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INSPIRA

O livro de
Af
aut
r
oes
odi
tima, relacionamen te

tos e

prazer pela vida

um guia arquetípico

para o reencontro com


a divindade interior
Inspira - revistainspira.com

AMANDA MESCHIATTI
HERYCK SANGALLI

O livro de
Afrodite
Copyright © 2021 Livros da Inspira.

Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser


reproduzida ou usada de qualquer forma ou por qualquer meio, eletrônico
ou mecânico, inclusive fotocópias, gravações ou sistemas de
armazenamento em banco de dados, sem permissão por escrito, exceto no
caso de trechos curtos citados em resenhas críticas ou artigos de revistas.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


_____________________________________________________________
_

M578l Meschiatti, Amanda; Sangalli, Heryck.

O Livro de Afrodite: autoestima, relacionamentos e prazer pela vida

/ Amanda Meschiatti, Heryck Sangalli. – Vila Velha, ES: edição dos


autores, 2021.

362 p.

ISBN 978-65-00-17649-0

1. Arquétipo - Psicologia 2. Mitologia grega - Aspectos psicológicos 3.

Mulheres - Mitologia 4. Mulheres - Psicologia 5. Autoconhecimento. I.


Título. II.

Série: Oráculo inverso.

CDU: 159.947 CDD: 305.42

_____________________________________________________________
_
SUMÁRIO

Primeiros passos

O caminho da deusa .................................................................... 9

Por que a escrita terapêutica ...................................................... 15

O que é arquétipo e como ele pode me ajudar ........................ 17

Quem é Afrodite?

No princípio era o amor ............................................................. 21

Por que Afrodite precisa ser integrada ..................................... 23

Teste: Como vai a sua Afrodite ................................................. 29

As faces de Afrodite ................................................................... 35

Meditação .................................................................................... 40

As crenças de Afrodite ............................................................... 41

Nasce uma Deusa ....................................................................... 45

As fases de Afrodite .................................................................... 49

Os temas de Afrodite

O enigma do amor ...................................................................... 55

O desejo ....................................................................................... 83

As duas Afrodites: Pandêmia e Urânia ..................................... 95

Sexualidade .................................................................................. 99

Prazer ......................................................................................... 115


Culpa e julgamento ................................................................... 133

Cobiça, Inveja e Ciúme ............................................................ 143

O corpo ...................................................................................... 149

Relacionamentos ....................................................................... 167

Afeto: aquilo que te afeta ......................................................... 193

A beleza ...................................................................................... 205

Reencantamento com o mundo .............................................. 215

Autoestima ................................................................................ 223

Criatividade: a ação da imaginação ......................................... 245

Riso: o caminho mais leve ........................................................ 257

Afrodite e a riqueza ................................................................... 263

Afrodite e os sonhos ................................................................ 269

A deusa alquímica ..................................................................... 275

Guia prático

Mapa alquímico de Afrodite: para transformar e conceber qualquer coisa na


vida .............................................................. 285

A Jornada de Psiquê: uma conduta evolutiva de integração das polaridades


psíquicas ................................................................ 293

“Eros e Psiquê”: o conto .......................................................... 304

Manual de ativação da Afrodite interior ................................. 341

Imaginação ativa ........................................................................ 350


Conexão direta .......................................................................... 356

Referências bibliográficas ................................................................ 358

Antes de qualquer coisa, temos imensa gratidão por confiar no nosso


trabalho.

A gente tem a certeza de que se esse livro chegou até você agora, é porque
tem um sentido e uma contribuição importantes a fazer em sua vida, cedo
ou tarde.

Primeiro, gostaríamos de explicar a abordagem teórica utilizada aqui.

Você vai encontrar durante a leitura elementos da teoria psicanalítica e


outros da psicologia analítica. Algumas pessoas tomam essas teorias como
distantes. Não ignoramos o que elas têm de diferenças, mas reconhecemos
que elas nascem da mesma origem e têm como foco o mesmo objeto de
estudo: a alma. Com isso pretendemos um olhar globalista, enxergar a
totalidade do que está disponível sobre a questão. Cada uma com suas
especificidades, as duas teorias têm a agregar para a nossa jornada!

O que a gente faz aqui é recorrer ao simbolismo psíquico contido nos mitos
e importante para o estudo da psique humana, que os fundadores das duas
perspectivas (Freud e Jung) reconheceram. A gente não toma nenhum lado,
o nosso único foco é na escrita terapêutica. E, se trazemos as diferentes
perspectivas, é para enriquecer a sua imersão no processo de
autoconhecimento proporcionado pela escrita terapêutica.

Aproveitamos, também, para fazer um pedido. Caso você goste de algum


dos textos do livro, e queira compartilhá-lo, não se esqueça de nos
mencionar e, se possível, nos marque em sua postagem nas redes sociais.

@movimentoinspira

@revistainspira

O Livro de Afrodite faz parte da série Oráculo Inverso: as respostas estão


em você.

A deusa mora

em mim.

Eu sou uma

parte da deusa.

Eu sou a deusa.

O caminho da deusa

O Livro de Afrodite é uma alquimia. Ele é um livro, e é também um


caderno. Ou, você pode pensar também, que ele é um livro escrito a várias
mãos. De um lado, nós trazemos a pesquisa histórica e o em-basamento
psicanalítico e filosófico. De outro, você faz a sua parte enchendo essas
páginas com as suas próprias palavras, orientada(o) por 233 perguntas,
provocações e exercícios de escrita terapêutica.

Na parte do livro escrita por nós, sugerimos que você leia sem freios.
Conhecimento é pra já! E aqui fomos fundo nele. Então pode confiar em
todas as informações e referências que você encontrar aqui.

Na parte do livro em que a autora ou o autor é você, vá no seu ritmo! Em


alguns momentos, você vai querer descansar dessa autobusca e é natural se
afastar um pouco dessa interiorização. Outras vezes, você vai se
entusiasmar tanto com os mistérios que for descobrindo sobre si, sobre as
conexões do passado que se repetem no presente e sobre os links entre um
acontecimento e outro, que vai querer fazer mais de um exercício por dia. É
natural, e é maravilhoso também!
Com que frequência devo me abrir às perguntas?

A nossa sugestão é o caminho do meio: alterne os dias. Faça exercícios um


dia sim, outro não. Mas mantenha o compromisso com você!

Assim como as recomendações médicas orientam que você pratique


exercícios físicos regularmente e cuide do seu corpo físico, cuidar da vida
da alma, da mente e das emoções também exige constância.

Então, reserve um tempo do seu dia em que a tranquilidade impere

e prepare um momento especial só para você e O Livro de Afrodite. Uma


boa ideia é criar um alarme no despertador para se lembrar sempre desse
compromisso firmado com você!

É preciso ser um prêmio Nobel de literatura para praticar a escrita


terapêutica?

Durante o processo, não se apegue a nenhuma cobrança. Se você não


souber escrever uma palavra, não se preocupe, não precisa ir olhar no
dicionário e nem travar a sua escrita cultivando algum sentimento de baixa
autoestima intelectual.

Desapegue-se totalmente da ideia da escrita perfeita, rebuscada e da


necessidade de engolir uma sopa de letrinhas. Nem escritores profissio-nais
escrevem tudo correto, caso contrário não haveria necessidade de um
revisor para cada autor. Então, relaxa!

Sinceridade acima de tudo

Também não se cobre do que você vai escrever aqui. Você não vai mostrar a
ninguém. Este livro é uma conversa entre você e a sua Afrodite, e essa é a
primeira coisa que ela pede de você: mais leveza.

Quando você estiver escrevendo, perca o fio da meada. É isso mesmo que
você leu! Permita que as digressões de pensamento ocorram livre-mente.
Sabe aquela ideia que veio do nada e que aparentemente não tem nada a ver
com o que você quer dizer ou aquilo que você pensa que não precisa ser
dito? Escreva! Não se renda à crítica, não mutile os excessos.

“Diga-o mesmo assim, justamente porque você sente uma rejeição diante
disso”, escreve Freud ao explicar como deve agir o analisando em um
tratamento psicanalítico. E aqui nos servimos do mesmo preceito.

Quanto mais sincero e aberto você for ao conteúdo que vive dentro de você,
mais fácil será se relacionar com ele, compreendê-lo e integrá-lo.

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O Livro de Afrodite

Preciso ler o que escrevi?

É natural que os textos e as perguntas deste livro te coloquem em estado


pensativo. Um exercício pode te acompanhar durante toda uma semana e
trazer novos insights e reflexões. Portanto, no final de cada semana,
reescreva aquilo que você pensou em reescrever. De tempos em tempos,
refaça os exercícios e se pergunte: “O que mudou?”. Essa parte é
superimportante. É autoconhecimento puro. Você vai lapidando a pedra
bruta, e o que ficar realmente é seu. Mas isso só é possível quando você se
entrega o máximo possível e sem julgamento. Você está disposta(o) a isso?

Se você for terapeuta, também pode incrementar o seu método de trabalho


com os insights que tiver a partir do Livro de Afrodite.

Este livro pode ser relido em diversas fases da vida. Em cada momento, vai
ser uma descoberta diferente. Você vai perceber que informações, que antes
tinham passado batidas, agora parece que foram escritas especialmente para
essa fase pela qual você está passando.

Se você está lendo este livro pela segunda, terceira ou quarta vez na sua
vida (e ele já está todo preenchido, grifado e rabiscado); se você adquiriu a
versão digital ou se, simplesmente, você quer mais páginas para liberar o
conteúdo inconsciente que há em você, acompanhe com um caderno ao
lado, reservado exclusivamente para anotar as suas respostas, insights e
reflexões.

Escrita terapêutica não é um ato de criar um sarcófago de palavras, a serem


enterradas. Está mais para um altar, em que frequentemente volta-mos para
olhar o que nos é mais sagrado (nós mesmos em essência, com nossas
emoções e sentimentos), recapitularmos o que ocorreu entre uma prece e
outra, e atualizarmos com novos direcionamentos.

Por isso, separe um caderno para as respostas. E em cada resposta dada,


deixe o dobro em branco e siga para a próxima questão somente depois
dessa lacuna. Por exemplo, se sua resposta deu uma página, deixe mais duas
em branco. Ao longo da semana, sempre que a questão voltar à sua cabeça,
releia a resposta e acrescente mais ideias. Depois de um mês ou a qualquer
tempo, faça o mesmo. Se pergunte “o que mudou?”, Inspira -
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“Ainda me sinto assim frente a isso?”, “O que fiz ou deixei de fazer para
melhorar?”.

O texto não está morto. O texto é vivo tal qual você é, tal qual sua Afrodite
se transforma dentro de você.

Este livro também serve para homens?

Toda a referência ao gênero feminino utilizada neste livro não exclui os


homens da conversa e nem está somente direcionada às mulheres, mas se
endereça à parte feminina que reside dentro de cada um de nós, nosso lado
Yin – como os orientais a nomearam. Inclusive, observamos que os homens
– de modo geral – necessitam urgentemente desse encontro com a anima –
como Jung a chamou. Dar esse livro a algum homem que é especial para
você é um ótimo, desafiador e transformador presente.

Isso quer dizer que é preciso finalmente olhar para os aspectos femininos do
eros e desenvolver seu sentido interno de relacionamento, flexi-bilidade,
receptividade, sensibilidade, acolhimento, criatividade e nutrição.
Aspectos esses que faltam também às mulheres, que perderam a escuta de
seus corpos e a entrega a seus próprios chamados interiores, tentando se
encaixar em um mundo competitivo, utilitarista e voltado para a validação
externa.

Redescobrir o feminino é uma necessidade coletiva!

Despertando a consciência divina

A única coisa que nós realmente pedimos que você faça toda vez que for
iniciar uma das sessões de escrita terapêutica que preparamos para você é
que repita as afirmações a seguir em voz alta e observe como você se sente
diante de cada uma dessas premissas. São elas: A Deusa mora em mim.

Eu sou uma parte da Deusa.

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O Livro de Afrodite

Eu sou a Deusa.

É urgente para o seu Self que você se lembre de que há alguma coisa de
especial em você, porque realmente há. Não é arrogância ou prepotên-cia.
Mas esse “quê” de especial te acompanha desde que você foi criada.

Só você tem a sua história e só você pode afetar o mundo da forma que
você é capaz.

Talvez, até agora você não tenha conseguido nomear o que é esse

“algo especial”, e nem precisava. Mas recordar é da ordem do dia. Esse


relembrar da força interior, do seu poder pessoal, é o que fará toda a
diferença no processo de assumir essa parte Afrodite do seu inconsciente.

É o que lhe dará o fôlego e a confiança necessários para assumir o seu


aspecto divino.

Vamos fazer um teste agora!


Repita: “A Deusa mora em mim”.

PRIMEIRAS IMPRESSÕES

Quais sensações essa frase despertou em você?

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Por que a escrita

terapêutica?

Sim. Você vai escrever esse livro junto com a gente! Até porque essa é a
sua Afrodite, e isso é algo pessoal e intransferível.

As características de determinado arquétipo se manifestam e se adap-tam de


formas singulares na vivência especial de cada um, e é inclusive necessário
que isso aconteça: dar a sua assinatura ao complexo que te guia.

Mas isso é assunto para as próximas páginas...

Você vai escrever este livro porque escrever é uma forma de acessar a si
mesma(o) e fazer as vozes interiores serem ouvidas. Escrever é organizar o
seu próprio mito. É também uma forma de entender e criar a sua história.

E essa é uma das propostas d ’O Livro de Afrodite. Conhecimento que não


se esgota nos pontos finais de cada parágrafo, mas que ressoa na sua
consciência e que promove um aspecto terapêutico também.

Por isso que a gente optou por esse método que funciona em duas etapas.

Na primeira: informação, simbolismo e reflexão.

Na segunda: provocação, escrita terapêutica e convite à ação.

A escrita terapêutica é uma forma de catarse, autoanálise e


autoconhecimento que promove benefícios cientificamente comprovados
para a saúde mental e também para a saúde física e social.

Entre alguns dos seus pontos positivos estão a superação de traumas, o


controle emocional, a gestão da reatividade, a melhora no sistema
imunológico, o apaziguamento da compulsão alimentar – e, com isso, o
controle do peso –, a melhora nos relacionamentos interpessoais, a evolução
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criatividade e mais eficiência no trabalho e na vida.

Como essa mágica acontece? À medida que preenchemos as linhas com os


nossos pensamentos e emoções, trabalhamos com as duas áreas do nosso
cérebro em conjunto: a racional e a emocional. Assim, podemos canalizar e
analisar as nossas emoções, e solucionar questões, de forma criativa, para
os nossos problemas cotidianos.

O renomado jornalista científico Daniel Goleman escreveu sobre essas duas


áreas do cérebro como uma delicada sinfonia em que, para a execução
perfeita da música, um lado deve cooperar mutuamente com o outro, eles
são interdependentes. Assim, o autor afirma que: “(...) quando são as
emoções que dominam, o intelecto não pode nos conduzir a lugar nenhum”,
nosso racional fica inoperante. E o oposto também é verdadeiro.

Segundo ele, “o intelecto não pode dar o melhor de si sem a inteligência


emocional”.

Nesse sentido, vemos a escrita terapêutica como o maestro capaz de


equilibrar o nosso lado mais racional e também a inteligência emocional.

Ela extrai o melhor dos dois mundos.

Essa é a visão da neurociência, mas há também a da Psicanálise. Her-deiro


do pensamento de Freud, o psicanalista francês Jacques Lacan declarou que
“o inconsciente é estruturado como uma linguagem”, e é através dela – seja
falando, lendo e, também, escrevendo – que conseguiremos chegar aos
conteúdos e imagens que povoam a nossa psicologia mais profunda.
A escrita terapêutica é uma técnica bastante acessível. Você só precisa de
papel, caneta, vontade de escrever e solitude para se concentrar nesse
processo de interiorização.

O poeta cubano José Martí tem uma frase famosa: “Há uma coisa que um
homem deve fazer na sua vida: plantar uma árvore, ter um filho e escrever
um livro”.

Brincadeiras à parte, no que diz respeito ao livro você já pode dar um check
na sua lista e começar a sua jornada! Você está prestes a escrever o seu
Livro de Afrodite!

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O Livro de Afrodite

O que é arquétipo

e como ele pode

me ajudar?
Sabe aquele senhorzinho cheio de sabedoria que aparece nos filmes e nos
livros? Dumbledore, Mestre Yoda, Obi-Wan Kenobi, Senhor Miyagi, o
mago Merlin, Lodovico Settembrini e tantos outros? O planeta Saturno,
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na astrologia, que ensina pelo amadurecimento; o arcano nove do tarot, o


Eremita, que se isola na natureza e alcança conhecimento... Quantas vezes
você já se deparou com um velho sábio? Ele parece que está em toda a
parte!

O velho sábio ou senex (como também é chamado), filósofo bondoso que


acalma e instrui com suas histórias, detentor daquela sabedoria que só se
consegue por meio do tempo, não é uma invenção de Hollywood. São
inúmeros os contos que se referem a essa figura ancestral. O velho sábio é
um dos muitos padrões lógicos atemporais identificados ao longo da
história das culturas.

E por que essa figura se repetia em tradições distintas e foi tão forte a ponto
de sua imagem chegar até nós? Por que povos separados no tempo e no
espaço se referiam com a mesma reverência ao velho sábio? Trata-se da
observação da natureza das coisas, a natureza da qual fazemos parte. O

velho sábio incorpora características que fazem parte da natureza, assim


como nós.

O mitólogo Joseph Campbell, depois de estudar uma infinidade de tradições


antigas, afirmou que, na maior parte das mitologias, as deidades

– por exemplo – são personificações de energias da natureza, e que essas


energias estão também dentro de nós, uma vez que também somos
formados por partículas da natureza.

O velho sábio, então, é a fórmula consciente de um padrão da natureza. A


constatação de que a experiência do tempo traz a capacidade de adquirir
sabedoria e dominar o modus operandi da vida.
Esse sereno portador do conhecimento do tempo e das coisas, o velho sábio,
portanto, personifica uma energia, uma força natural que vive no
inconsciente. O psicoterapeuta suíço Carl Gustav Jung enxergava isso como
um modo herdado de funcionamento psíquico, um conteúdo que seria
eternamente comum ao espírito humano e que renasceria de novo em cada
novo ser humano: um arquétipo.

Os arquétipos, na Psicologia Analítica, são conteúdos do inconsciente


coletivo que assumem matizes diversas na vivência singular de cada pes-18

O Livro de Afrodite

soa. Eles podem aparecer em fantasias, sonhos, rompantes criativos, ideias


delirantes, ilusões, complexos psicológicos...

O arquétipo do velho sábio é apenas uma das muitas potencialidades que a


natureza oferece a você. Talvez, você o desperte raramente, quando dá um
conselho legal a um amigo. Ou, quem sabe, você viva isso intensamente no
papel que representa dentro da sua família, por exemplo.

Determinadas fases da vida fazem com que diferentes energias dentro de


você assumam o controle dos seus modos de ser e de se expressar no
mundo. Várias dessas energias podem estar ativas ao mesmo tempo
também. Sabe quando, no trabalho, você ativa o velho sábio, dando
conselhos aos colegas recém-contratados e explicando o entendimento dos
processos; e, em casa, em seus relacionamentos familiares, manifesta o puer
aeternus – a eterna criança que quer colo e nenhuma responsabilidade?

Pode acontecer também!

Mas muito antes da descoberta do inconsciente, de Freud analisar as


tendências à repetição e à construção de padrões e de Jung identificar e
nomear esses arquétipos, os antigos gregos (e vários outros povos) orga-
nizavam essas energias que estão em nossa psique e explicavam esses
padrões que assumem a direção da nossa vida. Eles os chamavam de deuses
e deusas.
Esses povos antigos trouxeram à superfície o simbolismo do inconsciente,
daquela força que eles observavam dominar suas vidas interiores, e as
traduziram em fórmulas conscientes transmitidas pela tradição por seus
aedos contadores de histórias.

A saga de cada deus ou deusa ajuda a orientar a trajetória dos heróis,


heroínas, deuses e deusas que vivem no inconsciente de cada um.

Não estamos falando de algo religioso. Entender os arquétipos não é negar a


sua fé e passar a cultuar os deuses dos gregos. É, sim, absorver o simbólico,
pois o símbolo é a linguagem com a qual o inconsciente se comunica e com
a qual vamos nos comunicar com ele. Para nós, esses deuses e deusas
objetos de veneração serão vistos como a personificação de uma energia
que habita o indivíduo, e que deve ser sacralizada como tal.

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Para Joseph Campbell, esses mitos são “a sabedoria da espécie”, com a qual
“o homem conseguiu resistir e atravessar os milênios”. Como isso
funciona? O estudioso Mark Schorer escreveu uma definição bem didática
do que esses mitos são capazes de fazer na nossa vida. Ele escreveu: “Um
mito é uma imagem grande e controladora que dá significado filosófico aos
fatos da vida cotidiana, isto é, que tem valor organizador para a
experiência”. Sem ele, vivemos no caos de nossas próprias imagens, desejos
e conteúdos interiores. Os mitos fornecem um centro de apoio para
entendermos a nós mesmos a partir da sabedoria dos que vieram antes.

Os antigos deixaram em sua mitologia um catálogo detalhado de tipos


psíquicos e de padrões psicológicos que se recombinam e se repetem em
cada ser humano a seu modo. Eles nunca se esgotam e há sempre um mito
por ser descoberto e desvendado na natureza humana. Conhecer esse
sistema simbólico é uma forma de entender a si mesmo, se aceitar como
indivíduo e transcender, porque é só quando nos aceitamos que podemos ser
melhores ainda.
Mas, para isso, esse conhecimento deve ser resgatado das poeiras do tempo,
que o soterraram. É preciso escavar, tirar a poeira, traduzir a linguagem dos
símbolos e ter o êxtase de se reconhecer no mito. Só assim essas forças da
psique poderão ser reconhecidas e integradas em nossas vidas com mais
consciência e melhor proveito. Assim, encontraremos o sagrado dentro de
nós.

Você não precisa ser nenhuma intelectual para ser tocada por esse conteúdo.
Confie!

Afrodite vai te pegar pela mão com amor e te iniciar nessa jornada!

20

O Livro de Afrodite

No princípio era o

amor...

E o amor estava com a Deusa, e o amor era a Deusa.

Muito se falou e ainda se fala sobre o amor. Fala-se tanto que, às vezes, a
impressão é que de tanto falar sobre ele, seu significado se perde no ar. O

sentido de amor foi esvaziado, e colocaram outra coisa em seu lugar. Ele se
reduziu à companhia, estar junto, trocar carícias, ter um par para exibir por
aí ou – e este último em nada tem a ver com o verdadeiro amor – te fazer
fugir ainda mais de você.

É senso comum que demonstrar amor é piegas, ridículo, sinônimo de


fraqueza ou de ingenuidade. Muito se discute sobre o amor, pouco se ama.

Talvez, o amor tenha virado uma coisa que pouca gente sabe o que é. Algo
que se perdeu na tradução.

O amor é muito mais do que ganhar flores e coraçõezinhos de chocolate no


Dia dos Namorados.
O amor criou tudo. Ele é a força suprema criadora do universo. Ele é da
dança de atração dos átomos. Ele é a Lei da Gravitação, que sujeita todas
partículas e matérias a um encontro, um em direção ao outro, e que assim
mantém cada coisa em seu lugar.

Ele é a profunda atração entre as moléculas, que se comprimiram mais e


mais, até explodirem num ato de paixão criativa – que alguns chamam Big
Bang – dando origem à toda a vida na Terra.

Ele é a união entre duas energias antagônicas que gerou você!

Ele é a cola capaz de agrupar pessoas em torno de uma ideia, família,


nação...

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Ele é o que fundou a civilização, essa ideia de um conjunto de pessoas se


organizarem de forma voluntária para a sustentabilidade do todo.

Não foi o fogo, nem a roda e, sim, um osso quebrado e cicatrizado.

Essa é a evidência científica que comprova que o que nos tirou da barbárie
e instaurou a civilização foi o amor. A antropóloga Margaret Mead
defendeu isso por toda a sua carreira. Para ela, o fato de ter sido encontrado
um fêmur cicatrizado em uma cultura antiga é o primeiro sinal de
civilidade.

Em sua linha de raciocínio, aquele ser humano que quebrasse a perna em


meio à natureza selvagem morreria: não poderia se salvar dos perigos,
beber água nos rios, caçar sua própria comida. Seria um peso para o grupo e
seria deixado para a morte, para se tornar presa dos predadores.

Mas há um osso cicatrizado. As evidências estão ali. Alguém dedicou


tempo e cuidado ao ferido até que ele estivesse recuperado. Essa pessoa
provavelmente abdicou de condições mais confortáveis que teria se
estivesse acompanhando o grupo, sem ficar para trás carregando o que
poderia ser entendido como um fardo. Isso é amor!

O amor é o oposto do “cada um por si”. Mas essa não deve ser uma ideia
muito legal dentro de uma sociedade cujos discursos são estruturados para a
individualização, desintegração e, paradoxalmente, para o en-fraquecimento
da mente individual e coletiva.

Quando não temos certeza de que somos amados e o amor passa a ser um
conceito recalcado e pouco compreendido, transferimos uma espécie
empobrecida de amor para as coisas, para os objetos, para próteses que
farão nos sentirmos melhores – pois se não há amor, somos incapazes de
amar até a nós mesmos – e, dessa forma, as coisas (e não os seres) passam a
ter valor.

Nesse sentido, mesmo aquilo que é gente, e não coisa, passa a ser coi-
sificado para atender a esse buraco que criamos e que talvez ainda não
compreendemos muito bem que é: a falta de Afrodite.

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O Livro de Afrodite

Por que Afrodite

precisa ser integrada?

E se eu te contar que houve uma época em que o grande regente espiritual


do mundo era intuído como uma mulher? E se Deus vivesse em um corpo
feminino? Que impactos essa simples mudança de princípio – do masculino
para o feminino – afetariam a maneira como vivemos? Será que as
mulheres viveriam com medo? Será que o amor seria encarado como tolice?
Os homens teriam que passar por tantas mutilações no Ser? Seria pecado
estar junto de quem se ama? Como usaríamos os recursos naturais? Que
status teria a arte e a beleza? Será que teríamos mais ou menos guerras? O
que significaria ser uma pessoa de sucesso nessa realidade dis-tópica? Que
valores seriam considerados virtudes?
Parece estranho, mas poderia ser assim. Tudo poderia ser diferente do
mundo como conhecemos hoje. Um dos primeiros temas artísticos de que
temos notícia na história da humanidade é uma representação da Deusa nua
– plena em seu corpo criador de vida, nutrição e reprodução – em forma de
estatueta, que foi batizada pelos arqueólogos como a Vênus do Paleolítico.
Ela data de aproximadamente 25.000 a.C. A partir disso, o mitólogo Joseph
Campbell ousou dizer que “A mulher é, portanto, o primeiro ser adorado do
mundo humano”.

Essa não é uma estátua isolada. Do oeste da França até o lago Baikal, nas
fronteiras da China, foram encontradas estatuetas no mesmo padrão.

A arqueóloga Marija Gimbutas dedicou grande parte da sua vida reu-nindo,


classificando e fazendo a descrição interpretativa de milhares de artefatos
colhidos no que sobrou das vilas neolíticas. Objetos simbólicos que
datavam de cerca de 7.000 a 3.500 a.C. Sua conclusão foi a de que esses
sinais apontavam para uma religião que venerava o universo como Inspira -
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23

sendo o corpo vivo da Deusa Mãe Criadora, toda a criação era sua prole e,
portanto, descendente de sua divindade. A mulher encarnava o mesmo
mistério da natureza que fazia nascer, nutria e transformava.

De acordo com Marija, essa era uma sociedade matrilinear, pacífica, que
acolhia os homossexuais e tendia a um balanço econômico com base na
agricultura. Joseph Campbell traz a informação de que os únicos utensílios
de cobre encontrados nesse contexto eram ferramentas de arar o solo,
nenhuma arma. Não existem provas para que a gente pense que tudo era um
paraíso, e nem queremos te induzir a imaginar isso, mas o princípio
feminino estava bem integrado.

A partir de 3.500 a.C, os povos nômades indo-europeus e semitas teriam


começado a chegar em massa nessas regiões da Deusa, alterando todo o
sistema e superpondo suas crenças de orientação patriarcal. Para eles, Deus
era um homem, divino pelas características guerreiras de caça, dominação e
competição; as mesmas características vitais para a sobrevivência desses
povos, que vivam do que encontravam no caminho.

A Deusa, una, todo-poderosa, detentora da vida e da morte, do amor e da


guerra, do prazer e do desprazer foi fragmentada em pedaços de si, em
deusas menores. É como no simbolismo do tarô: o esplendor da Impera-triz
se divide entre as rainhas dos arcanos menores.

Para cada fragmentação, um casamento com um deus dos povos


dominadores, e um papel mais secundário. Algumas deusas, como é o caso
de Afrodite no panteão grego, eram tidas em um nível ainda mais inferior:

“selvagem”, “lasciva”, “perigosa”. As características dessa Deusa ainda


chocam em pleno século XXI: “Essa não é para casar”.

E já sabemos como isso continuou na história da mulher! Como explica


Simone de Beauvoir em sua extensa pesquisa reunida sob o título O

Segundo Sexo, a mulher foi encarada como o Outro dentro da construção do


social, cuja referência, centro e base era sempre o Homem. O Outro é a
alteridade, aquilo que não é igual ao Nós. Que tipo de autoimagem uma
mulher, por mais empoderada que seja, podia construir de si dentro desse
modelo cultural? Que tipo de relação com o feminino (fora e dentro de si)
24

O Livro de Afrodite

um homem adotaria: repúdio, medo, impotência?

Com a aparição e a consolidação do cristianismo no Ocidente, entre os


séculos IV e XVIII, as coisas mudam de novo. Afrodite foi uma das
deidades antigas mais reprimidas pela nova cultura. Ela é ainda mais re-
baixada. Tudo que ela representava foi banido, repreendido, varrido por
debaixo dos panos. O prazer, a sexualidade, o que é belo, a espontaneidade
das emoções, o encantamento pelo mundo, as sensações, a imaginação e o
próprio feminino foram juntos com Afrodite. Todos foram excluídos da
hierarquia de valor e tratados como temas sujos e proibidos durante os
últimos séculos da história do Ocidente.
Há uma frase do escritor Stewart Farrar que afirma: “os deuses da antiga
religião sempre se tornam os diabos da nova”. Afrodite, a deusa grega da
sensualidade, beleza, inspiradora do amor e da união, não combinava com
as pretensões da moralidade cristã e foi transformada em um aspecto
demoníaco, algo a ser reprimido e até mesmo perseguido e queimado nas
fogueiras da Inquisição.

Os pecados capitais são a encarnação do sentir, o campo de Afrodite; e


Lúcifer, o diabo cristão, pega de empréstimo o codinome da deusa: “a
estrela da manhã”.

Mas como explica a Psicanálise: tudo o que é reprimido retorna, e retorna


com muita força.

Freud escreveu certa vez que “Os instintos não se deixam reprimir; e seria
pueril imaginar que, no caso de serem reprimidos, só por isso dei-xassem de
existir. A única coisa que se pode conseguir é fazê-los retroce-der do plano
consciente para o do inconsciente, mas em tal caso eles se acumulam
perigosamente deformados, no fundo do espírito, e com sua constante
fermentação dão origem a inquietações nervosas, perturbações e doenças”.

Essa tentativa de repressão colocou Afrodite na sombra, na camada


sufocada. E a conta não sai barata!

De onde você acha que vêm a liquidez dos afetos, a hiperexcitação Inspira -
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25

por objetos, o desejo desviado do amor para o trabalho e a competição, o


enaltecimento do utilitarismo, do grotesco, o desencantamento pelo mundo,
a falta de empatia pelo que é vivo e, claramente, o desamor? Tudo o que é
reprimido nesse sentido volta, como a pornografia no lugar do sexo,
suplantando o prazer das coisas como realmente são.

O corpo e as emoções são as únicas coisas que possibilitam consumo


infinito, declarou a socióloga Eva Illouz: “A partir dos anos 70, o capita-
lismo entendeu que o mercado de bens materiais é limitado por definição
– não se pode comprar cinco geladeiras ao mesmo tempo”. Mas enquanto
há vida, haverá corpo e emoção para serem “melhorados”. O desejo foi
instalado e hoje Afrodite se tornou ela própria um produto. “Essa crescente
sexualização se produz em um contexto em que o indivíduo se torna
mercadoria. Hoje nos consumimos uns aos outros e mostramos o espetáculo
de nossos próprios corpos aos outros”, completa a estudiosa.

Por onde anda Afrodite?

“Aquilo que alguma vez ganhou vida sabe se manter de forma tenaz.

Às vezes, poderíamos questionar se os dragões dos tempos primevos


realmente foram extintos”, escreveu Freud. Em outras palavras, todas as
acepções ou superstições humanas aparentemente superadas vivem para
sempre nas camadas mais profundas dos povos civilizados.

Mais que uma deusa ou um mito, Afrodite é, como afirmou Jung, um


arquétipo, algo inerente à psique humana – seja qual for a sua identidade de
gênero.

Afrodite foi relegada a uma camada profunda do inconsciente. Ela está


soterrada embaixo de escombros, ruínas, muita sujeira e peso criado pela
cultura. Ela deve ser resgatada em cada um de nós. É esse resgate que dará
a possibilidade da reparação de todas essas temáticas necessárias ao
desenvolvimento pessoal e coletivo.

Precisamos de Afrodite caso queiramos nos redescobrir humanos.

26

O Livro de Afrodite

“Me cobrir de

humanidade me

fascina e me

aproxima do céu”.
Zélia Duncan e Moska

Ela é a força motriz da vida e conversa em essência com os nossos desejos,


pulsões e instintos. Uma pessoa sem Afrodite é uma pessoa que não se
conectou à vida, não se rendeu ao eterno Mistério, não se encanta mais com
nada e está tão desconectada dos barulhos de dentro que não sabe nem mais
fazer escolhas. Ela não sabe impor limites, nem defender seu território. Ela
pensa que o corpo é uma prisão, e que a vida acontece somente do pescoço
para cima. Ela não sabe o que é prazer e reclama de tédio. Ela está
completamente alheia, perdida de si mesma.

Se você quer se desenvolver como pessoa, a Deusa do Amor te ensina sobre


amor-próprio. Se o seu problema são os relacionamentos, Afrodite explica o
que é amor, o que é sentir de verdade e também o que é ter dignidade dentro
de uma relação. Ela é um caminho de iniciação. Ela é a capacidade de
transformar tudo em vida. Ela cria novas realidades, fertiliza possibilidades
e faz nascer beleza. “Ao redor relva crescia sob esbeltos pés”, declamou
Hesíodo. Por onde ela passa, ela deixa a sua marca de vida nova, fresca e
exuberante.

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TESTE

Como vai a sua

Afrodite?

Como está a minha Afrodite interior?

Essa pergunta pode ser feita a qualquer momento ao longo do percur-so do


Livro de Afrodite. No teste que propomos, você pode ter um diagnóstico de
como está a sua Afrodite interior.

O teste é composto por perguntas relacionadas ao arquétipo de Afrodite:


amor, beleza, prazer e sexualidade. Cada tema é destrinchado em questões
instigantes e provocadoras.

Funciona assim: você lê as frases abaixo e marca logo abaixo o quanto cada
afirmação corresponde às suas próprias opiniões e modos de ser.

Você se identifica “muito”, “um pouquinho” ou “nada”? Depois conte qual


dessas opções foi a mais escolhida e veja o resultado.

Se você sentiu uma maior dificuldade em responder determinada questão,


preste atenção no tema e se dedique a trabalhá-lo com as reflexões e os
exercícios do Livro de Afrodite.

De tempos em tempos, volte ao teste para examinar como está a sua


Afrodite.

Para me sentir bem, preciso me achar bonita.

Nada a ver comigo. Me identifico um pouco. Muito eu!

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Se me acho bonita, me sinto bem para enfrentar o mundo.

Nada a ver comigo. Me identifico um pouco. Muito eu!

Cuidar da minha aparência é uma das minhas prioridades diárias:


atividade física, banhos longos, cuidado com os cabelos, skin care e
escolha do vestuário são presenças fixas na minha rotina.

Nada a ver comigo. Me identifico um pouco. Muito eu!

Gosto de ser acariciada por quem eu amo. Para mim, isso é uma forma de
conexão.

Nada a ver comigo. Me identifico um pouco. Muito eu!


Meu corpo é um território que eu gosto de desbravar por meio dos sentidos
(me tocar, me perfumar, me ver refletida no espelho, me escutar e saborear
gostos que me causem prazer).

Nada a ver comigo. Me identifico um pouco. Muito eu!

Adoro me ver no espelho e meu corpo não é algo de que me envergonho.

Nada a ver comigo. Me identifico um pouco. Muito eu!

A paixão é a chama que deve ficar sempre acesa para que o


relacionamento dure.

Nada a ver comigo. Me identifico um pouco. Muito eu!

Nas minhas relações, sexo é uma parte muito importante.

Nada a ver comigo. Me identifico um pouco. Muito eu!

30

O Livro de Afrodite

Me excito facilmente e frequentemente durante meu dia.

Nada a ver comigo. Me identifico um pouco. Muito eu!

Me sinto sexualmente livre para explorar meus desejos sem culpa.

Nada a ver comigo. Me identifico um pouco. Muito eu!

Quero uma casa confortável e bem decorada seguindo o meu gosto, com
tudo aquilo que eu acho mais bonito.

Nada a ver comigo. Me identifico um pouco. Muito eu!

Vejo a comida como uma forma de me trazer prazer.

Nada a ver comigo. Me identifico um pouco. Muito eu!


Minha relação com a alimentação é harmônica.

Nada a ver comigo. Me identifico um pouco. Muito eu!

Minha vida social é bastante movimentada. Gosto de ter contato com


pessoas!

Nada a ver comigo. Me identifico um pouco. Muito eu!

Quando criança, eu adorava me vestir de “gente grande”.

Nada a ver comigo. Me identifico um pouco. Muito eu!

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Eu era uma criança bastante desinibida, que adorava ser o centro das
atenções.

Nada a ver comigo. Me identifico um pouco. Muito eu!

Durante a infância e a pré-adolescência, sempre criava fantasias


apaixonadas com famosos.

Nada a ver comigo. Me identifico um pouco. Muito eu!

Música, arte, cinema e teatro, moda e beleza estão entre os meus principais
passatempos.

Nada a ver comigo. Me identifico um pouco. Muito eu!

Gosto de apreciar a beleza em seus detalhes (ex.: numa paisagem, num


quadro, numa pessoa...).

Nada a ver comigo. Me identifico um pouco. Muito eu!

Quando perco a atração por alguma coisa, não consigo continuar naquela
situação.
Nada a ver comigo. Me identifico um pouco. Muito eu!

Me considero uma pessoa “fogo de palha”. Me empolgo no início, mas isso


não dura muito.

Nada a ver comigo. Me identifico um pouco. Muito eu!

Gosto de ver fotos bonitas e feeds harmonizados nas redes sociais.

Nada a ver comigo. Me identifico um pouco. Muito eu!

Busco referências de estilo e beleza na internet.

32

O Livro de Afrodite

Nada a ver comigo. Me identifico um pouco. Muito eu!

Gosto de ser fotografada e postar minhas fotos nas redes sociais.

Nada a ver comigo. Me identifico um pouco. Muito eu!

É uma decepção quando não curtem minhas fotos nas redes sociais.

Nada a ver comigo. Me identifico um pouco. Muito eu!

RESULTADOS

Mais “nada a ver comigo”


Afrodite em queda
Parece que a sua Afrodite interna está respirando por aparelhos. Talvez,
você tenha até sintomas físicos disso como TPMs de muito mal-humor,
cólicas e dores de cabeça. Os antigos gregos eram sábios em dizer que se
deve reverenciar a todos os deuses. Caso contrário, você verá a fúria deles
em sua vida. Mas este é o livro que vai te ajudar com isso! Em um nível
simbólico, a fúria do arquétipo de Afrodite é vista quando essa força do
enamoramento pela vida, do amor e da vitalidade está debilitada ou tratada
como algo sujo, sombrio, dentro de você. Talvez você tenha dificuldade em
se relacionar com as pessoas e em encontrar o seu próprio valor e a beleza
na vida. A fúria de Afrodite também pode ser notada nos excessos e em
vícios de todos os tipos, em dependência emocional e baixa autoestima.

Mais “um pouquinho a ver comigo”


Afrodite quer sair da concha
Sua Afrodite está querendo sair da concha, mas é preciso se permitir Inspira
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um pouco mais. Mais encantamento com o que há de belo na vida, mais


imaginação, mais sensorialidade, mais amor (por si e nas relações). Dar
mais espaço para a sua Afrodite interior é redescobrir o seu poder e
magnetismo pessoais, relembrar que você é mais interessante do que
imagina e que o amor pode tudo.

Mais “tudo a ver comigo”


Afrodite na sala de controle
Nessa configuração, o arquétipo de Afrodite talvez esteja tomando conta da
sala de controle da sua psique. Isso pode se manifestar de formas
maravilhosas. Você provavelmente sabe apreciar as coisas boas da vida,
viver no presente e valorizar você e os seus próprios desejos. Mas isso não
quer dizer que está tudo às mil maravilhas, o excesso também pode
esconder uma falta ou causar sofrimentos. Afrodite na sala de controle pode
agir como uma tirana te escravizando pelos prazeres e te impedindo de
colocar limites que são saudáveis para o desenvolvimento de qualquer
pessoa. Ela também pode nos tornar imediatistas, inconsequentes e blo-
quear a percepção do outro, nos tornando irresponsáveis afetivamente, o
que sabota qualquer relacionamento interpessoal.

34

O Livro de Afrodite

As faces de Afrodite

Personalidades fictícias e históricas que constelavam o arquétipo de


Afrodite.
Cleópatra
A Rainha do Nilo é sempre lembrada por sua “vaidade” e “promiscuidade”.
A história relegou à Cleópatra uma péssima reputação, mas não era nada
disso. A regente do Egito falava uma dúzia de idiomas, era extremamente
inteligente e curiosa com tudo. Entre seus interesses estavam a beleza (ela
foi autora de um famoso livro sobre o tema e tinha uma rotina de beleza
repleta de cosméticos e cuidados), a matemática, a filosofia, a astronomia,
as artes da guerra e a política. Ela agia de forma diplomática, falando
sempre na língua de seus interlocutores e usando a simpatia como sua
principal arma. Segundo a escritora Stacy Schiff, a rainha tinha a
capacidade de tornar os ambientes agradáveis com a sua conversa. Assim
se-duziu dois dos maiores chefes romanos de seu tempo: Júlio César e
Marco Antônio. Cleópatra era fruto de uma sociedade em que a mulher
gozava de liberdades e não via sua feminilidade como um tabu.

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Giacomo Casanova

Foi um escritor e aventureiro italiano. Prova de que Afrodite não é


manifestada somente em mulheres – inclusive, por muito tempo os homens
se empossaram dos temas de Afrodite. O campo que Casanova gostava de
explorar era o terreno dos prazeres: a volúpia, a comida, a beleza e o
dinheiro eram as joias que buscava na sua jornada. Tudo era experiência!

Viveu como se o que apimentasse a sua existência fosse a variabilidade e a


troca, voltado a um Carpe Diem do prazer, o que o fez também um tra-
paceiro, falseteando a voz conforme a música que os poderosos queriam
ouvir.
Madame Bovary
Quando Gustave Flaubert lançou esse romance em 1856, recebeu uma série
de acusações da crítica puritana e foi inclusive levado aos tribunais por
atentado ao pudor. “Como poderia uma mulher decidir sua própria vida?”,
argumentavam os advogados de acusação. Emma Bovary é uma mulher
movida por fantasias sobre o amor. Para ela, o amor seria aquilo que
imaginava nos romances-folhetins que lia. Isto é, um portal para uma vida
de encantamento e felicidade perpétua. Quando se casa, a vida mor-na que
leva lhe causa uma enorme frustração. Emma vive entre o mundo real e o
de suas idealizações. A filha que tem com o marido é, inclusive, relegada ao
abandono materno. A partir de então: tédio, consumismo, escapismo e
adultério, os sintomas de uma Afrodite em desequilíbrio.
Morgana das Fadas
A sacerdotisa de Avalon entende seus fluxos de energia internos e consegue
enxergar a sua sexualidade como sagrada. É amante da boa música, fiel às
suas próprias convicções e dona de uma consciência aberta e empática. Por
vezes, sua sexualidade pode lhe colocar em maus-lençóis na perspectiva da
sociedade. Por outro lado: se melindra com as opiniões dos outros e pode
ser bastante impulsiva em suas decisões, movida pelo calor do momento.

36

O Livro de Afrodite

Elizabeth Taylor

A atriz que deu vida à Cleópatra na era de ouro de Hollywood subiu ao altar
oito vezes. Um de seus maridos chegava a ser 20 anos mais velho que ela, e
um de seus namorados, 30 anos mais jovem. Antes de completar 18 anos,
um magnata do ramo cinematográfico ofereceu uma quantia em dinheiro
para que Elizabeth se casasse com ele, ela negou. Ao que parece, mesmo
conturbados, seus relacionamentos eram fruto de seu próprio desejo. Já foi
chamada de “destruidora de lares” por se relacionar com um homem casado
e chocou a sociedade americana quando revelou que tinha um
relacionamento aberto com seu quinto marido. Cada um tinha diver-sos
amantes e viviam rodeados de diamantes, pinturas e beleza.
Carmen
A cigana espanhola da ópera de Georges Bizet foi uma personagem inédita
em sua época. Carmen é uma mulher que tem a liberdade como guia.

Ela escolhe o seu próprio destino e não parece sentir culpa por ter um
comportamento considerado “amoral” ou volúvel quanto aos parceiros com
que se relaciona. “O amor é a cria do boêmio. Ele nunca jamais conheceu
qualquer lei”, canta a cigana na habanera, que continua com um alerta: “Se
eu te amo, tome cuidado”. Carmen seduz os homens com sua sensualidade
e, por não poder ser quem ela é, tem um triste fim. O filósofo Friedrich
Nietzsche chegou a assistir a essa ópera 20 vezes: “Finalmente, o amor,
amor traduzido novamente em natureza. Não o amor de uma

‘virgem suprema’! Mas amor como uma fatalidade, cinismo, inocência,


crueldade e precisamente como uma peça da natureza!”, descreveu ele em
uma carta.
Tristão
O protagonista do conto medieval Tristão e Isolda corajosamente escolhe o
amor em vez do casamento, a instituição social que, na época em que se
passa a história, transformava as alianças políticas e financeiras em uniões
familiares. Tristão se descobre enamorado da prometida do tio e mesmo
com o destino de morte e angústia que o aguarda como punição, ele aceita o
amor.

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Maria Antonieta

A rainha guilhotinada da França era dada à noite parisiense, onde nos bailes
de máscaras podia se libertar da figura de rainha e viver os prazeres do
flerte e da interação com as pessoas. “Para a jovem Maria Antonieta nada
além de seu próprio prazer é importante nesse mundo”, escreveu Stefan
Zweig. Ela gostava também do teatro, chegando a atuar em algumas peças
da corte. Para essas peças, só convidava as pessoas de quem ela gostava,
excluindo boa parte da nobreza e alimentando a perseguição que muitos
tinham com ela. Cercada por pressões políticas e pelas cobranças da parte
da mãe, que a cobrava um filho e mais influência na governança da França,
Maria Antonieta usava a moda como uma ferramenta política, para se
aproximar dos camponeses, como por exemplo quando trocou os
espartilhos por calças e roupas mais leves; ou mesmo para se impor diante
de uma nobreza que não a levava a sério. Ela inventava tendências de
comportamento e contornava a tradição e a opressão que lhe cabia com a
sua criatividade.
Helena de Troia
A rainha espartana é, na Ilíada, o elo que liga os eventos da Guerra de
Troia. Considerada a mulher mais bela do mundo, Helena se torna propina
nas mãos da Deusa da Beleza. Afrodite oferece o amor de Helena a Páris,
de Troia, para que ganhe um concurso. Helena, porém, já é casada com
Menelau, e o resultado disso é uma guerra de dez anos. Desde antes de se
casar, no entanto, seu pai vivia preocupado com a fúria que a escolha de um
cônjuge para Helena geraria nos demais pretendentes. Todos os homens
queriam tê-la como troféu e se aproveitar de sua carne. Mas, dentro de seus
limites, Helena conduzia suas próprias escolhas. A personagem fala dos
desafios de encontrar prazer e fidelidade a si mesma em uma sociedade que
a objetifica, e da necessidade de criar seus próprios caminhos.
Claude Monet
Apesar de Afrodite ser a deusa de todos os artistas, as pinturas de Monet
traduzem o arrebatamento pelo simples, por aquilo que nossos olhos já 38

O Livro de Afrodite

estão acostumados a ver. Sua musa inspiradora era a natureza, um passeio


pelo campo, a luz do sol incidindo no lago de sua fazenda em Giverny,
lugar no qual ele criou seu éden pessoal, jardins paradisíacos e um ambiente
digno de um mundo mágico: mas era apenas a boa e velha natureza.

Monet se demorava nas paisagens que o cercavam e conseguia encontrar e


sentir a beleza em todo lugar, integrada a sua vida. Como ele mesmo
afirmou: “Todos os dias eu descubro mais e mais coisas bonitas. É o
suficiente para enlouquecer”.
Madonna
Quando ninguém parecia ter coragem de fazer, a cantora foi lá e falou de
masturbação feminina, virgindade, sexo antes do casamento, homos-
sexualidade e a própria vivência erótica das mulheres. Madonna foi alvo de
muitas críticas, teve trabalhos censurados, o Papa protestando contra ela, a
polícia tentando invadir seu show e uma greve de trabalhadores que pediam
como exigência que ela não se apresentasse em Roma. Madonna trouxe a
discussão sobre a igualdade feminina para o assunto do dia e isso gerou
consequências culturais que podemos ver em todo lugar.

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bRINDE exclusivo

Meditação

A Meditação de Ativação de Afrodite e a Meditação do Amor-Próprio estão


dentro do pacote que você baixou. Elas são pontes para você se conectar
com sua Afrodite interior.

O amor-próprio é um dos mais importantes ensinamentos que a Deusa


Afrodite nos deixa: ao aprendermos a nos amar, com todas as virtudes que
orbitam o amor-próprio, também amamos o outro, pois a aura do amor
envolve tudo o que está ao redor. Esse é o poder transformador e
transmutador para a criação de um mundo com mais amor e beleza.

