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RESUMO
Com a vinda de mais imigrantes e diversificação da sua proveniência, os Cuidados de Saúde Primários e os seus profissionais
são postos perante novos tipos de problemas, que decorrem, tanto das dificuldades de comunicação em contexto intercultu-
ral, quanto dos constrangimentos logísticos, como seja, por exemplo, o da falta de tempo para conduzir uma relação terapêu-
tica que se quer eficaz.
Ir ao encontro das necessidades dos imigrantes, que estão muitas vezes em situação de vulnerabilidade social, e que têm en-
tendimentos e formas de comunicar a saúde e a doença de modo diferente da dos profissionais de saúde, é um desafio que exi-
ge, para além de suporte institucional, competências comunicacionais, e algum conhecimento sobre diferentes culturas, religi-
ões, crenças, usos e costumes.
O artigo propõe-se analisar algumas dessas dificuldades, sugerindo formas de abordagem que permitam a criação de servi-
ços culturalmente adaptados, abertos a todas as convicções religiosas, e facilitadores do diálogo intercultural, conforme é re-
comendado pelo Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercultural.
que as minimizem, e que, ao mesmo tempo, ajudem a É nos anos 80 que começa o segundo ciclo de imi-
prevenir a discriminação e exclusão social. gração, que traz, como elemento novo, a diversificação
Também a um nível nacional, assistimos a várias ini- da origem dos imigrantes – da Ásia, sobretudo chineses,
ciativas governamentais e de instituições da sociedade e da América do Sul, predominantemente brasileiros,
civil, que procuram tornar mais acessível a prestação de entre outros. Em 1980, dos imigrantes legais, 48% pro-
cuidados de saúde aos imigrantes. vinham de África, 31% da Europa e 11% da América do
Gostaríamos, aqui, de referir a criação do Gabinete Sul.
de Saúde do Centro Nacional de Apoio ao Imigrante em Com a adesão de Portugal à Comunidade Europeia
2003, e que resultou de uma parceria entre o Alto Co- e a consequente internacionalização da economia por-
missariado para a Imigração e Diálogo Intercultural – tuguesa, verifica-se um aumento de 6,4% ao ano de imi-
ACIDI e o Ministério da Saúde.2 Este Gabinete de Saú- grantes legais.
de, para além de identificar os problemas de acesso dos No início dos anos 90, Portugal adere ao Acordo de
imigrantes ao Sistema Nacional de Saúde, procura in- Schengen e verifica-se um crescimento anual de 7% de
formá-los sobre os seus direitos e deveres, e apoiá-los imigrantes legais, embora, no total, estes constituam
em situações de carência social e de cuidados de saúde. apenas 2% da população. Em termos do impacto e da
Se estes problemas têm vindo a ser alvo de diversas percepção pública, a presença dos imigrantes em Por-
análises e de estratégias de intervenção, o mesmo não tugal é, portanto, pouco significativa, até ao ano 2000.
se poderá dizer das dificuldades sentidas pelos profis- Não tomamos aqui em atenção o impacto em peque-
sionais de saúde – médicos, enfermeiros e outros téc- nas localidades, até porque, como veremos adiante, a
nicos, postos perante a necessidade de intervir junto de concentração destes imigrantes tende a ser no litoral e
imigrantes de diversas proveniências, culturas, estilos nos grandes centros urbanos do país.
de vida, estatutos socioeconómicos e com diferentes Os autores não deixam de chamar a atenção para o
concepções sobre a saúde e a doença. desfasamento entre o número de imigrantes legais e
Muitas vezes, os profissionais de saúde vêem-se a ilegais, pecando os dados existentes por defeito.
braços com diversos tipos de problemas, aos quais dão A partir de 2001, há um aumento súbito de imigran-
resposta de forma individual, apoiando-se no melhor tes dos países da Europa de Leste – romenos, moldavos,
das suas competências técnicas e comunicacionais. russos e sobretudo ucranianos. Os imigrantes dos PA-
Esta gestão é possível quando o número de doentes LOP deixam de estar no topo, para passarem a ser os
imigrantes atendidos não é significativo, e o tipo de brasileiros e os ucranianos.
