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Dri, "aves de mesma plumagem voam juntas", que bênção voar a vida
com você;
Gá e Fê, anjinhos, presentes divinos e inesperados em minha vida.
AGRADECIMENTOS
À Columbia University – in the city of New York, por me receber em
meus estudos de pós-doutoramento, semente que deu origem a esta
obra. Especialmente, agradeço
aos docentes e à comunidade acadêmica da instituição, vocês são
força inestimável para manter viva a fonte intelectual que a
universidade alimenta há séculos. Agradeço também a toda a
comunidade e pro ssionais da universidade, que contribuem como
educadores e eternos alunos em suas bibliotecas, eventos,
seminários, laboratórios, palestras, brown-bags, refeitórios e muito
mais.
Ao Prof. Dr. Albert Fishlow, pela gentileza de, há anos, dedicar seu
tempo e atenção em reuniões sobre meus estudos, durante o
doutorado, e por abrir novamente as portas da Columbia University
para meu pós-doutorado. Como sempre, suas contribuições são fonte
de inovação e sapiência para estudos, que contribuem para as
publicações.
Ao Prof. Dr. José Roberto Securato, por me honrar ao aceitar o convite
de escrever o prefácio desta obra. Agradeço também ao professor por
todos os ensinamentos, inspiração e aprendizado proporcionados ao
longo de todos os anos em que tive o privilégio de tê-lo como
professor e orientador, pela con ança que depositou em mim, pelas
inúmeras oportunidades e portas que me abriu e pelo crescimento
pessoal e pro ssional que me proporcionou ao longo dessa trajetória.
Professor, seus alunos são mais um legado seu para nossa sociedade,
e para mim é uma grande honra poder chamá-lo de Teacher.
Ao meu marido, amor e amigo, Adriano Mussa, agradeço pelas
inestimáveis conversas, sugestões, críticas e discussões e pelos
aprendizados e didática que me
foram transmitidos ao longo de anos, todos absolutamente essenciais
a diversos dos temas abordados neste livro. Agradeço também pelo
amparo emocional, estímulo e motivação constantes, pelo in ndável
carinho e compreensão ao longo da complexa trajetória de equilibrar
família, pro ssão e produção acadêmica. Em tempos atuais de
dissolução de valores, encontrei em você nobre exemplo de marido e
pai para nossa sociedade.
Ao meu pai, Marcos, e ao meu irmão, André, devo especiais
agradecimentos pela ideia de escrever o livro. Ao longo de tantos anos
apoiando análises nanceiras a empresas da família, em determinado
momento, eles me disseram: “Bruna, você deveria escrever um livro
sobre esse tema para empreendedores como nós”. Pois bem, aqui
está.
À minha mãe, Andrea, pelo apoio, pois os últimos anos trouxeram
desa os especiais, derivados do desenrolar da vida pro ssional e
familiar. Não sei como teria passado por tudo sem você. Obrigada pelo
amparo, pela calma e por me prover, junto com o papai, a paz interna
e as re exões necessárias para cada passo meu. Paizinho e mãezinha,
me faltam palavras à altura de meu amor e gratidão. Amo vocês.
Ao Consulado-Geral do Brasil em Nova York pelo convite para dar
palestras, por diversas vezes, em oportunidades inestimáveis
proporcionadas pela nossa Embaixada. Nesse sentido, ressalto aqui
meu apreço e gratidão aos queridos Stella Maris Dallari e Fernando
Sena, cônsul-geral adjunto. Da mesma forma, meus sinceros
agradecimentos à Brazilian-American Chamber of Commerce e seu
diretor executivo, Ted Helms, por todo o apoio e tempo a mim
concedido ao longo desta trajetória.
Ao professor da Columbia University e querido amigo Sydnei
Nakahodo, que me abriu muitas portas ao longo dos anos na
universidade e me introduziu no ecossistema norte-americano de
startups, o que facilitou outras conexões em ecossistemas europeus e
no brasileiro.
À Saint Paul Escola de Negócios, pelo apoio nanceiro ao programa
de pós-doutorado e à construção deste livro. Ressalto minha gratidão
pela relevante parceria pro ssional construída ao longo desses quase
dez anos em que nossas trajetórias se cruzaram, sinto intensa
felicidade e honra de fazer parte da construção da Escola de Negócios,
hoje como sua Deputy Dean. Nesse sentido, especial agradecimento
ao fundador e CEO da Escola, Prof. Dr. José Cláudio Securato, querido
amigo.
Meu profundo agradecimento aos pro ssionais que, de forma tão
pródiga, aceitaram minhas dezenas de convites de entrevistas ao
longo da construção deste livro. Embora sendo tratados em caráter de
anonimato ao longo da obra, conforme combinado, visando a
promover ambiente seguro para que expressassem suas opiniões,
meu muito obrigada a todos os empreendedores, investidores anjo,
instituições de networking e redes de relacionamento do ecossistema,
pro ssionais da indústria de fundos – venture capital, private equity e
family o ces entrevistados –, colaboradores de startups de diversos
níveis e áreas, laboratórios de inovação, espaços de co-working, entre
outros diversos pro ssionais e organizações do ecossistema que
contribuíram para a formação das páginas que seguirão.
Por motivos diversos, algumas pessoas merecem menção especial:
André Losada
Pereira, Rafael Albuquerque, Katherine Corsini, Henrique Zanuzzo,
Lucas Vestri,
Olívia Carneiro e Arthur Cunha, obrigada.
Aos professores, pro ssionais e amigos Rubens Famá, Flávio Kezam
Málaga e Sueli Bonaparte, pelas inspirações, ensinamentos e
aconselhamentos ao longo dos anos. O curso de minha pro ssão e o
acúmulo de conhecimentos foram certamente moldados por
contribuições suas, por isso serei eternamente grata.
À Du & Phelps e especialmente aos queridos Nicolas Ballian e
Alexandre
Pierantoni, exímios pro ssionais, pelo apoio a esta obra e,
especialmente, por promoverem admirável evento de lançamento do
livro para sua comunidade, que conto com convidados relevantes, e,
com isso, fomentando o ecossistema de startups brasileiro e
disseminando conhecimento.
À Saint Paul Editora, especialmente à Nathalia Pinheiro, por toda a
atenção e carinho à construção deste livro, encontrando um belo
equilíbrio entre os desejos da autora e o rigor necessário para a
construção de uma obra técnica e con ável, porém de leitura leve.
À Ana Tereza pela revisão de português, linguagem e citações desta
obra. Não é de hoje que trabalhamos juntas, e é um privilégio para
mim que a Ana me acompanhe ao longo de minhas produções
acadêmicas, com toda sua seriedade e comprometimento.
Aos diversos ambientes de co-working, laboratórios de inovação,
aceleradoras e outras comunidades diversas que abriram suas portas
à divulgação deste livro, meus sinceros agradecimentos.
À minha família e meus caros amigos, pelo carinho e por me
proporcionarem momentos de diversão que tornaram esta jornada
ainda mais agradável. Especialmente aos meus sogros, Luiz e Cleide,
por todo o carinho e compreensão ao longo desta trajetória, além de
todo o apoio nos momentos em que nos ausentamos para seguir com
os estudos, sem vocês jamais seriam possíveis e muito menos tão
felizes estes passos.
A Deus, pela Vida e pela bênção.
PREFÁCIO
O livro da Prof.ª Dra. Bruna Losada é muito interessante, pois tem
características acadêmicas preservadas, e inovações quanto à
didática e ao formato literário de uma obra. O uso não convencional
de termos e a forma construtivista de abordagem dos assuntos
facilitam o aprendizado. O que foi extremamente inteligente para
tratar de algumas questões, segundo suas palavras, tais como:
“O que é e como ser um empreendedor?”
“O que é uma startup e uma PME – Pequena e Média Empresa?”
“A gestão nanceira do dia a dia de uma startup”
“Como conseguir o dinheiro certo, na velocidade certa, na hora certa
e a custo certo para sua startup?”
“Os tipos de funding”
“e o valor da empresa – valuation.”
A professora, a doutora, a pós-doutorada, a autora deste livro é a
Bruna. A Bruna do sorriso de “Bom dia, professor”, com muita alegria
de estar sempre presente em aula e conhecer coisas novas. Foi minha
aluna no mestrado e doutorado da FEA-USP, onde a orientei em ambas
as láureas, com grande mérito.
Neste livro, ela transmite a mesma radiação de alegria, agora de
ensinar coisas novas, numa nova forma de escrever. Ajusta a ciência
com suas devidas de nições e conceitos bem desenvolvidos em uma
área ainda pouco conhecida, que é a das startups, sem perder a
beleza e a apresentação de um estilo agradável e diferente, que fala,
imagino eu, melhor com o per l desses empreendedores.
Bruna alerta para ideias que merecem maior atenção, como:
“Empreendedorismo é um tipo de gestão? Inovação tem método?”
Salienta as relações entre empreendedores e vários tipos de
investidor. Primeiro, de uma forma genérica, dizendo que “todo
dinheiro vem amarrado a uma expectativa”. O que um empreendedor
nunca deve esquecer é em que etapa deve receber
esse dinheiro. Conforme a etapa de entrada do dinheiro, temos, como
explica a
autora, um “bad money ou good money”, ou seja, é crucial saber a
hora e a forma como o dinheiro deve entrar: como capital próprio,
dívida ou sócios.
Expõe questões do ponto de vista do empreendedor para sua
startup. Então, a autora questiona: “Você conhece as regras e tem
contatos para obter funding?” “Conhece alguém, ou conhece alguém
que conhece alguém... (para tal)?”. Apresenta problemas reais para
ser discutidos e deixa o empreendedor diante do dilema de que,
quando acabar sua liquidez, irá dizer: “É a hora do vai ou não vai” da
startup.
A partir do Capítulo 4, a autora coloca o empreendedor diante das
questões nanceiras de uma startup. Chama atenção para o fato de
que, a partir de 2020, há mais dinheiro disponível para investimentos
de risco, visto que as taxas de juros estão cada vez mais baixas em
todo o mundo. Então, as startups passam a ser uma alternativa
importante de diversi cação de investimentos.
Esta é a primeira questão que o empreendedor deve entender:
enquanto para o investidor se trata de investir um pouco de todo seu
dinheiro, ele, empreendedor, está entre a vida e a morte. Então, tem
de estar preparado e entender a linguagem dos investidores,
principalmente dos fundos de venture capital.
A autora coloca muito bem toda essa questão de que o
empreendedor tem de estar pronto para mostrar que a startup possui
uma linha de raciocínio, o que facilita em uma negociação consciente,
que consiste em obter o máximo de dinheiro cedendo o mínimo de
participação, enquanto a contraparte gostaria de oferecer o mínimo de
dinheiro conseguindo o máximo de participação.
O empreendedor tem de estar preparado para entender siglas e
termos tais como: MOIC, TIR, CAC, LTV, churn e muitos outros para
conversar com os grandes investidores.
Tudo isso está muito bem explicado no texto de forma simples e de
maneira que o empreendedor possa trabalhar com elas. Esses
conceitos estão nos Capítulos 5, 6 e 7, nos quais Bruna deixa clara
uma das coisas mais importantes de qualquer negócio: “Receita é
vaidade, lucro é sanidade e caixa é rei”.
Esses três conceitos vão posicionar cada momento da startup até o
ponto de chegar ao valor da empresa, o valuation.
Nesta parte, a autora apresenta os principais métodos de valuation e
principais problemas para sua determinação:
“Qual o valor justo no futuro da empresa”
“Probabilidade de ocorrência desse valor”
“Tempo de espera para que ocorra”
“Questões de outras rodadas de captação de recursos”
“Custo de capital”
Todos esses assuntos são tratados neste livro. Apresentação de
conceitos, de nições e situações práticas a que o empreendedor está
sujeito servem como um guia para essa jornada ao ainda, não muito
conhecido, universo das startups. Acompanha ampla e atual
bibliogra a para que os estudos possam ser completados ou
aprofundados.
Convido os empreendedores e interessados em negócios a lerem
este livro, muito bem escrito e de fácil leitura. Eu o li quase como um
agradável romance.
Parabéns a Bruna Losada e bom proveito aos leitores!
09 E, finalmente... o valuation!
9.1 Conceitos e nomenclaturas essenciais ao valuation de
startups
9.1.1 Cash-in e Cash-out
9.1.2 Pre-money e Post-money valuation
9.2 Valor justo
9.3 O Método VC
9.3.1 Definições relevantes sobre o preço de saída
9.4 Sobre o custo de capital
9.5 Considerações finais
SAIBA MAIS
Apêndices
APÊNDICE 1
APÊNDICE 2
APÊNDICE 3
INTRODUÇÃO
Ao lidar com o ecossistema de startups, é comum depararmos com
algumas falácias, frases de efeito ou, no mínimo, sérias armadilhas,
como:
Meu sonho para este livro é que seja um passo – ainda que tímido –
na propagação de conhecimento a nossos empreendedores e
pro ssionais, apoiando nossa nação na construção de seus negócios,
geração de PIB e emprego e, quem sabe, ajudar um pouco na
construção de um país mais próspero. Das páginas que seguirão,
emana esse sonho.
Desejo a você ótima leitura!
1 Agradecimentos aos professores Rubens Famá e José Roberto Securato, além de Adriano
Mussa.
2 Como sugestão, é muito didático o aprendizado proporcionado pelo lme A grande aposta,
a respeito dessa “bolha”. Indico, caso não o tenham visto.
parte I
INÍCIO: Uma
visão geral sobre
as nanças para
Startups
Quando li essa frase de Kai Fu Lee (epígrafe) pela primeira vez, vou lhe dizer a
verdade: me impressionei. Cá entre nós, temos, sim, motivo para nos
impressionarmos diante das novidades no mundo dos negócios. Quarta revolução
industrial, inovação disruptiva, indústria quatro ponto zero, nova economia,
tecnologiasdisruptivas, inteligência arti cial, blockchain, IoT... e por aí vai.
Vou selecionar uma dessas para começar nossa discussão: nova economia. Esse
termo, tão em evidência na atualidade, refere-se à transição de uma economia
baseada em indústria para outra baseada em serviços. Sim, vivemos a nova
economia – o que não é de hoje, evidências nesse sentido surgiram, desde a
década de 1990, com o episódio das “ponto.com”, por exemplo.
Isso naturalmente não signi ca dizer que não há negócios intensivos em capital
na nova economia (imagine, como exemplo, o caso de startups atuantes em
segmentos com máquinas de alta precisão, tecnologia). Tampouco signi ca dizer
que a inovação é exclusivamente associada a negócios de serviços ou startups.
Negócios da velha economia podem também ser altamente inovadores e se
reinventarem.
É claro que avanços, tanto em termos de ferramentas de gestão – como método
ágil ou lean –, quanto em termos de tecnologias – como inteligência arti cial,
blockchain ou IoT –, vêm, sim, contribuir para todos os negócios. Inclusive, isso
está “borbulhando” nessa nova economia. Porém, como grandes corporações têm
muito a perder com a disrupção de seus mercados, é natural que as maiores
inovações e disrupções sejam lideradas por startups1.
Considerando as novidades de modelos de negócios, ferramentas de gestão e
tecnologias, o que se pode dizer sobre expectativas econômico- nanceiras das
empresas nessa fase? Em termos de expectativas de ganhos dos negócios, pouco
(ou nada!)mudou. Ainda temos negócios baseados nesse valioso recurso – o
capital –, e ele continua esperando sua remuneração, sim, por meio do caixa.
Veja só, isso não quer dizer que estejamos parados no tempo. Recentemente,
começamos a testemunhar fortes discussões sobre o tipo de capitalismo que
vivemos. A que me re ro?
Ao longo do nal do século 19 e início do 202, testemunhamos a emergência da
lógica do capitalismo muito pautada no capitalismo da gestão (managerial
capitalism).
Quando se olhavam as corporações, seu objetivo era gerar riqueza, sim, mas
principalmente pela formação de times de gestão altamente pro ssionais e
capacitados. Os altos executivos seriam, nesse caso, o centro de poder nas
organizações, e os agentes que lideravam os processos decisórios e, portanto,
de niam as orientações do negócio para geração de seu valor.
Na sequência, ao longo do século 20, houve uma transição da ênfase em gestão
para a de maximização da riqueza do acionista, é o capitalismo do acionista
(shareholder capitalism). Nesse caso, o acionista é colocado como centro de
poder e processo decisório nas organizações, e seu objetivo é, em grande medida,
maximizar a riqueza do acionista. Nesse momento, acredita-se que a melhor
empresa seja aquela que maximiza o valor dos investidores em primeiro lugar.
Naturalmente, essa visão pode gerar incentivos um tanto enviesados aos negócios
e até afastar a empresa de questões intangíveis absolutamente relevantes.
Diante de certa insatisfação generalizada, por causa da demasiada ênfase em
riqueza do acionista em detrimento de outros interesses, começamos a ver fortes
pressões para o surgimento de outros pontos de vista. Isso culminou com maior
força no capitalismo dos stakeholders (stakeholders capitalism), ou seja, o
capitalismo de todos os agentes que circundam e têm interesses relacionados ao
negócio. Sob esse ponto de vista, a melhor empresa é aquela que consegue
maximizar o valor para todos os possíveis interessados, como colaboradores,
fornecedores, comunidade, meio ambiente, consumidores, acionistas inclusive,
entre outros.
Em 2020, a ideia (apesar de ter origem em discussões conceituais antigas)
ganhou potentíssimos holofotes com o Manifesto de Davos 2020, assinado por
Klaus Schwab, fundador e executive chairman do Fórum Econômico Mundial. O
tema sustentou as discussões de top executivos de todo o mundo no encontro
mundial da organização e o trecho a seguir sintetiza a macroproposta para
discussões:
• a ideia;
• o time de gestão, a capacidade de execução das ideias;
• o modelo de negócio, a clareza em relação ao funcionamento e processos para
geração de valor e receitas;
• o funding, a capacidade de levantamento de recursos adequados ao objetivo
do negócio;
• o timing – será que o mundo hoje está preparado para o negócio, está na hora,
ou é cedo/tarde demais?
• Por m, o timing: sim, timing também tem relação com nanças! Imagine que
uma startup seja altamente inovadora e está adotando a estratégia de criação de
mercado. Steve Jobs, por exemplo, em inúmeras ocasiões foi considerado genial
por antecipar-se e criar soluções para necessidades que as pessoas ainda não
conheciam conscientemente. No entanto, qual o custo da criação de mercado? O
custo de tempo e de dinheiro? Qual a fonte de recursos apropriada para sustentar
essa criação de mercado, até onde investir – e quando desistir? Imagine, agora, o
caso de uma empresa que está nascendo em um timing diferente: em que o
mercado já está criado, e a demanda já existe. Quão diferente será sua
necessidade de investimentos – em capital expenditures (Capex), investimentos
pré-operacionais e até em capital de giro – e qual adequação ao funding deverá
ser feita? Veja só, até o timing tem tudo a ver com nanças. Então, eu lhe
pergunto: quanto você acha que startups efetivamente pensam a esse respeito a
ponto de colocar, na ponta do lápis, qual o custo do timing de suas ideias?
Vamos deixar uma coisa bem clara: estamos falando de startups, de pequenas
empresas, de organizações sem ns lucrativos, de grandes corporações, em suma,
de qualquer tipo de organização humana, o fato é que nenhuma delas está acima
de boas práticas de gestão. É claro que essas práticas poderão ser adaptadas e
ajustadas às realidades especí cas de cada setor, ao tipo de empresa e ao
tamanho do negócio, mas será necessário fazer sua gestão. Parte disso, envolve
aplicar boas práticas de nanças corporativas no negócio. Digo mais, essas boas
práticas são, de fato, uma importante ferramenta estratégica para análise e
geração de valor.
Acontece que, ao longo de anos lecionando em programas de MBA, MBAs
Executivos, participando de consultorias a empresas no Brasil e nos Estados
Unidos, algo me chamou demasiadamente atenção: quão desassistidos estão
muitos empreendedores em relação a conhecimentos absolutamente essenciais
sobre nanças para seus negócios.
Proponho a você uma busca: tome alguns minutos para pesquisar na internet
“livros que todo empreendedor precisa ler”. Você irá deparar com incontáveis
sugestões de literaturas, inclusive seleções de fontes con áveis que propõem as
leituras essenciais para todo empreendedor. São majoritariamente relacionadas a
estratégia, processo decisório e vieses cognitivos do empreendedor, motivação e
resiliência, criatividade e técnicas e ferramentas voltadas a processos de gestão
inovadora e reinvenção dos negócios, modelos e produtos. Você irá notar que
quase nenhuma das literaturas sugeridas são ferramentas relacionadas a nanças
desses negócios. Muito menos de forma precisa, prática e abrangente de modo a
auxiliar o empreendedor.
Por que será? Eis que, com essa problemática em mente, deparei com a seguinte
de nição de empreendedor proposta por Eric Ries, responsável por inúmeros
estudos de casos:
• necessidade de aprovação;
• necessidade de independência;
• necessidade de desenvolvimento pessoal;
• busca por bem-estar e qualidade de vida / contribuição para a comunidade;
• busca por riqueza (sucesso nanceiro);
• obter benefícios scais ou benefícios indiretos;
• seguir referências de admiração (modelos aspiracionais).
• Donos têm portfólios de investimento não diversi cados. Lembra aquela velha
máxima “Não coloque todos seus ovos em uma mesma cesta”, pois, a nal, se
sua cesta cair, você perderá todos os ovos? No caso de pequenos negócios, os
recursos dos donos estão geralmente investidos em portfólios extremamente
concentrados – ou seja, muito de seu dinheiro (ou todo o capital) está investido
em uma empresa, ou em poucas. Isso faz com que o risco assumido pelo
investidor seja substancialmente mais elevado se comparado com donos de
grandes empresas, o que impacta de forma diferente todo seu processo
decisório.
Essas típicas diferenças entre grandes e pequenas empresas fazem com que
suas nanças sejam, também, um tanto distintas. Permita-me exempli car com
algumas discussões.
Comecemos com a questão do custo de capital. Como mencionado, o acesso e
custo do dinheiro é absolutamente diferente para os dois casos, então como
estimar o chamado custo de capital corretamente para o pequeno negócio? Além
do problema da diversi cação, faltam parâmetros de mercado facilmente
observáveis para quanto se espera ganhar pelo risco de iliquidez de um pequeno
negócio, pelo risco exacerbado de falência, pelo risco potencial de
comprometimento dos recursos pessoais pela empresa (dado que o conceito de
sociedade limitada nem sempre funciona perfeitamente nesses casos). Isso tudo
porque nem mencionamos as questões emocionais de um empreendimento e sua
importância para o empreendedor, o que costuma enviesar as análises das mais
variadas formas.
Além disso, o potencial de geração de resultados de um projeto pode ser
absolutamente impactado por falta de conhecimentos sobre gestão ou times
enxutos,
e seria uma ingenuidade achar que esse não é um problema. Por mais lindo que
seja o projeto no papel, a capacidade de sua execução é um próximo desa o. Não
necessariamente as empresas conseguirão – pelos mais diversos motivos – tirar
todas as ideias do papel da forma esperada e, apesar de esse ser um risco
inerente a qualquer negócio, seus impactos costumam ser mais exacerbados na
pequena empresa. Isso sem contar que o conjunto de recursos de uma grande
empresa (como sua rede preexistente de marketing/distribuição/comunicação)
pode alavancar ganhos de projetos que di cilmente seriam auferidos em
magnitude similar no pequeno negócio.
Além desses fatores, há uma série de outras questões que podem levar o
pequeno empreendedor a estimar de forma equivocada o potencial de geração de
caixa de determinados projetos, como:
(i) incerteza generalizada quanto ao modelo de negócio (para startups em
estágios iniciais, por exemplo) ou ainda carência de boas informações sobre
mercado, concorrência, cadeias produtivas, questões demográ cas, entendimento
sobre o consumidor e demais informações essenciais para estimativa de
demanda, preços, estrutura de gastos e lucratividade;
Outra parte da Teoria de nanças que costuma ser muito diferente entre a
realidade do pequeno versus grande negócio é a decisão sobre estrutura de
capital, ou seja, como a empresa vai se nanciar. A expressiva maioria dos livros
de nanças vai apresentar ao leitor discussões sobre o ponto ótimo da estrutura
de capital e decisões sobre como minimizar o custo médio do capital da empresa.
Toda essa discussão pressupõe que a empresa tem acesso a várias fontes de
recursos, a vários custos e em vários volumes. Além disso, pressupõe preferências
em relação ao risco que não são as mesmas para o pequeno empreendedor versus
grandes empresas. Por sinal, falaremos bastante sobre isso no Capítulo 3.
No pequeno negócio, muitas vezes o dinheiro que se usa é o que se tem como
opção, e, se a empresa tiver três opções, já é uma abundância de oferta! Isso
provavelmente já conta com empréstimos de familiares, amigos e outras fontes
como essas, que podem carregar bons componentes emocionais que causam
trabalho, tomam tempo e potencialmente geram con itos ao empreendedor. Como
tratar a decisão de estrutura de capital nesse cenário?
Ademais, o que fazer quanto à gestão do capital de giro? O dimensionamento da
necessidade de capital de giro pode ser um sério problema para a pequena
empresa, porque, diferentemente da grande, o pequeno negócio precisa, em geral,
antecipar-se muito mais a suas necessidades de investimentos. Isso porque a
carência de linhas de nanciamento de curto prazo acessíveis ao nanciamento
do negócio (a custos razoáveis) di culta lidar com demandas de emergência para
suprir essas necessidades.
É possível encontrar, quando se faz uma árdua pesquisa acadêmica em journals
de empreendedorismo, alguns estudos cujo objetivo é tentar discutir o caso das
pequenas empresas. No entanto, mesmo quando os encontramos – o que
demanda um nível de energia e disposição para leitura de estudos acadêmicos, o
que normalmente foge demasiado do foco do empreendedor –, esses estudos têm
limitada aplicabilidade em mercados em desenvolvimento, como o do Brasil15.
Como se não bastassem todas essas limitações mencionadas, comuns a
quaisquer negócios empreendedores em diferentes regiões do globo, há ainda
mais alguns problemas para países em desenvolvimento. Tomemos o caso
brasileiro a título de exemplo, veja alguns “complicômetros” adicionais para o
pequeno negócio:
Por todos esses motivos, não basta falar de nanças. Temos de falar de nanças
para startups.
• por que a base da discussão sobre valor do negócio ainda permeia sua
capacidade de remuneração do capital;
• como as nanças de grandes empresas e pequenos negócios diferem;
• como pequenas empresas podem ter interesses distintos entre os grupos
batizados de PMEs ou startups.
Não há dúvida de que o domínio das melhores práticas sobre nanças é uma
absoluta vantagem competitiva para o empreendedor. No próximo capítulo,
começaremos a esclarecer, a nal, quais são os conceitos essenciais de nanças
que permeiam a vida das startups e quais são as perguntas de ouro a que o
negócio deve saber responder em cada uma de suas fases.
