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Resumo
Texto elaborado para o IX Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos Regionais e Urbanos. Trata
do conflito entre as formas primitivas e ingênuas da arte, que integram a cultura popular e consequentemente a
economia cultural, e a indústria cultural engendrada pelo sistema capitalista. Parte de um conjunto de definições
e analisa alguns aspectos do carnaval, da produção de instrumentos musicais e do artesanato, fazendo a ligação
destes com a influência africana e suas repercussões na economia do turismo. O texto é centrado num quadro que
o autor, num estilo irreverente e heterodoxo, pinta para a cidade do Salvador, no estado da Bahia.
Abstract
Text prepared for the IX National Meeting of the Association of Urban and Regional Studies. This text deals
with the conflict between the primitive and naive art, incorporated popular culture and consequently the cultural
economy and cultural industry engendered by the capitalist system. Starting on a set of definitions, examines
some aspects of carnival, the production of musical instruments and crafts, linking them with the African
influence and its impact on the tourism economy. The text is centered on author’s framework, in an irreverent
style and unorthodox city of Salvador painting in Bahia state.
Key words: Cultural economy. Cultural industry. Popular culture. Salvador.
Meus mestres me ensinaram há muito tempo que um texto acadêmico deve ser austero,
rígido, mais frio que um defunto, recheado de citações, atento às normas da ABNT que
mudam frequentemente aos caprichos de um comitê de “sábios”, para o desespero de autores
e revisores indefesos, e sem qualquer concessão ao humor, sarcasmos e ironias. Distância!
Use sempre a terceira pessoa!
Rident castigat mores, ensinaram os romanos, mandando para o inferno o formalismo,
no que foram bem copiados por Gil Vicente e Voltaire, mestres da irreverência. O humor, o
riso, está na base da nossa cultura popular. Por que não celebrarei seu funeral segundo a
ortodoxia acadêmica? Porque estou com o poeta Noel Rosa cantando Fita Amarela: “quando
eu morrer, não quero choro nem vela…”. Porque também estou com o poeta Ariano
Suassuna, em sua Iniciação à Estética: “do ponto de vista social, o riso é uma espécie de
castigo ou reprimenda que a sociedade inflige a alguma coisa que a ameaça” (2007, p. 155).
Através do riso, relata Petry (2010, p.1) os costumes que estavam em desacordo com a
moral eram castigados e, a partir disso, o riso passa a ser um fenômeno, sobretudo social e
1
Doutor em Geografia e História pela Universidade de Barcelona (ES). Professor Titular de Economia Regional e Métodos
de Análise Regional no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e Urbano (PPDRU) da Universidade
Salvador (UNIFACS). E - mail: dantasle@uol.com.br
2
humano e que ocorre somente em circunstâncias onde, de alguma forma, a sociedade vê-se
ameaçada. Eu penso que a morte da cultura popular pela sua massificação é uma grande
ameaça.
Sorrio então, com este estilo, cansado de ser academicamente correto, já encerrando a
simbólica idade de 69 anos, e correndo o risco de ter meu texto reprovado por ser assim
heterodoxamente irreverente.
Sorrindo decidi com desencanto dar meu adeus à cultura popular, naif, e a economia
por esta engendrada a partir de múltiplos lugares, como o interior do Nordeste que gerou
sertanejos famosos a exemplo dos Vitalino, Nhô Caboclo, Luiz Antônio da Silva e tantos
outros; dos undergrounds de Salvador e Recife, responsáveis pelos magníficos carnavais,
verdadeiros vulcões que transbordavam uma preciosa criatividade nos batuques dos afoxés,
do pau elétrico de Dodô e Osmar,2 transformado em guitarra baiana por Moraes Moreira, da
Vassourinha de Joana Batista3 e Matias da Rocha, sucedidos por tantos outros cuja lista é
interminável.
Seguindo o conselho de Chaplin, quando dizia: “Ei! Sorria... Mas não se esconda atrás
desse sorriso...” trato neste artigo de um problema identificado, ainda na década de 1940
por Horkheimer e Adorno (1944) que em sua Dialética do Iluminismo denunciam o
surgimento da indústria cultural que no sistema capitalista passa a dominar e absorver a
economia cultural. Assim la participación en tal industria de millones de personas impondría
métodos de reproducción que a su vez conducen inevitablemente a que, en innumerables
lugares, necesidades iguales sean satisfechas por productos estándar. La industria cultural,
en suma, absolutiza la imitación (p. 50).
Sorrindo vejo sumir a arte ingênua responsável por muitos empregos na economia da
cultura popular que nesta implacável marcha da modernidade é transformada em produto da
indústria cultural e dá lugar a uma estética padronizada pela máquina e o computador, ou é
descartada e esquecida quando inadaptável aos gostos padronizados.
Talvez pareça que sou um saudosista romântico daqueles que gostariam de congelar o
passado. Sou não! Concordo apenas com Adorno e Horkheimer que há 66 anos diziam: no se
trata de conservar el pasado, sino de realizar sus esperanzas (1944, p. 4).
Apenas deploro e protesto pela sorte dos pequenos artesãos nordestinos que enfrentam
a concorrência desleal e maciça da China que copia descaradamente e sem pagar direitos
autorais as suas imagens4; dos músicos e outros artistas populares que de protagonistas vão
sendo reduzidos a assalariados eventuais da indústria fonográfica; dos produtores de
instrumentos musicais que são massacrados pela concorrência das multinacionais; dos mestres
carpinteiros dos saveiros do Recôncavo Baiano liquidados pelo fiberglass e o IBAMA; dos
cordelistas que não substituem mais um Patativa do Assaré, um Cuica de Santo Amaro, um
Leandro Gomes de Barros ou João Martins de Athayde, até porque as feiras, que eram seus
palcos originais, estão acabando, substituídas por centros de abastecimento e pela Internet que
decretou o fim do papel impresso. Não vivemos mais na galáxia de Gutenberg, e eu que sou
um velho reacionário não acredito em cordelista digital. Não vejo mais a banda passar pelo
coreto da praça, nem os circos anunciados pelos palhaços de longas pernas de pau, cantando
inocentemente o hoje politicamente incorreto refrão: “olê, olê, olê bambu, fio de nego é
urubu!” e seguidos por uma multidão de crianças deslumbradas que lotavam os espetáculos.
Os “theatros” desaparecem por falta de salas e patrocinadores. As salas de cinema viraram
2
A “fobica” de Dodô foi transformada em Trio Elétrico.
3
Como sempre nesta seara: há controvérsias.
4
Encontrei similares de produtos da cerâmica afro-baiana fabricados artesanalmente em Maragogipe e Nazaré das Farinhas, e
vendidos na Feira dos Caxixis, no Mercado Modelo e na Feira de São Joaquim, em lojas de artesanato de Buenos Aires,
Santiago, Lima, Lisboa e Madrid. Todos muito bem feitos, perfeitos, made in China!
3
Mientras, desde Ia Ilustración, Ias otras ciencias sociales han venido dando, en su
seno, una importancia creciente a Ia cultura; Ia economía, llevada de su propósito
obsesivo de convertirse en una ciencia natural, hasta fechas muy recientes Ia ha
considerado irrelevante o perniciosa. A. Smith y K. Marx, y sus escuelas
respectivas, es decir, Ia mayor parte de los economistas, han juzgado, durante los
dos últimos siglos, que su actividad era, como Ia de todos los servicios,
improductiva y, por tanto, irrelevante. Los únicos economistas que rompieron una
lanza por Ia cultura y el arte fueron, naturalmente, los más cultos, Robbins y
Keynes. EI primero, como se ha dicho, superando Ia línea clásica que afirrnaba que
el objeto de Ia economía era aumentar y distribuir mejor Ia riqueza nacional, dijo
que el objeto genérico de Ia economía era garanrizar Ia mejor asignación de
recursos escasos a Ia obtención de fines dados, y que éstos podían ser tanto
maximizar a riqueza como la cultura. Keynes, por su parte, consiguió que, en Ia
Inglaterra tradicionalmente opuesta a toda subvención pública del arte, se creara el
National Endowment for the Arts. Pero ninguno de los dos adujo que hubiera que
estudiar con criterio económico las actividades culturales y, mucho menos, que se
5
Discordo da autora, por que a arte só existe (na e) para a elite?
5
A economia cultural abrange a arte produzida tanto por ricos quanto por pobres.
Tanto o Louvre e a Opera de Paris quanto o Circo Picolino, baiano e o gaúcho Teatro de Lona
Serelepe são objetos do seu estudo. A literatura disponível sobre o tema, produzida
substancialmente nos países do chamado “primeiro mundo” (detesto esta expressão, é tão
ridícula quanto “primeira dama”) contempla normalmente os produtos culturais para a “elite”
(não só a burguesia, mas também os sofisticados da classe média). Já a literatura brasileira
que conheço está geralmente vinculada aos piedosos e esperançosos propósitos dos devotos
do desenvolvimento sustentável e solidário.
E a cultura popular? Não vou entrar na briga e nas controvérsias sobre o que é popular
ou erudito. Porém faço minhas as palavras de Saldanha (2010) quando diz que a indefinição
dos termos tende invariavelmente a derivar no preconceito, e na criação de hierarquizações
axiológicas de âmbito sociocultural, ou mesmo socioeconômico, excessivamente datadas. Por
isto me socorri em Mascelani (2009) que numa linguagem antropológica diz que no Brasil,
“costuma-se chamar de “arte popular” a produção de esculturas e modelagens feitas por
homens e mulheres que, sem jamais terem frequentado escolas de arte, criam obras de
reconhecido valor estético e artístico.” 6 Para mim também estão incluídos nesta classificação
os artistas cênicos, da escrita e da música. Esta é, pois, a cultura do povo a quem me dedico. É
o resultado de uma interação contínua entre pessoas de determinadas regiões. Nasceu da
adaptação do homem ao ambiente onde vive e abrange inúmeras áreas de conhecimento:
crenças, artes, moral, linguagem, idéias, hábitos, tradições, usos e costumes, artesanato,
folclore, etc. Ainda nas palavras da antropóloga Angela Mascelani:
6
Seus autores são gente do povo, o que, em geral, quer dizer pessoas com poucos recursos econômicos, (pouca ou nenhuma
instrução formal) que vivem no interior do país ou na periferia dos grandes centros urbanos e para quem “arte” significa,
antes de mais nada, trabalho. Apesar de fortemente enraizada na cultura e no modo de viver das pequenas comunidades nas
quais tem origem, a arte popular exprime o ponto de vista de indivíduos cujas experiências de vida são únicas. Apresenta os
principais temas da vida social e do imaginário — seja por meio da criação de seres fantásticos ou de simples cenas do
cotidiano — numa linguagem em que o bom humor, a perspicácia e a determinação têm lugar de destaque. (MASCELANI,
2009).
6
Nossa tese é a de que o Carnaval da Bahia é uma festa negra7 e, como tal, fortemente
influenciado pela cultura africana. Sendo assim não se pode deixar de falar na negritude e
pobreza da cidade.
7
A extrema direita irá discordar desta afirmativa. Não estou dizendo que os negros criaram o carnaval. Uma festa que
segundo Cardoso (2010) surgiu no Egito quatro mil anos antes de Cristo e foi trazida para o Brasil como o Entrudo
português. Quem acompanha – analiticamente – o carnaval baiano pode perceber claramente a influência negra e mística no
carnaval baiano com os Filhos de Ghandi, Ylê Ayê, Olodum, Timbalada e outros menos votados.
10
Assim o carnaval baiano deixou de ser uma festa popular transformando-se em show
business. E, neste plano, é conduzido pelo poder público que, por conta de um processo
organizacional dos palcos da cidade, vai tornando, gradativamente, mais difícil a exploração
da folia pelos pequenos artistas e produtores culturais.
Em síntese, a elite artística, hoje milionária e integrada ao show business nacional,
notadamente o televisivo, não somente monopoliza os espaços físicos da festa, como absorve
grande parte dos patrocínios e dos benefícios fiscais como os da Lei Rouanet. Conclusão a
qualidade artística musical baiana vem declinando sensivelmente, dada a falta de inspiração e
de criatividade que leva os compositores atuais a descambar para a “mesmice” e para uma
produção de péssimo gosto e qualidade. Justiça se lhes faça o estímulo e a pressão que sofrem
da indústria fonográfica e dos empresários do ramo que insistem na exploração de uma
temática vulgar, mas de grande aceitação pelo povão.
Agindo em conluio, consciente ou não, artistas já famosos – os mesmos donos da festa
que brilham todos os anos – empresários do ramo, a mídia e a indústria fonográfica,
restringem o acesso à criação de novos valores que não encontram espaço para divulgar a sua
produção.
Assim sendo elimina-se as chances de renovação artística e cultural. Na ânsia pelo
lucro rápido, a indústria cultural não quer perder tempo investindo na formação de novos
valores.
Alguns produtores artísticos acrescentam que o fácil acesso aos equipamentos de
gravação e reprodução tem feito com que muitos jovens – com talento ou não – dispensem a
orientação técnica de produtores experientes e se lancem no mercado de forma atabalhoada
acabando por se queimar precocemente ou a vegetar em um limbo do qual dificilmente sairão.
8
A rigor seria Orisá ou Orixá porque em Yorùbá não existe plural formado pela adição da letra "s" ou quaisquer outras
modificações das palavras, como no Idioma Português. O plural é formado pela adição dos pronomes. Como a palavra foi
aportuguesada seguiremos as regras gramaticais do idioma português.
12
20 mil logradouros registrados pela Prefeitura, observa-se que os terreiros ocupam um espaço
equivalente a apenas 2,7% dos logradouros da cidade.
O candomblé, embora com adeptos em todos os extratos sociais, tem a grande
maioria de seus membros entre as camadas pobres da população sobre a qual exerce grande
influência, e um papel dinâmico de estímulo a certas atividades econômicas, particularmente
o comércio e o artesanato. Os ricos patrocinam, compram a proteção dos Orixás. São os Obás.
No seu culto as divindades, se revestem de rica e complexa simbologia que, na prática, se
expressa em vestimentas, adornos os mais diversos e objetos rituais, próprios a cada
divindade. Existe ainda o emprego de sementes, ervas, folhas, plantas em diversas cerimônias
e rituais. Todos esses elementos têm a peculiaridade de obedecer a certos requisitos rituais, o
que implica na observância de procedimentos consagrados pela liturgia na sua produção,
levando a que sua oferta não seja afetada por qualquer tipo de modernização9. Assim sendo, o
candomblé é responsável direto pelo emprego de artesãos que produzem os adornos e objetos
rituais; costureiras encarregadas das vestimentas e produtores e comerciantes dos diversos
gêneros e materiais antes citados. Tendo conquistado o reconhecimento e o respeito da
sociedade em geral, o candomblé amplia o seu prestígio, verificando-se, nos últimos anos, a
disseminação do uso de muitos de seus adornos (pulseiras, colares, etc.) por pessoas e turistas
sem qualquer vínculo com a prática ou compromisso com a fé religiosa (SPINOLA, 2006)
Pode-se afirmar que a existência e a força do candomblé em Salvador constituem um
fenômeno peculiar de nossa sociedade, com reflexos evidentes e poderosos na vida da sua
economia e cultura popular, particularmente sobre atividades desenvolvidas em bases
informais.
Esta influência ocorre e é transmitida de forma sutil, dissimulada e misteriosa. Existe
um silêncio, um pudor cuidadoso e uma reserva atávica que remonta aos tempos da repressão,
do feitor e da polícia. Este é um mundo onde não existe o sim ou o não absolutos. Predomina
o talvez. E às vezes um sim pode significar um não e o não um sim. Definitivamente este é
um mundo diferente do ocidental. Nele um alemão, ou um paulista, pirariam.
A comercialização dos produtos e serviços referentes a esta religião é geralmente
clandestina e as transações são feitas por numerosos atravessadores. São vários os
fornecedores para alguns produtos e, para outros, a situação é de monopólio ou oligopólio
comercial por se tratar de itens específicos.
Porém os cultos afro estão ameaçados de extinção ou degradação, sendo absorvidos
pela indústria cultural numa escala crescente. A divulgação da sua prática e dos seus produtos
vem alastrando-se na rede mundial de computadores através de uma imensa quantidade de
sites que comercializam objetos e serviços dos mais variados pela Internet, quase todos sem
demonstrar preocupação com a veracidade das informações que propagam, misturando o
candomblé com umbanda, macumba e espiritismo e outros divulgando propositadamente
informações falsas para adquirirem vantagens comerciais. Tudo isto vem abastardando o culto
e reduzindo a sua capacidade cultural de influência.10
Percebe-se que a divulgação do candomblé pela internet coincide com a sua destruição
pela modernidade. A expansão urbana tem levado à aquisição das áreas dos terreiros pelas
grandes imobiliárias. Os Orixás precisam de espaço, o Ylê Axé Apó Ofanjá, por exemplo, é
dono de uma área que mede cerca de 39.000 m2. Porém a redução de áreas verdes da cidade
9
Se você ouvir a explicação de um Babalorixá ou Yalorixá autênticos de como se faz uma vestimenta, prepara uma comida
ou um banho de “descarrego”, um patuá ou de como se consagra um atabaque, nunca mais abriria uma página sobre o
assunto na Internet.
10
Caso o leitor queira conhecer um candomblé genuíno, puro, visite o Ilê Axé Opó Afonjá, tombado pelo IPHAN, e um dos
templos mais importantes das religiões de matriz africana no mundo. Governado por yalorixás, este Candomblé rompeu com
o sincretismo, eliminando a relação dos seus santos com os santos católicos. Estiveram ou estão vinculados a ele
personalidades como Jorge Amado, Vivaldo da Costa Lima, Antonio Olinto, Pierre Verger e Gilberto Gil, entre outros.
13
vai reduzindo o espaço para a prática, o que leva a situações esdrúxulas como as de
candomblés funcionando nos espaços restritos de apartamentos.
E os Orixás estão gradativamente perdendo a força original.
O artesanato de Salvador também sofre uma forte influência dos cultos afro.
Verdadeiras obras de arte popular são produzidas em cerâmica, madeira e metal. A Feira de
São Joaquim, o Pelourinho e o Mercado Modelo são os maiores centros de comercialização
de artesanato religioso da capital baiana.
Os patuá11, que revelam a fé do povo negro baiano, são comercializados através das
miniaturas de Orixás cerâmicas, quadros, esculturas, pulseiras e colares de contas, e metal,
búzios, contreguns12 etc. Entre os produtos artesanais que merecem destaque está a fitinha do
Senhor do Bonfim, que é utilizada sincreticamente também por membros do candomblé.
Os materiais utilizados nos cultos afro-brasileiros vêm sendo modificados pela
introdução de técnicas e materiais novos, como tecidos sintéticos, metalóides, linhas de nylon,
contas plásticas e de resinas, galvanização de metais, que são amplamente usados por
artesãos, possibilitando a produção de objetos em maior escala, o que barateia o produto final.
As fitinhas do Senhor do Bonfim, por exemplo, deixaram de ser fabricadas em tecido
de algodão substituído pelo nylon. Seu uso obedece a um rito que exige a benção da fita. Ao
amarrá-la no pulso o crente deve dar três nós. Para cada nó faz um pedido. Quando a fita se
arrebenta é porque os pedidos são atendidos. Segundo alguns crentes, confeccionadas em
nylon, as fitas se tornaram mais resistentes e perderam o seu efeito, pois, neste novo material
custa muito se romper no pulso do fiel. É o que dá misturar tecnologia com religião. As fitas
são fabricadas em São Paulo...
Em geral, lucros elevados são obtidos no processo de comercialização dos objetos
confeccionados pelos artesãos religiosos. Os padrões têm sido apropriados à revelia de
seus criadores. Na maioria dos casos o controle desse processo escapa aos artistas, que
muitas vezes, costumam receber quantias quase simbólicas por seu trabalho de criação.
Os artesãos baianos não recebem qualquer apoio governamental. Estão sendo expulsos
do mercado pelos concorrentes oriundos de outros estados e da China, que inunda o mercado
com réplicas, vendidas a preços bastante inferiores.
11
Amuleto. Bentinho.
12
Um dos objetos mais populares do candomblé é o contregun, um bracelete de palha que se coloca em torno do pulso ou
braço, que serve para afastar, após uma cerimônia fúnebre do candomblé, a alma do morto, que pode possuir aqueles que
assistem à cerimônia. Então se usa esse objeto para proteger as pessoas que ali estão, mas hoje em dia, caiu no gosto popular
e foi disseminado o seu uso pelos baianos e turistas que muitas vezes nada têm a ver com a religião e não sabem o que estão
fazendo.
13
São os três atabaques sagrados que comandam os cultos do Candomblé.
14
14
Constatou-se na pesquisa de campo a existência de uma pequena fábrica na Baixa do Fiscal que tinha franceses como
clientes. Periodicamente faziam encomendas e levavam quantidades razoáveis de produtos para a França (Marselha).
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conferem status aos seus possuidores. Grandes músicos brasileiros poderiam também usufruir
a qualidade sonora dos instrumentos baianos, auxiliando o crescimento e a profissionalização
do setor. Porém, isto não ocorre, pois as grandes fábricas produtoras, muitas vezes utilizando-
se do know how baiano, acabam produzindo instrumentos em série, com qualidade sonora um
pouco inferior, porém padronizados, o que acaba influenciando a decisão de compra dos
músicos. Ademais, as grandes fábricas de percussão possuem ampla vantagem de venda sobre
os pequenos produtores locais devido a sua associação com as grandes lojas de instrumentos
do Brasil.
Apenas uma loja adquire no mercado produtor local os aguidá15, numa quantidade
média de cem unidades mensais. Admitem, contudo, que se superado este problema de
legalização e investindo-se em tecnologia será vantajosa a comercialização, notadamente dos
instrumentos de percussão
Assiste-se, assim, ao gradativo desaparecimento dos grandes artesãos locais que desistem de
dar continuidade ao ofício, preparando sucessores, pois inclusive a maioria dos seus filhos e
netos não manifesta interesse pela atividade sendo atraídos por outras mais interessantes e
promovidas pela mídia.
Mas, nem tudo está perdido, como diz o povão cuja esperança não morre, “quando
Deus fecha uma porta, abre uma janela”. Registra-se que alguns blocos como o Olodum, o
Araketu, a Timbalada, o Ilê Aiyê e o Malê de Balê , além da Banda Didá, “retrabalham”
alguns instrumentos de percussão tradicionais, dotando-os de adereços que os adequam às
suas peculiaridades.
Observe-se que os instrumentos de percussão podem ser obtidos com os mais diversos
materiais, desde que estes sejam tocados com as mãos ou baquetas. Todos estes blocos
possuem escolas de percussão realizando um trabalho de cunho social, retirando crianças das
ruas, e ao mesmo tempo utilitário, por preparar novas gerações para as suas bandas A
Pracatum, de Carlinhos Brown, é uma escola de percussão. Ensina as crianças a tocar. Brown
é um músico criativo que inova constantemente, de forma heterodoxa, (adoro este termo pela
forma de ser que expressa) fabricando os mais inusitados instrumentos de percussão. Isto não
quer dizer que estes possam ter cunho comercial em nível de escala. Admite-se, contudo, a
hipótese de que, deste processo criativo, possam aparecer alguns novos instrumentos que
venham a ser produzidos em massa e se constituam num sucesso de mercado, como tantas
coisas que surgem na Bahia. Afinal, onde há vida sempre sobra esperança.
Fim de festa
Todos sabem que as atividades turísticas estabelecem uma forte relação entre a cultura
e o mercado. E, na cidade do Salvador, dona de uma marcante personalidade cultural isto não
é diferente. Por isso mesmo o turismo cultural é uma prioridade na velha capital baiana que já
mudou do patamar de turismo de demanda para o de turismo de oferta. Isto, para quem não
entende destas terminologias, quer dizer que passamos do estágio onde os ditos turistas
vinham até nós, nos “descobriam” e ficavam embasbacados, para outra onde somos nós que
corremos atrás deles.
