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Coordenação editorial
Rachel Cristina Pavim
Revisão
Suzete de Paula Bornatto
Revisão final
da autora
Projeto gráfico, capa e editoração eletrônica
Rachel Cristina Pavim
Série Pesquisa, n. 308
Universidade Federal do Paraná. Sistema de Bibliotecas.
Biblioteca Central. Coordenação de Processos Técnicos.
Panke, Luciana.
Campanhas eleitorais para mulheres: desafios e tendências/ Luciana
Panke. – 1. ed. – Curitiba: Ed. UFPR, 2016.
233 p.: il., grafs., tabs.
ISBN 978-85-8480-143-5
Ref. 930
Direitos desta edição reservados à
Editora UFPR
Rua Ubaldino do Amaral, 321
80060-195 - Curitiba - Paraná - Brasil
www.editora.ufpr.br
editora@ufpr.br
2020
Às mulheres que inspiram.
Às que vieram antes de mim:
Minha bisavó, Guilhermina Koop Kulzer (in memoriam)
Minhas avós, Irma Kulzer Hepp e Erna Becker Panke (in memoriam)
Minha mãe, Noemia Hepp Panke
E a minha filha, Gabriela Panke
Às mulheres que virão.
Agradecimentos
Este livro não seria possível sem a generosidade de pessoas que acreditaram
no projeto e confiaram em mim para ser a porta-voz de uma das questões
mais evidenciadas no século XXI: a igualdade de oportunidades e de
voz para todos os gêneros. Elas me deram seu bem mais precioso: seu
tempo, seja para me conectar com mulheres que estão na política, seja nas
entrevistas ou nas contribuições durante a redação do texto.
Meu agradecimento especial aos quase 100 entrevistados: às
mulheres políticas, aos consultores e às consultoras que compartilharam
comigo e com os leitores suas experiências de vida. Todos estão nominados
no decorrer dos capítulos e em um espaço especial ao final do livro.
O livro, publicado inicialmente em espanhol (Editora Piso
15, México, 2015), foi revisado e ampliado para a versão em língua
portuguesa. Em 2016, recebeu a indicação como melhor publicação
nos prêmios Alacop (Associação Latinoamericana de Consultores
Políticos).
Assim, inicialmente, agradeço à Universidade Federal do
Paraná e ao Departamento de Comunicação Social por me fornecer
o tempo necessário para a pesquisa de pós-doutorado, que culminou
nesta obra em espanhol e agora publicada pela Editora UFPR.
Ao prof. Dr. Rogério Mulinari, por não medir esforços para
reconhecer os talentos da Universidade.
À Universidad Autónoma Metropolitana – sede Cuajimalpa –
por me aceitar na sua área de Comunicação Política, em especial ao Dr.
Edgar Esquivel Solís, supervisor da pesquisa pós-doutoral. Agradeço
também à equipe da Biblioteca por sua atenção e apoio.
À Capes, por me conceder uma bolsa durante os seis primeiros
meses da pesquisa.
À ALACOP, Associação Latino-Americana de Consultores
Políticos, e a sua primeira presidenta, Gil Castillo, por todo apoio e
por redigir a apresentação deste livro.
A Gabriela, por existir, pela inspiração, pelo companheirismo
e troca intelectual.
À hermana Valeria pelas risadas, suporte emocional e traduções.
Ao meu irmão, Rafael, por me ajudar a ver melhor as coisas.
A Ada, Angie, Gaby, Ricardo e Victor.
Aos assistentes de pesquisa, Alicia Portillo, Julia Kreuz e Vitor
Machado, pelas transcrições e suporte na busca de dados. A Júlia
Barbosa e a Gabriela Panke pelo apoio no processo final.
A Ismael Filadelphi, Mario Lamenha e Ricardo Tesseroli,
por me ajudarem nas entrevistas com brasileiras enquanto eu estava
morando no México. E a Tayra Aleixo, que compartilhou as entrevistas
que realizou para seu mestrado.
Obrigada a vocês que me puseram em contato com mulheres
políticas, consultores e tentaram quebrar os seis graus de separação: Alice
Lima (Brasil), Alfredo Dávalos (Equador), Andrea Bernal (Equador/Colômbia),
Candice Williams (Panamá), Carla Vega (México), Carlos Gutiérrez (Espanha),
Carolina Sabogal Arias (Colômbia), Daniel Eskibel (Uruguai), Daniel Merchán
(Venezuela), Diva Gastélum (México), Emiliano Cardona (Uruguai), Erikson
Rezende (Brasil), Everton Willen (Brasil), Ester Athanásio (Brasil), Geovanny
Estrada Linares (Panamá), Gil Castillo (Brasil), Guadalupe Fernández
(Argentina), Gustavo Fleury (Brasil), Hugo Weber Jr. (Brasil), Hugo Duarte
(Paraguai), Ismael Fidalelfi (Brasil), Iván Gamboa (México), José Francisco
Pacola (Brasil), Juan Vázquez (Colômbia/Estados Unidos), José Manuel Talero
(Espanha), Karina Herrera Miller (Bolívia), Leandro Groppo (Brasil), Luciano
Silva (Brasil), Marcelo Serpa (Brasil), Matías Ponce (Uruguai/Chile), Máximo
Reina (Argentina), Malena Mota (Brasil), Myrian Del Vecchio (Brasil), Paulo
de Tarso Riccordi (Brasil), Pedro Fernandez (Brasil), Raúl Echivera (Chile),
Ricardo Amado (Venezuela/Estados Unidos), Ricardo Philippi (Brasil), Richard
Liza (Peru), Sofía Sosa (México), Tânia Mandarino (Brasil), Thea Tavares
(Brasil), Vagner Dalbosco (Brasil), Vitor Albano (Brasil), Waleiska Fernandes
(Brasil) e Yasmin Gatto (Brasil).
A Carlos Gutiérrez, Edgar Esquivel e James Deflet, pelas
contribuições.
Muito obrigada a todos e a todas. Este livro também foi escrito
por vocês.
Sumário
Capítulo 1
Ser mulher na política latino-americana / 23
QUESTÕES DE GÊNERO / 38
A PARTICIPAÇÃO FEMININA NA POLÍTICA LATINO-AMERICANA / 44
COTAS / 56
IMPULSO E DECISÃO / 67
Influência familiar ou escolar / 67
Militância nas bases dos partidos, sindicatos ou movimentos sociais / 69
Experiência profissional / 71
RESUMINDO / 73
Capítulo 2
Campanhas eleitorais para mulheres / 75
PESQUISAS / 78
A MENSAGEM E O DISCURSO / 82
O DISCURSO LINGUÍSTICO / 95
CAMPANHA DE TERRA / 99
CAMPANHA EM RÁDIO E TELEVISÃO / 102
CAMPANHA NOS MEIOS DIGITAIS / 108
RESUMINDO / 111
Capítulo 3
Mulheres candidatas: Perfis ideais? / 113
O UNIVERSO FEMININO NAS CAMPANHAS ELEITORAIS / 114
OS PERFIS DAS CANDIDATAS / 120
Tipologia – A Guerreira / 122
Tipologia – A Maternal / 134
Tipologia – A Profissional / 148
RESUMINDO / 163
Capítulo 4
Dicas para candidatas e consultores / 165
A RESPEITO DO FAZER POLÍTICA / 167
SOBRE A PESQUISA ELEITORAL / 169
A MENSAGEM / 171
SOBRE TEMAS DE CAMPANHA / 175
ORATÓRIA E MEDIA TRAINING / 179
SOBRE ESTÉTICA E FOTOGRAFIA / 181
A ROTINA DE CAMPANHA / 183
CAMPANHA CORPO A CORPO, RÁDIO TELEVISIVA E NAS REDES SOCIAIS
DIGITAIS / 186
SOBRE O ÂNIMO. PALAVRAS DE MULHER PARA MULHER / 188
Referências / 205
Glossário / 213
13
presidenciais, em 11 países diferentes desde o ano de 2010. Além
disso, entrevistou consultores políticos – homens e mulheres – de
15 países, mulheres com carreiras políticas em 13 países da América
Latina, especialmente no Brasil, e investigou os principais autores,
referências no estudo das questões sociais e de gênero, com um alto
nível bibliográfico. A autora ainda nos enriquece com relatos de suas
próprias experiências, seja como pesquisadora, seja como profissional
com atuação em processos de comunicação eleitoral e política.
Com todo esse rico material, Luciana Panke acredita que
“a pesquisa indica maneiras de promover a reflexão sobre estratégias
para as campanhas eleitorais para as mulheres e os papéis de gênero
na sociedade latino-americana”. Desta forma, através de um contexto
baseado no mundo feminino, especialmente na participação política e
partidária, analisa em profundidade a questão das campanhas eleitorais
e desenvolve uma excelente proposta de classificação de arquétipos
femininos – o mais completo que tive a oportunidade de ler – para ser
usado em campanhas, terminando com uma coletânea de conselhos
para as mulheres políticas e para profissionais que trabalham em
campanhas eleitorais de mulheres. Todos estes aspectos fazem deste
livro uma referência bibliográfica que transcende a área de estudos
acadêmicos, tornando-se um verdadeiro manual para compreender as
mulheres como peças-chave na política de hoje.
Em todos os anos em que venho trabalhando na área de
consultoria política, tive a oportunidade de assessorar homens e
mulheres candidatas, em diferentes lugares e situações sociais. Em
muitos casos, com grande alegria, tenho observado em ambos os
gêneros propostas muito concretas para a inclusão e aperfeiçoamento
humano, infelizmente, nem sempre tratadas com o mesmo peso,
dependendo de quem as apresenta, o que me faz refletir ainda mais
sobre as questões levantadas neste livro: “Será que vamos viver por muito
tempo em uma sociedade onde a questão de gênero seja mais importante
Luciana Panke
15
Introdução à versão brasileira
20
idade ou credo. As vozes de várias correntes estão conversando nas
seguintes páginas.
Para a versão em português somaram-se mais entrevistas
com brasileiras, totalizando 58 políticas. Também foram ampliadas as
entrevistas com consultores, focando na fala de mulheres profissionais
da comunicação política. Com isso, são 35 profissionais compartilhando
suas experiências na área. Todas as 93 entrevistas estão gravadas
em áudio e transcritas. A forma de realização deu-se, na maioria,
pessoalmente, e outras por meio de videoconferência.
As três tipologias das candidaturas femininas que trago aqui:
a guerreira, a maternal e a profissional, são inéditas na área. Até hoje
os estudos na área de comunicação política e eleitoral focaram apenas
em estabelecer “imagens ideais” dos candidatos homens, apesar do
sufrágio feminino ter-se iniciado há quase um século em vários países.
Aqui, como mulher e, especialmente, analisando e ouvindo as mulheres,
pude sistematizar as imagens das candidatas na América Latina.
Estamos vivendo uma presença real ou simbólica das mulheres
na política? Como fazer uma campanha eleitoral para mulheres? Quais
os desafios que elas enfrentam? O principal objetivo aqui é ampliar o
panorama para pesquisadores, profissionais de comunicação política e
mulheres, não com a pretensão de esgotar o tema, mas sim de ampliar
o debate oferecendo um estudo substancioso. O livro está organizado
Campanhas eleitorais para mulheres: desafios e tendências
em quatro partes. Na primeira, gênero e eleições, onde abordo sobre o
universo feminino, política partidária, cotas e participação. Na segunda,
levanto questões centrais sobre campanhas eleitorais, questionando
se há ou não uma maneira de fazer campanhas para mulheres. Depois,
apresento as tipologias em campanhas femininas e, por último, reúno
dicas de consultores e políticas a outras mulheres e consultores que
gostariam de ingressar neste meio.
