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UNIVERSIDADE TIRADENTES - UNIT

CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO


TRABALHO DE CONCLUSÃO DE CURSO - ARTIGO CIENTÍFICO

DESAFIOS JURÍDICOS E SOCIAIS NAS PARCERIAS ENTRE A


ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E ORGANIZAÇÕES DO TERCEIRO SETOR NO
BRASIL: UMA ANÁLISE CRÍTICA E PROPOSTAS DE APRIMORAMENTO

Rubens da Costa Santos Júnior


Profª. Dra. Patrícia Verônica Nunes Carvalho Sobral de Souza

Aracaju
2023
Rubens da Costa Santos Júnior

Legal and Social Challenges in Partnerships Between Public Administration


and Third Sector Organizations in Brazil: a Critical Analysis and Proposals for
Improvement

Trabalho de Conclusão de Curso – Artigo –


apresentado ao Curso de Direito da
Universidade Tiradentes – UNIT, como
requisito parcial para obtenção do grau de
bacharel em Direito.

Aprovado em _______/________/_______.

Banca Examinadora

__________________________________________________________________
Professora Orientadora
Universidade Tiradentes

__________________________________________________________________
Professor Examinador
Universidade Tiradentes

__________________________________________________________________
Professor Examinador
Universidade Tiradentes
Desafios Jurídicos e Sociais nas Parcerias entre a Administração Pública e as
Organizações do Terceiro Setor no Brasil: uma Análise Crítica e Propostas de
Aprimoramento

Legal and Social Challenges in Partnerships Between Public Administration


and Third Sector Organizations in Brazil: a Critical Analysis and Proposals for
Improvement

Rubens da Costa Santos Júnior¹

RESUMO

Este artigo examina os desafios legais e sociais inerentes às parcerias entre a


Administração Pública e organizações do Terceiro Setor no contexto brasileiro. O
objetivo central é realizar uma análise crítica do Terceiro Setor, destacando
regulamentações que buscam assegurar eficiência, transparência e a consecução de
objetivos de interesse coletivo. Enfrentando obstáculos como a falta de capacidades
operacionais, opacidade na seleção de Organizações Sociais e a potencial ameaça
de corrupção, busca-se preservar a eficácia e a integridade do sistema
governamental. É utilizada de metodologia que combina a análise de casos concretos,
o estudo da doutrina jurídica e a análise de jurisprudência relevante. Essencialmente,
propõe-se aprimorar legislações e mecanismos de supervisão, estabelecendo critérios
rigorosos e um controle eficaz, visando manter a confiança pública e a qualidade dos
serviços prestados.

Palavras-chave: Administração Pública, Corrupção, Parcerias, Transparência,


Terceiro Setor.

ABSTRACT

This article examines the legal and social challenges inherent in partnerships between
the Public Administration and Third Sector organizations in the Brazilian context. The
central objective is to carry out a critical analysis of the Third Sector, highlighting
regulations that seek to ensure efficiency, transparency and the achievement of
objectives in the collective interest. Facing obstacles such as the lack of operational
capacities, opacity in the selection of Social Organizations and the potential threat of
corruption, the aim is to preserve the effectiveness and integrity of the government
system. It uses a methodology that combines the analysis of concrete cases, the study
of legal doctrine and the analysis of relevant case law. Essentially, it aims to improve
legislation and oversight mechanisms, establishing strict criteria and effective control,
in order to maintain public trust and the quality of the services provided.
Keywords: Public Administration, Corruption, Partnerships, Transparency, Third
Sector.

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1. INTRODUÇÃO

A evolução da Administração Pública ao longo da história, desde sua fase


patrimonialista até a transição para um modelo burocrático e, posteriormente, para a
abordagem gerencial, tem reconfigurado significativamente a forma de prestação dos
serviços estatais. Essa transformação visa, primordialmente, a busca pela eficiência
e eficácia na entrega de serviços públicos à sociedade. Nesse contexto, emergem
discussões sobre o papel do Estado na oferta desses serviços, com uma tendência
crescente em direção ao Estado regulador, que progressivamente delega a execução
de serviços públicos à iniciativa privada, aliviando-se da responsabilidade direta diante
dos cidadãos. Essa mudança paradigmática gera debates intensos entre acadêmicos,
legisladores e políticos, suscitando questionamentos substanciais sobre a viabilidade
e os impactos dessa transição.

Esta pesquisa tem como pretensão analisar criticamente as parcerias


estabelecidas entre a Administração Pública e as organizações do terceiro setor,
notadamente as organizações da sociedade civil sem fins lucrativos. O objetivo central
é compreender os desafios e implicações dessa colaboração, indo além da simples
transferência de responsabilidades na prestação de serviços públicos. A análise se
concentrará nas dimensões jurídicas, sociais e práticas dessas parcerias, abordando
aspectos gerais e específicos que as permeiam.

A relevância jurídica deste estudo se manifesta na análise crítica das parcerias


entre o Estado e o terceiro setor e como estas impactam no ordenamento jurídico
brasileiro, além de como o Direito se adapta a essa dinâmica. Ademais, a pesquisa
abordará aspectos relacionados à improbidade administrativa no contexto dessas
parcerias, contribuindo para a visualização de possíveis aprimoramentos nas normas
legais.

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Do ponto de vista social, esta pesquisa reveste-se de importância ao examinar
como as parcerias entre o setor público e organizações do terceiro setor afetam a
qualidade e a equidade dos serviços públicos oferecidos à sociedade. A investigação
busca identificar desafios e oportunidades para uma prestação de serviços mais eficaz
e equitativa, o que tem relevância direta para os cidadãos.

Para atender aos objetivos desta pesquisa, será adotada uma metodologia que
combina a análise de casos concretos, o estudo da doutrina jurídica e a análise de
jurisprudência relevante. Isso permitirá uma abordagem ampla e detalhada das
questões em análise. Cada capítulo se dedicará a uma análise crítica em relação a
seus respectivos tópicos, contribuindo para uma compreensão abrangente das
complexas relações entre a Administração Pública e as organizações do terceiro setor.

