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Fuvest
Unicamp
Literatura
Fuvest
Unicamp
Estudo das obras, resumos,
análise de textos, exercícios.
Vários autores.
ISBN 978-85-7263-342-0
12-05840 CDD-378.1664
Til
José de Alencar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .25
O cortiço
Aluísio Azevedo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .61
A cidade e as serras
Eça de Queirós . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .73
Vidas secas
Graciliano Ramos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .89
Capitães da Areia
Jorge Amado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101
Sentimento do mundo
Carlos Drummond de Andrade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 117
Exercícios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 129
Abordagem
Nas próximas páginas, o vestibulando encontrará o esquema literário
da obra, contendo apresentação do autor e do narrador, estilo de época, per-
sonagens, linguagem, tempo e espaço e um resumo do enredo, ou análises
comentadas de poesias.
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Bons exames!
Célia A. N. Passoni
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De viagem e viagens
Na introdução, o narrador em primeira pessoa confessa ter recebido influência
dos autores ingleses Swift, Sterne e do francês Xavier de Maistre, este último cita-
do logo nas primeiras páginas:
Que viaje à roda do seu quarto quem está à beira dos Alpes, de inverno, em Turim, que
é quase tão frio como São Petersburgo – entende-se. Mas com este clima, com este ar que Deus
nos deu, onde a laranjeira cresce na horta, e o mato é de murta, o próprio Xavier de Maistre, que
aqui escrevesse, ao menos ia até o quintal.
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As formas de narrar
No transcorrer da narrativa, o autor interpõe os mais diferentes tons, des-
de o melodramático de gosto romântico, vazando assim a história de Joaninha,
a menina dos rouxinóis, até certo tom realista, não raro permeado de pontadas
irônicas ou humorísticas com que fluem as digressões e que revelam sua profunda
erudição.
A linguagem
A obra é escrita em linguagem até então desconhecida dos portugueses, trans-
correndo ora nervosa, ora leve e corrente; inovando o nível vocabular, incluindo neo-
logismos e termos bilíngues. Bom exemplo é dado pelo verbo “flartar” (flertar), obtido
do inglês to flirt, com equivalência de sentidos; o que permite ao autor a observação:
O tom perfeito da sociedade inglesa inventou uma palavra que não há nem pode haver
noutras línguas, enquanto a civilização as não apurar. To flirt – é um verbo inocente, que se
conjuga ali entre os dois sexos e não significa namorar – palavra grossa e absurda, que eu de-
testo –; não significa “fazer a corte”; é mais do que estar amável; é menos do que galantear; não
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Como este, Garrett faz uso de muitos outros termos ingleses, franceses ou
italianos, aproveitados da língua ou aportuguesados, como: chaperão, chefe de
obra, esquissa, retreta, tapessada (do francês), desapontar, fashionável, gim (do
inglês) e barbarismos, como lady, parlour, shakehands, cavassing, são observados
no transcorrer da obra. Tal versatilidade linguística só terá correspondente no final
século XIX, com a prosa inovadora de Eça de Queirós.
As Viagens são, portanto, sui generis, não pelo enredo que é sobremaneira
frágil, mas por terem encarado de forma diversa e criativa o diálogo do português
com outras línguas. Saboroso na obra é ver coexistirem pacificamente a erudição,
o coloquialismo urbano e provinciano, o bilinguísmo e os neologismos, demons-
trando a vivacidade da língua harmoniosamente.
O gênero literário
Como o volume não segue uma linha definida, também não tem uma defi-
nição precisa de gênero; o autor vai dando asas à imaginação e à divagação, apro-
ximando-se do jeito indeciso dos românticos. Com cenas recolhidas pela imagi-
nação sonhadora, adornando-as com descrições perfeitas, Garrett cria a figura de
Joaninha, a “menina dos rouxinóis”. Também romântico é o antagonismo tenebro-
so, tipo roman noir, que advém da figura de Frei Dinis. E o leitor está porta adentro
do sonho, tentando desvendar-lhe a essência que, na verdade, é a essência do
próprio artista. Além disso, mescla crônicas de viagem no mais puro estilo exigido
pelo gênero.
Boa parte da obra, no entanto, trata de aspectos da viagem propriamen-
te dita. Nesse sentido, pode-se afirmar que ao lado de descrições das paisagens,
opiniões acerca da política, referências históricas de Portugal, interpõe-se um
momento lírico-dramático em que Garrett conta a história da “menina dos rouxi-
nóis”, história que ele ouviu de um companheiro de viagem. Finalmente, a partir
de determinado momento, realidade (a viagem) e ficção (a história de Joaninha)
se fundem.
Nos onze primeiros capítulos, entre demonstrações da vasta erudição de
Garrett, o leitor é conduzido ao vale de Santarém, tal como os relatos de viagem
costumam fazer; referindo-se a datas, companheiros e meio de transporte.
São 17 deste mês de julho, ano da graça de 1843, uma segunda-feira, dia sem nota e de
boa estreia. Seis horas da manhã a dar em S. Paulo, e eu a caminhar para o Terreiro do Paço.
Chego muito a horas, envergonhei os mais madrugadores dos meus companheiros de viagem,
que todos se prezam de mais matutinos homens que eu. Já vou quase no fim da praça quando
oiço o rodar grave mas pressuroso de uma carroça d’ancien régime: é o nosso chefe e coman-
dante, o capitão da empresa, o Sr. C. da T. que chega em estado.
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A fabulação
A história mal começa e já é interrompida por longa digressão sobre barões
e frades, mas as sementes da trama são lançadas: uma bela aldeã, órfã de pai e
mãe, criada pela avó, D. Francisca Joana, mulher cega e amargurada. Um frade,
antigo corregedor de comarca que abandona a vida civil e assume, na eclesiástica,
o nome de Frei Dinis da Cruz, sendo ele a única companhia da família, sempre às
sextas-feiras. Outro elemento masculino importante para a trama está ausente.
É Carlos, neto de D. Francisca, igualmente órfão, pois a mãe morrera ao lhe dar a
vida e cujo suposto pai havia desaparecido, juntamente com o pai de Joaninha,
em uma cheia do Tejo, quando o saveiro em que viajavam naufragou. Tudo parece
envolto em uma aura de mistério que instiga a imaginação. São todos ingredien-
tes indispensáveis para uma boa trama romântica. Conduzir habilmente o enredo
é tarefa do bom escritor e Garrett sabe, no momento em que isto se faz necessário,
prender a atenção do leitor, mesmo quando ele mesmo está perdido em uma ex-
cessiva rede de intrincados pensamentos.
Ao retomar a história, dois anos são passados desde a partida de Carlos. Frei
Dinis assume o papel de antagonista por sua forma de vida e de crença, e, prin-
cipalmente, por suas posições rígidas contra a filosofia dos liberais, acusando as
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Chega ao vale o oficial Carlos, defensor das causas liberais, primo e amigo
de infância de Joaninha, a quem a moça julgava morto. Reencontrá-lo significou
fazer nascer no coração da menina o mais profundo amor. Embora Carlos também
esteja apaixonado por Joana, não lhe escapam as outras mulheres – o coração
volúvel do rapaz bate no ritmo de ardentes paixões.
A sequência narrativa é interrompida por novas digressões, mas o autor se
vê obrigado a terminar a obra, colocar pontos-finais – no intrincado caso amoroso,
desfazer duas cruéis dúvidas: a quem pertencerá o coração do nobre rapaz, já que
ele oscila entre a inglesa Georgina e a portuguesa Joaninha?; descobrir o mistério
que envolve a morte do pai é seu segundo objetivo. As características de Carlos
são semelhantes às do próprio Garrett; o personagem, portanto, com suas dúvidas
amorosas e suas ideias políticas, torna-se uma espécie de alter ego do autor.
Georgina chega a Portugal em busca de seu amor. Carlos, em campanha
na guerra civil, defendendo os liberais pela deposição de D. Miguel, foi ferido e
posteriormente recolhido por Frei Dinis ao convento de São Francisco. Mediante
explicações de Georgina, o frade abre-lhe as portas do convento para que a moça
servisse de enfermeira ao ferido.
Entre quatro paredes estão reunidos os principais personagens que com-
puseram a trama, resta agora dar-lhes um desfecho. Mas, ao rapaz é poupado o
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Considerações finais
As frequentes menções a Dom Quixote e Sancho Pança têm a intenção de
contrapor o idealismo do cavaleiro ao materialismo de seu companheiro. Quixote
é austero, Sancho é prático; Quixote é idealista, Sancho é realista. Estendendo a
comparação, vê-se, em Viagens na minha terra uma divisão de polos que represen-
tam, à sua maneira, a história de Portugal. Recuperando a narrativa e as digressões
do autor, tem-se uma forma de representar passado e presente.
Joaninha, por exemplo, representa um Portugal idealizado, de beleza,
simplicidade, ingenuidade e de grandeza. Pode simbolizar o momento em que,
politicamente, defendiam-se as ideias absolutistas que levaram os portugueses
a navegar por mares desconhecidos. É a apoteose política e econômica do país,
momento de orgulho e de grandes perspectivas. Trata-se de um Portugal agrícola,
promissor e autossuficiente. Ao mesmo tempo significa a possibilidade de reto-
mar as glórias do passado e crescer rumo ao desenvolvimento. Ao lado da menina
dos rouxinóis está a força e a vitalidade da juventude, representada por Carlos. O
jovem é audaz, disposto a dar sua vida por sua causa. Ao fazer oposição a Dom Mi-
guel, representa a busca pela modernidade, a inserção de Portugal novamente no
mundo representativo, alter ego de Garrett na defesa do liberalismo. No entanto,
deve-se lembrar de que, no final, Carlos rende-se ao título de nobreza e ao dinhei-
ro, o que o fará vítima do ostracismo e, de certa forma, da alienação social, que o
aproxima do materialismo. Portanto, é um momento em Portugal que coincide
com o tempo de Garrett, em que os ideais não estão constituídos. Por esse par,
têm-se representado dois Portugais: agrícola x urbano, inocente x guerreiro e duas
formas de alienação: a que leva à loucura e à morte, no caso de Joaninha; a que
leva ao abandono das lutas, no caso de Carlos.
Tanto quanto Joaninha, Georgina, a namorada inglesa de Carlos, está do
lado do bem, representa a influência de uma cultura estrangeira, à qual Garrett
rende imenso respeito. Ela é capaz de atitudes abnegadas e de se tornar reclusa ao
saber que seu grande amor não lhe pertence. Entre os antagonistas, situa-se Frei
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Por intermédio de Berta, também Luís Galvão acaba livre das garras de Jão
Fera, obra encomendada por Barroso, como vingança por um crime que Luís Gal-
vão cometera na juventude.
Jão Fera, reconhecendo a menina através da nuvem de sangue que lhe inflamava o
olhar, e vendo-a afrontar-lhe os ímpetos, não abateu logo de todo o fero senho, mas foi-se
aplacando a pouco e pouco. A ira que se arrojava do seu aspecto, retraiu-se e de novo afundou
pelas rugas do semblante, como a pantera que recolhe à jaula, rangendo os dentes.