Estudos bibliográficos, experiências profissionais e entrevistas
se misturam para configurar o livro que apresento. No final, quem
me acompanha encontrará também uma parte com os currículos e
contatos dos que emprestaram voz para que estas páginas pudessem
21
ser escritas. Tomara que consigamos levantar ideias para entender os
desafios e as tendências de campanhas eleitorais para mulheres.
Boa leitura!
Luciana Panke
22
Capítulo 1
Ser mulher na política latino-americana
23
Neste exercício de observação, escutei nas entrevistas
pontos de vista diferentes que complementam as leituras e as análises
realizadas. Tenho concluído que há coisas aceitas como naturais na
sociedade latina assim como as cantadas, o assédio nas ruas, lugares
da casa que pertencem aos homens (sala, por exemplo) e outros às
mulheres (cozinha), assim como profissões que parecem ser destinadas
a um dos sexos.
Em um evento internacional justamente da área de
comunicação política, um profissional equatoriano ficou admirado
com meu comentário de que “a política é um universo masculino”
e me disse que eu era uma “feminista radical” equivocada, pois em
seu país isso não ocorria. Diga-se de passagem, ser chamada de
“feminista” por si só já vinha como tom pejorativo. A ex-governadora
do Pará, Ana Carepa1, que superou vários obstáculos em sua carreira
política, é enfática: “o poder é masculino”. Bom, ainda que eu não
tenha a intenção de analisar cada país separadamente, é fato que uma
questão é estar nos parlamentos ou cumprir cotas, outra é fazer parte
da tomada de decisões. Como enfatiza a senadora brasileira Gleisi
Hoffmann2, “não existe democracia plena se a metade da população
não está representada nos órgãos, nos processos decisórios. E é na
política onde se definem as coisas”. Esse tópico será retomado mais
adiante, como um dos mais relevantes obstáculos a serem superados
pelas mulheres políticas.
Esse tom é repetido por mulheres, inclusive, em vários
países. Como exemplifica Nancy Thame3, presidenta do PSDB Mulher
regional paulista, que antes de ser candidata a vereadora em Piracicaba,
estado de São Paulo, viajava o Brasil para treinamentos de liderança
feminina, a dúvida e o preconceito se viam em todas as partes. Ela
questionava com as demais mulheres: “Porque não dá pra aceitar uma
mulher – e não é radicalismo isso – que vá ocupar um cargo eletivo e
Luciana Panke
Frases machistas vindas de mulheres Campanhas eleitorais para mulheres: desafios e tendências
28
feminina. De acordo com ele, a fêmea seria fêmea por ser um macho
mutilado. “Uma campanha contra uma mulher sempre terá conotação
sexual ideológica”, acredita o peruano Oswaldo Carpio11. Nesse
ponto, encontramos conexão com discursos contemporâneos de que
as mulheres seriam “histéricas”. A origem da palavra está justamente
no grego “hyaterá”, que significa matriz e está relacionada com
útero. Os gregos diziam que as mulheres com problemas de útero
eram histéricas. Por muito tempo, o tratamento médico consistia em
massagear as damas para que chegassem a um orgasmo.
No século XX, Freud também relacionava comportamentos
contestatórios femininos com uma suposta inveja do pênis. Bom,
o que vemos é uma relação direta entre a sexualidade feminina e a
insubmissão. A consultora brasileira Gil Castillo12 comenta que “nas
pesquisas eleitorais sempre aparecem comentários questionando a
atitude moral da mulher, essa questão sexista mesmo. Quando você
fala do homem, o ponto negativo é a corrupção, nunca está ligado
à questão sexual. Já para a mulher não, quando você apura alguma
objeção contra candidaturas de mulheres, [é que] ela moralmente não
presta ou o marido tem amante, sempre está relacionado à questão
sexual”.
O poder relacionado com a dominação sexual está na base
de muitos comportamentos políticos. Para a pesquisadora chilena
Campanhas eleitorais para mulheres: desafios e tendências
Montoner, apesar das controvérsias sobre quais sociedades pré-
-históricas praticavam o matriarcado, é no momento que a monogamia
vira regra que surge a mudança de status para o poder masculino.
“Em uma sociedade de matrimônios por grupos ou poligamia, as
mulheres eram autoridade sobre seus descendentes reunidos em
tribos independentes e, portanto, prevalecia o ‘direito materno’ já
que os filhos não tinham um pai certo e a única coisa que se poderia
determinar, sem dúvidas, era a mãe. Elas exerciam o poder político,
econômico e religioso especialmente nas culturas mais agrícolas”
30
Outra coincidência entre a antiguidade e os nossos dias é que
as mulheres que se aproximavam do poder político “são definidas por
sua relação com os homens, como filhas, irmãs, amantes, esposas e
mães” (HOLLAND, 2010, p. 46). Até hoje, várias mulheres sentem
a necessidade de ter uma referência masculina ou um “padrinho”
para apresentá-las e fazerem se sentir valorizadas. Outras, por sua
vez, sentem preconceito justamente por essas relações, como se
diminuíssem sua capacidade. “Se pode observar também uma permuta
entre os temas levantados na inter-relação entre as esferas de ação de
homens e de mulheres na tendência cultural generalizada de definir os
homens de acordo com seu status e função social (guerreiro, caçador,
estadista, idoso e várias outras similares), que pouco tem a ver com sua
relação com as mulheres. Por outro lado, as mulheres tendem, quase
inteiramente, ser definidas por relações que tipicamente são definidas
por parentesco (esposa, mãe, irmã), se se examina detalhadamente,
se verá que são relações estabelecidas com homens” (ORTNER;
WHITEHEAD citadas por LAMAS, 2013, p. 141). Como veremos logo
em seguida, várias mulheres entram na política justamente por serem
esposas, filhas, irmãs de políticos. É importante frisar que as relações
de parentesco não devem depreciar a mulher que entrar na política
por este caminho, pois seria repetir preconceitos. Independentemente
da maneira como entra na vida pública, qualquer pessoa permanece a
Campanhas eleitorais para mulheres: desafios e tendências
partir do que desenvolver em suas funções.
Portanto, ao avaliar essa relação com os homens, encontramos
dois lados da moeda da contemporaneidade que podem ajudar a
reproduzir o machismo. Por um lado, mulheres eleitas com o apoio de
um homem. Por outro, mulheres que têm sua capacidade questionada
quando chegam ao poder, como se precisassem ser amantes de um
homem poderoso para estar onde estão. É quando também ser bonita
acaba sendo prejudicial às mulheres. “Homens e mulheres igualmente
tendem a pensar que uma mulher muito bonita deve seu cargo a seu
físico, ainda mais se ocupa uma posição importante: com certeza
seduziu ou mantém relações sexuais com um homem que a tenha
apoiado” (CASTAÑEDA, 2013, p. 291). Isso se ouve, inclusive, vindo
31
de outras mulheres. A vereadora de Santo André, no ABC paulista,
Elian Santana13 conta que “teve uma vez uma senhora que chegou e
falou assim: ‘eu não vou votar em você, não, porque você é muito
bonita. Meu marido vai ficar olhando pra você’”. Ou mesmo entre
mulheres políticas aparece essa crítica: “eu acho que tem muita mulher
que entra e ela não tem noção da política, então ela é bonitinha,
tem mulher bonita pra caramba aqui, só que só tem beleza, os caras
votam pela beleza, mas quando abre a boca é uma tristeza”, opinou a
vereadora de Artur Nogueira, também em São Paulo, Maria José Pereira
do Amaral Hunglaub, conhecida como Zezé da Saúde14. O julgamento
da imprensa, de outras mulheres e de homens em relação à estética
feminina pode ser cruel e exige muita segurança para ser enfrentado.
A ex-governadora do Pará, Ana Carepa, é uma das entrevistadas
que sentiu na pele o peso do preconceito. “Além de que ela era
solteira, bonitona, toda sorridente. Isso foi preponderante pra falarem
coisas horrorosas dela. Criavam factoides horrorosos e cotidianos
envolvendo cabeleireiro, namorado, bebida e várias outras coisas que
construíssem a narrativa de que ela não tinha condições de estar ali.
Todos sempre pegando em questões tipicamente femininas. Ela teve
que ser muito forte. E muitas mulheres ajudavam nessa construção”,
conta a jornalista Waleiska Fernandes, que a assessorou15.
Também há a questão de se dizer que mulher não vota em
mulher por ser mulher. Na verdade, não há como comprovar a escolha
do voto exclusivamente por questão de gênero, mas tanto para participar
como candidata ou para votar, o que faltaria é um trabalho de afirmação
das lideranças femininas, de empoderamento. A vereadora Cremilda
Pereira16 exemplifica: “eu vejo como que é como falta de conscientização
da mulher, porque a mulher é muito guerreira. A gente faz encontro
com as mulheres domingo de manhã e você vê mulher com bebezinho,
Luciana Panke
QUESTÕES DE GÊNERO
45
Em 2014, a América Latina vivia um momento inédito na
política. Foi quando, simultaneamente, quatro mulheres presidiam
seus países: Dilma Rousseff (Partido dos Trabalhadores – Brasil),
Cristina Kirchner (Frente para a Vitória – Argentina), Michelle
Bachelet (Partido Socialista – Chile) e Laura Chinchilla (Partido da
Libertação Nacional – Costa Rica). Naquele ano, duas mulheres
protagonizaram a campanha presidencial: Dilma e Marina Silva
(Partido Socialista Brasileiro), mas no fim das contas se repetiu a
história que começou há 20 anos – quem foi ao segundo turno com
Rousseff foi Aécio Neves (Partido da Social-democracia brasileira).
No Chile, duas mulheres disputaram o segundo turno nas eleições de
2013: Bachellet e Evelyn Matthei (União Democrática Independente).
Esses acontecimentos, somados às leis de cotas de gênero em vários
países, supõem aumentar o empoderamento das mulheres e estimular
reflexões sobre a participação feminina. Importante destacar que, no
momento em que escrevo a versão em português do livro, no Brasil,
acaba de ser votado o impeachment de Dilma Rousseff e terminaram
os mandatos de Cristina Kirchner e de Laura Chinchilla, que foram
substituídas por homens. Ressalto também, no caso do Brasil, que o
governo interino de Michel Temer (PMDB) tirou todas as mulheres
de cargos de comando.
Ainda que nos países latinos o voto das mulheres tenha
sido permitido desde o começo do século 20, os países esperaram
décadas para ter a primeira mulher presidenta e a maioria ainda nem
chegou a isso. No gráfico seguinte (Figura 2) vemos os países que
tiveram alguma mulher na presidência e o tempo que levou para que
isso ocorresse.
Luciana Panke
46
FIGURA 2 – AMÉRICA LATINA E CARIBE: CRONOLOGIA DO RECONHECIMENTO
DO SUFRÁGIO UNIVERSAL E O ACESSO DAS MULHERES À PRESIDÊNCIA
RECONHECIMENTO PRIMEIRA MULHER ANOS TRANSCORRIDOS
PAÍSES DO SUFRÁGIO ASSUME A ENTRE SUFRÁGIO E
FEMININO PRESIDÊNCIA PRESIDÊNCIA FEMININA
Bolívia (Est.
