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NÚMERO ATEMÁTICO
REVISTA DA SOCIEDADE CEARENSE DE PSIQUIATRIA EM
PARCERIA COM A UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ
Diretor Tesoureiro
David Alves de Albuquerque Filho
IMAGEM DA CAPA
Pequeno Buda - Colagem Digital (2018)
por Saulo Castor
CDD: 150
Editorial
campo acadêmico como da assistência em psiquiatria e saúde mental, além de áreas afins, está
disponibilizando seu segundo volume (v.2). Os artigos abordam a saúde mental de crianças e
cluindo a música como fundamento para educação em saúde mental e a capacitação de instru-
outras drogas na rede de atenção básica à saúde da Organização Mundial de Saúde. Na seção
Editores Chefes
⋆
Gerardo da Frota Pinto1 Submetido em:
( 05/10/1916 - † 14/08/2011) 14/01/2023
Aprovado em:
1. Professor Titular de Psiquiatria do Curso de Medicina da Universidade Federal do
Ceará (1950-1985). Título de Especialista pelas Associação Brasileira de Psiquiatria 18/03/2023
(ABP) / Associação Médica Brasileira (AMB). Ex-Vice-presidente da ABP. Foi coorde-
nador da Comissão Científica e membro da Comissão de Admissão da SOCEP, e Publicado em:
membro da Academia Cearense de Medicina. 27/03/2023
*Artigo originalmente publicado em 1980 na antiga Revista Cearense de Psiquiatria – Ano II - Nº 2 – da Sociedade
Cearense de Psiquiatria (SOCEP).
E
cidade Civil”, de autoria do professor Gerardo
stados psíquicos alterados podem Frota de Sousa Pinto, foi publicado em 1980 pela
suscitar diversas questões capazes de levar o indi- Sociedade Cearense de Psiquiatria no segundo
víduo a ter problemas em sua vida pessoal, social volume da Revista Cearense de Psiquiatria. Seu
ou com a lei, pois podem resultar em comprome- conteúdo tanto traduz o contexto social e legal
timento da capacidade de compreensão da reali- da época, como evidencia o cuidado dispensado
dade ou prejuízo do autocontrole do indivíduo. às questões sensíveis dos exames periciais, além
Diante disso, há quem defenda que o surgimen- de revelar a experiência acumulada pelo autor e
to da Psiquiatria Forense – ramo especializado da seu interesse pela Psiquiatria Forense.
Medicina Legal que tem lugar na interface entre Embora tenham ocorrido mudanças
a Psiquiatria e o Direito – se confunde com o da de terminologia desde que foi escrito o artigo,
própria Psiquiatria, pois relaciona problemas de a apreciação da imputabilidade penal permanece
saúde mental e questões judiciais. apoiada no critério biopsicológico. E ainda que
Formalmente, a Psiquiatria Forense teve a figura do “absolutamente incapaz” tenha sido
seu nascedouro com o parecer médico-psiquiá- revista no Código Civil, a avaliação psiquiátrico-
trico que embasou a avaliação da responsabilida- -forense continua sendo decisiva para o correto
de penal de Pierre Rivière, camponês francês que julgamento nos casos de incapacidade civil. As-
assassinou a mãe grávida e seus dois irmãos em sim, a leitura do texto do Professor Frota Pinto é
1835, resultando na substituição da sentença de capaz de prender a atenção de médicos psiquia-
pena de morte por prisão perpétua. Porém, já no tras, peritos, operadores do Direito e historiado-
Código de Justiniano (528 d.C.), tinha-se que res, ou outros interessados por questões periciais
condições como insanidade e embriaguez pode- no campo da psiquiatria.
riam reduzir a responsabilidade penal. E antes A combinação de aspectos ainda atuais
ainda, na Grécia Antiga, considerações filosóficas com outros que foram sendo transformados com
de Platão e Aristóteles traziam noções de racio- a evolução social torna o artigo ainda mais inte-
nalidade e responsabilidade. Assim, a Psiquiatria ressante, uma vez que somente olhando para o
Forense acompanhou o estado social e cultural passado, criticando o presente e refletindo sobre
de cada período na história, o que revela a im- o futuro evoluímos enquanto sociedade.
portância do estudo de sua evolução.
O artigo “Considerações Psiquiátrico- Marcio Magalhães Arruda Lira – Médico
Psiquiatra e Perito
como absolutamente incapazes de exercer pesso- constata o completo desaparecimento dos sin-
almente os atos da vida civil. (2). tomas clínicos, num lapso de tempo superior a
Como são diversos os estados mentais sessenta dias (intermissão). Nos outros estados
mórbidos susceptíveis de produzir implicações mórbidos o que se verifica é apenas uma regres-
psiquiátrico-forenses e, em benefício da clareza são ou atenuação dos sintomas da doença.
expositiva, estudaremos os mesmos separada- Frequentemente o perito é chamado a
mente no que tange às suas fases de latência e opinar sobre casos em que há dúvida com refe-
incipiência e também suas remissões e intervalos rência à capacidade civil, responsabilidade ou pe-
lúcidos. riculosidade de pessoas que, apesar de não serem
Entende-se por latência mórbida, em portadoras de distúrbios mentais manifestos, não
psiquiatria, não o estado inicial ou incipiente podem, todavia, ser catalogados como normais.
da doença mental, mas, coisa um tanto diver- Tais casos constituem, ao nosso ver, um dos ca-
sa, como seja o caso de, apesar de os sintomas pítulos mais difíceis e delicados da psiquiatria
da doença ainda se encontrarem clinicamente forense.
inaparentes, já existe, contudo, uma psicose em Ocasiões há em que a suspeita da possí-
estado latente, na iminência de tornar-se mani- vel existência de uma doença mental latente, lar-
festa, aguardando, apenas, uma ocasião propícia vada, ou incipiente, vai exigir do juiz o auxílio de
para eclodir. peritos psiquiatras no sentido de lhe fornecer os
O que caracteriza a latência é a ausência esclarecimentos necessários a um perfeito e cor-
de sintomas clínicos, não obstante existirem sin- reto julgamento.
tomas humorais e outros que podem ser captados Entre os estados mórbidos capazes de
por processos de laboratório e psicotécnicos. Na maiores implicações psiquiátrico-legais destaca-
incipiência há apenas o início de leves sintomas mos a esquizofrenia latente, a epilepsia, a psico-
capazes de se fazerem notados, todavia, mercê de se maníaco-depressiva, a deterioração mental, a
um cuidadoso exame clínico. Enquadramos tam- neurossífilis incipiente e as personalidades psico-
bém na latência mórbida os estados de remissão páticas.
por considerarmos os mesmos como simples re- A importância médico-legal da esqui-
gressão da doença a uma fase de latência. Quanto zofrenia latente é muito grande e as estatísticas
aos chamados intervalos lúcidos das psicoses, só no-lo atestam. Heitor Carrilho encontrou no
consideramos como tais os observados na psicose Manicômio Judiciário do Rio de Janeiro, que
maníaco-depressiva e, assim mesmo, quando se hoje tem o seu nome, 16,52% de internações de
tém. Na vara civil, interessa saber, sobretudo, se ques convulsivos frequentes e crises crepusculares
determinado epiléptico é capaz de gerir sua pes- amiudadas, as relações interpessoais do paciente
soa e bens. e seu ajustamento social estão seriamente com-
Os delitos praticados por epilépticos prometidos.
possuem certas peculiaridades como: inutilidade No exame pericial do suspeito de epi-
do ato cometido, brutalidade de execução, repe- lepsia, avulta de importância a eletroencefalogra-
tições do mesmo tipo de delito, amnésia poste- fia. Ê preciso ter em mente, todavia, que cerca
rior. Quando sobrevindos a uma crise de fúria, de 20% dos epilépticos não exibem alterações
o sono e o estupor pós-paroxístico têm grande eletroencefalográficas nas tomadas feitas no pa-
valor médico-legal. ciente, entre as crises, havendo a necessidade do
Na avaliação jurídica dos delitos co- uso de métodos especiais de ativação para que se
metidos por epilépticos, é norma concluir pela evidenciem alterações que se não apresentam de
completa irresponsabilidade do agente quando o modo espontâneo.
evento criminoso acontece durante a crise comi- Outros procedimentos psicotécnicos
cial (período confusional pós-convulsivo, crises como o psicodiagnóstico de Rorschach, o psico-
psicomotoras e estados crepusculares). No inter- diagnóstico miocinético de Mira e os testes de
valo das crises o epiléptico deve ser, em princí- eficiência intelectual, completam a avaliação do
pio, considerado como responsável total. paciente.
Se o delito aconteceu em consequência Conquanto não sejam triviais as ações
do caráter epiléptico o agente será examinado à delituosas praticadas por personalidades maní-
luz do parágrafo único, do artigo 22, do Códi- aco-depressivas, o estudo desta psicose, no que
go Penal. Não é verdade que todo epiléptico seja se refere às fases incipiente e latente, é de muita
perigoso, mas, de regra, se ele já tiver cometido utilidade, por causa de conexão com assuntos fo-
algum crime, (de natureza epiléptica), deve ser renses. Assim, não só interessam as transgressões
considerado perigoso e submetido às medidas de penais e as questões cíveis, mas, sobretudo, as-
segurança. pectos outros como o da prodigalidade, frequen-
Na ausência de deterioração mental e te nas pessoas hipomaníacas, e o problema dos
manifestações intervalares de caráter psicótico, o chamados intervalos lúcidos.
epiléptico é capaz de gerir sua pessoa e bens. A Aqui, a execução da perícia nos casos
interdição do epiléptico só é justificada quando, latentes, incipientes ou frustos, é, muita vez,
em virtude de deterioração mental evidente, ata- delicada, sendo necessário que o médico realize
mental, v.g., os testes de enfraquecimento men- (denominado, por Legrand de Saulle, de perío-
tal, os de eficiência intelectual, da electroencefa- do médico-legal da paralisia geral) as alterações
lografia e da ventriculografia. do comportamento precedem os sinais clínicos
Apesar de as estatísticas já não apresen- da doença e o indivíduo “delira em atos, antes
tarem os mesmos elevados índices de neurossífilis de delirar em pensamento” (Say). (10).
observados, outrora, em virtude dos modernos Na prática forense, a intervenção do
tratamentos, convém não perder de vista a possi- perito é solicitada diante das ações delituosas
bilidade de sua ocorrência porque a paralisia geral cometidas na fase pré-paralítica ou médico-legal
é, talvez, a doença neuropsiquiátrica que permite da doença, ou então, para levantamento de in-
o mais fácil, precoce e seguro diagnóstico graças terdições, anulações de contratos e testamentos,
aos atuais métodos de laboratório. e avaliação da capacidade civil, após remissões
Na paralisia geral, ou doença de Bayle, espontâneas ou devidas aos modernos tratamen-
constituída por uma síndrome psíquica, uma sín- tos. Aqui o perito deverá orientar-se pelo exame
drome neurológica e uma síndrome humoral, os clínico, as características do delito e, principal-
sintomas variam conforme seu período evolutivo mente, pelos exames de laboratório que são de-
classicamente dividido em período inicial (inapa- cisivos para o diagnóstico.
rente, sem sintomatologia clínica, mas com al- Antes dos atuais e efetivos tratamentos
terações do comportamento); período de estado (malarioterapia e penicihnoterapia) o diagnósti-
(onde se verifica acentuação dos sinais vistos no co de paralisia geral equivalia à irresponsabilida-
período anterior, quer de natureza psíquica, quer de e incapacidade inapeláveis. Agora, nos casos
neurológica); período terminal (de paralisia, ca- em que se obtêm remissão clínica completa e
quexia e demência). também humoral, com retorno às ocupações
A paralisia geral começa, de regra, por anteriores por um período superior a 2 anos,
sintomas de alterações do caráter e da persona- pode-se conceder ao antigo paralítico geral in-
lidade, havendo evidente contraste entre o atual teira capacidade civil e responsabilidade penal.
comportamento do indivíduo e a sua primitiva A neurossífilis mesenquimatosa, inters-
maneira de ser e de agir. Geralmente, os delitos ticial, não apresenta importância médico-legal
cometidos por paralíticos gerais referem-se aos idêntica à da paralisia geral, contudo, existem
furtos, atentados ao pudor, negócios ilícitos, etc., casos duvidosos que precisam ser esclarecidos
sendo muito raros os crimes de sangue. com referência à responsabilidade de agentes de
No período inicial da doença de Bayle delitos e à capacidade civil de pessoas questio-
nacional de Doenças, da OMS, esclarece que modo recorrente, e se ficou provada a ineficácia
a expressão nela empregada — personalidade do tratamento adequado; c) se as dificuldades
antissocial, “é reservada para os indivíduos ba- no ajustamento tiverem sido manifestadas por
sicamente insocializáveis e cujo padrão de com- algum sintoma ou distúrbio do comportamento
portamento os coloca repetidamente em confli- que não seja consequência de deficiência mental,
to com a sociedade. São incapazes de lealdade doença estrutural do cérebro, epilepsia, neurose,
significativa para com os indivíduos, grupos ou psicose afetiva ou esquizofrenia (14).
valores sociais. São manifestamente egoístas, ru- São mencionados como principais tipos
des, irresponsáveis, impulsivos e incapazes de de desajustamento a delinquência e as transgres-
sentir culpa ou aprender com a experiência e o sões legais em geral, incluindo desde a vagabun-
castigo. A tolerância à frustração é baixa. Ten- dagem, o pequeno furto, a prostituição, os assal-
dem a culpar os outros ou oferecer racionaliza- tos, as falsificações, até o homicídio.
