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Estava buscando algum bom texto sobre educação para a Laís e, verificando os

documentos e livros mais acessados por todos vocês preocupados com educação,
percebi que nossa atenção tem se dirigido com muito mais freqüência aos aspectos
negativos da nossa experiência pedagógica.
Estamos atulhados de livros que falam mal da escola e da educação que recebemos.
Tudo isso está correto. O que não está correto é a atenção demasiada ao negativo.
Estamos obcecados com o abismo: tudo aquilo que não é educação ou para a
educação que deu errado.
É evidente que essa não-educação e muitos tipos de educação pervertida moldaram
quem somos hoje. Ninguém que tenha passado mais de 1 hora dentro de uma escola
padrão sai com todas as suas faculdade mentais inabaladas. Nós sabemos disso. Tudo
isso chegou até nós. Tudo isso nos afeta hoje.
É preciso ler John Taylor Gatto e descobrir como o professor é um agente de apatia e
desinteresse. É preciso ler Charlotte Iserbyt ou Pascal Bernadin e descobrir a
manipulação político-ideológica por trás daquilo que as escolas e universidades
transmitem.
É preciso saber tudo isso até para fazer um diagnóstico acerca de nós mesmos, que
somos frutos, filhos e escravos dessas mazelas e manipulações.
Meu ponto, porém, é que nenhum projeto educacional pode nascer da negatividade.
Nenhum solução para os nossos problemas virá desse fascínio pelo negativo. Nenhum
novo projeto pedagógico permanecerá por muito tempo se ele estiver reforçado no
puro combate ao negativo.
Recentemente, vimos nascer por todo canto um desejo de criar comunidades, fazer
escolas, etc. Os espertos até criam meios de manipular aqueles que se excitam por
esse desejo. Mas qual o impulso original desse movimento?
Desesperançados pela derrota política, famílias, pedagogos, paróquias e movimentos
sociais mais conservadores perceberam que era preciso esquecer as eleições perdidas
e se engajar em algo que eles identificam vagamente como uma “batalha cultural”.
A maioria desses projetos, no entanto, está condenada ao fracasso e à exasperação de
seus propositores. Muita energia será gasta em projetos verão a luz do sol.
Nenhuma comunidade é formada simplesmente no confronto com o negativo e, por
isso, muita energia será gasta em vão.
E eu não digo isso por nenhum espírito de derrotismo ou porque quero ver frustrados
os empenhos dessas pessoas. Não. Digo porque entendo do funcionamento de uma
realidade pedagógica, da formação de uma comunidade. E nenhum projeto
pedagógico pode vir a dar frutos se todo seu esforço estiver concentrado na
negatividade.
Todas as boas intenções alicerçadas no impulso de “derrotar o comunismo”, “vencer o
PT” ou “lutar conta a ideologia nas escolas” estão sendo construídas numa cova rasa.
Se educarmos nossos filhos segundo essa cartilha, eles serão apenas idiotas
melhorados com um sinal trocado, sem capacidade de inteligir e interagir com a
realidade.
Porque o fim da educação não é que as crianças se adequem a um projeto nosso – mas
que se adequem à realidade como ela as convoca.

Não se vence o demônio lutando com o demônio. Não se vence o demônio olhando
fascinando para ele, conhecendo toda a sua malícia e subterfúgios. Vence-se o
demônio com a graça dos sacramentos.
Ou seja: é no apoio na positividade do real que está o alicerce que garante a
durabilidade de um projeto e seu sucesso.
Querer algo é querer um bem e não apenas derrotar um mal. Pode até ser que você
tome um dipirona para passar a dor de cabeça – mas seu impulso verdadeiro é
restaurar a saúde.

Mas em que consiste essa positividade do real?


A experiência de encarar positivamente um projeto e à realidade consiste, a meu ver,
em 4 fatores: experiência elementar, tradição, trabalho e realismo.

Consiste primeiro que todos os seres humanos foram feitos para o mesmo fim. Nós da
nossa bolha já estamos cansados de ouvir – e é bom que ouçamos – que fomos feitos
para a Beleza, a Verdade, a Bondade e a Justiça. E que todos esses bens têm como fim
último o próprio Deus.
É claro que é sempre mais fácil perceber isso enquanto discurso do que admitir que
seus colegas marxistas e feministas buscam Justiça e Verdade tanto quanto você. Ou
que o choro da criança e a chatice do adolescente também apontam esse desejo.
Afinal, o coração deles foi criado para o mesmo fim que o seu.
Ora, isso significa que a experiência elementar, o desejo desses bens superiores, deve
ser vivido como experiência e como fonte de juízo de toda experiência.