1952 1979 27
Plur. da)
Antilhas
1948 1977 29
Holandesas
FONTE: Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL), sobre a base de infor-
mação do Observatório de Igualdade de Gênero da America Latina e Caribe, janeiro de 2013.
Tabela: elaboração própria.
47
Antes de falar sobre as leis de cotas, gostaria de comentar
o resultado de uma pesquisa realizada no México, onde se indica
que 38% dos entrevistados acreditam que não importa o gênero
(considerando a classificação dual homem/mulher) de quem seja
Presidente da República. É significativo constatar que 32% dos
entrevistados acreditem que seria melhor um homem presidente, o
dobro dos que acreditam que uma mulher seria melhor (16%). Os
números apontam que mesmo que a maioria acredite em igualdade
de condições nesta categoria, ainda temos um número considerável
de pessoas que julgam os homens superiores nesta função. Sem
dúvidas, se somássemos os que não responderam e os que não
souberam responder aos que pensam que uma mulher seria uma
gestora melhor, ainda assim não se alcançaria a porcentagem dos que
creem que um homem seria um melhor presidente. “A linguagem
contribui para normalizar essa percepção das coisas fazendo mais
visíveis os homens e fazendo menos evidente a presença das
mulheres no âmbito público. ‘É normal’, ‘previsível’ que o diretor
de uma empresa, o reitor de uma universidade ou o presidente de
um país seja um homem. O anormal ou inesperado é que fosse uma
mulher” (AZAÏZ, 2007, p. 32).
Nos dados que apresentamos a seguir, consideramos
somente a presença na Câmara dos Deputados, pois nem
todos os países possuem Senado Federal. De acordo com este
levantamento, na América Latina, a Bolívia é atualmente o país
com a maior participação, posicionando-se em segundo lugar
mundial. Depois estão Cuba, México e Equador, posições que
apontam a tendência dos governos de esquerda ou progressistas
a estimular a presença feminina neste espaço. O México subiu no
ranking a partir da paridade de 50% nas cadeiras, iniciada em 2015.
E vale destacar que a Venezuela está na 128ª. posição mundial,
com 14,4% de mulheres.
Luciana Panke
48
TABELA 1 – PRESENÇA DAS MULHERES NAS CÂMARAS DE DEPUTADOS DA
AMÉRICA LATINA
LUGAR NO
PAÍS POSIÇÕES MULHERES PORCENTAGEM
MUNDO
49
A respeito das eleições brasileiras em 2014, pesquisas
realizadas pelo Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc)
apontam que “somando mais da metade da população brasileira
(51,04%), as mulheres seguem em minoria: de um total de 25.919
candidatos registrados no Tribunal Superior Eleitoral, apenas
30,7% são mulheres”. Como resultado destas eleições, as mulheres
conquistaram somente 8,8% das vagas na Câmara de Deputados e
14,8% no Senado Federal.
Nos últimos 10 anos, a América Latina apresentou um
crescimento médio de 6,5% no número de vereadoras, de acordo
com a pesquisa realizada pela Comissão Econômica para a América
Latina e Caribe (Cepal). Em média, os países têm 27% de mulheres
nas câmaras de vereadores. Ainda assim, de acordo com os dados
de 2014, quatro países ficaram com menos de 15%, conforme figura
abaixo.
FIGURA 3 – NÚMERO DE VEREADORAS NA AMÉRICA LATINA EM 2014
América Latina, Caribe e Península Ibérica (26 países): Vereadoras, último dado disponível (Em porcentagens)
50
FIGURA 4 – PREFEITAS ELEITAS NA AMÉRICA LATINA
América Latina, Caribe e Península Ibérica (29 países): Prefeitas, último dado disponível (Em porcentagens)
53
pelos homens e também por outras mulheres, até os dias de hoje. A
deputada brasileira Marla Turek comenta que escutou várias vezes de
outras mulheres: “gosto de você, vejo que tem boas ideias, mas não
vou votar em ti porque política não é coisa de mulher”39. Enfatizo o
que tenho defendido: a política partidária ainda é vista como uma ati-
vidade masculina, apesar de, no Brasil, a média de filiação de mulheres
ser de 45%. A entrada das mulheres nesse espaço provoca medo nos
homens, pois equivaleria a perder uma posição já garantida. Assim, elas
estão nos partidos, mas não na linha de frente. A senadora brasileira
Gleisi Hoffmann40 confirma: “A começar pela militância no partido, que
nós tivemos que brigar muito pra ter acesso aos cargos de direção, pra
ter acesso à participação nas decisões e sempre considerado como um
polo mais fraco, sem capacidade de articulação política”. E o mesmo
vale em relação à presença das mulheres na consultoria política: são
poucas que conseguem entrar e/ou se destacar nesta área. “Frente a
este confisco da representação política por parte dos homens, com
frequência se aventa a ideia de que o mundo político se constitui a
última fortaleza masculina, a esfera mais machista, mais fechada às mu-
lheres” (LIPOVETSKY, 2012, p. 258).
Tem um ditado no México que diz “mulheres juntas, nem
defuntas”, lema que muitas entrevistadas acreditam ser verdade, mas
outras veem mais como um dos mecanismos ideológicos para reforçar
a distância entre as mulheres. A então ministra da Mulher do Peru,
Carmem Omonte, defende: “falso! E eu tenho visto uma infinidade
de vezes. É uma lenda urbana. Agora, em temas superficiais, o mesmo
fato de que a mulher seja competitiva, uma mais que a outra, faz com
que sejamos concorrentes. Isso pode ter criado essa percepção geral
de que não podemos nos unir”41. Outras entrevistadas como Wanda
Nazario, de Porto Rico, Mirian Gonçalves, do Brasil, Nidia Valdez, da
Brasil.
40 Entrevista concedida durante o programa de rádio “Comunidade em
debate”, Radio Barigui, em 16/04/2016, Curitiba, Brasil.
41 Entrevista concedida em 11/08/2014, Lima, Peru.
54
República Dominicana, por exemplo, percebem que realmente falta
sororidade.
A então deputada federal mexicana, Liz Gamboa42, comenta:
“você é mulher, está aí e eu por ser mulher vou te apoiar. Não
me importa se gosto ou não de você, mas devemos estar juntas e
essa é uma questão de sororidade. E essa construção custa sangue.
Por quê? Porque os mais interessados em que não se construa
uma relação de apoio entre mulheres são os homens”. Essa mesma
opinião é compartilhada pela ex-candidata presidencial mexicana e
então secretária do Trabalho do Distrito Federal, Patricia Mercado43.
“Isso que se havia cultivado de ‘mulheres juntas, nem defuntas’ foi
algo que se enraizou na cultura para nos separar e nos isolar. E como
agora estão sendo realizados muitos pactos entre as mulheres, então
já não podemos mais separá-las, ou seja, já irreversível que se juntem,
se juntem e se juntem, né?”.
A propósito, Bourdieu argumenta que “recordar as marcas
que a dominação imprime nos corpos e os efeitos que exerce através
deles não significa aportar argumentos a essa espécie, especialmente
viciosa, que ratifica a dominação existente ao atribuir às mulheres
a culpa pela própria opressão, sugerindo, como se faz às vezes, que
elas decidem adotar comportamentos de submissão (as mulheres
são suas piores inimigas) para não dizer que elas até gostam da
Campanhas eleitorais para mulheres: desafios e tendências
dominação, que ‘desfrutam’ dos tratamentos que recebem, graças a
uma espécie de masoquismo inerente à sua natureza” (BOURDIEU,
2000, p. 56). Sua fala explica o que algumas entrevistadas sentem por
ter, justamente, outras mulheres como suas principais inimigas. Os
depoimentos delas sobre essa questão cultural mostram que é uma
realidade possível de reverter.
62
FIGURA 6 – MULHERES NA CÂMARA DOS DEPUTADOS
América Latina, Caribe e Península Ibérica (36 países): Mulheres eleitas para os parlamentos nacionais, 2015 (Em porcentagens)
IMPULSO E DECISÃO
67
as mulheres de virem pra vida pública é essa questão do machismo
dentro de casa, porque o marido acha importante, mas ‘por que
ela e não eu?’”, analisa a vereadora brasileira Elian Santana80. Já a
deputada brasileira Ione Pinheiro81 cresceu no ambiente político “eu
sempre ajudei e a política sempre foi muito presente na nossa vida.
Eu, com menos de 10 anos, já estava na rua com meu pai pedindo
voto e entregando santinho”. A jovem vereadora de Santiago do Chile,
Esperanza Alcaíno82, comentou que crescer num entorno político a
motivou para a carreira pública: “Minha chegada ao mundo do serviço
público foi uma mistura de fatores, entre eles, meu pai foi prefeito,
minha mãe é presidente da Comunidade Mulher, uma organização que
existe há anos”. Para a ex-governadora do Pará, Ana Julia Carepa, a
experiência foi mais impactante, uma vez que seu pai foi preso político
durante a ditadura militar no Brasil. A deputada estadual paranaense,
Cristina Silvestri, diz que “assim como muitos filhos de médicos viram
médicos por conviver com a medicina dentro de casa, ou filhos de
advogados, eu também penso que a política passa de geração pra
geração, porque aprendemos a conviver e a gostar e está dentro da
gente. Convivemos tanto com a política que parece que ela entra no
nosso DNA”.
A mexicana Patricia Mercado, por sua vez, desde adolescente
sentia que devia fazer alguma coisa para mudar a desigualdade social.
“Quando eu tinha uns 15 ou 16 anos, na minha adolescência, estive
em um colégio católico e as freiras seguiam a Teologia da Libertação.
Eu me conectei muito com essas ideias, com esse compromisso”83.
A sequência da sua trajetória foi estudar economia e, ainda na
universidade, ingressar no movimento feminista, a partir do qual se
destacou na política mexicana. A brasileira Soninha Francine84 declara:
“bom, política eu sempre fiz, amei, acompanhei. Daquelas que destoam
Experiência profissional
Campanhas eleitorais para mulheres: desafios e tendências
Por outro lado, as experiências profissionais impulsionaram
mulheres que acabaram se tornando destacadas na política. Algumas
empresárias, advogadas, médicas, professoras, intelectuais, agrônomas
e outras de formações diversas foram instigadas a entrar na política
para desenvolverem atividades para um público maior ou convidadas
por partidos devido à qualidade de sua formação.
A deputada e ex-ministra da Mulher e dos Povos Vulneráveis
do Peru, Carmen Omonte; a vice-presidenta do Panamá, Isabel Saint
12/08/2014.
102 Especialista em estratégia. Entrevista realizada em 28/03/2014, Co-
lômbia.
103 Entrevista realizada em 15/07/2016, Lima, Peru.
76
características popularizadas de cada gênero e no entorno cultural.
Assim, apresentar uma candidata à disputa eleitoral na América Latina
– ainda que seja uma região predominantemente machista – muda
conforme a região, o país, a personalidade da candidata e o projeto
político. “Numa campanha tem sempre três elementos que não
necessariamente coincidem: o que o candidato é, a imagem que tenta
projetar e o que os eleitores percebem” (SALGADO, 2004, p. 67).
Por sua vez, a ex-candidata presidencial mexicana, Patricia
Mercado, argumenta: “acho que as pessoas estão equivocadas quando
pensam que nós, mulheres, por sermos mulheres, somos melhores.