ções plausíveis pelo seu comportamento” (13). Bimhaum enumera nos psicopatas: a)
O diagnóstico de personalidade psico- desproporção entre o estímulo e a reação; b) de-
pática torna-se delicado quando na prática fo- sarmonia ou falta de coordenação nos elementos
rense o psiquiatra é solicitado a expressar sua que integram o caráter; c) intolerância psicofí-
opinião sobre questões de responsabilidade nos sica; d) inadaptabilidade à vida; e) comporta-
casos fronteiriços (“anormais psíquicos”, “semi- mento antissocial (15). Mira y Lopez enfatiza
-loucos”, e “psicopatas”), os quais são conside- a existência, nas personalidades psicopáticas, de
rados responsáveis parciais e sujeitos às medidas perturbações do comportamento que costumam
de segurança previstas no artigo 77 do Código ser precoces e manifestam-se sobretudo em face
Penal Brasileiro. A esse respeito deve-se ter em de estímulos e situações que direta ou indireta-
mente que nenhum sintoma ou combinação de mente reativam a emotividade e põem em con-
sintomas, tidos como manifestação clínica de flito as diversas tendências primitivas de reação
personalidade psicopática, são privativas dessa do indivíduo. Apesar de haver uma incidência
condição mórbida e que os critérios diagnósti- muito grande de anormalidades eletroencefa-
cos gerais são pouco satisfatórios. W. Preu ad- lográficas nas personalidades psicopáticas, elas,
mite o diagnóstico de personalidade psicopá- todavia, não são conclusivas; o mesmo podendo
tica quando se verificam: a) evidentes sinais de dizer-se dos diversos exames psicotécnicos em-
franco desajustamento social; b) se esse desa- pregados usualmente (PMK, psicodiagnóstico
justamento tem sido contínuo ou repetido, de de Rorschach, testes de eficiência intelectual
etc.). O exame clínico deve ser completado com do tipo clínico da personalidade psicopática.
provas sorológicas e liquóricas, visando a afastar Assim, em se tratando de uma personalidade
a possibilidade de uma neurossífilis incipiente, hipertímica, tendendo para a prodigalidade e a
bem como pela radiografia do crânio e, se pre- dissipação, deve-se considerá-la como relativa-
ciso, pneumo ou arteriografia cerebral, que po- mente incapaz e opinar pela curatela.
dem revelar anomalias ou processos patológicos A atividade psiquiátrico-legal no terre-
ainda não detectados. no movediço do parágrafo único do artigo 22,
As implicações médico-legais que resul- do Código Penal, exige o indispensável conhe-
tam do diagnóstico firmado de personalidade cimento da matéria não só por parte do perito,
psicopática são muito importantes, não só para como, também, por parte da autoridade julga-
o perito quando é chamado a opinar sobre ca- dora, para que ela possa aquilatar da idoneidade
sos em que há dúvida acerca da responsabilidade dos processos empregados na perícia executada,
ou periculosidade, como para o juiz que deve retirando daí o material esclarecedor imprescin-
decidir acerca. O nosso Código Penal trata das dível ao correto julgamento do caso. A avaliação
personalidades psicopáticas no parágrafo único da responsabilidade ou capacidade de imputação
do artigo 22, que diz: “A pena pode ser reduzida de uma pessoa é tarefa espinhosa, bem como a
de um a dois terços, se o agente, em virtude de verificação da periculosidade, quer seja o indiví-
perturbação da saúde mental ou por desenvol- duo delinquente ou sem delito (estado perigoso
vimento mental incompleto ou retardado, não pré-delituoso), visando a descobrir os “portado-
possuía, ao tempo da ação ou da omissão, a ple- res de perigo”, para que lhes sejam aplicadas as
na capacidade de entender o caráter criminoso “medidas de segurança” previstas no artigo 77
do fato, ou de determinar-se de acordo com esse de Código.
entendimento”. Segundo ele os “fronteiriços Apesar do rol de dificuldades com que
(anormais psíquicos, psicopatas”) são declarados se defronta o perito, acreditamos que em virtude
responsáveis, ficando ao prudente arbítrio do dos grandes progressos verificados nos procedi-
Juiz, nos casos concretos uma redução da pena, mentos semiológicos e psicodiagnósticos, já se
e isto, sem prejuízo da aplicação obrigatória de dispõe de meios valiosos para o esclarecimento
medida de segurança”. (1). cabal da maioria dos casos psiquiátrico-legais
Quanto à capacidade civil, dependerá questionados.
8. Babcock, H. Examination for measuring 15. Birnbaum, apud Vallejo Nagera, Tratado de
efficiency of mental functioning. Chicago, Psiquiatria, Salvat. Ed. Barcelona, 1944.
Aprovado em:
1. Universidade Estadual do Ceará (UECE)
13/12/2022
Autor correspondente: anapatricia.morais@uece.br Publicado em:
27/03/2023
RESUMO
Objetivo: Compreender o saber e o agir dos profissionais da Atenção Primária à Saúde no contexto da Rede de Atenção Psi-
cossocial no Município de Fortaleza. Metodologia: Estudo de caso com perspectiva crítico-analítica e abordagem qualitativa,
realizado no município de Fortaleza, Ceará, Brasil. Participaram da pesquisa 31 profissionais das equipes Saúde da Família e
Núcleo Ampliado de Saúde da Família, no período de abril a setembro de 2016. Os dados foram coletados por meio de entre-
vistas e tratados pela análise de conteúdo temática. Resultados: Emergiram duas categorias empíricas: “Concepção de saúde
mental” e “Eu cuido? Como eu cuido?”, que abordam sobre saberes e práticas da saúde mental, bem-estar, qualidade de vida
e enfrentamentos em busca do cuidado psicossocial na atenção primária à saúde, pois ainda se evidencia uma rede de atenção
psicossocial fragilizada e fragmentada. Conclusão: Considera-se que as inovações, tecnologias e organização da atenção à saúde
são indissociáveis no cuidar integralmente das pessoas, em seus contextos de vida e subjetividades.
Palavras chave: Atenção Primária à Saúde. Apoio Matricial. Integralidade em Saúde. Saúde Mental.
ABSTRACT
Objective: To understand the knowledge and actions of Primary Health Care professionals in the context of the Psychosocial
Care Network in the city of Fortaleza. Methodology: Case study with a critical-analytical perspective and qualitative approach,
conducted in the city of Fortaleza, Ceará, Brazil. Participated in the research, 31 professionals from the Family Health teams
and Extended Family Health Center, in the period from April to September 2016. Data were collected through interviews and
treated by thematic content analysis. Results: Two empirical categories emerged: “Conception of mental health” and “Do I
care? How do I care?”, which address knowledge and practices of mental health, well-being, quality of life and confrontations
in the search for psychosocial care in primary health care, as there is still evidence of a weakened and fragmented psychosocial
care network. Conclusion: It is considered that innovations, technologies and organization of health care are inseparable from
the integral care of people, in their life contexts and subjectivities.
Keywords: Primary Health Care. Matricial Support. Integrality in Health. Mental Health.
RESUMEN
Objetivo: Comprender el saber y las acciones de los profesionales de la Atención Primaria de Salud en el contexto de la Red
de Atención Psicosocial en la ciudad de Fortaleza. Metodología: Estudio de caso con perspectiva crítico-analítica y enfoque
cualitativo, realizado en la ciudad de Fortaleza, Ceará, Brasil. Participaron de la investigación 31 profesionales de los equipos
de Salud de la Familia y Centro de Salud de la Familia Ampliada, en el período de abril a septiembre de 2016. Los datos fue-
ron recolectados a través de entrevistas y tratados por análisis de contenido temático. Resultados: Emergieron dos categorías
empíricas: “Concepción de salud mental” y “¿Me importa? ¿Cómo me importa?”, que abordan saberes y prácticas de salud
mental, bienestar, calidad de vida y confrontaciones en la búsqueda de atención psicosocial en la atención primaria de salud, ya
que aún se evidencia una red de atención psicosocial debilitada y fragmentada. Conclusión: Se considera que las innovaciones,
tecnologías y organización del cuidado de la salud son inseparables del cuidado integral de las personas, en sus contextos de
vida y subjetividades.
Palabras clave: Atención Primaria de Salud. Soporte de Matriz. Integralidad en Salud. Salud Mental.
A
promoção e recuperação da saúde, por meio de
Reforma Sanitária Brasileira de- ações intersetoriais e multiprofissionais3. Neste
marcou, política e institucionalmente, a consoli- estudo, consideramos a integralidade como a
dação de princípios e diretrizes que fundamenta- base para o cuidado em saúde mental.
ram a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), O cuidado com ênfase na construção
emergindo um sistema de saúde com forte ten- crítica, política e na lógica da integralidade,
sionamento à participação de usuários, trabalha- oportuniza a ressignificação dos sujeitos numa
dores e gestores em sua governança, na década relação democrática e cidadã entre profissional
de 1980 . 1
e usuária/o e/ou familiar4. A integralidade do
Os princípios fundamentais que nor- cuidado contribui para o fortalecimento dos vín-
teiam a atenção à saúde (universalidade, equida- culos familiares e comunitários, oportunizando
de e integralidade), expressos inicialmente nos autonomia aos usuários acometidos pelo sofri-
movimentos da Reforma Sanitária e incorpora- mento psíquico.
dos na Constituição Brasileira de 1988 e na legis- O Programa Saúde da Família (PSF),
lação SUS vêm produzindo mudanças nas práti- implantando a partir de 1994 sinalizava uma po-
cas em saúde, em particular, na atenção primária tente ferramenta para garantir a APS, com base
à saúde (APS) . 2
territorial, constituindo o acesso prioritário aos
A organização do cuidado na APS per- serviços de saúde. A Política Nacional da Aten-
passa por cinco atributos fundamentais: integra- ção Básica (PNAB), em 2006, indica que a APS
lidade, coordenação do cuidado, longitudinalida- deve ser estruturada como ordenadora da Rede
de do cuidado, responsabilidade e acessibilidade. de Atenção à Saúde (RAS), sendo necessário for-
Para o cuidado integral é imprescindível consi- talecer os seus atributos e a integração com os di-
derar as necessidades de saúde e o contexto em versos níveis de atenção e linhas de cuidados pre-
viamente definidas5. A APS se constitui6 como te a todos os profissionais, primando por uma
principal estratégia de organização do sistema assistência integral e humanizada, considerando
público de saúde no Brasil, sendo a porta de en- as queixas, emoções e sentimentos dos usuários.
trada do sistema, o primeiro nível de atenção à A integralidade da atenção às pessoas em sofri-
saúde, caracterizado como espaço privilegiado na mento mental requer desconstrução e constru-
garantia do acesso, participação social, efetivida- ção das ações cotidianas dos profissionais da APS
de da integralidade e equidade do cuidado. incorporando saberes e práticas intrínsecos aos
Assim, os usuários deixam de ser núme- princípios da Reforma, pois a oferta da atenção
ros de prontuários e passam a ser reconhecidos integral à saúde demanda práticas produtoras de
como cidadãos com suas histórias de vida e seus saúde, norteadas pela autonomia e integralida-
vínculos familiares e comunitários que se for- de8.
mam durante toda a vida. Considera-se o sujeito Nesta perspectiva, a Política Nacional de
em sua singularidade e inserção sociocultural, Saúde Mental vem afirmar a necessidade de efe-
onde os profissionais da APS ultrapassam os mu- tivação de ações de saúde mental nos espaços da
ros institucionais e adentram nas casas e espaços APS. O modelo de redes de atenção psicossocial
comunitários do seu território, na perspectiva de se constrói sustentado em base territorial e atu-
promover o cuidado integral em saúde mental. ação transversal com outras políticas específicas
Por estarem inseridas na comunidade, as que busquem o estabelecimento de vínculos e
equipes da APS são um recurso estratégico no acolhimento a estes usuários de saúde9. O traba-
enfrentamento dos agravos vinculados ao uso lho interdisciplinar permite um olhar integrado
abusivo de álcool, drogas e várias formas de so- ao sujeito, colaborando para melhor compreen-
frimento psíquico. O cuidado em saúde mental7 são dos indivíduos e propondo intervenções que
requer abordagens que se coloquem a favor da possam atender às necessidades da população.