2. ASPECTOS GERAIS E JURÍDICOS ACERCA DO TERCEIRO SETOR

No contexto brasileiro, o Terceiro Setor busca desempenhar um papel relevante


na promoção do bem-estar social e no enfrentamento das desigualdades, respaldado
por princípios constitucionais sólidos, como a dignidade da pessoa humana, a redução
das desigualdades sociais e o pleno desenvolvimento social, econômico e cultural.
Contudo, essa atuação gera desafios jurídicos, incluindo a clareza nas
responsabilidades das organizações. Com o aumento de sua participação na
prestação de serviços públicos, é fundamental estabelecer regras que definam
obrigações e deveres do Estado e das organizações da sociedade civil. Isso envolve
critérios para contratos e convênios, prestação de contas, mecanismos de
monitoramento, fiscalização e resolução de conflitos. Notadamente, o Terceiro Setor
atua em áreas antes exclusivas do Estado, como saúde, assistência social, educação,
cultura, meio ambiente, entre outras. Os meios jurídicos que instrumentalizam o
fomento público incluem modalidades como o fomento honorífico, o fomento
econômico por subvenção, a isenção e imunidade tributária, a concessão ou
permissão de uso de bens públicos, o fornecimento de créditos e financiamento, entre
outros (Oliveira; Godói-de-Sousa, 2017).

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Conforme apontado por Maria Sylvia Zanella Di Pietro, o termo "terceiro setor"
abrange um espectro diversificado de entidades, incluindo não apenas os serviços
sociais autônomos, mas inclusive fundações, associações, cooperativas,
Organizações Sociais (OS), Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público
(Oscips) e outras organizações civis voltadas para o bem público e isentas de
finalidade lucrativa (Di Pietro, 2023). Nesse contexto, o Direito Administrativo
contemporâneo enfrenta o desafio de regular e supervisionar as atividades do Terceiro
Setor de maneira eficaz, garantindo que essas organizações atendam aos seus
objetivos de interesse público sem comprometer os princípios da transparência,
responsabilidade e eficiência.

A noção de terceiro setor se destaca como um componente relevante da


sociedade contemporânea, coexistindo harmoniosamente com o Estado (primeiro
setor) e o mercado (segundo setor). Sua característica distintiva reside na prestação
de atividades de interesse público, iniciadas por entidades de iniciativa privada e
desprovidas de fins lucrativos. Essas atividades, em virtude de seu interesse público,
frequentemente recebem proteção e apoio estatal, por meio de mecanismos legais
específicos, como a concessão de títulos de utilidade pública e a qualificação como
organização social (Di Pietro, 2023). A qualificação das organizações do terceiro setor
como entidades de interesse público é um elemento-chave na regulação desse setor.
Conforme destacado por Di Pietro (2023), a concessão de títulos como utilidade
pública e a qualificação como organização social são exemplos de instrumentos
jurídicos que buscam reconhecer a relevância das atividades desempenhadas por
essas entidades e conceder-lhes determinados benefícios e prerrogativas. No
entanto, a concessão desses títulos também implica em uma série de obrigações e
deveres.

Uma análise mais aprofundada revela que a relação entre o Estado e o terceiro
setor é intrinsecamente ligada aos princípios da subsidiariedade e da solidariedade.

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O princípio da subsidiariedade reconhece a coexistência do Estado e da sociedade
civil como prestadores de serviços públicos complementares, distribuindo
competências entre eles de acordo com a legislação. Isso permite ao terceiro setor
exercer competências de forma mais eficaz em níveis inferiores e locais, contribuindo
para a maximização da função administrativa (Oliveira; Godói-de-Sousa, 2017). A
Constituição Federal de 1988, por sua vez, consagra a importância da solidariedade
como objetivo fundamental do Estado, buscando a erradicação da pobreza, a redução
das desigualdades sociais e regionais e a promoção de uma sociedade livre, justa e
solidária (Oliveira; Godói-de-Sousa, 2017). Essa solidariedade se traduz na
cooperação entre o Estado e as organizações da sociedade civil para a promoção de
direitos sociais em áreas como saúde, assistência social, educação, cultura, meio
ambiente, entre outras (Oliveira; Godói-de-Sousa, 2017).

A atuação conjunta do Estado e do terceiro setor é facilitada pela transferência


de recursos públicos para organizações da sociedade civil. Esse repasse de recursos
é acompanhado por uma mudança no regime jurídico das entidades do terceiro setor,
que, embora predominantemente de direito privado, passam a ser reguladas por
normas de direito público, dadas as características das atividades por elas realizadas
(Oliveira; Godói-de-Sousa, 2017). Essa transição para um regime de direito público é
motivada pela responsabilidade do Estado em garantir que os recursos públicos sejam
utilizados de forma eficiente, transparente e voltada para o bem público. Como
resultado, as organizações da sociedade civil que recebem financiamento estatal
estão sujeitas a uma série de regulamentações e obrigações legais, que visam a
assegurar que esses recursos sejam direcionados para a consecução de objetivos de
interesse coletivo e não se desviem de seu propósito original. Os desvios de finalidade
podem assumir diversas formas, desde o uso inadequado dos recursos para fins
pessoais até a aplicação dos fundos em atividades que não estão alinhadas com os
objetivos estabelecidos no contrato ou convênio firmado com o poder público. Esses
desvios podem ocorrer por uma série de motivos, incluindo má gestão financeira, falta
de supervisão adequada, falta de prestação de contas ou até mesmo intenções
maliciosas por parte de alguns indivíduos dentro da organização.

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A complexidade das parcerias entre o Estado e as organizações do terceiro
setor também se reflete nas questões relacionadas à responsabilidade civil. Quando
o terceiro setor assume a execução de serviços públicos, surgem desafios relativos à
responsabilização por eventuais danos ou falhas na prestação desses serviços. O
entendimento das esferas de responsabilidade, bem como a definição de limites e
condições para a responsabilização das organizações do terceiro setor, são questões
jurídicas que requerem uma análise minuciosa.