Éramos cantados em prosa e verso por gigantes como Dorival Caymmi, Ary Barroso,
Jorge Amado. A nossa negritude era pintada por Presciliano da Silva, Mário Cravo, Hansen
Bahia, Carybé, Sante Scaldaferri e fotografada por antropólogos como Pierre Verger. E depois,
na obra de poetas mais novos como Capinam, Caetano Veloso e Gilberto Gil e no cinema de
Glauber Rocha. Mas o tempo passa, muitos gigantes morreram e mesmo os poetas mais novos
são hoje sessentões cuja inspiração e criatividade já “brocharam”. O pior é que, depois da
“gloriosa” de 1964, não surgiu uma nova geração de poetas compositores do porte dos
anteriores. Provavelmente devido à brutal queda de qualidade da educação básica e secundária.
No meu tempo os colégios da Bahia, Severino Vieira e o Instituto Normal Isaías Alves, todos
públicos, eram uma referência de excelência. Hoje não são sequer sombras do que foram.
Associe-se a censura da ditadura que castrou toda uma geração; os mecanismos da eletrônica
sonora que tornou muito fácil a produção de besteirol e a urbanização intensiva que desarticulou
todo um modo de vida que servia de base para a construção da velha cultura.
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Baquetas para os não iniciados. São pequenas varas de madeira com que se percutem os tambores. São sagradas. Antes do
uso devem “dormir com os santos”.
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Surgiram novos polos turísticos, todo Nordeste se transformou, Recife passou a oferecer
um carnaval bem melhor que o baiano. Apesar da repetição obsessiva de Vassourinha, o frevo
rei, o grau de participação popular nele é bem maior. Fortaleza e Natal são as mecas do turismo
sol e praia. Em toda a região muitas praias, muita arte popular e beleza natural. E também muitas
“sodomas “e “gomorras” para todos os gostos. Assim, passamos para o turismo de oferta.
Temos de correr atrás, pegar o “turista a laço”. Sendo esta argumentação verdadeira é possível
imaginar que, do ponto de vista da atração turística a destruição da herança cultural implica
numa substancial perda de “clientes” e da renda que eles aqui deixam, alimentando a nossa
economia cultural.
Do que falei, o carnaval, no estágio em que se encontra, é um produto de uma política
neoliberal, que vem sendo desenvolvida pela Prefeitura de Salvador desde o governo do PFL
ao do PT. A ideologia ficou no discurso!
A Prefeitura vem preparando os palcos da cidade para que neles prospere uma
indústria cultural que fatura milhões de reais e surja uma nova classe, a do artista-empresário
que acumula fortunas.
Ali se observa uma acelerada concentração da renda em poder de um oligopólio , que
elimina as chances competitivas dos pequenos atores e reduz o espaço de chão da festa para
os “foliões pipocas” que constituem a parcela majoritária do público brincante.
Isso, além de elitizar a festa, está matando a galinha dos ovos de ouro.
Ao romper com suas raízes culturais, ao sufocar a criatividade natural que brota dos
pequenos, ao deixar de ser original, ao ser bitolada pelos parâmetros tecnológicos da mídia, a
festa vai ficando chata, repetitiva e começa a cansar. E aí o público foge. Se não mudarem
rápido vai piorar. Os soteropolitanos fogem da cidade nesta época, cansados do repeteco. A
cidade fica em mãos dos turistas. Não se renovando, e haja criatividade, vai acabar. Quem
viver verá!
Quanto aos instrumentos musicais acredito que a tendência será a de expandir a sua
venda pela Internet. As fábricas da região Sudeste, notadamente São Paulo e Paraná suprirão a
demanda com imbatível qualidade e preço. Viva o capitalismo tupiniquim!
Os nossos artesãos já são poucos, não deixam herdeiros, com o tempo sumirão. Talvez
fique um ou outro excelente para servir de referência.
As festas populares, berços da cultura popular, como falei no início, estão acabando ou
se prostituindo numa baderna de cachaça, sexo e pó. Veja-se a Conceição da Praia que abre o
ciclo de festas baiano. Há muito que Exu assumiu o lugar de Oxum que se mandou e não dá a
ousadia de aparecer por lá. E o restante vai mais ou menos ao mesmo ritmo. Perguntem aos
mais velhos…
Por tudo isto meus nobres (ah que saudade do cordel!) vos conto este conto sem
aumentar um ponto. Manda o Rei meu senhor que me contem outro. Estou concluindo este
relato, questionando se não perdi o meu tempo. Quem teve paciência para ler este texto até o
fim deve ser um poço de tolerância ou um idealista romântico como eu. Todos sem poderes
para interferir ou mudar a situação que descrevi. E aqueles que poderiam fazer alguma coisa,
nunca o lerão. Ou porque são iletrados ou porque os “interesses” são outros…
Assim, estamos naquela situação em relação à cultura popular: se ela correr o bicho
pega, se ela ficar o bicho come.
Não posso fazer mais nada senão sorrir. Sorrir pra não chorar!
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Referências
the Graduate Program in Urban and Regional Development (PPDRU) University of Salvador - UNIFACS
2
Introdução
Ontologicamente os serviços existem como atividade desde os primórdios da
humanidade. Afinal, se educar é um serviço, foram prestadores de serviços vultos ilustres
como Buda e Confúcio, Zoroastro e Jesus Cristo e, entre outros, todos os filósofos gregos a
partir de Sócrates a Aristóteles ou médicos como o prolixo egípcio Imhotep (que também
era arquiteto e engenheiro) e o grego Hipócrates o mais famoso do ramo, conhecido como
o pai da arte de curar. E porque não citar a prostituição uma das mais antigas profissões
do mundo, aqui no Brasil incluída na Classificação Brasileira de Ocupação (CBO) como a
profissão 5198-05, profissional do sexo?
Somente para os economistas nas suas discussões sobre a Teoria do Valor ou as
Contas Nacionais é que os serviços primitivamente não foram reconhecidos, como foi o
caso dos Fisiocratas e parcela expressiva dos Clássicos. 3
A visão dos clássicos a respeito dos serviços e do seu papel na dinâmica
econômica está relacionada fundamentalmente às diferentes concepções a
respeito do processo de geração de valor na economia. Especificamente, é
um debate entre, de um lado, a teoria do valor-trabalho, aqui representada
por Marx e Smith, cuja ótica de análise está voltada para os aspectos de
oferta, em que a produção industrial é o “hard core” do sistema econômico —,
sobrepondo-se a toda e qualquer atividade intangível como é o caso das
atividades de serviço —; e, de outro lado, a teoria do valor-utilidade, aqui
representada por Say, Mill e Walras, baseada numa ótica de análise voltada
essencialmente para os aspectos de demanda, em que as diferenças técnico-
produtivas entre as diversas atividades econômicas —, sejam elas de
produção de bens ou de serviços —, não são critérios de definição do caráter
produtivo e da relevância econômica das atividades no sistema econômico.
(Meirelles, 2006, p. 120)
3
Esta discussão foge ao escopo deste trabalho. Uma visão mais ampla pode ser obtida em Meirelles,
2006.
3
variar muito de acordo com o poder de compra e a condição social de cada consumidor,
que somente os serviços podem atender (conveniência, status, satisfação de desejos,
socialização, mimos, etc.), além das necessidades básicas (MASLOW, 1954). Maslow
esclarece ainda que a necessidade é moldada por um desejo que “é a vontade que os
indivíduos têm de satisfazer as suas necessidades de uma determinada maneira”.
As necessidades moldadas por desejos serão atendidas essencialmente na ação da
prestação de serviços, pois embora o segmento de restaurantes ofereça um composto
significativo de venda de produto acabados (comércio), o atendimento é formatado pelos
desejos intangíveis da procura/preferência sentida pelo consumidor. Assim, somente será
possível a sua plena satisfação no diferencial de serviços. Os institutos de pesquisa têm,
basicamente, o mesmo entendimento.
Segundo Spang (2003) na França, tradicionalmente vinculada à comida, o moderno
termo restaurante era traduzido, por volta do Século XVIII como restaurater que transmitia a
ideia de restauração. Isto porque era um hábito popular os fregueses sentarem-se em suas
mesas e pedirem um caldo (o consumê) para “restaurar as forças”. No final daquele século o
restaurante passou a ser visto como um espaço social urbano. Até então quando se falava em
restaurante, à ideia que se tinha era a de restaurar.
Ainda segundo Spang, em torno de 1765, um parisiense conhecido por Boulanger abriu
seu estabelecimento, nele colocando a seguinte legenda: venid ad me ommis qui stomacho
laboratis, ego restaurado vos, 4 . Seu caldo um regoût 5, tinha o poder de reestabelecer as
forças das pessoas debilitadas.
Em 1782, Antoine Beauvilliers fundou o primeiro restaurante, nos moldes atuais.
Chamava-se “Grande Taverne de Londres“, localizado na Rua de Richelieu, em Paris.
Permaneceu 20 anos sem rival (PITTE 1998).
O surgimento dos restaurantes no Brasil acompanha o período da urbanização, na
medida em que o ato de alimentar-se ao longo do dia foi se tornando cada vez mais difícil de
ser praticado em casa. As jornadas de trabalho, as distâncias maiores entre o local de trabalho
e a residência, o tráfego intenso das cidades levaram as pessoas a fazerem refeições fora de
casa. É a mesma necessidade prática que fazia, no passado, com que os restaurantes fossem
construídos à beira das estradas, em casas de pouso, locais onde viajantes e passantes
paravam para restaurar as forças. (MELO, 2010).
A chegada da corte portuguesa ao Brasil, em 1808, com seus hábitos europeus, e
exigências próprias do seu paladar, impulsionou o surgimento dos restaurantes no país. A
Ranki Ano
Tipo de Atividade
ng 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009
6
A RAIS, CAGED e SEI, só oferecem informações quantitativas num limite de desagregação
de dados que incorpora o setor hoteleiro (Serviços de alojamento e alimentação).
11
Part. %
Ranking Unidade Federal Total
País
1 São Paulo 48.603 32,11
2 Minas Gerais 17.749 11,73
3 Rio de Janeiro 14.013 9,26
4 Rio Grande do Sul 12.137 8,02
5 Paraná 11.457 7,57
6 Santa Catarina 9.498 6,27
7 Bahia 6.266 4,14
8 Distrito Federal 4.021 2,66
9 Goiás 4.014 2,65
10 Pernambuco 3.600 2,38
11 Outros 19.999 13.21
Brasil 151.393 100,00
Fonte: IBGE/RAIS
Segundo a RAIS o mercado baiano possui 6.266 restaurantes, sendo que a sua capital
Salvador, com 2.619 estabelecimentos, absorve 41,80% do total.
De modo geral as cidades com maior número de restaurantes seguem a lógica do
adensamento populacional característico da natureza econômica do setor. Contudo algumas
alterações podem ocorrer pela forte presença de outros fatores que influenciam a demanda
de serviços, como a população flutuante que amplia sazonalmente a procura vez que atraída
pelo grau de centralidade das cidades que exercem uma força gravitacional em relação aos
centros periféricos e outros mais distantes em função da sua natureza e peculiaridades
(centro político, administrativo e jurídico, centro de negócios, turismo, educação, saúde etc.).
A cultura e os hábitos consolidados com o suporte do nível da renda per capita constituem
outro elemento atracional que se contrapõem à regra meramente quantitativa.
A geografia também exerce a sua influência. Cidades que não são litorâneas – não
possuem praias – tendem a possuir mais restaurantes. A praia constitui uma alternativa de
lazer acessível para todas as camadas da população e nela prospera um comércio de
alimentos ao ar livre, normalmente informal que afasta a população dos restaurantes. Este é
o caso, em termos nacionais, de cidades como Belo Horizonte, Brasília, Curitiba e Porto
Alegre todas com menor adensamento populacional e que superam Salvador (a 3ª capital
mais populosa do Brasil com 2.668.405 habitantes em 2010 segundo o IBGE) em número de
restaurantes.
Os fatores precitados são válidos também ao nível municipal, tomando-se por base o
impacto da atividade turística e da periferização habitacional. O primeiro impactua pela
população flutuante e o segundo pela tendência da construção da 2ª residência e fuga da
moradia no congestionado centro urbano. Na Bahia, Porto Seguro é um exemplo categórico
da primeira tendência ao confrontar o fato de estar na 13ª posição em termos populacionais,
12
Tabela 4 - População residente, partic. e variação per., por classe social ‒ Salvador X Porto
Alegre ‒ 2010.
Salvador - 2010 Porto A legre - 2010
Classes Soc iais
Populaç ão Part. % Populaç ão Part. %
7
Não cabe aqui um estudo sociocultural e antropológico do povo baiano. A respeito ver Spinola (2004)
15
Vínculo
Ranking Capital
Ativo
1 Porto Alegre 1.405,49
2 São Paulo 915,36
3 Florianópolis 874,71
4 Cuiabá 796,88
5 Vitória 785,31
6 Rio de Janeiro 762,78
7 Brasília 770,24
8 Curitiba 797,41
9 Goiânia 759,20
10 Belo Horizontes 725,56
... ... ...
17 Salvador 675,52
Fonte: IBGE
Quando se busca entender o baixo desempenho do segmento empresarial de
restaurantes em Salvador e a qualidade ruim dos seus serviços, percebe-se claramente como
o valor social do trabalho para o empregado é muito baixo. Para ele, perdê-lo não significa
um grande prejuízo, afinal através dele não consegue um grau razoável de satisfação das
suas necessidades e expectativas pessoais e como a regra de pagar mal é uniforme no
segmento, o turnover é intenso. O recrutamento também se faz nas classes de renda mais
baixa da população. O baiano, de modo geral, vê com bastante preconceito as atividades
ligadas aos serviços de alimentação consideradas próprias das classes de baixa renda. Por
isto mesmo, no cruzamento de dados salariais com o grau de instrução, considerando a
média salarial paga para os trabalhadores sem curso superior, o segmento de restaurantes de
Salvador cai ainda mais, ocupando a 19ª posição no ranking nacional de capitais. O primeiro,
sob esta ótica de análise, continua sendo a capital gaúcha.
Ensino
Ensino Ensino
Fundam en Ensino Educação Educação
Fundam en Médio
Capital Analfabeto tal Médio Superior Superior
tal Incom plet
Incom plet Com pleto Incom pleta Com pleta
Com pleto o
o
1 Porto Alegre 678,02 802,75 809,94 875,20 1.009,86 4.319,29 6.037,42
2 São Paulo 867,22 926,49 899,12 874,38 872,79 1.392,14 2.122,58
3 Florianópolis 777,30 826,29 850,09 789,73 882,39 1.035,09 1.324,39
4 Curitiba 686,50 743,92 760,96 741,16 822,32 1.041,85 1.456,12
5 Cuiabá 804,10 755,18 738,72 842,54 775,53 996,62 1.411,56
6 Vitória 778,82 739,40 786,72 754,81 776,08 1.047,45 1.363,05
7 Brasília 652,48 743,86 725,74 721,54 767,86 1.051,64 1.940,16
8 Rio de Janeiro 675,05 735,19 729,18 715,19 753,87 1.241,96 1.990,67
9 Goiânia 703,76 693,48 739,04 758,54 764,24 843,65 1.184,21
10 Porto Velho 671,74 717,39 732,42 718,46 733,17 694,55 1.393,16
... ... ... .. ... ... ... ... ...
19 Salvador 664,28 652,20 659,80 605,67 672,81 916,68 1.698,22
Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) ‒ Relação Anual de Informações Sociais (RAIS),
2010. Dados sistematizados
Fonte: IBGE/RAIS
17
Fazendo uma análise de indicadores síntese entre Porto Alegre e Salvador, em relação
à ocupação de postos de trabalho por trabalhadores com nível superior temos a seguinte
tabela comparativa:
Tabela 8 – Comparativo Porto Alegre / Salvador
Porto Alegre - RS Salvador-BA
Mínimo: R$ 268,68 R$ 172,97
Máximo: R$ 30.177,40 R$ 16.850,00
Desvio Padrão (8): 3.944,17 1.706,94
Média Aritmética Simples (9): R$ 6.037,42 R$ 1.698,22
Ocorrências (10): 1.638 245
Estoque de Trabalhadores 22.962 22.480
Número Estabelecimentos Ativos 2.619 2.746
População estimada 2010 1.436 mi 4 mi
Renda per capita / Posição no ranking R$ 26.312,45 (4ª) R$ 10.948,50 (10ª)
Salvador supera Porto Alegre apenas em população. Dado que, numa análise mais
crítica, não reflete em nenhuma vantagem, exceto pelo o fato de que, talvez, com uma
população menor o quadro soteropolitano seria ainda pior. No comparativo direto entre
Porto Alegre e Salvador, a capital gaúcha leva vantagem em todos os indicadores. Assim,
enquanto Salvador dispõe de 2.619 restaurantes para uma população total de 2.668.405
habitantes, uma relação de 1.019 habitantes por restaurante, Porto Alegre dispõe de 2.746
restaurantes para 1.398.230 habitantes, ou seja, uma relação de 509 habitantes por
restaurante. O dobro da flexibilidade de atendimento baiana. Coincidentemente a renda per
capita, de Porto Alegre é mais que o dobro da de Salvador, o que significa que o seu mercado
é mais favorável para o segmento de restaurantes em comparação com o de Salvador.
Embora Porto Alegre seja significativamente menor em população que Salvador e possuindo
um número superior de restaurantes, emprega menos trabalhadores no segmento. Esta
situação indica que os porto-alegrenses conseguem ser mais produtivos e obter melhores
resultados com um volume de capital humano menor que o soteropolitano. Certamente o
valor social do capital para estes empregados é melhor, implicando diretamente em melhor
qualidade dos serviços.
Considerações finais
8
Desvio Padrão: Estabelece a distribuição média dos rendimentos. Medida de dispersão. Quanto
menor o indicador significa que os rendimentos são mais homogêneos.
9
Média Aritmética = Massa Salarial / Numero absoluto de trabalhadores ativos
10
Ocorrências de trabalhadores com nível superior
18
Brasil, e a sua posição de importante cidade turística do País é necessário que uma
verdadeira revolução ocorra na estrutura urbana da cidade e no segmento em especial.
O mercado empresarial de restaurantes de Salvador até que oferece uma boa oferta de
postos de trabalho, em comparação com a média nacional e regional, mas o problema está na
qualidade deste emprego, que se situa na 19ª posição em termos de valor da remuneração do
setor o que se reflete na prestação dos serviços pela sua mão de obra muito mal qualificada.
É baixíssimo o volume de empregados com nível superior.
Embora faltem informações importantes como o faturamento setorial, percebe-se que
o segmento de restaurantes de Salvador sofre uma estagnação no seu ritmo de crescimento,
que consequentemente a leva a perder espaço na participação e na relevância nacional do
setor.
Duas amostras significativas dos restaurantes e respectivas especialidades existentes
na cidade do Salvador são apresentadas pela Emtursa, e pela revista Veja – Salvador. Na
análise das informações contidas nestas fontes observa-se que a cozinha regional (nordestina,
baiana e de frutos do mar) perde espaços a olhos vistos. Os restaurantes de “comida a quilo”
vêm aumentando exponencialmente seu quantitativo explorando o crescimento do business
service na cidade. As cozinhas italiana, gaúcha, oriental e internacional são majoritárias. Este
fato decorre das transformações por que passa a cidade do Salvador a partir dos últimos 30
anos com a instalação dos parques industriais químico/petroquímico e automobilístico na
sua periferia.
O afluxo considerável de técnicos e operários e outras categorias profissionais
oriundas das regiões Sul e Sudeste e o retorno de migrantes reciclados que antes partiram
para o Sudeste em busca de novas oportunidades , segundo a SEI, tem contribuído para
modificar os hábitos e costumes da cidade, abalando inclusive as suas venerandas tradições
culturais. Salvador vai aos poucos se distanciando da sua cultura afro e também vai
perdendo a sua criatividade musical transformando-se num grande dormitório dos
trabalhadores industriais forâneos, que remunerados em patamares superiores aos pagos à
grande massa local de peões, ditam as modas e as preferências, habilmente farejadas pelo
mercado. Como diria Octávio Mangabeira a seu respeito: “Salvador é uma péssima mãe, mas
uma excelente madastra”.
Existe, é claro, um grupo seleto de bons restaurantes típicos, mas existem muitos
problemas a merecer cuidados, notadamente no que se refere à culinária típica baiana que,
além de enfrentar a concorrência das outras cozinhas, chegadas com o cosmopolitismo da
velha capital baiana, padece de deficiências (na qualidade dos pratos e no padrão dos
serviços) que são resultantes dos estrangulamentos no suprimento de insumos, da entrada e
19
Referências
MEIRELLES, Dimária Silva e Limeira. (2006) O conceito de serviços. Revista de Economia
Política, vol. 26, nº 1 (101), pp. 119-136 janeiro-março/2006.
11
Grupo de Estudos da Economia Cultural de Salvador - GECAL
20
FISCHER, A. G. (1939). Production, primary, secondary and tertiary. Economic Record, June.
KUZNETS, S. (1983) Crescimento Econômico Moderno. Coleção Os Economistas, São Paulo:
Abril Cultural.
BOLETIM IPEA N° 172 (2010). Serviços já empregam 13 milhões de pessoas. Disponível em
www.ipea.gov.br/sites/000/2/.../12/.../Mailing368.htm. Acesso em 26 set 2010.
TEBOUL, J. A (2002) A era dos serviços: uma nova abordagem de gerenciamento. São
Paulo: Qualitymark.
CORREA, Henrique L; CAON, Mauro. (2002). Gestão de Serviços. São Paulo: Atlas, 2002.
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SANTOS, Milton (1979). O espaço dividido. Rio de Janeiro: Francisco Alves.
VIDIGAL, Tania Maria. (2003). Administração das comunicações de marketing. In: DIAS,
Sérgio Roberto (Coord.). Gestão de marketing. São Paulo: Saraiva
MASLOW, Abraham – Motivation and Personality. (1954) NY: Harper
BRILLAT - SAVARIN, Jean-Anthelme (2009). Fisiologia do Gosto – São Paulo, Cia da Letras.
21
http://pt.shvoong.com/social-sciences/1705312-karl-marx-conceito-mais-
valia/#ixzz1UN51SL9O
VALOR, Econômico (2010)..
1
Resumo
Texto elaborado para o IX Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos Regionais e Urbanos. Trata
do conflito entre as formas primitivas e ingênuas da arte, que integram a cultura popular e consequentemente a
economia cultural, e a indústria cultural engendrada pelo sistema capitalista. Parte de um conjunto de definições
e analisa alguns aspectos do carnaval, da produção de instrumentos musicais e do artesanato, fazendo a ligação
destes com a influência africana e suas repercussões na economia do turismo. O texto é centrado num quadro que
o autor, num estilo irreverente e heterodoxo, pinta para a cidade do Salvador, no estado da Bahia.
Abstract
Text prepared for the IX National Meeting of the Association of Urban and Regional Studies. This text deals
with the conflict between the primitive and naive art, incorporated popular culture and consequently the cultural
economy and cultural industry engendered by the capitalist system. Starting on a set of definitions, examines
some aspects of carnival, the production of musical instruments and crafts, linking them with the African
influence and its impact on the tourism economy. The text is centered on author’s framework, in an irreverent
style and unorthodox city of Salvador painting in Bahia state.
Key words: Cultural economy. Cultural industry. Popular culture. Salvador.
Meus mestres me ensinaram há muito tempo que um texto acadêmico deve ser austero,
rígido, mais frio que um defunto, recheado de citações, atento às normas da ABNT que
mudam frequentemente aos caprichos de um comitê de “sábios”, para o desespero de autores
e revisores indefesos, e sem qualquer concessão ao humor, sarcasmos e ironias. Distância!
Use sempre a terceira pessoa!
Rident castigat mores, ensinaram os romanos, mandando para o inferno o formalismo,
no que foram bem copiados por Gil Vicente e Voltaire, mestres da irreverência. O humor, o
riso, está na base da nossa cultura popular. Por que não celebrarei seu funeral segundo a
ortodoxia acadêmica? Porque estou com o poeta Noel Rosa cantando Fita Amarela: “quando
eu morrer, não quero choro nem vela…”. Porque também estou com o poeta Ariano
Suassuna, em sua Iniciação à Estética: “do ponto de vista social, o riso é uma espécie de
castigo ou reprimenda que a sociedade inflige a alguma coisa que a ameaça” (2007, p. 155).
