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O intento é que essa carta conte sua "vida ideal", e o legado que você deixará após partir, de
modo sucinto. Ninguém, além de você mesmo, precisa ler. Esse não é um exercício feito
visando a publicação, ou correção do professor. A idéia é que isso seja uma forma de auto-
avaliação, de reflexão, e que sirva para revelar qual é o centro e o topo ordenador da sua vida e
também para mostrar quem você realmente almeja ser. Utilizando o necrológio como ponto de
partida podemos construir um plano de vida, avaliando nossas ações diárias e pensando se
essas atitudes são compatíveis com os objetivos que visamos alcançar. Essa é a proposta. Mas,
aí entram os percalços.
O necrológio parece algo muito direto, simples, mas só quem já tentou escrever sabe o quanto
é desafiador. As dificuldades começam no simples ato da escolha de quem será o amigo que
supostamente estaria escrevendo a carta. E depois, vem o real desafio: o que eu quero fazer da
minha vida, meu Deus?
O prof. Olavo explica que, ao longo dos anos, o necrológio deverá ser revisitado e alterado,
uma vez que nossas experiências nos farão amadurecer e nossos projetos mudarão. Eu, no
entanto, não conseguia terminar nem o rascunho, que dirá fazer versões renovadas enquanto
avaliava minha vida. Esse é o primeiro, e talvez mais importante, exercício do COF e eu não
conseguia concluí-lo. Me senti um fracasso.
Foi então que, conversando com amigos, descobri que não era a única com dificuldades em
concluir o necrológio. Pelo contrário! Fui saber que é normal que os alunos do COF iniciem os
exercícios várias vezes e nunca consigam terminar. Fiquei mais aliviada, mas não conformada.
Pus-me a pensar em como poderia concluir meu necrológio de modo satisfatório. Repetia para
mim mesma: tem de haver alguma forma de fazer esse negócio. Essa é outra coisa que o prof.
Olavo me ensinou, não desistir de resolver os problemas que realmente me preocupam.
Então um dia, depois de muitas tentativas e muitas folhas de papel jogadas no lixo, frustrada
comigo mesma, me peguei num daqueles momentos de auto-piedade fajuta. Resmungava que
era burra, que seria sempre uma aluna incompleta, e que se morresse hoje o meu legado seria
tão pobre, mas tão pobre, que caberia em três linhas de um necrológio. O curioso é que dessa
frustração nasceu a idéia: vou escrever um necrológio assim, falando como se eu tivesse
morrido hoje mesmo. Vai ser moleza, pensei eu, afinal, não fiz nada na vida.
E foi fácil mesmo. Para alguma coisa a incompetência e falta de realizações da minha vida
presente havia servido. Uma conquista, finalmente! Consegui escrever um necrológio sucinto e
verdadeiro do que acreditava que as pessoas lembrariam que fiz caso eu morresse naquele dia.
Mas aí, lendo aquele papel com poucas e porcas linhas, símbolo do meu triunfo, veio a
depressão. Eu estava feliz com um troféu mequetrefe, porque ali eu dava de cara com a
realidade. E essa realidade versava sobre o quanto eu estava longe do que gostaria de ser,
idealmente. Mas então, a luz no fim do túnel! Ao contrário do que aquele papel dizia,
felizmente, eu ainda estava viva. Eu ainda poderia mudar o cenário que me deprimia.
A cada novo necrológio eu analisava a idade que teria, pensando no que se pode esperar das
pessoas nessa faixa etária. E conto com sua benevolência para não me julgar ao saber que
recorri ao Google para entender como é a vida de uma pessoa de mais de cinquenta anos.
Além disso, procurei entender quantos anos as pessoas que admiro tinham quando publicaram
suas grandes obras, ou alcançaram outros grandes feitos. Margaret Thatcher só foi eleita pela
primeira vez aos 34 anos. Ann Coulter publicou o primeiro livro aos 37, e C.S. Lewis aos 28.
Tentei ter parâmetros realistas, mas mantendo exemplos dos homens e mulheres que me
inspiram - mirei alto, confesso.
E magicamente, as palavras iam aparecendo no papel com uma facilidade muito maior. O
período de dez anos foi o afastamento máximo que consegui usar para alternar as cartas.
Tentei pular vinte, mas me peguei perdida de novo, então recomendo esse mesmo roteiro. A
cada novo exercício, ia construindo degraus numa escada que culminou em uma clareza mental
que nunca imaginei ser possível alcançar. A cada necrológio eu fui ganhando clareza sobre a
pessoa que sou, as pessoas em quem me espelho, e a pessoa que quero ser.
Criei, finalmente, um plano de vida, que me forneceu um parâmetro para julgar minhas
próprias ações. Mais do que isso. Esse processo foi feito com muita oração e reflexão,
conversando com dois ou três amigos próximos para me aconselhar - tenha cuidado com essa
escolha - e passei a entender melhor não apenas quem eu sou para mim mesma, mas quem eu
quero ser para realizar o potencial que me foi dado por Deus, porque, no fim das contas, é só
Ele quem importa.
Não sou capaz de descrever o impacto disso tudo em mim. Saber quem você é, e quem deseja
ser, muda tudo. Gera segurança, mas também entendimento do que é preciso fazer. Cria
responsabilidades, e faz com que fique mais claro o quanto me prejudico quando tenho
preguiça, procrastino, ou fujo do que é a minha essência.
Esse é apenas um dos muitos exercícios que o prof. Olavo de Carvalho recomenda no COF, e
cada um deles nos torna pessoas mais auto-conscientes e melhores. É o tipo de coisa que
repórteres da Folha e da Veja jamais serão capazes de entender, e que faculdade nenhuma
jamais vai ensinar. Esse é um tesouro reservado aos seus alunos, e eu fui agraciada por poder
estar entre eles.
ps: escrevi esse texto originalmente em 2017, mas todos os dias recebo mensagens aqui e no
Instagram perguntando onde fica "o texto sobre necrológio", então resolvi republicar. Façam
bom uso.