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o
Sagrado
Coração de
Jesus
Introdução
A primeira referência ao Sagrado Coração de Jesus que encontramos nos escritos da
Alexandrina, encontramo-la na sua Autobiografia, quando ela nos conta como
aconteceu a sua primeira confissão geral, em Gondifelos a Frei Manuel das Chagas.
Ela no-la descreve com a sua simplicidade habitual:
«Foi aos nove anos que fiz pela primeira vez a minha confissão geral e foi com o Sr.
Padre Manuel das Chagas. Fomos, a Deolinda, eu e a minha prima Olívia, a
Gondifelos, onde Sua Reverência se encontrava, e lá nos confessámos todas três.
Levámos merenda e ficámos para arde, à espera do sermão. Esperámos algumas
horas e recorda-me que não saímos da igreja para brincar. Tomámos nosso lugar
junto do altar do Sagrado Coração de Jesus e eu pus os meus soquinhos dentro das
grades do altar. A pregação dessa tarde foi sobre o inferno. Escutei com muita
atenção todas as palavras de Sua Reverência, mas, a certa altura, ele convidou-nos
a ir ao inferno em espírito. Para mim mesma disse: “Ao inferno é que eu não vou!
Quando todos se dirigirem para lá, eu vou-me embora”, e tratei de pegar nos
soquinhos. Como não vi ninguém sair, fiquei também, não largando mais os
soquinhos».
A escolha do confessor não deve ter sido um acaso, mas uma escolha divina, visto que
Frei Manuel das Chagas era naquele tempo muito conhecido, não só como um
confessor atento e experimentado, mas ainda como um pregador de grande renome.
Como dizíamos acima, Frei Manuel das Chagas foi um pregador de grande valor, muito
prolífero. Vejamos:
Pregou o seu primeiro sermão durante a Quaresma de 1875, e o seu último a 15 de Abril
de 1923, antes de falecer em Tuy, na Espanha, a 17 de Maio de 1923. Durante estes
quarenta e oito anos de apostolado intenso, pregou 8.140 sermos. Sim, leram bem e,
para que não hajam dúvidas, repetimos: 8.140 sermões.
Para não perder a mínima migalha do sermão do bom frade, Alexandrina foi postar-
se, com a irmã e a prima “junto do altar do Sagrado Coração de Jesus”.
Esta é, como já dito, a primeira referência ao Sagrado Coração de Jesus. Depois desta,
muitas outras virão e, será dessas referências ou alusões ao Coração divino do Senhor
que iremos dissertar um pouco mais adiante.
Para já, e mesmo antes de qualquer outra afirmação ou comentário, como o Padre
Mariano Pinho, podemos dizer que «da abundância do coração falam os lábios. Foi
da abundância do coração, do seu intenso viver íntimo que brotaram todas essas
páginas da Alexandrina e elas revelam-nos tantas coisas extraordinárias. Apesar da
sua feição tão angelical, tão simples, tão verdadeira, tão serena, tão sem
complicações: aprouve à divina Providência levá-la por vias nada vulgares e de
autênticas maravilhas»[1].
O nosso intento é de mostrar, tanto quanto nos for possível, o lugar ocupado pelo
Coração de Jesus na vida interior da Alexandrina.
Jesus falou-lhe muitas vezes, e muitas vezes lhe mostrou e explicou as características
do seu divino Coração, como veremos. São estas características que nós iremos
procurar e desenvolver, uma a uma, na sua ordem cronológica.
RESUMO HISTÓRICO
Vozes autorizadas explicaram esta devoção e a sua história. Uma delas e não a mínima,
foi a do Papa Pio XII que sobre esta devoção publicou uma Carta Encíclica —
“Haurietis aquas in gaudio” — da qual nos vamos servir largamente.
Para começar, o Sumo Pontífice precisa, falando dessa devoção que ele pensa ser da
maior utilidade para a Igreja:
«É persuasão nossa que o culto tributado ao amor de Deus e de Jesus Cristo para
com o género humano, através do símbolo augusto do Coração trespassado do
Redentor, nunca esteve completamente ausente da piedade dos fiéis, embora a sua
manifestação clara e a sua admirável difusão em toda a Igreja se haja realizado em
tempos não muito distantes de nós, sobretudo depois que o próprio Senhor revelou
este divino mistério a alguns de seus filhos após havê-los cumulado com abundância
de dons sobrenaturais, e os elegeu para seus mensageiros e arautos» [1].
Depois, uma referência às almas consagradas a Deus, particularmente aquelas que
“tributaram culto de adoração, de acção de graças e de amor à Humanidade
santíssima de Cristo, e de modo especial às feridas abertas no seu corpo pelos
tormentos da paixão salvadora”[2].
Mais adiante, na mesma Carta Encíclica, o “Pastor Angélico” propõe de nos “indicar
somente as etapas gloriosas percorridas por este culto na história da piedade cristã”,
e continua: ”mister é recordar, antes de tudo, os nomes de alguns daqueles que bem
podem ser considerados os porta-estandartes desta devoção, a qual, em forma
privada e de modo gradual, foi-se difundindo cada vez mais nos institutos
religiosos”[3].
Todos esses nomes nos são conhecidos e, se alguns faltam nessa lista, é porque vieram
depois, o que não quer dizer que possam ter menos importância.
Pio XII enumera: “Distinguiram-se por haver estabelecido e promovido cada vez
mais este culto ao Coração sacratíssimo de Jesus: São Boaventura, São Alberto
Magno, Santa. Gertrudes, Santa Catarina de Sena, o Beato Henrique Suso, São
Pedro Canísio e São Francisco de Sales” [4].
Como podemos verificar, Pio XII, parando em S. Francisco de Sales, não vai mais longe
do que o século XVII. Foi neste século que nasceu, viveu e morreu Santa Margarida
Maria Alacoque, assim como nele viveram alguns mais que o bom Papa vai citar.
«A São João Eudes deve-se o primeiro ofício litúrgico em honra do Sagrado Coração
de Jesus, cuja festa se celebrou pela primeira vez, com o beneplácito de muitos bispos
de França, a 20 de outubro de 1672. Mas entre todos os promotores desta excelsa
devoção merece lugar especial Santa Margarida Maria Alacoque, que, com a ajuda
do seu director espiritual, o Beato Cláudio de la Colombière, e com o seu ardente zelo,
conseguiu, não sem admiração dos féis, que este culto adquirisse um grande
desenvolvimento e, revestido das características do amor e da reparação, se
distinguisse das demais formas da piedade cristã» [5].
Era cedo de mais para que Pio XII pudesse citar Henri Ramière, Jesuíta de renome
que consagrou a sua vida a propagar a devoção ao Sagrado Coração de Jesus e que para
isso fundo o “Apostolado da Oração”; cedo para falar do Padre Matéo Crawley, o
“inventor” da “Hora Santa”, cedo para falar de Edite Royer, a quem muito se deve na
mesma propagação e na edificação da igreja do Sacré-Coeur de Paris; cedo para falar
da Beata Maria Drost, superiora do Bom Pastor, no Porto, e a quem se deve a
consagração do mundo ao Coração de Jesus, consagração concretizada por Leão XIII
em 1899, pouco tempo depois da morte da irmã Maria do Divino Coração Drost; cedo
para falar de Clara Ferchaud, protegida de Pio XI, e que passou toda a sua vida a lutar
para que essa devoção não “arrefecesse” e para que a efígie do Coração de Jesus fosse
colocada na bandeira nacional francesa, o que esteve prestes a concretizar-se se não
fosse a intervenção nefasta da maçonaria.
Mas o Sumo Pontífice explica porque não foi mais longe na enumeração dos
intervenientes nesta “campanha” em favor da devoção ao Sagrado Coração de Jesus:
«Basta essa evocação daquela época em que se propagou o culto do Coração de Jesus
para nos convencermos plenamente de que o seu admirável desenvolvimento se deve
principalmente ao facto de se achar ele em tudo conforme com a índole da religião
cristã, que é religião de amor. Por conseguinte, não se pode dizer nem que este culto
deve a sua origem a revelações privadas, nem que apareceu de improviso na Igreja,
mas sim que brotou espontaneamente da fé viva, da piedade fervorosa de almas
predilectas para com a pessoa adorável do Redentor e para com aquelas suas
gloriosas feridas, testemunhos do seu amor imenso que intimamente comovem os
corações»[6].
Logo a seguir, como se ele desejasse tecer um paralelo entre a tradição da Igreja e as
revelações privadas, neste caso aquelas da Santa de Paray-le-Monial, ele diz:
«Evidente é, portanto, que as revelações com que foi favorecida Santa Margarida
Maria não acrescentaram nada de novo à doutrina católica. A importância delas
consiste em que ― ao mostrar o Senhor o seu Coração sacratíssimo ― de modo
extraordinário e singular quis atrair a consideração dos homens para a
contemplação e a veneração do amor misericordioso de Deus para com o género
humano. De facto, mediante manifestação tão excepcional, Jesus Cristo
expressamente e repetidas vezes indicou o seu Coração como símbolo com que
estimular os homens ao conhecimento e à estima do seu amor; e ao mesmo tempo
constituiu-o sinal e penhor de misericórdia e de graça para as necessidades da Igreja
nos tempos modernos»[7].
Na história desta devoção encontramos numerosas vezes não só santos franceses, mas
muitas iniciativas do povo gaulês com vista a levar mais além o que já estava então
estabelecido. A “Filha mais velha da Igreja” foi na verdade um centro de onde
irradiaram muitos pedidos e muitas iniciativas nesse sentido. É isso mesmo que
explica Pio XII, logo a seguir:
Algumas páginas mais adiante — como se Pio XII desejasse precaver-se contra os
ataques que não faltariam para criticar a sua posição tão marcada na difusão intensa
desta devoção, que não sendo nova, era então dum grande socorro para a Igreja —,
escreve:
«Do elemento corpóreo, que é o Coração de Jesus Cristo, e do seu natural simbolismo,
é legítimo e justo que, levados pelas asas da fé, nos elevemos não só à contemplação
do seu amor sensível, porém a mais alto, até à consideração e adoração do seu
excelentíssimo amor infuso, e, finalmente, num voo sublime e doce ao mesmo tempo,
até à meditação e adoração do amor divino do Verbo encarnado; já que à luz da fé,
pela qual cremos que na pessoa de Cristo estão unidas a natureza humana e a
natureza divina, podemos conceber os estreitíssimos vínculos que existem entre o
amor sensível do Coração físico de Jesus e o seu duplo amor espiritual, o humano e o
divino. Em realidade, não devem esses amores ser considerados simplesmente como
coexistentes na adorável pessoa do Redentor divino, mas também como unidos entre
si com vínculo natural, nisto que ao amor divino estão subordinados o humano, o
espiritual e o sensível, os quais são uma representação analógica daquele» [11].
E, como para concluir todos os argumentos apresentados, ainda que não termine aqui
a Carta Encíclica, Pio XII escreve:
«Assim sendo, facilmente deduzimos que, pela própria natureza das coisas, o culto
ao sacratíssimo Coração de Jesus é o culto ao amor com que Deus nos amou por meio
de Jesus Cristo, e, ao mesmo tempo, o exercício do amor que nos leva a Deus e aos
outros homens; ou, dito por outra forma, este culto dirige-se ao amor de Deus para
connosco, propondo-o como objecto de adoração, de acção de graças e de imitação;
e tem por fim a perfeição do nosso amor a Deus e aos homens mediante o
cumprimento cada vez mais generoso do mandamento “novo”, que o divino Mestre
legou como sagrada herança aos seus apóstolos quando lhes disse: “Um novo
mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros, como eu vos amei... O meu
preceito é que vos ameis uns aos outros, como eu vos amei” (Jo 13,34; 15,12)» [12].
Para terminar, e antes de oferecer a sua bênção paterna aos cristãos do mundo inteiro,
o “Pastor Angélico” escreve:
«Entrementes, animado de doce esperança, e já pressagiando os frutos espirituais
que da devoção ao sagrado Coração de Jesus hão de transbordar copiosamente na
Igreja se esta devoção, conforme explicamos, for entendida rectamente e praticada
com fervor, a Deus suplicamos que, com o poderoso auxílio da sua graça, queira
atender estes nossos vivos desejos, e fazer que, com a ajuda divina, as celebrações
deste ano aumentem cada vez mais a devoção dos féis ao sagrado Coração de Jesus,
e assim se estenda mais por todo o mundo o seu império e reino suave; esse “reino de
verdade e de vida, reino de santidade e de graça, reino de justiça, de amor e de paz”
(do Missal Romano: Prefácio de Cristo Rei)» [13].
O mesmo autor, na mesma obra, fala-nos dum outro apóstolo infatigável desta
devoção, do qual anunciámos o nome acima: Henri Ramière.
Para terminar este voo rápido sobre as origens da devoção ao Sagrado Coração de
Jesus, convém lembrar aqui as promessas feitas pelo Senhor a Santa Margarida Maria
Alacoque em Paray-le-Monial:
«Falando a Santa Margarida Maria, Jesus prometeu a todos aqueles que honrassem
o seu Divino Coração:
As pessoas que propagarem estas devoção, terão os seus nomes escritos no meu
Coração, para nunca dele serem apagados”.
PREMÍCIAS
Vimos na introdução qual foi a primeira referência que encontrámos nos escritos da
Alexandrina sobre o Sagrado Coração de Jesus.
A partir daquela época remota, muitas outras coisas se vão passar na vida da jovem
camponesa de Balasar.
Irá servir para casa de lavradores e trabalhar nos campos, onde trabalha como um
homem e por isso mesmo é paga como estes; guardará o gado até altas horas da noite,
porque o seu patrão de então vai “divertir-se” na Póvoa.
Por volta dos dezasseis anos cairá duma árvore e assim começará a sofrer da coluna, o
que foi uma das origens, e não a única, do seu acamamento para sempre; mais tarde,
numa Sexta-feira Santa, atirar-se-á pela janela para fugir aos ardores dum homem —
seu antigo patrão — que queria atentar à sua pureza e, esta queda foi a origem principal
do acamamento de que falámos acima.
Depois, já aleitada, a jovem de Balasar pensará diversas vezes neste caso estranho e
sentirá saudades daquela época em que podia deslocar-se à igreja paroquial e
participar às festas litúrgicas. Como isso não era possível...
«Tinha muitas saudades de Jesus, da nossa igreja e, quando havia festas do Sagrado
Coração de Jesus ou Missas cantadas, eu chorava amargamente». (Autobiografia)
O mal que a atormenta é feroz e ela desejaria ser curada e poder viver como todos as
jovens da sua idade. Como isso acabou por lhe parecer impossível, salvo milagre do
Senhor, ela acabou por se resignar e pedir a Jesus que a guiasse, que lhe mostrasse o
que deveria fazer, o caminho a seguir:
«Pela manhã principiava a fazer as minhas orações, começando pelo sinal da Cruz e
logo me lembrava de Jesus Sacramentado, fazendo a Comunhão espiritual e dizendo
esta jaculatória:
— A vossa bênção, Jesus; eu quero ser santa. Ó meu Jesus, abençoai a vossa filhinha
que quer ser santa. (...) Depois oferecia as horas do dia assim: “Ofereço-Vos, ó meu
Deus, em união…”, Pai-Nosso, Ave-Maria e Glória ao Pai… “Sagrado Coração de
Jesus que tanto nos amais…” e o Credo». (Autobiografia).
Vemos aqui um simples e humilde acto de entrega ao Sagrado Coração de Jesus, uma
oferta de tudo quanto se passaria naquele dia: “Sagrado Coração de Jesus, este dia é
para Vós”.
— «Ó meu Jesus, vinde ao meu pobre coração. Ah, eu desejo-vos, não tardeis. Vinde
enriquecer-me das vossas graças; aumentai-me o vosso santo e divino amor. Uni-
me a Vós, escondei-me no vosso sagrado Lado. Não quero outro bem senão a Vós. Só
a Vós amo, só a Vós quero, só por Vós suspiro. Dou-Vos graças, Eterno Pai, por me
haverdes deixado a Jesus no Santíssimo Sacramento. Dou-Vos graças, meu Jesus, e
por último peço-Vos a vossa santa bênção.
Já não se trata do “Coração”, mas do Lado, aquele Lado do Senhor que foi trespassado
pelo lança e do qual jorraram o Sangue divino e por fim — porque já não havia mais
Sangue — a Água, aquela Água que “lava os pecados do mundo”.
O grande amor da Alexandrina será Jesus Eucarístico, mas o Jesus que ela muito
invoca no princípio da sua vida “predestinada”, é aquele que um dia, mostrando o seu
Coração a santa Margarida Maria, lhe disse:
«Eis o Coração que tanto amou os homens...»
Alexandrina sente uma atracção particular ao Coração do Senhor e, nas suas orações,
encontraremos, sob diversas formas, este atractivo que lhe é particular...
Outras vezes, não será o Coração ou o Lado, mas todo o Corpo do Senhor, aquele Corpo
que sofreu a Paixão e que para sempre vive nos sacrários das nossas igrejas, mesmo se
muitas e muitas vezes abandonado.
Dirigindo-se uma vez mais a Maria, a sua “Mãezinha” extremosa, Alexandrina pede:
E, como se tivesse medo que a Mãezinha esquecesse o pedido que acabava de lhe fazer,
voltando-se para Jesus exclama cheia de fé e de amor a jamais insatisfeito:
« Ó meu querido Jesus, eu me consagro toda a Vós. Abri-me de par em par o vosso
santíssimo Coração. Deixai que eu entre nesse Coração bendito, nessa fornalha
ardente, nesse fogo abrasador. Fechai-o, meu bom Jesus, deixai-me toda dentro do
vosso santíssimo Coração; deixai-me dar aí o último suspiro, embriagada no vosso
divino amor. Não me deixeis separar de Vós na Terra, senão para me tornar a unir
a Vós no Céu, por toda a eternidade ». (Autobiografia).
Entrar no Coração de Jesus e aí se esconder, aí viver para sempre é o seu desejo mais
ardente, assim como lá morrer de amor, daquele amor então satisfeito e completo,
porque abrasada nas chamas ardentes e devoradoras do Amor de Deus.
E, como lhe parece tal não conseguir sozinha, Alexandrina solicita de novo a ajuda de
Maria. Ouçamo-la dirigir-se à Mãezinha:
Fechai-me para sempre no Seu Divino Coração e dizei-lhe que O ajudais a crucificar-
me, para que não fique no meu corpo nem na minha alma nada por crucificar. Ó
Mãezinha, fazei-me humilde, obediente, pura, casta na alma e no corpo. Fazei-me
pura, fazei-me um anjo. Transformai-me toda em amor, consumi-me toda nas
chamas do amor de Jesus » (Autobiografia).
