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Alexandrina e

o
Sagrado
Coração de
Jesus
Introdução
A primeira referência ao Sagrado Coração de Jesus que encontramos nos escritos da
Alexandrina, encontramo-la na sua Autobiografia, quando ela nos conta como
aconteceu a sua primeira confissão geral, em Gondifelos a Frei Manuel das Chagas.
Ela no-la descreve com a sua simplicidade habitual:

«Foi aos nove anos que fiz pela primeira vez a minha confissão geral e foi com o Sr.
Padre Manuel das Chagas. Fomos, a Deolinda, eu e a minha prima Olívia, a
Gondifelos, onde Sua Reverência se encontrava, e lá nos confessámos todas três.
Levámos merenda e ficámos para arde, à espera do sermão. Esperámos algumas
horas e recorda-me que não saímos da igreja para brincar. Tomámos nosso lugar
junto do altar do Sagrado Coração de Jesus e eu pus os meus soquinhos dentro das
grades do altar. A pregação dessa tarde foi sobre o inferno. Escutei com muita
atenção todas as palavras de Sua Reverência, mas, a certa altura, ele convidou-nos
a ir ao inferno em espírito. Para mim mesma disse: “Ao inferno é que eu não vou!
Quando todos se dirigirem para lá, eu vou-me embora”, e tratei de pegar nos
soquinhos. Como não vi ninguém sair, fiquei também, não largando mais os
soquinhos».

A escolha do confessor não deve ter sido um acaso, mas uma escolha divina, visto que
Frei Manuel das Chagas era naquele tempo muito conhecido, não só como um
confessor atento e experimentado, mas ainda como um pregador de grande renome.

Nascido a 17 de Novembro de 1850, no lugar da Borralha, perto de Águeda, entrou na


Ordem Franciscana a 22 de Maio de 1868, professou no ano seguinte, a 22 de Maio de
1869 e foi ordenado presbítero a 27 de Agosto de 1873.

Como dizíamos acima, Frei Manuel das Chagas foi um pregador de grande valor, muito
prolífero. Vejamos:

Pregou o seu primeiro sermão durante a Quaresma de 1875, e o seu último a 15 de Abril
de 1923, antes de falecer em Tuy, na Espanha, a 17 de Maio de 1923. Durante estes
quarenta e oito anos de apostolado intenso, pregou 8.140 sermos. Sim, leram bem e,
para que não hajam dúvidas, repetimos: 8.140 sermões.

Para ouvi-lo, a Alexandrina e as suas companheiras não hesitaram em ir a Gondifelos,


paróquia vizinha de Balasar, onde se confessaram e depois esperaram “algumas
horas” e, recorda-se ela anos mais tarde, que nem saíram “da igreja para brincar”.

Para não perder a mínima migalha do sermão do bom frade, Alexandrina foi postar-
se, com a irmã e a prima “junto do altar do Sagrado Coração de Jesus”.

Esta é, como já dito, a primeira referência ao Sagrado Coração de Jesus. Depois desta,
muitas outras virão e, será dessas referências ou alusões ao Coração divino do Senhor
que iremos dissertar um pouco mais adiante.
Para já, e mesmo antes de qualquer outra afirmação ou comentário, como o Padre
Mariano Pinho, podemos dizer que «da abundância do coração falam os lábios. Foi
da abundância do coração, do seu intenso viver íntimo que brotaram todas essas
páginas da Alexandrina e elas revelam-nos tantas coisas extraordinárias. Apesar da
sua feição tão angelical, tão simples, tão verdadeira, tão serena, tão sem
complicações: aprouve à divina Providência levá-la por vias nada vulgares e de
autênticas maravilhas»[1].

O nosso intento é de mostrar, tanto quanto nos for possível, o lugar ocupado pelo
Coração de Jesus na vida interior da Alexandrina.

Jesus falou-lhe muitas vezes, e muitas vezes lhe mostrou e explicou as características
do seu divino Coração, como veremos. São estas características que nós iremos
procurar e desenvolver, uma a uma, na sua ordem cronológica.

Todavia, antes de começarmos esse estudo, teremos de sobrevoar a história da devoção


ao Sagrado Coração de Jesus, o que nos ajudará a melhor compreender o percurso
extraordinário da “Doentinha de Balasar” nos caminhos espinhosos da vida íntima
com o Senhor.

[1] P. Mariano Pinho, SJ: No Calvário de Balasar, Introdução.

DEVOÇÃO AO SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS

RESUMO HISTÓRICO

Vozes autorizadas explicaram esta devoção e a sua história. Uma delas e não a mínima,
foi a do Papa Pio XII que sobre esta devoção publicou uma Carta Encíclica —
“Haurietis aquas in gaudio” — da qual nos vamos servir largamente.

Para começar, o Sumo Pontífice precisa, falando dessa devoção que ele pensa ser da
maior utilidade para a Igreja:

«É persuasão nossa que o culto tributado ao amor de Deus e de Jesus Cristo para
com o género humano, através do símbolo augusto do Coração trespassado do
Redentor, nunca esteve completamente ausente da piedade dos fiéis, embora a sua
manifestação clara e a sua admirável difusão em toda a Igreja se haja realizado em
tempos não muito distantes de nós, sobretudo depois que o próprio Senhor revelou
este divino mistério a alguns de seus filhos após havê-los cumulado com abundância
de dons sobrenaturais, e os elegeu para seus mensageiros e arautos» [1].
Depois, uma referência às almas consagradas a Deus, particularmente aquelas que
“tributaram culto de adoração, de acção de graças e de amor à Humanidade
santíssima de Cristo, e de modo especial às feridas abertas no seu corpo pelos
tormentos da paixão salvadora”[2].

Mais adiante, na mesma Carta Encíclica, o “Pastor Angélico” propõe de nos “indicar
somente as etapas gloriosas percorridas por este culto na história da piedade cristã”,
e continua: ”mister é recordar, antes de tudo, os nomes de alguns daqueles que bem
podem ser considerados os porta-estandartes desta devoção, a qual, em forma
privada e de modo gradual, foi-se difundindo cada vez mais nos institutos
religiosos”[3].

Todos esses nomes nos são conhecidos e, se alguns faltam nessa lista, é porque vieram
depois, o que não quer dizer que possam ter menos importância.

Pio XII enumera: “Distinguiram-se por haver estabelecido e promovido cada vez
mais este culto ao Coração sacratíssimo de Jesus: São Boaventura, São Alberto
Magno, Santa. Gertrudes, Santa Catarina de Sena, o Beato Henrique Suso, São
Pedro Canísio e São Francisco de Sales” [4].

Como podemos verificar, Pio XII, parando em S. Francisco de Sales, não vai mais longe
do que o século XVII. Foi neste século que nasceu, viveu e morreu Santa Margarida
Maria Alacoque, assim como nele viveram alguns mais que o bom Papa vai citar.

«A São João Eudes deve-se o primeiro ofício litúrgico em honra do Sagrado Coração
de Jesus, cuja festa se celebrou pela primeira vez, com o beneplácito de muitos bispos
de França, a 20 de outubro de 1672. Mas entre todos os promotores desta excelsa
devoção merece lugar especial Santa Margarida Maria Alacoque, que, com a ajuda
do seu director espiritual, o Beato Cláudio de la Colombière, e com o seu ardente zelo,
conseguiu, não sem admiração dos féis, que este culto adquirisse um grande
desenvolvimento e, revestido das características do amor e da reparação, se
distinguisse das demais formas da piedade cristã» [5].

Era cedo de mais para que Pio XII pudesse citar Henri Ramière, Jesuíta de renome
que consagrou a sua vida a propagar a devoção ao Sagrado Coração de Jesus e que para
isso fundo o “Apostolado da Oração”; cedo para falar do Padre Matéo Crawley, o
“inventor” da “Hora Santa”, cedo para falar de Edite Royer, a quem muito se deve na
mesma propagação e na edificação da igreja do Sacré-Coeur de Paris; cedo para falar
da Beata Maria Drost, superiora do Bom Pastor, no Porto, e a quem se deve a
consagração do mundo ao Coração de Jesus, consagração concretizada por Leão XIII
em 1899, pouco tempo depois da morte da irmã Maria do Divino Coração Drost; cedo
para falar de Clara Ferchaud, protegida de Pio XI, e que passou toda a sua vida a lutar
para que essa devoção não “arrefecesse” e para que a efígie do Coração de Jesus fosse
colocada na bandeira nacional francesa, o que esteve prestes a concretizar-se se não
fosse a intervenção nefasta da maçonaria.
Mas o Sumo Pontífice explica porque não foi mais longe na enumeração dos
intervenientes nesta “campanha” em favor da devoção ao Sagrado Coração de Jesus:

«Basta essa evocação daquela época em que se propagou o culto do Coração de Jesus
para nos convencermos plenamente de que o seu admirável desenvolvimento se deve
principalmente ao facto de se achar ele em tudo conforme com a índole da religião
cristã, que é religião de amor. Por conseguinte, não se pode dizer nem que este culto
deve a sua origem a revelações privadas, nem que apareceu de improviso na Igreja,
mas sim que brotou espontaneamente da fé viva, da piedade fervorosa de almas
predilectas para com a pessoa adorável do Redentor e para com aquelas suas
gloriosas feridas, testemunhos do seu amor imenso que intimamente comovem os
corações»[6].

Logo a seguir, como se ele desejasse tecer um paralelo entre a tradição da Igreja e as
revelações privadas, neste caso aquelas da Santa de Paray-le-Monial, ele diz:

«Evidente é, portanto, que as revelações com que foi favorecida Santa Margarida
Maria não acrescentaram nada de novo à doutrina católica. A importância delas
consiste em que ― ao mostrar o Senhor o seu Coração sacratíssimo ― de modo
extraordinário e singular quis atrair a consideração dos homens para a
contemplação e a veneração do amor misericordioso de Deus para com o género
humano. De facto, mediante manifestação tão excepcional, Jesus Cristo
expressamente e repetidas vezes indicou o seu Coração como símbolo com que
estimular os homens ao conhecimento e à estima do seu amor; e ao mesmo tempo
constituiu-o sinal e penhor de misericórdia e de graça para as necessidades da Igreja
nos tempos modernos»[7].

Na história desta devoção encontramos numerosas vezes não só santos franceses, mas
muitas iniciativas do povo gaulês com vista a levar mais além o que já estava então
estabelecido. A “Filha mais velha da Igreja” foi na verdade um centro de onde
irradiaram muitos pedidos e muitas iniciativas nesse sentido. É isso mesmo que
explica Pio XII, logo a seguir:

«A essa primeira aprovação, dada em forma de privilégio e limitadamente, seguiu-


se, a distância de quase um século, outra de importância muito maior, e expressa em
termos mais solenes. Referimo-nos ao decreto da Sagrada Congregação dos Ritos de
23 de agosto de 1856, anteriormente mencionado, com o qual o nosso predecessor
Pio IX, de imortal memória, acolhendo as súplicas dos bispos da França e de quase
todo o orbe católico, estendeu a toda a Igreja a festa do Coração sacratíssimo de
Jesus, e prescreveu a sua celebração litúrgica [8]. Esse fato merece ser recomendado
à lembrança perene dos fiéis, pois, como vemos escrito na própria liturgia da festa,
“desde então o culto do sacratíssimo Coração de Jesus, semelhante a um rio
que transborda, superou todos os obstáculos e difundiu-se pelo mundo
todo”»[9].

Algumas páginas mais adiante — como se Pio XII desejasse precaver-se contra os
ataques que não faltariam para criticar a sua posição tão marcada na difusão intensa
desta devoção, que não sendo nova, era então dum grande socorro para a Igreja —,
escreve:

«Desde quando promulgou os primeiros documentos oficiais relativos ao culto do


Coração sacratíssimo de Jesus, tem sido constante persuasão da Igreja, mestra da
verdade para os homens, que os elementos essenciais desse culto, quer dizer, os actos
de amor e de reparação tributados ao amor infinito de Deus para com os homens,
longe de estarem contaminados de materialismo e de superstição, constituem uma
forma de piedade em que se põe plenamente em prática aquela religião espiritual e
verdadeira que o próprio Salvador anunciou à samaritana: “Já chega o tempo, e já
estamos nele, em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em
verdade”»[10] (Jo 4,23-24).

Para apoiar solidamente a ideia da necessidade, da oportunidade e do bem que pode


trazer a propagação constante e rápida desta devoção, o Soberano Pontífice acrescenta
pouco depois:

«Do elemento corpóreo, que é o Coração de Jesus Cristo, e do seu natural simbolismo,
é legítimo e justo que, levados pelas asas da fé, nos elevemos não só à contemplação
do seu amor sensível, porém a mais alto, até à consideração e adoração do seu
excelentíssimo amor infuso, e, finalmente, num voo sublime e doce ao mesmo tempo,
até à meditação e adoração do amor divino do Verbo encarnado; já que à luz da fé,
pela qual cremos que na pessoa de Cristo estão unidas a natureza humana e a
natureza divina, podemos conceber os estreitíssimos vínculos que existem entre o
amor sensível do Coração físico de Jesus e o seu duplo amor espiritual, o humano e o
divino. Em realidade, não devem esses amores ser considerados simplesmente como
coexistentes na adorável pessoa do Redentor divino, mas também como unidos entre
si com vínculo natural, nisto que ao amor divino estão subordinados o humano, o
espiritual e o sensível, os quais são uma representação analógica daquele» [11].

E, como para concluir todos os argumentos apresentados, ainda que não termine aqui
a Carta Encíclica, Pio XII escreve:

«Assim sendo, facilmente deduzimos que, pela própria natureza das coisas, o culto
ao sacratíssimo Coração de Jesus é o culto ao amor com que Deus nos amou por meio
de Jesus Cristo, e, ao mesmo tempo, o exercício do amor que nos leva a Deus e aos
outros homens; ou, dito por outra forma, este culto dirige-se ao amor de Deus para
connosco, propondo-o como objecto de adoração, de acção de graças e de imitação;
e tem por fim a perfeição do nosso amor a Deus e aos homens mediante o
cumprimento cada vez mais generoso do mandamento “novo”, que o divino Mestre
legou como sagrada herança aos seus apóstolos quando lhes disse: “Um novo
mandamento vos dou: que vos ameis uns aos outros, como eu vos amei... O meu
preceito é que vos ameis uns aos outros, como eu vos amei” (Jo 13,34; 15,12)» [12].

Para terminar, e antes de oferecer a sua bênção paterna aos cristãos do mundo inteiro,
o “Pastor Angélico” escreve:
«Entrementes, animado de doce esperança, e já pressagiando os frutos espirituais
que da devoção ao sagrado Coração de Jesus hão de transbordar copiosamente na
Igreja se esta devoção, conforme explicamos, for entendida rectamente e praticada
com fervor, a Deus suplicamos que, com o poderoso auxílio da sua graça, queira
atender estes nossos vivos desejos, e fazer que, com a ajuda divina, as celebrações
deste ano aumentem cada vez mais a devoção dos féis ao sagrado Coração de Jesus,
e assim se estenda mais por todo o mundo o seu império e reino suave; esse “reino de
verdade e de vida, reino de santidade e de graça, reino de justiça, de amor e de paz”
(do Missal Romano: Prefácio de Cristo Rei)» [13].

Outros autores modernos, falando do passado histórico desta devoção, transportam-


nos ao século XIII: é o caso da escritora francesa Paulette Leblanc que no seu volumoso
trabalho sobre a “Teologia do Coração de Jesus”, nos fala de Ubertino de Casale:

«Ubertino de Casale — escreve ela — nascido em 1259, franciscano, muito


influenciado pela mística franciscana Ângela de Foligno, foi um doutor medieval do
Coração de Jesus. Segundo ele, o Coração de Jesus, fonte de toda a graça e de todo o
mérito, é um abismo de amor, de dor e de força. O sacrifício que Cristo fez dele
mesmo, tanto sobre a Cruz que sobre os altares, é o sinal do sacrifício invisível e
inefável que Ele faz continuamente dele mesmo no templo imenso do seu Coração.
Toda a vida de Cristo foi uma Missa solene na qual Jesus era ao mesmo tempo o
templo, o altar, o sacerdote, a hóstia e o Deus aceitando o sacrifício. Ubertino coloca-
nos directamente na presença da teologia do Coração Eucarístico» [14].

O mesmo autor, na mesma obra, fala-nos dum outro apóstolo infatigável desta
devoção, do qual anunciámos o nome acima: Henri Ramière.

«Atormentado pela preocupação da salvação eterna dos homens, Henri Ramière,


fundador do “Apostolado da Oração”, compreendeu muito rapidamente que “é apenas
e na oração, unida à adoração sacrificial do Coração de Jesus, que cada pessoa
humana pode… amar todos os seus próximos incluindo os que parecem mais
distantes.” Para ele, a Igreja co-redentora é simbolizada pela oferta diária ao
Coração de Jesus. “A devoção ao Sagrado Coração bem compreendida, é a religião
encarada sob o seu aspecto mais luminoso e mais consolador”» [15].

Para terminar este voo rápido sobre as origens da devoção ao Sagrado Coração de
Jesus, convém lembrar aqui as promessas feitas pelo Senhor a Santa Margarida Maria
Alacoque em Paray-le-Monial:

«Falando a Santa Margarida Maria, Jesus prometeu a todos aqueles que honrassem
o seu Divino Coração:

“Dar-lhes-ei todas as graças necessárias ao seu estado.

Porei paz em suas famílias.

Consolá-los-ei em todas as suas aflições.


Serei o seu refúgio na vida e principalmente na morte.

Derramarei abundantes bênçãos sobre todas as suas empresas .

Os pecadores acharão no meu Coração o manancial e o oceano infinito de


misericórdia.

As almas tíbias tornar-se-ão fervorosas.

As almas fervorosas altear-se-ão, rapidamente, às eminências da perfeição.

Abençoarei as casas, onde se expuser e venerar a imagem do meu Sagrado


Coração.

Darei aos sacerdotes o dom de abrandarem os corações mais endurecidos.

As pessoas que propagarem estas devoção, terão os seus nomes escritos no meu
Coração, para nunca dele serem apagados”.

E esta promessa extraordinária:

Prometo-te, pela excessiva misericórdia e pelo amor Todo-Poderoso do meu


Coração, conceder a todos que comungarem nas primeiras sextas-feiras de nove
meses consecutivos, a graça da penitência final, que não morrerão em minha
inimizade, nem sem receberem os seus sacramentos, e que o meu divino Coração lhes
será seguro asilo nesta última hora».

Continuemos o nosso estudo e, como Alexandrina, sentemo-nos “junto do altar do


Sagrado Coração de Jesus”, de maneira a estarmos mais perto da “fonte de água viva”,
aquela que apaga para sempre a sede das coisas do mundo e nos alimenta para a vida
eterna.

[1] Pio XII: «Haurietis aquas in gaudio», 47.


[2] Pio XII: «Haurietis aquas in gaudio», 48.
[3] Pio XII: «Haurietis aquas in gaudio», 51.
[4] Pio XII: «Haurietis aquas in gaudio», 51.
[5] Pio XII: «Haurietis aquas in gaudio», 51.
[6] Pio XII: «Haurietis aquas in gaudio», 52.
[7] Pio XII: «Haurietis aquas in gaudio», 52.
Cf. Decr. S. C. Ritum em N. Nilles, De rationibus festorum Sacratissimi Cordis Iesu et purissimi
[8]

Cordis Mariae, 5e ed. Innsbruck,1885, t. I, p.167.


[9] Pio XII: «Haurietis aquas in gaudio», 52.
[10] Pio XII: «Haurietis aquas in gaudio», 56.
[11] Pio XII: «Haurietis aquas in gaudio», 58.
[12] Pio XII: «Haurietis aquas in gaudio», 60.
[13] Pio XII: «Haurietis aquas in gaudio», 76.
[14] Paulette Leblanc : A teologia do Coração de Jesus. Paris 2001.
[15] Paulette Leblanc : A teologia do Coração de Jesus. Paris 2001.

PREMÍCIAS
Vimos na introdução qual foi a primeira referência que encontrámos nos escritos da
Alexandrina sobre o Sagrado Coração de Jesus.

A partir daquela época remota, muitas outras coisas se vão passar na vida da jovem
camponesa de Balasar.

Irá servir para casa de lavradores e trabalhar nos campos, onde trabalha como um
homem e por isso mesmo é paga como estes; guardará o gado até altas horas da noite,
porque o seu patrão de então vai “divertir-se” na Póvoa.

Por volta dos dezasseis anos cairá duma árvore e assim começará a sofrer da coluna, o
que foi uma das origens, e não a única, do seu acamamento para sempre; mais tarde,
numa Sexta-feira Santa, atirar-se-á pela janela para fugir aos ardores dum homem —
seu antigo patrão — que queria atentar à sua pureza e, esta queda foi a origem principal
do acamamento de que falámos acima.

Depois, já aleitada, a jovem de Balasar pensará diversas vezes neste caso estranho e
sentirá saudades daquela época em que podia deslocar-se à igreja paroquial e
participar às festas litúrgicas. Como isso não era possível...

Mas ela mesma nos conta:

«Tinha muitas saudades de Jesus, da nossa igreja e, quando havia festas do Sagrado
Coração de Jesus ou Missas cantadas, eu chorava amargamente». (Autobiografia)

O mal que a atormenta é feroz e ela desejaria ser curada e poder viver como todos as
jovens da sua idade. Como isso acabou por lhe parecer impossível, salvo milagre do
Senhor, ela acabou por se resignar e pedir a Jesus que a guiasse, que lhe mostrasse o
que deveria fazer, o caminho a seguir:

«Quando me encontrava sozinha e presa no meu leito, voltava-me para o quadro da


entronização do Sagrado Coração de Jesus, pedia-lhe que me libertasse de tal
sofrimento, que me desse luz para conhecer o que havia de fazer, enquanto ia
chorando muitas lágrimas».(Autobiografia)
“Voltava-me para o quadro da entronização do Sagrado Coração de Jesus”, diz-nos
ela, o que significa que esta entronização fora feita no lar da família Costa e que tinha
sido bem compreendida de toda a família. Assim se pode demonstrar que as
recomendações do “Apostolado da Oração”, fundado em França pela Jesuíta Henri
Ramière, já eram bem conhecidas e praticadas em Portugal [1].

Mais adiante, na sua Autobiografia, Alexandrina explica-nos como eram as suas


orações matinais e, de novo vamos encontrar uma referência ao Sagrado Coração de
Jesus, mesmo uma oferta de si mesma. Ouçamo-la:

«Pela manhã principiava a fazer as minhas orações, começando pelo sinal da Cruz e
logo me lembrava de Jesus Sacramentado, fazendo a Comunhão espiritual e dizendo
esta jaculatória:

— Sagrado Coração de Jesus, este dia é para Vós.

Repetia-a três vezes e depois continuava:

— A vossa bênção, Jesus; eu quero ser santa. Ó meu Jesus, abençoai a vossa filhinha
que quer ser santa. (...) Depois oferecia as horas do dia assim: “Ofereço-Vos, ó meu
Deus, em união…”, Pai-Nosso, Ave-Maria e Glória ao Pai… “Sagrado Coração de
Jesus que tanto nos amais…” e o Credo». (Autobiografia).

Vemos aqui um simples e humilde acto de entrega ao Sagrado Coração de Jesus, uma
oferta de tudo quanto se passaria naquele dia: “Sagrado Coração de Jesus, este dia é
para Vós”.

Quando a referência na é directa, encontramo-la como nesta oração:

— «Ó meu Jesus, vinde ao meu pobre coração. Ah, eu desejo-vos, não tardeis. Vinde
enriquecer-me das vossas graças; aumentai-me o vosso santo e divino amor. Uni-
me a Vós, escondei-me no vosso sagrado Lado. Não quero outro bem senão a Vós. Só
a Vós amo, só a Vós quero, só por Vós suspiro. Dou-Vos graças, Eterno Pai, por me
haverdes deixado a Jesus no Santíssimo Sacramento. Dou-Vos graças, meu Jesus, e
por último peço-Vos a vossa santa bênção.

Seja louvado a cada momento o Santíssimo e Diviníssimo Sacramento!»


(Autobiografia).

Já não se trata do “Coração”, mas do Lado, aquele Lado do Senhor que foi trespassado
pelo lança e do qual jorraram o Sangue divino e por fim — porque já não havia mais
Sangue — a Água, aquela Água que “lava os pecados do mundo”.

O grande amor da Alexandrina será Jesus Eucarístico, mas o Jesus que ela muito
invoca no princípio da sua vida “predestinada”, é aquele que um dia, mostrando o seu
Coração a santa Margarida Maria, lhe disse:
«Eis o Coração que tanto amou os homens...»

Alexandrina sente uma atracção particular ao Coração do Senhor e, nas suas orações,
encontraremos, sob diversas formas, este atractivo que lhe é particular...

Dirigindo-se à Mãezinha, ela diz então:

«Fechai-me para sempre no Seu Divino Coração e dizei-lhe que O ajudais a


crucificar-me, para que não fique no meu corpo nem na minha alma nada por
crucificar. Ó Mãezinha, fazei-me humilde, obediente, pura, casta na alma e no corpo.
Fazei-me pura, fazei-me um anjo. Transformai-me toda em amor, consumi-me toda
nas chamas do amor de Jesus» (Autobiografia).

Outras vezes, não será o Coração ou o Lado, mas todo o Corpo do Senhor, aquele Corpo
que sofreu a Paixão e que para sempre vive nos sacrários das nossas igrejas, mesmo se
muitas e muitas vezes abandonado.

Dirigindo-se uma vez mais a Maria, a sua “Mãezinha” extremosa, Alexandrina pede:

« Ó Mãezinha, eu quero formar um rochedo de amor em cada lugar onde Jesus


habita sacramentado, para que não haja nada que possa intrometer-se entre o amor
e ir ferir o Seu Santíssimo Coração, renovar as Suas Santíssimas Chagas e toda a
Sua Santa Paixão. Mãezinha, falai no meu coração e nos meus lábios, fazei mais
fervorosas as minhas orações e mais valiosos os meus pedidos ». (Autobiografia).

Encontramos aqui todos os “ingredientes” — perdão pelo termo empregado! — do seu


amor sem limites a Jesus: «Jesus sacramentado» — portanto a Eucaristia — «o Seu
Santíssimo Coração», as «Chagas» e por fim «toda a Sua Santa Paixão»: o seu Jesus,
sob todas as formas como Ele se apresenta a ela, escondido sob as espécies do pão e
do vinho; mostrando aquele “Coração que tanto amou os homens”; ou sob a forma do
servo tal como o descreve o profeta Isaías: “aos que me feriam, apresentei as
espáduas, e as minhas faces aos que me arrancavam a barba: não desviei o meu
rosto dos que me ultrajavam e cuspiam” (Is. 50, 6).

A amor da Alexandrina pode dizer-se um amor insatisfeito, um amor que não se


contenta de pouco ou de muito: é um amor que aspira sempre mais e mais unir-se ao
Ser amado. Isso mesmo podemos deduzir da última frase da sua bela oração a Maria:
« Mãezinha, falai no meu coração e nos meus lábios, fazei mais fervorosas as minhas
orações e mais valiosos os meus pedidos ». (Autobiografia).

E, como se tivesse medo que a Mãezinha esquecesse o pedido que acabava de lhe fazer,
voltando-se para Jesus exclama cheia de fé e de amor a jamais insatisfeito:

« Ó meu querido Jesus, eu me consagro toda a Vós. Abri-me de par em par o vosso
santíssimo Coração. Deixai que eu entre nesse Coração bendito, nessa fornalha
ardente, nesse fogo abrasador. Fechai-o, meu bom Jesus, deixai-me toda dentro do
vosso santíssimo Coração; deixai-me dar aí o último suspiro, embriagada no vosso
divino amor. Não me deixeis separar de Vós na Terra, senão para me tornar a unir
a Vós no Céu, por toda a eternidade ». (Autobiografia).

Entrar no Coração de Jesus e aí se esconder, aí viver para sempre é o seu desejo mais
ardente, assim como lá morrer de amor, daquele amor então satisfeito e completo,
porque abrasada nas chamas ardentes e devoradoras do Amor de Deus.