Sua alma se impregnava do fluido luminoso dos olhos de Berta, e ele sentia-se trespas-
sado pelo desprezo que vertia no sorriso acerbo esse coração nobre e puro, sublevado pela in-
dignação. De repente começaram a tremer-lhe os músculos da face, como os ramos do pinheiro
percutidos pela borrasca; e as pálpebras caíram-lhe, vendando-lhe a pupila ardente e rúbida.
– Estavas aqui para matar alguém? perguntou a menina com um timbre de voz, seme-
lhante ao ringir do vidro.
Respondeu o capanga com uma palavra, que em vez de sair-lhe dos lábios, aprofun-
dou-se pelo vasto peito a rugir como se penetrasse em um antro.
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Jão Fera trava uma batalha final contra si mesmo e vence, ou seja, ameniza
sua consciência e fica em paz consigo mesmo. Vemo-lo, ao término do romance,
carpindo a terra, na enxada, numa renúncia à vida de banditismo e aventura que
levara até então. O homem “fera” concilia-se com a natureza (segundo os preceitos
do Romantismo) e dela tira o seu sustento e a paz de seu espírito.
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Memórias de um
sargento de milícias
Manuel Antônio de Almeida
Seriam pouco mais ou menos onze da manhã quando o batelão de Augusto abordou à
ilha de... Embarcando às dez horas, ele designou ao seu palinuro o lugar a que se destinava, e
deitou-se para ler mais à vontade o Jornal do Comércio. Soprava vento fresco e, muito antes do
que supunha, Augusto ergueu-se, ouvindo a voz de Leopoldo que o esperava na praia.
– Bem-vindo sejas, Augusto. Não sabes o que tens perdido...
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1 Observe-se que existem claramente dois tempos: o tempo do narrador, século XIX, contemporâneo à
escritura do volume, e o tempo dos fatos narrados, 1º quartel do século XIX. No entanto, esse início remete
o leitor à indeterminação temporal do “Era uma vez...” comum nos contos de fada.
2 meirinhos – antigos funcionários judiciais, equivalentes aos oficiais de justiça.
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3 picaresco – o herói picaresco é característico de certo tipo de novela, comum na Espanha do século XVI.
Participa de episódios de aventuras, geralmente na pele de um criado ladino ou de um andarilho. Sagaz
observador, o pícaro registra as fraquezas, desfila casos e cria tipos, de modo a traçar uma visão de largo
espectro da época. Normalmente, suas peripécias apresentam uma velada crítica social e relatam com certa
fidelidade as camadas sociais mais populares. No entanto, o pícaro é velhaco, cínico e ladino, qualidades que
não se encaixam perfeitamente em Leonardo, que sempre angaria simpatias e protetores. Além do mais,
é o pícaro que usualmente narra, em primeira pessoa, suas aventuras, o que não ocorre com o volume de
Manuel Antônio de Almeida, narrado em terceira pessoa, com passagens na 1ª pessoa do plural.
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O batizado de Leonardo
Ao completar sete anos, Leonardo é descrito como um menino travesso,
irrequieto e teimoso. Acresce que o pai, desconfiado da traição de Maria, trava
com ela uma enorme discussão, culminando com a fuga da amante. Algum tempo
depois, fica-se sabendo que Maria da Hortaliça retorna a Portugal em companhia
de um capitão de navio. Como o pai não assumiu o menino e a mãe o havia aban-
donado, o compadre de Leonardo Pataca, padrinho do herói, passa a educá-lo.
Barbeiro de profissão, com mais de cinquenta anos, solteiro e solitário, o
padrinho afeiçoa-se muito ao afilhado, a ponto de perdoá-lo sempre e até mesmo
contemporizar com benevolência as travessuras do moleque.
Não foram poucas as malandragens de Leonardo. Ele fugia, embrenhava-se
no meio de ciganos, atiçava os vizinhos, fazia enormes algazarras, desmanchava
procissões, enfim, fazia tudo o que era possível fazer para infernizar a vida dos ou-
tros. No entanto, era simpático, alegre e, por isso, facilmente perdoado.
Entra em cena a comadre, parteira de profissão e religiosa por convicção.
Ambos – padrinho e madrinha – desejavam um grande futuro para o moleque. Ele
queria fazer do afilhado um padre; ela, que aprendesse um ofício; mas o menino
não tinha vocação nem para padre nem para artista. A única coisa que fazia, e
muito bem, era vadiar.
Como sempre acontece a quem tem muito onde escolher, o pequeno, a quem o padri-
nho queria fazer clérigo mandando-o a Coimbra, a quem a madrinha queria fazer artista me-
tendo-o na Conceição, a quem D. Maria queria fazer rábula4 arranjando-o em algum cartório,
e a quem enfim cada conhecido ou amigo queria dar um destino que julgava mais conveniente
às inclinações que nele descobria, o pequeno, dizemos, tendo tantas coisas boas, escolheu a
pior possível: nem foi para Coimbra, nem para a Conceição, nem para cartório algum; não fez
nenhuma destas coisas, nem também outra qualquer: constituiu-se um completo vadio, vadio-
-mestre, vadio tipo.
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O apaixonado Leonardo
E assim Leonardo se apaixona por Luisinha. Certo dia, quando iam, compa-
dre e afilhado, à visita costumeira a dona Maria, encontraram lá o senhor José Ma-
nuel, velhaco de quilate, “crônica viva, porém crônica escandalosa, não só de todos
os seus conhecidos e amigos, e das famílias destes, mas ainda dos conhecidos e
amigos dos seus amigos e conhecidos e de suas famílias”. Como
(...) D. Maria era, como dissemos, rica e velha; não tinha outro herdeiro senão sua so-
brinha: se morresse D. Maria, Luisinha ficaria arranjada, e como era muito criança e mostrava
ser muito simples, era uma esposa conveniente a qualquer esperto que se achasse, como José
Manuel, em disponibilidade; este pois fazia a corte à velha com intenções na sobrinha. Quando
Leonardo, esclarecido pela sagacidade do padrinho, entrou no conhecimento destas coisas, ficou
fora de si, e a ideia mais pacífica que teve foi que podia mui bem, quando fosse visitar D. Maria,
munir-se de uma das navalhas mais afiadas de seu padrinho, e na primeira ocasião oportuna
fazer de um só golpe em dois o pescoço de José Manuel. Porém teve de aplacar-se e ceder às ad-
moestações do padrinho, que sabia de todos os seus sentimentos, e que os aprovava.
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Um final feliz
As diabruras de Leonardo continuam, e tantas faz que acaba novamente
sendo levado à prisão, somente conseguindo a liberdade com a ajuda da madri-
nha, que desencavou uma antiga namorada do major, para poder interceder pelo
afilhado.
Acresce que José Manuel morre, Luisinha, viúva, reencontra Leonardo e
reatam o antigo namoro. Como Leonardo era sargento de linha, não podia se casar,
mas “podia ficar ele soldado e casar, dando baixa na tropa de linha, e passando-se
no mesmo posto para as Milícias”.
Em poucas linhas, o autor encerra a história com uma sequência rápida dos
fatos.
Daqui em diante aparece o reverso da medalha. Seguiu-se a morte de Dona Maria, a
do Leonardo Pataca, e uma enfiada de acontecimentos tristes que pouparemos aos leitores,
fazendo aqui o ponto-final.
Considerações finais
Memórias de um sargento de milícias é um dos mais excêntricos romances
do século XIX, o primeiro na Literatura Brasileira a focalizar camadas populares
com cenas reais em que a narrativa escapa da visão rósea do Romantismo. As per-
sonagens são o que são, não idealizadas e, portanto, não são seres viventes em
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Memórias póstumas
de Brás Cubas
Machado de Assis
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O morto e o mundo
A obra é narrada em primeira pessoa, por um morto que oniscientemente
se propõe a analisar a si e aos outros.
Sabe-se que um romance em primeira pessoa é parcial e o leitor só conhece
a realidade sob a óptica do narrador-personagem. No entanto, pelo fato de ser um
romance retrospectivo e dada a posição do narrador-morto, observa-se a onis-
ciência, por exemplo, na referência aos pensamentos de personagens, bem como
na forma de manipulá-los a seu bel-prazer.
O primeiro interesse do leitor, só satisfeito integralmente no último capítu-
lo, é saber por que um morto resolve escrever suas memórias. Brás Cubas, durante
sua vida, demonstrando vaidade incomum, perseguiu a imortalidade. Segundo
ele, várias são as formas para atingi-la: por meio do casamento e dos filhos, por
meio da política ou por meio de contribuições científicas. Confessa que não foi
casado, não teve filhos, não foi político, e sua tentativa de registrar seu nome nos
anais da ciência havia morrido com ele – o emplasto. Corroído pelo pessimismo,
cético por excelência, Brás Cubas tenta articular uma vingança contra a sociedade
e, ao mesmo tempo, numa derradeira tentativa, procura imortalizar-se escrevendo
um livro póstumo.
Não há dúvida de que Brás Cubas é a encarnação de profundas mudan-
ças sofridas por Machado. Em 1878, receoso de estar sofrendo um mal incurável,
o autor faz um retiro em Friburgo. Provavelmente aí iniciou uma revisão de seus
valores morais e estéticos, os quais deixaria vir à tona, moldando-os na visão de
mundo de Brás Cubas.
O leitor, logo de início, encontra uma inesperada dedicatória: “ao verme que
primeiro roeu as frias carnes” de um cadáver. Em seguida vem a explicação: um
defunto-autor “para quem a campa foi outro berço”, para quem a morte significou
o início de uma nova atividade, a de escritor. Consciente da renovação iniciada, iro-
nicamente afirma que começar de forma diferente – do fim para o começo – dei-
xaria o “escrito mais galante e mais novo”, menos vulgar, menos romântico. Com
falsa humildade, parafraseando Stendhal1, conduz os “talvez cinco leitores” pelas
memórias marcadas pelo trinômio pessimismo-humor-ironia.
1 Stendhal – pseudônimo de Henry Beyle (1783-1852), romancista francês; escreveu O vermelho e o negro
e A cartuxa de Parma, suas obras mais famosas.
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O narrador relata seu enterro com a frieza do morto, sem deixar de confes-
sar, embora veladamente, que não passa de um fracasso. Basta verificar que ao seu
enterro compareceram onze pessoas, prova de sua insignificância, que ele procu-
rou minimizar alegando a falta de anúncio e o dia chuvoso, provas incontestáveis
de uma “mentira” para satisfazer a vaidade de seu ego.