Essa tarefa passará por adentrarmos em detalhes o ciclo de vida e os três pilares
das nanças estratégias de startups: funding, gestão nanceira do dia a dia e
valuation.
SAIBA MAIS
Caso queira saber mais sobre os assuntos expostos neste capítulo, sugirimos as seguintes
leituras:
1Essas ideias foram enfaticamente propostas pelo professor Clayton Christensen e todas as suas teorias. Para
mais aprofundamentos, sugere-se a leitura de suas obras, em especial O dilema da inovação.
2CHANDLER JR., Alfred D. The emergence of managerial capitalism. The Business History Review, v. 58, n. 4, p.
473-503, Winter, 1984.
3 SCHWAB, Klaus. Davos Manifesto 2020: The universal purpose of a company in the Fourth Industrial
Revolution. World Economic Forum, 02 de dezembro de 2019. Disponível em:
<https://www.weforum.org/agenda/2019/12/davos-manifesto-2020-the-universal-purpose-of-a-company-in-
the-fourth-industrial-revolution.> Acesso em: 23 de fevereiro de 2020.
4 DENNING, Steve. Why stakeholder capitalism will fail. Forbes. Jan, 2020. Disponível em:
<https://www.forbes.com/sites/stevedenning/2020/01/05/why-stakeholder-capitalism-will-fail/#3022c85e785a.> Acesso em: 23 de fevereiro
de 2020.
5 DENNING, Steve. The triumph of customer capitalism. Forbes. Jan, 2020. Disponível em:
<https://www.forbes.com/sites/stevedenning/2020/01/10/the-triumph-of-customer-capitalism/#1c91caaa4fb7.> Acesso em: 23 de fevereiro
de 2020.
6 O initial public o ering (IPO) refere-se à oferta pública de ações, em que o negócio capta recursos
publicamente, disponibilizando suas ações para que os agentes em geral (nós, por exemplo) possam tornar-
se parte dos investidores acionistas do negócio.
7 BbWorld Julho, 2017 Keynote Speech – Dra Mae Jemison. Orlando, Florida.
8 RIES, Eric. The lean startup. New York: Crown Business, 2011.
9 Texto original: Entrepreneurship is a kind of management. No, you didn’t read that wrong. We have wildly divergent associations with these
two words, entrepreneurship and management. Lately, it seems that one is cool, innovative, and exciting and the other is dull, serious and
bland. It is time to look past these preconceptions.
10 GROSS, Bill. The single biggest reason why startups succeed. Idea to Value, 2017. Disponível em:
<https://www.ideatovalue.com/inno/nickskillicorn/2017/05/single-biggest-reason-startups-succeed/>.
Acesso em: 27 de fevereiro de 2020.
11 Boa parte dos conceitos abordados aqui merecem seu crédito a Steve Blank, precursor de ideias essenciais
do método startup enxuta e têm inspiração em entrevista com ele. BLANK, Steve. Are all startups small
businesses? You Tube, 2016. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=CIA9ikESXYI. > Acesso em:
27 de fevereiro de 2020.
12 BIRLEY, Sue; WESTHEAD, Paul. A taxonomy of business start-up reasons and their impact on rm growth and size. Journal of Business
Venture, v. 9, n. 1, p. 7-31, January, 1994. No idioma original, os fatores eram: i) need for approval, ii) need for independence, iii) need for
personal development,
iv) welfare considerations, v) perceived instrumentality of wealth, vi) tax reduction and indirect bene ts, vii)
follow role models.
13 ANG, James S. Small business uniqueness and the theory of nancial management. The Journal of
Entrepreneurial Finance, v. 1, n. 1, p. 11-13, Spring 1991.
14 WORLD BANK FORUM. The Global Competitiveness Report 2018. Brazil. Disponível em:
<http://reports.weforum.org/global-competitiveness-report-2018/country-economy-pro les/#economy=BRA.>
Acesso em:27 de fevereiro de 2020.
15 Por exemplo, Chen, Miao e Wang desenvolvem um modelo de tomada de decisão do pequeno negócio no
uso da dívida e chegam à conclusão de que, para minimizar o risco de concentração de investimentos do
empreendedor, os negócios tendem a maximizar muito o uso de dívida com terceiros, ainda que seja dívida
de alto risco e custo. No entanto, o modelo pressupõe que, antes de mais nada, exista acesso a crédito pela
pequena empresa (o que não é verdade no caso brasileiro, por exemplo) e assume bom funcionamento da
responsabilidade limitada do sócio no caso de falência (indicando que o custo da falência empresarial não
poderia “respingar” na pessoa física do sócio). Todos sabemos que, no caso brasileiro, isso também é uma
premissa demasiado forte e não verdadeira.
CHEN, Hui; MIAO, Jianjun; WANG, Neng. Entrepreneurial nance and nondiversi able risk. The Review of
Financial Studies, v. 23, n.12, p. 4348-4388, December 2010.
No início de 2019, recebi um convite para dar uma palestra em um evento sobre
inovação aberta e empreendedorismo no Brasil. Como pode imaginar, o tema
da palestra foi Finanças para Startups.
Foi a primeira ocasião em que organizei os conceitos essenciais sobre
nanças para startups em três grandes grupos de conhecimentos (Figura 2.1):
funding, gestão nanceira e o dia a dia e questões relacionadas a valuation e
criação de valor.
“Quais são suas maiores dores como empreendedor, quando o assunto são
nanças? ”
É natural que líderes dos negócios e empreendedores tenham uma intuição sobre diversas dessas
perguntas. De fato, a intuição do empreendedor e das startups pode, sim, sugerir respostas para essas
perguntas. Em alguns casos, é uma boa (ou até ótima!) intuição. Mas será su ciente?
Acontece que, para negócios, contar unicamente com a intuição pode ser fatal
ou, no mínimo, arriscado. Ter respostas a essas perguntas que sejam
cuidadosamente apuradas, pensadas e testadas é um grande diferencial para o
sucesso do negócio. Ao aplicar esses conhecimentos, a startup encontrará uma
verdadeira ferramenta estratégica que permitirá re etir sobre modelos de
negócios, sustentar negociações com investidores, tomar decisões de todo tipo
de forma orientada à maximização do valor da empresa.
Assim, que tal discutirmos cada um desses grupos de perguntas para ilustrar
em detalhes seu potencial? Perfeito, vamos lá.
(i) descoberta de algum princípio / fórmula / tecnologia / etc., que possa ter
valor comercializável;
(iii) testes clínicos, geralmente já envolvendo testes com seres humanos, com
várias subdivisões de etapas a depender do que a empresa almeja fazer – ao
nal desta etapa, caso haja autorização regulatória necessária, é aqui, então,
que se conseguem as devidas aprovações, como Anvisa/FDA entre outros;
Assim como esta adaptação, diversas outras poderiam ser feitas ao uxo
inicial sugerido, a depender de qual é o negócio da empresa. Por exemplo, no
agronegócio, é comum que esses estágios envolvam tempos adicionais e
questões intermediárias relacionadas a safras, cultivos de culturas, gestações
ou crescimento de animais, entre outros. No caso de desenvolvimento de
tecnologias pesadas ou so sticadas, a mesma coisa: pode haver longos (e em
alguns casos, caros) períodos de pesquisa e desenvolvimento para construção
de protótipos e aprovações necessárias até que efetivamente se tenha algo que
poderá gerar receitas. Para esse tipo de negócios, geralmente as etapas 2 e 3
cam um tanto subdivididas em fases intermediárias.
Para ns deste livro, no entanto, considera-se que aquela estrutura de cinco
fases é apropriada à de aplicação dos macroconceitos de nanças que afetam,
em maior ou menor grau, qualquer tipo de organização.
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Figura 2.4: O tripé decisório na escolha do funding correto para o estágio da startup.
Fonte: desenvolvida pela autora.
Uma resposta automática poderia ser “o uxo três”. Sim, pois ele retrata
muito bem o típico formato de caixa de uma startup exponencial. É possível
perceber, nesse uxo, três movimentos importantes de uma startup:
Mas e quanto aos outros uxos? Não poderiam pertencer também a uma
startup? Vamos nos voltar agora ao quinto uxo.
Ele é bastante negativo, de nitivamente não é o que o empreendedor
sonhava ao iniciar uma startup, porém não podemos esquecer: a taxa de
mortalidade de startups é deveras elevada. Como seria o uxo de caixa de um
dos casos que não obtém sucesso? Em realidade, a maior parte deles seria
provavelmente algo como o quinto uxo de caixa.
Note que, em nenhum momento, na pergunta, foi indicado que buscávamos o
caso do uxo de caixa de uma startup de sucesso. Somos tipicamente
enviesados pela história que queremos enxergar (chamamos isso de
dissonância cognitiva), normalmente, buscamos a resposta que irá con rmar e
reforçar um pré-conceito que já temos em mente. Além disso, somos também
in uenciados pelo viés de sobrevivência: pouco se fala e se escreve sobre os
casos que “dão errado”. Chegam a nós, em grande volume, os casos de
sucesso de startups e eles se parecem com o uxo 3 – e não com o 5!
Por m, vamos discutir um pouco os casos dos uxos 1, 2 e 4. O uxo 1 é um
pouco “bonitinho” demais, muito parecido com um projeto de baixo nível de
risco, maior previsibilidade. Assemelha-se bastante inclusive com aquele que
livros de nanças introdutórios apresentam para explicar conceitos, como
avaliação de projetos – Taxa Interna de Retorno (TIR), valor presente líquido
(VPL) ou payback. Às vezes, deparamos com essa “belezinha” na vida real, mas
normalmente não é o caso do empreendedor em uma startup com alto nível de
incerteza.
O uxo 2 e o 4 merecem um comentário especial: eles não têm as
características típicas que nos remetem a uma startup – como as três etapas
mencionadas anteriormente em relação ao uxo 3 – (i) investimentos menores
no início e MVPs, (ii) gastos maiores para sustentar expansão e (iii) crescimento
exponencial. No entanto, os uxos 2 e 4 poderiam perfeitamente ser um recorte
pequeno de tempo na vida de uma startup!
Jamais podemos nos esquecer de que uma startup não deixa de ser uma
empresa. Como qualquer empresa, seus uxos de caixa no curto prazo (e às
vezes médio prazo) podem se comportar de forma muito similar aos uxos 2 e
4. Ademais, os conhecimentos essenciais sobre gestão nanceira – como
formação de preços, dimensionamento e nanciamento do investimento em
capital de giro etc. – são essenciais para gerenciar o dia a dia do negócio.
Um importante take-away dessa discussão é: todos sabemos que o sonho em
uma startup de sucesso se pareceria com o uxo 3 (crescendo
inde nidamente). Mas jamais podemos cair na armadilha de desconsiderar as
outras possibilidades de menor sucesso (como o uxo 5) ou de esquecer que a
startup não deixa de ser uma empresa (como os uxos 2 e 4), que precisa de
boas práticas de gestão no negócio, inclusive das nanças corporativas
estratégicas, aplicadas a suas especi cidades.
Há um estudo empírico, desenvolvido por CBINSIGHTS6, analisou startups que
fracassaram e seus motivos. O que chama atenção demasiadamente é a
importância de questões nanceiras como parte desse fracasso: no total,
questões nanceiras são responsáveis por 55% dos casos de fracasso nas
startups.
Tão gritante evidência quase que dispensa mais justi cativas de por que os
conceitos de nanças corporativas são absolutamente essenciais às startups...
Não acha? Os três fatores relacionados às nanças que acumulam 55% dos
fracassos são:
Você irá notar que essas perguntas são a base nanceira de todo o negócio
da startup. Não é necessário que empreendedores se tornem chief financial
o cer (CFO), especialista em nanças, mas é muito complicado esperar que
uma boa estratégia em startup seja traçada e executada sem que se saiba, pelo
menos, um conceito nanceiro, como margem de contribuição. Acredite,
qualquer minuto que você investir para compreender os conceitos de nanças,
voltará exponencialmente como sucesso para seu empreendimento! Essa
característica é estratégica para empreendedores, assim como para todos os
pro ssionais-chave e líderes de times em startups, ou entusiastas do
ecossistema em geral.
Se zermos a seguinte a rmação “Você deveria vender algo por um preço
mais alto do que lhe custou”, você provavelmente dará risada e achará isso
absolutamente óbvio. Concorda? Pois é. Acontece que, se o negócio não zer
uma cuidadosa conta sobre a sua margem de contribuição, há consideráveis
chances de que, na verdade, esteja falhando em conseguir vender mais caro do
que custou, mesmo considerando o crescimento em volume, no futuro.
Outro problema é que quase todo livro de nanças começa explicando
conceitos contábeis relacionados às demonstrações nanceiras, balanço
patrimonial e demonstração de resultados do exercício. Isso já costuma
desanimar boa parte de startups e seus pro ssionais... A nal, o negócio mal
tem contabilidade formal muitas vezes, que dirá em tempo hábil para ser um
instrumento de tomada de decisões! Certamente, a contabilidade poderá
auxiliar você a responder às perguntas de ouro do dia a dia, mas a parte
maravilhosa dessas questões é que não necessariamente você precisa de uma
boa contabilidade para responder a elas! Pelo contrário! Uma planilha bem
feita no Microsoft Excel certamente alcançará perfeita e ciência em oferecer
essas respostas. Inclusive, não há de ser com a so sticação de macros ou mil
linhas. Menos é mais: simpli quemos os estudos, mas não deixemos de
conduzi-los.
Por m, vamos supor que tenhamos a feliz constatação de que o negócio está
indo bem o su ciente e queremos agora saber: “Qual é o valor da minha
startup”? Chegamos aqui ao terceiro grupo de conhecimentos nanceiros
essenciais.
Quando o assunto é valuation, para qualquer dos ns que uma startup possa
querer estimá-lo, é absolutamente importante pensar um pouquinho no valor
justo das coisas. Nesse sentido, a teoria incialmente proposta por Keynes7 em
1936, em seu estudo Keynesian beauty contest, pode ser considerada, até os
dias atuais, brilhante. Pode-se inclusive argumentar que é o possível berço das
discussões sobre nanças comportamentais. A pesquisa proposta por Keynes
envolveu um experimento, em que pessoas racionais deveriam reagir à
seguinte proposta: em uma competição ctícia, o agente deveria escolher os
seis rostos mais bonitos entre mais de cem fotogra as de faces que lhe fossem
apresentadas. Quem escolhesse as faces mais populares poderia ser premiado.
Veja só: um agente menos racional cairia na armadilha de escolher aquelas
faces que lhe parecessem mais belas. Acontece que a opinião individual sobre
a beleza não é importante nessa competição: o que importa é se o agente será
capaz de acertar quais faces serão consideradas pelos outros como as mais
belas, ou seja, “o que os outros pensam?”. Ademais, é ainda possível levar isso
ao extremo: “o que os outros pensam que os outros pensam?”!
No que se refere a sua startup, essa discussão de Keynes não é menos
importante, mesmo mais de 80 anos após sua formulação. (Uma curiosidade:
você sabia que Keynes foi um grande investidor, de muito sucesso no mercado
nanceiro? Pois é, isso atribui ainda mais força a suas observações sobre valor,
não acha?) Se seu objetivo é vender o negócio, conseguir investidores ou obter
ganhos econômico- nanceiros com a startup, então não importa muito, para
ns de apuração do valor, qual é a opinião do empreendedor sobre seu valor
justo. O que importa, na verdade, é se os outros concordarão sobre sua
proposta de valor o su ciente para transformar essa fé em um real investimento
no negócio, ou seja, em dinheiro. Caso uma startup não consiga convencer
ninguém sobre seu valor justo, será que ele, de verdade, existe?
SAIBA MAIS
Além dos itens que indicamos no Capítulo 1, sugerimos mais algumas
leituras:
1 AICPA. Accounting and valuation guide: Valuation of portfolio company investments of venture capital
and private equity funds and other investment companies. Estados Unidos, Durham: Wiley, 2019. p. 14.
2 Frase original de Clayton Christensen: “There is such thing as ‘good money’ and ‘bad” money’”. Curso
online de Harvard, intitulado HBX. Acesso em 2018.
3 CREMADES, Alejandro. The art of startup fundraising: Pitching investors, negotiating the deal, and
everything else entrepreneurs need to know. New Jersey: Wiley, 2016.
4 HARROCH, Richard. 65 questions venture capitalists will ask startups. Forbes, June 2013.
5 EVANGELISTA, Viviane. 45% dos microempreendedores sentem di culdades em controlar a saúde
nanceira dos negócios, revela pesquisa da Serasa. Serasa Experian, 28 de janeiro de 2019. Disponível
em: <https://www.serasaexperian.com.br/sala-de-imprensa/45-dos-microempreendedores-sentem-
di culdades-em-controlar-a-saude- nanceira-dos-negocios-revela-pesquisa-da-serasa.> Acesso em: 28 de
janeiro de 2019.
6 THE top 20 reasons startups fail. CBINSIGHTS, 06 de novembro de 2019. Disponível em:
<https://www.cbinsights.com/research/startup-failure-reasons-top/.> Acesso em: 23 de fevereiro de 2018.
7 KEYNES, John Maynard. The General Theory of Employment, Interest and Money. New York: Harcourt
Brace and Co., 1936.
PARTE II
FUNDING : como
sustentar seus
próximos passos
Vamos a uma constatação, sem meias palavras: startups que estão
“por dentro” das regras (formais e informais) do jogo de nanciamento
à inovação têm absoluta vantagem em conseguir nanciamento em
relação àqueles que desconhecem o funcionamento e mecanismos
desse funding. O problema é que, em ecossistemas mais jovens, há
considerável carência de informações sobre esse funcionamento – o
conhecimento ainda é pouco disseminado, e os contatos – o bom e
velho networking –, também.
Quando nos referimos a “por dentro do jogo”, não se trata de
nenhuma malandragem antiética, mas do puro conhecimento sobre
como funciona o nanciamento à inovação, as possíveis estratégias de
captação de recursos com capital de risco, os interesses, os benefícios
e riscos de cada canal de nanciamento disponível a startups. Isso é
uma realidade não apenas em ecossistemas relativamente jovens
(como o caso brasileiro), mas também em economias maduras, haja
vista a grande quantidade de livros e artigos disponíveis sobre o tema.
De todo modo certamente, para o caso brasileiro isso é ainda mais
latente do que em economias maduras. Por quê? Bom, por diversos
motivos. Veja, a seguir, alguns dos que mais chamam a atenção.
• benefício scal da dívida (lucro real): caso você não conheça este
conceito, leia o tópico, a seguir, que detalha seu signi cado e
importância para startups.
Sobre o benefício scal da dívida
Para empresas que se enquadram no regime tributário de lucro
real, o imposto sobre a renda (no Brasil, Imposto de Renda de
Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido
(CSLL), por exemplo) incide sobre o real lucro gerado pela
empresa. Para outros regimes, como o lucro presumido ou
simples nacional, por exemplo, os impostos de renda incidem
diretamente sobre as receitas dessa empresa. Logo, nestes
últimos casos, ela pagará imposto de renda tendo lucro ou não.
De forma simpli cada, o benefício scal da dívida (aplicável no
caso de lucro real) acontece quando os juros dos empréstimos
são deduzidos da base de cálculo dos lucros que gerarão os
impostos sobre a renda. Dessa forma, por pagar juros, a empresa
poderá economizar um pouco de imposto de renda em relação
ao que pagaria se não tivesse empréstimos.
Acontece que, para startups em seus estágios iniciais de vida,
é comum que o negócio faça uso de algum tipo de regime
simpli cado, que não o lucro real, em razão de sua maior
burocracia e necessidade de controles, de que, por vezes,
negócios menores carecem. Se for esse seu caso, então
desconsidere esse benefício scal da dívida.
DICA
Quer saber mais sobre as linhas de financiamento com
subsídios disponíveis para seu negócio? Dê uma olhada no
Guia da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial
(ABDI).
Esse Guia de Instrumentos de Apoio ao Desenvolvimento
Produtivo conta com um belíssimo conjunto de informações
disponíveis sobre programas de incentivo fiscal e outros, linhas
de financiamento subsidiadas de apoio à inovação e outros,
apoio técnico, comercial à exportação e importação, entre
inúmeros outros.
Ao entrar no Guia, você será convidado a preencher detalhes
sobre o setor de atuação de sua empresa, tipos de auxílio que
você busca, localização de atuação e áreas de interesse, entre
diversos outros requisitos.
Após o preenchimento, é possível verificar quais linhas e
programas têm relação com sua busca e necessidade.
Segundo o Ministério da Economia, o Guia contém
“informações resumidas sobre as diversas linhas de
financiamento e fomento oferecidas pelas instituições de
governo federal e que estão atualmente disponíveis para as
empresas inovadoras. Esta tabela é uma tentativa de
relacionar as diferentes linhas e os estágios de
desenvolvimento científico-tecnológico nas empresas
brasileiras”.
Apesar dessa dica, é importante pesquisar, a qualquer
momento do tempo, quais são as iniciativas de fomento à
inovação disponíveis para startups. No caso brasileiro, é
comum vir à mente canais, como o Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social BNDES (com diversas
linhas), a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), bancos
estaduais e regionais de fomento diversos, entre outros. Para
não correr o risco de propormos diversos canais perecíveis e
deixar de lado novas iniciativas relevantes que possam surgir
no futuro, inclusive no curto prazo, sugerimos, então, que
busque analisar quais alternativas correntes estão mais
acessíveis para financiar inovação nos negócios. Novas linhas
surgem constantemente aos negócios, especialmente diante
dos baixos novos patamares de juros básicos em nossa
economia, então vale ficar alerta e buscar saber se isso irá se
reverter em linhas de fomento mais atrativas para nossas
startups.
3.2.3 Crowdfunding
O item crowdfunding está posicionado entre as dívidas onerosas e o
equity propositadamente. Se você recorrer a de nições mais genéricas
sobre o tema, essa categoria de nanciamento seria tipicamente
associada a investidores do tipo equity.
Na prática, no entanto, surgem diversas modalidades de crowdfunding
mais próximas do comportamento de dívidas.
Em um extremo, é até possível identi car crowdfunding em
programas de doações coletivas. Não por coincidência, no Brasil,
surgiu um termo popular para se referir a alguns tipos de crowdfunding
como vaquinha coletiva – termo que não me agrada muito, pois pode
remeter a algo “pequeno”, mas falaremos mais sobre isso em breve.
Como de nição geral, o crowdfunding diz respeito a uma forma de
captação participativa ( nanciamento coletivo) disponível a empresas
de pequeno porte, geralmente por meio de plataformas eletrônicas,
que dispensam diversas exigências de registro e burocracias típicas de
outras captações de maior volume.
A melhor de nição do termo com que já deparei foi a seguinte: “[o
crowdfunding
pode ser entendido como a arte de] levantar quantidade relativamente
baixa de recursos vindos de uma quantidade relativamente alta de
pessoas, através da internet, para nanciar uma causa, um projeto,
uma empresa ou um objetivo”. Essa de nição, do professor Ethan
Mollick9, da The Wharton School, indica que não há uma referência
exata ao tipo de instrumento utilizado para essa captação coletiva. Por
sinal, deixo aqui efusivos agradecimentos ao professor Ethan Mollick
pela admirável didática e organização dos conteúdos, sem os quais
certamente este item teria outros formatos. Os conceitos gerais
apresentados a seguir foram inspirados em seus ensinamentos. Para
quem quiser mais detalhes sobre o tema, sugiro com entusiasmo que
visite conteúdos de sua autoria.
Crowdfunding
(i) Equity
(ii) Baseado em prêmios (reward-based)
(iii) Empréstimos peer-to-peer (entre pares)
(iv) Doações/caridade/correlatos
DICA
Existem no ecossistema “redes de anjos”. Busque identificar
algumas e aproximar-se delas, desenvolvendo networking na
comunidade. Com isso, você poderá encontrar alguns anjos
cujos objetivos estejam mais alinhados com os de sua startup.
Associar-se a esses anjos com interesses comuns aos seus
pode ser um bom diferencial.
FIQUE ATENTO!
É comum startups estruturarem suas captações com VCs em
rodadas de investimentos, que normalmente são associadas a
milestones a serem atingidos. É preciso ter atenção, pois cada
nova rodada indica uma oportunidade de os investidores
reavaliarem seu interesse em continuar – ou não – investindo
no negócio. À startup, cabe ficar atenta a essa característica,
porque é sempre possível a decisão de o investidor não
continuar investindo. Se essa notícia vier como uma
supernovidade ao empreendedor, especialmente quando a
startup estiver com o “pé afundado no acelerador” em
processo de crescimento, uma repentina seca em
financiamento pode ser arriscada ao negócio. Sugere-se,
portanto, ter sempre cautela na velocidade de crescimento,
evitando dar passos maiores do que a perna a cada nova
rodada de funding. Isso é especialmente válido para o caso de
ecossistemas mais jovens, em que o financiamento à inovação
está menos maduro, logo trocar um investidor relevante por
outro é tarefa mais desafiadora e possivelmente mais lenta.
SAIBA MAIS
1 RECEITA FEDERAL. Ministério da Fazenda. Taxa de juros Selic [S.I.] [2020]
2 RECEITA FEDERAL. Ministério da Fazenda. Taxa de juros Selic [S.I.] [2020]
3 FENN, Goerge W.; LIANG, Nellie; PROWSE, Stephen. The economics of the private equity
market. Board of Governors of the Federal Reserve System. Washington, DC. December, 1995.
Tradução nossa de: “Another important factor slowing venture capital investment, according to
industry participants, was a shortage of qualified entrepreneurs to run start-up companies”.
4 ROMANS, Andrew. The entrepreneurial bible to venture capital: inside secrets from the leaders in the startup game. New
York: McGraw-Hill Education, 2013.
5 AZEVEDO, Mary Ann. With Brazil leading the way, VC investment in Latin America has more
than doubled. Crunchbase News, 01 jun. 2018.
6 PITCHBOOK-NVCA. Venture Monitor,2020.
7 Conforme histórico da empresa, disponível em:
<https://group.softbank/en/corp/about/history/.>
Acesso em: 04 de fevereiro de 2020.
8 Conteúdo disponível em: <https://visionfund.com/.> Acesso em: 04 de fevereiro de 2020.
9 MOLLICK, E. Crowdfunding. Coursera. Disponível em:
<https://www.coursera.org/learn/wharton-crowdfunding/lecture/6x71x/what-why-and-
how>. Acesso em: 12 de fev. de 2020.
10 CVM. Disponível em: <http://www.cvm.gov.br/noticias/arquivos/2017/20170713-2.html.>
Acesso em: 12 de fevereiro de 2020.
11 AICPA. Accounting and valuation guide: Valuation of portfolio company investments of
venture capital and private equity funds and other investment companies. USA: American
Institute of Certi ed Public Accountants, 2019.
12 DOWNEY, Sarah A. The real reasons why a VC passed on your startup. Entrepreneur’s
Handbook, 10 de setembro de 2018. Disponível em: <https://entrepreneurshandbook.co/the-
real-reasons-why-a-vc-passed-on-your-startup-917c30103ecb.> Acesso em: 12 de fevereiro de
2020.