E, como lhe parece tal não conseguir sozinha, Alexandrina solicita de novo a ajuda de
Maria. Ouçamo-la dirigir-se à Mãezinha:

« Ó Mãezinha, abri-me os Vossos santíssimos braços, tomai-me sobre eles, estreitai-


me ao Vosso santíssimo Coração, cobri-me com o Vosso manto e aceitai-me como
Vossa filha muito amada, muito querida, e consagrai-me toda a Jesus.

Fechai-me para sempre no Seu Divino Coração e dizei-lhe que O ajudais a crucificar-
me, para que não fique no meu corpo nem na minha alma nada por crucificar. Ó
Mãezinha, fazei-me humilde, obediente, pura, casta na alma e no corpo. Fazei-me
pura, fazei-me um anjo. Transformai-me toda em amor, consumi-me toda nas
chamas do amor de Jesus » (Autobiografia).

A preocupação da Alexandrina é de ser santa, de viver em Jesus, de Jesus e para Jesus,


toda ela diluída num amor sem limites mas exclusivo, num amor apaixonado mas
puro, num amor ardente mas queimado só nas chamas do Coração divino do seu
Amado!

Este desejo só poderá ser realizado com uma ajuda celeste: o da Mãezinha, a Mãezinha
que ela ama dum amor terno, indizível, cândido e filial. Por isso mesmo, a “Doentinha
de Balasar” volta uma vez mais a sua ardente súplica na direcção da Mãe de Deus e
nossa Mãe; suplica e pede ajuda:

«Ó Mãezinha, pedi perdão a Jesus por mim! Dizei-Lhe que é o filho pródigo que volta
a casa do seu bom Pai, disposto a segui-Lo, a amá-Lo, a adorá-Lo, a obedecer-Lhe e
a imitá-Lo. Dizei-Lhe que não quero mais ofendê-Lo. Ó Mãezinha, obtende-me uma
dor tão grande dos meus pecados, que seja tal o meu arrependimento que eu fique
pura, que eu fique um anjo! Pura como fiquei depois do meu Baptismo, para
que pela minha pureza mereça a compaixão de Jesus de O receber
sacramentalmente todos os dias e de possuí-Lo para sempre em mim até dar
o último suspiro» (Autobiografia).

Desejo intenso e fervoroso “de possuí-Lo para sempre em mim até dar o último
suspiro”! E assim será: até ao último suspiro ela amará Jesus de todas as suas forças,
de todo o seu coração, de toda a sua alma, tanto nas alegrias como nas penas, tanto
nos dias serenos como naqueles em que a tempestade soprava em seu coração
determinado, mas humilde e puro.
Alexandrina, ao escrever a sua Autobiografia recorda o tempo do seu primeiro
encontro com aquele que seria o seu primeiro Director espiritual, o Padre Mariano
Pinho e, coisa extraordinária: ela conheceu-o quando este veio à paróquia de Balasar
pregar um tríduo... Mais, deixemos que ela mesmo no-lo conte:

« Em 16 de Agosto de 1933, Sua Reverência veio à nossa freguesia fazer um tríduo ao


Sagrado Coração de Jesus, tomando-o então para meu director espiritual. Não lhe
falei nos oferecimentos que fazia ao sacrário, nem nos calores que sentia, nem na
força que fazia elevar, nem nas palavras que tomei como uma exigência de Jesus.
Pensava que era assim toda a gente. Só passados dois meses é que lhe falei nas
palavras de Jesus e do resto nada disse, porque nada compreendia como coisas de
Nosso Senhor ». (Autobiografia).

O bom Padre Pinho tinha vindo pregar “um tríduo ao Sagrado Coração de Jesus”...
Tinha ela então 29 anos e “nem sabia o que era um Director espiritual”, explicou ela
depois. E isso aconteceu porque se festejou o Sagrado Coração de Jesus... no mês de
Agosto!

Nas visões que teve, aconteceu-lhe também ver o Coração do Senhor, como ela no-lo
explica:

« Umas vezes, via Jesus como jardineiro a cuidar das florinhas, regando-as,
guiando-as, etc.; passeava pelo meio delas, mostrando-me variedade de flores.
Noutras vezes, aparecia-me em tamanho natural, mostrando-me o Seu Divino
Coração cercado de raios de amor ». (Autobiografia).

Esta comparação de Jesus com um jardineiro faz-nos lembrar o que explica santa
Teresa de Ávila no seu livro da Vida, no capítulo 17: O Senhor é o Jardineiro da alma
e nela planta muitas variedades de flores odoríferas e belas que Ele depois vem
colher.

Mas a Alexandrina também viu algumas vezes Jesus mostrar-lhe o seu divino Coração
“cercado de raios de amor”, como o mesmo aconteceu a santa Faustina Kowalska, sua
contemporânea.

Um dia, estando só — a mãe e a irmã tinham ido à igreja — Alexandrina vai fazer um
acto de completo abando a Jesus: oferece-se como vítima:

« Sem saber como — explica ela —, ofereci-me a Nosso Senhor como vítima, e vinha,
desde há muito tempo, a pedir o amor ao sofrimento. Nosso Senhor concedeu-me
tanto, tanto esta graça que hoje não trocaria a dor por tudo quanto há no mundo.
Com este amor à dor, toda me consolava em oferecer a Jesus todos os meus
sofrimentos. A consolação de Jesus e a salvação das almas era o que mais me
preocupava » (Autobiografia).

Esta acto heróico será repetido por ela muitas vezes, por diferentes causas, como a
seguir podemos verificar um exemplo:
« Ó Jesus, eu quero ser vítima dos Sacerdotes, a vítima dos pecadores, a vítima do
vosso amor, da minha família, da vossa santíssima Paixão, das Dores da Mãezinha,
do vosso Coração, da vossa santa Vontade, a vítima do mundo inteiro! Vítima da
paz, vítima da Consagração do mundo à Mãezinha! » (Autobiografia).

Nesta curta oração estão patentes diversas intenções, a primeira das quais os
sacerdotes. “Lembro-me que tinha muito respeito pelos sacerdotes”, dirá ela na sua
Autobiografia, quando explica a sua estadia na Póvoa, a quando da sua curta
escolaridade. “Quando estava sentada à porta da rua — continua ela —, só ou com a
minha irmã e primas, levantava-me sempre à sua passagem, e eles correspondiam
tirando o chapéu, se era de longe, ou dando-me a bênção se passavam junto de mim”.

Mais tarde, será mesmo vítima expiadora por um sacerdote de Lisboa, cuja vida não
era nada exemplar. Este, depois do sacrifício da vidente de Balasar, reconciliar-se-á
com Deus e morrerá santamente em Fátima, depois duma confissão sincera e
reparadora.

“Vítima do Vosso Coração”, diz ela mais adiante, depois de ter enumerado outras
intenções. Aqui se vê uma vez mais que Jesus, sob o vocábulo de Sagrado Coração lhe
está sempre presente no coração e na mente.

E por fim, uma intenção muito especial: “Vítima da consagração do mundo à


Mãezinha”.

Estava-se então em plena Segunda Guerra mundial e Jesus queria que o mundo fosse
consagrado à sua Santíssima Mãe: Alexandrina será o « instrumento » dessa
consagração que o Papa Pio XII realizará em 1942.

Em 1943, de 10 de Junho a 20 de Julho, para obedecer ao Arcebispo de Braga, foi


internada no Hospital, "Refúgio de Paralisia Infantil", na Foz do Douro, onde foi
observada, pelo Dr. Gomes de Araújo, no respeitante ao “jejum total e anúria”. Esta
partida para o Porto, foi para a Alexandrina um grande sacrifício, mas como sempre,
obedeceu. Conta ela:

« Então começaram as despedidas. Só Nosso Senhor sabe quanto me custou esta


separação, pois todos os meus vieram abraçar-me e beijar-me cheios de dor. Eu só
olhava para o Sagrado Coração de Jesus e para a querida Mãezinha a pedir-Lhes
que me dessem coragem e forças ». (Autobiografia).

Uma vez mais encontramos aqui referência ao Sagrado Coração de Jesus: “Eu só
olhava para o Sagrado Coração de Jesus”, representado naquela imagem que no seu
quarto lembrava a cada instante a entronização efectuada anos antes e a consagração
de toda a família Costa ao Sagrado Coração de Jesus, que se tornara o fulcro, o centro,
à volta do qual se harmonizavam as orações quotidianas das três mulheres: Maria Ana,
a mãe, Deolinda, a irmã e a própria Alexandrina.

“Coração de Jesus que tanto nos amais, fazei que vos amemos cada vez mais”.
Quantas vezes não terão repetido esta jaculatória! Quantas vezes a terão recitado com
as lágrimas nos olhos, naquelas ocasiões de grandes dificuldades em que a família
esteve prestes a perder tudo, até mesmo a própria casa!

Então outra jaculatória terá igualmente feito parte dessas orações em família:

“Sagrado Coração de Jesus, venha a nós o vosso Reino!”

E para terminarmos com estas citações que tiramos da sua Autobiografia,


recordemos que ela escreveu igualmente uma espécie de “testamento” onde dá
indicações, não só sobre a maneira como deverá desenrolar-se o seu enterro,
mas também como deseja a sua campa. Ouçamo-la:

« Quero que a minha campa seja rodeada de plantas chamadas martírios,


para assim mostrar que os amei na vida e os amo depois da morte. A
entrelaçar com os martírios quero roseirinhas de trepar, mas daquelas que
têm muitos espinhos. Amo e amarei durante a vida os martírios que Jesus me
dá e os espinhos que me ferem e amá-los-ei depois da morte e quero-os junto
de mim, para mostrar que é com espinhos e com todos os martírios que nos
assemelhamos a Jesus, que consolamos o Seu Divino Coração e que salvamos
as almas, filhinhas de todo o Seu Sangue. Que maior prova de amor podemos
dar a Nosso Senhor senão sofrendo com alegria tudo o que é dor, desprezo e
humilhações?! Que maior alegria podemos dar ao Seu Divino Coração senão
dando-Lhe almas, muitas almas por quem Ele sofreu dando a vida?! »
(Autobiografia).

A conclusão deste “testamento” é um exemplo mais daquilo que vimos tratando


até aqui: a sua devoção e o seu amor para com Jesus na sua invocação de
“Sagrado Coração”.

Efectivamente, “que maior alegria podemos dar ao Seu Divino Coração senão
dando-Lhe almas, muitas almas por quem Ele sofreu dando a vida?!”

Lembre-se que na Póvoa de Varzim, sede do concelho a que pertence Balasar, desde finais do séc. XIX
[1]

se estava a construir a Basílica do Sagrado Coração de Jesus e que aí também, ao tempo em que
decorrem os acontecimentos que a Alexandrina menciona, já os jesuítas publicavam o Mensageiro do
Coração de Jesus.

“VÍTIMA DO VOSSO CORAÇÃO”


« É árdua a vocação da vítima, porque o lugar da vítima é no Calvário com
Jesus e não nas doçuras do amor... As almas consoladoras, as almas
reparadoras são vítimas com a grande Vítima do Calvário » [1].

Esta explicação do santo Papa Pio X sobre o que é a vítima, é nela mesma um
programa de vida e, um programa de vida que assenta extraordinariamente
bem à “Doentinha de Balasar”.

Um outro Papa, Leão XIII, na sua Carta Encíclica “Laetitiae sanctae”, nos ex
plica igualmente que « todo aquele que se não contentar com olhar, porém
meditar amiúde exemplos de tão excelsa virtude, oh! como se sentirá
impelido a imitá-los! Para esse, ainda que seja "maldita a terra, e faça
germinar espinhos e abrolhos", ainda que o espírito seja oprimido pelos
sofrimentos, ou o corpo pelas doenças, nunca haverá nenhum mal causado
pela perfídia dos homens ou pelo furor dos demónios, nunca haverá
calamidade, pública ou privada, que ele não consiga superar com paciência
» [2].

Na Autobiografia da Alexandrina podemos ler, logo a seguir àquele tão belo


hino aos Sacrários, esta explicação de suma importância sobre o que deve ter
acontecido em 1932 ou 1933:

« Nestas ocasiões em que fazia estes oferecimentos a Nosso Senhor, sentia-


me subir, sem saber como, e ao mesmo tempo um calor abrasador que
parecia queimar-me. Como não compreendia a causa deste calor, ponha-me
a observar se estava a transpirar, porque me parecia impossível, sendo dias
de grandes frios. Sentia-me apertada interiormente, o que me deixava muito
cansada.

Não tenho a certeza, mas deveria ser numa dessas ocasiões que eu senti esta
exigência de Nosso Senhor: sofrer, amar e reparar ».

“Sofrer, amar e reparar” foi o programa de vida escolhido por Jesus para a
sua vítima, e assim foi a vida da Alexandrina a partir do momento em que se
ofereceu a Jesus.

Como acima já vimos, foi durante um tríduo em honra do Sagrado Coração de


Jesus que a Alexandrina conheceu o seu primeiro Director espiritual, o Padre
Mariano Pinho.

Dizia ela:
« Em 16 de Agosto de 1933, Sua Reverência veio à nossa freguesia fazer um
tríduo ao Sagrado Coração de Jesus, tomando-o então para meu director
espiritual ».

Logo a seguir ela nos dá uma informação importante que nos esclarece sobre
a sua simplicidade e inocência de alma e sobre os fenómenos místicos de que
já beneficia então:

« Não lhe falei nos oferecimentos — escreve ela — que fazia ao sacrário, nem
nos calores que sentia, nem na força que fazia elevar, nem nas palavras que
tomei como uma exigência de Jesus. Pensava que era assim toda a gente. Só
passados dois meses é que lhe falei nas palavras de Jesus e do resto nada
disse, porque nada compreendia como coisas de Nosso Senhor ».

Ela não lhe falou “na força” que a “fazia elevar”. Ora, esta elevação, em
teologia mística chama-se levitação e é um carisma de que beneficiam muitas
das almas escolhidas para missões particulares. Tal aconteceu com Santa
Teresa de Ávila, Santa Catarina de Sena, Santo Afonso de Liguori, S. Pedro
Julião Eymard, S. Miguel Garicoïts e tantos outros, como S. Padre Pio de
Pietrelcina e Teresa Neumann, mais perto de nós.

Este carisma pode explicar-se como sendo “a suspensão ou deslocamento de


um corpo ou objecto no ar, sem o auxílio de forças mecânicas, violando
assim a lei da gravidade”.

Alexandrina não falou ao Padre Pinho daquelas palavras que ouvira — amar,
sofrer e reparar — porque as tomou “como uma exigência de Jesus... pensava
que era assim para toda a gente”...

Como são belas a simplicidade e a inocência!...

Vimos que a Alexandrina tinha uma verdadeira e fervorosa devoção ao


Sagrado Coração de Jesus e que regularmente se oferecia a Ele como vítima,
e acabamos de ver que o Senhor lhe traçou um “caminho”, um programa de
vida explicitado nas três palavras já referidas: sofrer, amar, reparar.

No dia 6 de Setembro de 1934, estas palavras vão ter um desenvolvimento


inesperado para a “Doentinha de Balasar”:

« Quinta-feira, dia 6 — explica ela ao Padre Mariano Pinho —; o Senhor


Abade veio trazer Nosso Senhor a uma doente, minha vizinha, e ao mesmo
tempo, trouxe também para mim. Depois de comungar, não sei como fiquei,
estava fria, parecia-me que não sabia dar as graças. Mas, louvado seja, o
meu bom Jesus não olhou para a minha indignidade nem para a minha
frieza; parecia-me ouvir dizer:

— Dá-me as tuas mãos, quero-as cravar Comigo, dá-me a tua cabeça, quero-
a coroar de espinhos, como me fizeram a Mim, dá-me teu coração, quero-o
trespassar com a lança, como me trespassaram a Mim; consagra-me todo o
teu corpo, oferece-te toda a Mim, quero possuir-te por completo e fazer o que
Me aprouver.

Isto foi bastante para ter ficado muito preocupada. Não sabia o que fazer;
calar-me e não dizer nada: parece-me que o meu bom Jesus não queria que
ocultasse isto. Isto repetiu-se na sexta-feira e hoje, dia de Nosso Senhora »
[3].

Aqui já não se trata do Coração de Jesus, mas do coração da Alexandrina. Esta


reciprocidade entre os dois corações será frequente, vindo muitas vezes
igualmente juntar-se um outro coração terno e meigo, materno, o Coração de
Maria.

“Dá-me teu coração, quero-o trespassar com a lança, como me


trespassaram a Mim”

Ficam aqui bem explicitadas as três palavras ouvidas tantas vezes: « sofrer,
amar, reparar ».

Um mês mais tarde, escrevendo ao seu novo Director espiritual, ela volta a
falar desta união de corações:

« Pouco antes de mandar escrever esta carta Nosso Senhor pediu-me o meu
coração para o colocar dentro do d’Ele, para que não tivesse outro amor a
não ser a Ele e às suas obras. Disse-me que cabiam lá todos, mas que o meu
tinha um lugar reservado... escolhi-te para mim, corresponde ao meu amor.
Quero ser o teu esposo, o teu amado, o teu tudo; escolhi-te também para a
felicidade de muitas almas »[4].

Vemos aqui mais algumas indicações importantes sobre a vida íntima da


Alexandrina, vida ela toda de união com Jesus que coloca o coração desta
dentro do Seu, que quer ser o seu “Esposo”, o seu “Amado”, o seu “Tudo”,
assim como a escolheu “para a felicidade de muitas almas”, das quais fazem
parte todas aquelas e todos aqueles que amam a Alexandrina e procuram
seguir o seu exemplo.
De novo, um mês mais tarde, Jesus volta a falar-lhe do seu Coração, aquele
Coração onde lá cabem todos os corações:

« Vou continuar a minha tarefa expondo tudo conforme Nosso Senhor me


recomenda. Há dias dizia-me Nosso Senhor assim:

— Minha filha, minha filha, escuta o teu Jesus. Estou no íntimo da tua alma
e acho-me bem. Não te entristeças com tudo o que encontras em ti. Sou eu
para te unir mais a mim e estreitar-te mais ao meu Coração »[5].

Alexandrina, como todo o ser humano, não se encontrando digna da


solicitude de Jesus para com ela, chega mesmo a duvidar que seja Jesus a
falar-lhe. É por isso que Jesus lhe diz de não se entristecer de tudo quanto se
passa nela, dando-lhe a explicação:

« Sou eu para te unir mais a mim e estreitar-te mais ao meu Coração »

Uma semana depois, Jesus argumenta, servindo-se dum episódio da Sua vida
— neste caso respeitante a Maria Madalena —, antes de voltar a insistir na
sublimidade da missão que para ela escolheu:

« Disse-me também que me dizia como a Madalena eu que escolhi a melhor


parte:

— Amar o meu coração, amar-me crucificado é bom. Mas amar-me nos


meus sacrários, onde me podes contemplar não com os olhos do corpo mas
com os olhos da alma e do espírito, onde estou em corpo, alma e divindade
como no Céu, escolheste o que há de mais sublime » [6].

“Escolheste o que há de mais sublime!”

Quem poderia resistir a uma alegria indizível ao ouvir uma tal afirmação?

Mas Alexandrina quer saber mais, quer saber como fazer para ainda mais O
amar, para ainda melhor O servir.

« Perguntei eu ao meu Jesus o que havia de fazer para O amar muito e Ele
disse-me:

— Anda para os meus sacrários consolar-Me, reparar. Não descanses em


reparar; dá-me o teu corpo para o crucificar. Preciso de muitas vítimas para
sustentar o braço da minha justiça e tenho tão poucas, anda substituí-las
»[7].
“Anda para os meus sacrários, consolar-Me, reparar”.

Os sacrários serão, efectivamente, durante toda a sua vida, uma preocupação


para a Alexandrina: saber Jesus ali tantas vezes só e abandonado, causa-lhe
dor... o seu amor sofre desta situação e, sempre procurará remediar a este
abandono indo ela mesma, em espírito, velar sobre todos “os lugares onde
Jesus está e habita sacramentado”.

“Não descanses em reparar”, diz-lhe Jesus e, Alexandrina nunca descansará,


nunca abandonará a sua missão de alma-vítima; a sua resposta inalterável
será sempre um “Sim” corajoso, quaisquer que sejam as circunstâncias e o
pedido de reparação que Jesus lhe fizer.

Ainda no mesmo ano, encontramos esta informação que nos demonstra, se


isso fosse necessário a sua coragem e o seu desejo de perfeição:

« Renovei, também, por toda a minha vida o voto de virgindade e de pureza


consagrando-me toda à minha querida Mãe do Céu, pedindo-lhe que me
purificasse de toda a mancha e depois me consagrasse toda ao meu querido
Jesus e me fechasse dentro do Seu Sagrado Coração » [8].

Uma vez mais aqui fica demonstrada a sua atracção para o Coração de Jesus,
a sua vontade de nele se fechar e de nele viver assim muito unida ao Esposo
que a ama com um amor exclusivo e eterno.

A união íntima entre o Coração de Jesus e o da Alexandrina é um tema


contínuo nesta espiritualidade que não sofre modificações, quaisquer que
sejam as situações que se apresentem, quaisquer que sejam os sofrimentos
pedidos e livremente aceites, quaisquer que sejam as consequências que ela
nem quer nem deseja calcular: a vontade de Jesus é suprema e prima sobre a
sua: Alexandrina que “é a bondade em pessoa”, não pode sofrer que Jesus
espere, que Jesus repita, que Jesus sofra sem contrapartida, sem auxílio, sem
uma prova de amor da sua parte.

No dia 10 de Janeiro, escrevendo ao seu Paizinho espiritual ela diz:

« No dia 3, pelas 9 horas da noite, depois de fazer a visita ao Santíssimo


Sacramento, que a não tinha podido fazer de dia e, se não fossem as muitas
dores e o mal-estar que tinha, não as faria, pois tinha muito, muito sono, de
repente, senti o que quase sempre sinto quando Nosso Senhor me vem falar.
Nessa mesma noite veio-me à lembrança a comparação que lhe havia de
dar. Dá-me a impressão que uma onda do mar vem sobre mim. Logo me
inclinei para o lado esquerdo e já me falava Nosso Senhor:
— Anda, minha filha, escuta o teu Jesus. Está no teu coração, na tua alma,
dentro de ti. Podes dizer que tens força para tudo: Jesus está contigo. Como
Eu te amo! Eu habito em ti e tu nos meus sacrários. Minha filha, o sofrimento
e a cruz são a chave do Céu: Sofri tanto para abrir o Céu à humanidade e,
para tantos, foi inútil. Dizem: quero gozar, não vim ao mundo para mais
nada. Quero satisfazer as minhas paixões. Dizem: não há inferno. Eu morri
por eles e dizem que não me mandaram e contra mim dizem heresias e
proferem blasfémias. Eu, para as salvar, escolho as almas, ponho-lhes sobre
os ombros a cruz e sujeito-me a auxiliá-las e feliz da alma que compreende
o valor do sofrimento. A minha cruz é suave sendo levada por meu amor »
[9].

Quantos ensinamentos nestas palavras de Jesus!

Jesus “está no teu coração, na tua alma, dentro de ti”, tal como Ele mesmo o
prometeu aos seus Apóstolos e a cada um de nós: « Eu e o Pai viremos a ele e
nele faremos a nossa morada » (S. João. 14, 23).

Jesus está sempre em cada um de nós, mesmo quando a nossa “casa” não está
limpa, não está em estado de “receber visitas”, Ele está sempre presente,
porque é fiel ao que prometeu.

Evidente é, claro está, que não poderá estar sorridente no coração daquele que
está habitado pelo pecado... mas Ele lá está, por graça de misericórdia.

“Podes dizer que tens força para tudo: Jesus está contigo”, e, “se Deus está
por nós, quem pode estar contra nós?” (Rm. 8, 31). Ou ainda, como diz o
evangelista S. Lucas “virá sobre ti a força do Altíssimo” (Lc. 1, 35) e então,
como diz S. Paulo aos romanos : “Quem poderá separar-nos do amor de
Cristo? A tribulação, a angústia, a perseguição, a fome, a nudez, o perigo, a
espada?” (Rm. 8, 35). Não, porque “o sofrimento e a cruz são a chave do Céu”.

Como não seria assim? Jesus, Filho de Deus e Deus Ele mesmo, teve “de sofrer
muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e pelos doutores
da Lei, teve de ser morto e, ao terceiro dia, ressuscitar” (Lc. 9, 22), de
maneira que “aquele que se mantiver firme até ao fim seja salvo” (Mt. 24,
13).

“Sofri tanto para abrir o Céu à humanidade e, para tantos, foi inútil”.

Ó verdade incomensurável! Ó verdade que nos deixa perplexos!...


Ó verdade que nos interpela e nos faz lembrar aquelas palavras de Jesus aos
seus discípulos: “Mas, quando o Filho do Homem voltar, encontrará a fé
sobre a terra?” (Lc. 18, 5).

Mas, esta outra palavra de Jesus, palavra de esperança e de amor, deverá


animar-nos sempre, como ela animou a Alexandrina:

« O Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava perdido.» (Lc. 19,
10).

“A minha cruz é suave sendo levada por meu amor”, esclarece Jesus a
Alexandrina, como outrora tinha dito aos que o cercavam: “Se alguém quiser
vir comigo, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me”. (Mt. 16, 24),
prevenindo todavia os recalcitrantes: “Quem não tomar a sua cruz para me
seguir, não é digno de mim”. (Mt. 10, 38)

Como podemos verificar, os escritos da Alexandrina são, nem mais nem


menos, do que apelos ao Evangelho, apelos às almas para que se lembrem das
palavras de Jesus, dos ensinamentos que Ele nos deixou, se queremos
alcançar a vida eterna e gozar eternamente das belezas e dos bens celestes.

Na carta seguinte ao seu “Paizinho” espiritual, a boa Alexandrina diz:

« No dia 4, pouco depois da Sagrada Comunhão, falava-me Nosso Senhor e


dizia-me:

— Queres encontrar-me, minha filha? Procura-me no teu coração e na tua


alma. Habito lá a penetrar em ti mais o meu amor e a santificar-te mais. O
teu coração é o meu sacrário e a ti é sempre nos meus sacrários que te quero
encontrar a pedir-me pelos pecadores e quero que me digas muitas vezes que
és toda minha. Se soubesses como me consolas! E como acodes aos pecadores
só em me dizeres que és minha vítima! A minha paga é o meu amor e um
lugar no Céu, tão lindo, muito pertinho de mim, muito unidinha a mim. Se
tu pudesses vê-lo! Seria o bastante para a tua morte, morrerias de alegria.
Não penses em nada deste mundo, que não és dele. Ama-me muito, olha o
que te confio: os meus sacrários e os pecadores » [10].

Quatro dias depois, ao mesmo Director espiritual ela confia ainda:

« Sentindo-me, outra vez, muito acariciada, Nosso Senhor disse-me:

— Minha bem fiel esposa, vem com o teu amor e com a tua reparação curar
as feridas que, com os crimes, me vão ser feitas. As dores são mais horríveis
do que as do calvário. Quantos cravos! Quantas coroas de espinhos e
quantas lanças! Vai passar parte da noite, com muito amor e fervor nos
meus sacrários. Eu ajudar-te-ei. Estou contigo no sacrário do teu coração e
tu estás nos meus por esse mundo além » [11].

Aqui não se trata do Coração de Jesus, mas do coração da Alexandrina, onde


Jesus vive e permanece como num sacrário, sacrário este onde a adoração é
perpétua, onde o amor é sincero e contínuo até ao sacrifício total e voluntário
de todo o seu humilde ser.

No coração da Alexandrina Jesus sente-se bem, sente que ela com os seus
sacrifícios e com o seu amor O desagrava de tantos cravos, de tantas coroas
de espinhos, da tantas lanças e de tantas dores horríveis com que é ofendido
pelos pecados de toda a humanidade rebelde e insensível.

Mas Jesus, sofrendo e amando os homens rebeldes, não deixa o coração da


sua vítima tal como ela não abandona os sacrários do mundo inteiro, como a
abelha que de flor em flor vai sugar o néctar com que fará o doce mel.

