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Negra e fria noite de um mês que bem poderia ser dezembro ou agosto.
Necessidade de chuva, milharal ou plantação de cebola a ressentir. Sei não... Projeto de lua
nova, fim de minguante. Qualquer coisa assim, data que não me recordo com precisão.
Dias desses - melhor dizendo - noite dessas opacas e omissas, não fosse o encontro que
tentarei narrar.
Lá pelas bandas da CACHOEIRA, vindo de caminhos opostos, seguindo por
estradas diferentes, defrontaram-se a CULTURA e a POLÍTICA.
A CULTURA de bengala, cansaço visível diante de uma luta inglória. A POLÍTICA de
guarda-chuva em punho, colete e "sobretudo", distribuindo sorrisos e promessas.
Há muito os dois se evitavam. Um por sentir as suas esperanças à porta da miséria,
o outro por não ter como se explicar. Como tudo tem seu dia, o inevitável aconteceu.
Enfim a CULTURA e a POLÍTICA cara-a-cara, resmungos e caretas, cuspidelas
no chão... Diálogo de envergonhar Camões e Bilac, de fazer inveja a Bocage e ao
QUIRINO. Nome de mãe, ir-e-vir a lugares incomuns tornou-se a tônica da conversação.
Não fosse a intervenção do ESPIÃO, sempre presente nos locais improváveis, haveria
morte. Aparteando-os e tentando controlá-los, o ESPIÃO contou com a pronta
colaboração do SAPÉ, caminhante incansável nas madrugadas em busca de inspiração e
sossego.
A única saída plausível e aceitável foi marcar um duelo no estilo antigo e clássico.
Consideraram como local mais indicado, a saída da antiga estrada para Ubá, pouco após a
gameleira centenária, na primeira curva. Como padrinho de arma a CULTURA escolheu o
ATENEU SAPEENSE, a POLÍTICA preferiu a AREG.
Para testemunhas convidaram A VOZ DE GUIDOVAL, o MARLIÉRÈ, o
GUIDOVALENSE, O SAPÉ, o SACA-ROLHA, o SAPEENSE, o TURUNAS e o
ESPIÃO.
Ninguém queira aceitar a responsabilidade de ser o juiz deste evento. Com muito
custo, após vasta argumentação o CHOPOTÓ concordou, porém com uma ressalva :
- Serei juiz desde que eu possa ficar a uma distância considerável. Não quero
perturbar o meu curso pacato, não desejo complicações com a polícia, já que tais
"encontros" são proibidos por lei.
Aliás isto muito contribuiu para que o duelo não fosse preparado e badalado pelos
arredores, o que ocasionou a ausência de curiosos.
No dia determinado, que não posso precisar, verão ou outono, todos os envolvidos
marcaram presença. As testemunhas, os padrinhos de arma e o juiz CHOPOTÓ a uma
certa distância como combinado.
A CULTURA chegou um pouco mais cedo. A POLÍTICA, como de costume, atrasou um
pouco devido a burocracia. Num clima de suspense e inquietação a CULTURA escolheu
como arma a "palavra", a POLÍTICA ficou com a "meia-palavra".
O CHOPOTÓ deu o sinal de longe, numa época em que a poluição em nome do
progresso não agredia. Contaram-se os passos. Viraram-se ao mesmo instante. A
CULTURA mais rápida lançou no ar :
- Inútil !
Não afetou e nem tampouco sensibilizou a POLÍTICA. Esta por sua vez, milésimos de
segundos depois, antes mesmo que o eco se consumisse (inútil) no vale vociferou :
- Fé-da-pu...
O bastante para fulminar a CULTURA. Acorreram-se todos juntos à CULTURA. Nada
havia a fazer. Constataram-se o óbvio e o óbito.
Marcaram o enterro para o dia seguinte. Entretanto na hora de mudar a roupa da
CULTURA, o seu fiel amigo SACA-ROLHA, percebeu leve pulsação. Não divulgou o
fato para causar impacto, alvoroço.
A CULTURA não estava morta e sim num estado de catalepsia. De comum acordo o
SACA-ROLHA e o ESPIÃO, sempre sabendo das coisas, resolveram escondê-la em
local adequado, para que mais tarde pudesse ser medicada.
No caixão colocaram cinzas e não deixaram que ninguém o abrisse no velório para o
último adeus.
A POLÍTICA e a politicagem fizeram quarto entre lágrimas de pesar e fingimento. Houve
o enterro, sino, choro e missa. Só ninguém sabia exceto o SACA-ROLHA e o ESPIÃO,
que estavam enterrando as cinzas da ignorância.
Hoje algumas pessoas idealistas andam à procura de médicos e enfermeiros que consigam
tirar a CULTURA deste estado cataléptico.
O local onde sucedeu o duelo o povo resolveu denominá-lo de "CURVA da MORTE".
Anos JK
Como acontece em qualquer ano, 1.959 teve as suas histórias para contar.
Pelas ruas, da então pacata Belo Horizonte; ouvia-se assobios da marchinha “Engole ele,
paletó”, sucesso carnavalesco no ano anterior.
