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Aos meus três meninos:

Dri, "aves de mesma plumagem voam juntas", que bênção voar a vida
com você;
Gá e Fê, anjinhos, presentes divinos e inesperados em minha vida.
AGRADECIMENTOS
À Columbia University – in the city of New York, por me receber em
meus estudos de pós-doutoramento, semente que deu origem a esta
obra. Especialmente, agradeço
aos docentes e à comunidade acadêmica da instituição, vocês são
força inestimável para manter viva a fonte intelectual que a
universidade alimenta há séculos. Agradeço também a toda a
comunidade e pro ssionais da universidade, que contribuem como
educadores e eternos alunos em suas bibliotecas, eventos,
seminários, laboratórios, palestras, brown-bags, refeitórios e muito
mais.
Ao Prof. Dr. Albert Fishlow, pela gentileza de, há anos, dedicar seu
tempo e atenção em reuniões sobre meus estudos, durante o
doutorado, e por abrir novamente as portas da Columbia University
para meu pós-doutorado. Como sempre, suas contribuições são fonte
de inovação e sapiência para estudos, que contribuem para as
publicações.
Ao Prof. Dr. José Roberto Securato, por me honrar ao aceitar o convite
de escrever o prefácio desta obra. Agradeço também ao professor por
todos os ensinamentos, inspiração e aprendizado proporcionados ao
longo de todos os anos em que tive o privilégio de tê-lo como
professor e orientador, pela con ança que depositou em mim, pelas
inúmeras oportunidades e portas que me abriu e pelo crescimento
pessoal e pro ssional que me proporcionou ao longo dessa trajetória.
Professor, seus alunos são mais um legado seu para nossa sociedade,
e para mim é uma grande honra poder chamá-lo de Teacher.
Ao meu marido, amor e amigo, Adriano Mussa, agradeço pelas
inestimáveis conversas, sugestões, críticas e discussões e pelos
aprendizados e didática que me
foram transmitidos ao longo de anos, todos absolutamente essenciais
a diversos dos temas abordados neste livro. Agradeço também pelo
amparo emocional, estímulo e motivação constantes, pelo in ndável
carinho e compreensão ao longo da complexa trajetória de equilibrar
família, pro ssão e produção acadêmica. Em tempos atuais de
dissolução de valores, encontrei em você nobre exemplo de marido e
pai para nossa sociedade.
Ao meu pai, Marcos, e ao meu irmão, André, devo especiais
agradecimentos pela ideia de escrever o livro. Ao longo de tantos anos
apoiando análises nanceiras a empresas da família, em determinado
momento, eles me disseram: “Bruna, você deveria escrever um livro
sobre esse tema para empreendedores como nós”. Pois bem, aqui
está.
À minha mãe, Andrea, pelo apoio, pois os últimos anos trouxeram
desa os especiais, derivados do desenrolar da vida pro ssional e
familiar. Não sei como teria passado por tudo sem você. Obrigada pelo
amparo, pela calma e por me prover, junto com o papai, a paz interna
e as re exões necessárias para cada passo meu. Paizinho e mãezinha,
me faltam palavras à altura de meu amor e gratidão. Amo vocês.
Ao Consulado-Geral do Brasil em Nova York pelo convite para dar
palestras, por diversas vezes, em oportunidades inestimáveis
proporcionadas pela nossa Embaixada. Nesse sentido, ressalto aqui
meu apreço e gratidão aos queridos Stella Maris Dallari e Fernando
Sena, cônsul-geral adjunto. Da mesma forma, meus sinceros
agradecimentos à Brazilian-American Chamber of Commerce e seu
diretor executivo, Ted Helms, por todo o apoio e tempo a mim
concedido ao longo desta trajetória.
Ao professor da Columbia University e querido amigo Sydnei
Nakahodo, que me abriu muitas portas ao longo dos anos na
universidade e me introduziu no ecossistema norte-americano de
startups, o que facilitou outras conexões em ecossistemas europeus e
no brasileiro.
À Saint Paul Escola de Negócios, pelo apoio nanceiro ao programa
de pós-doutorado e à construção deste livro. Ressalto minha gratidão
pela relevante parceria pro ssional construída ao longo desses quase
dez anos em que nossas trajetórias se cruzaram, sinto intensa
felicidade e honra de fazer parte da construção da Escola de Negócios,
hoje como sua Deputy Dean. Nesse sentido, especial agradecimento
ao fundador e CEO da Escola, Prof. Dr. José Cláudio Securato, querido
amigo.
Meu profundo agradecimento aos pro ssionais que, de forma tão
pródiga, aceitaram minhas dezenas de convites de entrevistas ao
longo da construção deste livro. Embora sendo tratados em caráter de
anonimato ao longo da obra, conforme combinado, visando a
promover ambiente seguro para que expressassem suas opiniões,
meu muito obrigada a todos os empreendedores, investidores anjo,
instituições de networking e redes de relacionamento do ecossistema,
pro ssionais da indústria de fundos – venture capital, private equity e
family o ces entrevistados –, colaboradores de startups de diversos
níveis e áreas, laboratórios de inovação, espaços de co-working, entre
outros diversos pro ssionais e organizações do ecossistema que
contribuíram para a formação das páginas que seguirão.
Por motivos diversos, algumas pessoas merecem menção especial:
André Losada
Pereira, Rafael Albuquerque, Katherine Corsini, Henrique Zanuzzo,
Lucas Vestri,
Olívia Carneiro e Arthur Cunha, obrigada.
Aos professores, pro ssionais e amigos Rubens Famá, Flávio Kezam
Málaga e Sueli Bonaparte, pelas inspirações, ensinamentos e
aconselhamentos ao longo dos anos. O curso de minha pro ssão e o
acúmulo de conhecimentos foram certamente moldados por
contribuições suas, por isso serei eternamente grata.
À Du & Phelps e especialmente aos queridos Nicolas Ballian e
Alexandre
Pierantoni, exímios pro ssionais, pelo apoio a esta obra e,
especialmente, por promoverem admirável evento de lançamento do
livro para sua comunidade, que conto com convidados relevantes, e,
com isso, fomentando o ecossistema de startups brasileiro e
disseminando conhecimento.
À Saint Paul Editora, especialmente à Nathalia Pinheiro, por toda a
atenção e carinho à construção deste livro, encontrando um belo
equilíbrio entre os desejos da autora e o rigor necessário para a
construção de uma obra técnica e con ável, porém de leitura leve.
À Ana Tereza pela revisão de português, linguagem e citações desta
obra. Não é de hoje que trabalhamos juntas, e é um privilégio para
mim que a Ana me acompanhe ao longo de minhas produções
acadêmicas, com toda sua seriedade e comprometimento.
Aos diversos ambientes de co-working, laboratórios de inovação,
aceleradoras e outras comunidades diversas que abriram suas portas
à divulgação deste livro, meus sinceros agradecimentos.
À minha família e meus caros amigos, pelo carinho e por me
proporcionarem momentos de diversão que tornaram esta jornada
ainda mais agradável. Especialmente aos meus sogros, Luiz e Cleide,
por todo o carinho e compreensão ao longo desta trajetória, além de
todo o apoio nos momentos em que nos ausentamos para seguir com
os estudos, sem vocês jamais seriam possíveis e muito menos tão
felizes estes passos.
A Deus, pela Vida e pela bênção.
PREFÁCIO
O livro da Prof.ª Dra. Bruna Losada é muito interessante, pois tem
características acadêmicas preservadas, e inovações quanto à
didática e ao formato literário de uma obra. O uso não convencional
de termos e a forma construtivista de abordagem dos assuntos
facilitam o aprendizado. O que foi extremamente inteligente para
tratar de algumas questões, segundo suas palavras, tais como:
“O que é e como ser um empreendedor?”
“O que é uma startup e uma PME – Pequena e Média Empresa?”
“A gestão nanceira do dia a dia de uma startup”
“Como conseguir o dinheiro certo, na velocidade certa, na hora certa
e a custo certo para sua startup?”
“Os tipos de funding”
“e o valor da empresa – valuation.”
A professora, a doutora, a pós-doutorada, a autora deste livro é a
Bruna. A Bruna do sorriso de “Bom dia, professor”, com muita alegria
de estar sempre presente em aula e conhecer coisas novas. Foi minha
aluna no mestrado e doutorado da FEA-USP, onde a orientei em ambas
as láureas, com grande mérito.
Neste livro, ela transmite a mesma radiação de alegria, agora de
ensinar coisas novas, numa nova forma de escrever. Ajusta a ciência
com suas devidas de nições e conceitos bem desenvolvidos em uma
área ainda pouco conhecida, que é a das startups, sem perder a
beleza e a apresentação de um estilo agradável e diferente, que fala,
imagino eu, melhor com o per l desses empreendedores.
Bruna alerta para ideias que merecem maior atenção, como:
“Empreendedorismo é um tipo de gestão? Inovação tem método?”
Salienta as relações entre empreendedores e vários tipos de
investidor. Primeiro, de uma forma genérica, dizendo que “todo
dinheiro vem amarrado a uma expectativa”. O que um empreendedor
nunca deve esquecer é em que etapa deve receber
esse dinheiro. Conforme a etapa de entrada do dinheiro, temos, como
explica a
autora, um “bad money ou good money”, ou seja, é crucial saber a
hora e a forma como o dinheiro deve entrar: como capital próprio,
dívida ou sócios.
Expõe questões do ponto de vista do empreendedor para sua
startup. Então, a autora questiona: “Você conhece as regras e tem
contatos para obter funding?” “Conhece alguém, ou conhece alguém
que conhece alguém... (para tal)?”. Apresenta problemas reais para
ser discutidos e deixa o empreendedor diante do dilema de que,
quando acabar sua liquidez, irá dizer: “É a hora do vai ou não vai” da
startup.
A partir do Capítulo 4, a autora coloca o empreendedor diante das
questões nanceiras de uma startup. Chama atenção para o fato de
que, a partir de 2020, há mais dinheiro disponível para investimentos
de risco, visto que as taxas de juros estão cada vez mais baixas em
todo o mundo. Então, as startups passam a ser uma alternativa
importante de diversi cação de investimentos.
Esta é a primeira questão que o empreendedor deve entender:
enquanto para o investidor se trata de investir um pouco de todo seu
dinheiro, ele, empreendedor, está entre a vida e a morte. Então, tem
de estar preparado e entender a linguagem dos investidores,
principalmente dos fundos de venture capital.
A autora coloca muito bem toda essa questão de que o
empreendedor tem de estar pronto para mostrar que a startup possui
uma linha de raciocínio, o que facilita em uma negociação consciente,
que consiste em obter o máximo de dinheiro cedendo o mínimo de
participação, enquanto a contraparte gostaria de oferecer o mínimo de
dinheiro conseguindo o máximo de participação.
O empreendedor tem de estar preparado para entender siglas e
termos tais como: MOIC, TIR, CAC, LTV, churn e muitos outros para
conversar com os grandes investidores.
Tudo isso está muito bem explicado no texto de forma simples e de
maneira que o empreendedor possa trabalhar com elas. Esses
conceitos estão nos Capítulos 5, 6 e 7, nos quais Bruna deixa clara
uma das coisas mais importantes de qualquer negócio: “Receita é
vaidade, lucro é sanidade e caixa é rei”.
Esses três conceitos vão posicionar cada momento da startup até o
ponto de chegar ao valor da empresa, o valuation.
Nesta parte, a autora apresenta os principais métodos de valuation e
principais problemas para sua determinação:
“Qual o valor justo no futuro da empresa”
“Probabilidade de ocorrência desse valor”
“Tempo de espera para que ocorra”
“Questões de outras rodadas de captação de recursos”
“Custo de capital”
Todos esses assuntos são tratados neste livro. Apresentação de
conceitos, de nições e situações práticas a que o empreendedor está
sujeito servem como um guia para essa jornada ao ainda, não muito
conhecido, universo das startups. Acompanha ampla e atual
bibliogra a para que os estudos possam ser completados ou
aprofundados.
Convido os empreendedores e interessados em negócios a lerem
este livro, muito bem escrito e de fácil leitura. Eu o li quase como um
agradável romance.
Parabéns a Bruna Losada e bom proveito aos leitores!

Prof. Dr. José Roberto Securato


Sumário
INTRODUÇÃO

PARTE I - Início: uma visão geral sobre as finanças para startups

01 As finanças para startup


1.1 As finanças de startups e os fatores críticos de
sucesso dos negócios
1.2 Startups versus PMEs: desmistificando
1.3 Por que os livros de finanças tradicionais não
auxiliam o pequeno empreendedor?
1.4 Considerações finais
SAIBA MAIS

02 As questões de ouro de finanças para startups


2.1 Os estágios de vida de startups
2.2 Modelo de valor versus modelo de crescimento
2.3 Funding: como sustentar seus próximos passos
2.4 Every-single-day: como não morrer na praia
2.5 Valuation: como pegar seu futuro nas mãos
2.6 Considerações finais
SAIBA MAIS

PARTE II - Funding: Como sustentar seus próximos passos

03 Você está por dentro do jogo de fundraising... ou não?


3.1 O ovo ou a galinha?
3.2 Quais os principais tipos de funding, afinal?
3.2.1 Bootstrapping
3.2.2 Dívidas com terceiros – o caso da dívida
onerosa
3.2.3 Crowdfunding
3.2.4 O caso do equity
3.2.4.1 Investidores anjo
3.2.4.2 Fundos de venture capital (VC), private
equity (PE) e outros
3.2.4.3 Corporate venture capital (CVC)
3.3 O que influencia as decisões de financiamento dos
empreendedores?
3.4 Considerações finais
SAIBA MAIS

04 Por dentro do jogo de venture capital – para os íntimos, VC


4.1 Rodadas de captação
4.2 Os principais interesses dos fundos
4.2.1 A estratégia de saída – o que é sucesso afinal?
4.2.2 Do horizonte temporal
4.2.3 Da exposição a riscos
4.2.4 Na busca pelo smart money
4.3 Alguns indicadores financeiros essenciais para
startups – na visão fundo
4.3.1 Multiple of invested capita (MoIC) ou
múltiplo sobre o capital investido
4.3.2 A tal da TIR (taxa interna de retorno) ou IRR
internal rate of return
4.4 Seleção de fatores críticos qualitativos para
negociações com VCs
4.5 Considerações finais
SAIBA MAIS
PARTE III - EVERY-SINGLE-DAY: COMO NÃO MORRER NA
PRAIA

05 Receita é vaidade, lucro é sanidade e o caixa é rei


5.1 Receita Vs. Lucro Vs. Caixa
5.2 O caso WeWork e suas lições
5.3 Há bons exemplos? Mas é claro!
5.4 Considerações finais
SAIBA MAIS

06 Afinal... o negócio para em pé?


6.1 A tal da margem de contribuição
6.2 Atenção ao Mix de Venda
6.3 Empatar é suficiente?
6.4 Considerações finais
SAIBA MAIS

07 Métricas indispensáveis na nova economia


7.1 Entendendo o conceito de valor do cliente
7.2 O tal do churn
7.3 O custo de aquisição de clientes (CAC)
7.4 Estratégias para crescimento do LTV
7.5 Visão crítica sobre o LTV
SAIBA MAIS
7.7 Apêndice – Dedução da fórmula de LTV

08 De quanto dinheiro seu business precisa?


8.1 Milestones
8.2 O caso dos investimentos iniciais
8.3 O caso da queima de caixa pré-ponto de equilíbrio
8.4 O caso do capital de giro
8.4.1 Definindo ciclo de caixa e a necessidade de
capital de giro
8.4.2 O crescimento da NCG
8.4.3 Estimando o capital de giro
8.5 Considerações finais
SAIBA MAIS

PARTE IV - valuation: Como pegar seu futuro nas mãos

09 E, finalmente... o valuation!
9.1 Conceitos e nomenclaturas essenciais ao valuation de
startups
9.1.1 Cash-in e Cash-out
9.1.2 Pre-money e Post-money valuation
9.2 Valor justo
9.3 O Método VC
9.3.1 Definições relevantes sobre o preço de saída
9.4 Sobre o custo de capital
9.5 Considerações finais
SAIBA MAIS

10 Os principais métodos de avaliação e as startups


10.1 Sobre o enterprise value e o equity value
10.2 As principais metodologias de avaliação
10.3 Asset approach – Avaliação patrimonial
10.4 Market approach – Avaliação relativa
10.4.1 O famoso Ebitda
10.5 Income approach – Avaliação intrínseca ou absoluta
10.5.1 Pontos de atenção sobre a projeção dos
fluxos de caixa
10.5.2 O caso da perpetuidade – o valor terminal
10.6 Testando as premissas, a razoabilidade... e o bom
senso
10.7 Do nível de sofisticação
10.7.1 Avaliação de cenários múltiplos
10.7.2 Avaliação de ativos específicos à luz do
participante de mercado
10.7.3 Setores específicos/patentes/setores regulados
10.7.4 Classes de ações, seus direitos e
deveres/opções
10.7.5 Nível de risco e custo de capital variáveis no
tempo
10.8 Considerações finais
SAIBA MAIS

11 As finanças comportamentais, a alma empreendedora e o


ecossistema

Apêndices
APÊNDICE 1
APÊNDICE 2
APÊNDICE 3
INTRODUÇÃO
Ao lidar com o ecossistema de startups, é comum depararmos com
algumas falácias, frases de efeito ou, no mínimo, sérias armadilhas,
como:

• “Não dá pra fazer valuation de startup!”


• “Fundos não investem no uxo de caixa da startup, investem no
empreendedor!”
• “Valuation não serve pra nada em startup, precisa ver energia no
empreendedor, e sua capacidade de fazer as coisas acontecerem.”
• “O que importa é crescer rápido, não gerar caixa.”
• “Lucro? Claro que meu negócio não dá lucro! Um investidor que
investe em startup
não espera isso, espera outras coisas.”
• “O investidor só espera que alguma de suas investidas vire um
unicórnio, não importa se gera caixa ou não!”
• “Um bom investidor sabe que a startup não vai gerar caixa – nem
hoje, nem talvez nunca! –, o que importa é o brilho no olho e a garra
do empreendedor!”

Tenhamos cuidado. Sim, é claro que o brilho nos olhos é valioso.


Dadas todas as incertezas de um negócio em seus primeiros estágios
de vida, em especial um negócio com alto componente de inovação, o
nível de garra, inteligência, coragem e, especialmente, resiliência do
empreendedor são ativos muito valiosos, mas nenhuma dessas
palavras, por si só, “paga contas”. Além disso, nenhuma delas, por si
só, sustenta a geração de valor do negócio.
O que faz isso é, sim, o potencial de uxo de caixa. Mas não dá para
imaginar que apenas o potencial será su ciente: em algum momento,
ele terá de virar caixa efetivo. Somente assim, pode-se dizer que uma
startup tem, de fato, valor.
Essa problemática não é uma novidade da nova economia. Paremos
para pensar: já acumulamos em nossa história uma série de crises
nanceiras e “bolhas”. Esses episódios sempre tiveram em comum o
fato de que, em algum momento, os agentes esqueceram que o que
importa de verdade é o real valor das coisas, por isso os preços
saltaram a níveis absolutamente irracionais e descolados da realidade
– até que o absurdo fosse tão grande que todos foram obrigados a
reconhecer a discrepância, e os mercados colapsaram. Vamos pensar
em alguns casos? Foi assim na crise de 2008 do mercado hipotecário
norte-americano. Foi assim na "bolha" ponto.com, no início dos anos
2000. Foi assim na “bolha” nanceira e imobiliária no Japão, nos anos
1980. E em tantas outras “bolhas” aconteceu o mesmo...
Foi assim até mesmo na Mania das Tulipas, crise holandesa no
século XVII! Naquela ocasião, o comércio de tulipas – belíssimas, por
sinal, e como tal muito apreciadas –tornou-se um segmento lucrativo.
Naquela ocasião, inclusive, surgiu o mercado futuro de tulipas,
referente àqueles bulbos que seriam vendidos, mas nem mesmo
existiam ainda. Num excesso de otimismo, con ança, efeito manada,
medo do arrependimento, momento – juntemos aqui diversos vieses
cognitivos do processo decisório –, tínhamos aqui a loucura das
tulipas. Os preços da bela or subiram a níveis absolutamente
irracionais. Em algum momento, discreto e sutil – quase imperceptível
–, as pessoas começaram a esquecer o que era verdadeiramente o
valor intrínseco das tulipas, e, daí para frente, a irracionalidade tomou
conta, formou-se a “bolha”, veio a crise e virou mais uma história que
nos ensinaria muito.
Por que será que, mesmo diante dessas lições, continuamos com
opiniões fortes – e incorretas –, como aquelas falácias mencionadas
acima?
Nossa criatividade nos permite voar em expectativas e sonhos, o que
é algo maravilhoso do ser humano. Entretanto, há, como
consequência, o risco de cairmos em armadilhas. Todas aquelas frases
do início ilustram bem uma miopia no entendimento de startups e
podem ser perigosas, pois desviam a atenção do conceito de real valor
intrínseco aos negócios.
Se, por acaso, a startup não está fazendo as contas quanto a seu
potencial de geração de caixa, podemos ter certeza de que o
investidor está. Ou pelo menos deveria estar. Ninguém está dizendo
que o negócio tem de gerar caixa hoje nem mesmo amanhã, mas, em
algum momento, pode demorar dez ou 20 anos, o caixa deve existir.
Veja bem: isso pode, sim, demorar para acontecer. É possível que as
empresas cheguem a fazer oferta pública de suas ações sem ter
geração de caixa. No entanto, em algum momento, é absolutamente
essencial que esse caixa apareça de forma sustentável, ou o
empreendimento irá colapsar. A “bolha ponto.com”
nos ensinou essa lição, lembra?
Então, tenhamos cuidado ao dizer que o caixa não importa para a
startup, ou que o valuation não importa, ou qualquer coisa do gênero.
Se as pessoas realmente acreditarem nisso, torçamos para não
sermos, nós, os últimos investidores segurando esses “boletos” ao
apagar das luzes, porque eles perderão muito valor (dinheiro, mesmo,
nesse caso). É claro que há agentes no processo que terão feito
dinheiro em cima de negócios não rentáveis. São aqueles que
eventualmente entraram no negócio e conseguiram repassar o
investimento a um próximo investidor a um bom preço. Agora me diz:
o que será de quem for investidor do negócio no momento em que
car evidente que a geração de caixa não virá? Pois eles vão, sim,
pagar a conta. Quando isso acontece, se for em volume relevante, o
sistema como um todo sofre. Consequência? “Bolha”.
Não estou de forma alguma dizendo que estamos passando por isso
no ecossistema de startups. Apenas estou buscando trazer para a
discussão algo que será toda a base deste livro: o que são as nanças
– as boas nanças – de startups.
A mais pura e genuína das nanças, aquela mais essencial, são as
nanças corporativas. A nal, todo o resto deriva daí1, se pararmos um
segundo para re etir. Vamos pensar no so sticado mercado nanceiro
e suas ações, debêntures e derivativos, por exemplo. Uma ação só
terá valor se o ativo base – a empresa – tiver valor (medido por seu
potencial de geração de caixa futuro). E debêntures? Só terão valor se
a empresa tiver capacidade de honrar suas obrigações com credores –
sim, veja o caixa de novo! E derivativos? O nome já sugere: “deriva-de-
ativos”, portanto um derivativo está absolutamente atrelado aos
valores de seus ativos subjacentes.
Se analisarmos com o cuidado necessário, sempre acabaremos na
chamada economia real: aquela que está acontecendo aqui, no
primeiro plano, no dia a dia das pessoas, do trabalho e das empresas.
É a economia real que realmente tem valor e sustenta toda a pirâmide.
Foi exatamente isso, por sinal, que a “bolha” hipotecária2 de 2008 nos
relembrou.
As startups somente têm valor, no m da linha, se de verdade
pudermos vislumbrar real geração de caixa – ou crença em seu
potencial de geração. É possível que haja um bom tempo ao longo da
vida do empreendimento em que isso seja apenas uma expectativa,
porém, em algum momento, essa expectativa tem de se converter em
real geração.
É também possível que existam negócios que destruam caixa
permanentemente e, ainda assim, tenham valor? Sim, mas se – e
apenas se – esse negócio trouxer benefícios intangíveis ou recursos
valiosos para algum conglomerado maior, de forma que, como um
todo, esse conglomerado consiga gerar mais caixa em razão desse
negócio. No entanto, veja só, se o todo não gerar caixa, também não
adiantará.
Para ilustrar este último comentário, faço referência a uma
característica da nova economia: a era dos dados. Há inúmeros casos
de empresas que estão lançando produtos, aplicativos etc. que geram
custo, porém não cobram nada por eles, pois o objetivo desses
produtos é unicamente gerar dados. Esse negócio irá destruir caixa
perpetuamente. No entanto, é absolutamente valioso, pois essa
enorme quantidade de dados irá permitir que o conglomerado faça
uso de informações essenciais para a venda de produtos/serviços em
volume muito maior, com geração de caixa, a ponto de compensar
todo o custo envolvido na aquisição dos dados. Então, novamente,
voltamos à mesma realidade: no nal da linha, sempre tem o caixa.
Há também a discussão sobre o papel da evolução tecnológica: é
possível que um negócio não tenha evidências atuais sobre sua
capacidade de geração de caixa futuro, tudo o mais constante. No
entanto, é possível crer que o desenvolvimento tecnológico traga
modi cações à dinâmica do segmento de forma que o torne
economicamente viável mais adiante.
Então, não podemos cair no risco de nos iludir: vivemos na ordem
capitalista, e o capital espera, sim, ser remunerado. Como? Por meio
de caixa.
Sim, o caixa ainda é rei.
Pensando nisso, dei início à construção deste livro. Após anos em
salas de aula com empreendedores, consultorias inúmeras, palestras
e painéis, fui percebendo enorme carência em relação aos conceitos
essenciais das nanças para os empreendedores, seus negócios e
pro ssionais do meio. Para piorar ainda mais a situação, é importante
reforçar que a literatura amplamente disponível sobre nanças para
empreendedores e startups é um tanto escassa, incompleta, ou pouco
adequada às especi cidades desses pequenos ou jovens negócios,
cujo principal componente de valor reside no longo prazo, sujeito a
incertezas inúmeras.
Toda lógica das nanças corporativas – e sua consequente
abundância literária – foi construída tendo a grande corporação como
principal referência. Pouco se multiplicou, ao longo do tempo, o
conhecimento sobre as nuances de negócios incipientes, altamente
incertos, inovadores e/ou pequenos. Quer um exemplo? Pegue quase
qualquer livro sobre nanças e logo nos primeiros capítulos virá algo
mais ou menos assim: “entendendo o balanço patrimonial”. Balanço
patrimonial? Muitas vezes esses negócios nem sequer têm
contabilidade! Ou a têm apenas em nível trimestral ou anual! Como
analisar as nanças, então?
Com isso em mente e diante de incentivos de minha família – meu
marido, pai e irmão, especialmente, cujas almas são empreendedoras
cada uma à sua forma –, iniciei meu pós-doutoramento na Columbia
University, em Finanças para Startups.
O resultado dessa empreitada é este livro.
Meu objetivo com ele é trazer a você uma combinação de todo o rigor
das boas práticas e estratégias de nanças corporativas orientadas à
criação de valor, unidas às
melhores práticas disponíveis nos ecossistemas para startups – tanto
ecossistemas maduros (como o caso dos Estados Unidos) quanto as
nossas especi cidades brasileiras.
Trazer o absolutamente essencial das nanças para startups, da
forma mais agradável possível, é o propósito deste livro, que visa
apoiar o empreendedor e pro ssionais
de startups a conduzir seus negócios ao sucesso, fazendo uso de boas
práticas de gestão orientadas às características especí cas desse tipo
de negócio. De caráter altamente prático, esta obra está organizada
em quatro partes principais:

Parte I. Início: uma visão geral sobre as nanças para startups.


Parte II. Funding: como sustentar seus próximos passos.
Parte III. Every-single-day: como não morrer na praia.
Parte IV. Valuation: como pegar seu futuro nas mãos.

Meu sonho para este livro é que seja um passo – ainda que tímido –
na propagação de conhecimento a nossos empreendedores e
pro ssionais, apoiando nossa nação na construção de seus negócios,
geração de PIB e emprego e, quem sabe, ajudar um pouco na
construção de um país mais próspero. Das páginas que seguirão,
emana esse sonho.
Desejo a você ótima leitura!

1 Agradecimentos aos professores Rubens Famá e José Roberto Securato, além de Adriano
Mussa.
2 Como sugestão, é muito didático o aprendizado proporcionado pelo lme A grande aposta,
a respeito dessa “bolha”. Indico, caso não o tenham visto.
parte I

INÍCIO: Uma
visão geral sobre
as nanças para
Startups
Quando li essa frase de Kai Fu Lee (epígrafe) pela primeira vez, vou lhe dizer a
verdade: me impressionei. Cá entre nós, temos, sim, motivo para nos
impressionarmos diante das novidades no mundo dos negócios. Quarta revolução
industrial, inovação disruptiva, indústria quatro ponto zero, nova economia,
tecnologiasdisruptivas, inteligência arti cial, blockchain, IoT... e por aí vai.
Vou selecionar uma dessas para começar nossa discussão: nova economia. Esse
termo, tão em evidência na atualidade, refere-se à transição de uma economia
baseada em indústria para outra baseada em serviços. Sim, vivemos a nova
economia – o que não é de hoje, evidências nesse sentido surgiram, desde a
década de 1990, com o episódio das “ponto.com”, por exemplo.
Isso naturalmente não signi ca dizer que não há negócios intensivos em capital
na nova economia (imagine, como exemplo, o caso de startups atuantes em
segmentos com máquinas de alta precisão, tecnologia). Tampouco signi ca dizer
que a inovação é exclusivamente associada a negócios de serviços ou startups.
Negócios da velha economia podem também ser altamente inovadores e se
reinventarem.
É claro que avanços, tanto em termos de ferramentas de gestão – como método
ágil ou lean –, quanto em termos de tecnologias – como inteligência arti cial,
blockchain ou IoT –, vêm, sim, contribuir para todos os negócios. Inclusive, isso
está “borbulhando” nessa nova economia. Porém, como grandes corporações têm
muito a perder com a disrupção de seus mercados, é natural que as maiores
inovações e disrupções sejam lideradas por startups1.
Considerando as novidades de modelos de negócios, ferramentas de gestão e
tecnologias, o que se pode dizer sobre expectativas econômico- nanceiras das
empresas nessa fase? Em termos de expectativas de ganhos dos negócios, pouco
(ou nada!)mudou. Ainda temos negócios baseados nesse valioso recurso – o
capital –, e ele continua esperando sua remuneração, sim, por meio do caixa.
Veja só, isso não quer dizer que estejamos parados no tempo. Recentemente,
começamos a testemunhar fortes discussões sobre o tipo de capitalismo que
vivemos. A que me re ro?
Ao longo do nal do século 19 e início do 202, testemunhamos a emergência da
lógica do capitalismo muito pautada no capitalismo da gestão (managerial
capitalism).
Quando se olhavam as corporações, seu objetivo era gerar riqueza, sim, mas
principalmente pela formação de times de gestão altamente pro ssionais e
capacitados. Os altos executivos seriam, nesse caso, o centro de poder nas
organizações, e os agentes que lideravam os processos decisórios e, portanto,
de niam as orientações do negócio para geração de seu valor.
Na sequência, ao longo do século 20, houve uma transição da ênfase em gestão
para a de maximização da riqueza do acionista, é o capitalismo do acionista
(shareholder capitalism). Nesse caso, o acionista é colocado como centro de
poder e processo decisório nas organizações, e seu objetivo é, em grande medida,
maximizar a riqueza do acionista. Nesse momento, acredita-se que a melhor
empresa seja aquela que maximiza o valor dos investidores em primeiro lugar.
Naturalmente, essa visão pode gerar incentivos um tanto enviesados aos negócios
e até afastar a empresa de questões intangíveis absolutamente relevantes.
Diante de certa insatisfação generalizada, por causa da demasiada ênfase em
riqueza do acionista em detrimento de outros interesses, começamos a ver fortes
pressões para o surgimento de outros pontos de vista. Isso culminou com maior
força no capitalismo dos stakeholders (stakeholders capitalism), ou seja, o
capitalismo de todos os agentes que circundam e têm interesses relacionados ao
negócio. Sob esse ponto de vista, a melhor empresa é aquela que consegue
maximizar o valor para todos os possíveis interessados, como colaboradores,
fornecedores, comunidade, meio ambiente, consumidores, acionistas inclusive,
entre outros.
Em 2020, a ideia (apesar de ter origem em discussões conceituais antigas)
ganhou potentíssimos holofotes com o Manifesto de Davos 2020, assinado por
Klaus Schwab, fundador e executive chairman do Fórum Econômico Mundial. O
tema sustentou as discussões de top executivos de todo o mundo no encontro
mundial da organização e o trecho a seguir sintetiza a macroproposta para
discussões:

“O objetivo de uma empresa é envolver todas as partes interessadas para a


criação de valor compartilhado e sustentável. Ao criar esse valor, uma
empresa atende não apenas seus acionistas, mas também todas as partes
interessadas – funcionários, clientes, fornecedores, comunidades locais e
sociedade em geral. A melhor maneira de entender e harmonizar os
interesses divergentes de todas as partes interessadas é por meio de um
compromisso compartilhado com políticas e decisões que fortaleçam a
prosperidade no longo prazo de uma empresa”3.

Não há dúvida de que é um belo propósito este trazido pelo manifesto.


Certamente, ainda há muito o que discutir e lapidar em suas de nições,
especialmente para criar uma loso a que seja, de fato, mais que uma utopia e
factível na prática das organizações. Alguns fatores a pensar envolvem, por
exemplo, como lidar com prioridades e preferências entre os desejos desses
stakeholders, uma vez que, por diversas vezes, hão de ser contraditórios4. Há
também críticas salientando o risco de que essa abordagem poderia ser uma
ferramenta de relações públicas, mais do que necessariamente uma revisitação às
prioridades das organizações. Independentemente de críticas, no entanto, é
positivo que se promovam debates e se tragam para a mesa de re exões outros
pontos de vista sobre o que é valor.
Por m, em meio a tantas discussões sobre o que se espera do capitalismo,
surge também o capitalismo do consumidor (consumer capitalism). Nesse caso, o
consumidor é colocado como o centro do poder das organizações, e há uma
transição da ênfase dos negócios para gerar valor ao consumidor 5. A organização
que, de fato, conseguir a maximização da percepção de valor ao consumidor será,
por conseguinte, aquela que há de melhor atingir seus objetivos. Nesse sentido,
gerar riqueza para os acionistas acaba sendo uma consequência da geração de
valor para o consumidor, e não o objetivo em si.
Ao se analisar as empresas de maior sucesso na atualidade – retomando a
lógica da nova economia com que começamos o capítulo –, é perceptível como
muitas delas atribuem ênfase à experiência e à percepção de valor do consumidor,
do usuário, do cliente, seja como forem chamados. A base da discussão aqui é
que toda a geração de valor é sustentada pelos consumidores, de forma que
maximizar sua percepção de valor há de ser o pilar de sustentação para a rma
como um todo e, por conseguinte, originará a maximização de riqueza também
para o negócio.
Essa discussão é maravilhosa! O simples fato de estarmos pensando nela como
humanidade já é indício de nossa contínua evolução. No entanto, voltemos às
bases: qualquer que seja a vertente de discussão entre esses “capitalismos”, a
base é a mesma: o capital, mesmo que não necessariamente com a mesma
priorização ou com a mesma intensidade. De qualquer forma, o capital sustenta,
em boa medida, o funcionamento de transações, de percepção de valor
quanti cável, das relações de trabalho, de consumo, entre outros. Considerando
ponto de vista econômico- nanceiro, o capital ainda há de ser remunerado – ou
não seria capitalismo. Ou seja, se no nal do dia a “conta não fechar” para o
capital, há chances de que esse negócio deixe de existir!
Pensando na necessidade de remuneração do capital como uma premissa para
qualquer outra vertente do capitalismo – seja em maior, seja em menor grau de
priorização –, vamos re etir sobre o que isso signi ca na prática. Você conhece o
conceito de ganho total do acionista? Tanto em organizações clássicas e maduras
quanto em negócios jovens, pequenos e startups, o ganho econômico- nanceiro
do acionista pode vir essencialmente de duas naturezas: ganhos de dividendos ou
ganho de capital.

A distribuição de dividendos refere-se à entrega aos investidores dos lucros


gerados pelo negócio. O ganho de capital, por sua vez, diz respeito à valorização
do negócio como um todo, o fato de que o negócio está se tornando melhor e mais
valioso, por isso tem maior valor com o passar do tempo. Imagine, por exemplo,
para ns didáticos, o caso de uma empresa de capital aberto. Suponha que, em
janeiro, tenhamos comprado suas ações, pelas quais pagamos R$ 100,00.
Considere que, ao longo do ano, tenhamos recebido R$ 10,00 de dividendos e ao
nal do ano ainda tenhamos as ações, só que agora elas valem R$ 111,00. O
ganho total do acionista agora é de R$ 10,00 (de dividendos) + R$ 11,00 (de ganho
de capital), portanto R$ 21,00, dado o investimento inicial de R$ 100,00, 21% no
ano.
O primeiro componente (ganho de dividendo) é líquido e certo: “grana” no bolso
para já, à vista! O segundo componente é um ganho de longo prazo. É claro que,
em uma empresa de capital aberto, o acionista poderia vender a ação a qualquer
momento e realizar esse ganho, pois há liquidez nesse mercado. Porém, caso não
o faça, o ganho de capital é mais incerto, já que, no futuro, ele pode crescer ainda
mais – ou até cair.
Esses dois componentes são aplicáveis a quaisquer negócios. No caso de
empresas maduras, cujo crescimento foi em grande medida alcançado, é natural
que boa parte do ganho esperado pelo acionista venha no curto prazo, por meio
de dividendos. Já em empresas mais jovens ou de alto crescimento esperado
(como startups), é normal que boa parte do ganho esperado pelo acionista esteja
atrelado ao longo prazo. Mesmo que ainda não tenha ações negociadas
publicamente, um negócio poderá auferir fortíssimos ganhos de capital – cuja
realização possivelmente seja um pouco mais lenta e sujeita a negociações, por
envolver um ativo de menor liquidez.
Vamos explorar um pouco mais essa ideia. Primeiro: como podemos maximizar o
ganho de dividendos? Gerando lucros. Quanto maior o lucro gerado, tanto maior
poderá ser a distribuição de dividendos. Como podemos maximizar o ganho de
capital? Hum... essa pergunta é mais so sticada.
Um negócio proporciona ganho de capital quando a percepção geral sobre seu
valor aumenta à luz não apenas da opinião de um agente, mas também das
opiniões de todos os agentes de um mercado, em média. Algo somente tem valor,
se a comunidade em geral acreditar que esse negócio tenha valor. Imagine: se
apenas o empreendedor acreditar no valor de seu negócio, há valor de fato? Claro
que a percepção sobre valor tem muitos pontos de vista e sobre isso trataremos
em profundidade no Capítulo 9 deste livro, mas a verdade é que o valor existe
apenas a ponto de ser realizável para o acionista, se os diversos participantes de
mercado acreditarem que esse negócio tenha capacidade de remunerar
satisfatoriamente o capital
nele investido.
No entanto, remunerar como? Ah, bom, isso é mais simples. Remunerar o capital
por meio de dinheiro, de“grana”, de caixa. Caixa remunera o capital. Leads não
remuneram o capital. Likes também não... Comunidade, por si só, tampouco.
Experiência, por si só, tampouco. Brilho nos olhos, tampouco. Entretanto, se tudo
isso estiver associado a geração de caixa, essa geração de caixa, sim, remunera o
capital!
Considerando esse contexto, seria possível propor a seguinte re exão: “Poxa
vida, mas há tantas empresas da nova economia que fazem até initial public
o ering (IPO)6 sem ter geração de caixa... Então, será que é preciso mesmo gerar
caixa?”.
Uma característica do capital, diante das inovações proporcionadas pela vinda
da nova economia, é que ele cada vez mais está disposto a ter a paciência de
esperar um pouco mais para ser remunerado. O capital está mais paciente para
entender que o caixa não necessariamente precisa vir no curtíssimo prazo. Há o
entendimento de que esperar pela remuneração no prazo maior pode ser muito
vantajoso. Isso signi ca que não se espera geração de caixa? De forma alguma!
Espera-se, sim. Inclusive, até se espera muito mais geração de caixa no futuro,
de forma que a espera “valha a pena”.
Algumas mudanças que vêm acontecendo no mundo estão permitindo que
investidores vislumbrem grandes possibilidades de multiplicação do dinheiro,
talvez inéditas na história da humanidade. Com o advento da globalização, das
zonas de livre-comércio e avanços em tecnologia e conectividade, houve uma
melhora considerável em termos de mercado consumidor potencial e custos de
acesso a tecnologias. Juntam-se a isso a redução de guerras em escala global e o
avanço da medicina, que proporciona um aumento generalizado em termos de
expectativa de vida e.... boom!: o céu é o limite!
Para ajudar ainda mais, em momentos economicamente otimistas, nos quais os
investidores – sapiens que são – se tornam bastante con antes em relação ao
futuro, o que se tem como resultado é o que estamos testemunhando atualmente
no mercado de startups. Há no momento certo apetite em alta do chamado capital
de risco, o dinheiro que, em busca de maiores retornos, está aceitando correr
maiores riscos e vem, então, nanciar a inovação. Reforço novamente: esse
capital espera, sim, ser remunerado, e até mais bem remunerado. Ele apenas está
disposto a esperar um pouco mais pela remuneração, desde que haja fortes
indícios de um grande potencial de ganho.
É aí que reside boa parte da magia das startups e da nova economia. Enquanto
houver uma crença comum e generalizada de que a startup seja valiosa, ela há de
se mostrar valiosa! É quase uma profecia autorrealizadora.
Entretanto, a dúvida é: será que isso é sustentável no tempo? Pode ser, sim. Mas
se, e apenas se, o negócio der sinais de capacidade de entregar – hoje, amanhã,
ou daqui a bastante tempo – uxo de caixa su ciente para remunerar o
investimento. Se nós não tivermos por base um negócio que proporcione
efetivamente os uxos de caixa necessários para remunerar o capital, essa
profecia pode desmoronar num piscar de olhos.
O apetite por inovação, tecnologias e novos modelos de negócio veio, que bom
que veio, com força. Essas movimentações poderão trazer enorme evolução para a
humanidade. Porém é importante ter em mente que as bases econômico-
nanceiras não mudaram signi cativamente. Por vezes, certo hype nas mídias
pode dar a sensação de que algo mudou..., mas, não, o capital ainda espera sua
remuneração por meio de geração de resultados nanceiros do negócio.
Em uma visita à London School of Economics (LSE), tive a oportunidade de
participar de rica troca de experiências com Linda Yueh, respeitável economista e
professora. Naquela ocasião, discutiu-se sa possibilidade de que novas gerações
– motivadas por outras visões, propósitos e prioridades, com outros framings e
visões de mundo – venham a mudar de alguma maneira a ordem econômica que
rege a humanidade hoje. Mas isso não aconteceu ainda nem está perto de. Talvez
estejamos vivos para testemunhar uma transformação, e de repente o capital não
seja mais a base dos negócios, mas talvez (e provavelmente) não.

1.1 As finanças de startups e os fatores críticos de


sucesso dos negócios
As mídias, as business schools ao redor de todo o mundo, os lmes, os seriados,
os livros, todos têm inspiradoras histórias sobre empreendedorismo para
compartilhar. A nal, quão inspiradoras são as histórias de Steve Jobs, Walt
Disney, Bill Gates, J.K.Rollings, Oprah Winfrey, Larry Page, Mark Zuckerberg, Luiza
Trajano, Abílio Diniz, por exemplo!
São alguns exemplos de admiráveis casos de extremo sucesso em diferentes
versões de empreendedorismo e negócios de que muito se ouve falar.
Eu, pessoalmente, sou uma grande admiradora de qualquer iniciativa
empreendedora. Tenho enorme respeito por aqueles que acordam todos os dias,
levantam-se e criam! Seja na própria empresa, seja em carreiras corporativas
intraempreendedoras.
No entanto, não nos enganemos: empreender é uma empreitada de bastante
esforço, alto risco, incerteza e investimentos dos mais variados tipos de recurso –
como dinheiro ou tempo. Tempo que, na voz da brilhante doutora Mae Jemison7, é
a mais valiosa commodity da atualidade. Eric Ries8, em seu best-seller The lean
startup, faz interessante observação sobre empreendedorismo:

“Empreendedorismo é um tipo de gestão. Não, você não leu errado. Temos


percepções muito divergentes em relação a essas duas palavras,
empreendedorismo e gestão. Ultimamente, parece que um é legal, inovador
e emocionante, e o outro é monótono, sério e sem graça. É hora de olhar
além desses preconceitos.” (RIES, 2011, p. 3, tradução nossa)9
Assim, empreender é um profundo exercício de gestão. Bill Gross10, em meio a
larga experiência com a criação de startups – entre inúmeros casos de sucesso e
outros incontáveis de fracasso –, apresentou em sua palestra os elementos
essenciais para sucesso em novos negócios, em sua visão. Você notará que
diversos desses elementos estão absolutamente relacionados à boa capacidade
de gestão e execução. São eles:

• a ideia;
• o time de gestão, a capacidade de execução das ideias;
• o modelo de negócio, a clareza em relação ao funcionamento e processos para
geração de valor e receitas;
• o funding, a capacidade de levantamento de recursos adequados ao objetivo
do negócio;
• o timing – será que o mundo hoje está preparado para o negócio, está na hora,
ou é cedo/tarde demais?

Após inúmeras entrevistas com empreendedores como parte da construção


deste livro, a síntese proposta por Bill Gross me chamou mais atenção. Como o
objetivo deste livro é tratar de questões relacionadas às nanças de startups,
chamo atenção para alguns apontamentos cruciais que poderíamos fazer no que
se refere à intersecção entre esses fatores e os conhecimentos sobre nanças:

• Sobre o time e a capacidade de gestão: Qual o conhecimento do time de gestão


sobre os conceitos essenciais de nanças corporativas estratégicas? Os
tomadores de decisão no dia a dia – normalmente um time enxuto nesses
negócios – estão analisando os problemas e nós decisórios à luz de conceitos
nanceiros mínimos essenciais? Na hora decisiva do business, está havendo o
cuidado de se ter o “pé no chão” necessário para fazer as contas cuidadosamente
e garantir que as nanças “parem em pé”? Para pequenos e novos
empreendimentos, os recursos disponíveis para formação de times são bastante
restritos, e a formação de equipes capacitadas e multidisciplinares acaba sendo
um desa o muito grande. Não raras vezes, os times carecem de algum conteúdo
essencial sobre gestão, negócio ou setor, o que pode ser uma grande ameaça ao
sucesso do empreendimento. Será que, em seu negócio, existe alguém olhando
para os números? O essencial sobre conceitos de nanças estratégicas deve estar
no ferramental de domínio do empreendedor, ou é bastante importante que no
time haja pro ssional-chave que supra essa carência.

• Sobre o modelo de negócio: a de nição do modelo de negócio tem uma


sobreposição muito grande de conceitos de estratégia (como de nição do
mercado, público-alvo, cliente, produto, percepção sobre valor agregado) e
conceitos de nanças (relacionados à análise de sua viabilidade econômica e
capacidade de geração de valor). Por exemplo, a mensuração das receitas e custos
deveria ser cuidadosamente pensada a partir das premissas do negócio, do ticket
médio, do mix de vendas, da percepção sobre valor agregado ao cliente, da
capacidade da startup de monetizar esse valor, principais gastos necessários para
o funcionamento desse modelo de negócio, entre outros aspectos. Sendo assim,
pensar se o modelo de negócio funciona signi ca pensar se a ideia é consistente,
se o produto é consistente, se os recursos são consistentes e, não menos
importante, se as nanças do negócio são consistentes!

• Sobre o funding: nesse caso, a relação entre o sucesso do negócio e as


nanças é ainda mais óbvia. A fonte de nanciamento na magnitude e custos
apropriados para cada diferente estágio de um negócio é aspecto naturalmente
decisivo para o sucesso da startup. Eu ainda reforçaria que a visão de mercados
desenvolvidos (veja a palestra de Bill Gross) é muito diferente da visão de
mercados em desenvolvimento no quesito funding. Sim, é verdade que estamos
testemunhando avanços no acesso ao capital em mercados em desenvolvimento
– como o Brasil –, mas ainda estamos em estágio muito aquém do necessário
para as necessidades dos pequenos e novos negócios. Certamente, para o caso
brasileiro, por exemplo, o funding ainda é um dos maiores problemas para o
sucesso de empreendimentos, e a falta de capital, combinada às altíssimas taxas
de juros ainda praticadas no crédito ao pequeno negócio, torna esse fator um
problema muito maior aqui do que em países desenvolvidos.

• Por m, o timing: sim, timing também tem relação com nanças! Imagine que
uma startup seja altamente inovadora e está adotando a estratégia de criação de
mercado. Steve Jobs, por exemplo, em inúmeras ocasiões foi considerado genial
por antecipar-se e criar soluções para necessidades que as pessoas ainda não
conheciam conscientemente. No entanto, qual o custo da criação de mercado? O
custo de tempo e de dinheiro? Qual a fonte de recursos apropriada para sustentar
essa criação de mercado, até onde investir – e quando desistir? Imagine, agora, o
caso de uma empresa que está nascendo em um timing diferente: em que o
mercado já está criado, e a demanda já existe. Quão diferente será sua
necessidade de investimentos – em capital expenditures (Capex), investimentos
pré-operacionais e até em capital de giro – e qual adequação ao funding deverá
ser feita? Veja só, até o timing tem tudo a ver com nanças. Então, eu lhe
pergunto: quanto você acha que startups efetivamente pensam a esse respeito a
ponto de colocar, na ponta do lápis, qual o custo do timing de suas ideias?

Vamos deixar uma coisa bem clara: estamos falando de startups, de pequenas
empresas, de organizações sem ns lucrativos, de grandes corporações, em suma,
de qualquer tipo de organização humana, o fato é que nenhuma delas está acima
de boas práticas de gestão. É claro que essas práticas poderão ser adaptadas e
ajustadas às realidades especí cas de cada setor, ao tipo de empresa e ao
tamanho do negócio, mas será necessário fazer sua gestão. Parte disso, envolve
aplicar boas práticas de nanças corporativas no negócio. Digo mais, essas boas
práticas são, de fato, uma importante ferramenta estratégica para análise e
geração de valor.
Acontece que, ao longo de anos lecionando em programas de MBA, MBAs
Executivos, participando de consultorias a empresas no Brasil e nos Estados
Unidos, algo me chamou demasiadamente atenção: quão desassistidos estão
muitos empreendedores em relação a conhecimentos absolutamente essenciais
sobre nanças para seus negócios.
Proponho a você uma busca: tome alguns minutos para pesquisar na internet
“livros que todo empreendedor precisa ler”. Você irá deparar com incontáveis
sugestões de literaturas, inclusive seleções de fontes con áveis que propõem as
leituras essenciais para todo empreendedor. São majoritariamente relacionadas a
estratégia, processo decisório e vieses cognitivos do empreendedor, motivação e
resiliência, criatividade e técnicas e ferramentas voltadas a processos de gestão
inovadora e reinvenção dos negócios, modelos e produtos. Você irá notar que
quase nenhuma das literaturas sugeridas são ferramentas relacionadas a nanças
desses negócios. Muito menos de forma precisa, prática e abrangente de modo a
auxiliar o empreendedor.
Por que será? Eis que, com essa problemática em mente, deparei com a seguinte
de nição de empreendedor proposta por Eric Ries, responsável por inúmeros
estudos de casos:

“Os empreendedores e gerentes descritos neste livro são inteligentes,


capazes e extremamente orientados a resultados. Em muitos casos, eles
estão conduzindo a construção dessas organizações de maneira
consistente com as melhores práticas do pensamento atual sobre gestão”
(RIES, 2011, p. 72, tradução nossa).

O que mais me chama atenção nessa de nição é a altíssima capacitação do


empreendedor descrito no livro. Note que ele já tem amplo domínio sobre os
pilares fundamentais da ciência da Administração. Isso signi ca, por exemplo,
que todo o arcabouço ferramental sobre nanças, marketing, produção e demais
ferramentas e áreas da administração já são de seu conhecimento. Talvez isso
seja mais próximo da verdade se analisados empreendedores do Vale do Silício –
e, ainda assim, não é generalizável. Cá entre nós, trata-se de uma boa de nição
geral do empreendedor? Não necessariamente essa é uma verdade,
principalmente na atualidade em que a carreira de empreendedorismo se torna
mais atraente a jovens – com ou sem educação formal sobre gestão. É claro que
conhecimentos avançados sobre gestão podem vir de várias formas – por
educação formal, experiência ou intuição (desenvolvida a partir da experiência,
diga-se de passagem), mas o seu entendimento é deveras relevante para o
sucesso no negócio.
De todo modo, tendo em vista o abrupto crescimento de competitividade nos
setores e mercados, além de cada vez mais rápida a mutação dos modelos de
negócio, o espaço para a gestão intuitiva começa a decrescer. Quando há menor
competitividade, os negócios e clientes podem car mais tolerantes a equívocos e
haver menor pro ssionalismo. Quando a competitividade aumenta, ca um pouco
mais difícil compensar a eventual ausência de boas práticas de gestão.
Assim, o que este livro busca fazer é exatamente trazer esses conceitos e
ferramentas das nanças estratégicas, que são absolutamente essenciais para
que startups consigam conduzir a vida de seus negócios, focando – de verdade –
a m de gerar valor em suas inovações.

1.2 Startups versus PMEs: desmistificando


A nal, o que é uma startup? Em meio ao que tanto se discute no ecossistema de
inovação, muitas vezes essa de nição, tão básica e essencial, pode passar um
tanto despercebida. Para conseguir compreender as características,
oportunidades e desa os de uma startup, é preciso, antes de mais nada,
compreender de que tipo de organização estamos tratando. Cabem aqui algumas
desmisti cações.
Eric Ries (2011, p. 27) apresenta a seguinte de nição sintética: “Uma Startup é
uma instituição humana desenhada para criar um novo produto ou serviço em
condições de extrema incerteza”.
Assim, uma startup – seu empreendedor – pode existir em empresas de
quaisquer tamanhos – pequenas, médias ou grandes –, já que seu conceito não
tem relação com o tamanho do negócio, mas com os princípios abordados em sua
de nição: a inovação (novo produto/serviço), a organização humana e as
condições de elevada incerteza. Essa de nição de startup é interessante na
medida em que desvincula seu conceito do quesito “tamanho do negócio”.
No escopo deste livro, é especialmente interessante compreender algumas
distinções no que se refere às semelhanças e diferenças entre startups e
Pequenas e Médias Empresas (PMEs), principalmente no sentido de discutir quais
as ferramentas de nanças mais valiosas para apoiar os desa os de cada caso.
Na tentativa de aclarar essas distinções, há grande valia em comparar os
objetivos do empreendedor “clássico” e do empreendedor “startupeiro”, ou de
startups.Provavelmente, as maiores diferenças entre PMEs e startups consistam
em objetivos e velocidade de crescimento11.
Startups são normalmente empresas que buscam criar alguma solução baseada
em uma nova ideia, um novo mercado, um novo produto, um novo cliente, entre
outros, mas pequenas empresas também podem inovar nos mais diversos
sentidos! Startups são geralmente empresas com poucos colaboradores e ainda
com pouco faturamento. Até aí, pequenas empresas também podem sê-lo.
Startups podem envolver novas tecnologias – ou não! PMEs também. A lista de
semelhanças vai longe.
Vamos começar, então, a entender as possíveis motivações para criação de
negócios, pois é aí que reside grande parte das diferenças entre elas. Birley e
Westhead12 conduziram amplo estudo em que veri caram os objetivos de
empreendedores ao iniciarem novos negócios. Os principais identi cados foram:

• necessidade de aprovação;
• necessidade de independência;
• necessidade de desenvolvimento pessoal;
• busca por bem-estar e qualidade de vida / contribuição para a comunidade;
• busca por riqueza (sucesso nanceiro);
• obter benefícios scais ou benefícios indiretos;
• seguir referências de admiração (modelos aspiracionais).

Esses motivos chamam a atenção e certamente in uenciam o tipo de empresa


que será criada, principalmente os objetivos e as expectativas de seus fundadores
e investidores – bem como dos demais stakeholders – quanto ao negócio.
Normalmente, empresas amplamente aceitas como startups têm algumas
características em comum: são inovadoras, estão em seus primeiros estágios de
vida, são ambiciosas em termos de velocidade de crescimento e de retornos
almejados, têm como investidores agentes que não apresentamexpectativas de
curto (ou até médio) prazo para obtenção de seus retornos – pelo contrário, é
comum que startups de sucesso não vislumbrem nenhuma geração de lucro nos
primeiros anos do negócio. Startups são geralmente agressivas em suas propostas
e estratégias, o que muitas vezes envolve navegar em mares desconhecidos e
lançar tendências. Naturalmente, todas essas características têm taxas de
mortalidade mais elevadas como consequência natural.
Em razão de todas essas características, investidores em startups estão
tipicamente dispostos a arriscar e perder certa quantidade de recursos em
algumas empreitadas, esperando que outras obtenham sucesso tamanho que
compensará eventuais fracassos – já previstos.
Já outros per s de PMEs têm algumas diferenças principais: em geral, é
recorrente que seus investidores tenham expectativas de remuneração de seu
capital em curto a médio prazo e aceitem, para isso, taxas menos exponenciais de
crescimento. Sob o ponto de vista de seus fundadores e investidores, esse tipo de
empresa costuma ter objetivo duplo – no aspecto nanceiro –, composto de
formação de patrimônio de longo prazo, e também, composição de renda de curto
a médio prazo. Note que isso difere das startups, uma vez que o objetivo delas
está muito mais focado na formação do patrimônio ao nal da trajetória e pouco
preocupado em composição de renda ao longo do caminho.
Como consequência, nota-se uma distinção importante: é comum ver PMEs
preocupadas com distribuição de dividendos e geração de uxos de caixa no
horizonte de curto e médio prazos, ao passo que startups são geralmente
obcecadas pelo crescimento, pelo valuation e pelas chamadas “estratégias de
saída”, vislumbrando grandes ganhos pela venda competitiva ou IPO. Em PMEs, é
usual que a venda do negócio seja entendida como uma possibilidade, mas não
necessariamente um m em si – ou uma obsessão.
Essa grande ênfase de startups em crescimento exponencial faz com que seus
desa os nanceiros sejam muito diferentes. Isso faz com que a forma de
mensuração de seu valor (valuation), assim como a de nanciamento de seu
negócio (funding), sejam absolutamente distintas das práticas usualmente
utilizadas por PMEs.
No que diz respeito às nanças corporativas e a sua aplicação nos negócios,
esses dois tipos de empresa – startups ou PMEs – comumente sofrem algumas
dores (e alegrias) distintas. Por exemplo, PMEs podem estar mais preocupadas
com capital de giro, orçamento e formação de preços, enquanto startups podem
estar mais preocupadas com funding, custo de capital e premissas do valuation.
Isso não signi ca que algum conceito de nanças não seja relevante para
determinado tipo de empresa, quer apenas dizer que algumas de nições podem
ser mais latentes à luz de seus objetivos. Por esse motivo, em diversos momentos
ao longo deste livro, vamos voltar a essas de nições iniciais, visando relacionar os
diferentes conceitos de nanças para negócios e sua importância dados os
objetivos da startup/PME.
Vamos amadurecer um pouco mais essa discussão, retomando aquele conceito
mencionado do ganho total do acionista:

Segundo a teoria de nanças corporativas, o investidor deveria ser indiferente a


esses dois componentes de ganho. Ou seja, tanto faz ganhar dividendos ou ganho
de capital, dado que tudo é ganho. Essa a rmação é certamente mais próxima de
uma verdade quando se analisa o caso de empresas de capital aberto.
No entanto, quando se trata de startups ou PMEs, a história não é bem essa.
Nesse caso, há outro ponto de vista a ser considerado, que é a Teoria do Pássaro
na Mão (algumas teorias de nanças têm nomes sensacionais, não é?). De acordo
com essa perspectiva, o ganho de dividendos à vista, no curto prazo, proporciona
ao investidor maior sensação de segurança do que o ganho de capital que poderá
ser obtido no longo prazo, especialmente incerto quando se trata de uma empresa
de capital fechado, sem preços observáveis de suas ações (e cujo valor justo é
ainda mais subjetivo) e sem liquidez imediata.
Sendo assim, o que a Teoria do Pássaro na Mão sugere para as nanças
corporativas é que, caso não tenha ótimas opções de aplicações de recursos que
superem signi cativamente o interesse de remuneração de seus acionistas, a
empresa deveria devolver ao acionista os lucros gerados, e ele poderá, então,
avaliar o que fazer com seu dinheiro. No entanto, caso a empresa tenha ótimas
alternativas de investimento, então será bené co que ela reinvista seus recursos
no negócio, pois o ganho de capital futuro poderá compensar de tal maneira que o
investidor estará disposto a abrir mão desse ganho de dividendos presente pelo
benefício econômico futuro.
Voltando à nossa discussão sobre o objetivo do negócio e dos investidores em
startups versus PMEs, note que, em PMEs, há relevante valorização dos
dividendos, ao passo que, em startups, há maior preferência pelo ganho de
capital. Em virtude dessas diferentes possíveis preferências, é essencial que todos
os stakeholders do negócio estejam conscientes em relação a seus objetivos ao se
envolver na empresa, de modo a promover um ambiente propício à tomada de
decisões estratégicas de forma harmoniosa na sociedade. Como discutiremos
bastante ao longo de diferentes capítulos deste livro, é mais fácil falar isso do que
fazer, e os chamados “dramas do dia a dia” consomem bastante energia
dos empreendedores inevitavelmente.

1.3 Por que os livros de finanças tradicionais não


auxiliam o pequeno empreendedor?
Quando o empreendedor se lança a encontrar um livro de nanças adequado às
necessidades dos pequenos negócios e startups, certamente encontrará nisso um
frustrante desa o. Ele encontrará ampla literatura sobre empreendedorismo e
sobre nanças, mas a intersecção entre essas duas temáticas é ainda bastante
incipiente, tanto em mercados em desenvolvimento quanto em economias mais
maduras.
Existe, sim, abundância literária sobre conceitos de nanças corporativas, porém
comumente baseadas no caso de empresas grandes, já existentes, formais e
maduras. James S. Ang13 elucidou de forma interessante alguns dos principais
motivos por que pequenos negócios podem divergir em termos de desa os
nanceiros enfrentados, bem como de condições gerais de funcionamento, os
quais zeram com que boa parte da Teoria de Finanças tivesse de ser adaptada
para eles. Já lhe antecipo a conclusão: as nanças de grandes empresas não
servem perfeitamente para os desa os de pequenos negócios. Além disso, tudo o
que direi sobre os pequenos negócios, a seguir, serve tanto para PMEs quanto
para startups em seus estágios ainda menores, quando ainda são, tecnicamente,
pequenas empresas.
Por exemplo, a Teoria de Finanças supõe que a empresa tenha acesso a recursos
no mercado de capitais, como ações ou debêntures. Também assume que o
investidor tem a opção de ser diversi cado o su ciente em seus investimentos, a
ponto de o risco idiossincrático (aquele especí co de cada negócio, que não
impacta o mercado de forma generalizada, o que seria o caso do risco sistemático)
chegar a ser
irrelevante na diversi cação. Conhecendo o per l dos pequenos negócios, em
especial aqueles em mercados emergentes com ainda menos acesso a mercados
de crédito
e de capitais menos desenvolvidos, não é difícil perceber como essas premissas
são desenhos bem longínquos da realidade dessas empresas menores.
Essas premissas, bem como outras inúmeras, são a base das teorias de nanças
corporativas, que foram idealizadas em boa medida à luz de empresas de maior
porte, com mais acesso a recursos e mercados, com investidores e
empreendedores quali cados e racionais, dispondo de opções de investimento e
de diversi cação de carteiras. Pensando, por exemplo, no caso brasileiro, quão
reais essas premissas lhe parecem?
Por esses motivos, você pode imaginar o desa o que é, para o empreendedor,
encontrar um livro de nanças que lhe “caia como uma luva”, dado que todas as
principais literaturas foram criadas a partir desse arcabouço da grande empresa
em mercado maduro.

Ang apresenta, como especí cas de empresas pequenas, as seguintes principais


características, que, por serem consideradas questões de menor relevância e/ou
impacto, acabam sendo ignoradas por boa parte da Teoria de Finanças ou atuam
como coadjuvantes nela:

• Ausência de ações/debêntures/títulos do mercado de capitais negociadas


publicamente. O pequeno negócio não usufrui do mesmo nível de acesso ao
mercado de capitais, sejam eles relacionados a ações (equity) ou dívida (debt).
Essa característica pode acarretar diversas limitações ao pequeno negócio em
comparação ao grande, como: (i) menor acesso a fontes de nanciamento –
tanto em modalidades quanto em volumes – o que eleva seu custo de capital;
(ii) ausência de um valuation imediato para o negócio, associado a ainda maior
subjetividade para de nição de seu valor; (iii) menor exigência de controles e
organização de informações, o que diminui a demanda, e portanto, os níveis de
governança gerais encontrados.

• Donos têm portfólios de investimento não diversi cados. Lembra aquela velha
máxima “Não coloque todos seus ovos em uma mesma cesta”, pois, a nal, se
sua cesta cair, você perderá todos os ovos? No caso de pequenos negócios, os
recursos dos donos estão geralmente investidos em portfólios extremamente
concentrados – ou seja, muito de seu dinheiro (ou todo o capital) está investido
em uma empresa, ou em poucas. Isso faz com que o risco assumido pelo
investidor seja substancialmente mais elevado se comparado com donos de
grandes empresas, o que impacta de forma diferente todo seu processo
decisório.

• Responsabilidade limitada é ausente ou ine ciente. Caso um investidor compre


algumas ações de empresas de capital aberto, suas perdas estão tipicamente
limitadas ao valor pago pelas ações. Se essa pessoa tiver pago pelos ativos R$
15.000,00, esse volume é o máximo que será possível perder nesse negócio.
Entretanto, quando o assunto é investimento em pequenas empresas, não é bem
assim. É possível perder mais do que o capital já investido em um negócio. Por
exemplo, há casos em que o dono poderá ser pessoalmente responsabilizado
por passivos de diversas naturezas no negócio. Até mesmo para encerrar as
atividades de uma empresa, é possível que seja necessário investir ainda mais
dinheiro. Mensurar os riscos nanceiros pessoais para o dono, portanto, é um
trabalho muito maior em empresas pequenas.

• Tipicamente, empreendedores – em especial aqueles de primeira geração, que


começam efetivamente o negócio –, são muito propensos a riscos, pois estão
em busca de retornos também mais elevados. Essa característica é diferente do
per l de decisões em grandes empresas, que tendem a maior nível de
conservadorismo. Isso faz com que processos decisórios em empresas grandes e
pequenas sejam muito diferentes, sendo em geral mais arriscados e rápidos em
negócios menores. Além disso, grandes empresas normalmente dispõem de
mecanismos e processos para aprovação de projetos e investimentos que
forçam uma análise minuciosa de riscos e potenciais retornos nanceiros. Em
empresas menores, a ausência dessas formalidades faz com que as decisões
sejam por vezes mais emocionais e com menor detalhamento sobre
probabilidades de ganhos e perdas do que em grandes negócios.

• O time de gestão de pequenas empresas é incompleto. A gestão do negócio é


um problema maior – muito maior – do que possa parecer a um olhar externo.
Pequenas empresas têm times que carecem tanto em diversidade quanto em
profundidade, o que di culta a melhor gestão e execução dos negócios. Os
negócios podem precisar de pro ssionais que detenham conhecimento
necessário sobre os mais diversos temas e ciências essenciais ao sucesso do
empreendimento; podem carecer de multiplicidade de recursos humanos, o que
torna a saída de determinado colaborador extremamente arriscada ao business;
pois pode gerar sérios problemas de sucessão; é possível que o negócio não
tenha a mesma facilidade para atração e retenção de talentos que uma grande
empresa apresenta (detentora de planos de carreira, benefícios competitivos
etc.). Segundo dados do Fórum Econômico Mundial14, o Brasil tem uma das
piores posições no mundo em facilidade de encontrar pro ssionais capacitados
para o mercado de trabalho (posição 127 entre os 140 países pesquisados). Se
isso é um desa o em geral para os grandes negócios, imagine para os pequenos,
com menor acesso a mídias, círculos de relacionamento e capacidade de
remuneração de curto prazo.

• Legislação trabalhista. Por mais que a legislação trabalhista afete todas as


empresas de forma bastante transversal, eventuais complexidades e
di culdades impostas ao negócio afetam a pequena empresa de forma muito
mais intensa do que o grande negócio. Por exemplo, os custos (de dinheiro e
tempo), derivados de algum tipo de licença a colaboradores, absenteísmo ou até
baixa produtividade, podem ser, ainda assim, viáveis para a grande empresa. No
entanto, quando isso acontece em uma pequena empresa, pode signi car que o
negócio estará privado de um percentual enorme de colaboradores e de valor
agregado ao negócio. Segundo dados do mesmo relatório do Fórum Econômico
Mundial mencionado no item anterior, o Brasil ocupa também péssima posição
nesse quesito do ranking (posição 131 entre 140, em dados de 2018).

• Maior custo de capital em razão de imperfeições intrínsecas e informalidade.


Negócios menores apresentam menor nível de formalização, organização,
prestação de contas e outras pequenas imperfeições que, quando colocadas em
conjunto, podem di cultar negociações e acesso a funding se comparados a
empresas maiores. Isso acontece porque a incerteza acaba por aumentar o
receio – que diminui a con ança – entre partes em processos de negociação.

• Relacionamentos com acionistas são mais informais. Em pequenas empresas,


a informalidade no relacionamento entre a gestão, os sócios-fundadores e os
outros acionistas é menos contratual e mais informal do que em grandes
negócios. Isso faz com que a reputação seja fator-chave de sucesso no negócio e
para o acesso a recursos, mas o custo dessa manutenção de relacionamentos
pode ser elevado em termos de tempo empregado.
• Os negócios apresentam alta exibilidade para modi car esquemas de
remuneração. A exibilidade do pequeno negócio pode fazer com que o dono
seja remunerado de diversas maneiras que fogem à análise tradicional de
distribuição de riqueza nas empresas. Isso pode fazer com que negócios ruins
continuem existindo por longos períodos de tempo, pois o dono consegue
auferir sua remuneração de forma minimamente satisfatória, por exemplo, por
empréstimos para distribuição de dividendos, ou dividendos oriundos de baixa
rentabilidade, que o satisfazem no curto prazo, porém são ine cientes e
insustentáveis no longo prazo.

Essas típicas diferenças entre grandes e pequenas empresas fazem com que
suas nanças sejam, também, um tanto distintas. Permita-me exempli car com
algumas discussões.
Comecemos com a questão do custo de capital. Como mencionado, o acesso e
custo do dinheiro é absolutamente diferente para os dois casos, então como
estimar o chamado custo de capital corretamente para o pequeno negócio? Além
do problema da diversi cação, faltam parâmetros de mercado facilmente
observáveis para quanto se espera ganhar pelo risco de iliquidez de um pequeno
negócio, pelo risco exacerbado de falência, pelo risco potencial de
comprometimento dos recursos pessoais pela empresa (dado que o conceito de
sociedade limitada nem sempre funciona perfeitamente nesses casos). Isso tudo
porque nem mencionamos as questões emocionais de um empreendimento e sua
importância para o empreendedor, o que costuma enviesar as análises das mais
variadas formas.
Além disso, o potencial de geração de resultados de um projeto pode ser
absolutamente impactado por falta de conhecimentos sobre gestão ou times
enxutos,
e seria uma ingenuidade achar que esse não é um problema. Por mais lindo que
seja o projeto no papel, a capacidade de sua execução é um próximo desa o. Não
necessariamente as empresas conseguirão – pelos mais diversos motivos – tirar
todas as ideias do papel da forma esperada e, apesar de esse ser um risco
inerente a qualquer negócio, seus impactos costumam ser mais exacerbados na
pequena empresa. Isso sem contar que o conjunto de recursos de uma grande
empresa (como sua rede preexistente de marketing/distribuição/comunicação)
pode alavancar ganhos de projetos que di cilmente seriam auferidos em
magnitude similar no pequeno negócio.
Além desses fatores, há uma série de outras questões que podem levar o
pequeno empreendedor a estimar de forma equivocada o potencial de geração de
caixa de determinados projetos, como:
(i) incerteza generalizada quanto ao modelo de negócio (para startups em
estágios iniciais, por exemplo) ou ainda carência de boas informações sobre
mercado, concorrência, cadeias produtivas, questões demográ cas, entendimento
sobre o consumidor e demais informações essenciais para estimativa de
demanda, preços, estrutura de gastos e lucratividade;

(ii) concentração do plano nanceiro em poucas pessoas, normalmente muito


sujeitas aos vieses de excesso de otimismo e con ança;

(iii) complexidade de questões scais, contratuais, regulatórias e outras nuances


do negócio, que podem ser mais facilmente compreendidas ou solucionadas com
recursos de grandes corporações.

Outra parte da Teoria de nanças que costuma ser muito diferente entre a
realidade do pequeno versus grande negócio é a decisão sobre estrutura de
capital, ou seja, como a empresa vai se nanciar. A expressiva maioria dos livros
de nanças vai apresentar ao leitor discussões sobre o ponto ótimo da estrutura
de capital e decisões sobre como minimizar o custo médio do capital da empresa.
Toda essa discussão pressupõe que a empresa tem acesso a várias fontes de
recursos, a vários custos e em vários volumes. Além disso, pressupõe preferências
em relação ao risco que não são as mesmas para o pequeno empreendedor versus
grandes empresas. Por sinal, falaremos bastante sobre isso no Capítulo 3.
No pequeno negócio, muitas vezes o dinheiro que se usa é o que se tem como
opção, e, se a empresa tiver três opções, já é uma abundância de oferta! Isso
provavelmente já conta com empréstimos de familiares, amigos e outras fontes
como essas, que podem carregar bons componentes emocionais que causam
trabalho, tomam tempo e potencialmente geram con itos ao empreendedor. Como
tratar a decisão de estrutura de capital nesse cenário?
Ademais, o que fazer quanto à gestão do capital de giro? O dimensionamento da
necessidade de capital de giro pode ser um sério problema para a pequena
empresa, porque, diferentemente da grande, o pequeno negócio precisa, em geral,
antecipar-se muito mais a suas necessidades de investimentos. Isso porque a
carência de linhas de nanciamento de curto prazo acessíveis ao nanciamento
do negócio (a custos razoáveis) di culta lidar com demandas de emergência para
suprir essas necessidades.
É possível encontrar, quando se faz uma árdua pesquisa acadêmica em journals
de empreendedorismo, alguns estudos cujo objetivo é tentar discutir o caso das
pequenas empresas. No entanto, mesmo quando os encontramos – o que
demanda um nível de energia e disposição para leitura de estudos acadêmicos, o
que normalmente foge demasiado do foco do empreendedor –, esses estudos têm
limitada aplicabilidade em mercados em desenvolvimento, como o do Brasil15.
Como se não bastassem todas essas limitações mencionadas, comuns a
quaisquer negócios empreendedores em diferentes regiões do globo, há ainda
mais alguns problemas para países em desenvolvimento. Tomemos o caso
brasileiro a título de exemplo, veja alguns “complicômetros” adicionais para o
pequeno negócio:

• sistema tributário complexo e/ou cargas tributárias elevadas;


• legislação trabalhista complexa e pouco alinhada às necessidades e à cultura
de trabalho de startups;
• altos níveis de taxas de juros (por mais que tenha havido queda em taxa básica
da economia, isso ainda não se reverteu de forma signi cativa para o
empreendedor, pelo menos até o momento) e mercado de crédito menos
desenvolvido, o que, em inúmeros casos, inviabiliza o funding tradicional para
empreendedores. Como consequência, isso limita sobremaneira o crescimento
dos negócios e pode levar, inclusive, à morte prematura de negócios;
• se o problema de mão de obra altamente quali cada para PMEs é comum a
qualquer país, imagine em mercados cuja educação ainda é um problema
estrutural ainda maior. Nesses casos, startups podem ter ainda maior di culdade
em atrair os escassos talentos, concorrendo com os pacotes de remuneração
agressivos de grandes corporações. Cabe mencionar que negócios que
efetivamente dão sinais de atuar em linha com premissas do capitalismo de
stakeholders, já discutido, podem encontrar nisso forte valor intangível para atrair
talentos. A busca por contribuição e propósito são um belo viés que as novas
gerações estão almejando com maior ênfase em suas carreiras;
• níveis de produtividade e tecnologia inferiores em relação a economias mais
desenvolvidas, o que torna o pequeno empreendimento pouco competitivo.

Por todos esses motivos, não basta falar de nanças. Temos de falar de nanças
para startups.

1.4 Considerações finais


Este capítulo destinou-se a trazer uma provocação sobre a necessidade de
re etir sobre as nanças em startups, discutindo:

• por que a base da discussão sobre valor do negócio ainda permeia sua
capacidade de remuneração do capital;
• como as nanças de grandes empresas e pequenos negócios diferem;
• como pequenas empresas podem ter interesses distintos entre os grupos
batizados de PMEs ou startups.
Não há dúvida de que o domínio das melhores práticas sobre nanças é uma
absoluta vantagem competitiva para o empreendedor. No próximo capítulo,
começaremos a esclarecer, a nal, quais são os conceitos essenciais de nanças
que permeiam a vida das startups e quais são as perguntas de ouro a que o
negócio deve saber responder em cada uma de suas fases.
Essa tarefa passará por adentrarmos em detalhes o ciclo de vida e os três pilares
das nanças estratégias de startups: funding, gestão nanceira do dia a dia e
valuation.

SAIBA MAIS
Caso queira saber mais sobre os assuntos expostos neste capítulo, sugirimos as seguintes
leituras:
1Essas ideias foram enfaticamente propostas pelo professor Clayton Christensen e todas as suas teorias. Para
mais aprofundamentos, sugere-se a leitura de suas obras, em especial O dilema da inovação.
2CHANDLER JR., Alfred D. The emergence of managerial capitalism. The Business History Review, v. 58, n. 4, p.
473-503, Winter, 1984.
3 SCHWAB, Klaus. Davos Manifesto 2020: The universal purpose of a company in the Fourth Industrial
Revolution. World Economic Forum, 02 de dezembro de 2019. Disponível em:
<https://www.weforum.org/agenda/2019/12/davos-manifesto-2020-the-universal-purpose-of-a-company-in-
the-fourth-industrial-revolution.> Acesso em: 23 de fevereiro de 2020.
4 DENNING, Steve. Why stakeholder capitalism will fail. Forbes. Jan, 2020. Disponível em:
<https://www.forbes.com/sites/stevedenning/2020/01/05/why-stakeholder-capitalism-will-fail/#3022c85e785a.> Acesso em: 23 de fevereiro
de 2020.
5 DENNING, Steve. The triumph of customer capitalism. Forbes. Jan, 2020. Disponível em:
<https://www.forbes.com/sites/stevedenning/2020/01/10/the-triumph-of-customer-capitalism/#1c91caaa4fb7.> Acesso em: 23 de fevereiro
de 2020.
6 O initial public o ering (IPO) refere-se à oferta pública de ações, em que o negócio capta recursos
publicamente, disponibilizando suas ações para que os agentes em geral (nós, por exemplo) possam tornar-
se parte dos investidores acionistas do negócio.
7 BbWorld Julho, 2017 Keynote Speech – Dra Mae Jemison. Orlando, Florida.
8 RIES, Eric. The lean startup. New York: Crown Business, 2011.
9 Texto original: Entrepreneurship is a kind of management. No, you didn’t read that wrong. We have wildly divergent associations with these
two words, entrepreneurship and management. Lately, it seems that one is cool, innovative, and exciting and the other is dull, serious and
bland. It is time to look past these preconceptions.
10 GROSS, Bill. The single biggest reason why startups succeed. Idea to Value, 2017. Disponível em:
<https://www.ideatovalue.com/inno/nickskillicorn/2017/05/single-biggest-reason-startups-succeed/>.
Acesso em: 27 de fevereiro de 2020.
11 Boa parte dos conceitos abordados aqui merecem seu crédito a Steve Blank, precursor de ideias essenciais
do método startup enxuta e têm inspiração em entrevista com ele. BLANK, Steve. Are all startups small
businesses? You Tube, 2016. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=CIA9ikESXYI. > Acesso em:
27 de fevereiro de 2020.
12 BIRLEY, Sue; WESTHEAD, Paul. A taxonomy of business start-up reasons and their impact on rm growth and size. Journal of Business
Venture, v. 9, n. 1, p. 7-31, January, 1994. No idioma original, os fatores eram: i) need for approval, ii) need for independence, iii) need for
personal development,
iv) welfare considerations, v) perceived instrumentality of wealth, vi) tax reduction and indirect bene ts, vii)
follow role models.
13 ANG, James S. Small business uniqueness and the theory of nancial management. The Journal of
Entrepreneurial Finance, v. 1, n. 1, p. 11-13, Spring 1991.
14 WORLD BANK FORUM. The Global Competitiveness Report 2018. Brazil. Disponível em:
<http://reports.weforum.org/global-competitiveness-report-2018/country-economy-pro les/#economy=BRA.>
Acesso em:27 de fevereiro de 2020.
15 Por exemplo, Chen, Miao e Wang desenvolvem um modelo de tomada de decisão do pequeno negócio no
uso da dívida e chegam à conclusão de que, para minimizar o risco de concentração de investimentos do
empreendedor, os negócios tendem a maximizar muito o uso de dívida com terceiros, ainda que seja dívida
de alto risco e custo. No entanto, o modelo pressupõe que, antes de mais nada, exista acesso a crédito pela
pequena empresa (o que não é verdade no caso brasileiro, por exemplo) e assume bom funcionamento da
responsabilidade limitada do sócio no caso de falência (indicando que o custo da falência empresarial não
poderia “respingar” na pessoa física do sócio). Todos sabemos que, no caso brasileiro, isso também é uma
premissa demasiado forte e não verdadeira.
CHEN, Hui; MIAO, Jianjun; WANG, Neng. Entrepreneurial nance and nondiversi able risk. The Review of
Financial Studies, v. 23, n.12, p. 4348-4388, December 2010.
No início de 2019, recebi um convite para dar uma palestra em um evento sobre
inovação aberta e empreendedorismo no Brasil. Como pode imaginar, o tema
da palestra foi Finanças para Startups.
Foi a primeira ocasião em que organizei os conceitos essenciais sobre
nanças para startups em três grandes grupos de conhecimentos (Figura 2.1):
funding, gestão nanceira e o dia a dia e questões relacionadas a valuation e
criação de valor.

Figura 2.1: O essencial das nanças para startups.


Fonte: desenvolvida pela autora.