vida, da liberdade, da valorização das diversida- Destaca-se, então, que a experiência
des, da dignidade, da bioética e do respeito, ou na APS permitiu identificar as dificuldades dos
seja, dos direitos humanos, estabelecendo rela- profissionais no acolhimento às pessoas em sofri-
ções vivas que promovam afetos entre familiares mento e/ou transtorno mental, bem como na de-
e profissionais, produzam saúde e não cultivem a finição e identificação da gravidade e/ou o risco
doença, a dor e o sofrimento. da doença. Percebemos, ainda, fragmentação na
Com a Reforma Psiquiátrica Brasileira, Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), agravando
o processo de cuidar na Saúde Mental compe- ainda mais essa problemática, demonstrando que
a intervenção6 e articulação das ações de saúde A investigação teve como campo empí-
mental na APS ainda representam desafios da re- rico o município de Fortaleza, capital do esta-
forma psiquiátrica em andamento, o que resvala do do Ceará, dividido em 119 bairros que estão
na garantia de acessibilidade destas pessoas em distribuídos em seis Coordenadoria Regionais
sofrimento a uma rede de cuidados e no reesta- (CORES). Foram selecionadas seis Unidades de
belecimento de seus laços socioafetivos na comu- Atenção Primária à Saúde (UAPS), utilizando-se
nidade. como critério de inclusão: ser aquela com maior
A incorporação de ações efetivas de saú- área adscrita no território de cada uma das CO-
de mental nos dispositivos da APS é fundamen- RES. O estudo foi realizado nas seguintes UAPS:
tal para a consolidação deste novo modo de pen- João Medeiros (CORES I), Rigoberto Romero
sar e cuidar da saúde mental, na perspectiva da (CORES II), Anastácio Magalhães (CORES
clínica ampliada e da assistência integral, qualifi- III), Roberto Bruno (CORES IV), Abner Caval-
cada e humanizada. Com isso, o presente estudo cante (CORES V) e Galba de Araújo (CORES
tem como objetivo compreender o saber e o agir VI).
dos profissionais da APS no contexto da Rede de Participaram da pesquisa 27 profissio-
Atenção Psicossocial no Município de Fortaleza. nais das equipes Saúde da Família (e-SF) e qua-
tro profissionais do Núcleo Ampliado de Saúde
METODOLOGIA da Família (NASF), perfazendo 31 atores sociais
das categorias profissionais: cinco dentistas, cin-
Trata-se de um estudo crítico-analítico co enfermeiros, cinco médicos, um auxiliar de
com abordagem qualitativa, que nos possibilita enfermagem, cinco técnicos de enfermagem,
compreender e analisar o fenômeno social e suas seis agentes comunitários de saúde (ACS), três
relações no campo da saúde mental e da atenção fisioterapeutas e um nutricionista, incluídos pe-
primária . Elegeu-se o estudo de caso por po-
10
los seguintes critérios: estarem lotados nas UAPS
tencializar a compreensão da complexidade do selecionadas e desempenhando suas atribuições
fenômeno social, focalizando o problema em sua há, pelo menos, um ano, considerando-se tempo
plenitude. O estudo de caso é uma investigação
12
necessário para maior vinculação e estabeleci-
empírica, um método que abrange planejamen- mento de relação terapêutica entre profissionais
to, técnicas de coleta de dados e sua análise, re- de saúde e usuários.
tratando a realidade com profundidade, à medi- A apreensão do material empírico ocor-
da que se adentra em todos os seus aspectos e se reu no período de abril a setembro de 2016, uti-
conhece o contexto em que ela permanece. lizando-se como instrumento para coleta de da-
RESULTADOS
Nesta categoria, expressa-se uma con-
A caracterização dos participantes tor- cepção de saúde mental como sendo bem-estar,
na-se relevante, visto que aproxima o leitor do o estilo de vida da população, ligados diretamen-
do sexo feminino, com média de idade de 41,5 vida. Reiteram percepções que identificam saú-
anos, tendo o mais novo 25 anos e o mais velho, de mental relacionada a alguma característica
infância, além de considerá-la como um distúr- pode vir a ter outras coisas tipo depressão, coisas
bio, patologia ou doença de origem psicológica e assim. (E16)
neurológica.
Saúde mental é estar bem consigo, é Eu acredito que a saúde mental tem sido
conseguir resolver a problemática interna, os o grande ponto de desequilíbrio da sociedade
seus conflitos internos e conseguir apaziguar ou nos dias de hoje. Intolerância, desrespeito, de-
fazer a gestão dos conflitos externos. (E1) samor, vício, depressão, desânimo (pausa). Vejo
que praticamente todas as pessoas têm necessida-
Na minha visão a saúde mental vai além des, umas com mais, outras menos, de práticas
de um comportamento dito normal, vai envolver que restabeleçam ou melhorem este equilíbrio.
toda uma característica genética que interfere no Identifico uma grande necessidade não só dos
ser como um todo. (E14) pacientes que procuram a unidade, mas dos pro-
fissionais que a compõe. (E29)
Saúde mental é justamente referente à
questão da mente, as questões que passam pelo II. Eu cuido? Como eu cuido?
Percebem-se condutas permeadas pela mais de está fazendo esse elo com o médico, elo
tendência biologicista, com prática prioritária com o Agente Comunitário de Saúde na área e
dos encaminhamentos à atenção especializada, com o médico aqui na Unidade. Eu não estou
especificamente, o Centro de Atenção Psicosso- conseguindo fazer nada. (E30)
cial (CAPS). Compreendem o encaminhamento
como resposta à necessidade da pessoa, visto que Os profissionais reforçam que o cuida-
os profissionais não reconhecem como sua com- do ao indivíduo em sofrimento psíquico tem se
petência a atenção a estas pessoas na APS. mantido na lógica da medicalização do sujeito,
Aqui a gente nunca consegue fazer nada, tendo sua resolução associada à prescrição e uso
então quando surgem esses casos mais assim de de medicações.
mental a gente encaminha logo pro CAPS. Ten- O médico da atenção básica é um trans-
ta dar logo um destino pra eles e o CAPS tenta critor da receita anterior, então não tem dimi-
mandar pra cá de volta. (E4) nuição de dose, não tem adequação de tratamen-
to, não tem uma terapia pra ver se a pessoa fazia
Aqui na unidade nossos profissionais um desmame desse medicamento. (E24)
têm a capacidade de direcionar, de classificar o
problema da pessoa e direcionar para um espe- Evidencia-se uma atenção focada no
cialista. (E22) adoecimento, vinculando o atendimento apenas
a um profissional, privando o indivíduo de uma
As falas dos profissionais revelam a cen- assistência integral e multiprofissional.
tralidade na figura do médico como o único que
detém o saber e capaz de proporcionar o cuidado DISCUSSÃO
a esses usuários.
Para a Organização Mundial da Saúde
A gente coloca pro médico pra ele diag-
(OMS) saúde mental é um estado de bem-estar
nosticar e ver quais as necessidades do paciente
no qual um indivíduo percebe suas próprias ha-
pra encaminhar pro CAPS pra ele ter um melhor
bilidades, podendo lidar com os estresses coti-
acompanhamento. O enfermeiro conversa com
dianos, trabalhar produtivamente e ser capaz de
o médico e de acordo com o que eles decidirem
contribuir para sua comunidade14. As mudan-
a gente encaminha o paciente. (E8)
ças do modelo de assistência à saúde a partir da
Aqui o nosso papel como enfermeira é Constituição de 1988 e da Lei n° 8.080/90, bem
como no campo da saúde mental na perspectiva
biente para expressão de sentimentos, postura é responsável pela coordenação do cuidado, de-
condizente com a proposta de acolhimento e vendo os profissionais que nela atuam contribu-
humanização19. Esta postura que se estabelece írem na elaboração, acompanhamento e gestão
numa comunicação que provoca nos profissio- do cuidado ofertado ao indivíduo. Além disso,
nais de saúde a escuta do outro, fundamentado devem acompanhar e organizar o fluxo dos usu-
no cuidado integral e humanizado, revitaliza as ários entre os serviços ofertados na rede. No en-
práticas do cuidado e as relações interpessoais. tanto, ainda se observa o foco na doença, não na
Cuidar da pessoa no âmbito territorial, pessoa e suas necessidades, repassando o proble-
especialmente o cuidado à pessoa com transtor- ma para outro, ao invés de assumir a responsabi-
no mental, exige a inclusão de novas relações e lidade por sua resolução22.
dinâmicas sociais, assim como a prioridade no Partindo dessa premissa, necessário se
uso de tecnologias leves. O uso dessas tecnolo- faz o Apoio Matricial (AM) em saúde mental que
gias20 assume o comando da produção do cui- é uma prática em que profissionais especialistas
dado, servindo como dispositivo potencializador nesta área oferecem suporte aos demais profis-
para um trabalho que valoriza as subjetividades e sionais da APS para ampliar a sua resolubilidade
singularidades dos sujeitos. e produzir maior responsabilização no acompa-
A partir dessas reflexões, depreende-se nhamento e atendimento das pessoas em sofri-
a necessidade dos profissionais utilizarem estes mento psíquico, rompendo-se com a lógica dos
dispositivos no cuidado e de reconhecerem as encaminhamentos indiscriminados e ampliando
demandas de saúde dos usuários em sofrimento a sua clínica22. Torna-se imprescindível o apoio
psíquico para evitar a fragmentação na assistên- da gestão municipal para oficializar e intensificar
cia e a redução ao sistema biológico, pois quan- o matriciamento como dispositivo que possibili-
do as questões subjetivas21 são ignoradas ou não ta a construção de novos processos de trabalho,
identificadas, não há atenção integral, ocasio- auxiliando os profissionais da APS e contribuin-
nado uma cisão entre físico e psíquico. Diante do para a promoção do cuidado integral e com-
disso, torna-se substancial investir em ações que partilhado em saúde mental, por meio de uma
promovam a integralidade, sendo o acolhimento relação de horizontalidade.
integral em saúde um caminho a ser percorrido Os profissionais de saúde deveriam pas-
na APS. sar em suas formações por momentos reflexivos
Cabe destacar fragilidades na integrali- e problematizadores sobre a complexidade que
dade da assistência, tendo em vista que a APS é o ser humano23, reconhecendo suas histórias,
seus devires, por meio de uma atenção que in- de tratamento ao usuário em situação de sofri-
tegra3 ações de promoção, prevenção, assistência mento mental. As dificuldades encontradas no
e reabilitação, promovendo acesso aos diferentes cotidiano, o luto, a angústia, o mal-estar, que
níveis de atenção e ofertando respostas ao con- fazem parte do ser social e de sua singularidade
junto. O cuidado em saúde mental24, a partir da são apreciadas como doenças e, com isso, ne-
Reforma Psiquiátrica e enquanto campo de atu- cessitam ser medicalizadas para que possam ser
ação, requer intervenções mais humanas, focali- curadas, favorecendo a perda de autonomia dos
zadas nas relações entre as pessoas. Cada pessoa sujeitos27,28.
carrega em si sua história e sua cultura, contexto Em sendo assim, o cuidado integral em
intenso que precisa ser considerado. saúde mental na APS requer um trabalho arti-
Na APS, o trabalho interdisciplinar é culado da RAPS, mas nos deparamos com uma
uma de suas diretrizes, visto que nenhum pro- rede fragilizada e fragmentada que necessita da
fissional sozinho consegue ofertar cuidado inte- integração dos diversos pontos de atenção, além
gral aos seus usuários, pois não podemos falar em de mais estratégias de encontro, comunicação e
saúde mental isoladamente, torna-se necessário relacionamento entre os profissionais dos diver-
associarmos tal concepção a uma extensa área de sos equipamentos e de diferentes níveis de com-
conhecimento e suas ações distinguem-se por seu plexidade.
caráter interdisciplinar e intersetorial, por vezes,
até transdisciplinar25,26. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para produzir mudanças na produção do
cuidado aos usuários com sofrimento psíquico A Reforma Psiquiátrica no município
necessário se faz o envolvimento de diversas ca- de Fortaleza consegue produzir um novo mode-
tegorias profissionais, bem como de instituições lo de atenção, mesmo que os modelos de gestão,
que os envolvidos no processo do cuidar saiam evidenciamos que é possível caminhar na con-
Além disso, a prescrição dos medica- ença mental direcionado às ciências sociais. En-
mentos é vista como uma das principais formas tretanto, o modelo biomédico ainda está muito
presente nas ações dos profissionais de saúde, práticas e constituindo novos serviços, inclusive
fortalecendo a permanência da psiquiatria tradi- no âmbito municipal.
cional. No entanto, ainda é forte a tendência à
Não se pode negar mudanças no modelo institucionalização da loucura representada na
técnico-assistencial, incluindo novos serviços em figura dos CAPS e comunidades terapêuticas,
saúde mental focados no atendimento psicosso- mas estamos conseguindo transpor os muros dos
cial e no acolhimento das ações de saúde mental serviços e equipamentos para adentrarmos nos
na APS. A dimensão jurídica-política é palpável, espaços comunitários e familiares, sendo a APS a
há um arcabouço jurídico direcionando novas grande protagonista de todo processo.
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3]. Disponível em: <https://bvsms.saude.gov.
Aprovado em:
1. Universidade Federal do Ceará
21/11/2022
Autor correspondente: emanueri12@hotmail.com Publicado em:
27/03/2023
RESUMO
Introdução: A saúde mental é um tema que tem ganhado notoriedade nas discussões científicas, principalmente no cenário
de pandemia, o qual impactou negativamente a sua constituição, especialmente no que diz respeito à crianças e adolescentes.
Nesse sentido, avaliar o risco de saúde mental nesse público se torna essencial para traçar intervenções eficazes. Contudo, é re-
levante considerar, nesta avaliação de risco, aspectos tais como história de vida, contexto, configuração familiar, suporte social,
dificuldades e capacidade de resiliência. Objetivos: Para tanto, este trabalho objetiva elencar os instrumentos disponíveis que
avaliem a saúde mental de crianças e adolescentes. Metodologia: Para isso, foi realizado uma revisão sistemática de literatura
de artigos disponíveis em bases virtuais e baseado no Systematic Search Flow (SSF). De acordo com os critérios de inclusão
e exclusão foram selecionados 11 artigos que apontaram instrumentos utilizados por profissionais no Brasil. Resultados e
discussões: A partir da sistematização dos dados foi possível identificar diversos instrumentos adotados, fato que evidencia a
heterogeneidade nas formas de avaliação de fatores de risco à saúde mental infanto-juvenil. Conclusão: Conclui-se assim, que
para a realização de tal avaliação, necessário se faz, a utilização de várias ferramentas, somado à expertise do profissional, além
do conhecimento teórico inerente às fases do desenvolvimento.