A Igreja São Francisco de Assis, na Pampulha; construída na gestão do então
prefeito Juscelino Kubitshek, depois de longos anos interditada pelas autoridades católicas;
era benzida por D. João de Resende Costa. Este lindo projeto arquitetônico de Oscar
Niemeyer, com murais de Portinari , jardins de Burle Marx e painéis em baixo relevo do
escultor Alfredo Cheschiatti, ainda embeleza a nossa cidade.
O nosso mineiro de Diamantina, na presidência do Brasil; alçava vôos mais
ambiciosos, na construção da nova capital, Brasília.
O país vivia momentos de cívica ressaca com a conquista da Copa do Mundo na
Suécia, recebia os nossos campeões mundiais de Basquete e a tenista Maria Ester Bueno,
campeã do torneio de Wimbledon.
O Cinema Novo mudava os rumos da sétima arte, no país; Glaúber Rocha filmava
Barravento. O filme “Orfeu do Carnaval” recebia a Palma de Ouro no festival de Cannes
O disco “Chega de Saudade” , de João Gilberto, marcava o início da Bossa Nova.
Democraticamente o país se livrava da Revolta de Aragarças.
Enquanto toda esta efervescência ocorria, no bairro São Lucas, a boêmia marcava
presença através de Paulo Papini, Múcio e outros.
Vendo o peixe pelo preço que comprei, ou quase.
Fecha o semáforo da avenida Francisco Sales com avenida Brasil, coração boêmio do
Bairro São Lucas, frente ao barzinho TAROT. Paro o carro.
São quase 13:00 Hs, início do mês de junho, que apesar de outono no fim, já se prenuncia
em frio de inverno belo-horizontino, através de seu vento miúdo e renitente.
Sentado na lateral, da rua, o paraplégico, esmoler, descamisado literalmente, expõe a
mudança do tempo, através dos poros de seu dorso desnudo, pele, pelos empolados e hirtos.
Ironia, ou não; do destino, momentos antes, havia eu tirado do porta-malas, de meu carro,
uma blusa, que herdei, de meu pai, após a sua morte. Por prudência, nesses tempos
instáveis, deixo-a sempre ao meu alcance. Naquele instante, encontrava-se estirada no
banco do carona.
O sinal permanece fechado.
O mendigo, contrariando o costume instintivo, nada me pediu. Desgraçadamente, batia
fortemente com as mãos às pernas inertes. Gesto de revolta e desespero? Chantagem
emocional? Fúria dos desamparados a praguejar a sua sina ? Não importa. Pus-me a
refletir.
O vermelho do farol, daltonicamente imutável.
A blusa cinza que poderia agasalhar o pedinte, bem ao meu lado.
Fiz tenção em tirar uma moeda qualquer e dar ao pobre que nada me pedira. Não tinha
moedas na carteira ou outra quantia insignificante que se costuma dar aos infortunados.
Pensei em meu pai, na sua benemerência conhecida e reconhecida em Guidoval, pequena
cidade mineira, da Zona da Mata. Assenti, com meus botões; meu pai lhe daria a blusa
incontinenti.
Cogitei em lhe dar a blusa de meu pai. Cismei, será que é isto que o meu pai quer, seja de
onde estiver? Meditei, alguém está me colocando à prova?
Capetinhas e querubins, do sim e do não, ziguezaguearam meu pensamento, argumentando
e contra : “Estás querendo comprar uma passagem para o céu”; “Insensível, desumano,
egoísta”; “são francisco do asfalto poluído”; “quixote das causas perdidas”.
A sinaleira, nada de mudar a cor.
De soslaio, fui extraindo estas observações, não tive coragem de me fixar na fragilidade do
ser humano prostrado ao chão, ao meu lado.
Tive tempo de raciocinar sobre a falência de nossas instituições, e arregimentei álibis e
cúmplices, nos nossos governantes, que não conseguem, pelo menos; cuidar dos menos
favorecidos, das crianças, dos velhos. Emas em palácios calafetados.
Indiferente aos meus devaneios, o sinal de trânsito, por fim mudou para o verde, sem
esperança. O tráfego, a vida seguindo o seu fluxo. Arranquei o veículo, fui para o serviço,
com a alma mais fria.
Três Leões
Em 1984, à porta de minha casa, encontrei um envelope sem destinatário e sem remetente.
Curioso, como qualquer pessoa normal, não contive a indiscrição: Abri-o. Dentro, a
seguinte carta.
África, noite de lua grande.
Prezado desconhecido,
Mesmo sabendo que este relato irá se juntar aos aborrecimentos que o cotidiano cisma
sempre de aprontar, lancei esta carta ao vento. Que bons sentimentos a adote.
Quero crer que esta missiva acabará por encontrar boas patas, digo mãos.
Deixando de lado o leão-lero e desconversa, sigo adiante.
Sou o caçula de uma família de felinos. Família, por bem dizer, pequena, para leões de
plena selva africana. Meu pai tinha tudo para ser o rei. Um dia, uma corja de americanos,
em férias, transformaram-no em troféu. Minha mãe, sorte melhor teve, ao faleceu num
parto prematuro. Leoa também morre de parto. Inda bem que aqui não tem veterinário.