Para não dar mais tempo à autopiedade e já com vistas nos passos futu-
ros, o narrador apresenta alguns de seus traços caracterizadores – “sessenta e
quatro anos, rijos e prósperos, era solteiro e possuía cerca de trezentos contos” –
e introduz o tempo e o espaço – “mês de agosto de 1869” na “bela chácara de
Catumbi”, onde encontrou a morte. É no capítulo inicial que definitivamente rom-
pe com a visão idealizadora da personagem romântica, ao mostrar seu profundo
apego aos bens materiais, sobretudo ao dinheiro, que tudo paga e tudo compra,
inclusive a gratidão do “bom e fiel amigo” que, na derradeira homenagem, articula
um pomposo discurso, irmanando sentimento e natureza, numa crítica às efusões
sentimentais do Romantismo.
Duas são as preocupações do protagonista: a primeira é tornar a obra tanto
mais próxima da realidade quanto da veracidade dos acontecimentos, de modo a
envolver o leitor na verossimilhança; daí relatar com lucidez, precisão e lógica até
mesmo o delírio que antecedeu sua morte. A segunda, leva-o a desenhar sua ge-
nealogia, enaltecendo e valorizando uma ascendência certamente menos nobre
que endinheirada, mas ansiosa de tradição e notoriedade, reafirmando, ao leitor, o
profundo apego de Brás Cubas aos bens mundanos e à tradição.
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5 Pandora – na mitologia clássica, é a primeira mulher, e seu nome significa “aquela que tem todos os
dons”. Cada deus lhe atribuiu um dom, mas Zeus destinou-a à punição da raça humana. Enviou Pandora a
Epimeteu, mandando-lhe de presente um vaso tampado. Assim que chegou à terra, Pandora, movida por
imensa curiosidade, destampou o vaso, libertando os males que ali estavam aprisionados e eles se espalha-
ram pela humanidade. Só restou no fundo do vaso a esperança, que não conseguiu sair a tempo, pois logo
Pandora repôs a tampa em seu lugar. Assim, os homens ficaram condenados a sofrer eternamente todos os
tipos de males.
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A partir daí, a narrativa começa a ter uma certa ordem cronológica. Menino
bem-nascido, Brás Cubas é criado cheio de mimos e momos. O narrador salta os
tempos escolares e passa à adolescência, relatando seu caso amoroso com a es-
panhola Marcela, prostituta sem pudores que representa outra grande quebra em
relação a modelos românticos.
(...) Era boa moça, lépida6, sem escrúpulos, um pouco tolhida pela austeridade do tem-
po, que lhe não permitia arrastar pelas ruas os seus estouvamentos e berlindas7; luxuosa, impa-
ciente, amiga de dinheiro e de rapazes.
Retorna por ocasião da morte da mãe. Ainda abalado, passa a viver em retiro.
Quem o tira desse estado de apatia é o pai, ao lhe propor o casamento com Virgí-
lia, filha do Conselheiro Dutra, homem de grande influência política. Aceitando o
casamento, junto viria a Câmara dos Deputados. Antes, porém, de retornar à vida
na Corte, Brás Cubas enamora-se da filha de D. Eusébia:
(...) Uns olhos tão lúcidos, uma boca tão fresca, uma compostura tão senhoril; e coxa!
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8 panegírico – elogio.
9 buliçoso – agitado, ativo, esperto.
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Cerca de três semanas depois, Brás Cubas recebe um convite de Lobo Ne-
ves, marido de Virgília, para uma reunião íntima. O reencontro com a antiga na-
morada foi promissor: desta vez os dois valsam novamente, mas com apertos de
mãos e abraços mais fortes. Brota em ambos uma profunda atração, o que faz Brás
Cubas cogitar:
Mas, com a breca! quem me explicará a razão desta diferença? Um dia vimo-nos, tra-
tamos o casamento, desfizemo-lo e separamo-nos, a frio, sem dor, porque não houvera paixão
nenhuma; mordeu-me apenas algum despeito e nada mais. Correm anos, torno a vê-la, damos
três ou quatro giros de valsa, e eis-nos a amar um ao outro com delírio. A beleza de Virgília
chegara, é certo, a um alto grau de apuro, mas nós éramos substancialmente os mesmos, e eu,
à minha parte, não me tornara mais bonito nem mais elegante. Quem me explicará a razão
dessa diferença?
Engatilhado o caso amoroso, o adultério é consumado em um capítulo extre-
mamente sugestivo, denominado “O velho diálogo de Adão e Eva”, feito com ponti-
nhos. A partir daí, Brás Cubas põe-se a narrar o encontro com Quincas Borba. Anti-
go colega de escola, vive uma vida de misérias e privações. É pedinte de rua, mora
no terceiro degrau das escadas de São Francisco e furta o relógio de Brás Cubas.
Enquanto pobre, o narrador faz questão de mantê-lo à distância, esquecendo-se
do caso, desviando o pensamento para outras coisas, demonstrando o seu descaso
pela miséria humana. Somente depois, Brás Cubas aproximou-se de Quincas Borba.
Adiante, o narrador começa a encontrar problemas no relacionamento com
a amante. Virgília acredita que o marido desconfia de alguma coisa, pois já não a
trata da mesma maneira. Brás Cubas tenta convencê-la a fugir, para qualquer parte
do mundo onde pudessem viver em paz, mas a moça recusa-se. Propõe então que
aluguem uma casa, convidando, para tomar conta dela e encobrir os encontros,
uma antiga criada de Virgília, D. Plácida, que inicialmente rejeita a ideia de servir
ao casal, mas, ao cabo de seis meses, alivia a consciência com algumas histórias
patéticas inventadas por Brás Cubas. Este não lhe é ingrato e lhe oferta cinco con-
tos de réis (quantia que encontrara perdida em uma praia deserta). Os amantes
vivem tranquilos por alguns meses. Só têm a felicidade abalada com a notícia de
que Lobo Neves seria nomeado presidente de província. Brás Cubas pensa que o
caso está chegando ao final, mas Lobo Neves necessita de um secretário e o con-
vida para o cargo. Quem o dissuade é o cunhado Cotrim, alegando que a viagem
é perigosa, pois todos sabem das suas ligações adúlteras. No entanto, Lobo Neves,
supersticioso, recusa a nomeação, pois o decreto trazia a data de 13. Sucedem-se
episódios importantes, como uma carta anônima denunciando as intimidades de
Brás Cubas, a gravidez de Virgília e a profunda decepção do narrador com o aborto
daquele que teria sido seu filho; e, finalmente, uma carta surpreendente de Quin-
cas Borba, herdeiro de grande fortuna de um parente mineiro de Barbacena.
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10 Que voulez-vous, monseigneur? c’est la misère – “O que vós quereis, senhor? é a miséria”. Fígaro, perso-
nagem criado pelo teatrólogo francês Beaumarchais (1732-1799), é um humilde barbeiro que tudo faz para
sobreviver.
11 Zenon – Zenon de Cício (c. 335-263 a.C.), filósofo grego, fundador do estoicismo. A virtude era, para
ele, a meta final da vida; dor e prazer não possuíam nenhuma importância: diante deles, o homem deveria
permanecer impassível.
12 Sêneca – Lucius Annaeus Seneca (c. 4 a.C.-65), filósofo, escritor e político romano, grande entusiasta e
divulgador do estoicismo.
13 enfatuação – soberba, vaidade.
14 jactanciosa – arrogante.
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Virgília parte com o marido. No capítulo CXV, Brás Cubas mostra a “dor” da
separação e analisa com muita propriedade a forma de encarar o amor de uma
personagem realista, distanciando-se do fatalismo romântico.
Não a vi partir; mas à hora marcada senti alguma coisa que não era dor nem prazer,
uma coisa mista, alívio e saudade, tudo misturado, em iguais doses. Não se irrite o leitor com
esta confissão. Eu bem sei que, para titilar-lhe os nervos da fantasia, devia padecer um grande
desespero, derramar algumas lágrimas, e não almoçar. Seria romanesco; mas não seria bio-
gráfico. A realidade pura é que eu almocei, como nos demais dias, acudindo ao coração com as
lembranças da minha aventura, e ao estômago com os acepipes16 de M. Prudhon...
Inicialmente, Brás Cubas sente o gosto da viuvez, mas duas forças o compe-
lem a voltar à vida agitada de costume. Uma – Sabina – que com empenho arma-
va o casamento do irmão com Nhã-loló. Outra – Quincas Borba – que finalmente
expõe ao narrador a teoria do Humanitismo, sistema filosófico criado por ele e
destinado a substituir todos os demais, cujos fundamentos estão transcritos no
capítulo CXVII.
15 Pascal – Blaise Pascal (1623-1662), matemático, físico, teólogo e escritor francês. Inventou, em 1647, a
máquina de calcular; como escritor, tornou-se célebre com a obra Pensamentos, publicada postumamente
em 1669.
16 acepipes – petiscos.
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Considerações finais
Ao final de seu último capítulo, Brás Cubas melancolicamente chega a um
saldo positivo para sua vida: não teve filhos. Por que não quis transmitir o legado
da miséria humana?
Desde que Pandora anunciou que a humanidade era governada pelas leis
do egoísmo e da autopreservação, o discurso da personagem-narrador de Memó-
rias póstumas de Brás Cubas tenta provar com lucidez que a vida humana se esvai
em cada trecho percorrido, massacrada pelas veleidades.
O que se leva ao outro lado do mistério? Somente reflexões marcadas pelo
ceticismo irônico e pessimismo melancólico que perpassam as falsidades das rela-
ções humanas, marcadas pelas traições e valores relativamente frágeis; enfim, um
legado nada digno de orgulho.
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O cortiço
Aluísio Azevedo
1 Auguste Comte – Isidore Auguste Marie François Xavier Comte (1798-1857). Nasceu em Montpellier, na
França, e aos 16 anos já ingressava na Escola Politécnica de Paris. Fundador do positivismo, escola filosófica
de larga influência no Brasil.
2 Darwin – Charles Robert Darwin (1809-1882), célebre naturalista inglês. Fez parte de uma expedição às
costas da América do Sul (1831-1836), reunindo os primeiros materiais da sua obra Da origem das espécies
por via da seleção natural (1859).
3 Taine – Hippolyte Adolphe Taine (1828-1893). Escritor, crítico e filósofo francês. Foi o mais expressivo teó-
rico do Naturalismo, influenciando de forma decisiva no desenvolvimento de toda a literatura de sua época.
4 Flaubert – Gustave Flaubert (1821-1880). Um dos maiores nomes da literatura francesa, artista de rara
perfeição técnica, caracterizado pela escolha da palavra exata que melhor traduzisse seu pensamento. Re-
tratista de costumes, em sua obra mais difundida, Madame Bovary, traça um perfil fiel da vida burguesa.
