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PPGF/ UFRJ
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RESUMO
SUMÁRIO
1
Com esta palavra pretende - se dar conta dos estudos feitos de maneira conjunta
ou interdisciplinar, através da sobreposição ou intersecção de identidades sociais e
sistemas relacionados de opressão, dominação ou discriminação.
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INTRODUÇÃO...........................6
CAPÍTULO 1
1 - A Lógica da Dominação
CAPÍTULO 2
2 - A CULTURA DA CARNE............................19
2.1 - Carnismo............................23
2.2 - Especismo..........................32
CAPÍTULO 3
3 - REFERENTES AUSENTES
3
“Não se trataria somente de relembrar a estrutura
falogocêntrica do conceito de sujeito, ao menos em seu
esquema dominante. Gostaria, um dia, de demonstrar que
este esquema implica a virilidade carnívora. Eu diria carno-
falogocentrismo, se este não fosse aqui uma espécie de
tautologia ou, antes, uma espécie de hetero-tautologia como
síntese a priori, você poderia traduzir por “idealismo
especulativo”, “devirsujeito da substância”, “saber absoluto”
passandopela“sextafeirsantaespeculativa”: basta levar a
sério a interiorização idealizante do falo e a necessidade de
sua passagem pela boca, quer se trate das palavras ou das
coisas, de frases, do pão ou do vinho cotidiano, da língua,
dos lábios ou do seio do outro”. (Derrida, 1988, p.178).
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Introdução
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O termo Carnofalogocentrismo aparece pela primeira vez na obra “É preciso
comer bem” (1988) e permeia grande parte da produção filosófica do autor,
sobretudo nas décadas de 1980 e 1990. Durante muito tempo não se
reconheceu a centralidade da questão animalista nas obras de Derrida, no
entanto alguns autores contemporâneos vêm dedicando esforços para
resituar o lugar do animal na filosofia do referido autor. (apontar autores que
analisam aquestão).
A questão animal se torna cada vez mais presente nos escritos, entrevistas
e aulas do filósofo franco-magrebino, o que considero ser portanto um ponto
chave e ainda pouco explorado onde um estudo aprofundado e minucioso
do referido conceito será de relevância para o avanço nas pesquisas que ora
estão em andamento na área de Filosofia Prática, especificamente no que
tange aos Estudos Críticos Animais ( ECA) e ao Ecofeminismo Animalista,
uma vez que tais perspectivas desconstrutivistas da subjetividade vigente,
oferecem uma maneira diferente de refletir acerca de novos conceitos para a
composição de um pensamento ético e político da animalidade mais aberto à
multi e à transdisciplinariedade, unindo-se à sociologia, à história, à
psicologia, etologia e tantas outras vertentes do pensamento humano
capazes de ampliar a discussão e a reflexão sobre a questão animalista a
partir de uma perspectiva crítica e historicamente situada.
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A partir desta conexão do pensamento derridiano com as idéias de Carol
Adams e de autores e autoras ecofeministas visitados, espero avançar no
desenvolvimento de uma teoria animalista alinhada às necessidades
contemporâneas de um alargamento do escopo moral vigente, para que este
passe a abranger de maneira mais eficaz a comunidade dos animais não
humanos, sob uma perspectiva não apenas baseada nos direitos, senão
que levando em conta a diferença fundamental e constituinte de cada
vivente. Busca-se no presente trabalho contribuir para o florescimento de
uma ética baseada no cuidado e no respeito à alteridade radical e ao mesmo
tempo que tenha espaço para a análise, comparação e denuncia dos
variados tipos de opressão a que estão submetidos os sujeitos humanos
mais vulneráveis ou politicamente minoritários, sobretudo as mulheres, a
partir de uma perspectiva interseccional.