Senão morria, era, mais.
O companheiro, que está aí lendo, deve de estar pensando:
- Cumé que um leãozinho da selva pode saber de parto, veterinário, correio, o escambau ?
Esclareço. Aqui chega, com relativo atraso, a READERS DIGEST.
Antes que a sua a sua paciência me lance ao lixo, a carta, espero entrar no assunto que me
fez arranhar estas linhas.
Como caçula e órfão, desejo saber notícias de meus dois irmãos, que cedo-cedo,
abandonaram a nossa selva, hoje não tanto mais selva, vez que uns caras, serra-circular em
punho, desbastando aqui, acolá, transformaram a minha selva-terra, mais prá caatinga que
prá cerrado. Já tem leônculos, sem erudição, que para ver floresta, andam assistindo filme
de Jacques Cousteau.
Mas voltando aos meus dois irmãos. Não repare muito em carta de leão da selva. Sempre se
perde no assunto. Vai-e-volta. Vá escutando. Lendo. Um dos meus irmãos, posso adiantar
que, foi tentar a sorte num circo.
Mania, talvez, de leão querer lamber mulher. Dizem que é bom. Eu mesmo nunca tive a
oportunidade. Quem sabe um dia. Também não posso me queixar. Tenho a minha
leoazinha que anda me aquecendo em noites de verão e inverno. De quando em vez ela fica
uma fera por coisa de nada. Casamento tem dessas.
Voltando a esse meu irmão. O circo tem os seus atrativos. Para leão comodista, nada
melhor para fugir da saga desses caçadores fajutos, instintos homenalescos. Sem contar as
mordomias. Não é lá nenhuma estatal. Jaula duplex, com algumas leoas serelepes e ainda
por cima carne de graça, sem precisar correr atrás de lebres e linces. A bem da verdade
carne de gato, que dá desinteria das brabas, até acostumar. Mas carne é carne. Ruim são os
tempos de vacas magras, do circo. Aí é angu e ração. Quando tem. Mas pior é aqui, na
selva, a gente correr, correr, atrás de lebre e depois comer gato por lebre. Isso quando
aparece, aqui nesta selva, mais prá mata, caatinga, quase cerrado.
É o meu irmão deve de estar numa boa. Eu só queria notícias dele, quem sabe ele não me
arruma uma boquinha no espetáculo. Mesmo de marra-cachorro. Aqueles caras que só
trabalham quando o circo não está trabalhando.
A coisa anda feia, prezado desconhecido. Imagine ter cuidar de um tio desdentado. Triste?
Ponha-se no meu lugar. Nada mais triste que leão desdentado.
O titio até que não é exigente não. Qualquer bolinho de soja, parecido com carne, não sei
quem falou que o gosto é parecido, lhe satisfaz.
Acontece que a soja que tínhamos aqui virou produto de exportação. O FMI não dá sopa
não. Pobre do meu tio, logo ele que criou a FUNANIMAL, sociedade séria, sem desvios de
verba, presidente com eleição direta.
- Para quem só a READERS DIGEST, esse leão, anda conjecturando, mais que político
mineiro de antigamente.
Tá vendo, amigo, já parti para a intimidade, como nos enganamos com as aparências. Aqui,
com um pouquinho mais de atraso, chega a Folha de São Paulo, Financial Times, JB, Le
Monde, Pasquim, Saca-Rolha ( jornaleco de Guidoval, cidade pequena do interior de
Minas) e outros informativos. Se eu dissesse isto no início, você ia ler a carta? Lia é que
nunca.
Com união, montamos uma pequena biblioteca. Leão alfabetizado já anda numa pindaíba
danada, imagine analfabeto.
Só não consegui ler o Capital. Achei maçante e de massa nem leão italiano, se é que existe,
há-de gostar.
Vê-se localiza o meu irmão circense e me mande notícias.
Calma, não terminei ainda os meus pedidos. Esqueceu-se do meu outro irmão? Não sei o
seu paradeiro. Dizem que foi parar no zoológico. É bem provável. Não gostava nem de
cofiar a juba. Daí, compreende-se a sua inoperância, um acomodado. Em se tratando de
leão é pior que jejum de carne na quaresma.
Dizem à boca pequena, reparem só a boquinha do Jacaré fazendo fofoca, que zoológico não
passa de um cercado, cheio de bichos sonolentos, preguiçosos, onde pais imbecis, no fim-
de-semana, levam seus filhos, que por sua vez, na santa ignorância pueril, despejam
pipocas, elefantes, macacos, zebras, a-tudo-quanto-é-bicho.
Mesmo com estes desacertos, imperdoáveis, há algumas recompensas. Comida de graça,
abrigo dos temporais, sem BNH, isto no tempo em que havia o SFH, desobrigatoriedade
de título de eleitor. Também votar em quem ?
Meu relato, desvia-se em alegorias. Enfim de circos e zoológicos, de parasitas e palhaços, o
mundo está repleto.
Para encerrar, alguns detalhes dos meus leãomanos.