Quaisquer problemáticas nanceiras das startups, assim como suas


principais dores, podem ser associadas a um desses três grupos. Não raras
vezes, a dois ou aos três concomitantemente.
Ao entrevistar empreendedores, sempre dou início à conversa perguntando
abertamente:

“Quais são suas maiores dores como empreendedor, quando o assunto são
nanças? ”

Na expressiva maioria dos casos, a primeira dor – ou uma das primeiras –


está relacionada a funding. Como se pode imaginar, para startups, esse
realmente é um dos maiores dramas: como conseguir o dinheiro necessário, na
velocidade e hora certas e no custo adequado a sua startup. Essa dor é tão
forte que até dispensa mais explicações, ao menos por enquanto.
Conforme a entrevista avança, muito rapidamente uma verdade natural vem à
tona, geralmente de forma tímida: uma grande dor em startups é a ausência ou
ine ciência de controles e, eventualmente, informalidade quanto a suas
práticas nanceiras. Eu me re ro aqui a essas nanças diárias, o dia a dia do
negócio mesmo. Isso é o que eu chamo de nanças every-single-day. Conceitos
básicos de nanças, como a de nição de lucro, caixa, formação de preços,
margens, lucratividade e rentabilidade, normalmente não são triviais em uma
startup.
Não raras vezes, essas empresas são fundadas por líderes altamente
empreendedores, 100% orientados a fazer o negócio acontecer, mas não
necessariamente esses pro ssionais já detêm conceitos essenciais sobre
gestão. É compreensível que sua energia esteja muito focada em “fazer
acontecer” e menos em organizar/controlar. Isso não é uma crítica, pelo
contrário. Trata-se apenas de uma constatação, mas naturalmente não pode ser
generalizada – conforme discutimos no Capítulo 1 sobre o per l do
empreendedor descrito no livro de Eric Ries. Porém, em meio a escassez de
recursos, alta volatilidade nas transformações e constantes ajustes aos
modelos de negócio, é normal testemunhar a startup focando seus esforços no
maior “fogo” que está se formando, no que é mais urgente, crítico. Enquanto a
dor nanceira não estiver grande o su ciente – quase pegando fogo –, há o
risco de que essa questão passe quase despercebida aos olhos dos times,
podendo ser, de certa forma, negligenciada.
Por m, o valuation. Mais cedo ou mais tarde, a startup se deparará com esta
pergunta: quanto vale o negócio? Ainda mais para startups que almejam se
tornar a sonhada organização exponencial, essa dúvida paira na cabeça do
empreendedor até mesmo nas fases de ideação, antes sequer de “sair do
guardanapo”. É ou não é? Então, como, a nal, compreender esse valor de
forma inteligível, que converse com os interesses, linguagem e expectativas de
potenciais interessados, futuros acionistas, fundos ou qualquer envolvido em
uma estratégia de saída – por exemplo, IPOs ou mergers and acquisitions
(M&As)? Como estimar o valor desses negócios, tendo em vista seu potencial
inovador, suas especi cidades e inúmeras incertezas?
A proposta é que consigamos compreender qual o essencial das nanças
para startups e proporcionar um entendimento sobre esse tema ao
empreendedor e seus times, de forma que possam fazer uso de conhecimentos
nanceiros para preparar e alavancar seus negócios e inovações.
Neste capítulo, desmisti caremos cada um desses grupos e, ao longo de
todos os próximos capítulos, vamos nos aprofundar no essencial das práticas e
conhecimentos de nanças para startups a cada um desses conjuntos
temáticos.
O Quadro 2.1, a seguir, conta com um conjunto de perguntas sobre nanças a
que toda startup – seus fundadores ou colaboradores-chave – precisa saber
responder, a qualquer momento, sobre seu negócio.

As perguntas financeiras de ouro para startups


Funding: como Dado seu momento de vida... Qual seria o dinheiro “bom”?
sustentar seus Exatamente quanto dinheiro você quer levantar?
próximos passos
Se você receber esse dinheiro agora, o que fará com ele?
Every-single-day: Exatamente, como está sua formação de preço?
como não morrer Qual é sua margem de contribuição / custo de aquisição de cliente (CAC) /
na praia life time value (LTV) do cliente?
Qual sua estrutura de custos fixos?
Qual é seu ponto de equilíbrio no atual modelo da startup?
Você vislumbra a possibilidade de seu atual modelo responder às perguntas
anteriores?
Qual é exatamente hoje seu burn rate: quanto tempo de vida seu caixa consegue
sustentar no atual formato?
Qual sua necessidade de investimento para os próximos três ou seis meses em:
investimentos de capital (Capex), queima de caixa pré-ponto de equilíbrio e
capital de giro?
Dada sua capacidade de acesso a novos recursos, qual a hora de iniciar a busca
por novos fundings para consegui-los em tempo hábil?
Valuation: Quais são seus drivers de geração de valor – alavancas de valor – sustentáveis?
como pegar seu Você está trabalhando para aumentar os fluxos futuros?
futuro nas mãos
Quão factíveis para os outros suas premissas parecem?
Quadro 2.1: As perguntas nanceiras de ouro para startups.
Fonte: desenvolvido pela autora.

É natural que líderes dos negócios e empreendedores tenham uma intuição sobre diversas dessas
perguntas. De fato, a intuição do empreendedor e das startups pode, sim, sugerir respostas para essas
perguntas. Em alguns casos, é uma boa (ou até ótima!) intuição. Mas será su ciente?
Acontece que, para negócios, contar unicamente com a intuição pode ser fatal
ou, no mínimo, arriscado. Ter respostas a essas perguntas que sejam
cuidadosamente apuradas, pensadas e testadas é um grande diferencial para o
sucesso do negócio. Ao aplicar esses conhecimentos, a startup encontrará uma
verdadeira ferramenta estratégica que permitirá re etir sobre modelos de
negócios, sustentar negociações com investidores, tomar decisões de todo tipo
de forma orientada à maximização do valor da empresa.
Assim, que tal discutirmos cada um desses grupos de perguntas para ilustrar
em detalhes seu potencial? Perfeito, vamos lá.

2.1 Os estágios de vida de startups


Antes de mais nada, é preciso compreender os possíveis estágios de vida
desse tipo de negócio. Como a empresa irá tomar sua decisão de funding, fazer
sua gestão estratégica nanceira, ou até mesmo mensurar seu valor,
dependerá muito – muito – de seu estágio de vida. Por quê?
Isso ocorre porque, a cada momento da vida da startup, o tipo de informação
disponível, o nível de incertezas, a velocidade de crescimento, o volume de
investidores – em suma, tudo – variam demais. Um dos problemas de boa
parte das literaturas sobre nanças é considerar o negócio como único: uma
empresa. Acontece que a empresa, enquanto não passa de uma ideia, ou um
CNPJ com um mês de vida, é uma organização cujas nuances não têm nenhuma
relação com aquelas dessa mesma empresa três anos depois! Ou dez anos
depois. Logo, falar que a decisão de nanciamento ou valuation é
independente dessas nuances seria um tanto ingênuo.
Vamos, então, compreender quais são esses estágios de vida típicos de
startups. A Figura 2.2, a seguir, sintetiza a abordagem que será utilizada neste
livro.
Figura 2.2: Os estágios de vida da startup.
Fonte: desenvolvida pela autora.

Se você buscar diferentes fontes, irá se deparar com variações muito


próximas às fases descritas anteriormente. Vamos compreendê-las um pouco
melhor. No primeiro estágio de uma startup, está aquela faísca, aquela ideia.
Provavelmente, um tanto incipiente e a ser lapidada. Muitas ideias inclusive
cam só por aí, nem mesmo chegam a nascer. Nesse momento, não há em
geral dados reais disponíveis, nenhum histórico, apenas sonhos, hipóteses e
promessas. Incertezas das mais diversas, incógnitas e, quem sabe, muito
potencial pode ser vislumbrado para esse possível novo negócio. Aqui, começa
um exercício de “futurologia” sobre o qual falaremos bastante ao longo deste
livro, em uma re exão acerca do que poderia vir a ser.
Então, vamos ao segundo estágio: o nascimento efetivo. Está dada a partida!
Por um bom tempo, toda aquela incerteza e carência de informações, de dados
ainda vão perdurar. Normalmente, aqui não há receita talvez nem mesmo
produto delimitado. Esse período costuma ser o momento em que a inovação
planejada começa a tomar alguma forma, ainda bruta, e provavelmente o
negócio irá experimentar diversos aprendizados antes de chegar a um modelo
de negócio nal de nido. Perguntas que tipicamente não estão respondidas
aqui são: Qual é exatamente o modelo de negócio? Qual é exatamente o
produto/serviço/cliente? Como funciona a tecnologia? Qual é o valor
efetivamente percebido pelos consumidores, e como esse valor irá ser
monetizado? Há, a nal, um modelo de negócio viável? Como a empresa planeja
crescer? Qual é o mercado potencial e como acessá-lo? Podem surgir muitas
outras dúvidas nessa fase, pois o negócio está em meio a seu processo criativo
e delimitação de seu modelo de negócio.
Passado isso chegamos ao terceiro estágio. Nesta terceira fase, o modelo de
negócio começa a tomar forma mais de nida. Boa parte das perguntas feitas no
parágrafo anterior são respondidas satisfatoriamente pelos times da startup, e
se começa a vislumbrar uma estrutura de funcionamento desse negócio com
claros indícios de que – em algum momento num futuro, seja próximo, seja
longínquo – poderá ser lucrativo. Começamos a enxergar indícios de que essa
startup pode, sim, ser economicamente viável: “Opa, acho que tem negócio
aqui!”.
De nido o modelo de negócio (a esse respeito uma discussão importante
será apresentada no próximo item), então chega a hora de crescer. Crescer!
Rufem os tambores... e lança o foguete, porque esta startup vai começar seu
feroz crescimento! Conforme discutimos no primeiro capítulo, nem todo
negócio precisa ter os mesmos objetivos quanto à velocidade de crescimento
ou ao tamanho almejado, isso é um tanto pessoal. Re ro-me ao crescimento
exponencial e feroz, porque, para startups que almejem algo como um IPO ou
venda competitiva, esse costuma ser o caso. Mas pode muito bem ser que esse
crescimento seja mais contido e paulatino, planejado e lento, sem problemas.
Ainda assim, esse quarto estágio é aquele em que se executa o plano de
crescimento do negócio, seja ele qual for.
Por m, a maturidade. Assim como no crescimento, cada negócio saberá o
que entende como sua maturidade. Isso naturalmente pode mudar demais. Por
exemplo, empresas com atuação regional, dependente de recursos físicos, têm
uma percepção de maturidade muito diferente de negócios totalmente digitais
e sem barreiras regionais. Chegar à maturidade não signi ca deixar de crescer,
indica apenas que o negócio tomou corpo relevante a tal ponto que o processo
de crescimento agora será mais relacionado à manutenção e às expansões
incrementais, e não necessariamente no ritmo exponencial de crescimento que
vinha tendo.
Essa estrutura em cinco etapas é, naturalmente, uma generalização das fases
de crescimento e, como qualquer generalização, pode não ser perfeita para
todos os casos especí cos. Por exemplo, o Guia AICPA1 sugere adaptações para
startups biotechs, de desenvolvimento de medicamentos e outros, como alguns
estágios, possivelmente longos, que acontecem em meio às fases 2 e 3
indicados na Figura 2.2. Esses estágios seriam:

(i) descoberta de algum princípio / fórmula / tecnologia / etc., que possa ter
valor comercializável;

(ii) desenvolvimento pré-clínico, eventuais testes de naturezas diversas,


normalmente não com seres humanos;

(iii) testes clínicos, geralmente já envolvendo testes com seres humanos, com
várias subdivisões de etapas a depender do que a empresa almeja fazer – ao
nal desta etapa, caso haja autorização regulatória necessária, é aqui, então,
que se conseguem as devidas aprovações, como Anvisa/FDA entre outros;

(iv) tendo por m um produto funcional e aprovado por regulação para


comercialização, chega-se à fase de marketing pós-clínico.

Assim como esta adaptação, diversas outras poderiam ser feitas ao uxo
inicial sugerido, a depender de qual é o negócio da empresa. Por exemplo, no
agronegócio, é comum que esses estágios envolvam tempos adicionais e
questões intermediárias relacionadas a safras, cultivos de culturas, gestações
ou crescimento de animais, entre outros. No caso de desenvolvimento de
tecnologias pesadas ou so sticadas, a mesma coisa: pode haver longos (e em
alguns casos, caros) períodos de pesquisa e desenvolvimento para construção
de protótipos e aprovações necessárias até que efetivamente se tenha algo que
poderá gerar receitas. Para esse tipo de negócios, geralmente as etapas 2 e 3
cam um tanto subdivididas em fases intermediárias.
Para ns deste livro, no entanto, considera-se que aquela estrutura de cinco
fases é apropriada à de aplicação dos macroconceitos de nanças que afetam,
em maior ou menor grau, qualquer tipo de organização.

2.2 Modelo de valor versus modelo de


crescimento
Ao longo dos estágios 2 e 3 da vida da startup, há a validação de seu modelo
de negócio. Quando me re ro a essa validação e voltarei a esse tema diversas
vezes ao longo do livro, há em verdade duas partes fundamentais a serem
validadas: o modelo de valor e o modelo de crescimento.

Caso você já tenha se dedicado até o momento a leituras como O dilema da


inovação, do genial professor Clayton Christensen, ou A startup enxuta, de Eric
Ries, ou Organizações exponenciais, de Salim Ismail, ou ainda de The four
steps to epiphany, de Steve Blank, entre outros, possivelmente irá se relembrar
dessas leituras agora.
A segregação do modelo de valor versus modelo de crescimento é
absolutamente relevante para a discussão sobre as nanças estratégicas de
cada etapa. Vamos compreender melhor o que é cada uma delas.
Em startups, quando tipicamente há alto componente inovador e, portanto,
dúvidas quanto a diversos aspectos do negócio (mercado, cliente, produto,
parceiros etc.), é natural que não se tenha segurança sobre como o negócio irá
funcionar nem mesmo se sabe se o negócio irá funcionar. Então, uma primeira
etapa de validação do modelo de negócio envolve testar seu funcionamento
geral. A ideia é compreender coisas aparentemente básicas, como qual é o
produto, quem é o cliente, como o valor desse negócio será monetizado, qual é
a estrutura de trabalho e recursos estratégicos que a startup precisa ter para
funcionar, qual será o preço praticado, quanto de demanda existe, entre outras
questões diversas relacionadas a seu modelo de valor. Do ponto de vista
econômico, a ideia essencial é buscar identi car o seguinte: A nal, esse novo
negócio irá “parar em pé”? Há indícios de que ele possa se tornar, em algum
momento, viável?
Isso pode ser um exercício de “futurologia” em determinados momentos!
Especialmente, quando ainda não temos dados reais ou históricos à
disposição. No entanto, o processo de testar hipóteses, ter as chamadas
“aprendizagens signi cativas” do método startup enxuta, envolve veri car,
passo a passo, se há indícios de um negócio que tenha capacidade de geração
de valor.
Imagine que, ao longo desses exercícios de “futurologia”, a startup descubra,
por exemplo, que a demanda necessária para sustentar o negócio é
absolutamente irreal – de forma que seria necessário subir o preço para
compensar o baixo volume. Se subir o preço for factível para resolver o
problema, ok. Mas e se subir o preço não for uma opção viável nesse mercado?
Então, talvez seja um indício de que a inovação proposta pela startup não vai
ser sustentável no longo prazo, por não estar esclarecendo um problema
relevante o su ciente pelo qual o consumidor esteja disposto a pagar o preço
mínimo necessário até mesmo para atingir ponto de equilíbrio! Veja só: chegar
a esse tipo de descoberta em um exercício de “futurologia” não é um problema.
É uma solução! Porque, se isso é verdade, é muito melhor saber antes do que
chegar à mesma descoberta três anos, e muito dinheiro gasto, depois!
Conhecer essas verdades o mais rápido possível fornece à startup tempo e
recursos nanceiros à disposição para promover os devidos ajustes ao modelo,
de forma a testar algo com reais probabilidades de sucesso.
Inclusive, fazer esses exercícios de testes de hipótese – ainda que pareça
“futurologia” – é parte daquele brilhante processo de testar, errar (ou acertar),
aprender, se necessário “pivotar”... e começar tudo de novo. “Pivotar” é um
termo derivado do inglês pivot, do método lean startup, e refere-se ao ato de
ajustar a rota da startup, rede nindo seu modelo de negócio diante de alguma
aprendizagem signi cativa adquirida ao longo do processo de testes de suas
hipóteses. Um exemplo de hipótese: “será que há cliente disposto a pagar (e
car satisfeito) com um produto tal qual este protótipo construído?”
É importante ressaltar que inovação tem método. Claro que o processo
criativo porta um componente de abstração, ócio criativo, imaginação, entre
outros que auxiliam na inovação, mas isso não signi ca dizer que não haja
ciência para sustentar o processo de inovação nas empresas. Cabe destacar
que delimitar o modelo de valor da startup também exige método. Inclusive, a
análise cuidadosa de sua viabilidade econômica – de curto e longo prazos –
faz parte desse método! Sobre isso, trataremos com profundidade na Parte III
deste livro. Então, vamos presumir que foi validado o modelo de valor.
Maravilha! Acabou? Não. Agora, é preciso validar o modelo de crescimento
desse negócio.
Para isso, suponhamos que se chegue à conclusão de que há mercado
potencial que vai valorizar esse produto – com base em testes reais e
existência de clientes já pagando e satisfeitos com a solução proposta pela
startup e que estão mantendo relacionamento com a empresa ao longo do
tempo. Bom, foi identi cado que há, portanto, indícios fortes da existência do
mercado para essa formatação de produto. A próxima dúvida, neste momento,
é: como acessar esse mercado em larga escala?
Aqui, precisamos ter cuidado, pois chegou a hora do crescimento. Lembra
quando falamos de “lançar o foguete”? Mas esse processo de crescimento
tampouco pode ser sem método, descontrolado, aleatório, jogando dinheiro
para todos os lados e tentar ver se, como consequência, o crescimento vem.
Crescer simplesmente colocando dinheiro aleatoriamente em ações de vendas,
ou marketing, ou outros pode ser a receita para o desperdício de muitos
valiosos recursos.
É preciso investir recursos para crescimento, porém em ações que se acredite
que têm alto potencial – validado por testes reais – de gerar resultados. De
todo modo, não pode ser qualquer resultado. Espera-se muito resultado.
Na velha economia o crescimento linear era algo estrategicamente almejado.
Por exemplo, se o negócio queria crescer, poderíamos investir na contratação
de bons pro ssionais de venda ou ações de marketing, como investimentos em
Google Ads, propagandas em TV, pan etagens. Essas podem ser estupendas
ações, ótimas, porém geralmente estão associadas a um crescimento linear. Se
adicionamos um pro ssional de vendas estratégico, essa pessoa irá agregar
valor ao negócio. Mas o dia desse pro ssional, por mais e ciente que seja, não
tem mais do que 24 horas. Sua produção é limitada ao melhor uso de seu
valioso tempo. Crescer nesse formato irá gerar crescimento linear, portanto.
Não é exatamente isso o que mais se espera de negócios na nova economia.
Nesses casos, espera-se crescimento exponencial. Isso signi ca que investir
um real a mais no projeto deveria gerar crescimento muito maior do que o
linear. Um caso didático para ilustrar esse efeito é o desenvolvimento por
comunidade, por exemplo, o Facebook. Seu crescimento, em enorme medida,
não está vinculado diretamente a ações lineares feitas pela empresa, mas a
seu modelo de negócio em que, ao conquistar um novo consumidor, há um
efeito em cascata, pois esse consumidor acaba por atrair toda uma rede de
relacionamentos (“n” pessoas) para o portfólio de consumidores da empresa.
Assim, um cliente conquistado signi ca muito mais do que apenas um,
signi ca N x N x N. Logo, não é linear, é exponencial.
Então, antes de jogar mais “combustível” (dinheiro) no negócio, é preciso ter
a validação de seu modelo de crescimento. Como iremos crescer? Essa
validação deve ser feita com o chamado “dinheiro pequeno”, pequenos testes
com pequenos volumes de dinheiro para veri car se o modelo de crescimento
vai, de fato, originar resultados viáveis. Testá-lo com dinheiro grande pode
apenas originar grandes perdas. Agora, se o modelo de crescimento foi
validado, então aí, sim,... lança o foguete!
Diante da frustração com algumas startups – unicórnios, inclusive – ao longo
dos últimos anos, estamos testemunhando dúvidas, como: “será que o Uber
realmente validou seu modelo de valor?”, ou “será que o WeWork, de fato,
validou seu modelo de crescimento... e de valor”?
Veja bem: o negócio não precisa necessariamente já estar gerando lucros
para considerar-se que o modelo foi validado. Muito pelo contrário, precisamos
apenas ter indícios de que há potencial de lucratividade no negócio. Bastam
indícios que permitam aos participantes de mercado (como investidores,
outras empresas que possam adquirir esse negócio, comunidade em geral, por
exemplo) acreditarem piamente que é possível vislumbrar, com base nas
informações disponíveis hoje e sem necessidade de nenhum grande milagre,
um futuro em que esse negócio seja viável.
Quando dizemos que é preciso ter um modelo de negócios que tenha sinais
de lucratividade, isso deve ser lido com cautela. Você deve estar pensando por
quê? Por acaso há startups boas que nunca gerarão lucros? Sim, podem haver!
Lembra que mencionamos no Capítulo 1 o caso de startups cujo objetivo é
apenas gerar dados, que serão, então, utilizados por outras empresas para
so sticação de seus negócios e, aí, sim, essas empresas alavancarem seus
ganhos? Hoje há inúmeras dessas startups, cujo objetivo é, por exemplo,
compreender melhor os padrões de comportamento e de consumo da
população, de forma a aprimorar outros serviços monetizáveis – para outras
empresas do grupo econômico dessa startup.
Outro caso é o de startups em segmentos que aparentam ser inviáveis
economicamente, porém que, diante de avanços tecnológicos, provavelmente
se tornarão altamente lucrativas. Por exemplo, com a evolução de carros
autônomos, as empresas que estiverem bem posicionadas no segmento de
transporte, com amplo domínio de mercado, certamente irão usufruir de
enormes benefícios com um avanço tecnológico dessa natureza.
Esse foi inclusive um importante componente do ganho de valor de que a
Google (Alphabet) conseguiu usufruir em seu negócio, concorda? Quando a
internet realmente se tornou algo intrínseco à vida de pessoas em quase
qualquer lugar do mundo, a empresa já estava posicionada em seu segmento
core de atuação. O negócio estava de tal forma estabelecido, quando o avanço
tecnológico se tornou acessível a grandes volumes de pessoas, que o custo de
entrada para qualquer novo player se tornou tão elevado que era realmente
difícil concorrer. Não nos referimos apenas ao custo nanceiro de entrada, mas
também ao custo de tempo para desenvolvimento de algoritmos, de sua
inteligência arti cial, dados sobre padrão de comportamento de usuários, e
por aí vai.
Além desses, ainda se poderia citar o caso de startups de propósito, como
negócios voltados à educação ou saúde, sem ns lucrativos. Nesse caso, o
sucesso não seria mensurado em lucro, por exemplo, mas em aprendizagem
conquistada, ou em saúde disseminada (bem-estar, redução de doenças,
mortes etc.). Ainda assim, há de se lembrar que, por mais que a maximização
de riqueza não seja um m, os recursos nanceiros serão certamente um meio
para atingir esses objetivos maiores no curto e longo prazos, de forma que
todos os conceitos discutidos aqui serão, ainda, válidos.
É
Discutiremos sobre esses casos no Capítulo 5, com mais detalhes. É
importante destacar que esse horizonte de planejamento de longo, ou
longuíssimo, prazo pode ser a estratégia da startup e de seus investidores. Não
nos enganemos, no entanto, em algum momento, espera-se que a “conta
feche”, ou seja, que o negócio se torne viável mesmo que isso demande algum
tipo de transformação de comportamento, social, climática, tecnológica, ou
outras.
Ao longo dos próximos capítulos, traremos inúmeras ferramentas para auxiliar
nessa validação de modelo de valor e de crescimento. Então, que comecem
nossos exercícios de “futurologia”!
Dadas essas bases de entendimento sobre ciclo de vida das startups e
validação de seu modelo de negócio, agora, sim, vamos falar de suas nanças!

2.3 Funding: como sustentar seus próximos


passos
Sim, a busca por recursos nanceiros para sustentar os próximos passos da
startup – sejam eles quais forem dado seu estágio de vida – costuma ser um
dos maiores desa os para empreendedores. Também não ajuda o fato de que
muitas vezes o provedor do capital e o empreendedor têm modelos mentais e
preocupações diferentes, distantes e, em muitos casos, antagônicos. Correndo
o risco de estereotipar, e naturalmente exagerando as diferenças, na Figura 2.3,
a seguir, o objetivo é ilustrar a distância entre a problemática do
empreendedor/startup e aquela do funding.

Figura 2.3: Preocupações nanceiras da startup vs. capital.


Fonte: desenvolvida pela autora.
De um lado, está o empreendedor, focado em fazer seu negócio acontecer e
com preocupações condizentes com as pressões tipicamente vividas nos
negócios nesses estágios de vida. Trata-se de preocupações relacionadas à
sobrevivência e quase que totalmente voltadas ao caixa e a um horizonte
temporal de curto, ou curtíssimo, prazo. Do outro lado, está o possível provedor
de funding (investidores), normalmente acostumado a outro nível de
formalização, organização dos dados e informações, padrões contábeis mais
elevados, indicadores econômico- nanceiros mais so sticados.
Ainda, para aumentar o potencial desalinhamento entre empreendedores e
investidores, cabe mencionar que, quando estamos falando de negócios em
economias em desenvolvimento, o custo de oportunidade do investidor é
normalmente muito elevado. Além disso, há alternativas de investimento em
renda xa livre de risco – no caso brasileiro, investimento em títulos públicos
atrelados à taxa básica de juros (Selic) – provaram-se altamente rentáveis
historicamente. Assim, por mais que o investidor em uma startup seja mais
propenso a risco, não se pode esquecer de que ele é tipicamente mais avesso a
risco do que o empreendedor e do que a startup, portanto.
Em especial, quando se trata de empreendedores de primeira geração,
eles tipicamente são uma amostra extremamente propensa a riscos para
quaisquer referências mais gerais da população. Assim, é natural que isso traga
à mesa de negociações alguma tensão adicional, principalmente ao se
considerar que o empreendedor estará sob pressões diversas de tempo,
dinheiro, reputação, status, entre outras, em razão da condução de seu
negócio. Essas pressões podem deixar os pro ssionais mais suscetíveis a
in uências emocionais, como já se sabe muito bem. Nesses negócios, é
recorrente que, em um único dia, as pessoas experimentem um vendaval de
emoções – indo do intenso otimismo sobre o negócio ao desespero, digno de
empreendimentos inovadores de alto risco.
À luz desses dilemas, qual tipo de discussões nanceiras e informações o
empreendedor poderia oferecer ao investidor de forma a facilitar e acelerar
negócios? Certamente, conseguir oferecer respostas às perguntas de ouro
sobre o funding em startups poderá auxiliar nesse processo (Quadro 2.2).
Quadro 2.2: As perguntas de ouro sobre o funding para startups.
Fonte: desenvolvido pela autora.

Certa ocasião, tive o privilégio de assistir a aulas do professor de Harvard


Clayton Christensen, grande mestre sobre o tema inovação nos negócios. O
professor nos deixou recentemente, em 2020, mas seu legado há de perdurar
eternamente para o mundo de inovação. Naquela oportunidade, Christensen
mencionou: “Existe, sim, um dinheiro do tipo ‘bom’ e um dinheiro do tipo
‘ruim’”2, o tal do good money versus bad money. Na primeira vez que ouvi a
frase, recordo de pensar: “Dinheiro ruim é aquele dinheiro que vem de
ilegalidades, do trabalho escravo ou infantil, ou algo do gênero, não é?”. Não...
É comum o sentimento, dada a restrição de dinheiro nas startups, de que
qualquer dinheiro que caia na conta corrente da startup é dinheiro bom, a nal,
“dinheiro é dinheiro”. Que engano!
Vamos discutir o sentido dessas expressões e sua implicação para o pequeno
negócio e startups.
De forma simpli cada, pode-se de nir o dilema good money x bad money
como a seguir.

___________________________

Good money x bad money

Conforme já discutimos, a startup tem diversos momentos de vida.


Vamos considerar dois para discussão:

1. O momento de delimitar o modelo de negócio: a delimitação do


modelo de valor e do modelo de crescimento, validados, tal qual já
apresentado em item anterior.
2. O momento de crescer: após validado o modelo de negócio, chega a
hora de crescer, escalar, distribuir, exponencializar.

Para o primeiro momento, dinheiro bom é o “dinheiro pouco”. A


escassez de recursos traz certas consequências positivas à startup, na
medida em que não permite que se “insista em um erro”
demasiadamente, e propicia certa pressão para que ajustes no modelo
de negócio sejam feitos rapidamente, se necessário.
Ao forçar que a inovação seja colocada continuamente à prova, esse
aperto nanceiro contribui para foco e agilidade muito maiores. Excesso
de disponibilidade nanceira, nesse momento, pode ser um grande
perigo, pois pode permitir que se insista em um modelo falho por muito
tempo até que se reconheçam suas falhas e fracasso e, quando
nalmente for impossível evitar a realidade, as perdas já terão sido
tamanhas que o espaço para adaptação – diante de perdas nanceiras,
de tempo, energia e reputação – torna-se pequeno.
Para o segundo momento, após testado e aprovado o modelo de valor
e crescimento em um negócio, então o dinheiro bom é o “dinheiro
muito”. Nessa hora, espera-se que grande quantidade de recursos entre
na startup (rápido) para potencializar a escalabilidade do business e
propiciar a chance efetiva de distribuição e crescimento do negócio,
ocupando e dominando seu espaço na inovação.

___________________________

Note que, para o primeiro momento destacado (testando o modelo de


negócio), o nível de risco da startup é um tanto elevado. Isso é natural e
inerente à inovação. No entanto, trata-se de um momento peculiar, com
características especí cas, e parte essencial da busca pelo investimento é
alinhar os interesses de todos os envolvidos na startup. A que nos referimos?
Exempli caremos: nessa hora, pegar dinheiro com um investidor (anjo, por
exemplo) que aprecia renda xa ou espera distribuição de dividendos no curto
ou até médio prazos, provavelmente, não será a melhor escolha. Já dá até para
sentir o cheiro de con itos em breve!
Mais adiante, no teste do modelo de negócio, em geral, surgem investidores
mais pesados, com bolsos mais fundos e ávidos por crescimento – como
fundos de venture capital (VC). Esses investidores, em teoria, têm maior
compreensão sobre os dilemas de startups e podem compreender um pouco
melhor seu momento de vida. Isso naturalmente não signi ca que não há
desalinhamento: a distância entre muitas startups e fundos ainda pode ser
bastante grande, em especial em mercados menos maduros. Na Parte II deste
livro, a partir do Capítulo 3, falaremos detalhadamente sobre as opções de
nanciamento disponíveis à startup, seus benefícios, riscos, custos, interesses
e outras diversas características e dicas.
Entretanto, lembre-se todo dinheiro vem com amarras e expectativas, que
precisam estar alinhadas ao momento de vida de sua startup; senão poderá ser
apenas mais um problema em sua vida, e não uma solução.
Conforme a startup avança em seu estágio de vida, seu negócio se torna
menos incerto e, portanto, com menor componente de risco ao investidor. Da
mesma forma, as opções de funding tendem a aumentar em tipos e volumes
conforme o negócio se torna maior. Como o risco vai se tornando menor, é
natural que o custo do dinheiro, com o passar do tempo, comece a diminuir –
isso é uma verdade à luz das startups que conseguem sobreviver até lá! Por
isso, aqui há certo viés de sobrevivência também pelos mesmos motivos, ao
abrir-se a empresa à entrada de novos investidores, o tamanho da participação
que se entrega a eles acaba sendo cada vez menor.
Há três aspectos que podem ser entendidos como um tripé de funding, são os
três componentes da decisão que o empreendedor deverá analisar ao escolher
qual o nanciamento correto para seu momento de vida: (i) as opções de
funding, (ii) o custo do dinheiro ou (iii) a entrega de participação ao novo
investidor. Na Figura 2.4, a seguir, ilustra-se esse tripé:

Figura 2.4: O tripé decisório na escolha do funding correto para o estágio da startup.
Fonte: desenvolvida pela autora.

A entrega de participação tende a ser maior nos primeiros estágios de vida da


startup por inúmeros motivos, pois , além de ser o momento de maior risco na
vida do negócio, nessa hora, a carência de recursos nanceiros é
provavelmente a maior de sua jornada. No momento em que novos investidores
começam a entrar na startup (além de seu risco e incerteza irem diminuindo,
conforme já mencionado), o negócio começa a criar uma “memória” de
valuation, que é a última versão do cálculo feita ao investidor anterior que
entrou. Por isso, é natural que comece a existir certa “escalada” no valuation
da startup, de forma que um novo investidor, em tudo correndo
razoavelmente bem, tenderá a comprar sua participação na empresa em um
valuation
maior do que o anterior. Dessa forma, os acionistas antigos tendem a ser cada
vez menos diluídos, e a entrega de participação, para cada unidade monetária
que entra por meio de novos investimentos de acionistas, tende a ser cada vez
menor. Essas discussões serão mais bem exploradas em diversos capítulos
deste livro.
Discutimos, então, que há certo desalinhamento entre os conhecimentos e as
expectativas dos dois lados desta negociação: startup e funding. Por isso, após
entendimento sobre a fonte ideal de dinheiro (respondida pela primeira
pergunta de ouro do funding), as duas perguntas seguintes têm por objetivo
oferecer ao possível investidor respostas que minimizem seu desconforto ao
investir e facilitem a negociação.
No entanto, existem inúmeros casos em que startups, ao pleitear o dinheiro a
investidores, não sabem exatamente o que farão com esse dinheiro quando ele
estiver disponível na conta corrente do negócio. É claro que ele tem uma ideia
geral sobre o uso, mas em muitos casos consiste em apenas uma ideia geral.
Conseguir oferecer boas respostas a estas duas perguntas é fundamental:

• De quanto dinheiro exatamente você precisa?


• Como exatamente você o investirá?

Tais respostas oferecerão muito mais segurança ao investidor e tende a


acelerar sobremaneira o fechamento de negócios na busca pelo funding – além
de permitir entregar menor nível de participação em troca do aporte.
A m de contribuir com esse raciocínio, é indicado que a startup re ita sobre
as justi cativas para o uso de determinada rodada de captação de recursos.
Para tanto, surge um conceito comumente chamado de milestone. Qual será o
grande objetivo a ser alcançado por esse pedido de funding, ou seja, qual é
seu milestone almejado? Cremades3 destaca alguns exemplos de milestone
mais notáveis que incluem, entre outros:

• Avanço na idealização do modelo de negócio / proposta de valor da startup


• Pesquisa de mercado
• Aquisições e contratações estratégicas
• Protótipos e beta testing
• Lançamento de um produto mínimo viável (MVP da sigla em inglês minimum
viable product)
• Expansão de usuários e early adopters
• Ganhar receitas
• Provar o modelo de crescimento e potencial de escala
• Atingir ponto de equilíbrio (break-even point)

Richard Harroch4 discorre sobre as principais perguntas que fundos de VC irão


fazer às startups. No que se refere às perguntas nanceiras, você irá notar que
todas estão intimamente relacionadas ao tripé do funding e, em essência,
buscam exatamente as premissas que permitirão ao fundo de VC chegar às
repostas para as perguntas de ouro do funding. Muito facilitaria sua
negociação, empreendedor, se você chegasse desde a primeira conversa com o
funding já preparado em relação a essas respostas, isso valeria, de fato, ouro.
Veja a lista de perguntas nanceiras descritas por Harroch:

• As perguntas sobre o funding do momento:


• Quanto dinheiro está sendo levantado nessa rodada?
• Qual é o valuation pre-money desejado pela empresa?
• Investidores já existentes irão participar dessa rodada?
• O que a startup planeja fazer com o dinheiro captado nessa rodada?
• Quais milestones você está planejando alcançar com esses recursos?

• Principais perguntas que permitirão ao fundo estimar a necessidade de


investimento da startup, bem como seu valuation:
• Quais são as projeções do uxo de caixa para os próximos três anos?
• Quais são as premissas-chave que sustentam essas projeções?
• Quanto de dívida e investidores (equity) a startup já levantou?
• Qual será a necessidade futura de novos investimentos?
• Quanto de participação a empresa está reservando para oferecer como
pool de remuneração por meio de opções de propriedade a seus
colaboradores?
• Quando a empresa será lucrativa?
• Quanto ainda haverá de queima de caixa até a empresa ser lucrativa?

Para responder a esse segundo grupo de questões, é necessário fazermos


uma transição para o próximo grupo de conceitos nanceiros essenciais,
aquele que chamamos de every-single-day.

2.4 Every-single-day: como não morrer na praia


Pesquisa feita pela Serasa Experian5 indica que 45% das micro e pequenas
empresas no Brasil sentem di culdade em fazer a gestão nanceira de seus
negócios, e 5% admitem não ter nenhum tipo de controle.
Para começarmos uma discussão nesse sentido, vamos a uma re exão. Quais
dos uxos a seguir (de 1 a 5) você acha que pertence a uma startup? (Figura 2.5)

Figura 2.5: Visão geral de uxos de caixa.


Fonte: desenvolvida pela autora.

Uma resposta automática poderia ser “o uxo três”. Sim, pois ele retrata
muito bem o típico formato de caixa de uma startup exponencial. É possível
perceber, nesse uxo, três movimentos importantes de uma startup:

(i) Os gastos iniciais em menor volume, nos momentos em que a


disponibilidade de caixa é restrita para delimitação do modelo de negócio,
testes de prototipação e MVP.

(ii) Após delimitado o modelo de negócio, maior investimento para sustentar


o crescimento, retratados pelos uxos de caixa negativos maiores.

(iii) Por m, o crescimento exponencial, condizente com o modelo de


crescimento acelerado típico de uma startup, após testado e aprovado seu
modelo de valor e crescimento.

Mas e quanto aos outros uxos? Não poderiam pertencer também a uma
startup? Vamos nos voltar agora ao quinto uxo.
Ele é bastante negativo, de nitivamente não é o que o empreendedor
sonhava ao iniciar uma startup, porém não podemos esquecer: a taxa de
mortalidade de startups é deveras elevada. Como seria o uxo de caixa de um
dos casos que não obtém sucesso? Em realidade, a maior parte deles seria
provavelmente algo como o quinto uxo de caixa.
Note que, em nenhum momento, na pergunta, foi indicado que buscávamos o
caso do uxo de caixa de uma startup de sucesso. Somos tipicamente
enviesados pela história que queremos enxergar (chamamos isso de
dissonância cognitiva), normalmente, buscamos a resposta que irá con rmar e
reforçar um pré-conceito que já temos em mente. Além disso, somos também
in uenciados pelo viés de sobrevivência: pouco se fala e se escreve sobre os
casos que “dão errado”. Chegam a nós, em grande volume, os casos de
sucesso de startups e eles se parecem com o uxo 3 – e não com o 5!
Por m, vamos discutir um pouco os casos dos uxos 1, 2 e 4. O uxo 1 é um
pouco “bonitinho” demais, muito parecido com um projeto de baixo nível de
risco, maior previsibilidade. Assemelha-se bastante inclusive com aquele que
livros de nanças introdutórios apresentam para explicar conceitos, como
avaliação de projetos – Taxa Interna de Retorno (TIR), valor presente líquido
(VPL) ou payback. Às vezes, deparamos com essa “belezinha” na vida real, mas
normalmente não é o caso do empreendedor em uma startup com alto nível de
incerteza.
O uxo 2 e o 4 merecem um comentário especial: eles não têm as
características típicas que nos remetem a uma startup – como as três etapas
mencionadas anteriormente em relação ao uxo 3 – (i) investimentos menores
no início e MVPs, (ii) gastos maiores para sustentar expansão e (iii) crescimento
exponencial. No entanto, os uxos 2 e 4 poderiam perfeitamente ser um recorte
pequeno de tempo na vida de uma startup!
Jamais podemos nos esquecer de que uma startup não deixa de ser uma
empresa. Como qualquer empresa, seus uxos de caixa no curto prazo (e às
vezes médio prazo) podem se comportar de forma muito similar aos uxos 2 e
4. Ademais, os conhecimentos essenciais sobre gestão nanceira – como
formação de preços, dimensionamento e nanciamento do investimento em
capital de giro etc. – são essenciais para gerenciar o dia a dia do negócio.
Um importante take-away dessa discussão é: todos sabemos que o sonho em
uma startup de sucesso se pareceria com o uxo 3 (crescendo
inde nidamente). Mas jamais podemos cair na armadilha de desconsiderar as
outras possibilidades de menor sucesso (como o uxo 5) ou de esquecer que a
startup não deixa de ser uma empresa (como os uxos 2 e 4), que precisa de
boas práticas de gestão no negócio, inclusive das nanças corporativas
estratégicas, aplicadas a suas especi cidades.
Há um estudo empírico, desenvolvido por CBINSIGHTS6, analisou startups que
fracassaram e seus motivos. O que chama atenção demasiadamente é a
importância de questões nanceiras como parte desse fracasso: no total,
questões nanceiras são responsáveis por 55% dos casos de fracasso nas
startups.

Figura 2.6: Por que startups fracassam?


Fonte: CBInsight – research briefs (2018).

Tão gritante evidência quase que dispensa mais justi cativas de por que os
conceitos de nanças corporativas são absolutamente essenciais às startups...
Não acha? Os três fatores relacionados às nanças que acumulam 55% dos
fracassos são:

(i) dinheiro acabou;

(ii) questões de preci cação e custos;

(iii) ausência de nanciamento/interesse de investidores.

Cabe fazer aqui uma importante ressalva: é difícil saber se “o dinheiro


acabou” e “ausência de nanciamento” são uma causa ou consequência do
fracasso: é possível que haja certa sobreposição, mas não há a menor dúvida
de que, seja causa, seja consequência, esses elementos foram uma surpresa
para o empreendedor, e são fatores que deveriam ter sido antecipados e talvez
até prevenidos, caso houvesse conhecimento nanceiro su ciente para tal.
Após inúmeras entrevistas, consultorias e mentorias a startups, chegamos a
este conjunto de perguntas de ouro sobre o dia a dia, a que entendemos que
todo empreendedor deveria saber responder sobre o seu negócio, a qualquer
momento (Quadro 2.3). A terceira parte deste livro tem como objetivo oferecer
detalhes e ferramentas sobre como responder a elas.

As perguntas de ouro sobre o dia a dia para startups


Exatamente como está sua formação de preço?
Qual é sua margem de contribuição / (CAC) / (LTV)?
Qual sua estrutura de custos fixos?
Every-single-day: Qual é seu ponto de equilíbrio no atual modelo da startup?
como não
Você vislumbra a possibilidade de seu atual modelo responder às perguntas
morrer anteriores?
na praia
Qual é exatamente hoje seu burn rate: quanto tempo de vida seu caixa consegue se
sustentar no atual formato?
Qual sua necessidade de investimento para os próximos três ou seis meses em:
desenvolvimento (capex), queima de caixa pré-ponto de equilíbrio e capital de
giro?
Dada sua capacidade de acesso a novos recursos, qual a hora de iniciar a busca por
novos fundings para conseguir em tempo hábil?
Quadro 2.3: As perguntas de ouro sobre o dia a dia para startups.
Fonte: desenvolvido pela autora.

Você irá notar que essas perguntas são a base nanceira de todo o negócio
da startup. Não é necessário que empreendedores se tornem chief financial
o cer (CFO), especialista em nanças, mas é muito complicado esperar que
uma boa estratégia em startup seja traçada e executada sem que se saiba, pelo
menos, um conceito nanceiro, como margem de contribuição. Acredite,
qualquer minuto que você investir para compreender os conceitos de nanças,
voltará exponencialmente como sucesso para seu empreendimento! Essa
característica é estratégica para empreendedores, assim como para todos os
pro ssionais-chave e líderes de times em startups, ou entusiastas do
ecossistema em geral.
Se zermos a seguinte a rmação “Você deveria vender algo por um preço
mais alto do que lhe custou”, você provavelmente dará risada e achará isso
absolutamente óbvio. Concorda? Pois é. Acontece que, se o negócio não zer
uma cuidadosa conta sobre a sua margem de contribuição, há consideráveis
chances de que, na verdade, esteja falhando em conseguir vender mais caro do
que custou, mesmo considerando o crescimento em volume, no futuro.
Outro problema é que quase todo livro de nanças começa explicando
conceitos contábeis relacionados às demonstrações nanceiras, balanço
patrimonial e demonstração de resultados do exercício. Isso já costuma
desanimar boa parte de startups e seus pro ssionais... A nal, o negócio mal
tem contabilidade formal muitas vezes, que dirá em tempo hábil para ser um
instrumento de tomada de decisões! Certamente, a contabilidade poderá
auxiliar você a responder às perguntas de ouro do dia a dia, mas a parte
maravilhosa dessas questões é que não necessariamente você precisa de uma
boa contabilidade para responder a elas! Pelo contrário! Uma planilha bem
feita no Microsoft Excel certamente alcançará perfeita e ciência em oferecer
essas respostas. Inclusive, não há de ser com a so sticação de macros ou mil
linhas. Menos é mais: simpli quemos os estudos, mas não deixemos de
conduzi-los.
Por m, vamos supor que tenhamos a feliz constatação de que o negócio está
indo bem o su ciente e queremos agora saber: “Qual é o valor da minha
startup”? Chegamos aqui ao terceiro grupo de conhecimentos nanceiros
essenciais.

2.5 Valuation: como pegar seu futuro nas mãos


Ao longo da jornada da startup, há vários momentos em que o empreendedor
precisará fazer um valuation dela, que nada mais é do que uma estimativa do
valor justo dessa empresa a qualquer momento do tempo, porém esse pode ser
um grande desa o.
Alguns momentos em que isso acontece são, por exemplo: a cada nova
rodada de busca por investidores, a cada momento em que se visa identi car
se o atual modelo de negócio da startup é viável (a nal, “tem negócio aqui?”)
ou na ocasião de montar uma estratégia de saída, seja por meio de um IPO,
seja por meio de M&A.
Para Erik Ries (2011), em muitos casos, é mais fácil para uma startup levantar
grandes quantidades de recursos quando ela é apenas uma ideia no papel do
que quando já existe e está em seus primeiros momentos de vida.
Principalmente porque, em seus primeiros momentos de vida, seus números
ainda são muito – muito – pequenos. Pí os, até. Tão pequenos que isso se
É
torna um “banho de água fria” para o valuation. É difícil imaginar como um
negócio que hoje fatura R$ 10.000,00 por mês miraculosamente passará a
faturar R$ 1 mi por mês. Já, quando ainda nem existe, há espaço para a
imaginação humana vislumbrar que o negócio, baseado em uma ideia
absolutamente inovadora, vai chegar rapidamente a seu R$ 1 mi/mês em
pouquíssimo tempo.
Esse exemplo ilustra muito bem o que é o valuation: é a representação do
valor futuro de um negócio, no momento atual. Quanto vale, hoje, todo o futuro
dessa empresa? No m do dia, é isso que interessa aos investidores. Peter
Thiel descreve a seguinte situação, que resume muito bem essa discussão:

Compare o valor do New York Times Company com o Twitter. Cada um


emprega alguns milhares de pessoas e cada um oferece a milhões de
pessoas uma maneira de obter notícias. Mas quando o Twitter foi aberto
em 2013, ele foi avaliado em US$ 24 bilhões – mais de 12 vezes a
capitalização de mercado do New York Times – apesar de o Times ter
ganho US$ 133 milhões em 2012, enquanto o Twitter perdeu dinheiro. O
que explica o enorme prêmio do Twitter?
A resposta é uxo de caixa. Isso parece bizarro no começo, já que o
Times era lucrativo enquanto o Twitter não. Mas um grande negócio é
de nido por sua capacidade de gerar uxo de caixa no futuro. Os
investidores esperam que o Twitter consiga capturar lucros de monopólio
na próxima década, enquanto os dias de monopólio dos jornais
terminaram (THIEL, 2014, p. 44).

As observações do autor elucidam o poder do valuation para os negócios.


Vamos, então, discutir sobre o foco no valuation. Veja só: o mais importante
nesse cenário não é seu uxo de caixa hoje, mas sim seu potencial de uxo de
caixa futuro. Por isso, parte absolutamente valiosa de sua atuação será
identi car os drivers de geração de valor de sua empresa e alavancá-los ao
máximo possível. Quais são suas alavancas de valor?
Nesse contexto, ca mais simples compreender as questões de ouro do
valuation (Quadro 2.4).

As perguntas de ouro sobre valuation para startups


Valuation: Quais são seus drivers de geração de valor – alavancas de valor – sustentáveis?
como pegar seu
Você está trabalhando para aumentar os fluxos futuros?
futuro nas mãos
Quão factíveis para os outros suas premissas parecem?
Quadro 2.4: As perguntas de ouro sobre o valuation para startups.
Fonte: desenvolvido pela autora.

Quando o assunto é valuation, para qualquer dos ns que uma startup possa
querer estimá-lo, é absolutamente importante pensar um pouquinho no valor
justo das coisas. Nesse sentido, a teoria incialmente proposta por Keynes7 em
1936, em seu estudo Keynesian beauty contest, pode ser considerada, até os
dias atuais, brilhante. Pode-se inclusive argumentar que é o possível berço das
discussões sobre nanças comportamentais. A pesquisa proposta por Keynes
envolveu um experimento, em que pessoas racionais deveriam reagir à
seguinte proposta: em uma competição ctícia, o agente deveria escolher os
seis rostos mais bonitos entre mais de cem fotogra as de faces que lhe fossem
apresentadas. Quem escolhesse as faces mais populares poderia ser premiado.
Veja só: um agente menos racional cairia na armadilha de escolher aquelas
faces que lhe parecessem mais belas. Acontece que a opinião individual sobre
a beleza não é importante nessa competição: o que importa é se o agente será
capaz de acertar quais faces serão consideradas pelos outros como as mais
belas, ou seja, “o que os outros pensam?”. Ademais, é ainda possível levar isso
ao extremo: “o que os outros pensam que os outros pensam?”!
No que se refere a sua startup, essa discussão de Keynes não é menos
importante, mesmo mais de 80 anos após sua formulação. (Uma curiosidade:
você sabia que Keynes foi um grande investidor, de muito sucesso no mercado
nanceiro? Pois é, isso atribui ainda mais força a suas observações sobre valor,
não acha?) Se seu objetivo é vender o negócio, conseguir investidores ou obter
ganhos econômico- nanceiros com a startup, então não importa muito, para
ns de apuração do valor, qual é a opinião do empreendedor sobre seu valor
justo. O que importa, na verdade, é se os outros concordarão sobre sua
proposta de valor o su ciente para transformar essa fé em um real investimento
no negócio, ou seja, em dinheiro. Caso uma startup não consiga convencer
ninguém sobre seu valor justo, será que ele, de verdade, existe?

2.6 Considerações finais


Por que startups deveriam saber responder a essas perguntas? Aquelas que
detêm a capacidade de responder a elas estão a quilômetros de vantagem, e,
por mais que colaboradores possam auxiliar você, há um enorme diferencial
quando quem consegue compreendê-las e responder a elas com categoria são
os empreendedores, fundadores e eventuais sócios estratégicos ou
pro ssionais-chave líderes. Essas perguntas de ouro são a chave para
sustentar análises estratégicas do modelo de negócio, apoiar negociações com
investidores, credores, stakeholders em geral e sustentar todo o processo
decisório da empresa – em suas inúmeras vertentes – de forma a maximizar
seu valor.
No entanto, cabe deixar uma coisa clara a m de alinhar expectativas: o que
este livro busca é simpli car as nanças para que sejam alcançáveis ao
pequeno negócio e startups; é prover uma ferramenta que auxilie o
empreendedor e pro ssionais de startups em sua empreitada, e não ser mais
uma fonte de obstáculo ao pequeno negócio; é exatamente auxiliar as startups
a responder a suas perguntas de ouro de nanças.
Se você busca so sticação, há ampla literatura sobre nanças corporativas
estratégicas, mas provavelmente ela será bastante desestimulante para o
empreendedor, quase inatingível para a problemática do negócio em seus
primeiros estágios de vida e de menor porte (ainda mais em economias em
desenvolvimento).
A organização das próximas partes gira em torno das perguntas de ouro
apresentadas neste capítulo. Começaremos com o funding na Parte II; na Parte
III, serão discutidas as nanças do grupo que chamei de every-single-day; por
m, na Parte IV, discutiremos o valor e valuation em startups.

SAIBA MAIS
Além dos itens que indicamos no Capítulo 1, sugerimos mais algumas
leituras:
1 AICPA. Accounting and valuation guide: Valuation of portfolio company investments of venture capital
and private equity funds and other investment companies. Estados Unidos, Durham: Wiley, 2019. p. 14.
2 Frase original de Clayton Christensen: “There is such thing as ‘good money’ and ‘bad” money’”. Curso
online de Harvard, intitulado HBX. Acesso em 2018.
3 CREMADES, Alejandro. The art of startup fundraising: Pitching investors, negotiating the deal, and
everything else entrepreneurs need to know. New Jersey: Wiley, 2016.
4 HARROCH, Richard. 65 questions venture capitalists will ask startups. Forbes, June 2013.
5 EVANGELISTA, Viviane. 45% dos microempreendedores sentem di culdades em controlar a saúde
nanceira dos negócios, revela pesquisa da Serasa. Serasa Experian, 28 de janeiro de 2019. Disponível
em: <https://www.serasaexperian.com.br/sala-de-imprensa/45-dos-microempreendedores-sentem-
di culdades-em-controlar-a-saude- nanceira-dos-negocios-revela-pesquisa-da-serasa.> Acesso em: 28 de
janeiro de 2019.
6 THE top 20 reasons startups fail. CBINSIGHTS, 06 de novembro de 2019. Disponível em:
<https://www.cbinsights.com/research/startup-failure-reasons-top/.> Acesso em: 23 de fevereiro de 2018.
7 KEYNES, John Maynard. The General Theory of Employment, Interest and Money. New York: Harcourt
Brace and Co., 1936.
PARTE II

FUNDING : como
sustentar seus
próximos passos
Vamos a uma constatação, sem meias palavras: startups que estão
“por dentro” das regras (formais e informais) do jogo de nanciamento
à inovação têm absoluta vantagem em conseguir nanciamento em
relação àqueles que desconhecem o funcionamento e mecanismos
desse funding. O problema é que, em ecossistemas mais jovens, há
considerável carência de informações sobre esse funcionamento – o
conhecimento ainda é pouco disseminado, e os contatos – o bom e
velho networking –, também.
Quando nos referimos a “por dentro do jogo”, não se trata de
nenhuma malandragem antiética, mas do puro conhecimento sobre
como funciona o nanciamento à inovação, as possíveis estratégias de
captação de recursos com capital de risco, os interesses, os benefícios
e riscos de cada canal de nanciamento disponível a startups. Isso é
uma realidade não apenas em ecossistemas relativamente jovens
(como o caso brasileiro), mas também em economias maduras, haja
vista a grande quantidade de livros e artigos disponíveis sobre o tema.
De todo modo certamente, para o caso brasileiro isso é ainda mais
latente do que em economias maduras. Por quê? Bom, por diversos
motivos. Veja, a seguir, alguns dos que mais chamam a atenção.

• Economias maduras têm baixíssimas taxas de juro livre de risco,


então buscam, há inúmeras décadas, alternativas de investimento
que potencialmente proporcionem maiores retornos. Ao longo de
tanto tempo, esse mercado alternativo de investimentos foi
amadurecendo e isto signi ca: (i) maior quantidade
de investidores de risco (número de investidores), (ii) maior volume
de dinheiro disponível (aumento no volume de capital por investidor,
o ticket médio de cada investimento), (iii) maior conhecimento e
informações disponíveis, o que torna a informação mais organizada e
clara tanto para investidores quanto
para empreendedores.

• Em virtude da existência desse mercado de investimento à inovação


de risco há mais tempo, há uma quantidade muito maior de casos de
startups disponíveis – com histórico de sucesso ou fracasso – e de
pessoas envolvidas nesses casos. Isso aumenta consideravelmente a
chance de que você conheça alguém que conheça alguém que tem
informações sobre o funcionamento das coisas. Prolifera o conteúdo
informal e o alto valor da experiência.

• A Academia – universidades, professores, alunos, programas de


MBA –, em geral, apresentou grande e crescente envolvimento ao
longo do tempo com casos de startups, o que contribui também para
a proliferação do conhecimento.

• Todos esses fatores em conjunto promovem grande aumento de


liquidez disponível em diversos canais de nanciamento a startups,
alguns mais formais e regulados, outros mais informais e baseados
em con ança, e isso acaba fomentando todo um ciclo contínuo de
re nanciamento à inovação.

Toda essa realidade mencionada é diferente daquela vivenciada em


economias com ecossistemas mais jovens. Boa parte do motivo reside
no fato de que nossas taxas de juros são (historicamente)
excessivamente altas. Por mais que essa realidade venha mudando
recentemente, esse efeito ainda é muito jovem em nossa economia.
Imagine-se por um momento como detentor do dinheiro – da “grana”!
Agora, dê uma olhada nas taxas de juro livre de riscos brasileira desde
a estabilização econômica proporcionada pelo Plano Real (Grá co 3.1).

Grá co 3.1: Taxas Selic – dados mensais, anualizados.


Fonte: Receita Federal (S.I.)1.

Ok, você deve estar pensando: “Mas o mundo, ao nal da década de


1990, no Brasil não tem mais nada a ver com a nossa realidade hoje!”.
Pois bem, concordamos. Veja, então, um novo recorte dos dados,
considerando apenas as taxas de juros do nosso segundo milênio
(Grá co 3.2).

Grá co 3.2: Taxas Selic – dados mensais, anualizados – após anos


2000.
Nota: A linha pontilhada destaca a mediana dos dados da janela. A
mediana no período foi de 12,3% a.a. Fez-se uso da mediana por ser
menos sujeita do que a média aos valores extremos das taxas,
possivelmente fruto de políticas monetárias pontuais. Para
conhecimento, a média no período foi de 13,2%.
Fonte: Receita Federal [S.I]2.

Com base nessas taxas,supondo ser você o detentor do capital, você


teria muitos incentivos para buscar startups de alto ou altíssimo risco
para aplicar seus recursos, tendo em vista o potencial de ganho
proporcionado pela renda xa no Brasil? A verdade é que, para grande
quantidade de fontes de nanciamento, a resposta por muitíssimo
É
tempo foi: não. É possível ver que, muito recentemente (2016/2017), a
remuneração em títulos federais – benchmark de menor risco em nossa
economia – rendeu patamares elevados, ao redor de 14% e 15%!
Com níveis tão elevados de taxa livre de risco, a barra de retorno
esperado ca alta demais. O que isso signi ca? Na mediana, o
investidor conseguia 12,3% de remuneração por seu capital (linha
tracejada no grá co), em investimento sem risco no Brasil. Isso
signi ca que, para aceitar ir para startups, ele esperaria muito maior
remuneração a m de compensar o risco incremental. Em níveis tão
altos de taxas de juros, é necessário identi car negócios com potencial
de rentabilidade extremamente elevado para que valha a pena correr o
risco, concorda?
Muito em razão dessa característica do mercado brasileiro, sempre
houve pouco incentivo para o capital buscar alternativas de
investimento de alto risco que pudessem proporcionar alto retorno.
Digamos que, de certa forma, os rendimentos mais fáceis eram
relativamente confortáveis e os que menos expunham o capital ao
risco.
Como se não bastasse isso, ao longo de boa parte desse histórico,
tampouco havia grande abundância de startups altamente inovadoras
e de sucesso nas mídias nacionais que estimulassem o surgimento de
especial interesse por parte do capital, ou até atração de investidores
internacionais. Mesmo que tudo isso venha mudando fortemente nos
últimos anos, trata-se de um movimento ainda recente em nossa
história. Por ser recente, ainda há baixo nível de informação disponível
sobre o funcionamento desse mercado de funding para startups.
Por esses motivos, a startup que se sente mais confortável em termos
de conhecimento sobre esses meandros, sem sombra de dúvida,
encontra nisso uma boa vantagem para seu negócio. Isso signi ca, por
exemplo, minimamente compreender o funcionamento de instituições
e conceitos, como: VC, private equity (PE), pre & post-money valuation,
cash-in/cash-out, MVP, milestones, crowdfunding, CAC, LTV etc. Não,
não estou forçando a barra com um excesso de termos em inglês à toa,
o fato é que esses jargões são comumente usados nesse idioma, sem
tradução para o português. Assim, os empreendedores que detêm
conhecimentos mínimos sobre esses jargões do mercado de
nanciamento à inovação, naturalmente, conseguem estar muito mais
preparados para os desa os de levantar caixa a m de promover seu
crescimento com estratégia.
Vários desses conhecimentos serão tratados ao longo de todo este
livro. Vamos começar, agora, com uma visão geral sobre o
nanciamento à inovação.

3.1 O ovo ou a galinha?


Vamos a uma re exão à semelhança de: O que vem antes: o ovo ou a
galinha?
Sobre nanças para startups, re ita: será que há pouco funding
porque há poucas startups e empreendedores promissores, ou há
poucas startups e empreendedores promissores porque há pouco
funding? Sim , parece com a questão: o ovo ou a galinha? Difícil de
responder a isso.
Pergunte a um investidor. Por muito tempo foi comum você ouvir a
resposta de que há uma carência de empreendedores quali cados e
empreendimentos atrativos o su ciente para justi car o crescimento
em largo volume de funding. Ainda se testemunha essa resposta nos
dias atuais, em diversas regiões. Pergunte a empreendedores.
Provavelmente, responderão que há casos em que é difícil justi car o
emprego de seu tempo e habilidades em startups, dado que há pouco
funding e incentivos que permitam aos negócios se multiplicarem. De
fato, é um problema do tipo “ovo ou galinha” em qualquer lugar do
mundo, em algum momento de sua história.
Esse dilema foi vivenciado pelo mercado norte-americano com
bastante ênfase ao redor da década de 70, conforme Fenn, Liang e
Prowse (1995)3, que argumentam: “Um importante fator prejudicando o
crescimento de investimentos de venture capital, de acordo com a
indústria e seus participantes [na década de 1970, nos EUA], era uma
falta de empreendedores quali cados para gerenciar startups”.
Andrew Romans4, logo no início de seu livro diz que "[...] o apetite
pelos investimentos em startups oscila entre medo e ganância,
variando conforme os ciclos econômicos” (2013, p. 3). O autor cita em
seu livro lições de empreendedores e investidores célebres e discorre
sobre essa questão à luz de ideias de Tim Draper – fundador do VC
Draper Fisher Jurvetson, entre outras conquistas e sucessos. Draper
apresenta o interesse dos investidores em startups como cíclico e
função em de alguns principais fatores. O ciclo funciona mais ou
menos como descrito na Figura 3.1.

Figura 3.1: O ciclo do nanciamento à inovação.


Fonte: desenvolvida pela autora, com contribuições de Romans
(2013).

Há algumas questões interessantes nesse ciclo. Chamo a atenção


para três aspectos principais: (i) sobre diversi cação, (ii) sobre
inovação e (iii) sobre uxos de capital entre países/regiões.
Vamos falar primeiro de diversi cação. Sabe-se que empreendedores
são normalmente propensos a risco, em muitos casos, fortemente
propensos a eles. Você poderia pensar: “Tudo bem, investidores anjo e
fundos de VC e PE entendem isso, pois eles também são propensos a
risco”. Verdade, mas, em média, empreendedores são mais propensos
a risco do que todos esses investidores. Digo “em média”, pois
naturalmente há exceções para qualquer uma das pontas. No próximo
capítulo, vamos tratar em mais detalhes sobre os porquês de o
empreendedor ser em média mais propenso a risco, o que tem boa
relação com opções de vida, investimento de tempo e status, além de
questões de portfólio e diversi cação.
Isso traz implicações relevantes para o tipo de startup que
efetivamente atrai o capital desses fundos. Uma vez que um
setor/inovação/tecnologia ganha notoriedade é comum atrair maior
volume de investimento para startups. Como consequência, surge
maior número de casos de sucesso e maior nível de entendimento,
informação e conhecimento sobre esse nicho de startups. Nesse
momento, torna-se muito mais fácil para novos investimentos serem
feitos no mesmo nicho – agora mais bem compreendido pelos
investidores, que se sentem mais con antes em apostar em território
conhecido (a nal, lembre-se: eles também têm algum medo do risco,
ainda que menos do que outros tipos de fundo). Para ilustrar essa
concentração do funding, pegue o caso corrente de investimentos em
fintechs, por exemplo.
Você lembra que o funding a startups surgiu como uma forma de
diversi cação dos investimentos e busca por maiores retornos
(conforme ciclo da Figura 3.1)? Acontece que, em algum momento no
ciclo, essa diversi cação ca um tanto concentrada em poucos
setores/inovações/tecnologia.
Isso se deve, em parte, ao que está previsto na Teoria do Prospecto "A
dor da perda é maior do que a felicidade do ganho”. Não é à toa que
Kahneman ganhou o Nobel em Economia (que teria sido compartilhado
por Tversky, fora ele ainda vivo na ocasião) por sua obra que contava
com essa teoria, entre tantas outras contribuições. Eventualmente, o
medo da perda pode fazer com que aconteça certa concentração na
zona de conforto de setores com maior informação disseminada e
maior volume de casos de sucesso disponíveis em mídia. Essa zona de
conforto de certa forma minimiza a (aparente) incerteza. O problema é
que essa concentração é, em si, outro tipo de risco. Entre diversos
exemplos, os inícios dos anos 2000 e a “bolha ponto.com” ilustram
esse aprendizado.
Isso nos leva ao segundo ponto: inovação. Será que o excesso de
hype em determinado setor pode prejudicar, em alguma medida, seu
potencial de inovação? Para estimular essa re exão, vamos discuti-la à
luz do efeito manada. Diante do grande holofote sobre alguns
negócios, há o risco de surgirem novas empresas que, em alguns
casos, são mais inspirações do que inovações. Quem irá criar outro
Facebook, Airbnb, Uber?
O que começa a acontecer é que inovação se transforma em
inspiração. Inspiração é um belo nome, mas nesse caso o componente
de transformação promovida pela startup se torna menor. Em geral, em
se tratando de inspiração, o conceito de disrupção se distancia. E cá
entre nós, se a transformação é menor, o potencial de ganho e
exponenciação nesses negócios também é menor, nem que seja em
razão de divisão do mercado potencial com outros players, por
exemplo, entre diversas motivações. Por isso, essa certa concentração
em setor/inovação/tecnologia pode acabar por reduzir a criatividade e
potencial de disrupção das inovações trazidas – em média.
O efeito manada de empreendedores, por outro lado, cria aquele
sentimento de “vai car de fora dessa onda?”. Por exemplo, quem quer
perder a onda de fintechs, quando há tantos sinais de potenciais
ganhos em empreendimentos públicos de sucesso, sem contar um
maior volume de investidores cujo alvo de investimentos (suas teses)
reside nesse setor? Bem, “A dor da perda é maior do que a felicidade
do ganho”, por isso, às vezes, é mais fácil para o ser humano embarcar
em um cenário conhecido, mesmo que isso signi que perder com
todos, do que apostar no desconhecido e ganhar sozinho. Ganhar
sozinho (e, portanto, correr o risco de perder sozinho) demanda muita
propensão a risco e coragem para dizer o mínimo. Sendo assim, é
possível testemunhar um maior volume de empreendedores – e, logo,
de potencial criativo – concentrando-se em um único foco, em
detrimento do potencial de inovação de outras áreas talvez até mais
carentes.
Isso nos leva ao terceiro ponto: o que todo esse arcabouço traz em
oportunidades por meio de uxos de capitais para outros países e
regiões.
Quando o potencial de inovação e oportunidades de negócio de
determinado mercado começa a car saturado ou muito concorrido,
surgem alguns agentes que passam a olhar outras regiões e países em
busca de novas ideias e negócios realmente “fora da caixa”. Assim,
estamos testemunhando, ao longo do tempo, o surgimento de diversos
silos de inovação ao redor do mundo: Europa e Ásia principalmente,
mas também começamos a ver uxos de capital, angels e fundos VC e
PE em economias em desenvolvimento, curiosamente buscando o tipo
de novidade que elas poderão esconder. Nesse efeito, outras
localizações do mundo podem encontrar uma grande oportunidade em
atrair capital e entrar em estágios mais maduros do ciclo “o ovo ou a
galinha”, que estatávamos discutindo.
Dito isso, vamos retomar agora essa discussão. No caso brasileiro,
onde estamos nesse loop? Estamos sentindo evidências claras de
evolução em nosso mercado, com relevantes incentivos aparecendo
tanto para o surgimento de startups como de investidores. Trata-se da
criação de todo um ecossistema que incentive a formação de um
círculo virtuoso. Dados recentes5 já indicam que o Brasil vem liderando
na América Latina como destino para investimentos de fundos de
venture capital. Vale mencionar que a Cidadedo México vem recebendo
destaques também.
Atualmente, já podemos nos dar ao luxo de olhar o futuro como
promissor para startups e investidores de risco, além de acreditar na
carreira em startups como uma verdadeira alternativa de alto valor
agregado a jovens no Brasil. Historicamente, foi comum que boa parte
dos empreendedores surgisse após os pro ssionais encerrarem suas
carreiras corporativas, geralmente como forma para obtenção de renda
quando a recolocação no mercado de trabalho se tornava mais difícil.
Naquele momento, o funding dos empreendedores vinha em boa
parte do capital próprio acumulado ao longo de sua carreira, o que
certamente limitava sobremaneira a possiblidade de inovação e
tomada de riscos para o negócio. Não há dúvida de que a mudança no
per l do mercado de nanciamento às startups contribui também para
a formação de “empreendedores de carreira”, quiçá com formação
ainda mais orientada às novas tendências em inovação e
empreendedorismo.
Para fechar o raciocínio, a nal o que vem antes: o ovo ou a galinha?
Sinceramente, não importa, desde que ambos existam.
Vamos agora a uma visão mais prática sobre o andamento dessa
discussão em uma visão mais global, especialmente focada no
mercado norte-americano. Trata-se de um recorte interessante em
virtude de sua maturidade em termos de ecossistema para inovação,
além de ser o caso de diversos dos exemplos e cases que serão
abordados ao longo de capítulos deste livro – como Uber, WeWork,
Airbnb, Net ix, Amazon, entre outros.
Veja no Grá co 3.3, a seguir, o volume de negócios com VCs nos
Estados Unidos para um histórico dos anos 2009 a 2019, tanto em
volume nanceiro quanto em número de transações:

Grá co 3.3: Histórico de negócios na indústria de


venture capital nos Estados Unidos.
Fonte: Pitchbook-NVCA (2020)6.

Note o padrão interessante que se percebe no grá co: o número de


transações não se modi cou de forma tão signi cativa entre os anos de
2017 e 2018, ao passo que o volume dessas transações, sim. O volume
nanceiro cresceu abruptamente em um nítido movimento de subida
nos valores negociados nessas transações. Há aqui dois efeitos
principais que devem ser compreendidos para entender tal
movimentação.
O primeiro deles se refere ao que se poderia chamar de “efeito
Softbank”. Em outubro de 2016, o SoftBank (grupo econômico japonês
com sede em Tóquio e operações em segmentos diversos, entre eles
comunicação, tecnologia, fundo de investimento em capital de risco e
outros) anunciou a decisão de formar o Softbank Vision Fund7, um
fundo privado com o objetivo de investir em empresas de tecnologia
em nível global. Essa decisão deu início a uma série de investimentos
em elevadíssimo volume em setores e regiões diversas ao redor do
globo, inclusive no Brasil, diga-se de passagem, acumulando grande
quantidade de recursos investidos em startups, em um curto espaço de
tempo. O Vision Fund 1 foi anunciado com o objetivo de investir US$
100 bi. Uma dessas investidas em peso foi na WeWork, cujo estudo de
caso foi incluído no Capítulo 5 deste livro por sua alta relevância e
aprendizados proporcionados ao ecossistema. Em 2019, após as
reações do mercado ao controverso caso WeWork e após certa
frustração quanto ao desempenho da Uber e outros, o Softbank
anunciou seu Vision Fund 2, agora com uma estratégia mais
conservadora, inclusive contando com envolvimento de empresas de
tecnologia globais já estabelecidas e não apenas com capital de alto
risco em startups mais jovens. Esses foram indícios de maior
preocupação com a busca por lucratividade, inclusive. Ao entrar no site
o cial do Vision Fund8, é possível ver seu portfólio global de
investidas, bem como sua frase de boas-vindas: “Shared Vision,
Amplified Ambition”. Sobre ela, não há dúvidas: ambição ampliada,
deveras.
Ao contrário do que lhe possa parecer, não há julgamento nesta
nossa observação, é realmente uma constatação, apenas. A velocidade
ambiciosa com que o Softbank injetou dinheiro no ecossistema de
startups trouxe liquidez para o mercado de nanciamento à inovação,
que não foi acompanhada em velocidade similar por crescimento em
volume de startups em porte grande o su ciente para absorver essa
oferta de liquidez, em nível global. Resultado: uma inevitável subida
nos valuations (aumento do volume de dinheiro disponível para
quantidade limitada de empresas absorverem). É possível a rmar que
o “efeito Softbank” trouxe uma in ação aos valuations de startups, em
linha com o que se nota no Grá co 3.3, efeito sentido especialmente a
partir de 2018. É claro que eles não foram os únicos, o movimento de
liquidez foi acompanhado por diversos participantes e outros
investidores da indústria.
Há até mesmo certo uxo de recursos uindo de fundos de PE para
fundos de VC, direcionados para empresas em seus estágios mais
iniciais de vida, que outrora não haviam sido foco de fundos de PE.
Ainda que seja um percentual pequeno nos portfólios de PE, isso
contribui para a formação dessa liquidez.
O segundo efeito que contribui para o salto de valor de 2017 para
2018 é a aparição em maior volume dos chamados mega-deals, que
podem ser entendidos como as operações de fusões ou aquisições
avaliadas em US$ 5 bi, ou mais. Um efeito relevante sobre os mega-
deals é a recente tendência de empresas clássicas/tradicionais, de
grande porte, de trocarem seus investimentos em Pesquisa e
Desenvolvimento (P&D) por aquisição dessas atividades por meio de
operações de fusões e aquisições. Ou seja, em vez de investir no
desenvolvimento de tecnologias, mercados, produtos, soluções etc.,
opta-se por adquirir startups prontas que tenham desenvolvido tais
ativos (tangíveis ou intangíveis) e internalizar esses recursos.
Falaremos mais a esse respeito ainda neste capítulo, quando
discutirmos o conceito de corporate venture capital (CVC).
Esses dois efeitos – (i) o aumento de liquidez (liderado pelo
Softbank, mas também sendo acompanhado por outros fundos) e (ii)
os mega-deals – certamente tiveram grande protagonismo para formar
o degrau de valutaion percebido no grá co.
Todo esse movimento está naturalmente associado a uma conjuntura
de certo otimismo e apetite generalizado por risco, em que o capital
está buscando maiores retornos em investimentos em startups.
Por mais que hoje a mídia saliente que não há sinais evidentes de
que esse movimento irá se reverter tão cedo, pare um segundo para
re etir: você nota como os aspectos dispostos nos últimos parágrafos
indicam a escalada generalizada de apetite por risco, aumento de
liquidez e elevação nos preços? Sinceramente – e humildemente –,
sugiro cautela. Essa conjuntura em si, como um todo, sugere já ser um
primeiro sinal de maturação desse mercado. Isso não signi ca que o
nal do ciclo esteja perto, de forma alguma. Muitas vezes esses ciclos
podem ter longa duração, mas, sim, trata-se de um sinal.

3.2 Quais os principais tipos de funding,


afinal?
Bom, vamos entrar agora nos tipos de funding propriamente ditos
disponíveis à startup. Primeira coisa a mencionar é que a vida de uma
startup é muito dinâmica em seus primeiros momentos. Tudo pode
mudar muito e rapidamente. Por que isso importa para o funding? Bom,
para cada um desses estágios de vida, é interessante buscar o
nanciamento – seja com investidores, seja com credores – que esteja
de fato alinhado com as necessidades e estágio da startup. Acredite,
os interesses de diferentes “dinheiros” divergem muito. Muito.
Retomemos brevemente os estágios de vida das startups, conforme
visto no capítulo anterior.
Lembra-se do que foi discutido no último capítulo sobre a lógica do
dinheiro bom e dinheiro ruim, conforme proposições do professor
Clayton Christensen?
Vamos manter aquela discussão em mente e começar a compreender
os tipos de
funding que temos à disposição. A ideia é nos darmos ao luxo de
escolher o dinheiro que queremos, em cada um dos nossos estágios, e
não necessariamente fazer uso daquele dinheiro que for mais fácil de
captar. Para iniciar, comecemos compreendendo os três tipos de
nanciamento que podemos utilizar em
nossa startup:

(i) bootstrapping: dinheiro próprio dos fundadores;


(ii) debt (dívida): dívidas com terceiros, geralmente envolvendo
acordos sobre juros e maior clareza em relação a expectativas de
repagamento, taxas e prazos a serem praticados;
(iii) equity: investidores com interesses de sociedade no negócio,
seus acionistas.

Além desses tipos de nanciamento, é possível encontrar casos de


modalidades de doações. Por exemplo: rankings, premiações,
concorrências ou competições que acabam em algum tipo de doação
de dinheiro para a startup empenhar esforços em seu negócio. Caso o
dinheiro recebido envolva algum tipo de direito sobre a startup,
provavelmente se enquadrará, então, em uma modalidade de equity.
Porém, caso seja realmente sem qualquer vínculo, uma pura doação,
então poderia se tratar de uma quarta modalidade. Diversas
organizações do Terceiro Setor trabalham com essa modalidade, por
exemplo.
Ainda em relação a esses incentivos ou doações, vale mencionar que
atualmente estamos percebendo que uma série de empresas de grande
porte, de inúmeros segmentos, está abrindo suas portas e criando
espaços de incentivo à inovação e laboratórios de startups. Isso pode
envolver programas de seleção de alguns negócios para receberem
incentivos de uso do espaço, incentivos nanceiros e até apoios
diversos – como tecnologias, auxílio em prototipação,
aconselhamento, entre outros. Esse tipo de programa pode realmente
ser altruísta, no sentido de que não há nenhum tipo de compromisso
entre a startup e a empresa que lhe abriu as portas, ou envolve acordos
de investimentos
mais estruturados.
Naturalmente, essa modalidade de doações não é necessariamente
acessível em grande volume no ecossistema, con gurando ações mais
pontuais ou restritas a segmentos ou regiões especí cas.
Assim, pensando de forma mais abrangente, suas opções se
resumem de fato àquelas três: dinheiro próprio (bootstrapping), dívida
(credores) ou investidores (equity). Outras formas de nanciamento
que lhe vierem à mente provavelmente serão variações ou
combinações dessas três primeiras. Vamos falar agora sobre cada uma
dessas três alternativas.
3.2.1 Bootstrapping
O termo bootstrapping refere-se essencialmente ao ato de
empreendedores nanciarem suas empresas com dinheiro próprio.
Trata-se do uso de recursos acumulados historicamente, geralmente
pelos fundadores, ou por gerações familiares, na startup.
O nanciamento de negócios por bootstrapping tem inúmeras
vantagens. Há inclusive diversos casos de empresas que passam toda
sua existência nanciando-se essencialmente dessa forma, não sendo
necessariamente preciso captar recursos em outras fontes.
Algumas vantagens do nanciamento do negócio com recurso próprio
são:

• Governança: com o uso do dinheiro próprio, tem-se um alinhamento


100% garantido de interesses entre os investidores e a gestão – claro,
são as mesmas pessoas! Isso é atrativo, pois o desalinhamento de
expectativas e interesses entre investidores e gestão (geralmente os
empreendedores, ou mesmo outros pro ssionais) pode atrapalhar a
evolução do negócio. Um potencial desalinhamento aqui seria um
exemplo clássico de con ito de agência, em que o interesse de um
novo investidor (acionista) difere do interesse do acionista
majoritário (acionista que tem maior controle, possivelmente
fundadores – ou não), ou até quando os interesses de ambos diferem
daqueles da gestão (executivos no dia a dia da empresa). Problemas
de desalinhamento dos interesses podem trazer inúmeros impactos
aos negócios, um dos mais comuns é o con ito de opiniões em
relação às ações estratégicas a serem tomadas na startup que
impactem a velocidade em atingir o ponto de equilíbrio no negócio,
por exemplo.

• Tempo e energia: se os sócios fazem uso do dinheiro próprio, é


possível ter mais energia e tempo dedicados para, de fato, investir na
execução do negócio. Isso porque relações com outros acionistas,
credores e investidores externos ao negócio costumam ser um
considerável dreno desses recursos escassos.

• Controle: caso os fundadores tenham profunda con ança de que


seu planejamento no empreendimento será produtivo e gerará
riqueza, talvez seja mais interessante nanciar o negócio
majoritariamente com capital próprio, especialmente em estágio
inicial de vida da empresa. Isso porque trazer outro investidor irá
demandar que os atuais acionistas abram mão de participação nessa
sociedade, entregando parte do controle e dos direitos sobre o
negócio a outros novos acionistas. Em especial, em estágios iniciais
(principalmente o primeiro investidor a entrar), isso pode envolver
abrir mão de grande participação na empresa, até porque, nesses
estágios, os fundadores têm “menos o que mostrar” e o risco inerente
a iniciativas jovens é mais elevado.

Por outro lado, há também riscos em nanciar negócios com recursos


próprios. Certa ocasião, fui convidada a participar de um painel junto a
empreendedores. Um admirável empreendedor com quem dividi o
painel fez uma a rmação que me chamou a atenção – e inclusive deu
“pano para manga” na rica discussão que se seguiu.
“Bruna, tudo que eu sou e tudo que eu tenho está investido nessa
startup. Não existe outra alternativa: se não for assim, não tem como a
startup dar certo!”, disse ele. Essa frase tem várias nuances e
nitidamente carrega a forte emoção e paixão do empreendedor por sua
empreitada, o que admiro muito. Mas me chamou a atenção um
aspecto em especí co: nesse caso havia realmente uma crença de que
era preciso investir também todo seu dinheiro necessariamente nessa
startup. Em que pese o sucesso pro ssional dessa pessoa em
especí co, eu falei, falo e repito: “Isso não é uma verdade. Não é
preciso colocar todo seu recurso nanceiro na startup. Em alguns
casos, por sinal, essa pode não ser a opção mais sábia”.
Uma coisa é se estamos falando de um empreendedor cujo
patrimônio acumulado é pequeno. No entanto, há muitos casos em que
os fundadores já têm patrimônio acumulado de uma vida de trabalho –
será que é realmente preciso apostar tudo em um único negócio? Ainda
mais em caso de alto nível de incerteza?
Se for esse o interesse do empreendedor, não há problema algum!
Essa é uma decisão pessoal e intransferível. É preciso apenas ter
ciência dos riscos. Normalmente, os fundadores de uma startup já
investem muito mais em sua startup do que têm consciência. Eles
investem:

(i) todo (ou boa porção de) seu tempo e energia;

(ii) boa parcela de sua reputação e imagem;

(iii) um tremendo custo de oportunidade (aquele recurso nanceiro


real e palpável que poderiam estar recebendo se estivessem vendendo
sua energia, inteligência e força de trabalho a outras instituições, além
de serem remunerados com menor risco com salários, bônus ou
correlatos);

(iv) em muitos casos, sua paz de espírito e horas de sono saudáveis,


pois quem empreende sabe muito bem que há elevado nível de
estresse, ansiedade e responsabilidade envolvida em empreender.
Responsabilidade por empregos de outros seres humanos – a
consciência sobre o sustento de suas famílias, sua saúde, seu bem-
estar etc. –, responsabilidade pelo dinheiro de investidores, sem
contar a pressão intrínseca ao empreendimento por sucessos e
resultados;

(v) também na opção de evoluir em uma carreira alternativa, o que,


com o passar do tempo, pode se tornar um pouco mais difícil, dada a
ferocidade do mercado de trabalho para carreiras disputadas. É claro
que retornar ao mercado corporativo com a experiência de um
empreendedor pode também ser um tremendo diferencial, o que é o
outro lado da moeda para essa argumentação.