Ou nas palavras de Calarco (2008): “...a relação mais óbvia entre seu
trabalho (Adams) e o de Derrida diz respeito ao modo como ser carnívoro é
compreendido por vocês dois como essencial à condição de sujeito...o
carnivorismo que reside no centro das ideias clássicas de subjetividade,
especialmente na da subjetividade masculina. No entanto, você (Adams)
expõe esse ponto extensamente ao passo que Derrida trata dele apenas de
modo esquemático e incompleto. O termo Carnofalogocentrismo de Derrida
é uma tentativa de nominar as práticas sociais, linguísticas e materiais
primárias que estão se tornando e devem permanecer um tema genuíno no
Ocidente. Derrida mostra que para ser reconhecida como sujeito pleno, a
pessoa precisa ser carnívora, do sexo masculino e ter um ego autoritário,
que fala. O que A Política Sexual da Carne teve de tão convincente foi
exatamente essa mesma percepção essencial...o consumo da carne não é
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um fenômeno simples, natural, e na nossa cultura está irredutivelmente
ligada à masculinidade em vários aspectos materiais, ideológicos e
simbólicos.”.
Desde seus estudos no final dos anos 80, o autor fala sobre a necessidade
de uma reformulação dos processos subjetivos que determinam a maneira
como manifestamos nossas relações em sociedade, sendo necessário para
tal fim uma desconstrução crítica do carnofalogocentrismo, utilizando-se
para tal de uma análise interseccional de três registros da construção da
subjetividade:
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• Carnivorismo - o consumo simbólico e literal de carne, o compromisso
com o antropocentrismo, a ocupação hierárquica dos sujeitos humanos
sobre os animais não humanos.
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Esta atitude destrói qualquer chance de diferença, de singularidade de cada
subjetividade animal e está na raiz da biopolítica e da necropolítica2 das
relações de assujeitamento que se estabelece entre humanos e animais.
“Mas apesar, através e para além de todas as suas dissensões, os filósofos sempre,
todos os filósofos, julgaram que esse limite era um e indivisível; e que do outro lado
desse limite havia um imenso grupo, um só conjunto fundamentalmente homogêneo
que se tinha o direito, o direito teórico ou filosófico, de distinguir ou de opor, ou
seja aquele do Animal em geral, do animal no singular genérico. Todo o reino
animal com exceção do homem”. (DERRIDA, 2002, p.28).
Essa mudez imposta ao Animot 3que, como é descrito por Peter Singer no
clássico Libertação Animal (1975), remonta a Adão, nos faz ver que desde a
2
é o conceito proposto pelo pensador camaronês Achille Mbembe. Significa a gestão de territórios de
degradação, desintegração social e morte. No Brasil, estes territórios são as periferias. Processos de
degradação e desintegração social tornam a morte provocada uma situação naturalizada.
.
3
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“Com o “quase conceito” animot, forjado no pensamento da diferença, rompe-se
com o discurso totalizante ou visão de mundo. A natureza do animot coloca as
coisas mais estranhas frente à racionalidade do discurso do humanismo, fazendo
tremer esta estrutura sangrenta”. (Galvão, João; 2015)
A partir deste lugar, temos o vivente não humano como uma coisa
observável, apreciavél, que aparece como o objeto de um homem que o
coloca no lugar da disponibilidade, submetido ao conhecimento do humano-
poder, exercendo sobre ele o que Derrida chama de "violência soberana”.
No caso da Violência Soberana, esta pode ser qualificada como violência
“pura” ou “divina”, e no âmbito dos negócios humanos, como
“revolucionária”, uma vez que este seria um tipo de violência que, imune ao
Direito, sustenta as normas e, portanto, é capaz de sobreviver aos seus
rigores e ressurgir das suas fissuras, de onde naturaliza muitas práticas
cruéis, abusivas ou mortíferas como sendo mesmo fundamentais ou
necessárias.
“A força viril do macho adulto, pai, marido ou irmão (o cânone da amizade, vai
mostrar em outro lugar, privilégios do regime fraterno) e corresponde ao esquema
que domina o conceito de sujeito”. (Derrida, 2005: S.P.).
