sofrendo tanto, o m om ento da com unhão é um grande alívio.
"Hoje, depois da noite pavorosa passada no inferno, esperava-O com mais
desejo ainda!...
"Voltando da santa mesa, vi de repente N osso Senhor; cam inhava à minha
frente e virando-se disse:
"Vem, Josefa, m eu Coração te espera!"
"Logo renovei os Votos e Ele repetiu:
"Sim, m eu Coração te espera".
"Tornei a renovar os Votos e Jesus continuou:
"Tu M e repousaste e chegou m inha vez de te d ar repouso"
"Então abriu-se-Lhe o Coração e me fez entrar."
D ecorrem alguns instantes que Josefa cham a "instantes do céu", naquela
divina M orada. - "Q uando m e fez sair - escreve ela - confiei-Lhe todo o meu

214
pavor do dem ônio e de suas ameaças. Supliquei-Lhe que nunca lhe perm itisse
enganar-M e."
Jesus respondeu:
"Por que temes? N ão sabes que sou mais poderoso do que ele e do que todos
os teus inimigos?
O dem ônio com to d a a sua fúria não p o d e cau sar d an o m aio r d o q u e o
perm itido por m eu A m or - Sou Eu que perm ito o sofrim ento das A lm as que
amo. Esse sofrim ento é necessário a todas e posso assim servir-M e delas para
arrancar m uitas alm as ao inferno".
E, aludindo às vãs am eaças que ela não pára de ouvir:
"N ão as receies - repete - e confia em M eu Coração que vos g u ard a a todas,
como a m enina dos olhos. Sim, Josefa, esta casa é m u ito am a d a p o r m eu
Coração... em bora m uitas vezes derram e Eu nela a am argura de m eu Cálice...
"Voltarei em breve para que escrevas m ais segredos do m eu Amor."
"Enquanto esperas, continua a trabalhar na m inha túnica!"
E depois dessa recordação do p ed id o do N atal, Jesus desaparece e Josefa
entra de novo na obscura tem pestade que tem de atravessar.
A inda um a vez brilha a claridade celeste naquela noite, a 21 de janeiro N ossa
senhora está sem pre perto da filha nas horas dolorosas.
Como tem m ais tem po na m anhã de dom ingo, Josefa acaba de escrever suas
notas. E um trabalho penoso para sua obediência sobretudo q u an d o tem que
relatar o que vira e ouvira no abism o em que tão frequentem ente descia naquela
época.
"Faço isto - nota ela - para obedecer e p rovar a Jesus que O am o."
A Virgem Santíssim a que lhe aparece na capela, pela tarde g arante que o
mérito daquele ato:
"Porque venceste tuas repugnâncias p o r am or - diz - abriu-se o céu p ara
sempre a um a alm a cuja salvação estave em perigo".
"Se soubesses quantas alm as podem ser salvas p o r pequeninos atos!"
"É tão boa e tão M aternal que m e atrevi a confiar-Lhe m u itas coisas... e
respondeu:
"Jesus quer que duran te a tua vida suas palavras fiquem escondidas. Depois
de tua m orte, serão conhecidas de um polo a outro da terra e m uitas alm as com
essa luz se salv arão no cam inho da confiança e d o a b an d o n o ao C oração
misericordioso de Jesus".
E como Josefa, sem pre tím ida diante de tão grandes coisas, exprim isse àquela
Mãe incom parável todas as suas ansiedaedes:
"Filha - diz ela com ternura - não tenhas susto, a O bra de Jesus terá que ser
fundada sobre m uito sofrim ento e m uito amor.
"N ada receies, Jesus é todo-poderoso e é Ele quem opera. É Forte e é quem te
sustenta. É m isericordioso e é quem te ama!"
Depois prevenindo-a, por assim dizer, acerca das tribulações p o r que ia passar:
"Ele conhece o fundo dos corações e é Ele que perm ite todas as circustâncias.
Se mais de um a vez teus Planos te parecerem transtornados, é que te quer conservar

215
m uito hum ilde e pequena".
Josefa torna a dizer seu receio de pôr obstáculo aos seus Desígnios.
"E verdade que és m uito m iserável - responde a Virgem com com paixão -
m as é justam ente por causa dessa m iséria que Jesus tem pena de ti e que te
abriga no fundo do seu Coração, a fim de que nada te possa atingir. H um ilha-
te por tua pequenez e tua miséria, filha, m as confia nele pois te am a e jam ais te
ab an d o n ará. Seja toda a tua am bição dar-L he m uitas alm as, m u ita glória e
m uito amor.
"Pedi-Lhe a benção e Ela m e traçou sobre a fronte o sinal da cruz com dois
dedos dizendo:
"Sim, abençôo-te de todo o Coração."
"E desapareceu."
O Céu parece fechar-se de novo e o dem ônio encontrar novam ente seu poder
para dispor dos dias e das noites de Josefa.
E n tre ta n to , n a q u in ta -feira , I o de fev er eiro , S an ta M a d a le n a Sofia
apareceu-lhe com o m ensageira precursora de paz.
C onvida-a a ir à cela que outrora santificara com sua oração e sua santidade.
A nuncia-lhe a entrada no céu de cinco de suas filhas, cujos nom es lhes dá e
c o n sa g ra n d o , p o r assim dizer, a su a p resen ça n aq u ele lu g a r d e bênçãos,
acrescenta:
"N ão podes avaliar com que alegria vejo virem aqui m inhas filhas caríssimas.
Do alto do céu as abençôo com ternura de Mãe e derram o sobre elas muitas
graças... M eu desejo é que cada um a seja para o Coração de Jesus um lugar de
repouso e de amor."
A lguns dias depois, a 4 de fevereiro, reconforta-a com as seguintes palavras:
"N ão te canses de sofrer. As alm as que sofrem por am or verão grandes coisas,
não no tem po, m as na eternidade".
Volta ainda na segunda-feira, 10 de fevereiro, depois de m uitos dias de
d u ras provações, a anunciar-lhe a próxim a vinda de N osso Senhor:
"Proteja sua Paz o teu coração, filha... Ele virá em breve, consola-O com
g rande confiança. N ão esqueças que se é teu D eus é tam bém teu Pai e, não
apenas teu Pai, m as teu Esposo... N ada receies e fala-Lhe de tudo, pois está
sem pre pronto para te escutar. É tão bom , o nossso Deus!
E o seu Coração tão compassivo!..."
Com o era véspera das Q uarenta Horas:
"Consolai-O e amai-O, acrescenta - Repouse aqui entre vós o seu Coração e
tua pequenez Lhe salve m uitas almas!"
Depois, insistindo sobre o pensam ento principal de sua vida:
"Sim, consolai-O com vossa hum ildade pois onde há h um ildade tu d o está
bem , m as onde falta h um ildade tu d o vai às avessas".
E depois de lhe ter confiado alguns desejos maternais:
"A deus - disse, abençoando-a. N ada recuses a teu D eus".
A ta rd e , o d e m ô n io e x a s p e ra -s e c o n tra a in te rv e n ç ã o d a san ta e
principalm ente contra seus conselhos:

216
"E ssa b e m -a v e n tu ra d a a rru in a to d o o m e u p o d e r, so m e n te co m su a
hum ildade".
E como se fosse obrigado a confessar o segredo infernal:
"Ah! - ruge com um a blasfêm ia - quando quero ag arrar u m a alm a basta-m e
excitar-lhe o orgulho... se quero perdê-la basta-m e deixá-la seguir o institno do
orgulho...
"E o orgulho que opera m inhas vitórias e não terei repouso enquanto não o
vir transbordar no m undo. Eu me perdi p o r orgulho, não consentirei que as
almas se salvem por hum ildade.
É bem claro - concluiu nu m grito de rancor - todas as alm as que chegam ao
cume da s a n tid a d e são as q u e se e n te rra m no m ais p ro fu n d o ab ism o da
hum ildade."
Josefa transcreverá tal confissão diabólica com grande em oção, e no m eio de
muitos padecim entos exultará seu am or filial diante desse testem unho inesperado
prestado à hum ildade de sua santa M adre Fundadora.
A época das Q uarenta H oras estava-lhe sem pre no auge d a vida reparadora.
Mas este ano é o últim o na terra em que N osso Senhor a convida d u ran te tais
dias de prazeres desenfreados e dos gozos desregrados, a carregar com Ele a
cruz das alm as que se perdem .
Seu am or m uito crescera d u ran te o ano passado e agora, já com o Esposa, é
que participará das am arguras do Coração chagado do M estre. Ela O espera,
pois Santa M adalena Sofia a havia p rep arad o ao próxim o encontro.
No dia 11 de fev ereiro , d o m in g o as Q u aren ta H oras, d u ra n te a M issa,
aparece Jesus de repente. H avia já um mês que ela não O vira.
"Josefa - diz Ele - queres consolar-M e?"
Ela renova os Votos e Lhe exprim e seu ard en te desejo, não sem algum a
reticências:
"pois - acrescenta - tenho m edo de m im m esm a, que sou cada dia m ais
miserável".
"Não penses no que és - responde N osso Senhor - dar-te-ei força p ara tudo
que te pedir. N ão esqueças, Josefa, que perm ito tuas m isérias e tuas quedas, a
fim de que, apesar das graças que te faço, estejas sem pre diante do teu nada."
Depois seu coração inflama: "E agora vam os ocupar-nos das almas!...
"M uitas se perdem é verdade... m as nós poderem os arrancar m uitas outras
ao cam inho da perdição e m eu Coração, será ao m enos consolado das ofensas
que recebe. "Sabes, Josefa, com o os pecadores Me despedaçam e com o preciso
de almas que reparem .
"Eis porque venho repousar no meio daquelas que Eu m esm o escolhi! Saibam
essas alm as com sua fidelidade e seu amor, cicatrizar as chagas que recebo dos
pecadores. C om o é necessário que haja v irtu d e p ara rep arar a am arg u ra de
meu Coração e aliviar sua Dor! Q uantos pecados!... e quantas alm as se perdem !"
Ela Lhe suplica que venha entre suas Esposas, pois outra coisa não desejam ,
e que lhes inspire o que hão de fazer p ara consolar sua dor.
"A única coisa que quero - responde - é o amor: A m or dócil que se deixe

2 /7
conduzir pela ação daquele a quem ama... A m or desinteressado que não procure
nem o seu prazer, nem o seu próprio interesse, m as os do Bem-Amado.
"A m or zeloso, ardente, devorador, que vença todos os obstáculos opostos
pelo egoísmo: eis o verdadeiro amor, aquele que arranca as alm as ao abismo
em que se precipitam ."
E n co rajad a com ta n ta co n d esced ên cia, Josefa c o n tin u a su a s ingênuas
p erg u n tas.
"C om o é que - escreve ela - a gente reza p o r um a alm a m eses a fio e a oração
parece nada obter?... Como, Ele que tanto deseja a conversão dos pecadores,
n ão lhes com ove os corações p ara que não se percam tantas preces e tantos
sacrifícios?
"... E Lhe falei de três pecadores, de dois sobretudo, para os quais rezamos
aqui há tanto tem po!"
"Q uando um a alma ora por um pecador com o desejo ardente de sua conversão
- responde Ele condescendente - obtém, quase sem pre, o que pede. Q uando não
seja antes, no últim o m om ento, e, sempre, o m eu Coração encontra nessas súplicas
a reparação da ofensa recebida.
"De qualquer m aneira, a oração nunca é perdida, porque p o r um lado, repara
a injúria causada pelo pecado e, p o r outro, alcança m isericórdia se não para
aquele pecador, ao m enos p ara outros p ro n to s a recolherem o fru to dessas
súplicas.
Há alm as que, du ran te a vida e d u ran te a eternidade, são cham adas a dar-
M e a glória que lhes pertence a elas dar-M e e a que d everiam d a r a minha
G lória não é atingida, pois que um a alm a justa p o d e rep arar os pecados de
m uitas outras.
"Seja esta tua constante oração, Josefa: "Eterno Pai, que p o r am or às almas
entregastes à m orte vosso Filho Único, pelo seu Sangue, pelos seus méritos e
pelo Coração, tende piedade do m undo inteiro e perdoai todos os pecados que
se com etem .
"Recebei a hum ilde reparaçãao das vossas alm as escolhidadas e uni-as aos
m éritos do vosso divino Filho.
O Pai Eterno, tende piedade das almas! e não esqueçais que ainda não chegou
o tem po da justiça m as sim o da M isericórdia".
"N ão Me recuses nada - disse antes de se afastar - e não esqueças que preciso
de alm as q ue continuem a m inha Paixão p ara deter a cólera divina. Mas -
acrescenta Ele sossegando-a - Eu te sustentarei."
Termina à tardinha o entretenim ento da m anhã: Josefa está na Capela das
O b ra s , d a q u a l é s a c ris tã , q u a n d o , d e re p e n te , o S e n h o r lh e aparece:
"N ão podes saber como repouso em ti - disse-lhe - com bondade."
"M a s, S e n h o r - r e s p o n d e ela - s e rá p o s sív e l? - N ã o faço n a d a de
extraordinário!"
"N ão te admires!... A pesar de tantas ofensas que recebo dos pecadores, meu
Coração está consolado porque tenho m uitas alm as que Me amam! Sim, sem
d ú v id a sinto vivam ente a p erd a das almas... m as essa dor não atinge a minha

218
Glória.
"C om preende bem , um a alma que Me am a pode rep arar as ofensas de m uitos
pecadores e aliviar m eu Coração".
"Expliquei-Lhe que gostaria de ser um a dessas alm as que O am am . Q ue
poderia eu fazer para Lhe p ro v ar m eu Amor?...
... D urante a Q uaresm a queria conseguir ser m uito sim ples, m uito dócil... e
principalm ente consolá-Lo com m inha hum ildade, com o nossa B em -aventurada
Madre m e disse outro dia, som ente não sei o que fazer p ara isso."
Então com o um pai se inclina sobre a filha para lhe explicar a lição, N osso
Senhor lhe diz:
"A h u m ild a d e d e q u e te fala tu a B em -av en tu rad a M ad re n ão co n siste
precisamente em palavras, nem em atos exteriores, m as está na fidelidade da
alma m ovida pela graça em aderir a todas as inspirações dela, sem se deixar
levar pelas sugestões do am or próprio. Isto não im pede, aliás, que a alm a recorra
aos atos exteriores para adquirir a verdadeira e p ro fu n d a hu m ild ad e. É o que
te quis dizer tua B em -aventurada M adre.
"E agora, pro sseg u e - eis o que farás p ara M e consolar d o s p ecad o s do
mundo... e principalm ente de m inhas A lm as escolhidas."
"D urante a quaresm a recitarás todos os dias o m iserere com v erd ad e ira
hum ildade, acrescentado-lhe um Pai Nosso.
"Tu te prostrarás três vezes no chão, d u ran te o espaço de um a Ave-M aria
para pedir m isericórdia e p erd ão em nom e dos pecadores e farás na m esm a
intenção as penitências que te forem perm itidas.
"Desejo tem bém que três vezes p o r sem ana, entre onze horas e m eia noite,
te ponha a m eu dispor, a fim de que Eu use de ti com toda a liberdade e que nós
dois juntos possam os aplacar a cólera irritada de m eu Pai celeste e obter p erdão
para as alm as."
Ela não se atreve a assum ir esse com prom isso, "pois - diz - não sei se me
deixarão?"
"Subm ete isso, como tu d o mais, ao juízo de tuas Superioras - resp o n d e o
divino M estre. - E agora - C ontinua Ele - vou retom ar m inhas Confidências.
"D urante esta Q uaresm a, dar-te-ei a conhecer tam bém tu d o que Me possa
desagradar em tua alm a e servir-M e-ei para consolar m eu Coração cada vez
que precisar. "A deus, voltarei em breve... N ão Me deixes só... N ão te esqueças
de Mim."
Este desejo do Coração de Jesus sustenta-a nos dias dolorosos que se seguem .
Como poderia ela deixá-Lo só... enquanto os pecados das alm as se m ultiplicam
e solicitam constantem ente o seu pensam ento reparador.
A terça-feira, das Q u aren ta H oras, 13 de fevereiro, põe-na em presença
daquela grande dor que ela partilha de todo coração: está fazendo a Via Sacra
com as Irm ãs q u ando Jesus lhe aparece, com a Face ensan g ü en tad a e triste,
mas o Coração ardente. Pede-lhe que fique com Ele alguns instantes. Ela solicita
permissão e o encontra na capela grande onde o Santíssim o Sacram ento está
exposto:

219
"O lha para m eu Rosto Josefa, é o pecado que o põe neste estado. O m undo
se precipita para abism ar-se nos prazeres.
"A m ultidão de pecados que se com etem é tal que m eu Coração está como
que afogado num a torm enta de am argura e de tristeza.
O nde encontrarei alívio para m inha Dor?...
"Eis p o rq u e ven h o refu g iar-M e aq u i e p ro c u ra r am o r p a ra esq u ecer a
ingratidão de tantas alm as". "Tentei consolá-Lo - escreve ela - e um m om ento
depois tornou:"
"Vem com igo à tua cela. Lá repararem os tantas ofensas e tantos pecados!..."
"Saí da capela; Jesus andava à m inha frente... depois desapareceu. Q uando
abri a porta da cela, já lá estava; pus-m e de joelhos e Ele disse: "Prostra-te até o
chão e adora a M ajestade divina desprezada pelos hom ens."Faze u m ato de
reparação e repete comigo: "Ó Deus infinitam ente Santo! Eu vos adoro. Prostro-
m e hum ildem ente em vossa Presença e rogo-Vos em nom e do vosso divino Filho,
que perdoeis a tantos pecadores que Vos ofendem . Ofereço-Vos m inha vida e
desejo rep arar tanta ingratidão!" Parou ainda ... e com o eu Lhe perguntasse se
aquelas alm as pecadoras o feriam:"Sim - disse Ele - aquelas alm as Me ofendem
m uito, m as m inhas Almas escolhidas Me consolam ".
"Falei-Lhe assim de vez em quando repetindo-Lhe o m eu desejo de consolá-
Lo - M as que posso fazer?... tão m iserável e capaz de tão pouca coisa...""Sem
d ú v id a tornou Jesus - m as não sabes que a m iséria pouco Me im porta? ... O que
q u ero é ser o d o n o de tu a m iséria. N ão te ocupes do resto... M eu Coração
transform a tudo!"Beija outra vez o chão e repete comigo: "Pai! D eus Santo e
M isericordioso, recebei o m eu desejo de Vos consolar! Eu queria p o d er reparar
todas as ofensas dos homens... M as como isto m e é impossível, ofereço-Vos os
m éritos de Jesus Cristo, Redentor do gênero hum ano, a fim de satisfazer a vossa
justiça."
D ep o is d e u m m o m e n to d e silên cio p e rg u n te i-L h e se o d e m ô n io me
perseguiria ainda naquela noite ou se eu poderia fazer H ora Santa com o todas
dessa casa?"
"Sim, deixar-te-ei passar essa hora unida aos sentim entos de m eu Coração
que se consom e no desejo de atrair as alm as a Si, a fim de lhes perdoar.
"Pobres pecadores! como são cegos! "Só desejo perdoar-lhes e eles só procuram
ofender-M e!" Eis a m inha m aior Dor: que tantas alm as se percam e que não
v enham todas a M im, a fim de que m eu Coração lhes perdoe."
E ntão a p ro v eitan d o a B ondade d e N osso Senhor que parece disposto a
responder a todas as suas interrogações, Josefa as m ultiplica, com simplicidade
.d e criança.
"Perguntei-lhe se se lem bra de nossas faltas quando nos arrependem os depois
de nossas quedas e Lhe pedim os perdão?"
"D esde que a alm a se lança a m eus Pés e im plora m inha M isericórdia, Josefa,
esqueço todos os seus pecados.
Perguntei-L he se haverá sem pre até o fim do m u n d o tantas alm as que o
o fendam ?"

220
“Sim, infelizmente!... M as até o fim do m u n d o terei tam bém alm as que Me
consolarão."
"Q uis saber se Ele não faz ouvir sua Voz às alm as que estão m ergulhadas no
pecado para arrancá-las daquele estado, pois vejo o que se dá comigo: q u an d o
estou em tentação e que resisto à voz de Jesus, de repente, sinto em m im um a
coisa que m e faz conhecer a v erd ad e e encho-m e logo d e rem orso... Jesus
respondeu: "Sim, Josefa, corro no encalço dos criminosos. M as a justiça os procura
para castigá-los e Eu para lhes perdoar!"
D epois, com o ela Lhe oferecesse p ara consolá-Lo, os desejos d as alm as
religiosas, m ais fervorosas nestes dias que odinariam ente, antes de desaparecer,
Ele acrescentou: "M inhas alm as são para m eu Coração o que é o bálsam o para
as feridas. Voltarei m ais tarde, Josefa continua a consolar-M e."
Por enquanto, há de consolá-Lo com sua fidelidade apesar das ciladas que o
demônio lhe semeia sob os passos e as pertubações que lhe desperta na alm a. E
o meio, doloroso p o r excelência, aquele ao longo do q u al ela não vê m ais o
caminho, não discerne sua parte de responsabilidade e atinge os lim ites de sua
fraq u eza ... Q u a n ta s v e z e s te rá a in d a q u e a tr a v e s s a r e s s a s tre v a s ?
No sábado, 17 de fevereiro, a Santíssim a Virgem, dissipando todas as som bras,
traz-lhe o testem unho m ais caro de todos: a Coroa de espinhos do seu Filho.
"É para ti, filha - diz-lhe - N ão te preocupes m ais com o que o dem ônio põe
em tua im aginação. São apenas m entiras com as quais te qu er pertu rb ar".
E como Josefa lhe contasse sua tristeza p o r não saber com o resistir a tantas
ciladas, a Virgem lhe descobre este grande segredo:
"Pensa na Paixão e nos sofrim entos de Jesus. Depois, colocando a coroa de
espinhos na cabeça da filha: "Toma, diz, abençoando-a. E ela que te conservará
na Presença de m eu Filho."
Algumas horas depois, Jesus lhe aparece com sua paz:
"Vem... aproxim a-te - diz a Josefa que hesita - e prom ete-M e q u e não te
deixarás m ais assim enganar pelo inim igo."
Ela gostaria de prom eter m as não ousa, pois sente vivam ente sua fraqueza.
"Pouco im porta, m inha Josefa... se tornares a cair Eu te levantarei."
Então confia-Lhe ingenuam ente o conselho da sua Mãe Im aculada, que ela
tenta seguir fixando o pensam ento, de hora em hora, sobre a Paixão.
"Sim - responde o Senhor com bon d ad e - pensa em m eus Sofrimentos."
E in d ic a n d o o s e n tid o q u e v a i to m a r s u a M e n s a g e m a c re sc e n ta :
"De ora em diante, virei todos os dias falar-te de m inha Paixão, a fim de que
seja objeto de teus pensam entos e de m inhas confidências p ara as alm as."

227
OCENÁCULO

Os Segredos da Paixão
18 de fevereiro - 28 de fevereiro de 1923

"Josefa, E sposa e V ítim a de m eu Coração,


vam os falar de m in h a Paixão a fim de
q ue tua alm a se a lim en te d esta lem brança
e q ue m in h a s alm as en con trem o n d e
saciar a fo m e e aplacar a sed e."

(Nosso Senhor à Josefa - 22 de fevereiro de


1923)

A Paixão, que é a grande história de amor, vai revelar-se, passo a passo, do


Cenáculo ao Calvário, d u ran te a Q uaresm a de 1923.
N ão se deve p rocu rar aí a narrração de fatos: destes, o único depositário
oficial e autorizado é o Evangelho.
Foi a profundeza de seu Coração que Jesus determ inou abrir, entregando
seus Segredos, com o prova de confiança e testem unho da sua D or im ensa, que
anseia ser com preendida até no íntimo.
Esta revelação destina-se, pois, a todas as alm as que procuram penetrar no
Coração Sagrado. Conhecer-Lhe as Palpitações, partilhar-L he os Sentimentos
e nada recusar às exigências de sua Cruz.
Josefa será a prim eira a en v ered ar p o r esse cam inho seg u in d o o Mestre.
Irá reconhecendo a M ensagem do A m or doloroso que se m anifesta ao mundo,
enquanto a ela se for descobrindo na solidão da pequena cela.
D ecorreram porém alguns dias sem que a prom essa divina se realize.
N osso Senhor m odela o instrum ento pela dem ora e pelo abandono. Mas
utiliza-lhe as noites com o havia ped id o . Três vezes p o r sem ana, segundas,
quartas e sábados, Josefa tem licença de se por à disposição do M estre, antes de
com eçar seu repouso.
Escreve depois da noite de sábado p ara dom ingo, 18 de fevereiro.
"O ntem à noite, ofereci-me para tu d o que N osso Senhor quisesse e como
tinha m edo de adorm ecer pedi-Lhe a bondade de me despertar.
"M al m e deixara, adormeci... N ão sei a que horas fui acordada por sua Voz
que m e cham ava: "Josefa!" Fiquei envergonhada e disse:"Ó m eu Jesus, perdoai-
m e. Q u e h o ra s sã o ? " N ã o im p o rta Jo se fa ... é a h o ra d o Amor."
"Jesus estava belíssimo. Trazia a Cruz. Renovei os Votos, levantei-m e logo e Ele
acrescentou: "E a hora em que o A m or vem buscar consolo e alívio deixando-te

222
a Cruz. Vamos im plorar perdão e clemência pelas almas. Toma a C ruz e dá-
me repouso"
"D eu-m e a C ruz, cujo peso senti com a d o r do lado, ao m esm o tem po que
minha alm a entrava em grande angústia... Eu desejaria consolá-Lo... m as senti-
me tão indigna de estar ao lado dele e de carregar sua Cruz!...
"N ão im p o rta - d isse - m in h a C ru z se ap o ia rá so b re tu a m isé ria e eu
descansarei na tua pequenez... M inha C ruz te fortificará e Eu te am parei.
"Q u a n d o u m a alm a vem a m im b u scar força, Eu n ão a deixo so zin h a;
sustento-a e se sua fraqueza a atraiçoa, eu a levanto.
"A gora, p eçam o s p e rd ã o p e la s alm as... re p a re m o s as o fen sas feitas à
Majestade divina.
"R epete com igo: "S an to D eus, D eus justo! Pai d e in fin ita clem ência e
bondade, que por am or haveis criado o hom em e que p o r efeito desse m esm o
amor e bondade o fizestes herdeiro dos bens eternos, se ele p o r fragilidade, Vos
ofendeu e m ereceu castigo recebei os M éritos de vosso Filho que a vós se oferece
como Vítima de expiação! pelos seus m erecim entos divinos perdoai ao hom em
pecador e pondo-o de novo em estado de m erecer os bens eternos. Ó m eu Pai!
Piedade e M isericórdia para as almas!""Josefa! Deixo-te m inha C ruz a fim de
que me alivies. Sou tua Força. Consola-M e." Então - diz ela - p artiu deixando-
me sua C ruz."
Na s e g u n d a - f e ira , 19 d e f e v e re iro , ele re n o v a se u o fe re c im e n to no
momento de se deitar.
"Não sei - escreve ela - se foi sua Voz ou a sua Presença que me despertou
pelas onze horas... Jesus lá estava com a C ruz e me dizia?" Josefa, tu Me am as?"
"Eu não ousava responder, sou tão m iserável que não sei amar... Pedi-Lhe
perdão por me ter eu atorm entado com coisas pequeninas que nad a valem ."
"Sim, a p ro v e ita to d a s essas m ín im as ocasiões p a ra m e sa lv a r alm as."
"Depois, com a sua Bondade habitual continuou:
"Toma a C ruz e vam os, am bos, reparar todos os pecados que se com eterão
durante esta hora. Se soubesses com o as alm as se precipitam em m assa para o
mal!"
"Deu-me a C ruz e eu me hum ilhei em sua Presença... Adorei-O, pois mais
que nunca via m inha indignidade diante de sua G randeza. Ele juntou as M ãos
e disse: "Vamos adorar a M ajestade divina ofendida e ultrajada. Vamos reparar
tantos pecados.
"O Deus infinitam ente santo! Pai infinitam ente m isericordioso, eu vos adoro!
Desejo reparar todos os ultrajes que recebeis dos pecadores em todos os lugares
da terra e em todos os m om entos do dia e da noite. Mas, sobretudo, ó m eu Pai
quisera reparar as ofensas e pecados que se com etem nesta hora. Para isso Vos
apresento todos os atos de adoração e reparação das alm as que vos am am e
sobretudo o holocausto contínuo do vosso divino Filho, im olando-se sobre o
altar em todos os recantos da terra e em cada instante desta hora. Ó Pai terno
e compassivo! Recebei este Sangue divino e puríssim o em reparação de todos
os ultrajes que Vos fazem os hom ens e p o r Ele, perdoai-lhes os pecados e usai

223
p ara com eles de misericórdia! "Então ficamos em silêncio. Jesus olhava para o
céu. M inha alm a estava em grande angústia e m eu coração oprim ido de dor...
D epois de um m om ento continuou Ele: "Oferece todo o teu ser para reparar
tantas ofensas e para satisfazer à Justiça divina".
" R e p e ti-L h e m in h a in d ig n id a d e , p o is , e u ta m b é m so u u m a g ran d e
p eca d o ra."
"Se tua indignidade e teus pecados são grandes vem subm ergí-los na torrente
de Sangue de m eu Coração e deixa-te purificar.
"D epois aceite generosam ente todos os sofrim entos que m inha vontade te
envia, a fim de oferecê-los a m eu Pai celeste. Deixa tu a alm a abrasar-se no
desejo de consolar um D eus ultrajado e tom a os M éritoa p ara rep arar tantos
p ecados."
E com o Jesus se dispusesse a deixá-la, Josefa tom a coragem e lembra-Lhe a
prom essa de falar de sua Paixão.
Sim, voltarei - disse - Enquanto esperas, consola m eu Coração e repara."
A quelas grandes noites reparadoras vão, de ora em diante, suceder-se sem
prejudicar o trabalho que ela começa desde o alvorecer.
Em a n o ite d e q u a rta p a ra a q uin ta-feira, 22 de fevereiro, é ain d a o
Senhor que a desperta, pois o cansaço depressa a adorm ecera.
"A qui estou - venho repousar em ti."
Levanta-se ela no m esm o instante, renova os Votos e se oferece p ara aliviar
da cruz os om bros divinos.
"Sim, vou dar-ta , Josefa, e com ela todas as angústias de m eu Coração."
"Logo - continua ela - deu-m e a cruz... e tentei consolá-Lo... Ele prosseguiu:
"Dize-Me: haverá Coração que am e m ais que o M eu e que encontre menos
correspondência a seu Amor?
"H averá Coração que, m ais que o M eu, se consum a do desejo de perdoar?
"E entretanto, com o preço de tanto Amor, não recebo senão as m ais graves
ofensas.
" P o b re s a lm a s ... V am os p e d ir p e r d ã o e r e p a r a r p o r elas:
"Ó Pai! tende piedade das alm as. N ão as castigueis com o m erecem , m as tende
m isericórdia delas, com o Vos suplica vosso Filho.
"Eu desejaria reparar as ofensas e Vos d ar a Glória que Vos é devida, ó Deus
infinitam ente Santo. M as olhai p ara vosso Filho; é a Vítima que expia tantos
p ecados."
"Fica unida a M im, Josefa, e aceita com inteira subm issão todos os sofrimentos
desta hora."Jesus parte e ela fica um a hora sob o peso daquele sofrimento.
"De repente - escreve ela - o dem ônio m e apareceu e soltou este grito de
furor: "É m inha vez, agora."
Termina a noite sob espancam entos, am eaças, blasfêm ias, e Josefa esgotada
não encontra força para ir receber a com unhão. C hegou o m om ento em que
tendo-a reduzido à extrem idade de sua fraqueza e de seu nada, Jesus se vai
inclinar sobre ela. Levantá-la. A poderar-se dela e manejá-la com o se maneja
instrum ento perfeitam ente ad ap tad o à mão.

224
N a m esm a m an h ã, q u in ta-feira, 22 de fevereiro, e n q u a n to re fu g ia d a
em sua cela descansa um instante, transcrevendo as orações que ap ren d era na
noite passada, o M estre aparece subitam ente.
Josefa, Esposa e Vítima de m eu Coração - disse solenem ente - Vamo falar de
m inha Paixão a fim de que tu a alm a se alim ente con stan tem en te com esta
lem brança e m inhas A lm as encontrem o n d e saciar su a fom e e ap lacar sua
sed e".
"N ão ousava interrom pê-Lo - escreve ela - entretanto perguntei-Lhe se podia
renovar os Votos".
"Renova, sim. Glorifico-Me quan d o estreita os laços que te un em a M im e
inundo tua alm a de tantas graças, que não som ente é renovada com a pureza
do dia de teus Votos, m as adquire cada vez novo grau de m éritos que a tornam
mais agradável a m eus olhos.
"Assim é para todas as alm as que Me são unidas p o r esses laços estreitos e
sagrados. C ada vez que os renovam , revestem -se de novos m éritos e m ais se
aproxima de m eu Coração, que delas se agrada.
"E agora, Josefa, com eçarei p o r te d esvendar os sentim entos que enchiam
meu Coração quando lavava os pés de m eus Apóstolos.
"Vê com o Os reuni, a todos os Doze, sem excluir nenhum . Lá se encontravam ,
com efeito, João, o discípulo m uito am ado, e Judas que, pouco depois, havia de
Me entregar aos m eus inimigos.
"Dir-te-ei porque os quis reunir todos e porque comecei p o r lavar-lhes os
pés.
Reuni-os todos, porque para a m inha Igreja chegara o m om ento de aparecer
no m undo e, para todas as ovelhas, o de não terem senão um só Pastor.
"Quis tam bém m ostrar às alm as que nunca lhes recuso a m inha graça, nem
mesmo quando estão carregadas dos m ais graves pecados, e que não as separo
então daquelas que am o com predileção. G uardo-as todas no m eu Coração,
para dar a cada um a os socorros necessários a seu estado.
"Mas, qual não foi a m inha d o r ao ver, representadas pelo desgraçado Judas,
tantas alm as, m uitas vezes reu n id as a m eus pés, lavadas no m eu Sangue e
correndo todavia à sua perdição eterna!
"Queria dar-lhes a com preeder que não é pelo fato de estarem em pecado
mortal que devem afastar-se de Mim. N ão julguem que já não há rem édio para
elas e que nunca m ais serão am adas como o foram outrora! Não, pobres almas,
não são estes os sentim entos de um D eus que derram ou todo o seu Sangue p o r
vós!
Vinde a M im e não tem ais, p o rq u e Eu vos amo! Purificar-vos-ei no m eu
Sangue e vos to rn are i m ais b ran cas q u e a neve. Os vossos p ecad o s serão
mergulhados nas águas da m inha M isericórdia e não será possível arrancar do
meu Coração o am or que vos tenho.
"Josefa, deixa que te invada o desejo ardente de que todas as alm as se venham
purificar nas águas da penitência... de que elas se entreguem a sentim entos de

225
confiança e não de temor, porque Eu sou D eus de M isericórdia e estou sem pre
p ronto a recebê-las em m eu Coração.
A q u i te rm in a o p rim e iro d ita d o d e N o sso S en h o r. Jo sefa e sc re v e ra
rap id am en te d u ra n te uns vinte m inutos. Ele fala "com tanto a rd o r"d iz ela,
que parece derram ar seu Coração e se dilatar com essa expansão. Ela recolhe
aquelas ardentes palavras interrom pidas apenas por alguns instantes de silêncio.
D epois Ele pára. Seu O lhar fita longam ente Josefa, que largou a pena e está
d e jo elh o s a seu s Pés. Ele lhe deixa alg u m as p a la v ra s de a d e u s e afinal
desaparece.
Ela fica um m om ento im óvel diante da m esinha e de seu caderno ainda
aberto, m ergulhada no pensam ento do que acaba de ouvir e escrever. N ada
relê e entrega às Superioras que estão sem pre presentes, depois volta à oficina,
onde o trabalho a espera. Por todo o dia se há de prolongar a recordação das
dolorosas Confidências do Salvador.
Aliás, Ele próprio não a deixa m uito tem po sem vir solicitar novas reparações
para as alm as em perigo.
N a m esm a tarde da quinta-feira, 22 de fevereiro, no m o m en to em que
acabava a Via Sacra, vem Jesus lem brar-lhe que conta com ela.
Trata-se desta vez de três alm as - "não som ente m uito am adas, m as preferidas
d e m eu Coração." - diz:
"E por elas que venho refugiar-M e aqui e buscar consolo no m eio de vós...
N ota bem , Josefa - acrescenta - o que o dem ônio disse hoje de m anhã é verdade;
m uitas alm as aqui encontraram a vida."
E precisando seu pensam ento:
"Vós as atrais à verdade, alm as bem -am adas de m eu Coração, com vossas
m isérias e com vosso amor."
Esse term o a deixa atônita:
"Sim - continua o M estre - A qui p red o m in am d u as coisas: a m iséria e o
amor. E por causa do am or que m uitas alm as encontram aqui a vida e é atraído
pela m iséria que o O lhar de Deus se cravou sobre este gru p o de alm as."
N a ta rd e seguinte, sexta-feira, 23 e fevereiro, no fim d a Via Sacra, que
acaba de fazer com todas as Irmãs, N osso Senhor se m ostra.
"Estava diante da m esa da com unhão - escreve ela - C arregava a C ruz e seu
O lhar nos envolvia a todas."
"A lm as queridas de m eu Coração - disse - quanto consolo Me dais! Ah! se
p u d esseis ver q u an tas m arav ilh as descobriríeis!... C om o vossas orações se
transform am em tesouro para as almas!...
"A ssim d iz e n d o aproxim ou-se... e m e d eu sua C ru z. C onfiei-Lhe meus
receios, porque nessas últim as noites o dem ônio não parara de insultar a casa,
a "S ociedade"..."
"N ão tem as, Josefa, ele só p o d e am eaçar, porque vos guardo. Eu que sou
onipotente. Se ele vos odeia é p o rq u e vos am o. Ah! Se soubesseis que obra
im p o rta n te se faz n esta casa e com o trab alh ais p a ra as alm as e p a ra meu
C oração...

226
"M as agora - contin u a Ele - dep o is de ter d esab afad o seu A m o r - m eu
Coração está num oceano de am argura por causa daquelas três alm as que vos
confiei...
"Enquanto Me ofenderem , virei buscar repuso e consolo em vós, que sois
objeto de m inha predileções...
" C o n fio -te m in h a C ru z , n ã o M e d e ix e s só ." D e p o is a c re s c e n to u :
"Amai-Me e consolai-M e."
Josefa continua a sentir o peso doloroso da cruz que lhe foi confiada, pois o
demônio explora com rancor o p oder que recebera do alto nessa época.
Ela está expiando p o r aquelas "alm as preferidas" que se deixam seduzir e
comprar-lhes, com lutas diurnas e noturnas, a luz que as reconduzirá à verdade.
No dia 25 de fevereiro, dom ingo, Jesus a encontra na sua cela pela m anhã.
Durante toda a noite o dem ônio tentara convencê-la de p ecado e sua alm a
estava perturbada e inquieta.
"Por que temes - disse Ele com bondade - N ão sabes que tua alm a é aquela
pombinha que tem o n in h o no m eu Coração? Tuas asas ain d a estão bem
cinzentas, é verdade, pois tens m uitas im perfeições m as não são os pecados de
que o dem ônio te acusa...
"Sim, renova os Votos e beija três vezes m eus Pés, estreitando cada vez m ais
os laços que te prendem a Mim.
"E agora, Josefa, não esqueças que não és senão instrum ento m uito inútil e
muito miserável.
"Beija o chão e escreve... pois vam os continuar nossos segredos de amor.
"Dir-te-ei porque quis lavar os pés a m eus A póstoloss antes da Ceia.
"Foi, prim eiro, para ensinar às alm as quanto desejo que sejam p u ras a fim
de Me receberem na Eucaristia...
"Foi tam bém p ara rep resen tar o Sacram ento da Penitência, o n d e as que
tiveram a desgraça de cair em p ecado p o d em sem p re recu p e ra r a alv u ra
perdida...
"Eu p ró p rio lavei os pés dos m eus A póstolos p ara que, seg u n d o o m eu
exemplo, aq u e la s q u e se c o n sa g ra ra m aos tra b a lh o s ap o stó lico s, saib am
humilhar-se diante dos pecadores e tratá-los com bran d u ra, bem como a todas
as outras alm as que lhe são confiadas. Cingi-M e du m a toalha para lhes m ostrar
que o Apóstolo deve cingir-se de mortificação e de abnegação, se quer atingir
eficazmente as alm as. Q uis ensinar-lhes tam bém a carid ad e m ú tu a, sem pre
pronta a lavar as faltas do próxim o, ocultando-se e não as d iv ulgando nunca.
"Enfim, a água que derram ei sobre os pés dos m eus A póstolos era a im agem
do zelo ardente que consum ia o m eu Coração pela salvação do m undo.
"Aproxima-se a hora da R edenção do gênero hum ano. E o m eu C oração
não pode conter o seu am or pelos hom ens nem resolver-se a deixá-los órfãos.
Então, para lhes dar provas da m inha ternura e ficar com eles até à consum ação
dos séculos quis tornar-M e seu Alim ento, seu A m paro, sua Vida e seu Tudo.
"Ah! quanto quereria d ar a conhecer a todas as alm as os sentim entos do
meu Coração e com penetrá-las do am or que Me abraçava, q u an d o no Cenáculo

227
instituí o Sacram ento da Eucaristia...
"Vi, através dos séculos, todas as que se alim entariam do m eu C orpo, se
desalterariam no m eu Sangue e os frutos divinos que daí haveriam de colher...
"Em quantos corações este Sangue im aculado seria sem ente de pureza e de
virgindade!...
"Em quantos outros, Ele atearia a cham a da C aridade e do zelo... Q uantos
m ártires de am or se ag ru p av am , naquela hora diante dos m eus O lhos e no
m eu Coração!... Q uantas almas, enfraquecidas por num erosos pecados e pela
violência das paixões, voltariam a M im e recuperariam o seu vigor, nutrindo-se
do Pão dos fortes!...
"Q uem poderá penetrar os sentim entos que transbordavam em M im então?
Sentim entos de alegria, de am or e de ternura!... M as quem poderá com preender
tam bém a am argura que invadiu o m eu Coração!...
"C ontinuarei, Josefa. Vai-te na m inha paz, consola-M e e nad a receies; meu
Sangue não se esgotou e é Ele que purifica a tua alma."
Jesus pára de falar.
"A deus, beija o chão. Voltarei."
Essa volta dem ora m uitos dias.
C ada m anhã, Josefa é fiel ao com prom isso m as tem que p artir sem ver o
M estre e as tribulações diabólicas não cessam de perturbá-la.

228
A Eucaristia
1° a 11 de m arço de 1923

"A E ucaristia é in v en çã o do A m or. M as


quão p ou cas alm as co rresp o n d em a e sse
A m or q ue se esg o ta e se co n so m e por
ela s!"

(Nosso Senhor à Josefa - 2 de março de 1923)

A 2 de m arço, prim eira sexta-feira do m ês, p elas nove h o ras da m anhã,


Josefa, diligente e ativa, dirige-se ao trabalho.
Espera longam ente o Senhor na sua Cela, m as ainda naquele dia não voltou.
Lentamente ela escreve:
"Tinha m uito que coser e estava bem contente p o r ter algum tem po livre...
pois há horas em que m e persegue a idéia de que nad a faço e p ara n ad a sirvo,
com todas essas coisas."
"E a tentação habitual com que o dem ônio procura continuam ente explorar-
lhe a natureza ardente e sem pre disposta a dedicar-se.
"De repente, em baixo da escada de S. Miguel, encontrei Jesus que m e deteve
e perguntou: "Josefa, para onde vais?"
"Vou para a rouparia, passar a ferro os uniform es, Senhor."
"Vai à tua cela - continua Ele - pois quero que escrevas."
Josefa, sufocando na alm a o desejo de ad ian tar sua tarefa, sobe à cela. O
Mestre ali a precedera.
"Q uem te criou, Josefa?" pergunta logo que ela acabou de renovar os Votos.
"Vós, Senhor!"
"Q uem te deu m ais provas de A m or do que Eu? Q uem te perd o o u tantas
vezes q u a n ta s Eu já te p e rd o e i e e sto u a in d a d is p o s to a p e rd o a r-te ? ..."
Confundida, Josefa prostra-se aos Seus Pés.
"Sim, hum ilha-te, Josefa, beija o chão e não Me resistas mais.
"Q uero revelar-lhes qu an ta am arg u ra encheu m eu C oração no m om ento
da Ceia. Porque se era grande a m inha alegria de Me tornar o C om panheiro e
o Alimento divino dos hom ens até a Consum ação dos séculos, e se via quantos
Me cercariam de adoração, reparação e amor... não foi m enor a m inha tristeza
ao ver tantos outros que Me abandonariam no Tabernáculo, ou não acreditariam
na m inha presença real!
"Em q u a n to s corações, m a n ch ad o s p elo p ecad o , d ev eria Eu en trar... e
quantas vezes a m inh a C arne e o m eu S angue p ro fan ad o s só sirv iriam de
condenação para essas alm as culpadas?
"Os sacrilégios, os ultrajes e as abom inações sem nom e que se com etem contra
mim, passaram -m e diante dos olhos naquele m om ento... Vi tam bém quantas
horas, dias, noites, ficaria sozinho no Tabernáculo, e quantas alm as repeliriam

229
os convites que lhes dirigia desta morada!
"Ah! Josefa, deixa-te penetrar com os sentim entos de m eu Coração.
"E por am or às alm as que sou Prisioneiro da Eucaristia. Ali perm aneço para
que possam vir com todas as suas m ágoas consolar-se junto do m ais terno e
m elhor do país e do A m igo que nunca as abandona.
"A Eucaristia é invenção do Amor!... E este am or que se esgota e se consome
pelo bem das alm as não encontra correspondência!...
"H abito entre os pecadores para lhes ser Salvação, Vida, M édico e ao mesmo
tem po Rem édio em todas as doenças geradas pela natureza corrom pida... Em
paga, eles afastam-se, ultrajam -M e e desprezam-M e!...
"Ah! Pobres pecadores! N ão vos afasteis de Mim!
"N oite e dia, espero-vos no T abernáculo...N ão vos cen su rarei os crimes
com etidos, não vo-los lançarei em rosto. M as Lavá-los-ei no Sangue das minhas
chagas... não tenhais m edo e vinde! N ão sabeis quanto Eu vos amo...
"E vós, alm as queridas, p o r que sois tão frias e indiferentes ao m eu Amor?...
Sei que as necessidades de Vossa família... de vossa casa... as exigências do
m undo... vos solicitam incensam ente. M as não tereis um instante para Me dar
algum a prova de am or e gratidão?
N ão vos deixeis arrastar p o r mil preocupações inúteis e reservai um momento
p ara visitar e receber o Prisioneiro do Amor!...
"Q u an d o está vosso corpo enfraquecido ou doente não encontrais tempo
p ara ir ao m édico que há de curar-vos?... Vinde, pois, À quele que pode dar à
vossa alm a força e saúde e dai um a esmola de am or a este Prisioneiro divino que
vos espera, cham a e deseja!...
"Todos estes sentim entos invadiram -M e na hora da Ceia, Josefa. A inda não
te disse, entretanto, o que sentiu o m eu Coração, pensando nas m inhas almas
escolhidas: m inhas esposas, m eus Padres...
"Dir-to-ei m ais tarde. Vai-te agora e não te esqueças que m eu Coração te
ama... E tu, Me am as?"
C om a sua corajosa fidelidade, m ais ain d a q u e com p ro testo s de amor,
re sp o n d e Josefa à p e rg u n ta d o M estre. N a no ite seg u in te, especialm ente
dolorosa, percebe no meio das blasfêm ias do inferno que as três alm as caras ao
Coração de Jesus e pelas quais ela sofre há quinze dias estão prestes a voltar a
Deus. Sente-se então reconfortada.
N a ta rd e d o p rim eiro sábado do m ês, 3 de março, está em adoração
diante de Jesus exposto, quan d o Ele aparece com o Coração todo incendiado:
"Josefa -diz com ardor - deixa-M e repousar em ti, deixa m eu Coração comunicar-
te sua alegria: aquelas três alm as que Eu te confiara v o ltaram a Mim!..."E
prossegue: "M inha C ruz é pesada!... Eis porque venho repousar aqui e repartí-
la, entre m inhas almas. M eu Coração procura vítim as para conduzir o m undo ao
A m or e encontro-as aqui."
Com que alegria Josefa se une ao júbilo d o Mestre! Oferece-Lhe todos os
desejos da casa que sabe serem sinceros e ardentes, a fim de consolar seu Coração
e de Lhe trazer m uitas almas. E como a lem brança do ditado da véspera não a

230
deixasse, perguntou-L he se Ele não lhe dirá, p ara suas A lm as consagradas, o
que delas espera na Eucaristia.
"Sim - reponde - quero que saibas a fim de que p o r ti, as alm as prediletas,
meus Sacerdotes, m inhas Esposas o aprendam tam bém . Se suas infidelidades
me ferem profundam ente, tam bém seu am or m e arrebata de tal m odo o Coração
que Ele esquece, por assim dizer, as ofensas de m uitas alm as."
Falou-m e então longam ente sobre este assun to m as, com o estávam os na
capela, eu Lhe disse que não poderia lem brar de tu d o p ara escrever depois".
Pouco im porta, deixa-M e falar e desafogar o Coração.
"A próxim a noite será "nossa noite"- disse ao deixá-la - "Virei descansar em
ti".
Josefa não deve esquecer que é no sofrim ento sobretudo que O repousa e
que há m uitos m odos de carregar Sua Cruz; a noite decorre com o as precedentes
sob o po d er do dem ônio que a persegue com as mais obsedantes tentações até
à tarde do dia seguinte. Esfalfada em bora, e ap esar de vivas rep ugnâncias.
Continua a protestar o seu am or e a oferecer-se à Vontade do Senhor.
Na tarde de dom ingo, 4 de março, está acabando a Via Sacra q u an d o lhe
aparece Jesus de repente:
"Já estás perdoada, Josefa."
Antes que ela tivesse tem po para lhe confessar suas fraquezas e sua m ágoa.
"E se Me queres consolar - continua o M estre - eis o m om ento. Agora, pertinho
daqui, está havendo um a reunião em que sou grandem ente ofendido. Põe-te
em estado de vítim a, de m odo que possas rep arar os ultrajes daquelas almas.
Pobres almas!... Com o m e ofendem!... e depois... Ah! Com o sairão dali?..."
A lguns instantes depois, Jesus a encontra na cela, onde se pusera a rezar
por aquelas almas. Dá-lhe a C ruz e dirige-lhe a oração.
"Enquanto aquelas alm as ofendem a vossa soberana M ajestade e ultrajam
com furor o Sangue de vosso Filho, perm iti ó m eu Pai, que Eu vos apresente
esta alm a que se oferece com o vítim a unida a m eu Coração, para sofrer e reparar.
Aceitai por aquelas almas ó Pai de Bondade, esses sofrim entos unidos a m eus
M éritos."
D epois acrescenta:
"Deixa-Me m ergulhar tua alm a na am argura de m eu Coração."
E desaparece, abandonando-a à angústia e sob a cruz.
Desce a noite sobre aquele intenso padecim ento que se prolonga até à volta
do M estre.
"P e la s d e z h o ra s - e s c re v e Jo sefa - v o lto u e m e d is s e :
"Devolve-Me a Cruz. Tu Me consolaste."
"Agradeci-Lhe por saber que O havíam os consolado um pouco e prom eti
nunca m ais Lhe resistir..."
"Sim, na hora e no m om ento que preciso de ti, vem suavizar as feridas que
me causam os pecadores.
"Tu me deste de beber - acrescenta - Eu te darei parte no Reino dos Céus."
Depois de alguns dias de interrupção, Jesus continua as C onfidências, na
te rç a -fe ira , 6 d e M arço .

231
"Estás à m inha espera, Josefa? - perg u n ta encontrando-a às oito horas da
m a n h ã ."
"Venho descobrir-te o m aior M istério do Amor... e do A m or p o r m inhas
A lm as escolhidas e consagradas. Começa beijando o chão...
"N o m om ento de instituir a Eucaristia vi todas as alm as privilegiadas que se
haviam de alim entar do m eu C orpo e do m eu Sangue e aí encontrariam , umas,
rem édio à sua fraqueza; outras, o fogo para consum ir suas m isérias e inflamá-
las de amor...
"Todas unidas com u m m esm o fim, seriam como que u m jardim fechado,
o n d e cada u m a p ro d u z ia su a flor e M e recrearia com seu p erfu m e... Eu
aqueceria as que precisassem de calor e m eu corpo sagrado seria o Sol que as
anim aria. Iria a um as para Me consolar; a outras para Me esconder, e até junto
de outras, para repousar... Se soubésseis, alm as m uito am adas, com o é fácil
co n so lar, e s c o n d e r e d a r re p o u s o a u m D eus! "E ste D eu s q u e v o s ama
infinitam ente, depois de vos libertar da escravidão do pecado, sem eou em vós a
graça incom parável do seu Apelo e de m aneira m isteriosa atraiu-vos ao Jardim
das suas Delícias: o D eus que é vosso R edentor constituiu-se vosso Esposo.
"Alim enta-vos, Ele m esm o, com seu Corpo puríssim o e vos dessedenta com
seu Sangue.
"Se estais doente, é vosso Médico; vinde a Ele; curar-vos-á. N ele achareis
descanso e felicidade. N ão vos afasteis, pois, dele que é a Vida; e qu an d o Vos
p edir consolo, não O m agoeis com recusas...
"Ah! q u e a m a rg u ra , v er ta n ta s alm as in u n d a d a s d e g raças d e eleição
tornarem -se para m eu Coração m otivo de tristeza!
"N ão sou Eu sem pre o mesmo? Acaso m udei para vós... Não, m eu Amor é
im utável e até o fim dos séculos vos am arei com predileção.
"Se estais cheias de miséria, já o sei e m eu terníssim o O lhar não se aparta de
vós; pelo contrário, espero com ânsia que venhais a mim, não só p ara aliviar as
vossas m isérias m as para vos encher de novos benefícios.
"Se vos peço Amor, não me recuseis: é tão fácil am ar A quele que é o próprio
Amor!
"Se exijo algum a coisa que custe à vosssa natureza, dou-vos ao m esm o tempo
a graça e a força necessária para vos vencerdes.
"Escolhi-vos para encontrar em vós consolo. Deixai-Me, pois, entrar em vossa
alm a e, se nada tendes que seja digno de Mim, dizei com h u m ild ad e e confiança:
"Senhor, conheceis as flores e os frutos e m eu jardim . Vinde e dizei-m e o que
devo fazer para que desde já cresça a flor que desejais."
"A alm a que assim m e falar com verdadeiro desejo de Me d ar provas do seu
amor, Eu responderei: "Alm a caríssima, se queres que teu jardim produza a
flor de que gosto, deixa que Eu próprio o cultive... deixa-M e lavrar essa terra...
deixa-M e arrancar as raízes que me estorvam e que tu não tens coragem para
tirar!
"Se te peço sacrificares teus gostos ou teu caráter... tal ato de caridade de
paciência ou de abnegação, tal prova de zelo, de obediência ou de m ortificação,

232
isso é o adubo que se fertilizará o solo, perm itindo-lhe p ro d u zir flores e frutos: a
vitória que alcançares sobre ti m esm a d ará luz a u m pecador... u m aborrecim ento
suportado com alegria, cicatrizará as feridas que Ele m e causou, reparará a ofensa
e expiará a falta... U m a observação aceita com paz e até com alegria, obterá para
as alm as cegas pelo orgulho, a graça de deixarem penetrar luz em si e de pedirem
hum ildem ente perdão.
"Farei isto em tua alma se nela m e deixares em liberdade. Então, nela crescerão
flores, rapidam ente, e serás o consolo de m eu Coração. Estou à busca de consolo
e quero encontrá-lo em m inhas A lm as escolhidas...
"- Senhor, bem sabeis que eu estava pronta a deixar-Vos fazer de m im tudo
o que Vos aprouvesse... M as ai! N ão sei com o caí e Vos desagradei!... A inda me
perdoareis, a m im que sou tão m iserável e para nada posso servir?...
" - Sim, alm a caríssima, as tuas próprias quedas servem para Me consolar.
Não desanim es, pois o ato da h um ildade que a falta te obrigou a fazer consolou-
Me m ais d o q ue se n ão tivesse caído. C oragem ! P ara a frente... deixa-M e
trabalhar em ti."
"Eis tu d o o q ue vi no m om ento de in stitu ir a santa E ucaristia. O A m or
inflamava-Me no desejo de ser alim ento dessas almas, porque se estou com os
homens não é só para viver com os perfeitos, m as para am p arar os fracos e
alimentar os pequenos.
"Fá-los-ei crescer e os fortificarei. Acharei consolo em seus bons desejos e
repousarei nas suas misérias.
"M as ai! entre essas alm as não haverá algum as que serão para M im m otivo
de sofrimento?... E perseverarão todas?... Eis o brado de d o r que escapa de m eu
Coração... o gem ido que quero fazer ouvir às alm as. M as basta p o r hoje. A deus,
Josefa. Tu Me consolas quando te entregas a M im com inteiro abandono... deixa-
Me dizer-te para as alm as, os m eus Segredos, pois não lhe posso falar todos os
dias assim. Deixa-Me aproveitar os dias da tua vida."
Na m anhã seguinte, quarta-feira, 7 de m arço, a dolorosa queixa de seu A m or
assim se ouve: "Beija hum ildem ente o chão."
Diz-lhe com o sem pre. Ela se Lhe prostra aos pés e depois se ergue. Jesus
começa a falar:" Escreve o que sofreu o m eu Coração naquela hora em que não
podendo conter o fogo que m e consome, inventei esta m aravilha de A m or que é
a Eucaristia. C ontem plando então todas as alm as que se alim entariam do Pão
divino, vi ao m esm o tem po as ingratidões de tantas alm as consagradas... de
tantos sacerdotes... e que tristeza para m eu Coração! Vi as que pouco a pouco,
se haviam de abandonar à rotina... e pior ainda... ao fastio, ao tédio e à tibieza!...
"E no entanto estou no tabernáculo toda a noite e espero essa alma... Desejo
ardentemente que Me exponha suas penas, suas tentações, seus sofrimentos...
que Me peça conselho e solicite a g raça de que precisa p ara si ou p ara outrem .
Talvez tenha ela a seu cargo ou na sua família alm as em perigo e afastadas e
Mim?...
"Vem, digo-Lhe, fala-Me de tu d o com inteira confiança.
"Eis o que Eu esperava dessa alm a e de m uitas outras... Mas, ao receber-Me,

233
mal Me diz um a palavra... está distraída, cansada, absorvem -na os negócios...
preocupa-a a família... o próxim o a im portuna... a saúde a aflige... E não sabe
o que Me dizer... está fria, aborrece-se e tem pressa em retirar-se.
"É assim que Me recebes, Alma que Eu Escolhi e que esperei d u ran te a noite
inteira?...
"Sim, esperava-a para nela repousar e aliviar-lhe as inquietações.
"Tinha-lhe preparad o novas graças; m as ela nem sequer as deseja!... N ada
Me pede, nem conselho, nem força... queixa-se, m as sem se dirigir a Mim!...
Parece que só veio cum prir um a form alidade ou p o r costume... p orque nenhum a
falta grave a im pede de vir... N ão é am or que a im pede, nem o verdadeiro
desejo de se u n ir intim am ente a Mim. Não, esta alm a não tem as delicadezas
que m eu Coração dela esperava.
"E aquele Sacerdote? Ah! Com o hei de dizer o que espero de cada um de
m eus sacerdotes... Revestí-os com m eu Poder a fim de que perdoassem às almas...
Pus-M e à disposição deles: O bedeço à sua palavra que Me fez descer do céu à
terra! Entrego-M e nas suas mãos, para Me encerrarem no Tabernáculo ou para
m e darem na com unhão... São, p o r assim dizer, m eus dispensadores...Confio-
lhes a fim de que pela pregação, pela direção e so bretudo pelo exem plo as
guiem e as conduzam pelo cam inho da virtude.
"C orrespondem todos a este apelo?...
"D esem penham todos a sua m issão de Amor? "Hoje no altar, o m eu Padre
saberá confiar-Me as almas de que o encarreguei?... R eparar as ofensas que recebo
e que ele ouviu em confissão?... Pedir-m e força p ara cum prir santam ente seu
ministério?... Zelo para trabalhar na salvação das almas?... Saberá sacrificar-se
hoje m ais que ontem ? Dar-M e-á todo o am or que dele espero, e p o d erei Eu
repousar nele como no m eu caro e bem -am ado discípulo?...
"Ah! que dor aguda para o m eu Coração quando m e sinto forçado a dizer:
"As alm as do m undo ferem-M e as m ãos e os Pés e m ancham -M e a Face. Mas
as alm as escolhidas, as m inhas esposas, os m eus Sacerdotes d esp ed açam e
rasgam m eu Coração... Q uantos Sacerdotes depois de terem restituído a graça
a m uitas alm as estão, eles próprios, em estado de pecado!... Q uantos assim
celebram, assim Me recebem... vivem e m orrem assim!
"Esta foi a dor que Me traspassou no m om ento da Ceia qu an d o vi, entre os
Doze, o prim eiro A póstolo infiel... e p o r detrás dele, tantos outros, na seqüência
dos séculos!...
"A Eucaristia é invenção do Amor. É Vida e Força das alm as, Rem édio para
todas as fraquezas, Viático para a passagem do tem po à eternidade. "N ela os
pecadores encontram vida p ara suas almas... os tíbios, calor verdadeiro... os
fervorosos, repouso e saciedade p ara seus desejos, os perfeitos, asas para se
elevarem à m aior perfeição... as alm as puras, mel dulcíssim o e o m ais delicado
alim ento...
"N a Eucaristia, as alm as consagradas acham sua m orada perm anente, seu
am or e sua vida.
"Ali p ro cu ram tam bém a im agem dos Votos religiosos, laços sag rad o s e

234
benditos que as unem inseparavelm ente ao Esposo divino.
"Sim, alm as consagradas, achareis perfeito sím bolo do vosso Voto de Pobreza
na pequenina H óstia redonda e fina, lisa e leve.
A ssim deve ser a alm a que faz voto de pobreza, nela não há ângulos, isto é,
não tem afeições m esquinhas, nem aos objetos de que se serve, nem ao Ofício
que exerce, nem à fam ília ou à p átria. Está sem pre p ro n ta a deixar, largar,
m udar... N ada a prende à terra, é u m coração livre, sem apegos secretos...
"Isso não quer, porém , dizer que esse C oração dev a ser insensível, não!
Q uanto m ais amar, tanto m ais integralm ente saberá g u ard ar o Voto de Pobreza.
O essencial para a alm a religiosa é: prim eiro, nad a possuir sem perm issão ou
aprovação dos Superiores; segundo, nada ter, nada am ar, sem que esteja disposta
a tu d o deixar, tu d o abandonar ao prim eiro sinal.
"Dir-te-ei o resto de outra vez, Josefa".
Passam -se m ais alguns dias sem lenitivo algum p ara seu áspero cam inho.
Parece-lhe, m uitas vezes, ceder às objurgações do inim igo e receia ter ofendido
ao M estre. "Cheguei a perder um a com unhão" —escreve dolorosam ente.
N o dom ingo de Laetare, 11 de março, Jesus voltou, trazendo-lhe a certeza
de seu perdão.
"Põe m inha Coroa e nada receies — diz — a M isericórdia de D eus é infinita
e nunca recusa perdão aos pecadores, m orm ente, quan d o se trata de um a pobre
criatura com o tu."
Depois, aludindo à com unhão que ela perdera:
"Se soubesses como te esperava e como desejava que m e escondesses em teu
coração!"
Josefa não acha palavras para fazê-Lo esquecer daquela m ágoa.
"Vais reparar — responde o Senhor com bondade indizível — preparando-
te hoje com desejo ardente de Me receber am anhã.
M eu Coração achará consolo cada vez que lhe repetires teu desejo. E depois
—continua — espírito de fé e obediência cega, sem pre.
"M as basta. Já estás p erdoada e m eu Coração tu d o esquece. C ontinua agora
a escrever para m inhas Almas.
"Dize-lhes o que p oderão descobrir tam bém na pequenina H óstia branca,
imagem perfeita do Voto de Castidade. Sob as espécies de Pão e Vinho esconde-
se a Presença real de um Deus. Sob esse véu estou todo inteiro, C orpo, Sangue,
Alma e D ivindade.
"Assim a alm a consagrada a Jesus Cristo pelo Voto de V irgindade deve cobrir-
se com um véu de m odéstia e de sim plicidade, de m odo que, sob as aparências
hum anas, se esconda pureza sem elhante à dos anjos.
"E, com preendei bem , alm as que formais a C orte do cordeiro Im aculado, a
glória que assim Me dais sobrepuja incom paravelm ente à que Me rendem os
espíritos angélicos. Pois, Eles não conheceram as fraquezas da n atureza hum ana
e não tiveram que lutar, nem que vencer para se conservarem puros.
"Vós vos aparentais tam bém à m inha Mãe, criatura m ortal, mas, no entanto,
de p u reza sem m ácula; sujeita a todas as m isérias h u m a n as e, n o en tan to ,

235
im aculada em todos os instantes de sua vida.
"Ela sozinha Me glorificou m ais que todos os espíritos celestes: e o próprio
Deus, atraído p o r essa pureza, nela se fez carne e habitou na sua criatura.
"M ais ainda, a alm a que Me é consagrada pelo Voto de C astidade, torna-se
sem elhante a Mim, seu Criador, tanto quanto é possível à criatura, pois, tendo-
Me revestido da natureza hum ana com as suas misérias, vivi sem a m enor som ­
bra de m ancha.
"É assim que, pelo Voto de C astidade, a alm a se to m a hóstia branca e p u ra
que dá, incessantem ente, glória à M ajestade divina.
"A lm as religiosas, achareis enfim na Eucaristia m odelo p ara vosso Voto de
O bediência.
"Aí estão escondidos e aniquilados a grandeza e o p oder de u m Deus. Aí
podeis contem plar-M e com o que sem vida, Eu que sou a Vida das A lm as e o
Sustentáculo do m undo. Aí não sou mais capaz de ir ou de ficar, de estar só ou
rodeado: Sabedoria, Poder, Liberdade, tu d o desaparece sob essa H óstia... As
espécies do Pão são laços que Me encadeiam e o véu que Me encobre. A ssim o
Voto de Obediência é para a alma religiosa a corrente que a p rende e o véu sob
o qual deve desaparecer a fim de não ter mais, nem vontade, nem juízo, nem
escolha, nem liberdade senão o Beneplácito de D eus, m anifestado p o r seus
Superiores."
N osso Senhor se detém , afinal, depois desse longo ditado e Josefa deixa falar
o coração.
"D e m an h ã h o u v e a cerim ô n ia da p rim eira co m u n h ão — escreve — e
lembrei-Lhe o consolo que devia ter encontrado nas alm inhas p u ras e inocentes.
O Coração parecia dilatar-se-lhe com esta lem brança.
"Sim — respondeu com bondade — é nestas alm as e nas alm as de m inhas
Esposas que me refugio para esquecer as ofensas do m undo.
"As crianças são para m eu Coração como flores em botão, em que procuro
abrigo. Q uanto às m inhas Esposas, escondo-m e e repouso nelas, pois são rosas
abertas que Me defendem com seus espinhos e Me consolam com seu amor.
"T u, Jo se fa, flo rin h a fra g ílim a , d á-M e esse am o r. P r e p a r a - te p a ra
acom panhar-M e ao G etsêm ani.
"Ali te ensinarei a sofrer e te fortificarei com o suor de sangue que os pecados
das alm as extraíram de Mim.
"Por enquanto, consola-M e com o desejo de Me esconder em teu Coração.
R epararás assim, a com unhão perdida.
"A deus, N ão te esqueças de Mim. Deseja-Me como Eu te desejo. . . Ama-M e
com o eu te am o, procura-M e como Eu te procuro... Vês que nunca te abandono."

236
Getsêmani
12 — 15 de m arço de 1923

...Perm anece a m eu la d o no G etsêm a n i e


d eixa que m eu S an gue regu e e fo rtifiq u e a
raiz d e tua p e q u en ez."

(Nosso Senhor à Josefa 12 de março de 1923).