O Ré Beleão, que aderiu ao mundo circense, possui debaixo da orelha direita, uma pinta
vermelha, em forma de estrela. Em se tratando de pessoa bastante detalhista, você notará
pequena cárie, no leonino (canino), superior esquerdo.
O Sossé Galeão, que preferiu o zoológico, puxa da perna (pata) esquerda, sem
desmunhecar. Ao atento observador, não escapará que um dos fios da espessa juba,
identifica-se perfeitamente com a cor azul-outono-celeste.
Reconfortado, por sua prestimosa atenção, aguardo novidades, empenhando minha gratidão
antecipada.
Pela desgraça do Tarzan. Um amplexo de,
Muitas luas grandes e pequenas depois, pude mandar à selva, cheirando à mata, bem
caatinga, quase cerrado, pelos pés e asas de um pombo-correio com quem fiz amizade, a
carta abaixo.
Vereda-do-imbuzeiro, Noite de Frio e Chuva.
A Família Ideal
" Resolvem entrar no jogo de emitir moeda. Pagam juros altos. Os tios banqueiros adoram
quando papai entra no jogo. Só não querem que a galinha dos ovos de ouro morra.
A imprensa, a vizinha fofoqueira, da janela tudo escuta, tudo vê, só que conta o caso do
jeito que lhe interessa, como se verdade fosse sempre.
O economista é o louco de estimação que toda família que se preza tem, principalmente, a
mineira, diz Fernando Sabino.
O primo da capital é o português. Vem prá visitar por uma semana, vai ficando, um mês,
enquanto houver mel e sopa.
Quando vamos visitá-lo, sempre apronta uma desculpa. A casa tá cheia, em reforma, o
síndico proibiu a recepção a parentes, coisas do condomínio. Estranho (?) não pode entrar
no prédio, etc...
Simples resolver o problema. É preciso cumprir a lei. A constituição, o código civil, o
penal, a CLT, o declaração do direito humano, a declaração do direito da criança, o direito
do cidadão, a portaria do Clube recreativo, o estatuto do condomínio, as regras do jogo, as
leis de trânsito, os Dez mandamentos da Lei de Deus.
Eu queria mesmo era falar da dívida. Externa, interna, moral, social, política, etc... Mas
primeiro essa família precisa tomar jeito. Tento. Vergonha. Que cada um cumpra o seu
dever. O executivo, o legislativo, o judiciário, o cidadão, o empresário, o banqueiro, o
sindicato, os profissionais liberais, os comerciantes.
CAUSOS do Sapé
BIS - Bebeto Ramos
Esta história é do tempo em que o Chopotó tinha água despoluida e peixe. Já se passaram
mais de 40 anos. Nesse tempo Guidoval tinha até cinema e local para artistas se
apresentarem em shows e peças teatrais.
Vamos ao fato. Uma cantora argentina apresentava-se no cinema do João Marceneiro.
Cantava os seus tangos sob os acordes de um bandônion.
Após encerrar o que seria a última canção, o Bebeto Ramos, então um rapazola,
levantou-se e pediu bis. Os amigos leais de farra acompanharam-no, como sempre.
A cantora, toda cheia de si, repetiu a canção.
Nem bem acabara a música e novamente o Bebeto pediu outro bis, agora com a
cumplicidade da metade do público e dos amigos. Antigamente era comum pedir bis.
A cantora entoou a mesma canção, sempre interpelada ao final com um pedido de bis.
O Bebeto a esta altura contava com a solidariedade de toda a platéia. A cantora, apesar de
rechonchuda; parecia até flutuar de vaidade no palco. O pedido de bis era demonstração de
carinho e de que o pessoal estava gostando do espetáculo.
Quando estava quase encerrando a repetitiva canção pela 6ª vez, o Bebeto, de pé, com a
cara mais limpa, que Deus lhe deu; a voz empostada, gritou para que todos escutassem :
- Vai cantar até aprender.
O empresário da esfuziante cantora portenha quis porque quis brigar e só não teve início a
uma guerra entre a Argentina e Sapé de Ubá por causa da turma do deixa-disso.
Coveiro Convicto
Na certeza de que seu familiar morrera envenenado, um conterrâneo nosso, conseguiu
após 3 meses de luta na justiça, que fosse feito uma autópsia no corpo do cadáver de seu
parente.
A perícia técnica chegou em Guidoval, subiu a Rua da Saudade e entrou o nosso campo
santo, onde repousam saudosos antepassados e amigos apressados.
A autoridade da Medicina Legal solicitou ao coveiro para desenterrar o corpo da suposta
vítima, suspeita de não ter falecido de causas naturais. Aliás, não compreendo este termo
“morte natural”. Para mim a morte é sobrenatural.
O coveiro, funcionário público municipal, não quis nem saber da ordem da autoridade e
respondeu :
- Oiá , doutô eu sou pago para enterrar e não prá desenterrar defunto.
Não houve argumento suficiente para fazê-lo mudar a sua idéia.
Chamaram o Zé Carangola que executou o serviço.
O coveiro, como todo bom curioso; acompanhou de perto todo o trabalho.
Eu até acho que o coveiro está certo.
Coveiro é para enterrar. Para desenterrar talvez fosse necessário contratar um descoveiro.