Este desejo só poderá ser realizado com uma ajuda celeste: o da Mãezinha, a Mãezinha
que ela ama dum amor terno, indizível, cândido e filial. Por isso mesmo, a “Doentinha
de Balasar” volta uma vez mais a sua ardente súplica na direcção da Mãe de Deus e
nossa Mãe; suplica e pede ajuda:
«Ó Mãezinha, pedi perdão a Jesus por mim! Dizei-Lhe que é o filho pródigo que volta
a casa do seu bom Pai, disposto a segui-Lo, a amá-Lo, a adorá-Lo, a obedecer-Lhe e
a imitá-Lo. Dizei-Lhe que não quero mais ofendê-Lo. Ó Mãezinha, obtende-me uma
dor tão grande dos meus pecados, que seja tal o meu arrependimento que eu fique
pura, que eu fique um anjo! Pura como fiquei depois do meu Baptismo, para
que pela minha pureza mereça a compaixão de Jesus de O receber
sacramentalmente todos os dias e de possuí-Lo para sempre em mim até dar
o último suspiro» (Autobiografia).
Desejo intenso e fervoroso “de possuí-Lo para sempre em mim até dar o último
suspiro”! E assim será: até ao último suspiro ela amará Jesus de todas as suas forças,
de todo o seu coração, de toda a sua alma, tanto nas alegrias como nas penas, tanto
nos dias serenos como naqueles em que a tempestade soprava em seu coração
determinado, mas humilde e puro.
Alexandrina, ao escrever a sua Autobiografia recorda o tempo do seu primeiro
encontro com aquele que seria o seu primeiro Director espiritual, o Padre Mariano
Pinho e, coisa extraordinária: ela conheceu-o quando este veio à paróquia de Balasar
pregar um tríduo... Mais, deixemos que ela mesmo no-lo conte:
O bom Padre Pinho tinha vindo pregar “um tríduo ao Sagrado Coração de Jesus”...
Tinha ela então 29 anos e “nem sabia o que era um Director espiritual”, explicou ela
depois. E isso aconteceu porque se festejou o Sagrado Coração de Jesus... no mês de
Agosto!
Nas visões que teve, aconteceu-lhe também ver o Coração do Senhor, como ela no-lo
explica:
« Umas vezes, via Jesus como jardineiro a cuidar das florinhas, regando-as,
guiando-as, etc.; passeava pelo meio delas, mostrando-me variedade de flores.
Noutras vezes, aparecia-me em tamanho natural, mostrando-me o Seu Divino
Coração cercado de raios de amor ». (Autobiografia).
Esta comparação de Jesus com um jardineiro faz-nos lembrar o que explica santa
Teresa de Ávila no seu livro da Vida, no capítulo 17: O Senhor é o Jardineiro da alma
e nela planta muitas variedades de flores odoríferas e belas que Ele depois vem
colher.
Mas a Alexandrina também viu algumas vezes Jesus mostrar-lhe o seu divino Coração
“cercado de raios de amor”, como o mesmo aconteceu a santa Faustina Kowalska, sua
contemporânea.
Um dia, estando só — a mãe e a irmã tinham ido à igreja — Alexandrina vai fazer um
acto de completo abando a Jesus: oferece-se como vítima:
« Sem saber como — explica ela —, ofereci-me a Nosso Senhor como vítima, e vinha,
desde há muito tempo, a pedir o amor ao sofrimento. Nosso Senhor concedeu-me
tanto, tanto esta graça que hoje não trocaria a dor por tudo quanto há no mundo.
Com este amor à dor, toda me consolava em oferecer a Jesus todos os meus
sofrimentos. A consolação de Jesus e a salvação das almas era o que mais me
preocupava » (Autobiografia).
Esta acto heróico será repetido por ela muitas vezes, por diferentes causas, como a
seguir podemos verificar um exemplo:
« Ó Jesus, eu quero ser vítima dos Sacerdotes, a vítima dos pecadores, a vítima do
vosso amor, da minha família, da vossa santíssima Paixão, das Dores da Mãezinha,
do vosso Coração, da vossa santa Vontade, a vítima do mundo inteiro! Vítima da
paz, vítima da Consagração do mundo à Mãezinha! » (Autobiografia).
Nesta curta oração estão patentes diversas intenções, a primeira das quais os
sacerdotes. “Lembro-me que tinha muito respeito pelos sacerdotes”, dirá ela na sua
Autobiografia, quando explica a sua estadia na Póvoa, a quando da sua curta
escolaridade. “Quando estava sentada à porta da rua — continua ela —, só ou com a
minha irmã e primas, levantava-me sempre à sua passagem, e eles correspondiam
tirando o chapéu, se era de longe, ou dando-me a bênção se passavam junto de mim”.
Mais tarde, será mesmo vítima expiadora por um sacerdote de Lisboa, cuja vida não
era nada exemplar. Este, depois do sacrifício da vidente de Balasar, reconciliar-se-á
com Deus e morrerá santamente em Fátima, depois duma confissão sincera e
reparadora.
“Vítima do Vosso Coração”, diz ela mais adiante, depois de ter enumerado outras
intenções. Aqui se vê uma vez mais que Jesus, sob o vocábulo de Sagrado Coração lhe
está sempre presente no coração e na mente.
Estava-se então em plena Segunda Guerra mundial e Jesus queria que o mundo fosse
consagrado à sua Santíssima Mãe: Alexandrina será o « instrumento » dessa
consagração que o Papa Pio XII realizará em 1942.
Uma vez mais encontramos aqui referência ao Sagrado Coração de Jesus: “Eu só
olhava para o Sagrado Coração de Jesus”, representado naquela imagem que no seu
quarto lembrava a cada instante a entronização efectuada anos antes e a consagração
de toda a família Costa ao Sagrado Coração de Jesus, que se tornara o fulcro, o centro,
à volta do qual se harmonizavam as orações quotidianas das três mulheres: Maria Ana,
a mãe, Deolinda, a irmã e a própria Alexandrina.
“Coração de Jesus que tanto nos amais, fazei que vos amemos cada vez mais”.
Quantas vezes não terão repetido esta jaculatória! Quantas vezes a terão recitado com
as lágrimas nos olhos, naquelas ocasiões de grandes dificuldades em que a família
esteve prestes a perder tudo, até mesmo a própria casa!
Então outra jaculatória terá igualmente feito parte dessas orações em família:
Efectivamente, “que maior alegria podemos dar ao Seu Divino Coração senão
dando-Lhe almas, muitas almas por quem Ele sofreu dando a vida?!”
Lembre-se que na Póvoa de Varzim, sede do concelho a que pertence Balasar, desde finais do séc. XIX
[1]
se estava a construir a Basílica do Sagrado Coração de Jesus e que aí também, ao tempo em que
decorrem os acontecimentos que a Alexandrina menciona, já os jesuítas publicavam o Mensageiro do
Coração de Jesus.
Esta explicação do santo Papa Pio X sobre o que é a vítima, é nela mesma um
programa de vida e, um programa de vida que assenta extraordinariamente
bem à “Doentinha de Balasar”.
Um outro Papa, Leão XIII, na sua Carta Encíclica “Laetitiae sanctae”, nos ex
plica igualmente que « todo aquele que se não contentar com olhar, porém
meditar amiúde exemplos de tão excelsa virtude, oh! como se sentirá
impelido a imitá-los! Para esse, ainda que seja "maldita a terra, e faça
germinar espinhos e abrolhos", ainda que o espírito seja oprimido pelos
sofrimentos, ou o corpo pelas doenças, nunca haverá nenhum mal causado
pela perfídia dos homens ou pelo furor dos demónios, nunca haverá
calamidade, pública ou privada, que ele não consiga superar com paciência
» [2].
Não tenho a certeza, mas deveria ser numa dessas ocasiões que eu senti esta
exigência de Nosso Senhor: sofrer, amar e reparar ».
“Sofrer, amar e reparar” foi o programa de vida escolhido por Jesus para a
sua vítima, e assim foi a vida da Alexandrina a partir do momento em que se
ofereceu a Jesus.
Dizia ela:
« Em 16 de Agosto de 1933, Sua Reverência veio à nossa freguesia fazer um
tríduo ao Sagrado Coração de Jesus, tomando-o então para meu director
espiritual ».
Logo a seguir ela nos dá uma informação importante que nos esclarece sobre
a sua simplicidade e inocência de alma e sobre os fenómenos místicos de que
já beneficia então:
« Não lhe falei nos oferecimentos — escreve ela — que fazia ao sacrário, nem
nos calores que sentia, nem na força que fazia elevar, nem nas palavras que
tomei como uma exigência de Jesus. Pensava que era assim toda a gente. Só
passados dois meses é que lhe falei nas palavras de Jesus e do resto nada
disse, porque nada compreendia como coisas de Nosso Senhor ».
Ela não lhe falou “na força” que a “fazia elevar”. Ora, esta elevação, em
teologia mística chama-se levitação e é um carisma de que beneficiam muitas
das almas escolhidas para missões particulares. Tal aconteceu com Santa
Teresa de Ávila, Santa Catarina de Sena, Santo Afonso de Liguori, S. Pedro
Julião Eymard, S. Miguel Garicoïts e tantos outros, como S. Padre Pio de
Pietrelcina e Teresa Neumann, mais perto de nós.
Alexandrina não falou ao Padre Pinho daquelas palavras que ouvira — amar,
sofrer e reparar — porque as tomou “como uma exigência de Jesus... pensava
que era assim para toda a gente”...
— Dá-me as tuas mãos, quero-as cravar Comigo, dá-me a tua cabeça, quero-
a coroar de espinhos, como me fizeram a Mim, dá-me teu coração, quero-o
trespassar com a lança, como me trespassaram a Mim; consagra-me todo o
teu corpo, oferece-te toda a Mim, quero possuir-te por completo e fazer o que
Me aprouver.
Isto foi bastante para ter ficado muito preocupada. Não sabia o que fazer;
calar-me e não dizer nada: parece-me que o meu bom Jesus não queria que
ocultasse isto. Isto repetiu-se na sexta-feira e hoje, dia de Nosso Senhora »
[3].
Ficam aqui bem explicitadas as três palavras ouvidas tantas vezes: « sofrer,
amar, reparar ».
Um mês mais tarde, escrevendo ao seu novo Director espiritual, ela volta a
falar desta união de corações:
« Pouco antes de mandar escrever esta carta Nosso Senhor pediu-me o meu
coração para o colocar dentro do d’Ele, para que não tivesse outro amor a
não ser a Ele e às suas obras. Disse-me que cabiam lá todos, mas que o meu
tinha um lugar reservado... escolhi-te para mim, corresponde ao meu amor.
Quero ser o teu esposo, o teu amado, o teu tudo; escolhi-te também para a
felicidade de muitas almas »[4].
— Minha filha, minha filha, escuta o teu Jesus. Estou no íntimo da tua alma
e acho-me bem. Não te entristeças com tudo o que encontras em ti. Sou eu
para te unir mais a mim e estreitar-te mais ao meu Coração »[5].
Uma semana depois, Jesus argumenta, servindo-se dum episódio da Sua vida
— neste caso respeitante a Maria Madalena —, antes de voltar a insistir na
sublimidade da missão que para ela escolheu:
Quem poderia resistir a uma alegria indizível ao ouvir uma tal afirmação?
Mas Alexandrina quer saber mais, quer saber como fazer para ainda mais O
amar, para ainda melhor O servir.
« Perguntei eu ao meu Jesus o que havia de fazer para O amar muito e Ele
disse-me:
Uma vez mais aqui fica demonstrada a sua atracção para o Coração de Jesus,
a sua vontade de nele se fechar e de nele viver assim muito unida ao Esposo
que a ama com um amor exclusivo e eterno.
Jesus “está no teu coração, na tua alma, dentro de ti”, tal como Ele mesmo o
prometeu aos seus Apóstolos e a cada um de nós: « Eu e o Pai viremos a ele e
nele faremos a nossa morada » (S. João. 14, 23).
Jesus está sempre em cada um de nós, mesmo quando a nossa “casa” não está
limpa, não está em estado de “receber visitas”, Ele está sempre presente,
porque é fiel ao que prometeu.
Evidente é, claro está, que não poderá estar sorridente no coração daquele que
está habitado pelo pecado... mas Ele lá está, por graça de misericórdia.
“Podes dizer que tens força para tudo: Jesus está contigo”, e, “se Deus está
por nós, quem pode estar contra nós?” (Rm. 8, 31). Ou ainda, como diz o
evangelista S. Lucas “virá sobre ti a força do Altíssimo” (Lc. 1, 35) e então,
como diz S. Paulo aos romanos : “Quem poderá separar-nos do amor de
Cristo? A tribulação, a angústia, a perseguição, a fome, a nudez, o perigo, a
espada?” (Rm. 8, 35). Não, porque “o sofrimento e a cruz são a chave do Céu”.
Como não seria assim? Jesus, Filho de Deus e Deus Ele mesmo, teve “de sofrer
muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e pelos doutores
da Lei, teve de ser morto e, ao terceiro dia, ressuscitar” (Lc. 9, 22), de
maneira que “aquele que se mantiver firme até ao fim seja salvo” (Mt. 24,
13).
“Sofri tanto para abrir o Céu à humanidade e, para tantos, foi inútil”.
« O Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava perdido.» (Lc. 19,
10).
“A minha cruz é suave sendo levada por meu amor”, esclarece Jesus a
Alexandrina, como outrora tinha dito aos que o cercavam: “Se alguém quiser
vir comigo, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me”. (Mt. 16, 24),
prevenindo todavia os recalcitrantes: “Quem não tomar a sua cruz para me
seguir, não é digno de mim”. (Mt. 10, 38)
— Minha bem fiel esposa, vem com o teu amor e com a tua reparação curar
as feridas que, com os crimes, me vão ser feitas. As dores são mais horríveis
do que as do calvário. Quantos cravos! Quantas coroas de espinhos e
quantas lanças! Vai passar parte da noite, com muito amor e fervor nos
meus sacrários. Eu ajudar-te-ei. Estou contigo no sacrário do teu coração e
tu estás nos meus por esse mundo além » [11].
No coração da Alexandrina Jesus sente-se bem, sente que ela com os seus
sacrifícios e com o seu amor O desagrava de tantos cravos, de tantas coroas
de espinhos, da tantas lanças e de tantas dores horríveis com que é ofendido
pelos pecados de toda a humanidade rebelde e insensível.
Um pouco mais de três meses depois, ela conta ao seu Director espiritual as
visões que teve de Nosso Senhor, do menino Jesus, e acrescenta :
Como esta Santa polaca, beatificada e canonizada pelo Papa João Paul II —
que foi o primeiro Postulador da sua causa —, a Alexandrina terá dito de certo
muitas vezes a Jesus: “Jesus, tenho confiança em Vós”.
« Depois de me confessar, recebi Nosso Senhor e senti uma paz muito, muito
grande. (...) Passados uns momentos falava-me Nosso Senhor:
— Anda cá, ó minha filha, anda cá, ó meu amor. Escuta o teu Jesus. Estou
contigo. Eu venho-te pedir para me acompanhares em toda a minha paixão
e para não dormires quase tempo nenhum esta noite. Vai para o Cenáculo:
medita o que Eu já lá sofri; mas não quis deixar-vos sozinhos estabeleci o
meu grande sacramento. Acompanha-me no Jardim das Oliveiras: vê o que
Eu lá sofri. Num quadro meus sofrimentos e noutro os pecados do mundo. E
para tantos os meus sofrimentos inúteis. Desprezam-nos, não os
aproveitam. Participa em toda a minha paixão. O suor de sangue e o beijo
de Judas. Acompanha-me a casa da Anás e de Caifás, que mau trato tiveram
comigo. De manhãzinha cedo acompanha-me a casa de Pilatos, na rua da
amargura, enfim, ao Calvário. Mas, no meio de toda a minha paixão, não te
esqueças dos meus sacrários; diante de mim, pede-me pelos pecadores que
andam desregrados, entregues às paixões e não pensam em deixar de me
ofender. Pede-me o que quiseres nesta noite bendita, mais do que em outro
dia te alcançarei o que me pedires. Terás coragem para tanto? Para este
sacrifício que te peço?
Eu respondi a Nosso Senhor: eu sem Vós nada posso, mas com o vosso
auxílio prometo ser fiel ao que me pedis. Disse-me Nosso Senhor:
« Pede-me o que quiseres nesta noite bendita, mais do que em outro dia te
alcançarei o que me pedires.
« Eu sem Vós nada posso, mas com o vosso auxílio prometo ser fiel ao que
me pedis ».
Como para a serenar, Jesus diz-lhe que sempre estará a seu lado, que sempre
a ajudará, prometendo-lhe o Céu como recompensa da aceitação do pedido
que lhe faz.
Como para lhe dar um antegosto desta promessa, Jesus abraça-a com ternura,
como o confirma a Alexandrina:
Uma vez mais Jesus lhe oferece o seu Coração como abrigo seguro, como um
Céu particular e exclusivo, para que aí vivendo ela viva só para Ele e para lhe
salvar almas.
Terminando o relato que faz ao seu Pai espiritual, ela assegura-o da sua
obediência total aos desejos do Senhor: “Eu vou vivendo à vontade do Nosso
Senhor e que, portanto, também é a minha”.
Para que esta obediência não pareça letra morta, tanto a Nosso Senhor como
ao seu Paizinho espiritual, poucas semanas mais tarde ela escreve de novo e
afirma:
« Eu tinha por costume oferecer todos os dias o meu coração a Nosso Senhor
dizendo-lhe assim:
― Ó meu bom Jesus, eu vos ofereço o meu coração neste momento como
prova de meu amor para convosco e vos peço que, neste momento, o
coloqueis em todos os lugares onde habitais sacramentado. É pobre, muito
pobrezinho, mas enriquecei-o com o vosso divino amor e com vossos divinos
tesouros. Incendiai-o todo em fortes labaredas de amor e colocai-o muito
unidinho a Vós em todos os sacrários do mundo, em todos os lugares onde
habitais sacramentado a servir de lâmpada amorosa e luminosa para vos
alumiar. Prendei o meu coração aos sacrários com grossas cadeias de amor
» [14].
Como sempre, ou quase sempre, Jesus vem-lhe falar logo após a comunhão.
No dia 6 de Junho de 1935, diz-lhe Ele:
Ao mesmo tempo que Jesus lhe fala, ela teve uma visão na qual viu o Céu e
uma multidão de Anjos que louvavam a Deus... Mas, deixemos que ela mesma
nos conte:
« Do meio [dos Anjos] saiam à moda de uns raios dourados e dizia-me Nosso
Senhor que era o amor com que eles O amavam, via também à moda de um
altar em ponto grande e no meio parecia-me uma pombinha branca. Por
cima tinha muitos, muitos anjinhos; estavam em torno sobre a Santíssima
Trindade. Passados alguns momentos voltei a vê-los; já os divisava melhor.
Eram mais bastos do que moinhos. Parecia que estavam aos montes. Via
mais outras coisas, eram os querubins e os serafins »[16].
Alexandrina fica extasiada diante de tanta beleza, diante daquele amor com
que os Anjos amam o Senhor. Então Jesus diz-lhe:
— Amo-te tanto! Faz que eu seja amado que, dentro em pouco, amar-me-ás
e contemplar-me-ás para sempre no Céu ».