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Subterrâneos da sociedade
Para produzir O cortiço, Aluísio Azevedo ateve-se à observação de dois am-
bientes: a habitação coletiva e o sobrado, representando do baixo para o alto os
extremos sociais do Rio de Janeiro do século XIX. A apresentação desses dois am-
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Considerações finais
Se se podem descontar pontos por certas cenas exageradas, como a iro-
nia muito forçada na condecoração de João Romão por méritos abolicionistas
justamente quando ele patrocinava o suicídio de Bertoleza; ou na cena em que
é descrita a chegada das regras de Pombinha, após contatos homossexuais com
Léoni; também se podem atribuir à obra saldos positivos. Para regozijo da camada
feminista, nada melhor do que constatar a importância da mulher, demonstrada
pela força que exerce sobre os homens e pelas mudanças que induz nos com-
portamentos. Para os aficionados por História, é interessante observar o sistema
financeiro do Período Imperial, bem como investigar a qualidade de vida das ca-
madas menos abastadas – quem poderia imaginar que o pobre passava a queijo,
vinho, manteiga e bacalhau! Uma miséria abastada...
Mais dois créditos: Aluísio Azevedo levou ao conhecimento do leitor o “jei-
tinho brasileiro de ser”, o mistério da vida que fervilha nas camadas menos pri-
vilegiadas; o segundo, e mais importante, é ter retratado um Rio de Janeiro não
somente como habitat de uma fauna humana que vive do funcionalismo público,
que parasita nos bastidores da política, que sobrevive às custas de “favores” feitos
a outros, que pratica usura e mais uma série de maldições que ainda hoje acompa-
nham os brasileiros, como também um Rio de Janeiro que trabalha, que se movi-
menta no dia a dia para tornar a cidade economicamente viável. Há mérito maior
que conseguir equacionar a vida social de uma época? Isso Aluísio Azevedo soube
fazer como nenhum outro.
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A cidade e as serras
Eça de Queirós
1 Ramalho Ortigão – José Duarte Ramalho Ortigão (1836-1915), grande educador e escritor português,
criticou radicalmente os costumes e os vícios de sua época.
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Ajustes da civilização
O romance é escrito em primeira pessoa por José Fernandes, personagem
de segundo plano na narrativa. O narrador-observador centraliza seu interesse na
figura de Jacinto, descrevendo-o como homem extremamente forte e rico, que,
embora tenha nascido em Paris, no 202 dos Campos Elísios, tem seus proventos
recolhidos de Portugal, onde a família possui extensas terras, desde os tempos de
D. Dinis. Plantações e produção de vinho, cortiça e oliveira, lhe rendem excelen-
te pecúnio, suficiente para bancar uma vida milionária na Cidade Luz. O avô de
Jacinto, também Jacinto, gordo e rico, a quem chamavam de D. Galeão, era um
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3 D. Miguel – infante de Portugal (1802-1866), filho de D. João VI e da rainha D. Carlota Joaquina. Veio com a
família real para o Brasil em 1808 e regressou a Portugal em 1821 com seu pai. Em 1826, jurou a Carta Cons-
titucional, reconheceu seu irmão (nosso D. Pedro I) como sucessor legítimo de seu pai e casou-se com sua
sobrinha D. Maria, filha do seu irmão D. Pedro. Em 1828 assumiu a regência, jurando fidelidade novamente
à Carta. Semanas depois fez-se proclamar rei absoluto e iniciou um período de perseguição aos liberais (de-
fensores da Constituição). Seguiu-se a guerra civil de 1832-1834, com a derrota de D. Miguel e a vitória dos
liberais, ocupando o trono D. Pedro IV (no Brasil, D. Pedro I).
4 Positivismo – doutrina filosófica desenvolvida pelo francês Augusto Comte (1768-1857) caracterizada
por valorizar a Ciência e a experimentação contra qualquer espécie de metafísica; o movimento busca o
concreto, o real como base de qualquer conhecimento.
5 Lestos – ágeis, ligeiros.
6 Boiões – frascos, recipientes.
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Primeiros desencantos
Zé Fernandes, a partir daí, pôde observar com maior atenção o amigo; suas
intensas atividades o desgastavam e, com o passar do tempo, constatou que Ja-
cinto foi perdendo a credulidade, ao perceber a futilidade das pessoas com quem
convivia, a inutilidade de muitas das coisas de sua tão decantada civilização. Nos
raros momentos em que conseguiam passear, confessava ao amigo que o baru-
lho das ruas o incomodava, a multidão o molestava: ele atravessava um período
de nítido desencanto. Alguns incidentes contribuíram sobremaneira para afetar o
estado de ânimo de Jacinto: um acidente podia tomar proporções enormes na co-
munidade fútil em que vivia, como por exemplo, o rompimento de um dos tubos
da sala de banho, jorrando água quente por todo o quarto, inundando os tapetes,
foi o bastante para fazer aparecer uma pilha de telegramas, alguns inclusive com
um riso sarcástico, como o do Grão-Duque Casimiro, dizendo que não mais apare-
ceria pelo 202 sem que tivesse uma boia de salvação.
As reuniões sociais estavam ficando maçantes. Em uma recepção ao Grão-
-Duque, Jacinto já não aguentava o farfalhar das sedas das mulheres quando lhes
explicava o uso dos diferentes aparelhos, o tetrafone, o numerador de páginas, o
microfone... O criado veio lhe informar que o peixe a ser servido ficara entalado no
elevador e os convidados puseram-se a pescá-lo, inutilmente, porque o peixe não
chegou à mesa, fato que deixou ainda mais aborrecido o anfitrião.
Claramente percebia eu que o meu Jacinto atravessava uma densa névoa de tédio, tão
densa, e ele tão afundado na sua mole densidade, que as glórias ou os tormentos de um ca-
marada não o comoviam, como muito remotas, intangíveis, separadas da sua sensibilidade
por imensas camadas de algodão. Pobre Príncipe da Grã-Ventura, tombado para o sofá de
inércia, com os pés no regaço do pedicuro! Em que lodoso fastio caíra, depois de renovar tão
bravamente todo o recheio mecânico e erudito do 202, na sua luta contra a Força e a Matéria!
Preocupado, Zé Fernandes consulta o fiel criado Grilo sobre o que está ocor-
rendo com Jacinto. O homem respondeu com tamanho conhecimento de causa
que espantou o narrador. Uma simples palavra poderia definir todo o tédio de que
era acometido: o patrão sofria de “fartura”.
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Certo dia, enquanto esperavam ser recebidos por Madame d’Oriol, José
Fernandes e Jacinto subiram à Basílica do Sacré-Coeur, em construção no alto de
Montmartre. Ao se recostarem na borda do terraço, puderam contemplar Paris en-
volta em uma nuvem cinzenta e fria, motivando profundas reflexões, pois a cidade –
tão cheia de vida, de ouro, de riquezas, de cultura e resplandescências, incluindo
o soberbo 202, com todas as suas sofisticações – estava agora sucumbida sob as
nuvens cinzentas, a cidade não passava de uma ilusão.
... uma ilusão! E a mais amarga, porque o homem pensa ter na cidade a base de toda a sua grandeza
e só nela tem a fonte de toda a sua miséria. Vê, Jacinto! Na Cidade perdeu ele a força e beleza har-
moniosa do corpo, e se tornou esse ser ressequido11 e escanifrado12 ou obeso e afogado em unto13
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23 Platão – filósofo grego (428-347 a.C.), discípulo de Sócrates e mestre de Aristóteles, um dos maiores
filósofos de todos os tempos.
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24 Virgílio – (71-19 a.C.) o mais célebre dos poetas latinos, autor da Eneida, das Geórgicas e das Bucólicas.
25 Uranos ou Lorenas de Noronha e Sande – nesta passagem, Eça sobrepõe, à maneira panteísta, seres di-
versos em um todo único.
26 Saturno – na mitologia grega, filho de Urano e Gea. Devorava seus próprios filhos. Um deles, Júpiter,
destronou-o e expulsou-o do céu.
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27 Catão – também conhecido como Catão, o Antigo (234-149 a.C.), romano célebre pela austeridade dos
seus princípios e pelo esforço para reprimir o luxo, que começava a corromper Roma. Escreveu um tratado
sobre agricultura (De Re Rustica) muito interessante.
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Cinco anos se passaram em plena felicidade por ver correrem por aquelas
terras duas fidalgas crianças, Teresinha e Jacinto. Os caixotes embarcados de Paris
enfim chegaram a Tormes e serviram para demonstrar o agora total equilíbrio do
protagonista: aproveitar o que poderia ser aproveitado e desprezar as inutilidades
da civilização, justificando deste modo a observação feita por Grilo: “Sua Excelên-
cia brotara”. Certamente Jacinto descobrira seus melhores valores: era feliz e fazia
os outros felizes. Algumas vezes Jacinto falou em levar a esposa para conhecer o
202 e a civilização, mas o projeto, por um motivo ou por outro, era sempre adiado.
Quem voltou a Paris foi Zé Fernandes e lá, sentindo-se abandonado e ente-
diado, descobriu uma porção de fantoches a viverem uma vida falsa e mesquinha.
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Vidas secas
Graciliano Ramos
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Sinha Vitória tinha aspirações tão pequenas quanto Fabiano; seu infinito era
ter uma cama, simbolizando a estabilidade, uma felicidade perseguida, mas não
fácil de atingir. Unia o casal a quase certeza de que a vida naquelas paragens é
marcada pela transitoriedade, não havendo raízes; o dia vindouro é inseguro, daí
apegarem-se a sonhos; por mais miúdos que fossem, serviam como válvulas de
escape.
Avizinhou-se da janela baixa da cozinha, viu os meninos entretidos no barreiro, sujos
de lama, fabricando bois de barro, que secavam ao sol, sob o pé-de-turco, e não encontrou
motivo para repreendê-los. Pensou de novo na cama de varas e mentalmente xingou Fabiano.
Dormiam naquilo, tinha-se acostumado, mas seria mais agradável dormirem numa cama de
lastro de couro, como outras pessoas.
(…) Sinha Vitória desejava possuir uma cama igual à de seu Tomás da bolandeira. Doi-
dice. Não dizia nada para não contrariá-la, mas sabia que era doidice. Cambembes podiam
ter luxo? E estavam ali de passagem. Qualquer dia o patrão os botaria fora, e eles ganhariam
o mundo, sem rumo, nem teriam meio de conduzir os cacarecos. Viviam de trouxa arrumada,
dormiriam bem debaixo de um pau.
Seu Tomás da bolandeira surge, neste contexto, como um ser posto entre
o humano e o divino, tornando-se o símbolo do saber, da humildade e da justiça.
Restam algumas questões: até que ponto os envolvidos pela miséria esta-
riam conscientes dos maus-tratos sofridos? Até que ponto a miséria sentida é mais
forte que a consciência que se tem dela? É possível uma revolta de Fabiano, se ele
não apresenta possibilidades de articulá-la concretamente devido aos limites de
sua linguagem? A velhice e a educação dos filhos poderiam efetivamente ser pen-
sadas dentro dos limites estreitos da consciência dos retirantes?
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Existem soluções?
O problema social tratado em Vidas secas é extremamente brasileiro e de
âmbito regional. A seca gera miséria, e a miséria, a morte e a desolação. Nesse
sentido, é lícito pensar que não sobram alternativas para os retirantes a não ser as
migrações contínuas de terra para terra, na mesma região, caracterizando a mu-
dança; ou de região para região, transfigurando-se em fuga.