Indicamos que faça as meditações antes ou logo após interagir com O

Livro de Afrodite – ou sempre que se lembrar.

As meditações contêm poderosas afirmações para despertar a sua Afrodite


interior. Essas afirmações devem ser repetidas mentalmente com atenção,
intenção e convicção.
A prática meditativa proporciona benefícios físicos e emocionais,
comprovados por pesquisas científicas: redução do estresse, controle da
ansiedade, ajuda na qualidade do sono, favorece o autoconhecimento. Esses
são alguns dos seus pontos positivos.

A meditação é, sobretudo, uma prática de autocuidado: uma das joias de


Afrodite.

As crenças de

Afrodite

Crenças são padrões de pensamento que se transformam em experiências ao


longo das nossas vidas. Elas podem ser aprendidas dentro de casa, com a
visão de mundo da nossa família; podem ser observadas do comportamento
alheio ou criadas a partir de experiências anteriores impactantes.

Seja qual for sua origem, boa ou ruim, esse padrão de pensamento tende a
virar padrão de repetição, pois buscamos inconscientemente maneiras de
testar que estávamos certos sempre que possível. O ego quer se proteger e a
regulagem automática do desprazer nos induz a sofrer com o que é familiar!

Silvia, por exemplo, é uma conhecida de longa data. Ela, certa vez, se abriu
e contou a triste sina da sua vida amorosa. Sua mãe era uma mulher
bastante insatisfeita com seu casamento. Ela visivelmente não gostava de
estar casada com o marido e sentia que essa união era uma prisão, que a
deixava sem liberdade ao lhe colocar uma pilha de responsabilidades nas
costas. A questão é que ela condensava essa amargura em uma frase que
repetia constantemente para Silvia e suas irmãs: “Homem nenhum presta”.

Tomando as dores da mãe, com quem passava mais tempo, Silvia nunca
desenvolveu uma relação amigável com seu pai. Sempre se questionava
sobre o caráter dele. Demorou demais para chegar em casa? “Homem
nenhum presta”. Encontrou uma conhecida na rua? “Homem nenhum
presta”. Atendeu o telefone e falou baixinho? “Homem nenhum presta”.

Mais tarde, quando Silvia começou a namorar, ficou com isso na cabeça de
que nenhum de seus parceiros prestava, e que era só questão de tempo até
eles revelarem essa face para ela.

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Com isso, ela vivia sempre com um pé atrás em seus relacionamentos.

Não se permitia amar de verdade, não demonstrava carinho e não se abria


para uma troca profunda. Ela não queria ser a tonta aos olhos da sua mãe.

Enquanto a crença que Silvia aprendeu na infância estava inquestiona-da,


intacta, ela podia arranjar o namorado mais gentil, carinhoso e apaixonado...
O relacionamento de alguma forma azedava, e isso só confirmava para
Silvia o que ela já sabia: “Homem nenhum presta”. Nenhum deles queria
um relacionamento sério ou a amava de verdade, todos só a supor-tavam
pelo tempo que podiam, querendo algo em troca.

Ao mesmo tempo, esses términos traziam uma espécie de alívio a ela, por
não ter se envolvido tanto com esse tipo de cafajeste. No final, ela
confirmava que estava certa!

Por fim, depois de muitos namoros fracassados e se sentindo mal-amada,


Silvia começou a se sentir mal com ela mesma. “Minha melhor amiga tem
um relacionamento que já dura anos. Penso que talvez ele a esteja
enrolando e que é questão de tempo para que ela descubra alguma traição.

Mas vejo os dois juntos e não deixo de sentir uma pontada de inveja. Por
que só eu não consigo um cara legal?”, indagava ela.

Esse é um exemplo bem simples, que envolve Silvia e sua crença de que
ninguém nunca vai ser bom o suficiente para ela, o que de fato acon-tecia,
já que ela não mantinha nenhum relacionamento por mais de um ano. Silvia
transformava sua crença em atitudes, à medida em que reagia ao namorado
já supondo sua “imprestabilidade”. O resultado da sua indução não poderia
ser outro: crença confirmada.
As vivências e a subjetividade de cada pessoa vão desenvolver crenças
específicas. Essas crenças podem ser limitantes ou estimulantes. Elas
podem nos podar ou nos fazem florescer.

Para o filósofo grego Platão, por trás de nossa realidade material e sensível
há uma realidade abstrata, o Mundo das Ideias, que cria modelos perfeitos
de todas as coisas que existem. Essas ideias perfeitas seriam replicadas na
realidade, onde estariam sujeitas ao erro. Podemos enxergar aí um conceito
similar ao que estamos comentando aqui: as ideias criam 42

O Livro de Afrodite

padrões que se manifestam na realidade.

A verdade é que a maioria das coisas que acontecem na sua vida,


principalmente aquelas que se apresentam como um padrão – repetindo-se
sem parar –, tem uma crença por trás que a sustenta.

Uma forma de observar isso acontecendo na prática é analisar a sua


realidade atual e se fazer a pergunta: No fundo de mim e sendo bem sincera,
qual é a crença que eu tenho que ressoa com essa situação que estou
vivendo, seja ela positiva ou negativa? Se você precisa de um
empurrãozinho para sair do superficial e chegar a conclusões mais
profundas sobre isso, um psicanalista pode te ajudar!

Veja só algumas das crenças que observamos na personalidade da mulher


que tem Afrodite como um arquétipo dominante ou oprimido. Marque um
X ao lado das afirmações que são verdadeiras para você.

A vida pode ser fácil!

O futuro a Deus pertence.

É plenamente possível viver

É dando que se recebe.

do que se ama.
Beleza importa.

Não me demoro onde não sou

A verdadeira beleza está no

querida.

coração.

Amar nunca é motivo de

Todo mundo é bonito do seu

vergonha.

jeito.

O amor é um sentimento

Meu corpo, minhas regras.

delicioso.

Meu corpo é uma fonte de

Amo estar apaixonada.

prazer, beleza e bem-estar.

Flertar é a melhor parte de um

Eu não me envergonho de

relacionamento.

sentir prazer.

As pessoas sempre me ado-


Não preciso provar nada a

ram.

ninguém.

Unidos venceremos.

Sou dona de mim.

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Estou satisfeita com a pessoa

Eu não consigo me satisfazer!

que sou!

Quem me ama deve fazer de

Fale bem ou fale mal, fale de

tudo por amor!

mim.

Se eles realmente me amassem,

Não deixe para amanhã o que

eles iriam _________________

você pode fazer hoje.

(complete com o que você acha).

Quem não é visto, não é lem-


Sozinha não dá.

brado.

Adoro novidades e enjoo fácil

Todos devem gostar de mim.

do que é rotina!

Se eu seguir meus próprios

Figurinha repetida não com-

interesses, os meus relacionamen-

pleta álbum.

tos irão sofrer.

Águas passadas não movem

Se eu deixar que as pessoas,

moinhos.

realmente, me conheçam, elas não

vão gostar de mim.

Não se pode ter tudo: ou se é

inteligente ou bonita.

Eu preciso fazer os outros

felizes para não ser rejeitada.

Os homens têm medo das


mulheres bem resolvidas.

Eu preciso provar meu valor.

Sexo é sujo/pecado/besteira.

Amar é sofrer.

O que eu sinto é soberano.

Não existe rosa sem espinho.

As coisas prazerosas escondem

perigos e machucam.

Não existe ninguém merece-

dor do amor que eu tenho para

dar.

Eu devo me sacrificar por

amor.

Meu cupido é ruim de mira/

Só tenho dedo podre.

44

O Livro de Afrodite

Nasce uma Deusa

Adulta, bela, impenetrável e, ao mesmo tempo, fecunda. Assim a Deusa da


Beleza teria saído do mar logo após ser gerada. É isso que conta a versão
mais famosa do nascimento de Afrodite, pelo poeta Hesíodo.
Aqui, a Deusa da Sensualidade criou-se do encontro dos testículos cobertos
de sêmen de Urano com as águas do mar. Ela nasce de um ato de violência,
castração e de um projeto de traição de filho (Cronos, o senhor do tempo) e
mãe (Gaia, a materialidade) contra o espírito incoercível e criador – e ao
mesmo tempo destruidor – do pai, Urano, “o céu estrelado”, que insatisfeito
com suas criações, empurrava-as de volta ao ventre.

O caráter doloroso da criação de Afrodite é sutilmente captado pelo pintor


florentino Sandro Botticelli na bem-afamada obra O Nascimento de Vênus.
Nela, a Deusa do Amor surge de dentro de uma concha.

Como lembra o texto do autor e psicanalista Rubem Alves, cujo título


condensa perfeitamente a situação do nascimento da deusa, Ostra feliz não
faz pérola.

Assim como as ostras produzem preciosas pérolas a partir de invasores


(grãos de areia, detritos, parasitas) que ameaçam a sua integridade, o mito
conta que a beleza nasce da força de sublimar as adversidades, dar um
sentido às inquietações e tirar proveito dos acontecimentos, usando-os
como trampolim para a autoexpressão e a transformação rumo à totalidade.

“Pessoas felizes não sentem a necessidade de criar. O ato criador, seja na


ciência ou na arte, surge sempre de uma dor. Não é preciso que seja uma
dor doída... Por vezes a dor aparece como aquela coceira que tem o nome
de curiosidade”, resume Rubem Alves. E isso é a cara de Afrodite!

A professora e pesquisadora da literatura grega Giuliana Ragusa afirma que


essa castração de Urano consequentemente desbloqueia o ventre de Gaia,
permitindo que novas gerações fossem criadas e trazendo consequências
decisivas para o cosmos.

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É do falo caído de Urano que surge a dualidade e a complementariedade


dos opostos. É da assunção do Tempo (Cronos) que nasce a dualidade,
nascimento e morte. Do sangue de Urano, surgem as Eríneas, os Gigantes e
as Ninfas Freixos: forças de conflito. De seu esperma, o oposto
complementar, a força da união e do amor concretizada em Afrodite.

Depois de ferido por Cronos, esse potencial criativo e rebelde contido em


Urano some, não ficando claro para onde ele vai. Segundo a autora Liz
Greene, podemos entender que ele entra para o inconsciente, para as
camadas mais profundas, e já não é mais acessível aos seres humanos, a não
ser por meio de seus filhos (Prometeu é o mais famoso deles) ou das
deidades que surgem a partir de sua ferida, como Afrodite. Uma vez que
acessando o mundo da beleza e da harmonia dessa deusa conseguimos
chegar ao espírito do inefável.

Para o estudioso de mitologia Junito Brandão, a ascensão e nascimento a


partir das águas conota a evidente relação de Afrodite com o poder fer-
tilizante das águas divinizado em Astarté, a deusa fenícia da fecundidade,
uma ancestral da Deusa e uma das antigas deusas portadoras do simbolismo
feminino da Grande Mãe, que foi perdendo força ao passo que o patriarcado
avançava e foi sendo cada vez mais mutilada em seus poderes para caber
em sociedades que oprimiam a mulher, como foi – a título de exemplo – a
Europa Medieval.

A verdade é que Afrodite é como um estranho no ninho no panteão grego.


Suas origens são obscuras e associadas por muitos estudiosos aos cultos
originados da Ásia. Para alguns deles, trata-se de uma divindade oriental
absorvida e adaptada ao sistema grego a quem eles tinham o máximo
respeito por conservar seu lado selvagem, “bárbaro” e perigoso.

Imagine como era vista a pulsão passional em uma sociedade que ficou
conhecida por sua filosofia e pelo zelo à razão? A experiência dolorosa do
amor, o coração partido e a rejeição eram muitas vezes incompreendidas.

Tendo sido colocadas pelos poetas da época até mesmo como “doença” e

“insanidade”, escreveu Carson.

Ainda assim, os gregos tinham uma sabedoria que os de nosso tempo 46

O Livro de Afrodite
não tivemos. Eles reservavam para ela um altar cativo, pois sabiam que
quando maltratada e ignorada é que seu ataque poderia ser ainda mais
nocivo, deixando a vida sem graça, insossa e incompleta.

Da perspectiva mítica grega, caso não queira ver sua fúria lançada em sua
vida, deve-se reverenciar a todos os deuses, procurando integrá-los em cada
parte da sua vida.

DENTRO DA CONCHA

Qual é a areinha na concha que tem te perturbado e in-quietado e que te


trouxe a essa jornada? Quais foram (ou são) as grandes adversidades ou
inquietações mais simples que atravessaram o seu caminho? Que parte elas
têm na construção da pessoa que você é hoje?

Alguma vez você já se sentiu inadequada em algum lugar? Como foi essa
experiência? O que você sentiu? Isso te levou a se comportar de uma
maneira diferente? O que esse momento de se sentir repelida e estranha
signifcou para você num nível mais profundo?

Inspira - revistainspira.com

47

AS DORES DO PARTO

Você tem se conectado com o seu pai Urano escondido no inconsciente? De


que forma você acessa o seu lado rebelde, “ovelha negra da família”? De
que formas toca o céu estrelado da sua alma?

Como você lidou a vida inteira com essa Afrodite que vive em você? Essa
parte amorosa, amável, buscadora de prazer, dona de si e cheia de vida?
Para você ela se parece mais com uma “doença” e uma “insanidade”? Você
a deixava emergir das águas ou a afogava de volta nas profundezas do
inconsciente?

Afrodite nasce a partir de uma ação impetuosa de Cronos, o tempo. O que


você faz com o tempo que lhe foi dado?
48

O Livro de Afrodite

As fases de Afrodite

Algumas pessoas integram Afrodite apenas entre quatro paredes. Outras


encarnam Afrodite onde quer que depositem sua paixão: quando ficam
obcecadas por um assunto, quando investem alto em uma carreira, quando
realizam determinada tarefa com verdadeiro querer...

Mas há aquelas cujo arquétipo de Afrodite domina um pouco mais a sala de


controle. Nesse caso, as características da Deusa se transferem para a
personalidade corrente da pessoa. Afrodite assume a chefia e se manifesta
de maneira mais integral, 24 por 7, batendo ponto todo dia, tirando
pouquíssimas folgas e se transformando na maneira como expe-rimentamos
a vida.

Em algumas fases da vida podemos nos encontrar nessa situação. Será que
você se identifica ou consegue identificar alguém? Fica o desafio!
Infância
Assim como Atena, Afrodite já nasceu adulta. Saiu do mar caminhando
graciosamente e com a leveza que só carrega quem é dona da própria vida.
Dessa mesma forma, a criança que constela o arquétipo da Deusa é daquele
tipo que adora vestir as roupas dos pais e está sempre atraída por referências
mais adultas na construção de sua persona e comportamento.

Ela é a primeira a fazer perguntas constrangedoras para os adultos como: da


onde vem os bebês ou por que ela ainda não usa sutiã igual ao da ma-
Inspira - revistainspira.com

49

mãe?

Por isso, é preciso sempre trazer essa pequena Deusa do Amor de volta à
infância, para que ela não limite essa fase da vida se tornando uma adulta
precoce.

Essa sua curiosidade nata e a falta de inibição em ser autêntica fazem com
que sua presença não passe despercebida. Jean Shinoda Bolen escreveu que
a pequena Afrodite é sempre a criança “engraçadinha”, que encanta as
pessoas por onde passa, de maneira espontânea ou intencional.

Muitas vezes, ela adora estar sob o olhar dos outros!

Com essa personalidade tão marcante, não é muito incomum que a pequena
Afrodite tenha passado a infância buscando se tornar a nova estrela infantil,
o bebê da propaganda de shampoo ou participando do concurso de Miss da
sua cidade – sobretudo motivada pelos familiares, que diziam que ela tinha
tudo para estar na televisão ou, hoje em dia, sendo uma famosa
influenciadora digital.

Alguns pais enfatizam demais essa docilidade na criança, cobrando dela


ainda mais simpatia e amabilidade, como se seu amor dependesse disso. Por
esse motivo, crianças Afrodite tendem a desenvolver a Síndrome da
Boazinha, uma verdadeira compulsão em querer agradar sempre, que gera
dificuldade em se impor na vida, bloqueio em acessar seu ímpeto necessário
à autodefesa e ao amadurecimento, grandes frustrações e sofrimentos ao
tentar sempre ser perfeita aos olhos dos outros, e não plena em si mesma.

Nessa fase, é preciso estimular a autenticidade da criança sempre que


possível, reforçar que ela pode ser ela mesma ainda que ninguém aplauda,
ria ou a chame de “fofinha”. Caso contrário, essa Afrodite mirim pode
assumir um aspecto negativo, que inclusive pode silenciar a própria
potência do arquétipo de Afrodite em si. Isso pode levá-la a depender
sempre da validação externa para se sentir bem com seus atos, seu corpo,
seus questionamentos e suas formas de se expressar no mundo.

Outra frase bastante comum na rotina das crianças Afrodite é, quando


menina: “Espere ela crescer que vai dar trabalho com os namoradinhos”.

50

O Livro de Afrodite

Ou ainda, quando estamos falando do arquétipo de Afrodite atuando em um


menino: “Esse vai arrasar muitos corações!”. É como se assuntos que
deveriam ser postergados para uma fase mais à frente no desenvolvimento
da criança, tais como namoricos e a própria sexualidade/sensualidade
implícitos aí, fossem adiantados e trazidos como pauta do dia na vivência
infantil dos que vivem sob a influência dessa Deusa.

Quando acontece de Afrodite criar morada em um menino, especialmente,


essa criança pode ser também bastante incompreendida pelos pais no que se
refere a sua espontaneidade nas emoções e seu gosto pela literatura, cinema,
desenhos ou qualquer tipo de arte. Com a cabeça cheia de preconceitos e
apoiadas em discursos machistas de que “homem não chora” e de que
“desenhar é coisa de maricas”, por exemplo, essa criança pode acabar
sufocando seus talentos e formas de expressão que além de serem parte de
sua essência, são essenciais como mecanismos de regula-ção psíquica.
Adolescência
Na puberdade, a jovem Afrodite passa a ter impulsos sexuais fortes e
constantes, e se não encontrar um grupo de amigas que falem sobre o
assunto com normalidade, se sentirá uma estranha no ninho.

É comum que essas garotas Afrodite iniciem suas vidas sexuais mais cedo
que as demais, quando não controlam seus instintos com a força de alguma
outra deusa como Atena ou Ártemis atuando em suas psiques.

Em lares onde as informações sobre sexo ficam encobertas em uma névoa


de pecado e vulgaridade ou onde esse assunto é evitado por algum tipo de
constrangimento, essas garotas podem meter os pés pelas mãos e acabarem
em uma gravidez indesejada ou infectadas com doenças sexualmente
transmissíveis.

Outra consequência dessa falta de diálogo sobre o assunto, é a má


reputação, o afastamento das colegas mais “santinhas” e a aproximação de
meninos que só a veem como alguém para sexo, alguém “sem valor”.

Inspira - revistainspira.com

51

Nessa fase, se ver através do olhar dos outros com imagens tão carregadas
de preconceito e crítica pode formar na adolescente Afrodite uma imagem
ruim dela mesma, como alguém que não presta, não vale a pena, que não
serve para nada além de sexo, que é suja, que nunca encontrará amor ou de
que nunca será alguém na vida.

Algumas meninas nessa fase recalcam sua latência sexual e a destina ao


mundo da imaginação onde criam fantasias românticas e sexuais com
famosos.

Além da desinformação, alguns pais podem mandar mensagens conflituosas


para essa Afrodite iniciada. Por vezes mostrando uma face liberal, com
discursos de empoderamento e feminismo, outras vezes a punindo ou a
julgando por seus avanços no campo afetivo-sexual. De acordo com a
psicoterapeuta e escritora Jean Shinoda Bolen, essa atitude permite a esses
pais que possam ao mesmo tempo serem “voyeurs” – e assim revi-verem a
juventude e a excitação sexual de maneira vicária, por meio das
experiências da filha – e defensores da moral e dos bons costumes.

Dessa maneira alguns pais se tornam como que carcereiros do prazer


controlando as roupas da filha, a cor do seu batom ou do esmalte nas unhas,
o comprimento do vestido, os lugares aonde ela vai e com quem, as
impedindo de marcarem encontros e expondo essas meninas a verdadeiros
interrogatórios a todo instante. Os discursos são impregnados de impressões
negativas sobre relacionamentos, sexo, amor e homens e acusações que
fazem a garota Afrodite se sentir culpada de sequer ter tido desejos sexuais.

Sob essa mentalidade, a menina aprende que sua Afrodite tem que ser
mantida presa. Poucas são as que conseguem manter a deusa viva e pulsante
(ainda que com responsabilidade) durante essa fase. Na maioria das
mulheres, independente da classe social, há sempre um nível de desco-
nhecimento acerca do próprio corpo, desinformação sobre como manejar
seu próprio prazer e fertilidade e padrões negativos com relação ao amor e
aos relacionamentos.

As mulheres carregam as marcas do cárcere para a vida adulta, onde 52

O Livro de Afrodite

terão que fazer um trabalho de resgate da Deusa. E essas marcas vão da


supressão de seu Ser à sintomas psicossomáticos de muitas naturezas.
Adulta
A cultura pop criou uma imagem de Afrodite completamente moldada a
partir do olhar masculino e de suas relações feridas com o feminino. Mas
Afrodite não é a femme fatale destruidora de lares que nos fizeram engolir.
E

ela também não é o sinônimo de seios volumosos, decotes profundos,


cabelos louros ou seja qual for o padrão de beleza da época. Nem tampouco
é a mulher que usa seu corpo como moeda de troca.

A mulher Afrodite reconhece a beleza nas coisas e em si e está confortável


consigo mesma ainda que esteja sem maquiagem e com um jeans velho.
Isso não impede que ela se divirta escolhendo seu próprio estilo de se vestir
ou de liberar a artista plástica que tem nela ao se maquiar. Muito menos que
ela encontre satisfação nas rotinas de cuidado com a pele e faça delas um
verdadeiro ritual de culto a si mesma. Não é narcisismo, nem vaidade, é
autoestima saudável e autogenerosidade.

Dificilmente segue conselhos dos outros, ela faz a sua própria lei. Ela vê a
vida com leveza e assim se movimenta, atraindo a atenção curiosa de todos
que querem se alinhar a essa energia tão rara de prazer por viver.

É esse o motivo de seu grande magnetismo pessoal. Por onde ela passa, as
pessoas se encantam com ela, com seu jeito e com a sensação que ela
transmite. Até os animais se derretem com a sua sensibilidade e ficam
pedindo por carinho.

Não é sobre beleza, nem sobre unha, cabelo, maquiagem, roupas de grife e
depilação em dia. É sobre ter aquele “mel”, como as plantas aromá-ticas
que atraem as abelhas, uma energia atrativa, um certo carisma. Você deve
conhecer alguma colega que não tem vaidade nenhuma e que vive cercada
de pretendes, ao passo que outras se arrumam todas e vão para a pista e não
conseguem nada.
Esse é o retrato de uma mulher com a Afrodite bem equilibrada e do-Inspira
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minante em sua psique.

Ela dá valor aos aspectos mais sociais da vida, adora festejar, celebrar a
vida, consumir tudo que é trabalho artístico e, às vezes, quando seus
talentos não foram por demais sufocados, se arrisca ela mesma em ser a
artista.

Sua bússola é aquilo que a fascina, que faz seu coração vibrar descom-
passado. Ela não faz nada de que não goste, e quando faz pode saber que
está a contragosto, esperando a primeira oportunidade de dar no pé dessa
situação.
Maturidade
Em seu livro sobre os arquétipos das deusas na maturidade, Jean Shinoda
Bolen descreve sobre Afrodite: “Quando a mulher envelhece, ela pode se
tornar invisível como objeto sexual, mas o arquétipo ainda pode estar lá,
independentemente. Sexualidade e sensualidade são inerentes a uma mulher
de Afrodite, quer os homens respondam ou não”.

Nessa idade, inclusive, muitas mulheres que passaram a vida sob a re-gência
de outros arquétipos podem, ao fim de casamentos muito rígidos e
castradores, redescobrir o seu lado mais sexual e se permitir novos amores e
aventuras de reencontro consigo mesmas.

Com sorte, a mulher Afrodite terá desenvolvido mais sabedoria com os anos
passados para não dar ouvidos a crenças maldosas sobre o corpo maduro.
Ou, do contrário, gastará o dinheiro da sua aposentadoria e suas reservas
financeiras tentando recuperar o rostinho, a pele e o corpo que teve outrora;
sem se lembrar de que a sensualidade não depende de corpos padronizados,
ela é uma forma de comportamento, de sentir e de agir no mundo.

Com o passar dos anos, a senhora Afrodite deve estimular ainda mais seu
sentido de prazer pela vida e, quem sabe, descobrir novas formas de prazer.
Boa comida, bom sexo, boas experiências onde se pode enxergar beleza e
encantar-se com o mundo são como sustentações para que ela continue
encontrando seu sentido de viver e afaste as depressões e somatizações
decorrentes de discursos limitados sobre a velhice.

54

O Livro de Afrodite
O enigma do amor

O que é o amor? O que é amar?

Ouvirmos, vermos, pensarmos e falarmos sobre o amor é algo tão cotidiano


que acabamos por não refletir se realmente sabemos o seu significado.
Talvez seja igual ao tempo para Santo Agostinho, que certa vez disse: “Se
ninguém me perguntar, eu sei; mas, se quiser explicar a alguém Inspira -
revistainspira.com

55

que me pergunte, não sei”.


Tentar explicar o que é o amor é tão complexo que borbulha a mente e a tinta
da caneta até para os mais letrados, como poetas, escritores, no-velistas – é
por isso que essa temática que arrebata corações continua a ser explorada.
“O amor foge de todas as explicações possíveis”, poetizou Carlos
Drummond de Andrade.

Antes de ser enunciado, o amor estava presente como ato. É como dizem
com o exemplo de que a Humanidade começou quando um ancestral distante
cuidou do ferimento do seu próximo. Ali estava a identificação e o zelo, a
cola afetiva que nos fez desenvolver como sociedade. Foi quando passamos
a refinar os nossos sentimentos e emoções para além da imi-nência do risco
à vida de um ambiente temeroso. Esse vínculo deixou de ser apenas de
proteção até a independência, para ser replicado em seres já autossuficientes.

Podemos ter o vislumbre de como se originou o amor, se o olhar for lançado


para um bebê. Como Freud notou, a criança passa da animalidade quase
instintiva para a nossa sociabilidade pulsional, ao repetir, de forma
abreviada, a história etnográfica durante o seu desenvolvimento anímico.

A Psicanálise estrutura que o contato inicial com o amor é na primeira


infância, durante a relação entre o bebê e a mãe – ou alguém que tenha esse
papel maternal. A identificação do filho com a mãe é a primeira experiência
de laço amoroso. Para o bebê, não existe a separação entre os dois seres.
Após o crescimento da criança, há uma ruptura entre filho e mãe. É

devido à essa lacuna criada nos primórdios da vida, que sentimos a


necessidade de nos unirmos com o exterior: uma pessoa, um grupo, um
ideal.

É essa lacuna que dita as vontades imperceptíveis, mas demonstráveis, que


moldam as ligações interpessoais, pois na vida madura, a busca é por outras
pessoas para ocuparem o lugar desse vazio deixado pelo objeto de amor
primal, que é o da mãe e voltado à mãe. É por isso que repetimos
inconscientemente, ao longo da vida, a forma que aprendemos a amar na
infância, ao tentarmos encaixar e modelar o outro para que ele caiba nesse
espaço vazio pré-moldado.

56
O Livro de Afrodite

“Em última análi-

se, precisamos amar

para não adoecer”.

Sigmund Freud

Ao longo dos milênios, a explicação da união por meio do amor ganhou


inúmeras perspectivas. O filósofo Platão, em O Banquete, nos apresenta uma
ampla variedade de significados do que é o amor e por que um corpo busca
se unir ao outro. Comecemos pela busca da conexão amorosa. No diálogo
platônico, é narrado pelo comediante Aristófanes o Mito do Andrógino. A
Terra era habitada por três gêneros: o masculino, o feminino, e um terceiro,
andrógino – esse último, era a união entre os dois gêneros: tinha uma forma
esférica (a forma da perfeição para os gregos), com duas cabeças, quatro
braços e quatro pernas.

Os andróginos, por serem dessa forma perfeita, quiseram tomar o trono dos
deuses do Olimpo. Como castigo, Zeus dividiu os andróginos ao meio com
um raio e os espalhou na Terra. A partir de então, as metades tentam se
encontrar. E também se abrem as possibilidades de união: masculino e
feminino; masculino e masculino; e, feminino e feminino. A vontade que
causa a busca desse retorno à natureza originária é encarnada na figura de
Eros, que Platão define como a personificação do amor.

Em O Banquete, o conceito do que seria Eros é ampliado por outras vozes.


Fédro argumenta que Eros é o deus mais antigo e o mais importante.

Para ele, quem ama se diviniza por meio do sacrífico. Pausânias afirma que
há dois Eros, divididos entre o bem e o mal: o amor da alma, que permanece,
e o amor do corpo, que perece. Já o médico Erixímaco defende o amor
saudável e harmonioso, capaz de equilibrar os contrários. Ágaton, poeta
trágico, enaltece as qualidades de Eros, que tem características telúricas,
carnais, mais do que divinais, no ato de amar. Sócrates discursa que Eros é
um gênio ( daimon) mediador entre as almas, nem belo nem bom, Inspira -
revistainspira.com
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filho do Recurso e da Pobreza; é por Eros que buscamos a imortalidade: pelo


ato de procriar ou pela ascensão por meio do saber. Sócrates ainda
argumenta que o desejo de saber está em nós, por sermos metade igno-rância
e metade sabedoria. Eros é, então, o amor pela beleza – sobretudo, pela
beleza do conhecimento.

Na obra de Platão, Eros não é filho de Afrodite, e sim seu acompanhante,


por ela ser bela e ele um amante da beleza.

Tão plural quanto o amor atribuído a Eros é o amor de Afrodite, que não está
limitado apenas ao amor romântico ou ao amor sexual. A analista americana
Jean Shinoda Bolen amplia a visão do amor de Afrodite: “O

amor platônico, a conexão da alma, a amizade profunda, a comunicação e a


compreensão empática são todas expressões de amor. Onde quer que o
crescimento seja gerado, uma visão mantida, um potencial desenvolvido,
uma centelha de criatividade encorajada – como pode acontecer com a
consultoria, o aconselhamento, a paternidade, a direção, o ensino, a pu-
blicação e fazer psicoterapia e análise – então Afrodite lá está, afetando
ambas as pessoas envolvidas”.

Mas quem inventou o amor como o conhecemos hoje?

Para saber isso, temos que direcionar nossa perspectiva para o passado.

Mais especificamente para a Idade Média, na França. Nesse período, artistas


entoavam cantigas acompanhados de instrumentos musicais: eram os
trovadores. Foram eles que germinaram e espalharam uma nova palavra na
Europa, a atualizar outros dois significados mais usuais: essa palavra era

“amor”. Anterior a isso, só existia a luxúria, destinada ao amor carnal entre


os corpos, e ágape, o amor coletivo, como contou o mitólogo Joseph
Campbell. Com o amor espalhado pelos trovadores, o sentimento de destinar
o bem e o carinho a uma pessoa específica foi pessoalizado, atualizado e
nomeado, podendo, assim, ser percebido e entendido.
Com essa palavra chegando em novas bocas, também se notou os detalhes.
Por exemplo, que “amor” é o contrário de “Roma”. Além da brincadeira
morfológica, o que se queria dizer é que o amor – constituído pela
individualidade da escolha, já que ninguém escolhe por você a quem amar
58

O Livro de Afrodite

– é diferente de Roma, que simbolizava a institucionalização dos contratos


pela Igreja, um desses contratos era o casamento. O amor de Roma é mais
próximo à deusa Hera, pelo casamento e vínculos institucionalizados, do que
à Afrodite, que é o amor ligado à individualidade de escolha.

Mais de dois milênios após Platão, o amor passou da beleza pelo


conhecimento aos contratos conjugais firmados não pelo afeto, e sim pelos
interesses entre as duas famílias, durante o Medievo até a Era Vitoriana.

Hoje, aparentemente, não é assim. O amor se manifesta de uma forma


volátil, como a água, a escorrer entre as mãos dadas. Segue o ritmo fugaz e
impermanente, como as modas. Tal qual um objeto em oferta, as pessoas se
exibem nas vitrines digitais dos sites de relacionamento. Com a rapidez de
um clique, a tentativa de achar a metade perdida é colocada em busca. A
separação entre as partes também é feita na mesma rapidez de um clique.

O amor pelas coisas reflete no amor pelas pessoas, e pessoas acabam se


confundindo com coisas. É o consumismo afetivo, que faz as pessoas se
colocarem como mercadoria atrás de outras mercadorias com obsolescên-cia
programada. O sociólogo Zygmunt Bauman, que cunhou a liquidez do amor
hodierno, diz que as pessoas aceitam ser “consumidas” e descartadas como
um produto devido à carência e ao medo da solidão.

Entramos na esteira do consumo como produtos na segunda metade do


século XX. Como a socióloga dos afetos Eva Illouz notou, o mercado de
consumo de bens é limitado: não há como e nem por que comprar cinco
geladeiras ao mesmo tempo. O que sobra, então, como produto de infinito
consumo são os corpos e as emoções. “Essa crescente sexualização se
produz em um contexto em que o indivíduo se torna mercadoria.
Hoje nos consumimos uns aos outros e mostramos o espetáculo de nossos
próprios corpos aos outros”, comenta Illouz.

O utilitarismo do amor parece um retorno ao amor vitoriano, baseado nos


interesses instantâneos que o outro pode promover, mas agora com contratos
voláteis, com base no checklist das compatibilidades e das qualidades de
alguém. A compatibilidade vira a busca pelo igual, quase uma Inspira -
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cópia. É aí que se torna difícil amar o que é diferente de nós.

O amor de Afrodite é a atração pelo o que é diferente: Hefesto, Hermes,


Ares trazem características distintas à Deusa, para compor e somar na união.
Os dois lados crescem e se desenvolvem nessa conexão de diferentes. Já o
amor de Narciso, que só ama o que é espelho, busca um igual: alguém que
reafirme suas características, ao não contrapor, ou mesmo, aquele que é
capaz de se anular para refletir sua imagem.

Como amar é um ato de troca – consiste em receber, mas, sobretudo, em dar


amor –, o narcisista, que é egoísta, só tem interesse em si mesmo e não sente
prazer no ato de amar, somente no ato de ser amado. “Não pode ele ver
senão a si mesmo; julga tudo e todos pela utilidade que lhe possam ter; é
basicamente incapaz de amar”, escreve o psicanalista Erich Fromm.

Com esses tipos de relacionamentos imaturos destituídos da percepção do


outro como um ser completo (e igualmente complexo), o respeito é a
primeira virtude a se esvair, e com ele vão juntos outros pilares do
relacionamento, como o cuidado e a responsabilidade afetiva.

A falta de responsabilidade afetiva dentro de um relacionamento cul-mina,


muitas vezes, com uma mensagem de texto para explicar o término. Nos
últimos anos, outra forma de término de relacionamento ganha popularidade:
o ghosting. Derivado da palavra inglesa ghost (fantasma), a pessoa some do
mapa, sem dar explicações, para deixar subentendido o fim da relação.

Outra característica que aponta a falta de responsabilidade afetiva dentro do


relacionamento é a prática de jogos afetivos, com intuito de criar ciúmes no
parceiro. Às vezes entendidos como “apimentadores” dos relacionamentos,
esses jogos são expostos no tabuleiro dos afetos com fichas de desequilíbrio
e insegurança – quando, para algumas das mãos, essa regra não faz parte de
um acordo (mesmo que velado), o outro passa a ser adversário. Assim, fica
difícil virar o jogo, ou transformar a relação em algo bom, pois não há como
saber onde apostar as fichas das virtudes.

William Shakespeare colocou em cena o jogo afetivo na peça Antônio e


Cleópatra. A rainha do Egito ordena a Alexas, um de seus servos, ir atrás 60

O Livro de Afrodite

de Antônio, e orienta: “Vê onde está, com quem e o que faz: não te man-dei.
Se o encontras triste, diz-lhe que danço; e, se alegre, diz-lhe que, num
repente, adoeci”.

Devemos entender que se o diagnóstico do amor atual feito pelas óticas dos
sociólogos não é tão bom, o prognóstico, o desenvolvimento futuro, é por
nossa conta: se vamos replicar o que está sendo feito, sem pensar se isso nos
causa prazer, ou se vamos ser a parcela que refloresta o campo do amor com
uma flora de fecundas plantas.

“Ser profundamente amado por

alguém lhe dá força. Amar

profundamente alguém, por

sua vez, lhe dá coragem”.

Lao-Tsé

Se por um lado amamos, por outro lado – também dentro das nossas
latências pulsionais – destruímos. Violência, assassinatos e guerras também
são produtos da natureza humana. Em 1932, Albert Einstein perguntou para
Freud “Por que a guerra?”. Como antídoto à aniquilação generali-zada,
Freud disse que a criação de vínculos amorosos é o equilíbrio a esse
potencial destruidor que também reside em nós.
E por que amar dói?

Imagine uma engrenagem feita de carne e nervos. É muito além da força


maquínica de uma peça; ela é carregada de uma complexa subjetividade.

Seu ritmo e seus polos de contato são variáveis e mutáveis. O desafio:


encontrar uma outra engrenagem de carne, nervos e subjetividade, com
dentes diferentes e num outro ritmo, e se conectarem. Toda essa metáfora é a
dor do amor, que é causada pelo contato com o diferente e com uma Inspira -
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dose de necessidade do domínio da forma e do ritmo da outra engrenagem. É


uma vesícula viva, como Freud metaforizou sobre o Eu corporal detentor da
libido.

A engenhosa arte da união consiste na busca da harmonia e do equilíbrio


entre essas engrenagens distintas e quase-autômatos frente ao outro.

Mas dentro desse “quase” existe um universo amplo em constante destruição


e reconstrução. Por isso, a união necessita de manutenção constante:
reajustar o olhar, ceder, reaprender sobre si e sobre o outro.

Mas se a dor é a única tônica do relacionamento, um alerta deve ser ligado:


pode ser que a recíproca de dar e de receber o amor não está sendo cumprida
por uma das partes. Então, deve-se olhar para os pilares básicos de uma
relação amorosa digna: cuidado, responsabilidade afetiva, respeito e
conhecimento do outro, como explicaremos a diante. Se algum desses pilares
estiver fragilizado ou faltando, se pergunte se há amor na relação.

A busca por compatibilidade é uma das questões fundamentais no início de


uma relação amorosa. Algo óbvio, muitas vezes negligenciado ou maquiado.
Assim, antes de tudo, saiba como você se constitui e quais são os seus
interesses. Se você é sólido e se mistura com alguém líquido, quem se desfaz
é você. No mínimo, então, busque um estado de equilíbrio – algo acordado
entre as partes. Caso contrário, você é liquefeito na fluidez dos afetos.
Portanto, não se desfaça para dançar a música de outra pessoa. No final deste
capítulo, trazemos a história de Lady Ragnell e Sir Gawain, que fala sobre
isso.

Em tempos como os atuais, de hiperconexão e, paradoxalmente, de crescente


solidão, fica a pergunta: como entender sobre o amor sem ter a quem amar?

O filósofo suíço Alain de Botain se fez esse mesmo questionamento.

Para Botain, a solidão estimula enxergarmos a importância do amor em


nossas vidas. Sendo o amor uma habilidade, mais do que um sentimento, faz
com que possamos buscar no outro o que há de amável, pois é uma prática,
um ato.

Para quem está só, o amor pode se manifestar para além da forma 62

O Livro de Afrodite

do objeto: para um animal de estimação ou para um trabalho ou hobby.

O amor não precisa estar, necessariamente, direcionado a uma pessoa. E

para amar não precisa estar próximo: o amor quebra fronteiras, as que te
separam de quem está distante fisicamente. É possível direcionar toda sua
vontade de bem e de beleza para o exterior, próximo ou distante, e
constituído de todas as formas. Não existe uma fórmula do que ou de quem
amar, nem tanto de como amar. Somos livres para criar e crescer junto com
essa arte em ação.

Se não existe fórmula certa para amar, cada um ama o que quer e como quer;
existem, sim, virtudes que devem estar presentes no amor. Essa uni-
versalidade depura os nossos atos de amar. Como já mencionamos, o
psicanalista Erich Fromm elenca quatro elementos básicos do amor: cuidado,
responsabilidade, respeito e conhecimento.

O cuidado é a preocupação verdadeira pela vida e pelo crescimento daquilo


que amamos. Significa também um trabalho, uma aplicação de real energia
psíquica para que o objeto desse amor resista e cresça.

O próximo elemento básico do amor em ação é a responsabilidade.


Você já ouviu falar em responsabilidade afetiva? É sobre isso. Significa o ato
voluntário de estar atento e disposto a agir diante das necessidades psíquicas
de outro ser humano. É se tornar responsável por aquilo que cativou, ser
prudente e sincero com relação a isso.

Sem dúvida, a responsabilidade poderia virar dominação e posse, a não ser


que tenha outra virtude presente: respeito. O respeito é a capacidade de olhar
para uma pessoa e vê-la como aquilo que ela é, e não como aquilo que pode
vir a ser ao atender as suas necessidades e idealizações. Respeitar é descobrir
que ninguém é igual a ninguém, e que esse limite não deve ser ultrapassado.
Porque amar é respeitar a individualidade do outro, e não gerar um duplo
seu.

Há também o conhecimento. Amar exige conhecimento – do outro e sobre si


também. Ao mesmo tempo em que o próprio amor é uma via de
conhecimento: aprendemos a amar, amando. Sobre isso, Fromm escreve:

“preciso conhecer-me, e à outra pessoa, objetivamente, a fim de poder ver


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63

sua realidade, ou melhor, de superar as ilusões, o retrato irracionalmente


desfigurado que tenho dela”.

Devemos lembrar que a vontade de amar é a vontade de união; é a união de


todas as características. Principalmente para a união romântica duradoura, é
necessária essa percepção de força catalisadora e multiplica-dora. As
características iguais ou similares ficam acentuadas para os dois.

Já as características opostas, nos melhores casos, tendem a seguir o caminho


do meio, da atenuação entre as diferenças. É por isso que devemos prestar
atenção com quem vamos nos unir. Essa conta matemática de adição e de
subtração é, também, feita com as nossas características latentes.

“O amor é o bem último e

supremo que pode ser


alcançado pela existência

humana”.

Viktor Frankl

Apesar das infindáveis obras que refletem sobre o amor – do cinema à


música, da pintura às novelas – necessitamos aprender a amar, justamente
por esse esvaziamento de sentido – tantas vezes falado, que nos aparenta ser
senso comum.

Essa diluição de sentido também criou uma estrutura perpetuada em filmes,


por exemplo, em que se enaltecem características cambiáveis de amor, para
o homem e para a mulher. Para os homens, é amado quem tem sucesso,
poder e riqueza. Para as mulheres, é amada quem se torna atraente, pelo
corpo e pelo vestuário. Sobre isso, Fromm escreve “o que a maioria dos de
nossa cultura considera ser amável é, essencialmente, uma mistura de ser
popular e possuir atração”.

Há três séculos, o moralista francês La Rochefoucauld afirmava que, 64

O Livro de Afrodite

se a temática do amor não estivesse presente nos romances escritos, o amor


nunca seria conhecido por nós. Já que para conhecermos o amor,
necessitamos de sua manifestação aparente: além da ação, também na fala.

Por isso, o “eu te amo” deve ser enunciado. É justamente pelo esvaziamento
de sentido, que deve ser preenchido e retomado com o sentido genuíno – ao
ser enunciado a quem realmente é amado. Caso contrário, essa frase amorosa
só é dita em ocasiões inapropriadas, como um sinônimo de “gostar muito”.
Ou, às vezes, é dita tarde demais. Ou mesmo, não enunciada, como se
houvesse um sentido subentendido de amor pela pessoa amada: “ela sabe
que eu a amo; não preciso dizer”. Amar é ação, mas é também discurso, pois
criamos essa necessidade na nossa linguagem e na nossa psique.

Nos primórdios, amar era um ato antes de ser verbo. Hoje, o amor é prosa
com resquícios de poesia. É esse potencial poético, de real encantamento,
que temos de resgatar. E resgatamos esse potencial somente amando: um
gerúndio que reforça uma ação em continuidade.

Ou, numa outra visão, amar é verbo intransitivo, sem a necessidade de


complementos para ter o seu sentido, como notou o poeta Mário de Andrade.

Afinal, enunciar o amor é, sobretudo, uma autoexpressão. Essa


autoexpressão enunciativa dos sentimentos é feita por e para você (e também
para outros). Mas sem deixar que essa pérola-discursiva seja classificada
como plástico de bijuterias bregas. O amor é brega só para quem não está
amando.

Em outras palavras, dizer “eu te amo” deve ser uma demonstração sincera da
importância de algo ou de alguém na própria vida. O esforço é para que não
exista um interdito enunciativo do amor, como uma voluntária alexitimia –
nome que os psiquiatras dão à incapacidade de verbalizar os sentimentos. E
para quem ouve, o ser amado, que não seja uma afasia conveniente, ao
entender as palavras amorosas só de quem convém.

Amar também é um processo de reciclagem. O pensador francês Edgar


Morin nota que tudo o que está na natureza respeita a lei da desinte-Inspira -
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65

gração, até mesmo os laços afetivos. É por isso que temos a necessidade de
incluirmos a ação de reciclagem dentro dos nossos vínculos amorosos.

Um relacionamento sadio e duradouro, mesmo que não se perceba, passa por


esse processo de reciclagem, porque tudo acompanha as nossas mudanças.
“O amor implica a regeneração permanente do amor nascente”, escreveu
Morin.

O psicanalista Erich Fromm acredita que, assim como viver, amar é uma
arte. E, como uma arte, é necessário aprender a teoria e a prática.

Se a prática achamos que a conhecemos bem, a teoria deve começar a ser


entendida a partir da teoria da natureza humana. Deve-se compreender as
contrariedades: como toda natureza, existem as belas plantas e as plantas
venenosas; os aromas e os espinhos humanos. Entender isso, facilita a
prática do amor como arte.

“Os limites da nossa linguagem são os limites do nosso mundo”, escreveu o


filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein. Essa é a importância de ampliarmos
o nosso vocabulário. Nesse caso, o vocabulário dos nomes do amor.

Será que o significado de amor muda conforme à língua? Será que existe
apenas um significado do ato de amar?

Essas perguntas foram levantadas por Tim Lomas, linguista e Professor de


Psicologia Positiva na Universidade do Leste de Londres. Durante uma
pesquisa, Lomas reuniu mais de 600 palavras, em vários idiomas, que se
referem ao amor. Assim, ficou claro que cada povo tem sua forma de
conceber o que é o amor e seus “sabores” – Lomas utilizou “sabores” por
entender que cada situação pode reunir múltiplos significados, ao mesmo
tempo, do que é o amor, assim como vários sabores reunidos num prato, ao
bel prazer de cada degustador.

Para ampliar e caracterizar toda a complexidade que envolve a palavra amor,


Lomas pinçou 14 acepções fundamentais, divididas em quatro categorias
diferentes.

66

O Livro de Afrodite

A primeira categoria é do amor im-mas a partir da dependência e inti-

pessoal, pelas coisas, ações ou lugares.

midade com o ser amado;

Eros – é o amor estético, a partir

Epithymía – é o amor que acen-

da apreciação de objetos ou con-


de com os desejos sexuais e as

ceitos;

paixões românticas, cíclico e pas-

Meraki – significa “sabor”, é o

sageiro;

amor por ações, vivências e expe-

Paixnidi – amor romântico por

riências;

nossos afetos, a ternura que temos

Chórus – o amor territorial, que

por algo, como a um filhote;

sentimos por determinados luga-

Pragma – que significa “coisa”,

res, como o nosso lar ou a nossa

traz o sentido do amor que é dura-

pátria.

douro e prático, por meio do com-

promisso;

A segunda categoria de amor é o não-

Anánkē – é o amor à primeira vis-


-romântico.

ta, que, já no contato inicial, cria

uma necessidade de conexão;

Storge – o amor gerado pelo ato

de cuidar e de proteger, o elo em

destaque nas famílias;

A quarta e última categoria do amor são

Philia – designa o amor que for-

os transcendentais, que passa do sujeito

ma os laços afetivos com os ami-

para o coletivo.

gos, é desapaixonado;

Agápe – relacionado à caridade e

Philautia – é o amor-próprio, por

à compaixão, é o amor altruísta,

nós mesmos, que edifica a nossa

que quer fazer o bem ao próximo;

autoestima e autocuidado;

Koinonía – o amor gerado por

pertencer a um grupo, que resulta


numa capacidade de sacrifício pes-

A terceira categoria é para o amor ro-

soal em vista do coletivo;

mântico.

Sévomai – é o amor a uma divin-

Mania – é o lado “azedo” do dade ou ao mistério do Universo.

amor, que é gerado pelos proble-

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67

VOCÊ E O AMOR

Para cada uma das palavras abaixo, escreva as primeiras associações que
lhe vierem à mente:

Amor:

Romance:

Alma-gêmea:

Amar:

Analise o que você escreveu e refita se tem algo em comum com o que você
pensa do amor e com as suas relações amorosas.

O que mais você ouviu falar sobre esse sentimento? (mãe, pai,
amigas/amigos, mídia, religião, leituras/escola/universidade).

68

O Livro de Afrodite
O que você realmente acha sobre o amor?

Quais dos nomes do amor são os mais presentes na sua vida e na sua
personalidade? Volte à lista da página 66 e tente se lembrar de quando
sentiu cada tipo de amor pela última vez ou da maneira mais marcante.

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69

COMO É SENTIR?

Se você tem um relacionamento com alguém, responda aqui. Se você não


tem, apenas pense numa pessoa que você ama muito (pode ser também
alguém da família ou amigos).

O que lhes atraiu um ao outro? Como foi esse período em que vocês se
conheceram e resolveram que deveriam fcar juntos? Lembrar do que lhes
uniu pode ser restaurador.

Liste 5 coisas que você ama amar na pessoa que está com você. O que você
vê nela com amor diz muito sobre você mesma.

70

O Livro de Afrodite

OS QUATRO ELEMENTOS

O psicanalista Erich Fromm afrma que são quatro os elementos básicos de


qualquer forma de amor: cuidado, responsabilidade, respeito e
conhecimento. Como andam esses assuntos no seu relacionamento atual?