problemas é mais ou menos conhecido. Não se verifi- No que respeita à escolha da área de residência, ve-
cando estas premissas, uma vez que houve um acrés- rifica-se uma distribuição assimétrica, seguindo a ten-
cimo significativo do número de imigrantes, como ve- dência da população portuguesa, que se concentra no
remos adiante, e, consequentemente, de utentes do Sis- litoral e nos grandes centros urbanos. Assim, os distri-
tema Nacional de Saúde, impõe-se uma reflexão con- tos de Lisboa, Porto, Setúbal e Faro acolhem 75% dos
junta sobre os problemas mais comuns, e sobre a imigrantes, estando Lisboa claramente à frente, com
melhor forma de os abordar, não deixando de ter em cerca de 45%.
atenção os constrangimentos de ordem legal. A partir de 2003, são Lisboa, e sobretudo Faro, que
concentram o maior número de imigrantes.
UMA NOVA REALIDADE Esta nova realidade tem, certamente, impacto nos
Portugal tem uma história de imigração recente, como Cuidados de Saúde Primários, uma vez que desde 2001
é referido por Mário Lages e colaboradores.3 Os auto- os cidadãos estrangeiros que residem legalmente em
res lembram, porém, os fluxos migratórios dos cabo- Portugal têm acesso, em igualdade de tratamento com
-verdianos nos anos 60 e 70, e também, o de pessoas os beneficiários do Serviço Nacional de Saúde, tanto à
provenientes das ex-colónias após as independências. prestação de cuidados de saúde, como de assistência
Estes foram movimentos migratórios com característi- medicamentosa (Despacho nº 25.360/200, publicado
cas diferentes dos ciclos mais recentes. em D.R. de 12 de Dezembro).4 No caso do imigrante
não residir legalmente em Portugal, terá acesso aos ser- corda da vinda de mais imigrantes, sejam eles africanos
viços do SNS, se comprovar, através de documento pas- (74,4%), imigrantes de Leste (73,4%), ou brasileiros
sado pela Junta de Freguesia, que reside em território (71,7%). Discordam mais os portugueses com instrução
nacional há mais de noventa dias. Neste caso, são co- mais baixa do que os que têm o grau de ensino supe-
bradas despesas de acordo com as tabelas em vigor, rior.
tendo em atenção a situação económica e social do Interessante é também o facto de a maioria dos por-
doente, a aferir pelos serviços de segurança social. tugueses referir que a convivência melhora o entendi-
mento com os brasileiros (84,5%), com os imigrantes de
OS PROFISSIONAIS DE SAÚDE PORTUGUESES Leste (68,4%) e com os africanos (60,4%).
NA RELAÇÃO COM O «OUTRO» Nenhum destes grupos é percepcionado como sen-
Na relação com o «outro», são investidas as competên- do mais trabalhador que os portugueses, embora os
cias comunicacionais, as experiências, o grau de co- que afirmam que sim, destaquem os imigrantes de les-
nhecimento que dele temos, as crenças e atitudes. te como mais trabalhadores, seguidos dos africanos e
Quando o outro é imigrante, as normas e os padrões por último dos brasileiros. Os autores sugerem a inter-
culturais ganham relevo, numa troca comunicacional ferência de estereótipos sociais neste julgamento.
que se quer eficaz. Na percepção das diferenças culturais acedidas atra-
Como refere Furtado de Sousa,5 apoiando-se nas afir- vés dos itens acima referidos, os africanos são sentidos
mações de Ramos (2001), a comunicação é uma forma de como mais diferentes quanto aos usos e costumes, ma-
aproximar culturas, sendo que a comunicação intercul- neira como educam os filhos, crenças e práticas religio-
tural implica uma consciência da própria identidade na sas e valores e comportamentos sexuais.
relação com o outro e as suas reacções à alteridade. Os imigrantes de leste surgem como mais diferentes
Não está documentado o tipo de atitudes e de valo- apenas em relação à língua que falam.
res dos profissionais de saúde em relação aos seus uten- Os brasileiros são percepcionados como mais seme-
tes imigrantes, nem a sua posição individual em rela- lhantes.