Um pouco mais de três meses depois, ela conta ao seu Director espiritual as
visões que teve de Nosso Senhor, do menino Jesus, e acrescenta :

« Também me pareceu ver virado para mim, no tamanho de um homem, o


Sagrado Coração de Jesus todo cheio de raios dourados à volta do seu
Coração » [12].

Jesus aparece-lhe mostrando o Seu Coração sacratíssimo envolvido em raios


luminosos, tal como se mostrou e se mostrará ainda a Santa Faustina
Kowalska, a apóstola da Divina Misericórdia.

Como esta Santa polaca, beatificada e canonizada pelo Papa João Paul II —
que foi o primeiro Postulador da sua causa —, a Alexandrina terá dito de certo
muitas vezes a Jesus: “Jesus, tenho confiança em Vós”.

Em 18 de abril de 1935, uma quinta-feira, Alexandrina escreve ao seu Pai


espiritual e, depois de lhe confiar que “está a desabituar-se de comer”, conta-
lhe em pormenor tudo quanto o Senhor lhe disse nesse mesmo dia:

« Depois de me confessar, recebi Nosso Senhor e senti uma paz muito, muito
grande. (...) Passados uns momentos falava-me Nosso Senhor:

— Anda cá, ó minha filha, anda cá, ó meu amor. Escuta o teu Jesus. Estou
contigo. Eu venho-te pedir para me acompanhares em toda a minha paixão
e para não dormires quase tempo nenhum esta noite. Vai para o Cenáculo:
medita o que Eu já lá sofri; mas não quis deixar-vos sozinhos estabeleci o
meu grande sacramento. Acompanha-me no Jardim das Oliveiras: vê o que
Eu lá sofri. Num quadro meus sofrimentos e noutro os pecados do mundo. E
para tantos os meus sofrimentos inúteis. Desprezam-nos, não os
aproveitam. Participa em toda a minha paixão. O suor de sangue e o beijo
de Judas. Acompanha-me a casa da Anás e de Caifás, que mau trato tiveram
comigo. De manhãzinha cedo acompanha-me a casa de Pilatos, na rua da
amargura, enfim, ao Calvário. Mas, no meio de toda a minha paixão, não te
esqueças dos meus sacrários; diante de mim, pede-me pelos pecadores que
andam desregrados, entregues às paixões e não pensam em deixar de me
ofender. Pede-me o que quiseres nesta noite bendita, mais do que em outro
dia te alcançarei o que me pedires. Terás coragem para tanto? Para este
sacrifício que te peço?

Eu respondi a Nosso Senhor: eu sem Vós nada posso, mas com o vosso
auxílio prometo ser fiel ao que me pedis. Disse-me Nosso Senhor:

— Eu estarei sempre contigo e, se assim fizeres, aumentarei muito a tua


glória no Céu.

Uma força me abraçava e dizia-me Nosso Senhor:

— Une-te toda a mim, mete-te no meu Coração que lá te fecharei para


sempre. Vive para mim e para me salvar as almas.

Eu vou vivendo à vontade do Nosso Senhor e que, portanto, também é a


minha » [13].

Desta visita do Senhor à Alexandrina, podemos destacar vários pormenores:


primeiramente a maneira amorosa como Jesus se dirige a ela; depois, o
pedido que lhe faz para essa noite, seguidamente o pedido de ir para o
Cenáculo — não esqueçamos que esse dia é quinta-feira — e de meditar sobre
o Sacramento de amor que nesse dia já longínquo Ele instituiu; convida-a
ainda a meditar sobre a sua agonia no Jardim das Oliveiras, no beijo traidor
de Judas, na sua comparência diante dos tribunais de Anás e de Caifás, e de
igual forma no dia seguinte em que foi apresentado a Pilatos; no caminho do
Calvário, em toda a sua Paixão, em suma.

Depois destes pedidos, uma promessa seguida de duas perguntas acessórias:

« Pede-me o que quiseres nesta noite bendita, mais do que em outro dia te
alcançarei o que me pedires.

Terás coragem para tanto?


Para este sacrifício que te peço? »

Sem se preocupar com a promessa, Alexandrina, como sempre está pronta a


fazer tudo quanto Jesus lhe pede, por isso, sem hesitar ela responde:

« Eu sem Vós nada posso, mas com o vosso auxílio prometo ser fiel ao que
me pedis ».

Como para a serenar, Jesus diz-lhe que sempre estará a seu lado, que sempre
a ajudará, prometendo-lhe o Céu como recompensa da aceitação do pedido
que lhe faz.

Como para lhe dar um antegosto desta promessa, Jesus abraça-a com ternura,
como o confirma a Alexandrina:

« Uma força me abraçava e dizia-me Nosso Senhor:

— Une-te toda a mim, mete-te no meu Coração que lá te fecharei para


sempre. Vive para mim e para me salvar as almas ».

Uma vez mais Jesus lhe oferece o seu Coração como abrigo seguro, como um
Céu particular e exclusivo, para que aí vivendo ela viva só para Ele e para lhe
salvar almas.

Terminando o relato que faz ao seu Pai espiritual, ela assegura-o da sua
obediência total aos desejos do Senhor: “Eu vou vivendo à vontade do Nosso
Senhor e que, portanto, também é a minha”.

Para que esta obediência não pareça letra morta, tanto a Nosso Senhor como
ao seu Paizinho espiritual, poucas semanas mais tarde ela escreve de novo e
afirma:

« Eu tinha por costume oferecer todos os dias o meu coração a Nosso Senhor
dizendo-lhe assim:

― Ó meu bom Jesus, eu vos ofereço o meu coração neste momento como
prova de meu amor para convosco e vos peço que, neste momento, o
coloqueis em todos os lugares onde habitais sacramentado. É pobre, muito
pobrezinho, mas enriquecei-o com o vosso divino amor e com vossos divinos
tesouros. Incendiai-o todo em fortes labaredas de amor e colocai-o muito
unidinho a Vós em todos os sacrários do mundo, em todos os lugares onde
habitais sacramentado a servir de lâmpada amorosa e luminosa para vos
alumiar. Prendei o meu coração aos sacrários com grossas cadeias de amor
» [14].

Como sempre, ou quase sempre, Jesus vem-lhe falar logo após a comunhão.
No dia 6 de Junho de 1935, diz-lhe Ele:

— « Ó filha, tu não te cansas de me dizer que habite em ti, e Eu não me canso


de em ti viver. E como me hei-de cansar se tu és o meu anjo, a companheira
fiel dos meus sacrários! Continua a tua missão que dentro de pouco acabará.
Deixa-me que te diga que o teu fim está próximo. Vive nos meus sacrários;
pede-me pelos pecadores. O meu Coração está angustiado nos sacrários. Eu
chamo-os por todos os modos: infelizes. Estão surdos à minha voz divina,
estão cegos à luz do seu Deus. Sofre, minha filha, que os teus sofrimentos e
aflições transformar-se-ão, dentro em pouco, em rosas cobertas de pérolas
preciosas. Minha filha, à volta de ti é o paraíso. Os anjos, os querubins, e os
serafins e a minha Mãe Santíssima. Como Eu sou bem louvado por eles!
Queres voltar a vê-los? » [15]

“O meu Coração está angustiado nos sacrários”, diz-lhe Jesus.

Qual a razão desta angústia senão o abandono em que O deixam os pecadores


que se recusam a ouvir a sua divina voz, e preferem fechar os olhos à luz divina
que a cada instante os ilumina?

Ao mesmo tempo que Jesus lhe fala, ela teve uma visão na qual viu o Céu e
uma multidão de Anjos que louvavam a Deus... Mas, deixemos que ela mesma
nos conte:

« Do meio [dos Anjos] saiam à moda de uns raios dourados e dizia-me Nosso
Senhor que era o amor com que eles O amavam, via também à moda de um
altar em ponto grande e no meio parecia-me uma pombinha branca. Por
cima tinha muitos, muitos anjinhos; estavam em torno sobre a Santíssima
Trindade. Passados alguns momentos voltei a vê-los; já os divisava melhor.
Eram mais bastos do que moinhos. Parecia que estavam aos montes. Via
mais outras coisas, eram os querubins e os serafins »[16].

Alexandrina fica extasiada diante de tanta beleza, diante daquele amor com
que os Anjos amam o Senhor. Então Jesus diz-lhe:

— « Vê-los? Há-de ir a tua alma para o Céu cercada deles ».

Quem recusaria uma tão deliciosa oferta?


« Eu disse que sim ao meu Jesus — continua a Alexandrina. Principiei, então,
a ver tantas coisas! Um movimento tão grande! Pelo meio tinha tantos,
tantos parecia fios dourados entrelaçados uns nos outros! E dizia-me Nosso
Senhor:

— É o amor em que eles ardem por mim.

Sentia um calor tão forte e uma força a abraçar-me! E dizia-me Nosso


Senhor:

— Amo-te tanto! Faz que eu seja amado que, dentro em pouco, amar-me-ás
e contemplar-me-ás para sempre no Céu ».

Dois dias mais tarde Jesus volta a falar-lhe e, como sempre, pouco após a
comunhão. Alexandrina escreve:

« No dia oito, depois da Sagrada Comunhão, falava-me Nosso Senhor:

— Minha filha, queres consolar o meu Coração tão ferido? Queres com a tua
reparação curar as minhas chagas tão horrorosamente agravadas? A
minha Santíssima Cabeça escorre sangue da coroa de espinhos, como
quando pela primeira vez me foi cravada. Tem pena do teu Jesus! Hoje e
amanhã vou ser muito ofendido. Pede-me pelos pecadores teus irmãos que
andam desregrados e entregues às paixões. Pede-me pelas ovelhas
tresmalhadas para que voltem ao meu rebanho. Oh! Tantos vão ser
sepultados para sempre no inferno! Derramei por eles todo o meu sangue.
Vive unidinha a mim o mais que possas de dia e de noite: oferece-te toda a
mim, os teus sofrimentos, sacrifícios e orações. Prostra-te à frente dos meus
sacrários; tem mão com a tua reparação nos crimes que vêm sobre mim, que
são as pancadas que vêm agravar as minhas chagas e toda a minha paixão.
És a esposa da minha Eucaristia, és a rainha do Rei sacramentado. Manda
dizer ao teu pai espiritual que é assim que Eu te trato » [17].

Diz-nos o segundo Director espiritual da Alexandrina, o Padre Humberto


Pasquale, que os títulos dados por Jesus à Vítima de Balasar são mais de
trezentos. Nós não os contámos, mas confiámos no zeloso sacerdote salesiano.

Temos aqui dois exemplos claros: “És a esposa da minha Eucaristia”; “És a
rainha do Rei sacramentado”.

Mas, logo no início da comunicação celeste, Jesus é bem explicito no pedido


que faz à Alexandrina, pedido esse feito em modo interrogativo: “Queres
consolar o meu Coração tão ferido?”
Alexandrina aceita imediatamente consolar o Coração de Jesus e sem demora
a ele se consagra, protestando só a Ele pertencer e querer em tudo fazer a sua
Santa vontade.

No dia dez do mesmo mês, recebida a comunhão, Jesus vem de novo visitar a
sua esposa e depois de a convidar a entrar no seu Coração, diz-lhe:

— « Filhinha, ó filhinha, ó amor de meu amor! Anda falar um pouco com o


teu Jesus, anda aprender na minha escola. Filha, ouve, estou abandonado
em tantos sacrários! Manda dizer ao teu pai espiritual que procure saber
todos os sacrários do mundo pobres e abandonados e que arranje um
número de gente para cada um para me amar, me desagravar, me visitarem
em espirito, e mandarem as suas esmolas. Eu estou como o mendigo sujo e
esfarrapado: que façam que Eu esteja limpo e asseado » [18].

“Anda aprender na minha escola!”

E que lhe vai Jesus ensinar?

Se lermos bem a mensagem, não é verdadeiramente a Alexandrina a aluna,


mas o Padre Mariano Pinho, visto que Jesus diz: “Manda dizer ao teu pai
espiritual que procure saber...”; a “Doentinha de Balasar” não sendo aqui
mais do que o “canal” por onde passam os convites ou as ordens...

Árduo trabalho é aqui pedido ao bom Jesuíta: procurar saber de todos os


sacrários do mundo pobres e abandonados... e, constituir um grupo capaz de
em espírito, velar sobre esses mesmos sacrários, para desagravar o Coração
de Jesus. E como para justificar uma tal empresa, Jesus diz à sua confidente:
“Eu estou como o mendigo sujo e esfarrapado: que façam que Eu esteja
limpo e asseado”.

Não pensamos que o valoroso sacerdote tenho conseguido esse inventário, o


que seria só isso já um milagre, mas estamos persuadidos que o pedido não
caiu em terra pedregosa. Efectivamente o Padre Mariano Pinho tinha um
importante número de filhos e filhas espirituais e, estamos persuadidos que a
todos deverá ter transmitido este pedido de Jesus.

As linhas que vêm a seguir lembram o Cântico dos Cânticos e aquelas palavras
tão cheias de amor entre o Amado e Esposa. É o dia da festa do Sagrado
Coração de Jesus; Ele vem visitar a sua esposa e ensinar-lhe uma pequena
oração, oração esta que O consola muito.

A Alexandrina escreve:
« Renovei a Nosso Senhor algumas coisas que lhe tinha prometido. Ouvi, por
fim, a voz de Nosso Senhor:

— Minha filha, ó minha querida filha, ó meu lindo amor! Como me consolas
com os teus colóquios: és toda minha e Eu sou todo teu. Não há amor como
o meu, não há paz como a minha: o mundo não dá paz. Minha filha, vais
hoje passar o dia em silêncio muito unidinha a mim em colóquios; rezando
assim: « Amo-vos muito Jesus, sou toda vossa, Senhor, sou vossa vítima
Jesus ». Oh! Assim consolar-me-ás muito. Hoje, no dia do meu Santíssimo
Coração, que dia de graças para os pecadores! Minha filha, manda dizer ao
teu pai espiritual que dentro em pouco vais para o Céu e de lá vais ser
missionária com ele na terra: que o vais acompanhar em todas as
pregações; que vais ser um poderoso e valioso auxílio para o ajudares na
salvação das almas. Vou-vos conceder esta graça. Minha filha, manda-lhe
dizer, também, que Eu quero que o Santo Padre saiba da minha união
contigo e de tudo quanto te tenho dito, sobretudo acerca da minha
Eucaristia. Quero que isto seja espalhado pelo mundo; é o único remédio
para tantos males » [19].

Jesus quer que a devoção à Eucaristia seja espalhada e promovida no mundo


inteiro, para que daí em diante Ele se sinta menos abandonado, menos
desprezado pelos pecadores; mas Ele deseja igualmente que o Santo Padre
seja informado, de maneira que esta devoção encontre melhor acolhimento e
maior eco junto de todos os povos unidos a Pedro.

Alexandrina, ela mesma faz na mesma carta um comentário a esta mensagem


de Jesus:

« Eu era acariciada por Nosso Senhor. Que união a minha! Que paz sentia!
Eu só queria que todas as criaturas da terra a experimentassem: certamente
que não haveria ninguém tão louco que quisesse voltar a ofender a Jesus. E
como Nosso Senhor ficaria contente se não houvesse mais ninguém que o
ofendesse! Eu queria sofrer todas as dores que houvesse no mundo e
conseguir isto para Jesus. Parecia-me não me poder separar de Nosso
Senhor ».

Na mesma carta ao Padre Mariano Pinho, Alexandrina conta o que se passou


no dia 30 do mês de Junho. Ouçamo-la:

« No dia trinta, depois da Sagrada Comunhão, sentia-me tão bem com


Nosso Senhor! Passei algum momento em colóquios com Ele, mas não ouvia
a sua divina voz. Contudo, sentia alguma coisa em mim; era a sua divina
presença. Por fim, ouvi que me diziam:
— Minha filha, minha filha, escuta o teu Jesus. Eu vou, hoje, ser tão ofendido!
Oferece-te a mim, hoje, muitas vezes, mas oferece-te assim: “eu ofereço-me
como vítima toda a vós Senhor, mas dum modo particular pelos pecadores
que, hoje, mais vos ofendem”. Busco este meio para lhes acudir. Mas para
tantos que não há cura, já passam muito além da medida dos pecados. Que
aflição para o meu Coração Divino! Ver o meu sangue derramado no meio
de tantas dores e de tanta aflição minha filha! Está o inferno cheio de almas
que me foram queridas. Infelizes! Deram ouvidos ao mundo e à carne,
satisfizeram-se renovando tantas vezes, toda a minha paixão. Desgraçados!
Arderão no inferno toda a eternidade.

Tive as carícias de Nosso Senhor, que me dizia assim:

— Vai filhinha, da minha Eucaristia, prostra-te à frente dos meus sacrários,


vive lá e repete-me muitas vezes: “eu vos desagravo e vos consolo, Senhor,
das ofensas que recebeis nessas prisões de amor” ».

Mais tarde, a 25 de Julho de 1935, Alexandrina sente-se feliz: Jesus continua


a visitar a sua alma e a mostrar-se carinhoso para com ela. Ela explica:

« Eu sentia-me tão bem com Nosso Senhor! Tão unida a Ele! Sentia um calor
tão forte! E uma força tão grande! Mas era uma força só no interior. E dizia-
me Nosso Senhor:

— Amo-te tanto minha filha! Mas estou contente contigo porque tu


correspondes ao meu amor ».

[1] São Pio X ; AAS, 28 - IV e 2 - V – 1910. [11] Carta ao Padre Mariano Pinho: 14.01.1935.
[2] Leão XIII: Laetitiae sanctae, 11. [12] Carta ao Padre Mariano Pinho: 21.03.1935.
[3] Carta ao Padre Mariano Pinho: 08.09.1934. [13] Carta ao Padre Mariano Pinho: 18.04.1935.
[4] Carta ao Padre Mariano Pinho: 04.10.34. [14] Carta ao Padre Mariano Pinho: 30.05.1935.
[5] Carta ao Padre Mariano Pinho: 01.11.1934. [15] Carta ao Padre Mariano Pinho: 06.06.1935.
[6] Carta ao Padre Mariano Pinho: 08.11.1934. [16] Carta ao Padre Mariano Pinho: 06.06.1935.
[7] Carta ao Padre Mariano Pinho: 08.11.1934. [17] Carta ao Padre Mariano Pinho: 11.06.1935.
[8] Carta ao Padre Mariano Pinho: 09.12.1934. [18] Carta ao Padre Mariano Pinho: 11.06.1935.
[9] Carta ao Padre Mariano Pinho: 10.01.1935. [19] Carta ao Padre Mariano Pinho: 04.07.1935.
[10] Carta ao Padre Mariano Pinho: 10.01.1935.

O MUNDO NO CORAÇÃO DE MARIA


« Mãezinha, quem ama o teu Jesus, ama o teu Coração. Quem ama o teu coração,
ama o teu Jesus » [1].

Foi em 1935, a 30 de Julho, que pela primeira vez Jesus pediu a colaboração da
Alexandrina para a consagração do mundo ao Coração Imaculado de Maria.

Em carta datada do dia 1 de Agosto desse ano ela dá conta ao seu Director espiritual
deste pedido de Jesus:

« No dia trinta, depois da Sagrada Comunhão, sentia-me muito bem com Nosso
Senhor, sentia uma grande união com Ele. Passados alguns momentos ouvi que Ele
me chamava:

— Minha filha, ó minha querida rainha, a que alturas te levei, a esposa do Rei
Sacramentado! Continua, minha querida filha, a tua breve missão: enquanto vives
pede-me pelos ceguinhos, pelos pobres pecadores. Ainda tens muitos para conduzires
aos teus caminhos. Eu sou o caminho, a verdade e a vida, conduz-mos para que Eu
seja amado. Não me deixes nem um momento sozinho nos meus sacrários. Eu estou
à espera de almas que me dediquem um amor como tu, mas não as tenho. Sou tão
desprezado! Mas não é só isso, sou tão ofendido! Tem pena do teu Jesus, meu anjo,
meu amor! Cura com a tua reparação esta lepra tão contaminosa. Manda dizer ao
teu pai espiritual que, em prova do amor que dedicas a Minha Mãe Santíssima, quero
que seja feito todos os anos um acto de Consagração do mundo inteiro, num dos dias
das suas festas, escolhido por ti: Assunção, Purificação ou Anunciação, pedindo à
Virgem sem mancha de pecado que envergonhe e confunda os impuros, para que eles
arredem caminho e não me ofendam. Assim, como pedi a Santa Margarida Maria
para ser o mundo consagrado ao Meu Divino Coração, assim peço-te a ti para que
seja consagrado a Ela com uma festa solene.

Sentia as carícias de Nosso Senhor » [2].

Jesus começa a sua mensagem atribuindo à sua vítima os títulos de “minha Rainha” e
o de “esposa do Rei Sacramentado”, para de seguida a encorajar na sua luta da salvação
das almas que regularmente esquecem que Jesus é “o Caminho, a Verdade e a Vida”.

Vem depois, o grande pedido, que se renovará muitas vezes, até ser concretizado: a
consagração do mundo ao Coração Imaculado de Maria.

“Manda dizer ao teu pai espiritual que, em prova do amor que dedicas a Minha Mãe
Santíssima, quero que seja feito todos os anos um acto de Consagração do mundo
inteiro”.

Obediente como sempre, Alexandrina mandou dizer ao seu Paizinho espiritual o que
Jesus acabava de lhe pedir, mas não foi ouvida, como no-lo confirma o Padre Mariano
Pinho, então seu Director espiritual:
« Não ligámos por então importância a esta parte da carta, pois era a época, como
ela afirma acima, dos mimos e das consolações espirituais, e são tão fáceis nessas
circunstâncias os equívocos e enganos a respeito do que se experimenta na alma... »
[3]

« Convém também ter presente — lembra o professor José Ferreira, e com razão —
que, embora viesse de Jesus, o pedido impunha uma tarefa ingente: mobilizar o Papa
e com ele toda a Igreja! E isto na base do pedido duma ignorada paralítica a viver numa
desconhecida paróquia rural dum pequeno país ».

Esta consagração anual deveria, segundo os desejos e instruções de Jesus, realizar-se


“num dos dias das suas festas, escolhido por” Alexandrina: “Assunção, Purificação ou
Anunciação”. Na cerimónia mundial organizada pela hierarquia da Igreja, o clero e os
fieis deveriam pedir “à Virgem sem mancha de pecado que envergonhe e confonda os
impuros, para que eles arredem caminho e não ofendam” mais Jesus.

Uma outra indicação interessante sobre esta consagração, encontramo-la ainda na


mesma mensagem de 30 de Julho de 1935:

“Assim, como pedi a Santa Margarida Maria para ser o mundo consagrado ao Meu
Divino Coração, assim peço-te a ti para que seja consagrado a Ela com uma festa
solene”.

Efectivamente o primeiro pedido de consagração do mundo ao Coração de Jesus foi


feito por Jesus em Paray-le-Monial, a Santa Margarida Maria Alacoque. Todavia, como
no caso da Alexandrina, este pedido ficou letra morta durante muito tempo, visto que
só duzentos anos depois o Sumo Pontífice Leão XIII, sob as insistências de Jesus
dirigidas à Irmã Maria do Divino Coração, superiora então do convento do Bom Pastor
no Porto, pôs em prática este pedido de Jesus.

Nada mais podendo fazer do que repetir as instruções de Jesus, Alexandrina continua
a sofrer, a amar e a reparar, tal como era a sua missão.

« Como eu sinto o meu coração a querer amá-lo muito, muito mais — explica ela em
carta ao seu Paizinho espiritual. Às vezes parece que Nosso Senhor me abraça, mesmo
sem me falar. Hoje, pareceu-me que o meu coração tinha desaparecido do seu lugar
e que eu tinha ido com ele. Que união tão profunda com Jesus! » [4]

São os tais momentos de consolações espirituais, de que fala o Padre Mariano Pinho;
são momentos de gozo antes que a tempestade, terrível tempestade espiritual, venha
desencadear-se no coração da vítima de Balasar.

Os primeiros sinais da chegada desta tempestade, encontramo-los na carta enviada ao


Director espiritual em setembro desse mesmo ano:

« Passo momentos em que parece que estou no meio dum deserto, sem saber o
caminho e sem ter quem me guie. Mas, se isto serve para o aumento do meu amor a
Jesus, o fazer amado, salvar as almas dos meus queridos irmãos e para consolar o
Seu Santíssimo Coração tão ultrajado, venha tudo que lhe aprouver contanto que se
faça a Sua Santíssima Vontade » [5].

Mesmo com a chegada deste “deserto”, Alexandrina não esquece a sua missão e, com
força e convicção aceita, esperando que o terrível estado de aridez espiritual em que se
encontra possa servir “para o aumento do seu amor a Jesus, o fazer amado, salvar as
almas dos seus queridos irmãos”, e mais ainda, “para consolar o Seu Santíssimo
Coração tão ultrajado”.

Ela não pode, de modo nenhum, esquecer aquele Coração que tanto amou os homens,
ao ponto de morrer por eles. É o que explica o Padre Humberto Pasquale, segundo
Director espiritual da Alexandrina:

« Jesus ama tanto os pecadores!... Odeia as suas ofensas, mas ama as suas almas!
Jesus tem o Coração aberto para a todos receber. Jesus verte lágrimas sem conta e
sangue com abundância. O mundo está coberto de lodo e lama... Os vícios e as
paixões atingiram a maior altura » [6].

Alexandrina, ouve, desde há algum tempo Jesus dizer-lhe que em breve estará no Céu,
que em breve vai ser lá acolhida pelos Anjos e pelos Santos, mas a palavra “breve” não
tem para Deus o mesmo significado que para nós.

Algo vai em breve acontecer, é verdade, mas não a morte que a conduziria
directamente ao Paraíso, como ela tanto desejava. O Padre Mariano Pinho explica:

« O ano de 1936 fica assinalado por dois factos importantes na vida da Alexandrina:
a sua primeira morte mística e o pedido à Santa Sé da Consagração do mundo ao
Imaculado Coração de Maria.

Quanto ao primeiro, é de notar que, inúmeras vezes, Nosso Senhor, para a encorajar
nos sofrimentos, lhe prometia levá-la em breve para o Céu. E, por isso, a Alexandrina
vivia sempre na ânsia e na expectativa desse momento tão desejado » [7].

“Foi-se-lhe gravando no espírito o pensamento de que morreria pela Festa da


Santíssima Trindade” de 1936, escreve o mesmo sacerdote. Mas deixemos a
Alexandrina dar-nos ela mesma a notícia, que ela conta duma maneira quase
surrealista:

« Em 1935, Nosso Senhor preveniu-me de que iria morrer antes da festa da


Santíssima Trindade de 1936. Como não conhecia outra morte, pensava que era
deixar este mundo e partir para a eternidade. Nesse tempo, tudo eram mimos,
consolações e alegrias espirituais. À medida que se ia aproximando o dia da
Santíssima Trindade, aumentava a minha alegria e contentamento. Ia passar no Céu
a festa dos meus tão queridos Amores, como lhes chamava: Pai, Filho e Espírito
Santo.
Os males do corpo iam aumentando e tudo dava sinal da minha partida. Dois dias
antes, Nosso Senhor disse-me que morreria das 3h às 3,5 da manhã e que mandasse
vir o meu Pai espiritual. Assim o fiz. Ele chegou ao cair da tarde e passou a noite
junto de mim. Preparei-me para morrer. Sua Reverência fez comigo um acto de
inteira resignação e conformidade com a vontade de Deus... » (Autobiografia)

Surpreendente o que a seguir:

« Pedi perdão à minha família, a cantar de alegria, assim:

Feliz, oh, feliz


Se eu tal conseguia,
Morrer a cantar
O nome de Maria!

Feliz quem mil vezes,


Na longa agonia,
Com amor repete
O nome de Maria ». (Autobiografia)

Felizes almas que, mesmo face á morte continuam, ou até redobram de fervor e de
puro amor!

Com que simplicidade ela canta o seu amor a Maria!...