Dois dias mais tarde Jesus volta a falar-lhe e, como sempre, pouco após a
comunhão. Alexandrina escreve:
— Minha filha, queres consolar o meu Coração tão ferido? Queres com a tua
reparação curar as minhas chagas tão horrorosamente agravadas? A
minha Santíssima Cabeça escorre sangue da coroa de espinhos, como
quando pela primeira vez me foi cravada. Tem pena do teu Jesus! Hoje e
amanhã vou ser muito ofendido. Pede-me pelos pecadores teus irmãos que
andam desregrados e entregues às paixões. Pede-me pelas ovelhas
tresmalhadas para que voltem ao meu rebanho. Oh! Tantos vão ser
sepultados para sempre no inferno! Derramei por eles todo o meu sangue.
Vive unidinha a mim o mais que possas de dia e de noite: oferece-te toda a
mim, os teus sofrimentos, sacrifícios e orações. Prostra-te à frente dos meus
sacrários; tem mão com a tua reparação nos crimes que vêm sobre mim, que
são as pancadas que vêm agravar as minhas chagas e toda a minha paixão.
És a esposa da minha Eucaristia, és a rainha do Rei sacramentado. Manda
dizer ao teu pai espiritual que é assim que Eu te trato » [17].
Temos aqui dois exemplos claros: “És a esposa da minha Eucaristia”; “És a
rainha do Rei sacramentado”.
No dia dez do mesmo mês, recebida a comunhão, Jesus vem de novo visitar a
sua esposa e depois de a convidar a entrar no seu Coração, diz-lhe:
As linhas que vêm a seguir lembram o Cântico dos Cânticos e aquelas palavras
tão cheias de amor entre o Amado e Esposa. É o dia da festa do Sagrado
Coração de Jesus; Ele vem visitar a sua esposa e ensinar-lhe uma pequena
oração, oração esta que O consola muito.
A Alexandrina escreve:
« Renovei a Nosso Senhor algumas coisas que lhe tinha prometido. Ouvi, por
fim, a voz de Nosso Senhor:
— Minha filha, ó minha querida filha, ó meu lindo amor! Como me consolas
com os teus colóquios: és toda minha e Eu sou todo teu. Não há amor como
o meu, não há paz como a minha: o mundo não dá paz. Minha filha, vais
hoje passar o dia em silêncio muito unidinha a mim em colóquios; rezando
assim: « Amo-vos muito Jesus, sou toda vossa, Senhor, sou vossa vítima
Jesus ». Oh! Assim consolar-me-ás muito. Hoje, no dia do meu Santíssimo
Coração, que dia de graças para os pecadores! Minha filha, manda dizer ao
teu pai espiritual que dentro em pouco vais para o Céu e de lá vais ser
missionária com ele na terra: que o vais acompanhar em todas as
pregações; que vais ser um poderoso e valioso auxílio para o ajudares na
salvação das almas. Vou-vos conceder esta graça. Minha filha, manda-lhe
dizer, também, que Eu quero que o Santo Padre saiba da minha união
contigo e de tudo quanto te tenho dito, sobretudo acerca da minha
Eucaristia. Quero que isto seja espalhado pelo mundo; é o único remédio
para tantos males » [19].
« Eu era acariciada por Nosso Senhor. Que união a minha! Que paz sentia!
Eu só queria que todas as criaturas da terra a experimentassem: certamente
que não haveria ninguém tão louco que quisesse voltar a ofender a Jesus. E
como Nosso Senhor ficaria contente se não houvesse mais ninguém que o
ofendesse! Eu queria sofrer todas as dores que houvesse no mundo e
conseguir isto para Jesus. Parecia-me não me poder separar de Nosso
Senhor ».
« Eu sentia-me tão bem com Nosso Senhor! Tão unida a Ele! Sentia um calor
tão forte! E uma força tão grande! Mas era uma força só no interior. E dizia-
me Nosso Senhor:
[1] São Pio X ; AAS, 28 - IV e 2 - V – 1910. [11] Carta ao Padre Mariano Pinho: 14.01.1935.
[2] Leão XIII: Laetitiae sanctae, 11. [12] Carta ao Padre Mariano Pinho: 21.03.1935.
[3] Carta ao Padre Mariano Pinho: 08.09.1934. [13] Carta ao Padre Mariano Pinho: 18.04.1935.
[4] Carta ao Padre Mariano Pinho: 04.10.34. [14] Carta ao Padre Mariano Pinho: 30.05.1935.
[5] Carta ao Padre Mariano Pinho: 01.11.1934. [15] Carta ao Padre Mariano Pinho: 06.06.1935.
[6] Carta ao Padre Mariano Pinho: 08.11.1934. [16] Carta ao Padre Mariano Pinho: 06.06.1935.
[7] Carta ao Padre Mariano Pinho: 08.11.1934. [17] Carta ao Padre Mariano Pinho: 11.06.1935.
[8] Carta ao Padre Mariano Pinho: 09.12.1934. [18] Carta ao Padre Mariano Pinho: 11.06.1935.
[9] Carta ao Padre Mariano Pinho: 10.01.1935. [19] Carta ao Padre Mariano Pinho: 04.07.1935.
[10] Carta ao Padre Mariano Pinho: 10.01.1935.
Foi em 1935, a 30 de Julho, que pela primeira vez Jesus pediu a colaboração da
Alexandrina para a consagração do mundo ao Coração Imaculado de Maria.
Em carta datada do dia 1 de Agosto desse ano ela dá conta ao seu Director espiritual
deste pedido de Jesus:
« No dia trinta, depois da Sagrada Comunhão, sentia-me muito bem com Nosso
Senhor, sentia uma grande união com Ele. Passados alguns momentos ouvi que Ele
me chamava:
— Minha filha, ó minha querida rainha, a que alturas te levei, a esposa do Rei
Sacramentado! Continua, minha querida filha, a tua breve missão: enquanto vives
pede-me pelos ceguinhos, pelos pobres pecadores. Ainda tens muitos para conduzires
aos teus caminhos. Eu sou o caminho, a verdade e a vida, conduz-mos para que Eu
seja amado. Não me deixes nem um momento sozinho nos meus sacrários. Eu estou
à espera de almas que me dediquem um amor como tu, mas não as tenho. Sou tão
desprezado! Mas não é só isso, sou tão ofendido! Tem pena do teu Jesus, meu anjo,
meu amor! Cura com a tua reparação esta lepra tão contaminosa. Manda dizer ao
teu pai espiritual que, em prova do amor que dedicas a Minha Mãe Santíssima, quero
que seja feito todos os anos um acto de Consagração do mundo inteiro, num dos dias
das suas festas, escolhido por ti: Assunção, Purificação ou Anunciação, pedindo à
Virgem sem mancha de pecado que envergonhe e confunda os impuros, para que eles
arredem caminho e não me ofendam. Assim, como pedi a Santa Margarida Maria
para ser o mundo consagrado ao Meu Divino Coração, assim peço-te a ti para que
seja consagrado a Ela com uma festa solene.
Jesus começa a sua mensagem atribuindo à sua vítima os títulos de “minha Rainha” e
o de “esposa do Rei Sacramentado”, para de seguida a encorajar na sua luta da salvação
das almas que regularmente esquecem que Jesus é “o Caminho, a Verdade e a Vida”.
Vem depois, o grande pedido, que se renovará muitas vezes, até ser concretizado: a
consagração do mundo ao Coração Imaculado de Maria.
“Manda dizer ao teu pai espiritual que, em prova do amor que dedicas a Minha Mãe
Santíssima, quero que seja feito todos os anos um acto de Consagração do mundo
inteiro”.
Obediente como sempre, Alexandrina mandou dizer ao seu Paizinho espiritual o que
Jesus acabava de lhe pedir, mas não foi ouvida, como no-lo confirma o Padre Mariano
Pinho, então seu Director espiritual:
« Não ligámos por então importância a esta parte da carta, pois era a época, como
ela afirma acima, dos mimos e das consolações espirituais, e são tão fáceis nessas
circunstâncias os equívocos e enganos a respeito do que se experimenta na alma... »
[3]
« Convém também ter presente — lembra o professor José Ferreira, e com razão —
que, embora viesse de Jesus, o pedido impunha uma tarefa ingente: mobilizar o Papa
e com ele toda a Igreja! E isto na base do pedido duma ignorada paralítica a viver numa
desconhecida paróquia rural dum pequeno país ».
“Assim, como pedi a Santa Margarida Maria para ser o mundo consagrado ao Meu
Divino Coração, assim peço-te a ti para que seja consagrado a Ela com uma festa
solene”.
Nada mais podendo fazer do que repetir as instruções de Jesus, Alexandrina continua
a sofrer, a amar e a reparar, tal como era a sua missão.
« Como eu sinto o meu coração a querer amá-lo muito, muito mais — explica ela em
carta ao seu Paizinho espiritual. Às vezes parece que Nosso Senhor me abraça, mesmo
sem me falar. Hoje, pareceu-me que o meu coração tinha desaparecido do seu lugar
e que eu tinha ido com ele. Que união tão profunda com Jesus! » [4]
São os tais momentos de consolações espirituais, de que fala o Padre Mariano Pinho;
são momentos de gozo antes que a tempestade, terrível tempestade espiritual, venha
desencadear-se no coração da vítima de Balasar.
« Passo momentos em que parece que estou no meio dum deserto, sem saber o
caminho e sem ter quem me guie. Mas, se isto serve para o aumento do meu amor a
Jesus, o fazer amado, salvar as almas dos meus queridos irmãos e para consolar o
Seu Santíssimo Coração tão ultrajado, venha tudo que lhe aprouver contanto que se
faça a Sua Santíssima Vontade » [5].
Mesmo com a chegada deste “deserto”, Alexandrina não esquece a sua missão e, com
força e convicção aceita, esperando que o terrível estado de aridez espiritual em que se
encontra possa servir “para o aumento do seu amor a Jesus, o fazer amado, salvar as
almas dos seus queridos irmãos”, e mais ainda, “para consolar o Seu Santíssimo
Coração tão ultrajado”.
Ela não pode, de modo nenhum, esquecer aquele Coração que tanto amou os homens,
ao ponto de morrer por eles. É o que explica o Padre Humberto Pasquale, segundo
Director espiritual da Alexandrina:
« Jesus ama tanto os pecadores!... Odeia as suas ofensas, mas ama as suas almas!
Jesus tem o Coração aberto para a todos receber. Jesus verte lágrimas sem conta e
sangue com abundância. O mundo está coberto de lodo e lama... Os vícios e as
paixões atingiram a maior altura » [6].
Alexandrina, ouve, desde há algum tempo Jesus dizer-lhe que em breve estará no Céu,
que em breve vai ser lá acolhida pelos Anjos e pelos Santos, mas a palavra “breve” não
tem para Deus o mesmo significado que para nós.
Algo vai em breve acontecer, é verdade, mas não a morte que a conduziria
directamente ao Paraíso, como ela tanto desejava. O Padre Mariano Pinho explica:
« O ano de 1936 fica assinalado por dois factos importantes na vida da Alexandrina:
a sua primeira morte mística e o pedido à Santa Sé da Consagração do mundo ao
Imaculado Coração de Maria.
Quanto ao primeiro, é de notar que, inúmeras vezes, Nosso Senhor, para a encorajar
nos sofrimentos, lhe prometia levá-la em breve para o Céu. E, por isso, a Alexandrina
vivia sempre na ânsia e na expectativa desse momento tão desejado » [7].
Felizes almas que, mesmo face á morte continuam, ou até redobram de fervor e de
puro amor!
« A aflição ia aumentando... À hora marcada por Nosso Senhor, não sei o que senti,
deixando de ouvir o que se passava à volta de mim. O meu Pai espiritual e a minha
família rezaram o ofício da agonia, acenderam uma vela benzida, meteram-ma nas
mãos, mas eu já não dei por isso, e assim estive algum tempo.
Julgavam-me já quase morta e choravam por mim. Nessa altura, já ouvi os choros
dos meus; principiei a respirar e, pouco a pouco, reanimei-me, mas, ainda debaixo
do mesmo estado, pensei: Estais a chorar e eu sempre morro. Estava sempre a ver
quando aparecia na presença de Nosso Senhor. Não tinha pena por deixar o mundo
e os meus queridos. Quando via que ia melhorar e que não se cumpriam as palavras
de Jesus, caiu sobe mim uma tristeza que não se pode calcular e um peso esmagador
». (Autobiografia)
Por um pouco pensaríamos naquelas traquinices que ela costumava fazer à irmão,
quando eram crianças e que ela conta na Autobiografia.
Triste de não ter passado deste mundo para outro melhor, a Alexandrina ficou
inconsolável, sobretudo porque o seu Paizinho espiritual, por causa de transporte, não
pôde esperar que ela voltasse ao seu estado normal e a confortasse depois...
« Eram horas do meu Director espiritual se retirar — explica ela —, não tendo tempo
para me dizer umas palavrinhas de conforto. Passei a festa da Santíssima Trindade
como uma moribunda e dentro de mim tudo era morte. As lágrimas corriam-me, as
dúvidas eram quase insuportáveis... »
« ...porque não só me tinha enganado no que dizia respeito a este dia, isto é, à morte,
como também em tudo quanto Nosso Senhor me tinha dito antes deste dia ».
Situação paradoxal, mas luz radiante para o Director espiritual, como ele mesmo o
confessa:
Quase um ano mais tarde, por volta do fim do mês de Abril 1937, Alexandrina
encontra-se, aparentemente, às portas da morte, tendo perdido completamente os
sentidos durante várias horas, após duríssimos sofrimentos.
Durante dezassete dias não consegue engolir nada, excepto a Sagrada Hóstia.
Nesse mesmo ano e, porque o Padre Pinho escrevera para Roma pedindo a
consagração do mundo ao Coração Imaculado de Maria, Alexandrina recebe, a 31 de
Maio a visita do Padre António Durão, S.J. — enviado pela Santa Sé —, para examinar
o seu caso. Parte bem impressionado, depois de ter orado com a “Doentinha de
Balasar”.
Como se esta visita não chegasse para afligir a Alexandrina, um outro “visitante”, este
bem mais terrível e pernicioso, começa, a partir do mês de Julho desse ano a causar-
lhe grandes tormentos e grandes aflições. Trata-se do “manquinho”, como ela o
chamava, o rei da mentira: Satanás. Este período só terminará a 7 de Outubro do
mesmo ano.
Alexandrina continuará a sofrer, continuará a amar e a reparar, porque é essa a sua
missão sobre a terra, missão que ela livremente aceitou.
« Eu não posso dispensar-te de tão tremendos ataques — lhe diz o Senhor —, de tanta
reparação para Mim. Que tesouros de graças para Eu derramar sobre os pobres
pecadores! Descansa em paz dentro do meu Coração. Os Anjos bons te defenderão
dos maus. Recebe, meu anjo, as carícias do teu Jesus » [10].
Todavia, como lhe diz também Jesus, ela tem sempre a possibilidade e o insigne
privilégio de poder descansar em paz no Coração de Jesus, aquele Coração onde as
forças do mal não têm acesso, e onde ela pode receber as carícias do seu divino Esposo.
« Repousa contra o meu Coração; aqui encontras tudo: luz para poderes caminhar,
força para tudo suportares e amor para tudo sofreres » [11].
Muitas vezes, quando Jesus lhe fala do seu divino Coração, associa ao Seu o da sua
Santíssima Mãe, dois Corações inseparáveis e de tal maneira unidos que, estamos
seguros, formam um só e único centro de Amor divino, um só e único Coração. Aqui
temos, a seguir, um exemplo desta união sagrada:
« Recebe, minha filha, as minhas carícias, descansa entre o meu santíssimo Coração
e o de tua Mãezinha do Céu, que contempla com ternura, a meu lado, o teu
sofrimento, mas alegre, por ver a glória que me dás, os pecadores que me salvas e o
que no Céu está preparado para ti. Associa-te aos Anjos e louva-me com eles, na
minha Eucaristia » [12].
Nos escritos da Alexandrina encontramos muitas vezes esta alusão ao que no Paraíso
estava preparado para a Vítima de Balasar. As expressões não são sempre as mesmas,
mas o significado não difere: Alexandrina beneficiará no Paraíso dum grande poder de
intercessão, porque Jesus quer que ela seja “o canal por onde passarão as graças”
distribuídas aos pecadores.
Esta intercessão é tão importante que se torna “impossível dizer quanto a Alexandrina
tenha alcançado do Coração do seu Amado, com o seu heroísmo de imolação” [13].
Infelizmente, « o fato mais doloroso e mais triste de todos é que tantas almas,
remidas pelo sangue de Cristo, como que arrebatadas pelo turbilhão desta época
transviada, vão-se precipitando numa conduta sempre mais depravada, e se
abismam na eterna ruína » [14], daí a necessidade de almas-vítimas, daí a necessidade
de oração e de penitência.
« Certamente —afirma o Papa Leão XIII —, nem a todos é dada a possibilidade, nem
todos têm a obrigação de fazer o mesmo; mas cada um é obrigado, segundo o seu
poder, a mortificar a sua vida e os seus costumes. Exige-o a justiça divina, à qual é
dada estrita satisfação das culpas cometidas; e é preferível dar essa satisfação
enquanto se está em vida, com penitências voluntárias, porque assim também se tem
o mérito da virtude » [15].
« Jesus ama tanto os pecadores!... Odeia as suas ofensas, mas ama as suas almas!
Jesus tem o Coração aberto para a todos receber. Jesus verte lágrimas sem conta e
sangue com abundância. O mundo está coberto de lodo e lama... Os vícios e as
paixões atingiram a maior altura » [16].
Desta carta resulta um novo exame da Santa Sé, confiado desta vez ao Cónego Manuel
Vilar ― natural de Terroso (Póvoa de Varzim) ― reitor do Pontifício Colégio Português
de Roma.
Nesse mesmo ano, a 3 de Outubro, Alexandrina “viverá”, pela primeira vez a Paixão,
dada como sinal da autenticidade do pedido de consagração do mundo. Este fenómeno
extraordinário durará, na sua forma “visível”, todas as sextas-feiras, até 20 de Março
de 1942, ano em que a dita consagração iria ser realizada.
— Meu anjo, ó louquinha! Eu venho dar-te a mão, bafejar-te com o me Bafo divino.
Venho encher-te, dar-te força para caminhares. Olha, meu amor. Tu amas-me a mais
não poder, ainda que to não pareça. Tu és o tudo do meu Coração e Eu o tudo do teu.
Eu tenho-te no meu Coração, no lugar mais elevado. És o meu adorno mais belo, mais
sublime. E o teu adornei-o com as mais heróicas virtudes. Queres, meu amor, fazer
um contrato? Queres contratar comigo?
E eu disse: Ó meu Jesus, eu quero, mas de cada vez me sinto mais confundida. Vós
bem vedes a minha miséria. Eu sou tão nada!
— Que tens tu com isso? Fui eu que te escolhi assim com essa miséria! Tu deste-me
tudo: Eu em troca dou-me todo a ti. Dou-te todos os tesouros do meu Coração. Pega-
os, são teus. Dá-os a quem quiseres. Ele está a transbordar de amor: reparte-o. Como
é belo amar a Jesus!
