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2019

Título: Sistema Nervoso


Editor: Isabela Ribeiro
Projeto gráfico: Bruno Brum
Coordenador: Diego Barros
Diagramação: caixadedesign.com
Capa: Wesley Azevedo e Mateus Machado do Anjos
Conselho Editorial: Caio Vinicius Menezes Nunes, Itaciara Larroza Nunes, Paulo Costa Lima,
Sandra de Quadros Uzêda e Silvio José Albergaria da Silva

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Fábio Andrade Gomes - CRB-5/1513

S623 Sistema nervoso / Kevin Santana Gomes, Niccollas Nunes Rabelo, coordenação geral. –
Salvador : SANAR, 2019.
272 p. : il. ; 16x23 cm. – (Coleção Medicina Resumida).
ISBN 978-85-5462-097-4

1. Sistema nervoso. 2. Medicina. 3. Aprendizagem baseada em problemas. I. Gomes, Kevin


Santana, coord. II. Rabelo, Niccollas Nunes, coord. III. Série.
CDU: 616.8

ÍNDICE PARA CATÁLOGO SISTEMÁTICO


1. Medicina.
2. Medicina.
Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário Fábio Andrade Gomes - CRB-5/1513

Editora Sanar Ltda.


Rua Alceu Amoroso Lima, 172
Caminho das Árvores
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Telefone: 0800 337 6262
sanarsaude.com
atendimento@sanar.com
Sumário

1. Organização, desenvolvimento e células que


compõem o Sistema nervoso
1. Caso clínico
2. Os neurônios
3. Transmissão sináptica
4. Células da neuróglia, ou células da glia
5. Embriogênese do sistema nervoso
6. Divisão do sistema nervoso
7. Entendendo o caso
Referências Bibliográficas
Mapa mental
2. Potencial de repouso, Graduado e de ação
1. Caso clínico
2. O potencial de repouso
3. O potencial graduado
4. O potencial de ação
5. Entendendo o caso
Referências bibliográficas
Mapa mental
3. A transmissão sináptica
1. Caso clínico
2. Sinapses elétricas
3. Sinapses químicas
4. Classificações
5. Princípios
6. Interação
7. Entendendo o caso
Referências bibliográficas
Mapa mental
4. O córtex cerebral
1. Caso clínico
2. Divisões do córtex
3. Histologia
4. As áreas de brodmann
5. Entendendo o caso
Referências bibliograficas
Mapa mental
5. Circulação do líquido Cerebroespinal
1. Caso clínico
2. As meninges
3. Sistema ventricular
4. Líquido cerebroespinal
5. Entendendo o caso
Referências bibliográficas
Mapa mental
6. Tronco cerebral e os Nervos cranianos
1. Caso clínico
2. O tronco cerebral
3. O mesencéfalo
4. A ponte
5. O bulbo
6. Os nervos cranianos
7. Entendendo o caso
Referências bibliográficas
Mapa mental
7. Circulação arterial do sistema nervoso central
1. Caso clínico
2. Suprimento sanguíneo da medula espinal
3. Suprimento sanguíneo do encéfalo e do tronco cerebral
4. Barreira hematoencefálica
5. Entendendo o caso
Referências bibliográficas
Mapa mental
8. Drenagem venosa do sistema nervoso central
1. Caso clínico
2. As veias cerebrais
3. Veias do tronco encefálico
4. Seios da dura máter
5. Entendendo o caso
Referências bibliográficas
Mapa mental
9. Sistema sensorial somático
1. Caso clínico
2. Conceitos
3. Os receptores
4. Vias aferentes sensoriais
5. Medula espinal
6. Córtex somatossensorial
7. Regulação da dor
8. Entendendo o caso
Referências bibliográficas
Mapa mental
10. Olfato e paladar
1. Caso clínico
2. Gustação
3. Olfação
4. Entendendo o caso
Referências bibliográficas
Mapa mental
11. A visão
1. Caso clínico
2. A luz e os princípios da óptica
3. Anatomia do olho
4. Formação da imagem
5. A retina
6. O nervo óptico
7. O trato óptico
8. Córtex visual
9. Entendendo o caso
Referências bibliográficas
Mapa mental
12. A audição
1. Caso clínico
2. O som
3. Composição
4. Fisiologia
5. Vias auditivas
6. Córtex auditivo
7. Entendendo o caso
Referências bibliográficas
Mapa mental
13. Sistema motor somático
1. Caso clínico
2. Sistema motor somático
3. Propriocepção
4. Núcleos da base
4. Entendendo o caso
Referências bibliográficas
Mapa mental
14. Cerebelo
1. Caso clínico
2. Anatomia
3. Histologia
4. Vias cerebelares
5. Funções cerebelares
6. Entendendo o caso
Referências bibliográficas
Mapa mental
15. O sistema vestibular
1. Caso clínico
2. O labirinto vestibular
3. Os órgãos otolíticos
4. Os canais semicirculares
5. O nervo vestibular
6. Núcleos vestibulares e conexões centrais
7. Entendendo o caso
Referências bibliográficas
Mapa mental
16. Linguagem
1. Caso clínico
2. Anatomia
3. Afasias
4. O processamento
5. Entendendo o caso
Referências bibliográficas
Mapa mental
AUTORES
Kevin Santana Gomes
Interno (6º ano) do curso de Medicina da Universidade do Estado da Bahia (UNEB); membro do
Medicina Resumida; colaborador e professor do projeto Sanar Flix; ex-estagiário do serviço de
Neurocirurgia do Hospital Geral Roberto Santos (HGRS), e da Fundação de Neurologia e
Neurocirurgia da Bahia – Instituto do Cérebro (FNNIC), em Salvador, Bahia.

Nícollas Nunes Rabelo


Graduado pelo Centro Universitário de Medicina UniAtenas, Paracatu-MG. Pós Graduado em
Neurointensivismo pelo Hospital Sírio Libanês-SP. Neurocirurgião pelo Hospital Santa Casa de
Ribeirão Preto-SP e membro Titular da SBN, ABNC, AANS, CNS. Subespecialista (Fellowship),
Pesquisador adjunto e Doutorando de Neurocirurgia Vascular e Base de Crânio da FMUSP.
Aperfeiçoamento em Neurocirurgia em Tübingen e Hannover na Alemanha. Assistente do Serviço de
Neurocirurgia da Santa Casa de Ribeirão Preto-SP e Neurocirurgião da Santa Casa de Passos-MG.
AGRADECIMENTOS

Felicidade é o que define este momento! Estou muito feliz e honrado em


poder ter realizado esta obra. Mas não fiz sozinho! Até aqui, muitas pessoas
foram importantíssimas para que ela pudesse ser feita! E, primeiramente,
queria agradecer a Deus. Ele que ilumina minha vida e guia,
proporcionando oportunidades em minha vida que eu tento aproveitar ao
máximo.
Queria agradecer também a Seu Keu e Dona Tide, meus pais, pelo
carinho, dedicação e amor incondicional com o qual se dedicaram à minha
criação, e a minha irmã Carol pelo companheirismo de sempre. À toda a
minha família, em especial a meus padrinhos Tio Fiinho e Tia Mary, e meus
avós Camilo, Iva e Ana Maria. A todos os meus amigos pela parceria de
sempre, em especial a Pedro, Everton, Zé Maria e Chamel.
Agradeço também a Diegão, amigo que a vida me deu, pela
oportunidade de compor a equipe do Medicina Resumida, pela parceria e
pela amizade. À Gabi, Vini, Lana, Eve pela amizade que já tínhamos e
fortaleceu mais ainda depois do MR, e por todos os ensinamentos que tive e
hei de ter com vocês! Nossa parceria e união é a fonte de todo sucesso que
tivermos. Vocês são show!
Agradeço a cada um dos seguidores do MR, a quem devemos um muito
obrigado pelo apoio, e dizer que vocês são nossa inspiração para que tudo
saia cada vez melhor. Ver a felicidade no rosto de um aluno que sanou suas
dúvidas, foi bem em uma avaliação ou trabalho, ou até mesmo entendeu um
assunto complicado, é algo sem igual! Valeu de coração, galera!
Agradecer também a essa galera barril dobrado da Sanar, em especial
Maurício por me acolher bem na editora, e por estar sempre disposto a
ajudar e pela dedicação que aplica a tudo que se compromete. Bira, Léo, e
toda a galera do Sanar Flix também por todo apoio! À Isabela que fez parte
do projeto e ajudou e muito, e à Geisel, em especial, pela paciência,
compreensão e dedicação ao projeto. Você é o cara! A dr. Nicollas pela
paciência, pelo interesse no desafio, e pela dedicação e apoio na elaboração
deste livro. Você foi fundamental nesse processo! Muito obrigado, mestre!
E por falar em mestre, devo também meu muito obrigado aos meus
professores, em especial a Paulo Barbosa, meu ídolo e minha referência
como médico, professor e, acima de tudo, como pessoa; a Thiago Fukuda,
quem me inspirou a escolha pela residência e inspira também como
profissional; e ao grande Márcio Brandão, outro grande exemplo de pessoa.
A todos vocês, muito obrigado!

Kevin Gomes
APRENDER PODE SER MAIS FÁCIL

E aí, preparada(o) para dominar o conhecimento acerca do Sistema


Nervoso? Sim, é possível! Nós sabemos o quanto pode ser difícil
compreender alguns temas nesse universo. Seja devido à linguagem
demasiadamente rebuscada de algumas literaturas clássicas ou o excesso de
detalhes que facilmente se perdem em sua memória. Por isso, desde já,
queremos estabelecer um compromisso: nosso objetivo ao longo deste livro
é fazer você absorver os principais pontos que são premissas para a
formação de seu raciocínio clínico e, consequentemente, para a sua prática
profissional futura. Assim, acreditamos estar direcionando seu tempo e
energia, o que permitirá o aumento da sua eficiência no processo de
aprendizado. Como bônus, estaremos abordando os pontos que,
provavelmente, serão cobrados em suas avaliações. Justamente por terem
mais relevância para a prática clínica.
Entretanto, isso é um bônus. Nosso objetivo é fazer você se tornar um
melhor profissional. E para isto, é imprescindível um conhecimento
integrado. Conhecimento decorado para a prova é facilmente esquecido, já
o que é verdadeiramente compreendido, fica para a vida. Com isso,
entramos em uma outra preocupação que tivemos: a integração dos três
pilares básicos de cada sistema orgânico (a anatomia, a histologia e a
fisiologia).
Apesar de termos momentos destinados a cada pilar neste livro,
estaremos frequentemente correlacionando-os e permitindo que você
obtenha uma visão mais global do processo. Algo que já é amplamente
defendido por metodologias de ensinos mais modernas e que, mais uma
vez, possui um bônus: a economia. Adquirir um livro para cada pilar
costuma pesar no orçamento financeiro. Sendo assim, se você possuir um
atlas de anatomia para associar a este livro texto, será o suficiente para um
ótimo aprendizado. E vale ressaltar que boas imagens de anatomia não
faltam na internet.
Deixando mais uma vez o bônus de lado, vamos ao maior diferencial
deste livro que é a sua metodologia. Você provavelmente deve saber que há
duas metodologias principais nos cursos de saúde: a tradicional e o PBL
(Problem Based Learning - “Aprendizado baseado em problemas”). Sendo
que ainda há alguns cursos que adotam um modelo misto em que se
mesclam as duas opções.
A metodologia tradicional é o modelo que nos acostumamos durante o
período escolar. Professor é detentor do conhecimento, realiza aulas
expositivas abordando cada assunto e em alguns momentos são aplicadas
avaliações para tentar mensurar o quanto foi aprendido pelo aluno.
A metodologia PBL, em uma explicação simplificada, apresenta
inicialmente um problema (geralmente um caso clínico), permite a
discussão em um grupo utilizando os conhecimentos prévios e motiva o
estudante a buscar as respostas para que em um segundo momento, os
alunos possam compartilhar os seus aprendizados e construam
conjuntamente o conhecimento. Desta forma, o professor pode avaliar
diversos pontos além do conhecimento adquirido: a capacidade de ser parte
de um grupo, a organização do raciocínio, a exposição do mesmo, dentre
outras questões.
Contudo, desta forma que apresentamos, deixa-se a entender que a
metodologia PBL apenas possui vantagens, porém esta está longe de ser a
absoluta verdade. Primeiro que é muito frequente se deparar com
professores que não foram treinados para a metodologia, o que permite que
os alunos fiquem sem um guia ou indevidamente orientados. Outra queixa
comum entre os estudantes é que algumas instituições optam por um curto
período entre a apresentação do problema e a discussão sobre o mesmo, não
permitindo um tempo adequado de estudo para os estudantes absorverem o
conteúdo necessário. E dentre diversos outros pontos frequentes, o principal
é a insegurança. Os estudantes por não terem recebido o conhecimento do
professor, fonte confiável, não conseguem sozinhos estabelecer quais
informações são importantes em um oceano de referências possíveis. As
consequências disso são inúmeras para o aprendizado e saúde mental dos
estudantes. Por isso, talvez a resposta mais adequada seja o modelo misto,
associado a professores devidamente capacitados. Neste, além das
discussões, ocorrem aulas expositivas dos professores, quando são
contemplados os principais pontos e/ou complementado o conhecimento
exposto nas discussões.
Mas afinal, e o livro?
A coletânea Medicina Resumida foi concebida a partir da análise das
principais vantagens e falhas de cada metodologia. Sendo assim, em cada
capítulo você será inicialmente apresentado a um caso clínico, quando
gostaríamos que você tentasse reconhecer os principais pontos e palavras
chaves a serem estudadas. Este exercício mínimo irá aumentar o seu vínculo
com o tema e, consequentemente, irá consolidar melhor em sua memória
quando obter as respostas. E não se preocupe que ao virar a página, você irá
encontrar o que consideramos importante e o(s) objetivo(s) do capítulo. O
próximo passo então é a entrega do conteúdo. Essa é feita em cada capítulo
com as características que defendemos ser importantes até aqui: uma
abordagem integrada dos três pilares, utilizando uma linguagem adequada e
focando nos pontos principais para a sua formação. Por fim, você ainda terá
a sua disposição um mapa mental simplificado com os pontos principais
que você precisa recordar em uma revisão rápida.
Portanto, seja você de uma instituição com a metodologia tradicional ou
PBL, esperamos te oferecer um recorte da experiência do que há de melhor
nos dois mundos. Faça um ótimo proveito!
O MEDICINA RESUMIDA

O Medicina Resumida é um canal do Youtube fundado em março de


2014 por Diego Barros, quando estava nas férias para o 3º semestre do
curso de medicina da Universidade do Estado da Bahia (UNEB).
A proposta desde o início foi compartilhar o conhecimento e as
experiências adquiridas com os demais estudantes dos cursos de saúde em
uma época em que aulas em vídeos para o nicho ainda eram muito escassas.
Após dois anos de crescimento, a demanda dos seguidores só aumentava
e havia o desejo de contemplar todos os pedidos. Entretanto, a rotina densa
de estudos era impeditiva. A solução foi definida em 2016, quando o canal
contou com a sua primeira grande mudança. Foram convidados ao projeto
mais cinco estudantes e amigos (Alana Rodrigues, Evelyn Assis, Gabriel
Araponga, Kevin Gomes e Vinicius Jesus) que além de competentes, se
alinhavam com a filosofia do projeto.
Desde então, todos os esforços foram voltados à contemplar os
conhecimentos do tripé básico dos sistemas orgânicos: a anatomia, a
histologia e a fisiologia. Porém, não se limitando apenas a estes temas.
O primeiro contato com a Editora Sanar ocorreu ainda em 2015 com a
concepção da obra “100 Casos Clínicos Comentados em Medicina”,
lançada em 2016 e amplamente requisitada ainda nos dias de hoje.
O vínculo se fortaleceu em 2017 com a concepção da Coletânea
Medicina Resumida e a união de esforços para o desenvolvimento de uma
plataforma de educação médica que complementasse integralmente toda a
faculdade de medicina: o SanarFlix. Projeto este que foi lançado no
segundo semestre de 2017 e possui uma completa sintonia com esta
coletânea lançada em 2018. Ambos frutos de um grupo alinhado em inovar
a educação médica, utilizando como premissas a qualidade e a
acessibilidade de seus projetos.
E o Medicina Resumida? Apenas ganhou com essa união de esforços.
Evoluiu em quantidade e qualidade para os seus seguidores. Pois a estrutura
disponibilizada para o SanarFlix, também se estende ao Medicina Resumida
e isso permitiu garantir uma maior qualidade técnica dos conteúdos (áudio e
vídeo), assim como uma maior entrega na quantidade dos vídeos, inclusive
com a participação de outros professores.
Ainda não conhece? Confira como nos encontrar:

• Canal Medicina Resumida: www.youtube.com/medicinaresumida


• Instagram Medicina Resumida: @medresumida
• SanarFlix: www.sanarflix.com.br
• Instagram SanarFlix: @sanarflix.med
Capítulo 1
ORGANIZAÇÃO, DESENVOLVIMENTO E
CÉLULAS QUE COMPÕEM O SISTEMA
NERVOSO
1. CASO CLÍNICO
Joãozinho, de 15 anos, foi levado à emergência do Hospital Santo Livro pelo seu pai, seu Edvaldo,
acompanhado de seu irmão mais velho, o Eduardo, de 22 anos, onde foi atendido pelo Dr. Gomes. Há
5 dias, o pai começou a notar que Joãozinho estava começando a “mancar”, e que as vezes ele dizia
sentir dor na perna direita. Disse que nunca teve episódio similar antes. Pensou que fosse algum
problema ósseo, e estava de consulta agendada com o ortopedista, quando, dois dias depois de
percebido o problema, começou a não conseguir andar mais direito, sempre sem ter firmeza nas
pernas, o que lhe impedia de andar corretamente. Com isso, procurou a emergência do Hospital do
Santo Livro. Eduardo, o irmão mais velho, ainda comentou que sabia que tinha algo errado, pois já
faziam 15 dias que ele começou um quadro de “virose”, repentina, corizando muito, e com febre.
No exame físico, Joãozinho estava lúcido e orientado no tempo e espaço. Pupilas isocóricas e
fotorreagentes, com movimento ocular extrínseco preservado. Sensibilidade e mímica facial
preservadas. O tônus muscular estava preservado nos membros superiores, mas apresentou hipotonia e
paresia nos membros inferiores bilateralmente, além de redução de reflexos tendinosos Aquileu e
Patelar. Força Muscular reduzida em membros inferiores (grau 2 em 5), e preservada nos membros
superiores. Manobra de Mingazzini positiva em membros inferiores. Marcha escarvante, apresentando
ambos os pés caídos. Sensibilidade tátil, dolorosa e vibratória preservada. Coordenação motora
preservada. Sem sinais de rigidez de nuca.
Indagado por Eduardo, dr Gomes logo explicou: “considerando o quadro viral prévio, e uma
fraqueza muscular repentina em membros inferiores, com hipotonia e hiporreflexia, penso se tratar de
uma síndrome do neurônio motor inferior”. Eduardo seguia sem entender, e então o Dr Gomes disse:
“pense em uma mangueira com furos, mas furos enormes. Pois bem, como a água vai chegar a ponta
da mangueira assim? De certa forma, temos um axônio em que o impulso nervoso precisa de alguns
furos, mas se propaga neles de modo “saltatório”. Se todos estiverem expostos, ele passara por cada
um, e aí o impulso levará muito tempo para chegar no destino.”
Dr. Gomes então internou Joãozinho no hospital, preparou o material para a coleta de líquor, e
solicitou uma eletroneuromiografia e uma ressonância magnética de coluna lombar. Pensando na
idade, no quadro súbito e na história prévia de infecção de vias aéreas, suspeitou da Síndrome de
Guillain-Barré, uma doença que acomete a bainha de mielina dos neurônios do Sistema Nervoso
Periférico, destruindo-as, ao ponto de dificultar a transmissão do impulso nervoso. Um residente que
estava no local, indagou ao Dr. Gomes: “Dr, mas a lesão não poderia estar em região de cápsula
interna, ou outra localização da via motora na substância branca não?”. De imediato, Dr. Gomes
indagou: “e qual seria a sintomatologia de uma lesão nessas regiões?” Assim, o residente partiu para
estudar mais a respeito dessa síndrome, focando em detalhes sobre achados clínicos que sugerem a
mesma.
Feita a eletroneuromiografia, o exame veio com o seguinte laudo: bloqueio de condução, e
aumento da latência distal motora, compatível com polineuropatia motora axonal. À ressonância, não
apresentava alterações na medula espinal e raízes nervosas que sugerissem lesão nas mesmas, e nem
em forames intervertebrais ou canal da medula que sugerissem quadro de compressão medular ou
radicular. O estudo do líquor evidenciou aumento dos níveis de proteína, com contagem celular e
níveis de glicose normais.
Dr Gomes então tranquilizou os três, e disse se empenhar ao máximo para resolver o problema.
Então deixou a família a sós no quarto 402.2 da enfermaria de neurologia do Hospital do Santo Livro,
enquanto ia ler artigos sobre alternativas de como tratar essa doença grave do Sistema Nervoso
Periférico.

1.1. Termos desconhecidos

• Eletroneuromiografia
• Manobra de Mingazzini
• Síndrome de Guillain-Barré
1.2. Termos-chave

• Hipotonia e paresia de membros inferiores;


• Força muscular;
• Redução de reflexos aquileu e patelar;
• Marcha escarvante;
• Neurônios periféricos;
• Sistema Nervoso Periférico;
• Transmissão do impulso nervoso;
• Sistema Nervoso Central;
• Substância Branca;
• Encéfalo.
1.3. Objetivos
• Compreender a divisão do sistema nervoso em central e periférico, correlacionando com sua
origem embriológica.

• Caracterizar o neurônio e sua composição, estrutura e divisão.


• Elucidar o segmento do exame neurológico responsável pela avaliação das vias motoras
centrais e periféricas.

Antes de começarmos de fato o estudo do sistema nervoso, é interessante a compreensão dos


termos neuroanatômicos. Estes têm por finalidade descrever a organização tridimensional complexa
do sistema nervoso. E para tal vamos nos basear no sistema nervoso central, que se organiza nos eixos:
rostrocaudal, ou inferossuperior (também tido como longitudinal), e dorsoventral, ou anteroposterior.
É bom lembrar que, na anatomia, porção dorsal equivale à porção posterior, ventral à anterior, rostral a
superior, e caudal à inferior.
Quanto aos cortes, temos cortes baseados em eixos do plano anatômico do sistema nervoso central:
os cortes horizontais são aqueles cortes paralelos ao eixo longitudinal; os cortes transversais são
perpendiculares ao eixo longitudinal. Quando um corte transversal ocorre paralelo à sutura coronal, do
crânio, temos o corte coronal; quando ocorre paralelo à linha mediana, temos um corte sagital. Sendo
em cima da linha mediana: corte mediossagital (ou sagital mediano), dividindo em porções simétricas,
e fora desta: corte parassagital.
Imagem 1: Nesta imagem, é possível notar as diversas secções anatômicas, que serão fundamentais
para a compreensão dos estudos em neuroanatomia. Plano sagital que, quando na linha média, é
chamado de mediano; plano transversal, ou axial; plano frontal; e as visões anterior, lateral e posterior.
(1)

2. OS NEURÔNIOS
Pronto, agora sim podemos começar nossa jornada! Mas... de nada adianta falar sobre sistema
nervoso sem antes conhecer a unidade funcional dele: o neurônio. O neurônio é a célula que rege o
sistema nervoso. Acredita-se que existam cerca de cem bilhões de neurônios num encéfalo humano
adulto, para se ter uma ideia de sua importância. Ele possui quatro regiões especializadas
morfologicamente: dendritos, corpo celular, axônio e terminações axônicas.
Os dendritos são projeções do corpo celular responsáveis por receber informações de outros
neurônios. O corpo celular, por sua vez, contém o núcleo e organelas que são vitais ao neurônio, além
de funcionar como porção integrativa do sinal captado com o sinal emitido. Tal sinal emitido perpassa
o axônio, que é outra projeção do corpo celular, que conduz informações codificadas em potenciais de
ação, e que serão levados até as terminações axônicas. Estas são as porções que se comunicam com
as células-alvo daquele sinal neuronal, seja uma célula muscular, uma glândula, ou até mesmo um
outro neurônio.
Imagem 2: Na parte de cima da imagem, nota-se os diversos tipos de neurônios, com base nas suas
conexões feitas pelo seu arcabouço: neurônio bipolar, unipolar, e multipolar. Na parte de baixo, tem-se
o exemplo do neurônio piramidal, com seu corpo celular com formato típico, e suas conexões. (2)

Os neurônios podem ser classificados como: unipolar, bipolar ou multipolar.

• O neurônio unipolar tem a forma mais simples, onde só há uma projeção do corpo celular,
formando o axônio, que tem várias terminações. Ele recebe e integra informações aferentes.
São os neurônios que atuam em células musculares lisas e na secreção glandular.

• O neurônio bipolar, por sua vez, possui dois processos que se originam de lados opostos do
corpo celular. Um corresponde ao dendrito e o outro ao axônio. “O fluxo, basicamente, é:
dendrito -> corpo -> axônio.
• Há ainda o pseudounipolar, onde, no desenvolvimento, ambos os processos que emergem
do corpo celular se fundem, formando um único que bifurca depois de sair do corpo celular.
Muitos neurônios sensoriais correspondem a tal tipo de neurônio.

• Já os neurônios multipolares, por sua vez, possuem arranjo complexo de dendritos no


corpo celular, e um único axônio que depois se ramifica. Os que possuem axônios longos são
chamados de neurônios de projeção, que medeiam a comunicação entre regiões do sistema
nervoso e entre sistema nervoso e áreas periféricas. Já os que possuem axônios curtos são
chamados de interneurônios, que ficam na mesma região do sistema nervoso onde seu corpo
celular está.

3. TRANSMISSÃO SINÁPTICA
A comunicação entre os neurônios se dá através das sinapses, que são locais especializados nesta
comunicação. Nela, há 3 componentes: o neurônio pré-ganglionar, que envia as informações
decodificadas; e o pós-ganglionar é aquele que recebe as informações; além, claro, da fenda
sináptica, que é o espaço intercelular onde ocorre a troca de informações através de
neurotransmissores. Estes são liberados na fenda sináptica após serem formados em vesículas nas
terminações axonais. Dentre os principais, destacamos aminoácidos, como Glutamato, Glicina e
GABA; compostos monoaminérgicos, como Noradrenalina e Serotonina, ou até mesmo peptídeos,
como Encefalina e Substância P. Eles alteram a permeabilidade da membrana para íons específicos,
provocando a despolarização da célula (quando ocorre aumento do influxo na célula pós-ganglionar de
sódio, despolarizando-a, e desencadeando um potencial de ação), ou elevando influxo de cloro,
hiperpolarizando-a, e inibindo o desencadear de um potencial de ação). Alguns neurotransmissores
possuem atividades variadas, excitando uns, e inibindo outros neurônios, dependendo de alguns
fatores, como o subtipo do receptor específico no qual ele age, e se sua ligação interfere diretamente
ou não no fluxo de íons.
Há também sinapses elétricas, onde há continuidade citoplasmática, e o fluxo de íons é direto entre
elas. A sinapse será melhor compreendida no capítulo 3.

4. CÉLULAS DA NEURÓGLIA, OU CÉLULAS DA GLIA


Imagem 3: Na imagem, nota-se alguns dos tipos de células da glia existentes: o astrócito, que difere
por sua morfologia similar a uma estrela (astro); micróglia, e o oligodendrócito. (3)

As células da neuroglia também compõem o tecido nervoso, sendo, inclusive, maiores em número
que os próprios neurônios (proporção de cerca de 10:1). Proporcionam um importante suporte
metabólico e estrutural a eles. Se subdividem em micróglia e macróglia.
As micróglias possuem a função básica de “arrumar a casa”, ou seja, aparecem quando há algum
problema. Basicamente, ela responde a uma lesão ou processo infeccioso que afete a célula nervosa.
Com isso, ela rapidamente se desloca ao local em questão, e promove regeneração do tecido lesado,
remove detritos e destrói microorganismos por fagocitose.
As macróglias, por sua vez, se subdividem em: oligodendrócitos e células de Schwann, Astrócitos,
e células ependimárias.
Tanto os oligodendrócitos quanto as células de Schwann formam a bainha de mielina, que é
responsável por aumentar a velocidade de condução do potencial de ação. Elas são ricas em
compostos lipídicos e proteicos – daí a mielina (principal) – que lhe confere um aspecto
esbranquiçado. A diferença vem, basicamente, da célula que lhe origina: os oligodendrócitos a origina
no sistema nervoso central, e as células de Schwann no sistema nervoso periférico.

Imagem 4: A imagem mostra como um oligodendrócito se distribui no axônio para compor a bainha
de mielina. O zoom realça o nódulo de Ranvier formado pelos espaços entre as bainhas de mielina,
importantes para a propagação do Potencial de Ação. (4)

Os astrócitos possuem funções metabólicas e estruturais importantes, onde no processo de


desenvolvimento servem como “guia” para o crescimento axonal, além de monitorarem sinapses,
atuando no feedback químico, e compondo a tão famosa barreira hematoencefálica (que será melhor
compreendida no capítulo 7). As células ependimárias, por sua vez, revestem as cavidades do sistema
nervoso central cheias de líquido (que serão abordadas no capítulo sobre Sistema Ventricular).

5. EMBRIOGÊNESE DO SISTEMA NERVOSO


Para uma melhor compreensão, nada melhor do que uma análise embrionária da sua formação.
Relembrando a embiologia, existem três folhetos embrionários: ectoderma, endoderma e mesoderma.
O ectoderma é o folheto responsável por gerar os órgãos que interagem com o meio externo, e é
dele de onde surgem os neurônios. Ao se espessar, o ectoderma forma a placa neural, acima da
notocorda (a qual tem influência no estímulo à formação da mesma). A placa neural então cresce, se
torna espessa, e adquire um sulco: sulco neural. Ele gera uma “invaginação”, formando a goteira
neural. Com a fusão dos lábios, forma-se então o tubo neural.
A parte que não se diferenciou, abaixo da notocorda, se fecha sobre o tubo neural, isolando-o do
meio externo. E, ao se encontrar com os lábios da goteira, formam lâminas longitudinais (formando a
crista neural). Assim, temos que: o tubo neural será o responsável por se diferenciar e formar o
sistema nervoso central, ao passo que a crista neural irá formar o sistema nervoso periférico. Vamos
analisar melhor cada uma delas.

5.1. A crista neural


Se projetam no sentido craniocaudal, porém se dividem, formando fragmentos que geram os
gânglios espinhais (na raiz dorsal). Estes que se diferenciam em neurônios sensitivos, com
prolongamentos se ligando ao tubo neural e a dermátomos dos somitos. As células da crista migram e
formam tecidos longe do SNC, que, então, geram: os gânglios sensitivos; gânglios do sistema nervoso
autônomo; medula da suprarrenal; melanócitos; células de Schwann; e células C (da tireoide).
Ela emite dois prolongamentos: o prolongamento periférico, com células que se dirigem para
terminações sensoriais do corpo (somáticos e viscerais); e o central, que penetra a medula pela raiz
dorsal dos nervos espinais.
É ainda na crista neural que se forma, na sua camada externa, a pia-aracnoide (leptomeninge), e
que, com o tempo, surge o espaço subaracnoide entre a pia-mater e a aracnoide, sendo preenchido de
líquido cerebroespinal. O mesênquima que reveste a crista neural da origem a dura-mater.
O processo de mielinização ocorre na fase tardia da vida fetal, sendo completo após cerca de 1 ano
de vida pós-nascimento.