ção às questões da imigração. Os portugueses defendem, ainda, que os imigrantes
Assim sendo, tomemos como referência o estudo le- têm de deixar os seus costumes se quiserem fazer par-
vado a cabo por Mário Lages e Verónica Policarpo,6 so- te da nossa sociedade (61%). A coadjuvar esta posição,
bre as atitudes e valores da população portuguesa pe- apenas 39,7% concorda que a presença de imigrantes
rante a imigração, publicado em 2003, partindo do prin- enriquece a vida cultural do nosso país.
cípio, certamente questionável, de que, sendo os profis- O grau de instrução é uma variável sensível na res-
sionais de saúde na sua maioria portugueses, partilham posta às questões, o que leva os autores a concluir que,
do entendimento geral da população sobre este as- quanto mais instruídos, maior a aceitação e tolerância
sunto. dos portugueses.
Neste estudo, a aceitação e tolerância dos portugue- Poderemos supor, mas não afirmar, que, pertencen-
ses em relação aos imigrantes é acedida através de do os profissionais de saúde ao grupo dos portugueses
questionários que comportam itens, como sejam: a mais instruídos, terão tendência a ter atitudes de maior
concordância com a vinda de mais imigrantes, a igual- aceitação e tolerância em relação aos imigrantes.
dade de direitos com a população portuguesa, a reuni- Independentemente da atitude individual em rela-
ficação familiar, a segurança, a percepção de qual dos ção aos imigrantes, os profissionais de saúde estabele-
grupos é mais trabalhador e o sentimento de diferença cem com os seus utentes relações de ajuda, e, em qual-
cultural. Este sentimento de diferença cultural expres- quer circunstância, irão intervir com este desígnio su-
sa-se na percepção que os portugueses têm, sobre o premo de ajudar, de promover a saúde, ao abrigo de pa-
modo como os imigrantes educam os filhos, das suas drões éticos, deontológicos, legais e técnicos (nº 1 do
crenças e práticas religiosas, valores e comportamen- artigo 6º e artigo 26º do Código Deontológico da Ordem
tos sexuais, língua falada e usos e costumes. dos Médicos; artigo 81º do Código Deontológico da Or-
Podemos dizer que a maioria dos portugueses dis- dem dos Enfermeiros).7,8
do. Nem sempre será esse o caso, sobretudo nos distri- utentes que falam determinada língua, da relação cus-
tos de Lisboa, Setúbal e Faro, onde a concentração de to/beneficio, da programação das consultas, entre ou-
imigrantes é maior. tros aspectos de carácter logístico.
Se o imigrante percebe melhor um dialecto indíge- No que às diferenças culturais, usos e costumes,
na, é de equacionar um pedido de ajuda à embaixada constrangimentos religiosos, mitos, tabus e crenças dos
ou consulado do país de origem do doente, embora esta imigrantes diz respeito, parece lógico que o desconhe-
decisão deva ser ponderada em função também da sua cimento destes aspectos, por parte do profissional de
concordância. saúde, é uma barreira que se põe já no momento de re-
É, também, possível utilizar o Serviço de Tradução colha das queixas, mas também, ao nível das soluções
Telefónica do Alto Comissariado para a Imigração e Diá- terapêuticas propostas.
logo Intercultural, como propõem Silva e Martingo.9 A própria limitação ao exame clínico, no que respei-
Este serviço foi criado no seguimento da adopção das ta, por exemplo, à exposição do corpo, constitui um
recomendações do projecto europeu «Migrants- constrangimento. Por vezes, é possível ultrapassá-lo,
-Friendly Hospitals», referido pelos autores, e que tem garantindo a escolha de um profissional do mesmo sexo
por objectivo tornar as instituições de saúde «amigá- do do doente. Proceder a um exame objectivo, que pos-
veis» para os imigrantes.* sa ser mal aceite em função das diferenças culturais, po-
Silva e Martingo9 sugerem, ainda, a celebração de derá exigir a presença de um familiar ou de outro pro-
protocolos com associações de imigrantes, para que fissional na sala, o que recoloca as questões acima
estas possam ajudar quando a língua é um obstáculo, equacionadas, a propósito do uso de intérpretes.