« É — diz Santa Teresa de Ávila —, uma morte saborosa, um arrancar de alma de


todas as operações que pode ter, estando no corpo; deleitosa porque, ainda que de
verdade pareça que a alma se aparta dele, é para melhor estar em Deus » [8]

Continuemos a ler o trecho que se refere à morte mística da “Doentinha de Balasar” e


saboreemos a simplicidade e a ingenuidade que dele ressalta:

« A aflição ia aumentando... À hora marcada por Nosso Senhor, não sei o que senti,
deixando de ouvir o que se passava à volta de mim. O meu Pai espiritual e a minha
família rezaram o ofício da agonia, acenderam uma vela benzida, meteram-ma nas
mãos, mas eu já não dei por isso, e assim estive algum tempo.

Julgavam-me já quase morta e choravam por mim. Nessa altura, já ouvi os choros
dos meus; principiei a respirar e, pouco a pouco, reanimei-me, mas, ainda debaixo
do mesmo estado, pensei: Estais a chorar e eu sempre morro. Estava sempre a ver
quando aparecia na presença de Nosso Senhor. Não tinha pena por deixar o mundo
e os meus queridos. Quando via que ia melhorar e que não se cumpriam as palavras
de Jesus, caiu sobe mim uma tristeza que não se pode calcular e um peso esmagador
». (Autobiografia)

Por um pouco pensaríamos naquelas traquinices que ela costumava fazer à irmão,
quando eram crianças e que ela conta na Autobiografia.

Triste de não ter passado deste mundo para outro melhor, a Alexandrina ficou
inconsolável, sobretudo porque o seu Paizinho espiritual, por causa de transporte, não
pôde esperar que ela voltasse ao seu estado normal e a confortasse depois...

« Eram horas do meu Director espiritual se retirar — explica ela —, não tendo tempo
para me dizer umas palavrinhas de conforto. Passei a festa da Santíssima Trindade
como uma moribunda e dentro de mim tudo era morte. As lágrimas corriam-me, as
dúvidas eram quase insuportáveis... »

E, porque duvidava ela?

« ...porque não só me tinha enganado no que dizia respeito a este dia, isto é, à morte,
como também em tudo quanto Nosso Senhor me tinha dito antes deste dia ».

Situação paradoxal, mas luz radiante para o Director espiritual, como ele mesmo o
confessa:

« Este acontecimento — escreve o Padre Mariano Pinho —, que para a Alexandrina


foi o ponto mais cerrado desta sua noite escura, para o Director espiritual foi luz
decisiva... » [9]

Quase um ano mais tarde, por volta do fim do mês de Abril 1937, Alexandrina
encontra-se, aparentemente, às portas da morte, tendo perdido completamente os
sentidos durante várias horas, após duríssimos sofrimentos.

Após a recuperação, o Pároco passa a levar-lhe a Sagrada Comunhão todos os dias.

Durante dezassete dias não consegue engolir nada, excepto a Sagrada Hóstia.

Nesse mesmo ano e, porque o Padre Pinho escrevera para Roma pedindo a
consagração do mundo ao Coração Imaculado de Maria, Alexandrina recebe, a 31 de
Maio a visita do Padre António Durão, S.J. — enviado pela Santa Sé —, para examinar
o seu caso. Parte bem impressionado, depois de ter orado com a “Doentinha de
Balasar”.

Como se esta visita não chegasse para afligir a Alexandrina, um outro “visitante”, este
bem mais terrível e pernicioso, começa, a partir do mês de Julho desse ano a causar-
lhe grandes tormentos e grandes aflições. Trata-se do “manquinho”, como ela o
chamava, o rei da mentira: Satanás. Este período só terminará a 7 de Outubro do
mesmo ano.
Alexandrina continuará a sofrer, continuará a amar e a reparar, porque é essa a sua
missão sobre a terra, missão que ela livremente aceitou.

« Eu não posso dispensar-te de tão tremendos ataques — lhe diz o Senhor —, de tanta
reparação para Mim. Que tesouros de graças para Eu derramar sobre os pobres
pecadores! Descansa em paz dentro do meu Coração. Os Anjos bons te defenderão
dos maus. Recebe, meu anjo, as carícias do teu Jesus » [10].

Todavia, como lhe diz também Jesus, ela tem sempre a possibilidade e o insigne
privilégio de poder descansar em paz no Coração de Jesus, aquele Coração onde as
forças do mal não têm acesso, e onde ela pode receber as carícias do seu divino Esposo.

É o que lhe reafirma Jesus um mês mais tarde:

« Repousa contra o meu Coração; aqui encontras tudo: luz para poderes caminhar,
força para tudo suportares e amor para tudo sofreres » [11].

Muitas vezes, quando Jesus lhe fala do seu divino Coração, associa ao Seu o da sua
Santíssima Mãe, dois Corações inseparáveis e de tal maneira unidos que, estamos
seguros, formam um só e único centro de Amor divino, um só e único Coração. Aqui
temos, a seguir, um exemplo desta união sagrada:

« Recebe, minha filha, as minhas carícias, descansa entre o meu santíssimo Coração
e o de tua Mãezinha do Céu, que contempla com ternura, a meu lado, o teu
sofrimento, mas alegre, por ver a glória que me dás, os pecadores que me salvas e o
que no Céu está preparado para ti. Associa-te aos Anjos e louva-me com eles, na
minha Eucaristia » [12].

“O que no Céu está preparado para ti!”

Nos escritos da Alexandrina encontramos muitas vezes esta alusão ao que no Paraíso
estava preparado para a Vítima de Balasar. As expressões não são sempre as mesmas,
mas o significado não difere: Alexandrina beneficiará no Paraíso dum grande poder de
intercessão, porque Jesus quer que ela seja “o canal por onde passarão as graças”
distribuídas aos pecadores.

Esta intercessão é tão importante que se torna “impossível dizer quanto a Alexandrina
tenha alcançado do Coração do seu Amado, com o seu heroísmo de imolação” [13].

Infelizmente, « o fato mais doloroso e mais triste de todos é que tantas almas,
remidas pelo sangue de Cristo, como que arrebatadas pelo turbilhão desta época
transviada, vão-se precipitando numa conduta sempre mais depravada, e se
abismam na eterna ruína » [14], daí a necessidade de almas-vítimas, daí a necessidade
de oração e de penitência.

« Certamente —afirma o Papa Leão XIII —, nem a todos é dada a possibilidade, nem
todos têm a obrigação de fazer o mesmo; mas cada um é obrigado, segundo o seu
poder, a mortificar a sua vida e os seus costumes. Exige-o a justiça divina, à qual é
dada estrita satisfação das culpas cometidas; e é preferível dar essa satisfação
enquanto se está em vida, com penitências voluntárias, porque assim também se tem
o mérito da virtude » [15].

O Padre Humberto Pasquale, por sua vez, ensina-nos e previne-nos igualmente:

« Jesus ama tanto os pecadores!... Odeia as suas ofensas, mas ama as suas almas!
Jesus tem o Coração aberto para a todos receber. Jesus verte lágrimas sem conta e
sangue com abundância. O mundo está coberto de lodo e lama... Os vícios e as
paixões atingiram a maior altura » [16].

No mês de Maio de 1938, os Bispos portugueses reúnem-se em Fátima em retiro


espiritual. Esse retiro será orientado e pregado pelo Padre Mariano Pinho, director
espiritual da Alexandrina, que aproveitará para os “interessar” a respeito da
consagração do mundo ao Coração Imaculado de Maria. Eles aceitarão a proposta e é
o próprio Padre Pinho quem escreverá a carta ― em latim ― que depois será enviada
ao Sumo Pontífice.

Desta carta resulta um novo exame da Santa Sé, confiado desta vez ao Cónego Manuel
Vilar ― natural de Terroso (Póvoa de Varzim) ― reitor do Pontifício Colégio Português
de Roma.

Este sacerdote tornar-se-á um amigo da vidente de Balasar e seu defensor.

Nesse mesmo ano, a 3 de Outubro, Alexandrina “viverá”, pela primeira vez a Paixão,
dada como sinal da autenticidade do pedido de consagração do mundo. Este fenómeno
extraordinário durará, na sua forma “visível”, todas as sextas-feiras, até 20 de Março
de 1942, ano em que a dita consagração iria ser realizada.

Entretanto, Jesus continua a visitá-la e a encorajá-la na sua missão;

« Hoje, depois da Sagrada Comunhão ― escreve ela ao seu Paizinho espiritual ―,


falou-me Nosso Senhor:

— Meu anjo, ó louquinha! Eu venho dar-te a mão, bafejar-te com o me Bafo divino.
Venho encher-te, dar-te força para caminhares. Olha, meu amor. Tu amas-me a mais
não poder, ainda que to não pareça. Tu és o tudo do meu Coração e Eu o tudo do teu.
Eu tenho-te no meu Coração, no lugar mais elevado. És o meu adorno mais belo, mais
sublime. E o teu adornei-o com as mais heróicas virtudes. Queres, meu amor, fazer
um contrato? Queres contratar comigo?

E eu disse: Ó meu Jesus, eu quero, mas de cada vez me sinto mais confundida. Vós
bem vedes a minha miséria. Eu sou tão nada!

— Que tens tu com isso? Fui eu que te escolhi assim com essa miséria! Tu deste-me
tudo: Eu em troca dou-me todo a ti. Dou-te todos os tesouros do meu Coração. Pega-
os, são teus. Dá-os a quem quiseres. Ele está a transbordar de amor: reparte-o. Como
é belo amar a Jesus!

Eu estava envergonhada. Como eu era pequenina! » [17]

E, como sempre o Coração de Jesus está no centro: “Eu sou o tudo do teu coração”,
diz-lhe o Senhor, depois de lhe ter afirmado que ela, a Alexandrina, era o tudo do Seu.

Depois, vem aquela proposição de “contrato” que surpreende a Vidente que outra coisa
não pode dizer senão confessar o seu abismo: “Vós bem vedes a minha miséria. Eu
sou tão nada!”

Que importa o abismo se o divino Arquitecto tem em mão os planos?

Jesus não desarma e propõe:

“Dou-te todos os tesouros do meu Coração”.

E, como se esta proposta não fosse suficiente, o Senhor propõe ainda:

“Pega-os, são teus. Dá-os a quem quiseres. Ele está a transbordar de amor: reparte-
o”.

Como é bom o nosso Deus! Como ele nos ama!...

A resposta da bem-aventurada beneficiária é como um hino à humildade:

“Eu estava envergonhada. Como eu era pequenina!”

Alexandrina não se sente competente para tão alta missão, ela que era tão
“pequenina”, logo pensa que o seu Director espiritual ― que nesse momento está em
Fátima rodeado de Bispos ― é a pessoa mais indicada para receber e distribuir tais
tesouros. Para que isso possa ser possível ela interroga o Senhor, sempre com a mesma
humildade e simplicidade:

― « Ó meu Jesus e poderei eu entregar-me com os vossos divinos tesouros ao meu


Paizinho para que ele os reparta como ele quiser às pessoas que me são tão queridas,
e aos Senhores Bispos para eles os darem cada um aos seus padres, e os padres às
almas? »

Se a pergunta é simples e oportuna, a resposta não o é menos! E que ternura nas


palavras de Jesus!

— « Sim, minha amada. O teu Paizinho melhor que tu os saberá distribuir. Faz deles
o que quiseres. Como isto me dá consolação! Que consolação me dás! Como Eu te uno
a Mim e te estreito ao meu Santíssimo Coração! » [18]
Cinco dias depois, Alexandrina volta a escrever e, se já abrasada no amor divino, ela
parece insatisfeita: ela quer amar mais, muito mais e mais ainda...

« Mas ainda ansiava mais ― escreve ela. Queria o meu Jesus. Passado algum tempo,
ouvi que Ele me falava:

― Alexandrina, louquinha do amor divino, tem confiança, tem confiança! Minha


predilecta esposa que me amas e eu amei-te logo que existias! E amei-te tanto que
depressa atingi todo o amor que posso dar às criaturas. Eu amo sem limites, mas
não posso amar-te mais. Tens uma prova bem clara, meu amor. Se te não amasse
tanto, não te fazia sofrer assim. Dou-te todos os sofrimentos do corpo e da alma. Mas
é preciso, meu anjo, sofrer assim para ocupares o lugar que ocupas no meu Divino
Coração. Tu, minha louquinha, a sofrer assim, estes dias de angústias, de desolação
tremenda, e Eu cheio de delícias em ti » [19].

“Eu amai-te logo que existias”, diz Jesus, antes de lhe dizer que “amava sem limites”
e “não posso amar-te mais”. Parece paradoxal, mas não é, porque não é o amor de
Deus que é limitado, mas aquela a quem Ele se destina. Efectivamente, nenhum ser
humano poderia conter aquilo que não tem limites: nenhum balão pode conter mais
ar do que aquele que lhe é destinado, senão rebenta. Assim é com o Amor “sem limites”
de Deus.

Outra frase que Jesus lhe diz e que nos interpela, é esta: “Se te não amasse tanto, não
te fazia sofrer assim”.

Jesus disse esta mesma frase a Santa Teresa de Ávila, a grande Doutora mística. A
resposta da Santa é dum humor extraordinário, o que prova a simplicidade e o “à
vontade” com que ela falava a Jesus. Disse-lhe pois:

“Se fazeis isso aos vossos amigos, Senhor, não me admira que tenhais tão poucos!”

Alexandrina, quanto a ela, continua a receber as visitas do Senhor que encontra no


coração simples e inocente da sua esposa alívio para os males que entristecem o Seu:
os pecados do mundo.

« No dia 3 — de junho, escreve ela ao seu Pai espiritual —, depois de Sagrada


Comunhão, sentia que Nosso Senhor se deliciava em mim e eu disse-lhe:

― Deliciai-vos meu Jesus à Vossa vontade.

E Ele disse-me:

— Minha louquinha, minha querida pombinha, ama-me pelos que não me amam,
quero que me substituas esse amor. Eu tenho tanta fome das almas e elas não querem
saciar a fome de Jesus. Eu quero abundá-las, enriquecê-las dos meus divinos
tesouros, e elas não querem. Pobrezinhas! Querem viver pobres! O meu Divino
Coração sangra, sangra rios de sangue com os pecados do mundo. (...) Oferece-me,
meu anjinho, os teus sacrifícios; consolas-me tanto! Deixa-me deliciar-me, acariciar-
te e estreitar-te mais no meu Divino Coração » [20].

Jesus, sequioso de amor e de almas, lembra à sua vítima o “contrato” passado entre
eles: enriquecer as almas com os tesouros confiados à Alexandrina. Porque o Seu
Coração “sangra, sangra rios de sangue” e, para sarar aquela ferida aberta, a vítima
deverá oferecer os seus sacrifícios, porque estes são como um bálsamo suave que
consola tanto Jesus.

Alexandrina tinha já de antemão dado a resposta que Jesus esperava: “Deliciai-vos


meu Jesus à Vossa vontade”.

Pouco depois o céu da vida espiritual da “Doentinha de Balasar” começa a obscurecer-


se e, às consolações vão suceder, a obscuridade, a aridez e o abandono, assim como
visões terríveis da humanidade pecadora que não hesita agora a revoltar-se contra o
Criador. Ouçamo-la:

« Ontem, domingo, Nosso Senhor mudou o meu sofrimento. Mas ai, meu Jesus, ai,
meu Paizinho! Não foi menos doloroso. Recebi o meu Jesus, começou-se a apoderar
de mim uma tristeza tão profunda, parecia mortal. E depois começaram os maus
tratos a Nosso Senhor. Eu sentia que retalhavam todo o Corpo Santíssimo do meu
Jesus e atiravam os pedaços com muita força para longe. As aves apanhavam-nos
assim como outros animais. Mas era tal a raiva que tinham àqueles pedaços de
carne, que os que ainda de novo podiam tirar aos animais, os esmigalhavam com
pedras ou coisas parecidas. Por fim, veio o Coração Santíssimo de Jesus, e umas
mãos brutais O apertavam e atavam à volta arames ou cordas fininhas com tanta
força que quase traçavam ao meio. Depois, com uns chuços de ferro o espicaçavam
todo: e por fim o esmigalharam. Ai, meu Paizinho!

Eu contemplei bem profundamente este espectáculo. Eu vi bem com os olhos da


minha alma, tudo isto. Eu não podia mais. O meu coração doía-me, estava
agitadíssimo » [21].

Imagem terrível que ela não esquecerá tão cedo, se a conseguiu esquecer...

Mas Jesus, depois de alguns dias de ausência ou de silêncio, talvez para a testar, vai
bem depressa reconfortá-la e explicar-lhe que os sacrifícios que lhe pede são
necessários para a salvação das almas. Pela sua aceitação constante Alexandrina torna-
se a heroína do Amado.

Escrevendo ao seu Pai espiritual, ela conta:

« Isto agora é o que Nosso Senhor me disse no dia 11, dia em que o meu Paizinho aqui
esteve:

― Minha filha, minha esposa, minha querida heroína. Chamo-te heroína porque é
tua a vitória. Chamo-te tudo que te posso chamar. Anda ao teu Jesus que tem feito
violência para não vir a ti, ou melhor para não te falar, para me não fazer sentir,
porque em ti estou sempre, nunca te abandono. Queres tirar os espinhos ao meu
Coração?

Eu disse:

― Todos, todos, meu Jesus.

― Pois é sofrendo assim, o mundo está como nunca esteve. A malícia dos homens
atingiu a maior altura. Queres amor? Não podes com nada, mas amas-me. Viste
aquele coração que te mostrei a arder em chamas de amor? Era o teu. Era a tua e
minha Mãe Santíssima que o tinha em suas mãos. Os raios que vinham do alto para
ele, vinham da Santíssima Trindade. Viste a minha Mãe Santíssima. Não te
enganaste. Não te falou para não ser tão grande a consolação. Coragem, minha
pombinha. Tu a sofrer, e Eu em ti em delícias. Eu consolado, e tu triste. Diz ao teu
Paizinho que te auxilie porque estás a atravessar os caminhos mais dolorosos, e és a
minha esposa mais querida. Coragem, coragem, porque é com a tua generosidade
no sofrimento que tiras a sebe de espinhos que cerca o meu Divino Coração. E é
preciso sofreres para mereceres os nomes que Eu te tenho chamado » [22].

Nalguns países existe este ditado popular: “Os males de uns são a felicidade de
outros!”

Jesus que sofre os males que Lhe causam os pecados do mundo utiliza mais ou menos
este mesmo ditado expurgado do sentido pejorativo que possa ter a versão dos
homens: “Tu a sofrer, e Eu em ti em delícias. Eu consolado, e tu triste”.

Mais lhe diz ainda: “E é preciso sofreres para mereceres os nomes que Ei te tenho
chamado”.

Já tivemos ocasião de frisar quão numerosos foram os títulos que a Alexandrina


recebeu de Jesus: “minha heroína” e “minha pombinha”, aqui; “minha louquinha” ou
“louquinha da minha Eucaristia”; “minha rainha” ou “esposa do Rei Sacramentado”,
mais acima. Como já dito, o Padre Humberto Pasquale, seu segundo Director
espiritual e seu biógrafo, contou mais de 300.

Quando este ano de 1938 estava prestes a findar, a 27 de Dezembro, Alexandrina foi
examinada pelo eminente professor Elísio de Moura, psiquiatra; ele mostrou-se cruel
para com ela, causando-lhe umas grandes dores e tristes recordações para o futuro.
Tratou-a “aos safanões”, comenta o Padre Mariano Pinho que assistiu a essa consulta.
“Não me saía da ideia o que o médico me tinha feito sofrer... o dia de ontem foi um
dia de lágrimas para mim...” [23], diz a Alexandrina ainda toda dolorida pelos maus
tratos recebidos.

Na sua Autobiografia ela conta este episódio surpreendente:


« Em 26 de Dezembro de 1938, fui visitada e examinada pelo Sr. Dr. Elísio de Moura,
que me tratou cruelmente, tentando sentar-me numa cadeira com toda a violência.
Como nada conseguisse, atirou-me para cima da cama, fazendo várias experiências
que me fizeram sofrer horrivelmente. Tapou-me a boca, atirou-me contra a parede,
fazendo-me dar uma forte pancada. Vendo-me quase desmaiada, disse-me: “Ó
minha Joaninha, não percas os sentidos!”.

Sem querer, chorei, mas todas as minhas lágrimas ofereci a Jesus com os meus
sofrimentos, que foram muitos, pois o que digo nada é do muito que passei. Tudo lhe
desculpei, porque ele vinha em missão de estudo » [24].

[1]Padre Humberto Pasquale: «Alexandrina»; Padre Humberto Pasquale: «Alexandrina»;


[13]

cap. 5. cap. 4.
[2] Carta ao Padre Mariano Pinho : 01.08.1935. [14] Leão XIII: Supremi apostolatus officio, 11.
[3]Padre Mariano Pinho: “No Calvário de [15] Leão XIII: Octobri mense, 29.
Balasar”, cap. 10. Padre Humberto Pasquale : «Alexandrina»;
[16]
[4] Carta ao Padre Mariano Pinho : 22.08.1935. cap. 5.
[5] Carta ao Padre Mariano Pinho : 11.09.1935. [17] Carta ao Padre Mariano Pinho : 05.05.1938.
[6]Padre Humberto Pasquale : «Alexandrina»; [18] Carta ao Padre Mariano Pinho : 05.05.1938.
cap. 5. [19] Carta ao Padre Mariano Pinho : 10.05.1938.
[7]Padre Mariano Pinho : “No Calvário de [20] Carta ao Padre Mariano Pinho : 06.06.1938.
Balasar”, cap. 10.
[21] Carta ao Padre Mariano Pinho : 25.07.1938.
[8]Santa Teresa de Ávila : Moradas ou Castelo
interior, Quintas moradas, cap. I-4.
[22] Carta ao Padre Mariano Pinho : 15.08.1938.
[9]Padre Mariano Pinho : “No Calvário de
[23] Carta ao Padre Mariano Pinho : 27.12.1938.
Balasar”, cap. 10. [24] Alexandrina Maria da Costa : Autobiografia.
[10] Carta ao Padre Mariano Pinho: 30.08.1937.
[11] Carta ao Padre Mariano Pinho: 24.09.1937.
[12] Carta ao Padre Mariano Pinho: 02.10.1937.
AO LONGE TROA O CANHÃO!...
O novo ano começará como terminou o outro: sofrimentos e dissabores diversos
ocuparão os dias e as noites da bem-aventurada vítima de Balasar.

Desde Janeiro Jesus prediz-lhe o começo da guerra que porá o mundo em ruínas e
causará a morte de milhões de pessoas de todas as idades e sexo, de todas as religiões
e ritos.

— « O mundo está preso num fiinho tão quebradiço! Dum instante para o outro ou o
Santo Padre se move a consagrá-lo ou o castigo vem ao mundo ! A vossa Imaculada
Mãe tem o remédio para tudo ! Mas até lá crucificais a Vossa louquinha ! A
consagração do mundo tem tantas vantagens ! Faz que desça o perdão e a paz do
Céu à terra ! Faz que vão a Vós os corações, e afervora as almas no amor à Vossa
Mãe Santíssima ! Vós quereis que Ela seja amada? Ela está entre o pecador e a mão
da Justiça Divina ! É a salvação da humanidade ! Que remédio tão salutar! Depressa,
depressa a aplicá-lo! Ai, que maldade vai pelo mundo ! Sofrestes tanto ! » [1]

Como sempre, dócil às moções divinas, Alexandrina oferece-se como vítima pela paz!...

O interveniente da maldade e da audácia tenta interpor-se entre a Alexandrina e


Jesus... O mentiroso, ou o “manquinho”, como ela lhe chama, não se cansa nas suas
lides pérfidas, nas suas mentiras que ele pensa bem urdidas, nas suas investidas
tempestuosas, nos seus “chilreados” viperinos, para tentar desconcertar a Vítima do
Calvário de Balasar... Mas ali parte os dentes, porque aquela que ele julga frágil é tão
forte como um exército pronto para a batalha, tão decidida como o gladiador bem
armado, tão impregnada das graças divinas que nada a faz recuar, que nada a faz
temer, mesmo quando, por vezes, o medo parece fazê-la temer o caminho...
Alexandrina só tem um lema e esse é de avançar, custe o que custar, para a maior glória
de Deus e o bem das almas.

Mas, ouçamos o que ela escreve ao seu Paizinho espiritual no começo deste novo ano:

« Agora o demónio é que me consome. Diz-me que eu faço a paixão quando eu quero.
Que sou eu, que sou eu quem a faço. “Aos médicos não enganas”: diz-me ele. “Não te
acreditam. Mas aqueles f. etc... e mais alguém bastam para espalhar”. E nestes
momentos, quando me diz estas coisas, que raiva ele tem contra mim. Uiva, parece
que lhe oiço ranger os dentes, e figura-se me que me dá pontapés e escarra na cara.
Eu, quando me parece que sinto os escarros, digo só com o pensamento: também a
Nosso Senhor o escarraram. Então é que ele fica furioso. Diz-me tantas coisas feias
de mim e do meu Paizinho! Que combate ainda hoje tive. Chamei pelo meu Jesus, pela
Mãezinha do Céu e por muitos santos e santas para me ajudarem a vencer tão grande
combate sem desgostar ao meu Jesus. Diz-me, também, que eu tremo porque quero.
Foi por eu não tremer diante do Senhor Abade e do Senhor Cónego ao eles
pronunciarem palavras das que costumam fazer-me tremer. Diz-me: “Não tremeste,
porque eles não te agradaram” » [2].

O diabo fala aqui do “Senhor Cónego” — e até foi delicado em tratá-lo por “Senhor” —
e é verdade — ele com a verdade se engana! — pois trata-se do Sacerdote vindo de
Roma e do qual já falamos: O Dr. Manuel Vilar, professor no Colégio português de
Roma e que, enviado pela Santa Sé, vinha informar-se junto da Alexandrina acerca da
consagração do mundo ao Coração Imaculado de Maria.

Escrevendo ao seu Director espiritual, a Alexandrina diz:

« Ontem tive aqui o Senhor Cónego Vilar, vinha do mando da Santa Sé.

O meu Paizinho já sabe? Mesmo sem ele me dizer nada, pensei e não me enganei, ao
que ele vinha. Falou muito bem. Gostei muito dele. Parecia-me um santinho. Não
deixou, com tudo isto, de me custar imenso. Fez-me várias perguntas que a tudo
respondi, como sabia. Como ele não trazia cartão nenhum do meu Paizinho, já tinha
dúvidas se procederia mal. Se fiz mal, peço desde já que me perdoe. Bem sabe que em
nada lhe quero desobedecer. Se fosse outro Senhor Padre qualquer, que não viesse
mandado como ele veio, claro está, que lhe não dizia nada.

Ele disse-me que talvez cá voltasse e hoje, o nosso senhor Abade, quando me veio
trazer Nosso Senhor, disse-me que o Senhor Cónego Vilar talvez cá viesse na próxima
sexta-feira, se pudesse. Ainda bem que o meu Paizinho está aqui na freguesia » [3].

Santa obediência!...

Como dissemos acima, a Alexandrina vive nas trevas e vai endossar uma outra missão,
difícil e dolorosa: “encarnar” a humanidade pecadora e responder por ela perante a
Justiça divina... Mas antes que isso aconteça, as trevas que começam a atormentá-la.
Ouçamo-la:

« Não mereço ser falada, sou digna de desprezo. Vivo numa tristeza e noite
contínuas. Trevas, trevas, ó que trevas. Vejo isto a grande distância. É escuro, é
medonho, o caminho que tenho que seguir. Nem ao menos uma pequena luz para me
guiar. Por vezes parece que rebento com o peso que vem sobre mim. Oh! como me faz
sofrer!

Faz-me sofrer também, não caibo em mim, parece que me faz rebentar, as ânsias do
meu Jesus. Ai, meu Paizinho, como eu queria amar o meu Jesus. Ele é digno de todo
o amor.
Eu sofro, e sofro tanto, por me parecer que O não amo e que não tenho que Lhe
oferecer » [4].