5.2. O tubo neural


Em determinada idade, a goteira e o tubo neural coexistem. Com o tempo, formam-se dois
orifícios: o neuróporo rostral e neuróporo caudal. Estas são as últimas porções a se fecharem (em torno
de 25 a 27 dias). Ao crescer, forma: duas lâminas alares, duas basais, uma do assoalho, e uma do
teto. As lâminas alares e as basais são separadas pelo sulco limitante. Das alares e das basais vem os
neurônios ligados a sensibilidade e motricidade (respectivamente), situados na medula e tronco
encefálico. Assim, as alares se conectam com neurônios sensitivos, e as basais se diferenciam em
neurônios motores. Regiões próximas ao sulco limitante se especializam na inervação das vísceras, e
as mais afastadas abrangem os territórios somáticos (músculos e pele). A lâmina do teto, fina, origina
o epêndima e o plexo coroide, enquanto que a lâmina do assoalho forma um sulco, se tornando o
assoalho do IV ventrículo.
Imagem 5: Visão posterior do tubo neural, com seu fechamento parcial, e formação dos neuróporos
rostral e caudal. (5)

O calibre do tubo não é uniforme. A parte cranial é responsável por formar o encéfalo do adulto, e
ao se dilatar, forma o arquiencéfalo. A parte caudal forma a medula, permanecendo com calibre
uniforme (após formação do tubo, o espessamento nessa região se segue até cerca de 9 a 10 semanas,
formando o canal central da medula). No arquiencéfalo formam-se três dilatações, as vesículas
encefálicas primordiais: prosencéfalo, mesencéfalo, e rombencéfalo. Com o tempo, o prosencéfalo
origina duas vesículas: telencéfalo e diencéfalo. O mesencéfalo, então, permanece igual; já o
rombencéfalo origina: metencéfalo e mielencéfalo.
Imagem 6: Nesta imagem destaca-se a flexura cervical (a maior, que dá um aspecto de “C”, e a flexura
cefálica (a menor, que “projeta” o prosencéfalo para frente). (6)

O telencéfalo se situa na porção mediana, de onde emergem duas porções laterais: vesículas
telencefálicas laterais, com a parte mediana sendo fechada por uma lâmina (lâmina terminal). As
vesículas laterais formam os hemisférios, escondendo a porção mediana e o diencéfalo. Este, por sua
vez, forma quatro divertículos: dois laterais (vesículas ópticas), que originam a retina; um dorsal,
originando a pineal; e um ventral (infundíbulo), que corresponde a neurohipófise.
A cavidade do tubo neural permanece no sistema nervoso, e sofre algumas modificações: a luz
forma o canal central da medula; a cavidade dilatada no rombencéfalo forma o IV ventrículo; e a
cavidade do diencéfalo, em conjunto com a porção mediana do telencéfalo, formam o III ventrículo.
A luz do mesencéfalo segue estreita, formando o aqueduto cerebral. As vesículas telencefálicas
formam os ventrículos laterais, se unindo ao III ventrículo pelos forames interventriculares. Todas
as cavidades são revestidas de epitélio cuboide (epêndima), contendo o líquido cerebroespinal.
No desenvolvimento do arquencéfalo, surgem flexuras (ou curvaturas) no teto e no assoalho, por
ritmos de crescimento diferentes, em torno das 4 primeiras semanas. A primeira é a flexura
mesencefálica, que irá dividIr o encéfalio anterior do médio, e a flexura cervical, que irá dividir o
encéfalo posterior da medula (flexão ventral da cabeça do embrião no “futuro pescoço”). Por
crescimento desigual, surge então uma terceira flexura, no sentido contrário das duas primeiras, na
junção entre o meta e o mielencéfalo: a flexura pontina. Com o tempo, as duas últimas se desfazem e
desaparecem. A cefálica segue, formando no adulto um ângulo entre o cérebro e o restante do
neuroeixo.
Imagem 7: Ilustração do processo de formação das flexuras na embriogênese do sistema nervoso
central, e em seguida a formação dos giros e sulcos corticais.
Imagem 8: Nesta imagem, temos o processo de maturação do sistema nervoso central, com as
diferenciações dos diversos segmentos. (7)

Assim, na 5ª semana, o prosencéfalo forma o telencéfalo e o diencéfalo, que compõem juntos o


cérebro; o mesencéfalo origina o próprio; e o rombecefalo forma o metencéfalo, que gera cerebelo e
ponte, e o mielencéfalo, que gera o bulbo. Sua cavidade forma o IV ventrículo e o canal central da
medula.
Imagem 9: Esquema com o prosencéfalo, mesencéfalo e rombencéfalo, e suas subdivisões. (8).

Tabela: Exemplos de doenças decorrentes de erro no desenvolvimento embriológico do sistema


nervoso e sua origem embiológica.

Distúrbios Origem embriológica

Acredita-se que venha da formação de um “divertículo” da aracnoide em


Cisto de aracnoide
formação

Basicamente vem de tecido originário do endoderma, que migra para o


Cisto coloide
sistema ventricular

Crescem na região de fechamento do tubo neural (entre a terceira e quinta


Cisto epidermoide
semana de embriogênese)

Decorre da falha de crescimento normal dos arcos vertebrais, e sua fusão no


Espinha bífida
plano mediano.

Vem da protrusão da medula espinal e das meninges pelo defeito do arco


Mielomeningocele
vertebral (citado acima).

Defeito similar ao da mielomeningocele, porém mais grave, com a medula


Mielosquize
espinal aberta (pelo não fechamento das pregas neurais).

Consiste na divisão da medula no plano sagital, podendo acometer o saco


Diastematomielia
dural. Comum se associar a outras anomalias.

6. DIVISÃO DO SISTEMA NERVOSO


Anatomicamente e funcionalmente, o sistema nervoso se divide em: Sistema Nervoso Central,
aquele que está, por definição, dentro do esqueleto axial (composto por crânio e coluna vertebral); e
Sistema Nervoso Periférico, como aquele que está fora do esqueleto axial. O sistema nervoso
periférico apresenta uma divisão funcional importante: somática (aquela na qual envolvem o sistema
motor e sensitivo), e autônomo (que engloba as divisões simpática, parassimpática e entérica).
Já o sistema nervoso central, por sua vez, apresenta uma divisão anatômica importante: encéfalo e
medula espinal. O encéfalo se subdivide em: telencéfalo, diencéfalo, tronco cerebral (que é
composto pelo mesencéfalo, ponte e bulbo). A medula é um cordão que perpassa pelo canal
vertebral, composto por vários feixes nervosos. Além deles, há também o sistema ventricular, já
citado.

Atenção!

Uma característica importante dessa divisão é a de que os corpos celulares se agrupam no Sistema Nervoso
Periférico através de gânglios periféricos, e os axônios se agrupam em nervos periféricos. Já no Sistema
Nervoso Central, os corpos celulares e dendritos se agrupam em áreas corticais e em núcleos, e os axônios
se agrupam em estruturas que possuem nomes variados, sendo mais conhecido como trato.

Lembrando o que foi falado sobre a mielina, as porções do sistema nervoso central ricas em fibras axonais,
tem um aspecto em peças anatômicas frescas de tom esbranquiçado, por conta da bainha de mielina ser rica
em lipídeos. Já as porções dos corpos celulares têm aspecto cinzento. Assim, há a famosa divisão em
substância branca e substância cinzenta.

6.1. A substância branca


Presente em toda a extensão do sistema nervoso central, a substância branca é composta por fibras
nervosas mielinizadas. A bainha de mielina, formada pelos oligodendrócitos, está presente nos
axônios. É envolta pelo córtex cerebral, externamente, e os ventrículos, internamente. Ela possui, no
encéfalo, três tipos de fibras: fibras de projeção, fibras de associação e fibras comissurais (será visto
com mais detalhes no capítulo 4). O córtex cerebral). Na medula, corresponde a região por onde
passam os tratos e fibras com diversas funções.

6.2. A substância cinzenta


É a região onde se situam os corpos celulares, dendritos e algumas terminações axônicas
importantes. No encéfalo, responde pelo córtex cerebral e os núcleos da base, e na medula
corresponde as porções mais externas, além de ser a região de onde emerge ou por onde adentram
neurônios dos gânglios espinais.

7. ENTENDENDO O CASO...
Então, agora que entendemos a divisão do sistema nervoso, podemos entender melhor as suspeitas
do Dr. Gomes em questão. Ele havia suspeitado que Joãozinho tivesse desenvolvido a Síndrome de
Guillain-Barré (SGB).
A SGB consiste, na realidade, num conjunto de síndromes com uma neuropatia periférica que afeta
as divisões motora, sensitiva e autonômica, tanto nos nervos quanto nas raízes espinais. O espectro é
amplo, e varia de uma fraqueza muscular em membros inferiores a tetraplegia. Decorre de um
processo inflamatório que promove destruição da bainha de mielina e até mesmo do axônio, a
depender do grau da inflamação. Isso leva a um processo de desmielinização, fazendo a chamada
neuropatia desmielinizante inflamatória.
É muito comum a doença surgir após um quadro de infecção viral inespecífica prévia, com
destaque as infecções de vias aéreas e gastrintestinais. Com o controle da poliomielite em diversos
países, esta se tornou a principal causa de paralisia flácida aguda no ocidente. Há, ainda, associação
com outros vírus, como o Vírus Epstein-Barr, Citomegalovírus, Herpes-Zóster, Hepatite, e o vírus da
imunodeficiência humana (HIV). Recentemente, tem sido evidenciado uma forte associação da SGB
com a infecção com os vírus da dengue, Chikungunya e zika. No Brasil, os estudos apontam para o
surgimento do vírus da dengue no meado dos anos 1980, ao passo que a zika e o chikungunya tenham
surgido entre 2014 e 2015. Estudos com o zika vírus evidenciaram surtos na Micronésia, em 2007,
com aumento da incidência de casos de SGB após tal período, e o mesmo ocorrendo na Polinésia
Francesa, em 2013, e no Brasil, em 2015. Neste último, com destaque ao estado da Bahia, que teve o
maior número de internações (em 7 meses, foi registrado um aumento de 66% de novos casos de SGB
se comparado a mesma época entre 2008 e 2014). É importante lembrar que a documentação da
circulação no zika vírus no Brasil foi documentada pela primeira vez também na Bahia.
A doença costuma surgir de modo progressivo nos 30 primeiros dias, seguida por uma fase estável,
com sequente melhora clínica lenta (que pode levar meses). O quadro clínico da doença costuma
iniciar com paralisia flácida, hipo ou arreflexia, que começa nos membros inferiores e ascende aos
superiores e tronco. É um quadro motor mais intenso distalmente nos membros, e simétrico. Pode
também acometer nervos sensitivos, provocando parestesias e disestesias. É possível ainda haver
comprometimento de nervos cranianos, sendo mais comum o acometimento do VII nervo (nervo
facial), promovendo paralisia da musculatura da face. Acometimento do sistema nervoso autônomo é
menos frequente, mas pode ocorrer, se manifestando com: hipertensão, arritmias, sudorese,
incontinência urinária e íleo adinâmico.
O estudo do líquor irá depender da fase em que se encontra a doença. Nos primeiros dias, é comum
o exame não apresentar alterações. Contudo, nos dias que se seguem, surgem elevações nos níveis de
proteína (proteinorraquia), que dura quase 1 mês, aproximadamente, com contagem celular normal
(dissociação proteinocitológica). Esse elemento é fundamental na diferenciação da SGB de outras
polineuropatias periféricas motoras.
A eletroneuromiografia é um exame de alta sensibilidade e espeficificade para a SGB. Seus
achados comuns na doença são: bloqueio de condução multifocal, e redução da velocidade de
condução nervosa, além de ondas F ausentes e latência distal prolongada. Com isso, o exame
neurológico completo, o estudo do líquor e a eletroneuromiografia são elementos importantes para o
diagnóstico da doença. Lembrando que a ressonância magnética, embora possa apresentar alterações
como espessamento difuso de raízes nervosas, não possui achados específicos ou importantes que
possam auxiliar no diagnóstico. Quando presentes, achados à ressonância devem ser considerados para
o diagnóstico de outras doenças.

Tabela 1: Subtipos da Síndrome de Guillain-Barré, aspectos gerais e padrões clínicos

Subtipos Aspectos da doença Padrão clínico

• Comum em todas as • Curso ascendente, com


1.Polirradiculopatia inflamatória idades pouco comprometimento
desmielinizante aguda sensitivo
• 90% dos casos (América
e Europa) • Evolução favorável

2.Neuropatia axonal motora


• Forma comum na China • Degeneração seletiva
motora
aguda • Infecção prévia por
Campylobacter jejuni • Sem alterações sensitivas
Subtipos Aspectos da doença Padrão clínico

• Forma comum em adultos • Comprometimento mais


3.Neuropatia axonal grave sensitivo e motor
motorasensitiva aguda • Comum na China e no • Curso prolongado e pobre
Ocidente
recuperação

• Ataxia, arreflexia e
oftalmoplegia
• Características de
4.Síndrome de MillerFisher desmielinização de • Deficit de força muscular
nervos periféricos progressiva
• Comum disautonomia

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. MACHADO, Angelo B.M.; HAERTEL, Lúcia Machado. Neuroanatomia funcional. 3.ed. São Paulo: Atheneu, 2006.
2. MARTIN, John Harry. Neuroanatomia: texto e atlas. 4. ed. Porto Alegre: AMGH, 2013.
3. BEAR, Mark F.; CONNORS, Barry W.; PARADISO, Michael A. Neurociências: desvendando o sistema nervoso. 4. ed.
Porto Alegre: Artmed, 2017.
4. LENT, Roberto et al. Cem Bilhões de Neurônios? Conceitos Fundamentais de Neurociência. 2. ed. São Paulo: Atheneu,
2002.
5. KANDEL, E.R.; SCHWARTZ, J.H.; JESSELL, T.M. Princípios da Neurociência. São Paulo: Manole, 2003.
6. DUUS, Peter. Topical Diagnosis in Neurology. 4. ed. New York: Thieme, 2005.
7. Tratado de Neurologia. Sociedade Brasileira de Neurologia.
8. ROCHA, M. S. G., BRUCKI, S. M. D., CARVALHO, A. A. de S., LIMA, U. W. P. Epidemiological features of Guillain-
Barre Syndrome in São Paulo, Brazil. Arquivos de Neuropsiquiatria. Pag. 33 – 37. 2004.
9. MALTA, J. M. A. S. et al. Síndrome de Guillain-Barré e outras manifestações neurológicas possivelmente relacionadas à
infecção pelo vírus Zika em municípios da Bahia, em 2015. Epidemiol. Serv. Saúde. Pag 9-18. Brasília: jan-mar, 2017.
10. MOORE, K. L. PERSAUD, T. V. N. TORCHIA, M. V. Embriologia Clínica. 8. Ed. São Paulo: Elsevier, 2008.

Imagens
1. COSTA, Valéria C. I. Anatomia Geral Humana: Apostila para fins didáticos. Ribeirão Preto: 2008.
2. GARTNER, Leslie P; HIATT, James L. Tratado de histologia. 3 ed.Trad. Thaís Porto Amadeu. Rio de Janeiro: Elsevier,
2007. Pag. 87-111.
3. GARTNER, Leslie P; HIATT, James L. Tratado de histologia. 3 ed.Trad. Thaís Porto Amadeu. Rio de Janeiro: Elsevier,
2007. Pag. 87-111.
4. GARTNER, Leslie P; HIATT, James L. Tratado de histologia. 3 ed.Trad. Thaís Porto Amadeu. Rio de Janeiro: Elsevier,
2007. Pag. 87-111.
5. MOORE, K. L. PERSAUD, T. V. N. TORCHIA, M. V. Embriologia Clínica. 8. Ed. São Paulo: Elsevier, 2008.
6. Blog Embriologia do Sistema Nervoso. Disponível em <https://embriologiasistemanervoso.wordpress.com/encefalo/>,
Acesso em 17 de outubro de 2018.
7. RIBAS, G. C. Applied Cranial-Cerebral Anatomy. 1a Ed. Cambridge University Press. 2018.
8. Portal FAMEMA: Disciplina de Embriologia Humana. Disponível em
<http://www.famema.br/ensino/embriologia/sistemaneurologico2.php>, Acesso em 17 de outubro de 2018.
9. MOORE, K. L. PERSAUD, T. V. N. TORCHIA, M. V. Embriologia Clínica. 8. Ed. São Paulo: Elsevier, 2008.

CONFERÊNCIAS

Confira aqui a aula dinâmica do Medicina Resumida sobre os assuntos abordados nesse capítulo!
Capítulo 2
POTENCIAL DE REPOUSO, GRADUADO E DE
AÇÃO
1. Caso Clínico
Mais um dia tranquilo do Dr. Gomes no Hospital do Santo Livro. Em atendimento no seu
ambulatório de epilepsia, chega dona Juliana, uma paciente de 24 anos, vendedora, solteira,
acompanhada pela mãe, para primeira consulta, encaminhada pelo clínico geral da unidade de saúde
de sua cidade. Refere que o mesmo a encaminhou por conta de “convulsões” que teve na infância e
que permanecem até hoje.
Juliana conta que, aos 11 anos, quando estava em casa assistindo televisão, se dirigia à cozinha
quando iniciou aumento da tonicidade dos músculos do tórax, abdome e extremidades, com
enrijecimento dos 4 membros. Refere que não se recorda de mais detalhes do ocorrido, e que só se
lembra de acordar horas após deitada no chão. A mãe, que estava presente, conta que a paciente
iniciou quadro de hipertonia dos membros, com queda súbita da altura, durando cerca de 10 minutos.
Em seguida, cursou com tremores nos 4 membros, que duraram cerca de 5 minutos. No momento, a
mãe havia pedido ajuda ao vizinho, que era médico, que lhe orientou que apenas afastasse objetos
próximos a mesma, e esperasse o evento cessar espontaneamente. Ao cessar, foi levada para consulta
com clínico da cidade, que solicitou uma ressonância magnética para afastar possíveis causadores da
crise. Refere que a mesma não apresentou alterações.
Com retorno agendado para o mês seguinte, Juliana referiu que apresentou mais 8 episódios no
intervalo entre as consultas. Seguiu em acompanhamento com o clínico, que iniciou tratamento com
Carbamazepina 300mg a cada 8 horas. Refere que a frequência após início do tratamento diminuiu
para 3 por ano, geralmente após períodos de insônia. O clínico havia recomendado que fizesse
acompanhamento com o neurologista, mas por falta de tempo acabou negligenciando a busca. Há 2
meses, no entanto, apresentou 4 episódios de crise convulsiva tônico-clônica generalizada, e o clínico
então lhe encaminhou ao neurologista para prosseguir com o tratamento adequado.
Ao exame físico, Juliana estava vigil, orientada, contactante, com pupilas isocóricas e
fotorreagentes, sem alterações de mímica facial, movimento ocular extrínseco preservado. Negou
alterações auditivas e visuais no momento, mas refere que “sente” que a crise irá ocorrer quando nota
escotomas ou com parestesias em membros superiores. Nega tontura ou vertigem. Força muscular
preservada nos 4 membros, grau 5, com tônus preservado, porém refere que, após a crise, acorda com
leve fraqueza nos membros inferiores e superiores. Reflexos tendinosos presentes e simétricos.
Sensibilidade tátil e dolorosa preservada. Sem alterações de marcha ou sinais de rigidez de nuca.
Dr. Gomes, então, solicitou um eletroencefalograma (visando identificar o padrão do
comportamento elétrico das células nervosas do encéfalo), glicemia de jejum, e eletrólitos (sódio,
potássio e cálcio), para buscar uma possível causa para o quadro, que acredita ser de um paciente
com crises epilépticas ainda a esclarecer. O estudante de medicina João, que estava acompanhando a
consulta, indagou o motivo dos exames, visto que a epilepsia é uma doença de causa desconhecida.
Dr Gomes então respondeu: “Justamente, o objetivo é afastar aqui as possíveis causas para a doença
(como uma hipoglicemia, distúrbio hidroeletrolítico, como hiponatremia, hipocalemia, hipocalcemia,
entre outros), pois havendo uma, podemos tratar e curar a paciente. Sem causa, teremos que manejar
os anticonvulsivantes para tentar diminuir ou até mesmo cessar esses episódios de crises
epilépticas!”. Aproveitando o momento, Dr. Gomes indagou: “João, como que age a carbamazepina
no neurônio, e como que ela é útil para tratar epilepsias?”. João, por não compreender bem, ficou
com a pendência de estudar um pouco sobre a carbamazepina, e relembrar alguns aspectos
importantes da geração e condução do potencial de ação, já que este é importante para explicar não
somente a ação do fármaco, mas entender parte do processo fisiopatológico da epilepsia, a principal
suspeita do Dr. Gomes.

1.1. Termos Desconhecidos

• “Eletroneuromiografia”
• “Carbamazepina”
• “Epilepsia”
• “Crise convulsiva”
• “Distúrbios hidroeletrolíticos”
1.2. Termos Chave

• “hipertonia”
• “potenciais de ação”
• “velocidade de condução”
• “geração do impulso nervoso”
• “tremores nos membros superiores”
• “escotomas”
1.3. Objetivos

• Compreender o potencial de ação, quanto a sua origem, condução e propagação


• Entender os fatores que influenciam no potencial de ação
As células nervosas têm a capacidade de alterar o potencial rapidamente, em resposta a um
determinado estímulo. Isso se deve ao fato de possuírem membranas excitáveis, que podem gerar e
conduzir potenciais de ação. O potencial de membrana consiste na voltagem da membrana a qualquer
momento. Relembrando a física, podemos simbolizar o potencial através da sigla “Vm”.

2. O POTENCIAL DE REPOUSO
Os sinais elétricos são os responsáveis por propagar as informações de forma rápida a longas
distâncias pelas células nervosas. Para tal, é necessário haver diferença de potencial responsável por
estimular o fluxo de íons de uma face da membrana à outra. Mas, quando não há o impulso nervoso,
é correto afirmar que não há potencial na membrana? A resposta é não! Existe um potencial na
membrana em repouso, que tem extrema importância na fisiologia do impulso nervoso.
Existem canais iônicos específicos envolvidos na manutenção do potencial de repouso da
membrana nervosa. Alguns estão a todo momento abertos (canais de vazamento), e outros se abrem
apenas com alteração da voltagem na membrana (canais voltagem-dependente, ou com portão). Estes
regulam a todo instante o potencial da membrana quando ocorre algum desequilíbrio iônico. O
objetivo: manter a membrana apta a propagar um potencial de ação (que veremos adiante) a qualquer
momento.
No repouso, a membrana nervosa está rodeada de íons negativos e positivos, com excesso de
cargas positivas na face externa da membrana, e de cargas negativas na face interna. Basicamente,
ocorre maior concentração de sódio e cloro na face da membrana externa, e potássio e outros ânions
orgânicos na face da membrana interna. A todo instante ocorre fluxo passivo desses íons pela
membrana, de modo a manter tal concentração. Essa diferença é a grande responsável pelo potencial
de membrana que, no repouso, é denominado potencial de repouso.
Para que o potencial de repouso se mantenha, às custas de fluxo relativamente livre dos íons, é
importante lembrar que: além do gradiente de concentração, as cargas elétricas também influenciam
no fluxo iônico. Desse modo, um excesso de carga positiva em um lado da célula e negativa no outro
pode estimular a atração entre os íons. Ou seja, além da força vinda de um gradiente químico, há
ainda uma força vinda da diferença de potencial elétrico. Quando isso ocorre, o fluxo dependerá,
agora, da permeabilidade da membrana a determinado íon. Se, por acaso, houver excesso de canal de
um determinado íon, este tenderá a fluir a favor do gradiente, e em seguida a favor da atração elétrica
a que está submetido. Porém, pense o seguinte: caso isso ocorresse, haveria uma redução do potencial
de repouso, se aproximando do potencial do sódio (+55 mV), o que poderia interferir na condução do
impulso nervoso (que veremos adiante). Além disso, de modo geral, as células nervosas têm
permeabilidade não somente ao potássio, mas também ao cloro e ao sódio. E como então conseguem
manter a membrana polarizada? Simples: existe ainda um fluxo ativo contrário a todo esse
movimento passivo, através da bomba de sódio e potássio (Bomba Na-K-ATPase). Ela promove a
saída do sódio e entrada do potássio, contra seus respectivos gradientes químicos, preservando a
polarização da membrana. Conclusão: sem a bomba e seu transporte ativo, a célula estaria em um
estado não excitável, o que prejudicaria o desenvolvimento e propagação do potencial de ação!
Para mensurar o potencial de membrana, diversos estudos se utilizam de microelétrodos
colocados nas faces interna e externa da membrana nervosa. Ao ser realizado em uma membrana em
repouso, considerando na face externa o potencial como zero, a diferença de potencial entre a
membrana interna e externa é registrada entre -65 a -70 milivolts (mV). Isso ocorre por conta da
distribuição iônica inalterada. Quando ocorre fluxo de íons pelos canais, ocorre redistribuição deles
nas faces interna e externa da membrana, ocasionando a mudança desse potencial. E isso ocorre a
todo momento. Contudo, na ausência de estímulo, esse fluxo passivo gera alterações de potencial
muito pequenas, com ínfimo impacto no potencial de repouso. Porém, caso este fluxo leve a uma
importante redução da separação entre as cargas, ou aumento do potencial (tornando menos
negativo), tem-se o fenômeno da despolarização. O fenômeno contrário, com aumento da separação,
e redução do potencial (tornando mais negativo), se chama hiperpolarização.

Imagem 1: Nesta imagem, vemos o processo de despolarização e repolarização a nível de membrana


celular. Destaque para o fluxo passivo de sódio, seguido pelo fluxo passivo de potássio, e por fim o
transporte ativo em sentido contrário do sódio e do potássio. (1)

3. O POTENCIAL GRADUADO
Ao haver alteração desse potencial ocorre o processo de despolarização, quando ocorre alteração
para valor mais positivo que o de repouso, ou de hiperpolarização, quando se altera para valor mais
negativo. Contudo, nem sempre um estímulo provocará um potencial de ação. Em geral, um estímulo
altera o potencial de membrana, mas em pouco valor. Assim, os pulsos gerados são de pequena
amplitude, e se dissipam conforme se propagam, não persistindo até concluir o trajeto. É a chamada
condução passiva.
À medida que a corrente de estímulo aumenta em intensidade, a resposta da membrana também
se altera, já que dessa vez houve estímulo suficiente para a abertura de canais iônicos (que será
detalhado mais a frente). E essa abertura altera a voltagem da membrana de maneira mais aguda, pois
potencializa a resposta inicial da membrana. Assim, temos a resposta local, ou potencial graduado.
Porém, ainda assim, esta resposta não consegue alterar o potencial da membrana para um valor mais
próximo do limiar, e com isso também não consegue sustentar a alteração ao ponto de propagar de
modo seguro pela célula, garantindo que haja condução do potencial.
Porém, quando o estímulo é capaz de alterar o potencial de membrana para próximo do limiar,
temos uma resposta mais intensa e segura da membrana. Esta resposta é conhecida como
supraliminar. E, assim, ocorre o desencadear do potencial de ação.
4. O POTENCIAL DE AÇÃO
O Potencial de Ação é o sinal que leva a informação ao Sistema Nervoso. Ele também é
chamado de pico de potencial, ou potencial em ponta, ou espiga, ou impulso nervoso ou
descarga.
Ele é definido como uma rápida inversão da polaridade da célula, em que no repouso está com o
citoplasma com carga negativa em relação ao meio extracelular. Assim, no potencial de ação, o lado
citoplasmático da membrana está mais positivo que o lado externo. Ele é um evento momentâneo e
rápido, e para isso, possui uma característica fundamental: ele não diminui ou perde intensidade ao
longo da transmissão – é constante.
O tamanho e a duração são similares entre os potenciais de ação. Com isso, o que especifica a sua
mensagem é a frequência e o padrão.

VAMOS PENSAR?

O Código Morse é um tipo de comunicação utilizada por tripulantes navais para trocar informações
quando não possuem redes de telefones a sua disposição, se utilizando de pulsos emitidos por batidas, ou
seja, a quantidade de pulsos por um determinado tempo depende da quantidade de batidas que é feita no
equipamento. Com isso, uma batida no instrumento significa uma mensagem, mas três batidas em 10
segundos significam outra, e cinco batidas em 2 segundos significam outra. Outro exemplo é o detector de
metal visto em desenho. Ele, quando percorre o chão sem metal, quase que não há bip. Já quando percorre
uma área com muito metal, o número de bips aumenta por segundo, ou seja, a frequência aumenta,
identificando que há uma área com muito mais metal que a área anterior. O que ele quis dizer? Que a
informação sobre quantidade de metal no chão mudou.

O Potencial de Ação possui propriedades que são universais, ou seja, os seres vivos com sistema
nervoso desenvolvido possuem o potencial de ação com as mesmas características. Em estudos com
osciloscópios, foram identificadas etapas importantes. E seu objetivo era tentar medir um potencial
de ação.

4.1. ETAPAS
A fase ascendente consiste na fase de despolarização da membrana, onde atinge o pico de
+40mV.
A fase descendente consiste na repolarização de membrana, onde sua face intracelular volta a
ficar mais negativa que a face extracelular, e que o potencial de repouso (-65mV), ou seja, mais
negativo que isso.
A fase de pós-hiperpolarização consiste na fase de restauração desse potencial de repouso.
Imagem 2: Gráfico ilustrando as fases do potencial de ação. Em verde, o potencial de repouso. Em
laranja, destaca-se a despolarização, e sua fase ascendente, após o estímulo promover uma
despolarização para além do seu limiar (em tracejado). Em roxo, tem-se a repolarização, ou a fase
descendente do potencial de ação, tendo, em seguida, a hiperpolarização, em vermelho, onde o
potencial alcança níveis abaixo do nível de repouso. Por fim, em verde, o potencial retoma os seus
valores de repouso.

VAMOS PENSAR?

Uma pessoa se cortou ao preparar a carne para um churrasco. Primeiro, a lâmina penetra a pele, depois
distende membrana das fibras nervosas da mão, e promove abertura de canais de sódio por essa distensão.
Essa abertura provoca entrada de sódio por conta da carga negativa do citoplasma, e isso despolariza a
face interna da membrana. Se por acaso essa abertura for capaz de permitir entrada de sódio suficiente
para despolarizar a membrana até um nível crítico (ou limiar, como é conhecido), então, ocorre a geração
de um potencial de ação. Por isso que um potencial de ação também é conhecido como “tudo ou nada”.

É bom lembrar que a despolarização pode ser alcançada tanto pelo influxo de íons sódio em
canais ativados por neurotransmissores, bem como por aplicação de corrente elétrica por
microelétrodos.
A taxa de geração de potencial de ação depende da magnitude da corrente despolarizante, e a
frequência de disparo vai refletir a magnitude da corrente.
Contudo, há um limite para a geração de um potencial de ação. Ao atingir a frequência máxima
de 1000Hz, ele não consegue gerar um novo potencial por cerca de 1 milissegundo. Esse tempo é o
que nós chamamos de Período Refratário Absoluto.
Por outro lado, existe outro período, em que ainda é possível gerar potencial de ação, porém
requer maior intensidade da corrente geradora que o normal. Esse é o chamado Período Refratário
Relativo.
4.2 CONCEITOS BÁSICOS
O potencial de ação consiste em uma redistribuição de carga na membrana, onde a despolarização
consiste no influxo de sódio, e a repolarização no efluxo de potássio. Basta lembrar dos conceitos de
potencial de repouso, descritos anteriormente. Para se entender a teoria, porém, é preciso considerar
um neurônio ideal para ser estudado. Este neurônio possuiria uma membrana com canais de sódio, de
potássio e uma bomba sódio-potássio, apenas. E essas bombas funcionariam a todo momento.
Suponha que o potássio está cerca de 20 vezes mais concentrado dentro da célula do que fora, e o
sódio 10 vezes mais concentrado fora do que dentro. Assim, já é possível se constituir um gradiente
de concentração, correto? E como são cargas iônicas, tal gradiente também gera uma diferença de
potencial (ddp). Consideremos o potencial de repouso do sódio (ENa) estima-se em +62mV, e o do
potássio (EK), -80mV.
Em repouso, os canais de sódio e potássio estão fechados. E o potencial da membrana (Vm),
nesse momento, está em 0mV. Então, primeiro, abriremos os canais de potássio. Com isso, a ddp
entre a membrana e o potássio seria: – 80 - 0. Ou seja, a ddp está, agora, em - 80mv. Com essa
diferença, os íons potássio fluem para fora da célula, até que o interior atinja um potencial que esteja
em equilíbrio com o da membrana, ou seja, o potencial de membrana se aproxime dos - 80mV, onde
pode-se observar: Vm = EK. Obviamente, esse “potencial de equilíbrio” está negativo.