Em síntese, a análise dos aspectos gerais e jurídicos acerca do Terceiro Setor


é fundamental para compreender as complexas relações entre o Estado e as
organizações da sociedade civil na prestação de serviços públicos. Essa interação
envolve desafios relacionados à definição de obrigações, responsabilidades,
transparência, accountability e ética. A regulamentação eficaz desse setor requer uma
abordagem jurídica sólida e adaptável, que promova o equilíbrio entre a autonomia
das organizações do terceiro setor e a necessidade de garantir o interesse público e
a eficácia na entrega de serviços essenciais à sociedade.

3. O ESTADO SOCIAL E OS SERVIÇOS PÚBLICOS SOCIAIS

O Estado, como uma entidade política e jurídica, é fundamentalmente


responsável pela organização e governança de uma nação. Ele detém a soberania
sobre um território específico e é composto pelo corpo de cidadãos que vivem dentro
desse território. A gestão das atividades do Estado é realizada por meio da
Administração Pública, que desempenha um papel crucial na consecução dos
objetivos governamentais. Embora o Estado seja uma entidade bem estruturada, com
sua própria legislação, cidadãos com direitos e deveres, e uma máquina pública
estabelecida, ele ainda enfrenta diversas deficiências e distorções que precisam ser
corrigidas para garantir justiça e paz para todos os membros da sociedade.

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No contexto das políticas públicas, é importante ressaltar que nem todas elas
têm como objetivo direto a promoção de ações e medidas no campo social. Dentro
desse espectro, existem políticas sociais específicas que visam atender às
necessidades e demandas da população em áreas como saúde, educação,
assistência social e outras áreas essenciais para o bem-estar da sociedade. Como
mencionado por Cynthia Gruendling Juruena (2023) em seu trabalho "Políticas
públicas e terceiro setor: Propostas de aprimoramento", é essencial distinguir entre
políticas públicas em geral e políticas sociais, que têm um foco específico na melhoria
das condições de vida e inclusão social dos cidadãos.

No Estado social, a colaboração entre o setor público e o Terceiro Setor se


torna cada vez mais comum. O Estado não pode atender a todas as demandas sociais
sozinho, dada a extensão e complexidade dos desafios enfrentados pela sociedade
moderna. Portanto, a parceria com organizações do Terceiro Setor é uma tentativa de
expandir e aprimorar a entrega de serviços públicos sociais. No entanto, essa parceria
deve ser cuidadosamente gerenciada e regulamentada para garantir que os
benefícios sociais sejam maximizados e que os interesses dos cidadãos sejam
protegidos de maneira eficaz.

O Estado Liberal burguês, que predominou nos séculos XVII, XVIII e XIX, tinha
como fundamento a limitação do Estado e a garantia dos direitos fundamentais
individuais, priorizando a liberdade do indivíduo como limite à atuação estatal. Este
modelo era essencialmente individualista e pregava a abstenção do Estado em muitas
áreas da vida social, limitando sua atuação ao papel de "polícia" do Estado.

A limitação do Estado Liberal burguês não assegurava uma vida digna para a
maioria da população. Com a crescente consciência da classe proletária de que a
liberdade individual era insuficiente para garantir uma vida digna, surgiu a necessidade
de reestruturar o Estado. Nesse contexto, os direitos fundamentais sociais ganharam

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destaque, demandando uma ação mais ativa do Estado para fornecer condições
mínimas de vida, como educação, saúde, cultura e moradia. O Estado do bem-estar
social, em oposição ao Estado Liberal, surgiu como um modelo que
constitucionalmente exigia a intervenção do Estado na ordem econômica e social,
transformando-o em um provedor de serviços públicos para todos os cidadãos,
independentemente de recursos materiais. O Estado social tornou-se uma realidade
jurídica e política, marcando uma significativa mudança na relação entre o Estado e a
sociedade.

Os serviços públicos sociais, também conhecidos como não privativos, não


exclusivos ou competitivos do Estado, constituem uma categoria de serviços que o
Estado é legalmente obrigado a fornecer sob o regime de direito público. No entanto,
diferentemente de serviços exclusivos, o Estado não impede que a iniciativa privada
também os forneça, independentemente de concessão ou permissão. É o caso, por
exemplo, dos serviços de educação e saúde, que podem ser prestados tanto pelo
Poder Público quanto por entidades privadas.

É fundamental destacar que as instituições privadas que buscam receber


subvenções sociais devem atender a critérios rigorosos, incluindo a ausência de
objetivo lucrativo e a disposição de recursos financeiros regulares. Em outras
palavras, essas entidades não podem operar exclusivamente com recursos estatais e
devem ter uma base financeira suficiente para sustentar ou expandir seus serviços.

Esse entendimento da relação entre o Estado e as entidades do Terceiro Setor,


que inclui organizações da sociedade civil, é fundamental para compreender o
contexto em que essas parcerias se desenvolvem. Cynthia Gruendling Juruena (2023)
destaca que, de acordo com a tese de um direito ao serviço público adequado,
estabelecido no artigo 175, parágrafo único, inciso IV da Constituição Federal de 1988,
o Estado tem o dever de fornecer serviços públicos que sejam adequados. Essa

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adequação implica em um compromisso do Estado em promover a qualidade e a
eficiência desses serviços, e a regulamentação infraconstitucional desempenha um
papel crucial na definição dos parâmetros para essa adequação.

Em consonância com essa perspectiva, é ressaltada a importância do princípio


da subsidiariedade como base para estabelecer vínculos entre o Estado e as
entidades do Terceiro Setor, bem como para promover a atuação voluntária da
sociedade civil em prol do interesse público. O princípio da subsidiariedade implica
que o Estado deve se restringir a atuar diretamente apenas nas atividades em que
não haja uma alternativa mais eficiente e local na sociedade civil. Isso significa que o
Estado age como um ator complementar e de supervisão, intervindo apenas quando
necessário para garantir a eficiência e a qualidade dos serviços públicos sociais.