Na mesma carta ao seu Director espiritual Alexandrina faz uma confidência muito
interessante onde ela revela uma vez mais não só a sua simplicidade e humildade, mas
também a sua ingenuidade espiritual. Ouçamos, porque é deveras significativo:

« Neste mesmo instante — portanto quando escrevia ao seu Paizinho — me brada


Jesus:

— Coragem, coragem, para o sacrifício. Não negues nada ao teu Jesus.

Momentos antes de principiar esta carta chamava-me Ele:

— Alexandrina, meu querido amor, já que não chamas por Mim, chamo Eu por ti.
Dás-me todos os sacrifícios que te peço!

— Tudo, tudo, meu Jesus: O que eu quero é ter que Vos dar!

— É esta vida triste e dolorosa, mas Eu quero que vivas assim. Se soubesses em que
fim aplico os teus sofrimentos! O proveito que tiro! Mas confia que te dou força e te
darei sempre que precises, o teu Paizinho para te confortar e te guiar.

Eu lembro-me sempre do meu Jesus, mas confesso a minha falta, não chamo por Ele
com o fim de Ele me falar... » [5]

Santa simplicidade, santa inocência!...

*****

Mas agora Jesus queixa-se da ingratidão dos homens:

« Hoje, antes de comungar — escreve ela a 3 de Fevereiro —, ai meu Jesus, como era
medonho o meu estado. E logo que recebi a Jesus, parecia-me que Ele se abraçava ao
meu coração, parecia arrancar-mo. E com tanta mágoa dizia-me:

— Tem pena, tem dó de Jesus: compadece-te de Mim, minha crucificada. Que


ingratidão, que maldade a do Universo. Que dor pungente, que tristeza infinda. Sofro
tanto! Não posso sair da dor, da tristeza e da amargura » [6].

Quinze dias mais tarde, Jesus volta a queixar-se e pede o auxílio da Alexandrina,
porque os pecados dos homens são como lanças a trespassar o seu Coração.

« De manhã, ainda cedinho, caíram sobre mim, mais fortemente, os sofrimentos da


alma. Recebi o meu Jesus ainda para mais sofrer no meio de toda a miséria, com um
peso esmagador e uma tristeza profunda. Mas ouvi que Ele me falava assim:
— A força do amor tudo vence, minha jóia. Ai! Consentes que Eu passe para ti toda a
minha dor, tristeza o peso com que a gravidade da humanidade a cada momento
trespassa com lanças o meu Divino Coração e faz abrir a minha Divina Chaga? » [7]

Alguns dias depois, na carta que escreveu ao seu Director espiritual, lemos esta
“queixa” da Alexandrina e o desabafo de Jesus:

« Nosso Senhor não me tem falado: só ontem me disse estas tristes palavrinhas com
paz mas sem nenhuma consolação:

— Ai, ai, como o meu Divino Coração está triste e amargurado. Compartilha da
minha dor. Eu fui tão, oprimido! » [8]

Jesus faz pesar sobre o coração e sobre a alma da sua vítima, todo o amargor que Ele
mesmo sente por causa dos pecados do mundo, mas de vez em quando, para a aliviar
de tão pungentes situações, retira-lhe esse peso, deixando-a desfrutar de momentos
de paz e de sossego, como para a preparar para novos combates, novos sofrimentos e
angústias.

« De repente saiu de mim todo o peso, saí daquela noite e como que uma luz começou
a iluminar-me. E falou-me Jesus assim:

— A minha amada está assustadinha. Mas olha minha louquinha; não é nada, nada
contigo; é o estado da alma do pecador. São os horrores do mundo. Queres salvá-lo?

Sim Jesus, eu quero sofrer tudo contanto que sejais comigo: sou a Vossa vítima.

— Eu só quero a tua alma e o teu corpo para crucificar: e a tua generosidade nada
mais posso exigir. Só tenho que te tomar para os meus Santíssimos braços, estreitar-
te ao meu Divino Coração, e acariciar-te.

Senti então as carícias de Jesus » [9].

Como ninguém, Jesus conhece a medicina que cura sem sarar, o bálsamo suave que
faz esquecer a dor que não cessa de doer, que reaviva a força que faz desfalecer em
Seus braços a vítima que se oferece, que crucifica o corpo para melhor e mais ser
amado... ciência divina, como és impenetrável!

Por vezes, uma curta frase, uma palavra apenas, valem mais do que um grande
discurso... Exemplo:

« Durante a paixão dizia-me:

— Estou tão deliciado no teu coraçãozinho! Tem coragem, tem confiança que sou Eu
» [10].
É na verdade uma curta intervenção, mas suficiente para tranquilizar, suficiente para
dar novas forças, para desperta o amor — se isso fosse necessário! — na vítima que se
esquece ou permanece no enleio das doçuras celestes.

E, o resultado deste despertar das doçuras celestes, desta viagem celeste inconsciente,
é mais do que positivo, é um renovar de forças, é uma entrega redobrada, é uma aurora
de amor, um arrependimento renovado e uma entrega total e sem reticências.

« Oh! Se eu pudesse ainda ter mais sofrimentos para com eles conseguir que o meu
Jesus não soubesse da maldade com que é ofendido, para Ele não se desgostar, para
que se não ferisse o seu Divino Coração! » [11]

E, sem ambiguidade, sempre continua no centro o Coração de Jesus, aquele Coração


de que Ele mesmo nos fala no Evangelho, quando nos diz que o seu jugo é suave:

« Tomai sobre vós o meu jugo e aprendei de mim, porque sou manso e humilde de
coração » (Mt.11, 29).

E, como todos os tesouros confiados à Alexandrina estão no Coração de Jesus,


podemos dizer com Ele e com ela:

«Onde estiver o teu tesouro, aí estará também o teu coração » (Mt. 6, 21).

São numerosos os trechos ― nos escritos da Alexandrina ― em que encontramos


unidos os Corações de Jesus e de Maria, dois Corações inseparáveis vibrando no
mesmo Amor, o Amor de Deus. Aqui temos uma prova dessa dualidade e dessa santa
união:

« Nosso Senhor antes de principiar não faltou a dar-me um bocadinho de conforto.


Dizia-me:

— Minha filha, minha esposa, loucura do meu Coração, dá a esmola da crucifixão em


honra das dores da minha Santa Mãe e da minha Paixão. Dá a esmola ao teu Jesus.
O fruto dela. Eu o distribuirei como me aprouver. Tem coragem e confiança. O teu
Jesus com o teu Cireneu são a tua força » [12].

O Cireneu de que fala Jesus é o Padre Mariano Pinho que, mesmo distante, está
sempre presente pela oração e pelo pensamento, particularmente às sextas-feiras, dia
em que Alexandrina revive a dolorosa Paixão.

É grande a missão confiada à Alexandrina: participar, pelos seus sofrimentos e pela


sua entrega total nas mãos do Senhor, no mistério da Redenção. Jesus mostra-lhe a
grandeza dessa missão e lembra-lhe os tesouros que havia pouco lhe confiara:

« De repente estava na luz. Sentia-me tão grande, não cabia em mim: e Jesus dizia-
me:
— À louquinha do meu amor renovo a entrega dos tesouros do meu Divino Coração,
toda a riqueza do meu amor para poderes dar às almas. Dou tudo que possa dar à
louquinha a quem mais amo. Tem coragem! A dor há-de pungir o coração. O teu
corpo, o teu coração, a tua alma são mártires do teu amor. Eu escolhi a dor, pela dor
salvei o mundo. Tu pela dor de novo vens a resgatá-lo. Tem coragem. Só terás o teu
Jesus a falar-te quando estiveres caída a desfalecer. Eu serei a tua força » [13].

Encarnando a humanidade pecadora, a Alexandrina incorre muitas vezes, durante este


ano sobretudo, a cólera justiceira de Deus; não que ela tenha qualquer culpa, mas por
que representa essa humanidade que não quer arrepiar caminho; por isso mesmo, as
palavras que ela ouve são terríveis e mostram quanto o Senhor está irado contra a
maldade dos homens.

Porque já tratámos este tema noutro trabalho [14], não iremos aqui desenvolvê-lo,
damos apenas alguns exemplos da justa cólera divina.

Alexandrina acabara de receber a Comunhão, mas o seu coração está frio, pior, está
endurecido e insensível às graças divinas. Ela explica:

« Eu acredito que recebo a Jesus porque vejo: de contrário em tais momentos não
acreditava. Ó pedra dura e fria que eu sou. Jesus não se me faz sentir senão para
ralhar-me muito irado. Hoje dizia-me:

— Vingança, vingança. Como hei-de desagravar-me de tão graves crimes neste


corpo tão frágil. Mas pouco importa: paga, dá-me contas: paga à Divindade
Santíssima a dívida que deves à humanidade.

O coração era-me atravessado por uma forte lança: ficou-me como que a escorrer
sangue com muita abundância » [15].

Alguns dias depois, escrevendo de novo ao seu Director espiritual ela conta:

« Meu Paizinho, a minha alma sente a morte do mundo inteiro. É a morte, é a noite
escura que reina por toda parte, e quando recebo a Jesus, é o que Ele mais faz sentir,
a morte total: não sou só eu, é Jesus que se finge morto. Faz-me sofrer tanto! Mas é
por Ele, benditos sofrimentos. Hoje, passei um pedaço assim neste estado e, por fim,
ouvi o que o bom Jesus me dizia:

— Maldita, maldita! E um Pai como Eu bondoso, terno e amável! Que dor, que
angústia, que martírio para o meu divino Coração! »

E, como sempre, a resposta heróica da Alexandrina:

— « Ó meu Jesus, passai para o meu coração a dor, a angústia e o martírio. Fazei
que eu sofra tudo; eu ainda estou aqui, meu Jesus. Seja o meu coração, a minha alma,
o meu corpo um instrumento de reparação para Vós » [16].
Cinco dias mais tarde, o Senhor volta a ralhar a humanidade, mas é a Alexandrina, que
a representa, que recebe as repreensões severas de Jesus. Ela as comunica ao seu
Paizinho espiritual na carta escrita a 27 de Abril desse ano:

« Hoje, no fim da Sagrada Comunhão, estava morta, coalhada de gelo. Estive assim
um grande pedaço. Depois Nosso Senhor dizia-me:

— Maldita, não te posso ver, retira-te de mim.

E com o braço, parecia-me que me repelia d’Ele.

— Estás tão suja e esfarrapada, não te aproximes de mim, porque é para mais e
melhor poderes ferir o meu Divino Coração.

Mas, depois, já com mais bondade, dizia-me:

— Mas olha: a Chaga do meu Coração está aberta, é uma fonte pura. Queres-te lavar
nela? Ficas limpinha e asseada. Ficas rica e brilhante, mais bela do que a rainha
coroada com o rei » [17].

“A Chaga do meu Coração está aberta, é uma fonte pura. Queres-te lavar nela?”

Quem não quereria lavar-se no “sangue do Cordeiro” e na “fonte de água viva”, aquela
“fonte de água que dá a vida eterna”? (S. João, 4, 14.)

Mas o estado em que então se encontrava Alexandrina não lhe permitia a aceitação de
tão precioso convite. Apenas pôde explicar e dizer a Jesus:

« O meu coração era como um rochedo e eu não queria ouvir as palavras de Nosso
Senhor. Mas disse-lhe:

— Jesus vede como estou » [18].

Foi neste estado de alma que em Julho desse ano, no dia 16, festa do Sagrado Coração
de Jesus a Alexandrina pede ao Papa, por escrito e pela última vez, a Consagração do
Mundo ao Coração Imaculado de Maria.

Nesse mesmo dia, ao Pai espiritual, ela explica o que faz para que as almas voltem a
Jesus, para que os homens arrepiem caminho:

« Afigura-se-me que ando a correr o mundo de braços abertos sem parar um


momento a abraçar todas as almas e a trazê-las todas para o meu Jesus: afigura-se-
me mesmo que sou eu quem as meto no seu Divino Coração fechando-as lá para
sempre » [19].

No mesma carta, a Alexandrina queixa-se de nada poder fazer, da sua incapacidade


perante tamanha catástrofe, perante as queixas dolorosas de Jesus... Quereria ela
sofrer mais ainda, para que não sofra Jesus, mas o seu “nada” é para ela evidente, e os
seus esforços, pensa ela, de nada ou pouco servem para aplacar a divina Justiça.

« Como pode este nada sem haver outro igual desempenhar tão alta missão? Oh! Se
assim fosse! Se eu conseguisse com os meus sofrimentos dar todas as almas a Jesus,
mesmo todas sem deixar perder uma! Não me importava de dar a vida a todo o
momento no meio dos mais horríveis sofrimentos ».

Mas Jesus que a ama tanto, não a deixa neste estado, vem consolá-la, encorajá-la a
prosseguir firmemente a sua missão, afirmando-lhe que nada lhe faltará, que Ele
estará sempre a seu lado, sempre pronto a dar-lhe a mão para a ajudar a subir o
doloroso calvário:

« Com muito medo e quase sem o coração poder palpitar, esperei a hora da minha
crucifixão: estava tão aflita, tão abandonada! E Nosso Senhor chamou-me:

— Minha filha, minha querida filha, loucura dos meus olhos, dá-me a esmola. Horas
aflitas apertam o mundo, horas de tremendos e horríveis castigos. O meu Divino
Coração sangra, está angustiado de dor e o bálsamo de tua crucifixão pode curar-
lhe as feridas. Queres curar-me?

— Ó meu Jesus, eu quero tudo que seja para Vós e para as almas. Crucificai-me.

— Tem coragem: as forças não te hão-de faltar » [20].

Mais adiante, na mesma carta ela escreve as palavras que ouviu ainda de Jesus. São de
novo palavras a inspirar-lhe coragem, palavras de amor:

— « Minha louquinha, tem coragem, não desanimes e não duvides. Sou Eu o Jesus, o
artista divino que trabalha em ti: faço maravilhas que nunca fiz no mundo, nem
jamais farei. Apresso-me a realizar em ti a minha obra.

Não tive outras palavras para o meu Jesus senão um “muito obrigada”. Mais tarde
um pouquinho, quando o desânimo era muito, Nosso Senhor disse-me:

— Coragem, minha filha, minha alegria, minha loucura. Primeiro que tu sofri o
abandono e todos os sofrimentos: abri-te o caminho. É por meu amor; não achas que
mereço tudo?

— Ó meu Jesus, é por Vós que eu sofro de boa vontade. Quero morrer por Vosso amor;
milhões e milhões de vezes e por Vós derramar todo o meu sangue ».

Um mês mais tarde, escrevendo ao Padre Mariano Pinho, ela tem este desabafo
sintomático, como ela mesmo o confessa:
« A dor é contínua. Isto será ilusão minha? Estarei convencida que sofro desta
maneira e não sofrerei nada? Perdoe-me, é um desabafo. O desânimo teima comigo,
quer vencer mas eu confio que só Jesus vencerá » [21].

Mais adiante, na mesma carta ela explica ao seu Pai espiritual a atitude e a pena de
Jesus, atitude que muito a interpela:

« Há pouco tempo recebi a Jesus ― escreve ela. É sempre para mais sofrimento, mas
não posso viver sem Ele. Sentia que Ele tremia em mim ao mesmo tempo que me
dizia:

— Que dor, que dor, para o meu Divino Coração ao ver o mundo incendiar-se nas
chamas ardentes das paixões e do vício, ao ver os indivíduos, a sociedade, em todos
os povos, uma guerra feroz. Parece que desencadeou para a terra todo o inferno. Ai
mundo, que não te levantas, ai mundo que não te convertes. E está tão próximo o teu
castigo! É por isto que Eu tremo de dores e não de frio.

Ai meu Paizinho, eu sentia que Nosso Senhor dentro de mim erguia os olhos e os
braços ao Céu como que para implorar perdão para a pobre humanidade e
estreitava o meu pobre coração ao d’Ele o que me obrigava a condoer-me mais das
tristezas de Nosso Senhor » [22].

Alexandrina não pode ver Jesus sofrer assim... O seu pobre coração sangra de dor e,
logo se prontifica para receber sobre ela aquilo que tanto mal, que tanto desgosto causa
a Jesus. A sua resposta é uma oração vinda do mais profundo do seu coração e reflecte
todo o amor de que a sua alma está cheia a transbordar:

— « Ó meu Jesus, meu Jesus, como se não me amasses e não tivesses dó de mim,
esmagai-me, fazei-me sofrer, para alegrar e consolar o Vosso Divino Coração: não
quero ver o Vosso sofrimento: Quero sofrer tudo por Vosso Amor e para Vos ver
sempre em contínua alegria. quero-vos desagravar, quero reparar todos os crimes
para que o mundo seja salvo. Sou Vossa Jesus, imolai-me a cada instante: não tenho
que dar, aceitai os meus desejos » [23].

E, logo a seguir, sente necessidade de desabafar com o seu Pai espiritual; precisa de
motivar-se e para isso dá largas ao muito que lhe vai na alma, ao fogo que a consume,
à sede que tem de amar o seu divino Esposo. Ouçamo-la:

« Meu Paizinho, o meu coração arde, está a transbordar com ânsias de pertencer a
Jesus, de voar ao Céu. Mas a minha pobreza é tal que afigura-se-me que o meu Jesus
não encontra nada em mim, que não lhe posso pertencer. Causa-me nojo de ver o que
sou em defeitos: nada mais tenho. Afigura-se-me que a minha fortuna é uma vida
vergonhosa. Eu queria principiar uma vida nova, para só a Jesus pertencer e à
minha querida Mãezinha. Mas não tenho forças. Como poderão aqueles Corações
tão puros ver o meu tão sujo? É bem motivo para sentir o abandono que sinto, e não
haver nada no Céu nem na terra que me possa desejar. Que vida tristíssima e
amarga! Que ao menos o meu Jesus se console e se alegre no meu viver! » [24]
No dia seguinte volta a escrever e volta a falar da sua alma, daquilo que nela sente,
daquilo que a preocupa e que ela desejaria pôr em prática. A oração que lhe vem da
alma, é um verdadeiro cântico de amor e de entrega:

« Afigurava-se-me que tinha morrido para Jesus e Jesus tinha morrido para mim.

— Meu Deus, meu Deus,


se a minha morte dá a vida,
se a minha tristeza dá alegria,
se a minha escuridão dá a luz,
quero estar sempre morta,
quero a tristeza,
quero a escuridão,
para que vivam as almas,
e se alegrem só em Vós, meu Jesus,
e se abrasem e iluminem
nos raios do Vosso Amor.

Eu quero sim meu Jesus,


tudo o que quereis.

Dai-me sofrimentos
para eu ter que Vos oferecer,
para Vos consolar.

Ou sofrer, ou morrer
para Vos amar no Céu
com aquele amor que me satisfaz.

Tenho ambição de amar e de sofrer,


não quero outra riqueza [25].

Um comentário? Não, porque a beleza do texto o dispensa!...

Breve a má notícia chega: o mundo entra em guerra...

Alexandrina que portanto devia estar a contar com um tal desaire, parece
surpreendida e, “durante uns momentos fiquei tão triste”, diz ela. Mas depressa o seu
zelo pelas coisas de Deus é mais forte e de novo está pronta para se oferecer ao Senhor
e à Mãezinha.

Escrevendo ao seu Director espiritual ela diz:

« Meu Paizinho, era já noite e surpreendeu-me a triste notícia que tinha rebentado a
guerra. Será verdade? Durante uns momentos fiquei tão triste e aflita, parece que o
meu coração saltava cá fora. Mas depois principiei a acalmar, confiando cegamente
e sem limites no meu Jesus e na querida Mãezinha que ainda que verdade seja, ainda
podem entrar em acordo e vir a paz. Ai minha Mãezinha querida, Ela é a Rainha da
Paz é o refúgio dos pobrezinhos: há-de ser Ela que sem cessar vai obter o perdão e a
paz para a pobre humanidade. Ai quem me dera poder dar a vida a cada momento
e a cada momento ressuscitar, e o meu corpo sempre esmigalhado e sempre direito,
nos sofrimentos mais horríveis, para desagravar Jesus! Ó que peninha eu tenho d’Ele
ser ofendido! E nada posso e nada faço por Ele. Sinto a dor e a amargura do seu
Divino Coração com as desordens da pobre humanidade » [26].

Daqui em diante, a Alexandrina vai cada vez mais sentir nela o peso da humanidade
pecadora que ela representa e da qual Jesus a tornou fiadora. E, quando “ao longe troa
o canhão”, ela no seu quarto expia e sofre com amor, sabendo-se sempre ajudada pelo
Senhor, mesmo quando Ele não se lhe mostra a ela ou quando se mostra e lhe ralha...
Tudo lhe parece escuridão naquele caminho pedregoso por onde ela deve caminhar.
Brandamente ela queixa-se, mas não deixa de se oferecer generosamente, como
sempre.

« Vejo-me em cima dum abismo tão medonho, quero-me amarrar para não cair, mas
não tenho nada que me possa sustentar; se caio nele, nunca mais de lá saio.

— Meu Deus, meu Deus, não vejo para caminhar e estou presa e enterrada em
imundícies. Meu Jesus, bem-vindos sejam os Vossos sofrimentos: mais, meu Jesus,
mais. O Vosso Divino Amor obriga-me a tudo. Sofro contente sem sentir alegria, mas
é por Vos: tomai-a toda a que eu havia de sentir e alegrai-Vos Vós. Ai meu Deus, que
tremenda desolação e que guerra na minha alma: tenho que combater sem cessar.
Que ódio eu sinto sobre mim. Meu Jesus, eu não quero alegria nem consolação
porque assim o quereis, sei que é a Vossa Vontade Divina. Também é a minha. Mas
vede que não tenho força, que sou nada, ou menos que nada se pudesse ser; dai-me
coragem, dai-me toda a força precisa; conto só com Vós » [27].

A hora continua grave e a “Doentinha de Balasar” continua a sofrer pelo mundo que
não quer paz, pelo mundo que mesmo em guerra peca e ofende gravemente o seu
Criador e Senhor.

Alexandrina vê e reconhece que os Corações Jesus e Maria sofrem com esta situação,
sofrem porque o mundo os não ama, porque o mundo blasfema para com eles, mesmo
quando, um joelho em terra, parece desmoronar-se de um momento para o outro.
Então, a vítima de Balasar, heróica como sempre, oferece-se generosamente, tenta
reconfortar aqueles Corações que ela tanto ama.

« Morro para o mundo, morro para Deus. Para o mundo quero eu morrer, mas quero
viver para Vós, meu Jesus, para vos consolar e amar, para desagravar o vosso divino
Coração e o da querida Mãezinha. Deixai, meu Jesus, deixai, querida Mãezinha,
arrancar dos vossos divinos Corações, com toda a doçura e amor, os espinhos que
vos ferem. Quero o meu coração sempre cercado com eles, a agonizar de dor e a
derramar sangue até à última gota: sofrer eu tudo, Jesus e Maria, nada. Quero ser
vítima de amor! » [28].
Alguns dias mais tarde volta a escrever ao seu Pai espiritual, contando-lho o seu estado
interior e comunicando-lhe igualmente as queixas de Jesus, os choros de Jesus...

« A dor não cessa, a luz não aparece: não vejo para on-de fugir e é tão grande a
necessidade que sinto de me esconder! Só no Coração santíssimo do meu Jesus ou da
querida Mãezinha tenho refúgio seguro. Mas sinto-me tão abandonada deles: somos
uns desconhecidos! Parece que Eles não sabem que eu existo. Nosso Senhor hoje, mal
baixou ao meu coração, principiou a chorar, mas a chorar muito. E dizia-me:

— Choro, choro, porque o mundo me faz chorar. A malícia, a gravidade dos seus
crimes, se fosse possível, crucificava-me, fazia-me expirar a cada momento » [29].

Outro sofrimento para a Alexandrina era o que dela diziam as pessoas da aldeia.
Corriam boatos de toda a espécie: que era uma bruxa, uma interesseira, uma fingida,
e tantas outras coisas, que demonstram que nem sempre a voz do povo é a voz de
Deus!...

Ela conta, na sua Autobiografia:

« Outros diziam que fui tirar o “retrato de santa”, isto é, avaliar a minha santidade
por meio de uma máquina. Minha irmã disse (para desfazer essa ideia): “Se isso
pudesse ser, também eu queria tirar esse retrato para ver no ponto em que estava”.

Que pena tenho que as coisas do Senhor sejam tão mal compreendidas!...

Outros então diziam que todos os senhores Padres que me visitavam andavam a
pedir esmolas por essas freguesias fora para me darem, e portanto que não me
faltava nada.

Diziam que eu talhava o ar, fazendo de mim bruxa, que era corpo aberto; chegando
várias pessoas a aproximar-se de mim para fazerem várias perguntas, como se eu
adivinhasse. Falavam-lhes muito serenamente, fingindo não as compreender, mas,
quando insistiam comigo, respondia-lhes: “Eu não adivinho, nem ninguém adivinha.
Nós não temos o direito de penetrar nas consciências alheias. Isso é só para Nosso
Senhor”.

Quando me contavam o que diziam a meu respeito, eu fingia não sofrer, mas sofria
amargamente e respondia: “Eles falam de mim? É porque têm que dizer. Eu não
tenho; deixai que falem para eles. Que Nosso Senhor lhes perdoe, que eu também lhes
perdoo. Falam, falam e falarão. Não há quem os cale: uns contra mim, outros a favor
de mim”.

E assim o tempo ia passando ».

Se os ditos das gentes da aldeia causavam um certo sofrimento à Alexandrina, a


situação espiritual da sua alma, a situação do mundo e sobretudo a pena sentida pelo
Senhor, ainda lhe causavam muito mais; era com isso que ela mais se preocupava, era
nisso que ela muito mais se investia, procurando, quanto lhe era possível, minimizar
essas penas, essas dores que tanto faziam sangrar o Coração de Jesus.

Numa carta ao seu Paizinho espiritual ela confessa humildemente:

« E Jesus sofre e faz-me sentir a sua dor. Todos os espinhos que vão ferir o seu divino
Coração passam para o meu » [30].

No mês de Dezembro, Jesus ralha de novo, não com a Alexandrina, mas com a
Humanidade que ela representa. As palavras do Senhor são duras, quase
insuportáveis:

— « Ai, ai de ti, miserável; ai de ti, maldita, e de todo aquele que Me ultraja, que Me
ofende a ponto de merecer a minha ira, a minha cólera, a minha justiça vingadora!
Para eles já não é coração de Pai, já não tem ternuras nem amor! Sou juiz, mas juiz
que castiga com toda a severidade e sem dó nem compaixão. És tu o réu de toda a
Humanidade, o réu que merece todo o castigo da Justiça divina » [31].

1940. Na Europa, a guerra estende-se, o canhão continua a troar de maneira


ensurdecedora vitimando não só na Polónia, mas também na Finlândia invadida pela
União Soviética. Na Alemanha começa a ser construído, em Auschwitz, aquele campo
de concentração que se tornará mais tarde a vergonha do mundo civilizado e a
demonstração resplandecente da loucura humana.

No seu quarto, em Balasar, a Vítima da Eucaristia, a Crucificada do Calvário de


Balasar, ora por aqueles que não oram, sofre por aqueles que preferem os prazeres ao
apelo de Deus e oferece-se toda a Jesus para O apaziguar, para Lhe pedir perdão pelos
pecados do mundo, oferecendo-se como vítima.

A noite na sua alma é densa e terrível: “está às escuras de todo”, “não sabe para onde
seguir”; “o abandono faz-lhe sentir que não tem ninguém que a guie”; “pensa cair
morta num canto do caminho”; por isso grita ao seu Senhor com todas as forças da
sua alma:

« Ó meu Jesus, ó meu amor, compadecei-vos da minha dor; não me deixeis cair. Dai-
me força para ir ao encontro do vosso divino Coração e nele descansar eternamente!
» [32].