ABSTRACT
Introduction: Mental health is a topic that has gained notoriety in scientific discussions, especially in the context of a pan-
demic, which has had a negative impact on its constitution, especially with regard to children and adolescents. In this sense,
assessing the risk of mental health in this public becomes essential to outline effective interventions. However, it is relevant
to consider, in this risk assessment, aspects such as life history, context, family configuration, social support, difficulties and
resilience. Objectives: Therefore, this work aims to list the available instruments that assess the mental health of children and
adolescents. Methodology: For this, a systematic literature review of articles available in virtual databases and based on the
Systematic Search Flow (SSF) was carried out. According to the inclusion and exclusion criteria, 11 articles were selected that
pointed to instruments used by professionals in Brazil. Results and discussions: From the systematization of the data, it was
possible to identify several instruments adopted, a fact that highlights the heterogeneity in the ways of assessing risk factors for
child and adolescent mental health. Conclusion: It is therefore concluded that, in order to carry out such an evaluation, it is
necessary to use several tools, in addition to the professional’s expertise, in addition to the theoretical knowledge inherent in
the development phases.
RESUMEN
Introducción: a salud mental es un tema que ha ganado notoriedad en las discusiones científicas, especialmente en el contexto
de una pandemia, lo que ha impactado negativamente en su constitución, especialmente en lo que se refiere a niños y adoles-
centes. En ese sentido, evaluar el riesgo de salud mental en este público se vuelve fundamental para delinear intervenciones
efectivas. Sin embargo, es relevante considerar, en esta evaluación del riesgo, aspectos como la historia de vida, el contexto, la
configuración familiar, el apoyo social, las dificultades y la resiliencia. Objetivos: Por lo tanto, este trabajo tiene como objetivo
enumerar los instrumentos disponibles que evalúan la salud mental de niños y adolescentes. Metodología: Para ello, se realizó
una revisión sistemática de la literatura de artículos disponibles en bases de datos virtuales y con base en el Flujo de Búsqueda
Sistemática (SSF). De acuerdo con los criterios de inclusión y exclusión, fueron seleccionados 11 artículos que apuntaban a
instrumentos utilizados por profesionales en Brasil. Resultados y discusiones: A partir de la sistematización de los datos, fue
posible identificar varios instrumentos adoptados, hecho que destaca la heterogeneidad en las formas de evaluar los factores de
riesgo para la salud mental del niño y del adolescente. Conclusión: Por lo tanto, se concluye que, para llevar a cabo tal evalua-
ción, es necesario utilizar varias herramientas, además de la experiencia del profesional, además de los conocimientos teóricos
inherentes a las fases de desarrollo.
A
ciclo do desenvolvimento. Essas, por sua vez, in-
concepção de infância adquiriu di- cluem alterações comportamentais, fisiológicas,
ferentes significados durante o percurso histórico hormonais e comportamentais5. Nesse sentido,
das sociedades modernas ocidentais¹. Até então, uma vez que essa temática é complexa, os dispo-
as crianças eram representadas como adultos em sitivos de saúde mental e coletiva tem levanta-
miniatura, não tendo nenhum tratamento di- do esforços para trabalhar com esse público que
ferenciado e não lhes sendo conferido nenhum também pode se encontrar em risco nas classes
direito especial. Dessa forma, a responsabilida- menos desfavorecidas.
de pelos cuidados e educação dos jovens ficavam Sendo assim, ao versar sobre risco é pre-
inteiramente a cargo da família, sendo a figura ciso considerar e compreender os diferentes con-
materna a principal encarregada dessa tarefa². ceitos encorpados pela literatura científica. Logo,
Nessa direção, com as mudanças econô- o risco que se assume neste manuscrito, leva em
micas, políticas, sociais e religiosas que demarca- consideração o viés quantitativo em relação a
ram o surgimento da Idade Moderna, a concep- predição da ocorrência de eventos negativos in-
ção de infância tal como se concebe atualmente terligados ao arquétipo hegemônico das ciências
começou a ser estruturada³. Logo, a preocupação humanas e coletiva6.
com a educação e a saúde, bem como o reconhe- Neste rol, os aspectos referentes à saú-
cimento de aspectos inerentes a essa fase tensio- de mental de crianças e adolescentes tornaram-
naram por mudanças do lugar de invisibilidade -se importantes. Passando a ser considerada pela
ocupado pelas crianças na sociedade e nas políti- Organização Mundial de Saúde (OMS) como
cas públicas4. integrante de um estado de bem-estar físico e
É saliente mencionar que a adolescên-
social, que pode ser afetada por uma série de va- enumere os instrumentos que avaliem este cons-
riáveis externas7. A esse respeito, em contexto de truto. Sendo assim, o presente estudo tem como
pandemia, as mudanças do estilo de vida e de principal objetivo elencar os instrumentos dispo-
interações sociais impactaram negativamente nos níveis que avaliem a saúde mental de crianças e
aspectos psicológicos de crianças e adolescentes8. adolescentes.
Desse modo, a saúde mental passa a
ser resultado de processos internos e externos MATERIAL E MÉTODOS
essa população específica. visão sistemática. Para esse estudo foi adotado o
Para atender a tais regulamentações, es- método Systematic Search Flow (SSF) o qual in-
pecialmente no que tange às políticas públicas de dica que há quatro principais fases do processo
saúde, pode-se citar a Rede de Atenção Psicos- de pesquisa: a primeira consiste na elaboração do
social (RAPS), que objetiva prestar assistência e protocolo de pesquisa, a segunda fase constitui a
cuidados a este público, norteados por uma visão análise do material recolhido, a terceira fase de-
integral de infância12. No entanto, é crucial que tém a síntese do material e a última fase é com-
posta pela escrita dos resultados encontrados. A
se consolide ferramentas e práticas em saúde co-
pesquisa dos artigos ocorreu durante o mês de
erente com esta ótica.
novembro de 2021 via biblioteca da Scientific
Portanto, tendo em vista a emergência
Electronic Library Online (SciELO) e da Bibliote-
de discussões a respeito da saúde mental infan-
ca Virtual em Saúde (BVS) além dos Periódicos
to-juvenil, torna-se relevante um estudo que
eletrônicos em Psicologia (PePsic). do. Além desses, os que descreviam apenas sobre
Dessa forma, tendo em vista a pesquisa mensuração da saúde mental em maiores de 18
realizada inicialmente na plataforma dos Descri- anos ou continha descrição de instrumentos refe-
tores em Ciências da Saúde (DeCS)14 foram es- rentes a outros países foram descartados. De for-
colhidos os seguintes descritores e palavras-chave ma adicional, não foram consideradas literaturas
aplicados nas buscas efetuadas nas bases de da- não avaliadas por pares ou literatura cinzenta.
dos virtuais: “questionário e inquéritos”; saúde A seleção dos estudos foi executada de
mental”; “infantil”; “Questionário e inquéritos forma indepedente por dois pesquisadores por
AND risco saúde mental AND adolescentes”; meio da leitura dos título e resumos. Assim, eli-
“avaliação de risco em saúde mental adolescente’’ minaram-se numa primeira etapa aqueles que
e “child mental health questionnaire”, ambas cru- evidentemente não se encaixavam nos critérios
zadas pelo operador booleano AND. de elegibilidade. Em contrapartida, os estudos
Como critérios de inclusão, seleciona- considerados aptos foram lidos na íntegra para
ram-se artigos científicos que abordam a temáti- corroborar ou não a sua inclusão na pesquisa.
ca da avaliação do risco de saúde mental infantil Reforça-se que em casos de discordâncias, essas
e que descreveram a utilização de algum instru- foram solucionadas em consenso. Nesse sentido,
mento avaliativo. Além disso, considerando que para organizar o material selecionado por títulos
os instrumentos utilizados na avaliação psicoló- e a seleção de leituras apenas de resumos e leitu-
gica devem ser adaptados à realidade e linguagem ra completa do artigo foi criado uma planilha a
da população, os artigos selecionados deveriam qual constavam as seguintes informações: título
ser de estudos desenvolvidos no Brasil, poden- do artigo, autores, ano de publicação, população
do ser descrito em língua portuguesa, inglesa ou da pesquisa, metodologia, objetivos e instrumen-
espanhola. Os artigos deveriam ter acesso a seu tos utilizados.
conteúdo integral gratuito. Além disso, as escalas Para tanto, com a utilização dos descri-
apresentadas deveriam contemplar idades no in- tores e palavras-chave, foram exibidos 842 textos
tervalo de 0 a 18 anos. nas plataformas de dados científicos. Além disso,
Em contraponto, foram excluídos arti- com a utilização dos critérios de inclusão e ex-
gos que não abordavam a temática do estudo ou clusão e da leitura dos títulos, apenas 71 textos
que não retratavam o uso de instrumentos uti- foram selecionados para a leitura de resumos,
lizados na avaliação do risco à saúde mental em dos quais 12 eram repetidos. Ou seja, 59 arti-
crianças. Foram eliminados os artigos que exi- gos foram selecionados para leitura de resumo.
giam pagamento para acesso integral do conteú- Desses, apenas 24 foram lidos completamente
na íntegra. Por fim, após uma leitura criteriosa pertinentes para esse estudo (gráfico I).
dos artigos, selecionaram-se 11 produções como
INSTRUMENTOS
TÍTULO OBJETIVOS IDADE AUTORES E ANO
UTILIZADOS
Rastreamento de proble- Estudar a aplicabilida- SDQ - Questionário de Capacidades e 30 a 50 Santos eCeleri. (11)
mas de saúde mental em de do Questionário de Dificuldades (2-4) meses
crianças pré-escolares no Capacidadese Dificuldades
tal em crianças
pré-escolares
Contexto familiar epro- Analisar a associação entre SDQ - Questionário deCapacidades e 6-12 Ferriolli, Marturano
em
mília.
Crenças e atitudes Verificar a prevalência e SDQ - Questionário deCapacidades e 7-11 Vitolo, Fleitlich-Bi-
educativas dos pais epro- fatores de risco para pro- Dificuldades anos lyk, Goodman, et al.
SRQ-20 - Self-ReportQuestionnaire
blemas de saúde mental blemas de saúde mental (13)
em escolares em escolares e sua possível
atitudes educativas de
pais/cuidadores.
Resiliência e problemas Compreender o processo SDQ- Questionário de capacidades e 9-16 Hildebrand, Celeri,
de saúde mental em deresiliência (supor- dificuldades (CA e R) RSCA - Escala de anos Morcill, et al. (14)
resiliência para crianças eadolescentes
crianças eadolescentes te social erecursos do
9-18
vítimas de violência ambiente familiar) e a
chance de problemas de
vítimas de
violência doméstica
Prevalência e fatores Identificar a prevalência e GSHS - Global School- 14-29 Carvalho, Barros,
associados a fatores associados a based Student Health amos Santos, et al. (15)
Survey
indicadores negativos indicadores negativos de
do ensino médio em
Pernambuco, Brasil
Sintomatologia depres- Verificar a prevalência de CDI – Inventário de Depressão Infantil 11-15 Souza, Silva, Godoy,
associados.
Qualidade de vida entre avaliar a qualidade de SF-12 - Item Short-FormHealth Survey 15-19 Silveira, Almeida,
SF-12 adolescentes
The multidimensional Avaliação multidimen- SCARED - Screen forChild and Anxiety 10-17 Salum, Isolan, Bosa,
evaluation and treatment sionale tratamento de Related Emotional Disorders) anos et al. (18)
K-SADS-PL - Entrevistaclínica diagnós-
of anxiety in children ansiedade em crianças e
tica e a uma entrevista clínica estrutu-
and adolescents: ratio- adolescentes
rada;
nale,design, methods
SDQ- Questionário de capacidade e di-
and preliminaryfindings)
ficuldadesCDI - Inventário de depressão
infantil;
infância;
-Inventário dedepressão;
Association of child mal- CTQ – Questionário sobre traumas na Menosde Scomparini , Santos,
and adolescents
Saúde mental e fatores identificar os níveis de SDQ - Questionário de Capacidades e Adolesce Silva , Matsukura,
de risco e proteção: saúdemental, autoestima e Dificuldades ntes me- Cid, et al. (20)
Escala de Autoestima de Rosenberg,
focalizando adolescentes suportesocial de adoles- nores de
SSA –Questionário de Suporte Social
cumprindo medidas centes cumprindo medidas 18 anos
para Crianças e Adolescentes -IEP –
socioeducativas socioeducativas em meio
Inventário de
aberto, os estilos paren-
Estilos Parentais.
tais adotados pelos seus
responsáveis e identificar
variáveis.