Ou dez-coveiros ?
Daí, talvez; a explicação para o matagal existente no cemitério. Capinar, também; parece
que não é função do zeloso coveiro municipal.
Liberdade de Expressão
Dia do Guido
Antônio José Barbosa, jovem vereador, eleito aos 18 anos, de profícuo mandato, dentre
vários projetos, propôs a criação do Dia do Guido.
Além de homenagear Guido Marliérè e a tradicional região da Serra da Onça, criar-se-ia
um fato político, obrigando os nossos governantes municipais a entregar à comunidade,
nesta ocasião; obras públicas de interesse de nossos concidadãos.
Havia ainda a expectativa e a quase certeza, de se acrescentar mais uma data ao nosso
pobre calendário festivo, excetuando-se a Festa de São Pedro no Ribeirão Preto e
SANTANA / Guidovalense Ausente.
O projeto foi aceito com entusiasmo e a unanimidade de todos. O problema surgiu
quando da escolha da data.
Antônio Barbosa tinha a solução. O primeiro domingo de setembro. A festa estaria
sempre próxima a data nacional de 7 de setembro e esta proximidade, em determinados
anos; geraria feriados prolongados, quando as comemorações contariam com a presença
maciça de guidovalenses ausentes.
Acontece que a reunião quase foi pro brejo quando um vereador questionou :
- E se o primeiro domingo cair numa segunda.
Para não cair na gargalhada, os presentes, contiveram, a custo; o riso.
A lei criando o Dia do Guido foi aprovada. No início, nossos governantes até que a
respeitaram e a cumpriram. Parece que caiu no esquecimento. Uma pena, Guidoval merece
mais.
Homem ou Mulher
Por muitos anos, Juca Damato foi o delegado desta Guidoval- Sapé. Usava suspensórios,
óculos na ponta do nariz.
Gostava de jogar Buraco com os amigos e também de mulheres, no que fazia muito bem.
Dizem, não presenciei; que quando chegava uma reclamação na delegacia, ele indagava
para o seu ajudante de ordens:
- É mulher ?
Se o soldado respondia que era homem, Juca Damato decidia:
- É problema pro sargento resolver.
Em se tratando de mulher, Juca Damato, imediatamente atendia:
- Pode mandar entrar. Este caso, resolvo eu.
Barulho do Baralho
Marcílio Vieira, pai do ex-prefeito Zizinho, era sitiante, gostava mesmo é de lidar com
animais, principalmente, mulas e burros.
De gestos cautelosos, fala mansa, não tinha o vício de jogar, beber ou fumar. Mas como
não era de ferro, gostava de sapear o animado jogo de Buraco, que todas as noites ocorria
num sobradão existente na esquina das Rua do Fundão com a Rua dos Tocos. Para uma
referência atual, onde hoje fica a agência do Banco do Brasil.
Marcílio Vieira era aquele sapo calado, que não dava palpite nem na compra nem no
descarte. Não fazia cara feia, não resmungava. Tampouco tinha o atrevimento e a ousadia
de tomar as cartas da mão do jogador.
Sapeava porque não gostava de jogar, ou até mesmo pelo prazer de dizer que não jogava.
Também naquela época não tinha televisão para se ver. Hoje tem, mas só para quem possui
parabólica, aquela bacia enorme e esquisita em cima das casas, mais feia que camisa do
Botafogo secando no varal.
Pois bem... Certo dia, o jogo estava equilibrado e disputadíssimo. Última rodada.
Juca Damato estava por uma carta. Num é que lá fora, inicia-se um murmurinho. Vozes
difusas. Marcílio Vieira chega até à janela e vê que está ocorrendo um enorme bafafá, um
quiproquó qualquer. Várias pessoas envolvidas.
Não querendo perturbar o jogo, Marcílio Vieira, cochicha ao ouvido de Juca Damato :
- A confusão lá fora tá feia. É preciso providências.
Impassível, sem desgrudar os olhos das cartas e do baralho, Juca Damato, que há quatro
rodadas busca a carta prometida, responde baixinho :
- Agüenta aí, que o jogo está terminando.
O vozerio, a algazarra aumenta. Pernadas, poeira levantando, chapéu de palha voando.
Marcílio Vieira, retorna à janela e vê a barafunda crescer e tomar proporções
incontroláveis. Um dos brigões, retira da cintura um objeto. Peixeira ou arma de fogo. Não
dá para distinguir. Volta à mesa e diz impaciente e temeroso :
- Juca, a coisa tá preta, pode até sair morte.
O baralho insensível à busca do delegado, de propósito esconde a carta salvadora.
Imperturbável compra mais uma carta ingrata e pede ao amigo :
- Marcílio, vai controlando a situação. Tô indo.
Marcílio vai até a porta e vê um rapaz atirar com uma garrucha, que masca. Há uma
correria desordenada. Gente indo para a Rua do Campo, Fundão abaixo, Rua dos Tocos
acima e até lá para o lado de lá da ponte, na Rua do Comércio. A briga termina sem
vencidos e vencedores.