13 CHEN, Hui; MIAO, Jianjun; WANG, Neng. Entrepreneurial nance and nondiversi able risk.
The Review of Financial Studies, v. 23, n. 12, p. 4348-4388, Dezembro de 2010.
14 WANG, Chong; WANG, Neng; YANG, Jinqiang. A uni ed model of entrepreneurship dynamics.
Journal of Financial Economics, v. 106, p. 1-23, 2012.
15 Para saber mais, sugere-se aprofundamento em teorias propostas por Kahneman e Tversky.
Especialmente, a leitura da obra de Kahneman intitulada Rápido e devagar Fast and slow, no
original).
16 WORLD BANK FORUM. The Global Competitiveness Report 2018. Brazil. Disponível em:
<http://reports.weforum.org/global-competitiveness-report-2018/country-economy-
pro les/#economy=BRA.> Acesso em: 17 de março de 2020.
17 Op. cit.
Suponhamos que você tenha re etido sobre as opções de recursos às startups
mencionadas no capítulo anterior – bootstrapping (dinheiro próprio), dívida com
terceiros (dívida onerosa) ou investidores (equity) – e tenha chegado à conclusão
de que a última opção é a melhor para seu estágio. Muito bem, vamos, então,
recorrer a investidores. Ok, e agora?
Essa alternativa passa por diversos tipos de canal para captação, desde recorrer
a investidores anjos (angels) ou redes estruturadas de captação múltipla de
anjos, crowdfunding, fundos de capital de risco com maior ênfase em startups em
seus estágios iniciais de vida, como é o caso de fundos de venture capital (VC),
chegando a family o ces, fundos de private equity (PE) e até mesmo hedge funds
e estruturas que, geralmente, têm apetite por maiores volumes e startups em
rodadas mais avançadas de captação.
Neste capítulo, trataremos das nuances relacionadas aos interesses dos fundos
de VC. Por que tratar desse tema? Faz muita diferença, para o empreendedor,
abordar esses investidores, compreendendo um pouco sobre o interesse do outro
lado da mesa. O que eles querem? Em quanto tempo? O que buscam ao analisar
uma startup e por quê? O que signi ca ser uma startup dentrodo portfólio do
fundo? Qual é a relevância de seu estágio de vida para esse investidor?
Atrevo-me a dizer que há mais abundância – pelo menos nos últimos anos, e
estou falando aqui por volta de 2020 – de liquidez disponível no mercado para
investir em startups do que startups promissoras que consigam absorver esse
volume tão grande e tão rápido. Não à toa, entre 2018 e 2019, houve uma
signi cativa subida nos valuations de startups em negociações, conforme dados
disponíveis sobre a indústria de VCs já discutida em capítulos anteriores.
Isso em si já sugere com quem está (ou deveria estar) o poder nas negociações,
não acha? Sim, com os empreendedores e com seus negócios – desde que
promissores, naturalmente. Isso se refere ao poder da chamada economia real1,
que sustenta, por consequência, toda uma pirâmide de instrumentos nanceiros
e derivativos que têm por base seu valor – sua geração potencial de caixa.
Ocorre que, no dia a dia dos negócios, normalmente não é bem essa a
sensação. Isso acontece em razão de alguns fatores, como: (i) forte necessidade
de caixa das empresas (pressão nanceira), (ii) cronômetro que pressiona a
startup a viabilizar o modelo de negócio (pressão de tempo para provar um
conceito), (iii) envolvimento pessoal que temos com nossas startups (pressão
emocional, reputacional e outras). Como consequência, é muito comum que o
poder nas negociações se trans ra para as mãos dos investidores, mesmo diante
de negócios muito promissores.
Sendo assim, compreender os interesses e as expectativas do capital auxilia
sobremaneira a startup a construir uma linha de raciocínio que facilite “dar
negócio”, em uma negociação consciente (e, se é que se pode colocar dessa
forma, mais justa) para todos os lados da mesa. Coloco o termo “justa” entre
aspas, pois esse conceito é um tanto relativo quando se trata dessas discussões
em especial, pois envolve atribuição de valor a coisas tangíveis e intangíveis.
Pense um segundo no seguinte: há diversos centros de inovação no mundo.
Poderíamos mencionar Vale do Silício, Nova Iorque, Londres, Tel Aviv, entre
outros. Isso signi ca que outras regiões, além desses centros, não tenham boas
ideias ou empreendedorismo? Naturalmente, não. Muitas vezes, um mesmo
negócio, que brotou com força e gerou muito valor em um desses centros, talvez
não obtivesse a mesma sorte se tivesse surgindo em outro lugar. Por quê? Entre
diversos motivos, o tal do ecossistema.
Esses ecossistemas são formados não apenas por um conjunto de pessoas e
players que giram em torno da inovação – como empreendedores, investidores
(fundos de VC, PE, anjos, crowdfunding etc.), mentores, startups em estágios
diversos, universidades, hubs de inovação, aceleradoras e incubadoras, grandes
corporações nanciando e incentivando o ecossistema, centros de pesquisa,
prestadores de serviços gerais, entre outros –, mas também por informação
amplamente disponível sobre seu funcionamento.
O mundo de startups divide-se em duas partes: aquela dos participantes que
têm conhecimento e acesso a esse ecossistema, e aquela parte dos que carecem
de conhecimento e/ou acesso. Por vezes, deparei com startups que poderiam ter
acesso (por estarem localizadas em regiões de ecossistema privilegiado, por
exemplo), mas que não detinham conhecimento sobre os meandros do
ecossistema, de forma que não usufruíam de todos seus benefícios potenciais.
Há também o caso daquelas startups que até têm conhecimento de sua
existência e funcionamento, porém não conseguem um acesso real a seus
recursos – por custo, distância, networking que indique e ateste sua reputação,
além de outros motivos diversos.
Nosso objetivo é esclarecer o essencial sobre o funcionamento do modelo
mental dos VCs. A ideia é auxiliar a startup a estruturar um storytelling em seus
pitchs e negociações que seja goal-oriented, de forma a atrair smart money para
seus deals. Uau! O tanto de palavras em inglês nesta última frase foi até
incômodo, não é? Exato! Mas compreender a dinâmica desse investidor é uma
das coisas que permitem subir o nível do jogo de sua startup. Isso envolve
compreender seu modo de pensar e até mesmo seus jargões!
Assim, já sabemos que recorrer a investidores provavelmente irá terminar em
algum tipo de negociação que envolve: receber dinheiro versus entregar direitos
sobre o negócio. Isso geralmente envolve entregar alguma magnitude de
participação na empresa. A lógica em si é muito básica, veja a Figura 4.1, a seguir.
Figura 4.1: Interesses dos atuais acionistas versus novos investidores.
Fonte: desenvolvida pela autora.
Viu o problema?
O equilíbrio entre essas partes passa invariavelmente por tentar responder a
uma pergunta, um tanto complexa: quanto vale esse negócio... hoje? Para
contornar nuances e diferentes pontos de vista nesse debate de valores e
participações, é natural que as negociações entrem em outras esferas
relacionadas aos direitos e deveres de cada parte, matizes tipicamente discutidas
em acordos de acionistas. Além de serem discussões-chave para o processo de
negociação, podem trazer inúmeros detalhes e complexidades ao quadro de
acionistas, inclusive com consideráveis implicações para ns de avaliação
(valuation) do negócio. Esses acordos podem envolver diferentes classes de
ações, deveres, direitos e preferências sobre uxos de caixa, prêmios de
remuneração, opções de compra/venda, e por aí vai, chegando potencialmente a
um elevado grau de complexidade. Tratar dessas visões foge ao objetivo deste
livro, mas cabe o ponto de atenção para que a startup atente a essas
especi cidades e busque contar com apoio jurídico para a construção de
instrumentos e acordos de acionistas em geral.
No nal do dia, há uma palavra de ordem: razoabilidade. Para que bons
negócios sejam feitos, é imprescindível que haja, dos dois lados dessa mesa, boa
dose de razoabilidade. Podemos falar muito em fair value, ou valor justo, e sobre
isso discutiremos com maior profundidade nos capítulos de valuation. No
entanto, verdade seja dita, a depender do estágio de vida da startup,
especialmente em fases mais iniciais, quando não há ainda nem sequer produto
bem delimitado, clareza sobre modelo de negócio ou receitas representativas, o
equilíbrio entre esses lados acaba sendo extremamente pautado em negociações
e circunstâncias, muito mais do que em métodos de valuation clássicos.
Para car mais “bonito”, diz-se que, nessa hora, a avaliação do negócio é
qualitativa e não quantitativa. Em outras palavras: “Não se consegue fazer um
valuation quantitativo minimamente consistente por falta de premissas
con áveis ou nem sequer existentes, então sejamos razoáveis, vamos negociar
com base em características estratégicas qualitativas do negócio”.
Em estágios mais avançados da vida da startup, quando há maior segurança
sobre os pressupostos do negócio e algum histórico de números para embasar
minimamente a tomada de decisões, então métodos quantitativos entram no jogo
com maior con abilidade. Ainda assim, esse há de ser um norteador das
decisões dos investidores, nem por isso a negociação será menos importante no
processo de entrada de um novo acionista.
Em contato com incontáveis empreendedores e fundos ao longo do tempo, uma
coisa ca absolutamente evidente: startups que compreendem a dinâmica da
indústria de fundos têm chance estupidamente superior de conseguir captar
recursos com investidores de forma atrativa nesse processo de negociação.
Quando me re ro a compreender a indústria de fundos, saliento que não é
necessário saber cada mínimo detalhe de seu funcionamento, mas, sim, alguns
aspectos básicos, tais como:
O Guia AICPA (2019)3 sugere a entrada de VCs em estágio mais incipiente do que
o destacado na Figura 4.2. No entanto, boa parte daquela de nição está
associada a hábitos de economias mais maduras, cuja liquidez é mais
exacerbada, os riscos relativamente inferiores, custos de transação menores,
en m uma série de fatores que tornam seu ecossistema mais robusto e resiliente.
No caso de economias em desenvolvimento, incluindo aqui o caso brasileiro, as
de nições ilustradas na Figura 4.2 ajustam-se com mais naturalidade à prática
dos negócios.
Um uxo normal esperado para os negócios é que, quanto mais se avança
nesses rounds – rodadas – de captação, maior tende a ser o volume levantado
pelo negócio, e tanto maior seu valuation. Isso, é claro, assumindo que, ao
chegar ao próximo round, o negócio for entregando minimamente sinais de que
está caminhando em sentido promissor, o que costuma envolver ir galgando
alguns marcos (milestones) traçados previamente. Assim, desde que o valuation
suba, todos os acionistas que estavam no negócio terão ganhos – ainda que não
realizados – ao longo desse processo. Porém, caso essas evidências esperadas
comecem a não se concretizar, é naturalmente possível que ajustes para baixo
sejam feitos em novos processos de avaliação (reduções em valuations), o que
poderia causar perdas a antigos acionistas que entraram em patamares maiores.
Vamos, então, começar a discutir algumas características e interesses desses
investidores, que podem pautar discussões nessas diferentes rodadas de
investimentos.
Quadro 4.1: Enfoque da governança corporativa por fase das startups, por IBGC.
Fonte: IBGC (2019).
O código conta com entendimento sobre os reais desa os das startups e suas
inovações, que divergem sobremaneira da realidade das grandes empresas que
inspiraram a criação das bases tradicionais da governança corporativa que
conhecemos até hoje. Para cada uma das quatro fases de vida de uma startup, o
código do IBGC conta com orientações em quatro pilares: (i) estratégia e
sociedade, (ii) pessoas e recursos, (iii) tecnologia e propriedade intelectual e (iv)
processos e accountability.
Quando a startup já se encontra em momento de vida com múltiplos
investidores, o que pode parecer burocracia em termos de governança
corporativa, na verdade, tende em geral a economizar muito tempo dos
empreendedores. A clareza em relação aos papéis, direitos e deveres, à
prestação de contas, ao funcionamento dos relacionamentos e transparência
auxiliam e promovem ambiente mais produtivo, minimizando informalidades
excessivas e, por consequência, ansiedades diversas.
(ii) A startup obtém algum nível de sucesso, porém não tal qual previsto em
suas metas e milestones (veja o tópico, a seguir, com comentários sobre esse
conceito) de nidos a princípio. Nesse caso, há algum tipo de liquidação – que,
geralmente, envolve alguma opção de fusão/aquisição – e os recursos obtidos
com a liquidação (possível venda) são distribuídos aos investidores conforme
classes de ações, preferências e demais regras estabelecidas sobre a cap table.
Essa alternativa pode envolver desde perda de parte do valor investido até ganho
de algum valor, porém, aquém de expectativas re etidas no cenário 1.
MILESTONE
Diferentemente de negócios mais tradicionais, é realmente difícil fazer
um plano de três ou cinco anos em startups, em especial em seus
estágios iniciais de vida, pois as variáveis e incertezas serão tantas, que
essa análise fica inviabilizada. Então, em vez de pensar em horizonte
temporal, faz-se uso do conceito de milestone para definir investimentos.
Um milestone refere-se a uma conquista esperada ou um marco no
processo de crescimento da startup.
DICA
Tendo em mente o que é sucesso para você, e o que há de ser sucesso
para investidores, busque refletir sobre os seguintes pontos:
É claro que essas regras não devem ser generalizadas sem critério, e é preciso
compreender os interesses de cada investidor. Porém, certo padrão de
comportamento em relação ao horizonte temporal é recorrente. A trajetória
bastante veiculada na mídia do Vision Fund (Softbank) ilustra os efeitos
mencionados.
Ao chegar mais adiante ao longo da vida desse fundo, certa pressão começa a
nascer naturalmente. Suponha no quinto ano: metade do tempo desse fundo já
passou, resta metade. Caso a primeira parte de sua vida esteja lhe trazendo bons
retornos, ótimo! No entanto, isso não é necessariamente tão trivial, pois os
investimentos tipicamente são de maior prazo, e eventuais ciclos econômicos
podem interferir bastante na economia real e, por consequência, nos portfólios
dos VCs.
Conforme sugerido pelo guia AICPA (2019), a título de exempli cação, é normal
que fundos busquem uma “saída de sucesso” em startups investidas no prazo de
quatro a cinco anos após a captação em Series A (AICPA, 2019, p. 531).
Naturalmente, como qualquer média, esse prazo não pode ser generalizado para
quaisquer segmentos ou negócios, dado que a maturidade de diferentes
empresas, mesmo com a melhor das práticas, pode evoluir de forma
signi cativamente diferente em relação a tempo. Ainda assim, esse prazo
sugerido – de quatro ou cinco anos – está se referindo a uma hipótese inicial do
fundo que era ainda extremamente incerta e, dado o estágio de vida muito
incipiente e incerto desses negócios, bastante sujeita a surpresas.
Nota-se, portanto, que, nesse momento (no quinto ano de vida do fundo), há de
haver uma preocupação, pois a janela disponível para encontrar novas startups
que rentabilizem o su ciente dentro de seu horizonte de vida está se fechando.
Da mesma forma que pode ser difícil para um empreendedor encontrar um fundo
que lhe seja superatrativo como futuro acionista, di culdade semelhante pode
ser sentida pelo investidor. Não é assim tão fácil, para aquele lado da mesa,
“separar o joio do trigo”, compreende? Ou seja, pensando como fundo, é também
um desa o encontrar as startups em que eles têm interesse em investir,
especialmente diante de restrições – de tempo, capital, setores, conhecimento,
tecnologia etc.
Quando o nal da vida do fundo se aproxima, começa a se fazer necessário
“organizar sua casa”. Isso signi ca que é preciso traçar estratégias para encerrar
seus investimentos nas startups da forma mais rentável possível para o negócio.
Como? É preciso ter em vista o que eram os três cenários de saída de um
investimento (IPO ou venda competitiva, venda intermediária ou write-o ),
discutidos no item anterior. Veja, a seguir, alguns exemplos.
• Caso a opção anterior não seja válida para o negócio, o fundo poderá buscar
encontrar outros potenciais investidores – como outros fundos – que tenham
interesse em comprar sua participação no negócio, para repassar o investimento.
Se a startup em questão estiver apresentando sinais promissores, atingindo os
milestones de nidos para o negócio, bem como acompanhadas de bons
indicadores gerais de potencial quanto a seu mercado de atuação, consumidores
e diferenciais estratégicos/tecnológicos/de talentos/etc., é muito possível que
essa transação seja economicamente atrativa para o fundo, que vai repassar o
investimento a outros novos acionistas e auferir ganhos na transação.
• No entanto, se os sinais não forem assim tão promissores, o fundo pode ainda
adotar uma estratégia de forçar ou in uenciar a venda de sua participação nesse
estágio, ou até de todo o negócio, buscando recuperar o máximo possível do
investimento feito. Naturalmente, perdas nanceiras podem ser esperadas.
• Não podemos nos esquecer de uma opção que costuma ser mais dolorida para
as startups: conclui-se que o investimento não é mais atrativo, tampouco há
indícios de venda quali cada, e opta-se por encerrar o uxo de nanciamento à
startup e reconhecer todo o investimento feito no negócio como perda.
Veja só: para qualquer uma dessas opções, o timing das decisões que o fundo
tomaria não necessariamente coincide com o timing dos empreendedores ou
mesmo do próprio negócio! Como assim? Imagine a seguinte situação: suponha
que um fundo XPTO adote a postura de reconhecer perdas no investimento e
parar o uxo de investimento para a startup. Talvez os empreendedores (e até
mesmo outros acionistas e investidores da startups) acreditem que, com mais
tempo e dedicação, essa startup ainda possa apresentar bons ganhos
nanceiros, porém em um horizonte maior do que aquele de interesse do fundo
XPTO. Talvez esses outros agentes até estejam contando com a continuidade dos
uxos vindos de XPTO – não necessariamente previsto por contrato, mas em
expectativas informais. Sendo assim, será necessário que os acionistas atuais da
startup consigam identi car rapidamente outros investidores dispostos a
nanciar o futuro do negócio, ou ainda que assumam a participação (mediante
negociação, naturalmente) da parte do fundo XPTO.
O problema é que, normalmente, quando essa discussão está na mesa, isso
pode signi car que há consideráveis dúvidas e medos de alguns envolvido com a
startup, e certo movimento de medo generalizado pode afetar investidores –
antigos e novos. Por consequência, conseguir nanciamentos pode ser mais
difícil ou mais caro, levando a quedas consideráveis em valuation. No limite,
pode ser um decreto de m antecipado para a startup.
É importante lembrar que, para negócios em fases iniciais, quase todo o valor
está em expectativas. Expectativas são associadas a crenças humanas – e,
portanto, sujeitas a todo tipo de onda de otimismo, pessimismo, euforia, medo
etc. Isso é válido não apenas para empreendedores, mas também para
investidores. São as famosas nanças comportamentais.
Por outro lado, ainda que uma venda vantajosa seja identi cada como
estratégica para o fundo, não necessariamente isso vai ao encontro dos melhores
interesses do negócio ou dos demais acionistas. Caso seja um momento
desvantajoso no tempo para a startup – por qualquer motivo –, uma negociação
precoce pode trazer à mesa pressões, também precoces, por de nição de
valuation ou preços indesejáveis, podendo “deixar dinheiro na mesa”.
Nesses casos, o timing – ou seja, a melhor escolha do momento no tempo e
condições para negociação – pode ser absolutamente estratégico para maior
geração de valor. Por exemplo, se o ponto de equilíbrio está realmente próximo e
o caixa da empresa permitir esperar, negociar qualquer entrada de novo
investidor após o ponto de equilíbrio poderia ser muito mais vantajoso do que
fazer o mesmo apenas alguns meses antes desse tão esperado milestone na vida
da startup.
DICA
Por esses motivos, se o timing do fundo não coincidir com o da startup,
isso pode ser relevante para a vida do negócio, de seus acionistas e de
seus empreendedores. Então, como regra geral, esteja alerta e verifique
se o horizonte temporal dos investidores que estão entrando em seu
negócio coincide, a princípio, com sua percepção geral sobre horizonte
temporal de sucesso da startup.
Veja só: ser empreendedor signi ca quase por de nição estar concentrado. Não
é pura coincidência que seja o empreendedor normalmente alguém
intrinsecamente mais propenso a riscos! Fica evidente, portanto, que o nível de
exposição a riscos do empreendedor costuma ser muito maior do que aquele do
fundo, que, por sua natureza, está diversi cado entre diversas startups.
Ainda assim, há de se mencionar que os fundos costumam trabalhar com a
de nição das chamadas teses de investimento. Por exemplo, é usual, ao
observar-se o histórico recente, encontrar diversos fundos cuja tese de
investimento está voltada para setores, tais como fintechs, edutechs, healthtechs,
entre outros. Isso indica que há uma decisão estratégica do fundo em concentrar
seus esforços em alguns setores e tipos de empresa, cujas características
pareçam promissoras para o futuro, e com maior probabilidade de ser parte
daqueles 20% em termos agregados – considerando todas as inovações
existentes. Fundos, tipicamente, têm teses principais e secundárias, mas
di cilmente não têm esses direcionadores macro.
Por esse motivo, por mais que os VCs sejam diversi cados em termos de
empresas, não raras vezes, eles são bastante concentrados em termos de
segmentos de atuação. Por exemplo, imagine um VC que esteja investindo
concomitantemente no Uber, Rappi, 99 Taxi e Didi, todas startups que envolvem
alto componente tecnológico e estão associadas a soluções de
logística/transporte – por sinal, elas são todas investidas do Softbank no
momento (considerando-se fevereiro de 2020). Ainda que haja diversi cação no
que se refere a número de empresas, há considerável sobreposição em termos de
segmento – por mais que cada uma tenha nuances e particularidades. Esse efeito
foi recentemente explorado em artigo do The Wall Street Journal intitulado
SoftBank is funding every side of a Bruising Startup Battle.
Em virtude da existência dessas teses, fundos de investimento em capital de
risco também costumam apresentar maior risco de concentração advindo de
setores de atuação, quando comparados a outros tipos de veículo de
investimento.
Essa discussão sobre teses e concentração dos VCs tem relação estreita com o
chamado smart money. Vamos discutir agora esse conceito e sua implicação para
a startup.
DICA
Aproxime-se de fundos de VCs cujas teses de investimento estejam
associadas ao segmento de atuação de sua startup. Isso pode facilitar o
processo de aquisição de conhecimento, evitar erros previsíveis e pivots
desnecessários, acelerar a validação do modelo de negócio e de
crescimento, acelerar parcerias estratégicas que geram valor, além de
possivelmente facilitar a geração de negócios
mais valiosos, como estratégia de saída da startup.
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CURIOSIDADE
Para sermos precisos em sua aplicação, o ideal seria trabalhar com
algum conceito de MOIC descontado10. Propomos a ideia como uma
curiosidade, porque, de fato, você não irá encontrar facilmente todo
esse rigor técnico sendo utilizado na prática11.
De todo modo, a ideia é a base da Matemática Financeira: o dinheiro de
hoje não tem o mesmo valor do dinheiro do futuro, por vários motivos
(como risco, in ação, custo de oportunidade do dinheiro, utilidade do
capital – que poderia ser usado para obtenção de bem-estar imediato,
por exemplo). Então, o mais correto tecnicamente seria calcular o MOIC
fazendo uso do dinheiro em um mesmo momento do tempo:
idealmente, a data de hoje (o presente). Para tanto, bastaria calcular o
ganho futuro (realizado ou não realizado ainda) a valor presente e
recalcular o MOIC com dados de dinheiro de hoje. Aí, entraria o conceito
de valor presente. Para quem quiser relembrar ou conhecer o conceito
de valor do dinheiro no tempo, vale ler o Apêndice 2. Caso não seja
necessário, seguimos com a fórmula genérica de valor presente de um
uxo futuro:
em que:
PV = present value (valor presente do uxo futuro);
FV = future value (valor futuro esperado);
i = taxa de juros que indica o valor do dinheiro no tempo;
n = número de períodos transcorridos até o FV esperado.
Para quem quiser saber mais sobre o conceito genérico de custo de
capital e valor do dinheiro no tempo, sugerimos ler, no Capítulo 6, o
item 6.3 (Empatar é o su ciente?), que trata de lucro meta.
___________________________
Para calcular a TIR, sugerimos o uso do Microsoft Excel. Construa uma tabela no
Excel tal qual a Tabela 4.1, a seguir, lembrando de incluir os períodos em que não
há uxo de caixa esperado com o valor zero. Isso porque zero e ausência de
informação são informações diferentes do ponto de vista da Matemática
Financeira.
É possível perceber que, para aquele uxo apresentado, conta-se com uma
remuneração intrínseca de 33% ao ano. Como o período de nosso exemplo é
contado em anos, então da mesma forma a TIR resultante é um percentual ao
ano, que indica a taxa de retorno anual.
De fato, para o leitor mais crítico, vale a ressalva de que a TIR não é uma medida
perfeita, devido a suas premissas e limitações. Especialmente, chamamos a
atenção à suposição de que uxos intermediários seriam reinvestidos ou
captados à mesma taxa (o que pode ser verdade ou não a depender do portfólio
de cada fundo) e à limitação de que, em uxos muito complexos (com inversões
múltiplas de sinais), é possível existir mais de uma solução matemática para a
TIR.
Ainda assim, trata-se de uma medida valiosa para analisar performance em
conjunto com o MOIC, especialmente por seu rigor superior em considerar o valor
do dinheiro no tempo, o que era desconsiderado na outra medida, conforme já
discutido.
Vamos, então, à tão esperada visão crítica? Primeiro, sobre a TIR em si. Lembra-
se de que falamos sobre o horizonte de vida de um VC, bem como sobre seu
portfólio? Muito bem, imagine a oportunidade de investir em uma estupenda
empresa, com TIR esperada ao redor de 60% ao ano, com relativo baixo risco!
Parece maravilhoso, não?
Pelo percentual em si, pode até parecer ótimo, mas imagine o seguinte: e se for
uma empresa com baixa necessidade de recursos e sem grande perspectiva de
crescimento de volume ou mercado? Nesse caso, talvez o dinheiro investido pelo
fundo nesse negócio seja tão pequeno que mesmo um grande percentual de
retorno pode ser irrisório dentro de seu portfólio total. Apesar disso, a entrada de
um novo negócio no portfólio gera no fundo a inevitável necessidade (ainda que
mínima) de dispêndio de tempo, trabalho, reuniões e energia em geral – além do
desembolso nanceiro. Por isso, para esse fundo, é possível que se chegue à
conclusão de que talvez esse negócio não valha a pena.
Por esse motivo, fundos costumam trabalhar com um conceito de ticket médio
de investimento e até uma referência de ticket mínimo. Se um negócio não tiver
capacidade de absorver um volume “x” mínimo de recursos e rentabilizá-lo
atrativamente, então essa startup não seria interessante para a rentabilização
total do portfólio do VC, ainda que em termos de taxa possa parecer um bom
negócio.
Pelos mesmos motivos, um prazo curto do investimento pode ser um problema.