Nesse contexto, destaca-se o fomento direto pelo Estado às entidades do


Terceiro Setor. A Lei 4.320/64 estabelece as bases legais para a concessão de
subvenções sociais a organizações que atuam na área social. Essas subvenções
envolvem a transferência de recursos públicos para apoiar ações de interesse público,
como serviços sociais prestados pelo Terceiro Setor. Ademais, o Decreto nº
93.872/86, nos artigos 58 a 66, estabelece diretrizes específicas para a concessão de
subvenções sociais e o acompanhamento da aplicação desses recursos pelas
entidades beneficiárias. Essas normas regulamentam a supervisão e fiscalização dos
recursos públicos destinados a instituições privadas que oferecem serviços sociais.

A famosa frase de Sófocles, citada por Creonte em "Antígona", "Nenhuma


instituição pior que o dinheiro floresceu entre os homens.", ressoa de forma pertinente
no cenário de transformações na administração pública e na prestação de serviços
públicos. A crescente influência do liberalismo econômico, com sua vertente
autoritária e tendência ao individualismo desprovido de autenticidade, desafia a
concepção tradicional do Estado social e dos serviços públicos. O discurso neoliberal

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argumenta que a corrupção, o clientelismo e o Estado corporativo são resquícios do
Estado do bem-estar social, quando, na realidade, muitos desses problemas têm
raízes no Estado Liberal. Nesse contexto, surge a questão se a diminuição do papel
do Estado é benéfica para a sociedade e se a terceirização é uma solução política,
social e economicamente viável.

A redução significativa da participação do Estado na economia e na prestação


de serviços públicos no Brasil teve início nos governos de Fernando Collor de Mello e
Fernando Henrique Cardoso. É essencial questionar se a diminuição do Estado é a
abordagem correta para solucionar os problemas da administração pública. Seria mais
sensato considerar a construção de um Estado de qualidade em vez de reduzi-lo a
mero subsidiário dos interesses privados. Uma abordagem coerente para enfrentar a
crise no Estado poderia ser a utilização mais eficaz dos recursos arrecadados por
meio de impostos, visando a redução da burocracia sem recorrer à privatização. Além
disso, é fundamental transformar o Estado em uma entidade verdadeiramente
democrática, repensando o sistema eleitoral e os mecanismos de participação popular
nas decisões governamentais.

Conforme alerta Paulo Roberto Ferreira Motta, os processos de privatização na


América Latina, ao contrário do que ocorre na Europa, não buscam necessariamente
melhorar a qualidade da prestação de serviços públicos. Em muitos casos, essas
privatizações são implementadas para atender às demandas de credores
internacionais e enfraquecer os movimentos sociais críticos ao capitalismo. Os
resultados desses processos são frequentemente questionáveis, com monopólios
estatais se transformando em monopólios privados, muitas vezes estrangeiros (Motta,
2003).

A justificativa para a atuação subsidiária do Estado em questões sociais é


questionável, especialmente quando se observa que, na prática, serviços essenciais

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como educação e saúde continuam sendo financiados pelo Estado,
independentemente de serem executados por entidades privadas com ou sem fins
lucrativos. Isso levanta a questão da fuga do regime jurídico administrativo e da
adequada responsabilidade do Estado na promoção do bem-estar social.

No contexto do Terceiro Setor, a relação com o Estado Social do Direito se


estabelece através de contratos de gestão, organizações sociais e Organizações da
Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs). A crescente presença das entidades
do Terceiro Setor nos últimos anos tem sido atribuída, em parte, à aplicação do
princípio da subsidiariedade no Direito Público. No entanto, é crucial ressaltar que
conceber o Estado unicamente como subsidiário, intervindo apenas quando o setor
privado não consegue atender ao bem comum, ignora as profundas desigualdades
sociais persistindo, especialmente em países periféricos ou subdesenvolvidos, como
o Brasil. A Constituição Federal de 1988, por exemplo, não busca posicionar o Estado
como estritamente subsidiário na esfera social. Em vez disso, a Carta Magna enfatiza
a "participação da comunidade", a "participação complementar de instituições
privadas" e a "colaboração da sociedade nos serviços públicos sociais" (conforme
disposto na Ordem Social, art. 194 e seguintes da Constituição Federal). Essas
disposições realçam o papel fundamental do Estado na prestação de serviços públicos
sociais, sempre de maneira democrática. Portanto, é válido questionar a interpretação
que alguns autores fazem da Constituição ao afirmar que ela visa a transformar o
Estado em uma entidade meramente subsidiária no contexto social.

A transformação do Estado do bem-estar social, caracterizado pela


Administração como prestador de serviços públicos, para um Estado pós-social ou
desenvolvimentista marca uma evolução significativa na dinâmica da administração
pública contemporânea. Este processo implica na abertura de espaço para a
participação democrática nas ações governamentais, promovendo uma Administração
consensual que assegura o pluralismo na função estatal, baseando-se na composição
de interesses e na promoção das condições para que os administrados exerçam seus
direitos. Nesse contexto, a função administrativa visa apresentar resultados que

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estejam em conformidade com as necessidades públicas, garantindo a legitimidade
do poder estatal (Oliveira; Godói-de-Sousa, 2017).

O ente estatal é considerado imprescindível para assegurar a erradicação da


pobreza, a redução das desigualdades sociais e regionais, bem como a promoção do
desenvolvimento nacional. Isso se concretiza por meio da oferta de serviços públicos
adequados, que observem princípios como a continuidade e a modicidade das tarifas,
e da implementação de políticas públicas estruturadas e planejadas. Essa abordagem
alinha-se com a perspectiva de que o Estado deve atuar como um facilitador das
condições para o exercício dos direitos fundamentais (Juruena, 2023).