Jesus vem e queixa-se das poucas vítimas que aceitam de reparar os crimes do mundo,
o desvaire da Humanidade. Ele diz-lhe:

— « Minha filha, minha filha, ando à procura de amor para ser amado e à busca de
corações para Mim e não os encontro. Até aqueles de quem Eu tudo esperava, me
esqueceram e desprezaram. À busca de quem hei de ir Eu agora? É por isso que o
meu Coração está triste e cheio de dor »[33].
Evidentemente, a Vítima de Balasar não espera que Jesus lhe peça mais sacrifícios,
mais sofrimentos, mais reparação: ela oferece-se generosamente:

— « Contai comigo, meu Jesus, eu estou pronta para sofrer e para amar-vos. É com
a minha dor e com o meu amor que eu vos hei de fazer amado. Esquecei os desprezos,
as ofensas e os esquecimentos de todos. Olhai para mim: lembrai-Vos de que nem um
só momento quero deixar de estar imolada, para que venha a nós o vosso Reino e
para que todas as almas vão ao encontro do vosso Coração divino, ao vosso Coração
de amor, ao vosso Coração de Pai ».

E logo a seguir continua, não como a vítima que fala ao seu Senhor, mas como a esposa
que fala ao seu amado. Estas efusões de amor — onde o “tu” é utilizado por Alexandrina
— não são muito frequentes nos seus escritos, por isso mesmo parece-nos judicioso
registar esta declaração da vidente de Balasar:

« Vê, meu Jesus, vê, meu Amado, que de boa vontade me deixo ferir por Ti. O meu
coração está aberto, está em sangue, mas ainda tem vida, ainda conserva nele as
ânsias devoradoras do teu amor. Amor, Jesus, amor, só o teu amor! Basta-me,
satisfaz-me, nada mais quero. Com ele venço a dor, com a dor hei de aplacar, hei de
sustentar a Justiça do teu Pai. Sê comigo, ó meu Amado, e eu nada temo ».

Na mesma carta ao Padre Mariano Pinho, explica ela ainda num estilo muito figurado:

« Ai, meu Padre, sinto-me aniquilada, reduzida ao nada e entregue à força da


corrente. Mergulho aqui, para aparecer além, mas não há quem me salve. Mas eu
quero bradar bem ao mundo: é com toda a alegria que eu abraço todo este martírio
de dor, porque sinto que não há nada melhor para nos unir a Jesus como é a dor.
Sinto que a dor tem laços, fortes cadeias de oiro que me prendem ao Coração divino
do meu Esposo, do meu Jesus »[34].

Maravilhosa expressão, excelente apologia da dor redentora e extraordinária


declaração de amor a Jesus: “Sinto que a dor tem laços, fortes cadeias de oiro que me
prendem ao Coração divino do meu Esposo, do meu Jesus”!

Já quando pela primeira vez ela se oferecera como vítima, tinha escrito algo de belo
sobre a dor, que a seguir damos por ser um trecho de grande importância na vida da
Alexandrina:

— « Sem saber como, ofereci-me a Nosso Senhor como vítima, e vinha, desde há
muito tempo, a pedir o amor ao sofrimento. Nosso Senhor concedeu-me tanto, tanto
esta graça que hoje não trocaria a dor por tudo quanto há no mundo. Com este amor
à dor, toda me consolava em oferecer a Jesus todos os meus sofrimentos. A
consolação de Jesus e a salvação das almas era o que mais me preocupava ».

Raramente encontramos nas vidas dos santos um amor tão grande à dor, ao
sofrimento livremente consentido para o bem comum dos filhos de Deus, o que se
chama também comunhão dos santos. Alexandrina é um raro exemplo desse amor
heróico, pois este a leva ao martírio.

Pouco antes da guerra tomar novas proporções, Jesus volta a ralhar contra a
humanidade que de Vítima de Balasar representa. As suas palavras são de grande
severidade e causarão ao coração simples e amante da Alexandrina um doloroso
sofrimento. Disse-lhe Jesus:

— « Desgraçada, desgraçada! O teu sono é mortal; vão acordar-te os horrores do


inferno!

Ai de ti, se não te convertes! Espera-te o inferno ladeado de demónios, de fogo e de


almas ardendo, ardendo eternamente. Converte-te, vem a Mim, vem ao meu Divino
Coração que está aberto para receber-te... » [35].

De nada servirá esta severidade do Senhor: Os homens continuarão a ofendê-lo


gravemente, fecharão os ouvidos para não O ouviram e os olhos para O não verem.
Que surdez!... Que cegueira!...

« Eu não quero que Jesus sofra — escreve a vidente: quero sofrer eu a dor do seu
santíssimo Coração. E Ele aceita: passa tudo para mim » [36].

A 4 de Julho, um movimento espiritual se levanta no silêncio dos quartos ou no


recolhimento das celas, para pedir a paz no mundo. É um movimento composto por
almas-vítimas corajosas que, contra o canhão mortífero, apresentam a única arma
eficaz: o Rosário. Sob a materna protecção de Maria, essas almas, originárias de
diversos países e continentes, oferecem as suas preces e os seus sacrifícios para que o
Senhor intervenha e restabeleça a paz no mundo. Alexandrina faz parte desta via láctea
de orações e de penitência. Ela pedirá insistentemente à Jesus que Portugal seja
poupado e não entre neste conflito. Jesus que tanto a ama não permitirá que a Pátria
terrena da sua esposa seja vítima da loucura geral que se apodera dos povos, sobretudo
após a invasão da Holanda, da Bélgica, do Luxemburgo e do norte da França pelas
tropas do brutal líder alemão.

Em Balasar, entre os momentos de trevas negras e pavorosas, e os momentos rápidos


estes, de calma e de doce paz, a Alexandrina continua de orar, orar, orar sempre, para
suavizar o Coração de Jesus seu Esposo tão ofendido pelos homens, Jesus que chora
por causa da perda eterna das almas. Ouçamos o que ela escreve a 16 de Julho de 1940:

« Passados alguns minutos baixou Ele a mim: transformou-me por completo,


deixando-me em luz, paz e enlevo; mas só por alguns rápidos momentos. Voltei à dor
e às trevas bem intensas e dor bem dolorosa. E de novo senti que Jesus chorava e
dizia-me:

— Chora comigo, minha filha; as minhas lágrimas, a minha dor e a agonia do meu
Coração é o que Eu mais dou às minhas esposas. Chora, chora, para que o teu Jesus
não tenha que chorar a perda eterna das almas » [37].
No mês de Outubro, alguns Bispos de Portugal, incentivados pelo Padre Mariano
Pinho, procuram juntar o testemunho da Irmã Lúcia de Fátima, pedindo-lhe que
escrevesse ao Santo Padre Pio XII pedindo a consagração do mundo a Maria.

Mas, a vidente de Fátima sabe muito bem que o pedido que lhe fora feito anos antes
na Cova da Iria apenas falava da consagração da Rússia, por isso mesmo ela recorre à
oração, pedindo que o Senhor lhe mostre claramente o que fazer. Durante essa prece
fervorosa, o próprio Jesus, confirma à Irmã Lúcia de Fátima o pedido feito através da
Alexandrina.

Em Balasar a Vítima continua a imolar-se, continua a oferecer-se pela consagração e


pela paz do mundo. Jesus mostra-lhe quanto o seu generoso sacrifício é útil para a
salvação das almas e a paz da humanidade:

« A tua crucifixão continua a ser a salvação e a paz da Humanidade. Eu sei, minha


amada, que não me podes ver sofrer. Vem então com coragem: deixa-te crucificar,
para curares a chaga tão dolorosa do meu divino Coração. Coragem: tens o teu Jesus
com a tua Mãezinha querida, louca de amor pela esposa de Cristo Crucificado » [38].

Na Europa já tão ferida, o canhão continua de troar e muitas vozes se levantam para
afirmar que o Santo Padre está em perigo: que pode ser preso ou até mesmo morto.
Alexandrina tem medo que isso aconteça, que o Vigário de Cristo seja molestado. Para
evitar isso, ela reza e sacrifica-se, oferecendo a Deus tudo quanto pode, tudo quanto
lhe permite a debilidade das suas forças e do seu corpo doente.

A 6 de Dezembro, Jesus assegura-lhe que o Santo Padre será poupado fisicamente aos
horrores da Guerra, mas que terá moralmente muito que sofrer.

Um ano passa, outro ano desponta agora, mas a consagração do mundo ao Coração
Imaculado de Maria não se concretiza.

No dia 2 de Janeiro de 1941, Alexandrina escreve ao seu Paizinho espiritual:

« Terminou o ano velho; sinto que todo ele foi morto para mim e a mesma
mortandade vejo no que agora entrou ».

Esta afirmação vem mais desenvolvida na carta que a 3 de Janeiro desse novo ano
escreveu ao seu Pai espiritual:

« No Horto sentia que me revestia de todas as imundices da Humanidade; era por


minha vontade, não era obrigada; Eu fazia as vezes de Jesus porque depois senti que
apesar de Ele se sujeitar ao que não precisava, ia ser ofendido sem dó nem piedade.
Ele revestido dos nossos pecados, não tinha quem se compadecesse d’Ele; era olhado
com frieza e desprezo. A dor que Jesus sentiu e a mim me deu uma pequenina
amostra, já parecia tirar-me a vida » [39].
No dia seguinte escreve de novo ao mesmo sacerdote. É uma carta cheio de júbilo,
tanto da parte da Alexandrina, como de Jesus. O Senhor, depois de lhe dar os mais
calorosos e lindos títulos, pede-lhe de novo que insista junto do Santo Padre para obter
a consagração tão desejado do mundo ao Coração Imaculado de Maria.

« O meu coração e a minha alma tiveram hoje um bocadinho de festa. A vinde de


Jesus a mim dissipou logo as trevas. Logo que O recebi parecia-me que se andava
dentro em mim a preparar um banquete com grande alegria. E Ele falou-me assim:

— Minha filha, minha filha, pupila dos meus olhos, jóia brilhante e formosa, cândida
açucena, lírio perfumado que com o teu aroma fazes exalar o perfume nas minhas
prisões de amor. Como não tenho outra generosidade inigualável na terra, queria
prolongar por mais tempo aqui a tua existência; mas não posso. Eu e a minha
bendita Mãe temos umas ânsias sem igual de te vermos no Céu junto de nós.
Prometo-te neste sábado consagrado a Ela não demorar na terra por muito tempo a
tua existência. E prometo alcançar-te no Céu com os teus pedidos e amor o que agora
te alcanço na terra pela tua dor. Mas para isso, minha filha, pede, pede ao Santo
Padre que se compadeça do teu martírio e que satisfaça os desejos divinos de Jesus,
que é consagrar o mundo à minha Mãe bendita. Diz, diz a Salazar que quero que ele
seja um guerreiro como não houve nem haja em Portugal no decorrer da
Humanidade. Que faça guerra ao maldito vício da carne, à impureza. Que ponha
proibição em todos os caminhos por onde ele se possa alastrar. Diz ao teu Paizinho
quer pregando quer escrevendo fale sempre contra o maldito vício e dá-lhe a certeza
de todo o meu amor e de minha Mãe bendita da nossa protecção.

Não me faltaram as carícias de Jesus e da Mãezinha. Parecia-me que a minha vida


era só do Céu. Fiquei alegre e com muita paz, mas durou poucas horas. De novo
voltaram os espinhos a ferir-me » [40].

E junta aquela promessa que não devemos deixar de frisar, pois é de suma importância
para todos aqueles que sentem pela Alexandrina uma devoção sincera:

“Prometo alcançar-te no Céu com os teus pedidos e amor o que agora te alcanço na
terra pela tua dor”.

Que grande poder de intercessão não terá no Céu, junto do Senhor, a Vítima de
Balasar, ela que nunca se recusou a sofrer para desagravar o Coração misericordioso
de Jesus!...

Uma outra figura portuguesa, contestada por uns e admirada por outros é aquela do
Dr. Salazar, Chefe do Estado português nessa época já remota. Jesus quer enviar-lhe
uma mensagem urgente e serve-se da sua esposa para isso:

“Diz, diz a Salazar que quero que ele seja um guerreiro como não houve nem haja em
Portugal”.
Mas que deve fazer aquele Homem investido de todo o poder legislativo, para ajudar
Jesus?

“Que faça guerra ao maldito vício da carne, à impureza. Que ponha proibição em
todos os caminhos por onde ele se possa alastrar”.

Cumprindo a vontade do Senhor, Alexandrina lhe escreverá e avisá-lo-á deste pedido


urgente e de suma importância.

Nós sabemos que tanto o Professor Salazar como o Cardeal Patriarca, Dom Manuel
Gonçalves Cerejeira receberam a carta que a Alexandrina lhes escreveu. Fizeram eles
caso do aviso?

Conhecendo outros detalhes referentes às relações que existiram entre a “Doentinha


de Balasar” e o erudito Cardeal, estaríamos tentados em responder pela afirmativa.
Quanto ao Chefe do Estado português, não podemos confirmar dizer nem desmentir.

Quanto ao pedido feito ao Padre Mariano Pinho para que, “quer pregando quer
escrevendo fale sempre contra o maldito vício e dá-lhe a certeza de todo o meu amor
e de minha Mãe bendita da nossa protecção”, não temos qualquer dúvida em afirmar
que seguiu à letra os desejos do Senhor, não só enquanto foi Director espiritual da
Alexandrina, mas mesmo depois, quando foi exilado para o Brasil, onde continuou o
seu apostolado junto daqueles que Jesus lhe confiou.

Foi no princípio deste novo ano — a 14 de Fevereiro — que um outro interveniente na


vida da Alexandrina entrou em cena: o Dr. Manuel Dias de Azevedo.

Este homem cujo coração estava na Coração de Deus será daí em diante o Cireneu da
Alexandrina: ele estará sempre presente em todas as lutas, em todas as situações
difíceis e, com uma coragem extraordinária, defenderá sempre a “sua” “Doentinha”.
Ele fará parte daqueles a quem o Senhor dirigirá palavras cheias de carinho, como
podemos ler nos colóquios dos primeiros sábados.

A situação mundial não melhora; bem pelo contrário: a guerra continua e a


Humanidade mantém-se surda aos apelos divinos. É isso que nos explica a
Alexandrina na carta que escreveu ao Padre Mariano Pinho à 21 de Fevereiro:

« Que revolta do Céu contra a terra e que malícia da terra contra o Céu. O Eterno Pai
quer castigar. Oh! Sinto que Ele tem de castigar. Nosso Senhor já não pode com mais
ofensas. Temo e tremo aterradamente » [41].

Nessa mesma carta, Jesus convida-a a descansar no seu Coração, antes de lhe dar
novas cruzes, novos sofrimentos...

— « Minha filha, minha filha, a porta está aberta, entra, é o meu divino Coração! »
Dois dias depois, volta a escrever ao Director e, qual conselheira avisada e experiente,
diz:

« Ai das almas se não se convertem. É preciso amar a Jesus para que Ele esqueça as
ofensas que lhe são feitas. É preciso orar continuamente e pedir perdão para os
culpados. Oh! Se eu possuísse sangue para apagar o pecado no mundo lançava-me
sobre ele a derramá-lo como se fosse água a apagar um incêndio! » [42]

A consagração do mundo ao Coração Imaculado de Maria parece ser uma urgência, o


caminho mais eficaz para o mundo alcançar a paz, eis porque Jesus insiste, pede e
argumenta:

— « Foi a ti mais que a nenhuma outra alma que Eu escolhi para por ti fazer chegar
ao Papa os meus desejos de o mundo ser consagrado à minha bendita Mãe... » [43]

Mas ninguém parece ter em conta estes pedidos insistentes de Jesus... Será que são
surdos ou esperam mais algum sinal para agir? Só Deus o sabe...

Entretanto, o Coração de Jesus continua a ser o abrigo da Alexandrina, a mansão onde


ela se pode refugiar nos momentos difíceis do seu longo penar. É no Coração amante
do Esposo divino que ela experimenta os mais deliciosos instantes, as maiores e mais
excepcionais graças divinas. É ainda nesse Coração “que tanto amou os homens” que
ela recebe as queixas e os choros de Jesus, quando a maldade dos homens atinge os
limites do que é divinamente suportável...

Aqui está um excerto que confirma o que dizemos:

— « Minha filha, suaviza a tua dor no abismo do amor do meu divino Coração.
Recebe nele todo o conforto para completares o resto do teu calvário.

Ainda a ser açoitada experimentei o amor de Jesus. No Calvário senti que Jesus
sofreu todo o abandono do Céu e da terra. Parecia que todas as criaturas que haviam
existido e hão-de existir atiravam balas que feriam o seu Coração divino » [44].

Neste momento, a vida da Alexandrina é feita de luz e trevas, de consolações e de


sofrimentos; de palavras meigas de Jesus e de palavras terríveis contra a Humanidade
que ela continua a representar.

A 26 de Junho, escrevendo ao seu Pai espiritual ela explica:

« Creio na luz, mas caminho nas trevas como se ela não existisse. Só com os olhos em
Jesus será possível caminhar assim. Pobre de mim! Quantas vezes me parece Ele não
existir! No sábado, 14, estive esmagadinha com o peso da humanidade e senti como
na sexta-feira depois da crucifixão uma enxurrada de sangue que saía do Coração
amantíssimo de Nosso Senhor e vinha passar pelo meu. Este martírio para mim era
doloroso, mas mais doloroso ainda era para o Coração de Nosso Senhor. E então por
ele deixei-me mergulhar num abismo sem fim de dores mais cruciantes só
procurando viver na união mais íntima com Jesus » [45].

Na mesma carta, ao mesmo sacerdote, um lindo trecho que nos mostra não só a
Misericórdia divina em acção, mas também o amor do Amado para com a amada...
Quão amorosas são as palavras de Jesus!

— « Pede, pede, minha filha que Eu nunca te negarei nada que me pedires para as
almas; e quando lhes não der aquilo que Me pedes, dar-lhes-ei ainda maior
recompensa. A tua vida é um milagre contínuo, é a prova mais clara das maravilhas
e prodígios que opero em ti. Estou no teu coração como um centro rodeado de toda a
variedade de flores mais belas e perfumadas ».

Na dita carta, encontramos uma referência à consagração do mundo e à paz que breve
virá... Não esqueçamos que os tempos de Deus não se medem como os nossos...

A consagração virá efectivamente em breve — um pouco mais de um ano após esta


mensagem — mas a paz do mundo, o fim da guerra que continua a ensanguentar o
mundo, essa virá ainda mais tarde e custará ainda muitos sofrimentos e muitas vidas
humanas.

Continuemos a ler essa carta de 20 de junho de 1941 :

— « Minha filha, minha filha, luz que Me irradia a Mim e irradia o mundo. Une a tua
dor à minha dor e o teu amor ao meu amor; só assim te será suavizado o caminho
do calvário, só assim os pecadores serão salvos, só assim vem a paz ao mundo; e vai
vier depressa, dentro de pouco. Depois todo o mundo se rejubilará ao ser consagrado
ao Coração da tua e minha bendita Mãe ».

Esta carta é na verdade uma fonte que não cessa de correr, uma mina de pérolas
preciosas que brilham e centelham como as estrelas no firmamento.

Diz-nos a Alexandrina, escrevendo ao seu Pai espiritual:

« Ai quanto sofreu Jesus por nós!... Como Ele é digno do nosso amor!... Que mal é o
pecado!... Não posso pensar que o meu Jesus é ofendido depois de sentir o que Ele por
nós sofreu! »

Alexandrina acabava de viver o drama da paixão. Não só nesse dia era sexta-feira, mas
era também o dia da festa do Sagrado Coração de Jesus. Na mesma carta, e para
terminar, ela escreve ainda:

« Depois de toda a tragédia do calvário a minha alma ficou em luz; não me parecia
ser sexta-feira. Até ao cair da noite andei de pé, cantei e estive alegre. Bendito seja o
dia do Sagrado Coração de Jesus! Anseio amá-lo e possuí-lo cada vez mais. Anseio o
Céu para o louvar eternamente ».
Neste mês de Junho — a 15 — Alexandrina terá de voltar ao Porto para lá ser
examinada por médicos especialistas. Esta viagem não a encantava, mas a obediência
mandava, por isso mesmo, ela acabará por aceitá-la, não sem ter pedido luzes do Céu
para a guiarem. Ouçamo-la:

« De repente senti luz; inundou-se-me a alma de amor e ouvi Jesus dizer-me:

— Minha filha, minha heroína, a tua dor na terra dá glória ao meu divino Coração,
glorifica toda a Santíssima Trindade e a minha Mãe bendita. Tem coragem, não
temas. Vai ao Porto, entrega-te ao exame dos médicos. Bem-aventurados aqueles que
crêem sem ver, bem-aventurados aqueles que vêem em ti a minha divina Pessoa
ponde de parte todo o sofrimento humano. Nenhum terá o lugar devido em meu
Coração a não ser o Doutor Azevedo. Tem coragem! A tua humilhação servir-te-á
para te exaltar um dia dentro de pouco » [46].

Neste ano um incidente vai produzir-se que não só causará uma grande pena à
Alexandrina, mas será um dos motivos do próximo afastamento do seu Paizinho
espiritual. Trata-se da visita do Padre Terças.

Este sacerdote que então escrevia a vida de Jesus segundos os místicos, desejou assistir
à Paixão da Alexandrina...

Em carta enviada ao seu Director, em 27 de Agosto, a Alexandrina conta:

« Ai, meu Paizinho, hoje ao cair da tarde fui interrogada por um Senhor Padre da
Ordem do espírito Santo chamado Padre Terças; tratou-me com muito carinho mas
interrogou-me seriamente; custou-me tanto! Não posso falar da Paixão de Jesus e
tive que falar, eis a razão das minhas lágrimas. Só por Jesus, só por amor! Este
exame veio agravar a minha dor já tão profunda, tornou-me mais doloroso o meu
Calvário, novos espinhos vieram ferir o meu pobre coração e ladear o caminho triste
do meu penoso Calvário » [47].

Depois deste interrogatório muito aprofundado, o Padre Terças publicou o resultado


da sua visita, levando assim ao conhecimento de todos os portugueses, e não só, o caso
de Balasar, que até aí não beneficiava de grande publicidade e era apenas conhecido
por um número limitado de pessoas, mesmo se, como já dissemos, tivesse havido
intervenções da Santa Sé por causa do pedido de consagração do mundo.

Esta publicação vai também espicaçar os ânimos no seio da Companhia de Jesus a que
pertence o Padre Mariano Pinho e nem todos os seus colegas saberão, nesse momento
delicado, mostrar-se caridosos: alguns deles, e sobretudo o Padre Agostinho Veloso,
desencadearam contra ele uma trama que acabará por motivar o seu envio para o
exílio, no Brasil.

A consagração do mundo continua a ser um desejo de Jesus. Ele quer que o Santo
Padre se decida a realizar este acto solene, mas em Roma “as coisas” são “eternas”,
como a cidade, não se fazem com celeridade: exames aprofundados, inquéritos e
outras formas de informações são pedidas aqui e ali, porque o pedido dessa
consagração não chega unicamente de Portugal, mas também doutros países onde
outras almas-vítimas recebem do Céu pedidos idênticos: da Bélgica, da França, da
Alemanha e também da Itália.

Em 31 de Julho o Padre Mariano Pinho escreveu a Pio XII, suplicando a Consagração


e mostrando que algumas predições da Alexandrina sobre a guerra se haviam revelado
verdadeiras profecias. Mas a resposta tarda...

Jesus queixa-se desta lentidão:

— « As coisas não se têm feito conforme os meus divinos desejos. O remédio para o
mundo está no mundo e nas mãos do Santo Padre. Diz minha filha, diz depressa ao
teu Paizinho que pregue e mande pregar penitência, penitência, penitência e oração
sem cessar; e que se consagre o mundo à minha bendita Mãe. Servi-me de ti para a
fazer conhecida e amada. És d’Ela e sempre a amaste desde a mais tenra idade » [48].

Uma resposta vem enfim de Roma; não uma aceitação do pedido de consagração, mas
um pedido de informações suplementares, pedido esse endereçado ao Eminentíssimo
Arcebispo de Braga, D. António Bento Martins Júnior, diocese onde vive a Vítima de
Balasar.

E assim vai passando o tempo... enquanto a guerra continua cada vez mais feroz,
matando cada dia milhares de pessoas...

A ano vai terminar. Alexandrina, como se fizesse um balanço, escreve ao seu Pai
espiritual:

« Que profunda tristeza de alma e coração! Findou este ano e nada vejo de
merecimento, nada vejo de amor para o meu Jesus; tudo morreu num montão de
cinzas e no abismo das minhas misérias. Estou deveras aterrada ao ver no que
empreguei o tempo que Nosso Senhor me deu de vida. Devia ser só para amá-lo e foi
só para ofendê-lo. Torna-se impossível o meu viver. Cresce o abandono de Jesus;
sinto-me cada vez mais nada, é inigualável a minha pobreza! » [49]

[1] Carta ao Padre Mariano Pinho : 20.01.1939. [26] Carta ao Padre Mariano Pinho : 01.09.1939.
[2] Carta ao Padre Mariano Pinho : 02.01.1939. [27] Carta ao Padre Mariano Pinho : 05.9.1939.
[3] Carta ao Padre Mariano Pinho : 06.01.1939. [28] Carta ao Padre Mariano Pinho : 19.10.1939.
[4] Carta ao Padre Mariano Pinho : 06.01.1939. [29] Carta ao Padre Mariano Pinho : 24.10.1939.
[5] Carta ao Padre Mariano Pinho : 06.01.1939. [30] Carta ao Padre Mariano Pinho : 12.11.1939.
[6] Carta ao Padre Mariano Pinho : 03.02.1939. [31] Carta ao Padre Mariano Pinho : 06.12.1939.
[7] Carta ao Padre Mariano Pinho : 17.02.1939. [32] Carta ao Padre Mariano Pinho : 14.02.1940.
[8] Carta ao Padre Mariano Pinho : 23.02.1939. [33] Carta ao Padre Mariano Pinho : 10.04.1940.
[9] Carta ao Padre Mariano Pinho : 07.03.1939. [34] Carta ao Padre Mariano Pinho : 10.04.1940.
[10] Carta ao Padre Mariano Pinho : 09.03.1939. [35] Carta ao Padre Mariano Pinho : 11.04.1940.
[11] Carta ao Padre Mariano Pinho : 21.03.1939. [36] Carta ao Padre Mariano Pinho : 21.06.1940.
[12] Carta ao Padre Mariano Pinho : 31.03.1939. [37] Carta ao Padre Mariano Pinho : 16.07.1940.
[13] Carta ao Padre Mariano Pinho : 13.04.1939. [38] Carta ao Padre Mariano Pinho : 08.11.1940.
[14] Alexandrina e a II Guerra mundial : [39] Carta ao Padre Mariano Pinho : 03.01.1941.
http://alexandrina.balasar.free.fr [40] Carta ao Padre Mariano Pinho : 04.01.1941.
[15] Carta ao Padre Mariano Pinho : 05.04.1939. [41] Carta ao Padre Pinho : 22.02.1941.
[16] Carta ao Padre Mariano Pinho : 22.04.1939. [42] Carta ao Padre Pinho : 24.02.1941.
[17] Carta ao Padre Mariano Pinho : 27.04.1939. [43] Carta ao Padre Mariano Pinho : 07.06.1941.
[18] Carta ao Padre Mariano Pinho : 27.04.1939. [44] Carta ao Padre Mariano Pinho : 13.06.1941.
[19] Carta ao Padre Mariano Pinho : 16.07.1939. [45] Carta ao Padre Mariano Pinho : 20.06.1941.
[20] Carta ao Padre Mariano Pinho : 28.07.1939. [46] Carta ao Padre Mariano Pinho : 05.07.1941.
[21] Carta ao Padre Mariano Pinho : 27.08.1939. [47] Carta ao Padre Mariano Pinho : 27.08.1941.
[22] Carta ao Padre Mariano Pinho : 27.8.1939. [48] Carta ao Padre Mariano Pinho : 08.10.1941.
[23] Carta ao Padre Mariano Pinho : 28.8.1939. [49] Carta ao Padre Mariano Pinho : 31.12.1941.
[24] Carta ao Padre Mariano Pinho : 28.8.1939.
[25] Carta ao Padre Mariano Pinho : 29.08.1939.