Mesmo que haja elevada TIR, se o horizonte de tempo for muito curto, talvez os
benefícios desse percentual em um tempo pequeno não sejam assim tão
atrativos. Nesse caso, é possível que uma TIR aparentemente alta leve a um
MOIC, em verdade, relativamente baixo.
Um exemplo cai bem? Veja só: considere uma TIR de 30% ao ano. No entanto, o
investimento já está próximo de seu provável momento de saída, suponha que
esteja previsto para daqui a um ano. Para um investimento de R$ 1 mi, isso
levaria a um valor futuro após um ano de R$ 1,3 mi [=1mi x (1+0,30)^(1)]. Apesar
de a TIR ser aparentemente atrativa (como de costume é importante relacioná-la
com o risco do projeto), o MOIC nesse caso foi de 1,3 vezes, aproximadamente. A
depender dos objetivos de cada investidor, esse MOIC será considerado baixo,
dado o risco geral de seu portfólio.
Conforme já mencionado, ao entrarem em startups, geralmente os fundos
buscam um potencial muito elevado de performance para todas as startups
individualmente a ponto de que sua expectativa de sucesso possa – em algum
cenário ainda que otimista – compensar outros casos de insucesso do portfólio. A
esse respeito, a seguinte análise é bem ilustrada no Guia AICPA (2019, p. 50):
Até mesmo o incentivo nanceiro e compensações aos pro ssionais dos VCs
podem estar associados a essas métricas.
É natural, após uma análise de risco e retorno esperado, bem como do tempo
remanescente até o encerramento previsto do fundo e outros fatores, concluir que
um TIR elevado com MOIC relativamente baixo seja estratégico. Ainda assim, é
interessante compreender as nuances dessa decisão e como esses indicadores
potencialmente in uenciam as análises de VCs, levando em consideração todos
os fatores tratados até aqui, como o portfólio, as teses, os horizontes de tempo.
___________________________
CURIOSIDADE
Caso queira uma discussão mais técnica sobre a mecânica de cálculo
da TIR, veja esta discussão a seguir.
Para compreensão da TIR, é necessário, antes de mais nada, conhecer
o VPL. O Apêndice 3 explora o conceito de valor presente líquido (VPL),
importante para diversos conteúdos apurados neste livro, tanto no que
se refere ao funding quanto a nanças corporativas e valuation.
Compreender o VPL é essencial para compreender a TIR.
A fórmula genérica da TIR é:
em que:
VPL = valor presente líquido (leia o Apêndice 3 para saber mais a
respeito, se sentir necessidade);
FC0 = investimento feito na data zero;
FC1 a n = uxo de caixa esperado (ganho ou perda para o investidor)
em cada período, que pode variar desde a data zero até o período
qualquer “n” no futuro.
A TIR é, portanto, aquela taxa que devemos inserir na fórmula
anterior de tal sorte que o resultado do VPL seja igual a zero. Note que
é impossível isolar a incógnita da TIR nessa função, logo ela é de nida
por tentativa e erro como se fosse uma função Solver do Excel. Por
isso, a utilização da fórmula automática do Excel (=TIR para as
versões em português ou =IRR para as versões em inglês) é a mais
prática forma de apurar a TIR. O mesmo poderia ser feito com o uso de
algumas calculadoras, como a HP12C.
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SAIBA MAIS
Caso queira saber mais sobre os assuntos expostos neste capítulo, sugerimos
as seguintes leituras:
1 No capítulo, foi incluída a discussão que sustenta a linha de argumentação proposta neste parágrafo.
2 CREMADES, Alejandro. The art of startup fundraising. New Jersey: John Wiley & Sons, 2016.
3 AICPA – AMERICAN INSTITUTE OF CERTIFIED PUBLIC ACCOUNTANTS. Accounting and valuation guide:
Valuation of portfolio company investments of venture capital and private equity funds and other
investment companies. USA: AICPA, 2019.
4 IBGC – Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. Governança Corporativa para Startups & Scale-Ups.
Portal do Conhecimento IBGC 2019 [Ementa(descrição)]. Disponível em
<https://conhecimento.ibgc.org.br/Lists/Publicacoes/Attachments/24050/IBGC%20Segmentos%20-
%20%20Governan%C3%A7a%20Corporativa%20para%20Startups%20&%20Scale-ups.pdf.> Acesso em: 15
de julho de 2019.
5 METRICK, Andrew; YASUDA, Ayako. Venture capital and the nance of innovation. 2nd ed. New Jersey: John
Wiley & Sons, 2010.
6 Ao longo de toda esta obra, entrevistas com fundos e assessorias de diversos tipos foram mantidas em
caráter con dencial e anônimo, bem como todos os materiais que derivaram dessas entrevistas e bate-papos
em geral. Fica aqui meu agradecimento, novamente, a todos os que gentilmente compartilharam sua
experiência e tempo para a construção deste livro, que visa apoiar o empreendedor e seus negócios.
7 THIEL, Peter; MASTERS, Blake. Zero to one: notes on startups, or how to build the future. New York: Crown
Business, 2014.
8 Peter Thiel chama a esse fenômeno de power of law, em lugar de regra de Pareto, referindo-se ao fato de
que uma mínima quantidade de casos de sucesso (ou às vezes um único caso de sucesso em startups) é
mais vencedor do que todo o restante de sua população.
9 WANG, Chong; WANG, Neng; YANG, Jinqiang. A uni ed model of entrepreneurship dynamics. Journal of
Financial Economics, v. 106, p. 1-23, 2012.
10 A lógica de MOIC descontado seguiria os princípios do payback descontado, para quem for conhecedor do
tema.
11 O próprio guia AICPA (2019, p. 640) explica essa prática no mercado de VCs e PEs.
12 DOWNEY, Sarah A. The real reasons why a VC passed on your startup. Entrepreneur’s Handbook. 10 de
setembro de 2018. Disponível em: <https://entrepreneurshandbook.co/the-real-reasons-why-a-vc-passed-
on-your-startup-917c30103ecb.> Acesso em: 15 de maio de 2019.
PARTE III
FUNDING EVERY-SINGLE-DAY:
como não
morrer na praia
O título deste capítulo é autoexplicativo. Esse ditado apresenta nuances
profundas e essenciais para qualquer negócio, especialmente para startups, em
razão de sua típica característica de maior escassez de recursos. Tais matizes,
apesar de seu altíssimo valor para os negócios, não raras vezes, são colocadas em
segundo plano no processo decisório – ou até esquecidas, por acaso, por
circunstâncias e até por conveniência! Este capítulo destina-se a dar luz a essas
nuances, chamando a atenção dos empreendedores para os riscos da busca por
crescimento acelerado (ou desenfreado) e para a gestão baseada excessivamente
em receitas, bem como para os problemas de olhar apenas lucro – e somente
caixa.
Ao analisarmos os casos reais de startups da atualidade, ca evidente a
presença de alguma miopia no ecossistema, com casos de players de diversos
portes e tipos que negligenciam o real signi cado dos termos receita, lucro e caixa
e as diferenças entre eles.
Essa miopia está associada à busca, a qualquer custo, por receitas. Não me leve
a mal, não estou dizendo que ter receitas não seja bom! Mas ter apenas receitas,
sem lucros, sem caixa... será que é su ciente? Se sim, em que circunstâncias
estratégicas isso é, de fato, orientado à geração de valor? Por quanto tempo? Por
quê?
O objetivo aqui não é aprofundar discussões técnicas sobre o signi cado de
uxo de caixa, mas entender o signi cado desses três pilares (receita, lucro e
caixa) e sua importância estratégica para startups, além de como o negócio
poderia focar cada um deles de forma orientada à real geração de valor, e não à
formação de “espuma”. Vamos discutir:
• Por que a busca por receitas pode ser uma simples vaidade? Por que
ela pode, também, ser inteligente e estratégica?
• Por que analisar lucros é fonte de sanidade?
• Qual é, a nal, a diferença entre lucro e caixa? Por que, no nal do dia,
o caixa é rei?
Vou dar a seguir um exemplo de autoria do Prof. Dr. Adriano Mussa, a cuja
explanação tive o privilégio de assistir. Ressalto aqui meus agradecimentos ao
professor, que, sem sombra de dúvida, faz parte do seletíssimo grupo dos
melhores docentes de nanças de nossa nação na atualidade e ensinou-me muito
não só sobre o tema, como também sobre didática.
Veja a seguir um primeiro entendimento geral.
Figura 5.1. Lucro versus caixa.
Fonte: desenvolvida pela autora.
___________________________
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___________________________
FILLINGS – SEC.
• Bruce Dunlevie and Steven Langman, who are currently members of our
board of directors and members of our compensation and nominating committee, to the
extent they are then serving as our directors, will serve on this selection committee with
Rebekah Neumann (with the size of the committee fixed at two or three, as applicable); and
• if neither Bruce nor Steven is then serving as one of our directors, Rebekah
will choose one or two board members who are serving at the time to serve on this selection
committee with Rebekah (SEC, 2019, p. 198)4.
• 24 de setembro de 2019: The Wall Street Journal anuncia que Adam Neumann sai
da posição de CEO, mas ainda permanece no Conselho de Administração
Após semanas turbulentas e diversas críticas a Neumann, ele deixou
a posição de CEO, sendo sucedido por dois co-CEOs: Artie Minson e
Sebastian Gunningham. Nesse momento, já fora formalizada pela
empresa a missão dos co-CEOs, entre outros aspectos, de agir de forma
a aproximar a empresa de um cenário lucrativo. Nesse sentido, foi
tomada decisão de promover cortes de pessoal visando à equalização de
tão relevantes perdas financeiras da startup. Antes do final do mês, a
empresa já comunicava também a postergação indefinida do IPO.
Nessa ocasião, Adam Neumann ainda manteve sua posição como
chairman, bem como relevante influência – apesar de já um pouco reduzida
– e direito ao voto na empresa.
Provavelmente não por coincidência, após esses eventos do WeWork (bem como
algumas outras perdas fortemente veiculadas pela mídia, como as relacionadas ao
Uber e o desempenho aquém do esperado após seu IPO, além de outros casos), a
indústria como um todo apresentou relevantes mudanças de postura em relação a
seus investimentos em startups. As lições foram tão fortemente aprendidas a
ponto de lermos a seguinte manchete:
Figura 5.2. Manchete de jornal que ilustra sobre casos de startups 2019.
Fonte: The New York Times, 2019.
Grá co 5.2: Dados de valuation privado, IPO e valor corrente para empresas selecionadas.
Fonte: Dowd (2020).
Ficam evidentes alguns casos de ganhos após o IPO, bem como outros mais
decepcionantes. Chamo atenção para o fato de que as datas de IPO são diferentes
entre as empresas citadas e não foi encontrada evidência de correção por in ação
nos números. Ainda assim, especialmente considerando baixas taxas
in acionárias de mercados maduros, é possível identi car macrotendências nos
números, que ressalto a seguir.
Como já mencionado, o caso Uber chama especial atenção: note que o valor de
mercado atual da empresa (após IPO), preci cado pelo mercado, está
consideravelmente abaixo não apenas do valor de IPO, mas também do valuation
privado. O que isso signi ca? Que, possivelmente, mesmo os investidores
privados, antes do IPO, superestimaram o valor do negócio. O caso Lyft, por sua
vez, apesar de também ter perdido bastante valor de mercado após o IPO, ainda
está com seu valor preci cado em nível similar àquele de nido pelo valuation
privado.
Sim, houve, portanto, muita expectativa frustrada no caso Uber e é interessante
ressaltar uma questão que o diferencia enormemente do WeWork apresentado: no
Uber, há evidência de potencial exponencialidade no negócio, principalmente em
razão de seu componente tecnológico. Além disso, há a discussão sobre como
eventual
avanço em tecnologias de carros autônomos poderia trazer ganhos no futuro à
empresa. Essas são questões qualitativas do setor que podem permitir ao analista
aceitar menor lucratividade no curto prazo, esperando ganhos no longo prazo.
Se observar os cases Zoom Video, Beyond Meat, CrowdStrike e Peloton, também
nos Grá co 5.2, as histórias são mais belas. Grandes retornos e (pelo menos até o
momento) sustentáveis. Ressalto essas startups para evidenciar que há também
casos de sucesso que proporcionaram relevantes ganhos aos investidores – tanto
privados como após o IPO. Que tal ver alguns detalhes desses cases de sucesso?
Foi incluído, a seguir, um indicador para auxiliar a comparação dos cases: a
margem líquida, que é apurada da seguinte maneira: lucro líquido/receita líquida.
Suponha, portanto, uma margem líquida de 20%: isso signi ca que a cada R$
100,00 de receita que uma empresa tem, sobram-lhe R$ 20,00 de lucro. Uma
margem líquida negativa em 10%, por sua vez, indica um prejuízo de R$ 10,00 a
cada R$ 100,00 de receita. Os dados de margem líquida foram apurados
considerando os três primeiros trimestres de 2019 para cada empresa.
TABELA 5.3: DADOS DE LUCRATIVIDADE E OUTROS SOBRE EMPRESAS SELECIONADAS.
FONTE: DESENVOLVIDA PELA AUTORA COM BASE EM INFORMAÇÕES DISPONÍVEIS EM PORTAIS DE RELAÇÕES COM INVESTIDORES DAS
RESPECTIVAS EMPRESAS.
Cá entre nós, seria uma coincidência que os IPOs com melhor desempenho –
entre os selecionados na Tabela 5.3 – sejam exatamente os que apresentam
melhor lucratividade (margem líquida) da amostra? Não, não é uma coincidência,
tampouco é uma coincidência a empresa Uber ser a de pior lucratividade no
período.
No entanto, outro aspecto chama a atenção: é possível perceber que há, sim,
várias empresas com bom desempenho após o IPO, mas que ainda não
apresentam lucros. Então, isso é possível? Sim. Vamos re etir um pouco.
Há quem discuta a importância do caso Amazon sobre esse fenômeno. Se você
visitar hoje os relatórios de publicação de resultados dessa empresa, verá o tipo
de organização que faz os olhos brilharem: lucrativa, boas margens, geração de
caixa operacional, boa rentabilidade. Que belo case para inspirar startups! De
quem “chegou lá”, e não parou de avançar, porém foi sempre assim? Não, não foi.
Antes de chegar a esse ponto, a Amazon passou praticamente por uma década e
meia de prejuízos trimestrais, ou lucros ainda sem sustentação, porém hoje a
opinião geral a entende como um caso de sucesso.
Qual é a diferença então? Por mais que a discussão “dê pano para manga”, a
diferença resume-se à construção de um modelo de negócio que, no longo prazo,
permitisse à empresa tamanha hegemonia, escala e poder, que os lucros futuros
compensariam, de fato, os investimentos. Note: a questão não é ter
necessariamente lucros. É ter fortes evidências de que um modelo de negócio
consistente, com a devida escala, fará com que a empresa seja, sim, capaz de
gerar tantos lucros a ponto de rentabilizar o investimento ao longo do tempo.
No entanto, cuidado: não há espaço para muitas Amazons e Googles no mundo,
e uma planilha de Excel aceita qualquer coisa. Por isso, minha sugestão: foque
lucratividade e geração de caixa, não para daqui a dez anos, mas para o mais
rápido possível, porque isso é capaz de provar a viabilidade econômica do modelo
de negócio da empresa. Se car evidente hoje (não só para você, mas para os
outros também) que seu negócio tem claro potencial futuro de ser lucrativo, bom
sinal. Isso envolve, entre outros: produto viável, mercado consumidor claro e
escalável, produto capaz de monetizar seu valor percebido – transformando essa
percepção de valor em dinheiro efetivo, ou seja, “alguém pagando a conta no nal
do dia”, a ponto de gerar lucros, premissas que sustentem a existência de negócio
exponencial etc.
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CURIOSIDADE
Precisamos ter cuidado com os relatórios publicados pelas empresas. Já
ouviu falar no efeito framing? Oriundo de estudos da Teoria do
Prospecto, de Kahneman e Tversky, esse efeito diz respeito ao fato de
que a forma como determinada problemática é apresentada ao indivíduo
in uencia, por consequência, sua percepção e sua decisão. Por isso, os
relatórios das empresas tendem a supervalorizar notícias boas e a
colocar nas entrelinhas – ou no rodapé, ou meio escondidas entre outras
informações – as notícias ruins.
Acho isso curioso, pois a Amazon, por exemplo, abre seus relatórios
trimestrais já mostrando a geração de caixa, como quem diz: “Veja, não
tenho nada a esconder, gero caixa, sim!”. Já as demais empresas
mencionadas anteriormente deixam o relatório de geração de caixa para
o nal. Quem sabe o leitor se cansa antes de chegar lá e vê apenas a
receita, não é?
Isso não é fraude nem mesmo má-fé. Trata-se apenas de selecionar
estrategicamente o que os olhos do leitor verão primeiro, buscando fazer
com que vejam antes boas notícias. Eu certamente faria o mesmo. Você
não?
Então, ca a dica: quando você for ler informações publicadas por
qualquer empresa ou pessoa, tenha o cuidado de cavar um pouco mais
fundo. Procure ativamente possíveis informações que possam estar em
menor evidência, porém que sejam relevantes para sua decisão.
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SAIBA MAIS
Caso queira aprofundar discussões sobre os temas do capítulo, sugerimos as
seguintes leituras:
1 Cabe mencionar que, em alguns casos especí cos, em especial aqueles de empresas com muitas práticas de
hedge accounting e uso de instrumentos nanceiros, é possível que haja elementos que impactem lucros,
porém não caixa, e vice-versa. Especialmente, esses efeitos podem ser encontrados na demonstração de
resultados abrangentes (DRA). Como essa discussão foge ao escopo deste livro e costuma ter menor
pertinência para startups e PMEs, além de tangenciar questões muito avançadas dentro de instrumentos
nanceiros, negócios internacionais e outras questões excessivamente especí cas , não nos aprofundaremos
mais.
2 WEWORK. Disponível em: https://www.wework.com/pt-BR/mission. Acesso em: 28 de janeiro de 2020.
3 BROWN, Eliot; FARRELL, Maureen; DAS, Anupreeta. WeWork Co-Founder Has Cashed Out at Least $700
Million Via Sales, Loans. The Wall Street Journal, 18 de Julho de 2019. Disponível em: https://www.wsj.
com/articles/wework-co-founder-has-cashed-out-at-least-700-million-from-the-company-11563481395. Acesso
em: 28 de janeiro de 2020.
4 SEC – SECURITIES AND EXCHANGE COMMISSION. Form S-1.14 de Agosto de 2019. Disponível em:
https://www.sec.gov/Archives/edgar/data/1533523/000119312519220499/d781982ds1.htm. Acesso em: 28
de janeiro de 2020.
5 BROWN, Eliot; CIMILLUCA, Dana; BENOIT, David; FARRELL, Maureen. WeWork’s Adam Neumann Steps Down
as CEO. The Wall Street Journal, 24 set. 2019. Disponível em: https://www.wsj.com/articles/neumann-
expected-to-step-down-as-we-ceo-11569343912?mod=breakingnews&ns;prod/accounts-wsj. Acesso em: 28
de janeiro de 2020.
6 BROWN, Eliot. How Adam Neumann’s Over-the-Top Style Built WeWork. ‘This Is Not the Way Everybody
Behaves.’ The Wall Street Journal, 18 de setembro de 2019. Disponível em: https://www.wsj.com/articles/this-
is-not-the-way-everybody-behaves-how-adam-neumanns-over-the-top-style-built-wework-11568823827?
shareToken=st3fcd4c5c55d94 c80b5721a8aa6 a2. Acesso em: 28 de janeiro de 2020.
7 McGREGOR, Jena. Adam Neumann’s billion-dollar exit package from WeWork is a lesson in giving founders
too much control. The Washington Post, 24 de outubro de 2019. Disponível em:
https://www.washingtonpost.com/business/2019/10/24/adam-neumanns-billion-dollar-exit-package--
wework-is-lesson-giving-founders-too-much-control/. Acesso em: 24 de outubro de 2019.
8 GRIFFITH, Erin. Silicon Valley Is Trying Out a New Mantra: Make a Pro t. The New York Times, 8 de Outubro de
2019. Disponível em: <https://www.nytimes.com/2019/10/08/technology/silicon-valley-startup-
pro t.html.>Acesso em: 15 de outubro de 2019.
9 DOWD, Kevin. 9 big things: SoftBank-backed layo s are everywhere. Pitchbook,12 de Janeiro de 2020.
Disponível em: <https://pitchbook.com/news/articles/9-big-things-softbank-backed-layo s-are-everywhere.>
Acesso em: 15 de janeiro de 2020.
10 DOWD, Kevin. The year of WeWork could reshape the IPO Market in 2020. Pitchbook.3 de Janeiro de 2020.
Disponível em: <https://pitchbook.com/news/articles/the-year-of-wework-could-reshape-the-ipo-market-in-
2020.> Acesso em: 15 de janeiro de 2020.
Valorizo muito um exercício nanceiro com o qual busco estimular todos
os empreendedores e pro ssionais do ecossistema a se engajarem. É um
exercício, que chamo carinhosamente de “brincar de formar preços”,
quase sempre muito agradável – em especial quando a startup está para
sair do papel, pensando seu modelo de negócio.
Quando o negócio já existe, no entanto, é corriqueiro deparar com
algumas verdades que vêm como um superchoque de realidade, um wake
up call. Isso acontece, em especial, com equívocos (ou esquecimentos)
cometidos na formação de preços e que, quando somados, causam um
sério problema de viabilidade do negócio.
Não raras vezes, é exatamente esse exercício – de analisar a formação
de preços e a capacidade de o negócio honrar seus gastos xos – que se
torna uma grande vantagem competitiva da startup ao pensar seu
modelo estratégico. O objetivo da análise é buscar indícios reais de que
o modelo de negócio da startup é viável. É essa maravilhosa ferramenta
das nanças que mais vai ajudar você a responder à seguinte pergunta:
• de nir preços;
• avaliar o ponto de equilíbrio no negócio;
• entender o nível de demanda necessário para tornar a startup
economicamente viável;
• analisar o mix de venda;
• com base nisso tudo, pensar estrategicamente todo o business e
responder: a nal, há indícios ou motivos para acreditar que o atual
modelo de negócio da startup seja viável – hoje ou no futuro?
Não vale dizer: “Bruna, meu negócio ainda está muito no começo! É
impossível saber agora quais são meus custos e meu preço!”. Minha
sugestão: supere esse sentimento e comece a colocar na ponta do lápis
algumas ideias, rascunhando que seja.
Não importa se a startup está no estágio de minimum viable product – MVP
(mínimo produto viável, em português) ou de escalar seu negócio: em
qualquer momento dessa jornada, o conceito de margem de contribuição
vai alavancar seu sucesso. Em alguns casos, nos estágios iniciais de
vida, naturalmente suas contas envolverão diversas premissas (o que às
vezes é um nome bonito para “chute”, também conhecido por “cheiro”,
“intuição”, “vaga ideia” ou até, em casos extremos, “não é nem um
chute, é uma bicuda!”). Se você quiser parecer so sticado, pode chamar
de best educated guess.
Mesmo que você esteja em estágio inicial, não importa que sejam
apenas premissas ou vagas ideias. O processo de pensar e identi car as
premissas estratégicas propicia consciência não só de quais pilares
críticos sustentam o sucesso, mas também dos riscos desse negócio.
Não me re ro a so sticadas análises regadas a
macros/softwares/planilhas de 1000 linhas ou abas, mas a uma análise
com mínimo rigor técnico, com o objetivo de analisar se os macrodrivers
de valor de seu negócio parecem ser viáveis ou não.
Quando a empresa já está mais avançada em seu estágio de vida, esse
conceito continua sendo importante? Sim, de nitivamente. O que,
muitas vezes, acontece na prática é que, em algum momento, a startup
pensou uma formação de preços razoável e começou a operar com base
nisso. No entanto, o tempo passou e, em meio aos compromissos,
trabalhos, emergências do dia a dia do negócio, tardou em revisitar as
premissas adotadas, ou veri car se algum erro foi cometido, ou ainda se
o futuro simplesmente se con gurou diferentemente do esperado. Ao
deixar de revisitar os números, é possível cair em uma armadilha,
mesmo em estágios de vida mais avançados. Que armadilha é essa? Seu
ponto de equilíbrio pode ser quase inatingível nessa formação de preço
ou, pior ainda, quanto mais você vende, pior ca.
Intrigado? Vamos à de nição da margem de contribuição.
Custo Despesa
Fixo • Depreciação de • Depreciação dos
máquinas da computadores
produção do escritório
• Salários de • Salário de times
profissionais administrativos
associados ao e comerciais
processo produtivo • Aluguel referente aos
• Aluguel referente às times administrativos
fábricas
Variável • Matéria-prima • Remuneração de times
• Custos de comerciais através de
É importante mencionar que os gastos podem ter uma natureza dúbia,
como gastos semifixos, ou semivariáveis. Por exemplo: dentro de
determinados limites, o aluguel é um gasto xo. Porém, se a empresa
crescer demais, então será necessário maior espaço físico, e o aluguel,
então, subirá. Energia elétrica, em diversas modalidades de contrato,
também se comporta dessa forma: para pequenas variações em uso, o
gasto é xo; mas, a partir de certa “contagem”, passa a comportar-se
como variável. Em essência, praticamente nenhum gasto é 100% xo:
praticamente todos os gastos xos de um negócio comportam-se como
“escadinha”, conforme a Figura 6.1, a seguir.
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DICA
Pergunte a seu contador quais impostos irão incidir sobre suas
operações. É importante lembrar que a carga tributária que recai
sobre cada negócio varia muito de setor para setor, regime
tributário em que se enquadra, região de atuação, ramo de
atividade, entre outros. Não menospreze o impacto dos tributos
na formação de seu resultado, vale o esforço de sempre buscar
informações mais precisas. Eu me atrevo a dizer que, no caso
brasileiro, isso pode ser ainda mais estratégico, em razão de
nossa ainda complexa estrutura tributária para negócios.
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VISÃO CRÍTICA
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Veja só a maravilha de informação que temos em nossas mãos agora!
Sabendo-se quanto sobra a cada unidade para contribuir com gastos
xos e que a empresa tem um total de gastos xos de R$ 42.250,00, é
possível estimar o ponto de equilíbrio! Veja, a seguir, a fórmula genérica
para isso:
No nosso exemplo:
Essa mesma análise para dois produtos poderia ser feita para três,
quatro ou inúmeros outros. Mesmo que haja “n” produtos, com
considerável complexidade, ainda assim é possível adotar a mesma
mecânica, de forma a estimar o ponto de equilíbrio em faturamento para
qualquer empresa!
Entretanto, devemos prestar atenção a um aspecto importante sobre o
mix de venda. Coloque-se novamente nos sapatos do empreendedor
responsável por essa empresa de dois produtos: X e Y. Vamos supor
agora que você, almejando atingir o ponto de equilíbrio, perceba que
está mais fácil aumentar as vendas do produto Y do que as do produto X.
Então, você começa a dedicar-se mais à venda de Y – porque ela está um
pouco mais “fácil”. Mas, nesse processo, o mix de venda se altera;
suponha que ele agora seja: 40% de X e 60% de Y. Veja, na Tabela 6.3, a
seguir, o que vai acontecer com o ponto de equilíbrio nesse cenário.