VAMOS PENSAR?

Se aplicada a lei de Ohm, pode-se dizer então que a corrente iônica é igual ao produto da ddp pela
condutância. Lembrando que: o número de canais abertos é proporcional à condutância, e o movimento
dos íons correspondem a uma corrente. Para que haja uma corrente, é preciso que haja condutância, ou
seja, canais abertos, e uma ddp, ou seja, o potencial de membrana diferente do potencial dos íons. Se não
há canais abertos, a condutância é zero. Se o potencial de membrana se equilibra com o do íon, então a
ddp é zero. Com isso, não há corrente iônica.

Os íons sódio, por sua vez, estão concentrados do lado de fora da célula, e tal concentração fará
com que, quando os canais de sódio se abram, uma força impulsora grande aja sobre os íons, fazendo
com que entrem na célula. Lembrando que essa força vem da ddp estabelecida, já que agora o
potencial de membrana está em -80, e o potencial de sódio é +62mv. Ou seja, a ddp estabelecida é:
-80 –(+62), que dá -142mV. Se por acaso a permeabilidade ao sódio se alterar, ou seja, os canais se
abrirem, aí então teremos um fluxo iônico, ou seja, uma corrente de sódio.
Acontece que a permeabilidade ao sódio é bem maior que a do potássio nessa membrana, e com
isso a despolarização tende a trazer o potencial para mais próximo do potencial do sódio (que é +62)
do que o do potássio (que é -80), fazendo com que a membrana, então, fique positiva, e com isso
ocorra a inversão da polaridade que antes estava estabelecida. Assim, ocorre a despolarização da
membrana.

DETALHE!

Os canais de sódio se fecham rapidamente. Se abrem e fecham rapidamente. Já os do potássio se abrem e


demoram um pouco mais para fechar. Assim, a permeabilidade da membrana, que era maior para o sódio,
volta a ser do potássio. E com isso, ocorre fluxo de potássio para fora, até o potencial de membrana voltar
aos -80mv de novo. Se a condutância ao potássio aumentar, essa fase será mais rápida ainda.
O limiar então significa aquele potencial que consegue abrir os canais de sódio suficientes para
gerar uma despolarização de membrana suficiente. Além disso, a fase ascendente do potencial de
ação corresponde ao influxo de sódio. E a fase descendente corresponde ao efluxo de potássio.

4.3 TEORIA DOS PORTÕES


Na prática, o que ocorre é uma despolarização até atingir o limiar, em que ocorre abertura dos
canais de sódio até atingir um potencial crítico em que permite influxo maciço de íons sódio (na
verdade, canais de sódio abertos pela distensão de um alfinete que perfura um dedo, por exemplo,
induzem influxo que provoca alteração de potencial, e quando chega no limiar, ele provoca abertura
dos canais de sódio voltagem-dependente). Para restaurar o potencial negativo da membrana, há
abertura de canais de potássio, e então os íons potássio saem rapidamente.
Os cientistas Huxley e Hodgkin demonstraram essa tese. E para explicar tudo isso, propuseram a
existência de “portões”, que abrem e fecham de acordo com a voltagem. Ou seja, seriam ativados
quando atingissem limiar, inativados quando o potencial fosse positivo, e desbloqueados quando o
potencial voltasse ao valor crítico. Hoje, sabemos da existência das proteínas de membrana, que são
os tais portões que atuam de acordo com a voltagem do ambiente.
E, dentre as proteínas de membrana, sabe-se atualmente da existência dos canais de sódio
voltagem-dependente, que consistem em proteínas que formam um poro que se fecha quando a
membrana está negativa, e que quando ela atinge o limiar, altera sua conformação, abrindo esse poro,
permitindo a passagem do íon sódio. Eles se abrem e fecham rapidamente, e ficam inativados por
cerca de 1 milissegundo, onde só reabre após o potencial retornar ao valor negativo próximo ao
limiar.
Mas, um único canal de sódio, ao se abrir, já gera um potencial de ação? Obviamente, não. O
canal de sódio, ao se abrir, altera a voltagem da membrana naquela região. E canais próximos a ele
percebem tal alteração, também se abrem. Se o número de canais abertos for suficiente para provocar
uma alteração no potencial de membrana pra próximo do limiar, aí sim ocorre a geração do potencial
de ação.
Outro canal que hoje se conhece é o canal de potássio voltagem dependente. Eles possuem a
peculiaridade de não se abrirem de imediato após a despolarização, ou seja, demoram mais de se
abrir. Assim, eles “corrigem” o potencial de membrana para o valor original, mas com um retardo.
E, por fim, existe a famosa bomba de sódio e potássio. O fluxo de sódio e potássio que todo esse
tempo foi abordado era um fluxo passivo, ou seja, a favor do gradiente de concentração. Porém,
depois que acontece, a diferença de concentração é reestabelecida através dela. Através de transporte
ativo, ela provoca a restauração do gradiente de concentração dos íons sódio e potássio. Aliás, ela age
a todo o momento, para evitar que, quando haja um estímulo, o potencial não seja gerado por não
haver o gradiente de concentração.

4.4 PROPAGAÇÃO
Se o axônio for suficientemente despolarizado, a ponto de alcançar o limiar, ocorre o início do
potencial de ação. O influxo de carga positiva despolariza um segmento à frente, até gerar potencial
de ação. Assim, segue seu trajeto, até as terminações axônicas, onde irá desencadear a transmissão
sináptica (Capítulo 3). É bom lembrar que o fluxo do potencial é unidirecional, ou seja, não volta
pelo caminho percorrido por conta daquele retardo dos canais de sódio que foi abordado neste
capítulo.
Imagem 4: Processo de propagação do potencial de ação: a entrada de íons sódio com consequente
saída de potássio, deflagrando a despolarização, e movimento oposto logo após, com a reentrada de
potássio e saída de sódio (via transporte ativo), proporcionando a repolarização da membrana. (4)

O potencial de ação necessariamente flui de maneira uniforme? A resposta é não! Ele pode ser
propagado de maneira mais lenta ou mais rápida, a depender de quão longe a despolarização vai
abranger o axônio. Ou seja, quão maior for a área que a despolarização alcança, mais rápido o
potencial é propagado.

VAMOS PENSAR?

Pensa assim: as cargas podem fluir por dois caminhos: tanto pelo interior do axônio, como pela membrana
axonal. Se o axônio é muito estreito, e muitos poros estiverem abertos na membrana, o fluxo será maior
na membrana. Agora, se o axônio for muito largo, e tiver poucos poros abertos na membrana, o fluxo será
pelo próprio axônio. Com isso, se um canal mais distante é aberto, o íon flui pelo axônio até chegar nesse
canal. Ou seja, quão mais longe a corrente propagar no axônio, mais distante o potencial de ação
conseguirá despolarizar à sua frente, e assim, mais rápido será o potencial de ação. Se uma mangueira tem
furos no cabo, concorda que quanto mais furos tiver, menos água cai da mangueira? Pois a maior parte vai
estar saindo por esses furos.

O diâmetro do axônio também interfere na velocidade: axônios menores requerem maior


despolarização para atingir limiar, e assim são mais sensíveis a fármacos que bloqueiam esses canais,
como anestésicos locais. Mas, concorda que se tivéssemos que ter axônios calibrosos, nosso corpo
teria que ser maior para comportar tanto espaço? Pois é, e é por isso que na evolução os vertebrados
desenvolveram uma outra solução para aumentar a velocidade de condução sem precisar alargar os
axônios: envolveram axônios com um material isolante, de modo a inibir certos canais de
promoverem fluxo de íons.

VAMOS PENSAR?

Pense que na mangueira com furos, eu coloquei uma fita isolante em alguns pontos da mangueira, e isso
tapou muitos furos. Com essa técnica, a água passa a correr mais forte e veloz na mangueira. Essa fita
isolante é a tal bainha de mielina, envoltos de membrana das células de Schwann e oligodendrócitos
(Capítulo 1). Ela coíbe o fluxo de íons pela membrana, induzindo fluxo dentro do axônio. Mas entre elas
há quebras, se assim podemos dizer, onde os íons fluem pelas membranas, para despolarizar e abranger
mais canais, provocando passagem do potencial de ação. Esses são os famosos nodos de Ranvier. Como a
despolarização, nesses casos, é induzida nesses nodos apenas, a condução é chamada de saltatória,
justamente por conta desses “saltos”, se assim podemos dizer, do potencial de ação pelo axônio. Isso
acelera o potencial, já que se não fossem por esses nodos, eles teriam que ir despolarizando canal por
canal, em vez precisar somente despolarizar um canal mais distante.

E quanto aos dendritos, e o corpo celular? Via de regra, eles não geram potencial de ação
causados pelo sódio, já que possuem poucos canais na membrana de sódio voltagem-dependente.
Tais canais aparecem em alto número a partir do chamado cone axonal, que por ter essa riqueza
desses canais é tido como a zona de gatilho, ou de disparo, de onde irá desencadear um potencial de
ação no axônio se o estímulo conseguir ativar o número suficiente de canais.
De modo resumido: o estímulo sináptico despolariza dendritos ou o corpo celular, de modo que se
essa despolarização atingir limiar nas membranas do cone, aí sim haverá o desencadear de um
potencial de ação.

5. ENTENDENDO O CASO...
A epilepsia é uma doença vinda da predisposição do cérebro do indivíduo a gerar crises
epilépticas recorrentes, e das suas consequências neurobiológicas e cognitivas. Não tem causa
definida, e ocorre basicamente por conta do desvio no equilíbrio entre o processo de excitação e
inibição dos neurônios no sistema nervoso central. Os fatores que promovem tal desequilíbrio são
vários, mas um fator que desencadeia a crise em um indivíduo pode não promover o mesmo em
outro, visto que há também a susceptibilidade diferente para ambos. Esse elemento tem sido foco de
estudo atualmente, visto que tem base genética pouco compreendida. Contudo, existem afecções
diversas que podem também transformar um tecido nervoso normal em um anormalmente
hiperexcitável, desencadeando, assim, crises epilépticas. Neste caso, não se classifica o paciente
como portador de epilepsia, mas sim de crises epilépticas. Esta, por sua vez, é definida como um
evento paroxístico, por atividade neuronal anormal e excessiva no cérebro, vinda de um fator casual,
que pode ser: infecções, tumor cerebral, hemorragias, hipoglicemia, distúrbios hidroeletrolíticos,
entre outros. Esse evento ocorre por conta do fenômeno da epileptogênese, que consiste na
transformação de um grupo de neurônios normais em células hiperexcitáveis.
Pode ser classificada de acordo com a etiologia e suas características: crises parciais (focais),
onde as manifestações indicam a ativação de uma região em um hemisfério cerebral apenas, podendo
ser restrita ou ampla; e crises generalizadas, onde as manifestações indicam que houve ativação de
regiões em ambos os hemisférios. As crises parciais ainda podem ser classificadas como: simples,
quando a consciência é mantida, e complexas, quando há perda da mesma. É comum o estímulo
surgir em uma região específica, e o mesmo se propagar pelo cérebro, deslocando o foco de geração
do estímulo, proporcionando também uma mudança na manifestação clínica, de acordo com o local
acometido.
Segundo a ILAE (2017), as crises epilépticas podem ser classificadas como: de início focal; inicio
generalizado; início desconhecido e não classificadas. As de início focal podem se subdividir em
crises de início motor (automatismos, atonias, clonias, espasmos, mioclonias, espasmos e
hipercinese) e de início não motor (autonômica, parada comportamental, cognitiva, emocional e
sensorial). As de início focal podem ainda evoluir para fase tônico-clônica generalizada. Já as crises
de início generalizado se dividem em motoras (tônico-clônica, clônica, tônica, mioclônica,
mioclônica-tônico-clônica, mioclono-atônica, espasmos e atônicas) e não motoras (típicas, atípicas,
mioclônicas e mioclonias palpebrais). E as de início desconhecido ainda são classificadas como
motoras (tônico-clônica e espasmos) e não-motoras (parada comportamental). Com isso, percebe-se
que a classificação não deve apenas levar em conta a base anatômica, mas também a base
comportamental.
O processo fisiopatológico consiste em um desequilíbrio, com redução da inibição, e aumento da
excitação, podendo ser explicado pela redução do numero de receptores para o neurotransmissor
GABA nas membranas sinápticas. A atividade epiléptica pode surgir em uma região específica do
córtex, e em seguida se propagar para regiões vizinhas. Com isso, o episódio possui duas etapas: a
fase de iniciação e a de propagação. A fase de iniciação ocorre com potenciais de ação de alta
frequência em salvas, associado a uma sincronização entre os neurônios envolvidos. As salvas,
quando ocorrem em um grupo razoável de neurônios, proporciona a descarga em ponta na onda do
EEG. Nessa fase ocorre uma despolarização longa por conta da entrada de cálcio, que induz a
abertura dos canais de sódio voltagem-dependente, propiciando entrada de sódio e geração de
potenciais de ação repetitivos. Em situações normais, nesse momento ocorre um estado
hiperpolarizante mediado por receptores do ácido-gama-aminobutírico (GABA) e canais de potássio.
A fase de propagação normalmente é inibida pela hiperpolarização da membrana e por neurônios
inibitórios próximos. O aumento do potássio extracelular, contudo, reduz estado de hiperpolarização
em células nervosas vizinhas, facilitando a sua despolarização e a das células acometidas. Ocorre
também acúmulo de cálcio nas terminações sinápticas, induzindo maior liberação de
neurotransmissores, propiciando maior estímulo a novas células nervosas. Tais eventos levam ao
recrutamento de novas células nervosas, que em quantidade suficiente, propaga atividade epiléptica
para regiões vizinhas, podendo levar a áreas mais distantes, ainda por contiguidade.
Os fatores que regulam a excitabilidade neuronal podem ser classificados como: intrínsecos,
quando incluem alterações de condução nos canais iônicos, ou padrões de resposta dos receptores de
membrana, e expressão de proteínas; e extrínsecos, quando envolvem modificações na quantidade ou
tipo de neurotransmissores na sinapse, modulação dos receptores, tendo aqui participação dos
astrócitos. A epileptogênese não possui uma explicação bem definida, mas acredita-se que ocorra
durante o processo de desenvolvimento do sistema nervoso.
Os pacientes com suspeita de um distúrbio epiléptico têm indicação da realização de um estudo
eletrofisiológico. Atividade rítmica repetitiva e anormal, com início e fim distintos, estabelecem
diagnóstico no paciente com suspeita de epilepsia. A sua ausência não exclui o diangóstico, visto que
pode ocorrer de os eletrodos não captarem determinada região que deflagre uma crise focal. Nas
crises tônico-clônica-generalizadas o EEG sempre apresenta alterações. O ideal é que o estudo seja
feito durante a crise, porém nem sempre isso é possível. Assim, se indica a realização da
monitorização contínua por períodos longos. Embora em muitos casos o EEG não apresente
alterações específicas da doença, ele é muito útil para classificar os distúrbios ou selecionar fármacos
anticonvulsivantes. Pode ainda apresentar alterações em pacientes assintomáticos que contribuem
para o diagnóstico.
O registro de atividade epileptiforme no período interictal ocorre pela soma dos potenciais pós-
sinápticos, inibitórios e excitatórios de um grupo razoável de neurônios. A despolarização na
membrana do corpo celular leva ao registro da atividade espicular no EEG. A hiperpolarização que
vem em seguida limita a duração, mostrando uma onda lenta. A atividade epileptiforme tem algumas
características: possuem ascenção aguda e descida mais lenta, conferindo aspecto assimétrico entre
os dois lados, no geral sendo bifásica ou trifásica, e com duração diferente das ondas de base, seja
mais alta ou mais baixa. Em adultos, deve-se sempre ser solicitada TC ou RNM de crânio para
afastar causas secundárias. Em crianças, deve ser feito estudo de imagem quando a atividade
epiléptica não for elucidada.
O uso de fármacos antiepilépticos tem como objetivo prevenir as crises com o mínimo de efeitos
adversos possíveis. Para a seleção adequada, é preciso classificar as crises. Está indicado o uso em
indivíduos com crises recorrentes sem causa conhecida ou com causas irreversíveis. Pode ser usado
também em indivíduos com tumores ou infecções que apresentem crises, na vigência do tratamento
da doença de base, como prevenção de novos episódios. Os mecanismos de ação são diversos, e
incluem: inibição do potencial de ação vindo do canal de sódio voltagem-dependente e seu estímulo
repetitivo (carbamazepina); inibição dos canais de cálcio voltagem-dependente (fenitoína,
gabapentina, pregabalina); aumento da ação do glutamato (lamotrigina, topiramato); e
potencialização dos receptores de GABA (benzodiazepínicos e barbitúricos) ou aumento da
disponibilidade do GABA (ácido valproico). Para as crises tônico-clônicas, o ácido valproico e o
topiramato são drogas de primeira linha, e nas crises parciais, são fármacos de primeira linha:
carbamazepina, fenitoína e o mesmo ácido valproico. Em falha do tratamento farmacológico, é
indicada cirurgia, podendo ser: ressecção do lobo temporal, lobectomia frontal, hemisferectomia
(indicada na síndrome de Rasmussen e Struge-Weber), entre outros.

Referências Bibliográficas
1. MACHADO, Angelo B.M.; HAERTEL, Lúcia Machado. Neuroanatomia funcional. 3.ed. São Paulo: Atheneu, 2006.
2. MARTIN, John Harry. Neuroanatomia: texto e atlas. 4. ed. Porto Alegre: AMGH, 2013.
3. BEAR, Mark F.; CONNORS, Barry W.; PARADISO, Michael A. Neurociências: desvendando o sistema nervoso. 4. ed.
Porto Alegre: Artmed, 2017.
4. LENT, Roberto et al. Cem Bilhões de Neurônios? Conceitos Fundamentais de Neurociência. 2. ed. São Paulo: Atheneu,
2002.
5. KANDEL, E.R.; SCHWARTZ, J.H.; JESSELL, T.M. Princípios da Neurociência. São Paulo: Manole, 2003.
6. Tratado de Neurologia. Sociedade Brasileira de Neurologia.
7. LONGO, et al. Medicina Interna de Harrison. Décima-oitava edição. Volume 2. São Paulo: Artmed, 2013.

Imagens
1. Portal Toda Matéria. Transmissão do Impulso Nervoso. Disponível em <https://www.todamateria.com.br/transmissao-do-
impulso-nervoso/>, Acesso em: 17 de outubro de 2018.
2. Portal Brainy. Potencial de Ação. Disponível em: <http://neuroibb.wixsite.com/brainy/potencial-de-ao>. Acesso em: 14 de
fevereiro de 2019.
3. Como Neuronios Conversam Uns com os outros. Disponível em <https://netnature.wordpress.com/2017/06/10/como-
neuronios-conversam-uns-com-os-outros-comentado/>, Acesso em: 17 de outubro de 2018.
4. Só Biologia. O Caminho do Impulso Nervoso. Disponível em
<https://www.sobiologia.com.br/conteudos/FisiologiaAnimal/nervoso3.php>, Acesso em: 17 de outubro de 2018.
CONFERÊNCIAS

Confira aqui a aula dinâmica do Medicina Resumida sobre os assuntos


abordados nesse capítulo!
3. A Transmissão Sináptica
Capítulo 3
A TRANSMISSÃO SINÁPTICA
1. Caso Clínico
Pedrinho, de 7 anos, é levado à emergência do Hospital do Santo Livro
para avaliação do Dr. Gomes. Com cara de assustada, a mãe chega
implorando ao Dr. que ajude seu filho.
A mãe informou que tudo começou depois que Pedrinho quis brincar no
parque com os colegas, há 2 dias. Neste dia, Pedrinho havia ido jogar bola
descalço no meio do “terrão” do parque, mesmo com um ferimento que tinha
no dedão fruto de ter jogado descalço em uma quadra com piso irregular. À
noite, em casa, estava enjoado e apresentou vômitos. Indagada sobre
alimentos ingeridos no dia, a mãe informou que Pedrinho comeu dois
sanduíches que estavam na geladeira. Ela informou que havia aconselhado o
filho a não comer, por ter “vários dias” na geladeira. Mesmo assim, ele
comeu, e a mãe não se preocupou tanto com os enjoos por acreditar ter sido
um “mal de comida estragada”.
Porém, o que chamou a atenção foi que, dois dias depois, notou, de
manhã, que Pedrinho começou a apresentar quadro de ptose palpebral
bilateral. À noite, o mesmo cursou com disfagia. Preocupada, a mãe
prometeu que iria leva-lo no medico na manhã seguinte. Ao acordar, no
entanto, Pedrinho estava apresentando dificuldade para respirar, e fraqueza
nos braços e nas pernas. De imediato, levou ao pronto socorro, onde foi
administrado oxigênio complementar, e ficou em observação. Sem saber
qual a causa, os plantonistas solicitaram encaminhamento para a emergência
do Hospital do Santo Livro para avaliar a origem do quadro.
No momento, Pedrinho está choroso, agitado, porém vigil e contactante,
orientado, apresentando ptose palpebral, oftalmoplegia, dispneia, disfagia e
disartria. A força muscular nos membros superiores está reduzida (grau 2 em
5), e nos membros inferiores (3 em 5), e flacidez de musculatura mandibular.
Reflexos tendinosos levemente reduzidos em membros superiores,
preservado nos membros inferiores. Nega alterações somatossensoriais.
Dr. Gomes então solicitou uma tomografia computadorizada para
avaliação do sistema nervoso central, visando afastar um possível Acidente
Vascular Cerebral, a qual não apresentou alterações. Suspeitando de
botulismo pelo padrão de paralisia de nervos cranianos, e de membros
superiores, ele então solicitou exame de lavagem gástrica com investigação
de toxina botulínica, que revelou a presença da toxina tipo A, confirmando o
diagnóstico de botulismo.
Assustada, a mãe fica sem saber sobre o que se referia essa doença, e
então o Dr. Gomes lhe disse que se tratava de uma infecção bacteriana, em
que a bactéria libera substâncias que bloqueiam a transmissão do impulso
nervoso, ou seja, impede a comunicação entre os neurônios, e que isso estava
acontecendo entre o neurônio e as células dos músculos de Pedrinho. Por
isso ele estava com as pernas mais fracas e com dificuldade de respirar, por
exemplo.
Para tratar, Dr. Gomes solicitou logo que fosse aplicado soro
antibotulínico e internou imediatamente para ficar em observação, por conta
do risco de ele desenvolver uma parada respiratória, e solicitou um exame de
imagem do crânio para afastar causas primárias do sistema nervoso central.

1.1. Termos-chave
• “Neurotransmissores”
• “Receptores”
• “Fraqueza nas pernas”
• “Flacidez de musculatura”
• “Bloqueia a transmissão do impulso nervoso”
• “Comunicação entre os neurônios”
1.2. Termos desconhecidos
• “Oftalmoplegia”
• “Ptose Palpebral”
• “Disfagia”
• “Dispneia”
• “Disartria”
1.3. Objetivos
• Compreender o processo de transmissão do impulso nervoso (as
sinapses)

• Entender os mecanismos que atuam no processo de transmissão


sináptica

• Conhecer os principais neurotransmissores


A informação gerada após um estímulo a um neurônio pode provocar o
desencadear de um Potencial de Ação. Quando este chega às terminações
axônicas, tem a possibilidade de serem transmitidas a outros neurônios, ou
até mesmo a outros órgãos, servindo como meio de processamento de
informações no Sistema Nervoso.
No fim do século XIX, descobriu-se que essa transferência de
informação ocorria em sítios especializados de contato, que foram batizados
de “sinapses”, e o processo de transferência de informação de “transmissão
sináptica”.
Assim começou então a busca pela descoberta da natureza física da
transmissão.
Primeiramente, a natureza elétrica, onde a corrente fluía de um neurônio
para o outro, foi postulada e, depois, confirmada no século XX. Porém, após
um tempo surgiu uma hipótese alternativa, baseada na natureza química,
onde haviam neurotransmissores químicos, que transferem informação de
um neurônio para outro. Com isso, muitos estudos foram feitos, e hoje se
sabe que a maioria das sinapses no encéfalo são químicas, e, principalmente,
que as sinapses são muito mais complexas do que se imaginavam.
Mas então, o que é uma sinapse? Sinapse nada mais é do que uma
junção especializada, onde uma parte do neurônio faz contato e se
comunica com outro neurônio ou tipo celular (seja célula muscular, glândula,
entre outros). O primeiro neurônio, ou aquele que emite o sinal, é o chamado
pré-sináptico, e o outro, o que recebe o sinal, é chamado de pós-sináptico.
Atualmente, são conhecidos dois tipos de sinapse: a sinapse elétrica, e a
química.

Imagem 1: Ilustração de uma sinapse e seus componentes: a membrana pré-


sináptica, as vesículas sinápticas, a fenda sináptica, os neurotransmissores,
os receptores, e a membrana pós-sináptica. Em A, a chegada do potencial de
ação desencadeia a abertura dos canais de cálcio. Com a entrada dos íons
cálcio, ocorre o evendo em B: a mobilização das vesículas, com consequente
liberação dos neurotransmissores na fenda sináptica. Por fim, os
neurotransmissores na fenda vão se ligar a seus receptores, promovendo o
evento em C: a entrada dos íons sódio, levando a despolarização da
membrana.

2. SINAPSES ELÉTRICAS
Imagem 2: Na imagem acima, as conexinas (6 ao todo - letra d) unidas para
formar o conéxon (as letras a, b e c), que, quando se unem (um de cada
membrana) formam as junções comunicantes (letra h). (2)

Quanto as elétricas, são similares em estrutura e função, e permitem


transferência direta da corrente iônica de uma célula para outra. Ocorrem em
sítios especializados, as chamadas junções comunicantes. Nelas, que
também são chamadas de junções GAP, as membranas das duas células
estão separadas apenas por 3 nanômetros, ou seja, quase coladas, e entre
essas membranas há proteínas especificas, as chamadas conexinas.
As conexinas, juntas, formam componentes importantes, tal qual um
brinquedo de encaixe: seis delas se juntam para formar o conéxon, que é um
canal especifico de cada membrana, e os dois conéxons se juntam para
formar o canal de junção comunicante. É através desse canal de junção
comunicante que os íons passam diretamente do citoplasma de uma célula
para o citoplasma da outra. Como se houvessem duas paredes, em que em
uma se escava, coloca uma tubulação, e faz o mesmo na outra. Depois, junta-
se as paredes, encaixando essas tubulações uma na outra. Assim, tem-se uma
comunicação entre dois cômodos através de uma tubulação única. Em cada
parede, a tubulação dela é chamada de conéxon, e o canal que se forma entre
os dois cômodos com o encaixe deles é chamado de canal de junção
comunicante. Esses poros são relativamente grandes, capazes de permitir a
passagem dos principais íons celulares e de outras moléculas orgânicas. A
maioria permite fluxo para ambas as células, por isso que as sinapses
elétricas são bidirecionais.
A transmissão nas sinapses elétricas é muito rápida, e se a sinapse for
grande, ela é tida como infalível, quase que instantânea. Ocorrem em geral
no encéfalo, principalmente onde a atividade de neurônios vizinhos é
sincronizada, e suas funções variam conforme a região encefálica. Ela,
basicamente, funciona assim: o potencial de ação do neurônio pré-sináptico
induz um pequeno fluxo de corrente para o neurônio pós-sináptico via
junção comunicante, gerando alteração do potencial dessa membrana. Este
potencial novo atingido é chamado de potencial pós-sináptico, ou PPS. Esse
PPS costuma ser pequeno, mas como o neurônio pré-sináptico em geral
interage com vários outros neurônios, ao ponto de provocar vários PPS, eles
vão sendo gerados e somados, e é a soma destes PPS que pode provocar uma
alteração no potencial que o faça atingir o tal limiar para desencadear um
potencial de ação.

3. SINAPSES QUÍMICAS

Imagem 3: A sinapse e as vesículas sinápticas com os neurotransmissores,


que irão interagir com os receptores dos dendritos. (3)

Via de regra, é a transmissão sináptica mais comum no sistema nervoso


humano maduro. Nas sinapses químicas, as membranas pré e pós-sinápticas
são separadas por uma fenda, a chamada fenda sináptica, que são cerca de
10x mais larga que a fenda das junções comunicantes. A fenda é preenchida
por líquido extracelular, com proteínas fibrosas, que mantém a adesão entre
as membranas.
O elemento pré-sináptico costuma ser um terminal axonal, onde se
encontram pequenas organelas esféricas delimitadas por membranas, as
chamadas vesículas sinápticas. Tais vesículas contém neurotransmissores,
que são substancias químicas usadas na comunicação com neurônios pós-
sinápticos. Costuma também ter vesículas maiores, denominadas grânulos
secretores. Pelo seu conteúdo proteico solúvel, são escuros à microscopia
eletrônica.
O acúmulo denso de proteínas na membrana em ambos os lados da fenda
sináptica é chamado de diferenciação de membrana. No caso das
diferenciações de membrana pré-sinápticas, são proteínas que se projetam no
citoplasma ao longo da face intracelular, e é nessas regiões onde se situam os
sítios de liberação de neurotransmissores, as chamadas Zonas Ativas. Já a
camada proteica sobre a membrana pós-sináptica é chamada de densidade
pós-sináptica. Nela contém receptores para neurotransmissores, que
convertem sinais intercelulares em intracelulares.
Há ainda um tipo especial de sinapse química, que é a junção
neuromuscular (Capítulo 13), em que consiste na sinapse entre axônios de
neurônios motores com células do músculo esquelético. Nela, a transmissão
é rápida e confiável (ou seja, o potencial de ação neuronal sempre provoca
potencial de ação na fibra muscular inervada). E um dos fatores que
contribui para essa infalível transmissão é o tamanho, já que é uma das
maiores do corpo. O terminal pré-sináptico tem muitas zonas ativas, e a pós
(a placa motora terminal) contém uma série de dobras na superfície. As
zonas ativas ficam bem alinhadas com essas dobras, e nelas há um grande
número de receptores para os neurotransmissores; assim, os
neurotransmissores liberados são focalizados numa superfície grande de
receptores. Daí ser um tipo de transmissão infalível, é praticamente
impossível um neurotransmissor não ser captado por um receptor!

4. CLASSIFICAÇÕES
Existem vários tipos de sinapse que podem diferir pela parte do neurônio
que serve de contato pós-sináptico ao terminal axonal, ou seja, pela parte do
neurônio que recebe o estímulo sináptico. Caso a membrana pós-sináptica
seja a de um dendrito, chamamos de sinapse axodendrítica; se estiver no
corpo celular, é axossomática; e se estiver em outro axônio, é axoaxônica.
Há ainda a possibilidade, em neurônios especializados, de que ocorra sinapse
entre dendritos. Essa é a sinapse dendrodendrítica.

Imagem 4: Na imagem, é possível ver os diversos tipos de sinapses. Da


esquerda para a direita: axônio-corpo celular (axossomática); axônio-
dendrito (axodendrítica), com a peculiaridade de uma sinapse diretamente ao
dendrito, ou a um aparelho espinhoso do dendrito. Na membrana das regiões
que recebem a conexão, há uma maior concentração de receptores, fazendo a
chamada densidade pós-sináptica. (4)

As sinapses podem diferir também pelo tamanho e pela forma. Com base
no tipo de diferenciações de membrana pré e pós-sináptica, podem ser
classificadas em duas categorias:

• Sinapses Assimétricas, ou Tipo I de Gray: são as sinapses em


que as diferenciações pós-sinápticas são mais espessas que as pré-
sinápticas. Costumam ser sinapses excitatórias.

• Sinapses Simétricas, ou Tipo II de Gray: são as sinapses em que


as diferenciações têm espessura similar. Estas costumam ser
sinapses inibitórias.

5. PRINCÍPIOS
Quais os requisitos básicos para ocorrer uma sinapse?
É necessário que haja um mecanismo para produzir neurotransmissores
e empacotar eles em vesículas.
Precisa haver um mecanismo para derramar os neurotransmissores na
fenda em resposta a um estímulo pré-sináptico.
Precisa haver resposta elétrica ou bioquímica do neurotransmissor no
neurônio pós-sináptico.
Precisa haver remoção do neurotransmissor da fenda e, por fim, tudo tem
que ocorrer rapidamente.