Logo, os empreendedores já investem bastantes ativos em suas


startups. Dinheiro pode – ou não – ser mais uma delas. O bootsrapping
pode ser altamente atrativo em virtude de suas vantagens – já
mencionadas. No entanto, é preciso ter consciência de que não
necessariamente a startup irá recorrer a outras formas de
nanciamento apenas quando o seu dinheiro acabar. É possível que o
empreendedor opte conscientemente por outras modalidades de
funding para proteger parte de seu patrimônio, nisso não há qualquer
demérito – nem ao empreendedor, nem à startup.
Ainda assim, especialmente nos primeiros estágios de vida da
startup, o negócio ainda é tão intangível que isso é percebido com alto
nível de medo (percepção de risco) por investidores ou credores
externos. Dessa forma, é muito comum que os primeiros passos na
vida de uma startup sejam nanciados por recursos próprios de
fundadores.

3.2.2 Dívidas com terceiros – o caso da


dívida onerosa
As dívidas com terceiros podem ser entendidas genericamente como
dívidas onerosas. De forma simpli cada, é costume referir-se a elas
como empréstimos e nanciamentos, que normalmente têm regras
mais ou menos claras de remuneração, por meio de taxas de juros (que
podem inclusive ser taxa zero em alguns casos) e de cronograma de
vencimento (que pode, inclusive, ser de empréstimo sem vencimento).
Os tipos mais comuns de dívidas com terceiros seguem destacados a
seguir:

• empréstimos bancários tradicionais;

• dívidas subsidiadas, de naturezas diversas – programas de


incentivo à inovação, à indústria, aos negócios etc. –, que, em suma,
contam com juros especiais subsidiados por alguma entidade com
interesse em fomentar determinados tipos de atividade ou segmento;

• empréstimos mais informais ou mútuos, feitos por amigos,


familiares, conhecidos, empresas do grupo econômico, ou até mesmo
sócios, em que há o acordo de devolução do valor emprestado ao
credor, podendo ou não envolver algum tipo de remuneração/juros.
Uma distinção importante: quem faz um empréstimo à startup não
possui por essa ferramenta nenhum tipo de direito de propriedade
sobre o negócio automaticamente (a não ser que isso seja estipulado
em cláusulas acordadas entre as partes).

Como é de esperar, há pontos positivos e negativos em recorrer a


funding por meio de dívidas. Vamos começar com alguns exemplos de
benefícios:

• compartilhamento do risco: reduz a concentração de riscos


nanceiros apenas com investidores acionistas, os chamados
detentores do equity;

• possibilidade de implementar estratégias no negócio em velocidade


razoavelmente mais rápida, apesar da restrição de recursos. Isso
porque, a depender das condições do empreendedor e de sua startup,
acessar algumas linhas de crédito pode ser mais rápido do que outras
alternativas (isso é naturalmente muito relativo, pois depende das
oportunidades que cada empreendedor tem de acesso a capital);

• benefício scal da dívida (lucro real): caso você não conheça este
conceito, leia o tópico, a seguir, que detalha seu signi cado e
importância para startups.
Sobre o benefício scal da dívida
Para empresas que se enquadram no regime tributário de lucro
real, o imposto sobre a renda (no Brasil, Imposto de Renda de
Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido
(CSLL), por exemplo) incide sobre o real lucro gerado pela
empresa. Para outros regimes, como o lucro presumido ou
simples nacional, por exemplo, os impostos de renda incidem
diretamente sobre as receitas dessa empresa. Logo, nestes
últimos casos, ela pagará imposto de renda tendo lucro ou não.
De forma simpli cada, o benefício scal da dívida (aplicável no
caso de lucro real) acontece quando os juros dos empréstimos
são deduzidos da base de cálculo dos lucros que gerarão os
impostos sobre a renda. Dessa forma, por pagar juros, a empresa
poderá economizar um pouco de imposto de renda em relação
ao que pagaria se não tivesse empréstimos.
Acontece que, para startups em seus estágios iniciais de vida,
é comum que o negócio faça uso de algum tipo de regime
simpli cado, que não o lucro real, em razão de sua maior
burocracia e necessidade de controles, de que, por vezes,
negócios menores carecem. Se for esse seu caso, então
desconsidere esse benefício scal da dívida.

Recorrer a bancos como forma de nanciamento costuma ser ótima


opção para manter o controle (societário) do negócio, não precisando
trazer novos sócios. Essa alternativa é especialmente atrativa quando
já há menor risco de algo dar errado no negócio. Por exemplo, imagine
o empreendedor que vai abrir uma empresa em um segmento que já
domina após longa carreira e conhecimentos adquiridos sobre o
mercado e sua dinâmica. Não haverá nesse negócio grande
componente de inovação e já se tem razoável entendimento sobre qual
é o produto, quem é o cliente, como se vende e como se entrega.
Isso não quer dizer que não haja desa o algum, incontáveis
exemplos nos mostram que ainda há riscos diversos na execução da
empreitada! No entanto, os desa os agora serão mais de capacidade
de gestão e implementação, e menos de verdadeiras questões mais
losó cas que envolvam toda a de nição de um modelo de negócio do
zero. Note que esse exemplo é muito mais próximo da realidade de
uma pequena empresa do que uma startup, concorda?
Nesse caso, com muito menor nível de riscos, recorrer a um composto
de bootstrapping + dívida com terceiros pode ser um excelente formato
para nanciar o nascimento e até mesmo crescimento do negócio. Com
isso, mantém-se o controle e, portanto, os direitos sobre 100% dos
ganhos futuros a serem obtidos no negócio.
Por outro lado, há um relevante potencial risco advindo dessa
modalidade, em especial o risco de falência. Especialmente, em caso
de baixa con ança em ter uxos de caixa futuros, essa modalidade de
nanciamento pode ser bastante arriscada. Bancos, por exemplo,
estão tipicamente interessados em capacidade de repagamento de
dívidas. Se a ideia da startup tem potencial, se ela pode vir a ser um
unicórnio, se ela tem chances de ser a próxima grande maravilha
inventada pela humanidade etc., não é essa a maior prioridade na
visão bancária. Instituições nanceiras têm menor nível de interesse
em nanciar negócios de alto risco e longo prazo para retornos. Pelo
contrário, têm grande apreço por baixo risco e geração de uxo de caixa
de curto ou, na melhor das hipóteses, médio prazo. A ideia é: será que
seu negócio vai conseguir gerar caixa para devolver aos credores não
somente os juros, mas também o valor do principal que foi captado? Se
sim, talvez seja uma boa alternativa de nanciamento. Se não,
tenhamos cautela.

DICA
Quer saber mais sobre as linhas de financiamento com
subsídios disponíveis para seu negócio? Dê uma olhada no
Guia da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial
(ABDI).
Esse Guia de Instrumentos de Apoio ao Desenvolvimento
Produtivo conta com um belíssimo conjunto de informações
disponíveis sobre programas de incentivo fiscal e outros, linhas
de financiamento subsidiadas de apoio à inovação e outros,
apoio técnico, comercial à exportação e importação, entre
inúmeros outros.
Ao entrar no Guia, você será convidado a preencher detalhes
sobre o setor de atuação de sua empresa, tipos de auxílio que
você busca, localização de atuação e áreas de interesse, entre
diversos outros requisitos.
Após o preenchimento, é possível verificar quais linhas e
programas têm relação com sua busca e necessidade.
Segundo o Ministério da Economia, o Guia contém
“informações resumidas sobre as diversas linhas de
financiamento e fomento oferecidas pelas instituições de
governo federal e que estão atualmente disponíveis para as
empresas inovadoras. Esta tabela é uma tentativa de
relacionar as diferentes linhas e os estágios de
desenvolvimento científico-tecnológico nas empresas
brasileiras”.
Apesar dessa dica, é importante pesquisar, a qualquer
momento do tempo, quais são as iniciativas de fomento à
inovação disponíveis para startups. No caso brasileiro, é
comum vir à mente canais, como o Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social BNDES (com diversas
linhas), a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), bancos
estaduais e regionais de fomento diversos, entre outros. Para
não correr o risco de propormos diversos canais perecíveis e
deixar de lado novas iniciativas relevantes que possam surgir
no futuro, inclusive no curto prazo, sugerimos, então, que
busque analisar quais alternativas correntes estão mais
acessíveis para financiar inovação nos negócios. Novas linhas
surgem constantemente aos negócios, especialmente diante
dos baixos novos patamares de juros básicos em nossa
economia, então vale ficar alerta e buscar saber se isso irá se
reverter em linhas de fomento mais atrativas para nossas
startups.

3.2.3 Crowdfunding
O item crowdfunding está posicionado entre as dívidas onerosas e o
equity propositadamente. Se você recorrer a de nições mais genéricas
sobre o tema, essa categoria de nanciamento seria tipicamente
associada a investidores do tipo equity.
Na prática, no entanto, surgem diversas modalidades de crowdfunding
mais próximas do comportamento de dívidas.
Em um extremo, é até possível identi car crowdfunding em
programas de doações coletivas. Não por coincidência, no Brasil,
surgiu um termo popular para se referir a alguns tipos de crowdfunding
como vaquinha coletiva – termo que não me agrada muito, pois pode
remeter a algo “pequeno”, mas falaremos mais sobre isso em breve.
Como de nição geral, o crowdfunding diz respeito a uma forma de
captação participativa ( nanciamento coletivo) disponível a empresas
de pequeno porte, geralmente por meio de plataformas eletrônicas,
que dispensam diversas exigências de registro e burocracias típicas de
outras captações de maior volume.
A melhor de nição do termo com que já deparei foi a seguinte: “[o
crowdfunding
pode ser entendido como a arte de] levantar quantidade relativamente
baixa de recursos vindos de uma quantidade relativamente alta de
pessoas, através da internet, para nanciar uma causa, um projeto,
uma empresa ou um objetivo”. Essa de nição, do professor Ethan
Mollick9, da The Wharton School, indica que não há uma referência
exata ao tipo de instrumento utilizado para essa captação coletiva. Por
sinal, deixo aqui efusivos agradecimentos ao professor Ethan Mollick
pela admirável didática e organização dos conteúdos, sem os quais
certamente este item teria outros formatos. Os conceitos gerais
apresentados a seguir foram inspirados em seus ensinamentos. Para
quem quiser mais detalhes sobre o tema, sugiro com entusiasmo que
visite conteúdos de sua autoria.

Crowdfunding

“A arte de levantar quantidade relativamente baixa de


recursos vindos de uma quantidade relativamente alta de
pessoas, através da internet, para nanciar uma causa,
um projeto, uma empresa ou um objetivo”. (MOLLICK)

Há quatro principais tipos de crowdfunding:

(i) Equity
(ii) Baseado em prêmios (reward-based)
(iii) Empréstimos peer-to-peer (entre pares)
(iv) Doações/caridade/correlatos

Vamos por parte, de trás para frente na verdade. A última das


modalidades, relacionada a doações, caridade e outras nomenclaturas
correlatas, diz respeito ao que a intuição já sugere: é buscar pequenas
doações, normalmente associadas a pessoas ou causas com algum
tipo de impacto – como social, ambiental, cultural e outros diversos –
pela junção de inúmeras pequenas contribuições on-line. Para
organizações que precisam de tickets baixos de funding com e certa
recorrência, pode ser uma boa alternativa, especialmente se tiverem
um apelo relevante relacionado ao propósito.
O grupo chamado peer-to-peer diz respeito ao uso de crowdfunding
como modalidade para angariar funding com investidores que se
tornarão credores da empresa. Nesse caso, as operações são tratadas
como um nanciamento oneroso, envolvendo acordos em relação a
prazos, taxas, termos em geral, tal qual se esperaria de um empréstimo
normal.
Já os dois outros tipos, equity e baseados em
performance/recompensas, são os mais relevantes entre o que
entendemos, de fato, como crowdfunding, até mesmo em escala
global.
O grupo equity refere-se à modalidade de angariar diversos pequenos
investidores para aportar recursos em negócios e startups, em troca
dos quais receberão títulos de propriedade – ações – e se tornarão
acionistas do negócio. Seria como se pequenos investidores atuassem
como se fossem microVCs. Há diferentes formatos que podem ser
propostos para estruturar essas operações, mas tipicamente estarão
relacionadas a direitos sobre partes dos lucros gerados, ou parte dos
recursos obtidos na estratégia de saída da startup (como venda do
negócio, ou de parte dele, ou oferta pública de ações, por exemplo).
O último grupo que merece destaque é o reward-based crowdfunding,
que se refere à modalidade baseada em premiações. É uma das mais
relevantes formas de crowdfunding, por sinal. Em linhas gerais, o que
acontece é que a empresa vai angariar fundos com investidores e, em
troca, o investidor vai ganhar algum tipo de prêmio. Por exemplo, se for
um crowdfunding destinado à produção de uma peça de teatro ou
lme, o investidor poderia ganhar ingressos especiais, ou se for
destinado à produção de um protótipo, poderia ganhar uma versão
desse protótipo quando estiver pronto, por exemplo. De certa forma,
poderia até ser entendido como se fosse um tipo de “encomenda”,
paga antecipadamente.
Para qualquer das modalidades de crowdfunding, geralmente é
possível ver nas plataformas algum tipo de barreira mínima em termos
de valor: por exemplo, se o objetivo do projeto é captar R$ 50.000,00,
somente se esse mínimo for atingido é que o negócio recebe os
recursos; senão, pode-se cancelar a oferta. O número de investidores
por projeto pode ser de centenas ou até milhares – está aí, portanto, a
importância do crowd, que é a ideia de “multidão”, nanciando o
business. Como há muitas formas de estruturar a operação, é
necessário que haja clareza quanto a suas condições. Por exemplo,
quanto de participação é possível ter no negócio dado o investimento
feito, caso seja uma modalidade equity.
Vamos discutir o caso brasileiro de crowdfunding. No Brasil, a
instrução 588 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) foi um marco
para essa modalidade de captação. Referimo-nos aos mecanismos de
dívida, especialmente de equity/sociedade, não incluindo
modalidades de doações mencionadas anteriormente. A título de
curiosidade, nos Estados Unidos poderíamos ressaltar o Jobs Act como
um marco para o crowdfunding, seguido de outros diversos
posteriormente.
A CVM, sobre essa modalidade de operação, dispõe10: “Um mercado
bem regulado de crowdfunding de investimento é considerado
estratégico para a ampliação e a melhoria da qualidade dos
instrumentos de nanciamento para empresas em fase inicial e com
di culdades de acesso ao crédito e à capitalização, mas que são vitais
para a geração de emprego e renda na economia”.
Essa forma de nanciamento, conforme instrução 588 da CVM,
envolve a captação de recursos por meio de valores mobiliários, e não
faz distinção entre títulos de propriedade ou dívida. Sendo assim, os
investidores, nessa modalidade, poderão ter tanto participação como
acionistas quanto participação como credores nas startups, tal qual a
modalidade disponibilizada e explicada em cada caso nas plataformas.
Há sempre a existência de um investidor líder, e algumas regras hão de
ser respeitadas, segundo a legislação disposta na instrução. Entre
diversas, algumas disposições gerais merecem destaque:

• a modalidade de nanciamento, através do crowdfunding no Brasil,


está dedicada à sociedade empresária de pequeno porte;

• empresas de pequeno porte são aquelas que tenham receita bruta


de até R$ 10 mi, apurada no exercício social encerrado no ano anterior
à oferta, e que não seja registrada como emissora de valores
mobiliários na CVM;

• as captações são limitadas ao valor de R$ 5 mi por empresa –


chama-se este o alvo máximo de captação;

• as operações envolvem a existência de um sindicato de


investimento participativo (sindicato), que é grupo de investidores
vinculados a um investidor líder (investidores apoiadores) e reunido
com a nalidade de realizar investimentos em sociedades empresárias
de pequeno porte.

• as plataformas de investimento de crowdfunding deverão ser


devidamente registradas na CVM e seguir as devidas exigências para
operar como tal. Essa organização tende naturalmente a trazer maior
segurança a essa modalidade de investimento no Brasil, tanto para as
startups como para seus investidores.

Caso seja de interesse do leitor, mais detalhes podem ser


encontrados diretamente na Instrução CVM 588, datada de 13 de julho
de 2017, e já com alterações introduzidas pela Instrução CVM 609/19.
Vamos falar agora sobre potenciais riscos e benefícios do
crowdfunding? Comecemos pelos benefícios. Essa modalidade, até
como o nome sugere na ênfase dada ao “crowd”, gira em torno de
comunidade. Inclusive muito em torno de investimentos de propósito –
mesmo que seja o caso de equity. Isso porque boa parte das
operações feitas envolve algum tipo de “desejo de pertencimento” ou
“desejo de ajudar/contribuir”, mais do que apenas o retorno nanceiro
por parte dos investidores. Muito em virtude desse motivo, a startup
que se engaja com esse tipo de alternativa de funding pode contar com
alguns benefícios, como:

• ampliação de rede de relacionamentos (networking);


• impacto em mídia e notícias;
• compreensão sobre atratividade do negócio/produto para o público
(como forma de testar se a ideia geral do projeto parece ser “sexy” ou
ter um apelo à audiência, muito rico em estágios de prototipação, por
exemplo, para acelerar uma eventual necessidade de pivot);
• encontro de parceiros de negócios/contratações/etc., entre outros
benefícios potenciais.

Antes de dar sequência e discutir sobre o caso dos riscos, cabe um


disclaimer de que todos os aspectos que trarei aqui foram compilados
com base em entrevistas anônimas com empreendedores e
investidores (entre os investidores, angels e VCs, em sua maioria) tanto
no Brasil como no exterior. Aos entrevistados, como de costume
ressalto, serei sempre grata pelo compartilhamento de opiniões e
contribuições para esta obra.
O apelido que o crowdfunding recebe em diversos sites no Brasil –
vaquinha – ilustra o risco que se costuma associar a essa modalidade
de nanciamento: pode remeter a algo pequeno. De fato, é uma
modalidade cujo objetivo é levantar quantidade relativamente baixa de
recursos, lembra? O medo dos empreendedores – até dos investidores
– é de o negócio correr o risco de car estigmatizado com a ideia de
“pequeno” e ser um desestímulo quase irracional para o interlocutor
que cruzar o caminho da startup no futuro.
Já ouviu falar de nudge? O termo é, inclusive, o título do livro de
autoria do Prêmio Nobel de Ciências Econômicas no ano de 2017,
Richard Thaler, e refere-se à problemática da chamada arquitetura de
escolha. De forma simples, ela diz respeito ao fato de que a forma
como uma escolha lhe é apresentada in uencia signi cativamente sua
percepção sobre o problema, bem como seus incentivos econômicos
para a tomada de decisão e, por m, sua decisão nal. Sob esse ponto
de vista, é possível compreender aquele medo de ser estigmatizado
como pequeno, não acha?
Ao deparar com uma startup que já passou por um processo de
crowdfunding, caso isso esteja associado a algo de porte pequeno,
esse novo investidor poderá correr o risco de ter mais di culdade
(mesmo que inconscientemente) em vislumbrar um futuro gigante e
exponencial para essa startup. Isso pode, inclusive, ser uma armadilha
irracional. Assim, startups que buscam maior volume de captação, ou
que vislumbram a necessidade de isso vir a ser necessário, podem
buscar outras formas de nanciamento no curto prazo (como angels ou
bootstrapping)e na sequência tentar ir direto para VCs.
Outros riscos são popularmente associados a essa modalidade, como
o de ser isto uma espécie de “criação de uma CapTable mais complexa
de estruturar e gerenciar”, ou ainda “investidores não são
necessariamente pro ssionais”, entre outros. É importante destacar
que se trata de comentários populares, pois as opiniões divergem
bastante em relação a esses efeitos, e não foi encontrado indício de
ampla sustentação cientí ca para qualquer
dos lados.

3.2.4 O caso do equity


Vamos agora ao equity, referindo-nos aos casos de investidores que
potencialmente entrarão para a sociedade, como acionistas. Já
tratamos de um dos formatos de equity, que seria o próprio
crowdfunding em algumas de suas modalidades. Outros casos de
equity mais recorrentes seriam: investidores anjo (angels) e redes de
anjos, fundos de VC e PE, a depender do estágio da empresa, ou CVCs.
Trataremos destes agora.

3.2.4.1 Investidores anjo


Veja se lhe soa familiar a situação a seguir:
Suponha uma startup que começou a se nanciar com os recursos
próprios dos fundadores, tendo seus primeiros passos dados por meio
de bootstrapping. Em certo momento, percebe-se que o dinheiro vai
acabar, mas há amplo interesse em continuar com a bela empreitada
da startup. Logo, é preciso levantar recursos. No entanto, recorrer à
dívida é muito arriscado nesse estágio, pois ainda há muita incerteza
na startup e baixíssima previsibilidade de uxo de caixa para repagar a
dívida. Por outro lado, o negócio ainda está pequeno para conseguir
atrair a atenção de fundos de VC, de forma relevante, e em boas
condições de negociação para os fundadores. E agora? O que nos
sobra?
Soou familiar?
É nessa hora, nesse certo “vácuo de funding”, que surgem os anjos.
Merecem o nome por sinal, não acha?
Os investidores anjo são indivíduos que dedicam parte de seu capital
– acumulado por meio de trabalho ao longo de carreira, de gerações
familiares ou outros – a investir em capital de risco. Suas motivações
podem ser diversas. Por exemplo, busca por retornos signi cativos
(alocação de portfólio de investimentos), desejo de ajudar
empreendedores em seus estágios iniciais, contribuir para o
desenvolvimento da nação, contribuir para causas de propósito,
interesse em se manter ativo no empreendedorismo como
investidor/mentor/conselheiro, entre outras motivações pessoais
diversas.
Um primeiro benefício de nanciar por meio de anjos foi
exempli cado na situação mencionada: eles ajudam sobremaneira a
dar uma solução à falta de nanciamento nesse “vácuo” de funding
que se forma nos estágios iniciais da startup. Outros diversos
benefícios podem derivar dessa modalidade. Por exemplo, a ampliação
de networking estratégico para a startup, em especial quando o anjo
tem bons relacionamentos que se provem valiosos ao crescimento ou
validação do modelo de negócio da empresa; podem prover
aconselhamento e o valor da experiência: muitas vezes anjos
contribuem demasiado com sua experiência pro ssional, visão
estratégica e conhecimento sobre setores, negócios e gestão, o que
pode auxiliar a startup; o dinheiro captado não é um empréstimo tal
qual o banco, então não vem associado ao risco de falência que
aqueles nanciadores podem trazer.
Vamos aos riscos? O principal risco provavelmente vem em razão da
necessidade de práticas de governança para gerenciar relacionamentos
e diferentes interesses.
Os anjos, apesar do seu apelido, são pessoas. Como investidores;
variam na propensão a correr risco; apresentam expectativas diferentes
em relação ao ganho em curto ou longo prazos; diferem no grau de
interesse em torno do crescimento e divergem na meta no que diz
respeito à lucratividade e ao ponto de equilíbrio.
Em ecossistemas mais jovens, o mesmo nível de carência de
conhecimento sobre startups que pode existir para alguns indivíduos,
pode também existir entre anjos. Por exemplo, um fenômeno natural,
quando o ecossistema de startups começa a se desenvolver em
determinada região, é os investidores anjos começarem a ser atraídos
para o capital de risco. Acontece que, como qualquer pessoa, esses
investidores também podem carecer de conhecimento sobre o modelo
de negócio de startups e a nova economia – a nal, em grande medida,
eles tiveram toda uma vida de experiências em negócios clássicos,
cujas nuances são diferentes do modelo de trabalho e ganho de
startups. Isso é especialmente verdadeiro quando o ecossistema para
inovação ainda não está maduro na região, pois informação e cultura
ainda hão de multiplicar-se com o tempo. Não que esse seja o caso de
anjos em geral, mas, de fato, é possível encontrar anjos com diferentes
objetivos e expectativas em relação a seus investimentos , que podem
estar atrelados ao conhecimento ou à falta dele em relação às startups.
Isso não é em si um problema, de forma alguma! Apenas indica que
os interesses desses investidores são possivelmente distintos entre si,
e certamente podem ser distintos dos interesses dos fundadores e de
futuros VCs que possam se juntar à empreitada, por exemplo. O risco
que surge, então, é que gerenciar esses diferentes interesses de anjos
– especialmente quando são vários que entraram na startup, o que é
comum – pode consumir tempo e energia demais da startup.

DICA
Existem no ecossistema “redes de anjos”. Busque identificar
algumas e aproximar-se delas, desenvolvendo networking na
comunidade. Com isso, você poderá encontrar alguns anjos
cujos objetivos estejam mais alinhados com os de sua startup.
Associar-se a esses anjos com interesses comuns aos seus
pode ser um bom diferencial.

Em razão desses diferentes pontos de vista, a transparência na


comunicação, objetivos, metas, planos entre a startup, seus
fundadores e os potenciais anjos é essencial. Não custa também
complementar essa transparência com um bom acordo de acionistas e
devidos amparos contratuais sobre regras de entrada e regras de saída
dessa sociedade que se forma. Aliás, este último comentário é válido
para qualquer tipo de sociedade que se forme, seja com anjos,
crowdfunding, VCs, seja com diversos outros.

3.2.4.2 Fundos de venture capital (VC), private


equity (PE) e outros
Após os investidores fundadores e anjos – passando ou não por
crowdfunding no processo –, caso a empresa recorra a novos
acionistas, o próximo passo costuma ser fundos de investimento em
VC. Mais à frente, talvez, fundos de PE. Além desses, é possível atrair
interesse de outras modalidades de investidores, como family o ces,
hedge funds e outros. Em que pese seus interesses serem um pouco
diferentes em termos de apetite por risco, volume de investimento,
horizonte de retorno esperado etc., muito de seu funcionamento pode
ser tratado de forma similar para ns de simpli cação neste livro.
Compreender suas nuances é tão importante para startups que os
VCs terão o Capítulo 4 inteiramente dedicado a eles. Neste momento,
portanto, para evitar redundâncias, faremos uma passagem mais
rápida e daremos uma de nição geral, apenas.
Conforme o guia AICPA11,

“VCs geralmente se referem a uma forma de investimento


privado focada em empreendimentos em seus estágios iniciais
(early-stage ventures) e startups, inclusive com investimentos
ocorrendo
nessas startups até mesmo antes de apresentarem receitas.
Fundos de private equity (PE), focados em estágios mais
avançados, por sua vez, poderão incluir investimentos pré-IPO,
investimento em crescimento (growth investing) ou expansão de
capital, estratégias de roll-up, management byout (MBO),
management buy-in (MBI), ou leveraged buyout (LBO) de
empresas mais
maduras [...] (2019, p. 9).

Só de ver o tanto de siglas no nal desta última frase, ca evidente a


maior so sticação das operações envolvidas, que, normalmente, estão
associadas a startups em estágios mais avançados de sua vida. Por
isso, para ns deste livro, focaremos mais a primeira delas, as VCs.
Geralmente, VCs esperam crescimentos exponenciais e grandes
retornos de seus investimentos em startups, almejando coisas, como
IPO ou vendas competitivas após forte crescimento do negócio. Suas
expectativas são arrojadas. Portanto, seus investimentos não raras
vezes podem envolver volumes altos de recursos e busca rápida por
crescimento. Apesar de haver um lado positivo nisso, essa abordagem
pode trazer riscos relevantes ao negócio, caso seja um crescimento um
pouco “atropelado” ou sem critério, excessivamente focado em
crescimento de receitas. De forma popular, muitas vezes a entrada
desses fundos indica um momento na vida da empresa do tipo “ou vai
ou racha”. O ótimo é que às vezes “vai”. O outro lado, é que às vezes
“racha”... Mais sobre isso falaremos nos dois próximos capítulos – 4 e
5 –, desmisti cando interesses, funcionamento, benefícios e riscos de
VCs para startups.

FIQUE ATENTO!
É comum startups estruturarem suas captações com VCs em
rodadas de investimentos, que normalmente são associadas a
milestones a serem atingidos. É preciso ter atenção, pois cada
nova rodada indica uma oportunidade de os investidores
reavaliarem seu interesse em continuar – ou não – investindo
no negócio. À startup, cabe ficar atenta a essa característica,
porque é sempre possível a decisão de o investidor não
continuar investindo. Se essa notícia vier como uma
supernovidade ao empreendedor, especialmente quando a
startup estiver com o “pé afundado no acelerador” em
processo de crescimento, uma repentina seca em
financiamento pode ser arriscada ao negócio. Sugere-se,
portanto, ter sempre cautela na velocidade de crescimento,
evitando dar passos maiores do que a perna a cada nova
rodada de funding. Isso é especialmente válido para o caso de
ecossistemas mais jovens, em que o financiamento à inovação
está menos maduro, logo trocar um investidor relevante por
outro é tarefa mais desafiadora e possivelmente mais lenta.

3.2.4.3 Corporate venture capital (CVC)


CVCs seriam os chamados capitais de risco corporativo, comumente
chamados também de investidores estratégicos. Trata-se de fundos
corporativos, tipicamente de grandes empresas – muitas vezes
clássicas e tradicionais – voltados a acelerar e promover a inovação em
seus segmentos. Têm objetivo de fomentar o desenvolvimento
tecnológico e inovações, geralmente orientadas a seu setor de atuação
ou interesse estratégico. Esse movimento acaba sendo consequência,
em grande medida, do rápido processo de transformação, digitalização
e avanços tecnológicos por que passam tantos setores
concomitantemente na atualidade.
Conforme mencionado anteriormente, muitos dos mega-deals que
testemunhamos recentemente derivam de interesses de grandes
empresas em adquirir inovações em lugar de desenvolvê-las
internamente. Trata-se de uma nova era do P&D corporativo.
Sabendo que startups geralmente têm maior velocidade, liberdade,
cultura e autonomia para promover inovações e, de fato, “pensar fora
da caixa”, essa é uma forma considerada estratégica para negócios
clássicos se manterem próximos ao limite da inovação. Além de
estratégica, acelerada, pois, não raras vezes, os CVCs adquirem
algumas de suas investidas de forma a incorporar a inovação a seu
negócio. É claro que, após as aquisições de startups, há de se ter
grande cuidado e boas práticas de integração do novo business –
incorporando sua tecnologia, seus stakeholders diversos, seus talentos
estratégicos, eventualmente nuances de sua cultura e forma de
trabalhar – sob risco de rapidamente destruir boa parte do valor
adquirido nessa transação.
O perigo nesse caso é o chamado “sistema imunológico” das grandes
corporações, que, ao longo de tanto tempo de sucessos históricos,
desenvolveram procedimentos e formas de pensar e agir que podem
não aceitar bem novas formas de trabalho. Sobre esses conceitos, o
professor Clayton Christensen, já mencionado em outros momentos,
oferece amplo arcabouço de discussão em seus estudos, livros, aulas e
teoria em geral. Esse sistema imunológico pode ser um risco a essa
forma de nanciamento a startups, na medida em que o sucesso (ou
não) na incorporação de negócios tenderá a de nir o incentivo que
esses fundos terão em continuar promovendo tal funding.
Diversos CVCs hoje vêm obtendo grande sucesso em estabelecer uma
cultura que promova e alavanque inovações, fugindo da armadilha do
sistema imunológico. Esses veículos de investimento podem, ou não,
estar associados a laboratórios de inovação, programas de aceleração
ou incubadoras próprias, por exemplo. No Brasil, já temos inúmeros
laboratórios desses tipos, promovendo integração entre grandes
empresas, investimento, universidades e outros pilares do
ecossistema.
Isso pode criar oportunidades de negócios tanto para as empresas
que propiciam esses ambientes como para as startups que lá estão.
Pode ser um benefício para a startup investida em já encontrar uma
possível venda estratégica do negócio; no futuro, para a própria
empresa que nela investiu, sendo uma possível estratégia de saída
para a empreitada.
Oportunidades especialmente interessantes podem surgir aqui, caso
a startup atue em algum setor com grandes especi cidades ou nichos
mais complexos, em que o acesso a conhecimento, relacionamentos e
tecnologia – muitas vezes caros – são ainda mais estratégicos. Setores
regulados, capital intensivo, tecnologias e maquinários
especializados/precisos/caros são exemplos de casos em que essa
forma de nanciamento pode ser ainda mais atrativa.
Há também alguns riscos, naturalmente. A esse respeito, Downey12
chama atenção para um cuidado: ao se pegar nanciamento com
investidores estratégicos (CVCs), pode ser que fundos de
investimentos tenham receio em entrar no negócio futuramente. Veja o
trecho da autora, a seguir, que explica o raciocínio:

Os investidores estratégicos […] podem ser especialmente


problemáticos porque têm incentivos mais complicados, além
de apenas fazer um retorno sobre o investimento. Eles podem
investir para obter uma visão de um produto que desejam criar
por conta própria ou para obter mais informações sobre sua
empresa e veri car se desejam comprá-la mais tarde. Eles
geralmente se movem devagar, solicitam termos incomuns
decorrentes de seus interesses exclusivos e podem criar
con itos de interesse com seus concorrentes (por exemplo: se
sua empresa de robótica recebesse dinheiro da Panasonic e
depois a Samsung não quisesse fazer parceria porque você está
muito próximo do concorrente). Obter nanciamento de
investidores estratégicos também pode indicar que você não
tinha interesse de investidores institucionais “regulares”. Mas
os VCs “regulares” também podem ser o problema: você nunca
sabe quais VCs individuais têm brigas com os outros ou quais
empresas não gostam de trabalhar juntas. As empresas de
capital de risco e os investidores individuais podem ter histórias
longas e dramáticas que os fundadores não conhecerão. Embora
a dinâmica do coinvestidor esteja amplamente fora de suas
mãos como fundador, às vezes, você pode obter informações
privilegiadas perguntando a outros fundadores com quem os
VCs que você está se reunindo já apoiaram antes.

Cabe mencionar que entre o volume de negociações em venture


capital no mundo, ao longo dos anos, a representatividade de CVCs
vem crescendo continuamente. Nos anos de 2018 e 2019, por sinal,
houve aqui um degrau signi cativo, conforme dados disponibilizados
por Pitchbook já mencionados anteriormente.

3.3 O que influencia as decisões de


financiamento dos empreendedores?
O modelo mental do empreendedor sempre intrigou a comunidade
provedora de funding. Como, a nal, são tomadas as decisões?
Algumas evidências, nesse sentido, foram encontradas por Wang,
Wang e Yang (2012), bem como por Chen, Miao e Wang (2010)13, em
seus estudos sobre a dinâmica de tomada de decisão de nanciamento
por empreendedores, na prática. O que mais me chamou a atenção foi
que diversas evidências contradizem a lógica clássica das nanças
corporativas de grandes empresas, ilustrando em detalhes e de
verdade, como o processo de tomada de decisão do empreendedor é
diferente do tradicional. Vamos explorar por quê.
Wang, Wang e Yang (2012, p. 2)14 fazem a seguinte constatação em
seu estudo: “A liquidação do negócio se torna cada vez mais atrativa
conforme a liquidez do empreendedor diminui”. Isso signi ca que,
conforme os recursos nanceiros disponíveis do empreendedor vão se
esgotando, encerrar os negócios (e, portanto, mitigar o risco) pode se
tornar uma alternativa mais atrativa do que seria caso o fator liquidez
não exercesse pressão. Por isso, a tomada de decisões de uma
empresa líquida (aquela que tem certa sobra de caixa) e outra ilíquida
(aquela que não tem essa sobra), referente a um mesmo projeto, será
absolutamente diferente.
Todo o processo decisório será in uenciado pelo fato de que, quando
o dinheiro se torna escasso, seu valor para o empreendedor se torna
maior do que o valor real que o dinheiro em si sugere. Isso está
relacionado ao fato de que nossa relação com o dinheiro muda em
razão de vários motivos: idade, nível de renda, volume acumulado de
patrimônio, experiências pessoais recentes (de ganho ou perda), entre
outros15.
Por isso, segundo os autores, quando os cofres estão relativamente
baixos, esse pode ser um momento decisivo na vida do negócio. Essa
análise é absolutamente interessante e traz consigo sérias implicações
para pequenas empresas e startups. Caso a empresa esteja em um
estágio de sua vida de incerteza, então esse fator (a iliquidez) pode ser
fundamental na decisão de continuar persistindo (resiliência do
empreendedor) ou na de abortar a missão. Mesmo que, talvez, a
missão ainda merecesse um pouco mais de testes para se mostrar (ou
não) viável.
Algo sobretudo nos chama atenção na intersecção entre essas
observações dos autores e as ideias de Clayton Christensen. Talvez, em
determinadas ocasiões, a iliquidez seja boa para os negócios e
inovação, porque coloca pressão para a tomada de decisão, do tipo
“vai ou não vai?”. A folga nanceira, para a inovação, pode ser um
problema, na medida em que pode permitir que a startup insista em
um modelo de negócio intrinsecamente inviável por muito tempo,
apenas aumentando e prolongando as perdas. Eric Ries se refere a
esse tipo de erro como “land of the living dead”, ou “terra dos mortos-
vivos”. Ele mesmo se usa como exemplo em determinado momento de
sua carreira de empreendedor, em que, por estar nessa situação,
poderia ser considerada uma startup zumbi.
Sob esse ponto de vista, a pressão da iliquidez na tomada de decisão
do empreendedor pode evitar que modelos de negócio falhos se
arrastem por demasiado tempo, reduzindo perdas. Por ser o
empreendedor tipicamente uma pessoa mais propensa, em geral, a
riscos, talvez alguma pressão por decisão e mitigação de riscos não
seja necessariamente tão ruim assim, não é?
Agora, vamos pensar sob o ponto de vista de opções de funding a
que o empreendedor pode recorrer nesse momento de iliquidez.
Segundo dados do Fórum Econômico Mundial16 (WEF, 2019?), no
mundo, o Brasil ocupa boa posição em qualidade geral de seu sistema
nanceiro. Em pesquisa, contando com 140 países, o WEF colocou o
Brasil na 57ª posição. No entanto, quando o assunto é nanciamento
ao pequeno negócio, os números brasileiros são bem menos
promissores. Em termos de qualidade do nanciamento às médias e
pequenas empresas, o WEF ranqueou o Brasil na posição 110 (de 140).
Em disponibilidade de recursos de VC para pequenos negócios e
inovações, o país cou na posição 103. Por mais que haja no Brasil um
mercado nanceiro competitivo como um todo, pelo que os dados
indicam, isso é uma ideia que ainda sofre em termos de qualidade de
serviços nanceiros e funding ao pequeno negócio. Por isso, para
nosso empreendedor, essa iliquidez pode trazer receio maior do que
em outros países com melhores condições para PMEs.
Chen, Miao e Wang (2010)17 desenvolveram um modelo de tomada de
decisão do pequeno negócio no uso da dívida e chegaram à conclusão
de que, para minimizar o risco de concentração de investimentos do
empreendedor, os negócios tendem a empregar demais o uso de dívida
com terceiros, ainda que seja dívida de alto risco. O modelo pressupõe
que, antes de mais nada, exista acesso a crédito pela pequena
empresa, além de assumir responsabilidade limitada do sócio no caso
da falência (indicando que o custo da falência empresarial não poderia
“respingar” tão facilmente na pessoa física do sócio).
Os autores ainda complementam analisando empreendedores mais
propensos a riscos, que tendem a pegar menos dívidas, e
empreendedores com mais medo de riscos, que são propensos a pegar
mais dívidas. Isso contradiz a teoria tradicional de nanças
corporativas. Normalmente, para grandes empresas, pegar dívida
onerosa tem maior risco, pois o credor pode exigir o pagamento (por
ser um instrumento de custo e cronograma de pagamentos de nidos)
e, portanto, caso a empresa não consiga honrar sua dívida, ela poderá
vir à falência. Sendo assim, uma empresa mais propensa a risco
deveria pegar mais dívida (e não menos, conforme observado pelos
autores). Isso é um tanto curioso.
No entanto, na pequena empresa, isso pode ser visto de forma
contrária: o maior risco está no nanciamento com o sócio, uma vez
que isso torna o portfólio de investimento do sócio muito concentrado,
o que aumenta demasiado seu risco pessoal em um eventual fracasso.
Numa empresa de capital aberto, isso não é verdade, pois nelas os
acionistas costumam ser bastante diversi cados e ter outros múltiplos
investimentos além da empresa sob análise.
Apesar de essa visão ser absolutamente interessante, é preciso ter
em mente que pressupõe a existência de um mercado de crédito para a
pequena empresa em considerável volume disponível, pois, se não
houver crédito ao pequeno negócio, essa discussão se torna
absolutamente irrelevante. Além disso, pressupõe a responsabilidade
limitada do sócio em caso de falência; por esse motivo, o risco da
dívida, em caso de fracasso, seria dividido com o credor e teria poucas
implicações para a pessoa física do empreendedor. No entanto, caso
os mecanismos legais de responsabilidade limitada não funcionem,
então toda a lógica potencialmente se torna difícil de implementar,
dado que pegar dívida aumenta o risco do negócio e traz implicação
forte na falência para o empreendedor.
Pensemos, então, no caso brasileiro: será que, de verdade, a pessoa
física está tão “blindada” de problemas na pessoa jurídica? Isso
naturalmente é uma questão a ser feita a advogados especializados no
tema. Mas algo que a prática sugere é que linha que as separa (PF da
PJ) nem sempre é tão clara assim. Por exemplo, para um empreendedor
com vários negócios, caso uma empresa de seu portfólio venha a ter
fortes di culdades nanceiras, isso pode certamente afetar a
qualidade do crédito das demais empresas do grupo, piorando seu
acesso a crédito de forma geral. Então, se for adotada uma estratégia
de compartilhamento de riscos com credores, tal qual sugerido pelos
autores mencionados, ainda assim é preciso preocupar-se com
mecanismos legais de proteção aos fundadores.
3.4 Considerações finais
Dado o arcabouço geral sobre as possíveis fontes de funding, vamos
à tão esperada visão crítica?
Em meio às ricas trocas com empreendedores e startups em geral,
percebi a seguinte priorização na busca pelo funding: o ideal seria,
primeiramente, encontrar o canal de nanciamento que propicie a
melhor governança, na sequência, preocupar-se com o melhor
valuation e, por m, buscar o melhor volume de dinheiro na mesa,
nessa ordem.
Vamos por partes. Antes de mais nada, a “melhor governança”.
Conforme já discutimos, os interesses de diferentes investidores e
empreendedores podem ser muito – leia-se, muito – distintos.
Vejamos alguns exemplos de potenciais interesses distintos.
No caso do empreendedor – será que há a real intenção de abdicar
da remuneração de curto prazo para ter ganhos na saída do negócio, ou
há para determinado empreendedor a expectativa de remuneração à
vista – em forma de pró-labores, dividendos ou venda de parte de sua
participação em troca de dinheiro? Lembrando que não é demérito
querer remuneração à vista. Em que pese os holofotes dados aos
unicórnios, aproveito para relembrar que o ganho total do acionista –
e, portanto, do empreendedor também – pode ter os dois
componentes: ganhos de liquidez imediata e ganhos de capital no
longo prazo. A preferência por cada um deles é de natureza pessoal e
intransferível, depende do que cada um julga como felicidade,
objetivos de vida, sucesso, risco, e por aí vai – e isso não é diferente
para o empreendedor. É claro que em startups há um componente de
ganho relevante esperado no longo prazo, mas, ainda assim, há de se
pensar qual é cada interesse pessoal.
Os investidores anjos, por sua vez, são mais um caso potencialmente
controverso. Ainda mais quando comparados entre si e com os
interesses de VCs, por exemplo. Há angels e angels. Em alguns casos,
seu interesse de remuneração e expectativa de resultados na startup é
muito diferente da real con guração do negócio – em termos de
lucratividade, geração de caixa, velocidade em remunerar o capital etc.
Não bastasse isso, nem sempre os anjos têm os mesmos interesses
que outros fundos de maior porte – VCs, por exemplo. Inclusive, na
entrada de fundos, os anjos podem ser diluídos, dado que não
necessariamente têm “bolsos fartos” o su ciente (ou interesse) para
acompanhar os investimentos daquelas instituições que
possivelmente têm maior liquidez.
Não que isso seja um problema, pois pode vir acompanhado de um
aumento no valor total do negócio (valuation) de forma que, mesmo
com uma participação menor, isso pode signi car ganhos ao anjo (é
melhor ter 10% de um negócio que vale R$ 100,00 ou 5% de um
negócio que vale R$ 1.000,00?). Mas será que é isso que eles queriam?
Ou será que eles preferem sair do negócio antes de correr os riscos
associados ao crescimento exponencial? Por mais que tudo nessa
relação possa estar previsto em acordos entre os acionistas, ainda
assim o relacionamento humano e a gestão desses interesses diversos
podem ser cansativos e emocionalmente desgastante para o
empreendedor. Daí o inestimável valor de ter “a melhor governança”,
em primeiro lugar.
Já, o “melhor valuation” é um tanto intuitivo. A negociação que
proporcionar o melhor valuation é aquela que estará associada à
menor entrega de participação a um novo investidor. Além disso, é
natural que se crie um parâmetro para negociações futuras com base
nesse valor inicial estimado. Por mais que circunstâncias mudem,
tende a haver certa ancoragem nos termos de negociações em rodadas
de investimento passadas. Suponha que sua startup precise de R$ 4 mi
para atingir determinado objetivo. Se a estimativa de valor do negócio
para os acionistas após o investimento – seu valuation – for de R$ 40
mi, o empreendedor irá entregar cerca de 10% de participação em troca
desse dinheiro. Se o valuation for metade disso, então a participação
entregue ao novo investidor há de ser próxima de 20% (4 / 20). O
“melhor valuation”, portanto, está associado à melhor retenção de
participação aos antigos acionistas
no negócio.
Por m, “o melhor volume de dinheiro na mesa”. Conforme
discutimos, o “melhor volume” não necessariamente signi ca o maior
volume – lembra-se da discussão “good money, bad money”? Ainda
assim, salvo casos extremos, pode ser que o empreendedor busque um
“cheque” mais farto, de forma a sustentar com mais segurança a busca
pelo próximo marco ou aprendizagem signi cativa da startup.

SAIBA MAIS
1 RECEITA FEDERAL. Ministério da Fazenda. Taxa de juros Selic [S.I.] [2020]
2 RECEITA FEDERAL. Ministério da Fazenda. Taxa de juros Selic [S.I.] [2020]
3 FENN, Goerge W.; LIANG, Nellie; PROWSE, Stephen. The economics of the private equity
market. Board of Governors of the Federal Reserve System. Washington, DC. December, 1995.
Tradução nossa de: “Another important factor slowing venture capital investment, according to
industry participants, was a shortage of qualified entrepreneurs to run start-up companies”.
4 ROMANS, Andrew. The entrepreneurial bible to venture capital: inside secrets from the leaders in the startup game. New
York: McGraw-Hill Education, 2013.
5 AZEVEDO, Mary Ann. With Brazil leading the way, VC investment in Latin America has more
than doubled. Crunchbase News, 01 jun. 2018.
6 PITCHBOOK-NVCA. Venture Monitor,2020.
7 Conforme histórico da empresa, disponível em:
<https://group.softbank/en/corp/about/history/.>
Acesso em: 04 de fevereiro de 2020.
8 Conteúdo disponível em: <https://visionfund.com/.> Acesso em: 04 de fevereiro de 2020.
9 MOLLICK, E. Crowdfunding. Coursera. Disponível em:
<https://www.coursera.org/learn/wharton-crowdfunding/lecture/6x71x/what-why-and-
how>. Acesso em: 12 de fev. de 2020.
10 CVM. Disponível em: <http://www.cvm.gov.br/noticias/arquivos/2017/20170713-2.html.>
Acesso em: 12 de fevereiro de 2020.
11 AICPA. Accounting and valuation guide: Valuation of portfolio company investments of
venture capital and private equity funds and other investment companies. USA: American
Institute of Certi ed Public Accountants, 2019.
12 DOWNEY, Sarah A. The real reasons why a VC passed on your startup. Entrepreneur’s
Handbook, 10 de setembro de 2018. Disponível em: <https://entrepreneurshandbook.co/the-
real-reasons-why-a-vc-passed-on-your-startup-917c30103ecb.> Acesso em: 12 de fevereiro de
2020.
13 CHEN, Hui; MIAO, Jianjun; WANG, Neng. Entrepreneurial nance and nondiversi able risk.
The Review of Financial Studies, v. 23, n. 12, p. 4348-4388, Dezembro de 2010.
14 WANG, Chong; WANG, Neng; YANG, Jinqiang. A uni ed model of entrepreneurship dynamics.
Journal of Financial Economics, v. 106, p. 1-23, 2012.
15 Para saber mais, sugere-se aprofundamento em teorias propostas por Kahneman e Tversky.
Especialmente, a leitura da obra de Kahneman intitulada Rápido e devagar Fast and slow, no
original).
16 WORLD BANK FORUM. The Global Competitiveness Report 2018. Brazil. Disponível em:
<http://reports.weforum.org/global-competitiveness-report-2018/country-economy-
pro les/#economy=BRA.> Acesso em: 17 de março de 2020.
17 Op. cit.
Suponhamos que você tenha re etido sobre as opções de recursos às startups
mencionadas no capítulo anterior – bootstrapping (dinheiro próprio), dívida com
terceiros (dívida onerosa) ou investidores (equity) – e tenha chegado à conclusão
de que a última opção é a melhor para seu estágio. Muito bem, vamos, então,
recorrer a investidores. Ok, e agora?
Essa alternativa passa por diversos tipos de canal para captação, desde recorrer
a investidores anjos (angels) ou redes estruturadas de captação múltipla de
anjos, crowdfunding, fundos de capital de risco com maior ênfase em startups em
seus estágios iniciais de vida, como é o caso de fundos de venture capital (VC),
chegando a family o ces, fundos de private equity (PE) e até mesmo hedge funds
e estruturas que, geralmente, têm apetite por maiores volumes e startups em
rodadas mais avançadas de captação.
Neste capítulo, trataremos das nuances relacionadas aos interesses dos fundos
de VC. Por que tratar desse tema? Faz muita diferença, para o empreendedor,
abordar esses investidores, compreendendo um pouco sobre o interesse do outro
lado da mesa. O que eles querem? Em quanto tempo? O que buscam ao analisar
uma startup e por quê? O que signi ca ser uma startup dentrodo portfólio do
fundo? Qual é a relevância de seu estágio de vida para esse investidor?
Atrevo-me a dizer que há mais abundância – pelo menos nos últimos anos, e
estou falando aqui por volta de 2020 – de liquidez disponível no mercado para
investir em startups do que startups promissoras que consigam absorver esse
volume tão grande e tão rápido. Não à toa, entre 2018 e 2019, houve uma
signi cativa subida nos valuations de startups em negociações, conforme dados
disponíveis sobre a indústria de VCs já discutida em capítulos anteriores.
Isso em si já sugere com quem está (ou deveria estar) o poder nas negociações,
não acha? Sim, com os empreendedores e com seus negócios – desde que
promissores, naturalmente. Isso se refere ao poder da chamada economia real1,
que sustenta, por consequência, toda uma pirâmide de instrumentos nanceiros
e derivativos que têm por base seu valor – sua geração potencial de caixa.
Ocorre que, no dia a dia dos negócios, normalmente não é bem essa a
sensação. Isso acontece em razão de alguns fatores, como: (i) forte necessidade
de caixa das empresas (pressão nanceira), (ii) cronômetro que pressiona a
startup a viabilizar o modelo de negócio (pressão de tempo para provar um
conceito), (iii) envolvimento pessoal que temos com nossas startups (pressão
emocional, reputacional e outras). Como consequência, é muito comum que o
poder nas negociações se trans ra para as mãos dos investidores, mesmo diante
de negócios muito promissores.
Sendo assim, compreender os interesses e as expectativas do capital auxilia
sobremaneira a startup a construir uma linha de raciocínio que facilite “dar
negócio”, em uma negociação consciente (e, se é que se pode colocar dessa
forma, mais justa) para todos os lados da mesa. Coloco o termo “justa” entre
aspas, pois esse conceito é um tanto relativo quando se trata dessas discussões
em especial, pois envolve atribuição de valor a coisas tangíveis e intangíveis.
Pense um segundo no seguinte: há diversos centros de inovação no mundo.
Poderíamos mencionar Vale do Silício, Nova Iorque, Londres, Tel Aviv, entre
outros. Isso signi ca que outras regiões, além desses centros, não tenham boas
ideias ou empreendedorismo? Naturalmente, não. Muitas vezes, um mesmo
negócio, que brotou com força e gerou muito valor em um desses centros, talvez
não obtivesse a mesma sorte se tivesse surgindo em outro lugar. Por quê? Entre
diversos motivos, o tal do ecossistema.
Esses ecossistemas são formados não apenas por um conjunto de pessoas e
players que giram em torno da inovação – como empreendedores, investidores
(fundos de VC, PE, anjos, crowdfunding etc.), mentores, startups em estágios
diversos, universidades, hubs de inovação, aceleradoras e incubadoras, grandes
corporações nanciando e incentivando o ecossistema, centros de pesquisa,
prestadores de serviços gerais, entre outros –, mas também por informação
amplamente disponível sobre seu funcionamento.
O mundo de startups divide-se em duas partes: aquela dos participantes que
têm conhecimento e acesso a esse ecossistema, e aquela parte dos que carecem
de conhecimento e/ou acesso. Por vezes, deparei com startups que poderiam ter
acesso (por estarem localizadas em regiões de ecossistema privilegiado, por
exemplo), mas que não detinham conhecimento sobre os meandros do
ecossistema, de forma que não usufruíam de todos seus benefícios potenciais.
Há também o caso daquelas startups que até têm conhecimento de sua
existência e funcionamento, porém não conseguem um acesso real a seus
recursos – por custo, distância, networking que indique e ateste sua reputação,
além de outros motivos diversos.
Nosso objetivo é esclarecer o essencial sobre o funcionamento do modelo
mental dos VCs. A ideia é auxiliar a startup a estruturar um storytelling em seus
pitchs e negociações que seja goal-oriented, de forma a atrair smart money para
seus deals. Uau! O tanto de palavras em inglês nesta última frase foi até
incômodo, não é? Exato! Mas compreender a dinâmica desse investidor é uma
das coisas que permitem subir o nível do jogo de sua startup. Isso envolve
compreender seu modo de pensar e até mesmo seus jargões!
Assim, já sabemos que recorrer a investidores provavelmente irá terminar em
algum tipo de negociação que envolve: receber dinheiro versus entregar direitos
sobre o negócio. Isso geralmente envolve entregar alguma magnitude de
participação na empresa. A lógica em si é muito básica, veja a Figura 4.1, a seguir.
Figura 4.1: Interesses dos atuais acionistas versus novos investidores.
Fonte: desenvolvida pela autora.

Viu o problema?
O equilíbrio entre essas partes passa invariavelmente por tentar responder a
uma pergunta, um tanto complexa: quanto vale esse negócio... hoje? Para
contornar nuances e diferentes pontos de vista nesse debate de valores e
participações, é natural que as negociações entrem em outras esferas
relacionadas aos direitos e deveres de cada parte, matizes tipicamente discutidas
em acordos de acionistas. Além de serem discussões-chave para o processo de
negociação, podem trazer inúmeros detalhes e complexidades ao quadro de
acionistas, inclusive com consideráveis implicações para ns de avaliação
(valuation) do negócio. Esses acordos podem envolver diferentes classes de
ações, deveres, direitos e preferências sobre uxos de caixa, prêmios de
remuneração, opções de compra/venda, e por aí vai, chegando potencialmente a
um elevado grau de complexidade. Tratar dessas visões foge ao objetivo deste
livro, mas cabe o ponto de atenção para que a startup atente a essas
especi cidades e busque contar com apoio jurídico para a construção de
instrumentos e acordos de acionistas em geral.
No nal do dia, há uma palavra de ordem: razoabilidade. Para que bons
negócios sejam feitos, é imprescindível que haja, dos dois lados dessa mesa, boa
dose de razoabilidade. Podemos falar muito em fair value, ou valor justo, e sobre
isso discutiremos com maior profundidade nos capítulos de valuation. No
entanto, verdade seja dita, a depender do estágio de vida da startup,
especialmente em fases mais iniciais, quando não há ainda nem sequer produto
bem delimitado, clareza sobre modelo de negócio ou receitas representativas, o
equilíbrio entre esses lados acaba sendo extremamente pautado em negociações
e circunstâncias, muito mais do que em métodos de valuation clássicos.
Para car mais “bonito”, diz-se que, nessa hora, a avaliação do negócio é
qualitativa e não quantitativa. Em outras palavras: “Não se consegue fazer um
valuation quantitativo minimamente consistente por falta de premissas
con áveis ou nem sequer existentes, então sejamos razoáveis, vamos negociar
com base em características estratégicas qualitativas do negócio”.
Em estágios mais avançados da vida da startup, quando há maior segurança
sobre os pressupostos do negócio e algum histórico de números para embasar
minimamente a tomada de decisões, então métodos quantitativos entram no jogo
com maior con abilidade. Ainda assim, esse há de ser um norteador das
decisões dos investidores, nem por isso a negociação será menos importante no
processo de entrada de um novo acionista.
Em contato com incontáveis empreendedores e fundos ao longo do tempo, uma
coisa ca absolutamente evidente: startups que compreendem a dinâmica da
indústria de fundos têm chance estupidamente superior de conseguir captar
recursos com investidores de forma atrativa nesse processo de negociação.
Quando me re ro a compreender a indústria de fundos, saliento que não é
necessário saber cada mínimo detalhe de seu funcionamento, mas, sim, alguns
aspectos básicos, tais como:

• Quais os interesses e objetivos desses fundos?


• O que signi ca ser uma das startups dentro do portfólio do fundo?
• O que é uma tese de investimento e por que ela importa para seu negócio?
• Qual é o horizonte temporal de vida desse fundo e por que isso é importante
para as startups de seu portfólio?
• O que é sucesso de uma startup, na visão do fundo?
• Quais são alguns termos que fundos utilizam para discutir o valor de uma
startup em seu portfólio e sua evolução e o que signi cam – como MOIC
(multiple on invested capital), IRR (internal rate of return) ou milestones, por
exemplo.

As nuances do funcionamento em VCs poderiam ser aprofundadas e são muito


interessantes, mas o objetivo aqui é selecionar e apresentar aqueles conceitos-
chave
absolutamente essenciais para compreender o jeito de pensar e tomar decisões
dos fundos, do ponto de vista dos empreendedores e suas startups. Com isso, a
startup há de estar muito mais bem preparada para atuar de forma assertiva em
suas negociações.
Sem mais, vamos começar então!

4.1 Rodadas de captação


Antes de mais nada, cabe pensar a relação entre o estágio de vida da startup e
suas rodadas de captação. Alejandro Cremades2, em seu livro The art of startup
fundraising, organiza os principais estágios do funding para startups tal qual
destacado na Figura 4.2, a seguir.

Figura 4.2: Os estágios do funding de startups.


Fonte: adaptada de Cremades (2016).

O Guia AICPA (2019)3 sugere a entrada de VCs em estágio mais incipiente do que
o destacado na Figura 4.2. No entanto, boa parte daquela de nição está
associada a hábitos de economias mais maduras, cuja liquidez é mais
exacerbada, os riscos relativamente inferiores, custos de transação menores,
en m uma série de fatores que tornam seu ecossistema mais robusto e resiliente.
No caso de economias em desenvolvimento, incluindo aqui o caso brasileiro, as
de nições ilustradas na Figura 4.2 ajustam-se com mais naturalidade à prática
dos negócios.
Um uxo normal esperado para os negócios é que, quanto mais se avança
nesses rounds – rodadas – de captação, maior tende a ser o volume levantado
pelo negócio, e tanto maior seu valuation. Isso, é claro, assumindo que, ao
chegar ao próximo round, o negócio for entregando minimamente sinais de que
está caminhando em sentido promissor, o que costuma envolver ir galgando
alguns marcos (milestones) traçados previamente. Assim, desde que o valuation
suba, todos os acionistas que estavam no negócio terão ganhos – ainda que não
realizados – ao longo desse processo. Porém, caso essas evidências esperadas
comecem a não se concretizar, é naturalmente possível que ajustes para baixo
sejam feitos em novos processos de avaliação (reduções em valuations), o que
poderia causar perdas a antigos acionistas que entraram em patamares maiores.
Vamos, então, começar a discutir algumas características e interesses desses
investidores, que podem pautar discussões nessas diferentes rodadas de
investimentos.

4.2 Os principais interesses dos fundos


O que, a nal, VCs querem? Ao longo da vida da startup, é possível que ela vá se
envolvendo com diversos investidores – de diferentes per s, interesses, níveis de
conhecimento e “tamanhos de bolsos”. Isso pode dar origem a uma chamada cap
table, ou tabela de capitalização, confusa. A cap table é a estrutura de
propriedade da startup, ou a listagem (normalmente em tabela) de quem são
seus acionistas e suas participações, inclusive pode contar com diferentes
classes de ações – com diferentes direitos e deveres.
Em uma cap table excessivamente complexa, gerenciar a governança pode ser
um desa o hercúleo. Conforme discutimos no capítulo anterior, os interesses de
investidores anjos, por exemplo, podem ser muito diferentes dos VCs. Suas
capacidades nanceiras costumam ser menores (de forma que, se quiserem
manter sua participação com o crescimento do negócio, será necessário um
volume de recursos de que não dispõem e são, portanto, diluídos), seus
interesses de retorno, não raras vezes, são de menor prazo do que aquele de VCs
(não necessariamente fazem questão de buscar o marco de um IPO ou unicórnio,
o foco pode ser maior em retorno de menor prazo, inclusive em formato de
liquidez e dividendos), seu apetite por risco também costuma ser bem diferente
etc. Essas divergências podem existir mesmo entre diferentes VCs.
O problema é que, quando muitos interesses divergentes são trazidos para
“dentro de casa”, isso pode virar uma considerável “dor de cabeça” para a
startup. Por sinal, se você é ou gostaria de ser um investidor anjo, sugiro ter
consciência também dos aspectos tratados neste capítulo antes de investir em
determinado negócio – não apenas re etindo sobre o negócio em si, mas
principalmente sobre quem poderão ser os futuros acionistas a seu lado e quais
seus interesses.
Sendo assim, saber o que você quer de seu negócio, bem como saber o que os
potenciais investidores querem dele, pode ser um superdiferencial. Em primeiro
lugar, porque, assim, você saberá se está convidando para sua startup alguém
que estará alinhado com seus interesses. Em segundo lugar, para garantir que
não está comprando uma briga – de curto e longo prazo – dado que uma cap
table confusa demais pode lhe “tirar o sono” em termos de gestão de con itos
entre acionistas, além de possivelmente di cultar a entrada de futuros potenciais
investidores estratégicos. Este último fator é relevante, pois a existência de uma
cap table excessivamente confusa é um dos fatores que potencialmente
afugentam VCs. Ao nal deste capítulo, serão trazidos alguns dos principais
motivos pelos quais VCs declinam de investimentos em determinados negócios.
Cabe mencionar a importância de estruturar um mínimo de princípios sobre
governança corporativa quando a startup começar a convidar novos investidores
ao negócio. Uma dica seria aplicar as sugestões do Instituto Brasileiro de
Governança Corporativa (IBGC) para startups. O IBGC propôs o código de
Governança Corporativa para Startups & Scale-Ups4, reconhecendo os desa os e
as particularidades de startups em quatro momentos distintos: (i) ideação, (ii)
validação, (iii) tração e (iv) escala. No Quadro 4.1, a seguir, ilustra-se a síntese
sobre o papel da governança corporativa colocada pelo IBGC para cada uma
dessas fases.
Fase Síntese do enfoque da governança corporativa
1. Estruturar os papéis e as responsabilidades dos sócios, especific
Ideação formas de contribuição e a intensidade de dedicação, a remunera
futura participação, bem como opções de saída e descontinuida
Garantir a titularidade da propriedade intelectual da sociedade
alinhamento entre os sócios, o processo de tomada de decisão
construção de consenso.
2. Constituir a empresa e organizar regramentos quanto a direito
Validação deveres dos sócios, incluindo as primeiras reflexões sobre o prop
da organização. Organizar práticas referentes a potenciais empre
chave e a relação com clientes e parceiros estratégicos. Tamb
começa a ser importante manter controles internos e indicado
mínimos adequados à apuração de resultados e eventual prestaç

Quadro 4.1: Enfoque da governança corporativa por fase das startups, por IBGC.
Fonte: IBGC (2019).

O código conta com entendimento sobre os reais desa os das startups e suas
inovações, que divergem sobremaneira da realidade das grandes empresas que
inspiraram a criação das bases tradicionais da governança corporativa que
conhecemos até hoje. Para cada uma das quatro fases de vida de uma startup, o
código do IBGC conta com orientações em quatro pilares: (i) estratégia e
sociedade, (ii) pessoas e recursos, (iii) tecnologia e propriedade intelectual e (iv)
processos e accountability.
Quando a startup já se encontra em momento de vida com múltiplos
investidores, o que pode parecer burocracia em termos de governança
corporativa, na verdade, tende em geral a economizar muito tempo dos
empreendedores. A clareza em relação aos papéis, direitos e deveres, à
prestação de contas, ao funcionamento dos relacionamentos e transparência
auxiliam e promovem ambiente mais produtivo, minimizando informalidades
excessivas e, por consequência, ansiedades diversas.

4.2.1 A estratégia de saída – o que é sucesso


afinal?
A primeira coisa a fazer é compreender o que é sucesso para cada um dos
interessados na startup. Antes de mais nada, é importante saber o que é sucesso
para os empreendedores. Mas, para os VCs, o que seria?
A melhor de nição com a qual já deparei sobre o que é sucesso, à luz dos
interesses e objetivos de fundos de VCs, é provavelmente a de Metrick e Yasuda
(2010, p. 179)5:

A de nição sobre saída de sucesso é menos óbvia. É provavelmente mais


fácil discutir o que uma saída de sucesso NÃO signi ca. Ela não signi ca
“tudo correu perfeitamente bem, o crescimento atingiu a previsão mais
otimista do empreendedor, e nós todos seremos mais ricos do que nosso
mais louco sonho!”. Seria equivocado prender a atenção em tão raro
cenário [...]. Por outro lado, uma saída de sucesso não signi ca “qualquer
coisa exceto liquidação”.
Sendo assim, o que signi ca “saída de sucesso”? A melhor de nição é,
provavelmente: “um IPO ou venda competitiva”, em que uma venda
competitiva signi ca “nós poderíamos ter feito um IPO, mas a venda era
melhor”.
Para companhias em que um IPO é pouco realista [...] então uma venda
competitiva signi caria “aquisição com mais de uma parte interessada, em
uma situação em que não seria necessário vender” (METRICK;
YASUDA, 2010, p. 179, tradução nossa).

Não é segredo para ninguém que a taxa de mortalidade de startups é elevada,


em especial para seus estágios iniciais de ideação, prototipação, em que nem
mesmo há um modelo de negócio propriamente de nido. Por esse motivo,
espera-se que um pequeno percentual no portfólio de investimentos dos fundos
de VC propicie retornos tão elevados a ponto de compensar outros investimentos
de menor sucesso ou até insucesso.
Ao fazer um investimento em startup, o fundo tem essencialmente três
possibilidades de saída do negócio. Sobre essas possibilidades de saída, veja
disposição, a seguir, inspirada em discussões do AICPA (2019, p. 527):
(i) A startup obtém sucesso e alguma opção de IPO ou venda de elevado valor e
rentabilidade (chamada aqui de venda competitiva) é feita, sendo esse o cenário
de maior sucesso esperado.

(ii) A startup obtém algum nível de sucesso, porém não tal qual previsto em
suas metas e milestones (veja o tópico, a seguir, com comentários sobre esse
conceito) de nidos a princípio. Nesse caso, há algum tipo de liquidação – que,
geralmente, envolve alguma opção de fusão/aquisição – e os recursos obtidos
com a liquidação (possível venda) são distribuídos aos investidores conforme
classes de ações, preferências e demais regras estabelecidas sobre a cap table.
Essa alternativa pode envolver desde perda de parte do valor investido até ganho
de algum valor, porém, aquém de expectativas re etidas no cenário 1.

(iii) A startup não obtém sucesso, caso em que os investidores perdem a


totalidade de seus investimentos. Esse caso é comumente chamado de write-o
do investimento pelos fundos.

MILESTONE
Diferentemente de negócios mais tradicionais, é realmente difícil fazer
um plano de três ou cinco anos em startups, em especial em seus
estágios iniciais de vida, pois as variáveis e incertezas serão tantas, que
essa análise fica inviabilizada. Então, em vez de pensar em horizonte
temporal, faz-se uso do conceito de milestone para definir investimentos.
Um milestone refere-se a uma conquista esperada ou um marco no
processo de crescimento da startup.

Ao prospectar startups, um fundo busca de nir a probabilidade de ocorrência


de cada um desses três cenários. Veja, portanto, o interesse do VC: uma startup
não necessariamente constitui, em si, o maior objetivo do fundo; porém, todo seu
portfólio de investidas, sim.
Realmente, não se espera que todas as startups investidas tenham sucesso,
mas que, probabilisticamente, o retorno obtido por aquelas empresas, cuja saída
é conforme o cenário 1, compense a perda daquelas no cenário 3, ou até mesmo
os menores ganhos do segundo cenário.
Portanto, o que é sucesso para os empreendedores está longe de
necessariamente ser a mesma percepção de sucesso do fundo. É claro que os
melhores sonhos de todos podem compreender o cenário 1. No entanto, talvez
alguns per s de empreendedores se satis zessem com desempenho razoável de
suas empresas, gerando lucros que compensem minimamente os investimentos,
algo ao redor do cenário 2. Provavelmente, isso tem bem menos valor aos olhos
dos VCs, pois, quando uma startup apenas se paga satisfatoriamente, não gera
contribuição para o fundo compensar aquelas outras startups em seu portfólio
que não obtiveram sucesso – e que, estatisticamente, sabe-se
que ocorrerão.
Da mesma forma, o cenário 3, mais adverso, é usualmente mais “dolorido” para
os empreendedores do que para os VCs. Especialmente em termos emocionais e,
às vezes, até em termos nanceiros e reputacionais. Isso porque alguns fracassos
estão previstos em fundos e são esperados estatisticamente, com naturalidade,
tanto nanceiramente quanto em reputação. Para o empreendedor, por sua vez,
esse cenário é di cilmente encarado da mesma forma. Para o fundo, isso pode
ser “apenas um fracasso que, entre tantos sucessos, foi compensado com louvor
no portfólio”. Para o empreendedor, isso pode ser “um fracasso é sentido como
todo o fracasso, e só”. Perdoe o drama dessas observações, mas são boas para
ilustrar a diferença de sentimentos que pode estar associada às negociações.
O drama está associado ao fato de que o investidor, em geral, é
consideravelmente mais diversi cado do que o empreendedor e sua startup – e
espera-se que seja assim, inclusive!

DICA
Tendo em mente o que é sucesso para você, e o que há de ser sucesso
para investidores, busque refletir sobre os seguintes pontos:

• Os interesses em relação ao futuro e seu sucesso estão alinhados


entre o empreendedor e o investidor? A manutenção da boa governança
de trabalho é fator-chave para o sucesso de seu negócio, então busque
trazer investidores cujos interesses são alinhados com os seus, como
empreendedor ou gestor da startup.

• Reflita sobre os possíveis cenários de saída, se são aqueles que você


mais deseja ou não. Suponha que os planos e sonhos da startup
estejam associados a um IPO. Perfeito, chamemos esse de cenário 1.
Além dele, você enxerga outras estratégias de saída? Por exemplo, há
indícios de que os pressupostos de seu negócio (sejam eles
relacionados à tecnologia, base de clientes/assinantes/usuários/etc.,
talento/conhecimento de profissionais internos, produto, entre outros)
possam ser de interesse de potenciais players maiores do mercado? Se
sim, isso pode conferir estratégias alternativas de saída para o
investimento no negócio (por meio de uma venda mais ou menos
competitiva, por exemplo), o que reduz – ao menos um pouco – a
percepção sobre risco de investidores.
• Antecipe-se a esses pontos de vista dos investidores e estruture
raciocínio e boas respostas para questionamentos que possam surgir
durante um processo de captação. Startups cujos empreendedores e
times são consistentes e bem preparados para as negociações são, sem
sombra de dúvida, um diferencial na hora de levantar recursos.

4.2.2 Do horizonte temporal


Discutir sucesso para VCs tem muita relação com discutir horizonte temporal,
porque o sucesso será medido ao longo do tempo e maturação do portfólio de
investimentos desse fundo. Vamos compreender essa questão temporal, e como
um fundo tende a lidar com ela.
Neste momento, cabe desmisti car algo que pode parecer óbvio, mas nem
todos pensamos nisso: fundos, também, prestam contas! Eles devem explicações
e, sem sombra de dúvida, naturalmente, sofrem pressões. Isso não é privilégio
exclusivo de nossas startups. Em bate-papo com pro ssionais da indústria de
fundos6, ouvi o seguinte, em certa ocasião:

Nem sempre é evidente para os empreendedores que um VC tem três


grandes fases: investimento, maturação e desinvestimento. [...] Um fundo
capta com investidores e promete buscar uma rentabilidade “x” e devolver
o investimento em determinado horizonte de tempo. Então, essas
promessas criam pressões no fundo.

Essas pressões, por conseguinte, “respingam” em nossas startups.


Tipicamente, fundos já são criados com um prazo estipulado a priori para ser
desfeito, ao longo do qual se espera que o fundo vá proporcionar os ganhos
sobre o capital investido, condizentes com o nível de risco que se corre. Isso
signi ca dizer que o fundo tem certo “cronômetro rolando” a qualquer momento
no tempo. Isso importa para sua startup? Sim, certamente, sim.
Assim como startups têm seu ciclo de vida com aqueles cinco estágios já
discutidos, VCs também vão ter todos eles, e o tipo de pressão que a startup vai
sofrer será naturalmente muito diferente, se ela estiver no portfólio do fundo em
sua etapa de (i) investimento, de (ii) maturação ou de (iii) desinvestimento do
fundo.
Imagine que um fundo tenha uma vida estipulada em dez anos (costuma ser
possível que esse horizonte seja estendido para o processo de bom
encerramento dos investimentos do fundo). Para uma startup que for investida
pelo fundo no início desse período, há certo “colchão” de tempo ao longo do qual
essa empresa pode se mostrar rentável, e, possivelmente, o componente de
“paciência” do fundo esteja ligeiramente superior. Coloque-se no lugar do fundo:
de que eles precisam nesse momento? Nessa hora, alguns exemplos de
preocupação são:

• Montar um portfólio de startups com alto potencial de multiplicação de


investimentos – há tempo hábil para apostar mais em negócios muito
inovadores, com muito potencial, e naturalmente maior risco.

• Alocar bem e rapidamente uma razoável quantidade de recursos – mostrar


sinais de boa capacidade de alocação de seus recursos (em boas startups) a seus
investidores.

É claro que essas regras não devem ser generalizadas sem critério, e é preciso
compreender os interesses de cada investidor. Porém, certo padrão de
comportamento em relação ao horizonte temporal é recorrente. A trajetória
bastante veiculada na mídia do Vision Fund (Softbank) ilustra os efeitos
mencionados.
Ao chegar mais adiante ao longo da vida desse fundo, certa pressão começa a
nascer naturalmente. Suponha no quinto ano: metade do tempo desse fundo já
passou, resta metade. Caso a primeira parte de sua vida esteja lhe trazendo bons
retornos, ótimo! No entanto, isso não é necessariamente tão trivial, pois os
investimentos tipicamente são de maior prazo, e eventuais ciclos econômicos
podem interferir bastante na economia real e, por consequência, nos portfólios
dos VCs.
Conforme sugerido pelo guia AICPA (2019), a título de exempli cação, é normal
que fundos busquem uma “saída de sucesso” em startups investidas no prazo de
quatro a cinco anos após a captação em Series A (AICPA, 2019, p. 531).
Naturalmente, como qualquer média, esse prazo não pode ser generalizado para
quaisquer segmentos ou negócios, dado que a maturidade de diferentes
empresas, mesmo com a melhor das práticas, pode evoluir de forma
signi cativamente diferente em relação a tempo. Ainda assim, esse prazo
sugerido – de quatro ou cinco anos – está se referindo a uma hipótese inicial do
fundo que era ainda extremamente incerta e, dado o estágio de vida muito
incipiente e incerto desses negócios, bastante sujeita a surpresas.
Nota-se, portanto, que, nesse momento (no quinto ano de vida do fundo), há de
haver uma preocupação, pois a janela disponível para encontrar novas startups
que rentabilizem o su ciente dentro de seu horizonte de vida está se fechando.
Da mesma forma que pode ser difícil para um empreendedor encontrar um fundo
que lhe seja superatrativo como futuro acionista, di culdade semelhante pode
ser sentida pelo investidor. Não é assim tão fácil, para aquele lado da mesa,
“separar o joio do trigo”, compreende? Ou seja, pensando como fundo, é também
um desa o encontrar as startups em que eles têm interesse em investir,
especialmente diante de restrições – de tempo, capital, setores, conhecimento,
tecnologia etc.
Quando o nal da vida do fundo se aproxima, começa a se fazer necessário
“organizar sua casa”. Isso signi ca que é preciso traçar estratégias para encerrar
seus investimentos nas startups da forma mais rentável possível para o negócio.
Como? É preciso ter em vista o que eram os três cenários de saída de um
investimento (IPO ou venda competitiva, venda intermediária ou write-o ),
discutidos no item anterior. Veja, a seguir, alguns exemplos.

• Caso as melhores expectativas do fundo sejam realizadas, é possível que o


esperado IPO para algumas das investidas esteja perto, então o fundo tem
incentivo para acelerar os processos de estruturação e efetivação do
investimento.

• Caso a opção anterior não seja válida para o negócio, o fundo poderá buscar
encontrar outros potenciais investidores – como outros fundos – que tenham
interesse em comprar sua participação no negócio, para repassar o investimento.
Se a startup em questão estiver apresentando sinais promissores, atingindo os
milestones de nidos para o negócio, bem como acompanhadas de bons
indicadores gerais de potencial quanto a seu mercado de atuação, consumidores
e diferenciais estratégicos/tecnológicos/de talentos/etc., é muito possível que
essa transação seja economicamente atrativa para o fundo, que vai repassar o
investimento a outros novos acionistas e auferir ganhos na transação.

• No entanto, se os sinais não forem assim tão promissores, o fundo pode ainda
adotar uma estratégia de forçar ou in uenciar a venda de sua participação nesse
estágio, ou até de todo o negócio, buscando recuperar o máximo possível do
investimento feito. Naturalmente, perdas nanceiras podem ser esperadas.

• Não podemos nos esquecer de uma opção que costuma ser mais dolorida para
as startups: conclui-se que o investimento não é mais atrativo, tampouco há
indícios de venda quali cada, e opta-se por encerrar o uxo de nanciamento à
startup e reconhecer todo o investimento feito no negócio como perda.

Veja só: para qualquer uma dessas opções, o timing das decisões que o fundo
tomaria não necessariamente coincide com o timing dos empreendedores ou
mesmo do próprio negócio! Como assim? Imagine a seguinte situação: suponha
que um fundo XPTO adote a postura de reconhecer perdas no investimento e
parar o uxo de investimento para a startup. Talvez os empreendedores (e até
mesmo outros acionistas e investidores da startups) acreditem que, com mais
tempo e dedicação, essa startup ainda possa apresentar bons ganhos
nanceiros, porém em um horizonte maior do que aquele de interesse do fundo
XPTO. Talvez esses outros agentes até estejam contando com a continuidade dos
uxos vindos de XPTO – não necessariamente previsto por contrato, mas em
expectativas informais. Sendo assim, será necessário que os acionistas atuais da
startup consigam identi car rapidamente outros investidores dispostos a
nanciar o futuro do negócio, ou ainda que assumam a participação (mediante
negociação, naturalmente) da parte do fundo XPTO.
O problema é que, normalmente, quando essa discussão está na mesa, isso
pode signi car que há consideráveis dúvidas e medos de alguns envolvido com a
startup, e certo movimento de medo generalizado pode afetar investidores –
antigos e novos. Por consequência, conseguir nanciamentos pode ser mais
difícil ou mais caro, levando a quedas consideráveis em valuation. No limite,
pode ser um decreto de m antecipado para a startup.
É importante lembrar que, para negócios em fases iniciais, quase todo o valor
está em expectativas. Expectativas são associadas a crenças humanas – e,
portanto, sujeitas a todo tipo de onda de otimismo, pessimismo, euforia, medo
etc. Isso é válido não apenas para empreendedores, mas também para
investidores. São as famosas nanças comportamentais.
Por outro lado, ainda que uma venda vantajosa seja identi cada como
estratégica para o fundo, não necessariamente isso vai ao encontro dos melhores
interesses do negócio ou dos demais acionistas. Caso seja um momento
desvantajoso no tempo para a startup – por qualquer motivo –, uma negociação
precoce pode trazer à mesa pressões, também precoces, por de nição de
valuation ou preços indesejáveis, podendo “deixar dinheiro na mesa”.
Nesses casos, o timing – ou seja, a melhor escolha do momento no tempo e
condições para negociação – pode ser absolutamente estratégico para maior
geração de valor. Por exemplo, se o ponto de equilíbrio está realmente próximo e
o caixa da empresa permitir esperar, negociar qualquer entrada de novo
investidor após o ponto de equilíbrio poderia ser muito mais vantajoso do que
fazer o mesmo apenas alguns meses antes desse tão esperado milestone na vida
da startup.

DICA
Por esses motivos, se o timing do fundo não coincidir com o da startup,
isso pode ser relevante para a vida do negócio, de seus acionistas e de
seus empreendedores. Então, como regra geral, esteja alerta e verifique
se o horizonte temporal dos investidores que estão entrando em seu
negócio coincide, a princípio, com sua percepção geral sobre horizonte
temporal de sucesso da startup.