E, como sempre o Coração de Jesus está no centro: “Eu sou o tudo do teu coração”,
diz-lhe o Senhor, depois de lhe ter afirmado que ela, a Alexandrina, era o tudo do Seu.
Depois, vem aquela proposição de “contrato” que surpreende a Vidente que outra coisa
não pode dizer senão confessar o seu abismo: “Vós bem vedes a minha miséria. Eu
sou tão nada!”
“Pega-os, são teus. Dá-os a quem quiseres. Ele está a transbordar de amor: reparte-
o”.
Alexandrina não se sente competente para tão alta missão, ela que era tão
“pequenina”, logo pensa que o seu Director espiritual ― que nesse momento está em
Fátima rodeado de Bispos ― é a pessoa mais indicada para receber e distribuir tais
tesouros. Para que isso possa ser possível ela interroga o Senhor, sempre com a mesma
humildade e simplicidade:
— « Sim, minha amada. O teu Paizinho melhor que tu os saberá distribuir. Faz deles
o que quiseres. Como isto me dá consolação! Que consolação me dás! Como Eu te uno
a Mim e te estreito ao meu Santíssimo Coração! » [18]
Cinco dias depois, Alexandrina volta a escrever e, se já abrasada no amor divino, ela
parece insatisfeita: ela quer amar mais, muito mais e mais ainda...
« Mas ainda ansiava mais ― escreve ela. Queria o meu Jesus. Passado algum tempo,
ouvi que Ele me falava:
“Eu amai-te logo que existias”, diz Jesus, antes de lhe dizer que “amava sem limites”
e “não posso amar-te mais”. Parece paradoxal, mas não é, porque não é o amor de
Deus que é limitado, mas aquela a quem Ele se destina. Efectivamente, nenhum ser
humano poderia conter aquilo que não tem limites: nenhum balão pode conter mais
ar do que aquele que lhe é destinado, senão rebenta. Assim é com o Amor “sem limites”
de Deus.
Outra frase que Jesus lhe diz e que nos interpela, é esta: “Se te não amasse tanto, não
te fazia sofrer assim”.
Jesus disse esta mesma frase a Santa Teresa de Ávila, a grande Doutora mística. A
resposta da Santa é dum humor extraordinário, o que prova a simplicidade e o “à
vontade” com que ela falava a Jesus. Disse-lhe pois:
“Se fazeis isso aos vossos amigos, Senhor, não me admira que tenhais tão poucos!”
E Ele disse-me:
— Minha louquinha, minha querida pombinha, ama-me pelos que não me amam,
quero que me substituas esse amor. Eu tenho tanta fome das almas e elas não querem
saciar a fome de Jesus. Eu quero abundá-las, enriquecê-las dos meus divinos
tesouros, e elas não querem. Pobrezinhas! Querem viver pobres! O meu Divino
Coração sangra, sangra rios de sangue com os pecados do mundo. (...) Oferece-me,
meu anjinho, os teus sacrifícios; consolas-me tanto! Deixa-me deliciar-me, acariciar-
te e estreitar-te mais no meu Divino Coração » [20].
Jesus, sequioso de amor e de almas, lembra à sua vítima o “contrato” passado entre
eles: enriquecer as almas com os tesouros confiados à Alexandrina. Porque o Seu
Coração “sangra, sangra rios de sangue” e, para sarar aquela ferida aberta, a vítima
deverá oferecer os seus sacrifícios, porque estes são como um bálsamo suave que
consola tanto Jesus.
« Ontem, domingo, Nosso Senhor mudou o meu sofrimento. Mas ai, meu Jesus, ai,
meu Paizinho! Não foi menos doloroso. Recebi o meu Jesus, começou-se a apoderar
de mim uma tristeza tão profunda, parecia mortal. E depois começaram os maus
tratos a Nosso Senhor. Eu sentia que retalhavam todo o Corpo Santíssimo do meu
Jesus e atiravam os pedaços com muita força para longe. As aves apanhavam-nos
assim como outros animais. Mas era tal a raiva que tinham àqueles pedaços de
carne, que os que ainda de novo podiam tirar aos animais, os esmigalhavam com
pedras ou coisas parecidas. Por fim, veio o Coração Santíssimo de Jesus, e umas
mãos brutais O apertavam e atavam à volta arames ou cordas fininhas com tanta
força que quase traçavam ao meio. Depois, com uns chuços de ferro o espicaçavam
todo: e por fim o esmigalharam. Ai, meu Paizinho!
Imagem terrível que ela não esquecerá tão cedo, se a conseguiu esquecer...
Mas Jesus, depois de alguns dias de ausência ou de silêncio, talvez para a testar, vai
bem depressa reconfortá-la e explicar-lhe que os sacrifícios que lhe pede são
necessários para a salvação das almas. Pela sua aceitação constante Alexandrina torna-
se a heroína do Amado.
« Isto agora é o que Nosso Senhor me disse no dia 11, dia em que o meu Paizinho aqui
esteve:
― Minha filha, minha esposa, minha querida heroína. Chamo-te heroína porque é
tua a vitória. Chamo-te tudo que te posso chamar. Anda ao teu Jesus que tem feito
violência para não vir a ti, ou melhor para não te falar, para me não fazer sentir,
porque em ti estou sempre, nunca te abandono. Queres tirar os espinhos ao meu
Coração?
Eu disse:
― Pois é sofrendo assim, o mundo está como nunca esteve. A malícia dos homens
atingiu a maior altura. Queres amor? Não podes com nada, mas amas-me. Viste
aquele coração que te mostrei a arder em chamas de amor? Era o teu. Era a tua e
minha Mãe Santíssima que o tinha em suas mãos. Os raios que vinham do alto para
ele, vinham da Santíssima Trindade. Viste a minha Mãe Santíssima. Não te
enganaste. Não te falou para não ser tão grande a consolação. Coragem, minha
pombinha. Tu a sofrer, e Eu em ti em delícias. Eu consolado, e tu triste. Diz ao teu
Paizinho que te auxilie porque estás a atravessar os caminhos mais dolorosos, e és a
minha esposa mais querida. Coragem, coragem, porque é com a tua generosidade
no sofrimento que tiras a sebe de espinhos que cerca o meu Divino Coração. E é
preciso sofreres para mereceres os nomes que Eu te tenho chamado » [22].
Nalguns países existe este ditado popular: “Os males de uns são a felicidade de
outros!”
Jesus que sofre os males que Lhe causam os pecados do mundo utiliza mais ou menos
este mesmo ditado expurgado do sentido pejorativo que possa ter a versão dos
homens: “Tu a sofrer, e Eu em ti em delícias. Eu consolado, e tu triste”.
Mais lhe diz ainda: “E é preciso sofreres para mereceres os nomes que Ei te tenho
chamado”.
Quando este ano de 1938 estava prestes a findar, a 27 de Dezembro, Alexandrina foi
examinada pelo eminente professor Elísio de Moura, psiquiatra; ele mostrou-se cruel
para com ela, causando-lhe umas grandes dores e tristes recordações para o futuro.
Tratou-a “aos safanões”, comenta o Padre Mariano Pinho que assistiu a essa consulta.
“Não me saía da ideia o que o médico me tinha feito sofrer... o dia de ontem foi um
dia de lágrimas para mim...” [23], diz a Alexandrina ainda toda dolorida pelos maus
tratos recebidos.
Sem querer, chorei, mas todas as minhas lágrimas ofereci a Jesus com os meus
sofrimentos, que foram muitos, pois o que digo nada é do muito que passei. Tudo lhe
desculpei, porque ele vinha em missão de estudo » [24].
cap. 5. cap. 4.
[2] Carta ao Padre Mariano Pinho : 01.08.1935. [14] Leão XIII: Supremi apostolatus officio, 11.
[3]Padre Mariano Pinho: “No Calvário de [15] Leão XIII: Octobri mense, 29.
Balasar”, cap. 10. Padre Humberto Pasquale : «Alexandrina»;
[16]
[4] Carta ao Padre Mariano Pinho : 22.08.1935. cap. 5.
[5] Carta ao Padre Mariano Pinho : 11.09.1935. [17] Carta ao Padre Mariano Pinho : 05.05.1938.
[6]Padre Humberto Pasquale : «Alexandrina»; [18] Carta ao Padre Mariano Pinho : 05.05.1938.
cap. 5. [19] Carta ao Padre Mariano Pinho : 10.05.1938.
[7]Padre Mariano Pinho : “No Calvário de [20] Carta ao Padre Mariano Pinho : 06.06.1938.
Balasar”, cap. 10.
[21] Carta ao Padre Mariano Pinho : 25.07.1938.
[8]Santa Teresa de Ávila : Moradas ou Castelo
interior, Quintas moradas, cap. I-4.
[22] Carta ao Padre Mariano Pinho : 15.08.1938.
[9]Padre Mariano Pinho : “No Calvário de
[23] Carta ao Padre Mariano Pinho : 27.12.1938.
Balasar”, cap. 10. [24] Alexandrina Maria da Costa : Autobiografia.
[10] Carta ao Padre Mariano Pinho: 30.08.1937.
[11] Carta ao Padre Mariano Pinho: 24.09.1937.
[12] Carta ao Padre Mariano Pinho: 02.10.1937.
AO LONGE TROA O CANHÃO!...
O novo ano começará como terminou o outro: sofrimentos e dissabores diversos
ocuparão os dias e as noites da bem-aventurada vítima de Balasar.
Desde Janeiro Jesus prediz-lhe o começo da guerra que porá o mundo em ruínas e
causará a morte de milhões de pessoas de todas as idades e sexo, de todas as religiões
e ritos.
— « O mundo está preso num fiinho tão quebradiço! Dum instante para o outro ou o
Santo Padre se move a consagrá-lo ou o castigo vem ao mundo ! A vossa Imaculada
Mãe tem o remédio para tudo ! Mas até lá crucificais a Vossa louquinha ! A
consagração do mundo tem tantas vantagens ! Faz que desça o perdão e a paz do
Céu à terra ! Faz que vão a Vós os corações, e afervora as almas no amor à Vossa
Mãe Santíssima ! Vós quereis que Ela seja amada? Ela está entre o pecador e a mão
da Justiça Divina ! É a salvação da humanidade ! Que remédio tão salutar! Depressa,
depressa a aplicá-lo! Ai, que maldade vai pelo mundo ! Sofrestes tanto ! » [1]
Como sempre, dócil às moções divinas, Alexandrina oferece-se como vítima pela paz!...
Mas, ouçamos o que ela escreve ao seu Paizinho espiritual no começo deste novo ano:
« Agora o demónio é que me consome. Diz-me que eu faço a paixão quando eu quero.
Que sou eu, que sou eu quem a faço. “Aos médicos não enganas”: diz-me ele. “Não te
acreditam. Mas aqueles f. etc... e mais alguém bastam para espalhar”. E nestes
momentos, quando me diz estas coisas, que raiva ele tem contra mim. Uiva, parece
que lhe oiço ranger os dentes, e figura-se me que me dá pontapés e escarra na cara.
Eu, quando me parece que sinto os escarros, digo só com o pensamento: também a
Nosso Senhor o escarraram. Então é que ele fica furioso. Diz-me tantas coisas feias
de mim e do meu Paizinho! Que combate ainda hoje tive. Chamei pelo meu Jesus, pela
Mãezinha do Céu e por muitos santos e santas para me ajudarem a vencer tão grande
combate sem desgostar ao meu Jesus. Diz-me, também, que eu tremo porque quero.
Foi por eu não tremer diante do Senhor Abade e do Senhor Cónego ao eles
pronunciarem palavras das que costumam fazer-me tremer. Diz-me: “Não tremeste,
porque eles não te agradaram” » [2].
O diabo fala aqui do “Senhor Cónego” — e até foi delicado em tratá-lo por “Senhor” —
e é verdade — ele com a verdade se engana! — pois trata-se do Sacerdote vindo de
Roma e do qual já falamos: O Dr. Manuel Vilar, professor no Colégio português de
Roma e que, enviado pela Santa Sé, vinha informar-se junto da Alexandrina acerca da
consagração do mundo ao Coração Imaculado de Maria.
« Ontem tive aqui o Senhor Cónego Vilar, vinha do mando da Santa Sé.
O meu Paizinho já sabe? Mesmo sem ele me dizer nada, pensei e não me enganei, ao
que ele vinha. Falou muito bem. Gostei muito dele. Parecia-me um santinho. Não
deixou, com tudo isto, de me custar imenso. Fez-me várias perguntas que a tudo
respondi, como sabia. Como ele não trazia cartão nenhum do meu Paizinho, já tinha
dúvidas se procederia mal. Se fiz mal, peço desde já que me perdoe. Bem sabe que em
nada lhe quero desobedecer. Se fosse outro Senhor Padre qualquer, que não viesse
mandado como ele veio, claro está, que lhe não dizia nada.
Ele disse-me que talvez cá voltasse e hoje, o nosso senhor Abade, quando me veio
trazer Nosso Senhor, disse-me que o Senhor Cónego Vilar talvez cá viesse na próxima
sexta-feira, se pudesse. Ainda bem que o meu Paizinho está aqui na freguesia » [3].
Santa obediência!...
Como dissemos acima, a Alexandrina vive nas trevas e vai endossar uma outra missão,
difícil e dolorosa: “encarnar” a humanidade pecadora e responder por ela perante a
Justiça divina... Mas antes que isso aconteça, as trevas que começam a atormentá-la.
Ouçamo-la:
« Não mereço ser falada, sou digna de desprezo. Vivo numa tristeza e noite
contínuas. Trevas, trevas, ó que trevas. Vejo isto a grande distância. É escuro, é
medonho, o caminho que tenho que seguir. Nem ao menos uma pequena luz para me
guiar. Por vezes parece que rebento com o peso que vem sobre mim. Oh! como me faz
sofrer!
Faz-me sofrer também, não caibo em mim, parece que me faz rebentar, as ânsias do
meu Jesus. Ai, meu Paizinho, como eu queria amar o meu Jesus. Ele é digno de todo
o amor.
Eu sofro, e sofro tanto, por me parecer que O não amo e que não tenho que Lhe
oferecer » [4].
Na mesma carta ao seu Director espiritual Alexandrina faz uma confidência muito
interessante onde ela revela uma vez mais não só a sua simplicidade e humildade, mas
também a sua ingenuidade espiritual. Ouçamos, porque é deveras significativo:
— Alexandrina, meu querido amor, já que não chamas por Mim, chamo Eu por ti.
Dás-me todos os sacrifícios que te peço!
— Tudo, tudo, meu Jesus: O que eu quero é ter que Vos dar!
— É esta vida triste e dolorosa, mas Eu quero que vivas assim. Se soubesses em que
fim aplico os teus sofrimentos! O proveito que tiro! Mas confia que te dou força e te
darei sempre que precises, o teu Paizinho para te confortar e te guiar.
Eu lembro-me sempre do meu Jesus, mas confesso a minha falta, não chamo por Ele
com o fim de Ele me falar... » [5]
*****
« Hoje, antes de comungar — escreve ela a 3 de Fevereiro —, ai meu Jesus, como era
medonho o meu estado. E logo que recebi a Jesus, parecia-me que Ele se abraçava ao
meu coração, parecia arrancar-mo. E com tanta mágoa dizia-me:
Quinze dias mais tarde, Jesus volta a queixar-se e pede o auxílio da Alexandrina,
porque os pecados dos homens são como lanças a trespassar o seu Coração.
Alguns dias depois, na carta que escreveu ao seu Director espiritual, lemos esta
“queixa” da Alexandrina e o desabafo de Jesus:
« Nosso Senhor não me tem falado: só ontem me disse estas tristes palavrinhas com
paz mas sem nenhuma consolação:
— Ai, ai, como o meu Divino Coração está triste e amargurado. Compartilha da
minha dor. Eu fui tão, oprimido! » [8]
Jesus faz pesar sobre o coração e sobre a alma da sua vítima, todo o amargor que Ele
mesmo sente por causa dos pecados do mundo, mas de vez em quando, para a aliviar
de tão pungentes situações, retira-lhe esse peso, deixando-a desfrutar de momentos
de paz e de sossego, como para a preparar para novos combates, novos sofrimentos e
angústias.
« De repente saiu de mim todo o peso, saí daquela noite e como que uma luz começou
a iluminar-me. E falou-me Jesus assim:
— A minha amada está assustadinha. Mas olha minha louquinha; não é nada, nada
contigo; é o estado da alma do pecador. São os horrores do mundo. Queres salvá-lo?
Sim Jesus, eu quero sofrer tudo contanto que sejais comigo: sou a Vossa vítima.
— Eu só quero a tua alma e o teu corpo para crucificar: e a tua generosidade nada
mais posso exigir. Só tenho que te tomar para os meus Santíssimos braços, estreitar-
te ao meu Divino Coração, e acariciar-te.
Como ninguém, Jesus conhece a medicina que cura sem sarar, o bálsamo suave que
faz esquecer a dor que não cessa de doer, que reaviva a força que faz desfalecer em
Seus braços a vítima que se oferece, que crucifica o corpo para melhor e mais ser
amado... ciência divina, como és impenetrável!
Por vezes, uma curta frase, uma palavra apenas, valem mais do que um grande
discurso... Exemplo:
— Estou tão deliciado no teu coraçãozinho! Tem coragem, tem confiança que sou Eu
» [10].
É na verdade uma curta intervenção, mas suficiente para tranquilizar, suficiente para
dar novas forças, para desperta o amor — se isso fosse necessário! — na vítima que se
esquece ou permanece no enleio das doçuras celestes.
E, o resultado deste despertar das doçuras celestes, desta viagem celeste inconsciente,
é mais do que positivo, é um renovar de forças, é uma entrega redobrada, é uma aurora
de amor, um arrependimento renovado e uma entrega total e sem reticências.
« Oh! Se eu pudesse ainda ter mais sofrimentos para com eles conseguir que o meu
Jesus não soubesse da maldade com que é ofendido, para Ele não se desgostar, para
que se não ferisse o seu Divino Coração! » [11]
« Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de
coração » (Mt.11, 29).
«Onde estiver o teu tesouro, aí estará também o teu coração » (Mt. 6, 21).
O Cireneu de que fala Jesus é o Padre Mariano Pinho que, mesmo distante, está
sempre presente pela oração e pelo pensamento, particularmente às sextas-feiras, dia
em que Alexandrina revive a dolorosa Paixão.
« De repente estava na luz. Sentia-me tão grande, não cabia em mim: e Jesus dizia-
me:
— À louquinha do meu amor renovo a entrega dos tesouros do meu Divino Coração,
toda a riqueza do meu amor para poderes dar às almas. Dou tudo que possa dar à
louquinha a quem mais amo. Tem coragem! A dor há-de pungir o coração. O teu
corpo, o teu coração, a tua alma são mártires do teu amor. Eu escolhi a dor, pela dor
salvei o mundo. Tu pela dor de novo vens a resgatá-lo. Tem coragem. Só terás o teu
Jesus a falar-te quando estiveres caída a desfalecer. Eu serei a tua força » [13].
Porque já tratámos este tema noutro trabalho [14], não iremos aqui desenvolvê-lo,
damos apenas alguns exemplos da justa cólera divina.