desde que os mediadores estejam preparados para a A presença do familiar ou do técnico com funções es-
mediação da interpretação clínica. Em alguns casos, pecíficas e que possa ter, até, um papel de mediação,
estes mediadores poderão, eles próprios, ser profissio- poderá, de igual modo, contribuir para a salvaguarda da
nais de saúde que ainda não tenham obtido equivalên- integridade profissional dos técnicos, e do modo como
cia dos seus cursos em Portugal. ela é entendida.
Em qualquer dos casos em que seja necessário o re- Podemos, no entanto, questionar até que ponto um
curso a intérpretes, é necessário garantir que estes te- Centro de Saúde se deverá adaptar, para dar resposta a
nham tido formação e que estejam bem cientes das todas as necessidades destes utentes. Como vimos, 61%
suas responsabilidades, no que ao sigilo profissional dos portugueses acha que os imigrantes deverão dei-
diz respeito. xar de lado os seus costumes para fazerem parte da nos-
Fonseca e colaboradores,10 apoiando-se num estudo sa sociedade, pelo que esta posição poderá constituir-
de Fonseca e col. (2005), concluem que são os imigran- -se numa barreira à tomada de decisão, no sentido de
tes dos PALOP (63,6%) o grupo que utiliza com mais fre- tornar os cuidados primários mais amigáveis para os
quência o sistema nacional de saúde. As comunidades imigrantes.
brasileira e de cidadãos de Leste que se instalaram há Tendemos, no entanto, a achar que esta é também
menos tempo e que têm um grande número de ilegais, uma decisão de gestão de recursos, que deverá encon-
apenas recorrem aos serviços em situação de urgência. trar um compromisso entre os custos acrescidos de de-
A autora sugere que, no caso dos imigrantes de Leste, a terminadas medidas e a necessidade de não compro-
língua pode ser o factor impeditivo. Neste grupo, ape- meter a acessibilidade dos imigrantes aos cuidados de
nas 44% dos inquiridos no estudo são utentes de Cen- saúde, preconizada na lei portuguesa.
tros de Saúde. As recomendações do Alto Comissariado para a Imi-
O recurso a intérpretes, não sendo uma solução per- gração e Diálogo Intercultural vão no sentido da cria-
feita, é necessária, devendo ser equacionada caso a caso ção de serviços culturalmente adaptados, abertos a to-
por cada Centro de Saúde, em função do número de das as convicções religiosas, e facilitadores do diálogo
intercultural.9
*A informação sobre o funcionamento desta linha pode encontrar-se no seguinte
A maior parte destas considerações são de ordem
endereço: http://www.acidi.gov.pt/ institucional. Na dimensão da relação individual, cada
profissional de saúde investe a sua predisposição para caso, passa pela explicação ao doente, do funciona-
tentar compreender, conhecer e comunicar de modo mento dos serviços, e pelo fornecimento de um quadro
aberto e disponível, ao mesmo tempo que luta com as compreensivo do que se está a passar ao nível das suas
suas próprias dificuldades para o conseguir. queixas. No fundo, é um esforço de redução da ansie-
Consideramos que todo o processo de estabeleci- dade do doente.
