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ABP 2010 Preven+º+Úo Do Suic+¡Dio
ABP 2010 Preven+º+Úo Do Suic+¡Dio
PSIQUIATRIA HOJE w w w . a b p b r a s i l . o r g . b
Suicídio
Problema de saúde pública é
relacionado a doenças mentais em
90% dos casos. Articulistas discutem
como esclarecer sua prevenção
debates
PSIQUIATRIA HOJE
debate hoje | 3
Av. Presidente Wilson, 164 / 9º
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Cidade: Rio de Janeiro -
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Diretoria Executiva:
Presidente Editores
João Alberto Carvalho Rogério Wolf Aguiar e Miguel Abib Adad
Prevenção
do suicídio
Com a palavra:
Neury
Botega
Professor Titular do Departamento
de Psicologia Médica e Psiquiatria
da Faculdade de Ciências Médicas
da Universidade Estadual de Articulistas convidados pela
revista Psiquiatria Hoje –
Campinas. Coordenador da
Comissão de Prevenção de Suicídio
da ABP.
Debates apresentam
informações e discutem
abordagens para combater
José Manuel questão de saúde pública
Bertolote que preocupa a
Professor do Departamento de
Neurologia, Psicologia e
Psiquiatria da Faculdade de Organização Mundial de
Medicina de Botucatu (Unesp).
Saúde e está diretamente
relacionada à saúde mental
Marco Antônio
Apesar da relevância e da incidência,
Bessa levantamen-tos da OMS indicam que o problema
Mestre em Filosofia – UFsCar. é negligen-ciado. Ao contrário de outras causas
Doutor em Psiquiatria –
externas de óbito, como acidentes de trânsito e
Unifesp. Presidente da
Sociedade Paranaense de homicídios, o número de casos cresceu 60% nos
Psiquiatria. Membro da últimos 45 anos. Leia a seguir as considerações
Coordenação do Programa de
feitas por quatro especialistas convidados pela
Educação Continuada da ABP
revista Psi-quiatria Hoje – Debates.
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tantes, ao longo de um ano. No Brasil, o coefi-
COMPORTAMENTO
ciente médio para o triênio 2005-2007 foi de
SUICIDA EM NÚMEROS 5,1 (8,3 em homens; 2,1 em mulheres). Esse
índice pode ser considerado baixo, quando
Neury Botega
comparado aos de outros países, conforme
A cada dia, 24 pessoas suicidam-se visualiza-se na figura abaixo.
Em termos de número de óbitos, o Brasil figu-ra Um coeficiente nacional de mortalidade por sui-
entre os dez países que registram os maiores cídio esconde importantes variações regionais.
números absolutos de suicídios. Foram 8639 sui- Em um artigo recente sobre a epidemiologia do
cídios oficialmente registrados em 2006, o que suicídio no Brasil (Lovisi et al., 2009), vemos que
representa, em média, 24 mortes por dia. Do total a Região Sul teve coeficiente médio de 9,9
de suicídios, 79,3% foram de homens, o que dá suicídios para cada 100 mil habitantes, no tri-
uma razão de 3,8:1 entre homens e mulheres. ênio 2004-2006 (13,2 em homens; 3 em mu-
lheres). No Centro-Oeste, no mesmo período, o
A mortalidade proporcional corresponde ao per- coeficiente médio foi de 7,4 (9,1 em homens; 2,8
centual, do total de óbitos, devido a suicídio. em mulheres). Nas regiões com menores coe-
Atinge 0,9% no Brasil como um todo. Entre pes- ficientes de mortalidade por suicídio, Norte (4,3)
soas que têm entre 15 e 29 anos de idade, o e Nordeste (4,6) algumas capitais notabilizam-se
suicídio responde por 3% do total de mortes e se por índices que destoam da média regional: Boa
encontra entre as três principais causas de Vista (9,30, Macapá (8,7) e Fortaleza (7,3).
