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A política de Saúde
Mental de Quixadá,
no contexto da reforma
psiquiátrica cearense
UNIVERSIDADE ESTADUAL DO CEARÁ
Reitor
José Jackson Coelho Sampaio
Vice-Reitor
Hidelbrando dos Santos Soares
Editora da UECE
Erasmo Miessa Ruiz
Conselho Editorial
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Francisco Horácio da Silva Frota Marcelo Gurgel Carlos da Silva
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Conselho Consultivo
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Manuel Domingos Neto | UFF Túlio Batista Franco | UFF
Taís Bleicher
A política de Saúde
Mental de Quixadá,
no contexto da reforma
psiquiátrica cearense
1a Edição
Fortaleza - CE
2019
A política de Saúde Mental de Quixadá, no contexto da reforma psiquiátrica cearense
© 2019 Copyright by Taís Bleicher
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Editora filiada à
Coordenação Editorial
Erasmo Miessa Ruiz
Capa e contracapa
Alexandre Heverton
Foto – capa
Taís Bleicher
Diagramação
Narcelio Lopes
Revisão de Texto
Taís Bleicher
Revisão técnica
Daniel Ítalo Alencar Barros
José Jackson Coelho Sampaio
Ficha Catalográfica
Lúcia Oliveira CRB - 3/304
B646p Bleicher, Taís
A política de Saúde Mental de Quixadá, no contexto da
reforma psiquiátrica cearense [recurso eletrônico] / Taís
Bleicher. - Fortaleza: EdUECE, 2019.
Livro eletrônico.
ISBN: 978-85-7826-765-0 (E-book)
1. Saúde mental - Ceará. 2. Política de saúde mental - Ceará.
3. Serviços de saúde mental - Ceará. 4. Psiquiatria - Ceará.
I. Título.
CDD: 362.20981
À Tatiana Gomes da Rocha – Tati Girassol
“Pesquisa em História Oral é uma experiência
que exige tanto tempo e é tão difícil e por
vezes dolorosa que, creio eu, você tem que ter
razões muito fortes para pesquisar – e paixão
é provavelmente uma boa colocação para isso”.
(Alistair Thomson)
LISTA DE QUADROS
Mas, que memória? Não é possível falar sobre História Oral, sem
remontar ao conceito de Memória Coletiva, como entendido por Mau-
rice Halbwachs (2006). Halbwachs se opôs à ideia positivista comum
de uma memória que existisse ligada a um corpo ou a um cérebro indi-
vidual, como objeto de estudo de alguns médicos e psicólogos. Embora
a memória individual exista, também existe a Memória Coletiva, que
se distribui no interior de uma sociedade. Os indivíduos, desse modo,
poderiam participar destes dois tipos de memória, e no caso da Memória
Coletiva seriam capazes de se comportar como membros de um grupo
de modo a evocar lembranças interpessoais.
(...) por outro lado foram atacados por pessoas que supu-
nham [a Psicanálise] perigosa e até mesmo contra a moral.
Foi necessária a intervenção por parte de alguns sacerdotes
para que fosse esclarecido, de público, não haver incompa-
tibilidade entre o que estava escrito e o catolicismo (p. 05).
Além disso, como muitos internos não têm famílias que os rece-
bam, permanecem indefinidamente internados, em uma espécie de pri-
são perpétua: “após a entrada, poucos conseguem sair, mesmo quando
cessa sua periculosidade. O que vemos é a total ausência de direitos” (O
ESTADO, 2016, p. s/n).
A ditadura civil-militar coincide com a inauguração de grande
parte dos manicômios judiciários e institutos penais brasileiros, o que se
reproduz no Ceará: o Hospital Geral e Sanatório Penal Professor Otávio
Lobo, em 1968; o Instituto Penal Paulo Sarasate, em 1970; o Instituto
Penal Feminino Desembargadora Auri Moura Costa, em 1974; o Insti-
tuto Presídio Professor Olavo Oliveira I, em 1978; a Colônia Agrícola
do Cariri e a Colônia Agropastoril do Amanari, em 1979 (SEJUS, s/d).