4.2.3 Da exposição a riscos


Em linhas gerais, o empreendedor não é diversi cado, mas concentrado em seu
investimento. Do seu ponto de vista, sua concentração é elevada não apenas
nanceiramente falando, mas também em relação a sua vida, sua carreira e em
sua commodity mais valiosa: seu tempo. Isso signi ca, por conseguinte, que o
empreendedor não consegue mitigar facilmente os riscos especí cos de cada
empreitada, e as características especí cas de seu negócio são muito
importantes em sua avaliação de risco.
Será que isso é ruim?
Bem, é complicado pensar nisso como algo bom ou ruim. Essa concentração
costuma ser inerente à decisão de empreender.
É interessante que, quando pensamos em diversi cação, a ideia está
relacionada a neutralizar parte dos riscos. Isso implica imaginar que os extremos
se cancelarão, à medida que uma empresa do portfólio tenha um desempenho
ruim, e outra, um desempenho ótimo; por consequência, uma eventualidade ruim
será neutralizada no portfólio. Em termos de probabilidade, isso signi caria
estimar que os negócios se comportarão com uma distribuição de probabilidades
que se aproxime de uma curva normal, ou algo do gênero. No entanto, em
startups a distribuição não é bem assim.
Peter Thiel e Blake Masters7 discorrem a esse respeito em seu livro Zero to one.
Conforme os autores, o desempenho em startups é menos como uma distribuição
normal e mais como uma regra de Pareto8 – a famosa 80-20. Isso signi ca
basicamente que apenas uma pequena quantidade das iniciativas de
startups têm sucesso e, entre as que têm sucesso, apenas uma pequena
quantidade obtém sucesso tão fenomenal e exponencial a ponto de serem,
sozinhas, mais geradoras de valor do que todo o restante das iniciativas. O autor
refere-se em especial à estratégia que fundos VC deveriam adotar para decidir
onde investir. Sua regra de ouro é:

o maior segredo em venture capital é que o resultado do melhor


investimento de sucesso do fundo é igual ou superior ao resultado de todo
o restante do investimentos combinados. […] É claro que ninguém pode
saber com segurança ex ante quais empresas serão bem-
sucedidas; portanto, mesmo os melhores VCs precisam ter um portfólio.
No entanto, toda empresa individual em um bom portfólio de VC deve ter o
potencial de obter sucesso em larga escala (THIEL; MASTERS, 2014, pp. 86-
87).
Como a taxa de mortalidade em novos empreendimentos é sabidamente
elevada, um empreendedor estaria de certa forma correto em não diversi car
aleatoriamente suas novas empreitadas, até porque seria um admirável milagre
conseguir a multiplicação de seu tempo para gerenciar tudo isso. Então, o
empreendedor deverá escolher em que aplicar seu tempo, esse recurso tão
escasso. Sob esse ponto de vista, o desa o é que o empreendedor identi que
possíveis novos negócios que efetivamente tenham o potencial de ser essa
minoria na regra de Pareto – parte desses 20% dos negócios que gerarão mais de
80% da riqueza! Claro, identi car esses negócios não é tarefa fácil e envolve
risco. A seguinte de nição da dedicação do empreendedor em sua empreitada é
bastante ilustrativa:

Tornar-se empreendedor, geralmente, requer custos iniciais substanciais


em termos de esforço, tempo, atenção, comprometimento e recursos
nanceiros. Além disso, fazer isso com frequência signi ca abrir mão da
opção de ser colaborador em outro lugar e ganhar salários. Assim, tornar-
se empreendedor, efetivamente, signi ca exercer uma opção real, que
envolve tanto o custo inicial de investimento no negócio quanto custos de
oportunidade de desistir da carreira/emprego alternativos (WANG; WANG;
YANG, 2012, p. 2)9.

Veja só: ser empreendedor signi ca quase por de nição estar concentrado. Não
é pura coincidência que seja o empreendedor normalmente alguém
intrinsecamente mais propenso a riscos! Fica evidente, portanto, que o nível de
exposição a riscos do empreendedor costuma ser muito maior do que aquele do
fundo, que, por sua natureza, está diversi cado entre diversas startups.
Ainda assim, há de se mencionar que os fundos costumam trabalhar com a
de nição das chamadas teses de investimento. Por exemplo, é usual, ao
observar-se o histórico recente, encontrar diversos fundos cuja tese de
investimento está voltada para setores, tais como fintechs, edutechs, healthtechs,
entre outros. Isso indica que há uma decisão estratégica do fundo em concentrar
seus esforços em alguns setores e tipos de empresa, cujas características
pareçam promissoras para o futuro, e com maior probabilidade de ser parte
daqueles 20% em termos agregados – considerando todas as inovações
existentes. Fundos, tipicamente, têm teses principais e secundárias, mas
di cilmente não têm esses direcionadores macro.
Por esse motivo, por mais que os VCs sejam diversi cados em termos de
empresas, não raras vezes, eles são bastante concentrados em termos de
segmentos de atuação. Por exemplo, imagine um VC que esteja investindo
concomitantemente no Uber, Rappi, 99 Taxi e Didi, todas startups que envolvem
alto componente tecnológico e estão associadas a soluções de
logística/transporte – por sinal, elas são todas investidas do Softbank no
momento (considerando-se fevereiro de 2020). Ainda que haja diversi cação no
que se refere a número de empresas, há considerável sobreposição em termos de
segmento – por mais que cada uma tenha nuances e particularidades. Esse efeito
foi recentemente explorado em artigo do The Wall Street Journal intitulado
SoftBank is funding every side of a Bruising Startup Battle.
Em virtude da existência dessas teses, fundos de investimento em capital de
risco também costumam apresentar maior risco de concentração advindo de
setores de atuação, quando comparados a outros tipos de veículo de
investimento.
Essa discussão sobre teses e concentração dos VCs tem relação estreita com o
chamado smart money. Vamos discutir agora esse conceito e sua implicação para
a startup.

4.2.4 Na busca pelo smart money


Antes de mais nada, o que é, a nal, smart money ou “dinheiro inteligente”? A
expressão denota aquele dinheiro que vem de investidores que, além de agregar
o montante nanceiro ao negócio, poderão agregar também valor estratégico,
conhecimento, conexões, entre outros intangíveis que podem contribuir
sobremaneira para o sucesso da startup. Conforme já mencionado em algumas
ocasiões ao longo desta leitura, o ideal para conseguir o smart money é que a
startup busque o dinheiro que deseja, e não necessariamente aquele que é mais
fácil de conseguir. Daí, o risco de buscar funding sob pressão: as possibilidades
se estreitam.
Uma dica de ouro para buscar smart money é compreender mais sobre quem
são os pro ssionais que atuam em determinado fundo, seu histórico pro ssional
de atuação, suas conexões e, especialmente, suas teses.
Essas teses determinadas pelo investidor costumam estar bastante associadas
ao nível de conhecimento e conexões que esse fundo detém sobre o segmento,
ou que passará a deter com o passar do tempo em virtude de relacionamento e
negócios de seu portfólio.
Imagine um VC cuja principal tese esteja associada ao agronegócio no Brasil.
Possivelmente, esse fundo começará a estabelecer conexões com diversos
participantes desse mercado, como produtores rurais, provedores de serviços
nanceiros especí cos ao setor, tipos e canais de nanciamento subsidiado,
conhecimento sobre operações de gestão de risco e hedge, universidades e
centros de pesquisa do agronegócio, provedores de tecnologias, bases de dados
essenciais sobre culturas diversi cadas, pesquisadores, agrônomos e daí em
diante. Possivelmente, após algum tempo atuando em meio a esse ecossistema,
uma startup do agronegócio terá muito mais benefício em associar-se a este
fundo do que a outro cuja tese principal seja baseada em fintechs, por exemplo.
Não apenas isso, como a tese daquele fundo é pautada fortemente em
agronegócio, o próprio fundo terá um considerável incentivo em se provar correto
em sua tese e, mesmo que inconscientemente, poderá imprimir esforços em
torná-la correta, até mesmo em detrimento de outros negócios do portfólio que
façam parte de suas teses secundárias, que fogem do segmento agro. Note que
isso não seria premeditado, mas a simples dedicação do valioso tempo e energia
de forma mais concentrada em um dos ramos de atuação, quase que
automaticamente.
Além desse incentivo comportamental, há, naturalmente, o incentivo nanceiro.
A exposição nanceira do fundo no segmento agro tende a ser superior do que
em outros segmentos, então seu risco, também. Assim, se seu portfólio de outros
setores falhar, a perda nanceira tende a ser muito menor do que aquela perda
no caso de sua principal tese falhar.
Esses dois incentivos em conjunto – o comportamental e o nanceiro – dão
ainda mais força à concentração de conhecimento do fundo sobre os segmentos
que são sua tese principal. Então, sem sombra de dúvida, tornarão seu dinheiro
muito mais smart nesse segmento do que em outros.
Sabe o conceito da profecia autorrealizadora? Esse efeito se nota bastante
presente em startups por meio dessas teses. Se inúmeros investidores – e,
portanto, grande parte da liquidez do ecossistema –, acreditam em teses
similares, elas receberão enormes quantidades de recursos. Isso tende a gerar,
em maior ou menor grau, avanços e maior quantidade de inovação para o
segmento. Por consequência, casos de sucesso irão surgir (também em maior ou
menor grau), o que tende a realizar aquela profecia inicial. É a velha história do
capital ditando os rumos da inovação.
Em seu belíssimo livro Sapiens, Yuval Harari discute a esse respeito. De certa
forma, esse movimento já se nota em meio às fintechs – o que pode trazer boas
consequências para promover avanços no nível de serviço e em descentralização
do segmento bancário, que deve se re etir em menores custos de transação e de
captação para nossas maravilhosas startups e indivíduos.
No entanto, como isso impacta empreendedores de outros segmentos?
Certamente, traz di culdade. Alguns segmentos terão invariavelmente muito mais
facilidade de conseguir recursos do que outros, em razão desse “sentimento” de
mercado generalizado – ao qual literaturas de nanças comportamentais
costumam referir-se como Mr. Market.
O risco desse sentimento são seus possíveis excessos. Em um extremo, quando
esse sentimento gera expectativa de mais em relação a alguns segmentos, isso
possivelmente pode causar pressões e “bolhas”. No outro extremo, quando o
sentimento de mercado acarreta expectativa de menos em relação a alguns
segmentos, isso pode colocá-los em certa “sombra”, com maior di culdade de
acesso a funding e consequente aumento em custo de captação. Apesar de um
ecossistema ser maduro, ainda pode haver, portanto, segmentos na “sombra”,
que continuarão carecendo de funding.
Por isso, é muito importante que você conheça mais sobre a tese dos VCs como
parte do processo de de nição da estratégia da busca por funding.
Provavelmente, onde houver maior conhecimento sobre seu setor, ao associar-se
a tal parceiro, você verá que maior leque de oportunidades tende a abrir-se.

DICA
Aproxime-se de fundos de VCs cujas teses de investimento estejam
associadas ao segmento de atuação de sua startup. Isso pode facilitar o
processo de aquisição de conhecimento, evitar erros previsíveis e pivots
desnecessários, acelerar a validação do modelo de negócio e de
crescimento, acelerar parcerias estratégicas que geram valor, além de
possivelmente facilitar a geração de negócios
mais valiosos, como estratégia de saída da startup.

4.3 Alguns indicadores financeiros essenciais


para startups – na visão fundo
Imagine que desembarcamos no interior de um país longínquo sem falar uma
única palavra do idioma local. Agora, suponha que a comunidade local fale o
superbásico do seu idioma, mas não compreende muito bem a conjugação
verbal, muito menos as gírias, guras de linguagem, ironias, eufemismos e
demais idiossincrasias que você usa ao falar no dia a dia, e você tem de fechar
um negócio com eles. Vai ser fácil? Provavelmente, não muito. Será difícil
promover um ambiente descontraído e dar umas risadas em meio aos assuntos
sérios que ocorrerão na conversa, e, certamente, vai ser difícil mostrar com
clareza seus pontos fortes e diferenciais.
A conversa entre a startup e os fundos, em muitos casos, é quase análoga à da
história anterior. Os fundos e as startups nem sempre “falam a mesma língua”.
Temos, então, duas opções. Opção A: recorrer a investidores que falem a língua
de sua startup. Isso reduz seu leque de opções e, verdade seja dita, muito
provavelmente, eles continuarão com certa preferência por aquela startup que se
mostre mais alinhada com seus princípios e linguagem. Em situação de “empate
técnico”, quem falar a mesma língua pode ganhar por contagem de pontos.
Opção B: aprender o mínimo da linguagem nanceira que os fundos utilizam.
Como temos menor controle sobre a Opção A – além de ela fechar algumas
portas –, vamos recorrer à opção B. Isso, sim, fará a diferença, vamos nos tornar
poliglotas!
A seguir, foram selecionados alguns indicadores nanceiros que auxiliam
enormemente a startup quando você os domina. Conhecer conceitualmente esses
termos não somente é um diferencial para a startup traçar estratégias orientadas
à geração de valor, mas também contribui sobremaneira para os processos de
negociação que buscam funding, dado que provavelmente são métricas também
analisadas pelos potenciais investidores.
Algumas dessas métricas que iremos explorar neste capítulo são: MOIC e
IRR/TIR. Além dessas, todas as demais aqui trabalhadas são valiosíssimas. Ao
nal deste livro, consta um glossário em que se destacam os nomes de alguns
outros indicadores também mencionados ao longo desta obra – como LTV, CAC,
break-even, margem de contribuição, cash burn e outros diversos.

4.3.1 Multiple of invested capita (MoIC) ou


múltiplo sobre o capital investido
O MOIC é provavelmente um dos mais relevantes indicadores que fundos
utilizam na prática ao analisar potencial e resultados gerados por startups. O
entendimento é simples: quantas vezes determinada startup irá conseguir
multiplicar o capital investido pelo fundo/investidor.
Suponha que determinado VC invista R$1 mi em certa startup e obtenha ganhos
nesse investimento de R$ 4 mi. O MOIC é, portanto, igual a quatro vezes (R$ 4 mi
divididos por R$ 1 mi). Simples, não?
Os ganhos contemplados pelos fundos aqui devem ser tanto aqueles já
realizados (caso haja) quanto outros ainda não realizados, mas que se espera
obter com alguma probabilidade razoável no futuro desse investimento. Veja que
o que importa nesse caso não é necessariamente o ganho da startup como um
projeto em si, mas aquele esperado pelo investidor (VC, por exemplo). Essa
distinção é importante, pois acionistas que entram em diferentes momentos
terão uma percepção potencialmente muito diferente sobre seus MOICs
individuais. A fórmula genérica e simpli cada seria, portanto:
O bom entendedor de Matemática Financeira pode perceber rapidamente a
atrocidade produzida nesse cálculo simpli cado com o valor do dinheiro no
tempo, não é? Veja só: da forma como o indicador foi calculado, o MOIC será o
mesmo se a saída do investimento demorar dois ou dez anos a acontecer,
concorda? Isso naturalmente não é aceitável do ponto de vista da Matemática
Financeira, pois a demora em tempo para se obter o mesmo patamar de
multiplicação do capital investido (os R$ 4 mi) faz com que o caso de atingir o
objetivo em dois anos seja muito mais atrativo e de menor risco do que atingi-lo
em quatro anos.
No entanto, por sua simplicidade conceitual, essa forma de apurar MOIC acaba
sendo utilizada nas conversas do dia a dia. Para amenizar esse problema, o MOIC
é geralmente olhado em conjunto com a taxa interna de retorno (TIR ou IRR do
termo em inglês internal rate of return), que será descrita no próximo item.
Em que pese meu lado nerd car muito desconfortável em registrar aqui um
conceito problemático do ponto de vista da Matemática Financeira por
desconsiderar o valor do dinheiro no tempo e o custo de oportunidade, é o que o
mercado usa e fala, de forma que não vou escamotear esse fato. Lembro que o
objetivo é falar a mesma língua que os investidores, o que envolve, também,
compreender seus termos populares, ainda que de menor rigor técnico. Para uma
discussão mais criteriosa e curiosa, sugiro a leitura do tópico a seguir.

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CURIOSIDADE
Para sermos precisos em sua aplicação, o ideal seria trabalhar com
algum conceito de MOIC descontado10. Propomos a ideia como uma
curiosidade, porque, de fato, você não irá encontrar facilmente todo
esse rigor técnico sendo utilizado na prática11.
De todo modo, a ideia é a base da Matemática Financeira: o dinheiro de
hoje não tem o mesmo valor do dinheiro do futuro, por vários motivos
(como risco, in ação, custo de oportunidade do dinheiro, utilidade do
capital – que poderia ser usado para obtenção de bem-estar imediato,
por exemplo). Então, o mais correto tecnicamente seria calcular o MOIC
fazendo uso do dinheiro em um mesmo momento do tempo:
idealmente, a data de hoje (o presente). Para tanto, bastaria calcular o
ganho futuro (realizado ou não realizado ainda) a valor presente e
recalcular o MOIC com dados de dinheiro de hoje. Aí, entraria o conceito
de valor presente. Para quem quiser relembrar ou conhecer o conceito
de valor do dinheiro no tempo, vale ler o Apêndice 2. Caso não seja
necessário, seguimos com a fórmula genérica de valor presente de um
uxo futuro:
em que:
PV = present value (valor presente do uxo futuro);
FV = future value (valor futuro esperado);
i = taxa de juros que indica o valor do dinheiro no tempo;
n = número de períodos transcorridos até o FV esperado.
Para quem quiser saber mais sobre o conceito genérico de custo de
capital e valor do dinheiro no tempo, sugerimos ler, no Capítulo 6, o
item 6.3 (Empatar é o su ciente?), que trata de lucro meta.

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4.3.2 A tal da TIR (taxa interna de retorno) ou


IRR internal rate of return
A taxa interna de retorno é um tanto intuitiva. Ela responde quanto um
investimento está rendendo intrinsecamente. Ao falar-se de um projeto, por
exemplo, a pergunta seria: Quanto esse projeto rende ao ano,
independentemente da forma como se nancia? Supondo que um projeto
proporcione um rendimento de 15% ao ano, então o investidor pode analisar se
essa taxa de retorno anual lhe é atrativa ou não, dada sua expectativa de ganhos,
custo de oportunidade e risco que corre no projeto.
No caso do VC ou investidores em geral, a lógica de IRR pode ser analisada
considerando-se não necessariamente o ponto de vista do projeto, mas o ponto
de vista do investidor, considerando-se o que investiu e suas expectativas de
ganho no futuro, da mesma forma como discutido para
o MOIC.
Imagine, por exemplo, que determinado investidor entre em uma rodada de
investimento no momento que chamaremos de data zero (que pode ser ou não o
início da vida da startup) e espere obter ganhos conforme o uxo 4.1 descrito a
seguir.
Fluxo 4.1: Fluxo hipotético do investidor.
Fonte: desenvolvido pela autora.

Para calcular a TIR, sugerimos o uso do Microsoft Excel. Construa uma tabela no
Excel tal qual a Tabela 4.1, a seguir, lembrando de incluir os períodos em que não
há uxo de caixa esperado com o valor zero. Isso porque zero e ausência de
informação são informações diferentes do ponto de vista da Matemática
Financeira.

Tabela 4.1: Cálculo do TIR/IRR em Excel.


Fonte: desenvolvida pela autora.

É possível perceber que, para aquele uxo apresentado, conta-se com uma
remuneração intrínseca de 33% ao ano. Como o período de nosso exemplo é
contado em anos, então da mesma forma a TIR resultante é um percentual ao
ano, que indica a taxa de retorno anual.
De fato, para o leitor mais crítico, vale a ressalva de que a TIR não é uma medida
perfeita, devido a suas premissas e limitações. Especialmente, chamamos a
atenção à suposição de que uxos intermediários seriam reinvestidos ou
captados à mesma taxa (o que pode ser verdade ou não a depender do portfólio
de cada fundo) e à limitação de que, em uxos muito complexos (com inversões
múltiplas de sinais), é possível existir mais de uma solução matemática para a
TIR.
Ainda assim, trata-se de uma medida valiosa para analisar performance em
conjunto com o MOIC, especialmente por seu rigor superior em considerar o valor
do dinheiro no tempo, o que era desconsiderado na outra medida, conforme já
discutido.
Vamos, então, à tão esperada visão crítica? Primeiro, sobre a TIR em si. Lembra-
se de que falamos sobre o horizonte de vida de um VC, bem como sobre seu
portfólio? Muito bem, imagine a oportunidade de investir em uma estupenda
empresa, com TIR esperada ao redor de 60% ao ano, com relativo baixo risco!
Parece maravilhoso, não?
Pelo percentual em si, pode até parecer ótimo, mas imagine o seguinte: e se for
uma empresa com baixa necessidade de recursos e sem grande perspectiva de
crescimento de volume ou mercado? Nesse caso, talvez o dinheiro investido pelo
fundo nesse negócio seja tão pequeno que mesmo um grande percentual de
retorno pode ser irrisório dentro de seu portfólio total. Apesar disso, a entrada de
um novo negócio no portfólio gera no fundo a inevitável necessidade (ainda que
mínima) de dispêndio de tempo, trabalho, reuniões e energia em geral – além do
desembolso nanceiro. Por isso, para esse fundo, é possível que se chegue à
conclusão de que talvez esse negócio não valha a pena.
Por esse motivo, fundos costumam trabalhar com um conceito de ticket médio
de investimento e até uma referência de ticket mínimo. Se um negócio não tiver
capacidade de absorver um volume “x” mínimo de recursos e rentabilizá-lo
atrativamente, então essa startup não seria interessante para a rentabilização
total do portfólio do VC, ainda que em termos de taxa possa parecer um bom
negócio.
Pelos mesmos motivos, um prazo curto do investimento pode ser um problema.
Mesmo que haja elevada TIR, se o horizonte de tempo for muito curto, talvez os
benefícios desse percentual em um tempo pequeno não sejam assim tão
atrativos. Nesse caso, é possível que uma TIR aparentemente alta leve a um
MOIC, em verdade, relativamente baixo.
Um exemplo cai bem? Veja só: considere uma TIR de 30% ao ano. No entanto, o
investimento já está próximo de seu provável momento de saída, suponha que
esteja previsto para daqui a um ano. Para um investimento de R$ 1 mi, isso
levaria a um valor futuro após um ano de R$ 1,3 mi [=1mi x (1+0,30)^(1)]. Apesar
de a TIR ser aparentemente atrativa (como de costume é importante relacioná-la
com o risco do projeto), o MOIC nesse caso foi de 1,3 vezes, aproximadamente. A
depender dos objetivos de cada investidor, esse MOIC será considerado baixo,
dado o risco geral de seu portfólio.
Conforme já mencionado, ao entrarem em startups, geralmente os fundos
buscam um potencial muito elevado de performance para todas as startups
individualmente a ponto de que sua expectativa de sucesso possa – em algum
cenário ainda que otimista – compensar outros casos de insucesso do portfólio. A
esse respeito, a seguinte análise é bem ilustrada no Guia AICPA (2019, p. 50):

[Por isso] muitos gestores de fundos são avaliados pelos investidores do


fundo com base não somente na TIR que eles produzem em seu
portfólio, mas também pelo MOIC proporcionado [...]. Como consequência,
muitos dos gestores de fundos buscarão obter em seus portfólios
MOICs almejados, assim como retornos esperados.

Até mesmo o incentivo nanceiro e compensações aos pro ssionais dos VCs
podem estar associados a essas métricas.
É natural, após uma análise de risco e retorno esperado, bem como do tempo
remanescente até o encerramento previsto do fundo e outros fatores, concluir que
um TIR elevado com MOIC relativamente baixo seja estratégico. Ainda assim, é
interessante compreender as nuances dessa decisão e como esses indicadores
potencialmente in uenciam as análises de VCs, levando em consideração todos
os fatores tratados até aqui, como o portfólio, as teses, os horizontes de tempo.

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CURIOSIDADE
Caso queira uma discussão mais técnica sobre a mecânica de cálculo
da TIR, veja esta discussão a seguir.
Para compreensão da TIR, é necessário, antes de mais nada, conhecer
o VPL. O Apêndice 3 explora o conceito de valor presente líquido (VPL),
importante para diversos conteúdos apurados neste livro, tanto no que
se refere ao funding quanto a nanças corporativas e valuation.
Compreender o VPL é essencial para compreender a TIR.
A fórmula genérica da TIR é:

em que:
VPL = valor presente líquido (leia o Apêndice 3 para saber mais a
respeito, se sentir necessidade);
FC0 = investimento feito na data zero;
FC1 a n = uxo de caixa esperado (ganho ou perda para o investidor)
em cada período, que pode variar desde a data zero até o período
qualquer “n” no futuro.
A TIR é, portanto, aquela taxa que devemos inserir na fórmula
anterior de tal sorte que o resultado do VPL seja igual a zero. Note que
é impossível isolar a incógnita da TIR nessa função, logo ela é de nida
por tentativa e erro como se fosse uma função Solver do Excel. Por
isso, a utilização da fórmula automática do Excel (=TIR para as
versões em português ou =IRR para as versões em inglês) é a mais
prática forma de apurar a TIR. O mesmo poderia ser feito com o uso de
algumas calculadoras, como a HP12C.

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4.4 Seleção de fatores críticos qualitativos para


negociações com VCs
Em certo momento, deparei com o artigo de Sarah A. Downey12 intitulado “As
reais razões por que VCs declinaram suas startups”. A seleção de motivos
dispostas pela autora chamam atenção e sua compreensão certamente pode ser
mais um diferencial para a startup encarar o jogo de fundraising. Veja os motivos
destacados no Quadro 4.2, a seguir (caso queira mais informações sobre seus
signi cados e nuances, o artigo da autora é bastante detalhado, e sugere-se,
então, sua leitura para aprofundamento).

Problemas relacionados ao “A oportunidade não é grande o suficiente”


mercado “O mercado não está pronto para seu negócio”
“Falta de (ou fraco) diferencial competitivo”
“Tendências macroeconômicas ou regulatórias desfavoráveis”
“Uma empresa existente, já mais estabelecida, poderia fazer isso (ou
copiar) facilmente”
“Esse meio está congestionado… muitas startups fazendo
similaridades”
Problemas relacionados “Problemas com fundador(es) ou dinâmica dos times”
aos fundadores “Falta pessoa-chave no time”
ou times
“Fundadores não estão ‘vidrados’ na missão
(falta o brilho nos olhos)”
“Falta de foco”
“Alertas quanto à personalidade de pessoas-chave ou questões
comportamentais em geral”
“Desonestidade”
“Times dispersos demais – inclusive regionalmente”
“Referências negativas em geral”
“CEO ou fundador não está convincente”
Problemas relacionados a “Fora de nossa área de atuação geográfica”
investidores da startup ou VC “Simplesmente, não é algo que nos anime”
“Capital intensivo demais para nós”
“Cedo demais para nós (em termos de rodadas de captação, por
exemplo)” / “tarde demais para nós”
“Rodada pequena demais para nós” / “Rodada grande demais para
nós”
“Não consegui convencer meus gestores/
pares do investimento”
“Já vi empresas similares tentarem isso e falharem”
“Expectativas irreais quanto à contribuição e ao papel do VC”
“O negócio compete com uma outra investida do portfólio”
Problemas relacionados à rodada “Cap table problemática”
de investimento “Apresentações e materiais mal acabados (o que poderia sugerir
outras faltas de comprometimento ou seriedade)”
“Questões de valuation”
“Termos indesejáveis”
“Dinâmica de coinvestimento indesejada”
“Tática de levantamento de recursos”
“Você precisa encontrar um investidor líder”
“Pitch despersonalizado e/ou frio”
Questões relacionadas “Falta componente tech”
ao produto ou “Falta produto”
à tecnologia
“Isso é um recurso/função (feature), não um produto em si”
“Produto não funciona”
“Questões de licenciamento/aprovação/patente/etc.”
Problemas de modelo de negócio “Não há tração suficiente”
ou de progresso “Não gostamos do modelo de negócio”
“Não apreciamos o mercado-alvo”
“Preocupações quanto à cadeia de suprimentos”
“Modelo de negócio não escalável”
“Proposição de valor não clara”
“Falta de viabilidade (fragilidade) econômica”
Quadro 4.2: Seleção de razões por que VCs, não se interessam por determinadas startups,
Fonte: Downey (2018),

Note que muitos dos pontos mencionados no Quadro 4.2 permeiam


características qualitativas – e não quantitativas – das startups. Conforme já
mencionado, em especial em estágios iniciais do negócio (super early-stage),
é subjetiva a discussão sobre fatores quantitativos. Nessa hora, os fatores "quali"
reinam.
Esse ponto de vista é absolutamente valioso para auxiliar o empreendedor a
como se fazer enxergar como uma opção “sexy” de investimento para os fundos e
a não cair em algumas armadilhas que poderiam ser evitadas, com alguma
consciência e preparo. Isso envolve compreender esses fatores qualitativos,
extremamente valiosos na indústria de capital de risco.
Em certa ocasião, fui ministrar um treinamento em Fortaleza, e um carismático e
muito querido motorista, Sr. Alexandre – aliás, psicólogo em formação – me
disse: “Professora, os três Ps de uma pessoa de sucesso: Preparo, Paciência e
Persistência”.
Claro, a ideia desses três Ps é elaborada a partir dos conceitos de “Paciência e
Persistência”, de Bill Porter, vendedor norte-americano nascido em 1932, com
paralisia cerebral, o que lhe causou limitações na fala, coordenação motora e
locomoção. Bill Porter trabalhava com venda porta a porta, e sua história chegou
a inspirar o lme Door-to-door. Pode-se, naturalmente, ver aí um fortíssimo
espírito empreendedor.
O último P – Preparo – pode ser um grande diferencial na busca por funding. No
feroz jogo da gestão de caixa e diante da necessidade de levantamento de
recursos, o que ca nítido é:

A startup deve estar sempre – sempre – preparada para levantar


recursos. Mesmo que não esteja em meio a uma rodada de
nanciamento ou sequer esteja buscando recursos agora.
A chave é Preparo.

Quando menos se precisa do dinheiro, é quando ele mais tende a ser


abundante e em melhor posição de negociação para a startup. Para auxiliar nesse
preparo, as observações de Downey (destacadas no Quadro 4.2) são
especialmente importantes. Estejamos conscientes do que os fundos de
investimento mais esperam e, com isso, estaremos muito mais preparados para
sermos vistos como startup “sexy”, criando o senso de desejo do investidor em
participar dessa empreitada.
Com isso, volto meu olhar ao que mais me preocupa nesse cenário. Muito em
virtude de o caixa ser uma “pedra no sapato” do empreendedor, é corriqueiro que
se crie uma dinâmica em que o poder nas negociações se concentre nas mãos
dos investidores. Calma lá. No nal do dia, a referência de valor acaba na
economia real, no emprego, no trabalho, no PIB... nas startups. Recentemente,
houve um lembrete disso com as lições da Crise do Subprime norte-americano,
lembra?
Só que, para tanto, a startup precisa estar preparada – além de ter uma boa
proposta e modelo de negócio, naturalmente. Deixando para a última hora, o
poder de negociação da startup corre o risco de desmoronar, e aí quem manda é
o capital. Nu e cru.

4.5 Considerações finais


Neste capítulo, é importante relembrar a importância de ter um bom
entendimento sobre quanto dinheiro é necessário, e para que esse dinheiro será
usado. Qualquer que seja a fonte do nanciamento, ela irá exigir boas respostas
para essas questões, caso contrário, as condições para o nanciamento serão
menos vantajosas para o negócio, talvez até impeditivas.
Quando for entrar em processos de captação, sugiro que a startup busque ter as
respostas às perguntas que lhe serão feitas, como: “Quanto dinheiro você quer?”,
“O que exatamente você pretende fazer com esse dinheiro?” e, por m, “Qual o
horizonte de tempo em que você imagina que irá consumir esse dinheiro?”. Ao ter
a resposta para essas três perguntas, qualquer que seja a fonte do funding
imediatamente se sentirá muito mais confortável em continuar as conversas com
a empresa.
Deixo-lhe o convite: busque ser você, startup, a decidir qual fonte de dinheiro
você quer. E não qual fonte de dinheiro você tem na mão para já,
necessariamente. O Brasil hoje começa a dar passos para trazer um ecossistema
ao empreendedor que pode ousar começar a formar suas regras de captação, e
não apenas ser um tomador de regras. Sei que estamos engatinhando e há muito
o que percorrer, mas, veja bem, sou uma eterna otimista.

SAIBA MAIS
Caso queira saber mais sobre os assuntos expostos neste capítulo, sugerimos
as seguintes leituras:
1 No capítulo, foi incluída a discussão que sustenta a linha de argumentação proposta neste parágrafo.
2 CREMADES, Alejandro. The art of startup fundraising. New Jersey: John Wiley & Sons, 2016.
3 AICPA – AMERICAN INSTITUTE OF CERTIFIED PUBLIC ACCOUNTANTS. Accounting and valuation guide:
Valuation of portfolio company investments of venture capital and private equity funds and other
investment companies. USA: AICPA, 2019.
4 IBGC – Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. Governança Corporativa para Startups & Scale-Ups.
Portal do Conhecimento IBGC 2019 [Ementa(descrição)]. Disponível em
<https://conhecimento.ibgc.org.br/Lists/Publicacoes/Attachments/24050/IBGC%20Segmentos%20-
%20%20Governan%C3%A7a%20Corporativa%20para%20Startups%20&%20Scale-ups.pdf.> Acesso em: 15
de julho de 2019.
5 METRICK, Andrew; YASUDA, Ayako. Venture capital and the nance of innovation. 2nd ed. New Jersey: John
Wiley & Sons, 2010.
6 Ao longo de toda esta obra, entrevistas com fundos e assessorias de diversos tipos foram mantidas em
caráter con dencial e anônimo, bem como todos os materiais que derivaram dessas entrevistas e bate-papos
em geral. Fica aqui meu agradecimento, novamente, a todos os que gentilmente compartilharam sua
experiência e tempo para a construção deste livro, que visa apoiar o empreendedor e seus negócios.
7 THIEL, Peter; MASTERS, Blake. Zero to one: notes on startups, or how to build the future. New York: Crown
Business, 2014.
8 Peter Thiel chama a esse fenômeno de power of law, em lugar de regra de Pareto, referindo-se ao fato de
que uma mínima quantidade de casos de sucesso (ou às vezes um único caso de sucesso em startups) é
mais vencedor do que todo o restante de sua população.
9 WANG, Chong; WANG, Neng; YANG, Jinqiang. A uni ed model of entrepreneurship dynamics. Journal of
Financial Economics, v. 106, p. 1-23, 2012.
10 A lógica de MOIC descontado seguiria os princípios do payback descontado, para quem for conhecedor do
tema.
11 O próprio guia AICPA (2019, p. 640) explica essa prática no mercado de VCs e PEs.
12 DOWNEY, Sarah A. The real reasons why a VC passed on your startup. Entrepreneur’s Handbook. 10 de
setembro de 2018. Disponível em: <https://entrepreneurshandbook.co/the-real-reasons-why-a-vc-passed-
on-your-startup-917c30103ecb.> Acesso em: 15 de maio de 2019.
PARTE III

FUNDING EVERY-SINGLE-DAY:
como não
morrer na praia
O título deste capítulo é autoexplicativo. Esse ditado apresenta nuances
profundas e essenciais para qualquer negócio, especialmente para startups, em
razão de sua típica característica de maior escassez de recursos. Tais matizes,
apesar de seu altíssimo valor para os negócios, não raras vezes, são colocadas em
segundo plano no processo decisório – ou até esquecidas, por acaso, por
circunstâncias e até por conveniência! Este capítulo destina-se a dar luz a essas
nuances, chamando a atenção dos empreendedores para os riscos da busca por
crescimento acelerado (ou desenfreado) e para a gestão baseada excessivamente
em receitas, bem como para os problemas de olhar apenas lucro – e somente
caixa.
Ao analisarmos os casos reais de startups da atualidade, ca evidente a
presença de alguma miopia no ecossistema, com casos de players de diversos
portes e tipos que negligenciam o real signi cado dos termos receita, lucro e caixa
e as diferenças entre eles.
Essa miopia está associada à busca, a qualquer custo, por receitas. Não me leve
a mal, não estou dizendo que ter receitas não seja bom! Mas ter apenas receitas,
sem lucros, sem caixa... será que é su ciente? Se sim, em que circunstâncias
estratégicas isso é, de fato, orientado à geração de valor? Por quanto tempo? Por
quê?
O objetivo aqui não é aprofundar discussões técnicas sobre o signi cado de
uxo de caixa, mas entender o signi cado desses três pilares (receita, lucro e
caixa) e sua importância estratégica para startups, além de como o negócio
poderia focar cada um deles de forma orientada à real geração de valor, e não à
formação de “espuma”. Vamos discutir:

• Por que a busca por receitas pode ser uma simples vaidade? Por que
ela pode, também, ser inteligente e estratégica?
• Por que analisar lucros é fonte de sanidade?
• Qual é, a nal, a diferença entre lucro e caixa? Por que, no nal do dia,
o caixa é rei?

O ano de 2019 trouxe enormes aprendizados à indústria de startups. Na verdade,


se analisarmos os primeiros 20 anos deste século, é possível perceber um padrão
interessante: o milênio começou em meio à crise “ponto.com” – você se lembra?
Naquela ocasião, perceberam-se inúmeros casos de empresas da internet
supervalorizadas, o que representou, de fato, uma grande “bolha” no setor. Houve
na época uma euforia generalizada que afetou a indústria tech e levou os
valuations praticados para empresas da internet a um valor irracional e
superestimado.
Entretanto, o padrão não parou por aí: a entrada em 2020 trouxe, com os
holofotes da mídia, diversos casos de startups que deixaram a desejar. Um deles
merece especial menção para ns didáticos: o caso WeWork e seus eventos em
2019. Ele foi tão emblemático para o ecossistema de startups que será
aprofundado neste capítulo, com o objetivo de ressaltar algumas das lições
aprendidas. A nal, aprender com lições alheias é melhor, não?

5.1 Receita Vs. Lucro Vs. Caixa


Ao longo do tempo, deparei com alguns empreendedores, “startupeiros”,
investidores, pro ssionais do ecossistema que discordavam da a rmação que é
título do capítulo. A nal, era possível ver toda uma indústria investindo em
negócios sem geração de lucros e caixa. “Olha o Softbank aí”, diziam. “Olha os
vários unicórnios com enormes prejuízos aí!”, diziam. Naquelas ocasiões, era
comum ouvir: “Não é preciso gerar caixa, é preciso apenas conseguir investidores
e subir o valuation para a próxima rodada de captação. Para isso, não precisa de
lucro nem de caixa”. E aí veio o WeWork trazendo evidências de que não é bem
assim.
Antes de mais nada, é importante ressaltar que há casos em que, realmente, o
foco em top line, ou seja, foco em receita, pode ser estratégico e orientado à
geração de valor, conforme discutido no Capítulo 1. Esses casos podem envolver,
por exemplo, outros em que se busca uma estratégia para ganho de participação
em determinado mercado, em um negócio cuja viabilidade econômica tenderá a
mostrar-se altamente lucrativa diante de volumes grandes – ou enormes –, que
hão de ser atingidos em longo prazo. Se essa for uma expectativa razoável aos
olhos dos stakeholders, assim, uma estratégia de curto e médio prazos pautada
em prejuízos é naturalmente aceitável. A última frase apresenta uma premissa
importante, contida na palavra “razoável”.
Outra exempli cação seria o caso em que o negócio não é aparentemente
lucrativo – não é hoje, tampouco dá indícios de que o seja no futuro, com base nas
premissas e tecnologias correntes. No entanto, há expectativa de que o
desenvolvimento tecnológico possa trazer ganhos relevantes de e ciência e,
quando essa tecnologia chegar, possivelmente enorme parte do benefício (ganho
em lucratividade e caixa) serão sentidos pelos players que já estiverem prontos e
posicionados como líderes nos seus respectivos setores. Em algum grau, entende-
se que essa foi a fonte de boa parte dos ganhos do Google e da Amazon ao longo
do tempo, e discute-se que pode ser o caso do segmento de logística e transporte
com o desenvolvimento de tecnologia de carros autônomos, por exemplo. Daqui
para frente, chamaremos esses casos de startups cujo modelo de negócio tenha
efetivamente premissas, de caráter exponencial.
No entanto a dúvida perdura: há um limite de aceitação desses prejuízos e
destruição de caixa? Isso pode perdurar inde nidamente – sem limites?
Inde nidamente... não.
É preciso gerar lucro e caixa. Sim, é preciso! Não necessariamente para ontem ou
para já, mas para algum dia. Quanto mais tempo isso demorar, tanto maior deverá
ser a compensação no futuro – por meio de geração de caixa. Esta compensação
deverá ser grande a ponto de equilibrar não apenas o valor investido no negócio,
mas também o tempo transcorrido até o esperado sucesso. Este último refere-se
ao custo de oportunidade do dinheiro, que poderia estar investido em outras
alternativas, sendo rentabilizado ao longo de todo esse tempo.
Qualquer crença diferente dessa é uma ilusão. Sabemos que a a rmação é forte,
nem por isso deixa de ser real: em algum momento – hoje ou no futuro (mesmo
que seja em uma geração ou mais!) –, o capital haverá de ser remunerado. Isto
pelo menos enquanto vivermos no modelo econômico vigente, e não há motivos
para achar que deixaremos de ser capitalistas tão cedo assim. Sem mais delongas,
vamos lá então!
Nosso tema de discussão será, então, o ditado: "Revenue is vanity, profit is
sanity and cash is king", ou em português: “Receita é vaidade, lucro é sanidade e o
caixa é rei”. Mas você já tomou um minuto para pensar o que exatamente isso
signi ca?
Analisemos essa a rmação em três partes.

Parte 1. “Receita é vaidade”


Em negócios, quem não quer ser maior? Empresas maiores podem ser
associadas pelas pessoas a mais bônus, mais fama, mais reconhecimento e
status... quem sabe, a mais dinheiro? Por isso, existe certa máxima geralmente
aceita de que, nos negócios, quanto maior, melhor. Tenhamos cuidado. Ser maior
está longe de signi car ser melhor. É possível, sim, porém não necessariamente
correto.
Por causa desse mal-entendido, é possível que, ao buscarem mais ganhos, mais
riqueza, mais bônus, as empresas se tornem maiores, porém possivelmente mais
ine cientes e menos lucrativas. O ditado é muito certeiro ao “colocar o dedo na
ferida” e ilustrar uma verdade: em grande parte dos casos, se essa busca por
crescimento e receitas for desenfreada e sem critério, não raras vezes, estará
associada a uma cegueira de sentimentos de vaidade ou ganância. É importante
que exercitemos aqui a humildade: todas as pessoas estão sujeitas a esses
sentimentos – em maior ou menor grau – e, portanto, a essa armadilha.
Quando se trata de startups, ao crescerem e na expectativa de que ser maior
acabará por ser lucrativo ou por levar ao ponto de equilíbrio em algum momento
no futuro, pode acontecer que perdas se acumulem. É comum ouvir frases,
baseadas no senso comum, como: “Por ter mais receitas, o negócio será
exponencialmente valioso, por consequência”. Cuidado! Isso pode ser uma
verdade, porém não necessariamente uma consequência natural do crescimento.
Muito pelo contrário inclusive, é possível, sim, que o crescimento afaste o negócio
de sua viabilidade econômica.
Se o modelo de negócio da empresa não for lucrativo nem houver evidências de
sua capacidade de tornar-se lucrativo nos moldes planejados, então há
considerável chance de que crescer só irá maximizar as perdas se tornar maior – e
nada mais. É preciso, antes, ser viável e saber: tem negócio realmente aqui? Essa
pergunta, por sinal, será mais bem explorada nos próximos capítulos.
Após provada a viabilidade de um modelo de valor, então, sim, vamos crescer
com força. Quando dizemos “provada a viabilidade”, isso para, startups, não
necessariamente signi ca já ser lucrativo antes de crescer, o que seria na prática
uma premissa irreal para diversas delas. Mas signi ca que há bons indícios de que
o modelo de negócio da empresa pode ser economicamente viável (rentável)
mediante crescimento de escalas em nível razoável. Você notou quantas vezes a
palavra “razoável” aparece? Mais sobre a importância desse termo será discutido
nos capítulos sobre valuation.
Esses bons indícios podem vir, por exemplo, da aquisição de clientes que
entendem uma relação de valor no negócio que poderá reverter-se em compras a
preço
viável, ou do atingimento de milestones prede nidos como estratégicos para
lucratividade futura, de provas da existência de demanda que valorize a solução
da startup, entre outros. Ademais, esses bons indícios, para serem sustentáveis
no tempo, não devem ser considerados apenas em nível qualitativo ou teórico,
mas também em exercícios quantitativos que permitam aos agentes olhar qual o
preço mínimo praticado e o nível de demanda necessário para que “a conta
feche”, para ver se são premissas que pareçam razoáveis. Senão, a busca por
receitas maiores será pura vaidade, e (possivelmente) anúncio de grandes perdas.
Falaremos em breve sobre o caso WeWork para tirar algumas conclusões nesse
sentido.

Parte 2. "Lucro é sanidade"


Agora, o lucro, esse, sim, é “algo mais”. Se o seu negócio é lucrativo, ou se você
pode real e honestamente acreditar em um possível ponto de equilíbrio com seu
modelo de negócios, que não depende de nenhum tipo de demanda milagrosa,
então, sim: lucro é sanidade.
A lógica é aparentemente simples: receitas menos gastos igual a lucro. Sendo
assim, temos de vender a um preço mais alto do que nossos gastos totais. Se
zermos isso, teremos lucro. Se não, prejuízo. Simples, não? Apesar de parecer
simples, é comum que as startups não revisem suas estimativas e premissas com
a frequência necessária e acabem investindo grande quantidade de recursos em
negócios não viáveis por muito tempo, antes de perceberem que o modelo de
negócio, como pensado até o momento, não funcionará nem mesmo em cenário
otimista. Após tais perdas, pode ser tarde demais para o negócio recuperar-se, e
dívidas ou frustrações se acumularam a ponto de não haver mais como salvar o
negócio. Game over.
Por isso, aquela lógica aparentemente tão simples pode acabar não
funcionando. Formar preço não é, portanto, tão simples quanto parece. Por formar
preço, re ro-me à arte de saber quanto seu produto/serviço deve custar para que,
dada uma demanda possível, o negócio se mostre lucrativo – hoje ou no futuro.
Saber preci car seus produtos e serviços em startups é tão chave para o sucesso e
para a de nição do modelo de negócio, que teremos dois capítulos adiante
destinados a isso.

Parte 3. "O caixa é rei"


Para entendermos esta parte, é preciso, antes de mais nada, compreender a
diferença entre lucro e caixa. Você já deve ter ouvido falar da história de um
negócio lucrativo que cresceu e morreu no processo, não é? Acontece que existe
uma coisa chamada capital de giro, e mesmo que os empreendedores tenham, em
algum momento, ouvido falar disso, é comum que nem sempre tenham real
domínio de seu signi cado, ou não se lembrem de poupar e antever a necessidade
de investimento para isso.
No nal do dia, lucro não paga as contas. Dinheiro paga as contas. Caixa paga as
contas. Então, veja quão absolutamente essencial é compreender as diferenças e
similaridades entre lucro e caixa. Vamos, agora, aprofundar-nos um pouco mais
nisso.
Nessa altura, imagino que já esteja evidente quão valioso é o foco em lucro e
caixa, e não apenas em receita. Mas agora cabe discutirmos mais tecnicamente
qual é a diferença entre lucro e caixa.
Vamos a algumas de nições iniciais:

• O lucro é apurado pela demonstração de resultados do exercício (DRE) e segue


o chamado regime de competência.

• O caixa é apurado pela demonstração dos uxos de caixa (DFC) e segue o


chamado regime de caixa.

Vou dar a seguir um exemplo de autoria do Prof. Dr. Adriano Mussa, a cuja
explanação tive o privilégio de assistir. Ressalto aqui meus agradecimentos ao
professor, que, sem sombra de dúvida, faz parte do seletíssimo grupo dos
melhores docentes de nanças de nossa nação na atualidade e ensinou-me muito
não só sobre o tema, como também sobre didática.
Veja a seguir um primeiro entendimento geral.
Figura 5.1. Lucro versus caixa.
Fonte: desenvolvida pela autora.

A empresa, no exemplo da Figura 5.1, gerou R$ 30,00 de lucro – vendeu por R$


100,00 algo que lhe custou R$ 70,00 –, portanto gerou riqueza nessa transação na
magnitude de R$ 30,00. Fica evidente que o trabalho feito nesse negócio agregou
valor e gerou potencial.
Agora, não necessariamente todo esse lucro se transformou em caixa no mesmo
período. Vamos ver o caso do primeiro quadrado destacado na gura. É possível
que todos os R$ 100,00 de receita tenham se transformado em caixa no mesmo
período, ou seja, tudo entrou na conta corrente da empresa (exemplo de um
comércio em que a venda foi à vista). No entanto, os R$ 70,00 de custo ainda não
foram pagos a fornecedores, por exemplo, porque a empresa conseguiu negociar
um bom prazo de pagamento. Assim, o uxo de caixa no negócio é de R$ 100,00
positivos – que sonho, não? Vamos chamar esse cenário de
Caso Sonho.
Já no segundo quadrado da gura, tem-se outra situação, bem mais próxima da
realidade de pequenos negócios, diga-se de passagem: a empresa demora para
receber, porque suas vendas a prazo geram um tempo de recebimento das vendas
muito longo; no entanto, ela paga tudo rapidamente a seus fornecedores. O que
acontece aqui é que, apesar de ter havido geração de riqueza no negócio (lucro),
não houve geração de caixa no período! Isso porque o caixa demora mais para
entrar. Chamaremos esse cenário de Caso Vida Real.
Entretanto, há uma in nidade de outras possibilidades entre esses dois casos
extremos, concordam? O que varia entre eles, em essência, são as diferentes
velocidades no tempo. Se a vida da empresa fosse 100% à vista, o lucro e o caixa
seriam iguais no mesmo período! Veja só: todos os R$ 100,00 de receita entrariam
no caixa na mesma hora que os R$ 70,00 de gasto sairiam, de forma que o lucro de
R$ 30,00 seria igual ao caixa de R$ 30,00. Mas a vida não é 100% à vista, pois
existem essas diferentes velocidades – prazos médios – que impactam de forma
diferente lucro e caixa em determinado período de tempo.
Então, vamos começar discutindo a diferença entre o lucro (regime de
competência) e o caixa (regime de caixa), com base no exemplo de um comércio:

___________________________

MINI-CASE: ABRINDO E FECHANDO UM COMÉRCIO


Estime os lucros e o caixa da empresa, para os meses de janeiro e
fevereiro, tendo por base as informações a seguir:
• Em janeiro, a empresa compra R$ 6.000,00 em mercadoria (custo de
aquisição), e todo esse valor é colocado no estoque. O fornecedor exigiu
pagamento à vista para esses R$ 6.000,00.
• Ainda em janeiro, daqueles R$ 6.000,00 que haviam sido comprados,
R$ 4.000,00 são vendidos a clientes. O preço de venda desses R$
4.000,00 foi de R$ 7.000,00. Na negociação com o cliente, a empresa
exigiu recebimento de metade desse valor à vista, e o restante em 30 dias.
• No mês de fevereiro, o restante que tinha sobrado no estoque,
R$ 2.000,00, foi vendido a R$ 3.500,00. No caso dessa venda, 100% do
valor foi recebido à vista.
• A empresa encerra suas operações em fevereiro.
Antes de ver a solução para o exercício, tente preencher a Tabela 5.1, a
seguir.

TABELA 5.1: CONSTRUÇÃO DA VISÃO LUCRO E VISÃO CAIXA.


FONTE: DESENVOLVIDA PELA AUTORA.

Para auxiliar, vou fazer uma sequência de perguntas e sugiro, se


possível, que busque respondê-las em ordem para preencher a tabela.
• Quanto saiu do caixa da empresa em janeiro?
• Quanto a empresa teve de receita de vendas em janeiro? (Observação:
Considere aqui um comércio em que venda, entrega e faturamento
aconteçam no mesmo momento no tempo, e esse momento coincida com
o reconhecimento da receita. Vale a ressalva de que o momento correto
para reconhecimento de receita é aquele em que há a transferência ao
cliente dos riscos, benefícios e controle do produto/serviço.)
• Qual é o custo dessas vendas quanto à receita reconhecida em janeiro
(apenas a parcela efetivamente vendida)?
Nesse momento, você já descobriu o lucro da empresa em janeiro.
• Qual a entrada de caixa da empresa? Dada a venda que já foi feita,
quanto de dinheiro efetivamente entrou no caixa da empresa?
Nesse momento, você descobriu também o uxo de caixa da empresa
em janeiro.
• Agora, vamos a fevereiro: quanto saiu do caixa da empresa em
fevereiro?
• Qual a receita de fevereiro?
• Para o segundo mês, qual foi o custo dessa receita?
Nesse momento, você descobriu o lucro também de fevereiro.

• Quanto entrou no caixa da empresa em fevereiro? Atenção: lembre-se


de que precisamos reconhecer, em fevereiro, tanto a entrada das vendas à
vista do mês 02, quanto os recebíveis a prazo referentes às vendas do mês
01.
Muito bem! Agora, fechamos nosso exemplo, e você deve ter preenchido
a Tabela 5.2, a seguir:

Tabela 5.2: Construção da visão lucro e visão caixa – exercício.


Fonte: desenvolvida pela autora.

___________________________

Vamos, agora, analisar algumas questões interessantes que derivam dessa


análise lucro versus caixa. Nós perguntamos a você: o que é mais importante na
gestão de um negócio? Lucro ou caixa? Veja só: lucro paga alguma coisa? Não.
Caixa paga contas. Então, o caixa é algo sensível e importante a ser analisado.
No entanto, não nos iludamos. Veja o lucro total acumulado na empresa em sua
vida: R$ 4.500,00. Qual o caixa acumulado? Sim, também R$ 4.500,00, e não por
coincidência. Considerando a vida da empresa, ela apenas terá caixa se, antes de
mais nada, gerar lucros! Sim! Isso porque o lucro é o potencial gerado no negócio,
e o caixa nada mais é do que a transformação efetiva de lucro em caixa. Então, o
negócio somente terá caixa se, e apenas se, tiver lucros1.
Fica evidente, portanto, que lucro e caixa são diferentes dentro de um mesmo
período, em virtude dessas diferentes “velocidades” de pagamento, recebimento,
estocagem, produção etc. Pense o seguinte: se a vida da empresa fosse 100% à
vista, todo o lucro gerado seria caixa no mesmo período? Sim! Mas isso não é
verdade, pois a vida da empresa não é 100% à vista. As velocidades estão aí para
lembrar-nos da importância do capital de giro, mais um item tão essencial à
gestão das startups, que terá um capítulo inteiramente dedicado a ele neste livro.
Por todos esses motivos, no nal do dia, o caixa é rei.

5.2 O caso WeWork e suas lições


Após o entendimento conceitual sobre a problemática do capítulo, vamos partir
para a discussão prática. Neste momento, trataremos do tamanho, do
crescimento, das receitas e da perigosa vaidade. Para isso, o caso WeWork é
emblemático, pois seu desenrolar marcou fortemente o ano de 2019 para startups
e, sem sombra de dúvida, trouxe profundos aprendizados, que, em verdade, não
se restringiram a este caso. Acontecimentos relevantes no IPO do Uber, em que o
desempenho da empresa frustrou fortemente expectativas do mercado após a
vinda a público, foi outro case que trouxe lições.
Entretanto, convido você, leitor, a notar a sequência de eventos do case WeWork
selecionada a seguir.

___________________________

O CASO WEWORK – THE WE COMPANY

A empresa WeWork – do grupo We Co. – ensinou muitas lições para


o mundo das startups.
Antes de mais nada, o que a empresa faz? Se você entrar em seu
2
site , verá a seguinte descrição sobre o histórico do negócio: “Quando
abrimos a WeWork em 2010, queríamos construir mais do que lindos
espaços de escritórios compartilhados. Queríamos construir uma
comunidade. Um lugar onde você entra como um indivíduo, 'eu', mas se
torna parte de um grande 'nós'. Um lugar onde estamos redefinindo o
sucesso medido pela realização pessoal, não apenas pelos resultados. A
comunidade é o nosso catalisador”.
Já surge aqui uma palavra importantíssima, em torno da qual muitos
dos problemas nasceram. Qual é ela? Comunidade. Sim, comunidade. Eu
pergunto a você: como se precifica uma comunidade?

É sequer possível? Pois é, é, sim, muito difícil, e muito subjetivo. E,


como é bom lembrar, sempre que há alta subjetividade em jogo, a
discussão sobre valor (ou valor justo) torna-se muito mais difícil. Mesmo
assim, muito da tese da empresa construiu-se em torno dessa tal
“comunidade”.
Após todos os problemas vivenciados pela tentativa de IPO da
WeWork em 2019, muitas críticas surgiram a seu modelo de negócio, e a
empresa, que, em linhas gerais, tinha como macro-objetivo criar espaços
compartilhados de trabalho fazendo uso de comunidade, foi definida de
diversas formas diferentes. Alguns exemplos que me chamaram a
atenção ao longo do tempo: um negócio de real estate precificado como
uma empresa de tecnologia exponencial, ou um “Starbucks” remunerado
por modalidades de locação em vez de por produtos – na lógica de que é
um espaço em que se pode trabalhar, interagir com outras pessoas, com
internet e cafés. Nota-se a nítida confusão em relação a um princípio
básico da empresa: afinal, o que é o seu modelo de negócio?
Vale mencionar que, especialmente a partir de 2015, a empresa
promoveu maior crescimento e diversificação por meio de aquisições,
abrindo outras frentes de negócio, a fim de transformar a We Co., entre
as quais havia negócios de educação, locação e outros. Posteriormente,
em meio a críticas, diversos desses negócios foram vendidos ou
descontinuados com o objetivo de aproximar a empresa da tão sonhada e
distante lucratividade em seu core business. Veja a seguir uma linha de
alguns dos principais eventos selecionados do case:

• Agosto de 2019: WeWork formaliza seu IPO, previsto para setembro


No início de 2019, a empresa fez uma captação de investimentos
com o fundo japonês Softbank, em valuation privado da transação que
estabeleceu o patamar de US$ 47 bi. Antes da formalização dos
documentos oficiais da empresa na Security Exchange Commission – SEC
(agência reguladora do mercado de capitais nos Estados
Unidos), chegava-se a falar em US$ 50 bi, ou até mais, quando se
pensava no IPO da empresa.
Até aí, tudo – ou muito – eram rosas.

• Nem tudo são rosas: críticas explodem nas mídias


Acontece que os documentos oficiais publicados pela empresa para
solicitação do IPO não trouxeram boas perspectivas ao mercado.
Inúmeros problemas e fortes críticas à empresa começaram a aflorar. É
possível destacar três grandes grupos de críticas que a mídia fez à
WeWork:
(i) resultados, apresentados pela empresa, com elevadíssimas
perdas, acompanhados de descrença no fato de que o modelo de negócio
fosse capaz de originar lucratividade;

(ii) consideráveis problemas de governança corporativa;

(iii) críticas específicas em relação ao cofundador e CEO, Adam


Neumann.

Vamos começar pelo primeiro problema das finanças da empresa –


que, tendo em vista o objetivo deste livro, eu diria ser o que mais merece
atenção. O Gráfico 5.1, a seguir, foi construído com base nas informações
disponíveis no prospecto de IPO, protocolado por The We Company na
SEC.

GRÁFICO 5.1: RECEITAS E PREJUÍZOS HISTÓRICOS DA WEWORK.

FONTE: DESENVOLVIDO PELA AUTORA, A PARTIR DE DADOS DE COMPANY

FILLINGS – SEC.

Tome um segundo para analisar esses números. Você se sente


confortável em investir nessa empresa, com um valuation de US$ 47 bi,
sabendo que no último ano a empresa teve receita de US$ 1,8 bi,
enquanto experimentou prejuízo líquido de US$ 1,9 bi? Sabendo também
que esse padrão não foi pontual: ele ocorreu em 2017, quando o prejuízo
foi maior do que as receitas: US$ 886 mi de receita para US$ 933 mi de
prejuízos! Ao analisar os dados mais recentes, referentes ao primeiro
semestre de 2019, percebe-se que as grandes perdas continuam: em
apenas metade do ano, acumularam quase US$ 1 bi (prejuízo de US$
904 mi no primeiro semestre do ano de IPO)!
Como se não bastasse esse cenário, a empresa ainda carrega certa
má reputação em relação à criatividade em métricas contábeis gerenciais.
O caso do Ebitda ajustado por comunidade (community-adjusted Ebitda),
publicado pela empresa em 2018, foi um marco na novela. Nele, eram
feitos inúmeros ajustes ao Ebitda tradicional que acabaram por inflá-lo
sobremaneira, o que deixou o mercado inseguro quanto às métricas
gerenciais que a empresa divulgava. No documento S-1 protocolado na
SEC em seu pedido de IPO, uma métrica parecida com aquele Ebitda
ajustado por comunidade foi publicada: a “margem de contribuição
ajustada”, em que, para seis meses de 2019, a empresa conseguiu
transformar um prejuízo operacional de US$ 1,37 bi em uma “margem de
contribuição ajustada” de US$ 0,34 bi positivos. Por mais que haja
justificativas, essa “criatividade” em medidas gerenciais não promove
muita transparência na prestação de contas ao potencial novo investidor.
Diante desse cenário de perdas tão bruscas, o mercado começou a
questionar-se fortemente: Será que, de fato, existe valor aqui? Será que
existe potencial de geração de resultados nesse negócio? Afinal, como é
mesmo o modelo de negócio da empresa? Será que ele dá sinais de
capacidade de gerar lucros?
As perdas elevadíssimas, unidas às fortes dúvidas em relação ao
modelo de negócio, foram assustadoras para o público. Um verdadeiro
wake up call.
Voltemos os olhos agora aos segundo e terceiro problemas,
relacionados às críticas sobre governança corporativa e outras
direcionadas pessoalmente a Adam Neumann. Os documentos
protocolados em IPO chamaram a atenção para aquela típica mistura
entre pessoa física e jurídica. Por exemplo, alguns dos imóveis alugados
pela The We Company pertenciam ao cofundador Adam Neumann, o que
seria um nítido potencial conflito de interesses. Além disso, ao longo do
tempo, a empresa fez diversos empréstimos a executivos, incluindo
Neumann, muitos dos quais foram, de fato, repagados pelos executivos, e
alguns eventualmente perdoados.
Ainda nesse cenário de problemas de governança e conflitos de
interesses entre pessoa física e pessoa jurídica, surgiram críticas de que
o WeWork havia remunerado aproximadamente US$ 6 mi a Neumann
pelo direito de uso da marca We no movimento de alteração do nome
para The We Company. Em sequência a essas críticas e diante das
pressões, ele devolveu à empresa US$ 5,9 mi.
Vale lembrar que Neumann retirou US$ 700 mi da empresa por meio
de opções de venda de algumas ações e empréstimos antes do IPO, em
julho de 2019, conforme divulgado pelo The Wall Street Journal3.
Especialmente, levando-se em conta que o IPO estava tão próximo, o
movimento é questionável em volume tão elevado, pois sugere que o
CEO estaria considerando a empresa superavaliada naquele momento, já
que o usual seria esperar por esse tipo de movimentação após o IPO.
Também não foi bem recebida pelo mercado a informação de que,
em caso de impossibilidade de Neumann continuar exercendo suas
funções na empresa, sua esposa – Rebekah Neumann – junto com mais
duas pessoas, seria a responsável por indicar um sucessor. Esse plano
de sucessão não foi bem recebido pelo mercado, especialmente por fugir
de práticas mais geralmente aceitas de o board da empresa decidir os
rumos da instituição nessa eventualidade. O trecho a seguir destaca o
disposto no documento sobre o tema:

• Bruce Dunlevie and Steven Langman, who are currently members of our
board of directors and members of our compensation and nominating committee, to the
extent they are then serving as our directors, will serve on this selection committee with
Rebekah Neumann (with the size of the committee fixed at two or three, as applicable); and
• if neither Bruce nor Steven is then serving as one of our directors, Rebekah
will choose one or two board members who are serving at the time to serve on this selection
committee with Rebekah (SEC, 2019, p. 198)4.

Além desse trecho, diversas outras passagens do documento


chamaram a atenção para o fato de que o cofundador detinha enorme
poder e controle sobre o negócio, além de íntima relação familiar
envolvida na instituição. Vale mencionar que sua esposa – Mrs. Rebekah
– também cofundadora da empresa, desempenhava diversas funções –
entre elas, a de CEO da escola do grupo WeWork, sabidamente um dos
negócios da empresa que ilustram o desejo de ser um grupo diversificado
de negócios, e não focado em seu core business de espaços de coworking5.
Ainda no que se refere aos embates sobre governança corporativa,
cabe mencionar também as críticas sofridas por falta de liderança e
representatividade feminina, às quais a empresa respondeu convidando a
Profa. Frances Frei, da Harvard Business School, para formar parte do
Conselho de Administração.
Não bastassem esses diversos sinais controversos, houve ainda um
terceiro grupo de problemas associados a críticas feitas ao estilo de
gestão de Neumann: sua exuberância e megalomania, além de
considerações em relação ao seu chamado party style e ao fato de haver
consumido marijuana em avião privado em uma viagem a Israel com
amigos, conforme ressaltado por notícia do The Wall Street Journal6, em
setembro de 2019, considerada um marco, quase a cereja do bolo, de
todo o tumulto em torno do caso WeWork.

• 17 de setembro de 2019: The We Company posterga o IPO


Diante das intensas críticas ao cofundador e CEO da empresa, bem
como das graves dúvidas em relação ao IPO da empresa, suas finanças,
seu modelo de negócio e seus aparentes problemas de
governança corporativa, a empresa oficialmente posterga seu IPO.
Curiosidade: sabe quando o mercado de ações está sob fortíssima
queda, com os preços despencando e as ações desmoronando em valor,
em um claro derretimento – talvez até exagerado e irracional – e as
bolsas de valores congelam negociações? Esse processo é conhecido
como circuit breaker e seu objetivo é suspender as negociações em uma
tentativa de oferecer tempo aos investidores para acalmarem seus
ânimos e promoverem negociações racionais.
Vou lhe propor uma reflexão: você acredita que essa decisão de
postergar o IPO pode ter tido um objetivo similar, do tipo: “Vamos parar de
pensar em IPO, pois nitidamente o valuation caiu para menos de 50% do
que falávamos, então, melhor parar de pensar a respeito por hora, e
amanhã os ânimos se acalmam”. Será que foi isso?
Não exatamente. Nas semanas que se seguiram aos
acontecimentos citados, o valuation da empresa continuou despencando,
o que ilustra que essa forte perda de valor – de US$ 47 bi para perto de
US$ 20 bi – não foi uma queda irracional. Foi, sim, apenas o início de
uma correção, pois o que estava completamente irracional e insustentável
eram as suposições anteriores. A queda não foi irracional. A escalada do
valuation para o patamar elevado é que o foi. Assim, o valuation seguiu,
então, em queda.

• 24 de setembro de 2019: The Wall Street Journal anuncia que Adam Neumann sai
da posição de CEO, mas ainda permanece no Conselho de Administração
Após semanas turbulentas e diversas críticas a Neumann, ele deixou
a posição de CEO, sendo sucedido por dois co-CEOs: Artie Minson e
Sebastian Gunningham. Nesse momento, já fora formalizada pela
empresa a missão dos co-CEOs, entre outros aspectos, de agir de forma
a aproximar a empresa de um cenário lucrativo. Nesse sentido, foi
tomada decisão de promover cortes de pessoal visando à equalização de
tão relevantes perdas financeiras da startup. Antes do final do mês, a
empresa já comunicava também a postergação indefinida do IPO.
Nessa ocasião, Adam Neumann ainda manteve sua posição como
chairman, bem como relevante influência – apesar de já um pouco reduzida
– e direito ao voto na empresa.

• Outubro de 2019: muitas mudanças


Após a decisão final de não haver nenhum IPO em 2019, ainda há
de se identificar como agir daqui para frente. Nesse momento, foi feita
transação que custou ao Softbank aproximadamente US$ 8 bi, cinco dos
quais relacionados a pacote de financiamento e três associados à
aquisição de controle de outros investidores. Nessa transação, o fundo
japonês assegurou 80% de controle na empresa.
Além disso, visando retirar poder de influência e controle do ex-CEO
Adam Neumann, o Softbank ofereceu-lhe um pacote de saída que foi
descrito pelo The Washington Post7 como “uma lição sobre dar aos fundadores
muito controle”. Como um todo, o pacote aproximou-se de US$ 1,7 bi em
troca de sua saída da presidência do conselho de administração, bem
como renúncia ao direito de voto.
Se falarmos em um valuation em torno de US$ 8 a 10 bi, diante das
discussões anteriores de US$ 47 bi, isso é uma perda de valor de
aproximadamente 80%. De todo modo, voltamos a repetir: a queda não
foi irracional. Essa perda absurda de valor foi apenas a correção de um
relevante otimismo em premissas, que levou o patamar de avaliação do
negócio aos US$ 47 bi, sem lucratividade ou modelo de negócios que
sustentasse esse valor – seja presente, seja futuro. Cabe mencionar que
o negócio da WeWork não aparentava ter aquelas premissas essenciais a
um negócio exponencial, já mencionadas no início do capítulo. Aliás, se
você visitar informações públicas do Softbank sobre seu portfólio,
perceberá a empresa enquadrada como negócio imobiliário – categoria
real estate –, o que sugere um componente elevado de crescimento linear
no negócio, e não tão exponencial.

• Austeridade, busca por eficiência e cortes


Em novembro, visando à reestruturação de gastos, à redução de
prejuízos e ao aumento de eficiência, a empresa iniciou forte programa de
demissão global, anunciado em 2.400 postos de trabalho (algo próximo
de 17% de seu volume de profissionais).
O esforço faz parte de diversas decisões dos co-CEOs para buscar
maior eficiência e aproximar a empresa de cenários mais próximos de
lucros. Aliás, o caso WeWork é considerado como uma lição na indústria
de startups, e diversas investidas do Softbank inclusive apresentaram
fortes cortes de pessoal nos meses subsequentes ao caso ilustrado aqui,
certamente sob influência desse aprendizado.
___________________________

Um comentário sobre o caso que acho importante salientar: Neumann foi


bastante criticado publicamente pela mídia, possivelmente com razão. Ainda
assim, quando digo “criticado”, estou usando um eufemismo: ele foi realmente
bombardeado.
O que me incomodou na condução do caso foram as poucas críticas aos
investidores que permitiram que a “bolha” WeWork chegasse a esse tamanho e
ainda mais tão próxima do público por meio de um IPO. Apesar de o cofundador ter
levado boa parte da má reputação (choque que certamente foi acolchoado pelo
farto pacote de remuneração de US$ 1,7 bi recebido), é preciso reforçar que ele
não fez nada sozinho. Apesar de seu carisma, somente carisma não é o su ciente
para levar o negócio ao crítico patamar de valuation in ado a que chegou.
Certamente, os investidores de maior porte dessa operação poderiam ter
consciência – e maior parcela de responsabilidade pública, em minha visão –
sobre o tamanho da “bolha” praticada. É claro que as perdas nanceiras no nal
do dia foram principalmente deles, então digamos que sua parcela de “culpa”
deve ter cado bem clara nesse sentido, mas certamente saíram com poucos
respingos reputacionais, o que, segundo minha visão, poderia ter sido mais
salientado nas mídias.
Re ita comigo um segundo: você enxerga as relações do caso com o problema de
vaidade e foco desenfreado e exclusivo em crescimento de receitas?
Certamente, podemos aprender algumas lições disso tudo, como:

• Cuidado com a ânsia de crescer a qualquer custo visando gerar receitas. É


importante que o crescimento esteja sustentado em um modelo de negócio que
tenha nítida capacidade de tornar-se lucrativo, mesmo que no futuro. Lembre-se:
antes de crescer desenfreadamente, focando apenas receitas, é preciso validar o
modelo de valor! Primeiro, modelo de valor (o que envolve, inclusive, identi car
se esse modelo tem potencial lucrativo ou não). Conforme mencionado
anteriormente, isso implica ter expectativas de capacidade real de geração de
lucros, e não necessariamente já ter lucros, especialmente em negócio cujo
comportamento tenha características de exponencialidade. Apenas em segundo
lugar, passamos então ao modelo de crescimento.

• Cuidado com a confusão entre pessoa física e pessoa jurídica. Este é um


con ito clássico em pequenas empresas e um tanto recorrente no Brasil. O caso
WeWork, contudo, ilustra bem que esse não é um “privilégio” nosso, acontece no
mundo inteiro. Conforme a empresa vai evoluindo, isso pode dar fortes sinais de
alerta em relação às práticas de governança corporativa da empresa. Para
startups, esse tipo de alerta pode custar muito caro ao negócio, elevando
sobremaneira o custo de captação de sua empresa com seus investidores, que
certamente serão mais receosos para investir nesses cenários.

• Valorizemos a transparência nas relações entre os stakeholders. Aquela


criatividade na métrica Ebitda ajustado por comunidade, assim como outras
tantas formas adotadas pelo case para tentar justi car os enormes prejuízos
sofridos , podem di cultar o storytelling da empresa ainda mais.

Provavelmente não por coincidência, após esses eventos do WeWork (bem como
algumas outras perdas fortemente veiculadas pela mídia, como as relacionadas ao
Uber e o desempenho aquém do esperado após seu IPO, além de outros casos), a
indústria como um todo apresentou relevantes mudanças de postura em relação a
seus investimentos em startups. As lições foram tão fortemente aprendidas a
ponto de lermos a seguinte manchete:

Figura 5.2. Manchete de jornal que ilustra sobre casos de startups 2019.
Fonte: The New York Times, 2019.

A reportagem de Erin Gri th, datada de 8 de outubro de 2019, foi publicada no


The New York Times8. Em português, lê-se: “O Vale do Silício está tentando um
novo mantra: gere lucros. Investidores em startups estão alertando para um acerto
de contas após os tropeços de algumas startups ‘unicórnios’ famosas. Agora, tem
que gerar lucro”. Até então, a ênfase no ecossistema estava fortemente pautada
em receitas, e menor peso era atribuído à lucratividade. Não que esta não fosse
discutida, mas certamente ocupava um segundo plano nas discussões. Como
resultado, o comportamento das startups estava, da mesma maneira,
excessivamente voltado a crescimento de receitas – em alguns casos a qualquer
custo.
Essa mudança de foco de receitas para lucros demonstra que alguns cases – e,
sem sombra de dúvida, o WeWork foi um líder em aprendizagem – estimularam
toda a indústria de startups a retomar certa austeridade em relação aos
investimentos. Por austeridade, re ro-me, em verdade, a algo muito básico: o
capital (dinheiro) precisa, sim, ser remunerado. Com lucros. Com caixa! Hoje ou em
algum momento no futuro, com expectativas reais de que acontecerão. No m do
dia, egos, status, receita, leads, likes, compartilhamentos, seguidores..., nada
disso remunera o capital. Ganhos nanceiros – geração de caixa saudável, vinda
de lucros – estes sim, remuneram o capital.
No dia 12 de janeiro de 2020 – praticamente no aniversário de duas décadas da
"bolha ponto.com", por sinal –, lê-se o seguinte trecho sobre o Softbank, em
reportagem da Plataforma Pitchbook9: “More than 10% of the companies in
SoftBank's Vision Fund portfolio have recently laid o workers, according to various
company announcements and media reports”.
A frase ilustra como a ênfase em lucratividade estava em segundo plano até
então. A possibilidade de promover cortes em tão larga escala sugere a existência
de ociosidade nos recursos orientados a crescimento tão acelerado.
Kewin Dowd, autor do artigo, cita três exemplos: Zume (startup de
compartilhamento de carros que captou até o momento US$ 300 mi em rodada
liderada pelo Softbank em 2018), que anunciou decisão de possivelmente cortar
150 pessoas (aproximadamente um terço de seus colaboradores); Rappi (startup
de entrega de mercadorias, em que o banco investiu US$ 1 bilhão), que demitiu
6% de seus colaboradores – ainda que a empresa reforce que a decisão não tem
nenhuma relação com seu investidor ou sua in uência; por m Oyo (operadora de
hotéis bastante relevante, especialmente na Índia e China), que já havia cortado
1.800 colaboradores e esperava cortar ainda mais.
Esses podem ser exemplos de choques de consciência de que, no nal do dia,
não bastam apenas promessas e receitas. Lucro e caixa são, sim, importantes. Por
um segundo, o mundo pode se esquecer disso, mas não, por muito tempo.
É importante notar que há um forte componente da já mencionada vaidade no
caso WeWork, não apenas do fundador, mas de todos os agentes que, ao longo da
história da empresa, apoiaram a ida do valuation para o patamar de US$ 47 bi – na
melhor das intenções ou não. Ficou evidente que a lucratividade do negócio, bem
como sua capacidade de apresentar um modelo de negócio que parecesse ter
potencial lucrativo, simplesmente não sustentavam tal valor. No entanto, a busca
por novas receitas era absolutamente intensa, não apenas exaurindo o fôlego – e
caixa – para crescer no próprio segmento, mas também diversi cando o grupo
para outros segmentos de forma aparentemente precoce, dada a ainda
imaturidade do core business.
Entretanto, é possível compreender, até certo ponto. Para quem atua nesse
ecossistema, todo dia é uma emoção. Um vendaval de emoções inclusive. Por
isso, nas nanças comportamentais, sugere-se que, ao se testarem um novo
modelo de negócio e suas premissas, o ideal seja pedir opiniões não apenas
àqueles que você acredita que enxergarão em seu negócio um bom potencial, mas
também àqueles que você acredita que discordarão fortemente disso.
Esses “mensageiros do apocalipse” irão lhe prover o contraponto que, muitas
vezes, falta aos que estão forte e intensamente envolvidos pelo projeto. Isso lhe
será absolutamente valioso para ponderar suas premissas – seja para decidir
seguir em frente com ainda maior consciência, seja para pivotar seu negócio.

5.3 Há bons exemplos? Mas é claro!


Recentemente, deparei com um levantamento publicado também por Kevin
Dowd10. Nos grá cos a seguir, é possível enxergar três valores para cada empresa:
(i) último valuation privado, antes de a empresa seguir para sua IPO; (ii) valor de
mercado nal no IPO; e (iii) valor corrente de mercado, em 3 de janeiro de 2020.

Grá co 5.2: Dados de valuation privado, IPO e valor corrente para empresas selecionadas.
Fonte: Dowd (2020).

Ficam evidentes alguns casos de ganhos após o IPO, bem como outros mais
decepcionantes. Chamo atenção para o fato de que as datas de IPO são diferentes
entre as empresas citadas e não foi encontrada evidência de correção por in ação
nos números. Ainda assim, especialmente considerando baixas taxas
in acionárias de mercados maduros, é possível identi car macrotendências nos
números, que ressalto a seguir.
Como já mencionado, o caso Uber chama especial atenção: note que o valor de
mercado atual da empresa (após IPO), preci cado pelo mercado, está
consideravelmente abaixo não apenas do valor de IPO, mas também do valuation
privado. O que isso signi ca? Que, possivelmente, mesmo os investidores
privados, antes do IPO, superestimaram o valor do negócio. O caso Lyft, por sua
vez, apesar de também ter perdido bastante valor de mercado após o IPO, ainda
está com seu valor preci cado em nível similar àquele de nido pelo valuation
privado.
Sim, houve, portanto, muita expectativa frustrada no caso Uber e é interessante
ressaltar uma questão que o diferencia enormemente do WeWork apresentado: no
Uber, há evidência de potencial exponencialidade no negócio, principalmente em
razão de seu componente tecnológico. Além disso, há a discussão sobre como
eventual
avanço em tecnologias de carros autônomos poderia trazer ganhos no futuro à
empresa. Essas são questões qualitativas do setor que podem permitir ao analista
aceitar menor lucratividade no curto prazo, esperando ganhos no longo prazo.
Se observar os cases Zoom Video, Beyond Meat, CrowdStrike e Peloton, também
nos Grá co 5.2, as histórias são mais belas. Grandes retornos e (pelo menos até o
momento) sustentáveis. Ressalto essas startups para evidenciar que há também
casos de sucesso que proporcionaram relevantes ganhos aos investidores – tanto
privados como após o IPO. Que tal ver alguns detalhes desses cases de sucesso?
Foi incluído, a seguir, um indicador para auxiliar a comparação dos cases: a
margem líquida, que é apurada da seguinte maneira: lucro líquido/receita líquida.
Suponha, portanto, uma margem líquida de 20%: isso signi ca que a cada R$
100,00 de receita que uma empresa tem, sobram-lhe R$ 20,00 de lucro. Uma
margem líquida negativa em 10%, por sua vez, indica um prejuízo de R$ 10,00 a
cada R$ 100,00 de receita. Os dados de margem líquida foram apurados
considerando os três primeiros trimestres de 2019 para cada empresa.
TABELA 5.3: DADOS DE LUCRATIVIDADE E OUTROS SOBRE EMPRESAS SELECIONADAS.
FONTE: DESENVOLVIDA PELA AUTORA COM BASE EM INFORMAÇÕES DISPONÍVEIS EM PORTAIS DE RELAÇÕES COM INVESTIDORES DAS
RESPECTIVAS EMPRESAS.

Cá entre nós, seria uma coincidência que os IPOs com melhor desempenho –
entre os selecionados na Tabela 5.3 – sejam exatamente os que apresentam
melhor lucratividade (margem líquida) da amostra? Não, não é uma coincidência,
tampouco é uma coincidência a empresa Uber ser a de pior lucratividade no
período.
No entanto, outro aspecto chama a atenção: é possível perceber que há, sim,
várias empresas com bom desempenho após o IPO, mas que ainda não
apresentam lucros. Então, isso é possível? Sim. Vamos re etir um pouco.
Há quem discuta a importância do caso Amazon sobre esse fenômeno. Se você
visitar hoje os relatórios de publicação de resultados dessa empresa, verá o tipo
de organização que faz os olhos brilharem: lucrativa, boas margens, geração de
caixa operacional, boa rentabilidade. Que belo case para inspirar startups! De
quem “chegou lá”, e não parou de avançar, porém foi sempre assim? Não, não foi.
Antes de chegar a esse ponto, a Amazon passou praticamente por uma década e
meia de prejuízos trimestrais, ou lucros ainda sem sustentação, porém hoje a
opinião geral a entende como um caso de sucesso.
Qual é a diferença então? Por mais que a discussão “dê pano para manga”, a
diferença resume-se à construção de um modelo de negócio que, no longo prazo,
permitisse à empresa tamanha hegemonia, escala e poder, que os lucros futuros
compensariam, de fato, os investimentos. Note: a questão não é ter
necessariamente lucros. É ter fortes evidências de que um modelo de negócio
consistente, com a devida escala, fará com que a empresa seja, sim, capaz de
gerar tantos lucros a ponto de rentabilizar o investimento ao longo do tempo.
No entanto, cuidado: não há espaço para muitas Amazons e Googles no mundo,
e uma planilha de Excel aceita qualquer coisa. Por isso, minha sugestão: foque
lucratividade e geração de caixa, não para daqui a dez anos, mas para o mais
rápido possível, porque isso é capaz de provar a viabilidade econômica do modelo
de negócio da empresa. Se car evidente hoje (não só para você, mas para os
outros também) que seu negócio tem claro potencial futuro de ser lucrativo, bom
sinal. Isso envolve, entre outros: produto viável, mercado consumidor claro e
escalável, produto capaz de monetizar seu valor percebido – transformando essa
percepção de valor em dinheiro efetivo, ou seja, “alguém pagando a conta no nal
do dia”, a ponto de gerar lucros, premissas que sustentem a existência de negócio
exponencial etc.