Alexandrina acabara de receber a Comunhão, mas o seu coração está frio, pior, está
endurecido e insensível às graças divinas. Ela explica:
« Eu acredito que recebo a Jesus porque vejo: de contrário em tais momentos não
acreditava. Ó pedra dura e fria que eu sou. Jesus não se me faz sentir senão para
ralhar-me muito irado. Hoje dizia-me:
O coração era-me atravessado por uma forte lança: ficou-me como que a escorrer
sangue com muita abundância » [15].
Alguns dias depois, escrevendo de novo ao seu Director espiritual ela conta:
« Meu Paizinho, a minha alma sente a morte do mundo inteiro. É a morte, é a noite
escura que reina por toda parte, e quando recebo a Jesus, é o que Ele mais faz sentir,
a morte total: não sou só eu, é Jesus que se finge morto. Faz-me sofrer tanto! Mas é
por Ele, benditos sofrimentos. Hoje, passei um pedaço assim neste estado e, por fim,
ouvi o que o bom Jesus me dizia:
— Maldita, maldita! E um Pai como Eu bondoso, terno e amável! Que dor, que
angústia, que martírio para o meu divino Coração! »
— « Ó meu Jesus, passai para o meu coração a dor, a angústia e o martírio. Fazei
que eu sofra tudo; eu ainda estou aqui, meu Jesus. Seja o meu coração, a minha alma,
o meu corpo um instrumento de reparação para Vós » [16].
Cinco dias mais tarde, o Senhor volta a ralhar a humanidade, mas é a Alexandrina, que
a representa, que recebe as repreensões severas de Jesus. Ela as comunica ao seu
Paizinho espiritual na carta escrita a 27 de Abril desse ano:
« Hoje, no fim da Sagrada Comunhão, estava morta, coalhada de gelo. Estive assim
um grande pedaço. Depois Nosso Senhor dizia-me:
— Estás tão suja e esfarrapada, não te aproximes de mim, porque é para mais e
melhor poderes ferir o meu Divino Coração.
— Mas olha: a Chaga do meu Coração está aberta, é uma fonte pura. Queres-te lavar
nela? Ficas limpinha e asseada. Ficas rica e brilhante, mais bela do que a rainha
coroada com o rei » [17].
“A Chaga do meu Coração está aberta, é uma fonte pura. Queres-te lavar nela?”
Quem não quereria lavar-se no “sangue do Cordeiro” e na “fonte de água viva”, aquela
“fonte de água que dá a vida eterna”? (S. João, 4, 14.)
Mas o estado em que então se encontrava Alexandrina não lhe permitia a aceitação de
tão precioso convite. Apenas pôde explicar e dizer a Jesus:
« O meu coração era como um rochedo e eu não queria ouvir as palavras de Nosso
Senhor. Mas disse-lhe:
Foi neste estado de alma que em Julho desse ano, no dia 16, festa do Sagrado Coração
de Jesus a Alexandrina pede ao Papa, por escrito e pela última vez, a Consagração do
Mundo ao Coração Imaculado de Maria.
Nesse mesmo dia, ao Pai espiritual, ela explica o que faz para que as almas voltem a
Jesus, para que os homens arrepiem caminho:
« Como pode este nada sem haver outro igual desempenhar tão alta missão? Oh! Se
assim fosse! Se eu conseguisse com os meus sofrimentos dar todas as almas a Jesus,
mesmo todas sem deixar perder uma! Não me importava de dar a vida a todo o
momento no meio dos mais horríveis sofrimentos ».
Mas Jesus que a ama tanto, não a deixa neste estado, vem consolá-la, encorajá-la a
prosseguir firmemente a sua missão, afirmando-lhe que nada lhe faltará, que Ele
estará sempre a seu lado, sempre pronto a dar-lhe a mão para a ajudar a subir o
doloroso calvário:
« Com muito medo e quase sem o coração poder palpitar, esperei a hora da minha
crucifixão: estava tão aflita, tão abandonada! E Nosso Senhor chamou-me:
— Minha filha, minha querida filha, loucura dos meus olhos, dá-me a esmola. Horas
aflitas apertam o mundo, horas de tremendos e horríveis castigos. O meu Divino
Coração sangra, está angustiado de dor e o bálsamo de tua crucifixão pode curar-
lhe as feridas. Queres curar-me?
— Ó meu Jesus, eu quero tudo que seja para Vós e para as almas. Crucificai-me.
Mais adiante, na mesma carta ela escreve as palavras que ouviu ainda de Jesus. São de
novo palavras a inspirar-lhe coragem, palavras de amor:
— « Minha louquinha, tem coragem, não desanimes e não duvides. Sou Eu o Jesus, o
artista divino que trabalha em ti: faço maravilhas que nunca fiz no mundo, nem
jamais farei. Apresso-me a realizar em ti a minha obra.
Não tive outras palavras para o meu Jesus senão um “muito obrigada”. Mais tarde
um pouquinho, quando o desânimo era muito, Nosso Senhor disse-me:
— Coragem, minha filha, minha alegria, minha loucura. Primeiro que tu sofri o
abandono e todos os sofrimentos: abri-te o caminho. É por meu amor; não achas que
mereço tudo?
— Ó meu Jesus, é por Vós que eu sofro de boa vontade. Quero morrer por Vosso amor;
milhões e milhões de vezes e por Vós derramar todo o meu sangue ».
Um mês mais tarde, escrevendo ao Padre Mariano Pinho, ela tem este desabafo
sintomático, como ela mesmo o confessa:
« A dor é contínua. Isto será ilusão minha? Estarei convencida que sofro desta
maneira e não sofrerei nada? Perdoe-me, é um desabafo. O desânimo teima comigo,
quer vencer mas eu confio que só Jesus vencerá » [21].
Mais adiante, na mesma carta ela explica ao seu Pai espiritual a atitude e a pena de
Jesus, atitude que muito a interpela:
« Há pouco tempo recebi a Jesus ― escreve ela. É sempre para mais sofrimento, mas
não posso viver sem Ele. Sentia que Ele tremia em mim ao mesmo tempo que me
dizia:
— Que dor, que dor, para o meu Divino Coração ao ver o mundo incendiar-se nas
chamas ardentes das paixões e do vício, ao ver os indivíduos, a sociedade, em todos
os povos, uma guerra feroz. Parece que desencadeou para a terra todo o inferno. Ai
mundo, que não te levantas, ai mundo que não te convertes. E está tão próximo o teu
castigo! É por isto que Eu tremo de dores e não de frio.
Ai meu Paizinho, eu sentia que Nosso Senhor dentro de mim erguia os olhos e os
braços ao Céu como que para implorar perdão para a pobre humanidade e
estreitava o meu pobre coração ao d’Ele o que me obrigava a condoer-me mais das
tristezas de Nosso Senhor » [22].
Alexandrina não pode ver Jesus sofrer assim... O seu pobre coração sangra de dor e,
logo se prontifica para receber sobre ela aquilo que tanto mal, que tanto desgosto causa
a Jesus. A sua resposta é uma oração vinda do mais profundo do seu coração e reflecte
todo o amor de que a sua alma está cheia a transbordar:
— « Ó meu Jesus, meu Jesus, como se não me amasses e não tivesses dó de mim,
esmagai-me, fazei-me sofrer, para alegrar e consolar o Vosso Divino Coração: não
quero ver o Vosso sofrimento: Quero sofrer tudo por Vosso Amor e para Vos ver
sempre em contínua alegria. quero-vos desagravar, quero reparar todos os crimes
para que o mundo seja salvo. Sou Vossa Jesus, imolai-me a cada instante: não tenho
que dar, aceitai os meus desejos » [23].
E, logo a seguir, sente necessidade de desabafar com o seu Pai espiritual; precisa de
motivar-se e para isso dá largas ao muito que lhe vai na alma, ao fogo que a consume,
à sede que tem de amar o seu divino Esposo. Ouçamo-la:
« Meu Paizinho, o meu coração arde, está a transbordar com ânsias de pertencer a
Jesus, de voar ao Céu. Mas a minha pobreza é tal que afigura-se-me que o meu Jesus
não encontra nada em mim, que não lhe posso pertencer. Causa-me nojo de ver o que
sou em defeitos: nada mais tenho. Afigura-se-me que a minha fortuna é uma vida
vergonhosa. Eu queria principiar uma vida nova, para só a Jesus pertencer e à
minha querida Mãezinha. Mas não tenho forças. Como poderão aqueles Corações
tão puros ver o meu tão sujo? É bem motivo para sentir o abandono que sinto, e não
haver nada no Céu nem na terra que me possa desejar. Que vida tristíssima e
amarga! Que ao menos o meu Jesus se console e se alegre no meu viver! » [24]
No dia seguinte volta a escrever e volta a falar da sua alma, daquilo que nela sente,
daquilo que a preocupa e que ela desejaria pôr em prática. A oração que lhe vem da
alma, é um verdadeiro cântico de amor e de entrega:
« Afigurava-se-me que tinha morrido para Jesus e Jesus tinha morrido para mim.
Dai-me sofrimentos
para eu ter que Vos oferecer,
para Vos consolar.
Ou sofrer, ou morrer
para Vos amar no Céu
com aquele amor que me satisfaz.
Alexandrina que portanto devia estar a contar com um tal desaire, parece
surpreendida e, “durante uns momentos fiquei tão triste”, diz ela. Mas depressa o seu
zelo pelas coisas de Deus é mais forte e de novo está pronta para se oferecer ao Senhor
e à Mãezinha.
« Meu Paizinho, era já noite e surpreendeu-me a triste notícia que tinha rebentado a
guerra. Será verdade? Durante uns momentos fiquei tão triste e aflita, parece que o
meu coração saltava cá fora. Mas depois principiei a acalmar, confiando cegamente
e sem limites no meu Jesus e na querida Mãezinha que ainda que verdade seja, ainda
podem entrar em acordo e vir a paz. Ai minha Mãezinha querida, Ela é a Rainha da
Paz é o refúgio dos pobrezinhos: há-de ser Ela que sem cessar vai obter o perdão e a
paz para a pobre humanidade. Ai quem me dera poder dar a vida a cada momento
e a cada momento ressuscitar, e o meu corpo sempre esmigalhado e sempre direito,
nos sofrimentos mais horríveis, para desagravar Jesus! Ó que peninha eu tenho d’Ele
ser ofendido! E nada posso e nada faço por Ele. Sinto a dor e a amargura do seu
Divino Coração com as desordens da pobre humanidade » [26].
Daqui em diante, a Alexandrina vai cada vez mais sentir nela o peso da humanidade
pecadora que ela representa e da qual Jesus a tornou fiadora. E, quando “ao longe troa
o canhão”, ela no seu quarto expia e sofre com amor, sabendo-se sempre ajudada pelo
Senhor, mesmo quando Ele não se lhe mostra a ela ou quando se mostra e lhe ralha...
Tudo lhe parece escuridão naquele caminho pedregoso por onde ela deve caminhar.
Brandamente ela queixa-se, mas não deixa de se oferecer generosamente, como
sempre.
« Vejo-me em cima dum abismo tão medonho, quero-me amarrar para não cair, mas
não tenho nada que me possa sustentar; se caio nele, nunca mais de lá saio.
— Meu Deus, meu Deus, não vejo para caminhar e estou presa e enterrada em
imundícies. Meu Jesus, bem-vindos sejam os Vossos sofrimentos: mais, meu Jesus,
mais. O Vosso Divino Amor obriga-me a tudo. Sofro contente sem sentir alegria, mas
é por Vos: tomai-a toda a que eu havia de sentir e alegrai-Vos Vós. Ai meu Deus, que
tremenda desolação e que guerra na minha alma: tenho que combater sem cessar.
Que ódio eu sinto sobre mim. Meu Jesus, eu não quero alegria nem consolação
porque assim o quereis, sei que é a Vossa Vontade Divina. Também é a minha. Mas
vede que não tenho força, que sou nada, ou menos que nada se pudesse ser; dai-me
coragem, dai-me toda a força precisa; conto só com Vós » [27].
A hora continua grave e a “Doentinha de Balasar” continua a sofrer pelo mundo que
não quer paz, pelo mundo que mesmo em guerra peca e ofende gravemente o seu
Criador e Senhor.
Alexandrina vê e reconhece que os Corações Jesus e Maria sofrem com esta situação,
sofrem porque o mundo os não ama, porque o mundo blasfema para com eles, mesmo
quando, um joelho em terra, parece desmoronar-se de um momento para o outro.
Então, a vítima de Balasar, heróica como sempre, oferece-se generosamente, tenta
reconfortar aqueles Corações que ela tanto ama.
« Morro para o mundo, morro para Deus. Para o mundo quero eu morrer, mas quero
viver para Vós, meu Jesus, para vos consolar e amar, para desagravar o vosso divino
Coração e o da querida Mãezinha. Deixai, meu Jesus, deixai, querida Mãezinha,
arrancar dos vossos divinos Corações, com toda a doçura e amor, os espinhos que
vos ferem. Quero o meu coração sempre cercado com eles, a agonizar de dor e a
derramar sangue até à última gota: sofrer eu tudo, Jesus e Maria, nada. Quero ser
vítima de amor! » [28].
Alguns dias mais tarde volta a escrever ao seu Pai espiritual, contando-lho o seu estado
interior e comunicando-lhe igualmente as queixas de Jesus, os choros de Jesus...
« A dor não cessa, a luz não aparece: não vejo para on-de fugir e é tão grande a
necessidade que sinto de me esconder! Só no Coração santíssimo do meu Jesus ou da
querida Mãezinha tenho refúgio seguro. Mas sinto-me tão abandonada deles: somos
uns desconhecidos! Parece que Eles não sabem que eu existo. Nosso Senhor hoje, mal
baixou ao meu coração, principiou a chorar, mas a chorar muito. E dizia-me:
— Choro, choro, porque o mundo me faz chorar. A malícia, a gravidade dos seus
crimes, se fosse possível, crucificava-me, fazia-me expirar a cada momento » [29].
Outro sofrimento para a Alexandrina era o que dela diziam as pessoas da aldeia.
Corriam boatos de toda a espécie: que era uma bruxa, uma interesseira, uma fingida,
e tantas outras coisas, que demonstram que nem sempre a voz do povo é a voz de
Deus!...
« Outros diziam que fui tirar o “retrato de santa”, isto é, avaliar a minha santidade
por meio de uma máquina. Minha irmã disse (para desfazer essa ideia): “Se isso
pudesse ser, também eu queria tirar esse retrato para ver no ponto em que estava”.
Que pena tenho que as coisas do Senhor sejam tão mal compreendidas!...
Outros então diziam que todos os senhores Padres que me visitavam andavam a
pedir esmolas por essas freguesias fora para me darem, e portanto que não me
faltava nada.
Diziam que eu talhava o ar, fazendo de mim bruxa, que era corpo aberto; chegando
várias pessoas a aproximar-se de mim para fazerem várias perguntas, como se eu
adivinhasse. Falavam-lhes muito serenamente, fingindo não as compreender, mas,
quando insistiam comigo, respondia-lhes: “Eu não adivinho, nem ninguém adivinha.
Nós não temos o direito de penetrar nas consciências alheias. Isso é só para Nosso
Senhor”.
Quando me contavam o que diziam a meu respeito, eu fingia não sofrer, mas sofria
amargamente e respondia: “Eles falam de mim? É porque têm que dizer. Eu não
tenho; deixai que falem para eles. Que Nosso Senhor lhes perdoe, que eu também lhes
perdoo. Falam, falam e falarão. Não há quem os cale: uns contra mim, outros a favor
de mim”.
« E Jesus sofre e faz-me sentir a sua dor. Todos os espinhos que vão ferir o seu divino
Coração passam para o meu » [30].
No mês de Dezembro, Jesus ralha de novo, não com a Alexandrina, mas com a
Humanidade que ela representa. As palavras do Senhor são duras, quase
insuportáveis:
— « Ai, ai de ti, miserável; ai de ti, maldita, e de todo aquele que Me ultraja, que Me
ofende a ponto de merecer a minha ira, a minha cólera, a minha justiça vingadora!
Para eles já não é coração de Pai, já não tem ternuras nem amor! Sou juiz, mas juiz
que castiga com toda a severidade e sem dó nem compaixão. És tu o réu de toda a
Humanidade, o réu que merece todo o castigo da Justiça divina » [31].
A noite na sua alma é densa e terrível: “está às escuras de todo”, “não sabe para onde
seguir”; “o abandono faz-lhe sentir que não tem ninguém que a guie”; “pensa cair
morta num canto do caminho”; por isso grita ao seu Senhor com todas as forças da
sua alma:
« Ó meu Jesus, ó meu amor, compadecei-vos da minha dor; não me deixeis cair. Dai-
me força para ir ao encontro do vosso divino Coração e nele descansar eternamente!
» [32].
Jesus vem e queixa-se das poucas vítimas que aceitam de reparar os crimes do mundo,
o desvaire da Humanidade. Ele diz-lhe:
— « Minha filha, minha filha, ando à procura de amor para ser amado e à busca de
corações para Mim e não os encontro. Até aqueles de quem Eu tudo esperava, me
esqueceram e desprezaram. À busca de quem hei de ir Eu agora? É por isso que o
meu Coração está triste e cheio de dor »[33].
Evidentemente, a Vítima de Balasar não espera que Jesus lhe peça mais sacrifícios,
mais sofrimentos, mais reparação: ela oferece-se generosamente:
— « Contai comigo, meu Jesus, eu estou pronta para sofrer e para amar-vos. É com
a minha dor e com o meu amor que eu vos hei de fazer amado. Esquecei os desprezos,
as ofensas e os esquecimentos de todos. Olhai para mim: lembrai-Vos de que nem um
só momento quero deixar de estar imolada, para que venha a nós o vosso Reino e
para que todas as almas vão ao encontro do vosso Coração divino, ao vosso Coração
de amor, ao vosso Coração de Pai ».
E logo a seguir continua, não como a vítima que fala ao seu Senhor, mas como a esposa
que fala ao seu amado. Estas efusões de amor — onde o “tu” é utilizado por Alexandrina
— não são muito frequentes nos seus escritos, por isso mesmo parece-nos judicioso
registar esta declaração da vidente de Balasar:
« Vê, meu Jesus, vê, meu Amado, que de boa vontade me deixo ferir por Ti. O meu
coração está aberto, está em sangue, mas ainda tem vida, ainda conserva nele as
ânsias devoradoras do teu amor. Amor, Jesus, amor, só o teu amor! Basta-me,
satisfaz-me, nada mais quero. Com ele venço a dor, com a dor hei de aplacar, hei de
sustentar a Justiça do teu Pai. Sê comigo, ó meu Amado, e eu nada temo ».
Na mesma carta ao Padre Mariano Pinho, explica ela ainda num estilo muito figurado:
Já quando pela primeira vez ela se oferecera como vítima, tinha escrito algo de belo
sobre a dor, que a seguir damos por ser um trecho de grande importância na vida da
Alexandrina:
— « Sem saber como, ofereci-me a Nosso Senhor como vítima, e vinha, desde há
muito tempo, a pedir o amor ao sofrimento. Nosso Senhor concedeu-me tanto, tanto
esta graça que hoje não trocaria a dor por tudo quanto há no mundo. Com este amor
à dor, toda me consolava em oferecer a Jesus todos os meus sofrimentos. A
consolação de Jesus e a salvação das almas era o que mais me preocupava ».