Podemos ser corruptas, negligentes, assassinas, tudo. Podemos ser
tudo isso. O que acontece é que, efetivamente, nossa educação,
digamos, nossa cultura de gênero diz que as mulheres são pétalas de
rosa, somos a Virgem Maria, somos boas, por natureza somos mães,
que amamos os filhos. Toda essa cultura faz com que se pense que
as mulheres por definição sejam melhores. Nesse momento, uma
campanha que diz ‘vote por mim porque sou mulher’ é uma campanha
fracassada” (secretária do trabalho, Patrícia Mercado, México104).
A então deputada Lizbeth Gamboa, também mexicana, acredita
que “a realidade nos diz que quando estamos na rua, esquecemos
que somos mulheres e competimos nas mesmas condições que os
homens. Mas deveria haver uma diferença numa campanha em que as
Campanhas eleitorais para mulheres: desafios e tendências
candidatas são mulheres e os candidatos são homens, no planejamento,
no objetivo, nas políticas públicas, mas não existe” (ex-deputada Liz
Gamboa – México105).
Portanto, como fazer uma campanha eleitoral para mulher? No
último capítulo, há uma série de dicas de mulheres que passaram por esta
experiência, de consultores e de consultoras. Entretanto, como parto
do princípio de que tecnicamente uma campanha eleitoral passa pelas
mesmas fases, aqui exponho três pontos-chave: pesquisa, mensagem
PESQUISAS
A MENSAGEM E O DISCURSO
eleitores;
83
capítulo seguinte, detalho este tópico apresentando uma proposta de
imagens mais utilizadas pelas mulheres nas eleições.
Iten e Kobayashi (2002) indicam que uma candidatura
feminina, por si só, já se apresenta quase como uma novidade. Seria
um diferencial pelo número mínimo de mulheres que se postulam
– número que tem girado em torno dos 30% devido às cotas. “A
agregada representatividade que uma candidatura feminina pode
simbolizar – para com as próprias mulheres, o espírito de iniciativa, a
independência, a defesa de minorias ou das causas humanitárias” (ITEN;
KOBAYASHI, 2002, p.126). É interessante observar que os autores
apresentam as mulheres relacionadas com áreas consagradas como
femininas, as quais expõem mais sensibilidade (defesa de minorias ou
das causas humanitárias), reforçando estereótipos, sem considerar que
uma mulher pode se destacar em áreas como economia, infraestrutura
e obras em geral. “A pergunta é se as mulheres têm que ser como são,
como cresceram e nasceram ou têm que se converter em outro tipo
de mulher”, reflete o consultor mexicano Javier Sánchez Galicia114.
Na busca de argumentos para fortalecer as campanhas,
há estrategistas que optam por reforçar gênero. “As candidaturas
femininas constroem estratégias, criando um sentido teatral e uma
estrutura discursiva que aparecem como uma espécie de ‘plus’, um
enriquecimento que faz alusão à universalidade de valores” (BARREIRA,
1996, p. 35). Os atributos femininos de maternidade, organização e
dedicação são transferidos para a atividade pública. Para o argentino
Daniel Ivoskus115, “é uma questão de sensibilidade diante da dureza
das campanhas eleitorais. Quando se ataca com dureza uma mulher,
termina fortalecendo a própria candidatura dela”. A consultora porto-
riquenha Wanda Nazario116 comenta que em seu país esse argumento
seria inviável. “Antes até se escutava ‘estão me atacando porque sou
mulher’, mas agora a população entende que se entrou na política
Luciana Panke
87
tende a gerar desconfiança. O consultor Leandro Groppo122 alerta que
“se uma mulher é um pouco mais dura e com um passado que não
comunica essa empatia, não tem maneira de simplesmente mudar a
imagem. Nesse caso, tem que se encontrar outro ponto forte”. Fazer a
análise SWOT, como comentei antes, ajuda na solução destas questões.
É de responsabilidade do consultor identificar o perfil predominante e
valorizar as qualidades da candidata.
O mexicano Dante Moncada123 dá três recomendações para
guiar a projeção de imagem. “Acredito que o fato de se ver feminina
e até doce, sensível, não é conflitivo com se ver firme. Acho que três
questões são fundamentais: 1) o discurso é chave; 2) as propostas e os
fatos que acompanham estas propostas é que vão gerar coerência; 3)
cuidar com a imagem de tudo que a candidata faz durante a campanha
porque há elementos que vão reforçando o conceito-chave, como
elementos cenográficos e até o que forma a narrativa da campanha”.
Com base em Ibinarriaga e Hasbun (2012) e Eco (1993),
proponho códigos de comunicação que vão compor uma mensagem.
As categorias englobam elementos não verbais, verbais, imagéticos,
sonoros, estéticos, gráficos. Assim, tomando Eco (1993, p. 382) como
referência, temos seis funções da linguagem:
- Função referencial: direcionar a atenção do público para
apenas um referente;
- Função emotiva: provocar emoções, em especial, a partir
da associação de ideias;
- Função imperativa: levar o sujeito à ação;
- Função fática: estabelecer contato psicológico com o
receptor;
- Função metalinguística: falar da mensagem em si;
- Função estética: enfatizar a harmonia de todas as outras
funções.
Luciana Panke
O DISCURSO LINGUÍSTICO
95
5) Um discurso transmite não apenas a filosofia (ou ideologia)
da pessoa, mas também a do projeto que encabeça.
Para compor um discurso é necessário ter argumentos.
O discurso político é, portanto, um discurso caracterizado pelas
relações sociais e contextuais, buscando soluções e alterações à
ordem vigente. Tem quem acredita que o discurso eleitoral só
adota as emoções como recurso, mas não concordo. Ainda que
as emoções tenham uma parcela muito importante, é preciso
apresentar propostas e a candidata deve ter bem claro o que
pretende desenvolver nas suas funções como servidora pública.
Desse modo, entre as possibilidades de estratégias argumentativas
racionais, com base na teoria da nova retórica de Perelman e Olbrechts-
-Tyteca (1996), destaco:
1) Problema versus solução: é quando se apresentam as
coisas que não estão bem e em seguida se propõe algo
para solucioná-las. Aqui vemos, muitas vezes, discursos que
não necessariamente trazem argumentos concretos, mas
indicam alguma proposta de solução.
2) Divulgação de números: resultados de pesquisas, números
de hospitais que serão construídos, porcentagem do
crescimento do país ou da cidade, são exemplos de
como os números dão impressão de seriedade e de
conhecimento de causa. Além disso, números são tomados
como verdadeiros sinônimos de informação concreta.
Poucos eleitores vão procurar se os dados estão certos,
mas uma oposição deve fazer isso.
3) Argumento de fins e meios: estratégia mais concreta que
reforça como seriam realizados os objetivos. Também é
usado quando os governos necessitam promover mudanças
antipáticas à opinião pública, como por exemplo, um
aumento de impostos. Dessa maneira, os impostos seriam
Luciana Panke
96
4) Transitividade: aqui encontramos a transferência de valor
entre dois elementos que não teriam relação normalmente.
Por exemplo, o amigo do meu amigo é meu amigo também.
5) Valorização da parte em relação ao todo ou a divisão do
todo em partes: os elementos principais do discurso são
relacionados com suas partes e valorizados conforme a
ênfase que se deseja dar. Por exemplo, dizer que o Brasil
é composto por 206 milhões de habitantes enfatiza o país,
sua grandeza. Agora, dizer que 206 milhões são brasileiros
valoriza a força das pessoas.
Os discursos eleitorais (PANKE, 2011) seguem técnicas que
preveem a argumentação baseada em dez focos principais: 1) suposto
caráter do candidato – ethos; 2) abstração valorativa – valores morais
se sobressaem em detrimento de propostas concretas; 3) promessas
baseadas em demandas sociais generalizadas (temáticas centrais);
4) legitimação da realidade realizada por números veiculados pela
imprensa ou institutos de pesquisa (transitividade); 5) forte apelo à
autoridade, seja popular ou liderança reconhecida em determinada
comunidade (grupo e seus membros); 6) relação entre aspectos do
candidato com realizações passadas ou futuras sem ligação lógica entre
eles (pessoa e seus atos); 7) empatia (colocar-se no lugar do outro);
8) projeção (onde o outro supõe poder chegar aderindo à proposta Campanhas eleitorais para mulheres: desafios e tendências
do orador); 9) identificação (apresentar atitudes que se assemelham
ao do público almejado); 10) ênfase aos discursos emotivos simulando
determinada pedagogia política ou função instrucional.
Além de propor mudanças ou melhorias na sociedade, o
discurso eleitoral precisa chamar atenção dos eleitores, sensibilizá-
los. Assim, os discursos enunciam sentimentos variados que mudam
conforme as estratégias de campanha, o lugar e a conjuntura. Não
obstante, há algumas emoções mais valorizadas no discurso eleitoral:
1) Amor: sentimento que pode estar relacionado com o país,
a cidade, as pessoas ou à vida. Em geral, uma campanha
eleitoral enfatiza o amor pelo local da eleição, as paisagens
97
bonitas, as qualidades, as pessoas, a natureza, a família.
Seria destacar as qualidades que estão no contexto.
2) União: o sentimento de pertencer a um grupo e ter
atitudes a favor dele. É uma das emoções enfatizadas em
campanhas, especialmente com a militância dos partidos e
nas passeatas.
3) Alegria: campanhas positivas, otimistas, que celebram
a vida e um mundo melhor. Os jingles ressaltam essa
sensação de estar fazendo o bem.
4) Medo: em geral, é uma emoção usada pela oposição ou
pelo grupo que está no poder para mostrar os riscos de
mudar de governo. Na comunicação visual é perceptível o
uso de cores escuras e imagens de problemas sociais.
5) Drama: o objetivo é sensibilizar as pessoas, fazer com que
todos sintam na pele as dores do mundo. Muitas vezes,
mostrar crianças faz parte da estratégia. As canções suaves
também estão entre os recursos mais adotados. Nos
vídeos, imagens em slow motion ajudam a provocar essa
sensação.
6) Indignação/Raiva: o discurso é exaltado no tom de voz, e
as acusações (diretas ou indiretas) compõem o conteúdo
comumente. Os ataques, entretanto, também provocam
na população a impressão de que a candidata perde
tempo criticando e não propondo. Por questões culturais,
dependendo da região e do país da campanha, é possível
que uma mulher adotando uma estratégia assim seja vista
de maneira mais negativa do que se fosse homem. Como
falei no primeiro capítulo, a mulher é associada com
delicadeza e o homem com a força. O estranhamento
viria quando esta mulher aposta em atributos masculinos
para ser notada. No próximo capítulo, retomo o tema ao
Luciana Panke
CAMPANHA DE TERRA
106
tristes (problemas estruturais, esgoto a céu aberto, pessoas
em situação precária, por exemplo) para mostrar o que precisa
ser mudado. O conjunto pode promover a personalização: o
conteúdo dos spots, em geral, está centralizado para mostrar
os melhores aspectos da candidata, colocando de lado outros,
como as propostas de gestão. “Mesmo que não seja possível
desvincular política, eleições e personalização, os sistemas
presidencialistas com menor influência dos partidos como agentes
de articulação política se situariam no extremo de maior impacto
de personalização” (MARAÑÓN, 2013, p. 15).
Sabendo que os spots que vão se destacar são os que
valorizam as características pessoais, vale a reflexão de Merlisnky
(2000) sobre imagens de gênero: “O conceito de imagens de gênero
se refere a um conjunto de representações que tanto homens como
mulheres têm de: a) suas próprias posições relativas aos papéis de
homens e mulheres; b) as posições e papéis do sexo oposto; e c) o
valor social relativo de ser homem ou mulher” (MERLINSKY, 2001,
p. 108). Essas associações são ainda mais importantes nas disputas
femininas, uma vez que aos homens não se pede com a mesma
veemência que provem competência e capacidade laboral. Para as
mulheres isto é pedido com frequência, implícita ou explicitamente.