Através do riso, relata Petry (2010, p.1) os costumes que estavam em desacordo com a
moral eram castigados e, a partir disso, o riso passa a ser um fenômeno, sobretudo social e
1
Doutor em Geografia e História pela Universidade de Barcelona (ES). Professor Titular de Economia Regional e Métodos
de Análise Regional no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Regional e Urbano (PPDRU) da Universidade
Salvador (UNIFACS). E - mail: dantasle@uol.com.br
2
humano e que ocorre somente em circunstâncias onde, de alguma forma, a sociedade vê-se
ameaçada. Eu penso que a morte da cultura popular pela sua massificação é uma grande
ameaça.
Sorrio então, com este estilo, cansado de ser academicamente correto, já encerrando a
simbólica idade de 69 anos, e correndo o risco de ter meu texto reprovado por ser assim
heterodoxamente irreverente.
Sorrindo decidi com desencanto dar meu adeus à cultura popular, naif, e a economia
por esta engendrada a partir de múltiplos lugares, como o interior do Nordeste que gerou
sertanejos famosos a exemplo dos Vitalino, Nhô Caboclo, Luiz Antônio da Silva e tantos
outros; dos undergrounds de Salvador e Recife, responsáveis pelos magníficos carnavais,
verdadeiros vulcões que transbordavam uma preciosa criatividade nos batuques dos afoxés,
do pau elétrico de Dodô e Osmar,2 transformado em guitarra baiana por Moraes Moreira, da
Vassourinha de Joana Batista3 e Matias da Rocha, sucedidos por tantos outros cuja lista é
interminável.
Seguindo o conselho de Chaplin, quando dizia: “Ei! Sorria... Mas não se esconda atrás
desse sorriso...” trato neste artigo de um problema identificado, ainda na década de 1940
por Horkheimer e Adorno (1944) que em sua Dialética do Iluminismo denunciam o
surgimento da indústria cultural que no sistema capitalista passa a dominar e absorver a
economia cultural. Assim la participación en tal industria de millones de personas impondría
métodos de reproducción que a su vez conducen inevitablemente a que, en innumerables
lugares, necesidades iguales sean satisfechas por productos estándar. La industria cultural,
en suma, absolutiza la imitación (p. 50).
Sorrindo vejo sumir a arte ingênua responsável por muitos empregos na economia da
cultura popular que nesta implacável marcha da modernidade é transformada em produto da
indústria cultural e dá lugar a uma estética padronizada pela máquina e o computador, ou é
descartada e esquecida quando inadaptável aos gostos padronizados.
Talvez pareça que sou um saudosista romântico daqueles que gostariam de congelar o
passado. Sou não! Concordo apenas com Adorno e Horkheimer que há 66 anos diziam: no se
trata de conservar el pasado, sino de realizar sus esperanzas (1944, p. 4).
Apenas deploro e protesto pela sorte dos pequenos artesãos nordestinos que enfrentam
a concorrência desleal e maciça da China que copia descaradamente e sem pagar direitos
autorais as suas imagens4; dos músicos e outros artistas populares que de protagonistas vão
sendo reduzidos a assalariados eventuais da indústria fonográfica; dos produtores de
instrumentos musicais que são massacrados pela concorrência das multinacionais; dos mestres
carpinteiros dos saveiros do Recôncavo Baiano liquidados pelo fiberglass e o IBAMA; dos
cordelistas que não substituem mais um Patativa do Assaré, um Cuica de Santo Amaro, um
Leandro Gomes de Barros ou João Martins de Athayde, até porque as feiras, que eram seus
palcos originais, estão acabando, substituídas por centros de abastecimento e pela Internet que
decretou o fim do papel impresso. Não vivemos mais na galáxia de Gutenberg, e eu que sou
um velho reacionário não acredito em cordelista digital. Não vejo mais a banda passar pelo
coreto da praça, nem os circos anunciados pelos palhaços de longas pernas de pau, cantando
inocentemente o hoje politicamente incorreto refrão: “olê, olê, olê bambu, fio de nego é
urubu!” e seguidos por uma multidão de crianças deslumbradas que lotavam os espetáculos.
Os “theatros” desaparecem por falta de salas e patrocinadores. As salas de cinema viraram
2
A “fobica” de Dodô foi transformada em Trio Elétrico.
3
Como sempre nesta seara: há controvérsias.
4
Encontrei similares de produtos da cerâmica afro-baiana fabricados artesanalmente em Maragogipe e Nazaré das Farinhas, e
vendidos na Feira dos Caxixis, no Mercado Modelo e na Feira de São Joaquim, em lojas de artesanato de Buenos Aires,
Santiago, Lima, Lisboa e Madrid. Todos muito bem feitos, perfeitos, made in China!
3
Mientras, desde Ia Ilustración, Ias otras ciencias sociales han venido dando, en su
seno, una importancia creciente a Ia cultura; Ia economía, llevada de su propósito
obsesivo de convertirse en una ciencia natural, hasta fechas muy recientes Ia ha
considerado irrelevante o perniciosa. A. Smith y K. Marx, y sus escuelas
respectivas, es decir, Ia mayor parte de los economistas, han juzgado, durante los
dos últimos siglos, que su actividad era, como Ia de todos los servicios,
improductiva y, por tanto, irrelevante. Los únicos economistas que rompieron una
lanza por Ia cultura y el arte fueron, naturalmente, los más cultos, Robbins y
Keynes. EI primero, como se ha dicho, superando Ia línea clásica que afirrnaba que
el objeto de Ia economía era aumentar y distribuir mejor Ia riqueza nacional, dijo
que el objeto genérico de Ia economía era garanrizar Ia mejor asignación de
recursos escasos a Ia obtención de fines dados, y que éstos podían ser tanto
maximizar a riqueza como la cultura. Keynes, por su parte, consiguió que, en Ia
Inglaterra tradicionalmente opuesta a toda subvención pública del arte, se creara el
National Endowment for the Arts. Pero ninguno de los dos adujo que hubiera que
estudiar con criterio económico las actividades culturales y, mucho menos, que se
5
Discordo da autora, por que a arte só existe (na e) para a elite?
5
A economia cultural abrange a arte produzida tanto por ricos quanto por pobres.
Tanto o Louvre e a Opera de Paris quanto o Circo Picolino, baiano e o gaúcho Teatro de Lona
Serelepe são objetos do seu estudo. A literatura disponível sobre o tema, produzida
substancialmente nos países do chamado “primeiro mundo” (detesto esta expressão, é tão
ridícula quanto “primeira dama”) contempla normalmente os produtos culturais para a “elite”
(não só a burguesia, mas também os sofisticados da classe média). Já a literatura brasileira
que conheço está geralmente vinculada aos piedosos e esperançosos propósitos dos devotos
do desenvolvimento sustentável e solidário.
E a cultura popular? Não vou entrar na briga e nas controvérsias sobre o que é popular
ou erudito. Porém faço minhas as palavras de Saldanha (2010) quando diz que a indefinição
dos termos tende invariavelmente a derivar no preconceito, e na criação de hierarquizações
axiológicas de âmbito sociocultural, ou mesmo socioeconômico, excessivamente datadas. Por
isto me socorri em Mascelani (2009) que numa linguagem antropológica diz que no Brasil,
“costuma-se chamar de “arte popular” a produção de esculturas e modelagens feitas por
homens e mulheres que, sem jamais terem frequentado escolas de arte, criam obras de
reconhecido valor estético e artístico.” 6 Para mim também estão incluídos nesta classificação
os artistas cênicos, da escrita e da música. Esta é, pois, a cultura do povo a quem me dedico. É
o resultado de uma interação contínua entre pessoas de determinadas regiões. Nasceu da
adaptação do homem ao ambiente onde vive e abrange inúmeras áreas de conhecimento:
crenças, artes, moral, linguagem, idéias, hábitos, tradições, usos e costumes, artesanato,
folclore, etc. Ainda nas palavras da antropóloga Angela Mascelani:
6
Seus autores são gente do povo, o que, em geral, quer dizer pessoas com poucos recursos econômicos, (pouca ou nenhuma
instrução formal) que vivem no interior do país ou na periferia dos grandes centros urbanos e para quem “arte” significa,
antes de mais nada, trabalho. Apesar de fortemente enraizada na cultura e no modo de viver das pequenas comunidades nas
quais tem origem, a arte popular exprime o ponto de vista de indivíduos cujas experiências de vida são únicas. Apresenta os
principais temas da vida social e do imaginário — seja por meio da criação de seres fantásticos ou de simples cenas do
cotidiano — numa linguagem em que o bom humor, a perspicácia e a determinação têm lugar de destaque. (MASCELANI,
2009).
6
Nossa tese é a de que o Carnaval da Bahia é uma festa negra7 e, como tal, fortemente
influenciado pela cultura africana. Sendo assim não se pode deixar de falar na negritude e
pobreza da cidade.
7
A extrema direita irá discordar desta afirmativa. Não estou dizendo que os negros criaram o carnaval. Uma festa que
segundo Cardoso (2010) surgiu no Egito quatro mil anos antes de Cristo e foi trazida para o Brasil como o Entrudo
português. Quem acompanha – analiticamente – o carnaval baiano pode perceber claramente a influência negra e mística no
carnaval baiano com os Filhos de Ghandi, Ylê Ayê, Olodum, Timbalada e outros menos votados.
10
Assim o carnaval baiano deixou de ser uma festa popular transformando-se em show
business. E, neste plano, é conduzido pelo poder público que, por conta de um processo
organizacional dos palcos da cidade, vai tornando, gradativamente, mais difícil a exploração
da folia pelos pequenos artistas e produtores culturais.
Em síntese, a elite artística, hoje milionária e integrada ao show business nacional,
notadamente o televisivo, não somente monopoliza os espaços físicos da festa, como absorve
grande parte dos patrocínios e dos benefícios fiscais como os da Lei Rouanet. Conclusão a
qualidade artística musical baiana vem declinando sensivelmente, dada a falta de inspiração e
de criatividade que leva os compositores atuais a descambar para a “mesmice” e para uma
produção de péssimo gosto e qualidade. Justiça se lhes faça o estímulo e a pressão que sofrem
da indústria fonográfica e dos empresários do ramo que insistem na exploração de uma
temática vulgar, mas de grande aceitação pelo povão.
Agindo em conluio, consciente ou não, artistas já famosos – os mesmos donos da festa
que brilham todos os anos – empresários do ramo, a mídia e a indústria fonográfica,
restringem o acesso à criação de novos valores que não encontram espaço para divulgar a sua
produção.
Assim sendo elimina-se as chances de renovação artística e cultural. Na ânsia pelo
lucro rápido, a indústria cultural não quer perder tempo investindo na formação de novos
valores.
Alguns produtores artísticos acrescentam que o fácil acesso aos equipamentos de
gravação e reprodução tem feito com que muitos jovens – com talento ou não – dispensem a
orientação técnica de produtores experientes e se lancem no mercado de forma atabalhoada
acabando por se queimar precocemente ou a vegetar em um limbo do qual dificilmente sairão.
8
A rigor seria Orisá ou Orixá porque em Yorùbá não existe plural formado pela adição da letra "s" ou quaisquer outras
modificações das palavras, como no Idioma Português. O plural é formado pela adição dos pronomes. Como a palavra foi
aportuguesada seguiremos as regras gramaticais do idioma português.
12
20 mil logradouros registrados pela Prefeitura, observa-se que os terreiros ocupam um espaço
equivalente a apenas 2,7% dos logradouros da cidade.
O candomblé, embora com adeptos em todos os extratos sociais, tem a grande
maioria de seus membros entre as camadas pobres da população sobre a qual exerce grande
influência, e um papel dinâmico de estímulo a certas atividades econômicas, particularmente
o comércio e o artesanato. Os ricos patrocinam, compram a proteção dos Orixás. São os Obás.
No seu culto as divindades, se revestem de rica e complexa simbologia que, na prática, se
expressa em vestimentas, adornos os mais diversos e objetos rituais, próprios a cada
divindade. Existe ainda o emprego de sementes, ervas, folhas, plantas em diversas cerimônias
e rituais. Todos esses elementos têm a peculiaridade de obedecer a certos requisitos rituais, o
que implica na observância de procedimentos consagrados pela liturgia na sua produção,
levando a que sua oferta não seja afetada por qualquer tipo de modernização9. Assim sendo, o
candomblé é responsável direto pelo emprego de artesãos que produzem os adornos e objetos
rituais; costureiras encarregadas das vestimentas e produtores e comerciantes dos diversos
gêneros e materiais antes citados. Tendo conquistado o reconhecimento e o respeito da
sociedade em geral, o candomblé amplia o seu prestígio, verificando-se, nos últimos anos, a
disseminação do uso de muitos de seus adornos (pulseiras, colares, etc.) por pessoas e turistas
sem qualquer vínculo com a prática ou compromisso com a fé religiosa (SPINOLA, 2006)
Pode-se afirmar que a existência e a força do candomblé em Salvador constituem um
fenômeno peculiar de nossa sociedade, com reflexos evidentes e poderosos na vida da sua
economia e cultura popular, particularmente sobre atividades desenvolvidas em bases
informais.
Esta influência ocorre e é transmitida de forma sutil, dissimulada e misteriosa. Existe
um silêncio, um pudor cuidadoso e uma reserva atávica que remonta aos tempos da repressão,
do feitor e da polícia. Este é um mundo onde não existe o sim ou o não absolutos. Predomina
o talvez. E às vezes um sim pode significar um não e o não um sim. Definitivamente este é
um mundo diferente do ocidental. Nele um alemão, ou um paulista, pirariam.
A comercialização dos produtos e serviços referentes a esta religião é geralmente
clandestina e as transações são feitas por numerosos atravessadores. São vários os
fornecedores para alguns produtos e, para outros, a situação é de monopólio ou oligopólio
comercial por se tratar de itens específicos.
Porém os cultos afro estão ameaçados de extinção ou degradação, sendo absorvidos
pela indústria cultural numa escala crescente. A divulgação da sua prática e dos seus produtos
vem alastrando-se na rede mundial de computadores através de uma imensa quantidade de
sites que comercializam objetos e serviços dos mais variados pela Internet, quase todos sem
demonstrar preocupação com a veracidade das informações que propagam, misturando o
candomblé com umbanda, macumba e espiritismo e outros divulgando propositadamente
informações falsas para adquirirem vantagens comerciais. Tudo isto vem abastardando o culto
e reduzindo a sua capacidade cultural de influência.10
Percebe-se que a divulgação do candomblé pela internet coincide com a sua destruição
pela modernidade. A expansão urbana tem levado à aquisição das áreas dos terreiros pelas
grandes imobiliárias. Os Orixás precisam de espaço, o Ylê Axé Apó Ofanjá, por exemplo, é
dono de uma área que mede cerca de 39.000 m2. Porém a redução de áreas verdes da cidade
9
Se você ouvir a explicação de um Babalorixá ou Yalorixá autênticos de como se faz uma vestimenta, prepara uma comida
ou um banho de “descarrego”, um patuá ou de como se consagra um atabaque, nunca mais abriria uma página sobre o
assunto na Internet.
10
Caso o leitor queira conhecer um candomblé genuíno, puro, visite o Ilê Axé Opó Afonjá, tombado pelo IPHAN, e um dos
templos mais importantes das religiões de matriz africana no mundo. Governado por yalorixás, este Candomblé rompeu com
o sincretismo, eliminando a relação dos seus santos com os santos católicos. Estiveram ou estão vinculados a ele
personalidades como Jorge Amado, Vivaldo da Costa Lima, Antonio Olinto, Pierre Verger e Gilberto Gil, entre outros.
13
vai reduzindo o espaço para a prática, o que leva a situações esdrúxulas como as de
candomblés funcionando nos espaços restritos de apartamentos.
E os Orixás estão gradativamente perdendo a força original.
O artesanato de Salvador também sofre uma forte influência dos cultos afro.
Verdadeiras obras de arte popular são produzidas em cerâmica, madeira e metal. A Feira de
São Joaquim, o Pelourinho e o Mercado Modelo são os maiores centros de comercialização
de artesanato religioso da capital baiana.
Os patuá11, que revelam a fé do povo negro baiano, são comercializados através das
miniaturas de Orixás cerâmicas, quadros, esculturas, pulseiras e colares de contas, e metal,
búzios, contreguns12 etc. Entre os produtos artesanais que merecem destaque está a fitinha do
Senhor do Bonfim, que é utilizada sincreticamente também por membros do candomblé.
Os materiais utilizados nos cultos afro-brasileiros vêm sendo modificados pela
introdução de técnicas e materiais novos, como tecidos sintéticos, metalóides, linhas de nylon,
contas plásticas e de resinas, galvanização de metais, que são amplamente usados por
artesãos, possibilitando a produção de objetos em maior escala, o que barateia o produto final.
As fitinhas do Senhor do Bonfim, por exemplo, deixaram de ser fabricadas em tecido
de algodão substituído pelo nylon. Seu uso obedece a um rito que exige a benção da fita. Ao
amarrá-la no pulso o crente deve dar três nós. Para cada nó faz um pedido. Quando a fita se
arrebenta é porque os pedidos são atendidos. Segundo alguns crentes, confeccionadas em
nylon, as fitas se tornaram mais resistentes e perderam o seu efeito, pois, neste novo material
custa muito se romper no pulso do fiel. É o que dá misturar tecnologia com religião. As fitas
são fabricadas em São Paulo...
Em geral, lucros elevados são obtidos no processo de comercialização dos objetos
confeccionados pelos artesãos religiosos. Os padrões têm sido apropriados à revelia de
seus criadores. Na maioria dos casos o controle desse processo escapa aos artistas, que
muitas vezes, costumam receber quantias quase simbólicas por seu trabalho de criação.
Os artesãos baianos não recebem qualquer apoio governamental. Estão sendo expulsos
do mercado pelos concorrentes oriundos de outros estados e da China, que inunda o mercado
com réplicas, vendidas a preços bastante inferiores.
11
Amuleto. Bentinho.
12
Um dos objetos mais populares do candomblé é o contregun, um bracelete de palha que se coloca em torno do pulso ou
braço, que serve para afastar, após uma cerimônia fúnebre do candomblé, a alma do morto, que pode possuir aqueles que
assistem à cerimônia. Então se usa esse objeto para proteger as pessoas que ali estão, mas hoje em dia, caiu no gosto popular
e foi disseminado o seu uso pelos baianos e turistas que muitas vezes nada têm a ver com a religião e não sabem o que estão
fazendo.
13
São os três atabaques sagrados que comandam os cultos do Candomblé.
14
14
Constatou-se na pesquisa de campo a existência de uma pequena fábrica na Baixa do Fiscal que tinha franceses como
clientes. Periodicamente faziam encomendas e levavam quantidades razoáveis de produtos para a França (Marselha).
15
conferem status aos seus possuidores. Grandes músicos brasileiros poderiam também usufruir
a qualidade sonora dos instrumentos baianos, auxiliando o crescimento e a profissionalização
do setor. Porém, isto não ocorre, pois as grandes fábricas produtoras, muitas vezes utilizando-
se do know how baiano, acabam produzindo instrumentos em série, com qualidade sonora um
pouco inferior, porém padronizados, o que acaba influenciando a decisão de compra dos
músicos. Ademais, as grandes fábricas de percussão possuem ampla vantagem de venda sobre
os pequenos produtores locais devido a sua associação com as grandes lojas de instrumentos
do Brasil.
Apenas uma loja adquire no mercado produtor local os aguidá15, numa quantidade
média de cem unidades mensais. Admitem, contudo, que se superado este problema de
legalização e investindo-se em tecnologia será vantajosa a comercialização, notadamente dos
instrumentos de percussão
Assiste-se, assim, ao gradativo desaparecimento dos grandes artesãos locais que desistem de
dar continuidade ao ofício, preparando sucessores, pois inclusive a maioria dos seus filhos e
netos não manifesta interesse pela atividade sendo atraídos por outras mais interessantes e
promovidas pela mídia.
Mas, nem tudo está perdido, como diz o povão cuja esperança não morre, “quando
Deus fecha uma porta, abre uma janela”. Registra-se que alguns blocos como o Olodum, o
Araketu, a Timbalada, o Ilê Aiyê e o Malê de Balê , além da Banda Didá, “retrabalham”
alguns instrumentos de percussão tradicionais, dotando-os de adereços que os adequam às
suas peculiaridades.
Observe-se que os instrumentos de percussão podem ser obtidos com os mais diversos
materiais, desde que estes sejam tocados com as mãos ou baquetas. Todos estes blocos
possuem escolas de percussão realizando um trabalho de cunho social, retirando crianças das
ruas, e ao mesmo tempo utilitário, por preparar novas gerações para as suas bandas A
Pracatum, de Carlinhos Brown, é uma escola de percussão. Ensina as crianças a tocar. Brown
é um músico criativo que inova constantemente, de forma heterodoxa, (adoro este termo pela
forma de ser que expressa) fabricando os mais inusitados instrumentos de percussão. Isto não
quer dizer que estes possam ter cunho comercial em nível de escala. Admite-se, contudo, a
hipótese de que, deste processo criativo, possam aparecer alguns novos instrumentos que
venham a ser produzidos em massa e se constituam num sucesso de mercado, como tantas
coisas que surgem na Bahia. Afinal, onde há vida sempre sobra esperança.
Fim de festa
Todos sabem que as atividades turísticas estabelecem uma forte relação entre a cultura
e o mercado. E, na cidade do Salvador, dona de uma marcante personalidade cultural isto não
é diferente. Por isso mesmo o turismo cultural é uma prioridade na velha capital baiana que já
mudou do patamar de turismo de demanda para o de turismo de oferta. Isto, para quem não
entende destas terminologias, quer dizer que passamos do estágio onde os ditos turistas
vinham até nós, nos “descobriam” e ficavam embasbacados, para outra onde somos nós que
corremos atrás deles.
Éramos cantados em prosa e verso por gigantes como Dorival Caymmi, Ary Barroso,
Jorge Amado. A nossa negritude era pintada por Presciliano da Silva, Mário Cravo, Hansen
Bahia, Carybé, Sante Scaldaferri e fotografada por antropólogos como Pierre Verger. E depois,
na obra de poetas mais novos como Capinam, Caetano Veloso e Gilberto Gil e no cinema de
Glauber Rocha. Mas o tempo passa, muitos gigantes morreram e mesmo os poetas mais novos
são hoje sessentões cuja inspiração e criatividade já “brocharam”. O pior é que, depois da
“gloriosa” de 1964, não surgiu uma nova geração de poetas compositores do porte dos
anteriores. Provavelmente devido à brutal queda de qualidade da educação básica e secundária.
No meu tempo os colégios da Bahia, Severino Vieira e o Instituto Normal Isaías Alves, todos
públicos, eram uma referência de excelência. Hoje não são sequer sombras do que foram.
Associe-se a censura da ditadura que castrou toda uma geração; os mecanismos da eletrônica
sonora que tornou muito fácil a produção de besteirol e a urbanização intensiva que desarticulou
todo um modo de vida que servia de base para a construção da velha cultura.
15
Baquetas para os não iniciados. São pequenas varas de madeira com que se percutem os tambores. São sagradas. Antes do
uso devem “dormir com os santos”.
17
Surgiram novos polos turísticos, todo Nordeste se transformou, Recife passou a oferecer
um carnaval bem melhor que o baiano. Apesar da repetição obsessiva de Vassourinha, o frevo
rei, o grau de participação popular nele é bem maior. Fortaleza e Natal são as mecas do turismo
sol e praia. Em toda a região muitas praias, muita arte popular e beleza natural. E também muitas
“sodomas “e “gomorras” para todos os gostos. Assim, passamos para o turismo de oferta.