Raramente encontramos nas vidas dos santos um amor tão grande à dor, ao
sofrimento livremente consentido para o bem comum dos filhos de Deus, o que se
chama também comunhão dos santos. Alexandrina é um raro exemplo desse amor
heróico, pois este a leva ao martírio.
Pouco antes da guerra tomar novas proporções, Jesus volta a ralhar contra a
humanidade que de Vítima de Balasar representa. As suas palavras são de grande
severidade e causarão ao coração simples e amante da Alexandrina um doloroso
sofrimento. Disse-lhe Jesus:
« Eu não quero que Jesus sofra — escreve a vidente: quero sofrer eu a dor do seu
santíssimo Coração. E Ele aceita: passa tudo para mim » [36].
— Chora comigo, minha filha; as minhas lágrimas, a minha dor e a agonia do meu
Coração é o que Eu mais dou às minhas esposas. Chora, chora, para que o teu Jesus
não tenha que chorar a perda eterna das almas » [37].
No mês de Outubro, alguns Bispos de Portugal, incentivados pelo Padre Mariano
Pinho, procuram juntar o testemunho da Irmã Lúcia de Fátima, pedindo-lhe que
escrevesse ao Santo Padre Pio XII pedindo a consagração do mundo a Maria.
Mas, a vidente de Fátima sabe muito bem que o pedido que lhe fora feito anos antes
na Cova da Iria apenas falava da consagração da Rússia, por isso mesmo ela recorre à
oração, pedindo que o Senhor lhe mostre claramente o que fazer. Durante essa prece
fervorosa, o próprio Jesus, confirma à Irmã Lúcia de Fátima o pedido feito através da
Alexandrina.
Na Europa já tão ferida, o canhão continua de troar e muitas vozes se levantam para
afirmar que o Santo Padre está em perigo: que pode ser preso ou até mesmo morto.
Alexandrina tem medo que isso aconteça, que o Vigário de Cristo seja molestado. Para
evitar isso, ela reza e sacrifica-se, oferecendo a Deus tudo quanto pode, tudo quanto
lhe permite a debilidade das suas forças e do seu corpo doente.
A 6 de Dezembro, Jesus assegura-lhe que o Santo Padre será poupado fisicamente aos
horrores da Guerra, mas que terá moralmente muito que sofrer.
Um ano passa, outro ano desponta agora, mas a consagração do mundo ao Coração
Imaculado de Maria não se concretiza.
« Terminou o ano velho; sinto que todo ele foi morto para mim e a mesma
mortandade vejo no que agora entrou ».
Esta afirmação vem mais desenvolvida na carta que a 3 de Janeiro desse novo ano
escreveu ao seu Pai espiritual:
— Minha filha, minha filha, pupila dos meus olhos, jóia brilhante e formosa, cândida
açucena, lírio perfumado que com o teu aroma fazes exalar o perfume nas minhas
prisões de amor. Como não tenho outra generosidade inigualável na terra, queria
prolongar por mais tempo aqui a tua existência; mas não posso. Eu e a minha
bendita Mãe temos umas ânsias sem igual de te vermos no Céu junto de nós.
Prometo-te neste sábado consagrado a Ela não demorar na terra por muito tempo a
tua existência. E prometo alcançar-te no Céu com os teus pedidos e amor o que agora
te alcanço na terra pela tua dor. Mas para isso, minha filha, pede, pede ao Santo
Padre que se compadeça do teu martírio e que satisfaça os desejos divinos de Jesus,
que é consagrar o mundo à minha Mãe bendita. Diz, diz a Salazar que quero que ele
seja um guerreiro como não houve nem haja em Portugal no decorrer da
Humanidade. Que faça guerra ao maldito vício da carne, à impureza. Que ponha
proibição em todos os caminhos por onde ele se possa alastrar. Diz ao teu Paizinho
quer pregando quer escrevendo fale sempre contra o maldito vício e dá-lhe a certeza
de todo o meu amor e de minha Mãe bendita da nossa protecção.
E junta aquela promessa que não devemos deixar de frisar, pois é de suma importância
para todos aqueles que sentem pela Alexandrina uma devoção sincera:
“Prometo alcançar-te no Céu com os teus pedidos e amor o que agora te alcanço na
terra pela tua dor”.
Que grande poder de intercessão não terá no Céu, junto do Senhor, a Vítima de
Balasar, ela que nunca se recusou a sofrer para desagravar o Coração misericordioso
de Jesus!...
Uma outra figura portuguesa, contestada por uns e admirada por outros é aquela do
Dr. Salazar, Chefe do Estado português nessa época já remota. Jesus quer enviar-lhe
uma mensagem urgente e serve-se da sua esposa para isso:
“Diz, diz a Salazar que quero que ele seja um guerreiro como não houve nem haja em
Portugal”.
Mas que deve fazer aquele Homem investido de todo o poder legislativo, para ajudar
Jesus?
“Que faça guerra ao maldito vício da carne, à impureza. Que ponha proibição em
todos os caminhos por onde ele se possa alastrar”.
Nós sabemos que tanto o Professor Salazar como o Cardeal Patriarca, Dom Manuel
Gonçalves Cerejeira receberam a carta que a Alexandrina lhes escreveu. Fizeram eles
caso do aviso?
Quanto ao pedido feito ao Padre Mariano Pinho para que, “quer pregando quer
escrevendo fale sempre contra o maldito vício e dá-lhe a certeza de todo o meu amor
e de minha Mãe bendita da nossa protecção”, não temos qualquer dúvida em afirmar
que seguiu à letra os desejos do Senhor, não só enquanto foi Director espiritual da
Alexandrina, mas mesmo depois, quando foi exilado para o Brasil, onde continuou o
seu apostolado junto daqueles que Jesus lhe confiou.
Este homem cujo coração estava na Coração de Deus será daí em diante o Cireneu da
Alexandrina: ele estará sempre presente em todas as lutas, em todas as situações
difíceis e, com uma coragem extraordinária, defenderá sempre a “sua” “Doentinha”.
Ele fará parte daqueles a quem o Senhor dirigirá palavras cheias de carinho, como
podemos ler nos colóquios dos primeiros sábados.
« Que revolta do Céu contra a terra e que malícia da terra contra o Céu. O Eterno Pai
quer castigar. Oh! Sinto que Ele tem de castigar. Nosso Senhor já não pode com mais
ofensas. Temo e tremo aterradamente » [41].
Nessa mesma carta, Jesus convida-a a descansar no seu Coração, antes de lhe dar
novas cruzes, novos sofrimentos...
— « Minha filha, minha filha, a porta está aberta, entra, é o meu divino Coração! »
Dois dias depois, volta a escrever ao Director e, qual conselheira avisada e experiente,
diz:
« Ai das almas se não se convertem. É preciso amar a Jesus para que Ele esqueça as
ofensas que lhe são feitas. É preciso orar continuamente e pedir perdão para os
culpados. Oh! Se eu possuísse sangue para apagar o pecado no mundo lançava-me
sobre ele a derramá-lo como se fosse água a apagar um incêndio! » [42]
— « Foi a ti mais que a nenhuma outra alma que Eu escolhi para por ti fazer chegar
ao Papa os meus desejos de o mundo ser consagrado à minha bendita Mãe... » [43]
Mas ninguém parece ter em conta estes pedidos insistentes de Jesus... Será que são
surdos ou esperam mais algum sinal para agir? Só Deus o sabe...
— « Minha filha, suaviza a tua dor no abismo do amor do meu divino Coração.
Recebe nele todo o conforto para completares o resto do teu calvário.
Ainda a ser açoitada experimentei o amor de Jesus. No Calvário senti que Jesus
sofreu todo o abandono do Céu e da terra. Parecia que todas as criaturas que haviam
existido e hão-de existir atiravam balas que feriam o seu Coração divino » [44].
« Creio na luz, mas caminho nas trevas como se ela não existisse. Só com os olhos em
Jesus será possível caminhar assim. Pobre de mim! Quantas vezes me parece Ele não
existir! No sábado, 14, estive esmagadinha com o peso da humanidade e senti como
na sexta-feira depois da crucifixão uma enxurrada de sangue que saía do Coração
amantíssimo de Nosso Senhor e vinha passar pelo meu. Este martírio para mim era
doloroso, mas mais doloroso ainda era para o Coração de Nosso Senhor. E então por
ele deixei-me mergulhar num abismo sem fim de dores mais cruciantes só
procurando viver na união mais íntima com Jesus » [45].
Na mesma carta, ao mesmo sacerdote, um lindo trecho que nos mostra não só a
Misericórdia divina em acção, mas também o amor do Amado para com a amada...
Quão amorosas são as palavras de Jesus!
— « Pede, pede, minha filha que Eu nunca te negarei nada que me pedires para as
almas; e quando lhes não der aquilo que Me pedes, dar-lhes-ei ainda maior
recompensa. A tua vida é um milagre contínuo, é a prova mais clara das maravilhas
e prodígios que opero em ti. Estou no teu coração como um centro rodeado de toda a
variedade de flores mais belas e perfumadas ».
Na dita carta, encontramos uma referência à consagração do mundo e à paz que breve
virá... Não esqueçamos que os tempos de Deus não se medem como os nossos...
— « Minha filha, minha filha, luz que Me irradia a Mim e irradia o mundo. Une a tua
dor à minha dor e o teu amor ao meu amor; só assim te será suavizado o caminho
do calvário, só assim os pecadores serão salvos, só assim vem a paz ao mundo; e vai
vier depressa, dentro de pouco. Depois todo o mundo se rejubilará ao ser consagrado
ao Coração da tua e minha bendita Mãe ».
Esta carta é na verdade uma fonte que não cessa de correr, uma mina de pérolas
preciosas que brilham e centelham como as estrelas no firmamento.
« Ai quanto sofreu Jesus por nós!... Como Ele é digno do nosso amor!... Que mal é o
pecado!... Não posso pensar que o meu Jesus é ofendido depois de sentir o que Ele por
nós sofreu! »
Alexandrina acabava de viver o drama da paixão. Não só nesse dia era sexta-feira, mas
era também o dia da festa do Sagrado Coração de Jesus. Na mesma carta, e para
terminar, ela escreve ainda:
« Depois de toda a tragédia do calvário a minha alma ficou em luz; não me parecia
ser sexta-feira. Até ao cair da noite andei de pé, cantei e estive alegre. Bendito seja o
dia do Sagrado Coração de Jesus! Anseio amá-lo e possuí-lo cada vez mais. Anseio o
Céu para o louvar eternamente ».
Neste mês de Junho — a 15 — Alexandrina terá de voltar ao Porto para lá ser
examinada por médicos especialistas. Esta viagem não a encantava, mas a obediência
mandava, por isso mesmo, ela acabará por aceitá-la, não sem ter pedido luzes do Céu
para a guiarem. Ouçamo-la:
— Minha filha, minha heroína, a tua dor na terra dá glória ao meu divino Coração,
glorifica toda a Santíssima Trindade e a minha Mãe bendita. Tem coragem, não
temas. Vai ao Porto, entrega-te ao exame dos médicos. Bem-aventurados aqueles que
crêem sem ver, bem-aventurados aqueles que vêem em ti a minha divina Pessoa
ponde de parte todo o sofrimento humano. Nenhum terá o lugar devido em meu
Coração a não ser o Doutor Azevedo. Tem coragem! A tua humilhação servir-te-á
para te exaltar um dia dentro de pouco » [46].
Neste ano um incidente vai produzir-se que não só causará uma grande pena à
Alexandrina, mas será um dos motivos do próximo afastamento do seu Paizinho
espiritual. Trata-se da visita do Padre Terças.
Este sacerdote que então escrevia a vida de Jesus segundos os místicos, desejou assistir
à Paixão da Alexandrina...
« Ai, meu Paizinho, hoje ao cair da tarde fui interrogada por um Senhor Padre da
Ordem do espírito Santo chamado Padre Terças; tratou-me com muito carinho mas
interrogou-me seriamente; custou-me tanto! Não posso falar da Paixão de Jesus e
tive que falar, eis a razão das minhas lágrimas. Só por Jesus, só por amor! Este
exame veio agravar a minha dor já tão profunda, tornou-me mais doloroso o meu
Calvário, novos espinhos vieram ferir o meu pobre coração e ladear o caminho triste
do meu penoso Calvário » [47].
Esta publicação vai também espicaçar os ânimos no seio da Companhia de Jesus a que
pertence o Padre Mariano Pinho e nem todos os seus colegas saberão, nesse momento
delicado, mostrar-se caridosos: alguns deles, e sobretudo o Padre Agostinho Veloso,
desencadearam contra ele uma trama que acabará por motivar o seu envio para o
exílio, no Brasil.
A consagração do mundo continua a ser um desejo de Jesus. Ele quer que o Santo
Padre se decida a realizar este acto solene, mas em Roma “as coisas” são “eternas”,
como a cidade, não se fazem com celeridade: exames aprofundados, inquéritos e
outras formas de informações são pedidas aqui e ali, porque o pedido dessa
consagração não chega unicamente de Portugal, mas também doutros países onde
outras almas-vítimas recebem do Céu pedidos idênticos: da Bélgica, da França, da
Alemanha e também da Itália.
— « As coisas não se têm feito conforme os meus divinos desejos. O remédio para o
mundo está no mundo e nas mãos do Santo Padre. Diz minha filha, diz depressa ao
teu Paizinho que pregue e mande pregar penitência, penitência, penitência e oração
sem cessar; e que se consagre o mundo à minha bendita Mãe. Servi-me de ti para a
fazer conhecida e amada. És d’Ela e sempre a amaste desde a mais tenra idade » [48].
Uma resposta vem enfim de Roma; não uma aceitação do pedido de consagração, mas
um pedido de informações suplementares, pedido esse endereçado ao Eminentíssimo
Arcebispo de Braga, D. António Bento Martins Júnior, diocese onde vive a Vítima de
Balasar.
E assim vai passando o tempo... enquanto a guerra continua cada vez mais feroz,
matando cada dia milhares de pessoas...
A ano vai terminar. Alexandrina, como se fizesse um balanço, escreve ao seu Pai
espiritual:
« Que profunda tristeza de alma e coração! Findou este ano e nada vejo de
merecimento, nada vejo de amor para o meu Jesus; tudo morreu num montão de
cinzas e no abismo das minhas misérias. Estou deveras aterrada ao ver no que
empreguei o tempo que Nosso Senhor me deu de vida. Devia ser só para amá-lo e foi
só para ofendê-lo. Torna-se impossível o meu viver. Cresce o abandono de Jesus;
sinto-me cada vez mais nada, é inigualável a minha pobreza! » [49]
[1] Carta ao Padre Mariano Pinho : 20.01.1939. [26] Carta ao Padre Mariano Pinho : 01.09.1939.
[2] Carta ao Padre Mariano Pinho : 02.01.1939. [27] Carta ao Padre Mariano Pinho : 05.9.1939.
[3] Carta ao Padre Mariano Pinho : 06.01.1939. [28] Carta ao Padre Mariano Pinho : 19.10.1939.
[4] Carta ao Padre Mariano Pinho : 06.01.1939. [29] Carta ao Padre Mariano Pinho : 24.10.1939.
[5] Carta ao Padre Mariano Pinho : 06.01.1939. [30] Carta ao Padre Mariano Pinho : 12.11.1939.
[6] Carta ao Padre Mariano Pinho : 03.02.1939. [31] Carta ao Padre Mariano Pinho : 06.12.1939.
[7] Carta ao Padre Mariano Pinho : 17.02.1939. [32] Carta ao Padre Mariano Pinho : 14.02.1940.
[8] Carta ao Padre Mariano Pinho : 23.02.1939. [33] Carta ao Padre Mariano Pinho : 10.04.1940.
[9] Carta ao Padre Mariano Pinho : 07.03.1939. [34] Carta ao Padre Mariano Pinho : 10.04.1940.
[10] Carta ao Padre Mariano Pinho : 09.03.1939. [35] Carta ao Padre Mariano Pinho : 11.04.1940.
[11] Carta ao Padre Mariano Pinho : 21.03.1939. [36] Carta ao Padre Mariano Pinho : 21.06.1940.
[12] Carta ao Padre Mariano Pinho : 31.03.1939. [37] Carta ao Padre Mariano Pinho : 16.07.1940.
[13] Carta ao Padre Mariano Pinho : 13.04.1939. [38] Carta ao Padre Mariano Pinho : 08.11.1940.
[14] Alexandrina e a II Guerra mundial : [39] Carta ao Padre Mariano Pinho : 03.01.1941.
http://alexandrina.balasar.free.fr [40] Carta ao Padre Mariano Pinho : 04.01.1941.
[15] Carta ao Padre Mariano Pinho : 05.04.1939. [41] Carta ao Padre Pinho : 22.02.1941.
[16] Carta ao Padre Mariano Pinho : 22.04.1939. [42] Carta ao Padre Pinho : 24.02.1941.
[17] Carta ao Padre Mariano Pinho : 27.04.1939. [43] Carta ao Padre Mariano Pinho : 07.06.1941.
[18] Carta ao Padre Mariano Pinho : 27.04.1939. [44] Carta ao Padre Mariano Pinho : 13.06.1941.
[19] Carta ao Padre Mariano Pinho : 16.07.1939. [45] Carta ao Padre Mariano Pinho : 20.06.1941.
[20] Carta ao Padre Mariano Pinho : 28.07.1939. [46] Carta ao Padre Mariano Pinho : 05.07.1941.
[21] Carta ao Padre Mariano Pinho : 27.08.1939. [47] Carta ao Padre Mariano Pinho : 27.08.1941.
[22] Carta ao Padre Mariano Pinho : 27.8.1939. [48] Carta ao Padre Mariano Pinho : 08.10.1941.
[23] Carta ao Padre Mariano Pinho : 28.8.1939. [49] Carta ao Padre Mariano Pinho : 31.12.1941.
[24] Carta ao Padre Mariano Pinho : 28.8.1939.
[25] Carta ao Padre Mariano Pinho : 29.08.1939.
LUZ E SOMBRA
Na primeira carta escrita ao seu Director espiritual, para lhe desejar um bom ano novo
1942, diz a Alexandrina:
Depois destes pedidos feitos à Virgem Maria, Alexandrina vai dirigir-se a Jesus e fazer-
lhe os mesmos pedidos, formular os seus mais veementes desejos. A resposta de Jesus
deve tê-la surpreendido. Vejamos:
— « Prepara-te para a luta, minha filha; tens que lutar aparentemente sozinha.
Depois da batalha vem a glória. O teu caminho não terá luz, sol nem dia, mas é para
que mais apareçam em ti as minhas grandezas e para que na glória brilhe em ti o
resplendor do meu amor e vejas brilhar toda a beleza divina. Esforça-te por
infundires nos corações e nas almas o meu amor. Dá-lo-ei com as minhas graças
àqueles por quem tu intercederes. Que grande prémio tenho preparado para
algumas almas que te amparam e que mais se compadecem da tua dor » .