Cuidado

Quando você está num relacionamento, prefere ser cuidado ou busca


cuidar?
De um lado, escreva as formas de cuidado que você busca num
relacionamento. Do outro, escreva as formas que você utiliza para cuidar,
nutrir e fazer essa relação crescer forte. Se você ainda não faz isso, pense
em algumas formas de cuidar numa relação.

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71

Responsabilidade

Você é prudente com os sentimentos que despertou voluntariamente nos


outros? Esse é um lado sombra de Afrodite: a sedução pela sedução, os
jogos amorosos, o ferte pelo puro prazer de testar seu poder em se fazer
desejada. Você já passou a impressão de estar encantada por alguém
quando, na verdade, não estava? Que parte de você te motivou a fazer isso?
Certamente há uma deusa ferida aí precisando se ver no encantamento do
olhar do outro. Você não precisa disso, você se basta. A Deusa do Amor é
você mesma!

“Tu te tornas eternamente

responsável por aquilo que

cativas”,

disse a raposa ao

Pequeno Príncipe.

72

O Livro de Afrodite

Respeito

Você é você mesma quando está perto da pessoa amada?

Abordamos mais sobre isso no capítulo sobre Autoestima.


Você deixa a pessoa amada ser ela mesma ou é do tipo que exige mudanças,
transformações inalcançáveis da parte do outro? Quando você está em um
relacionamento, as individualidades conseguem ser respeitadas? Ou você
está sempre criando um quadro desagradável para impedir que o seu
companheiro(a) seja ele(a) mesmo(a) e realize seus próprios desejos no
mundo? Pense profundamente sobre isso e escreva suas refexões abaixo.

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73

O casamento de Sir Gawain e Lady Ragnell Um antigo conto inglês do


conjunto das lendas arturianas retrata bem o que o respeito é capaz de
construir em uma relação. Essa narrativa foi contada no livro The Heroine’s
Journey, da psicoterapeuta Maureen Mur-dock, como um retrato da cura
dos princípios masculino ferido e do feminino distorcido. A história se passa
no século XIV em uma Bretanha rural.

Tudo começa quando, durante uma caçada, Artur é poupado da morte pelo
terrível Sir Gromer, que procurava vingança por ter perdido suas terras.
Mas esse livramento é temporário. O rei da távola redonda deveria retornar
a esse mesmo lugar dentro de um ano com a resposta correta para a
pergunta: “O que é que as mulheres mais desejam, acima de tudo?”.

Se ele acertasse, poderia seguir com sua vida, caso contrário Sir Gromer
terminaria o que começou.

Durante os doze meses que se seguiram, Artur e seus cavaleiros coleta-ram


respostas por todo o reino, mas nenhuma soava verdadeira. Faltando
poucos dias para o reencontro com o temível senhor de terras, Artur
encontrou uma mulher grotesca enquanto cavalgava. “Ela era quase tão
larga quanto alta, sua pele era mosqueada de verde e seu cabelo parecia
com ervas daninhas. Seu rosto parecia mais animal do que humano”, assim
é descrita Lady Ragnell.

Sabendo do tormento do rei no último ano, a estranha mulher fez uma


proposta: daria a Artur a resposta certa se seu cavaleiro Gawain aceitasse
se casar com ela. Artur disse que não poderia fazer isso a seu sobrinho, ao
que Lady Ragnell retrucou: “Eu não pedi para você me dar o cavaleiro
Gawain. Se o próprio Gawain concordar em se casar comigo, darei a você a
resposta. Esses são os meus termos”.

Como Artur poderia pedir que um de seus melhores cavaleiros entre-gasse a


vida em um casamento com essa mulher tão horrenda apenas para lhe
salvar? O rei estava sem esperanças. Mas quando contou a Gawain sobre a
proposta de Lady Ragnell, o cavaleiro ficou entusiasmado e aceitou a oferta
sem titubear. Ele poderia salvar a vida de Artur e isso enchia seu 74

O Livro de Afrodite

coração de honra!

No dia seguinte, Artur viajou ao encontro de Sir Gromer, afinal, o pra-zo


tinha se esgotado. O rei ainda tentou dar outras respostas, mas nenhuma era
a correta. Quando Sir Gromer estava erguendo sua espada para o golpe
fatal, ele deu a resposta de Lady Ragnell: “O que uma mulher deseja acima
de tudo é o poder da soberania – o direito de exercer sua própria vontade”.
O senhor Gromer ficou revoltado e saiu maldizendo a irmã. Ela havia dado
a resposta a Artur e o livrado da morte.

No mesmo dia, Gawain e Ragnell se casaram diante de uma corte cho-cada


pela feiura da noiva. Assim que entraram no quarto de núpcias, Lady
Ragnell pediu um beijo, sendo imediatamente atendida pelo marido. No
mesmo instante, a figura monstruosa se transformou em uma linda mulher,
de traços serenos e sorridentes. Vendo o espanto de Sir Gawain, ela explicou
que seu meio-irmão – Sir Gromer –, descontente por Ragnell não se permitir
ser por ele subjugada, encomendou um feitiço que a apri-sionaria a um
corpo monstruoso até que o maior cavaleiro da Bretanha a escolhesse para
esposa por livre vontade.

Mas, agora, Gawain tinha que fazer uma escolha, continuou ela: “Serei
monstro de dia e bela à noite, para o seu deleite? Ou serei bela de dia, para
seu prestígio na corte, e monstruosa à noite?”.

Gawain pensou por um momento, ajoelhou-se diante da esposa tocan-do sua


mão e disse que essa era uma escolha que ele não poderia fazer, pois era
uma escolha apenas dela. O que quer que ela escolhesse, ele a apoiaria de
bom grado.

E, nesse momento, a bela senhora Ragnell explodiu de alegria, pois a


resposta de Gawain era a resposta certa para quebrar o feitiço por
completo, e ela poder ser sua versão real por tempo integral!

O casamento de Sir Gawain e Lady Ragnell é sagrado. Ambos fizeram a


escolha consciente e voluntária de estarem juntos e, por isso, entendem que
devem respeitar a essência de cada um. O respeito é o que convida a beleza
a permanecer entre os dois por tempo integral. Sir Gawain entende que
Lady Ragnell é um ser humano completo, dotado de suas próprias Inspira -
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75

vontades e modos de existir no mundo. Lady Ragnell, por sua vez, entende
que Sir Gawain também é dono de suas próprias escolhas. E, se ambos
entendem isso, eles entenderam tudo!

“Quem nada conhece, nada

ama. Quanto mais conhecimen-

to houver inerente numa coi-

sa tanto maior o amor...”

Paracelso

Conhecimento

Como lembra o alquimista Paracelso, amar pressupõe conhecer a pessoa a


quem destinamos amor. Pense em alguém que você ama muito:
namorado(a), marido, esposa, mãe ou pai, amiga(o). Agora tente responder
às seguintes questões sobre eles. Não se culpe se você não souber responder.
Aliás, fca o convite que para que você use essas perguntas como uma forma
de se conectar ainda mais a essa pessoa. Pergunte a ela!
Qual é a cor favorita?

Qual é o seu principal medo?

Qual é o principal sonho?

Qual era a brincadeira favorita de infância?

O que pensa sobre deus?

Pelo que esta pessoa é mais agradecida na vida?

Qual é a sua música favorita?

Como seria um dia perfeito para esta pessoa?

O que a tira do sério?

76

O Livro de Afrodite

Qual é o assunto favorito dela?

Qual foi o momento mais difícil da vida dela até hoje?

O que faz esta pessoa chorar?

E o que a faz morrer de rir?

Como ela reage a um insulto?

Como ela reage a um elogio?

Quem são as pessoas que ela mais admira e por quê?

Se você pudesse escolher qualquer presente do mundo, qual essa pessoa


adoraria ganhar?

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77

SER AMADA

Você se sente amada? Você se sente amada como pensa que deveria ser
amada? De que modos você gostaria de ser amada?

como eu amo?

A maioria de nós pensa no amor sob a perspectiva do ser amado – esse é o


grande desejo do humano – e não do lugar de quem ama. Já parou para
pensar em como você ama? Qual é o seu jeito de amar? O que você faz à
pessoa que ama? Como trata a pessoa que está amando? Como demonstra
isso a ela? Quando você ama, o que você exige de você?

78

O Livro de Afrodite

E de um modo mais geral, fora das relações romântico-afetivas, como você


expressa amor na sua vida?

Demonstrar amor é fraqueza? Amar é fraqueza? Quantas vezes você diz


para as pessoas que você as ama, que você gosta delas, que você as aprecia,
que acha que elas transmi-tem alguma coisa que te põe em um estado
positivo? Você costuma verbalizar isso? Se não, demonstra isso de alguma
outra forma? Qual?

Imagine que está dizendo “eu te amo” para uma dessas pessoas. Imagine
tudo: o cenário, como estão vestidos, a hora do dia em que isso acontece e
simplesmente diga “eu te amo”.

Quais sensações você sente a partir dessa imaginação?

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79

QUEM AMAMOS?
Quem é a pessoa com quem você sempre pode contar? Escreva o nome dela
e relembre 3 motivos pelos quais ela é tão especial. Não deixe essa pessoa
se afastar.

Escreva uma carta para essa pessoa contando que você a ama e
descrevendo como ela faz você se sentir. Entregue apenas se se sentir à
vontade.

80

O Livro de Afrodite

É AMOR OU UTILIDADE?

Você é amada ou você é útil? Você se doa e depois se esquece de você? E o


contrário? Você está amando ou utilizando as pessoas para se sentir bem?
Será que você tem o costume de coisifcar as pessoas, enxergá-las como
objetos para se chegar a determinado fm? Faça uma lista das pessoas com
quem você mais interage e escreva as possíveis utilidades que elas têm pra
você. Afrodite lembra que o amor não tem nada a ver com status, muito
menos com ter um relacionamento só para ser aceito socialmente ou porque
isso é o “normal” a ser feito. Depois, faça a pergunta: eu ainda amaria esta
pessoa se ela não me fosse útil de alguma forma? Como você poderia olhar
para essas pessoas com mais amorosidade?

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81

AMAR É SE CONHECER

Escreva uma lista com 15 coisas, pessoas, experiências e sensações que


você ama. E depois observe quanto de você existe naquilo que ama.

1.

2.

3.
4.

5.

6.

7.

8.

9.

10.

11.

12.

13.

14.

15.

82

O Livro de Afrodite

O desejo

Certa vez, no Olimpo, desprestigiada e desconsiderada a ponto de não ter


sido convidada para o casamento do rei Peleu com a ninfa Tétis, a deusa
Éris, da discórdia, resolveu colocar em ação a sua vingança. Ela entrou de
penetra na cerimônia e lançou pelo salão, entre as convidadas reunidas,
uma maçã de ouro onde estava gravado “para a mais bela”.

Essa maçã logo foi encontrada pelas deusas Hera, Atena e Afrodite, que,
vaidosas cada uma a sua maneira, reivindicaram o título para si. Zeus foi
solicitado para decidir sobre a questão, mas se esquivou da
responsabilidade, endereçando o veredito a Páris, um mortal que, segundo
ele, sabia apreciar a beleza feminina.

As deusas concordaram e foram ao encontro de seu juiz. Hera tentou


suborná-lo, oferecendo-lhe reinos na Ásia. Atena fez o mesmo; em troca da
maçã, lhe tornaria invencível em todas as batalhas. Afrodite, por sua vez,
lhe prometeu a mulher mais bela do mundo se a maçã dourada fosse sua e
Páris aceitou a oferta da Deusa do Amor.

Acontece que a mulher mais linda do mundo era Helena, que já estava
casada com o rei Menelau. Fazendo com que Helena se apaixonasse por
Páris, Afrodite com certeza sabia que estava mexendo em um vespeiro. O

desejo da Deusa se impôs acima de qualquer outra coisa desencadeando a


Guerra de Troia, o combate mitológico mais importante da literatura grega
antiga.

Com essa história, fica claro que o arquétipo de Afrodite, quando cons-
telado em nossa mente, não mede esforços para conseguir o que deseja, o
que é verdadeiro para ela e o que ela pensa merecer. O desejo dessa Deusa é
tão forte que, por querer ser eleita a mais bela e receber a maçã de ouro,
não se importa em fazer uma guerra acontecer.

Inclusive, guerras acontecem quando você mobiliza decisões a partir Inspira


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83

do seu próprio desejo. Isso é natural. Assim como Afrodite tem como amante
Ares, o deus da guerra, o desejo anda acompanhado da destruição e do
risco. A destruição da expectativa de outras pessoas, a desintegração de um
modelo de vida antigo para abrir espaço ao novo ou a destruição de antigos
ideais do eu aos quais fomos instruídos a ter simpatia. A questão é que
poucos sabem lidar com isso.

A união desse casal sagrado se tornou tão repulsiva para o padrão de


sociedade em que vivemos, que o analista junguiano Gustavo Barcellos
sugere que esse entrelaçamento talvez seja o mais reprimido em nossa
milenar cultura judaico-cristã. E por quê?
Porque, sem eles, nossa libido/energia psíquica pode ser domesticada,
freada e direcionada em nome de qualquer desejo que for ditado para nós
de cima para baixo. Só assim topamos submeter o nosso desejo pessoal, e
nossa capacidade de nos arriscarmos por eles, ao projeto que o coletivo tem
para nós.

Alguns de nós estamos tão acostumados a sermos bloqueados, detidos e a


ter pedidos negados, que o “querer não é poder” é um pensamento que ecoa
em nossas mentes como um mantra ligado no automático. Com o tempo,
vamos nos esquecendo de querer. Ou querendo os quereres dos outros,
quereres emprestados. Muitos nem mesmo questionam se realmente querem
o que desejam.

Sem percebermos, acabamos transformando o outro num norte, que nos diz
e nos mostra o que devemos desejar: o que os outros fazem (con-formismo)
ou o que os outros querem que façamos (totalitarismo), como nos lembrou o
neuropsiquiatra Viktor Frankl.

Para o escritor português Alexandre Herculano, “querer é quase sempre


poder: o que é excessivamente raro é o querer”.

Já Freud tem outra perspectiva sobre isso. Para ele o querer, o desejo, é o
que move toda a atividade psíquica do humano. Isto é, o desejo tem a função
de nos mover pela vida. O desejo é uma força.

Em sua interpretação, o desejo está sempre presente, embora nem 84

O Livro de Afrodite

“Muitos não querem saber qual é o seu desejo, porque poderia parecer
impossível ou perturbador. Mas mesmo assim o desejo é o caminho da vida.
Se você desconhece o seu desejo, então

você não segue a si mesmo mas vai em direção

a caminhos estranhos que os outros indicaram

para você.
Então você não vive a sua própria vida, mas uma vida alienada. Mas quem
deve viver sua própria vida senão você mesmo?

É não apenas estúpido trocar a sua vida por

uma vida alienada, mas também um jogo hipócri-

ta, porque você nunca poderá viver realmente

a vida dos outros, você pode apenas pretender

fazê-lo, decepcionando os outros e você mesmo

já que só você pode viver sua própria vida”.

Carl G. Jung

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85

sempre se apresente em palavras ou seja acessível à nossa consciência. Ele


inclusive se camufla para não ser descoberto por nossa mente consciente,
porque talvez não teríamos a estrutura de sustentá-lo, até porque alguns
desses desejos não se identificam com quem somos em nossa superfície.

Por isso, a percepção de Freud é de que a realização desse desejo aparece


de forma distorcida no conteúdo dos sonhos.

Cabe lembrar que o desejo nos move a partir de duas naturezas que se
manifestam como impulsos. E aqui de novo aparece o casal real: uma
dessas pulsões é voltada para o prazer (Afrodite), que se manifesta, por
exemplo, na atração sexual e na autossatisfação, na criatividade, na arte e
no trabalho. A outra, relacionada à destruição (Ares), pode ser observada
na autossabotagem e na inveja, por exemplo. Freud as nomeou como Pulsão
de Vida (ou Pulsão de Eros) e Pulsão de Morte (ou Pulsão de Thanatos).

O desejo nasce na infância, onde tudo é informação sensível passível de


proporcionar prazer, físico ou que se sente no físico. Uma dessas
experiências marca mais do que as outras, e vivemos atrás dessa sensação
de novo. É ela que muitas vezes direciona nossas fantasias, nossos
pensamentos, nossas vontades e compulsões involuntários. É dela que surge
aquela vontade que nos atravessa sem deixar rastros de onde surgiu!

Tendo origem na infância, o desejo se projeta no futuro... sempre no futuro.


Uma vez que ele não tem objeto na realidade, é uma representação que faz
parte do passado da experiência de uma pessoa, esse desejo primal nunca
poderá ser satisfeito. Portanto, é natural do desejo ser sempre desejo.

O desejo sempre vai nos lembrar de que tem algo faltando, mas quando a
gente entende isso, podemos nos apropriar dessa falta e operar verdadeiras
maravilhas buscando estar face a face com ele novamente. Lembre-se que: o
vazio é um terreno fértil de possibilidades. É encarando essa falta de mente
aberta que nos tornamos donos do desejo, e não escravos dele.

E com isso aprendemos que podemos querer e que o nosso desejo é tudo o
que temos. É o que temos de mais nosso.

De qualquer forma, o fato é que o desejo é o seu centro, o mais real de 86

O Livro de Afrodite

você mesmo. Aquilo que não conseguimos apagar e que volta de forma
codificada em atos falhos, lapsos, sonhos e repetições até que tenhamos a
coragem de olhá-lo nos olhos, assumi-lo e criar um projeto de vida que o
sustente por meio da ativação da vontade, o que é a nossa proposta com a
escrita terapêutica. A sua vontade é capaz de se adaptar sobre qualquer
determinismo da vida. É como aquela frase de Sartre que diz: “Não somos
aquilo que fizeram de nós, mas o que fazemos com o que fizeram de nós”.

Isto é, a solução é viver em nossas vidas o casamento mítico de Afrodite e


Ares. Enquanto se luta (Ares) contra o desejo (Afrodite), a ligação divina
não acontece. Mas quando se luta pelo desejo, aí sim temos um movimento
do sagrado acontecendo dentro de você.

FONTE DOS DESEJOS


Faça uma lista com 20 desejos que você quer muito realizar na vida. É
preciso desejar. E principalmente: saber o que desejar, para não desejar
todas as coisas que se colocam na sua frente e se esquecer do que realmente
importa para você de verdade.

1.

11.

2.

12.

3.

13.

4.

14.

5.

15.

6.

16.

7.

17.

8.

18.

9.

19.
10.

20.

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87

Conseguiu preencher tudo? Será que você tem medo de desejar?

“Você quer o

que deseja?”.

Jacques Lacan

Filtre quais desses desejos eram realmente seus. Muitas vezes, estamos
apenas obedecendo ao comando da sociedade ou tentando se encaixar, e
seguimos a nossa vida desejando os desejos dos outros. Para isso, refita:
Quais dessas coisas da lista deixariam uma enorme tristeza em você só de
pensar que você jamais conseguiria realizá-las? Isso é o desejo!

88

O Livro de Afrodite

A PESSOA QUE EU QUERO SER

O que a “(seu nome aqui) que eu quero ser” pensaria das situações abaixo:

Ter um flho:

Abrir uma empresa:

Morar junto com o parceiro (a):

Viajar sem rumo e sem certezas:

Colocar um piercing/fazer uma tatuagem:


Se mostrar ao mundo como é:

Ter que começar tudo de novo:

Como é essa “(seu nome aqui) que eu quero ser”? Descreva seus
comportamentos, como ela age, qual impacto que ela causa nas pessoas ao
redor e no mundo?

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89

SUSTENTANDO O DESEJO

O que você faz para conseguir o que você deseja? Até onde você seria capaz
de ir? Você ousa esticar as mangas e correr atrás dos seus desejos mais
profundos e íntimos?

Você assume responsabilidades pelas suas escolhas?

Cada escolha, uma responsabilidade. Você está disposta a assumir o


estrago? A dizer os “nãos” e “sims” necessários?

Você banca o que deseja? Refita sobre isso com base nos seus desejos
anteriores.

Exercício: Durante a semana, sempre que surgir uma dúvida, um impasse


sobre qual caminho seguir ou quais escolhas fazer, tente esse desafo de se
perguntar “O que a (seu nome aqui) que eu quero ser pensaria disso?”. A
Afrodite interna sempre sabe onde quer chegar. Isso é ativar a vontade e
tudo começa com a vontade!

90

O Livro de Afrodite

Se o relacionamento mítico de Afrodite e Ares se encaixa tanto nesse tema, é


porque sua relação foi movida desde o início por desejo.
Afrodite era casada com Hefestos, deus da forja e da criatividade. Ele era
manco, disforme e irmão de Ares. Com ele, a Deusa aceitou se casar por
gentileza, carinho. Mas com o tempo, acabou correspondendo ao desejo
crescente pelo vigor do jovem guerreiro Ares, e acabou traindo seu marido.

Nem mesmo a humilhação de ser exposta como adúltera diante de todo o


Olimpo a fez desistir desse desejo. A Deusa cultivou uma relação duradoura
com o deus da guerra, com quem teve muitos filhos, e é nessa chave
mitológica que podemos captar muitos insights sobre como podemos
descobrir e nos relacionar melhor com o desejo.

Afrodite, a deusa do desejo, é a mãe de Fóbos (Medo) e de Deimos (Terror).


Isso quer dizer que aquilo que é um desejo profundo da nossa alma pode vir
– e quase sempre vem - acompanhado de medo. É como aquela frase de
Buda: “A causa de todo sofrimento humano está no desejo e no apego”.

O MEDO COMO GUIA

Escreva uma lista com 7 das coisas que você mais têm medo nessa vida e, do
lado, escreva o que você poderia conquistar se superasse esse medo. Os
nossos principais medos escondem a potência da nossa alma!

Dessa lista, selecione os medos que dependem só de você (diferente do medo


da morte, por exemplo, pelo qual não temos muito controle) que têm
atrapalhado a sua realização na vida de alguma forma. A maternidade de
Afrodite nos faz lembrar que por trás de cada medo (seja ele fóbos ou
deimos) há desejo. E esse é um exercício que vai fundo no
autoconhecimento. O medo é um indicador do dese-Inspira -
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jo. Se você teme alguma coisa, ela está de alguma forma ocupando um lugar
muito erotizado para você. Será que por trás desse medo se esconde um
pouco de prazer? Ex.: tenho medo de não ser aceita > desejo fazer parte de
algo importante, desejo me sentir acolhida e protegida; tenho medo de
dirigir > desejo me conduzir pela vida da melhor forma.

1.
2.

3.

4.

5.

6.

7.

“Você é o único

representante do

seu sonho na face

da terra”.

Emicida

92

O Livro de Afrodite

“Magia é a arte de

transformar a

consciência por meio

da vontade”.

Dion Fortune

FAZER NASCER A HARMONIA

Descreva aqui as áreas da sua vida que estão em desequilíbrio.


Afrodite (desejo) e Ares (coragem, ímpeto) tiveram também uma outra flha,
Harmonia. Coloque cada uma dessas áreas na balança e veja se o que está
faltando para harmonizar a situação: é um pouco mais de desejo ou de
amor pelas pessoas e coisas envolvidas? Ou o que falta é um pouco mais de
coragem e ação frme da sua parte?

Sempre que algo estiver em desarmonia, é preciso fazer com que ela seja
concebida no útero da sua deusa interior.

94

O Livro de Afrodite

As duas Afrodites:

Pandêmia e Urânia

Afrodite foi dividida em dois epítetos pelos gregos: Afrodite Pandêmia e


Afrodite Urânia. De naturezas opostas, mas paradoxalmente
complementares, as Afrodites representam os polos que constituem a vida: o
humano está na interseção, ora sendo encantado por uma, ora sendo
inspirado por outra.

Na obra O Banquete, Platão observa que existem dois Amores, portanto, são
duas Deusas. A mais velha, não tem mãe e é filha de Urano (deus do Céu): é
nomeada como Urânia, a Celestial. Já a mais nova, é filha de Zeus e de
Dione: é chamada de Pandêmia, a Popular.

A Pandêmia encanta as pessoas para os amores comuns, vulgares: carnal,


dos sentidos e dos prazeres, e material, por isso perecível e limitado.

A Urânia, mais enaltecida pelos filósofos, inspira as pessoas ao amor pelo


encontro ao sopro divino da alma: espiritual, por isso perene e ilimitado, é o
sublime e também o sublimado.

O filósofo neoplatônico Plotino resgatou o conceito das duas Afrodites a


partir de sua equivalente romana, Vênus, e as atualizou. No pensamento de
Plotino, devemos buscar o Uno – uma entidade suprema, transcendente e
inominável, de onde nasce todo o ser e a beleza, e que é a origem de tudo e
a finalidade dos seres. A contemplação ativa do belo é o caminho que faz os
seres humanos irem em direção ao conhecimento do Uno. É onde reside a
alma humana, com sua essência divina.

É dessa contemplação ativa, que eleva a alma e o intelecto para ver Inspira
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por meio do Uno, a manifestação da Vênus Urânia – o amor verdadeiro e


espiritual, perene e multiplicador: o ser em contato com a abundância do
universo.

Em contrapartida, se a ação é voltada para a busca sensível do mundo


material e dos prazeres, é a Vênus Pandêmia que está manifestada – o amor
é grosseiro e comum, é perecível e limitado: o ser é restringido pela
limitação, pois a matéria tem limites e se volta apenas para o próprio ser e
não para o Todo.

Buscamos no amor o que nos falta, mas também podemos conquistar aquilo
que buscamos – é fruto da união entre a Carência e a Abundância.

Perceber, então, o que nos falta e toda a possibilidade de conquista é o que


devemos fazer em equilíbrio.

Se enxergamos apenas através do véu da Pandêmia, nos direcionamos para


as necessidades fugazes. Apesar de serem necessárias, nossa satisfação
genuína não reside lá. Por exemplo, o carro dos sonhos que te eleva à
categoria de rica comprado hoje – ou qualquer objeto seriado pela data de
fabricação –, daqui a 10 anos será um carro de 10 anos atrás, deteriorado
pelo tempo e fora de moda.

Já se a visão for através da aura da Urânia, o tempo passa e nunca se


esgota o que é amado. É quando acoplamos as qualidades à existência, a
partir do mundo das ideias. Em vez de buscarmos o enfeite por objetos que
se desintegram para refletir uma ideia, como um carro que passa a ideia de
riqueza e de beleza, devemos emanar a ideia de riqueza e de beleza a partir
de nós mesmos.
Em outras palavras: em vez de você gritar e tentar mostrar ao mundo que é
rica/bela, se sinta rica/bela, que assim perceberá que não precisa gritar
nada a ninguém. A satisfação é providente da ideia, que é permanente, e não
da coisa, que é efêmera.

96

O Livro de Afrodite

o melhor das duas vênus

O que lhe falta hoje?

Você consegue encontrar um equilíbrio entre essas duas Afrodites? Qual


está mais destacada em você?

Volte à lista da página 86, quais eram desejos da Vênus Pandêmia


(sublinhe) e quais pertenciam ao reino da Vênus Urânia (circule).

Em que partes da sua vida você encontra a Vênus Urânia?

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O lado luz da Vênus Pandêmia Os desejos da Vênus Pandêmia não são


necessariamente fúteis. Eles podem ser uma ferramenta de autocuidado.
Tudo depende da dose. Escreva abaixo 7 delícias da vida civilizada que você
ama! Exemplo: edredons fofnhos e cheirosos para dormir, pedir uma comida
pelo celular...

98

O Livro de Afrodite
Sexualidade

A mitologia conta que Afrodite se ofende com quem limita o prazer.


Glauco, rei de Éfira, achou que seria interessante impedir o coito de suas
éguas, temendo que elas ficassem prenhes e com isso se tornassem menos
enérgicas nas competições de corrida de carruagem.

Glauco só as enxergava como um utilitário. Para seu próprio benefício, ele


barrava a natureza sexual e reprodutiva desses animais, sua natureza
instintiva e selvagem.

Afrodite enfureceu-se com o excesso de domesticação e, numa noite,


resolveu soltar as éguas de Glauco. Deixou que bebessem a água de um
poço sagrado dedicado a ela, bem como que comessem as ervas hipô-manes
que nasciam ao redor. O próprio nome da erva tem relação com a secreção
excretada pelas éguas no cio. O resultado disso seria violento!

Como uma lição de que não se pode reprimir os instintos sem sofrer as
consequências disso.

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Quando Glauco atrelou suas éguas à carruagem para competir nos jogos
locais, os animais dispararam com velocidade, arrastando o rei de Éfira
emaranhado às rédeas por toda a extensão do estádio. E para finali-zar:
devoraram-no vivo.

Em síntese, o mito nos conta que a libido/energia vital que não cana-lizamos
para o prazer, pode virar outra coisa. Uma coisa que nos devora de dentro
para fora. Quem não conhece alguém que se priva de prazeres e vive uma
vida amargurada ou cheia de tensão e de raiva? Ou, ao contrário, aquela
pessoa que vive sem consciência de seus apetites e acaba sendo ar-rastada
por eles vida afora, sem organizá-los de uma maneira sustentável, sem
“tomá-los pelas rédeas”?

O psicanalista francês Jean Laplanche defendeu que todo impulso, seja ele
de prazer ou de destruição (f alamos mais sobre isso no capítulo sobre O

Desejo), é concebido de um único lugar comum: o sexual. Em sua teoria,


haveria apenas uma energia, a libido, que movimentaria o aparelho
psíquico. Se não fosse endereçada para o prazer (Pulsão de Vida), essa
energia seria, então, desviada para a destruição, o que Freud chamou de
Pulsão de Morte.

A Psicanálise, com isso, reforça o mesmo que aprendemos com o mito: é


preciso se permitir desfrutar daquilo que nos dá prazer. Uma primeira
leitura disso é achar que a gente precisa de mais sexo. Mas não estamos
falando disso, visto que em algumas pessoas a prática sexual é intensa e,
mesmo assim, é observado esse desvio para a (auto)destruição. Às vezes, o
próprio sexo ininterrupto é um sintoma da desconexão com o prazer.

Quando o assunto é prazer, qualidade vai ser sempre superior à quantidade.


E a qualidade é um conceito subjetivo, definido apenas por você no
momento em que você se conhece e se respeita. Mas uma coisa é certa: se
não se desfruta do momento que envolve a experiência sexual estando
absolutamente presente, a energia do gozo ainda fica retida e se desvia para
o outro caminho, o da Pulsão de Morte.

Mais do que buscar prazer, é essencial estar presente, se conectar com o


parceiro ou a parceira, evitar idealizações irreais que só frustram, se per-
100

O Livro de Afrodite

mitir sentir prazer e, ainda, sublimar o excedente libidinal direcionando


essa energia restante para algo criativo.

É preciso assumir as rédeas da própria Pulsão de Vida, daquilo que se


enxerga como prazeroso na sua intimidade, sem procurar se encaixar em
roteiros estabelecidos por terceiros do que se deve fazer, do que é esquisito
ou vergonhoso. Não estamos falando apenas de sexo, mas em se tratando
de sexo também funciona assim. É claro que nos referimos à sexo
consensual entre pessoas com alguma maturidade.

Acontece que isso de se permitir o prazer não é assim tão fácil em uma
sociedade racionalista e utilitarista como a nossa. Para a mulher, isso tem
uma carga ainda maior. O prazer feminino foi histórico e espiritualmente
relegado à uma censura.
Na Idade Média, o desejo sexual da mulher era visto como um potencial
de dissimulação, por não se apresentar de maneira tão evidente como o do
homem. Esse mistério fez com que a sexualidade feminina fosse encarada
como diabólica, assim como mostra a mitologia de Eva e Lilith, que
ganhou um peso social ainda mais misógino no Ocidente a partir do
século V d. C.

O sexo para a mulher passou a ser encarado como um dever de


reprodução ou de gratificação para o marido. Na França da Primeira
Guerra Mundial, conta-se que as mães acalmavam o terror das filhas
diante da noite de núpcias com a frase: “Minha filha, feche os olhos e
pense na pátria”. A sexualidade feminina era vista apenas como um
repositório de heróis para a nação, e nunca como algo de domínio da
própria mulher.

O prazer feminino já foi restringido ao sujo, satânico, impuro e desmo-


ralizante. A escritora Miranda Gray explica que, por um longo tempo, a
mulher que pedia por sexo ou que obtinha prazer a partir dele perdia
qualquer respeito que pudesse ter dos homens ou da sociedade em que
vivia.

Virginia Woolf, o grande nome da literatura, escrevia em 1929 que a


castidade ainda era uma questão em seu tempo, mesmo que encoberta por
preocupações e instintos. De forma que se libertar dela ainda era um ato
de coragem “das mais incomuns”. A lembrança desse senso de castidade,
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101

isto é, da conquista de algum respeito por meio da abstenção dos próprios


desejos, segundo a autora, é o motivo do anonimato das mulheres até o
século XIX.

Até hoje o jogo não está vencido. Perdemos o elo que conectava o prazer
feminino como a manifestação do divino. Perdemos Afrodite, e com ela o
sexo sagrado que libera a faceta divina existente no transe, bem como a
capacidade de renovação espiritual atingida no clímax da união.
E isso é terrível para todos, não só para a mulher.

Estamos falando do encontro entre Afrodite e Dionísio. A Deusa das


Sensações com o deus dos estados de êxtase e da ponte entre o humano e o
divino. Eles representam a união do feminino com o masculino sel-vagens
que foi jogada para debaixo dos panos como um tipo inferior de barbárie.

Na Grécia e na Roma antigas, os festejos destinados a Dionísio (também


chamado pelos romanos de Baco) subvertiam a ordem social, abrindo uma
brecha para a liberdade sexual feminina. Mulheres – e também escravos –
que eram socialmente sujeitadas a um plano inferior ao masculino,
alteravam a ordem estabelecida por meio do vinho, do transe e da loucura
ritual.

Nesses períodos, lhes era permitido que agissem feito às Mênades (ou
Bacantes), as acompanhantes de Dionísio. Isso implicava em uma entrega
absoluta e desmedida ao sexo, à embriaguez, à violência e à
autoflagelação.

Tudo o que ficava reprimido da experiência cotidiana convencional na


pólis.

Dionísio simbolizava abraçar a loucura básica à natureza humana, aquela


que – quando bem integrada – acompanha a perfeita saúde. Dionísio abre
as portas para acessar as profundezas inconscientes onde moram as forças
da vida, como pensou o filólogo Kerényi. Quando ritualizado, esse
arquétipo dissolvia as dualidades, fazendo os opostos se fundirem: o
selvagem e o civilizado, o racional e o irracional, o consciente e o
inconsciente, o divino e o humano e o feminino e o masculino.
Entendendo a masculino aqui não em uma visão heteronormativa, mas
com o sentido 102

O Livro de Afrodite

de serem contrastes.

Essa fusão é sagrada. No transe orgástico, que os franceses chamam de


petite mort (uma pequena morte), o deus e a deusa morrem e nascem de
novo, renovados espiritualmente. Dessa união entre Afrodite e Dionísio
concebe-se Príapo, o deus da fertilidade e guardião dos jardins, para
recordar a capacidade fecunda que o sexo sagrado traz para o psíquico.

Bem como da liberação das tensões e do florescimento de força vital que o


êxtase sexual é capaz de proporcionar.

Nas filosofias ancestrais da China e da Índia, o orgasmo teria um poder


curativo e restaurador. Essas linhas de pensamento se coadunam com a
Psicanálise de Freud quando afirmam que a energia vital que move todo o
aparelho psíquico parte de uma fonte sexual.

O historiador grego Heródoto, no século 5 a.C., registrou um “repug-


nante costume babilônico” – em suas palavras – que permanecia vivo na
ilha de Chipre, Grécia (local onde, segundo o mito, Afrodite teria nasci-
do). De acordo com ele, esse costume levava “todas as mulheres da terra a
se sentarem no templo de Afrodite e terem relações sexuais com algum
estranho pelo menos uma vez na vida”, segundo Watson. Essa ideia era
chamada de prostituição sagrada, e em troca, o templo arrecadava
dinheiro.

À primeira vista, o conceito causa uma estranheza, não é mesmo? O

nosso olhar de hoje consegue perceber as dimensões de exploração sexual


e do feminino que estavam implícitas nisso. Bem como Heródoto, com sua
perspectiva racionalista, já na Antiguidade, enxergava a prática com um
olhar crítico. Mas a psicoterapeuta Nancy Qualls-Cobertt se lançou em
uma pesquisa intensa sobre o assunto, na intenção de descobrir o
simbólico por trás da ação.

Suas descobertas foram sintetizadas no livro A Prostituta Sagrada: a face


eterna do feminino. Nesse livro, a autora traz uma compreensão da
prostituição sagrada como um ritual em que a mulher humana encarna as
qualidades da Deusa do Amor, podendo se capacitar a conhecer e a
respeitar essas qualidades em si mesma.

Esse “encarnar a Deusa do Amor” seria, nessa nova visão, um ato Inspira
- revistainspira.com

103
de resistência e de reconexão com o feminino divino subjugado em uma
sociedade que o reprime e o faz dançar conforme as leis do patriarcado e
do gozo masculino. Trata-se de um reconectar-se com a autoridade da
própria sexualidade e, com isso, trazer equilíbrio ao mundo. Isso é
manifestar o sagrado. “Em sua encarnação da deusa, ela é a responsável
pela felicidade sexual, e é a veia através da qual os rudes instintos animais
são transformados em amor e na arte de fazer amor”, escreve a
pesquisadora.

Se não enxergamos o sexo como algo sagrado, adotamos uma mentalidade


frígida sobre a vida e negligenciamos, julgamos ou culpamos o próprio
prazer de muitas formas. “Sou espiritualizada, sexo é baixa vibração,
pecado”. “Sou uma mulher inteligente e/ou poderosa, sexo é uma
frivolidade”. “Sou uma boa mãe, sexo é sujo e impuro”. Essas podem ser
mentalidades em desequilíbrio.

Algumas pessoas realmente podem ser assexuadas, terem sofrido traumas,


terem baixa libido ou simplesmente não gostarem de sexo, e isso pode ser
reconhecido ao olhar suas questões com mais consciência. Mas será que a
baixa libido, a qual você usa como argumento, não é uma justi-ficativa
psicológica para negar uma crença ou preconceito que você tem a respeito
do seu próprio prazer?

Isso pode ser muito mais comum do que você imagina em uma sociedade
como a nossa, em que o desejo feminino está associado ao mal. Tudo pode
tender ao equilíbrio e ao desequilíbrio, e com o sexo não é diferente.

Todo excesso esconde uma falta! Até o excesso de resistência. Entenda o


que há por trás da limitação do seu prazer.

Descolonizar o prazer é o caminho para uma vivência muito mais saudável


da própria existência. O caminho sagrado é fazer as pazes com a sua
sensorialidade, que é a chave para entender o seu prazer e, por isso, é
também um caminho de autoconhecimento; questionar crenças sobre o
sexo e observar o que você escuta por aí sobre o assunto, o que engole
como verdade, o que faz por gosto pessoal, o que faz porque ouviu que era
o certo a se fazer, o mais comum, o que não faz porque está associado a
algo nojento e indigno; experimentar o que te atrai e repelir o que te
incomoda.

104

O Livro de Afrodite

Além disso, faz parte desse processo retirar as amarras que prendem a
mente a um modelo de dignidade feminina criado culturalmente, em que
não se é permitido nem mesmo pensar sobre sexo. E pensar sobre sexo é
fundamental!

Sexo não é uma mera fricção genital. E, inclusive, está para além do
corpo. Uma prova disso é a existência dos sapiosexuais, aqueles que
sentem atração sexual por pessoas inteligentes. Sexo é muito mais do que
um encontro físico. É acessar e se deixar ser guiada pelas fantasias, aquilo
que mexe com a sua imaginação.

Essa é uma forma de descobrir quem é você, o que te dá prazer de verdade


e, por isso, este é o caminho para ter mais prazer na vida.

o que você pensa sobre sexo?

Escreva o que vier à sua mente sobre as palavras a seguir: Sexo:

Prazer:

Intimidade:

Tesão:

Gozar:

Fetiche:

Você consegue se lembrar de ensinamentos, lições, conversas paralelas de


adultos ou mesmo imagens que você viu ou ouviu sobre sexo durante a
infância da parte de seus cuidadores ou de pessoas lhe inspiravam alguma
autoridade? O que eles pensavam sobre sexo? Escreva sobre Inspira -
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105

elas e sobre a impressão elas lhe causaram. Essas impressões ressoam em


você ainda hoje?

Conte aqui uma situação em que você se sentiu julgada(o)

– por alguma pessoa ou por você mesma(o) – como uma criatura vulgar
ou de alguma forma inadequada(o) com a sua própria sexualidade? De
quem partiu o comentário?

Como você se sentiu? Você internalizou isso de alguma forma?

106

O Livro de Afrodite

Quantas vezes você já sentiu como se o seu prazer (e seus desejos) devesse
estar condicionado a alguém ou a algo?

Como se você tivesse um dono e fosse uma criatura sem autoridade sobre
si mesma (seu corpo e seu gozo). Você faz sexo também para você ou
pensando apenas no outro?

Esse é um problema feminino, estruturante da sociedade patriarcal. Por


isso, é comum ouvir relatos de muitas mulheres que fngem orgasmo. Você
já fngiu? O que te levou a fazer isso? O seu prazer não importa muito?

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em busca do seu prazer

O que você espera do sexo?


Complete as frases abaixo com o que funciona para você: Quando penso
em sexo, penso

Quando desejo, me sinto

Quando sou desejada, me sinto

Sexo é prazeroso para você? Na maior parte do tempo, como você se sente
com relação ao ato sexual: antes, durante e depois dele terminar? Qual o
sentimento e os pensamentos que dominam e que passam pela sua cabeça
nesse meio tempo? Depois de responder a isso, revele sobre como você
gostaria de se sentir em cada uma dessas etapas.

Antes:

108

O Livro de Afrodite

Durante:

Depois:

O sexo que você faz consegue te satisfazer? O que falta-ria? Pergunte-se


se isso não é alguma idealização criada em algum flme pornô e impossível
de ser reproduzida na realidade.

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Lembranças, imaginação, contos eróticos, flmes sensuais, informação...


Parte do sexo é imaginação. A imaginação é da ordem de Afrodite. Você já
tentou estimular a sua mente sexualmente? Qual é a sua experiência com
isso? Como você costuma fazer? Que impressão esses conteúdos de
causam?

Você costuma se masturbar? Como se sente fazendo isso?


Do que você gosta durante o sexo? Sentimentos, cheiros, posições,
carícias... O que te excita? Escreva aqui!

E do que você não gosta? O que te esfria?

110

O Livro de Afrodite

SEXO COMO AUTOCONHECIMENTO

A terapeuta de casais Esther Perel escreve que “Na fantasia,


representamos o que não temos coragem de fazer na realidade”. Nossa
imaginação erótica é livre. Imagens que juramos repudiar na vida moral,
podem povoar nossos desejos mais satisfatórios. Agressividade, carência,
violência, vingança, poder e pura luxúria são alguns dos afetos que
pululam em nossas fantasias.

Esse material se identifca com nossa porção inconsciente, sobretudo com a


parte que reprimimos de nós mesmos. Por isso, olhá-lo com atenção é se
conectar com nossos desejos mais profundos e à nossa história de vida.

Assim, nos enxergarmos em totalidade, o que ajuda a entender e acolher


quem somos com mais competência.

O que ocupa a sua imaginação? Você tem um momento onde a sua mente
costuma vagar criando fcções conscientes? Onde ela costuma parar?
Quais são suas fantasias recorrentes? O que esse lugar seguro e fantástico
revela sobre o que seria um universo ideal para você?

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Essa fantasia que vive em sua imaginação se relaciona com algum desejo
seu em especial? Não necessariamente o desejo que está sendo encenado
de forma explícita na imaginação, mas um desejo mais profundo de
aceitação, vulnerabilidade, dominação, o desejo de não precisar controlar
nada, de ser cuidada, de não precisar ser forte em alguma situação da sua
vida? Pense.

Que parte de você está sendo reprimida e quer aparecer em sua expressão
sexual? O que seu corpo quer falar para trazer equilíbrio à sua totalidade
psíquica? Normalmente, pode ser o oposto de como você se apresenta
socialmente.

112

O Livro de Afrodite

SEXO... SAGRADO?

Te causa algum tipo de estranheza ler as palavras sexo e sagrado na


mesma frase? O que a expressão sexo sagrado provoca em você? Que
comentários surgem na sua cabeça a partir da combinação dessas duas
palavras?

Faça um esforço refexivo e escreva abaixo: de que forma sexo pode ser
considerado sagrado? Ou, pense o contrário: por que sexo não seria
sagrado?

Você está presente durante o sexo? Você está ali de corpo e alma ou seu
corpo apenas executa movimentos repetitivos enquanto você está pensando
nas contas, nos problemas da casa ou do trabalho ou em como você
precisa sair dali logo?

O sexo sagrado é a integração do inconsciente com o consciente. Você traz


consciência para o seu momento de Inspira - revistainspira.com

113

prazer? Já parou para refetir o que você quer do sexo e como conseguir
isso? Às vezes, queremos só prazer, outras vezes queremos sentir amor,
união; e outras, queremos ter flhos. Como você se cuida de maneira
consciente para ex-trair apenas aquilo que você quer de cada relação?
Preser-var-se também é autocuidado e permite que a sensação de prazer
seja mais duradoura.
E com relação a liberar o inconsciente? O que te faria se soltar durante a
relação, liberar a sua loucura interior e se entregar completamente ao
momento?

Você respeita o seu parceiro(a) no que diz respeito ao sexo?

Permite que ele possa se entregar por inteiro sem idealizações e sem
julgamento? Entende sua energia sexual e a falta dela? Tenta
compreender os gostos e aquilo que a pessoa não gosta? Ou só se importa
com o seu próprio prazer?

Pense sobre isso. Sexo sagrado é comunhão. Todas as partes são


integradas!

114

O Livro de Afrodite

Prazer

Uma sensação arrebatadora de profundo bem-estar: isso é o prazer.

Essa sensação é uma bússola para a sua vida e para os caminhos que você
escolhe? Ou você se guia mais pela mentalidade do sacrifício e da
renúncia? Afrodite escolhe sempre a primeira opção. Onde há prazer, há
uma energia divina que merece ser reverenciada.

Quando se sabe incluir essa sensação na sua vida, esse prazer é não só
saudável, como essencial. Mas quando é orientado para uma incessante
repetição do que faz bem, algumas coisas se tornam uma dependência,
uma muleta sem a qual acreditamos que não podemos nos guiar pela
existência, e assim o mesmo prazer se torna um vício. Já quando os
sentidos estão anestesiados, não há como buscar e desfrutar do prazer:
assim se manifesta o tédio. Vício e tédio são desdobramentos do
entendimento do prazer.

Viver em busca do prazer não é apenas uma orientação da vida


contemporânea. Na Grécia Antiga, o Hedonismo era uma linha filosófica
que acreditava que a vida deveria ser orientada na realização do prazer. Já
o Epicurismo, outra escola filosófica grega, traz o elemento da moderação
na procura dos prazeres como lastro para se atingir a ataraxia,
tranquilidade interior e a ausência de perturbação.

Mais de dois mil anos depois das filosofias gregas do prazer, Sigmund
Freud observou que a vontade da realização do prazer e a fuga pelo des-
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prazer é regida por nossos processos inconscientes. Essa parte pulsional


que direciona sempre à gratificação a todo custo e circunstância é denomi-
nada de princípio do prazer. Mas há também um filtro! O princípio de
realidade faz a mediação da vontade de realização do prazer e o mundo
externo, com suas regras e limites, operando por meio de renúncias, de
trocas ou da própria realização do prazer.

Após a Humanidade passar por épocas em que as restrições de prazer e a


penitência a alçava aos céus, período em que o arquétipo de Afrodite foi
deslocado da carne para a estética das telas e das esculturas, nos de-
frontamos com as vitrines de desejos prêt-à-porter, prontas para o uso em
série.

Para cada gosto, há um botão instantâneo para realizar o júbilo da carne:


consumismo de objetos e de afetos, pornografia, relações sexuais.

Zygmunt Bauman, o sociólogo que percebeu a liquidez da sociedade


contemporânea, também observou que o consumo desordenado de objetos
remodela a nossa sociabilidade, ao passo que o outro, agora, é classificado

“pelo volume de prazer que provavelmente oferece e pelo ‘valor


monetário’”. Em outras palavras, as coisas e as pessoas valem o mesmo
tanto de prazer que elas são capazes de proporcionar. Mas quem define
esse prazer?

Quando não dispomos de seguir as pistas que apontamos


involuntariamente para entendermos os nossos desejos, não percebemos
que consumimos esses seriados prazeres plásticos com roupagem de
“customizados ao gosto do cliente”.
Todos os dias, o que nos causa prazer é apontado e enunciado. Seja pela
negativa, quando evitamos nomear e olhar para o que nos dá prazer
genuíno e dizemos o oposto – como que fugindo da culpa ou da vergonha
de ser admirador desse prazer; seja em meio ao que causa distração,
quando dizemos muito e não percebemos que, em meio à enxurrada de
pensamentos e palavras, passam, despercebidamente, os objetos do nosso
desejo. Então, a via que nos direciona para reconhecer o que nos causa
prazer é o autoconhecimento.

116

O Livro de Afrodite

O prazer é o deleite do corpo e da mente em sintonia. Também é a


satisfação das nossas fantasias em ato – outra descoberta a partir da
escuta do eco de quando passamos a nos ouvir.

Quem não reconhece o que lhe causa prazer, fica como uma pessoa
indecisa num restaurante, frente ao cardápio cheio de opções: por não
saber o que deseja comer, pensa tanto e acaba por escolher qualquer
prato.

Mas quando a comida chega, bate o arrependimento por não ter pedido
um outro prato que também lhe fez salivar. Assim, acaba não saboreando
nem sentindo prazer pelo prato que escolheu.

Acontece a mesma coisa na vida: se não vivermos o prazer no momento, se


não tivermos a coragem de colocar o prazer como norte e guiar nossa vida
em sua direção; se, ao contrário, mirarmos o outro objeto de potencial
prazer como se o prato do outro fosse capaz de saciar mais nossos
sentidos, acabamos por não aproveitar o que está à nossa disposição.

O resultado disso é uma vida insípida, tão sem sabor quanto à escolha
impensada do menu.

O deleite do corpo, geralmente, é sinestésico. Ou seja, mais de um sentido


é acionado quando entramos em contato com o que nos dá prazer.
Uma comida, por exemplo, é apurada pelo olfato, visão e tato, não só pelo
paladar. Para encontrar o que te agrada de verdade, seja em uma refeição,
em um trabalho ou em uma pessoa, o corpo é sempre o termômetro. Os
sentidos têm todas as respostas que você procura quando o assunto é
prazer, e se abrir a ouvi-los é só o que você precisa.