Temos de correr atrás, pegar o “turista a laço”. Sendo esta argumentação verdadeira é possível
imaginar que, do ponto de vista da atração turística a destruição da herança cultural implica
numa substancial perda de “clientes” e da renda que eles aqui deixam, alimentando a nossa
economia cultural.
Do que falei, o carnaval, no estágio em que se encontra, é um produto de uma política
neoliberal, que vem sendo desenvolvida pela Prefeitura de Salvador desde o governo do PFL
ao do PT. A ideologia ficou no discurso!
A Prefeitura vem preparando os palcos da cidade para que neles prospere uma
indústria cultural que fatura milhões de reais e surja uma nova classe, a do artista-empresário
que acumula fortunas.
Ali se observa uma acelerada concentração da renda em poder de um oligopólio , que
elimina as chances competitivas dos pequenos atores e reduz o espaço de chão da festa para
os “foliões pipocas” que constituem a parcela majoritária do público brincante.
Isso, além de elitizar a festa, está matando a galinha dos ovos de ouro.
Ao romper com suas raízes culturais, ao sufocar a criatividade natural que brota dos
pequenos, ao deixar de ser original, ao ser bitolada pelos parâmetros tecnológicos da mídia, a
festa vai ficando chata, repetitiva e começa a cansar. E aí o público foge. Se não mudarem
rápido vai piorar. Os soteropolitanos fogem da cidade nesta época, cansados do repeteco. A
cidade fica em mãos dos turistas. Não se renovando, e haja criatividade, vai acabar. Quem
viver verá!
Quanto aos instrumentos musicais acredito que a tendência será a de expandir a sua
venda pela Internet. As fábricas da região Sudeste, notadamente São Paulo e Paraná suprirão a
demanda com imbatível qualidade e preço. Viva o capitalismo tupiniquim!
Os nossos artesãos já são poucos, não deixam herdeiros, com o tempo sumirão. Talvez
fique um ou outro excelente para servir de referência.
As festas populares, berços da cultura popular, como falei no início, estão acabando ou
se prostituindo numa baderna de cachaça, sexo e pó. Veja-se a Conceição da Praia que abre o
ciclo de festas baiano. Há muito que Exu assumiu o lugar de Oxum que se mandou e não dá a
ousadia de aparecer por lá. E o restante vai mais ou menos ao mesmo ritmo. Perguntem aos
mais velhos…
Por tudo isto meus nobres (ah que saudade do cordel!) vos conto este conto sem
aumentar um ponto. Manda o Rei meu senhor que me contem outro. Estou concluindo este
relato, questionando se não perdi o meu tempo. Quem teve paciência para ler este texto até o
fim deve ser um poço de tolerância ou um idealista romântico como eu. Todos sem poderes
para interferir ou mudar a situação que descrevi. E aqueles que poderiam fazer alguma coisa,
nunca o lerão. Ou porque são iletrados ou porque os “interesses” são outros…
Assim, estamos naquela situação em relação à cultura popular: se ela correr o bicho
pega, se ela ficar o bicho come.
Não posso fazer mais nada senão sorrir. Sorrir pra não chorar!
18
Referências
RESUMO
Este artigo tem por objetivo realizar uma reflexão sobre a economia e a cultura na
sociedade atual, a partir da observação da importância que a produção cultural tem obtido
em todo o mundo, inclusive no Brasil e na Bahia. Para tanto, são apresentado conceitos
importantes para o entendimento da economia da cultura, aspectos da produção cultural
mundial, nacional e local e o processo de sua organização e funcionamento. Conclui
afirmando que a produção cultural para ser capaz de contribuir de forma decisiva para o
desenvolvimento das nações requer a adoção de políticas públicas sérias e direcionadas,
capazes de articulação e diálogo com os demais setores públicos e privados e
fundamentalmente a comunidade;
PALAVRAS-CHAVE: Economia da cultura. Produção cultural. Financiamento e
Investimento.
ABSTRACT
This article aims to carry out a reflection on the economy and culture in today's society,
from the observation of the importance of cultural production has obtained worldwide,
including Brazil and Bahia. To that end, presented important concepts for understanding
the economy of culture, aspects of global cultural production, national and local, and the
process of its organization and operation. Concludes that the cultural production to be able
to contribute decisively to the development of nations requires the adoption of serious and
targeted public policies capable of articulation and dialogue with other public and private
sectors and fundamentally the community;
KEY WORDS: Economy of Culture. Cultural production. Finance and investment.
JEL CLASSIFICATION: Z1
1 – INTRODUÇÃO
A gente não quer só comida, / a gente quer comida, diversão e arte.
Comida (Titãs)
1
Economista. Mestre em Desenvolvimento Regional pela Universidade Salvador – UNIFACS. E-mail:
claudiafardinsp@gmail.com.
2
Economista. Doutor em Geográfica pela Universidade de Barcelona. Professor Titular VI da Universidade
Salvador – UNIFACS. E-mail: spinola.noelio@gmail.com
1
disponibilizados no mercado, adquirem o status de bens econômicos tradicionais, capazes
de gerar renda, emprego e bem-estar social.
Ao se fazer uma análise da sociedade atual é facilmente observável que a produção
cultural vem ganhando crescente destaque como um dos elementos mais dinâmicos e
imprevisíveis de mudança histórica no novo milênio e, então, o seu estudo torna-se
determinante para o entendimento do setor como uma estratégia para o desenvolvimento
local, regional e nacional.
A produção cultural no Brasil, conforme entendimento do Ministério da Cultura
(MINC) envolve, historicamente, os segmentos do artesanato, música, moda, culinária,
dança, literatura, arquitetura, patrimônio, antiquários, design, cinema, artes híbridas e artes
performáticas, dentre outras, e ainda as atividades ligadas à música, como dança, banda,
grupos musicais e corais.
Estas atividades, com presença marcante em todas as regiões do País, indicam que
o Brasil efetivamente possui em grande força em suas manifestações culturais, muitas
vezes associadas a um movimento regionalista e folclórico, ou provenientes de tendências
e movimentos nacionais e internacionais.
A Bahia, e em especial a sua principal cidade e capital – Salvador, são detentoras
de identidade singular, que se manifesta sob forte expressão em inúmeros segmentos
culturais, na música, nas artes cênicas, nas artes plásticas, na arquitetura, no artesanato, na
culinária, na moda e na religião, fato este que acaba por desencadear as muitas atividades
na cidade. (REIS apud GUERREIRO, 2008)
É neste cenário que a produção cultural vem ocupando um lugar de destaque e
ganhando espaço significativo na economia baiana.
2 - ECONOMIA DA CULTURA
Durante o século XX, com o crescimento das indústrias culturais 3, a cultura passa a
ter uma significativa importância no ramo da economia. O progresso tecnológico
proporciona grande impulso à produção massiva na área cultural, principalmente advindo
da introdução de novas tecnologias digitais.
Mais especificamente a partir do pós-guerra, começa a ser sentida, a nível mundial,
a importância da produção, circulação e consumo de bens e serviços culturais nas
economias das nações. Porém, é somente a partir dos anos 1970, que a Economia da
Cultura ganha importância entre os debates e estudos no mundo acadêmico; e,
progressivamente, passa a obter destaque entre os órgãos internacionais de cooperação, que
percebem seu grande potencial na geração de riqueza para os diversos países. (REIS, 2008)
Em 2003, o Banco Mundial estimou a participação da Economia da Cultura em 7%
do PIB mundial, classificando-o como um setor de grande dinamismo e potencial
crescimento. (MINC, 2011)
Essa produção cultural destaca-se como um dos elementos mais dinâmicos e
imprevisíveis de mudança histórica no novo milênio e estudá-la e entendê-la torna-se
determinante e importante estratégia para o desenvolvimento dos países na atualidade.
3
O termo “indústria cultural” foi cunhado por Adorno e Horkheimer, na década de 40, referindo-se ao
movimento de padronização e produção em série dos produtos e serviços decorrentes da atividade cultural. A
cultura é transformada em mercadoria e comercializada em grande escala. (ADORNO & HORKHEIMER,
1985, p. 144) Este termo, então, refere-se ao conjunto de indústrias cuja atividade econômica é a produção de
bens e serviços culturais, com fins de exploração mercantil e geração de lucro.
2
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES 4 - define a
economia da cultura como “um setor estratégico e dinâmico, tanto pelo ponto de vista
econômico, como sob o aspecto social. Baseados em criatividade, ideias, conceitos e
valores geradores de propriedade intelectual, os bens e serviços culturais são ativos
intangíveis que integram a chamada “economia do conhecimento”, base de sustentação das
economias nacionais.” (BNDES,2013). Pensar em cultura é procurar entender o aspecto
criador do indivíduo, com sua liberdade e individualidade que lhe são próprias, sem se
deixar cair no erro de acorrentá-la a regras e conceitos que lhe inserem no mundo limitador
do mercado capitalista, como toda e qualquer mercadoria produzida para o mero fim de
produção de lucro, e, como bem define Spinola (2006),
“Para pensar as potencialidades econômicas da cultura é preciso
alcançar sua dimensão mais complexa para não aprisioná-la nas regras da
indústria cultural. Afinal de contas, os produtos culturais estão enraizados na
vida cotidiana dos povos. Eles são resultado de uma experiência sensível, às
vezes, tramado no anonimato da vida comunitária e esse capital cultural que
agora emerge como mercadoria aponta para um redimensionamento das noções
de centro e periferia. Nesse contexto, as fronteiras perdem densidade para dar
lugar à experiência concreta do pertencimento a um espaço, um bairro, um
território, uma cidade.” (SPINOLA, 2006, p. 25).
Definido conceitualmente pela primeira vez por Edward Tylor5 em sua obra
Primitive Culture, o vocábulo inglês culture designou inicialmente todo o conhecimento, a
arte, moral, leis, costumes, capacidade e hábitos adquiridos pelos homens. Tylor entendia a
cultura como um fenômeno natural, cujo estudo resultaria na identificação de leis que
permitiriam a sua evolução. (TYLOR, 1920)
Mais tarde, com o evoluir do pensamento e observação sobre as práticas sociais,
este mesmo termo passou a expressar também todo o conjunto do comportamento
assimilado e apreendido, que independe de uma transmissão genética.
4
O BNDES é um órgão vinculado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, cuja
atuação se faz nas áreas de agropecuária, comércio, serviço e turismo, cultura, desenvolvimento social e
urbano, esporte, exportação e inserção internacional, indústria, infraestrutura, inovação, meio-ambiente e
mercado de capitais.
5
Para Tylor (1871), cultura é o produto de tudo o que é produzido pela humanidade no plano concreto ou
imaterial, é processo de seus conhecimentos e suas habilidades empregadas socialmente, independente da
questão biológica. Edward B. Tylor era professor da Universidade de Oxford que edita sua obra Primitive
Culture em dois volumes.
3
Para a antropóloga Ruth Benedict, a cultura é como uma lente através da qual o
homem vê o mundo, e, por isso, suas práticas e seus comportamentos tendem a se
modificar conforme os povos observados e o local onde estão inseridos. Sob outro ângulo,
numa visão antropológica, a cultura refere-se aos códigos morais e de valores dos homens,
e pode ser contextualizada através dos costumes e dos modos de vida, nas experiências
cotidianas, que produzem e deixam uma marca no tempo e no espaço em que vivem.
(BENEDECT, 1972)
Pode-se dizer, de uma forma simplista, mas nem por isso errônea ou irreal, que a
cultura é toda e qualquer manifestação produzida pelo ser humano, seja na área das artes,
religião, música, dança, língua, economia ou de seu comportamento.
Por sua própria definição e constituição, toda a produção resultante da atividade
cultural é carregada de simbologia e de um significado único. Isso faz com que os bens
culturais possuam um valor diferenciado, adquiridos a partir de seus componentes
simbólicos e estes bens, quando disponibilizados no mercado, adquirem um status de bens
econômicos tradicionais, inseridos no processo de produção, reprodução e circulação e, por
isso mesmo, capazes de gerar ocupação, emprego, renda e bem-estar social. Porém,
enquanto a percepção de seu valor se dá de forma individual, o seu consumo tende a ser
impulsionado por hábitos e interesses coletivos – ou seja, é o gosto, o interesse pelo seu
consumo, que determina sua demanda.
É assim que a produção resultante da atividade cultural tende a se profissionalizar,
gerando profissionais, estudiosos e especialistas. O seu caráter simbólico se consolida e
procura a obtenção de legitimidade e difusão num mercado marcado por produtores e
consumidores de bens culturais, que originam a criação de culturas de massa. E, desta
forma, esse produto cultural emerge na sociedade como mercadoria e, como tal, passa a ser
estudada pela economia da cultura.
A produção cultural está presente nas vozes e imagens, na moda e na dança, no
artesanato e na culinária, na língua e no comportamento, atrelada, pelo consumo, às
tendências e às modas. E é por isso que não se pode concebê-la simplesmente como uma
variável de menor importância ou secundária, mas deve ser pensada e entendida como
fundamental, constitutiva e determinante para a sociedade.
A partir dessa concepção, a produção advinda dos diversos setores da cultura
transforma a prática mercantil. Agora, o mercado deixa de ser um simples espaço de trocas
de mercadorias, para ser também um lugar onde se processam as interações sociais e
simbólicas entre os indivíduos. O seu consumo não implica somente a satisfação de
necessidades básicas ou de apropriação imediata de bens. O ato de consumir certos
produtos passa a dizer algo sobre quem os consome, sua posição social, seu status, o lugar
a que pertence e os vínculos que os indivíduos são capazes de estabelecer com os demais,
com o mercado e com a sociedade como um todo.
Esta produção cultural foi observada desde o início dos estudos econômicos por
muitos teóricos, de forma pontual e sob um caráter esporádico, considerada sem grande
relevância para a sociedade devido à intangibilidade de seus bens e serviços e por seu
processo produtivo e de consumo, atípico, não se inserindo no modo de produção
comumente observado. Ainda assim, alguns economistas clássicos, como Adam Smith e
David Ricardo, a incluíam em uma categoria de satisfação de luxo e prazer ou, ainda, uma
categoria improdutiva, mais indispensável ao bem-estar social.
Em A Riqueza das Nações, vol. II (1776), A. Smith cita que a produção artística
gera um efeito positivo na sociedade. Porém, para o autor as desigualdades observadas
entre as remunerações dos artistas estão relacionadas à escassez dos talentos e ao desprezo
da opinião pública. É dele o comentário citado sobre as representações culturais:
4
O Estado, ao estimulá-las, isto é, ao dar inteira liberdade de ação a todos
aqueles que, movidos pelo próprio interesse, procurassem, sem escândalo ou
indecência, divertir e distrair o povo com a pintura, a poesia, a música, a dança,
com todos os tipos de representações e exibições, facilmente dissiparia, na maior
parte da população, a melancolia e a tristeza que quase sempre alimentam a
superstição e o fanatismo populares. (...) A alegria e o bom humor que essas
diversões inspiram seriam totalmente inconciliáveis com esse estado de espírito
que constitui o terreno mais propício para os propósitos desses fanáticos ou sobre
o qual eles podem trabalhar melhor. (SMITH, 1983, p. 310)
Jean Baptiste Say, em sua obra Traité d'Economie politique (1803), sobre o talento
artístico e a desigualdade imperante na classe, escreve:
Quando, além de treinamento caro, é requerido um peculiar talento natural por
um ramo particular da indústria, a oferta é condicionada à demanda, e deve ser,
por conseguinte, melhor remunerada. Uma grande nação provavelmente terá dois
ou três artistas capazes de pintar um quadro superior ou esculpir uma bonita
estátua; se tal acontecer, então, poucos serão para suprir grande parte da
demanda, ainda que grande parte dos lucros retorne em forma de juros ao capital
investido na aquisição das obras de arte, mais uma vez o lucro trará um
excedente muito grande. (SAY, 1803, apud RENGERS, 2002, p. 4).
5
A Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento -
UNCTAD 6, em seu Creative Economy Report, define a Economia da Cultura como:
[Cultural Economics is].... the application of economic analysis to all of the
creative and performing arts, the heritage and cultural industries, whether
publicly or privately owned. It is concerned with the economic organization of
the cultural sector and with the behaviour of producers, consumers and
governments in this sector. The subject includes a range of approaches,
mainstream and radical, neoclassical, welfare economics, public policy and
institutional economics” (UNCTAD, 2010, p. 34)7
6
A Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) é órgão das Nações
Unidas (ONU) para discussão e promoção do desenvolvimento econômico por meio de incremento no
comércio internacional. Em suas linhas de discussão, encontram-se assuntos relacionados às áreas de
finanças, tecnologia, investimento e desenvolvimento sustentável. Suas ações visam aumentar as
oportunidades de comércio, investimento e progresso dos países em desenvolvimento, ajudando-os a
enfrentar e superar os desafios derivados da globalização e a integrar-se na economia mundial em condições
equitativas. Para tanto, utiliza-se da investigação e análise de políticas econômicas e de desenvolvimento, a
cooperação técnica e a interação com a sociedade civil e o mundo da economia (MDIC, 2013)
7
Para a UNCTAD (2010), a Economia Cultural refere-se à aplicação da análise econômica às artes cênicas e
criativas, ao património e às indústrias culturais, públicas ou privadas. Preocupa-se com a organização
econômica do setor cultural e com o comportamento dos produtores, consumidores e governos no setor.
Desta forma, o tema inclui uma variedade de abordagens, tradicional e conservadora, neoclássica, bem como
a economia do bem-estar, políticas públicas e economia institucional. (tradução nossa)
6
mas a ideologia da indústria cultural, ainda que esta última não possa existir sem
a elas se adaptar. (ADORNO, 1994, p. 93)
Esta indústria atua transformando tudo em bem de consumo, seja ele um produto da
criatividade, nas áreas da arte, música, cinema, literatura, moda, ou da arquitetura. Este
produto é levado ao mercado para ser comercializado sob a lógica do capital, inserido no
contexto mercadológico de fins lucrativos.
Em Adorno (1994), o termo “indústria cultural”, então, veio a substituir outro
concebido como “cultura de massas”. Diferentemente da cultura que surge
espontaneamente do povo, na indústria cultural a sua produção é dirigida para as massas e
determinada para o seu consumo e vice-versa.
A indústria cultural se preocupa primordialmente com o produto que vai chegar às
massas, que devem consumi-lo integralmente e com grande aceitação, seja ele um
espetáculo, uma mostra de arte ou uma mídia eletrônica. Neste segmento, com o apoio
fundamental dos veículos de comunicação de que dispõem, ao mesmo tempo em que
divulga sua arte, cria continuamente necessidades, sem admitir críticas.
Neste cenário, manipulado pelo capital, é promovida a integração proposital das
duas artes, separadas há tempos: a superior – das elites culturais, que acaba sendo desfeita
em sua seriedade e erudição pela especulação –, e a inferior – das culturas populacionais,
que seria controlada em seus caracteres rudes e manipulada socialmente. O mercado passa
a padronizar o gosto pelas artes, subtraindo dos consumidores a liberdade de estipularem
7
seus critérios e exigências e dos autores a liberdade da criação comprometida somente com
os seus ideais artísticos. Conforme Adorno (1971):
A indústria cultural é a integração deliberada, a partir do alto, de seus
consumidores. Ela força a união dos domínios, separados há milênios, da arte
superior e da arte inferior. Com o prejuízo de ambos. A arte superior se vê
frustrada de sua seriedade pela especulação sobre o efeito; a inferior perde,
através de sua domesticação civilizadora, o elemento de natureza resistente e
rude, que lhe era inerente enquanto o controle social não era total. (ADORNO,
1971, p. 287)
8
patrimônio histórico e o ordenamento do aparelho burocrático por elas
responsável. (COELHO, 2004, p. 292)
Embora este conceito não tenha sua aceitação entre a maioria dos pensadores que
discorrem sobre o assunto, nos dá um embasamento para melhor entender a necessidade de
uma estratégia conjunta entre os diversos agentes, sob a coordenação e planejamento de
um dos entes centrais (no caso, o governo – seja de qualquer âmbito: nacional, regional,
estadual ou local) para a intervenção e promoção da cultura na sociedade.
De forma a sintetizar o assunto, podemos admitir que as políticas culturais são o
conjunto de intervenções promovidas pelo Estado, com o objetivo de satisfazer as
necessidades da população e estimular e incentivar o desenvolvimento de suas
representações simbólicas em sua esfera de atuação, para tal contando com a interlocução e
o apoio de empresas privadas, organizações civis e/ou grupos comunitários que, ao se
unirem, juntam esforços para promover o bem-estar social.
Gilberto Gil (2007), ex-ministro, cantor, compositor, artista contemporâneo,
discursa sobre a importância da cultura e das práticas e políticas que incentivem a
diversidade e a promoção cultural no desenvolvimento local no texto Cultura, diversidade
e acesso, cujo trecho se reproduz abaixo:
Vivemos um momento histórico privilegiado. As mudanças das formas
de produção, significação e distribuição dos conteúdos culturais apontam para
um espaço novo e dinâmico das políticas culturais. A revolução digital abre
novas portas aos países em desenvolvimento. Trata-se de uma chance única de
intervenção no modelo de globalização vigente, uma oportunidade de
praticarmos o júbilo da diversidade cultural.
A cultura possui um incrível potencial de produzir sedimentos que
ativam a mudança histórica. Em muitos casos, ela é o lugar onde a mudança
efetivamente se realiza. Mas sua atuação discreta e incisiva nos rumos das
relações internacionais, suas novas potencialidades econômicas e sua atuação
transversal ainda padecem de um grande desconhecimento – e até desconfiança –
das burocracias públicas tradicionais. É hora de atentarmos à força
contemporânea da cultura, à força de modernizar agendas e atualizar discussões
públicas, de promover paz, prazer e conhecimento mútuo – para o bem dos
países em desenvolvimento, para o bem da América do Sul. (GIL, 2007)
Inúmeros desafios vêm sendo enfrentados no campo das políticas culturais no
mundo contemporâneo, desde a sua organização mais moderna, que aconteceu a partir de
meados do século XX, quando novos elementos passaram a ser incorporados a este
conceito, cuja transversalidade passou a abarcar áreas distintas, e até então desconexas,
como a sociologia, economia, política e antropologia, para citar algumas.
Desde os anos 40 a política cultural passou a ser uma área de expressão na Europa,
quando foi instituída a Arts Council, na Inglaterra, e posteriormente com a criação do
Ministério dos Assuntos Culturais, na França, cujo objetivo principal estava assentado na
8
Para Nestor Garcia Canclini, a política cultural representa o conjunto de intervenções realizadas pelo estado,
pelas instituições civis e pelos grupos comunitários com o objetivo de orientar o desenvolvimento simbólico,
satisfazer as necessidades culturais da população e obter consenso para um tipo de ordem ou transformação
social. (tradução nossa)
9
universalização das obras culturais, tornando-as acessíveis aos franceses e tendo por base a
preservação ampla, a difusão e o acesso de seu amplo patrimônio artístico e cultural.
A França insere o tema das políticas culturais como questão relevante para a
organização da cultura e de sua gestão a nível nacional. Porém, quem posteriormente
internacionaliza o tema e intensifica o debate é a Organização das Nações Unidas para
Educação, Ciência e Cultura – UNESCO, que já em 1952 elabora a Declaração Universal
dos Direitos do Autor, e mais tarde, dentre alguns de seus tema importantes, produz a
Convenção sobre a Proteção do Patrimônio Mundial Cultural e Natural (1972), a
Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural (2002) e a Convenção sobre a Proteção
e Promoção da Diversidade das Expressões Culturais (2005), de onde ser retira o conceito
de diversidade cultural:
10
precisa de atenção, de cuidado. Precisa do investimento de todos: governos,
empresas, organizações não governamentais, cidadãos. (GIL, 2009).
9
O mecenato é um termo que data da Antiguidade, de origem italiana, do tempo do Império Romano. Trata-
se de uma referência a Caio Mecenas, conselheiro do imperador, que reuniu um círculo de intelectuais e
poetas e os patrocinava com a doação de bens materiais e proteção política. Atualmente, o termo faz
referência à forma de patrocinar as artes, através benefícios fiscais. Em geral, o poder público abre mão da
cobrança de determinado tipo de imposto para que a iniciativa privada passe a investir em determinado setor.