5.1. Os Neurotransmissores
Hoje, sabe-se que os neurotransmissores se dividem três categorias: a dos
aminoácidos, das aminas, e dos peptídeos. As aminas e aminoácidos são
moléculas pequenas, que podem ser armazenadas em vesículas e liberadas
na fenda. Já os peptídeos são maiores, e são armazenados e liberados em
grânulos secretores.
Diferentes neurônios do SNC liberam diferentes neurotransmissores. Por
exemplo: Glutamato, GABA ou Glicina costumam mediar resposta rápida
em sinapses em geral. Já a Acetilcolina medeia transmissão sináptica rápida
em junções neuromusculares. E as formas mais lentas de transmissão são
mediadas por neurotransmissores das três categorias.
Agora, a transmissão química requer neurotransmissores sintetizados,
prontos para serem liberados. Para isso, existem diferentes formas de
produção. Os aminoácidos, por exemplo, são abundantes em todo o corpo;
não precisando ser produzidos, apenas captados e preparados para serem
liberados. Já o GABA e as aminas, por sua vez, são produzidos apenas pelos
neurônios que os liberem. Esses neurônios possuem enzimas especificas que
os sintetizam a partir de precursores. Essas enzimas envolvidas são
transportadas até o terminal axonal, onde ocorre a síntese.
As proteínas transportadoras levam os produtos para vesículas sinápticas.
E no caso dos peptídeos, são produzidos no corpo celular no retículo liso,
preparados no Complexo de Golgi, e transportados por transporte
axoplasmático até a terminação axônica.
E, para ocorrer a liberação de um neurotransmissor, é preciso haver a
chegada de um potencial de ação no terminal axonal, e a despolarização
nesse terminal provocar a abertura de canais de cálcio voltagem dependente
nas zonas ativas. O potencial de ação favorece a entrada dos íons cálcio, que
está em excesso normalmente fora da célula, e a entrada maciça de cálcio
induz liberação de neurotransmissores das vesículas sinápticas. A liberação
dessas vesículas é feita através da exocitose, que consiste na fusão de
membrana da vesícula com a membrana pré-sinaptica, provocando a saída
do neurotransmissor para a fenda. O mecanismo dessa relação, na verdade,
ainda é pouco compreendido, mas a velocidade de liberação sugere que as
vesículas já estejam atracadas com as zonas ativas.
Os grânulos secretores também passam por esse processo, mas
normalmente isso ocorre fora da zona ativa; por conta dessa distância dos
canais de cálcio, a liberação dos peptídeos dos grânulos não é induzida por
um potencial de ação. Ela requer rajadas de potencial de ação de alta
frequência. Ou seja, a liberação de peptídeos demora um pouco mais de
ocorrer do que os demais.

5.2. Os Receptores
Estando na fenda sináptica, o neurotransmissor necessita de algo que o
reconheça e provoque a sensibilização do outro componente da sinapse,
aquele que receberá o sinal. Ora, esta entidade que reconhecerá os
neurotransmissores são os receptores, que estão nas membranas pós-
sinápticas. E eles basicamente se dividem em: canais iônicos ativados por
neurotransmissores (ou ionotrópicos), e receptores acoplados à proteína G
(ou metabotrópicos).
Os canais iônicos ativados por neurotransmissores são proteínas
transmembrana, compostas por subunidades que juntas formam um poro,
que muda sua conformação quando um neurotransmissor se liga ao canal.
Essa mudança provoca abertura do poro. Não costumam ser tão seletivos
quanto os canais iônicos dependentes de voltagem. Mas, via de regra, se os
canais abertos forem permeáveis ao sódio, o efeito resultante será a
despolarização da membrana pós-sináptica, que altera o potencial, que estava
em repouso. Quando o neurotransmissor tende a levar o potencial de
membrana para mais próximo do limiar do potencial de ação, diz-se que tem
um efeito excitatório – ou seja, provoca a despolarização. Esse potencial de
membrana provocado pela despolarização que o neurotransmissor induziu é
chamado de Potencial Excitatório Pós-Sináptico (ou PEPS). Os principais
neurotransmissores envolvidos com PEPS são a Acetilcolina e o
Glutamato.
Mas, se os canais abertos forem permeáveis ao cloro, o efeito será a
hiperpolarização da membrana a partir do potencial de repouso, ou seja,
eles se tornam mais negativos ainda. Com isso, o neurotransmissor tende a
afastar o potencial de membrana do limiar do potencial de ação, sendo assim
dito que seu efeito é inibitório. Esse potencial de membrana provocado pela
hiperpolarização que o neurotransmissor induziu é chamado de Potencial
Inibitório Pós-Sináptico (ou PIPS). Os principais neurotransmissores
envolvidos com PIPS são GABA e Glicina.
Os receptores pós-sinápticos em sinapses excitatórias, na maioria, são
similares, com canais iônicos ativados por neurotransmissores para o íon
sódio. Porém, para haver inibição, os neurotransmissores, que são
normalmente a GABA e a Glicina, ativam canais iônicos permeáveis ao íon
cloro. Isso provoca direcionamento do potencial de membrana para próximo
do potencial de cloro. Com isso, ocorre a formação dos PIPS, enquanto o
potencial de membrana for diferente do de cloro, garantindo a manutenção
do fluxo de íon cloro.
Há ainda os receptores acoplados à proteína G, que tem uma ação de
início mais lento, porém mais duradouro e diversificado. Envolve,
basicamente a ligação ao receptor na membrana pós-sináptica, onde ele vai
ativar a proteína G, que se move pela face intracelular, e ativam proteínas
efetoras. Essas proteínas podem ser outros canais iônicos (chamados de
canais iônicos ativados pela proteína G), ou enzimas que produzem segundos
mensageiros. Os segundos mensageiros podem ativar enzimas que regulam
canais iônicos ou enzimas que alteram o metabolismo celular. Ou seja, os
receptores acoplados a proteína G podem, diretamente ou indiretamente, agir
sobre canais iônicos também.
E há um outro tipo de receptores, em que estão na membrana pré-
sináptica, e são sensíveis aos neurotransmissores liberados na fenda. Eles
costumam ser receptores acoplados à proteína G, e estimulam a formação de
segundos mensageiros, onde tem efeitos variados, mas o mais comum é a
inibição da liberação dos neurotransmissores, ou de sua síntese. São
chamados de autorreceptores. Já dá para ter uma ideia do que sejam pelo
nome: eles permitem uma autorregulação da ação dos neurotransmissores.
5.3. Remoção
Por falar em reciclagem, para a remoção dos neurotransmissores,
bastaria uma simples difusão para longe da sinapse, correto? Sim, mas em
geral o que ocorre é diferente. Há a receptação dos neurotransmissores para
dentro do terminal pré-sináptico. E isso ocorre mediado por transportadores
específicos. Ao serem captados, podem ser degradados ou recarregados para
vesículas sinápticas, no citoplasma, ou no terminal axonal. As células da
glia (Capítulo 1) também ajudam nisso. Eles possuem transportadores que
auxiliam na captação dos neurotransmissores.
Outra forma de finalizar a ação dos neurotransmissores no terminal é
através de degradação enzimática na própria fenda (é assim, por exemplo,
que a enzima acetilcolinesterase degrada a acetilcolina na junção
neuromuscular).

6. INTERAÇÃO
A integração sináptica é o processo em que múltiplos potenciais se
combinam em um neurônio pós-sináptico.
A mais elementar de todas as respostas ao neurotransmissor seria aquela
que viria da abertura de um único canal iônico ativado por receptor, e a
corrente de entrada provocaria o PEPS. A quantidade de canais abertos
dependeria da quantidade de neurotransmissores liberados. Assim, quanto
mais canais, mais PEPS, e os PEPS, somados, iriam compor a mensagem
transmitida.
Uma única vesícula sináptica compõe a chamada Unidade Elementar de
Liberação. As vesículas contêm vários neurotransmissores. Com isso, os
PEPS podem ser quantificados, ou seja, serem múltiplos de uma unidade. A
somação de PEPS representa a mais simples forma de integração sináptica
do SNC. Existem dois tipos:

• Somação Espacial, que consiste em adicionar PEPS gerados em


muitas sinapses em um único dendrito só.

• Somação Temporal, que consiste em adicionar PEPS gerados em


uma mesma sinapse, mas que ocorre em rápida sucessão.
Então, a somação espacial é quando várias sinapses em um dendrito
geram um PEPS, e a temporal quando uma única sinapse gera vários PEPS.
Por falar em dendrito, eles ajudam na condução do sinal. Mesmo com a
somação dos PEPS, ainda assim não poderia ser suficiente uma
despolarização levar a um potencial de ação. Mas, ao contrário da
propagação do potencial de ação no axônio, em que não há dissipação ou
perda, o tamanho do dendrito pode desfavorecer ou favorecer a propagação
da corrente sináptica, pela dissipação na membrana dendrítica. A resistência
da membrana e a resistência interna são variáveis que influenciam o fluxo
da corrente no dendrito.
Mas, como a resistência interna é praticamente a mesma, ela não varia,
então, quem vai de fato influenciar na dissipação pela membrana dendrítica é
a resistência da membrana, que tem a ver com o número de canais iônicos
abertos. Alguns dendritos no encéfalo têm membranas que não possuem
canais iônicos dependentes de voltagem. Com isso, a intensidade de sinal
propagado por eles é a mesma que foi desencadeada pela sinapse. Porém, há
alguns que não são passivos, tendo canais de sódio e potássio dependentes de
voltagem, e eles, nesses casos, agiriam como amplificadores de pequenos
sinais. Se eles se fecham, levam a propagação máxima do sinal, mas à
medida que se abrem, provocam a redução do sinal. Seu número é
insuficiente para gerar um potencial de ação, mas podem servir como
propagadores de sinais elétricos em outra direção, ou seja, para longe
também do corpo celular.

7. ENTENDENDO O CASO...
O botulismo é uma doença vinda da intoxicação pela toxina botulínica,
produzida pela bactéria Clostridium botullini, anaeróbios gram-positivos,
que conseguem sobreviver ao cozimento habitual dos alimentos. A doença
ocorre através de quatro formas: transmissão por alimentos (ingestão da
toxina); infecção de feridas, por colonização da ferida por clostrídios que
secretam a toxina no local; colonização intestinal em lactentes pelos
clostrídios secretores da toxina; e toxemia intestinal no adulto.
O botulismo ocorre pela inibição da liberação de acetilcolina na junção
neuromuscular. Ao adentrar a corrente sanguínea, é transportada até as
terminações nervosas colinérgicas periféricas, incluindo: junções
neuromusculares. Ela se liga às terminações nervosas, adentra-as via
vesículas, se desloca ao citoplasma, e cliva umas das proteínas envolvidas na
liberação da acetilcolina. Assim, ocorre a paralisia flácida típica do quadro,
por conta do não-estímulo à contração muscular que ocorreria com a
liberação da acetilcolina na sinapse e sua ligação ao receptor. Existem
diversos sorotipos de toxina, sendo a do tipo A a responsável por quadro de
pior gravidade.
A clínica característica é a paralisia simétrica de nervos cranianos,
seguida de paralisia flácida descendente, podendo chegar a parada
respiratória. O acometimento de nervos cranianos geralmente afeta diplopia,
disartria, disfonia ou disfagia. O acometimento dos nervos cranianos
costuma ser a apresentação inicial do quadro. A progressão segue o padrão
craniocaudal, indo para o pescoço, membros superiores, tórax, abdome e
membros inferiores. A paralisia seguinte é tipicamente flácida, simétrica e
descendente. Os quadros de hipoestesia costumam vir da compressão de
nervos por conta da imobilidade, não sendo, necessariamente, relacionadas à
ação da toxina. O grande problema relacionado é a paralisia do diafragma e
de musculatura acessória, levando a parada respiratória e morte. Na doença
vinda da contaminação de alimentos, é comum apresentar-se antes do quadro
neurológico com náuseas, vômitos ou diarreia, ou mesmo constipação e
retenção urinária. Os reflexos tendinosos podem estar normais, ou reduzir
progressivamente. Normalmente, é afebril. Não costuma ter
comprometimento cognitivo.
A ligação da toxina botulínica à proteína de liberação da acetilcolina é
irreversível. Contudo, a recuperação ocorre com a regeneração das
terminações nervosas, e requer assistência continuada por meses com
fisioterapia, fonoaudiologia, entre outros.
A Síndrome de Guillain-Barré, que vimos no primeiro capítulo, é um
diagnóstico diferencial importante desse quadro. Clinicamente, pode ser
diferenciada pela ausência do fator precipitante (como uma infecção viral
prévia), e do início do quadro, que costuma ser a partir dos membros
(principalmente os inferiores), ao contrário do botulismo, que costuma se
iniciar com o acometimento dos nervos cranianos. Além disso, o exame do
líquor não apresenta alterações no botulismo, podendo ser utilizado como
diferencial para essa doença, assim como a eletroneuromiografia. Outra
doença que se apresenta com quadro similar no início (comprometimento de
nervos cranianos) pode ser a Miastenia Gravis, onde também pode inicar
quadro com ptose palpebral ou disfagia. Contudo, se apresenta com padrão
flutuante, tendo fatores de melhora e piora, ao passo que o botulismo não
apresenta melhora após início do quadro, tendo caráter progressivo.
O Acidente Vascular Cerebral em topografia das vias motoras costuma se
manifestar com paralisia assimétrica, e sintomas da síndrome do neurônio
motor superior, como hiperreflexia, ao contrário do botulismo, que se
apresenta com quadro de doença da junção neuromuscular. Como a
disseminação da toxina é hematogênica, o comprometimento das junções
neuromusculares é difuso, normalmente acometendo de maneira simétrica.
Para o diagnóstico, é importante obter história alimentar prévia dos
últimos dias, com atenção a alimentos em conserva ou de origem e cuidados
desconhecidos. Com a suspeita de botulismo, se atentar para a possibilidade
de outras pessoas terem consumido o mesmo alimento, para alertar do risco
da mesma doença. Em caso de intoxicação por toxina em feridas, é
fundamental a debridação da ferida, com coleta do material para cultura e
realização de testes. O diagnóstico ocorre com demonstração de toxina em
amostras de soro, fezes, ou de coleta de ferida. O tratamento abrange a
transferência para uma unidade de terapia intensiva, e administração de
antitoxina botulínica o mais breve possível. Na suspeita de botulismo, deve
ser internado, com monitorização e ventilação mecânica se indicado. A
paralisia pode durar semanas.
A antitoxina neutraliza as toxinas circulantes, sem agir nas que já estão
ligadas as proteínas envolvidas na liberação da acetilcolina. O micro-
organismo é sensível a penicilina, podendo ser feita para erradicar o agente
causador. Importante enfatizar que enquanto não se erradica o agente, a
toxina segue sendo liberada, mantendo o quadro.

Referências Bibliográficas
1. MACHADO, Angelo B.M.; HAERTEL, Lúcia Machado. Neuroanatomia funcional. 3.ed.
São Paulo: Atheneu, 2006.
2. MARTIN, John Harry. Neuroanatomia: texto e atlas. 4. ed. Porto Alegre: AMGH, 2013.
3. BEAR, Mark F.; CONNORS, Barry W.; PARADISO, Michael A. Neurociências:
desvendando o sistema nervoso. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017.
4. LENT, Roberto et al. Cem Bilhões de Neurônios? Conceitos Fundamentais de Neurociência.
2. ed. São Paulo: Atheneu, 2002.
5. KANDEL, E.R.; SCHWARTZ, J.H.; JESSELL, T.M. Princípios da Neurociência. São Paulo:
Manole, 2003.
6. Tratado de Neurologia. Sociedade Brasileira de Neurologia.
7. LONGO, et al. Medicina Interna de Harrison. Décima-oitava edição. Volume 2. São Paulo:
Artmed, 2013.

Imagens
1. KANDEL. Princípios da Neurociência.
2. Página Knoow.net - Enciclopédia Temática. Disponível em
<http://knoow.net/ciencterravida/biologia/juncao-comunicante/>, Acesso em: 18 de outubro
de 2018.
3. Blog Sinapse Aprender. Sobre sinapses e aprendizagem. Disponível em
<https://sinapsaprender.wordpress.com/2014/02/24/sobre-sinapses-e-aprendizagem/>,
Acesso em: 18 de outubro de 2018.
4. GARTNER, Leslie P; HIATT, James L. Tratado de histologia. 3 ed.Trad. Thaís Porto
Amadeu. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007. Pag. 87-111.

CONFERÊNCIAS
Confira aqui a aula dinâmica do Medicina
Resumida sobre os assuntos abordados nesse
capítulo!
4. O Córtex Cerebral
Capítulo 4
O CÓRTEX CEREBRAL
1. Caso Clínico
Dr. Gomes, em mais um dia de trabalho no ambulatório de neurologia
do Hospital do Santo Livro, recebe uma paciente, Mariana, de 39 anos,
acompanhada de seu esposo, seu Elias. Ele chega preocupado com a
situação de sua mulher.
Há 1 mês Mariana começou a se queixar de dor de cabeça entre as
regiões frontal e parietal, à direita (cefaleia frontoparietal direita), de forte
intensidade, que amenizava com o uso de dipirona. Há 3 semanas, porém,
começou a apresentar, além da dor inicial, outro foco de dor, dessa vez em
região temporal esquerda. Porém, nessa mesma época, a dor em região
frontoparietal se tornou mais intensa, e progrediu com fraqueza no membro
inferior esquerdo, o que dificultou Mariana de andar por conta própria,
precisando da ajuda do seu marido.
Há 1 semana, porém, Mariana cursou com dificuldade na fala, onde ela
parecia “esquecer-se das palavras que queria falar”. Perguntado se ela
conseguia entender o que se dizia a ela, seu Elias disse que sim. Ele
aproveitou para relatar também que há 4 meses Mariana tem se queixado de
uma dor torácica que piora à inspiração ocasionalmente.
Ao exame físico, Mariana estava vigil, orientada. Pupilas isocóricas e
fotorreagentes, com movimento ocular extrínseco preservado. Mímica
facial preservada, sem alterações de acuidade visual e auditiva. Apresenta
fraqueza muscular em membro inferior esquerdo (grau 2 em 5), preservada
em membro superior esquerdo e em hemicorpo direito. Sensibilidade
preservada. Compreende comandos, e responde através de gestos e ações,
mas apresenta dificuldade para comunicação verbal, por não conseguir
evocar palavras que quer dizer. Ao exame do tórax, apresentava macicez à
percussão em tórax superior direito, e redução do murmúrio vesicular em
base esquerda.
Então, o Dr. Gomes entendeu que se tratava de um caso de afasia de
Broca, e suspeitou que o que estava causando essa afasia e a fraqueza nos
membros inferiores era algo que estava acometendo as áreas motoras e de
linguagem no córtex cerebral. De início, por conta do quadro lento e
progressivo, pensou em neoplasia do sistema nervoso central. Mas, por
conta de acometimentos em locais distintos do cérebro, suspeitou que
fossem duas lesões distintas. Com o achado ao exame do tórax, levantou
uma forte suspeita de metástase cerebral vinda de uma lesão pulmonar. Com
isso, solicitou radiografia de tórax e uma ressonância magnética de
encéfalo.
À radiografia, foi observada uma opacificação bem delimitada em ápice
pulmonar direito, e à ressonância, foram observadas duas lesões expansivas,
uma em região frontoparietal direita, e outra em região temporal esquerda,
com efeito de massa importante, edema perilesional e realce anelar ao
contraste por gadolíneo. Dr. Gomes então solicitou tomografia
computadorizada de tórax, abdome e pelve, e avaliação da cirurgia torácica
após o resultado dos exames, por suspeitar de se tratar de uma metástase
cerebral vinda de um tumor pulmonar, e planejamento do tratamento
adequado.

1.1. Termos Desconhecidos


• “Cefaleia”
• “Afasia de Broca”
1.2. Termos Chave
• “Região frontoparietal”
• “Região temporal”
• “Área da linguagem”
• “Área motora”
• “Córtex Cerebral”
1.3. Objetivos
• Conhecer as áreas do córtex cerebral
• Entender a organização histológica do córtex e suas diferenças
entre as diferentes áreas

• Compreender as divisões do córtex cerebral


No primeiro capítulo, foi visto que o Sistema Nervoso Central pode ser
subdividido em substância branca e cinzenta. E é baseando-se nessa divisão
que pode ser dito que o córtex consiste na porção da substância cinzenta
que cobre a substância branca nos hemisférios cerebrais. Sua espessura
varia em cada região específica, de acordo com as lâminas de células
específicas.
Tem um aspecto irregular, em que ele forma giros que são separados
por sulcos ou fissuras. E essa característica é quem confere ao cérebro o
aspecto rugoso típico. Isso, na verdade, consiste em uma adaptação
evolucionária para se adequar ao espaço intracraniano, que é fechado e
limitado. Não à tôa que cerca de ¼ a 1/3 do córtex é o que está exposto de
fato na superfície.

2. DIVISÕES DO CÓRTEX
Atualmente, há três tipos de córtex reconhecidos pela morfologia, que
são o Isocórtex (ou Neocórtex), Mesocórtex e Alocórtex.
O Neocórtex possui seis lâminas, e, como o seu nome já diz, tem
desenvolvimento recente na evolução humana. Compreende 90% do córtex
humano. Onde há a evidência das seis camadas corticais, recebe o nome de
córtex homotípico; quando alguma das seis lâminas é indefinida, recebe o
nome de córtex heterotípico.
O Alocórtex possui três lâminas, e é mais antigo quanto ao
desenvolvimento (na evolução). Se subdivide em paleocórtex e
arquicórtex.
O Mesocórtex seria uma transição entre o Neo e o Alocórtex. Tem
histologia intermediária entre eles.
O cérebro é dividido em lobos cerebrais. E eles, em geral, são
denominados de acordo com os ossos que os recobrem: lobo frontal, lobo
parietal, lobo occiptal e lobo temporal. A exceção se dá para o lobo
insular, ou lobo da ínsula, que se encontra “escondido” no sulco lateral.

Imagem 1: A imagem demonstra a origem embriológica das diversas partes


do córtex cerebral: é possível notar que a maior porção cortical deriva do
neocórtex, estrutura relativamente nova na evolução humana. (1)

2.1. Giros e Sulcos


Por falar em sulcos e giros, é possível destacar alguns que são os
principais e mais conhecidos. Por exemplo, o sulco lateral, que separa o
lobo frontal do temporal. O sulco central, que separa o parietal do
frontal, é envolto por dois giros, o pré-central (do lobo frontal) e o pós-
central (do lobo parietal). O pré-central é a área motora primária, e o pós-
central a área sensitiva primária. O sulco parietoocciptal separa o lobo
parietal do occiptal. Os sulcos temporais superior e inferior, que
separam os giros temporais superior, médio e inferior, que são a área da
linguagem e audição.
Imagem 2: Imagem ilustrando o córtex dividido em lobos, e os principais
sulcos destacados: o sulco central e o sulco lateral. (2)

3. HISTOLOGIA
O córtex cerebral possui seis camadas que variam de espessura, e é
justamente essa variação que caracteriza uma determinada área cortical,
bastante estudada por Korbinian Brodmann, e que, em sua homenagem, são
batizadas como áreas de Brodmann com base nos estudos citoarquitetônicos
(que diz respeito a estrutura celular) de Brodmann.
As seis camadas corticais são também chamadas de lâminas. Da porção
externa para a interna, elas são:

• Lâmina Molecular
• Lâmina Granular Externa
• Lâmina Piramidal Externa
• Lâmina Granular Interna
• Lâmina Piramidal Interna
• Lâmina Multiforme
Os neurônios do córtex pertencem a duas categorias funcionais:

• Neurônios Principais (de projeção)


• Interneurônios.
No córtex cerebral, há dois tipos de neurônios principais: os neurônios
piramidais, e os neurônios fusiformes. O glutamato e o aspartato são os
neurotransmissores excitatórios deles.
Os neurônios piramidais possuem esse nome pela sua forma
tridimensional, em que o equivalente ao ápice da pirâmide se volta para a
superfície cortical. Tal ápice consiste em um dendrito apical, e o que seria a
base da pirâmide consiste em dendritos basais. Um axônio fino se dirige
para outros neurônios do mesmo hemisfério ou para o hemisfério contrário,
ou ainda deixa o córtex para se dirigir a outras estruturas subcorticais. O
axônio ainda pode emitir ramos colaterais, que comunicam células
piramidais entre si. Podem ser colaterais axonais recorrentes (CAR), ou
colaterais axonais horizontais (CAH). Os neurônios piramidais são
encontrados em todas as lâminas corticais, exceto na lâmina I, a molecular.
Variam de tamanho, e as maiores são as chamadas Células de Betz, que são
encontradas na lâmina V do córtex motor.
Os neurônios fusiformes são pequenos com corpo celular alongado,
onde o eixo central é perpendicular à superfície cortical. Um dendrito curto
emerge do polo inferior, e se ramifica. Um dendrito longo emerge do polo
superior, e alcança lâminas corticais mais superficiais. O axônio se estende
à substância branca mais profunda. Assim, estes são mais encontrados em
lâminas corticais mais profundas.
Os interneurônios por sua vez possuem vários tipos conhecidos, e os
principais são: neurônios estrelados (granulares), células de Cajal, e células
de Martinotti.
Os neurônios granulares são pequenos e em forma de estrela,
espinhosos, ramificados e de axônios curtos. São os únicos interneurônios
excitatórios do córtex, com glutamato como neurotransmissor.
As células horizontais de Cajal são pequenos e fusiformes, com longo
eixo paralelo à superfície cortical. Um dendrito se origina de cada polo do
corpo celular, e um axônio emerge de um polo. Ambos percorrem
paralelamente a superfície cortical. São células encontradas apenas na
lâmina I, e tendem a ser raras após período neonatal.
As células de Martinotti são células cujos axônios se estendem rumo à
superfície cortical. São multipolares, com dendritos curtos e ramificados, e
axônio que se projeta pra lâminas corticais mais superficiais, emitindo
ramos colaterais em seu trajeto. Se encontram em lâminas mais profundas.
As células de Cajal e de Martinotti são células inibitórias, e tem o
GABA como neurotransmissor.

3.1. As Lâminas Corticais


A lâmina I, ou lâmina molecular, consiste em densa rede de processos
neuronais onde há interneurônios e células da glia. É basicamente uma área
sináptica, onde os axônios e dendritos são originados de corpos celulares de
outras camadas.
A lâmina II, ou Granular Externa, consiste em agrupamento de
interneurônios e neurônios piramidais, misturados a axônios de outras
camadas. Os seus dendritos se projetam para a lâmina I, e os axônios para
camadas mais profundas.
A lâmina III, ou Piramidal Externa, consiste em neurônios piramidais
que aumentam em tamanho nas porções mais profundas da lâmina. Seus
dendritos se projetam para a lâmina I, enquanto os axônios se projetam para
outras lâminas ou para áreas extracorticais.
A lâmina IV, ou Granular Interna, consistem em células piramidais e
estreladas pequenas. É a porção de maior densidade dentre as lâminas
corticais. É especialmente espessa nas áreas sensitivas primárias.
A lâmina V, ou Piramidal Interna, consiste em células piramidais
grandes, células estreladas e células de Martinotti, e possui a menor
densidade de grupamentos celulares de todas as lâminas corticais. É onde se
encontram as maiores células piramidais (células de Betz).
A lâmina VI, ou Multiforme, consiste em células de várias formas e
tamanhos, incluindo as células fusiformes e de Martinotti.
Em todos os córtex as lâminas I, V e VI estão presentes. Porém, as
lâminas II, III e IV só se encontram no Neocórtex, sendo consideradas,
portanto, de desenvolvimento recente. As lâminas I e IV, em geral, são
aferentes. Enquanto as V e VI são eferentes. Neurônios da lâmina V
originam fibras corticofugais para áreas subcorticais (tronco cerebral e
medula espinal), e os da lâmina VI para o tálamo.
Considerando as células piramidais e as lâminas corticais, existem três
tipos de células piramidais que merecem destaque: as Células de
Associação Cortical, que emitem axônios que projetam para o córtex do
mesmo lado (ipsilateral) – lâminas II e III principalmente; Células do
Corpo Caloso, em que axônios vindos das lâminas II e III emitem feixes
para córtex contralateral via corpo caloso; e Células de Projeção
Descendente, que os axônios são emitidos para núcleos da base, tronco
cerebral, tálamo ou medula espinal.

Imagem 3: Imagem ilustrando as diversas camadas do córtex. (3)

4. AS ÁREAS DE BRODMANN
Quanto às áreas de Brodmann, existem atualmente cerca de 52 áreas
distintas já identificadas por diferenças na arquitetura celular de suas
lâminas corticais. Dentre as áreas sensitivas, destacamos a área somestésica
primária, no giro pós-central (Área 1, 2 e 3 de Brodmann no lobo parietal);
a área visual primária, nos “lábios” do sulco calcarino (Área 17 de
Brodmann no lobo occiptal); área acústica primária, nos giros temporais
transversos (Áreas no lobo temporal). Como áreas de linguagem, há a Área
de Wernicke, uma região extensa que tem como principal região a Área 22
de Brodmann, a parte posterior do giro temporal superior, que também se
relaciona com o córtex auditivo (mas é bom lembrar que não se relaciona
somente com este sentido); e a Área de Broca, a região posterior da parte
triangular (área 45) e parte opercular adjacente (área 44). E, por fim, há a
área motora primária, ou giro pré-central (Área 4 de Brodmann).

Tabela: Exemplos de áreas de Brodmann com suas respectivas localizações


no córtex cerebral e suas funções associadas.
Área de Brodmann Giro Atribuição
Área 1, 2 e 3 Giro Pós-Central Área somestésica primária

Área 4 Giro Pré-Central Área motora primária

Área 10 Giro Pré-frontal anterior Atenção e Vigília

Área 17 Bordas do sulco calcarino Córtex visual primário

Área 20 e 21 Giro temporal inferior e médio Audição

Área 22 e 39 Giro temporal superior e angular Área de Wernicke

Área 41 Giro temporal superior Córtex auditivo primário

Área 44 e 45 Pars opercularis e triangularis Área de Broca

Imagem 4: Imagem ilustrando os principais giros corticais e seus números


correspondentes como áreas de Brodmann. (4)

5. Entendendo o caso...
As metástases cerebrais constituem o principal tipo de tumor cerebral
visto. Abrangem pouco mais de 50% dos casos. Com o aumento da
sobrevida dos pacientes, vindo dos avanços nas modalidades terapêuticas, e
também maior acurácia dos exames de imagem, o número de novos casos
de metástase cerebral vem crescendo.
A grande maioria das metástases ocorrem para o parênquima cerebral.
Mas, pode haver ainda disseminação para as meninges. Os principais sítios
primários de metástases cerebrais em adultos, são: pulmão, mama, rins,
trato gastrointestinal (destaque ao colorretal), e melanoma. Alguns casos
(cerca de 10%) não se sabe o sítio primário ao diagnóstico por imagem. Em
crianças, os principais tumores primários que originam metástases cerebrais
são: neuroblastoma, rabdomiossarcoma, e tumor de Wilms. Algumas
considerações:

• O câncer de pulmão de pequenas células se associa ao


tabagismo, sendo o tipo de câncer pulmonar que mais produz
metástase cerebral. É rádiossensível, sendo tratado a base de
quimio e radioterapia.

• O melanoma é quem produz metástase com pior prognóstico.


Não responde a quimioterapia, e pouco responde a radioterapia.
Os poucos casos com boa sobrevida tiveram lesão única no
sistema nervoso central, sendo ressecado, sem outros focos de
metástase. Pode ter como sítio primário a mucosa gastrointestinal,
tendo difícil diagnóstico. Pode fazer metástase para as meninges.

• O câncer de células renais costuma apresentar múltiplas


metástases, sendo rara a apresentação de metástase isolada.