TABELA 6.3: MARGEM DE CONTRIBUIÇÃO E PONTO DE EQUILÍBRIO PARA O MIX DE VENDA – COM MUDANÇA NO MIX.
FONTE: DESENVOLVIDA PELA AUTORA.
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OBSERVAÇÃO
De acordo com o principal objetivo deste livro, tomo a
liberdade de tratar ganhos do ponto de vista econômico-
nanceiro. No entanto, o conceito de ganho poderia ser muito
mais amplo, se pensarmos, por exemplo, em ganhos
ambientais, em saúde, aprendizagem (para negócios
educacionais), bem-estar social, felicidade, benefício para a
sociedade em geral, entre outros ganhos que podem ser um
tanto intangíveis.
Aqui, vamos falar daquele ganho tipicamente mensurável em
termos nanceiros, quanti cável. Cabe mencionar que as
nanças nos negócios poderiam ser tratadas como ferramenta
para um benefício maior, por exemplo, no Terceiro Setor. Nem
por isso as ferramentas de nanças deixam de ser importantes.
Caso estejamos falando de uma instituição sem ns lucrativos,
cujo objetivo primordial é trazer benefício social para
determinada comunidade, ainda assim os conceitos deste
capítulo são absolutamente válidos. Nesse caso, em vez de
falar em receitas nos moldes tradicionais, talvez devêssemos
falar em alguma modalidade de doação, por exemplo. Em vez
de falar em lucros ou prejuízos, talvez devêssemos tratar de
superávits ou dé cits. Ainda assim, cabe um convite para olhar
as nanças de forma positiva, pois, naturalmente, em um
negócio nanceiramente viável, outras tantas viabilidades
sociais, ambientais e outras poderiam ser também ainda mais
alavancadas.
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O PEE é aquele momento em que o negócio atinge não apenas o volume de vendas su ciente
para cobrir os custos xos e variáveis, mas também o volume necessário para oferecer aos
investidores o retorno mínimo esperado no negócio que os satisfaça, à luz dos riscos
corridos no empreendimento.
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CURIOSIDADE
Vale mencionar que nenhum ativo é totalmente livre de risco,
porém considera-se que os títulos soberanos são a referência
de menor risco de cada economia. A lógica por trás disso seria
que, se um governo “quebrar”, há chances de que todos os
demais ativos nessa economia sofram também. Portanto, no
mínimo, todo negócio corre seu risco-país em alguma medida
– uns mais e outros menos. Além disso, corre algum
incremento de risco devido a suas características especí cas.
Este último é o chamado risco idiossincrático do negócio, o
risco, por exemplo, de que haja uma paralisação da empresa,
roubo de mercadorias, perda de demanda no segmento e
outros eventos particulares ao setor e à empresa.
Sendo assim, como vamos correr riscos adicionais ao investir
em empresas na chamada economia real, em vez de investir
em títulos públicos de nossa economia, é apenas natural e
racional que esperemos, com isso, obter retornos superiores.
Por sinal, esse arcabouço é a base do capital assets pricing model
(CAPM) – uma das técnicas mais utilizadas para estimativa do
custo de capital dos negócios, a qual busca essencialmente
relacionar o nível de risco da rma com seu retorno esperado.
Falaremos mais sobre esse indicador e suas falhas para
startups nos capítulos que tratam de avaliação de negócios.
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DICA
Considerações sobre os impostos sobre a renda
Caso a empresa não seja enquadrada no regime de tributação
de lucro real, é possível que o imposto de renda seja pago não
com base nos lucros do período, mas, sim, com base em
presunção de lucros feita a partir da receita da empresa. Nesse
caso, essa etapa pode ser desconsiderada no cálculo do lucro
meta, e o imposto de renda é tratado como um imposto variável,
tendo sido considerado, antes do cálculo da margem de
contribuição da empresa, como um gasto variável.
ATENÇÃO À ARMADILHA!
Cuidado com a descoberta de seu PEE. Ela é valiosíssima, mas
precisa ser utilizada com cuidado!
Identificado o PEE, é muito comum que o negócio crie certa
obsessão por esse número e saia em uma busca feroz por
crescimento. Infelizmente, não raras vezes, isso é feito com
maiores gastos em marketing, contratação de times comerciais
ou outros, que fazem, na verdade, com que o gasto fixo
aumente e o ponto de equilíbrio se torne ainda mais distante.
Nesses casos, é possível que a empresa entre em uma espiral
de queimar dinheiro e cada vez se afunde mais, pois a demanda
necessária se torna cada vez maior e maior e menos atingível!
SAIBA MAIS
Caso queira saber mais sobre os temas tratados neste capítulo,
sugerimos as seguintes leituras:
1 Pro ssional entrevistado pela autora em caráter anônimo.
2 A depreciação está associada ao consumo de valor dos bens de longo prazo da empresa, como
máquinas, equipamentos, entre outros. O valor que é gasto com ativos de longo prazo será
consumido e, portanto, depreciado ao longo de sua vida útil. Sendo assim, suponha uma
máquina que tenha custado R$ 10.000,00 e tenha uma vida útil de dez anos (ao nal dos quais,
seu valor residual é zero); seu valor será consumido à razão de R$ 1.000,00/ano. Isso signi ca
dizer que o negócio deverá ser capaz de ter lucro para compensar não apenas os gastos do dia a
dia (como matéria-prima, salários etc.), mas também o gasto dessa máquina ao longo de dez
anos de operação.
3 UBER TECHNOLOGIES. Form 10-Q, [S.I.] [2019?]. Disponível em:
<https://d18rn0p25nwr6d.cloudfront.net/CIK-0001543151/53066efb-e08f-43fe-b5 -
0850cf3cd7ba.pdf>. Acesso em: 03 de março de 2020.
4 KAHNEMAN, Daniel; TVERSKY, Amos. Prospect Theory: An analysis of decision under risk.
Econometrica, v. 47, n. 2, p. 263-291, 1979.
5 KERINS, Frank; SMITH, Janet Kiholm; SMITH, Richard. Opportunity cost of capital for venture
capital investors
and entrepreneurs. The Journal of Financial and Quantitative Analysis, v. 39, n. 2, p. 385-405,
June 2004.
Em que pese o maior foco deste livro ser questões relacionadas a nanças para
startups, verdade seja dita: os campos da Administração são extremamente inter-
relacionados. A todo momento, re ro-me às nanças como pilar essencial das
análises estratégicas das empresas. Além deste, neste capítulo vou discutir alguns
conceitos cujo berço está em mais um pilar da gestão de negócios: o marketing.
Pode muito bem ser que você, ao ler o capítulo anterior, a depender das
características de seu negócio, tenha percebido que o conceito clássico de
margem de contribuição e ponto de equilíbrio não se adaptam perfeitamente a sua
startup. Especialmente os negócios muito associados às tendências da nova
economia podem ter essa di culdade. Alguns exemplos de startups que não se
encaixam perfeitamente nesses conceitos são: serviços por assinatura, alguns
tipos de negócios com receitas recorrentes, contratos de prestação de serviços de
longo prazo, serviços da economia compartilhada.
Quer um exemplo? Pois bem, pensemos em um negócio cujos gastos variáveis
sejam aparentemente muito baixos, então boa parte do preço de venda já é
margem de contribuição. Dessa forma, a margem de contribuição percentual é
bastante alta, mesmo assim ca difícil estimar o ponto de equilíbrio, pois o
conceito de venda unitária é confuso: algo de longo prazo e/ou prazo inde nido,
como acontece, por exemplo, em negócios de assinaturas baseados em
tecnologia?
Dessa forma, este capítulo é feito sob medida para negócios que sofrem com
esses dilemas. Vamos entender mais detalhes sobre algumas métricas da nova
economia, como custo de aquisição de clientes (CAC) e lifetime value do cliente
(LTV), também conhecido como CLV (da sigla em inglês, Customer lifetime Value).
Essas métricas surgiram muito associadas às necessidades de tomada de decisão
em marketing, mas prestam um elevadíssimo serviço às nanças como métricas
de adaptação dos conceitos tratados no capítulo anterior. Na verdade, essas
métricas são como certa adaptação do conceito de margem de contribuição às
necessidades da nova economia, transferindo o foco de unidade vendida para
cliente adquirido. Conforme mencionado anteriormente, isso vai ao encontro do
capitalismo do consumidor.
Qual o nosso objetivo?
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CURIOSIDADE
Em sua Lecture, o Prof. Asim M. Ansari da Columbia Business School
(CBS), escola de negócios da Columbia University, fez uma analogia que
muito me chamou atenção.
Vamos imaginar a seguinte situação: imagine que você é o
empreendedor fundador de determinada empresa e acaba de comprar
um veículo para uso nos negócios. Você estaciona o carro na empresa e
sai para outras atividades. Quando volta, percebe que o carro sumiu.
Como você se sentiria?
Provavelmente, seu nível de indignação seria enorme. Você
enfurecidamente questionaria a falta de segurança, pensaria no custo do
veículo, no tamanho do valor perdido por essa falha, buscaria monetizar,
conscientemente, a perda sofrida.
O que acontece, no entanto, quando você perde... um cliente?
Normalmente, nada. Pouquíssimos são os casos de empresas que
percebem efetivamente a perda de clientes. Geralmente, elas nem
mesmo sabem qual é o valor de um cliente. Muitas vezes, sequer a perda
é percebida (o que já seria algo fora da curva!), nem se tem o sentimento
de perda, ou a busca ativa e consciente do tamanho da perda –
monetária e outras, como de imagem, reputação etc.
Mudemos isso!
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Sendo assim, em vez de considerarmos a geração de valor (contribuição) em um
produto ou em uma transação, podemos entendê-la como em um cliente, ao longo
de cujo relacionamento com a empresa, potencialmente, uma série de interações
vai acontecer. Podemos entender – naturalmente não em sentido literal – um
cliente como “vivo” ou “morto” do ponto de vista de relacionamento com a
empresa.
Para entender o valor de um cliente, vamos iniciar pela de nição técnica do LTV:
Note que essa de nição apresenta alguns pontos relevantes, que destacamos a
seguir:
• Lucros futuros: perceba que a de nição do LTV passa por compreender o lucro
que o cliente gera para o negócio. Nota-se aqui o componente de incremento.
Não se trata do preço de venda desse produto ao cliente, mas, sim, de quanto de
lucro sobra dessa relação com o cliente, após todos os gastos associados à sua
aquisição, à entrega de benefício, a eventuais impostos variáveis, entre outros.
Em outras palavras, é o que sobra do relacionamento com o cliente em sua vida
na empresa, após deduzidos todos os gastos que ele acarreta para o negócio.
Suponha que você invista R$ 100,00 hoje, a uma taxa de juros de 10% ao
ano. Seu uxo de caixa esperado seria tal qual ilustrado a seguir:
em que:
CAC= custo de aquisição do cliente;
M = margem de cada ano. Trata-se do lucro do cliente estimado para o ano,
sendo esse lucro o que sobra da receita gerada por ele, após o pagamento de
todos os gastos associados a sua manutenção e entrega de benefícios/serviços
/produtos;
R = taxa de retenção de cliente de cada ano;
i = taxa de desconto.
Veja, a seguir, algumas etapas fundamentais para compreender a essência de
estimativas do LTV.
• Primeira etapa: estime o CAC, sobre o qual falaremos com mais detalhes
adiante. Essa etapa é importante, pois, qualquer que seja o benefício que um
cliente traga para o negócio, devemos sempre considerar o custo necessário para
conquistá-lo. Naturalmente, é economicamente essencial que o benefício supere o
custo de aquisição, de forma que o negócio seja viável – ao menos em sua
maturidade.
• Segunda etapa: estime qual seria o lucro de um cliente que que com você por
uma vida longa, suponha aquele cliente que permanece, de fato, em
relacionamento ativo com a empresa.
• Quarta etapa: estime o uxo de cada ano esperado por cliente, conforme taxas
de retenção conhecidas. Em média, portanto, suponha que a margem de um
cliente no ano três seja estimada em R$ 1.000,00. No entanto, nem todos os
clientes chegarão a seu terceiro ano de vida de relacionamento. Sabendo que a
taxa de retenção de clientes no terceiro ano é de 50%, então o verdadeiro lucro
esperado de um cliente adquirido hoje, em média, para o terceiro ano, é de R$
500,00 (R$ 1.000,00 x 50%).
• Quinta etapa: estime o valor presente desse uxo futuro esperado. Após
estimado o lucro esperado de cada cliente por ano, dada a taxa de retenção de
clientes ao longo de seu relacionamento com a empresa, então, é preciso pegar
esses valores e trazê-los para a data de hoje, considerando o desconto de valor do
dinheiro no tempo, conforme a já conhecida Matemática Financeira. Suponha que
o lucro esperado no ano seja de R$ 500,00, conforme calculado no item anterior.
Ainda assim, esse dinheiro está representado em valores de ano três, e não em
data zero. Para reconhecer o valor desse lucro em dinheiro de hoje, é preciso,
então, trazer isso a valor presente com base na fórmula: 500 / (1+i)3.
Vem agora a maravilhosa notícia! Aquela última fórmula que aplicamos, mais
extensa, poderia ser simpli cada, graças a nossa maravilhosa ciência matemática.
Veja bem: os clientes poderiam ter vida in nita de relacionamento com a empresa
(matematicamente falando). No entanto, a contribuição desse consumidor, no
longo prazo, começa a ser irrisória, praticamente irrelevante. Isso porque, quanto
mais tempo passa, menor tende a ser a retenção de clientes. Por isso, no longo
prazo, a lucratividade esperada por qualquer cliente há de ser muito pequena,
dada a baixíssima probabilidade de que um cliente permaneça ativo por tanto
tempo. Como se não bastasse isso, descontar esse valor já minúsculo, daqui a 30
anos, no que se refere ao valor presente (hoje), faz com que o desconto seja tão
grande, em razão do valor do dinheiro no tempo, que o valor presente de algo já
pequeno, no futuro, ca ainda menor em dinheiro de data zero (agora).
Matematicamente, por esses dois motivos (baixa retenção de cliente no
longuíssimo prazo e desconto de valor do dinheiro no tempo), é possível fazermos
uma simpli cação da fórmula de LTV, que passa a ser a seguinte:
em que:
• i = taxa de desconto, que busca estimar o valor do dinheiro no tempo para essa
empresa. Também é conhecida como o custo de capital, sobre o qual discutimos
no capítulo anterior ao falar sobre o lucro meta. Como simpli cação, sugere-se
entender essa taxa como o mínimo de retorno que o acionista espera ter com essa
empresa. Como regra geral, essa taxa deve ser superior à taxa livre de risco no seu
país (suponhamos, no caso brasileiro, a referência da Selic, e sugiro pensar na
Selic de longo prazo), acrescida de algum prêmio pelo risco corrido. Há inúmeros
estudos que discutem quanto deveria ser esse prêmio. Pessoalmente, conduzi
amplo estudo para o caso brasileiro em minha tese de doutorado, em que você
poderá encontrar justi cativas para considerar esse prêmio como algo entre 5%
até 10% ao ano, no Brasil2. Entrar em mais detalhes envolveria tecnicidade
nanceira que foge ao objetivo deste livro. Porém, como regra geral, “menos é
mais”: adote suas premissas simpli cadas mais ou menos nessa linha e continue
as demais análises!
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O que queremos fazer com o valor na vida do cliente (LTV)? Maximizá-lo! Nosso
objetivo será, de fato, maximizar o LTV. Pela fórmula que encontramos, veja que há
essencialmente três alternativas de geração de valor em LTV:
Supondo que o custo de capital (i) seja dado para determinado negócio (quanto,
no mínimo, os investidores esperaram ganhar dado o risco corrido), então nossas
opções para maximizar LTV são:
(i) reduzir o CAC: quanto menor for o CAC, melhor para o LTV, naturalmente, pois
o CAC é o quanto a empresa gasta para adquirir determinado cliente;
(ii) maximizar a margem (M): quanto maior for a margem gerada pelo cliente
(lucro no ano/mês após todos os devidos gastos que o cliente gera), maior será o
LTV;
(iii) maximizar a taxa de retenção (R): quanto maior for a taxa de retenção anual
de clientes, maior será o LTV. Perceba como, na fórmula, o fator em que se
encontra a taxa de retenção multiplica a margem. Queremos, portanto, que esse
fator (que multiplica M) seja o maior possível. Para melhor compreensão, suponha
que o custo de capital (i) seja de 14%. Se a taxa de retenção fosse 70%, então a
fração dada por [R/(1+i-R)] seria igual a 1,59. No entanto, se a taxa de retenção
fosse de 80%, o resultado dessa conta seria 2,35. Se a taxa de retenção fossem
felizes 90%, então a resposta seria 3,75! Esses números multiplicam diretamente a
fórmula do LTV, de tal sorte que ca evidente como a taxa de retenção é
absolutamente valiosa para a maximização do LTV em seu negócio.
O que tudo isso signi caria? Imaginemos que estamos tratando de um serviço
por assinatura que tenha margem anual por cliente de R$ 1.200,00, CAC de
R$ 200,00 e i = 14%. Se a taxa de retenção fosse 70%, então teríamos que:
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ATENÇÃO!
Em startups, a sugestão é a seguinte: antes de investir tempo e
dinheiro em aumentar muito a base de clientes, invista tempo e dinheiro
em manter os clientes atuais. Gosto da analogia da água em uma
banheira: se o ralo é grande, largo e está aberto, não importa quão
rápido você jogue água nessa banheira, ela sempre estará vazia,
simplesmente porque o ralo está aberto. Antes de investir tempo e
energia enchendo a banheira, feche o ralo!
Ou seja: antes de investir tempo, dinheiro e reputação em conseguir
novos clientes, aprenda como satisfazer e reter seus clientes. Do
contrário, você se verá sempre com a banheira vazia: sem clientes, sem
receitas, sem caixa. Isso tem toda relação com o que discutimos no
Capítulo 2 sobre modelo de valor e modelo de crescimento, você se
recorda?
Além disso, não podemos nos esquecer de que um cliente perdido
pode ser difícil de recuperar. A experiência já foi vivida pelo cliente,
ainda mais nos tempos atuais em que todos mal têm tempo para assistir
a um vídeo com duração superior a um minuto (o que muito me choca,
diga-se de passagem, mas compreendo), o que dirá conseguir que se
engajem em uma segunda, terceira ou quarta chance para uma
experiência.
Lembremos, portanto, de validar nosso modelo de valor e de
crescimento, antes de investir demasiada quantidade de recursos para
crescer. Esse entendimento é mais uma grande oportunidade de
executar sua estratégia de forma orientada para o sucesso no negócio!
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7.2 O tal do churn
Até agora, falamos da taxa de retenção de clientes (R), porém sem uma
discussão mais precisa sobre como ela poderia ser apurada. Naturalmente, será
necessário calcular esse indicador (que é gerencial) em seu negócio. Para calcular
a taxa de retenção, devemos, antes de mais nada, calcular o churn.
Churn
O churn refere-se à perda de clientes em determinado período de tempo
– por exemplo, um mês ou um ano. A cada cem clientes adquiridos,
quantos são aqueles cujo relacionamento com a empresa está “vivo”
após um ano?
Supondo que o churn seja de 10%, isso signi ca que a taxa de retenção é de
90% (100% - 10%).
Por mais que pareça uma fórmula um tanto quanto simples, sua apuração prática
pode ser bastante confusa. Isso porque, ao longo de determinado período, temos
essencialmente três fatores: (i) base de clientes inicial, (ii) clientes perdidos e (iii)
clientes adquiridos. Como calcular a parte de baixo dessa função (total de
clientes) sem que essa medida seja poluída pelos clientes que acabaram de ser
adquiridos durante o período? Além disso, imagine o caso de uma startup cujo
modelo de negócio, ao longo de um ano, tenha evoluído tanto que o churn de um
cliente de janeiro pode ser absolutamente diferente daquele de um cliente de
dezembro, simplesmente devido à melhora contínua e muito grande no nível de
experiência do usuário/cliente.
A melhor forma para se estimar o churn costuma passar pelo conceito de cohort
– grupo de clientes. É ideal que haja grupos de controle para estimar o churn em
startups que envolvam os clientes adquiridos em determinado momento do
tempo, sob condições similares. Sendo assim, a startup poderia acompanhar a
carteira de usuários adquiridos, por exemplo, em janeiro, e ver quanto desses
usuários continuam presentes um ano depois (após o prazo de renovação,
naturalmente).
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CURIOSIDADE
Em serviços por assinatura, costuma-se considerar como perda o
cliente que cancela a assinatura, ou aquele que não a renova.
É importante frisar que clientes de free trials (períodos gratuitos de
experiência) nunca serão considerados como clientes ativos de fato. O
consumidor apenas passa a fazer parte dos cálculos quando for
“adquirido”. Assim, evitamos considerar o período gratuito.
A Net ix, por exemplo, avisou que irá parar de divulgar dados de free
trials em seus releases de resultados.
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CUSTO DE AQUISIÇÃO DE CLIENTES (CAC)
Trata-se do esforço nanceiro necessário para a aquisição de um cliente.
Pode envolver diversos gastos de marketing (comunicação, mídias digitais,
propagandas em veículos diversos, impulsionamentos, folha de pagamento
de pro ssionais de marketing e outros) e de vendas (vendedores,
comissões, boni cações, promoções e outros), tanto de natureza xa
quanto variável – não nos esqueçamos desse detalhe!
Devemos tomar cuidado, pois, muitas vezes, o indicador é calculado
apenas levando em consideração gastos de comunicação ou correlatos, o
que, com certeza, subestima o esforço nanceiro da empresa para adquirir
um cliente.
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Suponha agora que a Net ix queira buscar aumentar sua taxa de retenção, de
91% para 95%. Naturalmente, para conseguir atingir esse resultado, ela precisará
investir na retenção de seus clientes, o que invariavelmente irá reduzir a
lucratividade anual (M).
Até quanto ela poderia gastar anualmente de forma que o investimento valesse a
pena? Nesse caso, a nova margem seria M2 = M – Custo incremental de retenção
(C). Precisaríamos construir a análise de tal forma que o aumento da retenção (R2)
compensasse a redução em margem (M2), de tal forma que:
A primeira parte dessa equação refere-se à vida da Net ix tal qual ela é hoje.
Substituindo na fórmula os valores atuais, temos que:
Nosso objetivo é levar a taxa de retenção (R2) para o patamar de 95%. Sendo
assim, vamos agora fazer essa substituição em R2:
Resolvendo até aqui, tem-se que:
Percebe-se, então, que a Net ix pode pagar, no máximo, US$ 15,81 adicionais
por ano para tentar melhorar a retenção de seus clientes, almejando os 95% de
retenção. Caso a empresa gaste menos do que US$ 15,81 incrementais e atinja seu
objetivo, excelente! Caso contrário, teria sido melhor, do ponto de vista
econômico, manter a taxa de retenção em 91%.
Perceba que esse é um exercício que deve ser feito com cuidado na vida real: não
há como termos certeza de que o incremento de custo terá de fato o impacto
esperado na taxa de retenção de seus clientes, então é importante acompanhar
esses esforços para ver se os resultados são promissores.
Re ita sobre o seguinte aspecto: você enxerga o enorme poder que essas
ferramentas conferem ao empreendedor, permitindo-o pensar estrategicamente na
geração de valor ao consumidor, na experiência do consumidor, na satisfação de
seus usuários (naturalmente re etida na taxa de retenção), entre outros aspectos?
Para as análises de empresas na nova economia e a constante necessidade de
testar hipóteses e alterar os rumos dos negócios (o chamado “pivotar”, do método
lean startup, de Eric Ries (2011)3, cujo berço esteve também nas ideias de Steve
Blank4, por exemplo), essas medidas são absolutamente essenciais.
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CUIDADO!
Quando fazemos as análises propostas neste item, estamos trabalhando
com premissas, expectativas. Buscamos identi car, aqui, qual é o máximo
que poderíamos gastar para subir a taxa de retenção. No entanto, o futuro é
incerto (como sempre). É, sim, possível que esse esforço incremental
aumente a retenção para o patamar esperado ou, quem sabe, mais ainda,
assim como é possível que gastemos esse valor para perceber que isso não
se re etiu em aumento da retenção. Neste último caso, a decisão de gastar
mais para reter o consumidor não foi nanceiramente atrativa.
Como estamos tratando com incertezas, e a vida das startups é deveras
cheia de testes, é importante lembrar de sempre acompanhar os testes
propostos para ver se foram alcançados os resultados esperados.
Devemos car atentos para não cair na armadilha da inércia: pode
acontecer de o gasto não ter sido tão assertivo, porém, por falta de
acompanhamento e veri cação, essa ine ciência passa despercebida pelos
gestores. Nesse caso, o que acontece é que o LTV do cliente cará
permanentemente reduzido, por pura desatenção ao fato de que esse gasto
incremental não levou a resultados economicamente atrativos em aumento
de retenção de clientes. Porém, pode continuar sendo despendido em uma
manobra “automática” derivada daquele ato inicial...
por pura inércia! Pior mesmo é que se trata de um valor que está sendo
gasto, mas não gera uma consequência sensível em valor percebido pelo
cliente a ponto de melhorar seu relacionamento com a empresa. Isso sugere
que esse recurso poderia ser gasto pela empresa de outra forma que, de
fato, fosse percebida como valiosa para o cliente.
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O CAC é um indicador perigoso se mal utilizado. Em verdade, como qualquer
indicador gerencial, é muito facilmente “maquiável”. Sei que você tem a melhor
das intenções ao fazer bom uso da métrica, então nos permita compartilhar alguns
pontos de atenção: nosso objetivo é conseguir calcular bem o indicador e tomar o
cuidado para não cair em armadilhas que minimizam o CAC arti cialmente, o que
certamente induziria você a erros estratégicos relevantes. Isso porque o nosso
interesse é minimizar o CAC de fato, não arti cialmente.
Qualquer negócio, sempre, buscará minimizar os custos no limite em que essa
minimização seja bené ca para o negócio. O CAC, como custo de aquisição de
clientes, não é diferente. Seu objetivo é medir o real custo de aquisição de um
cliente, porém não é tão fácil fazer tal mensuração.
Suponha, por exemplo, os seguintes gastos de marketing e vendas: folha, gastos
com agência de publicidade, salários e comissão de vendedores, marketing digital
e impulsionamentos em mídias. Veja a seguir discussões sobre alguns problemas
que devem ser evitados para o melhor uso e benefício do CAC.
Diversos negócios fazem uso de medidas de CAC que consideram apenas os
gastos variáveis (ou semivariáveis), como comissões/impulsionamentos em
mídias digitais, agência de publicidade produzindo peças de marketing sob
demanda, AdWords etc. No entanto, isso desvia a atenção de diversos – e
possivelmente relevantes – custos xos associados à aquisição de clientes, como
salário dos pro ssionais de marketing e vendas, por exemplo. Há uma armadilha
perigosa aqui: buscando reduzir esse CAC variável, muitas vezes, a startup opta
por internalizar parte dos gastos (como contratar pro ssionais para fazer
inteiramente artes de marketing, em vez de comprar sob a demanda de agências).
