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TRADUÇÃO: Idade, Raça, Classe e Sexo: Mulheres redefinindo a

diferença (Audre Lorde)

O título original do texto é Age, Race, Class and Sex: Women Redefining Difference.

Audre Lorde:
"Não são as nossas
diferenças
que nos dividem.
É a nossa inabilidade
em reconhecer,
aceitar e celebrar
tais diferenças".

Deixo vocês com a nossa tradução clandestina.

CONSIDERAÇÕES SOBRE A IMPORTÂNCIA DO ENSAIO DE AUDRE LORDE


ATUALMENTE

Talvez você até pense interiormente que categorias reafirmam


diferenças no sentido de manter a desigualdade. Ora, é óbvio que
somos diversas em termos de subjetividade, visão de mundo,
compreensão das coisas.

O ponto é que há pessoas que, visivelmente, são brutalizadas,


privadas de direitos, impedidas de acessar espaços a fim de falarem
por si mesmas.

 ...temos total legitimidade para nos agruparmos em busca de


direitos que a sociedade se recusa a reconhecer/compreender.

Tenho percebido, principalmente em âmbito acadêmico, um contínuo esforço em


desconstruir categorias "negro/a", "mulher" e "não heterossexual" (pessoas que
têm direitos negados diariamente) com uma força desproporcional ao esforço de
desconstrução de "branquitude", "eurocentrismo", "academicismo" e
"masculinidade-cis".
"aburguesar-se"

não muda a condição de ninguém. Preta e preto famosos continuam sendo pessoas pretas

A questão econômica não é o nosso grande drama. Apesar de ser um grande drama. O grande drama é
justamente o reconhecimento da pessoa do homem negro que nunca foi reconhecido no Brasil."

(Beatriz Nacimento in Ori - Direção: Raquel Gerber -1989. 131 min País: BRA Gênero: Documentário)

...somos diversas? Somos. Diferentes modos de estar no mundo. Mas ainda


não é o mundo que queremos viver. Embora o mundo caminhe rumo à
igualdade, ainda não é justo e, enquanto não houver equidade de
oportunidades, fala e acessos haverá resistência.

Em meio a essa sociedade, aquele grupo é composto por negros e


pessoas de países subdesenvolvidos, pessoas da classe operária,
pessoas idosas e mulheres.

Tradicionalmente, na sociedade estadunidense, é solicitado a


membros de grupos oprimidos e objetificados que se esforcem por
salvar o abismo que separa a realidade da nossa vida da consciência
do nosso opressor.

Com o objetivo de sobreviver, aqueles para quem a opressão é tão


genuinamente norte-americana como a torta de maçã, sempre temos
sido obrigados a ser bons/boas observadores/as e familiarizados com
a linguagem e as maneiras do opressor, muitas vezes inclusive adotar
esses modos por uma ilusão de proteção. Sempre que se planta a
necessidade de uma pretensa comunicação, quem se beneficia de
nossa opressão nos pede para compartilhemos com eles o nosso
conhecimento.

Os opressores conservam sua posição e ignoram a responsabilidade


de seus próprios atos. Isso é uma drenagem de energia constante
que, provavelmente, seria melhor usada na redefinição de nosso
próprio ser e na construção realista dos meios para modificar o
presente e construir o futuro.

A rejeição institucionalizada da diferença é uma necessidade básica


para a economia do lucro que necessita da existência de um
excedente de pessoas marginalizadas.
Porém, não possuímos modelos de relação igualitários para nos
relacionarmos através das diferenças. Como resultado, tais diferenças
tem sido invisibilizadas[5] e postas a serviço da segregação e da
confusão.

Entre nós existem diferenças bem reais de raça, idade e sexo. Mas
não são essas diferenças que nos separam. O que nos separa é, ao
contrário, nossa recusa a reconhecer as diferenças e a analisar as
distorções que derivam da falsa nomeação tanto a essas diferenças
quanto aos seus efeitos na conduta e nas expectativas humanas:

Com excessiva frequência canalizamos as energias necessárias para


reconhecer e analisar as diferenças fingindo que as diferenças sejam
barreiras inegociáveis ou simplesmente inexistentes.

Em algum lugar, num canto da consciência, lá há o chamado da


norma mítica, cada um de nós em nossos corações, sabe que "isso eu
não sou". Nos E.U.A, essa norma é normalmente definida como
branca, magra, macho, jovem, heterossexual, cristão e
financeiramente seguro.

No atual movimento de mulheres é comum que as mulheres brancas


se centrem em sua opressão enquanto mulheres e ignorem as
diferenças de raça, orientação sexual, classe e idade. A palavra
sororidade leva a uma suposta homogeneidade de experiências que
não existe realmente.

Já que reivindicamos uma literatura própria, temos observado que a


poesia tem sido a principal voz de pessoas pobres, da classe
operária e das mulheres de Cor[6]. Pode ser que, para escrever
prosa, seja necessário dispor de um teto todo seu ***, porém,
também faz falta: as resmas de papel, a máquina de escrever, além
de tempo o suficiente.

Quando falamos de uma cultura de mulheres de ampla base, temos


que nos conscientizar dos efeitos que tem as diferenças econômicas e
de classe na aquisição dos meios necessários para produzir arte.

