Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
net/publication/367652920
CITATION READS
1 148
2 authors:
All content following this page was uploaded by Valeska Zanello on 01 February 2023.
Organizadoras
Paula Rita Bacellar Gonzaga
Letícia Gonçalves
Claudia Mayorga
Belo Horizonte
2019
DECLARAÇÃO
© 2019, Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais
É permitida a reprodução desta publicação, desde que sem alterações e
eDOC aBRASIL
A citada fonte. declara para os devidos fins que a ficha catalográfica constante
Ilustração capa:
nesse documento Mariana Lima
foi elaborada por profissional bibliotecário, devidamente registrado
Revisão ortográfica e gramatical: Brasil84
no Conselho Regional de Biblioteconomia. Certifica que a ficha está de acordo com as
Projeto e edição gráfica: Brasil84
normasImpressão:
do CódigoGráfica
de Catalogação
A Nova EraAnglo Americano
& Faleiros LTDA(AACR2),
ME as recomendações da
Associação Brasileira
Tiragem: 1.000de Normas Técnicas (ABNT) e com a Lei Federal n. 10.753/03.
exemplares
É permitida a alteração da tipografia, tamanho e cor da fonte da ficha catalográfica
Conselho Regional de Psicologia – Minas Gerais
de modo a corresponder com a obra em que ela será utilizada. Outras alterações
Rua Timbiras, 1.532, 6º andar, Lourdes
relacionadas com a formatação da ficha catalográfica também são permitidas, desde
CEP: 30.140-061 – Belo Horizonte/MG
que osTelefone:
parágrafos e pontuações
(31) 2138-6767 sejam mantidos. O cabeçalho e o rodapé deverão ser
mantidos inalterados. Alterações
www.crpmg.org.br de cunho técnico-documental não estão autorizadas.
/ crp04@crp04.org.br
Para isto, entre em contato conosco.
ISBN 978-85-98515-28-1
Organizadoras:
Paula Rita Bacellar Gonzaga | Letícia Gonçalves | Claudia Mayorga
DIRETORIA
CONSELHEIRAS(OS)
Aparecida Maria de Souza Cruvinel Márcia Mansur Saadallah
Claudia Natividade Mariana Tavares
Dalcira Ferrão Marília Fraga
Délcio Fernando Pereira Odila Maria Fernandes Braga
Eliane de Souza Pimenta Paula Khoury
Eriane Sueley de Souza Pimenta Reinaldo Júnior
Érica Andrade Rocha Rita Almeida
Ernane Maciel Robson de Souza
Felipe Viegas Tameirão Roseli de Melo
Filippe de Mello Solange Coelho
Flávia Gotelip Stela Maris Bretas Souza
Leila Aparecida Silveira Tulio Picinini
Letícia Gonçalves Vilene Eulálio
Madalena Luiz Tolentino Waldomiro Salles
Marcelo Arinos Yghor Gomes
Interrupção da gravidez e alívio:
sobre o que não se fala das
experiências emocionais das
mulheres face à maternidade
A história de Morgana
Morgana se descreveu como uma mulher branca, de 38 anos, casada há
quatro, usuária de contraceptivos de barreira, com emprego estável e nível
superior. Declarou-se ainda progressista e sem religião. Refere ser filha de
trabalhadores que não acessaram a universidade e, na infância e juventude,
moradora da periferia de uma Região Metropolitana, tendo como único ca-
minho de ascensão social a dedicação aos estudos. Lembra que nunca quis
ter filhos e casar, e era vista por suas amigas e familiares como uma garota
estranha. Sua irmã lhe dizia: “Você diz isso porque ainda não amou de ver-
dade”. Conta que, recentemente, sua irmã confessou que acreditava que “ia
passar” seu não desejo de maternidade. Conta-nos, também, as frases que
ouviu ao longo da vida, quando referia não querer ser mãe:“ Você quer vida
boa, sem trabalho ou preocupação”, lhe falou uma tia; “Ser mãe é passar
nove meses aleijada e a vida toda doida”; ou “ser mãe é padecer no paraíso”;
ou mesmo “a mulher fica mais bonita depois da maternidade”, frases de sua
mãe quando descrevia a própria experiência da maternidade.
Morgana cursou a universidade, constituiu uma carreira e, no meio do
caminho, conheceu um homem que a fez pensar que poderia casar-se, pois
ele revelava compartilhar de suas ideias de relacionamento, as quais tentava
sair do modelo do amor romântico. Casou-se sob a perplexidade de todos,
afinal, sempre disse que não queria casar pois “não quer ser empregada”.