“Prepara-te para a luta, minha filha; tens que lutar aparentemente sozinha”.
Esta primeira frase de Jesus anuncia o que breve — cinco dias depois — vai acontecer:
perder o seu Pai espiritual.
Como acima dissemos, o Padre Mariano Pinho vai ser proibido pelos seus superiores
da Companhia de Jesus de dirigir a Alexandrina.
Jesus acrescenta ainda: “O teu caminho não terá luz”, o que pode ser considerado
como uma homenagem ao santo e piedoso sacerdote, que “subirá às honras dos
altares”, conforme Jesus o prometeu à Alexandrina.
O bom Jesuíta em tudo obedecerá aos Superiores e jamais uma queixa ou uma crítica
sairá dos seus lábios: ele conhecia o valor da obediência!
Em 16 de Janeiro, nada sabendo ainda da teia urdida que a privará do seu Cireneu,
Alexandrina escreve ao Padre Mariano Pinho e dá-lhe conta das ternas palavras
ouvidas de Jesus e da promessa que lhe faz:
— Minha filha, tens o primeiro lugar em meu divino Coração junto àqueles que te são
queridos, que te amparam e te aliviam na tua dor. Dar-te-ei no Céu todas as minhas
graças, todo o meu amor para que as faças cair sobre eles como prémio e recompensa
» [2].
No dia 17 de Janeiro, D. António Bento Martins Júnior escreve pela terceira vez para
Roma dando informações sobre a Alexandrina e sobre o pedido de Consagração do
mundo a Maria.
No dia 20 do mesmo mês, o Padre Mariano Pinho, sabendo que não poderá mais
ocupar-se da sua “Doentinha”, dá-lhe como confessor o Padre Alberto Gomes.
« Surgem-me cruzes de todos os lados que se vêm unir à minha cruz, formando assim
um enorme cruzeiro. Levantam-se calvários por todos os lados que se unem ao meu
calvário, amontoando montanha sobre montanha que se torna tão dolorosa e triste,
dificilíssima de eu atravessar » [4].
Mas como ela mesma confessa: o que mais interessa é a causa de Jesus. Depois, vem o
seu Pai espiritual que “é humilhado e calcado”. Ela sente-se responsável disso, que “é
a causadora de todo esse sofrer” e o seu coração sangra...
« Sinto que alguém e não poucos, não satisfeitos do meu padecer, cavam sem piedade
na sepultura que já estou sepultada que é tão grande, é mundial, nova sepultura
numa profundidade que é um abismo sem fim. É nela que me lançam cobrindo-me
depois do que há de pior. Meu Deus, ai meu Jesus, se esta cruz fosse só para mim! O
pior é que não é. Escusado é o meu Paizinho enganar-me, dizer-me que não sofre. Eu
não preciso doutras testemunhas, bastam-me os sentimentos da minha alma. Sinto
que o meu Paizinho é humilhado, é calcado e lançam-lhe em rosto coisas que assim
não são ».
O seu pensamento vai também para o bom médico que o Senhor lhe enviou: também
ele vai sofrer e ser humilhado: vai pagar o bem com o mal, pensa ela, mas o seu desejo
sincero é de não “ser ingrata para ninguém”.
«E, para maior confusão minha, sinto que sou eu a causadora de todo esse sofrer, de
toda essa cruz; sou e serei a causa de muita humilhação e sofrimento do Sr. Doutor.
Que paga triste eu lhe dou do muito que ele tem feito por mim! Tudo é involuntário,
eu não queria ser ingrata para ninguém».
No dia 26 de Janeiro, escrevendo ao Padre Mariano Pinho, ela pergunta com uma certa
ansiedade, não dissimulada:
« O meu Paizinho está proibido de vir aqui? Não deixam de o fazer sofrer? Ainda
tentam humilhá-lo e calcá-lo mais? Jesus seja connosco, que a querida Mãezinha
venha em nosso auxílio e nos dê força para tanta dor. Que isto seja para maior glória
de Jesus e de proveito para as almas » [5].
Mas esta separação não a faz esquecer a sua missão nem o seu amor ao Esposo
crucificado que a chama. Este novo sofrimento vai mesmo ser ocasião de novas ofertas,
de novos abandonos à divina Vontade. No seu Diário ela escreve a 6 de Março:
Mais adiante, no Diário do mesmo dia ela desabafa com o divino Esposo:
« Se eu não vivo para as salvar, se os meus sofrimentos não bastam para lhes evitar
o inferno, depressa, meu amor, depressa, levai-me então para vós; não se pode viver
assim; que ao menos me reste esta esperança: a minha agonia consola o seu divino
Coração ».
E ainda:
« Doce Jesus, que dor imensa para o vosso divino Coração ser tão maltratado pelas
almas para quem só tivestes amor. Que confusão! Que medo tão pavoroso que
transformava o vosso Coração e o vosso Corpo em sangue! »
« Na flagelação inclinei-me a vós, foi o vosso divino Coração o meu abrigo, nele
recebi a vida que estava quase perdida. Resguardada por vós, olhava todos os
sofrimentos, mas enquanto descansava não os temia. O vosso divino abrigo dava-
me força, suavizava-me a minha dor » [7].
No dia 20 de Março deste ano Alexandrina vive pela última vez a Paixão, sinal que a
consagração estava próxima.
« Na flagelação fui descansar ao vosso Coração divino. Era grande como o Universo,
podia percorrê-lo todo, mas não, estava muito ferida; inclinei-me para vós,
descansei até que de novo voltassem os algozes » [8].
Depois o seu estado piora e, piora ao ponto de lhe serem administrados os últimos
sacramentos a 27 do mesmo mês de Março.
E mais adiante:
Possuir uma alma como a Alexandrina é uma glória, uma glória para o país em que
nasceu mas também para o mundo inteiro.
Sofrer por mor de Jesus é igualemente uma glória, mas uma glória que só no Céu
poderá ser contemplada pelos eleitos do Senhor.
« Que glória para Portugal, para o mundo inteiro! Que alegria e triunfo para o
Paraíso! »
Depois, como se fizesse referência ao bom Padre Pinho, Jesus diz à Alexandrina:
A consagração do mundo vai ser feita. Jesus, vem, a 22 de Maio, anunciar a grande
novidade à Alexandrina. O tom das suas palavras é emotivo, jubiloso:
No dia 29 do mesmo mês de Maio Jesus jubila e anuncia de novo à sua esposa do
Calvário de Balasar:
*****
O Coração de Jesus atrai a si as almas puras e, para que elas cresçam sempre e cada
vez mais em amor e santidade, desse Santíssimo Coração dardam raios celestes que,
envolvendo-as, as ajudam a crescer nesse amor e nessa santidade em que Jesus as
quer. Assim sucede com a “Doentinha de Balasar”:
« Pouco tempo depois — escreve ela — vi e senti descer do Céu à terra para o lugar
do meu coração raios de luz mais brilhante que o sol, pareciam vindos do Coração
do meu Jesus, ligando-se e reflectindo-se para sempre no lugar do meu coração.
Tinha que me embeber toda naqueles raios de amor, o que dia a dia me vão
embebendo cada vez mais, deixando-me transformada neles. Esses raios vão-me
levantando da terra para o Céu » [11].
Alguns dias mais tarde a Alexandrina volta a falar do Coração do seu Amado e explica:
« Jesus quisera que todos falassem nas bondades do seu divino Coração com toda a
simplicidade e amor. Jesus quisera que todos falassem nas bondades do seu divino
Coração, da sua ternura, da sua compaixão, do seu perdão. Jesus é louco por todos
os filhos seus. Jesus ama-os apaixonadamente e a todos quer dar os tesouros
inesgotáveis do seu amável Coração » [12].
Como prelúdio à consagração do mundo que agora não demorará muito, a vidente de
Balasar beneficia duma aparição de Nossa Senhora, aparição que lhe procura uma
grande consolação. Eis como ela a descreve:
« Foi então que no dia 9 de Junho de 1942, pelas 13 horas, me apareceu sobre a cama
descendo do Céu a figura deslumbrante da Mãezinha que parece se fixou em minha
frente um pouco para a minha esquerda. Vestia ricos vestidos brilhantes, de cores
variadas, trazia os pés nus, chegou-se a mim para me acariciar e com sua mão
direita apontou para o Céu. Parecia comovida com o meu sofrimento a prometer-me
a recompensa e a inspirar-me confiança. O trono em que veio era brilhantíssimo
como ouro pálido em que o sol projectava os seus mais brilhantes raios. Foi inefável
a consolação que me deixou a primeira aparição. Por uns minutos me tem
desaparecido para novamente me aparecer, agora mais junto de mim, do lado
direito, e pude ver distintamente que agora era o Imaculado Coração de Maria » [13].
Quinze dias mais tarde, na festa da Assunção da Virgem Maria, Jesus volta de novo a
falar-lhe e confirma o que quinze dias antes tinha dito:
— « É com os laços mais firmes e do mais puro amor que Jesus enleia ao seu divino
Coração e de sua Santíssima Mãe a sua louquinha de amor, a vítima de maior
imolação, a maior alegria e glória do Altíssimo que tem e poderá ter na terra. É com
os mesmos laços de amor que Jesus prende aos mesmos divinos Corações o Pai
espiritual da sua benjamina, o médico e almas amadas que por ela se sacrificam »
[15].
No mesmo dia, Jesus anuncia à Alexandrina que ela, pela sua pureza, pela sua
abnegação e pelo seu amor, se tornou o sacrário, o “cofre riquíssimo” onde Ele e a
Trindade Santíssima gostam de repousar...
— « Escuta, filhinha. Diz ao teu Pai espiritual que o Coração divino de Jesus está
aberto para ele, que o ama louca e apaixonadamente. A prova mais clara que Jesus
lhe dá é fazê-lo passar por tão grandes humilhações e sofrimentos, assemelhando-o
tanto a Ele » [16].
Chega o dia da consagração tão desejada por Jesus e pela Alexandrina. Pio XII, Papa
tão mariano, vai enfim realizar o acto que o mundo espera, e que o espera porque trará
consigo a paz...
« Esta consagração não terá tido significativo impacto imediato nas comunidades
católicas portuguesas (que não viviam os horrores da guerra), como se deduz do que
sobre ela noticiaram o Diário do Minho, da Arquidiocese de Braga, e dois jornais
portuenses de circulação nacional, O Comércio do Porto e o Jornal de Notícias ».
A notícia da Consagração foi dada à Alexandrina nesse mesmo dia 31 de Outubro, pelo
seu Pai espiritual, o Padre Mariano Pinho, então em Fátima. Enviou-lhe um telegrama
onde dizia: “Em Roma, o Santo Padre Pio XII fez, finalmente, a Consagração do
Mundo ao Coração Imaculado de Maria, em língua portuguesa, com especial
menção à Rússia” [18].
Assim, a consagração tendo sido feita após a intervenção dos Bispos portugueses
reunidos em Fátima, o mundo inteiro ficou convencido que esta mesma consagração
teria sido pedida por Nossa Senhora aos Pastorinhos... esquecendo, ou ignorando a
verdadeira origem desse mesmo pedido feito por Jesus em 1935 à Alexandrina de
Balasar.
“Só ela (a sua Mãe) lhe (ao mundo) poderá valer”: afirmara Jesus à Alexandrina. O
terrível castigo infligido ao mundo chegaria ao fim apenas três anos depois, deixando
atrás de si um rasto de violência e morte como não havia memória » [19].
[1] Carta ao Padre Mariano Pinho : 02.01.1942. [9] Sentimentos da alma : 27.03.1942.
[2] Carta ao Padre Mariano Pinho : 16.01.1942. [10] Sentimentos da alma : 02.05.1942.
[3] Carta ao Padre Mariano Pinho : 17.01.1942. [11] Sentimentos da alma : 31.05.1942.
[4] Carta ao Padre Mariano Pinho : 21.01.1942. [12] Sentimentos da alma : 04.06.1942.
[5] Carta ao Padre Mariano Pinho : 26.01.1942. [13] Sentimentos da alma : 09.06.1942.
[6] Sentimentos da alma : 06-03-1942. [14] Sentimentos da alma : 01.08.1942.
[7] Sentimentos da alma : 13.03.1942. [15] Sentimentos da alma : 15.08.1942.
[8] Sentimentos da alma : 20.03.1942. [16] Sentimentos da alma : 03.10.1942.
[17] José Ferreira : A primeira consagração do mundo ao Imaculado Coração de Maria, na imprensa.
Deve-se aqui recordar um passo duma carta que o P.e Abel Guerra SJ escreveu ao P.e Humberto
[18]
Pasquale, que lhe perguntava como tinha podido o P.e Pinho escrever à Alexandrina, apesar da
proibição que sobre ele impendia: ele, responde este jesuíta, «não lhe escreveu em todo esse tempo, a
não ser excepcionalmente um simples cartão de visita, a felicitá-la pela Consagração do mundo
Imaculado Coração de Maria, e isto com a minha aprovação (era seu Superior)».
Mas vale a pena ouvir um pouco mais da carta: «Estava satisfeito o pedido da Alexandrina ao Santo
Padre, pedido que ela fizera por meio do P.e Pinho, e o acontecimento era tão jubiloso que o coração
não se podia conter. Nunca me há-de esquecer o júbilo que então sentimos. O caso era absolutamente
extraordinário; e por isso entendemos que nem ele nem eu desobedeceríamos à ordem dada, com duas
frases apenas de congratulação».
[19] José Ferreira : A primeira consagração do mundo ao Imaculado Coração de Maria, na imprensa.
« Porquê falar, hoje, do Coração de Jesus? Que sentido poderá ter para as pessoas,
sobretudo para os mais novos, falar do coração de Jesus ? Será que ainda é uma
devoção actual? Será que tem interesse ? Não será uma “velharia” de antigamente?
».
Claro está que, tendo feito as perguntas, ele vai a elas responder de maneira metódica
e teológica:
« A Bíblia ― escreve ele ― é um livro de cardiologia, ou seja sempre que quer falar
do homem, do seu interior, das suas qualidades, das suas capacidades quer
intelectuais quer morais, usa a palavra, coração. Esta palavra aparece na Bíblia 835
vezes e é sempre usada para simbolizar o mais importante, o mais íntimo, o mais
essencial. O coração é que pensa, que sente, que geme, que é virtuoso, que revela a
bondade ou maldade duma pessoa ».
« Mas, ao chegarem a Jesus, vendo que já estava morto, (...) um dos soldados
traspassou-lhe o peito com uma lança e logo brotou sangue e água » (S. João, 19, 33-
34).
É deste golpe de lança que se serve o mesmo sacerdote Jesuíta para nos responder às
perguntas transcritas acima:
« A tradição da Igreja sempre viu na lançada que furou o lado do Senhor na tarde
de Sexta Feira Santa, o símbolo do lado aberto, do coração rasgado, donde saiu
sangue e água, símbolos do Baptismo e da Eucaristia. A Igreja, na figura destes dois
sacramentos, nasceu do Coração de Cristo aberto na Cruz. Tudo vem desse Coração,
tudo nos vem do Coração de Cristo. A devoção ao Coração é o essencial, é a devoção
ao amor de Deus, a devoção a Deus que é Amor ».
A seguir, o mesmo Padre Dário Pedroso adianta uma explicação que muito nos agrada,
pois relembra, a quem por acaso tivesse esquecido, um certo número de verdades
essenciais para nós, homens do século XXI, a quem esta devoção deve e deverá
continuar a mobilizar:
« É deste Coração que nasce a civilização do amor, que poderá nascer a renovação
das pessoas, das famílias, das instituições, das nações. É deste Coração que a Igreja,
a esposa, aprenderá a amar, a ser pobre e humilde como Jesus. É deste Coração que
cada cristão, aprenderá o caminho da santidade, ou seja, o amor. Ser santo há-de
significar ter um coração como o Coração de Jesus ».
Aqui tudo está dito e de maneira tão simples como clara: “Ser santo há-de significar
ter um coração como o Coração de Jesus!”
« A devoção não está ultrapassada; o que nos falta é perceber, por dentro, a
grandeza do símbolo. E falta-nos às vezes humildade para aceitar o convite de Jesus
para aprendermos com o seu Coração, para aceitar as manifestações que, através
dos séculos, o seu Coração nos fez. Hoje, todos os grandes teólogos, voltam a apontar-
nos o Coração do Redentor, como expressão máxima do amor, como caminho de
santidade ».
Na Alexandrina não faltava aquela humildade de que nos fala o Padre Dário Pedroso;
a humildade era uma virtude constante na “Doentinha de Balasar”. São igualmente
constantes nos seus escritos as referências ao divino Coração, onde ela repousa muitas
vezes, pelo qual ela sofre para que não sofra Ele; que se abre de par em par para receber
o da Alexandrina...
« Doce Jesus, que dor imensa ― escreve ela ― para o vosso divino Coração ser tão
maltratado pelas almas para quem só tivestes amor. Que confusão! Que medo tão
pavoroso que transformava o vosso Coração e o vosso Corpo em sangue! » [1].
O Coração de Jesus sofre e agoniza, porque as almas não o aceitam, porque as almas
preferem tantas vezes o pecado ao amor divino.
« Mirava para um e outro lado, por todos eles surgiam sofrimentos; sabia que eram
para mim; o meu coração sorria a tudo e dizia: tudo recebo por amor. Ó meu Jesus,
isto são alívios, não consolações, bem o sabeis. Tenha o vosso divino Coração a
consolação que eu poderia ter » [3].
Jesus não esquece a sua vítima, não esquece a reparação que tão humildemente ela
aceita e mesmo pede, para que não sofra o Salvador. Por isso mesmo o Esposo vem por
vezes presenteá-la de graças celestes, como para lhe agradecer a aceitação permanente
desta substituição reparadora.
― « Ó minha filha, como é grande para contigo o amor do teu Jesus! Jesus deu à sua
benjamina toda a riqueza do seu Coração. Jesus deu à louquinha da Eucaristia todo
o fogo divino que o abrasa. Jesus é belo e em beleza transformou o coração e a alma
da sua esposa. Se o mundo conhecesse a beleza e a riqueza da amada de Jesus, ao vê-
la ajoelhava. Cobre-a toda a graça divina, enche-a toda a riqueza do Céu » [4].
O Padre Dário Pedroso dizia acima, falando do Coração de Jesus: “Símbolo do lado
aberto, do coração rasgado, donde saiu sangue e água, símbolos do Baptismo e da
Eucaristia” Jesus confirma esta afirmação, quando diz à Alexandrina:
Alexandrina compreendeu bem cedo esta verdade, por isso mesmo nos seus escritos
abundam as referências ao Coração divino.
O Coração de Jesus é o seu refúgio seguro contra as forças do mal, contra os inimigos,
quaisquer que eles sejam, onde ela vai descansar, onde ela se vai refugiar, onde ela se
vai revitalizar.
Quando a privam do seu primeiro Director espiritual, ela queixa-se e pede a ajuda do
Senhor...