Apesar das intenções nobres desse processo de transformação do Estado, a


implementação de serviços públicos sociais no Terceiro Setor não está isenta de
desafios. Um dos principais reside na necessidade de garantir a eficiência e eficácia
dos serviços prestados por organizações do Terceiro Setor, que muitas vezes não
possuem a mesma estrutura e capacidade operacional que as entidades estatais
tradicionais. Outra crítica importante diz respeito à possível subcontratação excessiva
de serviços públicos para o Terceiro Setor, o que pode levar a uma perda de controle
estatal sobre áreas essenciais. A privatização de serviços públicos, por meio de
parcerias público-privadas, pode gerar preocupações quanto à possibilidade de
exclusão de grupos mais vulneráveis da sociedade.

4. PROBLEMAS ENVOLVENDO O TERCEIRO SETOR

O Terceiro Setor, composto por organizações sociais, ONGs e OSCIPs, tem


desempenhado um papel cada vez mais relevante na prestação de serviços públicos
e no desenvolvimento de atividades de interesse público. No entanto, essa crescente
participação do Terceiro Setor na esfera pública não está isenta de desafios e dilemas
jurídicos, que têm gerado debates e questionamentos sobre sua legitimidade e
eficácia.

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Uma das principais questões que envolvem o Terceiro Setor diz respeito à sua
relação com a Administração Pública. Conforme observado por Maria Sylvia Zanella
Di Pietro (2023), quando uma organização social assume a prestação de um serviço
público anteriormente a cargo do Estado, surgem diversas implicações.
Primeiramente, a entidade estatal que antes fornecia o serviço é extinta, deixando
incertezas quanto à continuidade da prestação. Além disso, suas instalações e
recursos, incluindo bens móveis e imóveis, são transferidos para a organização social,
levantando questões sobre a gestão desses ativos e a transparência na utilização
desses recursos públicos.

Faz-se mister salientar a importância de repensar o universo de abrangência e


ação do Terceiro Setor, sobretudo no que diz respeito aos procedimentos políticos e
operacionais, como alerta Montaño (2002) referido por Eider Arantes Oliveira e
Edileusa Godói-de-Sousa (2016). A ideia de que as ONGs são a solução para
problemas sociais pode ser equivocada, já que essas organizações muitas vezes
profissionalizam a assistência social, exploram o voluntariado e podem contribuir para
enfraquecer as políticas públicas baseadas em direitos sociais historicamente
construídas. Di Pietro (2017) referido por João Felipe Lehmen (2020) destaca que,
embora essas entidades não acumulem cargos públicos, sua remuneração muitas
vezes provém de recursos públicos. Além disso, a falta de regulamentação clara para
a contratação de pessoal e aquisição de bens e serviços por parte dessas entidades
pode abrir espaço para práticas inadequadas, como o nepotismo e o direcionamento
de recursos públicos para fins não alinhados com o interesse público.

A prestação de serviços públicos por entidades do Terceiro Setor que utilizam


recursos públicos, inclui pessoal cedido pelo Estado e instalações públicas, mas
operam sob regras de entidades privadas. Isso levanta questões sobre a aplicação
adequada do regime jurídico de Direito público, especialmente em relação à realização
de concursos públicos e licitações (Di Pietro, 2017) referido por João Felipe Lehmen

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(2020). Além dessas questões internas, o Terceiro Setor também enfrenta desafios
relacionados à sua relação com a sociedade.

No Brasil, a regulamentação do Terceiro Setor enfrentou desafios notáveis. A


Primeira Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das ONGs, instalada em 2001,
investigou a atuação irregular de organizações estrangeiras que, ao executar
programas do governo federal, permitiam a atuação de empresas para a exploração
das reservas naturais. O relatório final dessa CPI, aprovado em 2002, originou seis
projetos de lei para regulamentar as ONGs. A Segunda CPI das ONGs, que encerrou
seus trabalhos em 2010, gerou um projeto de lei que serviu de base para a Lei Federal
n.º 13.019/2014, estabelecendo regras mais claras para parcerias entre o setor público
e organizações da sociedade civil.

Outra inovação no Terceiro Setor é o Contrato de Impacto Social (CIS), uma


abordagem flexível em contratos públicos que envolve o governo definindo metas para
resolver problemas sociais, permitindo iniciativas privadas apresentarem soluções. Se
a meta contratual for atingida, o governo paga o valor previamente acordado; caso
contrário, o risco recai sobre o setor privado, que não recebe pagamento. Experiências
internacionais, como em Peterborough, no Reino Unido, demonstram o potencial
dessa abordagem. No entanto, o uso do CIS no Brasil tem sido limitado, com tentativas
isoladas, como em São Paulo em 2017 e na contratação de serviços de qualificação
profissional pelo Ministério da Economia em 2019.

5. PARCERIAS COM ORGANIZAÇÕES SOCIAIS

As parcerias com Organizações Sociais (OS) têm se destacado como uma


modalidade de gestão pública no Brasil, especialmente na área da saúde, suscitando
uma série de questionamentos e desafios de natureza jurídica, econômica e
administrativa. Neste contexto, uma das questões fundamentais que emerge é a
consideração dos contratos de gestão com as OS como uma forma de terceirização.

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Essa caracterização se deve à transferência de atividades e serviços públicos para
entidades privadas, que passam a desempenhar funções que originalmente
incumbiam ao Estado. Tal terceirização é amparada por dispositivos legais
específicos, como a Lei nº 9.637/1998, que regula as parcerias entre o Poder Público
e as OS. No entanto, a terceirização de atividades públicas suscita preocupações
quanto à eficiência, transparência e accountability, elementos cruciais na
administração pública.