Eventos estressores na o avaliar a relação entre SDQ- Questionário de capacidades e 6- Matos, Cruz, Dumi-
família e indicativos de eventos estressores ocor- dificuldades (versão filhos- 4-17 anos e 17anos th, et al. (21)
pais).Escala de Avaliação de Reajusta-
problemas de saúde ridosna família no último
mento Social deHolmes e Rahe(1967)
mental em crianças com ano e indicativos de pro-
do Brasil
Os instrumentos mais citados nos estu- criança e do adolescente tende a considerar ques-
dos selecionados foram o Questionário de Capa- tões relativas à história de vida, relações, afetos,
cidades e Dificuldades (SDQ) utilizado em sete alterações comportamentais e consumo de subs-
dos 11 estudos16,17,18,19,20,21,22, correspondendo tâncias7. Atendendo a tais requisitos, há dois
cerca de 63,5%, ao passo que o Questionário so- instrumentos que avaliam a saúde o Item Shor-
bre Traumas na Infância (CTQ) foi o segundo t-Form Health Survey (SF-12) e o Global Scho-
mais citado (n=2)18, 22 equivalendo a aproxima- ol-based Student Health Survey (GSHS). Ambos
damente 18,2%, assim como a Escala de Resili- são de livre acesso. O primeiro, contém 12 itens
ência para crianças e adolescentes (RSCA)19. e mensura a saúde física e mental23. Já o segun-
A avaliação de risco à saúde mental da do, é indicado para um público mais específico,
seja destinado para estudantes, também há itens é preciso ter atenção no momento de selecionar e
referentes a essa temática25. adminstrar um instrumento, de modo a conside-
Adicionalmente, cabe salientar que os rar as peculiaridades mencionadas.
intrumentos apresentados possuem limitações
intrínsecas seja em relação a própria medida ou CONSIDERAÇÕES FINAIS
apenas de livre acesso, o que possivelmente, redu- instrumentos aplicado. Outra lacuna do estudo
ziu o número de instrumentos descritos. Sugere-se foi a ausência de descrição de instrumentos pro-
ainda, estudo com profissionais que atuam na área jetivos.
de avaliação psicológica infantil para mensurar os
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Aprovado em:
1. Universidade Estadual do Ceará (UECE)
18/12/2022
Autor correspondente: jose.ximenes@uece.br Publicado em:
27/03/2023
RESUMO
Objetivo: Relatar a experiência da aplicação da música como fundamento terapêutico para educação em saúde mental de usuá-
rios do Centro de Atenção Psicossocial da cidade de Parnaíba, Piauí, Brasil. Metodologia: Trata-se de um relato de experiência
sobre a realização de grupo de música com usuários e profissionais do referido serviço, cujos encontros ocorreram no período
de agosto a outubro de 2018, registrando-se observações sobre esta prática. Resultados: Evidenciou-se que o grupo de música
se demonstrou potencialmente benéfico aos participantes, com o aumento da participação em atividades grupais, superação da
timidez, renovação da autoestima, melhora nas relações interpessoais e na comunicação, além de estimular a busca de conheci-
mento no que tange aos assuntos do cuidado em saúde. Conclusões: Apesar da necessidade de estudos mais profundos acerca
do tema, evidenciaram-se como notáveis as evoluções comportamentais e afetivas que fortalecem a prática terapêutica, além da
aprendizagem de temas em saúde.
ABSTRACT
Purpose: To report the experience of using music as a therapeutic foundation for mental health education for users of the Psy-
chosocial Care Center in the city of Parnaíba, Piauí, Brazil. Methodology: This is an experience report on a music group with
users and professionals of the aforementioned service, whose meetings took place from August to October 2018, recording
observations about this practice. Results: It was evident that the music group proved to be potentially beneficial to the par-
ticipants, with increased participation in group activities, overcoming shyness, renewing self-esteem, improving interpersonal
relationships and communication, in addition to stimulating the search for knowledge with regard to health care matters.
Conclusions: Despite the need for deeper studies on the subject, the behavioral and affective developments that strengthen
therapeutic practice, in addition to learning about health issues, were notable.
RESUMEN
Objetivo: Relatar la experiencia de aplicación de la música como base terapéutica para la educación en salud mental para
usuarios del Centro de Atención Psicosocial de la ciudad de Parnaíba, Piauí, Brasil. Metodología: Se trata de un relato de
experiencia sobre la conducción de un grupo de música con usuarios y profesionales del mencionado servicio, cuyas reuniones
se realizaron de agosto a octubre de 2018, registrando observaciones sobre esta práctica. Resultados: Se evidenció que el grupo
de música demostró ser potencialmente beneficioso para los participantes, con aumento de la participación en actividades
grupales, superación de la timidez, renovación de la autoestima, mejora de las relaciones interpersonales y de la comunicación,
además de estimular la búsqueda de conocimientos en relación a cuestiones de atención de la salud. Conclusiones: A pesar de
la necesidad de estudios más profundos sobre el tema, fueron notables los desarrollos conductuales y afectivos que fortalecen la
práctica terapéutica, además de aprender sobre temas de salud.
O
de orgulho com a execução ou aprendizado de
s Centros de Atenção Psicossocial uma nova tarefa.
(CAPS) são uma grande conquista advinda da Siqueira-Silva e Nunes3 referem que
Reforma Psiquiátrica Brasileira (RPB), criados as modificações ocorridas na saúde mental no
com a proposta de ressignificar saberes e práticas contexto da RPB foram objeto de uma já vasta
no campo da saúde mental, prestar serviços hu- literatura, que sublinhou a importância de ini-
manizados de atendimento especializado a pes- ciativas e movimentos envolvendo usuários, fa-
soas em sofrimento mental, em substituição às miliares e profissionais. Tais mudanças acende-
internações psiquiátricas, marcadas pela exclusão ram discussões de terapias alternativas na saúde
social e visão patologizante do sujeito1. mental, desencadeando um processo de contágio
De acordo com Lopes , é notável a im-
2
dos ideais da RPB e contribuindo para a articula-
portância dos CAPS na vida das pessoas com ção e inclusão de diversas dinâmicas coletivas na
transtornos mentais e dos seus familiares. A pro- saúde mental. A formação de coletivos musicais
posta do serviço promove a emancipação dos e artísticos neste campo surge como um desses
seus usuários, visto que antes da RPB, com a co- movimentos.
mercialização e marginalização da loucura, estes Ressalta-se que a música junto à lingua-
eram mais facilmente abandonados pelas famílias gem são traços exclusivos dos seres humanos em
e sociedade, reclusos em hospitais psiquiátricos. seus níveis de domínio e organização. A música
Com o estímulo à autonomia gerado por meio mobiliza processos cognitivos complexos como
dos serviços dos CAPS, tornou-se possível aos atenção dividida e sustentada, memória, contro-
usuários o desenvolvimento de laços de pertenci- le de impulso, planejamento, execução e contro-
mentos, sendo positiva a possibilidade dos usu- le de ações motoras. Estudos apontam benefícios
ários criarem momentos em que partilhem suas da música às pessoas com transtornos mentais no
parte das vezes, sugeriam a participação coleti- que os pacientes não tinham voz própria3. As
va, cantando em grupo, porém, também haviam produções musicais surgem nesse contexto no
momentos individuais, com músicas cantadas processo de transformação dos usuários da saú-
individualmente e/ou com a participação dos de mental, implicando em um deslocamento do
usuários do serviço em algum dos instrumentos lugar de paciente para o de autor de sua própria
oferecidos. ação. Desse modo, as composições proporcio-
Nestes momentos, percebe-se que a ti- nam um papel de protagonismo, tanto no estí-
midez é superada e a confiança e autoestima são mulo aos processos cognitivos-comportamentais
potencialmente reestabelecidas, o que ocorreu bem como na construção de sua autonomia. Esse
devido ao estímulo conferido pelas palmas dos processo de atravessamento do “ser usuário” para
demais usuários. Isto, por sua vez, parece favore- o “ser artista” foi notado no grupo “MusiCAPS”,
cer o aprendizado dos sujeitos sobre os assuntos no qual dois dos seus membros apresentaram
abordados. É perceptível o impacto emocional, composições musicais próprias.
expresso no semblante dos usuários, aspecto já Também foi observado uma maior inte-
abordado por Yang et al.6, quando afirmam que a ração e participação dos usuários componentes
música interfere positivamente na interação entre do grupo “MusiCAPS” em outras atividades ofe-
regiões cerebrais responsáveis pelo rastreamento recidas pelo serviço, além de um fortalecimento
das emoções e melhoria no processamento emo- afetivo e social entre os usuários e profissionais,
cional das pessoas em sofrimento psíquico. reverberando no suporte do vínculo do usuário
Com efeito, defende-se o argumento de ao serviço. Tal observação dialoga com Custodio,
que a música ativa sistemas de recompensa simi- Montesinos e Valeriano-Lorenzo8, quando afir-
lares às produzidas com comida, drogas aditivas mam que a música tem demonstrado benefícios
ou sexo, sendo o sistema dopaminérgico respon- com emoções positivas, apoio na interação social
sável pelo prazer de ouvir música. Por outro lado, e autodisciplina dos usuários, além de estímulo à
o prazer evocado ao produzir música é dado a atividade física.
partir do conhecimento dos subcomponentes Ainda foi registrada a superação da ti-
musicais e sua relação com a estrutura musical7. midez e inibição, melhora na capacidade de con-
Assim, o grupo de música no CAPS se centração e relações interpessoais no processo
apresenta como alternativa de superação do pa- grupal. Entretanto, o uso de música como re-
radigma manicomial, o qual se assentava na pre- curso mnemônico ainda gera dúvidas com rela-
missa excludente e coercitiva, no pressuposto de ção à natureza da memória para música. Ainda
não está clara a razão pela qual a música facilita ticas de humanização do atendimento para pro-
a aquisição de memória, mas a memória musi- mover o protagonismo do usuário na construção
cal mostra-se, senão especial, ao menos diferen- do seu saber.
te, com a existência de usuários que apresentam Dada a relevância da temática estudada,
esquecimento de fatos da própria vida, mas são a produção de novos estudos e discussão acerca
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Publicado em:
27/03/2023
Título Resumido: A Construção do I Fórum SMAPS – CE
RESUMO
Objetivo: Relatar às atividades realizadas para a construção e realização do I Fórum Científico de Saúde Mental e Atenção
Psicossocial do Ceará, junto à Secretaria de Saúde do Ceará (SESA) e à Escola de Saúde Pública do Ceará (ESPCE), ocorrido
em 01 de julho de 2022 em Fortaleza. Relato da Experiência: Trata-se de um relato de experiência que reflete necessidade de
divulgar as ações realizadas no âmbito da Atenção Primária e Saúde (APS) e Redes de Atenção à Saúde (RAS) e da necessidade
de discutir a pertinência da temática no âmbito da saúde mental e atenção psicossocial enquanto política pública do Estado em
um evento que integrou participação social, gestão e formação profissional. Fez parte do fórum a apresentação de 132 trabalhos
científicos e produções artísticas, havendo transmissão virtual de parte da programação. A relevância da iniciativa foi confirma-
da pela grande adesão dos profissionais da saúde, 700 inscrições virtuais e a participação de 200 pessoas no evento presencial.
Ressalta-se como políticos, técnicos e científicos os espaços de partilha e produção de conhecimento que podem consolidar a
formação profissional, permitindo o desenvolvimento de novas habilidades e a construção de vínculos para o aprimoramento
profissional e humano. Conclusão: Sugere-se por fim que tal evento tenha periodicidade para a sua efetivação enquanto cami-
nho para o fortalecimento da política estadual de saúde mental, álcool e outras drogas.
Palavras chave: Saúde Mental. Educação Profissional em Saúde Pública. Atividades Científicas e Tecnológicas.
ABSTRACT
Objective: To report on the activities carried out for the I Scientific Forum on Mental Health and Psychosocial Care of Ceará,
conceived by the Ceará Health Department (SESA) and the Ceará School of Public Health (ESPCE), which took place on July
1, 2022 in Fortaleza. Experience report: This is an experience report that reflects the need to publicize the actions carried out
within the scope of Primary Health Care (APS) and Health Care Networks (RAS) and the need to discuss the relevance of the
theme in the context of mental health and psychosocial care as a public policy of the State in an event that integrated social par-
ticipation, management and professional training. The presentation of 132 scientific scientific works and artistic productions
was part of the forum, with part of the program being broadcast virtually. The relevance of the initiative was confirmed by the
great adherence of health professionals, 700 virtual registrations and the participation of 200 people in the face-to-face event.
It stands out as political, technical and scientific spaces for sharing and producing knowledge that can consolidate professional
training, allowing the development of new skills and the construction of bonds for professional and human improvement.
Conclusion: Finally, it is suggested that this event has a periodicity for its effectiveness as a way to strengthen the state policy
on mental health, alcohol and other drugs.
Keywords: : Mental Health. Education, Public Health Professional. Scientific and Technical Activities.
RESUMEN
Objetivo: Informar sobre las actividades realizadas para la construcción y realización del I Foro Científico sobre Salud Mental
y Atención Psicosocial de Ceará, concebido por la Secretaría de Salud de Ceará (SESA) y la Escuela de Salud Pública de Cea-
rá (ESPCE), que ocurrió en 1 de julio de 2022 en Fortaleza. Informe de experiencia: Este es un relato de experiencia que
refleja la necesidad de dar a conocer las acciones realizadas en el ámbito de la Atención Primaria de Salud (APS) y las Redes
de Atención a la Salud (RAS) y la necesidad de discutir tema en el contexto de la salud mental y la atención psicosocial como
política pública de Estado en un evento que integró participación social, gestión y formación profesional. La presentación de
132 trabajos científicos y producciones artísticas fue parte del foro, siendo parte del programa transmitido de manera virtual.