LUZ E SOMBRA
Na primeira carta escrita ao seu Director espiritual, para lhe desejar um bom ano novo
1942, diz a Alexandrina:

« Ao preparar-me para receber o meu Jesus, pedi à querida Mãezinha que me


enchesse de amor e me revestisse da sua graça e pureza; que me desse um coração
puro como quando vim do meu baptismo. Que queria nascer no primeiro do ano novo
só para amar o meu Jesus e nunca O ofender » [1].

Depois destes pedidos feitos à Virgem Maria, Alexandrina vai dirigir-se a Jesus e fazer-
lhe os mesmos pedidos, formular os seus mais veementes desejos. A resposta de Jesus
deve tê-la surpreendido. Vejamos:
— « Prepara-te para a luta, minha filha; tens que lutar aparentemente sozinha.
Depois da batalha vem a glória. O teu caminho não terá luz, sol nem dia, mas é para
que mais apareçam em ti as minhas grandezas e para que na glória brilhe em ti o
resplendor do meu amor e vejas brilhar toda a beleza divina. Esforça-te por
infundires nos corações e nas almas o meu amor. Dá-lo-ei com as minhas graças
àqueles por quem tu intercederes. Que grande prémio tenho preparado para
algumas almas que te amparam e que mais se compadecem da tua dor » .

“Prepara-te para a luta, minha filha; tens que lutar aparentemente sozinha”.

Esta primeira frase de Jesus anuncia o que breve — cinco dias depois — vai acontecer:
perder o seu Pai espiritual.

Como acima dissemos, o Padre Mariano Pinho vai ser proibido pelos seus superiores
da Companhia de Jesus de dirigir a Alexandrina.

Alexandrina não compreendeu o verdadeiro sentido desta revelação; só mais tarde


começará a compreender o que verdadeiramente se passa...

Jesus acrescenta ainda: “O teu caminho não terá luz”, o que pode ser considerado
como uma homenagem ao santo e piedoso sacerdote, que “subirá às honras dos
altares”, conforme Jesus o prometeu à Alexandrina.

O bom Jesuíta em tudo obedecerá aos Superiores e jamais uma queixa ou uma crítica
sairá dos seus lábios: ele conhecia o valor da obediência!

Em 16 de Janeiro, nada sabendo ainda da teia urdida que a privará do seu Cireneu,
Alexandrina escreve ao Padre Mariano Pinho e dá-lhe conta das ternas palavras
ouvidas de Jesus e da promessa que lhe faz:

« Depois de passarem alguns momentos, disse-me Jesus:

— Minha filha, tens o primeiro lugar em meu divino Coração junto àqueles que te são
queridos, que te amparam e te aliviam na tua dor. Dar-te-ei no Céu todas as minhas
graças, todo o meu amor para que as faças cair sobre eles como prémio e recompensa
» [2].

Este mês de Janeiro é fértil em acontecimentos relacionados directa ou indirecta com


a vida da Alexandrina.

No dia 17 de Janeiro, D. António Bento Martins Júnior escreve pela terceira vez para
Roma dando informações sobre a Alexandrina e sobre o pedido de Consagração do
mundo a Maria.

Nesse mesmo dia, e na sequência da publicação dos escritos do Padre Terças,


Alexandrina tem como uma premunição e receia que essa publicação possa ter
repercussões que atinjam o seu Pai espiritual. Ela escreve ao Padre Pinho e diz-lhe:
« A minha dor — causada pela publicação — fica em último lugar. Primeiro que tudo
sofro com receio que sofra a causa de Jesus. Depois sofro por o meu Paizinho não ser
um padre secular, é um religioso, tem os seus superiores e quanto não terá que sofrer
com eles e sofrer inocente. Depois sofro eu com a dor do esmagamento; mas é o que
menos importa que eu seja lançada como um trapo imundo ao abandono e desprezo
de todos. Só e de estranhar que entre Senhores Padres haja tanta coisa, digo tanta
coisa por não saber a palavra que hei-de empregar. Contudo só desejo que Jesus lhes
perdoe que de mim estão perdoados » [3].

É muito interessante e quase humorística a “diplomacia” da Alexandrina quando fala


dos Jesuítas: “Só é de estranhar que entre Senhores Padres haja tanta coisa!”, e a sua
simplicidade, ao confessar que não sabe qual palavra a utilizar...

No dia 20 do mesmo mês, o Padre Mariano Pinho, sabendo que não poderá mais
ocupar-se da sua “Doentinha”, dá-lhe como confessor o Padre Alberto Gomes.

No dia seguinte, escrevendo ao seu Paizinho espiritual, como se o pressentimento que


tinha a espicaçasse, Alexandrina confessa:

« Surgem-me cruzes de todos os lados que se vêm unir à minha cruz, formando assim
um enorme cruzeiro. Levantam-se calvários por todos os lados que se unem ao meu
calvário, amontoando montanha sobre montanha que se torna tão dolorosa e triste,
dificilíssima de eu atravessar » [4].

Mas o que sente a Alexandrina já não é só um pressentimento vago: ela compreendeu


já que algo se trama na sombra contra ela e contra o seu Pai espiritual. Efectivamente,
na mesma carta, um pouco mais adiante, ela diz, falando dela:

« Sinto-me como um trapo esfarrapado onde todos ou quase todos, vomitam,


escarram, calcam e limpam os pés e lançam sobre ele os maiores insultos. Mas sinto-
me tão nada e tão indigna que nem para isso devia ter utilidade. Sinto mais ainda:
todos os maus tratos que me derem, tudo o que de mau de mim disserem e possam
vir a dizer é nada para o que mereço. Mas à frente de tudo devia estar a caridade
que Jesus tanto ama. Ai como é doloroso o meu sofrer! »

Mas como ela mesma confessa: o que mais interessa é a causa de Jesus. Depois, vem o
seu Pai espiritual que “é humilhado e calcado”. Ela sente-se responsável disso, que “é
a causadora de todo esse sofrer” e o seu coração sangra...

« Sinto que alguém e não poucos, não satisfeitos do meu padecer, cavam sem piedade
na sepultura que já estou sepultada que é tão grande, é mundial, nova sepultura
numa profundidade que é um abismo sem fim. É nela que me lançam cobrindo-me
depois do que há de pior. Meu Deus, ai meu Jesus, se esta cruz fosse só para mim! O
pior é que não é. Escusado é o meu Paizinho enganar-me, dizer-me que não sofre. Eu
não preciso doutras testemunhas, bastam-me os sentimentos da minha alma. Sinto
que o meu Paizinho é humilhado, é calcado e lançam-lhe em rosto coisas que assim
não são ».
O seu pensamento vai também para o bom médico que o Senhor lhe enviou: também
ele vai sofrer e ser humilhado: vai pagar o bem com o mal, pensa ela, mas o seu desejo
sincero é de não “ser ingrata para ninguém”.

«E, para maior confusão minha, sinto que sou eu a causadora de todo esse sofrer, de
toda essa cruz; sou e serei a causa de muita humilhação e sofrimento do Sr. Doutor.
Que paga triste eu lhe dou do muito que ele tem feito por mim! Tudo é involuntário,
eu não queria ser ingrata para ninguém».

No dia 26 de Janeiro, escrevendo ao Padre Mariano Pinho, ela pergunta com uma certa
ansiedade, não dissimulada:

« O meu Paizinho está proibido de vir aqui? Não deixam de o fazer sofrer? Ainda
tentam humilhá-lo e calcá-lo mais? Jesus seja connosco, que a querida Mãezinha
venha em nosso auxílio e nos dê força para tanta dor. Que isto seja para maior glória
de Jesus e de proveito para as almas » [5].

Mas esta separação não a faz esquecer a sua missão nem o seu amor ao Esposo
crucificado que a chama. Este novo sofrimento vai mesmo ser ocasião de novas ofertas,
de novos abandonos à divina Vontade. No seu Diário ela escreve a 6 de Março:

« Servi-vos da minha tristeza e agonia, servi-vos do sacrifício que me levou ao


extremo para dares a paz ao mundo, meu Jesus, para que o vosso divino Coração
possa receber de mim toda a alegria, consolação e amor possível, para que sejam
realizados todos os vossos desejos, para que as almas sejam salvas » [6].

Mais adiante, no Diário do mesmo dia ela desabafa com o divino Esposo:

« Se eu não vivo para as salvar, se os meus sofrimentos não bastam para lhes evitar
o inferno, depressa, meu amor, depressa, levai-me então para vós; não se pode viver
assim; que ao menos me reste esta esperança: a minha agonia consola o seu divino
Coração ».

E ainda:

« Doce Jesus, que dor imensa para o vosso divino Coração ser tão maltratado pelas
almas para quem só tivestes amor. Que confusão! Que medo tão pavoroso que
transformava o vosso Coração e o vosso Corpo em sangue! »

O Coração de Jesus continua a ser o abrigo preferido da Vítima de Balasar:


Alexandrina quer aí se repousar e ouvir o bater do Coração do Amado:

« Na flagelação inclinei-me a vós, foi o vosso divino Coração o meu abrigo, nele
recebi a vida que estava quase perdida. Resguardada por vós, olhava todos os
sofrimentos, mas enquanto descansava não os temia. O vosso divino abrigo dava-
me força, suavizava-me a minha dor » [7].
No dia 20 de Março deste ano Alexandrina vive pela última vez a Paixão, sinal que a
consagração estava próxima.

Nesse mesmo dia escreve:

« Na flagelação fui descansar ao vosso Coração divino. Era grande como o Universo,
podia percorrê-lo todo, mas não, estava muito ferida; inclinei-me para vós,
descansei até que de novo voltassem os algozes » [8].

Depois o seu estado piora e, piora ao ponto de lhe serem administrados os últimos
sacramentos a 27 do mesmo mês de Março.

Nesse mesmo dia tinha mandado escrever no seu Diário:

« Na flagelação, ao ser resguardada em vosso divino Coração, via à minha frente os


algozes preparados com os açoites para mais castigarem o meu corpo. Eu coberta
com o vosso divino Amor não os temia ».

E mais adiante:

« Na segunda queda, obrigou-me a obediência a entrar de novo no vosso divino


Coração » [9].

Possuir uma alma como a Alexandrina é uma glória, uma glória para o país em que
nasceu mas também para o mundo inteiro.

Sofrer por mor de Jesus é igualemente uma glória, mas uma glória que só no Céu
poderá ser contemplada pelos eleitos do Senhor.

« Que glória para Portugal, para o mundo inteiro! Que alegria e triunfo para o
Paraíso! »

Depois, como se fizesse referência ao bom Padre Pinho, Jesus diz à Alexandrina:

« Bem-aventurados os humildes e perseguidos pelo amor de Jesus. Esses é que são os


eleitos do Senhor e os santos do seu divino Coração » [10].

A consagração do mundo vai ser feita. Jesus, vem, a 22 de Maio, anunciar a grande
novidade à Alexandrina. O tom das suas palavras é emotivo, jubiloso:

« Glória, glória, glória a Jesus!


Honra, honra e glória a Maria!
O coração do Papa, o coração de oiro
está resolvido a consagrar
o mundo ao coração de Maria!
Que grande dita e alegria para o mundo,
pertencer mais que nunca à Mãe de Jesus!
Todo o mundo pertence já ao Coração divino de Jesus;
todo vai pertencer ao Coração Imaculado de Maria! »

No dia 29 do mesmo mês de Maio Jesus jubila e anuncia de novo à sua esposa do
Calvário de Balasar:

« Ave Maria, Mãe de Jesus, Mãe de todo o Universo!


Quem não quererá pertencer à Mãe de Jesus, à Senhora da Vitória?
O mundo vai ser consagrado todo ao seu divino Coração!
Guarda, Viergem pura,
Guarda Virgem Mãe
En teu Coração santíssimo
Todos os teus filhos! »

*****

O Coração de Jesus atrai a si as almas puras e, para que elas cresçam sempre e cada
vez mais em amor e santidade, desse Santíssimo Coração dardam raios celestes que,
envolvendo-as, as ajudam a crescer nesse amor e nessa santidade em que Jesus as
quer. Assim sucede com a “Doentinha de Balasar”:

« Pouco tempo depois — escreve ela — vi e senti descer do Céu à terra para o lugar
do meu coração raios de luz mais brilhante que o sol, pareciam vindos do Coração
do meu Jesus, ligando-se e reflectindo-se para sempre no lugar do meu coração.
Tinha que me embeber toda naqueles raios de amor, o que dia a dia me vão
embebendo cada vez mais, deixando-me transformada neles. Esses raios vão-me
levantando da terra para o Céu » [11].

Alguns dias mais tarde a Alexandrina volta a falar do Coração do seu Amado e explica:

« Jesus quisera que todos falassem nas bondades do seu divino Coração com toda a
simplicidade e amor. Jesus quisera que todos falassem nas bondades do seu divino
Coração, da sua ternura, da sua compaixão, do seu perdão. Jesus é louco por todos
os filhos seus. Jesus ama-os apaixonadamente e a todos quer dar os tesouros
inesgotáveis do seu amável Coração » [12].

Como prelúdio à consagração do mundo que agora não demorará muito, a vidente de
Balasar beneficia duma aparição de Nossa Senhora, aparição que lhe procura uma
grande consolação. Eis como ela a descreve:

« Foi então que no dia 9 de Junho de 1942, pelas 13 horas, me apareceu sobre a cama
descendo do Céu a figura deslumbrante da Mãezinha que parece se fixou em minha
frente um pouco para a minha esquerda. Vestia ricos vestidos brilhantes, de cores
variadas, trazia os pés nus, chegou-se a mim para me acariciar e com sua mão
direita apontou para o Céu. Parecia comovida com o meu sofrimento a prometer-me
a recompensa e a inspirar-me confiança. O trono em que veio era brilhantíssimo
como ouro pálido em que o sol projectava os seus mais brilhantes raios. Foi inefável
a consolação que me deixou a primeira aparição. Por uns minutos me tem
desaparecido para novamente me aparecer, agora mais junto de mim, do lado
direito, e pude ver distintamente que agora era o Imaculado Coração de Maria » [13].

No dia 1 de Agosto, Jesus fala-lhe, parecendo encorajá-la. Ele fala-lhe igualmente do


seu Paizinho espiritual:

— « O Coração de Jesus com o de sua Santíssima Mãe alegram-se e enchem-se de


regozijo com os sofrimentos da louca, louca de Jesus, da crucificada do calvário e
com os sofrimentos do seu Pai espiritual, que o tem sido é e será por toda a eternidade
» [14].

Quinze dias mais tarde, na festa da Assunção da Virgem Maria, Jesus volta de novo a
falar-lhe e confirma o que quinze dias antes tinha dito:

— « É com os laços mais firmes e do mais puro amor que Jesus enleia ao seu divino
Coração e de sua Santíssima Mãe a sua louquinha de amor, a vítima de maior
imolação, a maior alegria e glória do Altíssimo que tem e poderá ter na terra. É com
os mesmos laços de amor que Jesus prende aos mesmos divinos Corações o Pai
espiritual da sua benjamina, o médico e almas amadas que por ela se sacrificam »
[15].

No mesmo dia, Jesus anuncia à Alexandrina que ela, pela sua pureza, pela sua
abnegação e pelo seu amor, se tornou o sacrário, o “cofre riquíssimo” onde Ele e a
Trindade Santíssima gostam de repousar...

— « A Santíssima Trindade inclina-se, o divino Espírito Santo estende os seus raios,


irradia-os sobre este cofre riquíssimo do Santíssimo Coração de Jesus » .

No dia 3 de Outubro, Jesus confia à Alexandrina uma mensagem de esperança e de


carinho para o seu Pai espiritual que continua impedido de a visitar, mas que pode
receber as cartas que lhe escreve a sua dirigida:

— « Escuta, filhinha. Diz ao teu Pai espiritual que o Coração divino de Jesus está
aberto para ele, que o ama louca e apaixonadamente. A prova mais clara que Jesus
lhe dá é fazê-lo passar por tão grandes humilhações e sofrimentos, assemelhando-o
tanto a Ele » [16].

Chega o dia da consagração tão desejada por Jesus e pela Alexandrina. Pio XII, Papa
tão mariano, vai enfim realizar o acto que o mundo espera, e que o espera porque trará
consigo a paz...

« A primeira Consagração do mundo ao Imaculado Coração de Maria― escreve o


professor José Ferreira ― foi feita em português, aos microfones da Emissora
Pontifícia, pelo Papa Pio XII, em 31 de Outubro de 1942, na conclusão do Jubileu das
Aparições de Fátima, e repetida no dia da Imaculada Conceição, a 8 de Dezembro, do
mesmo ano, na Basílica de S. Pedro. A Emissora Nacional retransmitiu para Portugal
a alocução de 31 de Outubro » [17].

O mesmo autor, no mesmo artigo, falando do impacto que teve na imprensa


portuguesa o acto solene de Pio XII, escreve mais adiante:

« Esta consagração não terá tido significativo impacto imediato nas comunidades
católicas portuguesas (que não viviam os horrores da guerra), como se deduz do que
sobre ela noticiaram o Diário do Minho, da Arquidiocese de Braga, e dois jornais
portuenses de circulação nacional, O Comércio do Porto e o Jornal de Notícias ».

A notícia da Consagração foi dada à Alexandrina nesse mesmo dia 31 de Outubro, pelo
seu Pai espiritual, o Padre Mariano Pinho, então em Fátima. Enviou-lhe um telegrama
onde dizia: “Em Roma, o Santo Padre Pio XII fez, finalmente, a Consagração do
Mundo ao Coração Imaculado de Maria, em língua portuguesa, com especial
menção à Rússia” [18].

Assim, a consagração tendo sido feita após a intervenção dos Bispos portugueses
reunidos em Fátima, o mundo inteiro ficou convencido que esta mesma consagração
teria sido pedida por Nossa Senhora aos Pastorinhos... esquecendo, ou ignorando a
verdadeira origem desse mesmo pedido feito por Jesus em 1935 à Alexandrina de
Balasar.

No seu excelente artigo sobre “A primeira consagração do mundo ao Imaculado


Coração de Maria, na imprensa”, o professor José Ferreira constata judiciosamente
ao terminá-lo:

« À data da Consagração, as forças do Eixo estavam no máximo da sua expansão.


Curiosamente, a sorte começa na altura a ser-lhes claramente desfavorável. Lembrem-
se a campanha do Norte de África, o desastre alemão em S. Petersburgo, mais adiante
o Desembarque da Normandia ou o começo do fim do expansionismo japonês.

“Só ela (a sua Mãe) lhe (ao mundo) poderá valer”: afirmara Jesus à Alexandrina. O
terrível castigo infligido ao mundo chegaria ao fim apenas três anos depois, deixando
atrás de si um rasto de violência e morte como não havia memória » [19].

[1] Carta ao Padre Mariano Pinho : 02.01.1942. [9] Sentimentos da alma : 27.03.1942.
[2] Carta ao Padre Mariano Pinho : 16.01.1942. [10] Sentimentos da alma : 02.05.1942.
[3] Carta ao Padre Mariano Pinho : 17.01.1942. [11] Sentimentos da alma : 31.05.1942.
[4] Carta ao Padre Mariano Pinho : 21.01.1942. [12] Sentimentos da alma : 04.06.1942.
[5] Carta ao Padre Mariano Pinho : 26.01.1942. [13] Sentimentos da alma : 09.06.1942.
[6] Sentimentos da alma : 06-03-1942. [14] Sentimentos da alma : 01.08.1942.
[7] Sentimentos da alma : 13.03.1942. [15] Sentimentos da alma : 15.08.1942.
[8] Sentimentos da alma : 20.03.1942. [16] Sentimentos da alma : 03.10.1942.
[17] José Ferreira : A primeira consagração do mundo ao Imaculado Coração de Maria, na imprensa.
Deve-se aqui recordar um passo duma carta que o P.e Abel Guerra SJ escreveu ao P.e Humberto
[18]

Pasquale, que lhe perguntava como tinha podido o P.e Pinho escrever à Alexandrina, apesar da
proibição que sobre ele impendia: ele, responde este jesuíta, «não lhe escreveu em todo esse tempo, a
não ser excepcionalmente um simples cartão de visita, a felicitá-la pela Consagração do mundo
Imaculado Coração de Maria, e isto com a minha aprovação (era seu Superior)».
Mas vale a pena ouvir um pouco mais da carta: «Estava satisfeito o pedido da Alexandrina ao Santo
Padre, pedido que ela fizera por meio do P.e Pinho, e o acontecimento era tão jubiloso que o coração
não se podia conter. Nunca me há-de esquecer o júbilo que então sentimos. O caso era absolutamente
extraordinário; e por isso entendemos que nem ele nem eu desobedeceríamos à ordem dada, com duas
frases apenas de congratulação».
[19] José Ferreira : A primeira consagração do mundo ao Imaculado Coração de Maria, na imprensa.

VENHA A NÓS O VOSSO REINO


Voltemos ao tema principal deste trabalho: Alexandrina e o Sagrado Coração de Jesus.

Num artigo publicado em 1999, e dedicado ao primeiro centenário da consagração do


mundo ao Sagrado Coração de Jesus, o Padre Dário Pedroso, Jesuíta, coloca, e com
razão, algumas perguntas pertinentes:

« Porquê falar, hoje, do Coração de Jesus? Que sentido poderá ter para as pessoas,
sobretudo para os mais novos, falar do coração de Jesus ? Será que ainda é uma
devoção actual? Será que tem interesse ? Não será uma “velharia” de antigamente?
».
Claro está que, tendo feito as perguntas, ele vai a elas responder de maneira metódica
e teológica:

« A Bíblia ― escreve ele ― é um livro de cardiologia, ou seja sempre que quer falar
do homem, do seu interior, das suas qualidades, das suas capacidades quer
intelectuais quer morais, usa a palavra, coração. Esta palavra aparece na Bíblia 835
vezes e é sempre usada para simbolizar o mais importante, o mais íntimo, o mais
essencial. O coração é que pensa, que sente, que geme, que é virtuoso, que revela a
bondade ou maldade duma pessoa ».

No Evangelho de S. João encontramos também uma referência importante, mesmo se


aí o “discípulo que Jesus amava” não utiliza a palavra coração, mas subentende-se sem
esforço:

« Mas, ao chegarem a Jesus, vendo que já estava morto, (...) um dos soldados
traspassou-lhe o peito com uma lança e logo brotou sangue e água » (S. João, 19, 33-
34).

É deste golpe de lança que se serve o mesmo sacerdote Jesuíta para nos responder às
perguntas transcritas acima:

« A tradição da Igreja sempre viu na lançada que furou o lado do Senhor na tarde
de Sexta Feira Santa, o símbolo do lado aberto, do coração rasgado, donde saiu
sangue e água, símbolos do Baptismo e da Eucaristia. A Igreja, na figura destes dois
sacramentos, nasceu do Coração de Cristo aberto na Cruz. Tudo vem desse Coração,
tudo nos vem do Coração de Cristo. A devoção ao Coração é o essencial, é a devoção
ao amor de Deus, a devoção a Deus que é Amor ».

A seguir, o mesmo Padre Dário Pedroso adianta uma explicação que muito nos agrada,
pois relembra, a quem por acaso tivesse esquecido, um certo número de verdades
essenciais para nós, homens do século XXI, a quem esta devoção deve e deverá
continuar a mobilizar:

« É deste Coração que nasce a civilização do amor, que poderá nascer a renovação
das pessoas, das famílias, das instituições, das nações. É deste Coração que a Igreja,
a esposa, aprenderá a amar, a ser pobre e humilde como Jesus. É deste Coração que
cada cristão, aprenderá o caminho da santidade, ou seja, o amor. Ser santo há-de
significar ter um coração como o Coração de Jesus ».

Aqui tudo está dito e de maneira tão simples como clara: “Ser santo há-de significar
ter um coração como o Coração de Jesus!”

Quanto a saber se esta devoção está ultrapassada, se é uma “velharia da antiguidade”,


a resposta do bom sacerdote é sem rodeios e categórica:

« A devoção não está ultrapassada; o que nos falta é perceber, por dentro, a
grandeza do símbolo. E falta-nos às vezes humildade para aceitar o convite de Jesus
para aprendermos com o seu Coração, para aceitar as manifestações que, através
dos séculos, o seu Coração nos fez. Hoje, todos os grandes teólogos, voltam a apontar-
nos o Coração do Redentor, como expressão máxima do amor, como caminho de
santidade ».

Na Alexandrina não faltava aquela humildade de que nos fala o Padre Dário Pedroso;
a humildade era uma virtude constante na “Doentinha de Balasar”. São igualmente
constantes nos seus escritos as referências ao divino Coração, onde ela repousa muitas
vezes, pelo qual ela sofre para que não sofra Ele; que se abre de par em par para receber
o da Alexandrina...

« Doce Jesus, que dor imensa ― escreve ela ― para o vosso divino Coração ser tão
maltratado pelas almas para quem só tivestes amor. Que confusão! Que medo tão
pavoroso que transformava o vosso Coração e o vosso Corpo em sangue! » [1].

O Coração de Jesus sofre e agoniza, porque as almas não o aceitam, porque as almas
preferem tantas vezes o pecado ao amor divino.

« Sentia-vos, meu Jesus, revestido de mim a chamardes as almas. Dizíeis-lhes a


agonia do vosso divino Coração, mostráveis-lhes como ele estava ferido e só por
amor » [2].

Alexandrina não hesita nunca em receber no seu coração as ofensas destinadas ao


Coração do seu amado Jesus. Esta substituição tornou-se mesmo para ela uma missão
que ela não esquece, qualquer que seja a situação presente.

« Mirava para um e outro lado, por todos eles surgiam sofrimentos; sabia que eram
para mim; o meu coração sorria a tudo e dizia: tudo recebo por amor. Ó meu Jesus,
isto são alívios, não consolações, bem o sabeis. Tenha o vosso divino Coração a
consolação que eu poderia ter » [3].

Jesus não esquece a sua vítima, não esquece a reparação que tão humildemente ela
aceita e mesmo pede, para que não sofra o Salvador. Por isso mesmo o Esposo vem por
vezes presenteá-la de graças celestes, como para lhe agradecer a aceitação permanente
desta substituição reparadora.

― « Ó minha filha, como é grande para contigo o amor do teu Jesus! Jesus deu à sua
benjamina toda a riqueza do seu Coração. Jesus deu à louquinha da Eucaristia todo
o fogo divino que o abrasa. Jesus é belo e em beleza transformou o coração e a alma
da sua esposa. Se o mundo conhecesse a beleza e a riqueza da amada de Jesus, ao vê-
la ajoelhava. Cobre-a toda a graça divina, enche-a toda a riqueza do Céu » [4].

Palavras carinhosas, sem dúvida, mas revelações também sobre o altíssimo,


singularíssimo valor espiritual da alma da Alexandrina: “Se o mundo conhecesse a
beleza e a riqueza da amada de Jesus!”

No mesmo dia, fala-lhe ainda a Mãezinha:


No mesmo dia, Jesus diz-lhe ainda:

— « Eu amo-te, amo-te e dou-te a ti a ternura e o amor do meu Santíssimo Coração.


Dou-te a minha pureza, dou-te a minha graça; és o encanto de Jesus, nada te será
negado por mim e por ele. Pede, pede, pede para distribuíres » [5].

O Padre Dário Pedroso dizia acima, falando do Coração de Jesus: “Símbolo do lado
aberto, do coração rasgado, donde saiu sangue e água, símbolos do Baptismo e da
Eucaristia” Jesus confirma esta afirmação, quando diz à Alexandrina:

― « À sombra da Eucaristia. Este é o alimento que gera as virgens, as mais puras, as


mais queridas e amadas do meu divino Coração. Quanto me deves, minha filha,
quanto me deves, minha amada, tu e toda a humanidade, por eu ter instituído este
Alimento sagrado » [6].

Alexandrina compreendeu bem cedo esta verdade, por isso mesmo nos seus escritos
abundam as referências ao Coração divino.

O Coração de Jesus é o seu refúgio seguro contra as forças do mal, contra os inimigos,
quaisquer que eles sejam, onde ela vai descansar, onde ela se vai refugiar, onde ela se
vai revitalizar.