Derrida pode ser lido em seu trabalho sobre a questão animal como um
ampliador da lógica humanista tradicional, não apenas no que diz respeito às
relações inter-humanas, senão que expandindo-a à crítica dos dogmas antro
e andropocêntricos fazendo-nos refletir sobre vidas e mortes, usos e
sofrimentos das vidas não-humanas ou aquelas assim consideradas.
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fissura misógina que constituiu o público e o privado, cada qual como
expressão das diferenças e assimetrias de gênero relativas a cada esfera.
18
proeminentes pensadoras ecofeministas da atualidade trazendo para o
escopo da pesquisa, posições teóricas e políticas que possuem em comum,
uma tentativa de repensar as formas de vida/ convivência que visem superar
as dicotomias hierárquicas impostas pelo sistema vigente da subjetividade
ocidental e que está na raiz das estruturas de dominação, submissão e
exclusão que caracterizam nossa história.
Enquanto Derrida concedia sua famosa entrevista, “Il faut bien manger” (É
preciso Comer Bem), a primeira edição da obra “A Política Sexual da Carne”,
da escritora-ativista-feminista-vegana Carol Adams, era publicada. Nesse
livro icônico e influenciador de gerações de feministas, é possível notar que
a autora trata do paradigma carnofalogocêntrico sem, no entanto, ter tido
contato com o referido termo. Adams teve a mesma percepção essencial
que Derrida ao constatar que virilidade e consumo de carne estavam
inextricavelmente conectados, e que essa conexão não era um fato natural,
mas histórica e culturalmente construído com o propósito de reforçar a
política patriarcal que dita “o que” ou “quem” devemos comer.
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Capítulo 1 – A Lógica da Dominação
1.1 - Introdução
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ou seja, aceitável e desejável. O patriarcado não teria linguisticamente se
apropriado da humanidade, no sentido de “homem” como sinônimo de “ser
humano”, se isso não representasse superioridade e privilégio para eles. Ou
seja, a figura da humanidade é formada por homens (FRYE, 1975).
Há, portanto, não somente uma união entre homem e humanidade, mas se
construiu e consolidou uma autorização de submeter o “outro”, aquele que é
linguisticamente figurado como não-humano, a um tipo de submissão
metafísica. Agora não somente a humanidade seria a única dotada de logos,
mas a masculinidade resultante da união necessária entre homem e
humanidade seria carnívora.
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culturalmente fazem parte do que convencionou-se atribuir ao homem no
seu sentido de indivíduo do gênero masculino.
Durante muito tempo a ética parece não querer despertar, não somente para
o fato de que existem problemas morais fora da ordem do que é apenas
humano, mas para a base androcêntrica na formulação das éticas
antropocêntricas; ou seja, para o aspecto sexista que estabelece uma
hierarquia de preocupações morais e tratamentos ético-políticos. Por isso,
grande parte das teorias éticas que se debruçam quase que exclusivamente
sobre a questão das relações entre os seres humanos, acaba igualmente
por se concentrar e privilegiar, obviamente, questões relativas aos indivíduos
do gênero masculino e seus semelhantes, embora pretendam-se universais.
A maior parte do nosso sistema ético, mesmo aqueles que levam em conta a
questão do outro, que estão preocupados com a alteridade, como é o caso das
éticas humanistas não dão conta do outro vivente, que habita fora do seu
subjugando a todos os outros seres à categoria do "o quê", como uma coisa,
cultura e tradição.
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Dentro da cultura e subjetividade ocidental, o sujeito racional, macho, branco,
ordem jurídica os animais não são sujeitos de direito, são coisas, propriedades
dos humanos.
carno, falo e logos e, com isso, encontrar caminhos para desatar os nós e
que mesmo na ordem jurídica os animais não são sujeitos de direito, são
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1.3. O conceito de carnofalogocentrismo
A noção aponta para a produção do sujeito humano a partir deste ser capaz
de sacrificar animais ao mesmo tempo que faz referência à domesticação de
tudo o que é relacionado à animalidade e também ao feminino. Sendo
assim, para nos constituirmos como sujeitos é necessário subjugar a vida,
dominar nosso corpo e nossas paixões em busca do bem maior, do
autocontrole e da verdade.