La relevancia de la iniciativa fue confirmada por la gran adhesión de los profesionales de la salud, 700 inscripciones virtuales y la
participación de 200 personas en el evento presencial. Se destaca como espacios políticos, técnicos y científicos para compartir
y producir conocimientos que consoliden la formación profesional, permitiendo el desarrollo de nuevas habilidades y la cons-
trucción de vínculos para la superación profesional y humana. Conclusión: Finalmente, se sugiere que este evento tenga una
periodicidad para su efectividad como forma de fortalecer la política estatal en materia de salud mental, alcohol y otras drogas.
Palabras clave: Salud Mental. Educación en Salud Pública Profesional. Actividades Científicas y Tecnológicas.
D
No contexto da saúde mental, cabe res-
urante os primeiros dois anos da saltar as diversas iniciativas de formação surgidas
pandemia de COVID-19, diversas experiências nesse período e a necessidade de discutir a temá-
inovadoras e afetivas foram conduzidas nos ser- tica no contexto do Estado do Ceará. Para con-
viços de saúde do Ceará para auxiliar no cuidado tribuir com esse desafio, concebeu-se a ideia de
às pessoas em sofrimento psíquico e às que apre- realizar o I Fórum Científico de Saúde Mental e
sentam condições prioritárias em saúde mental, Atenção Psicossocial do Ceará. Este trabalho tem
álcool e outras drogas¹. Muitas ações foram con- por objetivo relatar às atividades realizadas para a
duzidas ainda no sentido de promover a saúde e construção e realização do I Fórum Científico de
prevenir o adoecimento. Saúde Mental e Atenção Psicossocial do Ceará,
A Escola de Saúde Pública do Ceará na tentativa de estimular a participação de vários
manteve sua tradição em qualificar os profissio- profissionais com atuação na Atenção Primária a
nais de saúde do estado para os mais diversos Saúde (APS) e demais integrantes das Redes de
cenários de atuação na pandemia². Com todos Atenção à Saúde (RAS) a mostrar as experiências
os desafios, houve a adaptação ao ensino virtu- desenvolvidas na prestação de serviços e cuidados
al, a criação de novas tecnologias e a condução em saúde mental nos municípios cearenses.
de diversas iniciativas na área de saúde mental
e atenção psicossocial. Além das já consagradas RELATO DA EXPERIÊNCIA
residências em psiquiatria e a multiprofissional
em saúde mental, foram lançados cursos básicos, Em dezembro de 2021, realizou-se a pri-
de aperfeiçoamento, especialização em álcool e meira reunião com a Secretaria de Saúde do Es-
drogas e até inovações como os cursos autoins- tado (SESA) e Escola de Saúde Pública do Ceará
Paulo Marcelo Martins Rodrigues (ESPCE) para Cada trabalho foi avaliado por dois pro-
definir questões estruturais como o alinhamen- fessores-visitantes da ESPCE de acordo com cin-
to conceitual da demanda e seu financiamento, co critérios:
quando foi proposto o tema “Caminhos para 1. Adequação à categoria e ao eixo
o fortalecimento de Política Estadual de Saúde temático selecionado (10 pontos);
Mental, Álcool e outras Drogas”, e o local, a ca- 2. Relevância, atualidade e inovação do
pital Fortaleza. A iniciativa foi pensada para par- conteúdo apresentado (20 pontos);
tilhar e proporcionar um ambiente de integração 3. Metodologia utilizada (20 pontos);
entre os trabalhos desenvolvidos na área da saúde 4. Qualidade da sistematização e
mental no Estado, focando, especialmente, nos organização do trabalho submetido,
egressos das formações da ESP/CE neste campo. observando a capacidade de síntese e
Assim, em março de 2022, o edital do clareza de exposição (20 pontos).
fórum foi publicado na Plataforma Mapa da 5. Relevância dos resultados ou
Saúde (Mapa da Saúde, 2022) para receber as argumentos e sua contribuição (30
inscrições gratuitas dos participantes e seus tra- pontos).
balhos, assim como foi organizada uma comis-
são científica para avaliação dos trabalhos. Fo- Foram recebidas 210 inscrições de tra-
ram definidas duas categorias para inscrição de balhos (180 resumos e 30 produções artísticas),
trabalhos: resumos simples (relatos de pesquisa e das quais 202 foram consideradas válidas. Após o
relatos de experiência) e produções artísticas para processo de avaliação por pares, 168 foram apro-
a “ExpoSMAPS - Arte Sã e Salva” nas modalida- vados e 34 reprovados, sendo então definidas as
des de produções textuais (poesia, cordel, contos, seguintes modalidades para apresentação: comu-
dentre outras), fotográficas, audiovisuais e outros nicações orais com transmissão pelo You tube no
(pinturas/desenhos, artes plásticas, dança, teatro, auditório principal (18 selecionados); E-poster
performances e intervenções). Foram definidos com rodas de conversa nos mini-auditórios (61);
os eixos temáticos: exposição de banners impressos (64) e ExpoS-
denaram a dinâmica de cada espaço. No dia do participação dos 700 inscritos no total). Entre-
evento, dos 165 selecionados, 132 comparece- tanto foram convidados para participar do even-
ram e apresentaram suas produções. to presencial apenas os autores das produções
Da variedade de temas que surgiram nos com melhor avaliação como forma de reduzir o
trabalhos, citamos os principais: educação per- número de presentes diante das limitações ainda
manente em saúde; interprofissionalidade; aten- impostas pela pandemia de COVID-19, além de
ção à infância e adolescência; práticas grupais; outros colaboradores. As demais atividades acon-
dependência química; atuação em rede; suicídio; teceram em três miniauditórios, na biblioteca e
abordagem familiar e comunitária; matriciamen- na praça de convivência da instituição. Na praça,
to; populações minoritárias (como quilombolas, foram expostos os banners impressos.
indígenas e LGBTQIA+); práticas inovadoras; Integraram também a programação do
tecnologia e outros. Vale ressaltar que os traba- fórum representantes de diversas instituições do
lhos partilharam a importância dos valores da Estado que formaram duas mesas de abertura:
Reforma da Assistência em Saúde Mental, dos a Mesa de Autoridades que marcou a abertura
direitos humanos e de preservar tais conquistas. solene do evento e a Mesa Científica que apro-
A ESPCE e a SESA, através da Secre- fundou os debates com foco no tema central do
taria Executiva de Políticas de Saúde, realizaram evento.
em 01 de julho de 2022 o I Fórum Científico da A arte esteve presente em todos os mo-
Saúde Mental e Atenção Psicossocial do Ceará mentos, desde a abertura com a intervenção ar-
com o tema “Caminhos para o fortalecimento da tística “Coletivo Brinquedo de Rua: Tecnologias
política estadual de saúde mental, álcool e outras do Encontro – Arte e Cultura e Ancestralidade
drogas”. Do referido título podem ser destacados na Promoção da Saúde Mental” até o encerra-
o elemento científico - que deu ambiência aos re- mento. Dentre outras intervenções podem ser
latos de experiências e debates subsequentes - e a destacadas as do projeto “Eu sou o livro: Livros
ênfase na construção atenção psicossocial que de- humanos na Biblioteca” da ESP/CE; rodas de
nomina a política pública de saúde mental tendo conversa com autores de livros; sarau de Poesias e
um específico significado ético-político no Bra- recitação de cordéis; exposição de fotos, imagens,
sil³. vídeos e outras produções artísticas com rodas de
O evento ocorreu de forma híbrida na conversa entre os presentes, que representaram a
sede da ESP/CE, sendo possível acompanhar I ExpoSMAPS - Arte sã e salva.
remotamente os trabalhos apresentados no au- Participaram do evento presencialmente
ditório principal da instituição, (que permitiu a cerca de duzentas pessoas (140 participantes e 62
colaboradores). De acordo com dados do Mapa cinco regiões de saúde do Ceará, como se pode
da Saúde4, se inscreveram no evento híbrido um observar no gráfico 1.
total de 700 pessoas, com representatividade das
Destaca-se que a grande maioria dos ins- da saúde mental ainda é ligado a áreas específicas,
critos foi composta por profissionais de psicologia, reforçando a necessidade de discussão como tema
conforme gráfico 2, demonstrando como o tema transversal a todas as categorias da saúde5, 6.
Dentre os inscritos, 18% relataram ter formação para nível superior intitulada localmen-
feito alguma formação em saúde mental pela ESP/ te SMAPS-CE5, 6 a mais citada, conforme pode ser
CE nos últimos dois anos de pandemia, sendo a visto no gráfico 3.
Gráfico 3 - Formação em Saúde Mental ofertada pela ESP/CE realizada pelos inscritos no período de
2020 a 2022.
maior duração, oferta de almoço, mais interação É significativo perceber que o debate so-
com quem estava participando remotamente e su- bre saúde mental e atenção psicossocial precisa ser
gestões para que o evento volte a acontecer regu- mais aprofundado e debatido em todas as esferas:
larmente. social, cultural, política, técnica, ética, cientifica-
Deve-se ressaltar que, durante todo o fó- mente. Em todas as dimensões se deve refletir a
rum, foi destacado o protagonismo dos profissio- importância do bem-estar psíquico sem esquecer
nais de saúde e trabalhadores do SUS, realçando sua conexão com o bem-estar comunitário e com
a importância desse sistema e dos vários serviços o desenvolvimento social.
que integra. A própria realização do fórum valori- Percebe-se que a temática abordada no
za essas práticas em sintonia com os princípios do evento prescinde de uma articulação no âmbito
SUS e da Reforma da Assistência em Saúde Men- estadual a fim de dar visibilidade às práticas que
tal, objetivando prestar com qualidade serviços de vêm sendo desenvolvidas por profissionais e gesto-
saúde para a população e, especialmente, para os res locais. De modo que é compensador perceber
usuários e seus familiares. a ampla integração de todas as regiões do Estado
encaminhando seus trabalhos, o que incluiu deze-
CONSIDERAÇÕES FINAIS nas de municípios cearenses. Reforça-se assim que
tal evento ocorra de maneira periódica, visando
A saúde mental é assunto que ganha visi- contemplar este espaço de debate e construção de
bilidade sendo de amplo interesse social. A aten- políticas públicas.
ção psicossocial, por sua vez, requer coordenação
de diversos conhecimentos e capacidade de gestão, AGRADECIMENTOS
mostrando-se como uma área de crescentes desa-
fios para os trabalhadores que estão na assistência. Agradecemos à Coordenadoria de Saúde
O I Fórum SMAPS-CE se constitui num Mental, Álcool e outras Drogas (COPOM), Se-
espaço onde se permite mediar essa temática sen- cretaria Executiva de Políticas de Saúde (SEPOS),
do que sua realização pode ser entendida como Secretaria de Saúde do Ceará (SESA) e Escola de
resultado de uma série de articulações e iniciati- Saúde Pública do Ceará (ESP/CE), além de to-
vas que envolvem agentes públicos, instituições dos os participantes, colaboradores, professores,
de ensino, grupos de pesquisa, além da ativa con- gestores, autoridades e pessoas que direta ou in-
tribuição de profissionais de saúde, notadamente diretamente contribuíram para que esse momento
trabalhadores da RAPS. acontecesse em nosso estado.
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RESUMO
Objetivo: Relatar a experiência das oficinas ToTS-mhGAP no Ceará nos anos de 2018 e 2019. Relato da Experiência: Os
transtornos mentais, neurológicos e por uso de substâncias (MNS) têm elevada prevalência e são responsáveis por uma grande
carga de doença e incapacidade em todo o mundo. Entretanto, ainda se presencia uma lacuna entre o cuidado a ser ofertado
a essas pessoas e os recursos disponíveis nos sistemas de saúde para a devida assistência a estes casos. Diante dessa realidade, a
Organização Mundial de Saúde, lançou o Programa de Ação para reduzir as Lacunas de Cuidado em Saúde Mental (mhGAP)
e elaborou, como instrumento para o manejo integrado dos MNS pelos profissionais não-especialistas na APS, o Manual de
Intervenções mhGAP (MI-mhGAP). Com o intuito de capacitar novos instrutores e supervisores na aplicação do MI-mhGAP,
realiza-se o Treinamento de Instrutores e Supervisores (ToTS), o qual o Ceará foi um dos estados pioneiros ao organizar duas
oficinas que ocorreram em 2018 e 2019, capacitando 81 profissionais de saúde de diferentes categorias profissionais. Conclu-
são: A participação dos discentes selecionados e a divisão por grupos estratégicos mostrou-se oportuna e cumpriu os objetivos
de integrar os serviços na construção de uma proposta coletiva com a participação dos gestores e profissionais para implantação
do manual e do matriciamento nas realidades locais. O grupo expressou interesse em compreender os conteúdos e o uso do
MI-mhGAP e empenhado em seguir com as discussões para o fortalecimento da política de saúde mental e da estruturação da
linha de cuidado da atenção psicossocial no Ceará.