morte. Em Roraima e no Amapá a mortalidade
proporcional por suicídio chega a ser três vezes Em certas cidades, bem como em alguns grupos
maior que a média nacional (2,7% e 2,1%), pro- populacionais (como por exemplo, o de jovens em
vavelmente devido ao elevado número de suicí- grandes cidades, o de indígenas do Centro-Oeste e
dio na população indígena. do Norte, e entre lavradores do interior do Rio
Grande do Sul) os coeficientes aproximam-se dos
O coeficiente de mortalidade por suicídio fornece de países do leste europeu e da Escandinávia.
o número de suicídios para cada 100.000 habi- Se considerarmos, por exemplo, dentre os muni-
> 16
8-16
<8
sem dados
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Debate
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cípios com população igual ou maior do que 50 mil habitantes, os que apresentam as
maiores taxas de suicídio, metade é de municípios gaúchos. Aparecem, também,
municípios do Ceará, Estado que na Região Nordeste tem os maiores índices de suicídio.
Dados estão subestimados estima que 15,6% dos óbitos não foram registra-dos
(sub-registro). Em relação às estatísticas do
Os dados sobre mortalidade por suicídio derivam do Ministério da Saúde, o IBGE calcula que 13,7% dos
Sistema de Informação de Mortalidade (SIM) do óbitos ocorridos em hospitais, no mesmo ano,
Ministério da Saúde, disponíveis na internet. podem não ter sido notificados (subnotificação).
Certamente estão subestimados. O IBGE, ao com- Além disso, no caso de mortes por causas exter-
parar suas projeções demográficas com o total de nas, é frequente o atestado de óbito trazer a na-
óbitos registrados nos cartórios brasileiros, tureza da lesão que levou à morte, sem se referir
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à circunstância que a ocasionou. É esse o motivo taxas aumentaram para um nível médio de 5,4, per-
pelo qual se registram, em nosso país, nessa cate- manecendo estáveis até 2006. Isso representa um
goria, em torno de 10% de “óbitos por causas ex- acréscimo de 29,5% no coeficiente de mortalidade
ternas de tipo ignorado”. Fica-se sem saber se as por suicídio entre 1980 e 2006 (Lovisi et al., 2009).
mortes foram por homicídio, suicídio ou acidente.
Os coeficientes de mortalidade por suicídio têm
A fim de elucidar esse ponto, um estudo avaliou aumentado em nosso país, notadamente no
amostra de 320 óbitos ocorridos por causas exter- sexo masculino, entre 20 e 59 anos, segundo o
nas. Em busca de informações, os pesquisadores estudo acima citado (veja figura abaixo).
visitaram Institutos de Medicina Legal, Delega-cias
de Polícia e domicílios dos falecidos. Como As taxas de mortalidade por suicídio aumenta-
resultado, verificou-se que o número real de suicí- ram em municípios com até 50 mil habitantes,
dios era quatro, e não dois, como previamente re- chegando a ultrapassar os valores obtidos em
gistrado. Dito de outra forma, o real era o dobro. municípios mais populosos. Os municípios com
mais de 100 mil habitantes apresentaram re-
No caso, as informações estavam disponíveis, mas dução na taxa de mortalidade por suicídio no
não haviam sido transcritas nas declarações de período de 1996 a 2000, voltando a apresentar
óbito (Mello Jorge et al., 2002). Esse tipo de acréscimo em 2001 e tendendo à estabilidade
problema compromete a correção dos dados do entre 2002 e 2005 (Brasil, 2008).
Sistema de Informação de Mortalidade.
Tentativas de suicídio
Os coeficientes de suicídio
aumentaram 29,5% Estima-se que as tentativas de suicídio
superem o número de suicídios em pelo
As taxas de mortalidade por suicídio permaneceram menos dez vezes. Não há, entretanto, em
estáveis entre 1980 e 1994, com média de 4,5 mortes nenhum país, um regis-tro de abrangência
por 100 mil habitantes. No triênio 1995-1997 essas nacional de casos de tenta-tiva de suicídio.