Sentir prazer e saber reconhecer o que nos gera prazer é uma porta para a
autodescoberta e para o autoconhecimento – ou, inversamente, a
autodescoberta e o autoconhecimento podem ampliar e apurar as formas
de prazer.

A digitalidade atualizou as nossas chaves e fechaduras para o prazer.

Em meio às ofertas massivas de estímulos, a tendência é integrar como


parte emissora, levando ao avatar a roupagem do que selecionamos como
persona, aquilo que queremos “vender” como bom em nós. Na nossa
Natureza Selvagem construída digitalmente, “a felicidade só é verdadeira
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117

quando compartilhada... nas redes sociais”. Adicionamos à conta da busca


pela satisfação a necessidade do olhar do outro para oficializar o nosso
prazer.

Como reflexo da grande oferta de hiperestímulos com os quais convi-


vemos na atualidade, a demanda para o consumo é criada. Cada vez mais
é necessária a companhia de novos estímulos. Alguém consegue viver sem
olhar o celular de uma em uma hora ou até de um em um minuto?

Existe até um traço de personalidade chamado de sensation seeking


(buscadores de sensações), que, como o próprio nome já diz, é
caracterizado pela procura por novas e mais intensas sensações – às vezes,
até colocando em risco a própria vida.

Mas essa busca pela excitação constante, como se a vida fosse uma eterna
sexta-feira à noite e nunca uma tarde de domingo, revela uma consciência
oposta à consciência hedonista. O sensation seeker busca lembrar que está
vivo a qualquer custo, ele quer o sentimento imediato que acal-me a dor da
falta de sentido. Como antídoto, ele quer a emoção rápida, chocante,
aterradora. Em oposição, uma consciência hedonista refinada degusta e
processa o conteúdo do que é apresentado a ela, encontrando aquilo que
lhe dá prazer continuamente e em toda a parte.

A mentalidade da degustação vive imersa em prazer, enquanto que a da


excitação só consegue encontrá-lo em alguns momentos: no instante exato
em que a corda do bungee jump se lança ao abismo, na raridade do
encontro de algo infamiliar e inédito, na piada inesperada que faz todo
mundo rir de nervoso.

A busca pelo prazer a qualquer custo acaba emperrando as portas para a


satisfação: essas portas são os nossos sentidos. Por excesso ou por falta,
ou mesmo por vontade de repetir a sensação do que se fez na memória,
existem duas vias: o vício e o tédio.

O vício é o desequilíbrio do prazer. Com o esvaziamento do estado de


êxtase deixado por uma atividade aprazível, a lacuna é ocupada por um
desprazer – do tipo “Poxa, acabou? Minha vida voltou a ser a mesma
coisa de antes?” –, a ser enxotado pelo retorno a um novo estado de
prazer. É

118

O Livro de Afrodite

essa a origem da repetição no vício.

Mesmo os vícios “do bem” podem causar um mal. Por exemplo, alguém
que é viciado no estímulo dos exercícios físicos, e os pratica com tanta
frequência e intensidade, que desenvolve um desgaste dos tendões.

No vício, já não é delimitado o estado de neutralidade, que faz o prazer ser


prazeroso. A neutralidade sentida logo após o momento de júbilo é
entendida como um desprazer.

Erich Fromm inclui à causa da lacuna do vício outro fator: a separação.


O psicanalista nota que, para algumas pessoas, cujo sentimento de
separação com algo exterior que produzia sua unidade, como era o caso
da criança com a mãe, ainda é presente e não é aliviado por outros meios
de formação de união. Nesses casos, busca-se o orgasmo sexual ou vícios
de outra natureza na tentativa de fugir à ansiedade da separação. Em
contrapartida, o resgate da união com algo maior, como um artista com a
sua criação, tem efeito contrário, é apaziguador e revigorante. Dar vazão à
criatividade pode ser uma das alternativas para remanejar a energia
voltada a alguns vícios.

“Uma criatividade que surge a

partir de uma consciência des-

perta para criar um novo para-

digma: um mundo novo”.

Miriam Subirana

Um personagem histórico que vivia guiado pelos prazeres que a vida tem a
oferecer foi Giacomo Casanova, no século XVIII. Escritor e aventureiro,
viveu seus setenta e três anos de existência a explorar o campo dos
prazeres: a volúpia, a comida, a beleza e o dinheiro eram joias que procu-
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119

rava durante sua jornada. Contemplava a beleza da arte, mas sempre


como um prelúdio ao gozo. Esse Carpe Diem do gozo era pautado por
elementos fugazes: “a variabilidade, a troca, são o sal da sua vida, o sal do
prazer, pois para ele a vida é o prazer”, escreveu Stefan Zweig sobre
Casanova.

Casanova, que virou adjetivo para se referir a alguém sedutor, era


orientado pelo aqui e agora (seu Hic et Nunc), que recusa a espera e a
paciência em favor do imediatismo do gozo. Sua existência não suportava
as tediosas batucadas de dedo na mesa; ao contrário, dava a mão para o
inesperado e desconhecido em busca de preencher o vazio do tédio.
Como notou Zweig, “tudo o que está além do presente é, para ele, turvo e
problemático”. Precisava, então, do oxigênio da aventura para Casanova
não morrer na asfixia do tédio.

O tédio acontece quando já estamos com os nossos sentidos adormecidos


ou quando não nos encantamos mais com o que tem potencial de nos
estimular. Parece que o calendário é composto apenas pelo “dia
internacional do tédio”, como os entediados cunharam o domingo.

É a sensação que ocupa nosso espaço interior por estarmos esvaziados e


tampados para o novo, ou, no seu oposto, por estarmos tão cheios de
estímulos que nada mais cabe. Realmente, como diz o ditado popular:
temos que ter cuidado com a vazio de uma vida ocupada demais.

O olhar nebuloso do tédio só é enxotado quando buscamos o brilho de


novas descobertas e possibilidades que emanam frente à nossa vista.

Mais uma vez, a via só poderia ser o autoconhecimento. É como


retomamos a narrativa da descoberta de quem somos. Assim,
reconhecemos o que nos dá prazer e nos livramos da angústia de fazer o
que queremos, sem sentirmos que estamos perdendo algo – aquilo que
pode estar acontecendo na casa ao lado –, ou mesmo nos livramos da
dúvida de que deveríamos fazer outra coisa.

A vida não é só aprender a suportar os desprazeres, mas, sobretudo, é


reconhecer o que te dá prazer e saber aproveitá-lo. Como retomada da
narrativa dos próprios prazeres, devemos pensar em Afrodite. Ela sabe
reconhecer suas fontes de prazer, sabendo ser sua assinatura única – es-
120

O Livro de Afrodite

crita à própria mão. Após reconhecer o prazer, a Deusa está disposta a


desfrutá-lo: sempre no presente, recrutando todos os sentidos, com plena
atenção.

PRAZER? O QUE É ISSO?


Elenque 5 coisas que você faz por puro prazer mesmo sem ter utilidade
alguma ou a aprovação das outras pessoas.

O que você faria se tivesse muito dinheiro e tempo? Con-tinuaria


trabalhando? Com o quê? Como seria sua rotina?

O que você faria por amor, para o prazer da alma?

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121

Liste os prazeres que você já teve, mas que hoje em dia não tem mais?

O que os seus prazeres revelam sobre você?

122

O Livro de Afrodite

DOLCE FAR NIENTE

Fazer nada pode não ser preguiça, e sim autocuidado. Os italianos têm até
uma expressão para isso, il dolce far niente, “a doçura de não fazer nada”
e deixar rolar, um equilíbrio considerado fundamental para a saúde e a
felicidade. O seu dia tem 24 horas, você consegue fcar “sem fazer nada”
em algum momento desse dia? Como é isso?

O que você costuma fazer nas suas férias, folgas e fnais de semana? Como
você administra o seu tempo quando você tem tempo livre?

Você consegue se divertir em um momento de lazer ou por algum motivo se


sente proibida(o) e fca tentando sempre se colocar à disposição para ser
produtiva? Quem – ou o quê – te proibiu de viver em prazer? Quem te
ensinou que não se pode fcar parada?

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123
Para a maioria de nós, sentir prazer e êxtase na vida, é algo tido como
uma frivolidade, e reservado para momentos res-tritos e curtos. Por que é
assim? Como seria se buscássemos prazer em tudo o que fazemos? O que
você pode fazer para buscar prazer em todos os movimentos na sua vida?

colocando o prazer na agenda

Sabe aquela frase: “Tome cuidado com o vazio que uma vida ocupada
demais”? Que áreas da sua vida estão esvaziadas devido à sua
indisponibilidade? Que partes da sua vida que você sente falta de nutrir e
preencher de presença? Há alguma crença ou aversão subjetiva que te
afaste dela? Que crença ou aversão é essa?

124

O Livro de Afrodite

O que você esconde de você mesma atrás de uma agenda ocupada? De que
compromisso você está fugindo? O que você não quer olhar?

Você limita o seu prazer? Na sua agenda tem espaço para sentir prazer ou
esse não é um valor almejado? Pense em que classifcação você coloca o
prazer na sua vida.

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“SENTIR PRAZER É... RUIM”

Você tem vergonha de sentir prazer? Como você lida com uma comida
gostosa, por exemplo? Qual é a sua relação com a comida? Você sente
vergonha da sua relação com a comida?

Você costuma ter sentimento de culpa relacionado ao prazer? Investigue se


isso não tem a ver com a repressão cultural de Afrodite, a repressão do
prazer em nossa sociedade.

Você já deixou de fazer alguma coisa que você gostava/


sentia prazer por medo do julgamento? Abordamos mais sobre culpa e
julgamento no capítulo a seguir.

126

O Livro de Afrodite

Leia a sua resposta para a pergunta anterior como se ela tivesse sido
escrita por uma amiga querida, que conselho você daria a ela?

O termo guilty pleasures, do inglês, se refere àqueles prazeres culposos,


prazeres que consideramos inconfessáveis temendo que seremos julgados
se descobertos, pois poderia

“pegar mal” para a imagem que você quer construir de si mesma(o).


Exemplos: assistir a um determinado programa de televisão considerado
alienante, ouvir uma música considerada brega, comer algo que foi
proibido pelo nutricionista, fazer xixi na piscina.

Você tem algum guilty pleasure? Sinta-se livre e use o espaço abaixo para
escrever alguns prazeres que você nunca confessaria para ninguém ou
que morre de vergonha de que alguém possa descobri-los.

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127

COMO SE FOSSE A PRIMEIRA VEZ

Esta é uma lista com sugestões de coisas prazerosas que, se você ainda não
fez, pode fazer pela primeira vez. Circule as que gostar!

Tomar banho gelado no calor (e vice-versa).

Acordar sem despertador.

Ajudar um desconhecido.

Fazer um corte de cabelo diferente e inesperado.


Massagem nos pés.

Fazer uma trilha em algum parque natural da sua região.

Acordar de madrugada, em um dia comum, para ver o sol nascer.

Banho de chuva.

Flutuar na água.

Rolar e se espreguiçar na cama com os lençóis recém-la-vados.

Brincar com uma criança.

Ouvir músicas da sua adolescência e cantar junto.

Ir a um lugar completamente novo.

Entrar em contato com um(a) velho(a) amigo(a) com quem você não
conversa há muito tempo.

Dançar enquanto toma banho.

Dormir pelada(o).

Dizer “eu te amo”.

128

O Livro de Afrodite

Agora, crie a sua própria lista de coisas para fazer pela primeira vez.

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129

sobre o tédio
Como você lida com o tédio? O que você costuma fazer quando sente tédio
em sua vida? São comportamentos saudáveis ou comportamentos que te
colocam em situações problemáticas? Você desvirtua/esgota o sentido do
prazer?

OS INCONVENIENTES DO PRESENTEÍSMO

Viver no presente é bom demais. Mas, às vezes, pode beirar à


impulsividade e ao imediatismo, aquele não pensar nas consequências.
Você se descreveria como uma pessoa inconsequente? Lembre-se de uma
vez que você agiu assim e dos desdobramentos que isso teve na sua vida e
na sua saúde mental. Valeu a pena?

130

O Livro de Afrodite

Conforme contamos no texto, o equilíbrio para o pre-senteísmo é exercitar


a pausa e o processamento enquanto se vive as coisas. Vamos fazer um
exercício?

Pegue um chocolate ou alguma coisa que você ama comer. Em vez de


comer tudo rápida e desesperamen-te, deguste devagar, fazendo notas
mentais sobre o a cor, o aroma, o barulhinho do chocolate ao ser mordido,
o sabor e a textura. Depois, escreva aqui como foi a experiência de
degustar o presente. Melhor ou pior do que comer sem pensar?

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Culpa e Julgamento

Quem muito julga, nada cria.

Quem carrega o peso da proibição, não consegue sentir prazer.

A culpa e o julgamento são os dois grandes repelentes da Afrodite interna.


Quando eles gritam muito alto em nossa mente, há desequilíbrio e falta
fluidez. A vida fica estagnada, sem sentido e sem sabor.

Vamos começar pelo primeiro item: a culpa.

A culpa é também um julgamento. Ela surge quando nos julgamos


negativamente, quando nos sentimos falhos diante do cumprimento (ou
não) de algo que era tido como norma: social, cultural, moral ou mesmo
algo que fomos construindo como uma lei interior, um código de conduta.

Alguns psicólogos defendem que a culpa tem uma função adaptativa de


nos fazer repensar nossas atitudes, algo que os psicopatas não têm. A
partir desse argumento, a gente percebe que “sentir culpa” é
culturalmente transformado em algo até mesmo bonito, necessário para a
nossa humanidade.

Mas não é bem assim. Isso é responsabilidade, uma categoria mais


amadurecida. A culpa, por sua vez, é mais primitiva. Ela é um sentimento.

Você tem alguma história com a culpa? Então deve conhecer bem essa
sensação de ter um tipo de peso que se agarra à consciência, nunca te
deixa sozinha, gera vergonha e autodepreciação a todo instante e te
impede de ser livre e sentir prazer integralmente. Há sempre uma parte
lembrando que você deveria se punir pelo que você fez no verão passado.
Em que isso pode ser bom?

A responsabilidade, ao contrário, é um pensamento, uma atitude mais


amadurecida de consciência, de quem mediu as coisas na balança e
encon-Inspira - revistainspira.com

133

trou a parte que lhe cabe. Consegue olhar para a situação com empatia e
assumir seus próprios enganos. Pode ter a ver com arrependimento, mas
aqui a pessoa consegue se perdoar e pedir perdão, seguindo em frente sem
o peso. Isso sim é humano!

Mas, calma! Não estamos falando que você é uma coisa anormal por
sentir culpa. Não é nada disso. Todo mundo caiu nesse engodo.
A culpa traz dor. Talvez o seu inconsciente até a utilize porque vê um
ganho secundário nela: ela te pune por algum sentimento de indignidade
que você tem com você mesmo e faz você se sentir melhor por estar se
punindo? Ela fortalece o seu ego dizendo que a sua penitência lhe torna
alguém melhor? Essa culpa é seu escudo contra alguma coisa? Pergunte-

-se!

Mas o que queremos dizer é que a culpa dificilmente provocará alguma


reação positiva na sua vida. Você não vai se tornar melhor ao lado dela e
nem viver uma vida mais digna porque tem esse lembrete de repreensão
grudado em você. Ela é só um encosto criado culturalmente!

Sim, criado. A culpa não existe. A culpa é uma invenção. Uma invenção
de controle.

Ela vem de toda parte: da religião, dos padrões construídos pela mídia e
pela literatura, das regras de vida em sociedade... Ela funciona muito bem
para deter nossas pulsões mais violentas se quisermos viver em co-
munidade, mas não se pode passar da conta na internalização desses
valores impostos de fora.

Olha o tipo de coisas pelas quais a gente costuma sentir culpa: pelos
próprios pensamentos, por ter comido o quarto pedaço de pizza, por ter se
apaixonado, por não ter o emprego que os seus pais queriam que você
tivesse, por não ter conseguido aquela vaga dos sonhos, por não ter
dinheiro suficiente ou por ter muito dinheiro, por não poder salvar o
outro, por não estar sempre disponível para corresponder a solicitação de
alguém (ou por estar sempre disponível), pelas próprias emoções (raiva,
tristeza, insatisfação), por estar doente, por sentir prazer, por estar feliz
enquanto a pessoa ao lado não está, por ter engravidado, por não ser a
mãe/pai per-134

O Livro de Afrodite

feitos, por não conseguir adivinhar o futuro, por ter feito o que dava para
fazer naquele momento segundo o seu grau de instrução e conforme você
pensava que fosse o certo naquela época.
Percebe como atitudes corriqueiras e completamente comuns se tornam
insuportavelmente insustentáveis com a culpa?

A culpa é uma maneira de patologizar a vida. Coisas naturais da


existência são vistas como doenças, desvios do que instituímos como
“normalidade” em nossas cabeças recheadas de valores externos.

A culpa bloqueia o caminho para uma vida prazerosa. O julgamento, por


sua vez, é um obstáculo para a criatividade.

Muitas vezes, confundimos pensar com julgar. Achamos que devemos dar
uma opinião sobre tudo, e que isso é ser sincero e, portanto, é uma força
do caráter. Ou acreditamos que julgando, estamos nos passando por
alguém mais inteligente, e nosso ego se compraz. Existe também quem
julga por inveja ou por muitos outros motivos.

A gente julga o inimigo, julga o amigo e, quando dá tempo, julga a si


mesmo. E nessa posição de juízes que nós mesmos nos outorgamos,
ficamos imobilizados atrás de sentença em sentença, sem conseguir fazer
nada.

“Pensar é difícil, é por

isso que as pessoas

preferem julgar”.

Carl G.Jung

A pessoa que julga não consegue materializar suas criações por medo dos
seus próprios autojulgamentos de perfeccionismo – ela acredita que é o
que realiza, e depende sempre de realizar bem para estar à vontade com a
imagem que tem de si, e isso faz com que ela esteja sempre fazendo as
mesmas coisas de Inspira - revistainspira.com

135

sempre, as coisas que um dia falaram que ela era boa. Assim, essa pessoa
desiste de se lançar em novos caminhos que dariam mais alegria. Ela nem
mesmo tenta.

Outro receio, é o do julgamento que imagina vir dos outros, isso a


paralisa. E por que ela não temeria a crítica alheia, se ela mesma passa o
dia julgando tudo e todos? Na cabeça dela, todas as pessoas são assim, né?

Essa perspectiva a afasta da arena!

Há também quem disfarce isso tudo criando um ideal inalcançável, para


assim se manter num estado de inércia constante e não ser julgado.

“Sou bom demais para fazer isso” ou “Alguém vai me oferecer (do nada) o
cargo de CEO numa empresa, eu não preciso trabalhar assim como fulano
está fazendo. Ele está ridículo!”.

Esses são pensamentos que travam a vida, impedem o novo de surgir e


limitam a sua própria essência. É preciso desenvolver humildade perante a
vida e empatia com quem está tentando, dessa forma você consegue abrir
caminho para você mesmo e tratar seus próprios desejos com mais
humildade e acolhimento.

Experimente-se. Permita-se ir atrás dos seus desejos!

A vida é um mistério grande demais para você achar que sabe quem está
certo ou errado.

“Perfeição demais me

agita os instintos.

Quem se diz muito perfeito,

Na certa encontrou um

jeito insosso Pra não ser de

carne e osso”.

Zélia Duncan e Moska


136

O Livro de Afrodite

PASSO A PASSO DO (AUTO) PERDÃO

Do que você sente culpa? Em que momento você abandonou a si mesma


ou a outra pessoa?

Por que você sente culpa disso? É um código de conduta pessoal ou valor
universal? De que lugar vem esse sentimento?

Como você pode transformar essa culpa em responsabilidade e deixá-la ir?


Com qual protocolo de ação você pode se comprometer para lidar melhor
com isso de uma próxima vez?

Lembre-se: pode ser

que você tenha co-

metido um erro, mas

você não é o erro!

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137

O que você aprendeu com isso que aconteceu e te gerou esse sentimento de
culpa? Esforce-se para encontrar algumas lições e se fortalecer!

Pelas oportunidades de crescimento perdidas, pelas palavras importantes


que fcaram engasgadas e não saíram da sua boca, pelas palavras que
saíram ferindo quem estivesse na sua frente, pelo comportamento de
submissão a algo que te bloqueou, pelo tempo desperdiçado, pelas
injustiças cometidas, pelos “nãos” que poderiam ser “sims”, e pelos

“sims” que deveriam ser “nãos”, por aquilo que você acha que deveria ter
feito e não conseguiu. Por tudo isso (e muito mais), você merece o seu
próprio perdão!

Escreva uma carta de desculpas para você mesma, por ter se colocado
para baixo com essa culpa. Se preferir, escreva uma carta pedindo perdão
a quem você precisa se desculpar. A carta não precisa ser enviada!

138

O Livro de Afrodite

julgando a vida alheia

Fofoquinhas entre amigos são comuns, mas nesse momento você costuma
julgar os outros? Lembre-se do tipo de comentários que mais saem da sua
boca quando você é exposta à história de alguém que não está presente.
Você apoia e manda energias de luz? Ou ridiculariza, inferiori-za e
humilha? Responda aqui com sinceridade! Cada um está passando por
uma luta pessoal, inclusive você. Seja bondosa!

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OS GANHOS SECUNDÁRIOS

Por que você não para de se sentir culpada(o)? O que você ganha, mesmo
sem ser de caso pensado, carregando essa culpa com você? Ela te faz se
sentir aceita(o) de alguma forma? Refita sobre isso aqui.

Por que você não para de julgar os outros? O que você sente que ganha
com esse tipo de julgamento?

E sobre o autojulgamento? Você faz isso? Por que não muda? O que você
ganha sendo tão exigente com você?

Que sentimento bom vem acompanhado disso?

Refita sobre isso. Encontrar os ganhos secundários de situações ruins em


que nos colocamos exige muita coragem de nossa parte.
140

O Livro de Afrodite

ANTÍDOTO CONTRA A AUTOCRÍTICA Comece a criar! Use essa


página para criar uma poesia, um desenho, uma música, o início de um
conto, um cro-qui de moda, o rabisco de uma ideia de produto: qualquer
coisa! A criatividade é um antídoto contra a autocrítica.

A partir dela você aprende que a imperfeição é a mãe da originalidade e a


criação é uma força divina que não se restringe ao que alguém diz que é
bom o sufciente ou não!

Ela cria, e ponto.

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Cobiça,inveja e ciúme

Nem só de sentimentos nobres é composta a natureza humana. Não é à toa


que existem estruturas do aparelho psíquico determinadas a conter o
receptáculo de desejos recônditos: Freud o chamou de Id; Jung o deno-
minou de sombra.

Por contermos em nós a morada de sentimentos e desejos tão difíceis de


aceitar ser portador, como a cobiça, a inveja e o ciúme, é importante o
alerta: muitas vezes, esses sentimentos e desejos são inconscientes e
imperceptíveis. Mas isso não quer dizer que eles não se manifestem. Muito
pelo contrário: é mais comum do que podemos imaginar, e eles podem até
ser disfarçados em “boas” ações ou em “bons” conselhos.

Anterior ao arqueólogo do inconsciente e ao escavador dos arquétipos, o


filósofo Spinoza ( Ética, IV, Def. 8) lançou luz sobre a natureza desses
sentimentos renegados e os classificou como “paixões” que, além de
“apassivarem”, são determinadas pelo outro. Quando sentimos inveja,
cobiça ou ciúmes é a partir da relação com o exterior (o outro) e nos por-
tamos como um reflexo da ação ou do existir alheio; é uma resposta, uma
reação, por isso não estamos no domínio e “apassivamos” a ação correta.

A cobiça e a inveja, apesar de serem comumente confundidas como


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quase sinônimas, carregam distinções na direção da energia reativa: uma


tem potencial mais direcionador do desejo, menos destrutiva; a outra é
arrebatadora e destrutiva.

Na cobiça, por exemplo, vemos e queremos o potencial de beleza exterior,


do outro. Desejamos ter o que é do outro. No lado positivo, pode servir de
parâmetro para reconhecer o próprio desejo e orientá-lo. Mas no lado
negativo, se for permanente, é um erro na direção do olhar: passa de um
norte para um porto.

Esse aspecto mostra que a sua Afrodite está desequilibrada ou desviada de


seu centro de potência. Apesar disso, a latência da beleza está em você, é
só florescê-la. A beleza de Afrodite é genuína. Ou seja, ela é inerente e
própria à Deusa. Afrodite vive a beleza para sentir a beleza, não somente
para a acharem bela. A flor é uma representação: ela é bela por natureza,
está em sua essência. E todos carregamos essa essência.

Quanto mais despertamos a Afrodite dentro de nós com o cultivo da


beleza, do autorrespeito e da não-idealização exagerada nas relações,
menos mudamos a perspectiva do olhar para os sentimentos recônditos: a
cobiça, a inveja ou o ciúme.

No caso da inveja, ela nos cega frente ao outro, a partir das nossas
próprias idealizações. A origem etimológica da palavra já direciona o seu
significado: vem do latim in videre, que significa “não ver”. Diferente da
cobiça, que também tem suas origens latinas ( Cupiditas: desejo intenso,
ambição) e quer ter (igual) o que o outro tem, a inveja quer, além de
possuir, destruir o que é do outro, pois não aceita que ele tenha.

Algumas vezes, a inveja toma formas irônicas. Podemos ilustrar essa ideia
com relacionamentos amorosos. Por exemplo, uma pessoa inveja um
casal. Pode ser que ela seja próxima a algum dos dois. Pode ser, também,
que ela esteja solteira. “Acho que o seu relacionamento não está te
fazendo bem; você mudou. Fiquei sabendo que tem alguém interessado em
você”, diz ela. É como alguém que está esfomeado oferecer, ironicamente,
pratos de comida a quem está se alimentando, só pelo prazer de o ver
largar o prato atual.

144

O Livro de Afrodite

Percebemos outro tipo de sentimento manifestado em relacionamentos


amorosos. Agora é interno, entre o próprio casal. Quando o exterior e o
novo geram o medo da perda, é que outro sentimento vem à superfície: o
ciúme. Às vezes, há até uma romantização do ciúme como moeda de valor
dentro dos relacionamentos. Mas um alerta deve ser acionado para quem
sente e para quem é o objeto de ciúme: a ideia errada de que a
possessividade funcione como um possível antídoto para a perda.

Nas artes, esse impulso contra o outro e em defesa do objeto amado pode
ser o clímax de histórias trágicas, como é em Otelo, o mouro de Veneza, de
William Shakespeare.

Chamado de honesto por diversas personagens, Iago esconde dentro dessa


perfeita máscara social a inveja que sente por Cássio, o próximo tenente
promovido pelo general Otelo. Com desejo de destruir o protagonista, Iago
convence Otelo que Desdêmona, sua esposa, o trai com Cássio. Cego de
ciúmes, a trama chega ao clímax com Otelo esganando Desdêmona.

O ciúme e a inveja não escapam nem aos deuses gregos. Certa vez, a
Deusa do Amor descobriu que Psiquê, uma jovem humana, estava sendo
declarada pelos mortais como a nova Afrodite, tamanha era a sua beleza.

Muitos passaram a dedicar oferendas a ela, e não à verdadeira Deusa.


Para acrescentar à sua revolta, Afrodite descobre que seu filho Eros casou
com Psiquê, segundo o conto romano de Apuleio. Nem mesmo a Deusa
Afrodite estava liberta de sentimentos tão humanos, quanto o ciúme e a
inveja.
Quando não exagerada ao nível das tramas do personagem Iago, que
desdobra em violência, ainda assim a inveja sempre resulta em raiva e em
frustração. Em outra perspectiva, há o pai da cobiça, da inveja e do ciúme:
o medo. Quem vive com medo, é escravo do que teme. O medo de ser
menos que o outro gera a cobiça; o medo de ser deposto pelo outro gera a
inveja; e o medo de perder o objeto amado gera o ciúme.

O antídoto para esses sentimentos é reajustar o olhar da sua Afrodite


interior. A visão deve ser direcionada para si, com amor-próprio, e para o
outro, com admiração. Além disso, é necessário evitar a idealização de si e
do outro, que resulta na comparação desmedida.

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inveja é querer

A inveja é um sentimento normal, que tem uma função na psique como


qualquer outro. Enquanto você não olhar para ela com gentileza, ela vai
continuar a te dominar. Então, vamos ver o que ela quer?

Faça uma lista das coisas pelas quais você tem julgado e ridicularizado as
pessoas ultimamente. Do lado, depois de refetir, dê um check se você sente
que no fundo, no fundo, gostaria de ter algo daquilo dentro de você.

Esse é um exercício profundo, pois nem sempre é fácil admitirmos que


aquele julgamento, aquele olho virado ou aquela fofoca maldosa são
inveja. Mas faça esse exercício de se olhar com humildade, humanidade e
sinceridade.

146

O Livro de Afrodite

CIÚME É MEDO

O que desperta o seu lado competitivo? Relembre algumas vezes em que


você se sentiu competitiva, com sangue nos olhos, e encontre o gatilho que
estava presente em todas ou na maioria dessas situações. O que você tem
medo de perder?

Exemplos do que as pessoas costumam sentir ciúme: ciúme de não ser


mais reconhecida pelo que era antes, de perder o seu posto para uma
amante mais jovem, para um colega de trabalho mais dedicado ou para
um irmão mais novo. Isso leva à competição, podendo não ser muito
saudável!

Você mede o seu valor em comparação com os outros?

Em outras palavras, você só reconhece que você é boa em uma coisa,


quando outra pessoa se dá mal nela?

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147

Você já se percebeu tendo a necessidade de ser o centro das atenções em


uma reunião, festa ou até na mesa do almoço de domingo em família? O
que você costuma fazer para chamar atenção (ou não)? Por que você acha
que faz isso? O que espera que as pessoas vejam em você ou o que espera
esconder delas? Responda a essas perguntas, mesmo se você costuma fcar
na sua concha, sem querer chamar atenção.

148

O Livro de Afrodite

O corpo

Você se sente bem em habitar o seu corpo?

Algumas pessoas sentem dificuldade em viver dentro de seus corpos.

Para elas, é quase insuportável ter que lidar com os excessos e faltas pelos
quais eles são apontados, com os olhares que eles atraem e com a
lembrança de violências e invasões pelas quais eles já passaram ou vivem
com medo de passar.
Para amenizar esse desconforto de se identificar com esses corpos que
enxergam como sendo tão inapropriados, alguns abusam de drogas,
comida, álcool, cigarros, trabalho e exercícios, ou se privam totalmente
daquilo que lhes faria bem.

Para não se incomodar com o seu corpo, a gente poderia sugerir que você
não ligasse para ele, fingisse que ele não existe e passasse corrida pelo
espelho, ignorando o que aparece refletido nele. Mas esse não é o caminho
de Afrodite.

Antes as mulheres turvavam as águas do banho para não verem seus


próprios corpos, pois isso era considerado falta de pudor. Quais são os
motivos disso? Já se perguntou? Não existe pudor na natureza. As flores
desabrocham sem medo do julgamento; o Sol não se envergonha de seu
brilho, nem por ser quente demais; os pássaros fazem suas danças de aca-
salamento sem receios de serem ridicularizados e os rios não retêm suas
águas só porque elas deveriam ser menos turbulentas na opinião de quem
quer que seja.

Afrodite quer que você se olhe, e se olhe bem fundo. Com aquele olhar que
energiza o que vê. E, a partir dessa transferência de energia, ela quer que
você reconheça que nesse corpo há beleza, que nesse corpo mora o divino.

Não é apenas sobre se conformar com o seu corpo, é sobre amar o seu
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149

corpo. Amar ser ele, se regozijar em poder existir a partir dele, cuidá-lo
com carinho, nutri-lo com prazer, reconhecer que ele é a materialização
do sagrado que é a sua existência.

Afrodite quer que você traduza os segredos que estão inscritos nele e que
veja nesse corpo aquilo que ele realmente é: um leitor de mundos, um
registro da história da humanidade, uma forma de se obter respostas, um
sistema inteligente de sustentação biológica do milagre da vida, um modo
original de existir, um hábil mensageiro, uma ferramenta de dar e de
receber prazer.
Abandone qualquer coisa que faça você pensar que o seu corpo é algo
diferente disso.

Ele não é um objeto, ele não é um aparelho a ser subjugado, nem uma
ferramenta de dominação. Ele não é a fonte do pecado, ele não é a origem
de todo o mal, ele não é um chamariz para pervertidos, ele não é um
convite para a violência e nem algo a ser possuído por alguém. Ele não é
uma matéria inútil, nem tampouco deve ter alguma utilidade. Ele não está
aberto a opiniões. Ele não tem uma forma certa de ser e nem uma forma
errada. Ele é você!

O seu corpo é a

materialização do

sagrado que é você

existir.

150

O Livro de Afrodite

Um corpo saudável é um corpo que integrou o amor. Um trecho de O

Banquete, de Platão, traz o médico grego Erixímaco declarando que o


êxito do médico consiste em saber provocar o nascimento da amizade entre
os maiores inimigos recíprocos existentes no corpo humano e fazer
estabelecer-se um amor mútuo entre eles, fazer com que a harmonia
prevaleça.

O psiquiatra e escritor Bessel Van Der Kolk diz algo parecido. Em seu
best-seller O corpo guarda as marcas, ele afirma que “traumatizados só
podem se recuperar depois que se familiarizam com as sensações em seu
corpo e as tratam bem”.

Você tem olhado para o seu corpo com essa lente amorosa?
Na maioria das vezes, nós nem lembramos que temos um corpo. Você já
sentiu que estava vivendo da cabeça pra cima?

A nossa sociedade faz todo tipo de paparicos para a mente, e coloca o


corpo como algo útil, mas não muito nobre.

“Nossa vida é um único corpo,

da concepção à morte, e eis o

que é preciso aprender: a

totalidade dele”.

Joseph Campbell

Isso é tão verdade, que a ciência pensa em substituir os corpos. Os carros


substituem a caminhada, os operários dão lugar às máquinas e os robôs
vão progressivamente assumindo o controle da maior parte das nossas
tarefas que demandam o corpo. Estudos dizem que, em 2045, um em cada
cinco jovens fará sexo com um robô de forma habitual (Itziar Matamoros,
El País).

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151

Os impulsos da ciência são um reflexo de nossas demandas coletivas, e ela


concluiu que usar o corpo o menos possível seria o melhor. Talvez assim a
gente pense menos na “limitação” que é ter um corpo.

Nessa onda em que tudo tem uma função, ou que tudo tem que funcionar
em alta capacidade, nos sentimos atraídos a dar um sentido utilitário aos
nossos corpos, ainda que inconscientemente. Compramos próteses que
ampliam as nossas capacidades e destituímos nossas funções em relação à
máquina. Próteses de beleza, próteses de potência, próteses de força e
próteses de amor.
Enquanto reforçarmos a visão utilitarista de que o corpo é algo que temos,
e não o que somos, vamos continuar pensando nele como uma compra
ruim da Black Friday que gostaríamos de devolver, e não dá; ou como
aquele carro velho que a gente tem que ficar levando para a oficina o
tempo todo com vergonha de ele não ser o carro do ano.

Em resumo, enquanto continuarmos procurando as utilidades do corpo,


vamos continuar pensando nele como uma coisa: um objeto a ser
escondido ou ostentado, e não como o que ele é de verdade: uma ponte
sinestésica para o viver.

“Quando nossos sentidos ficam

abafados, deixamos de nos

sentir plenamente vivos”.

Bessel Van Der Kolk

Nos vemos como máquinas, mas não aprendemos a usar essas máquinas
da forma correta. O modo de uso é simples: com amor. Não lemos o
manual de instrução que está nos nossos sentidos, na nossa própria
sensibilidade que nos aponta o que é bom ou não e, pelo que parece, nem
sequer nos perguntamos quem é o real proprietário. Vamos apenas
recebendo ordens de cima, que apontam qual seria a “melhor maneira”

152

O Livro de Afrodite

de operar.

Você permite que o seu corpo seja você?

Diga a verdade: você costuma ouvir o que o seu corpo tem lhe dito?

Você respeita a dor de cabeça como um momento para desacelerar o


pensamento? Você muda a sua postura quando as costas começam a pedir
ajuda? Quando a presença de alguém te faz revirar o estômago, você
respeita o sinal que o seu corpo está lhe enviando?

A psicoterapeuta Jean Shinoda Bolen defende que os corpos têm


sabedoria: “quando sabemos algo em nossos corpos, bem como em nossa
mente e coração, então sabemos algo profundamente sobre nós mesmos, e
é esta dimensão que está desequilibrada em nossa civilização. Tem sido
uma psicologia paterna, bem como uma teologia paterna, onde a mente, as
interpretações e a palavra são a experiência transformadora, e isso não é
verdade [absoluta]”.

Esse modo de ver que enxerga a mente como a única capaz de gerar
experiências dignas e transformadoras faz com que sintamos cada vez
menos o corpo. O médico Wilhelm Reich, dissidente da Psicanálise, falava
que o bloqueio contra as excitações emocionais resultava em rigidez no
corpo e em falta de contato emocional, o que ele nomeou de couraça
muscular.

Funcionaria assim: uma criança que, por exemplo, não é ouvida ou que
tem sua fala invalidada por pais ou outras pessoas criaria um
enrijecimento na região da garganta que a inibiria de se manifestar em
outras ocasiões (apresentações escolares e comunicação interpessoal em
outras fases da vida). Além disso, esse enrijecimento poderia levar a
somatizações como dificuldades na fala, desconfortos na garganta e
problemas respiratórios.

Com os sucessivos silenciamentos do corpo, vamos negando nossa


capacidade de sentir e a potência que reside em nossa materialidade física.

É preciso reaprender a sentir, a mover-se, a recuperar os sentidos. Isso é


ser inteiro. Visão, audição, olfato, paladar e tato são as ferramentas que
temos para apreender o mundo.

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153

De que mundo o teu corpo está te alimentando? Você tem desfrutado das
texturas, sabores, aromas, sons e cores do mundo? Quando você faz os
seus trajetos de rotina, você costuma ativar os seus sentidos para absorver
as fontes de beleza do mundo? Você usa o seu corpo como uma ferramenta
de conhecer os mistérios da vida?

“O nosso corpo é basicamente a

nossa ligação com a

Terra, através dele nós

temos os nossos sentidos”.

Zelinda Orlandi Hypolito

Nossos sentidos atestam que estamos vivos, nos trazem para o momento
presente e nos levam a perceber que existe um outro, com o qual podemos
nos comunicar e cujo toque, olhar e qualquer outra interação sensorial
podem nos lembrar de que realmente existimos.

Talvez essa seja uma sensação familiar para você! Sabe quando a gente se
sente triste, está passando por um dia difícil e recebe um abraço? A partir
daquele momento parece que todas as emoções são reorganizadas e você
se sente um pouco melhor para lidar seja lá com o que for.

O toque, apenas a título de exemplo, é o ato pelo qual se manifesta o tato,


que por sua vez é o primeiro sentido que desenvolvemos a partir do
nascimento. Inúmeras pesquisas trazem esse sentido como importante
para o sistema imunológico e para a saúde cardíaca e cognitiva. O Insti-
tuto de Pesquisa do Toque, da Universidade de Miami, comparou dois
grupos de bebês prematuros hospitalizados. O primeiro era tocado apenas
em situações inevitáveis, como durante a alimentação e a troca de fraldas,
154

O Livro de Afrodite

enquanto o segundo recebia 45 minutos de carinho por dia. Vinte dias


depois, os bebês do grupo que era tratado com carícias haviam ganhado
47% mais peso do que os demais e recebiam alta antes.
O pesquisador Armando Siqueira Neto, em artigo científico sobre a
importância do toque no desenvolvimento individual, revela que “a
criança resiste à ausência de muitas outras coisas, desde que exista o
toque amoroso”.

Além desse fator social importante que nos leva à unidade, as sensações
físicas criam a percepção que fazemos de nós mesmos. Que importância
isso tem? Simplesmente, toda. Bessel Van Der Kolk escreve: “O

preço de ignorar ou distorcer as mensagens do corpo é tornar-se incapaz


de detectar o que é verdadeiramente perigoso ou nocivo para si e, por
outro lado, o que é seguro ou propício”.

Em outras palavras, o preço é não saber quem é e nem aonde quer chegar,
é a incapacidade de tomar decisões ou de criar planos e imaginar
situações prazerosas, porque você não sabe o que é sentir prazer para
você. É se sentir literalmente sem sentido(s).

Os sentidos são um presente de amor de Afrodite. Cabe a nós usá-los para


praticar amor com nós mesmos, identificar nossas preferências e ex-
perimentarmos as dores e delícias que estão à disposição.

ESCANEAMENTO CORPORAL

Deite-se em um lugar calmo, inspire e expire lentamen-te e, a partir daí,


preste atenção nas diferentes partes do corpo sentindo como está cada uma
delas. Comece pelo topo da cabeça e vá descendo, sem se esquecer dos
braços. Dor, desconforto, tensão, vibração, relaxamento, o que você sente?
Perceba o que você não estava percebendo e, conforme expira, imagine
que está mandando embora tudo o que é desconfortável.

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155

perceba!

A partir do exercício de escaneamento corporal, você teve a impressão de


que algumas partes do seu corpo você não sente mais, que por algum
motivo pareciam desconectadas ou enrijecidas? Quais partes eram essas?
Escreva sobre isso.

Você sente dor ou desconforto em alguma parte do seu corpo? Qual? Se


essa parte do seu corpo fosse um ser animado e falante e você fzesse a
pergunta mágica: “Por que você está se sentindo assim?”, o que ela
responderia?

O que veio à sua cabeça? Anote!

Feche os olhos e peça que alguém coloque um objeto em suas mãos. Com
os sentidos restantes (tato, olfato, audição e – talvez – paladar), tente
descobrir que objeto é esse.

Durante um dia, anote as sensações que você sentir no seu 156

O Livro de Afrodite

prazer, corpo!

corpo em momentos importantes do dia como: ao acordar, ao sair de casa,


ao chegar ao trabalho/faculdade, ao conversar sobre assunto negativo, ao
falar sobre algo positivo, ao encontrar determinada pessoa. Não se atenha
às emoções como raiva, ansiedade ou alegria, mas a sensações físicas,
como: pressão, calor, tensão muscular, tremedeira involuntária, coceira,
dor, fsgadas, formigamento, um vazio ou mesmo “borboletas na barriga”.
Se dê conta do funcionamento do seu corpo pela primeira vez!

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157

INTELIGÊNCIA SENSORIAL

Com o exercício anterior, você deve ter observado como o seu corpo reage
a determinadas pessoas, pensamentos e situações. Em um momento, o
coração acelera ou o nervoso aparece na barriga; no outro, você se sente
calma e entre-gue. Essa é a forma que o seu corpo tem de se comunicar
com você e te revelar muito conhecimento. Você aceita ouvir essa
inteligência ou para você “não se deve dar muita importância a ela, o
cérebro é soberano”? Você valida as suas sensações ou as desmerece, as
rebaixando ao título de

“apenas uma impressão”?

158

O Livro de Afrodite

quem é esse corpo?

Antes, as mulheres turvavam as águas do banho para não verem seus


próprios corpos, pois isso era considerado falta de pudor. Em um momento
de solitude, você com você mesma, fque nua e se olhe no espelho,
desbravando todas as partes que você não presta atenção em você mesma.

Olhe-se, tente sentir o seu cheiro, a textura e a temperatu-ra da sua pele.


Descreva como você se sentiu!

O que o seu corpo representa para você?

Como você interpreta que a sua mãe se sente em relação ao corpo dela?
Essa sua impressão de como a sua mãe lida com o próprio corpo pode ter
refetido na maneira como você lida com o seu corpo?

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159

minhas bênçãos ancestrais

Em algumas culturas, o corpo curvilíneo é aquele que representa o


formato do planeta Terra, onde tudo ganha vida.

Os dentes incisivos, separados, se tornam uma abertura por onde o divino


se comunica. As pernas curtas te põem mais perto do coração da terra. E o
nariz grande te abre para respirar o sopro da vida. Quais bênçãos
ancestrais o seu corpo carrega? Faça o exercício de olhar para si e
reconhecer as bênçãos que seus antepassados te enviaram no código
genético através do tempo. Depois, tente entender como essa característica
física sua pode estar imbuída de sagrado. Veja a vida com mais poesia!

Você menstrua? Descreva como se sentiu a primeira vez que esse ciclo se
fez presente em seu corpo feminino? Quantos anos você tinha? Quais
pensamentos passaram pela sua cabeça? Quem te explicou o que estava
acontecendo, e como?

Que sensação você teve com relação a isso? Que crenças você carrega hoje
sobre a menstruação?

160

O Livro de Afrodite

O sangue menstrual é o único que não parte da violência ou do


sofrimento, e ainda assim é comum pensarmos nele como um tabu.
Ressignificar isso é se reconciliar com nosso poder criador e criativo e,
consequentemente, com o poder pessoal feminino.

Quando o corpo da mulher era o equivalente ao corpo da Grande Deusa,


na infância cultural da humanidade, o corpo feminino representava o
milagre da vida. Acreditava-se, que, durante a gravidez, o corpo retinha o
sangue para manifestar um bebê e que quando a mulher parava de
sangrar, na menopausa, por exemplo, a crença era a de que agora o corpo
retinha o sangue para gerar sabedoria.

As culturas hopi, da América do Norte, e quéchua, da América do Sul, têm


a noção ritual de que o sangue menstrual deve ser devolvido à terra para
nutri-la. De acordo com sua profecia, o mundo foi tomado por violência
quando as mulheres pararam de “plantar a lua” – como ficou chamado o
ritual de diluir sangue em água e regar as plantas – e, quando elas
voltarem a fazer isso, a violência cessará. O poder do feminino nutridor, o
poder de Afrodite, seria capaz de transformar guerra em amor.

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161
TEMPO PARA A MULHER SELVAGEM

Ao longo da história e das diferentes culturas, o período menstrual já foi


interpretado ora como proteção e presença do sagrado, ora como maldição
e feitiçaria capaz de azedar a cidra, as carnes e o açúcar. Apesar das
crendices, o período pré-menstrual é um período em que os fltros entre a
mulher domesticada e a mulher selvagem se en-curtam, e acaba que há
uma maior possibilidade de ser mais você mesma. Sem tantas máscaras.
Como é você na TPM? Você percebe alguma alteração na maneira como
você se posiciona nas conversas, no seu humor e nas suas emoções?

162

O Livro de Afrodite

O TEMPLO DA DEUSA

O seu corpo é o templo da deusa. Como você cuida dele?

Alimentação, exercícios adequados, rituais de vestir-se e aplicar


cosméticos, massagem, toques gentis, bronzear-se, banhar-se, conexão
com os ciclos lunares, sexualidade sagrada, exames com regularidade,
aceitação. É pelo corpo que o amor entra em você!

Apesar disso, à primeira vista, parecem todos “assuntos de menina”. E


pelo mesmo motivo são considerados futilidades em nossa sociedade, e
mesmo uma afronta para os avanços políticos e sociais das mulheres nas
últimas décadas. Isso pode sustentar a crença de que inteligência e beleza
se anulam ou de que beleza por fora é sinônimo de vazio por dentro. Você
deve estar percebendo que o feminino foi negado de muitas formas na
estrutura cultural em que estamos inseridos. Mas qual é o problema de se
amar por inteiro (alma, mente e corpo)?

Gostando ou não dos cuidados que citamos acima, você já sentiu um


autojulgamento por dispensar tempo a essas atividades? E, se você não se
importa tanto assim com isso e é daquelas pessoas que totalmente
condenam a vaidade, será que você não se importa em como os outros te
veem porque, na realidade, nem você se importa muito consigo mesma?
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TEMPO, TEMPO, TEMPO

Como você lida com a passagem do tempo pelo seu corpo? Com pesar?
Temendo a “terrível” Lei da Gravidade que faz os corpos tenderem para
baixo? Pensando que a vida acaba quando se chega aos 60 e que a partir
daí é a sua vez de deixar o palco e sair de cena? Ou imaginando que
quanto mais tempo você tiver, mais experiências pode acumular e
compartilhar e, assim, mais sabedoria, mais amor, mais autonomia sobre
si mesma e sobre o seu próprio corpo, prazer, desejos e formas de se
expressar e, portanto, mais histórias para viver e em melhores condições
de ser você mesma? O que você pensa sobre envelhecer?

Independente da sua idade, faça o exercício de se imaginar mais madura.


Se for difícil visualizar isso, você pode contar com a ajuda de um desses
aplicativos que brincam com imagens. Quem é essa pessoa? O que o olhar
dessa mulher conta? O que conta seu sorriso, suas manchas, suas rugas,
seus cabelos e seu corpo? Quem foi que inventou que isso é feio? Que tipo
de vida essa mulher está vivendo agora?

Ela não merece prazer? Ela não merece mais desejar? Ela não merece se
sentir viva? Sentir alegria em viver nesse 164

O Livro de Afrodite

corpo é algo vergonhoso? Você realmente pensa isso dela?

Envelhecer é a

manifestação

estética da

magnitude do tempo.

Relacionamentos
Afrodite é uma das deusas que mais teve casos amorosos de todo o panteão
grego. Hefestos, Ares, Hermes, Dionísio, Poseidon, Adônis, An-quises...
Acima dela em número de contatinhos, apenas Zeus.

O que essas relações sexuais e românticas significam na mitologia?

Elas são símbolo de uma força inédita que vai surgir dessa combinação
entre deusas e deuses ou entre deuses e mortais.

Se Afrodite é interpretada como promíscua, é exatamente pelo mesmo


motivo que pode ser lida simbolicamente como uma das divindades mais
poderosas. Ela vê o amor como uma forma de conhecer e de ser
conhecida, e dessa comunhão ela cria o novo em esferas físicas,
psicológicas, emocionais e espirituais.

Isso lembra muito a fala de Diotima de Mantineia, mulher sábia que


aparece dialogando com Sócrates acerca do amor n’ O Banquete, de
Platão.

Diotima afirma que a principal função do amor é ensinar virtude às almas


dos homens, e a mais alta de todas as virtudes é o saber.

Em relações íntimas – sejam elas românticas, familiares, fraternas ou


sororas –, temos a oportunidade de conhecer o mundo do outro, mas
também de conhecermos a nós mesmos.