No entanto, aparentemente, a experiência da Ditadura não era vi-
vida da mesma maneira na capital e no interior. Francimeiry Amorim da
Silva, que na década de 1970 era estudante secundarista na cidade de Igua-
E quando ele foi [para Iguatu], lembro bem que ele levou
esses livros. Ele gostava muito de literatura (...) E levou
uma fita com a música de Geraldo Vandré: “Pra não dizer
que não falei das flores”. Aí nós começamos a discutir o
movimento estudantil (...) com ele (SILVA, 2013a, p. 07).
A equipe chefiada por Nilson Moura Fé, a partir de 1979, foi de-
finida por Jackson Sampaio (1988) como jovem, inteligente e crítica,
porém, autodidata. “(...) tinham militância classista e independência
relativa frente aos interesses clientelístico-partidários” (p. 116). Procura-
vam seguir as orientações do Plano Nacional de Saúde Mental e do Mo-
delo Programático para o Plano Integrado de Saúde Mental – PISAM,
além de embasar as suas práticas na Psiquiatria Social que se difundia
pelo Nordeste desde a década de 1930 e nos novos debates teóricos de-
sencadeados por Frantz Fanon, Franco Basaglia, Alfredo Moffatt, Er-
ving Goffman, Michel Foucault e Jacques Hochmann, por exemplo. De
1979 a 1983, esta linha autônoma do Movimento Brasileiro de Refor-
ma Psiquiátrica - MBRP buscou fazer uma profunda transformação no
HSMM, em tempo anterior à VIII Conferência Nacional de Saúde e à I
Conferência Nacional de Saúde Mental. Naquele momento, ainda não
se questionava o fim do asilo.
Além disso, foi recebido por uma família que, a princípio não o
conhecia, mas que, por um ano, deu-lhe almoço e jantar. Depois, já com
uma amizade estabelecida, foi morar na própria casa da família (ALMEI-
DA, 2013). Sobre como era o tratamento sanitário que recebia, Mauro
Timóteo relata: “Eu vivia ali no INAMPS. (...) Não tinha nenhum tipo
de psicotrópico nas farmácias do INAMPS. (...) Aí eu saía todo dia seis
horas da tarde e ia lá no posto onde eu tomava remédio Neozine” (AL-
MEIDA, 2013, p. 04).
Não era bom juntar num balaio gente que vinha de mun-
dos desconexos. O que um estudante de Medicina, de Psi-
cologia, de Enfermagem, todos recém-formados, sobretu-
do naquela época, entenderiam de multidisciplinaridade
interdisciplinar, de campo epistemológico da saúde men-
tal, de atenção psicossocial em território vivo, de CAPS?
Todo mundo tem que passar pela função pra evitar que se
cronifique a relação entre o papel histérico do submetido
e o papel paranoico do chefe. O chefe vai se cristalizando
na função de chefe, vai gostando do seu pequeno poder,
vai ganhando uma gratificação, uma merrecazinha de gra-
tificação a mais, incorpora aquilo ao seu prestígio e à sua
renda familiar e fica danado da vida quando há qualquer
ameaça. Qualquer crítica à gestão vira uma crítica pessoal
a ele. E a suspeita é que “estão querendo me derrubar”,
“estão querendo me tirar do cargo”. Enquanto que o outro
fica eternamente sem voz, tem ideia, tem experiência, mas
não consegue por em prática nada do que pensa e vai fi-
cando histérico. Vai ficando prisioneiro do mero protesto,
das crises de raiva: “ai, eu não sirvo pra nada, eu não posso
fazer nada, não me dão condições”. E começa a virar essa
coisa: “Ah, eu não faço nada porque não me dão condi-
ções”. Enfim, para superar isso, a gente imaginou, esco-
lheu uma dupla de coordenador e de secretário e que no
ano seguinte o secretário assume a função de coordenador
e a gente escolhe, por consenso, na reunião de supervisor,
um novo secretário. Independente se é nível médio, se é
nível superior, se é médico, se é enfermeiro, o que é que
é. Por que uma função de liderança, em gestão coletiva
pública, de um grupo pequeno e sensível, seria burocra-
tizada como cargo de confiança e restrito a uma profissão
ou a um nível de escolaridade? (SAMPAIO, 2013, p. 14).