___________________________
CURIOSIDADE
Precisamos ter cuidado com os relatórios publicados pelas empresas. Já
ouviu falar no efeito framing? Oriundo de estudos da Teoria do
Prospecto, de Kahneman e Tversky, esse efeito diz respeito ao fato de
que a forma como determinada problemática é apresentada ao indivíduo
in uencia, por consequência, sua percepção e sua decisão. Por isso, os
relatórios das empresas tendem a supervalorizar notícias boas e a
colocar nas entrelinhas – ou no rodapé, ou meio escondidas entre outras
informações – as notícias ruins.
Acho isso curioso, pois a Amazon, por exemplo, abre seus relatórios
trimestrais já mostrando a geração de caixa, como quem diz: “Veja, não
tenho nada a esconder, gero caixa, sim!”. Já as demais empresas
mencionadas anteriormente deixam o relatório de geração de caixa para
o nal. Quem sabe o leitor se cansa antes de chegar lá e vê apenas a
receita, não é?
Isso não é fraude nem mesmo má-fé. Trata-se apenas de selecionar
estrategicamente o que os olhos do leitor verão primeiro, buscando fazer
com que vejam antes boas notícias. Eu certamente faria o mesmo. Você
não?
Então, ca a dica: quando você for ler informações publicadas por
qualquer empresa ou pessoa, tenha o cuidado de cavar um pouco mais
fundo. Procure ativamente possíveis informações que possam estar em
menor evidência, porém que sejam relevantes para sua decisão.

___________________________

5.4 Considerações finais


Vamos retomar então o famoso ditado: “Receita é vaidade, lucro é sanidade e o
caixa é rei”.
Tenhamos cuidado com o crescimento a qualquer custo, visando unicamente à
geração de receitas. As lições do caso WeWork demonstram os riscos de cairmos
nessa armadilha, cegos pela ânsia do crescimento.
Em relação ao lucro e ao caixa: conforme vimos, no nal do dia, diz-se que as
empresas têm sanidade ao olhar o lucro. É aqui que se percebe se o negócio
agrega ou destrói valor. Também se percebe, em teoria, se a empresa vende mais
caro do que lhe custa existir. Além disso, lembre-se: numa startup não
necessariamente é preciso ter lucro no curto ou curtíssimo prazo, mas, sim, pelo
menos um modelo de negócio consistente que sugira capacidade de geração de
tal lucratividade, sem que isso ex a um absurdo de imaginação ou demasiados
golpes de sorte.
No entanto, o que paga suas contas é o caixa, e não o lucro. Daí, a última
a rmação: “o caixa é rei”. Além disso, cabe mencionar que o lucro é uma métrica
contábil, mensurada pelo chamado regime de competência. Em virtude de sua
so sticação contábil, há muitas startups que, em seus estágios iniciais, não têm
contabilidade formal em tempo hábil para tomada de decisões. Como se isso não
bastasse, diante da escassez de recursos típica de startups, é uma decisão mais
conservadora atuar com lupas em cima do caixa.
Então, como sugestão prática, especialmente nos estágios iniciais de vida da
empresa, dedique mais esforços a fazer a gestão de uxos de caixa da empresa,
inclusive trabalhando com projeções para os períodos futuros.
Para isso, são necessários outros conceitos de nanças, que serão trabalhados
nos próximos capítulos. Esperamos que, a essa altura, esteja evidente o real
signi cado desse ditado, e sua especial importância para a subjetividade e
incerteza das startups. Não se esqueça: “Receita é vaidade, lucro é sanidade e o
caixa é rei”.

SAIBA MAIS
Caso queira aprofundar discussões sobre os temas do capítulo, sugerimos as
seguintes leituras:

1 Cabe mencionar que, em alguns casos especí cos, em especial aqueles de empresas com muitas práticas de
hedge accounting e uso de instrumentos nanceiros, é possível que haja elementos que impactem lucros,
porém não caixa, e vice-versa. Especialmente, esses efeitos podem ser encontrados na demonstração de
resultados abrangentes (DRA). Como essa discussão foge ao escopo deste livro e costuma ter menor
pertinência para startups e PMEs, além de tangenciar questões muito avançadas dentro de instrumentos
nanceiros, negócios internacionais e outras questões excessivamente especí cas , não nos aprofundaremos
mais.
2 WEWORK. Disponível em: https://www.wework.com/pt-BR/mission. Acesso em: 28 de janeiro de 2020.
3 BROWN, Eliot; FARRELL, Maureen; DAS, Anupreeta. WeWork Co-Founder Has Cashed Out at Least $700
Million Via Sales, Loans. The Wall Street Journal, 18 de Julho de 2019. Disponível em: https://www.wsj.
com/articles/wework-co-founder-has-cashed-out-at-least-700-million-from-the-company-11563481395. Acesso
em: 28 de janeiro de 2020.
4 SEC – SECURITIES AND EXCHANGE COMMISSION. Form S-1.14 de Agosto de 2019. Disponível em:
https://www.sec.gov/Archives/edgar/data/1533523/000119312519220499/d781982ds1.htm. Acesso em: 28
de janeiro de 2020.
5 BROWN, Eliot; CIMILLUCA, Dana; BENOIT, David; FARRELL, Maureen. WeWork’s Adam Neumann Steps Down
as CEO. The Wall Street Journal, 24 set. 2019. Disponível em: https://www.wsj.com/articles/neumann-
expected-to-step-down-as-we-ceo-11569343912?mod=breakingnews&ns;prod/accounts-wsj. Acesso em: 28
de janeiro de 2020.
6 BROWN, Eliot. How Adam Neumann’s Over-the-Top Style Built WeWork. ‘This Is Not the Way Everybody
Behaves.’ The Wall Street Journal, 18 de setembro de 2019. Disponível em: https://www.wsj.com/articles/this-
is-not-the-way-everybody-behaves-how-adam-neumanns-over-the-top-style-built-wework-11568823827?
shareToken=st3fcd4c5c55d94 c80b5721a8aa6 a2. Acesso em: 28 de janeiro de 2020.
7 McGREGOR, Jena. Adam Neumann’s billion-dollar exit package from WeWork is a lesson in giving founders
too much control. The Washington Post, 24 de outubro de 2019. Disponível em:
https://www.washingtonpost.com/business/2019/10/24/adam-neumanns-billion-dollar-exit-package--
wework-is-lesson-giving-founders-too-much-control/. Acesso em: 24 de outubro de 2019.
8 GRIFFITH, Erin. Silicon Valley Is Trying Out a New Mantra: Make a Pro t. The New York Times, 8 de Outubro de
2019. Disponível em: <https://www.nytimes.com/2019/10/08/technology/silicon-valley-startup-
pro t.html.>Acesso em: 15 de outubro de 2019.
9 DOWD, Kevin. 9 big things: SoftBank-backed layo s are everywhere. Pitchbook,12 de Janeiro de 2020.
Disponível em: <https://pitchbook.com/news/articles/9-big-things-softbank-backed-layo s-are-everywhere.>
Acesso em: 15 de janeiro de 2020.
10 DOWD, Kevin. The year of WeWork could reshape the IPO Market in 2020. Pitchbook.3 de Janeiro de 2020.
Disponível em: <https://pitchbook.com/news/articles/the-year-of-wework-could-reshape-the-ipo-market-in-
2020.> Acesso em: 15 de janeiro de 2020.
Valorizo muito um exercício nanceiro com o qual busco estimular todos
os empreendedores e pro ssionais do ecossistema a se engajarem. É um
exercício, que chamo carinhosamente de “brincar de formar preços”,
quase sempre muito agradável – em especial quando a startup está para
sair do papel, pensando seu modelo de negócio.
Quando o negócio já existe, no entanto, é corriqueiro deparar com
algumas verdades que vêm como um superchoque de realidade, um wake
up call. Isso acontece, em especial, com equívocos (ou esquecimentos)
cometidos na formação de preços e que, quando somados, causam um
sério problema de viabilidade do negócio.
Não raras vezes, é exatamente esse exercício – de analisar a formação
de preços e a capacidade de o negócio honrar seus gastos xos – que se
torna uma grande vantagem competitiva da startup ao pensar seu
modelo estratégico. O objetivo da análise é buscar indícios reais de que
o modelo de negócio da startup é viável. É essa maravilhosa ferramenta
das nanças que mais vai ajudar você a responder à seguinte pergunta:

A nal... há (ou haverá) negócio aqui?

Existe uma característica intrínseca ao mundo da inovação: ele é


incerto, e, como tal, você usualmente não saberá se o negócio vai dar
certo quando encara um novo desa o, ou testa uma nova ideia. Você não
tem como saber, com certeza absoluta.
O que não signi ca dizer que devemos entrar nos negócios estilo
“kamikaze”, gastando dinheiro para ver depois se funcionou! Essa
incerteza vem acompanhada de uma armadilha: muitas vezes, como
“sabemos que não sabemos” (temos grande consciência da incerteza),
incorremos no erro de nem mesmo testar nossas premissas básicas, em
um exercício – sim – de “futurologia”. Para evitar cair nessa armadilha,
vamos propor a você uma pergunta e pedimos que encare o desa o
deste capítulo mesmo que esteja em um momento de elevada incerteza
na proposição de sua startup.

Supondo que tudo dê certo em suas premissas, que todas


nossas estimativas se realizem, esse negócio, tal qual estamos
sonhando hoje, é economicamente viável?
Parece uma pergunta simples? Não é. Mas é, sim, vital.
Busquemos sair da armadilha da incerteza: o fato de haver risco e
incerteza não signi ca que não precisemos analisar o problema. Pelo
contrário, nossas análises deverão ser mais simples – porém mais
rápidas e constantes, aprimoradas a cada nova variável ou
“aprendizagem signi cativa”.
Em conversas e entrevistas com gestores de fundos1, em certa ocasião,
ouvi a seguinte de nição a respeito desse exercício que estou chamando
de “brincar de formar preços”:

“É uma das etapas do método para compreender – e gerenciar –


a incerteza e o risco aos quais o fundo irá se expor. Antes de fazer
esse exercício, nós não sabemos o que não sabemos. Ao longo da
boa aplicação dessa técnica, começamos, então, a compreender
aquilo que já sabemos, e, por outro lado, o que não sabemos
sobre cada investimento (startup). Com isso, é possível ter maior
clareza sobre quais são, de verdade, as variáveis-chave para o
sucesso de determinado negócio, seus drivers de criação de valor e
suas incógnitas. Da mesma forma, é possível ter maior clareza
sobre quais variáveis são menos relevantes. Isso contribui para
definir muito melhor qual é o escopo de incerteza real de cada startup e,
portanto, qual é o seu risco”. (grifo nosso)

Pensando na startup, essas ferramentas podem ser realmente


estratégicas ou até vitais. No Capítulo 2, vimos alguns dos principais
motivos para mortalidade de startups retomo agora algumas evidências
bastante relacionadas às práticas tratadas naquele capítulo: 18% dos
casos de mortalidade estão diretamente associados
a problemas de preci cação de seus produtos e gestão de custos. Além
dessa declaração direta, é absolutamente possível que esse seja um dos
motivos por trás dos outros 29% de casos de fracasso derivados de “o
dinheiro acabou”, a nal isso pode ser a consequência de diversas
outras causas-raiz.
Nesse cenário, dois conceitos têm o poder de auxiliar sobremaneira a
análise da viabilidade de sua startup: margem de contribuição (MC) e ponto
de equilíbrio.

6.1 A tal da margem de contribuição


Para que serve, a nal, esse indicador chamado margem de
contribuição? É com base nesse conceito que vamos conseguir:

• de nir preços;
• avaliar o ponto de equilíbrio no negócio;
• entender o nível de demanda necessário para tornar a startup
economicamente viável;
• analisar o mix de venda;
• com base nisso tudo, pensar estrategicamente todo o business e
responder: a nal, há indícios ou motivos para acreditar que o atual
modelo de negócio da startup seja viável – hoje ou no futuro?

Não vale dizer: “Bruna, meu negócio ainda está muito no começo! É
impossível saber agora quais são meus custos e meu preço!”. Minha
sugestão: supere esse sentimento e comece a colocar na ponta do lápis
algumas ideias, rascunhando que seja.
Não importa se a startup está no estágio de minimum viable product – MVP
(mínimo produto viável, em português) ou de escalar seu negócio: em
qualquer momento dessa jornada, o conceito de margem de contribuição
vai alavancar seu sucesso. Em alguns casos, nos estágios iniciais de
vida, naturalmente suas contas envolverão diversas premissas (o que às
vezes é um nome bonito para “chute”, também conhecido por “cheiro”,
“intuição”, “vaga ideia” ou até, em casos extremos, “não é nem um
chute, é uma bicuda!”). Se você quiser parecer so sticado, pode chamar
de best educated guess.
Mesmo que você esteja em estágio inicial, não importa que sejam
apenas premissas ou vagas ideias. O processo de pensar e identi car as
premissas estratégicas propicia consciência não só de quais pilares
críticos sustentam o sucesso, mas também dos riscos desse negócio.
Não me re ro a so sticadas análises regadas a
macros/softwares/planilhas de 1000 linhas ou abas, mas a uma análise
com mínimo rigor técnico, com o objetivo de analisar se os macrodrivers
de valor de seu negócio parecem ser viáveis ou não.
Quando a empresa já está mais avançada em seu estágio de vida, esse
conceito continua sendo importante? Sim, de nitivamente. O que,
muitas vezes, acontece na prática é que, em algum momento, a startup
pensou uma formação de preços razoável e começou a operar com base
nisso. No entanto, o tempo passou e, em meio aos compromissos,
trabalhos, emergências do dia a dia do negócio, tardou em revisitar as
premissas adotadas, ou veri car se algum erro foi cometido, ou ainda se
o futuro simplesmente se con gurou diferentemente do esperado. Ao
deixar de revisitar os números, é possível cair em uma armadilha,
mesmo em estágios de vida mais avançados. Que armadilha é essa? Seu
ponto de equilíbrio pode ser quase inatingível nessa formação de preço
ou, pior ainda, quanto mais você vende, pior ca.
Intrigado? Vamos à de nição da margem de contribuição.

A margem de contribuição é um indicador de lucratividade do


negócio. Ela indica, a cada unidade vendida, quanto de dinheiro
sobra para pagar os gastos xos do negócio.

Faço aqui um disclaimer: em negócios bastante característicos da nova


economia – como serviços por assinatura –, os conceitos trabalhados
neste capítulo precisam ser adaptados. Surgem aí métricas, como lifetime
value do cliente (LTV), custo de aquisição de clientes (CAC) e suas
nuances. Vamos tratar desses indicadores no próximo capítulo. No
entanto, o conteúdo abordado em margem de contribuição é
considerado um pré-requisito essencial para real compreensão dos
benefícios dessas métricas da nova economia. Por isso, sugiro a leitura
atenta das bases que serão tratadas aqui e, no próximo capítulo, tudo
fará ainda mais sentido se o seu negócio é do tipo assinaturas ou nova
economia e correlatos.
Para entendermos melhor o conceito de margem de contribuição,
vamos dar um passo atrás e compreender algumas de nições
importantes, como custos versus despesas, xos versus variáveis.
• Custos: de forma geral, os custos podem ser entendidos como
todos aqueles gastos tipicamente relacionados ao “processo
produtivo” da empresa, seja ele qual for. O que mais caracteriza um
custo é a utilização do recurso, como uso de energia para produção,
matéria-prima, uso de máquinas no processo produtivo, mão de
obra associada ao processo produtivo. Note que o que a empresa
chama de processo produtivo no seu negócio é parte-chave na
identi cação de qual é seu custo. Vamos pensar agora em serviços?
Imagine, por exemplo, serviços de treinamento: o processo
produtivo, nesse caso, é o próprio treinamento em si – professores
envolvidos estão computados aí. Veja um negócio bem com a cara
da nova economia: a Amazon. Você sabia que ela entende os gastos
de logística de entrega como seu processo produtivo? Faz sentido,
concorda? É como dizer: “Para meu business, a entrega é processo
produtivo, portanto os gastos dessa logística de entrega são
custos”.

• Despesas: as despesas, por sua vez, são gastos incorridos no


negócio, mas não associados diretamente ao que a empresa
entende como processo produtivo. São aqueles relacionados à
administração geral da organização e apoio ao processo de
transferência do valor aos clientes, que leva à geração de receitas.
As despesas mais usuais são: gastos administrativos, gastos
comerciais – publicidade, propaganda, times comerciais,
comissões etc. –, perdas, aluguéis não associados fortemente ao
processo produtivo, entre outros.

Cabe mencionar que temos vários tipos de Contabilidade:


Contabilidade Societária, Gerencial, Fiscal. A Contabilidade Societária é
aquela que o contador faz, seguindo as devidas normas contábeis
vigentes no Brasil, conforme pronunciamentos do Comitê de
Pronunciamentos Contábeis (CPC). A Contabilidade Gerencial, por sua
vez, não segue regras de nidas para ns legais. Trata-se daquela que
cada empresa constrói para ns de sua análise gerencial. A
Contabilidade Fiscal, por m, é aquela dedicada às questões scais.
O tratamento dado aos custos e despesas é muito diferente para ns
de Contabilidade Societária versus Gerencial. A Contabilidade Societária
está interessada na segregação entre custos e despesas, o que se refere
ao chamado regime de custeio por absorção. A Contabilidade Gerencial
não possui essa amarração. Para ns de formação de preços, análise de
viabilidade do negócio, análise do mix de venda e pontos de equilíbrio, o
melhor a fazer é analisar o regime de custeio variável.
Perdoe-me o excesso de tecnicidade dos últimos dois parágrafos, mas
trata-se de uma distinção importante para compreender que estamos
falando de conceitos gerenciais, que você pode aplicar tendo ou não uma
contabilidade formal. Você pode, sim, fazer bom uso dessa prática sem
ter nenhum apoio de escritórios de contabilidade ( ca a dica: não tem
desculpa, portanto!).
Em vez de separar os custos das despesas, no regime de custeio
variável, devemos separar os gastos fixos dos variáveis.

• Gastos variáveis: um gasto é variável sempre que muda a cada


unidade produzida/vendida. Se produzimos/vendemos uma
unidade, temos esse gasto. Se não, não o temos. Vejamos alguns
exemplos: gastos de matéria-prima, comissões sobre venda,
impostos incidentes sobre venda, fretes, devoluções,
entre outros.

• Gastos fixos: um gasto é xo quando sua existência é


independente da quantidade produzida ou vendida. Ou seja: esses
gastos serão incorridos a empresa vendendo ou não! Por exemplo:
folha de pagamento, aluguéis, depreciações2, entre outros.

É possível termos custos xos ou variáveis, assim como é possível


termos despesas xas ou variáveis. O Quadro 6.1, a seguir, ilustra alguns
exemplos.

Custo Despesa
Fixo • Depreciação de • Depreciação dos
máquinas da computadores
produção do escritório
• Salários de • Salário de times
profissionais administrativos
associados ao e comerciais
processo produtivo • Aluguel referente aos
• Aluguel referente às times administrativos
fábricas
Variável • Matéria-prima • Remuneração de times
• Custos de comerciais através de
É importante mencionar que os gastos podem ter uma natureza dúbia,
como gastos semifixos, ou semivariáveis. Por exemplo: dentro de
determinados limites, o aluguel é um gasto xo. Porém, se a empresa
crescer demais, então será necessário maior espaço físico, e o aluguel,
então, subirá. Energia elétrica, em diversas modalidades de contrato,
também se comporta dessa forma: para pequenas variações em uso, o
gasto é xo; mas, a partir de certa “contagem”, passa a comportar-se
como variável. Em essência, praticamente nenhum gasto é 100% xo:
praticamente todos os gastos xos de um negócio comportam-se como
“escadinha”, conforme a Figura 6.1, a seguir.

Figura 6.1. Gastos xos versus volume.


Fonte: desenvolvida pela autora.

Dito isso, veja, a seguir, dois parágrafos retirados das demonstrações


nanceiras auditadas e publicadas pela Uber [S.I]3.

___________________________

UBER TECHNOLOGIES, INC.

Custo das receitas (à exceção de depreciações e amortizações):


Os custos das receitas [...] consistem primariamente de custos
de seguros, taxas de processamento de cartão de crédito,
gastos de hospedagem e locação compartilhada do data
center, despesas com serviços e dispositivos móveis, valores
relacionados a estornos de tarifas e outras perdas com cartão
de crédito, incentivos excedentes ao motorista e custos
incorridos com transportadoras para o transporte de
mercadorias. [...]
Esperamos que o custo [...] aumente [...] à medida que
continuemos a ver crescimento na plataforma. À medida que
as viagens aumentem, esperamos aumentos relacionados aos
custos de seguro, taxas de processamento de cartão de
crédito, despesas de hospedagem e locação compartilhada de
data centers e outros custos de receita [...]. O custo [...] pode
variar conforme a receita de período para período [...].
Observação: Veja que, nas informações públicas disponibilizadas pela empresa
Uber, há a evidenciação não apenas do que eles chamam de custos, mas também o
entendimento de que, no caso deles, há um per l de comportamento variável nos
tipos de gastos que chamam de custos. Esta informação é naturalmente valiosa para
compreender alguns dos tipos de gasto que a empresa deverá experimentar com o
crescimento.
Vale a ressalva de que as informações públicas que as
empresas compartilham são bastante super ciais e
aproximadas no que se refere à segregação entre xos e
variáveis, especialmente porque essa estrutura é um
componente estratégico demais, como você vai perceber a
seguir, pois, a partir daí, é possível inclusive compreender o
ponto de equilíbrio do negócio! No entanto, estando dentro de
sua startup, você conseguirá fazer suas análises com elevada
precisão. (UBER TECHNOLOGIES, INC., 2019,
p. 48, tradução nossa).

___________________________

Muito bem, com essas informações gerais em mente, é possível


passarmos agora para o conceito de margem de contribuição ilustrado
na Tabela 6.1, a seguir. Vamos começar pensando no caso de um único
Produto X.

Tabela 6.1: Exempli cação da margem de contribuição para um produto.


Fonte: desenvolvida pela autora.

DICA
Pergunte a seu contador quais impostos irão incidir sobre suas
operações. É importante lembrar que a carga tributária que recai
sobre cada negócio varia muito de setor para setor, regime
tributário em que se enquadra, região de atuação, ramo de
atividade, entre outros. Não menospreze o impacto dos tributos
na formação de seu resultado, vale o esforço de sempre buscar
informações mais precisas. Eu me atrevo a dizer que, no caso
brasileiro, isso pode ser ainda mais estratégico, em razão de
nossa ainda complexa estrutura tributária para negócios.

Veja o exemplo da Tabela 6.1. Temos um produto com as seguintes


premissas gerais:

• Preço unitário estimado de venda: R$ 20,00.


• Impostos: para ns de nosso exemplo, suponhamos que, nessa
empresa, todos os impostos acumulem 25% do preço de venda.
Sabemos que as questões tributárias no Brasil são um aspecto
complexo na vida do empreendedor, dada toda a variedade de
tributos incidentes, alíquotas, exceções e demais detalhes. Saliento
que esse percentual não deve ser utilizado como sugestão genérica
em suas análises, é realmente necessário veri car para seu tipo de
negócio quais são as alíquotas gerais incidentes.
• Custos e despesas variáveis: R$ 8,50 por unidade.
• Custos e despesas xos: R$ 42.250,00.

A fórmula genérica da margem de contribuição é tal qual descrição a


seguir.
Percebe-se, então, que a margem de contribuição unitária do Produto X
é de R$ 6,50. Isso signi ca que, a cada unidade vendida por R$ 20,00,
sobram R$ 6,50 (ou 32,5% do valor da venda) para pagar os gastos xos
do negócio. A margem de contribuição percentual, por sua vez, é igual a
32,5%, ou seja, R$ 6,50 dividido por R$ 20,00.
Essa margem de contribuição indica, portanto, quanto de dinheiro (ou
percentual sobre o valor de venda) sobra para a empresa após pagar
aqueles gastos variáveis, ou seja, gastos que variam a cada unidade
produzida/vendida. Os casos mais dramáticos costumam acontecer nos
negócios quando a própria margem de contribuição se mostra negativa
no m do dia. Em outras palavras, quando o preço não é o su ciente
para cobrir nem mesmo os gastos variáveis. Alguns exemplos de quando
isso pode acontecer: perdas, roubos e correlatos, promoções, gastos de
campanhas (por exemplo, do tipo “pague dois e leve três”) ou gastos
que nos esquecemos de incluir na formação de preços ou que
subdimensionamos. O problema nesses casos é que, a cada unidade
vendida, tem-se um prejuízo – e não um lucro! Portanto, quanto maior a
venda, maior o prejuízo. Viu o risco?

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VISÃO CRÍTICA

É possível que uma empresa considere estratégico trabalhar


com margem de contribuição negativa? Em certos casos, sim.
Por exemplo: suponha o setor de moda – ao nal de
determinada coleção, é necessário que a empresa se desfaça
de seus estoques para trazer uma nova coleção. Peças não
vendidas, nesse momento, correm o risco de car empacadas
inde nidamente e, no limite, passarem a ser 100% perdas.
Surgem aí as liquidações. Talvez seja estratégico vender uma
peça com margem de contribuição negativa, pois a alternativa
– a de perder todo o valor da peça – é economicamente pior.
Outro exemplo como esse seria o de empresas de construção
civil com estoques muito elevados de produtos (apartamentos,
por exemplo) acabados. Nesses casos, os gastos de
carregamento dos estoques podem ser muito elevados –
gastos de IPTU, manutenções e condomínio, por exemplo –,
por isso vale a pena vender mais barato do que car
carregando essas perdas. No entanto, há de se incluir essas
variáveis nos preços dos itens vendidos “a preço normal” ou
fora de liquidação – pois aquelas vendas hão de ser
su cientes para compensar tais perdas com margem de
contribuição negativa. Portanto, sugere-se identi car o
percentual das vendas nessas modalidades e incluí-los na
formação do preço como um gasto variável normal, do tipo
“desconto médio em liquidações”.
Além desses casos, eu acrescentaria mais um muito comum à
nova economia: é possível que seja adotada a estratégia de
venda com margem de contribuição negativa para amplo e
rápido domínio de determinado mercado. Para negócios
exponenciais, o domínio de determinado mercado potencial
hoje pode ter grande impacto positivo no futuro, quando a
startup consegue ir se estabelecendo com certa hegemonia no
segmento, de tal sorte que seu domínio se torna uma forte
barreira de entrada a novos competidores, além de fonte de
signi cativos ganhos nanceiros advindos de grande volume
no longo prazo. Isso não é naturalmente privilégio na nova
economia, guerras de preços para domínio de mercado sempre
existiram, mas, atualmente, seu potencial ca ainda maior com
adventos, como globalização, evolução tecnológica,
aprendizagem com inteligência arti cial nos negócios, hábitos
de consumo mutantes da população, além de outros fatores.
Por isso, é possível que uma startup adote a estratégia de
atuar com margem de contribuição negativa por determinado
período, sob a condição de que isso será economicamente
muito compensado no futuro. Novamente, o exercício proposto
neste capítulo para esses casos se mostra indispensável a m
de que se tenha consciência do custo dessa estratégia e de
quanto o negócio haverá de ser recompensado no futuro em
virtude dessa decisão.

___________________________
Veja só a maravilha de informação que temos em nossas mãos agora!
Sabendo-se quanto sobra a cada unidade para contribuir com gastos
xos e que a empresa tem um total de gastos xos de R$ 42.250,00, é
possível estimar o ponto de equilíbrio! Veja, a seguir, a fórmula genérica
para isso:

No nosso exemplo:

Sabemos agora que a empresa precisa vender 6.500 unidades para


conseguir pagar seus gastos xos e zerar seu resultado. Isso signi ca
que, a partir da próxima unidade (6.501), a empresa passará a
apresentar ganhos – e não perdas. Quer ver? A cada unidade, sobravam
R$ 6,50 para pagar gastos xos. Multiplique esse número pelo ponto de
equilíbrio (6.500 unidades) e você terá quanto de resultado? Sim! R$
42.250, 00, exatamente a quantidade necessária para pagar todos os
custos xos e a empresa “empatar”: não ganhar nem perder. Toda a
margem de contribuição das próximas unidades, a partir de 6.501,
passará, portanto, a compor os lucros da empresa na operação, pois os
gastos agora já estão todos cobertos.
Qual seria o ponto de equilíbrio com relação a vendas? Podemos
multiplicar 6.500 unidades pelo preço de venda (R$ 20,00) e
descobriremos que o ponto de equilíbrio em valor nessa empresa é de
R$ 130.000,00. Também existe outra forma de fazer essa conta, com
base na margem de contribuição percentual, conforme fórmula genérica,
a seguir.
que, aplicado a nosso exemplo, seria:

Salientamos uma importantíssima ressalva, que muitas vezes, é


negligenciada nos negócios. Tudo o que foi mencionado anteriormente é
válido se – e somente se – os gastos xos realmente se mantiverem
constantes durante variações de volume em vendas. Para tal, é
necessário, portanto, que os recursos xos da empresa tenham certa
ociosidade.
Permita-nos esclarecer isso. Suponha que, você seja o empreendedor
responsável pela empresa do exemplo e por seu produto X. Então, você
faz essas contas e percebe que é necessário atingir o ponto de equilíbrio
em 6.500 unidades.
Na ânsia por atingir esse objetivo, é comum incorrermos na armadilha
de despender esforços (e recursos) extras consideráveis – como
contratação de pessoas, vendedores, gastos adicionais com marketing
etc. – de tal forma que, quando nalmente atingirmos as 6.500
unidades, não teremos chegado ao ponto de equilíbrio! Aí, você se
pergunta por quê. Porque no processo de buscar o equilíbrio, os gastos
xos foram aumentados. Quando isso acontece, o ponto de equilíbrio
novamente aumenta.
O mesmo ocorre se passamos a oferecer mais descontos, ou brindes, ou
campanhas quaisquer que diminuam o preço ou aumentem os gastos
variáveis, de forma que a margem de contribuição se reduza.
Por mais que essa armadilha possa lhe parecer óbvia, a verdade é que
os tentáculos dos gastos incrementais, por vezes, abraçam as startups
de forma sutil e silenciosa. É necessário estarmos atentos, pois, a cada
incremento em custos, toda a análise de margem de contribuição e de
ponto de equilíbrio deveria ser, idealmente, revisitada. Tudo o que
acontece na vida da empresa que reduza sua margem de contribuição,
ou aumente seus gastos xos, acarreta impactos diretos no ponto de
equilíbrio. Por isso, é preciso que estejamos permanentemente alerta em
nossos negócios para identi car essas forças o mais rapidamente
possível, de forma a conseguir tomar as melhores decisões.

6.2 Atenção ao Mix de Venda


Acontece que nem todo negócio pode ser simpli cado ao limite de ter
um único produto. Por esse motivo, a aplicação do ponto de equilíbrio
com relação à receita é tão valiosa. Imagine que estivéssemos falando
de um caso real com diversos produtos, em um mix de venda mais
complexo. Teríamos, então, várias margens de contribuição. Porém a
distribuição dos gastos xos exigiria algum tipo de rateio – e saiba que
ratear sempre di culta nossa vida. Uma saída seria criar uma margem de
contribuição do mix de venda. Vamos supor que, além do Produto X, a
empresa que estamos analisando também tivesse o Produto Y. Na Tabela
6.2, a seguir, ilustram-se a margem de contribuição unitária e percentual
de cada produto, bem como o mix de venda aproximado no negócio.

Tabela 6.2: Margem de contribuição e ponto de equilíbrio para o mix de venda.


Fonte: desenvolvida pela autora.

Com base na margem de contribuição percentual de cada um e na


importância de cada um no mix de venda, é possível calcular a margem
de contribuição no mix. No nosso exemplo, ela é de 31,24% = (32,5% x
70%) + (28,3% x 30%). Trata-se, portanto, de uma simples média
ponderada em que o Produto X tem peso de 70% no volume de vendas; o
Produto Y, 30%. Com base nesses pesos, podemos, então, ponderar a
importância da margem de contribuição individual de cada um deles no
mix de venda. O ponto de equilíbrio para a empresa nesse mix de venda
é calculado exatamente da mesma forma como ilustrado anteriormente.

Essa mesma análise para dois produtos poderia ser feita para três,
quatro ou inúmeros outros. Mesmo que haja “n” produtos, com
considerável complexidade, ainda assim é possível adotar a mesma
mecânica, de forma a estimar o ponto de equilíbrio em faturamento para
qualquer empresa!
Entretanto, devemos prestar atenção a um aspecto importante sobre o
mix de venda. Coloque-se novamente nos sapatos do empreendedor
responsável por essa empresa de dois produtos: X e Y. Vamos supor
agora que você, almejando atingir o ponto de equilíbrio, perceba que
está mais fácil aumentar as vendas do produto Y do que as do produto X.
Então, você começa a dedicar-se mais à venda de Y – porque ela está um
pouco mais “fácil”. Mas, nesse processo, o mix de venda se altera;
suponha que ele agora seja: 40% de X e 60% de Y. Veja, na Tabela 6.3, a
seguir, o que vai acontecer com o ponto de equilíbrio nesse cenário.
TABELA 6.3: MARGEM DE CONTRIBUIÇÃO E PONTO DE EQUILÍBRIO PARA O MIX DE VENDA – COM MUDANÇA NO MIX.
FONTE: DESENVOLVIDA PELA AUTORA.

O ponto de equilíbrio aumentou de R$ 135.243,28 para R$ 140.927,28,


porque, no mix de venda, aumentamos a importância do produto Y – que
tem margem de contribuição inferior. Por isso, a margem de contribuição
no mix, que, antes era de 31,24%, passou a ser de 29,98%, aumentando
o ponto de equilíbrio. Nota-se, assim, que essa análise de mix tem uma
dinâmica a ser compreendida e trabalhada com atenção. É preciso
carmos atentos à relação entre margem de contribuição e volume: se
for para termos um mix com menor margem de contribuição, então será
necessário obter maior volume para compensar.
Retomemos nosso exemplo da Tabela 6.2, aquele em que o mix é 70%
/ 30%, e a margem de contribuição no mix está em 31,24%.
Vamos dizer que este caso, com dois produtos, seja o nosso cenário
base. O ponto de equilíbrio em receita – para simplesmente pagar as
contas e empatar – é de R$ 135.243,28. Finalmente, vem a questão
crítica, a seguir!

HÁ MOTIVOS PARA ACREDITAR QUE EXISTE DEMANDA


SUFICIENTE, A ESSE PREÇO PRATICADO POR UNIDADES, PARA
SER FACTÍVEL ATINGIR ESSE PONTO DE EQUILÍBRIO?
Se sim, então talvez o modelo de negócio seja viável. Se não, então há fortes indícios de que
é necessário repensar algo no formato da startup. Como de costume, é importante lembrar
que não necessariamente a startup precisa atingir esse volume para já, mas deve haver
indícios que justi quem acreditar que ela poderá atingir tal mercado em algum momento.
6.3 Empatar é suficiente?
Não, naturalmente empatar não é su ciente, a ideia é ganhar. No
entanto, com base nas lições de Kahneman e Tversky (1979)4, sabe-se
hoje que a dor da perda é maior do que a felicidade do ganho, conforme
a Teoria do Prospecto nos provou. A dor de perder dinheiro é tão latente
que, muitas vezes, o negócio despende muita energia focando o ponto
de equilíbrio e, por um segundo, incorremos no risco de esquecer que
apenas atingir o ponto de equilíbrio não é o su ciente. É preciso, além
disso, ganhar.

___________________________

OBSERVAÇÃO
De acordo com o principal objetivo deste livro, tomo a
liberdade de tratar ganhos do ponto de vista econômico-
nanceiro. No entanto, o conceito de ganho poderia ser muito
mais amplo, se pensarmos, por exemplo, em ganhos
ambientais, em saúde, aprendizagem (para negócios
educacionais), bem-estar social, felicidade, benefício para a
sociedade em geral, entre outros ganhos que podem ser um
tanto intangíveis.
Aqui, vamos falar daquele ganho tipicamente mensurável em
termos nanceiros, quanti cável. Cabe mencionar que as
nanças nos negócios poderiam ser tratadas como ferramenta
para um benefício maior, por exemplo, no Terceiro Setor. Nem
por isso as ferramentas de nanças deixam de ser importantes.
Caso estejamos falando de uma instituição sem ns lucrativos,
cujo objetivo primordial é trazer benefício social para
determinada comunidade, ainda assim os conceitos deste
capítulo são absolutamente válidos. Nesse caso, em vez de
falar em receitas nos moldes tradicionais, talvez devêssemos
falar em alguma modalidade de doação, por exemplo. Em vez
de falar em lucros ou prejuízos, talvez devêssemos tratar de
superávits ou dé cits. Ainda assim, cabe um convite para olhar
as nanças de forma positiva, pois, naturalmente, em um
negócio nanceiramente viável, outras tantas viabilidades
sociais, ambientais e outras poderiam ser também ainda mais
alavancadas.

___________________________

Ok, digamos que temos o objetivo de ganhar em termos econômico-


nanceiros. Mas quanto é su ciente? Entra aí o conceito de ponto de
equilíbrio econômico (PEE).

O PEE é aquele momento em que o negócio atinge não apenas o volume de vendas su ciente
para cobrir os custos xos e variáveis, mas também o volume necessário para oferecer aos
investidores o retorno mínimo esperado no negócio que os satisfaça, à luz dos riscos
corridos no empreendimento.

Antes de entrar no detalhe do PEE, são necessários alguns


entendimentos sobre o retorno esperado em um negócio. A equação, a
seguir, pode ser entendida como uma fórmula genérica de retorno:

Existem várias fórmulas mais especí cas de retorno, como return on


equity (ROE), return on assets (ROA), return on invested capital (ROIC), entre
outras. Para nosso objetivo, vamos apenas tratar da visão mais genérica.
Suponha um negócio que lhe ofereça lucro de R$ 30 mil no ano, dado
um investimento de R$ 1 mi, portanto o retorno é de 3% ao ano. Será que
é um bom negócio? Você deve estar pensando: “Não, não parece um
negócio muito bom... se eu deixasse meu dinheiro investido em algum
título público brasileiro, rendendo a taxa Selic, em qualquer momento
recente de nossa história, o retorno teria sido muito superior e sem
nenhuma ‘dor de cabeça’ de gerenciar um negócio como
empreendedor”.
Se o retorno fosse de 13%? Será que é um bom negócio? Depende.
Depende de quê? Do risco. Vamos explorar mais.
A Teoria Clássica das Finanças sustenta a eterna dicotomia: risco versus
retorno. Essa lógica é pouco questionada. O que, sim, é muito
questionado é a real capacidade das pessoas para avaliar corretamente
o risco e o retorno de forma racional, porém a base de sustentação é
dada: em geral, quanto mais risco se corre, tanto mais retorno se espera
auferir. Claro, não? A nal, se for para ganhar a taxa Selic, melhor não
empreender! Se for para correr riscos, é, sim, necessário que se tenha
real expectativa de maiores retornos; caso contrário, mais valeria
encerrar quaisquer empreitadas, pegar todo o recurso disponível e alocar
em ativos livres de risco – como títulos do Tesouro norte-americano, por
exemplo, ou o respectivo ativo de cada economia.

___________________________

CURIOSIDADE
Vale mencionar que nenhum ativo é totalmente livre de risco,
porém considera-se que os títulos soberanos são a referência
de menor risco de cada economia. A lógica por trás disso seria
que, se um governo “quebrar”, há chances de que todos os
demais ativos nessa economia sofram também. Portanto, no
mínimo, todo negócio corre seu risco-país em alguma medida
– uns mais e outros menos. Além disso, corre algum
incremento de risco devido a suas características especí cas.
Este último é o chamado risco idiossincrático do negócio, o
risco, por exemplo, de que haja uma paralisação da empresa,
roubo de mercadorias, perda de demanda no segmento e
outros eventos particulares ao setor e à empresa.
Sendo assim, como vamos correr riscos adicionais ao investir
em empresas na chamada economia real, em vez de investir
em títulos públicos de nossa economia, é apenas natural e
racional que esperemos, com isso, obter retornos superiores.
Por sinal, esse arcabouço é a base do capital assets pricing model
(CAPM) – uma das técnicas mais utilizadas para estimativa do
custo de capital dos negócios, a qual busca essencialmente
relacionar o nível de risco da rma com seu retorno esperado.
Falaremos mais sobre esse indicador e suas falhas para
startups nos capítulos que tratam de avaliação de negócios.

___________________________

O que é risco? Risco é incerteza. Então, eu pergunto: startups oferecem


risco? Pois é... Sendo assim, ao investir em uma startup, em especial
uma sujeita a alto nível de incerteza, não apenas devido aos estágios
iniciais de vida, mas especialmente devido ao alto componente de
inovação, é claro que se esperam altos retornos.
Então, vamos re etir: quanto seria su ciente? Certamente, mais do que
a taxa básica da economia em que a empresa se insere, correto? No caso
brasileiro, uma referência poderia ser a Selic, ou no caso norte-
americano, os Treasury Bonds. Veja bem: quando se investe em uma
startup, naturalmente ninguém o faz esperando obter ganhos de curto
prazo, mas, sim, de médio a longo prazos. Por esse motivo, quando
fazemos essa análise quanto às taxas livres de risco da economia, não
estamos nos referindo às taxas de curto prazo, mas, sim, às de longo
prazo, comparáveis, portanto, ao horizonte de vida de um negócio. Para
isso, é comum utilizar taxas esperadas para dez anos. Até porque, dado
o uso dessas taxas básicas como ferramenta de política monetária, sua
oscilação de curto prazo levaria a premissas muito voláteis para as
análises dos empreendedores. Sendo assim, foquemos como referência
quanto se acredita ser razoável esperar em títulos livres de risco, em
determinada economia, em um horizonte de médio a longo prazos.
Já sabemos que é preciso obter mais remuneração do que aquela livre
de risco para que um negócio seja economicamente viável, mas quanto
mais? Isso depende do nível de risco do negócio, assim como das
preferências individuais em relação ao risco – leia-se, o nível de medo
do risco de cada pessoa. Esta característica é pessoal e intransferível:
cada um tem seu nível de tolerância e apreço por risco. Pessoas mais
propensas a risco eventualmente poderão aceitar menor nível de
remuneração em razão de determinado tamanho de incerteza do que
aquelas com maior nível de aversão a ele.
Por isso, para identi car o PEE em sua startup, é preciso, antes de mais
nada, estimar quanto de retorno seria um mínimo aceitável para que os
acionistas cassem minimamente satisfeitos. A esse mínimo, damos o
nome de custo de capital próprio. Veja bem, talvez não seja agora o melhor
momento para traçar métricas de unicórnio, mas, sim, a hora de pensar:
quanto, no mínimo, deixa o investidor satisfeito? A verdade é que há
inúmeros modelos para estimar o custo de capital no negócio, mas em
geral eles têm pouca aplicação no caso de startups, dada a ausência de
dados históricos disponíveis sobre o negócio, ausência de títulos
negociados publicamente com alta liquidez e ausência de negócios
altamente comparáveis para serem utilizados como proxy.
Estudos empíricos5 feitos com base em tech startups (startups no setor
de tecnologia que chegaram a porte de IPO) que zeram IPO sugerem
que seu custo de capital pode chegar a 40% ao ano. É claro que há aqui
um importante viés de seleção, portanto é possível discutir o tamanho e
a representatividade da amostra, que limitam a possibilidade de
generalizar os achados para qualquer startup. Além disso, fazer a conta
de PEE com base em um custo de capital de 40% ao ano pode
inviabilizar precocemente diversos empreendimentos que talvez fossem
viáveis.
Portanto, em que pese esse número ser muito pessoal, vamos sugerir
que os empreendedores esperem no mínimo uma remuneração de 25%
ao ano de retorno sobre seu investimento para ns de exemplo neste
livro. Ressaltemos que esse patamar não deve ser generalizado – entre
setores de atuação, entre estágios de vida da startup, ou até mesmo
entre classes de ações de uma mesma startup (como preferenciais ou
ordinárias), dado que seus direitos contratuais podem ser diferentes. No
entanto, é comum nos depararmos com investidores, fundos de venture
capital (VC) e outros que fazem uso de taxas ao redor desse patamar.
Tem-se por identi car qual seria o lucro meta. Vou me referir aqui a
lucro, porém que à vontade para analisar seu negócio com relação a
caixa, sobretudo porque, no longo prazo, eles tendem a convergir,
conforme já discutido no Capítulo 5.
Sendo assim, qual o nível de lucro que o negócio deve proporcionar por
ano (e por mês) para que se possa a rmar que a empresa atingiu seu PEE
e, portanto, que os investidores estão, sim, minimamente satisfeitos?
Vamos supor que o investimento dos sócios na startup foi de R$
300.000,00. Tem-se, então, que o lucro meta ao mês no negócio deverá
ser R$ 9.469,70, como ilustrado na Tabela 6.4, a seguir.

TABELA 6.4: ESTIMATIVA DE LUCRO META COM BASE EM ROE ESPERADO.


FONTE: DESENVOLVIDA PELA AUTORA.

Com base na fórmula genérica de retorno (retorno =


lucro/investimento), é possível estimar o lucro meta para atingir o
objetivo de 25% de retorno ao ano, dado por lucro = retorno x
investimento. Identi ca-se, assim, que o lucro meta ao ano é de R$
75.000,00. Porém essa é a expectativa de retorno após impostos, mas,
para ns deste exemplo, considera-se que a empresa deverá ainda pagar
imposto de renda sobre os lucros com alíquota de 34% (considerando
25% de impostos sobre a renda e mais 9% de contribuição social sobre o
lucro líquido). A dúvida é: quanto deve ser o lucro anual antes dos
impostos sobre a renda para que o lucro nal seja de R$ 75.000? A conta
a ser feita é:
Em que T se refere a Taxes, a alíquota de imposto de renda. Tem-se,
então, que o lucro anual antes dos impostos deverá ser de R$ 9.469,70.

DICA
Considerações sobre os impostos sobre a renda
Caso a empresa não seja enquadrada no regime de tributação
de lucro real, é possível que o imposto de renda seja pago não
com base nos lucros do período, mas, sim, com base em
presunção de lucros feita a partir da receita da empresa. Nesse
caso, essa etapa pode ser desconsiderada no cálculo do lucro
meta, e o imposto de renda é tratado como um imposto variável,
tendo sido considerado, antes do cálculo da margem de
contribuição da empresa, como um gasto variável.

Logo, precisamos identi car: qual é o volume necessário de receita que


a startup precisa ter para que o negócio consiga pagar todos os gastos
xos do negócio e fazer sobrar o lucro meta mensal esperado? Para ns
de cálculo do chamado PEE, vamos considerar também o tamanho do
lucro meta na apuração do ponto de equilíbrio, da seguinte forma:

Para nalizar nosso exemplo, temos, então, que:


TABELA 6.5: PONTO DE EQUILÍBRIO ECONÔMICO – CONSIDERAÇÃO DO LUCRO META.
FONTE: DESENVOLVIDA PELA AUTORA.

É possível veri car que, naquele patamar de receita já apurado


anteriormente de R$ 135.243,28, a empresa deixará de perder, ou seja,
vai empatar. Porém, se ela chegar ao patamar de receita de R$
165.556,01, tudo o mais constante, sem para tanto ter de alterar sua
estrutura de preci cação, investimentos ou gastos xos, então não
apenas ela deixará de perder, mas também vai ser decisivamente um
negócio economicamente viável!
Veja só: sabemos que essas análises anteriores estão lotadas de
premissas e que tudo pode mudar, ou con gurar-se de forma diferente
daquilo que o empreendedor esperava ou idealizava. É preciso, portanto,
ter a sabedoria de fazer todos esses exercícios não esperando uma
verdade absoluta – pois ela não existe, ainda mais em startups sujeitas
a maiores níveis de incerteza! –; mas, sim, esperando encontrar nesse
exercício uma poderosíssima ferramenta para análise de viabilidade de
modelos de negócio.
Sim, estamos falando de nanças. Mas, mais ainda – e muito mais –,
estamos falando de análise estratégica do negócio e de seu modelo. Um
bom exercício mental de margem de contribuição, ponto de equilíbrio,
formação de preço, lucro meta e mix de venda pode ser o grande
diferencial para a vida de sua startup.

ATENÇÃO À ARMADILHA!
Cuidado com a descoberta de seu PEE. Ela é valiosíssima, mas
precisa ser utilizada com cuidado!
Identificado o PEE, é muito comum que o negócio crie certa
obsessão por esse número e saia em uma busca feroz por
crescimento. Infelizmente, não raras vezes, isso é feito com
maiores gastos em marketing, contratação de times comerciais
ou outros, que fazem, na verdade, com que o gasto fixo
aumente e o ponto de equilíbrio se torne ainda mais distante.
Nesses casos, é possível que a empresa entre em uma espiral
de queimar dinheiro e cada vez se afunde mais, pois a demanda
necessária se torna cada vez maior e maior e menos atingível!

6.4 Considerações finais


Faltam-me palavras para ressaltar a você quão valiosos são os
conceitos trabalhados neste capítulo para análise estratégica do modelo
de negócio de sua startup.
Você já leu o livro The lean startup, de Eric Ries? Ou o Dilema da inovação, de
Clayton Christensen? Ou ainda The four steps to the epiphany, de Steve Blank?
São todas excepcionais leituras, que recomendo. O que elas têm em
comum, entre diversos aspectos e sabedorias, é que todas chamam
atenção para a necessidade de negócios inovadores revisitarem seu
modelo de negócio diversas vezes e o
alterarem/adaptarem/transformarem até que se tornem, se necessário,
economicamente viáveis. A expressão que cou famosa nesse sentido
foi “pivotar o negócio” (que vem do termo pivot, em inglês, que, de forma
genérica, pode ser entendido como “alterar a rota” ou “mudar a
direção”).
Minha sugestão é que, nos estágios iniciais da vida da startup, quando
você testa seu MVP, esse cálculo seja cuidadosamente revisitado a cada
pivot. Podemos, para tanto, assumir todas as premissas que julgarmos
necessárias. Sabe por quê? Talvez essa seja uma oportunidade barata de
descobrir inconsistências no modelo de negócio antes mesmo de
precisar testá-lo. Se isso acontecer, o ganho para a startup é enorme –
em tempo e dinheiro, porque, na prática, isso pode signi car não
precisar fazer um MVP, economizando uma necessidade de “pivotar” a
startup e, portanto, vai economizar o tão escasso caixa nesse estágio de
vida do negócio.
Estão na moda frases, como “Erre, mas erre rápido!” ou “Erre
rapidamente, aprenda rapidamente e corr a rapidamente!” e outras
variações. Sim, a ideia por trás delas é brilhante, mas é importante
distinguir entre alguns tipos de equívoco. Há erros que conferem ao
empreendedor aprendizado signi cativo e valioso para reposicionar sua
startup e refazer o MVP. Há outros erros que poderiam ser prevenidos
com alguns métodos já existentes de gestão. É claro que é natural que
startups não tenham toda a so sticação gerencial de grandes empresas,
pois isso seria intrinsecamente contrário a seu propósito e modelo de
negócio. No entanto, algumas práticas gerenciais de nanças, mesmo
em formato mais simples no estilo “guardanapo” – ou planilha
simpli cada – podem trazer estupendas aprendizagens aos negócios e
contribuir sobremaneira para seu sucesso e atuação estratégica.
No início do capítulo, mencionei a ideia de adotar boas práticas desses
conceitos a m de compreender quais as variáveis-chave de sucesso
para determinado negócio. Vou incluir novamente aqui o trecho e
convido você a revisitar seu signi cado, agora à luz dos conceitos
adquiridos:

[Aplicar ferramentas de margem de contribuição e ponto de


equilíbrio] é uma das etapas do método para compreender – e
gerenciar – a incerteza e o risco aos quais o negócio irá se expor.
Antes de fazer esse exercício, nós não sabemos o que não
sabemos. Ao longo da boa aplicação dessa técnica, começamos,
então, a compreender aquilo que já sabemos e, por outro lado, o
que não sabemos sobre cada investimento (startup). Com isso, é
possível ter maior clareza sobre quais são, de verdade, as
variáveis-chave para o sucesso de determinado negócio, seus
drivers de criação de valor e suas incógnitas. Da mesma forma, é
possível ter maior clareza sobre quais variáveis são menos
relevantes. Isso contribui para de nir muito melhor qual é o
escopo de incerteza real de cada startup e, portanto, qual é o seu
risco. (Entrevistado pela autora em caráter anônimo, 2020)

Minha sugestão é que essas ferramentas sejam aplicadas pelo menos a


cada variação (ainda que pequena) do modelo de negócio, ou a cada
aumento signi cativo no volume da operação que acarrete elevação de
gastos xos/investimentos/etc., além de qualquer decisão que possa
impactar sua estrutura de preços ou gastos variáveis. Uma vez aplicadas,
mesmo que nada mude no negócio, é imprescindível acompanhar os
resultados, pelo menos mensalmente, ou até quinzenalmente. Busque
identi car se a vida da empresa está se con gurando tal qual a
expectativa traçada na formação de seus preços/margens. Acredite: vai
valer cada segundo de seu tempo!

SAIBA MAIS
Caso queira saber mais sobre os temas tratados neste capítulo,
sugerimos as seguintes leituras:
1 Pro ssional entrevistado pela autora em caráter anônimo.
2 A depreciação está associada ao consumo de valor dos bens de longo prazo da empresa, como
máquinas, equipamentos, entre outros. O valor que é gasto com ativos de longo prazo será
consumido e, portanto, depreciado ao longo de sua vida útil. Sendo assim, suponha uma
máquina que tenha custado R$ 10.000,00 e tenha uma vida útil de dez anos (ao nal dos quais,
seu valor residual é zero); seu valor será consumido à razão de R$ 1.000,00/ano. Isso signi ca
dizer que o negócio deverá ser capaz de ter lucro para compensar não apenas os gastos do dia a
dia (como matéria-prima, salários etc.), mas também o gasto dessa máquina ao longo de dez
anos de operação.
3 UBER TECHNOLOGIES. Form 10-Q, [S.I.] [2019?]. Disponível em:
<https://d18rn0p25nwr6d.cloudfront.net/CIK-0001543151/53066efb-e08f-43fe-b5 -
0850cf3cd7ba.pdf>. Acesso em: 03 de março de 2020.
4 KAHNEMAN, Daniel; TVERSKY, Amos. Prospect Theory: An analysis of decision under risk.
Econometrica, v. 47, n. 2, p. 263-291, 1979.
5 KERINS, Frank; SMITH, Janet Kiholm; SMITH, Richard. Opportunity cost of capital for venture
capital investors
and entrepreneurs. The Journal of Financial and Quantitative Analysis, v. 39, n. 2, p. 385-405,
June 2004.
Em que pese o maior foco deste livro ser questões relacionadas a nanças para
startups, verdade seja dita: os campos da Administração são extremamente inter-
relacionados. A todo momento, re ro-me às nanças como pilar essencial das
análises estratégicas das empresas. Além deste, neste capítulo vou discutir alguns
conceitos cujo berço está em mais um pilar da gestão de negócios: o marketing.
Pode muito bem ser que você, ao ler o capítulo anterior, a depender das
características de seu negócio, tenha percebido que o conceito clássico de
margem de contribuição e ponto de equilíbrio não se adaptam perfeitamente a sua
startup. Especialmente os negócios muito associados às tendências da nova
economia podem ter essa di culdade. Alguns exemplos de startups que não se
encaixam perfeitamente nesses conceitos são: serviços por assinatura, alguns
tipos de negócios com receitas recorrentes, contratos de prestação de serviços de
longo prazo, serviços da economia compartilhada.
Quer um exemplo? Pois bem, pensemos em um negócio cujos gastos variáveis
sejam aparentemente muito baixos, então boa parte do preço de venda já é
margem de contribuição. Dessa forma, a margem de contribuição percentual é
bastante alta, mesmo assim ca difícil estimar o ponto de equilíbrio, pois o
conceito de venda unitária é confuso: algo de longo prazo e/ou prazo inde nido,
como acontece, por exemplo, em negócios de assinaturas baseados em
tecnologia?
Dessa forma, este capítulo é feito sob medida para negócios que sofrem com
esses dilemas. Vamos entender mais detalhes sobre algumas métricas da nova
economia, como custo de aquisição de clientes (CAC) e lifetime value do cliente
(LTV), também conhecido como CLV (da sigla em inglês, Customer lifetime Value).
Essas métricas surgiram muito associadas às necessidades de tomada de decisão
em marketing, mas prestam um elevadíssimo serviço às nanças como métricas
de adaptação dos conceitos tratados no capítulo anterior. Na verdade, essas
métricas são como certa adaptação do conceito de margem de contribuição às
necessidades da nova economia, transferindo o foco de unidade vendida para
cliente adquirido. Conforme mencionado anteriormente, isso vai ao encontro do
capitalismo do consumidor.
Qual o nosso objetivo?

Vamos entender o consumidor como um investimento.

Agradeço à Columbia University e em especial ao Prof. Asim M. Ansari, da


Columbia Business School, pelos conhecimentos compartilhados e insights
valiosíssimos, sem os quais não seria possível construir este capítulo com a
mesma didática e profundidade aqui apresentadas. Muitas das discussões aqui
presentes devem a ele seu mérito. Para quem quiser saber mais sobre os tópicos,
sugiro assistir à aula de Marketing Analytics1 do professor, disponível na
plataforma EdX.
7.1 Entendendo o conceito de valor do cliente
Quando falamos de modelos econômico- nanceiros de análise de valor e
desempenho nos negócios, estamos nos referindo, tipicamente, a indicadores
agregados de desempenho; falamos, por exemplo, de lucratividade, de margens,
de mix de produtos e mix de venda. Avaliamos os re exos dos negócios da
empresa em termos agregados a diversos indicadores-chave de suas nanças.
No entanto, essa abordagem pouco analisa o consumidor em nível individual,
sua experiência ou a lucratividade com que ele – individualmente – contribui para
a empresa. Relembrando os conceitos tratados no capítulo anterior, sempre
falamos em margem de contribuição de um produto, mas por que não voltarmos
nossos olhos à contribuição, benefício e experiência do consumidor? Essa é uma
admirável modi cação na forma de olhar os negócios e a geração de valor.

___________________________

CURIOSIDADE
Em sua Lecture, o Prof. Asim M. Ansari da Columbia Business School
(CBS), escola de negócios da Columbia University, fez uma analogia que
muito me chamou atenção.
Vamos imaginar a seguinte situação: imagine que você é o
empreendedor fundador de determinada empresa e acaba de comprar
um veículo para uso nos negócios. Você estaciona o carro na empresa e
sai para outras atividades. Quando volta, percebe que o carro sumiu.
Como você se sentiria?
Provavelmente, seu nível de indignação seria enorme. Você
enfurecidamente questionaria a falta de segurança, pensaria no custo do
veículo, no tamanho do valor perdido por essa falha, buscaria monetizar,
conscientemente, a perda sofrida.
O que acontece, no entanto, quando você perde... um cliente?
Normalmente, nada. Pouquíssimos são os casos de empresas que
percebem efetivamente a perda de clientes. Geralmente, elas nem
mesmo sabem qual é o valor de um cliente. Muitas vezes, sequer a perda
é percebida (o que já seria algo fora da curva!), nem se tem o sentimento
de perda, ou a busca ativa e consciente do tamanho da perda –
monetária e outras, como de imagem, reputação etc.
Mudemos isso!

___________________________
Sendo assim, em vez de considerarmos a geração de valor (contribuição) em um
produto ou em uma transação, podemos entendê-la como em um cliente, ao longo
de cujo relacionamento com a empresa, potencialmente, uma série de interações
vai acontecer. Podemos entender – naturalmente não em sentido literal – um
cliente como “vivo” ou “morto” do ponto de vista de relacionamento com a
empresa.
Para entender o valor de um cliente, vamos iniciar pela de nição técnica do LTV:

O LTV é o valor presente líquido de todos os lucros futuros que um


cliente poderá proporcionar ao negócio ao longo do tempo em que se
relacionará com a rma.

Note que essa de nição apresenta alguns pontos relevantes, que destacamos a
seguir:

• Valor presente líquido (VPL): o conceito de valor presente deriva da Matemática


Financeira, na qual o valor do dinheiro – o próprio conceito de valor em si –
muda ao longo do tempo. Para quem quiser relembrar ou conhecer o conceito de
VPL, sugere-se a leitura do Apêndice 3. No Brasil, temos razoável facilidade para
compreender o valor do dinheiro no tempo devido a nossa larga experiência com
in ação: sabemos que o que R$ 100,00 compram hoje, certamente não vão
comprar exatamente em mesmo per l (volume/qualidade) dentro de um ano,
simplesmente em razão da perda de poder de compra do dinheiro por causa da
in ação, que o corrói. Portanto, o dinheiro tem valor no tempo. Neste momento,
estamos discutindo o valor do dinheiro no tempo em razão apenas da in ação;
no entanto podemos expandir para o valor que a empresa espera ganhar de
remuneração por seu dinheiro ao longo do tempo, trazendo para a discussão
questões relacionadas a custo de oportunidade do dinheiro e nível de exposição
a riscos.

• Lucros futuros: perceba que a de nição do LTV passa por compreender o lucro
que o cliente gera para o negócio. Nota-se aqui o componente de incremento.
Não se trata do preço de venda desse produto ao cliente, mas, sim, de quanto de
lucro sobra dessa relação com o cliente, após todos os gastos associados à sua
aquisição, à entrega de benefício, a eventuais impostos variáveis, entre outros.
Em outras palavras, é o que sobra do relacionamento com o cliente em sua vida
na empresa, após deduzidos todos os gastos que ele acarreta para o negócio.

• Tempo de relacionamento: por m, o conceito-chave relacionado ao LTV – ele


está diretamente associado ao tempo durante o qual o cliente mantém um
relacionamento com a empresa e ao longo do qual irá promovendo lucros.
Como o conceito de LTV tem o tempo – normalmente considerado em médio ou
longo prazos – como uma premissa fundamental da estimativa de valor do cliente,
é importante considerar o valor do dinheiro no tempo, conforme a Matemática
Financeira. Imagine que você mantenha um relacionamento de três anos com seu
cliente. Naturalmente, o lucro que ele vai lhe proporcionar daqui a três anos não
tem exatamente o mesmo valor na data de hoje. Sendo assim, para sermos
cuidadosos com o longo prazo, será preciso visitarmos alguns conceitos de
Matemática Financeira – ainda que sem grandes so sticações.

LEMBRETE SOBRE OS JUROS COMPOSTOS

Suponha que você invista R$ 100,00 hoje, a uma taxa de juros de 10% ao
ano. Seu uxo de caixa esperado seria tal qual ilustrado a seguir:

Para um período “n” qualquer no futuro, é possível generalizar a fórmula


dos juros compostos, como descrito a seguir:

em que i é a taxa de juros utilizada na conta e n, o número de períodos.

Supondo a fórmula aplicada para esse uxo, de dois períodos, teríamos


que:
Vamos supor agora que você receba a seguinte oferta: R$ 121,00 daqui a
dois anos. Qual o valor disso para você hoje? Aplica-se, então, a lógica do
valor presente, em que:

Chamamos essa fórmula de desconto a valor presente. O que,


essencialmente, a fórmula faz é pegar um dinheiro em valor futuro e trazê-lo
a valor presente, de hoje, descontando o valor do dinheiro no tempo –
conforme taxa de juros aplicada. Para o nosso exemplo, temos que:

Portanto, o valor de R$ 121,00 em dinheiro de hoje é igual a R$ 100,00.


Dada a mecânica de valor do dinheiro no tempo, vamos compreender a fórmula
genérica do LTV:

em que:
CAC= custo de aquisição do cliente;
M = margem de cada ano. Trata-se do lucro do cliente estimado para o ano,
sendo esse lucro o que sobra da receita gerada por ele, após o pagamento de
todos os gastos associados a sua manutenção e entrega de benefícios/serviços
/produtos;
R = taxa de retenção de cliente de cada ano;
i = taxa de desconto.
Veja, a seguir, algumas etapas fundamentais para compreender a essência de
estimativas do LTV.

• Primeira etapa: estime o CAC, sobre o qual falaremos com mais detalhes
adiante. Essa etapa é importante, pois, qualquer que seja o benefício que um
cliente traga para o negócio, devemos sempre considerar o custo necessário para
conquistá-lo. Naturalmente, é economicamente essencial que o benefício supere o
custo de aquisição, de forma que o negócio seja viável – ao menos em sua
maturidade.

• Segunda etapa: estime qual seria o lucro de um cliente que que com você por
uma vida longa, suponha aquele cliente que permanece, de fato, em
relacionamento ativo com a empresa.

• Terceira etapa: estime (preferencialmente com base em dados estatísticos


derivados de histórico; na ausência de histórico, busque outras alternativas
aproximadas) qual é a probabilidade de retenção de clientes ao longo do seu ciclo
de vida. Naturalmente, alguns clientes manterão relacionamento de longo prazo,
enquanto outros encerrarão o relacionamento com a empresa muito mais
rapidamente. Suponha que você levante o histórico de relacionamento com seus
clientes e perceba que, a cada 100 clientes adquiridos, 90 continuam sendo seus
clientes no ano um, 70 no ano dois e 50 no ano três. Percebe-se que a taxa de
retenção dos clientes é de 90% no ano um, 70% no ano dois e 50% no ano três.
Essas taxas de retenção podem ser entendidas como a probabilidade de o cliente
adquirido continuar sendo seu cliente no futuro, a cada ano que se passa.

• Quarta etapa: estime o uxo de cada ano esperado por cliente, conforme taxas
de retenção conhecidas. Em média, portanto, suponha que a margem de um
cliente no ano três seja estimada em R$ 1.000,00. No entanto, nem todos os
clientes chegarão a seu terceiro ano de vida de relacionamento. Sabendo que a
taxa de retenção de clientes no terceiro ano é de 50%, então o verdadeiro lucro
esperado de um cliente adquirido hoje, em média, para o terceiro ano, é de R$
500,00 (R$ 1.000,00 x 50%).

• Quinta etapa: estime o valor presente desse uxo futuro esperado. Após
estimado o lucro esperado de cada cliente por ano, dada a taxa de retenção de
clientes ao longo de seu relacionamento com a empresa, então, é preciso pegar
esses valores e trazê-los para a data de hoje, considerando o desconto de valor do
dinheiro no tempo, conforme a já conhecida Matemática Financeira. Suponha que
o lucro esperado no ano seja de R$ 500,00, conforme calculado no item anterior.
Ainda assim, esse dinheiro está representado em valores de ano três, e não em
data zero. Para reconhecer o valor desse lucro em dinheiro de hoje, é preciso,
então, trazer isso a valor presente com base na fórmula: 500 / (1+i)3.
Vem agora a maravilhosa notícia! Aquela última fórmula que aplicamos, mais
extensa, poderia ser simpli cada, graças a nossa maravilhosa ciência matemática.
Veja bem: os clientes poderiam ter vida in nita de relacionamento com a empresa
(matematicamente falando). No entanto, a contribuição desse consumidor, no
longo prazo, começa a ser irrisória, praticamente irrelevante. Isso porque, quanto
mais tempo passa, menor tende a ser a retenção de clientes. Por isso, no longo
prazo, a lucratividade esperada por qualquer cliente há de ser muito pequena,
dada a baixíssima probabilidade de que um cliente permaneça ativo por tanto
tempo. Como se não bastasse isso, descontar esse valor já minúsculo, daqui a 30
anos, no que se refere ao valor presente (hoje), faz com que o desconto seja tão
grande, em razão do valor do dinheiro no tempo, que o valor presente de algo já
pequeno, no futuro, ca ainda menor em dinheiro de data zero (agora).
Matematicamente, por esses dois motivos (baixa retenção de cliente no
longuíssimo prazo e desconto de valor do dinheiro no tempo), é possível fazermos
uma simpli cação da fórmula de LTV, que passa a ser a seguinte:

em que:

• LTV = lifetime value do cliente.

• M = margem ou lucro esperado de cada cliente por ano. Esse indicador


representa quanto de lucro o consumidor irá gerar (acima dos gastos necessários
para atendê-lo e mantê-lo) por período (geralmente um ano, mas todas essas
análises poderiam ser feitas em outra variação de tempo, como mês, por
exemplo). Aqui, utiliza-se a simpli cação de que esse lucro por cliente (M) tende a
ser constante para todos os anos futuros. Isso é uma aproximação matemática
útil, apesar de sabermos que não necessariamente essa margem é estável no
tempo. É usual, por exemplo, percebermos que, para clientes cujo relacionamento
perdura por diversos períodos, há um estreitamento das relações e maior
valorização do relacionamento, de forma que é, sim, possível esse lucro aumentar,
no tempo, por cliente (acima da in ação, naturalmente). No entanto, o pequeno
benefício de se ter um lucro variável no tempo geralmente não supera o grande
benefício de se ter uma fórmula simpli cada, de tal sorte que sugiro a você fazer
uso dessa versão simpli cada.
• R = taxa de retenção de clientes por ano (ou outro período analisado). Também
como simpli cação, adota-se que a taxa de retenção dos consumidores é estável
no tempo. Por exemplo, suponha que, a cada cem clientes que iniciem o
relacionamento no ano, 70 continuem com o relacionamento ativo no nal do ano
(“vivos”, portanto). Logo, há uma retenção de 70%. O ano seguinte se iniciará com
70 e terminará com 49 clientes (70 clientes x 70% de retenção).

• i = taxa de desconto, que busca estimar o valor do dinheiro no tempo para essa
empresa. Também é conhecida como o custo de capital, sobre o qual discutimos
no capítulo anterior ao falar sobre o lucro meta. Como simpli cação, sugere-se
entender essa taxa como o mínimo de retorno que o acionista espera ter com essa
empresa. Como regra geral, essa taxa deve ser superior à taxa livre de risco no seu
país (suponhamos, no caso brasileiro, a referência da Selic, e sugiro pensar na
Selic de longo prazo), acrescida de algum prêmio pelo risco corrido. Há inúmeros
estudos que discutem quanto deveria ser esse prêmio. Pessoalmente, conduzi
amplo estudo para o caso brasileiro em minha tese de doutorado, em que você
poderá encontrar justi cativas para considerar esse prêmio como algo entre 5%
até 10% ao ano, no Brasil2. Entrar em mais detalhes envolveria tecnicidade
nanceira que foge ao objetivo deste livro. Porém, como regra geral, “menos é
mais”: adote suas premissas simpli cadas mais ou menos nessa linha e continue
as demais análises!

• CAC = custo de aquisição do cliente, é o custo incorrido na data zero – no


momento atual – para adquirir esse cliente. Falaremos mais sobre esse indicador
adiante, ainda neste capítulo.
Para o leitor amante de plantão da Matemática, deixo ao nal deste capítulo,
como aprofundamento, o passo a passo quantitativo que transformou a fórmula
estendida em sua versão sintética. Essa dedução é tal qual explicitada pelo Prof.
Asim Ansari em seu já citado programa de Marketing Analytics. Como creio que
tamanho rigor matemático não vem necessariamente ao encontro dos objetivos de
todo empreendedor, optei por deixá-lo ao nal em caráter de aprofundamento.

___________________________

DATA DRIVEN BUSINESS


Como leitor atento que você é, deve estar percebendo como essas
métricas da nova economia são absolutamente pautadas em dados, não é?
Sim, o profundo conhecimento, a análise e a tomada de decisões baseada
em dados e sua análise estatística são um enorme diferencial para o seu
negócio!
Chegou a hora de encarar os dados e a estatística. Chegamos à era dos
dados, em que decisões baseadas puramente em intuições começam a ser
coisa do passado. Intuição e experiência, acrescidas de análise de dados,
isso, sim, é o futuro.
É preciso intenso acompanhamento dos dados. Por exemplo, a variável R
(taxa de retenção na fórmula do LTV) é absolutamente sensível para
entendimento do valor de um cliente para a empresa. Quando me re ro ao
adjetivo sensível, isso signi ca que, mesmo pequenas variações na taxa de
retenção, podem causar grandes re exos em LTV. Então, como estimar da
melhor forma essa taxa de retenção? Sim, são necessários dados.
Se você porventura trabalha em uma startup que já tem dados
acumulados, excelente! Com base em uma boa análise desses dados, é
possível construir indicadores de LTV extremamente ricos para o processo
decisório. Não perca essa chance!
Se você ainda não tiver dados, não se preocupe, nunca é tarde. Nesse
caso, adote as premissas necessárias para o cálculo de LTV e CAC:
identi que as variáveis-chave que você utilizou em sua estimativa e busque
imediatamente começar a coletar e registrar os dados para acompanhá-las
ao longo do tempo. Não é tarde para começar. Tendo esses dados em mãos,
você poderá, então, acompanhar suas premissas, re ná-las e, de fato,
começar a entender quanto de valor seu cliente lhe gera. Prometo a você
surpresas relevantes neste exercício! O conhecimento será absolutamente
valioso.
Se seu negócio ainda está no papel, você poderá, ainda assim, aplicar
todos os conceitos abordados aqui. Assuma todas as premissas que lhe
pareçam razoáveis com base em sua re exão e, preferencialmente, troque
ideias com pro ssionais que ajudem você a testar essas suas ideias. Uma
vez assumidas as premissas, comece a operar! A vida real, que vai
começando a se con gurar, vai trazer os dados verdadeiros a você. Então,
continuamente, compare suas premissas com os resultados obtidos no
teste empírico e atualize todas as suas percepções e necessidades de ação.

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O que queremos fazer com o valor na vida do cliente (LTV)? Maximizá-lo! Nosso
objetivo será, de fato, maximizar o LTV. Pela fórmula que encontramos, veja que há
essencialmente três alternativas de geração de valor em LTV:
Supondo que o custo de capital (i) seja dado para determinado negócio (quanto,
no mínimo, os investidores esperaram ganhar dado o risco corrido), então nossas
opções para maximizar LTV são:

(i) reduzir o CAC: quanto menor for o CAC, melhor para o LTV, naturalmente, pois
o CAC é o quanto a empresa gasta para adquirir determinado cliente;

(ii) maximizar a margem (M): quanto maior for a margem gerada pelo cliente
(lucro no ano/mês após todos os devidos gastos que o cliente gera), maior será o
LTV;

(iii) maximizar a taxa de retenção (R): quanto maior for a taxa de retenção anual
de clientes, maior será o LTV. Perceba como, na fórmula, o fator em que se
encontra a taxa de retenção multiplica a margem. Queremos, portanto, que esse
fator (que multiplica M) seja o maior possível. Para melhor compreensão, suponha
que o custo de capital (i) seja de 14%. Se a taxa de retenção fosse 70%, então a
fração dada por [R/(1+i-R)] seria igual a 1,59. No entanto, se a taxa de retenção
fosse de 80%, o resultado dessa conta seria 2,35. Se a taxa de retenção fossem
felizes 90%, então a resposta seria 3,75! Esses números multiplicam diretamente a
fórmula do LTV, de tal sorte que ca evidente como a taxa de retenção é
absolutamente valiosa para a maximização do LTV em seu negócio.

O que tudo isso signi caria? Imaginemos que estamos tratando de um serviço
por assinatura que tenha margem anual por cliente de R$ 1.200,00, CAC de
R$ 200,00 e i = 14%. Se a taxa de retenção fosse 70%, então teríamos que:

No entanto, se considerarmos uma taxa de retenção de 90%, então temos que:


Veja quão sensível o LTV do cliente é em relação a essa taxa de retenção de
clientes! O LTV saiu de R$ 1.709,00 para R$ 4.300,00, um superaumento de 152%!
Não menos importante do que conseguir novos clientes é manter os clientes
conquistados.

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ATENÇÃO!
Em startups, a sugestão é a seguinte: antes de investir tempo e
dinheiro em aumentar muito a base de clientes, invista tempo e dinheiro
em manter os clientes atuais. Gosto da analogia da água em uma
banheira: se o ralo é grande, largo e está aberto, não importa quão
rápido você jogue água nessa banheira, ela sempre estará vazia,
simplesmente porque o ralo está aberto. Antes de investir tempo e
energia enchendo a banheira, feche o ralo!
Ou seja: antes de investir tempo, dinheiro e reputação em conseguir
novos clientes, aprenda como satisfazer e reter seus clientes. Do
contrário, você se verá sempre com a banheira vazia: sem clientes, sem
receitas, sem caixa. Isso tem toda relação com o que discutimos no
Capítulo 2 sobre modelo de valor e modelo de crescimento, você se
recorda?
Além disso, não podemos nos esquecer de que um cliente perdido
pode ser difícil de recuperar. A experiência já foi vivida pelo cliente,
ainda mais nos tempos atuais em que todos mal têm tempo para assistir
a um vídeo com duração superior a um minuto (o que muito me choca,
diga-se de passagem, mas compreendo), o que dirá conseguir que se
engajem em uma segunda, terceira ou quarta chance para uma
experiência.
Lembremos, portanto, de validar nosso modelo de valor e de
crescimento, antes de investir demasiada quantidade de recursos para
crescer. Esse entendimento é mais uma grande oportunidade de
executar sua estratégia de forma orientada para o sucesso no negócio!

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7.2 O tal do churn
Até agora, falamos da taxa de retenção de clientes (R), porém sem uma
discussão mais precisa sobre como ela poderia ser apurada. Naturalmente, será
necessário calcular esse indicador (que é gerencial) em seu negócio. Para calcular
a taxa de retenção, devemos, antes de mais nada, calcular o churn.

Churn
O churn refere-se à perda de clientes em determinado período de tempo
– por exemplo, um mês ou um ano. A cada cem clientes adquiridos,
quantos são aqueles cujo relacionamento com a empresa está “vivo”
após um ano?

Em essência, a forma de calcular o churn é dada por:

Supondo que o churn seja de 10%, isso signi ca que a taxa de retenção é de
90% (100% - 10%).
Por mais que pareça uma fórmula um tanto quanto simples, sua apuração prática
pode ser bastante confusa. Isso porque, ao longo de determinado período, temos
essencialmente três fatores: (i) base de clientes inicial, (ii) clientes perdidos e (iii)
clientes adquiridos. Como calcular a parte de baixo dessa função (total de
clientes) sem que essa medida seja poluída pelos clientes que acabaram de ser
adquiridos durante o período? Além disso, imagine o caso de uma startup cujo
modelo de negócio, ao longo de um ano, tenha evoluído tanto que o churn de um
cliente de janeiro pode ser absolutamente diferente daquele de um cliente de
dezembro, simplesmente devido à melhora contínua e muito grande no nível de
experiência do usuário/cliente.
A melhor forma para se estimar o churn costuma passar pelo conceito de cohort
– grupo de clientes. É ideal que haja grupos de controle para estimar o churn em
startups que envolvam os clientes adquiridos em determinado momento do
tempo, sob condições similares. Sendo assim, a startup poderia acompanhar a
carteira de usuários adquiridos, por exemplo, em janeiro, e ver quanto desses
usuários continuam presentes um ano depois (após o prazo de renovação,
naturalmente).
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CURIOSIDADE
Em serviços por assinatura, costuma-se considerar como perda o
cliente que cancela a assinatura, ou aquele que não a renova.
É importante frisar que clientes de free trials (períodos gratuitos de
experiência) nunca serão considerados como clientes ativos de fato. O
consumidor apenas passa a fazer parte dos cálculos quando for
“adquirido”. Assim, evitamos considerar o período gratuito.
A Net ix, por exemplo, avisou que irá parar de divulgar dados de free
trials em seus releases de resultados.

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O churn em uma startup pode ser altamente variável ao longo do tempo.


Acompanhar esse indicador, portanto, é parte-chave da estimativa do LTV. Para
empresas maduras, no entanto, é possível que trabalhar com médias (ou seja, sem
controlar por grupos – cohorts – ao longo de um período, caso o modelo de
negócio já esteja absolutamente estável) seja uma boa aproximação. Isso porque
os diferentes grupos são aproximadamente estáveis e similares ao longo do
tempo.
No entanto, como nossa discussão se dirige a startups, sugiro a você que recorra
ao bom senso ao fazer uso dos grupos de controle para apurar o churn. Busque
também aprofundar-se acerca das nuances de seu modelo de negócio para
responder à pergunta: o que, de fato, signi ca perder um cliente na minha
empresa? Essa de nição, apesar de ser absolutamente essencial para a
mensuração do churn – e, portanto, da taxa de retenção –, nem sempre é óbvia ou
facilmente mensurável.

7.3 O custo de aquisição de clientes (CAC)


O próprio nome do indicador é um tanto quanto intuitivo: trata-se de todo gasto
incorrido pela empresa para a aquisição de um cliente. Já os gastos incorridos para
a manutenção deles serão incorporados no cálculo da margem de cada ano futuro,
e não dentro do CAC, idealmente.
Naturalmente, diversas aproximações costumam ser feitas para a estimativa de
um CAC mais genérico, mas o mais importante é ter em mente qual é o objetivo:
compreender quanto de esforço nanceiro a obtenção de um novo cliente
demanda do negócio.

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CUSTO DE AQUISIÇÃO DE CLIENTES (CAC)
Trata-se do esforço nanceiro necessário para a aquisição de um cliente.
Pode envolver diversos gastos de marketing (comunicação, mídias digitais,
propagandas em veículos diversos, impulsionamentos, folha de pagamento
de pro ssionais de marketing e outros) e de vendas (vendedores,
comissões, boni cações, promoções e outros), tanto de natureza xa
quanto variável – não nos esqueçamos desse detalhe!
Devemos tomar cuidado, pois, muitas vezes, o indicador é calculado
apenas levando em consideração gastos de comunicação ou correlatos, o
que, com certeza, subestima o esforço nanceiro da empresa para adquirir
um cliente.

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Uma forma simpli cada e prática de calcular esse indicador seria:

• Identi car em seu negócio todos os gastos de marketing e vendas ao longo de


determinado período (evite um espaço muito curto de tempo, pois pequenas
variações podem levar a erros);
• Comparar com a quantidade de novos clientes conquistados nesse período.