Relacionar-se é o segundo parto. Está associado ao processo de indi-


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167

vidualizar-se, diferenciar-se, tornar-se quem se é. É a partir do contraste e


do respeito do outro que vemos quem realmente somos.

Quando nos relacionamos, aprendemos cada vez mais sobre nós e


reconhecemos o limite de quem somos, e de quem é o outro. Talvez seja
por isso que Afrodite, com toda sua beleza e poder de sedução, nunca foi
submetida a violações de nenhuma natureza. Ela era dona de si, por ser
detentora do conhecimento de quem era. Quando uma deusa sabe muito
bem quem é e a que veio, ela sabe também impor seus limites.

Ainda em O Banquete, Platão dá a voz ao dramaturgo grego Aristófanes


que, em seu elogio a Eros, lança mão de um mito muito antigo: o Mito da
Alma Gêmea ou o Mito do Andrógino. No princípio, ele conta, o humano
era uma forma redonda, a perfeição para os gregos, composta de quatro
braços, quatro pernas, duas cabeças... E assim sucessivamente. Tudo o que
hoje temos em um corpo, no corpo do humano primevo era duplicado.

Esses corpos podiam ter dois pênis, duas vaginas ou uma vagina e um
pênis, o que foi chamado posteriormente de andrógino.

De forma circular, sua locomoção respeitava a mesma geometria, e por


isso eles eram ágeis como uma roda, detentores de força e vigor espan-
tosos, e dotados de uma grande presunção. Um dia resolveram se voltar
contra os deuses e tentaram escalar até o céu. Como punição, Zeus os
dividiu em dois: “Eu os cortarei a cada um em dois, e ao mesmo tempo
eles serão mais fracos e também mais úteis para nós, pelo fato de se terem
tornado mais numerosos”, justificou o soberano do Olimpo.

Desde que a nossa natureza se mutilou em duas, cada metade começou a


vagar pelo mundo à procura de sua outra metade. Algo faltava. Estávamos
mais fracos.

Quando se encontravam, as metades se uniam com ardor, se entrela-çando


uma à outra, e ali morriam de fome ou de inércia, sem querer soltar a
outra parte.

Zeus se compadeceu e pediu que Apolo fizesse uma nova interven-ção,


colocando os sexos na parte da frente dos corpos e assim criando a
sexualidade e a reprodução. Dessa forma, poderiam se saciar no convívio
168

O Livro de Afrodite

de um com o outro, para logo em seguida, voltarem às suas ocupações no


mundo.
É assim que o amor representa um ponto de contato entre nós e a nossa
antiga natureza superpotente. Fazendo de dois, um só, ele é capaz de
relembrar quem somos e curar o vazio que a separação provocou.

“O encontro de duas persona-

lidades é como o contato de

duas substâncias químicas: se

houver alguma reação, ambas

são transformadas”.

Carl G. Jung

Se você não é da opinião de que o outro te completa, o mito nos faz pensar
que o outro – ainda assim – tem muito a nos agregar e nos fazer crescer.

Acontece que, aqui, o remédio pode se transformar também em veneno. A


própria palavra latina venenum faz referência à deusa Vênus, a versão
romana de Afrodite. Essa substância tóxica, prejudicial, em sua origem
venusiana guarda o sentido de uma poção do amor, um remédio para
todas as doenças.

Mas quando o amor vira um problema?

A maneira como vamos nos relacionar não surge do nada, ela vem da
infância e carrega marcas que se reencenam, senão por toda a vida, por
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169

boa parte dela. Essas marcas são a maneira como nossos pais se
relaciona-vam; a quantidade de amor que recebemos; se vimos isso como
algo bom ou sufocante, que impedia a liberdade; a segurança que a
relação deles nos passou; as crenças ligadas ao amor que construímos ao
longo de nossa educação inicial; os avanços desmedidos da parte dos
outros que foram entendidos como prazer, invasão, privação, pecado e os
muitos outros significados que podemos ter dado às situações e sensações
a que fomos expostos.

“Que fique claro para nós que, através da junção de predisposições ina-tas
e influências durante os anos de infância, todas as pessoas adquiriram
uma determinada idiossincrasia ao conduzirem a sua vida amorosa, ou
seja, daí vêm as condições que a pessoa estipula para o amor, as pulsões a
satisfazer e as metas almejadas.

Isso resulta, digamos, em um clichê (ou em vários deles), que ao longo da


vida é repetido regularmente, é reeditado, na medida em que as condições
externas e a natureza dos objetos amorosos acessíveis o permitirem, o que
certamente não é de todo imutável, mesmo diante de impressões recentes”.
Quem diz é Sigmund Freud.

Percebeu que aí está a origem do que é popularmente chamado de

“dedo podre” ou do “azar no amor”?

“O problema é com a minha

infância, viu. Nunca soube

o que era amor...”

Charles Bukowski

Para o psicoterapeuta Gustavo Barcellos, a mitologia nos ensina a partir


das teias de relações que cada deus estabelece com os demais personagens
de seus mitos. Dessa forma, Afrodite nos fornece as pistas de algumas
feridas que podem nos colocar na trilha errada para o amor.

170

O Livro de Afrodite

O amor como uma doação de caridade (Hefestos), como a supressão de


uma carência (Ares), como uma forma de minimizar a culpa (Adônis) ou
como uma nota de agradecimento (Hermes). Dentro de cada uma das
relações da Deusa há um lado sombra que podemos encontrar em nós
mesmos, tendo origem na infância e se propagando, como um padrão, em
todas nossas vivências amorosas ao longo da vida. Encontrar o lado luz
dentro de cada um desses mitos relacionais é o caminho para a
transformação.

Outro fator de repetição não está ligado a nenhuma relação específica da


Deusa, mas a todas: a perspectiva da sedução como um jogo, no qual
seduzir e provocar desejo vai contando pontos para si mesma, fazendo com
que se avance casas como em um jogo de tabuleiro. Se o indivíduo ainda
possui a combinação de Ártemis (a deusa da caça) junto com Afrodite
como arquétipos predominantes, essa pessoa pode se tornar uma
verdadeira caçadora de corações.

A série Modern Love, inspirada em histórias reais sobre o amor


publicadas na coluna homônima do jornal The New York Times, traz um
episódio que ilustra uma faceta dessa situação. Em um momento de
sinceridade, Yasmine revela ao seu pretendente um comportamento quase
que involuntário seu: “Por que essa necessidade de conquistar estranhos?
Aquele comentário que você fez sobre os caras ficarem me olhando. Eu
provoco isso. Minhas amigas e eu fazíamos isso no metrô na adolescência.
Na es-cada rolante, competíamos para ver quantos caras iam nos notar.
Contato visual e um sorriso. Só isso”.

Qual desejo infantil essa personagem reencenava em sua vida a cada vez
que fazia isso? Qual ferida a sua criança interior congelada em seu
inconsciente queria ter uma oportunidade nova de curar? Responder isso
é a chave que leva a se colocar melhor em cada novo relacionamento e
também com a visão que ela faz de si mesma.

Isso que falamos sobre padrões de repetição infantis também tem a ver
com projeções. É comum que esse conflito original se projete em
personagens e situações bem parecidas, na tentativa de reencenar e
resolver o Inspira - revistainspira.com

171
dilema. Na prática, acontece que a tentativa de salvar o pai alcoólatra, se
torna o comportamento controlador com o marido; uma pessoa se vinga
da mãe dominadora fugindo das responsabilidades familiares, como se
dissesse “ninguém vai mandar em mim”; e abandona a família por
supostamente qualquer motivo só para sentir o que seu pai sentiu quando
disse que ia comprar um cigarro e desapareceu.

Pode acontecer também uma relação de dependência com o(a) parceiro(a),


quando a importância dos pais como sustentadores e guardiões da vida
não foi superada. Uma mulher, por exemplo, se sente frágil e despro-
tegida e reconhece as qualidades opostas no namorado, se apegando a ele
como se ele fosse a salvação de sua vida! Aos poucos, ela vai relegando a
ele seu poder pessoal e sobrecarregando cada vez mais o parceiro,
enquanto não entender que aquilo que ela vê nele, também existe nela;
tendo sido apenas reprimido como forma de proteção e de se sentir aceita
em algum momento da sua vida...

Por isso, o primeiro passo para uma boa relação é: encontre as suas
projeções, e integre-as. Enquanto isso não acontece, com mais força
somos controlados por elas em um jogo de atração e repulsão extremos
que extraem nossa energia psíquica e fé na vida.

A projeção é um mecanismo psicológico inconsciente que nos “protege”


de nós mesmos. Sabe aquelas partes que não reconhecemos em nós
mesmos e fomos colocando para debaixo do tapete? A maldade, a inveja, a
sexualidade, a sensibilidade, a criatividade, a rebeldia, a coragem...
Dependendo da fachada que criamos para nós, todas essas características
(que você pode julgar hoje como boas ou ruins) podem ter sido reprimidas
na fase da sua educação, mas nunca deixaram de existir. Elas existem no
plano inconsciente, no que Jung chamou de sombra.

O psicoterapeuta John A. Sanford explica que “essa parte não


reconhecida, mas muito viva em nós, projeta-se sobre outras pessoas de tal
modo que vemos algo nos outros que realmente é uma parte de nós
mesmos”.

Esse é o fenômeno por trás das pessoas que ficam como que enfeitiça-das
pelo parceiro e também das pessoas que, depois de um tempo, come-172
O Livro de Afrodite

çam a azedar o relacionamento, encontrando defeito em qualquer coisa e


sabotando a relação à maneira como ela acha que deve ser sabotada para
reviver a história que tem na memória dos pais ou do que acha que o amor
deve ser, inconscientemente. Ou mesmo da ideia que faz de como as
pessoas devem ser: iguais a ela. Se ela reprimiu tudo aquilo, o outro
também precisa passar por essa repressão.

Mas quem integra aquilo que achou melhor jogar no inconsciente, não
projeta e nem mendiga amor.

O segundo passo para uma boa relação tem a ver com imagens mentais
que vem de fora, o que significa ver a grama do vizinho sempre como a
mais verde ou em acreditar na ideia de que haverá uma relação perfeita:
sem discussões, sem desentendimento, sem conversas sérias, sem discor-
dância e repleta de virtudes. Fuja da idealização!

O amor, tal como conhecemos, surgiu em oposição ao contrato do


casamento, que firmava a aliança entre benefícios e economias, mais do
que entre dois corações apaixonados. Comentamos isso no capítulo sobre
o Amor.

Hoje, no entanto, parece que estamos voltando ao sistema antigo, em que


só o que importa, como em um produto que você escolhe no super-
mercado, é o que aquela pessoa tem de bom: embalagem atraente, preço
razoável e útil ao freguês. Quando ela começa a mostrar seu quinhão de
humanidade, mandamos logo um “thank you, next!”. Descartamos e
procuramos um novo alguém. A idealização mascara o medo da solidão e
o medo da intimidade, ela é o oposto do relacionar-se, ela é de uma
natureza diferente da de Afrodite.

Entenda que cada relação tem um pacto próprio, você não precisa ter uma
relação igual a de outra pessoa só porque está na moda ou porque é assim
desde que o mundo é mundo. A equação é simples: você aceita aquilo que
te faz bem, e rejeita aquilo que não te faz bem. Você é sempre o seu próprio
termômetro. Assim como o seu companheiro(a) deve ter o seu próprio, e
isso deve ser comunicado e pactuado constantemente.
Tentar parecer o que não é, é um erro que cobra suas consequências
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173

mais cedo ou mais tarde.

Antes de amar qualquer pessoa, é preciso aprender a se amar e se aceitar.


Sem isso, não há amor, há apenas relações de poder, onde alguém está em
sofrimento silencioso.

“Onde o amor impera, não há

desejo de poder; e onde o

poder predomina, há falta de

amor. Um é a sombra do outro”.

Carl G. Jung

Quebre as ilusões que existem sobre as pessoas e permita-se ser humana,


ser real, abrindo espaço também para a humanidade do seu parceiro(a).

Afrodite se relaciona com deuses, mas também com mortais. E, quando for
quebrar essas ilusões, quebre também a da estabilidade dentro de um
relacionamento. A de que tudo vai ser sempre igual e um eterno marasmo.

A psicoterapeuta Esther Perel conta, no livro Sexo no cativeiro, que a


maioria dos casais que atende reclamam que o desejo desapareceu com a
intimidade ao longo dos anos. Mas ela acredita que amor e desejo não são
opostos que se anulam. Dá para haver desejo onde há amor. A solução
para isso é encontrar o elemento de imprevisibilidade, descontinuidade e
novidade dentro do relacionamento amoroso.

Em uma linguagem mais prática, isso exige que um não se dissolva no


outro, que ambos continuem sendo pessoas autônomas e que guardem
seus próprios mistérios, e que se exercite o olhar permanente de enxergar
o que há de encantador no parceiro(a). Não é porque se aprendeu a viver
no cotidiano e na intimidade que essa pessoa passou a ser um objeto banal
174

O Livro de Afrodite

e ultrapassado, indigno de desejo e paixão. Cada ser humano é um mundo,


uma caixa sem fundo que contém e atualiza uma infinidade de temas
desconhecidos que podem fazer com que você se apaixone de novo e
sempre pela mesma pessoa.

Afrodite e Hefestos:

No dia em que Afrodite foi levada ao Olimpo, Hefestos – o filho manco e


renegado de Zeus – tramava uma vingança contra sua mãe biológica,
Hera, prendendo-a a um trono que havia fabricado especialmente para
ela.
Zeus pediu que ele a libertasse, ao que o deus da forja respondeu que só
faria isso se pudesse desposar Afrodite. Vendo o sofrimento no olhar de
Hefestos e cheia de compaixão, Afrodite aceitou o pedido sem titubear.

Essa é uma das versões do encontro entre Hefestos e Afrodite. Nela,


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175

vemos que um lado sombra desse casamento é que Afrodite se relaciona


movida por caridade ou pena.

Para uma pessoa que age assim, a infância pode ter sido marcada por pais
que mandavam mensagens conflituosas para a criança: de que afeto é
uma questão de educação. Eles podiam até exigir que a criança se
mostras-se “educada”, demonstrando carinho, dando beijo ou abraçando
alguém como formas de expressar isso. Mas afeto é algo naturalmente
espontâ-neo: ou você gosta ou não gosta de algo, não tem como forçar.

Esse relacionamento é marcado pela insatisfação de Afrodite e por


inúmeras traições da parte da Deusa, que se apaixona pelo irmão de
Hefestos, Ares. E também pela humilhação de Hefestos, que vê a mulher
que tem como musa e salvadora se desfazendo dele. Sofrimento
generalizado!

Para reverter o quadro, além da tomada de consciência, a pessoa precisa


recuperar a sua capacidade de ser criativa e reinventar a sua própria vida,
questionando as crenças que colocou como dogmas e aprendendo a ouvir
a sua musa interior. A ordem do dia é se reconectar com a sua
sensibilidade, assim como um artista, e aprender a ouvir aquela voz que
inspira lá dentro e que faz tudo pulsar.

Afrodite e Ares:

A relação entre Afrodite e Ares surge da carência da Deusa,


constantemente abandonada por Hefestos. Seu marido tentava provar seu
mereci-mento produzindo as mais belas e úteis invenções que já existiram
ou que um dia ainda vão existir. Assim, ele se afastava cada dia mais da
Deusa.
Carente e se sentindo sem amor, Afrodite cede aos encantos de Ares, o
deus da guerra, e se apaixonam. Seus encontros são tão regulares, que
eles são popularmente reconhecidos como um casal, muito mais do que
Afrodite e Hefestos, seu cônjuge. Com Ares, Afrodite tem três filhos.

Essa combinação, no entanto, é explosiva, podendo ser comparada


àquelas relações ping-pong, marcadas por idas e vindas, muitas brigas e
muito sexo, explosões emocionais, joguinhos amorosos e triângulos, acor-
176

O Livro de Afrodite

dos de traição tácitos, ciúme e possessividade.

A carência surge quando a pessoa está frágil, desconectada de seus fluxos


e da sua verdade interior e abre espaço para a entrada avassaladora de
qualquer um em seu coração. Tem origem também em feridas infantis de
abandono e de desamor, que faz com que a pessoa confunda a
possessividade do parceiro(a) com a proteção e carinho que gostaria de ter
recebido dos pais.

O mito mostra que uma possível solução para essa ferida é viver com
Harmonia, como se chama a filha do casal. Como bem explica o médico
Erixímaco, na obra O Banquete, de Platão, a harmonia não é a simples
união de contrários, mas a união a partir de um acordo. É quando o grave
e o agudo concordam em fazer música, e não barulho.

Em outras palavras, a cura para essa ferida, a nível psicológico, é sair de


um lugar passivo que enxerga a carência de uma forma vitimista, e
encará-la de um lugar ativo. Entender que a falta existe, e que ela pode ser
apenas uma polaridade da abundância, dependendo da sua perspectiva.

Compreender que a carência é uma fase da plenitude e não uma situação


permanente e definitiva e, a partir daí, criar um acordo consigo para que
se possa produzir beleza com o que você tem, que é você mesma, a pessoa
mais importante do seu mundo.

Faça as pazes com você, se ame, aprenda a fazer música com as suas
polaridades e descubra que você merece ter um amor harmônico.
Afrodite e Adônis:

Um dia, a mulher do rei Cíniras, do Chipre, cometeu a bobagem de dizer


em voz alta que sua filha, Esmirna, chegava a ser mais bonita do que
Afrodite. Isso bastou para despertar a vingança da Deusa. Afrodite fez
Esmirna apaixonar-se pelo próprio pai. Descontrolada de amor, Esmirna
embebedou o pai e deitou-se com ele por muitas noites.

Quando o rei Cíniras descobriu que Esmirna estava grávida e que ele seria
o avô e também o pai da criança, teve um ataque de ira e a perseguiu
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177

com a espada até o alto de uma colina. Nessa hora, Afrodite transformou
Esmirna em uma árvore de mirra, mas o rei a cortou pela metade. Desse
corte, veio ao mundo Adônis.

Tomada de culpa, Afrodite resgatou a criança e pediu que Perséfone, a


deusa e rainha do mundo dos mortos, a guardasse em um lugar escuro.

Quando cresce, Adônis se torna um mortal de beleza destacável. Afrodite


se fere acidentalmente em uma das flechas de Eros e acaba se apaixo-
nando perdidamente pelo filho de Esmirna. Adônis a corresponde e Ares
fica enciumado de perder sua amante.

O deus da guerra então envia um javali enorme para que, durante uma
caçada, o animal fira Adônis mortalmente. Quando Afrodite chega, já é
tarde demais: Adônis morre em seus braços.

Sofrendo, Afrodite coloca beleza em sua dor transformando o sangue de


Adônis em flores vermelhas que recebem o nome do seu amado e que são
popularmente chamadas de flor-do-vento, pois o vento dispersa suas
pétalas destruindo a flor, mas também é assim que faz com que elas
renasçam em outros lugares e de outras formas.

Em seguida, Afrodite vai ao Hades, o lugar para onde vão as almas dos
mortos e pede que Hades, o deus dos mortos, ressuscite Adônis. Caso
contrário, ela promete acabar com o amor de todos os casais existentes no
mundo.

Zeus tem que intervir e decide que o jovem assassinado passaria um terço
do ano no submundo, outro terço com Afrodite, e no último terço, poderia
passar sozinho como melhor desejasse.

A capacidade de ressignificar as relações, deixar ir com o vento,


transformar morte em flor (nova vida). Todo esse simbolismo alude ao
processo de vida-morte-vida dentro de um relacionamento e é a chave
central para lidar com a ferida da culpa. É preciso deixar ir com o vento!
Ressignificar, se perdoar ou pedir perdão e continuar a germinar vida.

178

O Livro de Afrodite

Existem relacionamentos que acabam de forma consensual; outros que


deixam uma enorme sensação de traição, raiva, abandono, vazio; há os
que são levados pela morte física; e os que morrem a cada ciclo para
renascerem de novo como flores que voam com o vento, mais livres, mais
frescos e renovados.

Essa é a estrutura do amor entre nós mortais e esse mito ensina linda-
mente que a união se constrói a partir de muitas mortes interiores, mortes
da pessoa que éramos, morte da pessoa que projetávamos no outro, morte
das idealizações. Por regra, quando é amor, essas mortes acompanham
sempre a esperança de um renascimento em um plano superior.

“Temer o amor é temer a vida, e

os que temem a vida já estão

meio mortos”.

Bertrand Russell

A renovação é uma constante de tudo o que está vivo.


Nessa história, vemos também uma Afrodite humanizada: ela chora, sofre.
O amor também pode doer, e ela se permite sentir, pois é assim que ela
ganha forças para fazer a regeneração acontecer.

Sua relação com Adônis está em constante ameaça, o que lembra que no
amor não há garantias. Afrodite é flechada por Eros e se apaixona
perdidamente pelo mortal, mas Adônis não é flechado. Apesar do mito
contar que ele se encanta de imediato pela Deusa, nunca teremos a confir-
mação do tamanho e da profundidade desse apaixonamento. Quem ama
mais, quem ama menos? Não há certezas. Essa relação vem nos lembrar
que o amor humano sempre será um ato de coragem e um salto ao
mistério, a partir do qual podemos crescer como quem cai em um
trampolim.

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179

Afrodite e Hermes:

Hefestos, certa vez, tramou uma armadilha para pegar Afrodite e Ares no
flagra e desmoralizá-los diante de todo o Olimpo. Ele cria uma rede que os
prende durante o ato de amor e chama todos os deuses para tes-
temunharem tamanho desrespeito. Os deuses caçoam dele, e Hermes
comenta que se entregaria voluntariamente a tal vergonha se isso
significasse passar uma única noite ao lado de Afrodite.

Lisonjeada, ela retribui o comentário se deitando com o deus mensageiro.

Essa ferida é a ferida de quem não reconhece a própria grandeza e se dá


de corpo e alma a quem quer que demonstre um pouco de respeito ou
admiração. Algumas vezes, essa pessoa chega a emular os
comportamentos do companheiro para se sentir digna de elogios,
silenciando a própria personalidade. Assim, a pessoa se sustenta como que
em uma muleta.

Nesse caso, o companheiro(a) é obrigado a adotar uma postura de adora-


ção, sempre mimá-la e lembrá-la do quanto ela é maravilhosa e
encantadora, pois ela mesma ainda não descobriu ou vive num desejo
infantil de ser a deusa preferida de alguém.

Dessa união, entretanto, nasce a própria solução para a ferida:


Hermafrodito, um lindo deus, que não está interessado em compromisso e
nem nas armadilhas de amor de sua mãe, e sim em conhecer os segredos
entre céu e terra, como seu pai.

Em uma de suas viagens, Hermafrodito – que simboliza, como vimos, o


pensamento – desperta a paixão de uma ninfa obsessivamente apaixonada,
Samádis – que representa o furor das emoções.

Samádis agarra Hermafrodito em um lago e pede aos deuses que fique


junto desse belo deus para sempre. Alguém corresponde a esse desejo e, no
mesmo momento, os dois começam a se fundir em um só corpo.

O que o mito revela é que para se tornar um ser inteiro, total – e com isso
se livrar das armações mentais derivadas da baixa autoestima – faz-se
necessária a união entre as mentes consciente e inconsciente, entre a
razão 180

O Livro de Afrodite
e a emoção, entre o cérebro e o coração.

Quando a Afrodite interior, que é pura emoção, consegue fazer aflorar seu
lado mais racional, sem perder a essência de quem é, ela consegue olhar
para si mesma, reconhecer seus padrões, contar seus mortos e feridos,
enxergar a consequência de seus atos e fazer escolhas sem pensar apenas
no que está sentindo, mas no que vai ser prazeroso para ela, e também
respeitoso para si mesma e para o(s) outro(s) da relação.

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181

O ETERNO RETORNO

O que você espera de um relacionamento?

Como você descreveria o relacionamento dos seus pais ou os


relacionamentos amorosos do seu cuidador(es) durante a sua infância e
durante toda a sua vida? Isso teria criado uma imagem para você de como
o amor deveria ser ou não ser?

Pense nos últimos relacionamentos romântico-afetivos que você teve e


vamos traçar um paralelo do que eles tiveram em comum. Quais eram os
pontos de semelhança entre os seus últimos parceiros? Quais são os
pontos de contato entre uma e outra história de amor? O início e o fm
foram bastante parecidos? Os motivos pelos quais você se irritava com
cada um eram parecidos? O que es-182

O Livro de Afrodite

ses relacionamentos te ensinaram sobre você? Cruzando os pontos, o que


você precisa aprender sobre a sua maneira de se relacionar que ainda não
aprendeu?

Agora, volte o seu olhar para você. Pense: por que você se relaciona com
pessoas assim? Com essas características e comportamentos semelhantes?
Será que você não é um pouco assim também? Ou será que você está
querendo que a pessoa se encaixe em um ideal que você tem para si
mesma? Preste em atenção em você! No amor, há uma entrega, uma
união, mas o outro não é uma extensão sua.

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(DES)IDEALIZAÇÃO

Muitas das nossas projeções sobre o(a) parceiro(a) ideal surgem na


infância e agem inconscientemente sobre nós.

Quando entramos em um relacionamento, projetamos toda essa enxurrada


de idealizações no parceiro, esperamos que ele(a) seja tudo aquilo pelo que
sempre esperamos, mas ninguém tem a obrigação de entender as suas
ilusões e muito menos de se adaptar a elas. Lembra que o desejo de
Afrodite é ser ela mesma e beber da fonte do que há de mais original em
cada ser?

Sabendo disso, vamos refetir um pouco sobre as idealizações que criamos:


Você está esperando por um príncipe ou princesa encantados ou já
aprendeu a lidar com a normalidade das pessoas com quem se relaciona?
Se você está em um relacionamento, faça aqui uma lista do tipo “10

coisas que odeio em você”.

1.2.3.4.5.6.7.8.

9.

10.

184

O Livro de Afrodite

• Em seguida, pense em como algumas coisas dessa lista tornam o seu


parceiro(a) especial por ele estar conseguindo ser ele mesmo perto de você
e das suas possíveis tentativas de colocá-lo na caixinha das suas projeções.

• Como é quebrar essas ilusões tão enraizadas da espera pela pessoa


perfeita?

• Quais desculpas você inventa para manter o seu parceiro no lugar de


“parceiro ideal” que você criou para ele? Sem abalar a sua imaginação e
sem conceder-lhe o direito de ser quem é.
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INTEGRAR PARA NÃO PROJETAR

Descreva aqui qual foi o seu primeiro crush da vida. Sabe aquele
enamoramento que a gente tem quando criança?

Pode ter sido um(a) coleguinha da escola, um famoso, um personagem


fctício ou até um desenho animado. Lembre quem foi e escreva sobre as
características mais marcantes (psicológicas, físicas etc.) dele(a) aqui.

Agora responda: é possível que você esteja buscando alguém com esses
traços como parceiro? Se não, responda à seguinte pergunta: O que eu
gosto ou costumo procurar no meu parceiro(a)/ crush? Trace o perfl de
características marcantes.

186

O Livro de Afrodite

Você considera que tem essas características psicológicas em você? Se ela


não está na consciência, está na sombra, no inconsciente, sejam elas
características que você consi-dere positivas ou negativas. Tente relembrar
momentos em que elas apareceram em você, mesmo que em forma de um
pensamento que logo depois foi descartado e sumiu.

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ESPELHO DA ALMA

Você tem um relacionamento afetivo com alguém (ou já teve)?


Relacionamentos romântico-amorosos são como um espelho alquímico.
Você se enxerga refetido em seu parceiro e é aí que as transformações
ocorrem. A pergunta é: como eu era antes de você? No que me transformei
depois desse encontro? Você se perde ou se encontra no ser amado? Aí
está a capacidade de Afrodite que a faz ser conhecida como Deusa
Alquímica. E é assim que entende-mos como cada pessoa que passa em
nossa vida importa.

Dizem que somos uma média das cinco pessoas com as quais passamos a
maior parte do tempo. Diga-me com quem andas e te direi quem és. Anote
o nome das cinco pessoas com quem você mais convive. Se você for do tipo
mais solitária, o que é normal também, serve colocar o 188

O Livro de Afrodite

nome dos infuenciadores que você mais consome conteúdo.

Agora, responda: você já se pegou adotando o comportamento deles de


alguma forma? Uma expressão, um trejeito, uma forma de reagir a uma
situação, o jeito de se vestir, os hábitos? Vamos buscar os motivos
inconscientes que levam você a adotar essa postura. Querer ser querido?
Incluído?

Obter respeito? Se sentir dono de si? Superior? O círculo social é do


campo de Afrodite. Ela adora gente!

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SEM AMOR, NÃO SE DEMORE

O que você faz para conseguir ser amada? Em que recursos você investe?
Sucesso, beleza, dinheiro, poder, popularidade, simpatia, autoanulação (do
tipo ser quem a pessoa quer que você seja)...

Você sustenta relacionamentos com pessoas que não tem tanto interesse
assim em você? Você mendiga afeto? Isso já aconteceu antes? Acontece
agora? Descreva como é e como você se sentiu ou se sente. Mas a
principal pergunta é: por que você está querendo provar que pode ser
amada?
Você se considera uma pessoa “difícil de gostar”? Se a sua resposta for
afrmativa. Tente lembrar: qual situação do passado lhe fez acreditar que
você era difícil demais para ser amada(o)?

Você acredita de verdade nisso? Encontre 3 motivos pelos quais alguém


poderia te amar, e escreva-os:

190

O Livro de Afrodite

A FORÇA DOS RELACIONAMENTOS

Você tem a lembrança de alguém que te fez sentir amada(o) e segura(o)


durante a infância? Como era isso? Nunca é tarde para reviver essa
sensação ou para criá-la na sua experiência amorosa. Ela é possível!
Muitas pessoas encontraram essa pessoa de segurança, talvez você mesma
já tenha encontrado uma pessoa assim antes.

Você tem, hoje, alguém que apoia seus sonhos, te serve de inspiração,
orientação e apoio? O que essa pessoa costuma fazer que te deixa
motivada?

Se você não tem uma pessoa assim, precisaremos criar e fortalecer essa
fgura dentro de você. Você deve ser a sua própria vision carrier. Como
fazer isso? São cinco coisas a se fazer: ver beleza nas suas ideias por mais
estranhas que pareçam e escrever isso em um lugar para lembrar depois o
quão belas elas já foram para você no momento do entusiasmo; gratidão
pelo que já conquistou para se manter frme no caminho, fcar no seu pé
para trazer seu projeto ao mundo (planejamento e disciplina); cercar-se de
beleza e inspiração, permitir-se o descanso e o deleite.
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Vamos começar com o segundo passo para fortalecer a sua vision carrier
interna. Agradeça por três coisas que você já conquistou na sua vida, por
mais óbvias que pareçam.

Na sua vida há alguém que sempre corta o seu entusiasmo ou


empolgação? Como você reage a esses cortes? Isso é saudável? Como pode
ser resolvido? Você faz (ou já fez) isso com a empolgação de outras
pessoas? Se faz, faz por quê?

192

O Livro de Afrodite

Afeto: aquilo que te

afeta

Perto do fim de sua carreira, o biólogo inglês Charles Darwin publicou A


expressão das emoções no homem e nos animais, a síntese de um outro
lado de sua teoria sobre a evolução humana: o lado de dentro, das
condições internas que nos movem.

Nesse livro, Darwin defendia que o homem compartilhava muitos instintos


em comum com outros animais: “Todos têm os mesmos sentidos, as
mesmas intuições, sensações, paixões, afeições e emoções, até mesmo as
mais complexas, como o ciúme, a suspeita, a competição, a gratidão e a
magnanimidade”, escreveu.

Talvez seja por isso que o discurso do homem civilizado sempre classificou
nossas emoções – e as suas expressões – como animalescas, selva-gens e
infundadas diante do projeto de um indivíduo civilizado. Em nome da
sustentação da unidade e da coesão de grupos cada vez maiores, a
sociedade, o instinto foi intensamente reprimido e a vida emocional como
um todo ficou sem lugar, se acumulando entre as paredes do inconsciente
e, à espreita, aguardando a hora de explodir com violência.

A mitologia cristã, que formatou a cultura de todo o mundo ocidental,


colocou aquilo que nos afeta em um saco lacrado que chamou de
“pecados capitais”. Uma das definições de pecado no dicionário é a de
“ação que se considera extremamente repreensível; crueldade, maldade,
perver-sidade”. Grosso modo, o sentir foi enquadrado como maligno.

O maligno devia ser camuflado, escondido, renegado e reprimido. Isso é


exatamente o que aconteceu e ainda acontece com as emoções. Mesmo
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193

com a conquista crescente de espaços que a Psicanálise e a Psicologia vêm


ganhando desde o século XX, muitas pessoas ainda consideram a
expressão das emoções como coisa de gente fraca, “doida”, descontrolada
e assunto para desocupados. Você mesma já deve ter ouvido alguém soltar
algum comentário desse tipo.

Essa visão inibe a vivência natural das emoções à medida que ninguém
quer ser classificado como fraco, descontrolado ou maluco. E, assim,
vamos nos acostumando a camuflar os sentimentos, e nos treinando a
sentir menos. Vamos sufocando a Afrodite interior. Aquela que tem as
emoções como guia e as sensações como instrumento de conhecimento.
Mas será que isso funciona? E, se funciona, até quando?

“Somos feitos de

carne, mas temos de

viver como se

fôssemos de ferro”.

Sigmund Freud
Nos esquecemos que as emoções não são uma doença ou um estado
inferior do ser, elas representam funções dentro do nosso existir. Segundo
Darwin, o objetivo fundamental das emoções é o de iniciar um movimento
que leve o organismo de volta à segurança e ao equilíbrio físico.

Sabe aquela invejinha que você sente da sua amiga, por ela estar se dando
bem na vida e você estar na mesma? Do ponto de vista dos gregos, isso é
uma força que põe em movimento. Essa inveja te obriga a olhar para si
mesma e ver seus próprios desejos. Essa é a sua função!

E aquela raiva que você sente quando é vítima de alguma injustiça?

194

O Livro de Afrodite

Esse ímpeto de energia nos obriga a defender nossos limites e assim


recuperar a nossa integridade perante a vida. Essa é a sua função!

Você pode ainda estar lendo tudo isso e pensando: “Está bem, mas se eu
tiver uma explosão de raiva, chutar o pau da barraca e jogar a merda toda
no ventilador, vou ter sérios problemas”. E a gente só pode concordar com
você!

Mas isso só acontece quando você está num ciclo de ser serva das suas
emoções, e não a mestra delas. É justamente o que acontece quando você
vai varrendo as emoções para debaixo do tapete, uma hora a sujeira sai
pelos cantos. Quando isso acontece, normalmente, as emoções já tinham
dados seus sinais há muito tempo, e tinham sido ignoradas toda vez.

Elas apareceram como uma sensação física, um calor, aquele estômago


remexendo, acne súbita ou coceira. Elas tinham aparecido como um
pensamento que passa sem que percebamos, como aqueles aviões sem
barulho carregando mensagens. Mas você provavelmente ignorou tudo!

A desconexão com o sentir é tão real, que nós nem nos lembramos de ter
sentido nada disso. Emoções, sentimentos e sensações sutis vêm e vão, e
passam despercebidas, sem que o destinatário – você – pegue a mensagem.
Pode acontecer também de você ter captado a mensagem, mas ainda assim
não ter validado seus sentimentos. O que quer dizer que você não
expressou como estava se sentindo, não se posicionou, nem comunicou
seus reais interesses. Os motivos podem ter sido vergonha, medo de re-
taliações, temor do abandono, sentimento de inferioridade, pudor, baixa
autoestima, orgulho ou qualquer outro.

Algumas emoções são classificadas em nossa sociedade com um selo de


inferioridade master. Elas são tidas como mais baixas e execráveis do que
outras. É o caso da inveja, do ciúme, do medo e da raiva, por exemplo.

Falar sobre elas, então, está fora de cogitação, de acordo com o que
aprendemos.

A gente pensa que precisa ser perfeito e que isso significa não sentir
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195

dor, não ter nenhuma vulnerabilidade, ser gentil com todo mundo, estar
sempre com um sorriso no rosto e com fé na vida. Mas o ser humano não
foi feito para ser perfeito, ele foi feito para ser inteiro, pleno. E isso
implica em viver todas as emoções, aceitá-las, integrá-las e saber a hora
certa e o meio mais consciente de usá-las.

O padre episcopal, analista junguiano e escritor John A. Sanford escreveu


sobre um exemplo muito famoso e de fácil entendimento de como integrar
a agressividade da raiva pode até mesmo ser característica de um

“bom cristão”, pois o próprio Jesus Cristo soube fazer isso. O autor narra
a passagem da Bíblia que conta de quando Jesus expulsou os cambistas do
Templo, por esses estarem profanando um local que lhe era sagrado. Desse
jeito, a raiva desencadeia também uma reação saudável em “situações na
vida que começam a se tornar intoleráveis para nosso espírito”.

Isso é integrar as emoções. Isso é ser totalmente você!

“A questão não é atingir a


perfeição, mas sim a

totalidade”.

Carl G. Jung

Outro motivo possível para você não ter expressado as suas emoções é que
esse é um assunto pouco presente na maioria das formas de educar.

Ele é tão ausente, que nos falta até vocabulário para identificar e
reconhecer o que está se passando dentro de nós.

Parece óbvio, mas às vezes não validamos nossas emoções, simplesmente


porque não conseguimos nem nomear o que estamos sentindo.

E aí como poderíamos comunicar e resolver? É preciso ampliar o nosso


repertório linguístico para conseguir dar nome ao que a gente sente. Isso é
fundamental para a nossa sanidade e para o nosso bem-estar na vida e nas
relações.

196

O Livro de Afrodite

Glossário dos afetos

guiça” de experienciar o que quer

que seja.

Aceitação: abraçar as coisas como

são; receber aquilo que é ofertado

Apreciação estética: sentir a be-

sem reclamação.

leza para além da visão, com o cor-


po todo e para além dos sentidos.

Admiração: afeição, apreço e Isso normalmente acontece quan-veneração


por pessoa, coisa, pai-

do você sente que, por exemplo,

sagem ou situação capaz de nos

um quadro te interpretou ou que

levar a um estado de inspiração e

um livro foi capaz de te ler.

que ressoa com aquilo que vemos

como positivo, belo e bom.

Apego: é a avareza nas relações

interpessoais; sentimento de afei-

Alegria: sensação agradável de ção em que o desejo é prender os


contentamento e prazer.

outros a nós mesmos, para nunca

Angústia: sensação interna de mais nos separarmos, de nunca opressão e


inquietação semelhan-perder aquela fonte de satisfação.

te a uma tortura, podendo gerar

É próximo do sentimento de pos-

mal-estar físico. Falta de direciona-

se e do desejo de obter segurança

mento, de explicações ou de uma


afetiva. Como o apego é um sen-

base de apoio segura que lhe per-

timento de uma pessoa, a que tem

mita enxergar mais à frente, gran-

apego, ele corresponde à necessi-

de medo que pode não ter objeto

dade de que o outro a faça feliz.

determinado.

Avareza: inabilidade de comparti-

Ansiedade: intranquilidade física

lhar originada em perdas emocio-

ou mental derivada do sentimento

nais que aconteceram no passado

de incerteza ou impotência frente

e que fazem com que a pessoa não

a uma situação futura, que ainda

se arrisque a passar por isso de

não aconteceu ou nem mesmo de-

novo.

monstrou sinais concretos de que


Aversão/nojo: repulsa; não con-

vai acontecer.

seguir tolerar algo ou alguém.

Apatia/indiferença: insensibili-

Autopiedade: sentir pena de si e

dade diante da vida e das pessoas,

se acomodar à posição de vítima

falta de ânimo e de fôlego ou “pre-

do destino, usando as limitações e

Inspira - revistainspira.com

197

as dificuldades como um discurso da dor que alguém tem que levar...

de estagnação.

e, assim, suavizar o peso nos om-

Arrependimento: avaliação sin-

bros desse outro ser. Se apiedar da

cera de ato ou omissão praticados

tragédia vivida por alguém e cuidar

no passado como algo negativo;

de maneira altruísta para que a dor


sensação amarga de não poder do outro se amenize.

voltar no tempo e alterar suas ati-

Confiança: a crença na segurança

tudes.

e infalibilidade do caráter de uma

Bondade: atração psíquica para a

pessoa ou coisa. Cria um solo fir-

prática do bem, das boas ações.

me que permite que a pessoa aja

com “confiança”, acreditando em

Calma: falta de agitação física ou

sua própria capacidade.

mental, mesmo em meio ao caos.

A passividade dinâmica. Encarar

Coragem: a outra polaridade do

algo sem sentir tanta pressão.

medo, corresponde a aumento da

energia de enfrentamento, vonta-

Cansaço: estado que coloca a de unida à força física, mental ou pessoa


sem energia ou disposição

emocional para suportar o esforço


para fazer nada, por mais que ela

que uma situação futura demanda.

precise ou queira. É motivado por

Força que se mobiliza a partir do

esgotamento físico, mental ou por

medo e do perigo para enfrentar

alguma patologia.

aquilo que te oprime e ficar mais

Ciúme: medo de perder o que te-

próximo daquilo que deseja: seja

mos, de que alguém leve o que nos

abrir um negócio, ter um filho ou

pertence, o que nos é importante.

se manter vivo diante de uma situ-

ação adversa.

Competitividade: sentimento de

disputa, ânsia de ganhar, de provar

Culpa: consciência acusativa e pe-

suas qualidades por meio de um

nosa movida por arrependimento.


teste que terá ganhador e perde-

A culpa é um chicote que nos açoi-

dores.

ta a todo momento nos castigando

por aquilo que fizemos de errado

Cobiça: desejo de possuir alguma

ou que pensamos em fazer (e o

coisa que é igual à que o outro tem.

simples fato de pensar já carrega a

Compaixão: carregar um pouco

crença de algo maligno).

198

O Livro de Afrodite

Decepção: quando uma pessoa Euforia: alegria, excitação e ani-ou coisa


corresponde negativa-

mação exagerados e súbitos.

mente a uma expectativa criada,

Frustração: não realização ou

criando desencantamento e rece-

não-êxito de um ideal de satisfação

bendo desaprovação.
perseguido. Provoca o sentimento

Desconfiança: suspeita e des-

de incapacidade.

crença com relação às intenções

Gratidão: é reconhecer os bene-

de uma pessoa ou situação, como

fícios, auxílios, amparos e favores

se o pior estivesse sempre enco-

com uma postura de agradecimen-

berto.

to e reverência.

Desprezo: sentimento de repulsa,

Incerteza: dúvida, característica

afastamento, diante de algo que do mistério da vida com a qual só


enxergamos como “de baixo va-podemos aprender a lidar ou gera

lor”.

dificuldade em tomar decisões e

Diversão: mudança de direção do

fazer escolhas.

espírito para aquilo que provoca

Inadequação: não se sentir ajus-


graça, leveza e/ou riso.

tado a um grupo, pessoa ou situa-

Entusiasmo: do grego in theos =

ção. Se sentir um alienígena dentro

“em deus”, significa se sentir pos-

de um relacionamento, de uma fa-

suído e inspirado por algo divino

mília ou de acordo com as regras

capaz de gerar arrebatamento e sociais.

grande alegria, assim como imensa

Inveja: possuir o que é do outro,

dedicação a algo, de preferência ao

destruindo o outro.

ato criativo.

Luto: tristeza profunda pela perda

Esperança: crença de que coisas

de algo – comumente pela morte

boas podem acontecer e que dese-

de alguém amado. Passa pelas fa-

jos podem virar realidade; esperar


ses de negação, raiva, barganha e

com fé.

depressão até chegar à aceitação.

Estarrecimento: emoção que Medo: aumento da energia de deriva de ter


sido exposto a algo

fuga, instinto de sobrevivência e

que causou espanto ou até mesmo

de integridade da persona que so-

horror.

Inspira - revistainspira.com

199

mos ou que acreditamos ser; surge ficará bem, mesmo que nada dê si-da
consciência de uma ameaça real

nal disso.

ou imaginária.

Preguiça: falta de vontade de fa-

Melancolia: tristeza profunda ou

zer as coisas, inércia, o desejo aqui

suave sem objeto definido que em-

é o de permanecer parado. Aver-

bebe o espírito e nos leva à intros-


são ao que o colocaria em movi-

pecção e a uma postura de desen-

mento.

cantamento com tudo.

Raiva: emoção causada por irri-

Nostalgia: lembrança de experi-

tação, aborrecimento ou rejeição

ências ou detalhes do passado que

em que se demonstra estouros de

trazem um sentimento que mistu-

violência contra algo (pessoa, coi-

ra prazer com um pouco de triste-

sa ou situação). Tensão muscular,

za pelo que não volta mais.

aumento de energia, impulso de

Ódio: profundo desprezo por al-

briga.

guém, que enraíza e se mistura à

Rancor: mágoa profunda e repri-

sua própria identidade.


mida oriunda de situação de injus-

Prazer: é o deleite do corpo e da

tiça, ódio ou violência em que não

mente em sintonia. Está ligado aos

foi possível extravasar a raiva.

sentidos (visão, olfato, audição, pa-

Satisfação: prazer de sentir que

ladar e tato). Também é a satisfa-

nossa vontade se realizou.

ção das nossas fantasias em ato.

Saudade: relacionado a ausência

Paranoia: o pensamento cons-

de alguém ou algo. É o sentir falta

tante de que tudo vai dar errado,

que se manifesta em algum grau de

ninguém é confiável e de que o

tristeza e na vontade da presença,

mundo está contra você. Pode vir

na vontade de reconstruir o que já

acompanhado do sentimento de existiu.


estar sendo perseguido e de que

Segurança: se sentir protegido de

você é o centro das conversas de

agentes que nos causariam algum

todas as pessoas.

mal.

Pronoia: o oposto da paranoia, a

Sentimento oceânico: termo

crença de que o universo está ao

cunhado por Romain Rolland,

seu favor e que tudo dará certo ou

200

O Livro de Afrodite

inspirado em Ramakrishna, para gado de estímulos, que se anulam


designar o sentimento de unidade,

e provocam o mesmo estado de

de se sentir “um com o mundo

enfado.

externo como um todo”, como se

Tranquilidade: a consciência de

todos nós fizéssemos parte de um


que tudo repousa em seu devido

único organismo eterno.

lugar, ausência de preocupações.

Simpatia: afinidade espontânea

Ausência de perturbações.

com uma pessoa ou coisa que lhe

Tristeza: perda de algo que pro-

coloca com boa disposição para

porcionava alegria ou parte do

atendê-la, amistosidade.

sentido de eu construído; depois

Solidão: estar só e se sentir aban-

de digerida, abre a possibilidade

donado, esquecido, sem sentido, de reinvenção.

sem auxílio ou proteção. Em resu-

Triunfo: contentamento inten-

mo, é a sensação de estar alheio a

so decorrente de ter conquistado

tudo de bom que a interação hu-

algo que lhe era importante, obje-


mana pode proporcionar.

to do desejo.

Solitude: sensação gostosa de es-

Vazio: aquilo que não é preenchi-

tar sozinho e poder se conectar

do por nenhum conteúdo, ocupa-

com o seu mundo interior, fazer

do pela falta. Em linguagem dos

aquilo que é um interesse unica-

afetos, que não é preenchido por

mente seu, e não compartilhado e

nada que lhe seja importante. Sen-

curtir a própria companhia.

timento comparável a um solo não

Surpresa: acontece quando uma fecundo, inanimado, inútil e sem situação


nos pega desprevenidos

sentido.

causando admiração ou espanto Vergonha: lembrança da própria


inesperados.

dignidade diante de uma situação

Tédio: sensação de monotonia, em que mediante um ato indecen-de se


estar preso em um continuum,
te ou vexatório, há desconforto.

em uma rotina de mesmice, maras-

mo. É uma postura de se colocar

fechado para o que é novo ou, ao

contrário, de se estar sobrecarre-

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201

O QUE ME AFETA?

Escolha uma ou duas das emoções que estão mais presentes no seu dia a
dia. Em quais momentos e como elas se manifestam?

Quais são as emoções que você mais sente falta ou gostaria de sentir?
Quando elas lhes faltam? Como você poderia incluí-las no seu cotidiano?

Como você gostaria de se sentir na maior parte do tempo da sua vida?


Você já se sentiu assim antes? O que você estava fazendo quando essa
sensação te afetou? Isso pode ser um guia muito bom para suas escolhas
futuras!

202

O Livro de Afrodite

Você sente difculdade em assumir que sente as emoções mais repudiadas


(inveja, medo, ciúme, raiva, tristeza)? Abra o seu coração aqui e seja
sincera. Pergunte-se: “Quando eu sinto inveja? De quem? Por quê?” e
veja quais respostas aparecem. Siga a lista e pergunte-se a mesma coisa
sobre o medo, o ciúme, a raiva e a tristeza. Anote suas respostas!

Isso é uma verdadeira investigação e você tem muita coragem em olhar


para dentro assim.
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203

A beleza

Beleza importa? Esse é um assunto polêmico. E, talvez, seja polêmico


porque a gente tende a enxergar a beleza com um olhar utilitarista, como
se as coisas belas tivessem que ter uma função, e fossem uma condição
para alguma outra coisa ou para nada – e por isso seriam imprestáveis e
deveriam ser descartadas. Como se a beleza fosse um caminho, e não um
fim em si mesma.

A beleza importa para satisfazer os prazeres do outro? Para suprir uma


falta ou defeito que eu acho que eu tenho? Esses motivos esvaziam a
beleza ao dar a ela uma finalidade.

“A beleza não está ligada

a um fim, ela é

livre e viva”.

Immanuel Kant

Há entre nós também aqueles que olhem a beleza com desconfiança.

Na faculdade, estudávamos com uma moça realmente muito bonita. Ela,


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205

inclusive, trabalhava com beleza. Não me lembro ao certo se ela era


modelo ou miss. O fato é que toda vez que ela trazia suas reflexões durante
a aula, chovia uma porção de olhares tortos e risadinhas maliciosas, como
quem diz: “ela é bonita demais para estar falando algo que seja rico em
conteúdo e/ou moralmente aceito como correto”.
Esse é o tipo de julgamento que mais vemos saltar nas rodas de conversas:
“Ele é muito bonito. O que ia querer comigo? Quando a esmola é demais,
o santo desconfia! ”, “Uma mulher bonita dessa com um velho feio?

Só pode estar querendo dinheiro” ou, ainda, a clássica “Beleza não põe
mesa”, que acusa o belo de ser uma inutilidade de gente que não tem nada
na cabeça. Que atire a primeira pedra quem nunca ouviu (ou emitiu) ao
menos um desses comentários!

