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”: TRAJETÓRIA E
CONTRIBUIÇÕES DE CAROLINA MARIA DE JESUS À
INTELECTUALIDADE BRASILEIRA
2 de novembro de 1959
Desde a revisão historiográfica inglesa entre os anos 1960 e 1980 a partir de novos
métodos e fontes documentais na disciplina histórica as pesquisas passam a concentrar-
se mais nas experiências das pessoas comuns, nas classes trabalhadoras, nas mudanças e
minorias sociais. Nesse sentido, vemos estudos comprometidos com agentes que viram e
experimentaram a história a partir de baixo, foram tais vertentes teóricas como a de E. P.
Thompson1 nos anos 1980 que trouxeram novos ares aos estudos de escravidão e pós
abolição no Brasil. Nas disciplinas das universidades brasileiras com esses “novos
referenciais teórico-metodológicos difundiram-se em um contexto de consolidação do
predomínio da História Social” (MACEDO, 2017).
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Edward Palmer Thompson (1924-1993) foi um historiador britânico conhecido por suas
contribuições para a historiografia social e cultural. Ele desafiou as abordagens tradicionais da
história e se destacou por seu trabalho inovador no campo da história social, especialmente por
sua obra "A Formação da Classe Operária Inglesa", publicada em 1963. Este é um dos trabalhos
mais influentes no âmbito da história social e cultural.
Ainda com a utilização dos registros oficiais, ou seja, aqueles produzidos ou
sancionados historicamente por instituições, autoridades governamentais ou organizações
formais, busca-se pelas frestas a experiência de vida, relações cotidianas e estratégias de
sobrevivência de pessoas comuns. A historiadora Maria Cristina Wissenbach (1998) do
departamento de História da USP, por exemplo, trabalhou em sua dissertação a partir de
processos criminais, especialmente nos interrogatórios e cartas dos processos jurídicos as
vozes das lavadeiras, quitandeiras, domésticas e trabalhadores de ofícios para então
costurar o tecido social das terras paulistanas entre 1850 a 1880.
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Retiro o conceito de auto-apresentação no texto de Conceição Evaristo “Da representação à
auto-apresentação da Mulher Negra na Literatura Brasileira”. Nele compreende-se a
autoapresentação como ato de indivíduos negros se afirmarem e grafarem em suas próprias
narrativas, contrapondo-se às representações estereotipadas ou limitadas frequentemente
imputadas a eles pela sociedade dominante. Através da autoapresentação, as pessoas negras têm
a oportunidade de contar suas histórias, expressar suas perspectivas e desafiar os estereótipos que
frequentemente as definem. Nesse sentido, auto-apresentação é um ato de resistência cultural e
política, uma vez que indivíduos e comunidades marginalizadas reivindiquem sua voz e agência
seja na literatura como também na na narrativa histórica e social.
Táticas no campo intelectual: novos olhares sobre Carolina Maria
Foi a bendita determinação de Carolina Maria que ecoou vozes em outras vozes
passadas e presentes, percebemos assim como sua produção memorialista não exime o
fator estético e lírico de sua poesia, foi tal determinação germinante em compilar, guardar,
organizar, arquivar sua história e se firmar como escritora, propondo uma originalidade
no sistema literário ao qual questiona o cânone, que floriu em muitas outras Carolinas a
potência de contar suas próprias histórias.
Tenho dito que "Becos da memória" é uma criação que pode ser
lida como ficção da memória. E como a memória esquece, surge a
necessidade da invenção.
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Para mais informações a respeito do Grupo de Estudos Corpus Estéticos em Diferença consultar o
site:
http://www.iea.usp.br/pesquisa/catedras-e-convenios/catedra-olavo-setubal-de-arte-cultura-e-
ciencia/escrevivencia
na construção dessa comunidade científica, movimentos que viabilizam caminhos
alternativos de produzir e validar conhecimentos.
Podemos pensar que este interesse se originou de diversos fatores e agentes, mas
compreendemos que um dos principais motivos e atores são os movimentos sociais onde
Carolina Maria de Jesus nunca foi esquecida, foi no “renascimento” pelas mãos-
movimento de grupos sociais (DINHA, FERNANDEZ, 2014), pela busca da Literatura
Negra e Literatura Periférica (MEDEIROS, 2011) afirmarem uma autoria sobre a
experiência do negro na sociedade brasileira que adentram os muros acadêmicos,
fisicamente com a presença de sujeitos pesquisadores oriundos das camadas populares
em espaços institucionalizados de produção intelectual, a partir dos esforços coletivos de
garantia a vida, ao direitos sociais e ingresso nas universidades como movimentos de base
periférica e cursinhos populares, mas também as políticas públicas e políticas
econômicas, entre elas as cotas raciais implementadas a partir de 2012. Mas também há
o caráter do capital simbolico da Literatura Negra e Literatura Marginal/Periférica que
adentram como temas centrais para trabalhar nas instituições e mídias os assuntos
interseccionados aos mobilizados em Carolina Maria, como por exemplo, favelização,
desigualdades sociais e tanto a experiência quanto a estética própria do/a sujeito negro e
sujeito periférico a partir dos anos 2000 (D'ANDREA, 2022).
Conclusão
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