Na mesa redonda e verde, o adversário consegue bater e ganhar a partida do Juca
Damato. Desconsolado, levanta, ajeita os suspensórios, conserta os óculos, decidido a por
fim ao imbróglio na rua.
Antes, porém, não resiste à tentação e vira carta que ficou sobre o baralho para ser
comprada.
Cínica, sádica e ironicamente era ela.
Não a rasga e nem a morde, mas bem que ela merecia uns tapas.
Vai até a porta e pergunta :
- Cadê a briga, Marcílio ?
- Juca, os rapazes não agüentaram te esperar e já resolveram a contenda.
- Mas Marcílio, isto era hora deles aprontarem. Basta o danado do baralho.
Pão-durismo
Conto o milagre, mas não o santo. Um conterrâneo é tão pão-duro que perto dele
munheca-de-samambaia parece girassol da Rússia.
Algumas cenas eu vi, outras me contaram. Para se ter uma idéia, ele coloca a pasta de
dente atravessada, na vertical na escova. Não come banana para não jogar a casca fora.
Espirra sem estar gripado só para que alguém lhe diga “Deus te ajude”. Dispensa velório
para não gastar lágrimas.
Assiste a missa pela televisão, na casa do genro para economizar energia elétrica. Na hora
do ofertório, sai de fininho, vai a cozinha beber, de graça; água e cafezinho.
O Grilo do Zé Bento criou um capado a meia com ele. Só engordou a banda do nosso
miserável concidadão.
Se você o vir, se é que já reconheceu de quem estou falando; pulando de um prédio do
20°andar, pule atrás e estarás fazendo um bom negócio.
Na inauguração do Meia-Meia, havia acabado de filar um sonrisal do Vianelo, quando o
jogaram na piscina. Não fez nem borbulha, saiu com o comprimido espremido, intacto; na
mão esquerda.
Certa vez, foi ao Vasco (Reis) da Farmácia e pediu um analgésico para dor de cabeça. Ia
pagar a metade e se dor passase, voltaria para pagar o restante. O Vasco, um emérito
gozador; pegou o comprimido, partiu ao meio, guardou a metade e falou para o nosso
avarento :
- Volte depois para pegar e pagar o restante. Nessa, o sovina não se deu bem.
Para encerrar. Um dia um garoto da roça, perguntou-lhe as horas. Ele já achou um
desaforo, ter que dar as horas. A contragosto, retirou do bolso, o oméga ferradura. Com
rabugice, sem pressa, olhou de meia-jota, sem interesse, falou :
- Quatro horas.
O menino agradeceu e seguiu caminho. Na verdade, registrava-se 16 horas e 14 minutos.
Chico do Felício que estava ao lado comentou:
- O homem é danado. Economiza até os quebrados da hora.
Zé do Fio - Barão
Figura popular, folclórica, o Barão viveu sabiamente a vida. Bon vivant, deixava para
amanhã o que se podia fazer hoje. Parecia até baiano, em que a semana tem oito dias, 2ª,
3ª, 4ª, 5ª, 6ª, sábado, domingo e amanhã.
Cantava, voz tonitruante : “De manhã me faz a barba/ A tarde me dá beijinho/ Engoma meu terno
branco/ E eu saio bem bonitinho”. Ou então : “Esta me dava de tudo/ Me dava meia, sapato/ Terno de
Casimira e Camisa de Veludo”.
A sua frase filosófica mais marcante foi “A vida esta no sentir”.
Certa vez, apanharam-no distraído, às margens do Chopotó, perto da Cachoeira, vara de
pescar à mão. Querendo ironizá-lo, instigaram-no :
- Barão, como é que você quer pescar com o anzol fora d’água ?
- Quem disse, prezado; que eu estou pescando. Estou apenas conversando com a
natureza.
Chuva Passageira
Elpídio, é uma criança com mais de 60 anos. Gosta de fazer tudo ao contrário do que lhe
é mandado. Toca gaita, sem ser virtuoso, entretanto assovia com maestria, imitando aves e
pássaros. Não toca gaita não Elpídio! Não assovia não Elpídio! Não dá coice não Elpídio!
Como uma criancinha birrenta, Elpídio; dá coice, assovia, toca gaita, presente do Dr.
Plínio Meireles, compositor da música do hino de nossa cidade.
Elpídio é uma alma pura que alguns espíritos de porco sentem prazer em atazanar.
Dias passados, Luiza Amélia, filha do saudoso Dr. Mário Meireles, pai também do Dr.
Plínio e do meu amigo Dr. Aulo; chega em casa, correndo, devido ao enorme temporal que
estava por acontecer. Encontra Elpídio regando a horta.
Puxa dois dedos de prosa, com o cidadão adotado e amparado por sua família que nem
quer saber de conversa fiada e a dispensa :
- Deixa eu moiá as planta, Luizamélia; depois chove e eu não termino o serviço.
Sonho Feliz
Zé Fenderracha nasceu para servir. Viveu mais de 86 anos, carregando água potável para
as famílias guidovalenses. Às vezes, em troca de um muito obrigado, às vezes por um prato
de bóia, na maioria das vezes a troco de nada.