N o d ia seg u in te, segu n d a-feira, 12 de m arço, N o sso S en h o r co n v id a


Josefa ao Getsêmani. M as prim eiro, tranqüiliza-a, pois as am eaças do inim igo
se haviam m ultiplicado, d u ran te toda a noite precedente, contra a com unhão
tão ardentem ente desejada na véspera.
" — N ada tem as — repete — o p oder do dem ônio não está acima do M eu.
Agrada-M e que Me cham es e recebo tan to consolo q u e cada desejo d e teu
coração é com o que um a com unhão por tantas alm as que não Me recebem.
"H um ilha-te, beija o chão e depois vem a M im... vam os ao G etsêm ani e
encha-se tua alma com os sentim entos de tristeza e am argura que in u n d aram
a M inha.
"Depois de ter pregado às m ultidões, curado doentes, restituído vista aos
cegos, ressuscitado mortos... depois de ter vivido três anos no m eio de m eus
Apóstolos para form á-los e ensinar-lhes m inha doutrina... acabei finalm ente
por lhes m ostrar com m eu exem plo, a se am arem e a se suportarem m utuam ente,
a p ra tic a re m a c a rid a d e u n s p a ra com os o u tro s, la v a n d o -lh e s os p és e
tornando-m e seu alimento.
"Era chegada a hora em que o Filho de D eus feito hom em , R edentor do
gênero hum ano, ia derram ar o seu Sangue e d ar a Vida pelo m undo.
"Foi então que quis pôr-M e em oração e entregar-m e à Vontade de m eu Pai.
"Almas caríssimas! A prendei do vosso M odelo que a única coisa necessária,
quaisquer que sejam as revoltas da natureza, é entregar-vos e sacrificar-vos,
hum ildem ente, com um ato suprem o da vontade ao cum prim ento da Vontade
de Deus, seja em que circunstância for.
"A prendei dele tam bém que toda ação im portante deve ser p recedida de
oração e por ela vivificada, pois é na oração que a alm a alcança fortaleza para
as horas difíceis.
"E por ela que D eus se com unica, aconselha e inspira, m esm o sem que a
alma o sinta.
"Retirei-Me ao Jardim de Getsêmani, isto é, à solidão. Assim a alm a há de
procurar a seu Deus, longe de tudo, dentro de si m esm a. Para O encontrar há de
impor silêncio a todas as agitações da natureza, tantas vezes em luta contra a
graça. H á de fazer calar os raciocínios do am or próprio ou da sensualidade, que
procuram abalar as inspirações da graça e se opõem ao encontro de Deus....
"Tomei com igo três dos m eus discípulos para ensinar que as três potências

237
da alma devem acom panhar-vos na oração.
"Recorde-vos a vossa m em ória as Perfeições e os benefícios de vosso Deus,
sua M isericórdia, seu Amor, seu Poder, sua Bondade. O vosso entendim ento
procure os m eios de corresponder a tantas graças m aravilhosas que m ultiplicou
para vós. A vossa vontade fortaleça-se com o desejo de fazer m ais e m elhor por
ele... de trabalhar pela salvação das almas, quer no labor apostólico, quer no
silêncio e na oração de um a vida hum ilde e oculta.
"Subm etei vossa vontade à Sua... A dorai seus Desígnios para convosco, se­
jam quais forem, todo o vosso ser se prostre como convém à criatura diante do
C riador...
"Foi assim que Eu Me ofereci para realizar a Obra da Redenção do m undo.
"N o m esm o instante vi cair sobre M im todos os torm entos da m inha Paixão,
as calúnias e os insultos. Os açoites e a coroa de espinhos... a sede... a Cruz...
Todas estas dores se acum ularam diante de m eus olhos e, ao m esm o tem po, a
m ultidão de ofensas, de pecados e de crimes que se com eteriam no decurso dos
séculos. N ão som ente os vi m as senti-Me revestido de todos esses horrores...
"E sob este fardo de ignom ínias, apresentei-M e a m eu Pai Santíssim o, para
im plorar M isericórdia. Então, senti precipitar-se sobre M im a Cólera de u m Deus
ofendido e irritado, e ofereci-Me como fiador, Eu, seu Filho, para aplacar sua ira
e satisfazer à sua Justiça.
"M as, sob o peso de tantos crimes, experim entei, na m inha natureza hum ana,
tal angústia e tão m ortal agonia que todo o m eu corpo ficou coberto com um
suor de Sangue.
"Ó pecadores, que Me fazeis sofrer assim... dar-vos-á este Sangue salvação e
vida? ou ficará perdido para vós?... Como exprim ir m inha dor, pensando neste
suor, nestas angústias, nesta agonia, neste Sangue.., inúteis p ara tantas e tantas
almas!...
F ic a re m o s p o r a q u i h o je, Jo sefa. C o n so la m e u C o ração ! A m an h ã,
continuarem os.
"A deus! fica a m eu lado no G etsêm ani e deixa que m eu Sangue regue e
fortifique a raiz da tua pequenez".
Com o consegue Josefa, depois de efusões como estas do Coração do Mestre,
en tra r n o vam ente na v id a ordinária? P odem os vê-la, no en tan to , sem pre a
m esm a, a trabalhar da m anhã à noite. Só um a graça evidente a pode manter
presente a tudo, enquanto carrega, dentro de si, o peso das confidências divinas.
Na noite de 12 para 13 de março, Jesus volta com a Cruz. Usa dos direitos
confirm ados pela obediência.
E enquanto lhe lem bra sua indignidade, confia-lhe o tesouro de sua união
com Ele.
"Repouso-M e na tua pequenez — diz — m as tam bém acho consolo e alívio
no m eio de m inhas Esposas, pois, sem que o percebam , tam bém lhes confio
alm as que se salvam e voltam a Mim!...
" G uarda a m inha C ruz e am anhã dir-te-ei m eus Segredos!..."
A noite term ina com o padecim ento habitual dos assaltos diabólicos e pela

238
m anhã, Jesus continua sua narrativa:
"Beija o chão — recom enda, logo no princípio, à sua M ensageira, pois gosta
de vê-la pequenina a seus Pés.
"N ão são teus m éritos que Me atraem , m as o am or das almas.
Sim — continua Jesus — aqui estou. Venho revelar-te os sentim entos de M eu
Coração, m as tam bém repousar-M e no meio de vós. Ah! que alegria Me dão as
almas que sabem receber-Me com júbilo., porque as visito, ora p ara consolá-
las, ora para nelas pro cu rar consolo. M as elas nem sem pre M e reconhecem
m orm ente quando têm que sofrer.
"E agora, continuem os nossa oração em Getsêmani.
A proxim a-te de Mim, e quando Me vires subm erso n u m oceano de tristeza,
vem com igo procurar os três discípulos que deixei a algum a distância.
"Tinha-os escolhido para repousar ao pé deles, associando-os à m inha Prece
e à m inha A ngústia.
"C om o d izer o que sofreu o m eu C oração q u an d o , in d o p ro cu rá-lo s os
encontrei adorm ecidos? Q ue m ágoa p ara quem am a, ver-se só e sem p o d er
confiar nos seus!...
" Q u a n ta s v eze s m eu C o ração so fre com e sta d o r... e q u a n ta s v eze s,
procurando alívio junto de suas Almas escolhidas, as encontra adormecidas!:..
"Em vão tento desp ertá-las, arrancá-las a si m esm as e às p reo cu p açõ es
pessoais, aos entretenim entos inúteis e frívolos... M uitíssim as vezes respondem -
Me, com atos, se não com palavras:
"Agora não posso... tenho m uito que fazer... estou m uito cansada... preciso
de um pouco de sossego.
"Então insistindo suavem ente, digo a essas almas:
"Vem um m om ento vem orar comigo, agora é que tenho necessidade de ti,
não receies sacrificar este descanso p o r M im, pois serei Eu tua recom pensa... E
recebo a m esm a resposta!... Pobre alma adorm ecida, que não pode velar um a
hora comigo! . .
A prendei tam bém aqui, alm as queridas, como é inútil e vão procurar alívio
junto das criaturas. Ao pé delas, m uitas vezes não encontrareis senão acréscimo
de sofrimento, pois estão dorm indo e não respondem nem à vossa expectativa,
nem ao vosso amor.
"V oltando d ep o is à m in h a oração, p rostrei-M e de novo, ad o rei o Pai e
implorei-Lhe socorro... N ão Lhe disse: "M eu D eus" m as "M eu Pai". Q uando
vosso coração sofre mais, deveis tam bém cham ar a Deus, vosso Pai. Suplicai-
Lhe que vos ajude, expondo-Lhe os vossos sofrimentos... os vossos tem ores., os
vossos desejos... e, com os gem idos da vossa dor, recordai-Lhe que sois sua
filha.
Dizei-Lhe que vosso corpo está extenuado... que vosso coração está opresso
até à morte... que vossa alma parece experim entar o suor de sangue... O rai com
confiança de filha e esperai tu d o daquele que é vosso Pai. Ele p ró p rio vos
consolará e vos d a rá a força n ecessária p a ra a tra v essa r a trib u lação o u o
sofrimento, seja este vosso ou das alm as que vos são confiadas:

239
M inha alma triste e d esam parada ia sofrer angústia ainda m ais m ortal, pois
sob o peso das iniqüidades dos hom ens e em troca de tanto padecim ento e de
tanto amor, só via Eu ultrajes e ingratidões.
"O sangue que escorria p o r todos os m eus poros e que dali a pouco havia de
jorrar de todas as m inhas feridas, seria inútil para m uitíssim as alm as... m uitas
se p e rd e ria m ... o u tra s , em m a io r n ú m e ro , M e o fe n d e ria m ... e g ra n d e s
m ultidões, nem sequer Me conheceriam . Eu derram aria m eu Sangue p o r todas
e m eus M éritos seriam oferecidos a cada uma... Sangue divino! M éritos infinitos!"
inúteis entretanto para tantas e tantas almas!.,.
"Sim, por todas derram aria m eu Sangue e todas seriam am adas com grande
Amor... M as para algum as quanto seria m ais tem o, m ais delicado, m ais ardente
este amor... Dessas alm as escolhidas esperava Eu m ais consolo e am or, mais
generosidade e abnegação... em um a palavra, m ais correspondência às minhas
B ondades.., M as, q u a n ta s vi, n aq u ele m o m en to , d esv iare m -se d e M im..,
fecharem, um as os ouvidos à m inha voz... outras, ouvirem -na sem a seguirem...
outras, corresponderem p o r algum tem po, com certa generosidade m esm o, ao
A pelo de m eu Coração, depois adorm ecerem pouco a pouco, e um dia chegarem
a dizer-m e por suas obras; "Já trabalhei bastante, fui fiel aos porm enores de
m inhas obrigações... dom inei m inha natureza... vivi na abnegação... agora pre­
ciso de um pouco m ais de liberdade, já não sou criança... Tantas privações...
tanta vigilância, não são m ais necessárias., bem posso largar tal coisa que me
incom oda etc.
Pobre alma! Começas então a adormecer?... D entro em pouco voltarei e, no
teu sono, não m e ouvirás!... Virei oferecer-te m inha Graça e não a receberás..
Terás algum dia força p ara despertar?... N ão é p ara tem er que, tendo ficado
p o r longo tem po sem alim ento, te enfraqueças e não possas mais sair de tua
letargia. .
Alm as que amo, sabei que m uitos foram surpreendidos pela m orte no meio
de p ro fu n d o sono!... O nde e com o acordaram ?.. Tudo isso estava diante de
m eus olhos e de m eu Coração. Q ue fazer?... recuar? Pedir ao Pai que Me livrasse
dessa angústia?... A presentar-lhe a inutilidade de m eu Sacrifício p ara tantas
almas?... Não! Submeti-M e novam ente à Sua Vontade santíssim a, aceitei o Cálice
para esgotá-lo até o fim.
"A ssim procedi para ensinar-vos a não recuar diante do sofrim ento. Nunca
o julgueis inútil, m esm o se não virdes o seu resultado: submetei-o vosso juízo e
deixai que a Vontade divina opere e se cum pra em vós.
"Eu não quis recuar nem fugir e, sabendo que ali, naquele Jardim , viriam
prender-M e os inimigos, de lá não arredei pé.
"A m an h ã co n tin u arem o s, Josefa. Fica à m in h a d isp o sição , p a ra q u e te
encontre acordada se tiver necessidade de ti".
U m a hora se escoou no silêncio da pequena cela. Josefa, sem pre de joelhos,
escrevera sem cessar, pára enfim, e o M estre baixa o O lhar sobre ela:
"Beija m eus Pés — diz — e fica na m inha Paz. Estou sem pre contigo, mesmo
quando não Me vês."

240
Desaparece, m as não p o r m uito tem po e na m anhã de quarta-feira, 14 de
março, sem preâm bulo algum , prossegue:
"D epois d e ter sid o reco n fo rtad o p elo E n v iad o d e m e u Pai, vi q u e se
aproxim ava Judas, um dos m eus doze A póstolos e atrás dele vin h am os que
haviam de apoderar-se de Mim.
"Estavam arm ados com bordões e pedras, traziam correntes e cordas para
me prender e am arrar.
"Levantei-M e e indo-lhes ao encontro, disse-lhes; "A quem procurais?"
"Então Judas, pondo as m ãos sobre os m eus om bros, beijou-Me! Ah! Judas,
que fazes e que significa este ósculo?
"A quantas alm as não posso Eu dizer também:
"Q ue fazeis? Por que m e atraiçoais com u m ósculo? "
"Alma que am o, que acabas de Me receber, que Me repetes os protestos do
teu amor... mal sais da m inha presença, logo Me entregas aos m eus inimigos..
Bem sabes que nessa reunião que te atrai, há conversas que Me ferem e tu, que
Me recebeste pela m anhã e Me receberás, talvez no dia seguinte, p erd es ali a
brancura preciosa de m inha graça...
"Por que levas adiante esse negócio que te enegrece as mãos?... direi a outra:
Não sabes que não é lícito o m odo p o r que ad q u ires essa fo rtu n a, com o te
elevas a essa posição e como procuras esse bem -estar? ..
"Tu Me recebes e Me beijas com o Judas., depois, daí a alguns instantes, ou
quando m uito, daí a algum as horas, és tu m esm o quem d ás sinal aos m eus
inimigos para que m e reconheçam e se apoderem de Mim!
"Tam bém Me dirijo a ti, alm a cristã, que Me atraiçoas com essa am izade
perigosa. N ão só Me acorrentas e Me lapidas, m as és causa de que outra m e
atraiçoe tam bém . Por que Me entregas assim tu que Me conheces e que m ais de
uma vez te tens gloriado da tua p ied ad e e da tua caridade?... Sem d ú v id a,
poderias recolher com elas grande m érito, m as na realidade, que são elas senão,
véu que encobre tua malícia?...
"Amigo, por que vieste?... Judas! com um beijo traíste o Filho de D eus teu
Mestre e teu Senhor! A quele que te am a e está pronto a te p erd o ar ainda!... tu,
um dos m eus Doze!... um dos que se sentaram à m inha Mesa e aos quais lavei,
Eu próprio, os pés.
Q uantas vezes posso e devo falar assim às alm as m ais caras a m eu Coração!...
a alma querida! Por que te deixas arrastar por essa paixão?... Por que lhe deixas
campo livre?... N ão está sem pre em teu p oder te livrares dela, m as só te peço
combatê-la, lutar e resistir-lhe... Q ue são os prazeres m om entâneos?... senão os
trinta dinheiros p o r que Judas Me vendeu e que só serviram p ara perdição?
"Quantas alm as Me têm vendido e Me venderão ainda pelo preço vil de u m
deleite passageiro... Ah! pobres almas!... A quem procurais?.,. A Mim?... A este
Jesus que conheceis, e que amáveis?
"Deixai que vos diga esta palavra: "Vigiai e orai! "
"Sim, trabalhai sem descanso a fim de que vossos defeitos e vossas m ás
inclinações não cheguem a se transform ar em hábitos.

241
"A erva dos cam pos deve ser ceifada todos os anos e, até m esm o, em cada
estação. É preciso lavrar a terra para fortificá-la e arrancar incessantem ente as
ervas daninhas.
"D o m esm o m odo, a alm a deve vigiar e endireitar, com cu id ad o as suas
tendências defeituosas. N em sem pre é um a falta grave que abre cam inho a
d esordens piores. O p o nto de p artid a das m aiores quedas é freqüentem ente
pouca coisa: um pequeno gozo, um m om ento de fraqueza, um consentimento,
talvez lícito, m as pouco m ortificado, um p razer legítimo em si, m as que não
convém ...'
"Tudo isto aum entando e m ultiplicando-se. A alma vai caindo na cegueira,
a graça tem m enos preponderância, a paixão se fortifica e, afinal triunfa.
"Ah! Com o é triste para o Coração de Deus, cujo A m or é infinito, ver tantas
alm as aproxim arem -se insensivelm ente, do abismo!
"Fiquem os aqui, hoje, Josefa. N ão esqueças que não são teus m éritos que
atraem m eu Coração, m as tua m iséria e a com paixão que tenho de ti."
A noite seguinte já está adiantada quan d o Josefa acorda ao A pelo do Mestre.
Traz-lhe a cruz, como ajustara com ela e só lhe diz o seguinte:
"Toma a C ruz e nada temas. N unca ultrapassará tuas forças, pois m edi-a e
pesei-a na balança do Amor. Ah! sabes quanto te am o e quanto am o as alma,...
É p o r elas que Me sirvo de ti, pois em bora sejas m uito pequena e pouco valhas,
utilizo tua pequenez, conservando-te un id a a M eus M éritos e a m eu Coração.
"Fica com m inha C ruz e sofre pelas alm as e p o r am or de M im".
O padecim ento noturno, tão caro ao Coração de Jesus q uanto ao de Josefa,
continua até à m adrug ad a. É assim que o Senhor prepara o encontro ao qual
não faltará d u ran te m uitos dias seguidos.
N a Q uinta-feira, 15 de março, festa das Cinco Chagas, m al chega ela à sua
cela, o Senhor se aproxim a:
"Beija o chão e hum ilha-te".
E o ato, que, em cada visita, há de colocá-la entre as M ãos divinas.
"Disse-te, Josefa, com o as almas, que Me ofendem gravem ente, Me entregam
aos inim igos a fim de que Me levem à morte, ou antes, são elas que se tomam
inim igas e, a arm a de que se servem contra Mim, é o pecado.
"N ão se trata porém sem pre de grandes quedas.. H á tam bém almas, e almas
de eleição, que Me atraiçoam por suas faltas habituais, suas m ás inclinações
não com batidas... suas condescendências com a n atu reza im ortificada, suas
faltas de caridade... de obediência... de silêncio, etc.., E se m eu Coração sofre
com os pecados e a ingratidão do m undo, quanto mais, se são ofensas vindas
de alm as m uito amadas!... Se o beijo de Judas Me causou tanta dor foi justamente
p or ser dos m eus Doze, e que dele, com o dos outros, esperava Eu m ais amor,
mais consolo, m ais delicadeza!
"Ó vós que escolhi para lugar de m eu repouso e jardim das m inhas Delícias,
de vós tam bém espero m uito mais amor, ternura, delicadeza, que de outras que
não M e são tão intim am ente unidas!.

242
“Sede o bálsam o que cicatriza as m inhas Feridas, enxugai m inha Face m an­
chada e desfigurada... ajudai-M e a esclarecer às alm as cegas que, na escuridão
da noite, Me prendem e Me am aram , para Me conduzirem à m orte.
“N ão Me deixeis só... A cordai e vinde, porque se aproxim am os m eus inim i­
gos!... Q uando os soldados avançaram para Me prender, disse:
"Sou Eu! E a palavra que repito à alm a que se acerca do perigo e da tentação:
“Sou Eu, sim, sou Eu" Tu vens para Me trair e m e entregar".
“N ão im porta! Vem, pois sou teu Pai" e se quiseres, ainda há tem po: perdoar-
te-ei.. - E em vez de Me am arrares tu com teus pecados, Eu é que te p renderei
com os laços do m eu Amor.
"Vem, sou A quele que te ama. A quele que d erram ou todo o Sangue p o r ti..,
Tenho com paixão de tua fraqueza e espero-te, com desejo ardente de te acolher
em m eus Braços!...
"Vem, alm a de m inha Esposa, de m eu Sacerdote... Sou a M isericórdia infinita.
Não te hei de castigar... N ão te hei de repelir... m as abrir-te-ei m eu coração e te
amarei com m ais ternura ainda... Lavarei tuas m anchas no Sangue de m inhas
C hagas. Tua b eleza reco b rad a cau sará a d m iração ao céu e m e u C o ração
repousará em ti.
"Ah! que tristeza, quan d o depois de um apelo destes, a alm as cegas e ingratas,
elas Me ligam e Me conduzem à m orte.
"D e p o is d e M e te r d a d o o beijo d a tra iç ã o , J u d a s s a iu d o J a rd im , e
com preendendo o alcance de seu crime, caiu no desespero.
" Q uem poderá calcular a m inha Dor qu an d o vi m eu A póstolo correr para
a perdição eterna?..
"Entretanto, soara a hora e, d an d o inteira liberdade aos soldados, entreguei-
Me, com docilidade de cordeiro.
"A rrastaram -M e logo à casa de Caifaz onde fui recebido com zom barias e
insultos, onde um dos criados Me deu a prim eira bofetada.
"A prim eira bofetada!... C om preende isto bem , Josefa; acaso M e fez sofrer
mais que os golpes da flagelação?.., Não, mas, nesta prim eira bofetada Eu vi o
primeiro pecado m ortal de tantas alm as que tinham vivido, até então, na m inha
graça....
"E depois do prim eiro... quantos outros!... e quantas alm as arrastadas pelo
exemplo ao m esm o perigo!... Talvez à m esm a desgraça: à desgraça de m orrer
em pecado!...
"A m anhã c o n tin u a re m o s. E n q u an to esp eras, p a ssa o d ia re p a ra n d o e
rezando, a fim de que m uitas alm as com preendam onde as conduz o cam inho
que estão seguindo."
A vinda da Santíssim a Virgem e o dom das preciosas gotas de sangue cuja
história ja foi contada acima, com pletaram a festa das Cinco Chagas. Entretanto,
naquela tarde, M aria não se dem ora perto da filha e respondendo a u m desejo
timidamente m anifestado diz:
"Voltarei e então, Me perguntará o que quiseres".

243
O Abandono dos Seus
16 de M arço de 1923

"Farei ou vir a m in h a Q u eixa aos


A p ó s to lo s de então, às A lm a s ele ita s de
h oje."

(Nosso Senhor à Josefa — 16 de março de


1923)

N a m anhã de Sexta-feira 16 de março, o Senhor precede à sua M ãe e Josefa


Lhe agradece o insigne favor da véspera.
"Se fores fiel em am ar-M e — responde — não hei de ser infiel em consolar-te?
Preparo-te outra prova de amor. Recebeste ontem , algum as gotas do Sangue
de m eu Coração, Josefa hoje participarás da dor de m eus Cravos..-Deixar-te-ei
tam bém a m inha C ruz a fim de que a carregues pelo dia afora e que teu amor
Me console. Eu te sustentarei, pois não cesso de te amar. Vê quantas provas te
dou. Dar-te-ei m ais ainda, até o dia em que te levar com igo para o céu.
"A gora continua a escrever para m inhas almas:
'M eus A póstolos Me abandonaram ... Só Pedro, levado pela curiosidade, se
disfarçou no meio dos criados.
"Em volta de Mim, apenas falsas testem unhas, que acum ulavam mentiras
sobre m entiras para atiçar a raiva dos Juizes iníquos. Os m esm os lábios que
o u tro ra tan to aclam aram m eus m ilagres, tornam -se hoje, m eu s acusadores.
C h am am -M e d e p e rtu rb a d o r, p ro fa n a d o r d o sá b a d o , falso p ro fe ta , e a
soldadesca excitada po r essas calúnias profere contra Mim, gritos e ameaças.
"A qui farei ouvir um apelo aos m eus Apóstolos de então, às m inhas Almas
escolhidas de hoje.
"O nde estáveis, A póstolos e Discípulos, testem unhas de m inha Vida, dos
m eus Ensinam entos, dos m eus Milagres?... Ai de todos aqueles que Me deviam
algum a prova de amor, nen h u m ali está para Me defender! Estou só, acusado
dos m ais abom ináveis crimes, cercado de soldados que, com o lobos vorazes
q uerem devorar-M e... todos Me m altratam ... u m Me bate na face... o utro cospe
em M im a sua saliva im unda, aquele outro expõe - Me ao escárnio!...
"E enquanto m eu Coração se oferece a todos estes suplícios p ara livrar as
alm as da escravidão do pecado, Pedro, constituído p o r Mim, Chefe da Igreja ..
P edro que poucas horas antes prom etera seguir-M e até a m orte, Pedro que tem
ocasião de d ar testem unho de Mim, responde, a um a sim ples p ergunta, com
um a negação. E, com o a perg u n ta é repetida e o tem or se apodera cada vez
m ais dele, jura que nunca Me conheceu e que jamais fora m eu Discípulo!
"Ah! Pedro, juras que não conheces teu Mestre!. E não só juras, m as pela
terceira vez, O renegas com horríveis imprecações...
"A lm as escolhidas. M edistes quão doloroso é para m eu Coração que arde c

244
se consom e de A m or ver-se renegado pelos Seus?... Q uando o m u n d o se revolta
contra M im e q ue tan tas alm as Me d esp rezam , M e m a ltratam e p ro c u ra m
matar-M e e que, voltando-Se p ara os Seus m eu Coração só encontra isolam ento
e abandono... Q ue tristeza e que am argura."
"A vós, com o a Pedro, Eu direi: Esquecestes as p ro v as de A m or q u e vos
tenho dado... os laços que vos p ren d em a Mim... as prom essas com que, tantas
vezes protestáveis fidelidade em defender-M e até à M orte?
"Se sois fracas e receais ceder ao respeito hum ano, vinde pedir-M e força p ara
vencer. N ão vos apoieis sobre vós m esm as, m as recorrei a m im com confiança
Eu vos sustentarei.
"Se viveis no meio do m undo, cercadas de perigos e ocasiões de pecado, não
vos exponhais, voluntariam ente, ao perigo. Teria Pedro sucum bido se, resistindo
corajosamente, não tivesse cedido à vã curiosidade. . .
"E vós, que trabalhais na m inha Seara ou na m inha Vinha, se, em algum a
ocasião, vos sentirdes arrastados à ação p o r um a satisfação hum ana: fugi. M as
se trabalhais pu ram en te p o r obediência p ara m inha G lória e a salvação d as
almas, n ad a temais: eu vos defenderei e vós passareis vitoriosam ente através
do perigo.
"Enquanto os soldados Me conduziam à prisão, avistei P edro no m eio dos
criados e m eus O lhos fitaram -no. Ele olhou para M im e chorou am argam ente
seu pecado. "É assim que fixo m eus O lhos sobre a alm a culpada. M as ela...
Olhará para Mim?... E os nossos olhares se encontrarão sem pre?... Ai! Q uantas
vezes, o M eu, em vão, procura o dela! . . .
A alma não Me vê, está cega!... Insisto com doçura, ela não Me ouve! C ham o-a
pelo nome, não Me responde... Tento acordá-la com algum a tribulação, ela não
desperta do seu sono...
"Almas que am o, se não olhardes m ais para o céu, sereis nesta terra, como
entes privados de razão. Levantai a cabeça p ara o vosso fim... p ara a Pátria
que vos espera. Procurai a vosso Deus e O encontrareis sem pre com os Olhos
fixos sobre vós,... e no seu Olhar, Paz e Vida!
"Paremos por aqui, hoje Josefa, am anhã continuarem os.
"Fica com M inha C ruz e consola-Me.
Escoaram-se três sem anas, depois que N osso Senhor com eçou a revelar à
Josefa, os segredos da Paixão para as almas.
Associa-a a seus sentim entos com tanta força que lhe im pregna toda a vida
e nada pode distraí-la. Ela vai, vem , trabalha, dedica-se, reza, sem q u e sua
alma deixe, um só instante, a lem brança daquelas dores que nela se im prim em
cada m anhã.
Intercalam-se as noites de reparação com sua oblação habitual, recordan-
do-lhe sem cessar que fora escolhida, não apenas para transm itir um a M ensagem
às almas, m as p a ra co o p erar efetiv am en te na su a salvação. N o sso S enhor
inscreve em cada página de sua vida, a un id ad e de sua missão, sob o d u p lo
aspecto, de vítim a e de Apóstolo: é este o sentido verdadeiro de sua vocação.

245
N o m esm o dia, 16 de março, a Santíssima Virgem, respondendo ao desejo
expresso na véspera, traz à Josefa novo testem unho de seu am or m aterno.
"Q uerias p ed ir algum a coisa? — diz com b o ndade, aproxim ando-se pela
tardinha, enquanto Josefa cosia — que queres?"
Josefa queria saber rezar a Jesus da m aneira m ais agradável ao seu Coração.
"Vou ensinar-te — responde a divina Mãe —Sobe à tua cela e lá escreverás."
Mal ali chega, Nossa Senhora dela se acerca:
"O que m ais agrada a m eu Filho — diz Ela para com eçar — é o am or e a
hum ildade. Escreve pois:
"Ó dulcíssim o e am abilíssim o Jesus, se não fósseis m eu Salvador eu não ou­
saria vir a Vós! M as sois m eu Salvador e m eu Esposo e vosso Coração m e ama
com o m ais terno e o m ais ardente amor, com o n enhum coração seria capaz de
amar.
"Eu desejaria corresponder ao am or que p o r m im tendes, desejaria ter por
Vós, que sois m eu Único Amor, todo o ardor dos serafins, a p ureza dos anjos e
das virgens, a santidade dos bem aventurados que Vos possuem e Vos glorificam
no céu.
"Se eu pudesse oferecer-Vos tudo isso, pouco seria ainda para louvar vossa
B ondade e vossa M isericórdia. Eis porque Vos apresento m eu pobre coração tal
qual é, com todas as suas misérias, fraquezas e bons desejos. Dignai-Vos, Vós
m esm o purificá-lo no sangue do vosso Coração, transform á-lo, abrasá-lo com
am or p u ro e ardente.
"Então, a pobre criatura que sou, incapaz de bem algum , capaz de todo o
mal, vos h á de am ar e glorificar como os m ais abrasados serafins do céu.
"Peço-Vos, enfim Ó dulcíssim o Jesus, deis à m inha alm a, a pró p ria santidade
de vosso Coração, ou antes, m ergulhai-a em vosso divino coração, a fim de que
nele eu Vos am e, Vos sirva, Vos glorifique e nele m e perca d u ran te toda a eterni­
dade!
"Peço-V os e sta g raça p a ra to d a s as p e sso a s q u e am o!... P o ssam elas
render-Vos, por mim, a glória e a honra de que m inhas ofensas Vos têm privado!"
Então, Josefa se afoita e pede à Mãe boníssim a um a oração Jaculatória que
possa m ultiplicar no meio de seu trabalho:
"Repete-Lhe estas palavras de que Ele gostará:
"O m eu Esposo, que sois tam bém m eu Deus, fazei que m eu coração seja
um a cham a de puro am or p o r Vos.
"E todas as noites, antes de adorm ecer — continua Ela — repete-lhe a seguinte
prece, com m uito respeito e confiança:
"Vós que conhecíeis a m inha m iséria antes de fixardes os O lhos em mim,
não desviastes o O lhar desta miséria!... mas, p o r causa dela m e am astes com
am or ainda m ais terno e delicado.
"Peço-Vos perdão p o r haver tão mal correspondido hoje, a vosso Amor!..
Suplico-Vos m e perdoeis e purifiqueis m inhas ações no vosso Sangue divino,
pesa-m e, dolorosam ente, Vos ter ofendido, p o rq u e sois infinitam ente Santo

246
A rrependo-m e, do fu n d o da alm a, e prom eto-V os fazer tu d o o q u e m e for
possível, para não tornar a cair nas m esm as faltas.
“Depois, filha, podes entregar-te ao repouso, com tranqüilidade e alegria."
Um dia, N osso Senhor corresponderá à delicadeza de su a M ãe. C onvém
antecipar o dia 26 de agosto de 1923 para com pletar a narrativa desta C ondes­
cendência divina:
"Josefa — dirá Jesus naquela tarde — é v erdade que desejas algum as palavras
que agradem à m inha Mãe? Escreve o que te vou dizer:
"E, com voz ardente e inflam ada, m esm o entusiasta — observa ela — p ro n u n ­
ciou a seguinte oração:
"Ó Mãe terna e am ante, Virgem prudentíssim a, que sois M ãe do Redentor,
venho saudar-Vos neste dia, com o am or m ais filial com que Vos possa am ar
um coração de filha.
"Sim, sou vossa filha e, já que é tão grande m inha im potência, tom arei os
ardores do coração de vosso divino Filho; com Ele, Vos saudarei, com o a m ais
pura das criaturas, pois fostes form ada segundo os desejos e os atrativos do
Deus três vezes Santo!
"Concebida sem a m ancha do pecado original, isenta de q u alquer corrupção
fostes sem pre fiel aos m ovim entos da graça e vossa alma ia acum ulando tantos
merecimentos que se elevou acima de todas as criaturas.
"Escolhida p ara M ãe de Jesus C risto, Vós O g u ard aste s com o san tu ário
puríssimo, e A quele que vinha d ar a vida às almas, tom ou, Ele pró p rio vida em
Vós e de Vós recebeu nutrição.
"Ó Virgem incomparável! Virgem Imaculada! A dm irada pelos anjos e santos,
sois a alegria dos céus!
"Estrela da m anhã, Roseira florida da prim avera, Lírio alvíssimo, íris esbelto
e gracioso, Violeta perfum ada, Jardim cultivado e reservado, para as delícias
do Rei dos céus!
"Vós sois m inha M ãe, Virgem p ru d en tíssim a, Arca preciosa que encerra
todas as virtudes! Vós sois m inha Mãe, Refúgio dos pecadores! Eu Vos saú d o e
me regozijo à vista de tan to s d o n s q u e Vos faz o O n ip o te n te e d e ta n ta s
prerrogativas com que Vos coroou.
"Sede bendita e louvada, M ãe de m eu Redentor, M ãe dos pobres pecadores.
Tende piedade de nós e cobri-nos com vossa proteção m aterna.
"Saúdo-Vos em nom e de todos os hom ens, de todos os santos e de todos os
anjos.
"Desejaria amar-Vos com o am or e os ardores dos m ais abrasados serafins e,
sendo isto ainda pouco para saciar m eus desejos, saúdo-Vos e amo-Vos, p o r
meio de vosso divino Filho e a santidade da Trindade adorável. E é p o r meio
das Pessoas divinas que vos bendigo e desejo render-Vos eternam ente, louvor
filial, constante e puro.
"O Virgem incomparável!, abençoai-me, pois que sou vossa filha... Abençoai
todos os homens! Protegei-os, orai por eles ao O nipotente que nad a Vos pode

247
recusar.
"A deus, M ãe tem a e querida! Saúdo-Vos, de dia e de noite d u ran te o tempo
e d u ran te a eternidade! "
"A gora, Josefa, louva a Mãe, com as palavras d o Filho e o Filho, com as
p alavras da M ãe."
"N unca — dirá Josefa — tinha eu visto seu Coração tão belo, nem ouvido
sua Voz tão cheia de entusiasm o."

248
Da Prisão à Flagelação
17 - 21 DE MARÇO DE 1923

"Olhai para m in h a s C hagas e v e d e se há


algu ém que tenha so frid o tanto para v o s
provar seu amor!..."

(Nosso Senhor à Josefa - 21 de março de 1923)

Faz vinte dois anos hoje - escreve Josefa no Sábado, 17 de de m arço de 1923
- que Jesus me deixou ouvir sua Voz, pela prim eira vez, quan d o eu m e preparava
à prim eira com unhão.
"Falei-lhe desta recordação d u ran te a ação de graças, quando, de repente,
Ele veio... belíssimo! Sua túnica parecia de ouro e seu C oração estava tão
abrasado que não posso explicar!"
"Josefa, já te dizia então: "Q uero que sejas toda m inha." Hoje, posso dizer-
te: "Es toda M inha." O utrora eu te preparava p ara te atrair a m eu Coração.
Agora, estás presa neste Coração. Vem, entra... e repousa nele, é tua m ora­
da".
Então, seu Coração se abre e Josefa entra!...
"Estava com o que no céu - escreve ela - Pensei que não viria m ais cá na
terra."
Esses instantes inefáveis pouco d u ram e, cada vez que ela lhes saboreia a
força e a paz, já sabe que é um descanso entre duas jornadas. É esta a ordem
divina. A lgum as horas depois, está no seu p osto e Jesus se aproxim a p ara
encaminhá-la m ais avante na trilha de seus Padecim entos:
"Contem pla-M e na prisão onde passei grande parte da noite. Ali vinham
os soldados insultar-M e com palavras e ações, escarnecendo de M im, ultrajan-
do-Me, batendo-M e na cabeça e no m eu Corpo.
"Fartos de Mim, abandonaram -M e sozinho e am arrado, n u m lugar úm ido
e escuro. Deram -M e, um a p ed ra p o r assento onde m eu C orpo do lo rid o se
sentiu transido de frio. C om parem os aqui a prisão com o coração daqueles
que Me recebem.
"Na prisão, passei apenas parte da noite. M as no sacrário... quantos dias,
quantas noites?
"Na prisão fui insultado e m altratado pelos soldados que eram m eus inim i­
gos. No sacrário... quantas vezes não o sou p o r alm as que Me cham am de
Pai... mas, não se com portam como filhos!...
"Na prisão, sofri frio e sono, fome e sede, tristeza, vergonha e abandono! E
vi no decorrer dos séculos, tantos tabernáculos onde Me faltaria o abrigo do
amor... tantos Corações gelados que seriam para m eu C orpo chagado, com o a
pedra da prisão!...
"E quantos dias esperarei que tal alm a ou tal outra, venha visitar-M e no
sacrário e Me receber no seu coração!... Q uantas noites passadas a desejar sua

249
vinda... M as, ela se deixa d om inar p o r suas ocupações... p o r sua moleza...
pelo m edo de prejudicar a saúde... e não vem!...
E sperava-te p ara saciar m inha sede e p ara consolar m inha tristeza, alma
querida, e não vieste!
"Q uantas vezes terei fome das almas... de sua fidelidade... de sua generosi­
dade... Saberão elas aplacar esta fome ardente com aquela pequenina vitória
sobre si m esm as, ou aquela leve mortificação? Saberão aliviar m inha tristeza
com sua te rn u ra e com paixão?... Saberão, q u an d o vier u m m o m en to mais
doloroso à natureza... quan d o tiverem que su p o rtar u m sofrim ento qualquer...
u m esquecim ento... u m desprezo... um a m ágoa de coração ou de família...
dizer-M e do fundo da alma: "Isto será para suavizar vossa tristeza, p ara Vos
acom panhar na vossa Solidão".
"... Ah! se soubessem unir-se a Mim, com que p az atravessariam a dificul­
d ade... com o sua alm a sairia dali fortificada... e com o m eu C oração seria
consolado e aliviado...
"N a prisão quantas palavras obscenas proferidas contra M im Me haviam
de cobrir de confusão... e essa d o r aum entava ainda lem brando-M e que seme­
lhantes palavras cairiam, um dia, de lábios m uito amados!
"E en q u an to aquelas m ãos im u n d as descarregavam p an cad as e bofetões
sobre m eu C orpo, Eu Me via espancado e esbofeteado pelas alm as, que Me
receberiam sem delicadeza e Me acabrunhariam sob golpes repetidos de pecados
habituais e consentidos!...
"D epois, q u an d o Me em p u rraram e M e deixaram cair p o r terra, atado e
sem forças... Vi m uitas alm as preferirem a M im suas satisfações e acorrentarem-
M e p o r sua ingratidões, repelirem -M e e renovarem m inha dolorosa queda,
p ro longando m inha Solidão...
"O alm as escolhidas, aproxim ai-vos de vosso Esposo na prisão, contemplai-
O d u ran te essa noite de padecim ento... e vede-a prolongar-se na solidão de
tantos sacrários e na frieza de tantas almas!...
"Q uereis dar-M e prova de vosso Amor? ... Deixai-Me vosso coração para
que dele faça m inha Prisão...
"Atai-M e com as cadeias do vosso amor.
"Cobri-M e com as vossas delicadezas...
"Saciai-Me a fome com vossa generosidade...
"Dai-M e de beber com vosso zelo...
"Consolai a m inha tristeza com a fidelidade de vossa com panhia...
"Tirai-me esta dolorosa confusão com a vossa pureza e a vossa reta inten­
ção...
"Se quereis que Eu repouse em vós, preparai-M e um leito com vossos atos de
m ortificação... Sujeitai a vossa im aginação a acalm ai os tu m u lto s de vossas
paixões. Então, no silêncio de vossa alma, dorm irei tranqüilo e ouvireis a minha
Voz dizendo suavem ente:
"Ó Esposa m inha, que és agora o m eu Descanso, Eu serei o teu na eternida­
de!... Já que, com desvelo e am or, M e g u ard aste na p risão d o teu coração,

250
minha recom pensa não terá limites... e nunca te arrependerás dos sacrifícios
que por M im fizeste d u ran te a tua vida!...
“Parem os aqui, Josefa, deixa-M e passar o dia de hoje na prisão de tua alma.
Haja nela profundo silêncio p ara escutares as m inhas Palavras e responderes
aos desejos que Eu te confiar."
Escoam-se três dias depois dessa contem plação, não sem trazerem à Josefa a
graça d a s a trib u la ç õ e s com as q u a is h á d e faze r c o m p a n h ia ao d iv in o
Prisioneiro. Ela não tem consciência desse papel que pareceria, a princípio, ser
destinado a só lhe proporcionar consolações. M as o am or exigido pelo M estre
há de ser sem p re o am o r forte que se alim en ta com lu tas, h u m ilh açõ es e
sofrimentos:
"É bom - dizia-lhe outrora a Santíssim a Virgem - que am es sem o saberes
nem sentires." É a grande lição dada ao longo desta história, p o r Jesus e sua
Mãe, às alm as escolhidas, a fim de torná-las in stru m en to s d a M isericórdia
infinita e do A m or redentor.
Na tarde da terça-feira, 20 de m arço, enquanto estende ro u p a no quintal,
Josefa encontra de repente N osso Senhor que a fita com com paixão:
“Sobe à tua cela - diz - quero que escrevas."
Mal ali chega, Jesus aparece. Traz na Cabeça a coroa de esp in h o s e ela
suplica que lha dê.
"Sim, dou-ta com m uito amor... Toma-a e vam os escrever p ara as m inhas
almas:
"Depois de ter passado a m aior parte da noite na prisão úm id a, escura e
sórdida... depois de ter su portado os ultrajes e os escárnios da criadagem curiosa
acerca do que Me sucederia... quando já m eu C orpo estava exausto com tantos
tormentos... escuta Josefa, os ardentes desejos de m eu Coração: o que Me
consumia de am or e avivava em M im nova sede de dores era o pensam ento de
muitas alm as que Eu atrairia m ais tarde a seguir-M e os passos.
"Eu as via, com o fiéis im itadoras de m eu Coração, ap ren d en d o de M im, não
apenas m ansidão, paciência e serena aceitação dos sofrim entos e dos despre-
zos, mas até o am or daqueles que as perseguiriam .
"Vi-as chegarem ao p o nto de se sacrificar p o r eles, com o Eu p ró p rio M e
sacrificava pela salvação dos que Me m altratavam ...
"Vi-as, am paradas por m inha Graça, responderem ao A pelo divino, abra­
çarem o estad o de perfeição, m e rg u lh arem na solidão, am arrarem -se, elas
mesmas com cadeias de amor, renunciarem a tu d o que am avam legitim am en­
te, suportarem com coragem as revoltas da sua própria natureza, deixarem -se
julgar, aceitarem desprezos, difam ação e m esm o serem tidas p o r loucas!... e
guardarem apesar de tu d o seu coração, intim am ente u n id o a seu D eus e Senhor.
"Assim, no meio de ultrajes e tratam entos infam es, o A m or Me consum ia
em desejos de cum prir a Vontade do Pai e m eu Coração, estreitam ente u n id o a
Ele nas horas de solidão e de dor, oferecia-se para reparar a sua Glória. Também,
almas religiosas que perm aneceis na prisão escolhida pelo A m or e que, m ais de
uma vez, passais aos olhos das criaturas, p o r inúteis e quiçá prejudiciais... não

251
tem ais: nas horas de solidão e d o r deixai revoltar-se o m u n d o contra vós...
U na-se vosso coração mais intim am ente a Deus, único Objeto de vosso amor, e
reparai sua Glória ultrajada p o r tantos pecados!
"A o am anhecer do dia seguinte, Caifaz o rd en o u que M e conduzissem a
Pilatos a fim de que pronunciasse contra M im a sentença de m orte.
Pilatos interrogou-M e com sagacidade, com a esperança de descobrir um
verdadeiro m otivo de condenação, mas, não encontrando nenhum , sentiu logo
a consciência p ertu rb ad a à vista da injustiça que ia cometer. Então, para se
desem baraçar de Mim, m andou-M e conduzir a H erodes.
"Pilatos é o tipo das alm as que, balouçadas entre os im pulsos da graça e os
das paixões, se deixam dom inar pelo respeito hum ano e pelo am or excessivo
d e si m esm a. E ncontram -se d ian te de tentação ou d e ocasião perigosa?...
tom am -se voluntariam ente cegas e raciocinam até ficarem p ersu ad id as de que
não h á nisso m al nem perigo algum... que elas têm juízo bastante p ara decidir,
e não precisam de conselho... Receiam parecer ridículas aos olhos do mundo...
falta-lhes energia para vencerem a si próprias e, passando ao lado da graça,
caem de u m a ocasião em o u tra e acabam com o P ilatos, en treg an d o -M e a
H erodes.
"Q uando é um a alm a religiosa, não haverá talvez ocasião p ara ofensa grave.
Mas, para resistir, seria preciso aceitar um a hum ilhação, su p o rtar um a contra­
ried ad e... E se, longe de obedecer ao m o vim ento da graça e d e descobrir
lealm ente sua tentação, a alm a consultar sua própria razão e se convencer de
q u e n ão há m otivo p a ra afastar tal p erig o ou recu sar tal satisfação, cairá
brevem ente em perigo maior...
"C om o Pilatos, cegará seus p ró p rio s olhos, p erd erá a coragem p ara agir
com retidão e, pouco a pouco, senão rapidam ente, tam bém ela Me entregará a
H erodes."
Jesus paro u e, dirigindo-se a Josefa:
"Fica em m inha Paz e no sentim ento de tua m iséria e de teu nad a - disse.
Basta tão pouco para te abalar!... M as nada receies; m inha M isericórdia e meu
A m o r-sã o in fin ita m e n te m a io res q u e tu a m isé ria, e tu a fra q u e z a nunca
u ltrap assará m inha Força."
Tal é certam ente a doutrina que N osso Senhor não se cansará de repetir. E
q u e ele quer, p o r m eio dela, d á-la a co m p re en d er às alm as cuja humilde
confiança e corajosa vontade encantam e atraem seu Coração. Ele não tarda
em provar-lhe que nada pode criar obstáculos p ara seus Planos e que a fraqueza
de Josefa nunca os estorva senão p o r um instante.
Pelas onze horas da noite, lá vem Ele. Era um a das noites escolhidas, mas
não trazia sua Cruz... o que inquieta a Josefa "porque - diz ela - é sem pre com
a C ruz que Ele vem d u ran te a noite e as M adres só m e deram licença de esperá-
Lo para O consolar... eu tam bém não desejo o m eu repouso, m as o dele."
Jesus leu tu d o aquilo na sua alma. Gosta desses protestos sim ples e verda­
deiros d o am or que bem conhece.
"N ad a receies - diz - onde Eu estiver a C ruz m e acom panha."

252
E, de repente, Josefa sente-lhe o peso sobre seu om bro. Jesus continua:
"C arrega-a com m uito respeito e amor, pela salvação de tan tas alm as em
perigo."
Então, depois de um instante de silêncio que Ele passa em atitude de súplica
intensa, pronuncia lentam ente as seguintes palavras para uni-la à sua Oração:
"Oferece a m eu Pai Eterno os torm entos da m inha Paixão, pela conversão
das alm as. Dize-lhe comigo:
"Ó m eu Pai! Ó Pai Celeste! Vede as C hagas de vosso Filho e dignai-vos
recebê-las a fim de que as alm as se abram à vossa graça!
"Os pregos que traspassaram suas M ãos e seus Pés traspassem os corações
endurecidos, seu Sangue os cubra e os m ova ao arrependim ento.
"O peso da cruz sobre os om bros de Jesus, vosso divino Filho, obtenha que
as almas descarreguem seus crimes no tribunal da penitência.
"Ofereço-Vos, ó Pai Celeste! a coroa de espinhos de vosso Filho Bem A m a­
do. Pela dor que ela Lhe causou, fazei que as alm as se deixem p en etrar com
verdadeira contrição de seus pecados.
"Ofereço-vos, ó m eu Pai! ó D eus de M isericórdia! o ab an d o n o d e vosso
Filho sobre a Cruz, sua Sede e todos os seus torm entos, afim de que os pecadores
encontrem consolo e paz na d o r de suas faltas.
"Enfim, ó Deus cheio de com paixão, em nom e da perseverança, com a qual
Jesus Cristo, vosso divino Filho, Vos rogou p o r aqueles que O crucificavam ,
peço-Vos e suplico-Vos concedais às alm as o am or do próxim o e a perseverança
no bem.
"E assim com o os torm entos de vosso filho bem -am ado term inaram na Bem-
aventurança sem fim, assim tam bém sejam os sofrim entos das alm as que fazem
penitência, eternam ente coroados com a recom pensa da vossa glória."
"Agora, guarda m inha C ruz, fica un id a aos m eus Sofrim entos e apresenta
constantemente a m eu pai as C hagas do seu Filho."
A lguns in stan tes deco rrem ain d a e d ep o is Jesus d esap arece d eix an d o -a
sozinha sob a Cruz.
Na m anhã de 21 de m arço, qu arta-feira da Paixão, to rn a ao assu n to da
véspera:
"Continua a escrever, Josefa:
"A todas as perguntas de Pilatos nada respondi, m as qu an d o M e disse: és
tu o Rei dos Judeus? - então com gravidade e na p lenitude de m inha respon­
sabilidade, respondi: "Tu o disseste, sou Rei, m as m eu Reino n ão é deste
mundo!"
"Assim deve a alm a responder com energia e generosidade, q u an d o se ap re­
sentar ocasião de vencer o respeito hum ano, de aceitar algum sofrim ento ou
humilhação aos quais lhe seria fácil escapar.
"Não, m eu reino não é deste m undo!" eis p orque não procuro o favor dos
homens. Vou p a ra a m in h a v e rd a d e ira p á tria o n d e m e esp era re p o u so e
felicidade. A qui na terra não devo fazer caso da opinião do m u n d o m as cum prir
fielmente o m eu dever. Se p ara isso precisar atravessar hum ilhação e sofrim ento,

253
não recuarei; escutarei a voz da graça. Se não for capaz de o conseguir sozinha,
buscarei socorro e pedirei conselho, pois bem sei que o am or próprio e a paixão
tentam cegar a alm a para enveredá-la pelo m au cam inho."
"Pilatos, pois, dom inado pelo respeito hum ano e o receio de arcar com ta­
m anha responsabilidade, ordenou que Me levassem a H erodes. Era este um
h o m em p erv erso q ue só p ro cu rav a satisfazer suas paixões desordenadas.
Regozijou-se vendo-M e com parecer a seu tribunal, esperando divertir-se com
m inhas Palavras e m eus Milagres.
"Considerai, alm as queridas, a repulsão que experim entei na presença da­
quele hom em viciado e cujas perguntas, gestos e m ovim entos Me cobriram de
confusão.
"A lm as p u ras e virginais, vinde cercar vosso Esposo. Escutai os falsos teste­
m unhos que se levantam contra Mim... Vede a im placável sede dessa multi­
dão ávida de escândalos e da qual me tornara joguete.
"H erodes espera que Eu responda às suas p erg u n tas sarcásticas para Me
justificar e Me defender; m as m eus lábios não se abrem e g uardo diante dele o
mais profundo silêncio. Este silêncio era a m aior prova que lhe podia dar da
m inha dignidade. As suas palavras obscenas não m ereciam cruzar-se com as
M inhas puríssim as...
"D urante esse tem po m eu Coração estava intim am ente u n id o a m eu Pai
Celeste. Consum ia-M e em desejo de dar, pelas alm as que tanto am o, o meu
Sangue até à últim a gota. O pensam ento de todas as alm as, que u m dia Me
seg u iriam , c o n q u istad as pelos m eu s exem plos e p ela m in h a liberalidade,
inflam ava-M e em amor!
"E não só regozijava-M e d u ran te aquele terrível interrogatório m as desejava
correr ao suplício da Cruz!
"D epois de ter supo rtad o as piores ignom ínias no mais perfeito silêncio, dei­
xei que M e tratassem como louco e, coberto com veste branca, sinal de zombaria
e irrisão, p o r entre gritos da m ultidão, fui levado novam ente ao tribunal de
Pilatos.
"Vê com o esse hom em está atu rd id o e apavorado! N ão sabe que fazer de
M im e, para ver se acalma a sede daquele povo que pede a m inha m orte, ordena
que Me flagelem.
"A ssim faz a alm a que não tem coragem e generosidade para rom per ener­
gicam ente com as exigências do m undo, da sua natureza ou das suas paixões.
Em vez de afrontar a tentação e cortar pela raiz, como lhe pede a consciência,
o que ela sabe que não vem do espírito bom , ora cede a um pequeno capricho,
ora concede a si m esm a algum a leve satisfação... Se tenta vencer-se num ponto,
capitula diante de outro que lhe custaria m aior esforço... Se mortifica alguns
desejos, hesita em m uitos outros em que deveria, p ara ser fiel à graça ou obedecer
à reg ra, p riv ar-se de m u ita coisa que alim en ta a sen su a lid a d e e agrada à
natureza. Concede a si m esm a a m etade de um capricho, a m etade do que
exige a paixão, e pacifica assim o rem orso da consciência.
"Tratar-se-á, por exem plo, de d ivulgar um a falta que ela crê descobrir no

254
próximo? N ão é nem caridade fraterna, nem desejo do bem , m as um a paixão
oculta, um secreto m ovim ento de inveja que lhe inspiram essa idéia. A graça e
a consciência lançam então dentro dela um grito de alarm e e a p revinem do
espírito que a guia e da injustiça que vai cometer. H averá, de certo, na alma,
um prim eiro instante de luta, m as a paixão que ela não m ortificou priva-a
brevem ente de luz e de coragem para repelir a idéia diabólica. Então inventa
um m eio para só calar um a parte do que sabe, m as não tudo! E ela se desculpa
diante de si mesma:
"É preciso que se saiba... só direi um a palavra..."
"A ssim é que Me abandonas, como Pilatos, p ara ser flagelado! D entro em
pouco, essa paixão te obrigará a term in ar sua obra... N ão p en ses acalm ar
assim tua sede... Hoje deste um passo, am anhã irás m ais longe!... E, tendo
cedido num a pequena ocasião, com quanto mais razão cederás diante de grave
tentação!...
"E agora contem plai, alm as caríssim as a m eu Coração, com o M e deixei con­
duzir com m ansidão de cordeiro, ao terrível suplício da flagelação!...
"Sobre m eu Corpo, m oído de pancadas e alquebrado de cansaço, os v erdu-
gos descarregam , cruelm ente, açoites e chicotes... todos os m eu s ossos são
abalados com a m ais terrível dor... feridas sem conta me estraçalham ...
"De m inha C arne divina lá se vão pedaços arrancados pelos açoites... O
sangue jorra de todos os m eus m em bros e em breve fico reduzido a tão lastim ável
estado que não tenho m ais aparência de hom em .
"Ah! Com o podeis contem plar-M e neste oceano de am argura sem que vos­
so coração se com padeça de Mim?
"Não pertence aos algozes consolar-M e... m as a vós, alm as escolhidas p ara
aliviar a m inha Dor!
"Contem plai as m inhas Feridas e vede se há quem tenha sofrido tanto para
vos provar seu am or!"
E, dirigindo-se a Josefa, Jesus continua:
"Contem pla-M e nesse estado de ignom ínia, Josefa."
Então se cala, e ela ergue os olhos p ara o M estre... Ali está, dian te dela,
naquele lam entável estado em que o pusera a flagelação. Ele a m antém longo
tempo d ian te da dolorosa contem plação com o que p ara lhe im p rim ir p ara
sempre na alma.
"Dize-Me - torna afinal o Senhor - se m inhas Feridas n ão te d arão força
para te venceres e resistires à tentação?...
"Dize-Me, se não encontrarás generosidade para te sacrificares e te entrega-
res totalm ente à m inha Vontade?
"Sim, olha para Mim, Josefa, e deixa-te guiar pela graça e pelo desejo de Me
consolares neste estado de vítima.
"Não temas. Teu sofrim ento jam ais igualará ao M eu e m inha G raça te assis­
tirá em tudo o que Eu te pedir.
"Adeus! Conserva-M e assim em teus olhos."
Então o Senhor desaparece. Josefa continua imóvel, com os olhos fechados

255
e um a indizível em oção gravada no rosto. Envolve-a im pressionante silêncio:
era o que se passara naquela pequenina cela! Jesus viera recordar às alm as que
" n ã o fo ra p a ra rir " , q u e as h a v ia a m a d o e q u e se u A m o r é u m am or
"pavorosam ente sério."
Pouco a pouco ela volta a si, brotam -lhe lágrim as dos olhos... não pode
falar, m as sabe que nad a m ais é do que instrum ento de um a m ensagem , teste­
m unha dos excessos do am or e que as alm as têm direito à M ensagem deste
A m or sem limites... Pega de novo na pena, e, com m ão ainda trêm ula, escreve
o seguinte:
"M ostrou-se no estado em que O deixaram depois da Flagelação, e esta visão
m e encheu d e tanta com paixão que m e parece que de ora em d ia n te terei
coragem para sofrer o que for até o fim de m inha vida.
"D or nenhum a chegará perto sequer da sua Dor...
"O que m ais m e im pressionou foram seus Olhos, que são habitualm ente tão
belos e cujo olhar tanto m e fala à alma... Hoje estavam fechados, m uito inchados
e ensangüentados, principalm ente o olho direito. Os cabelos cheios de sangue
caíam -lhe sobre o rosto, sobre os olhos e sobre a boca. Estava em pé, mas
curvado e atado a algum a coisa, m as eu não via senão a Ele. Suas M ãos estavam
am arradas um a à outra, à altura d a cintura, e cobertas de sangue, seu corpo
sulcado de feridas e m anchas roxas, com as veias dos braços inchadas e quase
pretas. Do om bro esquerdo pendia um pedaço de carne a destacar-se e também
de várias o u tras partes do C orpo. As vestes estavam a seus pés, rubras de
sangue. U m a corda m uito apertada segurava à altura da cintura u m pedaço
de pano tão ensangüentado que não se lhe podia ver a cor!"
"N ão posso dizer em que estado O vi... não sei exprim i-lo."
O dia inteiro decorre sob aquela lem brança inexprim ível que se lhe marcava
na fisionom ia. N ada mais, contudo, denotava exteriorm ente a vida consumi­
dora do interior. Q uem poderia suspeitar que, nessa quarta-feira da Paixão,
N osso Senhor se d ig n ara m anifestar suas C hagas à m ais ig n o rad a de suas
Esposas!...
Seu divino O lhar discerne já depois dela, m ilhares de alm as, que lerão, nes­
sas linhas, a prova do A m or infinito, e que, despertando sua fé à vista de tantas
dores nelas haurirão, como Josefa, coragem para corresponderem , sem temor
de sacrifício algum .

256
Da Coroação de Espinhos
22 a 25 de março de 1923

"Alm as que amo, ficai aten tas ao


s o fr im e n to de m eu Coração."

(Nosso Senhor à Josefa - 24 de março de 1923).

H avia já m uitos dias que N ossa Senhora não intervinha no cam inho de Josefa.
Veio então trazer-lhe a cruz na noite de 21 para 22 de março.
Acordei com um leve ruído - escreve Josefa - e logo A vi p erto da cama:
trazia a cruz encostada ao braço direito.
"Sim, filha, sou eu que venho confiar-te a C ruz de Jesus. É preciso consolá-
Lo pois m uitas alm as O ofendem ! M as um a, principalm ente, inunda-L he o
coração de am argura."
E depois de ter lem brado que o prim eiro e g rande meio de rep arar é deixar a
Jesus toda a liberdade para fazer dela o que quiser:
"Agora, diz, guarda este precioso tesouro e reza pelas alm as..."
A prece com eçada sob a cruz continua nos padecim entos do abism o infernal
onde, desde algum tem po, cada noite com pleta nela "o que falta à Paixão de
Cristo."
Na quinta-feira, 22 de março, pelas nove horas da m anhã, N osso Senhor se
aproxima no m om ento em que ela ia sair da cela.
"Beija o chão - pede - e deixa-te penetrar pelas palavras que m eu Coração
te vai confiar."
Então ela se prostra e depois recolhe, com pena ligeira, as confidências que
brotam dos lábios divinos com o doloroso desabafo:
"Q uando os algozes ficaram fartos de bater, trançaram um a coroa de espi­
nhos, enterraram -na em m inha Cabeça e desfilaram diante de M im dizendo:
"Rei, nós te saudam os!" Uns Me insultavam , outros batiam -M e sobre a cabeça
e cada um acrescentava nova d o r àquelas que já esgotavam m eu Corpo.
"Contem plai-M e, alm as que amo, condenado pelos tribunais, abandonado
aos insultos e às profanações da m ultidão, entregue ao suplício da flagelação e,
como se tu d o isso não bastasse para me reduzir à m ais hum ilhante condição,
coroado de espinhos, coberto com um m anto de p ú rp u ra, sau d ad o com o u m
rei de escárnio... e tido p o r louco!...
"Sim, Eu, que sou o Filho de Deus, o Sustentáculo do universo, quis passar,
aos olhos dos hom ens, como o últim o e o mais m iserável de todos.
"Longe de fugir à hum ilhação, abracei-a, para expiar os pecados de orgulho
e arrastar as alm as com m eu exemplo.
"Consenti que m inha Cabeça fosse coroada de espinhos e que sofresse para
reparar os pecados de tantas alm as soberbas que recusam tu d o que as rebaixe
aos olhos das criaturas.
"Consenti que Me cobrissem os om bros com um m anto de escárnio e Me

257
tratassem como louco, a fim de que m uitas alm as não desdenhassem seguir-M e
num a trilha que o m u n d o julga vil e baixa e que lhes parece indigna de sua
condição.
"N ão, alm as queridas, cam inho algum , situação algum a, é vil e hum ilhante,
quando se trata de seguir a Vontade de Deus.
"Vós que vos sentis interiorm ente atraídos a tal estado... não resistais... não
procureis, com vãs e orgulhosas razões, fazer a Vontade divina querendo seguir,
ao m esm o tem po, a vossa p ró p ria vontade... N ão julgueis en co n trar paz e
felicidade em condição m ais ou m enos brilhante aos olhos das criaturas. Não
as encontrareis senão na subm issão à Vontade de D eus e no inteiro cum prim ento
de tu d o que vos pedir...
"H á tam bém no m u n d o m uitas alm as que procuram fixar aqui na terra seu
futuro... Talvez um a ou outra sinta inclinação ou secreto atrativo p o r alguém
em q u em descobre m u itas q u alid ad es, h o n rad ez , fé, p ie d a d e , consciência
profissional e com preensão das virtudes da família... tu d o que corresponde a
seu desejo de amar... M as de súbito o orgulho lhe invade o espírito. Sem dúvida
o coração ficaria satisfeito desse lado, m as não a vã am bição de brilhar aos
olhos d o m undo. Então a alma se desvia para pro cu rar alguém que melhor
atraia em si a atenção das criaturas, fazendo-a parecer exteriorm ente m ais rica
e m ais nobre... Ah! como esta alm a está se tornando voluntariam ente cega!...
N ão achareis certam ente a felicidade que buscais neste m u n d o e oxalá, depois
de vos terdes m etido em tão perigosa situação, a encontreis no outro!
"E que dizer de tantas alm as que cham o ao cam inho da perfeição e do amor
e que fazem com o se não ouvissem a m inha Voz!...
"Q uantas ilusões naquelas que Me dizem estarem dispostas a fazer-Me a
Vontade e unir-se a Mim... e todavia enterram na m inha Cabeça os espinhos
da coroa...
"As alm as que desejo como Esposas, conheço-as até os m ais íntim os refolhos
do coração... e, am ando-as com o as am o, com infinita delicadeza as atraio
p ara o n d e vejo, na m inha Sabedoria, que encontrarão os m eios necessários
p ara chegarem à santidade: ali lhes descobrirei o m eu Coração, ali elas Me
darão m ais am or e m ais almas!...
"Mas, quantas resistências e decepções!... Q uantas alm as cegas pelo orgu­
lho e por necessidade exagerada de estima, ou pelo desejo de satisfazerem à
natureza com m esquinha am bição de se tornarem "alguém "... deixam -se invadir
p or vãos raciocínios e afinal recusam entrar no cam inho traçado pelo Amor!
"A lm as que Eu escolhera, credes, porventura, que segundo vosso gosto, dar-
me-eis a glória que de vós esperava?... credes fazer m inha vontade, resistindo
à m inha graça que vos cham a a esse cam inho que vosso orgulho repele?...
"Ah!... desejaria que m ultiplicasses hoje atos de h u m ild ad e e de submissão
à Vontade divina, para obter que m uitas alm as se deixem guiar na senda que
Eu lhes preparo com tanto amor!
"A m anhã insistirem os novam ente sobre esse ponto essencial."
N a m anhã de 23 de m arço, sexta-feira da Paixão, Josefa espera o Mestre,

258
m as Ele tarda a vir. Sentada diante da mesa em que o caderno está aberto, ela
tom ou a costura. Subitam ente, aparece Jesus:
"Josefa, estavas à m inha espera?"
"Sim, Senhor" - responde ela.
"H á m uito que aqui estou, m as tu não m e vias. Beija o chão e tam bém m eus
Pés. Vamos continuar a explicar às alm as como se deixam enganar pelo orgulho.
"C oroado de espinhos e coberto com o m anto de p ú rp u ra, os soldados Me
conduziam a Pilatos, acabrunhando-M e a cada passo, com gritos, insultos e
escárnios...
"N ão achando em M im nenhum crim e digno de castigo, Pilatos Me interro­
gou novam ente e perguntou-M e porque não lhe respondia, sabendo que tinha
todo o po d er sobre Mim.
Então, saindo de m eu silêncio, disse-Lhe:
"N ão terias po d er algum se não te fosse d ad o do Alto, m as é preciso que se
cum pram as Escrituras!" e, fechando novam ente os lábios, abandonei-M e...
"Pilatos p erturbado com o aviso de sua m ulher e perplexo entre os rem orsos
da consciência e o tem or de ver o povaréu am otinado revoltar-se contra ele, se
recusasse a m inha m orte, apresentou-M e à m ultidão no estado lam entável a
que Me haviam reduzido e propôs dar-M e liberdade e condenar em m eu lugar
Barrabás, que era um lad rão de fam a. M as a m u ltid ão vociferou em coro:
"Morra ele! Q uerem os que ele m orra e Barrabás seja libertado!..."
"O vós que Me amais, vede com o Me com pararam a um ladrão... ou como
me puseram abaixo do m ais perverso malfeitor... O uvi os gritos de ódio que
vociferam contra Mim, p edindo a m inha M orte.
"Longe de evitar tam anha afronta, ao contrário, abracei-a p o r am or às alm as
e por vosso amor... Q uis m ostrar-vos que este am or não Me conduzia som ente
à morte, m as tam bém ao desprezo, à ignom ínia, ao ódio daqueles p o r quem
meu Sangue ia ser derram ado em profusão.
"Trataram-me de perturbador, insensato, louco... e aceitei tu d o com a m aior
doçura e a m ais profunda hum ildade.
"N ão creias porém que deixei de sentir então repugnância e dor... Pelo
contrário, quis que a m inha natureza hum ana experim entasse todas as que vós
mesmos experim entais, a fim de que m eu exem plo vos fortificasse em todas as
circunstâncias de vossa vida. Também, quan d o soou para M im aquela hora
dolorosíssima, que Eu poderia tão facilmente evitar, abracei-a am orosam ente
para cum prir a vontade do Pai... reparar sua Glória... expiar os pecados do
mundo e com prar a salvação de m uitas almas.
"Voltemos às alm as de que Eu falava ontem... àquelas alm as cham adas ao
estado de perfeição e que, m uitas vezes, en tretanto discutem com a voz da
minha Graça e assim lhe respondem :
"Como m e resignar a viver nesta contínua obscuridade... M inha família,
meus amigos, julgar-m e-ão ridículo... pois tenho capacidade, e seria m ais útil
em outra parte, etc..."
"A essas almas vou responder: "Q uando tive que nascer de pais pobres e

259
ignorantes... longe de m inha terra e de m inha casa... nu m estábulo... durante
a m ais áspera estação do ano, na hora m ais fria e mais escura da noite... recusei?
Vacilei?
"D urante trinta anos conheci os rudes trabalhos da vida operária sofri com
m eu pai, São José, os desprezos daqueles para quem trabalhava... N ão achei
indigno de M im ajudar a m inha M ãe no cuidado da pobre casa... E, entretanto,
não tinha Eu m ais talento do que o necessário p ara desem penhar o modesto
ofício de carpinteiro? Eu que já aos doze anos de idade instruíra os doutores
no Templo? Era, porém , aquela Vontade de m eu Pai Celeste, e era assim que
m ais glória Lhe podia dar...
"D esde o começo de m inha vida pública podia ter-M e d ad o a conhecer por
M essias e Filho de Deus, para dom inar as m ultidões e torná-las atentas a meus
ensinam entos. N ão o fiz p o rq u e m eu único desejo era cu m p rir em tudo a
Vontade de m eu Pai.
"E, q u ando chegou a hora da m inha Paixão, no meio da crueldade de uns e
das afrontas de outros, do abandono dos M eus, da Ingratidão do povo... no
m eio do indizível m artírio do m eu C orpo e das vivíssim as repugnâncias de
m inha natureza hum ana, foi com mais am or ainda que m eu Coração abraçou
aquela Santa Vontade.
"E sabei, A lm as escolhidas, que, quando dom inardes as repugnâncias natu­
rais... a oposição de vossas famílias, etc.... os juízos do m undo... quando vos
entregardes generosam ente à Vontade de Deus, então chegará a hora em que,
estreitam ente unida ao Esposo Divino, gozareis das mais inefáveis doçuras.
"O que digo às alm as que sentem repugnâncias pela vida hum ilde e escon­
dida, repito-o tam bém àquelas que, inversam ente, são cham adas a prodigali­
zar sua vida a serviço do m undo, q u an d o seus atrativos as levariam para a
solidão e obscuridade.
"C om preendei, alm as queridas: viver conhecidas ou desconhecidas dos
hom ens, utilizar ou não os talentos recebidos... ser pouco ou m uito estimada...
gozar ou não de saúde... nada disso constitui, p o r si m esm o, vossa felicidade...
Conheceis a única coisa que vo-la garantirá?... Fazer a vontade de Deus, abraçá-
la com amor, unir-vos e conform ar-vos com tu d o que ela exija para sua Glória,
e p ara santificação vossa...
"D etenham o-nos aqui, Josefa; am anhã continuarem os. A m a e abraça ale­
grem ente a m inha Vontade, pois bem sabes que em tu d o foi traçada pelo Amor."
N a m esm a tarde Josefa confessa hum ildem ente que essa recom endação do
M estre não fora inútil. Ele quer que ela obtenha, com sua própria vitória sobre
as repug nâncias da natu reza, graça sem elhante p ara m uitas alm as que dela
precisam . G rande lição que retiram os da seguinte confidência feita pela sua
h um ildade:
"Sinto em m im , de novo, contra este gênero de vida tão extraordinário, uma
espécie de revolta que m e tira a paz, porque eu queria tanto trabalhar."
N osso Senhor, porém , não faz caso dessa repulsa que n ão p o d e entravar
nem a sua Vontade nem a de Josefa e logo na m anhã seguinte, sábado da Paixão,

260
14 de março, é Ele pontual ao encontro:
"O cupem o-nos da m inha Paixão."
Diz, como para arrancá-la de si m esm a. N ão é este o m eio de excelência que
o am or oferece às alm as para se esquecerem de si mesm as?
"M edita por um m om ento no sofrim ento de m eu Coração terníssim o e deli­
cado, quando se viu posto abaixo de Barrabás... vendo-M e assim desprezado,
fui traspassado no m ais íntim o da alma pelos gritos da m ultidão que reclam a­
va a m inha Morte! Com o recordei então as ternuras de m inha M ãe q u an d o me
estreitava ao Coração... os cansaços e cuidados que m eu Pai adotivo suportara
por m eu Amor!...
"Com o repassava os benefícios tão p ro d ig am en te d erram ad o s sobre esse
povo... a vista aos cegos... a saúde aos enfermos... as m ultidões alim entadas
no deserto... os p ró p rio s m ortos ressuscitados!... E agora contem plai-M e
reduzido ao estado m ais desprezível... objeto, mais que qualquer o utro do ódio
dos hom ens... e condenado com o um ladrão infame!... A m u ltid ão p ed e a
minha Morte... e Pilatos pronunciou a sentença!...
"Almas que am o, considerai atentam ente o sofrim ento de m eu Coração!
"Depois de Me ter traíd o no H orto das O liveiras, Judas an d o u erran te e
fugitivo, sem po d er abafar os gritos de sua consciência que o acusava do m ais
horrível sacrilégio. Q u an d o lhe chegou aos o u v id o s a sentença d e m o rte
pronunciada contra Mim, caiu no m ais terrível desespero e se enforcou.
"Quem poderá com preender a dor intensa e pro fu n d a de m eu Coração q u an ­
do vi precipitar-se, na eterna perdição, aquela alm a que tinha passado tantos
dias na escola de m eu Amor... que tinha recolhido a m inha D outrina... ap ren ­
dido as m inhas Lições e tantas vezes ouvido cair de m eus Lábios p erdão para
os maiores pecados!
"Ah! Judas, por que não vens atirar-te a m eus Pés a fim de que eu te perdoe
também?... Se não ousas aproxim ar-te de Mim, p o r m edo dos que M e cercam
com tanto ódio, ao m enos olha para Mim! E logo encontrarás m eus O lhos fixos
sobre ti.
"Vós, que estais m ergulhados no mal e que há mais ou m enos tem po viveis
errantes e fugitivos po r causa de vossos crimes... se os pecados de que sois
culpados vos en d u receram e cegaram o coração; se, p ara satisfazerdes as
vossas paixões, caistes nos p io res escân d alo s... Ah! q u a n d o v o ssa alm a
reconhecer o seu estado, e os m otivos ou os cúm plices de vossas faltas vos
abandonarem, não deixeis que de vós se apodere o desespero. Enquanto tiver
o homem um sopro de vida, poderá ainda recorrer à M isericórdia e im plorar
perdão.
"Se sois jovens e já as desordens de vossa m ocidade vos deixaram em estado
de degradação aos olhos do m undo, não temais!... M esm o que o m u n d o vos
trate de criminoso, vos despreze e vos abandone... vosso D eus não consentirá
que vossa alma seja presa do inferno...
"Pelo contrário, deseja, e com ardor, que dele vos aproxim eis p ara vos p er­
doar. Se não ousais falar-Lhe, dirigi p ara Ele vossos olhares e os suspiros do

261
vosso coração e em breve vereis que sua M ão bondosa e paternal vos conduz à
fonte do Perdão e da Vida!
"Se passastes, voluntariam ente, a m aior parte da vida na im piedade ou na
indiferença e, de repente, ao se aproxim ar a eternidade, o desespero tente vos
v en d ar os olhos... Ah! não vos deixeis enganar, é ainda tem po de perdão!
M esm o se não vos resta senão u m seg u n d o de vida, neste seg u n d o podeis
com prar a eternidade!
"Se vossa existência m ais ou m enos longa se escoou na ignorância e no erro...
se fostes causa de grandes males para os hom ens, para a sociedade e mesmo
p ara a religião e, se p o r q u alq u er circunstância, vindes a conhecer que vos
enganastes... não vos deixeis acabrunhar pelo peso de vossas faltas e do mal de
que fostes instrum ento. M as vossa alma, penetrada do mais vivo arrependimento,
se lance n u m abism o de confiança e corra A quele que vos espera sem pre para
p erdoar todos os erros de vossa vida.
"Falarei tam bém para aquela alma que viveu prim eiro na fiel observância
da M inha Lei, m as que se foi esfriando pouco a pouco até à tibieza de uma
existência côm oda. Ela esqueceu a própria alma, pode-se dizer, e tam bém suas
elevadas aspirações. Deus pedia-lhe mais esforços, m as os defeitos habituais
ceg aram -n a e caiu nos gelos da tibieza, p io res q u e os d o p ecad o , pois a
consciência, surda e adorm ecida, não sente mais rem orsos e não ouve mais a
Voz de Deus.
"Venha um a forte sacudidela que a desperte subitam ente: sua vida lhe pa­
rece então inútil e vazia para a eternidade... Perdera inúm eras graças... e o
dem ônio, que não quer largar a presa, explora-lhe a angústia, m ergulha-a no
desânim o, na tristeza, no abatim ento e, pouco a pouco, subm erge-a no temor e
no desespero.
"A lm as que am o, não deis ouvidos a esse cruel inim igo. Vinde depressa
atirar-vos a m eus Pés e, p enetradas de viva dor, im plorai m inha Misericórdia e
não tem ais. Perdôo-vos. Começai novam ente vossa vida de fervor, recuperareis
os m éritos perdidos e m inha Graça não vos faltará.
"Será preciso, enfim, dirigir-M e às m inhas escolhidas? H averá algum a que
te n h a p a ssa d o lo n g o s an o s na p rática co n stan te d a R egra e d o s deveres
religiosos... Sim, um a alma que Eu favorecera com m inhas Graças e instruíra
com m eus conselhos, um a alm a, p o r longo tem po fiel à voz da graça e às
inspirações divinas.
"Eis que, p o r um a pequena paixão, um a ocasião não evitada... um a satisfa­
ção concedida à natureza um relaxam ento no esforço necessário... esfriou pouco
a pouco... caiu num a vida ordinária... depois vulgar... tíbia afinal!... Ah! se
p or um a ou outra causa, sais um dia de vosso sono, sabei que no m esm o instante,
o dem ônio, com inveja de vosso bem , vos assaltará de mil m aneiras, tentará
persuadir-vos que é tarde dem ais e que tu d o é inútil, encher-vos-á de temor e
repugnância para descobrir o estado de vossa alma... apertar-vos-á a garganta
para vos im pedir de falar e de vos abrirdes à luz... trabalhará p ara abafar em
vós a confiança e a paz.