Nesse sentido, uma das estratégias que recomendo é reforçar
Campanhas eleitorais para mulheres: desafios e tendências
a presença positiva nos meios de comunicação. A consultora
equatoriana Silvia Chiriboga152 concorda: “como assessora,
procurava estar direto nos meios de comunicação, ao menos umas
cinco participações diárias. Também levava a candidata a shoppings,
a lugares públicos porque não era tão conhecida. Ali é que acontecia
o ‘click’ com as pessoas que a tinham visto na televisão. Aí também
a candidata ia perdendo o medo de ser julgada por ser negra e por
ser apoiada por empresários”.
108
uma maneira vertical de se comunicar, mas sim uma forma horizontal,
onde emissor e receptor se fundem em uma troca de conteúdos
que pode ser igualitária. “A questão é que as pessoas que estão na
comunicação de campanhas saibam transmitir os conteúdos e saibam
que haverá resposta. As pessoas não entram no Facebook para ver
publicidade. Entram para se relacionar e compartilhar conteúdos com
amigos”, pondera o consultor peruano Richard Liza153. Produtores e
consumidores de conteúdos são as mesmas pessoas. Além do contato
corpo a corpo, “pela primeira vez, os políticos têm diante deles um
meio de comunicação de duas vias simétricas, no qual a chave está em
cultivar a arte de escutar, aprender e compartilhar” (REY LENNON,
2014, p. 197). Esse é um ponto fundamental numa política antes
baseada somente em falar e escutar pouco. É preciso saber escutar,
filtrar e responder. “As redes sociais são meios em que um candidato
não pode deixar de estar”, alerta o mexicano Dante Moncada154.
Nos processos eleitorais, é importante destacar o ponto de
vista da candidata, mas sem esquecer o ponto de vista do eleitorado.
Se por um lado as redes sociais digitais se tornaram um espaço de
articulação social, por outro, as estratégias de campanha devem estar
atentas a um cenário onde perfis falsos, rumores e campanhas negativas
aumentam de forma exponencial. “No caso de notícias falsas, uma das
soluções é tentar não entrar no debate e ver se o que essas pessoas
Campanhas eleitorais para mulheres: desafios e tendências
querem é só importunar, trolar. É necessário entender que não é o
lugar para debater porque tem que saber o que responder, mas que
também as pessoas saibam que você ainda está ali. Tem que ter muito
cuidado e ignorar os perfis falsos”, recomenda o especialista em redes,
Carlos Gutiérrez155. Justamente porque existe possibilidade de reação
do eleitorado, as candidatas devem estar preparadas para atuar diante
de uma realidade na qual sua opinião está exposta e onde as fofocas têm
muita facilidade de se espalhar. A assessora Kelen Vanzin156 comenta
RESUMINDO
112
Capítulo 3
Mulheres candidatas: Perfis ideais?
113
fundamentais para entender como isso funciona. Antes, é preciso
observar como se configura o universo feminino nas campanhas.
ser pior mas começou desde os inícios dos 80 e centra sua atenção na
heterogeneidade e na possibilidade de que cada indivíduo aporte seus
114
talentos e estilos particulares nos distintos âmbitos onde desenvolve
suas atividades” (HELLER, 2002, p. 48).
O estudo revelou que os estereótipos relacionados com os
papéis da mulher na sociedade são muito parecidos em todos os países
analisados. Os papéis que detectei na análise deste corpus são: dona
de casa, guerreira, mãe, atenciosa/sensível, submissa e trabalhadora.
Reforço que estavam tanto na apresentação das candidatas em si,
como nas mulheres que apareciam como personagens ou figurantes
nos spots. Para quem trabalha com pesquisa científica e gostaria
de verificar estereótipos na comunicação política sem se ater às
candidatas, sugiro os seis que aponto aqui. Agora, quem quer analisar
as imagens das candidatas terá um tópico especial mais adiante, quando
proponho a tipologia específica das candidaturas. Em suma, uma coisa é
o universo feminino retratado nas campanhas, ou seja, os estereótipos
que aparecem. Outra coisa, é a estratégia de campanha adotada como
perfil das mulheres candidatas.
115
também cuidando de suas casas e, por fim, em discursos que tentavam
gerar empatia sobre o conhecimento das candidatas sobre a rotina
doméstica. Algo como “também faço isso e sei como você se sente”.
116
e filhos são enfatizados tanto na composição das cenas como nos dis-
cursos e argumentos das candidaturas.
118
Por exemplo, na Guatemala, a candidata Rigoberta Menchú
apresentou 65% de guerreira, o que esteve coerente com seu
posicionamento como líder social e ganhadora, em 1992, do prêmio
Nobel da Paz. Embora tenha mostrado também um lado maternal,
a candidata dedicou apenas 10% a esse ponto. Os 25% da dona de
casa se referem à presença de eleitoras em seus afazeres domésticos,
garantindo apoio à candidatura de Menchú.
Em segunda posição na categoria guerreira está a panamenha
Balbina Herrera, com 40% do tempo destinados a esta imagem. Nos
vídeos falava com tom de voz mais impositivo, dedo em riste. As
mulheres em seus vídeos estão com ela em caminhadas, são mães
e/ou donas de casa de classe economicamente baixa. Parte do seu
discurso mais duro se explica pelo fato de pertencer ao Partido
Revolucionário Democrático (PRD), que, por sua vez, integra a
Internacional Socialista.
A candidata que menos dedicou tempo a esta categoria foi
Dilma Rousseff. A hipótese é que o objetivo era, justamente, introduzi-
la de forma mais suave, sem tecnicismos. Antes de concorrer à
presidência, Dilma foi ministra-chefe da Casa Civil no governo Lula e
era conhecida por sua objetividade e capacidade técnica. Seu discurso
era técnico, a postura rígida, dificultando a comunicação com boa
parcela da população. Além disso, na sua história política participou
Campanhas eleitorais para mulheres: desafios e tendências
de grupos de extrema esquerda durante a juventude, fato usado pela
direita para tentar denegri-la. Embora na estratégia comunicacional esse
fato tenha sido reforçado como uma qualidade, havia a necessidade de
suavizar sua comunicação. Houve uma diversidade grande nas mulheres
expostas nos vídeos, valorizando características regionais, sentimentos
de otimismo e alegria expostos nas feições, independentemente se
estavam trabalhando em casa, fora ou com a família.
Com a breve explicação das três histórias, podemos inferir
que posicionar ou não a candidata como uma mulher guerreira, seja
por seus discursos ou pela representação do universo feminino em
seus spots, foi uma escolha estratégica. Destaco que estar na política
ou em áreas de comando praticamente já supõe que esta mulher é
119
guerreira, pois está entrando em locais tipicamente masculinos nas
sociedades latinas.
A segunda categoria presente em todas as campanhas
analisadas é a da mãe. A porcentagem da candidata mexicana, Josefina
Vázquez Mota, é superior às demais candidatas, somando 35%. Uma
das explicações para isso está na base cultural mexicana onde, segundo
Ramírez, citado por Suárez (2012, p. 291) a psiquê tem “excesso de
mãe, ausência de pai e abundância de irmãos”. A mãe, portanto, é
supervalorizada e é quem manda dentro das famílias. As menções da
mulher mãe na campanha mexicana apresentaram a soma da segunda
e da terceira posições: 18% dos spots brasileiros e 17% dos argentinos.
“Viver os estereótipos culturais é cada vez mais difícil para os que
são conduzidos compulsivamente a viver existências imprevistas
devido às mudanças históricas na economia, na sociedade, no Estado
e particularmente na organização sociocultural genérica” (LAGARDE,
2006, p. 20). E isso é perceptível nos vídeos analisados, pois mesmo
que México, Brasil e Argentina sejam as principais economias da
região, ainda se valoriza enormemente a função reprodutiva biológica
das mulheres em detrimentos de outros papéis, como o profissional,
por exemplo.
Agora, tendo esses dados sobre como se apresentam as
mulheres nas campanhas femininas, vamos para a parte mais importante:
uma proposta de perfil das candidatas.
Tipologia – A Guerreira
O primeiro perfil é o da “mulher guerreira”. É a que se
destaca por tomar iniciativas e atuar politicamente para as mudanças
sociais. Aqui estão as líderes, as que lutam e, muitas vezes, são as
que rompem as regras sociais. Todas as mulheres que entram em
espaços predominantemente masculinos, como a política, podem ser
consideradas guerreiras em algum grau.
Há dois aspectos que merecem ser observados. Primeiro, a
liderança feminina – as representantes que falam por seus grupos, dizem
o que outros não podem ou não querem dizer. São as porta-vozes de
determinados grupos e ideias. Elas se projetam, justamente, por sua
liderança e capacidade de agregar. Segundo, também outras formas de
expressar a liderança e, neste caso, são atitudes associadas ao universo
masculino. Nesse segundo tipo de guerreira, estão os discursos duros,
as críticas e a masculinização. São mulheres que se expõem na política
se aproximando demasiadamente de modelos masculinos, desde
modos de vestir, tom de voz, conteúdo do discurso, agressividade. Elas
se apresentam duras, aparentando dificuldades de negociar, expressão
facial fechada, constestadoras na maioria das aparições públicas.
Em algum momento, todas as mulheres candidatas na América
Latina podem ser consideradas como guerreiras, pois tiveram a
coragem de enfrentar preconceitos e vários obstáculos para trabalhar
Luciana Panke
com política. “Acho que uma mulher por natureza é guerreira, inclusive
uma que se percebe como submissa, porque tivemos a capacidade
122
de sobreviver evolutivamente. Então, acho que todas, mesmo com
limitações, somos guerreiras de muitas facetas” (deputada peruana
Carmen Omonte158, ex-ministra da Mulher). Em todas as campanhas
analisadas e também nas entrevistas, foi possível perceber esta
categoria. Independentemente da linha política – direita, esquerda ou
centro – todas mostram traços de guerreiras.
De certa maneira, o depoimento da ex-senandora paraguaia
Ilda Mayeregger159 representa o relato de várias outras que tiveram que
se impor em países e épocas diferentes. A participação das mulheres
“se via com muito preconceito. Na época da ditadura, os homens
estavam sempre presos e éramos nós, mulheres, quem estávamos no
dia a dia. Então, eu disse ‘bom, o partido deve crescer’ e propus uma
mesa de mulheres para trabalhar nos comitês. Um setor gritou bem
claro: ‘isso não é para mulheres’”.
A partir de iniciativas como essa, de mulheres que abrem
caminhos para outras, é que se vai conquistando espaço. Atualmente,
o que predomina é o perfil da mulher líder, não da mulher
masculinizada. A guerreira dura surge em especial nas campanhas de
oposição, juntamente com estratégias de ataque. “Todas as mulheres
na política sentem que têm que ser guerreiras porque precisam brigar
com os homens por espaço legislativo. Acho que é um erro, mas
isso é uma questão cultural”, acredita o consultor mexicano Dante
Campanhas eleitorais para mulheres: desafios e tendências
Moncada160. O que acontece, de acordo com as entrevistadas, é que
precisam se impor para participar de decisões inclusive nas bancadas
dos próprios partidos.