Outro ponto crítico relacionado às parcerias com as OS é a natureza dos


contratos celebrados, que muitas vezes se assemelham mais a contratos de prestação
de serviços ou, até mesmo, a meros fornecimentos de mão-de-obra, especialmente
quando as OS disponibilizam profissionais de saúde sem assumir funções de gestão.
A gestão descentralizada de múltiplas unidades de saúde em um único contrato é
complexa e exige uma estrutura administrativa robusta, assim como mecanismos de
prestação de contas claros. Outra preocupação comum é a ausência de estudos
técnicos que justifiquem a celebração da parceria, apesar de a legislação exigir
avaliação da conveniência e oportunidade. A falta de análises econômico-financeiras
e jurídicas sólidas pode resultar em parcerias desvantajosas para o Estado,
comprometendo a qualidade e a eficiência dos serviços públicos.

A Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000) é relevante


nas parcerias com OS, pois exige o cumprimento dos limites de gastos com pessoal.
No entanto, as OS frequentemente enfrentam desafios para se adequar a esses
limites, levando a irregularidades financeiras e problemas de gestão fiscal.

As parcerias com OS no Brasil enfrentam desafios jurídicos, administrativos,


econômicos e financeiros. A caracterização dos contratos, a gestão descentralizada,
a falta de estudos técnicos e o cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal exigem

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atenção das autoridades, acadêmicos e da sociedade para garantir a eficácia,
transparência e qualidade na prestação de serviços públicos.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro destaca que as Organizações Sociais, em sua


maioria, prestam serviços públicos por delegação do Poder Público. Isso significa que
elas assumem a responsabilidade de desempenhar atividades que, por direito,
competem ao Estado, utilizando-se de recursos públicos e muitas vezes até mesmo
servidores públicos em seu quadro de pessoal. A qualificação dessas entidades como
Organizações Sociais é uma iniciativa do próprio Poder Público, visando permitir que
tais serviços sejam prestados sob o regime jurídico do direito privado, escapando das
amarras burocráticas da Administração Pública (Pietro, 2023). No entanto, essa
peculiaridade gera um debate significativo. Enquanto as OS são enquadradas como
entidades do terceiro setor, sua atuação se assemelha à das concessionárias de
serviços públicos, pois não recebem remuneração dos usuários, mas são mantidas
com recursos provenientes do orçamento público. A questão aqui é: até que ponto a
atuação das OS representa uma efetiva descentralização e eficiência na prestação de
serviços públicos, e em que medida ela se aproxima de uma privatização disfarçada?
(Pietro, 2023).

Maria Sylvia Zanella Di Pietro critica tais contratos de gestão, alegando que
eles permitem que o Estado preste os mesmos serviços, sob as mesmas condições,
utilizando a mesma estrutura e pessoal, porém sem a excessiva burocracia estatal. A
intenção do legislador, segundo ela, é clara: usar o contrato de gestão como forma de
escapar do regime público, transferindo a responsabilidade das atividades antes
desempenhadas pelo Estado para as Organizações Sociais. Essas entidades,
portanto, exercem serviços públicos com recursos e patrimônio públicos, sob um
regime jurídico privado, evitando as restrições da Administração Pública (Di Pietro,
2002).

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Uma questão adicional que merece destaque diz respeito ao prazo de
constituição da entidade para obtenção da qualificação como OS. Enquanto a lei
federal se mantém silente a respeito desse prazo, Maria Sylvia Zanella Di Pietro
argumenta que, para atender aos princípios constitucionais que regem a gestão do
patrimônio público, é necessário que as entidades interessadas comprovem sua
existência prévia, com sede própria, patrimônio, capital, e outros requisitos essenciais.
Isso visa evitar que entidades sem experiência anterior e sem qualificação técnica e
financeira se constituam exclusivamente com o intuito de pleitear a qualificação como
OS (Di Pietro, 2016).

6. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA NO TERCEIRO SETOR

A atuação do Estado em prol do bem-estar coletivo é uma missão de extrema


relevância e os agentes políticos e administrativos desempenham um papel
fundamental nesse contexto. Contudo, é inegável que a possibilidade de desvios e
atos de corrupção permeia a administração pública, comprometendo a eficácia do
Estado e prejudicando a sociedade como um todo. A corrupção e a improbidade
administrativa, sobretudo no contexto das parcerias entre o terceiro setor e a
administração pública, ameaçam a integridade do sistema de governo e a confiança
da população.

Como bem ressalta Patrícia Verônica (2012), a corrupção e a improbidade


atentam contra os princípios da legalidade, da moralidade e da impessoalidade, que
são fundamentais para a manutenção da ordem e do respeito à coisa pública. Quando
agentes públicos ou entidades do terceiro setor desviam recursos destinados a ações
em benefício da sociedade, estão atuando em desacordo com a moralidade
administrativa, comprometendo a confiança dos cidadãos e minando os valores
fundamentais que regem a Administração Pública. Nesse contexto, a atuação dos
cidadãos torna-se essencial. A cidadania não se limita apenas ao exercício de direitos
e deveres, mas também envolve a fiscalização ativa da coisa pública. Como afirma
Patrícia Verônica (2012), o cidadão é aquele que se preocupa não somente com o seu

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interesse particular, mas principalmente com o que é público. Ele desempenha um
papel fundamental na identificação e denúncia de atos de corrupção e improbidade,
contribuindo para a manutenção da legalidade e da moralidade na Administração
Pública.

Um exemplo de caso concreto que pode ser utilizado como referência


jurisprudencial nesse âmbito é a Ação Civil Pública nº 0857493-07.2020.8.14.0301
que trata de questões relacionadas à improbidade administrativa, desvio de finalidade,
malversação de verbas, bem como a parceria entre o Estado e Organizações Sociais
no contexto brasileiro. A Ação Civil Pública em questão foi ajuizada com o propósito
de responsabilizar os demandados por atos de improbidade administrativa. Esses atos
estariam relacionados ao desvio de finalidade e à má utilização dos recursos
provenientes do Contrato de Gestão nº 11/SESPA/2014, celebrado com a
Organização Social de Saúde (OSS) PRO-SAÚDE – HOSPITAL GALILEU, no ano-
calendário de 2016.