262
"Escutai prim eiro a m inha Voz, dizendo-vos o que deveis fazer: desde que a
graça vos tocar e antes que a luta se trave, correi a m eu Coração; pedi-lhe que
derram e sobre vós um a gota do seu Sangue. Sim, vinde a Mim!... Sabeis que
estou sem pre nos braços paternais de vossos Superiores, sejam qu em forem...
Ali estou, escondido sob o véu da fé... levantai aquele véu e dizei-M e, com
inteira confiança, vosso sofrim ento, vossas misérias, vossas quedas. Recebei a
m inha P ala v ra com re sp e ito e n a d a tem ais p elo p a ssa d o ; m e u C o ração
subm ergiu-o no abism o de graças. A lem brança de vossa vida p assad a não
será senão m otivo para vos hum ilhardes e aum entardes vossos m éritos e, se
quereis dar-M e m aior prova de am or contai com o m eu Perdão e crede que
vossos p ecad o s n u n ca co n seg u irão u ltra p a s sa r m in h a M isericó rd ia q u e é
infinita!...
"Josefa, fica escondida no abism o de m eu am or e reza p ara que as alm as se
deixem penetrar dos m esm os sentim entos."
A sem ana da Paixão term inaria com um apelo doloroso, no qual descobri­
mos outra vez mais a terna e forte com paixão do Coração de Jesus pelas almas.
A lguns dias haviam passado desde a noite de 21 de março, em que N ossa
Senhora, trazendo a C ruz de Jesus, dissera a Josefa:
"Há m uitas alm as que O ofendem m as um a, principalm ente, Lhe in u n d a o
Coração de am argura." Palavras tais nunca a deixam indiferente. A preocu­
pação das alm as está sem pre no horizonte de suas orações, de seu trabalho e
de seus sofrim entos. Mas, quando ela sabe que um a alma fere o Coração de
seu M estre não pode daí distrair o seu e não conhece m ais repouso.
No sábado, 24 de março, pelas oito e meia da noite, N osso Senhor lhe ap are­
ce, no m om ento ém que saía de sua cela e, detendo-a, diz-lhe:
"Josefa!"
"Carregava a Cruz - escreve ela - o sem blante estava triste, m as cheio de
beleza."
"Queres consolar-M e p o r aquela alm a que Me faz sofrer?"
Prostrada a seus pés, Josefa se oferece para tu d o que Ele quiser.
"Toma a m inha C ruz - diz-lhe - e ajuda-M e a sustentar-lhe o peso."
Depois prossegue, entregando-lha:
"Vamos à presença d o Pai Celeste e peçam os-Lhe que dê a essa alm a um
raio de luz que a esclareça e ajude a repelir o perigo. A presentem o-nos como
intercessores d ia n te d e le , p a r a q u e te n h a c o m p a ix ã o d a q u e la a lm a ...
Supliquemos-Lhe que a ajude, a ilum ine, a am pare, p ara que não sucum ba à
tentação.
"Repete com igo estas palavras:
"Ó Pai Amantíssimo! Deus infinitam ente Bom! O lhai p ara vosso Filho Jesus
Cristo que, posto entre a vossa justiça e os pecados do m undo, im plora o vosso
Perdão!
"O Deus de M isericórdia! A piedai-vos da fragilidade hum ana: esclarecei
os espíritos desgarrados, a fim de que não se deixem seduzir e arrastar... Dai
força às alm as a fim de que repilam os em bustes que lhes arm a o inim igo da

263
salvação e regressem com novo vigor ao cam inho da virtude.
"O Pai Eterno! Olhai para os padecim entos que Jesus Cristo, vosso divino
filho, suportou du ran te a Paixão. Vede-o diante de Vós, oferecido com o Vítima
para obter às alm as luz e força, perdão e m isericórdia!"
"Josefa, une tua do r à m inha Dor, tua angústia à m inha A ngústia, e apre­
senta-as a m eu Pai Eterno com os m éritos e os sofrim entos de todas as almas
ju stas. O ferece-Lhe as d o res de m in h a C oroa d e esp in h o s p a ra expiar os
pensam entos daquela alma.
"Repete ainda comigo:
"O Deus Santíssimo! A cuja presença os anjos são indignos de comparecer,
perdoai todas as faltas que se com etem p o r pensam entos e p o r desejos. Recebei
em expiação dessas ofensas a Cabeça traspassada de espinhos de vosso divino
Filho. Recebei o Sangue puríssim o que jorra com tanta abundância! Purificai
os espíritos m anchados... Esclarecei e ilum inai os entendim entos obscurecidos
e que o Sangue divino seja para eles força, luz e vida!
"Recebei, ó Pai Santíssimo!, os sofrim entos e os M éritos de todas as almas
que, unidas aos M éritos e aos Sofrimentos de Jesus Cristo, se oferecem a Vós,
com Ele e por Ele, a fim de que perdoeis ao m undo.
"Ó D eus de M isericórdia e de Amor! Sede a Força dos fracos, a Luz dos
cegos e o objeto de am or das almas."
A ssim se passou um longo m om ento - escreve Josefa. De q u an d o em quan­
do Ele ficava em silêncio. O fardo de sua C ruz pesava ainda sobre m im com os
g randes sofrim entos do corpo e da alma. Ele diz então:
"Repete comigo:
"D eus de Amor! Pai de Bondade! Pelos M éritos, Sofrimentos e Súplicas de
vosso Filho am antíssim o, esclarecei àquela alma, a fim de que tenha força para
repelir o m al e abraçar vossa Vontade com energia. N ão perm itais que ela seja
causa de tão grande m al para si e para outras alm as inocentes e puras!
A noite se adiantava e Jesus acrescentou:
"A gora, g uarda a m inha Cruz, até que aquela alm a conheça a verdade e se
deixe envolver e esclarecer pela verdadeira Luz."
"D epois Ele partiu e fiquei com o sofrim ento até à m anhã."
Sofrim entos m isteriosos em sua intensidade! Josefa os carrega humilde e
corajosam ente un id a ao M estre. Sabe que só Ele lhes dá o Valor divino que
repara e a eficácia que pode atingir e transform ar aquela alma.
Todo o dia de dom in g o de Ram os se passa nessas dolorosas súplicas e,
enquanto ela se oferece com o Vítima - ó m aravilhoso intercâm bio da Comu­
nhão dos Santos! - Jesus atrai, desapega, com ove e se apodera daquela alma
que am a com tanta predileção. N aquela tard e seu Coração estrem ecerá de
alegria pela volta do filho pródigo. O céu estará jubilante, pois sobre os ombros
o Bom Pastor traz a ovelha perdida, reconquistada por seu Amor.

264
A Semana Santa
25 de março - 1° de abril de 1923

"Eis o que de ti espero nesta semana: tu


Me adorarás, te a n iq u ila r á s e M e amarás,
e tudo isto em espírito de z elo para obter
que m uitas alm as entrem n este m esm o
c a m in h o ."

(Nosso Senhor à Josefa - 25 de março de 1923)

Enquanto Josefa está em adoração diante do Santíssim o Sacram ento expos­


to, na tarde de D om ingo de Ramos, 25 de março, N osso Senhor lhe aparece.
Vem traçar-lhe o plano da grande Semana que se abre e vai coroar as graças da
Q uaresm a.
"Q uero, diz-lhe, que consagres esses poucos dias a ad o rar a m inha Pessoa
divina ultrajada pelos torm entos da Paixão. G uardar-te-ei constantem ente em
minha Presença. M anifestar-M e-ei a ti, ora com a m ajestade de u m Deus, ora
com a severidade de um Juiz e, mais freqüentem ente, coberto com as feridas e
as ignom ínias da Paixão. Assim acharei em tua adoração constante, em tua
profunda hum ildade e em tuas reparações de todos os instantes, alívio a tristezas
e am arguras tam anhas!"
Instante depois, realiza-se diante dos olhos de Josefa essa tríplice m anifesta­
ção de Jesus: Deus, Juiz, Salvador.
"Tornei a vê-Lo de repente - escreve ela - sem pre o M esmo, m as com tal
majestade que m inha alma ficou esm agada pelo respeito e pela confusão. Q ueria
esconder-me, desaparecer de sua Presença!... e depois de ter renovado os Votos,
supliquei-Lhe que m e purificasse a fim de que m eu nada pudesse su p o rtar a
vista de sua G randeza. Ele me respondeu com voz grave e solene:
"H um ilha-te diante da M ajestade de teu D eus e repara assim o orgulho da
natureza hum ana tantas vezes rebelde aos direitos do seu C riador."
Então Josefa sente pesar sobre sua alma a carga da Justiça divina. A pavora­
da ela se prostra aos Seus Pés, lem brando-Lhe, diz ela, que Ele é m eu Salvador,
meu Pai e m eu Esposo é que pode consum ir todas as m inhas m isérias e p erd o ar
todos os m eus pecados. Jesus me respondeu e sua Voz tinha um tom de b o n d ad e
e ao mesm o tem po de autoridade:
"Sim, dizes bem . Sou teu Salvador, teu Pai e teu Esposo e desejo consum ir
tuas misérias na cham a ardente de m eu Amor. M as quero tam bém , Josefa, que
compreendas quanto te deves hum ilhar, aniquilar, desaparecer em tua vontade
e em todo o teu ser a fim de que a vontade de D eus reine e triunfe, não som ente
em ti, mas em m uitas outras almas.
"E preciso que reconheçam sua culpabilidade e sua m iséria e que, tam bém
elas, se hum ilhem e se entreguem à Vontade divina.
"Eis o que de ti espero nesta semana: tu Me adorarás, te aniquilarás, Me

265
consolarás e Me am arás, e tu d o isto em espírito de zelo p ara obter que muitas
alm as entrem no m esm o cam inho.
"A deus, dir-te-ei depois o que desejo de ti."
D espontam assim os dias santos na alm a atenta de Josefa. O M estre vai
conduzi-la, passo a passo, na senda austera que abrira para ela e p o r onde terá
de segui-Lo.

266
SEGUNDA-FEIRA SANTA:

A Caminho do Calvário
26 de m arço de 1923

"O c o rte jo se a d ia n ta , n o c a m in h o d o
C a lv á rio , J o s e fa , s e g u e -m e , a in d a ."

(Nosso Senhor à Josefa)

Na m anhã da S egunda-feira Santa, 26 de m arço de 1923, N osso Senhor


convida Josefa a subir à sua cela, pois ainda não acabara as confidências de
suas Dores.
"Beija o chão e reconhece teu nada - diz. A dora o Poder e a M ajestade de
teu Deus. M as não te esqueças de que, se é infinitam ente Justo e Poderoso, é
também infinitam ente M isericordioso.
"E agora, continuem os, Josefa, segue-M e no cam inho do C alvário, sob o
peso da Cruz.
"Enquanto o m eu Coração m ergulhava n u m abism o de tristeza pela eterna
perdição de Judas, os cruéis verdugos , insensíveis à m inha Dor, colocaram
sobre os m eus om bros chagados o du ro e pesado m adeiro sobre o qual se ia
consumar o M istério da Redenção do m undo.
"Anjos do Céu, contem plai o D eus diante do qual vos prostrais em constante
adoração... Vede o C riador de todas as m aravilhas da terra subir ao Calvário
sob o lenho santo e bendito que vai receber seu últim o suspiro!
"E vós, alm as que quereis ser m inhas fiéis im itadoras, contem plai tam bém
meu Corpo alquebrado p o r tantos torm entos, cam inhando sem forças, banha­
do em suor e sangue. Sofre e ninguém dele se com padece. A m ultidão Me
escolta... os soldados M e cercam com o lobos vorazes, ávidos p o r devorar a
presa, e nenhum tem pena de Mim!
"O cansaço é tão grande e a C ruz tão pesada que caio desfalecido no meio
do caminho... Vede esses hom ens desum anos levantarem -M e brutalm ente: um
Me puxa por u m braço, outro pelas vestes que estão coladas às m inhas Feridas...
este Me a p e rta a g a rg a n ta ... aq u ele M e a g a rra p e lo s cab elo s... o u tro s
descarregam sobre M eu C orpo m u rro s e po n tap és. A cruz cai sobre M im,
magoando-Me com seu peso... As pedras do cam inho rasgam -M e o rosto... A
areia e a poeira m isturam -se ao m eu Sangue, turvando-M e a vista e apegando-
se à m inha Face: tornei-M e o Ser mais desprezível da terra!
"Andai com igo mais um pouco... A lguns passos adiante encontrareis a m i­
nha Mãe Santíssima. Com o Coração traspassado de dor vem ao m eu encon­
tro; e isto por duas razões: para recobrar à vista de seu Deus, a força de sofrer;
depois, para d ar a seu Filho, com sua atitude heróica, coragem para term inar a
Obra da Redenção.
"Considerai o m artírio desses dois Corações: para m inha Mãe, aquele que

267
am a acima de tudo, é seu Filho... e longe de poder aliviá-lo, sabe, pelo contrário,
tu do que sua presença acrescenta aos m eus sofrimentos.
"Para M im aquela que m ais am o no m undo é m inha Mãe! E não somente
acho-M e im possibilitado de consolá-La, m as o lam entável estado a que Me vê
reduzido traspassa-a de dor sem elhante à M inha, pois a m orte que sofro em
m eu Corpo, sofre-a m inha Mãe no Coração.
"Ah! Com o se prendem a M im os seus olhos e como os m eus obscurecidos e
ensangüentados se fixam nela! N em um a só palavra trocam os, m as quanta
coisa dizem os nossos Corações naquele m útuo e doloroso olhar!"
Jesus em udece... Parece que o am or o absorve na recordação do olhar de
sua Mãe. Josefa fica suspensa naquele silêncio. O usa afinal rom pê-lo pergun­
tando ao M estre se sua Mãe tinha tido conhecim ento de suas dores durante
aquelas horas trágicas.
"Sim - responde com bondade. Todos os torm entos de m inha Paixão esta-
vam -Lhe presentes ao espírito por divina revelação. Além disso, alguns dos
m eus Discípulos, em bora de longe, com m edo dos Judeus, procuravam infor-
m ar-se do que se passava para lhe contar...
"Logo que ela soube da sentença de m orte pronunciada contra M im, saiu a
m eu encontro e não m ais Me deixou até que Me depusessem no sepulcro.
"D urante este tem po a com itiva se adianta no C am inho do Calvário...
"A queles hom ens iníquos, receando que Eu m orresse antes do term o, movi­
d os p o r m ald ad e atro z e não p o r com paixão, com binam en tre si procurar
alguém que Me ajudasse a carregar a Cruz. Foi então que requisitaram por
preço m ódico um hom em dos arredores, cham ado Simão...
"M as basta por hoje, am anhã falaremos nisso.
"Vai pedir às M adres que te dêem licença para fazeres H ora Santa todas as
noites desta sem ana e que me dêem liberdade para te ocupar quan d o Eu precisar
d e ti, seja a que hora for."
Ela hesita dentro do coração, m as o M estre insiste com firmeza:
"- N ão te esqueças de que tenho todos os direitos sobre ti. Só as superioras
que Me representam podem dispor de ti e são elas que Me dão esta liberdade
total."
"C onfundida em sua Presença - escreve hum ildem ente - prostrei-m e a seus
Pés para Lhe pedir perdão!..."
O que a detém , nunca é o m edo de sofrer, m as sim o desejo, sem pre veemen­
te, de trabalhar e de servir, desejo que nunca chegará a do m in ar definitiva­
m ente m as que será, até o fim, objeto a im olar e alim ento para seu amor.
N aquela noite, segundo o desejo de N osso Senhor, abre-se a série de magní­
ficas H oras Santas em que seu Coração de novo se revelará às almas.
Já está Ele na pequena tribuna de São Bernardo, qu an d o Josefa chega pelas
nove horas da noite. A tristeza Lhe im pregna toda a atitude e o Rosto está
coberto de poeira e sangue.
"Josefa - diz, assim que ela acaba de renovar os votos - quero que me faças
co m p an h ia d u ra n te esta h o ra e que p artilh es a m in h a tristeza na prisão.

268
C ontem pla-M e no meio da turba insolente...
"Penetra no fundo do m eu Coração... estuda-O , vê com o sofre p o r se achar
sozinho, pois todos os que se diziam m eus am igos deixaram-M e... todos Me
abandonaram !
"Ó m eu Pai, ó Pai Celeste! Ofereço-Vos esta tristeza e esta solidão de m eu
C oração a fim de que Vos d ig n eis aco m p an h ar e a m p a ra r as alm as à su a
passagem do tem po para a eternidade!"
"Ficou em silêncio... adorei-O - escreve ela - depois supliquei-Lhe que m e
desse a Cruz."
"Sim, vou dar-ta e teu coração será traspassado pela m esm a tristeza que o
Meu.
"Ah! Com o tua pequenez poderá tornar-se grande, Josefa, se fores um a só
coisa comigo... Deixa teu coração m ergulhar nos sentim entos de hum ildade,
de zelo, de subm issão e de am or em que o M eu se abism ou, no meio das afrontas
de que fui vítim a d u ran te m inha Paixão. Pois o utro desejo não tinha senão
glorificar a m eu Pai, restituir-lhe a honra que o pecado lhe havia ro u b ad o e
reparar as ofensas com que os hom ens O ultrajam . Foi p o r isto que Me abism ei
em tão profunda hum ildade, subm etendo-M e a tu d o aquilo que seu Bel-prazer
exigia, e, abrasado de zelo p o r sua Glória e de am or p o r sua Vontade, aceitei
sofrer com a m aior resignação."
Calou-se Jesus novam ente e depois retom ou:
"M eu D eus e m eu Pai. Glorifique-Vos a m inha dolorosa solidão! A plaquem -
Vos m inha paciência e m inha subm issão. N ão descarregueis a vossa justa ira
sobre as almas! Mas olhai para o vosso filho. Vede-Lhe as M ãos atadas pelas
correntes com que o am arraram os algozes. Em nom e da adm irável paciência
com a qual su p o rto u tantos suplícios, perdoai as alm as, sustentai-as, não as
deixeis cair sob o peso de suas fraquezas. A com panhai-as na suas horas de
"prisão" e dai-lhes força para su p o rtar as penas e m isérias da vida, com inteira
submissão à vossa santa e adorável Vontade."
Depois de longo m om ento de silêncio, Jesus disse:
"Agora vai, Josefa, leva m inha C ruz e d u ran te esta noite não Me deixes só,
mas faze-M e com panhia na Prisão."
"Como há de ser, Senhor? - pergunta tim idam ente - tenho m edo de ad o r­
mecer e não mais pensar em Vós."
O M estre divino responde então com divina condescendência:
"Sim, Josefa, podes e deves dormir, sem entretanto Me deixares só."
"Q uando as alm as não têm possibilidade, como desejariam , de ficar longas
horas em m inha Presença, porque são obrigadas a tom ar repouso ou a se entregar
a ocupações que absorvem suas faculdades, nada lhes im pede de fazer com igo
uma convenção em que m elhor provarão o seu am or do que no ard o r da devoção
livre e tranqüila. Então, vai descansar com o deves, m as antes, encarrega as
potências de tua alm a de Me renderem o culto de teu amor, d u ran te a noite
inteira. Dá liberdade aos m ais ternos afetos de teu coração, a fim de que, d u ran te
o sono dos teus sentidos, eles não cessem de ficar na presença do único Objeto

269
de teu amor.
"Basta um instante para Me dizeres: "Senhor! Vou dorm ir, ou vou trabalhar.
M as m inha alm a Vos fará com panhia. É sua atividade que descansará durante
esta noite - ou que se em pregará d u ran te este trabalho - m as todas as minhas
potências ficarão sob vosso dom ínio e m eu coração Vos conservará o amor
m ais constante e terno."
"Vai em paz, Josefa, e que teu coração fique unido ao M eu."
Essa diretiva, preciosam ente recolhida, será u m dos consolos de seus últi­
m os m eses na terra. Ela tentou exprim i-la com estilo, talvez inábil, m as as
alm as fiéis saberão descobrir nestas linhas o valor da intenção que orienta para
o H óspede interior e fixa, nas riquezas de sua Vida, as horas que pareciam
inúteis para a sua O bra m as que são revestidas por Ele de todo seu sentido
redentor.

270
TERÇA-FEIRA SANTA:

Simão, o Cireneu
27 de m arço de 1923

"A alma q u e ama v erd a d eira m en te não


calcula o que faz, não pesa o q u e sofre."

(Nosso Senhor à Josefa)

Na m anhã da Terça-feira Santa, Josefa continua, sob o ditado do M estre, a


M ensagem interrom pida na véspera.
Mas antes, exige Ele um ato de entrega à Vontade divina e, no silêncio da
pequena cela, ela repete o oferecim ento que N osso Senhor se digna ensinar-lhe.
"M eu Senhor e M eu Deus, eis-me acom panhada por vosso divino Filho que,
apesar da m inha grande indignidade é tam bém m eu Esposo. Subm eto m inha
vontade à Vossa e me entrego com pletam ente para fazer ou sofrer tu d o o que
Vos dignardes pedir-m e com o único fim de d ar glória à vossa M ajestade infinita
e de cooperar na salvação e na santificação das almas. Recebei nesta intenção
os M éritos e o Coração de Jesus Cristo, vosso Filho, que é m eu Salvador, m eu
Pai e m eu Esposo."
Josefa beija o chão e pega na pena:
"E agora - diz Jesus - continuem os a Obra.
"Contem pla-M e no cam inho do Calvário, carregando a pesada cruz. Olha,
atrás de Mim, Simão, que Me ajuda a carregá-la, e considera d u as coisas:
"Prim eiram ente, aquele hom em , em bora de boa vontade, é um m ercenário,
pois, se M e acom pan h a e p artilh a o peso d a m inha C ruz, é p ara g an h ar a
quantia com binada. Então, quando se sente cansado, deixa pesar m ais o fardo
da cruz sobre m eus O m bros e é por isso que caio m ais d u as vezes no cam inho.
"Em segundo lugar, este hom em foi requisitado para Me ajudar a carregar
uma parte da cruz, m as não toda a m inha Cruz. Venhamos ao sentido figura­
do pelas d u as circunstâncias:
"Simão foi requisitado, q u er dizer, ele tem certo interesse no trabalho ao
qual é obrigado.
"Assim acontece com m uitas alm as que cam inham após M im. A ceitam ,
sim, ajudar-M e a levar a cruz, m as sem pre desejosas de consolo e repouso!
Consentem em seguir-M e e, com esse fim, abraçaram a vida perfeita, m as sem
abandonar o próprio interesse que continua sendo o seu prim eiro cuidado. Por
isso vacilam e deixam cair a m inha C ruz q u an d o a sentem m u ito p esad a,
procuram m odo de sofrer o m enos possível, calculam sua abnegação, evitam
certo cansaço, certa hum ilhação, certo trabalho e, lem brando-se talvez com
pena do que deixaram , tratam de conseguir ao m enos alguns prazeres. N um a
palavra, há alm as tão interesseiras, tão egoístas que, estando dispostas a seguir-
Me, mais por si m esm as do que por Mim, não aceitam senão aquilo que não

271
podem evitar ou que as obriga estritam ente... Essas alm as ajudam -M e a carregar
p eq u en in a p arte de m in h a C ru z e, de tal m odo, que a d q u irirão ap en as os
m erecim entos indispensáveis à sua salvação. M as na eternidade, verão quão
atrasadas ficaram no cam inho.
"Pelo contrário, outras alm as há, e num erosas, que, m ovidas pelo desejo de
sua salvação, m as m uito m ais ainda, pelo A m or daquele que sofreu por elas,
decidem seguir-M e no cam inho do Calvário. A braçam a vida perfeita e se
entregam a m eu Serviço, não para levar p arte da C ruz, m as p ara carregá-la
toda inteira. Seu único fim é dar-M e repouso e consolar-M e. Elas se oferecem
p ara tudo o que m inha vontade pedir e não procuram senão o m eu agrado.
N ão pensam , nem na recom pensa, nem nos m erecim entos que possam adquirir,
nem no cansaço, nem no sofrim ento que daí sobrevenha. Seu único desejo é
provar-M e seu am or e consolar m eu Coração.
"Se m inha C ruz se apresentar sob forma de enferm idade, ou se esconder
n u m em prego contrário a seus gostos e aptidões... se tom ar aparências de
esquecim ento ou de oposição da parte das pessoas que as rodeiam , saberão
reconhecê-la e aceitá-la com toda a subm issão de que é capaz sua vontade.
"Às vezes, sob o im pulso de grande am or p o r m eu Coração e de verdadeiro
zelo pelas alm as, fazem o que julgam m elhor em tal ou q u al circunstância.
M as toda sorte de penas e hum ilhações respondem à sua expectativa. Então as
alm as im pelidas puram ente pelo Amor, descobrem a m inha C ruz nesse fracasso,
adoram -na, abraçam -na e oferecem por m inha glória toda a hum ilhação que
lhes sobrevêm .
"Ah! Estas alm as são por certo as que levam verdadeiram ente todo o peso
da m inha Cruz, sem outro interesse nem outra paga senão o Amor! São as que
repousam m eu Coração e o glorificam.
"Convencei-vos pois de que, se vossa abnegação e vossos sofrim entos tar­
d am a frutificar ou parecem , às vezes, não d ar fruto algum , nem p o r isso foram
vãos e inúteis. Um dia a colheita será abundante.
"A alm a que am a deveras, não calcula o que faz nem pesa o que sofre. Não
regateia canseiras, nem trabalhos, não espera recom pensa m as procura tudo o
que parece d ar m ais glória a Deus.
"E porque age com lealdade, seja qual for o resultado, não procura descul­
par-se nem justificar suas intenções. E porque age por amor, seus esforços e
suas m ágoas red u n d arão sem pre na glória de Deus. Assim, não se agita nem
se in q u ieta... e m en o s a in d a, p e rd e a p a z se, em alg u m a ocasião se vir
contrariada e hum ilhada: o único m otivo de suas ações é o amor, seu único
fim!"
"Eis as alm as que não buscam salários e só procuram m eu Consolo, meu
R epouso e m inha G lória. São as que tom aram a m inha C ruz, e a carregam
com todo o seu peso sobre os om bros."
N ão espera Jesus, p ara ajudá-lo, de v erd ad e, sob a C ruz, esses corações
generosos que O am am com am or sincero, leal, desinteressado?... Se Ele se
d ig n o u tra ç a r o p la n o dessa co o p eração tão cara a seu C oração , não foi

272
porventura para despertar o am or de grande núm ero de almas, daquelas que
Santa Teresa já definia nesses termos:
"Um a alm a que sabeis ser toda vossa... um a alm a que se abandona a Vós,
para seguir-Vos aonde quer que vades... e até a m orte da Cruz... um a alm a
resolvida a ajudar-Vos a carregar vosso fardo sem nunca Vos deixar sozinho e
agüentar o seu peso."
Esta cruz bendita, Jesus vem trazê-la a Josefa, q u an d o à noite o silêncio
envolve a casa dos "Feuillants" e Ele a encontra na tribuna onde com eçara a
Hora Santa.
"Josefa, estás aqui?... Vem fazer-M e com panhia" - diz, en tregando-lhe a
Cruz.
"Põe-te bem perto de m im para proteger-M e contra os ultrajes e os insultos
de que fui Vítima em presença de H erodes.
"Contem pla a vergonha e a confusão em que fui m ergulhado, o u vindo as
palavras de escárnio e de irrisão daquele homem...
"Dá-Me, sem cessar, testem unho de adoração, de reparação e de amor.
"Adeus! G uarda a m inha C ruz... A m anhã preparar-te-ei p ara o g ran d e
Dia de m eu Amor!"
A noite term ina sob perseguição diabólica. N osso Senhor n ão lhe h av ia
ensinado outra vez m ais a reconhecer sua C ruz e ajudá-Lo a carregá-La, sob
qualquer aspecto que se apresentasse?
Ela crê no Seu A m or no meio de todo o sofrimento.

273
QUARTA-FEIRA SANTA:

A Crucificação
28 de m arço de 1923

"Ficai atentos, A njos do céu, e v ó s almas


q u e Me amais!..."

(Nosso Senhor à Josefa)

N a m anhã de Q uarta-feira Santa, 28 de março, é ao Calvário que o Senhor


conduz Josefa em pós de Si...
"Beija o chão - diz-lhe, acercando-se dela na p equena cela. H um ilha-te,
pois és indigna de recolher m inhas Palavras... M as am o as alm as e é p o r elas
que venho a ti.
"Eis que nos aproxim am os do Calvário. O povo se agita enquanto Eu mal
posso caminhar... e em breve, extenuado de cansaço, caio pela terceira vez.
"M inha prim eira q u ed a obterá aos pecadores aferrados no p ecad o força
p ara se converterem .
"A segunda encorajará as alm as fracas, cegas pela tristeza e inquietação a
se erguerem e prosseguirem com novo ardor no cam inho da virtude... A terceira
ajudará as alm as a se arrependerem na hora suprem a da m orte.
"C hegam os ao térm ino do cam inho. O lha com que avidez esses homens
en d u recid o s M e cercam... U ns se ap o d eram da cruz e a esten d em sobre o
solo... O utros arrancam -M e as Vestes. M inhas feridas tornam a abrir-se... o
sangue jorra de novo...
"Considerai, alm as que amo, qual foi m inha vergonha, vendo-M e assim ex­
posto diante da m ultidão!... Q ue d o r p ara m eu C orpo e que confusão para
m inha Alma!...
"A túnica com que Me vestira m inha Mãe desde os m eus prim eiros anos,
com tanto cuidado e delicadeza, e que crescera comigo, os cruéis soldados ma
arrancaram e d eitaram sortes sobre ela... Partilhai a aflição de m inha santa
Mãe, que contem pla a horrível cena!... E vede com que desejo quereria recuperar
aquela túnica tinta no m eu Sangue!...
"Soou a hora!... Os algozes Me estendem sobre a C ruz. A garram -M e os
braços e os distendem até que m inhas M ãos atinjam os buracos já furados na
m adeira.
"A cada sacudidela m inha C abeça é balançada de u m lado a o u tro e os
espinhos penetram m ais profundam ente... O uvi o prim eiro golpe de martelo
que crava a m inha M ão direita! Ressoa até às profundezas da terra!... Escutai
ainda: estão cravando a m inha m ão esquerda... Os céus estrem ecem e os anjos
se prostram diante desse espetáculo...
"Eu, porém , guardo o m ais profundo silêncio e nenhum a queixa escapa de
m eus lábios.

274
"Depois de me terem cravado as mãos, puxam cruelm ente pelos m eus pés:
as feridas se abrem... rom pem -se os nervos... desconjuntam -se os ossos... a
dor é intensa... os pés são traspassados e m eu sangue banha a terra!
"C ontem plai p o r um instante estas m ãos e estes pés dilacerados e ensan­
güentados... este corpo coberto de feridas... esta cabeça traspassada p o r agudos
espinhos, suja de poeira, inundada de suor e sangue!
Adm irai o silêncio, a paciência e a conform idade com os quais aceito este
cruel sofrimento.
"Q uem é A quele que sofre assim , Vítima de tantas ignom ínias?...E Jesus
Cristo, o filho de Deus!... A quele que fez o céu e a terra e tu d o que existe...
Aquele que faz crescer as plantas e dá vida a todo ser...
"Aquele que criou o hom em e cujo infinito p oder sustenta o universo... Aí
está imóvel, desprezado, despojado de tudo!... Mas, dentro em pouco, um a
multidão de alm as correrão a Ele para imitá-Lo e seguir-Lhe os passos... tu d o
abandonarão: fortuna, bem-estar, honra, família, pátria, para Lhe ren d er Glória
e provar-Lhe o am or que lhe são devidos.
"E agora, ficai atentos, anjos do céu, e vós, alm as que Me amais! Os solda­
dos vão voltar a C ruz para rebater as pontas dos cravos a fim de que o peso de
meu Corpo não os arranque... Este C orpo sagrado vai d ar o ósculo de paz à
terra... Então o cimo do Calvário presencia o m ais adm irável dos espetáculos...
aos rogos de m inha Mãe que, na sua im potência, im plora a M isericórdia do Pai
Celestial, legiões de Anjos desceram ... Vieram sustentar m eu C orpo adorável,
a fim de que não roçasse na terra e não fosse esm agado pelo peso da cruz!...
"E, enquanto os golpes de m artelo ressoam de este a oeste, o m u n d o estre­
mece, o céu em udece no m ais rigoroso silêncio, todos os espíritos angélicos
prostram-se em adoração... U m Deus pregado na cruz!
"Pára, Josefa! C ontem pla teu divino Esposo estendido sobre a cruz! Está
sem movimento... sem honra e sem liberdade... tu d o lhe foi roubado!...
"Não há quem se apiede e com padeça da sua dor!
"Não cessam zom barias e novos opróbrios, novas dores acrescentam -se aos
tormentos que padece.
"Se deveras Me tens amor, não estarás d isposta a tu do, p ara te tornares
semelhante a Mim?
"A que te po u p arás p ara Me consolar?... Recusarás algum a coisa a m eu
Amor?... E agora prostra-te até o chão e deixa-M e dizer-te um a palavra:
"Minha Vontade triunfe em ti!
"Meu A m or te destrua!
"Tua miséria Me glorifique!"
Josefa fica m uito tem po prostrada com o rosto p o r terra. Q ue se passaria
entre ela e o Mestre?... A que profundezas de aniquilam ento qu er reduzi-la?...
Ea que com prom isso a convida Ele, que nunca fala em vão e cujas palavras são
um ato que sua O nipotência pode realizar instantaneam ente na alm a que se
oferece à sua ação?
Quando ela se ergueu, Jesus desapareceu. As dez horas, dirige-se à C apela

275
das O bras para segui-lo no C am inho do Calvário. Jesus a espera:
"Eu te acom panharei - dissera pela m anhã - no estado em que M e achava,
quando atravessei, debaixo da cruz, as ruas de Jerusalém ."
"Trazia a túnica branca - escreve ela - um m anto verm elho sujo de sangue
e rasgado em vários lugares. A coroa se lhe enterrava na fronte... O semblante
sulcado pela tristeza, trazia m anchas de pancadas e escorria-lhe sangue quase
coagulado.
"A proxim ou-se de m im e disse:
"Josefa, vem Me contem plar no doloroso cam inho do Calvário.
"A dora m eu Sangue d erram ad o e oferece-O ao Pai Celeste pela salvação
d as alm as."
Ela se levanta e O segue. Ele cam inha diante dela e se detém em cada estação.
Ela se prostra, e beija o chão para adorar o seu Sangue, depois escuta os desabafos
daquele Coração Sagrado. Lembra-lhe em poucas palavras a significação de
suas dores e lança um grito de am or às alm as que cham a após si.
Toda a m anhã se passa naquela atm osfera de dor e am or de que a alma de
Josefa está im pregnada. Poderia ser de outra forma?
E entretanto, como sem pre a viram , como a verão até o fim, está entregue ao
seu dever quotidiano sem que nada a desvie... m istério da Força divina que a
possui e m aneja a seu Bel-prazer, na graça do m om ento presente.
Na noite d e Q uarta-feira Santa, quando tu d o dorm e na grande casa, ela vai
à tribuna onde tem licença p ara fazer H ora Santa. M al se ajoelha, N osso Senhor
lhe aparece no esplendor de sua beleza.
D esaparecera todo sinal de dor e seu Coração abrasado parece m ergulhado
n u m incêndio.
"Josefa - diz com veemência - am anhã é o dia do Amor! O lha p ara meu
Coração: não pode conter o ardor que O consome de se dar, de se entregar, de
perm anecer no meio das almas.
Ah! Com o espero que Me abram seu coração, que Me guardem e que o fogo
que devora o M eu as fortifique e as abrase."
"Seu Coração se dilatava no meio das cham as e estava tão form oso que não
posso explicar - escreve Josefa. Pedi-lhe que m e consum isse tam bém com o
A m or verdadeiro que nunca Lhe resiste. Ele prosseguiu:
"Deixa-M e entrar em ti, trabalhar em ti, consum ir-te e destruir-te, a fim de
que não seja m ais a tua vontade que opere, m as a M inha em ti.
"O lha com o m eu A m or estrem ece à vista de todas as alm as que Me recebe­
rão am anhã, que se deixarão dom inar pela Ação divina e serão o consolo de
m eu Coração.
"Sim, am anhã o A m or transbordará, se entregará... Como este pensamento
Me consola e com o este desejo Me devora... Dar-Me às almas... que elas se
dêem a M im. Tu, Josefa, entrega-M e todo o teu coração, sem tem or de tua
pequenez. Deixa o A m or te possuir e te transform ar."
D izendo estas palavras, Jesus desaparece. A noite term ina p ara Josefa na
recordação do ardor divino no qual ela m ediu, um a vez mais, a produndeza
daquele Coração que tanto am ou as almas!...
276
O Grande Dia do Amor
29 de m arço de 1923

"O A m or se h u m ilh a ... O A m or se dá..."

(Nosso Senhor à Josefa)

"Josefa! Eis o grande Dia do Amor...


Eis o seu dia de festa!..." diz N osso Senhor na alvorada d a Q uinta-feira
Santa.
Está ela em oração na cela e O vê aparecer de repente, com o na véspera,
com o Coração envolto em chamas. Renova os Votos e prostrando-se O adora.
Jesus prossegue:
"Sim! Eis o dia em que Me entrego às alm as a fim de ser para elas o que
quiserem que Eu lhes seja: serei Pai, se Me quiserem p o r Pai... Esposo, se Me
desejarem como Esposo... Tornar-Me-ei sua Força se têm necessidade de força
e, se almejam dar-M e consolo, deixar-Me-ei consolar... M eu único desejo é dar-
Me e inundá-las com graças que m eu Coração lhes p rep ara e que não p o d e
conter!... Para ti, Josefa, que serei?
"M eu Tudo, Senhor, porque nada tenho!"
Jesus se inclina para ela, com aquela divina Sim plicidade que só Ele pode
ter:
"Bem o dizes: Jesus, o Tudo de Josefa...
Josefa, a miséria de Jesus!"
Parece neste instante que Jesus não p o d e conter a ard en te efusão de seu
Coração. Depois, sua Voz m u d a e acrescenta com gravidade:
"E é o A m or que Me vai conduzir à m orte.
Então, olhando para Josefa:
"Hoje estás am parada, consolada, fortificada pelo Amor. A m anhã O acom-
panharás e sofrerás com Ele até o Calvário!"
As som bras da Paixão vão descer com efeito, sobre este dia tão lum inoso.
Durante a noite, passada em parte diante do Senhor, encontra ela os tesouros
que aprendera a estim ar e a levar a Cruz, a Coroa, as angústias e as dores do
Mestre. Por volta de meia noite Ele lhe aparece e cham a-a a partilh ar da solidão
de sua Prisão. A túnica branca está esfarrapada e m anchada de sangue. O
Rosto traz m arcas de d o r e dos m aus tratos sofridos.
"Josefa - diz - Tu Me consolaste... Venho buscar a m inha C ruz."
Depois, m ergulhando nela aquele O lhar penetrante:
"Agora faze-Me com panhia. N ão Me deixes sozinho na prisão... quan d o
Eu levantar os O lhos para te procurar, encontre o teu olhar fixo em mim.

277
"Sabes quão grande é para a alma que sofre o consolo de ter alguém que
dela se com padeça.
"Tu que conheces a ternura de m eu Coração, podes calcular a m inha Dor
no meio dos ultrajes dos inimigos e do abandono dos Meus!"
Jesus desaparece então, deixando-lhe como despedida de amor:
"N ão te digo adeus, porque ficas sem pre perto de M im."

278
SEXTA-FEIRA SANTA:

As Sete Palavras
30 a 31 de m arço de 1923

"Tudo o q u e estás v e n d o , escreve-o."

(Nosso Senhor à Josefa)

É p o r m eio de um a presença m ú tu a que o Salvador associa Josefa à sua


Paixão no alvorecer da Sexta-feira Santa.
Ele m anifestar-lhe-á visivelm ente as suas dores que se lhe im prim irão, ao
mesmo tem po, no corpo e na alma.
Ela seguirá as divinas pegadas, p artilhando a com paixão de sua M ãe, en­
quanto a seqüência dos fatos se representará hora a hora sob os seus olhos.
Q uem será capaz de calcular a intensidade dessa união e a realidade dessa
configuração com os sofrim entos de Jesus Cristo?
Josefa tentará descrever algo do que vê, ouve e sofre. Os term os ficarão
sempre im potentes na sua pena. São entretanto testem unho ainda m ais precioso
por causa de sua sim plicidade e merecem, p o r isso, conservação.
"Pelas seis da m anhã, relata ela, vi-O na m editação, como d u ran te a noite,
mas sobre a túnica branca estava atirado u m m anto verm elho. Parecia exte­
nuado. Disse-me logo:
"Josefa, dentro em breve os inimigos vão carregar os m eus O m bros com a
Cruz que é tão pesada!"
"Supliquei-Lhe que ma desse pois queria tanto aliviá-Lo!"
"Sim, tom a-a e que teu am or Ma suavize um pouco.
"Dei-te a conhecer os m eus Sofrimentos... segue-M e neles... acom panha-
Me e tom a parte em m inha Dor."
Ainda pela m anhã volta para ditar a Josefa a Via Sacra que fizera com ela
dois dias antes.
"Seu Rosto estava arran h ad o - escreve ela - os O lhos inchados e en san ­
güentados! Deu-M e os Pés a beijar na sétima, na décim a prim eira e na décim a
terceira estação. A ntes de partir, disse-Me:
"A hora da crucificação está próxim a... quan d o ela soar, far-te-ei saber."
"Por volta de meio dia e meio, tornei a vê-Lo. A túnica está arrancada até à
cintura".
"Eis o m om ento em que os algozes vão pregar-M e na Cruz, Josefa. Põe tuas
mãos sob m inhas Mãos... teus pés sob os M eus, a fim de te unires estritam ente
à minha Dor... que teus m em bros sofram com os m eus M em bros e que m inha
Cruz seja a tua cruz."
"Então - escreve ela - um a dor tão violenta traspassou-m e as m ãos e os pés
que todo m eu corpo ficou abalado... Ao m esm o tem po ouvi os golpes do m artelo,
lentamente repetidos e que ressoavam ao longe... Com voz apagada, pronunciou

279
as seguintes palavras:
"Eis a hora da Redenção do m undo! Vão erguer-M e do chão e oferecer-Me
em espetáculo de escárnio aos olhos da m ultidão... m as tam bém à adm iração
das almas!..."
"A lguns instantes depois, tornei a vê-Lo. Estava cravado na cruz e a cruz
levantada:
"O m undo encontrou de novo a paz!... Esta cruz que então fora instrum ento
de suplício onde expiravam os criminosos, tornou-se a luz do m u n d o e o objeto
da m ais profunda veneração!
"N as m inhas Chagas sagradas os pecadores haurirão p erdão e vida... Meu
Sangue lavará e apagará todas as manchas... N as m inhas Chagas sagradas as
alm as p u ras virão saciar a sede e abrasar-se em amor... Aí, se refugiarão e
fixarão para sem pre sua m orada...
"O m u n d o encontrou seu R edentor e as alm as escolhidas o M odelo que de­
vem imitar...
"E tu, Josefa, estas M ãos são tuas, para te am pararem ... estes Pés para te
seguirem sem nunca te deixarem sozinha!
"Tudo o que estás vendo, escreve-o."
De novo tenta Josefa traçar o retrato do Salvador. Sabe que não se m anifes­
ta para ela senão para alm as e que ela só está ali para transm itir o testem unho
d as su as dores. C om toda a aplicação que lhe é capaz, esforça-se p o r não
om itir traço algum .
"Estava pregado na cruz. A coroa cingira sua cabeça com grandes espinhos
que se enfiavam profu n d am en te. Um deles, m ais com prido que os outros,
entrava em cima da testa e saía perto do olho direito que estava todo inchado.
O Rosto, sujo e ensangüentado, pendia para a frente inclinado do lado esquerdo.
Os olhos, em bora inchados e injetados de sangue, estavam ainda abertos e
o lhavam p ara o chão. Sobre to d o o corpo ferido, viam -se as m anchas das
pancadas que haviam até, em certos lugares, arrancado pedaços de pele e de
carne. O S angue escorria-L he d a Cabeça e d as o u tra s Feridas. O s lábios
estavam roxos e a boca levem ente torcida, mas, da últim a vez que O vi, havia
voltado ao aspecto norm al. Esta vista inspira tanta com paixão que é impossível
contem plar Jesus assim, sem ter a alm a traspassada de dor! O que m ais pena
m e causava era que Ele nem tinha a liberdade de levar a m ão ao Rosto. Vê-Lo
assim pregado, pelas m ãos e pelos pés, dar-m e-á força para tu d o abandonar e
subm eter-m e à sua Vontade, m esm o no que m ais me custar. O que também
notei quando O vi assim crucificado foi que Lhe haviam arrancado a barba que
dava tanta m ajestade ao seu rosto. Os cabelos, que são tão belos e lhe dão
tanta form osura ao semblante, estavam em aranhados e colados pelo sangue e
caíam-Lhe sobre a Face." Com preende-se que tal espetáculo a deixe aniquilada
e com o que perdida na dor. A tarde se passa naquela pequena cela testemunha
d e tantas graças e que hoje, p o r m isteriosa vontade de Deus, assem elha-se ao
cum e do Calvário. Reina aí o silêncio e um a oração m u d a associa a alma de
Josefa à Oblação Redentora.

280
" P e la s d u a s e m eia d a ta rd e - p ro s se g u e ela - Jesu s falo u co m v o z
entrecortada." Então ela recolhe as sete Palavras que Jesus crucificado am plifica
no ardor da últim a efusão.
“Ó meu Pai - disse - perdoai-lhes pois não sabem o que fa ze m ."
"Não! N ão conheceram A quele que é a Vida. D escarregaram sobre Ele
todo o furor de sua iniqüidade. M as Eu vos suplico, ó m eu Pai, descarregai
sobre ele toda a força da vossa M isericórdia!"
" - Hoje, estarás comigo no Paraíso."
"... p o rq u e tua fé na m isericórdia do teu Salvador ap ag o u todos os teus
crimes... ela te conduz à Vida eterna."
"Mulher, eis o teu filho."
"Ó m inha Mãe! eis os m eus irmãos... guardai-os, amai-os... N ão estais m ais
sozinhos, ó vós por quem dei a m inha vida! Tendes desde agora um a M ãe à
qual podeis recorrer em todas as vossas necessidades."
Aqui Josefa interrom pe a narrativa:
"Vi perto da cruz a Santíssima Virgem, de pé, e olhando para Jesus. Estava
vestida com um a túnica roxa e envolvida nu m véu da m esm a cor. Disse com
voz dolorosa, m as firme:
"Vê, filha, até onde o reduziu o A m or pelas almas! A quele que contem plas
neste estado tão triste e lastim ável é o m eu divino Filho: o A m or O co n d u ziu à
morte!... E o A m or que O im pele a unir todos os hom ens com laços de irm ãos
dando-lhes a todos sua própria Mãe."
Jesus continuou:
"Meu Deus!... Por que M e abandonastes?"
"Sim, a alm a tem já direito de dizer a seu Deus: p o r que me haveis ab an d o ­
nado? Com efeito, o hom em , depois de consum ado o M istério da Redenção, o
homem tornou-se filho de Deus, irm ão de Jesus Cristo, herdeiro da vida eterna."
" - Tenho sede!"
"O m eu Pai! Tenho sede de vossa Glória, e... eis que chegou a hora!... De
ora em diante, pela realização de m inha palavra, o m u n d o conhecerá que fostes
Vós que Me enviastes e sereis glorificado.
"Tenho sede das alm as e, para aplacar esta sede, dei até a últim a gota de
meu Sangue!... Por isso posso dizer:
" - Tudo está consum ado!”
"Agora se cum priu o grande M istério de A m or pelo qual D eus entregou à
morte o seu próprio filho, para restituir a vida ao hom em .
"Vim ao m u n d o para fazer a vossa Vontade: ó m eu Pai, está cum prida.
"Em vossas Mãos entrego minha alma e a Vós encomendo o meu Espírito.
"Assim as alm as que cum priram a m inha vontade poderão dizer com ver­
dade: "Tudo está consum ado".
"Meu Senhor e m eu Deus, recebei a M inha alm a, eu a p o n h o em vossas
Mãos."
" - Josefa, o que ouviste, escreve-o; quero que as alm as escutem e leiam o
que está escrito... a fim de que se refrigerem as que têm sede e se saciem as que

281
têm fome."
"Q uando term inou estas palavras, desapareceu.
"A cruz, os cravos, a tristeza da alm a, um sofrim ento que não posso expli­
car... guardei tudo isso até pelas seis horas da tarde, quan d o tu d o cessou de
repente, m enos as dores da coroa de espinhos."
A prodigalidade das Visitas divinas encerra-se na tarde da Sexta-feira Santa.
O dia de Sábado de Aleluia se escoa sob a im pressão das dores da véspera,
de que Josefa não se pode afastar.
N a noite de Páscoa, pelas d u as horas e meia da m anhã, a Santíssim a Virgem
lhe aparece, de repente, radiante de beleza:
"Filha - diz apenas - m eu filho, teu divino Esposo, não sofre! Ressuscitou
glorioso... Suas Chagas são agora a Fonte onde as alm as virão h au rir graças
incontáveis e a M orada onde os mais m iseráveis acharão abrigo.
"Prepara-te, Filha, para adorar as Chagas gloriosas!"
N o m esm o instante a Santíssim a Virgem desapareceu.
"N ão posso contar a pena que tive - escreve Josefa - vendo-a partir...
Eu queria voar atrás dela, p ara não ficar só! M as não m ais A vi!"

282
IX - MARMOUTIER

Vida de Fé
I o de abril - 2 de m aio de 1923

"Os cam in h o s do S en h or são


im p e n e tr á v e is aos o lh o s das criaturas."

(A Santíssima Virgem à Josefa - 19 de abril de


1923)

Surgiu a aurora de Páscoa e Josefa já se preparava p ara ad o rar as C hagas


gloriosas de seu D eus. M as à o u tra p rep aração a havia co n v id ad o N ossa
Senhora, pois só nove meses a separavam de sua entrada no Reino, onde os
eleitos se inebriam para sem pre nas Fontes do Salvador.
Aqui na terra não m ais delas há de beber senão de passagem , algum as gotas
necessárias à jornada seguinte.
Jesus, que lhe abrira am plam ente Seu C oração, confiando-lhe p ara as al­
mas, o sentido de suas Dores, Jesus que a fortalecera, associando-a à sua Paixão,
deixa-a agora sobre si m esm a, com o in stru m en to desnecessário p o r alg u m
tempo... Gosta de reduzi-la a seus próprios limites.
E então que continua, sem que ela o sinta, a O bra de seu A m or que é sem pre
trabalho de destruição e m orte, para deixar lugar à sua vida e à liberdade de
sua Ação. Josefa tem fé nessa Ação, está certa desse Amor. Entrega-se às suas
disposições mas, alm a delicada, não tarda a recear ser culpada da ausência e
do silêncio do Mestre.
"Toda a sem ana da Páscoa passou - escreve ela - sem que Jesus voltasse...
Serei eu que ponho obstáculo à sua volta?..."
Corajosa e fiel ao dever, como sem pre, entregou-se toda inteira ao trabalho,
na ro u p aria, o n d e suas auxiliares, m esm o d u ra n te a q u aresm a , sem p re a
encontraram presente e pronta para ajudar.
Essa oficina, representando o centro da sua dedicação no ano de 1923, não
pode passar sem que nela penetrem os. E um a vasta sala no prim eiro an d ar dos
Vieux Feuillants.
As janelas das d u as fachadas abrem -se sobre a capela, sep arad a ap en as
daquela parte do prédio p o r um pequeno pátio interior.
D urante m uitos m eses Josefa ocupou aí um a das camas, que faziam outrora
daquela sala um dorm itório. Venera-se aí o lugar em que Jesus freqüentem ente
lhe apareceu com a C ruz. Foi ali que sofreu os prim eiros assaltos diabólicos em
dezembro de 1921; ali tam bém que Nossa Senhora a presenteou, pela prim eira
vez, com as preciosas Gotas de Sangue de seu filho (16 de ou tu b ro de 1922).
Aquela sala um pouco isolada, clara e espaçosa, transform ara-se em oficina de
costura, quando Josefa fora encarregada da confecção dos uniform es das alunas.
Passa aí então grande parte do dia, cercada das noviças e postulantes, que ela

283
vai form ando e guiando. Desde o começo, procurou tornar seu pequeno domínio
um oratório, onde se rezasse quase sem interrupção... um prolongam ento do
sacrário, onde ela ensinasse as suas auxiliares a se unirem à oblação perpétua
de Jesus-Hóstia... um refúgio de paz e de alegria para o Coração de Jesus, pela
fidelidade à Regra... um paraíso de delícias, onde a m ais delicada caridade
não conhecesse som bras.
O m undo inteiro serve de horizonte a esse Santuário, pois as intenções do
C oração d e Jesus são aí in cessan tem en te ev o cad as e d ão aos d ed o s nova
agilidade, às alm as novo im pulso.
A preocupação de fervor não im pedia a Josefa velar sobre a form ação de
suas Irmãs. Além da responsabilidade que lhe cabia, apreciava a felicidade de
tom á-las aptas a m elhor servirem à Sociedade do Sagrado Coração. N ão se
poupa a trabalho algum , nesse sentido, descobrindo as possibilidades de cada
u m a , d e s e n v o lv e n d o -a s p a c ie n te m e n te , s u p o r ta n d o as in a p tid õ e s das
p rin cip ian tes, corrigin d o ou term in an d o a tarefa com b o n d a d e incansável,
exigindo de todas interesse, cuidado, perfeição, que devem sem pre acom pa­
n h ar o trabalho bem feito.
"N unca a vim os perder a paciência - diz um a noviça daquele tem po - e, se
algum a costura lhe parecia mal feita, dizia sim plesm ente: "N ão se deve traba­
lhar assim para N osso Senhor." Sua autoridade firme e suave não era discutida.
Respeitavam -na, queriam -lhe bem e sua presença, m ais que encorajam ento e
estím ulo, era bela e constante lição de vida religiosa.
G ostava m uito das m eninas, principalm ente das m ais novas, percebia-se
isso no seu trabalho, quando lidava com elas para p rovar os uniform es. Sabi­
am q u e lhes era to d a d ed icad a. Q u an tas vezes, à noite, p a ss a n d o pelos
dorm itórios para verificar se nada faltava, detinha-se p ara consertar furtiva­
m e n te a lg u m ra sg ã o d e u m a m e n in a d e s a s tra d a , ou p a ra s o c o rre r uma
pequenina em apuros.
Tudo era feito sim plesm ente e sem alarde, com o a coisa m ais n atu ral do
m undo. M as as m estras vigilantes a observavam com gratidão e as meninas
•guardavam recordação do ideal de vida religiosa e abnegada que brilhava a
seus olhos naquela hum ilde irmã.
Ao longo do dia estava toda entregue ao serviço do próxim o, m as apenas
ficava só, sem p arar o trabalho, m ergulhava com delícias no recolhim ento. Era
o p en d o r de sua alma. Uma m adre veio um a tarde, depois que as noviças se
haviam retirado, pedir-lhe um serviço. Ela cosia ativam ente, m as sua atitude
revelava o objeto de seu pensam ento; parecia perdida em Deus. A religiosa
c o n te m p lo u -a d u ra n te a lg u n s in s ta n te s com re sp e ito , d e p o is cham ou-a
delicadam ente. Ela estrem eceu e, com esforço, lançou sobre a interlocutora
u m olhar cheio de N osso Senhor; depois levantou-se logo com a habitual
deferência, m as sua alma parecia voltar de m uito longe. M uitas religiosas tinham
ocasião de estar em contato com ela, pois Josefa p u n h a sem pre seu tem po, sua
agulha, sua habilidade, ao serviço de quem precisasse. Podia-se vir à vontade
confiar-lhe um a costura à m áquina, um objeto para term inar ou passar a ferro,

284
uma peça a cortar... e nos dias de festa ajudava a fantasiar as atrises para as
sessões re c re a tiv a s d o colégio. P o r o casião d a s c erim ô n ia s d e P rim e ira
com unhão, punha toda a sua fé e todo seu am or na confecção dos vestidos e
véus brancos. Logo no alvorecer do grande dia, podia-se contar com ela: nada
faltava no "cenáculo" o n d e as q u erid as crianças en co n trav am seu enxoval
preparado com todo o cuidado, sobre m esas brancas, enfeitadas de flores.
Esses detalhes nada valem, poder-se-á dizer, mas, quan d o é o nosso am or
que os inspira e os m ultiplica sem tréguas, sem descanso, não será sinal seguro
de total desinteresse de si m esm a e de dom completo?
A vida dedicada de Josefa não se concentra apenas na sua oficina. Já fala­
mos várias vezes nos serviços que ela presta pela casa toda; não vale a pena
repetir; m as é im portan te, ao seguirm os o cam inho ex trao rd in ário q u e ela
trilha, nunca perderm os de vista a corajosa energia e o invariável espírito de
sacrifício que a m antém , apesar de tudo, na escravidão do dever cotidiano.
E dentro desse cenário que N osso Senhor vai continuar o seu p lano no m ês
de abril de 1923, sem que ela o veja e sem que dele tenha consciência. N o
segredo de cada um de seus dias, esconde Jesus as m aravilhas de sua Ação
divina.
A oitava de Páscoa term inou ainda na expectativa e as sem anas seguintes
trouxeram horas sombrias. O leão a rugir, que não cessa de rondar, pro cu ran ­
do a presa, nunca anda longe das encostas que Josefa tem de galgar. Torna,
pois, a aparecer, subitam ente, com todo o seu poder, e as trevas do espírito, as
dúvidas do coração, as hesitações da vontade, as perseguições sensíveis de dias
e noites vão tentar novam ente abalar a fidelidade de Josefa.
A sua coragem tem perada nas dores do M estre, intim am ente freqüentadas
durante as sem anas da Q uaresm a, afrontará os assaltos renovados do dem ô­
nio, não porém sem que ela experim ente ainda a sua fragilidade.
Na sexta-feira de Q uasím odo, 13 de abril, um a alm a bem -aventurada que,
do purgatório, havia solicitado seus sufrágios algum as sem anas antes, é-lhe
enviada do céu para fortificá-la. Lembra-lhe seu nom e e acrescenta:
"Venho de parte daquele que é a m inha eterna felicidade e único objeto de
nosso am or, p ara vos an im ar a co n tin u ar, no sofrim ento, a trilh a q u e su a
Bondade vos traçou para vosso bem e o de m uitas almas.
"Um dia contem plareis as m aravilhas de am or que Ele reserva não p ara o
tempo, mas para a eternidade, às alm as que mais am ou. Então com preendereis
o fruto do sofrim ento e saboreareis tanta felicidade que a alm a não p o d eria
suportar aqui na terra!
"Coragem! Em breve voltará a paz. A obra da R edenção n ão se realiza
senão à custa de sofrim ento. M as o sofrim ento purifica e fortifica a alm a,
tomando-a rica em m erecim ento aos olhos de Deus!"
Essas palavras de um a em baixatriz do céu m uito anim aram Josefa. Entre­
tanto, ela continua a padecer até a quinta-feira, 19 de abril, dia em que a M ãe
celestial vem, em pessoa, am ainar a tem pestade.
Josefa, que n ão m ais a vira d esd e a alv o ra d a da Páscoa (23 d e m arço)

285
estrem ece de alegria. Confia-lhe um a alma que sabe estar em perigo, pois seu
interesse e sua prece estão voltados m uito m ais para as alm as do que para si
m esm a.
"Sofrer! Sofrer!... - responde a Santíssima Virgem. O que tem m uito valor
só se com pra por alto preço."
"Essa alm a se há de salvar. Oferece todos os teus sofrim entos para esse fim
e abandona o resultado unicam ente à glória de Deus! Mas, repito, m inha filha,
essa alm a não se perderá!"
Então, com bondade, m as com firmeza, abre-lhe a perspectiva de um sacri­
fício inesperado.
"Jesus quer - diz Ela - que faças o sacrifício desta casa."
Josefa fica perplexa. A m ãe do Céu não lhe dissera um dia que ela morreria
nos "Feuillants"?... E que seria ela, sem o auxílio das M adres que N osso Senhor
lhe dera, ela que se sentia tão frágil?... Com o poderia sozinha arcar com a
resp o n sab ilid ad e d aq u ele cam inho que tin h a q u e trilh ar? Seu esp írito se
perturba, seu coração se comove.
"N ão te assustes, filha - continua Maria, com voz suave e convincente que a
tranqüiliza. - Os cam inhos de Deus são im penetráveis aos olhos das criatu­
ras... N ada tem as. Este sacrifício é necessário, tanto p ara a tua alm a como
para m uitas outras... Jesus te ama... não vivas senão para Ele."
N o dia seguinte, sexta-feira, 20 de abril, Nosso Senhor confirm a a sua Von­
tade. E, com o ela Lhe expusesse seu temor:
"N ão Me tens sem pre a Mim, para tudo Me confiares e Me falares de tudo?
Em que ocasião te deixei sozinha?... Teu am or por M im nada é... um a sombra
apenas em com paração do que tenho por ti.
"Q uero que Me dês esta prova de amor, é preciso que a m inha O bra passe
pelo cadinho do sofrimento. N ada temas. N inguém descobrirá o segredo que
te envolve e m inha O bra brilhará mais que nunca... pois deixarei lá vestígios
de m inha Passagem ".
"Começa agora nova fase de tua vida. Viverás de paz e de am or e, durante
este tem po, prepararem os à união eterna. Já nad a nos pode separar Josefa. Tu
Me am as, Eu te amo... as alm as se salvam; o resto, que im porta?
"Q u ero q ue cresças - acrescenta com tern a com paixão - p o rq u e és tão
pequenina!... M as não te deixarei sozinha."
Esta Vontade de N osso Senhor, em bora im prevista, coincide com a das Su­
perioras. A quela curta vida religiosa não deveria ser privada das graças que
trazem as m u d an ças tão freqüentes do "S agrado C oração". É preciso que
outras pessoas além das habituais testem unhas de sua vida, possam apreciar sua
v irtu d e sim ples e sólida, seu desapego, sua obediência, sua fidelidade, seu
hum ilde e total desinteresse. É preciso principalm ente que o espírito que a
conduz seja provado, de m odo que jamais se possa dele duvidar. Tais razões
de prudência e de sabedoria concordam com o plano divino.
Fica decidido que Josefa irá sem tard ar para M arm outier e que nenhuma
indicação sobre as suas vias extraordinárias a precederá nem a acompanhará

286
junto das Superioras às quais será entregue. Deus, que lhe abrirá o cam inho,
cuidará dela segundo a sua santa Vontade. Ela pertence-Lhe e é m ais ainda
obra sua do que instrum ento seu. Deverá, pois, ser deixada à vigilância divina...
O fim de abril encontra Josefa tranqüila e p ronta para tu d o que a obediência
decidir a seu respeito.
"Em bora m uito m e custe deixar esta casa e tu d o m ais a que tenho tanta
afeição, pouco se me dá - escreve ela - irei para onde Jesus quiser, pois é a Ele
unicamente que desejo am ar e agradar!
Nosso Senhor lê isso com prazer no m ais profu n d o de sua alma.
"Josefa, tu Me consolas," diz-lhe na segunda-feira, 23 de abril, q u an d o está
notando o assunto do seu exam e particular nos seguintes term os: m ultiplicar
pequeninos atos de fidelidade, sem nada recusar a Jesus.
"Sim, este exam e Me agrada. Se fores fiel em todas as delicadezas do amor,
não Me deixarei vencer em generosidade. Tua alm a será in u n d a d a de paz.
Não te deixarei só e, justam ente na tua pequenez, serás grande, pois Eu viverei
em ti."
Depois acrescenta para lhe d ar coragem:
"O A m or te conduz, o A m or te am para. Sim, agora precisas crescer, preci­
sas correr até que chegues ao abism o de felicidade que te p rep aro com tanto
Amor!"
O dia da partida se aproxim a, Josefa não tem grandes preparativos a fazer,
pois o que leva é tão pouco! Até a últim a noite, cum priu os m isteres da sua
vida ordinária, com serena sim plicidade. É assim, aliás, que os sacrifícios se
fazem no "Sagrado Coração", ela o sabe, aprendeu-o vendo as M adres e Irmãs.
Sua alma não tem dificuldade em abraçar a Vontade de Deus. M as seu coração
sofre com a separação profundam ente sentida e, m ais ainda, com a apreensão
de se achar sozinha sob o peso que terá de carregar em segredo.
"Vai - repete-lhe o M estre no dom ingo, 29 de abril. Vai e lá m e encontrarás
de novo. N ão te assustes. Dir-te-ei o que tiveres que fazer e não te abandona­
rei!'
A quarta-feira, 2 de maio, é o dia da oblação. D esde a alvorada Josefa a une
à de Jesus-H óstia e, fortalecida com a com unhão, vai dizer adeus a todos os
lugares caros a seu coração: a cela de Santa M adalena Sofia, o oratório da
Santíssima Virgem no Noviciado, a capelinha das O bras de que tanto gosta...
Mal deixou o um bral da sua porta, encontrou Jesus:
"Vinha para m im - escreve ela - com a coroa de espinhos. Tive g ran d e
alegria, pois há já m uito tem po que não mais a trago e que consolo p artir com
este tesouro!... Jesus m a colocou sobre a cabeça, dizendo:
"Toma-a e segue-M e."
Alguns instantes depois, deixava o m osteiro dos "Feuillants".
Na plataform a da estação tornei a vê-Lo, escreve ela no caderninho destina­
do a conservar as palavras do M estre d u ran te o período que se iniciará.
Passava perto de m im e m e disse:
"Caminho à tua frente."

287
Repete as m esm as palavras um pouco m ais tarde, quan d o o trem já leva a
viajante para o seu destino.
"Sim, Josefa, cam inho à tua frente e m eu Coração é glorificado... Quantas
alm as vão ser salvas! E, para ti, quantas surpresas preparo!"
"N ão m ais O vi - acrescenta ela - m as sabia que estava ali e m eu coração lhe
falava. Ofereci-me com toda a m inha alm a à sua Vontade, renovei os Votos
m uitas vezes e pedi-Lhe que me ensinasse a amá-Lo cada dia mais, pois não
p rocuro e não am o senão a Ele...
"Entreguei-m e com pletam ente a Ele e a viagem term inou com o g rande con­
solo de po d er oferecer-Lhe este sacrifício da casa e das M adres p o r quem tenho
tan ta afeição."
A Subida na Solidão
8 a 20 de maio de 1923

"É o A m or que te con d u z!...


É Ele que te há de sustentar!"

(Nosso Senhor à Josefa - 2 de maio de 1923)

M arm outier, o "grande Mosteiro"! O viajante de longe o reconhece p o r sua


"Torre dos Sinos", pelo seu portão do século XII e pela m assa im ponente do
edifício. N o fundo louro das encostas de Rougem ont, destaca-se em ergindo do
vale do rio Loire, que às vezes estende as águas até seus jardins. Vizinho da
cidade de Tours, com a qual se com unicava outrora p o r um subterrâneo que
passava p o r baixo d o rio, está lig ad o p rin cip alm en te à h istó ria nacional e
religiosa da França, cujas grandes datas ainda se lhe p o d em ler n as p ed ras
aureoladas pela legenda beneditina.
M arm outier é a Gália aberta ao cristianism o com S. G atiano, S. Leobardo e
S. Patrício, cujas grutas ainda têm seus nom es. E a França dos bispos e dos
monges, com S. M artinho, seu fundador, S. Brício e os Sete D orm entes, com
seus abades com andatários, título que ainda era usado p o r Richelieu.
E a França dolorosa de 1791, com a expulsão dos Beneditinos, as devasta­
ções do "Bando negro", o abandono das ruínas monásticas.
Há porém um a coisa que não m orre e consagra para sem pre os lugares - é a
santidade. Santa M adalena Sofia sentiu-lhe os eflúvios, ao passar p o r ali em
uma de suas viagens apostólicas ao longo do rio Loire e decidiu fazê-los reviver.
Em 1847 m andava para aquela "Terra de Santos" suas filhas, a fim de que nela
de novo florescesse o Amor. Àquele tesouro de vida espiritual, ali acum ulado
desde m uitos séculos, Josefa veio trazer sua pequenina gota de am or e algo das
riquezas divinas, de que era M ensageira p o r Vontade do Coração de Jesus.
Passaria ali um mês apenas, na vida escondida e laboriosa que foi sem pre a sua.
Desde o dia da chegada, entregou-se de todo o coração à sua nova família.
Nada a distinguiria senão, no dizer da M adre que então se ocupava das Irm ãs
coadjutoras "sua fidelidade nas pequeninas coisas, sua gentileza em prestar
serviço nos m ais h u m ild es ofícios, seu silêncio, seu reco lh im en to e a su a
amabilidade no trato cotidiano."
Entretanto, nada disso deveria ser d esprovido de m erecim ento, p o rq u e a
fina sensibilidade de Josefa depressa percebeu, sob a caridade cheia de delicadeza
que a acolhia, a dúvida que pairava sobre ela, o p o nto de interrogação, que
ninguém lhe form ulava, m as que dava ensejo a certa hesitação sobre as razões
de sua vinda. Por que deixaria os "Feuillants"?... que viria fazer em M arm outier,
onde nenhum a necessidade a cham ara?
"Aqui - dizia o M estre na m esm a tarde - aprenderás a am ar a hum ilhação,
Josefa, pois ela te espera. Mas é assim que a tua alm a crescerá e Me glorificará."
E insistia:

289
"N ada temas. É o A m or que te conduz. É ele que te sustentará. Vive de
amor, a fim de poderes m orrer de amor."
N o dia seguinte, designaram -na como auxiliar na portaria. Em prego novo
para ela, com plicado pela ignorância dos lugares e das pessoas.
N ada entretanto a detém no desejo de servir. Percorre silenciosam ente os
longos corredores, neles perdendo-se m uitas vezes e aproveitando as passa­
gens freqüentes diante da capela p ara haurir, nu m a fervorosa genuflexão, a
alegria tão recom endada por Nosso Senhor.
"N ão tem as - torna Ele - tom o Eu conta de ti, como a m ãe de seu filhinho.
Sou Eu a alegria de tua alma. Sofrerás, m as em paz".
Com essas palavras resum e o plano de seu Coração. Este período am adure­
cerá a alm a de Josefa e, ao m esm o tem po, trará um a prova m ais evidente da
Ação divina, que lança nela os alicerces da obra de que é instrum ento.
A distância, podem os agora perceber claram ente o desígnio desta determ i­
nação que fora toda de sabedoria e de am or: p riv ad a do auxílio habitual
encontrado em seus guias, Josefa conhece então, não a solidão do coração, pois
logo dera todo o seu à sua nova família e já se sentia de casa, m as o isolamento
da alma, sob o peso do segredo que tem de carregar, sozinha diante de Deus.
Sem pre confiante e sim ples para com as Superioras, sofre por não p o d er abrir-
lhes sua alm a até aquela profundeza de graças e de provações, que constituem
a razão de ser de sua vida interior e à qual não se pode furtar sem trair sua
vocação. N osso Senhor quer esta prova para fortalecer sua fé e, m ais ainda,
p ara calar nela as pro fu n d ezas de desp ren d im en to e purificação, que serão
invadidas por seu Amor. Seu dom ínio soberano vai estabelecer-se sem obstáculo
na alm a de Josefa. Ele, em Pessoa, lhe dará suas diretrizes e fá-la-á galgar o
cum e de sofrim entos e graças que para ela será a estada na "terra dos Santos".
E preciso, para segui-la, tom ar a m esm a senda. Jesus lhe lem bra, nos primeiros
dias, o que é para ela seu Coração: sua presença, é para ela toda a felicidade...
sua conduta, toda a segurança. A proxim a-se dela na oração, passa ao seu
lado nos corredores como um relâm pago.
A noite, aparece-lhe de repente, q u an d o vai com eçar o descanso. Ouve
saírem -lhe dos lábios palavras de confiança de que sua fé viva nunca duvidara,
m as às quais as circunstâncias atuais dão novo relevo.
"Fala-M e - diz Ele - estou contigo...
"N ão estás sozinha, nem quando já não me vês... E eu te vejo... ouço-te...
"Fala-Me... Sorri-Me porque sou te Esposo... teu com panheiro inseparável..."
E, aludindo aos "Feuillants":
"A qui, tanto quanto lá, estás no m eu Coração."
N a prim eira sexta-feira do mês, 4 de m aio, d esde a au ro ra, abre-lhe seu
C oração Sagrado:
"Vem, entra aqui - diz-lhe - aqui passarás o dia. Estás em M im, Joseja, e é
p or isto que não Me vês sem pre. M as Eu te vejo e isso nos basta."
D epois acrescenta, resum indo a teologia de sua Presença pela graça:
"Tu em Mim, Eu em ti. Q ue laço m ais estreito poderia unir-nos?"

290
"Vejo m elhor cada dia - escreve ela - que Ele é m inha única felicidade, m eu
único Amor!... Peço-lhe apenas força para ser fiel."
D urante a Ação de graças, oferece-se àquela Presença que é tu d o p ara ela.
"Vi-O agora m esm o, tão belo e tão Paternal!"
E assim que ela tenta exprim ir a segurança que lhe dá seu Olhar.
"Estou em ti, Josefa, e te am paro a fim de que no meio do sofrim ento conser­
ves essa p az que u ltrap assa todos os gozos da terra e que n ad a te p o d erá
arrebatar: A m inha Paz... Sim, a m inha paz te in u n d ará com santa alegria...
te fortalecerá e te sustentará no sofrim ento."
E como ela lhe pedisse auxílio, "porque - escreve - eu queria, antes de tudo,
dar-lhe m uita glória e m uitas alm as." Jesus com pleta sua idéia:
"O A m or te purificará, consum irá as tuas m isérias e é a própria força desse
amor p u ro e ardente que te conduzirá à santidade: Sou Eu que farei tudo!"
N o sábado, 5 de maio, Nosso Senhor lhe recorda a cooperação de am or que
seu Coração espera e como essa cooperação se n utre com o Bel-prazer divino
escondido sob as aparências de cada m om ento presente:
"Q uero que aprendas a ser generosa - diz Ele - pois a generosidade é fruto
do amor... Mais tarde te explicarei, m as aqui, dou-te lição prática; encontrarás
muitas circunstâncias através das quais não olharás senão p ara Mim...
"E quando te m anifestarem ou te disserem algum a coisa que te m agoe ou
que penalize teu coração, sorri com generosidade e am or como se fosse Eu que
te falasse..."
E para encorajá-la, sem lhe esto rv ar o trabalho, co n tin u a a aparecer-lhe
aqui e acolá, sem eando-lhe, ao longo dos dias, evocações de seu Amor.
"O sofrim ento passa, o m erecim ento é eterno. Estás sem pre em m eu C ora­
ção... N ão Me percas de vista... O A m or te conduz... Deixa tu d o a m eu
cuidado... Sou tudo para ti."
Nossa Senhora não haveria de ficar afastada desse cam inho m ais árduo.
"E o de m eu Filho - lem bra ela - agradece-Lhe p o r te fazer palm ilhá-lo com
Ele... P articiparás m uitas vezes das angústias de seu Coração, m as em Sua
Paz!"
"Não receies sofrer - recom enda ela no dom ingo, 6 de m aio - pois é assim
que atrairás às alm as novas graças... M as fica na alegria e que tu d o no teu
exterior seja reflexo da Paz de tua alma."
Na quarta-feira, 16 de maio, enquanto Josefa recorda a seus pés as graças e
as provações dos dez meses passados depois de seus Votos, aquela incom pará­
vel Mãe tornará a fortificá-la na confiança.
"Jesus te conhece, filha, sabe o que és e é assim m esm o que te am a. Tuas
misérias perm anecerão, a fim de que tenhas sem pre que trabalhar e lutar.
"Hum ilha-te, m as sem perder a coragem. Já conheces, p o r experiência, seu
Coração. Se Ele pede, se qu er a m iséria e o n ad a, é p ara d a r ensejo à sua
Misericórdia e à sua bondade que consom em e transform am tudo. Ele é tão
Bom!...
"Ah! Se as alm as O conhecessem, como O am ariam m ais profundam ente!"