Em qualquer cenário, a relação estabelecida entre os retirantes e a fazenda
ou a cidade grande é de vassalagem e de exploração, uma vez que esses homens
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Capitães da Areia
Jorge Amado
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Estrutura e enredo
Prólogo: “Cartas à redação”
O primeiro ponto importante na estruturação do romance é a forma extrema-
mente criativa como o autor o introduz. Abrindo-se para o universo jornalístico, há,
no prólogo intitulado “Cartas à redação”, transcrições ipsis litteris1 de algumas repor-
tagens e cartas publicadas no Jornal da Tarde, desencadeadas pela notícia “Crianças
ladronas”, cujo assunto é o roubo ocorrido na casa de um rico comerciante residen-
te em um bairro de elite de Salvador. A reportagem aponta crianças abandonadas
como responsáveis pelo crime. Em seguida, são transcritas cinco cartas vazadas em
linguagens diferentes, representando camadas sociais também diferentes.
A primeira, escrita em tom oficial, é redigida em nome do chefe de polícia,
que se exime de responsabilidade quanto ao crime, alegando que tais furtos deve-
riam ser coibidos pelo Juizado de Menores. A segunda carta, em linguagem florea-
da, vem assinada pelo Juiz de Menores, defendendo-se da acusação, colocando-se
à disposição da polícia, mas passando a responsabilidade para o reformatório. A
terceira e a quarta cartas contrastam com as demais pela linguagem utilizada. Na
terceira, pedindo desculpas pela letra e pelos erros, uma mãe trabalhadora acusa
o reformatório de não ser um lugar de aprendizagem, mas de deformação do ca-
ráter das crianças que lá são acolhidas, sendo deploráveis as condições de vida dos
menores nesse local. A quarta carta, assinada pelo padre José Pedro, é marcada
por uma linguagem mais enxuta; referenda as acusações da costureira, alegando
1 ipsis litteris (locução adverbial) – nos mesmos termos; tal como está escrito.
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1ª parte:
“Sob a lua, num velho trapiche abandonado”
Subdividida em 10 capítulos, a primeira parte apresenta o local em que as
ações transcorrerão. Um trapiche (ou armazém abandonado), à beira-mar, que no
passado fora um local movimentado e agora está sujo e infestado de ratos. Fora
frequentado inicialmente pela marginália, até ser tomado pelo bando dos Capi-
tães da Areia.
Sob a lua, num velho trapiche abandonado, as crianças dormem.
Antigamente aqui era o mar. Nas grandes e negras pedras dos alicerces do trapiche as
ondas ora se rebentavam fragosas, ora vinham se bater mansamente. A água passava por bai-
xo da ponte sob a qual muitas crianças repousam agora, iluminadas por uma réstia amarela
de lua. Desta ponte saíram inúmeros veleiros carregados, alguns eram enormes e pintados de
estranhas cores, para a aventura das travessias marítimas. Aqui vinham encher os porões e
atracavam nesta ponte de tábuas, hoje comidas. Antigamente diante do trapiche se estendia o
mistério do mar-oceano, as noites diante dele eram de um verde-escuro, quase negras, daquela
cor misteriosa que é a cor do mar à noite.
2 sui generis (locução adjetiva) – sem semelhança com nenhum outro, único no gênero; original, singular.
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3ª parte:
“Canção da Bahia, canção da liberdade”
O narrador fecha o romance relatando o destino dos membros que foram
destacados ao longo do romance. As crianças tornam-se jovens e adultos e vão
deixando o trapiche. Professor parte para o Rio de Janeiro e inicia um curso de pin-
tura acadêmica, mas logo o abandona para dar vazão a seu veio artístico natural,
popular, espontâneo. Torna-se um pintor de sucesso, com direito a uma exposição.
Nessa noite, Professor não acendeu vela, não abriu livro de história. Ficou calado quan-
do João Grande veio para seu lado. Arrumava suas coisas numa trouxa. Quase tudo era livro.
João Grande olhava sem dizer nada, mas compreendia muito, se bem todos dissessem que não
havia negro mais burro (...)
Ainda de longe, Professor vê o boné de Pedro, que se sacode no cais. E no meio daqueles
homens desconhecidos, oficiais fardados, comerciantes e senhoritas, fica tímido, não sabe que
fazer, sente que toda a sua coragem ficou com os Capitães da Areia. Mas dentro do seu peito
vem uma marca de amor à liberdade. Marca que o faria abandonar o velho pintor que lhe en-
sina coisas acadêmicas para ir pintar por sua conta quadros que, antes de admirar, espantam
todo o país.
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Considerações finais
Capitães da Areia, embora não seja a obra-prima de Jorge Amado, tem ainda
hoje sua força na maneira contundente com que ele critica a sociedade como um
todo, sociedade marcada pelos contrastes, pelo descaso das autoridades e pelo
segregacionismo com que os mais privilegiados eliminam de suas existências a
consciência de que existem camadas mais pobres.
Percebe-se, também, o preconceito com que as crianças abandonadas são
tratadas e como são segregados não só aqueles que vivem na miséria, como aque-
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Sentimento do mundo
Carlos Drummond de Andrade
Para obter diploma, frequenta o curso de Farmácia, mas não chega a exercer a
profissão. Mantém amizade com um grupo de intelectuais mineiros e se correspon-
de com os modernistas Manuel Bandeira e Mário de Andrade. Encabeçando A Revis-
ta (1925), Drummond torna-se um dos líderes do Movimento Modernista em Minas.
Em 1928, na Revista de Antropofagia publica o polêmico “No meio do caminho”, que
provocará o último grande escândalo da fase heroica do Modernismo (1922-1930).
Casado, leciona Português e Geografia no interior de Minas; retorna a Belo
Horizonte, onde se dedica ao jornalismo. Aceita depois a nomeação de funcioná-
rio da Secretaria da Educação. Transfere-se para o Rio como Chefe de Gabinete do
ministro da Educação Gustavo Capanema, cargo que exerce até 1945. Burocrata
por excelência, adepto da vida pacata e regular, aposenta-se em 1962 como fun-
cionário público do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico. Morre em 1987,
pouco depois do falecimento de sua única filha.
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1 “Autobiografia para uma revista”, escrita para a Revista Acadêmica, foi incluída em Confissões de Minas e
pode ser lida na íntegra no volume Obra completa da editora Aguilar, 1964.
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d) O cantar de amigos
Manuel Bandeira completa cinquenta anos em 1939. Merece toda a ternura
em uma bela homenagem repleta de carinho que lhe faz o amigo em “Ode ao
cinquentenário do poeta brasileiro”, composta das leituras e releituras e por frag-
mentos de poesias de Manuel Bandeira:
Não é o canto da andorinha, debruçada nos telhados da Lapa, / anunciando que tua
vida passou à toa, à toa. / Não é o médico mandando exclusivamente tocar um tango argenti-
no, / diante da escavação no pulmão esquerdo e do pulmão direito infiltrado. / Não são os car-
voeirinhos raquíticos voltando encarapitados nos burros velhos. / Não são os mortos do Recife
dormindo profundamente na noite...
O que o faz dizer, lucidamente, que a poesia vai estar a serviço de outras cau-
sas, aquelas que darão motivos para reflexões do social, em que será possível apon-
tar as necessidades e as discrepâncias do homem no seu meio social e no mundo
em que vive, vislumbrando uma possibilidade de futuro, como em “Mundo grande”:
Então, meu coração também pode crescer / Entre o amor e o fogo, / entre a vida e o fogo,
meu coração cresce dez metros e explode. / Ó vida futura! nós te criaremos.
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4) Os dramas do cotidiano
Nesse conjunto, há uma espécie de alargamento do gosto pelo cotidiano,
concebendo uma poesia que sai das ruas, do contato com o dia a dia, como se
vê em “Menino chorando na noite”, “Morro da Babilônia”, “Revelação do subúrbio”,
“Inocentes do Leblon”, entre outras.
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Til
José de Alencar (20 a 35) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 137
O cortiço
Aluísio Azevedo (105 a 131) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 163
A cidade e as serras
Eça de Queirós (132 a 150) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 173
Vidas secas
Graciliano Ramos (151 a 188) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 182
Capitães da Areia
Jorge Amado (189 a 207) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 194
Sentimento do mundo
Carlos Drummond de Andrade (208 a 227). . . . . . . . . . . . . 200
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20. O nascimento de Berta está envolto em a) descobre que eles são meios-irmãos.
um segredo: b) ama Afonso.
a) Seu pai não é o marido de Besita, porque c) não quer magoar a amiga que é apaixona-
ela era amante de Luís Galvão. da por ele.
b) Seu pai é Luís Galvão, que se fizera passar d) fez uma promessa de tornar-se freira.
por Ribeiro, marido de Besita. e) irá se mudar para longe.
c) Seu pai é Jão Fera, apaixonado por Besita e
seu antigo protetor. Texto para as questões 24 e 25.
d) Ela é adotada por Ribeiro e Besita.
e) Ela é adotada por Luís Galvão e D. Ermelinda. Entrou em casa para consolar nhá Tudinha; e
instantes depois se restabeleceu a cena plácida
21. Observe as afirmações a seguir sobre o
e melancólica do começo da tarde.
romance Til, de José de Alencar.
Quando o Sol escondeu-se além, na cúpula da
I. O romance pode ser enquadrado na litera-
tura regionalista, uma vez que apresenta usos floresta, Berta ergueu-se ao doce lume do crepús-
e costumes de uma determinada região. culo, e com os olhos engolfados na primeira estre-
II. Tem-se um narrador em 3a pessoa e obser- la, rezou a ave-maria, que repetiam, ajoelhados a
vador, que não se furta a comentar a maioria seus pés, o idiota, a louca e o facínora remido.
das situações vivenciadas pelos personagens Como as flores que nascem nos despenha-
principais. deiros e algares*, onde não penetram os esplen-
III. O tempo da narração é indefinido, con- dores da natureza, a alma de Berta fora criada
tendo flashbacks que explicam o presente da para perfumar os abismos da miséria, que se
narrativa. cavam nas almas, subvertidas pela desgraça.
Está(ão) correta(s) a(s) afirmação(ões): Era a flor da caridade, alma sóror.
(*) Algares: grutas, cavernas.
a) I, apenas.
b) I e III. 24. O trecho anterior deixa entrever uma ca-
c) III, apenas. racterística da estética romântica:
d) II e III. a) Busca por espaços bucólicos, esplendoro-
e) II, apenas. sos e cheios de luz.
22. Com base no enredo de Til, de José de b) Presença da religiosidade e idealização da
Alencar, indique a alternativa que completa a mulher segundo símbolo de santidade.
frase a seguir: c) Busca por um ideário ilusório e fantasioso,
Linda é apaixonada por (A), que é convencido remontando as imagens recolhidas da lite-
por (B) desse amor. (B) descobre ser irmã de ratura medieval.