Tocava Bumbo ou Prato nas corporações musicais. Suspirava em sua doce flauta,
melodias para virgens moiçolas ou floreava bemóis sufocados por estridentes sustenidos de
pistons em noites carnavalescas.
A vida nunca lhe reservou os primeiros lugares, o proscênio; percorreu-a pelas margens,
com decência, com altivez, sem soberba.
Meu pai, minha mãe, minha família sempre o trataram com dignidade. O parentesco
existente devia-se a minha saudosa vó-madrasta, Jandira.
Tive o privilégio de algumas confidências e torno-me um inconfidente de um de seus
inúmeros sonhos :
“ Caminhava sobre o parapeito da ponte, sobre o Chopotó, quando desequilibrou e caiu. Na queda foi
colhido por um barco repleto de mocinhas de 15 a 18 anos. “
Encerrou a sua narrativa dizendo-me :
- Sou feliz até nos sonhos.
Quem sou eu, pobre mortal; para duvidar dos sonhos dos puros. Que Deus o tenha.
Ninho de Votos
Próximo das eleições municipais, um cidadão, candidato a vereador, que não devo
mencionar o nome; chega para José Vieira Neto, o Zizinho do Marcílio, prefeito da cidade,
na ocasião e diz eufórico :
- Eu tenho 120 votos que ninguém ainda descobriu.
Mineiro, matreiro, com ares de crédulo, sem acreditar, ciente que o voto é a única riqueza
que a democracia deu aos pobres e mesmo assim, a maioria não sabe usar, Zizinho sem se
manifestar em riso, apesar de achar graça interiormente, devolve :
- Preciso descobrir este ninho.
Apurada as eleições, o conterrâneo tem apenas 3 votos.
Com certeza, o candidato a vereador; deve ter escutado poucas e boas de sua esposa, a sua
2ª eleitora fiel, depois do próprio :
- Eu bem que desconfiava que você tinha uma amante.
Atalhos
Gol Bobo
Cuca sempre gostou de jogar futebol. O seu apelido servia para a torcida inventar alguns
cacófatos. “Tira o Cuca, deixa o Cucaí.” “O Cuca-é-ponta, o Cuca-é-linha.”
Amigo e íntimo da casa, certa feita disse ao meu pai; Zizinho do Marcílio :
- Perdemos o jogo por causa de um gol bobo.
- Porque também não fizeram um gol bobo e empataram a partida. Respondeu Zizinho.
Odilon Pelé
Odilon Pelé, foi centro-avante do Cruzeiro de Guidoval por algumas temporadas. Nunca
foi craque ou teve intimidade com a bola. Aguerrido e de explosão muscular sempre
marcava is seus gols.
E no futebol gol é o que importa.
Eu mesmo vibrei com muitos deles.
Certa feita, foi jogar na vizinha cidade de Rodeiro. Lá chegando, o time teve que vestir o
uniforme glorioso, branco-e-preto, no bambual, ao lado do campo de futebol.
O nosso efêmero atleta, inconformado pela falta de conforto, protestou :
- Este campo não tem VESTIAL. Este time não DITORIA.
Juiz de Embaixada
Jogar na cidade de Ervália sempre foi uma missão de guerra, quase suicida. Pelo menos
antigamente.
O nosso glorioso Cruzeiro, preto-e-branco, numa dessas incursões, sofreu mais que peixe
no nosso poluído Rio Chopotó.
A tradição mandava que o time visitante levasse o juiz. O famoso juiz de embaixada. Este
nome se deve mais porque antes de juiz e profundo conhecedor do esporte bretão, o árbitro
teria que agir como um diplomata a administrar botinadas, ponta-pés, hostilidade e um
resultado que agradasse a todos. Em síntese, uma tarefa impossível.
Num desses entreveros, pois na realidade o que menos existia era competição esportiva, o
juiz de Guidoval, escalado para apitar o confornto, após alguns desagrados à torcida local,
foi expulso. É verdade. Naquela época, era muito mais comum um juiz ser expulso, que um
jogador.
Tiveram que arranjar outro mediador para a contenda.
A muito custo, outro herói destemido do nosso Sapé, aceitou a incumbência de levar a
termo a disputa.
Pouco tempo se passou e a solução era novamente substituir o árbitro.
Daí não houve jeito de conseguir outro atrevido nas hostes do Sapé.
Para prosseguimento do embate foi aceito um juiz local. Não tardou muito e marcou um
penalti. Óbvio, a favor da agremiação da cidade de Ervália.
Em nome do espírito esportivo, não sem antes um pequeno tumulto, a penalidade foi
batida.
Acontece que o nosso goleiro, goal-keeper, em sinal de protesto e revolta, cruzou os braços
e nem sequer esboçou uma reação na tentativa de impedir o goal.
O juiz anulou a cobrança, mandando repetí-la. Antes, contudo; impôs ao Hélio Lagartixa,
o nosso goleiro que ele deveria se esforçar para impedir o goal. Tinha que pelo menos
pular.
A sua atitude anti-desportiva poderia responsabilizá-lo pela fúria da torcida local e tudo
mais que pudesse ocorrer. O juiz, intimou ainda um mis-en-scene desde que não pegasse a
bola.