29/
E, abençoando a filha, acrescenta:
"Paz e alegria, filha querida, hum ildade e am or!"
A Santa M adre M adalena Sofia acom panha-a com vigilante proteção, na­
quela casa caríssim a a seu coração e cujas pedras conhecia todas.
Sua cela, transform ada em oratório, fica sobre o "portail de la Crosse" e ali
suas filhas recorrem freqüentem ente à sua intercessão m aterna... Josefa depressa
ap rende o cam inho.
N a m anhã de terça-feira, 8 de m aio, ela p ara lá corre n u m m om ento de
liberdade.
"Eu não sabia com o fazer - escreve no seu caderninho - entre as visitas de
Jesus... as perguntas que me fazem sobre as razões da m inha vinda, se estou
doente... se vou ficar aqui? etc... Pedia-Lhe que m e ajudasse, q u an d o , de
repente, Ela apareceu:
"Estás então aqui, filha!"
E tão boa, que Josefa se expande com ela com toda a confiança, e a santa
M adre continua:
"N ão te direi senão um a palavra que possas saborear d u ran te todo o dia: o
am or nunca encontra obstáculos e, se os encontra, transform a-os em meios
para alim entar a chama... Explicar-te-ei isto a fundo, m ais tarde. A qui, filha,
entrega-te a teu dever. Ama, am a, ama!..."
N a segunda-feira, 28 de maio, Josefa a verá de novo, no dia de sua festa,
adiada para aquela data no ano de 1923. Im plorará com paixão no fundo de
sua m iséria e de sua pequenez que estão sem pre crescendo aos seus próprios
olhos.
Santa M adalena Sofia não resistirá ao apelo daquela hum ilde confiança.
Aparecer-lhe-á na capela e, traçando-lhe sobre a fronte o sinal da cruz, dirá:
"Filha querida! E assim que te amo, pequena e miserável... Eu tam bém era
p eq u en a com o tu, m as achei m eio d e u tiliz ar a m in h a p eq u en e z dando-a
totalm ente a Jesus que é Grande! Entreguei-m e à divina Vontade e só procurei
a glória de seu Coração. Procurei viver no conhecim ento de m inha baixeza e
d e m eu nada, e Ele se encarregou de tudo.
"Filha, vive de paz e confiança. Sê m uito hu m ild e e abandona-te a esse
Coração que é todo Amor!"
E preciso voltar à segunda sem ana de maio, quando Josefa envereda p o r um
cam inho que se torna cada vez mais íngrem e.
Pelas perguntas que lhe fazem, pela vigilância de que se sente alvo, compre­
ende que um a dúvida se ergueu no espírito das superioras.
N ão que dim inuíssem a bon d ad e e a delicadeza p ara com ela, nem a carida­
de tão cordial das Irmãs. M as sua alm a é delicada dem ais para não perceber as
som bras, em bora leves, que descem em torno de si. N ada podia ser mais penoso
a seu coração... Bem o sabe o Mestre... N ão deixa persistir e crescer aquela
angústia senão para apressar a carreira da filha para Si. É preciso que ela suba
apoiada unicam ente em Deus. Mas para ajudar a jornada quotidiana, digna-
se ilum iná-la com um Desejo de seu Coração.

292
C ada dia, vai convidá-la a dirigir seus esforços na realização destes divinos
desejos que, passo a passo, a encam inharão para a Cruz.
C ertam ente naquela Josefa, pequenina e desam parada, m ais fiel e corajosa,
Nosso Senhor contem plava m uitas alm as, às quais, ab rin d o o horizonte dos
desejos de seu Coração, descobria o segredo do generoso esquecim ento de si.
N a quinta-feira, 10 de m aio, festa da A scenção, vem , d u ra n te a ação de
graças, "R esplendente - escreve ela - com a Chaga irradiando luz claríssima.
"Com o sois belo, Senhor!"
"Eis o dia em que m inha santa H um anidade entrou no céu - diz-lhe com
ardor... Q ueres que faça de tua alm a um outro céu, onde porei todas as m inhas
C om placências?"
Então, ela se confunde na sua miséria.
"Pouco im porta! Tua m iséria Me servirá de trono e serei teu Rei. M inha
Bondade apagará tuas ingratidões. Eu te consum irei e te destruirei! Respon­
de-Me, Josefa, consentes em dar-M e teu coração, p ara que Eu nele faça m eu
céu de repouso? Com o exprim ir a totalidade de sua doação?
"Respondi-Lhe - escreve ela - que m eu coração é dele... que toda a m inha
alma Lhe dou... que Ele só m e basta... que O am o e que, para Ele, estou pro n ta
a deixar tudo no m undo".
Jesus parece gostar deste protesto.
"Sim, viverei sem pre em ti, esconder-M e-ei em tua alm a para esquecer as
ofensas dos pecadores... e, cada dia, confiar-te-ei u m dos desejos d e m eu
Coração que te esforçarás por realizar.
"Hoje, m eu Desejo é que vivas da m inha Alegria.
"Rezarás, para que as alm as saibam d esp rezar os p razeres da terra p ara
adquirir os bens eternos. Regozijar-te-ás com a vista de teu Esposo, ao en trar
como H om em na Pátria Celeste e, com Ele, m uitas e m uitas alm as santas, que
esperavam ansiosam ente que se abrisse p ara elas a bem -aventurada M ansão...
"Adeus, guarda-M e e esconde-M e em teu coração."
Josefa passa todo o dia com os olhos fixos na Alegria do Mestre: o céu em
que triunfa para sempre... sua alma, que a divina presença se digna transfor­
mar noutro céu que nuvem algum a poderá obscurecer.
Na sexta-feira, 11 de maio, a ação de graças não term ina sem que N osso
Senhor venha exprim ir seu novo Desejo.
"Estás aqui, Josefa?" - pergunta.
"Respondi-Lhe dizendo que preciso dele m ais do que nunca."
"Eu tam bém te esperava."
Depois continuou:
" - Hoje, dia de Paz... m as no sofrimento... E como não podes grande coisa,
sou Eu que te presentearei com m últiplas pequenas ocasiões que aproveitarás
para Me ofereceres, esta tarde, um ram alhete de perfum e delicioso. N ão te
assustes. Sou Eu a tua Paz! E, como habito e reino em ti, viverás tu tam bém de
minha Paz.
"N a tarde daquele dia, em que Jesus, fiel à sua Palavra, não lhe p o u p ara

293
nem dificuldades, nem sacrifícios, ela O encontra no dorm itório, no m om ento
em que vai repousar.
"Vem descansar em M im", diz.
Depois, reanim ando suas forças esgotadas:
"Tudo passa... e o céu não terá fim! Coragem! Sou Todo p ara ti e, portanto,
tua força... Agora, repousa e dorm e em m inha Paz!..."
Prossegue a etapa, de com unhão a com unhão.
É naquele encontro m atinal que ela recebe a senha do dia.
"A bre teu coração, a fim de que nele desça o divino Prisioneiro - diz-lhe no
dia seguinte, sábado, 12 de maio, no m om ento em que O vai receber. Abre-Me
teu coração, Josefa, e deixa-M e entrar."
Ela não sabe com o repetir que seu coração Lhe está sem pre aberto:
"Sei - rep o n d e com tern u ra - m as desejo e q uero que cada dia a m inha
entrada em ti seja m ais solene e que tenhas tanto desejo, tanta fome de Mim,
que desfaleças... Se soubesses quanto te amo... Se pudesses compreender!...
Mas és m uito pequena!"
Depois, nas efusões de seu Coração abrasado, acrescenta:
"Hoje, dia de Zelo... D erram arei em tua alm a a sede das alm as que devora
m eu Coração. Ah! Almas! Almas!"
Esse desejo já inflam a Josefa. As alm as possuem todo o seu pensam ento,
toda a sua oração, pois ela não vive senão para esta O bra redentora, cujo sentido
haurirá no próprio Coração de Jesus.
Q uando Ele me disse aquelas palavras - escreve ela - falei-Lhe das almas
que m e preocupam ... e ele respondeu:
"Sim, reza... reza... não te canses, não tem as ser im portuna, pois a oração
é chave que abre todas as portas: Dia de Zelo, Josefa... Dia de zelo pelas
almas!... Almas... Almas..."
"E desapareceu."
N aquele dia, as alm as não lhe saem do horizonte. Para saciar a Sede do
M estre, que não faria ela?
N o dom ingo, 13 de maio, N osso Senhor a convida ao cam inho redentor por
excelência:
"Passarem os um dia de H um ildade - diz-lhe depois da com unhão. Dar-te-
ei Eu m esm o ocasiões, sem que as procures... C ontinua a rezar pelas almas e
hum ilhar-te por elas, depois, em meio a tudo, sorri-M e sem cessar."
Josefa n ad a escreve nesse dia, m as, à tarde, q u an d o O está ad o ran d o no
sacrário, Jesus, que lê no fundo da sua alm a, vem em Pessoa resp o n d er à
p ergunta que ela form ulava dentro de si m esm a.
"N ão com preendes, Josefa, por que te trouxe para aqui? Q uis estabelecer-te
n u m abandono com pleto à m inha Vontade, nu m desapego absoluto de tudo,
m esm o do que te parecia m ais necessário... Q uis ainda fazer-te tocar com o
d edo a necessidade que tens de am paro, a fim de destruir para sem pre em ti os
últim os vestígios de orgulho... Foi tam bém pelas alm as que quis o sacrifício da
se p a ra ç ã o - co n tin u a Ele - e, além d isso , farei com ele u m a d a s pedras

294
fundam entais que form arão o edifício da m inha Obra."
Ela escuta o M estre, adora seu A m or e sua Sabedoria em cada u m a d as
palavras caídas dos seus Lábios.
"Vamos Josefa - diz no m om ento de p artir - Dia de h u m ild ad e, m as de
alegria! Eu sou tua alegria... que te im porta tu d o mais?
N o dia seguinte, segunda-feira, 14 de maio, N osso Senhor lhe explica pela
segunda vez, m as de m aneira mais clara, o que ela terá que fazer n u m futuro
próxim o pela O bra de seu Coração.
"Es toda M inha, pois não? - pergunta-lhe d u ran te a m editação. - N ão p ro ­
curas som ente a m inha Glória?...
"N ão tens tu um só desejo, o de que m inha O bra se faça?..."
"A cada pergunta, eu respondia: "Sim, Senhor!"
"Então - continua Jesus solenem ente - vou m anifestar-te o Plano de m eu
Coração... Já te disse que, antes da tua m orte, verás três vezes o teu Bispo. E
necessário, para o bem de m inha Obra, que lha entregues, um pouco antes de
m orrer, pois desejo que logo d ep o is d e tu a m o rte m in h as P alav ras sejam
conhecidas."
E a Josefa, toda trêm ula, dá algum as precisões que m ostram sua Vontade
expressa:
"N ada temas! Tudo que tiveres que dizer dá-lo-ei a conhecer... M as quero
que, desde já, tua alma recolha o m érito desse ato custoso."
Depois da santa com unhão, vem ainda reconfortá-la:
"Hoje, dia de A bandono e Confiança.
"N ada posso recusar à alm a que espera tu d o de Mim. As alm as mal sabem
como as desejo auxiliar e como me glorificam com sua confiança e seu abando­
no. Josefa, espera tudo de Mim. Fala-Me... pede-M e... confia em m eu Coração,
pois te guardo."
A subida dessa grande sem ana term inará com o amor: o am or que explica
e ilum ina tudo, m as tam bém o am or que tu d o exige na hora determ inada por
Deus.
Na terça-feira, 15 de maio, na m editação, Josefa, que não pode afastar certo
temor diante das perspectivas traçadas pelo Mestre, pede-Lhe este amor, pois
bem sabe que é o único segredo e a força p ara todas as oblações.
Jesus veio de repente - escreve ela - e, m ostrando-m e o Coração no m eio das
chamas:
"Josefa, contem pla m eu Coração, estuda-O , e aprenderás dele a amar... O
verdadeiro am or é hum ilde, generoso, desinteressado... Se queres que te ensine
a Me amar, começa esquecendo-te de ti m esm a. N ão te detenhas nos sacrifícios...
Não olhes para o que te custam ... não faças caso de teus gostos. Faze tu d o p o r
amor.
E assim que N osso Senhor fortalece a alma de sua Esposa: hoje um dia de
Amor; am anhã, o sinal do amor, ilum inando o horizonte... em breve, a prova
do verdadeiro amor!...
Na quarta-feira, 16 de m aio, Josefa nota pela prim eira vez a aparição da

295
C ruz em seu cam inho.
"Era a de Jesus - escreve ela... porque, tendo-a carregado tão freqüentem ente,
já a conhecia. - E stava to d a ilu m in ad a, com o se u m a lu z d o C éu n ela se
refletisse...
D urante m uitos dias, o Coração abrasado de Jesus e sua C ruz resplendente
ilum inam -lhe alternadam ente os passos, m as em silêncio, sem que o M estre a
ela se manifeste.
N a m anhã de Pentecostes, 20 de m aio de 1923, toda a m editação se passa
em frente daquela cruz que lhe subjuga o olhar e lhe alim enta o amor, não sem
lhe despertar no espírito um ponto de interrogação.
"Senhor! Por que a cruz em tão bela luz e, entretanto sem Vós?"
Jesus vem responder, em Pessoa, àquela pergunta, d u ran te a ação de gra­
ças.
"Josefa, não sabes que a C ruz e Eu som os inseparáveis? Se Me encontrares,
encontrarás a m inha Cruz, e quando encontrares Cruz, é a M im que encontras.
"A quele que Me am a, am a a C ruz, e aquele que am a a C ruz Me ama! Nin­
guém possuirá a Vida eterna sem am ar a C ruz e sem abraçá-la com boa vontade
por m eu Amor.
"O cam inho da virtude e da santidade é feito de abnegação e sofrim ento. A
alm a que aceita e abraça generosam ente a C ruz anda na verdadeira luz, segue
um a trilha reta e segura, e não receará escorregar em ladeiras, p o rq u e não as
encontra.
"A m inha C ruz é a porta da Verdadeira Vida, eis porque é resplendente. E
a alma que soube aceitá-la tal qual lha dei, entrará p o r ela nos esplendores da
vida eterna..."
"C om preendes, agora, quão preciosa é a Cruz? N ão a receies...
"Am a-a, pois se sou Eu quem ta dá, nunca te deixarei sem a força necessária
p ara sustentá-la.
"Vê como a carreguei por am or de ti. Carrega-a tu, p o r am or de M im."
Josefa vai com preender de que m odo terá que carregar a C ruz do Mestre.
A té então, o Plano divino não levantara, senão um a ou outra vez, a descon­
fiança de suas superioras. N osso Senhor havia previsto e garantido, Ele próprio,
aquele apoio seguro e vigilante, no cam inho extraordinário que ela deveria
trilhar. As perseguições diabólicas haviam exigido esse socorro, que não lhe
tinha faltado. A graça da oposição é, no entanto, preciosa dem ais para que
D eus dela prive um a alma especialm ente am ada. C hegou p ara Josefa a hora
de experim entá-la e a M ão suave e forte de N osso Senhor vai colocar-lhe essa
cruz sobre os om bros e enterrá-la no seu coração.

296
A Cruz e as Graças de Escol
20 de m aio a 2 de junho de 1923

"Por m ais obscura q u e te pareça esta


hora, m eu Poder a d o m in a e m in h a Obra
r e s p la n d e c e r á ."

(Nosso Senhor à Josefa - 20 de maio de 1923)

A 20 de maio, aproveitando as horas de folga do dom ingo, Josefa prepara-se


para escrever para Poitiers, o que lhe fora perm itido. Isto constitui p ara ela
doce alegria e conforto, e ela a espera ansiosa, em bora não possa confiar à
carta o segredo de tud o que nela se passara desde a sua partida. M as eis que,
de repente, o M estre intervém e a encarrega de transm itir da parte dele um a
indicação às M adres dos "Feuillants". A ssustada com tal incum bência, Josefa
tem um prim eiro m ovim ento de recusa. Declara que será im possível sem elhante
com unicação sob os olhos da sua Superiora atual, que n ad a suspeita d o seu
cam inho extraordinário.
Jesus insiste:
"Por que temes, quando sou Eu que te ordeno?"
Ela im plora com paixão e suplica-Lhe que não exija dela u m ato que será
certamente notado e que aum entará a d ú v id a que já pesa sobre ela... N ão fora
Ele que quisera o segredo... e não lhe prom etera conservá-lo Ele próprio?...
Mas o M estre m ostra-se inflexível desta vez, e sua Vontade im põe à Josefa
obediência e abandono.
"Am a - diz-lhe - e terás força."
Josefa, angustiada, hesita ainda e custa-lhe aceitar aquele ato cujas conse­
qüências são fáceis de prever. M as como resistir ao Senhor?...
Decide enfim obedecer e, em term os velados, insinua na carta o que Jesus
expressamente lhe ordenara que dissesse.
A tarde se passa sem incidente, m as não sem inquietação, e seu tem or não
era vão. A bondade vigilante de suas M adres é logo despertada com aquelas
linhas que não lhes escaparam e que lhes parecem , com razão, u ltrapassar a
competência de um a hum ilde irm ã coadjutora... D esconfiando de algum a coisa
anormal, ficam alarm ad as com esse cam inho, que, à p rim eira vista, parece
perigoso e tem erário.
No dia seguinte, Josefa é cham ada pela Superiora que a interroga, a princí­
pio com bondade, m as depois a adm oesta sobre o perigo da ilusão, que a tornará
joguete da própria im aginação exaltada...
Ela escuta e aceita hum ildem ente as severas repreensões que tentam preveni-
la contra si m esm a ou contra o dem ônio. Mas sua alma fica descoroçoada. N ão
pode conter algum as lágrimas silenciosas, à m edida que nela vai despertando o
antigo cortejo de receios e apreensões, m edo e repugnâncias, durante tanto tem po
combatido e tão penosam ente subm etido à Vontade de Deus.

297
"Resisti tanto tem po contra este cam inho - escreve ela naquela tard e - e
m inhas m aiores tentações são ainda de fugir dele... C om o eu seria feliz, se
pudesse cam inhar na trilha sim ples e com um da m inha querida vida religiosa!
Q uanta inquietação... quanta angústia... quanta luta!... Oh! M eu Deus! Que
fazer? Terei ainda que Vos resistir como fiz tanto tem po?"
Na tarde daquela segunda-feira de Pentecostes, 21 de maio, depois de um
dia de dolorosa incerteza, ela pede ao M estre que lhe perdoe se faltou à prudência
e se m ereceu de alg u m m o d o a rep reen são que, aliás, aceita com toda a
sinceridade de sua alma. Foi na capela, diante do Santíssim o Sacram ento, que
p rocurou resposta para esta prece e suavização para esta angústia.
"Jesus veio de repente - escreve. Seu Coração estava abrasado; com o Braço
direito segurava a C ruz resplendente, como a tenho visto nestes últim os dias."
"N ão fizeste m ais que obedecer, Josefa - disse ele. N ada tem as da parte de
tuas Superioras. N ão vês como te ajudei até hoje? Acaso m udei? Amava-te
antes e te am o agora... Sou teu Pai, teu Salvador e teu Esposo, m as sou também
teu D eus e tu Me pertences. O C riador é o Dono da sua criatura, eis porque és
M inha."
E anim ando-lhe a fé:
"Crês que algum a coisa possa acontecer sem que Eu perm ita? Eu disponho
tudo para o bem de todas as alm as e de cada um a delas. Por m ais obscura que
te pareça esta hora, m eu Poder a dom ina e m inha O bra resplandecerá.
"Sou tudo para ti, Josefa, nada receies, pois não estás só. N ão te conduzi
aqui para tua perdição, m as por amor, porque convém que tu d o seja assim.
Essas palavras pacificam a sua alma, sem lhe dim inuírem o sofrimento. Fica
a C ruz no horizonte, m as perdera a claridade. Josefa a abraça, entretanto com
todo o am or de que é capaz. N ada m udara na sua atitude exterior. Simples e
confiante sem pre, parece não se ter interposto som bra algum a entre ela e as
Superioras. Seu perfeito espírito religioso já prova nela a ação de Deus. Meses
depois a Superiora de M arm outier contará com em oção a im pressão sobrenatural
que lhe dera a h u m ild e atitu d e d aq u ela filha, recebendo com m ansidão as
palavras severas com que julgara dever repreendê-la. E não receará confessar
que, vendo-a transpo r a sua porta, sentira, com o nu m a espécie de intuição,
que naquela alm a repousava um a predileção divina. N os m esm os dias, as
Irm ãs, que nada suspeitavam , podiam vê-la esquecida de si, serviçal em tudo,
am ável no recreio, em que irradiava sua virtude crescente.
A sem ana de Pentecostes assim se passou, no sofrim ento e nas angústias
íntim as que só D eus conhece.
"Teu coração ainda não sofreu como o M eu." vem dizer-lhe Nosso Senhor
na terça-feira, 22 de maio. E, como Josefa explicasse que não poderia haver
com paração entre seu Coração e o dela, "m esquinho e miserável"...
"Entretanto - responde Jesus - na m edida de tua capacidade e de tuas for­
ças, quero que teu coração seja reflexo do M eu... N ad a receies! Amo-te, e
nunca te abandonarei!"
Então, na capacidade assim dilatada pela hum ilhação, Jesus vai lançar um

298
fluxo de Graças.
Josefa já conhece toda a força de sua Paternidade divina, m as na tarde de
25 de maio, sexta-feira de Pentecostes, recebeu um a certeza tal desta p atern i­
dade, que sua alma parece ter sido confirm ada no espírito de infância e firm ada
definitivam ente na atitude de segurança e abandono, que são os frutos próprios
desse espírito.
"A noite - escreve ela - no m om ento de com eçar o repouso, quan d o beijei o
Crucifixo, renovando os Votos com todo o fervor de m eu coração, de repente
Jesus veio, belíssimo... e ainda m ais paternal!"
Ela não sabe como exprim ir o que na realidade essa palavra é para ela.
"N ada receies - diz - guardo-te... guio-te... amo-te!"
Está aí todo o sentido da Paternidade de Deus.
"Com o é tão bom - continua Josefa - cham ei-o de "P ai" e disse to d a a
ternura que lhe tenho."
Então, responde com Ternura divina:
"Gosto que Me cham es assim. Q uando Me dás o nom e de Pai, m eu Coração
se sente obrigado a cuidar de ti. A qui na terra, q u an d o a criança com eça a
falar e pronuncia esta palavra tão tem a, "Pai", os pais transbordam de alegria,
abrem-lhe os braços e apertam -na ao coração com tanto am or, que todos os
prazeres do m undo nada são perto de tal felicidade. Se o pai e a m ãe da terra
são assim, com o não será Aquele que é ao m esm o tem po Pai, Mãe, Deus, Criador,
Salvador, Esposo! Aquele cujo Coração não tem rival em ternura e am or?
"Sim, Josefa, alm a querida, pequenina e miserável! Q uanto te achas angus­
tiada e oprim ida, vem, corre a Mim, cham a-m e "Pai" e repousa em m eu C ora­
ção.
"Se não podes, no meio de teu trabalho, lançar-te a m eus Pés como gostarias,
repete apenas isto: "Pai". Então ajudar-te-ei, sustentar-te-ei, guiar-te-ei e te
consolarei.
"Agora repousa em paz... Passou um dia mais, que contará para a eterni­
dade."
Esta prim eira graça deixará em sua alma p rofundo vinco; é apenas prelúdio
das que lhe seguirão.
O dia 26 de maio, véspera da Santíssima Trindade, assinala o que p o d ería­
mos cham ar auge de predileção divina. Josefa n arra entretanto, essa graça
insigne que lhe é feita, com um a sim plicidade de expressão, que revela a que
ponto é ig n o ran te de si m esm a e h u m ild e. Estas linhas não p recisam de
comentários:
"Depois da com unhão - escreve ela - vi Jesus perto de mim. Estava como
um pobre que nada ousa dizer. Renovei os Votos e perguntei-Lhe porque estava
assim.
Estendeu-me a mão:
"O que quero? N ão sabes? N ão quero o utra coisa senão o teu coração,
Josefa."
"Mas Senhor, bem sabeis que é todo vosso. Há tanto tem po que vo-lo dei e

299
não tenho outro am or senão Vós.
"Ele se aproxim ou de m im e seu Coração estava incendiado. Então, com
ardor, disse:
"Sei, m as hoje quero arrancá-lo." e porei no seu lugar um a centelha do Meu
que te devorará e te abrasará sem cessar."
E continuando com ard o r crescente:
"Sim, viverás de amor, e tua alm a sofrerá com um a sede insaciável de Me
possuir e Me glorificar, de Me d ar almas!
"Teu coração se consum irá na C ham a do Amor... esta C ham a o abrasará
de zelo pelas almas... Então nada mais porá obstáculo à tua carreira, no cami­
nho que m eu Coração te preparou com tanto amor..."
Em polgada pelo ardor com que Nosso Senhor pronunciara estas palavras,
Josefa adivinha que algum a coisa im portante se vai p assar entre Jesus e ela.
Sem pre receosa e desconfiada de si m esm a em presença de tais graças, ela
escreve:
"Eu lhe respondi que quero amá-Lo sem m edidas, m as queria tanto ser como
a criancinha, que am a sem p en sar que está am ando, sem p ro cu rar ocasião
nem prova, m as sem pre e com toda sim plicidade. Eu queria ser assim: amá-Lo
e d a r-L h e a lm a s, m as em co isas p e q u e n in a s , e n tã o e u n ã o te ria tanta
responsabilidade."
"N ão tenhas receio, Josefa, nada se opõe a isto, pois não m ais agirás por ti
m esm a, m as sim, guiada e m ovida por Mim.
"Q uero, Eu tam bém , que sejas como criancinha. M as desejo utilizar esta
pequenez. E preciso, justam ente por seres pequenina, que te deixes manejar e
conduzir pela m inha M ão paternal, poderosa e infinitam ente forte. Se houver
algum a coisa de bom em ti, não atribuas a ti m esm a, pois as criancinhas nada
sabem nem podem . Mas se forem dóceis, se se entregarem , será o Pai que as
conduzirá em sua Sabedoria e Prudência...
"Vamos, m inha Josefa, deixa-M e arrancar teu coração!"
"Sem me dar tem po para responder, Jesus o arrancou - diz ela. Senti uma
dor violenta e logo, tirando um a Cham a ardente do fogo do seu Coração, deixou
cair sobre o m eu peito. Ah! Senhor, é demais!...
E enquanto a presenteava com aquele dom misterioso, o Senhor continuou:
"A C ham a de m eu A m or te servirá de coração, m as não te im pedirá de
am ar nem de sentir. Pelo contrário! Q u an to m ais forte o am or, tanto mais
delicado...
"E agora, partam os. Passem os juntos um dia de zelo, de ard o r e delicadeza.
Eu para ti e tu para Mim!"
"E partiu - escreve Josefa - levando m eu coração..."
Q ue se teria passado naquela troca mística tão sim ples e objetivam ente nar­
rada?... N a m esm a tarde, Josefa, que não p o d e se ex p an d ir com ninguém,
tenta escrever algo do que sente. N ão se deve procurar nas linhas seguintes
m ais que um testem unho leal e sem pretensão algum a deste fato que ela não
tenta com preender nem explicar:

300
"Desde aquele instante, sinto no peito um fogo tal, que m e parece, p o r m o­
mentos, não poder suportá-lo. E, desde então, tu d o m e parece insuficiente!
Eu desejaria sair de m im mesma... queria atrair tantas alm as a esse C ora­
ção!... Dar-Lhe tanta Glória! Tenho fome dele e não possuí-lo, estar longe dele,
é um martírio! N ão posso explicar o que está acontecendo em mim... Agora,
mais que nunca, tenho um ardor, um a cham a que m e consom e no desejo de
meu Deus... Ah! Com o desejaria amá-Lo e vê-Lo am ado!..."
Ela não sabe como exprim ir esse exílio da terra, esse vazio de que ainda não
tivera idéia. E-lhe preciso carregar sozinha o peso daquela graça que a aniquila
em adoração e am or e, entretanto, nada denota a cham a que a consome.
No dia seguinte, 27 de maio, festa da Santíssim a Trindade, N osso Senhor
acrescenta um outro favor, com o aquele de que tivera experiência d u ran te o
Noviciado.
As Três Pessoas divinas se m anifestaram a ela em beleza lum inosa. São
todas iguais e brilha a cruz estendida entre seus braços.
"Jesus estava no centro - escreve ela - conheci-O, p orque tinha o Coração...
Renovei os Votos e rezei o Credo."
Então ouve as palavras seguintes:
"O Pai Me am a - O Filho Me am a - O Espírito Santo Me am a."
"Depois a Pessoa que pronunciara isto continua:
"Três som os U m em Santidade, em Sabedoria, em O nipotência, em Amor...
"O Pai e o Espírito são um com o Filho e, p o r Ele, se com unicam plenam ente
às almas, pois o Filho, unindo na sua divina Pessoa as d u as naturezas, divina e
humana, fez-se laço entre D eus e o hom em . O hom em , cuja natureza h u m an a
é divinizada pela graça, recebe a santa Eucarística, identifica-se com Ele e se
perde nele. Assim D eus reside na alma em que reside a graça. É m orada da
Santíssima Trindade, onde as Três Pessoas repousam e encontram delícia."
"Então - acrescenta Josefa, depois de ter escrito apenas o que ouvira - não
sei dizer o que se passou: dois raios de fogo escaparam , um da Pessoa que
estava à direita, outro da que estava à esquerda, envolvendo Jesus que estava
no centro, com um a claridade ofuscante... e eu não m ais vi senão a Ele só...
Sustentando a cruz e estendendo a M ão esquerda, disse, com o olhar voltado
para o céu:
"Adorem os hom ens ao Pai. A m em ao Filho. Deixem-se possuir pelo Espí­
rito Santo, e resida neles a Trindade beatíssim a."
Depois, com terna condescendência, baixa o O lhar sobre Josefa e, dirigindo-
se a ela:
"Sim, enquanto as Espécies eucarísticas perm anecem na alm a, o Pai aí resi­
de com o Deus, o Filho como H om em , o Espírito Santo como Esposo e os Três,
sendo um único Deus, divinizam a alm a que se deixa possuir... Ah! Se pudesses
contemplar a beleza de um a alm a em estado de graça!... M as o que não podes
ver com os olhos do corpo, Josefa, olha com os da Fé e, conhecendo o valor das
almas, consagra-te a d ar essa glória à Santíssim a Trindade, ganhando-L he alm as
onde possa fixar sua M orada.

301
E, continuando a instruí-la com singeleza:
"Toda alm a pode servir de instrum ento a essa O bra Sublim e - explica Jesus.
N ão são necessárias grandes coisas para isso, as mais pequenas bastam : um
passo dado, um a palha apanhada, um olhar retido, um serviço prestado, um
sorriso amável... tudo isso oferecido p o r am or é, realm ente, de grande proveito
para as alm as, e lhes atrai efusões de graças. Inútil será lem brar-te o fruto da
oração, do sacrifício, de toda ação oferecida para expirar os pecados das almas...
para lhes obter que se purifiquem e se tornem tam bém elas, santuários onde
habita a Santíssim a Trindade."
Então Josefa Lhe confia as O rdens apostólicas que trabalham nessa Obra e
pede que as abrase de zelo e lhes abençoe os trabalhos e fadigas. N osso Senhor
responde a esse pedido, insistindo sobre o desinteresse dos operários de sua
m esse que os torna caros a seu Coração:
"Se alguém - diz - consagra a vida, direta ou indiretam ente, à salvação das
alm as e chega a tal desprendim ento de si que, sem descuidar da sua própria
perfeição, se esquece de si até entregar aos outros o m erecim ento de suas ações,
orações, sofrimentos... essa alm a desinteressada atrai sobre o m u n d o graças
abu n d an tes...
"Sobe, ela p ró p ria, a u m alto g rau de san tid ad e, m aior ainda do que se
tivesse procurado o seu próprio progresso."
Josefa nota cuidadosam ente estas certezas de fé. Caídas dos lábios de Jesus,
tom am a seus p ró p rio s olhos novo realce, que seu coração aprecia em alto
g rau.
"D epois partiu - continua ela. Ah! Com o sofro quando m e acho sozinha
na terra depois de tal contemplação!... Eu, tão pequenina, não posso agüentar
esta felicidade! Com o aqui tu d o pouco vale!... E como me sinto indiferente a
tudo o que é da terra! N ão sei explicar: vejo com luz tão viva o que é Deus. Só
que m e vejo desprendida de tudo.
"Hoje, depois desta com unhão, renovei os Votos com todo o ardor de meu
coração e me entreguei de novo... Ele já tom ou m eu coração, m as renovei o
dom de m im m esm a, com tu d o o que mais amo: pátria, família, os Feuillants,
tudo!... Só quero a Ele e, se m eu coração ainda tem que sofrer, ofereço-lhe esse
sofrim ento. Ah! Com o tenho sede dele!..."
A solidão e a pena em que está m ergulhada sua alma, há já oito dias, atiçam-
lhe ainda m ais a sede. C ontinua a suportar tu d o em religioso silêncio.
E certo que não pode resistir às predileções do M estre, m as sua obediência se
esforça p o r entrar nas intenções das M adres, com oração instante e vigilância
ainda m ais cuidadosa, se possível.
N a segunda-feira, 28 de maio, festa adiada de Santa M adalena Sofia Barat,
grande solenidade em todas as famílias do Sagrado Coração, N osso Senhor vai
responder à sua fidelidade, coroando as graças insignes dos últim os dias com
antegozo do céu.
"D epois da santa com unhão, pareceu-m e - escreve ela - que o céu estava
em m inha alma!... Jesus apareceu subitam ente, formosíssimo!... O Coração

302
era resplendente como o sol e encim ado por um a cruz de fogo...
Ele disse:
"A alm a que come da m inha Carne possui a Deus, o A utor da Vida... e da
Vida eterna... eis porque é m eu Céu. N ada se lhe pode com parar em beleza.
Os anjos a adm iram e, como D eus está nela, prosternam -se e adoram ... Ah! Se
as alm as conhecessem o seu valor!...
"Tua alm a é m eu C éu e cada vez que Me recebes na Eucaristia, m inha G ra­
ça cresce nela e seu valor e sua beleza aum entam ainda!"
Josefa não sabe senão hum ilhar-se aos Pés do M estre, ela Lhe confessa seus
pecados, suas m isérias, sua fraqueza, pois se vê indigna d aq u ela S antidade
infinita, que se abaixa a p o n to de cham ar-lhe e to rn á-la realm en te céu de
repouso.
"Senhor! - diz ela - dou-Vos m eu coração, m inha vida, m inha liberdade...
tudo!"
"E a única coisa que desejo - responde-lhe com ternura - que Me im porta o
resto?... Teus pecados? A pago-os!... Tuas m isérias? C onsum o-as!... Tua
fraqueza? Amparo-a!... Fiquem os unidos."
O Plano de Deus, sobre esse período que Ele quis e cujos porm enores traçou,
vai term inar com o mês de maio. Josefa deu provas do am or verdadeiro: foi
desprendida, separada, purificada pela solidão onde a Vontade do M estre se
lhe tornou o único apoio. Entrou com a m aior docilidade no Desígnio que a
conduzia, passo a passo, a um a nova experiência da cruz. A braçou a cruz
com toda a lealdade de seu espírito de fé e toda a generosidade de seu amor...
Livre nela, Deus derram ou sobre a sua criatura o peso das graças de escol
que transform am a alma e a colocou em pouco tem po em um nível que só seus
esforços nunca teriam atingido. E a obra do Amor, realizando-se nela antes de
continuar a de se perfazer p ara o m undo...
A luz radiante que ilum inou o fim de maio parece apagar-se pouco a pouco,
como o crepúsculo de um belo dia. Só a cruz aparece de quando em vez no
horizonte de Josefa. M as ela a carrega m ais ainda em todo o seu ser. Sem
cessar de trabalhar em toda a parte em que se reclama o seu auxílio, ela sofre
dores violentas, cuja causa não procura, m as que a esgotam . N unca se queixa,
habituada a agüentar os limites da possibilidade de sofrer. Sua alma tam bém
fica sozinha sob a cruz.
"Para mim, que tanto bem quero a m inhas Superioras e que ap ren d i a não
ter para elas segredo algum - escreve dolorosam ente - nada p oder agora lhes
dizer é m eu m aior sofrimento... Se Jesus não se dignasse sustentar-m e, como
poderia suportar? Mas quando a angústia é maior, faço-lhe o sacrifício de tu d o
e isso m e fortifica."
Este sacrifício total de si m esm a, de sua reputação, do socorro das M adres,
de uma possível volta a Poitiers, Jesus conhece-lhe a plenitude e a sinceridade.
Num gesto de amor, vai restituir-lhe tudo...
No dia 1" de junho escreve resum idam ente:
Disseram-me hoje que eu retom aria o cam inho de Poitiers já am anhã. Dei

303
graças a Jesus, pois já havia feito o sacrifício e não pensava m ais voltar para
lá."
A lguns instantes depois, Nosso Senhor lhe aparece e confirm a sua Vontade:
"Aceitei o sacrifício de tu d o o que Me deste, Josefa. Hoje to restituo. E agora
vou recom eçar a m anifestar os m eus Segredos.
"O dem ônio te assaltará de novo e, m uitas vezes, tentará enganar-te e pre­
judicar-te! N ada temas! Eu te defenderei. G uarda teu coração na C ham a do
A m or e do zelo na alegria e no abandono!...
Amo-te, e sou tu d o p ara ti."

304
III Parte
A M ENSAGEM DE AMOR

X - APELO A O M U N D O

Volta a Poitiers
2 a 10 de junho de 1923

"Falarei a ti e m in h a s Palavras irão às


alm as, e não passarão... A m ar-te-ei e as
alm as d escobrirão m eu A m or no A m or
que te ten h o.
Perdoar-te-ei e as alm as co n h ecerão a
m in h a M isericórdia p elo perdão com que
te en vo lverei!..."

(Nosso Senhor à Josefa - Festa do Coração de


Jesus, 1923)

No sábado, 2 de junho, to m o u Josefa a ver o convento dos Feuillants.


Essa volta, que ela não m ais esperava e que a enchia de adm iração e reco­
nhecimento, trazia tam bém grande alegria à família de Poitiers.
Era ela querida ali como a gente se quer na vida religiosa, m as, além disso,
cercava-a algum a coisa especial que n in g u ém saberia definir, e q u e to rn o u
particularmente festiva a sua volta...
Encontrou o seu antigo lugar no círculo das Irm ãs e logo tom ou am plo q u i­
nhão no trabalho costum eiro.
Na segunda-feira seguinte, as noviças a encontraram novam ente à frente
da oficina e, em breve, pareceu a todas que ela nunca havia deixado os Feuillants.
Entretanto, a elevação espiritual a que a havia conduzido o Coração de Jesus,
durante aquele m ês de ausência, im pressionou fortem ente as M adres: Josefa
voltava m arcada com u m novo cunho divino.
"Que trabalho tem N osso Senhor feito nesta alm a - escrevia sua S uperiora
à Reverendíssima M adre Geral... Eu não seria capaz de explicar a que p o n to
a encontram os outra... e em tão pouco tem po! Q ue d istân cia en tre ela e
nós!... Estam os adm iradas! E um a espécie de consum ação que com eçou sob
o manto de um a extrem a sim plicidade, obediência e d esp ren d im en to , que
devem ag rad ar à nossa bem -av en tu rad a M adre F un d ad o ra. Parece que N osso
Senhor continua essa transform ação a passos de gigante. Ela to rn o u à v id a
de silêncio e de hum ild e trabalho, m as o corpo está esgotado pelos sofrim entos
habituais e, m ais ainda, pelo fogo interior que a consom e, e que N osso Senhor
aumenta dia a dia..."
Josefa escreve na d ata de segunda-feira, 4 de junho:

305
"D esde o dia 26 de m aio, q u an d o N osso Senhor m e arrancou o coração,
sinto em m im ardor constante... desejos de amá-Lo... de consolá-Lo... e de Lhe
d ar almas... Tudo mais me parece tão pequenino que, apesar da facilidade que
tenho para amar, sinto um a espécie de desapego de tudo... tão grande desejo
d e Jesu s q u e q u e ria sa ir d e m im p a ra alcan çá-L o ... e e s to u com o que
aprisionada... E um a coisa inexprimível!..."
Depois, a vista da sua pequenez diante de tais graças a assusta, e ela excla­
ma: "Estou coberta de confusão, vendo-m e tal como sou... Q uem no mundo,
cum ulada com estas graças, não seria já santa? E eu, cada dia m ais miserável!
Mais ingrata e talvez - Deus o sabe! - mais pecadora!
Este pensam ento é um pesar m uito vivo que, sem m e tirar a paz, me faz
sofrer m uito..."
Enquanto escreve esta hum ilde confissão, ajoelhada na pequena cela, onde,
por obediência, recom eçou a tom ar suas notas, Jesus aparece:
"N ada tem as, Josefa, - diz-lhe com bondade - desejo que nada sejas, pois
assim Eu serei tudo!
"Q uanto m ais pequenina é um a coisa, tanto mais facilmente a manejamos.
E por seres nada, que Me sirvo de ti com o quero. Sabes que de nada tenho
necessidade... Só te peço um a coisa, que te entregues a M im. Tua miséria
pouco m e im porta... Fica nesse nada, m as olha! E verás o que Eu, que sou
tudo, posso fazer com tua miséria."
"Então, - acrescenta ela - vi passar diante dele um a m ultidão de almas que
eu não podia contar, tão num erosas eram , e Jesus disse:
"Todas essas alm as virão a Mim."
N a noite do m esm o dia 4 de junho, Nosso Senhor renova pela prim eira vez
a graça m isteriosa do dia 26 de maio.
A hora das últim as preces, m ostra-lhe o Coração que parece mergulhado
n u m incêndio e, tom ando um a cham a daquele braseiro:
"Esta cham a - disse - substituirá aquela que já p u s no lugar do teu cora­
ção..."
Ela garante ao M estre que a prim eira ainda a está q u eim ando com tanto
ardor para amá-Lo, que é seu m aior torm ento, pois - escreve - eu quereria... e
creio que não sei amá-Lo!"
"Ah! Josefa, isto ainda nada é! Q uero abrasar-te e consum ir-te."
N o m esm o instante, deixando cair a cham a sobre o peito de Josefa, desapa­
receu. Fica só o seu Coração, p o r alguns segundos ainda... da Chaga escapa
um raio ardente.
"M eu Deus, - escreve ela - que sofrimento, não Vos poder am ar como quere­
ria!"
Essas graças insignes assinalam várias vezes o mês de junho de 1923. Ela as
relata sem pre com igual sim plicidade, sem conseguir exprim ir o estado de sua
alm a consum ida pelo Fogo divino.
"N ão sei que dor eu não estaria disposta a sofrer por Ele - escreve no dia 5
d e junho. Sinto im ensa p az na alm a e, entretan to , tenho fom e de alguma

306
coisa... creio que é de Jesus... de nunca m e separar dele, de amá-Lo... não sei
o que é, mas, em certas horas, m inha alm a não se pode conter..."
A terça-feira, 5 de junho, é o terceiro aniversário do dia em que o Coração
de Jesus lhe aparecera pela prim eira vez (5 de junho de 1920).
D urante a m editação, m ostra-se a ela e a conserva m uito tem po no fogo que
jorra da Chaga. Josefa se sente desfalecer sob a irradiação daquele Amor, que
a acom panha à missa.
"Q uanto m ais O vejo tão bom e tão grande, tanto m ais pequenina m e sinto
- escreve. Ah! N unca ousaria aproxim ar-m e dele, se não tivesse N ossa Senho­
ra para m e ajudar e m e conduzir.
"Depois da com unhão vi-O de novo, a Jesus, tão suave, tão Bom e tão Pater­
nal, que Me é im possível exprimir!...
A brindo-m e o Coração, disse:
"Q uanto m ais desapareceres, tanto m ais serei tua Vida e, tu, m eu céu de
repouso..."
"Será possível, Senhor, miserável como sou?
"Não sabes, Josefa, que aqui na terra m eu céu são as alm as?"
Então, o coração apostólico de Josefa estremece:
"Perguntei-Lhe com o poderem os obter que m uitas alm as O conheçam , O
amem, e se abrasem em seu amor..."
"Rezar, Josefa, suplicar! Sim, p ed e que as alm as se deixem ab rasar pelo
Amor!"
O M estre do A m or, que tan to a aproxim a de seu C oração, q u e r p o rém
conservá-la bem baixo na experiência viva de sua fraqueza. C ontinua a deixá-
la sensível às dificuldades próprias à sua natureza e quer que censure a si própria
nas m ínim as im pressões im perfeitas.
"Sim, vi a tua m iséria"
diz-lhe Jesus, à tarde daquele m esm o dia, qu an d o ela se acusava, d u ran te a
oração, de alguns m ovim entos interiores que seu coração notara com tristeza.
Ele me disse todos os m eus defeitos, - escreve ela - depois continuou:
"Que és, Josefa, senão um pouco de poeira sobre a qual se sopra para que
desapareça?"
E como ela pedisse perdão de todo o coração:
"Sabes que sem pre perdôo. Se te previno de tuas m isérias é p o r amor, a fim
de que desapareças e que Eu possa viver em ti.
"E agora, vou m u d ar a cham a de teu coração, p ara te abrasar de novo, e
dar novo im pulso ao grande trabalho de tua destruição."
"Então - diz - Ele fez como na véspera e fiquei em grande sofrim ento. M eu
corpo está sem forças e sofre em todas as partes, de algum tem po p ara cá.
Minha alma está num a espécie de opressão que nem eu com preendo, m as que
me deixa em paz cada dia mais profunda.
"Voltarei todas as tardes - repete Nosso Senhor na m anhã de quarta-feira, 6
de junho - para consum ir tuas misérias e renovar a cham a que Eu m esm o pus
no lugar de teu coração."

307
Fiel à prom essa, o M estre ali está, na m esm a noite, e, depois de ter escutado
atentam ente a hum ilde confissão que ela Lhe faz de suas fraquezas:
"Sabes - responde com bondade - que a pro p ried ad e do fogo é destruir e
abrasar. A ssim , p ró p rio de m eu C oração é perdoar, purificar e am ar. Não
creias que Eu possa cessar de te am ar por causa de tuas misérias! Não, meu
Coração te am a e jam ais te abandonará."
Então, renovando o m esm o gesto divino, Jesus tom a a C ham a ardente de
seu Coração e deixa-a cair sobre Josefa. Sob o golpe m isterioso do A m or que a
invade, de repente, ela estremece: leva a m ão ao Coração, como p ara lhe conter
o calor ardente. Parece não mais p oder tom ar fôlego, enquanto os olhos fitam
com expressão de desejos inefáveis o Coração Sagrado, ainda por alguns instantes
visível. Dessas cenas com oventes, a pequenina cela será testem unha silenciosa
d u ran te m uitos dias seguidos.
A ssim se passa um q u arto de hora. As d u a s M ad res cercam Josefa de
vigilante oração e só pouco a pouco ela volta do êxtase: a respiração se acalma,
juntam -se-lhe as mãos, baixam -se-lhe os olhos. Tudo desaparecera, mas sua
alm a fica m ergulhada em ard o r que a consom e, e o corpo em dores que se
prolongam até a m adrugada.
Foram as testem unhas desses instantes solenes que assim os descreveram.
Mas quem poderá dizer que novas capacidades de amor, de sofrimentos, de
união à O bra redentora do Sagrado Coração de Jesus, cavam essas invasões
divinas, na alm a de Josefa?
A ssim , no m eio de favores excepcionais, sem pre envolvidos em silêncio,
com eçara, havia dois dias, na grande casa dos Feuillants, o Tríduo que prece­
dia a festa do Coração de Jesus; dias de recolhim ento, de oração m ais intensa,
onde, sem interrom per o labor apostólico, as religiosas do Sagrado Coração se
preparam para a renovação de seus com prom issos.
Na noite da Vigília, quinta-feira, 7 de junho de 1923, a H ora Santa as reuniu
aos pés do Santíssim o Sacramento, e Josefa ali está, perdida no meio das Irmãs.
Só o O lhar divino a descobre e, no silêncio que enche a capela, Jesus se inclina
e se m anifesta à sua privilegiada.
"Eu gostaria de O consolar - escreve ela no dia seguinte. - M as a vista de
m inha p róprias m isérias me cobria de confusão e de pena. Tornei a dizer os
m eus desejos, já que não ouso pedir-Lhe perdão pelos pecados do mundo, eu
que com eti tantos!...
"Por que receias? N ão sabes que m eu desejo é perdoar? Crês que te escolhi
p o r causa de tua virtude? Sei que não tens senão m isérias e fraquezas, mas
com o sou Fogo purificador, envolver-te-ei na C ham a do m eu Coração e te
destruirei...
"Ah! Josefa, não te disse m uitas vezes que m eu único Desejo é que as almas
Me dêem suas misérias?
"Vem... e deixa-te consum ir pelo amor!"
"Então um a cham a escapou-lhe do Coração e, caindo sobre o meu, abra-
sou-m e com o nos dias anteriores."

308
Passa ela um m om ento naquele ardor, que bem conhece agora, sem p o d er
exprim í-lo.
"Depois - acrescenta - rezei p o r m uitas alm as que precisam de seu auxílio e
Jesus responde:
"Q uando um rei ou um príncipe desposa a filha de u m súdito, com prom ete-
se a lhe d ar tu d o que exige a posição à qual a eleva.
"Fui Eu que vos escolhi e m e com prom eti a vos d ar tu d o aquilo de que
careceis... N ada m ais vos peço senão o que tendes. D ai-m e vosso coração
vazio, e Eu o encherei... dai-m o despojado de tudo, e Eu o vestirei... dai-m o
com todas as vossas m isérias, e Eu as consum irei... Sou vosso Suplem ento,
vossa Luz. M ostrar-vos-ei o que não vedes. Sou responsável pelo que vos
faltar."
"D eu-m e assim a entender como Ele ajuda as alm as que não desejam senão
agradar-Lhe e com o Ele supre ao que lhes falta p o r este ou aquele m otivo."
Depois, dirigiu-se a Josefa, pois gosta de convencê-la cada vez m ais de sua
baixeza e de seu nada:
"Q uanto a ti - diz - se Eu p u d esse encontrar sobre a terra criatura m ais
miserável, sobre ela teria fixado o olhar de m eu A m or e, p o r ela, teria m anifes­
tado os desejos de m eu Coração. M as como não encontrei, escolhi-te a ti.."
Então ilustrando seu pensam ento com um a com paração familiar:
"Sabes o que acontece com um a flor desprovida de graça e perfum e, nasci­
da sobre um a estrada de grande trânsito. E logo pisada pelos transeuntes que
não fazem o m enor caso dela e nem sequer a vêem.
"Pois tu, Josefa, se Eu te tivesse abandonado, m iserável e frágil com o és, aos
rigores do frio e do calor ao p oder dos ventos, a m orte em breve te pegaria.
Mas com o quero que vivas, transplantei-te p ara o Jardim escolhido de m eu
Coração. Aí te cultivo, Eu mesm o, sob os raios do Sol que te anim a e vivifica,
sem que jamais sua força te prejudique.
"Ah! Josefa, entrega-te a m eu cuidado tal qual és. A vista de tua m iséria te
confirme na hum ildade, m as jam ais atinja a tua confiança..."
Josefa torna a lhe dizer sua confiança e pede-lhe que a prepare para a reno­
vação dos votos, purificando-a no seu sangue divino.
"Ah! - continua o M estre com ardor - se teu desejo é assim tão grande, que
não será o M eu para com a tua alma?
"Lavar-te-ei Eu m esm o, e m eu A m or te purificará. Se souberes que glória
receberei am anhã!"
"Essas palavras lhe provocam um a interrogação e Jesus responde:
"Não sabes o valor que m eu Coração dá ao dom total e público que a alm a
Me faz de si mesma?...
"D urante esta noite - acrescenta Ele - velarei sobre ti e repousarás no m eu
Coração. Fica em m inha Paz e vive em m eu Amor..."
Desde a m adrugada da festa do Coração de Jesus, sexta-feira, 8 de junho de
1923, o M estre divino ali está, em pessoa, prep aran d o a Esposa p ara o ato que
vai renovar.

309
Esta renovação solene dos Votos que se faz diante da Santa H óstia no mo
m ento da com unhão, não é, no Sagrado Coração, um com prom isso novam en­
te tom ado. Os prim eiros Votos, tanto quanto os últim os, são definitivos, desde
o dia em que os pronunciam os, m as esse ato de devoção é a afirm ação renovada
do dom irrevogável até o últim o suspiro, que cada um a repete na alegria de sua
alm a.
A p arecen d o a Josefa só o C oração, d u ra n te a m editação, N osso Senhor
m ergulha-a na C ham a.
"Supliquei-Lhe - escreve ela - que me desse verdadeira d o r de m inhas fal­
tas. Q uanto m ais graças m e dá, tanto m ais indigna me vejo... De um lado,
m inha alma se vê im pelida para Ele, de outro, a consciência de m inhas man­
chas m e detém e não ouso aproxim ar-m e... Pedi-Lhe com todo o ardor do
coração que m e purificasse, para renovar os Votos tão queridos!
Pouco depois, quan d o começa o Santo Sacrifício da missa na capela em que
toda a família religiosa vai pronunciar a sua oblação, Jesus m ostra-se a ela.
"Abre tua alma - diz-lhe - e deixa-M e entrar, que Eu m esm o te purificarei."
Depois, para que ela calculasse a plenitude da oblação que Ele espera, cha­
m a-lhe a atenção para cada um dos Votos:
"Despoja-te de tud o - diz-lhe a princípio - a fim de nada guardares de teus
desejos, gestos, juízos. Depois, subm ete-te totalm ente à Vontade daquele que
am as. Deixa-m e fazer de ti o que quero e não o que tu esperas. Tens que
chegar a tal ponto que m inha Vontade em ti se torne a tua, isto é, à total submissão
e união de teu querer ao m eu Q uerer e ao m eu Bel-prazer. Deste-me todos os
direitos com teu Voto de Obediência.
"Ah! Se as alm as com preendessem perfeitam ente que nunca são tão livres
quanto entregando-se inteiram ente a Mim e que nunca estou tão disposto a
re a liz a r seu s desejos com o q u a n d o as vejo d ecid id as a c u m p rir a minha
Vontade!...
"Sim, beija estas cadeias que te prendem a Mim. Vai e renova estes Votos
que te pregam a m eus Pés, e às m inhas M ãos e que te introduzem no meu
coração."
Josefa vai à santa mesa. Diante da Hóstia, que vai receber, renova o com­
prom isso de amor, depois volta ao seu lugar. Então Jesus torna a aparecer e,
em verdadeira efusão de Coração, pronuncia as seguintes palavras:
"Josefa, tu m esm a acabas de dizer que não am as senão a Mim... que te
despojas voluntariam ente de tudo por Mim... que não terás outra liberdade,
outra vontade senão a Minha... M eu Q uerer será o teu. Teu querer, o Meu.
Serei dono de tuas palavras e de tuas ações. Se nada tens, dar-te-ei tudo. viverei
em ti, falarei em ti, amar-te-ei e te perdoarei".
E, voltando a cada palavra, explica seu pensam ento.
"Viverei em ti e tu em Mim.
"Falarei em ti, e m inhas Palavras irão às alm as e não passarão...
"Amar-te-ei, e as alm as descobrirão m eu Amor no A m or que te tenho.
"P erdoar-te-ei, e as alm as conhecerão a m inha M isericórdia pelo perdão

310
com que te envolverei.
"H á m uitas que crêem em Mim, m as poucas que crêem em m eu Amor... e
entre as que crêem em m eu Amor, pouquíssim as que contam com a m inha
M isericórdia...
"M uitas Me conhecem com o Deus, m as poucas confiam em M im com o Pai.
"M anifestar-m e-ei... às m inhas Almas, sobretudo àquelas que são objeto de
m inha predileção, farei ver em ti que nad a peço do que não tenham . Só exijo
que m e dêem tudo o que possuem , pois tu d o Me pertence.
"A inda que só tenham m isérias e fraquezas, Eu as desejo... m esm o se só
tiverem faltas e pecados, suplico que Mos dêem: Dai-Mos, m as dai-m os todos,
e não guardeis senão confiança em m eu coração: perdôo-vos, am o-vos e Eu
m esm o vos santificarei."
Parece que visitas como essa deveriam am arrar p ara sem pre a vontade de
Josefa a esta O bra de que é M ensageira, como cada dia m elhor verifica... Seu
pequenino caderno de notas pessoais não cessa entretanto de registrar o segredo
das lutas íntim as, que prosseguirão até o fim da vida. N osso Senhor perm itirá
que esta repugnância pelo cam inho que ele escolheu p ara Josefa d esperte nela,
continuam ente, a generosidade para aderir à Vontade de Deus. E ao m esm o
tempo, conservando-a em hum ildade e em esforço constante, esta repugnância
será um dos m ais seguros sinais de Ação divina.
"Sim, m eu Jesus, - escreve naquele m esm o dia - aceito tudo. Farei e direi o
que pedirdes, sem olhar para m inhas inclinações, nem m inhas repugnâncias.
Aceito este cam inho por onde m e conduzis, porque sei que é vossa Vontade.
Renovo de todo o coração o oferecimento que Vos fiz de m eus gostos, m inhas
inclinações, m inha pessoa e m inha vida".
Q uantas vezes foram e serão ainda inscritos sem elhantes protestos, cheios
de lealdade. O M estre os recolhe e lhes calcula o valor, pois em cada um lê toda
a alma ardente de Josefa. Esta alm a tornou-se m aleável sob sua M ão. Seu
coração vai, pois retom ar o instrum ento e, p o r meio dele, sua M ensagem ao
m undo.
"A m anhã - disse à tarde de sábado, 9 de junho, - am anhã tornarei a dizer-
te m eus Segredos para as almas, pois quero que venham todas a Mim! Ah! As
almas!... - continua com ardor.
"Rezai, sim, rezai pelas almas, vós que sois as privilegiadas de m eu C ora­
ção... vós que sois obrigadas, m ais que os outros, a consolar-M e e a reparar!
Sim, rezai pelas almas!"
Uma grande lição de am or servirá de conclusão às graças desta oitava.
Santa M adalena Sofia vem dá-la à sua filha, lem brando-lhe e com entando-
lhe, na m anhã de dom ingo, 10 de junho, a palavra de ordem que lhe dera em
M armoutier:
"O am or não conhece obstáculo."
Ela lhe aparece duran te a missa e, abençoando-a, diz-lhe logo
"Filha, venho dizer-te hoje como deves amar, sem que coisa algum a em ti se
oponha ao am or verdadeiro.

311
"A base fundam ental do am or é a hum ildade, pois é freqüentem ente ne­
cessário, para provar o nosso amor, que sacrifiquemos nossa inclinação pessoal,
nosso bem -estar, nosso am or próprio... e esse ato de subm issão n ão é outra
coisa senão um ato de hum ildade, que é, ao m esm o tem po, abnegação, renúncia,
generosidade e adoração... Com efeito, p ara p rovar este am or em algum a coisa
q ue nos custe, prim eiro pensam os assim: se não fosse p ara Vós, m eu Deus, não
o faria. M as é para Vós, não posso resistir-Vos; amo-Vos e m e subm eto. É meu
D eus que m e pede, devo obedecer-Lhe. N ão sei porque Ele m e ped e isto, mas
Ele sabe. E, assim, por causa do amor, nós nos hum ilham os e nos subm etem os
a fazer até aquilo que não com preendem os, de que não gostam os senão com
am or sobrenatural, e unicam ente porque Deus nos pede.
"Filha, am a, e os obstáculos e as dificuldades que se apresentarem , conver-
te-os em am or h u m ild e e sacrificado, forte e generoso; que eles se tornem
p erp étu a adoração do único D eus e Senhor que é D ono das alm as. N unca
resistas, não discutas, não hesites. Faze o que ele te pedir. Dize o que Ele quer
que digas, sem temer, sem omitir, sem hesitar. Ele é Sábio e Santo, é o M estre e
o Senhor, é o Amor!
"A deus, filha m inha."
Esta lum inosa lição vem , bem a tem po, justam ente q u an d o Jesus está para
exigir de Josefa novos sacrifícios a fim de com pletar sua m issão na terra.

312
Saberão os Homens?
10 a 14 de junho de 1923

"Eis o m eu D esejo: abrasar as almas!


A brasar o m undo!..."

(Nosso Senhor à Josefa - 12 de junho de 1923)

C hegou o m om ento em que, por Vontade divina, Josefa terá que transm itir
ao bispo de Poitiers os Desejos do Coração de Jesus.
Com grande solenidade, no dom ingo, 10 de junho, N osso Senhor p rep ara a
continuação da M ensagem . Parece que Ele quer cercar sua palavra de todas as
g aran tias p o ssív eis e, ao m esm o tem p o , tra n q ü iliz a r e fo rtalecer o frágil
instrum ento de seus Desígnios.
"Jesus veio, pela m anhã, enquanto eu escrevia na m inha cela - nota Josefa.
Sua Beleza estava im p reg n ad a de g ran d e m ajestade, e seu p o d e r so b eran o
manifestava-se no tom da Voz.
"Josefa - disse - hum ilha-te e subm ete-te totalm ente à Vontade de D eus."
"Prostrei-m e até o chão, aniquilando-m e diante dele, e ele continuou:
"Oferece a m eu Coração o am or profundo, terno e generoso do teu."
"Fi-lo, do fundo da alma. Depois, N osso Senhor ficou em silêncio, com o se
quisesse algum a coisa mais...
"Renovei os Votos. Tornei a dizer que Lhe pertenço e estou pro n ta p ara
tudo que quiser de mim. Creio que era o que esperava, pois logo prosseguiu:
"Já que triunfei de teu coração e de teu amor, n ad a Me recusarás, não é?
"Não, Senhor, sou vossa, para sem pre."
"Então, am anhã virei com unicar-te o que terás de dizer em prim eiro lugar a
teu bispo."
Josefa se assusta.
N ão p u d e dissim ulá-lo - escreve ela - e disse: "quanto esta idéia me custa!"
"N ada receies - continua o M estre. M eu Coração vos g uarda e é para as
almas."
Essa garantia divina tranqüiliza um pouco a sua ansiedade.
"Q uando eu penso que terei de dizer todas estas coisas ao Senhor Bispo,
grande é m inha angústia - nota ela - m as tenho confiança em Jesus, que me
dará a força necessária.
"A tarde, quando Ele veio consum ir m eus pecados, tornei a dizer-Lhe m eus
receios."
"E preciso sofrer, sim, Josefa, m as é pelas almas; e não sofri Eu prim eiro,
para resgatá-las e salvá-las?"
Com palavras destas, Jesus provoca a generosidade da Esposa, colocando-a
diante da Redenção das almas. E a união estreita com o Coração Sagrado que
lhe dá sem pre força, p ara se oferecer a tu d o que exige dela essa missão. Começa
de fato um a grande sem ana. Logo pela m ad ru g ad a de segunda-feira, 11 de

313
junho, N osso Senhor volta a lem brar a am plidão de seus Desígnios.
A parece-lhe no recolhim ento da ação de graças.
"Por que temes? - diz-lhe. N ão sabes que te am o e velo sobre ti? E pelas
almas!... É preciso que Me conheçam... que Me am em m ais profundam ente!...
Aos filhos cabe tornar o Pai conhecido. Sois m inhas filhas diletas. Eis porque
vos escolhi, a fim de Me revelar por meio de vós e assim glorificar m eu Coração...
N ada tem ais. Sou a Força e vo-la com unicarei. Sou o A m or e vos sustentarei...
N ão vos deixarei sozinhas."
A lguns instantes depois, Nosso Senhor a encontra na cela.
"O que te vou dizer, Josefa, é a prim eira coisa que deverás m o strar a teu
bispo. Beija o chão."
Ela renova os Votos e se prostra aos Pés do M estre. Então Jesus tom a a
palavra e ela escreve:
"Sou o Amor! O M eu Coração não pode mais conter a C ham a que O devora.
"A m o a tal ponto as alm as que dei a m inha vida p o r elas. Por am á-las, quis
ficar prisioneiro no tabernáculo.
"D esde há vinte séculos, estou ali, de noite e de dia, velado sob as espécies
do pão oculto na pequenina hóstia, su p o rtan d o p o r amor, o esquecim ento, a
solidão, os desprezos, as blasfêm ias, os ultrajes, os sacrilégios...
"Por am or às almas, quis deixar-lhes o Sacram ento da Penitência, a fim de
lhes perdoar, não um a vez ou duas, m as tantas vezes quantas tiverem necessi­
dade de recuperar a graça. É ali que as espero... ali desejo que venham lavar
as suas faltas, não com água, m as no m eu próprio Sangue.
"N o decurso dos séculos, tenho revelado de diferentes m odos o m eu Amor
aos hom ens: tenho-lhes m ostrado quanto Me consome o desejo de sua salvação.
Dei-lhes a conhecer o m eu próprio Coração. Esta devoção tem sido como luz
d erram ada sobre o m undo. Hoje é o meio de que se serve, para tocar os corações,
a m aioria dos que trabalham p o r estender o m eu Reino...
"Q uero agora m ais algum a coisa; pois se peço A m or em correspondência
ao que Me consome, não é a única resposta que desejo das almas: desejo que
creiam na m inha M isericórdia, esperem tu d o da m inha Bondade e não duvidem
nunca do m eu Perdão. Sou Deus, m as D eus de Amor! Sou Pai, m as Pai que
am a com ternura e não com severidade.
"M eu Coração é infinitam ente sábio, m as tam bém infinitam ente santo, e
com o conhece a m iséria e a fragilidade hu m an as, inclina-se p ara os pobres
pecadores com M isericórdia infinita.
"A m o as alm as, depois que com eteram o prim eiro pecado, se vêm pedir
h um ildem ente perdão...
"A m o-as ainda, q u an d o choraram o segundo pecado e, se isso se repetir,
não digo um bilhão de vezes, m as milhões de milhões. Amo-as e perdôo-lhes
sem pre, e lavo no m esm o sangue o últim o como o prim eiro pecado!
"N ão me canso das alm as, e o m eu coração espera sem pre que venham
refugiar-se nele, por m ais m iseráveis que sejam! N ão tem u m pai m ais cuidado
com o filho que é doente, do que com os que têm boa saúde? Para com esse

314
filho, não são m aiores as delicadezas e a sua solicitude? A ssim tam bém o m eu
Coração derram a sobre os pecadores, com m ais liberalidade do que sobre os
justos, a sua Com paixão e a sua Ternura.
"Eis o que desejo explicar às almas: Ensinarei aos pecadores que a M iseri­
córdia do m eu Coração é inesgotável; às alm as frias e indiferentes, que m eu
Coração é fogo, e fogo que deseja abrasá-las, porque as ama; às alm as piedosas
e boas, q u e o m eu C oração é cam inho p a ra se a d ia n ta re m n a p erfeição e
ch e g a re m com s e g u ra n ç a ao te rm o feliz. E nfim , às a lm a s q u e m e são
consagradas, aos padres, aos religiosos, às m inhas alm as escolhidas e preferidas,
pedirei um a vez m ais que Me dêem a sua confiança e não d u v id em da m inha
Misericórdia! E fácil esperar tu d o do m eu Coração!"
Jesus pára. Dá a Josefa algum as indicações sobre a m aneira pela q u al o
Padre D iretor deverá por o bispo de Poitiers a p ar de tu d o e, com o lê na sua
alma as ansiedades que a assaltam:
"Por que? - insiste com bondade. N ão sabes que te amo?... N ão sabes que é
pelas alm as e para m inha Glória?
"N ão te preocupes de nada. Faze com sim plicidade tu d o o que Eu te disse,
e dá-M e todo o tem po que te peço."
Logo no dia seguinte, terça-feira, 12 de junho, entrando na sua cela, pelas
oito horas da m anhã, ela aí encontra o M estre que a espera. D epois de alguns
instantes de adoração, renova os Votos e os oferece à sua Vontade. Jesus continua
a palestra da véspera.
"Q uero perdoar. Q uero reinar. Q uero p erdoar às alm as e às nações. Q uero
reinar sobre as almas, sobre as nações e sobre o m u n d o inteiro. Q uero d erram ar
a m inha Paz até às extrem idades do m undo, m as de m aneira especial sobre
esta terra abençoada, berço da devoção a m eu Coração... Sim, quero ser a sua
Paz, a sua Vida, o seu Rei! Sou a Sabedoria e a Felicidade, sou o A m or e a
misericórdia, sou a Paz, hei de reinar!
Para ap ag ar a sua in g ratidão, d erram arei u m a to rren te de M isericórdia.
Para reparar suas ofensas, encontrarei vítim as que alcançarão perdão... Sim,
há no m u n d o m uitas alm as generosas que desejam agradar-M e... H á ainda
almas generosas que Me darão tudo o que têm, a fim de que delas Me sirva
conforme m eus Desejos e m inha Vontade.
"Para reinar, começarei d erram ando M isericórdia, pois m eu Reino é de Paz
e Amor; eis o fim que quero realizar, eis a m inha O bra de Amor!"
Então, com divina condescendência, N osso Senhor explica, a fim de que
Josefa o transm ita ao Bispo, porque se dignara baixar o O lhar sobre a Socieda­
de do Sagrado Coração e escolhê-la como interm ediária da M ensagem:
"F undada sobre o Amor, seu fim é o Amor. Sua vida é o Amor... e o A m or
é m eu Coração." - diz Jesus, m arcando assim o estreito laço que deverá consa­
grar a Sociedade do seu Coração a essa Obra, para a qual a havia designado
desde toda a eternidade.
"Q uanto a ti - continua, - escolhi-te como ser inútil e desprovido de tudo, a
fim de que seja Eu som ente que fale, que m ande, que opere."