De acordo com o artigo 1º, parágrafo único, da Lei nº 8.429/1992, as entidades


qualificadas como Organizações Sociais são sujeitas ativas em potencial de atos de
improbidade sempre que recebam incentivos ou subvenções do Poder Público.
Outrossim, seus agentes são equiparados aos agentes públicos mencionados na
mesma lei, ficando sujeitos às penalidades previstas para estes últimos.

No caso específico da PRO-SAÚDE ASSOCIAÇÃO BENEFICENTE DE


ASSISTÊNCIA HOSPITALAR (HOSPITAL GALILEU), sua natureza jurídica como
associação civil qualificada como Organização Social a coloca sob a órbita das
disposições da Lei de Improbidade Administrativa. Portanto, essa entidade e seus
agentes podem ser responsabilizados quando houver indícios de atos de improbidade,
como o desvio de finalidade e a má utilização de recursos públicos. A presente ação
destaca a importância de fiscalizar e responsabilizar entidades do terceiro setor que

18
atuam em parceria com o Estado na prestação de serviços públicos. A eficácia dessa
parceria depende da observância rigorosa das normas e princípios que regem a
Administração Pública, tais como a legalidade, moralidade, eficiência e transparência.

Em resumo, a Ação Civil Pública nº 0857493-07.2020.8.14.0301 evidencia a


necessidade de vigilância e controle na gestão de recursos públicos por Organizações
Sociais e destaca a importância da aplicação das leis de improbidade administrativa
para coibir práticas que possam prejudicar o erário e comprometer a qualidade dos
serviços públicos prestados à sociedade.

Em diversas ocasiões, é possível observar casos em que Organizações Sociais


(OS) recebem quantias substanciais de dinheiro público, mas a transparência na
alocação desses recursos permanece deficiente. Isso mina a confiança na gestão
pública e fomenta o risco de corrupção e desperdício, como evidenciado em
investigações recentes. Apesar de muitas OS terem a missão de servir ao interesse
público, a gestão em parceria com o setor privado pode suscitar conflitos de interesse.
A busca por lucro pode influenciar suas decisões, levando a priorização de metas
financeiras em detrimento do bem-estar da comunidade, potencialmente resultando
na diminuição da qualidade dos serviços ou no desvio de recursos públicos para fins
privados.

7. ANÁLISE CRÍTICA DAS ORGANIZAÇÕES SOCIAIS PARA ALCANÇAR


PERSPECTIVAS DE REFORMA

É importante explorar outras questões relacionadas às Organizações Sociais


(OS) e suas parcerias com o setor público. A falta de transparência na seleção e
contratação das OS é uma preocupação recorrente. Frequentemente, a escolha das
entidades para celebrar contratos de gestão ocorre sem um processo competitivo,
abrindo espaço para favorecimento e nepotismo. A legislação permite a escolha de
OS sem licitação, com base em critérios subjetivos, como a experiência da entidade

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na área. Essa falta de competição pode prejudicar a qualidade dos serviços e a
eficiência na gestão dos recursos públicos.

Outro problema resulta da relação entre as OS e os gestores públicos,


frequentemente marcada por laços políticos e influências indevidas. Casos de
corrupção e desvio de recursos públicos têm sido associados a parcerias com OS, em
parte devido à autonomia administrativa e financeira que as OS possuem. Essa
autonomia agiliza a tomada de decisões, mas também pode facilitar o desvio de
recursos públicos quando não há um controle adequado por parte das autoridades
públicas.

É relevante destacar a questão da capacidade técnica e gerencial das OS para


desempenhar suas funções de forma eficiente. Nem todas as entidades do terceiro
setor têm o conhecimento e a experiência necessários para gerir unidades de saúde,
educação ou outras áreas em que atuam. Isso pode levar a problemas de qualidade
na prestação de serviços e ineficiências na gestão dos recursos públicos. Um exemplo
emblemático disso é o caso de uma OS que recebeu vultosas quantias para gerir
hospitais, mas falhou em fornecer atendimento médico adequado à população,
resultando em tragédias evitáveis, como a morte de pacientes devido à falta de
insumos básicos. A falta de transparência e a falta de responsabilização adequada
pelos gestores dessa OS são indicativas de como esse modelo pode ser explorado
em detrimento da saúde pública.

A flexibilidade das exigências necessárias para a realização de parcerias com


Organizações Sociais (OS) no Brasil é um ponto crítico que merece atenção. Embora
essa flexibilidade possa ser vista como uma tentativa de promover a participação de
diversas entidades do terceiro setor, ela também apresenta desvantagens
significativas, especialmente no que diz respeito à qualidade e à eficácia das
parcerias. É possível aprofundar em alguns pontos negativos que estão inseridos

20
nesse tipo de vínculo administrativo, em razão, principalmente, da ausência de
critérios legais mais rigorosos e objetivos.

Uma das exigências comumente criticadas é a ausência de um período mínimo


de existência para que uma entidade se qualifique como OS. A Lei nº 9.637/1998, que
regulamenta as OS, não estabelece um tempo mínimo de atuação no terceiro setor.
Isso permite que entidades recém-criadas ou sem histórico comprovado possam se
tornar OS, o que pode resultar na entrada de organizações sem a capacidade técnica
ou experiência necessárias para gerir serviços públicos com eficiência. Tal
flexibilidade contraria o princípio da eficiência na gestão pública, previsto no artigo 37
da Constituição Federal, que exige a seleção de parceiros com base em critérios
técnicos e qualificação comprovada; Há também a ausência de critérios rigorosos para
a qualificação como OS, o que abre espaço para que entidades sejam criadas ou
adaptadas de acordo com interesses políticos ou econômicos, em vez de objetivos
genuinamente voltados para o bem público. Isso coloca em risco a imparcialidade e a
transparência nas parcerias, desvirtuando o propósito original das OS de promover a
eficiência na gestão pública.