O segundo fator necessário consiste no fato de que uma pessoa possui uma história
que não é só sua. É a história dos seus pais, dos seus avós, seus professores, os
inúmeros desconhecidos que nos permitiram nascer, falar, comungar na missa, etc.
Todos nós nascemos numa tradição e numa cultura.
Se o primeiro ponto afirma o que o homem é universalmente; o segundo afirma o que
o homem é localmente. Como parte de uma comunidade localmente constituída, que
tem uma história anterior que o abarca e que continuará existindo depois que ele não
estiver mais aqui.
No confronto com a tradição o home percebe que tem uma história que não é só sua.
Que o seu eu é constituído por um nós, um laço entre vivos e mortos, uma
comunidade.

No confronto com a tradição o homem pode se perguntar: por que os meus pais e
professores me deram essa educação e não outra?
E, assim, eles podem valorizar, ver sentido, não porque as coisas são boas ou ruins,
mas simplesmente porque fazem parte da sua história.
Olhando para a tradição como o elo das nossas biografias, até os aspectos negativos da
nossa experiência podem ser renovados intelectualmente de forma positiva. Posso me
perguntar, por exemplo, porque “a escola me transmitiu este ou aquele valor que hoje
eu desprezo”? “Por que os meus pais não viam este valor que hoje eu vejo”? “Como eu
posso dar significado à minha experiência, dentro desta tradição, para transmiti-la
positivamente aos meus filhos”?
No confronto com a tradição, uma pessoa, hoje, aqui e agora, pode tentar identificar
positivamente até a pergunta, que à primeira vista parece idiota: “por que os meus
pais ou meus amigos são petistas ou comunistas ou anestesiados diante da vida? Que
valores eles enxergam neste mal e por que eles pensam assim?” No confronto com a
tradição fazemos essas perguntas não submetendo as pessoas do passado ao ridículo,
mas tentando compreender positivamente a experiência minha e da minha
comunidade.

É desse confronto com a tradição – e não de uma briga com os aspectos do mundo, da
educação e da minha história que eu não gosto e que eu gostaria que fosse diferente -,
é desse confronto que surge a necessidade de me empenhar em um trabalho.
Eu preciso fazer alguma coisa para entender o meu papel nessa comunidade, sem
desprezar o que ela me deu – quer seja positivo ou negativo -, e devolver algo à
comunidade com meu trabalho.

Eu preciso fazer algo valorizando o que eu recebi e o que eu posso e tenho o dever de
entregar.
Esse trabalho, objetivamente, deve estar mergulhado em realismo: o que eu sou capaz
de fazer verdadeiramente? Para quem esse trabalho é feito? Quanto me custa em
sacrifício físico ou esforço intelectual? Quanto me custa financeiramente?
Não é um emprenho bobo e infantil de agir revoltosamente porque seu projeto
político falhou. Não é nem mesmo estar empenhado em um projeto político, porque
um projeto político é sempre uma briga e o trabalho é um empenho de estabilização e
unidade.
E a forma como julgo este trabalho deve olhar tanto para a experiência elementar (É
justo? É suficientemente belo ou posso fazer melhor? É verdadeiro? Faço por amor?)
quanto por outras exigências tidas como menores mas que no fundo estão todos
envolvidas (Paga as contas? Causa problemas em casa? Me indispõe com a
comunidade?).

Bens universais; vínculo à tradição que me liga à minha comunidade e, deste vínculo,
surge em mim a necessidade de realizar um trabalho por esta mesma comunidade
(minha família, meus amigos, minha paróquia, meu pároco, meus filhos) e, deste
trabalho, surge a necessidade de julgar a mim mesmo e à experiência com aqueles que
se envolvem comigo no trabalho e na tradição de forma realista.
Sem estes fatores estaremos sempre olhando para o abismo, esperando do que rancor
contra os erros de uma antiga tradição nasça um projeto positivamente bom.

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