A história de Lilith
Lilith, 54 anos, profissional liberal bem-sucedida, interrompeu a gravidez
aos 37 anos. Filha de pais ricos, comerciantes, começou a trabalhar cedo nos
negócios da família. Nunca se casou, apesar de ter tido vários relacionamen-
tos estáveis e de longa duração. Refere-se como independente e “feminista”,
dizendo que já nasceu assim. O motivo de não ter se casado foi, segundo
suas próprias palavras, gostar de uma vida boa, livre, tranquila, fazer o que
gosta e não ter que cuidar de ninguém, nem de um homem (“homem bra-
sileiro sempre quer uma mãe”) nem de um bebê, nem da logística de uma
casa com família, além de sobrar tempo para viajar e estudar o que gosta, de
aproveitar a vida como quiser. Conta-nos que sempre teve esse espírito livre
e se sentia muito feliz pela opção de vida que construiu, apesar de enfrentar
o preconceito e uma cobrança social para se adequar ao casamento ou, pelo
menos, à maternidade. Para evitar uma gravidez, sempre usou tabelinha e
camisinha, sendo “muito noiada, paranoica, e extremamente cuidadosa para
que isso não acontecesse”.
Aos 37 anos, em seus exames anuais de saúde, recebeu um diagnóstico
de menopausa precoce. Conta-nos que, até então, nunca tinha ouvido falar
sobre essa condição. Segundo sua médica informou, isso significava, além
Discussão
Apresentamos dois relatos que se assemelham pela descrição do alívio sen-
tido após a interrupção da gravidez, a qual aconteceu em um contexto de não
desejo de maternidade. Esse ponto se faz importante quando se discute a re-
lação do abortamento e suas implicações na saúde mental. São mulheres de
origem social distintas, mas que puderam construir uma vida na qual poderiam
fazer escolhas. Pode-se notar uma maturidade psicológica, apesar de toda a
pressão experimentada, como por qualquer outra mulher, de ter que viver a
maternidade como questão principal da vida, e a recusa por este “destino” e
seus desdobramentos, tais como ser percebida como “egoísta”, uma mulher
que “quer vida boa, sem trabalho ou preocupação”. Como conceber uma mu-
lher que se nega a “padecer no paraíso”? E quão subversivo pode ser a escolha,
por parte das mulheres, em usufruir a vida sem centrar-se no cuidar? E, ainda,
como as teorias psi lidam com essa possibilidade de realização das mulheres
fora da maternidade e na opção ativa em não serem mães? Como já apontamos
Esse trecho nos faz refletir que mulheres precisariam ser curadas de suas
‘neuroses’ e o quanto esse conflito relaciona-se, muitas vezes, a querer viver
seus desejos para além do casamento e da maternidade (ou totalmente fora
deles). Em geral, o campo psi clínico não considera que a vivência do casa-
mento e da maternidade, tal como se dá na sociedade patriarcal para as mu-
lheres, poder ser, muitas vezes, uma vivência de sofrimento, dor e frustração.
Em sociedades sexistas como o Brasil, o casamento é um fator de risco para
a saúde mental das mulheres, pois trata-se de uma relação assimétrica na
qual, em geral, as mulheres dão muito mais do que recebem ou se nutrem
(ZANELLO, 2018). O não desejo de maternidade coloca em xeque certos
pressupostos facilmente naturalizados em nossa cultura: o primeiro deles,
como já apontamos, pela ausência desse desejo, o quão mítica é a noção de
“instinto materno”; e o segundo, enquanto uma renúncia a essa maternidade,
Considerações finais
Há uma tendência em atribuir, à experiência do abortamento, consequên-
cias para a saúde mental das mulheres, pois os argumentos de defesa da vida
ficam sem consistência quando se reflete sobre a morte cerebral do feto e se
faz o paralelo com a possibilidade de abortamento nos três primeiros meses de
gestação (sem sistema cerebral formado). Não haveria atentado à vida huma-
na, em nenhum dos dois casos, se usarmos a mesma razão. O argumento do
impacto na saúde mental torna-se um ponto importante no debate para os que
querem impedir as mulheres de interromperem voluntariamente uma gesta-
ção, quando o argumento do impacto na saúde física também não se sustenta,
pois os métodos e técnicas hoje são acessíveis, baratos e com excelente custo
benefício. Ademais das limitações econômicas ou situacionais, o desejo e a
possibilidades de outros projetos das mulheres, para além da maternidade ou
fora dela, ocupam então o palco central, quando se retiram esses subterfúgios.
Ainda parece difícil se pensar, no interior de uma sociedade constituída nos
alicerces do patriarcado, colonialismo, escravismo intermeados com referên-
Referências