315
E, descobrindo o conjunto de seus Desígnios:
"Dirijo a todos o m eu Apelo: às alm as consagradas e às do m u n d o , aos
justos e aos pecadores, aos sábios e aos ignorantes, aos que governam e aos que
obedecem . A todos venho dizer: se quereis felicidade, Eu sou Felicidade. Se
p rocurais riqueza, Eu sou a Riqueza infinita. Se desejais paz, Eu sou a Paz.
Sou a M isericórdia e o Amor! Q uero ser o Rei!"
Então, fixando olhar sobre Josefa que, de joelhos, acabava de escrever estas
ardentes palavras:
"Aí está - diz - o que darás a ler a teu bispo em prim eiro lugar".
E, depois de ter acrescentado algum as palavras que ela terá que comunicar
pessoalm ente, continua:
"N ão se adm ire ele, diante dos instrum entos de que Me quero servir, pois
m eu Poder é infinito e basta por Si m esm o. Confie ele em M im. Abençoarei
seus em preendim entos...
"E agora, Josefa, vou com eçar a falar diretam ente para o m u n d o e, depois
de tua m orte, desejo que m inhas Palavras sejam conhecidas. Q uanto a ti, viverás
na m ais com pleta e mais profunda obscuridade mas, p o r seres vítim a escolhida
p or M im, sofrerás e, abism ada em sofrimento, morrerás! N ão procures repouso
nem alívio; não o encontrarás, pois fui Eu que assim determ inei. M as meu
A m or te sustentará e jamais te faltarei."
Nesses curtos instantes, Jesus descobriu a Josefa o cam inho que lhe resta a
percorrer: seu encontro com a prim eira autoridade, cuja sanção será a certeza
da benção de Deus... a M ensagem que irá transm itir a todas as alm as sequiosas
d e m isericó rd ia, p a z e felicidade... sua m issão de vítim a, in sep aráv el da
M ensagem e que a fecundará até o fim... a obscuridade não cessará de envolver
as d o res d e seus dias e suas noites... e finalm ente a m orte, ab ism ad a em
sofrim ento. E tu d o isso será por Ele disposto, até nos m ínim os pormenores,
p ed in d o a Josefa apenas essa adesão total que, em tão pouco tem po, nela e por
m eio dela, term inará a Obra de Amor.
N a m esm a noite, renovando o dom da Cham a de seu Coração:
"Venho consum ir-te e abrasar-te - repete-lhe Jesus. Eis todo o m eu Desejo...
abrasar as almas, abrasar o m undo... Ai! As alm as repelem a Chama! Mas
triunfarei, serão m inhas e serei seu-Rei! Sofre comigo, a fim de que o mundo
Me conheça e as alm as venham a Mim: o sofrim ento dará triunfo ao Amor."
N a quarta-feira, 13 de junho, N osso Senhor, com o anunciara, dirige-se dire­
tam ente à m ultidão de que tem com paixão... a m u ltid ão daqueles que têm
fome e sede, que sofrem e lutam , que choram sem esperança e sem amor... à
m ultidão que procura, deseja, espera, e não encontra na terra resposta segura
para a felicidade que almeja. A esses Jesus abre o Coração.
"Q uero que o m un d o O conheça - diz. Q uero que o m u n d o conheça o meu
Amor. Saberão os hom ens o que fiz por eles?"
É o que lhes vai explicar.
Parece-nos voltar ao tem po das parábolas quando, sentado no meio da mul­
tidão, no cenário tranqüilo dos cam pos da Galiléia, o Senhor Jesus a mantinha

316
sob o encanto de sua Palavra e, mais ainda, sob o jugo lum inoso da Verdade.
Então, pequenos e grandes, justos e pecadores, sábios e ignorantes, todos o
escutavam; perturbados uns até o íntimo das alm as angustiadas, rebeldes outros,
aos convites secretos do Amor... estes, en lev ad o s com a sim p licid ad e d as
narrativas, aqueles vencidos pela clareza das Lições. "Saiu o Sem eador para
semear, dizia, e a divina Sem ente, lançada em profusão, caía... Seu O lhar a
seguia, com o só Ele podia fazer, e seu Coração discernia em cada alm a a resposta
esperada pelo Amor! Jesus continua hoje este grande m étodo de educação e,
por m eio de um a parábola, vai descobrir m ais outra vez ao m u n d o a im ensidade
do seu Amor...
"Escreve, pois, Josefa:
"U m pai tinha um filho único. Poderosos, ricos, cercados d e nu m ero so s
servos e de tu d o o que constitui a honra, o bem -estar e a alegria da vida, n e­
nhum a coisa nem pessoa algum a faltavam à sua ventura. O filho bastava ao
pai, o pai bastava ao filho; encontravam am bos um no o utro perfeita felicida­
de; os seus corações, nobres e generosos, inclinavam -se, cheios de caridade,
para a m enor m iséria do próxim o.
"O ra, aconteceu que um dia u m dos servos deste bom senhor caiu doente.
A sua doença, dentro de pouco tem po, tornou-se tão grave que, p ara o arran ­
car à m orte, a única esperança era o em prego dos cuidados m ais assíduos e dos
remédios m ais enérgicos.
"M as aquele servo vivia em sua casa, pobre e sozinho.
"O senhor alarm a-se com esta situação. Q ue fazer? A bandoná-lo? E votá-
lo assim à morte?... A sua bon d ad e não pode concordar com isso...
"Enviar ao infeliz algum dos servos?... M as poderia ficar em paz e tranqüilo
o seu coração acerca de cuid ad o s prestados, m ais p o r interesse do que p o r
afeição?
"Cheio de com paixão, o Senhor cham a seu filho e confia-lhe os seus receios.
Expõe-lhe o estado daquele pobre hom em , a po nto de m orrer. D eclara que
alguns cu id ad o s atentos e de todos os in stantes p o d eriam curá-lo ain d a, e
assegurar-lhe vida longa.
"O filho, cujo coração pulsa em uníssono com o do pai, oferece-se, se tal é a
vontade do m esm o pai, a cuidar do servo, com toda a dedicação, sem se p o u p ar
nem a penas, nem a fadigas, nem a vigílias, até que lhe tenha restituído a saúde.
"Então o servo, cheio de adm iração por tu d o quanto o seu Senhor fizera p o r
ele, p e r g u n ta co m o p o d e r á te s te m u n h a r - lh e o s e u r e c o n h e c im e n to e
corresponder a tão m aravilhosa e insigne caridade.
"O filho aconselha-o a que vá ter com seu pai e, visto estar curado, se ofere­
ça a ele, para ser desde então u m dos m ais fiéis servos.
"Este hom em apresenta-se pois ao seu Senhor. Sentindo quanto lhe é deve­
dor, exalta a sua caridade e, o que é m elhor ainda, oferece-se p ara o servir sem
a menor som bra de interesse, pois bem sabe que no serviço de tal Senhor não
carece de ser pago com o servo, quem foi tratado e am ado com o filho!
"Esta parábola é pálida im agem do A m or de que dei prova aos hom ens e da

317
correspondência que deles espero.
"Explicá-la-ei pouco a pouco, para que todos conheçam enfim m eu Cora­
ção..."
Jesus se cala um instante, depois, com ardor:
"Ajuda-M e, Josefa, ajuda-M e a descobrir o m eu Coração aos homens! Ve­
nho dizer-lhes que em vão procuram felicidade fora de M im, não a encontra­
rão...
"Sofre e am a, porque temos alm as a conquistar!"
Termina o dia no trabalho e na fidelidade que fazem Josefa igual a todas as
Irm ãs. Seu pensam ento não pode, entretanto, distrair-se do M estre. À hora do
descanso a troca da C ham a excita-lhe ainda os ardentes desejos e N osso Senhor,
antes de ir-se, deixa-lhe este Apelo:
"Tenho sede! Sim, tenho sede de um a alm a que nesta noite acabará a vida
na terra".
Josefa pergunta se é u m pecador a salvar. Não; é um a alma caríssima ao
seu Coração.
"M as quero - diz - que teu sofrim ento supra as graças que, p o r fragilidade,
não soube aproveitar, para que ela atinja, nestes poucos instantes de vida, um
grau m ais elevado de glória."
Q uem não adm irará a B ondade onipotente de N osso Senhor p ara com as
alm as que am a em cuja perfeição trabalha até o seu últim o suspiro... Quem
não se com overá com a delicadeza que em prega, abrindo esse horizonte à oração
e à oblação apostólica? Os pecadores, sem dúv id a, precisam de intercessão
para salvar-se no últim o m om ento. A oração, que cerca as alm as santas prestes
a deixarem a terra, não é cooperação m enos im portante p ara a Ação divina,
pois é nessa hora suprem a que a graça dá a últim a dem ão ao acabamento de
seu trabalho. As dores da noite sucedem , pois, às do dia, até o instante em que
u m a claridade atravessa a su a cela e Josefa sente su b itam en te grande paz.
D esaparecera-lhe o sofrim ento...
"A quela alm a entrou no céu",
dirá N ossa Senhora, no dia seguinte, no m om ento da ação de graças.
A legrias apostólicas como esta reanim am -lhe a coragem e a apegam cada
vez m ais aos Interesses do Coração de Jesus.
N a m esm a quinta-feira, 14 de junho, pelas oito horas da m anhã, Josefa es-
pera-O na sua cela e Ele aparece - diz ela - envolvido em grande Majestade."
"Josefa, hum ilha-te até o chão. A dora teu D eus para rep arar as ofensas e os
d esp rezo s que Ele recebe d a m aio ria dos hom ens... A m a-o p ara suprir a
ingratidão das almas.
"E agora, continua a escrever."
Voltando à parábola do servo, Jesus começa a explicá-la ao m undo:
"D eus criou o hom em p o r amor. Colocou-o na terra em tais condições que
n a d a lhe faltava aqu i p a ra o seu bem -estar, até que chegasse a alcançar a
felicidade eterna, na outra vida... Mas, p ara ter direito a ela, devia observar a
lei suave e sábia im posta pelo seu Criador.

318
"O hom em , infiel a essa lei, caiu gravem ente doente: com eteu o prim eiro
pecado. "O hom em ", isto é, o pai e a mãe, a origem do gênero hum ano. Toda
a sua posteridade foi pois m aculada com sua m esm a culpa. N ele a h u m an id ad e
inteira p erd eu o direito à v en tu ra perfeita que D eus lhe havia p ro m etid o e,
desde então, ficou sujeita a penar, sofrer e morrer.
"O ra, Deus, na sua beatitude, de ninguém precisa. Basta-se a Si próprio...
A sua glória é infinita; cousa algum a pode dim inuí-la.
"Todavia, sendo infinitam ente Poderoso, é tam bém infinitam ente Bom. Dei­
xará assim sofrer e depois m orrer o hom em criado p o r Amor?
"Pelo contrário, dar-lhe-á nova prova deste A m or e, perante tão grave mal,
em pregará rem édio de preço infinito: U m a d as três Pessoas d a Santíssim a
Trindade assum irá a natureza hum ana e reparará divinam ente o mal causado
pelo pecado.
"O Pai dá o Filho. O filho sacrifica a sua glória: desce à terra, não como
Senhor, rico e Poderoso m as na condição de Servo, de Pobre e de M enino. A
vida que ele levou na terra, todos a conheceis.
"Bem sabeis como, desde o prim eiro m om ento da m inha Encarnação, m e
sujeitei a todas as m isérias da natureza hum ana.
"Criança, comecei a sofrer frio, fome, pobreza e perseguições. Em m inha
vida de operário fui m uitas vezes hum ilhado e desd en h ad o com o filho de um
pobre carpinteiro. Q uantas vezes, m eu Pai adotivo e Eu, depois de term os
aturado o peso d u m longo dia de trabalho, reconhecíam os, à noite, ter ganho
apenas o suficiente para acudir às necessidades da família!
"E vivi assim trinta anos. Depois, renunciando aos cuidados e à doce com ­
panhia de m inha Mãe, consagrei-M e a tornar conhecido m eu Pai Celestial: a
todos ensinei que Deus é caridade.
"Passei fazendo bem aos corpos e às almas: dei saúde aos doentes; dei vida
aos mortos; às almas? Ah! A essas... dei-lhes as portas da verdadeira e eterna
pátria. Porque chegou a hora em que, para com prar a salvação das alm as, o
filho de Deus quis dar até a própria Vida.
"E como m orreu ele? Rodeado dos amigos?... A clam ado como Benfeitor?
Não, alm as queridas, bem sabeis que o Filho de Deus não quis m orrer assim.
"Ele, que só tinha espalhado Amor, foi vítim a do ódio... ele, que trazia Paz ao
mundo, foi objeto da m ais feroz cru eld ad e ele, que vin h a d a r lib erd ad e ao
homem, foi preso, atado, m altratad o , caluniado e m o rreu afinal sobre um a
cruz, entre dois ladrões, desprezado e abandonado, pobre e despojado de tudo!
"Foi assim que se entregou pela salvação do hom em . Foi assim que levou a
cabo a O bra pela qual voluntariam ente deixara a Glória de seu Pai: o hom em
estava doente e o Filho de Deus desceu em seu socorro. N ão som ente, m orrendo,
lhe deu vida, m as m ereceu-lhe as forças e os meios necessários p ara ad q u irir na
terra o tesouro da sua eterna felicidade.
"Como correspondeu o hom em a sem elhante favor? Seguindo o exem plo
do servo, ofereceu-se ao serviço do seu Senhor, sem outros interesses que não
fossem os dele?...

319
"N este ponto, convém distinguir as diferentes respostas do hom em ao seu
D eus...
"M as, basta p o r hoje. Fica em m inha paz, Josefa, e não esqueças que és
m inha Vítima.
"A m a-m e e abandona-M e tudo mais."

320
A Resposta dos Homens
15 a 19 de junho de 1923

" M in h as Palavras terão tanta força e


m in h a Graça as a com p an h ará de tal
m od o, que as alm as m ais o b stin a d a s serão
v e n c id a s p e lo Amor."

(Nosso Senhor à Josefa - 19 de junho de 1923)

D ecorre toda a sexta-feira, 15 de junho, sem que Jesus apareça. Josefa O


esperava com o todas as m anhãs e "Ele não veio" - escreve... Interroga a própria
consciência, pois está sem pre receando algum a fraqueza, e acusa-se de um a
pequena resistência diante desse cam inho sem pre árd u o para sua alma.
"Jesus m e d eu bem claram ente a entender que foi não só um a m ágoa para
seu Coração, m as tam bém a causa p o r que certas alm as que esperam a graça
destes pequeninos atos não são ajudadas a se aproxim arem dele como desejava.
Então, q u ando veio, à noite, pedi-Lhe p erdão pela m inha falta de generosidade.
"Com m uita bondade, respondeu:
"Sim, Josefa, deixa entrar luz em teu coração. N ada é pequeno, q u an d o se
faz por amor. N ão, para m eu A m or não há coisas pequenas, pois a pró p ria
força do am or lhes dá grandeza."
E sem pre a m esm a lição que o divino Coração não se cansa de repetir, a fim
de que as alm as jam ais se cansem de lhe oferecer os m enores esforços.
Desde a volta de M arm outier, Josefa não conhece m ais o repouso da noite.
Q uando N osso Senhor a deixa, depois de lhe ter d ad o a C ham a do seu Coração,
ela fica m uito tem po sob a ação daquele fogo que a consome... Depois, as dores
que lhe invadem o corpo e alm a não cessam de lhe lem brar, d u ran te longas
horas, seu papel de vítim a escolhida para a O bra do M estre. Logo de m anhã,
porém, ela chega p o n tu alm en te p ara a m editação, está na santa m issa com
todas as Irm ãs e põe-se depois a trabalhar, sem que nada denote o m istério da
noite. Sua energia continua invencível e seu sorriso tenta disfarçar o esgotam ento
que se lhe lê às vezes no rosto.
"Hoje - escreve ela no sábado, 16 de junho, - N osso Senhor veio às oito
horas e, m ostrando o Coração, disse:
"Olha este Coração de Pai que se consom e em A m or por todos os seus filhos.
Ah! Q uanto desejaria que Me conhecessem!"
E o Senhor vai, em Pessoa, definir as diferentes respostas aos convites e ao
Amor de Deus.
"Uns Me conheceram verdadeiram ente e, sob o im pulso do amor, sentiram
acender-se neles vivo desejo de se d ar com pleta e desinteressadam ente ao m eu
serviço, que é o de m eu Pai. Perguntaram -Lhe que poderiam fazer p o r Ele, e
meu Pai respondeu:
"Deixa a vossa casa, abandonai os vossos bens, renunciai a vós m esm os,

321
depois vinde após m im e fazei tu d o o que Eu vos disser!
"O utros sentiram o seu coração com over-se à vista do que o Filho de Deus
fez pela sua salvação. Cheios de boa vontade, apresentaram -se a Ele, procu­
ra n d o com o p o d e ria m reco n h ecer a su a B o n d ad e e tra b a lh a r p elo s seus
interesses, m as sem abandonar os próprios...
"A esses, disse m eu Pai: "G uardai a lei que o Senhor vosso D eus vos deu.
G uardai os seus M andam entos e, sem desvio para a direita ou p ara a esquerda,
vivei na paz dos m eus servos fiéis."
"O utros, pouco com preenderam quanto Deus os ama!
"Todavia, não lhes falta boa vontade e vivem sob a sua lei, m as sem amor, e
são levados pela inclinação natural para o bem, que a graça deixou no fundo
de sua alm a. Estes não são servos voluntários, porque não se oferecem às ordens
do seu Deus... Mas, com o não há neles m á vontade, basta-lhes um a indicação,
em m uitos casos, para se prestarem ao seu serviço.
"O utros enfim, m ais por interesse que por amor, não se subm etem a Deus
senão na m edida estreitam ente exigida para não perderem a recom pensa final
prom etida à observância da sua lei.
"Mas, apresentam -se porventura todos os hom ens ao serviço do seu Deus?...
"N ão há tam bém os que ignoram o grande A m or de que são objeto e que
não corresponderão jam ais ao que Jesus Cristo fez por eles?
"Ai!... Se m uitos O conheceram e desprezaram , m uitos nem m esm o O co­
nheceram !
"A todos, Jesus Cristo vai dizer um a palavra de amor:
"Falarei prim eiro àqueles que não Me conhecem, sim, a vós filhos queridos,
que, desde a m ais tenra infância, vivestes longe de vosso Pai! Vinde! Eu vos
direi porque O não conheceis e, quando souberdes quem é Ele, e que Coração
am ante e terno tem para vós, não podereis resistir ao seu Amor.
"N ão acontece m uitas vezes àqueles que crescem longe de seus pais, terem
pouco ou nenhum am or para com eles?... Mas, se, um dia, a esses filhos se
revelam a doçura e a ternura de um pai e de um a m ãe, não se p ren d em a eles
talvez ainda m ais do que aqueles que, d esd e a infância, n u n ca deixaram o
lar?...
"A vós, que não som ente Me não am ais, m as ainda Me odiais e até Me
perseguis, perguntarei:
"Por que esse ódio tão grande?... Q ue vos fiz para que m e m altrateis dessa
m aneira?"
"M uitos nunca propuseram a si m esm os esta pergunta e hoje que Eu próprio
lha proponho, responderão talvez:
"N ão sei."
"Pois responderei Eu por Vós:
"Se, desde a vossa infância, me não conheceis, é porque ninguém vos ensi­
nou a conhecer-M e. E, ao passo que fostes crescendo, cresciam tam bém em vós
as inclinações da natureza viciada: o am or do prazer e do gozo, o desejo da
riqueza e da liberdade...

322
"Depois, um dia, ouvistes falar de Mim, ouvistes dizer que, p ara viver se­
gundo a m inha Vontade, é preciso am ar e suportar o próxim o, respeitar os seus
direitos e os seus bens, subm eter e refrear a própria natureza; nu m a palavra,
viver sob o jugo du m a lei.
"E vós que, desde os prim eiros anos, vivíeis seguindo a inclinação da n a tu ­
reza e talvez os incitam entos das vossas paixões, vós, que não sabíeis de que lei
se tratava, protestastes bem alto: "Q uero gozar! Q uero ser livre! N ão quero
outra lei senão o m eu gosto!"
"Foi assim que começastes a odiar-M e e a perseguir-M e... M as, eu, que sou
vosso Pai, Vos am ava. E enquanto vos via tão cegam ente revoltados, o m eu
Coração, m ais que nunca, se enchia de ternura por vós. A ssim se p assaram os
anos de vossa vida, m uitos talvez.
"Hoje, não posso conter p o r m ais tem po o im pulso do m eu Amor! E, vendo
que viveis em guerra declarada contra A quele que tanto vos am a, venho Eu
m esm o dizer-vos quem sou.
"Filhos queridos! Eu sou Jesus, e este N om e significa Salvador. Por isso é
que as m inhas M ãos foram trasp assad as pelos cravos que m e p ren d eram à
Cruz, onde m orri por vosso amor.
"Os m eus Pés ostentam o vestígio das mesm as feridas, e o m eu Coração está
aberto pela lança que o atravessou depois da m inha morte!...
"É assim que Me apresento a vós, para vos ensinar quem sou e q u al é a
m inha Lei. N ão vos atemorizeis! É a lei de Amor!... E quan d o Me conhecerdes,
achareis paz e felicidade. É triste viver na orfandade: vinde, filhos m eus,
vinde a vosso Pai.
"D etenham o-nos aqui, Josefa; continuarem os am anhã. Q u an to a ti, am a
teu Pai, e vive desse Amor."
Assim dizendo, N osso Senhor desapareceu. Josefa fica um instante m ergu­
lhada no recolhim ento em que a penetrara a Presença divina. Depois, levanta-
se e entrega às M adres o caderno em que n o tara rap id a m en te as p alav ras
recolhidas dos Lábios do Senhor. Logo depois, é vista na oficina, sem pre a
mesma, no ativo trabalho que nada deixa transparecer do segredo da m anhã.
A um enta-se-lhe entretanto o esgotam ento das forças. Seu A m or a sustenta,
mas sofre com a im possibilidade em que se encontra às vezes de do m in ar o
cansaço. C ensura em si m esm a essa im p ressão com to d a a delicad eza de
consciência que se alarm a à vista das m enores som bras.
"N ada receies - diz N osso Senhor na visita da noite. - Se é g rande a tua
miséria, m uito m aior é o m eu A m or por ti e é sobre a tua fraqueza que a m inha
força trabalhará.
"Josefa, Esposa m inha, - torna Jesus, na m anhã de dom ingo, 17 de ju nho -
dize-Me se não farias tudo para restituir a saúde a um doente prestes a morrer?...
Entretanto, a vida do corpo nada é em com paração com a da alma! E tantas e
tantas alm as a encontrarão nas palavras que te confio!... Sim, não penses m ais
em ti..."
E, voltando ao assunto interrom pido na véspera:

323
"Vamos às pobres alm as que Me perseguem porque não Me conhecem. Q uero
dizer-lhes o que sou e o que elas são:
"Eu sou o vosso Deus e o vosso Pai! O vosso C riador e o vosso Salvador!
Vós sois as m inhas criaturas, os m eus filhos, os m eus resgatados tam bém , porque
foi à custa da M inha Vida e do M eu Sangue que vos livrei da escravidão e da
tirania do pecado. Vós tendes um a alma grande, im ortal, e feita para a felicidade
sem fim , te n d es u m a v o n ta d e capaz d o bem , u m coração n o b re q u e tem
necessidade de am ar e ser am ado.
"Se procurais apagar com bens terrenos e passageiros essa sede de felicida­
de e essa necessidade de amar, tereis sem pre fome e nunca achareis alimento
que vos sacie. Vivereis continuam ente em luta convosco, sem pre tristes, inquietos
e perturbados. Se sois pobres e o vosso ganha-pão é o trabalho, as m isérias da
vida vos encherão de am argura.
"Sentires crescer em vós o ódio contra aqueles que são vossos patrões e,
talvez, ireis até ao ponto de lhes desejar a desgraça, a fim de que tam bém eles
se vejam com o vós, sujeitos às m ais duras necessidades... Sentireis cair sobre
vós o cansaço, a revolta, o desespero, m esm o p orque o cam inho é áspero e, por
fim, é fatal a morte!...
"Sim, sob o ponto de vista hum ano, tu d o isto é duro! M as Eu venho m ostrar-
vos a vida sob um aspecto real, m uito diferente daquilo que vedes:
"Vós que estais privados dos bens da terra e obrigados a trabalhar sob o
com ando de um patrão para viver, não sois todavia escravos, m as fostes criados
para ser livres na eternidade...
"Vós, que procurais am or e que nunca vos sentis saciados, fostes feitos para
am ar não o que passa, m as o que é eterno...
"Vós, que am ais profundam ente a vossa família e que trabalhais para asse­
g u rar a sua subsistência, o seu bem -estar e a sua felicidade na terra, não esqueçais
que, se a m orte um dia vos separa dela, será por pouco tempo...
"Vós, que servis um patrão e que deveis trabalhar para ele, am á-lo e respeitá-
lo, cuidar dos seus interesses e valorizá-los com vosso trabalho e vossa fidelidade,
não esqueçais que esse patrão não é vosso patrão senão p o r poucos anos, pois
a vida passa rapidam ente e vos conduzirá a um lugar em que não m ais sereis
operários, m as reis para toda a eternidade...
"A vossa alm a, criada p o r um Pai que vos am a, não com qualq u er amor,
m as com am or im enso e eterno, encontrará um dia no lugar da felicidade sem
fim que esse Pai vos prepara, resposta a todas as suas necessidades.
"Lá encontrareis a recom pensa do trabalho cujo peso houverdes suportado
aqui na terra.
"Lá, en co n trareis a fam ília que tan to am astes sobre a te rra e p ela qual
vertestes vossos suores...
"Lá, vivereis eternam ente, pois a terra é apenas um a som bra que desapare­
ce e o céu não passará nunca!
"Lá, vos unireis ao vosso Pai que é vosso Deus!
"Se soubésseis que felicidade vos espera!...

324
"M as, ouvindo-M e, talvez estejas dizendo: "Q uanto a m im , não tenho fé!
N ão creio na outra vida!"
"N ão tens fé?... Então se não crês em Mim, p o r que Me persegues?... Por
que te revoltas contra as m inhas leis, e fazes guerra àqueles que Me têm amor?...
E, se queres liberdade para ti, por que não a dás aos outros?
"N ão acreditas na vida eterna?... Dize-me se vives feliz na terra e se não
sentes necessidade de algum a cousa que não podes encontrar aqui... Procuras
prazer e, se chegas a conseguí-lo, não ficas saciado...
"A ndas atrás da riqueza e, se consegues adquiri-la, nunca te julgas assaz
rico...
"Tens necessidade de afeição e, se a encontras um dia, d en tro de pouco
tem po estás cansado!...
"Não! Coisa nenhum a destas é o que tu desejas... O que desejas, certam en­
te não o encontrarás na terra! Porque, aquilo de que tens necessidade, é de
p az, n ão a p az do m u n d o , m as a dos filhos d e D eus, e com o p o d e ria s tu
encontrá-la no seio da revolta?...
"Por isso é que Eu venho m ostrar-te onde está essa paz, onde encontrarás
essa felicidade, onde saciarás esta sede que há longo tem po te devora.
"N ão te revoltes, se Me ouves dizer-te: Tudo isso, encontrá-los-às no cum ­
p rim ento da m inha Lei: não te espantes dessa palavra, a m inha Lei n ão é
tirânica: é Lei de amor!
"Sim, a m inha Lei é de amor, porque eu sou teu Pai.
"Venho ensinar-te o que é essa Lei e o que é o m eu Coração que vo-la dá,
esse Coração que tu não conheces e que tantas vezes tens ferido! Procuras-m e
para Me dar a m orte, ao passo que Eu te procuro para te d ar a vida. Q ual de
nós dois triunfará? A tua alma ficará tão endurecida que se não renda A quele
que te d eu a sua própria Vida e todo o seu Amor?
"A deus, Josefa. Ama este Pai que é teu Salvador e teu Deus."
N ão é difícil a Josefa exprim ir esse am or no meio de todos porm enores de
seu longo dia. O pensam ento de tantas alm as que sofrem na ignorância, no
erro ou na ingratidão, sem ouvir o apelo libertador do Salvador, não a deixa
nem um instante, e é nessa prece ininterrupta que tenta com eçar o descanso da
noite do dom ingo. Mal porém se deita, N osso Senhor lhe aparece subitam ente.
Ela se levanta e, prostrando-se-Lhe aos Pés, renova os Votos.
"Suas C hagas - escreve ela - estavam largam ente abertas e delas escapa­
vam cham as. Trazia em um a das m ãos a coroa de espinhos e os pregos: com a
outra segurava a C ruz".
"Josefa, queres que te diga m eus desejos?
"O lha para m inhas Chagas! Eu quereria aqui in troduzir os pecadores.
"Sim, nesta noite quero atrair para aqui m uitas almas. Toma a m inha Cruz,
meus C ravos, m inha C oroa. Eu irei p ro cu rar alm as; q u an d o estiverem a
ponto de caírem no abism o, dar-lhes-ei luz, a fim de que encontrem o cam inho
verdadeiro.
"Toma a m inha Cruz, guarda-a bem! Sabes que é um grande tesouro!"

325
Logo senti pesar duram ente a C ruz sobre m eu ombro:
"A Coroa - e Jesus ma enterrou na cabeça - Eu m esm o cingirei a tua fronte
e as feridas dos espinhos obterão luz para as inteligências cegas.
"Toma tam bém os m eus Cravos! G uarda-os. Vê que prova de confiança te
dou: são m eus Tesouros! Mas, como és m inha Esposa, não receio deixar-tos.
Sei que m os guardarás! E agora vou buscar as almas, pois quero que todas Me
conheçam e Me amem!"
"A qui, o Coração se Lhe abrasou ainda m ais e continua com grande ardor:
"N ão m ais posso conter o A m or que lhes tenho... e o A m or é tão forte que
triu n fará de todas as resistências! Vamos atraí-las p ara d en tro das m inhas
C hagas, irei procurá-las... e quan d o as tiver encontrado, virei buscar a minha
C ruz!
"Agora, sofre por mim, Josefa... Mas, antes, deixarei cair sobre a tua alma a
flecha de A m or que a purificará, pois é preciso que sejas bem p ura, como devem
ser as Vítimas."
"N o m esm o instante, jorrou um a cham a do seu Coração sobre o m eu peito,
com o todas as noites. Então, não vi senão o Sagrado Coração e depois tudo
d esap areceu ."
Josefa fica longas horas com dores indizíveis que lhe causam , na cabeça, nas
m ãos, nos pés, em todo o corpo, a coroa, os cravos e o peso da Cruz.
"O tem po m e pareceu com prido - escreve ela - pensei até que m ais de uma
noite assim decorrera.
"De repente, no meio de grande claridade, vi Nosso Senhor. A trás dele, de
cada lado, na luz de suas Mãos, vinham m uitas almas."
"Vê as que vieram após Mim! Todas estas Me reconheceram! Pobres almas!
Ter-se-iam perdido, se Eu lá não estivesse... M as Eu lá estava p ara salvá-las e
dar-lhes luz no meio da escuridão! Agora, elas Me seguirão... serão minhas
O velhas fiéis.
"Dá-M e de novo m eus Tesouros e descansa sobre m eu Coração."
"Tomou a C ruz e os pregos e deixou-m e a Coroa."
E com energia que Josefa torna, desde a m ad ru g ad a, à sua vida habitual.
N in g u ém su sp eita os esp len d o res que, naquela noite, hav iam ilum inado a
p equenina cela onde ela guardara os Tesouros do M estre, enquanto Ele corria à
p rocura das alm as. Q ue graça deve sustentá-la para su p rir o esgotam ento de
suas forças físicas!... Entretanto, nova em presa redentora a espera e é por uma
alm a que N osso Senhor vem procurá-la em sua cela na m anhã de segunda-
feira, 18 de junho.
"Estava com o um pobre - escreve ela. Senhor, que tendes? Por que estais
assim? Renovei os votos com todo fervor possível, e Ele disse:
"Consola-M e. O que aflige m eu Coração é que tenho de ab an d o n ar uma
alm a que m e foi consagrada, um sacerdote!"
"M as Senhor, é impossível! Lembrai-Vos do que m e dissestes a respeito dos
pecadores... que os am ais e estais sem pre pronto a perdoá-los!
"O lha em que estado essa alm a pôs m eu Coração!... Vou abandoná-la às

326
suas próprias forças!"
"Tive tanta m ágoa, vendo seu Coração todo coberto de feridas e, principal­
m ente, pensando que Ele poderia deixar aquela alma sozinha, que Lhe supli­
quei lem brasse a sua M isericórdia e o seu Amor. Jesus m e disse:
"Se puderes suportar o sofrim ento que esta alm a Me causa, ta confiarei."
"Sim, Senhor, se Vos dignardes ajudar-me! Então consolei-O com o p u d e,
o ferecendo-L he o am o r d a n o ssa casa, d o m u n d o , d as alm as sa n ta s, d o s
sacerdotes...
Beijei o chão várias vezes, recitei o M iserere e, com o não sabia m ais que
fazer, supliquei-Lhe que m e dissesse o que poderia Ele desejar".
"Sim: vou dizer-te: não te poupes para Me consolar, já que aquela alm a de
nada se priva para Me ofender."
"C ontinuei a oferecer-Lhe tu d o o que pensava agradar-L he e, pouco a p o u ­
co, seu Coração se dilatou e pareceu m enos triste."
"A obstinação de um a alma culpada fere profundam ente o m eu C oração -
disse, - m as a ternura de um a alm a que Me am a, não som ente fecha a m inha
Ferida, m as afasta a Justiça do m eu Pai."
D epois partiu, deixando-m e, na alm a e no corpo, g rande sofrim ento, que
suportei du ran te o dia inteiro."
A noite seguinte será um a daquelas longas e dolorosas reparações às quais
Nosso Senhor habituara Josefa, quando um a alma precisava de expiação.
Q uando lhe apareceu na cela, para lhe consum ir as m isérias, com o costu­
m ava fazer todas as noites, Jesus trazia a Coroa, a C ruz e os Cravos.
"Q uero, não som ènte purificar-te - diz Ele - m as tam bém abrasar-te com o
zelo que devora e consom e o m eu Coração."
Depois, tendo-a envolvido na cham a brotada da sua Chaga:
"N esta noite ainda, terem os que sofrer p o r aquela alma que foge de Mim.
Toma a m inha C ruz, os m eus Cravos, a m inha Coroa. Fica assim un id a a Mim,
irei à procura dela."
"Partiu... q u an d o voltou, m uito tem po depois, encostou a m inha cabeça
sobre o seu Coração e disse com grande bondade:
"Tu sofres, Josefa, e aquela alma resiste... Eu a cham o, e ela despreza m eu
Am or!"
G uardou silêncio um instante; e continuou, como que falando de si p ara si:
"N ão é precisam ente a ofensa do m om ento que Me m agoa, é a resistência
obstinada daquela alma! Se ela ficar surda à m inha Voz, como não abandoná-
la?... "Repousa, agora, irei renovar o m eu Apelo."
"Tomou-me a Cruz. Mas, como poderia eu dorm ir, pensando na sua Dor e
naquela alma?...
Na hora da ação de graças do dia seguinte, terça-feira, 19 de junho, nosso
Senhor lhe apareceu na sua resplendente Beleza:
"A quela alma ouviu a m inha voz - disse - e em bora ainda não tenha tom ado
a resolução, já começa a voltar-se para Mim... Sabes que te encarreguei, não
somente da salvação, m as da santidade dela. Q uero que com preenda que todos

327
os bens daqui da terra nad a são para a eternidade... É preciso obter-lhe força
para abraçar a austeridade do cam inho em que a quero. Senão, ela ficará em
grande perigo. Pobre alma! Precisa de luz!"
Josefa renova o oferecimento de si m esm a p o r aquela alma que adivinha ser
tão preciosa ao Coração do Mestre.
Depois, encorajada com sua bondade, confia-lhe o que m ais preocupa o seu
coração. D esde que Jesus começou a transm itir a M ensagem para o m undo,
Josefa indaga sem cessar, na oração, se as almas, todas as almas, saberão recebê-
la, escutá-la, com o Ele espera. O pensam ento de que um apelo daqueles pudesse
ficar sem eco a descoroçoa às vezes, e seu am or não pode aceitar p ara Ele tal
decepção. H á já m uitos dias que ela traz essa ansiedade, sem ousar expô-la a
N osso Senhor. Hoje, não pode m ais escondê-la.
Então, com força inexprim ível, que ela não sabe traduzir, m as que dá à Voz
do Senhor algo de solene e suave ao m esm o tem po, responde:
"Josefa, não temas. N ão sabes o que acontece quando se abre u m vulcão? O
p o d er d o fogo é tão grande que é capaz de arrancar as m ontanhas e de destruí-
las, e conhece-se que um a força irresistível p o r ali passou... A ssim m inhas
Palavras terão força tal e m inha Graça as acom panhará de tal m aneira, que as
alm as m ais obstinadas serão vencidas pelo Amor.
"A sociedade se perverte, quando os que a governam não agem de acordo
com a verdade e a justiça. Mas se o Chefe souber dirigí-la, sem dúvida, m uitos
seguirão ainda vias tortuosas, m as a m aioria virá, em m assa, à luz e à verdade...
"Repito, m inha Graça acom panhará as m inhas Palavras e aqueles q u e as
derem a conhecer; a Verdade triunfará, a Paz governará as alm as e o m undo...
e m eu reino chegará!"
Josefa fica em polgada com o vigor com que Nosso Senhor pronunciou aque­
las palavras. Ela não d uvida m ais da realização da divina Prom essa, seu coração
se fortalece e se abre à confiança; nada se poderá opor ao plano de am or cuja
am plidão Ele lhe descobre cada dia mais. N enhum a oposição será capaz de
q u ebrar aquele ím peto divino das torrentes de M isericórdia que, em breve,
in u n d arão o mundo!... A lguns instantes depois, N osso Senhor continuava a
lhe ditar o seu Apelo às almas:
"Josefa, tu Me am as?" pergunta-lhe com insistência, encontrando-a na cela.
"Senhor, é m eu único desejo!"
Então, com indizível ternura respondeu:
"Eu tam bém te am o porque tua pequenez é toda m inha!"
D epois disse:
"Escreve: "Vinde agora aprender. Filhos m eus, o que vos pede vosso Pai,
com o prova de amor: bem sabeis que a disciplina é necessária no exército, e o
regulam ento na família bem ordenada. Também na g rande família de Jesus
Cristo, im põe-se um a Lei, m as um a Lei cheia de suavidade...
"N a ordem hum ana, os filhos usam sem pre o nom e do pai, sem o que não
poderiam ser reconhecidos com o da sua família. Assim, os filhos que são Meus
usam o nom e de cristão, que lhes é conferido pelo sacram ento do Batismo, ao

328
nascerem . Vós, que recebestes este nom e, sois m eus filhos, tendes direito a
todos os bens de vosso Pai...
"Sei que não Me conheceis nem Me tendes amor, antes, pelo contrário. Me
odiais e perseguis. Mas Eu, vos am o com am or infinito e quero dar-vos parte
naquela herança a que tendes direito.
"C rede no m eu A m or e na m inha Misericórdia!
"Vós Me ofendestes: Eu vos perdôo...
"Vós Me perseguistes: Eu vos amo!
"Vós Me feristes com palavras e com ações. Eu quero fazer-Vos bem e abrir
p ara vós os m eus tesouros!
"N ão penseis que ignoro como até aqui vivestes: sei que desprezastes as
m inhas graças, talvez m esm o hajais profanado os m eus Sacram entos. Pois eu
vos perdôo!
"E agora, se quereis viver felizes na terra e assegurar ao m esm o tem po a
vossa eternidade, fazei o que vou dizer-Vos:
"Sois pobres? Esse trabalho que vos é im posto pela necessidade, fazei-o com
subm issão e ficai sabendo que tam bém Eu vivi trinta anos sujeito à m esm a lei,
p orque fui pobre e até m uito pobre!
"N ão olheis aos vossos patrões como tiranos. N ão desejeis a sua desgraça,
m as fazei valer os seus interesses e sede fiéis.
"Sois ricos? Tendes por vossa conta operários, servos? N ão exploreis o seu
trabalho... Rem unerai o seu labor segundo a justiça e provai-lhes a vossa afeição
e a vossa bondade. Porque, se tendes um a alm a im ortal, tam bém eles a têm; se
recebestes os bens que possuis, não foi som ente para vosso gozo e bem -estar
pessoais, m as a fim de que, adm inistrando-os com prudência, possais exercer a
caridade para com o próxim o. Depois de terdes, uns e outros, aceitado com
subm issão a lei do trabalho, reconhecei hum ildem ente a existência de u m Ser
que está acima de tud o o que é criado. Esse Ser é o vosso Deus e, ao m esm o
tempo, vosso Pai.
"C om o D eus, exige que cum prais a sua Lei Divina. C om o Pai, pede-vos
filial subm issão aos seus M andam entos. Assim, depois de terdes passado um a
semana inteira nos vossos trabalhos, nos vossos negócios, nos vossos recreios
lícitos, pede-vos que deis meia hora ao menos, ao cum prim ento do seu preceito.
Será exigir m uito?
"Ide pois, à sua Casa, à Igreja. Ele lá vos espera dia e noite; e, em cada
dom ingo ou dia de festa, dai-lhe essa meia hora, assistindo ao m istério de A m or
e de M isericórdia que se cham a a Missa.
"D urante ela, falai-Lhe de tudo; da vossa família, dos vossos filhos, dos
vossos negócios, dos vossos desejos... Apresentai-Lhe as vossas penas, as vossas
dificuldades, os vossos sofrimentos...
"Se soubésseis como Ele vos ouvirá e com que am or vos atenderá!...
"Talvez m e digais: "N ão sei assistir à Missa! H á tanto tem po que não entro
numa igreja!"
"N ão vos atem orizeis. Vinde! Passai sim plesm ente essa meia hora a m eus

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pés. Deixai que a consciência vos diga o que deveis fazer e não cerreis os
ouvidos à m inha voz. A bri vossa alma... Então a m inha graça vos falará...
M ostrar-vos-á, pouco a pouco, com o deveis proceder em cada circunstância
da vossa vida, como haveis de com portar-vos com vossa família ou nos vossos
negócios... C om o deveis ed u car os vossos filhos, am ar os vosso inferiores,
respeitar os vossos superiores. Ela vos dirá, talvez, que deveis aban d o n ar esta
em p resa, q u e b ra r aqu ela am izad e m á, afastar-v o s en erg icam en te d aq u ela
reunião perigosa.
"Ela vos dirá que odiais tal pessoa sem razão, e que, ao contrário, destoutra
pessoa que freqüentais e amais, deveis separar-vos e fugir dos seus conselhos...
Experim entai e, pouco a pouco, vereis com o se vai estendendo a cadeia das
m inhas graças. Porque acontece com o bem , como com o mal, basta começar.
Os anéis da cadeia prendem -se uns aos outros. Se hoje ouvirdes a m inha graça
e a deixardes trabalhar em vós, am anhã a ouvireis melhor; m ais tarde, ainda
melhor, e assim, de dia para dia, a luz aum entará, a paz crescerá e preparareis
a vossa felicidade eterna!
"Porque o hom em não foi criado para ficar sem pre neste m undo! E feito
para a eternidade. Sendo im ortal, deve p ortanto viver, não p ara aquilo que
m orre, m as p ara o que perm anecerá. Juventude, riqueza, sabedoria, glória
hum ana, tu d o isso passa e acaba. Só Deus subsiste por toda a eternidade.
"Se o m u n d o e a sociedade estão repletos de ódios e em lutas contínuas,
povos contra povos, nações contra nações e indivíduos contra indivíduos, é
p orque o grande fundam ento da fé quase desapareceu. Reanime-se a fé, e a
paz voltará e a caridade reinará! A fé não prejudica a civilização e não se opõe
ao progresso. Pelo contrário, quanto m ais se enraíza nos indivíduos e nos povos,
m ais crescem neles a sabedoria e a ciência, porque Deus é Sabedoria e Ciência
infinitas. M as onde a fé já não existe, desaparece a paz e, com ela, a civilização
e o verdadeiro progresso... pois Deus não está na guerra... Já não há senão
ódio entre os povos, lutas das opiniões entre si, levantam ento das classes umas
contra as outras e, no próprio hom em , rebelião das paixões contra o dever.
"D esaparece então tu d o o que constitui a nobreza do homem: fica a revolta,
a insubordinação, a guerra!...
Ah! Deixai-vos convencer pela Fé e sereis grandes! Deixai-vos esclarecer
pela Fé e não m orrereis eternam ente!"
Findaram as últim as palavras da M ensagem ao m undo. N osso Senhor baixa
o olhar sobre Josefa:
"A deus, - diz. Sabeis que espero de Vós reparação e amor. O am or se prova
com atos.
"Tudo em vós deve d ar provas de amor. Sede M ensageiras do Amor nas
coisas m ais pequeninas, com o nas m aiores. Fazei tu d o p o r am or. vivei de
am or."
E desapareceu.

330
XI - À SOMBRA D A CRUZ

O Aniversário dos Primeiros Votos


20 de junho a 16 de julho de 1923

"Torna a d izer-M e tua alegria por ser


Esposa m inha".

(Nosso Senhor à Josefa - 16 de julho de 1923)

O adeus do Senhor vai prolongar-se e o dem ônio recobra a liberdade tolhida


por algum tem po. Calcula agora tu d o o que representam contra o reino das
trevas, os divinos Projetos, cada vez mais claram ente delineados. Em vão se
obstina o ódio infernal p o r destruí-los. D eus dele se serve para ap ro fu n d ar o
nada do instrum ento.
A 20 de junho, Josefa nota hum ildem ente que cedera às repugnâncias que
lhe parecem às vezes invencíveis, diante do extraordinário cam inho e de tudo
que ele exige... Jesus não m ais aparece... e essa ausência desperta em sua alm a
a conclusão evidente de que não pode fugir àquela Vontade divina, a que se
entregara tão com pletam ente. Mas, apesar das horas de fraqueza, sinceram ente
choradas, ela nada subtrai à sua oblação. Sabe-o o M estre e se a ab an d o n a
novam ente aos assaltos das tentações, defende-a e guarda-a no m ais profu n d o
do seu Coração.
Ela, porém , não tem disso sentim ento nem consolo. Enquanto o inim igo se
ergue com o outrora, sobre o seu cam inho, ela sofre e luta na m ais com pleta
desolação. O belo m ês de junho, tão lum inoso no começo, extingue-se em noite
escura.
Os prim eiros dias de julho despertam , entretanto, recordações do ano ante­
rior. A proxim a-se o aniversário dos Votos - 16 de julho de 1920, - e é um
pequeno clarão que desponta no horizonte daquele túnel sombrio.
Josefa fixa o olhar sobre o dom que vai preparar e tornar a oferecer, um a vez
mais, com toda a generosidade de sua confiança e de sua coragem. C om o deve
glorificar e com over o C oração de Jesus esse ard en te desejo que tribulação
algum a arrefece!
N a m anhã da sexta-feira, 13 de julho, depois de um a noite m ais pro v ad a
que nunca, Josefa se acha, de repente, diante do M estre. N em ousa crer em tão
inesperada ventura.
"N ão receies, Josefa. A proxim a-te", diz Ele. Com o hesitasse ainda:
"Se não ousas aproxim ar-te de Mim, sou Eu que Me aproxim arei de ti. N ão
podes saber a que po nto te am o... e p o r m aior que seja o n ú m ero de tuas
misérias, m uito m aior ainda é a misericórdia de m eu coração!"
Bem o sabe, ela não pode d u v id ar de Jesus. "É tão bom - escreve - que lhe
supliquei me perdoasse, salvasse as almas e não me perm itisse ser obstáculo a
seus Desígnios e à sua Obra."

331
É a sua prim eira preocupação, no meio de tu d o quanto suporta de tentações
e sofrim entos.
"Já estás, há m uito, perdoada, Josefa e as graças que p reparo p ara as almas
não se perderão!... Não, não ficarão escondidas e as espalharei sobre o m undo.
"Q uanto a ti, nada Me recuses. Deixa trabalhar m eu Coração em ti e em ­
pregar, para te destruir, todos os meios necessários, m esm o os m ais enérgicos.
Faze e dize tudo que te peço e nada temas. Eu te am ava antes da provação e te
am o sem pre. M eu A m or não m uda!"
Esta certeza fortifica-a divinam ente. De novo pode o dem ônio assediá-la:
seu ódio há de quebrar-se de encontro ao rochedo da fé e do amor. Em vão
tenta persuadí-la de que os ardis diabólicos saberão im pedir a vinda do bispo,
e "evitar - com o diz - que essa Obra dê um passo definitivo"; não lhe abala a
confiança. Ela volta exausta dos abism os em que a m altratara d u ran te longas
horas, com o antigam ente, m as não cedera nem às ameaças, nem às torturas.
No sábado, 15 de julho, a Santíssim a Virgem preside desde a hora da missa,
à vigília de recolhim ento e de prom essas que Josefa deseja oferecer a Nosso
Senhor, para prep arar o prim eiro aniversário dos Votos. H avia já quase um
m ês que não A vira e grande é seu júbilo. Entretanto, o prim eiro m ovim ento é
sem pre confiar a sua fraqueza àquela Mãe caríssima... G ostaria de prometer
tudo, tão sincero e profundo é seu desejo de fidelidade à O bra de Jesus!... Mas,
que não terá ela a tem er de si p ró p ria, so b retu d o q u a n d o Jesus exige que
transm ita suas M ensagens e indique as suas vontades?...
"N ão te assustes, filha - responde a Santíssima Virgem com terna compai­
xão - Jesus n a d a p ed e sem d a r a graça. E, além disso, p a ra ven cer tuas
repugnâncias, lem bra-te de que tudo que te com unica é efeito de sua Bondade
e de seu A m or pelas almas."
"Disse-Lhe - continua Josefa - o grande m edo que me deixa tu d o que vejo e
ouço no inferno. Então, descobrindo o sentido daquelas m isteriosas descidas,
N ossa Senhora explica m aternalm ente à filha seu papel na O bra de Amor.
"N ad a tem as - diz Ela - C ada vez que Jesus p erm ite que sofras aquelas
penas, deves retirar um tríplice fruto:
"Prim eiram ente, grande am or e vivo reconhecim ento para com a Majestade
divina que, apesar de tuas faltas, te preserva de caíres eternam ente no abismo;
Em segundo lugar, generosidade sem limites e zelo ardente pela salvação
das alm as com desejo de salvar-Lhe m uitas, por m eio de sacrifícios e das mais
pequeninas ações, pois bem sabes que é o de que ele m ais gosta;
"Enfim, a vista daquele núm ero incalculável de alm as prisioneiras para toda
a eternidade... alm as incapazes, todas elas, de form ular u m só ato de amor!...
deve anim ar-te, a ti que podes amar! a elevar constantem ente até Deus o eco
perene de teu amor, para cobrir o clam or daquela blasfêm ia sem fim".
Depois, resum indo em poucas palavras seu ensinam ento:
"G rande generosidade pela salvação das alm as e m uito amor, filha!... Deixa-
O fazer o que quer... Deixa-O term inar a sua Obra."
"Abençoou-m e, beijei-Lhe a m ão e Ela desapareceu."

332
Foi na linha da generosidade e do am or que aquele dia de retiro prosseguiu.
"Tomei m inhas resoluções - escreve Josefa - vam os ver se sou fiel até à m orte."
D esde então, a previsão de sua m orte é bem clara, nota-a explicitam ente no
cadernin ho onde escreve só p ara si, de p erío do em período, seus desejos e
prom essas.
Com data de 15 de julho de 1923 lê-se:
"Véspera do prim eiro aniversário de m eus Votos.
"Sou a criatura m iserável que Jesus quis tom ar p ara sua O bra de Amor.
Pouco im porta se m e custa, devo-Lhe subm issão com pleta... Se m e m an d ar
escrever, escreverei. Se m e m a n d ar falar, falarei, e assim tu d o m ais... Oh!
Jesus, que tristeza em ter tão mal correspondido a vosso Amor! Bem conheceis,
en tretanto, os m eus desejos, m as a m inha fraqueza é m aior, o dem ônio m e
e n g an a e n ão sei resistir-lh e!" D epois, com o im p u lso h a b itu a l cheio de
sim plicidade:
"Vou corrigir-m e e, com a vossa graça, tentarei viver os meses que m e res­
tam sem nunca m ais me deixar pertu rb ar nem n ad a vos recusar. Direi tu d o o
que quiserdes, im ediatam ente, m esm o se for ao Senhor Bispo e farei tu d o o que
m e m andares. Eis a m inha prim eira resolução.
"A segunda será obedecer em tu d o às M adres, principalm ente q u an d o devo
escrever, o que sem pre me custa.
"A terceira será dizer im ediatam ente as m inhas tentações e as am eaças do
dem ônio, pois m uitas vezes começa com pouca coisa e, qu an d o não digo, acabo
deixando-m e perturbar.
"A quarta será fazer m uitos pequeninos atos de h um ildade e am abilidade,
pois sei que gostais disso. Vereis, m eu Jesus, com o vou tentar ser fiel até à
morte... quatro ou cinco meses depressa passarão! e espero que m e levareis
para o céu, pelo N atal ou, o mais tardar, na Epifania. Estou contente de morrer,
porque a terra é triste e tam bém tenho m edo da m inha miséria.
"Lá em cima, ainda Vos salvarei alm as e as ajudarei. E por isso que Vos peço
hoje, de todo o m eu coração, que esses poucos meses reparem o que faltou em
toda a m inha vida, e como sou tão pequenina e Vós sois m eu Esposo, tom o
vosso Coração e vossos m éritos para neles m ergulhar todas as m inhas ações, a
fim de lhes d ar o valor que repara e que pode Vos salvar m uitas alm as".
Então, deixando transbordar seu coração:
"A deus, m eu Jesus, pedi o que quiserdes e escondei-m e em vosso Coração
até o instante em que m e conduzirdes ao céu. N ão esqueçais a m inha peque­
nez e não m e abandoneis.
"Vossa pequenina e m iserável Esposa,
Josefa.
O dom ingo, 16 de julho de 1923, desponta sobre seus hum ildes e ardentes
desejos.
Eu repeti, antes da santa com unhão, a fórm ula de Votos como há u m ano,
com vontade de ser fiel até à m orte." - escreve ela.
Instantes depois Jesus lhe aparece e, m ostrando-lhe o Coração, abrasado:

333
"Josefa - diz-lhe - e eu? A lgum dia cessei de te ser Fiel?
Depois, lendo-lhe no fundo da alma, continua:
"N ada temas: tuas misérias, negligências, m esm o as tuas faltas, tu d o su p ri­
rei, M eu Coração é R eparador por excelência. Com o não o havia de ser p o r ti?
Josefa torna a dizer-Lhe as suas prom essas e suplica-Lhe que term ine, ape­
sar das suas fraquezas, a G rande O bra pela salvação do m undo.
"M esm o que Eu não a fizesse p o r am or a ti, Josefa, haveria de term iná-la
p or am or às almas, porque as amo!"
"N ada falta, sem dúvida, à m inha Beatitude infinita, m as preciso das almas...
Tenho sede das alm as e quero salvá-las."
Esta Sede divina o Coração de Jesus já há m uito com unicara à sua Esposa e
a intensifica cada vez mais.
"P erguntei-L he se havia m uitas santas, entre as alm as consagradas, e no
m undo... m uitas alm as para O consolar e glorificar. Ah! C om o eu desejaria
ser m elhor a fim de obter esta graça.
"N ão te inquietes, Josefa, com o que podes ou não podes. Bem sabes que
nada podes! M as Eu sou Aquele que quer e pode. Tudo farei, m esm o o que te
parece im possível. Deixa-Me som ente servir-M e de ti, a fim de transm itir às
alm as m inhas Palavras e m eus Desejos. Q uanto ao resto, Eu Me encarrego de
tudo. Suprirei tu d o o que não tens, tu d o o que não podes. Basta-te dar-M e tua
liberdade. Q uanto a mim, basta-m e ter a tua vontade. E a única coisa que não
posso suprir, pois a vontade fica no dom ínio de cada alma."
Então, inclinando-se para ela:
"Repete-M e tua alegria em seres m inha Esposa!"
Com o exprim ir-lhe essa ventura?... Josefa não encontra palavra.
"Entretanto, - prossegue N osso Senhor - tu d o isso nada é! A verdadeira
felicidade ainda não provaste. Mas virá brevem ente... então a possuirás sem
m edo de perdê-la. Enquanto isso, voltarem os às nossas confidências."
A perspectiva da próxim a visita do bispo fica como nuvem , no horizonte de
Josefa. Suplica ao M estre que a ajude, que lhe explique tu d o o que deverá
dizer, pois não pode deixar de recear aquela hora.
"Eu indicarei tu d o o que deves fazer - responde N osso Senhor com bonda­
de. - N ada temas. Eu te direi tu d o e te ajudarei em tudo. Deixa-Me agir!"
Então - escreve ela - repeti-Lhe as resoluções tom adas ontem , no retiro do
m ês. Ele escutou, realçando cada um a, com um breve com entário; depois
disse:
"A bençôo estas resoluções, Josefa, e se às vezes te sentes sem força para
cum prí-las, vem a Mim. Dize-Me o que te perturba... o que receias... Dar-te-ei
força, dar-te-ei paz. Vai agora, perm anece no m eu Amor, to d a entregue à
m inha V ontade."
É assim que se vai escoar este dia lum inoso, na paz e na alegria de ser toda
de Jesus:
"Estou tão feliz - escreve ela. - Só tenho um desejo, passar estes poucos
m eses que m e restam na terra sem jamais Lhe recusar coisa algum a. M as tenho

334
m edo de m im m esm a e não cesso de pedir força e amor."
A tarde traz-lhe nova graça:
"Pelas sete horas, estava no oratório de nossa bem -aventurada M adre, quando
de repente via-a, sem pre m uito sim ples e hum ilde; eu não tinha ainda acabado
de renovar os votos e ela disse:
"Filha, já há um ano que os fizeste!"
Josefa, cuja confiança para com a Mãe da sua alma não tem igual, expõe-lhe
sua felicidade de perten cer p ara sem pre a N osso Senhor e su a tristeza p o r
aquilo que cham a ingratidões, "tão num erosas", diz ela.
"M as bem sabes, filha, que o Coração de Jesus é Fogo! E esse Fogo é para
consum ir as nossas misérias. D esde que Lhas entregas Jesus não m ais delas se
lem bra. Em troca já te concedeu tantas graças e está p ronto p ara te d ar ainda
mais. Seu Coração é fonte inesgotável: quanto m ais dá, m ais deseja dar. Q uanto
m ais perdoa, m ais deseja perdoar".
E com o Josefa repetisse a prom essa de ser fiel até à m orte, que, bem sabe,
não tardará, a santa M adre a encoraja:
"Crê, filha, Jesus não se lem bra mais de tuas m isérias nem de tuas ,resistên­
cias. M as tem sem pre em m ente teus bons desejos p ara neles se com prazer.
Seu Coração é um abism o de M isericórdia que nunca se esgota perd o an d o . É
um abism o de Riqueza que nunca se esgota dando. Ama-O quanto puderes.
N ão peças nada mais. Reconhece a tua pequenez e fica subm issa e ab an d o n ad a
à vontade de Deus.
"Deixa-O descansar em ti e deixa-O repousar-te em Si. Q u an d o recebes
graças, és tu que nele repousas. Q uando ele te prova de qualquer m odo, é Ele
que em ti repousa.
"A gradece-lhe, quanto p u d eres o singular favor que te fez, escolhendo-te
com o Esposa de seu Coração. E em bora te sintas indigna de pertencer-lhe,
am a a "Sociedade" que é parte escolhida de seu Coração.
"...A deus, sê m uito generosa, m uito hum ilde. N ão esqueças de que nad a és.
Som ente a M isericórdia p oderá am ar-te assim , apesar de tu a m iséria. Mas,
confiança! E já que nad a podes, deixa-te conduzir. Vive em gratidão, paz e
amor. A deus, filha."
D eu-m e a benção, beijei-lhe a m ão e ela desapareceu.
H avia Nossa Senhora de faltar aos encontros deste aniversário? Josefa não
ousava d u v id ar, m as veio a noite e soou a h o ra do rep o u so . Sozinha, na
pequenina cela, ajoelha-se diante da im agem da Mãe Im aculada p ara lhe oferecer
a noite e colocar sua alma entre suas M ãos virginais. Esse adeus é a força de
cada noite. Hoje está cheio de esperança.
De repente, invade o quarto grande claridade e M aria aparece à filha.
"Estou sem pre contigo - diz.
E respondendo à prece de Josefa:
"Sim serás fiel, m inha filha, se nunca te apoiares em ti m esm a, m as unica­
m ente em Jesus.
Josefa nada pode esconder a essa Mãe incom parável e, deixando transbor­

335
d a r a sua alm a, suplica-Lhe que não a abandone à sua fraqueza, principal­
m ente q u ando se achar diante do dem ônio e das longas provações do inferno,
cuja só idéia a enche de temor.
"Lem bra o que te disse tua bem -aventurada M adre - responde a Santíssima
Virgem: no sofrim ento é Jesus que repousa em ti. Então, que tens a temer?
Entrega-te à V ontade divina. N ão p o d es agora calcular a alegria que terás
d u ran te toda a eternidade, à vista de tantas alm as salvas, com teus pequeninos
atos e teus sacrifícios. Coragem! A vida nada é, e teus dias passarão com o um
instante! A proveita e enche-os com merecim entos, d an d o ao Coração de teu
divino Esposo a glória de te abandonares totalm ente à sua Vontade e a seu Bel-
prazer. Vive de sua Paz e de seu Amor, vive sob seu O lhar e deixa-O agir. Ela
estendeu a m ão para m e abençoar e logo desapareceu".

336
Dias de Provações
16 de julho a 24 de agosto de 1923

"Nada receies; tudo está d is p o s t o e


g o v e r n a d o p e lo m eu Amor."

(Nosso Senhor à ]osefa - 13 de agosto de 1923)

Raramente, na vida de Josefa, aparecem horas lum inosas que não anunciem
períodos dolorosos. E, em bora o cam inho de sua p riyilegiada n u n ca esteja
isento de sofrim ento, N osso Senhor coloca de quan d o em q u ando, u n s m arcos
em que a provação é m ais intensa, a fim de que o am or ali se consum a.
À m edida em que o term o desta vida se aproxim a, confirm a-se cada vez
mais a invariável norm a da conduta divina. É preciso que Josefa se apresse em
com pletar em si o que falta à Paixão de Cristo; é preciso que seja vítim a no
mais am plo sentido da palavra e que a M ensagem de que é interm ediária entre
o Coração de Jesus e as alm as passe ao m u n d o por meio de suas p ró p rias dores.
O dem ônio, até o fim, será o instrum ento dessas dores. N enhum a oposição,
nem perseguição hum ana algum a, m elhor que as diabólicas, nem com a m esm a
intensidade e justeza, poderiam atingir as profundezas que Deus determ inou
santificar pelo sofrim ento. N ão nos espantem , pois, os dias tenebrosos que vão
decorrer. Entram nos Desígnios do Amor, tanto quanto as graças que acabam
de in u n d a r as sem anas rad ian tes de m aio a junho. A dm irem os as sen d as
secretas por onde o Senhor encam inha as almas, sem que o sintam , e p rep ara
nelas, através da noite, os esplendores da próxim a aurora.
Assim será para Josefa, desde o fim de julho de 1923.
Mal findara o aniversário dos prim eiros votos sob a benção da Santíssim a
Virgem, de repente, em brusca reviravolta, ergue-se de novo o dem ônio em seu
caminho. Aliás, nunca a deixara d u ran te m uito tem po, m as d u ran te o período
que começa, Josefa o verá, como outrora o santo C ura de Ars, sob a form a de
cão gigantesco, m edonho, furioso, atirando-se sobre ela sem p o d er entretanto
vencê-la.
Enchem-lhe a m aior parte da noite longas sessões expiatórias no inferno e
de novo, sua alm a experim enta todas as dores. Com o se fosse capaz de aniquilar
os planos de Deus, o dem ônio, com ênfase audaz, expõe a Josefa os seus, contra
a intervenção do Bispo de Poitiers que sabe próxim a e cuja im portância adivinha.
Josefa, tão frágil habitualm ente diante das m entiras do inim igo, não fraqueja
desta vez. E, com o pro m etera a N osso Senhor, p ro cu ra força e socorro na
humilde confissão de sua fraqueza. Os últim os dias de julho trazem , entretan ­
to, um conforto e, mais ainda, a confirm ação que D eus prossegue a sua obra e
que a guarda na sua Mão.
Na sexta-feira, 27 de julho, São João Evangelista aparece-lhe en q u an to ela
reza diante do Sacrário. "Estava todo envolto em majestosa beleza - escreve
ela. - Logo que o vi, renovei os Votos e ele disse:

337
"A lm a caríssim a ao divino Mestre, já que o Senhor se serviu de ti p ara dar a
conhecer a m uitas alm as a sua M isericórdia e o seu Amor, prepara o caminho
p ara sua vinda.
"Tua vontade seja inflexível e inteiram ente subm issa a seu divino Querer. A
C ham a de seu Coração te purifique e te consum a. E, q u an d o ele baixar os
olhos sobre ti, recebe as suas palavras com respeito e amor, pois A quele que te
fala é o M esm o diante do qual a Corte celeste entoa, sem cessar, o Cântico do
Louvor e do Am or".
E, juntando as mãos:
"O Senhor te g u ard e e in u n d e tu^ alm a com as celestes Delícias do seu
C oração".
"D esapareceu - continua - e, um instante depois, vi o C oração de Jesus,
só... Sua C haga abriu-se largam ente deixando cair um a cham a sobre o meu
p eito, com o o u tro ra q u an d o N osso Senhor v in h a cada tard e, co n su m ir as
m inhas misérias... Este fogo me queim a e m inha alm a tem tanto desejo dele,
que todo o resto nada m ais me parece."
Dois dias depois, é a Santíssima Virgem que vem na tarde do dom ingo, 29
de julho, anunciar-lhe a volta do Senhor. Segura na m ão a coroa de espinhos e,
colocando-a na fronte de Josefa:
"Filha, - diz-lhe - Venho revestir-te com as jóias de teu Esposo, a fim de te
p rep arar Eu m esm a à sua vinda. Logo que acabares a adoração, sobe à tua
cela. Ele lá estará. E nquanto esperas, prepara-L he o cam inho com atos de
hum ildade, de subm issão e de am or".
E com o o coração m aterno adivinhava a ansiedade da filha, pensando no
que a volta do Senhor ia exigir dela:
"A deus - diz, abençoando-a. Ele te ajudará, pois é O bra sua. Confiança e
coragem... subm issão e hum ildade... am or e abandono."
Josefa já não pode d u v id ar da im portância da entrevista, p rep arad a com
tanta solenidade. A lguns instantes m ais tarde, N osso Senhor lhe aparece na
sua cela. Ela se lhe prostra aos Pés e se oferece àquela Vontade soberana cujas
exigências adora de antem ão.
"Sim - diz Jesus, - sou Eu. N ão temas, tu d o está disposto e governado por
m eu Amor."
Então, no silêncio im pressionante que a envolve, Jesus lhe dita tu d o o que
deverá ser feito e dito, a fim de que o Bispo de Poitiers sem tardar seja informado
dos seus Desejos. Tudo é previsto com tal clareza em todos os porm enores, que
n ad a será deixado ao acaso e a graça da co n d u ta divina resplandece nesta
ocorrência, m ais ainda, se possível, que em todas as outras.
"N ada tem as - torna Jesus, term inando. - Eu te ajudarei e guiarei. Ama-
Me, confia em m eu Coração; jamais te abandonarei."
N a segunda-feira, 30 de julho, em audiência m uito paternal concedida ao
d ireto r de Josefa, R. P. Boyer, O. P., o bispo de Poitiers recebeu a primeira
M ensagem pessoal do Coração de Jesus.
De ora em diante nova segurança a m ais preciosa de todas, cercaria as últimas

338
graças e as últim as provas d a vida de Josefa. C om o era de esperar, a este
p r o g r e s s o d a O b ra d iv in a c o r r e s p o n d e a p e rs e g u iç ã o d ia b ó lic a em
recrudescência de ódio. Ju lg ara o d em ô n io p o d e r alg u m a coisa co n tra a
O nipotência que zom ba de suas astúcias... Poder-se-ia presum í-lo, lendo as
páginas em que Josefa, de 30 de julho a 12 de agosto, nota seus m últiplos assaltos,
suas m entirosas afirmações, sua certeza de vencê-la, a ela, ao bispo de Poitiers
e ao próprio Plano de Deus!
Estou sofrendo tanto!... - escreve - pois em bora prefira mil vezes m o rrer a
ofender a N osso Senhor, o m edo do dem ônio, de tu d o que m e diz, das torturas
com que m e acabrunha, m e perturba e m e deixa sem força!... D epois a idéia de
que em breve vou m orrer me enche de tristeza... Entretanto, q u an d o a tentação
não vem , a m inha m aior alegria é saber que no céu já não ofenderei a N osso
Senhor e nunca m ais o perderei."
E assim, balançada pela tem pestade, que Josefa trabalha agora pela O bra de
Amor.
"N ão estás sozinha - repete N osso Senhor, aparecendo-lhe no dom ingo, 12
de agosto. - N ão sabes que sou tua Vida, teu Apoio, e que se Eu não estivesse
contigo jam ais poderias agüentar esse peso?"
Logo no dia seguinte, volta Ele aos porm enores de tu d o quanto havia de ser
transm itido de sua parte ao Bispo de Poitiers. Essas palavras d o Senhor, os
conselhos que dá à sua M ensageira, o cuidado com que prepara o encontro, tu d o
isso denota a sua im portância na realização dos projetos divinos. Ao m esm o
tempo, com bondade tranqüiliza Josefa. A perspectiva de ter que sair da obscuri­
dade que a cercara até então, falar daquilo que é a alma de sua alm a e, principal­
mente com unicar os desejos do M estre, seria para ela, um a prova acima de todas
as outras, se Jesus não lhe desse graça excepcional de força e paz.
"N ão te assustes - diz o senhor novam ente antes de se afastar. - O am or te
sustentará e te conduzirá sem pre. Dir-te-ei tu d o e te ajudarei. N ão tem as. Eu te
guardo em m eu coração. Eu te amo. E o bastante para te d ar coragem ."
A fe s ta d a A ssu n ç ã o d e N o ssa S e n h o ra , q u a r ta - f e ir a , 15 d e a g o sto
de 1923, abre parênteses lum inosos nos meios das lutas quotidianas. E um a
nesga de céu azul, no meio das nuvens que tentam encobri-lo.
Na tarde daquele dia glorioso, M aria Santíssima aparece à filha no esplendor
de sua beleza. Escuta m aternalm ente tu d o o que ela lhe confia. A respeito das
atribulações presentes, das apreensões sobre o futuro e principalm ente, da sua
fraqueza e da sua miséria.
"Filha, - diz-lhe im ediatam ente, - tu a fraq u eza não te dev e desanim ar,
confessa-a hum ildem ente, m as não percas a confiança, pois não p o d es m ais
duvidar que foi por causa de tua m iséria e da tua indignidade que Jesus fitou
em ti o olhar... M uita hum ildade, m as m uita confiança".
E aludindo às perseguições redobradas do demônio:
"N ada receies, ele só pode m ultiplicar ocasiões de grande m erecim ento para
tua alma. Eu te defendo e Jesus nunca te abandona".
Então, afastando de si m esm a o pensam ento, Josefa não p ensa senão na

339
alegria da M ãe Im aculada, cuja entrada no céu o m undo inteiro celebra. Maria
parece estrem ecer diante da evocação da ventura que, p ara ela, é u m eterno
presente. Inclina-se sobre a filha e, abrindo-lhe o Coração, traça diante de Josefa
o itinerário que a conduziu, das som bras e dores da terra à claridade do Dia
sem fim.
"Sim - diz ela - foi v erdadeiram ente neste dia que a alegria plena e sem
m istura com eçou para mim, pois d u ran te toda a m inha vida, m inha alm a foi
traspassada por um gládio".
"P erguntei-lhe - escreve ingenuam ente Josefa - se a presença do Menino
Jesus, tão pequeno e tão lindo, não lhe tinha d ad o m uitas consolações".
"Escuta, filha, - continua a Virgem - desde a infância, eu tive conhecimento
das coisas divinas e das esperanças colocadas na vinda do M essias. Q uando o
anjo anunciou o M istério da Incarnação e eu m e vi escolhida p ara m ãe do
Salvador dos hom ens, m eu Coração, em bora em grande subm issão à vontade
de Deus, foi m ergulhado num a torrente de am arguras. Pois eu bem sabia tudo
o que a tem a e a divina criança deveria sofrer e a profecia do velho Simão
apenas confirm ou m inhas angústias m aternas.
"Podes, por aí, im aginar quais seriam os m eus sentim entos, contem plando
os encantos de m eu filho, seu sem blante, suas mãos, seus pés, todo o seu ser,
sabendo que haveriam de ser cruelm ente m altratados.
"Beijava-lhe os pés e já os contem plava cravados na cruz. C uidava-lhe da
linda cabeleira, e já a via coberta de sangue, em aran h ad a nos esp in h o s da
coroa.
"Beijava-lhe as m ãos e parecia que m eus lábios já se ensopavam com o sangue
que um dia havia de jorrar das suas feridas.
"E quando, em N azaré, ele deu os prim eiros passos e correu para m im , com
os b ra c in h o s a b e rto s, n ão p u d e re te r as lá g rim as, p e n s a n d o n o s braços
estendidos sobre a cruz em que ele m orreria.
"Q u an d o chegou à adolescência, reunia em si tal conjunto de beleza que
ninguém o podia contem plar sem adm iração... Somente m eu coração de mãe
ficava a p e rta d o , p e n sa n d o nos to rm en to s cuja rep ercu ssão eu já sofria de
antem ão...
"D epois do afastam ento dos três anos de vida apostólica, as horas da Paixão
e da M orte foram para m im o mais terrível m artírio.
"Q uando no terceiro dia o vi ressuscitado e glorioso, a provação m udou, é
certo, de aspecto, pois ele não podia sofrer. Mas, quão dolorosa e triste seria a
separação! Consolá-lo, reparar as ofensas dos hom ens, seria então m eu único
alívio. Q ue longo exílio, entretanto! Q ue ard o r subia de m inha alm a para o
céu... Com o eu suspirava pela hora de m inha eterna união!... Q ue vida sem ele!
... Q ue luz m isturada de treva! ... Q ue união desejada! ... e como ele tardava a
vir!...
"Foi no m om ento de chegar aos setenta e três anos que m inha alm a passou
com o um relâm pago da terra ao céu. N o fim do terceiro dia, os anjos vieram
b u scar o m eu corpo, e o tran sp o rtaram em triunfo de júbilo, p ara reunir à

340
m inha alma...
"Q ue adm iração, que adoração e que doçura, quan d o os m eus olhos viram
pela prim eira vez, na Glória e na M ajestade, no meio do exército angélico, o
m eu filho!... O m eu Deus!...
"E que dizer, filha, da adm iração que m e em polgou à vista da m inha extrem a
baixeza coroada de tantos dons e cercada de tantas aclamações!
"Finda toda m istura de tristeza! Tudo é su avidade, tu d o é glória, tu d o é
am or!...
A Santíssim a Virgem se exprim iu com entusiasm o, dirá m ais tarde Josefa,
entretanto, um reflexo da h um ildade envolvia cada palavra sua.
Ela se calou por um instante, m ergulhada na lem brança de sua m agnífica
entrada no céu. Depois, baixando seu olhar profundo:
"Tudo passa, filha, - diz ela - e a beatitude não tem fim. Sofre e ama: M eu
filho há de coroar brevem ente teus esforços e labores. N ada tem as. Ele e eu te
am am os!
E depois de mais algum as recom endações maternais:
"Fica-lhe sem pre fiel, nada recuses. A bre-lhe cam inho com teus pequenos
atos, pois ele virá em breve. Coragem , coragem! G enerosidade e amor! O inverno
da vida é curto e a prim avera será eterna!"
"Josefa nota que não p o d ia lem brar-se dos p ró p rio s term os dessa longa
efusão.
"Mas, na sexta - feira, 17 de agosto - continua ela, - q u an d o ia à m inha
cela p ara tentar escrever algum a coisa, de repente, N ossa Senhora apareceu
belíssim a e resplandecente de luz. Sorrindo suavem ente, repetiu tu d o o que
dissera na tarde de sua festa, depois deu-m e a m ão a beijar e desapareceu".
D urou essa paz ainda alguns dias. Na seg u n d a feira, 20 de agosto, Josefa
ocupou-se na m editação da palavra seguinte, Jesus é a luz do m undo".
"E de repente - diz ela - vi diante de m im um a grande cruz de m adeira toda
lum inosa. N o centro, resplandecia o coração de Jesus traspassado e cercado de
espinhos. Da chaga jorrava um a viva cham a e eu ouvi a sua voz que dizia:
"Eis o Coração que dá vida ao m undo. M as dá-a do alto da cruz. Também
as alm as escolhidas como vítim as para ajudar-m e a espalhar luz e vida sobre o
m undo, devem deixar com grande subm issão que as cravem sobre a cruz a
exem plo de seu M estre e Salvador".
A cru z continuará a ser pois, até o fim, sua luz e sua segurança. Sabe-o
Josefa oferece-se a ela. N a m esm a ta rd e , a S antíssim a V irgem v o lta p a ra
fortalecer, a sua generosa vontade. E no oratório do noviciado, onde Josefa está
ajoelhada, diante da im agem de Nossa Senhora, que M aria aparece subitam ente.
"Sim - diz lhe - dá-m e teu coração e eu o guardarei; dá-m e todas as tuas
atividades e as transform arei; dá-m e teu amor, tua vida... E eu passarei tu d o a
Jesus".
Depois, aproxim ando-se dela e pondo-lhe na fronte a m ão virginal:
"De todo o m eu coração de mãe, abençôo-te. Esta benção te dê coragem e
generosidade para cum prires toda a vontade de Jesus.