• Os tumores primários que mais se associam a lesões metastáticas


hemorrágicas são: câncer de células renais, de tireoide, melanoma
e coriocarcinoma.
Os locais de maior incidência de implantação das metástases costumam
ser posteriores à fissura de Sylvius, na junção dos lobos temporal, occiptal e
parietal. É comum se posicionar na interface entre a substância branca e
cinzenta. Na fossa posterior, é frequente se localizar no cerebelo.
Os sinais e sintomas são progressivos, como os demais tumores
cerebrais, ao contrário das lesões vasculares, que costumam ser súbitas. A
clínica, isoladamente, não consegue sugerir um quadro vindo de uma lesão
primária do de uma metástase. Os sintomas vêm, basicamente, de: efeito de
massa, com aumento da pressão intracraniana e bloqueio da circulação do
líquido cerebroespinal (hidrocefalia), como cefaleia, náuseas e vômitos;
déficits focais, dependendo da localização onde se implante, por conta da
compressão local pelo tumor ou o edema peritumoral; convulsão pode
ocorrer também; alterações do estado mental, como confusão mental,
letargia, sonolência e coma; e até mesmo simular um ataque isquêmico
transitório (AIT) por compressão vascular, ou hemorragia
intraparenquimatosa por sangramento intratumoral (comum em melanomas,
coriocarcinoma e carcinoma de células renais).
À tomografia, costumam se apresentar como lesões bem delimitadas,
com edema profundo em substância branca, fazendo o achado característico
de “dedo de luva”. É muito frequente o achado de lesões solitárias. A
ressonância magnética, porém, é tida como o método de escolha, visto que
tem melhor acurácia na detecção de lesões metastáticas, encontrando
múltiplas lesões em cerca de 20% dos pacientes com TC evidenciando
lesões solitárias. Normalmente, as lesões metastáticas se apresentam
arredondadas, com iso ou hipossinal em T1, e iso a hipersinal em T2,
apresentando com frequência edema perilesional. Áreas de degeneração e
necrose liquefativa são observadas em regiões com sinal similar ao do
líquor dentro da lesão.
Antes de se considerar a realização de biópsia, na suspeita de metástase
cerebral, recomenda-se a busca do sítio primário através de exames, como:
radiografia de tórax (buscando câncer de pulmão); TC de tórax, abdome e
pelve (buscando câncer de pulmão, do trato gastrointestinal e rins); pesquisa
de sangue oculto nas fezes (para câncer colorretal); mamografia (nas
mulheres com suspeita de câncer de mama), entre outros.
O diagnóstico diferencial envolve: glioblastoma multiforme,
astrocitomas, abscesso. A conduta inicial envolve: terapia
anticonvulsivante, dispensável em lesões de fossa posterior; terapia com
corticoesteróides para reduzir edema vasogênico vindo da lesão tumoral,
com resposta em 24 a 48 horas (seu efeito não é permanente, e o uso não
deve ser a longo prazo, por conta dos efeitos adversos). A radioterapia se
apresenta como uma alternativa aos casos de lesões múltiplas, quando não
se indica a cirurgia, e como medida profilática para crescimento de novos
focos metastáticos. A cirurgia é indicada em casos de tumor primário único,
de fácil acesso, e em caso de falha ao tratamento radioterápico. O
prognóstico é favorável em situações como: idade < 60 anos; escala de
performance-status > 70%; apenas metástase cerebral (sem lesões
sistêmicas).

Referências Bibliograficas
1. MACHADO, Angelo B.M.; HAERTEL, Lúcia Machado. Neuroanatomia funcional. 3.ed.
São Paulo: Atheneu, 2006.
2. MARTIN, John Harry. Neuroanatomia: texto e atlas. 4. ed. Porto Alegre: AMGH, 2013.
3. BEAR, Mark F.; CONNORS, Barry W.; PARADISO, Michael A. Neurociências:
desvendando o sistema nervoso. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017.
4. LENT, Roberto et al. Cem Bilhões de Neurônios? Conceitos Fundamentais de Neurociência.
2. ed. São Paulo: Atheneu, 2002.
5. KANDEL, E.R.; SCHWARTZ, J.H.; JESSELL, T.M. Princípios da Neurociência. São
Paulo: Manole, 2003.
6. GREENBERG, Mark S. Handbook of Neurosurgery. Sexta edição. Thieme: 2006.

Imagens
1. Research Gate. Embryological Development of the cerebral cortex. Disponível em
<https://www.researchgate.net/figure/EMBRYOLOGICAL-DEVELOPMENT-OF-THE-
CEREBRAL-CORTEX-References-left-embryo-right_fig5_269987178>, Acesso em: 21 de
outubro de 2018.
2. Blog Chega Mais. Como funciona o cérebro. Disponível em:
<http://nunesjanilton.blogspot.com/2012/05/como-funciona-o-cerebro.html>, Acesso em:
08 de janeiro de 2019.
3. GARTNER, Leslie P; HIATT, James L. Tratado de histologia. 3 ed.Trad. Thaís Porto
Amadeu. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007. Pag. 87-111.
4. Blog Neuroenfermagem. Córtex Cerebral: Neuroanatomia. Disponível em
<http://neuroenfermagem.blogspot.com/2011/06/estrutura-e-funcoes-do-cortex-
cerebral_29.html>, Acesso em: 21 de outubro de 2018.

CONFERÊNCIAS
Confira aqui a aula dinâmica do Medicina
Resumida sobre os assuntos abordados nesse
capítulo!
5. Circulação do Líquido
Cerebroespinal
Capítulo 5
CIRCULAÇÃO DO LÍQUIDO
CEREBROESPINAL
1. Caso Clínico
Joana, 34 anos, vem a consulta ao ambulatório de Dr. Gomes. Ela se
queixa de, há 5 meses, apresentar uma forte dor de cabeça, em região
parietal bilateral, comum pela madrugada. Inicialmente, era esporádica, mas
evoluiu a ocorrência, 1 mês depois, para todos os dias. Refere que durante o
período, cursou com náuseas, visão turva, e vômitos, e que após vomitar
melhorava todos os sintomas. Não havia nenhum fator que precipitasse o
quadro, que surgia espontaneamente, mais comumente pela madrugada.
O Dr. Gomes então examinou Joana, que estava vigil, pouco confusa,
com estrabismo convergente em olho direito, ptose palpebral à direita.
Mimica facial sem alterações, sem hipoacusia. Força muscular preservada.
Sem alterações somatossensoriais. Reflexos tendinosos presentes.
Dr. Gomes solicitou uma ressonância magnética do encéfalo de urgência,
pois suspeitava de uma possível lesão tumoral próxima ao forame
interventricular, que poderia estar dificultando a drenagem do líquor pelos
ventrículos. Essa lesão poderia também, pelo seu crescimento, estar próximo
do trajeto do nervo óptico e de ramos do nervo oculomotor, que poderia
explicar as alterações visuais da paciente. A ressonância mostrou uma
ventriculomegalia nos ventrículos laterais e terceiro ventrículo, e uma
imagem cística no terceiro ventrículo, de borda regular, sem captação de
contraste gadolínico, sem edema local. Suspeitando de um quadro de
neurocisticercose, o Dr. Gomes solicitou a internação imediata de Joana para
a realização de uma cirurgia de urgência, para a colocação de uma derivação
ventrículoperitoneal, para drenar o líquido que está acumulado nos
ventrículos, conforme mostrava a ressonância.
Dr. Gomes informou a Joana que ela precisaria ficar internada para a
realização da cirurgia, e avaliar uso de medicação antiparasitária. Justificou
que acreditava se tratar de uma doença frequente que acomete o sistema
nervoso central, e que é grave quando acomete principalmente o sistema
ventricular. Este impede a drenagem e fluxo adequado do liquido
cerebroespinal, podendo provocar uma hidrocefalia grave.

1.1 Termos-Chave
• forame interventricular”
• “líquor”
• “Drenagem de líquido acumulado nos ventrículos”
• “ventrículo lateral”
• “terceiro ventrículo”
• “imagem cística”
• “hidrocefalia”
1.2. Termos Desconhecidos
• “Derivação ventriculoperitoneal - DVP”
• “neurocisticercose”
1.3. Objetivos
• Compreender a composição do líquido cerebroespinal e sua
produção

• Elucidar o trajeto de circulação do líquido cerebroespinal


• Analisar as camadas das meninges, suas estruturas peculiares e
sua importância

• Conhecer o sistema ventricular, e seus componentes anatômicos


• Entender a composição histológica do sistema ventricular
2. AS MENINGES
As meninges são membranas que recobrem o Sistema Nervoso Central,
que consiste no encéfalo, tronco cerebral e medula. Existem, basicamente,
três meninges, que são a dura máter, pia máter e aracnoide máter.
A dura-máter, como o própro nome sugere, é a mais espessa e externa
das membranas. Ela é firmemente aderida ao crânio, mas possui extensões
importantes que dão origem a elementos que separam diferentes
componentes no encéfalo. Estamos falando da foice do cérebro, que se
localiza entre os dois hemisférios cerebrais, e o tentório, ou tenda, do
cerebelo, que está entre o cerebelo e os dois hemisférios.
A aracnoide-máter, ou simplesmente aracnoide, é contígua, mas não se
fixa firmemente á dura-máter. Com isso, permite que exista um espaço
potencial, que é conhecido como espaço subdural. É nesse espaço que,
quando há rompimento de vasos da dura ocorre o acúmulo de sangue, e que
forma um coágulo conhecido como hematoma subdural.
A pia-máter, ou somente pia, é a camada mais interna, e é, ao contrário
da dura máter, bem delicada, e se adere a superfície do encéfalo e da medula.
Entre a pia-máter e a aracnoide há um espaço conhecido como espaço
subaracnoide. Nele, filamentos da aracnoide atravessam o espaço, e se
conectam à pia, dando aspecto de teia de aranha (daí o nome aracnoide).
Imagem 1: Imagem ilustrando as meninges e elementos importantes da
região. Nota-se a dura-máter aderida ao crânio, seguido pela membrana
aracnoide, a qual emite septos que se aderem à pia-máter. É possível
visualizar também o espaço subdural, por onde percorrerá o líquido
cerebroespinal, e por onde passam vasos importantes para a irrigação da
região (e que, ao romperem, causam a hemorragia subaracnoide). (1)

CURIOSIDADE: Meningite e Encefalite.

A meningite é um processo inflamatório das meninges (pia-máter e aracnoide)


causado principalmente por uma infecção no espaço subaracnoide. As infecções
bacterianas são a principal causa de meningite em nosso meio (S. pneumoniae), que
pode ser também classificada como aguda e crônica. A meningite é uma doença
potencialmente fatal, e requer atenção especial. A inflamação das meninges
provoca os conhecidos sinais clínicos de dor à extensão e a flexão da região
cervical, que faz distender as meninges, provocando dor, conhecidos como “sinais
de irritação meníngea”, que são: rigidez de nuca (dificuldade de fletir o pescoço
passivamente por conta da dor), sinal de Brudzinski (flexão involuntária dos
membros inferiores à flexão cervical com objetivo de aliviar a dor) e sinal de
Kernig (dificuldade de estender – por dor – a perna após fletir o quadril em 90º).
Quando a rigidez de nuca se associa a cefaleia e a fotofobia, tem-se o chamado
meningismo.
Já a encefalite consiste em um processo inflamatório no parênquima
encefálico. Existem diversos agentes causadores. Nos indivíduos
imunocompetentes, os principais causadores são: herpes simples vírus. E nos
imunodeficientes (como em indivíduos com infecção por HIV/Aids):
citomegalovírus e vírus varicela-zóster, embora estes também ocorram nos
imunocompetentes. Porém, estudos mostram que o principal agente causador de
encefalite em todo o mundo é o vírus da dengue. No geral, iniciam com quadro de
infecção pelo local de entrada (rinite, dermatite, etc), e alcançam o sistema nervoso
central através de duas vias: hematogênica, quando atravessa barreira
hematoencefálica via plexo coroide,e se difundindo pelo espaço subaracnoide) e
neural (em sentido oposto ao fluxo axonal). Com isso, levam a processo
inflamatório em células neuronais, células da glia, ou ependimárias. Clinicamente,
além da febre, as manifestações surgem de acordo com o tipo celular e o local
acometidos, além da intensidade do processo inflamatório, podendo ocorrer desde
cefaleia e convulsões a rebaixamento do nível de consciência, paresia e alterações
nos reflexos profundos.

3. SISTEMA VENTRICULAR
Como dito no primeiro capítulo, o Sistema Nervoso Central se
desenvolve em um arranjo tubular, onde as cavidades em seu interior
formam o sistema ventricular, que é um sistema de cavidades dentro do
tecido do sistema nervoso central que contém o chamado líquido
cerebroespinal, ou liquido cefalorraquidiano, ou simplesmente líquor,
que é um líquido aquoso que tem a função de amortecer o sistema nervoso
central contra choques físicos, e servir de agente para comunicação química.
O sistema ventricular consiste nos ventrículos, que são cavidades onde
o líquor se acumula, e canais de comunicação. Quanto aos ventrículos,
destacamos os ventrículos laterais, o terceiro e quarto ventrículo. Entre
os ventrículos laterais e o terceiro ventrículo, há os chamados forames
interventriculares, ou forame de Monro. E entre o terceiro ventrículo e o
quarto ventrículo há o aqueduto do mesencéfalo, ou aqueduto cerebral,
ou aqueduto de Sylvius. O sistema se estende para a medula espinal pelo
Canal Central da Medula.
Imagem 2: Ilustração do sistema ventricular. Na imagem, em azul, tem-se os
ventrículos laterais, o terceiro ventrículo e o aqueduto cerebral. Em
vermelho, tem-se o quarto ventrículo e o canal central da medula. (2)

Os ventrículos laterais possuem forma arqueada, correspondente à


forma do hemisfério cerebral. Cada ventrículo lateral é subdividido em:
corno frontal, parte central, átrio (trígono colateral), corno occiptal, e
corno temporal.

• O corno frontal é a porção do ventrículo rostral ao forame


interventricular, ou seja, fica a frente dele. O corpo caloso forma o
teto, e o fórnice e septo pelúcido compõem sua parede medial. O
núcleo caudado forma uma saliência na parede lateral. É essa
saliência que desaparece em doenças degenerativas do núcleo,
como a coreia de Huntington.

• A parte central se estende posterior ao forame interventricular ao


trígono colateral, ou átrio. Esta é a área de confluência da parte
central do ventrículo lateral com os cornos occpital e temporal. É a
parte mais dilatada do ventrículo.
• O corno occiptal se estende posterior ao átrio em sentido ao polo
occiptal. É quem mais varia de tamanho e forma, onde o esquerdo
costuma ser maior que o direito, além de poder ser rudimentar ou
ausente. O sulco calcarino produz uma impressão na parede
medial, conhecida como calcar avis

• O corno temporal se estende inferior do átrio para a porção


inferior do lobo temporal.

Imagem 3: Correlação espacial entre os ventrículos laterais, terceiro


ventrículo e artérias adjacentes.

O terceiro ventrículo se situa entre os dois tálamos e hipotálamos. É


limitado pela lâmina terminal anteriormente, e pela comissura anterior, e por
estruturas hipotalâmicas inferiormente. O terceiro ventrículo possui o
recesso pineal, que se localiza acima da comissura posterior, o recesso supra
óptico, superior ao quiasma óptico, e o recesso do infundíbulo, no interior do
infundíbulo.
O aqueduto cerebral é estreito canal que conecta terceiro ao quarto
ventrículo, atravessando o mesencéfalo.
O quarto ventrículo está entre a face anterior do cerebelo e as faces
posteriores da ponte e do bulbo. Ele se comunica com o espaço subaracnoide
através de três aberturas em seu teto: os dois forames laterais de Luschka,
e o forame medial de Magendie.

Imagem 4: Na imagem, destaque para o espaço por onde circulará o líquor.


Podemos ver o ventrículo lateral, e, na sequência: forame interventricular de
Monro, terceiro ventrículo, o espaço subaracnoideo no cortex cerebral e suas
granulações aracnoideas, o aqueduto cerebral, quarto ventrículo, forame de
Magendie, e a circulação pelo espaço subaracnoideo na medula. (3)

3.1. As Cisternas do Sistema Ventricular


Existem também cisternas no sistema ventricular que servem de local de
fluxo do líquor. Estão no espaço subaracnóideo, principalmente na base do
cérebro (as chamadas Cisternas da Base). As cisternas que são clinicamente
importantes são:
A Cisterna Magna, ou cerebelobulbar posterior, que é a maior
cisterna subaracnóidea. Está entre o bulbo, cerebelo e osso occiptal. Tem
comunicação com o quarto ventrículo através dos forames de Luschka e
Magendie, e também com a Cisterna Pontocerebelar.
A Cisterna Cerebelobulbar Lateral se estende anterior e lateral ao
bulbo, e destaca-se pela presença das das artérias vertebrais, que passam por
esta região.
A Cisterna Ponto-Cerebelar se situa à frente da ponte, em sua região
basilar. Destaca-se por ser a localização da extensão da artéria basilar e do
nervo abducente, o sexto par craniano.
A Cisterna Interpeduncular está entre os dois pedúnculos cerebrais, e
se destaca pelo fato de o nervo oculomotor, o terceiro nervo craniano,
emergir do mesencéfalo por essa região.
A Cisterna Quiasmática está acima da sela turca e se comunica com a
cisterna interpeduncular. Como o nome já sugere, sua importância se deve
pela proximidade com o quiasma óptico.
A Cisterna Colicular se localiza posteriormente ao mesencéfalo, e tem
como destaque a passagem da veia cerebral magna.
Há ainda a Cisterna Lombar, que é a cisterna subaracnoide
clinicamente importante na medula espinal, e se destaca por ser o local da
inserção da agulha para a punção lombar. Há, porém, a possibilidade de
realizar punção liquórica através da inserção de agulha na cisterna magna,
mas esse método é menos comum que o da região lombar.
Imagem 5: Na imagem, vemos as principais cisternas da base: cisterna
suprasselar (acima da sela túrcica); cisterna interpeduncular (entre os
pedúnculos cerebrais); cisterna pontina (logo abaixo da ponte); cisterna
magna (entre o bulbo e o cerebelo); cisterna supracerebelar (posterior ao
cerebelo); e cisterna quadrigeminal (banhando os corpos quadrigeminais).
(4)
Imagem 6: Em azul, as cisternas: interpeduncular, crural, ambiens e
quadrigeminal (ao nível do mesencéfalo); a pré-pontina, cerebelopontina (ao
nível da ponte); e as cisternas pré-bulbar, cerebelobulbar e cisterna magna
(ao nível do bulbo).

4. LÍQUIDO CEREBROESPINAL
4.1. PRODUÇÃO
O plexo coróideo, ou coroide, é o principal local de produção do líquor.
São vilosidades que se estendem da parede ventricular para a cavidade,
emergindo no líquor. Basicamente as vilosidades são capilares fenestrados
envoltos em estroma de tecido conjuntivo, envoltos por células
ependimárias. Esse tecido conjuntivo é uma prega formada basicamente
pela pia-máter, que adentra a cavidade. As células ependimárias estão
interligadas por junções íntimas que promovem uma barreira eficaz à
passagem de substâncias dos vasos sanguíneos para o líquor – que é
conhecida como barreira hematoliquórica. O chamado epitélio coroide é
inervado por fibras autonômicas, é bom saber.
A produção diária chega a casa dos 500 ml. Então, para manter o
equilíbrio e não permitir o acúmulo do líquor – o que poderia provocar
sérios danos ao funcionamento do sistema nervoso -, o próprio plexo coroide
também tem função reabsortiva, podendo remover elementos introduzidos
nos ventrículos, além de drenar o próprio líquor excedente, servindo como
meio de “reciclar” o sistema. A taxa de renovação (ou turnover) do líquor é
de cerca de 4 a 5 vezes ao dia. A circulação liquórica possui volume de
aproximadamente 140 ml, e a pressão intraventricular gira em torno de 10 e
15 mmHg em condições normais.

4.2. COMPOSIÇÃO
O líquor é um ultrafiltrado do plasma. E é formado por diferentes
mecanismos. Em resumo, ele tem componentes vindos de um processo de
difusão, que é um tipo de transporte passivo, e do transporte ativo, com
destaque para a concentração de sódio, que está em maior quantidade que no
plasma sanguíneo, e é utilizado para a estabilização do pH. A concentração
de potássio é constante, e não é afetada com mudanças de pH sanguíneo ou
do líquor. Isso se deve a sua importância na condução nervosa. Glicose e
alguns aminoácidos conseguem chegar ao líquor por meio de canais
específicos. A entrada de glicose, por exemplo, é mediada pelo transportador
GLUT-1. Já macromoléculas, como proteínas plasmáticas, são impedidas de
entrar pelo plexo coroide, precisando de transporte mediado por receptor
específico, que promove entrada por vesículas.
O líquor, então, normalmente tem: água, o principal componente; tem
proteínas (cerca de 15 a 45 mg/dl), que aumentam em processos patológicos
inflamatórios ou hemorrágicos; possui glicose (cerca de 2/3 da quantidade
sanguínea – entre 60 e 75 mg/dl), que diminui em processos inflamatórios;
tem células, com destaque para linfócitos, onde há cerca de 3 por mm³ em
análise microscópica, e aumentam em processos infecciosos. Mas é bom
destacar que o líquor não costuma apresentar hemácias. Sua presença
sugere lesão traumática. Em casos de hemorragia subaracnoide, as células
são degradadas e liberam bilirrubina, dando ao líquor aspecto amarelo, ou
xantocrômico. Além da água, os eletrólitos também são componentes
importantes, e destacam-se o sódio, potássio, cloreto, magnésio e cálcio.
Eles possuem concentração no líquor maior que no plasma, em geral (exceto
potássio e cálcio). Alguns peptídeos podem ser encontrados também, como a
colecistocinina, angiotensina II, somatostatina, entre outros.

4.3. CIRCULAÇÃO
O líquor então flui dos ventrículos laterais, via forames
interventriculares, até o terceiro ventrículo, e de lá para o quarto ventrículo
via aqueduto do mesencéfalo. De lá, se difunde pelo espaço subaracnoide
via forames de Luschka e Magendie, indo para a medula espinal. E, então,
retornam para serem drenados no seio sagital superior, através das
granulações aracnoides que são porções da aracnoide que adentram os seios
venosos.

Imagem7: Imagem ilustrando o fluxo do líquor pelo sistema ventricular. (5)

CURIOSIDADE

A punção liquórica é um método invasivo para coleta de líquido cefalorraquidiano,


que pode auxiliar no diagnóstico de diversas doenças do SNC, como infecções,
hemorragias e doenças imunológicas. Alterações na sua composição podem
interferir no funcionamento normal do encéfalo, propiciando déficits neurológicos
diversos. A coleta se dá por punção em cavidades do espaço subaracnoide, onde se
concentra boa quantidade de líquor, e tem menor risco de ocorrer lesões ao tecido
nervoso. Em geral, se utiliza a cisterna lombar para punção liquórica. A análise
após a coleta inicia com a observação da coloração do líquido, que normalmente é
incolor mas, quando na presença de alguma patologia, pode mudar de cor
(xantocrômico ou avermelhada em sangramentos, turvo em processos infecciosos
ou de aumento de proteínas, branco em caso de formação de pus, etc). Em seguida
é levado para análise laboratorial, onde é feita a citologia e testes específicos,
podendo também ser feita cultura do líquido, na suspeita de infecção.

5. Entendendo o caso...
A neurocisticercose é uma doença infecciosa do sistema nervoso central
comum, causada pela infecção pela larva da Taenia solium. O parasita tem o
ser humano como seu hospedeiro definitivo, se reproduzindo no intestino,
eliminando os ovos nas fezes humanas. Os porcos, pelo fácil acesso as fezes
humanas, nos locais em condições precárias de saneamento, se tornaram
hospedeiro intermediário habitual. Neles, as larvas se depositam nos
músculos, sendo uma forma de reinfectar os humanos através da ingesta de
carne de porco, onde eles se desenvolvem para a sua fase adulta. Água
contaminada também pode ser fonte de infecção, seja com a ingestão direta
ou através da irrigação de hortas e frutas. Quando ingeridos, os ovos se
rompem e liberam sua forma larvar, que alcança a circulação e se deposita
em órgãos, como músculo, olhos e sistema nervoso central.
A larva basicamente é uma vesícula semitransparente. Com o tempo,
sofre mudanças que levam ao estado de calcificação. Ela consegue se
esquivar do sistema imune do indivíduo, permanecendo intacta por anos. O
Brasil é considerado um país endêmico para a neurocisticercose.
A clínica varia muito, dependendo de fatores, como: idade,
características do parasita (localização, numero e estagio evolutivo), e a
interação hospedeiro-parasita. Apesar de muitos casos serem assintomáticos,
é comum haver manifestação através de crises epilépticas, desde as parciais
simples a complexas. A hipertensão intracraniana também pode ocorrer, mas
não é tão frequente. Pode ser intermitente, quando há deslocamento do cisto
no sistema ventricular, e este obstrui o fluxo liquórico. Pode, no entanto, ser
constante quando há reação inflamatória com adesão do cisto ao epêndima.
Clinicamente, a HIC ocorre com cefaleia intensa, vômitos, e alteração do
nível de consciência.
O diagnóstico é feito através de critérios clínicos, radiológicos,
laboratoriais. Basicamente, se divide em:

• Critérios absolutos: achado histológico do parasita; lesão cística à


TC/RM; achado do parasita à fundoscopia.

• Critérios maiores: lesões altamente sugestivas em imagem; prova


sorológica positiva.

• Critérios menores: lesões compatives em imagem; clínica


sugestiva; cisticercose extra-SNC.
• Critérios epidemiológicos: residir ou viajar para área endêmica;
contato com portadores de teníase.
Um critério absoluto, ou 2 maiores com 1 menor e 1 epidemiológico
permitem diagnóstico de neurocisticercose. A tomografia é um exame que
consegue evidenciar bem as calcificações, mas a ressonância é o exame
ideal para visualizar as outras formas do parasita. As paredes do cisto não
apresentam realce ao contraste, e não produz edema perilesional
comumente. Quando o cisto evolui para estagio coloidal, o conteúdo da
vesícula fica com sinal mais intenso que o líquor em T1, FLAIR, e menos
intenso em T2. Nesta fase, ocorre mais edema perilesional em FLAIR e T2.
É melhor visualizada quando se localiza no parênquima encefálico, sendo
mais difícil quando se encontra no sistema ventricular, pela difícil distinção
com o líquor.
O exame do líquor tem sido importante ferramenta diagnóstica, onde se
observa pleiocitose, eosinofilorraquia, hiperproteinorraquia. Tem sido
utilizado também o teste ELISA, que detecta anticorpos para o cisticerco. O
teste do EITB no soro tem sido mais utilizado, com maior sensibilidade e
especificidade e maior acurácia diagnóstica. Este, no entanto, diagnostica a
teníase, sem especificação da localização do parasita.
O tratamento consiste na erradicação do parasita, através de Albendazol
(15mg/kg/dia, por 7 dias) ou Praziquantel, dispensável em caso de cisto
calcificado ou já em degeneração. Indicados em caso de cistos
intraparenquimatosos. Entretanto, em muitos casos, por ser autolimitada, o
uso de antiparasitário acaba sendo questionável. Com isso, o foco se torna a
terapia antiinflamatoria, através dos corticoesteroides, e nos demais
sintomas, com uso de anticonvulsivantes e antidepressivos. O tratamento
cirúrgico está indicado em casos de hipertensão intracraniana, com
colocação da Derivação Ventrículo-Peritoneal, ou até mesmo retirada de
grandes cistos dos ventrículos em caso de fácil acesso.

Referências Bibliográficas
1. MACHADO, Angelo B.M.; HAERTEL, Lúcia Machado. Neuroanatomia funcional. 3.ed.
São Paulo: Atheneu, 2006.
2. MARTIN, John Harry. Neuroanatomia: texto e atlas. 4. ed. Porto Alegre: AMGH, 2013.
3. BEAR, Mark F.; CONNORS, Barry W.; PARADISO, Michael A. Neurociências:
desvendando o sistema nervoso. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017.
4. LENT, Roberto et al. Cem Bilhões de Neurônios? Conceitos Fundamentais de Neurociência.
2. ed. São Paulo: Atheneu, 2002.
5. KANDEL, E.R.; SCHWARTZ, J.H.; JESSELL, T.M. Princípios da Neurociência. São Paulo:
Manole, 2003.
6. Edisciplinas. USP. Capítulo X: Encefalite Viral. Disponível em:
<https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/4178748/mod_resource/content/1/Encefalite%20
Viral.pdf>, Acesso em: 29 de dezembro de 2018.
7. NETO, J. P. B. TAKAYANAGUI, O. M. Tratado de Neurologia da Academia Brasileira de
Neurologia. 1. Ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013.

Imagens
1. GARTNER, Leslie P; HIATT, James L. Tratado de histologia. 3 ed.Trad. Thaís Porto
Amadeu. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007. Pag. 87-111.
2. Lifeder. Ventrículos cerebrales: anatomía, funciones e enfermedades. Disponível em
<https://www.lifeder.com/ventriculos-cerebrales/>, Acesso em: 21 de outubro de 2018.
3. SPETZLER, R. F. et al. Color Atlas of Brainstem Surgery. 1ª Ed. New York: Thieme, 2017.
4. InfoEscola. Líquido Cefalorraquidiano. Disponível em:
<https://www.infoescola.com/sistema-nervoso/liquido-cefalorraquidiano/>, Acesso em: 08
de janeiro de 2019.
5. GARCIA, L.H.C., FERREIRA, B.C. ABC... para a tomada de decisões. Radiol Bras. Vol.48.
No.2. São Paulo: Mar/abr 2015.
6. SPETZLER, R. F. et al. Color Atlas of Brainstem Surgery. 1ª Ed. New York: Thieme, 2017.
7. Dicionário da Saúde. Plexo coróideu. Disponível em <http://dicionariosaude.com/plexo-
coroideu/>, Acesso em: 21 de outubro de 2018.

CONFERÊNCIAS
Confira aqui a aula dinâmica do Medicina
Resumida sobre os assuntos abordados nesse
capítulo!
6. Tronco Cerebral e os Nervos
Cranianos
Capítulo 6
TRONCO CEREBRAL E OS NERVOS
CRANIANOS
1. Caso Clínico
Mais um caso clínico curioso chega ao ambulatório de Neurologia do
Hospital do Santo Livro.
Felipe, de 19 anos, vem a consulta com queixa de zumbido e hipoacusia
à D, associado à vertigem, há 1 ano. Refere que os sintomas evoluíram de
modo progressivo, onde a vertigem surgiu, e cerca de 2 meses cursou com
hipoacusia e zumbido em ouvido direito, e que os sintomas pioraram desde
então. Felipe ainda referiu que tem percebido a boca “torta” quando se vê
nas fotos das festas, que percebeu há cerce de 6 meses, coisa que antes não
ocorria.
Ao exame, paciente se encontra vigil, orientado. Pupilas isocóricas e
fotorreagentes, movimento ocular extrínseco preservado. Apresenta
hipoacusia à direita, com provas de Rinne apresentando condução aérea
mais veloz que a condução óssea em ambos os ouvidos, e Weber
lateralizado para a esquerda, nistagmo horizontal, desvio de comissura
labial para a esquerda. Apresenta força muscular e sensibilidade
preservadas. Apresenta marcha “vestibular”.
Dr. Gomes então solicitou que Felipe realizasse RM de crânio pois
suspeitava de que uma tumoração estivesse crescendo do meato acústico
interno, em direção a região ângulo pontocerebelar, e que isso estivesse
comprimindo nervos cranianos que se localizam nesta região, como o nervo
vestíbulococlear e o facial, provocando tais manifestações clínicas.
Solicitou retorno assim que os resultados do exame saírem.
1.1. Termos-Chave
• “zumbido”
• “hipoacusia”
• “vertigem”
• “desvio de comissura labial”
• “meato acústico interno”
• “ângulo pontocerebelar”
• “nervos cranianos”
• “tronco cerebral”
1.2. Termos Desconhecidos
• “nistagmo horizontal”
• “prova de Rinne”
• “prova de Weber
• “marcha vestibular”
1.3. Objetivos
• Conhecer os nervos cranianos, seu local de origem, trajeto e
função
• Compreender as estruturas que compõem o tronco cerebral, e
suas referências anatômicas

2. O TRONCO CEREBRAL
O Tronco Cerebral é uma estrutura que pertence ao Sistema Nervoso
Central, um ‘elo de ligação’ entre o encéfalo e a medula. Se interpõe mais
precisamente entre a medula e o diencéfalo, estando anterior ao cerebelo. É
composto basicamente por grupos de corpos celulares de neurônios
(núcleos) e fibras, que se agrupam em tratos, fascículos e leminiscos. Esse
arranjo se relaciona com os relevos e depressões da superfície do tronco.