Frente a esta chantagem, o nosso goleiro, Hélio Lagartixa; apenas simulou vontade em
defender a sua meta.
A equipe de Ervália venceu o metting. Nossos jogadores e torcedores sairam da cidade sob
uma chuva de pedras. Em tempo, o céu era de brigadeiro.
POESIAS E POEMAS
Ao apaixonar-me de você,
Aconteceram razões marcantes.
Amo-te :
Não por teus olhos,
E sim pela luz do teu olhar,
Que aos meus ilumina.
Não por tuas mãos,
E sim por tuas carícias,
O afago, o aperto,
Que confiança transmite.
Não por teus cabelos,
E sim pela certeza
De que o luzidio deles
Na minha felicidade
Há-de brilhar.
Não por tua boca
E sim por teus beijos
E a compreensão de tua voz.
Não por teu nariz,
E sim pelo ar
Que você respira,
Me inspira e transpira
Na lira dos meus sonhos.
Maio/1976
Os Anjos
Os anjos existem e eu vi.
Pode não existir o céu e a vida eterna,
Mas os anjos existem e eu vi.
Numa forma serena, tranqüila,
Ajoelhada em pueril santidade
A orar.
28/12/84
Flor da Estepe
Flor da estepe, só, indefesa,
Exposta ao vento, à saga humana,
Ingênua, pura, fácil presa,
Flor nômade, rebelde, cigana.
09/10/86
Idéias Secas
07/10/83
Utópico Lavrar
A terra me basta,
Abasta o meu viver,
Calar me agasta,
Cantar só dá prazer.
Planto esmeraldas,
Canaviais de esperança,
Adoço serras nas fraldas,
Desfio fumo em tranças.
Mel de abelhas,
Centelhas divinas,
Pastorear ovelhas.
Galgar virgens colinas.
Momento
Se este mundo durar,
Pelo menos vinte anos,
Não importa Nostradamus,
Desastres, apocalipses,
Claridade e eclipses,
Somos responsáveis
Por esta geração.
Cansei,
De lavrar refrões que não se cantava,
Tenho-te amor,
E este amor, só a mim, me basta.
E olha Chopotó
Que em tuas águas escuras e poluídas
- escumas de desamor -
Inda me banho.
Riscam-me cicatrizes
Do des-sorrir de um povo,
“Barão”, a te açoitar,
Em inúteis chacotas,
Despalavrear inconseqüentes,
Numa esquina torta.
E ouso sentido.
E oiço mordido murmurar,
Ecos de novouvir do Kôde falante,
Desditando semânticas,
Loiras pérolas do nosso divagar.
Assuntando madrugadas,
Limpidez que em nossos corações
Já não se constróem.
Amar Guidoval
Não é ter um beco ou saída,
Um clichê ou crachá,
Um título ou barganha,
Um sobrenome ou bengala,
Catituar postos ou virtudes,
Carimbar cartas ou contas,
Ensinar o bê-a-bá,
Possuir posses ou sítio,
Uma farta colheita,
Ou dez mil réis na caixa,
E mesmo cinqüenta tostões a juros.
Amar Guidoval
É simplesmente perscrutar e palmilhar
Tuas ruas com o povo e tuas crendices,
Num amor humilde de prece à Sant’Ana.
03/11/81
AMARÉ
Peixe não vive, fora d’água não,
Sem o teu amor eu me padeço,
Já implorei o teu perdão,
Me virei ao avesso,
Mas a tua ingratidão
Me transporta ao começo.
ABC...DEFiciente
Afoita a sabedoria que engrandece,
Bestial a censura que se instiga,
Catastrófica a ambição que se apodera,
Dilacerante a ferida que não se cura,
Eloqüente o discurso inconseqüente,
Flagelo que açoita nossas mentes.
Sentimentos
Pousa suas mãos, sobre as minhas mãos,
Como mariposa, repousa como carícia,
Numa forma destoante de perdão,
Meio prosa, prova triste, fictícia.
Olhos Vedados
O poeta não pode fechar os olhos e sonhar.
Bom seria a vida no sonho do poeta, da criança, do bêbado otimista.
O poeta abre os olhos e percebe, o pesadelo , a realidade.
27/09/84
Precoce Demência
Não te conheci semente,
Gema rara, jóia de grandeza, a germinar frágil,
Com cuidados de bons jardineiros,
A brotar num campo distante,
Longe de meus ventos e orvalhos,
E bem guardar.
Te conheci mulher,
Tímida, calorosa, aconchegante.
Eu a caminhar, sonetos escusos,
Enquanto navegavas por poemas sadios.
No prelúdio da noite, nos beijamos,
Em madrugadas boêmias, nos amamos,
Mulher-perene, segredo de minh`alma.
Te perenizo no universo
E te proclamo : minha.
E mesmo que as minhas profecias,
Em falsas acontecências se resumam
E de tolo e charlatão, o mundo me chame...
Insistirei em cantar :
Minha semente, menina, jovem, mulher, matriz...
Universo de minha precoce demência. 27/09/84
EN PASSANT
Não faça... disfarça... passa...
Pássaros... Músicos... Mágicos...Palácios...