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1980-1982 1983-1985 1986-1988 1989-1991 1992-1994 1995-1997 1998-2000 2001-2003 2004-2006
Homem 4,7 5,1 4,9 5,2 5,8 6,9 6,8 7,2 7,3
Mulher 1,9 1,8 1,7 1,6 1,6 1,8 1,6 1,8 1,9
Total 4,4 4,5 4,3 4,5 4,8 5,4 5,1 5,5 5,7
Suidídio 1000.000 habitantes - Fonte: Lovisi et al., 2009
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Debate
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O que temos, em termos de Brasil, deriva de um ram divididos aleatoriamente em dois grupos: um
estudo realizado sob o auspício da Organização grupo recebeu “tratamento usual” (geralmente
Mundial da Saúde, na área urbana do município de alta do pronto-socorro sem encaminhamento a
Campinas. Nesse estudo, a partir de listagens de serviço de saúde mental); e outro grupo recebeu
domicílios feitas pelo IBGE, 515 pessoas foram uma “intervenção breve”, que incluiu entrevista
sorteadas e entrevistadas face-a-face por pesqui- motivacional e telefonemas periódicos, segundo
sadores da Unicamp. Apurou-se que, ao longo da o esquema abaixo.
vida, 17,1% das pessoas “pensaram seriamente em
por fim à vida”, 4.8% chegaram a elaborar um plano SUPRE-MISS: FLUXOGRAMA DO ESTUDO
para tanto, e 2,8% efetivamente tentaram o suicídio. DE INTERVENÇÃO BREVE
De cada três pessoas que tentaram o suicídio, Tentativas de Suicídio
apenas uma foi, logo depois, atendida em um HC Unicamp
COMPORTAMENTO SUICIDA 4s
Telefonemas
AO LONGO DA VIDA 7s
ou 11 s
4m
1 Atendidas em
Pronto-Socorro
Visitas
domiciliares 6m
12 m
5
3 tentativa
18 m desfechos 18 m
plano
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mentados), porém, se considerarmos toda a gama
Referências
dos comportamentos suicidas, deveríamos acres-
centar ainda cerca de 9 a 35 milhões (estimados) de
Botega NJ, Garcia LSL (2004). Brazil: the
need for violence (including suicide) casos anuais de tentativas de suicídio.
Botega NJ, Barros MBA, Oliveira HB, Dalgalar- tivas de suicídio não se distribuem de maneira
rondo P, Marin-León L (2005). Suicidal Behavior uniforme através dos diversos países e de suas
in the community: prevalence and factors asso- diversas regiões. Quando nos referimos à taxa
ciated to suicidal ideation: Revista Brasileira de de mortalidade por suicídio (que reflete a ocor-
Psiquiatria 27(1):45-53. rência de casos por 100.000 habitantes), ao
invés de seu número absoluto, numa perspec-
Freitas GV, Cais CF, Stefanello S, Botega
tiva global observamos as taxas mais elevadas,
NJ (2008). Psychosocial conditions and
em geral, nos países hoje independentes, que
suicidal behavior in pregnant teenagers : a
anteriormente faziam parte da Cortina de Fer-ro
case-control study in Brazil. European Child
(taxas acima de 35 por 100.000: Bielorrúsia,
and Adolescente Psychiatry 17(6):336-342.
Lovisi GM, Santos AS, Legay L, Abelha L, Casaquistão, Hungria, Letônia, Lituânia, Rússia,
Ucrânia), ao passo que as taxas mais baixas são
Valencia E (2009). Análise epidemiológica do
registradas em países islâmicos (taxas inferiores
suicídio no Brasil entre 1980 e 2006. Revista
a 2,5 por 100.000: Arábia Saudita, Bahrein, Egi-
Brasileira de Psiquiatria 31(Suplemento):86-93
to, Emirados Árabes Unidos, Irã, Jordânia, Kuai-
Mello Jorge, MHP, Gotlieb SLD, Laurenti R (2002). te, Síria) seguidos de países da América Latina
O sistema de informações sobre mortalidade: pro- (taxas entre 2,5 e 15 por 100.000).
blemas e propostas para o seu enfrentamento. II -
Inúmeros fatores já foram identificados como pre-
Mortes por causas externas. Revista Brasileira de
disponentes e precipitantes dos comportamentos
Epidemiologia 5(2):212-213.