Existe também o efeito rebote dessa crença na beleza como fonte de todo o
mal. Há quem enxergue, por exemplo, que aquilo que é belo está acima de
qualquer suspeita. Nesse delírio, esse tipo de pessoa se deixa levar por uma
aparência simpática aos piores infernos.

Mas em ambos os casos, o belo é condenado. Das duas formas, a beleza é


interpretada por extremos, e extremos não conseguem dar conta do
significado do que é beleza, pois beleza é o equilíbrio de todas as propor-
ções.

O analista junguiano e autor Gustavo Barcellos, escreve: “Na cultura


monoteísta judaica-cristã, o belo é desconfiável, não confiável – o belo é
entendido como algo desviante. Houve a separação entre a ética e a
estética, separação essa que não existia para os gregos. Para os gregos ‘é
belo porque é bom, é bom porque é belo’”. E é isso que Afrodite vem nos
lembrar!

Mas se engana quem pensa que vamos advogar aqui sobre se matar na
academia para ter o peso “correto”, estourar o cartão de crédito com
cosméticos caros ou deixar um rim no consultório de algum dentista para
pagar o sorriso de lente perfeito. A gente já adianta: para Afrodite, beleza
não tem nada a ver com isso.

O sentido grego de aiesthesis (estética) é o de despertar os sentidos. Sen-


206

O Livro de Afrodite

do assim, é também o escritor Gustavo Barcellos que nos lembra que, na


visão dos gregos, beleza é aquilo que pode despertar a alma. E despertar a
alma é sempre bom!

Segundo o Dicionário Michaelis, beleza é...

Caráter do ser ou da coisa que desperta admiração ou sensações


agradáveis (auditi-vas, gustativas, olfativas, visuais etc.); Qualidade de um
ser ou objeto que suscita sentimentos de elevação ou simpatia por seu
valor moral ou intelectual.

A beleza, portanto, é do campo do sentir, e o sentir não pode seguir um


comando de massa. Ela pode morar tanto em se olhar no espelho e sentir
prazer no que vê, quanto em ouvir uma música que te faz sentir os céus.
Ninguém pode mandar no que o outro vai sentir! E é por isso que o sentir
foi considerado perigoso e condenado culturalmente – abordamos mais
este assunto no capítulo sobre o Afeto –, e a beleza foi no mesmo saco.

Alguma vez na sua vida, você já teve aquela experiência que as pessoas
com a sensibilidade aguçada têm de se sentir toda arrepiada ou muito
emocionada ao, por exemplo, ouvir uma música? Isso se chama
“abertura”, um típico sintoma da beleza despertando a alma. Isso é
Afrodite.

Charles Darwin escreveu certa vez: “Adquiri um gosto acentuado por


música de tal forma que às vezes, ouvindo um hino, sinto um frio na
espinha”.

O psicólogo Robert McCrae analisou dezenas de questionários res-


pondidos por pessoas de 51 culturas diferentes e descobriu que, em todo o
mundo, as pessoas de cabeça mais aberta sentem arrepios e tremores
estéticos ao apreciar uma obra de arte ou ao ouvir uma bela composição.

Essa sensibilidade à beleza e ao artístico se mostrou ainda, em outro


estudo, um fator de sucesso entre os empreendedores americanos. Aqueles
que tinham “abertura” conseguiam maiores oportunidades de crescimento
no mercado.

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207
Em 1817, o escritor francês Stendhal descreveu a experiência extática que
viveu em uma viagem que fez à Florença, na Itália: “Eu caí numa espécie
de êxtase ao pensar na ideia de estar em Florença, próximo aos grandes
homens cujos túmulos eu tinha visto. Absorto na contemplação da beleza
sublime... Cheguei ao ponto em que uma pessoa enfrenta sensações
celestiais... Tudo falava tão vividamente à minha alma... Ah, se eu tão-
somente pudesse esquecer. Eu senti palpitações no coração, o que em
Berlim chamam de ‘nervos’. A vida foi sugada de mim. Eu caminhava
com medo de cair”.

Stendhal não foi o único a se sentir assim. Somente em 1979, a psiquiatra


e psicanalista italiana Graziella Magherini descreveu cientificamente que
o mal-estar que acometeu o escritor francês era uma síndrome de origem
psicossomática que sujeita alguns indivíduos quando entram em contato
com obras de arte de inestimável beleza: a Síndrome de Stendhal.

“Fazemo-nos semelhantes ao

que contemplamos”.

Aforismo grego

Quando somos atravessados pela beleza, é impossível que escapemos


inalterados. A beleza é aquilo que nos leva à elevação, à transcendência.

Isso porque ela espelha uma estrutura que nos tira da normalidade. E é
por isso que beleza importa.

E ela não importa por ser condição para alguma outra coisa. Ela importa
porque ela dá sentido à vida, ela é um impulso da alma em sua tendência a
se sentir organizada e íntegra. Por ser um impulso da alma, o desejo de
beleza é inerente ao humano, como um caminho de volta para casa. Ou
você conhece alguém que optou por viver em um ambiente feio para se
satisfazer? Isso não acontece!

208

O Livro de Afrodite
Se expor à beleza é se entregar a um fenômeno de simetria, equilíbrio e
harmonia. Essas são características das coisas bonitas. Em contato com
elas nos lembramos de que, se conseguimos harmonizar fora, conseguimos
também harmonizar dentro. É como diz a Lei da Correspondência, um dos
sete princípios a filosofia hermética, ensinada somente aos altos iniciados
da escola de mistérios do Antigo Egito: “O que está dentro é como o que
está fora”.

“É preciso sair da ilha para ver

a ilha. Não nos vemos

se não saímos de nós”.

José Saramago

Às vezes, o caminho pode ser de fora para dentro também. O filósofo Sri
Ram dizia que a evolução nada mais é do que a depuração do gosto.

Você seleciona bem aquilo que os seus sentidos consomem? Aquilo que
tem beleza sempre vai nos fornecer esse centro de sustentação interno.

Assim vemos que a beleza não é uma coisa supérflua, fútil, inútil ou
antipraticidade. A beleza é um valor a ser cultivado, jamais negligenciado.

Se o corpo precisa de alimento, a alma também. E esse alimento é a beleza.

“Se tiveres dois pães, vende um

e compre um lírio”.

Confúcio

O filósofo e investigador da estética Roger Scruton, afirma que a beleza é


que dá sentido à existência e que, se ignoramos essa necessidade, nos
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209
encontramos em um deserto espiritual.

Entre os séculos XVI e XVII, na Europa, surgiu uma categoria de arte


conhecida como vanitas. A palavra latina significa “vacuidade,
futilidade”.

Para os artistas envolvidos nesse movimento, era interpretada como


“vaidade”. Você já deve ter visto alguma pintura nesse estilo. Sabe aqueles
quadros de natureza-morta, com caveiras, flores e frutas envelhecendo em
cima de uma mesa? Isso é vanitas!

Essas artes expressavam um alerta de que o belo é efêmero e os prazeres


são inúteis diante da morte que se anuncia. Na perspectiva deles, a beleza
nada mais era que vazia e insignificante. Trata-se daquele pensamento de
que “Se vamos todos morrer mesmo, para que estamos aqui? Vamos só
esperar a morte chegar”.

Mas é preciso entender que a beleza transcende a morte, e a vida. É

preciso lembrar que a morte é apenas um lembrete para gozar a vida, e


que a beleza é o que nos traz para o agora, nos lembrando da presença do
sagrado em cada momento.

Sentir a beleza é viver o presente, e colocar nosso foco apenas no prazer do


momento. Na cena bonita, na gargalhada de um bebê, no pôr do Sol, no
gatinho dormindo... É o deixar de procurar funções e se lembrar de
apenas Ser.

Como Freud mesmo escreveu: “Essa atitude estética para com o objetivo
da vida não oferece muita proteção contra a ameaça de sofrer, mas
compensa muitas coisas”.

“A beleza salvará o mundo”.

Fiódor Dostoiévski

210

O Livro de Afrodite
VIVENDO A BELEZA

Quais são as suas primeiras impressões diante de uma pessoa muito


bonita? O que você pré-julga dela a partir de sua aparência? Como ela te
afeta? Qual é a sua primeira impressão e julgamento de uma pessoa
assim? O

sentimento muda de acordo com o gênero da pessoa que você vê?


Relembre algum episódio.

Você tem olhos para enxergar a beleza na vida? Ou enxerga só aquilo que
é feio, assimétrico, disforme e desarmôni-co? Onde você foca?

Quais dessas ferramentas você pode tentar para começar a treinar o seu
olhar para a beleza?

Estar mais presente.

Praticar a contemplação.

Contato com

Experimentar o novo.

a natureza.

Exercitar a (re)interpre-

Consumir mais arte.

tação do cotidiano.

Fotografar.

Buscar o equilíbrio: para

Jardinagem.

algo negativo, busque o seu


equivalente positivo.

Ex. Notícia ruim, notícia boa.

Como você expressa beleza na sua vida?

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211

A sua casa/quarto tem elementos que te trazem um sopro de beleza ou você


é do tipo prática, que não está nem aí para essas coisas? Escreva um
pouco sobre os motivos de você gostar ou não gostar disso.

Você já teve a experiência de “abertura” de que comenta-mos no texto? O


que foi o objeto da sua afetação e por que ele te afetou tanto? Você reagiu
como a essa experiência numinosa?

Cite 10 coisas em que você vê beleza (pessoas, gestos, atitudes, situações,


paisagens, arte, relações...). Essa é uma ótima forma de se conhecer.
Aquilo que acho belo diz-me muito sobre quem eu sou. Revela as
inclinações da alma e os meus gostos.

1.

6.

2.

7.

3.

8.

4.

9.

5.
10.

212

O Livro de Afrodite

TREINANDO O OLHAR

Quanto de você existe naquilo que você acha belo?

Encontre beleza em 5 coisas no seu dia: materiais ou me-tafísicas. Depois


volte aqui e escreva sobre elas.

1.

2.

3.

4.

5.

Abaixo escreva o nome de três pessoas que você convive bastante e ao lado
de cada nome faça o exercício de encontrar onde há beleza nessa pessoa.

Se observe por uma semana. Por fm, escreva aqui uma coisa que você
encontrou em você que é fonte de grande beleza (pode ser no seu corpo, na
sua personalidade, na sua voz ou nos seus comportamentos).

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213

Reencantamento com o

mundo

Será que já vimos o mundo como um lugar encantado?


Talvez não nos lembremos, mas provavelmente isso aconteceu na infância:
a época dos por quês. Tudo era novo. E sempre dentro do novo, há um
encanto mágico que arrebata o olhar e a curiosidade. As nuvens eram
magicamente moldadas com formas de animais fantásticos. Hoje, pode ser
que elas sejam apenas gotículas de água condensadas. No máximo,
prenunciam a chuva.

Só temos a magnitude de experiência do encantamento novamente quando


somos confrontados com uma vivência que ultrapassa o nosso cotidiano:
para quem não mora numa cidade litorânea, a primeira vez que viu o mar
foi algo mágico; para quem nunca passou por um inverno rigo-roso, a
primeira vez que viu nevar foi fascinante. A natureza e os fenômenos
naturais, existentes há alguns bilhões de anos, são elevados à categoria
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215

de obra artística para quem os vê pela primeira vez: o velho como novo.

Isso mostra que é a visão do espectador que determina a experiência.

E, assim, também evidencia a importância de como olhar as coisas: com


curiosidade. Essa curiosidade depura a nossa visão e, consequentemente,
os nossos gostos.

“Viva cada instante como se

fosse o primeiro dia de sua vida,

de sua descoberta da existên-

cia, desse novo olhar para si

mesmo e para o mundo”.

Monja Coen

Mas quando estamos desconectados da percepção de nossos gostos e


desejos, pode ser que percamos o brilho nos olhos diante da vida: que faz
parte de enxergar o novo com entusiasmo e ver com admiração o que é
velho. É nessa brecha que deixamos a visão do outro, do que é externo ao
nosso interior, moldar a forma de perceber o mundo. E é assim que o
mundo, com toda sua riqueza para os nossos sentidos e aprendizados,
parece sempre “mais do mesmo”, esvaziado de significados e sensações.

A mesma cidade. O mesmo trajeto para o trabalho. No trabalho, os


mesmos problemas e as mesmas pessoas. Em casa, lugar de descanso para
repetir tudo de novo. Esse desencanto levanta uma questão interior: como
será que a nossa Afrodite está enxergando?

216

O Livro de Afrodite

Quando estamos desencantados com o mundo, a nossa Afrodite está


vendada, seus olhos não veem nada além da realidade turva. Assim,
andamos como sonâmbulos – caminhando sem ver, vivendo sem sentir.

Mas como tirar a venda dos olhos de Afrodite?

É preciso vestir os óculos da curiosidade novamente. Buscar ativamente a


beleza nas coisas é tirar a venda que encobre os olhos da nossa Afrodite: é
ver além do utilitarismo das coisas; é despertar para o mundo que fazemos
parte.

Só quando despertamos, nos perguntamos: “Como essa árvore surgiu


aqui? Eu passo todos os dias por esse mesmo lugar e nunca a tinha visto”.

E ao olhar para cima, vê um “novo” grande prédio. E ao olhar para baixo,


nota as patas de um animal gravadas no cimento quando ainda estava
fresco. A beleza está no todo e também nos detalhes: às vezes, enormes
detalhes que não havíamos visto.

Depois de despertarmos, o brilho nos olhos é retomado. O exterior parece


se transformar, mas é no interior que a magia acontece: retomamos a
nossa narrativa pessoal, agora vislumbrando a capacidade transformadora
que existe em nós.
Como enxergar o mundo de forma encantada, se ele é repleto de
adversidades?

A reposta é: com harmonia – outra qualidade que deve estar ativada.

Faça o exercício de equilibrar as polaridades da vida. Às vezes, estamos


apenas recebendo e digerindo o que nos é direcionado e, de certa forma, o
que é inevitável: a reclamação e os dissabores de chefes, parceiros ou
parentes; as notícias que emergem na mídia; os estresses cotidianos e
ínfimos que, de pouco a pouco, inflamam as emoções. Então, para cada
contato

“inevitável” desse tipo, selecione um de polo oposto: para uma notícia


ruim, busque ou lembre de uma notícia boa; para uma imagem
desagradável do cotidiano, pesquise uma nova obra de arte; para um
pensamento ansioso, crie na sua mente a cena inteira de como as coisas
ficam quando tudo está em paz.

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217

Se Afrodite consegue transformar uma estátua em ser humano, como fez


para Pigmaleão, também nos fala do potencial de esculpirmos e darmos à
vida, do ideal para o material.

A sua Afrodite te ensina a olhar mais uma vez: será que vi tudo direito?

E depois de olhar, fechar os olhos para ver. Muitas vezes, necessitamos da


nossa imaginação para vislumbrar a beleza das coisas – é uma busca
ativa: é recrutar o poder transmutador, que transforma metal barato em
ouro frente aos nossos olhos.

“A imaginação é mais importante que o conhecimento. O conhecimento é


limitado, enquanto a imaginação abraça o mundo inteiro, estimu-lando o
progresso, dando à luz à evolução”, uma vez disse Albert Einstein.

Devemos treinar o nosso olhar para não ver apenas o estético, mas a alma
das coisas. É isso que faz elevar o nosso cotidiano ordinário à categoria de
arte – em que os artistas somos nós. Se o mundo é um palco, como disse
William Shakespeare, revezamos entre o papel de ator e de diretor: há
sempre a possibilidade de escolha dentro do inevitável do dia a dia.

Faz parte do encantamento pelo mundo entender o fluxo da vida e a sua


impermanência: é um portal para o novo, alimento da nossa curiosidade.
O filósofo Heráclito lembrou que não há como banhar-se no mesmo rio
duas vezes, pois na segunda vez nem a pessoa nem o rio são os mesmos.
“Tudo flui e nada permanece”, diz uma das máximas do filósofo.

TUDO NA VIDA É

MISTÉRIO.

Portanto, além de entendermos o fluxo da vida, devemos viver no agora.


Este, que é o único momento que possuímos, é o ideal tempo para o
reencantamento com o mundo. A própria sensação que nos faz sentir que
vivemos em um mundo belo e prazeroso, portanto encantado, só pode ser
manifestada no agora.

218

O Livro de Afrodite

Até mesmo a filosofia nasce do assombro e do encanto humano frente às


coisas do mundo, como notou Aristóteles. O vácuo do desconhecido é
preenchido com significados e explicações. Está presente a magia do
encantamento.

Sempre devemos fazer o exercício de buscar o novo no que é velho, de


olharmos uma segunda vez, de percebermos a beleza ao nosso redor, em
quem está ao nosso lado, e em nós mesmos. Caso contrário, estaremos
existindo tal qual uma forma de olhar a vida que o escritor Liev Tolstói
notou: “Há quem passe por um bosque e só veja lenha para fogueira”.

ESTEJA AQUI

Exercício da Presença
Só escreva o seu nome e observe. Só esteja aqui neste momento. É isso:
apenas seja!

Você vive todos os seus sentidos ou, normalmente, os deixa no automático


e usa só na hora que o corpo demanda: hora de comer (paladar), hora do
banho (olfato), hora do trabalho (visão, audição ou tato)? Faça o exercício
de se abrir ao sensorial ao longo do dia. Depois volte aqui e escreva as
sensações que mais te chamaram atenção, no que diz respeito a:

Sabores:

Cheiros:

Toques:

Texturas:

Temperaturas:

Sons:

Cores:

Imagens:

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219

A VIDA ACONTECE NO SENTIR

Afrodite nos lembra que os sentidos são o maior presente recebido pelo ser
humano. É através deles que conseguimos apreender o mundo, o outro e,
principalmente, a nós mesmos. Os sentidos são mecanismos avançados
para você medir o que é melhor para você e ajustar seus movimentos aos
seus verdadeiros gostos e, assim, poder alcançar a plenitude da vida: a de
ser você mesma e sentir prazer nisso.
Sinta com os seus próprios sentidos, experimente o mundo conforme as
suas próprias experiências e não com os relatos de amargura, as regras e
crenças extraídas das experiências alheias. Assim, você vai ver que tem
muita coisa encantadora acontecendo.

Escreva suas top 3 sensações favoritas. Ex.: cheiro de pão saindo do forno,
toque da água do mar lambendo o seu corpo, ver o sol aparecer depois de
dias chuvosos.

Você vive tentando racionalizar tudo? Encontrar motivos racionais,


comprovar seu valor por títulos e papeladas, basear seu modo de vida
apenas no que é “comprovada-mente” melhor e passando por cima das
suas próprias necessidades, angústias e limites? Eu não posso explicar um
chocolate, eu só posso sentir o sabor dele. A vida é muito mais sentida do
que explicada. Por isso Afrodite é tão im-220

O Livro de Afrodite

portante. Fazer as pazes com ela é fazer as pazes com a vida como um
todo. Escreva 5 coisas que não podem ser explicadas, apenas sentidas.
Aquele tipo de coisa que só quem viveu sabe...(Ex.: o bolo de fubá da sua
avó, tomar banho com meia, um beijo apaixonado, perder um ente
querido).

1.2.3.4.5.

E na sua vida? Lembre-se de uma coisa que você adora racionalizar e


tente visualizar como seria apenas vivê-la?

Imagine! Depois volte aqui e conte como você se sentiu nessa visualização,
sem procurar explicações ou argumentos que autorizem os seus desejos.

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221

Autoestima
A Deusa Afrodite era magnética: por onde passava, além de fazer brotar
lindas flores, atraía os olhares de todos – dos deuses e dos mortais. As
cenas de filmes hollywoodianos, em que a protagonista anda em câmera
lenta, e parece que o mundo para ao seu redor, representam imagetica-
mente esse poder atrativo da Deusa.

Como aliado de seu magnetismo, Afrodite tinha o Cinturão de


Encantamentos. Constituído do ouro mais precioso, armazenava todas as
suas joias de qualidades mágicas: o sorriso sedutor, a fala encantadora, o
sus-piro persuasivo e a expressividade do olhar. Assim, ninguém resistia
aos seus poderes encantadores.

A partir daí, podemos ver que a beleza exaltada na Deusa da Beleza é


muito mais subjetiva e abstrata do que os padrões que se refletem no
corpo, e que variam de acordo com o tempo, o espaço e a cultura de cada
grupo humano; os quais confundimos com o próprio significado do que é
beleza.

Afrodite sempre conseguia tudo o que queria. E como ela fazia isso?

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223

Usando seus encantos. Podemos traduzir esses encantos para qualidades


tangíveis: amor-próprio, autoestima e magnetismo pessoal.

É como mágica: a partir do momento em que alguém se aceita como é,


esse potencial latente e atrativo flui por todo o seu corpo e se exala pelos
poros e, como que por um encantamento, essa pessoa causa uma boa
energia no ambiente. Esse é o poder gerado por viver a própria essência.

“Quando eu me aceito, eu me

liberto do peso de precisar

que você me aceite”.

Steve Maraboli
Quando falamos em amor-próprio, não estamos aqui nos referindo
exclusivamente à porção narcísica embrionária. E sim a virtudes e
qualidades voltadas ao bem-estar que devem estar ativas na pessoa para
que ela possa desenvolver suas potencialidades, com dignidade e respeito a
si. O amor-

-próprio é uma relação de autocuidado. Essa é a primeira joia que orbita


quem cria para si o Cinturão de Encantamento de Afrodite.

O amor-próprio está ligado também aos nossos limites, às barreiras


intransponíveis para se ter dignidade. Jung escreveu que o humano se
revolta contra a ausência de limites, pois se sente perdido, cambaleando no
ilimitado. Colocar limites é um ato de amor! Principalmente por si. É

contrário ao caos e à desunião. Amar-se também é se proteger, evitar


determinadas pessoas e situações. É criar um distanciamento saudável
para ambos.

É tudo questão de perspectiva e de compatibilidade. Não é uma recusa ao


conflito, que é necessário para o crescimento, e sim uma consciência
contrária à violação de limites: quando o espaço é desrespeitado, mesmo
224

O Livro de Afrodite

após a imposição de limites, é melhor evitar o confronto e manter a


distância digna para o respeito continuar sendo possível; quando o contato
é necessário, que seja com amorosidade e paciência – principalmente, a
você mesma.

Esse tipo de amor composto – que contém a si “próprio” dentro do

“amor”, voltado para si –, não deve ser excludente ao amor primordial,


voltado ao exterior. Em comum, os dois são formas ativas.

Praticar um amor ensimesmado (contrário ao amor-próprio) é reviver o


mito de Narciso, um herói que se apaixona pela própria imagem ao vê-la
duplicada nas águas de um lago e, dessa maneira, acaba por amaldiçoar
sua própria vida. Viver Narciso é não aproveitar os encontros que o
magnetismo da Deusa proporciona, é usar a afeição dos outros apenas
como espelhos capazes de refletir a sua beleza e ampliar a sua grandeza. É
só gostar de quem lhe faz eco. Na maioria das vezes, esse complexo
disfarça uma falta de autoconfiança exagerada e alivia sentimentos de
inferioridade agudos. E Afrodite não tem esse tipo de questão. Ela se ama
e, por isso mesmo, não tem problema nenhum em dar o que mais tem.

O amor-próprio requer virtudes que devem ser colocadas em prática


diariamente, como respeito e autocuidado. De maneira prática, quando
você se percebe como um ser único e se escuta, notando todas as questões
que te fazem diferentes dos outros, é o primeiro passo para o respeito
vigorar: “me respeito por ser diferente do outro; e respeito o outro, por
entender que é diferente de mim”.

Já o autocuidado é desenvolvido quando você equilibra as demandas do


corpo: o prazer e a saúde, que não devem ser opostos.

O fruto do amor-próprio é a autoestima, a segunda joia do Cinturão de


Encantamento de Afrodite. A autoestima está diretamente ligada à
imagem que construímos sobre nós mesmos. Essa autoimagem foi
constituída, desde a infância, no contato com o outro, numa relação de
troca: ao mesmo tempo que pegamos emprestadas, doamos algumas
características

– cada fragmento forma esse mosaico reconhecido como “eu”.

A autoestima é ancorada na capacidade que temos de sustentar nossa


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225

autoimagem, frente a nós mesmos e às nossas demandas, bem como diante


das intervenções e atravessamentos pela relação com os outros e suas
opiniões sobre quem somos. Podemos sofrer por dois lados: se colocamos
padrões muito elevados do que deveríamos ser, que são inalcançáveis, ou
se deixamos a opinião dos outros orquestrar e validar a nossa imagem. Por
que, na maioria das vezes, não conseguimos nos aceitar? Porque
aprendemos a nos enxergar com os olhos dos outros.
A busca da opinião do outro sobre mim e a procura da validação externa,
quase um “Diga-me quem eu sou!”, só é equilibrada com um “Conheça-te
a ti mesmo”, que é o autoconhecimento – esse é o ouro precioso que
constitui o Cinturão de Encantamento de Afrodite: é a liga que sustenta e
perpassa todas as joias numa relação de harmonia e equilíbrio.

“A beleza começa no momento

que você decide ser

você mesma”.

Coco Chanel

Como desenvolvemos aqui, a escrita terapêutica é uma ótima ferramenta


para ampliar essa percepção de si: te coloca a par de suas concepções –
que se não fossem enunciadas, não seriam percebidas e integradas como
peças de autopoder. Como o escritor Stephen King uma vez disse:

“Eu escrevo para descobrir o que penso”.

Ao integrarmos essa porção de amor-próprio e autoestima, nos pola-


rizamos: deixamos bem-delineado o nosso eu, o potencial do que somos e
do que não somos. É daí que emana a energia atrativa de Afrodite: o
magnetismo pessoal.

Afinal, enquanto você se disfarça do que você não é para obter aprovação
dos outros, você se enfraquece. Perde-se muito tempo e energia simu-226

O Livro de Afrodite

lando as opiniões, os questionamentos, os comportamentos e os gostos que


não lhe são naturais, são de outros. É apenas quando você opta por ser
você mesmo que você se torna poderoso. Essa terceira joia do Cinturão de
Encantamento de Afrodite é emanada a partir da combinação das duas
primeiras joias: o amor-próprio e autoestima.

É o magnetismo pessoal que justifica um determinado indivíduo ser


rodeado de pessoas. Atualmente, esse atributo é visto mais como uma arma
persuasiva do que sua forma primal, que é encantar positivamente o outro
– como uma inspiração, não uma ferramenta de dominação. Mas não deve
ser assim. Se um dos lados do amor-próprio é fortalecer as nossas
barreiras de segurança, um dos lados do magnetismo pessoal é criar
pontes: compartilhar o que se tem de melhor – um dos maiores
ensinamentos de Afrodite para a criação de um mundo com mais beleza e
amor.

Após atrair com o magnetismo pessoal, a questão agora é manter. Para


isso, se requer os mesmos elementos do amor: cuidado com o outro,
responsabilidade afetiva, respeito (por si e pelo outro) e conhecimento
mútuo.

Dois novos elementos entram em questão quando as joias do Cinturão de


Encantamento de Afrodite são desenvolvidas: a liberdade e a fidelidade a
si. E essas são escolhas que devem ser sempre renovadas. O amor-próprio,
a autoestima e o magnetismo pessoal – que compõem o Cinturão

–, abrem novos horizontes. Juntos, eles resultam no sentimento que faz


Afrodite ser dona do seu próprio caminho, dona de si.

“Ser livre é usar o tempo

segundo as próprias escolhas,

e viver segundo as

consequências dessas

escolhas”.

Jean-Paul Sartre

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227

É o reconhecer os próprios poderes (com suas potencialidades e


limitações). Isso faz a Deusa pisar com determinação a cada novo passo.
Ela é decidida do que quer e de quando quer.

O campo de escolha é vasto, por isso é necessária a fidelidade a si mesma –


que a faz seguir o caminho que decidiu, em vez de replicar o caminho
alheio. Em Antônio e Cleópatra, peça de Shakespeare, Charmiana, uma
das servas da rainha do Egito, a aconselha sobre sua relação com o
romano: “Ceder em tudo, e não contrariá-lo”. E Cleópatra, no alto de sua
conexão com Afrodite, responde com uma lição de verdade e honestida-de:
“Ensinas mal; assim o perderia”.

A posição de Cleópatra nos faz refletir que num relacionamento saudável


um jamais deve querer desintegrar a personalidade do outro, a mesma que
tanto lhe atraiu no início. Por que alguém faria desaparecer a pessoa por
quem se apaixonou? Jogos amorosos e máscaras de perfeição moldadas
ao gosto do amante não combinam com Afrodite e, por isso, não
combinam com o amor. Uma pessoa com a autoestima ferida não é capaz
de servir à Deusa, pois antes de amar o outro, é preciso encontrar esse
amor em si mesma.

“AJUSTO-ME A MIM,

NÃO AO MUNDO”.

Anaïs Nin

Diferente de outras deusas que se relacionam, Afrodite se recusa a se


entregar ao controle de alguém. Ela se dá por inteiro, mas quando se dá, é
porque se tem. Ela é a única autoridade que segue. Essa verdade inscrita
no mito nos leva a pensar que para ser amor, deve haver autonomia, o
contrário disso é controle. Amar não é derreter-se inteiramente no outro, é
manter-se inteiro para que o outro possa ter com quem se relacionar, para
que o outro possa atravessar a ponte e acessar um mundo novo.

O autoconhecimento é uma poderosa fonte de direção e de segurança, que


possibilita à Afrodite guiar sua carruagem dourada puxada por cisnes na
direção correta: a que deseja ir e a que pode ir.

Pode ser que essa determinação cause espanto a quem está próximo.
Temos um exemplo clássico na literatura: Madame Bovary, uma
personagem que toma suas próprias decisões sozinha. Se isso hoje é um
desafio, imagine para o século XIX, época em que a obra foi publicada. O
autor Gustave Flaubert chegou a receber processos da parte dos leitores,
por esses não aceitarem a atitude tida como “libertina” de Madame
Bovary.

Sua simples fidelidade a si mesma já bastava para que fosse considerada


promiscuidade. “Como poderia uma mulher decidir sua própria vida?”,
argumentavam os advogados de acusação.

É por isso que é preciso recuperar esse aspecto silenciado pelo


comportamento de rebanho e também pela própria configuração social e
histórica do feminino: o aspecto de fazer o que se quer fazer, o que se
decide fazer, por conta própria, sem precisar ser autorizado por terceiros
ou por uma ordem social. Os encontros só são bons quando encontramos
dentro aquilo que procuramos fora.

“Só há revolução quando há

amor por nós mesmas”.

Ryane Leão

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229

A CRENÇA DO VALOR

Em que se pauta a sua autovalorização? No seu salário, na quantidade de


amigos que tem, nas suas fotos perfeitas e hipercurtidas no Instagram, nas
suas conquistas ao longo da jornada, na sua beleza, na quantidade de
pessoas que você seduz, no número de livros que você leu, no título
acadêmico que você tem... Enfm: o que te faz se sentir em alta conta?

Escreva um texto refetindo sobre isso. De onde isso vem?

Que crença sustenta essa cadeia de pensamento?


230

O Livro de Afrodite

DEIXANDO DE SER CLONE

Quando você se sente deslocada em um grupo, o que você costuma fazer?

Escreva sobre algumas das vezes em que você deixou de fazer/ser algo que
queria ou mais conectado com o que você pensa ou sente em nome de
outras pessoas, como para evitar o desconforto, julgamento ou se sentir
aceita...

Qual foi a última vez que isso aconteceu? Que arrependimentos e


sentimentos isso carrega?

O que você faz quando as pessoas não gostam de você? O

que você faz quando quer que as pessoas gostem de você e elas não
gostam? Qual é o sentimento? Escreva sobre a última vez que isso
aconteceu e sobre como você se sentiu e como lidou com a situação.

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231

Você se sente escrava das expectativas dos outros sobre você?

Não traia a si mesma TENTANDO

agradar o outro. As outras pes-

soas da relação também podem

provar seu amor. Inclusive, você

falar o que sente de verdade

vai dar a oportunidade do outro


crescer. Não se sacrifique!

232

O Livro de Afrodite

SÓ VOCÊ

Você já foi ao cinema sozinha? Já comeu sozinha? Você consegue fazer


escolhas pequenas, médias e grandiosas sozinha? Como você vive a sua
independência?

Relembre a última vez que você fez algo sozinha, sem companhias, tipo ir
ao cinema ou comer. Como você se sentiu?

Refita um pouco sobre isso e deixe a escrita acompanhar os seus


pensamentos.

Escreva 5 qualidades suas que não tem a ver com as suas funções no
trabalho nem seu papel social na família.

1.

2.

3.

4.

5.

Agora escreva 5 gostos, opiniões e características de comportamento


marcantes que você tem de diferente da pessoa mais próxima a você [pode
ser em relação ao seu companheiro(a), mãe, pai, flha(o) ou melhor
amiga(o)]. Você se sente bem em ser diferente? Sublinhe as características
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233
que você sente orgulho de ter.

1.

2.

3.

4.

5.

TESTE DE FIDELIDADE A SI MESMA

Será que você costuma ser fel a si mesma? Marque um X

nas frases que te representam:

Consigo recusar um trabalho para o qual eu fui indicado, mas que não
tem nada a ver comigo.

Gosto de ouvir todos os lados de um desentendimento antes de ter uma


opinião e, talvez, assumir um lado.

Nunca terminei nenhuma relação por infuência de pais ou amigos(as).

Quando vou vestir uma roupa, nunca penso no que vão achar de mim.

Nunca fngi gostar de um assunto só para me sentir in-cluída.

Se eu sei o que quero, num restaurante por exemplo, nunca fnjo estar
indecisa com medo de que a minha opinião pareça autoritarismo ou falta
de educação.

Sair para lugares que não gosto, com pessoas que me desagradam, não é
para mim. Rejeito o convite!

A vida que você leva é boa para você, para uma versão sua de tempos atrás
ou para os outros?
234

O Livro de Afrodite

LIBERDADE PARA SER

Você realmente faz as suas escolhas com liberdade/consciência de si? Qual


foi a última vez que você se sentiu livre?

Qual foi a última vez que você fez uma coisa pela primeira vez? Como você
se sentiu? A experimentação é da ordem de Afrodite.

Muito se fala sobre a capacidade necessária de saber dizer

“não” para colocar limites, mas e sobre o dizer “sim” para se abrir para a
vida e para conhecer novas partes de você?

Você sabe dizer “sim” para a suas vontades da alma? Para a


experimentação? Para coisas novas e para novos aprendizados? Observe
no seu dia a dia quantos “sim” você diz para convites, propostas, e até
mesmo desejos seus. Será que você está sempre sendo como um pai
ceifador e car-rasco para você mesma?

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235

Crie uma lista do “se joga”. Quais experiências você tem muita
curiosidade de viver, mas, por um motivo ou outro, vive se colocando
barreiras, desculpas, julgamentos e empecilhos? A gente começa e você
continua, ok? Quem sabe isso funciona como um incentivo para você se
permitir mais. Vamos viver tudo o que há pra viver? Ex.: ir conhecer a
cerimônia de alguma religião diferente da sua, embarcar em uma
excursão de fnal de semana, subir um dos picos da sua cidade, ir a um
festival de música, comer uma fruta exótica e desconhecida todo mês.

236

O Livro de Afrodite
A VOZ INVALIDADA

Você consegue ser você mesma na maioria das suas relações? Em alguma
relação você se sente tolhida, com vergonha de falar sobre o que pensa e
de se expressar como realmente é? Como é essa relação? Que parte de
você ainda se esconde?

O que você faz que silencia a sua voz interior? Exemplo: dizer sim quando
quer dizer não, tentar agradar todo mundo e esquecer de si mesma, não se
perguntar sobre seus verdadeiros desejos: “O que eu quero fazer?”, não
respeitar os seus limites e deixar que todo mundo o ultrapasse, guiar-se
pela bússola de outras pessoas (Ex.: “Porque Fulana disse que isso é coisa
de gente desocupada”, “Sicrano disse que isso é a coisa errada a se
fazer”), pensar que seus desejos são loucurinhas (acredite! Muita gente
pensa isso e ninguém quer ser louco. Resultado: milhões de ideias geniais,
que nunca existirão na prática).

O primeiro passo para que as outras pessoas possam te aceitar é você


mesma aceitar a sua verdadeira identidade.

Escreva aqui 5 coisas sobre você (seu comportamento e Inspira -


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237

personalidade) que você ainda sente difculdade em lançar ao mundo. O


que você pode fazer para revelar esse segredo que mora dentro de você?

Crie para si mesma suas próprias formas de refetir e se questionar, abra


mão de consultar as autoridades compe-tentes ou os supostos especialistas
o tempo inteiro. Como fazer isso? Veja um flme sobre o qual você nunca
ouviu falar. Assista sozinha. Depois use o espaço abaixo para tecer um
comentário sobre esse flme. O que me chamou atenção? Por que me
identifquei ou desprezei o protagonista?

Por que esse flme é bom ou ruim? O que esse flme me fez pensar? Não
pergunte nada a ninguém e nem busque resenhas em blogs ou no
YouTube, nesse momento, só a sua refexão é que vale. Esse exercício te
ajuda a reconquistar o contato com o poder sobre a sua própria vida, te faz
se enxergar como uma autoridade em si mesmo, o que é uma ferramenta
para quebrar com dezenas de comportamentos que tem origem em ideias
consideradas verdades absolutas; e desperta os mecanismos de
autoexpressão. Enquanto você faz essa atividade, fque com esse mantra:
“Não existem donos da verdade”.

238

O Livro de Afrodite

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239

EXERCÍCIO DO ESPELHO

É a coxa com celulite, a barriga que não diminuiu depois do parto, as


espinhas que aparecem por toda a parte, os pelos que não deveriam nem
existir, as estrias que denunciam que você mudou, o cabelo que raramente
está num bom dia ou a calça jeans que parece que encolheu e não entra
mais em você. Por que não conseguimos nos aceitar? A resposta é que:
não conseguimos nos aceitar porque aprendemos a nos enxergar com os
olhos dos outros.

Agora é a hora de se enxergar com os seus próprios olhos.

Procure um espelho e faça essa busca agora mesmo! Quando você se olha
no espelho você consegue se ver para além da sua aparência? Você é o que
além da opinião estética (bela/feia, gorda/magra, alta/baixa)?

Aparência não é tudo na vida! Beleza é um conceito que não cabe em


padrões. Consegue ver e sentir a força da presença dessa mulher poderosa
que está refetida? O que você enxerga nessa pessoa do espelho para além
da aparência? O que a expressão dos seus olhos, suas marcas, calos e
cicatrizes dizem sobre ela?

240

O Livro de Afrodite
“Não ter mais confiança no corpo é perder confiança em si próprio”..

Simone de Beauvoir

COMO UMA DEUSA

Você pode se aceitar? Olhando-se no espelho e pensando nas suas forças e


limitações, escolha 3 coisas em você que você pode aceitar hoje. Faça esse
exercício sempre que puder!

Agora, olha bem no fundo dos seus olhos (Aliás, perceba: de que cor eles
são? Qual é o formato deles? Quando a luz bate neles, eles mudam de
cor?), repita: “eu te amo”.

Se quiser, pode acrescentar outras frases de amor e apoio que você sempre
precisou que alguém dissesse a você.

Você é essa pessoa que você estava esperando! Comece a reverenciar a


deusa que existe em você. Quando você não faz isso, as punições são
caras, e a gente vê isso refetido na vida.

A palavra ‘”venerar” vem do latim venerari , que signifca cultuar ou


reverenciar. Possui a raiz de veneris, signifcan-do amor, desejo sexual e
encanto, dos quais o nome Vênus deriva.

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241

Você já se venerou hoje?

Me olhei no espelho e me

Me ofereci um dia bonito e

disse coisas bonitas.

repleto de amor.
Cuidei do meu corpo.

Respeitei meus tempos, sen-

Cuidei da minha mente.

timentos e limites.

Agradeci por estar viva.

Me concedi prazeres, sem

culpa.

Como você costuma reagir a um elogio?

Vamos praticar? Novas formas de responder a um elogio.

“Você é/está linda”:

“Seu trabalho é brilhante”:

“Você é uma das melhores (sua profssão ou hobby aqui) que eu conheço”:

“Adoro sua energia”:

“Sua risada me faz rir”:

“Muito obrigada por ter feito isso. Foi muito importante pra mim”:

“Conversar com você é muito bom, você é uma pessoa inteligente que
sempre me abre a novas perspectivas”.

242

O Livro de Afrodite

AUTOAMOR
Se você viu que dá para aceitar o seu corpo, vamos agora passar para a
outra fase: você pode aceitar aquilo que considera seus defeitos de
comportamento, aquilo em que se sente insufciente, aquela sua inabilidade
em determinada atividade, as formas de você se expressar para o mundo,
as suas ideias “mais loucas”? Pode aceitar que às vezes você é mesmo
assim, e não de outra forma... e não da forma que seria mais aceitável,
“correta” ou fácil?

Você gosta da sua própria companhia? Como você se sente com o silêncio?
O silêncio te incomoda? Você é a pessoa que sempre tenta preencher os
espaços daquele silêncio constrangedor durante as conversas?

Se você não se aceitar,

ninguém vai te aceitar.

Se você não se aceitar,

as pessoas aceitarão uma

versão mentirosa de você.

Se você não se aceitar,

as pessoas só verão em você

um espaço em branco onde depositar

as próprias projeções.

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243

Escreva uma carta de amor para a pessoa que sempre es-teve e sempre
estará com você: você mesma! Elogie seus pontos fortes, a motive, traga
palavras de inspiração e faça o compromisso de nunca abandoná-la.

244
O Livro de Afrodite

Criatividade:

a ação da imaginação

A fala, os mitos, as lendas, a escrita, o sistema monetário e, por fim, a


sociedade como a conhecemos hoje. Isso tudo foi desenvolvido após a
Revolução Cognitiva, há 70 mil anos, por meio de uma das maiores
qualidades do homo sapiens, a espécie que carrega a sabedoria no nome: a
criatividade.

Mesmo com o avanço da inteligência artificial, carreiras que valorizem a


criatividade como moeda de troca serão as menos afetadas pela substi-
tuição por robôs, como já apontou o escritor do best-seller Sapiens, Yuval
Harari.

A criatividade humana, literalmente, inventou a roda e a aperfeiçoou.

Há milhares de anos, nasceu na imaginação de alguém que um eixo


deveria ser acoplado a duas rodas. Assim surgiram os “pés” de outros
objetos: carroça, biga e cabriolé – os ancestrais do carro.

Se lançarmos o olhar ao redor, tudo o que facilita a nossa vida hoje,


surgiu do poder criativo de alguém sendo colocado em prática – de uma
simples cadeira ao celular. Todas essas criações, em seu tempo, tiveram o
impacto de uma Revolução copernicana – aquela que identificou o Sol
como o centro do Universo. Nada é óbvio e nada é impossível para o
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245

pensamento criativo.

Mas, geralmente, as criações não nascem utilitárias. As criações emergem


da mente de pessoas curiosas, como lembrou o educador americano
Abraham Flexner: “a maior parte das grandes descobertas que depois se
provaram benéficas à humanidade foi realizada por homens e mulheres
não guiados pela vontade de ser úteis, mas pelo mero desejo de satisfazer
sua curiosidade”.

“Eu não tenho nenhum talento

especial. Sou apenas

apaixonadamente curioso”.

Albert Einstein

A mitologia grega exemplifica como pode nascer a criatividade. É

como o fruto do casamento de Afrodite com Hefesto, deus do fogo e da


forja. Mesmo sendo coxo e disforme, a Deusa do Amor, com seu espírito
livre e curioso, aceitou a união. Podemos fazer uma leitura desse
relacionamento como a união da beleza inspiradora que impulsiona o
artista a criar.

Juntos, Afrodite e Hefesto não tiveram filhos, mas criaram obras potentes
e encantadoras, capazes de alterar a história do mundo, como Pan-dora, a
primeira mulher. Essa história revela a capacidade humana de criar, se
equiparando à natureza. Ela mostra que o ato criativo não precisa ser
somente biológico, mas pode surgir também de uma vontade que se
mobiliza por meio da sensibilidade (Afrodite) e do fazer (Hefesto).

Afrodite está presente em outras cenas de criação. O rei da ilha de Chipre


testemunhou o poder fertilizador da Deusa. Pigmaleão, que também era
escultor, se apaixonou por uma estátua que ele mesmo esculpiu.

Ao não encontrar na ilha uma mulher com tamanha beleza, Afrodite deu
vida à escultura. É a força da inspiração – que no nome carrega o sopro
da vida – fertilizando.

246

O Livro de Afrodite
Mas por que essa necessidade criativa move a humanidade? O poeta
Ferreira Gullar condensou a resposta em uma frase: “A arte existe porque
a vida não basta”. É do humano transcender à natureza e cocriar a
existência. No mito de Pigmaleão, não é apenas a estátua que ganha vida.
Ele mesmo se reconecta com a vida a partir da escultura de marfim que
cria. A arte lhe despertou a potência de amar que estava adormecida
dentro dele.

A arte conversa com as nossas emoções humanas, o que temos de mais


real, e as valida. Ela nos lembra de nossa própria beleza.

“A arte resgata a vida, só a arte dá

sentido à existência. Mas paramos de

procurar o sentido na poesia, na músi-

ca, na arte para procurar sentido na

lógica, na racionalidade. Ninguém uti-

lizando lógica e razão explica a vida.

A vida não se explica, a vida

se sente, se percebe”.

Viviane Mosé

Essa é mais uma prova de como o arquétipo da beleza e do amor pode ser
colocado em nossa vida prática, gerando novos mundos e novas vidas.

A fertilidade da maternidade e da paternidade também pode ser


direcionada para as coisas, como um artista dá à luz sua obra.

O cotidiano ordinário é a maior fonte de criatividade que todas as mentes


brilhantes tiveram contato: como inspiração ou como insatisfação.
As criações dançam virtualmente na imaginação de quem se abre para ver
o ordinário com uma nova perspectiva.

E é também no cotidiano ordinário que a criatividade se faz necessária.

Com o poder criativo, edificamos as pontes para conectar pontos distintos


e distantes. O simples fato de você estar aqui escrevendo, criando respos-
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247

tas com a caneta, é um ato de liberação de energia criativa. Insights


podem surgir daqui e lhe conectar com pontos distantes de você mesma! E
isso também é criatividade.

As vicissitudes e as constantes mudanças da vida nos empurram para o


pensar criativo. Geralmente, a solução dos problemas não é como um
simples encaixe de peças num quebra-cabeça. As peças estão distantes
umas das outras e, muitas vezes, não existem: necessitam ser criadas.

Quando temos uma postura criativa diante da vida, passamos pelas


vicissitudes, pelos altos e baixos, com mais facilidade e tornamos cada
experiência um aprendizado. Não devemos esperar a necessidade de a vida
cobrar que sejamos criativos. Devemos buscar o nosso grito de “Eureka!”

no cotidiano.

Cada molécula criativa que flutua em nossos pensamentos materializa o


nosso amanhã. É pelo nosso potencial inventivo que ligamos o nosso eu de
agora com o nosso eu do futuro: é a imaginação que abre a estrada
inexplorada que nos aventuramos a trilhar.

“Se você pode sonhar,

você pode fazer”.

Walt Disney
Mas por algum motivo, parece que estamos imaginando menos. Como se
todas as imagens possíveis já estivessem dadas, como se nada de novo
pudesse ser criado, como se o mundo já estivesse saturado de artistas e de
inventores e como se o ato de imaginar não fosse útil para nada. Imaginar
seria coisa de crianças e de drogados. Você já deve ter ouvido isso. Acaso
essas pessoas não consomem filmes, seriados, novela, música ou
literatura? De onde eles acham que surgiu tudo isso? Da mente de um
computa-dor ou caiu de uma árvore?

248

O Livro de Afrodite

Alguns especialistas alertam que a protuberância de imagens já monta-das


que as crianças têm consumido ao longo do dia em jogos eletrônicos e
desenhos animados, por exemplo, pode estar limitando suas capacidades
cognitivas de completar lacunas, elaborando o conteúdo internamente.

Em outras palavras, do ponto de vista psíquico, há uma preocupação


quanto à capacidade do público infantil em criar as imagens com suas
próprias cabeças, pensar e fazer escolhas. Este é o último golpe na carne
de Afrodite: o fim da imaginação. E esse é um grande risco, já que a
imaginação é uma forma de expressar nossa liberdade individual, como
aponta a psicoterapeuta Esther Perel. Sem imaginação, não há nem
mesmo o humano.

Quando não se configura como um exagero que beira ao escapismo, à


fuga da vida, imaginar é um ponto de restauração. É uma cura para as
amarguras do dia, uma renovação do apetite de viver e da crença em
nossas próprias capacidades. Se estamos tristes, deitamos e imaginamos
um mundo onde se tem as chaves nas mãos para destrancar qualquer
porta em nossa vida, nos levantaremos com a energia bem melhor, a de
quem pode fazer alguma coisa.

“É impossível enfrentar a

realidade o tempo todo sem

nenhum mecanismo de fuga”.


Sigmund Freud

Se, nos dias de hoje, a capacidade imaginativa se esvai nas telas digitais e
é jogada para fora da ribalta pelo pensamento utilitarista, nos dias de
ontem a imaginação era o que constituía o mundo. Há mais de quatro mil
anos, a filosofia de Hermes Trismegisto ensinava, dentro das sete leis
herméticas, o mentalismo: “O Todo é mental. O universo é mental”. Tudo
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249

o que criamos na imaginação, bem ou mal, manifestamos no plano da


realidade. No que focamos nossa atenção, nossa imaginação, cresce.
Assim, o antídoto para uma situação desagradável é focar mentalmente no
seu oposto: da mente para o corpo em ação na realidade é uma via de
fluxo rápido e contínuo.

A imaginação é o próprio embrião que carrega o poder de autotrans-


formação. Ela é o primeiro passo da criatividade. Só assim, é possível
mudar o próprio mundo e, consequentemente, o mundo das pessoas ao
redor com o talento e peculiaridades que emanam de cada um de nós.

A imaginação é a maior defesa e antídoto a qualquer tipo de dominação: é


a instância em que estamos livres com nossa criatividade catalisadora de
realidades.

“A vida de uma pessoa tem valor

quando ela atribui valor à vida

das outras, seja por meio do

amor, da amizade, da indignação

ou da compaixão”.

Simone de Beauvoir

Como desenvolver o potencial criativo?


Afrodite nos ensina que devemos reconhecer a beleza, o amor e o prazer
no próprio processo criador. O ato da criação deve ser experienciado como
um momento de prazer pelo o que se está fazendo, pelo ato de fazer, um
fim em si mesmo.