Naturalmente, um desa o é sempre conseguir segregar quanto desses gastos


está associado à aquisição de novos clientes e quanto está associado à
manutenção e retenção dos clientes já conquistados. O primeiro caso (aquisição)
há de ser contemplado no CAC; o segundo caso (retenção) há de ser computado na
margem (M) de cada ano, já explicada no item anterior. Façamos um exercício,
inspirado pelo Prof. Asim Ansari.
Vejamos o caso real Net ix. Adiante, neste capítulo, vamos estimar juntos os
números da empresa com base em suas informações públicas. Suponhamos, no
entanto, que saibamos os seguintes dados referentes à operação no mercado
doméstico da Net ix:

• Lucratividade anual do cliente (M) = US$ 70,40


• Considere i = 12%
• Taxa de Retenção (R) = 91%
Com base na fórmula já conhecida de LTV, qual o valor máximo que a Net ix
poderia gastar para aquisição de clientes?
Não podemos, idealmente, permitir que o LTV se torne negativo – pois isso
signi caria dizer que, a cada novo cliente adquirido, perdemos valor no negócio. É
claro que pode haver alguns momentos estratégicos na vida da empresa nos quais
trabalhar com LTV negativo aconteça, visando a um ganho maior por meio de
penetração em seu mercado (no Capítulo 5, foi mencionado o caso Amazon). Ainda
assim, no longo prazo, um negócio apenas é sustentável com base em LTV
positivo. Para isso, o CAC há de ser, no máximo, igual à primeira parte da função,
de tal sorte que:

Logo, tem-se que:

Suponha agora que a Net ix queira buscar aumentar sua taxa de retenção, de
91% para 95%. Naturalmente, para conseguir atingir esse resultado, ela precisará
investir na retenção de seus clientes, o que invariavelmente irá reduzir a
lucratividade anual (M).
Até quanto ela poderia gastar anualmente de forma que o investimento valesse a
pena? Nesse caso, a nova margem seria M2 = M – Custo incremental de retenção
(C). Precisaríamos construir a análise de tal forma que o aumento da retenção (R2)
compensasse a redução em margem (M2), de tal forma que:
A primeira parte dessa equação refere-se à vida da Net ix tal qual ela é hoje.
Substituindo na fórmula os valores atuais, temos que:

Nosso objetivo é levar a taxa de retenção (R2) para o patamar de 95%. Sendo
assim, vamos agora fazer essa substituição em R2:
Resolvendo até aqui, tem-se que:

Percebe-se, então, que a Net ix pode pagar, no máximo, US$ 15,81 adicionais
por ano para tentar melhorar a retenção de seus clientes, almejando os 95% de
retenção. Caso a empresa gaste menos do que US$ 15,81 incrementais e atinja seu
objetivo, excelente! Caso contrário, teria sido melhor, do ponto de vista
econômico, manter a taxa de retenção em 91%.
Perceba que esse é um exercício que deve ser feito com cuidado na vida real: não
há como termos certeza de que o incremento de custo terá de fato o impacto
esperado na taxa de retenção de seus clientes, então é importante acompanhar
esses esforços para ver se os resultados são promissores.
Re ita sobre o seguinte aspecto: você enxerga o enorme poder que essas
ferramentas conferem ao empreendedor, permitindo-o pensar estrategicamente na
geração de valor ao consumidor, na experiência do consumidor, na satisfação de
seus usuários (naturalmente re etida na taxa de retenção), entre outros aspectos?
Para as análises de empresas na nova economia e a constante necessidade de
testar hipóteses e alterar os rumos dos negócios (o chamado “pivotar”, do método
lean startup, de Eric Ries (2011)3, cujo berço esteve também nas ideias de Steve
Blank4, por exemplo), essas medidas são absolutamente essenciais.

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CUIDADO!
Quando fazemos as análises propostas neste item, estamos trabalhando
com premissas, expectativas. Buscamos identi car, aqui, qual é o máximo
que poderíamos gastar para subir a taxa de retenção. No entanto, o futuro é
incerto (como sempre). É, sim, possível que esse esforço incremental
aumente a retenção para o patamar esperado ou, quem sabe, mais ainda,
assim como é possível que gastemos esse valor para perceber que isso não
se re etiu em aumento da retenção. Neste último caso, a decisão de gastar
mais para reter o consumidor não foi nanceiramente atrativa.
Como estamos tratando com incertezas, e a vida das startups é deveras
cheia de testes, é importante lembrar de sempre acompanhar os testes
propostos para ver se foram alcançados os resultados esperados.
Devemos car atentos para não cair na armadilha da inércia: pode
acontecer de o gasto não ter sido tão assertivo, porém, por falta de
acompanhamento e veri cação, essa ine ciência passa despercebida pelos
gestores. Nesse caso, o que acontece é que o LTV do cliente cará
permanentemente reduzido, por pura desatenção ao fato de que esse gasto
incremental não levou a resultados economicamente atrativos em aumento
de retenção de clientes. Porém, pode continuar sendo despendido em uma
manobra “automática” derivada daquele ato inicial...
por pura inércia! Pior mesmo é que se trata de um valor que está sendo
gasto, mas não gera uma consequência sensível em valor percebido pelo
cliente a ponto de melhorar seu relacionamento com a empresa. Isso sugere
que esse recurso poderia ser gasto pela empresa de outra forma que, de
fato, fosse percebida como valiosa para o cliente.

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O CAC é um indicador perigoso se mal utilizado. Em verdade, como qualquer
indicador gerencial, é muito facilmente “maquiável”. Sei que você tem a melhor
das intenções ao fazer bom uso da métrica, então nos permita compartilhar alguns
pontos de atenção: nosso objetivo é conseguir calcular bem o indicador e tomar o
cuidado para não cair em armadilhas que minimizam o CAC arti cialmente, o que
certamente induziria você a erros estratégicos relevantes. Isso porque o nosso
interesse é minimizar o CAC de fato, não arti cialmente.
Qualquer negócio, sempre, buscará minimizar os custos no limite em que essa
minimização seja bené ca para o negócio. O CAC, como custo de aquisição de
clientes, não é diferente. Seu objetivo é medir o real custo de aquisição de um
cliente, porém não é tão fácil fazer tal mensuração.
Suponha, por exemplo, os seguintes gastos de marketing e vendas: folha, gastos
com agência de publicidade, salários e comissão de vendedores, marketing digital
e impulsionamentos em mídias. Veja a seguir discussões sobre alguns problemas
que devem ser evitados para o melhor uso e benefício do CAC.
Diversos negócios fazem uso de medidas de CAC que consideram apenas os
gastos variáveis (ou semivariáveis), como comissões/impulsionamentos em
mídias digitais, agência de publicidade produzindo peças de marketing sob
demanda, AdWords etc. No entanto, isso desvia a atenção de diversos – e
possivelmente relevantes – custos xos associados à aquisição de clientes, como
salário dos pro ssionais de marketing e vendas, por exemplo. Há uma armadilha
perigosa aqui: buscando reduzir esse CAC variável, muitas vezes, a startup opta
por internalizar parte dos gastos (como contratar pro ssionais para fazer
inteiramente artes de marketing, em vez de comprar sob a demanda de agências).
Não há absolutamente nada de errado com essa estratégia. O problema surge se o
novo custo não for muito cuidadosamente acompanhado.
Veja bem: caso a empresa considere em seu CAC apenas o gasto variável, ela
deixará de reconhecer o gasto com a agência para produção das peças na
composição do CAC, de forma que o indicador parecerá menor: há redução em CAC
variável. No entanto, há um aumento em CAC, agora, como um gasto xo! Ao
desconsiderar os gastos xos em sua apuração do custo de aquisição de clientes,
a empresa corre o risco de negligenciar esse novo gasto, levando a decisões um
tanto quanto equivocadas. No limite, ela pode estar vendendo seus produtos com
LTV negativo na verdade, porém arti cialmente alto, simplesmente porque o CAC
foi subestimado – por descuido ou, quem sabe, por “maquiagem”.
Apesar da maior di culdade em estimar o CAC considerando também os gastos
xos, ele é mais apropriado para a melhor tomada de decisões. Vale uma
observação: digo que é um pouco mais difícil estimá-lo, pois geralmente isso
demanda algum tipo de rateio nos gastos xos, buscando separar o que é
aquisição de clientes do que é manutenção/retenção de clientes, por exemplo.
7.4 Estratégias para crescimento do LTV
Podemos contar essencialmente com três grandes grupos de estratégias para
geração de valor de consumidores no negócio. No m do dia, do ponto de vista
econômico- nanceiro, visamos sempre maximizar o valor do negócio (firm value).
Trabalhar o valor agregado por nossos clientes é chave nesse processo.

Figura 7.1: Estratégias para expansão de LTV.


Fonte: adaptada de Asim M. Ansari (2019)5.

Uma das primeiras estratégias para crescimento de valor do negócio com base na
maximização do valor de consumidores seria o puro crescimento na base de
clientes. Isso envolve um custo de aquisição, naturalmente. Há três principais
caminhos a serem percorridos para atingir esse objetivo: (i) investir em
propagandas e comunicação, (ii) investir em parcerias estratégicas, (iii) por meio
de aquisições (operações de M&A). Quando pensamos na vida de startups, este
terceiro caminho (que geralmente envolve grandes volumes de recursos) costuma
ser viável apenas a partir de um porte de negócio muito maior, já avançado com
relação às séries de captações. Parcerias têm como importante ponto positivo seu
custo, que, em diversos casos, pode resultar em um gasto inicial menor. Ainda
nesta primeira macroestratégia, é preciso sempre lembrarmos da importância de
buscar minimizar o CAC.
As segunda e terceira estratégias têm total relação com a já mencionada fórmula
de apuração do LTV. De alguma forma, podemos buscar maximizar a lucratividade
de cada cliente ao longo de sua vida de relacionamento com a empresa (M), ou
ainda aumentar a taxa de retenção de clientes (R). É absolutamente relevante
compreender, no entanto, que essas estratégias não são independentes: elas
carregam implicações e re exos umas nas outras. Por exemplo: em uma tentativa
de reter mais os clientes (aumento em R), pode ser adotada uma estratégia de
baixar o preço. No entanto, isso causa uma redução na lucratividade do cliente
(M). Da mesma forma, para adquirir maior volume de clientes, pode-se incorrer em
aumento no CAC, reduzindo o valor no ciclo de vida do cliente.

DICA
Com o uso de dados, associados a boas práticas de estatística e,
especialmente, à inteligência artificial, muitas empresas vêm tendo
consideráveis ganhos em retenção por meio de bons sistemas de
recomendação. Certamente, você já percebeu isso em sua vida diária,
com diversas experiências como consumidor.
Alguns exemplos saltam aos olhos: Netflix, Google, Amazon, entre outros.
O sistema de recomendação de filmes e séries da Netflix promove intenso
engajamento do usuário com a plataforma, especialmente na medida em
que são sugeridas experiências de forma assertiva. Da mesma forma,
quando a Amazon promove recomendações de produtos ou serviços que
podem ser úteis ao usuário, ele também se engaja mais na experiência.
Percebe-se, então, que sistemas de recomendação estão se tornando
ferramenta valiosa para buscar aumentar a taxa de retenção de clientes,
com impacto fortemente benéfico em LTV.

Vamos ver um exemplo de aplicação desses conceitos? Tomemos o caso real


Net ix. Para construir os indicadores, é necessário adotar uma série de premissas
e suposições, em razão de não termos acesso aos dados gerenciais da empresa.
Vamos ressaltar as devidas simpli cações adotadas. A título de curiosidade,
analisaremos os dados do caso Net ix, considerando os negócios domésticos da
empresa (operações nos Estados Unidos), bem como seus negócios
internacionais. É interessante vermos o potencial contraste entre os dados em um
mercado mais maduro versus outro em ampla expansão.
Na Tabela 7.1, a seguir, apresentam-se dados reais disponíveis na divulgação de
resultados trimestrais da Net ix, referentes aos primeiros três trimestres de 2019.
Para ns deste exercício, todos os dados divulgados foram anualizados de forma
linear (dividiu-se cada valor por nove meses e multiplicou-se por 12 meses). O
número nal de usuários apenas foi incrementado pelo aumento líquido estimado
para o quarto trimestre de 2019, ainda não encerrado no momento de escrita deste
capítulo.

Tabela 7.1: Caso Net ix.


Fonte: desenvolvida pela autora.

As linhas destacadas em cinza, na Tabela 7.1, são aquelas estimadas com base
em cálculos. Os dados de assinantes – totais e líquidos adicionais –, bem como
de receitas, custos e gastos de marketing, foram todos retirados das informações
trimestrais reais publicadas pela empresa e elmente anualizados.
Para ns de cálculo de lucratividade do usuário por ano, sua margem de
lucratividade (M), consideraram-se apenas as receitas menos os custos das
receitas, divididos pelo total de usuários. Para ns de apuração do CAC, foi
considerado o valor de marketing investido, dividido pela quantidade de
assinantes brutos adquiridos no ano. Devemos prestar atenção a esse detalhe: os
assinantes brutos adicionados no período não são divulgados pela Net ix, que
apenas informa a adição líquida (entradas menos saídas de assinantes). Sendo
assim, foi preciso estimar o número de adições brutas no ano. Para tal,
considerou-se como adições brutas o valor das adições líquidas (aquelas acima
das perdas) mais o churn. Este, por sua vez, foi estimado como sendo 9% de
perdas de clientes anualmente, multiplicado pelo valor inicial de assinantes no
ano. Essa conta está destacada na primeira linha cinza da planilha.
Nota-se que foi adotada aqui a premissa de que todo o gasto de marketing por
segmento está destinado à aquisição de novos clientes. Também se assume a
premissa de que esse valor já inclui todas as informações relevantes – tanto de
marketing quanto de vendas –, essenciais para compor o CAC. Naturalmente,
essas premissas poderiam ser muito mais so sticadas se estivéssemos dentro da
empresa, com acesso a seus dados gerenciais.
Nota-se que o custo de aquisição de clientes em seu mercado doméstico
(US$ 112,00) é consideravelmente superior ao CAC de suas operações
internacionais (US$ 64,00). Podemos imaginar que isso tem relação com a
maturidade dos mercados: no caso da operação doméstica, a empresa já tem um
alto nível de penetração, de forma que o ganho incremental de usuários é mais
difícil, pois trata-se daqueles usuários mais custosos de atingir – uma vez que o
mercado mais fácil já foi conquistado nessa altura. Além disso, o aumento da
competitividade em negócios streaming
também é especialmente mais gritante (no que se refere a investimentos em
marketing) em seu mercado doméstico. Já nas operações internacionais, é
possível estimar que ainda haja maior volume de clientes disponíveis para serem
impactados pela comunicação em mercados menos maduros, de forma que o CAC
ca reduzido.
No entanto, nas operações internacionais, a receita média por usuário (ARPU,
sigla em inglês para average revenue per user) também é consideravelmente
inferior. Chegamos à estimativa de lucratividade anual estimada por usuário (a
margem, já discutida anteriormente, que é a base para o cálculo do LTV) de US$
70,40 por ano no mercado doméstico, em comparação a US$ 30,20 por ano nas
operações internacionais. O valor de churn não é divulgado pela empresa, porém
diversas fontes6 sugerem que esse indicador deva ser algo ao redor de 9% para a
Net ix, o que indica uma taxa de retenção de 91%.

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ATENÇÃO À ARMADILHA!
Nessa era da nova economia, você certamente já deve ter ouvido falar do
conceito de exponencialidade dos negócios. Em essência, trata-se do
crescimento dos negócios em velocidade exponencial – e não linear.
Quando fazemos investimentos em marketing (por exemplo, um Google
Adwords), os resultados obtidos tendem a ser mais próximos do
crescimento linear do que do exponencial (a não ser, naturalmente, que o
crescimento dos investimentos seja também exponencial, o que pode ser
arriscado quanto à viabilidade econômica). O mesmo se pode dizer do
crescimento pela contratação de vendedores: o crescimento é mais próximo
do modelo linear.
Além de linear, ambas as estratégias podem ser caras (ou pelo menos
mais caras) para startups. Surge aí, com força, o benefício das
comunidades, cujo poder se alavancou com o desenvolvimento das
tecnologias.
Ter como estratégia de crescimento o estabelecimento de comunidades
pode ser uma belíssima estratégia (se bem executada e contando com a
criação de compartilhamento de bons conteúdos e oportunidades de
conexão/relacionamento/entretenimento/networking) para alavancar
vendas enquanto minimizar fortemente o CAC.

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7.5 Visão crítica sobre o LTV


No capítulo anterior, mencionei que talvez startups que têm muitas
características da nova economia – como serviços por assinatura, por exemplo –
não se identi cassem com o conceito clássico de margem de contribuição.
Recorda? Pois é.
Pare um segundo para pensar no lifetime value do cliente discutido aqui. Você
nota a similaridade entre o LTV e a margem de contribuição? Re ita comigo.
O LTV pode ser entendido como a proxy de margem de contribuição para esse
tipo de empresa. Quando não há o conceito claro de unidade de venda, podemos
adaptar para unidade de cliente. Pela adoção das premissas já discutidas, é
possível então compreender o quanto cada cliente traz de contribuição para a
empresa, fazendo, portanto, valer praticamente todas as principais discussões e
achados tratados no capítulo anterior, com as devidas adaptações, naturalmente.
É claro que o conceito de LTV não é exclusivo para empresas da nova economia,
ele poderia perfeitamente ser utilizado em negócios clássicos também, caso se
volte o olhar para a unidade de cliente, em lugar da unidade de
produto/mercadoria/etc.

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CURIOSIDADE
O LTV pode ser entendido como a proxy de margem de contribuição
para empresas nas quais o conceito de unidade de venda não seja tão
óbvio. Assim, é mais intuitivo tratar de unidade de cliente (por exemplo,
serviços por assinatura, típicos em diversas startups da nova economia).
Assim como anteriormente tratamos do conceito de mix de venda por
produto, as mesmas considerações poderiam ser feitas aqui
considerando o mix de clientes por segmento. Isso, naturalmente, caso
haja diferentes per s de segmentos de clientes no negócio.

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VOCÊ SABIA?
O indicador de LTV pode ser encontrado na literatura – especialmente
em fontes livres na internet – e calculado de outras formas. Tendo o
cuidado de aplicar o melhor conceito para a tomada de decisões, sugiro
enfaticamente que você faça uso da versão proposta neste livro.
Dito isso, uma alternativa próxima do que foi discutido seria estimar o
retorno do cliente (ROI), dado o investimento feito nesse cliente. Esse
indicador seria dado por:

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Note que essa fórmula ROI divide o ganho pelo CAC em vez de fazer o
ganho do cliente ao longo de sua vida menos o CAC, chegando ao LTV em
termos monetários. O que se tem agora é o retorno percentual que esse
cliente proporciona, dado o investimento (CAC) feito para adquiri-lo.
Em essência, é a mesma informação! Só que uma em dinheiro (LTV) e a
outra em percentual (ROI do cliente). Trata-se de outra forma de analisar o
cliente e seu ganho proporcionado à empresa, porém ainda com grande
benefício.
Se buscar fontes muito simplistas, possivelmente você vai deparar-se com
a seguinte de nição – que sugiro você não utilizar, preferencialmente:

A parte de cima seria popularmente chamada de LTV. Sugiro que você não
utilize essa versão por alguns motivos:
• não se analisa nessa fórmula, com o devido cuidado, o churn e a taxa de
retenção de clientes, que são variáveis-chave e altamente estratégicas
para empresas na nova economia;
• desconsiderou-se completamente o valor do dinheiro no tempo. Nessa
fórmula, atribui-se o mesmo peso à lucratividade que um cliente gera no
ano um, e aquela lucratividade gerada no ano seis.
Ainda assim, é relevante trazer a você esse entendimento, pois devemos
ter cuidado com o rigor dos indicadores, de forma que consigamos – de
verdade – tomar ótimas decisões em nossas startups.
SAIBA MAIS
Caso queira saber mais sobre os temas tratados neste capítulo, sugerimos as
seguintes leituras:

1 ANSARI, A. Marketing Analytics. 2019? EDX. Disponível em: <https://www.edx.org/course/marketing-


analytics.> Acesso em: 03 de março de 2020.
2 PEREIRA, Bruna L. O modelo de projeção de lucros de Hou, D k e Zhang (2012) e o custo de capital implícito.
2016. Tese (Doutorado) – Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade de São Paulo,
São Paulo. Disponível em: <https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/12/12139/tde-06102016-
152547/publico/CorrigidaBruna.pdf>
3 RIES, Eric. The lean startup. New York: Crown Business, 2011
4 BLANK, Steve. The four steps to epiphany. 5th. ed. USA: K & S Ranch, 2013.
5 ANSARI, A. Marketing Analytics. 2019. EDX. Disponível em: <https://www.edx.org/course/marketing-
analytics.> Acesso em: 03 de março de 2020.
6 MULLIGAN, Tim. Net ix Q1 2018 Results: Hiking Prices or Fighting Churn? Midia 2018. Disponível em:
<https://www.midiaresearch.com/blog/net ix-q1-2018-results-hiking-prices-or- ghting-churn/.> Acesso em: 10
de dezembro de 2019 JAIPURIA, Tanay. How much are you worth to Net ix? Medium. 2018. Disponível em:
<https://medium.com/@tanayj/how-much-are-you-worth-to-net ix-2fb61feb5441.> Acesso em: 10 de
dezembro de 2019.
7.7 Apêndice – Dedução da fórmula de LTV

em que:
CAC = custo de aquisição do cliente;
M = margem de cada ano. Trata-se do lucro do cliente estimado para o ano,
sendo esse lucro o que sobra da receita gerada por ele, após o pagamento de
todos os gastos associados à sua manutenção e entrega de
benefícios/serviços/produtos;
R = taxa de retenção de cliente de cada ano;
i = taxa de desconto.
Consideremos que M e R são estáveis no tempo, para todos os anos. Sendo
assim, tem-se que:

Consideramos, agora, que há in nitos termos nessa série (em vez de terminar no
ano n da projeção) e colocamos o termo comum (M x R) /(1+i) em evidência. Tem-
se, então, que:

Vamos, agora, simpli car e fazer a seguinte substituição:


Q = R /(1+i), tem-se, então, que:
Entre os parênteses anteriormente, tem-se o seguinte somatório:

(1+ Q + Q^2+ Q^3 + ... ).


Talvez alguns de vocês reconheçam aqui o padrão: trata-se da soma dos in nitos
termos de uma progressão geométrica (PG). Lembram? Pois é, sabe-se da
Matemática que a soma dos in nitos termos de uma PG é dada por:
Soma = a1 / (1-Q).
Como no caso de nosso exemplo a1 = 1, tem-se que:

Logo, substituindo novamente Q por R /(1+i), tem-se:


Tem-se, por m:
De quanto dinheiro sua startup precisa? Essa pergunta será feita ao empreendedor
muitas vezes ao longo da vida do negócio. A verdade é que, por mais simples que
essa frase possa parecer, sua complexidade é grande.
Veja bem, errar em estimativas é uma constante em nossas vidas: se não sabemos
nem o que comeremos amanhã, que dirá a necessidade de caixa nos próximos 12
meses, não é? Ainda mais em um negócio com alto componente inovador – e,
portanto, incerto! Pois é.
Acontece que erros em estimativa, quando trazem notícias sensíveis do tipo
clássico “vai precisar de mais dinheiro”, embora naturais, são também
desgastantes para todos os que se envolvem com a startup. São doloridos para os
investidores, para os fundadores (que, além da pressão natural de gestão, têm
sobre os ombros o peso emocional de gerir colaboradores, stakeholders, gestão de
recursos nanceiros alheios, reputação e status, entre outros) e para os gestores.
São também potencialmente desgastantes para pessoas e times da startup, que
podem ter seu engajamento abalado, além de provocar outros impactos diversos,
como riscos de imagem para a empresa, riscos de baixa em qualidade do crédito da
empresa perante seus credores, entre outros.
Este capítulo é inteiramente dedicado a auxiliar você a compreender quais tipos
de “dinheiro” uma startup irá consumir ao longo de sua vida, bem como formas
para estimá-los. Errar na estimativa da necessidade de recursos é natural, pois
envolve o futuro – incerto por de nição. No entanto, é preciso inteligência:
deixemos os erros por conta da incerteza inerente ao futuro e aos negócios, mas
não por conta de falhas técnicas, que boas práticas de gestão possam prevenir.
Já ouviu falar na máxima “notícias boas se dão aos poucos; notícias ruins, de uma
vez só!”? Pois é, aqui é um bom momento para lembrar disso. Nesse assunto, a
forma como se expõe a necessidade de recursos costuma ser mais importante do
que a necessidade em si. Com boas práticas para estimativa de necessidade de
investimentos, é possível obter enormes ganhos em nossas startups.
Especialmente, isso gera maior con ança em todos os envolvidos com a empresa,
reduzindo a percepção geral sobre riscos, assim como o nível de medo
dos stakeholders em relação ao negócio. Como fazer, então, para tratar esse tema
da melhor forma possível? Veja, a seguir, uma síntese das práticas que ajudam
nesse quesito – os 3 Ts.

• Tempo hábil: sempre que precisamos de recurso, é importante saber com


antecedência. Não há nada pior do que saber a cada mês qual será a necessidade
de dinheiro para pagar as contas do próprio período. Antecipe-se: se nada mudar
na vida da empresa, o dinheiro que você tem vai permitir uma sobrevida de
quanto tempo?

• Tipos de recurso: veremos neste capítulo que há essencialmente três tipos de


recurso que uma startup pode demandar – investimentos iniciais, queima de
caixa pré-ponto de equilíbrio e capital de giro. Saber qual volume vai para cada
um deles é essencial.

• Transparência: uma vez captados os recursos, nada como accountability e um


bom acompanhamento! O que se planejava fazer com os recursos é o que está
sendo feito? É necessário transparência associada a um mínimo de prestação de
contas, sem fazer com que a vida da empresa se resuma a burocracias, pois não é
naturalmente a ideia em startups, mas cuidando para que se tenha consciência do
uso dos recursos.

No início deste livro, mencionamos algumas características das startups que a


tornam mais desa adora do que grandes empresas; uma delas eram os “dramas do
dia a dia”. Empreendedores acabam precisando investir muito tempo e energia em
amenizar ansiedades e con itos entre investidores e outros stakeholders. Com o
domínio das práticas deste capítulo, vai lhe sobrar mais tempo para fazer o que
importa – seu negócio acontecer! Porque, naturalmente, diversos anseios que
costumam gerar con itos poderão ser acalmados (ou ao menos endereçados) antes
de se transformarem em estresse.
Neste capítulo, vamos ver quais são os principais drivers para estimar, o mais
corretamente possível, quanto de dinheiro a startup precisa para cada desa o a ser
enfrentado, ou a cada round (rodada) de captação.
Os investimentos necessários em um negócio são essencialmente três:

(i) investimentos iniciais ou capital expenditures (Capex)


(ii) queima de caixa pré-break-even (pré-ponto de equilíbrio)
(iii) capital de giro.

Em algumas literaturas, os itens 2 e 3 são ambos chamados de capital de giro,


mas, na prática, noto que esse agrupamento não é ideal para uma startup, pois são
misturados dois tipos de dinheiro que têm considerável diferença conceitual. Esses
conceitos ajudam a responder às seguintes perguntas:

De quanto de dinheiro seu negócio precisa?


Se você tivesse esse dinheiro em mãos hoje, o que faria exatamente com
ele?

8.1 Milestones
Uma parte inicial para análise dos investimentos necessários no negócio envolve
delimitar o escopo de ação futura. Antes de mais nada, é preciso saber aonde se
quer chegar e como se pretende chegar lá. Não me re ro a planos de longo prazo,
porque obviamente isso é raro para o modelo de negócio de startups, mas aos
próximos passos – no horizonte de tempo que seu negócio lhe permitir enxergar.
Note que essa etapa preliminar é absolutamente estratégica e, sem esses
detalhes sobre formato do negócio e modo estimado de trabalho, é praticamente
impossível avaliar os recursos necessários. Para tanto, é interessante compreender
o conceito de milestone, muito utilizado para levantamento de recursos em startups
quando em conversas com potenciais investidores.
Diferentemente de negócios mais tradicionais, é realmente difícil fazer um plano
de três ou cinco anos em startups, em especial em seus estágios iniciais de vida,
pois as variáveis e incertezas serão tantas que a análise ca inviabilizada. Então,
em vez de pensar em horizonte temporal, usa-se o conceito de milestone para
de nir investimentos. Um milestone é uma conquista esperada ou um marco no
processo de crescimento na vida da startup.
Esses marcos são etapas relevantes na história de vida da startup, como: teste de
um MVP, lançamento de um produto, determinado número de clientes/assinantes,
primeiras receitas, ponto de equilíbrio etc. Essa de nição é chave para o sucesso e
absolutamente estratégica, pois estimula os times e empreendedores a manterem a
atenção no que realmente importa em determinado momento do negócio.
Como sabemos, em pequenas empresas, os times geralmente são incompletos,
então é comum que um mesmo pro ssional tenha vários “chapéus”: em
determinado momento, é o estrategista, em outro é o nanceiro, em outro é o
vendedor, em outro é operações e limpeza, entre outros. Sim: somos tudo. Por isso,
é fácil nos perdermos um pouco no dia a dia caótico de startups e nos
distanciarmos do que é realmente importante (porém não tão urgente) no negócio.
Por isso, o conceito claro de milestone auxilia o empreendedor e seus times a
manterem a atenção focada no que realmente é a etapa crítica para o sucesso da
startup em determinado momento.
Uma vez de nido o milestone, ou até uma sequência de marcos importantes,
então chega a hora de efetivamente começar a planejar os investimentos.

8.2 O caso dos investimentos iniciais


O primeiro investimento é em geral mais simples, mais direto, intuitivo e objetivo.
Trata-se do chamado Capex, ou investimentos em bens de capital. No caso da nova
economia, em geral, será certamente necessário expandir um pouco esse conceito.
Vamos chamar de Capex quaisquer investimentos em ativos de longo prazo, ativos
essenciais para o sucesso de sua operação, cujo benefício econômico para o
negócio será gerado durante um prazo longo. São exemplos de investimentos dessa
natureza:

• alguns mais tradicionais e físicos, como máquinas, equipamentos, imóveis e


terrenos, instalações prediais e industriais em geral, entre outros;
• alguns também tradicionais porém intangíveis, como softwares, marcas e
patentes adquiridas, entre outros;
• alguns mais modernos, como compra de dados (se necessário), gastos com
desenvolvimento de aplicativos, entre outros.

Todos eles têm em comum o fato de serem gastos iniciais no desenvolvimento do


negócio, relacionados à montagem do business em determinado formato. São
também gastos pontuais, e não parte do dia a dia recorrente do negócio.
Esses gastos podem ser mais ou menos pesados a depender de cada setor de
atuação da empresa. No caso de startups, dependendo do segmento de atuação, é
possível que sejam gastos muito pequenos. Especialmente em serviços, quando o
principal componente do sucesso do negócio é o conhecimento dos fundadores ou
sócios, por exemplo, quando o modelo de remuneração não necessariamente
envolve desembolso de caixa nesses estágios iniciais.
Já se estivermos falando de negócios mais sustentados em equipamentos de alta
tecnologia, nos quais são necessários investimentos em compra ou
desenvolvimento de ativos de longo prazo de alto valor agregado – como diversos
casos de startups no segmento médico, ou alguns tipos de negócio em startups no
segmento imobiliário, por exemplo –, então a conversa é um pouco diferente.
Nesses casos, provavelmente haverá um componente de caixa mais pesado em
Capex, mesmo em estágios de testes em MVPs bastante preliminares.

DICA
No início de vida de uma startup, especialmente quando em
segmentos de atuação em que seus profissionais não têm amplo
domínio, é comum que diversos gastos dessa natureza sejam
esquecidos por puro desconhecimento. Por isso, não subestime a
importância de conversar com especialistas – ou o que mais
próximo disso houver.
Procure pessoas experientes desse setor e faça de tudo para
conversar com elas. Há uma expressão que vem da linguagem
informal brasileira, que chama essa pessoa a qual me refiro de
“macaco velho”: o termo designa aquela pessoa que tem tamanha
experiência adquirida, que sua intuição a previne de cair em
armadilhas e incorrer em erros, não só em relação ao que ela faz,
mas também ao que diz, que pode ser de enorme valia para o
empreendedor. Uma hora de conversa com essas pessoas pode lhe
proporcionar ganhos inestimáveis – financeiros e de tempo (nossa
commodity mais valiosa)!
Não subestime a importância dessa etapa. Mesmo que a startup
seja extremamente inovadora, ainda assim é possível buscar aquele
tipo de pessoa que mais saberia falar sobre a dinâmica de um setor
que mais se aproxima de seu negócio, ainda que não seja
comparável diretamente com ele.
Veja bem, o que eu chamo de pessoas experientes no segmento
não é exatamente o conceito de mentor. Mentores são aqueles
profissionais que detêm algum conhecimento específico e valioso e
que, de alguma forma, podem auxiliar e “adotar” um empreendedor,
realmente subsidiando seu processo decisório nos diversos
momentos de sua empreitada.
Não é isso a que me refiro, mas, sim, àquela pessoa que conhece
as nuances do segmento, a forma de fazer negócio do mercado, o
que os clientes (até hoje) quiseram e pelo que eles efetivamente
aceitaram pagar, estratégias de negociação com típicos agentes do
segmento que propiciam melhores resultados, em suma, o jeito de
fazer business do segmento. Tudo norteado pelo escopo ético e
legal.
Permita-me exemplificar. Existe uma profissão relevante no mundo
hoje: a consultoria em como fazer negócios internacionais. Por
exemplo, se você quer se relacionar comercialmente com outras
culturas, é preciso saber nuances sobre sua forma de trabalho. Por
exemplo: quão assertivo e direto ser na comunicação, quanto tempo
demorar para responder a um e-mail para não desrespeitar
ninguém, como dizer “sim” ou “não” ou “vou pensar”, como e onde
marcar reuniões – presenciais/a distância – e qual o nível de
tolerância a atrasos natural de cada cultura. Esses são exemplos
que ilustram o “jeito de fazer negócio”, que é absolutamente distinto
entre as diferentes culturas, como a brasileira, ou norte-americana,
ou chinesa, ou japonesa, e por aí vai.
Assim, quando me refiro a “macaco velho”, estou falando dessas
habilidades, desses conhecimentos sobre o funcionamento geral de
negócios e de setores, que privilegiam o absoluto valor da
experiência.
Busque em redes de relacionamento o valor da experiência e
encontre nesse compartilhamento – além de bom networking –
muito valor para sua startup.

Essa etapa – a estimativa dos investimentos iniciais – apresenta menos desa os


técnicos em nanças e mais desa os estratégicos de identi cação dos recursos
essenciais para a busca de determinado milestone. Alguns exemplos de decisões
estratégicas: será que é mais valioso comprar o ativo, ou buscá-lo por meio de
parcerias/compartilhamentos, ou ainda de aluguéis? Como construir um modelo de
negócio em torno do melhor uso de capital – e que seja atrativo para todos os
envolvidos, alavancando as competências de cada negócio?
Em diversos países, cujas startups são menos intensivas em capital, percebe-se
um movimento para focar o negócio em determinado nicho de atuação, tendo o
mínimo possível de ativos. É o caso dos Estados Unidos, por exemplo, e de diversos
países europeus. Já na China, como explicado por Kai-Fu Lee (2018)1 em seu livro AI
Superpowers: China, Silicon Valey and the New World Order, há maior tendência de
verticalização e expansão das startups, inclusive para maiores investimentos e
capital, e maior domínio de sua cadeia produtiva.
Questões nanceiras associadas a essas decisões podem ser tanto de caráter
mais estratégico quanto mais matemáticas e corporativas. São exemplo de
questões estratégicas: há evidências de que os recursos sejam tão essenciais para
o modelo de negócio a ponto de serem rentabilizados no longo prazo? Se o negócio
tiver que rentabilizar esses investimentos, há indícios de que o modelo de negócio
será sustentável nesse formato? Em razão de perguntas desse tipo, algumas
startups no segmento logístico, por exemplo, estão optando por não adquirir a
frota, mas trabalhar com algum formato de aluguel/leasing. É o caso da startup
Turbi, hoje no Brasil, que atua com locação de veículos por hora. Na contramão
dessa decisão, temos hoje no Brasil o caso da Loft, no segmento imobiliário, em
que comprar os apartamentos para reforma e venda é parte do business. Qual está
certa? O tempo dirá, inclusive pode muito bem ser que ambas estejam.
Então, a questão é buscar identi car se há indícios de que esse seja um
investimento rentável para o negócio e estratégico para sua geração de valor. Não
se pode esquecer de que, quanto mais intensiva em capital for a startup, tanto
maior será a necessidade de lucros gerados para compensar tamanhos
investimentos. Por isso, a importância de pensar na viabilidade econômica do
modelo.
Já estas são questões mais voltadas à matemática das nanças corporativas: será
que devemos pagar à vista por esses ativos, ou o ideal é pagar a prazo, parcelado,
ou uma compra nanciada? Qual tipo de nanciamento competitivo haveria à
disposição? Alguns conceitos importantes permeiam questões, como: qual o
desconto para pagamento à vista? Qual a taxa de juros efetiva embutida em uma
compra parcelada ou a prazo?
No caso de compras nanciadas, há indícios rmes de que o negócio irá gerar
caixa su ciente no futuro para honrar as obrigações das dívidas? Se não, talvez seja
realmente melhor a compra com recursos de equity para evitar riscos de falência ou
execução a que esse tipo de empréstimo poderá deixar a startup sujeita. O Capítulo
3
discorre a esse respeito com mais detalhes.
Por isso, conforme mencionado, o maior desa o é realmente estimar os principais
recursos estratégicos e absolutamente necessários para cumprimento do milestone
da startup. É preciso lembrar que cada centavo precisa ser cuidadosamente gasto,
pois imprevistos poderão surgir e consumir caixa de forma inesperada, e não
podemos nos esquecer de que ainda há dois investimentos a serem dimensionados
– queima de caixa e capital de giro –, que costumam ser bem mais incertos e
difíceis de mensurar.
Então, aí vai a dica de ouro para auxiliar a identi car os recursos estratégicos:
forme times diversos e multidisciplinares para ajudarem a pensar e criticar os
recursos estratégicos em que é necessário investir na startup. Times diversos – em
todos os sentidos: em termos culturais, de gênero, de zona de conhecimento e
formação, consulta a experts etc. – auxiliam a fazer um brainstorming mais
completo, o que diminui as chances de que alguns recursos-chave sejam
subdimensionados.
Lembro que nem sempre a diversidade é perfeita como ferramenta de gestão. Para
alguns tipos de tarefa, em especial aquelas cuja chave do sucesso é rapidez em
execução, times mais homogêneos e habituados a trabalhar juntos (sabe quando
você começa a frase e seu colega de trabalho termina sua frase, tamanho o
alinhamento do time?) podem ser uma opção mais e ciente para o negócio. Porém
certamente
a hora de pensar estrategicamente o business é uma daquelas em que pensar
sozinho não é ideal, pois a pluralidade ajuda sobremaneira.

8.3 O caso da queima de caixa pré-ponto de


equilíbrio
Para compreender, de verdade, a diferença entre o cash burn (queima de caixa) e
o capital de giro, vamos retomar a diferença entre lucro e caixa. Você se recorda de
que já falamos a esse respeito no Capítulo 5, não é? Se não, sugiro aqui uma pausa
para revisitar essas de nições.
Veja, na Figura 8.1, a seguir, dois cenários para startups em diferentes estágios de
maturidade em seu negócio. No caso A, a empresa já gera lucros e atingiu seu ponto
de equilíbrio. Sua operação, portanto, gera mais dinheiro do que custa. Já no caso
B, isso não é uma verdade. A operação ainda não atingiu o ponto de equilíbrio
(percebe-se que a empresa tem prejuízo na operação), pois o negócio gera menos
dinheiro do que custa. O cash burn ao qual me re ro está associado exatamente a
essa distinção. Veja a discussão, a seguir.
Figura 8.1: Cash burn versus capital de giro.
Fonte: desenvolvida pela autora.

Vamos aprofundar nosso entendimento. Observe o caso A: é possível que a


empresa seja lucrativa – gere lucros –, porém não gere caixa no mesmo período.
Isso porque, talvez, esse caixa demore um pouco a entrar na empresa, correto? Esse
tempo que demora para o lucro entrar no caixa faz com que a empresa consuma
caixa em sua operação, ainda que temporariamente. A esse consumo temporário de
caixa, damos o nome de necessidade de capital de giro (NCG) ou necessidade de
investimento em giro (NIG). A respeito da NCG, falaremos no próximo item deste
capítulo. É importante ressaltar que se trata de um consumo temporário de caixa,
pois, veja bem, no caso A, pode ser que a empresa pague tudo à vista (e saiam R$
70,00 de seu caixa) e receba a prazo, de forma que os R$ 100,00 de vendas irão
demorar um pouco mais para entrar no caixa. No entanto, quando os clientes
efetivamente pagarem, então os R$ 100,00 entrarão, de fato, no caixa. Logo, haverá
uma entrada total de caixa de R$ 30,00 (100 – 70), exatamente o tamanho do lucro.
Note que o que chamamos de NCG ou NIG é um desencaixe temporário.
Por enquanto, vamos focar outro tipo de consumo de caixa: e se a empresa não
possui lucros ainda, como no caso B? E se o negócio gera prejuízos? Veja bem, há
aqui uma grande diferença entre a NCG e os prejuízos: a NCG é apenas um
desencaixe temporário (absolutamente real e perigoso, porém decisivamente
temporário, pois se trata de um caixa que, no futuro, vai entrar para a empresa). Já o
prejuízo é uma efetiva queima de caixa. Não é questão de ser um desencaixe
temporário ou não, a questão é quão rapidamente o caixa irá desaparecer para todo
o sempre. Sim, é possível que o negócio, no futuro, venha a gerar lucros e, portanto,
caixa, é, porém esse prejuízo já foi: sunk cost!
Veja bem, é absolutamente possível que essa queima de caixa seja estratégica e
gere muito valor. Seria o caso de uma empresa que sofre prejuízos por períodos, em
seu processo de construção do negócio, mas cujos frutos futuros – lucros futuros –
compensarão com sobra aquela queima de caixa inicial. É o caso de inúmeras
empresas e pode ser absolutamente estratégico! Em capítulos anteriores, já
mencionamos os casos Amazon e Net ix, por exemplo. Em negócios exponenciais,
isso pode ser um tanto estratégico. O Capítulo 5 oferece insights para mais
discussões a esse respeito.
Ainda assim, mesmo que seja parte de uma decisão estratégica, é preciso ter
compreensão sobre a natureza desse consumo de caixa – o cash burn. Não se trata
de um simples descasamento temporário (como o capital de giro). Trata-se
efetivamente de um consumo de caixa para sustentar fases da empresa em que
ainda não há geração de lucros no negócio.

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FIQUE ATENTO!
Lidar com o sunk cost é em geral bastante dolorido. Essa di culdade do
ser humano é um fenômeno documentado na teoria e também na prática.
Suas raízes são explicadas pela Teoria do Prospecto, de Kahneman e
Tversky, que, entre outras lições, ensina-nos que “a dor da perda é maior
do que a felicidade do ganho”. Por esse motivo, mesmo quando haja
indícios de que seja o momento de reconhecer perdas, assumir o sunk
cost e partir
para o próximo negócio é extremamente difícil para o ser humano, isso
porque aceitar que o negócio não vai se rentabilizar signi ca
essencialmente aceitar que os prejuízos históricos não serão recuperados
pelo negócio. Não bastasse o desconforto que isso gera no bolso (perda
de dinheiro), há também desgastes emocionais, como assumir um
equívoco, encarar os investidores e outros stakeholders, pensar nos
colaboradores e times dedicados, lidar com questões reputacionais, de
status etc.
“Se você se encontrar em um buraco, a primeira coisa a fazer é parar de
cavar”, disse o comediante norte-americano Will Rogers. Há sabedoria
nessa frase, porém há também uma sutileza importante: como perceber a
diferença entre um “buraco” que é um sunk cost nocivo, vindo de um
negócio que não apresenta sinais de viabilidade econômica no
curto/médio/longo prazos, e um “buraco” que é um bom negócio, mas
ainda precisa ser trabalhado para atingir sua maturidade e mostrar
resultados?
Como eu sempre digo e reforço, que admiração a minha pelos
empreendedores que conseguem a força e a visão para enxergar a
diferença entre esses dois “buracos”!

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Uma parte extremamente importante no dimensionamento da necessidade de


investimento envolve estimar qual é o cash burn, ou a queima de caixa, da
empresa. Um termo importante e bastante utilizado nas startups é a chamada burn
rate.

Burn rate

Trata-se de um indicador da velocidade com o qual o caixa levantado em


determinada rodada de funding será consumido pela operação da
startup.

Geralmente, esse indicador refere-se ao tamanho da queima de caixa do negócio


por mês. Suponha, por exemplo, que um negócio consome R$ 100.000,00 de caixa
por mês e é feita uma captação de R$ 1 mi. Dada a burn rate de 100 mil, ca
evidente que o negócio tem uma sobrevida estimada em dez meses com base nessa
captação, desde que nada mude no negócio (para melhor ou pior).
Como fazer isso? Veja a seguir a descrição, mais detalhada e precisa, dos passos
para a estimativa de burn rate.

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Passos para a estimativa do burn rate

Parte A: Compreendendo a estrutura geral do negócio


1. Compreender a estrutura de gastos xos mensais no negócio.
2. Compreender as margens de contribuição (ou métricas correlatas da nova
economia, já discutidas) por produto no negócio.

Parte B: Estimando a demanda


3. Estimar o mix de venda: criar previsões sobre qual é a importância
estimada de cada produto no portfólio do negócio.
4. Estimar demanda: estimar demanda a ser atingida em determinado
milestone para o mix de venda determinado.
5. Estimar a velocidade de crescimento da demanda estimada.

Parte C: Estimando as ações incrementais


6. Não se esqueça de que o futuro é incerto, e é bastante possível que o
negócio demande ações incrementais no futuro para intensi car vendas,
impulsionar demanda ou algo do gênero. Então, tenha desde cedo qual é
sua previsão de ações incrementais, como promoções, campanhas,
descontos em parcerias, entre outros.
7. Além disso, sugiro levar em consideração possíveis atrasos na evolução
do negócio. Não raras vezes, a empresa evolui positivamente, porém em
velocidade um pouco aquém da prevista.

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A sugestão para estimativa de burn rate é que o empreendedor tenha o cuidado


de pensar sempre em regime de caixa, e não em regime de competência, conforme
explicado no Capítulo 5, simplesmente porque a maior dor do empreendedor é
aquela que ele sente efetivamente no bolso, no caixa, em especial nos primeiros
estágios de vida da empresa, quando é elevada a velocidade de queima desse
recurso escasso.

Lembre-se: Em geral, o “cronômetro” de vida da startup é medido em


caixa, não em tempo.

Cabe mencionar que muitos negócios têm tempo de maturidade sabidamente


superior, assim como há negócios em que há gastos elevados com P&D ou
aquisição de redes/dados, que são fatores-chave estratégicos para o sucesso do
negócio e podem consumir quantidades grandes de recursos em periodicidade
recorrente. O mesmo se pode dizer de negócios que adotam a estratégia de
crescimento acelerado para obtenção de ganhos exponenciais futuros, se o modelo
tiver indícios de viabilidade. Nesses casos, é possível que os gastos com queima de
caixa pré-operacional sejam especialmente nocivos.
Busque conhecimento sobre o tipo de setor em que você se insere. Trata-se de um
negócio cuja reputação e indicação são chaves de sucesso? Exemplos são serviços
de educação de excelência, serviços médicos, entre outros. Esse tipo de setor tem
naturalmente uma curva de maturidade mais lenta, portanto é de se esperar que
boa parte dos clientes do negócio venha de forma orgânica por indicações de
usuários. Esse tipo de negócio tende, por isso, a ser mais lento em seu crescimento,
em especial nos estágios iniciais. Da mesma forma, negócios intensivos em P&D
têm nesse gasto um componente elevado de custo xo; portanto, no tempo que
decorre até atingir o ponto de equilíbrio, é possível que a queima de caixa seja mais
elevada. Esses são naturalmente dois exemplos de tantos que poderíamos
mencionar.
Um comentário especial cabe para o caso de startups cuja folha de pagamento é o
principal gasto. Em especial, no caso de países em que questões tributárias e
trabalhistas podem encarecer essa conta de folha, esse gasto pode ser um ponto de
atenção durante os estágios iniciais. Por isso, uma dica importante a sempre ter em
mente é: se possível, busque aumentar o quadro de colaboradores apenas quando
for evidente a necessidade perene desse incremento. Se há necessidade de
contratação em razão de projetos pontuais, ou de uma expectativa de crescimento,
o ideal é trabalhar com colaboradores temporários ou prestadores de serviço, de
forma a evitar di culdades e ônus associados a demissões futuras.
Em suma: cuidado com os gastos xos, pois, se você ainda não atingiu o ponto de
equilíbrio, eles podem ser bastante perigosos.

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CURIOSIDADE
Cabe mencionar casos bastante associados à nova economia, à era dos
dados e da inteligência arti cial e à economia compartilhada, em que há
um componente-chave do negócio associado ao tamanho da rede
(comunidade). Por exemplo: quão fácil é hoje surgir um concorrente à
altura dos serviços core prestados pelo Google? Ou pela Amazon? Difícil,
não?
Se você parar para pensar em negócios, cuja dominância é fator crítico
de sucesso, é comum a prática de preços muito baixos até se obter uma
elevada participação de mercado, de forma a tornar-se um player
dominante e quase imbatível por novos entrantes. Uma vez conquistada
tal hegemonia, então é possível ajustar os preços. Isso faz com que,
nesses negócios, o cash burn seja o mais relevante entre os três tipos de
necessidade de recursos tratados neste capítulo.
Apesar de toda a controvérsia em torno do caso Uber, essa pode, sim,
ser uma estratégia da empresa. Se você visitar as demonstrações
nanceiras do negócio, perceberá que, mesmo muitos meses após seu
IPO, ela continua consumindo elevadíssima quantidade de caixa (na casa
dos bilhões de dólares) em virtude de gastos pré-break-even – pois não
atingiu seu ponto de equilíbrio.
O cuidado que se há de ter nesses casos é essencialmente que isso não
se sustenta para sempre. Cedo ou tarde (preferencialmente cedo), a
empresa precisará mostrar lucros – e geração de caixa operacional. É
exatamente em torno dessa questão que circulam os debates correntes
sobre o caso Uber, por exemplo.

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Entretanto, voltemos à estimativa do burn rate. Com base nas projeções


conservadoras de volume que você estimou na etapa B, é possível calcular qual
será a margem de contribuição gerada pelo negócio para os próximos períodos.
Para tanto, vamos retomar nosso exemplo do capítulo, em que tratamos da margem
de contribuição (MC), e estimar que vamos ter a projeção de unidades vendidas
apresentada na Tabela 8.1, a seguir.

Tabela 8.1: Projeção de investimentos em cash burn.


Fonte: desenvolvida pela autora.

Veja só, na Tabela 8.1, ilustra-se o cálculo da queima de caixa para o exemplo
iniciado no capítulo anterior. Foram projetadas as demandas para os dois produtos
do negócio: produto X e produto Y. Para esse exemplo, foram projetadas as receitas,
mas seria possível trabalhar tranquilamente com demandas em unidades, caso
fosse de preferência do empreendedor, fazendo uso da margem de contribuição
unitária (em vez de percentual) para estimar a margem de contribuição por produto.
Atenção: o exercício de projeção de demanda é valioso por diversos motivos.
Além obviamente de contribuir para o estudo que estamos desenvolvendo neste
capítulo, esse exercício também auxilia os empreendedores a compreenderem
quais são exatamente as variáveis-chave do negócio. Responda: com base em que
você está projetando receitas? É em função de número de assinantes? Na
quantidade de clientes e ticket médio de compra? Trata-se de uma mensalidade?
Tem churn rate relevante a ser considerado no seu negócio (índice e cancelamento
de clientes)? Receitas de publicidade? Aluguéis?
A pergunta de ouro é: Quais são, a nal, as variáveis fundamentais que
formam as receitas em seu negócio?

Nunca é demais ressaltar que todas as projeções feitas estão apoiadas nas
premissas utilizadas para construção das margens de contribuição e estimativa de
custos xos. Quaisquer desvios das premissas adotadas poderão levar a cenários
diferentes. Por isso, é sempre absolutamente essencial que se acompanhem os
resultados obtidos em curtos intervalos de tempo, especialmente em startups. Em
negócios maduros, já há um elevado nível de entendimento e assertividade nas
projeções e premissas adotadas, em virtude de conhecimento histórico real. No
entanto, em startups, as premissas adotadas são naturalmente sensíveis, pois há
baixo nível de conhecimento real sobre o funcionamento dos números. Ao
acompanhar continuamente os números do negócio, então é possível ir fazendo os
devidos ajustes nos nos estudos nanceiros, levando a um maior conhecimento e
domínio de seu negócio. É o grande valor estratégico daquele exercício de
“futurologia” que mencionamos no Capítulo 6, quando discutimos o valor de
ferramentas como margem de contribuição e ponto de equilíbrio.
Retomando nosso exemplo, é possível estimar a margem de contribuição total da
empresa (somando aquelas referentes aos produtos X e Y, respectivamente). Tendo
em vista quais são os gastos xos dessa operação ( xados em R$ 42.250,00 por
mês), é possível estimar a queima de caixa projetada para os meses seguintes. Na
penúltima coluna da Tabela 8.1, mostra-se a queima de caixa por mês e, na última
coluna, a queima de caixa acumulada. Note que, no mês 6 do nosso exemplo, a
empresa superou seu ponto de equilíbrio; nesse período nalmente houve geração
– e não queima – de caixa.
Com base nessa valiosa análise, é possível desenvolver diversos cenários e
análises de sensibilidade. No caso desse exemplo, é possível a rmar que, supondo
que não haja nenhuma demanda/venda/produção, a queima de caixa da empresa é
de R$ 42.250,00 por mês, xos. No entanto, caso a demanda se con gure conforme
o previsto, tendo por base as premissas XPTO abordadas na formação de preço,
então é possível que a queima de caixa mensal seja inferior, conforme estimativas
projetadas na tabela.
Faça, em seu negócio, as análises sugeridas neste capítulo e veri que se você
consegue responder ao seguinte questionamento: considerando o caixa disponível
da
empresa no momento, qual será seu tempo de sobrevida? O objetivo não é provocar
dores de cabeça ou insônia, muito pelo contrário! É propiciar à startup claro
entendimento sobre o uso e a vida de seu caixa, de forma a lhe permitir antecipar-
se a eventuais
necessidades de dinheiro e consegui-lo em condições atrativas para seu negócio.
___________________________

ATENÇÃO À ARMADILHA!
Tem hora em que o ideal é sermos enfáticos em relação aos potenciais do
negócio, aos sonhos, ao otimismo. Em geral, essa hora pode ser, por
exemplo, quando estamos fazendo um valuation de venda do negócio:
sempre queremos mostrar aonde se pode chegar; ou quando estamos
defendendo o negócio para ns de uma captação de crédito; ou quando
estamos convencendo nosso cônjuge de que é, sim, uma boa ideia abrir esse
negócio. Tudo isso, naturalmente, dentro de limites realistas.
Sou sempre a maior adepta do realismo. Amigos empreendedores
costumam me chamar de mensageira do apocalipse, mas eu gosto. É
importante contrabalançar ideias opostas para nos manter na realidade.
No entanto, a hora de ser sua versão otimista não é agora.
Agora é a hora de ser sua versão realista, ou até pessimista. É
absolutamente necessário que tenhamos consciência do que é o pior cenário
possível de burn rate. Assim como o melhor também. Isso nos dá autonomia
para fazer planos e traçar estratégias.
Podemos decisivamente evitar na startup o susto de sermos pegos de
surpresa com o caixa evaporando antes da hora prevista. Então, se você
quiser fazer uma projeção de demanda otimista, ótimo! Mas tenha sempre no
bolso a versão realista e a versão pessimista também. Lembre-se de
acompanhar sua queima de caixa mensalmente (ou até semanalmente!) para
ver se ela está acompanhando a estimativa, se está mais rápida ou, quem
sabe, até mais lenta. Sim, vira e mexe, temos boas surpresas também!

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Re ita: você consegue enxergar o poder estratégico que esse exercício irá lhe
conferir? Realizar essas análises pode ajudar demais a startup a moldar não apenas
seu modelo de negócio, mas também seu modelo de crescimento. Pode ser mais
um diferencial em pro ssionalismo da sua empresa, que vai auxiliar você a chegar
mais longe, mais rapidamente.

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ATENÇÃO!
Não se esqueça do perigo das perdas!
Um ponto de atenção, no que se refere aos estoques, são suas
principais motivações para perdas, como:

• perdas de estoque em razão de serem itens perecíveis (como


alimentos) ou da alta velocidade de obsolescência (como itens de
moda, com alta velocidade de tecnologia e inovação, ou que passem
tipicamente por um processo natural de destruição criativa);

• roubo de mercadorias – lamentavelmente é um item relevante que


merece atenção nos negócios. Não subestime o valor de câmeras de
segurança para supervisionar estoques;

• perdas naturais derivadas do processo produtivo, em especial


quando em negócios industriais, são bastante comuns;

• impacto das devoluções.

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8.4 O caso do capital de giro


Vamos agora ao terceiro caso de investimento a ser dimensionado e,
possivelmente, o mais negligenciado pelas empresas. Lembra que mencionamos há
pouco que lucro é diferente de caixa dentro de um mesmo período, em especial em
razão das diferentes velocidades2 de pagamento, recebimento, produção (se
houver) e estocagem? Perfeito, vamos então, agora, a algumas de nições mais
técnicas sobre essas velocidades e sua implicação para a NCG.

8.4.1 Definindo ciclo de caixa e a necessidade de


capital de giro
Pelos conceitos que serão abordados neste item e pela didática utilizada para
condução dos conceitos, deixo aqui meu sincero apreço e agradecimento aos Profs.
Adriano Mussa e Flávio Málaga.
Vamos retomar o exemplo visto no Capítulo 5, em que abrimos uma empresa em
janeiro e a fechamos em fevereiro.
Tabela 8.2: Lucros versus caixa.
Fonte: desenvolvida pela autora.

Veja só, nesse exemplo, no mês de janeiro, há nitidamente um cenário em que a


empresa gera lucros, porém consome caixa. Isso é bastante diferente do que
estávamos discutindo no item anterior, em que o negócio consumia caixa, porém
também tinha prejuízos. Nesse novo caso, a empresa já passou do seu ponto de
equilíbrio: ela gera lucros.
Ainda assim, apesar de lucrativa, ela não está gerando caixa na mesma medida.
Por que isso acontece? Em razão das já mencionadas velocidades: a vida da
empresa não é 100% à vista, portanto seu lucro não é caixa no mesmo período. Para
entender mais a esse respeito, vamos aprofundar a discussão sobre tais
velocidades.
Imagine que estamos falando de um comércio. Na data zero, a empresa abre as
portas e negocia com seus fornecedores a compra de mercadorias. Vamos dizer que
o fornecedor conceda à empresa um prazo de pagamento de 30 dias. Consideremos
que a mercadoria permaneça no estoque da empresa pelo prazo de 20 dias, até que
nalmente o cliente entra, compra a mercadoria e a leva embora para seu uso.
Nesse momento da venda, vamos dizer que a empresa conceda a seu cliente
também um prazo para pagamento de 50 dias. Em síntese, temos que:

• Prazo médio de estoques (PME) = 20 dias


• Prazo médio de recebimento de clientes (PMR) = 50 dias
• Prazo médio de pagamento a fornecedores (PMP) = 30 dias

Para ns didáticos, referimo-nos até aqui apenas aos fornecedores, mas o Prazo
Médio de Pagamentos diz respeito a todas as contas que a empresa paga em sua
operação do dia a dia – como água, energia, aluguéis, salários, fornecedores, entre
outros. Note que no 30º dia há forte pressão de caixa: a empresa tem de pagar suas
obrigações, porém ainda não recebeu de seu cliente. Essa pressão permanece até o
70º dia, quando nalmente o caixa da venda – feita no dia 20 – entra para a
empresa. Esse período de pressão nanceira, é o chamado ciclo de caixa ou ciclo
nanceiro.
Na Figura 8.2, a seguir, ilustra-se esse raciocínio.

Figura 8.2: O ciclo de caixa.


Fonte: desenvolvida pela autora.

O ciclo de caixa é medido em dias e é calculado como descrito a seguir.

Prazos médios podem ser estimados tal qual descrito a seguir:

O ciclo de caixa no exemplo é, portanto, de 40 dias: 20 + 50 – 30. Note que


qualquer negócio poderia ser adaptado à realidade desse uxo. Por exemplo, uma
indústria teria vários prazos médios de estoque, em vez de apenas um, como
estoques de matéria-prima, produto em elaboração, produtos acabados. Talvez um
serviço nem mesmo tenha estoque, então esse prazo poderia ser simplesmente
desconsiderado, entre outras possíveis adaptações.

Ciclo de caixa ou ciclo nanceiro é o tempo ao longo do qual a operação


precisa de recursos nanceiros para sustentar-se, pois, em média, suas
obrigações operacionais precisarão ser pagas antes de haver entrada de
caixa referente às vendas aos clientes. Trata-se, portanto, de um
desencaixe temporal entre pagamentos e recebimentos operacionais da
empresa. Esse desencaixe pode acontecer inclusive em negócios
lucrativos.

Vamos pensar no nosso exemplo do comércio. Eu lhe pergunto: em que dia você
acredita que a empresa teve lucro? Veja novamente a Figura 8.2 do ciclo de caixa e
re ita.
Muito bem: como se trata de um comércio, no dia 20 houve a transferência de
riscos/benefícios/controle da venda, e a empresa teve receitas. Portanto, nesse dia
ela teve lucro, mas nesse dia houve alguma entrada de caixa? Não, isso aconteceu
apenas no dia 70. Então, note que, quanto mais longo for o ciclo de caixa da
empresa, tão maior tende a ser a distância, em dias, entre seu lucro e seu caixa.
Veja só, no mundo ideal, quanto poderia ser o ciclo de caixa da empresa? Zero!
Ou, se pudermos sonhar, por que não um ciclo de caixa negativo? Há empresas que,
de fato, conseguem ter ciclo de caixa negativo, porém isso costuma ser uma
característica daquelas que têm enorme poder de barganha em suas relações.
Di cilmente essa será uma característica do pequeno negócio ou de startups, em
especial em seus primeiros momentos de vida.
Muito bem, então, quando dizemos que lucro não é igual ao caixa em um mesmo
período em razão daquelas velocidades, estamos nos referindo ao ciclo de caixa.
De forma intuitiva, podemos dizer que o que transforma lucros (potencial) em
efetiva entrada de caixa é o ciclo de caixa. Esse indicador é medido em dias, mas
poderíamos fazer um paralelo com algumas contas em cifrão. Veja o Quadro 8.1, a
seguir.

Ciclo de caixa

ou = PME + PMR – PMP

Ciclo financeiro

Necessidade de capital = Estoques + Contas a receber de clientes – Contas a pagar

de giro (NCG)

ou

Necessidade de

investimento em giro (NIG)


Quadro 8.1: Relação entre ciclo de caixa e necessidade de capital de giro.
Fonte: desenvolvido pela autora com base em Málaga (2018)3.

Veja só que intuitivo: o ciclo de caixa mede em dias aquilo que a NCG mede em
dinheiro. Toda vez que tiver um ciclo de caixa positivo (ou seja, precisar sustentar
sua operação nanceiramente por algum tempo) a empresa terá necessidade de
investir em capital de giro.

A necessidade de capital de giro (NCG) ou necessidade de investimento


em giro (NIG) representa a quantidade de recursos necessários,
emdinheiro, para sustentar a operação de curto prazo da empresa,
em razão da existência no negócio de um desencaixe entre pagamentos e
recebimentos.

Vamos dizer que, para essa empresa hipotética, a NCG seja de R$ 500,00. Isso
signi ca que ela precisa sustentar sua operação pelo prazo de 40 dias, pois não
“para em pé” sozinha. Esse descasamento temporário custa ao negócio R$ 500,00.
Em média, no 30º dia, a empresa precisará levantar R$ 500,00 para investir em sua
operação (pagar suas contas do dia a dia), pois os clientes ainda não pagaram,
porém as obrigações da empresa já estão vencendo.
Quais meios a empresa poderá utilizar para levantar esse dinheiro a m de
sustentar a NCG? Apenas em duas fontes: (i) empréstimos onerosos, como bancos,
debêntures, entre outros, de curto ou longo prazo, ou (ii) com sócios. Em diversas
ocasiões, em consultorias, já ouvi a seguinte a rmação: “Bruna, que tranquila, eu
não vou pegar dinheiro nem com bancos, nem com sócios para sustentar a NCG,
vou usar o dinheiro do meu caixa mesmo”. Ops!
Veja só: o caixa não é uma fonte de recursos. É uma aplicação de recursos. Se é
que existe dinheiro no caixa, esse dinheiro veio de algum lugar. Correto? Ele veio ou
de bancos, ou de sócios/investidores – nas suas respectivas proporções,
sustentando a empresa. Mesmo que você me diga “Não, mas veja bem, esse
dinheiro veio da minha própria operação, que gerou caixa”. Se é que a operação
gera caixa, depois de pagar todas as obrigações, então esse recurso pertence aos
donos do negócio, concorda? Então, se a empresa usar esse dinheiro, signi ca que
está usando recurso dos sócios em vez de distribuir dividendos, por exemplo.
Muito bem. Isso signi ca que, durante o ciclo de caixa, a empresa precisará
levantar dinheiro com empréstimos ou capital próprio para sustentar sua NCG. Note
que se trata de um investimento temporário: ao nal da vida da empresa, esse
dinheiro irá sobrar, uma vez que os clientes irão pagar.

___________________________

ATENÇÃO
O investimento em capital de giro é um dinheiro investido na
operação, porém a empresa não vai ganhar nada “a mais” com isso. É
um investimento que vai apenas permitir que ela sobreviva até que o
cliente pague. Isso é diferente, por exemplo, de investimentos que
ampliem seu Capex. Em geral, quando investe em Capex, a empresa
espera com isso ganhar “algo a mais”. Ela espera, por exemplo, ser
mais produtiva, mais e ciente, mais tecnológica, mais moderna. Isso
não é verdade em relação ao capital de giro. Capital de giro é nada
mais nada menos do que fôlego nanceiro, necessário para que uma
operação que possui ciclo de caixa positivo se sustente.

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Note o seguinte: o investimento em capital de giro existe mesmo em uma empresa


altamente lucrativa, se ela precisar sustentar um ciclo de caixa (ou seja, pagar em
média suas contas antes de receber). Se isso acontecer, mesmo em um negócio
lucrativo, é possível entrar em di culdades nanceiras em razão de mau
dimensionamento da necessidade de caixa para sustentar a operação.

8.4.2 O crescimento da NCG


Agora pense comigo: será que em algum momento essa NCG vai voltar para o
bolso do acionista? No caso da empresa que ilustramos na Tabela 8.2, note que, no
mês de janeiro, o dinheiro sobra no caixa, não é? No entanto, isso só acontece
porque, para ns didáticos, ilustramos o caso de uma empresa que abre em janeiro
e fecha em fevereiro. Esse dinheiro só sobrou no caixa porque a empresa encerrou
seu negócio. Se ela tivesse continuado sua operação, o dinheiro investido na NCG
voltaria a ser investido na própria operação, em seu próximo
ciclo operacional.
Esse é um conceito importante em relação à NCG: uma vez que é investido no
capital de giro, esse recurso vai ser constantemente utilizado na operação. Isso
porque o desenho que ilustra o ciclo de caixa é a representação de um ciclo, porém
a verdade é que todos os dias no negócio há um ciclo terminando e outro iniciando,
de forma que a NCG será sempre reinvestida no próximo ciclo. O que mais
incomoda ao empreendedor, portanto, não costuma ser o tamanho da NCG, mas
seu aumento. Isso porque, toda vez que a NCG aumenta, a empresa precisa “se
virar” para achar mais dinheiro para investir na operação e isso demandará recursos
incrementais.
Vamos, então, discutir por que pode existir um aumento na NCG. Em essência, são
dois grandes grupos de motivos:

1. Aumento no ciclo de caixa: uma piora nos prazos médios signi ca que a
empresa deverá sustentar a operação por mais tempo, o que consumirá mais
dinheiro, mesmo que o tamanho da operação não mude. Sendo assim, qualquer
evento que cause um aumento no PME, aumento no PMR ou redução no PMP irá
fazer com que o ciclo de caixa aumente e, por consequência, a NCG também.

2. Aumento no volume de atividade: imagine agora que o ciclo de caixa não mude,
e todos os prazos médios se mantenham constantes. No entanto, a empresa dobra
de tamanho. Em média, a operação está igual, mas isso agora tende a consumir o
dobro de recursos, pois o volume aumentou. É como se a startup precisasse
sustentar o descasamento de prazo da operação por 40 dias, em média, só que
antes ela tinha uma loja – e agora tem duas. Apesar de ela ser “em média” igual, no
acumulado das duas lojas, isso consome o dobro de recursos. Sendo assim, o
crescimento no tamanho da empresa também leva a um aumento na NCG. Você já
ouviu falar em alguma empresa que “cresceu até quebrar”? Sim, foi por causa do
capital de giro.

De qual desses tipos de crescimento a gente mais gosta? Em geral, o crescimento


em volume consome caixa, o que é encarado como “ossos do ofício”. Se o negócio
quer crescer, mas tem desencaixes de prazos médios, isso irá demandar dinheiro, o
que faz parte da realidade do negócio. Então, é necessário apenas saber
dimensionar de forma apropriada essa necessidade.
Já o caso de aumento no ciclo de caixa pode ser mais perigoso. Geralmente, ele
está associado a certa perda de e ciência de alguma natureza – e ciência na
gestão de estoques, nas vendas, afrouxamento da política de crédito, perda do
poder de barganha com fornecedores, entre outros motivos. É claro que um
aumento no ciclo de caixa pode ser bené co; é o caso, por exemplo, de lotes
econômicos de compra: é possível que o desconto obtido para o lote seja tão
grande a ponto de o ganho em margem de lucro compensar o custo de
oportunidade do dinheiro. Se for esse o caso, maravilha! No entanto, o mais nocivo
é o aumento silencioso em ciclo de caixa, derivado de pequenas perdas de
e ciência. Nesses casos, o aumento em ciclo de caixa não é compensado nem em
ganho de volume, nem em ganho de margem.

8.4.3 Estimando o capital de giro


Vamos, então, simular uma estimativa da NCG?
Lembre que:

• NCG = Contas a receber de clientes + Estoques – Contas a pagar;


• nosso objetivo é estimar a variação da NCG em cada período, pois é essa a
necessidade de investimento em razão das diferentes velocidades de pagamento,
recebimento, estocagem etc.

De alguma forma, precisamos estimar esses três valores: (i) contas a receber de
clientes, (ii) estoques e (iii) contas a pagar.
Vamos começar pelas contas a receber. Conforme visto anteriormente, o PMR é
dado por:

Logo, o saldo de recebíveis de clientes nada mais é do que PMR x vendas diárias.
Na Tabela 8.3, a seguir, demonstram-se os cálculos:

Tabela 8.3: Projeção de contas a receber de clientes.


Fonte: desenvolvida pela autora.

Vamos agora à estimativa dos saldos de investimentos em estoques. O PME,


conforme já visto, é dado por:

Logo, o saldo de estoques será dado por PME x custo da mercadoria vendida por
dia. Vamos assumir a premissa (condizente com nossos exemplos de margem de
contribuição, em capítulos anteriores) de que o custo da mercadoria vendida
relacionado aos estoques (matéria-prima, produto em elaboração ou produto
acabado) seja de 20% das receitas, como mostrado na Tabela 8.4, a seguir.
Tabela 8.4: Projeção de estoques.
Fonte: desenvolvida pela autora.

Por m, vamos estimar o saldo de contas a pagar, último componente essencial


para que seja possível estimar NCG. Como premissa didática, suponhamos que
todos os gastos variáveis (exceto aqueles relacionados aos estoques e aos
pagamentos de fornecedores) e xos sejam desembolsados dentro de cada mês.
Sendo assim, a única diferença temporal – que permanece de um mês para outro –
estaria relacionada às dívidas com fornecedores. Conforme visto anteriormente,
tem-se que:

Sendo assim, o saldo de dívidas com fornecedores = PMP x compras diárias. Em


nosso exemplo, consideramos que o estoque inicial do mês um é igual a zero. Logo,
tem-se que:
Tabela 8.5: Projeção de contas a pagar.
Fonte: desenvolvida pela autora.

Com base em todos esses dados, é possível, então, estimarmos a NCG. No


entanto, lembre-se de que o que mais importa para o investidor é o aumento da
NCG: toda vez que a necessidade de capital de giro aumentar, isso vai indicar a
necessidade de levantar mais recursos para investir na operação. Sendo assim, a
nossa incógnita, que acaba de ser resolvida, está na última coluna da Tabela 8.6, a
seguir.

Tabela 8.6: Projeção de NCG.


Fonte: desenvolvida pela autora.

Finalizamos, a estimativa da terceira necessidade de investimento no negócio.


Vamos juntar tudo? Lembre-se, conforme visto no início do capítulo, de que há três
grandes tipos de necessidade de caixa para startups:
• Parte 1: Capex
• Parte 2: Gastos pré-ponto de equilíbrio
• Parte 3: Capital de giro derivado de descasamentos temporais (prazos médios)

Suponhamos, para ns didáticos, que essa empresa que estamos analisando


tenha uma necessidade Capex igual a zero, porque todos os recursos de longo
prazo são utilizados, por exemplo, em formato de aluguel pelo direito de uso
(máquinas, computadores, espaços, móveis etc). Todos, portanto, contemplados
nos gastos xos da empresa.
Sendo assim, precisamos agora juntar as partes 2 e 3, o que segue ilustrado na
Tabela 8.7.

Tabela 8.7: Projeção das necessidades totais de caixa.


Fonte: desenvolvida pela autora.

Você se lembra de que o gasto de caixa pré-ponto de equilíbrio, em seu pior


momento, estava estimado em R$ 150.778,00? Agora, considerando também o
efeito dos descasamentos temporais, esse valor chega a R$ 203.874,00.

8.5 Considerações finais


Eu sei, esse assunto é um tanto quanto técnico, não? Foram feitas diversas
simpli cações, mas vale a ressalva de que as projeções de NCG podem tornar-se
um tanto complexas e so sticadas. No entanto, você irá notar que o simples
exercício de tentar estimar essas necessidades há de tornar-se uma valiosa
ferramenta estratégica.
Não tenho a menor dúvida de que esse tipo de conhecimento e apresentação de
dados coloca a startup em outro patamar de pro ssionalismo nanceiro e creia:
investidores gostam disso. Empreendedores, também.
SAIBA MAIS
Caso queira saber mais sobre os temas tratados neste capítulo, sugerimos as
seguintes leituras:

Livro Administração

1 LEE, Kai-Fu. AI Superpowers: China, Silicon Valey and the New World Order. Boston: Houghton Mi in Harcourt,
2018.
2 Agradecimentos ao Prof. Adriano Mussa pelos ensinamentos a esse respeito.
3 MÁLAGA, Flávio. Análise das demonstrações nanceiras e da performance empresarial. São Paulo: Saint Paul
Editora, 2018.
CURIOSIDADE
Critérios para reconhecimento de receitas
No geral, pode-se simpli car o momento de reconhecimento
de receitas como sendo aquele em que:

• há a transferência de riscos e benefícios do


produto/serviço ao cliente;

• o controle sobre o produto/serviço já deve ser do cliente,


e não da empresa;

• deve ser possível estimar com razoável segurança o


tamanho das receitas, assim como seus custos;

• se deve ter razoável garantia de recebimento (direito de


recebimento) dos valores referentes às vendas.

Em alguns negócios, em especial em contratos de


prestação de serviços de longo prazo, o reconhecimento de
receitas pode ter nuances e particularidades mais
complexas. Se você quiser saber mais a esse respeito,
busque informações sobre a norma internacional IFRS 15, ou
sua versão vigente no Brasil, o CPC 47.
Para ilustrar o momento em que há reconhecimento de
receita, agrada-me o exemplo real do Caso CVC Viagens, cuja
atuação é baseada na venda de pacotes turísticos em geral.
Imagine então que determinada pessoa é cliente da CVC,
entra na loja (ou para deixar este livro mais com cara de
nova economia, entra no aplicativo da empresa, ainda que
eu, Bruna, adore tornar minhas compras mais divertidas por
meio de experiências físicas!). Muito bem, então a pessoa
entrou no aplicativo da empresa escolheu um pacote
turístico de seu interesse. A viagem irá acontecer daqui a
dez meses. No entanto, para usufruir de descontos, esse
cliente optou por pagamento à vista. Recebeu todos os
vouchers da viagem em seu e-mail, assim como a nota scal.
Note algumas datas importantes:

• Faturamento: data zero


• Momento da venda: data zero
• Entrada de caixa para a CVC: data zero
• Data da viagem: data + dez meses

Pergunta-se: Em que momento, a CVC poderá reconhecer


existência de receitas?

Resposta correta: No momento da transferência ao cliente


dos riscos/benefícios/controle. Isso acontece apenas
quando o cliente embarca em suas deliciosas férias e vai
viajar. Logo, na data + dez meses.

Até lá, o que acontece? Até lá, a CVC Viagens tem uma
dívida para com esse cliente! A empresa recebeu um
adiantamento de clientes, que inclusive já entrou em seu
caixa, no entanto está devendo a ele uma viagem.
Note que, ao longo de dez meses, a empresa já tinha tido
entrada de caixa, já tinha feito a venda, com contrato
assinado e tudo, inclusive já tinha faturado. No entanto,
ainda não havia tido receitas e, portanto, nem lucros.
Então, se sua startup for uma empresa que trabalha com
contratos de prestação de serviços de longo prazo, sugiro
enfaticamente que busque compreender melhor os detalhes
de reconhecimento de receitas para seu negócio. Não sendo
esse seu caso, não se preocupe, pois não há de ser uma
questão relevante para seu business.
PARTE IV

VALUATION:
COMO PEGAR SEU
FUTURO NAS MÃOS
Mais cedo ou mais tarde (normalmente mais cedo do que mais tarde), a seguinte
pergunta vai surgir na mente do empreendedor para não sair mais:

Quanto vale o negócio?

Isso não é verdade apenas para organizações com ns lucrativos. Mesmo o


Terceiro Setor, por exemplo, para angariar doações e contribuições de quaisquer
naturezas, haverá de provar aos potenciais agentes interessados em contribuir
qual é seu real valor. Podemos aqui estar falando de um valor tangível ou
intangível. Mas o que é o valor, a nal?
Não importa de que tipo de instituição estejamos falando, há coisas que só se
sustentam com o capital, com o dinheiro. Por exemplo, pagamento de salários,
eventuais aluguéis, logística, alimentação, energia etc., provavelmente,
envolverão em qualquer tipo de instituição a saída de caixa, pagamento por meio
de dinheiro – ou algum tipo de troca que faça as vezes do valor do ativo trocado,
normalmente mensurado monetariamente. Todas essas instituições estão
pautadas por nosso modelo econômico atual, conforme discutido no capítulo
inicial deste livro – o capitalismo. Eu me encantei com a forma como Yuval Harari
explica o capitalismo no contexto da história da humanidade, de nindo-o como
uma fé, uma religião geralmente aceita atualmente, e a base de como a sociedade
se organiza.
Aí, chegamos a esse dramático tema na vida das startups: o valor. Mais
especi camente, o valor justo.
Por que dramático? Bem, discutir o conceito de valor “dá pano para manga” em
qualquer negócio, de qualquer tipo – falar em valor, ou valor justo, é um tanto
subjetivo, pessoal, sujeito a incertezas de todo tipo. Em suma, é impossível
esperar que essa discussão acabe em uma matemática simples, estilo 2 + 2 = 4,
sem uma enorme zona cinzenta aí no meio. Simplesmente, porque a discussão
sobre o valor das coisas está tipicamente associada a expectativas sobre o futuro.
Isso signi ca que, qualquer discussão sobre valor, vai passar por premissas.
Como se não bastassem premissas serem subjetivas e incertas por de nição
(senão, seriam dados, não premissas), o conceito de justiça é um tanto relativo. Já
se sabe hoje que a de nição de valor justo não é a mesma para quem está
vendendo ou comprando algo. Kahneman e Tversky, em sua Teoria do Prospecto, já
amplamente documentada e comprovada em experimentos, identi caram que “a
dor da perda é maior do que a felicidade do ganho”. Já falamos disso
anteriormente neste livro, mas essa discussão cabe ser retomada para ns de
análise do valor.
Vamos começar com um exemplo que ilustra bem o signi cado dessa frase:
imagine que você esteja andando pela rua e encontre no chão uma nota de R$
50,00, o que você sente? Provavelmente, você cará alegre, pensará “Que legal!”.
Imagine agora que você perceba que perdeu R$ 50,00, o que você sente?
Provavelmente, sentirá algo mais do que apenas uma leve chateação, talvez pense
algo como: “Que #$%&!!”. O que a Teoria do Prospecto identi cou é que a
intensidade de seu sentimento de chateação na situação de perda é muito maior
do que a intensidade da alegria no ganho. Logo, “a dor da perda é maior que a
felicidade do ganho”. Isso importa para ns de discussão sobre valor justo? Ah,
sim, e como!
Em uma negociação, quem vende algo experimenta uma sensação de perda.
A sensação do vendedor é: “Eu tinha alguma coisa e deixarei de ter essa coisa”.
Quem vende um negócio ou parte dele, experimenta, sim, essa sensação. Já quem
compra, consegue olhar essa possibilidade com maior frieza e menos
suscetibilidade a vieses emocionais. Por mais que o método de valuation tente
criar mecanismos para prevenir essas discussões e emoções, ainda assim é mais
fácil falar do que fazer, porque, mesmo as melhores práticas de valuation, estarão
sustentadas em premissas. Estas, por si sós, já são a raiz de todo o problema: elas
são, por de nição, incertas e associadas a expectativas futuras.
Então, não se trata de uma ciência exata. Muito pelo contrário, é um tanto
humana.
Como se não bastasse a discussão sobre valor ser subjetiva em si, como já dito,
o “buraco é ainda mais embaixo” para startups, em razão de seu conteúdo
inovador e possível falta de clareza em relação a fatores, como: qual é produto em
si, quem é o cliente, tamanho de mercado potencial, nível de demanda a ser
esperada, estrutura de gastos necessária para operar o negócio, possível
inexistência de qualquer histórico que possa sustentar inferências sobre o futuro
crescimento exponencial potencial, possível fracasso. Entre outros, esses são
alguns exemplos que di cultam ainda mais a aplicação dos métodos de valuation.
Assim, o que já era subjetivo ca mais subjetivo e incerto ainda.
Por esses motivos, falar em valuation e fair value é uma boa forma de ter
referências sobre possíveis patamares em torno dos quais negociações poderão
acontecer. Para formar essas tais referências, há método, há práticas, geralmente
aceitas, disponíveis.
Naturalmente, nosso objetivo aqui não é exaurir o tema, pois uma obra
detalhada sobre valuation, por si só, já teria páginas su cientes para dois ou três
volumes. Além disso, lembro que este livro se destina especialmente a
empreendedores, pro ssionais de startups, entusiastas do tema, conselheiros e
investidores – e não necessariamente esses pro ssionais farão o exercício de
valuation pessoalmente, possivelmente contarão com o apoio de nancistas e
especialistas para tal. Ainda assim, é muito valioso que esses pro ssionais
compreendam quais são as principais variáveis-chave por trás dos valuations, de
forma a saber como agir para maximizá-las, gerando valor para o negócio e – na
medida do possível – mitigando seus riscos.
É isso que começaremos a fazer neste capítulo e continuaremos no próximo. Este
capítulo será destinado a algumas de nições básicas para discutir valor e
valuation em startups. Abordaremos agora conceitos, como: valor justo,
participante de mercado, pre-money e post-money, cash-in e cash-out, custo de
capital, entre outros.
No próximo capítulo, abordaremos quais os principais métodos de valuation à
disposição das startups como ferramenta para estimativa de valor, seus usos,
benefícios e di culdades, e qual deles é ideal para cada etapa de sua vida. A ideia
é propiciar ao empreendedor e sua startup conhecimentos que lhes permitam
preparar-se melhor para negociar com investidores, à luz dessas variáveis que
serão sempre levadas em consideração por novos acionistas.