Assim, pessoas jurídicas e físicas podem financiar projetos culturais por meio de patrocínios e doações, com
a posterior dedução de um percentual do valor investido, no imposto devido.
11
primeiro é um fundo contábil que prevê o financiamento de até 80% dos projetos culturais
apresentados por pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas. O segundo instrumento
é uma forma encontrada pelo governo federal para a participação do setor privado no
segmento cultural, que pode financiar projetos da área previamente aprovados, permitindo
a pessoas físicas e jurídicas a aplicação de parcelas de seu imposto de renda em projetos
culturais, por meio de doações ou patrocínio.
Foi somente em 1992 que a cultura passou a ter definitivamente um ministério
próprio, com a função de elaborar políticas em nível nacional voltadas exclusivamente para
esta área, através do Ministério da Cultura (MinC).
Segundo dados liberados pelo MinC, do período de 1996 a 2011 foram
apresentados 93.786 projetos no total, sendo destes 75.112 aprovados e 32.206 captados,
via Pronac, conforme Tabelas 1 e 2. Em termos monetários, estes projetos correspondem a
RS 68.494.584,00 apresentados, R$ 40.616.707,00 aprovados, porém somente R$
9.683.035,00 foram efetivamente captados (ou seja, 14,14% do total), que representam, em
valores, um percentual pequeno e um valor ainda mais ínfimo perto da grandiosidade do
segmento cultural no País. (2012).
Um dado que chama a atenção, refere-se ao valor captado no ano de 1996, que
representou 7,71% do total dos projetos aprovados e em 2001 passou para 33,74%, com
grandes oscilações, até que em 2011 chegou ao percentual de 23,88%.
12
Valores Apre- Valores Valores Captados RELAÇÃO
Anos
sentados (R$) (A) Aprovados (R$) (R$) (C) (B/A) (C/A) (C/B)
1996 1.469.385 1.448.785 111.703 98,60% 7,60% 7,71%
1997 2.297.178 1.415.889 207.949 61,64% 9,05% 14,69%
1998 2.350.041 1.311.324 232.573 55,80% 9,90% 17,74%
1999 2.517.674 1.271.365 211.371 50,50% 8,40% 16,63%
2000 2.098.443 1.120.333 290.014 53,39% 13,82% 25,89%
2001 2.517.893 1.090.856 368.051 43,32% 14,62% 33,74%
2002 3.309.665 1.921.881 344.632 58,07% 10,41% 17,93%
2003 3.399.850 1.928.728 430.844 56,73% 12,67% 22,34%
2004 4.328.016 2.389.156 511.748 55,20% 11,82% 21,42%
2005 6.537.030 3.070.393 725.571 46,97% 11,10% 23,63%
2006 5.543.923 3.300.679 852.983 59,54% 15,39% 25,84%
2007 6.849.462 3.044.650 989.410 44,45% 14,45% 32,50%
2008 7.338.509 3.962.729 960.376 54,00% 13,09% 24,24%
2009 4.814.806 2.824.756 979.865 58,67% 20,35% 34,69%
2010 6.497.837 5.054.508 1.162.089 77,79% 17,88% 22,99%
2011 6.624.872 5.460.675 1.303.856 82,43% 19,68% 23,88%
TOTAL 68.494.584 40.616.707 9.683.035 59,30% 14,14% 23,84%
Fonte: Selic – MinC-Pronac. Adaptado.
Música
Gráfico 2- Projetos captados por área cultural – PRONAC – Total do período 2009-2011
Música
9%
8% 25%
Artes Cênicas
16%
9% 22%
11% Patrimônio
Cultural
Outro dado apresentado pelo Ministério da Cultura para o mesmo período de 2009
a 2011 refere-se à quantidade de projetos apresentados, bem como aos valores captados por
10
O relatório “Mecanismo de Incentivo” foi elaborado pela Diretoria de Desenvolvimento e Avaliação de
Mecanismos e Financiamentos – DDAMF, da Secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura – SEFIC, do
Ministério da Cultura, no ano de 2012. Está disponível no site do Ministério da Cultura.
13
estado da federação, cujas tabelas nos permitem inferir sobre o comportamento do setor
cultural no Brasil, seu grau de concentração e o percentual de distribuição dos recursos
financeiros disponíveis.
Tabela 3- Quantidade e valor dos projetos apresentados para o mecanismo de incentivo
(Participação das unidades da federação em relação à região) – 2009-2011
14
dos anos analisados. Nesta região merece destaque o estado da Bahia, que sozinho
apresentou 43,34% dos projetos da região, seguida por Pernambuco que apresentou em
média 24,23% dos projetos. Porém, quando se passa a analisar os valores efetivamente
captados, a posição destes estados se inverte, ficando Pernambuco com a primeira posição
(32,17%), seguido da Bahia (26,67%).
Percebe-se que a região que mais capta recursos para o setor da cultura no Brasil é a
Sudeste, onde os estados de São Paulo e Rio de Janeiro obtêm as maiores somas, refletindo
o seu grau de importância no contexto nacional e a consequente determinação da região
como eixo da manifestação cultural do País, para onde convergem os maiores incentivos,
as principais políticas e as práticas culturais, ditando assim princípios e regras que passam
a ser seguidas pelos demais estados da federação.
A região Nordeste ocupa a terceira posição dentre as regiões nacionais, com índices
que não ultrapassam 6,70% dos valores totais captados. As demais regiões – Centro-Oeste
e Norte – vêm a seguir, nesta ordem, respectivamente.
Gráfico 3: Valores captados para o mecanismo de incentivo por Região – Período de 2009-
2011 (em %)
100,000%
50,000%
,000%
SUDESTE SUL NORDESTE CENTRO NORTE
OESTE
Nesta região, os estados que mais captaram recursos foram Pernambuco, Bahia e
Ceará. Os demais estados nordestinos não conseguiram atingir juntos 24% dos valores
captados em qualquer dos anos em análise.
Particularmente, o estado da Bahia, somente em 2010 conseguiu superar
Pernambuco em termos de valores captados, ficando atrás nos demais anos, seguido de
perto pelo Ceará.
Gráfico 4: Valores captados para o mecanismo de incentivo por estados do Nordeste – Período
de 2009-2011 (em %)
40,000%
30,000%
20,000%
10,000%
,000%
Pernambuco Bahia Ceará Demais
Estados
15
Embora o Ministério da Cultura tivesse desde o princípio como um de seus eixos
básicos a promoção da descentralização na execução das políticas culturais, além da
promoção da diversidade e do regionalismo cultural, o que se observa na prática é uma
concentração, que persiste nas ações culturais do eixo Rio-São Paulo, além da promoção
de atividades geradoras de maiores lucros, já consolidadas pelo setor.
Outro instrumento de gestão na esfera federal é o Plano Nacional de Cultura –
11
PNC , instituído pela Lei nº 12.343, de 2 de dezembro de 2010, que criou também o
Sistema Nacional de Informações e Indicadores Culturais – SNIIC. Conforme esta
legislação, o PNC deve privilegiar o reconhecimento e promoção da diversidade cultural; a
criação, fruição, difusão, circulação e consumo da cultura; a educação e produção de
conhecimento; a ampliação e qualificação de espaços culturais; o fortalecimento
institucional e articulação federativa; a participação social; o desenvolvimento sustentável
da cultura; os mecanismos de fomento e financiamento para o setor cultural; as políticas
setoriais.
O PNC, quando de sua elaboração, exige uma gestão participativa, onde o cidadão
vê democratizado o acesso à arte, num movimento denominado de Democratização
Cultural.
11 O PNC, que faz parte do Sistema Nacional de Cultura (SNC), é o norteador da política cultural nacional.
Ele estabelece objetivos, diretrizes, ações e metas para dez anos (2010 a 2020), e foi construído com base em
discussões ocorridas nas conferências municipais, estaduais e nacionais de cultura e consolidadas no
Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC). Por isso, o PNC reflete anseios e demandas de todo o país,
com respaldo do poder público e da sociedade civil.
Os planos territoriais de cultura contemplam as necessidades regionais e locais e colaboram para que estados,
municípios e distritos atinjam as metas do PNC. Ao aderir ao SNC, cada um desses entes federados deve
elaborar um documento de planejamento para o período de dez anos. (Ministério da Cultura, 2013, p. 9)
16
fotografia; literatura; folclore; artesanato; museus, bibliotecas e arquivos; patrimônio
cultural, através de demanda espontânea, editais, instituições e projetos culturais.
No ano de 2007 foram desmembradas as áreas de cultura e turismo e, então, foi
criada a Secretaria de Estado da Cultura, com o objetivo de promover a diversidade, o
desenvolvimento, a descentralização, a democratização, o diálogo e a transparência nas
ações que envolvem o segmento da cultura na Bahia. 12
Em Salvador, o planejamento e a execução das políticas culturais estiveram
inicialmente atrelados à área da educação, integrando a Secretaria Municipal da Educação
e Cultura – SEMEC, a qual, posteriormente, juntaram-se as áreas de esporte e lazer,
constituindo a Secretaria Municipal da Educação, Cultura, Esporte e Lazer – SECULT. Em
dezembro de 2012, porém, a área de cultura foi dissociada da educação e passou a unir-se
ao turismo, constituindo assim a Secretaria Municipal de Desenvolvimento, Turismo e
Cultura – SEDES.
As políticas públicas municipais referentes ao setor da cultura, porém, ficaram
sempre a cargo da Fundação Gregório de Matos – FGM, que é uma autarquia, criada em
1986 através da lei municipal nº 3.601, cujos objetivos incluem a organização e promoção
de atividades culturais na Cidade e a preservação e divulgação do patrimônio histórico e
cultural, dentre outros. Em sua operacionalização, mantém alguns equipamentos culturais,
que funcionam como espaços para promoção e divulgação de atividades culturais
(exposições e oficinas) para a população em geral: o Espaço Cultural da Barroquinha –
com uma área para espetáculos de teatro, dança e música; o Museu da Cidade (Centro
Histórico); a Casa Benin (Pelourinho) – espaço dedicado à exposições e oficinas artísticas;
o Arquivo Histórico Municipal (Centro); o Teatro Gregório de Matos (Centro); a Galeria
da Cidade (Centro); a Biblioteca Pública Municipal Prof. Edgard Santos (na Ribeira); a
Biblioteca Pública Municipal Denise Tavares (Liberdade); a Biblioteca do Arquivo
Municipal (Centro).
A Fundação desenvolve na Cidade algumas atividades de mostra de cinema, teatro
e música, em áreas populares ao longo do ano, ao ar livre, de fácil acesso à população dos
vários bairros do município – alguns a preços populares e outros gratuitos. Tais atividades
buscam proporcionar a formação e informação cultural dos munícipes.
A FGM conta ainda com o Projeto “Arte em Toda Parte”, que busca financiar
projetos nas áreas de linguagens artísticas (artes visuais, audiovisual, circo, dança, teatro,
música e literatura), culturas populares e identitárias e festivais e mostras de arte e cultura.
No ano de 2005 foi sancionada a lei municipal nº 6.800 que estabeleceu a
concessão de incentivos fiscais, com a redução do Imposto sobre Serviços de Qualquer
Natureza (ISS) e Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) para o
financiamento de projetos na área cultural, no âmbito do município de Salvador. Tal lei
vigorou até o final do exercício de 2011, sem que fosse renovada.
No mesmo ano foi promulgada a lei municipal nº 6.914, que criou o Fundo
Municipal de Cultura – vinculado à Fundação Gregório de Matos, para prestar apoio a
projetos artísticos e culturais. Em 2007, através da lei nº 7.315 foi criado o Conselho
Municipal de Cultura, constituído por comissões temáticas nas áreas de artes cênicas
(teatro, dança e artes circenses); música; artes visuais e audiovisuais; livro e literatura;
patrimônio histórico e cultural; cultura negra e indígena e patrimônio imaterial; eventos de
rua; educação, ciência e tecnologia.
Para o período de 2010-2013, a Prefeitura de Salvador adotou como estratégia de
planejamento o Plano Plurianual - PPA, que segue uma determinação federal, onde se
encontra delimitado o modelo de gerenciamento e execução a ser seguido em toda a
12
Governo do Estado da Bahia (2013).
17
cidade, buscando o seu desenvolvimento sustentável, conforme lei municipal nº
7.729/2009.
A gestão municipal iniciada em 2012, tendo à frente o prefeito Antônio Carlos
Magalhães Neto, propôs à sociedade o Plano Estratégico elaborado para o período de
2013-2016. Algumas linhas de ação foram propostas, com metas e iniciativas, em dez
áreas, como: educação, saúde, justiça social, ambiente de negócios, turismo e cultura,
mobilidade, ambiente urbano, ordem pública, gestão para entrega e equilíbrio de contas.
Na área específica de cultura, três pontos marcam o planejamento da cidade:
projetos de requalificação e reformas estruturais em equipamentos culturais, relançamento
do Projeto Boca de Brasa e o lançamento do edital Arte em toda a parte. (SALVADOR,
2013, p. 11)
O Projeto Boca de Brasa, relançado em 2013, oferta cursos e oficinas nas áreas de
produção cultural, direção artística e gestão de grupos, criação musical, grafite, dança de
rua e criação literária, levando aos bairros periféricos da cidade oficinas e apresentações,
aproximando população, arte e artista, em palcos abertos. O Arte em toda Parte refere-se a
um edital de apoio às atividades de arte e cultura e realização de ações de fomento à
cultura nos segmentos da dança, teatro, literatura, artes visuais, cinema e vídeo, circo e
música e culturas populares e identitárias.
No início do exercício de 2014 foi implantado o Sistema Municipal de Cultura de
Salvador (SMC), através da Lei Municipal nº 8.551, datada de 28/01/2014, com o objetivo
de assegurar e fortalecer os processos de criação, produção, pesquisa, difusão e
preservação das manifestações culturais, bem como dos espaços a elas destinados,
estabelecer parcerias público-privadas e agendas de ações nas áreas culturais. Para tal,
utilizará como instrumentos o Plano Municipal de Cultural, sistema de indicadores e
informações, programas de financiamento, programas de formação e qualificação, dentre
outros. As instâncias para sua articulação na cidade serão o Conselho Municipal de Política
Cultural e a Conferência Municipal de Cultura.
Ao finalizar este assunto, sem entretanto pretender esgotá-lo, é preciso ressaltar que
toda política pública só consegue alcançar seus objetivos se estiver diretamente atrelada ao
conceito de território, cuja identidade está intimamente ligada à noção de história, espaço,
tempo, recursos naturais e povo. As políticas públicas – de modo geral – devem
necessariamente passar pelo contexto social. Devem respeitar a territorialidade, com suas
limitações e imposições, com suas vantagens naturais e as vantagens adquiridas ao longo
de seu processo de formação, e com sua gente, aquela que nasceu, cresceu e se estabilizou
na localidade, mas também com aqueles que ali se fixaram, com suas origens, suas
histórias, suas tradições e culturas, e com o passar do tempo receberam influências e
influenciaram todo o contexto social.
Santos (2007), ao descrever sobre a formulação de práticas políticas, fala sobre a
necessidade de políticas mais igualitárias e justas, capazes de promover o humano em seu
território.
[...] Nosso problema teórico e prático é o de reconstruir o espaço para
que não seja veículo de desigualdades sociais e ao mesmo tempo reconstruir a
sociedade para que não se crie ou preserve desigualdades sociais [...] reestruturar
a sociedade e dar uma outra função aos objetos geográficos concebidos com um
fim capitalista (SANTOS, 2007, p. 81-82)
18
relação de proximidade entre os indivíduos e o poder aí constituído, fornecendo as
condições necessárias para que esses povos, ao mesmo tempo em que possam expressar
seus hábitos culturais, o coloquem à disposição da sociedade, gerando bem-estar, ocupação
e renda para toda a comunidade.
Partindo do entendimento de que a economia da cultura busca estudar os produtos
da criação simbólica e os instrumentos com os quais essa cultura adquire valor e se
mercantiliza e que os bens e serviços culturais tem em comum um componente da cultura e
da criatividade, foi possível perceber que estes bens, quando transformados em mercadoria,
passam a ter um valor diferenciado, a partir de seus componentes simbólicos, sob o status
de bens econômicos tradicionais, inseridos no processo de produção, reprodução,
circulação e distribuição e, por isso mesmo, são importantes instrumentos na geração de
ocupação, emprego, renda e bem-estar social.
As atividades culturais são bastante heterogêneas e envolvem diferentes práticas,
modalidades de organização produtiva, empresarial e tecnológica, assim como as
operações de produção e circulação. São alguns segmentos do setor a música, dança,
literatura, artesanato, pintura, tradições populares, culinária, religião, moda, linguagem,
numa relação que não se exaure aqui.
Uma vez que o espaço cultural é composto necessariamente pela tríade Homem x
Tempo x Território, para trabalhar as potencialidades que o setor fornece é necessário
observá-lo através de suas peculiaridades, direcionando-se para a localidade, suas
especificidades e limitações.
Depois da década de 90, o que se verifica é o crescimento do setor cultural, a
multiplicação de oportunidade na área, a institucionalização da cultura no País e a
profissionalização dos agentes culturais. Com isso, o setor cultural ganha importância no
debate econômico, sendo concebida como um importante recurso, capaz de contribuir para
o desenvolvimento socioeconômico de determinada região, e instrumento de construção e
autoafirmação do cidadão na sociedade em que habita, fornecendo imensas possibilidades,
principalmente em termos de empregabilidade e rentabilidade.
Para que a produção cultural seja capaz de contribuir de forma decisiva para o
desenvolvimento das nações é preciso que sejam adotadas políticas públicas sérias e
direcionadas, capazes de articulação e diálogo com os demais setores públicos e privados.
Há alguns mecanismos de financiamento para o setor cultural, como a Lei Rouanet
– a nível nacional – e o Fazcultura – do estado da Bahia, que oferecem incentivos fiscais
com base em isenções ou deduções tributárias, a empresas privadas e pessoas físicas. Além
destes, os Fundos Federal, Estadual e Municipal de Cultura também financiam projetos de
diversas áreas culturais em seus âmbitos de atuação.
Porém, estas políticas e programas de governo, para serem eficazes em suas
proposições, devem observar a constituição e práticas da população a nível regional e
local, bem como a possibilidade de desenvolvimento de seu saber-fazer, de acordo com o
território específico em que deverá ser implantada.
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21
1
1
Este texto é uma síntese atualizada e acrescida de novos conteúdos de obra anterior do autor
intitulada A trilha perdida: caminhos e descaminhos do desenvolvimento baiano no século XX.
2
Economista. Doutor em Geografia pela Universidade de Barcelona (Es). Professor Titular V da
Universidade Salvador. Curso de Ciências – Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento
Regional e Urbano – PPDRU. E-mail: dantasle@uol.com.br
2
desenvolvimento econômico, tal qual vem sendo praticado pelos grandes países que
lideraram a revolução industrial pode ser universalizado.” (1974, p.16). Ou seja,
pretendia-se especificamente que os padrões de consumo da minoria da
humanidade que vive no primeiro mundo fossem accessíveis às grandes massas
que sobrevivem no terceiro mundo. Esta ideia, segundo Furtado, era “seguramente
uma prolongação do mito do progresso, elemento essencial na ideologia diretora da
revolução burguesa, dentro da qual se criou a atual sociedade industrial.” (Ibid.16).
Também Paul Baran, no final da década de 1950, e no auge da Guerra Fria,
com a expectativa da vitória do socialismo na então União Soviética, dizia que:
(...), o desenvolvimento econômico sempre significou uma profunda
transformação da estrutura econômica, social e política, da
organização dominante da produção, da distribuição e do consumo.
O desenvolvimento econômico sempre foi impulsionado por classes
e grupos interessados em uma nova ordem econômica e social,
sempre encontrou a oposição e a obstrução dos interessados na
preservação do “status quo”, dos que usufruem benefícios e hábitos
de pensamento do complexo social existente, das instituições e
costumes prevalecentes. O desenvolvimento econômico sempre foi
marcado por choque mais ou menos violentos; efetuou-se por ondas,
sofreu retrocessos e ganhou terreno novo – nunca foi um processo
suave e harmonioso se desdobrando, placidamente ao longo do
tempo e do espaço (BARAN 1960, p.14).
de troca desigual que explica não podermos todos ter domínio sobre produtos e
serviços que incorporam o tempo e o esforço de mais de uma pessoa de eficiência
média.
Assim o uso ou o gozo da riqueza oligárquica pressupõe a eliminação de
outros. O que cada um de nós pode realizar, não é possível para todos.
Segundo Arrighi (1997, p. 217) ao transpormos este raciocínio para a análise
dos sistemas mundiais (e regionais) numa economia capitalista encontramos um
problema de “adição” semelhante e muito mais sério do que aquele que enfrentam
os indivíduos quando buscam obter riqueza pessoal. “As oportunidades de avanço
econômico, tal como se apresentam serialmente para um Estado de cada vez, não
constituem oportunidades equivalentes de avanço econômico para todos os
Estados” (ARRIGHI, 1997, p.217).
Como afirma Wallerstein (1988), “desenvolvimento neste sentido é uma
ilusão” Ou seja: a riqueza dos estados do núcleo orgânico (o chamado Primeiro
Mundo em termos globais, a região Sudeste no caso brasileiro) é análoga à riqueza
oligárquica de Harrod. Esta riqueza não pode ser generalizada porque se
fundamenta em processos de exploração e de exclusão que pressupõem a
reprodução contínua da pobreza da maioria da população num contexto regional.
Por outro lado, como demonstra Santos (1979) ao tratar dos circuitos superior
e inferior que constituem os espaços urbanos nas regiões subdesenvolvidas, a
pobreza absoluta ou relativa dos estados semiperiféricos (Brasil Sudeste em relação
ao primeiro mundo) e periféricos (Brasil Nordeste em relação ao Brasil Sudeste)
induz continuamente suas elites a participar da divisão internacional do trabalho por
recompensas marginais que deixam o grosso dos benefícios para os integrantes dos
estados do núcleo orgânico. Arrighi (1997) afirma que a luta contra a exclusão leva à
busca de um nicho comparativamente seguro na divisão internacional do trabalho o
que induz os estados semiperiféricos a uma maior especialização em atividades
onde possa obter algum tipo de vantagem competitiva o que leva a uma relação de
trocas desigual (deterioração dos termos de intercâmbio) na qual o estado
semiperiférico fornece mercadorias que incorporam mão-de-obra mal remunerada
para os estados do núcleo orgânico em troca de mercadorias que incorporam mão
de obra bem remunerada e a uma exclusão mais completa dos estados periféricos
das atividades nas quais o estado semiperiférico busca maior especialização.
4
Na luta pela reversão deste estado de coisas, que mobilizou o que tinha de
melhor a inteligência econômica baiana nas décadas de 1950/1960, Manoel Pinto de
Aguiar, já dizia em 1972, que “aqueles Estados que conseguiram, à força de labuta e
esforço, uma taxa de crescimento maior que a nossa lutarão certamente para
conservá-la. E se a nossa subordinação econômica for um elemento importante para
isto, tentarão mantê-la”.
Como, de fato, mantiveram. E a Bahia está hoje na periferia da semiperiferia
da economia mundo.
Isto se constata no estudo da sua história, entremeada por ciclos de
expansão e contração quando a Bahia apresenta nos albores do Século XXI um
quadro de relativa prosperidade. Mas, não esqueçamos que o crescimento
econômico é multiplicação, é acumulação de riqueza nas mãos de poucos.
