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ANÁLISE TEMÁTICA 1

O silêncio na sociedade contemporânea: confissão da ignorância ou


forma de resistência política?

Foto: David Le Breton, pensador francês

Aluno e aluna Trintalinhas, neste material você encontrará a análise temática para o tema “O silêncio na sociedade
contemporânea: confissão da ignorância ou forma de resistência política?”, elaborado com o objetivo de contemplar
temas que envolvam discussões mais abstratas, filosóficas. Para este momento, apresento a você um autor
maravilhoso, incrível intérprete das relações humanas contemporâneas: David Le Breton. Ele é Doutor em Sociologia
pela Universidade Paris VII e professor na Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de Ciências Humanas Marc
Bloch, de Estrasburgo, o pensador francês David Le Breton (Le Mans, 1953) encarna como poucos de seus
contemporâneos a melhor tradição intelectual de seu país. Na Espanha, publicou com êxito livros como El silencio,
Elogio del caminar e Desaparecer de sí: una tentación contemporánea, com os quais aposta em formas concretas de
resistência diante da desumanização do presente.

Um primeiro ponto importante é identificar qual a principal tese do autor, ou um dos objetivos principais de suas
obras: apostar em formas concretas de resistência (política) diante da desumanização do presente. A discussão sobre
política, resistência, humanização Vs. desumanização são atualíssimas – por isso, devem ser discutidas por nós.

Aa COMO AGIR DIANTE DE TEMAS COM PERGUNTAS?

As perguntas em temas podem adotar as seguintes estratégias:


 Pergunta para obter como resposta sim ou não.
 Pergunta para obter como resposta a opção A ou a opção B.
OBS.: a depender do tema, o candidato consegue defender as duas opções, sem necessidade,
portanto, de escolher algum lado especificamente (neste caso, o aluno ou a aluna pode tornar
a reflexão mais interessante – mas não é uma regra!).

Para o tema: “O silêncio na sociedade contemporânea: confissão da ignorância ou forma de resistência política?”, é
possível escolher um dos dois caminhos argumentativos (ou a ignorância, ou a resistência); porém, é também uma
possibilidade o debate sobre ambos os pontos, tratando-os como LADOS POSITIVO E NEGATIVO.

Ao decidir por esse terceiro caminho argumentativo, o aluno Trintalinhas pode estipular o seguinte formato para o
seu texto:

INTRODUÇÃO

Contextualização, apresentação do tema e exposição da tese (esta já deve deixar claro que o silêncio tanto
promove a ignorância quanto a resistência, a depender da forma como ocorre e da maneira como o entendemos,
filosófica e socialmente)

DESENVOLVIMENTO 1

Argumentação sobre o silêncio como confissão da ignorância e de como essa ausência de engajamento político
pode resultar sérios danos à sociedade (a exemplo da manutenção do sistema corrupto na política e de uma
sociedade cansada, ansiosa, depressiva, suicida).

DESENVOLVIMENTO 2

Argumentação sobre o silêncio como forma de resistência política e como a nossa sociedade deixou que a
tecnologia, a mídia e a indústria cultural nos ensurdecessem (o autor usa a palavra “ruído” em contraponto ao
termo “silêncio”) e nos desumanizassem.

CONCLUSÃO

Conclusão sintetizadora, em que se resumem ambos os argumentos A e B (D1 e D2), sem necessariamente
escolher um lado.

Estrutura esquemática da conclusão: 1° período: retomada da tese; 2° período: resumo dos argumentos A e B; 3°
período: perspectiva de futuro otimista ou pessimista e remissão a um texto (mencionado ou não ao longo da
redação – porém, sempre a ver com o debate realizado, sem encaminhar para novas discussões).

Aa COMO CONSTRUIR OS ARGUMENTOS PARA ESSE TEMA?

Na construção de argumentos, é importante ter sempre um ponto de partida, um lugar argumentativo de onde você
construirá todo o restante do seu texto, todas as outras referências (o que chamamos no ENEM de REPERTÓRIO
SOCIOCULTURAL). LEMBRE: neste material, conheceremos as principais ideias do Le Breton; haverá, no entanto,
informação suficiente para aquele aluno que deseje argumentar a favor do silêncio como forma de confissão da
ignorância.

Neste tema especificamente tomaremos como “fio condutor” de nossa análise a seguinte frase: David Le Breton: “Ficar
em silêncio e caminhar são hoje em dia duas formas de resistência política”.

Aa REPERTÓRIO SOCIOCULTURAL COM BASE NAS IDEIAS DE DAVID LE BRETON

 O desenvolvimento tecnológico é potencializador da nossa relação com o ruído (sobretudo o seu caráter mais
portátil). Estamos sempre conectados e essa conexão é sempre “barulhenta”; estamos sempre sendo avisados
sobre algo (nova mensagem no Whatsapp, Instagram, Facebook, novo E-mail etc.)
 O que ocorre é uma “contaminação acústica”, nas palavras do sociólogo.

 O silêncio implica uma forma de resistência, uma maneira de manter a salvo uma dimensão interior frente às
agressões externas. Para ele, devemos nos desconectar um pouco da tecnologia para nos conectar
interiormente.

 Hoje nossa vida toda está contida dentro desses aparelhos móveis, portáteis, que vão para todos os lugares
conosco (todos, em qualquer situação – quase como se fossem membros do nosso próprio corpo, extensões
corpóreas).
o Referências para tratar da tecnologia:
 Cinema: Her, do direito Spike Jonze. O filme provoca uma reflexão sobre o presente e o futuro
dos relacionamentos, e a dependência virtual dos novos aparelhos tecnológicos.
 Psicologia: uma nova síndrome foi identificada, a chamada de Nomofobia. Considerada uma
das doenças do mundo moderno, a nomofobia é caracterizada como o desconforto de ficar
sem um aparelho de comunicação móvel; ou seja, seu usuário fica dependente do smartphone
ou da internet, situação que agrava os níveis de ansiedade e podem afetar relacionamentos
interpessoais, com distanciamento do mundo real e maior isolamento.