Imagem 1: A imagem evidencia as porções do tronco cerebral: o


mesencéfalo, a ponte e o bulbo. (1)

O tronco cerebral se divide em três porções: mesencéfalo, ponte e


bulbo, ou medula oblonga. Pode-se afirmar que o bulbo seria uma
continuação rostral da medula espinal. Possui grande importância por ser a
origem de 10 dos 12 nervos cranianos, além de conter o núcleo vermelho
(ou rubro), substância negra, e outros núcleos importantes para as vias
motoras, e regulação de vias sensoriais como a audição. É a região
responsável pela inervação da cabeça e do pescoço. Além disso, abriga
também todas as vias que ascendem ou que emergem do encéfalo, seja
cruzando a linha média, seja através de sinapses com outros neurônios.
Possui ainda uma rede de neurônios densa, com centros regulatórios
autonômicos, com funções vitais ao organismo, como respiração e função
cardíaca, conhecida como formação reticular. Ela também se comunica com
o córtex cerebral, respondendo pela manutenção da consciência.
Por todo esse aglomerado de vias e núcleos, pequenas lesões podem
provocar diversas síndromes clínicas, de acordo com a localização da
mesma. Em geral, os déficits de nervos cranianos podem ser classificados
como: supranucleares (em vias descendentes dos neurônios superiores que
terminam trajeto nos núcleos do tronco); nucleares (se a lesão for no
próprio núcleo); fascicular (fibras da raiz nervosa antes de sair do tronco);
e periférica (se envolver o nervo propriamente dito, após sair do tronco).

3. O MESENCÉFALO
Na embriologia, o mesencéfalo seria a porção medial, que estaria entre o
encéfalo anterior, ou prosencefalo, e o posterior, ou rombencéfalo
(Capítulo 1). Se divide da ponte pela comissura anterior, e é atravessado
pelo aqueduto cerebral (Capítulo 5).
Ele possui particularidades anatômicas que lhe conferem singularidade
no tronco cerebral. Na porção anterior, é possível visualizar dois feixes de
fibras, os pedúnculos cerebrais (que seriam fibras corticofugais do
encéfalo). Inferior a eles, há a parte basilar da ponte, e superior a eles, a
comunicação com a cápsula interna.
Entre os pedúnculos há a fossa interpeduncular. Esse elemento
anatômico é importante pois o terceiro nervo craniano emerge dessa fossa, e
o trato óptico (do segundo nervo craniano) passa sobre os pedúnculos antes
de desaparecerem nos hemisférios cerebrais (será compreendido melhor
adiante, ainda nesse capítulo).
Na porção posterior, é possível notar quatro saliências: os corpos
quadrigêmeos, ou quadrigeminais, em que se dividem em dois superiores
e dois inferiores. Logo abaixo dos inferiores temos a saída do quarto nervo
craniano (que será visto adiante).
Imagem 2: Imagem ilustrando elementos importantes da morfologia da
região posterior do tronco cerebral. (2)

Em geral, o mesencéfalo se divide, histologicamente, em: teto,


tegmento e base, ou parte basilar.
O teto seria uma mistura de substância cinzenta e branca. Contém os
colículos superiores e inferiores, e ainda comporta a glândula pineal, que
vem do diencéfalo.
O tegmento é a principal porção do mesencéfalo, anterior à substancia
cinzenta central, com tratos ascendentes e descendentes, e núcleos, entre
outros.
A parte basilar inclui os pedúnculos cerebrais (mais precisamente a sua
base) e a substância negra.
Imagem 3: Corte axial ilustrativo destacando as regiões histologicamente
distintas no mesencéfalo. (3)

Imagem 4: Imagem ilustrativa destacando elementos importantes do


mesencéfalo, como o núcleo rubro, substância negra, formação reticular, e a
fossa interpeduncular. (4)

4. A PONTE
A ponte se localiza no tronco cerebral entre o mesencéfalo e o bulbo.
Tem esse nome por se dispor de modo a conectar os hemisférios cerebelares
através de fibras horizontais, que formam os pedúnculos cerebelares. É na
sua porção medial por onde emerge o nervo trigêmeo (V) em ambos os
lados.
É limitada, na porção superior, pelos pedúnculos cerebrais e o sulco
pontino superior; lateralmente pelos pedúnculos cerebelares, ou “braço
da ponte”; abaixo pelo sulco bulbopontino, e posterior pelo cerebelo.

Imagem 5: Imagem ilustrativa de locais de emergência de alguns nervos


cranianos no tronco cerebral. (5)

Ventralmente, ele forma uma saliência, chamada protuberância


pontina, formada pelos tratos piramidais que ali passam, e essas
protuberâncias formam, entre elas, o chamado sulco basilar, por onde passa
a artéria basilar (Capítulo 7).
Os seus nervos cranianos emergem da face anterior: o sexto nervo
craniano emerge do sulco entre a ponte e o bulbo, e o sétimo e o oitavo
nervos cranianos emergem da região entre a porção inferior da ponte e
superior do bulbo e cerebelo, o chamado ângulo pontocerebelar.
Dorsalmente, forma o assoalho do quarto ventrículo (Capítulo 5), onde há
os colículos faciais.
Histologicamente, a ponte é dividida entre parte basilar, que contem
núcleos e feixes nervosos, e tegmento, onde há a formação reticular.

5. O BULBO
O bulbo é a estrutura que está entre a ponte e a medula espinal.
Podemos considerá-la uma precursora da medula. Pelo fato de ela ter
muitos núcleos importantes dentro de si, acaba sendo um segmento a parte,
mas compondo o tronco cerebral. Porém, ela já apresenta algumas
características anatômicas da medula espinal.
Macroscopicamente, ela apresenta, anteriormente, a fissura mediana
anterior, que se continua na medula. Ela divide as chamadas pirâmides,
que contem fibras corticoespinais descendentes do córtex para tratos
corticoespinal lateral e anterior da medula (Capítulo 13). As pirâmides
são limitadas lateralmente pelo sulco anterolateral, ou ventrolateral, que
se continua na medula também. Lateral a elas, estão as olivas, e lateral a
elas há o sulco póstero-lateral, ou dorsolateral. Esses componentes
anatômicos são importantes por representarem locais de emergência dos
nervos cranianos.
Posteriormente, apresenta sulcos dorsais e posterolaterais que
continuam na medula, e entre eles, há protuberâncias que são conhecidas
como tubérculos grácil e cuneiforme, que também serão melhor estudados
adiante. Lateral ao cuneiforme, há o tubérculo trigeminal, ou cinereum,
que tem o núcleo espinal do trigêmeo.
Posterior ao bulbo temos o quarto ventrículo, em que a face posterior
do bulbo, junto com a face superior da ponte, compõe o seu assoalho, ou
fossa romboide. Juntos, essas faces formam uma estrutura em forma de
diamante. E essa estrutura tem a importância de situar três elementos
importantes: o sulco mediano posterior, o trigono do nervo hipoglosso e
o do nervo vago.
Entre a ponte e o bulbo há uma zona intermediária com trato
arqueadocerebelar, que comunica núcleo arqueado com cerebelo. O teto
do quarto ventriculo é composto pelo véu medular superior, cerebelo e a
tela coroide. Já seus limites laterais são compostos basicamente por
pedúnculo cerebelar superior, inferior, e os tubérculos grácil e
cuneiforme.
Imagem 6: Imagem ilustrando importantes elementos da região anterior do
bulbo, como as olivas, o sulco bulbo-pontino, e a decussação das pirâmides.
Ainda é possível notar o local de emergência dos nervos cranianos da
região. (6)
Imagem 7: Imagem da visão posterior do bulbo, destacando o trígono do
hipoglosso, do vago, e os tubérculos (e fascículos) grácil e cuneiforme. (7)

6. OS NERVOS CRANIANOS
São nervos que fazem conexão com o encéfalo (os nervos espinhais
seriam conexões com a medula), e a maioria se liga ao tronco cerebral. Tem
uma complexidade maior que os nervos espinhais por possuírem
características “especiais”.

Tabela: Correlação entre os nervos cranianos, o local de origem de seus


núcleos, e sua função.

Nervo craniano
Origem Sensitivo/Motor Função geral
(número)

Olfatório (I) Telencéfalo Sensitivo Olfação

Óptico (II) Diencéfalo Sensitivo Visão

Movimento ocular
Oculomotor (III) Mesencéfalo Motor
(intrínseco e extrínseco)

Movimento ocular
Troclear (IV) Mesencéfalo Motor
(extrínseco)

Sensibilidade facial (tato,


Sensitivo
dor, temperatura)
Trigêmeo (V) Ponte
Músculos da mastigação
Motor
(masseter e temporal)

Movimento ocular
Abducente (VI) Ponte Motor
(extrínseco)

Musculatura facialMúsculo
Motor estapédioGlândulas
Facial/Intermédio (VII) Ponte salivares

Sensitivo Gustação (2/3 anteriores)

AudiçãoEquilíbrio e
Vestíbulococlear (VIII) Ponte Sensitivo postura (Sistema
Vestibular)

Músculo
Motor estilofaríngeoGlândula
parótida
Glossofaríngeo (IX) Bulbo
Gustação (1/3
Sensitivo
posterior)Seio Carotídeo

Vago (X) Bulbo Motor Vias parassimpáticas


Nervo craniano
Origem Sensitivo/Motor Função geral
(número)

Sensibilidade visceral e de
faringe, laringe e
Sensitivo
traqueiaGustação (região
próxima à epiglote)

Musculatura
Acessório (XI) Bulbo Motor acessóriaMúsculos
intrínsecos da laringe

Motricidade da língua
Motor
(extrínsecos e intrínsecos)
Hipoglosso (XII) Bulbo

Sensitivo Propriocepção da língua


Imagem 8: Ilustração dos nervos cranianos e seus órgãos-alvo. (8)
6.1. NERVO OLFATÓRIO (NC I)
O nervo olfatório, o primeiro nervo craniano, faz parte do grupo de
elementos da via olfatória. Os receptores compõem, no teto da cavidade
nasal, o chamado epitélio olfatório, que atravessa a lâmina crivosa do osso
etmoide pra formar o bulbo olfatório. Ele então emite fibras que formam o
trato olfatório, que vai se direcionar para o telencéfalo, como se fosse uma
projeção dele, e possui um caráter exclusivamente sensitivo – é o
responsável pelo olfato, ou olfação, um sentido especial, visto com mais
detalhes no Capítulo 10.
As células do epitélio olfatório, na verdade, são células bipolares. Ele
ainda possui células que secretam muco para dissolver partículas do ar, e
receptores sensoriais em folículos pilosos da mucosa nasal. Dele, então, são
emitidos feixes com centenas de fibras nervosas, que compõem, envoltas
por uma bainha de mielina, o nervo olfatório em si. Se divide em estrias
laterais e mediais. As laterais se dirigem para a amígdala e giro ambiens,
onde faz sinapse com outros neurônios que se dirigem para o giro para-
hipocampal (área 28 de Brodmann – projeção cortical e associação
olfativa). Já as estrias mediais se dirigem para núcleos da área subcalosa,
por onde se dirigem ao hemisfério oposto e ao sistema límbico.

6.2. NERVO ÓPTICO (NC II)


O nervo óptico, ou segundo par, é um grosso feixe de fibras vindas da
retina, e emergem do polo posterior de cada bulbo ocular, penetrando o
crânio pelo canal óptico. Eles se unem para formar o quiasma óptico, e
continuam como trato óptico até o corpo geniculado lateral. Eles são os
responsáveis por captar e transmitir ao encéfalo as informações vindas da
retina, ou seja, responsáveis pela visão, outro sentido especial, visto no
Capítulo 10.
As células da retina, bipolares, recebem informações dos cones e
bastonetes, e transmitem impulso para as células ganglionares. Delas, serão
emitidos axônios que irão emergir da papila óptica, deixando o olho como o
nervo óptico, composto por milhões de fibras. Delas, metade irá sofrer a
decussação no quiasma óptico, e a outra metade seguira ipsilateral. As
fibras do campo temporal são as que não decussam, ao contrário das fibras
do campo nasal. Com isso, as fibras do campo temporal ipsilateral, somados
as fibras do campo nasal contralateral compõem o chamado trato óptico.
6.3. NERVO OCULOMOTOR (NC III)
O nervo oculomotor nasce no sulco medial do pedúnculo cerebral, e
se dirige a órbita, penetrando-a pela fissura orbital superior, e inerva a
maioria dos chamados músculos extrínsecos do globo ocular,
responsáveis pelo movimento do olho, que são: músculo levantador da
pálpebra, músculo reto superior, reto medial, reto lateral, reto inferior,
oblíquo inferior. Ele ainda inerva o músculo ciliar, que regula a
convergência do cristalino, e o músculo esfíncter da pupila.

Imagem 9: Imagem ilustrando os músculos extrínsecos do globo ocular. (9)


Seu núcleo se situa no tegmento mesencefálico, mais precisamente na
substância cinzenta periaquedutal, próximo aos colículos superiores. Este
possui dois componentes: o núcleo autonômico acessório, que inerva o
músculo esfíncter da pupila e o músculo ciliar, e um núcleo maior, mais
lateral, responsável pela inervação do músculo reto medial, superior,
inferior e oblíquo inferior, além do músculo levantador da pálpebra. As
fibras que saem do núcleo viajam em conjunto com fibras parassimpáticas,
emergindo juntas pela fossa interpeduncular como nervo oculomotor.
O nervo corre posterior á Artéria Cerebelar Superior e a Cerebral
Posterior, adentra a dura mater e percorre o seio cavernoso, alcançando a
órbita pela fissura orbital superior. Aqui há a divisão entre os ramos do
nervo em si e do componente parassimpático. O nervo se subdivide em
ramos superiores (que inervam o músculo reto superior e o músculo
levantador da pálpebra), e inferiores (que inervam o músculo reto medial,
inferior e o oblíquo inferior). Já a divisão parassimpática irá até o gânglio
ciliar, para inervar a musculatura intrínseca do globo ocular. O detalhe é que
as fibras parassimpáticas correm mais externas, logo abaixo do epineuro,
sendo, portanto, as mais vulneráveis a lesões por compressão que as demais,
ao passo que lesões vasculares (diabetes, obstrução por trombos)
comprometem primeiramente a inervação da musculatura externa (situados
mais ao centro do nervo).

6.4. NERVO TROCLEAR (NC IV)


O nervo troclear emerge logo abaixo do colículo inferior, e seu núcleo
se situa na parte anterior à substância cinzenta periaquedutal, logo abaixo
dos núcleos do oculomotor, a nível de colículos inferiores. Os axônios se
curvam pela substancia cinzenta, cruzando véu medular, e emerge na face
posterior do mesencéfalo (teto mesencefálico), na cisterna quadrigeminal.
Ele é o único nervo craniano que emerge pela face posterior do tronco
cerebral, e único a cruzar antes de emergir dele. Assim, lesões de seu núcleo
provocam paralisia do músculo oblíquo superior contralateral. Lesão do
nervo distal a sua emergência no tronco geram paralisia ipsilateral.
Corre lateral ao pedúnculo cerebral, em direção à superfície ventral do
tronco encefálico, se direcionando para a órbita, adentrando-a pela fissura
orbital superior, junto com o nervo oculomotor. Inerva o músculo oblíquo
superior. Ele promove três movimentos do olho: intorção, que ocorre
quando o olho está abduzido, abaixamento, quando está aduzido, e auxilia
na abdução. Ou seja, uma paralisia no terceiro ou no quarto nervo craniano
provoca clinicamente o sintoma de diplopia. Sendo do terceiro nervo,
provoca a queda da pálpebra, a chamada ptose palpebral, além de poder
provocar, a depender do segmento muscular acometido, a diplopia, a
chamada “visão dupla”. Sendo do quarto nervo, promove, promove a
diplopia vertical, que é a chamada “visão dupla voltada para baixo”, ou
seja, uma distorção vertical das imagens.

6.5. NERVO ABDUCENTE (NC VI)


O nervo abducente é puramente motor. E ele inerva o ultimo músculo
extrínseco do globo ocular que faltava ser mencionado: o músculo reto
lateral. Seu núcleo se localiza na posição paramediana do tegmento da
ponte – basicamente próximo ao assoalho do quarto ventrículo. Fibras do
nervo facial atravessam a mesma região. Suas fibras atravessam a ponte, e
emergem na junção bulbopontina. Corre lateral à artéria basilar, adentra a
dura máter e também atravessa o seio cavernoso.
Ele é composto de dois grupos de neurônios: os grandes e os pequenos.
Os axônios dos grandes neurônios formam o nervo abducente. Já os axônios
dos pequenos entram em contato com axônios do nervo oculomotor.
Servem como meio de comunicação para a movimentação ocular ocorrer
com contração e distensão musculares de modo sincronizado.
Imagem 10: Ilustração do mesencéfalo em corte axial, fazendo correlação
espacial com trajetos do nervo oculomotor e o troclear. Destaque ainda a
entrada dos nervos no seio cavernoso. (10)

MOVIMENTO OCULAR
Como dito, o olho apresenta os músculos: reto medial, lateral,
superior, inferior, e obliquo superior e inferior. O nervo oculomotor
inerva os músculos reto medial, superior e inferior, e obliquo inferior, além
do suspensor da pálpebra. O nervo troclear inerva, basicamente, o obliquo
superior, e exerce influência no reto medial. E o nervo abducente inerva o
reto lateral.
O movimento dos olhos geralmente é conjugado, ou seja, eles se
movimentam para o mesmo lado. Para tal, é preciso haver uma ação
coordenada e sincronizada dos músculos envolvidos no movimento.

DETALHE!

O comprometimento de um ou mais músculos extrínsecos promove a paralisia do


movimento do globo ocular, limitando sua capacidade de olhar para uma ou mais
direções. Danos nos núcleos promovem paralisias similares aos danos nos nervos.
Se diferenciam clinicamente por conta de acometimentos de outras regiões
próximas no tronco cerebral.
Oculomotor: olhar fixo, com olho desviado para baixo e para fora (por
contração do reto lateral e oblíquo superior, sem a oposição); ptose palpebral, por
paralisia do musculo levantador da pálpebra; e dilatação da pupila, pela perda da
contração do esfíncter da pupila, e ausência do reflexo fotomotor e de acomodação
(pela perda da contração do músculo ciliar). A perda da acomodação deixa a visão
turva, e a perda dos movimentos da musculatura interna vem da lesão das fibras
parassimpáticas do nervo. Já a perda dos movimentos da musculatura externa vem
da lesão dos demais componentes. A ptose é mais comum vir da lesão do nervo
em si, que propriamente de lesões nucleares.
Troclear: ocorre a paralisia do musculo oblíquo superior, desviando olhar para
cima e para dentro (medialmente). Ele fica mais evidente à manobra de
Bielschowski, ao inclinar a cabeça para o lado afetado, fixando olhar em um
objeto.
Abducente: Sua paralisia é a mais frequente. Ocorre desvio do olhar para
dentro, sem conseguir abduzir, já que o musculo reto lateral está paralisado. Esse
desvio é chamado de estrabismo convergente. Tentando olhar para o nariz, o olho
rotaciona para cima e para dentro, por ação do músculo oblíquo inferior. Sua
paralisa é a mais frequente, visto que é o nervo de maior trajeto no espaço
subaracnóideo dentre os 12 nervos cranianos. Sua paralisia é comum vir por
hemorragia subaracnóidea, meningite, bem como hipertensão intracraniana.

6.6. NERVO TRIGÊMEO (NC V)


O nervo trigêmeo é o quinto nervo craniano. Podemos dizer que ele é
um nervo misto, com componentes sensitivos e motores.
Sua raiz sensitiva é a maior porção do nervo, e transmite informações
de tato, pressão, dor e sensibilidade térmica (Capítulo 9). Seus núcleos
correspondem, de maneira análoga, aos gânglios da raiz dorsal da medula,
que respondem a informações sensoriais da face. Envolvem 2 núcleos: o
núcleo sensorial principal, responsável por receber informações de toque e
tato fino, e o núcleo espinal, que responde a dor e temperatura. Os núcleos
sensoriais se localizam, de modo geral, na porção dorsolateral da ponte.
Seus axônios cruzam a linha média, e atravessam o tálamo para chegar no
córtex somatossensorial.
Ele forma um gânglio trigeminal, que se situa na base do crânio (no
cavum, ou cavo, trigeminal), acima do osso petroso, e lateral ao seio
cavernoso. A partir dele libera seus três ramos (oftálmico, maxilar e
mandibular). O nervo oftálmico (V1) que emerge do crânio pela fissura
orbitária superior; o nervo maxilar (V2), que sai pelo forame redondo; e o
nervo mandibular (V3), que sai pelo forame oval. No núcleo espinal, há
uma certa somatotopia: mais caudalmente, há a inervação do nervo
oftálmico, e mais cranial a do nervo mandibular, com a porção do nervo
maxilar entre eles. O trato espinal do trigêmeo cursa em conjunto com
fibras nociceptivas do nervo intermédio (nervo VII), glossofaríngeo (nervo
IX) e vago (nervo X), compondo o território da orelha externa, porção
posterior da língua, laringe e faringe. As fibras ascendem por todo o tronco
cerebral ao lado do trato espinotalâmico (Capítulo 9), até chegar no núcleo
ventral posteromedial. De lá, a informação sensorial ascende pela cápsula
interna até alcançar o giro pós-central (córtex somatossensorial).
Imagem 11: Regiões inervadas pelas subdivisões do nervo trigêmeo: área
do nervo oftálmico (em roxo); área do nervo maxilar (em amarelo); e área
do nervo mandibular (em azul). (11)

Como mostra a imagem acima, a sua porção sensitiva abrange a face até
o chamado vértice da cabeça. Além da face, abrange também a mucosa da
boca, nariz e seios paranasais, bem como dentes a dura máter nas regiões da
fossa anterior e média no crânio. No pavilhão auricular, apenas a sua porção
anterior e a do meato acústico externo, e parte da membrana timpânica são
inervadas pelo trigêmeo.
Há ainda o núcleo mesencefálico, que recebe impulsos de fusos
musculares dos músculos da mastigação, como o músculo masseter e o
temporal, e de receptores para a pressão, principalmente vindos de dentes e
do palato (importante para dosar a força da mordida). A sua inervação vem
pelo nervo mandibular.
O núcleo da porção motora do nervo trigêmeo se localiza na porção
lateral do tegmento da ponte, mais medial ao núcleo sensitivo do trigêmeo.
Sai do crânio junto com o nervo mandibular, no forame oval, para inervar
os músculos masseter, temporal e pterigoideo, além do milo-hioideo, do
tensor do tímpano, e tensor do veu palatino. Este núcleo está sob influencia
do córtex cerebral, via trato corticonuclear tanto ipsilateral como
contralateral. Por isso, lesões do trigêmeo refletem em fraqueza da
musculatura da mastigação. Isso se reflete ao exame neurológico através da
palpação do masseter e do temporal quando o paciente exerce o ato de
mastigar, onde não se palpa contração muscular do lado afetado, ou também
pela protração da mandíbula, com seu desvio para o lado da lesão, por ação
da musculatura preservada contralateral à lesão (músculo pterigoideo).
O nervo trigêmeo atua em importantes reflexos existentes, os chamados
reflexos trigeminais: o reflexo mandibular vem de sensibilidade
proprioceptiva dos músculos mastigatórios, em que a resposta motora
simula a mastigação, daí essa resposta também ser chamada de reflexo da
mastigação; o reflexo corneano, vindo da estimulação do bulbo ocular
percebida pelo componente sensitivo do trigêmeo, que provoca arco reflexo
em conjunto com o nervo oculomotor, que promove o fechamento da
pálpebra; o reflexo do vômito, em que partículas que tocam a faringe são
percebidas pelo componente sensitivo do trigêmeo, e em associação com o
nervo vago promovem o reflexo, série de contrações musculares que
retornam conteúdo esofágico para a cavidade oral; reflexo do espirro, em
que o componente sensitivo do trigêmeo percebe partículas irritantes na
cavidade nasal, e promove arco reflexo com nervo frênico, provocando o
espirro; e os reflexos da salivação e do lacrimejamento, em conjunto com
nervos faciais que inervam as glândulas lacrimais e salivares.

DETALHE! Reflexos trigeminais.

• O reflexo do espirro tem seu braço aferente vindo da inervação


sensorial da mucosa nasal, responsabilidade do nervo maxilar (V2). A
composição eferente envolve vários nervos cranianos: o V, VII, IX e X.

• O reflexo de sucção, nos lactentes, também tem seus nervos maxilar


(V2) e mandibular (V3) como braços aferentes. Nele, o toque na região
dos lábios estimula a sucção pelo lactente.

• O reflexo do vômito vem da sensibilidade na faringe vinda dos nervos


maxilar (V2), promovida geralmente por partículas grandes, e então há
o estpimulo pelo nervo vago (nervo X) para uma série de contrações
que levarão ao retorno do conteúdo do esôfago para a cavidade oral (o
vômito será visto adiante).

• O reflexo da salivação e do lacrimejamento ocorre em conjunto com o


nervo facial (nervo VII) que inerva as glândulas salivares e lacrimais.
• O reflexo massetérico/mandibular/da mastigação vem da
propriocepção da musculatura da mastigação, com a resposta motora
simulando a mastigação.

• O reflexo corneano vem do estímulo do bulbo ocular, pelo nervo


oftálmico (V1), induzindo ao arco reflexo em conjunto com o nervo
oculomotor, promovendo fechamento da pálpebra.

6.7. NERVO FACIAL / NERVO INTERMÉDIO


(NC VII)
6.7.1. O Nervo Facial
O nervo facial, por sua vez, é um nervo que tem forte relação com o
nervo vestibulococlear e com outras estruturas do ouvido médio e interno,
além da parótida. Possui dois componentes, que lhe confere o status de
nervo misto. É principalmente motor, inervando a musculatura da face (da
expressão facial). Ele, porém, é acompanhado por um nervo menor, mais
fino, que contem fibras sensoriais aferentes, e algumas fibras eferentes
viscerais, chamado de nervo intermédio.
O núcleo do componente motor se situa na porção ventrolateral do
tegmento da ponte. Seus neurônios se comportam, de maneira análoga, qual
os neurônios motores da medula espinal. Ainda no tronco, se enrolam
próximo ao núcleo do abducente, formando o chamado joelho interno do
nervo facial, fazendo uma protuberância no assoalho do quarto ventrículo
(os colículos faciais). Em seguida formam um feixe que segue ventral e
caudal na ponte, emergindo dela na porção inferior e lateral, no sulco
bulbopontino, e atravessa o espaço subaracnoide na região do ângulo
pontocerebelar, onde adentra o meato acústico interno, junto com o nervo
intermédio e o nervo vestíbulococlear (nervo VIII).
No meato, o nervo facial e o intermédio se separam do vestíbulococlear
e seguem lateralmente, no canal facial, até alcançar a região próxima ao
núcleo geniculado. Lá, fazem novo giro, dessa vez para baixo, formando o
joelho externo do nervo facial, e então emerge do crânio através do forame
estilomastoideo. Ao sair, então se distribuem para inervar a musculatura da
face, passando primeiro, boa parte delas, por dentro da glândula parótida.
Os músculos inervados, basicamente, são: músculo orbicular do olho;
orbicular da boca; bucinador; occiptal; frontal; estapédio; platisma;
estilohioideo e o ventral posterior do digástrico.
Assim, lesões ou compressões do nervo facial levam a defeitos na face
que são perceptíveis em muitos casos como alterações na expressão, a
depender da região afetada. Inerva também o músculo estapédio, útil
quando falarmos adiante sobre audição (Capítulo 12), e glândulas
lacrimais, e salivares submandibular e sublingual, importantes no reflexo da
salivação e do lacrimejamento, que é em conjunto com o nervo trigêmeo.

DETALHE! Reflexos envolvendo o nervo facial.

• O reflexo corneano, já explicado, ocorre através do estímulo tátil da


córnea, que leva, através da comunicação das vias aferentes (nervo
oftálmico – V1) com o núcleo do facial, que leva ao fechamento das
pálpebras (pelo nervo oculomotor) e contração da musculatura orbicular
do olho (pelo nervo facial).

• O reflexo de piscar, que ocorre com forte estímulo luminoso, que leva
os colículos superiores a enviarem impulsos visuais ao núcleo do facial,
estimulando o fechamento dos olhos.

• O reflexo do estapédio ocorre de modo similar, onde o estímulo auditivo


intenso, conduzido pelo núcleo dorsal do corpo trapezoide para o
núcleo facial, que leva à contração ou relaxamento do músculo
estapédio, a depender da intensidade do estímulo.

Os músculos da testa possuem inervação supranuclear vinda de ambos


os hemisférios cerebrais, mas os demais músculos possuem, apenas,
inervação unilateral. Ou seja, acometimento unilateral de uma via
supranuclear preserva a inervação da testa. Com isso, o indivíduo consegue
erguer sobrancelhas e fechar os olhos com força. Eis a paralisia facial
central. Porém, lesões nos núcleos ou no nervo facial promove
comprometimento de todos os músculos do lado da lesão. Esta chama-se
paralisia facial nuclear (quando a lesão é no tronco cerebral) ou periférica
(quando a lesão é no nervo e seus ramos).
O núcleo do nervo facial não é inervado apenas pelo córtex motor, mas
também pelo diencéfalo, sofrendo influencia pelas emoções. São
influenciados também pelos núcleos da base (vistos no capítulo 13),
podendo, em caso de acometimento deles, promover a hipomimia, que é a
redução da expressão facial, ou a amimia, que seria a perda completa da
expressão facial. Outros acometimentos, como o blefarospasmo (um piscar
de olhos involuntário) e algumas discinesias não se sabe a origem certa.

Tabela: Classificação de Haus-Brackman para Paralisia Facial. Adaptado de


Fonseca, K. M. O. et al. Scales of degree of facial paralysis: analysis of
agreement. 2014.

Grau Descrição Em repouso Em movimento

I Normal Simetria Função facial normal

Fronte: função moderada a


boa

Olho: fechamento
II Disfunção leve Simetria e tônus normais completo com esforço
mínimo

Boca: assimetria discreta

Fronte: movimento
discreto a moderado

Olho: fechamento
III Disfunção moderada Simetria e tônus normais completo com esforço

Boca: discreta fraqueza


com máximo esforço

Fronte: nenhum

Olho: fechamento
Disfunção moderadamente
IV Simetria e tônus normais incompleto
grave
Boca: assimetria com
esforço máximo

Fronte: nenhum

Olho: fechamento
V Disfunção grave Assimetria incompleto

Boca: discreto movimento

VI Paralisia total Assimetria Nenhum movimento

6.7.2. O nervo intermédio


O nervo intermédio é o grande responsável pela gustação (vista com
mais detalhes no capítulo 10). Seus corpos celulares estão no núcleo
geniculado. Ele carrega fibras aferentes vindas das papilas gustativas dos
2/3 anteriores da língua. Elas acompanham o nervo lingual (ramo do nervo
mandibular), viajando até o núcleo geniculado. Em seguida, segue pelo
nervo intermédio até o núcleo do trato solitário. Esse núcleo recebe
aferencias gustativas da língua do nervo glossofaríngeo (nervo IX) e do
nervo vago (nervo X).
Ele ainda envolve aferências vindas do pavilhão auricular, meato
acústico externo e porção externa do tímpano, que viajam pelo nervo
facial/intermédio para o núcleo geniculado, até o núcleo sensorial do
trigêmeo. As lesões de pele vindas da infecção pelo vírus da herpes-Zoster
se devem ao acometimento dessas fibras nervosas.
O nervo também possui fibras parassimpáticas eferentes, vindas do
núcleo salivatório (ou salivar) superior, mais medial e caudal ao núcleo do
nervo facial. Algumas fibras se desprendem do nervo, próximos ao núcleo
geniculado, e seguem para o núcleo pterigopalatino, se dirigindo então para
a glândula lacrimal e glândulas da mucosa nasal. Outras fibras seguem
caudalmente, via nervo lingual, até o núcleo submandibular, que emitem
fibras para inervar as glândulas submandibulares e sublinguais.