O grau de crescimento econômico do estado expresso pelos números de um
Produto Interno Bruto (PIB) totalizava 145 bilhões de reais em 2010 3. Segundo o
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ocupava a Bahia àquela época,
em termos absolutos de importância econômica no Brasil a 6ª posição entre as
demais unidades da federação sendo a 1ª. em termos da região Nordeste. Não
obstante, apesar desta posição, naquele mesmo ano, com uma população de 14
milhões de habitantes dos quais 1/3 na área rural 4 era apontada pelo Ministério do
Desenvolvimento Social e Combate à Fome como o estado com a maior
concentração de pessoas em situação de extrema pobreza. Segundo também as
informações da Secretaria Estadual de Promoção da Igualdade Racial – SEPROMI
em 2010 a Bahia possuía 2.407.990 habitantes extremamente pobres, o que
significava 14,8% da população do país e 25,1% da região Nordeste. Com o maior
número absoluto de extremamente pobres, em termos relativos ocupava a 8ª
posição no ranking da miséria. Este número de extremamente pobres da Bahia
superava em mais de quatro vezes o registrado em toda região Centro-Oeste; três
vezes o registrado em toda região Sul. Quanto ao gênero 50,4% eram do sexo
feminino. Eram negros ou pardos 79,5%. O estado ocupava a 19ª posição na renda
per capita entre os 27 estados brasileiros.
3
Estimado pela Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI)
4
A taxa de urbanização da Bahia, segundo os dados do IBGE varia de 72% considerando os municípios como
um todo e 67% computando apenas as sedes municipais. Existem controvérsias entre os demógrafos quanto
aos critérios adotados pelo IBGE para a determinação das taxas de urbanização.
5
Esta é a realidade sobre a qual trabalhamos, somos ricos, mas somos pobres
e tudo indica que frente à concorrência das outras regiões do País a tendência é que
fiquemos nacionalmente e em termos relativos cada vez mais pobres, conforme
mostram os dados mais recentes do PIB (IBGE/2013) que nos rebaixou para a 8ª.
posição no ranking nacional.
Não existe um único fator a quem acusar como sendo o vilão responsável
pelo nosso atraso. São vários já identificados por diversos estudiosos em diferentes
análises históricas revisitadas neste trabalho onde se busca confirma-las como
hipóteses que explicam como o atraso econômico da Bahia foi consequência de
uma trama de circunstâncias que ao longo do tempo produziram a situação atual.
Entre as mais importantes pode-se relacionar os problemas políticos, sociais e
econômicos vivenciados pela nação portuguesa, nossa matriz colonizadora, desde a
sua fundação e o mercantilismo europeu dos séculos XV ao XVIII; a escravidão e o
modelo de exploração agroexportador; a incompetência administrativa, o padrão de
vida perdulário e a corrupção que caracterizaram a elite brasileira e baiana; a má
condução política do Estado durante a Primeira República; as secas e demais
condições edafoclimáticas adversas; e a política macroeconômica do governo
federal, ao longo do século XX. Essas circunstâncias confluíram para formar a má
qualidade do nosso capital humano, em última instância o nosso maior problema.
O exame destes fatores será realizado nos tópicos seguintes deste texto que
buscam numa sequência cronológica analisa-los.
5
O patrimonialismo é o sistema onde o soberano é o Estado; um exemplo está na frase de Luis XIV:
“o Estado sou eu”. Não há bens públicos. Tampouco, particulares. Todos os bens são do soberano,
do Estado. Esse poder funda-se, em regra, no Direito Divino: o governante é uma divindade ou
representante maior dela. Assim, sua vontade é a lei, sendo inquestionável, irremediável. Governa
despoticamente. Tudo é sua propriedade, inclusive os seus súditos; sobre esses, tem poder de vida e
morte. Não existe a coisa pública.
7
6
Camadas sociais não econômicas. Nas palavras de Faoro (1984): "O estamento burocrático comanda o ramo
civil e militar da administração e, dessa base, com aparelhamento próprio, invade e dirige a esfera econômica,
política e financeira. No campo econômico, as medidas postas em prática, que ultrapassam a regulamentação
formal da ideologia liberal, alcançam desde as prescrições financeiras e monetárias até a gestão direta das
empresas, passando pelo regime das concessões estatais e das ordenações sobre o trabalho. Atuar
diretamente ou mediante incentivos serão técnicas desenvolvidas dentro de um só escopo. Nas suas relações
com a sociedade, o estamento diretor provê acerca das oportunidades de ascensão política, ora dispensando
prestígio, ora reprimindo transtornos sediciosos, que buscam romper o esquema de controle".
8
7
Formado Bacharel em Direito pela Universidade de Coimbra, Desembargador da Casa de Suplicação em
Lisboa, Deputado às Cortes Constituintes em 1821.
9
8
Em verdade foram quatro as cartas respondendo às questões formuladas pelo governador. Além do
desembargador João Rodrigues de Brito, redigiram-nas Manoel Ferreira Câmara; José Diogo Gomes Ferrão
Castelo Branco e Joaquim Ignácio de Sequeira Bulcão. Ver FIEB(2004).
10
consequências contra a lavoura; porque o lavrador não fez nascer aqueles frutos
senão pela esperança, de próprio interesse: é lei universal da natureza, que se não
pode violar impunemente.”
Em síntese a colônia reproduzia o modelo da metrópole. Todas as atividades
estavam reguladas pelo Estado, ou pela Igreja. E neste sistema medrava uma
imensa corrupção, subornos, troca de favores, nepotismo e clientelismo. Desde o
Século XVI o poeta Gregório de Mattos assim descrevia a cidade da Bahia: A cada
canto um grande conselheiro/ que nos quer governar cabana, e vinha/ não sabem
governar sua cozinha/e podem governar o mundo inteiro.... Estupendas usuras nos
mercados/ todos, os que não furtam, muito pobres/ e eis aqui a cidade da Bahia.
9
Alvará ditado pelos ingleses, temerosos com a concorrência de várias fábricas de tecido que começavam a
surgir na Bahia e no Brasil.
12
11
Fortunas estas que se aqui ficassem poderiam contribuir para o processo de acumulação de capital.
15
13
Em todo o texto optou-se pela manutenção da ortografia original das fontes transcritas.
18
Antonil, em seu Diálogo das Grandezas do Brasil (1618) dizia que um senhor
de engenho precisava gastar muito, pois havia de ter "50 peças de escravos de
serviço bons, 15 ou 20 juntas de bois com seus carros aparelhados, cobres
bastantes e bem consertados, oficiais bons, muita lenha, fornaria, grande quantidade
de dinheiro, além de serem muito liberais em darem a particulares dádivas de muita
19
exemplo, afirmava que dois fatores contribuíram para essa decadência. O primeiro,
refere-se à evasão da mão-de-obra escrava como decorrência da atração exercida
pela mineração do ouro a partir do século XVIII e o segundo, está associado com a
elevação dos custos de produção. Destaca também a competição internacional,
demonstrando que, já no final do século XVIII, o Brasil havia sido reduzido a pouco
mais de 10% do mercado mundial de açúcar.
Evidentemente, o fumo não teve o mesmo peso do açúcar no valor das
exportações baianas no século XIX, mantendo, porém, uma produção mais regular,
a despeito de também estar sujeito às variações climáticas. Em alguns anos, ele
assumiu a liderança nas exportações baianas. Moeda de troca no tráfico negreiro o
fumo foi responsável pelo intenso comércio entre a Bahia e o Golfo de Angola e de
Benguela.
A exemplo das demais culturas agrícolas baianas do século XIX, a do fumo foi
dominada pelo capital mercantil, representado hegemonicamente por firmas alemãs.
Isto significa que o excedente gerado por essa atividade foi apropriado por essas
firmas e não revertido em inversões nas zonas de produção.
O café, introduzido na Bahia na metade do século XIX, não produziu, nesta
província, os mesmos efeitos de transformação gerados em São Paulo. Segundo a
CPE (BAHIA – CPE 1978, p.159), a cafeicultura baiana não conseguiu dar o “salto
capitalista” derivado do desenvolvimento do capitalismo em termos internacionais
por ter se mantido sob o regime de trabalho escravista e de um campesinato ou
parcerias precariamente vinculados ao circuito de trocas.
A produção do cacau, na Bahia, somente vai assumir grande significação no
século XX. O seu cultivo, porém, responde por intensos movimentos migratórios e
pela ocupação da região Sul da província. Em termos econômicos, sua exploração
segue o mesmo padrão ditado pelo capitalismo mercantil que marcou o processo
espoliação da Bahia ao longo do século analisado. Em outras palavras, os
excedentes gerados pela cultura do cacau nunca retornaram sob a forma de
inversões na região cacaueira ou em outras regiões da província.
Merecem registro ainda no setor primário da economia baiana a produção de
algodão e a pecuária.
A produção do algodão no Brasil, e consequentemente na Bahia, sempre
dependeu de fatores externos. Ou seja, das flutuações dos preços internacionais do
22
produção manufatureira e fabril era absorvida por outras províncias, como o fumo e
os tecidos. Em 1875, exportava-se a terça parte dos tecidos aqui produzidos para
outras províncias, exportação essa que decorria basicamente da privilegiada posição
da Bahia como importante entreposto comercial.
A maior parcela da mão-de-obra empregada era livre, porém, em 1872, cerca
de 15% ainda eram escravos, existindo estabelecimentos, até à década de 1860,
nos quais predominava o trabalho escravo Esse tipo de relação de trabalho deveria
prevalecer também nos engenhos. Quando, porém, foram criadas as fábricas
centrais de açúcar, nelas passou a preponderar o trabalho assalariado e, de um
modo geral, o trabalho livre foi-se generalizando.
O grande comércio de exportação era o responsável pelos capitais aplicados
no setor industrial. A existência de matéria-prima local possibilitava ao comerciante –
que agia como financiador – o controle da produção agrícola, sua transformação e
comercialização. O caso mais evidente é o do fumo. Quanto aos tecidos, a matéria-
prima era oriunda principalmente das províncias vizinhas, e esse setor se constituía
no mais importante depois da agroindústria açucareira. Até 1875, a Bahia foi o maior
centro têxtil do Brasil, mas sua perda de posição, daí por diante, seria constante e
irreversível. Persistiria, para além do século XIX, na Bahia, um tipo de economia
mercantil originária da colônia, enquanto, no Sudeste do Brasil, deslanchou, mesmo
que tardiamente o processo de desenvolvimento capitalista calcado no modelo
europeu ocidental pós-revolução industrial (CPE,1978 p.267).
Spinola (2014) informa que a Bahia encerrou o século XIX com um déficit
acumulado de US$ 372.153,99 milhões na sua balança comercial. Somente
apresentou superávit em sua balança comercial em dez anos no período de 1839 a
1899. Esse déficit que prevaleceu na balança comercial baiana ao longo do século
gerava uma carência de poupança interna necessária para a formação de capital
fixo e, consequentemente, o deslanche de um processo de acumulação que
propiciasse o crescimento real das atividades econômicas
No plano da política tributária praticada no século XIX, o estabelecimento das
tarifas baseou-se preponderantemente na taxação dos produtos importados. Com o
controle político do governo pelos grandes proprietários de terras, lançava-se sobre
o conjunto da população o ônus pela sustentação da máquina pública, como
assinalam Furtado (1959) e Sampaio, J. (1975). Em 1844, com a expiração dos
25
15
O empréstimo foi obtido junto ao Sindicat Brésilien de Paris, no valor de 22,5 milhões de francos que,
convertidos, importavam em 6.317.947$445. Este empréstimo na verdade serviu para o pagamento de dívidas
internas do governo com o sistema financeiro nacional (entre eles o Banco da Bahia), sobrando líquido para a
caixa do tesouro menos de 1% (CPE, 1978 v. 3, p. 71).
26
16
Não foram citados outros vultos mais recentes como Juracy Magalhães, Simões Filho, e Antonio
Carlos Magalhães que no governo ou fora dele marcaram sua época.
29
numa transferência de renda da região mais pobre do país para a mais rica...No
período de 1948 / 1960 foram transferidos mais de US$ 413 milhões de capital...O
sistema cambial representou uma carga adicional para a economia baiana.” Mesmo
que sendo perdulários e sem talento para investir esta oportunidade nos foi negada.
O segundo período do processo de industrialização da Bahia pode ser
situado entre o final da década de 60 e o início dos anos 80, quando o Estado
experimentou um notável ritmo de crescimento econômico, com as taxas anuais
médias de incremento do PIB superiores a 7% a.a., atingindo 11,3%, em 1978, e
11,1% em 1980. Nesse período, quatro fatores influenciaram o desenvolvimento
industrial, a saber: i) o impacto inicial de uma política de industrialização,
fundamentada na construção dos distritos industriais do Interior, do CIA e Copec na
RMS, combinada com a atração de investimentos mediante a oferta de
externalidades nestes distritos industriais; ii) o ingresso de substanciais
transferências de recursos federais, através do BNDE, da Secretaria de
Planejamento da Presidência da República (a fundo perdido) e do Sistema
Financeiro de Habitação, o que ativou o mercado regional baiano, dada a realização
de um impressionante conjunto de obras de infra-estrutura física e urbano-social, de
conjuntos habitacionais e da montagem industrial, notadamente no CIA / Copec, que
expandiram consideravelmente a criação de empregos; iii) a disponibilização de
financiamento público preferencial, através do sistema de incentivos fiscais federal e
estadual, que promoveu uma transferência considerável de empresas da região
Sudeste para a Bahia, mesmo que revertida quando do esgotamento do prazo dos
benefícios concedidos; iv) a integração dos projetos baianos com os do governo
federal, notadamente no que se refere à petroquímica.
Nesta época consolidou-se o plano rodoviário federal para o Nordeste, com a
pavimentação da BR-116 (Rio–Bahia) e BR-101 (Litorânea). Essas rodovias
viabilizaram o modelo econômico regional em construção, assegurando as
condições para o escoamento dos intermediários fabricados na Bahia em direção ao
Sudeste, e o abastecimento, por este, do Nordeste, com os produtos de consumo
final oriundos do seu moderno parque de indústrias. Entretanto, a construção do
complexo rodoviário estadual, que possibilitaria a articulação das diversas regiões
33
17
Essa lacuna no plano rodoviário estadual, que persiste até os dias atuais, implica numa séria ameaça
territorial para a Bahia, que vê a possibilidade de parte considerável do oeste baiano ser polarizado pelo eixo
ferroviário programado pela Ferronorte que ligará o Porto do Itaqui no Maranhão ao Planalto Central
18
Posteriormente, em 1996, a Rede Ferroviária Federal – Leste Brasileiro, 7ª Região, que atendia ao Estado da
Bahia, Sergipe e Minas Gerais, com 1.905 km de linhas, foi privatizada. Atualmente o sistema está inoperante e
completamente sucateado (SPINOLA, 2005).
34
6. Padrasto cruel
20
A propósito ver Spinola (2003, p.285 e seguintes).
38
abandonando-se o interior a sua própria sorte e, por fim, Arthur Bernardes (1922-
1926), com a intervenção federal na Bahia, movido pela sua inimizade com J. J.
Seabra. Em segundo lugar, isto se confirma pela exclusão da Bahia, dos benefícios
modernizadores da Revolução de 30 pois Getúlio Vargas, buscando modernizar o
estado e acabar com a força do “coronelismo”, marginalizou toda a “brigona”
oligarquia baiana, nomeando para seu lugar novas figuras como Juracy Magalhães
um novo coronel vindo do Ceará. Clemente Mariani banqueiro e legitimo
representante da agricultura baiana, chama a Revolução de 30 de madastra
notadamente pela adoção de uma política cambial desfavorável ao estado. Mariani
deteve-se também no exame da política econômico-financeira oficial do pós-guerra,
concluindo que o monopólio do câmbio, iniciado com a Revolução de 30 e mantido
sob formas diversas, representou uma perfeita espoliação dos recursos da Bahia,
em benefício do governo federal que, desse modo, obteve as divisas baratas, para
atender às suas necessidades administrativas, ou mesmo à sua política econômica,
geralmente traçada com absoluta insensibilidade para com o interesse do estado e
da sua população. Aguiar (1972) também responsabilizava, entre outros fatores que
contribuíam para a estagnação da economia baiana, o desgaste do intercâmbio
comercial interno com a política cambial vigente no país, agravando a tendência
estrutural da deterioração da relação de preços dos produtos exportados para os
outros estados e das mercadorias deles importadas; a escassa capacidade de
poupança, decorrente destas causas e o reduzido estímulo aos investimentos, em
virtude de tais variáveis. Segundo Baer (1996, p. 297) a Bahia e o Nordeste através
deste mecanismo cambial vigente no período de 1948 / 1960 viram transferidos mais
de US$ 413 milhões de capital para o Sudeste.
Quando da elaboração do PLANDEB, único plano de desenvolvimento
elaborado na Bahia, registram-se queixas do tratamento dispensado pelo Governo
Federal: “A Bahia reivindica há muito, investimentos compensatórios pela baixa
remuneração de suas exportações, que a tem privado de capacidade para realizar
investimentos básicos no seu território, a fim de propiciar mais largas possibilidades
de emprego à sua população. Tal reivindicação, que corresponde a inversão de
parte dos saldos dos ágios das exportações baianas, a Bahia está pronta a partilhar
com todo o Nordeste (BAHIA – CPE, 1960). (...) Lamentavelmente, entretanto, a
realização das “metas” no território baiano não tem obedecido ao mesmo ritmo que
39
21
A construção da BR-116 , Rio-Bahia , inserida no programa rodoviário de JK foi um atendimento ás
demandas do parque industrial paulista ansioso para atingir os mercados nordestinos com os
produtos de suas fábricas, muitas dimensionadas com capacidade ociosa dadas as escalas de
produção dimensionadas em função da tecnologia moderna.
41
atraímos muitos predadores que aqui não vêm para fincar raízes, mas para explorar
ao máximo as vantagens atracionais oferecidas, na eterna disputa que marca os
esforços de promoção do crescimento econômico dos estados nordestinos.
Talvez um dos nossos problemas mais sérios consista no nosso
aprisionamento a um paradigma que nos desvia a visão de outras perspectivas a
explorar. Ou seja, há quarenta anos que repetimos a mesma política, ainda traçada
por Rômulo Almeida no Plandeb, quando não trabalhamos em curto prazo num
pragmatismo radical que nos leva a explorar com relativo sucesso, as oportunidades
que se apresentam, como foi recentemente o caso do projeto Ford, de elevada e
penalizante relação custo benefício para as finanças públicas. Mas é fato que estes
sucessos episódicos, associados a uma postura neoliberal, nos fez parar de pensar
a Bahia em longo prazo. Paramos de planejar o nosso futuro. Paramos de discuti-lo.
Nos governos dos liberais, até agora apeados do poder, assumiu-se uma visão
dogmática e maniqueísta de que as ações do estado no campo econômico seriam
improdutivas. Exaltava-se o mercado e a iniciativa privada. Os socialistas atualmente
no poder implantaram um sistema hibrido em que aceitam vários paradigmas
liberais, mas os limitam por um regulacionismo radical. Porém, em qualquer dos
regimes, o que prevalece como um contraponto é o patrimonialismo que nos foi
transmitido pela herança lusitana.
Uma das consequências mais preocupantes desta estrutura é a ausência
de uma política de formação de capital humano. Que, talvez, se formulada de
forma consistente, poderia induzir, em médio prazo, respostas aos desafios
que enfrentamos para promover o desenvolvimento da Bahia em condições
mais justas e duradouras.
Falar em capital humano nos remete obrigatoriamente a questão educacional
onde somos um desastre. Um exemplo clássico é o da taxa de analfabetismo na
Bahia que passou de 14,43% para 15,86% entre 2011 e 2012. O número de baianos
analfabetos cresceu nos últimos dois anos e já atinge 1,712 milhão de pessoas.
Esses dados são resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad)
de 2012, divulgados recentemente pelo IBGE. Mas o governo vem gastando milhões
em propaganda para convencer os baianos de que o seu programa TOPA – Todos
pela Alfabetização, vem acabando com o analfabetismo e já alcançou mais de um
milhão de adultos. Os dados do Pnad desmascaram essa conta do governo.
44
madre./Dizei-me por vida vossa/ Em que fundais o ditame/De exaltar os que aqui
vêm,/E abater os que aqui nascem?
E perguntam qual o futuro que se pode antever para a Bahia ?
Sem mudar este quadro escabroso – e note-se que foi descrito de forma
muito gentil – não muda nada! A Bahia continuará onde está, em marcha a ré, cada
vez mais com uma população assalariada que ganha até dois salários mínimos e
que se dá por feliz com o pão do bolsa família e o circo do carnaval. Ficará, como
ficou no passado a sua hoje rica região Oeste na dependência de um efeito spillover
o qual segundo a teoria de integração neofuncionalista, explica que um dos efeitos
da integração de determinada função gera a integração de outras funções numa
reação em cadeia e por meio de um efeito de transbordamento que levaria à
intensificação dos processos de integração em curso (HAAS, 1970). Ou seja, com o
passar do tempo o estado acabará se beneficiando do progresso dos seus vizinhos
do Sul e Sudeste e do Nordeste (Pernambuco e Ceará) com a migração de mão de
obra qualificada e dos empreendedores que não temos aqui. Numa provável
saturação dos seus mercados de trabalho muita gente começará a identificar aqui na
Bahia grandes oportunidades não aproveitadas ou mal aproveitadas pelos nativos
que não oferecerão qualquer resistência. Este foi o fenômeno que assistimos no
cerrado (Barreiras, Luiz Eduardo) e que começamos a assistir em Salvador como
efeito colateral do CIA/Copec a partir dos anos 1970, notadamente na área de
serviços e na educação superior.
E mudar internamente não é fácil posto que exigiria um Pacto Social que
envolvesse as lideranças políticas, empresariais, acadêmicas e comunitárias.
Este pacto social implicaria num gigantesco e solidário esforço, liderado pelo
governo do estado. Deveria concentrar-se na promoção de investimentos no
capital humano e social da Bahia. Seria necessário uma reforma administrativa do
estado que enxugasse a sua máquina e estabelecesse carreiras profissionais de
servidores públicos; implantação de sistemas de incentivo e valorização do mérito e
da produtividade; treinamento e reciclagem do funcionalismo – notadamente do
pessoal da área educacional, de saúde e de segurança pública. Reforma radical do
ensino fundamental – a exemplo do que ocorreu no governo Serra em São Paulo,
eliminando-se a politiquice crônica incrustada nesta área e estabelecendo padrões
de eficácia e qualidade no ensino. Reestruturação da área de planejamento e de
49
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dos países subdesenvolvidos. Rio de Janeiro: F.Alves,1979.
52
RESUMO
Trata-se aqui de uma breve análise das atividades relacionadas com a extração de minerais ditos
preciosos com destaque para o ouro e as gemas, tomando como espaço de referência física o território
brasileiro e especificamente o baiano, considerando o período compreendido entre os séculos XVI e
XX. Busca-se comprovar a hipótese de que esta mineração traz em si embutida uma espécie de trade-
off posto que, a despeito da fortuna que produz, não compensa aos seus produtores primários e a
economia das suas respectivas regiões que são exploradas e espoliadas. Trabalhou-se com uma
metodologia dedutiva, utilizando-se a análise documental e a pesquisa bibliográfica o que resultou na
confirmação da hipótese aqui assinalada.
Palavras chave: Mineração. Ouro. Pedras preciosas. História Econômica. Brasil. Bahia
ABSTRACT
It is a brief analysis of the activities related to the extraction of precious minerals, especially gold and
precious stones, taking as a physical reference space Brazil and, specifically, Bahia, considering the
period between the sixteenth and twentieth century. The object is to prove the hypothesis that mining
has produced a kind of trade-off since, despite the wealth it produces, does not compensate its primary
producers and the economy of their regions that are exploited and dispossessed. We used a deductive
methodology by analysis of documents and literature that resulted in confirmation of the hypothesis
here marked.
Keywords: Mining. Gold. Precious stones. Mineral economy. Brazil. Bahia
1
O ouro brasileiro deixou buracos no Brasil, templos em
Portugal e fábricas na Inglaterra.
(Eduardo Galeano, 1971)
INTRODUÇÃO
Neste estudo, comenta-se este quadro paradoxal onde, tanto no passado quanto no presente, a
produção de riqueza, representada pelo ouro e pelas pedras preciosas e semipreciosas não determina
resultados favoráveis para as fontes produtoras posto que são vitimados por um processo espoliativo,
próprio do imperialismo, que somente beneficia as nações cujos oligopólios dominam o mercado.