 No Oriente, essa prática do silêncio é mais disseminada, um traço cultural. Um exemplo disso é a Filosofia zen.

“Não fale, a menos que possa melhorar o silêncio.” (Filosofia zen)


 Para Le Breton, o silêncio não é uma confissão da ignorância, mas a expressão mais verdadeira e efetiva das
coisas inomináveis. Isso porque a prática do silêncio nos permite o autoconhecimento.
o SILÊNCIO = CONFISSÃO DA IGNORÂNCIA
 Texto atribuído ao poeta Bertolt Brecht:
“O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos
acontecimentos políticos. Ele não sabe o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha,
do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas. O analfabeto político é
tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que
da sua ignorância política nasce a prostituta, o menor abandonado, e o pior de todos os
bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e
multinacionais.”
 Nessa perspectiva de analfabetismo político, é possível defender o letramento político nas
escolas. Um teórico para te ajudar nisso é o educador brasileiro Rildo Cosson.
 Letramento político como missão educativa no Parlamento: o pressuposto de que a educação
política é essencial para se manter um regime democrático já se faz presente na Política de
Aristóteles.
 “O futuro da democracia” (Norberto Bobbio, filósofo italiano): a obra alerta para a urgência
de fortalecimento da educação política sob o risco de se fragilizar os avanços sociais tão
duramente conquistados nos países democráticos.
 Wolfgang Kersting (filósofo alemão): “quem lamentar a desmotivação política, a crescente
falta de senso comunitário e a desertificação social do sistema de vida, não deveria calar a
respeito da educação política”.

 Tradição cristã: silêncio é uma via de aproximação com Deus.

 Caminho de Santiago de Compostela: rota de peregrinação em que os praticantes levam dias para chegar ao
destino final, geralmente em silêncio. Muitos afirmam que a experiência mudou completamente suas vidas.

 “Caminhar é uma prática hedonista”


o O que é hedonismo?
 DEFINIÇÃO de hedonismo: é a concepção de que o prazer (incluindo a ausência da dor) seja o
único bem intrínseco da vida. A palavra tem sua origem no grego hedonikos, que significa
prazeroso.
 FILOSOFIA GREGA: O hedonismo de Aristipo de Cirene se diferencia do pregado por Epicuro
na avaliação da moral do prazer. O primeiro diz que o prazer é um bem em si, podendo ser
usado intensamente. Já Epicuro determina a moderação do prazer no intuito de que se possa
chegar à verdadeira felicidade.
 Segundo Epicuro, para se chegar a tal estado de extinção da dor é preciso buscar concentração
em necessidades como equilíbrio, serenidade, abandonando a busca desenfreada por bens e
prazeres corporais, que seriam passageiros.

 O caminhar e o silêncio rompem com a interferência utilitarista (aqui, essa lógica utilitarista deve ser entendida
a partir da perspectiva de que é pragmática e reducionista) que dita aonde você deve ir, por qual caminho e
por qual meio. Frente a um utilitarismo que concebe o mundo como um meio para a produção, o caminhante
(ou quem recorre ao silêncio) assimila o mundo que as cidades contêm como um fim em si mesmo. Isso é
contrário à lógica imperante (capitalista, individualista, desumanizadora, alienante, “barulhenta” e pouco
reflexiva).

Aa EXEMPLO DE PARÁGRAFO (DESENVOLVIMENTO 2)

(...)
Por outro lado, e de modo radicalmente contrário à ignorância, essa prática enquanto posicionamento político
diante do mundo contemporâneo – frenético, “ruidoso” e alienante – provoca os indivíduos a buscarem novos
caminhos para o que é imposto e cobrado. Para o pensador francês David Le Breton, quem recorre ao silêncio rompe
com a interferência utilitarista que estipula por qual caminho e por qual meio se deve viver. Nesse sentindo, ao
considerar a tese aristotélica de que o ser humano é um animal político (e de que, por isso, a política é intrínseca ao
indivíduo), a escolha não é simplesmente “calar-se”, mas, sobretudo, resistir e lutar contra o “barulho”; lutar contra as
cidades para os carros, contra a pressão psicológica para aumentar a produção e armazenar mais informação, contra
formas invasivas de cultura enlatada e industrializada. O silêncio é capaz de humanizar a sociedade e, nesse sentido, é
um instrumento mais poderoso do que o grito.

Vamos a uma breve análise desse parágrafo:


 Inicia com o TÓPICO FRASAL: “Por outro lado, e de modo radicalmente contrário à ignorância, essa prática
enquanto posicionamento político diante do mundo contemporâneo – frenético, “ruidoso” e alienante –
provoca os indivíduos a buscarem novos caminhos para o que é imposto e cobrado”.
 Logo em seguida, insere uma FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA com o pensador Le Breton, para auxiliar na defesa
sobre o silêncio enquanto forma de resistência política contra a sociedade atual.
 O terceiro período se encarrega de convencer o leitor de que a prática do silêncio é política (há comentário
breve sobre Aristóteles e a tese do ser humano como animal político), com mais aspectos sobre a sociedade
atual (lista de problemas com a enumeração em “(...) lutar contra os carros, a pressão psicológica (...) cultura
enlatada e industrializada.”
 Opta-se por um período final curto e com efeito mais filosófico, com base no recurso da antonímia: silêncio /
grito e na escolha adequada das palavras “instrumento poderoso”.

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