Não há absolutamente nada de errado com essa estratégia. O problema surge se o
novo custo não for muito cuidadosamente acompanhado.
Veja bem: caso a empresa considere em seu CAC apenas o gasto variável, ela
deixará de reconhecer o gasto com a agência para produção das peças na
composição do CAC, de forma que o indicador parecerá menor: há redução em CAC
variável. No entanto, há um aumento em CAC, agora, como um gasto xo! Ao
desconsiderar os gastos xos em sua apuração do custo de aquisição de clientes,
a empresa corre o risco de negligenciar esse novo gasto, levando a decisões um
tanto quanto equivocadas. No limite, ela pode estar vendendo seus produtos com
LTV negativo na verdade, porém arti cialmente alto, simplesmente porque o CAC
foi subestimado – por descuido ou, quem sabe, por “maquiagem”.
Apesar da maior di culdade em estimar o CAC considerando também os gastos
xos, ele é mais apropriado para a melhor tomada de decisões. Vale uma
observação: digo que é um pouco mais difícil estimá-lo, pois geralmente isso
demanda algum tipo de rateio nos gastos xos, buscando separar o que é
aquisição de clientes do que é manutenção/retenção de clientes, por exemplo.
7.4 Estratégias para crescimento do LTV
Podemos contar essencialmente com três grandes grupos de estratégias para
geração de valor de consumidores no negócio. No m do dia, do ponto de vista
econômico- nanceiro, visamos sempre maximizar o valor do negócio (firm value).
Trabalhar o valor agregado por nossos clientes é chave nesse processo.
Uma das primeiras estratégias para crescimento de valor do negócio com base na
maximização do valor de consumidores seria o puro crescimento na base de
clientes. Isso envolve um custo de aquisição, naturalmente. Há três principais
caminhos a serem percorridos para atingir esse objetivo: (i) investir em
propagandas e comunicação, (ii) investir em parcerias estratégicas, (iii) por meio
de aquisições (operações de M&A). Quando pensamos na vida de startups, este
terceiro caminho (que geralmente envolve grandes volumes de recursos) costuma
ser viável apenas a partir de um porte de negócio muito maior, já avançado com
relação às séries de captações. Parcerias têm como importante ponto positivo seu
custo, que, em diversos casos, pode resultar em um gasto inicial menor. Ainda
nesta primeira macroestratégia, é preciso sempre lembrarmos da importância de
buscar minimizar o CAC.
As segunda e terceira estratégias têm total relação com a já mencionada fórmula
de apuração do LTV. De alguma forma, podemos buscar maximizar a lucratividade
de cada cliente ao longo de sua vida de relacionamento com a empresa (M), ou
ainda aumentar a taxa de retenção de clientes (R). É absolutamente relevante
compreender, no entanto, que essas estratégias não são independentes: elas
carregam implicações e re exos umas nas outras. Por exemplo: em uma tentativa
de reter mais os clientes (aumento em R), pode ser adotada uma estratégia de
baixar o preço. No entanto, isso causa uma redução na lucratividade do cliente
(M). Da mesma forma, para adquirir maior volume de clientes, pode-se incorrer em
aumento no CAC, reduzindo o valor no ciclo de vida do cliente.
DICA
Com o uso de dados, associados a boas práticas de estatística e,
especialmente, à inteligência artificial, muitas empresas vêm tendo
consideráveis ganhos em retenção por meio de bons sistemas de
recomendação. Certamente, você já percebeu isso em sua vida diária,
com diversas experiências como consumidor.
Alguns exemplos saltam aos olhos: Netflix, Google, Amazon, entre outros.
O sistema de recomendação de filmes e séries da Netflix promove intenso
engajamento do usuário com a plataforma, especialmente na medida em
que são sugeridas experiências de forma assertiva. Da mesma forma,
quando a Amazon promove recomendações de produtos ou serviços que
podem ser úteis ao usuário, ele também se engaja mais na experiência.
Percebe-se, então, que sistemas de recomendação estão se tornando
ferramenta valiosa para buscar aumentar a taxa de retenção de clientes,
com impacto fortemente benéfico em LTV.
As linhas destacadas em cinza, na Tabela 7.1, são aquelas estimadas com base
em cálculos. Os dados de assinantes – totais e líquidos adicionais –, bem como
de receitas, custos e gastos de marketing, foram todos retirados das informações
trimestrais reais publicadas pela empresa e elmente anualizados.
Para ns de cálculo de lucratividade do usuário por ano, sua margem de
lucratividade (M), consideraram-se apenas as receitas menos os custos das
receitas, divididos pelo total de usuários. Para ns de apuração do CAC, foi
considerado o valor de marketing investido, dividido pela quantidade de
assinantes brutos adquiridos no ano. Devemos prestar atenção a esse detalhe: os
assinantes brutos adicionados no período não são divulgados pela Net ix, que
apenas informa a adição líquida (entradas menos saídas de assinantes). Sendo
assim, foi preciso estimar o número de adições brutas no ano. Para tal,
considerou-se como adições brutas o valor das adições líquidas (aquelas acima
das perdas) mais o churn. Este, por sua vez, foi estimado como sendo 9% de
perdas de clientes anualmente, multiplicado pelo valor inicial de assinantes no
ano. Essa conta está destacada na primeira linha cinza da planilha.
Nota-se que foi adotada aqui a premissa de que todo o gasto de marketing por
segmento está destinado à aquisição de novos clientes. Também se assume a
premissa de que esse valor já inclui todas as informações relevantes – tanto de
marketing quanto de vendas –, essenciais para compor o CAC. Naturalmente,
essas premissas poderiam ser muito mais so sticadas se estivéssemos dentro da
empresa, com acesso a seus dados gerenciais.
Nota-se que o custo de aquisição de clientes em seu mercado doméstico
(US$ 112,00) é consideravelmente superior ao CAC de suas operações
internacionais (US$ 64,00). Podemos imaginar que isso tem relação com a
maturidade dos mercados: no caso da operação doméstica, a empresa já tem um
alto nível de penetração, de forma que o ganho incremental de usuários é mais
difícil, pois trata-se daqueles usuários mais custosos de atingir – uma vez que o
mercado mais fácil já foi conquistado nessa altura. Além disso, o aumento da
competitividade em negócios streaming
também é especialmente mais gritante (no que se refere a investimentos em
marketing) em seu mercado doméstico. Já nas operações internacionais, é
possível estimar que ainda haja maior volume de clientes disponíveis para serem
impactados pela comunicação em mercados menos maduros, de forma que o CAC
ca reduzido.
No entanto, nas operações internacionais, a receita média por usuário (ARPU,
sigla em inglês para average revenue per user) também é consideravelmente
inferior. Chegamos à estimativa de lucratividade anual estimada por usuário (a
margem, já discutida anteriormente, que é a base para o cálculo do LTV) de US$
70,40 por ano no mercado doméstico, em comparação a US$ 30,20 por ano nas
operações internacionais. O valor de churn não é divulgado pela empresa, porém
diversas fontes6 sugerem que esse indicador deva ser algo ao redor de 9% para a
Net ix, o que indica uma taxa de retenção de 91%.
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ATENÇÃO À ARMADILHA!
Nessa era da nova economia, você certamente já deve ter ouvido falar do
conceito de exponencialidade dos negócios. Em essência, trata-se do
crescimento dos negócios em velocidade exponencial – e não linear.
Quando fazemos investimentos em marketing (por exemplo, um Google
Adwords), os resultados obtidos tendem a ser mais próximos do
crescimento linear do que do exponencial (a não ser, naturalmente, que o
crescimento dos investimentos seja também exponencial, o que pode ser
arriscado quanto à viabilidade econômica). O mesmo se pode dizer do
crescimento pela contratação de vendedores: o crescimento é mais próximo
do modelo linear.
Além de linear, ambas as estratégias podem ser caras (ou pelo menos
mais caras) para startups. Surge aí, com força, o benefício das
comunidades, cujo poder se alavancou com o desenvolvimento das
tecnologias.
Ter como estratégia de crescimento o estabelecimento de comunidades
pode ser uma belíssima estratégia (se bem executada e contando com a
criação de compartilhamento de bons conteúdos e oportunidades de
conexão/relacionamento/entretenimento/networking) para alavancar
vendas enquanto minimizar fortemente o CAC.
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CURIOSIDADE
O LTV pode ser entendido como a proxy de margem de contribuição
para empresas nas quais o conceito de unidade de venda não seja tão
óbvio. Assim, é mais intuitivo tratar de unidade de cliente (por exemplo,
serviços por assinatura, típicos em diversas startups da nova economia).
Assim como anteriormente tratamos do conceito de mix de venda por
produto, as mesmas considerações poderiam ser feitas aqui
considerando o mix de clientes por segmento. Isso, naturalmente, caso
haja diferentes per s de segmentos de clientes no negócio.
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VOCÊ SABIA?
O indicador de LTV pode ser encontrado na literatura – especialmente
em fontes livres na internet – e calculado de outras formas. Tendo o
cuidado de aplicar o melhor conceito para a tomada de decisões, sugiro
enfaticamente que você faça uso da versão proposta neste livro.
Dito isso, uma alternativa próxima do que foi discutido seria estimar o
retorno do cliente (ROI), dado o investimento feito nesse cliente. Esse
indicador seria dado por:
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Note que essa fórmula ROI divide o ganho pelo CAC em vez de fazer o
ganho do cliente ao longo de sua vida menos o CAC, chegando ao LTV em
termos monetários. O que se tem agora é o retorno percentual que esse
cliente proporciona, dado o investimento (CAC) feito para adquiri-lo.
Em essência, é a mesma informação! Só que uma em dinheiro (LTV) e a
outra em percentual (ROI do cliente). Trata-se de outra forma de analisar o
cliente e seu ganho proporcionado à empresa, porém ainda com grande
benefício.
Se buscar fontes muito simplistas, possivelmente você vai deparar-se com
a seguinte de nição – que sugiro você não utilizar, preferencialmente:
A parte de cima seria popularmente chamada de LTV. Sugiro que você não
utilize essa versão por alguns motivos:
• não se analisa nessa fórmula, com o devido cuidado, o churn e a taxa de
retenção de clientes, que são variáveis-chave e altamente estratégicas
para empresas na nova economia;
• desconsiderou-se completamente o valor do dinheiro no tempo. Nessa
fórmula, atribui-se o mesmo peso à lucratividade que um cliente gera no
ano um, e aquela lucratividade gerada no ano seis.
Ainda assim, é relevante trazer a você esse entendimento, pois devemos
ter cuidado com o rigor dos indicadores, de forma que consigamos – de
verdade – tomar ótimas decisões em nossas startups.
SAIBA MAIS
Caso queira saber mais sobre os temas tratados neste capítulo, sugerimos as
seguintes leituras:
em que:
CAC = custo de aquisição do cliente;
M = margem de cada ano. Trata-se do lucro do cliente estimado para o ano,
sendo esse lucro o que sobra da receita gerada por ele, após o pagamento de
todos os gastos associados à sua manutenção e entrega de
benefícios/serviços/produtos;
R = taxa de retenção de cliente de cada ano;
i = taxa de desconto.
Consideremos que M e R são estáveis no tempo, para todos os anos. Sendo
assim, tem-se que:
Consideramos, agora, que há in nitos termos nessa série (em vez de terminar no
ano n da projeção) e colocamos o termo comum (M x R) /(1+i) em evidência. Tem-
se, então, que:
8.1 Milestones
Uma parte inicial para análise dos investimentos necessários no negócio envolve
delimitar o escopo de ação futura. Antes de mais nada, é preciso saber aonde se
quer chegar e como se pretende chegar lá. Não me re ro a planos de longo prazo,
porque obviamente isso é raro para o modelo de negócio de startups, mas aos
próximos passos – no horizonte de tempo que seu negócio lhe permitir enxergar.
Note que essa etapa preliminar é absolutamente estratégica e, sem esses
detalhes sobre formato do negócio e modo estimado de trabalho, é praticamente
impossível avaliar os recursos necessários. Para tanto, é interessante compreender
o conceito de milestone, muito utilizado para levantamento de recursos em startups
quando em conversas com potenciais investidores.
Diferentemente de negócios mais tradicionais, é realmente difícil fazer um plano
de três ou cinco anos em startups, em especial em seus estágios iniciais de vida,
pois as variáveis e incertezas serão tantas que a análise ca inviabilizada. Então,
em vez de pensar em horizonte temporal, usa-se o conceito de milestone para
de nir investimentos. Um milestone é uma conquista esperada ou um marco no
processo de crescimento na vida da startup.
Esses marcos são etapas relevantes na história de vida da startup, como: teste de
um MVP, lançamento de um produto, determinado número de clientes/assinantes,
primeiras receitas, ponto de equilíbrio etc. Essa de nição é chave para o sucesso e
absolutamente estratégica, pois estimula os times e empreendedores a manterem a
atenção no que realmente importa em determinado momento do negócio.
Como sabemos, em pequenas empresas, os times geralmente são incompletos,
então é comum que um mesmo pro ssional tenha vários “chapéus”: em
determinado momento, é o estrategista, em outro é o nanceiro, em outro é o
vendedor, em outro é operações e limpeza, entre outros. Sim: somos tudo. Por isso,
é fácil nos perdermos um pouco no dia a dia caótico de startups e nos
distanciarmos do que é realmente importante (porém não tão urgente) no negócio.
Por isso, o conceito claro de milestone auxilia o empreendedor e seus times a
manterem a atenção focada no que realmente é a etapa crítica para o sucesso da
startup em determinado momento.
Uma vez de nido o milestone, ou até uma sequência de marcos importantes,
então chega a hora de efetivamente começar a planejar os investimentos.
DICA
No início de vida de uma startup, especialmente quando em
segmentos de atuação em que seus profissionais não têm amplo
domínio, é comum que diversos gastos dessa natureza sejam
esquecidos por puro desconhecimento. Por isso, não subestime a
importância de conversar com especialistas – ou o que mais
próximo disso houver.
Procure pessoas experientes desse setor e faça de tudo para
conversar com elas. Há uma expressão que vem da linguagem
informal brasileira, que chama essa pessoa a qual me refiro de
“macaco velho”: o termo designa aquela pessoa que tem tamanha
experiência adquirida, que sua intuição a previne de cair em
armadilhas e incorrer em erros, não só em relação ao que ela faz,
mas também ao que diz, que pode ser de enorme valia para o
empreendedor. Uma hora de conversa com essas pessoas pode lhe
proporcionar ganhos inestimáveis – financeiros e de tempo (nossa
commodity mais valiosa)!
Não subestime a importância dessa etapa. Mesmo que a startup
seja extremamente inovadora, ainda assim é possível buscar aquele
tipo de pessoa que mais saberia falar sobre a dinâmica de um setor
que mais se aproxima de seu negócio, ainda que não seja
comparável diretamente com ele.
Veja bem, o que eu chamo de pessoas experientes no segmento
não é exatamente o conceito de mentor. Mentores são aqueles
profissionais que detêm algum conhecimento específico e valioso e
que, de alguma forma, podem auxiliar e “adotar” um empreendedor,
realmente subsidiando seu processo decisório nos diversos
momentos de sua empreitada.
Não é isso a que me refiro, mas, sim, àquela pessoa que conhece
as nuances do segmento, a forma de fazer negócio do mercado, o
que os clientes (até hoje) quiseram e pelo que eles efetivamente
aceitaram pagar, estratégias de negociação com típicos agentes do
segmento que propiciam melhores resultados, em suma, o jeito de
fazer business do segmento. Tudo norteado pelo escopo ético e
legal.
Permita-me exemplificar. Existe uma profissão relevante no mundo
hoje: a consultoria em como fazer negócios internacionais. Por
exemplo, se você quer se relacionar comercialmente com outras
culturas, é preciso saber nuances sobre sua forma de trabalho. Por
exemplo: quão assertivo e direto ser na comunicação, quanto tempo
demorar para responder a um e-mail para não desrespeitar
ninguém, como dizer “sim” ou “não” ou “vou pensar”, como e onde
marcar reuniões – presenciais/a distância – e qual o nível de
tolerância a atrasos natural de cada cultura. Esses são exemplos
que ilustram o “jeito de fazer negócio”, que é absolutamente distinto
entre as diferentes culturas, como a brasileira, ou norte-americana,
ou chinesa, ou japonesa, e por aí vai.
Assim, quando me refiro a “macaco velho”, estou falando dessas
habilidades, desses conhecimentos sobre o funcionamento geral de
negócios e de setores, que privilegiam o absoluto valor da
experiência.
Busque em redes de relacionamento o valor da experiência e
encontre nesse compartilhamento – além de bom networking –
muito valor para sua startup.
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FIQUE ATENTO!
Lidar com o sunk cost é em geral bastante dolorido. Essa di culdade do
ser humano é um fenômeno documentado na teoria e também na prática.
Suas raízes são explicadas pela Teoria do Prospecto, de Kahneman e
Tversky, que, entre outras lições, ensina-nos que “a dor da perda é maior
do que a felicidade do ganho”. Por esse motivo, mesmo quando haja
indícios de que seja o momento de reconhecer perdas, assumir o sunk
cost e partir
para o próximo negócio é extremamente difícil para o ser humano, isso
porque aceitar que o negócio não vai se rentabilizar signi ca
essencialmente aceitar que os prejuízos históricos não serão recuperados
pelo negócio. Não bastasse o desconforto que isso gera no bolso (perda
de dinheiro), há também desgastes emocionais, como assumir um
equívoco, encarar os investidores e outros stakeholders, pensar nos
colaboradores e times dedicados, lidar com questões reputacionais, de
status etc.
“Se você se encontrar em um buraco, a primeira coisa a fazer é parar de
cavar”, disse o comediante norte-americano Will Rogers. Há sabedoria
nessa frase, porém há também uma sutileza importante: como perceber a
diferença entre um “buraco” que é um sunk cost nocivo, vindo de um
negócio que não apresenta sinais de viabilidade econômica no
curto/médio/longo prazos, e um “buraco” que é um bom negócio, mas
ainda precisa ser trabalhado para atingir sua maturidade e mostrar
resultados?
Como eu sempre digo e reforço, que admiração a minha pelos
empreendedores que conseguem a força e a visão para enxergar a
diferença entre esses dois “buracos”!
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Burn rate
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CURIOSIDADE
Cabe mencionar casos bastante associados à nova economia, à era dos
dados e da inteligência arti cial e à economia compartilhada, em que há
um componente-chave do negócio associado ao tamanho da rede
(comunidade). Por exemplo: quão fácil é hoje surgir um concorrente à
altura dos serviços core prestados pelo Google? Ou pela Amazon? Difícil,
não?
Se você parar para pensar em negócios, cuja dominância é fator crítico
de sucesso, é comum a prática de preços muito baixos até se obter uma
elevada participação de mercado, de forma a tornar-se um player
dominante e quase imbatível por novos entrantes. Uma vez conquistada
tal hegemonia, então é possível ajustar os preços. Isso faz com que,
nesses negócios, o cash burn seja o mais relevante entre os três tipos de
necessidade de recursos tratados neste capítulo.
Apesar de toda a controvérsia em torno do caso Uber, essa pode, sim,
ser uma estratégia da empresa. Se você visitar as demonstrações
nanceiras do negócio, perceberá que, mesmo muitos meses após seu
IPO, ela continua consumindo elevadíssima quantidade de caixa (na casa
dos bilhões de dólares) em virtude de gastos pré-break-even – pois não
atingiu seu ponto de equilíbrio.
O cuidado que se há de ter nesses casos é essencialmente que isso não
se sustenta para sempre. Cedo ou tarde (preferencialmente cedo), a
empresa precisará mostrar lucros – e geração de caixa operacional. É
exatamente em torno dessa questão que circulam os debates correntes
sobre o caso Uber, por exemplo.
___________________________
Veja só, na Tabela 8.1, ilustra-se o cálculo da queima de caixa para o exemplo
iniciado no capítulo anterior. Foram projetadas as demandas para os dois produtos
do negócio: produto X e produto Y. Para esse exemplo, foram projetadas as receitas,
mas seria possível trabalhar tranquilamente com demandas em unidades, caso
fosse de preferência do empreendedor, fazendo uso da margem de contribuição
unitária (em vez de percentual) para estimar a margem de contribuição por produto.
Atenção: o exercício de projeção de demanda é valioso por diversos motivos.
Além obviamente de contribuir para o estudo que estamos desenvolvendo neste
capítulo, esse exercício também auxilia os empreendedores a compreenderem
quais são exatamente as variáveis-chave do negócio. Responda: com base em que
você está projetando receitas? É em função de número de assinantes? Na
quantidade de clientes e ticket médio de compra? Trata-se de uma mensalidade?
Tem churn rate relevante a ser considerado no seu negócio (índice e cancelamento
de clientes)? Receitas de publicidade? Aluguéis?
A pergunta de ouro é: Quais são, a nal, as variáveis fundamentais que
formam as receitas em seu negócio?
Nunca é demais ressaltar que todas as projeções feitas estão apoiadas nas
premissas utilizadas para construção das margens de contribuição e estimativa de
custos xos. Quaisquer desvios das premissas adotadas poderão levar a cenários
diferentes. Por isso, é sempre absolutamente essencial que se acompanhem os
resultados obtidos em curtos intervalos de tempo, especialmente em startups. Em
negócios maduros, já há um elevado nível de entendimento e assertividade nas
projeções e premissas adotadas, em virtude de conhecimento histórico real. No
entanto, em startups, as premissas adotadas são naturalmente sensíveis, pois há
baixo nível de conhecimento real sobre o funcionamento dos números. Ao
acompanhar continuamente os números do negócio, então é possível ir fazendo os
devidos ajustes nos nos estudos nanceiros, levando a um maior conhecimento e
domínio de seu negócio. É o grande valor estratégico daquele exercício de
“futurologia” que mencionamos no Capítulo 6, quando discutimos o valor de
ferramentas como margem de contribuição e ponto de equilíbrio.
Retomando nosso exemplo, é possível estimar a margem de contribuição total da
empresa (somando aquelas referentes aos produtos X e Y, respectivamente). Tendo
em vista quais são os gastos xos dessa operação ( xados em R$ 42.250,00 por
mês), é possível estimar a queima de caixa projetada para os meses seguintes. Na
penúltima coluna da Tabela 8.1, mostra-se a queima de caixa por mês e, na última
coluna, a queima de caixa acumulada. Note que, no mês 6 do nosso exemplo, a
empresa superou seu ponto de equilíbrio; nesse período nalmente houve geração
– e não queima – de caixa.
Com base nessa valiosa análise, é possível desenvolver diversos cenários e
análises de sensibilidade. No caso desse exemplo, é possível a rmar que, supondo
que não haja nenhuma demanda/venda/produção, a queima de caixa da empresa é
de R$ 42.250,00 por mês, xos. No entanto, caso a demanda se con gure conforme
o previsto, tendo por base as premissas XPTO abordadas na formação de preço,
então é possível que a queima de caixa mensal seja inferior, conforme estimativas
projetadas na tabela.
Faça, em seu negócio, as análises sugeridas neste capítulo e veri que se você
consegue responder ao seguinte questionamento: considerando o caixa disponível
da
empresa no momento, qual será seu tempo de sobrevida? O objetivo não é provocar
dores de cabeça ou insônia, muito pelo contrário! É propiciar à startup claro
entendimento sobre o uso e a vida de seu caixa, de forma a lhe permitir antecipar-
se a eventuais
necessidades de dinheiro e consegui-lo em condições atrativas para seu negócio.
___________________________
ATENÇÃO À ARMADILHA!
Tem hora em que o ideal é sermos enfáticos em relação aos potenciais do
negócio, aos sonhos, ao otimismo. Em geral, essa hora pode ser, por
exemplo, quando estamos fazendo um valuation de venda do negócio:
sempre queremos mostrar aonde se pode chegar; ou quando estamos
defendendo o negócio para ns de uma captação de crédito; ou quando
estamos convencendo nosso cônjuge de que é, sim, uma boa ideia abrir esse
negócio. Tudo isso, naturalmente, dentro de limites realistas.
Sou sempre a maior adepta do realismo. Amigos empreendedores
costumam me chamar de mensageira do apocalipse, mas eu gosto. É
importante contrabalançar ideias opostas para nos manter na realidade.
No entanto, a hora de ser sua versão otimista não é agora.
Agora é a hora de ser sua versão realista, ou até pessimista. É
absolutamente necessário que tenhamos consciência do que é o pior cenário
possível de burn rate. Assim como o melhor também. Isso nos dá autonomia
para fazer planos e traçar estratégias.
Podemos decisivamente evitar na startup o susto de sermos pegos de
surpresa com o caixa evaporando antes da hora prevista. Então, se você
quiser fazer uma projeção de demanda otimista, ótimo! Mas tenha sempre no
bolso a versão realista e a versão pessimista também. Lembre-se de
acompanhar sua queima de caixa mensalmente (ou até semanalmente!) para
ver se ela está acompanhando a estimativa, se está mais rápida ou, quem
sabe, até mais lenta. Sim, vira e mexe, temos boas surpresas também!
___________________________
Re ita: você consegue enxergar o poder estratégico que esse exercício irá lhe
conferir? Realizar essas análises pode ajudar demais a startup a moldar não apenas
seu modelo de negócio, mas também seu modelo de crescimento. Pode ser mais
um diferencial em pro ssionalismo da sua empresa, que vai auxiliar você a chegar
mais longe, mais rapidamente.
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ATENÇÃO!
Não se esqueça do perigo das perdas!
Um ponto de atenção, no que se refere aos estoques, são suas
principais motivações para perdas, como:
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Para ns didáticos, referimo-nos até aqui apenas aos fornecedores, mas o Prazo
Médio de Pagamentos diz respeito a todas as contas que a empresa paga em sua
operação do dia a dia – como água, energia, aluguéis, salários, fornecedores, entre
outros. Note que no 30º dia há forte pressão de caixa: a empresa tem de pagar suas
obrigações, porém ainda não recebeu de seu cliente. Essa pressão permanece até o
70º dia, quando nalmente o caixa da venda – feita no dia 20 – entra para a
empresa. Esse período de pressão nanceira, é o chamado ciclo de caixa ou ciclo
nanceiro.
Na Figura 8.2, a seguir, ilustra-se esse raciocínio.
Vamos pensar no nosso exemplo do comércio. Eu lhe pergunto: em que dia você
acredita que a empresa teve lucro? Veja novamente a Figura 8.2 do ciclo de caixa e
re ita.
Muito bem: como se trata de um comércio, no dia 20 houve a transferência de
riscos/benefícios/controle da venda, e a empresa teve receitas. Portanto, nesse dia
ela teve lucro, mas nesse dia houve alguma entrada de caixa? Não, isso aconteceu
apenas no dia 70. Então, note que, quanto mais longo for o ciclo de caixa da
empresa, tão maior tende a ser a distância, em dias, entre seu lucro e seu caixa.
Veja só, no mundo ideal, quanto poderia ser o ciclo de caixa da empresa? Zero!