341
"Q ue poderás temer, filha; se confiares nele? N ão sabes que é todo poderoso...
que é bom... que é todo amor?..."
Josefa o sabe, m as sua alm a não pode deixar de recear a m issão de que está
encarregada. Os dias do retiro anual aproxim am -se porém , e neles concentra
suas esperanças. Ela os confia à mãe, p edindo socorro, pois não esquece que
essa época de graças abrirá diante dela o últim o período de sua vida.
M aria responde à sua prece com os seguintes conselhos m aternais:
"Se quiseres que a tua alm a aproveite plenam ente desses dias de graças, é
preciso prepará-los, repetindo freqüentem ente a oração que m eu filho Inácio
dizia com tanto ardor:
"Tomai e recebei, Senhor, toda a m inha liberdade, m inha m em ória, m eu
entendim ento e toda a m inha vontade".
"Sim, oferece tudo a Jesus, a fim de que se apodere e se sirva de ti segundo
seu ag rad o . M ultiplica teus p eq u en in o s atos de h u m ild ad e, m ortificação e
generosidade...
E assim que a tua alm a ficará pronta para ceceber, nesses dias abençoados,
as graças do Senhor. N ão esqueças que são os últim os exercícios espirituais de
tua vida. Deixa, pois, Jesus trabalhar em ti e preparar-te, como lhe aprouver,
p ara a união eterna."
Depois, lem brando o segredo do mais generoso abandono:
"Já que am as as alm as, pensa nelas e deixa-te tritu rar com o é necessário
para que se salvem ". Estas últim as palavras tornaram Josefa ainda m ais atenta.
A Santíssim a Virgem pousou sobre ela um longo olhar, como para prepará-la a
algum a nova oblação.
"Lem bra-te, filha - diz finalm ente - de que és com pletam ente indigna dos
favores de teu D eus. R ende-lhe p o rém graças, p o r se d ig n a r serv ir de tua
in d ig n id ad e e de teu nad a para salvar m uitas almas; m anifestando-lhes sua
M isericórdia".
Então , com toda a autoridade m aterna, M aria descobre a Josefa o próximo
futuro que a espera: terá que ir a Roma a fim de confiar, em pessoa, à Madre
S u p e rio r G eral a m en sag em d e q u e N o sso S enhor g u a rd a se g red o , e de
com unicar-lhe diretam ente seus desígnios sobre a Sociedade do Sagrado Coração
e sobre o m undo. Josefa fica aterrada ouvindo tais palavras. A perspectiva da
entrevista com o Bispo de Poitiers já lhe causa viva apreensão, apenas dominada
pela confiança em Deus. Será necessário sair ainda mais da obscuridade e do
silêncio que a protegeram até agora? Partir para longe; e principalm ente dar a
conhecer de viva voz essas coisas que já lhe custam tanto a revelar só às Madres
de Poitiers?... Sua alma fica desnorteada. Mas a Virgem conserva-a p o r longo
tem po a seus pés. Seu olhar, que é a um tem po força e paz, acalm a pouco a
pouco a tem pestade. Josefa, no íntim o da sua vontade, adere à de Deus. A
graça poderosa que triunfa de todas as suas repugnâncias a entrega, um a vez
mais, de olhos fechados, a essa Obra de A m or que tu d o pode exigir dela.
"N ão tem as - acrescenta por fim a Santíssima Virgem, - Jesus, que vos ama
com tanta predileção, dir-te-a seus desejos... tudo se há de fazer simplesmente

342
e hum ildem ente... Q ue graça para a Sociedade e com o sois felizes, filha, p o r
serdes instrum ento desta obra entre as m ãos de vosso Deus!".
M aria desapareceu e Josefa por m uito tem po fica abism ada na sua oblação.
"C om o Se fará isto?" Ela nem form ula essa interrogação. O trab alh o de
abandono, que D eus nela opera já dera passos de gigante. É nesta hora que se
percebe. Transm itiu o projeto de Nosso Senhor a quem de direito e, até à p artida,
não fez a m enor pergunta sobre isso. A palavra reveladora de sua vida inscreve-
se hoje na sua alma, como no prim eiro dia de sua chegada à França, (e quão
mais profundam ente): "D eus m e conduz".
Na sexta-feira, 24 de agosto, du ran te a Ação de G raças, Jesus a confirm a
naquela oferenda, que unicam ente o am or pode explicar e estabilizar:
"Dize-me, Josefa, tu d o que m e dirias se não m e visses. N ão é sem pre a ti que
cabe escutar, eu tam bém gosto de te ouvir".
Então, escreve ela, repeti-lhe m eu desejo de amá-lo, de lhe ser fiel, de nad a
lhe recusar. Mas, bem sabe como sou fraca!... Jesus me fitava com aquele olhar
tão lindo e tão bondoso que m e enche de confiança".
"Sim, dá-m e esta prova de teu amor, pois o am or torna tu d o fácil. Segue o
exemplo e m eu coração: Criei as alm as por am or e quero salvá-las p o r amor!
Que as alm as por sua vez, m e provem o seu! E se eu desejo com tanto ard o r ser
am ado pelas almas... quanto m ais p o r aquelas que são m inhas esposas.
"E tu, Josefa! Sabes a loucura de am or que tenho p o r ti, p o r tua p equenez e
tua miséria?
"Paga-m e com teus atos que são a m oeda do amor!"
"M eus atos, Senhor! são pequenos, tão miseráveis!"
"Pouco im porta, dá-m e tu a m iséria, enriquecê-la-ei e, em troca d e cada
sacrifício que m e ofereces, eu te pagarei com delicadezas de m eu coração".
Mas, aqui na terra, o comércio divino se opera em plano diferente dos nossos
planos hum anos. Josefa o sabe e ainda vai aprendê-lo melhor. Sua fé viva saberá
d e sc o b rir à so m b ra cad a v ez m ais e sc u ra d a c ru z , as p ro v a s d o a m o r
infinitam ente forte e delicado do Coração de Jesus.
Com efeito, antes de realizar a visita a Roma, resta a percorrer um a dolorosa
etapa que a preparará à m aneira de D eus p ara aquela.

343
Retiro no Sofrimento
25 de agosto - 2 de outubro de 1923

"Trabalho na o b scu rid a d e mas a m in h a


obra virá à lu z de tal m od o que se lhe
p ossam um dia admirar tod o s os
p o rm en o res"

(Nosso Senhor à Josefa - 30 de agosto de 1923).

N ove dias ainda faltam para a abertura do retiro que ela tanto desejara! O
últim o de sua vida... nove dias de trevas e sofrimento, pois nen h u m a claridade
brilha sobre o cam inho de que o dem ônio parece ter-se assenhoreado.
"N ão posso dizer a que ponto m e atorm enta, noite e dia, corpo e alm a -
escreve Josefa... M uito sofri até o dia 2 de agosto, em que os exercícios espirituais
com eçam para a com unidade".
Estes dias de desolação tanto a p erturbaram , que ela m al teve força para
afrontar novo esforço. Lê-se no seu caderno íntimo:
"O Jesus, vós m e abandonastes? Vêde com o estou! E ntretanto vos amo...
sim, am o-vos m ais que tu d o no m undo... Q ueria fazer tu d o o que vós quereis
de m im , m as não estou certa nem do que farei dentro de um instante!... Sou um
abism o de orgulho e de corrupção!... Sinto cada vez m ais m inha im potência...
n ão sei o que me está acontecendo... é como se eu não tivesse m ais vontade,
pois faço e digo o que eu não queria nem fazer, nem dizer, e m e sinto im pelida
p ara o m al." Ó Jesus, não posso m ais responder por mim!... M as conto convosco,
abandono-m e. Sei que me sustentareis e que me perdoareis, sei que m e amais!"
"Q ue angústia! - escreve ainda. - Vós só, m eu Deus, sabeis a m inha aflição!
A cru z m e pesa... a estrad a p o r o n d e m e levais parece su p erio r às m inhas
forças... Senhor! Vinde em m eu socorro, levantai-m e, ilum inai-m e.
"Hoje à tarde, quarta-feira, 29 de agosto, continua Josefa, algum as linhas
abaixo - Jesus veio por um instante. Vi seu Coração e com preendi que seu am or
p or m im não tem m edida, seu olhar m o disse. Lancei-me a seus pés e desabafei
m eu coração no dele".
"Q ue im porta! - disse - Eu sou rico, poderoso, am ante e fiel. Já não te disse,
e quantas vezes que te am o por causa de tua m iséria e de tua fragilidade? Crê
em m inha palavra e fica em m inha paz! A proveita estes dias de retiro para
corresponder com m uito am or às graças com que te cum ulei. Recitarás todos
os dias cinco m iserere, acrescentando-lhe um Pai N osso para h o n rar cada um a
das m inhas chagas. Esconde-te nelas... sejam elas sem pre o teu refúgio. H um ilha-
te e nada tem as, sou teu am paro, tua vida e te defenderei sem pre".
"Ah! - exclama - como essas palavras bastariam p ara tornar santa o utra que
não fosse eu!... E m inha alm a fica insensível... o dia inteiro se passou em horríveis
tentações. Oh, m eu Deus! como estou sofrendo! Só Vós sabeis e entretanto eu

344
queria amar-Vos... não m e posso separar de Vós!"
Poderá Jesus resistir a um apelo destes?... N o am anhecer de quinta-feira,
30 de agosto, ela se encontra de novo a si mesma:
"Eis-me a vossos pés, como sou, Senhor! Miséria, pecado, ingratidão, um ser
digno de todo o desprezo! M as vejo-vos, a vós, tal qual sois: Amor, b o n d ad e e
misericórdia!
Esta d upla afirm ação é das que encantam ao coração do M estre. A h um ilde
confiança que não duv id a dele o atrai, obrigando-o a inclinar-se.
"Veio de repente - escreve Josefa - belíssim o e boníssimo!"
"N a d a tem as. N ão sabes q u e m eu coração n ão tem o u tro desejo senão
consum ir as tuas m isérias e consum ir-te a ti... conheço e amo-te! N u n ca m e
enfastiarei de ti."
"Q uanto m ais dele m e aproxim o - prossegue ela - tanto m ais sofro p o r não
saber am á-lo e o m eu único recurso é pedir-lhe perdão".
"Bem sabes, - respondeu - que estou pronto para te perdoar, não u m a vez,
mas cada vez que tua fraqueza sucumbir. Se és fraca, sou forte. Se és miséria,
sou o fogo q ue consom e. A proxim a-te de m im com confiança e d eixa-m e
purificar a tua alm a".
"Então, a cham a de seu Coração jorrou sobre m eu peito.
"E agora, tom a a coroa. Ela será testem unha de m eu perdão e de m eu amor.
D eixa-te g u iar, sê m u ito h u m ild e e fiel. Eu te c o n d u z o e m in h a ação te
g overnará".
"Rendi-lhe graças e supliquei-lhe que não perm itisse que eu fosse obstáculo
à sua obra".
Jesus a tranqüiliza com palavras que só dos seus lábios p odem sair:
"N ada temas! Eu trabalho na obscuridade, m as m inha obra virá à luz, de
modo tal que se possam um dia adm irar todos os porm enores".
A paz, na qual o M estre a deixa, não é senão um intervalo. Sem pre sim ples
e atenta ao m om ento presente, Josefa tenta m ergulhar nas m editações que se
sucedem nos prim eiros dias dos santos exercícios. C ontinua a anotar os seus
desejos.
"M editei sobre a m orte - escreve a I o de setembro - e certo m edo se apoderou
de mim, pensando que está tão próxim a. M as criei coragem e m esm o fiquei
consolada com o pensam ento do passo definitivo que darei, daq u i a quatro ou
cinco meses. Por que tem er? N ão tenho m érito algum , é certo, m as os m éritos
de Jesus não são meus? N ão será preciso contar com ele que p o d e tu d o e é todo
misericordioso!
Sim, Jesus é bom , m isericordioso e é m eu esposo. Se eu viver nele, m orrerei
nele, para encontrá-lo sem tem or de jam ais o perder! Oh! divina e eterna união,
vinde, vinde! Eu vo-lo digo sem m esm o sentir esse desejo! Pois m inha natureza
receia... tenho m edo de que m eu coração me atraiçoe... Oh! m eu Deus! Bem
sabeis que esse coração am a e se apega. Mas, abandono-vos tudo, vós só, Jesus!
Vosso Coração somente!"
E certam ente a hora de apoiar-se só em Jesus! Este sábado, I o de setembro,

345
lhe trazia o aviso de que no dia seguinte, o Bispo de Poitiers, respondendo à
com u n icação q u e lhe fora feita, d ig n av a-se vir ao S ag rad o C o ração p ara
conceder-lhe um a curta entrevista.
O silêncio do retiro, que envolve toda a casa, encobrirá esta visita episcopal.
Assim , no m eio de circunstâncias hum anas, o M estre divino dirige todos os
porm enores da sua obra e m antém à distância, sobre a força de sua vontade, os
poderes infernais cuja irritação fica sufocada p o r algum tempo.
"N ada receies. Estás em m inhas mãos, - repete à Josefa d u ran te a H ora Santa.
- Sê m uito sim ples estarei contigo e te direi tudo".
"Hoje, 2 de setem bro, - escreve ela depois da visita do Bispo - falei pela
p rim eira vez com M onsenhor. Eu estava m u ito com ovida a p rincípio, mas
depois, pouco a pouco, fiz como se falasse a N osso Senhor em pessoa e m inha
alm a encontrou junto dele tanta paz que não posso exprimir.
D isse-lhe to d a s as m in h as re p u g n â n c ia s co n tra este cam in h o , m in h as
tentações de evitá-lo, m in h a pouca força p ara resistir, e a an g ú stia q u e se
ap o d era às vezes de m im , q u an d o vejo a m inha im potência em m a n ter as
re so lu ç õ e s. M o n se n h o r m e d isse p a la v ra s tão b o n d o sa s, q u e m u ito me
fortificaram e consolaram ".
Josefa nada m ais escreve sobre esta hora bendita de D eus e que deveria ter
tan ta repercussão p ara a obra do am or. O bservara fielm ente as indicações
m inuciosas, do M estre, entregara ao bispo a m ensagem ditada só p ara ele e que
ficará secreta. Com unicara-lhe os desígnios de N osso Senhor sobre o m u n d o e
depois, respondendo com sim plicidade a todas as perguntas do prelado, abrira
sua alm a, com o mais respeitoso e filial abandono, diante daquela paternidade
que, para ela, era a do p ró p rio Deus. N o m esm o dia, a su p erio ra d e Josefa
escrevia à Reverendíssim a M adre Geral:
"A entrevista desta m anhã foi simples, fácil e consoladora. M onsenhor veio
sozinho. A santa missa, no oratório de Santo Estanislau, no m eio da com unidade
em retiro, com um belo canto polonês das noviças e algum as palavras de sua
Excelência, foi um verdadeiro m om ento de graça. Depois, executam os, ponto
p o r ponto, a linha de co n d u ta traçada com tanto am or e clareza p o r Nosso
Senhor, cujo Coração nos tem sido até aqui tão fiel. D epois, sua excelência,
m uito paternal e benevolente, - já a p ar de tu d o p o r interm édio o R. Padre
B oyer - ficou só com Josefa, d u ra n te u n s q u a re n ta m in u to s... A cab ad a a
e n tre v ista , M o n sen h o r d ig n o u -se d izer-n o s q u ão co m o v id o estav a com a
sim plicidade e a cand u ra daquela filha, que lhe falava despretensiosam ente
n u m francês pitoresco, m as com a alm a cheia de Deus. M onsenhor, levou as
palavras que lhe haviam sido dirigidas pessoalm ente nos dias 11 e 12 de junho,
pedindo-nos que m uito rezássem os e dizendo que estava disposto a en trar nos
desígnios de Deus. S. Excia. voltará talvez antes de novem bro. Mas que conforto
e p az deixou esta prim eira visita!"
"Farei tudo, dissera N osso Senhor e mais um a vez se realizara sua palavra.
Josefa tornará frequentem ente a ver Sua Excia. M onsenhor de D ufort. Até o
fim será ele o apoio e segurança de seu cam inho. Lerá todos os seus escritos e

346
dignar-se-á a interrogá-la e am pará-la. Ela receberá de suas m ãos a Extrem a
Unção, e diante dele pronunciará os últim os com prom issos da profissão religiosa.
M uitas vezes, nos últim os dias de sua vida, conversará ele com Josefa. E
q u an d o ela tiver consum ado sua oblação e term in ad o su a carreira aq u i na
Terra, o bispo de Poitiers fará questão de d ar à hum ilde privilegiada do Coração
de Jesus as bênçãos suprem as da Igreja. M as, por enquanto, o divino M estre se
m ostra cioso da hum ildade e do apagam ento de seu instrum ento. As horas de
desafogo só duraram no seu pensam ento o suficiente p ara galgar um a encosta
g ra v e e d ecisiv a. N ão se p ro lo n g a ra m ; e logo n a s e g u n d a -fe ira , 3 d e
setem b ro , as trevas in v ad em de novo a alm a de Josefa; secura, ab an d o n o ,
desolação, tentação de desespero... nada lhe é p o u pado, nem m esm o a presença
do dem ônio!... é nesse caos de sofrim ento que ela continua os exercícios do
retiro... Seu caderno não traz mais que estas palavras que são u m grito e angústia:
"Sexto dia... aqui p erd i m eu Jesus. Com o tenho feito este retiro? Só D eus
sabe!"
Sim, Deus sabe, e é no meio desses sofrim entos indizíveis que o am or trabalha
no aperfeiçoam ento da obra e na consum ação da vítim a. D eixa-a roçar no
fundo da sua própria m iséria e esm aga-a sob o peso do rigor divino. Dá-lhe a
viva im pressão do fim que se aproxim a, do vazio da sua p ró p ria vida, d a
resp o n sab ilid ad e das graças em que está m e rg u lh ad a. A o m esm o tem p o ,
condena-a à total im potência e consome-a com a sede insaciável de amá-lo.
Josefa não sabe como trad u zir essa aflição, aum entada ainda pelo doloroso
esgotam ento físico e pelos assaltos noturnos do inim igo incansável.
A ssim vai te rm in a r o m ês de setem b ro . A p en as alg u m a s e stia d a s lhe
sustentarão a coragem.
"Na sexta-feira, 14 de setem bro - escreve ela - vi o Revmo. P adre Boyer.
Ele m e colocou de novo no cam inho da confiança e, em bora eu sofra tanto
por não po d er am ar a Jesus como desejaria, estou tranqüila p orque tu d o espero,
não de m im m esm a, m as dos seus m éritos e da sua m isericórdia".
A quele C oração infin itam en te bom , que a am p ara sem q u e ela o sinta,
aparece-lhe de repente, na m anhã de 18 de setem bro.
D urante a Ação de Graças - escreve ela nesse dia, terça-feira- estava eu a
adorá-lo e a am á-lo por meio do coração de M aria Santíssim a, pois de n ad a sou
capaz, q u ando subitam ente o vi, belíssim o com o coração todo abrasado.
Com bondade indivisível disse:
"Josefa! Vem aproxim a-te deste braseiro de amor. Traze aqui todas as tuas
misérias para consum í-las neste fogo".
"Pedi-lhe que tivesse com paixão de mim, pois cada dia sou m ais indigna,
não som ente de suas graças, m as de seu perdão e de sua m isericórdia".
"N ad a temas! A proxim a-te! Q u an to m ais m iséria acho em ti, tan to m ais
amor acharás em m eu Coração!"
"Então, encostou-m e ao coração e eu lhe disse todos os m eus desejos... e
tam bém todos os m eus pecados a fim de que m e perdoasse".
"C onheço tu a m iséria, Josefa, e en carreg o -m e de rep ará-las. Em troca,

347
consola-m e e repara pelas almas".
Convencida da sua própria indignidade, Josefa se adm ira que o M estre conte
ainda com ela.
"Já não te disse - continua o Senhor - que eu m e encarrego de tudo? Eu
reparo p o r ti, repara tu pelas almas".
E depois de ter rean im ad o sua confiança e orien tad o o seu olh ar para o
horizonte das almas, recorda-lhe a aproxim idade de nova missão.
"E agora, - diz - escuta bem; tenho m uitas coisas a confiar-te p ara o bispo e
para a M adre Geral.
"Sem d ú v id a algum a, tu não és digna de receber e tran sm itir as minhas
palavras m as, quando me sirvo de ti, faça-o p o r am or às almas.
"E n q u an to esperas, - acrescenta - conheces m eus gostos: desejo m uitos
p eq u en in o s atos e h u m ild ad e. Deixa o am or escolhê-las com delicadeza e
generosidade".
A inda duas vezes, nas sextas-feiras, 21 e 28 de setem b ro , - no m eio das
trevas que escurecem seu cam inho, a claridade do Senhor brilhará subitamente.
Ele virá para m andá-la escrever, sob seu ditado, a m ensagem direta, reservada
à Sociedade do Sagrado Coração, que ela terá de entregar à sua M adre Geral.
"Q uero que a digas tu m esm a"- insiste nosso Senhor.
São m o m en to s so len es cujo alcance e g ra v id a d e Josefa com p reen d e: a
a m p lid ã o d o s d e síg n io s de D eus u ltra p a s s a d e tal m o d o se u s p ró p rio s
pensam entos, suas previsões e m esm o seus receios, que o nada do instrum ento
se to m o u para ela a m ais evidente das realidades. N ada m ais há a fazer para
co rresp o n d er aos projetos divinos, senão ab an d o n ar-se na fé: Josefa atinge
aquele cimo onde fixará o Mestre:
"Deixa-te conduzir de olhos fechados - disse - pois sou teu pai e tenho os
m eus abertos para te conduzir e te guiar". (18 de setem bro de 1923).

348
XII - ROM A

A Casa Madre: Garantias Divinas


2 a 26 de outubro de 1923

"A ssim com o o sol resp la n d ece ainda


m ais d ep o is de um dia som brio, do m esm o
m od o, d e p o is d este grande so fr im e n to ,
m in h a obra aparecerá com toda sua
cla r id a d e " .

(Nosso Senhor à Josefa - 14 de outubro de


1923).

"Pela segunda vez, Josefa vai deixar os Feuillants e, desta vez, p ara um a
longa viagem. Depois que N osso Senhor, apoiando a palavra de sua m ãe (20 de
agosto de 1923), m anifestara a vontade expressa de que Josefa transm itisse à
Madre Geral um a m ensagem pessoal a respeito da obra de seu coração, m uitas
trocas de correspondência, e orações principalm ente, p rep araram a realização
desse desígnio. Aliás, aquele que inclina os corações no sentido de seus cam inhos
misteriosos, já havia m uito inspirara à Superiora G eral do Sagrado C oração o
pensam ento de conhecer aquela filha. De Roma ela a seguia com m atern al
bondade é certo, m as tam bém com a mais circunspecta e clarividente prudência.
Agora, essa sabedoria so b ren atu ral que sem p re d irige os am igos d e D eus
pro cu ra, p a ra o c u m p rim e n to d e sse p ro je to , o sin a l d a s c irc u n stâ n c ia s
providenciais.
Em breve, um retiro vai reunir na Casa M adre grande núm ero de superioras
que virão de todas as casas o Sagrado Coração, na E uropa, p ara uní-las no
mesmo espírito e no m esm o fervor. N ão será o sinal de D eus? N ão p o d eria
Josefa acom panhar a Superiora dos Feuillants convidada tam bém a Roma?
A ida de Josefa não achará razão de ser no acréscimo de trabalho que trará
à Casa M adre a afluência das retirantes? Decide-se a viagem, a partida é anunciada.
Entra na ordem das oblações que a obediência pede frequentem ente na vida
religiosa , sem que o coração jamais a elas se habitue. O de Josefa é p o r dem ais
conforme ao Coração de Jesus, p ara que sua delicada sensibilidade não sinta
vivamente o sacrifício de tu d o quanto am ara nos Feuillants: M adres, irm ãs, a
cela a b en ç o ad a d a M ad re F u n d a d o ra , a cap ela, os c o rre d o re s, to d o s os
queridíssimos lugares que, para ela são o cenário de tantas graças insignes!
Será definitivo seu adeus? Ela o crê. U m a m ad re de q u em fora au x iliar
dedicada du ran te quase dois anos escreverá, ao recordar essa partida:
"Encontrei-a diante da capelinha das O bras de que ela tanto gostava e da
qual v in h a d esp ed ir-se. N o lim iar d a casa d o Senhor, o n d e ta n ta s v ezes
estivéramos juntas, fizem os u m pacto de oração p ara ficar u n id a s em seu

349
coração. "Q ue pedirem os um a pela outra?" Perguntei-lhe. E com o Josefa se
calasse, acrescentei: "Q ue Jesus cum pra perfeitam ente seus desígnios sobre
nossas alm as".
- Sim , re p o n d e u lo g o , a v o n ta d e d e D eus: tu d o e stá n isso . Seja ele
perfeitam ente livre em nós". Depois continuou: "Por m aior que seja o sofrimento
de cada dia, a graça de cada dia nunca falta para carregá-lo". Pela expressão
de seu olhar, adivinhei que u m sofrim ento intenso devia ser naquele momento
para ela a expressão da vontade divina e, ao mesm o tem po, a prova atual de
seu amor.
N o m om ento da partida, ela me disse ainda: - "Estou feliz p o r oferecer a
N osso Senhor o sacrifício desta casa. C ustou-m e deixar a Espanha; agora me
custa deixar a França; é a pátria da m inha alma, o berço da m inha vida religiosa,
m as é a vontade de D eus".
Na terça-feira, 2 de o u tu b ro de 1923, ao m eio dia, p artiam p ara Roma,
Josefa e a sua Superiora. Jesus em pessoa ia tornar-se com panheiro divino da
prim eira jornada: Mal o trem se põe em m ovim ento, recolhida no compartimento
repleto, Josefa m ergulhou na oração. Tantas emoções diversas lhe enchiam o
coração que só se podia acalm ar em silencioso contato com o hóspede interior.
N ão precisa ela procurá-lo, o p endor de sua alma tende para aquela solidão,
que ruído algum exterior pode perturbar. Logo se percebeu que estava absolvida
pela presença que é tu d o para ela.
De repente, Jesus lhe aparece. Q uem , entre os viajantes que a cercam, vão e
vem , entram e saem, suspeitaria aquilo que olhos fechados da hum ilde irmãzinha
estavam contem plando?...
- O lha para m eu Coração - Diz Jesus e jorravam -lhe da chaga centelhas
ardentes. - As alm as não sabem vir buscar neste coração as graças que sobre
elas desejo derram ar. Tantas há que não se deixam atrair pelo im ã divino de
m eu am or! Eis p o rq u e tenho n ecessid ad e de alm as escolhidas. Q uero que
espalhem este imã por toda a Terra. N ão podes saber, Josefa com o me glorificam
e servir-m e-ei de ti para derram ar sobre o m undo m inhas graças e m eu amor".
Jesus desapareceu... mas, pela tarde, um pouco antes da chegada a Paris,
voltou e confirm ou os seus Planos sobre esse período da vida de Josefa.
"Q uero salvar o m undo - disse - e quero servir-m e de vós, pobres e miseráveis
criaturas, com unicando-vos m eus Desejos, a fim de que, por vós, m uitas almas
conheçam a m inha M isericórdia e o m eu A m or".
E p e r g u n ta n d o Josefa a in d a u m a v ez, o q u e faria lá, n esse "lá" que
representava para ela a ansiedade do desconhecido:
"N ada receies, - responde Jesus. - Eu te direi. Sou eu m esm o que te conduzo...
Falarás sem m edo, Josefa, pois é o meio pelo qual vão com eçar a realizar-se
m eus desejos".
Depois, tom a a insistir:
N ada receies. M eus passos ficam às vezes como em terra arenosa e, a certas
horas, m inhas pegadas parecem desaparecer. M as não é assim. Q uanto a ti, sê
m uito dócil. De nada te preocupes e não te inquietes com o que se possa dizer

350
ou pensar de ti. Sou eu que tudo guio, e sei o que convém à m inha obra".
A nim ada com essa bondade paternal, Josefa ousa ainda confiar-lhe tu d o o
que a com ove e perturba:
"Se não tivesses fé, eu com preenderia - torna N osso Senhor. - M as se crês em
m im , p o r q ue te inquietas? G u ard a estas p alav ras, Josefa! Eu trab a lh o na
obscuridade e entretanto sou luz. Já mais de um a vez te preveni que virá hora
em que tudo parecerá p erd id o e m inha obra aniquilada. M as hoje, declaro de
novo: a luz tornará a brilhar e com m ais intensidade ainda!"
Afirmações destas anunciam evidentem ente o que Roma reserva à Josefa e à
obra cujo depósito precioso leva na sua alma. Será preciso sofrer m uito, m as
ficar certa do apoio de Jesus. Q ue sofrim ento será esse, tão claram ente predito?
N ada o dá a suspeitar, q u an d o as viajantes desem barcam em Roma, a 5 de
o u tu b ro d e 1923, p rim e ira sex ta-fe ira do M ês, p elas d o ze h o ra s e m eia.
Já m uitas superioras as haviam precedido; sucedem -se o u tras chegadas e,
na alegria religiosa e tantos encontros, a irm ãzinha que vem p ara ajudar - pelo
menos, é o que pensa - desaparece na som bra tão cara a seu coração, depressa
se perderá no meio das irm ãs e ficará fam iliarizada com o grande préd io tão
bem cham ado: "Casa-M ãe". Sente-se logo à vontade, transbordante de alegria
e confiança. Q uer tanto bem às Madres!... A prim eira entrevista com a M adre
Geral foi m ais um a prova de que N osso Senhor lhe estava abrindo cam inho.
Sua bondade m aterna a confunde, seu acolhim ento a cum ula de gratidão.
Josefa já ap recia de an tem ão , o p ra z e r de d e s p e n d e r su a s forças p a ra
colaborar, o m ais que p u d e r no trabalho da casa, que em brev e se to rn ará
cenáculo.
Encontra ali tam bém m uitas superioras e jovens religiosas espanholas que
conhece. O uvir falar a sua língua, tom ar assim algum contato com a pátria tão
cara, é para ela um a surpresa deliciosa; não há som bras nessa felicidade singela
e profunda, cujo segredo a vida religiosa conhece e nos proporciona, de vez em
quando. Josefa goza com sim plicidade e com todo o seu coração ard en te e
delicado. Parece-lhe que as nuvens se dissiparam sob cálido sol e que, p o r um a
vez pelo m enos, ela é, nada mais, nada m enos, do que um a h um ilde coadjutora
da "Sociedade" que tanto ama!
M as são o u tro s os d esíg n io s de D eus e, sem d em o ra , le m b ra rá à su a
m ensageira que ela veio, não p ara gozar, m as p ara sofrer e ajudá-lo na sua
obra de amor.
No sá b ad o , 6 de o u tu b ro , m arca um a en trev ista, pois, - explica ele - é
preciso que ela escreva os desejos de seu coração para com a M adre Geral.
Sempre fiel, ela tom a de novo o jugo das exigências divinas, tão contrárias a
seus atrativos, e, enquanto a Casa M adre, na antevéspera da abertura do retiro,
enche-se de recém -chegadas e de alegria, ela recebe, no silêncio da cela ocupada
por sua Superiora, a m ensagem que Jesus vem, em pessoa, ditar. O segredo
dessas páginas não poderia ser publicado; fica reservado à Sociedade do Sagrado
Coração. M as, cplocada assim diante de sua missão, Josefa se assusta e sente
subir a seu coráção o surto nunca apaziguado de suas apreensões

35 /
D u ra n te a A ção d e G raças, no d ia seg u in te, d o m in g o , 7 d e o u tu b ro ,
N osso Senhor, respondendo à ansiedade de sua alma, lhe aparece.
- "Por que estás triste ?" - Pergunta, como aos discípulos de Em aús.
" S en h o r", - re sp o n d e ela - esto u triste p o r m e v e r n este c am in h o tão
extraordinário onde m e parece às vezes que me vou perder".
"N ão sabes, Josefa, que nunca te deixo sozinha? M eu único desejo é revelar
às alm as o amor, a m isericórdia e o perdão de m eu coração. Foi para isso que te
escolhi, m iserável, como és. N ão te inquietes, am o-te e tua m iséria é justamente
a causa de m eu amor. Q uis-te para m im e, porque és m iserável, fiz milagres
p ara te g u a rd a r cuidadosam ente... Sim, am o todas as alm as, m as com que
predileção as que são mais fracas e m ais pequenas!"
apoiando com firm eza nas palavras:
"Am ei-te e guardei-te, Josefa. Amo-te e guardo-te! A mar-te-ei e guardar-te-
ei sempre! Esconde-m e em teu coração com amor. Q uanto a m im , conservo-te
no m eu Coração com ternura e m isericórdia".
A lguns instantes m ais tarde, d u ran te a m issa de nove horas, o M estre lhe
aparece ainda. N ada denota a divina presença. Ajoelhada no meio das irmãs,
depois de ter renovado os votos e adorado aquele que só sabe descrever dizendo:
"Veio form osíssim o, recolhe as seguintes palavras:
"Procuro a am or de m inhas alm as e venho to m ar a dizer-lhes o que quero,
o que peço, o que suplico que m e dêem: amor, só amor. Q uanto a ti, Josefa, sê
bem fiel e dócil: dir-te-ei tu d o à m edida que for necessário, e brevem ente levar-
te-ei para a claridade sem fim. Então m inhas palavras se lerão e m eu am or será
conhecido!.
Pela tarde do dom ingo, Jesus como dissera, tom a a continuar a sua mensagem.
Q ue silêncio, aqui com o nos Feuillants, envolve essas m aravilhas de amor!
N a cela em que Josefa se reúne à sua superiora, o Senhor se manifesta, não
p ara ela, m as para a "Sociedade" da qual se designará servir, para comunicar
ao m u n d o as riquezas insondáveis de seu Coração.
Assim que ele desaparece, Josefa volta ao trabalho hum ilde e simples como
sem pre, entregando à prudência das suas superioras os segredos de que é apenas
frágil e inútil interm ediária.
F reqüentem ente irá pessoalm ente levar à R everendíssim a M adre Geral as
folhas em que escreve os desígnios do Mestre. Essas visitas, cercadas de completo
segredo enchem -na de confusão. Josefa nunca se afasta de sua habitual reserva
m as, esquecida de si m esm a, acom panha-a com terna e respeitosa expansão
filial. Aliás, N osso Senhor g u ard a a sua alm a em doloroso sentim ento da própria
miséria. É a linha clara de sua ação e que oposição, que hum ilhação de ordem
hum ana; poderia atingir a profundeza daqueles aniquilam entos a que o próprio
D eus red u z a sua criatura quanto lhe apraz?...
Josefa se deixa destruir p o r essa poderosa mão.
"M as - escreve na seg u n d a-feira, 8 de o u tu b ro - estava dizendo a Nosso
Senhor, d u ran te a Ação de Graças, como tenho m edo de seu julgam ento, quando
m e vejo tão perto da m orte e m inha vida vazia diante dele!...

352
"Ele veio de repente, formosíssimo, e olhou para m im com b o n d ad e im ensa".
Josefa gosta de notar o olhar, p o r si só já é a paz. Q uantas alm as, lendo estas
linhas, criarão ânim o com a certeza desse olhar que penetra e purifica, fortalece
e pacifica, desse olhar do qual a fé viva não nos deixa duvidar. Q u an d o os
olhos de Jesus a sondaram até o fundo:
"Tudo isso é verdade - diz ele - se não vires m ais que tuas obras. M as serei eu
que te apresentarei diante da corte celeste. Sim, eu m esm o p rep aro a túnica
com que te vestirei. Está tecida com o linho precioso de m eus m éritos e tinta
com a p ú rp u ra de m eu sangue. M eus lábios im prim irão em tua alm a o ósculo
de paz e amor. N ada tem as, não te abandonarei até que te tenha conduzido ao
país de eterna luz".
"Jesus m e tirou o m edo que eu tinha de m orrer"- acrescenta sim plesm ente
Josefa.
N a m esm a m an h ã, Josefa, au x ilian d o as irm ãs na lav an d eria sen te u m
prim eiro sintom a que nada levava a prever: um pequeno vôm ito de sangue,
que ela esconde a princípio. A palidez de seu rosto revela, porém , o acidente. O
médico não acha nada de inquietante. Mas depois de longo exame, p erg u n tan d o
a sua idade - trinta e três anos - adm ira-se, "pois, diz ele - seu organism o acha-
se tão gasto!" N ão era para menos; o m istério das suas noites e de seus dias
dolorosos basta para explicar esse esgotam ento prem aturo. M as esta causa fica
no dom ínio de D eus. Josefa será o b rig ad a a d escan sar u m p o u co nos dias
seguintes, sem abandonar p o r com pleto, nem o trabalho, nem a vida com um .
A u m a d as R ev eren d as M ad res A ssisten tes G erais q u e b o n d o sa m e n te se
inform ava de seu cansaço:
"Já que vou morrer, - respondeu ingenuam ente, - é preciso que eu tenha
qualquer coisa!"
O cansaço físico, entretanto, nada é diante do que a espera. Subitam ente,
volta à cena o dem ônio. Na m esm a tarde, seu artifício infernal consegue enganar
Josefa. - Sob as aparências de N osso Senhor, tenta desn atu rar o plano divino, a
princípio com p alav ras m elífluas, que logo se tran sfo rm am em afirm ações
orgulhosas e arrogantes. O próprio excesso da astúcia diabólica acaba p o r se
revelar, pois não é a prim eira vez que ele se disfarça em anjo de luz. Descobre-
se então, m uda de aspecto, ameaça, blasfem a e desaparece no meio da fum aça
escura, deixando Josefa, no prim eiro instante, subjugada pelo p o d er satânico e
depois desnorteada, apavorada e incerta.
"E ntrei - escreve ela pouco depois - em d ú v id a tão p ro fu n d a q u e creio
realmente ter sido joguete do dem ônio, desde o começo! Creio tão firm em ente
que tu d o o que até agora vi foi obra sua, que só m e resta suplicar a N osso
Senhor que dê luz a m inhas Superioras para que conheçam a verdade".
Na terça-feira, 9 de ou tu b ro , continua: "Sem pre a m esm a d o r e a m esm a
ansiedade!
O pensam ento de que todas essas coisas nunca foram de N osso Senhor, m as
somente do dem ônio, me lança em terrível angústia! Só peço um a graça, a de
que as M adres tam bém percebam isso!"

353
Um clarão de paz e de verdade ilum ina um pouco a entrada nessa grande
tribulação. Nesse dia, Nossa Senhora responde à súplica da filha. Josefa está
tão perturbada que não crê na realidade daquela presença. Mas depois de ter
escutado a renovação dos votos e repetido com ela os louvores divinos, M aria a
tranqüiliza e diz:
"Sim, filha, sou eu m esm a, a m ãe de Deus, a m ãe de Jesus que é a pureza e
a luz eternas. Sou eu m esm a, tua M ãe/q u e venho trazer-te a paz.
"N ada receies, - acrescenta, - Jesus te defenderá e fará de m odo que a astúcia
do inim igo seja sem pre descoberta, cada vez que tentar enganar-te. Se estiveres
em dúvida, dize-lhe com coragem: "Retira-te, satanás, nada tenho a ver contigo,
que és só m entira. Pertenço a Jesus que é verdade e vida". N ada temais, filhas
m inhas, o coração de Jesus vos am a e vos há de guiar até o fim. Amo-te e te
abençôo, Josefa, fica em paz!"
Essas palavras a confortam p o r algum tem po. Mas, é chegada a hora das
trevas. O dem ônio im prim e-lhe tão fortem ente no espírito a convicção de ter
sid o e n g an a d a d u ra n te três anos que, q u alq u er o u tra evidência, longe de
pacificá-la, lança-a em ansiedade maior, porque, além dessa dolorosa certeza,
acrescenta-se a de haver, sem querer, arrastado ao erro todas as pessoas que a
sustentavam até então. Essa visita a m ergulha em tão p u n g en te agonia que
parece nunca ter atravessado aflição sem elhante. Só D eus p o d e avaliar esse
sofrim ento agudo que não tem onde se apoiar... m as só ele tam bém calcula,
nessa hora, o valor de um a fé e de um abandono que tocam talvez às raias do
heroísm o: Josefa só procurou ser fiel dentro da verdade. O seu desprendim ento
do cam inho que havia pensado ser de Deus, a hum ildade com que, no meio
dessa obscura noite, aceitara todas as conseqüências do que cham ava "seu
desregram ento"... a dolorosa paz que a prende, apesar de tudo, unicam ente à
vontade de Deus, a entrega de si própria à m isteriosa conduta cujos vestígios
nem m ais enxerga, a sim plicidade na obediência que só espera segurança na
palavra de suas superioras: não é isso tudo, nela, sinal autêntico do espírito de
Deus?
Enquanto o dem ônio em prega o po d er que lhe é concedido e todos os seus
esforços parecem triunfar da obra do Coração de Jesus, os olhares atentos que
o bservam Josefa discernem , no m eio da tem pestade, a ação cada vez mais
lum inosa daquele que dá nessa filha, prova indubitável de sua presença e de
seus desígnios.
"Trabalho na obscuridade, e entretanto sou Luz". N unca m elhor que então
se realizou esta declaração divina. Q u an to a Josefa, ju lgando-se abaixo de
qualquer com paixão e digna de todo o desprezo, continua hum ildem ente seu
trab a lh o , a p e sa r de seu cansaço q u e a ex ten u a. O d em ô n io n ão cessa de
acabrunhá-la com m entirosas acusações sem conseguir esgotar-lhe nem a fé,
nem a energia. Encontra-o ela nos corredores e nas escadas daquela Casa M adre,
o nde su p u se ra estar ao abrigo de seus ataques. N em as noites escapam às
perseguições diabólicas. Deus não perm ite que as afirm ações das Superioras
possam acalm ar-lhe a angústia. Parece tê-la abandonado; e sua prece, que é

354
antes um grito de socorro, fica sem resposta. Passa-se assim um a longa sem ana.
Raio algum de esperança desponta no horizonte; Josefa carrega, sem vergar, a
sua cruz e sem que nada exteriorm ente denote seu intenso padecim ento. M as o
rosto m ostra-se-lhe abatido e as forças esgotadas. Em vão, a bondosa com paixão
da M adre Geral procura para ela algum alívio.
M ater A dm irabilis, a milagrosa M adona da "Trindade dos M ontes", a verá
a seus pés e lhe ouvirá o doloroso apelo. Sua Santidade Pio XI a abençoará e lhe
d ará a m ão a beijar em um a audiência de passagem . A fé viva de Josefa se
apoiará sobre essa graça inestim ável. Sua alma de filha da igreja estrem ecerá
de gratidão e haurirá força para sofrer, sem que a cruz cesse um só instante de
pesar rudem ente sob seus ombros. A quele cuja sabedoria assim dispõe de tudo,
guarda para si a hora da libertação.
N o dom ingo, 14 de outubro, d u ran te a Ação de Graças , Josefa se encontra
de repente em presença do Mestre, que serena as ondas e aplaca as tem pestades.
E põe-se a hesitar, teme, quer d u v id ar e afastar p ara longe de si a visão que
pensa ser enganadora.
"N ada receies",
responde Jesus, com aquela voz forte e suave, que desafia qualquer artifício
diabólico. E como, tendo renovado os votos, Josefa persistisse energicam ente
sua intenção de resistir a todo o engano:
"N ada receies - repete o mestre. - sou Jesus, sou o esposo ao qual te un em os
votos de Pobreza, C astidade e Obediência que acabas de renovar. Sou o D eus
da paz!"
Essas palavras invadem -lhe a alma com tal poder, tal segurança, que é inútil
continuar a resistir.
Por m ais que eu não quisesse, - escreve ela - um a claridade tão g ran d e entrou
em m im que fiquei convencida de que era ele m esm o".
A lgum as horas depois o dem ônio tentará, em vão, persuadí-la do contrário.
Mas na adoração da tarde, "A quele - diz ela - que penso ser Jesus, voltou.
Pede-lhe que repetisse comigo que ele era m esm o o Filho da Virgem Im aculada.
Então, em meio da paz que lhe irradiava do sem blante e da voz disse:
"Sim , Josefa, so u o Filho da V irgem Im acu lad a, a S eg u n d a P essoa da
Santíssima Trindade, Jesus, o Filho de Deus, e D eus ele próprio, que reveste
minha santa hum anid ad e para d ar m eu sangue e m inha vida às alm as. Amo-
as e te amo, Josefa. Procuro-as agora para lhes m anifestar m eu am or e m inha
misericórdia e é por isso que me abaixei até a ti. N ada receies. M eu p o d er te
defende".
Depois, com autoridade soberana:
"N ão, não estás enganada".
O espesso véu que envolvia Josefa dissipou-se com essas palavras e Jesus
continuou:
"Dize a tuas M adres que quero que escrevas. E assim com o o sol resplandece
ainda mais, depois de um dia som brio, assim tam bém , depois desse g rande
sofrimento, m inha obra aparecerá com toda a sua claridade".

355
Sucede a bonança à tem pestade, m as não sem alguns redem oinhos como
em m ar que fora agitado até grandes profundidades.
Na segunda-feira, 15 de o u tu b ro , quan d o passava dian te d o oratório de
Santa M adalena Sofia, Josefa ouve um a voz m u ito conhecida a cham á-la.
S em pre receosa, foge a p rin cíp io , m as a san ta fu n d a d o ra a a tra i à p a z e
confiança.
“Sou tua m adre - diz ela e, para lhe d ar garantia acrescenta:
Dir-te-ei apenas que d u ran te a m inha vida não procurei senão a glória do
coração divino. E agora que vivo nele e dele, o alargam ento do seu reino é, mais
que nunca, m eu único desejo. Por isso, peço que esta pequena "Sociedade" seja
p ara m uitas alm as o meio de o conhecer e o am ar cada vez mais.
"N ada receies! Se o dem ônio procura prejudicá-la é porque ela é objeto de
predileção do Coração Sagrado de Jesus. M as o M estre Divino não perm itirá
que ela caia nos em bustes que lhe prepara o inimigo.
"Vai, filha, vai para teu trabalho. Eu te abençôo.
"N a m esm a tarde no silêncio do retiro que prosseguira, en q u an to Josefa
conhecia tão grandes padecim entos, o Senhor vem continuar a m ensagem que
fora dolorosam ente interrom pida.
"N ão julgueis que vou falar-vos doutra coisa senão da m inha cruz. Por meio
dela salvei o m undo; por meio dela quero reconduzi-lo à verdade, à fé e ao
cam inho do amor.
"M anifestar-vos-ei os m eus desejos: Salvei o m undo do alto da cruz, isto é,
pelo sofrimento.
"Sabeis que o pecado é um a ofensa infinita e exige um a reparação infinita; é
p o r isso que peço que ofereçais os vossos sofrim entos e os vossos trabalhos
unidos aos m éritos infinitos do m eu Coração.
"Sabeis perfeitam ente que m eu coração é vosso. Tomai-o e reparai p o r meio
dele...
"As alm as de quem vos aproxim ardes, inculcai o am or e a confiança. Banhai-
as no amor.
"Banhai-as em confiança, na bon d ad e e m isericórdia do m eu Coração. E,
em todas as ocasiões em que puderdes falar e tornar-m e conhecido, dizei sem pre
às alm as que não tenham m edo, pois que eu sou D eus de amor.
"Especialm ente vos recom endo três coisas:
I o O exercício da H ora Santa, porque é um dos meios de oferecer a Deus
Pai, por interm édio de Jesus Cristo seu divino filho, um a reparação infinita:
2° A devoção dos cinco Pai N ossos às m inhas chagas, p orque é p o r meio
delas que o m undo recebe a salvação.
3° Enfim, a união constante, ou antes o oferecimento cotidiano dos méritos
do m eu Coração, porque assim dareis a todas as vossas ações u m valor infinito.
"Servir-se continuam ente da m inha vida , de m eu sangue, do m eu Coração...
C onfiar-se incessantem ente e sem receio ao m eu coração: é u m segredo que
m uitas alm as não conhecem assaz. Q uero que vós, ao m enos vós, o conheçais e

356
aproveis".
E depois de alguns pedidos claram ente dirigidos à "Sociedade" acrescenta:
"Fica em m inha paz. Eu vos amo, vos guio, vos defendo. N ão duvides jam ais
da m inha bondade".
Surge pois mais pura, m ais radiante a aurora depois da borrasca, e Josefa,
sem pre ig n o ran te de si m esm a, não su sp eita que n ovas g aran tias d a ação
sobrenatural aprouve ao Senhor im prim ir em sua obra p o r m eio da torm enta.
A M adre Geral, que acom panhara de perto o descoroçoam ento da filha, pode
ter p ro v a p alp á v e l da se rie d a d e da su a v irtu d e e d a sin c e rid a d e d e seu
d esp ren d im en to de si m esm a. N unca fora m ais tangível nem parecera tão
au tê n tic o o cu n h o d o E sp írito d e D eus, q u a n to n a q u e la s h o ra s em q u e,
m e rg u lh a d a n a a fliç ã o , ela a c e ita ra , com p a z e to ta l a b a n d o n o , o
d esm o ro n am en to de tu d o q u a n to p en sara ser a ob ra d o am or, p a ra q u al
sacrificara a sua vida e entregara todo o seu ser.
A estada em Roma está para findar; Nosso Senhor ali realizara o seu plano,
sucedem -se ainda alguns dias da graça: na sexta-feira, 19 de o u tu b ro , a santa
fundadora lem bra ainda um a vez m ais à filha o papel da cruz na obra que se
vai term inar.
"N ada receies, - diz-lhe - foi ele, foi o Coração Sagrado que sem pre governou
e dirigiu esta pequena Sociedade. M as às vezes é difícil reconhecer a sua ação.
Falta fé ao m undo e Jesus quer que as esposas reparem essa falta de fé com atos
de confiança. N ada receies e não te inquietes se não tens luz, Jesus a d ará
pouco a pouco. O rdenará que tudo se cum pra segundo seus desígnios. Q uanto
a ti, basta-te oferecer e te ab andonares. Sim, sem d ú v id a há m o m en to s de
escuridão, é a cruz de Jesus que se ergue diante de nós e nos im pede de o ver.
Mas ele m esm o nos diz: "N ão temais, sou eu". Sim, ele é quem há e guiar e
com pletar sua obra até o fim. N ada temas, sê fiel e fica em paz".
A festa de M ater A dm irabilis, tão cara à Sociedade do Sagrado Coração - no
sábado, 20 de o u tu b ro , não passa sem que a M ãe venha tam bém confortar
a alm a de sua filha.
"Eu sou tua Mãe, a Mãe de Jesus e a Mãe de M isericórdia,"
diz ela, insistindo para provar a sua identidade. E como Josefa lhe confiasse
ainda os receios que nem sem pre consegue dom inar:
"N ão voltes atrás, filha. Deixa Jesus glorificar-se na tua pequenez e na tua
miséria. E assim que m elhor resplandecerão seu p o d er e sua bondade. Vê como
sua m ão paternal te conduziu e te g uardou aqui. N ada temas. Ele te ajudará
até o fim. Conserva-te bem simples, pois não terás outra glória no céu senão a
da tua sim plicidade.
"As criancinhas não têm m érito algum adquirido. Assim se dá contigo. Es
filha dileta do seu Coração, sem nada teres feito para isso. Mas foi ele quem fez
tudo em ti, que te perdoa, que te am a".
N o dia seguinte, d o m ingo, 21 de o u tu b ro , en q u an to ela está em oração,
Jesus lhe descobre seu Coração "todo abrasado" e lhe diz:

357
"O lha para m eu Coração, é o livro em que deves m editar. Ensinar-te-á todas
as virtudes, e principalm ente o zelo pela m inha glória e pela salvação das almas.
O lha bem para m eu Coração. É o asilo dos m iseráveis e, por conseguinte, o teu;
p o r que onde encontrar alguém m ais miserável do que eu?
"O lha para o fundo do m eu Coração.
"É o cadinho onde os corações mais m anchados se purificam e são depois
inflam ados no amor. Vem, aproxim a-te deste foco. Deixa aqui as tuas misérias
e os teus pecados. Tem confiança e crê em m im que sou o teu Salvador.
"O lha ainda para m eu Coração, Josefa: é o M anancial d 'ág u a viva. Lança-
te nele e bebe até saciar a tua sede. Desejo e quero que todas as alm as venham
a esta fonte para beberem nela o seu refrigério. Q u an to a ti, coloquei-te no
fundo do m eu Coração. És tão pequena que não terias p o dido chegar ali sozinha.
A proveita, pois, e bebe as graças que te dou. Deixa que o m eu am or trabalhe
em ti e continua a ser pequenina".
Na tarde desse m esm o dia, a Santa M adre F undadora aparece à filha e as
recom endações m aternais acabam com este desejo ardente:
"Seja Jesus a m a d o e g lo rificad o de m a n eira esp ecial p elas alm as que
com põem a pequena "Sociedade" de seu Coração".
"Pedi-lhe que m e abençoasse - escreve Josefa - já que é m inha m ãe. Foi a
ú ltim a vez q ue a vi em Rom a. Os dias seg u in tes p assam -se em p az e em
verdadeira alegria para m inha alma.
Na q u arta-feira, 24 de o u tu b ro , deixam os Roma e no dia 26 chegam os a
Poitiers".

358
XIII - ÚLTIMA VOLTA AO S FEUILLANTS

Purificação
26 de outubro - 30 de novem bro de 1923

"Até h o je a m in h a cruz rep o u so u so b re ti,


quero que de agora em d ia n te rep o u ses tu
sob re ela".

(Nosso Senhor à Josefa - 27 de outubro de


1923).

Gênova... Paris... Poitiers! O rápido trajeto que traz aos Feuillants a hum ilde
irm ãzin h a Josefa term in a pois, na sexta-feira, 26 de outubro; p elas cinco
horas, e a gran d e fam ília abre seu coração e seus braços às d u as viajantes.
Com o em junho, depois das efusões da recepção e das narrativ as da estada
rom ana, com que Josefa anim a alegrem ente os p rim eiros recreios, desce de
novo a som bra sobre ela. E o q uadro em que Jesus gostava e gostará até o fim
de esconder as predileções do seu Coração e as últim as m ensagens, tanto quanto
os sofrim entos e as provações que term inarão a sua obra. Será curto o período
final. Bem o sabe Josefa. O extrem o cansaço que traz em todo o seu ser bem o
diz, m ais ainda, o p ro fu n d o apelo que não engana, o do am o r que atrai, e
desapega, a apressa irresistivelm ente.
No sábado, 27 de outubro, depois de um a noite calm a, escreve ela u m
agradecim ento filial, à M adre Geral. Linhas sim ples e espontâneas que devem
encontrar aqui lugar pois revelam o fundo desta alma tão fresca e ingênua de
sentim entos, ignorante de tu d o o que é rebuscado e afetado na expressão.
"M inha Reverendíssim a M adre,
É com grande alegria que vos escrevo hoje, pará agradecer todas as bondades
que tivestes para comigo: Jesus vos pague por tudo!... Peço-lhe de todo o coração.
E a vós, m inha Reverendíssim a M adre, prom eto fazer tu d o o que me for possível
para ser fiel nestes três ou quatro meses de vida que me restam ... Farei ou direi
tudo o que Jesus m e disser, e tentarei ser um pouco m ais hum ilde: Creio que é o
que m ais me custa... E p o r isso que o prom eto a N osso Senhor com toda a
sinceridade e é com estes esforços que procurei reparar u m pouco a m inha vida
passada. Por enquanto estou em paz e m uito feliz, em bora não tenha ainda
visto Jesus, nem a Santíssima Virgem, nem nossa bem aventurada M adre.
Estou bem contente por m e achar outra vez èm Poitiers, m as não esqueço os
dias passados na Casa M adre e a afeição m aternal que aí encontrei. Eu tam bém
nunca vos esquecerei em m inhas orações e, principalm ente, q u an d o estiver no
céu, procurarei fazer m uitos "regalitos", (presentinhos) às M adres a quem tanto
quero bem e obter-lhes pequeninas alegrias nas coisas de que necessitam .
Abençoai-me m inha Reverendíssim a M adre. Sou sem pre vossa pequenina e

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hum ilde filha do coração de Jesus.
Josefa M e n e n d e z " .
N ão tarda m uito a volta do Senhor, Jesus parece ter pressa em descobrir-lhe
seu plano sobre as últim as sem anas da sua vida.
"Veio formosíssimo, com a coroa de espinhos na m ão - escreve ela, ainda na
tarde do m esm o 27 de outubro. - Tive g ran d e alegria, pois não m ais o vira
desde Roma. Então disse-lhe tu d o o que enchia m eu coração e ele m e respondeu
com m uita ternura.
"C rês Josefa, que eu não sabia da tua volta para aqui?... Fui eu qu em te
trouxe.
N ão te assustes - continua lendo no rosto o tem or sem pre atual dos em bustes
satânicos - sou eu mesm o, Jesus, o Filho da Virgem Im aculada, teu Salvador e
teu Esposo".
D epois com tom de grave bondade:
"A té hoje, m inha cruz rep o u so u sobre ti. Q uero que de agora em diante
re p o u s e s tu so b re ela. S abes q u e é p a trim ô n io de m in h a s esp o sas, m as
principalm ente das esposas de m eu Coração".
C om o n ão se e n tre g a r sem reserv a a esse am o r q u e a so licita p a ra o
sofrim ento?... Josefa se oferece... e olhando p ara a coroa que tanto desejara,
ousa pedí-la ao M estre.
"Sim - responde - hoje, m inha coroa de espinhos, e em breve, m inha coroa
de glória. Deixa-Me operar... Deixa-Me trabalhar em ti e, por ti, p ara as almas!
Amo-te... Ama-Me..." E sob esse misterioso trabalho divino que se há de consum ar
a O bra de Amor.
No dia seguinte, 28 de outu b ro , Josefa voltou aos seus hábitos que, aliás,
nunca abandonara inteiram ente. Pela tardinha, segundo o costum e, foi fazer a
Via Sacra naquela capelinha das obras de que tanto gostava e da qual com
delícias se viu de novo encarregada.
Jesus lhe aparece: "Tendo acabado - escreve ela - recitei os cinco Pai Nossos
em honra de suas chagas e, mal começara o prim eiro, ele veio. Estendeu a mão
direita depois a esquerda e, à m edida em que eu ia dizendo os cinco Pai Nossos,
u m raio de luz jorrava de cada chaga. Renovei os votos e, no fim, disse ele:
"Sim Josefa, sou eu, Jesus, o Filho da Virgem Im aculada. Eis as chagas abertas
sobre a cruz para resgatar o m undo da m orte eterna e lhe d ar a vida. São elas
que obterão m isericórdia e perdão para tantas alm as que irritam a cólera do
Pai. São elas que, de ora em diante, darão luz, força e am or". E m ostrando o
Coração chagado: "Esta chaga é o vulcão divino onde quero que se abrasem as
m inhas alm as escolhidas e principalm ente as esposas de m eu Coração. Esta
chaga é delas, e todas as graças que encerra delas são, a fim de que derram em
sob o m undo, sob tantas e tantas alm as que não sabem vir buscá-las, e sobre
tantas e tantas outras que as desprezam ".
Então - escreve Josefa - pedi-lhe que ensinasse a essas alm as como torná-lo
conhecido e am ado.
"Dar-lhes-ei toda a luz necessária, a fim de que saibam utilizar este tesouro

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e, não som ente tom ar-m e conhecido e am ado, m as tam bém rep arar os ultrajes
constantes com que Me acabrunham os pecadores. Sim, o m u n d o Me ofende,
m as será salvo pela reparação das alm as escolhidas.
"A deus, Josefa! Ama, pois o am or é reparação, e reparação é am or".
Os dias seguintes vão corresponder a esse apelo. Com a sem ana que começa,
Josefa volta à oficina que a festeja. Trabalhou-se m uito sem ela d u ran te o m ês
de outubro, pois a abertura das aulas m ultiplicara a tarefa da confecção dos
u n ifo rm e s . Jo sefa se a le g ra em a d m ir a r os e s fo rç o s d a s s u a s irm ã s ,
principalm ente verificando que será bem substituída e que sua p artid a p ara o
céu não deixará as M adres em aperto. É preciso h abituar suas auxiliares a não
mais lhe deixarem responsabilidade do serviço: Por isso nas longas horas que
consagrará a esse trabalho tão caro, reservará parte p ara si os m ais hum ildes
rem endos, deixando toda iniciativa à sua jovem su b stitu ta, que já n ão será
guiada senão p o r algum olhar de encorajam ento. O lu g ar secundário que a
desapega de sua atividade tão querida, é-lhe precioso. Sua alm a lhe cria afeição,
sua bondade se torna mais auxiliadora e seu sorriso m ais radiante, apesar do
esgotam ento que o sem blante revela. Por meio esses últim os esforços, o Senhor
acaba de esculpir, em segredo, a configuração do instrum ento com a sua paixão
e sua cruz. Nos prim eiros dias de novem bro, o dem ônio tenta renovar a prova
temível que Josefa conhecera em Roma. Aparece-lhe com os traços de N osso
Senhor e a deixa renovar os votos. M as recusa a repetir os louvores divinos e a
afirm ação que Jesus pronuncia de cada vez, com tanto ardor! "Sou Jesus, o
filho da Virgem Im aculada".
"Dize-o-tu, "quanto basta", responde o infernal enganador. Em vão tentará
sim ular as palavras do M estre, não lhe vendo nas m ãos traço algum de ferida,
não se deixa seduzir e o repele com indignidade. Mas sua alma fica pertu rb ad a
e inquieta. O pensam ento da m orte próxim a aum enta-lhe a aflição e os dias
passam em dolorosa angústia.
"Foi assim - escreve ela - que, de 18 de outubro a 13 de novem bro não m ais
vi N osso Senhor".
A festa de S anto E stan islau , p ad ro eiro do noviciado, na terça-feira, 13
de novem bro, traz, porém , celeste claridade sobre a escuridão do cam inho.
"Hoje de m anhã, depois da com unhão - escreve ela - Jesus veio belíssimo,
as chagas brilhavam com cham as e, antes m esm o que eu pudesse pronunciar
uma palavra disse:
"N ada temas, sou Jesus, o filho da Virgem Im aculada".
E co n d escen d en d o b o n d o sam en te em rep etir com ela lo uvores d ivinos,
acrescentou para tranquilizá-la com pletam ente:"Sim , sou o amor! Sou o filho
da Virgem Im aculada; sou o esposo das virgens, a força dos fracos, a luz das
almas, sua vida, sua recom pensa e seu fim!
"M eu sangue apaga todos os pecados, pois sou o R eparador e o Redentor!"
Tanta b o n d a d e encoraja Josefa, confia ao M estre os so frim en to s d o s d ias
precedentes, o extrem o cansaço que já não lhe deixa força p ara trabalhar e lhe
dá a sentir a proxim idade do fim.

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"Pois então, m inha Josefa - responde com ternura - não desejas possuir-m e
e gozar de mim, para sem pre? Q uanto a mim, eu te desejo! Eu m e glorifico nas
alm as que cum prem a m inha vontade sem pre e em tudo, e escolhi-te p o r causa
disso.
Deixa-me fazer de ti o que convém à m inha glória e a teu bem . O inverno
desta vida passa... E eu sou tua felicidade!"
Depois, Jesus m arca um a entrevista, a fim de lhe com unicar o que ela deverá
transm itir, pela segunda vez, ao bispo de Poitiers.
A lguns instantes m ais tarde, ele a encontra na cela e Josefa tom a de novo a
pena. Jesus fala a princípio para o bispo, pois seu am or quer torná-lo o prim eiro
apoio da sua O bra. Depois, alargando o horizonte acrescenta: "Q uero que m eu
am or seja o sol que clareia e o calor que aquece as almas. Por isso, desejo que
dêem a conhecer as m inhas palavras.
"Q uero que o m undo inteiro leia o m eu desejo ardente de perdoar e de salvar,
que os m ais m iseráveis nad a receiem!" que os m ais cu lpados não fujam de
mim... venham todos!
"Espero-os com o um pai, com os braços abertos p ara lhes d ar a vida e a
verdadeira felicidade! "Para que o m undo conheça a m inha bondade, preciso
de apóstolos que revelem o m eu Coração, m as que prim eiro o conheçam... pois
pode-se ensinar o que se ignora? "Eis porque falarei d u ran te alguns dias para
m eus padres, m eus religiosos, m inhas religiosas. Então se há de ver claram ente
o que peço: quero form ar um a liga de am or entre as m inhas alm as consagradas,
a fim de que ensinem e publiquem , até às extrem idades do m u n d o , m inha
m isericórdia e m eu amor.
"Q uero que o desejo e a necessidade de reparar desperte e cresça entre as
alm as fiéis e as alm as escolhidas pois o m u n d o pecou...
"Sim, o m undo, as nações excitam neste m om ento a cólera divina. M as Deus
quer reinar por amor, e dirige-se às alm as escolhidas, especialm ente às desta
n a ç ã o . P e d i-lh e s q u e re p a re m , p r im e ir o p a ra o b te re m p e r d ã o , m a s
principalm ente para atraírem novas graças sob esta Terra que foi a prim eira,
torno a repetir, a prim eira a conhecer m eu Coração e a espalhar esta devoção.
"Q uero que o m und o seja salvo... que a paz e a união nele reinem . Q uero
re in a r e re in a re i p e la re p a ra ç ã o de m in h a s e s c o lh id a s e p o r u m n o v o
conhecim ento de m inha bondade, de m inha m isericórdia e de m eu am or".
"M inhas palavras serão luz e vida para um núm ero incalculável de almas.
Todas serão im pressas, lidas e pregadas, e dar-lhes-ei graça especial, a fim de
que esclareçam e transform em as alm as".
O S en h o r calou. F alara com ta n ta força e ta n to ard o r, q u e Josefa fica
em polgada. A dora aquela vontade que, mais de um a vez, delineia seus planos
e cuja segurança divina afasta todo o temor.
"P edi-lhe p erd ão p o r d u v id a r ainda, - escreve ela - m as ele conhece os
em bustes do demônio!..."
Crês que eu possa deixar-vos à mercê desse cruel inimigo? Amo-vos, e jam ais
perm itirei que sejais enganadas. N ada tem ais, tende confiança em m im que

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sou o am or".
Com o adm irar que sem elhantes m ensagens só se possam com prar p o r elevado
preço!... A quela que as transm ite deve ser a prim eira a pagá-lo com toda a sua
capacidade de sofrer. Ela o sabe, e sua oblação torna-se cada vez mais profunda,
diante do m undo que é preciso oferecer a esses tão grandes, tão ardentes, tão
urgentes projetos de m isericórdia e amor! D esde os prim eiros dias de novem bro,
d u ran te as noites principalm ente, dores físicas parecem destru ir pouco a pouco
todo o seu ser, dores intensas, cuja origem não se encontra e que au m en tam em
cada sexta-feira.
Ela p a s s a ra a sex ta -feira , 9 de n o v em b ro , e s te n d id a e q u a s e sem
m ovim ento possível, a cabeça, o peito, os m em bros abalados com violento
sofrim ento... N ova hem o rrag ia a deixa em extrem o ab atim en to sem q u e a
consulta médica lhe descubra a causa .Na quinta-feira, 15 de novembro, pelas
oito horas da noite, atravessa um a crise dolorosa que parece levá-la à agonia e
que se renova du ran te a noite.
Entretanto, na m anhã de sexta-feira, 16, N osso Senhor visita-a pela santa
com unhão e lhe aparece d u ran te a ação de graças: M om entos abençoados;
Josefa neles encontra força para continuar a ru d e subida do calvário.
"N ada receies - diz-lhe. - Sou tua vida e tua força. Sou tu d o p ara ti e jam ais
te abandonarei". Depois tendo-lhe lem brado a próxim a visita do bispo: "Q uanto
a ti, - acrescenta - fica à m inha disposição, a fim de que eu te possa ocupar cada
vez que precisar de ti, pois quero falar às m inhas alm as escolhidas.
Deixa-me toda a liberdade. E assim que eu me glorifico".
É sobretudo pelo sofrim ento que se exprim e, a essa hora, a liberdade divina.
A inda na m esm a sexta-feira, a crise terrível, que a acabrunhara na véspera,
renova-se três vezes, às nove horas, ao meio dia e entre três e q uatro horas,
como se Jesus crucificado quisesse associá-la estreitam ente às dores da sua cruz.
M as, logo que ela cria algum a força, levanta-se e tenta por-se a trabalhar
com energia. E assim que de dia p ara dia, e noite p ara noite, p o r m eio de
sofrim entos misteriosos que aum entam sem cessar, Josefa, oferecida aquele que
a imola, se encam inha para a sua consumação. Na quarta-feira, 21 de novembro,
na apresentação da Santíssima Virgem, renova publicam ente os votos no meio
de suas jovens irmãs... Seu fervor prepara esta festa da oblação com u m am or
que o sofrim ento não cessa de alimentar. Sabe que é a últim a vez que sua voz
repetirá, nessa capela, o com prom isso que a ligara ao Coração de Jesus e à sua
Obra de Amor. D urante a Ação de Graças, o esposo fidelíssimo lhe aparece e diz:
"Eu tam bém , Josefa, renovo a prom essa que te fiz de te am ar e de ser fiel. Em bora
eu te faça sofrer, não creias que te am e m enos p or isso: am o-te e não cessarei de
te am ar até o fim. Mas, preciso de sofrim ento p ara curar as chagas das almas!
Adeus, fica com igo, assim com o eu estou contigo". A lguns dias depois, no
sábado, 24 de novembro, Mons. de Dufort, respondendo ao desejo de nosso
Senhor, torna a ver longam ente Josefa; essa visita paternal é um a graça im ensa
que sua fé recebe com com ovida gratidão e hum ilde sim plicidade. Im pressiona
ela fortem ente ao venerável prelado com sua ignorância de si m esm a. Só se

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ocupa dos interesses do Coração de Jesus. A parte que ela ocupa nesta O bra,
seus próprios sofrim entos revelados pelo abatim ento do rosto, tu d o isso nada
vale, para ela diante dos desejos do Mestre. Transmite-os com clareza e precisão
objetivas, porm enor nenhum é detu rp ad o pela sua linguagem incorreta. Depois,
tão sim plesm ente quanto saíra da som bra por alguns instantes m ergulhada de
novo na via dolorosa e purificadora que é a sua m ais que nunca.
Uma vez ainda, no fim de novem bro, terça-feira, 27, Nosso Senhor m ostra-se
a ela com o visão de paz. Ela a descreve nos seguintes termos: "Hoje à tarde,
d u ran te a adoração do Santíssim o Sacram ento, não achava nada que dizer a
N osso Senhor e, para não p erd er tem po, recitei lentam ente as Ladainhas do
Sagrado Coração, depois, como a hora não havia passado, comecei as invocações
da novena da prim eira sexta-feira , e quando cheguei a esta: "U nião íntim a do
Coração de Jesus com o Pai Celeste, eu me uno a Vós", Jesus veio de repente,
resplandecente de beleza.
Sua túnica parecia de ouro, seu C oração era com o u m incêndio, de sua
chaga jorrava um a luz ofuscante. Renovei os votos e pedi-lhe p erd ão p o r estar
tão fria a seus pés. Parece-me entretanto que não era falta de amor, pois o am o
mais que tudo no m undo. Escutava-me e olhava para mim, depois disse: "Escuta
Josefa, esta prece Me é tão agradável e tem valor que ultrapassa m uito as orações
mais eloqüentes e m ais sublim es que as almas possam oferecer-me. Q ue haverá
com efeito, e m aior preço que a união de m eu Coração com o Pai Celestial?...
Q u an d o as alm as pronunciam essa prece elas penetram , por assim dizer, no
m eu Coração e aderem ao beneplácito divino, seja ele qual for para com elas.
Unem -se a D eus e é o ato m ais sobrenatural que se possa fazer na Terra pois
com eçam a viver algo da vida do céu, que consiste na perfeita e íntim a união a
criatura com o seu criador e seu Deus.
"C ontinua, Josefa, co ntinua a tua prece. Por m eio dela ad o ras, rep aras,
m ereces e am as. Sim, continua a tua prece. E eu continuo a m inha O bra".
Confiei-lhe todas as m inhas aflições - escreve ela, em seguida a essa
narrativa - Ele respondeu:
"N ão te inquietes. Sou eu que conduzo tudo".
A hora é certam ente da fé viva na conduta do am or em m eio de tantas
obscuridades. Josefa, acabrunhada pelo sofrim ento físico, parece abandonada
à suas p ró p rias forças. Sua alm a está em abatim ento tão g ran d e que a sua
coragem não consegue dom inar, e o dem ônio explora-lhe a fraqueza, reduzindo-
a a um a espécie de agonia m oral no terror, e na angústia. Entretanto, sua fé
não duvida daquele que perm ite horas tão dolorosas e a ela se entrega à ação
purificadora do amor, em quem tem confiança absoluta.

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XIV - "AM O U ATÉ O FIM"

O Selo de Deus
"O sin a l, d a -lo -ei em ti".

(Nosso Senhor à Josefa - 20 e setembro de 1923).