DETALHE!

O núcleo salivatório superior recebe aferência do sistema olfatório através do


fascículo dorsal longitudinal, que promove, em resposta a um cheiro de comida, a
salivação. Além disso, a formação reticular, do tronco encefálico, recebe
informações do hipotálamo, e emite comunicações com as inervações das
glândulas salivares, promovendo o lacrimejamento associado a emoções. O núcleo
espinal do trigêmeo também induz ao lacrimejamento, mas dessa vez por estimulo
irritativo na conjuntiva.

6.8. NERVO VESTIBULOCOCLEAR (NC VIII)


Esse é um nervo exclusivamente sensitivo. Vem de estruturas do
ouvido interno, mais precisamente dos canais semicirculares e órgãos
vestibulares, e da cóclea. Ele penetra a ponte no chamado ângulo
pontocerebelar, região de extrema importância anatômica, funcional, e sítio
de patologias importantes, como o Neurinoma do Acústico. Tem duas
divisões: a divisão vestibular e a divisão coclear.
6.8.1. Divisão Vestibular
A divisão vestibular é quem emerge das terminações vindas do gânglio
vestibular, indo de canais semicirculares, utrículo e saculo, órgãos do
ouvido interno, rumo ao sistema nervoso central. O nervo acompanha o
coclear no meato acústico interno até a ponte, onde penetra na face lateral,
no sulco bulbopontino, medial ao nervo coclear. Na ponte, segue pelo
tegmento até se projetar para seus núcleos, de onde faz conexão com o
cerebelo e com núcleos de nervos da musculatura ocular (nervos III, IV e
VI). É a divisão responsável pelo equilíbrio e pela propriocepção, melhor
estudado no Capítulo 13.
O equilíbrio sofre influência de três sistemas: sistema vestibular,
proprioceptivo (somatossensorial), e o sistema visual. Os receptores no
labirinto vestibular transmitem impulsos estáticos para o tronco cerebral,
determinando posição da cabeça no espaço. Influenciam também o tônus
muscular. Na pratica, existe um grande arco-reflexo para a postura e
equilíbrio em diversas posições do corpo, em que o sistema vestibular
consiste na sua porção aferente.
O gânglio vestibular se encontra no meato acústico interno. Recebem
aferências do órgão vestibular, e seus processos que se dirigem ao tronco
cerebral compõem o nervo vestibular. Se une ao nervo coclear, atravessa o
espaço subaracnoide na região ângulo pontocerebelar, e entra no tronco
cerebral na junção bulbopontina. Seguem para os núcleos vestibulares, que
ficam na base do quarto ventrículo.
Existem, basicamente, quatro núcleos vestibulares: o núcleo vestibular
superior (ou de Bekhterev); lateral (de Deiters); medial (de Schwalbe);
inferior (de Roller). As fibras vestibulares se dividem para adentrar tais
núcleos. Não se conhece exatamente as conexões vestibulares, mas o que se
sabe é que algumas fibras se comunicam com o lobo floculonodular do
cerebelo, que se projeta ao núcleo fastigial, e volta aos núcleos vestibulares.
O trato vestibuloespinal lateral surge no núcleo de Deiters, descendo pelo
fascículo anterior, se direcionando as fibras gama e alfa da medula, para
atuar no reflexo extensor, mantendo tônus muscular adequado para o
equilíbrio.

CURIOSIDADE! Tontura e vertigem.


A tontura é um sintoma de significado amplo, podendo, muitas vezes, ser
caracterizado como uma vertigem (sensação de rotação). Pode, ainda, ser utilizado
para descrever outras condições, como estar atordoado, sensação de um desmaio
iminente, ansiedade leve, ou estar desequilibrado.
A vertigem, por sua vez, é a sensação de que está se movendo em relação ao
ambiente (subjetiva), ou que o ambiente está se movendo (objetiva). Podem ainda
apresentar a osciloscopia, a sensação de objetos se moverem para frente e para
trás.

6.8.2. Divisão Coclear


Já a divisão coclear é a maior, e é a grande responsável pela audição,
outro sentido importante, visto com mais detalhes no Capítulo 12.
O nervo coclear é formado por fibras centrais vindas de células
ganglionares espirais, corre pelo canal auditivo interno, junto com o nervo
vestibular, atravessa o espaço subaracnoide na região do ângulo
pontocerebelar, e entra no tronco cerebral, atrás do pedúnculo cerebelar
inferior. Alcança o núcleo coclear, que se divide em ventral e dorsal. O
núcleo coclear ventral ainda se subdivide em dois ramos. Estes seguem pela
porção posterior da capsula interna até o córtex auditivo primário, nos giros
temporais transversais, ou giros de Heschl (área 41 de Brodmann – capítulo
4). Durante todo o trajeto, preserva-se um padrão tonotópico, que se projeta
no córtex auditivo.
Nem todas as fibras auditivas atravessam a linha mediana, com algumas
permanecendo ipsilateral. Isso faz com que lesão em um lado apenas do
trato do lemnisco lateral não cause surdez completa.
Ao longo da via entre o órgão de Corti e o córtex auditivo, existem
diversas fibras colaterais que surgem fazendo conexões com outras áreas do
sistema nervoso central, participando de vários arcos-reflexos.
Se dirigem ao fascículo longitudinal medial, em direção aos músculos
extraoculares, promovendo desvio do olhar conjugado em direção ao som.
Se dirigem, passando pelos coliculos superiores e inferiores, para a área
pre-tectal, em seguida, via trato tectobulbar, vao para diversos núcleos do
tronco cerebral, como o núcleo do nervo facial (para inervação do músculo
estapedio, fazendo o reflexo do estapédio, explicado acima), ou via trato
tectoespinal, para a células do corno anterior da medula cervical (para
promover o reposicionamento da cabeça em direção ou para longe da
origem de um som.
Se dirigem também para a formação reticular, para o reflexo da
excitação.
As perdas auditivas são distinguidas por duas entidades: perda auditiva
da orelha média (ou condutiva), e da orelha interna (sensorineural).
As afecções do canal auditivo externo e do ouvido médio, incluindo
lesões ao tímpano, sero, muco ou hemotimpano, traumas, infecções, podem
afetar a transmissão das vibrações sonoras ao ouvido interno. Vibrações
ósseas podem ainda ser conduzidas ao órgão de Corti, podendo ser ouvidas.
Já as lesões ao órgão de Corti, nervo coclear ou a via auditiva central,
levam a perda auditiva sensorineural, podendo vir de malformações
congênitas, uso de medicamentos, substancias industriais tóxicas, infecções
(caxumba, varicela Zoster, etc), trauma ou alterações metabólicas.

CURIOSIDADE! Prova de Rinne e Weber.

A prova de Rinne funciona para determinar se a percepção auditiva é melhor via


ar ou via osso. O exame é realizado através da colocação de um diapasão, posto a
vibrar, em contato com o processo mastoide. Ao não perceber mais a vibração, é
posto o diapasão próximo ao pavilhão auricular, para testar se ele consegue ainda
ouvir som ou não. Normalmente, o indivíduo consegue ouvir, ou seja, prova de
Rinne positivo.
A prova de Weber ocorre através da colocação de um diapasão posto a vibrar
na linha média, na cabeça do paciente. Em situação normal, o individuo detecta o
tom na linha média, ao passo que, perdas condutivas fazem detectar o tom no lado
danificado, e em perda sensorineural detecta o tom no lado oposto.

6.9. NERVO GLOSSOFARÍNGEO (NC IX)


O nervo glossofaríngeo é um nervo misto, com componentes aferentes
e eferentes. Se associa ao núcleo ambíguo, onde emitem fibras que
inervam o músulo estilofaringeo, que levanta a faringe na deglutição e na
fala.
Possui funções similares às do nervo vago, a porção cranial do nervo
acessório, e o nervo intermédio. Emerge do crânio, em conjunto com o
nervo vago e o acessório, pelo forame jugular. Nele se situa o núcleo
glossofaríngeo. Em seguida, cursa entre a artéria carótida interna e a veia
jugular, atravessa entre o musculo estilofaringeo e o estiloglosso, para
inervar a raiz da língua, a mucosa faríngea, as tonsilas, e o terço posterior
da língua.
O núcleo do nervo glossofaríngeo se comunica com outras estruturas
centrais, como o hipotálamo, onde o medo e a ansiedade provocam o estado
de boca seca, ou xerostomia; já a comunicação com o núcleo olfatório faz
haver salivação em resposta a um cheiro de comida. As divisões que se
conectam com o núcleo espinal do trigêmeo e o do trato solitário são
componentes aferentes. O núcleo espinal do trigêmeo é responsável pelas
fibras aferentes somáticas gerais da região retroauricular. Já os do núcleo
do trato solitário tem duas divisões: as aferentes gerais, que inervam terço
posterior da língua, tonsilas e tuba auditiva quanto a dor, tato, sensibilidade
térmica, etc. E a divisão visceral especial, ou gustação, do terço posterior
da língua (Capítulo 10).
Um grupo de nervos saem na região posterior do bulbo, na face lateral, e
contem fibras eferentes viscerais gerais, que conduzem impulsos
secretomotores a glândula parotida.
Contém ainda ramos que inervam o seio carotídeo, que contem quimio e
barorreceptores, que regulam a frequência cardíaca e a pressão artérial
sistêmica após estímulo químico (alteração da concentração de íons H+) ou
pressóricos (distensão da parede vascular), o chamado reflexo
glossofaríngeo-vagal.
Lesões unilaterais deles levam a perda de reflexo faríngeo, ou ânsia, que
vem de estímulo na parede posterior da faringe, da tonsila, ou da raiz da
língua. Há perda também do reflexo glossofaríngeo vagal, da sensibilidade
gustatória do 1/3 posterior, e desvio de úvula para lado integro.

DETALHE! Inervação das glândulas salivares

• Glândulas Submandibulares: as submandibulares, que estão na parte


interna da mandíbula, secretando saliva abaixo da língua - Nervo
Trigêmeo.

• Glândulas Submentonianas: sublinguais, que estão abaixo do assoalho


da boca e da língua – Nervo Trigêmeo.

• Glândulas Parótidas: estão situadas em ambos os lados da face, na


região abaixo da orelha – Nervo Glossofaríngeo
DETALHE!

O nervo facial atravessa a glândula parótida, ou seja, uma hiperplasia ou


inflamação dela pode obstruir a passagem do nervo facial, levando a um
comprometimento de sua função.

Imagem 12: Imagem ilustrando algumas das glândulas salivares: sublingual,


submanduibular e a parótida. (12)

6.10. NERVO VAGO (NC X)


O nervo vago é um nervo misto, que contém fibras aferentes e
eferentes, com quatro núcleos no bulbo.
O nervo vago possui, também, dois núcleos, próximos ao forame
jugular. Abaixo deles, segue pela carótida interna e comum, e atravessa a
abertura torácica para alcançar o mediastimo. Nesta região, o tronco vago
direito cruza a subclávia, e o esquerdo segue atrás do hilo. Correm pelo
esôfago, se direcionando para a cavidade abdominal.
Nesse trajeto, emite os ramos: auricular (inervando pele na região
auricular posterior); faríngeos (para inervar musculatura da faringe); nervo
laríngeo superior (inerva o músculo constrictor da laringe, e musculo
cricotireoideo, além de sensibilidade da laringe); nervo laríngeo recorrente
(corre próximo à subclávia e ao arco aórtico, subindo entre a traqueia e o
esôfago, em direção a laringe, fornecendo informação sensorial abaixo das
pregas vocais, e inervando musculatura laríngea interna); além de fibras
cardíacas (inervam o coração), fibras brônquicas (inervar a musculatura
brônquica); e fibras gástricas, hepáticas, celíacas e renais (inervando as
vísceras abdominais). Essas fibras promovem algumas conexões
importantes, como:
O núcleo posterior do nervo vago emite fibras na face lateral, entre
oliva e pedúnculo cerebelar inferior. Contém fibras parassimpáticas pré-
ganglionares, com impulsos eferentes para vísceras tóraco-abdominais. Já
as pós-ganglionares vem de gânglios que estão por cima das vísceras
tóraco-abdominais inervada. Recebe também fibras do nervo
vestibulococlear, onde se relaciona com o enjoo e vômito após estímulo
vestibular excessivo (um enjoo e vômito em uma viagem, por exemplo).
O núcleo espinal do nervo trigêmeo recebe fibras aferentes somáticas
da orelha (pavilhão) e meato acústico externo e parte externa da membrana
timpânica. Seus corpos estão no núcleo jugular do Nervo Vago.
O núcleo do trato solitário recebe fibras aferentes especiais e gerais.
As gerais são responsáveis pela sensibilidade geral da faringe, laringe,
traqueia, esôfago e vísceras tóraco-abdominais. As especiais são
responsáveis pela sensibilidade gustatória da epiglote.
Já o núcleo ambíguo é o núcleo motor ventral do nervo vago, entre
oliva e núcleo espinal do nervo trigêmeo. Emerge na face lateral entre oliva
e pedúnculo cerebelar inferior, e seus impulsos eferentes viscerais se
dirigem para a faringe e laringe, inervando a musculatura para a deglutição.

DETALHE!

Os músculos da faringe e laringe envolvidos com a deglutição são: os


constrictores da faringe, cricotireoideo, intrínsecos da laringe, levantador do véu
palatino, palatoglosso, palatofaríngeo e da úvula. Sua ação coordenada promove a
deglutição, e também o vômito, que requer ação também coordenada desses
músculos.

O nervo vago emerge do bulbo, lateral a oliva, por radículas que se


unem para formar uma única raiz que emerge do crânio pelo forame jugular.
Uma lesão bilateral dele é fatal, pois promove paralisia completa e asfixia.
Já uma lesão unilateral leva a paralisia ipsilateral do palato mole, faringe e
laringe, o que leva a rouquidão, disfagia e dispneia.

6.11. NERVO ACESSÓRIO (NC XI)


O nervo acessório possui raízes espinal e craniana.
A raiz craniana emerge no bulbo, no polo inferior do núcleo ambíguo.
Sai pela face lateral, e se une as radículas do nervo vago, formando o ramo
laríngeo recorrente, e inerva os músculos intrínsecos da laringe (ou seja, a
parte craniana do nervo acessório é, na verdade, parte do nervo vago).
Ascendem pelo espaço subaracnóideo, para se unir aos ramos espinais e
compor o nervo, que adentra o crânio pelo forame magno.
Ao passar pelo forame jugular, a raiz espinal se separa e desce para a
nuca, para inervar os músculos acessórios (esternocleidomastoideo e
trapézio). Essa raiz, por sua vez, vem de núcleo do nervo acessório, situado
no corno anterior (entre C5 e C6).
O nervo glossofaríngeo, o nervo vago e a porção motora do nervo
acessório compartilham os mesmos núcleos:

• O núcleo ambíguo é um núcleo motor, e recebe impulsos do


córtex cerebral de ambos os hemisférios. É o responsável por
inervar a musculatura da laringe, faringe, e porção superior do
esôfago. Recebe ainda aferência do trigêmeo e do núcleo do trato
solitário.

• O núcleo dorsal do nervo vago emite fibras aferentes que


viajam para os gânglios parassimpáticos da cabeça, tórax e
abdome. Ele recebe estímulos aferentes do hipotálamo, do sistema
olfatório, formação reticular e trato solitário. Eles medeiam
reflexo barorreceptor vindo do seio carotídeo, que promove
regulação da pressão arterial.

• O núcleo salivatório inferior emite fibras para o nervo


glossofaríngeo e o nervo vago, funcionando como componente do
nervo intermédio (seu núcleo parassimpático).

• Os núcleos das fibras gustativas se situam no gânglio


extracraniano, enquanto que os do nervo vago se situam no
gânglio nodoso.

6.12 NERVO HIPOGLOSSO (NC XII)


O nervo hipoglosso é eferente motor somático. Seus axônios descem
pelo bulbo, e emergem no sulco anterolateral, entre a oliva inferior e a
pirâmide. Em seguida sai do crânio pelo canal do hipoglosso, e corre entre
a veia jugular e a artéria carótida, junto com fibras dos três primeiros
segmentos cervicais. Em seguida, se separam novamente: as fibras cervicais
vão inervar os músculos tireo-hioideo, esterno-hioideo e omo-hioideo;
enquanto que as fibras do hipoglosso vão inervar os músculos estiloglosso,
hiloglosso e genioglosso.
Lesão unilateral do nervo hipoglosso promove limitação do movimento
da língua. O musculo genioglosso paralisado não consegue se contrapor a
força do musculo contralateral. Assim, a língua é empurrada para o lado
comprometido quando a mesma é protraída.
Seu núcleo se situa no terço inferior do bulbo, logo abaixo do assoalho
do quarto ventrículo (no trígono do hipoglosso). Recebem influencias
corticais através do trato corticonuclear, que desce pela capsula interna.
Embora receba influencias de ambos os hemisférios, a predominância é do
hemisfério contralateral. Recebe também influencias do núcleo do trato
solitário, do mesencéfalo e do núcleo do trigêmeo, atuando nos reflexos
associados a deglutição, mastigação e sucção.
Lesões que acometem seus núcleos promovem paralisia flácida da
língua, com atrofia. No geral o acometimento é simultâneo, visto que são
muito próximos. Ocorre então prejuízo na fala e na deglutição.

7. ENTENDENDO O CASO...
O Schwannoma Vestibular é um tumor originário da bainha de mielina
do nervo vestibular, mais precisamente na junção da mielina central e
periférica (Zona de Obersteiner-Redlich), cerca de 8cm distal ao tronco
cerebral. Vem da perda de um gene supressor de tumor. É histologicamente
benigno, e um dos tumores intracranianos mais comuns. A grande maioria
(95%) é unilateral. Tem uma incidência grande também nos pacientes com
neurofibromatose tipo 2, sendo importante avaliar também em indivíduos
com menos de 40 anos que desenvolvam a doença.
Os sintomas se relacionam com o tamanho do tumor. Geralmente se
inicia com manifestação de zumbido, perda sensorineural auditiva
ipsilateral, e perda de equilíbrio. Eles vem da compressão do nervo
vestibulococlear a nível de ângulo pontocerebelar. Maiores, podem
comprometer o nervo facial, promovendo fraqueza facial. Raramente
provoca hidrocefalia.
A perda auditiva costuma ser progressiva, mas pode também haver
queixa de perda auditiva súbita. Em geral, a perda é da detecção de sons de
alta frequência, comum ser notada dificuldade para compreender palavras.
Já o zumbido costuma ser relatado como piado, um som agudo.
Maiores, podem comprometer outros nervos, como o nervo facial e
ramos do trigêmeo. Assim, pode ocorrer otalgia, dormência ou fraqueza da
musculatura facial. Em geral, acometimento do nervo facial é mais tardio,
sendo precoce a manifestação clinica de dormência em face, vinda da
compressão do nervo trigêmeo, apesar de o facial estar mais próximo que o
trigêmeo do local do tumor, e sofrer compressão antes dele. Pode, conforme
cresce, comprimir o tronco encefálico, e desenvolver sintomas mais
intensos, como diplopia, ataxia, convulsões e até coma. Grandes tumores
podem comprometer circulação liquórica, fazendo hipertensão
intracraniana.
A maioria dos pacientes, porem, ira se apresentar basicamente com
perda auditiva sensorineural. Ao exame físico, a perda pode ser constatada
através das provas de Rinne e Weber. A prova de Weber, como já explicada
neste capitulo, se apresenta lateralizado para o lado sadio, que apresenta
Rinne positivo (ou normal).
Os diagnósticos diferenciais incluem lesões no ângulo pontocerebelar,
como meningiomas e neurinomas do trigêmeo.
Para diagnostico, não é necessário testes audiométricos, exceto se baixa
suspeita. Contudo, possui grande importância para avaliar progressão do
quadro (se há deterioração da audição), visto que é parte importante da
decisão da conduta apropriada. O audiograma é um exame inicial útil.
Avalia lesão coclear x retrococlear. A lesão retrococlear é a correspondente
ao Schwannoma, em oposição a lesão coclear, que diz respeito a lesões do
aparelho auditivo em si. É comum detectar lesão unilateral e progressiva. A
perda de alta frequência é comum com o avanço da idade, ou exposições ao
ruído, mas costuma ser bilateral. Diferença de mais de 10 db de um ouvido
para o outro devem levantar suspeitas.
Ao exame de imagem: a Ressonância magnética de encéfalo é o exame
de escolha, que demonstra tumor redondo ou ovalado no ângulo
pontocerebelar. Maiores, podem até apresentar imagens de aspecto cístico
no centro (embora seja solido). A tomografia computadorizada com
contraste tem sua importância: embora menos sensível, demonstra melhor a
anatomia óssea, útil para planejamento da abordagem cirúrgica. Com base
nos achados de imagem, pode ser classificado pelo sistema de Hannover,
que descreve a extensão do tumor: T1 (puramente meatal), T2 (intra e extra-
meato), T3 (a – preenchendo a cisterna cerebelo-pontina; b – afetando o
tronco cerebral), e T4 (a – comprimindo o tronco cerebral; b – deslocando
tronco severamente e comprimindo quarto ventrículo). Pode também ser
classificado pelo sistema de Koos: grau I (preenche o canal auditivo
interno); grau II (protrusão pela abertura do canal auditivo interno); grau III
(tamanho grande, afetando o tronco cerebral) e grau IV (comprimindo o
tronco cerebral).
A conduta pode ser

• Expectante: acompanhamento com audiometria (para avaliar a


perda auditiva), e exames de imagem (para acompanhar
crescimento do tumor), em intervalos de 6 meses por 2 anos,
depois anualmente. É indicada intervenção em caso de
crescimento.

• Radioterapia: pode ser feita sozinha (feixe externo) ou em


conjunto com procedimento cirúrgico (estereotáxica).

• Cirurgia: inclui abordagens retossigmoidea (subocciptal,


preservando audição); translabiríntica (compromete a audição);
subtemporal extradural (para pequenas lesões).

Translabiríntica: útil para tumores com maior porção


intracanal, tendo como vantagens a preservação do nervo facial,
menor risco de afetar nervos cranianos inferiores e cerebelo.
Suas desenvantagens envovem a perda da audição, tem
exposição do tumor limitada e mais demorada.

Subocciptal (fossa posterior): oferece melhor possibilidade de


preservar a audição. Contudo, tem maior morbidade que a
translabirintica, com maior dificuldade de ressecar lesões
pequenas. Muitas vezes o nervo facial se apresenta no lado cego
da lesão, sendo identificado tardiamente.

Subtemporal extradural: limitada a pequenos tumores, oferece


acesso ruim a fossa posterior, embora também tenha chance de
preservar a audição. Contudo tem alto risco de
comprometimento do nervo facial.

Tabela: Manejo simplificado do Schwannoma Vestibular conforme tamanho


do tumor e estado clinico geral do paciente. Adaptado de Greenberg –
Handbook of Neurosurgery.

Condição clinica
Tamanho Boa condição clínica (ASA I-II)
ruim (ASA > III)

Audição preservada Cirurgia


Pequeno (< 3cm) Expectante
Comprometimento
Expectante
auditivo

Grande (> 3cm) Cirurgia Radiocirurgia Estereotáxica

Tabela: Escolha da melhor abordagem cirúrgica com base no tamanho do


tumor e estado da audição. Adaptado de Greenberg – Handbook of
Neurosurgery.
Tamanho do tumor Abordagem cirúrgica
Grande (> 4cm) Suboccpital somente ou combinada com Translabiríntica

Médio (2-4 cm) Suboccpital e Translabirintica

Pequeno (intracanal)
Translabiríntica
Audição prejudicada

Pequeno (intracanal) Tumor lateral Tumor medial


Audição preservada Subtemporal extradural Subocciptal

Referências Bibliográficas
1. MACHADO, Angelo B.M.; HAERTEL, Lúcia Machado. Neuroanatomia funcional. 3.ed.
São Paulo: Atheneu, 2006.
2. MARTIN, John Harry. Neuroanatomia: texto e atlas. 4. ed. Porto Alegre: AMGH, 2013.
3. BEAR, Mark F.; CONNORS, Barry W.; PARADISO, Michael A. Neurociências:
desvendando o sistema nervoso. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017.
4. LENT, Roberto et al. Cem Bilhões de Neurônios? Conceitos Fundamentais de Neurociência.
2. ed. São Paulo: Atheneu, 2002.
5. KANDEL, E.R.; SCHWARTZ, J.H.; JESSELL, T.M. Princípios da Neurociência. São
Paulo: Manole, 2003.
6. DUUS, Peter. Topical Diagnosis in Neurology. 4. Ed. Stuttgard: Thieme, 2006.
7. GREENBERG, M. S. Handbook of Neurosurgery 8. Ed. Stuttgard: Thieme, 2016.

Imagens
1. Portal ABC da Medicina. Tronco encefalico - neuroanatomia, núcleos e cortes histológicos.
Disponível em <https://abcdamedicina.com.br/tronco-encefalico-anatomia-nucleos-e-
cortes-estrutura-e-funcao.html>, Acesso em: 25 de outubro de 2018.
2. NETTER, Frank H.. Atlas de Anatomia Humana. 2ed. Porto Alegre: Artmed, 2000.
3. Blog Medicina in situ. Neuroanatomia - Mesencéfalo. Disponível em
<http://medinsitu.blogspot.com/2013/01/neuroanatomia-mesencefalo.html>, Acesso em: 25
de outubro de 2018.
4. SOBOTTA: Sobotta J. Atlas de Anatomia Humana. 21ed. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan, 2000.
5. Anatomia Papel e Caneta. SNC - Tronco Encefálico. Disponível em <https://anatomia-
papel-e-caneta.com/snc-tronco-encefalico-mesencefalo/>, Acesso em: 25 de outubro de
2018.
6. Blog Medicina in situ. Neuroanatomia - Bulbo. Disponível em
<http://medinsitu.blogspot.com/2013/01/neuroanatomia-bulbo.html>, Acesso em: 25 de
outubro de 2018.
7. Blog Medicina in situ. Neuroanatomia - Bulbo. Disponível em
<http://medinsitu.blogspot.com/2013/01/neuroanatomia-bulbo.html>, Acesso em: 25 de
outubro de 2018.
8. DUUS, Peter. Topical Diagnosis in Neurology. 4. Ed. Stuttgard: Thieme, 2006.
9. Site Pro Visu. Olho e Visão. Disponível em: <https://www.provisu.ch/pt/assuntos/olho-e-
visao.html>, Acesso em: 08 de janeiro de 2019.
10. DUUS, Peter. Topical Diagnosis in Neurology. 4. Ed. Stuttgard: Thieme, 2006.
11. Blog Osteopatia - Francelo D. R. da Silva. Neuralgia do Trigemeo - Sindrome Dolorosa.
Disponível em <http://osteopatiafrancelo.blogspot.com/2015/07/neuralgia-do-trigemio-
sindrome-dolorosa.html>, Acesso em: 25 de outubro de 2018.
12. Blog Pediatria Online. Caxumba. Cuidado que ela pode te pegar. Disponível em <
http://pediatraonlinedicasdepediatraemae.blogspot.com/2018/03/caxumba-cuidado-que-ela-
pode-te-pegar.html>, Acesso em: 08 de janeiro de 2019.

CONFERÊNCIAS
Confira aqui a aula dinâmica do Medicina
Resumida sobre os assuntos abordados nesse
capítulo!
7. Circulação Arterial do Sistema
Nervoso Central
Capítulo 7
CIRCULAÇÃO ARTERIAL DO
SISTEMA NERVOSO CENTRAL
1. Caso Clínico
Dr. Gomes, em um dia tranquilo de trabalho na emergência do Hospital
do Santo Livro, recebe uma paciente vinda da Unidade de Pronto
Atendimento da cidade.
Marieta, de 41 anos, vem a emergência com queixa de cefaleia de forte
intensidade, súbita, em pontada, que começou há 24 horas, após brigar
seriamente com seu marido, Marcos. Disse que se tratava da “pior dor de
cabeça da sua vida”. Refere que apresentou náuseas e vômitos associados ao
quadro, e que então procurou a UPA, onde tomou Dipirona, que melhorou
parcialmente o quadro, e realizou uma tomografia de crânio, que evidenciou
sangramento em espaço subaracnóideo, difusa. Foi então encaminhada para
o hospital, e Marieta então questionou ao Dr. o motivo de tal
encaminhamento, se a dor estava melhorando aos poucos.
Ao exame neurológico, a paciente chega vigil, orientada, com fácies de
dor, com pupila arreagente em olho direito, ptose palpebral a direita, e
limitação do movimento ocular, com estrabismo divergente em olho direito.
Mímica facial preservada, e sensibilidade presente. Apresenta rigidez de
nuca. Força muscular preservada nos 4 membros. Sensibilidade tátil sem
alterações.
Dr. Gomes então disse que o motivo da internação era o de se investigar
a causa do sangramento, através da realização de uma arteriografia. Ele disse
que, pela topografia, era possível que a causa seja um aneurisma sacular em
Artéria Comunicante Posterior, que poderia estar comprimindo o terceiro
nervo craniano (oculomotor). Caso confirmado, seria indicado uma cirurgia
para a “clipagem” deste aneurisma, ou então a “embolização” do mesmo,
para prevenir novos sangramentos. Marieta então ficou tranquilizada e, ao
mesmo tempo, indagou: a culpa é toda de Marcos!!

1.1. Termos-chave
• “cefaleia súbita, em pontada, de forte intensidade”
• “sangramento em bifurcação de Artéria Carótida Interna”
• “aneurisma sacular”
• “Artéria Cerebral Anterior e Cerebral Média”
1.2. Termos desconhecidos
• “clipagem de aneurisma”
• “embolização”
1.3. Objetivos
• Compreender a anatomia vascular cerebral e seu trajeto no sistema
nervoso central

• Conhecer as circulações anterior e posterior


• Entender melhor a barreira hematoencefálica
A circulação arterial do Sistema Nervoso Central consiste em um tema
de suma importância, pois uma das maiores causas de morte no mundo
decorre de doenças que acometem a circulação do SNC, que é o Acidente
Vascular Cerebral, ou AVC. Sabemos que o acidente pode ser do tipo
isquêmico, ou AVCI, ou hemorrágico, ou AVCH, passando a se chamar
Hemorragia Subaracnoide ou Intraparenquimatosa, a depender do vaso e
local de sangramento.
Há 4 grandes vasos que irrigam o encéfalo: as artérias carótidas internas
direita e esquerda, e as vertebrais direita e esquerda. Estas últimas possuem
variações no calibre entre si. Possuem uma interligação na base do crânio,
através do circulo de Willis, e redes de artérias na superfície ventral do
diencéfalo e mesencéfalo e na superfície cortical.
A chamada circulação anterior irriga, basicamente, as estruturas da fossa
anterior e media, além de boa parte dos hemisférios cerebrais, enquanto que
a circulação posterior irriga as estruturas da fossa posterior e tronco cerebral.

2. Suprimento sanguíneo da medula espinal


A medula recebe sangue de artérias espinhais e radiculares, que
possuem duas fontes. As artérias espinhais anterior e posterior são ramos
das artérias vertebrais, que são ramos da artéria subclávia. Já as artérias
radiculares são ramos de vasos segmentares, como cervicais, intercostais e
lombares. Cada segmento medular recebe sangue de ambas as artérias,
porém alguns tem predominância de alguma artéria, e isso varia na
população em geral.
Imagem 1: Imagem ilustrando a irrigação da medula: artéria espinal anterior
e posteriores, e suas comunicações com as laterais através das radiculares.
(1)

3. Suprimento sanguíneo do encéfalo e do tronco


cerebral
3.1. Circulação Vertebrobasilar ou Posterior
O sistema vertebrobasilar é quem supre todo o tronco cerebral,
cerebelo, e porção posterior do encéfalo humano. As artérias vertebrais
emergem da subclávia, como havia dito, e adentram o crânio pelo forame
magno, e ao nível da junção bulbopontina se unem para formar a artéria
basilar, que repousa sobre o sulco basilar, na ponte (Capítulo 6).