mento de uma relação tem um potencial de crescimen- Foi, também, referido o pedido de circuncisão dos fi-
to. Assim, a disposição mostrada ao utente de que, es- lhos por motivos religiosos, por parte de pais imigran-
tando consciente das diferenças, se está, também, tes africanos. A abordagem deste pedido é, em si pró-
disposto a conhecê-las, não sendo condição suficien- pria, multidimensional. Por um lado, esta intervenção
te, é condição necessária ao desenvolvimento dessa re- não é isenta de riscos quando levada a cabo em situa-
lação. ções precárias. Por outro, não havendo patologia sub-
Há aqui espaço para uma análise introspectiva indi- jacente, não haverá justificação clínica para tal inter-
vidual, de cada profissional de saúde, sobre os seus pró- venção. Mesmo tomando como boa a razão da inter-
prios preconceitos, dificuldades e competências, no es- venção por motivos religiosos e culturais, poderemos
tabelecimento de uma relação clínica intercultural. questionar se o estado deverá comparticipar estas ci-
Um conhecimento de usos e costumes prévio pode- rurgias, ou ainda, colocá-las em listas de espera, que já
ria evitar momentos de embaraço de parte a parte. Al- de si são longas. A resposta a estas questões remete-nos
guma informação a este nível do conhecimento de ou- para uma dimensão de tomada de decisão ao nível das
tras culturas poderá ajudar nos casos mais comuns. O políticas de saúde, que limitam e enquadram o exercí-
Alto Comissariado para a Imigração e Diálogo Intercul- cio dos profissionais.
tural disponibiliza, no seu site, publicações online de es- Estes imigrantes normalmente têm dificuldade em
tudos, teses, revistas, conferências e outras iniciativas, aceitar uma intervenção cirúrgica programada, mes-
que pode ser uma fonte de recolha de informação in- mo quando aconselhados a procurar uma instituição de
teressante. saúde privada, pois têm a expectativa de resolver o seu
Por vezes, são feitos pedidos aos profissionais que problema no momento do pedido.
não são sentidos como razoáveis, no contexto cultural, Nestes dois exemplos, apesar de tudo, o profissional
e de prática comum no sistema de saúde e legislativo de saúde pode apoiar-se em normas de funcionamen-
português. to do Sistema Nacional de Saúde, e em orientações téc-
Ora, se é verdade que o entendimento das «razões» nicas, para comunicar a sua posição, e aconselhar.
do outro é fundamental para a modulação da relação, Consideramos, também, que a troca de experiências
nem sempre, porém, este entendimento permite ao entre pares ajuda a assegurar do bom julgamento nas
profissional de saúde ir ao encontro dos pedidos e ex- tomadas de posição em situações pouco comuns, ou
pectativas dos imigrantes. A título de exemplo, referi- comuns, mas fora dos requisitos da prática clínica, as-
mos aqui alguns pedidos insistentes de alguns grupos sim como ajudará a ponderar outras alternativas de in-
de imigrantes, para a prescrição de exames comple- tervenção.
mentares de diagnóstico que não são compatíveis com Apesar de a maioria dos profissionais com quem fa-
o quadro clínico. Esta dificuldade foi referida por mais lámos referir a falta de tempo como problema da sua
do que um dos profissionais por nós inquiridos inicial- prática quotidiana, faria sentido criar um espaço de
mente através de pergunta aberta, que a interpretam partilha mais ou menos estruturado, mais ou menos
como resultado de um eventual mecanismo de tranqui- frequente, de modo a promover práticas comuns e
lização em situação de vulnerabilidade social como é o maior conforto na acção. Este nível de conforto é im-
da imigração, decorrente de hábitos alicerçados na di- portante para aumentar a disponibilidade de cada pro-
ferente organização dos serviços de saúde nos países de fissional para se envolver em relações que põem outro
origem, ou, ainda, com a diferente percepção cultural, tipo de exigências.
do que é uma «boa» intervenção clínica. Alicerçada nas diferenças culturais, surge a diferen-
O esforço adicional a desenvolver pelo clínico neste te concepção de saúde e de doença entre os profissio-
nais de saúde e os imigrantes, que traz dificuldades à nada como resultado do mau funcionamento do cor-
relação entre ambos. Estas diferenças, embora tendam po, por vezes relacionado com mudanças na dieta ou
a esbater-se na segunda e terceira geração, podem, ain- dos comportamentos, estilos de vida, etc. Há, assim, es-
da, existir em filhos e netos de imigrantes, o que impli- paço para uma responsabilidade individual no estado
ca manter o vector cultural na mira do profissional de de saúde, atitude encorajada no mundo ocidental.
saúde. As causas naturais de origem inanimada ou de orga-
As representações sociais de saúde e de doença é um nismos vivos (microrganismos, vírus, animais, plantas)
tema que está amplamente estudado, como nos refe- comportam, ainda, os aspectos ambientais, como se-
rem Reis e Fradique.11 jam as alterações climáticas ou a poluição.