Quando escutamos histórias como a da deputada brasileira
Stela Farias161, fica mais fácil entender por que muitas vezes as políticas
precisam se posicionar da maneira criticada pelo mexicano. Ela comenta
que para trabalhar em suas atividades políticas teve que manter um
perfil agressivo. Por exemplo, quando foi vereadora em uma cidade
129
chas, somos lutadoras e somos empreendedoras’”, afirma o consultor
Osvaldo Carpio175. São comentários assim que reforçam a predomi-
nância positiva do gênero masculino ao feminino. “Várias experiên-
cias têm mostrado que as mulheres vistas como masculinas recebem
avaliações negativas, ainda que apresentem as mesmas qualidades de
liderança aplaudidas em um homem” (CASTAÑEDA, 2013, p. 290).
Nas campanhas analisadas, vale destacar que essa estratégia
foi usada pela argentina Elisa Carrió em seus spots. Na classificação das
tipologias, foi a única que não adotou a figura maternal em nenhum
momento. Nos resultados de focus group ela era avaliada como radical,
ainda que o visual tenha mudado para suavizar a imagem. “Elisa Carrió
é interessante porque, se você a visse, era uma mulher com cabelo
preso, gorda, não se pintava, não se arrumava e, vários anos depois,
houve uma mudança e hoje é uma senhora bem arrumada. Sempre
ganhou eleições sendo candidata parlamentar. No focus que fizemos
esses dias seu nome aparecia e as pessoas diziam ‘Carrió é uma
excelente pessoa para estar na política porque é honesta, denuncia,
mas para governar não serve porque briga com todo mundo, grita’.
Parece que é um exemplo da mulher chamada de histérica, que serve
para romper, mas não para construir”, pondera Máximo Reina176.
O que mostrou o resultado do focus group pode ser uma
das consequências da comunicação audiovisual. Nos spots analisados,
o tema honestidade esteve destacado e a trilha sonora suavizava a
mensagem. A mensagem central da candidata aparecia com imagens
da bandeira nacional e locução suave: “propomos o que a Argentina
precisa para poder mudar, sem que o poder nos mude”177. A candidata
quase não aparece nos spots que se repetiram no decorrer da
campanha. Apenas os três primeiros analisados tinham um princípio
de storytelling. O relato de Reina exemplifica a diferença entre a líder e
a dura, ele mesmo usa a expressão pejorativa “histérica”. Da líder se
Luciana Panke
Tipologia – A Maternal
A maternidade é uma construção social para a mulher. “Nestes
marcos de construção de identidade de gênero, para o homem, o
trabalho estável e remunerado é o eixo definitivo, enquanto que, para a
mulher, este eixo tem sido construído pelo exercício da maternidade”
(RODRÍGUEZ, 2007, p. 28-29). De acordo com Lagarde (2006), a
index=19&list=PLD3E597157C7D420B>.
196 Vídeo disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=406RxBPiOM8&
index=56&list=PLD3E597157C7D420B>.
197 Entrevista realizada em 28/03/2014, Colômbia.
136
melodias contagiosas e apelando à emoção. Nesta canção, vemos o
prestígio do então presidente Lula sendo transferido para sua candidata,
que é mostrada como a “mãe do país”. “Uma característica comum a
todos os processos de construção simbólica é dependerem em grande
parte das mensagens e marcos criados, formados e difundidos nas
redes de comunicação multimídia” (CASTELLS, 2012, p. 536).
A ideia de “mãe do PAC – Plano de Aceleração do Crescimento”
foi reforçada em diversos discursos veiculados em plataformas distintas
de comunicação. A canção de despedida alimentava o amor pela pátria
e reforçava a versão feminina do paternalismo. “Agora as mãos de
uma mulher vão nos conduzir. Eu sigo com saudade, mas estou feliz
ao sorrir porque sei que o meu povo ganhou uma mãe que tem um
coração que vai do Oiapoque ao Chuí. Deixo em tuas mãos o meu
povo”198. Portanto, vemos que ela foi considerada como a mãe da
nação. Se sua vida pessoal quase não foi mencionada, o papel maternal
foi transferido para todos os brasileiros. “Em campanhas menores é
mais fácil ressaltar a imagem de mãe, como aquela que abraça e é
atenciosa com as pessoas. Mais ou menos como fizeram com a Dilma
como a mãe do PAC”, compara o brasileiro Leandro Groppo199. Na
campanha de 2010, a imagem esteve presente em 30% dos vídeos
analisados, já em 2014 o número subiu para 45%. É possível inferir que
na primeira eleição, a presença de Lula como patrono eleitoral era
Campanhas eleitorais para mulheres: desafios e tendências
mais forte que em 2014, pois na campanha de reeleição já havia um
discurso governamental, com a prestação de contas do que havia sido
realizado na gestão da petista.
Outra presidenta latina que apresentou esse papel, ainda com
mais evidência, foi a chilena Michelle Bachelet. Em 2005, sua campanha
teve 44% e em 2013, 45% da figura maternal em seus vídeos. Na última
campanha, um dos seus spots200 é especialmente dedicado às famílias
que têm mais de um filho e demonstra empatia ao mostrar as decisões
Tipologia – A Profissional
Esse perfil foi o menos evidenciado nas campanhas latinas.
Castañeda mostra uma das possíveis explicações: “o êxito profissional
não faz parte da identidade feminina: a mulher ‘realizada’ é a que se casa e
tem filhos, não a que sobe a uma posição de liderança na sua profissão”
(CASTAÑEDA, 2013, p. 289). Exceto a campanha de 2010 de Dilma
Rousseff, quando essa tipologia ocupou metade dos vídeos (ressalto
que isso aconteceu devido ao papel de subordinada à figura de Lula),
somente outras quatro mulheres destacaram seu preparo profissional
com pelo menos 30% do tempo nos vídeos: Laura Chinchilla (Costa
Rica), Marina Silva (Brasil, 2014), Michelle Bachelet (Chile, 2013) e
Noemí Sanín (Colômbia). Aqui temos uma informação que chama a
atenção, pois se essas pessoas estão disputando um cargo público, não
deveriam reforçar este aspecto? Será que acontece a mesma coisa nas
candidaturas masculinas? A resposta para a última pergunta demanda
uma pesquisa específica, mas sobre a primeira podemos inferir duas
influências: as questões culturais (papéis do que se vê como positivo
no universo feminino) e questões contextuais (análise da economia, do
entorno social e da força do partido).
Mulheres reconhecidas internacionalmente por seu trabalho,
como Marta Lucía Ramírez, da Colômbia, não estão contempladas no
grupo que apresentou ao menos 1/3 do tempo para este aspecto. Embora
seu currículo esteja repleto de experiências de destaque profissional,
comenta, que quando assumiu cargos de confiança, ainda se tinha uma
Luciana Panke
g&index=5&list=PLTFICznn6CeGowGKoXwGbAepFYpKVlDm9>.
255 Entrevista realizada online em 15/08/2014.
256 Entrevista realizada online em 26/08/2014.
257 Entrevista realizada em 23/06/2016, Curitiba.
156
para trazer carros elétricos para Curitiba. “É esse lado, por exemplo,
que é absolutamente executivo, que a gente cavou, inédito. Você
imagina se a gente conseguir colocar nessa cidade, que é a cidade
do transporte público, uma nova modalidade”. Ainda no executivo,
a ex-governadora Ana Carepa comentou sobre a implantação de
formação profissional no estado, os infocentros, mas também sobre
obras de infraestrutura na capital. Aliando a visão social da mulher,
comentada antes, com gestão progressista, as decisões eram tomadas
em parceria com a população a partir do conceito de governo
popular. Isso provocou manifestações do conservadorismo local,
segundo a assessora Waleiska Fernandes258: “Ela tentou construir
um governo popular, com orçamento participativo, vozes plurais.
Isso incomodava demais. A chamavam de desvairada, sem noção”.
Acima temos exemplos de áreas consideradas típicas da mulher,
como educação, entretanto também infraestrutura e economia, nas
quais ainda se tem uma visão deturpada sobre o talento feminino.
Quando uma mulher assume no executivo, especialmente, deve estar
preparada para atuar em todos os assuntos.
A conservadora Marta Lucía Ramírez259 conseguiu criar na
Colômbia o Ministério de Comércio Exterior, a partir do conhecimento
técnico. Terminado o processo e aprovado no congresso, esperava
assumir a pasta, mas o presidente de um partido envolvido descartou
Campanhas eleitorais para mulheres: desafios e tendências
a ideia, dizendo que quem assumiria seria alguém com nome conhecido
na política; na ocasião entrou Juan Manuel Santos, atual presidente do
país. “Esse foi o primeiro momento de choque, quando me perguntei
por que cargos técnicos na gestão pública deveriam estar relacionados
com política eleitoral, coisa que não me passava pela cabeça fazer
naquele momento”.
Não foi critério de seleção para as entrevistas buscar mulheres
com carreiras prévias à política ou com formação profissional e/
ou universitária. Entretanto, fechando o texto percebo que todas
RESUMINDO
164
Capítulo 4
Dicas para candidatas e consultores
165
assessores e que se mantinham distantes do contato com as pessoas
que as elegeram. E digo isso pela experiência de tentar falar com várias
mulheres, que obviamente não estão neste livro, pois foi impossível
chegar até elas. Escolha, portanto, bem quem serão seus assessores.
Não se isole.
3. Forme equipe de confiança. Pelo fato que falei acima, é
fundamental ter uma boa equipe de assessores em diversas áreas como
comunicação e jurídica, por exemplo. Uma política bem assessorada
diminui o risco de elaborar projetos inviáveis, de se desgastar
midiaticamente ou de se distanciar de suas bases. Uma equipe de
confiança faz toda a diferença em uma campanha e também na gestão
pública.
4. Seja autêntica. Nada pior que tentar parecer quem
você não é. Manter sua identidade, valorizando aspectos positivos
necessários em uma gestão de governo ou parlamentar é fundamental.
Quando se projeta uma imagem diferente da realidade, mais cedo ou
mais tarde se é desmascarada. E nesse momento, pode-se perder a
credibilidade.
5. Seja determinada. Vimos nos capítulos anteriores
testemunhos de mulheres que obtiveram êxito por sua persistência
em contribuir socialmente. Às vezes a vitória não chega na primeira
tentativa, mas se você elegeu a política como caminho, persista.
6. Trabalhe duro. Todas as entrevistadas comentaram a
respeito da energia que uma campanha consome. E depois de eleitas,
de como é a rotina na política, do esforço que exige, da dedicação e de
utilizar horários alternativos. Jamais perca o contato com suas bases.
Continue se capacitando.
7. Aprenda diplomacia e negociação. Várias entrevistadas
confessaram ter dificuldades de negociar, pois se julgam muito diretas.
Não acredito que ser direta seja algo ruim, muito ao contrário;
mas é preciso saber escutar. Busque harmonia entre diplomacia e
Luciana Panke
assertividade.
166
A RESPEITO DO FAZER POLÍTICA
“A mulher tem uma visão diferente. Ela tem uma visão am-
pliada. A causa acaba sendo maior que o partido. Por isso, ela
é mais envolvida emocionalmente com as coisas e consegue
Campanhas eleitorais para mulheres: desafios e tendências
167
“É muito importante manter o foco na nossa formação acadê-
mica e profissional, pois assim teremos muito mais satisfação
pelas nossas conquistas. A formação política deve ser mais
importante do que o fato de ser mulher.”
Martha Hernández – Pesquisadora, Colômbia
168
misso maior, um maior envolvimento da cidadania nas deci-
sões da direção do Estado.”