9.1 Conceitos e nomenclaturas essenciais ao


valuation de startups
No processo de discussões sobre valor ao longo da vida das startups, alguns
termos vão se fazer presentes recorrentemente, por exemplo: cash-in, cash-out,
pre-money valuation e post-money valuation. Algumas dessas de nições iniciais
nos auxiliarão na compreensão do que seguirá depois, então iniciemos por elas.

9.1.1 Cash-in e Cash-out


As de nições dos termos cash-in e cash-out são mais intuitivas se pararmos um
segundo para re etir sobre a tradução literal dessas palavras “dinheiro para
dentro”
ou “dinheiro para fora”. Cash-out, conforme o dicionário Cambridge1, signi ca
“Aceitar dinheiro em troca de algo que representa valor” (tradução nossa de: “To
accept
Money in Exchange for something that represents value”).
No processo de avaliação do negócio para a entrada de acionistas (ou aumento
de participações de alguns acionistas já existentes), é necessário analisar aquela
relação entre aporte de recursos versus direitos sobre o negócio. Um pouco a esse
respeito foi discutido no Capítulo 4, quando tratamos dos interesses de novos
acionistas versus antigos acionistas. A base é a seguinte: quanto maior o
valuation, menos de participação (direitos sobre o negócio) será necessário
entregar, para uma mesma quantidade de recursos captados.
Agora qual é a relação entre cash-in e cash-out?

• Trata-se de um cash-in? Caso em que o dinheiro investido será mantido 100%


na empresa e, portanto, haverá provável diluição dos antigos acionistas em razão
dessa entrada de novos recursos.
• Ou será que se trata de um cash-out? Em que o valor investido (seja total, seja
parcialmente) será retirado da empresa por um ou mais acionistas, tratando-se,
portanto, da efetiva compra de sua participação no negócio.

Claro que pode ser um investimento misto, em que parte do valor é cash-in
(investido diretamente no negócio) e parte dele é cash-out (entregue a antigos
acionistas). Esse cash-out pode estar associado, por exemplo, à saída de algum
acionista ou a sua diminuição no negócio, ou, ainda, ao simples interesse de
algum acionista (inclusive empreendedores/fundadores) em realizar parte de seus
ganhos com a valorização do negócio no momento corrente.
Naturalmente, conforme já discutido, a preferência por ganho à vista versus
ganho maior no longo prazo é uma decisão pessoal de cada agente. É
perfeitamente razoável que, mesmo se o negócio estiver apresentando ótima
evolução e crescimento, alguns investidores tenham interesse em realizar partes
de seus ganhos ao longo da evolução da empresa. Caso a empresa não esteja
apresentando evolução satisfatória sob o ponto de vista de investidores (alguns
ou todos), é também possível que algum agente pre ra sair da empreitada e
negociar a venda de sua participação (cash-out), seja com ganhos, seja até com
perdas.
A operação de cash-in, naturalmente, tende a trazer aumento do valor do
negócio (tudo o mais constante em relação às premissas anteriores adotadas em
processos de avaliação, claro), ao passo que o cash-out não in uencia – em teoria
– esse valor, pois trata-se de uma transferência de direitos de propriedade entre
acionistas em troca de dinheiro para os investidores (e não para a empresa), de
forma que esse valor não será reinvestido para gerar mais uxos de caixa futuros,
por exemplo.
Ainda assim, há uma série de efeitos qualitativos que podem ser associados a
esses movimentos e que podem “respingar” no valor atribuído ao negócio. Por
exemplo, é comum que executivos façam o cash-out de suas ações no negócio em
momento que acreditem que o negócio esteja bem avaliado, pois, nesse cenário,
sua participação terá, naturalmente, maior valor, e será possível maximizar os
ganhos individuais desse executivo. Isso pode ser tomado pelos demais agentes
como um sinal de que o ativo está caro, seja isso um fato verdadeiro ou não. Foi
esse um dos efeitos que se discutiram no caso WeWork, descrito no Capítulo 5.
Sendo assim, há de se ter cuidado com o que esses movimentos podem
representar para o valor do negócio e, se possível, estimular a transparência por
trás das motivações de cash-out,de forma a proteger o real valor
do negócio.

9.1.2 Pre-money e Post-money valuation


Chegamos então a mais um conceito-chave no processo de avaliação, e que há
de surgir incontáveis vezes em discussões relacionadas às diferentes rodadas de
investimentos pelas quais o empreendedor passará: o que é pre-money valuation
e post-money valuation. Em tradução literal, estamos falando do valuation antes
do dinheiro ou depois do dinheiro.
Entender a diferença entre esses conceitos é absolutamente crucial no processo
de negociação com novos investidores, pois isso afeta diretamente o valor total do
negócio, e, por consequência, os percentuais de controle que cada parte irá
manter após as rodadas de investimento.
Lembramos que o objetivo dos antigos acionistas (inclusive os empreendedores)
é chegar ao maior valuation possível, de forma a serem diluídos o mínimo
possível. Já o objetivo dos novos acionistas é sempre minimizar o valuation o
máximo possível, a m de conquistar maior participação possível no negócio.
Claro que tudo isso pautado na já mencionada razoabilidade.
Ao longo dessa negociação sobre o que seria razoável, o conceito de pre-money
e post-money in uencia muito. Qual é a diferença? Muito bem.
Pre-money valuation é o valor do negócio antes de uma rodada de
nanciamento; post-money valuation, o valor do negócio após uma rodada de
valuation. De forma intuitiva, pode-se de nir da seguinte maneira:

em que:

• Pre-money: refere-se ao valor do negócio apurado antes da entrada do dinheiro


que será aportado no negócio em determinada rodada de investimento;

• Dinheiro recebido na rodada: refere-se ao valor do dinheiro recebido na rodada


que efetivamente será aportado no negócio (cash-in).

• Post-money: refere-se ao valor desse negócio após a entrada do dinheiro.

Naturalmente, o valor de um negócio que recebe R$ 1 mi de investimento (cash-


in) é muito maior do que aquele que recebe R$ 10 mi.
Note que o dinheiro associado a cash-out também demanda um valuation. No
entanto, esse valor está normalmente associado apenas ao pre-money, uma vez
que haverá uma troca de direitos de propriedade entre acionistas, mas que não
envolverá grande mudança (tudo o mais constante) no valor da empresa como um
todo. Já o dinheiro cash-in in uencia diretamente o valor do negócio em si, pois
esse dinheiro irá ser investido na operação em busca dos milestones
determinados – o que possivelmente não seria viável (ao negócio em mesma
magnitude) sem a entrada desses recursos. Isso sem contar que esse dinheiro tem
óbvia liquidez e valor, então qualquer que seja o montante em dinheiro (cifrão) a
entrada desse dinheiro aumenta em mesma magnitude o valor estimado para o
negócio antes de sua entrada.
Naturalmente, essa discussão pode car mais complexa à luz de direitos e
diferentes classes de ações, mas chegar a discussões profundas ou especí cas a
esse respeito foge ao propósito deste livro.
Dadas essas primeiras bases e de nições gerais, vamos, então, começar a
discutir o conceito de valor e sua aplicação para startups. Comecemos pelo básico:
o que é valor, a nal?

9.2 Valor justo


Keynes, em 1936, publicou um estudo em meio ao qual havia a proposta de seu
“concurso de beleza”. Mencionamos muito brevemente esse estudo no Capítulo 2,
mas, sem sombra de dúvida, vale explorá-lo um pouco mais aqui. O concurso de
beleza de Keynes pode ser entendido como um dos experimentos mais relevantes
para o desenvolvimento das nanças comportamentais – tema que vem sendo
agraciado com diversos prêmios Nobel de Economia ao longo da última década,
com Kahneman (2002), Shiller (2013) e Thaler (2017).
O experimento de Keynes era o seguinte: imagine que você fosse convidado a
participar de uma competição em que receberia fotos de rostos de inúmeras
pessoas, e o vencedor dessa competição seria aquele que identi casse qual das
fotos seria a votada como a face mais bela da amostra. Se você estivesse
participando dessa competição, seria importante sua opinião pessoal sobre
beleza?
Não. Veja o que isso signi ca: o que importa para a pessoa vencedora não é a
própria opinião sobre beleza, mas o que ela imagina que a opinião comum dirá
sobre qual é a face mais bela.
Imaginemos agora: qual é a relação desse experimento com o valor justo – o
preço, digamos – das coisas?
Será que a opinião pessoal de uma pessoa sobre o preço das coisas é, de fato,
relevante para determinar seu preço? Mesmo que estejamos falando de um
pro ssional quali cado relativamente ao conhecimento, às ferramentas e às
informações, se apenas essa pessoa achar que algo tem valor, porém todas as
outras não acreditarem nisso, será que essa coisa tem mesmo valor?
Sendo assim, o que importa para a de nição de valor, conforme Keynes, não é
quanto você acha que vale algo (ou sua opinião de beleza), mas quanto você acha
que todos acham que vale algo (e sua opinião sobre a opinião geral de beleza).
Observe as palavras de Keynes a esse respeito:

“Não se trata de escolher aqueles [rostos] que, no melhor de seu


julgamento, sejam realmente os mais belos, nem mesmo aqueles
que a opinião média pensa genuinamente que sejam os mais
belos. Atingimos o terceiro grau em que dedicamos nossas
inteligências a antecipar o que a opinião média espera que seja a
opinião média. E há alguns, creio, que chegam a praticar o quarto,
o quinto ou até graus superiores.” (Keynes, 1936)2.
Um primeiro ponto que considero relevante ressaltar é a importância da
con ança para que o valor seja, de fato, real e sustentável no tempo. Por mais que
algo tenha valor na sua visão, o que ca evidente pelo experimento é que o valor
somente existe se outras pessoas acreditarem nele. Senão, pode virar “espuma”,
derreter com o tempo.
Em startups, isso é ainda mais sensível. Em virtude da maior subjetividade e
incerteza desse tipo de empresa, as variáveis quantitativas/reais/históricas
disponíveis para sustentar a discussão sobre valor justo são muito escassas. Por
isso, recorre-se a outras variáveis para discutir valor – muito mais intangíveis e
subjetivas. Quanto mais incerteza e subjetividade, maior a importância da
con ança – eu pre ro nesse caso usar o termo “fé” – para a estimativa de um
valor para o negócio. Discutiremos no próximo capítulo questões que contribuem
para a formação dessa “con ança” no negócio, e como a startup pode se preparar
para aumentar suas chances de disseminar a “fé” de que seu negócio tem, de fato,
valor – para todos e não para os empreendedores, apenas.
Agora, suponhamos que seja de comum acordo a toda a comunidade em torno
de determinado negócio que ele tenha valor. Mas será que esse valor é o mesmo
para cada agente do mercado?
Imagine um caso ainda mais didático: suponha que alguém queira comprar o
anel de formatura de meu avô e venha negociar comigo. Possivelmente, o
comprador terá interesse em pagar por ele o preço do ouro (peso do ouro) e pedra
que ele tem. Essa não seria uma proposta ofensiva ou injusta, a nal, em seu ponto
de vista, é um item cujo valor intrínseco para a revenda seria possivelmente
baseado nisso. Naturalmente, minha família não caria nem um pouco confortável
com essa oferta, pois sua percepção sobre o valor desse item é completamente
dissociada de seu peso de ouro, por exemplo. Mas, tirando eu e minha família,
quem mais pensaria assim? Agora, e se alguém – um conhecido, por exemplo –
fosse um amante de joias vintage, talvez estivesse disposto a pagar pelo item um
pouco mais de seu valor puramente de ouro mais pedra, associado a seu valor
como item vintage. Ainda assim, possivelmente, seria um valor menor do que
aquele que eu atribuiria ao item, como membro da família. Aí, pergunto: qual
opinião sobre o valor justo desse anel é mais importante?
Fazendo um paralelo com o mundo corporativo, vamos a outro exemplo um
pouco mais so sticado. Suponha que um grupo, como Coca-Cola, ou Unilever, ou
Ambev, entre tantos outros gigantes em seus segmentos, esteja analisando a
possibilidade de adquirir uma pequena marca artesanal – de refrigerantes,
sabonetes, produto de limpeza, cerveja, qualquer que seja – para incorporar a seu
portfólio. Será que o valor dessa potencial aquisição é o mesmo à luz do
empreendedor ou da grande corporação?
Veja bem: o que o empreendedor conseguiria fazer com essa marca – no que se
refere à velocidade de expansão, dada sua capacidade de investimentos em
comunicação e marketing, de penetração em mercados e canais de distribuição –
é provavelmente muito inferior ao que qualquer uma daquelas corporações
conseguiria fazer. Se empresas, como Coca-Cola, colocassem esse novo produto
em apenas alguns de seus canais de distribuição, isso já seria provavelmente
muito mais do que o empreendedor conseguiria em espaço similar de tempo. A
rede de distribuição, a in uência, a penetração, o poder em geral que essas
empresas têm, faz com que o valor desse negócio seja, provavelmente, maior para
a corporação do que para o empreendedor. Provavelmente o empreendedor,
sabendo disso, quisesse ganhar mais do que apenas o valor de sua operação no
porte atual. Por outro lado, a grande empresa, sabendo de tudo isso, talvez não
acreditasse ser justo pagar o valor de toda sua logística, pois, a nal, isso é o valor
que ela agrega – e não o que ela está comprando exatamente tal qual é hoje. Eu
lhe pergunto, então: qual valor é mais importante?
Resposta: nenhum deles é mais importante. Nem no caso do anel de meu avô,
nem no da empresa artesanal. Veja só, todos os agentes que mencionei no caso
anterior eram indivíduos ou instituições especí cas – com seus pontos de vista,
também, individuais e especí cos. Visões individuais de envolvidos na transação
não importam para o valor justo no nosso mercado de startups. Entra, aí, o
conceito de participante de mercado.

___________________________

PARTICIPANTE DE MERCADO
Conforme Guia AICPA (2019, p. 45)3, são compradores e vendedores
disponíveis no principal (ou mais vantajoso) mercado para o ativo ou
passivo que se está analisando. Para que seja um participante de mercado,
é essencial que tenha todas as seguintes características:

• é uma parte independente dos interessados nessa transação (sem


relacionamentos de qualquer tipo que se enquadrem em partes
relacionadas, como grupos econômicos, por exemplo);
• detém conhecimento (acesso às informações), ou seja, tem considerável
entendimento sobre o ativo e o passivo que está sendo discutido e tem
condições de compreender suas nuances, características, benefícios e
riscos, inclusive relacionadas a informações angariadas ao longo de
processos de due dilligence, que sejam usuais e costumeiras;

• é parte que pode efetivamente entrar em transações relacionadas a esse


ativo ou passivo analisado;

• é parte que tem interesse próprio e espontâneo em entrar na transação


de compra ou venda desse ativo/passivo, e não tem qualquer obrigação
de entrar no negócio ou in uir nele.

___________________________

Por esse motivo, o que importa no valuation de um negócio – tecnicamente


falando, naturalmente – não é o valor desse negócio para um indivíduo ou uma
entidade especí ca, mas para o chamado participante de mercado. A esse
respeito, veja a seguir a de nição das International Financial Reporting Standards
(IFRS, 2011)4:

O valor justo é uma medida baseada no mercado, não uma medida


especí ca para uma entidade. Para alguns ativos e passivos, transações de
mercado observáveis ou informações de mercado podem estar disponíveis.
Para outros ativos e passivos, transações e informações de mercado
observáveis podem não estar disponíveis. No entanto, o objetivo de uma
mensuração do valor justo, em ambos os casos, é o mesmo. (IFRS13)

Ok, a essa altura já há de estar um pouco mais evidente o tamanho da zona


cinzenta quando se fala em valor mas o fato é que, para fecharmos negócio, temos
de chegar a algum ponto comum de acordo. Para isso, há normas geralmente
aceitas sobre o que seria, a nal, uma de nição de valor justo. Essa de nição, em
larga escala, deriva de práticas que empresas – como VCs e PEs, por exemplo –
deverão adotar como regras contábeis em seus negócios. As origens das
de nições técnicas de valor justo são as IFRS, CPCs e USGAAP.

___________________________

VOCÊ SABIA?
As IFRS são normas internacionais de contabilidade emitidas pelo
International Accounting Standards Board (IASB). Chamemos essa linha
contábil de “modelo internacional” de contabilidade – cujo berço é
europeu. Inclusive, considera-se hoje que o Brasil já é “Full IFRS”, o que
signi ca que nossas práticas contábeis já estão alinhadas às práticas
internacionais, salvo mínimas diferenças.

No Brasil, temos a referência dos CPCs – normas do Comitê de


Pronunciamentos Contábeis – que são a versão adotada no Brasil com base
nas IFRS.
Além dessa de nição de valor justo, há também aquela sugerida pelo
Generally Accepted Accounting Principles (USGAAP), modelo adotado nos
Estados Unidos, que chamarei de “modelo norte-americano”), cujas normas
são propostas pela Financial Accounting Standards Board (FASB).

___________________________

Boa notícia: a de nição de valor justo para as IFRS (disponível em IFRS13) e do


USGAAP (disponível em FASB ASC 820) são idênticas. As duas medidas contábeis
de valor justo fazem uso da mesma de nição do que é valor justo, o que contribui
sobremaneira para essa discussão em escala global.

___________________________

DEFINIÇÃO DE VALOR JUSTO: IFRS13 E DE FASB ASC 8205


“[Valor justo é] o preço que seria de nido para que uma transação
qualquer de venda ou transferência de um ativo acontecesse entre
participantes de mercado na data de mensuração, à luz das atuais
condições de mercados.” (tradução nossa de: “the price at which an orderly
transaction to sell the asset or to transfer the liability would take place
between market participants at the measurement date under current market
conditions.”)

___________________________

A de nição proposta no CPC 46 – chamemos de versão brasileira do IFRS13 – é


tal qual descrita a seguir. Você notará que a essência é a mesma.

___________________________

De nição de valor justo – CPC466


“[Valor justo é] o preço que seria recebido pela venda de um ativo ou que
seria pago pela transferência de um passivo em uma transação não forçada
entre participantes do mercado na data de mensuração.”

___________________________

Dado que todos os lados da discussão estão alinhados em torno da mesma


de nição, cabe, então, focar suas questões-chave, expostas a seguir.

1. Participantes de mercado: o valor justo não se refere à percepção de um


indivíduo ou instituição, mas ao participante de mercado, conforme já discutido.

2. Data de mensuração: o valor justo refere-se a um valor corrente sobre


possíveis direitos futuros. Esse momento no tempo é, portanto, muito relevante
para de nição do valor.

3. Preço: no m do dia, o valor justo, conceitualmente, trata da de nição de um


preço, da vinculação do conjunto de ativos e passivos analisados a um valor
numérico nal.

Os itens 1 e 2 já foram discutidos. Cabe agora falar sobre o item 3: que preço é
esse a nal? Como era de se esperar, as coisas carão um pouco mais numéricas
agora! Tratemos do método VC de avaliação de startups.

9.3 O Método VC
A primeira vez que deparei com essa nomenclatura, método VC, foi no livro de
Metrick e Yasuda (2010)7, inclusive uma das poucas referências realmente
didáticas que tratam do tema de valuation na prática para startups.
O método VC relaciona-se ao modelo de avaliação usado por fundos de
venture capital, que tipicamente analisam, em grande medida, startups. Em geral,
essas são empresas com alto componente inovador, elevada incerteza, em
estágios de sua vida desde incipientes (em alguns casos limítrofes até mesmo em
fase pré-operacional, sem produto ou sem receitas) até em estágios mais
avançados.
No próximo capítulo, trataremos de questões mais técnicas de diversos tipos de
método que existem para estimarmos valor – modelos relativos, modelos
absolutos e modelos patrimoniais. No entanto, qualquer que seja o método
adotado, há considerações que trarão implicações especiais para o caso de
startups, especialmente em momentos de maior incerteza.
Essas considerações englobam, por exemplo:

• dúvida sobre o que irá acontecer no futuro, o que é sucesso nesse negócio, e
qual sua chance de ocorrência;

• além disso, mesmo que se tenha alguma clareza sobre o potencial do negócio,
ainda assim é muito difícil saber quanto tempo esse sucesso poderá levar para
acontecer;

• o fato de que, diferentemente de outros negócios, normalmente o futuro não


será exclusivamente com uxos de caixa positivos – muito pelo contrário,
provavelmente haverá ainda diversas rodadas de nanciamento, em que
acionistas serão diluídos;

• em nanças, há uma máxima que sustenta todas as nossas discussões: quanto


maior o risco corrido, tanto maior o retorno esperado pelo investidor. Já falamos
sobre isso algumas vezes ao longo deste livro. No caso de empresas clássicas e
já estabelecidas, há diversas metodologias geralmente aceitas para estimar essa
relação entre retorno esperado e risco. No caso de startups, o “buraco é um
pouco mais embaixo”. Simplesmente, porque a compreensão sobre o risco é
ainda mais intangível nesses negócios.

Por todos esses motivos, o chamado método VC de avaliação de startups vai,


invariavelmente, passar pelas seguintes discussões:

• O que seria a expectativa de valor justo, no futuro, para esse negócio, dadas as
estratégias de saída possíveis?

• Qual seria a probabilidade de ocorrência desse valor futuro?

• Quanto tempo se espera que corra até que cheguemos a essa estratégia de
saída?

• Até essa saída acontecer, quantas rodadas de nanciamento ainda serão


necessárias (lembrando que, a cada nova rodada, os antigos investidores tendem
a ser diluídos)? Dada essa expectativa, quanto de diluição o investidor ainda irá
sofrer, provavelmente?

• Dado o nível de risco dessa startup, qual é o mínimo de remuneração que o


investidor gostaria de receber, ou seja, seu custo de capital?

O que será apresentado aqui é um método simpli cado para compreender o


modelo mental de investidores, especialmente em estágios em que carecemos de
mais informações para sustentar os métodos mais so sticados de que trataremos
no próximo capítulo. Neste momento, caso você não se recorde dos conceitos de
juros compostos, valor futuro/presente, valor presente líquido (VPL), sugiro que
faça uma pausa e leia os apêndices 2 e 3 ao nal deste livro.
A lógica matemática do método VC é razoavelmente simples. Veja o problema
esquematizado na Figura 9.1, a seguir.

Figura 9.1. Esquematização do método VC simpli cado.


Fonte: desenvolvida pela autora com base em Metrick e Yasuda (2010).

Vamos começar com uma lógica simples, o valor presente de um uxo futuro.

em que:
PV = valor presente = valuation total da startup (post-money, ou seja, para todos
os acionistas – antigos e novos, ao nal dessa rodada de captação);
FV = valor futuro = valor de saída estimado para a startup, que pertencerá aos
investidores atuais (os antigos e os novos que entrarem nesse round). É
importante frisar que esse valor de saída da startup tem risco e que,
provavelmente, os investidores atuais ainda serão diluídos em rodadas de
captações futuras;
i = custo de capital, que é a taxa de retorno ajustada ao risco do negócio (que
nesse caso não é exposição só a risco de mercado, mas também de tamanho,
liquidez, estágio de vida da startup, entre outros);
n = tempo esperado até a estratégia de saída do investidor

Dada essa apresentação simpli cada, vamos começar a detalhar as premissas


relevantes do método. O valor futuro para esse investidor estará condicionado a:

• Qual seria o sucesso em uma estratégia de saída (por exemplo, suponha o caso
de um IPO). Para simpli car, pode-se utilizar como referência o valuation de
outros IPOs comparáveis. A esse valor justo no sucesso da saída, daremos o
nome de “sucesso” ou “S”.

• Qual a probabilidade de esse sucesso, que chamaremos de “p”, acontecer. A


identi cação dessa probabilidade pode estar associada a dados históricos sobre
domínio de VCs e sua experiência, considerando segmentos minimamente
comparáveis e startups em estágios de vida similares. Naturalmente, a de nição
dessa probabilidade passará por elevado grau de subjetividade e julgamento por
parte do analista.

• Mesmo que o sucesso seja auferido, isso provavelmente envolverá novas


rodadas de funding. Dessa forma, os acionistas de hoje não terão a mesma
participação no negócio até o momento de saída. Entra aqui a taxa de retenção.
Suponha, por exemplo, que os acionistas que estiverem no negócio até o nal
dessa rodada manterão uma taxa de retenção “R” após os próximos rounds de
nanciamento esperados. Logo, qualquer que seja o valor futuro, os atuais
acionistas terão direito apenas a R% dele.

O valor futuro, então, será dado por:

Ou:
Simples, não? A matemática pode até parecer simples (perto de outras opções
que existem para estimar valor), mas certamente a complexidade das premissas
envolvidas em seu cálculo é elevada. A respeito dessa subjetividade, Metrick e
Yasuda (2010, p. 183)8 observam: “O que aparenta ser um chute ousado para o
olho destreinado pode ser, de fato, o exercício de uma intuição acumulada a duras
penas”. Isso quer dizer que, para analistas que tenham elevadíssima experiência
em avaliar startups de estágios de vida e segmentos similares, é possível que sua
intuição, em média, seja um tanto con ável para estimar essas variáveis.
Por mais que isso seja bonito de ler, quão fácil é encontrar esse “olho treinado” e
suas opiniões? Mesmo entre os “olhos mais treinados” desse mundo, há tão
elevada subjetividade que, por maior que seja a intuição e experiência, ainda
assim essas estimativas são, em grande medida, sujeitas a vieses.
Que tal um exemplo? Cai bem? Vamos lá!
Suponha que uma startup precise de R$ 1,5 mi para atingir determinado
milestone almejado. Considere que, até hoje, os acionistas sejam apenas os
fundadores (mas poderiam ser fundadores+anjos+etc.). Suponha que ofertas
públicas de empresas em segmentos correlatos sugerem que é possível esperar
um valuation ao redor de R$ 350 mi no IPO. Levando em consideração o estágio
atual dessa startup, acredita-se que o IPO tenha uma probabilidade de 7% de vir a
ocorrer, e isso tenderia a acontecer no prazo de cinco anos. Como ainda serão
necessários diversos rounds de nanciamento, suponhamos que os atuais
investidores (no caso do exemplo, fundadores + investidores que entrarem na
rodada atual) ainda serão diluídos em 40%, chegando a uma taxa de retenção de
participação de 60% no IPO (100% menos a diluição de 40%, que seria a
participação no negócio de investidores futuros). Considere que os investidores
esperam um retorno ajustado ao risco de 20% para investir nessa startup.
Pergunta-se: quanto os fundadores terão de entregar de participação aos
investidores que estão entrando no atual round?
Vamos aos cálculos:

Percebe-se que o valuation total da startup hoje é de aproximadamente R$ 5,9


mi. Sabendo que a empresa precisa captar com novos acionistas R$ 1,5 mi para
atingir determinado milestone de nido, então quanto de participação no negócio
esse investidor irá conseguir?

Logo, os novos investidores nesse round irão captar 25% de participação no


negócio, em troca do investimento de R$ 1,5 mi necessário. É possível, com base
nessas informações, apurar o pre-money valuation:

A lógica do método VC simpli cado é tal qual disposta neste item. Grandes
complexidades ainda poderiam entrar, especialmente aquelas relacionadas a
diferentes classes de ações, acordos de acionistas e disposições sobre direitos e
deveres. Para quem se interessar por esse assunto, literaturas um tanto profundas
e técnicas são indicadas ao nal deste capítulo e do próximo, como sugestões de
leituras para aprofundamento.

9.3.1 Definições relevantes sobre o preço de saída


Também as IFRS, USGAAP e CPC têm as mesmas de nições para o tema. Veja a
transcrição do CPC (literalmente igual às do IFRS e USGAAP, por sinal):

___________________________

DEFINIÇÃO DO PREÇO PARA VALOR JUSTO CONFORME CPC469


“Valor justo é o preço que seria recebido pela venda de um ativo ou pago
pela transferência de um passivo em uma transação não forçada no
mercado principal (ou mais vantajoso) na data de mensuração, nas
condições atuais de mercado (ou seja, um preço de saída),
independentemente de esse preço ser diretamente observável ou estimado,
utilizando-se outra técnica de avaliação.”
___________________________

Você se recorda de que, no Capítulo 4 (em que tratamos sobre os interesses de


VCs), discutimos bastante o conceito de estratégia de saída? Caso não se recorde,
seria importante pausar a leitura neste momento e relembrar aqueles conceitos.
Pois bem, a estratégia de saída de uma startup é base essencial para discutir qual
seria, portanto, o preço de saída a ser considerado nesse valuation.
A de nição do CPC sugere “preço a ser diretamente observável ou estimado,
utilizando-se outra técnica de avaliação”. Mais fácil falar do que fazer, não é? É
claro que, para startups, isso provavelmente envolverá a tal da estimativa. Em
relação a essa estimativa de preço de saída, é comum que melhores práticas de
valuation façam uso de tabelas de probabilidades. Permita-me explicar, pois esse
conceito é um dos mais essenciais para seu valuation!
Para ns didáticos, no item anterior, quando se apresentou o método VC, foi
mencionado apenas o caso da saída por meio de um IPO. Porém, essa análise
poderia ser um pouco mais so sticada. Retomando as estratégias de saída do
Capítulo 4, quando um investidor aplica em uma startup, há essencialmente três
saídas possíveis: (i) IPO ou venda competitiva, sendo esse um melhor cenário
vislumbrado pelo investidor para o negócio; (ii) algum sucesso na empreitada,
porém aquém do esperado, caso em que se busca um participante de mercado
interessado em adquirir a empresa por algum valor (que pode render ao investidor
algum tipo de lucro no investimento, ou até mesmo algum prejuízo); e (iii) perda
de 100% do valor investido no negócio (o caso do write-o ). Suponha que, ao
analisar determinada startup, esses três cenários foram considerados e estima-se
a seguinte expectativa de ganho, no futuro, para daqui a cinco anos (Tabela 9.1, a
seguir).

Tabela 9.1: Possíveis cenários de saída e respectivo ganho esperado.


Fonte: desenvolvida pela autora.

A qualquer momento, mais de um cenário poderia ser contemplado para a


startup, pois naturalmente há in nitas possibilidades futuras. O que usualmente
se faz é estimar o que se poderia esperar de ganho para alguns cenários, tal qual
dispostos na Tabela 9.1. Trabalhar com três cenários é como um número mágico,
por serem as três clássicas estratégias de saída, mas seria possível desmembrá-
las em quatro ou cinco cenários, por exemplo. No limite, poderiam ser estimados
tantos cenários quanto necessário. Ainda assim, a sugestão aqui é: simpli que! O
processo de valuation em si já tem complexidade su ciente, e não convém
agravarmos multiplicando essa complexidade por dezenas de cenários. Isso
costuma apenas abrir espaço para maior quantidade de erros no processo de
avaliação, sem que dê origem a considerável ganho na qualidade das
estimativas10.
Para cada um dos cenários esperados, é preciso, então, pensar em sua chance,
ou probabilidade, de ocorrência, segundo as melhores estimativas dos
analistas.Tecer melhores estimativas envolve:

Levar em consideração todos os fatos relevantes sobre a startup e seu


mercado conhecidos nesse momento e, entre os fatos relevantes
identi cados, atribuir maior importância àqueles sobre os quais há
menor incerteza e atribuir menor importância àqueles mais
incertos/subjetivos.

Simples, não? (Isso foi naturalmente uma ironia, é claro que não é nada trivial no
caso de startups, especialmente em seus estágios iniciais!).
Com base nessas melhores estimativas, são, então, de nidas as probabilidades
para cada cenário. Suponha que sejam as seguintes para nosso exemplo (Tabela
9.2, a seguir):

Tabela 9.2: Probabilidade de ocorrência por cenário estimado.


Fonte: desenvolvida pela autora.

Com base nos ganhos estimados para cada cenário, bem como em sua
probabilidade de ocorrência esperada, podemos estimar qual o valor de saída
esperado para daqui a cinco anos. Para tal, faz-se uso de uma média ponderada
entre os cenários esperados. Ou seja:
em que:
VSj = valor de saída para cada cenário, que pode ir de um a J cenários estimados;
P(J) = probabilidade de ocorrência esperada para cada cenário estimado, que
pode ir desde o cenário um até um cenário J qualquer.
Generalizando, tem-se que:

No caso de nosso exemplo, o resultado nal estimado para valor justo daqui a
cinco anos é, portanto, de:

Tabela 9.3: Valor de saída nal estimado.


Fonte: desenvolvida pela autora.

Talvez neste momento já esteja evidente para você que o maior desa o não está
associado à mecânica dessa estimativa (até agora, zemos uso apenas de média
ponderada), mas a como a estimamos, a nal, (i) o valor do negócio na saída e (ii)
sua respectiva probabilidade de ocorrência.
À discussão sobre o primeiro ponto, o valor de cada cenário na saída,
dedicaremos o próximo capítulo inteiro. Sobre a probabilidade de ocorrência,
vamos incluir aqui algumas considerações relevantes.
Para fundos de investimento, estimar as probabilidades envolve certo método.
Para esses agentes, faz-se normalmente uso de probabilidades reais estimadas
com base em históricos de investimentos passados – próprios ou dados de
mercado, detidos por pro ssionais dessa indústria e que raramente são
encontrados publicamente. Por exemplo: de todos os investimentos feitos em
startups de tecnologia em determinado estágio de sua vida, XX% resultaram em
saída de IPO ou venda competitiva, YY% resultaram em cenário intermediário de
maior ou menor sucesso, e ZZ% resultaram em perda total dos investimentos
feitos.
É claro que todas as devidas ponderações dessas probabilidades devem ser
feitas para diferentes recortes de amostras do histórico. Por exemplo: (i)
considerando startups em diferentes estágios de vida, (ii) considerando startups
em setores especí cos, caso haja volume de operações su cientes para estimar,
(iii) considerando fundos ou gestores que sejam outliers, ou seja, “fora da curva”
quanto ao seu sucesso em identi car e contribuir para as startups que realmente
constituem aquela minoria de maior sucesso (chamemos isso de experiência ou
até habilidade). Com base nesses recortes, cada fundo poderá distribuir as
probabilidades de cada cenário com um pouco mais de método, o que diminui
(mas não extingue) o espaço para subjetividades e in uências emocionais no
processo de valuation.
Lembremos que essas probabilidades naturalmente levarão a divergências
quando analisarmos uma startup individualmente. Porém, essa atribuição de
probabilidades, quando considerada em conjunto com todas as startups do
portfólio de investimento dos fundos, pode levar a maiores taxas de acerto
agregadas.
Já para o caso de agentes que não tenham conhecimento ou acesso a esse tipo
de histórico, estimar a probabilidade passa a ser ainda mais subjetivo. Aí se
recorre àquela técnica já mencionada anteriormente neste livro, a best educated
guess, (a melhor estimativa razoável), em casos extremos, pode até ser um
simples “chute”!
A palavra de ouro aqui é a seguinte:

RAZOABILIDADE

Sei que co repetindo isto: o “bom senso” no processo de avaliação é um dos


mais valiosos instrumentos para calibrar premissas. Sim, o mais importante é
buscarmos sempre ser os mais ponderados e razoáveis possíveis em nossas
estimativas. Chances são de que estaremos sujeitos a alguns clássicos vieses na
hora de tecer estimativas sobre um futuro incerto, entre eles: excesso de otimismo
e excesso de con ança, armadilhas ainda mais exacerbadas quando estamos
analisando projetos com os quais nos envolvemos pessoalmente (o que costuma
ser o caso de nossas startups).
E se você está pensando “Não é meu caso, sou razoável”, tenha cautela. É, sim,
possível que isso seja verdade, mas esses vieses são naturais dos seres humanos
– fruto de questões evolutivas de nossa espécie! –, portanto, todos nós estamos
sujeitos a eles, em menor ou maior grau.
Supondo que todas as estimativas sejam razoáveis e estimadas com os melhores
critérios disponíveis no momento, ainda assim, esse valor estimado na saída é o
valor do negócio hoje? Naturalmente, não. Trata-se de uma estimativa de qual será
esse valor em um momento futuro no tempo – no caso de nosso exemplo, daqui a
cinco anos. Isso certamente envolve tempo e risco, para ver se de fato ocorrerá.
Portanto, há de se criar alguma forma de identi car: qual é o valor desse preço
futuro, na data de hoje?
Para isso, vamos ao conceito de custo de capital.

9.4 Sobre o custo de capital


O custo de capital pode ser entendido como a ferramenta que utilizamos para
“mexer” com o dinheiro ao longo do tempo. Com base nisso, podemos trazer
dinheiro do futuro para a data de hoje, ou levar dinheiro de hoje para outro
momento do tempo, por exemplo.
No caso de nosso exemplo, estimamos um valor de saída, daqui a cinco anos, de
R$ 25,5 mi para a startup analisada. Para ns didáticos, na continuidade deste
exemplo, vamos supor que a taxa de retenção de controle será de 100% – o que,
sabemos, não é normalmente o caso, conforme já discutido quando foi
apresentado o método VC. Pois bem, quanto isso vale hoje? Na Figura 9.2, a
seguir, ilustra-se essa problemática.

Figura 9.2: O valor justo da saída e o papel do tempo.


Fonte: desenvolvida pela autora.

Precisamos, portanto, trazer o valor futuro estimado para as estratégias de saída


do futuro para a data de hoje. Para tanto, faz-se uso do custo de capital.
Ok, vamos falar brevemente sobre o custo de capital. Como estimá-lo? Quanto
deve ser o custo de capital, a nal?
Você pode já ter ouvido falar no capital assets pricing model, o famoso CAPM,
proposto por Sharpe11, Lintner12 e Mossin13. Se não, não se preocupe. Trata-se de
um modelo que visa estimar quanto um ativo deveria proporcionar de retorno ao
seu investidor, dado seu nível de risco. Sendo assim, trata-se de um dos modelos
que podemos utilizar para estimar o custo de capital que, em essência, indica
quanto o investidor espera ter de remuneração, no mínimo, dado o nível de risco
corrido no negócio, para car satisfeito.
O CAPM merece a fama que tem! Apesar de estar longe de ser um modelo
perfeito, por sua simplicidade, é uma das ferramentas mais utilizadas nas práticas
de valuation até o dia de hoje. Algo que talvez você não conheça são as premissas
que sustentam teoricamente o CAPM. Vamos falar sobre uma delas, talvez uma das
mais essenciais: o CAPM supõe que os investidores dessa empresa tenham seus
portfólios diversi cados. Isso signi ca que o investidor da empresa tem seu
portfólio tão diversi cado que os riscos especí cos de cada negócio são
irrelevantes. Por exemplo, se um investidor tem seu dinheiro em cem ativos, caso
uma dessas empresas sofra um roubo, ou alagamento, ou greve, esses riscos
especí cos (chamados de idiossincráticos) tornam-se irrelevantes dentro do
portfólio.
Lembra-se da máxima “não coloque todos os seus ovos em uma mesma cesta”?
Pois é, se essa cesta cair, todos os seus ovos quebrarão, e você terá problemas.
Um investidor diversi cado não carrega todos os “ovos” juntos, ou seja, ele coloca
um pouco de dinheiro em cada tipo de investimento – portfólio de ações de
diferentes empresas em diferentes setores, renda xa, diferentes gestores de
fundos de investimento (também diversi cados por sua vez), e por aí vai. Nessa
circunstância, realmente, o risco especí co de uma única empresa é praticamente
irrelevante para o investidor.
Isso é verdade para o empreendedor? Pois é, não. Salvo casos de fundos que
sejam, de fato, bastante diversi cados ou casos excepcionais dos
empreendedores que já acumularam tamanha riqueza que qualquer
empreendimento especí co é pequeno para seu “bolso” (esses provavelmente já
estiveram na capa de alguma revista famosa sobre pessoas/empresas de sucesso
ou in uentes), salvo esses casos, essa não é a característica do empreendedor
tradicional.
O empreendedor, em algum momento de sua vida, provavelmente está ou esteve
all in em um ou poucos projetos. Nesse caso, toda a sustentação do CAPM
desmorona, pois o risco especí co (risco idiossincrático) importa para esse
agente. Logo, é obviamente irreal falar que o custo de capital próprio da empresa
independe desse risco especí co. Wang, Wang e Yang14 discutem esse aspecto em
seu estudo. Para os autores, entre diversos outros aspectos, o risco idiossincrático
tem, sim, importância para os empreendedores – em especial para aqueles com
menor nível de liquidez (recursos disponíveis). Na avaliação dos autores, o
chamado prêmio pelo risco de concentração para empreendedores acaba sendo
algo entre 1% e 5%, aproximadamente. Cabe aqui a sugestão: caso você esteja
tentando estimar algum tipo de valuation para uma startup ou pequena empresa –
ou até grande empresa de um ou poucos sócios cuja riqueza não está diversi cada
–, lembre-se de incluir em sua avaliação um prêmio pelo risco idiossincrático.

___________________________

PERCEPÇÃO SOBRE RISCO


Naturalmente, a exposição a risco do empreendedor versus aquela de
fundos de VC e outros investidores similares é muito diferente. Entre vários
motivos, provavelmente o mais gritante seja a diversi ciação de
investimentos, conforme discutido no Capítulo 4.
Lembremos: em nanças, quanto mais risco, tanto maior o retorno
esperado pelos investimentos. E aí eu lhe pergunto:
Qual risco importa mais para a de nição de valor em um valuation: o nível
de exposição a risco do empreendedor (concentrado) ou o nível de
exposição a risco do fundo?
Naturalmente, depende de quem está fazendo essa avaliação. No geral, no
entanto, verdade seja dita, algo só tem valor de verdade – com
possibilidade de realização seja no curto ou longo prazo – se outros
agentes concordarem com isso. Por esse motivo, lembremos aqui do
conceito de participante de mercado, em que o valor é apurado à luz dos
interesses de um participante de mercado e das opções que se acredita
poderem existir para exercício do valor dessa empresa.

___________________________

Vamos, então, a uma visão mais prática sobre a estimativa do custo de capital
para startups. Vamos partir da lógica simpli cada do CAPM e identi car qual seria
a taxa de retorno ajustada ao risco esperada pela empresa “A”. O CAPM, de forma
simpli cada, supõe o seguinte: qualquer empresa com risco deveria proporcionar
um mínimo de retorno livre de risco em sua economia e mais um prêmio pelo risco,
que deve ser maior para empresas de mais risco e menor para empresas de menos
risco. Esse prêmio pelo risco refere-se, no CAPM, à exposição aos riscos
sistemáticos de mercado, aqueles dos quais não se pode fugir, nem mesmo com
diversi cação (por exemplo, associados a taxas de juro, desemprego etc.). A
estrutura simpli cada desse modelo é, portanto:
em que:
rf = taxa livre de risco da economia. Em processos de avaliação, sempre que
possível (quando as características do negócio permitirem), sugiro trabalhar com
avaliação desconsiderando a in ação. Nesse caso, faz-se uso da taxa livre de risco
anterior da in ação. Para uma discussão a esse respeito, veja a dica disponível no
tópico ao nal deste item, que trata sobre in ação. Além disso, é importante
considerar uma taxa livre de risco de médio a longo prazo (e não a taxa de curto
prazo), dado que a vida da startup tende a ser analisada em horizonte mais longo.
Prêmio pelo risco de mercado = trata-se do equity risk premium. É um nível
médio de retorno que todos os ativos com risco de uma economia proporcionam.
Naturalmente, alguns ativos têm mais risco do que a média, enquanto outros têm
menos. Por isso, multiplica-se o prêmio médio de mercado pelo fator beta.
β = beta do ativo “A”. Indicador que mede o nível de exposição a riscos
sistemáticos. Um negócio terá um de três tipos possíveis de betas, são eles:

• beta inferior a um: empresa mais conservadora do que a média de mercado. Ao


investir nessa empresa, como o acionista corre menos risco do que a média do
mercado, então ele espera obter retorno inferior à média de mercado;

• beta igual a um: o risco do ativo analisado é igual ao risco médio de mercado.
Sendo assim, o retorno esperado desse ativo também será convergente ao
retorno médio esperado do mercado;

• beta superior a um: o ativo analisado é mais arriscado do que o mercado,


portanto, ao se investir nele, espera-se obter maior retorno do que a média de
mercado.

Há algumas formas para estimativa do beta de cada empresa. Uma delas é a


abordagem estatística15, que, no entanto, é possível apenas para empresas que
tenham ações negociadas publicamente, com liquidez razoável. Ou seja, nada
disso para nossas startups! Mas não se preocupe, há alternativa. Podemos estimar
o beta de startups a partir de betas de outras empresas de segmentos similares.
Entra aí o cálculo do beta por meio do beta alavancado.
Diversas questões devem in uenciar o beta de uma empresa, como sua estrutura
nanceira de gastos, características do setor, tamanho da dívida que tem, entre
outras. Na lógica geral, quanto mais dívida uma empresa tem, maior seu nível de
risco (de falência) e, portanto, maior há de ser seu beta. Imagine duas empresas
no mesmo segmento de atuação, as duas sem dívida. Nesse caso as duas
tenderiam a ter betas similares. Esse seria um chamado beta desalavancado do
setor (βU, em que o U se refere a unlevered beta), ou seja, beta médio do setor para
empresas que não tenham dívida e, portanto, não tenham risco derivado do
endividamento. Agora, imagine que uma dessas empresas contraia dívida. Nesse
momento, ela terá mais risco, e seu beta há de ser superior ao da empresa sem
dívida. Como ela agora tem dívida, corre mais risco e, portanto, seu acionista
esperará remuneração maior. Então, surge o beta alavancado (βL, em que o L se
refere a levered beta) para o nível de dívida dessa empresa e ele é dado por:

em que:
βL = beta alavancado para a estrutura de capital da empresa – sua estrutura de
uso de dívidas onerosas (debt) versus capital próprio (equity);
βU = beta desalavancado (beta da empresa sem nenhuma dívida);
T = taxa do imposto de renda (no caso de empresas que usufruam do benefício
scal da dívida, discutido no Capítulo 3);
D = dívida onerosa da empresa;
E = capital próprio da empresa (equity) a valor de mercado (mkt value). Em
muitos casos, esse número aproxima-se do patrimônio líquido da empresa. Caso o
negócio não tenha contabilidade formal ainda, sugiro veri car quanto de valor já
foi investido pelos sócios no negócio.

DICA
Para obter informações sobre como estimar o custo de capital,
indico acessar a página do Prof. Damodaran, uma das principais
referência no assunto.

Para encontrar o prêmio pelo risco de mercado, busque por:


“Implied equity risk premium”. Para janeiro de 2020, esse valor, na
fonte Damodaran, é de 5,20% ao ano.
Uma possível e prática forma de estimar o beta de qualquer
empresa, portanto, pode partir de um beta setorial desalavancado.
Para encontrá-lo, sugiro pesquisar sites utilizando termos, como
unlevered beta by industry damodaran.
Esses dados, assim como diversos outros muito bons e confiáveis
para fins de estimativa de custo de capital, bem como outras
premissas de valuation, podem ser encontrados no site do autor.

Para que haja robustez nesses cálculos, diversas boas práticas podem ser
adotadas no processo de avaliação. Permita-nos uma exempli cação um pouco
mais avançada neste momento. Por exemplo, suponhamos que iremos estimar a
taxa livre de risco brasileira para incluir em nossa estimativa de custo de capital.
Poderíamos fazer uso de uma taxa Selic de longo prazo – consideremos algo, por
exemplo, em torno de 6,5% a.a.; se considerarmos in ação em torno de 4%,
estamos falando então de uma taxa real (acima da in ação), livre de risco, de
aproximadamente 2,5% a.a. Como as taxas Selic brasileiras oscilam muito ao
longo do tempo, é comum conduzir um teste de robustez com base em dados de
economias maduras (dos Estados Unidos, por exemplo) para ver se essa
estimativa é razoável. Nesse caso, a taxa livre de risco brasileira seria dada por:

Como estamos calculando a taxa em termos reais (acima da in ação), vamos


fazer uso da taxa livre de risco norte-americana de longo prazo (10y Treasury Bond)
acima da in ação do país. Consideremos a taxa de longo prazo livre de risco dos
Estados Unidos em 2,3% a.a. (em virtude de oscilações ao longo de 2019, a taxa
iniciou o período em 2,7% aproximadamente e chegou a 1,8% aproximadamente,
de forma que se fez uso de uma média da taxa de longo prazo). A in ação do país
no período foi de 1,8%. Sendo assim, a taxa livre de risco dos EUA acima da
in ação foi de 0,5% (2,3 – 1,8). Com base em dados disponibilizados por
Damodaran, o prêmio pelo risco- Brasil é de 2,96% (buscar por Country risk
premium - Brazil). Logo, tem-se que:

Note que, com base em nossas premissas brasileiras (de Selic e in ação),
havíamos chegado à taxa livre de risco acima da in ação de 2,5% a.a., ao passo
que a mesma taxa construída com base em premissas de mercado maduro chegou
a 3,46%. Quando isso acontecer, sugiro fazer uso da taxa calculada com base em
mercado maduro, pois historicamente nossas taxas Selic oscilam tanto que a
aplicação dos conceitos sem qualquer ajuste pode levar a exageros no custo de
capital. Outras opções também seriam possíveis, como o uso da média das duas
alternativas calculadas.
Muito bem! Mas tudo o que falamos até aqui diz respeito apenas ao modelo
CAPM, que conta com um único fator de risco (dado pelo beta), que mede o nível
de exposição a riscos de mercado dessa startup.
Veja só, se usarmos apenas esse fator, o retorno esperado por um investidor que
investisse em uma empresa desse segmento de capital aberto seria exatamente o
mesmo que o retorno esperado por uma startup recém-nascida no segmento.
Parece razoável? Naturalmente, não. O nível de risco da startup é
consideravelmente maior. Há incontáveis ajustes que poderiam ser feitos, vou
apresentar a seguir um formato genérico, adaptado minimamente a startups:

Além do nível de retorno que o investidor gostaria de ganhar em virtude do


segmento de atuação da empresa, é preciso pensar a respeito da baixa liquidez
desse tipo de investimento (não é assim tão fácil e rápido sair do negócio, de
forma que há de se considerar um algo a mais pela liquidez). Naturalmente, em
razão de o negócio estar em estágios iniciais de sua vida, é natural que se queira
um prêmio pela incerteza do modelo de negócio e seu tamanho pequeno.
Vamos a um exemplo? Suponha as seguintes premissas:

• empresa de tecnologia, especialmente envolvida com desenvolvimento de


softwares. Conforme Damodaran, beta desalavancado de 1,5;

• taxa livre de risco real brasileira (calculada com base em premissas maduras):
3,46%;

• prêmio pelo risco de mercado (conforme Damodaran): 5,2%;

• prêmio por liquidez16: 6%;


• prêmio por estágio de vida e tamanho17: 7%.

Logo, tem-se que:

Com o passar do tempo, conforme a startup vai tendo sucesso e atingindo


milestones determinados, o prêmio por estágio de vida e tamanho tende a ir
diminuindo, assim como o prêmio por liquidez (uma vez que a atração de novos
investidores facilita a liquidez do negócio, na pura lógica de oferta e demanda).
É comum nos depararmos com investidores que esperam em seus investimentos
em startups conseguir retornos próximos da escala de 20% a 30% a.a., ou até
mais. Esse número varia bastante, lembrando que, quanto maior a incerteza em
relação ao modelo de negócio, quanto mais jovem e menos histórico disponível,
tanto maior tende a ser a percepção sobre o risco da empresa e, portanto, maior
seu custo de capital.

DICA – O CASO DA INFLAÇÃO


Trabalhar com a inflação em processos de avaliação incorpora
complexidade ao processo. Isso porque, para incluir discussões
sobre inflação, é necessário projetar o futuro, considerando como a
inflação há de impactar o negócio (será que a inflação nos gastos
se comporta da mesma forma como a inflação nas receitas?) além
de incluir a inflação na taxa de desconto, para dar a correta
dimensão de valor do dinheiro no tempo.
Como simplificação, pode-se adotar a postura de trabalhar a
avaliação do negócio em termos reais, ou seja, desconsiderando a
inflação. Em vez de projetar o futuro com inflação, para depois
descontar a inflação trazendo ao valor presente, sugere-se
considerar o fluxo futuro sem inflação (como se a taxa de inflação
fosse zero) e considerar o custo de capital em termos reais (ou
seja, taxa de retorno esperada acima da inflação).
Há casos em que o modelo de negócio da empresa é altamente
dependente de inflação e não é possível adotar essa simplificação.

9.5 Considerações finais


É
É sempre produtivo, nesse processo, colocarmo-nos nos “sapatos” de quem está
“do outro lado da mesa”, especialmente em busca do chamado terreno comum da
razoabilidade. Assim, suponha que você é o empreendedor de determinada
startup em estágio inicial de sua vida e está buscando recursos com investidores.
Provavelmente, o risco do negócio ainda é bastante elevado. Há desa os
diversos relacionados ao modelo de negócio, mercado e consumidores, produtos
etc. Como se não bastassem todos os desa os inerentes ao modelo de negócio, há
considerável desa o de execução: os times são enxutos, e praticamente toda a
chance de esse negócio dar (ou não dar) certo está nas mãos de poucas pessoas.
Então, há também o risco relacionado a essas poucas pessoas: será que têm as
competências/conhecimentos necessários? Será que vão se dedicar de verdade
ao projeto? Será que terão a resiliência e seriedade que startups tipicamente
demandam de seus pro ssionais? Por mais que você possa acreditar que sim, é
compreensível que essa seja uma preocupação dos investidores. Imagine que eles
se perguntem: “A nal, será que eu [investidor], posso con ar nesses
empreendedores?”.
Esse é um dos mais relevantes componentes da análise qualitativa que os
investidores vão conduzir sobre o negócio, antes de tomar a decisão de
investimento. Vamos falar um pouco sobre essa análise qualitativa.
No Capítulo 4, tratamos de alguns motivos pelos quais VCs declinam de alguns
investimentos. Diversos daqueles motivos referem-se a questões qualitativas, que
in uenciam sobremaneira o valor percebido nas startups, ainda que não sejam
facilmente quanti cáveis. Alguns dos mais relevantes serão retomados neste
momento, mas ca aqui o convite para revisitar aquelas considerações ao nal do
Capítulo 4.
Por todos os motivos já discutidos até o momento, ca evidente que os
investidores buscam grandes oportunidades de negócio, que, geralmente, estão
associadas a signi cativos mercados potenciais, com expressivos volumes de
pessoas. Não apenas há de existir um grande mercado potencial, mas que esses
possíveis clientes percebam valor naquilo que a startup oferece. Ou seja, o
modelo de negócio está indicando uma real “dor” desse mercado? Nas palavras de
Clayton Christensen, já mencionado diversas vezes aqui, há um “trabalho a ser
feito” pelo cliente (job to be done) para o qual essa inovação, de fato, irá agregar
valor? Esses dois fatores qualitativos – (i) há mercado e (ii) há uma real dor a ser
endereçada – são de nitivamente estratégicos para sustentar o valor de um
negócio.
Próximo ponto: será que essa solução proposta é escalável? Por exemplo, é claro
que há problemas de falta de educação de qualidade e acessível em todo o
mundo, porém, houve até hoje uma maneira real de resolver essas questões de
forma economicamente viável? Por muito tempo, não. Quando houver avanço
tecnológico, e esse avanço se tornar nanceiramente acessível à sociedade
carente, talvez nesse momento esteja, então, começando a surgir terreno fértil
para startups atuarem. Nessa hora, há o potencial de encontrar a união entre
mercado potencial, com real dor, com escalabilidade e viabilidade econômica e,
como se não bastasse, com um tremendo propósito social contribuindo para a
humanidade. Perceba que até que haja a união de todos esses fatores, não será
possível vislumbrar valor real no negócio.
Em que grau está a con ança nos times? Mesmo com todos esses pressupostos,
há de se ter con ança no time que irá conduzir esse negócio ao longo do tempo.
Ainda mais diante da escassez de recursos e times enxutos de startups, a
con ança nas poucas pessoas-chave do negócio é essencial. Entra, aí, a avaliação
qualitativa que fazem os empreendedores, fundadores, e pro ssionais-chave com
que os investidores poderão contar para conduzir a execução do projeto. Diversas
questões subjetivas e pessoais tendem a ser analisadas, como resiliência,
domínio técnico de conceitos de gestão, inteligência (em seus diversos e
subjetivos sentidos), experiências prévias dos pro ssionais (track record),
inteligência emocional e capacidade de relacionamento, habilidades de reter e
motivar talentos, criatividade, honestidade, entre outros tantos.
Há de se re etir também sobre estratégias de saídas alternativas. Por exemplo:
supondo que o maior sucesso não seja atingido, quais outros intangíveis desse
negócio poderiam ter valor para algum participante de mercado? Por exemplo,
desenvolvimento de tecnologias, time de talentos com habilidades raras, patentes
conquistadas, ativos xos desenvolvidos etc. Naturalmente, todos esses fatores
são absolutamente especí cos para cada segmento, mas pensar em estratégias
alternativas de saída minimiza sobremaneira o potencial risco desse negócio em
caso de necessidade de liquidação. Seria o caso de re etir sobre as alternativas
que estariam disponíveis caso fosse necessário adotar a estratégia de recuperar o
máximo possível dos investimentos feitos.
Além dessas, há diversas outras ponderações qualitativas que poderão ser
feitas, muitas das quais discutidas ao longo de todos os demais capítulos deste
livro. Esses motivos são ainda mais preponderantes no processo decisório e
valuation em estágios excessivamente incipientes de vida da startup. Aqueles
momentos em que a aplicação de qualquer método quantitativo tem zona de
incerteza muito elevada, ou cuja aplicação é até impraticável. Quanto maior a
incerteza, mais os agentes recorrem às percepções qualitativas.
Nesses momentos, a discussão sobre valor pode ser um tanto negocial: quanto
dinheiro é necessário versus quanto de participação será entregue?. Por exemplo,
suponha que eu precise de R$ 1 mi e esteja disposta a entregar 25% de
participação. Logo, o valuation do negócio é de: 1 / 0,25 = R$ 4 mi. Acabou de ser
de nido, de forma puramente negocial, que o valuation total é de R$ 4 mi, dos
quais 25% representam R$ 1 mi. Pre-money valuation é, portanto, de quatro menos
um igual a R$ 3 mi. A ciência quantitativa, nesse caso, foi praticamente nula no
processo de avaliação, mas muito negocial.
Nesse processo de negociação, há de se re etir: com quem está o poder?
O trecho a seguir, do guia AICPA (guia que VCs e PEs utilizam em grande medida
nas suas práticas de avaliação de negócios), dispõe o seguinte:

Entidades em seus estágios iniciais com recursos limitados podem


experimentar baixos valuations em razão de sua posição de negociação
mais fraca. A redução em caixa e di culdade em acessar novas fontes de
nanciamento podem sugerir a falta de criação de valor no negócio, um
aumento no risco de di culdade nanceira e uma forte pressão em tempo
para que o caixa seja levantado. Esses fatores contribuem para uma
redução nas opções estratégicas [da startup] e menores valuations. (AICPA,
2019, p. 288)

Dessa forma, antes de captar o dinheiro, essa posição mais fraca de negociação
certamente coloca a startup em patamar inferior de valuation. O melhor momento
para captar recursos é aquele em que o negócio menos precisa.
Então, ca aqui o convite aos empreendedores: sabendo de tudo isso, use o
conhecimento também a seu favor – naturalmente com toda a ética e
razoabilidade. Busque negociar em posição de força. Isso signi ca ir atrás de
investidores não na hora em que o caixa apertar, mas antecipadamente, com
planejamento. Quando? Quanto antes, melhor.

DICA
Especialmente em momentos em que a incerteza é maior quanto
ao modelo de negócio da startup e seus indicadores financeiros, é
muito importante acessar investidores em um momento mais forte
de negociação para o empreendedor. Buscar dinheiro quando o
caixa se aproxima do fim, o cash burn (queima de caixa) é elevado
e, portanto, a pressão está alta, faz com que o risco do negócio
suba e fique muito evidente aos investidores. Por isso, a potencial
fragilidade do empreendedor e da startup nesse momento
automaticamente tende a causar uma queda em seu valuation –
tanto quantitativa como qualitativa (e até emocional). Isso faz com
que o negócio precise entregar maior participação em troca de um
mesmo volume de dinheiro.
Por isso, sempre que possível, busque negociar em posições de
força.

SAIBA MAIS
Caso queira saber mais sobre os temas tratados neste capítulo, sugerimos as
seguintes leituras:

1 CAMBRIDGE DICTIONARY. Cambridge: Cambridge University Press. Disponível em:


<https://dictionary.cambridge.org/pt/dicionario/ingles/cash-out-sth.> Acesso em: 19 de fevereiro de 2020.
2 KEYNES, John Maynard. The general theory of employment, interest and Money. London: Macmillan, 1936.
3 AICPA. Accounting and valuation guide: Valuation of portfolio company investments of venture capital and
private equity funds and other investment companies. USA: American Institute of Certi ed Public Accountants,
2019.
4 IFRS – INTERNATIONAL FINANCIAL REPORTING STANDARDS. IFRS 13 – Fair value measurement. Item 2. Maio de
2011. Disponível em: <http://eifrs.ifrs.org/eifrs/bnstandards/en/IFRS13.pdf.> Acesso em: 20 de março de
2020.
5 FASB – FINANCIAL ACCOUNTING STANDARDS BOARD. Fair value measurement (Topic 820). Maio de 2011. ASC
820. Item 820-10-05-1b. ASC, 2011. Disponível em: <https://asc.fasb.org/imageRoot/00/7534500.pdf.> Acesso
em: 20 de março de 2020.
6 CPC – COMITÊ DE PRONUNCIAMENTOS CONTÁBEIS. Pronunciamento Técnico CPC 46 – Mensuração do valor
justo. Item 9. 2012. Disponível em: <http://www.cpc.org.br/CPC.> Acesso em: 20 de março de 2020.
7 METRICK, Andrew; YASUDA, Ayako. Venture capital and the nance of innovation. 2nd ed. New Jersey: John
Wiley & Sons, 2010.
8 Op. Cit. Tradução nossa de What appears to be a wild guess to the untrained eye can in fact be the
exercise of hard-won intuition.
9 CPC – COMITÊ DE PRONUNCIAMENTOS CONTÁBEIS. Pronunciamento Técnico CPC 46 – Mensuração do valor
justo. Item 24. 2012. Disponível em: <http://www.cpc.org.br/CPC.> Acesso em: 20 de março de 2020.
10 DAMODARAN, Aswath. Avaliação de empresas. 2a. ed. São Paulo: Pearson, 2007.
11 SHARPE, W. Capital asset prices: a theory of market equilibrium under conditions of risk. The Journal of
Finance, v. 19, n. 3, p. 425-442, Julho de 1964
12 LINTNER, J. The valuation of risk assets and the selection of risky investments in stock portfolios and capital
budgets. The Review of Economics and Statistics, v. 47, n.1, p.13-37, Fevereiro de 1965.
13 MOSSIN, J. Equilibrium in a capital asset market. Econometrica, v. 34, n. 4, p. 768-783, Outubro de 1966.
14 WANG, Chong; WANG, Neng; YANG, Jinqiang. A uni ed model of entrepreneurship dynamics. Journal of
Financial Economics, v. 106, p. 1-23, 2012.
15 Beta estatístico = covariância entre os retornos da ação analisada e os retornos de mercado, dividida pela
variância dos retornos de mercado. Beta = Cov (Rm;Ra) / Var(Rm).
16 O prêmio por liquidez foi proposto por Liu (2006) (LIU, Weimin. A liquidity-augmented capital asset pricing
model. Journal of Financial Economics, v. 82, n. 3, p. 631-671, 2006). Foi também identi cado e estudado por
autores diversos desde então, inclusive por esta autora em sua tese de doutorado
(LOSADA, Bruna. O modelo de projeção de lucros de Hou, D k e Zhang (2012) e o custo de capital implícito:
metodologia para aplicação em empresas brasileiras. 2016. Tese (Doutorado) – Faculdade de Economia,
Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo, São Paulo. Disponível em:
<https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/12/12139/tde-06102016-152547/pt-br.php>.
17 O prêmio por tamanho foi inicialmente proposto por Fama e French em seus
estudos diversos, a ver: FAMA, E. F.; FRENCH, K. R. Common risk factors in the
returns on stocks and bonds. Journal of Financev. 33, n.1, p. 3-56, Fevereiro de
1993. FAMA, E. F.; FRENCH, K. R. Size and book-to-market factors in earnings and
returns. Journal of Financev. 50, n. 1, p. 131-155, Março de 1995. FAMA, E. F.;
FRENCH, K. R. Industry costs of equity. Journal of Financial Economics, v. 43, p. 153-
193, 1997.
E então, chegamos à hora de encontrar um modelo (método) que permita colocar,
na ponta do lápis, uma sugestão de valor para o negócio. A essa altura, já deve
estar evidente para você como isso será um desa o para startups, especialmente
em seus estágios de vida mais incertos. Ainda assim, existe a nossa disposição
uma série de metodologias que podem apoiar esse processo, e é sobre elas que
trataremos neste capítulo.
Para qualquer que seja a metodologia utilizada, o processo de avaliação
invariavelmente passará pela análise de alguns determinantes relacionados às
premissas que sustentarão o seu valor. Damodaran1 sintetiza algumas perguntas
amplas que ajudam a compreender esses determinantes do valor:

• Quais uxos de caixa serão gerados pelos investimentos já existentes da


empresa?
• Quanto valor será adicionado, se houver, por crescimento futuro do
negócio?
• Quão arriscados são os uxos de caixa esperados por investimentos já
existentes, bem como pelo investimento e crescimento futuro, e qual é o
custo de nanciá-los?
• Quando a empresa irá atingir sua maturidade, de forma que possamos
estimar um valor terminal (residual/perpétuo) para ela? (DAMODARAN,
2018, p. 3).

Mesmo em negócios clássicos – em setores cuja dinâmica já é conhecida, há


histórico de indicadores nanceiros, e a empresa aparenta já estar próxima de sua
maturidade –responder a essas perguntas pode ser difícil. Quando se trata de
startups, então, ainda mais em seus estágios iniciais, é tão mais difícil e
desa ador.
Por isso, a epígrafe deste capítulo, frase de Damodaran, é tão verdadeira. Diante
de tamanha incerteza e falta de informações inerentes ao processo de avaliação
em startups, corre-se enorme risco de perder o sentido da realidade e de preci car
os negócios em limites fora da razoabilidade. Lembro a você qual nossa palavra de
ordem: razoabilidade.
Neste capítulo, trataremos das principais metodologias de avaliação, seu
funcionamento geral, aplicações, fortalezas e fraquezas. Serão discutidos (i)
métodos relativos de avaliação, (ii) métodos intrínsecos (ou absolutos) e (iii)
método patrimonial. Naturalmente, não é objetivo deste livro ser um manual de
procedimento com minúcia de detalhes para práticas de valulation – esse seria
todo um novo propósito. Para a construção de um processo completo de avaliação,
provavelmente, o empreendedor poderá contar com apoio pro ssional de
especialistas.
Entretanto, é, sim, nosso objetivo que você consiga compreender os
fundamentos de cada método e seus principais usos, drivers de geração de valor e
limitações. Principalmente, espera-se:

• capacitar os pro ssionais de startups para que consigam atuar em seus


negócios de forma orientada à geração de valor e aumento de seu valuation;

• preparar o leitor para discutir e compreender o valor de seu negócio em


processos de negociação e busca por funding, pelo menos no que se refere às
principais alavancas desses métodos.

No entanto, antes de mais nada, cabe lembrar: para qualquer metodologia de


avaliação que seja utilizada, será necessário adotar diversas premissas sujeitas à
subjetividade, à incerteza, em suma, ao risco. Por isso, ca o convite: pergunte-se
a cada segundo: “Essa premissa parece razoável? Por quê?” Caso lhe faltem
argumentos claros e convincentes para responder a essa pergunta, talvez o lado
sombrio do valuation esteja aparecendo.

10.1 Sobre o enterprise value e o equity value


Até agora, falamos apenas do ponto de vista dos acionistas, como se todos os
uxos futuros pertencessem a esses investidores. Seria esse o caso, se 100% dos
direitos sobre os uxos de caixa do negócio pertencessem a eles. No entanto, não
podemos nos esquecer de que há outro potencial “dono” de parte desses uxos.
Quem? A dívida.
Há dois conceitos essenciais que devemos distinguir: um é o enterprise value (o
valor do negócio); o outro, o equity value (o valor para os acionistas).
O enterprise value (EV) diz respeito ao valor desse negócio (de sua operação, de
seu modelo de negócio), independentemente de questões nanceiras, as quais
envolvem dois aspectos essencialmente:

(i) Há ativos nanceiros (como caixa, por exemplo)?


(ii) Quem nancia o negócio – dívida (debt) ou investidores (equity)?

Nota-se, portanto, que o EV está focado no que é efetivamente a operação dessa


startup, pautada em seu modelo de negócio. Imagine que tenhamos projetado os
uxos de caixa que a operação startup irá gerar no futuro: a quem pertencem
esses uxos?
Os uxos futuros da operação pertencem a todos aqueles que nanciam esse
negócio, tanto seus credores quanto seus acionistas, em partes diferentes,
naturalmente. Por meio dos recursos gerados pela operação, será possível
remunerar tanto a dívida onerosa (credores) quanto os acionistas (investidores).
Então, o valor do negócio (enterprise value) refere-se a quão valiosa essa operação
é hoje – independentemente de quem a está nanciando.
Como nosso objetivo é analisar o valor do negócio, neste momento, para seus
acionistas, precisamos identi car quanto desse EV realmente pode ser atribuído
aos investidores. Imagine que tenhamos calculado o valor presente de uxos
futuros da empresa e chegado ao entendimento de que o enterprise value é de R$
10 mi. Suponha que a empresa tenha uma dívida de R$ 2 mi e não tenha caixa
signi cativo. Como a remuneração da dívida tem preferência em relação aos
acionistas em geral, a conta é muito simples: do valor do negócio, subtraímos a
parte que pertence a credores, o que sobrar é dos investidores (equity). Assim, o
valor da empresa para seus acionistas, no caso de nosso exemplo, será de R$ 10
mi menos R$ 2 mi, o que é igual a R$ 8 mi.
De forma didática, seria o seguinte: imagine que a empresa tivesse um caixa de
R$ 1 mi e quisesse quitar 100% de sua dívida no momento zero, quanto de valor
isso consumiria do valor do negócio e quanto sobraria, então, para o acionista?
Entra, agora o conceito de dívida líquida: a dívida líquida é calculada como
sendo dívida bruta (endividamento oneroso total) menos o caixa da empresa. Se a
empresa tivesse caixa de R$ 1 mi, esse valor seria abatido da dívida (como se ele
fosse utilizado para amortizar parte do endividamento dos credores). Então, o
valor do equity value seria de: R$ 10 mi – R$ 2 mi + R$ 1 mi = R$ 9 mi. Ou seja:
equity value menos dívida líquida.
Na Figura 10.1, a seguir, sintetiza-se essa lógica2:
Figura 10.1: Enterprise value versus equity value.
Fonte: desenvolvida pela autora.

Quando a empresa não tem dívida, o custo de capital utilizado para trazer uxos
a valor presente é apenas o interesse de remuneração dos investidores. Nesse
caso, estamos falando do custo de capital próprio do acionista, sobre o qual já
discorremos no item anterior.
Quando a empresa tem dívida, por sua vez, a taxa de desconto utilizada deve ser
uma ponderação do interesse de ganho do acionista (seu custo de capital próprio,
ke) e do interesse de ganho dos credores (custo médio da dívida, kd). Surge, aí, o
chamado custo médio ponderado de capital ou Weighted Average Cost of Capital
(WACC):

em que:
ke = custo do capital próprio dos acionistas, estimado tal qual já discutido no
item anterior deste capítulo;
kd = taxa de juros média esperada pelos credores do negócio (considerando
todas as modalidades de empréstimos, suas características e volumes);
D = volume em dinheiro da dívida onerosa da empresa atual, a valor justo
(considerando todas as modalidades de empréstimos, suas características e
volumes);
E = capital próprio da empresa (equity) a valor de mercado (mkt value). Em
muitos casos, aproxima-se esse número do patrimônio líquido da empresa. Caso o
negócio ainda não tenha contabilidade formal, veri que quanto de valor já foi
investido pelos sócios no negócio.

O WACC representa a taxa média que esse negócio deveria proporcionar


para satisfazer minimamente aos interesses de todo tipo de capital que
o nancia – sejam dívidas (debt), sejam acionistas (equity).

10.2 As principais metodologias de avaliação


Dadas as características de cada metodologia, há estágios na vida da startup em
que é mais apropriada a aplicação de uma ou outra técnica. Retomemos
rapidamente os estágios de vida dos negócios, que foram apresentados no início
deste livro (Figura 10.2).
Figura 10.2: Estágios de vida da startup.
Fonte: desenvolvida pela autora.

Conforme discutido anteriormente, essa é uma ilustração simpli cada, que ainda
poderia ser quebrada em fases intermediárias mais detalhadas. Por exemplo, a
Fase 3 poderia ser dividida em duas – uma etapa com nalização de modelo de
negócio e outra já em operação mais consistente –; assim como a Fase 2 – por
exemplo, incluindo-se algumas etapas regulatórias (caso precise de aprovações
como Anvisa, por exemplo), desenvolvimento tecnológico (caso o processo de
desenvolvimento tecnológico ou laboratorial seja longo), entre outros.
Especialmente a partir da Fase 3, a empresa começa a ter maior quantidade de
informações disponíveis, provavelmente já auferindo receitas e acumulando
algum histórico de indicadores nanceiros que podem sustentar a elaboração de
análises quantitativas. Note que isso não necessariamente envolve já ter atingido
o ponto de equilíbrio. A simples existência de dados e indicadores históricos já
contribuem sobremaneira para uma discussão mais quanti cável do negócio,
auxiliando em exercícios quanto ao futuro e a possíveis cenários, mesmo que o
ponto de equilíbrio ainda esteja distante. Por sinal, mencionamos, ao longo deste
livro, que há até diversas startups unicórnios que não atingiram ainda seu ponto
de equilíbrio – mas cujos valuations superam US$ 1 bi em virtude de terem um
modelo de negócios aparentemente promissor no longo prazo.
Fato é que aquelas metodologias de avaliação que dependem de maior clareza
quanto aos números do negócio (estrutura de gastos, receitas, margens,
lucratividade etc.) – especialmente o caso das avaliações intrínsecas, como
veremos em mais detalhe, a seguir – são mais bem aplicadas tecnicamente em
momentos mais avançados da vida da startup.

___________________________

SUPERDICA
Você se recorda daquelas discussões que tecemos, nos Capítulos 6 e
7, sobre margem de contribuição, ponto de equilíbrio, lucro meta, LTV,
CAC?
Pois bem, quando a startup está nos estágios 1 e 2, e
possivelmente careça de indicadores para melhor aplicação dos
métodos quantitativos que abordaremos a seguir, recorrer àqueles
estudos de “futurologia” pode contribuir muito para a discussão do
valor do negócio.
Quando o negócio ainda não tem muito o que mostrar de histórico,
boa parte da discussão sobre seu valor pode vir desses indicadores
(qualitativos e quantitativos) que sugerem alta (ou altíssima)
viabilidade econômica, ainda que no longo prazo. A aplicação
daqueles conceitos dos
Capítulos 6 e 7, por sua vez, contribui sobremaneira para essa
percepção sobre o valor futuro em potencial, ainda que sujeito a
grande quantidade de hipóteses a serem validadas.
Esses exercícios de “futurologia” permitem que o investidor
enxergue real potencial de geração de valor futuro, apesar de ainda
carecerem de milestones a serem atingidos.
Com maior clareza quanto às hipóteses-chave que serão testadas
no futuro do negócio (como, por exemplo, mercado potencial, volume
necessário para viabilidade, preços a serem praticados, estrutura de
gastos para se entregar o valor estimado ao cliente, entre outros),
será possível ao investidor rascunhar diversos cenários de saída
hipotéticos e chegar a alguma estimativa de valor, ainda que
preliminar, por meio daqueles exercícios de “futurologia”.
___________________________

Sem mais delongas, vamos lá!


Há três principais grupos de métodos de avaliação quantitativos. São eles:

• asset approach: avaliação patrimonial;


• market approach: avaliação relativa;
• income approach: avaliação intrínseca ou absoluta.

No Quadro 10.1, a seguir, sintetizam-se: (i) a visão geral do método, (ii) a


discussão sobre sua adaptabilidade a cada estágio de vida da startup e (iii)
pontos de atenção e desa os mais relevantes.
Quadro 10.1: Síntese das abordagens para valuation.
Fonte: desenvolvido pela autora.

A seguir, veremos com mais detalhes algumas características de cada um dos


métodos.

10.3 Asset approach – Avaliação patrimonial


Além dos apontamentos sobre cada método, salientados no Quadro 10.1, cabem
alguns aprofundamentos e discussões gerais. No caso da avaliação patrimonial, é
interessante mencionar o benefício da metodologia como “cheque de realidade3”,
para testar a razoabilidade das demais metodologias utilizadas.
Conforme a epígrafe deste capítulo resume muito bem, em negócios cujo
principal componente de valor reside em ativos futuros e crescimento exponencial
(incertos), é possível que o analista se perca um pouco entre as premissas e, não
raras vezes, o bom senso é que sofre. Por isso, é muito bom termos algumas
abordagens que sirvam como referências de comparação, ou valores para
parametrizar: Será que o valuation praticado está próximo ao razoável? Será que
estamos praticando valores dentro do melhor bom senso?
A avaliação patrimonial pode ser uma boa ferramenta para auxiliar nesse
processo de validação de bom senso. A seguir, um passo a passo geral para
estimativa do valor com base nessa avaliação:

• Quais ativos essa empresa detém hoje, tangíveis e intangíveis?


• Qual o valor justo dos ativos tangíveis? Aqui, é importante pensar em diversas
opções de apuração de seu valor para escolha da mais adequada, como (i) o
custo real de sua aquisição, após devidas depreciações e desgastes; ou (ii) o
valor que poderia ser obtido em sua venda hoje nas atuais condições a um
participante de mercado; ou (iii) o custo para aquisição de um ativo similar em
condições de uso similar; ou ainda (iv) é preciso questionar se, diante de
eventuais mudanças tecnológicas, esse é, de fato, um ativo estratégico etc.

• Como estimar o valor dos ativos intangíveis? Por exemplo, mencionamos


anteriormente a prática de avaliar a contribuição em valor justo dos
empreendedores como função de seu custo de oportunidade (salários de que
estão abdicando em outras carreiras em razão do tempo empregado no negócio
até o momento). Ainda assim, não me agrada a prática, pois vincula a
contribuição do empreendedor ao uso de seu tempo, ao passo que a construção
do intangível que essas pessoas proporcionam ao negócio não é
necessariamente linear (como o passar do tempo). Porém, como é uma prática
que se vê em alguns casos, entendo como sendo relevante mencionar).
Poderíamos pensar também em todos os gastos feitos em P&D para
desenvolvimento de tecnologia (incluindo gastos com pessoas, testes, terceiros,
hardware etc.). O problema é que todas essas discussões vinculam o valor
gerado a questões do passado, ao passo que esse valor deveria estar associado
a suas capacidades futuras. Além disso, os gastos incorridos cam sujeitos a
questionamentos e auditorias que, em geral, são pouco produtivas ou pouco
relacionadas ao potencial futuro do negócio. Por exemplo: será que os gastos
eram necessários para aprendizagens signi cativas (conforme sugerido pela
metodologia lean startup, por exemplo) ou será que foram fruto de erros que
competências de gestão poderiam ter prevenido? Porque certamente o último
caso (erros que pudessem ser prevenidos com práticas de gestão mais
adequadas) deveria ser desconsiderado, enquanto os anteriores, de fato,
geraram valor.

• Qual o valor justo das obrigações dessa empresa para com terceiros (inclusive
dívidas)?

Com base nessa apuração, é possível estimar a diferença entre os ativos


avaliados a valor justo e suas obrigações, chegando-se a uma medida de equity
value pelo método patrimonial.
Sugere-se que o empreendedor evite esse approach a não ser em caso de
negócio extremamente capital intensivo, de total impossibilidade de aplicação de
outras técnicas, ou para ns de checagem da razoabilidade de outros
procedimentos e metodologias. Caso ainda assim seja necessário abordar o
método patrimonial, valorize sempre os intangíveis, dissociando, ao máximo
possível, a discussão sobre minúcias do passado e retomando os ganhos
potenciais futuros que os intangíveis poderão vir a proporcionar.

10.4 Market approach – Avaliação relativa


Vamos agora ao caso da avaliação relativa, os famosos múltiplos.
O método é consideravelmente mais prático e rápido em sua aplicação do que a
avaliação intrínseca (sobre a qual falaremos no próximo item) e, por ser uma
abordagem geralmente aceita nas práticas de avaliação, pode ajudar
sobremaneira em negociações.
Alguns exemplos de múltiplos bastante utilizados são:

• MVE/lucro líquido: em que a sigla MVE se refere ao valor de mercado do equity;


• MVE/PL: em que PL se refere ao valor de livro do patrimônio líquido, ou seja,
seu valor contábil, também chamado de book value of equity;
• EV/lucro operacional: em que EV se refere ao enterprise value;
• EV/Ebitda: em que Ebidta se refere ao lucro operacional antes das depreciações
e amortizações, sobre o qual falaremos em breve;
• EV/receitas;
• entre outros inúmeros múltiplos possíveis.

A premissa básica dessa metodologia é a estimativa de um valor justo do


negócio em termos relativos, tecendo paralelos entre sua startup e patamares de
avaliação de outros negócios comparáveis.
Por exemplo, suponha que seja considerado normal que empresas comparáveis
tenham um valor do negócio (EV) de duas vezes a receita. Para avaliar sua
empresa, bastaria estimar a receita, multiplicar por dois e, com isso, chegaríamos
a seu EV. Suponha, então, que a empresa tenha uma receita anual de R$ 20 mi, o
que signi ca dizer que seu valuation (do negócio e não dos acionistas, para isso
seria preciso retirar o valor da dívida líquida – ou somar o caixa – conforme já
discutido) será de R$ 40 mi. Simples, não?
É, a Matemática é simples, sim! O problema são as premissas e suposições que
sustentam essa prática. Vamos ressaltar alguns pontos de atenção.
Premissas fortes que podem estar por trás dessa avaliação se referem à
comparabilidade entre as empresas. A esse respeito, o Guia AICPA (2019, p. 114)
observa:

Ao fazer avaliações de startups em seus estágios de vida iniciais pela


abordagem de mercado, não apenas se assume que o segmento de
atuação, tamanho da empresa, competitividade dos produtos e serviços, e
times sejam comparáveis, mas também que o estágio de desenvolvimento
da empresa seja comparável. Esta última premissa di culta ainda mais a
aplicação do método para empresas em estágios muito incipientes de sua
vida.