Ela ensina que a criatividade é um processo quase “sensual”; algumas


pessoas o enxergam como uma experiência sensorial do momento, envol-
250

O Livro de Afrodite

vendo tato, som, imagem, movimento e, algumas vezes, olfato e paladar.

Um artista absorvido num processo criativo, como um amante, muitas


vezes acha que todos os sentidos ficam intensificados e que ele recebe
impressões perceptivas através de muitos canais.

Enquanto se trabalha numa imagem visual, num texto, prato ou


movimento da dança, por exemplo, as impressões de percepção múltipla
que entraram por esses diferentes canais podem interagir, como em uma
relação, para criar o resultado final.

Ou seja, a criação que ganha à luz pelo ventre da criatividade é como um


parto: mas no lugar da dor deve existir o prazer. É um processo de la-
pidação. Sempre que errar, pode corrigir. E quando não há como corrigir,
deve-se fazer igual a um desenhista: integrar a linha irregular no próprio
desenho.

Antes de nascer, toda atividade criativa inicia com uma ideia. Depois, essa
ideia passa pelo período de incubação, em que ela é analisada em di-versos
ângulos. A inspiração é o estalo que liga partes dos conhecimentos já
existentes (por isso, a importância de ampliar o catálogo de referências).

E, por fim, a ação: quando, por meio das habilidades já desenvolvidas,


recrutamos as nossas ferramentas para dar vida à ideia. Seja qual for a
criação, esse processo ocorre.

Como vimos, para desenvolver a criatividade, é necessário preparar um


terreno fértil para as ideias brotarem. Lançamos nesse terreno dois
elementos catalisadores que germinam as sementes criativas: a
curiosidade e a imaginação.

A curiosidade é um dos elementos base que catalisam a criatividade.

É necessário desenvolver uma perspectiva de que ainda não se conhece o


novo em completude ou que o velho pode ser visto por um outro ângulo.

“Nenhum grande artista vê as coisas

como são na realidade; se o fizesse,

deixaria de ser artista”.

Oscar Wilde

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251

Na prática, busque a beleza e a novidade onde quer que esteja direcionada


a atenção: filmes, natureza, conversas – tudo pode ser uma fonte de
aprendizado e inspiração. Leia mais: a leitura é a atividade que recruta
mais áreas do cérebro. Tenha um passatempo artístico: quando empacava
numa atividade, Albert Einstein ia tocar violino. O gênio da física dizia:

“criatividade é a inteligência divertindo-se”.

O maior empecilho para a criatividade como fonte de ação é o julgamento.


Ou seja, o antídoto para o bloqueio criativo é suspender o julgamento: o
próprio julgamento, que beira a um ideal de perfeccionismo (ideal esse
que, às vezes, é colocado à longa distância para continuarmos na inércia),
e o julgamento futuro dos outros. A própria prática de criar é um caminho
de afastar o julgamento.

“Antes de uma criança

começar a falar, ela canta.


Antes de escrever, ela dese-

nha. No momento que consegue

ficar de pé, ela dança. A arte é

fundamental para a

expressão humana”.

Phylicia Rashad

252

O Livro de Afrodite

NÃO É SÓ COISA DE ARTISTA

A criatividade não está somente localizada na criação artística. Esse


ímpeto criador faz parte do nosso cotidiano: quando resolvemos
problemas, quando temos boas ideias, quando ajudamos alguém a
solucionar uma questão, quando modifcamos um pensamento anterior ao
nos pergun-tarmos “será que tem algo a mais aí?” ou “deixa eu olhar por
outra perspectiva”. Quais são as formas de criatividade que você percebe
em si? Escreva-as abaixo e diga em quais momentos ela se manifesta.

Você acha que lida com os obstáculos e desafos que lhe aparecem com
uma postura criativa? Tente encontrar isso em sua história!

Ao longo do tempo, você deixou de lado alguma forma criativa (como


desenhar, cantar, escrever)? Por quê?

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QUANDO A MUSA VIRA CRIADORA


O equilíbrio está entre o consumir e o produzir. Será que você está só
consumindo? Que parte de você se materializa nas coisas que você compra
ou consome? Você não se ressente de não deixar sua assinatura em nada?
De não tocar outros corações?

Como você gostaria de afetar os outros? Que espécie de sensações gostaria


de reverberar para si mesmo, para as pessoas que te cercam e para o
mundo? De que maneira isso pode ser realizado? Já pensou nisso como
um projeto real?

“Não esconda seus talentos,

eles foram feitos para serem

usados. O que é um relógio

de sol na sombra?”.

Benjamin Franklin

254

O Livro de Afrodite

CRIATIVIDADE SE CRIA

Exercício: criatividade derivada.

É um engano achar que há algo de novo sob o sol. Essa crença de


originalidade é um dos empecilhos para a frui-ção do ato criador
(sobretudo, o artístico). “Na natureza, nada se perde, nada se cria, tudo se
transforma”, como notou o químico francês Antoine Lavoisier. Os artistas
sabem muito bem como funciona essa máxima transformadora, em que
uma coisa já existente, passa pelo olhar criativo, e dá origem a algo novo.
Por isso, grandes escritores leem muito outros escritores; pintores
apreciam e estudam técnicas de outros pintores... Então, o que propomos
aqui é o seguinte: você deve escolher alguma obra artística (seja ela letra
de música, fotografa, pintura) e tentar reproduzi-la. Não se atenha à
perfeição, o que tiver de diferente é criação sua, e se errou, faça como um
desenhista e integre à obra as pontas soltas. Uma opção mais fácil de
exercício é reproduzir no papel alguma obra de arte. Se quiser deixar mais
complexo o desafo, veja a obra apenas uma vez e rabisque a partir do que
você lembrar. Outra opção, é escolher alguma música que você goste e
introduzir na melodia da letra suas modifcações, como numa paródia.

Não hesite; só deixe a sua imaginação fuir!

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Exercício: se conectando com o criador em você.

Dance intuitivamente as músicas da nossa playlist de Afrodite (está no


nosso canal no YouTube: Revista Inspira) ou qualquer outra música que te
apeteça; cante a plenos pul-mões e sinta a letra; escreva um poema ou
música; faça um desenho e pinte-o; se você costura, costure algo criativo;
faça uma receita legal na cozinha; faça biscuit; saia por aí para fotografar
alguma coisa, pode ser com o celular mesmo, depois revele e crie um
álbum para o seu ensaio; faça uma seleção de peças de roupa bem
artística e criativa e depois vista, mesmo que seja para desflar apenas
diante do seu espelho. Tudo isso é viver criativamente! Depois, escreva
aqui como se sentiu.

256

O Livro de Afrodite

Riso:

o caminho mais leve

A Deusa Afrodite, muitas vezes, mostrava sua faceta mais sorridente.

Ela era apaixonada pelo riso, pelo sorriso e por toda sensação de bem-
estar e de leveza causada pela elevação do humor. A Deusa do Amor era
conhecida como philommeides, “aquela que ama o riso”.
Com um olhar atento aos momentos de prazer, talvez seja fácil justifi-car
mais esse atributo da Deusa. Todas as vezes em que estamos inseridos em
situações de prazer, o nosso corpo responde com risos e sorrisos.

Essa é uma linguagem que nos acompanha desde a tenra idade. Um bebê
ri e sorri com muita facilidade. Quando ficamos mais velhos, porém, essa
leveza da criança de abrir uma gargalhada para todas as coisas pode
parecer boba – ou, pelo menos, é isso que os padrões sociais fazem
acreditar.

Quem ilustrou essa “interdição” ao riso foi Umberto Eco, no livro O

Nome da Rosa. Ambientado numa abadia cristã do século XIV, uma das
perspectivas filosóficas do romance histórico é acerca do riso. Para
orientar a censura ao riso na abadia, uma das personagens toma como
emba-samento o segundo livro da Poética, de Aristóteles, considerado
perdido.

A lei religiosa era alicerçada no medo do demônio. O riso suspenderia a


razão, o que anularia esse medo. Com o riso, não haveria o medo das
penalidades cristãs, o que deixaria os fiéis mais suscetíveis às investidas do
demônio. O riso na Terra seria a manifestação da felicidade em vida.

Quanto mais felizes, mais distantes estariam da dependência de uma pro-


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257

messa de satisfação numa vida pós-morte.

Alguns séculos depois, o riso chegou à categoria de terapia. Você já ouviu


falar na Terapia do Riso ou Risoterapia? Quem utiliza essa técnica
acredita que as risadas influenciam no bem-estar e na melhora de
doenças.

A Gelotologia, ciência que estuda o riso, confirma o efeito positivo do bom


humor.
Em média, um minuto de risada faz com que você tenha 45 minutos de
bem-estar. Isso ocorre porque o hormônio da alegria (endorfina) é
liberado na corrente sanguínea. Como resultado, a ansiedade e até mesmo
a dor são aliviadas.

Pesquisadores, como o neurocientista Scott Weems, retiram o riso da


categoria de leviandade e o elevam à categoria de saúde. As análises de
Weems confirmam que o riso nos torna mais saudáveis, mais criativos e
mais inteligentes.

O riso é um dos principais instrumentos naturais que temos para passar


pelas vicissitudes da vida. Quando queremos desmobilizar um inimigo,
quando esse inimigo é o nosso medo e a nossa tensão, devemos aprender
com a leveza de Afrodite a trazer o riso como antídoto. Essa atitude des-
morona muros e cria pontes.

Quem nunca reparou em alguém que encara a vida com leveza e


facilidade, e tem bom humor? Em verdade, o bom humor é que traz a
leveza e a facilidade para a vida.

Encarar com leveza a vida é uma mudança de perspectiva: afinal, por que
a vida não pode ser fácil e prazerosa? A penosa jornada herói enaltecida
pela sociedade, cheia de reveses e aflições, que determina a posição da
mulher como heroína e do homem como herói, pode ser transformada pela
leveza das gargalhadas durante o trajeto.

Rir e dar boas gargalhadas é um atributo da natureza. Sempre que o


sorriso genuíno brotar em seu rosto, Afrodite está com você. E o
magnetismo da Deusa pode até influenciar quem estiver ao seu redor: o
riso é contagioso.

258

O Livro de Afrodite

Outro atributo do senso de humor é que ele é a manifestação da nossa


sombra, que é a personalidade oculta que cada um de nós possui.
O analista John A. Sandford observou que quem ri é a personalidade da
sombra, justamente porque expressamos por meio da égide do humor
emoções e concepções que evitamos encarar, mas que vivem em nós por
baixo de uma camada de proibições e moralizações. Por isso, se prestar-
mos atenção no que induz o nosso senso de humor e nos gera o riso,
estaremos, também, obtendo conhecimento sobre a nossa sombra.

Além de ser um caminho para se encontrar com a sua sombra, o que é


muito importante, o riso é um portal para acessarmos a Afrodite interior:
quando rimos, sorrimos e elevamos o nosso espírito, Afrodite faz o mesmo.

VOCÊ É FEITA DO QUE TE FAZ RIR

Sobre o que você costumar rir e sorrir?

Qual foi a última vez que você deu boas gargalhadas? Foi sobre o quê?
Como seu corpo reagiu na hora? E qual foi a sensação depois? O que
motivou essas gargalhadas pode dizer algo sobre você mesma, que talvez
você nem tenha percebido ainda!

Estar contente é conter em você todo o conteúdo de que precisa para a


vida. Pensando assim, o que tem a capacidade de te deixar contente?

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PRIMEIROS SOCORROS

Leia esta página quando estiver precisando rir: liste aqui as 5 coisas que
mais de fazem chorar de rir. (Exemplos: uma foto em que eu apareço
muito engraçada, uma amiga que me mata de rir, determinada página de
memes em uma rede social, um flme ou série específcos, uma esquete de
comédia, uma lembrança de algo cômico que me aconteceu).

Pela lista anterior, deu para ter uma média do seu tipo de humor. Compare
uma coisa com a outra e escreva o que elas têm em comum. O que te faz
rir diz tanto sobre você!
260

O Livro de Afrodite

RIR É TERAPÊUTICO

Rir de si mesma é um comportamento que faz parte da sua personalidade?


Zombar de si mesma e não se levar tão a sério é um tipo de medicina. De
um lado, escreva uma parte sua que você leva muito a sério; de outro, faça
um comentário tirando um sarro. Um exemplo: levo muito a sério não ter
um rosto de feições mais adultas. Como posso rir disso?

Faça uma piada do que te incomoda!

A FERIDA DA HEROÍNA

“Eu gosto que as coisas venham de maneira fácil para mim”.

Que emoções essa frase te provoca?

Às vezes, a jornada da heroína/do herói, o confronto e a postura da


guerreira são comportamentos tão valorizados, que pensar em um fuir
com tranquilidade, dar e receber com harmonia e viver a vida com leveza é
algo difícil de se engolir. É como se apenas o que se consegue a duras
penas e à base de muito sofrimento tivesse valor. Quem nunca ouviu a
frase “o que vem fácil, vai fácil”? Refita sobre isso!

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Afrodite e a riqueza

O modo de funcionamento da economia nas sociedades do Ocidente nos


leva a crer que os arquétipos mais propícios para uma pessoa manifestar
bem-estar material são os das deusas mais mentais. Atena, com sua
postura estratégica e guerreira; Ártemis, com sua independência e
coragem para ir à caça de seus objetivos; ou mesmo Hera que, fascinada
pelo poder, elege seus companheiros de vida com base na classe social.
Para alguns autores, a pessoa que constela o arquétipo de Afrodite é
interpretada como aquela que vive na marginalidade, a que é mantida pelo
amante por ser a Outra ou aquela que se perdeu na imagem que fez de si
mesma e não se tornou apta a sustentar a própria existência.

Todas essas coisas podem realmente acontecer quando não sabemos nos
conectar de maneira saudável com a força de Afrodite. O que a bem da
verdade é o que mais acontece.

Quando Afrodite foi queimada nas fogueiras da Inquisição medieval junto


com todos os ideais que ela representava, deixando apenas uma fu-maça
escura e pesada cuja essência, nós, enquanto coletivo, jamais conseguimos
trazer de volta à vida, reduziu-se às cinzas também o segredo de como lidar
com nossa própria materialidade telúrica.

A partir daí, a materialidade se tornou materialismo, com o sufixo grego -


ismo denotando seu significado mais preocupante, o de “condição pa-
tológica”, doença. Essa condição se reflete na coisificação das pessoas, na
sexualização das coisas, na perspectiva mercadológica dos
relacionamentos e na euforia para o consumo.

Essa é a ira de um conteúdo que foi fortemente recalcado. Mas, em


essência, Afrodite é a própria energia da abundância. Ela fertiliza a terra
com sua potência geradora de vida. Ela possibilita a duplicação dos seres
na Terra. Ela é a criatividade que encontra saídas para prosperar. Ela não
gosta do que é escasso, e sim do que é abundante. Sua matemática jamais
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seria a do subtrair. Ela pensa em termos de somar e multiplicar. A Deusa
do Prazer é também a Deusa da Riqueza e do Dinheiro.

Vênus de Willendorf. c. 25.000 anos a.C.

As estatuetas femininas que foram classificadas de Vênus Esteatopigia têm


em comum o exagero em certas partes de sua anatomia (seios, nádegas,
coxas, quadris, abdômen ou vulva). Essa exuberância material era a
marca da Deusa, que garantia a fertilidade da terra e promessa de fartura.

264

O Livro de Afrodite

Freud, em seus textos de fundamentação da Psicanálise, sugere que a


maneira como uma pessoa lida com o sexo pode refletir na forma como ela
trata o dinheiro. Você trata o dinheiro com muito pudor, vergonha,
modéstia, como se tocá-lo fosse ferir a sua decência? Talvez você esteja
lidando com a sua sexualidade da mesma maneira: resistindo aos seus
impulsos saudáveis, reprimindo suas vontades por conta de alguma crença
elaborada de que dar voz ao corpo é um grande pecado ou tabu.

Você é hipócrita em seus câmbios financeiros? Promete que vai pagar e


não paga ou insinua que pagará a conta, mas nem mexe no bolso
esperando que alguém tome a iniciativa? Será que no sexo você também
não está enganando seu parceiro(a) para conseguir algo em troca,
dissimulando, fingindo orgasmos ou se passando por algo que não é de
verdade?

A forma como tratamos a nossa vida sexual é a mesma com que tratamos
de questões financeiras, e vice-versa. Percebeu como uma coisa está
conectada à outra?

Quando lidamos bem com os nossos mecanismos de dar e receber prazer, o


dinheiro também se inclui aí, pois ele também é uma forma de materializar
e distribuir prazer na nossa vida e na das pessoas por onde ele passa.

Ele pode se transformar em bem-estar, evolução, conforto, saúde, des-


preocupação, a família feliz reunida para um almoço em um restaurante
legal... E isso é tudo o que Afrodite quer: que as pessoas sintam prazer
para gerar prazer e, com isso, fertilizarem a Terra de deleite, inspiração e
vida. Já ouviu aquele ditado que diz que “Gente feliz não enche o saco”?

É exatamente sobre isso.

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ANALISANDO CONEXÕES

Vamos fazer um exercício? Repita em voz alta: “Eu gosto de riqueza”. Foi
difícil? Escreva aqui qual foi o primeiro pensamento que passou pela sua
cabeça. Mas lembre-se: você prometeu sinceridade!

Agora diga essa: “Eu adoro sexo”. Observe novamente as reações e as


escreva aqui sem fltrar nada. As sensações são as mesmas das causadas
pela frase anterior?

Como você descreveria a sua vida sexual? O que você sente a respeito do
tema sexo? Que pensamentos vêm à sua mente. Culpa, vergonha e outros
do tipo? Êxtase e leveza?

Como você descreveria a sua vida fnanceira? Que sentimentos você tem
quando vai gastar dinheiro ou fazer uma compra?

266

O Livro de Afrodite

O PODER DA CONTEMPLAÇÃO

Responda aqui: você aprecia de verdade aquilo que você já tem/é? Você
realmente tira um tempo para contemplar, admirar, valorizar e agradecer
à abundância que um dia você desejou (ou não) e que hoje faz parte da
sua vida?
A contemplação é o remédio para o consumismo sem propósito que vem da
ira de Afrodite por ser invisibilizada.

Em vez de comprar próteses pré-fabricadas, saia ao ar livre, num parque


mais próximo, e contemple a beleza da natureza, da folha verde à folha
caída ao chão, que serve de adubo para a própria árvore. Veja a sua vida
como um fuxo de abundância!

A essa altura você já deve ter compreendido que se você quiser lidar
melhor com questões como riqueza e abundância, você deve voltar ao
capítulo sobre o prazer e a sexualidade.

E se você ainda duvida dessa relação, basta pôr à prova o oposto.

Quando os prazeres estão desequilibrados e se transformam em vícios


torna-se praticamente insustentável fazer planos com o dinheiro que entra,
porque ele vai embora de maneira rápida e sem muito sentido, não é
verdade? O prazer vivido de maneira saudável, isto é, orientado a partir da
própria essência e consciência, é fonte de prosperidade.

Assim como os corpos se unem em prazer para criar uma nova vida, todas
as tarefas de multiplicação e geração devem seguir o mesmo caminho. A
riqueza acontece quando a mente está mais desligada e é a intuição que
age, no mesmo instinto dos corpos que se amam sem seguir nenhum
script. Não existe prazer sob (tentativa de) controle, e nem sob uma mente
controladora.

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Afrodite e os sonhos

Ao acordarmos de um pesadelo, um reboliço de emoções vem à tona.

Essa espécie de filme, que geralmente não podemos controlar, surpreende


pela verossimilhança. Mas logo podemos nos acalentar: “era apenas um
sonho”.
A distância entre os acontecimentos oníricos e a realidade da vigília não
era óbvia para os nossos ancestrais, assim como é para nós. Na verdade, o
sonho era percebido como um território habitado pela alma dos vivos e dos
mortos.

Foi em algum momento do Paleolítico superior que surgiu uma divisão de


mundos: o mundo físico e o mundo da alma. Provavelmente, devido aos
sonhos, em que o sonhador se deparava com o contato de pessoas que não
estavam mais vivas. O filósofo alemão Friedrich Nietzsche escreveu:

“Sem o sonho, não teríamos achado motivo para uma divisão do mundo”.

Essa singular percepção desembocou em inúmeras representações que


ainda estão bem vivas em nossa sociedade: sepulturas, zigurates,
pirâmides

– com corpos enterrados repletos de adereços, porque notou-se que a vida


continua após a morte. O sonho seria um portal entre o mundo dos vivos e
o mundo dos mortos.

O sonho, e toda sua simbologia, tem posição de destaque em algumas


culturas. Para os povos védicos, o deus hindu Vishnu é representado re-
clinado enquanto “sonha o Universo”. Ou seja, a realidade é um sonho.

Já os gregos mobilizam alguns deuses do seu panteão para explicar o sono


e o sonho. Hipnos é o deus grego do sono, irmão de Thanatos, o deus da
morte – por isso, uma certa proximidade entre estar dormindo e estar
morto. O sonho em si é concebido por Morfeu. Mas são os Oneiros que
trazem a mensagem do sonho: se passarem pelo portão de chifre, Inspira -
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269

geram sonhos proféticos de origem divina; já se cruzarem o portão de


marfim, os sonhos são enganadores. Isso aponta para crença oracular e
divinatória dos sonhos.

O significado oracular dos sonhos está presente nas sociedades há


milênios. É comum acordarmos com a sensação de “o que será que esse
sonho quer dizer?”.

Na pólis de Epidauro, no período compreendido como Antiguidade Grega,


o grande templo do deus da medicina e da cura, Asclépio, funcionava de
modo que o indivíduo doente encontrasse ali um refúgio à turbulência
perturbadora do mundo lá fora, além de muitos dormitórios.

Acreditava-se que adormecer e sonhar ali faria com que a cura aparecesse
na atividade onírica, o que mobilizaria das profundezas do homem suas
próprias capacidades de recuperação.

Em meio às descobertas para a criação da Psicanálise, o médico psiquiatra


austríaco Sigmund Freud também se fez essa pergunta sobre os
significados desses conteúdos oníricos, após sonhos de luto decorrentes da
morte de seu pai. Esse processo de “autoanálise” teve papel singular na
elaboração do livro A Interpretação dos Sonhos, revolucionário e um divi-
sor de águas. As explicações de Freud acerca dos sonhos foram um salto
quântico frente às teorias da época. A começar pela orientação da origem
dos sonhos, direcionando como fonte de criação do inconsciente – o que
hoje parece algo quase “comum”, foi como um raio epistemológico.

Em vez de vaticinar o futuro, Freud começou a olhar os sonhos como se


fossem um retrovisor, a mirar o que está atrás, o que já passou. “Os
estímulos que surgem durante o sono são os conhecidos ‘restos diurnos’

psíquicos”, escreveu Freud. E complementou: “o sonho continua a ser a


realização de um desejo, não importa de que maneira a expressão dessa
realização de desejo seja determinada pelo material correntemente ativo”.

Ao constatar que os sonhos, realmente, querem dizer alguma coisa,


instigado a entrar nas profundezas oníricas, Freud notou que a ponte com
o mundo onírico era o caminho para a base do iceberg, o inconsciente.

“O que para seus antecessores parecia um labirinto confuso sem saída 270

O Livro de Afrodite

e sem objetivo, é a Via Régia, a avenida principal que liga a vida


inconsciente à consciente. O sonho é o intermediário entre o mundo dos
nossos sentimentos recônditos e aqueles submetidos à nossa razão: graças
a ele podemos saber muita coisa que nos recusamos a saber no estado de
vigília”, escreveu o escritor austríaco Stefan Zweig.

O rico simbolismo do mundo onírico aponta para o simulacro da


realidade, que engloba nossos desejos, sentimentos, traumas e percepções.

É assim que o momento em que estamos dormindo ajuda a elaborar o


mundo em que vivemos e a nossa realidade, nesse simbólico emaranhado
de tempos: a conexão entre o passado e o presente.

Mas também edifica o mundo vindouro, do futuro. Se encaramos as pistas


de nossos sonhos como uma extensão da nossa própria percepção do real,
podemos notar a direção para onde estamos indo e sequer percebemos, e
chamar de “presságio”. Em outras palavras, o mundo onírico serve
também para acharmos as chaves que nós mesmos enterramos e
encontrarmos as portas que pintamos com as mesmas cores das paredes.

Essas portas abrem caminho para a riqueza simbólica que constitui a


nossa natureza psíquica.

Esse inconsciente, para Jung, tinha também sua parcela coletiva e


impessoal, herdada e constituída filogeneticamente. Em alguns pontos,
nossas histórias pessoais se assemelhavam à mitos, contos de fada,
parábolas e fábulas de toda parte. Viajando o mundo, o médico suíço
encontrou, por exemplo, pessoas que, sem conhecerem conscientemente
um mito grego, sonhavam com ele. O simbolismo estava preservado no
inconsciente.

Sendo Afrodite um mito, e também uma imagem arquetípica, o mundo


simbólico associado a ela é repleto de elementos que podem direcionar à
Deusa e a seus temas agindo na vida do sonhador. A partir das narrativas
antigas que edificam a mitologia grega, podemos localizar as mais
variadas representações. Será que a sua Afrodite se manifesta em seus
sonhos por meio de alguma destas manifestações imagéticas?

Símbolos associados à Afrodite: água, mar, concha, pombas, cisnes, rosas


e flores em geral, pedra ônix (unhas de Afrodite que Eros cortou), Inspira
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271

espelho, doces fragrâncias, frutas (especialmente maçãs douradas e romãs


vermelhas), cor escarlate, mel e abelhas, lebres e coelhos, e animais selva-
gens em geral.

Preste atenção se esses símbolos aparecem em seus sonhos.

Mas como lembrar dos sonhos?

Coloque ao lado da cama um bloco de papel e uma caneta, caso acorde no


meio da noite. Anote tudo o que lembrar, e depois volte a dormir.

Ao acordar, desligue o despertador e volte a fechar os olhos para não se


distrair. O primeiro momento do despertar é o mais rico em lembranças
oníricas, que vão se perdendo progressivamente enquanto o tempo passa.

Assim, busque a primeira imagem que você lembra e tente seguir o fio que
te aprofunda na narrativa do sonho. Deixe que as lembranças te guiem e
não faça esforço para focar só num detalhe ou num momento específico,
que talvez tenha esquecido. Continue percorrendo a direção do fio onírico
aonde sua memória leva, até o fim.

Após isso, se você fez alguma anotação durante a noite, complemente com
o que acabou de lembrar. Se não anotou nada, pegue o bloco de ano-
tações e escreva as lembranças que você teve.

Agora é a hora de organizar e estruturar.

Vamos analisar um sonho juntos?

Sonho do dia: ___/___/_____.

Cenário:

Personagens:
272

O Livro de Afrodite

Elemento de destaque do sonho: Qual é a primeira coisa que vêm à sua


cabeça relacionada a esse elemento de destaque?

Elementos complementares (outras coisas que ambientavam a cena): Você


teve alguma sensação dentro do sonho?

Qual é a sua sensação ao lembrar desse sonho, é diferente?

O que você acha que essa reunião de elementos comunica sobre você e
para você, e sobre esse momento da sua vida?

“NÓS SOMOS FEITOS DA MESMA

MATÉRIA DE QUE SÃO

FEITOS OS SONHOS”.

William Shakespeare

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273

A deusa alquímica

A transformação é uma espécie de superpoder humano.

As células da camada mais exterior da nossa pele são renovadas a cada 28


dias. Nossos cabelos levam de 3 a 5 anos para completarem o mesmo
processo e, em questão de dias, nosso sangue é completamente substitu-
ído.

Com a fisiologia mental não é diferente. O nosso cérebro tem a incrível


capacidade da neuroplasticidade, que nada mais é do que a habilidade de
se adaptar às mudanças e a cada ambiente em que se encontra, por meio
da reorganização dos neurônios e dos circuitos neurais.

O nosso planeta existe há 4,5 bilhões de anos. Já o humano, esse começou


a se desenvolver há cerca de apenas 2,5 milhões de anos, o que é
praticamente uma quantidade de tempo insignificante se comparada a
todo o mistério que nos cerca.

O famoso astrônomo Carl Sagan se fez a seguinte pergunta: e se a história


do planeta Terra fosse condensada em um calendário de 365 dias
cósmicos, com o dia 1º de janeiro sendo o Big Bang? Nesse modelo
explicativo, o homem surgiria apenas às dez da noite do dia 31 de
dezembro.

Mesmo assim, com essas duas horas cósmicas que nos restaram, gera-mos
um impacto imenso na natureza que nos cerca. Dominamos o fogo,
domesticamos os animais, sobrevivemos a eles, inventamos uma forma de
nos comunicarmos por meio da linguagem, criamos narrativas e pensamos
em nossa finitude. Fizemos a natureza se curvar às nossas vontades e
inventamos a agricultura, formamos cidades, criamos a escrita, institu-
cionalizamos um sistema de trocas e até um sistema de crenças. Um não,
vários. E fizemos guerras em nome deles.

Por onde o homo sapiens pisou, deixou sua marca de criação e também de
destruição: a extinção dos neandertais, da megafauna australiana e ame-
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275

ricana... e seguimos assolando a natureza até hoje.

Embora alguém possa dizer que ainda temos muito o que melhorar,
ninguém pode desmerecer a nossa inegável capacidade de transformar.

Ainda assim, muitos de nós nos esquecemos dessa grandiosa aptidão que
nos trouxe até aqui. Nos sentimos incapazes de transformar até mesmo
alguns de nossos hábitos mais simples. Vemos as grandes narrativas épicas
e as páginas dos livros de história, e nos questionamos se seriamos capazes
de construir coisas tão grandiosas quanto uma pirâmide, uma revolução,
um boicote ou um discurso capaz de unir um povo em uma só direção.

Nos sentimos imóveis, estagnados, incapazes de dar vida aos nossos


projetos e de realizar as mudanças que esperamos de nós. Você já se sentiu
assim?

Afrodite é um arquétipo que vem nos lembrar da capacidade


transformativa do princípio feminino cíclico, mutante, impermanente e
criativo.

No livro Deusas: os mistérios do divino feminino, o conhecido mitólogo


Joseph Campbell investiga e reúne informações históricas e antropo-
lógicas sobre as sociedades neolíticas que se instalaram sob a ideia de uma
grande deusa mãe. O autor ressalta que as evidências do passado – que
sobreviveram na forma de artes sagradas e utensílios – retratavam essa
Grande Deusa pelo seu potencial transformador. “Ela é o meio
transformador que torna todo o sêmen em vida. Ela recebe a semente do
passado e, através do milagre de seu corpo, transmuta-a em vida do
futuro”, escreve Campbell.

Mas é mais do que isso. Se as primeiras formas sagradas do feminino no


Paleolítico e no Neolítico destacavam o poder transformativo da Deusa por
meio da fertilidade, com seus seios e quadris protuberantes, nas
civilizações como a Suméria, esse poder transformativo podia ser lido na
delicadeza do rosto da Deusa, em seu papel de musa, em sua beleza capaz
de transformar o material em espiritual, elevar a alma e gerar um novo
nível de vida.

276

O Livro de Afrodite
Cabeça de Warka. Suméria. c. 3200 a.C.
Máscara de mármore representando cabeça da Grande Deusa suméria
Inanna. Uma das primeiras representações de rosto humano da história da
humanidade. Alguns dizem que seus olhos eram incrustados de lápis-

-lazúli e suas sobrancelhas de ébano ou de lápis-lazúli também. Pedras


preciosas e material nobre para provocar encantamento e transcendência
em quem quer que a visse.

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277

A psicoterapeuta Nancy Qualls-Corbett interpreta esse caráter


transformativo da Deusa do Amor como uma força ativa na psique, capaz
de reagir com os elementos de fora e de dentro de nós, promovendo êxtase
e um profundo alargamento da nossa própria personalidade.

Quando ativado, ele é capaz de romper a casca que nos limita e que nos
engessa na crença de que não temos opções e de que, portanto, estamos
condenados a um único e pobre destino. O aspecto transformativo eleva o
véu das ilusões que nos mantém cativos a convenções das normas sociais e
da vida razoável.

A psicoterapeuta Jean Shinoda Bolen chamou essa capacidade de Afrodite


de “alquímica”. Pois, assim como os alquimistas da antiga ciência oculta
medieval, essa Deusa é capaz de transmutar qualquer material simples em
ouro: brilhante, precioso e íntegro. Nenhuma poluição consegue corroer
aquilo que seu poder toca. E isso vale para o mundo exterior e também
para o interior.

Transformar é reinventar o mundo a partir de si mesmo. Tudo passa a ser


enxergado sob uma nova luz, mais brilhante e colorida. Equivalente à luz
com que enxergamos alguém por quem estamos apaixonados.

Essa capacidade transformativa de Afrodite é possível graças ao


mecanismo de se apaixonar pela vida. Dessa forma, qualquer ambiente,
questão ou coisa do dia-a-dia, considerado metal ignóbil, “sem valor”,
pode ser transformado em ouro pela influência criativa e amorosa da
Deusa.
Onde quer que haja amor, há um processo entre substâncias que rea-gem
entre si e são transformadas.

Com o mundo externo, acontece assim: você passa a enxergar um objeto


como belo, digno de atenção e de amor, e isso preenche o seu dia de
harmonia. O objeto dessa sua admiração – seja ele mineral, vegetal ou
animal – também sai desse encontro modificado. Agora ele foi visto, con-
templado, recebeu atenção e foi dotado de valor e de sentido.

Com o mundo interno é a mesma coisa. Se começarmos a amar a nossa


alma do jeito que ela é, reconheceremos que as feridas e sofrimentos 278

O Livro de Afrodite

para as quais procuramos as causas e explicações psicológicas nasceram


na verdade de uma falta de amor. É o que explica o psicoterapeuta John
A. Sanford. Por isso, é urgente restituir o amor à nossa alma. Amá-la do
jeito que ela é.

No mito, Afrodite transforma Galatéia, uma estátua de marfim criada pelo


rei Pigmalião, em uma belíssima mulher de carne, osso e vida. E ela faz
isso através do amor.

Quando mudamos a perspectiva com a qual nos olhamos e aprendemos a


reconhecer que cada parte de nós está ali com uma função específica, e
que nada precisa ser corrigido, podemos fazer as pazes com a nossa
própria natureza. E é só a partir daí que conseguimos nos desenvolver,
pois apenas amando quem somos é que investimos em nós. E só assim nos
desprendemos dos velhos padrões de dor, inadequação e não-mere-
cimento.

Mas como posso aceitar e até amar aquilo que considero feio em mim, os
meus defeitos, aquilo que me bloqueia, aquele sentimento de inferioridade
ou de insuficiência, aquilo que a meu ver está errado? Bem, por que você
não aceitaria? Será que você não está se olhando com os olhos dos outros?
Pensando em si mesmo a partir do que se espera de você e não do que você
é? Muitas vezes, não conseguimos nos aceitar porque há inter-nalizada
uma voz externa que nos diz que deveríamos ser de outro jeito, fazer outra
coisa ou estar em outro lugar. Pare de dar poder a essas vozes!

E quanto às minhas feridas do passado? Àquilo que me fez sofrer, o grito


que foi sufocado, o pedido de ajuda que não foi enviado a tempo, as
injustiças sofridas... Como posso conviver com isso? Também com amor.

Entenda que você precisa acolher com amor essa versão antiga de você,
tapar os buracos com autogentileza, autocompaixão e autoamor.

Essa versão sua não tinha as ferramentas de defesa, expressão e


conhecimento que você tem agora. Ela fez o que pode! Pare de culpá-la ou
de remexer suas feridas, e comece amá-la. O autoperdão também é uma
ferramenta de transformação. É preciso deixar ir o velho para que se abra
espaço para o novo.

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279

ALQUIMIA INTERIOR

Faça uma lista das coisas que você gostaria de poder mudar em você para
se sentir melhor. Em seguida, na outra coluna, encontre um eufemismo,
uma maneira mais agradável de enxergar essa mesma coisa. Isso é olhar
com amor para si mesma! Quando você vê uma característica sua como
algo positivo, e não como um demônio a ser exorci-zado, você começa a
procurar com mais gosto formas de incrementar essa sua característica
inerente, desenvolvê-

-la, melhorá-la. E aí sim você vai ver transformação!

Exemplo:

Mandão -> Líder

Teimosa -> Persistente

Medrosa -> Imaginativa


280

O Livro de Afrodite

Agora, seguindo os exemplos, procure pesquisar mais sobre como você


pode se tornar um líder ainda melhor, como a sua persistência pode fcar
ainda mais lapidada e a sua imaginação pode ser endereçada para fcar
ainda mais útil para você. Como você pode ser um você ainda melhor?

Faça uma pequena lista das coisas, pessoas e situações externas a você,
que gostaria de poder transformar. Ao lado, tente encontrar e escreva pelo
menos alguma coisa que isso tenha de positivo.

Salário pequeno -> tem pagado coisas preciosas para mim que vão me
levar a uma próxima etapa mais à frente.

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281

Colega de trabalho insuportável -> Aprendo que este é um modelo do que


não quero ser e cuido para não ser assim.

282

O Livro de Afrodite

A princípio, esse exercício pode parecer um tipo de delírio sobre fazer vista
grossa para o que há de ruim no mundo, e o seu lado mental
provavelmente reagiu a isso sob este argumento. Algumas pessoas podem
debo-char dessa atitude, chamando-a de “Poliana” demais ou mesmo
alienada.

Esse tipo de exercício não é para te acomodar em situações ruins, pelo


contrário. Mas nem a melhor coisa do mundo vai ser perfeita de acordo
com as nossas projeções, e entender isso é amadurecer. Então, tente ex-
trair coisas boas da vida a todo momento.

“Algumas pessoas riam ao vê-lo tão


mudado, mas ele deixava que rissem, e

não ligava; pois aprendera o suficien-

te para saber que nada na história do

planeta, nada de bom, aconteceu sem

que alguns tivessem se aproveitado

para rir no início; e sabendo que pessoas

assim são irrecuperavelmente cegas,

até preferia que franzissem os olhos

em sorrisos debochados a conhecer as

manifestações menos atraentes da

doença. Seu coração também ria, e

isso lhe bastava”.

Charles Dickens

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283

284

O Livro de Afrodite

bRINDE exclusivo

Mapa Alquímico

de Afrodite
Para transformar e conceber qualquer coisa na sua vida A analista Jean
Shinoda Bolen organizou essa força para a mudança do arquétipo de
Afrodite em um processo de cinco etapas que, se acontecem num plano
puramente físico entre mulher e homem, geram um bebê e, se utilizada
como um projeto criativo faz nascer vida nova em qualquer área que você
queira transformar. São elas: atração, união, fertilização, incubação e
nascimento do novo.

Sistematizamos esse processo nas páginas a seguir para você dinami-zar a


aplicação desse segredo de Afrodite nas suas experiências e viver as
transformações com mais consciência e ritualismo.

Fazer nascer: parir não é um trabalho fácil, mas é sagrado. Comece pre-
enchendo o quadro pela última etapa e pense com consciência sobre o que
você quer trazer ao mundo. Seja específica com as suas escolhas, mas
tenha em mente às surpresas do fluir da vida. Nenhuma mãe conhece seu
filho antes de ele vir ao mundo.

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285

Atrair: responda o que te atrai à ideia de querer gerar essa nova vida. Em
que você esbarrou que te atravessou a ponto de querer gerar algo novo?

Isso gera senso de propósito e, assim, você dificilmente abandonará seus


planos no primeiro obstáculo. No quadro, preencha: o que você precisa
atrair para sustentar esse projeto? O que você precisa ter em mãos para
começar?

Unir: o casamento de uma ideia com outra, um talento com outro, um


modo de fazer algo que é só seu complementado por outra coisa que você
aprendeu em um curso, um produto legal com uma divulgação potente. O

que você vai precisar unir? É preciso combinar o melhor de dois mundos!

Fertilizar: como você pode tornar esse terreno cultivável? Como nutri-lo
para que ele dê o fruto esperado? Quais movimentos de adubar a terra
você precisa fazer?
Incubar: você está quase lá! Mas é aqui que tudo fica mais intenso. A vida
já está em você e precisa de mais cuidado para que ela possa vigorar.

O que esperar quando se está esperando? Controle a ansiedade e escreva


como você pode cuidar da sua saúde mental durante o processo de espera
de uma nova vida. Que medidas práticas você deve tomar para aguentar o
tranco de ser responsável por uma nova vida? É hora de se preparar para
o advento!

286

O Livro de Afrodite

“Sou todos os começos —

continuou ela. —

Sou a renovação da alma.

Sou a Verdade que não

pode ser manchada ou

comprometida. Jura para

sempre ajudar o que é bom a

chegar ao Nascimento?”.

Marion Zimmer Bradley

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287

MAPA ALQUÍMICO

Atração

União
Fertilização

MAPA ALQUÍMICO

de AFRODITE

Incubação

Nova vida

guiando a concha de Afrodite no mar Bem, você criou o seu Mapa


Alquímico. Mas um mapa apenas mostra a direção a ser seguida e o
caminho mais adequado a percorrer. De posse do Mapa, é hora de
começar a viagem!

Ao longo de toda essa trajetória que você percorreu no despertar de sua


Afrodite interior, vários temas foram explorados a partir da reflexão e da
escrita terapêutica. Esses são elementos de descoberta cruciais para a
transformação e a ação, à medida que são incluídos na vida prática.

Agora, a pergunta que deve ser feita é: entre todos os temas, qual já sinto
que está em curso de transformação em minha vida?

Escolha apenas um tema, preferencialmente o que você sente mais


afinidade. Após isso, determine como esse tema será colocado em doses no
seu dia a dia. Se preferir, divida essa meta em metas menores. Analise o
momento do seu dia que mais se encaixa à meta. Por exemplo: em vez de
buscar apreciar a beleza da natureza quando estiver indo ao trabalho,
inclua a contemplação durante a sua caminhada diária no parque. Assim,
fica mais fácil de prosseguir com a meta.

Se possível, tenha algo ou alguém para lhe cobrar a execução da meta


diária: um aplicativo para te alertar ou mesmo uma pessoa que te
questione como está indo o seu progresso. Ao longo do trajeto, não se
esqueça de se recompensar com a conclusão parcial do objetivo.

Quando a sua meta está fluindo em seu dia, quase que automaticamente,
ela já virou um hábito. Isso, claro, leva mais do que os conhecidos 21
dias. Alguns autores discutem que a média é de 2 meses para o cérebro se
reorganizar e se habituar à nova prática. Somente depois do
desenvolvimento do primeiro hábito, passe para outro tema que a sua
Afrodite quer explorar no seu dia a dia.

Para não desistir, lembre-se que somos o que fazemos repetidamente,


como já nos ensinou Aristóteles.

290

O Livro de Afrodite

1. O quê? Escolha uma meta.

2. Hora do corte. Divida a meta em pedaços práticos e aplicáveis no seu


dia a dia.

3. Quando? Determine a hora do dia em que você colocará esses


pedacinhos em prática.

4. Quem? Defina quem vai te cobrar compromisso com a sua meta e


resultados.

5. Presente. A cada vitória, presenteie-se com uma recompensa.

GUARDIÃO

DA META

Minha meta é:

ações:

quando:

recompensas:

Inspira - revistainspira.com

291
bRINDE exclusivo

A Jornada de Psiquê

uma conduta evolutiva de integração das


polaridades psíquicas
Eros e Psiquê é um conto muito antigo de Apuleio, escritor e flósofo
romano. Quando analisado simbolicamente e à luz da psicologia
profunda, trata da eterna busca da alma (Psiquê) por amor (Eros/Cupido)
e do amor por alma, como escreve Barcellos. E denota que o amor – como
bem vimos no capítulo sobre a Deusa Alquímica – tem o potencial de
acender em nós a centelha divina.

Mas você precisa viver um grande amor para integrar isso em você? Não
é bem assim. O conto fala por meio de símbolos e cabe a nós interpretá-
los.

O que acontece é uma união, que no plano físico fala de um casal que
quer fcar junto, e no plano mental trata do mesmo encontro, mas
funciona de outra forma. Nesse estágio, entenda que o casal – na sua
psique – são duas partes de você mesma que ainda não se conhecem, ou
que até se conhecem, mas ainda não entenderam que tem tudo a ver
juntas.

Quando unidas, essas duas partes de você são capazes de manifestar vida,
assim como um casal no plano físico gera uma criança. Esse é o
casamento sagrado ( hieros gamos) que todos precisamos fazer acontecer
em nós. É ele que nos faz nascer de novo em um novo patamar. E é disso
que se trata as tarefas de Psiquê.

Cada um dos desafos, dados pela Deusa do Amor, são uma tomada de
consciência e, à medida que se vence um após o outro, se está mais perto
de fazer com que esse casal que vive no nosso inconsciente es-tabeleça
um compromisso sério. A partir do momento que eles se juntam em um
amor amadurecido, você 294

O Livro de Afrodite
está a um passo de encontrar sua porção divina, o que signifca integrar a
consciência.

Mas quem é esse casal? Quem são eles individualmente? Inúmeras foram
as culturas que descobriram esses dois elementos e mais numerosas ainda
foram as formas que escolheram para explicá-los. Os pares de opostos, o
masculino e o feminino, os polos positivo e negativo da eletricidade. Na
Índia, rajas guņa e tamas guņa. Na Física de Einstein, energia e massa.

Um exemplo bastante popular se encontra também no velho livro de


sabedoria da flosofa chinesa, I Ching (3000 a.C), que enxergava a
existência de um par de princípios opostos e complementares que
estariam em todas as manifestações orgânicas, inorgânicas e psicológicas
do universo. Eles eram chamados de Yin e Yang. O Yin sendo a noite, a
lua, o úmido, frio, receptivo, inerte e intuitivo. Enquanto o Yang seria o
oposto disso, portanto: o dia, a luz, o sol, a secura, o calor, a ação criativa
e o racional.

Os nomes pelos quais esses dois princípios de manifestação foram


chamados variam conforme a visão cultural de cada sociedade, com um
dos polos recebendo uma carga simbólica mais negativa em relação ao
outro. Portanto, não se apegue a isso.

O que importa é que, por trás de todos os movimentos de geração,


regeneração e criação de algo único, há o encontro desse duplo: aquele
que semeia e aquele que desenvolve. Na falta de um desses, nada
acontece.

Esse, inclusive, é um dos princípios da antiga flosofa hermética do Egito,


que infuenciou tanto do pensa-Inspira - revistainspira.com

295

mento Ocidental e mais ainda do Oriental, o princípio do Gênero (relativo


à geração).

No plano físico da vida orgânica, como já dissemos, essa lei se manifesta


de forma sexual. Homem e mulher humanos geram um novo ser
humano; o gameta feminino e o masculino se unem e geram uma nova
samambaia, e isso se repete ad infnitum nos processos que criam
existências diferenciadas em todos os seres vivos.

No plano mental, a união dos opostos gera regeneração, e no plano


espiritual, criação. E todas as pessoas contêm dentro de si os dois
elementos necessários para isso. É o que diz o Caibalion, o antigo escrito
das leis naturais de Hermes Trismegisto.

Jung se inspirou na leitura dos alquimistas medie-vais – que por sua vez
foram infuenciados pela escola do Egito Antigo – e propagou a teoria de
que dentro de cada mulher, há um princípio masculino ( animus) –

que seria mais identifcado com a energia Yang, aquela que semeia –, e
que em cada homem, há o princípio feminino ( anima) – mais identifcado
com a energia Yin, aquela que desenvolve.

Essa conceituação inventada em uma época distinta da nossa, recebe hoje


muitas críticas por sua hetero-normatividade e por uma suposta visão
limitante do que é masculino ou feminino, sendo passível de revi-são.
Como vimos ao longo desse texto, masculino e feminino são apenas
nomes que algumas culturas deram na fnalidade de explicar essas duas
forças a partir de algo que eles compreendiam, e da maneira como com-
296

O Livro de Afrodite

preendiam.

Mas a ideia dessa união de complementariedades e opostos dentro de nós


atraiu o médico suíço. Ele via no equilíbrio entre os dois princípios um
caminho para a integração entre o consciente e o inconsciente.

O feminino representaria o Ser, o eu interior, o inconsciente, a gestação


de um conceito e o masculino simbolizaria o Fazer, a vida exterior, o
consciente e a energia que dá início, a semeadura. Da fusão entre essas
energias se daria o hieros gamos (ou casamento sagrado), que levaria ao
encontro com o Self ou Si-
-mesmo, aquilo que somos em totalidade, quando re-tiramos tudo aquilo
que não somos e tudo aquilo que pensamos ser.

Esse processo foi batizado por Jung de individuação. Sua discípula, a


psicoterapeuta Marie Louise von Franz descreve a individuação como o
processo pelo qual o consciente e o inconsciente do indivíduo aprendem a
conhecer, respeitar e acomodar-se um ao outro.

Estamos falando da união dos opostos que existem em nós: ser frme e ao
mesmo tempo fexível, ser amoroso e saber ser desagradável quando for
necessário, ser generoso e saber colocar limites, ir ao mundo da Lua
buscar criatividade e executá-la com os pés na Terra.

Parece maravilhoso! Mas então... por que não fze-mos isso ainda? Qual é
a grande difculdade?

Nossa mente dual nos leva a dividir tudo como opostos irreconciliáveis ao
invés de pares complementares Inspira - revistainspira.com

297

de um mesmo todo. Meninas ou meninos? Islâmicos ou cristãos?


Esquerda ou direita? Sagrado ou profa-no? Flamengo ou Fluminense?
Putas ou santas? Assim, fca difícil fazer qualquer casamento.

Você já tentou tirar o “ou” da lente com a qual você vê o mundo e colocar
o “e”? O caminho para a totalidade se parece com isso. É o que os
budistas chamam de caminho do meio. Isso implica se perceber como
portador de todas as polaridades (se não de maneira consciente, no
inconsciente), reconhecer sua humanidade e escolher viver de uma forma
mais amadurecida.

A psicoterapeuta Nancy Qualls-Cobertt enxerga

que essa falta de integração interna entre o feminino e o masculino


interiores pode ser percebida na vida externa. “O animus é tão negativo
na vida interior dessa mulher quanto o é o modo como ela vê o homem
em sua vida externa”, explica a autora. E o mesmo vale para a forma
como os homens digerem em seu pensamento o conceito que fazem das
mulheres ou daquilo que é identifcado como feminino.