Marta Lucía Ramírez – Ex-ministra de Defesa e ex-candidata presi-
dencial, Colômbia.
169
percepção dos cidadãos, a avaliação antes da campanha, há que se estar
nas ruas. Aqui entram técnicas como as citadas anteriormente: SWOT,
focus group, mapas mentais, pesquisas quantitativas, microtargeting. Com
base nos dados, se começa a traçar a estratégia de campanha.
171
“Não permita que a mudem mais do que queira projetar; ou
seja, escute todos seus assessores, mas seja ao final você mes-
ma. Aprende, você é a candidata, não vai voltar a ser a mesma
que foi nos meses anteriores. Recorda que não é o projeto
dos outros, é o seu projeto como candidata, em torno de uma
equipe que você vai idealizar, mas quem deve mostrar a cara,
quem deve dar sua visão é você mesma. Então, escute-os, não
somente acredite no instinto, nós mulheres somos muito ins-
tintivas, escute-os porque cada um deles tem algo a lhe dizer
mas, no final, tire o melhor de tudo e seja você mesma.”
Balbina Herrera – Ex-candidata presidencial, Panamá.
173
“É muito importante que seja ela mesma. Acredito que quan-
do um candidato, seja homem ou mulher, tenta ser o que não
é, as coisas saem muito mal.”
Ricardo Amado – Venezuela/Estados Unidos.
174
“O que é necessário para sua campanha, para seu partido e
até para a sociedade é que você seja você mesma, que não se
masculinize e que tampouco seja outra pessoa. Seja você mes-
ma, que na autenticidade vai estar provavelmente sua maior
virtude eleitoral, porque o povo valoriza o candidato com cre-
dibilidade, que seja natural e não um produto moldado por
uma boa estratégia de marketing.”
Daniel Eskibel – Uruguai.
175
“Às vezes a gente só fica preocupada com as grandes obras,
nas grandes coisas, mas nós estamos esquecendo das peque-
nininhas.”
Ione Pinheiro – Deputada, Minas Gerais, Brasil.
“Na política não dá para ser neutro, você tem de assumir po-
Luciana Panke
176
“Não pode se dedicar aos temas de mulheres porque aí há
um elemento discriminativo que busca que a mulher não seja
candidata, mas sim que seja voz para os temas supostamente
femininos e para que esse partido ou esse outro candidato
diga ‘nós sim nos ocupamos da mulher, porque temos esta
mulher que se ocupa dos temas da mulher’. Ou seja, existem
temas da mulher? Não. Existem temas dos seres humanos,
existem temas de todos, ainda mais na política.”
Daniel Eskibel – Uruguai.
“Não acredito que as mulheres representem as mulheres, nós Campanhas eleitorais para mulheres: desafios e tendências
mulheres representamos o que representamos. Se eu fosse
deputada, representaria minhas causas e as pessoas que acre-
ditam em mim.”
Patricia Mercado – Ex-candidata presidencial, México.
177
“Deve mostrar que possui conhecimentos e que pode traba-
lhar em várias causas, não somente na causa feminina.”
Marla Turek – Ex-deputada, Paraná, Brasil.
“Quer o voto do cidadão, tem que saber que temas são im-
portantes. Se vai falar de coisas que não me interessam, não
vai ter minha atenção. Se deseja uma posição, seja realista.
Se aspira obter uma maioria para governar o executivo, deve
conhecer os temas que interessam à maioria.”
José Manuel Talero – Espanha/México.
“Tem lugares que querem uma mãe que decida por eles. Ou-
tros, alguém que lide com segurança pública e tenha mão firme.”
Gisela Rubach – Consultora, México.
“Diria que uma dica geral, mas mais para as mulheres, é que
devem ter muita preparação, não somente estudar os temas,
mas também conhecer diferentes pessoas dentro da região
em que estão trabalhando, escutar muito, tirar vantagem da
empatia e ter aproximadamente de 20 a 30 mil dólares no
Luciana Panke
banco.”
Manuel Casanova – Chile/Estados Unidos.
178
“Sempre fiz trabalho social. Isso é uma vocação. Durante a
minha inteira fiz trabalhos sociais. Agora a minha candidatura
está pautada em levar para o estado programas que eu desen-
volvi, principalmente os programas que envolvem adolescen-
tes e jovens, de qualificação profissional, cultura e no combate
as drogas.”
Cristina Silvestri – Deputada estadual, Paraná, Brasil.
“Liderar exige que você fale, que você debata, que você tenha
coragem de enfrentar todos os debates. Então é preciso ir
praticando essa capacidade.”
Campanhas eleitorais para mulheres: desafios e tendências
Wilma Farias – Prefeita, Natal, Rio Grande do Norte, Brasil.
179
“Nunca perder a doçura. O vídeo captura sua alma. É preciso
gerar uma imagem mais natural.”
Gil Castillo – Consultora, Brasil.
180
“A mulher em media training deveria colocar-se muito forte
quando atacada porque, caso contrário, o sentimento de fra-
gilidade também pode ter o efeito de que se pode intimidar
uma mulher quando se grita com ela. É importante marcar a
posição, e com firmeza, mas sem brigar ou deixar passar às
pessoas uma imagem de histeria.”
Máximo Reina – Argentina.
181
“Coloque nela uma calça de pano, um vestido de alfaiataria, os
sapatos não podem ter ponta grosseira muito redonda, devem
ser de bico fino ou de corte plano ou reto e deve ter saltos
para que a mulher se veja mais alta e com mais autoridade.
Claro, em contraste, se procura que não tenha joias muito
brilhantes, vistosas. Ao contrário, se buscam joias pequenas,
o mais discretas possível, para que não perca sua feminilidade,
mas que continue transmitindo uma autoridade forte.”
Jorge Aguilera – Colômbia.
A ROTINA DE CAMPANHA
183
muito, se expõe totalmente. É necessário estar preparada física,
emocional e mentalmente.
184
“Não permitas que as pessoas que a rodeiam a coloquem den-
tro de uma bolha, a ceguem e que não a deixem ver além do
evidente.”
Alfredo Dávalos – Equador/México.
“Que não tenham medo, que não pensem que existe algum
tipo de impedimento por ser mulher, mas ao contrário: elas
têm certa vantagem sobre os homens. E, principalmente, que
pensem a campanha.”
José Manuel Talero – Espanha/México.
185
CAMPANHA CORPO A CORPO, RÁDIO TELEVISIVA
E NAS REDES SOCIAIS DIGITAIS
“Pra você querer ser política, você tem que ter uma entrega,
essa coragem, essa determinação, você escutar mesmo as pes-
soas, você ir atrás.”
Ione Pinheiro – Deputada Estadual, Minas Gerais, Brasil.
186
“As experiências de spots e fotos são esgotantes, requerem
abertura e aceitar sugestões, sem que isso a mostre como
quem não é de fato.”
Josefina Vázquez Mota – Ex-candidata presidencial, México.
187
“Penso que uma das coisas que a mulher pode usar são as
redes sociais, a tecnologia; as mulheres estão mais ativas, são
mais eficazes.”
David Márquez – Bolívia/Estados Unidos.
189
é tão grande assim e que nós somos capazes, então a gente se
empodera. A segunda dica que eu daria é você sempre ter um
coletivo. Um coletivo que você confia, que você abre suas fra-
gilidades, seus medos, suas dificuldades, seus sonhos e compar-
tilha isso. Eu acho que a gente precisa compartilhar mais o que
a gente sente pra gente se sentir mais forte, e maior no sentido
de ter apoio, de não estar sozinha. Porque você olha pro lado e
você só enxerga homens, ou então você não enxerga aliados. E
o coletivo é o que te sustenta, o que te dá força, energia.”
Luciane Carminatti – Deputada estadual, Santa Catarina, Brasil.
ticipe.”
Nancy Thame – Candidata, São Paulo, Brasil.
190
“As mulheres não podem ter medo de violência ou medo do
ridículo. Quando decidem entrar na política, que não usem
violência, que não se corrompam. Nós temos que fazer com
que os homens também vejam outras formas de fazer política
e temos que lutar pelo nosso espaço.”
Emilse Armbruster – Candidata, Argentina.
“Que não tenham medo, que se lancem a experimentar coisas Campanhas eleitorais para mulheres: desafios e tendências
novas porque são coisas que ninguém tira de você, são coisas
que ficam para o resto de sua vida. E mais que tudo, o amor, o
amor que tenhas por seu país, o amor que tenhas pela nação
que quer ver surgir.”
Liz Castillo – Candidata, Peru.
“Que não duvidem um minuto, que o façam já. Eu não troco mi-
nha posição atual por nenhuma outra no planeta e há pessoas que
assegurariam que é masoquismo puro, mas a partir da política
como serviço é possível tocar vidas humanas e aprender perma-
nentemente, descobrindo seu potencial, pois você é obrigada a se
descobrir, a desafiar a si mesma e, de verdade, mudar a história.”
María Corina Machado – Deputada, Venezuela.
“Eu acredito que o primeiro a fazer é não pensar que são mu-
lheres. Quando você fica pensando que é mulher, automatica-
mente se coloca nos 50% correspondente da população. Você
é um ser humano com capacidades, virtudes e possui todas as
possibilidades de fazer o que sua visão da sociedade lhe exija.
Então, quando se colocar lá, não vai ficar pensando que está de
saias, de calças ou que é negro ou que tem alguma incapacida-
de; você é um ser humano com uma visão e uma capacidade.
É quando conta todo o mais, porque ao ser mulher você tem
talento e pode fazer contribuições que um homem não pode-
rá fazer, isso vem como consequência. Eu sempre pensei que
a meta é: você pode contribuir com a sociedade, ultrapassar
seus limites, não existe nada intransponível.”
Raisa Banfield – Vice-prefeita, Panamá.
Luciana Panke
192
“O principal é que as mulheres acreditem em si mesmas, suas
capacidades e seu valor. O que poderíamos fazer se não tivés-
semos medo?”
Anabel Balbuena – Prefeita, México.
193
Considerações finais
195
distintas. Ninguém é totalmente masculino ou totalmente feminino. A
masculinidade está relacionada com a força, a agilidade, a racionalidade.
A feminilidade, com a sensibilidade, a intuição, a receptividade.
A questão de gênero feminino em campanhas eleitorais
foi apresentada aqui a partir de muitos estudos: leituras, análise
de audiovisuais de campanhas, entrevistas em profundidade com
consultores e com mulheres na política. Não há um consenso sobre
se o fato de ser mulher deva ou não ser evidenciado na comunicação
da campanha. Há os que argumentam que sim, pois agregaria valor. Há
os que acreditam que não, pois o que importa é o projeto político.
“São muitas as situações de campanha onde a condição de gênero é
relevante: interpelações discursivas dirigidas às mulheres, evocações
de rituais específicos para a categoria da mulher ou afirmação dos
valores considerados tipicamente femininos. Se observa, assim, a
tentativa de realizar-se o coletivo ‘nós mulheres’, reunindo os valores
culturais e simbólicos constituídos e transformando-os em capital
político” (BARREIRA, 1996, p. 29-30).
O que acredito é que ser mulher já está implícito numa
candidatura feminina. Não é preciso dizer. A presença do corpo
feminino fala por si e agrega as diferenças sociais que se testemunham
nos costumes sociais. Da mesma maneira, penso que em uma
candidatura feminina tratando somente temas das mulheres talvez
possa se fazer em casos de eleições proporcionais ou para o legislativo,
que o tenham como uma bandeira muito forte. Não sendo assim,
os temas a desenvolver são os que a cidadania e o entorno social
requerem. Estereotipar o tema de gênero pode trazer êxito com
determinado segmento social, mas pode distanciar outros eleitores.