Ou, se pudermos sonhar, por que não um ciclo de caixa negativo? Há empresas que,
de fato, conseguem ter ciclo de caixa negativo, porém isso costuma ser uma
característica daquelas que têm enorme poder de barganha em suas relações.
Di cilmente essa será uma característica do pequeno negócio ou de startups, em
especial em seus primeiros momentos de vida.
Muito bem, então, quando dizemos que lucro não é igual ao caixa em um mesmo
período em razão daquelas velocidades, estamos nos referindo ao ciclo de caixa.
De forma intuitiva, podemos dizer que o que transforma lucros (potencial) em
efetiva entrada de caixa é o ciclo de caixa. Esse indicador é medido em dias, mas
poderíamos fazer um paralelo com algumas contas em cifrão. Veja o Quadro 8.1, a
seguir.
Ciclo de caixa
Ciclo financeiro
de giro (NCG)
ou
Necessidade de
Veja só que intuitivo: o ciclo de caixa mede em dias aquilo que a NCG mede em
dinheiro. Toda vez que tiver um ciclo de caixa positivo (ou seja, precisar sustentar
sua operação nanceiramente por algum tempo) a empresa terá necessidade de
investir em capital de giro.
Vamos dizer que, para essa empresa hipotética, a NCG seja de R$ 500,00. Isso
signi ca que ela precisa sustentar sua operação pelo prazo de 40 dias, pois não
“para em pé” sozinha. Esse descasamento temporário custa ao negócio R$ 500,00.
Em média, no 30º dia, a empresa precisará levantar R$ 500,00 para investir em sua
operação (pagar suas contas do dia a dia), pois os clientes ainda não pagaram,
porém as obrigações da empresa já estão vencendo.
Quais meios a empresa poderá utilizar para levantar esse dinheiro a m de
sustentar a NCG? Apenas em duas fontes: (i) empréstimos onerosos, como bancos,
debêntures, entre outros, de curto ou longo prazo, ou (ii) com sócios. Em diversas
ocasiões, em consultorias, já ouvi a seguinte a rmação: “Bruna, que tranquila, eu
não vou pegar dinheiro nem com bancos, nem com sócios para sustentar a NCG,
vou usar o dinheiro do meu caixa mesmo”. Ops!
Veja só: o caixa não é uma fonte de recursos. É uma aplicação de recursos. Se é
que existe dinheiro no caixa, esse dinheiro veio de algum lugar. Correto? Ele veio ou
de bancos, ou de sócios/investidores – nas suas respectivas proporções,
sustentando a empresa. Mesmo que você me diga “Não, mas veja bem, esse
dinheiro veio da minha própria operação, que gerou caixa”. Se é que a operação
gera caixa, depois de pagar todas as obrigações, então esse recurso pertence aos
donos do negócio, concorda? Então, se a empresa usar esse dinheiro, signi ca que
está usando recurso dos sócios em vez de distribuir dividendos, por exemplo.
Muito bem. Isso signi ca que, durante o ciclo de caixa, a empresa precisará
levantar dinheiro com empréstimos ou capital próprio para sustentar sua NCG. Note
que se trata de um investimento temporário: ao nal da vida da empresa, esse
dinheiro irá sobrar, uma vez que os clientes irão pagar.
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ATENÇÃO
O investimento em capital de giro é um dinheiro investido na
operação, porém a empresa não vai ganhar nada “a mais” com isso. É
um investimento que vai apenas permitir que ela sobreviva até que o
cliente pague. Isso é diferente, por exemplo, de investimentos que
ampliem seu Capex. Em geral, quando investe em Capex, a empresa
espera com isso ganhar “algo a mais”. Ela espera, por exemplo, ser
mais produtiva, mais e ciente, mais tecnológica, mais moderna. Isso
não é verdade em relação ao capital de giro. Capital de giro é nada
mais nada menos do que fôlego nanceiro, necessário para que uma
operação que possui ciclo de caixa positivo se sustente.
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1. Aumento no ciclo de caixa: uma piora nos prazos médios signi ca que a
empresa deverá sustentar a operação por mais tempo, o que consumirá mais
dinheiro, mesmo que o tamanho da operação não mude. Sendo assim, qualquer
evento que cause um aumento no PME, aumento no PMR ou redução no PMP irá
fazer com que o ciclo de caixa aumente e, por consequência, a NCG também.
2. Aumento no volume de atividade: imagine agora que o ciclo de caixa não mude,
e todos os prazos médios se mantenham constantes. No entanto, a empresa dobra
de tamanho. Em média, a operação está igual, mas isso agora tende a consumir o
dobro de recursos, pois o volume aumentou. É como se a startup precisasse
sustentar o descasamento de prazo da operação por 40 dias, em média, só que
antes ela tinha uma loja – e agora tem duas. Apesar de ela ser “em média” igual, no
acumulado das duas lojas, isso consome o dobro de recursos. Sendo assim, o
crescimento no tamanho da empresa também leva a um aumento na NCG. Você já
ouviu falar em alguma empresa que “cresceu até quebrar”? Sim, foi por causa do
capital de giro.
De alguma forma, precisamos estimar esses três valores: (i) contas a receber de
clientes, (ii) estoques e (iii) contas a pagar.
Vamos começar pelas contas a receber. Conforme visto anteriormente, o PMR é
dado por:
Logo, o saldo de recebíveis de clientes nada mais é do que PMR x vendas diárias.
Na Tabela 8.3, a seguir, demonstram-se os cálculos:
Logo, o saldo de estoques será dado por PME x custo da mercadoria vendida por
dia. Vamos assumir a premissa (condizente com nossos exemplos de margem de
contribuição, em capítulos anteriores) de que o custo da mercadoria vendida
relacionado aos estoques (matéria-prima, produto em elaboração ou produto
acabado) seja de 20% das receitas, como mostrado na Tabela 8.4, a seguir.
Tabela 8.4: Projeção de estoques.
Fonte: desenvolvida pela autora.
Livro Administração
1 LEE, Kai-Fu. AI Superpowers: China, Silicon Valey and the New World Order. Boston: Houghton Mi in Harcourt,
2018.
2 Agradecimentos ao Prof. Adriano Mussa pelos ensinamentos a esse respeito.
3 MÁLAGA, Flávio. Análise das demonstrações nanceiras e da performance empresarial. São Paulo: Saint Paul
Editora, 2018.
CURIOSIDADE
Critérios para reconhecimento de receitas
No geral, pode-se simpli car o momento de reconhecimento
de receitas como sendo aquele em que:
Até lá, o que acontece? Até lá, a CVC Viagens tem uma
dívida para com esse cliente! A empresa recebeu um
adiantamento de clientes, que inclusive já entrou em seu
caixa, no entanto está devendo a ele uma viagem.
Note que, ao longo de dez meses, a empresa já tinha tido
entrada de caixa, já tinha feito a venda, com contrato
assinado e tudo, inclusive já tinha faturado. No entanto,
ainda não havia tido receitas e, portanto, nem lucros.
Então, se sua startup for uma empresa que trabalha com
contratos de prestação de serviços de longo prazo, sugiro
enfaticamente que busque compreender melhor os detalhes
de reconhecimento de receitas para seu negócio. Não sendo
esse seu caso, não se preocupe, pois não há de ser uma
questão relevante para seu business.
PARTE IV
VALUATION:
COMO PEGAR SEU
FUTURO NAS MÃOS
Mais cedo ou mais tarde (normalmente mais cedo do que mais tarde), a seguinte
pergunta vai surgir na mente do empreendedor para não sair mais:
Claro que pode ser um investimento misto, em que parte do valor é cash-in
(investido diretamente no negócio) e parte dele é cash-out (entregue a antigos
acionistas). Esse cash-out pode estar associado, por exemplo, à saída de algum
acionista ou a sua diminuição no negócio, ou, ainda, ao simples interesse de
algum acionista (inclusive empreendedores/fundadores) em realizar parte de seus
ganhos com a valorização do negócio no momento corrente.
Naturalmente, conforme já discutido, a preferência por ganho à vista versus
ganho maior no longo prazo é uma decisão pessoal de cada agente. É
perfeitamente razoável que, mesmo se o negócio estiver apresentando ótima
evolução e crescimento, alguns investidores tenham interesse em realizar partes
de seus ganhos ao longo da evolução da empresa. Caso a empresa não esteja
apresentando evolução satisfatória sob o ponto de vista de investidores (alguns
ou todos), é também possível que algum agente pre ra sair da empreitada e
negociar a venda de sua participação (cash-out), seja com ganhos, seja até com
perdas.
A operação de cash-in, naturalmente, tende a trazer aumento do valor do
negócio (tudo o mais constante em relação às premissas anteriores adotadas em
processos de avaliação, claro), ao passo que o cash-out não in uencia – em teoria
– esse valor, pois trata-se de uma transferência de direitos de propriedade entre
acionistas em troca de dinheiro para os investidores (e não para a empresa), de
forma que esse valor não será reinvestido para gerar mais uxos de caixa futuros,
por exemplo.
Ainda assim, há uma série de efeitos qualitativos que podem ser associados a
esses movimentos e que podem “respingar” no valor atribuído ao negócio. Por
exemplo, é comum que executivos façam o cash-out de suas ações no negócio em
momento que acreditem que o negócio esteja bem avaliado, pois, nesse cenário,
sua participação terá, naturalmente, maior valor, e será possível maximizar os
ganhos individuais desse executivo. Isso pode ser tomado pelos demais agentes
como um sinal de que o ativo está caro, seja isso um fato verdadeiro ou não. Foi
esse um dos efeitos que se discutiram no caso WeWork, descrito no Capítulo 5.
Sendo assim, há de se ter cuidado com o que esses movimentos podem
representar para o valor do negócio e, se possível, estimular a transparência por
trás das motivações de cash-out,de forma a proteger o real valor
do negócio.
em que:
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PARTICIPANTE DE MERCADO
Conforme Guia AICPA (2019, p. 45)3, são compradores e vendedores
disponíveis no principal (ou mais vantajoso) mercado para o ativo ou
passivo que se está analisando. Para que seja um participante de mercado,
é essencial que tenha todas as seguintes características:
___________________________
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VOCÊ SABIA?
As IFRS são normas internacionais de contabilidade emitidas pelo
International Accounting Standards Board (IASB). Chamemos essa linha
contábil de “modelo internacional” de contabilidade – cujo berço é
europeu. Inclusive, considera-se hoje que o Brasil já é “Full IFRS”, o que
signi ca que nossas práticas contábeis já estão alinhadas às práticas
internacionais, salvo mínimas diferenças.
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Os itens 1 e 2 já foram discutidos. Cabe agora falar sobre o item 3: que preço é
esse a nal? Como era de se esperar, as coisas carão um pouco mais numéricas
agora! Tratemos do método VC de avaliação de startups.
9.3 O Método VC
A primeira vez que deparei com essa nomenclatura, método VC, foi no livro de
Metrick e Yasuda (2010)7, inclusive uma das poucas referências realmente
didáticas que tratam do tema de valuation na prática para startups.
O método VC relaciona-se ao modelo de avaliação usado por fundos de
venture capital, que tipicamente analisam, em grande medida, startups. Em geral,
essas são empresas com alto componente inovador, elevada incerteza, em
estágios de sua vida desde incipientes (em alguns casos limítrofes até mesmo em
fase pré-operacional, sem produto ou sem receitas) até em estágios mais
avançados.
No próximo capítulo, trataremos de questões mais técnicas de diversos tipos de
método que existem para estimarmos valor – modelos relativos, modelos
absolutos e modelos patrimoniais. No entanto, qualquer que seja o método
adotado, há considerações que trarão implicações especiais para o caso de
startups, especialmente em momentos de maior incerteza.
Essas considerações englobam, por exemplo:
• dúvida sobre o que irá acontecer no futuro, o que é sucesso nesse negócio, e
qual sua chance de ocorrência;
• além disso, mesmo que se tenha alguma clareza sobre o potencial do negócio,
ainda assim é muito difícil saber quanto tempo esse sucesso poderá levar para
acontecer;
• O que seria a expectativa de valor justo, no futuro, para esse negócio, dadas as
estratégias de saída possíveis?
• Quanto tempo se espera que corra até que cheguemos a essa estratégia de
saída?
Vamos começar com uma lógica simples, o valor presente de um uxo futuro.
em que:
PV = valor presente = valuation total da startup (post-money, ou seja, para todos
os acionistas – antigos e novos, ao nal dessa rodada de captação);
FV = valor futuro = valor de saída estimado para a startup, que pertencerá aos
investidores atuais (os antigos e os novos que entrarem nesse round). É
importante frisar que esse valor de saída da startup tem risco e que,
provavelmente, os investidores atuais ainda serão diluídos em rodadas de
captações futuras;
i = custo de capital, que é a taxa de retorno ajustada ao risco do negócio (que
nesse caso não é exposição só a risco de mercado, mas também de tamanho,
liquidez, estágio de vida da startup, entre outros);
n = tempo esperado até a estratégia de saída do investidor
• Qual seria o sucesso em uma estratégia de saída (por exemplo, suponha o caso
de um IPO). Para simpli car, pode-se utilizar como referência o valuation de
outros IPOs comparáveis. A esse valor justo no sucesso da saída, daremos o
nome de “sucesso” ou “S”.
Ou:
Simples, não? A matemática pode até parecer simples (perto de outras opções
que existem para estimar valor), mas certamente a complexidade das premissas
envolvidas em seu cálculo é elevada. A respeito dessa subjetividade, Metrick e
Yasuda (2010, p. 183)8 observam: “O que aparenta ser um chute ousado para o
olho destreinado pode ser, de fato, o exercício de uma intuição acumulada a duras
penas”. Isso quer dizer que, para analistas que tenham elevadíssima experiência
em avaliar startups de estágios de vida e segmentos similares, é possível que sua
intuição, em média, seja um tanto con ável para estimar essas variáveis.
Por mais que isso seja bonito de ler, quão fácil é encontrar esse “olho treinado” e
suas opiniões? Mesmo entre os “olhos mais treinados” desse mundo, há tão
elevada subjetividade que, por maior que seja a intuição e experiência, ainda
assim essas estimativas são, em grande medida, sujeitas a vieses.
Que tal um exemplo? Cai bem? Vamos lá!
Suponha que uma startup precise de R$ 1,5 mi para atingir determinado
milestone almejado. Considere que, até hoje, os acionistas sejam apenas os
fundadores (mas poderiam ser fundadores+anjos+etc.). Suponha que ofertas
públicas de empresas em segmentos correlatos sugerem que é possível esperar
um valuation ao redor de R$ 350 mi no IPO. Levando em consideração o estágio
atual dessa startup, acredita-se que o IPO tenha uma probabilidade de 7% de vir a
ocorrer, e isso tenderia a acontecer no prazo de cinco anos. Como ainda serão
necessários diversos rounds de nanciamento, suponhamos que os atuais
investidores (no caso do exemplo, fundadores + investidores que entrarem na
rodada atual) ainda serão diluídos em 40%, chegando a uma taxa de retenção de
participação de 60% no IPO (100% menos a diluição de 40%, que seria a
participação no negócio de investidores futuros). Considere que os investidores
esperam um retorno ajustado ao risco de 20% para investir nessa startup.
Pergunta-se: quanto os fundadores terão de entregar de participação aos
investidores que estão entrando no atual round?
Vamos aos cálculos:
A lógica do método VC simpli cado é tal qual disposta neste item. Grandes
complexidades ainda poderiam entrar, especialmente aquelas relacionadas a
diferentes classes de ações, acordos de acionistas e disposições sobre direitos e
deveres. Para quem se interessar por esse assunto, literaturas um tanto profundas
e técnicas são indicadas ao nal deste capítulo e do próximo, como sugestões de
leituras para aprofundamento.
___________________________
Simples, não? (Isso foi naturalmente uma ironia, é claro que não é nada trivial no
caso de startups, especialmente em seus estágios iniciais!).
Com base nessas melhores estimativas, são, então, de nidas as probabilidades
para cada cenário. Suponha que sejam as seguintes para nosso exemplo (Tabela
9.2, a seguir):
Com base nos ganhos estimados para cada cenário, bem como em sua
probabilidade de ocorrência esperada, podemos estimar qual o valor de saída
esperado para daqui a cinco anos. Para tal, faz-se uso de uma média ponderada
entre os cenários esperados. Ou seja:
em que:
VSj = valor de saída para cada cenário, que pode ir de um a J cenários estimados;
P(J) = probabilidade de ocorrência esperada para cada cenário estimado, que
pode ir desde o cenário um até um cenário J qualquer.
Generalizando, tem-se que:
No caso de nosso exemplo, o resultado nal estimado para valor justo daqui a
cinco anos é, portanto, de:
Talvez neste momento já esteja evidente para você que o maior desa o não está
associado à mecânica dessa estimativa (até agora, zemos uso apenas de média
ponderada), mas a como a estimamos, a nal, (i) o valor do negócio na saída e (ii)
sua respectiva probabilidade de ocorrência.
À discussão sobre o primeiro ponto, o valor de cada cenário na saída,
dedicaremos o próximo capítulo inteiro. Sobre a probabilidade de ocorrência,
vamos incluir aqui algumas considerações relevantes.
Para fundos de investimento, estimar as probabilidades envolve certo método.
Para esses agentes, faz-se normalmente uso de probabilidades reais estimadas
com base em históricos de investimentos passados – próprios ou dados de
mercado, detidos por pro ssionais dessa indústria e que raramente são
encontrados publicamente. Por exemplo: de todos os investimentos feitos em
startups de tecnologia em determinado estágio de sua vida, XX% resultaram em
saída de IPO ou venda competitiva, YY% resultaram em cenário intermediário de
maior ou menor sucesso, e ZZ% resultaram em perda total dos investimentos
feitos.
É claro que todas as devidas ponderações dessas probabilidades devem ser
feitas para diferentes recortes de amostras do histórico. Por exemplo: (i)
considerando startups em diferentes estágios de vida, (ii) considerando startups
em setores especí cos, caso haja volume de operações su cientes para estimar,
(iii) considerando fundos ou gestores que sejam outliers, ou seja, “fora da curva”
quanto ao seu sucesso em identi car e contribuir para as startups que realmente
constituem aquela minoria de maior sucesso (chamemos isso de experiência ou
até habilidade). Com base nesses recortes, cada fundo poderá distribuir as
probabilidades de cada cenário com um pouco mais de método, o que diminui
(mas não extingue) o espaço para subjetividades e in uências emocionais no
processo de valuation.
Lembremos que essas probabilidades naturalmente levarão a divergências
quando analisarmos uma startup individualmente. Porém, essa atribuição de
probabilidades, quando considerada em conjunto com todas as startups do
portfólio de investimento dos fundos, pode levar a maiores taxas de acerto
agregadas.
Já para o caso de agentes que não tenham conhecimento ou acesso a esse tipo
de histórico, estimar a probabilidade passa a ser ainda mais subjetivo. Aí se
recorre àquela técnica já mencionada anteriormente neste livro, a best educated
guess, (a melhor estimativa razoável), em casos extremos, pode até ser um
simples “chute”!
A palavra de ouro aqui é a seguinte:
RAZOABILIDADE
___________________________
___________________________
Vamos, então, a uma visão mais prática sobre a estimativa do custo de capital
para startups. Vamos partir da lógica simpli cada do CAPM e identi car qual seria
a taxa de retorno ajustada ao risco esperada pela empresa “A”. O CAPM, de forma
simpli cada, supõe o seguinte: qualquer empresa com risco deveria proporcionar
um mínimo de retorno livre de risco em sua economia e mais um prêmio pelo risco,
que deve ser maior para empresas de mais risco e menor para empresas de menos
risco. Esse prêmio pelo risco refere-se, no CAPM, à exposição aos riscos
sistemáticos de mercado, aqueles dos quais não se pode fugir, nem mesmo com
diversi cação (por exemplo, associados a taxas de juro, desemprego etc.). A
estrutura simpli cada desse modelo é, portanto:
em que:
rf = taxa livre de risco da economia. Em processos de avaliação, sempre que
possível (quando as características do negócio permitirem), sugiro trabalhar com
avaliação desconsiderando a in ação. Nesse caso, faz-se uso da taxa livre de risco
anterior da in ação. Para uma discussão a esse respeito, veja a dica disponível no
tópico ao nal deste item, que trata sobre in ação. Além disso, é importante
considerar uma taxa livre de risco de médio a longo prazo (e não a taxa de curto
prazo), dado que a vida da startup tende a ser analisada em horizonte mais longo.
Prêmio pelo risco de mercado = trata-se do equity risk premium. É um nível
médio de retorno que todos os ativos com risco de uma economia proporcionam.
Naturalmente, alguns ativos têm mais risco do que a média, enquanto outros têm
menos. Por isso, multiplica-se o prêmio médio de mercado pelo fator beta.
β = beta do ativo “A”. Indicador que mede o nível de exposição a riscos
sistemáticos. Um negócio terá um de três tipos possíveis de betas, são eles:
• beta igual a um: o risco do ativo analisado é igual ao risco médio de mercado.
Sendo assim, o retorno esperado desse ativo também será convergente ao
retorno médio esperado do mercado;
em que:
βL = beta alavancado para a estrutura de capital da empresa – sua estrutura de
uso de dívidas onerosas (debt) versus capital próprio (equity);
βU = beta desalavancado (beta da empresa sem nenhuma dívida);
T = taxa do imposto de renda (no caso de empresas que usufruam do benefício
scal da dívida, discutido no Capítulo 3);
D = dívida onerosa da empresa;
E = capital próprio da empresa (equity) a valor de mercado (mkt value). Em
muitos casos, esse número aproxima-se do patrimônio líquido da empresa. Caso o
negócio não tenha contabilidade formal ainda, sugiro veri car quanto de valor já
foi investido pelos sócios no negócio.
DICA
Para obter informações sobre como estimar o custo de capital,
indico acessar a página do Prof. Damodaran, uma das principais
referência no assunto.
Para que haja robustez nesses cálculos, diversas boas práticas podem ser
adotadas no processo de avaliação. Permita-nos uma exempli cação um pouco
mais avançada neste momento. Por exemplo, suponhamos que iremos estimar a
taxa livre de risco brasileira para incluir em nossa estimativa de custo de capital.
Poderíamos fazer uso de uma taxa Selic de longo prazo – consideremos algo, por
exemplo, em torno de 6,5% a.a.; se considerarmos in ação em torno de 4%,
estamos falando então de uma taxa real (acima da in ação), livre de risco, de
aproximadamente 2,5% a.a. Como as taxas Selic brasileiras oscilam muito ao
longo do tempo, é comum conduzir um teste de robustez com base em dados de
economias maduras (dos Estados Unidos, por exemplo) para ver se essa
estimativa é razoável. Nesse caso, a taxa livre de risco brasileira seria dada por:
Note que, com base em nossas premissas brasileiras (de Selic e in ação),
havíamos chegado à taxa livre de risco acima da in ação de 2,5% a.a., ao passo
que a mesma taxa construída com base em premissas de mercado maduro chegou
a 3,46%. Quando isso acontecer, sugiro fazer uso da taxa calculada com base em
mercado maduro, pois historicamente nossas taxas Selic oscilam tanto que a
aplicação dos conceitos sem qualquer ajuste pode levar a exageros no custo de
capital. Outras opções também seriam possíveis, como o uso da média das duas
alternativas calculadas.
Muito bem! Mas tudo o que falamos até aqui diz respeito apenas ao modelo
CAPM, que conta com um único fator de risco (dado pelo beta), que mede o nível
de exposição a riscos de mercado dessa startup.
Veja só, se usarmos apenas esse fator, o retorno esperado por um investidor que
investisse em uma empresa desse segmento de capital aberto seria exatamente o
mesmo que o retorno esperado por uma startup recém-nascida no segmento.
Parece razoável? Naturalmente, não. O nível de risco da startup é
consideravelmente maior. Há incontáveis ajustes que poderiam ser feitos, vou
apresentar a seguir um formato genérico, adaptado minimamente a startups:
• taxa livre de risco real brasileira (calculada com base em premissas maduras):
3,46%;
Dessa forma, antes de captar o dinheiro, essa posição mais fraca de negociação
certamente coloca a startup em patamar inferior de valuation. O melhor momento
para captar recursos é aquele em que o negócio menos precisa.
Então, ca aqui o convite aos empreendedores: sabendo de tudo isso, use o
conhecimento também a seu favor – naturalmente com toda a ética e
razoabilidade. Busque negociar em posição de força. Isso signi ca ir atrás de
investidores não na hora em que o caixa apertar, mas antecipadamente, com
planejamento. Quando? Quanto antes, melhor.
DICA
Especialmente em momentos em que a incerteza é maior quanto
ao modelo de negócio da startup e seus indicadores financeiros, é
muito importante acessar investidores em um momento mais forte
de negociação para o empreendedor. Buscar dinheiro quando o
caixa se aproxima do fim, o cash burn (queima de caixa) é elevado
e, portanto, a pressão está alta, faz com que o risco do negócio
suba e fique muito evidente aos investidores. Por isso, a potencial
fragilidade do empreendedor e da startup nesse momento
automaticamente tende a causar uma queda em seu valuation –
tanto quantitativa como qualitativa (e até emocional). Isso faz com
que o negócio precise entregar maior participação em troca de um
mesmo volume de dinheiro.
Por isso, sempre que possível, busque negociar em posições de
força.
SAIBA MAIS
Caso queira saber mais sobre os temas tratados neste capítulo, sugerimos as
seguintes leituras:
Quando a empresa não tem dívida, o custo de capital utilizado para trazer uxos
a valor presente é apenas o interesse de remuneração dos investidores. Nesse
caso, estamos falando do custo de capital próprio do acionista, sobre o qual já
discorremos no item anterior.
Quando a empresa tem dívida, por sua vez, a taxa de desconto utilizada deve ser
uma ponderação do interesse de ganho do acionista (seu custo de capital próprio,
ke) e do interesse de ganho dos credores (custo médio da dívida, kd). Surge, aí, o
chamado custo médio ponderado de capital ou Weighted Average Cost of Capital
(WACC):
em que:
ke = custo do capital próprio dos acionistas, estimado tal qual já discutido no
item anterior deste capítulo;
kd = taxa de juros média esperada pelos credores do negócio (considerando
todas as modalidades de empréstimos, suas características e volumes);
D = volume em dinheiro da dívida onerosa da empresa atual, a valor justo
(considerando todas as modalidades de empréstimos, suas características e
volumes);
E = capital próprio da empresa (equity) a valor de mercado (mkt value). Em
muitos casos, aproxima-se esse número do patrimônio líquido da empresa. Caso o
negócio ainda não tenha contabilidade formal, veri que quanto de valor já foi
investido pelos sócios no negócio.
Conforme discutido anteriormente, essa é uma ilustração simpli cada, que ainda
poderia ser quebrada em fases intermediárias mais detalhadas. Por exemplo, a
Fase 3 poderia ser dividida em duas – uma etapa com nalização de modelo de
negócio e outra já em operação mais consistente –; assim como a Fase 2 – por
exemplo, incluindo-se algumas etapas regulatórias (caso precise de aprovações
como Anvisa, por exemplo), desenvolvimento tecnológico (caso o processo de
desenvolvimento tecnológico ou laboratorial seja longo), entre outros.