Linda e (C), já que é filha de (D). d) Presença de religiosidade atrelada a uma
a) A-Afonso, B-Besita, C-Miguel, D-Ribeiro. heroína de personalidade fraca.
b) A-Miguel, B-Berta, C-Jão Fera , D-Ribeiro. e) Presença de uma heroína egoísta, fruto do
c) A-Afonso, B-Zana, C-Luís, D-Jão Fera. meio em que vive.
d) A-Luís, B-D. Ermelinda, C-Miguel, D-Luís.
25. Sabendo que essa é a cena final do ro-
e) A-Miguel, B-Berta, C-Afonso, D-Luís.
mance Til, o motivo de nhá Tudinha precisar
23. No início do romance Til, Berta e Miguel ser consolada é o fato de:
sentem-se atraídos. No entanto, a heroína de- a) ter perdido o marido.
siste do romance com o rapaz, pois ela: b) o filho Miguel ter ido estudar em São Paulo.
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52. No excerto, o narrador incorpora elemen- 54. No segmento “fora daqueles de que se diz
tos da linguagem usada pela maioria das per- que não deram o seu quinhão ao vigário”, a
sonagens da obra, como se verifica em: expressão não deu o seu quinhão ao vigário:
a) “... aborrecera-se porém do negócio...” a) foi empregada em sentido figurado e deve
ser entendida assim: “não agia em conformi-
b) “... de que o vemos empossado...”
dade com a moral e os bons costumes”.
c) “... rechonchuda e bonitota.”
b) é um recurso de estilo, utilizado para levar à
d) “... envergonhada do gracejo...” compreensão do seguinte traço pecaminoso da
e) “... amantes tão extremosos...” personagem: “rejeitava o pagamento do dízimo”.
53. (PUC) Das alternativas a seguir, indique a c) constitui uma metáfora, com a qual o nar-
que contraria as características mais significa- rador caracteriza o traço de incredulidade da
tivas do romance Memórias de um sargento de personagem com relação à fé católica.
d) pode ser substituída, sem prejuízo do sen-
milícias, de Manuel Antônio de Almeida.
tido original, por: “não desempenhava ne-
a) Romance de costumes que descreve a vida
nhuma atividade assistencial”.
da coletividade urbana do Rio de Janeiro, na e) compõe a caracterização do major e, de-
época de D. João VI. notativamente, aponta para a seguinte ideia:
b) Narrativa de malandragem, já que Leonar- “não reconhecia seus erros perante o pároco”.
do, personagem principal, encarna o tipo do
malandro amoral que vive o presente, sem 55. A frase que, no contexto, pode ser correta-
qualquer preocupação com o futuro. mente entendida como uma consequência é:
a) “... essa alguma cousa era a Maria Regala-
c) Livro que se liga aos romances de aventura,
da...” (linhas 5 e 6)
marcado por intenção crítica contra a hipocri-
b) “Maria Regalada fora no seu tempo uma
sia, a venalidade, a injustiça e a corrupção social. mocetona de truz...” (linhas 7 e 8)
d) Obra considerada de transição para um novo c) “... era de um gênio sobremaneira folga-
estilo de época, ou seja, o Realismo/Naturalismo. zão...” (linhas 9 e 10)
e) Romance histórico que pretende narrar fa- d) “... fazia-o por muito tempo e com muito
tos de tonalidade heroica da vida brasileira, gosto...” (linhas 12 e 13)
como os vividos pelo major Vidigal, ambien- e) “... não estranhem pois os leitores...” (linhas
tados no tempo do rei. 16 e 17)
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69. (Mack) Sobre o romance Memórias póstu- quais renega os valores da primeira fase.
mas de Brás Cubas, não é correto afirmar que: d) antecede as conquistas modernistas, com
a) é uma obra inovadora do processo narrati- uma postura crítica diante da civilização in-
vo, que introduz o Realismo no Brasil. dustrial e uma atitude de denúncia das misé-
b) Brás Cubas atua como defunto-narrador, rias do mundo rural.
capaz de alterar a sequência do tempo cro- e) desmistifica as idealizações românticas e
nológico. assume uma visão crítica que, despindo as
c) o memorialismo exarcebado acaba por con- aparências que encobrem a realidade, busca
ferir à obra um caráter de crônica. as razões últimas das ações humanas.
d) constitui um romance de crítica ao Roman-
72. (FEI)
tismo, deixando entrever muita ironia em vá-
rios momentos da narrativa. Mas o livro é enfadonho, cheira a sepulcro, traz
e) revela crítica intensa aos valores da socie- certa contração cadavérica; vício grave, e aliás
dade e ao próprio público leitor da época. ínfimo, porque o maior defeito deste livro és tu,
leitor. Tu tens pressa de envelhecer, e o livro anda
70. (FGV) O romance Memórias póstumas de
devagar; tu amas a narração direita e nutrida, o
Brás Cubas foi publicado num momento sig-
estilo regular e fluente, e este livro e o meu estilo
nificativo da literatura brasileira, tanto para
são como os ébrios, guinam à direita e à esquer-
a carreira de Machado de Assis, como para o
da, andam e param, resmungam, urram, garga-
desenvolvimento da prosa no Brasil. Tornou-se
lham, ameaçam o céu, escorregam e caem...
um divisor entre: (Machado de Assis, Memórias
a) a prosa romântica e a realista-naturalista. póstumas de Brás Cubas.)
b) o romantismo e o cientificismo literário.
Assinale a alternativa que apresenta a carac-
c) os remanescentes clássicos e a necessidade
terística de Machado de Assis que melhor se
de modernização.
aplica ao texto anterior:
d) o espírito conservador e o espírito revolu-
a) Machado de Assis procura lançar a dúvida
cionário.
quanto à verdadeira identidade das pessoas:
e) a prosa finissecular e a imposição renova-
aparentamos o que somos ou somos o que
dora da época.
aparentamos.
71. (FCC) Memórias póstumas de Brás Cubas é b) A literatura machadiana busca as causas
considerado romance divisor de águas da obra secretas do ser humano. O homem é um ser
machadiana porque, a partir dele, o autor: complexo, voltado para a maldade.
a) assume de vez a visão romântica da reali- c) Machado de Assis mostra uma visão pes-
dade, apenas esboçada nos romances da cha- simista, desencantada do ser humano. Apre-
mada primeira fase. senta o homem com falhas, egoísmo, ambi-
b) se insere na estética naturalista, ao denun- ções, vaidade, cinismo, hipocrisia.
ciar as mazelas sociais, os casos patológicos d) Ele é o cientista psicólogo. Procura, cons-
e os aspectos mais repugnantes da realidade. tantemente, analisar o comportamento do
c) procede a uma retifïcação da própria obra, homem, desvendando sua miséria e apresen-
através da voz de personagens por meio das tando-o como perverso e egoísta.
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69.c 70.a 71.e 72.e 73.b 74.c 94. O autor se preocupa tanto com as formas de
comportamento humano quanto com a escravi-
75.c 76.d 77.a 78.c 79.b 80.e dão.
81.a 82.c 83.a 84.c 85.d Com o comportamento porque faz uma reflexão
ampla sobre a maneira pela qual os seres humanos
descontam as injúrias recebidas, injuriando outros.
Respostas possíveis para as Com a escravidão porque vivia numa sociedade
onde havia senhores e escravos e ele mesmo, nar-
questões escritas rador, fora um senhor de escravo, e talvez por esta
razão o episódio chama-lhe a atenção.
86. A ironia está na conotação comercial, vincu- 95. a) O capítulo não é alegre.
lando a duração do amor ao dinheiro. Na verdade,
Marcela não amou Brás Cubas; apenas teve com ele b) O capítulo descreve, entre outros aspectos, um
uma relação motivada pelo interesse. episódio no qual um ex-escravo está aplicando cas-
O pensamento irônico nasce da combinação entre tigos físicos em um escravo e as reflexões que este
a pouca duração temporal e a vultosa quantia en- fato suscita no narrador.
volvidas no caso amoroso.
96. a) • “Ainda hoje deixei ele na quitanda (...) para
87. a) Por ter sido Virgília, durante algum tempo, na venda beber...” – falar coloquial e inculto de Pru-
amante de Brás Cubas, este supôs que ela não dêncio;
“amava” o marido, daí estranhar aquelas lágrimas • “Fez-te alguma coisa?”; “... perdoa-lhe” – falar culto
que não eram por simples conveniência. de Nhonhô.
b) “levava uma pedra na garganta ou na consciên- b) Indicam os diferentes graus de cultura e, consequen-
cia”. temente, de nível social entre Nhonhô e Prudêncio.
Apesar da alforria, a relação senhor-escravo permane-
88. a) Encobertar os amores ilícitos de Virgília com
ce, sendo explicitada também no plano da linguagem.
Brás Cubas.
b) Concubina é a amante, aquela que vive amasiada. 97. a) Na 2ª pessoa estão as falas de:
Medianeira é a intermediária. No caso de D. Plácida, • Prudêncio dirigindo-se ao escravo: “Toma, diabo!”;
encoberta os amores ilícitos recebendo pagamento. “Cala a boca, besta!”; “Entra para casa, bêbado!”;
• Brás Cubas dirigindo-se a Prudêncio: “Fez-te algu-
89. a) Dona Plácida estava passando por dificulda- ma coisa?”.
des financeiras, quando Virgília a procurou.
b) Na 3ª pessoa está a fala de Prudêncio dirigindo-se
b) “lágrimas dos primeiros dias, as caras feias, os si- a Brás Cubas: “Nhonhô manda, não pede” denotando
lêncios, os olhos baixos”.
a distância entre as personagens.
90. a) Arte significa toda a técnica, todos os mala- Deve-se observar a mudança de pessoa na fala de
barismos que a personagem teve de enfrentar para Prudêncio, que, ao utilizar a 2ª pessoa referindo-
conseguir vencer o humor de D. Plácida. -se ao escravo assemelha-se à postura de Nhonhô
b) Enquanto o tempo corre, a consciência de referindo-se a ele.
D. Plácida vai-se acomodando à situação e, entre a 98. a) Discurso indireto.
necessidade material e a moral, vence a primeira.
b) Perguntei-lhe:
91. a) No texto, vício é o adultério – uma vez de- – Esse preto é seu escravo?
sencadeado, não volta atrás; virtude é a caridade de
acolher uma mendiga. 99. Nhonhô é o tratamento que os escravos davam
ao senhor. É uma variante de senhor > sinhô > nho-
b) No caso de Brás Cubas, não haveria a virtude se
nhô > ioiô.
não houvesse o vício, isto é, se não houvesse amo-
res ilícitos não haveria a prática da caridade. 100. a) Como lamento.
92. a) Fazer render, ceder. b) Brás Cubas lamentava o fato de ter perdido a in-
finidade de reflexões que seriam “matéria para um
b) Probo: aquele que tem caráter íntegro, honesto.
bom capítulo, e talvez alegre” porque o autor gos-
93. a) “mas aleguei” tava “dos capítulos alegres”.