Além disso, as leis que regem as parcerias com as OS não estabelecem


requisitos específicos de qualificação, como critérios técnicos, experiência prévia na
área de atuação ou capacidade financeira. Essa falta de critérios claros pode resultar
na celebração de parcerias com entidades que não possuem a expertise necessária
para gerir os serviços públicos com eficácia.

A falta de capacidade técnica, como mencionado por juristas renomados, pode


prejudicar a qualidade dos serviços e o cumprimento dos objetivos da parceria e a
falta de requisitos rigorosos para a qualificação das OS também se reflete na
capacidade de controle e fiscalização por parte das autoridades públicas. Sem
critérios claros de qualificação, torna-se mais difícil estabelecer padrões de

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desempenho e monitorar o cumprimento das metas estabelecidas nos contratos de
gestão. Isso compromete a capacidade do Estado de garantir que os recursos públicos
sejam utilizados de forma eficiente e de prestar contas à sociedade.

Em conclusão, a flexibilidade excessiva das exigências para a realização de


parcerias com Organizações Sociais no Brasil, especialmente a falta de tempo mínimo
de existência e requisitos específicos de qualificação, representa uma vulnerabilidade
no sistema. Embora a intenção de promover a participação de entidades do terceiro
setor seja válida, é fundamental que haja um equilíbrio entre a flexibilidade e a garantia
de qualidade na gestão dos serviços públicos. Revisar e aprimorar essas exigências
com base em critérios técnicos e de experiência pode contribuir para a eficácia das
parcerias e para a proteção dos interesses públicos.

8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

As parcerias com o Terceiro Setor buscam descentralizar a prestação de


serviços públicos e transferir responsabilidades para organizações da sociedade civil,
acionando uma mudança no regime jurídico dessas entidades, que passam a ser
reguladas por normas de direito público. Essa regulamentação visa assegurar
eficiência, transparência e o alcance de objetivos de interesse coletivo. No entanto, a
implementação dessas parcerias enfrenta desafios significativos.

Um dos principais desafios é garantir a eficiência dos serviços prestados pelas


organizações do terceiro setor, que frequentemente carecem da mesma estrutura e
capacidades operacionais das agências governamentais tradicionais. Além disso, a
subcontratação excessiva de serviços públicos ao terceiro setor pode ameaçar o
controle estatal sobre setores-chave e levantar preocupações sobre a exclusão de
grupos vulneráveis.

22
A relação entre o terceiro setor e a administração pública é complexa, e a
transferência de responsabilidades nem sempre é transparente e eficaz. Isso suscita
preocupações sobre a continuidade da prestação de serviços, gestão dos bens
públicos e a eficácia, ética e alinhamento com o interesse público do trabalho do
terceiro setor.

Um ponto crucial é a qualificação das Organizações Sociais, que assumem


atividades que cabem, originalmente, ao Estado. A qualificação visa permitir a
prestação de serviços no âmbito do direito privado e eliminar a burocracia na
administração pública. No entanto, os desafios incluem a possibilidade de se criar
sistemas personalizados para interesses políticos, falta de critérios de elegibilidade
específicos, supervisão deficiente e requisitos escassos. É fundamental que a
legislação e os procedimentos que regulamentam essas parcerias sejam aprimorados,
visando estabelecer critérios mais rigorosos e objetivos de qualificação, bem como
garantir a eficácia da supervisão e fiscalização por parte das autoridades públicas.

A luta contra a corrupção e a improbidade administrativa é um elemento-chave


nesse contexto. A corrupção ameaça a integridade do sistema de governo e mina a
confiança dos cidadãos na Administração Pública. Os cidadãos desempenham um
papel fundamental na identificação e denúncia de atos de corrupção, contribuindo
para a manutenção da legalidade e da moralidade na Administração Pública.

As parcerias entre o Terceiro Setor e a Administração Pública, embora


inovadoras na prestação de serviços públicos, demandam uma abordagem cuidadosa
diante dos desafios e questões críticas que emergem nesse contexto. O
aprimoramento contínuo dessas colaborações é fundamental para garantir a
excelência na entrega de serviços públicos, ao mesmo tempo em que se resguarda a
integridade do sistema de governo e a confiança dos cidadãos. Este equilíbrio delicado
não apenas é essencial para avanços sociais, mas também para o fortalecimento do

23
Estado, constituído por um povo, um território e um governo soberano. Assim, este
artigo reside na compreensão de que o aprimoramento constante das parcerias entre
o Terceiro Setor e a Administração Pública não só aborda desafios, mas também
representa um caminho promissor para uma gestão mais eficiente, transparente e
alinhada aos interesses coletivos.

9. REFERÊNCIAS

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dos recursos de caixa do Tesouro Nacional, atualiza e consolida a legislação
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finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras
providências. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp101.htm.
Acesso em: 14.11.2023.

BRASIL. Lei nº 13.019 de 31 de julho de 2014. Estabelece o regime jurídico das


parcerias entre a administração pública e as organizações da sociedade civil, em
regime de mútua cooperação, para a consecução de finalidades de interesse público
e recíproco, mediante a execução de atividades ou de projetos previamente
estabelecidos em planos de trabalho inseridos em termos de colaboração, em termos
de fomento ou em acordos de cooperação; define diretrizes para a política de fomento,
de colaboração e de cooperação com organizações da sociedade civil; e altera as leis
nºs 8.429, de 2 de junho de 1992, e 9.790, de 23 de março de 1999. Disponível em:
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BRASIL. Lei nº 8.429 de 02 de junho de 1992. Dispõe sobre as sanções aplicáveis


em virtude da prática de atos de improbidade administrativa, de que trata o § 4º do art.
37 da Constituição Federal; e dá outras providências. Disponível em:
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Publicização, a extinção dos órgãos e entidades que menciona e a absorção de suas
atividades por organizações sociais, e dá outras providências. Disponível em:
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