Quando esse princípio masculino está enfraquecido na mente da mulher,


ele lhe mostra a sua face cruel, sabotadora ou ultraexigente e voltada
para a apreciação externa. No caso do homem, quando o princípio
feminino está débil, a anima (o feminino interno) mostra uma
instabilidade emocional, impaciência e incapacidade de encontrar beleza
na vida, falta-lhe o criativo ou ele é inteiramente sugado por ele em fuxos
que não consegue controlar.

Em ambos os casos, essa desconexão interna se pro-298

O Livro de Afrodite

jeta fora, nos relacionamentos do plano físico, onde falta laço emocional
e há ressentimento profundo em relação ao parceiro(a).

Muitas vezes, não sabemos lidar muito bem nem

com o princípio do gênero com o qual nos identifcamos. Por exemplo, é


justamente pelas mulheres lidarem tão mal com o feminino, que lidam
ainda pior com o masculino em si. E assim vive-se sem sentido, guiada
por um masculino nocivo que sufoca o feminino negligenciado. E vice-
versa.

Para isso, Nancy Qualls-Corbett invoca novamente o simbolismo da


prostituta sagrada e de como ela destila autoridade e elegância por ser
quem é, justamente por ter integrado seus dois elementos psíquicos, o
feminino e o masculino:

“Exatamente como a prostituta sagrada, que saía, para o mundo, quando


o ritual terminava, preparada para entrar no casamento como pessoa
plenamente consciente de sua capacidade, assim também a mulher
moderna que tenha integrado seu animus está preparada para a vida. O
que quer que ela assuma, ela o faz com segurança, sem regressão, sem
submissão ou sem sentimento de inferioridade em relação a um sistema
patriarcal (o que signifcaria retornar à casa do pai). Ela não precisa
competir com homens nem adotar qualidades masculinas, isto é,
identifcar-se com animus. A mulher que reconheceu a presença do poder
masculino dentro dela passa a ser sua própria autoridade, e se mantém
constante em relação a sua natureza feminina. Ela pode não ser capaz de
mudar Inspira - revistainspira.com

299

o sistema patriarcal em volta dela; mas, o que é mais importante, não


permite que o sistema a altere”.

LIDANDO COM O OPOSTO

Se você se identifca mais com o gênero feminino: Conciliar os princípios


masculino e o feminino no plano mental é o que você vai ver nas
próximas páginas. Mas, e fora dele? O que você pensa sobre os homens?
O que você pensa sobre o seu pai? Cite algumas frases machistas que
você já ouviu dentro da sua casa. Elas de alguma forma reverberam na
sua postura diante da vida? Você já pensou em desistir de fazer algo por
ser mulher? Mesmo que inconscientemente passou pela sua cabeça um
pensamento de que “isso é coisa de homem”? Você justifcou algo com o
argumento de “é assim, porque ele é homem...”?

300

O Livro de Afrodite

Por outro lado, você já se viu tentando adotar uma postura bastante
“masculina” em algumas situações? Obs.: Masculina no sentido do que é
socialmente atribuído ao masculino na nossa sociedade, comumente:
insensibilidade, frieza, competitividade, dominação e imposição, máquina
de trabalho, infalível e incansável.

Se você se identifca mais com o gênero masculino: O que você pensa


sobre as mulheres? O que você pensa sobre a sua mãe? Cite algumas
frases machistas que você já ouviu dentro da sua casa. Elas de alguma
forma reverberam na sua postura diante da vida? Alguma vez você já fez
algo só para mostrar que você é o que se espera socialmente de um
homem, mas que nem queria? Já cogitou fazer isso?

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301

PARA AMBOS

Você se sente desconectada(o) com o seu princípio feminino? Marque as


alternativas que forem uma verdade para você:

Costumo ter reações dra- nha”, “artistas” e hippies.

máticas um pouco exageradas

Não costumo olhar com

e explosões de raiva.

acolhimento para o que estou

Tenho bastante difculdade sentindo.

em comunicar meus sentimen-

Tenho difculdade em me

tos.

relacionar com as pessoas.

Para mim, criatividade e

Aceitar o mundo e as pesso-

arte são coisas de “mulherzi- as como são é um desafo.


E o princípio masculino, como anda? Marque as alternativas que forem
uma verdade para você:

Me cobro demais.

trariada(o) quando isso não

Na maioria das vezes, me acontece.

sinto insegura(o), incapaz e in-

Os pensamentos racionais

sufciente.

são a única coisa que importa.

Gosto sempre de ter a últi-

Julgo os outros com muita

ma palavra sobre um determi- rigidez.

nado assunto e me sinto con-

Se você marcou a maioria das frases, integrar os seus princípios feminino


e/ou masculino pode ser uma coisa que você está precisando muito.

Embarque na Jornada de Psiquê!

302

O Livro de Afrodite

“EROS E PSIQUÊ”: O CONTO

Certa vez, Afrodite ouviu falar de uma mortal a quem todos estavam
chamando de “a nova Afrodite”, por ter a beleza da Deusa. Pessoas de
toda a parte co-meçaram a destinar oferendas à essa mortal, de nome 304
O Livro de Afrodite

Psiquê.

A Deusa da Beleza se zangou e, furiosa, arquitetou um plano contra a


moça. Afrodite pediu que seu flho Eros fechasse Psiquê fazendo ela se
apaixonar pelo mais desprezível dos homens.

Mas por algum motivo – talvez por pena, teimosia, atração ou por ter se
ferido na própria fecha – o deus do erotismo não cumpriu os pedidos da
mãe. Se casou ele mesmo com Psiquê.

O casamento, no entanto, funcionava de uma ma-

neira um tanto estranha. Psiquê morava em um palá-cio enorme, distante


de tudo e de todos. Vivia cercada por joias, banquetes e luxo de todos os
tipos oferecidos por criados de quem ela só ouvia as vozes. À noite, se
deitava às escuras com seu consorte, de quem des-conhecia o rosto, o
corpo e até mesmo o nome. Essas eram as condições de seu marido e ela
obedecia tran-quilamente.

Apesar dessa conjuntura misteriosa, Psiquê não ligava. Estava feliz com
seu marido, sua casa e com a família que logo aumentaria. Para ela, tudo
seguia a mais perfeita ordem!

Um dia, pediu permissão ao marido para que suas irmãs a visitassem.


Prevendo o que aconteceria, mas incapaz de negar um desejo de sua
esposa, Eros autori-zou o encontro. E é aí que a história ganha
movimento...

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305

As irmãs – mal-casadas, castigadas pela vida e inve-josas – observaram


atentamente esse mundo de conforto e prazeres em que vivia Psiquê. E
Psiquê ingenu-amente compartilhava com as irmãs sua alegria por estar
ali.
Não deu muito tempo e as irmãs tramaram um pla-no para que Psiquê
caísse em desgraça. Elas começa-ram a instigar a afortunada irmã a
matar seu misterioso consorte. Colocaram na cabeça dela que ele seria
uma serpente ou um monstro realmente desprezível e maligno.

Um dia, incitada por esse tormento, Psiquê aprovei-tou que seu marido
dormia e acendeu o candeeiro na intenção de conhecer a sua identidade.

Tomada pela visão da mais pura beleza, Psiquê reconheceu que estava
casada com Eros. Incrédula de alívio e felicidade, ela resolveu se
aproximar de uma das famosas fechas do deus para vê-la de perto. E, pela
própria vontade e curiosidade, se feriu com a ponta da fecha testando seu
poder. Na mesma hora, foi tomada de amores por ele.

A sensação a fez se descuidar e o óleo do candeeiro que iluminava o


quarto se derramou e queimou Eros, que acordou sobressaltado.

Psiquê descumpriu a promessa que havia feito ao marido e, com isso, ele
a abandonou.

Depois do ocorrido, Afrodite tomou conhecimento da traição do flho e


fcou ainda mais irada com Psiquê.

306

O Livro de Afrodite

A moça, que desde então vagava pela terra à procura do marido,


descobriu que Eros se recuperava da queimadura feita pelo candeeiro nos
aposentos da mãe, que tão mal a queria.

Obstinada a encontrar seu amado, Psiquê aceitou a rendição e foi ao


encontro de Afrodite, que a açoitou, tirou-lhe as vestes do corpo,
arrancou-lhe os cabelos e a humilhou de diferentes formas, mesmo
sabendo que a mortal esperava um flho de seu flho. Por fm,

Afrodite sentenciou que

Psiquê e o fruto em
seu ventre só poderiam

sair dali vivos e dig-

nos de Eros se ela fosse

capaz de cumprir 4

tarefas que a Deusa

tinha para ela...

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307

primeira tarefa

Classificar as sementes

Afrodite misturou em um único monte uma grande quantidade de grãos:


trigo, cevada, milho, grão-de-bi-co, sementes de papoula, lentilhas e
favas. A tarefa de Psiquê seria separá-las por espécie até a noite. Parecia
impossível, mas com a ajuda das formigas a esposa de Eros conseguiu!

308

O Livro de Afrodite

Essa primeira tarefa traz algumas lições importantes. Por ser o início de
uma jornada de integração, a tarefa fala sobre o poder da ação, do
primeiro passo, de se agir mesmo quando se pensa ser impossível.

Um segundo ponto é o pedir ajuda. A humildade de apresentar sua


vulnerabilidade e entender que não é preciso dar conta de tudo sozinha
para ser uma grande heroína.

O terceiro ponto, que é o ponto central da tarefa, é o discernimento.


Quando Psiquê, com a ajuda desses mi-núsculos seres que representam
os instintos, organiza e classifca as sementes, ela está aprendendo a ouvir
seus sons internos. O sentir ajuda a classifcar o que é uma coisa e o que é
outra, o que é para você e o que não é.

“O monte desorganizado na mistura de sementes, frutos e grãos, que


Psiquê recebe como tarefa de Afrodite para ser separado e organizado por
espécies, é ao mesmo tempo o desorganizado-caótico e fecundo monte de
talentos e possibilidades que estão disponíveis no feminino, tal como
Afrodite vê a feminilidade.

Somente depois da extraordinária ação de Psiquê é que são organizados e


se tornam úteis” (Erich Neumann).

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309

A PSIQUÊ É VOCÊ #1

Diluindo as tarefas:

separaR AS SEMENTES

Olhe diretamente para dentro de si e passe tudo pelo fltro dos seus
sentimentos, valores e motivos.

Plantar uma semente cujo fruto você não preten-de aproveitar é um


desperdício para a fertilidade do solo. Então, conheça bem as suas
potencialidades e em quais você realmente quer focar.

Crie uma lista das coisas pelas quais você se interessa e gosta de fazer
hoje – e também em outras fases da sua vida.

Depois, passe-as pelo fltro do sentir. O que você quer para a sua vida,
marque um X no quadradinho.

Quando algo é realmente seu, você sente na hora a emoção de ler


palavras que remetem àquilo e de relembrar o signifcado disso para você.
Coisas que eu adoro

...e que conversam com

a minha alma

310

O Livro de Afrodite

Somente quando nossos talentos estão organizados é que eles se

tornam úteis.

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311

desafio aceito

A partir do momento em que você sabe diferenciar entre o que é um


interesse doutrinado e o que é um interesse genuíno, use isso a seu favor!

De que forma você pode e quer organizar a sua vida?

Defna o que você quer e assuma isso sem vergonha ou medo. Tomar
decisões é sair do papel de vítima e se tornar a dona da história.

Diga para você mesma em você alta:

Eu quero .

TRABALHO DE FORMIGUINHA

E, com isso, a gente quer dizer: comece com os recursos que tiver. Dê o
primeiro passo.

Faça uma lista aqui das três coisas mais importantes que você precisa
aprender, investir, desenvolver ou simplesmente agir para sustentar o seu
desejo.

Meus primeiros

passos no caminho

de ser eu mesma

1.2.3.

312

O Livro de Afrodite

S.o.s

Pedir ajuda é importante no processo de começar a viver uma vida que


conversa com a sua alma. Embarcar rumo ao ainda não vivido é sempre
um passo de vulnerabilidade, e é exatamente aí que mora também o
tamanho da sua força. Se permitir estar vulnerável abre espaço para a
conexão.

Mesmo que a ajuda seja apenas conversar, é importante estar cercada das
pessoas certas.

Pense bem nas coisas que lhe afigem. Quem poderá te defender? O
Chapolin Colorado? Um profssional específco dessa área que te tira o
sono? Um amigo que já passou pela mesma situação e pode compartilhar
a experiência dele? A sua mãe ou o seu pai, que podem te fazer um
empréstimo ou fazer o compromisso de cobrar os seus esforços? Os seus
guias espirituais? Para quem você pode pedir ajuda sobre esse movimento
que você está prestes a iniciar? Escreva aqui os seus contatos de
emergência e lembre-se de usá-los ao menor sinal de que precisa de
ajuda.

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313
segunda tarefa

A FORÇA PELA NÃO-FORÇA

314

O Livro de Afrodite

A vingativa Deusa quis difcultar ainda mais o desafo. Dessa vez, Psiquê
teria que ir até os letais carneiros ferozes, cujo dorso era coberto de focos
de lã de ouro, para trazer à Afrodite alguns desses preciosos e dourados
pelos.

Antes de começar, Psiquê já se dá por vencida e pensa em acabar com o


tormento se atirando no rio, mas um caniço (um pedacinho de pau) que
futua-va ali lhe dá a dica: não é necessário lutar contra os carneiros,
basta esperar o dia virar noite e sacudir as árvores quando o rebanho já
tiver se retirado. Lá se encontrarão alguns pedaços da lã dourada
agarrados aos galhos.

Às vezes, quando estamos em um processo de au-

todescoberta, a vontade que dá é de bater no peito e sair gritando com


todo mundo que você sinta que, por algum motivo, está tentando lhe
oprimir.

Você acaba de reconhecer que passou por maus-bo-cados anulando a sua


real personalidade, e não quer mais permitir que ninguém te coloque
novamente nessa posição. Você quer extravasar a sua raiva de ter passado
tanto tempo permitindo certos abusos e, para se afrmar, acaba entrando
em confrontos que não vão te levar a lugar nenhum.

Isso pode te tornar uma pessoa reativa. Mas você não precisa reagir. Agir
já é o sufciente!

Você não precisa ser a mulher (ou o homem) selvagem o tempo todo. Você
não precisa ser a que corre com os lobos, nem o que volta liderando a
alcateia.
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315

Animais domésticos também têm suas qualidades. Ou você não vê isso no


seu gato/cachorro?

Não mate o instinto selvagem dentro de você, aprenda a direcioná-lo com


a força certa. Você não precisa ser assertiva, grosseira e gritona para isso.
Essa tarefa fala da capacidade de se conectar com a força, sem usar de
força ou violência.

As armas aqui são inteligência, consciência, uma mente tranquila e


estratégica, que aguarda o momento certo de agir. A lição é ser forte sem
perder a ternura e/ou se tornar alguém amargurada.

O carneiro é um animal associado ao Sol e ao princípio arquetípico


masculino. Esperar o dia virar noite é a representação da energia pacífca
do feminino arquetípico entrando em ação. Retirar-lhes os cabelos
equivale simbolicamente a amansar seu poder de opressão.

A pessoa que aprende a agir no momento certo e de maneira pacífca e


consciente, não chama a atenção de forças contrárias para ela. Ela está
protegida da opressão e livre para ser quem é, sem alimentar padrões
autodestrutivos. Ela está no controle da situação!

316

O Livro de Afrodite

A PSIQUÊ É VOCÊ #2

Diluindo as tarefas:

recriando a cena

Pense em uma situação em que você agiu ou reagiu com reatividade na


sua vida. Agora, reescreva aqui embaixo como essa cena poderia ter
acontecido se você utilizasse o princípio da força pela não-força para se
colocar no mundo como realmente é, sem desrespeitar o outro ou se
colocar em confrontos inúteis. O que você poderia ter falado, silenciado,
pausado ou gesticulado?

Como poderia ter sido o seu tom de voz?

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317

“Se você não conseguir domar a fera, a fera poderá te rasgar e

te devorar. E só dá para domar a

fera quando estamos no corpo a

corpo com ela, quando queremos

nos aproximar dela, quando vemos

que não existe separação e então,

acolhemos e nos elevamos um

degrau acima dos instintos”.

Clarissa Pinkola Estés

318

O Livro de Afrodite

COMUNICAÇÃO AMOROSA

Nesse momento, tem alguma situação te roubando seu espaço pessoal?


Uma situação em que você sinta que precisa se impor mas tem medo de
magoar a outra pessoa? Escreva sobre essa questão. Em seguida, escreva
um script de como você pode comunicar isso de uma maneira não-
violenta e, quem sabe, até amorosa?
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319

terceira tarefa

Aprendendo a compreender

o fluir da vida

Ainda não muito convencida de

que era Psiquê quem, de fato, realiza-

va as tarefas, Afrodite passou a ela

mais um teste de coragem: subir a

um rochedo escorregadio no cume

mais elevado de uma montanha. Lá

rolavam cascatas que alimentavam

dois grandes rios infernais. Da fon-

te mais alta, Psiquê deveria encher

uma frágil jarra de cristal com as águas nas-

centes.

O cenário era mais assustador do que a própria descrição. As águas do


rio bradavam avisos para que Psiquê se afastasse, pois ela morreria caso
tentasse algo.

Das pedras, serpentes venenosas sibilavam guardando as águas.

320
O Livro de Afrodite

Mais uma vez, Psiquê pensa em pôr fm a tudo isso.

O que equivale ao nadar, nadar, e morrer na praia dentro de um processo


de autoconhecimento.

Mas a águia de Zeus desce dos céus em seu socorro e intercede por ela,
voando ao alto da fonte e coletando a água com o jarro.

Quando estamos imersos em uma situação, ver tudo por uma nova
perspectiva, como um observador que se retira do micro e consegue ver
tudo minimizado, como um deus veria, é uma tarefa complicada.

A águia de Zeus, que simboliza a sabedoria e a razão da consciência,


aparece aí para nos lembrar de termos momentos em que possamos nos
retirar da lente dema-siadamente emocional com a qual enxergamos
alguns de nossos relacionamentos e certas situações em que nos
encontramos, para que possamos ver

o plano geral, identifcando padrões

e peças que precisam mudar de

lugar.

Essa tarefa fala de apren-

der a ver de longe: em um

quadro total – as consequ-

ências de seus atos, os

padrões – e, assim, fazer

a manutenção (ou não)

de por onde quer que sua


vida caminhe.

No conto, a fala da águia

garante que até mesmo os deuses

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321

temem aqueles rios. O que refete também que, em certos momentos, não
se pode conter o fuxo da vida que jorra das fontes indomáveis da
natureza. E até mesmo a ave de um deus precisa se curvar a essas forças
e apenas respeitá-las.

O simbolismo da água também está associado ao

inconsciente, às forças de vida, morte e renascimento.

Mitologias muito antigas têm na água sua visão cos-mogônica de como a


vida emergiu na Terra. Por outro lado, há também o receio da água como
um solvente natural, capaz de dissolver as formas e fazê-las imergi-rem. A
água incorpora assim os princípios da criação e da destruição da vida, os
próprios fuxos da existência, o poder superior e misterioso da Criação.

Por isso, esse aprender a fuir com as águas da vida fala de silenciar um
pouco o ego e a dominação que ele quer impor ao nosso Ser, para que
possamos aprender a escutar o nosso Eu-maior, pois ele tem sua própria
sabedoria.

Isso quer dizer que, em vez de fcar aceitando ordens autoimpostas, do tipo
“eu deveria fazer isso” ou

“eu deveria estar fazendo aquilo em vez disso” ou ainda “eu preciso
daquilo outro”, aprenda a se ouvir sem os fltros e demandas que foram
instalados em você pela educação e pela cultura. Abra espaço para o seu
Ser entrar em cena e permita-o assumir o posto que lhe é merecido.

322
O Livro de Afrodite

A PSIQUÊ É VOCÊ #3

Diluindo as tarefas:

aceitar o fluxo da vida

Exercício 1: Flutuar.

Em algumas regiões do Brasil, também é chamado de boiar. Pode ser em


uma piscina, em uma grande banheira ou até mesmo na água do mar, de
um rio ou lagoa (desde que com muita segurança, em áreas mais rasas e
onde não há turbulência ou ondas).

Na Suécia, futuar é uma terapia que faz parte do serviço de saúde e, de


acordo com uma pesquisa da Stress Management Society, tem um
impacto super-positivo na saúde mental e no alívio do estresse e da
ansiedade.

Mas mais do que isso, futuar é se entregar ao fuxo!

Senti-lo na prática. Por isso, essa é uma das tarefas de Afrodite para a
mulher contemporânea.

Exercício 2: Meditação. Dez minutos sentada(o) de olhos fechados.


Marque no timer do seu celular ou em algum app de meditação. Não abra
os olhos antes disso, foque sua atenção na sua respiração. Isso é para
estimular a sua paciência com as coisas e principalmente se curvar ao
fuir do tempo!

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323

Exercício 3: Liberte-se dos ideais que você criou para você, e que não
tenham a ver com o seu Eu. Ou daqueles que, até tenham a ver com o seu
Eu, mas que se tornaram cobranças pesadas e enrijecidas demais para
serem bem direcionadas na realização completa da sua essência.
Às vezes, é preciso que o ego saia de cena e dê espaço para que o centro
divino da psique, o Si-mesmo, dite as leis.

Sabe quando você aposta tudo em uma coisa que

tem tudo a ver com você, mas que com o tempo e com a não realização
das suas altas expectativas sobre isso vai sugando a sua vitalidade, a
paciência e o entusiasmo? Ou quando você aprende a perseguir os
objetivos que outras pessoas plantaram na sua cabeça como sendo coisas
que você deveria ser/fazer/ter acima de qualquer situação? É disso que
estamos falando. Em ambos os casos, essa é uma questão de apego
negativo aos eus ideais.

Ambos os exemplos falam da profunda e constante negação da vida como


ela é e da busca implacável pelo que ela supostamente deveria ser.

Não estamos defendendo aqui que criar metas ou defnir objetivos seja
algo ruim. O convite é para que isso não se torne uma obrigação para a
sua realização enquanto ser vivo, a ponto dessa busca insana destruir a
sua integridade.

A idealização muito mais afasta do que aproxima.

Em Psicanálise, fala-se que o desejo tem seus meios de 324

O Livro de Afrodite

continuar sendo desejo e, portanto, vai se distanciando da realidade.

Ideias são formas puras e perfeitas. E são puras porque são uma coisa só.
A gente sabe que ninguém é uma coisa só. Uma pessoa pode ser muito
trabalhadora e bastante preguiçosa ao mesmo tempo, e nenhum desses
comportamentos a defne por completo. No entanto, nos identifcamos com
a perseguição desses ideais.

E eles não são neutros. Alguns são supervalorizados, enquanto outros são
considerados uma desonra. Fica a critério de cada cultura. Por isso,
aquilo que você acha que deve se tornar ou os meios que você utiliza para
chegar até lá podem nem estar dialogando com o centro do seu Ser. Isso é
perigoso!

Escreva aqui os maiores ideais que você se colocou e ainda não


conseguiu alcançar. Ideais materiais, mas também subjetivos: do tipo
“Sou uma pessoa batalha-dora e guerreira”, “Sou justa o tempo todo”,
“Sou uma pessoa muito bondosa e caridosa”. Em seguida, pergunte-se:
“E daí que eu não consegui atingir esse ideal? O que isso muda na minha
vida? ”. Se você perder essas imagens de que você é trabalhadora,
responsável, amável, o que de pior pode te acontecer? O que ainda sobra?
Coloque em palavras.

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325

326

O Livro de Afrodite

APRENDENDO A VER O PLANO GERAL

Se permitir um tempo a sós com você mesma(o) é fundamental se o seu


objetivo for gerenciar as emoções, ver a sua vida em um plano geral para
fazer melhores escolhas e, principalmente, para sentir que você pertence
a si mesma(o). Assim como a águia que se afasta para as altitudes
calculando uma rota menos perigosa para pegar a água, esse afastamento
voluntário é muito saudável e muito necessário.

Por isso, a atividade de Psiquê aqui se torna criar tempo com você, tempo
de solitude programada. De quais meios você dispõe para ter esse
momento? Quais forças e agentes você pode movimentar para criar esse
tempo?

Escolha o seu retiro favorito e faça o

compromisso de não abandoná-lo

nas piores horas!


diário de escrita terapêutica

dar uma volta

sozinha

psicoterapia

opção que

meditação

você criou:

fugir para as montanhas

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327

quarta tarefa

dizer não

328

O Livro de Afrodite

Com a fúria ainda não aplacada, agora Afrodite mandaria Psiquê


diretamente para o mundo dos mortos. Coincidentemente, essa era a
última tarefa. Pois, talvez, Afrodite não esperasse mesmo que a nora vol-
tasse viva do submundo. A tarefa seria pedir à Perséfone, a rainha dos
mortos, um pouco de sua beleza imortal condensada em seu creme de
beleza.

Se ela teria que fazer a passagem ao mundo dos mortos, então tinha
chegado realmente a sua hora. Foi isso que pensou Psiquê. “Tirar a
própria vida seria o caminho mais rápido até Perséfone”, concluiu a
mortal já se dirigindo a uma torre muito alta de onde pudesse se atirar.
Mas a torre, que tudo vê, intercedeu. Ela dá um pu-xão de orelha em
Psiquê, que toda hora quer desistir da própria jornada: “Tenha paciência.
Por que recuar se essa pode ser a última prova que te separa do êxito?”.

Durante todas as tarefas, Psiquê só pensa em dar fm ao próprio


sofrimento por meio do suicídio. Ela não pensa que forças desconhecidas
podem lhe socorrer.

Nem reconhece suas próprias capacidades de executar as tarefas e sair


vitoriosa do desafo. Pensa que tudo é impossível. E, nessa hora, a torre
lhe ensina a lição da persistência, da fé que devemos ter de que o melhor
está por vir, da necessidade de se criar um sentido para continuar e
acreditar que o propósito será alcançado.

A torre também dá as instruções para que Psiquê entre e saia do mundo


dos mortos sem perder sua alma.

Entre as dicas, ela disse para que a moça tomasse cuidado com os desvios
que lhe roubam a atenção de seu Inspira - revistainspira.com

329

próprio caminho e objetivos. “Prossegue teu caminho sem lhe


responderes nada”, disse a torre.

Ela ainda acrescenta que Psiquê deve ter consciência para não tentar
abraçar o mundo com as próprias mãos e a proíbe da piedade “ilícita”,
pois a compaixão tem limites, e o limite é o seu amor-próprio. Ajudar o
outro é lindo, mas sem limites essa troca pode se tornar prejudicial à
medida que coloca travas à evolução do ajudado e sobrecargas a quem
ajuda.

É quando aprendemos a dizer “não” para o outro que desbloqueamos a


trava que nos impede de escolher nossa própria vida. Quando
aprendemos a dizer “não”

para o que não interessa e não combina com a nossa essência, passamos
a dizer “sim” para nós mesmas.
Você não precisa ser boa, e nem está concorrendo ao prêmio da “mais
boazinha do ano”. Você precisa ser inteira e assumir o controle dessa
força poderosa que é você. Você precisa encontrar o seu poder pessoal!

Em outras palavras, a torre pede à Psiquê que seja frme e saiba ter
empatia sem se tornar um fantoche nas mãos de pessoas mal-
intencionadas, e que se concentre em seus próprios objetivos.

330

O Livro de Afrodite

A PSIQUÊ É VOCÊ #4 - PARTE I Diluindo as tarefas:

criar sentidos é resistir

No conto, a torre cria um sentido para que Psiquê acredite que vale a
pena se manter viva e aceitar o desafo de Afrodite. Quantas vezes – seja
por impaciência, cansaço, desespero, frustrações ou falta de consciência
– nos deixamos levar por uma vida sem sentido e desistimos de
oportunidades, ideias, projetos e até mesmo de pessoas importantes para
nós?

Essa é uma lição da criatividade de Afrodite sendo aplicada como um


segredo da vida cotidiana. Você costuma criar sentidos para as coisas que
lhe acontecem?

Escolha um evento pelo qual você está passando agora ou algum que foi
muito impactante na sua vida, sobretudo no aspecto emocional. Em
seguida, tente responder:

Que sentido você criou para esse evento? O que ele representou na sua
vida? Como você o explicaria para alguém?

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331
Ele aconteceu por algum motivo? O que você pode dizer que esse
acontecimento veio te mostrar?

Qual valor você atribui a essa experiência? Como você se lembra dela
hoje ou imagina que deve se lembrar dela daqui a 10 anos? De que
maneira ela te enrique-ceu? De algum modo ela te fez chegar mais perto
de um objetivo, conhecimento ou saltar para um novo nível de
consciência? Pense sobre isso com a ajuda de um lápis ou caneta!

332

O Livro de Afrodite

aprendendo a dizer “não”

Pense na última vez que você disse “sim” querendo dizer “não” para
alguém. Toda vez que isso acontece uma parte de você se sente
desrespeitada. É como se você mesma não se levasse em consideração.
Afrodite chora quando uma pessoa dá aos outros o poder que só ela pode
ter sobre si mesma.

Liste três coisas para as quais você gostaria de ter o poder de dizer “não”.

1.2.3.

Circule a seguir uma forma de dizer “não” com jei-tinho que combine
com você. Acione ela no automático, mas com frmeza e convicção, da
próxima vez que você precisar dizer “não”. Faça isso e, depois, volte aqui
para escrever o que você sentiu e em que resultou essa sua nova ação.

Não.

Não quero.

Não posso.

Não estou interessada nisso no momento. Obrigada!

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333

Eu não me sinto confortável para fazer isso.

Me sentiria desconfortável se tivesse que fazer isso.

Isso não combina comigo.

Não tenho condições de fazer isso nesse momento.

Não posso me comprometer com isso.

Não, não estou com energia para isso.

Não, já tenho um compromisso.

Não, tenho outros planos.

Não, mas posso te explicar como fazer isso por conta própria.

Não, preciso desse tempo para mim.

Hoje, eu não posso.

Isso vai me sobrecarregar, não tenho como te ajudar.

Não estou em um bom momento para isso.

Adorava fazer isso, mas hoje em dia prefro...

Não, mas posso te indicar uma pessoa que faria isso bem.

Não, isso vai de encontro aos meus valores.

Não, não sei.

334

O Livro de Afrodite
Não se distraia

Quais são as distrações que tiram o seu foco nos seus objetivos
verdadeiros? Comparação? Falta de um ideal frmado que se adquire a
partir do momento em que você se conhece (primeira tarefa)?
Necessidade de aceitação em um grupo ou de se moldar às projeções de
um amante? Se perder nos problemas e na amargura da opinião dos
outros sobre o seu caminho?

Refita sobre algum episódio em que você abriu mão de uma


oportunidade, conquista ou revolução na sua vida. O que te distraiu de
você mesma? Quem te rou-bou de ti? Lembre-se que o seu maior
compromisso é com você!

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335

fazer escolhas com

o coração, sem se

esquecer da

consciência

A última recomendação da torre – e na qual ela foi categórica – era a de


em nenhuma hipótese Psiquê deveria abrir a caixinha que continha o
misterioso creme da beleza de Perséfone. E foi justamente aí que Psiquê
cedeu à sua própria curiosidade.

336

O Livro de Afrodite

Nesse momento, Psiquê – que antes era um joguete nas mãos de sua
família e dos deuses – escolhe uma coisa por ela mesma. Com a
consciência de que poderia morrer se abrisse a caixinha, Psiquê faz uma
escolha por amor: fcar mais bela para reconquistar Eros.
Se a gente interpretar o conto ao pé da letra, essa não é a escolha mais
inteligente. Mas se olharmos nas entrelinhas e desfarmos o simbólico,
veremos que se trata de uma escolha pessoal feita com base no amor.

Aqui, Psiquê molda seu futuro. Ela pega sua vida em suas próprias mãos.

O fnal da história é que a protagonista entra em um sono profundo, até


ser resgatada por Eros que, com a ajuda de Zeus, concede à Psiquê o
direito a uma taça de ambrosia, a bebida que a tornaria deusa, imortal.

Psiquê e Eros se casam, dessa vez seguindo o ritual do Olimpo e sua flha
nasce recebendo o nome de Volúpia, o prazer dos sentidos e das
sensações.

Com sua jornada de interiorização, Psiquê passa de mortal à deusa. Ela


enfrenta seus medos, recupera sua capacidade de sentir e seu poder
pessoal, cria seu próprio futuro e, dessa forma, altera estruturas sociais
ao integrar partes de sua própria consciência. Ao realizar o casamento
sagrado interno – curando os princípios masculino e o feminino
desequilibrados – ela muda rígidas estruturas e abre caminho para uma
vida com mais prazer.

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337

A PSIQUÊ É VOCÊ #4 - PARTE II Diluindo as tarefas:

a sua vida é você quem cria

Na primeira tarefa, você reconheceu as suas vontades, escolheu os seus


desejos e deu o impulso que te arrastou para esta jornada. Agora, você
está preparada para fazer suas escolhas. Você tem em sua mente uma
chama acesa que te lembra que as decisões sobre a sua vida só podem
estar nas suas mãos e que tudo está em constante mudança, incluindo
você.
Ser livre é um processo. É uma conquista diária que se constrói a cada
decisão tomada de forma individual, consciente e conectada a quem você
é em essência. É

assim que funciona quando você se torna dona do seu próprio desejo.

Você conquistou a sua autonomia subjetiva e a capacidade de assumir a


responsabilidade de ser livre e lidar com as consequências das suas
próprias escolhas.

Escreva mais 3 intenções do que você pretende (e vai) fazer na sua vida a
partir do momento que você descobriu que você pode:

1.2.3.

338

O Livro de Afrodite

mude o mundo!

A gente muda o mundo inspirando as pessoas com a nossa capacidade de


viver em plenitude com tudo o que somos.

Se você chegou até aqui tendo disciplina em cada uma das tarefas, você
quebrou paradigmas, assim como Psiquê o fez ao ser aceita no Olimpo.
De verdade: quase ninguém sai do automático e persegue essa integração
a qual você está se submetendo e quando uma pessoa sai, as pessoas
percebem que ela tem algo de diferente, não é mais a mesma, está
modifcada e com um aspecto melhor.

Se alguém lhe perguntar, comente sobre como você está se sentindo, das
transformações pelas quais vem passando durante todo o processo do
Livro de Afrodite e altere essa estrutura que faz com que nossas Psiquês
internas permaneçam meras mortais, servis e domesticadas.

O nosso destino é ser divino.

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339

A Jornada de Psiquê:

Reconhecer seu conteúdo interno e

separar o que é bom ou não para você.

Dar o primeiro passo mesmo com medo.

Pedir ajuda às pessoas certas quando for

necessário.

ando

Ser ativa, e não reativa.

Aceitar o fuxo da vida.

Gerenciar as emoções de forma mais

impessoal.

capitul

Criar sentidos para persistir.

Re

Aprender a dizer “não”.

Ter mais compromisso com você.

Fazer as suas próprias escolhas!

Inspirar outras pessoas.

340
O Livro de Afrodite

bRINDE exclusivo

MANUAL DE ATIVAÇÃO

DA AFRODITE

INTERIOR

Rituais para encontrar a força divina de

Afrodite dentro da rotina.

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341

O Manual de Ativação da Afrodite Interior é composto por dicas de bem-


estar e pelos rastros que a Deusa Afrodite deixou na Terra. São 23

exercícios práticos para te conectar com a beleza interior, a da alma, a do


corpo e a dos sentidos, e a beleza exterior, a das pessoas, do mundo e de
tudo o que nos cerca.

São atividades simples, como acordar cedo e assistir ao nascer do Sol ou


mesmo cozinhar mesclando presença, criatividade, prazer e desejo.

Pegando de empréstimo do vocabulário sagrado dos gregos, o que se trata


de fazer aqui é ritualizar. Um ritual é a encenação em nível terreno da
narrativa mitológica, dos mitos divinos. Ao participarmos disso, ativamos
em nós energias correlatas e embebemos a existência de sentido. No caso
deste livro, preparamos rituais que convidam a sua Afrodite psíquica a
estar presente.

Aquilo em que jogamos luz, para onde destinamos a nossa atenção, se


ilumina e cresce. É uma força que percorre o nosso corpo. Por isso, a
ativação é necessária. Atividades práticas, como as do Manual, são
importantes para retomar o contato com o próprio corpo, às vezes
adormecido e despercebido no cotidiano, e com a própria liberdade e
espontaneidade de ser quem você é.

Desperte a Deusa que está dentro você!

Acorde cedo e assista ao nascer do sol

Nesse caso, além de avistar a beleza da aurora, o planeta Vênus –


conhecido como Estrela da Manhã ou Estrela Dalva – pode ser visto na
direção do Sol.
Tome sol
O Sol é uma energia de criação e nutrição, assim como a Deusa. Afrodite
é descrita muitas vezes como “a dourada”. Se expor a essa luz dourada do
Sol, com os cuidados necessários e no horário recomendado, é uma forma
342

O Livro de Afrodite
de se aproximar do brilho dessa Deusa.
Um banho de mar
Você já deve ter visto muitas pinturas e esculturas que representam a
Deusa emergindo das águas do mar em meio a conchas e espíritos da
natureza.

Você deve se lembrar porque são obras que reverberam um impacto de


beleza, frescor, pureza e feminilidade. O nome desse estilo de
representação de Afrodite é Vênus Anadiômene, aquela “que sai do mar”.
Foi assim que ela nasceu. Toda vez que você tomar um banho de mar,
imagine a Deusa nascendo revitalizada em você. Em Pafos, na Grécia
Antiga, havia uma cerimônia de banho anual que representava a
renovação e a purifica-ção de Afrodite.

Plante uma flor e cuide bem dela!

Afrodite é uma Deusa ligada à fertilidade e à beleza. Uma maneira


simples de juntar essas duas características e desenvolvê-las é ao plantar
uma flor e vê-la crescer: da ger-minação na terra ao desabrochar. O
florescer de uma flor é uma metáfora viva de como podemos trazer mais
beleza ao mundo: ao germinarmos boas ações e com o (auto)cuidado –
que devem ser regados diariamente.
Atitude contemplativa
A contemplação, que é o próprio ato de pensar e observar detalhadamente
alguma coisa, é uma forma de nos percebermos como parte integrante

do Todo. E como podemos fazer

isso? Escolha um local silen-

cioso, preferencialmente

na natureza, e sente-se
confortavelmente. Inspire e expire, profunda e calmamente. Inicialmente,
concentre-se no ambiente ao seu redor: deixe foco de visão passear por
cada ponto, perceba os detalhes onde se fixar; também abra os seus
ouvidos aos sons. Depois, volte a atenção para você nesse ambiente: quais
são as partes que tocam o chão, como o ar entra e sai das suas narinas, o
calor do sol ou o frio da noite: tudo passa por você. Essa mesma
sequência pode ser feita em outros ambientes, como, por exemplo, ao
contemplar uma pintura. Foque nos detalhes e depois se pergunte: o que
tem de mim no que vejo? E no que sinto?
O físico também importa
Banhos com aromas especiais, inspirar óleos essenciais como camélia,
baunilha, ylang ylang e benjoim, usar perfumes, lavar os cabelos com um
shampoo especial e massageando a cabeça ao som de uma música
gostosa, cuidar da pele, se maquiar, vestir uma roupa confortável, que lhe
faça se sentir bem e bonita. Essa é uma sinestesia de arte, presença,
sensorialidade, beleza e autonomia. Impossível Afrodite não estar
presente

nesse momento.
Risoterapia
Você ri todos os dias? Comece o dia com uma gargalhada. Mesmo que
seja forçada, depois você vai rir disso e começar a rir de verdade. Depois,
torne isso um hábito: 30 minutos de risadas. Pode ser com um episódio de
série de comédia, vídeos engraçados na internet ou uma saída com aquela
pessoa que sempre te faz dar boas gargalhadas. Afrodite era conhecida
também pelo epíteto philommeides, “aquela que ama o riso”. Quando
estamos amando, o mundo se torna um lugar de alegria – e quando
rimos, estamos nos reconectando a essa energia.

344

O Livro de Afrodite

Automassagem

No livro A Deusa Interior, os autores Jennifer Barker Woolger e Roger


Woolger revelam que a massagem tem o poder de explorar nossa natureza
sensual e tirar a limitação do “sexo na cabeça”, o que significa
reencontrar as zonas erógenas por todo o corpo por meio do toque e da
sensorialidade, e não mais apoiar toda a sexualidade na imaginação e no
pensamento.

A automassagem também ajuda a liberar as tensões, relaxar e trazer


leveza para o dia. Além disso, libera ocitocina, um hormônio relacionado
ao amor e ao fortalecimento da sociabilidade.
Estimule o seu erotismo
Você não precisa esperar estar acompanhada(o) para sentir prazer com
você mesma(o). A masturbação é uma prática saudável de bem-estar e
autoconhecimento. Estimule o seu corpo, conheça seus pontos de prazer e
descubra suas fantasias.
Sexo Sagrado
Quando você for transar com alguém, tente utilizar os ensinamentos da
sexualidade sagrada de Afrodite e Dionísio e mesclar nessa experiência o
consciente com o inconsciente, o cuidado e a entrega. Esteja presente,
respeite o seu parceiro(a) e libere os seus desejos.
Fazer a sua energia circular
Afrodite é a deusa que mais se relaciona do Olimpo inteiro. Viver dentro
de casa como uma Héstia ou mais reclusa em sua caverna como Hécate,
não é da natureza de Afrodite. Ela é social e gosta de gente. Ela ama as
trocas, e é assim que ela aprende, ganha conhecimento e se entende.
Conhecer gente nova é uma boa forma de se fazer isso. Você pode
procurar Inspira - revistainspira.com

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sair com um novo grupo de pessoas e aumentar o seu círculo de conexões


se matriculando em alguma aula da academia ou em um curso de
idiomas.
Sagrado círculo
Crie um momento de encontro sagrado com pessoas que você gosta:
familiares, amigas, amigos. Pode ser para tomar um chá da tarde e bater
papo, por exemplo. Você só deve começar a investir nesse quando tiver
passado do desafio a seguir...
Solitude
A solitude é a prima interessante da solidão. Sabendo conviver com uma,
você para de ter tanto medo da outra, e aí a sua vida muda. Segundo o
psicanalista Erich Fromm: “Paradoxalmente, a capacidade de ficar só é a
condição da capacidade de amar”. Quem aprende a encontrar prazer ao
se deparar sozinho consigo mesmo, não se une a outro ser como se
pegasse um colete salva-vidas, mas descobriu de verdade o que é amar.
Tente ficar só com você mesma. Não vale ler, fumar, ligar a televisão ou
beber. Sem escapismos. Apenas você com você. Esse exercício te perturba
ou é mole-za? Desenvolva essa capacidade!
Imaginação
Crie imagens dentro de si. Visualize algo que você quer que aconteça a
você, crie histórias na sua cabeça, filmes inteiros, casas, cidades, coisas
impossíveis... como no filme A Origem, mas acordada mesmo. Quer uma
ajuda? Faça o exercício de Alice no País das Maravilhas e imagine 6
coisas impossíveis antes do café da manhã. Logo você vai perceber que a
vida é um ato imaginativo.
Estimule sua vivência estética
346
O Livro de Afrodite
Documentários, quadros, pintura, fotografia, maquiagem, museus,
cinema, poesia. Quando você olha para a beleza, a beleza te olha também.

Treine seu olhar para ver a beleza nas coisas.

Motive e incentive o sonho de alguém

Afrodite também é generosidade e compaixão, só assim pode-se falar de


amor. Para ativar isso, compre dos seus amigos empreendedores, dos seus
vizinhos. Dê um feedback positivo, compartilhe sobre o
produto/serviço/arte no seu Instagram. Pergunte sobre os sonhos das
pessoas e incentive-os como uma meta real, por mais inalcançáveis que
pareçam. Seja a pessoa que eleva a autoestima das que estão perto, seja a
vision carrier, a portadora da visão, seja aquela que diz “Você vai
conseguir, eu tenho certeza” ou “E aí? A quantas anda a sua carreira de
cantora? Já deu o próximo passo?”.

Gaste o seu dinheiro com você mesma

Isso não quer dizer que você não deva, se quiser e for a sua realidade,
dividir as contas, presentear pessoas ou ajudar no orçamento da casa e da
família. Ao contrário. Mas muitas pessoas se anulam quando vão
distribuir seus rendimentos. No fechar das contas, não sobrou nada para
ela ou tudo vai parar nas poupanças, que quase nunca têm um objetivo ou
uma data para o dinheiro ser retirado.

Enquanto isso, a pessoa vive sem aproveitar os lucros de seu próprio


trabalho. Afrodite é ser fiel a si mesma antes de qualquer outra coisa.
Compras, estética, spa day, cortar os cabelos em um salão legal, investir
em autoconhecimento, cultura, viagens, cursos e experiências. Não é
futilidade só porque é cuidado. O cuidado sempre foi uma característica
atribuída socialmente à mulher. E como tudo que é assim, acaba levando
uma carga simbólica negativa. Esteja atenta ao machismo mascarado de
espiritualidade, humildade, profundidade ou Inspira - revistainspira.com

347
autoanulação.

Fotografe-se mais!

Pode ser fazendo mais selfies, chamando uma pessoa com quem você se
sente à vontade para tirar fotos suas ou contratando um serviço profis-
sional mesmo, por que não? Às vezes, para algumas pessoas, ver a própria
imagem causa uma profunda estranheza, reflexo de um alheamento do
corpo físico e da associação de tudo o que está na superfície de si como
sendo superficial, fútil, frívolo. Mas a carne que habitamos não é um mero
supérfluo, uma extravagância da existência. Ela é a forma que nossa alma
escolheu para se manifestar. Entender isso ao ver sua essência ressonante
nas fotos vai te colocar em profundo apaixonamento com a sua aparência
e com você mesma!
Faça um autorretrato
Esse exercício se parece com o anterior, mas os objetivos são diferentes.
No anterior, você aprendeu a enxergar beleza na sua imagem, aquela
sensação gostosa de habitar o seu corpo. Neste, você vai se desenhar evi-
denciando a sua essência, como você se vê em profundidade, como quer
ser enxergado pela sociedade. Pode ser por meio da fotografia ou de um
desenho ou pintura. Dê a sua cara trazendo novos elementos ao cenário,
à sua forma de se vestir, às suas expressões e gestos. Criatividade não tem
limites. Você é uma obra de arte ambulante, o que está expressando?
Afrodisíacos
Mel, maçã, romã, morangos, pêra e figo

são alimentos repletos de vitami-

nas e considerados frutos de

Afrodite, ora por serem esti-

mulantes sexuais ou da fertilidade, ora por terem um erotismo imanente à


sua forma. Eles são consagrados à Deusa desde a Antiguidade, quando
consideravam que alguns continham propriedades mágicas. Acrescentar
esses presentes da natureza à alimentação é relembrar do simbólico
associado à Deusa.
Cozinhe para alguém especial
Cozinhar é um ato de amor que envolve a criatividade, a sensorialidade
da escolha dos temperos e aromas, o desejo e o prazer de comer uma
comida saborosa. Quando se divide isso com alguém, puxe mais uma
cadeira, pois é certeza que a sua Afrodite estará à mesa com vocês.
Faça você mesmo
Sabe aqueles vídeos de DIY que a gente encontra pela internet? Existe
uma porção deles. Você pode aprender a fazer o seu próprio caderno,
criar peças de decoração, joias, móveis e têm uns que te ensinam até a
construir uma casa. A dica é acionar o seu lado criativo e trazer coisas
originais ao mundo.

Movimente-se

O movimento é a integração entre o nosso corpo, a ciclicidade da vida e a


sensação de prazer. Existem muitas formas de integrar isso à sua vida
cotidiana: caminhada, corrida, dança, andar de bicicleta, nadar, jogar
bola com alguém, musculação, rebolar no bambolê ou praticar yoga são
apenas algumas delas. Qual é a sua? Escolha uma e pegue o ritmo. Fazer
isso funciona como uma verdadeira sopa de hormônios da felicidade e do
bem-estar no seu corpo, como a endorfina e a serotonina. Esses
hormônios despertam mais leveza, prazer e vitalidade. É como ingerir
doses de Afrodite!

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349
Imaginação Ativa

Hora de abrir um diálogo com a sua Afrodite interna.

Essa é a técnica da imaginação ativa, uma ferramenta terapêutica que


existe desde a Antiguidade e foi adicionada por Jung ao seu setting com a
finalidade de conversar com o inconsciente.

Vai funcionar assim: primeiro, relaxe e concentre-se em um ponto


exclusivo por alguns minutos – a chama de uma vela ou o movimento
rotatório do ventilador são boas opções. Essa primeira atitude vai colocar
a sua mente em um estado entre o desperto e o adormecido, acalmando a
atividade cognitiva do cérebro. A partir daí, escreva suas perguntas à
Afrodite arquetípica e espere pelas respostas. A primeira coisa que vier à
sua consciência é uma possível resposta, escreva-a. Depois, leia e tente
entender o que ela quis dizer.

As próximas páginas são para isso!


CONEXÃO DIRETA

Use o espaço abaixo para escrever uma carta endereçada à própria


Afrodite. Nela, você pode agradecer os ensinamentos da Deusa e
relembrar os processos e aprendizados mais importantes que você viveu
nessa jornada.

356

O Livro de Afrodite

Este é o final do Livro de Afrodite, mas isso não quer dizer que acaba por
aqui.

Os ensinamentos aprendidos com Afrodite reverberam ao longo do tempo.


Dia após dia, novas oportunidades surgem para o contato com os
assuntos da Deusa: o amor, a liberdade, a vitalidade, o desejo, a beleza – e
todas as outras chaves para o reencantamento com o mundo. Ter a vida
como uma porta para a experiência prazerosa é próprio de Afrodite.

Como indicamos no início, após algum tempo, retorne ao Livro de


Afrodite. Releia os textos e reelabore as suas respostas a partir das novas
vivências e mudanças de concepção sobre cada tema. Esse Livro, assim
como o seu texto-resposta, é vivo: ele é transformado quando você se
transforma.

Então, reescreva a sua mudança.

Caso você queira compartilhar a sua experiência sua com o Livro de


Afrodite, escreva e envie para uma de nossas redes sociais ou para o
nosso e-mail, livrosdainspira@gmail.com.

Como foi desenvolver os temas de Afrodite? Qual tema foi o mais difícil?
E o mais fácil? Qual exercício teve prazer em colocar em prática?

Nós vamos adorar saber como você trouxe mais beleza ao mundo.

Saudamos a divindade que vive em você!


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Imagens de apoio: Sites. Freepik.com; Rawpixel.com; Vecteezy.com.

Pinturas: Albrecht Dürer; William-Adolphe Bouguereau; Walter Crane.

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