« Meu Deus, se me faltais, não tenho ninguém! Tende de mim compaixão, vede que
os homens levaram para longe de mim aquele que me guiava por caminho direito e
seguro ao vosso divino Coração »[7].
― « Minha filha, amor, amor, amor. O teu coração e o meu é um só; estás toda
transformada em mim. Eu sou a tua vida; não tens a vida humana, tens a vida
divina. Não tens a vida da terra, vives a vida do Céu » [8].
O sangue do Coração de Jesus é também alimento, sustento para a alma e para o corpo
da Vítima de Balasar.
Como já dissemos, Alexandrina é sem dúvida a única alma-vítima a quem Jesus assim
alimentou.
« Nova prova de amor de Jesus: veio Ele levantar-me do abismo das trevas e da
morte. Toma-me em seus divinos braços, inclina-me ao seu divino lado, dá-me a
beber o seu Sangue do seu divino Coração. Que maravilha! Que bondade infinita!
Sentia o Sangue do Coração de Jesus passar para mim com toda a abundância » [9].
Sublime é também o pedido que Jesus lhe fez um dia: ser a depositária do seu divino
Coração:
« De repente ― escreve ela no seu Diário ―, vi Jesus à minha frente, pregado na cruz,
e logo desapareceu. Se morta me sentia, morta continuei: a vida parecia não existir
para mim. Passaram-se uns momentos. De novo veio o meu Amado, mas desta vez
cheio de encantos. É o Coração santíssimo de Jesus. O seu divino Rosto era tão belo!
Tudo era brilho, tudo era luz! Aproximou-se de mim e segredou-me ao mesmo tempo
que me entregava o seu divino Coração com uma grande chaga da qual saía uma
enorme chama doirada que podia incendiar e queimar todo o mundo:
— “Guarda, minha filha, em ti o meu divino Coração para que os pecadores não
possam mais feri-lo”.
Não sei como o Coração do meu Jesus infundiu-se em mim. Perde-se em mim e eu
nele. Oh! Como é grande o amor de Jesus!... Que transformação a da minha alma!
Já tinha vida, coragem e força para caminhar.
Ó sofrimento, como és doce quando és levado por amor de Jesus. Mas ai, quanto
custa querer consolar e não poder, guardar o seu divino Coração para satisfazer os
seus santíssimos desejos e não saber como. Pobre Jesus, a quem entregais o vosso
Coração para guardar?! Aonde, Jesus, o poderei esconder para não ser mais ferido?
Eu sou miséria e podridão. Transformai-me, purificai-me e depois entrai em mim.
Amo-vos e sou vossa ! » [10].
« Este fogo que tu sentes, é o fogo do Meu amor, todo o amor do Meu divino Coração.
Não é para continuares a senti-lo : é a minha medicina divina, medicina que dou ao
teu coração e à tua alma para teres força e coragem, ao receber dos espinhos, e para
continuares ao cimo do calvário tão grande cruz » [12].
Nesse mesmo dia que era um sábado, Jesus, acompanhado de sua Santa Mãe, diz-lhe
ainda:
― « Estou aqui com minha Bendita Mãe no primeiro sábado deste ano, a renovar-te
a entrega de toda a humanidade de quem és rainha e mãe, para a salvares, e fazer a
troca dos nossos corações, do meu e do teu, ou melhor, infundir o meu no teu, o teu
no meu, ficando assim num só coração, Jesus com a sua vítima”.
Quando Jesus me dizia isto, já eu estava nos braços e no regaço da Mãezinha. E disse:
— Assim tem que ser, filhinha amada, e assim o esperava dos teus desejos. Foi Ela a
primeira comigo a salvar o mundo e agora de novo contigo lhe vem acudir, o vem
salvar.
Enquanto Jesus dizia isto, fez uma troca e mistura dos nossos três corações,
bloqueou-os, amarrou-os, deixou-os num só coração, e colocou-o, depois, dentro do
meu peito. E com a Mãezinha pegaram numa grande bola, abriram o meu coração e
meteram-na dentro. E Jesus disse :
Senti o coração tão grande, maior que o mundo ; podia guardá-lo à vontade. E a
Mãezinha disse-me :
— O minha filha, esposa do meu Jesus, sofre tudo, sofre alegre, para salvares todas
as almas deste mundo que é teu. Jesus e Eu a ti o confiamos.
« Não admira pois que tão íntimo seja, agora mais que nunca, o convívio de Jesus e
da sua Alexandrina. Quantas vezes lhe dá o seu divino Coração, para que ela o
guarde, para que disponha à vontade dos seus tesouros! Quantas vezes faz desse
Coração e do dela um só coração!
Outras vezes dá-lhe a beber do sangue que jorra desse manancial, declarando-lhe
que é este o alimento misterioso que a sustenta milagrosamente na vida. De que
variados modos nos declara a Alexandrina que já não é ela que vive, que sofre, que
ama, mas que é Cristo que vive, sofre e ama e tudo opera nela! » .[13]
Quando por qualquer motivo a Alexandrina duvida ― o que é humano ―, Jesus vem e
encoraja-a, insufla-lhe nova energia...
Minha filha, aqui está o Jardineiro divino a trabalhar no terreno que escolheu desde
toda a eternidade para ser o seu jardim formoso.
Minha filha, que trabalhos, que maravilhas divinas Eu aqui opero! Delicio-me no
aroma de todas as flores da virtude.
Recebe o conforto do meu divino Coração: junta o meu amor a estas encantadoras
flores.
As virtudes são armas que afastam o mal, que combatem todos os crimes e
iniquidades e atraem para Mim as almas. Conforta-te para sofreres: com virtudes,
dor e amor, curam-se as almas. Saem da morte do pecado, renascem para a graça,
para Deus » [14].
Confia, minha filha, no que te diz Jesus. Duvidares, é desgostar-me e tu não queres
entristecer o meu divino Coração... » [15].
Alexandrina atravessou diversos períodos não só de dúvidas mas também de lutas com
o inferno, com a “noite escura” dos sentidos, com as penas do Purgatório... Disso fala
ela, recordando-se quanto fora ingrata, em seu entender:
« No tempo da agonia, a minha alma via o sangue divino de Jesus sair do Seu
Santíssimo Coração e regar toda a terra com tal abundância, como se fora um
chafariz. E eu, sempre na minha inutilidade, em vez de me aproveitar dele, recusei-
me a recebê-lo. Quando o sangue caía, eu, por querer, teimava a esconder-me dele.
mergulhava-me num mar de misérias e de podridão. Sobre tal podridão, o sangue
de Jesus caía, mas não penetrava em mim. Assim expirei nesta inutilidade, separada
do Senhor. Por algum tempo continuou esta separação, numa morte total » [16].
Mas Jesus ama a sua vítima, ama-a e quer “precisar” dela, por isso mesmo, para a
motivar, diz-lhe com ternura:
― « Fiz-me vosso irmão, fiz-me como vós, vivi como vós, morri numa cruz, para vos
dar o Céu. E, em troca, qual a recompensa que recebeu o meu Divino Coração? Numa
lança, a renovação da minha Paixão, ingratidão contínua! O meu peito foi rasgado,
o coração trespassado. Foi assim, no alto do Gólgota, o mesmo continua a ser a cada
momento.
« Já vi tudo, Jesus, já vi tudo, meu Amor, não quero ver mais. Sou eu com certeza,
com as minhas maldades. O cabo da lança está nas minhas mãos. Sou eu a lancear
continuamente o Vosso Coração Divino » [17].
Em Maio de 1953, escrevendo ao seu Pai espiritual Alexandrina conta quanto sofre,
mas sofre contente, porque com o seu penar conquista almas para Jesus, mesmo se
tem “muitas imperfeições”, como ela diz.
« Meu Paizinho, nada digo da grandiosidade da minha dor, nem das ânsias que
tenho de amar a Jesus e de Lhe dar almas, muitas almas, todas as almas. Nada faço
com o fim da glória que me espera, mas sim com o fim de dar honra e glória a Jesus,
de O consolar e amar louca e cegamente. Nada digo porque nada sei dizer. Apoderou-
se de mim a maior e mais indizível ignorância. Seja bendito o Senhor pela cruz que
Ele me dá. Não me esqueça, não me esqueça junto do trono da Santíssima Trindade
e da Mãezinha querida. Eu preciso muito, muitíssimo da força e da graça do Senhor,
para abraçar num abraço interno e eterno a minha cruz, que dia a dia , momento a
momento é maior, mais pesada e me sinto incapaz de a levar. Só tenho ânsias de
perfeição e de fazer bem, mas não passo adiante disto. Se levasse com perfeição a
minha cruz, parece que não precisava de mais nada para alegrar Jesus e a querida
Mãezinha. Não levo, não!... Tenho muitas imperfeições » [18].
Na mesma carta, uma declaração importante que prova a sua honestidade, assim como
a sua grande humildade. Diz ela:
« O Sr. Arcebispo parece estar muito bem disposto e na resolução de fazer novo
exame à causa. Vamos ver o que surge. Eu não tenho nenhum medo. Só quero a
verdade. Se me disserem que estou enganada, agradecerei ao Senhor por os ter
esclarecido e peço perdão ao mundo inteiro. Se estiver na verdade, digo ao Senhor
da mesma forma o meu eterno obrigado ».
Em Julho de 1953, na primeira sexta-feira do mês, “depois de Nosso Senhor lhe dizer
que a sua vida era um portento das maravilhas do Senhor ― escreve o Padre Mariano
Pinho ―, ela humildemente responde”:
« Só por Vós e para Vós tenho vivido. Só em Vós tenho confiado. Nunca, nunca confiei
em mim. Pela vossa graça, nunca, nunca nada a mim atribui; o meu nada, a minha
miséria imensa, a minha inutilidade é a que me está sempre, sempre presente.
— Minha filha, pupila dos meus olhos, florinha eucarística, adorno do meu divino
Coração, avante, avante por Deus e pelas almas!
Pede amor, pede amor para o meu divino Coração. Não deixes as almas perderem-
se. Convida-as a virem a Mim.
O teu sofrimento fala-lhes ao coração, o teu sorriso, o teu silêncio, fala-lhes, fala-lhes
sempre.
Coragem, coragem! Tudo isto são provas do meu divino amor para com elas.
Acode-lhes, não as deixeis perder; não as deixeis cair no inferno!
— Isso quero eu, meu Jesus. Ah, se eu pudesse pôr um aloquete no inferno, para ele
não mais se abrir! Eu não quero, não, meu Jesus, que nenhuma alma se perca, eu
não quero, não, meu Amor, ver o vosso Coração ferido.
Tenho fome, muita fome, meu Jesus, de vos dar todas as almas e toda a consolação.
Só vivo por Vós, porque Vos amo, Jesus. Não tenho outro fim na minha vida a não
ser amar-vos e dar-vos almas... » [19].
Isto mesmo explica o seu primeiro Director espiritual, o Padre Mariano Pinho, quando
diz:
« Alma tão simples como ela, tão angélica, tão desprendida de si e de tudo, tão dócil
às divinas inspirações e tão perfeita e pronta em abraçar a vontade de Deus, fosse
ela doce ou amarga, suave ou atroz, depressa atingiu, sob a acção abundantíssima
da graça, a purificação exigida para a perfeita união com Deus. Não mentia, quando
em seus colóquios com Deus lhe dizia com tanta simplicidade:
Ó meu Jesus, eu nunca vos neguei nada, nada, nem na menor coisinha! » [20]
Numa outra carta, datada do mês de Novembro desse mesmo ano de 1953, lemos uma
declaração que nos esclarece sobre o seu estado de alma e nos informa daquilo que
então vive:
« Quanto ao meu estado actual, estou a passar uma fase tremenda, deveras dolorosa.
Veio juntar-se ao tormento da inutilidade o pavor da eternidade. Vivo já há uns
meses a eternidade desesperadora de maldição, de ódio e revolta contra Deus! Esta
eternidade está sempre em princípio, não se move, não caminha um momento. Não
sei o que é que dentro em mim blasfema contra o Pai do Céu. Mas não sou eu, porque
na superfície é que tudo isto se passa. Mas no íntimo, muito no íntimo, há paz, mesmo
com o sentir e me parecer que está tudo perdido.
O meu brado por Jesus e pela Mãezinha é noite e dia sem ter socorro do Céu, nem da
terra. Não deixo de beijar e abraçar a minha cruz, só por amor a Jesus e das almas.
Se eu neste momento pudesse falar-lhe destas ânsias, era um nunca acabar: elas são
infinitas. Confiemos, aguardemos a hora da graça. » [21].
Nesta mesma carta, ela dá ao seu Paizinho uma informação sobre os colóquios que ela
tem com Jesus: eles vão terminar.
« Jesus preveniu-me que os colóquios dos primeiros sábados vão acabar no primeiro
sábado de Dezembro. O que até agora me causava grande pavor, causa-me agora
grande tristeza e saudade. Como passar sem Jesus e sem a Mãezinha?! Os das sextas-
feiras não acabam, mas será quase como se terminassem. Serão colóquios de fé, disse
Jesus; serão só para me darem conforto. Jesus falará de longe a longe, se preciso for.
Esta prevenção de Jesus já vem há mais de dois anos. Por enquanto, Ele tem falado;
não sei quando me deixa de falar. Já são colóquios tão dolorosos! Como serão eles,
quando Ele me não disser nada? Tudo leva a crer que este silêncio não demora. O
Senhor seja comigo » [22].
« ... veio Jesus e, num impulso, o seu amor fortaleceu-me mais e falou-me assim:
“Vem, minha filha: Eu estou contigo. Está contigo o Céu com toda a fortaleza”.
Neste momento, pela Chaga do seu Divino Coração saiu um clarão tão grande e uns
raios tão luminosos que irradiavam tudo.
Pouco depois, de todas as suas Chagas divinas saíram raios que me vinham
trespassar os pés e as mãos! Da sua sacrossanta cabeça para a minha passava-se
também um “sol” que me trespassava todo o cérebro.
Falando do primeiro clarão e raios que saíam do seu Divino Coração, disse Jesus
com toda a clareza:
Incendeia-o, incendeia-o.
Por ti quero que este amor seja incendiado em toda a humanidade, assim como por
ti foi consagrado o mundo à minha Bendita Mãe.
Faz, esposa querida, que se espalhe no mundo todo o amor dos nossos Corações.”
“Como, Jesus? Como trabalhar dessa forma?! Se ele não é aceite por Vós, como hão-
de os homens recebê-lo por mim?”
“Com a tua dor, com a tua dor, minha filha! Só com ela as almas ficam agarradas às
fibras da alma e depois se vão deixar os corações incendiar no meu amor.
Deixa que estes raios das minhas Chagas divinas vão penetrar nas tuas chagas
escondidas, nas tuas chagas místicas” » [24].
— « Estás na fase mais dolorosa, a última da tua vida. Eu virei depressa, depressa,
buscar-te para o Paraíso » [25].
Na primeira carta do novo ano que ela escreveu ao seu Pai espiritual, informa-o do seu
“programa de vida”:
Na última carta que escreveu ao santo e bondoso Padre Mariano Pinho, a Alexandrina
deixa falar o seu coração, como se ela soubesse que aquela carta era a última...
« Tenho a certeza que o meu Paizinho me acredita. Os males do meu corpo e da minha
alma são tão grandes, tão grandes, impedem-me quase sempre de cumprir os meus
deveres. Quero e não posso. Por vezes nem sou do Céu nem da terra, nem sou viva
nem sou morta; pareço um ser inútil. Ai, meu Paizinho, o eu não desesperar neste
estado do corpo e da alma, nesta vida sem vida, sem Deus e sem eternidade, é um
milagre. Assim me foi dito há dias. A minha alma manter-se em paz nesta luta
constante, é uma graça nunca agradecida do Senhor. Para isso não chega a
eternidade ».
Depois, recorda a separação já tão longa e a esperança que ainda acalenta de se
voltarem a encontrar:
« Neste momento parece que a minha alma está a abrir-se de par em par ao meu
Paizinho e que tudo conhece e compreende como se fosse Jesus. Ai, como eu anseio o
regresso do meu Paizinho. Foi Jesus que mo escolheu e é Ele quem conserva esta
união das nossas almas, na maior elevação. A minha alma não cessa de falar e o meu
Paizinho não cessa de compreender. Já lá vão 13 anos de separação. Oh! Como os
homens nos compreenderam tão mal! » [27].
O fim está próximo e o encontro com o Coração de Jesus, o seu Amado, não demorará...
« Até 2 de Setembro — escreve o Padre Mariano Pinho —, ainda que com muito custo,
ia ditando, como de costume, os seus sentimentos da alma. Mas não mais o pôde fazer
daí por diante » [28].
Deixemos que o Padre Mariano Pinho nos descreva os últimos momentos de vida da
Alexandrina. Esta descrição é importante para mostrar que se cumpriram as
promessas de Jesus quanto ao final da sua vida.
— Faz, minha filha, o que desejas (pedir a Extrema-Unção). Tu vais para o Céu, tu
vais para o Céu!
— Tu que querias?
Ai, Jesus! Ai, Jesus! Ai, Jesus! A vida, o Céu custa, custa!...
Sofri tudo nesta vida pelas almas. Mirrei-me, triturei-me nesta cama, até dar o meu
sangue pelas almas.
Perdoo a todos, perdoo, perdoo. Foram instrumentos para meu bem. Ai, Jesus,
perdoai ao mundo inteiro!
Sorriu-se.
Na verdade o dia era muito ao sabor espiritual dos seus grandes amores: Nossa
Senhora e o Santíssimo Sacramento (era quinta-feira, a 13 de Outubro). Quantas
vezes nas suas cartas chamava à quinta-feira o seu dia e quantas manifestou desejo
de morrer numa quinta-feira!
Pediu à imã que lhe desse a beijar o Crucifixo e a Mãezinha. A irmã perguntou-lhe:
“Para quem te sorrias?”, porque lhe notara no rosto um sorriso angelical, ao dizer
que gostava de morrer nesse dia. Respondeu: “Para o Céu”.
Durante esta manhã foi visitada por várias pessoas. Quando entrou um grupo,
exclamou com voz mais forte:
Às 11h35 pediu que lhe rezassem o ofício da agonia, às 17, disse para uma visita:
« Quando lhe pedi que repetisse comigo: Santíssima Trindade, no vosso Coração
encomendo o meu espírito, a agonizante docemente sorriu. Expirou!...
Guardemos, de tudo quanto aqui foi dito, ao menos esta afirmação da nossa tão
querida Alexandrina, afirmação esta que podemos ter em nós como um lema, como
uma certeza absoluta:
« Mãezinha, quem ama o teu Jesus, ama o teu Coração. Quem ama o teu coração,
ama o teu Jesus ».
[1] Sentimentos da alma : 06.03.1942. [18] Carta ao Padre Mariano Pinho : 02.05.1953.
[2] Sentimentos da alma : 13.03.1942. [19] Sentimentos da alma : 03.07.1953.
[3] Sentimentos da alma : 13.03.1942. Padre Mariano Pinho, SJ: No Calvário de
[20]