«Podem tirar-se duas conclusões relevantes destes Quando a etiologia da doença é atribuída à esfera so-
estudos: primeiro, as significações das pessoas sobre o cial, refere-se à influência dos outros, à sua malevolên-
estado de saúde estão intimamente ligadas a significa- cia ou mau-olhado, e tende a verificar-se em comuni-
ções mais latas sobre si próprias, sobre o mundo e a vida dades pequenas e onde o conflito interpessoal é fre-
e imbuídas em sistemas culturais locais; segundo, as quente.
significações leigas diferem em larga medida das signi- Quanto às causas sobrenaturais, a doença resulta de
ficações médicas ou dos profissionais de saúde, mas acções directas de deuses ou espíritos, e acontece quan-
coexistem e competem com estas.» do a vítima é culpada de comportamentos anti-sociais,
Reis,12 reflectindo sobre a concepção de processos de imorais, ou blasfemos. Estas causas não são mutua-
saúde e de doença entre leigos e médicos, refere que mente exclusivas.
eles entram, por vezes, em conflito. A saúde é, também, O autor refere ainda que, do ponto de vista do pa-
definida num contexto mais amplo de relação da pes- ciente, e em determinadas culturas, o estar doente tem
soa com os seus ambientes físicos, profissionais e de re- muitas vezes componentes psicológicas, morais e so-
lacionamento interpessoal, e mais próximo do mode- ciais, que estão associadas a outros tipos de adversida-
lo biopsicossocial. Este autor considera, pois, funda- de na sua vida. Em todas as sociedades há «conven-
mental ter em conta dimensões mais amplas de enten- ções» sobre comportamentos a adoptar em presença da
dimento do conceito de saúde. doença, o que dá algum controlo ao doente sobre o
Furtado de Sousa,5 citando Weinman e Ogden (1999), modo como a comunica.
assinala que «os técnicos de saúde têm crenças pré- Tanto a representação da doença, como o modo
-existentes sobre a prevalência e incidência de cada como ela é percebida pelos outros é determinada por
problema de saúde e estas crenças influenciam o pro- factores socioculturais e religiosos.
cesso de desenvolvimento das hipóteses». Como nos diz Glick,14 na medicina ocidental a cau-
Também Helman13 constata que a concepção de saú- sa das doenças não tem uma relação essencial com o
de e de doença entre os médicos e os seus pacientes di- contexto sociocultural, ao passo que na maioria dos
ferem, mesmo que estes partilhem a mesma cultura. outros sistemas medicinais a causa e o contexto estão
Isto porque as suas perspectivas apoiam-se em dife- intimamente ligados. Assim sendo, os tratamentos re-
rentes premissas. Para este autor, o modelo da medici- flectem as ideias expressas no diagnóstico. Se este se
na moderna tendencialmente põe maior ênfase na des- apoiar no poder de fontes malignas, então os tratamen-
coberta e quantificação de dados físico-químicos, não tos deverão tentar restabelecer o equilíbrio de poderes
enfatizando os factores menos mensuráveis, como se- entre a vítima e as referidas fontes. Isto poderá ser fei-
jam os sociais e emocionais. to fortalecendo a vítima (através de processos homeo-
A explicação dos leigos para a etiologia das doenças páticos ou de remédios caseiros), ou enfraquecendo o
tende a situar-se na esfera do social ou sobrenatural, antagonista («mobilizando» fontes benévolas), ou am-
nas comunidades do mundo não industrializado, e na bas em simultâneo.
esfera natural ou centrada no paciente, nas sociedades Outro aspecto interessante, e que é referido por Hel-
ocidentais industrializadas. man,13 por exemplo, é o da percepção da gravidade da
Quando centrada no paciente, a doença é percepcio- doença em diferentes culturas, que depende das con-
cas básicas de comunicação, tais como a escuta activa, Diário da República nº 93 - Série I, Parte A - artigo 81º. p. 1274.