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validação temporal dada por uma autoridade externa, normalmente um
varão. Esse esquema da metafísica dominante, da presença, faz com que as
verdades do logocentrismo sejam tidas como apodicticas. “O discurso oral
de uma autoridade também tem sido entendido como uma fonte fidedigna de
construção do sentido o que faz com essa mesma tradição ocidental seja
dominada por um fonocentrismo insustentável” (Ceia, Carlos; 2009). Contra
a falácia do logocentrismo e do fonocentrismo, Derrida defende a existência
da escritura (écriture), que não está sujeita à autoridade de quem escreve.
Eles não “sacrificam o sacrifício” uma vez que o sujeito para ambos autores
continuam sendo “homens em um mundo onde o sacrifício é possível e onde
não é proibido atentar contra a vida de uma maneira geral, exceto à vida do
homem, do outro próximo, do outro como Dasein”. (Derrida, 2010)
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Não será tratado aqui o pensamento destes autores em profundidade, senão que em referência ao
dialógo que Derrida estabeleceu com suas ideias.
7
O Filósofo Martin Heidegger, re-significou a palavra Dasein para a expressão ser-no-mundo. “Ser” e
não “Estar”; no sentido de existência e co-existência, e não de permanência ou passagem
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para pensar em outras formas de ser-com os vivos, sempre localizadas na
abertura às singularidades humanas e animais”. (Gonzalez, Anahi 2017)
Dessa forma, a autora critica e pede que não cedamos aos vícios
linguísticos que nos são incutidos desde a infância, através da família e até
mesmo naturalizados no ambiente escolar sem nos darmos conta, como é o
caso das expressões “bode expiatório”, “cobaia”, que são metáforas
derivadas de sacrifícios e experiências em animais respectivamente, bem
como naturalizar a crueldade e canibalização como nas expressões : “ mais
fácil que chutar cachorro morto”, “ melhor um pássaro na mão”, “não querer
dividir o osso.”
29
“estupro”. Do mesmo modo, o termo “abate humanitário” confere uma certa
benignidade a palavra “abate”. O uso de termos para rotular atividades como o
oposto do que elas são promove um desfocamento que relativiza esses atos
de violência. Da mesma forma que todos os estupros são violentos, todo
abate de um animal para a produção de carne é desumano, independente da
forma como é chamado. (BEARD, 1972, p. 272)
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Capitulo 2 – O Carnismo
2.1 -
O que nos leva a diferenciar moralmente aqueles que devem viver e aqueles
que devem ser sacrificados? O Carnismo é um sistema de crenças
escamoteado, invisibilizado pela ideologia que opera e transpassa nosso
sistema social e que justifica a matança de certas espécies de animais para
consumo de seu corpo, então transformado em carne. Podemos descrevê-lo
como um paradigma invisível, violento, uma hegemonia da omissão que é
absolutamente inquestionável.
“Embora seja difícil, senão impossível, questionar uma ideologia que nem
sabemos que existe, isso se torna ainda mais difícil quando a ideologia
trabalha ativamente para se manter oculta. É esse o caso de ideologias
como o carnismo.” (Joy, Melanie; 2014, pag 35)
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Neste sistema de crenças classificamos ‘apenas alguns animais como
comida’, dessa forma podemos dispor dos seus corpos da maneira que
acharmos conveniente, justificando tratá-los sob qualquer tipo de crueldade
física, psicológica e emocional e que de qualquer forma não aplicamos
àqueles que não consideramos comida. Aos nossos pets oferecemos tanto
afeto e cuidado quanto a humanos queridos. No cerne desta classificação
sobre quem será sacrificado subjaz o aspecto socio-cultural. Por exemplo,
no Ocidente a vaca e o porco, junto com as aves e peixes são os animais
mais assassinados para serem consumidos como comida, enquanto que
o cão e o gato não o são. Já na China, e na Coréia do Sul, bem como na
Suíça e no Canadá, os cães podem ser mortos para consumo. Na Índia, as
vacas são sagradas, no entanto a maioria da população é lacto -
vegetariana8.