Os temas relacionados com a vida das mulheres são muito amplos,
assim como os temas relacionados com os homens. Há que pensar na
cidadania como um conjunto de pessoas, independentemente do sexo.
Ressalto que o tema “gênero” é um dos mais importantes relacionados
Luciana Panke
com a justiça social e deve estar na agenda, mas não como a única
pauta.
196
Para verificar como o universo feminino está representado nas
campanhas eleitorais, primeiramente foram analisados os spots eleitorais
sob uma perspectiva de gênero, atendo-se aos posicionamentos das
candidatas a partir dos códigos de linguagem antes mencionados e às
mulheres que apareceram nos vídeos – o que faziam, se falavam, o
que falavam, em quais momentos estavam presentes nas cenas. 216
spots de oito campanhas presidenciais compuseram a amostra. Com a
análise, observei seis estereótipos femininos predominantes nos spots:
a dona de casa, a guerreira, a mãe, a sensível/cuidadora, a submissa e
a trabalhadora. Alguns desses papéis foram usados como estratégias
de discurso, para gerar aproximação, e outros, aparentemente, como
ilustração de uma realidade. Com essa constatação, foi possível propor
as tipologias das candidatas.
Desse modo, trago uma proposta de três tipologias de
mulheres candidatas na América Latina: a guerreira, a maternal e a
profissional. Para chegar a essa conclusão, como dito anteriormente,
foram realizadas entrevistas com profissionais da comunicação de 13
nacionalidades; entrevistas com mulheres políticas de 13 países, mais
a análise de 8 horas de spots de 21 campanhas eleitorais presidenciais,
de 11 países latino-americanos. Nos vídeos, observamos aspectos
variados de linguagem audiovisual para determinar as tipologias:
linguagem iridológica, linguística, de moda, gestual, auditiva, de cenário,
Campanhas eleitorais para mulheres: desafios e tendências
de cinestésica, proxêmica e fisiológica.
A guerreira é a candidata que se destaca por seu espírito de luta
e por sua liderança. É a mulher que consegue agregar simpatizantes ao
redor de uma causa, é “a líder”, a que toma iniciativas, a motivadora, a
forte. Em sua campanha, a guerreira ensina a superação de obstáculos
para chegar onde está, é uma referência de pessoa exitosa e capaz,
uma inspiração para os demais. Em seu aspecto extremo, “a durona” é
a que enfatiza traços masculinos como a agressividade ou a valentia. É a
que usa roupas associadas com homens e fala mais forte, aparentando
confrontos com frequência.
A maternal é o referencial quase sacralizado nos países latinos,
onde a mulher é reconhecida por sua função biológica. É a cuidadora, a
197
que protege e faz de tudo por seus filhos. Em uma campanha, “a mãe”
age como se fosse cuidar de seu povo, está atenta a suas necessidades
e o protege. Nesse sentido, as mulheres que assim se apresentam
são as que se dispõem para que nada falte aos seus eleitores. Aqui
também está inserida a característica considerada como uma das que
diferenciam homens e mulheres na política: “a sensibilidade”. É quando
se destacam as qualidades supostamente femininas como escutar e
dar atenção a detalhes que não estariam nos olhares masculinos. Na
política, a candidata se posiciona como a que vai cuidar do seu povo e
é um discurso muito repetido nas candidaturas, ainda que não seja algo
exclusivo das falas femininas. Candidatas quando aparecem próximas
da população, abraçando as pessoas e conversando individualmente,
estão nesta categoria.
Ao final está “a profissional”, que é a mulher contemporânea.
Passado o período histórico de definição de papéis de uma maneira
rígida, no século XXI, embora vários papéis sigam sendo predominantes,
há uma tendência de apresentar a equidade como um desafio a ser
conseguido em todas as nações. A profissional, portanto, é a mulher que
se apresenta com as características necessárias para a administração
pública, é a mulher preparada intelectualmente, capacitada de várias
formas. Encontramos as candidatas que acentuam suas conquistas
profissionais e, em geral, se mostram incansáveis, organizadas. Por
sua vez, a subordinação aparece na relação que algumas candidatas
mantêm com os homens que as apoiam, sejam parentes ou políticos
padrinhos. Aqui me refiro a certa simbiose entre o homem e a mulher
nessa situação, não a apoios políticos que todas devem ter. Falo, com
base nas entrevistas, de mulheres que estão em seus postos muitas
vezes como “adorno” ou para ocupar as listas de cotas. Outras que
misturam sua identidade com a identidade de seus antecessores, pais,
maridos ou líderes. Aqui, mais que nada, é uma questão de avaliação
sobre as reais necessidades de cada um, sua função na política e
Luciana Panke
199
A observação de Castañeda (2006) pode ser uma das
explicações de uma campanha onde a candidata opte por se mostrar
com traços considerados masculinos, adotando a agressividade ou a
força. Assim também se explica por que algumas estão em seus vídeos
com vestimentas mais reconhecidas como masculinas, blazer e camisa,
por exemplo. As mulheres, portanto, se veem em dilemas sobre como
se apresentar para entrar no universo masculino da política: mantendo a
feminilidade, disfarçadas ou assumindo totalmente os papéis destinados
a elas. “Em cumprimento da feminilidade, as mulheres atuam em papéis
duplos e têm posições duplas: como sujeitos da opressão, como
vigias do cumprimento do desígnio patriarcal, feminino e masculino”
(LAGARDE, 2006, p. 19-20).
Por sua parte, a sociedade valoriza o papel da maternidade, da
mulher cuidadora e dedicada à família e aos filhos. Ainda se vê em alguns
países o preconceito explícito às mulheres que decidem não ser mães
ou postergam a maternidade em suas vidas. O papel da maternidade
é tão forte nos países latinos que existem as “supermães” e “as mães
públicas”. As primeiras são as dominadoras do espaço privado e
que, de certa maneira, colaboram para perpetuar a centralização das
tarefas domésticas em suas mãos como uma forma de poder. De certa
forma, colaboram para perpetuar o machismo e os papéis restritos
por gênero. Continuam servindo filhos adultos ou quase, meninas
e meninos na casa recebem tratamentos distintos. Por exemplo, a
menina deve ajudar a mãe a lavar a louça e o menino fica sentado no
sofá. As segundas são as que desempenham atividades profissionais
relacionadas com o cuidar do outro tais como as professoras, médicas,
enfermeiras e policiais. As mulheres, por assim dizer, estão adaptadas
para servir aos outros, sejam seus filhos ou não.
A mulher profissional está nas campanhas em menor
quantidade: 25% do tempo total. As mulheres que partem para a política
partidária são na maioria das vezes preparadas e várias têm formação
Luciana Panke
203
Referências
205
BEAUDOUX, V. G.; D’ADAMO, O.; SLAVINSKY, G. Comunicación política y
campañas electorales: estrategias en elecciones presidenciales. Barcelona: Ge-
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WOLTON, D. Internet e depois? Uma teoria crítica das novas mídias. 2. ed.
Porto Alegre: Sulina, 2007.
211
Glossário
214
Currículos dos entrevistados
CONSULTORES
Facebook: david.marquez
e-mail: davidma-gwu@gmail.com
216
DINO VILLEGAS – CHILE/ESTADOS UNIDOS
É consultor e acadêmico. Doutor em Gestão de Empresas e
Magistrado em Comunicação, foi chefe de campanha do candidato à
presidência chileno (eleições 2013) Franco Parisi. É vice-presidente do Foro
Iberoamericano sobre Estratégias de Comunicação (FISEC).
Twitter: @dinovillegas
217
HUGO DUARTE – PARAGUAI
É licenciado em Ciências Políticas, diplomado em Direito Constitucional
e especialista em Comunicação Política. Assessor e consultor de campanhas
políticas. Professor da Faculdade de Ciências Políticas da Universidade Nacional de
Assunción, da Faculdade de Ciências Políticas e Sociais da Universidade Nacional
de Caaguazú, e da escola de Relações Internacionais da Universidade Americana.
218
KELEN VANZIN – BRASIL
Assessora de Comunicação Política. Mestre em Administração pela
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Especialista em Gestão para
o Desenvolvimento Social, na Universidade Positivo. Graduada em Jornalismo
pela Universidade Federal de Santa Catarina
219
MÁXIMO REINA – ARGENTINA
É sociólogo, egresso da Universidade de Buenos Aires. Consultor
político especializado em Estratégias de Comunicação Política, Pesquisa em
Opinião Pública e Media Training. Coautor do Manual de Marketing político
“Acciones para una Buena Comunicación” (2013) da Fundação Konrad
Adenauer. Atualmente é diretor da Doserre, consultoria política.
Twitter: @maximoreina
e-mail: maximo@doserre.com.ar
220
distritais no Peru, especializando-se no desenho de estratégias de campanha,
análise estatística, publicidade política e comunicação em redes sociais.
Twitter: @richard_liza
e-mail: richard.liza@gmail.com
222
Estado de São Paulo (CAED) e presidenta da Comissão Permanente de
Educação e Cultura da Câmara.
e-mail: prof.bete.siraque@cmsandre.sp.gov.br
Fan Page: https://www.facebook.com/betesiraque
224
ESPERANZA ALCAÍNO – CHILE
Estudante de jornalismo na Universidade Diego Portales, associada
ao Greenpeace desde 2008. Foi secretária de Comunicações e delegada
de Ação Social no Centro de Alunos de Jornalismo em 2011. É secretária
executiva e fundadora da Associação Cultural CabroChico. Atualmente, é
vereadora de Santiago, onde é vice-presidenta da comissão de Educação e
presidenta da Comissão de Participação Cidadã.
Twitter: @espealcaino
225
IONE PINHEIRO – BRASIL
Atualmente, cumpre seu primeiro mandato como deputada estadual
em Minas Gerais, tendo recebido uma votação expressiva nas eleições de
2014, mais de 80 mil votos. Participa de diversas comissões na Assembleia
Legislativa de MG, que são voltadas à educação, ao incentivo à cultura e à
saúde pública, assuntos que são suas prioridades como parlamentar.
e-mail: imprensa.ionepinheiro@gmail.com
227
MARÍA CORINA MACHADO – VENEZUELA
Deputada e engenheira venezuelana. Foi eleita deputada da
Assembleia Nacional da Venezuela pelo estado de Miranda, começou sua
gestão em janeiro de 2011. Concorreu nas primárias do partido para ser
candidata presidencial. Líder da oposição chavista na Venezuela.
Twitter: @MariaCorinaYA
228
Colômbia. Em 2006, foi eleita Senadora da República pelo Partido de la U,
renunciou ao Senado e ao partido em março de 2009. Em 2009, ingressou
no Partido Conservador Colombiano. Foi candidata presidencial pelo Partido
Conservador Colombiano em 2014.
Twitter: @mluciaramirez
229
RITA BERGAMASCO – BRASIL
Cumpre seu segundo mandato como vereadora em Jaguariúna (SP)
pelo PMDB. Candidata nas Eleições 2016 a vice-prefeita da cidade pelo mesmo
partido. É assistente social por formação.
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Administração do Estado em 2011-2013. Atualmente concluiu seu segundo
mandato e se encontra em seu terceiro como deputada estadual.
Twitter: @StelaFarias
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Este livro foi disponibilizado no site da Editora UFPR,
em julho de 2020.