Esta premissa maior é analisada neste estudo mediante a utilização do método dedutivo, que segundo
Santos (2008) derivou do pensamento racionalista de Descartes, Spinoza e Leibniz, que assume ser
apenas a razão quem pode conduzir ao conhecimento verdadeiro. Neste caso assumiu-se como
verdadeira e inquestionável a premissa maior, aqui referida para assim estabelecendo relações com
uma proposição particular (o imperialismo) e, a partir do raciocínio lógico, chegar à verdade daquilo
que se propõe (conclusão). Ou, utilizando as palavras de Galliano (1979, p. 39) “a dedução consiste
em tirar uma verdade particular de uma verdade geral na qual ela está implícita”.
1 Segundo Hobsbawm (1988, p.59) a palavra (imperialismo) não aparece nas obras de Karl Marx e foi introduzida na política da
Inglaterra em 1870. Literariamente surge com o livro de J.A. Hobson intitulado Imperialism: a Study publicado em 1902. Somente
em 1916, Vladimir Ilyich Lenine publica o seu clássico O Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo. O termo bucaneiro é originária
do francês boucanier. Este termo era utilizado pejorativamente pelos espanhóis para denominar os piratas apoiados pela Coroa
Inglesa como Francis Drake e Hawkins que fizeram fortunas com suas pilhagens. A Inglaterra começava, decididamente, a
ameaçar a força armada espanhola. Durante os séculos 17 e 18 a pirataria atingiu o seu ponto máximo e rapidamente a palavra
bucaneiro se tornou comum. (FERNANDES, 2015). A junção dos dois termos expressa uma classificação do fenômeno numa
fase pré-capitalista.
2
Nesta abordagem do caso brasileiro com ênfase no estado da Bahia foram utilizadas técnicas de
pesquisa documental e bibliográfica em fontes primárias e secundárias focadas nas principais áreas
produtoras do país e complementadas por entrevistas semiestruturadas realizadas especificamente
para o setor de gemas e pedras preciosas. No plano documental foram compiladas e consolidadas
informações de inúmeros organismos técnicos como o Departamento Nacional da Produção Mineral
(DNPM); Companhia Baiana de Pesquisa Mineral (CBPM); Museu Geológico da Bahia;
Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI-Ba.); Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE); Centro de Tecnologia Mineral (CETEM) e o Arquivo Público do
Estado da Bahia. Em termos bibliográficos procedeu-se a uma revisão da literatura produzida pelos
autores, antigos e modernos do Brasil e do exterior, que em livros e artigos trataram da questão. Entre
estes se destacam: Antonil (1711); Southey (1810); Varnhagen (1854); Abreu (1907); Azevedo
(1928); Calógeras (1932); Eschwege (1941); Simonsen (1962); Prado Júnior (1957/1959); Furtado
(1959); Sodré (1963); Boxer (2000); Vilhena (1969); Pinto (1979); Teixeira (2001) e muitos outros
referenciados ao final do texto.
A pesquisa se concentrou na extração do ouro e das pedras preciosas desprezando-se a prata que é
escassa no Brasil. 2 Neste texto abordou-se no primeiro capítulo os aspectos históricos numa sequência
ouro, pedras preciosas e Brasil, Bahia no período compreendido entre os séculos XVI e XIX. O
segundo capítulo trata do assunto na atualidade, séculos XX e XXI, na mesma sequência. Segue-se a
conclusão.
2 Segundo o DNPM em 2010 o Brasil possuía apenas 0,38% das reservas mundiais de prata, participando com 0,1% da
O sucesso espanhol na exploração dos metais preciosos em suas colônias americanas espicaçava a
cobiça portuguesa cujo governo exercia uma pressão constante sobre os seus prepostos brasileiros no
sentido de encontrarem esta ambicionada fonte de riquezas. Este sonho português tornou-se realidade
a partir do final do século XVII. Já não era sem tempo, pois nesta época Portugal e Brasil estavam
numa situação financeira tão precária que só um Eldorado poderia salvá-los, e ele logo seria
descoberto, mas trouxe consigo muitos outros problemas que eliminaram no plano econômico os
benefícios. Segundo diversos autores, a começar por Antonil (1711) relatam que a primeira grande
descoberta deu-se nos sertões de Taubaté. O padre Antonil, no Cultura e Opulência do Brasil, relata:
que em termos práticos eliminou as possibilidades de industrialização de Portugal e, por extensão, do Brasil.
4
O primeiro descobridor dizem, que foi hum mulato, que [...] chegando ao
serro Tripui, desceu a baixo com huma gamela, para tirar agua do ribeiro,
que" hoje chamão do Ouro Preto: e metendo a gamela na ribanceira para
tomar agua, e roçando-a pela margem do rio, vio depois que nella havia
granitos da côr do aço, sem saber o que erão: nem os companheiros, aos
quaes mostrou os ditos granitos, souberão conhecer, e estimar o que se
tinha achado tão facilmente: e só cuidarão, que ali haveria algum metal,
não bem formado, e por isso não conhecido. Chegando, porém, a Taubaté,
não deixarão de perguntar, que casta de metal seria aquelle. E, sem mais
exame, venderão a Miguel de Souza alguns destes granitos, por meia pataca
a oitava, sem saberem elles o que vendião, nem o comprador que cousa
comprava, até que se resolverão mandar alguns dos granitos ao governador
do Rio de Janeiro, Artur de Sá, e fazendo-se exame delles, se achou que era
ouro finíssimo (1711.p.143, Cap. II) [Sic].
Silva Leme (2015), e muitos outros indicam o nome de Antônio Rodrigues Arzão, que, por volta de
1693, teria garimpado uma lavra na Casa da Casca, da qual, porém não chegou a tirar proveito. Seu
parente, Bartolomeu Bueno Siqueira, consegue sucesso, só que nas barrancas de Itaverava em 1697,
“quando o então governador do Rio de Janeiro, Castro Caldas anunciou a descoberta de “dezoito a
vinte ribeiros de ouro da melhor qualidade” pelos paulistas. Iniciou-se então a primeira “corrida do
ouro” na região” (p. 85,86)
Simonsen (1962, p. 297/298) informa que nos 140 anos transcorridos no período compreendido entre
1680 e 1820 a receita total auferida com a extração do ouro correspondeu a US$ 1,003 bilhão, ou
seja, 1.508 toneladas equivalentes a £ 206,013 milhões.
Os diamantes, também de acordo com Simonsen (1962, p.287/289) surgiram em 1729 em Serro Frio
e o seu impacto provocou uma corrida de mineradores e garimpeiros e a queda de 75% do valor do
quilate 6 nos mercados internacionais. A coroa portuguesa assumiu o controle das lavras em 1731.
Simonsen (1962, p.288) apud Azevedo (1928) conta que a produção e a venda sofreram limitações
para evitar a desvalorização do produto. Em 1740 foi adotado o sistema de arrendamento por contratos
que durou até 1771 (neste intervalo de tempo atingiu-se a produção máxima com 1,67 milhão
quilates). A partir daquele ano “substituiu-se o governo violentamente, aos contratantes, apropriando-
se de todas as suas instalações e transformando a exploração e venda definitivamente em monopólio
real”. O total exportado entre 1729 e 1801 está avaliado em 3 milhões de quilates, cerca de £ 9 milhões
não sendo exagerado estimá-lo em £ 10 milhões. (SIMONSEN, 1962, p.289).
Observa-se pela estatística de Azevedo (1928) que no período sob a administração do estado
(1772/1801) a produção teve uma queda de 44%. Azevedo, Simonsen e Calógeras, concordam que
6Segundo a metric-conversions.org/pt-br o quilate é uma medida de peso utilizada para as pedras preciosas. Um quilate é igual a 1/5
de um grama (200 miligramas).
5
no período compreendido entre 1728 e 1801 a produção total de diamantes no Brasil atingiu 3 milhões
de quilates que renderam algo em torno de £ 9,2 milhões. 7
Conforme já observado tanto o Brasil quanto Portugal não se beneficiaram desta riqueza.
No caso do Brasil, segundo explica Pinto (2000, p.29), as características geológicas da região
mineradora 8 condicionaram a estrutura dos empreendimentos que se formaram para a extração do
minério. Tratava-se do ouro de aluvião, que encontrava‑se depositado na superfície ou em pequenas
profundidades no fundo dos rios e de fácil extração, ao contrário das minas do México e do Peru, que
dependiam de profundas escavações. A extração do ouro de aluvião sendo mais simples esgotava-se
mais rapidamente 9. Estas características praticamente eliminavam as barreiras às entradas pela baixa
exigência de capital fixo e foi determinante na organização das lavras sendo as empresas organizadas
no estilo footloose o que conferia à mineração da época caráter nômade. Isto dispensava a realização
de investimentos fixos de grande vulto sendo as empresas intensivas de mão de obra utilizando o
trabalho escravo. A tecnologia adotada era primitiva e representou um dos fatores que determinaram
a decadência da atividade. Esta forma de organização ambulante da economia mineira sem qualquer
ligação direta com a terra, fez com que a riqueza ali produzida fosse dissipada em várias mãos. Essa
pulverização de renda inviabilizou qualquer derivação para alternativas econômicas, (Embeddedness)
já que núcleos manufatureiros, agropecuários ou de transporte foram bloqueados pela draconiana
política fiscalista da Coroa.
Sob o enfoque demográfico a mineração mudou o perfil do país. Segundo Furtado (1959, p.93) “a
crer nas informações disponíveis, a população do Brasil teria alcançado 100.000 habitantes em 1600,
um máximo de 300.000 em 1700 e ao redor de 3.250.000 em 1800.” Furtado calcula que a emigração
portuguesa para o Brasil no século da mineração deverá ter correspondido a 300.000 pessoas podendo
haver alcançado meio milhão. Nestes termos conclui que Portugal contribuiu com um maior
contingente populacional para o Brasil do que a Espanha para todas as suas colônias da América.
A descoberta do ouro aconteceu quase simultaneamente, com o declínio do comércio de açúcar, que
por quase dois séculos foi a base econômica da colônia. Representou uma nova esperança para grande
número de pessoas pobres tanto da metrópole quanto da colônia que não tinham os recursos
necessários para investir nos poucos produtos passíveis de lucro naquela época, o que fez com que
muitos andarilhos migrassem em busca de algo que pudesse ser rentável. Bueno (2006, p.191) relata
que a intensa migração criou um caos no Nordeste brasileiro, com cidades inteiras sendo abandonadas
por habitantes que saíam em busca de ouro nos garimpos. Plantações de cana-de-açúcar foram
7 Segundo o Serviço Geológico do Brasil (CPRM, 2015) o valor de um quilate (ct = 0,2 g) de diamante depende de quatro
fatores (peso, cor e pureza, qualidade da lapidação e forma). Além disso depende das variações do mercado. No caso estimou-
se o valor do diamante bruto (de acordo com o Jornal do Ouro Blogspot em 2015) no valor de € 576 o quilate ou US$ 656,64.
No caso a produção brasileira atualizada para 2015 totalizou algo em torno de € 1,728 bilhão ou US$1,970 bilhão.
8 Quadrilátero Ferrífero situado no Centro-Sudeste do estado de Minas Gerais
9 Em nosso caso durou menos de um século.
6
abandonadas. Houve considerável aumento no preço dos escravos, animais e víveres. Inúmeros povos
indígenas foram dizimados. Como era de se presumir a criminalidade se alastrou por toda a região
das minas.
Sob o enfoque geopolítico a mineração além de induzir a ocupação demográfica da colônia ampliou
significativamente o território expandindo-o para o Oeste e ultrapassando os limites antes fixados
pelo Tratado de Tordesilhas 10. A mineração também deslocou definitivamente o centro econômico e
o aparelho político-administrativo da colônia para a região Sudeste transferindo-se a sede do governo
geral para a cidade do Rio de Janeiro de mais fácil acesso às regiões mineradoras. De acordo com
Autor (2009, p.27) esta medida decretada pelo Marques de Pombal assinala o início da decadência da
economia baiana 11. Nas palavras de Simonsen (1962, p.294) “cessada a mineração, mergulhou o
Centro-Sul na sua primeira grande crise por falta de uma produção rica e exportável.” O enorme
crescimento demográfico criou um mercado interno que passou a demandar a produção local de
alimentos que pudesse suprir as necessidades dos novos habitantes gerando graves problemas de
desabastecimento, carestia e especulação.
Portugal, por seu turno, também não foi feliz com a mineração. Segundo relata J. Lúcio de Azevedo
em seu clássico Épocas de Portugal Económico o país chegava falido ao século XVIII, bastante
atrasado em relação à Inglaterra e Holanda, essencialmente agrícola, dominado por um fanatismo
religioso e por uma Igreja Católica que, com a sua “Santa Inquisição”, cerceava qualquer
possibilidade de modernização e progresso. Vivendo em conflito permanente com o vizinho espanhol,
também bastante atrasado, o país mergulhou num absolutismo feroz e tacanho e afundou
economicamente com seus governantes da dinastia de Bragança especificamente D. João IV o
fundador da dinastia (1640/1650); D.João V (1706/1750) e D. José I (1750/1777). Como relata
Azevedo (1928, p.385) referindo-se a D.João IV “rei feito pela revolução da nobreza, (...) desgostosa
da experiência castelhana (...) antes de aceitar hesitou (...) no receio de perder o patrimônio imenso,
acumulado em três séculos, por capitalização de rendas e dádivas novas.” 12 Azevedo descreve o rei
como “um homem sem escrúpulos, interessado apenas em amealhar riqueza pessoal pouco se
preocupando com o país. Tanto que por duas vezes propôs ceder o reino guardando o título. A
primeira com a França e a segunda com a Espanha” (AZEVEDO. 1928 p. 386). O mesmo autor
10O Tratado de Tordesilhas, assinado em 1494, definiu as áreas de domínio dos territórios ultramarinos, entre Portugal e
Espanha, estabelecendo uma linha de demarcação localizada a 370 léguas a oeste do arquipélago de Cabo Verde, de polo a polo.
Caberia a Espanha, as terras do lado ocidental, e a Portugal as do lado oriental. Na prática muita gente desconhecia seus limites
pela deficiência da cartografia na época. Os portugueses avançaram para o Oeste até um ponto que em 1750, pelo Tratado de
Madrid, com base no princípio do uti possidetis defendido pelo luso-brasileiro Alexandre de Gusmão, estabeleceram-se os limites
do território nacional.
11 Antes mesmo da administração pombalina, em 1701 era proibido trânsito de pessoas e o comércio entre a Bahia e Minas
Gerais concentrando-se todo o intercâmbio com as Minas por intermédio do Rio de Janeiro e de São Paulo (CALÓGERAS,
p.76 apud AZEVEDO, 1928, p.315)
12 O futuro rei obtivera para a sua casa ducal a total isenção de impostos, por vinte anos, para a importação de 18 toneladas ano
O historiador baiano V.N. Pinto em seu livro O ouro brasileiro e o comércio anglo-português. Uma
contribuição aos estudos da economia atlântica no século XVIII (1979) reforça após meticulosa
pesquisa a reclamação de Calógeras (1904) quanto à falta de dados sobre a mineração do ouro na
Bahia. Diz Pinto (1979) que “a descoberta e a produção do ouro na Bahia permanecem ainda um
capítulo nebuloso na história da mineração brasileira”. Segundo ele, a despeito da descoberta entre
1702 e 1703 a Metrópole proibiu a exploração até 1720 quando a suspendeu para as minas de Jacobina
e 1721 para as de Rio de Contas.
Neves et al. (2007, p.57) diverge dessas datas informando que a extração do ouro na Bahia começou
entre 1718 e 1719, quando foi descoberto pelo o bandeirante Sebastião Pinheiro da Fonseca Raposo
na região de Rio de Contas localizada ao sul da região da Chapada Diamantina na vertente oriental
da Serra das Almas à margem esquerda do Rio Brumado. Com isso iniciou-se uma fase que marcou
a história da região, fazendo com que o povoado que ali surgiu prosperasse rapidamente. Rica em
ouro de aluvião, a Vila Nova de Nossa Senhora do Livramento das Minas do Rio de Contas, viveu na
segunda metade do século XVIII uma época de grande prosperidade econômica. A partir de 1800 a
então Vila começa a declinar, pelo esgotamento das jazidas aluvionares do minério que é substituído
8
pelo garimpo das pedras preciosas o qual, segundo Mata (2006) teve início em 1844 nos aluviões do
Rio Mucugê.
Mesmo decaindo a extração de ouro, Rio de Contas continuou sendo por muito tempo uma parada
obrigatória nos caminhos reais, que partindo de Cachoeira levava a Goiás e ao Mato Grosso e por
onde passavam as romarias que demandavam a Bom Jesus da Lapa na Bahia e as mercadorias que
chegavam ou saiam do porto de Salvador.
Para Fernandes(2012) a sociedade da mineração na Bahia foi puramente urbana. Rio de Contas
ganhou a cadeira régia de Gramática Latina em 1799 e Tenda de Química e Gabinete Mineralógico
em 1817. Em 1818, Spix e Martius observaram que a população de Rio de Contas “pela educação e
riqueza, se distinguia dos outros habitantes do interior da Bahia”.
Porém a maior estrela da mineração do ouro na Bahia foi a Vila de Santo Antônio de Jacobina, criada
em 1720 e localizada no Piemonte da Chapada Diamantina, no outro extremo do território aurífero
baiano. Devido a um grande êxodo de mineiros para as recém-descobertas minas, a Vila foi elevada
à categoria de cidade pela Lei Provincial nº 2.049 de 28 de julho de 1880, com o nome de Agrícola
Cidade de Santo Antônio de Jacobina. (IBGE-CIDADES,2016)
A ocupação territorial do Piemonte da Diamantina a partir da segunda metade do século XVII e início
do século XVIII não deveu-se exclusivamente à exploração do ouro. A expansão da pecuária em
direção ao sertão do São Francisco, efetivada pelos Guedes de Brito (Casa da Ponte) e pelos
descendentes de Garcia d’Ávila, (Casa da Torre) foi também um importante fator no povoamento
regional.
Em 1725, Jacobina somava 700 bateias e Rio de Contas 830, articulando-se estas duas áreas mineiras,
nos dois extremos da Chapada Diamantina, por um caminho real que servia para o transporte do ouro
processado nas Casas de Fundição 13 instaladas naquelas vilas em 1726, como previa a legislação para
o garimpo. A título de ilustração, entre 1726 e 1727, somente Jacobina fundiu 1.742 quilos de ouro.
As Casas de Fundição foram posteriormente transferidas para Minas Gerais sendo desativadas em
1734 pela introdução do regime das capitações 14. Por fim pela provisão de 1755, o ouro das duas
minas deveria ser enviado à Casa da Moeda de Salvador. Esta movimentada transferência, mudança
de regime e outras medidas de controle assinalava a grande turbulência da época o que levou à
Inconfidência Mineira de 1789 e a Conjuração Baiana uma década depois.
13 Segundo Camargo (2012) As casas de fundição foram criadas pelo “Primeiro regimento das terras minerais”, de 15 de agosto
de 1603, com a finalidade de fundir todo o ouro e prata extraídos das minas, incluindo nesse processo a coleta do quinto.
14 Capitação é o nome dado aos impostos que são pagos e cobrados em diversas épocas da história. O seu valor é independente
do rendimento coletado. No Brasil colonial, foi cobrada a partir de 1734 com o intuito de acabar com a "ociosidade dos negros
forros e dos vadios em geral", que incluía toda a população pobre, fosse branco, negra ou mestiça. Cada dono de escravo, fosse
branco, índio ou negro forro, tinha que pagar, semestralmente, sob pena de confisco do escravo e outras penas, esse imposto de
4 oitavas e 3 quartos de ouro por cabeça de escravo que possuísse. Da mesma forma, os negros forros, os pretos livres e os
brancos pobres, que tivessem ou não escravos, caso trabalhassem com as próprias mãos, também tinham que pagar por si
mesmos esse imposto, sob pena de prisão, multa, com açoites para os negros, e degredo para as reincidências previstas na Lei
da Capitação, com penas diferenciadas para cada casta. (MATOSO,1999)
9
Segundo Pinto (1979) as minas de Araçuaí e as do Fanado, 15 cuja produção passou pela casa de
fundição de Araçuaí, que funcionou de 1728 até 1736, responderam pelo total de 6.403,0 kg de ouro,
enquanto a capitação, de 1739 a 1750, rendeu 1.200,8 kg em face da escassez de documentos e da
localização das minas. Pelas circunstâncias infere-se que ocorreu uma caudalosa corrente de
contrabando do metal através de naus estrangeiras no litoral e dos navios negreiros de partida para a
África.
A despeito dos esforços da Metrópole tudo indica que foi grande na Bahia o desvio do ouro produzido
que contornou sutilmente os cofres governamentais dirigindo-se para as arcas dos coronéis do sertão
ou pirateado para o exterior. Um dos indícios desta evasão é a falta de registros disponíveis para a
produção de ouro pela Bahia. Os informes encontrados cobrem apenas o século XVIII entre os anos
de 1739 e 1750 totalizando nesses 11 anos um total de 1.201,00 kg quando numa soma dos
levantamentos efetuados pelos historiadores indicam valores oito vezes maiores.
De acordo com o Gold Fields Mineral Services sediado em Londres, na Inglaterra e o Gemmological
Institute of América - GIA, apud Lopes (2001, p.47) o Brasil é considerado e reconhecido como uma
das principais reservas gemológicas do planeta tanto pela quantidade quanto pela variedade de gemas
produzidas. De fato, segundo o Departamento Nacional de Pesquisa Mineral - DNPM, o país é um
dos maiores produtores de águas marinhas, ametistas, esmeraldas, citrinos, berilos, crisoberilos,
topázios, ágata, turmalina, quartzo diversos e diamantes. Destaca-se ainda como o único produtor
mundial de topázio imperial, em Minas Gerais, e turmalina “Paraíba” no Estado com o mesmo nome.
15Segundo Pinto (1979) essas jazidas situadas no território denominado Minas Novas e descobertas em 1727, pertenceram à
Bahia até 1757, quando na divisão territorial passaram para o Estado de Minas Gerais.
10
Foi com esta riqueza que toparam os garimpeiros em meados do século XIX inicialmente na Chapada
Diamantina. Perdidos no tempo os registros oficiais, quando houveram, misturam-se com a lenda. O
geólogo Orville Derby, produziu em 1882 um trabalho que faz referência à descoberta do primeiro
diamante na Chapada, por José de Matos, em 1840, próximo à vizinhança de Santo Inácio, na Chapada
Velha.” Outras descobertas foram registradas, em 1841, na serra do Assuruá, município de Gentio do
Ouro, em 1842, na serra das Aroeiras, em Morro do Chapéu, tornando-se mais tarde um grande
produtor e na vila de Bom Jesus do Rio de Contas, hoje sede do município de Piatã. Theodoro
Sampaio, importante explorador baiano, por seu turno, informa que somente a partir de 1844, a
mineração de diamante tomou rumo com a descoberta feita por José Pereira do Prado, o “Cazuza do
Prado”. Morador da Chapada Velha que ao percorrer as terras marginais do ribeirão Mucugê,
reconheceu o local do terreno como propício e ao fazer um ensaio de algumas horas extraiu grande
quantidade de pedras de alto valor.
O que importa é que, conforme Simonsen (1961) o ciclo do diamante no Brasil durou cerca de 150
anos, da segunda metade do século XVIII até o final do século XIX, quando o País foi o maior
produtor mundial. A produção na Bahia foi iniciada em 1844 e seu apogeu perdurou apenas até 1871,
com declínio da produção e queda de preço que coincidiu com a expansão das jazidas da África do
Sul, descobertas seis anos antes. O colapso da região só não foi maior porque ao lado do diamante
passou a ter valor o carbonado ou carbonato usado na indústria e na perfuração de rochas, sobretudo
durante a abertura e construção do Canal do Panamá.