8 Informação obtida a partir do currículo lattes de Ernani Vieira de Vasconcelos Filho, disponível em: <
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?metodo=apresentar&id=K4708072A7> Acesso
em: 19 jan. 2015.
Além disso, teria havido pressões para que o grupo político do qual
Alcides Miranda fazia parte realizasse o mesmo jogo político clientelista
tradicional, de troca de serviços individuais em troca de votos.
Para Vanda Saraiva (SARAIVA, 2013), a sua saída teve a ver com
preferência política do grupo que assumiu a Prefeitura. “A única coisa
Perúcio Torres tinha uma grande casa e Carlos Magno propôs que
ele iniciasse fazendo o trabalho em sua própria residência, como extensão
do CAPS. Inicia-se um trabalho com teatro, expressão corporal e música.
Uma frente de atuação que ainda não existia no CAPS (SILVA, 2013c).
Com o novo período eleitoral, Ilário Marques voltou a disputar o
cargo de prefeito. Ana Valéria se afastou da coordenação do PSF. “Não
foi para fazer campanha e tudo, mas sei que quem está na coordenação é
cargo de confiança e precisa se envolver na campanha política. Como eu
não ia me envolver dessa forma, pedi para voltar ao PSF” (CARNEIRO,
2013a, p. 04).
Mesmo em período de resistência, sem maiores inovações, o CAPS
de Quixadá conseguiu manter seu lugar de vanguarda na cidade. Segun-
do Carlos Magno (BARROSO, 2015), no final desta gestão, o vereador
Aírton Buriti, que era oposição, e outro vereador da situação decidiram
premiar as melhores atividades acontecidas durante a administração. Se-
gundo o levantamento que fizeram, o CAPS e o festival de cinema do
município foram agraciados com a comenda.
Dois meses e meio após o envio desta primeira carta, Jackson enviou
nova carta à Rachel Marques (SAMPAIO, 2001b), afirmando que não
conseguiu ter qualquer contato pessoal com a secretária, nos meses referen-
tes ao segundo mandato de Ilário Marques, e que sua primeira carta não
foi respondida, assim como o pedido de confirmação de seu status junto
à Prefeitura de Quixadá. Jackson Sampaio retomou o que foi construído
neste período, quanto à política de Saúde Mental de Quixadá, incluindo
E que hoje são pessoas que não têm uma qualidade de vida
por muitos não serem higienizados, mas eles são livres.
Eles estão medicados, eles não são ofensivos, eles não agri-
dem, só sofrem muito preconceito. (...) Porque a família
abandona, ele não se veste bem, está sempre amarrotado,
roupinha mal lavada, está mal banhado. [O preconceito]
É da sociedade em si. Ainda vejo um desrespeito de não
compreender quando ele está bem, de deixá-lo em paz, não
se importar com tudo o que ele diz (SILVA, 2014a, p. 07).
ela disse que queria dar uma cara nova ao CAPS. Era
muito enfocada só a questão da medicação, a enfermeira
ficava muito com a receita, então ela confiava em mim.
(...) Ela disse que queria que eu implementasse a Enfer-
magem dentro do serviço. Lá, não tinha uma assistência,
sistematização da assistência certa. Então, foi um desafio
grande. Porque tinha uma equipe média de Enfermagem,
só o técnico Wellington, que está até hoje e ele me ajudou
muito. Tinha a Eunice, que também era técnica de Enfer-
magem, hoje está no hospital, mas trabalhava vinte horas
lá e eles tinham o conhecimento deles. Só que quando se
tem aquela coisa: chegou a enfermeira do serviço e a en-
fermeira não sabia de nada? Então, tinha que chegar com
muita humildade pra poder ir aprendendo. Welington me
ajudou muito e eu acho que também ajudei a mudar um
pouco a cara, porque precisava daquela cara da Enferma-
gem. Embora eles tenham toda a parte técnica, mas preci-
sava daquele olhar mais acadêmico, que, realmente, é uma
das coisas que eu mais questionei quando cheguei, era a
questão da receita. Que realmente eu cheguei, bati o pé e
disse: não vou ficar horas e horas sentada, só transcrevendo
receita. Não saí da faculdade para fazer isso. (...) Porque
já se estava fazendo isso. E nem vou ficar preenchendo
Casos mais leves, blá blá blá, blá blá blá, eles resolviam.