Derrida, na obra O Animal que Logo estou Se(gui)ndo aponta que por cerca
de dois séculos as relações entre os chamados humanos e animais sofreram
uma transformação que acelera a exploração a uma taxa incalculável.
Todos os tipos de violência aos quais são submetidos os corpos dos animais
não humanos, seja ela industrial, mecânica, química, hormonal ou genética
implica modos de gestão e subjugação que aumentam o controle sobre sua
vida e morte, manipulados, imobilizados, subjugados e oprimidos.
Nicole Shukin (2009) no livro “Animal Capital” lança luz sobre a produção,
administração e circulação da vida dos animais na sociedade capitalista,
afirmando que a vida dos animais não humanos na indústria alimentar é
gerida de forma a ser o mais benéfico possível para os seres humanos, ou
seja, para produzir a maior quantidade de carne, leite e ovos, da forma mais
rápida e barata possível. Em grandes fazendas industriais ou laboratórios,
podemos ver a implantação do controle biopolítico contemporâneo a partir
de tecnologias altamente "desenvolvidas".
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providenciada ao menor risco para a saúde humana como na crise da "vaca
louca" ou da gripe suína (Wadiwel, 2002) onde inúmeros animais foram
mortos sem nenhum tipo de busca de soluções que pudessem salvar suas
vidas. Em outras palavras, os corpos de animais são considerados puro
objeto de exploração, instrumental e de sacrifício; vidas produzidas como
material disponível à sujeição, opressão e subjugação dentro da ordem
socioeconômica estabelecida.
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Por trás do Carno está o referente ausente, os animais são feitos ausentes
para a carne existir. A negação da individualidade de cada ser abatido, tem a
função de permitir o abandono moral desse ser.
Carol Adams nos faz ver que o consumo de carne não é apenas um índice
do poder masculino mas também do racismo. É por isso que cunhou o termo
"política racial da carne" (Adams, Carol; 2016, pp. 102-105).
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está implícito nas relações humanas /animais, talvez porque o patriarcado
capitalista branco tem como eixo a "Perspectiva do Mestre" do sujeito
masculino (cis-heterossexual) que se destaca como o "dono" de corpos
historicamente feminilizados e /ou animalizados. A este respeito, Paul B.
Preciado indicou que o Renascimento europeu, o Iluminismo e a Revolução
Industrial "descansaram sobre a redução dos corpos não brancos e das
mulheres para o estatuto de animais e de todos eles (escravos, mulheres,
animais) ao status de máquina (re)produtiva “ (Preciado2014). Desta
concepção se fortalece a ideia do animal como elemento fundamental para o
funcionamento do capital reprodutor do sistema de produção e controle
biopolítico (Shukin, 2009)
Assim, Carol Adams salienta que estes últimos constituem os animais mais
oprimidos, pois sua capacidade reprodutiva é explorada para a produção de
laticínios e ovos, entre outros produtos onde são submetidas à condições
excruciantes, além de serem assassinadas para o consumo humano depois
que sua produção decai ou cessa.
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Essa visibilidade desafia a aparência antropocêntrica e androcêntrica da
biopolítica
1.2. Especismo
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Desde que descobriu -se capaz de submeter e dominar as demais espécies,
a humanidade vive o delírio antropocêntrico de que é superior e possui o
direito divino de dispor de toda a vida e “recursos” sobre o planeta.