Negar a reconhecer as diferenças impede de ver os diversos


problemas e perigos os quais enfrentamos todas nós como mulheres.
Na estrutura de poder patriarcal, um dos privilégios pontuais é ter a
pele branca, uma vez que o enredo usado para neutralizar Negras e
brancas não é o mesmo
Por exemplo: é fácil para a mulher Negra ser usada pelo poder
estrutural através do homem negro, não porque eles são homens,
mas porque eles são negros. Por outro lado, para mulheres Negras, é
necessário o tempo todo separar as necessidades do opressor dos
seus próprios conflitos legítimos no interior de suas comunidades.
Esse problema não existe para mulheres brancas

Por outro lado, mulheres brancas encaram a armadilha de serem


seduzidas a se ligar ao opressor sob pretenso compartilhamento de
poder. Essa possibilidade não existe dessa mesma forma para
mulheres de Cor.

É certo que, a não ser que se viva em trincheiras, é difícil recordar


que a guerra contra a desumanização jamais cessa.

Nós mulheres Negras e nossas filhas sabemos que a violência e o


ódio formam parte inextrincável da trama de nossas vidas e que não
há descanso possível. Não apenas enfrentamos a eles nas barricadas
ou nos becos escuros, mas também nos lugares onde nos atrevemos
a verbalizar nossa resistência. Para nós, a violência está cada vez
mais entrelaçada ao nosso cotidiano; a encontramos no
supermercado, na sala de aula, no elevador, na clínica, no pátio da
escola, do encanador, do padeiro, da vendedora, do motorista de
ônibus, do caixa-de-banco, da garçonete que não nos atende.

Devido à batalha contínua contra o apagamento racial que pessoas


Negras compartilham, algumas mulheres Negras ainda se recusam a
elaborar que nós somos também oprimidas porque somos mulheres,
e a hostilidade sexual contra mulheres Negras é praticada não apenas
pela sociedade branca e racista, mas implementada através de
nossas comunidades negras com sucesso.

O grupo de mulheres de Cor é o pior remunerado nos EUA. Primeiro


nós somos submetidas primeiro a abusivas violências como aborto e
esterilização aqui e no exterior. Em certas partes da África, garotas
pequenas continuam sendo circuncisadas para "manter a docilidade
para o prazer dos homens"
As diferenças existentes entre as mulheres Negras
também recebem nomes falsos e se empenham na separação uma
das outras.

O medo das lesbianas, o de ser tachada como tal, tem levado muitas
mulheres Negras a testemunhar contra si mesmas. Há algumas de
nós que têm se lançado à alianças destrutivas e outras que tem sido
levadas à desesperação e ao isolamento.

Nas comunidades de mulheres brancas, o heterossexismo, às vezes,


o resultado de uma identificação com o patriarcado branco e constitui
uma recusa a essa independência das mulheres identificadas com as
mulheres que permite que sejam elas mesmas em vez de estar a
serviço dos homens. Outras vezes reflete a mortal crença na
colaboração protetiva de relacionamentos heterossexuais, as vezes o
auto-ódio que toda mulher deve lutar contra.

as mulheres Negras heterossexuais tendem a desdenhar ou a serem


omissas da existência e a obra de lesbianas Negras.

O vínculo entre mulheres tem uma larga e honorável história nas


comunidades africanas e afro-americanas e, apesar dos enganos e
conhecimentos demonstrados por muitas mulheres Negras
identificadas com mulheres, fortes e criativas, que têm destacado nas
esferas política, social e cultural, as mulheres Negras heterossexuais
tendem a desdenhar ou a serem omissas da existência e a obra de
lesbianas Negras.

Mas a necessidade de estigmatizar ou relegar ao esquecimento as


lésbicas Negras também deriva de um medo muito real de que as
mulheres negras identificadas com as mulheres, que tem deixado de
depender dos homens para definir a si mesmas, possam chegar a
reorganizar nosso conceito de reações sociais.

Essas acusações, lançadas por mulheres são as que precisamos


buscar uma compreensão real e profunda, tem induzido a muitas
lesbianas Negras a manterem-se ocultas, atravessadas entre dois
fogos: o do racismo das mulheres brancas e a homofobia de suas
irmãs.
Em sem problemas, as mulheres vinculadas a outras mulheres,
já foram nossas tias solteiras ou as amazonas de Daomé, sempre tem
contribuído para conformar o poder das comunidades negras.
E, certamente, não são as lesbianas que agridem as mulheres e
violam meninas e as avós nas ruas de nossas comunidades.

Todas temos tido que aprender a trabalhar e a coexistir com os


homens desde os nossos pais. Temos reconhecido as diferenças e nos
temos adaptado a elas, inclusive quando reconhecê-la suporia
perpetuar o velho modelo de relações humanas dominante/dominado,
segundo o qual o oprimido deve aceitar a diferença do amo se quiser
sobreviver.

Porém a nossa sobrevivência futura depende da nossa capacidade


para relacionarmos um plano de igualdade. Se as mulheres
desejamos enganar a mudança social que não seja sob aspectos
meramente superficiais, temos que arrancar a raiz dos modelos de
opressão que temos interiorizado.

O futuro da Terra pode depender da capacidade das mulheres para


identificar e desenvolver novas definições do poder e novos modelos
de relação entre as diferenças. As velhas definições não tem sido
benéficos para nós e nem para a terra que nos sustenta.

Pois as ferramentas do senhor nunca desmontam a casa do amo.

Toda mudança comporta um crescimento e o crescimento pode ser


doloroso. Mas ao mostrar nosso ser mediante a luta e o trabalho
compartilhado com aquelas a quem definimos como diferentes e as
que nem tanto, nos unem por objetivos comuns, vamos conseguindo
perfilar melhor a definição de nós mesmas. Esta pode ser a via de
sobrevivência para todas as mulheres, Negras, brancas, maiores ou
jovens, lesbianas ou heterossexuais.

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