Palavras chave: Saúde Mental. Atenção Primária à Saúde. Serviços de Saúde Mental. Necessidades e Demandas de Serviços
de Saúde. Sistemas de Apoio Psicossocial
ABSTRACT
Objective: To report the experience of the ToTS-mhGAP workshops in Ceará in 2018 and 2019. Experience report: Mental,
neurological and substance use (MNS) disorders have a high prevalence and are responsible for a large burden of disease and
disability worldwide. However, there is still a gap between the care to be offered to these people and the resources available
in the health systems for the proper care of these cases. Faced with this reality, the World Health Organization launched the
Action Program to reduce Mental Health Care Gap (mhGAP) and prepared, as an instrument for the integrated management
of MNS by non-specialist professionals in PHC, mhGAP Intervention Guide mhGAP (mhGAP-IG). In order to train new
facilitators and supervisors in the application of mhGAP-IG, the Training of Trainers and Supervisors (ToTS) is carried out, in
which Ceará was one of the pioneer states by organizing two workshops that took place in 2018 and 2019, enabling 81 health
professionals from different professional categories. Conclusion: The participation of the selected students and the division
by strategic groups proved to be opportune and fulfilled the objectives of integrating the services in construction of a collec-
tive proposal with the participation of managers and professionals for implementation of the manual and the matrix support
in local realities. The group expressed interest in understanding the contents and use of the MI-mhGAP and committed to
continuing the discussions to strengthen the mental health policy and the structuring of the psychosocial care line in Ceará.
Keywords: Mental Health. Primary Health Care. Mental Health Services. Health Services Needs and Demand. Psychosocial
Support Systems.
RESUMEN
Objetivo: Informar la experiencia de los talleres ToTS-mhGAP en Ceará en 2018 y 2019. Informe de experiencia: Los tras-
tornos mentales, neurológicos y por uso de sustancias (MNS) tienen una alta prevalencia y son responsables de una gran carga
de enfermedad y discapacidad en todo el mundo. Sin embargo, aún existe un desfase entre la atención que se brindará a estas
personas y los recursos disponibles en los sistemas de salud para la adecuada atención de estos casos. Ante esta realidad, la Or-
ganización Mundial de la Salud lanzó el Programa de Acción para reducir la Brecha de Atención en Salud Mental (mhGAP) y
elaboró, como instrumento para el manejo integrado de los MNS por parte de profesionales no especialistas en APS, la Guía
de Intervención mhGAP (GI-mhGAP). Con el fin de capacitar a nuevos instructores y supervisores en la aplicación de la GI-
-mhGAP, se realiza la Capacitación de Capacitadores y Supervisores (ToTS), en la que Ceará fue uno de los estados pioneros
al organizar dos talleres que tuvieron lugar en 2018 y 2019, capacitando a 81 profesionales de la salud de diferentes catego-
rías profesionales. Conclusión: La participación de los estudiantes seleccionados y la división por grupos estratégicos resultó
oportuna y cumplió los objetivos de integrar los servicios en la construcción de una propuesta colectiva con la participación de
gestores y profesionales para la implementación del manual y la matriz de apoyo en las realidades locales. El grupo manifestó
interés en comprender los contenidos y el uso del MI-mhGAP y se comprometió a continuar las discusiones para fortalecer la
política de salud mental y la estructuración de la línea de atención psicosocial en Ceará.
Palabras clave: Salud Mental. Atención Primaria de Salud. Servicios de Salud Mental. Necessidades y Demandas de Servi-
cios de Salud. Sistemas de Apoyo Psicosocial.
S
ceberam assistência médica para depressão nos
egundo a Organização Mundial de últimos 12 meses e somente 18,9% estão em
Saúde (OMS)1, os transtornos mentais, neuroló- acompanhamento em psicoterapia.
gicos e por uso de álcool e outras drogas (condi- O Ceará é um dos estados brasileiros
ções prioritárias MNS) têm elevada prevalência e que possuem números preocupantes em relação
são responsáveis por uma grande carga de doença à saúde mental da população. Dados da PNS
e incapacidade em todo o mundo. Entretanto, 20194 apontam que 4,4% dos cearenses en-
ainda se presencia uma lacuna entre o cuidado trevistados com faixa etária acima de 18 anos,
a ser ofertado a essas pessoas e os recursos dispo- possuem diagnóstico médico de depressão. Em
níveis nos sistemas de saúde para a devida assis- relação ao suicídio, dados epidemiológicos de
tência a estes casos. Quase 1 em cada 10 pessoas mortalidade5,6 constataram taxa de suicídio de
tem uma condição MNS, mas somente 1% dos 7,21 pessoas/100 mil habitantes, sendo um dos
profissionais de saúde no mundo atuam na área estados do Brasil com maiores taxas dessa causa
especializada. Essas condições interferem consi- de mortalidade.
deravelmente na funcionalidade dos indivíduos Reconhecendo a necessidade absoluta
na família, no trabalho e na sociedade em geral . 2,3
de oferecer cuidado às pessoas com estas con-
No Brasil, por exemplo, segundo a Pes- dições e apoio para seus cuidadores, bem como
quisa Nacional de Saúde (PNS 2019) , 10,2% 4
de superar as diferenças entre os recursos dispo-
de brasileiros, com mais de 18 anos, receberam níveis e a grande necessidade desses serviços, a
diagnóstico de depressão por profissional de OMS lançou o Programa de Ação para reduzir as
saúde mental, representando 16,3 milhões de Lacunas de Cuidado em Saúde Mental em 2008.
Tabela 1 - Categoria profissional dos instrutores e supervisores capacitados no ToTS nos anos de 2018 e
2019 realizados em Fortaleza, Ceará, Brasil
grama Elaboradas pelos Participantes tação elaboradas pelos grupos nas oficinas foram
registradas pelos organizadores, por meio de ano-
Um dos principais objetivos desta capa- tações das percepções, observações assistemáticas e
citação é tornar os profissionais de saúde agen- produtos das apresentações.
tes multiplicadores do mhGAP para integrar os No ToTS de 2018, as principais propos-
cuidados de saúde mental na Rede de Atenção tas foram dividas pelos pesquisadores em três ca-
Psicossocial (RAPS). Dessa forma, no último tegorias temáticas: seleção dos participantes, or-
dia de treinamento, os participantes elaboraram ganização da capacitação e aplicação do manual
um plano de implementação de capacitações do baseado nas discussões que emergiram no grupo
ToPH e/ou do matriciamento nos seus territórios geral. Assim, como descrito no quadro abaixo:
de atuação de acordo com as realidades locais.
Individualizar de acordo com as Pactuar com gestores municipais Utilizar o manual para identificar
unidades emergência e
hospitalares
multiprofissionais
Fonte 2 - Pesquisadores
Envolvimento integral em suas áreas de atuação Incentivo para busca de recursos e espaços para
estrutural de novos treinamentos em suas regiões seria aproveitar a oportunidade para atingir
regiões de saúde
Demonstraram motivação, força de vontade e Produziram discursos positivos e consensuais
do Mh-GAP nas suas realidades profissionais. observadas como desafiadoras, porém factíveis.
Fonte 3 - Pesquisadores
psicossocial13;
Essa iniciativa fez parte do Projeto
O manejo clínico em Saúde Mental
QualificaAPSUS Ceará9 que tinha por objetivo
com base no mhGAP2;
apoiar os municípios no fortalecimento da APS
para que as equipes possam cumprir os atributos A coordenação de fluxos e contrafluxos
bem como a disponibilidade dos participantes em psicossocial, e saúde mental na atenção primária à
seguir com as discussões no intuito de fortaleci- saúde, que já atingiu mais de dois mil trabalhado-
mento da política de saúde mental, álcool e outras res da saúde de nível superior do estado do Ceará
drogas e da implementação da linha de cuidado da até junho de 2022 e segue em execução.
Atenção Psicossocial no Ceará.
A partir dessas experiências, a Coordena- CONSIDERAÇÕES FINAIS
doria de Políticas de Saúde Mental, Álcool e outras
Drogas (COPOM) da SESA aprovou um projeto A Rede de Atenção Psicossocial tem a
de capacitação junto à ESP/CE para o quadriênio APS como um dos seus eixos estruturantes por
2020-2023. Dessa forma, pretendia-se propagar a este nível de atenção à saúde ser responsável por
capacitação MhGAP-ToHP para profissionais da inserir a família como foco do cuidado em saúde
Atenção Primária à Saúde e Atenção Psicossocial mental, sendo esta integração em rede um proces-
(CAPS e ambulatórios) das diversas regiões do es- so progressivo e singular que deve ser construído
tado. As oficinas seriam ministradas pelos profis- considerando as especificidades de cada território.
sionais treinados no ToTS, utilizando os módulos Dessa forma, essa capacitação, realizada
de “Introdução”, “Cuidados e Práticas Essenciais”, no Ceará, com profissionais de saúde com atua-
“Depressão”, “Psicose”, “Infantil”, “Uso de Subs- ção principalmente na APS, foi responsável por
Diante do cenário trazido pela pandemia qualidade para pessoas com condições prioritárias
da SARS-COV-2, fez-se necessário repensar a exe- em saúde mental, usando o MI-mhGAP na avalia-
cução dessa capacitação já prevista em um modelo ção, manejo e seguimento dos usuários.
presencial usando educação à distância e tecnolo- Além disso, o ToTS apresentou um for-
gias de ensino-aprendizagem remotas. Como re- mato de capacitação com metodologias ativas que
sultado deste novo esforço coletivo, desenhou-se o proporcionou aos participantes o desenvolvimen-
projeto educacional: “Cuidados em saúde mental to de habilidades pedagógicas para serem multi-
mento nos territórios”, ou, SMAPS-CE15, sigla propostas para implementação do MI-mhGAP
utilizando recursos disponíveis nos territórios,
que traduz os contextos de saúde mental e atenção
como o matriciamento.
8. Ceará (Estado). Palácio de Iracema. Lei 15. Tavares ALB, Faria NF, Lopes FES. Cuidados
Complementar nº 82, de 20 de outubro em Saúde Mental e Atenção Psicossocial:
de 2009. Dispõe sobre a composição das avaliação, manejo e seguimento nos
macrorregiões do Estado do Ceará, para territórios (SMAPS CE): manual do aluno.
efeito de planejamento. Diário Oficial Fortaleza: Escola de Saúde Pública Paulo
[do] Estado do Ceará [Internet]. 2009 Marcelo Martins Rodrigues; 2021.
Out 16 [citado 2022 Jul 15]. Disponível
em: <https://belt.al.ce.gov.br/index.php/
Aprovado em:
1. Universidade Federal de São Carlos - Discente do Departamento de Psicologia
2. Universidade Federal de São Carlos - Docente do Departamento de Medicina
09/02/2023
3. Universidade Federal de São Carlos - Docente do Programa de Pós-Graduação em
Gestão da Clínica Publicado em:
27/03/2023
Autora correspondente: cmoreno@estudante.ufscar.br
RESUMO
Objetivo: Apresentar a experiência de construção da Liga Acadêmica de Saúde Mental (LASM) de uma universidade pública
do interior do estado de São Paulo, à luz da interprofissionalidade, da compreensão biopsicossocial de saúde e da integração
entre ensino, pesquisa e extensão. Relato da experiência: A partir de 2019, priorizou-se na LASM a interprofissionalidade, a
qual tem marcado a formação da diretoria de alunos, professores orientadores e participantes envolvidos. Conta com estudantes
e professores das graduações em Enfermagem, Medicina, Psicologia e Terapia Ocupacional. Esse processo foi importante para
possibilitar a maior abrangência e acesso aos conhecimentos no que diz respeito ao aprendizado de estratégias de promoção
de saúde e na realização de atividades de extensão nesses núcleos de saberes. Conclusão: Este novo formato tem garantido a
formação de profissionais capazes de atuar interprofissionalmente, de acordo com as atuações práticas propostas pelo Sistema
Único de Saúde. Portanto, este caráter interprofissional mostrou-se essencial para a nova composição da LASM.
ABSTRACT
Objective: This article aims to share the building experience of the Academic League of Mental Health (LASM) at a public
university in the state of São Paulo, Brazil, from a perspective centered at interprofessional work, health biopsychosocial
comprehension and the integration between teaching, researching and extension activities, thus, teamwork has become in-
dispensable. Experience report: LASM has prioritized health interprofessional education since 2019, which has marked the
student board formation, guiding professors and the participants involved, LASM is composed of undergraduate students and
professors in Psychology, Occupational Therapy, Nursing and Medicine. This process was important to enable greater coverage
and access to knowledge regarding the learning of health promotion strategy and in carrying out activities to extend knowledge
centers. Conclusion: This new format has ensured professionals formation toward interprofessional work, in accordance with
the practical actions proposed by the Unified Health System (SUS). Therefore, these interprofessional characteristics revealed
to be essential for the new composition of LASM.
RESUMEN
Objetivo: Presentar la experiencia de construcción de la Liga Académica de Salud Mental (LASM) en una universidad pública
del interior del estado de São Paulo, a la luz de la interprofesionalidad, la comprensión biopsicosocial de la salud y la integraci-
ón entre enseñanza, investigación y extensión. Informe de experencia: A partir de 2019, en LASM se prioriza la interprofesio-
nalidad, lo que ha marcado la formación de la mesa de estudiantes, los docentes orientadores y los participantes involucrados.
Cuenta con estudiantes de pregrado y profesores en Enfermería, Medicina, Psicología y Terapia Ocupacional. Este proceso fue
importante para posibilitar una mayor cobertura y acceso al conocimiento en cuanto al aprendizaje de estrategias de promoci-
ón de la salud y la realización de actividades de extensión en estos centros de conocimiento. Conclusión: Este nuevo formato
ha asegurado la formación de profesionales capaces de trabajar interprofesionalmente, de acuerdo con las acciones prácticas
propuestas por el Unificado de Salud. Sistema. Por tanto, este carácter interprofesional resultó ser fundamental para la nueva
composición de LASM.