Quando a privam do seu primeiro Director espiritual, ela queixa-se e pede a ajuda do
Senhor...

« Meu Deus, se me faltais, não tenho ninguém! Tende de mim compaixão, vede que
os homens levaram para longe de mim aquele que me guiava por caminho direito e
seguro ao vosso divino Coração »[7].

A união do Coração de Jesus ao da Alexandrina é tão serrada, que um e outro nada


mais são do que um só coração. É o que lhe diz Jesus a 18 de Setembro de 1943:

― « Minha filha, amor, amor, amor. O teu coração e o meu é um só; estás toda
transformada em mim. Eu sou a tua vida; não tens a vida humana, tens a vida
divina. Não tens a vida da terra, vives a vida do Céu » [8].

O sangue do Coração de Jesus é também alimento, sustento para a alma e para o corpo
da Vítima de Balasar.

Como já dissemos, Alexandrina é sem dúvida a única alma-vítima a quem Jesus assim
alimentou.

« Nova prova de amor de Jesus: veio Ele levantar-me do abismo das trevas e da
morte. Toma-me em seus divinos braços, inclina-me ao seu divino lado, dá-me a
beber o seu Sangue do seu divino Coração. Que maravilha! Que bondade infinita!
Sentia o Sangue do Coração de Jesus passar para mim com toda a abundância » [9].
Sublime é também o pedido que Jesus lhe fez um dia: ser a depositária do seu divino
Coração:

« De repente ― escreve ela no seu Diário ―, vi Jesus à minha frente, pregado na cruz,
e logo desapareceu. Se morta me sentia, morta continuei: a vida parecia não existir
para mim. Passaram-se uns momentos. De novo veio o meu Amado, mas desta vez
cheio de encantos. É o Coração santíssimo de Jesus. O seu divino Rosto era tão belo!
Tudo era brilho, tudo era luz! Aproximou-se de mim e segredou-me ao mesmo tempo
que me entregava o seu divino Coração com uma grande chaga da qual saía uma
enorme chama doirada que podia incendiar e queimar todo o mundo:

— “Guarda, minha filha, em ti o meu divino Coração para que os pecadores não
possam mais feri-lo”.

Não sei como o Coração do meu Jesus infundiu-se em mim. Perde-se em mim e eu
nele. Oh! Como é grande o amor de Jesus!... Que transformação a da minha alma!
Já tinha vida, coragem e força para caminhar.

Ó sofrimento, como és doce quando és levado por amor de Jesus. Mas ai, quanto
custa querer consolar e não poder, guardar o seu divino Coração para satisfazer os
seus santíssimos desejos e não saber como. Pobre Jesus, a quem entregais o vosso
Coração para guardar?! Aonde, Jesus, o poderei esconder para não ser mais ferido?
Eu sou miséria e podridão. Transformai-me, purificai-me e depois entrai em mim.
Amo-vos e sou vossa ! » [10].

O amor de Jesus poderíamos defini-lo como o fez o nosso poeta Camões:

« Amor é um fogo que arde sem se ver,


é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer » [11].

Jesus diz-lhe, a 4 Janeiro de 1946:

« Este fogo que tu sentes, é o fogo do Meu amor, todo o amor do Meu divino Coração.
Não é para continuares a senti-lo : é a minha medicina divina, medicina que dou ao
teu coração e à tua alma para teres força e coragem, ao receber dos espinhos, e para
continuares ao cimo do calvário tão grande cruz » [12].

Nesse mesmo dia que era um sábado, Jesus, acompanhado de sua Santa Mãe, diz-lhe
ainda:

― « Estou aqui com minha Bendita Mãe no primeiro sábado deste ano, a renovar-te
a entrega de toda a humanidade de quem és rainha e mãe, para a salvares, e fazer a
troca dos nossos corações, do meu e do teu, ou melhor, infundir o meu no teu, o teu
no meu, ficando assim num só coração, Jesus com a sua vítima”.
Quando Jesus me dizia isto, já eu estava nos braços e no regaço da Mãezinha. E disse:

— Jesus, quero o Coração da Mãezinha transformado também no Vosso Coração e


no meu. Quero três corações num só coração. Quero com Ela sofrer e com Ela amar,
para acudir ao mundo inteiro.

— Assim tem que ser, filhinha amada, e assim o esperava dos teus desejos. Foi Ela a
primeira comigo a salvar o mundo e agora de novo contigo lhe vem acudir, o vem
salvar.

Enquanto Jesus dizia isto, fez uma troca e mistura dos nossos três corações,
bloqueou-os, amarrou-os, deixou-os num só coração, e colocou-o, depois, dentro do
meu peito. E com a Mãezinha pegaram numa grande bola, abriram o meu coração e
meteram-na dentro. E Jesus disse :

— É o mundo, é o mundo ; guarda-o, guarda-o, minha filha, em teu coração, que é


tão grande como Deus ; é o Coração do teu Jesus.

Senti o coração tão grande, maior que o mundo ; podia guardá-lo à vontade. E a
Mãezinha disse-me :

— O minha filha, esposa do meu Jesus, sofre tudo, sofre alegre, para salvares todas
as almas deste mundo que é teu. Jesus e Eu a ti o confiamos.

Jesus e a Mãezinha acariciavam-me, abraçavam-me, enchiam-me de amor ».

Comentando esta intimidade, o Padre Mariano Pinho escreve:

« Não admira pois que tão íntimo seja, agora mais que nunca, o convívio de Jesus e
da sua Alexandrina. Quantas vezes lhe dá o seu divino Coração, para que ela o
guarde, para que disponha à vontade dos seus tesouros! Quantas vezes faz desse
Coração e do dela um só coração!

Outras vezes dá-lhe a beber do sangue que jorra desse manancial, declarando-lhe
que é este o alimento misterioso que a sustenta milagrosamente na vida. De que
variados modos nos declara a Alexandrina que já não é ela que vive, que sofre, que
ama, mas que é Cristo que vive, sofre e ama e tudo opera nela! » .[13]

Quando por qualquer motivo a Alexandrina duvida ― o que é humano ―, Jesus vem e
encoraja-a, insufla-lhe nova energia...

« A 3 de Março de 1951, primeiro sábado, assim a confortava Nosso Senhor, depois


da Comunhão:

Minha filha, aqui está o Jardineiro divino a trabalhar no terreno que escolheu desde
toda a eternidade para ser o seu jardim formoso.
Minha filha, que trabalhos, que maravilhas divinas Eu aqui opero! Delicio-me no
aroma de todas as flores da virtude.

Recebe o conforto do meu divino Coração: junta o meu amor a estas encantadoras
flores.

As virtudes são armas que afastam o mal, que combatem todos os crimes e
iniquidades e atraem para Mim as almas. Conforta-te para sofreres: com virtudes,
dor e amor, curam-se as almas. Saem da morte do pecado, renascem para a graça,
para Deus » [14].

Algumas semanas mais tarde, Jesus volta a encorajá-la:

― « Minha filha: estás já a continuar a minha obra redentora, a obra da salvação...


Pelas tuas chagas, pela tua crucifixão, continuas a dar ao mundo, a dar às almas o
que outrora Eu dei pelas minhas Chagas, pela minha Crucifixão no alto do Calvário.

Confia, minha filha, no que te diz Jesus. Duvidares, é desgostar-me e tu não queres
entristecer o meu divino Coração... » [15].

Alexandrina atravessou diversos períodos não só de dúvidas mas também de lutas com
o inferno, com a “noite escura” dos sentidos, com as penas do Purgatório... Disso fala
ela, recordando-se quanto fora ingrata, em seu entender:

« No tempo da agonia, a minha alma via o sangue divino de Jesus sair do Seu
Santíssimo Coração e regar toda a terra com tal abundância, como se fora um
chafariz. E eu, sempre na minha inutilidade, em vez de me aproveitar dele, recusei-
me a recebê-lo. Quando o sangue caía, eu, por querer, teimava a esconder-me dele.
mergulhava-me num mar de misérias e de podridão. Sobre tal podridão, o sangue
de Jesus caía, mas não penetrava em mim. Assim expirei nesta inutilidade, separada
do Senhor. Por algum tempo continuou esta separação, numa morte total » [16].

Mas Jesus ama a sua vítima, ama-a e quer “precisar” dela, por isso mesmo, para a
motivar, diz-lhe com ternura:

― « Fiz-me vosso irmão, fiz-me como vós, vivi como vós, morri numa cruz, para vos
dar o Céu. E, em troca, qual a recompensa que recebeu o meu Divino Coração? Numa
lança, a renovação da minha Paixão, ingratidão contínua! O meu peito foi rasgado,
o coração trespassado. Foi assim, no alto do Gólgota, o mesmo continua a ser a cada
momento.

Imediatamente a Alexandrina compreende e responde:

« Já vi tudo, Jesus, já vi tudo, meu Amor, não quero ver mais. Sou eu com certeza,
com as minhas maldades. O cabo da lança está nas minhas mãos. Sou eu a lancear
continuamente o Vosso Coração Divino » [17].
Em Maio de 1953, escrevendo ao seu Pai espiritual Alexandrina conta quanto sofre,
mas sofre contente, porque com o seu penar conquista almas para Jesus, mesmo se
tem “muitas imperfeições”, como ela diz.

« Meu Paizinho, nada digo da grandiosidade da minha dor, nem das ânsias que
tenho de amar a Jesus e de Lhe dar almas, muitas almas, todas as almas. Nada faço
com o fim da glória que me espera, mas sim com o fim de dar honra e glória a Jesus,
de O consolar e amar louca e cegamente. Nada digo porque nada sei dizer. Apoderou-
se de mim a maior e mais indizível ignorância. Seja bendito o Senhor pela cruz que
Ele me dá. Não me esqueça, não me esqueça junto do trono da Santíssima Trindade
e da Mãezinha querida. Eu preciso muito, muitíssimo da força e da graça do Senhor,
para abraçar num abraço interno e eterno a minha cruz, que dia a dia , momento a
momento é maior, mais pesada e me sinto incapaz de a levar. Só tenho ânsias de
perfeição e de fazer bem, mas não passo adiante disto. Se levasse com perfeição a
minha cruz, parece que não precisava de mais nada para alegrar Jesus e a querida
Mãezinha. Não levo, não!... Tenho muitas imperfeições » [18].

Na mesma carta, uma declaração importante que prova a sua honestidade, assim como
a sua grande humildade. Diz ela:

« O Sr. Arcebispo parece estar muito bem disposto e na resolução de fazer novo
exame à causa. Vamos ver o que surge. Eu não tenho nenhum medo. Só quero a
verdade. Se me disserem que estou enganada, agradecerei ao Senhor por os ter
esclarecido e peço perdão ao mundo inteiro. Se estiver na verdade, digo ao Senhor
da mesma forma o meu eterno obrigado ».

Em Julho de 1953, na primeira sexta-feira do mês, “depois de Nosso Senhor lhe dizer
que a sua vida era um portento das maravilhas do Senhor ― escreve o Padre Mariano
Pinho ―, ela humildemente responde”:

« Só por Vós e para Vós tenho vivido. Só em Vós tenho confiado. Nunca, nunca confiei
em mim. Pela vossa graça, nunca, nunca nada a mim atribui; o meu nada, a minha
miséria imensa, a minha inutilidade é a que me está sempre, sempre presente.

— Minha filha, pupila dos meus olhos, florinha eucarística, adorno do meu divino
Coração, avante, avante por Deus e pelas almas!

Pede amor, pede amor para o meu divino Coração. Não deixes as almas perderem-
se. Convida-as a virem a Mim.

O teu sofrimento fala-lhes ao coração, o teu sorriso, o teu silêncio, fala-lhes, fala-lhes
sempre.

Coragem, coragem! Tudo isto é uma revolução das almas.

Coragem, coragem! Tudo isto são provas do meu divino amor para com elas.
Acode-lhes, não as deixeis perder; não as deixeis cair no inferno!

— Isso quero eu, meu Jesus. Ah, se eu pudesse pôr um aloquete no inferno, para ele
não mais se abrir! Eu não quero, não, meu Jesus, que nenhuma alma se perca, eu
não quero, não, meu Amor, ver o vosso Coração ferido.

Tenho fome, muita fome, meu Jesus, de vos dar todas as almas e toda a consolação.
Só vivo por Vós, porque Vos amo, Jesus. Não tenho outro fim na minha vida a não
ser amar-vos e dar-vos almas... » [19].

Isto mesmo explica o seu primeiro Director espiritual, o Padre Mariano Pinho, quando
diz:

« Alma tão simples como ela, tão angélica, tão desprendida de si e de tudo, tão dócil
às divinas inspirações e tão perfeita e pronta em abraçar a vontade de Deus, fosse
ela doce ou amarga, suave ou atroz, depressa atingiu, sob a acção abundantíssima
da graça, a purificação exigida para a perfeita união com Deus. Não mentia, quando
em seus colóquios com Deus lhe dizia com tanta simplicidade:

Ó meu Jesus, eu nunca vos neguei nada, nada, nem na menor coisinha! » [20]

Numa outra carta, datada do mês de Novembro desse mesmo ano de 1953, lemos uma
declaração que nos esclarece sobre o seu estado de alma e nos informa daquilo que
então vive:

« Quanto ao meu estado actual, estou a passar uma fase tremenda, deveras dolorosa.
Veio juntar-se ao tormento da inutilidade o pavor da eternidade. Vivo já há uns
meses a eternidade desesperadora de maldição, de ódio e revolta contra Deus! Esta
eternidade está sempre em princípio, não se move, não caminha um momento. Não
sei o que é que dentro em mim blasfema contra o Pai do Céu. Mas não sou eu, porque
na superfície é que tudo isto se passa. Mas no íntimo, muito no íntimo, há paz, mesmo
com o sentir e me parecer que está tudo perdido.

O meu brado por Jesus e pela Mãezinha é noite e dia sem ter socorro do Céu, nem da
terra. Não deixo de beijar e abraçar a minha cruz, só por amor a Jesus e das almas.
Se eu neste momento pudesse falar-lhe destas ânsias, era um nunca acabar: elas são
infinitas. Confiemos, aguardemos a hora da graça. » [21].

Nesta mesma carta, ela dá ao seu Paizinho uma informação sobre os colóquios que ela
tem com Jesus: eles vão terminar.

« Jesus preveniu-me que os colóquios dos primeiros sábados vão acabar no primeiro
sábado de Dezembro. O que até agora me causava grande pavor, causa-me agora
grande tristeza e saudade. Como passar sem Jesus e sem a Mãezinha?! Os das sextas-
feiras não acabam, mas será quase como se terminassem. Serão colóquios de fé, disse
Jesus; serão só para me darem conforto. Jesus falará de longe a longe, se preciso for.
Esta prevenção de Jesus já vem há mais de dois anos. Por enquanto, Ele tem falado;
não sei quando me deixa de falar. Já são colóquios tão dolorosos! Como serão eles,
quando Ele me não disser nada? Tudo leva a crer que este silêncio não demora. O
Senhor seja comigo » [22].

Depois do Arcebispo de Braga, é o Cardeal Patriarca de Lisboa que se põe ao lado da


Alexandrina. As coisas parecem evoluir... pena que já seja um pouco tarde, mas se
Deus assim o permitiu é porque tinha “razões” para que assim acontecesse. A respeito
do Cardeal, ela escreve:

« O Sr. Cardeal não se cansa de me mandar bênçãos e palavras de conforto. Oh!


Como ele é meu amigo! Assim como o Sr. Dr. Cruz, secretário do Sr. Arcebispo, o que
há dias aqui esteve e, depois de me confortar muito, disse-me que estava connosco e
que representava o Sr. Arcebispo. Ainda que os inimigos estejam raivosos, os amigos
são muitos mais e Jesus há-de velar por quem só por Ele vive. E a nossa hora há-de
chegar. Confiemos, Paizinho, confiemos. De nada adiantou a separação dos homens,
Jesus mais uniu as nossas almas. E eu sinto que não há força humana que nos possa
separar. Oh! Como são grandes as coisas de Deus, como é infinito o seu poder.
Bendito Ele seja ! »[23]

Está-se a aproximar o décimo segundo aniversário da consagração do mundo a


Maria... Como para festejar esse mesmo aniversário e encorajar a sua vítima, Jesus
visita-a em 1 de Outubro de 1954; esta visita será em tudo grandiosa e lembrará a
estigmatização de S. Francisco de Assis.

Alexandrina ditou para o seu Diário:

« ... veio Jesus e, num impulso, o seu amor fortaleceu-me mais e falou-me assim:

“Vem, minha filha: Eu estou contigo. Está contigo o Céu com toda a fortaleza”.

Neste momento, pela Chaga do seu Divino Coração saiu um clarão tão grande e uns
raios tão luminosos que irradiavam tudo.

Pouco depois, de todas as suas Chagas divinas saíram raios que me vinham
trespassar os pés e as mãos! Da sua sacrossanta cabeça para a minha passava-se
também um “sol” que me trespassava todo o cérebro.

Falando do primeiro clarão e raios que saíam do seu Divino Coração, disse Jesus
com toda a clareza:

“Minha filha, à semelhança de Santa Margarida Maria, eu quero que incendeies no


mundo este amor tão apagado nos corações dos homens.

Incendeia-o, incendeia-o.

Eu quero dar, Eu quero dar o meu Amor aos homens.


Eu quero ser por eles amado. Eles não mo aceitam e não Me amam.

Por ti quero que este amor seja incendiado em toda a humanidade, assim como por
ti foi consagrado o mundo à minha Bendita Mãe.

Faz, esposa querida, que se espalhe no mundo todo o amor dos nossos Corações.”

“Como, Jesus? Como trabalhar dessa forma?! Se ele não é aceite por Vós, como hão-
de os homens recebê-lo por mim?”

“Com a tua dor, com a tua dor, minha filha! Só com ela as almas ficam agarradas às
fibras da alma e depois se vão deixar os corações incendiar no meu amor.

Deixa que estes raios das minhas Chagas divinas vão penetrar nas tuas chagas
escondidas, nas tuas chagas místicas” » [24].

Visão verdadeiramente grandiosa e sublime!

Este ano de 1954 vai terminar com um aviso de Jesus:

— « Estás na fase mais dolorosa, a última da tua vida. Eu virei depressa, depressa,
buscar-te para o Paraíso » [25].

Na primeira carta do novo ano que ela escreveu ao seu Pai espiritual, informa-o do seu
“programa de vida”:

« É dolorosíssimo o estado da minha alma. Os colóquios dos primeiros sábados


terminaram no primeiro sábado de Dezembro. Os das sextas-feiras terminaram no
dia 25 de Dezembro. Quero dizer, estes modificaram-se. Ficou Jesus a falar-me em
silêncio. São só para mim. Disso já estava prevenida. São colóquios de conforto, de
fé, como lhe chama Jesus. Ele fala-me poucochinho. Dizia Ele: "Terminaram os
colóquios das almas, os colóquios dos pecadores. Fico Eu contigo. Tens que viver da
fé" » [26].

Na última carta que escreveu ao santo e bondoso Padre Mariano Pinho, a Alexandrina
deixa falar o seu coração, como se ela soubesse que aquela carta era a última...

« Tenho a certeza que o meu Paizinho me acredita. Os males do meu corpo e da minha
alma são tão grandes, tão grandes, impedem-me quase sempre de cumprir os meus
deveres. Quero e não posso. Por vezes nem sou do Céu nem da terra, nem sou viva
nem sou morta; pareço um ser inútil. Ai, meu Paizinho, o eu não desesperar neste
estado do corpo e da alma, nesta vida sem vida, sem Deus e sem eternidade, é um
milagre. Assim me foi dito há dias. A minha alma manter-se em paz nesta luta
constante, é uma graça nunca agradecida do Senhor. Para isso não chega a
eternidade ».
Depois, recorda a separação já tão longa e a esperança que ainda acalenta de se
voltarem a encontrar:

« Neste momento parece que a minha alma está a abrir-se de par em par ao meu
Paizinho e que tudo conhece e compreende como se fosse Jesus. Ai, como eu anseio o
regresso do meu Paizinho. Foi Jesus que mo escolheu e é Ele quem conserva esta
união das nossas almas, na maior elevação. A minha alma não cessa de falar e o meu
Paizinho não cessa de compreender. Já lá vão 13 anos de separação. Oh! Como os
homens nos compreenderam tão mal! » [27].

Mas isso não acontecerá!...

O fim está próximo e o encontro com o Coração de Jesus, o seu Amado, não demorará...

« Até 2 de Setembro — escreve o Padre Mariano Pinho —, ainda que com muito custo,
ia ditando, como de costume, os seus sentimentos da alma. Mas não mais o pôde fazer
daí por diante » [28].

Deixemos que o Padre Mariano Pinho nos descreva os últimos momentos de vida da
Alexandrina. Esta descrição é importante para mostrar que se cumpriram as
promessas de Jesus quanto ao final da sua vida.

« A 12 de Outubro, pelas 8 da manhã, depois de comungar, ouviu estas palavras:

— Faz, minha filha, o que desejas (pedir a Extrema-Unção). Tu vais para o Céu, tu
vais para o Céu!

Durante toda a manhã desse dia, repetia frequentemente:

Eu queria o Céu. Eu não tenho peninha nenhuma de deixar a Terra!

Acabaram todas as trevas da alma. Acabaram todos os sofrimentos da alma.

É sol, é vida, é tudo, é Deus!...

A irmã Deolinda perguntou-lhe:

— Tu que querias?

— O Céu; na Terra não se pode estar.

Eu queria receber a Extrema-Unção, enquanto estou viva...

Vai ser muito bonito aqui...

Ó Jesus, seja feita a vossa vontade e não a minha!


Pelas 15 horas, feito um acto de resignação e de aceitação da morte, ministrou-lhe o
Rev. Pároco da freguesia, Padre Leopoldino Mateus, o sacramento da Extrema-
Unção. Antes de o receber, pediu perdão à mãe, à irmã, ao Confessor, R. Padre
Alberto Gomes, ao Pároco, aos Médicos, às primas, às pessoas amigas e à criada.
Depois assim se expressou:

Já estarei com a minha alma pura, para receber a Extrema-Unção?

Ai, Jesus, não posso mais na Terra!

Ai, Jesus! Ai, Jesus! Ai, Jesus! A vida, o Céu custa, custa!...

Sofri tudo nesta vida pelas almas. Mirrei-me, triturei-me nesta cama, até dar o meu
sangue pelas almas.

Perdoo a todos, perdoo, perdoo. Foram instrumentos para meu bem. Ai, Jesus,
perdoai ao mundo inteiro!

Depois de ministrada a Extrema-Unção, exclamou:

Ai, estou tão contente por ir para o Céu!...

Sorriu-se com os olhos no Céu:

Ai, que claridade! É tudo luz!

Sorriu-se.

As trevas, as trevas, tudo desapareceu!...

Às 6 horas da manhã do dia 13:

Meu Deus, eu amo-Vos! Sou toda vossa!

Tenho necessidade de partir?... Não gostava de morrer de noite... Morrerei hoje?...


Gostava.

Na verdade o dia era muito ao sabor espiritual dos seus grandes amores: Nossa
Senhora e o Santíssimo Sacramento (era quinta-feira, a 13 de Outubro). Quantas
vezes nas suas cartas chamava à quinta-feira o seu dia e quantas manifestou desejo
de morrer numa quinta-feira!

Pediu à imã que lhe desse a beijar o Crucifixo e a Mãezinha. A irmã perguntou-lhe:
“Para quem te sorrias?”, porque lhe notara no rosto um sorriso angelical, ao dizer
que gostava de morrer nesse dia. Respondeu: “Para o Céu”.
Durante esta manhã foi visitada por várias pessoas. Quando entrou um grupo,
exclamou com voz mais forte:

Não pequem! O mundo não vale nada. Isto já diz tudo.

Rezem o Terço todos os dias.

Às 11 horas disse para o Médico:

Eu sou muito feliz, porque vou para o Céu...

Às 11h35 pediu que lhe rezassem o ofício da agonia, às 17, disse para uma visita:

Adeus, até ao Céu!

Quis a Providência que Mons. Mendes do Carmo, Professor do Seminário da Guarda


e antigo Reitor do Colégio Português em Roma, assistisse aos últimos momentos da
Alexandrina » [29].

Efectivamente este sacerdote lá estava e testemunha:

« Quando lhe pedi que repetisse comigo: Santíssima Trindade, no vosso Coração
encomendo o meu espírito, a agonizante docemente sorriu. Expirou!...

Eram 19h52 minutos » [30].

Que mais dizer, que comentário fazer?

Afirmar, como o fez o seu primeiro Director espiritual:

« À Alexandrina foi sobretudo destinada a vocação de vítima de expiação, em união


com Cristo Crucificado, e não de vítima qualquer vulgar, a que afinal somos
chamados todos os Cristãos; mas em grau tão eminente que, ao vermos a
generosidade heróica com que a realizou, nos sentimos verdadeiramente pigmeus »
[31].

E, como no-lo ensina a própria Alexandrina, « aguardemos a hora da graça e


entretanto vamos vivendo esmagadinhos sob o peso da nossa cruz » [32].

Guardemos, de tudo quanto aqui foi dito, ao menos esta afirmação da nossa tão
querida Alexandrina, afirmação esta que podemos ter em nós como um lema, como
uma certeza absoluta:

« Mãezinha, quem ama o teu Jesus, ama o teu Coração. Quem ama o teu coração,
ama o teu Jesus ».

Terminemos este humilde trabalho com este citação da Alexandrina:


« A vontade está pronta, mas a pobre natureza é tão fraca! Custa tanto, tanto chegar
ao fim deste calvário, triste calvário, mas tão voluntário calvário, porque é o calvário
de Jesus; foi Ele a escolhê-lo e eu a abraçá-lo em tão estreitado abraço, que jamais o
largarei » [33].

Coração de Jesus que tanto nos amais,


fazei que eu vos ame cada vez mais!

[1] Sentimentos da alma : 06.03.1942. [18] Carta ao Padre Mariano Pinho : 02.05.1953.
[2] Sentimentos da alma : 13.03.1942. [19] Sentimentos da alma : 03.07.1953.
[3] Sentimentos da alma : 13.03.1942. Padre Mariano Pinho, SJ: No Calvário de
[20]

[4] Sentimentos da alma : 06.02.1943. Balasar, cap. 31.


[5] Sentimentos da alma : 06.03.1943.
[21] Carta ao Padre Mariano Pinho : 03.11.1953.
[6] Sentimentos da alma : 24.03.1943.
[22] Carta ao Padre Mariano Pinho : 03.11.1953.
[7] Sentimentos da alma : 13.05.1943.
[23] Carta ao Padre Mariano Pinho : 02.05.1954.
[8] Sentimentos da alma : 18.09.1943.
[24] Sentimentos da alma : 01.10.1954.
[9] Sentimentos da alma : 25.06.1944.
[25] Carta ao Padre Mariano Pinho : 24.12.1954.
[10] Sentimentos da alma : 03.07.1944.
[26] Carta ao Padre Mariano Pinho : 14.01.1955.
[11] Luís de Camões : Sonetos.
[27] Carta ao Padre Mariano Pinho : 29.07.1955.
[12] Sentimentos da alma : 04.01.1946. Padre Mariano Pinho, SJ: No Calvário de
[28]

Balasar, cap. 33.


Padre Mariano Pinho, SJ: No Calvário de
[13]

Balasar, cap. 31. Padre Mariano Pinho, SJ: No Calvário de


[29]

Balasar, cap. 33.


Padre Mariano Pinho, SJ: No Calvário de
[14]

Balasar, cap. 32.


[30] Padre Humberto Maria Pasquale :
Alexandrina, Prefácio.
[15] Sentimentos da alma : 29.04.1951.
Padre Mariano Pinho, SJ: No Calvário de
[31]
[16] Sentimentos da alma : 27.06.1952. Balasar, Epilogo.
[17] Sentimentos da alma : 27.06.1952. [32] Carta ao Padre Mariano Pinho : 29.07.1955.
[33] Carta ao Padre Mariano Pinho : 10.01.1949.

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