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(Fatec) Leia o texto para responder as ques- havia já feito subir o jantar dos caixeiros, estava
tões 105 e 106. de cócoras, no chão, escamando peixe, para a
Ao chegarem à casa, João Romão pediu ao ceia do seu homem, quando viu parar defronte
cúmplice que entrasse e levou-o para o seu es- dela aquele grupo sinistro.
critório. Reconheceu logo o filho mais velho do seu
– Descanse um pouco... disse-lhe. primitivo senhor, e um calafrio percorreu-lhe o
– É, se eu soubesse que eles se não demora- corpo. Num relance de grande perigo compreen-
vam muito ficava para ajudá-lo. deu a situação; adivinhou tudo com a lucidez de
– Fique para jantar. São quatro e meia, segre- quem se vê perdido para sempre: adivinhou que
dou-lhe na escada. tinha sido enganada; que a sua carta de alforria
Tomavam café, quando um empregado era uma mentira, e que o seu amante, não tendo
subiu para dizer que lá embaixo estava um coragem para matá-la, restituía-a ao cativeiro.
senhor, acompanhado de duas praças, e que Seu primeiro impulso foi de fugir. Mal, porém,
desejava falar ao dono da casa. circunvagou os olhos em torno de si, procuran-
– Vou já, respondeu este. E acrescentou para do escapula, o senhor adiantou-se dela e segu-
o Botelho: – São eles! rou-lhe o ombro.
– Deve ser, confirmou o velho. – É esta! disse aos soldados que, com um
E desceram logo. gesto, intimaram a desgraçada a segui-los. –
– Quem me procura?... exclamou João Ro- Prendam-na! É escrava minha!
mão com disfarce, chegando ao armazém. A negra, imóvel, cercada de escamas e tripas
Um homem alto, com ar de estroina, adian- de peixe, com uma das mãos espalmadas no
tou-se e entregou-lhe uma folha de papel. chão e com a outra segurando a faca de cozi-
João Romão, um pouco trêmulo, abriu-a de- nha, olhou aterrada para eles, sem pestanejar.
fronte dos olhos e leu-a demoradamente. Um Os policiais, vendo que ela se não despacha-
silêncio formou-se em torno dele; os caixeiros va, desembainharam os sabres. Bertoleza en-
pararam em meio do serviço, intimidados por tão, erguendo-se com ímpeto de anta bravia,
aquela cena em que entrava a polícia. recuou de um salto e, antes que alguém conse-
– Está aqui com efeito... disse afinal o nego- guisse alcançá-la, já de um só golpe certeiro e
ciante. Pensei que fosse livre... fundo rasgara o ventre de lado a lado.
– É minha escrava, afirmou o outro. Quer E depois emborcou para a frente, rugindo e
entregar-ma?... esfocinhando moribunda numa lameira de san-
– Mas imediatamente. gue. João Romão fugira até ao canto mais escu-
– Onde está ela? ro do armazém, tapando o rosto com as mãos.
– Deve estar lá dentro. Tenha a bondade de Nesse momento parava à porta da rua uma
entrar... carruagem. Era uma comissão de abolicionis-
O sujeito fez sinal aos dois urbanos, que o tas que vinha, de casaca, trazer-lhe respeitosa-
acompanharam logo, e encaminharam-se to- mente o diploma de sócio benemérito.
dos para o interior da casa. Botelho, à frente Ele mandou que os conduzissem para a sala
deles, ensinava-lhes o caminho. João Romão ia de visitas.
atrás, pálido, com as mãos cruzadas nas costas. (Aluísio Azevedo, O cortiço.)
Atravessaram o armazém, depois um peque-
no corredor que dava para um pátio calçado, 105. Para livrar-se de Bertoleza, João Romão
chegaram finalmente à cozinha. Bertoleza, que agiu de forma dissimulada, tramando contra
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118. Afinal, já não lhe bastava sortir o seu es- 119. (UEL) A questão refere-se aos trechos a
tabelecimento nos armazéns fornecedores; co- seguir.
meçou a receber alguns gêneros diretamente Justamente por essa ocasião vendeu-se tam-
da Europa: o vinho, por exemplo, que ele dantes bém um sobrado que ficava à direita da venda,
comprava aos quintos nas casas de atacado, separado desta apenas por aquelas vinte braças;
vinha-lhe agora de Portugal às pipas, e de cada e de sorte que todo o flanco esquerdo do prédio,
uma fazia três com água e cachaça; e despa- coisa de uns vinte e tantos metros, despejava
chava faturas de barris de manteiga, de caixas para o terreno do vendeiro as suas nove janelas
de conserva, caixões de fósforos, azeite, queijos, de peitoril. Comprou-o um tal Miranda, nego-
louça e muitas outras mercadorias. ciante português, estabelecido na rua do Hospí-
Criou armazéns para depósito, aboliu a qui- cio com uma loja de fazendas por atacado.
tanda e transferiu o dormitório, aproveitando (...)
o espaço para ampliar a venda, que dobrou de E durante dois anos o cortiço prosperou de
tamanho e ganhou mais duas portas. dia para dia, ganhando forças, socando-se
Já não era uma simples taverna, era um bazar de gente. E ao lado o Miranda assustava-se,
em que se encontrava de tudo: objetos de armari- inquieto com aquela exuberância brutal de
nho, ferragens, porcelanas, utensílios de escritório, vida, aterrado diante daquela floresta im-
roupa de riscado para os trabalhadores, fazenda placável que lhe crescia junto da casa, por
para roupa de mulher, chapéus de palha próprios debaixo das janelas, e cujas raízes piores e
para o serviço ao sol, perfumarias baratas, pentes mais grossas do que serpentes miravam por
de chifre, lenços com versos de amor, e anéis e toda parte, ameaçando rebentar o chão
brincos de metal ordinário. em torno dela, rachando o solo e abalando
E toda a gentalha daquelas redondezas ia cair tudo.
lá, ou então ali ao lado, na casa de pasto, onde (Aluísio Azevedo. O cortiço. São Paulo: Martins,
os operários das fábricas e os trabalhadores da 1974. 26. ed. pp. 23 e 33.)
pedreira se reuniam depois do serviço, e ficavam Com base nos fragmentos citados e nos co-
bebendo e conversando até às dez horas da noi- nhecimentos sobre o romance O cortiço, de
te, entre o espesso fumo dos cachimbos, do peixe Aluísio Azevedo, considere as afirmações a
frito em azeite e dos lampiões de querosene. seguir.
Era João Romão quem lhes fornecia tudo, I. A descrição do cortiço, feita através de uma
tudo, até dinheiro adiantado, quando algum linguagem metafórica, indica que, no roman-
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126. a) Metáfora, em ”E o mugido lúgubre daquela 130. a) Enganado por Pataca, Firmo vai à praia com
pobre criatura abandonada antepunha à rude agi- a esperança de flagar Rita Baiana com algum estra-
tação do cortiço uma nota lamentosa e tristonha nho. No entanto, Pataca e outros dois homens o
de uma vaca chamando ao longe...”, pois Piedade encurralam e batem nele até Firmo falecer.
é tida como vaca; comparação, em “E Piedade, as- b) Após o ataque, Jerônimo efetua o pagamento
sentada à soleira de sua porta, paciente e ululan- aos capangas e paga-lhes uma bebida. Consegue
te como um cão que espera pelo dono”, trecho no ainda, como recordação, a navalha da vítima. De-
qual a mesma personagem é comparada a um cão. pois de se despedir dos comparsas, ele vai para
b) Tais recursos criam um processo de identifica- casa, onde se encontra com Rita Baiana. A perda
ção da personagem com animais, ou seja, tenta-se das travas morais que culmina com a eliminação
chamar atenção para os aspectos mais primitivos de Firmo constitui a total adaptação de Jerônimo
do homem, algo que foi intensamente explorado ao meio e, consequentemente, a sua entrega aos
pelo Naturalismo. desregramentos e à lubricidade.
127. a) Sintaticamente, o termo “o” tem função de 131. a) Trata-se do personagem João Romão, que,
objeto direto do verbo fazer; morfologicamente, tal para enriquecer, sacrifica-se a si mesmo, vivendo
termo assume a classificação de pronome substan- uma vida mesquinha e miserável; contentando-se
tivo demonstrativo. com os restos dos outros, rouba e explora os tra-
b) Tal expressão, dentro do contexto, significa agir balhadores da pedreira e os inquilinos do cortiço;
de modo pensado. usa e abusa da serviçal Bertoleza com uma única
finalidade – aumentar seus bens.
128. a) Miranda nutria um misto de raiva e inveja
em relação a João Romão. Raiva por causa de o vizi- b) A “mulher escrava” em questão é Bertoleza. João
nho não ter aceitado negociar com ele um pedaço Romão aproxima-se dela, finge que a protege, fal-
de terreno; inveja por causa da prosperidade finan- sifica a carta de alforria, embolsa o dinheiro que ela
ceira de João Romão. ajuntara e emprega-a, sem salário, como quituteira
da venda, fazendo-a trabalhar incansavelmente.
b) João Botelho era um agregado na casa de Mi-
randa. Como ele vivia de favor, esforçava-se para A mulher, profundamente grata pela “liberdade”
agradar os donos da casa. João Botelho era comer- comprada, é duplamente explorada: como empre-
ciante, trabalhou com especulações, chegando in- gada, por tornar-se “mula de carga” de João Romão
clusive a enriquecer. No entanto, pouco a pouco foi e como amante, usada apenas sexualmente, sem
perdendo sua fortuna e, aproveitando-se de uma qualquer envolvimento afetivo.
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Texto para as questões 132 e 133. cinto não ter voltado a Paris, como era de se
Suma ciência esperar.
x b) o espanto de Severo, filho de Melchior, ao
Suma potência perceber que o narrador não sabia que Jacin-
to não tinha planos de partir.