A
(UFSCar) é organizada a partir desta autonomia
s ligas acadêmicas são entidades de seus discentes para com seu processo de ensi-
formadas por estudantes universitários com o no-aprendizagem. É também consonante com os
propósito de vivenciar a integração do tripé que ideais do Sistema Único de Saúde (SUS), que a
constitui a Universidade pública: o ensino, pes- partir de sua construção sócio-política estabelece
quisa e extensão1. De acordo com a sua temática, a interdisciplinaridade e o trabalho interprofis-
e com o tripé no ensino público, as ligas buscam sional para a sua solidificação3,4.
aproximar o estudante de diversos cenários da A concepção ampliada de saúde adota-
prática profissional, sempre com o apoio de em- da pela LASM engloba as determinações sociais,
basamento teórico1. Desta forma, essas entidades culturais, econômicas, biológicas e políticas5.
buscam oferecer uma formação complementar Já ao se pensar em saúde mental, temática foco
ao da sua graduação aos discentes, de acordo desta liga, pensa-se na definição da Organização
com a sua área de interesse . 2
Mundial de Saúde (OMS) de um “estado mental
A coordenação das ligas é realizada por de bem estar que possibilita que as pessoas lidem
docentes, e elas podem ser uniprofissionais ou com os estresses da vida, notem suas habilida-
multiprofissionais, contando com a autonomia des, aprendam e trabalhem bem e contribuam
dos discentes para conduzir a sua gestão. A dife- para a sua comunidade”6. Assim, a saúde mental
rença das ligas acadêmicas para os demais proje- é pensada de forma integrada, considerando os
tos acadêmicos está na autonomia confiada aos determinantes de saúde citados. Para respaldar o
discentes para conduzir o seu processo de aper- trabalho, o marco teórico adotado pela liga é o
feiçoamento e de ensino-aprendizagem em uma da atenção psicossocial.
determinada área2. A partir da lei da reforma psiquiátrica
A Liga Acadêmica de Saúde Mental brasileira, Lei federal nº 10.216, de 06/04/2001,
é disposto um redirecionamento, no país como po, sob a lógica da atenção psicossocial, o cui-
um todo, do modelo assistencial em saúde men- dado interprofissional ganha forças. As ligas aca-
tal e os direitos das pessoas ditas portadoras de dêmicas têm sido uma forma de integrar alunos
transtornos mentais, de forma a indicar que os de graduação de diferentes núcleos à prática do
cidadãos sejam tratados preferencialmente em cuidado compartilhado, sendo compostas por
serviços comunitários, humanizados e respeito- grupos de alunos e docentes, dentro de um cam-
sos. Além disso, a lei também dispõe a respon- po de saber comum.
sabilidade do Estado no desenvolvimento da A partir destas considerações teóricas,
política de saúde mental7. Com base nesta lei, a o presente trabalho objetiva compartilhar a ex-
Portaria nº 336/2002 do Ministério da Saúde in- periência da Liga Acadêmica de Saúde Mental
dica os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) (LASM), da Universidade Federal de São Carlos
como serviços centralizados da atenção psicosso- (UFSCar), uma universidade pública situada no
cial8, onde são realizados os cuidados aos usuá- interior do estado de São Paulo.
rios dos serviços, atendendo às suas necessidades Para a realização do presente estudo,
e singularidade. utilizou-se a técnica de Relato de Experiência,
O cuidado integral consiste na inter- caracterizado por apresentar uma descrição de
profissionalidade, atento às diversas áreas cons- um fato a partir de uma experiência individual
tituintes da saúde, demandando olhares e fazeres ou em grupo11. Visa-se descrever as atividades
diversos que, quando relacionados, concretizam realizadas na Liga Acadêmica de Saúde Mental
a prática interprofissional. Por outro lado, a (LASM) entre os anos de 2016 a 2020, destacan-
formação fragmentada norteia o cuidado frag- do o seu enfoque em interdisciplinaridade, tanto
mentado, destoando da concepção de atenção no contexto presencial quanto remoto.
integral à saúde. Sendo assim, a Educação Inter-
profissional (EIP) e o trabalho colaborativo bus- RELATO DA EXPERIÊNCIA
cam superar esta fragmentação tanto no cuidado
quanto na formação, no contexto das instituições A LASM objetiva a integração entre
educacionais e dos currículos acadêmicos9, sendo ensino, pesquisa e extensão no campo da saúde
mental, sob a lógica da atenção psicossocial e a
a via pela qual os estudantes, entendidos como
EIP. Vincula-se a quatro departamentos da uni-
profissionais em período de formação, aprende-
versidade: Enfermagem, Medicina, Psicologia e
rão, de maneira integrada, a atuar em equipe10.
Terapia Ocupacional. Dividiremos sua história
Entendendo a saúde mental como cam-
em duas fases, a primeira do ano de 2016 até nal no ambulatório da Unidade Saúde Escolar
o de 2019 e a segunda, de 2019 até o final de da Universidade Federal de São Carlos (USE -
2020, tendo como foco a educação interprofis- UFSCar). Cada semana uma dupla de estudan-
sional para esta divisão. tes era responsável por sistematizar um caso, em
A LASM iniciou-se como uma iniciati- formato de um disparador, o qual era discutido
va de graduandos do curso de medicina, sendo em uma reunião entre ligantes e docentes, que
ligada ao Centro Acadêmico deste curso. Em seu problematizavam e refletiam sobre ele.
início, optou-se pela lógica de silos profissionais, Depois, eram realizadas buscas na li-
não se integrando com outros cursos. Apesar do teratura e, em um segundo encontro, à luz das
docente coordenador e alguns estudantes insis- evidências científicas levantadas, eram realiza-
tirem em um formato interprofissional, em vo- dos síntese e compartilhamento do material es-
tação, optou-se por manter-se composta apenas tudado. Em outras situações-problemas alguns
por estudantes da medicina no primeiro e segun- conteúdos e/ou habilidades eram desenvolvidas,
do anos. Em 2018, foram incluídos ligantes de como: luta antimanicomial, Rede de Atenção
enfermagem, medicina, psicologia e terapia ocu- Psicossocial (RAPS), cuidado centrado na pes-
pacional, mas não na sua gestão. Em 2019, em soa, ecomapa e genograma, e Projeto Terapêu-
seu quarto ano de funcionamento, abriu-se final- tico Singular (PTS). Isto possibilitou com que
mente a possibilidade de inclusão de estudantes os alunos trocassem experiências em relação às
dos quatro cursos na sua gestão, possibilitando práticas que ocorriam em seus respectivos cursos
a efetivação das ideias de núcleo e campo de sa- e ampliando o conhecimento sobre o cuidado e
beres12. o funcionamento da rede utilizando metodolo-
Além do foco na EIP em saúde, a gias ativas, que propiciam a construção do saber
LASM sempre prezou por manter as atividades interprofissional, não aprofundando os conheci-
pedagógicas orientadas por metodologias ativas mentos apenas em uma área de formação1,13.
de ensino-aprendizagem13, o protagonismo de Foram realizadas simulações da prática
seus integrantes e a articulação com atividades emergencial, com temáticas variadas, como risco
práticas. No início, nas atividades de ensino- de suicídio e agitação psicomotora, por exemplo.
-aprendizagem, a situação-problema era cons- Nelas, um estudante atuava como um usuário do
truída pelos próprios ligantes da medicina, que serviço, através de roteiros pré-estabelecidos, e
realizavam atendimentos em conjunto com uma outros como profissionais de saúde. O restante
equipe interprofissional e estudantes de gradua- dos ligantes assistiam à simulação e em técnica de
ção da medicina, psicologia e terapia ocupacio- “congela e descongela”, que envolvia o feedback
das ações que estavam sendo realizadas, visando terprofissionalidade, com o compartilhamento
dar o suporte aos estudantes que estavam aten- de experiências teóricas e práticas pelos ligantes.
dendo para que pudessem alterar ou não a ação Este modelo, apesar de interessante do ponto de
que estavam realizando. Ao final da simulação, vista pedagógico, gerou uma baixa adesão de par-
discutia-se o atendimento realizado, levantando ticipação e relatos de desmotivação dos alunos
pontos a serem estudados. Num segundo mo- que participavam da Liga.
mento, após estudo e levantamento da literatura, Mediante a isto, em 2019, houveram
realizava-se a nova síntese do problema dispara- modificações nas atividades inicialmente pensa-
do na simulação. Esta atividade possibilitou que das e as atividades de extensão da LASM pos-
os ligantes pudessem desenvolver o trabalho em sibilitaram o contato prático com diversas áreas
equipe e resolução de problemas, habilidades ne- de saúde mental, visando suprir as demandas da
cessárias na prática profissional no trabalho in- comunidade interna e externa da universidade,
terprofissional¹. que chegavam até os diretores por meio de cen-
Em 2019, houve mudança de compo- tros acadêmicos e professores de diversos cursos
sição da gestão, abolindo-se o processo seletivo de graduação.
para ingressar na LASM, sendo que todos que Assim, os alunos voltaram a se envol-
se inscreviam eram incluídos aos ligantes. Ou- ver ativamente no processo de aprendizagem,
trossim, optou-se pela construção conjunta das questionando, discutindo, resolvendo proble-
temáticas dos encontros. Desse modo, todos os mas reais e desenvolvendo possíveis projetos em
participantes elegiam os temas para a discussão. grupo15. Esta mudança foi definitiva, já que se
Esse modelo inclusivo e participativo revela uma mostrou eficiente para a estimulação dos alunos
postura acolhedora e inclusiva da liga em conso- à construção do conhecimento e retomada de
nância com o ideal de universidade acolhedora14, seu protagonismo no processo de aprendizagem.
em prol do cuidado em saúde mental da comu- Internamente, entre os integrantes da
nidade universitária e de seus membros. diretoria da liga, ocorreu o desenvolvimento de
A partir de 2019, no primeiro momento reuniões e intervenções em um dos cursos de
as atividades aconteciam em encontros quinze- área de exatas da universidade, sendo realizada
nais presenciais, com todos os ligantes, nos quais parceria com o Centro Acadêmico do mesmo
discutiam-se temas específicos, seguindo um curso, de forma a lidar com questões ligadas à
texto base, escolhido por um dos coordenado- saúde mental dos alunos. Foram realizadas parce-
res. Foram realizadas construções teóricas mais rias com o Centro de Integração Empresa-Escola
aprofundadas dos temas de saúde mental e in- (CIEE), da cidade de São Carlos-SP, com a temá-
tica de prevenção ao suicídio, além de uma capa- modo, como nova estratégia de ensino, foi aplica-
citação de Saúde Mental para os funcionários da da a metodologia pedagógica ativa, dividindo-se a
área de Saúde do município de Araras/SP. Assim turma em pequenos grupos, facilitados por estu-
como, foram realizados atendimentos huma- dantes da diretoria da LASM.
nizados e interdisciplinares, com a presença de Devido à pandemia do Covid-19, houve
psicólogos, enfermeiros e assistentes sociais, no interrupção das atividades presenciais, mas logo
serviço de acolhimento da USE, se baseando na os integrantes da LASM inclinaram-se a estender
Política Nacional de Humanização16. Essas ati- as atividades para plataformas on-line, já que era
vidades realizadas tanto com o público externo necessário o isolamento social. Assim, as reuni-
quanto o interno da universidade, propiciaram ões quinzenais com discussões teóricas voltaram
que os ligantes fossem expostos na prática à im- a ocorrer, desta vez abertas para todo o público
portância da EIP na construção e o papel de cada universitário, tendo como foco a própria situa-
profissional no cuidado da atenção psicossocial¹. ção de isolamento, o que possibilitou a abertura
Paralelamente, seguindo os três pilares de um espaço de conversa e troca de experiências
fundamentais da universidade pública – ensi- pessoais. Foram realizadas reuniões com temáticas
no, extensão e pesquisa – também se priorizou escolhidas pelos estudantes, e ministradas por do-
às pesquisas. Estas iniciaram-se com a coleta e a centes especialistas nos assuntos abordados, tam-
organização dos dados produzidos a partir da re- bém abertas ao público, para que pudessem ter
alização das demais atividades durante o segun- um contato maior com a prática e a teoria relacio-
do semestre do ano de 2019. Para isso, a equi- nadas aos temas.
pe participou de congressos científicos, sendo Além disso, foi criada uma página on-line
publicados e apresentados resumos e relatos de de discussão no modelo fórum virtual, para com-
experiência. Isto fez com que a equipe pudesse partilhamento de materiais, esclarecimentos de
trocar conhecimentos com outras ligas, discentes dúvidas e discussões, com as temáticas abordadas.
e docentes, propiciando assim a divulgação cien- Também se organizou um evento aberto ao públi-
tífica e construção de saberes interprofissionais co, à distância e on-line, no qual se discutiu, prin-
para além dos estudantes ligantes. cipalmente, a temática da Luta Antimanicomial.
Em 2020, foram realizadas pesquisas Foram realizadas lives e palestras gravadas com
por meio de questionários on-line para compre- especialistas. Mesmo no período de suspensão das
ender o. Os principais resultados sinalizaram a atividades na universidade, a LASM perseverou
não integração entre teoria e prática como algo em sua demanda de disponibilizar um espaço de
negativo e desmotivador aos participantes. Desse aprendizado para a comunidade externa e interna
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