D ezem bro de 1923. É o últim o mês que Josefa passa aqui na Terra. N um
conjunto de paz, ordem , sabedoria, p oder e soberana liberdade que só a ele
pertence, o Rei do A m or vai term inar a sua obra por meio da fragilidade do seu
instrum ento.
N ão será hora de lançar um olhar sobre a alm a de Josefa e de pro cu rar nela
o selo divino que parece autenticar sua missão? "C onhece-se a árvore pelos
frutos". É à luz desse princípio evangélico, saído dos lábios da sabedoria divina,
que se m ede toda a virtude e que toda ação sobrenatural se confirm a aqui na
Terra. R espondendo um dia a um a instante e secreta súplica dos guias de Josefa,
N osso Senhor dissera, lem brando-nos à hum ilde irm ã que não suspeitava essas
perplexidades: "N ão m e peçam m ais sinais, Josefa. O sinal dá-lo-ei em ti".
Resposta divina que, de fato, se havia de im prim ir dia a dia nos qu atro anos
desta curta vida religiosa, m arcando-a com um vinco que não parece suscetível
de engano.
O selo divino está certam ente na SIMPLICIDADE de criança que a faz
entrar em cheio no reino de Deus. É um a dessas alm as p equeninas e m uito
sim ples que arrebatam o Coração do Rei e lhe desvendam os segredos.
A su a ig n o râ n c ia d e si m e sm a , a su a d o c ilid a d e c o n fia n te , su a
espontaneidade sem rodeios, im pressionam logo a quantos dela se aproxim am .
N ão há afetação na sua piedade, nem complicações na sua vida. As bases
firm íssim as d e sua fé a p re s e rv a m co n tra v ão s ex ag e ro s e e n tu sia s m o s
passageiros. Vai direita a Deus. Esta sim plicidade que, sem esforço, a põe ao
n ív el d as co m u n icaçõ es d iv in a s a leva a a tra v e s sa r p ro v a ç õ e s sem lhe
aprofundar o alcance extraordinário, coloca-a logo depois, e sem dificuldades,
no plano norm al da vida ordinária.
A m aneira de prestar contas de seus atos é de um a criança despretenciosa
que, sob forma ingênua e cândida, m as sem pre respeitosa, deixa transparecer
o olhar interior que só p rocura a Deus. Até o estilo e a caligrafia d as notas
deixadas por Josefa revelam um a alma lím pida sem refolhos.
A HUMILDADE e a CARIDADE, d u p lo traço do Coração de Jesus que a
Igreja reconhece como sinal distintivo da santa fundadora do Sagrado Coração
são tam bém um a das garantias com as quais Deus m arca a v irtude de Josefa.
A H U M ILD A D E acrescen ta à su a sim p licid ad e, certa m a tu rid a d e q u e
provinha da sua pequenez verificada à luz da verdade. Sua natureza briosa e
viva sentiu durante m uito tem po, é certo, quanto custam os atos exteriores que

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a vida religiosa im põe. Perm itiu-o Nosso Senhor, talvez, a fim de que ela tivesse
in c e s s a n te m e n te q u e e x e rc ita r o seu a m o r em p e q u e n in a s c o isa s e
experim entando a sua fraqueza, pudesse julgar-se a últim a de todas. M as a
s in c e rid a d e e s u a h u m ild a d e p o d e -s e a v a lia r com o u tra s m e d id a s . O
esquecim ento e o sacrifício habitual de si m esm a são conseqüências lógicas da
convicção tão real e efetiva, e que foi origem das lutas que lhe sulcam o cam inho.
Ela só aceita esse cam inho p o r subm issão heróica, às vezes, à vontade divina,
sendo a sua própria vontade inteiram ente oposta. A desconfiança de si m esm a,
o desprendim ento do seu próprio sentir, a hum ilde confiança na autoridade,
m arcam cada um de seus passos.
A hum ildade de Soror Josefa parece ainda mais autêntica, pois desabrocha em
CARIDADE toda sobrenatural que, dia a dia, lhe dilata o coração no Coração de
Jesus. U m a virtude m enos sólida poder-se-ia aproveitar de graças excepcionais
para se m anter afastada de seu meio, fugir do cam inho das outras e fechar-se em
certa com placência de si mesm a.
N ada disso aconteceu. Q uanto m ais o coração de Jesus lhe descobre seus
segredos e a enche com a sua vida, tanto m ais abrem -se nela novas fontes de
caridade que brotam ao m enor contato. Josefa, vivendo tão perto do invisível e
m ergulhando tanto no divino, parece cada dia mais prestim osa e boa no meio
das suas irm ãs. N ão há nela limite para o dom de si m esm a, de seu interesse e
suas orações, é coisa sabida em torno dela. O m u n d o inteiro que ela quer
g anhar para D eus tornou-se seu horizonte habitual... M as ao m esm o tem po,
seu olhar atento não deixa escapar nenhum a ocasião de d ar prazer. Além do
m undo das alm as e da família religiosa, há ainda lugar em seu coração para
esse outro m undo, reflexo de beleza do Pai e dom de sua bondade, que cham am os
a natureza: pássaros, insetos, flores, o céu e as estrelas... A m a tu d o e tudo
abraça com esta afeição larga, forte, sim ples e ingênua que encanta o coração
do M estre, pois ela não é outra coisa em Josefa senão m anifestação de seu
am or para com ele.
A OBEDIÊNCIA é, entretanto o sinal dos sinais, e p o r m eio dela é que Nosso
S enhor m o stra a sua escolha. Esta o b ed iên cia, n o ta d a v árias vezes pelas
testem unhas de sua vida cotidiana com o característica da alm a religiosa de
Josefa, m elhor ainda se confirm a no plano so b ren atu ral ao qual a fixava a
vontade de Deus, o exame da Ação e do Espírito que a conduziam , faz sobressair
adm iravelm ente a sua perfeita subm issão de juízo e de coração. N em um desejo,
nem subm issão de juízo e de coração: N em um desejo, nem um apego, nem um
retrocesso... m as sem pre um a aquiescência total à linha de proceder que lhe
era traçada, e um desprendim ento perfeito, nunca lhe perm itiu o exam e das
graças recebidas, para nelas se com prazer. Josefa que só por obediência e com
m uita repugnância as escrevia, nunca pedia que a deixassem reler essas notas.
Era tu d o entregue e abandonado aos seus superiores. D esde o princípio,
N osso Senhor lhe ensinara esta dependência absoluta no cam inho em que a
queria: Basta lem b rar estas p alav ras já citadas: Atraí-te ao m eu coração,
d iz e -lh e e le , a fim d e q u e não resp ire s sen ã o para o b ed ecer ... Fica

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sab en d o que se eu te p ed ir uma coisa e a tua M adre outra, g o sto que
antes ob ed eça a ela do que a M im".
"Vai e pede licença", insiste o M estre para conservá-la fiel à direção recebida,
e ele, em pessoa, lhe explica a que grau e com que m inudência ela deveria ser
franca e transparente, dócil e maleável.
Q uantas vezes, sob um a ou o u tra form a, lhe fez o u v ir esta g ran d e lição
religiosa: "Procura-me na tua M adre. R ecebe as suas palavras com o se
caíssem dos m eus lá b ios... Estou nela para te guiar". Foi n este esp írito
de fé que Josefa sem pre considerou a obediência.
O AMOR À REGRA E À VIDA COMUM en q u ad ro u nela as graças de Deus
e defendeu-a contra as ilusões e as ciladas do dem ônio. Josefa p restava-lhe
culto, e provou-o com a sua generosidade. Este am or da vida com um e ordinária
q ue, à falta d u m a p ro v a b em clara da v o n ta d e d e seu M estre, a le v o u a
abandonar m ais de um a vez o cam inho traçado pelo seu Coração Divino, serve
p ara afirm ar quanto ela era tenaz em seguir o cam inho seguro da sua vida
religiosa.
A regra, que observava com esm ero e cuidado, exigiu dela, em certas horas,
um a vontade e um a coragem , cuja intrepidez passou despercebida aos que a
rodeavam .
Sob am e a ç a s d o d e m ô n io , a p e s a r d a c e rte z a m o ra l d a s lu ta s q u e a
aguardavam , logo que a sineta a cham ava, vencendo a sua natural tim idez (e
quem não trem eria diante do poder de tal inimigo!), Josefa não hesitava: O seu
amor, indo além da m edida ordinária afrontava tudo para se m anter fiel.
N ão é necessário acrescentar que o sinal divino parece ver-se tam bém na
perfeita CONCORDÂNCIA entre a regra tão querida de Josefa e as lições do
C oração de Jesus, entre o espírito que as anim a e o que a santa fu n d ad o ra
legou às suas filhas: Espírito de amor, de generosidade, espírito de reparação e
de zelo, que há de gravar em cada um dos m em bros da Sociedade do Sagrado
Coração o caráter de esposa, de vítim a e de apóstolo. Soror Josefa, que possuía
esse espírito em alto grau, foi nele radicada pelo seu pró p rio M estre.
À luz de Deus, nunca lhe parece que se deva p ô r em confronto as graças que
recebeu com a da sua vocação, a direção da obediência e a segurança da Regra.
O sinal prom etido foi, pois, d ad o nela; dia a dia, hora a hora, nos porm enores
da sua vida religiosa, enquanto sobre ela pairava o silêncio e ninguém suspeitava
da som a de generoso am or oculto sob aquela obscuridade.
H ouve, porém , horas, dias e até meses, em que a sua obediência e o espírito
do dever, a sua coragem e subm issão à vontade de Deus, a sua fé e abandono à
d ire ç ã o d iv in a p a re c e ra m a sc e n d e r até ao h e ro ísm o . Q u a n ta s v e z e s as
testem unhas dessas lutas e desses sofrim entos transpondo a experiência hum ana,
p uderam adm irar naquela alma tão simples, tão ignorada de si m esm a e tão
fiel, a liberdade e a onipotência da graça, g ravando no frágil in stru m en to o
cunho d um a v irtude que não engana!...A história da sua vida ia finalm ente
fechar-se com o selo de Deus: o da m orte que ele tinha predito. N osso Senhor e

367
a S antíssim a V irgem lha h av iam an u n ciad o em v árias ocasiões e, em b o ra
conservando-a no abandono, desvendavam -lhe de vez em quan d o o tem po e
as circunstâncias para que já d úvida algum a pudesse subsistir.
Josefa, apoiando-se na certeza dessa palavra divina, avisou às M adres de
que já não passaria na Terra os últim os dias do ano de 1923. Com efeito, na
época que tinha m arcado e pelo m odo que havia fixado, o Senhor da vida e da
m orte veio, como só ele pode fazê-lo, a selar com suas divinas m ãos a obra de
seu Coração.

368
A Conclusão da Mensagem
1 a 9 de dezem bro de 1923

"Q uero d irig ir-m e agora às m in h a s alm as


co n sa g r a d a s" .

(Nosso Senhor à Josefa - 4 de dezembro de


1923).

O A dvento desponta com o m ês de dezem bro, últim o e solene advento, o


m ais belo e significativo da vida de Josefa: a espera, no verdadeiro sentido da
palavra. Esta feliz perspectiva atravessa de quan d o em qu an d o a noite que lhe
envolve a alma. Vibra então, às proxim idades do dia eterno, para o qual a sua
alma se sente im pelida com tão veem entes desejos. A seguir, fecha-se de novo o
horizonte com trevas que parecem mais espessas depois de um rasgo de luz.
As últim as linhas da m ensagem divina vão, a princípio, inscrever-se d u ran te
a p rim eira sem an a de d ezem b ro , e na segu n da-feira, 3, S anta M ad alen a
Sofia p repara a filha para o fim de sua missão.
"Vem à m inha cela,"
D iz-lhe pela m anh ã - Josefa vai: a Santa M ad re ali está e a tran q ü iliza:
"Sim, sou tua mãe, a pobre criatura da qual o Senhor se dignou fazer prim eira
pedra desta pequena Sociedade".
E depois dessa afirm ação que pacifica a alma da filha, prossegue: "Jesus vai
voltar! espera-o com grande hum ildade, m as tam bém com alegria e confiança.
Ele é o Pai da M isericórdia sem pre disposto a d erram ar bon d ad e sobre todas as
suas criaturas, m as principalm ente sob as que são mais pequeninas e m iseráveis.
"R ecebe seus desejos, suas recom endações, su as p alav ras, com g ra n d e
respeito e a Sociedade as guarde preciosam ente".
Depois, lem brando a essa caríssima Sociedade o sinal autêntico e Deus:
"N ão tem a ela o sofrimento, não recue diante do sofrim ento e sobretudo - é
recom endação de m eu coração m aterno - as graças com que é cum ulada jam ais
dim inuam nela o precioso tesouro da hum ildade. Q uanto m ais hu m ild e for,
mais o Senhor a favorecerá".
C hegou a hora em que Jesus vai descobrir as suas alm as escolhidas os últim os
apelos do seu coração.
N a m an h ã de terça-feira, 4 de dezem bro, Josefa trab a lh a, re z a n d o na
sua pequena cela, quando, de repente, a Santíssima Virgem lhe aparece com o a
aurora antes do levantar do sol. Josefa renova os votos e lhe pede que repita
com ela o que o dem ônio nunca pode dizer. "M eu Deus, eu vos am o e desejo
que todo o m undo vos conheça e vos am e". Com m aternal condescendência e
virginal ardor, M aria anuiu ao p edido da filha. Repetiu as palavras - continua
Josefa - e acrescentou: "... porque sois infinitam ente bom e m isericordioso.
"Sim, filha, Jesus tem com paixão das alm as pequeninas e m iseráveis. Perdoa-

369
lhes e ama-as. Sua bondade o inclina para os pequeninos e sua força am para os
fracos. Deixa tua pequenez perder-se em sua grandeza. Espera-o com amor.
Está para vir..."
D esapareceu e, instantes depois, N osso Senhor ali estava. Renovei os votos e
ele logo disse: "Sim, Josefa, sou eu m esm a. N ada temas. Sou o amor, a bondade
e a misericórdia. "Sou o filho da Virgem Im aculada, sou o filho de D eus e Deus
em pessoa".
Depois dessas garantias, diante das quais toda hesitação se esvai, Jesus fala
e ela escreve: "Q uero dirigir-m e agora às m inhas alm as consagradas, a fim de
que possam dar-m e a conhecer aos pecadores e ao m undo inteiro. M uitas dessas
alm as ainda não sabem ap ro fu n d ar os m eus sentim entos. Tratam -m e como
alguém de quem vivem afastadas, como alguém que conhecem pouco e em que
não depositam bastante confiança. Q uero que reanim e a sua fé e o seu a m o r , e
vivam de confiança e de intim idade com aquele a quem am am e que as ama.
"N u m a fam ília, em g eral é o filho m ais v elh o q u e m e lh o r conhece os
sentim entos e os segredos de seu pai. É nele, com efeito, que o pai confia mais
com pletam ente, visto como os mais novos ainda não são capazes de se interessar
pelos negócios sérios nem ver mais do que a superfície das coisas. Por isso é ao
m ais velho que com pete transm itir aos seus irm ãos mais novos, os desejos e as
vontades o pai, quand o este vem a morrer.
"N a m inha Igreja. Eu tenho filhos m ais velhos: são alm as que escolhi para
mim. C onsagradas pelo sacerdócio ou pelos votos religiosos, são elas que vivem
mais perto de mim, que participam das m inhas graças de eleição, e a quem eu
confio os m eus segredos, m eus desejos... m eus sofrim entos também! São elas
que eu encarrego, por meio do santo ministério, de velar pelos m eus filhinhos,
seus irm ãos e, direta ou indiretam ente de os instruir, de os gu iar e de lhes
transm itir os m eus desejos.
"Se estas alm as escolhidas m e conhecem bem , facilm ente p oderão tornar-
me conhecido, e se me am am me farão amar. Mas, que hão elas de ensinar aos
outros, se pouco me conhecem... Ora, pergunto-lhes: Pode am ar m uito àquele
que se conhece mal? falar com verdadeira intim idade àquele de quem vivemos
afastados? ou em quem temos pouca confiança? "Eis precisam ente o que quero
recordar às m inhas alm as de eleição. N ão lhes digo nada de novo, m as tem elas
necessidade de reanim ar a sua fé, o seu am or e a sua confiança... Q uero que
elas m e tratem com m aior intim idade, que me procurem dentro de si mesmas,
pois sabem que a alma em estado de graça é m orada do Espírito Santo. E ali
devem ver-m e como sou, isto é, como Deus de amor.
"Tenham m ais am or que temor, creiam que eu as am o e nunca esqueçam
disso. M uitas com efeito, sabem perfeitam ente que eu as escolhi porque as amei.
M as quando as suas misérias, talvez m esm o as suas faltas, as confundem , então
a tristeza as invade, porque pensam que o m eu am or já não é o m esm o que foi
an tes".
Josefa pára exausta. Pede ao M estre licença para sentar-se e Jesus, cheio de
com paixão, perm ite. Reconforta-a, com o sabe fazer, sem pre com o fito nas

370
alm as, e desaparece.
N a m esm a hora na quarta-feira, 5 de dezem bro, ele a en co n tra n a sua
cela. Ela tom a de novo a pena e, sem pre de joelhos diante da sua m esinha,
escreve, enquanto Jesus continua:
"E u d iz ia on tem q u e essas alm as n ão m e co nhecem . Essas alm as n ão
com preendem o que o m eu Coração Divino é. São precisam ente as suas m isérias
e as s u a s fa lta s q u e in c lin a m a m in h a b o n d a d e p a ra e las. E, q u a n d o ,
reconhecendo a sua im potência e a sua fraqueza, se hum ilham e vêm a m im
com toda a confiança, é então que me glorificam m uito m ais do que antes de
haverem caído. O m esm o acontece, quando oram p o r si m esm as ou pelos outros.
Se h esitam e d u v id a m de m im , não h o n ram o m eu C oração; m as q u a n d o
esperam com certeza o que m e pedem , sabendo que não lhes posso recusar
senão o que não convém ao bem estar de sua alma, então glorificam ao m eu
C oração.
"Q uando o centurião veio suplicar-m e a cura do seu servo, disse-m e com
profunda hum ildade: "N ão sou digno de que entreis na m inha m orada..." "Mas,
cheio de fé e de confiança, acrescentou: "Todavia, Senhor, dizei um a só palavra
e o m eu servo será curado". "Este hom em conhecia o m eu Coração. Sabia que
não posso resistir à súplica dum a alma que espera tu d o de mim... Este hom em
deu-m e grande glória, porque à hum ilhação juntou firme e inteira confiança...
Sim, este hom em conhecia o m eu Coração. E, no entanto, eu n ão m e tinha
m anifestado a ele com o me m anifesto às m inhas alm as escolhidas. Pela confiança
é que alcançarão copiosíssim as graças, não som ente para si m esm as m as tam bém
para os outros. E o que eu quero que com preendam a fundo, p orque desejo
que revelem o m eu Coração às pobres alm as que Me não conhecem ".
Aqui, o M estre interrom pe a m ensagem e diz: "Torno a repetir: o que estou
dizendo agora nada é de novo. M as assim como a cham a tem necessidade de
alim ento, para não se apagar , tam bém as alm as precisam de novo im pulso que
as m ova a avançar e de novo calor que as reanim e.
Entre as alm as que m e são consagradas, poucas são as que têm em m im
confiança verdadeira, porque poucas vivem em união íntim a comigo. Q uero
que saibam que am o as alm as tais quais são. Sei que sua fragilidade as levará a
cair m ais de um a vez. Sei que em m uitas ocasiões não cum prirão o que me
prom etem . Mas a sua determ inação m e glorifica, o ato de h um ildade que fizeram
depois da queda, a confiança que em m im depositam , me honram tanto que o
m eu Coração derram a sobre elas torrentes de graças. Q uero que todas saibam
quanto desejo se reanim em e renovam nesta via de união e a intim idade. N ão
devem contentar-se com falar-me só qu an d o estão ao pé do tabernáculo. Estou
lá, é certo, m as tam bém vivo e apraz-m e viver em união com elas. E preciso que
me falem de tudo!... C onsultem -m e em tudo!... tu d o m e peçam!...
"Vivo nelas para ser a sua vida, m oro nelas para ser a sua força. Sim, repito,
não esqueçam que me agrada ficar unido a elas, lem brem -se que estou nelas...
Ali as vejo, as ouço, as amo. Ali espero que correspondam ao am or que lhes
tenho.

371
"H á m uitas alm as que, todas as m anhãs, fazem oração. M as esta é mais
um a fórm ula do que um a entrevista de amor... ouvem ou celebram missa e
recebem -m e na com unhão, m as saídas do lu g ar santo, não se deixam elas
absolver pelas suas ocupações, a tal ponto que mal pensam em me dirigir uma
palavra no resto do dia?...
"Estou nessa alma como n u m deserto, ela nada me diz, nada m e pede... E
q u ando tem necessidade de consolação, o m ais das vezes vai pedí-la a uma
criatura que tem de ir procurar, e não a m im , seu criador, que estou e vivo
nela!...
"N ão é isto, falta de união, falta de vida interior ou, o que dá no mesmo,
falta de am or?
"Q uero tam bém rep etir às alm as que me estão consagradas, com o eu as
escolhi de m o d o especial p ara que, v iv en d o em íntim a u n ião com igo, me
consolem e ofereçam reparações p o r todos aqueles que m e ofendem . Quero
recordar-lhes que devem estudar o m eu Coração, a fim de partilharem os seus
sentim entos e realizarem os seus desejos, tanto quanto lhes for possível.
"Q u a n d o um h om em trab alh a no cam p o q u e lhe p erten ce, aplica-se a
arrancar todas as ervas daninhas e não se poupa nem a trabalhos, nem a fadigas,
até que o consiga. Assim quero eu que as m inhas alm as escolhidas, desde que
conheçam os m eus desejos, trabalhem com zelo e ardor no seu cum prim ento,
não recuem diante de nenhum esforço, de nenhum sofrim ento, p ara aum entar
a m inha glória e reparar as ofensas do m undo.
"Dir-te-ei disto am anhã. Agora, vai com m inha paz".
As notas de Josefa acabam, nesse dia, com um a história m uito simples.
"O ntem depois de um dia de grande sofrim ento de alm a e de corpo - escreve
ela - atravessei um a angústia tal que pensei que fosse morrer. Todas as faltas da
m inha vida passada se apresentavam aos m eus olhos de m aneira im pressionante
e eu estava na im possibilidade de fazer o m enor ato de confiança e de amor".
Ela experim entou frequentem ente estas im potências com as quais o demônio
tentava paralisá-la e fazê-la desesperar.
"O sofrim ento era tão vivo que m inha vida parecia escapar. De repente, em
m in h a cela, vi, a u m a certa a ltu ra , u m a p o m b in h a b ran ca com a cabeça
resplandecente de luz. Em preendia esforços p o r levantar vôo, m as um a das
asas, ainda um pouco escura, parecia atada. Ficou assim um instante, depois
bateu asas e voou... Pensei que era aquela que eu já vira um a vez e da qual
Jesus m e dissera: "Esta pom ba é a im agem de tua alm a".
"M as quando ele veio hoje pela m anhã, exprim i-lhe desejos de m orrer no
dia 12 deste m ês. É festa de N ossa S enhora de G u ad alu p e, aniv ersário do
nascim ento d e nossa M adre F undadora e quarta-feira, dia consagrado a São
José, m eu padroeiro. Jesus com grande bondade disse: "E que farem os da asinha
que ainda está toda escura?"
Josefa lhe expõe então, seu tem or de ofendê-lo, de afastar-se dele, de ceder
às ciladas do dem ônio que sente enfurecido contra ela.
"Escuta - responde o Senhor. - É preciso que seja ainda purificada no amor.

372
A bandona-te, sem outro desejo senão o de cu m p rir a m in h a V ontade. Bem
sabes que te amo. Q ue podes querer mais?
Este dia 5 de dezem bro continua, como na véspera com a m esm a angústia
d e alm a e n eg ras ten taçõ es do d em ônio. C orajosa e dócil, Josefa p ro c u ra
estabelecer-se na fé e no amor. Estas horas tenebrosas que a conduzem , bem o
sabe, rapidam ente ao term o, deixam -na desalentada e sem força. A obediência
é sua segurança, é conveniente verificar a que ponto ela lhe está apegada, até nas
m enores recom endações.
A q u in ta-feira, 6 de d ezem b ro , a encontra na p eq u en a cela o n d e tan tas
vezes espera o M estre. Ele é fiel à entrevista e escuta-a com bondade.
Ela não lhe pode esconder sua esperança de m orrer no próxim o dia 12 de
dezem bro, sob a proteção dos três m aiores am ores de sua alm a religiosa.
"Q ue fizeste Josefa, para m erecer o céu?" "N ada Senhor, m as Vós prom etestes
dar-m e vossos m éritos".
"N ão te basta viver em m eu Coração?" - continua com bondade.
"De certo - escreve Josefa - m as não m e tira o desejo do céu, p orque lá ve-lo-
ei sem pre e nunca m ais o ofenderei!"
ím petos de am or como estes arrebatam o Coração do M estre.
"As alm as que escolhi para viver na Sociedade de m eu C oração - diz - já
com eçaram a viver no céu".
"Som ente aqui na Terra sofrem e merecem. Lá no céu gozarão sem merecer.
Deixa-me escolher a hora.
"E agora, escreve para m inhas alm as consagradas".
É a últim a vez que Josefa vai recolher para elas os desejos ardentes do Coração
de Jesus: "Cham o-as todas: m eus padres, m inhas religiosas, m eus religiosos, a
viverem em íntim a união comigo. A elas pertence conhecer os m eus desejos e
participar das m inhas alegrias e das m inhas tristezas. A elas, cum pre trabalhar
pelos m eus interesses, sem se pouparem a esforços nem a sofrim entos.
"A elas, com pete reparar, com as suas orações, trabalhos e penitências, as
ofensas de tantas e tantas almas! Devem, sobretudo, redobrar sua união comigo
e fazer-m e com panhia... e não me deixar só!... Ah! M uitas não com preendem
isto e esquecem-se de que lhes com pete fazer-me com panhia e consolar-me!...
"Devem , enfim, form ar um a liga de am or e, unindo-se todas no m eu Coração,
im plorar para as alm as o conhecim ento da verdade, a luz e o perdão.
E quando, cheias de dor, à vista das ofensas que recebo de todos, elas, as
m inhas alm as escolhidas, se oferecem para reparar e p ara trabalhar na m inha
obra, é necessário que todas elas tenham inteira confiança, porque eu não poderei
resistir às suas súplicas e as despacharei da m aneira m ais favorável. A pliquem -
se, pois, todas a estu d ar o m eu Coração e ap ro fu n d ar os m eus sentim entos.
Esforcem-se p o r viver unidas comigo, por m e falar, e p o r m e consultar.
"Sejam as suas ações revestidas dos m eus m éritos e cobertas do m eu sangue.
C onsagrem a sua vida à salvação das alm as e o aum ento da m inha glória. N ão
se dim inuam , consideran d o a si m esm as. M as dilatem o coração, vendo-se
revestidas do p oder do m eu sangue e dos m eus méritos. Porque, se trabalharem

373
sozinhas, nunca poderão fazer grandes coisas, m as se trabalharem comigo, em
m eu nom e e para m inha glória, então serão poderosas.
"Reanim em as m inhas alm as consagradas o seu desejo de reparar, e peçam
confiadam ente que se erga sobre o m undo, o dia do D ivino Rei, isto é, o Dia do
m eu Reino Universal!...
"N ão tem am , esperem em mim, confiem em mim.
"Devore-as o zelo e a caridade pelos pecadores! "Tenham com paixão deles,
orem por eles e tratem -nos com mansidão! "N arrem ao m undo inteiro a m inha
bondade, o m eu am or e a m inha misericórdia! Em seus trabalhos apostólicos,
arm em -se de oração, de penitência e so b retu d o de confiança, n ão em seus
p r ó p r io s esfo rço s, m as n o p o d e r, na b o n d a d e d o m e u C o raçã o q u e os
acom panha!...
"Em vosso nom e, Senhor, farei isto e sei que serei poderoso". Esta foi a oração
dos m eus apóstolos, hom ens pobres e ignorantes, m as ricos e sábios de riqueza
e de sabedoria divinas! "Peço-lhe três coisas às m inhas alm as consagradas:
"R eparação: q u er dizer, vida de u nião com o R ep arad o r Divino: Trabalhar
po r ele, com ele, nele, em espírito de reparação, em estreita união com os seus
sentim entos e com os seus desejos.
"Am or: quer dizer, intim idade com aquele que é todo am or e que se põe ao
nível das suas criaturas para lhes pedir que não o deixem só e que lhe dêem
am or.
"Confiança: isto é, segurança naquele que é bon d ad e e m isericórdia, naquele
com quem vivo dia e noite... que m e conhece e que eu conheço... que m e ama
e que eu amo... naquele que, cham a de m aneira especial suas alm as escolhidas,
a fim de que, vivendo com ele e conhecendo seu coração, tudo esperem dele".
Estão escritas as últim as linhas da m ensagem ! Josefa nota ainda o que o
M estre deseja que ela transm ita da sua parte ao bispo de Poitiers, cuja visita,
com o sabe, não tardará; depois, pousa a pena. Passa-se um instante em trocas
de am or que ficam no segredo de Deus. Q ue hora solene essa que m arcou o fim
deste apelo às almas!...
E um a data notável na história das provas do am or infinito. E um a nova
abertura no tem po, sob as "insondáveis riquezas de Cristo".
E um a curva do cam inho da Redenção. É o m anancial escondido de onde
em b re v e se escap a rá a to rre n te de m isericó rd ia q u e h á de su b m e rg ir a
iniqüidade da Terra. E o vulcão, de onde am anhã jorrará a cham a que aquecerá
o m undo.
E o ponto de partida, a aurora que se levantará sobre o grande "Dia do Rei
Divino!"
Jesus desaparece. Josefa fechou o caderno, ainda algum as páginas se hão de
escrever sobre aqueles cadernos prestes a chegarem ao fim.
Na sexta-feira, 7 de dezem bro, Sua Excelência M ons. de D ufort dignou-
se de vir ao "Feuillants" e lá receber as últim as palavras transm itidas para ele
da parte de N osso Senhor. Com sim plicidade de criança, Josefa lhe fala de seu
ardente desejo d o céu e de sua m orte próxim a. São com oventes afirmações,

374
pois, em bora sua fisionomia traga sulcos de sofrim entos que a esgotam dia e
noite a vida ardente de sua alm a a anim a a tal ponto que não parece ainda
estar próxim o o desfecho que ela anuncia. C ontudo, está certíssim a dele e to m a
a dizê-lo ao bispo de Poitiers, com um a convicção que seu desp ren d im en to
torna ainda m ais im pressionante.
O dia 8 de dezembro (sábado) passa-se na alegria, Josefa reúne as últim as
forças para ajudar a preparação da procissão tradicional ao "Sagrado Coração".
Com que cuidado reveste a Virgem do oratório do noviciado com os ornam entos
d e festa. Alegra-se-lhe o coração com o triunfo e sua M ãe Im aculada.
E n tretan to , ela não terá força p ara p a rtic ip a r do cortejo de am or, m as,
escondida de um ângulo de um corredor da enferm aria, unir-se-à aos cânticos,
às orações e contem plará pela últim a vez o desfile alvinitente das m eninas,
levando lírios para ofereceram à Virgem Puríssim a.
À tarde, escreve as suas despedidas à m ãe e às irm ãs, cartas com ovedoras
que serão g u ard ad as como relíquias, e que ela pede às M adres não enviarem
senão depois de sua m orte. N ão será inoportuno citá-las aqui, pois põem em
evidência a afeição terna e ao m esm o tem po sobrenatural, que o am or de Jesus,
longe de destruir, transform a e vivifica! Dizia à mãe: "Estou contente de morrer,
p orque sei que é a vontade daquele que amo. E tam bém m inha alm a deseja
tanto possuí-lo e vê-lo sem o véu que no-lo esconde aqui na Terra! N ão chorem
e não fiquem tristes, a m orte é o começo da vida para a alma que am a e espera.
N o ssa sep araçã o será cu rta, p o is a v id a p assa d e p re ssa e em b re v e n o s
acharem os reu n id as p ara a etern id ad e. Do alto do céu, cuidarei da m inha
m am ãe e rezarei para que tenha o necessário e que m orra na paz e na alegria
daquele que é nosso fim, nossa felicidade, nosso Deus. N ão p o n h a luto p o r
m im , m as reze m uito para que eu vá para o céu. N ão sei qual será o dia da
m inha m orte, m as m eu desejo é m orrer a 12 deste mês. Será tam bém esta a
vontade de Jesus? Estou disposta a tudo o que ele fizer. N ão pense que estou
triste! Estes quatro anos de vida religiosa foram quatro anos de céu. A única
coisa que desejo para m inhas irm ãs é que sejam felizes com o eu fui, e que
saibam que nada dá tanta paz quanto fazer a vontade de Deus. N ão pensem
que m orro de sofrim ento ou de tristeza, antes pelo contrário; m inha morte?...
creio que é de amor! N ão me sinto doente, m as tenho qualquer coisa que me
leva a desejar o céu, pois não posso viver sem ver a Jesus e N ossa Senhora".
A sua irm ã M ercedes, religiosa coadjutora na Sociedade do Sagrado Coração,
abria-se m ais intim am ente. "M orro feliz e nad a m e dá esta alegria senão saber
que fiz a vontade de Deus. C onduziu-m e p o r cam inhos de todo contrários a
m eus atrativos e m eus desejos, mas recom pensa-m e nestes últim os dias em que
m e acho envolvida com um a paz do céu". Tu, tam bém , m inha irm ã querida,
suplico-te que sirvas a teu divino Senhor e à Sociedade nossa M ãe com alegria
e fervor, no em prego que ele te der e na casa em que te colocar, sejam quais
forem as tuas Superioras, sem olhar nem para tuas sim patias, nem p ara tua
rep u g n ân cia.
N ada dá tanta paz na hora da m orte q u an to ter renunciado a si m esm a,

375
para fazer a vontade de Deus. N ão te entristeças com as tuas m isérias, Jesus é
bom e nos am a como nós somos. Vejo-o bem por experiência: confiança em sua
bondade, em seu amor, em sua m isericórdia. M orro na felicidade. A Sociedade
foi para m im tem a e verdadeira mãe. Jesus me deu Superioras que m e cercam
com as m aiores delicadezas. Sobre a Terra não lhes posso pagar, m as no céu
terei N ossa Senhora que m e dará tu d o o que por elas eu pedir. Fui m uito feliz
na França, é a pátria de m inha alma e o Senhor m e deu aqui graças num erosas".
Termina com as seguintes linhas:
"Sem pre nos quisem os tanto, irmã querida, e agora esta separação de alguns
anos há de nos unir m ais intim am ente e m ais fortem ente ainda. A deus, espero-
te no céu, onde serem os unidas por nossos laços de irm ãs e, m ais ainda, por
nosso am or de religiosas".
Estas despedidas profundam ente sentidas, não lhe tiram entretanto a força.
D epois de as ter acabado, Josefa vai entregar a sua oblação à H óstia exposta
diante da qual passa a m aior parte da tarde. Era ali que a Santíssim a Virgem a
esperava para lhe d ar um antegozo do encontro eterno. Com o havia hoje de
resistir, aquela Mãe incom parável, aos desejos da filha? Josefa escreverá o que
se segue, e serão as últim as páginas traçadas em seu caderno.
"H oje à tarde, q u an d o eu estava na capela, a Santíssim a Virgem veio de
repente. Estava de pé sobre um a m eia-lua feita de nuvens azuis m uito leves.
Roçava-lhe apenas a cabeça um longo véu azul m uito pálido, que se perdia
nas nuvens sobre as quais repousavam seus pés. Estava tão formosa que eu não
ousava dizer. M inha alma se perdia , só em olhar para aquela beleza! Afinal,
renovei os votos e ela me disse com voz doce e solene: "Filha, a igreja m e louva
e honra contem plando a m inha Im aculada Conceição. Os hom ens adm iram
os prodígios que o Senhor operou em m im e a beleza com que m e revestiu,
antes m esm o que o pecado original pudesse atingir a m inha alm a. Sim, aquele
que é D eus eterno, m e escolheu para m ãe e me cum ulou de graças singulares,
com que jam ais favoreceu criatura algum a. Toda a beleza que resplandece em
m im é reflexo das perfeições do O nipotente e os louvores que m e são dirigidos
glorificam aquele que, sendo m eu C riador e m eu Senhor, quis tom ar-m e sua
m ãe. O m ais belo título m eu de glória é ser Im aculada ao m esm o tem po que
M ãe de Deus. M as, alegra-m e principalm ente unir a este título, o de Mãe de
M isericórdia e de M ãe dos Pecadores".
Q u a n d o a c a b o u e s ta s p a la v r a s , d e s a p a r e c e u e n ã o m a is a vi!"
As notas de Josefa acabam definitivam ente sobre esta du p la afirm ação da sua
M ãe do Céu. E como a assinatura da Virgem Santíssim a rubricando a mensagem
divina... o eco da O bra do am or o Filho, nos lábios virginais a sua Mãe... O
C oração Im aculado daq u ela que é M ãe de M isericórdia e M ãe d o s pobres
pecadores, conduzindo o m undo ao Coração Sagrado daquele que nom eou a
si m esm o, Bondade, A m or e M isericórdia".

376
União Sobre a Cruz
9 a 16 de dezem bro de 1923

"Em b reve surgirá o dia eterno"

(Nosso Senhor à Josefa - 12 de dezembro de


1923).

C hegaram os últim os dias da vida de Josefa; vinte dias a separam ainda da


união eterna; vinte dias de sofrimento, de graças e de provas através das quais
se com pleta a sua m issão aqui na Terra.
Ela já não m ais escreverá senão as m ensagens pessoais d itadas pelo M estre
e as últim as recom endações que a M adre F undadora transm itirá às filhas p o r
seu interm édio. Mas, até o fim, alma de obediência, depois de cada visita do
Senhor ou da Virgem Im aculada, confiará Josefa fielmente às suas Superioras o
segredo dessas entrevistas cujas palavras serão todas guardadas. O fervor de
sua alm a se exalará frequentem ente em simples colóquios recolhidos sem que
ela perceba. A ssim se continuarão a registrar, dia a dia, as riquezas do Coração
de Jesus escondidas nessa alma, p o r meio da qual o Senhor ho u v e p o r bem
realizar tão grandes coisas para o m undo.
A festa da Im aculada Conceição term inou com um a noite de sofrim entos
ag u d o s. Sob a força da dor, Josefa p erd e os sentidos, várias vezes, estad o
m isterioso aliás, no qual ela conserva a consciência daquela dor que se lhe lê
nos seus traços alterados. Assim vê-la-emos frequentem ente durante as últim as
sem anas, sem que nada a possa aliviar.
N a m anhã de dom ingo, 9 de dezembro, a m uito custo, consegue levantar-
se para ir buscar a graça da Santa Missa e da Santa C om unhão de que tem
sede. M as, na volta, acabrunha-a um longo desm aio que a deixa exausta.
Entretanto, tão corajosa a tornara o hábito de sofrer, que passou ainda um a
p a rte d a ta rd e d ia n te d o S an tíssim o S acram en to ex posto: fo ram as su as
despedidas ao tabernáculo daquela capela, testem unha de tantas graças e tantas
oblações.
D epois da benção do Santíssimo Sacram ento, Josefa extenuada, entrega as
arm as e, se acama para não mais levantar-se. Então com eçam crises de dores
intensas que se prolongam por toda a noite. Nos raros instantes em que tom a
consciência do que a cerca, encontra ainda força para sorrir e beijar o crucifixo
que não larga. Só fala com esforço e mal se ouve antes se adivinha o que diz.
Ergue penosam ente a m ão, e acenando com três dedos, articula lentam ente
"três dias... nada m ais que três dias!"
A esperança da próxim a partida p ara o céu lhe ilum ina o rosto contraído
pelo sofrimento.
- "Tem certeza?" - "Não, m as tenho esperança... espero... Jesus é tão bom e
é raro que um a só data reuna m eus três amores: a Santíssim a Virgem, nossa

377
bem -aventurada M adre, e São José". E depois se cala p ara sofrer melhor.
A o a m a n h e c e r d e seg u n d a -fe ir a , 10 de d ezem b ro , e s tá sem fo rça;
p ro cu ra en tretan to erguer-se com esforços heróicos, na esperança d a santa
com unhão. M as cai inerte e a fome de Jesus lhe arranca lágrim as. N ão pode
falar, nem engolir um a só gota d'água, e perde os sentidos, de vez em quando...
Seria tão próxim o o fim quanto ela dese;ava e esperava? O dia 12 de dezem bro
lhe abrirá o céu? Começava-se a acreditá-lo em torno dela.
Pelo fim da m anhã, ligeira m elhora perm ite cham ar u m pad re que lhe dá a
santa com unhão. Aliás, até o últim o dia, o M estre Divino tu d o disporá para
que jam ais falte a Eucaristia à sua pequenina vítima. Poderia ela, sem que esse
p ão que dá força, atravessar as som bras e os perigos dos últim os combates?
Hoje, d u ra n te a Ação de G raças, Ele lhe apareceu, e Josefa não sabe com o
exprim ir seu reconhecim ento.
"Josefa, - disse - venho pessoalm ente p rep arar-te p ara entrares na Pátria
C eleste".
"Será no dia 12, Senhor?..." p erg u n ta ingenuam ente.
"Se quiseres, estou disposto a dar-te essa alegria - responde. - M as não serás
bastante generosa para me dares alguns dias a mais, os quais tenho necessidade
para as alm as?" Perguntas destas são provocações ao amor, diante das quais
Josefa não tem m ais desejos.
"Bem sabeis que sou vossa e que vos entreguei tudo".
"Sim - prossegue o Senhor com bondade indizível - guardo-te, tom o cuidado
de ti. Deixa-me fazer a m inha vontade e escolher a hora".
Depois, acrescenta: "Voltarei hoje à tarde, e escreverás aqui m esm o".
Pelas duas e meia da tarde, o M estre ali estava. Recostada em travesseiros,
pois está sem força, Josefa o espera.
"Veio belíssim o - dirá ela instantes depois - com o Coração aberto e todo em
cham as.
"O lha a m orada que te preparei para toda a eternidade... E tu, Josefa, que
m e preparas?"
"Ah! Senhor! m eus pecados... m inhas misérias, m inha m ágoa de tão pouco
ter feito por Vós".
"Q ue im porta! dá-m e tu d o e tu d o consum irei no fogo de m eu Coração !
A gora escreve".
D itada pelo M estre, ela escreve, com a m ão trêm ula a m ensagem que será
tran sm itid a, d ep o is d e su a m orte, ao R everendo P ad re R úbio, S.J. diretor
espiritual de sua infância.
"Voltarei am anhã"- acrescenta N osso Senhor que desapareceu pouco depois.
N a m esm a tarde, n u m m om ento de sofrim ento agudo, Josefa, estando só,
sente as forças lhe faltarem e a vida lhe escapar. N ão tem m ais voz para chamar
p o r socorro, m as o céu vela: Santa M adalena Sofia lhe aparece de repente,
m ais m aternal do que nunca e segurando-a nos braços, conforta-a e ampara-a.
D epois descobrindo-lhe algum a coisa do Plano de Nosso Senhor: "N ão, - diz -
não m orrerás no dia 12, m as é Jesus que virá para te u nir a si com laços mais

378
estreitos para a eternidade!"
E ntão, a S anta M ad re co m u n icará à filha q u e ela receb erá os ú ltim o s
sacram entos e fará a profissão religiosa naquele dia abençoado.
"Venho dizer-to da parte dele" diz ela.
Josefa deverá preparar-se com alegria: "Foi Jesus que abriu assim o cam inho
- acrescenta Santa M adalena Sofia - por m ais difícil que isso pareça às criaturas,
ordena tu d o da m aneira que m elhor convém a seus desígnios".
E respondendo à pergunta da filha: "Sim, virei com a Santíssim a Virgem e
Jesus que nunca te deixa sozinha.... Estaremos aqui, todos três... coragem! A inda
alguns dias a passar na Terra para mereceres a pátria celeste. M as, viver com
Jesus, já é viver no céu! Repousa em paz, pois eu velo sobre ti"... .
E desapareceu.
A lguns instantes de sono reparador, seguem -se a esta visita m aternal, e,
em bora não seja de m uita d u ração esta trégua, a lem brança d as graças tão
próxim as, do dia 12 de dezem bro envolvem em paz e abandono os sofrim entos
da noite e do dia seguinte.
N a tarde de terça-feira, 11 de dezem bro, N osso Senhor, fiel à p alavra da
véspera volta à Josefa. E para lhe ditar desta vez um a últim a m ensagem dirigida
à M adre G eral do Sagrado Coração e term ina por estas palavras: "A m o a m inha
Sociedade e guiarei a m inha obra".
"N ão b astam , en tre ta n to , estas in d icaçõ es celestes p a ra d e te rm in a r as
decisões que dizem respeito a Josefa.
Na m anhã da quarta-feira, 12 de dezem bro, ligeira m elhora de seu estado
traz um ponto de interrogação. Estava ela realm ente em perigo bastante para
ter direito às graças da Extrema Unção e a profissão "in articulo m ortis? (1)" A
própria Josefa fica desorientada diante das hesitações que adivinha em torno
dela. O Padre D iretor tranqüiliza m andando-a fazer, depois da santa com unhão,
um ato de entrega total de si m esm a a tu d o que for decidido a seu respeito.
Enquanto isso, cham a-se o médico. Mais um a vez, o Senhor faz ratificarem -se
seus planos p o r instrum entos hum anos, m esm o inconscientes do p ap el que
d e se m p e n h a m . Ig n o ra n d o tu d o acerca d a s g raças e x tra o rd in á ria s q u e a
acom panham a vida da sua doente, o m édico, depois de tê-la a exam inado,
conscienciosam ente, m ostra-se inquieto ante da m oléstia que n ão consegue
definir. Q uem o conseguiria? Entretanto, a extrem a fraqueza, as longas horas
sem sentidos, o inclinam pela afirm ativa e aconselha não atrasar de nem m ais
um dia a recepção dos últim os sacram entos. Com o não sentir a Ação daquele
que tu d o conduz, afasta as dúvidas e obriga as suas criaturas a tom arem o
ru m o d e suas indicações sobrenaturais? Passa-se o dia em espera cheia de
recolhim ento, de fervor e de paz. S. Excia. M ons. de D ufort decidira presidir
em pessoa à cerim ônia que consagrar à Josefa duplam ente.

(1) D ep o is do "C oncilio V aticano 11" não e x iste m ais esta cláu su la e o “S a cra m en to da
hora da m orte" passou ch am ar-se "U nção dos E nferm os" qu e se d irig e m a is à v id a do qu e
à m orte.

379
Toda a família religiosa, inform ada desde alguns dias da sua grave doença,
fora convidada a cercá-la de preces m ais instantes,enquanto tu d o se prepara
na pequena cela, testem unho de tantos favores divinos. Declina o dia, quando,
pelas cinco horas da tarde, começa a tocante cerimônia, Josefa está radiante e
recolhida. As religiosas se espalham no corredor e nos qu arto s vizinhos ao
dela, m uito pequeno para que ali possam caber. Somente S. Excia. M ons. de
D ufort, o Sr. Cônego de Castriel, capelão do "Sagrado Coração", e o Reverendo
Padre Boyer ali entram com as M adres que cercam o leito de Josefa.
Parece estar num santuário. Perto da estátua da Santíssim a Virgem, arde o
grande círio da profissão; o Santíssimo Sacram ento é colocado sobre um altar
im provisado e, no silêncio que reina em torno dela, Josefa com voz firm e se
acusa hum ildem ente das faltas de sua vida religiosa para solicitar p erdão das
M adres e Irm ãs. Então o b ispo se levanta e começa as orações da Extrem a
Unção. Tudo porém já se apagou aos olhos da doente; a Santíssim a Virgem e a
M adre F undadora lhe apareceram . E, enquanto se procede às unções, ela está
presente a todos os ritos, m as não vê senão as m ães do céu a vestí-la com um a
túnica branca que os anjos lhe haviam posto nas mãos.
"Vê, filha - diz-lhe a Santa F undadora do "Sagrado Coração"- o que o Senhor,
na sua m isericórdia infinita, fez por sua pequenina esposa, não p o r causa dos
seus m éritos m as graças aos de seu Coração".
"E agora que estás revestida com essa túnica puríssim a - continua N ossa
Senhora - teu esposo vai dar-te o beijo da paz e do amor. Entrega-te totalm ente
a Ele que te há de acom panhar aos habitantes do céu!"
T erm inaram -se as santas unções: o bispo dirig e en tão a Josefa alg u m as
palavras cheias de fervor e delicadeza. Mas ela nem o suspeita, está m ergulhada
em p ro fu n d o êxtase, com o sua a titu d e denota. O Veni C reator, as orações
litúrgicas com as quais a igreja benze as insígnias da profissão, a cruz e o anel
tu do isto se sucede sem que Josefa saia daquele recolhimento.
Jesus, aproxim ando-se de sua Mãe e de Santa M adalena Sofia, aparece-lhe
então e, diante das três testem unhas celestes, ela responde com voz firm e às
perguntas que o celebrante propõe à nova professa do Sagrado Coração, antes
de lhe entregar o duplo penhor da união eterna: "Consentis em tom ar a Jesus
Cristo crucificado p o r vosso esposo?
- Sim, Padre, consinto de todo o coração.
"Recebei pois este anel com o sinal da aliança etern a q u e com eles ides
co n trair".
D epois, entregando a pequenina cruz de prata que lhe vai brilhar no peito:
"Recebei, m inha filha, este precioso penhor do am or de Jesus Cristo e lembrai-
vos de que, tornando-vos esposa sua, deveis, de ora em diante, viver em união
e conform idade com o seu divino coração. Seja o vosso bem -am ado para vós
com o um fascículo de m irra, colocai-o sob o vosso coração em sinal de am or de
união eterna".
Então, no silêncio que envolve aquele leito, que mais parece u m altar, o bispo
se aproxim a, segurando a Santa Hóstia. Josefa lê em voz alta a fórm ula dos

380
v o to s p e r p é tu o s e c o m u n g a . N o ssa S en h o ra e S an ta M a d a le n a Sofia
desaparecem deixando-lhe como adeus: "Viremos am bas buscar-te p ara te levar
para o céu". Jesus, o esposo divino, fica só!...
"Josefa, por que me am as?"
"Senhor, porque sois bom ".
"E eu, am o-te porque és miserável e pequenina. Por isto te revesti com os
m eus m éritos e te cobri com o m eu sangue, a fim de apresentar assim aos m eus
eleitos do céu. Tua pequenez deixou lugar à m inha G randeza... tua m iséria e
m esm o teus pecados, à m inha M isericórdia... tua confiança, ao m eu A m or e à
m inha Bondade.
"Vem, reclina-te sobre o m eu Coração e repousa nele, já que és esposa m inha.
Em breve entrarás nesta m orada, para nunca m ais saíres".
Josefa deixa tra n s b o rd a r su a alm a. C o n ta-lh e to d a a su a felicid a d e e,
sobretudo, seu desejo ardente: que a bondade de seu Coração seja conhecida
até às extrem idades da Terra, pois não é o bastante.
"Sim, bem dizes: Sou bom! Para com preendê-lo, só falta um a coisa às almas:
união e vida interior. Se m inhas alm as escolhidas vivessem m ais unidas a mim,
haveriam de m e conhecer m elhor".
"Senhor, - responde Josefa ingenuam ente - é difícil... porque, às vezes, elas
tem tanto que fazer para vós!..."
"Sim, bem sei, e é p o r isso que, q u an d o se afastam , p ro cu ro -as p a ra as
aproxim ar de mim.
"Eis nosso trabalho do alto do céu; ensinar às alm as a viverem u n id as a
m im , não com o se eu estivesse longe delas, m as nelas, pois pela graça vivo
d entro delas e duran te o tem po da com unhão m inha santa H um ildade, p o r
assim dizer, nelas se encarna.
"Se as m inhas alm as me conhecem em verdade, que bem não p o d eriam
fazer a tantas pobres alm as que vivem longe de m im e não m e conhecem!
Q uando as m inhas alm as escolhidas se unirem estreitam ente ao m eu Coração,
com preenderão os m eus sentim entos. Então, me consolarão, repararão e, cheias
de confiança em m in h a b o n d a d e , p ed irã o p e rd ã o e o b terão graça p a ra o
m u n d o !" Jesus p á ra , com o p a ra d e ix a r Josefa d ia n te d e ssa s m a g n ífica s
perspectivas de m isericórdia e de salvação. Depois, torna a dizer: "Josefa, p o r
que me am as?" "Senhor, porque sois bom!" "E Eu, am o-te, porque és pequenina
e p o rq u e m e deste a tu a pequenez! C uidei de ti com te rn u ra . G u ard ei-te
fielmente!... N ada temas. Em breve há de surgir o dia eterno. A deus, fica em
m im ".
E desapareceu.
D urante este divino colóquio a cerim ônia findara, as religiosas, depois da
salm odia do Te D eum , cantaram um dos cânticos preferidos p o r Josefa, os
sacerdotes se retiraram . Ficou só Mons. de Dufort em oração naquele quarto
que parecia vestíbulo do céu. Recostada, com os olhos fechados p ara a Terra,
apertando o crucifixo entre as mãos, em gesto de ardor indizível com o sem blante
sorridente e plácido. Josefa continua em êxtase... Depois de a ter abençoado, o

381
bispo se retira , m al dissim ulando a em oção que dele se apodera. As religiosas
dispersam , levando a lem brança daquela hora cujo m istério aliás não haviam
percebido. Som ente a prece das d u as M adres a acom panha agora. Passa-se
ainda um quarto de hora e, quando volta à Terra, está em serena e radiante
alegria que lhe ilum ina o resto da tarde.
Ficam-lhe o anel e a cruz como legítimos penhores do am or m ú tu o que para
sem pre foi prom etido. Aliás, a oblação vai continuar sobre a cruz.
A noite, crises de dores intensas se renovam , deixando-a ap arentem ente
d esacordada sob a violência a dor. C ontudo, p o d e com ungar na m an h ã de
q u in ta -fe ira , 13 de d eze m b ro e, d u ra n te a Ação d e G raças, o S enhor lhe
aparece. M ostra-lhe, m ergulhando na cham a de seu coração divino, o coração
de Josefa, que lhe parece tão pequenino.
"Tomei-o, Josefa, bem sabes, e como ele todos os teus afetos; confia-os, a
m im , pois am o tudo o que tu am as e cuido de tudo aquilo de que gostas aqui na
Terra.
Então, Josefa fala da mãe e as irm ãs, da Sociedade do Sagrado Coração e
suas Superioras, da casa e das alm as que lhe são caras. Jesus a tu d o responde
com divina condescendência. Depois, antes de deixá-la".
"Espera-m e ainda alguns dias, Josefa?" E, aludindo à pom binha: "É preciso
quebrar os laços que lhe prendem as asas - diz - m as já está bem tranquilinha
ag o ra".
E desapareceu.
Essa alusão a conforta no meio dos sofrim entos que se tornam m ais agudos
naquela m anhã. A alegria do céu ainda é m aior e Josefa beija, no crucifixo, a
m ão de Jesus, que, diz ingenuam ente, "cortará os laços e libertará afinal a
p a lo m ita " .
A com unidade que não p udera na véspera exprim ir a união dos sentimentos
com ela, foi convidada a visitá-la durante o dia. Sucedem-se as religiosas aos
grupos, e todas saem encantadas com aqueles curtos instantes. Josefa fora pouco
conhecida, pois sua fidelidade e seu trabalho sem pre a haviam envolvido em
silêncio. Hoje, descobrem -na tão sim ples e tão feliz que faz bem a quem dela se
aproxim a. O reino de D eus irradia e transparece nela. De vez em q u an d o não
pode dom inar a felicidade e, quando está só com um a das suas d u as Madres,
expande-se sem constrangim ento. São ím petos de am or e fervor, que foram
anotados sem que ela soubesse e que revelam por dem ais a sua vida profunda
e a sua sim plicidade de criança, para não serem citados, ao m enos em parte:
"Jesus está à m inha espera... estou pronta para partir, estou na estação, na
plataform a... os bilhetes reservados... as bagagens registradas... são os méritos
do Coração de Jesus".
"Sei para onde vou... nada receio, nada desejo... dei tudo!" E lem brando a
p o m b in h a, escreve a lápis estes "versitos", com o dizia, em que expande a
frescura e a poesia de sua alma: "Pobre pom binha, tem sede! "Mas, a asinha
está atada e não pode correr à fonte para saciar a sede. "Jesus é tão bom que
veio e ele m esm o a tom ou. "Ela bebeu de seu sangue! "pobre pom binha, não

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p ode voar!... "E Jesus disse: "Deves esperar..." "Ela se conform a com o que
Jesus quer.
"M as tem m edo que a esqueça."E sem aparecer, m urm ura-lhe ao ouvido:
"Vinde, m eu Jesus! Cortai esses laços, a fim de que a pom binha "possa voar,
p a ra os p o m a re s floridos... "V inde b u scá-la. Tem os o lh o s fixos em vós!
"E no dia e na hora em que a lib ertard es, "C om o ficará co n ten te em Vos
contem plar!" Assim passa a tarde, fortificada pela visita do reverendo P. Boyer
que a entretém por longo tem po e sai m aravilhado com a O bra de Deus
naquela alm a, tão plenam ente entregue à sua Ação: é um a consum ação que
continua sem obstáculos. A noite traz um a recrudescência de dores. Josefa
parece de novo entrar em agonia. Pode, porém , com ungar no dia seguinte, e
dia nenhum lhe faltará a esta graça. A sexta-feira, 14 de dezem bro, continua
ilum inada com a paz e alegria que apesar de sofrim entos agudíssim os parecem
mais do céu que aTerra.
Josefa guarda silêncio, reza, procura evitar a m enor m ágoa, todo cansaço às
d uas M adres que se revezam ao pé dela para nunca a deixarem sozinha. De
tem pos a tem pos, continua seus colóquios tão ferventes e simples... Parece antes
pensar em voz alta. A lem brança de sua entrada no Sagrado Coração, do seu
n o v ic ia d o , d a s lu ta s p a ra ficar fiel à v o cação , e n c h e m -n a d e g ra tid ã o .
Pára e se recolhe; beija o crucifixo, ou então, contem pla dem oradam ente a
im agem de N ossa Senhora que diante de sua cam a, parece velar sobre ela,
depois de ter presidido a tu d o que se passara naquela pequena cela. Depois,
continua em voz alta o seu pensam ento.
"Fico bem contente q u an d o m e vejo pior, p orque co m p reen d en d o que a
v o ntade de D eus se está cum prindo. N ada há que dê p az e consolo com a
vontade de Deus.
"Vou m orrer porque é vontade sua... Desde a m inha entrada aqui nunca fiz
a m inha vontade... porque todas essas coisas não foram m inha escolha! M as o
que agora m e dá paz é ter lu tad o e sofrido p ara fazer a vontade de D eus e
m orrer fiel".
M uitas intenções lhe eram confiadas para o céu, vocações, pecadores...
Sua natureza ardente desperta: "Gosto tanto de trabalhar - diz - Irei, e virei
de todos os lados para obter m uitas graças". E como lhe falassem da França:
"Certam ente - responde - é a pátria da m inha alma, foi ela que m e deu a vida
religiosa... esta casa de nossa bem -aventurada M adre Fundadora... este cantinho
de terra para viver e m orrer". Depois, volta ainda àquilo que lhe enche a alm a
no m om ento. "Se soubessem... não procurariam outra coisa na Terra senão a
vontade de Deus. N inguém pode calcular esta felicidade... é a única coisa que
dá paz. Ah! M orrer religiosa nesta paz, com pensa mil vezes e ainda mais, tu d o o
que sofri!" Fica recolhida com essa felicidade:
"Ja m ais nos d e v e m o s in q u ie ta r p o rq u e Jesu s é b o m !... Ele s u p re ..."
E, beijando o crucifixo: "Os pés divinos... as m ãos paternais... sim, paternais!
Seu Coração!... com o Jesus é bom! - repete. - C om preendendo com o Jesus é
bom e é o que m e dá tanta alegria... Ele p erdoa, repara, ama!... A ssim que

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tenho algum a coisa que m e magoa, sinto o que m e diz logo: N ada receies, Eu
sou bom e te am o ".
"Ele é tão bom porque eu sou a mais pequenina, a últim a, a m ais miserável...
Estou contente de não ser nada...
"Jesus é bom! É a palavra que enche o m eu coração. Eu poderia ter rem orsos
de m inhas faltas... M as não! Só tenho gratidão p o r ter sido perdoada.
"M eu Jesus! - exclama de repente - há vinte e três anos que Vós m e dissestes:
"Q uero que sejas toda m inha..."Eu o am ava sem o conhecer! O h sim! eu ainda
não o conhecia, m as já o am ava. Tinha-o sem pre comigo... Bem sei o que sou...
m as sei principalm ente o que ele é.. deu-m e o seu Coração, é um a realidade!"
"M eu Deus, - diz depois de longo silêncio - faço-vos o sacrifício de m inha vida
em união com o Coração de Jesus, com subm issão e alegria, porque vos amo.
"Q uero tudo o que ele quer: Se quiser que eu viva, sim; se quiser que eu
m orra., sim... Trinta e três anos... anos de graças, sobretudo estes quatro anos
de vida religiosa. Com o estou contente... m orrer em pleno conhecim ento, saber
que o m om ento se aproxim a... Q ue alegria! que m orte feliz! Q ue esposo fiel!"
As h o ras assim se escoam , o R everendo P adre Boyer vem visitá-la com
p atern al b o n d ad e lhe renova a santa absolvição. Sua porta está aberta, e
m uitas religiosas aproveitam para vir recom endar-lhe m uitas intenções. Sua
delicada caridade ainda encontra forças para prestar socorro de sua habilidade
à irm ã q ue lhe sucedera na oficina e, sen tad a no leito de dores, talha um a
roupa com a destreza de sem pre. Q uando chega a tarde e o silencio lhe enche
a cela só com as suas M adres, repassa ainda na m em ória as etapas de sua vida
e, mais que um a conversa, essas recordações são um a prece de ações de graças.
Entretanto, suas forças declinam , já pode tom ar senão algum as gotas de água
a preço de vivas dores.
N o am anhecer de sáb ad o , 15 de d ezem b ro , d u ra n te a A ção de G raças,
Jesus aparece:
"Vê com o nunca te deixo sozinha - diz-lhe com indizível bondade. - Fui tua
força du ran te a tua vida. Sou teu consolo na hora da m orte. Sê-lo-ei p o r toda a
eternidade! E com o encontrei m inhas delícias em tua pequenez, acharás em
M im felicidade sem fim!"
Josefa não pode conter o desejo de ir em breve p ara o céu, contemplá-Lo
p ara sem pre, e tam bém - acrescenta ela com sim plicidade de criança - "terei
tantas intenções a confiar-Vos, tantos recados que me dão nestes últim os dias!"
"Sim , sim - resp o n d e o M estre, com a rd o r cheio de condescendência. -
H avem os de lhes fazer pequenas surpresas. O que se cham a "petits plaisirs".
Repousa-M e ainda em ti, Josefa, em breve te repousarei em Mim. A Deus! Estou
contigo!" A lguns instantes depois, um a violenta crise conduz a querida doente
á e x tre m id a d e, p e rd e os sen tid o s d em o ra d am en te, m as o ro sto contraído
conserva vincos de agudo sofrimento. Q uando volta a si, não se lhe perturba a
p rofunda alegria. Acaricia ingenuam ente, sobre o Crucifixo, a chaga da mão
direita "aquela" - diz com voz quase im perceptível - que libertará a "palom ita".
E beija com ardor a chaga do lado divino.

384
"Estava m uito feliz no dia dos prim eiros Votos - continua - m as eu não sabia
se iria ser fiel até a m orte. Hoje Jesus me uniu a Si para sem pre e não perm itirá
que jam ais o perca!"
N a m esm a m anhã, o Reverendíssim o Padre confere a indulgência "in articulo
m ortis", pois Josefa parece tão mal que tudo é para esperar.
Pelas dez horas, a santa Fundadora do Sagrado Coração lhe aparece. Vem
confiar à filha as últim as recom endações para a M adre Geral e para a Sociedade.
Em bora a m uito custo. Josefa escreve ainda o que lhe dita, que acaba assim:
"Todos os m em bros desta pequena Sociedade vivam unidas a este Coração
que se entregou a elas p o r Amor. Trabalhem sem descanso e não esqueçam
jam ais q u e são esp o sa e vítim as! "A g o ra, u m a alm a a m ais p ro te g e rá a
"Sociedade" da Terra, porque os hum ildes e os pequeninos acham graça diante
de Deus".
A tarde começa em paz. Mas, de repente, a cara irm ãzinha parece piorar, a
fisionom ia se lhe altera, a respiração torna-se ofegante, os olhos abertos se velam
pouco a pouco, entra na noite da agonia, em bora consciente de tu d o o que a
cerca. Estará próxim o o fim?... Virá a Santíssim a Virgem buscar a filha neste
lindo sábado? A com unidade se reúne nas proxim idades da pequenina cela. É
um espetáculo do céu. Josefa exulta com o pensam ento desta felicidade. Sua
alm a exulta com um ard o r que ela já não m ais p o d e conter. C om os olhos
fechados para a Terra, está radiante de alegria, une-se a tu do, ped e que lhe
recitem as orações preferidas: ladainhas de Nossa Senhora, do Sagrado Coração,
invocações da novena a prim eira sexta-feira, o "m iserere". Os cinco Pai Nossos
às Santas C hagas, as Ave M arias às Sete D ores de M aria Santíssim a se vão
sucedendo, enquanto ela aperta sua cruz de professa sob o peito em fogo.
M ostra desejo de ouvir os cânticos preferidos: “A la source bénie qui jaillit de ton
Coeur, je viens puiser la vic, ô mon Divin Snuveur...
Cache-nous dans ta Blessure montre-nous sa profondeur..."
M as prefere ainda o canto que, naquela hora, exprim e todo o seu desejo.
"J'irni la voir um jonr... Oui j'irai voir Marie... A u ciei, au ciei, j'irai la voir un
jour..."É preciso dizer: "Irei vê-la nesta tarde", diz ela. O Reverendo Padre Boyer
recita as orações dos agonizantes. Josefa as interrom pe com reflexões sim ples e
ferventes. Sua voz entrecortada exprim e a felicidade de m orrer toda de Jesus,
sua confiança sem som bra, sua alegria p o r ser tão pequenina, tão pobre de
tudo, sua fé na misericórdia, a certeza do perdão e dos m éritos daquele cujo
am or lhe é absolutam ente certo. Passam-se assim as horas, um a febre ardente a
queim a, m as as dores não lhe dim inuem a alegria... Fala do céu e das alm as
santas que lá encontrará, prom ete ocupar-se dos pecadores, d as vocações, e
todas as intenções que lhe recom endam ... São diálogos fervecentes entre ela e o
Padre, entre ela e as religiosas que se aproxim am , um a a um a, diálogos tanto
mais sim ples que os seus olhos apagados não lhe perm item perceber a em oção
e a adm iração das pessoas que a cercam na pequena cela.
Pelas cinco horas, parece seguir com o olhar velado um objeto que passa
diante dela.

385
"Pobre pom binha! - diz d u as vezes. - Está toda branquinha, sem m ancha
nenhum a - confia baixinho às M adres. - A cruz brilha no seu peitinho, ela se
esforça por levantar vôo, m as a asa ainda está presa com duas cordinhas".
Será preciso ainda esperar m uito pela libertação?...
A lguns instantes depois, Nossa Senhora aparece à filha.
"A inda não é hora, Josefa, - diz-lhe. - É preciso sofrer. Em breve, não haverá
mais tem po.
Passaram -se três horas como um relâm pago, e é com pena que as pessoas se
afastam deste lugar abençoado. Celeste paz se apodera re J m e n te das alm as
que sentem estar no lim iar de u m mistério cujo segredo não se desvendou ainda.
Toda a casa fica sob a im pressão das graças daquela tarde no q u arto de
Josefa, é o calvário depois do Tabor, sinal autêntico do am or!... Intenso sofrim ento
sucede à calm a relativa do dia e Josefa continua em agonia. Já não parece
consciente senão da do r e escapam -lhe gem idos entrecortados pela respiração
ofegante. Os olhos abertos estão sem pre apagados, o pobre corpo sacudido
pela febre, e o suor lhe inunda o rosto. Assim se passa a noite sem que lhe possa
prever o desfecho.
Surge o d o m in g o , 16 de d ezem b ro . É o décim o sétim o m ês d ep o is dos
prim eiros votos de Josefa. Pelas seis horas, ela volta a si e pode engolir algum as
gotas d 'á g u a . Isso a enche de alegria, p o rq u e lhe m o stra q u e ain d a p o d e
com ungar. Jesus, precedendo o encontro eucarístico, aparece à sua p equena
v ítim a co m to d a a e fu s ã o a su a b o n d a d e . V irá b u s c á -la ?
"N ão, - responde; - não m orrerás antes que a tua superiora tenha recebido da
M adre G eral a linha de conduta a seguir depois da tua m orte. E - continua
para lhe g u ardar todo o m erecim ento do abandono - não será nem hoje nem
am anhã..." Josefa pergunta a si m esm a se os seus gem idos o teriam m agoado
ou talvez m esm o ofendido.
"N ão - responde logo com com paixão - Eu sei o que tu sofres e faço m inha
a tua dor.
"Cai sobre m eu Coração com o bálsam o precioso que cicatriza as m inhas
chagas e sobre m eus lábios, como um mel que me delicia.
"Palom ita m ia" é m eu am or que te am arra para teu bem e para o bem de
m uitas almas!
"M as será o am or tam bém que brevem ente te há de inebriar com p u ras e
celestes doçuras. O am or te reveste com m eus m éritos e te dará a saborear a
b eatitude das alm as virgens. "Sim, palom ita am ada", d u ran te a tua vida te nutri
com flo rin h as ag restes que eu m esm o sem eara p ara ti. N a e te rn id a d e , te
alim entarei com flores puríssim as que em belezam o canteiro das Virgens. A Deus!
não é por m uito tem po que me separo e ti, pois bem sabes que encontro m inhas
delícias na tua pequenez".
E Jesus desaparece. É a últim a vez que Josefa o contem pla aqui na Terra!