132. No romance A cidade e as serras, o ideal c) a preocupação de Severo, pois ele acredi-
anteriormente exposto: tava que o patrão esquecera de avisar seus
a) é seguido pelo protagonista desde o início amigos de que ficaria mais tempo em Tormes.
até o final do volume. d) a surpresa do narrador ao constatar que
b) é seguido pelo narrador, que o abandona Jacinto ficara em Tormes.
devido à constatação de que o campo pode e) que Severo se divertiu ao saber que o nar-
propiciar uma vida melhor. rador desconhecia a intenção de Jacinto de
c) é seguido pelo protagonista que, no en- permanecer mais tempo nas serras.
tanto, acaba por rejeitá-lo ao constatar que o
homem pode ser mais feliz no campo. Texto para as questões 135 e 136.
d) é aceito pelo narrador e para ilustrá-lo uti-
liza o exemplo do seu grande amigo Jacinto. – Ó Jacinto, eu daqui a um instante também
e) é aceito pelo protagonista e para ilustrá-lo quero água! E se compete a esta rapariga trazer
utiliza o exemplo de Júlio Dinis. as coisas, eu, de cinco em cinco minutos, quero
uma coisa!... Que olhos, que corpo... Caramba,
133. O conceito exposto no texto: menino! Eis a poesia toda viva da serra... (...)
a) é pura e simplesmente teórico e idealista. – É uma bela moça, mas uma bruta (...) Mere-
b) é uma equação idealista que o protago- ce o seu nome de Ana Vaqueira. Trabalha bem,
nista procura colocar em prática cercando-se digere bem, concebe bem. Por isso a fez a Na-
dos avanços tecnológicos que a riqueza pode tureza, assim sã e rija; e ela cumpre. O marido,
comprar. todavia, não parece contente, porque a desan-
c) é a síntese da bem-aventurança que perse- ca. Também é um belo bruto... Não, meu filho,
gue o protagonista da primeira à última pági- a serra é maravilhosa e muito grato lhe estou...
na do volume. Mas temos aqui a fêmea em toda a sua anima-
d) consiste na essência da filosofia futurista lidade e o macho em todo o seu egoísmo... São
defendida pelo narrador da obra. porém verdadeiros, genuinamente verdadeiros!
e) é a essência do Positivismo defendida pelo E esta verdade, Zé Fernandes, é para mim um
autor no volume. repouso!
Texto para a questão 134.
135. a) O trecho demonstra que Jacinto não
– Ora essa! Então o Sr. D. Jacinto está em Tor-
comungava do mesmo entusiasmo do amigo
mes?
ao se referir à beleza da mulher do campo.
O meu espanto divertiu o Severo:
b) O trecho ilustra duas diferentes posições de
– Então Vossa Excelência... Pois em Tormes
Jacinto a respeito da mulher do campo: sensível
é que ele está, há mais de cinco semanas, sem
e bela por um lado, bruta e leal por outro.
arredar! E parece que fica para a vindima, e vai
c) O trecho se refere à inutilidade e à falsidade
lá uma grandeza!
das mulheres do campo se comparadas com
134. O texto indica: os animais.
a) o espanto do protagonista pelo fato de Ja- d) O trecho destaca a delicadeza e a sensi-
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138.e 139.b 140.c 141.e 142.a c) Jacinto é rico, inteligente, forte e culto. Os outros
personagens da leva parisiense são apresentados
caricaturescamente. Grilo é escudeiro de Jacinto,
um negro livre e observador arguto do patrão, a
Respostas possíveis para as
quem é profundamente dedicado.
questões escritas
d) Contrapõe a mediocridade dos portugueses
desterrados à inteligência de Jacinto para, com ele,
143. a) O atraso e o conservadorismo. metaforizar o retorno de um autêntico Portugal.
b) A proposta do romance é uma reforma social, e) Joaninha é personagem que representa a ca-
encabeçada pelos mais privilegiados, que promo- pitulação de Jacinto. Ela fixara o personagem no
vesse a assistência social através do amparo e pro- campo.
teção aos menos favorecidos. Quando Jacinto, pro-
tagonista de A cidade e as serras, teve seu apelido 148. a) Não. Jacinto faz uma série de obras em Tor-
mudado de “Príncipe da Grã-Ventura” para “Pai dos mes visando ao bem da gente pobre da serra, mas
Pobres” esse caráter paternalista fica evidenciado. isso não caracteriza uma relação social de igualda-
de entre ele e os outros, pois ele jamais abdicou de
144. a) O volume é narrado em 1ª pessoa por José sua posição de grande senhor rural. As reformas fo-
Fernandes, que também é personagem secundá- ram impulsionadas pelo espírito cristão de carida-
rio, portando-se como mero espectador (obser- de, as quais fazem com que Jacinto seja chamado
vador). Limita-se a narrar de forma objetiva o que de “Pai dos Pobres”, numa alusão a São Francisco de
deduz de suas observações. Assis.
b) Jacinto é o personagem principal, motivo das b) Para a gente pobre de Tormes, Jacinto era “el-rei
observações de José Fernandes que o conheceu D. Sebastião” que voltara para cuidar de seu povo.
em Paris, nas escolas do Bairro Latino. Nesse sentido, Jacinto encarna o mito do “Deseja-
c) A euforia com que defende a ideia de que “o ho- do”, o qual viria para promover o bem-estar de sua
mem só é superiormente feliz quando é superior- gente, crença que na cultura portuguesa é conhe-
mente civilizado”. cida como sebastianismo.
145. a) O bucolismo ou a valorização da natureza é 149. a) Trata-se da corrente política que apoiava
um tema além de escolas literárias e reflete a neces- D. Miguel de Bragança, em sua disputa com seu
sidade de o homem procurar refúgio na natureza. irmão D. Pedro I (D. Pedro IV, em Portugal) pela
Coroa portuguesa. A volta de D. Pedro I a Portu-
b) A época em que foram redigidos, a linguagem uti- gal, em 1831, acentuou o vazio de poder no Brasil,
lizada, a forma de composição, prosa (Eça) e poesia provocando as grandes e graves crises políticas do
(Bocage). O texto de Eça e os versos de Bocage são Período Regencial, que apressaram a aprovação da
ideológicos enquanto o último é propagandístico, maioridade de D. Pedro II em 1840.
mudando, portanto, as funções de linguagem de
emotiva e poética nos dois literatos para apelativa b) Para Jacinto, ser socialista era estar do lado dos
na propaganda. pobres. Nesse sentido, sem nunca deixar de ser o
grande proprietário rural que era, tomou uma sé-
146. a) Realismo/Naturalismo. rie de medidas que beneficiavam a estes. Por isso,
b) Eça tem como tema a restauração do nacionalis- Jacinto foi identificado a D. Sebastião, que voltara
mo e a exaltação ao meio campestre (bucolismo), para cuidar de seu povo, sendo também chamado
temas estes que não fazem parte do ideário realis- de “Pai dos Pobres”.
ta. 150. a) O enguiço do elevador serve para o narra-
147. a) O avô de Jacinto, Galeão, era miguelista e dor expor, de modo crítico e irônico, a dependên-
desprezava D. Pedro. Com a derrota de D. Miguel, cia, cada vez maior, do homem em relação à tecno-
Galeão abandona voluntariamente Portugal e logia (ou às “necessidades” criadas pelo progresso
passa a viver em Paris. Como era rico proprietário, do mundo moderno).
desfrutava de uma vida confortável em terras es- b) No desfecho do romance, fica clara a ideia de
trangeiras. que é necessário separar o fútil do útil: por exem-
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154. Assinale a alternativa que interpreta in- 156. Assinale a alternativa correta:
corretamente o trecho anterior: a) Fabiano costuma questionar a manipula-
a) Fabiano mostra-se orgulhoso por ter con- ção das palavras por parte dos poderosos.
seguido livrar a família da miséria absoluta. b) Fabiano se afeiçoa aos animais, pois com-
b) As lembranças do passado enchem de be- preende a linguagem dos bichos.
leza e ternura a vida de Fabiano. c) A linguagem e a conduta de Fabiano refle-
c) No trecho citado, o autor se refere ao processo tem a aridez da região.
de desumanização ao qual os retirantes nordes- d) Fabiano, muito curioso, não gostaria que os
tinos são submetidos, comparando-os a animais. seus filhos se tornassem curiosos como o pai.
d) Depois de muito sofrimento, Fabiano e sua e) Fabiano é um exímio comunicador, pois
família conseguem se instalar em uma pe- consegue se comunicar com os animais e
quena propriedade rural. com os brutos.
e) Nesse trecho, evidencia-se que Fabiano e 157. Indique a opção incorreta:
sua família são retirantes da seca. a) A “gente da cidade” é vista como uma gen-
155. O estilo do autor do texto anterior é te culturalmente mais preparada, pois conhe-
caracterizado pelo frequente emprego do ce as palavras compridas e difíceis.
discurso indireto livre. Assinale a alternativa b) O mundo descrito no texto é tão árido que
que transcreve uma passagem em que esse chega a desumanizar as pessoas, evitando a
recurso é exemplificado: comunicação e as relações humanas.
a) “... a lembrança dos sofrimentos passados c) Fabiano conhece bem os seus direitos.
esmorecera...” (linhas 9 e 10) d) As palavras são “inúteis”, pois no mundo de
b) “Fabiano ia satisfeito.” (linha 1) Fabiano quase não há diálogo.
c) “Sim senhor, arrumara-se.” (linhas 1 e 2) e) Fabiano é descrito como um animal, arisco,
d) “Olhou em torno, com receio...” (linha 19) instintivo e temeroso da ação dos “homens”.
e) “– Fabiano, você é um homem...” (linha 11) 158. A propósito da passagem “– Esses cape-
Texto para as questões 156 e 157. tas têm ideias...”, é correto afirmar que:
a) Fabiano aprova a criatividade dos filhos.
Vivia longe dos homens, só se dava bem com b) “ter ideias”, no contexto da obra, é perigo-
animais. Os seus pés duros quebravam espi- so em virtude das limitações socioculturais a
nhos e não sentiam a quentura da terra. Mon- que estão confinadas as personagens.
tado, confundia-se com o cavalo, grudava-se a c) Fabiano associa a palavra “capetas” a
ele. E falava uma linguagem cantada, monossi- “ideias”, mas essa associação é involuntária e
lábica e gutural, que o companheiro entendia. totalmente desprovida de sentido.
A pé, não se aguentava bem. Pendia para um d) as reticências indicam um pensamento
lado, para o outro lado, cambaio, torto e feio. truncado, o que, aliás, é muito pouco fre-
Às vezes utilizava nas relações com as pessoas quente no protagonista.
a mesma língua com que se dirigia aos brutos – e) Fabiano possui um invejável poder de sín-
exclamações, onomatopeias. Na verdade fala- tese e por isso usa poucas palavras.
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205. a) O tempo, relativamente extenso, mas impre- 207. a) O sertão, para Volta Seca, é “lírico, pobre e
ciso, compreende um retalho da vida dos meninos, belo” e “comove os olhos”. Em Capitães da Areia, o
desde a infância até a maturidade. Contudo, há a sertão é belo porque “homens (...) conseguem criar
oportunidade de conhecer com mais intensidade beleza dentro dessa miséria”. Em Vidas secas, a terra
o tempo de alguns personagens como Pedro Bala é pobre e seca e é fator determinante para a miséria.
e Dora. b) O homem, em Capitães da Areia, é capaz de
b) O título é metafórico. Pode-se pensar em jovens transcender seu estado de miséria e criar beleza,
que vivem à beira-mar, portanto, nas areias da praia justiça e liberdade por meio de uma tomada de
onde se situa o trapiche, e de lá comandam suas consciência de seu papel social. Em Vidas secas, ele
vidas, daí o capitães. Pode-se ir além, pensar em é incapaz de superar a miséria que se revela tanto
crianças que, como areia, são dissolvidas, levadas, no plano físico quanto no intelectual.
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