Durante séculos e milênios nada foi ou está sendo capaz de mover o homem
do seu pedestal de dominador e subjugador privilegiado do universo. Parece
que tudo foi criado para agradá-lo ou suprir suas necessidades e prazeres e
nesse sentido a diferença entre o homem e o animal é incansavelmente
reiterada:
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corpos dos animais para estudar sua anatomia, com a justificativa de que
com isso estariam também aprendendo sobre a anatomia e fisiologia
humana foi amplamente aceita e utilizada. Cabe ressaltar que tal prática,
amplamente incorporada pelos laboratórios da época, inclusive por
universidades renomadas, era realizada sem a utilização de anestésicos,
pois ainda não haviam sido inventados. É possível supor que, mesmo tais
inibidores de dor existissem na ocasião, pensadores e cientistas
descartariam a necessidade de uso, uma vez que estavam amparados e
convencidos da ideia de que os animais seriam desprovidos da sensação de
dor.
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Estas bases ideológicas estão tão difundidas e foram tão inculcadas em
nossas subjetividades que raramente nos damos conta de sua arbitrariedade
e falta de justificativa.
O pensador aponta para o modo como, nos dos dois últimos séculos, as
formas tradicionais de tratamento do animal foram subvertidas por uma série
de saberes e técnicas cujo objetivo seria prover tanto a carne quanto “outras
finalidades a serviço de um certo estar e suposto bem-estar humano”,
Derrida adverte para esse evento de “proporções sem precedentes” que é o
“assujeitamento do animal”. (Horta,2017)
O vivente não humano, para Derrida, sempre foi tratado pela filosofia sob o
signo do Logocentrismo, sobretudo a partir de Descartes. O próprio conceito
moderno de direito, lembra-nos ele, assenta-se sobre o “momento cartesiano
do cogito, da subjetividade”, razão pela qual a condição do animal como
pura res, como “coisa”, contribuiu para excluí-lo, já de início, da esfera da
juridicidade, circunscrita ao domínio da persona. ( Horta, 2017).
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humanos tivessem sido jogados pela tradição logo-fonocêntrica no “rol das
coisas” e dizia do animal, que ele
“sofre, manifesta seu sofrimento. É impossível imaginar que um animal não sofra
quando submetido a uma experimentação de laboratório, ou mesmo um
adestramento de circo. Quando vemos passar um número incalculável de bezerros
criados à base de hormônios, entulhados num caminhão e enviados diretamente do
estábulo para o abatedouro, como imaginar que não sofram. Sabemos o que é o
sofrimento animal, sentimos a mesma coisa. Além disso, com o abate industrial, os
animais sofrem em muito maior número do que antigamente”. (DERRIDA, 2004, p.
90).
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Como observa Angelica Sesmo (2017), referindo -se aos escritos de Simone
de Beauvoir em “O Segundo Sexo” o mesmo tipo de argumentos usados
para legitimar a situação de opressão em que se encontram as mulheres, os
negros e os judeus provêm das circunstâncias criadas pelos próprios
opressores. O processo que subjaz na justificação dessa inferioridade de
sexo, de raça e etnia respectivamente são os mesmos e residem na
afirmação de um “eterno feminino”, de uma “alma negra” ou de um suposto
“caráter judeu”. Estas características dariam plenos poderes ao dominador,
que inclusive estaria fazendo um “bem” ao cuidar, reprimir, submeter,
adaptar e oprimir estes grupos, conformando-os àquilo se que padronizou
chamar de normal, correto, bom e apreciável.
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Essa estrutura de sobreposição do referente ausente (animais feminilizados
e mulheres animalizadas) também está na base das construções culturais
onde a objetificação feminina se torna naturalizada e consumível. O corpo
feminino, bem como o do animal não humano (sobretudo o das fêmeas)
permanece como lugar de abuso, subjugação, opressão e dor em práticas
totalmente invisibilizadas ou mesmo notórias, mas que de tão corriqueiras e
banalizadas tornam-se parte do modo de vida da maioria das pessoas sem
nenhum estranhamento.
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corpos das mulheres são servidos vivos (apesar de a violência também
matá-los em grande quantidade), oprimidos, alienados e tristes.