suicidas, entre os quais, constituição genética,
fatores demográficos (particularmente idade, sexo e
Brasil – Ministério da Saúde (2008). Saúde
situação conjugal), fatores culturais, fa-tores
Brasil 2007: uma análise da situação de
nosológicos (particularmente doenças men-tais e
saúde. Stefanello S, Marín-Léon L, Fernandes
físicas crônicas, incuráveis e causadoras de grande
PT, Min LL, Botega NJ. Suicidal thoughts in
sofrimento), fatores psicológicos (perdas afetivas ou
epilepsy: A community-based study in Brazil.
materiais, reais ou simbólicas), fato-res sociais e
Epilepsy Behav. 2010 (no prelo)
ambientais (por exemplo, isolamento social,
condições de vida extremamente adversas, e
importantes perdas materiais).
O SUICIDIO NO MUNDO
O conhecimento aprofundado dos mecanismos de
José Manoel Bertolote atuação desses diversos fatores, seja isolada-
Apesar de o suicídio ser (felizmente) um even-to de mente, seja através de suas complexas interações,
ocorrência rara em nosso meio, no âmbito mundial, ademais de sua relevância em termos absolutos de
atingiu recentemente proporções tais que já é seu valor para a suicidologia, adquire sua plena
considerado pela Organização Mundial da Saúde importância para a concepção, planifica-ção e
(OMS) como uma das prioridades globais de Saúde implementação de intervenções eficazes e efetivas
Pública. O número de vida perdidas por suicídio para a prevenção dos comportamentos suicidas,
anualmente beira os 900.000 (bem docu- sem perder de vista sua especificidades
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alguns destes fatores parecem atuar a longuíssimo Fatores sociais inerentes à vida contemporânea,
prazo (uma vez que se estabelecem, ou não, na relacionados à violência e à falta de expectativa
mais tenra infância) ao passo que outros têm uma de vida, sem dúvida contribuem para o aumento
influência muito mais próxima do evento autodes- da incidência do suicídio.
truidor (como as redes de apoio social). Em qual-
quer dos casos, os fatores de proteção estão pro- Entretanto, apesar do envolvimento de questões
fundamente enraizados na cultura e na estrutura de socioculturais, genéticas, psicodinâmicas, filosófi-co-
cada grupo social, e, de sua atuação só poderia existenciais e ambientais, na quase totalidade dos
resultar uma diversidade geográfica, exatamente o suicídios um transtorno mental encontra-se
que se observa numa análise dos comportamentos presente, o que denota a possibilidade de preven-
suicidas desde uma perspectiva in internacional. ção, caso haja tratamento da causa. Essa seria mais
uma razão dentre tantas outras, talvez a mais
Referências dramática, para que de fato seja criada uma Rede
de Atenção Integral em Saúde Mental que efetiva-
www.who.int/mental_health/prevention/suicide/ mente atenda as necessidades dos pacientes com
suicideprevention/en/index.html. transtornos mentais em todos os níveis de assis-
tência, como preconizado, já dito e repetido, pela
Bertolote JM, Fleischmann A (2009). A global Associação Brasileira de Psiquiatria.
perspective on the magnitude of suicide. In:
Was-serman D e Wasserrman C (Eds.): Estima-se que as tentativas de suicídio superem
Oxford Textbook of Suicidology and Suicide o número de suicídios em pelo menos dez vezes.
Prevention. Oxford: Oxford University Press. Não há, entretanto, registro de abrangência na-
cional de casos de tentativa de suicídio. A assis-
tência prestada a pessoas que tentaram o
suicídio é uma estratégia fundamental na
Prevenção do suicídio prevenção do suicídio, pois elas constituem um
Luiz Alberto Hetem grupo de maior risco para o suicídio.
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suicídios concluídos são cometidos por indivíduos
Suicídio e álcool
com dependência de álcool. Kaplan indica que indi-
e outras drogas víduos que abusam de substâncias apresentam um
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