386
Tudo está Consumado
16 - 29 de dezem bro de 1923

De ora em diante, a espera não terá m ais luz. A inda alguns dias de p az e
logo depois as trevas m edonhas do inferno se abaterão sobre Josefa p ara tentar
contra ela um suprem o esforço. M as a audácia infernal do dem ônio não servirá
senão para a vitória de D eus e as últim as dores da pequena vítim a selarão para
sem pre a eterna união. Q uando soar a hora determ inada, Jesus, com a soberana
liberdade do seu amor, virá quebrar os últim os laços.
"Levante-se, m inha pom ba e vem!..." dirá ele. E, na solene solidão de sua
últim a oblação Josefa partirá. Terminará aqui na Terra a O bra do Amor!...
Mas esta consum ação será a nova alvorada do A m or Infinito que vai surgir
sobre o m undo.
A m anhã do dom ingo, 16 de dezem bro, continua em g ran d e sofrim ento
que se abranda pouco a pouco, depois do meio dia, quando ela vai recobrando
a vista, lentam ente. Pela tardinha, seu estado piora de repente e o Bispo de
P oitiers, q ue se d ig n a en tão visitá-la, a vem e n co n trar d e sa c o rd a d a . Fica
longam ente ajoelhado em oração ao pé daquele leito que m ais parece u m altar
em que se oferece um a vítim a pura. A noite e os dias seguintes se passaram em
alternativas de dores agudas e de intervalos de relativo descanso. Isso m antém
Josefa e as pessoas que a cercam no abandono tão caro ao Coração do M estre.
Devora-a um a sede ardente e, entretanto, cada gota de água, que consegue
engolir, a queim a e a consom e em vez de aliviá-la.
" P a re c e - d iz - q u e esta g o tin h a d 'á g u a cai n u m b ra s e iro a rd e n te e
corrom pido". E a penosa im pressão que sente. Jesus a associa à sede de sua
cruz e ao fel que lhe ap resentaram . N ão tem m ais força algum a, e p erd e o
fôlego ao m enor m ovim ento. Juntam -se duas ou três pessoas p ara soerguê-la
de vez em q u an d o com infinitas precauções. A certas horas, dom ina-a um a
espécie de entorpecim ento geral sem lhe d ar o benefício do sono.
De outras vezes sofre e em todo o corpo sem exceção de um só m em bro.
C ontudo, no meio desses intensos padecim entos não perde a sim plicidade
delicada e expansiva.
A ssim que a dor lhe dá um a trégua, continua os colóquios em balsam ados de
p az radiante.
"Estou tão feliz - diz - sabendo o que Jesus me prepara, p orque eu n ad a fiz,
tu do será o preço de seus m éritos e fará com que a sua m isericórdia resplandeça.
N ão posso rezar p orq u e não tenho m ais força, m as digo-lhe só com o estou
contente de ir para ele".
Uma carta de Espanha desperta nela a lembrança da m ãe e das irm ãs.
"A ntigam ente, - diz - as notícias da família m e em ocionavam , m as agora
não! "Estou tranqüila a respeito delas, estou segura porque sei que Jesus é bom,
as am a, as guarda e as consolará. Conheço-o! Entretanto quero-lhes com toda
a m inha alma - mam ãe, M ercedes, Angela - não podem saber quanto bem lhes

387
quero! É o que me leva a com preender quanto sofre o Coração de Jesus, quando
vê que as alm as não sabem até que ponto são am adas p o r Ele".
Este p en sam en to a p reo cu p a ain d a na quarta-feira, 19 de dezem bro.
As alm as não com preendem como Jesus as am a - repete como que falando
d e si para si. - Q uanto m ais tiverem vivido na obscuridade da fé, - dirá em
outro m om ento - tanto m ais Jesus se vê obrigado a ajudá-las e recom pensá-las
na hora da morte.
"N unca fui tão feliz! m inha p az é tão g rande, m inha alegria com pleta...
nem a m ais leve sombra... Estou certa do perdão, da ternura de Jesus... N ada
desejo... abandono-m e a Ele... não posso mais falar-lhe com os lábios, m as com
o coração lhe digo que é bom e que o am o".
A lem brança das crianças a encanta. N as horas de recreio, as vozes alegres
e o eco dos jogos anim ados sobem até ela.
"C om o gosto delas." - exclama. Revela seu coração apostólico no acento
cheio de ardor. Sente-se que está tão interessada pelas almas e tão pouco ocupada
consigo mesm a.
N a ta rd e d a q uinta-feira, 20 de dezem bro, Sua Excia. M o n se n h o r de
D ufort volta a vê-la. A entrevista é dem orada, paternal, entrem eada de orações
que Sua Excelência recita com ela e de pensam ento cujo segredo ele leva com
em oção bem visível. Tudo é paz do céu, em volta desta cam a onde se acum ula
tanta dor, m as tam bém tanto amor!... Josefa, nessa espera e nesse abandono,
acaba sem d úvida de saldar aqui na Terra o preço das alm as que a sua intercessão
celeste continuará a ganhar para o Coração de Jesus. "Até o fim".
C onvém citar o testem unho das irm ãs que tratam dela e a visitam nesses
últim os dias de vida.
"Era preciso adivinhar, escreve a irm ã enferm eira, o que a pudesse aliviar
ou o que lhe agradasse. Ela só tinha um desejo" O céu e a vontade de Deus.
Ficava tão agradecida pelo m enor serviço e prestava especial atenção para
que as pessoas que se ocupavam dela não faltassem à pontualidade dos exercícios
com uns".
"D urante as três sem anas de doença, ela me edificou a u m ponto que não
saberei dizer, escreve outra. Era preciso que ela tivesse m orta para si m esm a e
m uito perto de Nosso Senhor para ficar assim tranqüila, feliz, e toda entregue
e a b a n d o n a d a ao b e n e p lá c ito d iv in o . N u n c a u m a p a la v r a so b re se u s
sofrim entos, nunca teria pedido de beber e, entretanto devia estar queim ando-
se, interiorm ente; aceitava o que se lhe oferecia, m as nunca se queixava.
A religiosa que a tivera como auxiliar na capela das obras dá o seguinte
testem unho: "D urante os últim os dias de sua vida, tive, um a vez, a graça de vê-
la. A colheu-m e com sorriso incom parável pois eu evocava a lem brança da sua
querida capelinha. "Como se com preende, - acrescentou ela - quan d o se chega
ao ponto em que estou, que Deus é tudo e o resto nada... Com o passam depressa
quatro anos de vida religiosa! Parece que estou apenas chegando aqui como
postulante... depois, o noviciado... Sofri m uito d u ran te o m eu noviciado! Há!
C om o sofri! Pensei que seria preciso p artir e, no entanto, gostava tanto da

388
Sociedade!"
O uvindo essas palavras lem brou-m e o olhar de triunfo sobre o seu crucifixo,
na m anhã dos seus votos: aquele olhar e aquele gesto pareciam trad u zir um a
conquista, não pude esquecê-los.
"Então, ela voltou como que naturalm ente às recordações da infância.
"Q uando eu era pequena - disse-m e - queria dar m uito am or a Jesus... O uvia
em m im com o que apelos a am ar e a me entregar. N o dia da m inha prim eira
com unhão fizeram -nos um a instrução sobre Jesus esposo das Virgens... não
com preendi tudo, m eu coração estava arrebatado... os apelos se tornavam mais
prem entes".
"N a tarde radiante da sua Extrema Unção e tam bém dos seus votos perpétuos,
reconhecendo a m inha voz, cham ou-m e para perto de si: "N o céu, hei de rezar
por todas as suas intenções". Depois, acrescentou, várias vezes: "N osso Senhor
é tão bom! Q uando a gente faz o que pode, - quase nada, - Ele se encarrega do
resto. Pouco im porta se não sentim os que progredim os em perfeição".
A m estra geral do internato dos Feuillants, falecida alguns anos depois -
notava assim as recordações daquele fim de dezem bro:
"Afastava-se o véu daquela filha dileta que havíam os ignorado até então.
"Sua ceia era m ais um oratório do que um quarto de enferm aria e, sobre o leito
da agonia, ela nos parecia radiante de paz celestial. Ao pé dela e sem saber
ainda porque, sentia-se algo de especialm ente grande e sobrenatural. Nos dias
seguintes, tornei a vê-la ,várias vezes, recom endei-lhe o próxim o retiro das
m eninas: "Q uero-lhes tanto! - disse ela - fico feliz quan d o as ouço brincar e,
m ais ainda, quando as vejo com ungar e penso que Nosso Senhor é recebido em
cada um a delas! Sim, hei de rezar e continuarei no céu... N osso Senhor - torna
ela, como que falando de si para si - deu-m e um coração que am a tanto! - Amo
tanto a Sociedade, todas as M adres, as Irmãs, as meninas! Oh! Tenho um coração
tão am ante!" Seria difícil exprim ir o tom da sinceridade e de caridade p rofunda
que acom panhava essas palavras.
"Oh! - disse em outro dia - como é necessário que as noviças sejam fervorosas
e energéticas em sua vocação! Eu tive tantas lutas que parecia, às vezes, não
p o d er perseverar. Ia então procurar a M adre A ssistente e criava força. Fiz u m
grande sacrifício deixando a Espanha é verdade, m as p o r m inha vocação não
hesitei, fi-lo m esm o com todo o coração". E acrescentou: "O que é preciso ensinar
m u ito bem d u ra n te o n o v iciado p ara que fique g rav ad o p a ra sem p re é a
obediência. Oh! Se com preendesse bem o valor da obediência p o r espírito de
fé!... E repetiu m uitas vezes, recolhendo-se e como que revendo em sua própria
alma a segurança de seu caminho:
"O valor da obediência por espírito de fé".
"O utro dia, em que parecia sofrer muito: "N osso Senhor quer que a gente
sofra um instante, e depois continuou: Sofri muito... m as - e aqui sua voz tom ou
firm eza inesquecível - a gente esquece o sofrimento... E agora N osso Senhor vai
me..." Ela interrom peu a frase, com o que escandalizada do que dissera: Oh!
não! continuou - oh! não. Ele não vai recom pensar-m e porque nad a fiz... Ele...

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vai... tornar-m e bem -aventurada!..." Ela se calou como que em ocionada com
essa felicidade. D epois, co n tin u o u com ard o r: "N osso S enhor é bom !... E
v erd ad eiram en te bom " e parecia saborear esta p alav ra que rep etiu m u itas
vezes". Todavia, a hora do príncipe das trevas vai passar sobre esta felicidade
tão pura, e Josefa será esm agada sob a pressão satânica com o a uva no lagar.
Por algum tem po, o dem ônio julgará triunfar definitivam ente subjugando-a, a
ela e aos planos de D eus no m undo. O últim o assalto, o m ais trem endo de
todos, se travará em sua alma e em seu corpo que serão possuídos e dom inados
p or um a força invencível.
Na sexta-feira, 21 de dezem bro, começa a som bra a descer. U m súbito
fastio de sofrim ento invade Josefa que desejaria morrer, m as dom ina-se aderindo
à vontade de Deus; é a atitude profunda de sua alma. N a m anhã de sábado,
22, a carta, anunciada por Nosso Senhor, chega de Roma e a benção da M adre
G eral fortifica a querida doente à entrada do túnel som brio que ela já adivinha.
N a tarde desse dia um a crise terrível a conduz às últim as e lhe tira p o r longo
tem po, a consciência. Q ue se passara nessa noite m isteriosa em que sua alm a
entrara? Josefa contará m ais tarde; naquela hora recebeu o dem ônio faculdade
p ara se ap o d erar tão fortem ente da liberdade de Josefa, que ela sente estar
dom inada por um a força estranha e irresistível que a obriga a pensar, querer,
experim entar, m esm o fisicamente, o que ela não queria nem pensar, nem querer,
nem experim entar. Uma repentina convicção que não vem dela se lhe im põe
ao espírito com tal evidência que lhe pode fugir: a sua m orte próxim a não é
senão a conseqüência daquele cam inho extraordinário. Q uem a força aceitá-
lo? Ela pode ser fiel sem se subm eter a um tal cam inho que não é obrigatório...
recuse-o e ficará sã. N o m esm o instante e subitam ente (explicará Josefa, mais
tarde quando a pressão diabólica tiver cessado) todo o sofrim ento desaparece:
invade-a um a espécie de bem -estar físico e de gozo de viver. Ao m esm o terrpo,
seu espírito é enjaulado com a m ais tenaz obsessão que ela jamais conhecera,
o bsessão tan to m ais an g u stio sa q u an to o d em ô n io a fecha n u m m u tism o
com pleto, do qual só sai para declarar que está curada e livre daquele cam inho.
"Josefa nunca sofre m ais que nessa hora, de tal gênero de padecim ento.
N o íntim o de sua alm a não cessa, no entanto, de am ar A quele que perm ite
tão d u ra prova. Por um instante no dia de N atal, terça-feira, 25 de dezembro,
ela acha liberdade bastante para explicar ao Padre Boyer o que se passou e se
está passando nela, alguns m inutos de alívio doloroso que lhe perm item tom ar
consciência daquele estado de obsessão diabólica m as que dão ensejo ao R.
Padre Boyer de fortificá-la tanto quanto pode... Fora aliás um fugitivo relâm pago,
e Josefa cai novam ente prisioneira daquele abraço diabólico, e cuja violência é
difícil calcular. A ação do dem ônio m ostra-se tão poderosa com efeito, que, se
p o r um lado um a espécie de saúde fictícia parece-lhe ter sido restituída, p o r
outro seu espírito fica obscurecido e sua vontade dom inada a tal extrem o que
não pode m ais fazer um só ato de abandono.
De q u ando em quando, ela percebe que a força a subjuga, e com isto sofre
cruelm ente, pois, no mais profundo de sua alma, N osso Senhor, a sua vontade

390
fica sendo seu único am or sem que ela nem ao m enos possa dizê-lo.
De outras vezes ela já não é a m esm a e parece até, a quem dela se aproxim a,
que "um outro" a possui: no prazer de se julgar curada, e fugir a esse cam inho,
de reviver em liberdade, de gozar a vida... até no tom da voz, há um a segurança,
um a ironia... no olhar, um a expressão tão pouco dela, que descoroçoam!...
A certos m om entos, ela própria fica desnorteada... sua alm a, tão m ortificada,
nunca conhecera aquele gênero de im pressões, nem jamais falara daquele m odo.
A divinha-se a luta interior que a despedaça e torna o seu silêncio m ais pungente.
Q uantas preces, súplicas a cercam sem poderem esclarecê-la nem libertá-la.
Só o sofrim ento é eficaz nessa hora.
Passa-se o N atal e a q u arta -feira, 26 de d ezem b ro , se escoa len tam en te
sob aquele calvário. O Reverendíssim o Padre que segue de perto o m isterioso
assédio diabólico p ro n u n cia várias vezes as orações d o exorcism o. M as o
dem ônio não larga a presa e Josefa fica insensível a tudo.
A fé naquele am or é fiel e forte, a confiança na intercessão e sua Mãe, são o
único apoio dessas horas trágicas. Com o d u v idar da O bra que está prestes a
term inar... do Poder Divino que a dirige... do Coração Sagrado que não pode
abandonar seu frágil instrum ento à beira do abismo? Em nom e das dores de
sua M ãe, Ele há de intervir na hora determ inada: à tarde dessa quarta-feira,
perto do leito em que o dem ônio m antém Josefa sob seu p oder em m orno silêncio
a atitude glacial, as M adres de joelho invocam as dores do Coração puríssim o,
repetindo Ave-M arias, um as após as outras. A penas p ro nunciam , p ara não
excitar m ais o ódio do dem ônio que pesa sobre todo o ser de Josefa. Só se ouve
u m leve m urm úrio em voz baixa. Mas, que instâncias sobem até à Virgem das
D ores, à qual n ad a jam ais se pede em vão! Subitam ente, torna-se sereno o
sem blante de Josefa, baixam-se os olhos... cruzam -se-lhe as mãos... os lábios se
descerram e, pouco a pouco, vêem -na a m u rm u rar a m esm a prece que era
ainda m ais instante ao pé dela. Passa-se um quarto de hora naquela emoção.
Então os Pai Nossos sucedem -se às Ave-Marias. "Venha a nós o vosso reino...
seja feita a vossa vontade assim na Terra com o no céu..." Escorrem -lhe dos
olhos lágrim as silenciosas e com toda a alm a repete, palavra p o r palavra, a
oração tão cara a Santa M adalena Sofia: "C oração Sagrado de Jesus, corro e
venho a vós porque sois m eu único refúgio, m inha única, m as segura esperança.
Sois rem édio para todos os m eus males, alívio para todas as m inhas m isérias,
reparação para todas as m inhas faltas, suplem ento para tu d o de que careço,
certeza para todos m eus pedidos, fonte infalível e inesgotável de luz, força,
constância, paz e benção. Estou certa de que não vos cansareis de m im e que
não cessareis de me amar, de me ajudar e de m e proteger porque me am ais com
am or infinito. Tende, pois, p ied ad e de m im , Senhor, seg u n d o vossa g ran d e
m isericórdia e fazei de m im e em m im tudo o que quiserdes, pois m e abandono
a vós com certeza plena e inteira de que nunca me abandonareis".
Diante desta afirm ação do mais com pleto abandono, o dem ônio fugiu para
sempre! Sob o pé virginal de M aria, seu po d er se aniquilou. O sofrim ento invade
de novo todos os m em bros de Josefa: ela se encontra a si m esm a, de novo sob a

391
cruz de seu Salvador! Q uem p o d eria d u v id a r da intervenção m atern al da
Santíssim a Virgem e da fidelidade onipotente do Coração de Jesus, em presença
de tão súbita e tangível libertação? Passa-se a noite em ação de graças cuja
intensidade não se pode avaliar. Josefa está exausta, m as sua alm a tom a contato
pouco a pouco com as graças dessa dor bendita... com as suas Superioras, que
não a deixam e às quais ainda não pode dizer, senão com olhar, os sentim entos
de hum ildade, de gratidão e de abandono, que vão despertando nela, à m edida
que se vai afastando a lem brança daqueles dias terríveis.
D esde a alvorada de quinta-feira, 27 de dezem bro, ela co m u n g a, com
um a paz que nada m ais perturbará. Era festa de São João, o am igo das alm as
virginais, que fora m uitas vezes junto a ela o em baixador do Coração adorável
d e Jesus. Josefa n ão p o d e esq u ecê-lo . O d ire to r e s p iritu a l to rn a a vê-la
dem oradam ente, depois da ação de graças... M elhor que qualquer outra pessoa,
pode ele calcular o po d er diabólico que a escravizara. Com clareza e adm irável
precisão, Josefa relata o estado m isterioso que atravessara, g u ard an d o apenas
a consciência de sua vontade própria, m as não podendo nem exprim í-la nem
dirigí-la. Parece q ue sua alm a atin g ira ao abism o da aflição, m as tam bém
e x p erim en tara as p ro fu n d e z a s da h u m ilh ação e o a n iq u ilam en to que, na
realidade, são as profundezas do amor! Tudo isso passou... fica o M agnificat
com o a expressão mais pu ra dessas horas inesquecíveis e é repetido em volta
da cam a de Josefa, radiante sob a sua cruz. Voltaram todas as dores, as forças
fictícias dos últim os dias desapareceram e o dia se escoa sem nuvem , na felicidade
do sofrim ento e do abandono, de novo conquistados. N a sexta-feira, 28 de
dezembro, a visita m atinal o R. Padre Boyer traz ainda um a absolvição. Vem
dizer-lhe, pensa ele, um até breve, pois precisa partir para m inistério fora da
cidade e afasta-se tranqüilo, ela encontrara a paz e a alegria sem nuvem .
A um a hora da tarde, longa e dolorosa crise parece levá-la à agonia.
Fica inconsciente do que a cerca até às três horas, acabrunhada pela dor.
C o n tu d o , p ela ta rd e , reco b ra a lg u m a v id a . O co rp o m a c ile n to p ro v o c a
com paixão, um edecem -lhe os lábios com algum as gotas d 'ág u a e mal se pode
tentar soerguê-la para lhe facilitar a respiração. Mas, sem pre esquecida de si,
sim ples e sorridente, torna tudo fácil, desejara p o u p ar qualquer incôm odo aos
que cuidam dela e não cessa de exprim ir sua gratidão.
A noite, a últim a noite, se passa nessas alternativas e na m anhã de sábado,
29 de dezem bro, Jesus vem a ela pela últim a vez. Q ue se p assaria d u ran te
essa entrevista de am or tão próxim a da entrevista eterna? Sem d ú vida algum a,
Josefa o ressen tiu , m as sua extrem a delicadeza, afin ad a pela u n ião e pela
conform idade com o Coração infinitam ente delicado de Jesus, não teria querido
causar pena com a perspectiva da separação tão próxima... O recolhim ento m ais
p rofundo que a envolve, seu silêncio no sofrim ento que aum enta de hora para
hora, parecem anunciar o fim, m as nada ainda o dá a prever e a m anhã se passa,
com o na véspera, em paz toda celestial.
Uma pequena estátua de Jesus adorm ecido no presépio repousa-lhe sobre a
cam a e Josefa a contem pla com am or e ternura. Desfia as contas do terço e seu

392
olhar diz em volta dela o que suas forças já não podem exprimir.
A tarde continua naquele abandono. Recostada na cama está sofrendo m uito,
m as nada lhe altera a serenidade. Torna a ler o capítulo décim o do terceiro
livro a Imitação - seu capítulo preferido - e troca ainda com suas Superioras,
algum as palavras cheias de fervor e de terna gratidão.
Sente-se que está toda ocupada com Jesus e com as alm as, em meio às dores
que som ente à sua fisionomia revela. Declina o dia, cai o silêncio envolvendo
cada vez m ais a oblação de Josefa. A sim plicidade daquela tarde, tão parecida
com as outras, esconde, m esm o aos olhos das suas M adres, a em inência do
sacrifício. Jesus assim perm ite p ara g u ard ar p ara si o segredo desta últim a
preparação, deste acabam ento, desta suprem a consum ação.
É noite. Pelas sete e meia, a Irmã enferm eira pergunta à querida doente se
algum a coisa poderia aliviá-la. "Oh! Tudo o que quiser, Irmã... Estou bem -
acrescenta - posso ficar sozinha", pois tocam as Ave-M arias e ela sabe que a
hora regular cham a a C om unidade à refeição da tarde.
M isteriosa conduta de Deus e de sua vontade adorável! Por um conjunto de
circunstâncias im previstas, Josefa, que suas M adres nunca haviam deixado,
revezando-se um a a outra, noite e dia, desde 9 de dezem bro, fica só! E nessa
solidão e nesse abandono querido por Ele, o M estre divino passa de repente,
im prim indo na alma de sua privilegiada o selo da suprem a configuração com
a sua cruz e sua morte, no mais inteiro desprovim ento de tudo!...
Q uando alguns instantes depois, a Irm ã enferm eira volta à p equena cela,
Josefa cessara de viver!... Está estendida com a cabeça ligeiram ente inclinada
para trás, os olhos sem icerrados, dolorosa expressão contraindo-lhe a fisionomia:
Tudo nela parece lem brar Jesus crucificado, m o rren d o no ab an d o n o de seu
Pai.
"Deixa-me escolher o dia e a hora", dissera ele.
"Estarem os aqui, am bas, para te conduzir ao céu", afirm aram Nossa Senhora
e Santa M adalena Sofia. N ão seria o cêntuplo dessa hora em que, no abandono
da terra, na solidão... na aflição, talvez, se realiza a palavra de N osso Senhor?
"Sofrerás e, abism ada no sofrim ento m orrerás!" Jesus quis revelar esta passagem
do céu na pequena cela solitária com um sinal evidente, testem unha da sua
incom parável delicadeza: pelas onze horas da noite, quando se tratava de vestir
a cara irm ãzinha com o hábito religioso, qual não foi a surpresa das M adres
desoladas, verificando que "alguém " já tinha cuidado dela. Sob as cobertas,
bem esticadas até em cima e m elhor que ninguém o poderia ter feito, Josefa,
com os braços estendidos ao longo do corpo, está vestida com seu saiote cinzento
am arrado na cintura e cuidadosam ente esticado até os pés. - Q uando? - Como?
- Q uem fizera aquilo? ... Q ue responder a estas perguntas...
N inguém entrara na sua cela, como atesta a vizinha de enferm aria e a querida
doente, incapaz do m enor m ovim ento e de qualquer esforço ignorava onde
estava dobrada aquela roupa.
O fato - aliás incontestável e concordando com a virginal m odéstia de Josefa
que sem pre receara ser tocada depois da m orte - não nos perm itirá pensar que

393
N ossa Senhora e Santa M adalena Sofia, fiéis à sua prom essa, tinham querido,
ao lhe receberem a alma para levarem ao céu, deixar essa prova de presença
m aterna m ais eficaz que outra qualquer? O saiote cinzento ficou, pois, sem que
ninguém lhe tocasse e Josefa o levou para o túm ulo.
Assim acaba a história do amor, fidelíssimo, naquele sábado, 29 de dezem bro
de 1923.
D epressa a fisionomia de Josefa se ilum inou de paz e serenidade, enquanto
um a im pressão sobrenatural de graça se derram ava por toda a casa.
N a m anhã de d om ingo, 30 de dezem bro, as religiosas so u b eram , com
em oção indizível, o segredo divino daqueles quatro anos, segredo que ninguém
suspeitara.
"É justo, escrevera a M adre Geral, que sejam elas as prim eiras a recolherem
as graças". É-lhes im posta a m aior discrição, pois ninguém , fora da casa dos
Feuillants, deveria saber coisa algum a acerca dos favores e da m issão de que
fora depositária a hum ilde irm ãzinha. Mas que sopro de fervor excita as alm as
à generosidade e às ações de graças... A cela em que Josefa repousa, cercada de
lírios é um santuário. O céu parece ali estar presente, todas as religiosas correm
pressurosas em veneração e prece. O belo sem blante reflete a serena estabilidade
da eternidade, com im pressionável majestade.
"N ão m e parecia estar diante de um leito fúnebre, escreve um a religiosa que
a velara d u ran te a noite seguinte, m as diante de um altar todo branco, em
volta do qual as palm eiras e os lírios já cantavam o triunfo da pequena vítim a
tão bela que ali estava estendida, num a derradeira atitude de oblação. D urante
as horas silenciosas da noite, m inha oração procurava fazer eco à sua. A braçava
o m undo, as almas, os pecadores, nossa caríssima Sociedade e a ação de graças
m isturava-se à súplica".
Já se nos afigurava o Coração de Jesus, a irradiar p o r meio dos despojos do
pequeno instrum ento tão divinam ente escondido até então, e a soerguer o véu,
com eçando a descobrir às almas, os apelos ardentes de seu amor.
"N a noite da sua m orte, e não sabendo que estava pior, escreve a Irm ã
encarregada da cozinha, via-a, em sonhos. Estava m uito formosa e repousava
num leito cheio de flores. Acenou com a m ão que eu me aproxim asse e disse:
"Oh! N ão tenha m edo do sofrim ento e não perca nem um a parcela do que
Jesus lhe m anda. Se soubesse o que é sofrer por ele! E preciso que transform e o
seu trabalho em oração.
A cada coisa, diga: "M eu Jesus, é para Vos, eu vo-lo ofereço de m odo que ele
veja que sua vontade é estar com ele e amá-lo. Oh! Se a Irm ã soubesse!... Ele tem
tanta necessidade de am or!" Ela frisava cada palav ra fortem ente e isto m e
im pressionou tanto m ais vivam ente quanto, dom ingo de m anhã, ao descer para
a m editação, soube que havia partido para o céu".
Na tarde de dom ingo, 30 de dezem bro, o bispo de Poitiers vem rezar diante
dos seus restos m ortais. Envolve aquela últim a e dem orada entrevista, solene
silêncio.
D epois, Sua Excelência abençoa, de novo, com efusão, a p eq u en a Josefa,

394
confiada à sua vigilância paternal pelo Coração de Jesus em pessoa, e seu olhar
neste m om ento dela se afasta com grande pena. Ao deixá-la, não pode conter
os sentim entos que lhe tran sb o rd am da alm a. A ssina a ata da Profissão de
Soror Josefa e prom ete vir dar a absolvição depois da m issa de Requiem m arcada
para terça-feira 1° de janeiro.
O ano de 1923 term ina, pois, sob a efusão das graças de que a hum ilde cela
parece ser m anancial fecundo. Uma atração sobrenatural para ali cham a e ali
re té m as a lm a s e, d u r a n te to d a a se g u n d a -fe ir a , 31 de d e z e m b r o , a
u n an im id ad e de ações de graças, de oferecim ento e de súplicas q u e ali se
encontra, deve consolar e glorificar o Coração adorável de Jesus: já é a O bra de
seu A m or que começa a realizar-se. Pelas quatro e meia, Josefa é colocada com
veneração e amor, no caixão de m adeira branca que a esconderá a todos os
olhares seu sem blante plácido conserva sem pre aquela irradiação de doçura e
paz que não nos cansávam os de contem plar desde a véspera. Transportam o-la
através dos claustros dos "Feuillants" até à capela, ao m esm o lugar em que
dezoito meses antes, Jesus lhe dissera: "Vê como te fui fiel". É o últim o encontro
destas duas fidelidades de amor.
E nquanto a C om unidade passa a noite em adoração diante do Santíssimo
Sacram ento exposto no oratório de Santo Estanislau, para encerrar aos pés de
Jesus H óstia aquele ano incom parável, Josefa está sozinha, em guarda, diante
do tabernáculo dos seus prim eiros votos.
Na terça-feira, I o de janeiro, teve lu g a r o se p u lta m e n to ". Eu receava,
escrevia a Superiora de Josefa à M adre Geral, tão próxim a pelo pensam ento e
pela oração a todos aqueles acontecimentos, receava que as festas de Ano Bom,
a ausência das m eninas em férias, deixassem a capela m u ito vazia p ara a
cerim ô n ia . Tal n ão aco n teceu . M o n sen h o r, v isiv e lm e n te co m o v id o , seis
sacerdotes, ocupavam o santuário. Religiosas de várias O rdens, as Pequeninas
do Bom Pastor, nossas protegidas, as alunas do sem i-internato a quem havíam os
participado, as Filhas de M aria da C ongregação do Sagrado C oração, bom
núm ero de am igos, atrás de todas as M adres e Irmãs, form avam o belo séquito
da nossa Josefa, tão hum ilde e tão desconhecida".
A missa de "Requiem ", piedosam ente cantada, term ina no recolhim ento ao
qual tudo concorre para tornar mais em ocionante. O bispo dá solenem ente a
absolvição e o cortejo se põe a cam inho, enquanto o canto i'n Paradisum " eleva
os pensam entos até o lugar em que devem os, de ora em diante, contem plar a
querida irm ãzinha. Chove, e o tem po som brio de 1° de janeiro contrasta com a
paz serena das almas. Descemos as alam edas do jardim , passando não longe
do oratório de São José, a soledade em que Santa M adalena Sofia se recolhia
d urante os Retiros. Uma parada inesperada do carro diante da cruz que dom ina
a encruzilhada das alam edas, parece pôr, pela últim a vez, a filha sob a benção
da M adre F undadora; depois atinge-se o g ran d e p o rtão da clausura. Josefa
deixa os Feuillants! Com o é pu n g en te a emoção, quan d o o carro transpõe o
lim iar e desaparece.
A s e p u ltu r a d a s re lig io s a s d o S a g ra d o C o ra ç ã o a c h a -se n u m a d a s

395
extrem idades do cem itério da cidade. Lá, um a grande concessão encerra os
num erosos túm ulos em torno da cruz. D iante da grade da entrada, na fossa
p reparada cuidadosam ente, algum as sem anas antes da sua m orte, os preciosos
restos de Josefa são depositados. Seu túm ulo em nad a difere do das outras
religiosas, m as parece abrigar-se sob o m anto virginal de Maria, estando próxim o
de um a estátua de N ossa Senhora que dom ina um antigo jazigo.
Ali repousa a hum ilde privilegiada do Coração Sagrado de Jesus, aquela
que, de ora em diante será conhecida com o nom e de: "M ensageira da sua obra
de A m or".

396
Conclusão
N ão m e com petiria d ar um a conclusão aos adm iráveis entretenim entos de
Nosso Senhor com a Irm ãzinha coadjutora da Sociedade do Sagrado Coração
de Jesus.
C o n v id a d o porém , (e com tal insistência que n ão m e p u d e esq u iv ar) a
exprim ir m eus sentim entos sobre estes novos apelos da M isericórdia de Deus.
Seja-me perdoado não trazer senão um a resposta de "pobre pecador". Ter-se-
á a sensatez de tomá-la como o juízo de um entendido no assunto, m as apenas
com o testem unho de g ratidão p ara com Jesus C risto, que foi vítim a do seu
am or por nós, e para com a Sociedade que não g u ard o u para si os m ais íntim os
pensam entos do Coração de Jesus.

I
Foi com bastante pena, m as não sem prem editação que m e resignei a deixar
na som bra a santidade da Esposa que Nosso Senhor m isteriosam ente associou
a si.
O s fatos re la ta d o s com a m ais m o d e sta sim p lic id a d e , já lhe p u s e ra m
suficientem ente em evidência as em inentes virtudes. N um a conclusão, parece
convir que desaparece com pletam ente esta filha de predileção - que terá aliás
sua glória na terra como no céu.
- O principal fim de Jesus não foi propô-la como exemplo.
N ão lhe falou, tão abundantem ente p ara atrair sobre ela a adm iração das
m ultidões. Soror Josefa não foi senão um a voz. N ada mais. Existiu unicam ente
para a M ensagem e a M ensagem não era de m odo algum , para ela. D eterm inou
C risto que ela nada fosse. N unca a tirou do seu nada. Trabalhou p ara ainda
m ais aniquilar esse nada no decurso dos seus dias de luz. "A luz brilhou nas
trevas". Josefa desejou acima de tudo, a obscuridade da sua miséria. Se ainda
hoje for tratada "como escória", mais feliz há de ficar. A m ensagem terá assim
algum ensejo de chegar até nós sem obstáculos, como ela esperava.
N ão esconderei que me senti, p o r assim dizer, ofuscado pela presença de
Cristo vivo, quando fiel às instruções do M estre e da sua confidente, procurei
esquecer com pletam ente a existência de Josefa M enéndez. Tive im ediatam ente
a evidência de que era, de fato, o próprio Cristo que aqui falava.
N ão havia p erig o de ilusão. S upérfluo se to rn av a o d iscern im en to d o s
espíritos. Bastava d istin g u ir a voz de Jesus. Reconheci-a na m ais lím p id a
claridade, tal qual a percebem as almas nas horas de graça e, principalm ente,
tal qual o Evangelho, e os santos no-la deram a ouvir no decurso dos séculos.
Im possível é enganar-se, o tim bre da voz que confiou à Soror Josefa os segredos
do Coração M isericordioso de Cristo é exatam ente o m esm o que o do Salvador
do Evangelho e do Deus de am or de toda a eternidade. Deus caritas est (Deus
é am or). Desde o começo dos séculos, Deus nos convida ao amor.

397
Prior dilexit nos (Ele nos am ou prim eiro). Se a lei quer que o am em os com
todo o nosso coração, com toda a nossa alma, com toda as nossas forças (Deut.
C5), foi Ele q ue p rim eiram en te nos im peliu, com in fin ita p ersev eran ça, a
responder ao am or im enso que tinha a cada um de nós. Q uantas vezes nos
repetiu que nos queria mais que um a mãe.
Seria apenas de ontem a voz terna e sedutora que nos fez esta declaração
insensata: És m inha Esposa e eu sou teu Esposo! "Vozes de júbilo e de alegria,
vozes de dois Esposos que cantam: Louvai Javé dos exércitos, pois Ele é Bom e
sua M isericórdia perdu ra para sem pre". (Jer. XXIII, II).
Q u a n d o N o sso S en h o r d isse à Irm ã z in h a c o a d ju to ra q u e n o s am av a
"lo u cam en te", nós já ou v íram o s o Esposo p o r excelência no-lo rep etir em
linguagem que todos os hom ens de carne poderiam com preender.
Sua M isericórdia? D everíam os conhecê-la, desde que Deus nos com eçou a
falar; ultrapassa toda imaginação; Se m eu Senhor "a terra está cheia de vossa
M isericórdia", (Ps. 118, 64) Vossa Escritura Sagrada transborda de b o n d ad e
pelos pecadores; a história secreta das almas é a narração ininterrupta de vossos
p e rd õ e s e x tra o rd in á rio s q u e coisa alg u m a d esco ro ço a. M en sag en s m ais
eloqüentes que a de Josefa , q u an tas já tem recebido a h u m a n id ad e, n ão é
certo? Q uando os m iseráveis vinhateiros da "casa de Israel" deram cabo dos
servos do pai de família, espancando a um , m atando a outro, lap id an d o ao
terceiro, o Bom M estre enviou de novo outros servos, em m aior núm ero que os
prim eiros, e eles os tratam do m esm o m odo.
Então, enviou-lhes seu Filho, dizendo: "Respeitarão a m eu Filho".
Mas quando os vinhateiros viram o Filho, disseram uns aos outros: "Eis o
herdeiro, vinde, m atem o-lo e terem os a sua herança". Ora, que vinha anunciar
aquele Filho dileto? Q ue D eus era C aridade, que D eus am ava de tal m odo
os vinhateiros que lhes dava o único Filho seu. E eis que nós o crucificamos
porc.ue nada com preendem os de seu testem unho. Mas, antes de m orrer e de
nos com unicar seu próprio am or (o Espírito Santo, que é o laço substancial da
Santíssim a Trindade), o Filho único nos revelou as profundezas de Deus. Seu
Evangelho transborda de Bondade. É verdadeiram ente, do começo ao fim, o
Evangelho dos pecadores.
É a exaltação do arrependim ento. É a pública e manifesta preferência pelo
publicano, pelo filho pródigo, pela ovelha d esg arrad a, pelos doentes, pela
a d ú lte r a e p e la M a d a le n a h u m ilh a d a e c o n trita . N esta c a rta e te rn a de
m isericórdia, são as bem -aventuranças solenem ente p ro m etid as aos pobres,
aos perseguidos, às vítim as da injustiça, aos infelizes que choram seus pecados
e suas dores, M ilagres em profusão são distribuídos a todos os m utilados da
vida que, do fundo do abismo, cham am Cristo por socorro. O uvem -se m esm o
gritos m ais pungentes aos ouvidos do Salvador, pois Jesus clama no meio da
turba, na praça pública, como se fosse o m ais m endigo de todos os m endigos
que tem fome e sede de ventura e justiça.
"N o últim o dia de festa, que é o dia solene, Jesus, de pé, disse em voz alta:
"Se alguém tem sede, venha a M im e beba; aquele que crê em Mim, de seu seio,

398
como dizem as escrituras, fluirão rios de água viva". Dizia ele do Espírito (isto é,
am or do Pai e do Filho) que deveriam receber aqueles que crêem nele, pois o
Espírito ainda não havia sido dado, porque Jesus ainda não fora glorificado
0o. VII. 37) cham a a si os que trabalham e são oprim idos: "Vinde a M im, vós
todos que estais cansados e sobrecarregados e eu vos darei repouso". (Mat. XI,
28). "Vim para que tenhais vida e para que estejais na abundância".(Jo. X.10)
E antes de expirar sob nossos golpes, lançou o grito de angústia: "Sitio":
Tenho sede!
Este clam or que deveria encher todos os espaços e todos os tem pos e ressoar
no fundo de todos os corações, ai! Q uão raros são aquelas que o ouviram como
apelo pessoal! A lguns disseram , em verdade, não som ente com os lábios, m as
com o testem unho de sua vida e de sua morte: Et nos credidimns caritati". Nós
crem os na carid ad e. M as g ran d e n ú m e ro d e cristãos e p rin cip alm en te de
pecadores ficaram surdos a estes apelos do am or
D epois de arautos de todas as condições, doutores, m ártires, confessores,
virgens, crianças, dirige-se a nós Josefa M enéndez, com acento m ais com ovedor
que nunca. É herdeira de um segredo que não foi escondido nem alterado no
decurso dos séculos. Eis o grande FATO ATUAL que eu queria salientar. -
Q uando leio as suas conversas íntim as com Cristo, creio ouvir, não som ente as
M argaridas M arias que a procederam , m as tam bém os mais ilustres doutores e
os santos m ais clássicos, que assim m e posso exprim ir, da N ova A liança. A
m ensagem de Josefa será transm itida por um a religiosa coadjutora ou p o r Santo
A gostinho? Som ente pelo conteúdo não se poderia distinguir. Pois o g rande
d outor da graça nos falou, com eloqüência igualm ente p ura, m ais opulenta e
m ais inflam ada porém , da Bondade e da M isericórdia de Deus para com os
pecadores: "O imensa Ternura paternal! Ó inestimável Caridade! Para libertar
o servo, entregaste o Filho... Ó Caridade! Ó Ternura de Pai! Quem jamais ouviu
tais coisas? Q uem não admiraria a vossa Bondade? Q u e m não cantaria a
excessiva Caridade de vossa dileção?"
" A m o -V o s, ó meu Deus, amo-Vos e quero amar-Vos cada vez mais. Dai-me
a graça de vos desejar, Sois a Im ensidade e deveis ser amado sem medida,
principalm ente por nós que amastes sem medida, que salvastes sem medida, a
quem destes tantas e tais provas de amor!"
Efusões apaixonadas que chegam ao delírio de um espírito em briagado pela
graça, encontram o-los ainda m ais em Santo A gostinho que em qualquer outro
autor místico. Q uer m editem os as elevações de S. Bernardo sobre o am or de
D eus e seu Com entário dos Cânticos, quer leiamos as obras m ais conhecidas
dos m onges místicos da Idade Média; se, logo depois dessa leitura latina, abrim os
o "A pelo d o A m or" da p eq u en in a coadjutora do "S ag rad o C oração", não
verem os, senão diferenças superficiais, como entre um a grande e um a pequena
H óstia co n sag rad a. Foi certam ente o m esm o C oração de Jesus q u e am ou,
p ro cu ro u , cham ou, p erd o o u , cu m u lo u de delicadezas aos m ais m iseráveis
pecadores. É ele, não hesito um segundo em crê-lo, é ele que continua, há séculos,
a nos pro p o r íntim a união consigo e a felicidade inefável de ser Esposas do

399
Verbo Encarnado. Só um exem plo dou entre mil.
Josefa nos fala, com predileção, não som ente da Paixão de Jesus em geral,
m as especialm ente das cinco chagas. "Eis as chagas - diz um dia N osso Senhor
- abertas sob a cruz para resgatar o m undo da m orte eterna e lhe d ar a vida.
São elas que obtêm M isericórdia e Perdão para tantas alm as que irritam a cólera
do Pai. São elas que, de ora em diante, lhes darão Luz, Força e Amor. Esta
chaga de m eu Coração é o vulcão divino onde quero que se abrasem m inhas
alm as escolhidas".
M as A gostinho tinha ouvido os m esm os apelos. Escreveu: "As chagas de
Jesus Cristo estão cheias de Misericórdia, cheias de Ternura, cheias de Suavidade
e Caridade. Traspassaram-lhe as mãos e os pés, abriram-lhe o lado com um
golpe de lança; por esses canais é-lhe permitido saborear quão suave é o Senhor
meu Deus... Redenção abundante nos é dada nas chagas de Jesus Cristo, nosso
Salvador, grande m ultidão de doçura, a plenitude da graça e a perfeição das
virtu d e s".
N ão é u m a vez, m as cem vezes, q u e o san to co n v ertid o , o d o u to r d a
M isericórdia, convida à confiança as alm as pecadoras, sobretudo aquelas cujos
crim es levam ao desespero.
E que alm a piedosa não levou ao m enos um a vez na vida, as ternas súplicas
de São Bernardo?
"Em teu desespero, não digas jamais: m inha iniqüidade é grande demais
para que eu obtenha perdão. A b so lu ta m e n te não. Pelo contrário, maior é a
Bondade paterna de Deus que toda a iniqüidade".
"Quanto a mim, cheio de confiança, o que me falta, tomo-o às entranhas do
Senhor, porque transbordam de Misericórdia e não fa lta m frestas pelas quais
escoem as graças. Varavam-lhe as mãos e os pés, abriram-lhe o lado, posso
agora, por estas feridas, tirar mel da pedra e óleo do rochedo duríssimo, isto é,
saborear e ver que o Senhor só tinha pensamentos de paz e eu ignorava...
Clamam estes pregos, clamam estas feridas. Deus verdadeiramente está em
Cristo, reconciliando o m undo consigo. A brem -se às escancaras o santuário
deste Coração ao qual nos conduzem todas as chagas de seu corpo. Abre-se o
g rande sacram ento do amor do Pai; escancaram-se para a nossa alma as
entranhas de Misericórdia de Nosso Deus.
Não são visíveis a todos, essas entranhas, pelas feridas? O nde seria mais
patente que em Vossas chagas, a verdade é que Vós, Senhor, sois suave e manso,
rico em Misericórdia? N inguém tem mais piedade do que aquele que dá a vida
pelos hom ens que mereciam a morte e que fo ra m condenados a parecer. Por
isso, o merecimento meu está ria Misericórdia do Senhor".
M inha intenção relatando estes belos textos, é lem brar que existe no tesouro
espiritual da Igreja um a infinidade de outros, tão pungentes, tão encorajados
q uanto estes, cujos segredos hoje se nos revela. H avíam os tom ado o triste hábito
de os esquecer, como esquecemos dos mortos. Eles revivem aqui à nossa memória.
As confidências da hum ilde Soror Josefa são ecos literal a grande voz divina,
q u e em cad a ép o ca , com p a ciên cia e c o n d e sc e n d ê n c ia a d o rá v e is , q u e r

400
novam ente persuadir-nos de que ele é o A m or infinitam ente desinteressado, o
A m or infinitam ente m isericordioso, o A m or infinitam ente im paciente p o r fazer
to d o s os h o m e n s u m só D eu s em C ris to . C rê -lo -e m o s a fin a l?
M as com esta volta à tradição, não tenho em m ira apenas atestar a autenticidade
indiscutível da M ensagem do Coração de Jesus. N ão é em favor de Soror Josefa
que venho dar testem unho, m as contra todos nós. Esta perseverança de Cristo
acusa a nossa surdez espiritual, nosso endurecim ento, nossa lev ian d ad e de
espírito, nossa ingratidão, nossa tibieza, que são verdadeiram ente assustadoras
e que deveriam lançar-nos no estupor. Por meio de sua Esposa, o Coração de
Jesus gem e ainda hoje, pela centésim a vez, sob nossa indiferença, com o havia
feito sob a incom preensão dos discípulos de Emaús. "Ó hom ens sem inteligência,
cujo coração é lento em crer tu d o o que disseram os Profetas!" (Luc. XXV, 25)
D everíam os estar profundam ente inquietos. N ão será p ara temer, que, com
algum pretexto fútil - sob pretexto por exem plo, de que não nos devem os fiar
dem asiadam ente em videntes, nem em "vãos dizeres de m ulheres"(LUC. XXIV,
11) - sob pretexto de que as revelações privadas não interessam diretam ente à
fé, e que a im aginação é sem pre mais viva do que se pensa - sob pretexto de
que aparições infernais tornam suspeitas visões celestes - sob pretexto, enfim,
de que não saberíam os discernir o verdadeiro do falso, nos fenôm enos místicos
- não será para tem er que alguns dentre nós hesitem em d ar generosa difusão e
alcance m undial às palavras divinas que nos apresenta Soror Josefa?
A S am aritana logo correu p ara contar aos com patriotas o que ap ren d e ra
com o bom M estre (Jo. IV. 28). M adalena apressou-se em anunciar aos discípulos
que vira o Senhor e que lhe dera um a m ensagem (Jo. XX. 18). Com o poderíam os
ta rd a r em d a r a conhecer às alm as as riquezas in sondáveis d o C oração de
Jesus?
N ão nos desculpem os, d izen d o que n ad a h á de novo n essas revelações
p riv ad as, pois é justam en te p o rq u e C risto clam a há m uitos séculos, com o
m esm o brado de A m or e de M isericórdia, que estam os obrigados, hoje, m uito
m ais do que ontem , a não tolerar que seus gritos sejam abafados p o r nossas
d úvidas e discussões supérfluas. Para crer no am or de Jesus, será preciso serm os
convidados a porm os, nós mesm os, a m ão na chaga do lado ferido pela lança?
O uçam os antes a palavra de Jesus: "Beati qui non viderunt et crediderunt" (Bem-
aventurados os que não viram e creram)

II

A força da M ensagem transm itida por Josefa não vem , porém , apenas da
sua continuidade perfeita com a revelação eterna da infinita M isericórdia do
Salvador: Resulta igualm ente da sua OPORTUNIDADE m anifesta.
Desejaria eu salientá-la, ainda um a vez, diante das alm as a quem este livro
atingir. Q uem não se im pressionaria com a perfeita concordância de pensam ento,
entre a "M ensagem do Coração de Jesus" e a Encíclica do Santo P adre Pio XII,

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sobre o C orpo m ístico de Cristo. A M ensagem é de 1920-1923; a Encíclica, de
29 de junho de 1943. N o decurso dos vinte anos que as separam , apareceram
as condenações das heresias m odernas pelo Papa Pio XI; a guerra abraçou o
universo, o cardeal Paceli foi eleito para a C átedra de Pedro. Sua Santidade Pio
XII condenou, m ais de um a vez, os erros e esclareceu a fé dos Cristãos. O ra, o
que Cristo disse por seu Vigário em 1943 confirma, com evidência os Desejos
que, na intim idade de um convento, o m esm o Cristo m anifestara em 1923 à
su a h u m ild e serva. E ntre d u a s form as de en sin o , p erceb o en te n d im e n to ,
harm onia, convergência de idéias que perm item claram ente discernir a direção
atual do Espírito Santo na Igreja. Q uer m editem os, as palavras transm itidas
pela ignorante religiosa, q u er estu d em o s a d o u trin a do soberano Pontífice,
sentim o-nos convidados de am bos a levantar as ruínas da civilização Cristã,
sob os alicerces da caridade. Parece-me que há aí fato novo que dá à M ensagem ,
im portância capital. Trata-se de verdadeira convocação de cristãos p ara um a
restauração m ais perfeita do m undo. Deus quer in augurar um a era de progresso
no desenvolvim ento do Corpo místico de Cristo. Contentar-m e-ei com assinalar
essa concordância sobre alguns pontos.
1) - P rim e ira m e n te , N o sso Senhor, p arece reco m en d ar a D ev o çã o ao
Sagrado Coração de m aneira m ais p rem en te que nunca.
A s re v e la ç õ e s d e P a ra y tin h a m d is s ip a d o as h e re s ia s d o m e d o e
particularm ente, as do Calvinism o e do Jansenismo. Sabe-se com que m agníficas
e incom paráveis prom essas tentava Ele atrair as alm as tím idas. N ão há d ú v id a
que a Igreja foi, pouco a pouco, respondendo a esse apelo, em todo o universo.
D epois de dois séculos de esforços p erseverantes, os apóstolos d o Sagrado
Coração conseguiram tornar com preendida, saboreada, am ada, essa devoção
que d u ran te m uito tem po, fora considerada suspeita. Q uão difícil é p ara Jesus
tornar-se am ado pelos hom ens com o deseja! Hoje, o C oração de Jesus vem
dizer-nos que não está ainda satisfeito com nossas adorações e nossos sacrifícios
m uito parcim oniosos.
N ão foi saciada a sua sede. Longe disso, precisa cada vez mais, de am or e
confiança. C onvida-nos a am á-lo com insistência tão apaixonada, que já não
de pode d u v id ar que esta devoção lhe seja, cada vez m ais cara, que a Santíssim a
T rindade dela se agrade de m odo particularíssim o, e que considere com o o
m eio m ais eficaz de glorificar a D eus e salv ar as alm as. O que é novo na
M ensagem é a força com que Cristo insiste na revelação de seu amor. N inguém
nos falou jam ais, com tanto fogo, daquilo que possuía de m ais caro, quanto
Jesus, neste m om ento, nos fala da sua M isericórdia. D onde devem os concluir
que, som os infelizm ente, m uito pouco pressurosos em h au rir desta Fonte de
Vida.
O C ristianism o de hoje está sendo arrastado à catástrofe que am eaça lançar
a h u m an id ad e inteira nu m a espécie de desespero. Q uem nos salvará? Q uem
nos poderá d ar certeza da vitória da fé? N estas horas de tem pestade, Cristo,
ainda um a vez, aparece aos corações p u ro s p ara nos dizer: R espondei com
confiança aos apelos do Coração de Jesus. Dele virá a salvação. Dele, a vitória.

402
N a sua Encíclica "A n n u m S acrum " de 25 de m aio d e 1899, Leão XIII,
lem brando a "Vitória próxim a e insigne" que augurara a C onstantino a aparição
d a cruz no céu, assim se exprim ia. "Hoje, o u tro sím bolo div in o , p resság io
felicíssimo, aparece-nos aos olhos: é o Coração Sacratíssimo de Jesus encim ado
pela cruz c resplandecente com brilho incom parável no m eio de cham as; a Ele
devem os pedir a salvação dos hom ens, é dele que a devem os esperar".
Tam bém o Santo P adre Pio XII nos declara, na sua últim a Encíclica, que
"com alegria verifica" cs progressos da devoção p ara com o Sagrado Coração
d e Jesu s e o a rd o r q u e n u m e ro s o s e s p írito s p õ e m em " m e d ita r m a is
profundam ente as riquezas insondáveis de Cristo, conservadas na Igreja", pois
nele está toda a sua esperança.
2) - As épocas passadas, entretanto, tiveram tam bém seus torm entos. A barca
de Pedro sem pre esteve prestes a sossobrar. Q ue aconteceu de extraordinário
em nossa época, para que o Senhor nos tenha enviado um a M ensagem inédita?
Aconteceu que o século em que vivemos é um século de ferro que, atacando
diretam ente a virtude de caridade quer elevar um novo ídolo, não som ente o
da ciência, m as o da força.
U m a p ro p a g a n d a d esen fread a tenta convencer os h o m en s de que serão
deuses som ente com o p o d er das arm as; m as que devem p ara isso desprezar a
caridade e que os paralisa, os deprim e e os avilta, e precipita povos e indivíduos
à d e c a d ê n c ia . F elizm en te, a lei selv ag e m p re c o n iz a d a p ela h u m a n id a d e
m oderna não é a lei de D eus, pois seria facílimo ao O n ipotente ex p u lsar os
hom ens das terras pacíficas como expulsou, outrora, seus prim eiros pais do
paraíso e condená-los à carnificina, sem fim ou ao inferno. M as a força de D eus
está no A m or aos hom ens desgarrados. Q uer d erram ar M isericórdia, perdoar-
lhes, torná-los felizes. Era o que Josefa M enéndez estava encarregada de lhes
rep etir na véspera do desastre em que tão p ro fu n d am en te caím os. Por sua
boca, falava Jesus às alm as que não crêem no amor. Eis porque repetirá centenas
de vezes a m esm a palavra: "Vinde a Mim! Tende confiança". "Eu vos am o".
"Sou M isericórdia".
Por seu lado, na m esm a época, e pelas m esm as razões, com o eco da voz de
cristo, lem bra nosso Santo Padre que a caridade é a glória su p rem a e a m aior
potência do hom em : "Se na própria natureza é o am or coisa excelente, fonte
da verdadeira am izade, que dizer do A m or celeste; d erram ad o pelo pró p rio
D eus em nossas almas? Deus é caridade e aquele que perm anece na caridade,
em D eus perm anece e Deus nele"0o. IV. 16). Ora, esta caridade, segundo a lei
p o r D eus estabelecida, tem por efeito fazê-la recair, p o r um a reciprocidade de
A m or sobre nós que o am am os, conform e as seguintes palavras: "Se alguém
Me am a, m eu Pai tam bém o am ará e nós virem os a ele e nele estabelecerem os
m orada"(Jo. XIV 23).
E unicam ente assim que serem os todos juntos, não som ente com o D euses -
m as uni só Deus com Ele p o r Cristo Jesus. E é assim que vencerem os, não apenas
algum as nações, m as o m u n d o inteiro e m esm o os dem ônios. Só assim teremos,
não apenas a força do super-hom em , m as a do Espírito Santo. "Foi no ard o r

403
dessa cham a celeste, continua o Santo P adre, que tantos filhos da Igreja se
regozijaram de padecer opróbrios p o r Cristo, de tu d o afrontar, tu d o vencer,
até o últim o sopro de vida e a efusão do próprio sangue".
"Ó adm irável condescendência da divina tern u ra p ara conosco! D esígnio
inconcebível da im ensa Caridade!"
Veio a M ensagem em hora crítica, opor-se às seduções de Satanás.
Convida-nos a im itar a Bondade do Salvador pelos pecadores, fracos, feridos,
doentes, crianças aos quais teve nosso Salvador A m or particularíssim o.
Repete-nos o ensinam ento do Apóstolo, cujas palavras o Santo P adre cita:
Os m em bros do corpo que m ais fracos parecem são os m ais necessários, e aqueles
que julgam os m enos honrosos são os que de m ais veneração cercam os". (I Cor.
XII, 22-23)
"G ravíssim a afirm ação, acrescenta Pio XII, que, consciente da obrigação
im periosa que presentem ente nos incube, estim am os dever repetir, enquanto,
com profunda aflição, vem os os aleijados, os dem entes ou os afetados de doenças
hereditárias, com o um fardo inoportuno para a sociedade". Jesus quer que a lei
da caridade governe as relações dos hom ens entre si e dos hom ens com Deus.
3) - Eis porque, no m om ento solene em que, sob os escom bros desta sociedade
destruída até os alicerces, renasce nos filhos de D eus a esperança da m ais bela,
m ais feliz e m ais sólida civilização, era urgente que viesse Cristo reanim ar-nos
a fé por meio da irm ãzinha Josefa. Tínham os necessidade de ouvir o "A pelo do
A m or", para recordarm os de que l verdadeira sociedade dos hom ens deve ser
um a "gloriosíssim a sociedade de am or" e que, entre os povos, deve reinar a
FRATERNIDADE CRISTÃ. Aos problem as internacionais, aos problem as sociais
tão num erosos, tão diversos, tão complexos, não bastam as soluções de justiça,
as quais são-obscuras, inextricáveis, frágeis, falazes. U m a única solução há
para todas as questões, um a solução que suprim e todas as dificuldades: é a fé
n a c a rid a d e . P o d e r-se -ia d iz e r q u e em u m ú n ic o o b stá c u lo se o p õ e ao
entendim ento fecundo e feliz dos operários e patrões, das raças e das pátrias, o
egoísm o. E é tão poderoso o egoísm o que não pode ser vencido senão pelo am or
de Cristo e pela união de todos os m em bros em u m só corpo cuja cabeça é
Cristo.
"O am or do divino, diz-nos Pio XII, de acordo com a M ensagem do Coração
de Jesus - estende-se tão am plam ente que, sem excluir ninguém , abraça em sua
esposa o gênero hum ano inteiro. Se nosso Salvador derram ou o próprio sangue,
foi a fim de reconciliar com Deus, sob a cruz, todos os hom ens, estivessem
em bora separados pela nação e pelo sangue, o de os u nir em um só corpo".
E o Santo P adre não receia estender esta caridade aos próprios inim igos da
Igreja.
"O v erd ad eiro am or... exige tam bém que nos ou tro s hom ens, ain d a não
u n id o s conosco no corpo da Igreja, saibam os reconhecer irm ãos de C risto
seg u n d o a carne, cham ados conosco à m esm a salvação eterna. Sem dúv id a,
não falta quem , infelizm ente, m esm o hoje em dia, exalte orgulhosam ente a
luta, o ódio, a inveja, como meio de glorificar a dignidade e à força do hom em .

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M as nós, que discernim os dolorosam ente os lam entáveis frutos dessa doutrina,
sigam os a nosso Rei pacífico que nos ensinou não som ente a am ar aqueles que
não pertencem à m esm a origem . (Luc. IV, 33, 37) m as a am ar até aos nossos
inim igos (Luc. IV, 27, 35; Mat. V, 44-48).
Im pregnando nossa alm a com a suave doutrina do A póstolo d as nações,
celebrem os com ele o com prim ento, a largura, a altura e a p ro fu n d id ad e do
am or de Cristo e de costum es, que não podem dim inuir as im ensas extensões
do oceano, nem podem desagregar as guerras e as em presas p o r qualquer causa
justa ou injusta".
4) - Mas a C aridade que reconciliará a todos os hom ens, até os m ais irritados
entre si, não pode agir eficazmente senão pelo sangue d erram ad o em espírito
de reparação. Um dos pontos essenciais da M ensagem - o m ais im p o rtan te
talvez - é o apelo do Sagrado Coração à colaboração dolorosa com sua paixão,
p ara com pletar o que falta aos frutos de seus sofrim entos.
Por interm édio de Josefa, Jesus volta sem pre à necessidade e ao p o d er de
nossa reparação.
"Para salvar um a alma é preciso sofrer muito... as alm as correm à perdição
e m eu sangue está perd id o para elas! Mas aquelas que m e am am e se im olam
com o vítim as de reparação, atraem a M isericórdia de Deus, eis o que salva o
m undo!
"Glorifica-m e por m eu Coração. A presenta-o com o vítim a de A m or pelas
alm as e, de m aneira especial, pelas que me são consagradas. Vive comigo, assim
com o vivo contigo... Teu sofrim ento será o Meu, e M eu sofrim ento será o teu".
C entenas de palavras sem elhantes são ditas à Josefa com o se tal discurso
fosse m uito fácil de esquecer. Se as considerarm os atentam ente, as p alavras
com que Jesus convida a pequena vítima a im olar-se com Ele pelo resgate do
m u n d o , ou pela salvação de certos pecadores dos quais o Sagrado Coração
parece tê-la encarregado - estas palavras, que voltam a todo m om ento nas
divinas confidências, encerram um a doutrina capital que as alm as fervorosas
nunca m editariam nem divulgariam dem asiadam ente. Nós não vivem ós, não
sofrem os, não m orrem os p ara nós mesm os. Cristo, que é a nossa única cabeça,
estabeleceu entre todos os m em bros de seu C orpo, tão estreita e tão profunda
solidariedade, tão perfeita "com unicação" de orações e de m erecim entos, que
nós podem os se quiserm os, aproveitar-nos da Redenção de Jesus, e todo hom em ,
p o r sua vez, pode, se quiser, aproveitar-se do excesso de M isericórdia e de graças
que qualquer vítim a voluntária, unida à única H óstia do Calvário, tenha obtido
p or outrem .
A firm am -se nisto a originalidade, a transcendência do Cristianism o. O ra, o
Soberano Pontífice nos ensinr. a m esm a doutrina e nos dá a ouvir as m esm as
súplicas prem entes. Sua Encíclica sobre o C orpo Místico nos recorda, depois da
d e Pio XI, "M iserentíssim us", que a reparação é dever urgente, para a salvação
das nações em guerra. Q uer que aceitemos cam inhar sob as pegadas sangrentas
de nosso Rei, que com ele m orram os, para com ele viverm os, que participem os
piedosam ente, m esm o diariam ente se possível, do Sacrifício eucarístico, que

405
aliviem os os infortúnios de tantos indigentes, que dom inem os este corpo m ortal
pela penitência voluntária; em resum o, "que com pletem os em nossa carne o
que falta à Paixão de Cristo para o seu Corpo que é a Igreja".
"Para o seu C orpo que é a Igreja", isto é, por todas as alm as pecadoras p o r
tal ou tal alm a em particular, pois não há nenhum a que, em razão de nossa
m ú tu a dependência, não possa ser revificada, restaurada, salva p o r aquelas
que por ela sofrem em Jesus Cristo.
5) - Na M ensagem do Coração de Jesus e na Encíclica sobre o Corpo
m ístico alia-se, a essa obsessão que deveríam os ter de Reparação, o m esm o
pensam ento de um recurso constante à Virgem Co-redentora. Im pressionante
é esta concordância e merece ser recordada como fato altam ente significativo.
N o trato fam iliar de N osso Senhor Jesus Cristo com a sua Esposa, M aria
intervém constantem ente para consolar Josefa quan d o está em desolação, para
tranquilizá-la quando tem m edo, para prepará-la qu an d o se desorienta, para
fortificá-la q u an d o se intim ida, para encorajá-la q u an d o está abatida com a
su a fra q u e z a p a ra ex citar-lh e a confiança, q u a n d o o d em ô n io a ataca e,
principalm ente, para ensinar-lhe a segui-la no cam inho do Calvário, quan d o
ela é instada à com paixão e a reparação.
A M ensagem do Sagrado Coração, em resum o, nos dá a lição de que a palavra
de D eus não pode frutificar em um a alma hum ana senão p o r interm édio da
Santíssim a Virgem e com o seu socorro m aterno. Em toda ocasião, a M ediação
de M aria é necessária. O ra, o Santo P adre tornou-se eco deste plano divino:
"Se em v erdade, tom am os a peito a salvação da universal fam ília h u m an a,
resgatada pelo sangue divino, devem os p assar nossos votos pelas m ãos da
V irgem -M ãe". P or m u ita s razõ e s, p o d e m o s ter co n fian ça p le n a em su a
intercessão pessoal ou hereditária, sem pre estreitam ente un id a a seu Filho, o
apresentou sobre o Gólgota ao Padre Eterno, unindo o holocausto de seus direitos
e de seu am or de Mãe, qual Eva, p o r todos os filhos de A dão m anchados com o
pecado original. Assim, aquela que, corporalm ente, era Mãe de nossa Cabeça
Divina, tornou-se espiritualm ente Mãe de todos os seus m em bros, por um novo
título de sofrim ento e de glória".
Torna-se m uito m ais fácil o dever de Reparação, quando som os sustentados
pelo exem plo e pela oração da Mãe de Jesus Cristo.
6) - Todos esses en sin am en to s que as circu n stân cias atu ais to rn am tão
u rg e n te s n ã o os d e v e ria m m e d ita r os D irig en tes e M ilita n tes de Ação
Católica? U m a das razões que decidiram o Soberano Pontífice a publicar, aos
29 de junho de 1943, um a Encíclica sobre o "C orpo Místico" - em bora a guerra
am eaçasse incendiar a Itália e a própria Roma - era que, entre os próprios fiéis
" c irc u la v a m , às vezes, o p in iõ e s in e x atas ou in te ira m e n te e rrô n e a s , q u e
arrastavam as inteligências fora da trilha reta da verdade". C ontra tais desvios
espirituais devem precaver-se os m em bros da Ação Católica, pois a sublim e
d o u trin a do C orpo M ístico os une m ais estreitam ente a todos os cristãos à
hierarquia eclesiástica e ao Soberano Pontífice em pessoa.
Os m ilitantes da Ação Católica, que se com penetrarem da M ensagem do

406
Sagrado Coração, estarão m aravilhosam ente p rep arad o s p ara co m p reen d er
os e rro s m o d e rn o s e as v e rd a d e s d o u tr in a is , as q u a is a E n cíclica, p ô s
verdadeiram ente em evidência. A devoção cada vez mais confiante ao Coração
M isericordioso de Jesus, a convicção profunda de que a caridade de Cristo é a
fonte de todos os bens espirituais e de que não devem os contar com os nossos
próprios méritos, nem desesperar de nossas m isérias (pois o am or divino explora
até nossas faltas para a extensão do seu reino, m as é atado por nossas pretensões
orgulhosas), a fé viva no p oder construtor da caridade para estabelecer entre
todos os hom ens um a Sociedade de Amor. - a esperança inconfundível de que
um dia tudo o que existe sobre a Terra e no céu, será conduzido à u n id ad e do
C orpo místico, - a força do Espírito Santo que nos leva a cooperar com nossas
orações, nossos sacrifícios, nossa penitência, nossa mortificação, nossos esforços
desinteressados e generosos na redenção da h u m ild ad e cu lp ad a, a p ied ad e
filial para com a M edianeira de todas as graças, todos estes sofrim entos h auridos
na m editação das recentes palavras de Cristo devem preservar-nos do falso
m isticism o que, em vez de hum ilhar o hom em e de glorificar a Cristo, conceda
ao hom em "atributos divinos que pertencem a Cristo"- do "falso quietismo"
q u e e n tre g a u n ic a m e n te a C ris to a s a lv a ç ã o d o m u n d o " e x c lu in d o e
negligenciando a cooperação do hom em ", - do "racionalismo" que considera
a b s u rd o o q ue u ltra p a s s a e d o m in a as forças d o e s p írito h u m a n o , - do
"naturalismo" que baseia a sua confiança na força jurídica e social da Igreja
e da ação hum ana, e não na divina Assistência do Espírito Santo. - Enfim, de
todos os sistem as, que rebaixam os m eios sobrenaturais - com o a oração, a
confissão, o sofrim ento, a caridade para com os pobres - e que exaltam o p oder
dos m eios de que o hom em pode dispor sem ter em conta a com unhão dos
santos, e de todos os m em bros do Corpo místico de Jesus Cristo.
A M en sagem co n tém , p o r co n se g u in te , o A n tíd o to d o s Erros q u e -
segundo os avisos do Santo Padre - m ais am eaçam os fiéis. N ão nos saltam aos
olhos sua oportunidad e e sua novidade? Todos os que estão cegos acerca dos
m ales de nosso tem po, perceberão que o "Apelo ao A m or" é m uito m ais do que
um a biografia edificante. Deve, se não formos surdos à Voz de Cristo, m arcar
d ata na história da espiritualidade em França e do apostolado católico.
Resta-me confessar os pensam entos secretos que a M ensagem de Soror Josefa
M enéndez me sugeriu a respeito do futuro da Sociedade do Sagrado Coração.
Q u an d o a Virgem visitou, em pessoa, a sua prim a Isabel, esta não se p o d e
conter e lançou um g ran d e grito: - "Exclamavit voce magna!" B endita sois -
disse - entre as m ulheres e bendito o fruto do vosso ventre!"
E ela acrescentou as seguintes palavras que foram com que "p relú d io do
M agnificat": bem -aventurada aquela que acreditou" Porque serão cum pridas
as coisas que lhe foram ditas de parte do Senhor.
Eu carecia certam ente de fé, se estivesse convencido de que a M ensagem
inaugura, para a Sociedade do Sagrado Coração, um a era nova de santidade e
de fecundidade apostólica. A vontade de Deus, está claro, p o r m ais liberal que
seja, não p ro d u z seus efeitos de M isericórdia senão sob condição.

407
É n ece ssário que, p rim eiro , co rre sp o n d a m o s a seu s d esejo s com to tal
generosidade e confiança, se não quiserm os que fracassem as suas m ais firmes
p ro m essas. M as, q u em h esitaria em realizar d o m e lh o r m o d o p o ssív el o
program a divino, traçado com tanto A m or pelo Esposo das almas, e cujas linhas
principais tentei por em evidência? Ah! Q uem não am aria sem m edida o Coração
que se entregou sem m edida?
Sim, estas grandes palavras escritas com letras de fogo na M ensagem:
"D E V O Ç Ã O A O SA G R A D O C O R A Ç Ã O , C A R ID A D E , B O N D A D E ,
C O N FIA N ÇA , A BAN D ON O , DOM TOTAL, HUM ILDADE, COMPAIXÃO,
REPARAÇÃO, SALVAÇÃO DAS ALMAS, M EDIAÇÃO DE MARIA. C om o
n ão estariam g rav ad as no fu n d o do C oração de to d a religiosa d o S agrado
Coração? C om o não haviam de ser praticadas, com heróica fidelidade, estas
virtudes que sem pre foram as m arcas características da Santa M adalena Sofia
Barat e de sua família espiritual? A m issão da Sociedade do Sagrado Coração,
na Igreja e n a A ção C atólica, d e p e n d e estreitam en te d e su a confiança no
C oração de Jesus, por conseguinte, da im portância que der à sua M ensagem .
Cristo poderia ter-se dirigido às alm as p o r interm édio de um a contem plativa.
Preferiu, para m elhor atingir seu fim, p ro cu rar colaboradoras n u m a O rdem
d ed icad a à educação de m oças. N in g u ém julgará que o acaso lhe d irig iu a
e le iç ã o . E sto u p e r s u a d id o d e q u e , u m a d o u tr in a , u m a m o ra l, u m a
espiritualidade, não poderão penetrar profundam ente no corpo e na alm a da
h u m a n id ad e se, p o r meio da educação, as gerações jovens não assim ilarem
seus ferm entos vigorosos. Pois a m assa não cresce senão p o r u m ferm ento.
Penso com g ratid ão im ensa, na graça que a Sociedade do Sagrado Coração
recebeu para form ar m ilitantes da Ação Católica e m ães de família, as quais, -
neste século de terro r diabólico em que as alm as estão, ao m esm o tem po,
deprim idas pelo tem or e exaltadas pela presunção - terão fé inabalável e vitoriosa
no A m or e na M isericórdia de Deus, e haurirão, nesta m esm a fé, coragem para
resg atar um a m u ltid ão de alm as p o r m eio de sua u n ião rep arad o ra com o
Coração traspassado de Jesus Cristo. A M ensagem é antes de m ais ninguém
confiada a esta Sociedade. Possa ela não subestim ar sua im portância atual,
mas fazer frutificar a sem ente até o cêntuplo.

Padre Fr. Charmot, S.J.

408
índice

Prólogo de Edição F ran cesa........................................................................................ 7


In tro d u ç ã o ........................................................................................................................9

PRIM EIRA PARTE - A M ensagem do Coração de Jesus

I - Eleição Divina
O D espertar de um a A lm a .................................................................................. 27
A E sp era................................................................................................................... 32
II - À Sombra do Velho Mosteiro
O Coração A berto de J e s u s .................................................................................38
Vocação R e p a ra d o ra ............................................................................................ 49
A Prova da D ú v id a ................................................................................................54
III - Na Escola do Coração de Jesus
Primeiros P a sso s.....................................................................................................59
Lição de Perdão de Todos os D ia s .................................................................... 65
O Apelo das A lm a s .............................................................................................. 75
Vida A rdente e Escondida ..................................................................................83
Os Desígnios do A m o r......................................................................................... 88
O posição de S a ta n á s ............................................................................................ 96
IV - Em presas do A m or
Três Almas S acerdotais......................................................................................103
Uma C om unidade R eligiosa.............................................................................114
V - A G rande Prova
Primeiros A ssaltos............................................................................................... 121
Perseguição A b e rta ............................................................................................. 128
Uma Estiada - As 40 H o ra s...............................................................................137
Entrada nas Trevas do Além T ú m u lo ............................................................144

409
A lguns Clarões na P ro cela ............................................................................... 154
VI - O Triunfo do Amor
A urora dos V o to s................................................................................................ 161
A O blação..............................................................................................................166

SEGUNDA PARTE - A M ensagem de Amor

P relim in a re s..........................................................................................................175
VII - O Prefácio da M ensagem
Os Prim eiros Pedidos ......................................................................................... 179
Apelos às Almas Escolhidas ............................................................................ 190
O Sentido Redentor da Vida C o tid ian a.........................................................197
Graças do A dvento e do N a ta l........................................................................ 207
VIII - A Q uaresm a de 1923
A Via Dolorosa .....................................................................................................214
Os Segredos da P aixão.......................................................................................222
A E ucaristia...........................................................................................................229
O Getsêmani .........................................................................................................237
O A bandono dos S eus........................................................................................ 244
Da Paixão à Flagelação......................................................................................249
A Coroação de E sp in h o s...................................................................................257
A Semana S a n ta .................................................................................................. 265
2a Feira Santa - A Cam inho do C alv ário .......................................................267
3a Feira Santa - Simão, o C ire n e u ................................................................... 271
4a Feira Santa - A C rucificação....................................................................... 274
O G rande Dia do A m o r.....................................................................................277
6a Feira Santa - As Sete P a la v ra s.................................................................... 279
IX - M arm outier
A Vida de F é ..........................................................................................................283
A Subida na S o lid ã o ........................................................................................... 289
A C ruz e as Graças de E sco l.............................................................................297

410
TERCEIRA PARTE - A Mensagem de Amor

X - O A pelo ao M undo
Volta a P o itiers......................................................................................................305
Saberão os H om ens ............................................................................................ 313
A Resposta dos H o m e n s .................................................................................... 321
XI - A Sombra da C ruz
O A niversário dos Primeiros V otos................................................................. 331
Dias de P rovações............................................................................................... 337
Retiro no S o frim en to .......................................................................................... 334
XII - Roma
A Casa Madre: Garantias D iv in as.................................................................. 349
XIII - Última Volta aos Feuillants
Purificação ............................................................................................................ 359
XIV - A m ou até o Fim
O selo de D e u s ......................................................................................................365
A Conclusão da M en sag em ..............................................................................369
União Sobre a C r u z ............................................................................................ 377
C O N C L U S Ã O ......................................................................................................397

411
Soror Josefa Menendez
(1800 - 1923)
"Agirei em ti, falarei por ti, far-me-ei
conhecer por ti".
(N. Senhor à Soror Josefa)

Quando o centuriáo veio suphcar-me a cura do


seu servo, disse-me com profunda humildade;
“Não sou digno de que entreis emminha morada".
. . . .Mas cheio de confiaça acrescentou:”
todavia, Senhor, dizei uma só palavra e o meu
servo será curado".
ESTEHOMEMCONHECIA 0 MEU CORAÇÃO.
“Sabia que náo posso resistir à suplica de uma
alma que espera tudo de Mim. . . Esse homem
deu-me grande glória, porque à humildade juntou
firme e inteira confiança. Sim, este homem
conhecia meu coração!...
Pela, confiança é que as almas alcançarão
copiosíssimas graças... é o que Eu quero que
compreendam no fundo, porque desejo que
revelam meu Coração às pobres almas que me
náo conhecem".
(Trecho do livro Apelo ao Amor)

Oraçáo
Ó Jesus, que não podeis resistir à súplica
de uma alma que espera tudo de Vós, dai-nos a
té, a confiança, o abandono que toquem o
vosso Coração, a Um de que, confiantes em
Vós possamos obter de vossa bondade
onipotente, tudo o que humildemente pedim os
para vossa glória e para a realização de vosso
reino de Am or e de Misericórdia.
Ó Jesus, g lorilicai vosso Coração,
concedendo-nos a graça: . . .que
solicitamos p o r intercessão de vossa humilde
serva Josefa.

T e l e f a x (037) 334-1212
Pç Padre Manoel Sampaio ,145
35536-000 PIRACEMA - M G

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