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Os animais usados como comida, após serem convertidos em “carne”,
passam a ser objeto de aquisição de variados significados simbólicos, tais
como: o status, a etnicidade, nacionalidade, região, classe, idade,
sexualidade, cultura e, talvez, o mais importante - o gênero (SOBAL, 2005,
137). Consequentemente, através do consumo de “carne”, a população
consumidora também passa a ser portadora de significados através das
suas escolhas alimentares (ADAMS, 2010, 229). Logo, seria possível afirmar
que em nossos hábitos alimentares, assim como em outras formas
de organização e praticas cotidianas resultantes de uma cultura especifica,
haveria signos do sistema de controle sexo-gênero vigente: o
patriarcado. Neste sentido, pode-se conceber a ideia de uma masculinização
reforçada através da ingestão da “carne vermelha” e, em oposição, a
feminização através do consumo das carnes brancas, principalmente o peixe
e, ainda mais, de produtos de origem vegetal.9
A carne, por outro lado, embora morta, é vista como um alimento que
concede força e melhoria nas capacidades cognitivas de seus
consumidores, sendo associada muitas vezes à aquisição de poder e
domínio intelectual. Os vegetais e sua suposta passividade estão
intimamente ligados àquilo que se espera da mulher da mesma forma que a
força da carne é aparentemente absorvida pelo homem que tem sempre
prioridade para consumí-la. Os vegetais e sua suposta passividade estão
intimamente ligados àquilo que se espera da mulher da mesma forma que a
força da carne é aparentemente absorvida pelo homem que tem sempre
prioridade para consumí-la.
Assim é que a fêmea bovina nos “dá” seu leite e sua carne, é submetida a
estupros constantes separada de sua cria e abatida após estar exaurida em
suas capacidades reprodutivas. Da mesma forma, a fêmea humana não
pode amamentar sua cria pois precisa estar competitiva no mercado de
trabalho ao mesmo tempo em que se exaure em tarefas domésticas e
cuidados com a prole e assim como a vaca é posta de lado ou
metaforicamente morta para a sociedade quando envelhece, não mais
atende aos padrões de beleza impostos ou de qualquer forma não pode
mais “reproduzir”.
função sexual.
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“HEGANS” foi o termo usado para unir He (ele) a Ve(gan) na tentativa de dissociar veganismo
e feminilidade. Os Hegans demostram através de sua musculatura bem desenvolvida, atitudes e
comportamentos, que não há perda de masculinidade na dieta vegana.
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soldados o alimento forte que iria saciar a fome e ao mesmo tempo prover a
agressividade necessária para a execução de tais demandas.
Como nos faz ver Carol Adams ao referir-se à obra da antropóloga Mary
Douglas, o fato de a carne ser servida como prato principal em uma refeição
é parte da construção de um padrão de “estabilidade” que reforça a ideia de
uma estrutura fixa na ordem do comer e que confere à carne o protagonismo
do ato.
Capitulo 2
A CULTURA DA CARNE
2.1 - Carnismo............................
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2.2 - Especismo..........................
CAPÍTULO 3
3 - REFERENTES AUSENTES
55
Referências Bibliográficas:
Derrida, Jacques. O Animal que Logo Sou. São Paulo: Editora da Unesp,
2002.
Adams, Carol J.; A Política Sexual da Carne. São Paulo: Alaúde Editorial,
2012.
Singer, Peter. Ética Prática (3ª ed.). São Paulo: Martins Fontes, 2002.
56
Rosendo, Daniela. ÉTICA SENSÍVEL AO CUIDADO: Alcance e limites da
filosofia ecofeminista de Warren. Florianópolis, 2012
57
58
Referências Bibliográficas:
Derrida, Jacques. O Animal que Logo Sou. São Paulo: Editora da Unesp,
2002.
Adams, Carol J.; A Política Sexual da Carne. São Paulo: Alaúde Editorial,
2012.
Singer, Peter. Ética Prática (3ª ed.). São Paulo: Martins Fontes, 2002.
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Rosendo, Daniela. ÉTICA SENSÍVEL AO CUIDADO: Alcance e limites da
filosofia ecofeminista de Warren. Florianópolis, 2012
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