Vamos compreender como contornar essa eventual di culdade. Suponha que


estejamos falando da avaliação de um negócio em que se espera grande
crescimento exponencial. Nesse caso, seria preciso comparar a empresa com
múltiplos de outros negócios de mesmo per l. Isso pode ser mais difícil, dado
que, muitas vezes, as empresas cujos múltiplos são utilizados de parâmetro já
sejam empresas grandes, consolidadas (como, muitas vezes, é o caso das
empresas de capital aberto). Nesse caso, o múltiplo que está sendo utilizado
considera uma empresa já madura, e não uma jovem, com crescimento
exponencial esperado.
Para ajustar esse efeito, seria preciso estimar as receitas (por exemplo, caso se
esteja utilizando um múltiplo de receita) futuras do negócio, na maturidade, após
o crescimento exponencial. Isso pode ser um tanto desa ador para a startup, a
depender do tipo de informação disponível em seu estágio de desenvolvimento.
Sendo assim, é importante ter o cuidado de estimar números da startup que
sejam comparáveis aos parâmetros daquelas empresas que estão sendo
utilizadas como referência nos múltiplos. Para isso, normalmente, o melhor a fazer
em startups (em que elevada parte do valor está no futuro) é utilizar previsões de
indicadores nanceiros futuros. Agora, imagine que façamos uso de receitas
futuras, estimadas para daqui a cinco anos, por exemplo, para estimar o valor
justo com base no múltiplo apurado. Nesse caso, o valuation estimado também
estará no futuro, em dinheiro referente a um momento no tempo de cinco anos à
frente. Logo, será necessário trazer essa avaliação a valor presente, descontando
uxos futuros com base no custo de capital ajustado ao risco que se estimar para o
negócio.
Por motivos como esse, é natural que seja necessário fazer uma série de ajustes
aos múltiplos, de forma a torná-los mais comparáveis à startup que está sendo
analisada, o que pode trazer di culdades ou so sticações para a melhor aplicação
dessa metodologia. Como é de se esperar, quando o negócio ainda é muito jovem
e incerto, as necessidades de ajuste e incertezas são tantas que caímos,
novamente, em discussões qualitativas e negociais no processo de avaliação do
que necessariamente em detalhes quanti cáveis de valuation.

10.4.1 O famoso Ebitda


Vamos agora ao caso de nosso famoso Ebitda! Por mais que seja apenas uma
entre diversas medidas econômico- nanceiras de um negócio, por sua ampla
utilização nas práticas de avaliação relativa, considera-se apropriado discutir seu
signi cado.
Quanto à de nição técnica do termo, Ebitda: earnings before interest, taxes,
depreciation and amortization. Versão brasileira: Lucro antes dos Juros, Impostos
sobre a Renda, Depreciações e Amortizações.
Como o próprio nome ilustra, o Ebitda é uma medida de lucro, portanto, apurada
pela Contabilidade. De cara, você já enxerga o problema em startups, não é? Será
que o negócio já tem uma contabilidade formal? Se sim, ótimo. Se não, a
estimativa do Ebitda irá demandar que o empreendedor assuma premissas
contábeis, o que em si já pode ser um desa o, caso o negócio careça de
pro ssionais com esse domínio. Mas vamos supor que a empresa já tenha uma
contabilidade. Nesse caso, é possível encontrar na Demonstração dos Resultados
do Exercício (DRE), cujo objetivo é apurar o lucro de cada ano, a medida de lucro
operacional.
De forma simpli cada, o lucro operacional pode ser entendido como o tamanho
do resultado que esse negócio foi capaz de gerar nas operações que competem a
um período determinado. Ou seja:

Conforme discutido no Capítulo 6, custos são aqueles gastos operacionais


associados ao que a empresa entende como processo produtivo. Esses custos
envolvem, por exemplo: matéria-prima, embalagem, salários de pro ssionais
associados ao processo produtivo etc. As despesas operacionais, por sua vez, são
os gastos da operação que não estão associados ao processo produtivo em si,
como, gastos gerais, comerciais, publicidade e propaganda, gastos
administrativos, entre outros. Esses gastos mencionados no exemplo são bastante
relacionados ao dia a dia das operações da empresa.
Entre os custos e despesas há, no entanto, outros tipos de gasto cujo
comportamento está associado a uma decisão de investimento de longo prazo.
Entre eles, as depreciações e amortizações. Vamos discutir seu signi cado com
um exemplo.
Imagine que uma empresa tome a decisão de comprar uma máquina que tenha
custado R$ 10.000,00 e espera-se uma que tenha vida útil de dez anos, ao nal
dos quais seu valor residual é praticamente zero. Isso signi ca que todo o valor
investido nessa máquina será consumido pela empresa, de forma a apoiar a
geração de resultados ao longo de todos esses dez anos. Você concorda que seria
injusto para os lucros do ano inicial, se todo o custo dessa máquina (os 10 mil)
impactasse de uma única vez o lucro de um ano só? Se isso acontecesse, o lucro
do primeiro ano seria arti cialmente baixo, pois a operação de um único ano seria
obrigada a compensar o custo de uma máquina cujo benefício econômico será
agregado ao negócio ao longo de fartos dez anos. Muito mais razoável seria,
então, reconhecer o gasto dessa máquina ao longo de todos os dez anos,
concorda? Perfeito, isso é o regime de competência em ação.
O custo dessa máquina, portanto, não é reconhecido no lucro da empresa no
momento de sua compra nem mesmo no momento em que a empresa a pagou,
necessariamente. O custo da máquina comprada é reconhecido nos lucros,
conforme seu valor é consumido pela empresa. Esse é o conceito da depreciação.
De forma simpli cada, a depreciação é dada por:

O valor total depreciado de um equipamento é aquilo que a empresa vai


consumir ao longo de sua vida. Caso haja um valor residual relevante (como o
valor esperado da venda de um carro após alguns anos de uso, por exemplo),
então esse montante do valor que será recuperado não deve compor o valor
depreciado do bem ao longo do tempo. Em nosso exemplo, portanto, tem-se que:

Logo, a cada ano, a empresa irá reconhecer, entre seus custos ou despesas
operacionais, o valor da depreciação de R$ 1.000,00. Esse formato de depreciação
é o formato linear, e, por mais que possa haver outras variações, sua ideia básica
sempre estará pautada no consumo de valor desse ativo ao longo de sua vida útil
esperada. Será tratada como um custo se a máquina estiver sendo utilizada no
processo produtivo, ou uma despesa se estiver sendo utilizada fora dele. Sempre
que a empresa adquire um bem físico, com expectativa de geração de benefícios
de longo prazo, detém seu controle, e seu valor é relevante (conceito de
materialidade, que não é um valor irrisório), esse bem é chamado de imobilizado.
Imobilizados são depreciados com o tempo, conforme esse consumo de seu valor.
É o caso dessa máquina, por exemplo, para a empresa hipotética que estamos
discutindo.
Agora, imagine que a empresa precise comprar um sistema para gerenciar a
produção dessa máquina. Suponha que o sistema custe, por sua vez R$ 20.000,00
e con ra à empresa o direito de usá-lo pelos mesmos dez anos. Toda nossa
discussão em relação à máquina cabe também ao sistema adquirido. Em verdade,
a única diferença entre eles é que a máquina é um bem tangível, ao passo que o
sistema é intangível. Entra aí o papel da amortização. A amortização é, para o ativo
intangível, a mesma coisa que a depreciação é para o imobilizado. No caso de
nosso exemplo, a amortização anual será de:

No total, há um composto de depreciações e amortizações que acumula R$


3.000,00 por ano entre os custos e despesas dessa empresa, e diminui o lucro
operacional nessa magnitude. Aliás, é possível que esses itens tenham sido
comprados 100% à vista, com todos os R$ 30.000,00 saindo do caixa no ano um.
Mesmo assim, o lucro será impactado apenas conforme transcorre sua vida útil e
consumo de seu valor pela empresa.
Suponhamos, por um minuto que seja, este caso: os bens foram adquiridos à
vista. Agora, imagine que, no ano seis após a compra dessa máquina e sistema, a
empresa esteja passando por di culdades e tenha um prejuízo operacional de R$
2.000,00. Uma análise que o empreendedor poderia fazer, então, é a seguinte:

Se eu desconsiderasse aqueles R$ 3.000,00 referentes a depreciações e


amortizações, que concernem a uma saída de caixa de seis anos atrás,
eu teria uma medida de lucro operacional que ainda poderá se
transformar em caixa no curto prazo. Nesse caso, em vez de
R$ 2.000,00 de prejuízo operacional, eu teria R$ 1.000,00 de lucro
operacional ajustado. A dúvida é: quando esses R$ 1.000,00 entrarão no
caixa, conforme as velocidades de pagamento e recebimento?

Compreendeu o raciocínio do empreendedor? Faz sentido, não? O que ele fez foi
calcular o lucro operacional da empresa considerando suas operações de curto
prazo e desconsiderando investimentos associados ao longo prazo. Esses
investimentos associados ao longo prazo – em imobilizados e intangíveis, por
exemplo – são tipicamente chamados de Capex (capital expenditures).
Esse lucro operacional ajustado por depreciações e amortizações é o famoso
Ebitda.
Nota-se que o Ebitda calcula uma medida do lucro operacional desconsiderando
os efeitos das depreciações e amortizações, como se esses gastos não existissem.
Trata-se do potencial da operação de gerar caixa no curto prazo. Entretanto,
consiste em um potencial apenas, pois o verdadeiro caixa gerado na operação é o
caixa operacional, aquele após as variações derivadas do ciclo de caixa e capital
de giro, discutido no Capítulo 8.

Ebitda é o potencial de geração de caixa operacional. Trata-se de um


potencial apenas, que ainda haverá de transformar-se em caixa
conforme as velocidades de
pagamento/recebimento/estocagem/produção, ou seja, após os impactos
do chamado capital de giro.

A sigla Ebitda deriva do Ebit – earnings before interest and taxes – adicionado
pelas depreciações e amortizações (DA). O Ebit nada mais é do que o lucro
operacional. Para chegar ao lucro líquido a partir do lucro operacional já discutido,
bastaria retirar os efeitos de juros e impostos. Veja:

O resultado nanceiro indica os efeitos de juros e demais itens nanceiros (como


taxas bancárias, efeitos cambiais e outros). Como o lucro operacional é o último
item da DRE antes de itens nanceiros e impostos de renda, é comum chamá-lo de
lucro antes dos juros e impostos sobre a renda (Lajir). A versão em inglês do nome
é Ebit.
Sendo assim, a fórmula do Ebitda é:
Por mais que a medida de Ebitda seja amplamente utilizada nas práticas dos
negócios como uma proxy para a capacidade de geração de caixa operacional em
determinado período, o conceito não é uma medida perfeita para qualquer
segmento. Por exemplo, em negócios cuja importância do Capex é muito elevada
(negócio mais capital intensivo), desconsiderar depreciações e amortizações pode
ser um tanto perigoso. Por exemplo: imagine se a Localiza (locadora de veículos),
de fato, zesse uso do Ebitda para sua tomada de decisões: ela desconsideraria a
depreciação de sua análise, portanto desconsideraria o consumo de valor do
imobilizado – toda sua frota! Naturalmente, é inviável que uma locadora de
veículos desconsidere o custo da frota, tanto que a própria empresa dispõe em seu
relatório da administração que o Ebitda não é uma medida apropriada no
segmento. Ela, no caso, faz uso do próprio lucro operacional. Como o dela, este
seria provavelmente o caso de qualquer empresa em que o Capex é muito
importante e contínuo em sua vida.
Vamos agora ao caso de startups, em que há algumas di culdades adicionais.
Por exemplo: a empresa não necessariamente tem uma contabilidade madura com
boas métricas de Ebit, que representem seu real potencial. Às vezes, a empresa
nem tem contabilidade ainda! Mesmo que tenha, todos os problemas já discutidos
existem aqui também: o Ebitda de hoje não representa todo o potencial desse
negócio, cujo valor deve estar, em boa medida, vinculado ao atingimento de
milestones futuros.
Se o negócio não tiver uma contabilidade formal em tempo real, será necessário
estimar um Ebitda. No entanto, costuma ser muito mais essencial para o negócio
nessas etapas fazer projeções de uxo de caixa – em vez de projeções de lucros –
de forma que isso seria um trabalho adicional (e não pequeno,
por sinal).
Além disso, assim como pode ser difícil em alguns momentos da empresa
estimar sua lucratividade futura devido às incertezas em seu momento de vida, tão
difícil quanto seria estimar qualquer medida nanceira no longo prazo, inclusive
Ebitda.
Por m, cabe mencionar que o Ebitda é uma medida gerencial – calculada
gerencialmente a partir da Contabilidade. Por ser gerencial, é possível fazer
inúmeros ajustes. Sobre esses ajustes, o caso WeWork trouxe lições interessantes,
que estão dispostas no tópico a seguir.

___________________________

CUIDADO COM A CRIATIVIDADE (EXAGERADA) EM MÉTRICAS


No ano de 2018, a WeWork trouxe a público uma métrica de Ebitda
ajustado por comunidade (community-adjusted Ebitda), que deu o que falar.
O Ebitda, é de fato, uma medida geralmente aceita de métrica para
veri car a lucratividade operacional de curto prazo no negócio e seu
consequente potencial de geração de caixa operacional. O problema foi que
o WeWork criou uma “métrica própria”, ajustada pela comunidade. Naquela
métrica, a empresa desconsiderava incontáveis outros gastos além das
depreciações e amortizações, in ando arti cialmente o Ebitda aos olhos de
um analista menos atento, mas não funcionou muito bem.
Por isso, a WeWork foi amplamente criticada naquele ano. Possivelmente,
para evitar críticas similares, o termo não apareceu no documento de IPO (S-
1) de 2019 protocolado na SEC. Mas um parente próximo, batizado de
contribution margin, apareceu. Cuidado! Essa margem de contribuição
também não tem nenhuma relação com a medida de mesmo nome que
existe nas boas práticas de nanças. A contribution margin da The We
Company é também uma medida só da empresa, cheia de ajustes.
De alguma forma, para seis meses de 2019, a empresa transformou um
prejuízo operacional de US$ 1,37 bi em uma margem de contribuição
ajustada (parente do antigo Ebitda ajustado por comunidade) de US$ 0,34
bi positivos. Sim, aproximadamente US$ 1,7 bi de ajuste!
Entre vários gastos desconsiderados para apuração dessa métrica estão,
por exemplo, gastos de abertura de unidades, gastos de desenvolvimento
de novos mercados, despesas gerais e administrativas, despesas de
marketing e vendas e, como se não bastassem, algumas despesas de
aluguéis de seus imóveis. Se quiser saber mais sobre os detalhes
contábeis, sugiro visitar o documento S-1 protocolado pela empresa na SEC
em seu pedido de IPO4, cujos detalhes dos ajustes estão especialmente
dispostos na página 71. A um olhar mais crítico, isso pode parecer uma
tentativa de forçar, “na marra”, por meio de “martelada” numérica, a
existência de um lucro operacional que, em essência, não havia dentro do
negócio naquele momento.
Verdade seja dita, após a “criatividade” do Ebitda ajustado por
comunidade, o mercado já estava um tanto descon ado, e até mesmo
sarcástico quanto a notícias na mídia em relação às métricas gerenciais
propostas pela empresa. Por isso, já não foi surpresa encontrar criatividade
similar nessa margem de contribuição, que não foi su ciente, nitidamente,
para abafar o desapontamento do mercado em relação aos prejuízos da
empresa.

___________________________

Tenhamos cuidado com a contabilidade criativa. É possível “embelezar” um


número gerencial, criando métricas gerenciais questionáveis. Mas, no nal do dia,
não importa. No máximo, ganha-se tempo, porém corre-se, por outro lado,
considerável risco reputacional. No m do dia, esses indicadores deverão acabar
em real geração de caixa – no curto, médio ou longo prazos. Então, um exagero
criativo nessas métricas pode comprometer a reputação do negócio, sem promover
real geração de valor sustentável no tempo.

10.5 Income approach – Avaliação intrínseca ou


absoluta
Dentro dessa categoria, está o chamado método discounted cash ow – DCF
( uxo de caixa descontado). Sua essência baseia-se no entendimento de que o
valor de um negócio nada mais é do que o valor presente dos uxos de caixa que
ele irá proporcionar no futuro, descontados por uma taxa que contemple seu nível
de risco (Figura 10.3, a seguir).

Figura 10.3: Lógica de funcionamento do DCF.


Fonte: desenvolvida pela autora.

A matemática que sustenta essa metodologia é, portanto, aquela de um valor


presente líquido. Caso não se recorde desses princípios, sugiro que você faça uma
pausa e visite o Apêndice 3 deste livro, em que se discorre sobre o conceito de
VPL.
Há três grandes partes do DCF: (i) estimar os uxos de caixa para “n” períodos
projetados futuros, (ii) estimar o valor terminal nesse negócio ao nal do período
de projeção e (iii) estimar o custo de capital – taxa de retorno esperada ajustada
ao risco do negócio. Sobre o custo de capital, já discutimos no último capítulo
(custo do capital próprio), bem como no início deste (WACC). Vamos, agora,
discutir os outros dois pontos essenciais do DCF.
10.5.1 Pontos de atenção sobre a projeção dos
fluxos de caixa
Comecemos pelos uxos de caixa projetados. A forma mais amplamente utilizada
para aplicação do método DCF é a projeção dos uxos de caixa para a rma (para o
negócio como um todo), e não para os acionistas. O uxo de caixa para a rma é
comumente chamado de free cash ow to firm (FCFF). O uxo de caixa para o
acionista, por sua vez, é chamado de free cash ow to equity (FCFE).
Trazendo a valor presente o FCFF (pela taxa WACC, o custo médio ponderado de
capital, que representa o interesse de ganho tanto de acionistas quanto de
credores), tem-se o enterprise value.
Trazendo a valor presente o FCFE (pelo custo do capital do acionista, que
representa sua expectativa de remuneração dado o nível de risco do projeto –
estimado, por exemplo, pelo CAPM ajustado para startups), tem-se diretamente o
equity value.
Por mais que o objetivo do analista possa ser descobrir o equity value, costuma
ser muito mais prático estimar o FCFF, apurar o enterprise value, e depois deduzir
desse valor a dívida líquida. A nal, do valor total desse negócio, o que sobrar
depois de pagar os direitos da dívida há de ser o equity value.
Essa abordagem é muito mais utilizada na prática, pois projetar FCFE envolve
consideráveis desa os adicionais. É mais desa ador, porque estimar o uxo de
caixa do acionista envolve tecer considerações minuciosas sobre como será feito o
pagamento de credores, pagamento de juros e amortização da dívida ao longo do
tempo, novas captações e rolagens de dívidas, distribuição de dividendos,
exercícios de opções de ações e outras classes de instrumentos do cap table,
custo de capital variável no tempo (devido à variação no endividamento e
consequente impacto conceitual em beta), e por aí vai. Em razão de toda essa
complexidade incremental, é muito mais usual projetar FCFF, o uxo de caixa livre
da rma.
Vamos, então, discutir a essência do FCFF. O uxo de caixa livre do negócio é
calculado em função de:

• Quanto de Ebitda (potencial de caixa operacional), ou outra medida de lucro


que poderia ser a base da projeção, se espera para cada período no futuro? No que
essa estimativa pressupõe premissas de demanda, venda, preços, receitas, custos
e despesas, margens, lucratividade em geral?

• Quanto de impostos sobre a renda (IR) se espera que a empresa irá pagar a
cada ano?
• Qual será a velocidade de conversão desse lucro em caixa, conforme as
variações na necessidade de capital de giro (discutida no Capítulo 8)?

• Quanto será investido a cada período, em ativos produtivos de longo prazo,


para sustentar o crescimento esperado no negócio – Capex?

Com essas questões respondidas, é possível estimar o FCFF5:

Para estimar os impostos sobre a renda de forma simpli cada, seria possível
simplesmente aplicar alíquota de IR e CSLL sobre o lucro operacional estimado
para a empresa, por exemplo.

10.5.2 O caso da perpetuidade – o valor terminal


O valor terminal, ou residual, acaba sendo uma das partes mais críticas do
processo de avaliação. Isso é verdade em qualquer empresa, mas chega a ser
ainda mais relevante quando se analisam negócios em que uma parte muito
importante do valor está no longo prazo. Seguro dizer que é o caso de nossas
startups, não acha?
O dilema em torno do valor terminal é o seguinte: não faz sentido empenhar
enorme esforço em projetar os uxos de caixa no longuíssimo prazo, pois, ao
descontar o valor do dinheiro no tempo para trazer isso à data presente, esse
montante tende a tornar-se irrelevante na data zero. Quer ver? Imagine R$ 100 mil
daqui a 100 anos. Vamos trazer isso a valor presente, considerando uma taxa
qualquer de 12% ao ano (o que é pouco para startups em cenário de maior
incerteza). O valor presente será dado por:

Sim, o valor presente de R$ 100 mil daqui a 100 anos é R$ 1,20, considerando a
taxa de 12% ao ano. Se considerássemos um patamar maior de risco, levando em
conta 24% ao ano, o valor presente seria aproximadamente zero. Fica evidente,
portanto, que não vale o esforço de projetar uxos de caixa em um futuro muito
distante. No entanto, isso não signi ca dizer que o futuro não tenha valor. A
questão é: como estimar, a partir de determinado momento, um valor terminal que
represente esse valor futuro de longuíssimo prazo, no limite, até o in nito?
Entra aí o conceito da perpetuidade. Matematicamente, essa discussão já foi
explicada nas últimas páginas do Capítulo 7, se você quiser retomar. Por aqui,
iremos direto à fórmula nal.
Em algum momento, quando se considerar que a empresa está chegando a
momento de maturidade, é possível vislumbrar um futuro com algumas regras
simpli cadas. Por exemplo, poderíamos estimar que, de um momento em diante,
o FCFF será para sempre estável. Poderíamos também estimar que ele vai crescer a
uma taxa constante, como 1% ao ano, para sempre.
É possível saber o valor presente de um uxo in nito futuro6. Inclusive, a base
conceitual que permite isso é a mesma associada ao modelo de dividendos
perpétuos. O valor presente de um uxo de caixa in nito futuro é dado por:

em que:
FCF do período 1 da perpetuidade: trata-se daquele uxo de caixa livre (da rma
ou do equity, dependendo da modalidade de uxo de caixa projetado) no primeiro
ano da perpetuidade. Suponha que esse valor terminal seja estimado para o
décimo ano do uxo projetado, quando se espera que o negócio vá atingir a
maturidade. Nesse caso, esse uxo de caixa livre seria aquele estimado para o ano
11;
i: custo de capital ajustado ao risco do negócio, já discutido anteriormente;
g: taxa de crescimento perpétuo (“g” de growth), que estima que a empresa vá
crescer eternamente, período a período, ano a ano.
Esse valor presente de um uxo perpétuo será chamado de valor terminal e será
alocado ao décimo ano da projeção. Para descobrir esse valor em dinheiro de data
zero, é preciso trazê-lo a valor presente, como se fosse um uxo de caixa normal
do décimo ano do valuation.
A perpetuidade é um tanto perigosa se mal utilizada. É muito comum que boa
parte do valor de startups esteja em sua perpetuidade. Pelo peso dessa variável
nas avaliações, qualquer mínimo ajuste em suas premissas pode causar enorme
variação no valuation total do negócio. Precisamos, portanto, ter cuidado
redobrado quando estimamos esse número. Quer ver um exemplo? Suponha o
seguinte:

• FCFF inicial da perpetuidade: R$ 1 mi


• Taxa de desconto (i): 18% (acima da in ação)
• Taxa de crescimento real (g): 1% (acima da in ação)

Isso signi ca dizer que um investidor que estivesse analisando a possibilidade


de comprar esse negócio – que pode gerar uxo de caixa livre de um milhão
eternamente, crescendo 1% ao ano e que tenha um custo de capital de 18% ao ano
– aceitaria pagar até R$ 5.882.352,94 por esse negócio. A nal, é esse o valor justo
dessa perpetuidade, com base nas premissas adotadas.
Agora, suponha que, em vez de 18%, o custo de capital fosse de 10%.

O valor saltou de algo próximo a R$ 5,9 mi para algo próximo a R$ 11 mi!


Imagine que o vendedor do negócio, talvez enviesado (até inconscientemente)
por seu interesse em maximizar o valor, acreditasse que a taxa de crescimento
perpétuo a ser esperado nesse negócio pudesse chegar a 3% ao ano (em vez de
1%). Nesse caso, o valor seria de:

Em duas “brincadeirinhas” com as premissas, saímos de um valor de


aproximadamente R$ 5,9 mi, para mais de R$ 14 mi. Uau! A questão é que, com
desenvoltura e palavreado daqueles mais so sticados, é possível achar um termo
para defender qualquer um desses limites com considerável variedade de
justi cativas e sustentações. Ao interlocutor menos hábil tecnicamente em relação
ao valuation, pode ser considerável armadilha de negociação.
Por isso, há de se ter muito cuidado ao estimar as premissas que in uenciarão
esse valor terminal. Devemos evitar regras generalizadas e buscar consistência nas
justi cativas adotadas.
Por exemplo, suponha que você precise estimar o valor residual, nos dias atuais,
para uma rede de shopping centers poderosa e madura. Sabendo da chegada ao
país com força do e-commerce – o efeito Amazon no segmento, aplicativos
diversos de compra e entrega cômoda (como Rappi, iFood, entre outros) –, será
que é razoável esperar que os uxos de caixa desses shoppings cresça, para
sempre, 3% ao ano acima da in ação, a partir de um FCFF já farto e maduro? Eu
diria que não.
A competitividade para o segmento provavelmente vai continuar subindo e
ferozmente (ao que tudo indica, com base nas melhores informações disponíveis
hoje ao analista crítico) e é bem possível, inclusive, que o negócio perca valor.
Pessoalmente, eu nem mesmo caria muito confortável em estimar uma taxa de
crescimento perpétuo igual a 0%. Diante de uma possível canibalização da
demanda vinda da maior competitividade, podemos até mesmo pensar em taxa de
crescimento perpétuo negativa, sugerindo a perda de participação de mercado
para essas forças digitais.
Esse nível de visão crítica quanto ao futuro do negócio há de ser cuidadosamente
pensado e levado em consideração para formar a perpetuidade da empresa,
especialmente em se tratando de startups, em que é normal o valor do negócio
estar muito condicionado a premissas sobre sua perpetuidade.
Conforme já mencionado, ca evidente que a robustez – porém também a
di culdade – do income approach é signi cativamente superior. Levar em
consideração as especi cidades de cada negócio traz tantos benefícios quanto
complexidades.
Se a startup já contar com um mínimo de clareza sobre suas premissas para
permitir a aplicação desse método, certamente seria um ótimo caminho para
discussão de seu valor. Não apenas isso, seria também uma tremenda ferramenta
para tomada de decisão estratégica no negócio e análise da viabilidade econômica
de seu modelo de negócio.

10.6 Testando as premissas, a razoabilidade... e o


bom senso
Um bom processo de avaliação, certamente, não se restringe a uma única forma
de avaliação. A convergência entre modelos é etapa essencial para testes de
robustez dos valores identi cados.
Imagine que você esteja tentando vender um apartamento. Esse apartamento é
um só, um ativo real e único. O conceito de valor justo que discutimos não deveria
ser variável, dependendo do método de valuation analisado. Valor justo é valor
justo. Em teoria, portanto, o valor justo deveria ser o mesmo, com consistência,
independentemente do método de avaliação utilizado.
No entanto, o processo de avaliação carrega tantas premissas e subjetividades,
que é natural que resultados matemáticos diferentes surjam a partir de diferentes
metodologias. Entra, aí, a valiosíssima etapa de análise de sensibilidade,
calibragem e convergência de modelos.
Um bom processo de avaliação não termina quando encerramos uma primeira
estimativa de valor. É ideal conduzir diversos testes e alguns dos principais são,
por exemplo:

• Conduzir uma análise de sensibilidade em relação às principais variáveis de


seu modelo. Por exemplo:

• Se as premissas para estimativa do custo de capital fossem diferentes, com


maior (ou menor) prêmio pelo risco, aumentando (ou diminuindo) sua taxa de
desconto? O que aconteceria com o valor?

• Se as premissas de crescimento de receitas fossem diferentes – versões


pessimistas ou otimistas do futuro, por exemplo –, o que aconteceria com o
valor desse negócio?

• Se algum milestone-chave não fosse atingido, ou demorasse muito para ser


alcançado? Por exemplo: demora em atingir ponto de equilíbrio, não receber
algum tipo de autorização para comercialização do produto (aprovação de um
medicamento para uso humano), não haver percepção de valor pelo cliente
no tamanho esperado (o que poderia causar redução em preço praticado ou
ainda a necessidade de “pivotar” todo o modelo de negócio), entre outros.
Caso o valor estivesse muito condicionado a esses acontecimentos-chave, o
que aconteceria com o valor em caso de problemas para atingir o milestone?
O que aconteceria se esses marcos fossem atingidos ainda mais rapidamente
do que o previsto?

• Estimular a avaliação de um mesmo negócio sob diferentes metodologias. Em


teoria, é necessário que haja certa convergência entre os modelos de avaliação.
Se for encontrada muita divergência nos resultados, esse pode ser um fortíssimo
sinal de que há algum erro técnico, ou ainda excesso de emoções in uenciando
as premissas. Provavelmente, em alguma ponta, é possível que seja necessário
voltar a ponderar premissas com muito bom senso, para chegar ao tão esperado
valor baseado em premissas razoáveis.
Ao nal desse processo, é comum nos depararmos com o chamado football field
chart. Trata-se de um grá co que contém as estimativas de valuation estimadas
por diversas metodologias, considerando seus respectivos valores mínimo e
máximo (estimados com base nas premissas e sua análise de sensibilidade). Essa
ferramenta auxilia na formação de um mapa global de valor, em que é possível
veri car se há coesão entre as premissas adotadas e o valor nal estimado.

10.7 Do nível de sofisticação


Cabe mencionar que todas as técnicas e considerações feitas neste capítulo
ainda poderiam ser altamente so sticadas. Naturalmente, qualquer so sticação
pode trazer ganhos em qualidade das estimativas. O que se há de considerar, por
outro lado, é que podem também trazer mais di culdades técnicas, além de
provavelmente levar a maior chance de incorrer em erros no processo avaliativo
(seja por falha operacional, seja até mesmo por complexidade teórica dos
métodos e suas premissas conceituais).
Pessoalmente, acredito ser brilhante a visão de Damodaran sobre o excesso de
complexidade em avaliações. Seu entendimento é mais ou menos o seguinte:
mantenha a simplicidade e dedique sua inteligência a re etir sobre aquelas
premissas que realmente são importantes como alavanca de valor e risco. Veja a
seguinte observação de Damodaran a respeito da decisão de fazer modelos de
avaliação mais so sticados7:

O trade-o de adicionar detalhes demais é simples. Por um lado, mais


detalhes dão aos analistas a chance de usar informações especí cas para
fazer melhores previsões em cada item individual. Por outro lado, mais
detalhes criam a necessidade de mais entradas, com potencial de erro em
cada uma, e gera modelos mais complicados.
[...] O custo da complexidade é: (i) excesso de informação não
necessariamente tem a ver com melhores valuations. Em verdade, analistas
podem se ver diante de tantas informações, e por vezes con itantes, que
isso prejudica a qualidade de seu julgamento [...]; (ii) muita complexidade
pode levar à síndrome da caixa-preta, em que analistas que utilizam esses
valuations podem acabar utilizando-os sem compreender, de fato, seu
mecanismo de funcionamento [...]; (iii) confusão entre premissas grandes
ou pequenas, em que diante de tanta informação, analistas podem perder a
referência sobre qual premissa é mais importante e qual é menos [...]
(tradução nossa).

A seguir, serão destacadas algumas das principais vertentes dessas


so sticações adotadas no processo avaliativo de startups.
10.7.1 Avaliação de cenários múltiplos
É natural, ainda mais em estágios de maior incerteza nos negócios, que
múltiplos cenários futuros sejam possíveis. Quanto maior a incerteza, tanto maior
tende a ser a distância entre os possíveis cenários futuros. Por esse motivo, é
possível trabalhar com projeções de diferentes cenários. Para estimativa do valor
presente do negócio, então, é necessário construir diferentes cenários futuros e,
por m, construir a ponderação de chances de ocorrência para cada um dos
cenários projetados (suas probabilidades).
Enquanto falamos de três ou cinco cenários, ainda há maior controle sobre as
variáveis e premissas. De todo modo, o nível de complexidade pode evoluir ao
gosto do avaliador, inclusive com aplicação de modelos mais elaborados, como
simulação de Monte Carlo para construção das possibilidades futuras. Isso pode
começar a gerar aquele risco da “síndrome da caixa-preta”, mencionada por
Damodaran.

10.7.2 Avaliação de ativos específicos à luz do


participante de mercado
Como sempre, é necessário pensar no conceito de valor à luz da visão de
participantes de mercado, conforme discutido no capítulo anterior. Isso pode,
inclusive, passar por analisar partes da empresa separadamente. Imagine, por
exemplo, que determinado participante tenha interesse em adquirir o negócio para
usufruir de partes dele: nesse caso, diferentes partes do negócio poderiam ser
analisadas de forma independente, supondo, por exemplo, liquidação (venda) de
algumas partes a terceiros (com suas respectivas noções de valor atribuído) e
manutenção de outros dos ativos.

10.7.3 Setores específicos/patentes/setores


regulados
Há situações em que as complexidades setoriais exigem que os conceitos de
avaliação sejam complementados com outros fatores – tangíveis ou intangíveis.
Por exemplo, como incluir nas avaliações ponderações relacionadas a:

• negócios no setor público/relação com poder concedente/agente regulador


etc.;
• inclusão de percepções sobre valor de patentes e/ou reservas de mercado;
• segmentos com prazos de desenvolvimento de tecnologia/inovação longos ou
sujeitos a aprovações de agentes reguladores – por exemplo, desenvolvimento
de medicamentos cujo valor é altamente suscetível a aprovações de reguladores,
como Anvisa ou FDA.

10.7.4 Classes de ações, seus direitos e


deveres/opções
Conforme mencionado anteriormente, em diversos momentos deste livro, a
formação de quadros societários nos negócios pode ser complexa, ainda mais no
caso de startups. Ao longo de rodadas de investimento, caso sejam de nidas
diferentes classes de ações/acionistas com direitos e deveres especí cos, isso
deve ser incorporado no processo avaliativo e pode trazer complexidades. É ideal
estimar, por exemplo, em caso de liquidação antecipada da empresa ou de alguns
de seus ativos, qual seria a distribuição de direitos sobre os uxos recebidos entre
as diferentes classes de ações.
Isso é importante especialmente para de nir o valor do negócio à luz do
participante de mercado, uma vez que o valor na visão desse participante deveria
independer dessas ditas classes de ações, e, caso haja obrigações especí cas,
elas devem ser contempladas no processo avaliativo.
Além disso, é preciso relembrar que, em negócios que façam uso de opções de
naturezas diversas – como remuneração de talentos/executivos por opções de
compra de ações, ou opções de conversão de títulos de dívida em propriedade, e
por aí vai –, essas opções devem ser devidamente preci cadas em seu processo
avaliativo. Nesse caso, a aplicação de sua preci cação geralmente envolve o
modelo de Black-Scholes e sua so sticação pode aumentar consideravelmente. As
literaturas sugeridas ao nal deste capítulo permitem aprofundar essas discussões
um tanto técnicas.

10.7.5 Nível de risco e custo de capital variáveis no


tempo
Mais uma so sticação seria estimar o custo de capital variável no tempo. Veja
um exemplo: seria possível estimar taxas de desconto variáveis ao longo do
tempo,
conforme a startup fosse atingindo determinados milestones. Em valuations
orientados por marcos – milestones –, podemos considerar que o nível de risco do
negócio vai diminuindo conforme cada marco vai sendo atingindo. Se o risco
diminuir, por consequência, o custo de capital dos investidores poderia ir
diminuindo também. Isso poderia levar à consideração de taxas de desconto
variáveis no tempo.
Na verdade, o custo de capital poderia ser diferente não só ao longo da vida da
empresa, mas também conforme as diferentes classes de ações. Suponha que
uma classe de ação tenha preferências e direitos superiores a outras; nesse caso,
o detentor dessa ação corre menos risco, e seu custo de capital é, portanto, menor
do que o dos demais acionistas. Então, não apenas o custo de capital seria
diferente entre classes de ações, como também variável, conforme o risco do
negócio varie com o tempo.

10.8 Considerações finais


Como se pode imaginar, as so sticações possíveis em um processo avaliativo
podem ir longe, bem longe. Pessoalmente, agrada-me a visão do “quanto menos,
melhor”. Isso não signi ca, de forma alguma, que sugiro fazer um processo de
avaliação simplista, no mau sentido. Apenas indica que, diante das incertezas
naturais de um processo avaliativo, é normal que haja uma margem de erro já
esperada no modelo. Não há necessidade de agregar a isso complexidades
desnecessárias, a não ser que de fato contribuam com premissas relevantes e
essenciais para compreensão do valor do negócio.
Dediquemos nossa inteligência a identi car quais são as reais alavancas de
valor desse negócio, e, para essas alavancas, sim, estimar seus parâmetros
razoáveis, fazendo uso da melhor razoabilidade e bom senso. No nal do dia,
nosso objetivo (à luz da ética) é criar valor sustentável nos negócios, trabalhando
para maximizar seu valor no dia a dia das startups. Isso só acontece em cima de
suas reais alavancas de valor.
Algo que eu adoraria que casse evidente ao leitor é como essas ferramentas vão
além de um simples manual de formação de preço de uma startup e são, em
verdade, valiosas ferramentas de análise estratégica.
Ao conduzir um exercício de avaliação do negócio (independentemente do tipo
de organização ou de seu estágio de vida), é possível: (i) identi car quais
premissas são relevantes para a formação de seu valor; (ii) identi car onde estão
as principais armadilhas e riscos ao longo de seu processo de maturação e
crescimento; (iii) distinguir entre o que importa mais e o que importa menos e (iv)
identi car em que efetivamente a startup pode trabalhar para criar valor de forma
sustentável em seu negócio.
O que queremos é que o valuation re ita o real valor de nossas startups.
Planilhas podem aceitar qualquer coisa, então vamos utilizá-las com inteligência e
ética, atendo-nos ao nosso melhor bom senso. Palavra de ouro: razoabilidade.
SAIBA MAIS
Caso queira saber mais sobre os temas tratados neste capítulo, sugerimos
as seguintes leituras

1 DAMODARAN, Aswath. The dark side of valuation: valuing young, distressed and complex businesses. 3rd
edition. New York: Pearson Education, 2018.
2 Há casos em que o enterprise value é calculado já com o valor do caixa embutido, como metodologias que
projetam os ganhos nanceiros advindos da aplicação do caixa. Ainda assim, esses casos são uma minoria,
mas sugiro a você que compreenda como foi feita a projeção de uxos de caixa, para ver se o valor já está
contemplado no EV ou não.
3 Essa alusão ao método como um reality check foi proposta pelo Guia AICPA. AICPA. Accounting and
valuation guide: Valuation of portfolio company investments of venture capital and private equity funds and
other investment companies. USA: Wiley, 2019. p. 133, § 5.95.
4 SEC – SECURITIES AND EXCHANGE COMMISSION. Form S-1. 14 de Agosto de 2019. Disponível em:
<https://www.sec.gov/Archives/edgar/data/1533523/000119312519220499/d781982ds1.htm.> Acesso em: 28
de janeiro de 2020.
5 Há diversas formas para apuração do FCFF. Em vez de partir do Ebitda, por exemplo, seria possível partir do
Nopat (net operating profit after taxes – lucro operacional após impostos) e, depois, adicionar as depreciações
e amortizações.
6 Isso é possível graças à regra matemática da soma dos in nitos termos de uma progressão geométrica (PG).
7 DAMODARAN, A. An introduction to valuation. Disponível em:
>http://pages.stern.nyu.edu/~adamodar/New_Home_Page/background/valintro.htm.> Acesso em: 27 de
fevereiro de 2020.
Para nalizar nossas discussões, creio que cabem algumas
considerações sobre as nanças comportamentais e a alma
empreendedora, bem como sobre o ecossistema de startups no Brasil.
Esses dois pilares – o nosso lado emocional interno (como
empreendedores e pro ssionais de startups)
e as características do ambiente externo – in uenciam sobremaneira
todas as discussões que propusemos ao longo dos dez capítulos
deste livro.
Passo, então, a algumas considerações nais.
________________________
Ah, empreendedores! Quanto não pagariam os bancos, governos,
VCs e tantos outros, para, de fato, compreender e desmisti car o
modelo mental de empreendedores! Como pensam e decidem, de
fato? São racionais até que medida? Emocionais até qual outra
medida?
Compreender quem são as pessoas na liderança de uma startup
pode ser ainda mais crítico do que em grandes negócios. Por quê? No
geral, um grande e maduro negócio já chegou a determinado nível de
organização e rotina em seus processos, que acaba dando origem a
determinada engrenagem de funcionamento que, mais ou menos
e ciente, tem considerável capacidade de autogestão. Isso é menos
verdade em uma pequena empresa, cujos recursos são mínimos e
extremamente concentrados em poucas mentes, ainda sem histórico
nem processos automatizados, de forma que cada uma dessas mentes
é absolutamente vital para o sucesso do negócio.
Quem são as pessoas e, portanto, os líderes em startups? Thaler,
ganhador do prêmio Nobel de Economia em 2017, e Sunstein,
advogado professor da Universidade de Harvard, propõem, em seu
livro Nudge, o seguinte trecho descrevendo a tomada de decisão do
homem racional, proposto pela Teoria Econômica Clássica: “Se você
olhar para os livros de Economia, aprenderá que o homo economicus
pode pensar como Albert Einstein, armazenar tanta memória quanto o
Big Blue da IBM e exercitar a força de vontade de Mahatma Gandhi”
(THALER; SUNSTEIN, 2008)1.
Fica evidente que esse processo racional seria um absoluto exagero
a um ser humano – o homo sapiens. Nossa capacidade de
armazenagem e processamento de dados e probabilidades é
absolutamente pequena quando comparada à complexidade das
decisões que tomamos em nosso dia a dia. Provavelmente, pegamos a
calculadora até para fazer contas razoavelmente simples, a nal
quantos de nós têm a mente de Albert Einstein? Se falarmos, então,
em força de vontade, levante a mão quem resiste a uma Nutella, um
episódio de seriado, um cochilo, uma procrastinação, uma mídia
social... e consegue sempre garantir que seu ser racional tome suas
decisões a todo momento de sua vida! Pois é, é possível que você não
tenha levantado a mão nesse momento, certo? Isso não faz de nós
menos humanos, faz de nós humanos. Sim, homo sapiens, e não
homo economicus.
Dois lados dentro de nós, seres humanos, coexistem: o racional e o
emocional. A essa distinção, Thaler e Sunstein se referiram como
homo economicus e homo sapiens. Kahneman e Tversky propõem a
segregação desses dois lados: o Sistema 1 – intuitivo, automático,
emocional, fruto de questões evolutivas e experiência – e o Sistema 2
– fruto de processo analítico, processamento de dados e
probabilidades, nosso lado racional, o homo economicus. A
coexistência desses dois lados de ne nosso processo cognitivo e
in uencia nossas decisões, grandes e pequenas. Alguns vieses
cognitivos – como excesso de otimismo, de con ança, medo do
arrependimento, entre diversos outros sobre os quais falaremos
adiante – podem impactar nossa atuação de forma relevante, e
empreendedores estão também sujeitos a essas possíveis condições,
que, por vezes, tornam-se armadilhas.
O professor da Unicamp, Fernando Nogueira da Costa2, propõe uma
terceira abordagem3: o homo pragmaticus. Para tanto, traça um
paralelo com os axiomas de Zurique, tendo por base estratégias e
regras claras de investimento de nidas para maximizar os potenciais
de ganhos e minimizar os riscos de perdas em investimento. Diversos
dos axiomas permitem ao tomador de decisões maximizar as decisões
racionais (homo economicus), escapando de vieses e armadilhas
cognitivas (homo sapiens) por meio de regras práticas (homo
pragmaticus).
À luz de tudo isso, onde ca o empreendedor? Se me permite um
palpite, empreendedores estão fortemente perto do homo sapiens,
bastante sujeitos – pelo bem e pelo mal – ao lado emocional do
processo decisório, mas não apenas isso. Empreendedores são
também extremamente resilientes, fortemente capazes de
implementar e facilitar para que ideias se transformem em realidade.
Uma combinação, portanto, de homo sapiens com alta capacidade de
implementação visionária e resiliente.
Vamos discutir alguns vieses cognitivos – in uências desse nosso
lado emocional – que tendem a impactar sobremaneira a atuação
empreendedora.
Cabe mencionar, antes de mais nada, que há uma nítida tendência
do ser humano, intrínseca em nossa essência, de simplesmente tomar
decisão com base em limitada quantidade de informações – não
necessariamente as corretas ou mais relevantes – , tendendo
especialmente a superestimar acontecimentos recentes e tomá-los
como base para projeções e estimativas para o futuro. Esses efeitos
recebem alguns nomes nas nanças comportamentais e causam
algumas anomalias, que vamos discutir a seguir.
O viés disponibilidade pode fazer com que o agente analise de forma
precipitada probabilidades e riscos, tendo por base poucas
informações disponíveis. Quando se pergunta a uma pessoa a
probabilidade de que determinado evento ocorra, ela geralmente irá
se apegar ao dado que mais facilmente vier à memória.
Já o viés representatividade indica que as pessoas tendem a tomar
decisão, com base em estereótipos ou informações mais geralmente
aceitas e comentadas, sem buscar informações adicionais relevantes.
Em nanças, isso costuma estar associado ao tomador de decisão
que, com base no passado recente, faz uso excessivo dessas
informações para suas projeções e expectativas futuras.
Em conjunto, esses fatores podem dar origem às chamadas
anomalias de mercado. Um bom exemplo seria a criação de “bolhas”
no mercado nanceiro – e sua consequente correção, usualmente
chamada de quebra ou crise. Isso porque, em muitos casos, os
investidores tendem a tomar sua decisão com base no desempenho
passado: “Se está subindo, então irá continuar a subir. Logo, vou
investir”. Essa linha de raciocínio faz com que os preços dos ativos
tendam a subir para níveis muito acima dos razoáveis, do que se
poderia considerar justo ou correto.
Quando esse efeito é combinado ao “medo de arrependimento”, o
problema ca maior. “Será que eu quero car de fora dessa?” é um
sentimento clássico do medo de se arrepender. Cria-se um potencial
efeito manada: todos vão para onde todos vão. E, então, o problema
se intensi ca. Em nanças, essa onda de comportamento leva ao
“momento”: o efeito no qual os preços continuam subindo (ou caindo)
apenas porque eles vêm subindo (ou caindo), fator que é causado e
potencializado por inúmeros motivadores comportamentais.
Esses efeitos não são menores em empresas pequenas, startups,
empresas públicas ou outros casos.
Uma característica bastante recorrente em empreendedores é o
chamado excesso de con ança (overconfidence), que, assim como o
excesso de otimismo, são características típicas do ser humano.
Somos todos animais e, portanto, todos sujeitos a esses vieses. No
entanto, é possível, em média, perceber alguns deles exacerbados em
empreendedores. Não raras vezes, o empreendedor tem ainda mais
excesso de con ança e excesso de otimismo do que a média das
pessoas, que também são con antes e otimistas. Muito em razão
disso está a maior propensão a risco que os empreendedores podem
apresentar.

Observação
Faço aqui a ressalva de que essas características se referem,
em geral, à média dos empreendedores. Naturalmente,
podem haver inúmeros casos que fogem a esse padrão.

Pare um segundo e re ita: será que isso é bom?


Everett e Fairchild4 discutem bastante o efeito que o excesso de
con ança do empreendedor causa em seu nível de esforço e
probabilidade de sucesso dos empreendimentos. Os autores propõem
a seguinte discussão: sabendo que as taxas de mortalidade são tão
elevadas em novos negócios, então por que os empreendedores – que
são racionais – continuam abrindo novos negócios de forma intensa?
Supondo sua racionalidade, seria possível propor duas motivações,
amplamente sustentadas pelos estudos de psicologia econômica:

• talvez, os empreendedores superestimem suas habilidades


pessoais de obter sucesso quando deparados com altos riscos e
probabilidades de fracasso;

• talvez, os empreendedores não acreditem que os riscos e


probabilidades de fracasso sejam assim tão grandes.

Na primeira justi cativa, notam-se dois vieses cognitivos principais:


(i) excesso de con ança na própria habilidade e (ii) autoatribuição do
sucesso. Este último, de forma sintética, pode ser explicado como a
tendência do ser humano de atribuir a si o mérito do sucesso obtido,
porém atribui à sorte (ou ao azar) a culpa por eventuais insucessos
sofridos. Já na segunda justi cativa, o principal viés cognitivo
envolvido seria o excesso de otimismo, que faz com que as pessoas
tendam a enxergar com muito mais probabilidade o sucesso do que o
fracasso, cando enviesadas em sua tomada de decisões.
Everett e Fairchild discutem as implicações que essas características
podem trazer para os negócios e startups e chegam à conclusão de
que os efeitos provocados são dúbios. De um lado, o excesso de
con ança e de otimismo pode fazer com que o empreendedor assuma
riscos excessivos, causando um aumento em chances de insucesso.
Por outro lado, esse mesmo excesso de con ança e otimismo pode
fazer com que o empreendedor trabalhe com mais força e veemência,
aumentando consideravelmente a probabilidade de sucesso no
negócio. Veja a que interessante conclusão os autores chegam sobre o
tema:

O excesso de con ança pode levar a comportamentos


subótimos, como o excesso de investimento. Por outro lado, a
con ança também está positivamente relacionada aos níveis de
motivação, o que poderia mitigar alguns dos efeitos negativos
do excesso de con ança. No curto prazo, o excesso de
con ança pode reduzir a probabilidade de a empresa fracassar,
devido ao fato de empreendedores se recusarem a desistir
mesmo quando desistir pareça ser a decisão mais racional. Em
última análise, no entanto, uma empresa que for
intrinsecamente inviável irá fracassar. Portanto, um estudo no
horizonte mais longo deve revelar uma relação distorcida ou
curvilínea entre excesso de con ança e falha ao longo do
tempo, no qual o excesso de con ança reduz a probabilidade
de falha no curto prazo e aumenta a probabilidade de falha no
longo prazo (EVERETT; FAIRCHILD, 2015, p. 21).

Note que os efeitos dessas características podem ser exatamente


opostos: caso um negócio seja, de fato, bom, o excesso de otimismo e
con ança pode ser o fator que permite ao empreendedor superar as
intempéries tradicionais do começo dos negócios, sobreviver às
adversidades e atingir o sucesso maior, condições que, para uma
pessoa com menos fé ou resiliência, teriam causado a desistência
prematura. Por outro lado, caso o negócio seja excessivamente
arriscado ou não apresente um bom modelo por qualquer motivo,
essas características podem fazer com que o empreendedor “insista
no erro” por tempo demasiadamente longo, maximizando perdas.
Ainda nesse sentido, é possível perceber quando agentes tomam
decisões baseados em gut feelings ou naquele “sexto sentido” de que
algo está certo – ou não. Isso normalmente faz com que o pro ssional
acabe “pulando” algumas etapas essenciais no processo decisório,
como, pesquisa de mercado, análise de quão factível é o modelo de
negócio, planejamento nanceiro, dimensionamento do funding,
análise da capacidade e interesse de pagamento dos clientes,
ambiente competitivo etc.
Não podemos esquecer a Teoria do Prospecto, de Kahneman e
Tversky, já discutida anteriormente neste livro. Lembra-se de que
discutimos que “a dor da perda é maior do que a felicidade do
ganho”? Por isso, quando o ser humano está com a sensação de
perda, tende a tornar-se mais propenso ao risco. Em outras palavras,
quando o tomador de decisão sente que está perdendo, torna-se
disposto a correr mais riscos, em uma tentativa – talvez desesperada
– de não reconhecer perdas, ou até revertê-las e voltar a um cenário
de ganho. Esse efeito pode ser até mais acentuado em
empreendedores, que já são normalmente pessoas mais propensas a
riscos.
Ninguém está acima desses vieses, são todos inerentes ao
comportamento humano!
O que fazer então? A simples consciência desses potenciais efeitos e
vieses e o estímulo do pensamento racional para evitar excesso de
riscos podem ajudar bastante. Sugiro sempre estimular o
empreendedor a fazer perguntas, como:

• Será que estou excessivamente otimista em relação ao futuro?


Estou dimensionando corretamente os riscos do negócio?

• Será que as di culdades que carrego em meu histórico são fruto de


azar? Há alguma lição pessoal que eu possa tirar de forma a evitar
potenciais erros ou atentar mais a sinais de perigo no futuro?

• As di culdades de curto prazo que estou vivendo em meu negócio


seriam circunstanciais? Ou será que os sinais são fortes o su ciente
para sugerir que seria hora de abandonar determinado projeto e
partir para uma nova empreitada?

• Será que estou sendo exaustivo em minhas análises sobre o


planejamento nanceiro do negócio? Já considerei todos os devidos
fatores nas análises?

A simples consciência a esse respeito pode auxiliar o empreendedor


a enxergar mais claramente o potencial e riscos de seu negócio e a
lidar melhor com a tomada de decisões. O objetivo não é car
ressaltando nossas fraquezas, mas promover um conhecimento sobre
nossas características – como seres humanos – e permitir a utilização
dessas características a nosso favor, fugindo de eventuais armadilhas
mentais.
A ideia é usar nosso lado emocional como fonte de motivação e
energia na liderança de nossas startups rumo ao sucesso, sem
permitir que sua in uência inter ra em uma boa análise sobre a
viabilidade do negócio e eventuais necessidades de ajustes, que são
naturais e inerentes à inovação.
____________
A nal, como está o ecossistema para startups no Brasil? Ao longo
dos últimos meses, tenho ouvindo recorrentemente essa pergunta e
trago a você algumas percepções sobre o tema. Sinto que estamos em
um momento ímpar de nossa história, e os empreendedores e startups
estão se destacando fortemente em competência e habilidade para
usufruir fortemente de alguns benefícios que vêm aparecendo.
Na lógica de que é necessário que tenhamos alguns cases de
sucesso para atrair com maior força capital para investimento de risco,
é seguro a rmar que o Brasil já cumpriu essa etapa há algum tempo.
Hoje temos diversos casos de startups de incontestável sucesso, já
contando com várias startups unicórnios brasileiras estampadas nas
manchetes globais: 99, Nubank, Stone, iFood, PagSeguro, Gympass,
entre outras. Além dessas, há outras brasileiras consistentemente nos
radares e mídias, como Dr. Consulta, Creditas, Loggi, Yellow, entre
outras.
No entanto, ainda é cedo para a rmar que o país conta com um
ecossistema maduro e evidentemente preparado para fomentar e
incentivar startups no país. Mas a boa notícia é que isso vem
mudando a passos largos ao longo dos últimos tempos, naturalmente
com ações pautadas em esforços de inúmeras instituições,
pro ssionais e empresas que vêm se empenhando para sustentar as
ações recentes. Vamos discutir um pouco mais sobre o contexto até
hoje e o que vem acontecendo em
nosso ecossistema.
Permita-me começar trazendo alguns dados mais desmotivadores
que indicam ainda nossa distância do que se poderia considerar um
bom ecossistema, e, na sequência, apresentarei a você alguns
acontecimentos recentes que sugerem movimentações mais otimistas
para empreendedores.
Segundo dados do Fórum Econômico Mundial5 (WEF), o Brasil ocupa
boa posição relativa ao mundo em qualidade geral de seu sistema
nanceiro. Em pesquisa de 2018, que contou com 140 países, o WEF
colocou o Brasil na 57ª posição. No entanto, quando o assunto é
nanciamento ao pequeno negócio, os números brasileiros são bem
menos promissores. No que se refere à qualidade do nanciamento às
médias e pequenas empresas, o WEF ranqueou o Brasil na posição 110
(de 140). Em disponibilidade de recursos de venture capital para
pequenos negócios e inovações, o país cou na posição 103. Por mais
que haja no Brasil um mercado nanceiro competitivo como um todo,
pelo que os dados indicam, isso é uma utopia quanto à qualidade de
serviços nanceiros e funding ao pequeno negócio.
Ainda segundo dados da mesma pesquisa do WEF, quando se
analisa o Brasil em comparação ao restante do mundo, é possível
perceber que a absurda burocracia inerente ao nosso modelo de fazer
negócios e o ambiente legal tornam todos os processos para o
empreendedor muito lentos. Por exemplo, o Brasil ocupa a posição
137 (entre 140 países analisados) em tempo que se leva para abrir um
negócio! Isso é assustador. O nível de nossa burocracia e a lentidão
são realmente incríveis. Certamente, isso pode ser um motivo
adicional para os empreendedores, muitas vezes, “pularem etapas”
na correta análise, construção e idealização dos negócios, uma vez
que, se somado o tempo de análise do business com o efetivo tempo
para sua implementação, a demora torna o processo muito cansativo
ou até inviável.
Quais são, então, as boas notícias? Con ra algumas a seguir.
Uma primeira boa notícia: em julho de 2017, a Comissão de Valores
Mobiliários (CVM) editou a instrução CVM 588, acerca do
crowdfunding de investimentos como alternativa de captação o cial e
regulada para empresas que tenham patrimônio líquido de até R$ 10
mi. Com base nessa instrução, tornou-se possível que as empresas de
menor porte captem até R$ 5 mi por meio de ofertas colocadas em
plataformas de nanciamento participativo na internet com dispensa
automática de registro de oferta e de emissor. O que isso signi ca?
Muito! Essa regulação abriu espaço a todo um mercado.
Primeiro, franqueou o surgimento das próprias plataformas de
crowdfunding, devidamente reguladas pela CVM, algumas delas
startups, em si. Além disso, abriu a possibilidade para que empresas,
que outrora não teriam acesso ao mercado de capitais como forma de
nanciamento, pudessem nalmente ter uma fonte alternativa de
captação no Brasil. A esse respeito, Antonio Berwanger,
superintendente da CVM, mencionou, no site da instituição6: “A
regulamentação do crowdfunding de investimento foi estratégica para
a ampliação e a melhoria da qualidade dos instrumentos de
nanciamento para empresas em fase inicial e com di culdades de
acesso ao crédito e à capitalização, que, entretanto, são vitais para a
geração de emprego e renda na economia”. Por último, é importante
mencionar que a instrução 588 abriu também espaço para
investidores com interesse em investir em startups, permitindo que
encontrassem um meio mais estruturado para fazê-lo.
Uma segunda boa notícia: o Instituto Brasileiro de Governança
Corporativa (IBGC) propôs o código de Governança Corporativa para
Startups & Scale-Ups7, reconhecendo os desa os e as particularidades
de startups em quatro momentos distintos: (i) ideação, (ii) validação,
(iii) tração e (iv) escala. Algumas considerações adicionais a esse
respeito podem ser encontradas no Capítulo 4 deste livro.
Uma terceira boa notícia: o início da desburocratização para
startups, bem como o fomento ao crédito. Com a Lei Complementar
167 (BRASIL, 2019a)8, que dispõe sobre a Empresa Simples de Crédito
(ESC), e a criação do Inova Simples, começam a surgir mais evidências
concretas de estímulo governamental às startups, parte importante de
algo que se possa efetivamente entender como um ecossistema
apropriado aos negócios inovadores. A Lei Complementar atua em
duas frentes distintas e sua importância é absolutamente elevada,
conforme pesquisa do WEF sugere. Uma das frentes relaciona-se à
escassez de recursos do mercado de crédito para inovações e
nanciamento ao negócio de risco; a outra diz respeito ao alto nível
burocrático no processo de abertura e fechamento de negócios.
Comecemos pela questão das ESCs. Nesse sentido, uma matéria
recente do Correio Braziliense dispõe:
O diretor-presidente do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e
Pequenas Empresas (Sebrae), Carlos Melles, a rmou que a lei
que cria a Empresa Simples de Crédito (ESC) vai mudar o país,
permitindo a maior circulação de crédito para o setor produtivo.
“É uma das medidas mais vigorosas para que o recurso circule
nos municípios. Isso traz um ambiente de muito conforto”,
defendeu (FERRARI, 2019)9.

Nota-se que a ação tende a contribuir para a situação de baixíssima


competitividade brasileira com relação ao mercado de crédito para
startups, conforme salientado pelo estudo do Fórum Econômico
Mundial citado nos parágrafos anteriores. Ainda é cedo para que
possamos compreender o real impacto dessa medida para a
disponibilidade de recursos às startups a um volume e custo
adequados às necessidades. No entanto, a simples proposição de
medida nesse sentido pode ser entendida como um esforço relevante
e bené co ao ecossistema.
Além disso, a Lei Complementar 167 cria o Inova Simples, regime
especial simpli cado para criação de iniciativas empresariais
classi cadas como startups de forma muito mais desburocratizada. A
Lei inclusive reconhece e de ne formalmente startups para tais ns
legais:

Para os ns desta Lei Complementar, considera-se startup a


empresa de caráter inovador que visa a aperfeiçoar sistemas,
métodos ou modelos de negócio, de produção, de serviços ou
de produtos, os quais, quando já existentes, caracterizam
startups de natureza incremental, ou, quando relacionados à
criação de algo totalmente novo, caracterizam startups de
natureza disruptiva (BRASIL, 2019).

Nota-se que a de nição é rica em termos do que é entendido como


inovação (aperfeiçoar sistemas, métodos ou modelos de negócio, de
produção, de serviços ou de produtos), bem como natureza da
inovação (incremental ou disruptiva). Por meio do Inova Simples, o
processo de abertura de startups se torna muito mais rápido, barato e
desburocratizado, o que incentiva fortemente que as iniciativas de
empreendedores sejam regularizadas. Além disso, a Lei
Complementar reconhece a importância da preocupação com marcas,
patentes e registros para startups, fazendo considerações em relação
ao Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi). Esta última
questão ainda é bastante preliminar e não está totalmente claro como
será tratada pelo instituto. Por m, o processo de fechamento da
empresa e baixa do CNPJ também é fortemente simpli cado, outro
incentivo à desburocratização.
Essa Lei Complementar vem como parte do reconhecimento da
importância das startups como formadoras de oportunidades e
crescimento econômico para o país, além de incentivar a retomada do
crescimento nacional em meio a períodos de crise vivenciados pela
nação recentemente.
Uma quarta boa notícia: a Lei n. 13.818/2019 (BRASIL, 2019b)10
trouxe uma novidade à Lei das S.A., mas, em minha opinião, fez
menos barulho nas mídias e entre os “startupeiros” do que merece! A
Lei vem modi car a Lei das S.A., aquela mesma de 1976, trazendo
simpli cações muito relevantes para empresas de pequeno porte. Ela
altera o artigo 294 da Lei das S.A., tornando bem menos difícil a vida
das empresas que têm até R$ 10 mi de patrimônio líquido e, no
máximo, 20 acionistas.
Para essas empresas, a necessidade de publicação de relatórios e
documentos é muito simpli cada em comparação às empresas
grandes, assim como muito menos burocrática a convocação de
assembleias.
A mesma Lei das S.A. agora faz também referência, em seu artigo
294-A, à CVM e sua autonomia em dispensar de algumas exigências as
empresas de pequeno e médio porte, de forma a facilitar seu acesso
ao mercado de capitais. Nesse sentido, o disposto é: “A Comissão de
Valores Mobiliários, por meio de regulamento, poderá dispensar
exigências previstas nesta Lei, para companhias que de nir como de
pequeno e médio porte, de forma a facilitar o acesso ao mercado de
capitais.” Este último texto foi novidade trazida pela Medida Provisória
n. 881, de 30 de abril de 201911.
Essas modi cações merecem salvas de palmas e indicam forte
evolução com vistas a (i) facilitar o acesso de pequenos negócios e
startups ao mercado de capitais, (ii) auxiliar na desburocratização dos
pequenos negócios e (iii) contribuir para proteção dos interesses
pessoais e patrimônio pessoal dos acionistas de negócios pequenos.
Ainda temos uma quinta boa notícia: é interessante comentar outros
avanços em geral, como crescimento do funding às startups – Brasil
liderando fortemente como destino de nanciamento às startups na
América Latina12 –, crescimento na quantidade e volume de
aceleradoras, hubs de inovação sustentados por empresas privadas,
crescimento nos espaços de coworking13, contribuição acadêmica das
universidades às inovações (como a Universidade de São Paulo), entre
outras diversas ações que contribuem para a formação de um
ecossistema apropriado para startups e suas necessidades.
Em 2019, tive o privilégio de ser convidada para participar do
Techday, em Nova Iorque, o maior evento de startups nos Estados
Unidos. Na ocasião, mais uma vez testemunhei ação concreta que
sinaliza o esforço governamental em contribuir para a evidenciação de
nossas startups: o Consulado-geral do Brasil em Nova Iorque
estruturou carinhosa seleção de dez startups brasileiras promissoras
convidadas a participar do evento com relevante destaque. A presença
do Brasil em evento internacional de forte impacto, com potencial de
geração de negócios e reconhecimento da seriedade e potencial de
nossas empresas, mais uma vez pode ser entendida como resultado
de melhora em ações para esse ecossistema.
É claro que ainda seria absolutamente precoce dizer que todos os
problemas estão resolvidos e o empreendedor está amparado por
recursos, conhecimentos e condições adequadas em todos os
sentidos – inclusive, um empreendedor provavelmente daria farta
risada diante de tal a rmação. Mas é possível a rmar, sim, que
estamos caminhando decididamente nesse sentido, e é permitido
sonhar por uma próxima década que nos traga boas notícias e mais
conquistas para nossos negócios e corajosos empreendedores.

1 THALER, Richard H.; SUNSTEIN, Cass R. Nudge: Improving decisions about health, wealth,
and happiness. Local: Editora, ano.
2 COSTA, Fernando Nogueira da. Comportamentos dos investidores: do homo economicus ao
pragmaticus. São Paulo: IE/Unicamp, Texto para Discussão, n. 165, agosto de 2009.
3 Christian Giordano, em seu artigo “Homo creator. The conception of man in social
anthropology”, de 2005, também faz alusão ao homo pragmaticus, porém com menos alusão
às decisões e estratégias nanceiras.
4 EVERETT, Craig R.; FAIRCHILD, Richard J. A theory of entrepreneurial overcon dence, e ort
and rm
outcomes. The Journal of Entrepreneurial Finance, v. 17, n.1, Spring 2015.
5 WEF – WORLD ECONOMIC FORUM. The Global Competitiveness Report 2018 – Brazil.
Disponível em: <http://reports.weforum.org/global-competitiveness-report-2018/country-
economy-pro les/#economy=BRA.> Acesso em: 15 de agosto de 2019.
6 NÚMERO de investidores em crowdfunding cresce após regulamentação. Comissão de
Valores Mobiliários – CVM, 29 de abril de 2019. Disponível em:
<http://www.cvm.gov.br/noticias/arquivos/2019/20190429-1.html.> Acesso em: 15 de agosto
de 2019.
7 IBGC – INSTITUTO BRASILEIRO DE GOVERNANÇA CORPORATIVA. Governança Corporativa
para Startups & Scale-Ups. 2019. Disponível em:
<https://conhecimento.ibgc.org.br/Lists/Publicacoes/Attachments/24050/IBGC%20Segment
os%20-%20%20Governan%C3%A7a%20Corporativa%20para%20Startups%20&%20Scale-
ups.pdf.> Acesso em: 15 de agosto de 2019.
8 BRASIL. Lei complementar n. 167, de 24 de abril de 2019, dispõe sobre a Empresa Simples
de Crédito (ESC) e altera a Lei n. 9.613, de 03 de março de 1998 (Lei de Lavagem de Dinheiro),
a Lei n. 9.249, de 26 de dezembro de 1995, e a Lei Complementar n. 123, de 14 de dezembro
de 2006 (Lei do Simples Nacional), para regulamentar a ESC e instituir o Inova Simples. Diário
O cial da União, Brasília, DF, 25 de abril de 2019.
9 FERRARI, Hamilton. Empresa Simples de Crédito vai mudar o país, diz presidente do Sebrae.
Correio Braziliense, Brasília, DF, 14 de maio de 2019. Disponível em:
<https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/2019/05/14/internas_econo
mia,754840/empresa-simples-de-credito-vai-mudar-o-pais-diz-presidente-do-sebrae.shtml.>
Acesso em: 14 de junho de 2019.
10 BRASIL. Lei n. 13.818, de 24 de abril de 2019, altera a Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de
1976 (Lei das Sociedades Anônimas), para dispor sobre as publicações obrigatórias e ampliar
para R$ 10.000.000,00 (dez milhões de reais) o valor máximo admitido de patrimônio líquido
para que a S.A. de capital fechado faça jus ao regime simpli cado de publicidade de atos
societários. Diário O cial da União, 25 de abril de 2019b. Acesso em: 15 de maio de 2019.
11 BRASIL. Medida provisória n. 881, de 30 de abril de 2019, institui a Declaração de Direitos
de Liberdade Econômica, estabelece garantias de livre mercado, análise de impacto
regulatório, e dá outras providências. Diário O cial da União, 30 de abril de 2019c. Acesso
em: 15 de maio de 2019.
12 AZEVEDO, Mary Ann. With Brazil leading the way, VC investment in Latin America has more
than doubled. Crunchbase News, 1 de Junho de 2018.
13 CENSO Coworking Brasil 2018. Coworking Brasil, 2018. Disponível em:
<https://coworkingbrasil.org/censo/2018/.> Acesso em: 15 de maio de 2019.
apêndices
APÊNDICE 1
Glossário
Bootstrapping: ato de empreendedores nanciarem suas empresas com dinheiro
próprio. 3.
Burn rate: indicador que sinaliza a taxa de queima de caixa (velocidade com que
o caixa será consumido). 8.

CAC: Custo de Aquisição de Clientes. 7.


Cap table: Capitalization Table. Tabela de Capitalização. 3 4.
Capex: Capital Expenditures. 8.
CAPM: Capital Asset Pricing Model. 9.
Cash Burn: Queima de caixa. 8.
Cash-in: Dinheiro para dentro. 9.
Cash-out: Dinheiro para fora. 9.
CLV: Customer Lifetime Value. 7.
CPC: Comitê de Pronunciamento Contábil. 9.
Crowdfunding: Financiamento por multidões. 3.
CVC: Corporate Venture Capital. 3.
CVM: Comissão de Valores Mobiliários. .

Debt: Dívida onerosa, nanciamento de credores ao negócio. .

Ebit: Earnings Before Interest and Taxes. Lucro antes dos juros e impostos. Lucro
operacional. 10.
Ebitda: Earnings Before Interest, Taxes, Depreciation and Amortization. Lucro
antes dos juros, impostos sobre a renda, depreciações e amortizações. 10.
Equity: Investimento de acionistas no negócio. .
ESC: Empresa Simples de Crédito. 11.

F&A: Fusões e Aquisições. .


FCFE: Free Cash Flow to Equity. 10.
FCFF: Free Cash Flow to the Firm. 10.

IBGC: Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. .


IoT: Internet das coisas
IPO: Initial Public O ering. .
IRR: Internal Rate of Return. Rendimento intrínseco de um projeto/investimento.
4.

LTV: Lifetime Value do cliente. 7.

M&A: Mergers & Acquisitions. .


MC: Margem de contribuição. 6.
Milestone: Marcos. Grandes objetivos (marcos) prede nidos a serem alcançados
no processo de crescimento da startup. 8.
MOIC: Multiple of Invested Capital. Quantas vezes determinado investimento vai
conseguir multiplicar o capital investido pelo fundo/investidor. 4.
MVP: Mínimo Produto Viável (Minimum Viable Product). .

NCG: Necessidade de Capital de Giro. 8.


NIG: Necessidade de Investimento em Giro. 8.

P&D: Pesquisa e Desenvolvimento. .


PE: Private Equity. .
PEE: Ponto de Equilíbrio Econômico. 6.
Pivot: Alteração signi cativa de rumo no negócio. .
PME: Prazo Médio de Estoques. 8.
PMP: Prazo Médio de Pagamentos. 8.
PMR: Prazo Médio de Recebimentos. 8.
Post-money Valuation: Valuation após entrada do dinheiro. 9.
Pre-money Valuation: Valuation antes da entrada do dinheiro. 9.

SEC: Security Exchange Commission. .


Smart Money: Dinheiro inteligente. 3.

TIR: Taxa Interna de Retorno. 4.

Unicórnio: Startups cujo valor supera US$ 1 bi. .

VC: Fundos de Venture Capital. .


VPL: Valor Presente Líquido. 3 .

WACC: Weighted Average Cost of Capital. Custo médio ponderado de capital.


10.
WEF: World Economic Forum. Fórum Econômico Mundial. .

APÊNDICE 2
O valor do dinheiro no tempo e os juros compostos
Você prefere ganhar R$ 100,00 hoje, ou R$ 100,00 ano que vem?
Qualquer pessoa rapidamente responderia: hoje! Claro. Primeiro porque os
mesmos R$ 100,00 compram hoje coisas que talvez não comprem daqui a um ano,
devido à in ação. Além disso, o futuro é incerto! Vai saber o que vai acontecer
entre hoje e o próximo ano e, quem sabe, se de fato você conseguirá mesmo
ganhar o valor no futuro. Logo, o futuro tem risco.
Como se não bastassem esses fatores, há ainda o fato de que o dinheiro em sua
mão hoje tem utilidade, e pode signi car incremento em bem-estar ou
rendimento, o tal do custo de oportunidade. Você poderia gastar esse dinheiro e
aumentar sua satisfação na data zero – dando-se um presente ou viajando, por
exemplo –, ou poderia ainda investir esse dinheiro e ganhar juros.
Neste último caso, ao investir os R$ 100,00, daqui a um ano, você teria mais do
que esse valor. Suponha, por exemplo, uma taxa de juros de 10% ao ano; então,
no próximo ano, você teria 110 = 100 + 10% x 100.
Podemos ilustrar essa operação da seguinte maneira:

Figura A2.1: Exemplo para aplicação de juros compostos.


Fonte: desenvolvida pela autora.

No primeiro ano, caso você aplicasse R$ 100,00, você ganharia juros de R$ 10,00
(10% x 100), terminando o ano com R$ 110,00. No segundo ano, você ganharia os
mesmos juros de 10%, porém eles agora iriam incidir sobre um saldo acumulado:
10% x 110,
chegando ao valor de R$ 121,00. Para um período “n” qualquer no futuro, é
possível generalizar a fórmula dos juros compostos, que seria tal qual descrito a
seguir:

em que i é a taxa de juros utilizada na conta. Supondo a fórmula aplicada para o


uxo anteriormente citado de dois períodos, teríamos:

Vamos supor agora a seguinte situação: oferecem a você R$ 121,00 daqui a dois
anos. Qual o valor disso para você, hoje? A mesma lógica de valor do dinheiro no
tempo, que levou o dinheiro para frente, poderia trazer o dinheiro para trás!
A lógica agora seria:

Chamamos essa fórmula de desconto a valor presente. O que essencialmente


a fórmula faz é tomar um dinheiro em valor futuro e trazê-lo a valor presente, de
hoje, descontando o valor do dinheiro no tempo – conforme taxa de juros
aplicada. Para o nosso exemplo, temos:

Portanto, o valor de R$ 121,00, em dinheiro de hoje, é igual R$ 100,00.

APÊNDICE 3
O valor presente líquido
Imagine que convidem você para investir em determinada startup e lhe enviem
uma projeção de uxos de caixa esperados para o futuro do negócio, algo
semelhante à seguinte estrutura genérica:

Figura A3.1: Estrutura geral de um uxo de caixa.


Fonte: desenvolvida pela autora.

A Figura A3.1 ilustra uma projeção de uxos de caixa que conta com:

• investimentos iniciais em valor de data zero, ou seja, saídas de caixa no


momento presente no tempo.

• uxos de caixa para períodos diversos no futuro (que podem ser positivos ou
negativos, representando entradas ou saídas de caixa, respectivamente).

• valor terminal, ou seja, um valor residual estimado para o negócio em


determinado momento futuro do tempo, usualmente chamado de momento “n”,
sendo este o último período representado no uxo. Esse momento é
normalmente aquele em que se espera que a empresa (ou projeto, por exemplo)
tenha atingido determinada maturidade.

Então, eu pergunto: será que vale a pena investir nesse negócio? Entra, aí, o
conceito de valor presente líquido (VPL).
Como se pode imaginar, a Matemática Financeira não permite que façamos uma
análise simplista do tipo: somar todos os uxos monetários futuros e ver se o
resultado parece atrativo. Em razão de efeitos, como in ação, custo de
oportunidade do dinheiro, utilidade do dinheiro e nível de risco do projeto, é
preciso levar em consideração o valor do dinheiro ao longo do tempo. É
naturalmente equivocado dizer que R$ 100,00 têm a mesma importância e
possam ser simplesmente somados se estão em momento de data zero ou daqui a
dez anos, por exemplo.
Conforme vimos no Apêndice 2, o valor presente de um uxo qualquer futuro é
dado por:

Acontece que a projeção de uxos de caixa ilustrada na Figura A3.1 apresenta


diversos uxos futuros, não um só! O conceito de VPL responde à seguinte
questão: qual o valor presente de uma série de uxos de caixa futuros esperados?
Esse indicador é chamado de valor presente líquido, porque considera tanto as
entradas de caixa quanto as saídas de caixa esperadas para o futuro. Ou seja, ao
calcular o VPL, é possível descobrir qual é o valor presente das entradas futuras de
caixa, líquidas das saídas de caixa (ou seja, deduzindo as saídas de caixa).
Como a saída de caixa ilustrada no primeiro uxo já está no valor de hoje, então
ela não precisa ser trazida a valor presente. Sendo assim, apenas serão trazidos a
valor presente os uxos a partir de n = 1. A fórmula genérica, a seguir, ilustra o
cálculo de VPL:

em que:
VPL = valor presente líquido;
FC0 = indica o uxo de caixa feito na data zero (normalmente um investimento e,
portanto, costuma levar sinal negativo);
FC1 a n = uxo de caixa esperado (entradas ou saídas líquidas de caixa do
negócio/projeto) em cada período, que pode variar desde a data zero até o
período qualquer “n” no futuro. Lembrando que os uxos de caixa futuros podem
ser positivos ou negativos;
i = taxa de desconto (ou custo de capital), que será utilizada para trazer o futuro
a valor presente. Lembrando que essa taxa deve contemplar efeitos, como o custo
de oportunidade livre de risco do dinheiro e o nível de risco do projeto. Quanto
mais arriscado o negócio, tanto maior deve ser a taxa de desconto utilizada. Esse
custo de capital foi discutido em profundidade no Capítulo 9 deste livro.
A matemática do VPL é essa. Agora, vamos a sua interpretação. Considere o
seguinte exemplo sobre determinada opção de investimento hipotética:

Tabela A3.1: Fluxo de caixa de um projeto, projetado e a valor presente.


Fonte: desenvolvida pela autora.

Se simplesmente somássemos todos os valores projetados (coluna A),


chegaríamos ao valor de R$ 4,5 mi. Ou seja, o investidor colocaria R$ 1,5 mi na
data zero e, ao longo do tempo, receberia R$ 6 mi, levando a um ganho acima do
investimento de R$ 4,5 mi. Acontece que isso seria uma atrocidade à Matemática
Financeira, concorda? Até porque o simples fato de o uxo de entrada futura ser
maior do que a saída inicial, por si só, não é su ciente para saber se o investidor
estará satisfeito. Por exemplo, e se os ganhos futuros de determinado projeto
levassem a um retorno positivo de apenas 1% ao ano? Será que o investidor
estaria satisfeito? Naturalmente, não, apesar de ser um número positivo, pois o
valor é um ganho que nem mesmo compensa uma taxa livre de risco.
Então, vamos à análise correta: somando todos os uxos da coluna B, chega-se
ao valor presente líquido. Os números dispostos na coluna B foram calculados
trazendo a valor presente os uxos de A, considerando uma taxa de desconto de
10% ao período (que re ete o nível de risco desse negócio hipotético). O VPL é,
então, de R$ 2,3 mi. Isso signi ca que, ao entrar nesse negócio, o investidor tem
um ganho total – em dinheiro de data zero – estimado em R$ 2,3 mi.
Considerando que a taxa de desconto tenha sido bem estimada e, de fato,
represente o interesse mínimo de remuneração do investidor ao aplicar nesse
negócio, dado o risco corrido e suas preferências, então o VPL será uma ótima
ferramenta para tomada de decisões. O VPL pode ter essencialmente três
resultados:

• VPL menor do que zero: signi ca que o projeto destrói valor, pois não consegue
nem mesmo compensar o investimento feito, considerando o mínimo de
interesse de ganho esperado (taxa i).

• VPL igual a zero: signi ca que o projeto consegue remunerar minimamente o


capital investido. Ou seja, o projeto está retornando exatamente a taxa de
desconto i. Quando o VPL é zero, o projeto consegue não só retornar o capital
investido, como também remunerá-lo à taxa de desconto utilizada. Espera-se
que o investidor vá ganhar, portanto, exatamente os 10% que foram incluídos
nos cálculos do exemplo.

• VPL maior do que zero: signi ca que o projeto vai proporcionar ao investidor
um ganho maior do que os 10% mínimos esperados no período.

Lembremo-nos da visão crítica. Em teoria, devemos investir em qualquer projeto


que tenha VPL igual a zero ou positivo. De todo modo, sabemos que o futuro é
incerto, não é? Então, em razão do risco, é usual investirmos em projetos que
tenham certo “colchão de segurança”, com um VPL positivo e não tão próximo a
zero.
Da mesma forma, é possível encontrarmos projetos de VPL negativo que são
implementados. Um exemplo seria quando o projeto pode trazer benefícios
intangíveis de alguma natureza, ou ainda um projeto social em que não se espera
obter retorno nanceiro, mas ganhos de propósito de alguma natureza especí ca.
Neste último caso, o método ainda deve ser aplicado para que se tenha
consciência sobre o custo de implementação desse projeto social.
O VPL tem muita relação com a TIR (taxa interna de retorno) discutida no Capítulo
4.
Note o seguinte: quando o VPL é igual a zero, signi ca que se espera que o projeto
vá remunerar exatamente a taxa de desconto utilizada para trazer os uxos futuros
a valor presente. Isso signi ca dizer que a taxa de remuneração intrínseca desse
projeto é de 10%, no caso de nosso exemplo.
Aquela taxa de desconto que, quando utilizada, leva a um VPL igual a zero é
chamada de taxa interna de retorno (TIR), que representa, então, a remuneração
especí ca que um projeto irá proporcionar, independentemente de qual o custo
de capital do investidor.

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