Especialmente a partir da Fase 3, a empresa começa a ter maior quantidade de
informações disponíveis, provavelmente já auferindo receitas e acumulando
algum histórico de indicadores nanceiros que podem sustentar a elaboração de
análises quantitativas. Note que isso não necessariamente envolve já ter atingido
o ponto de equilíbrio. A simples existência de dados e indicadores históricos já
contribuem sobremaneira para uma discussão mais quanti cável do negócio,
auxiliando em exercícios quanto ao futuro e a possíveis cenários, mesmo que o
ponto de equilíbrio ainda esteja distante. Por sinal, mencionamos, ao longo deste
livro, que há até diversas startups unicórnios que não atingiram ainda seu ponto
de equilíbrio – mas cujos valuations superam US$ 1 bi em virtude de terem um
modelo de negócios aparentemente promissor no longo prazo.
Fato é que aquelas metodologias de avaliação que dependem de maior clareza
quanto aos números do negócio (estrutura de gastos, receitas, margens,
lucratividade etc.) – especialmente o caso das avaliações intrínsecas, como
veremos em mais detalhe, a seguir – são mais bem aplicadas tecnicamente em
momentos mais avançados da vida da startup.
___________________________
SUPERDICA
Você se recorda daquelas discussões que tecemos, nos Capítulos 6 e
7, sobre margem de contribuição, ponto de equilíbrio, lucro meta, LTV,
CAC?
Pois bem, quando a startup está nos estágios 1 e 2, e
possivelmente careça de indicadores para melhor aplicação dos
métodos quantitativos que abordaremos a seguir, recorrer àqueles
estudos de “futurologia” pode contribuir muito para a discussão do
valor do negócio.
Quando o negócio ainda não tem muito o que mostrar de histórico,
boa parte da discussão sobre seu valor pode vir desses indicadores
(qualitativos e quantitativos) que sugerem alta (ou altíssima)
viabilidade econômica, ainda que no longo prazo. A aplicação
daqueles conceitos dos
Capítulos 6 e 7, por sua vez, contribui sobremaneira para essa
percepção sobre o valor futuro em potencial, ainda que sujeito a
grande quantidade de hipóteses a serem validadas.
Esses exercícios de “futurologia” permitem que o investidor
enxergue real potencial de geração de valor futuro, apesar de ainda
carecerem de milestones a serem atingidos.
Com maior clareza quanto às hipóteses-chave que serão testadas
no futuro do negócio (como, por exemplo, mercado potencial, volume
necessário para viabilidade, preços a serem praticados, estrutura de
gastos para se entregar o valor estimado ao cliente, entre outros),
será possível ao investidor rascunhar diversos cenários de saída
hipotéticos e chegar a alguma estimativa de valor, ainda que
preliminar, por meio daqueles exercícios de “futurologia”.
___________________________
• Qual o valor justo das obrigações dessa empresa para com terceiros (inclusive
dívidas)?
Logo, a cada ano, a empresa irá reconhecer, entre seus custos ou despesas
operacionais, o valor da depreciação de R$ 1.000,00. Esse formato de depreciação
é o formato linear, e, por mais que possa haver outras variações, sua ideia básica
sempre estará pautada no consumo de valor desse ativo ao longo de sua vida útil
esperada. Será tratada como um custo se a máquina estiver sendo utilizada no
processo produtivo, ou uma despesa se estiver sendo utilizada fora dele. Sempre
que a empresa adquire um bem físico, com expectativa de geração de benefícios
de longo prazo, detém seu controle, e seu valor é relevante (conceito de
materialidade, que não é um valor irrisório), esse bem é chamado de imobilizado.
Imobilizados são depreciados com o tempo, conforme esse consumo de seu valor.
É o caso dessa máquina, por exemplo, para a empresa hipotética que estamos
discutindo.
Agora, imagine que a empresa precise comprar um sistema para gerenciar a
produção dessa máquina. Suponha que o sistema custe, por sua vez R$ 20.000,00
e con ra à empresa o direito de usá-lo pelos mesmos dez anos. Toda nossa
discussão em relação à máquina cabe também ao sistema adquirido. Em verdade,
a única diferença entre eles é que a máquina é um bem tangível, ao passo que o
sistema é intangível. Entra aí o papel da amortização. A amortização é, para o ativo
intangível, a mesma coisa que a depreciação é para o imobilizado. No caso de
nosso exemplo, a amortização anual será de:
Compreendeu o raciocínio do empreendedor? Faz sentido, não? O que ele fez foi
calcular o lucro operacional da empresa considerando suas operações de curto
prazo e desconsiderando investimentos associados ao longo prazo. Esses
investimentos associados ao longo prazo – em imobilizados e intangíveis, por
exemplo – são tipicamente chamados de Capex (capital expenditures).
Esse lucro operacional ajustado por depreciações e amortizações é o famoso
Ebitda.
Nota-se que o Ebitda calcula uma medida do lucro operacional desconsiderando
os efeitos das depreciações e amortizações, como se esses gastos não existissem.
Trata-se do potencial da operação de gerar caixa no curto prazo. Entretanto,
consiste em um potencial apenas, pois o verdadeiro caixa gerado na operação é o
caixa operacional, aquele após as variações derivadas do ciclo de caixa e capital
de giro, discutido no Capítulo 8.
A sigla Ebitda deriva do Ebit – earnings before interest and taxes – adicionado
pelas depreciações e amortizações (DA). O Ebit nada mais é do que o lucro
operacional. Para chegar ao lucro líquido a partir do lucro operacional já discutido,
bastaria retirar os efeitos de juros e impostos. Veja:
___________________________
___________________________
• Quanto de impostos sobre a renda (IR) se espera que a empresa irá pagar a
cada ano?
• Qual será a velocidade de conversão desse lucro em caixa, conforme as
variações na necessidade de capital de giro (discutida no Capítulo 8)?
Para estimar os impostos sobre a renda de forma simpli cada, seria possível
simplesmente aplicar alíquota de IR e CSLL sobre o lucro operacional estimado
para a empresa, por exemplo.
Sim, o valor presente de R$ 100 mil daqui a 100 anos é R$ 1,20, considerando a
taxa de 12% ao ano. Se considerássemos um patamar maior de risco, levando em
conta 24% ao ano, o valor presente seria aproximadamente zero. Fica evidente,
portanto, que não vale o esforço de projetar uxos de caixa em um futuro muito
distante. No entanto, isso não signi ca dizer que o futuro não tenha valor. A
questão é: como estimar, a partir de determinado momento, um valor terminal que
represente esse valor futuro de longuíssimo prazo, no limite, até o in nito?
Entra aí o conceito da perpetuidade. Matematicamente, essa discussão já foi
explicada nas últimas páginas do Capítulo 7, se você quiser retomar. Por aqui,
iremos direto à fórmula nal.
Em algum momento, quando se considerar que a empresa está chegando a
momento de maturidade, é possível vislumbrar um futuro com algumas regras
simpli cadas. Por exemplo, poderíamos estimar que, de um momento em diante,
o FCFF será para sempre estável. Poderíamos também estimar que ele vai crescer a
uma taxa constante, como 1% ao ano, para sempre.
É possível saber o valor presente de um uxo in nito futuro6. Inclusive, a base
conceitual que permite isso é a mesma associada ao modelo de dividendos
perpétuos. O valor presente de um uxo de caixa in nito futuro é dado por:
em que:
FCF do período 1 da perpetuidade: trata-se daquele uxo de caixa livre (da rma
ou do equity, dependendo da modalidade de uxo de caixa projetado) no primeiro
ano da perpetuidade. Suponha que esse valor terminal seja estimado para o
décimo ano do uxo projetado, quando se espera que o negócio vá atingir a
maturidade. Nesse caso, esse uxo de caixa livre seria aquele estimado para o ano
11;
i: custo de capital ajustado ao risco do negócio, já discutido anteriormente;
g: taxa de crescimento perpétuo (“g” de growth), que estima que a empresa vá
crescer eternamente, período a período, ano a ano.
Esse valor presente de um uxo perpétuo será chamado de valor terminal e será
alocado ao décimo ano da projeção. Para descobrir esse valor em dinheiro de data
zero, é preciso trazê-lo a valor presente, como se fosse um uxo de caixa normal
do décimo ano do valuation.
A perpetuidade é um tanto perigosa se mal utilizada. É muito comum que boa
parte do valor de startups esteja em sua perpetuidade. Pelo peso dessa variável
nas avaliações, qualquer mínimo ajuste em suas premissas pode causar enorme
variação no valuation total do negócio. Precisamos, portanto, ter cuidado
redobrado quando estimamos esse número. Quer ver um exemplo? Suponha o
seguinte:
1 DAMODARAN, Aswath. The dark side of valuation: valuing young, distressed and complex businesses. 3rd
edition. New York: Pearson Education, 2018.
2 Há casos em que o enterprise value é calculado já com o valor do caixa embutido, como metodologias que
projetam os ganhos nanceiros advindos da aplicação do caixa. Ainda assim, esses casos são uma minoria,
mas sugiro a você que compreenda como foi feita a projeção de uxos de caixa, para ver se o valor já está
contemplado no EV ou não.
3 Essa alusão ao método como um reality check foi proposta pelo Guia AICPA. AICPA. Accounting and
valuation guide: Valuation of portfolio company investments of venture capital and private equity funds and
other investment companies. USA: Wiley, 2019. p. 133, § 5.95.
4 SEC – SECURITIES AND EXCHANGE COMMISSION. Form S-1. 14 de Agosto de 2019. Disponível em:
<https://www.sec.gov/Archives/edgar/data/1533523/000119312519220499/d781982ds1.htm.> Acesso em: 28
de janeiro de 2020.
5 Há diversas formas para apuração do FCFF. Em vez de partir do Ebitda, por exemplo, seria possível partir do
Nopat (net operating profit after taxes – lucro operacional após impostos) e, depois, adicionar as depreciações
e amortizações.
6 Isso é possível graças à regra matemática da soma dos in nitos termos de uma progressão geométrica (PG).
7 DAMODARAN, A. An introduction to valuation. Disponível em:
>http://pages.stern.nyu.edu/~adamodar/New_Home_Page/background/valintro.htm.> Acesso em: 27 de
fevereiro de 2020.
Para nalizar nossas discussões, creio que cabem algumas
considerações sobre as nanças comportamentais e a alma
empreendedora, bem como sobre o ecossistema de startups no Brasil.
Esses dois pilares – o nosso lado emocional interno (como
empreendedores e pro ssionais de startups)
e as características do ambiente externo – in uenciam sobremaneira
todas as discussões que propusemos ao longo dos dez capítulos
deste livro.
Passo, então, a algumas considerações nais.
________________________
Ah, empreendedores! Quanto não pagariam os bancos, governos,
VCs e tantos outros, para, de fato, compreender e desmisti car o
modelo mental de empreendedores! Como pensam e decidem, de
fato? São racionais até que medida? Emocionais até qual outra
medida?
Compreender quem são as pessoas na liderança de uma startup
pode ser ainda mais crítico do que em grandes negócios. Por quê? No
geral, um grande e maduro negócio já chegou a determinado nível de
organização e rotina em seus processos, que acaba dando origem a
determinada engrenagem de funcionamento que, mais ou menos
e ciente, tem considerável capacidade de autogestão. Isso é menos
verdade em uma pequena empresa, cujos recursos são mínimos e
extremamente concentrados em poucas mentes, ainda sem histórico
nem processos automatizados, de forma que cada uma dessas mentes
é absolutamente vital para o sucesso do negócio.
Quem são as pessoas e, portanto, os líderes em startups? Thaler,
ganhador do prêmio Nobel de Economia em 2017, e Sunstein,
advogado professor da Universidade de Harvard, propõem, em seu
livro Nudge, o seguinte trecho descrevendo a tomada de decisão do
homem racional, proposto pela Teoria Econômica Clássica: “Se você
olhar para os livros de Economia, aprenderá que o homo economicus
pode pensar como Albert Einstein, armazenar tanta memória quanto o
Big Blue da IBM e exercitar a força de vontade de Mahatma Gandhi”
(THALER; SUNSTEIN, 2008)1.
Fica evidente que esse processo racional seria um absoluto exagero
a um ser humano – o homo sapiens. Nossa capacidade de
armazenagem e processamento de dados e probabilidades é
absolutamente pequena quando comparada à complexidade das
decisões que tomamos em nosso dia a dia. Provavelmente, pegamos a
calculadora até para fazer contas razoavelmente simples, a nal
quantos de nós têm a mente de Albert Einstein? Se falarmos, então,
em força de vontade, levante a mão quem resiste a uma Nutella, um
episódio de seriado, um cochilo, uma procrastinação, uma mídia
social... e consegue sempre garantir que seu ser racional tome suas
decisões a todo momento de sua vida! Pois é, é possível que você não
tenha levantado a mão nesse momento, certo? Isso não faz de nós
menos humanos, faz de nós humanos. Sim, homo sapiens, e não
homo economicus.
Dois lados dentro de nós, seres humanos, coexistem: o racional e o
emocional. A essa distinção, Thaler e Sunstein se referiram como
homo economicus e homo sapiens. Kahneman e Tversky propõem a
segregação desses dois lados: o Sistema 1 – intuitivo, automático,
emocional, fruto de questões evolutivas e experiência – e o Sistema 2
– fruto de processo analítico, processamento de dados e
probabilidades, nosso lado racional, o homo economicus. A
coexistência desses dois lados de ne nosso processo cognitivo e
in uencia nossas decisões, grandes e pequenas. Alguns vieses
cognitivos – como excesso de otimismo, de con ança, medo do
arrependimento, entre diversos outros sobre os quais falaremos
adiante – podem impactar nossa atuação de forma relevante, e
empreendedores estão também sujeitos a essas possíveis condições,
que, por vezes, tornam-se armadilhas.
O professor da Unicamp, Fernando Nogueira da Costa2, propõe uma
terceira abordagem3: o homo pragmaticus. Para tanto, traça um
paralelo com os axiomas de Zurique, tendo por base estratégias e
regras claras de investimento de nidas para maximizar os potenciais
de ganhos e minimizar os riscos de perdas em investimento. Diversos
dos axiomas permitem ao tomador de decisões maximizar as decisões
racionais (homo economicus), escapando de vieses e armadilhas
cognitivas (homo sapiens) por meio de regras práticas (homo
pragmaticus).
À luz de tudo isso, onde ca o empreendedor? Se me permite um
palpite, empreendedores estão fortemente perto do homo sapiens,
bastante sujeitos – pelo bem e pelo mal – ao lado emocional do
processo decisório, mas não apenas isso. Empreendedores são
também extremamente resilientes, fortemente capazes de
implementar e facilitar para que ideias se transformem em realidade.
Uma combinação, portanto, de homo sapiens com alta capacidade de
implementação visionária e resiliente.
Vamos discutir alguns vieses cognitivos – in uências desse nosso
lado emocional – que tendem a impactar sobremaneira a atuação
empreendedora.
Cabe mencionar, antes de mais nada, que há uma nítida tendência
do ser humano, intrínseca em nossa essência, de simplesmente tomar
decisão com base em limitada quantidade de informações – não
necessariamente as corretas ou mais relevantes – , tendendo
especialmente a superestimar acontecimentos recentes e tomá-los
como base para projeções e estimativas para o futuro. Esses efeitos
recebem alguns nomes nas nanças comportamentais e causam
algumas anomalias, que vamos discutir a seguir.
O viés disponibilidade pode fazer com que o agente analise de forma
precipitada probabilidades e riscos, tendo por base poucas
informações disponíveis. Quando se pergunta a uma pessoa a
probabilidade de que determinado evento ocorra, ela geralmente irá
se apegar ao dado que mais facilmente vier à memória.
Já o viés representatividade indica que as pessoas tendem a tomar
decisão, com base em estereótipos ou informações mais geralmente
aceitas e comentadas, sem buscar informações adicionais relevantes.
Em nanças, isso costuma estar associado ao tomador de decisão
que, com base no passado recente, faz uso excessivo dessas
informações para suas projeções e expectativas futuras.
Em conjunto, esses fatores podem dar origem às chamadas
anomalias de mercado. Um bom exemplo seria a criação de “bolhas”
no mercado nanceiro – e sua consequente correção, usualmente
chamada de quebra ou crise. Isso porque, em muitos casos, os
investidores tendem a tomar sua decisão com base no desempenho
passado: “Se está subindo, então irá continuar a subir. Logo, vou
investir”. Essa linha de raciocínio faz com que os preços dos ativos
tendam a subir para níveis muito acima dos razoáveis, do que se
poderia considerar justo ou correto.
Quando esse efeito é combinado ao “medo de arrependimento”, o
problema ca maior. “Será que eu quero car de fora dessa?” é um
sentimento clássico do medo de se arrepender. Cria-se um potencial
efeito manada: todos vão para onde todos vão. E, então, o problema
se intensi ca. Em nanças, essa onda de comportamento leva ao
“momento”: o efeito no qual os preços continuam subindo (ou caindo)
apenas porque eles vêm subindo (ou caindo), fator que é causado e
potencializado por inúmeros motivadores comportamentais.
Esses efeitos não são menores em empresas pequenas, startups,
empresas públicas ou outros casos.
Uma característica bastante recorrente em empreendedores é o
chamado excesso de con ança (overconfidence), que, assim como o
excesso de otimismo, são características típicas do ser humano.
Somos todos animais e, portanto, todos sujeitos a esses vieses. No
entanto, é possível, em média, perceber alguns deles exacerbados em
empreendedores. Não raras vezes, o empreendedor tem ainda mais
excesso de con ança e excesso de otimismo do que a média das
pessoas, que também são con antes e otimistas. Muito em razão
disso está a maior propensão a risco que os empreendedores podem
apresentar.
Observação
Faço aqui a ressalva de que essas características se referem,
em geral, à média dos empreendedores. Naturalmente,
podem haver inúmeros casos que fogem a esse padrão.
1 THALER, Richard H.; SUNSTEIN, Cass R. Nudge: Improving decisions about health, wealth,
and happiness. Local: Editora, ano.
2 COSTA, Fernando Nogueira da. Comportamentos dos investidores: do homo economicus ao
pragmaticus. São Paulo: IE/Unicamp, Texto para Discussão, n. 165, agosto de 2009.
3 Christian Giordano, em seu artigo “Homo creator. The conception of man in social
anthropology”, de 2005, também faz alusão ao homo pragmaticus, porém com menos alusão
às decisões e estratégias nanceiras.
4 EVERETT, Craig R.; FAIRCHILD, Richard J. A theory of entrepreneurial overcon dence, e ort
and rm
outcomes. The Journal of Entrepreneurial Finance, v. 17, n.1, Spring 2015.
5 WEF – WORLD ECONOMIC FORUM. The Global Competitiveness Report 2018 – Brazil.
Disponível em: <http://reports.weforum.org/global-competitiveness-report-2018/country-
economy-pro les/#economy=BRA.> Acesso em: 15 de agosto de 2019.
6 NÚMERO de investidores em crowdfunding cresce após regulamentação. Comissão de
Valores Mobiliários – CVM, 29 de abril de 2019. Disponível em:
<http://www.cvm.gov.br/noticias/arquivos/2019/20190429-1.html.> Acesso em: 15 de agosto
de 2019.
7 IBGC – INSTITUTO BRASILEIRO DE GOVERNANÇA CORPORATIVA. Governança Corporativa
para Startups & Scale-Ups. 2019. Disponível em:
<https://conhecimento.ibgc.org.br/Lists/Publicacoes/Attachments/24050/IBGC%20Segment
os%20-%20%20Governan%C3%A7a%20Corporativa%20para%20Startups%20&%20Scale-
ups.pdf.> Acesso em: 15 de agosto de 2019.
8 BRASIL. Lei complementar n. 167, de 24 de abril de 2019, dispõe sobre a Empresa Simples
de Crédito (ESC) e altera a Lei n. 9.613, de 03 de março de 1998 (Lei de Lavagem de Dinheiro),
a Lei n. 9.249, de 26 de dezembro de 1995, e a Lei Complementar n. 123, de 14 de dezembro
de 2006 (Lei do Simples Nacional), para regulamentar a ESC e instituir o Inova Simples. Diário
O cial da União, Brasília, DF, 25 de abril de 2019.
9 FERRARI, Hamilton. Empresa Simples de Crédito vai mudar o país, diz presidente do Sebrae.
Correio Braziliense, Brasília, DF, 14 de maio de 2019. Disponível em:
<https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/2019/05/14/internas_econo
mia,754840/empresa-simples-de-credito-vai-mudar-o-pais-diz-presidente-do-sebrae.shtml.>
Acesso em: 14 de junho de 2019.
10 BRASIL. Lei n. 13.818, de 24 de abril de 2019, altera a Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de
1976 (Lei das Sociedades Anônimas), para dispor sobre as publicações obrigatórias e ampliar
para R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais) o valor máximo admitido de patrimônio líquido
para que a S.A. de capital fechado faça jus ao regime simpli cado de publicidade de atos
societários. Diário O cial da União, 25 de abril de 2019b. Acesso em: 15 de maio de 2019.
11 BRASIL. Medida provisória n. 881, de 30 de abril de 2019, institui a Declaração de Direitos
de Liberdade Econômica, estabelece garantias de livre mercado, análise de impacto
regulatório, e dá outras providências. Diário O cial da União, 30 de abril de 2019c. Acesso
em: 15 de maio de 2019.
12 AZEVEDO, Mary Ann. With Brazil leading the way, VC investment in Latin America has more
than doubled. Crunchbase News, 1 de Junho de 2018.
13 CENSO Coworking Brasil 2018. Coworking Brasil, 2018. Disponível em:
<https://coworkingbrasil.org/censo/2018/.> Acesso em: 15 de maio de 2019.
apêndices
APÊNDICE 1
Glossário
Bootstrapping: ato de empreendedores nanciarem suas empresas com dinheiro
próprio. 3.
Burn rate: indicador que sinaliza a taxa de queima de caixa (velocidade com que
o caixa será consumido). 8.
Ebit: Earnings Before Interest and Taxes. Lucro antes dos juros e impostos. Lucro
operacional. 10.
Ebitda: Earnings Before Interest, Taxes, Depreciation and Amortization. Lucro
antes dos juros, impostos sobre a renda, depreciações e amortizações. 10.
Equity: Investimento de acionistas no negócio. .
ESC: Empresa Simples de Crédito. 11.
APÊNDICE 2
O valor do dinheiro no tempo e os juros compostos
Você prefere ganhar R$ 100,00 hoje, ou R$ 100,00 ano que vem?
Qualquer pessoa rapidamente responderia: hoje! Claro. Primeiro porque os
mesmos R$ 100,00 compram hoje coisas que talvez não comprem daqui a um ano,
devido à in ação. Além disso, o futuro é incerto! Vai saber o que vai acontecer
entre hoje e o próximo ano e, quem sabe, se de fato você conseguirá mesmo
ganhar o valor no futuro. Logo, o futuro tem risco.
Como se não bastassem esses fatores, há ainda o fato de que o dinheiro em sua
mão hoje tem utilidade, e pode signi car incremento em bem-estar ou
rendimento, o tal do custo de oportunidade. Você poderia gastar esse dinheiro e
aumentar sua satisfação na data zero – dando-se um presente ou viajando, por
exemplo –, ou poderia ainda investir esse dinheiro e ganhar juros.
Neste último caso, ao investir os R$ 100,00, daqui a um ano, você teria mais do
que esse valor. Suponha, por exemplo, uma taxa de juros de 10% ao ano; então,
no próximo ano, você teria 110 = 100 + 10% x 100.
Podemos ilustrar essa operação da seguinte maneira:
No primeiro ano, caso você aplicasse R$ 100,00, você ganharia juros de R$ 10,00
(10% x 100), terminando o ano com R$ 110,00. No segundo ano, você ganharia os
mesmos juros de 10%, porém eles agora iriam incidir sobre um saldo acumulado:
10% x 110,
chegando ao valor de R$ 121,00. Para um período “n” qualquer no futuro, é
possível generalizar a fórmula dos juros compostos, que seria tal qual descrito a
seguir:
Vamos supor agora a seguinte situação: oferecem a você R$ 121,00 daqui a dois
anos. Qual o valor disso para você, hoje? A mesma lógica de valor do dinheiro no
tempo, que levou o dinheiro para frente, poderia trazer o dinheiro para trás!
A lógica agora seria:
APÊNDICE 3
O valor presente líquido
Imagine que convidem você para investir em determinada startup e lhe enviem
uma projeção de uxos de caixa esperados para o futuro do negócio, algo
semelhante à seguinte estrutura genérica:
A Figura A3.1 ilustra uma projeção de uxos de caixa que conta com:
• uxos de caixa para períodos diversos no futuro (que podem ser positivos ou
negativos, representando entradas ou saídas de caixa, respectivamente).
Então, eu pergunto: será que vale a pena investir nesse negócio? Entra, aí, o
conceito de valor presente líquido (VPL).
Como se pode imaginar, a Matemática Financeira não permite que façamos uma
análise simplista do tipo: somar todos os uxos monetários futuros e ver se o
resultado parece atrativo. Em razão de efeitos, como in ação, custo de
oportunidade do dinheiro, utilidade do dinheiro e nível de risco do projeto, é
preciso levar em consideração o valor do dinheiro ao longo do tempo. É
naturalmente equivocado dizer que R$ 100,00 têm a mesma importância e
possam ser simplesmente somados se estão em momento de data zero ou daqui a
dez anos, por exemplo.
Conforme vimos no Apêndice 2, o valor presente de um uxo qualquer futuro é
dado por:
em que:
VPL = valor presente líquido;
FC0 = indica o uxo de caixa feito na data zero (normalmente um investimento e,
portanto, costuma levar sinal negativo);
FC1 a n = uxo de caixa esperado (entradas ou saídas líquidas de caixa do
negócio/projeto) em cada período, que pode variar desde a data zero até o
período qualquer “n” no futuro. Lembrando que os uxos de caixa futuros podem
ser positivos ou negativos;
i = taxa de desconto (ou custo de capital), que será utilizada para trazer o futuro
a valor presente. Lembrando que essa taxa deve contemplar efeitos, como o custo
de oportunidade livre de risco do dinheiro e o nível de risco do projeto. Quanto
mais arriscado o negócio, tanto maior deve ser a taxa de desconto utilizada. Esse
custo de capital foi discutido em profundidade no Capítulo 9 deste livro.
A matemática do VPL é essa. Agora, vamos a sua interpretação. Considere o
seguinte exemplo sobre determinada opção de investimento hipotética:
• VPL menor do que zero: signi ca que o projeto destrói valor, pois não consegue
nem mesmo compensar o investimento feito, considerando o mínimo de
interesse de ganho esperado (taxa i).
• VPL maior do que zero: signi ca que o projeto vai proporcionar ao investidor
um ganho maior do que os 10% mínimos esperados no período.