9. Silva A, Martingo C. Unidades de saúde amigas dos migrantes - uma
perguntas abertas e técnicas facilitadoras; treino asser-
resposta ao desafio da multiculturalidade em Portugal. Migrações: Re-
tivo; resolução de conflitos e negociação, entre outras.
vista do Observatório da Imigração. 2007; 1: 155-60.
Estas sugestões gerais parecem-nos ainda mais per- 10. Fonseca ML, Esteves A, McGarigle J, Silva S. Saúde e integração dos imi-
tinentes quando a relação clínica ocorre num contex- grantes em Portugal: uma perspectiva geográfica e política. Migrações:
to intercultural. Revista do Observatório da Imigração 2007; 1: 27-52.
Como nos diz Furtado de Sousa,5 o respeito pela di- 11. Reis J, Fradique F. Significações leigas de saúde e de doença em adul-
tos. Análise Psicológica. 2004 set; 2 (3): 475-85.
ferença implica uma negociação informal, uma modu-
12. Reis J. O Sorriso de Hipócrates: a integração biopsicossocial dos pro-
lação da relação e do cuidado prestado. Exige mais do cessos de saúde e doença. Lisboa: Vega; 1998.
que um Saber e Saber-fazer, exige um Saber-ser. 13. Helman CG. Culture, health and illness: an introduction for health pro-
fessionals. 2nd ed. Oxford: Butterworth-Heinemann; 1990.
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imigrante: uma estratégia de acesso dos imigrantes aos cuidados de saú- by; 2003.
de. Migrações: Revista do Observatório da Imigração 2007; 1: 179-86. 16. Teixeira JA. Comunicação em saúde: relação técnicos de saúde - uten-
3. Lages MF, Policarpo VM, Marques JC, Matos PL, Homem J. Os imigran- tes. Análise Psicológica 2004 Set; 22 (3): 615-20.
tes e a população portuguesa: imagens recíprocas - análise de duas son-
dagens. Lisboa: Observatório da Imigração/ACIME; 2006. ENDEREÇO PARA CORRESPONDÊNCIA
4. Despacho nº 25.360/2001, de 12 de Dezembro. Diário da República nº Inês Lima Maurício
286 - Série II. Centro de Saúde da Reboleira
5. Sousa JF. Os imigrantes ucranianos em Portugal e os cuidados de saú- Praça Conde da Lousã – Damaia
de. Lisboa: Observatório da Imigração/ACIME; 2006. 2720-122 Amadora
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Observatório da Imigração/ACIME; 2003. E-mail: bartines@ip.pt
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http://www.ordemdosmedicos.pt/ [acedido em 19/02/2009]. Recebido em 22/12/08
8. Código Deontológico do Enfermeiro. Dec-Lei, 104/98, de 21 de Abril. Aceite para publicação em 16/02/09
ABSTRACT
With the arrival of an increasing number of immigrants from different origins, primary health care and its professionals are fa-
cing new types of problems that derive from the difficulties of communication widespread on intercultural contexts and also
from logistics restrictions, such as lack of time to conduct an effective therapeutic relationship.
Responding to the needs of the immigrants - which are most of the time socially vulnerable and have ways of understan-
ding and expressing their health and disease-related concerns that differ from those of the health professionals - is a challen-
ge that asks for institutional support, communication qualifications and some knowledge about different cultures, religions, be-
liefs and habits.
The purpose of the article is to analyze some of those difficulties, suggesting ways of approach which allow for the creati-
on of services that are culturally adapted, open to all the religious believes and that facilitate the intercultural dialog, as recom-
mended by the High Commissioner for Immigration and Intercultural Dialogue.