O contrabando no caso das pedras preciosas encontradas na Bahia foi exponencial em relação ao do
ouro. Os dados oficiais da exportação de diamantes para o período de 1850/1877 indicam um total de
1.762.830 quilates equivalentes a 29.282 contos de réis (US$13.178 milhões). 16 Segundo especialistas
este valor não expressa sequer 1/3 da produção real.
A geografia sempre beneficiou a Bahia na formação de uma caudalosa corrente de contrabando.
Segundo Pinto (1979, p.84) a localização das minas baianas, tanto as de ouro quanto a das pedras
preciosas, seguindo a direção dos rios em que elas se encontravam - Itapicuru (Jacobina), das Contas
(Rio das Contas) e Jequitinhonha (Araçuaí e Fanado) - ligando-as diretamente com o Atlântico foram
vias fáceis para o comércio ilícito, realizado não só com os navios estrangeiros que frequentemente
ancoravam no litoral brasileiro, como também através dos navios negreiros que partiam para a África.
Verger (1987), em seu estudo sobre o tráfico de negros entre o Golfo de Benin e a Bahia, documenta
a presença do ouro brasileiro no comércio com a África, sobretudo na aquisição de escravos de
companhias europeias, principalmente inglesas. Aquele autor transcreve ainda as recomendações do
conselho diretor, em Londres, da Royal African Company a seus representantes na África, para tratar
com civilidade os navios portugueses oriundos do Brasil, e envidar todos os esforços para encorajar
16 Segundo Holloway (1984, p.268) em 1880 o câmbio médio era de US$0,45/1$000 ou seja US$ 1,00/2$222.
11
o comércio do ouro com eles por conta da companhia. Estas recomendações são frequentes entre
1721-24, no exato momento em que as minas de Jacobinas e do Rio das Contas atingem o ápice da
sua produção.
O interessante a observar é que a sonegação dos impostos e o contrabando dos minerais não
contribuíram para a formação de capital na região. Boa parte desta pirataria foi despendida no
consumo suntuário e acabou por vias travessas em mãos dos comerciantes estrangeiros.
Tabela 1 – Bahia: Exportação de diamantes 1850/1878
TAXA DE
CRESCIMENTO VARIAÇÃO DE VALOR
ANOS QUANTIDADE DA QUANTIDADE CRESCIMENTO (Contos de reis)
ANUAL Réis)
(Em oitavas) (Acumulada com (Crescimento relativo)
(1) base em 1850)
1850-51 1.105 100 0 332
1851-52 3.116 182% 182% 935
1852-53 4.072 269% 87% 1.222
1853-54 1.938 75% -193% 581
1854-55 3.188 189% 113% 956
1855-56 6.529 491% 302% 1.959
1856-57 7.714 598% 107% 2.314
1857-58 4.533 310% -288% 1.360
1858-59 5.122 364% 53% 1.537
1859-60 5.321 382% 18% 1.596
1860-61 4.100 271% -110% 1.266
1861-62 4.523 309% 38% 1.357
1862-63 5.478 396% 86% 1.647
1863-64 4.923 346% -50% 1.477
1864-65 4.605 317% -29% 1.382
1865-66 4.586 315% -2% 1.378
1866-67 4.192 279% -36% 1.062
1867-68 5.044 356% 77% 1.519
1868-69 3.532 220% -137% 1.064
1869-70 … … … …
1870-71 2.984 170% 170% 923
1871-72 2.251 104% -66% 678
1872-73 1.383 25% -79% 417
1873-74 1.346 22% -3% 405
1874-75 390 -65% -87% 110
1875-76 1.411 28% 92% 425
1876-77 1.595 44% 17% 490
1877-78 2.955 167% 123% 892
Fonte: FALLAS dos Presidentes da Província da Bahia, Anos 1854,1857, 1861, 1862 PROPOSTAS
e Relatórios apresentados à Assembléia Geral Legislativa pelos Ministros de Estado dos Negócios da
Fazenda- Rio de Janeiro, 1850 a 1888
(1) Uma oitava é igual a 3,6 gramas.
12
2. A ECONOMIA MINERAL BAIANA NA ATUALIDADE
Os dados sob a mineração na Bahia não são fáceis de encontrar. Conflitos tributários reduziram a
eficiência da fiscalização e comprometeram as estatísticas. Por incrível que pareça a indústria
extrativa mineral não aparece no cômputo do PIB baiano, a exceção do petróleo. Teixeira (2001)
informava naquele ano que a Bahia produzia cerca de 40 substâncias minerais, ocupando o terceiro
lugar no ranking entre os estados brasileiros, depois de Minas Gerais e Pará, os grandes produtores
de minério de ferro. Na pauta de exportações destacavam-se: ouro, cobre, magnésio, cromo, ligas de
ferro (ferro-manganês, ferrocromo, ferro-silício-cromo), ligas de alumínio, pedras preciosas e
semipreciosas e rochas ornamentais. Ao mercado interno destinavam-se as produções de água
mineral, areia, areia quartzosa, arenito, argila, artefatos minerais, barita, cal, calcário, calcita, caulim,
diatomito, feldspato, grafita, sal-gema, talco e vermiculita.
O Departamento Nacional da Produção Mineral – DNPM, afirma que o Brasil é reconhecido como
uma das principais reservas gemológicas do planeta tanto pela quantidade quanto pela variedade de
gemas produzidas. Segundo dados do Gold Fields Mineral Services, o volume estimado de transações
no comércio mundial de gemas, joias, metais preciosos e afins é da ordem de US$18, 4 bilhões, no
final da década de 1990, o que aponta para a existência de um grande mercado para um país
considerado o “Paraíso das Gemas” (LOPES, 2001).
Também Lopes (2001) informa que o Estado da Bahia é o 2º produtor nacional de gemas brutas (não
lapidadas) e o 4º em produção primária de ouro, segundo o DNPM. Conhecida pela quantidade e
qualidade de suas esmeraldas, o subsolo baiano também produz ametistas, águas marinhas, citrinos,
topázios azuis, turmalinas, cristal de rocha, quartzos diversos, berilos, diamantes, etc.
Apesar de toda esta potencialidade o Brasil e, em particular, a Bahia, não tem tirado proveito racional
e inteligente dessa riqueza. A realidade atual desse segmento econômico é incompatível com seu
volume de reservas de pedras preciosas e ouro, sobretudo, quando se constata sua ínfima e
inexpressiva participação de aproximadamente 1,4% do mercado internacional (LOPES,2001).
Diz porém a Companha Baiana de Pesquisas Minerais – CBPM que, não obstante esta fragilidade, a
Bahia é o Estado brasileiro que mais investe na atividade mineral. Tais investimentos permitiram a
realização de inúmeras pesquisas e prospecção mineral, mapeamento geológico básico,
desenvolvimento de estudos em distritos mineiros e de pesquisas geocientíficas, com reflexos
positivos, demonstrados no expressivo crescimento e diversificação da produção mineral do estado.
Segundo a CBPM (2015) a Produção Mineral Baiana Comercializada - PMBC em junho de 2015
totalizou R$ 250 milhões, apresentando acréscimo de 16,37% em relação a maio. Comparativamente
a maio de 2014, a comercialização de bens minerais da Bahia apresentou um aumento de 27,91%. De
janeiro a junho de 2015 a PMBC alcançou R$ 1,281 bilhão, crescendo 11,54 % em relação ao mesmo
13
período de 2014. PMBC – Janeiro a Junho 2014 x 2015 No mês houve a comercialização de 24
substâncias minerais oriundas de 116 municípios e extraídas por 199 produtores. Em Junho/2015 as
10 maiores mineradoras, que operam na Bahia, foram responsáveis por 80% do valor da PMBC
demonstrando o elevado grau de concentração desta atividade.
Bélgica, Canadá e Suíça aparecem como os principais importadores do ouro e outros metais preciosos
produzidos pela Bahia. Os dados da tabela 2 são modestos e correspondem na prática a
subnotificações. Parte substancial da produção baiana é desviada para outros estados onde são
lapidadas as pedras preciosas ou contrabandeadas para a Índia que constitui a maior compradora de
esmeraldas.
Indagado em nossa pesquisa se era verdadeiro que o Paraguai era um grande exportador do ouro
brasileiro, Paulo Henrique Leitão Lopes, gemólogo baiano, informou que no mundo, 80% da
produção de ouro e joias está destinada ao mercado, à indústria de joias, e 20% ao mercado financeiro.
No Brasil esta relação é o contrário, 80% da produção é destinada ao mercado financeiro. “Vocês
sabem qual a alíquota que incide sobre o ouro para o mercado financeiro? 1%, enquanto que para a
indústria, que está gerando emprego, produzindo, na Bahia, por exemplo, só a alíquota de ICMS é
25%, fora 20% IPI, PIS, COFINS, etc. Esta é uma distorção. Quando o Paraguai percebeu isso, o
contrabando passou a escoar pelo Paraguai tornando este país um dos maiores produtores de ouro do
mundo sem, no entanto, produzir nada de ouro. Muitas pessoas colocam vinte pedrinhas de
esmeraldas no bolso, lotes que chegam a custar 500 mil dólares, saem, passam pela alfândega,
ninguém pega, e a nossa riqueza está indo embora. A nossa cadeia produtiva está sendo destruída por
estas razões. Fica muito complicado. A pergunta é muito pertinente porque traz à tona os problemas
que estamos atravessando. E, de fato, o Paraguai, por um bom tempo, passou a ser considerado um
grande “produtor” de ouro, ouro proveniente do Brasil.”
Tabela 2 - Bahia principais destinos das exportações minerais 2015/16
PAÍS VALOR MINERAL
US$
BELGICA 18.393.982 Outros metais preciosos
CANADÁ 12.529.095 Ouro, Rochas Ornamentais, Vanádio
SUIÇA 6.595.485 Ouro
COREIA DO SUL 1.639.618 Vanádio
HOLANDA 478.796 Manganês e Vanádio
ARGENTINA 378.431 Grafita, Magnesita, Talco
ESTADOS 368.671 Magnesita, Talco, Rocha Ornamental e Pedras Preciosas
UNIDOS
CHINA 363.124 Rochas Ornamentais, Pedras Preciosas
JAPÃO 275.735 Rochas Ornamentais e Pedras Preciosas
INDIA 132.131 Rochas Ornamentais e Pedras Preciosas
OUTROS 370.701 Diversos
FONTE: CBPM
14
Segundo ainda a CBPM, cabe registrar que, em 1963, teve início a localização de ocorrências de
esmeraldas na Bahia, particularmente, no sertão Norte do Estado, (Serra da Carnaíba). Ali, a
exploração era praticamente toda subterrânea, em túneis de até 100 metros de profundidade. Na
década de 80, essa área chegou a representar quase toda a esmeralda produzida no Brasil e cerca de
25% do total da exportação brasileira de gemas, com exceção dos diamantes. Nos anos 80, foram
descobertos cristais de esmeraldas em Campo Formoso, garimpo de Socotó, há cerca de 40
quilômetros da Serra da Carnaíba, que rapidamente superou a produção de Carnaíba. Uma estimativa
preliminar mais recente das reservas de esmeralda/berilo do Garimpo da Carnaíba sinaliza a
existência de 220 toneladas em Carnaíba de Cima, 105 toneladas em Bráulia-Marota, e 35 toneladas
em Bode-Lagarto-Gavião (LOPES, 2001).
A esmeralda encabeça, em ordem de importância, a lista do segmento de pedras preciosas, com
produção mais expressiva nos garimpos de Campo Formoso e Pindobaçu. Porém, com menores
atividades em Anagé e Pilão Arcado. A ametista ocupa a segunda posição, com produções
concentradas em Brejinhos, Sento Sé, Caetité, Licínio de Almeida, Jacobina e Juazeiro. Em terceiro
lugar, segue a água marinha, com produções em Itanhém, Medeiros Neto, Encruzilhada e Cândido
Sales. Outras gemas, tais como diamante, alexandrita, amazonita, apatita, coríndon, crisoberilo,
quartzo, dumortierita, fluorita, jaspe, sodalita, turmalina, turqueza, malaquita, andaluzita, estaurolita,
lazulita e actinolita, ocorrem em vários municípios do Estado, embora apresentem produção em
menor escala. No que diz respeito ao ouro, na década de 70, foram descobertos depósitos pela
DOCEGEO, no Rio Itapicuru, e concluído estudo de viabilidade da mina da Serra de Jacobina, pela
Mineração Morro Velho. A partir dos anos 80, a Companhia do Vale do Rio Doce (CVRD) iniciou
operações na mina de céu aberto, em Teolândia, na mina subterrânea de Fazenda Brasileiro, e
produção, em Santa Luz, na Mina Maria Preta, que foi desativada em 1996.
Segundo estudo Panorama do Ouro na Bahia, 1998, realizado por Ribeiro (1998), o potencial
aurífero do Estado, longe de exaurir-se, apresenta-se renovado e com novos ambientes, resultando na
produção de mais de sete toneladas no final dos anos 90. Naquele período, existia o registro de 265
garimpos e 230 ocorrências auríferas.
O segmento joalheiro voltado para atender ao turista está fortemente concentrado no Pelourinho
bairro histórico de Salvador. As lojas de shopping são voltadas, basicamente, para o atendimento do
consumidor local. (LOPES,2001)
Existe em todos os municípios produtores uma tradição de comércio informal sendo as pedras
compradas em estado bruto de garimpeiros e faiscadores por intermediários que as revendem ou
processam em outras regiões auferindo os verdadeiros ganhos do comércio.
16
Entre os intermediários predominam os indianos, israelense e, mais recentemente os chineses informa
Lopes (2001). “Nossas gemas estão sendo lapidadas na Índia, na China, em Israel e depois voltam
para cá para serem consumidas por nós (...) o nosso país tem uma visão meramente fiscalizadora e
arrecadatória, mas não conhece o produto. Quando o indiano chega aqui e compra, ele acondiciona
as nossas esmeraldas em tonéis, sendo que boa parte, a parte extra da esmeralda, vamos dizer “o filé
mignon” é colocado embaixo, a intermediária no meio e o cascalho lá em cima. Quando o fiscal chega
e olha, pensa ser apenas cascalho e libera a exportação. E na verdade, o “filé mignon” está lá embaixo,
e nossa riqueza está indo toda embora.”
Ademais as pedras não são mais encontradas no leito dos rios ou em afloramentos na superfície o que
demanda investimentos muitas vezes volumosos. Isto carreia os empreendimentos para grandes
empresas mineradoras possuidoras de tecnologia avançada e recursos que eliminam praticamente a
participação do pequeno produtor do mercado.
CONCLUSÃO
A mineração do ouro no Brasil atingiu seu ponto culminante no século XVIII quando o minério de
aluvião, acessível à grande massa de garimpeiros que não possuíam recursos para maiores
investimentos na lavra, começa a escassear.
O ouro produziu um novo ordenamento territorial no Brasil deslocando o eixo do poder econômico e
político definitivamente do Nordeste para o Centro Sul. Como visto pelas corridas que provocou
aumentou substancialmente a população, criando as condições para a posterior independência do pais.
O declínio da sua exploração gerou uma grande massa de desocupados que refluíram do campo para
as cidades provocando uma desordem social, já que existiam diversas atividades subsidiárias ao ouro,
condição esta que promoveu também o aumento da criminalidade nas vilas.
A Bahia ingressou tardiamente na exploração aurífera, de gemas e pedras preciosas. Suas atividades
de mineração transcorrem notadamente no século XIX e quando o Brasil já não era mais uma colônia
portuguesa.
A diminuição dos depósitos aluvionares, as dificuldades em se ter acesso a técnicas mais avançadas
e o início das corridas à exploração de ouro na África do Sul induziram a produção empresarial de
ouro e dos outros minerais ditos preciosas através da implantação de várias empresas inglesas que, a
partir de aproximadamente 1824, se encarregaram da extração de ouro na Bahia e no Brasil. Essa
estrutura de exploração além de não ter possibilitado a recuperação dos patamares produtivos obtidos
no século anterior, abriu ainda espaço para formas de exploração que elevaram os níveis de
degradação ambiental, principalmente a poluição de rios por mercúrio (Hg), além de promover sérios
impactos socioeconômicos, já que houve uma concentração de renda muito grande. O garimpo passa
a ser então uma técnica marginalizada pelo governo imperial, muito pela falta de controle da
exploração aurífera nestas áreas menores.
Segundo Sanchez e Sanchez (2008) o almocafre 17 e a bateia, instrumentos utilizados em larga escala
no século XVIII, ainda no século XIX serão os mais utilizados nas áreas de mineração de faiscação.
Este processo de exploração provocou considerável agressão ambiental e interferiu na condição
decadente das vilas baianas que foram fundadas através desta atividade econômica, e que no século
XIX foram marcadas pelo avanço de um descontrole social caracterizado pelos crimes particulares e
policiais comandados pelos “coronéis” das oligarquias locais.
Analisando a mineração brasileira dizia Gurfield (1983, p.75) que “a mineração é um
empreendimento instável, em grande parte anárquico. À diferença da cana-de-açúcar, cujo
Para Gurfield (1983, p. 77): “não pode haver dúvida quanto à natureza predatória da vida social ao
redor das minas brasileiras: destituídas de uma base duradoura, racionalmente organizada, a estrutura
das classes gera uma teia frouxa, tecida de relações estratificadas”. E acrescenta: “o individualismo
rude, privado dos seus elementos positivos, reina virtualmente supremo. Em nome do lucro, uma
região fronteira, outrora desabitada, transformou-se, quase que da noite para o dia, num mar de
anarquia”. 18
Nenhuma cidade mineradora da Bahia apresentou qualquer traço de prosperidade fruto desta
atividade extrativista (ver Tabela 4 pretérita). Outras cidades mineiras importantes como Lençóis
apresentava um IDHM de 0,340 em 1981 e 0,478 em 2000, sobrevivendo atualmente graças ao
turismo. A mesma performance social apresentava Rio de Contas com IDHM de 0,394 em 1981 e
0,494 em 2000.
Finalmente, como dizia em sua crueza metodológica Sir Francis Bacon: “o ouro é como adubo; só
presta, se espalhado." Mas isto não ocorreu e tampouco ocorre nos dias atuais. A mineração não
propiciou a formação de poupança local que propiciasse a acumulação de capital e efeitos
multiplicadores na economia regional. A maldição do ouro e das pedras preciosas segue o axioma de
Galeano (1971) que diz: há dois lados na divisão internacional do trabalho: um em que alguns países
especializam-se em ganhar, e outro em que se especializaram em perder. Nossa comarca do mundo,
que hoje chamamos de América Latina, foi precoce: especializou-se em perder desde os remotos
18 A miséria do garimpo baiano é magistralmente retratada por Hebert Sales no seu livro clássico Cascalho
19
tempos em que os europeus do Renascimento se abalançaram pelo mar e fincaram os dentes em sua
garganta...”
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21
O PLANDEB
Noelio Dantaslé Spinola1
Resumo pelo governo de Juracy Magalhães
Este artigo rememora o maior pro- (1958/1962) o Plano de Desenvolvi- Antecedentes
jeto de planejamento econômico rea- mento do Estado da Bahia – Plandeb, A Bahia foi o primeiro Estado bra-
lizado na Bahia e que neste ano com- elaborado no governo de Antonio sileiro a desenvolver a atividade de
pleta meio século da sua edição. Tra- Balbino de Carvalho Filho (1954/ planejamento do seu desenvolvimen-
ta–se do Plano de Desenvolvimento 1958) por Rômulo Barreto de Almei- to econômico. Seguindo a tradição de
do Estado da Bahia – Plandeb elabo- da e uma competente equipe técni- José da Silva Lisboa, o Visconde de
rado pelos técnicos da Comissão de ca2, não recebeu dos governos baia- Cayru, que, no início do século XIX,
Planejamento Econômico da Bahia – nos que passaram por este longo editou os seus Princípios de economia
CPE, no governo de Antonio Balbino período a divulgação merecida. política em que buscou difundir as idéi-
de Carvalho Filho, sob a liderança do Juracy não simpatizava com Rômulo as do clássico a Riqueza das nações, num
economista Rômulo Barreto de Almei- e o carlismo, que dominou a Bahia esforço pouco feliz de compatibilizar
da. Numa época em que se comemo- até 2006, consideravam–no e a sua o pensamento liberal de Adam Smith
ra a produção do relatório do GTDN equipe como personae non gratae. Dis- com a cultura vigente em uma econo-
elaborado por Celso Furtado, nada so tudo resultou ficar o plano esque- mia escravagista, e, em 1925, de Fran-
mais justa a recordação deste plano cido na biblioteca da Superintendên- cisco Marques de Góes Calmon, um
que jamais foi igualado nas experiên- cia de Estudos Econômicos e Sociais sutil analista das perspectivas econô-
cias de planejamento baianas. (SEI), consultado por um número micas da Bahia no período de 1808 a
reduzido de pesquisadores e distan- 18895, despontou Estado, nas décadas
Palavras chave: planejamento regio-
te do grande público acadêmico a compreendidas entre 1930 e 1950, o
nal, economia baiana, desenvolvi-
quem muito teria servido pela deta- “iluminismo baiano” no com o surgi-
mento regional.
lhada análise que fez da economia mento de uma geração de estudiosos
baiana e da suas limitações e pela das questões econômicas que contri-
Abstract
demonstração de um método de pla- buiu de forma decisiva para a forma-
This article resembles the major
nejar que sequer foi copiado poste- ção de um ambiente intelectualmente
economic planning project that was
riormente3. favorável à estruturação do planeja-
accomplished in Bahia and now
Este artigo sintetiza um capítulo mento regional. Ressalte–se que, nes-
celebrates half a century. This is
do livro A trilha perdida: caminhos e sa época, também influenciou o pro-
about the State of Bahia Develop-
descaminhos da economia baiana4, edi- cesso de estruturação do planejamen-
ment Planning – Plandeb, that was
tado em 2009, onde se busca corrigir to o intercâmbio de experiências com
developed by the Economic Plan-
uma injustiça perpretada pelos ca- diversas instituições científicas e téc-
ning Comission´s technicians – CPE,
prichos do mandonismo político nicos estrangeiros, notadamente dos
during the Antonio Balbino de Car-
baiano. Estados Unidos da América.
valho Filho government, under the
economist Romulo Barreto de Al-
1
meida leadership. At the time in Doutor em Geografia pela Universidade de Barcelona. Professor do Mestrado e
which we celebrate the GTDN report do Doutorado em Desenvolvimento Regional e Urbano da Universidade Salva-
dor – Unifacs.E–mail: dantasle@uol.com.br
produced by Celso Furtado, it is fair 2
enough to bring to attention the Integrada por: Américo Barbosa de Oliveira (BNDE), Aristeu Barreto de Almeida
(BNB/ETENE), Arthur Levy (Petrobrás), Domar Campos e Sidney Lattini
recall of this unparalleled plan that
(SUMOC), Lawrence Barber, Gerson da Silva, Teixeira Dias e Danin Lobo (EBAP/
was never matched by later planning FGV), Renato Martins (MA) e T.Pompeu Accioly Borges (BNB), entre outros.
experiences that took place in Bahia. Também colaboraram com o plano, sem integrar a equipe, Ignácio Tosta Filho,
Clemente Mariani e Pinto de Aguiar.
Keywords: regional planning, Bahia 3
economy, regional development. O Plandeb deve ser lido em conjunto com outro estudo intitulado Situação e
problemas da Bahia – 1955: recomendações de medidas de governo, que cons-
titui seus termos de referência e foi maldosamente apelidado à época pelo jor-
JEL: O20; 021; 025; P11; Q18; N96. nal A Tarde de Pastas Cor de Rosa.
4
Publicação da Editora da Unifacs, disponível em ppdru@unifacs.br (71–
Introdução 32738528) e editora@unifacs.br (71–32738515)
Cinquenta anos transcorridos da 5
CALMON, Francisco Marques de Góes. Vida econômica – financeira da Bahia:
sua apresentação oficial à Assem- elementos para a história. (1808 a 1899). Salvador: Imprensa Oficial do Estado,
bléia Legislativa do Estado da Bahia, 1925.