Então, a demanda era menor. Só chegavam no CAPS coi-
sas quase graves e crônicas, assim. Depois, não. Voltou a
chegar chifre, chilique, dor de cabeça, vômitos, cachorro,
pato, marreco, Neurologia, epilepsia, aposentofrenia - que
eu criei essa palavra - e, por aí, vai (PINTO, 2013, p. 05).
Porque ele disse para mim que a gente, nós que trabalha-
mos aqui no CAPS, além de ser auxiliar, muitas vezes a
gente também passa a ser psicólogo, psiquiatra, até por-
que tem pacientes que se identificam muito com a gente.
Existe aquele paciente que muitas vezes chega, mas não
quer acordo com aquela outra pessoa, já procura a gente.
A gente também, é nesse tipo de coisa, quando eu, além
de fazer o meu serviço, muitas vezes eu procuro ajudar em
outros setores, dessa forma (SILVA, 2013g, p. 01).
________ (org.). A escrita da História: novas perspectivas. São Paulo: UNESP, 1992.
GIL, A. C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 1991.
LIMA, E. A. de.: depoimento [10 jun. 2014]. Entrevistadora: Taís Bleicher. Qui-
xadá: Casa Norte. 1 arquivo digital mpg (25min15s). Depoimento concedido
ao projeto: A política de saúde mental de Quixadá, Ceará (1993-2012): uma
perspectiva histórico-crítica e avaliativa de processo, 2014.
MENEZES NETO, F. T. de. Centro de Estudos Melanie Klein (CEMK): uma ex-
periência criativa. Revista Cearense de Psiquiatria, ano 1, n. 1, p. 07-10, 1979.
________. Depoimento do Prof. Dr. José Jackson Coelho Sampaio à Corte In-
teramericana de Direitos Humanos/OEA. Sobral, 2005. Disponível em: <http://
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SILVA, F. A. da: depoimento [04 abr. 2013]. Entrevistadora: Taís Bleicher. Fortaleza:
Residência de Francimeiry Amorim da Silva. 6 arquivos digitais mpg (2h08min47s).
Depoimento concedido ao projeto: A política de saúde mental de Quixadá, Ceará
(1993-2012): uma perspectiva histórico-crítica e avaliativa de processo, 2013a.
SILVA, F. C. S. da.: depoimento [15 ago. 2014]. Entrevistadora: Taís Bleicher. Fortale-
za: Residência de Francisca Cláudia Sousa da Silva. 2 arquivos digitais mpg (49min22s).
Depoimento concedido ao projeto: A política de saúde mental de Quixadá, Ceará
(1993-2012): uma perspectiva histórico-crítica e avaliativa de processo, 2014b.
SILVA, L. dos S.: depoimento [10 jun. 2014]. Entrevistadora: Taís Bleicher. Qui-
xadá: Casa Norte. 1 arquivo digital mpg (51min38s). Depoimento concedido
ao projeto: A política de saúde mental de Quixadá, Ceará (1993-2012): uma
perspectiva histórico-crítica e avaliativa de processo, 2014d.
SOUSA, W.P. de: depoimento [20 mar. 2013]. Entrevistadora: Taís Bleicher.
Quixadá: CAPS Geral de Quixadá. 4 arquivos digitais mpg (1h3min51s). De-
poimento concedido ao projeto: A política de saúde mental de Quixadá, Ceará
(1993-2012): uma perspectiva histórico-crítica e avaliativa de processo, 2013a.