3.1.1. Artérias Vertebrais


Frequentemente, as artérias vertebrais são de calibres diferentes, sendo a
esquerda a dominante em cerca de 60% dos casos. Há hipoplasia na esquerda
em cerca de 5%, e a direita em 10%.
Após emergir das artérias subclávias (ou diretamente do arco aórtico),
elas percorrem o pescoço no canal formado no forame transverso das
vertebras cervicais, entrando no nível de C6. Ao nível de C1, deixa o canal, e
se curva dorsal e medialmente, e então corre em direção a junção
atlantoocciptal, adentrando o crânio pelo forame magno. Já no espaço
subaracnóideo, se curva ventral e cranial, ao redor do tronco encefálico. Em
seguida, se une a artéria vertebral do outro lado, para formar a artéria basilar.
Imagem 2: Imagem ilustrando percurso da artéria vertebral e da artéria
carótida comum, a partir da artéria subclávia e do arco da aorta
(respectivamente). Em destaque também, a bifurcação da artéria carótida
comum em artéria carótida interna e externa. (2)

A artéria vertebral tem importância pelos ramos que emite. No


intracraniano, emite a artéria cerebelar inferior posterior (ACIP, ou PICA,
em inglês), e a artéria espinhal anterior. Ela supre também a medula espinal,
mais precisamente na porção superior dos segmentos cervicais, via artéria
espinhal anterior.
A PICA nutre a porção dorsolateral do tronco cerebral, e a face inferior
dos hemisférios cerebelares, do vermis, alguns núcleos cerebelares, e
também o plexo coroideo do quarto ventrículo e a porção dorsolateral do
bulbo. É complementada pela irrigação da artéria cerebelar inferior anterior
(AICA).

Detalhe!

Entre as artérias cerebelares superiores e as artérias cerebrais posteriores, há a


emergência do nervo oculomotor (Capítulo 6).

3.1.2. Artéria Basilar


A artéria basilar surge da união da artéria vertebral esquerda e a direita,
próximo ao nível inferior da ponte. Emite ramos importantes, como as
artérias cerebelares superiores e as artérias cerebrais posteriores. Emite
também ramos perfurantes no tronco cerebral (paramedianos,
circunferenciais curtos e longos).
O seu primeiro grande ramo é a artéria cerebelar inferior anterior (ACIA,
ou AICA, em inglês). Ela irriga a porcao do lobo floculonodular e a porção
anterior dos hemisférios cerebelares. Ela ainda emite a artéria labiríntica, que
irriga estruturas do ouvido interno.
A artéria cerebelar superior emerge em seguida, logo abaixo de sua
porção final, irrigando a porção rostral do hemisfério cerebelar, e a porção
superior do vermis. Emite ramos que irrigam o tegmento mesencefalico
durante seu curso.
Antes de se unirem, as artérias vertebrais emergem um de seus ramos,
que é a Artéria Cerebelar Inferior Posterior, ou PICA, sua sigla em
inglês. Ela nutre a porção dorsolateral do tronco e face inferior do cerebelo,
além do plexo coroideo do quarto ventrículo. A basilar emite ainda a artéria
labiríntica, ou do labirinto, que acompanha os nervos facial e
vestibulococlear, e irriga orelha interna e fibras nervosas do nervo facial.

Imagem 4: Ilustração da irrigação do cerebelo, com as artérias cerebelares


superiores (ACS, ou SCA, em inglês); artéria cerebelar inferior anterior
(ACIA, ou AICA, em inglês); e as artéria cerebelar inferior posterior (ACIP,
ou PICA, em inglês). Todos ramos das artérias vertebral e basilar. (4)

3.1.3. Artéria Cerebral Posterior


A artéria basilar, então, se divide, na sua porcao final, em duas artérias
cerebrais posteriores. A ACP, na verdade, recebe sangue tanto da
circulação anterior quanto da posterior. Na grande maioria dos casos, a maior
parte do suprimento sanguíneo dela vem da circulação posterior, ou seja, da
artéria basilar.
A artéria comunicante posterior se une a cerebral posterior a cerca de
10mm distal à ponta da basilar. O segmento da cerebral posterior proximal a
esse ponto é denominado segmento pré-comunicante, ao passo que a
porção distal é o segmento pós-comunicante. Emite ramos perfurantes
para o mesencéfalo e o tálamo. E dela que surge, na porção distal, as
artérias coroidais posteriores, que irrigam os núcleos geniculados,
talâmicos, e o plexo coroide do terceiro ventrículo. Importante lembrar que
ela faz anastomose com a artéria coroidea anterior, já mencionada nesse
capítulo.
Em seguida, a cerebral posterior segue se encurvando para trás,
contornando o mesencéfalo, adentrando a cisterna ambiens. Nela, se divide
nos seus ramos corticais, como os ramos calcarinos, occiptotemporais e os
temporais.
A ACoP emite ramos tálamo-perfurantes anteriores, que irriga a porcao
rostral do tálamo. Já a posterior surge da ACP, próxima a inserção da ACoP,
suprindo as porcoes basal e medial do tálamo, e o pulvinar.
A artéria cerebral posterior se divide em 4 segmentos:

• Segmento P1, que vai da sua origem até a junção com a Artéria
Comunicante Posterior (ACoP).

• Segmento P2: vai da ACoP até a borda superior do mesencéfalo.


• Segmento P3: do mesencéfalo até o limite anterior da fissura
calcarina.

• Segmento P4: da extremidade anterior do sulco calcarino até o


córtex cerebral.
Imagem 6: Ilustração dos segmentos da artéria cerebral posterior: em verde,
o segmento P1; em azul e roxo, o segmento P2 (dividido, respectivamente
em P2A E P2P); o segmento P3 em amarelo; e o segmento P4 em laranja.

3.2. Circulação Carotídea ou Anterior


Como o nome já diz, esse sistema advém da artéria carótida interna
(ACI). A ACI nada mais é do que fruto da bifurcação da artéria carótida
comum em carótida interna e externa, a nível da cartilagem tireoide. A
artéria carótida interna é importantíssima para a neurociência, pois irriga as
estruturas intracranianas. Já a artéria carótida externa, por sua vez, supre os
tecidos moles do pescoço e da face, mas faz anastomose com a carótida
externa do outro lado, e também com artérias vertebrais (que veremos
adiante), além de alguns ramos intracranianos da artéria carótida interna.

Imagem 7: Divisões da artéria carótida em interna e externa. (6)

3.2.1. Artéria Carótida Interna


A artéria carótida interna então segue sem emitir ramos importantes, e
entra no crânio pelo canal carotídeo, no osso petroso, separado do ouvido
médio por uma fina parede óssea. Em seguida, ele entra no seio cavernoso.
Nele, se curva para cima e para trás, formando uma alça (o sifão carotídeo).
Nessa região, ela emite ramos que irrigam a cavidade timpânica, e a hipófise.
Roturas na porção intracavernosa da carótida interna provocam sangramento
sem inundar o espaço subaracnóideo, visto que é extradural. Por outro lado,
provoca uma comunicação de alta vazão (fístula carotídeo-cavernosa), que
aumenta a pressão no seio cavernoso, podendo fazer exoftalmia.
Ela adentra o espaço subaracnóideo a nível do processo clinóide anterior.
Nesse local surge a artéria oftálmica. Entra na orbita junto com o nervo
óptico, irrigando não só o conteúdo da órbita, mas também as células do seio
esfenoidal, do etmoidal, mucosa nasal e a testa e pálpebras. Os ramos
cutâneos acabam formando anastomoses com ramos da artéria carótida
externa, estabelecendo uma circulação colateral útil em caso de doenças
acometendo a carótida interna.
Em seguida, sai a artéria coroidal anterior. Ela corre em paralelo ao
trato óptico, e em seguida entra na fissura coroidal, para suprir o plexo
coroide no corno temporal do ventrículo lateral. Emite ramos que irrigam o
trato óptico, hipocampo, amigdala, alguns núcleos da base e parte da capsula
interna.
Após ela, surge a artéria comunicante posterior. Em alguns casos, é ela
quem supre a artéria cerebral posterior, em vez da artéria basilar (“padrão
fetal”). Ela termina na junção ao segmento proximal da artéria cerebral
posterior, sendo o componente mais importante do círculo de Willis. Ela
supre os corpos mamilares, núcleos talâmicos rostrais, e parte da capsula
interna. Sua origem é um local comum de formação de aneurismas.
Por fim, acima do processo clinoide, a artéria carótida interna bifurca,
surgindo a artéria cerebral anterior e a artéria cerebral média.
Ela possui duas classificações quanto a sua divisão em segmentos:
A primeira é a classificação de Fisher (1938), em que divide a ACI em 4
segmentos:

• Segmento cervical, que vai da bifurcação até a entrada no canal


carótideo

• Segmento petroso, quando entra no canal carotídeo, dentro da


porção petrosa do osso temporal

• Segmento cavernoso, quando sai do canal e adentra o seio


cavernoso

• Segmento cerebral, que segue a partir da saída do seio cavernoso


até se bifurcar em ACA e ACM.
Imagem 8: Ilustração da bifurcação da carótida em interna e externa, e o
percurso da interna até sua divisão em cerebral anterior e média. (7)

Os segmentos cavernoso e cerebral formam o chamado sifão carotídeo,


importante elemento anatômico em forma de “s”.
A carótida, no seu segmento cerebral, emite 3 ramos importantes: a
Artéria Oftálmica, que forma a Artéria Interna da Retina e irriga o
Nervo Óptico (Capítulo 6); a Artéria Comunicante Posterior, que nutre o
diencéfalo, e será abordada mais adiante; e Artéria Coroidea Anterior, que
irriga diencéfalo e a região abaixo ao córtex cerebral.
A outra classificação é mais complexa, sendo abordada nesta seção como
tópico extra, pois embora a de Fisher seja a mais conhecida e aplicada, é essa
outra que costuma ser usada na neurocirurgia para se especificar locais com
ocorrência de aneurismas ou locais de ruptura da carótida.
Esta é a Classificação de Bouthillier (1996), em que a Carótida Interna
é dividida em 7 segmentos:

• Segmento C1, ou cervical


• Segmento C2, ou petroso
• Segmento C3, ou lacerum, que vai da saída do osso petroso até o
ligamento petrolingual

• Segmento C4, ou cavernoso


• Segmento C5, ou clinoideo, que vai da saída do seio cavernoso até
a emersão da artéria oftálmica

• Segmento C6 ou oftálmico, ou supraclinoideo, que vai da saída da


artéria oftálmica até a artéria comunicante posterior

• Segmento C7, ou comunicante, ou terminal, que vai da saída da


ACoP até bifurcar em ACA e ACM.

Imagem 9: Segmento intracavernoso, clinoideo e oftálmico da artéria


carótida interna. Na imagem, vemos ainda o processo clinoideo anterior,
o seio cavernoso e o nervo óptico.
Imagem 10: Imagem esquemática com parte da classificação de Bouthillier.
Em destaque, temos (de baixo para cima): o segmento petroso (primeira seta
preta fina); o segmento lacerum (primeira seta grossa); e o segmento
cavernoso (que faz um trajeto em “S”). (8)
Imagem 11: Imagem de uma arteriografia com destaque às divisões da
classificação de Bouthillier. (9)

3.2.2. Artéria Cerebral Média


A artéria cerebral média é o maior ramo da carótida interna. Após
surgir, se dirige à lateral, seguindo na fissura sylviana. No percurso, emite
ramos perfurantes para os núcleos da base, e a porção anterior da cápsula
interna, capsula externa e o claustro. Chegando na cisterna insular, se divide
em ramos corticais, irrigando grandes áreas dos lobos parietal, frontal e
temporal, incluindo nessas regiões boa parte do córtex somatossensorial e
motor, áreas de linguagem, e córtex auditivo. Seus principais ramos são:
artéria orbitofrontal, pré-rolândicas, rolândicas, parietais anteriores e
parietais posteriores, do giro angular, temporo-occiptal, temporal posterior, e
temporal anterior.
A ACM se divide em 4 segmentos:

• Segmento M1, ou horizontal ou esfenoidal, que vai da bifurcação


na carótida interna até sua bufurcação ou trifurcação a saída no
lobo insular

• Segmento M2, ou insular, que corre pelo lobo insular, e fazem


voltas, ou loops, até se direcionarem para a saída pelo sulco
sylviano

• Segmento M3, ou opercular, que atravessa o sulco de sylvius


• Segmento M4, ou cortical, que sai pelo sulco e se distribui pelo
córtex cerebral.

Imagem 12: Território da artéria cerebral média, seu trajeto e principais


divisões. Podemos observar as artérias lenticuloestriadas (primeira seta preta
grossa), emergindo do seu primeiro segmento; o segmento insular e suas
trifurcações (primeira seta fina preta); o segmento opercular atravessando o
sulco sylviano (segunda seta fina preta); e por fim os ramos corticais e seus
pequenos ramos penetrantes (seta branca fina). (10)
Imagem 13: Ilustração dos segmentos da artéria cerebral média: em
azul claro, o segmento esfenoidal (ou M1); em roxo, o segmento insular
(ou M2); em verde, o segmento opercular (ou M3); e em amarelo o
segmento cortical (ou M4).

3.2.3. Artéria Cerebral Anterior


Surge na bifurcação da carótida interna, e segue rostral e medial. Ambas
as artérias cerebrais anteriores seguem próximas entre si, se curvando para
cima e posteriormente ao nível da lâmina terminal. Nesse local também se
forma uma comunicação, a artéria comunicante anterior. É nessa região
que também costuma se formar aneurismas.
Na sua porção inicial, emite ramos que suprem a região parasseptal, parte
dos núcleos da base, diencéfalo, e porção anterior da capsula interna. Desses,
destaque para a artéria recorrente de Heubner. Em seguida, após se curvar
para trás, cursa em torno do joelho do corpo caloso, até chegar nas porções
mais centrais, fazendo conexão com as artérias cerebrais posteriores. No
trajeto, emite ramos que irrigam o corpo caloso, e porções mediais dos
hemisférios cerebrais, incluindo nelas as porções mediais do córtex
somatossensorial e motor, e do giro cingulado. Seus principais ramos são:
artéria orbital, frontopolar, frontal, pericalosa, calosomarginal, e parietal
interna.
No seu trajeto, a ACA se divide em 3 segmentos:
• Segmento A1, que se estende da saída da ACI até a emergência da
ACoA

• Segmento A2, que vai da saída da ACoA até a bifurcação em


Artéria Pericalosa e Calosomarginal, que origina a artéria
orbitofrontal, a artéria recorrente de Heubner, e artéria do
polo frontal

• Segmento A3, ou também conhecida como pericalosa, é o seu


ramo terminal.

Imagem 14: Ilustração do trajeto da artéria cerebral anterior. Observe, na


sequência, seus segmentos. (Nota: na verdade, o primeiro segmento segue
até a ACoA. Com isso, a primeira seta direciona, na realidade, para o
segmento A2, assim como a segunda seta, que mostra a curva que ela faz no
corpo caloso, se direcionando posteriormente.) (11)
Imagem 15: Percurso da artéria cerebral anterior. Novamente, observemos
que ela contorna o corpo caloso, e emite seu ramo calosomarginal e outros
importantes ramos, como a frontopolar, orbitrofrontal, e a pericalosa. (12)

3.3. Comunicação entre as Circulações Anterior e


Posterior
A nutrição do tecido do SNC não depende exclusivamente de um único
sistema. Ou seja, na deficiência de um, o outro pode compensar até certo
ponto através do aumento do fluxo, reduzindo o nível de dano que uma
redução de fluxo sanguíneo pudesse provocar em alguma região. Isso se
deve por conta das circulações colaterais que existem. E, basicamente, há
dois locais de comunicação entre a circulação anterior e posterior.
O primeiro se localiza ventral ao encéfalo, e é o famoso círculo de
Willis, ou polígono de Willis. Este se deve pela existência das chamadas
Artérias Comunicantes Anterior (ou ACoA) e Comunicante Posterior
(ou ACoP). Elas são responsáveis por interligar as artérias cerebrais
(anterior, média e posterior), unindo a circulação anterior a posterior.
Imagem 16: Ilustração da comunicação entre as circulações anterior e
posterior, o chamado polígono (ou círculo) de Willis. (13)
Imagem 17: Ilustração da correlação anatômica entre a artéria cerebral
anterior (ACA), a artéria comunicante anterior (ACoA), e o quiasma óptico
(em amarelo). A imagem ainda demonstra orientações (representadas pelas
bolas coloridas) de aneurismas que venham a crescer nesta região.

CURIOSIDADE!

Inicialmente, a ACP tinha origem na circulação anterior, contudo com o


desenvolvimento do organismo, ocorre um crescente fluxo da circulação posterior
nela, e ao atingir a maturidade, o sangue do sistema posterior prevalece nela,
tornando-a componente desse sistema.
Há ainda o segundo local de comunicação, que é na convexidade hemisférica,
onde as terminações finais das artérias cerebrais se anastomosam. As circulações
colaterais são mais predominantes na substância cinzenta do que na substância
branca, inclusive.

4. BARREIRA HEMATOENCEFÁLICA
A barreira hematoencefálica é um componente importante de defesa do
SNC de lesões que elementos do sangue possam provocar nas células
nervosas. Assim, o compartimento intravascular fica isolado do
compartimento extravascular no Sistema Nervoso Central. Resulta de
características únicas de células endoteliais dos capilares do cérebro e da
medula espinal. Por exemplo: nos capilares periféricos, há fenestrações nas
células do endotélio, permitindo fluxo de substâncias para espaço
extracelular, além de terem mal vedamento entre as células endoteliais. Já no
Sistema Nervoso Central, não há fenestrações nas células, e o espaço entre
elas é fechado, com uma adesão forte entre elas. Além disso, as células
endoteliais destes vasos possuem poucos mecanismos de transporte.
Embora essa proteção exista, nem todas as estruturas do Sistema Nervoso
Central possuem a barreira. Há 8 estruturas cerebrais que carecem dela.
Estão próximas a linha média, e próximas ao sistema ventricular, sendo,
portanto, chamadas de órgãos circunventriculares. São locais de secreção de
elementos produzidos no SNC no sangue, como mecanismo de regulação do
ambiente corporal interno.

5. ENTENDENDO O CASO...
Doenças Cerebrovasculares
A. Acidente Vascular Cerebral Isquêmico
As lesões isquêmicas do sistema nervoso central ocorrem por disfunção
do suprimento arterial sanguíneo a determinadas regiões do encéfalo,
normalmente por bloqueio do fluxo arterial, mas podendo também vir de
estase sanguínea, vinda por obstrução ao fluxo venoso.
Quando a interrupção de fluxo gera isquemia em menos de 24h de
duração, tem-se o Ataque Isquemico Transitorio (ou AIT). Cerca de 80% dos
casos duram cerca de 30 minutos apenas. A clinica dependera do território
vascular acometido.
Os mais comuns são acometimentos de artéria cerebral media, com
queixa de paresia contralateral transitória e déficit sensorial. Já quando a
isquemia ocorre em território vertebrobasilar, as queixas vem de
acometimento do tronco cerebral, como vertigem, por exemplo.
Quando o insulto dura o tempo suficiente pra promover morte celular,
estabelece-se um dano irreversível. Assim, o AVC isquêmico promove
lesões irreversíveis, que deixam sequelas neurológicas no individuo a
depender do local e da extensão da isquemia. Ocorre disfunção da barreira
hematoencefálica, com passagem de liquido para o tecido cerebral. Assim,
nas horas seguintes, a área infartada começa a edemaciar, alcançando o pico
dias seguintes, regredindo depois. Esse edema pode promover hipertensão
intracraniana, cursando com cefaleia, vômitos e rebaixamento do nível de
consciência. Esta deve sofrer intervenção imediata, pelo risco iminente a
vida. Podem ser feitas medidas de redução da pressão intracraniana, ou até
mesmo a retirada de parte da calota craniana (craniectomia descompressiva),
para descompressão.
Com o tempo, o tecido morto se desfaz, liquefazendo-se. O liquido
cerebroespinal passa a ocupar o local, que ainda pode ter alguns vasos, com
alteracoes das células da glia (áreas de gliose). Alem da idade e da massa
encefálica, outro fator que interfere no grau de acometimento do tecido é a
presença de circulação colateral. Normalmente, os vasos são terminais, com
quase nenhuma circulação colateral importante. Contudo, situações de
hipóxia crônica estimulam a geração de novos vasos colaterais. Na presença
dela, ocorre uma perda de neurônios muito menor da que é vista num tecido
com pouca circulação colateral. Nesses casos, o suprimento arterial é melhor
na periferia que no centro, e por isso, a região periférica, que esta sofrendo
isquemia, mas em intensidade muito menor, e ainda com possibilidade de
reversão, é chamada de zona de penumbra, sendo o objetivo de recuperar no
tratamento do AVC.
Os fatores de risco, modificáveis, são: hipertensão (mais conhecido e
tratável); tabagismo; hiperlipidemia (redução de LDL e VLDL e
triglicerídeos mostraram redução de risco); consumo de álcool intenso (o
consumo moderado mostrou não apresentar risco e, até mesmo, reduzí-lo).
A maioria dos casos ocorre por embolia, vinda de coágulos ou
fragmentos de placa de ateroma. Tais trombos normalmente se orignam da
bifurcação carotídea ou do coração. Se o trombo for dissolvido pela ação
fibrinolítica sanguínea, os efeitos são revertidos. Mas, normalmente não é o
que acontece. Pode ocorrer, ainda, por redução critica da pressão de
perfusão, normalmente ocorrendo por estenose no vaso. E, por fim, pode
ocorrer ainda infartos lacunares, por lesões microangiopaticas, promovendo
estreitamento progressivo.
Deve ser feita tomografia de crânio sem contraste o mais breve possível,
para descartar hemorragia, hematomas, sinais precoces de isquemia, ou
outras lesões, como tumores. Nas primeiras 12 horas (12 a 24 horas), é
comum o exame não apresentar alterações. Porém, podem aparecer alguns
achados, como: sinal da artéria hiperdensa, apagamento da transição da
substancia cinzenta e da branca, efeitos de massa (apagamento de sulcos
corticais, desvio da linha media), hipodensidade na região insular, entre
outros. Após 48 horas, as regiões acometidas se apresentam hipodensas.
Após 2 semanas, as regiões se tornam bem delimitadas, e em 4 semanas o
liquor preenche o espaço acometido.
A terapia trombolítica consiste em catalisar a reação de conversão do
plasminogênio em plasmina. Os agentes utilizados atualmente são a
estreptoquinase e a alteplase (ou rT-Pa). Essa ultima tem melhores resultados
após 3 meses do evento. Os critérios de exclusão incluem: hemorragia
intracerebral à TC ou história previa, TCE grave nos últimos 3 meses; PAS >
185, e /ou PAD > 110; história de sangramento digestivo nas ultimas 3
semanas; uso de anticoagulantes nas ultimas 48 horas; tempo de protrombina
> 15 segundos, ou contagem de plaquetas < 100.000; cirurgia há 15 dias;
AVC nos últimos 3 meses.
Alteplase 0,09 mg/kg, em 1 a 2 minutos, em bolus, intravenoso, seguido
por 0,81 mg/kg em infusão continua em 1 hora. A pressão arterial deve ser
manejada a base de nitroprussiato, e não deve ser usado anticoagulante no
período de 24 horas após o inicio do tratamento.
Se não for indicada a terapia trombolítica, os cuidados iniciais devem ser:
restrição ao leito, oxigenoterapia por cateter nasal, monitorização cardíaca,

B. Acidente Vascular Cerebral Hemorrágico


Este se divide em hemorragia intracerebral e hemorragia subaracnoide.

B.1. Hemorragia Subaracnoide (HSA)


A hemorragia subaracnoide é o sangramento para o espaço
subaracnoide. Ela se divide em HSA traumática (a mais frequente), e HSA
espontânea. Dentre as espontâneas, a grande maioria ocorre por rotura de
aneurismas intracranianos, seguido pelas malformações arteriovenosas.
É uma doença relevante no nosso meio pela alta taxa de mortalidade
(cerca de 30 a 40%), normalmente causado pelo ressangramento, seguido
pelo vasoespasmo. A cirurgia precoce tem por objetivo reduzir o risco de
ressangramento. Seus fatores de risco, basicamente, incluem: hipertensão,
uso de anticoncepcionais orais, tabagismo, uso de cocaína, entre outros.
Os sintomas são de inicio súbito, e costumam ser: náuseas, vômitos,
sincope, cervicalgia e fotofobia. A perda de consciência súbita é rapidamente
recuperada. Os déficits de nervos cranianos focais costumam vir de
compressões aneurismáticas, como a paralisia do terceiro nervo craniano
(nervo oculomotor), com ptose palpebral, arreatividade de pupila ao estimulo
luminoso, e paralisia dos músculos reto medial, superior, inferior e obliquo
inferior. Porém, o sintoma mais comum (e também mais marcante) do
quadro é a cefaleia. Descrita como “a pior da vida”, costumam ter inicio
súbito (pico em até 1 minuto) e severo, quase sempre associada a náuseas e
vômitos, latejante e explosiva. Contudo, em pequenos sangramentos, podem
ocorrer cefaleias leves, sem grandes repercussões, o que, muitas vezes, não
motiva procura medica.
Os sinais clínicos mais comuns incluem o meningismo, hipertensão,
déficit neurológico focal, alteração do nível de consciência. A rigidez de
nuca ocorre nas primeiras 24 horas, podendo apresentar sinais positivos,
como o sinal de Kernig (flexão da coxa com joelho fletido, e em seguida
extensão do joelho, apresentando dor) ou o sinal de Brudzinski (flexão do
pescoço passiva seguida, sendo positivo quando, neste momento, há flexão
ativa do quadril).
A tomografia computadorizada sem contraste detecta uma hemorragia
subaracnoide nas primeiras 48 horas em 95% dos casos. O sangue aparece
hiperdenso no esapço subaracnoide. A TC avalia também sangramento
ventricular, hematomas, quantifica sangramento nas cisternas. A punção
lombar tem altíssima sensibilidade, mas, pelo risco de ressangramento, tem
seu uso restrito a coleta de pequenas quantidades. O liquor se apresenta com
fluido sanguíneo, que em tubos sequenciais não desaparece, de aspecto
xantocrômico, O padrão ouro, contudo, para a avaliação de aneurismas
consiste na arteriografia. Cerca de 85% dos casos detectam aneurismas, e
pode ainda mostrar um vasoespasmo radiográfico. Nela, as visões adicionais
auxiliam no estudo do aneurisma, como aspectos morfológicos (colo e
orientação).

Tabela: Escala de Hunt & Hess para HSA aneurismática, correlacionando a


gravidade com os sinais e sintomas. Nota: grau 1 e 2 tem indicação de operar
assim que identificado o aneurisma. O grau 3 se indica aguardar a melhora
clínica (mudança para grau 2) para abordagem (exceto em hematomas com
risco à vida, ou múltiplos sangramentos).
Escala H e H Descrição
0 Aneurisma não-roto

1 Assintomatico, ou cefaleia leve

2 Deficit de nervo craniano, cefaleia moderada a intensa, e rigidez de nuca

3 Deficit neurológico focal, letargia ou confusão mental

4 Torpor, hemiparesia moderada a severa, decorticação

5 Coma profundo, decerebração

Tabela: Escala de Fisher para HSA aneurismática, correlacionando gravidade


e risco de complicações com a extensão do sangramento à tomografia
computadorizada. Nota: Do grau 1 ao grau 3, tem-se aumento significativo
do risco de apresentar vasoespasmo clínico. O grau 4 se apresenta como
risco para hidrocefalia e/ou sintomas de hipertensão intracraniana.
Escala fisher Achados à TC
1 Sem sangue à TC (líquor xantocrômico)

2 Sangue com < 1mm de espessura

3 Sangue com > 1mm de espessura

4 Hemorragia intraparenquimatosa ou intraventricular

Tabela: Escala da World Federation of Neurologic Surgeons (WFNS), que


correlaciona a escala de coma de Glasgow com a gravidade do quadro.

Escala wfns Escala de coma de glasgow Deficit focal

0 (Não-roto) -- --

1 15 --

2 13-14 --

3 13-14 +

4 7-12 + ou -

5 3-6 + ou -
O manejo inicial foca em prevenir o ressangramento, déficit neurológico
isquêmico tardio (vindo de uma complicação do vasoespasmo), e
convulsões. A melhor forma de prevenir o ressangramento é a intervenção
cirúrgica precoce. Bloqueadores de canais de cálcio (como o nimodipino)
estão indicados para prevenção do vasoespasmo. Além disso, fluidoterapia
intensiva, para prevenir a síndrome cerebral perdedora de sal, e analgesia e
antihemeticos.

B.2. Hemorragia Intraparenquimatosa (HIP)


Já a hemorragia intraparenquimatosa (ou intracerebral) é um subtipo
importante de hemorragia intracraniana. Ela consiste no sangramento no
parênquima encefálico.
É frequente o rebaixamento do nível de consciência após o inicio do
quadro. É importante considerar a suspeita sempre que houver início súbito
de um déficit neurológico de origem central, na ausência de um evento
traumático. O aumento do hematoma se associa a uma maior
morbimortalidade, este ocorre em quase 40% dos casos, requerendo
intervenção o mais breve possível. Possui uma alta taxa de óbito, com cerca
de 20% dos casos.
Recomenda-se a realização urgente de uma tomografia computadorizada.
À TC, a imagem varia de acordo com o tempo. Pode ser considerada a
realização de uma TC contrastada, para identificar possível hematoma em
expansão, e local de origem do sangramento. Basicamente, os estágios da
hemorragia (de acordo com o tempo), e seus achados à tomografia, são:

• Hiperagudo: coágulo frouxo, desorganizado e não-retraído. Com


grande quantidade de água, tem aspecto misto (hipo e hiperdenso).

• Agudo: pela riqueza em hemoglobina, é altamente hiperdenso.


• Subaguda precoce: a redução da densidade começa da periferia
para o centro, sendo, assim hiperdenso ao centro, e hipodenso na
periferia.
• Subaguda tardia: a tendência é o coágulo se tornar hipodenso.
• Crônico: evolução variável, podendo calcificar, se tornar cicatriz
ou até mesmo imperceptíveis.
Ao diagnosticar uma HIP, deve-se buscar a etiologia. A idade é um fator
de risco importante, visto que acima dos 55 anos, a incidência cresce
significativamente, dobrando a cada década seguinte. Os sítios mais comuns.
Em adultos jovens, normotensos, sangramentos profundos ou lobares devem
ser investigados, sendo comum vir de malformações arteriovenosas ou
tumores. Deve-se ainda considerar o uso de drogas ilícitas como causa, com
destaque a cocaína. Contudo, sendo em indivíduos com mais de 45 anos,
hipertensos, em núcleos da base ou fossa posterior, é forte a suspeita de
origem hipertensiva, seguida pela angiopatia amiloide. Já em idosos, comum
vir de doenças de pequenos vasos.
Os sítios mais comuns de sangramento são: corpo estriado, putamen,
capsula interna e globo pálido. Em ordem decrescente de incidência, pode
ainda ser observado em: tálamo, ponte, cerebelo, substancia branca e tronco
cerebral.
A clínica é variável, tendo quadro de início súbito, progredindo nas horas
seguintes. Cefaleia intensa, náuseas e vômitos, e alterações do nível de
consciência são comuns. A piora nas horas seguintes tende a ser associada a:
ressangramento, edema, convulsões e hidrocefalia.

Tabela 1: Localização do sangramento com seu quadro clínico típico


associado.
Locais de hemorragia Quadro clínico
Hemiparesia contralateral, podendo evoluir para
Putaminal
hemiplegia e coma

Hemihipoestesia contralateral, podendo ter


Talâmica
hemiparesia caso acometa capsula interna

Sintomas de aumento da pressão intracraniana,


Cerebelar
paralisia facial

Frontal: cefaleia frontal com hemiparesia


contralateral
Parietal: perda sensorial contralateral
Lobar Occiptal: hemianopsia homônima contralateral, ou
quadrantopsia
Temporal: afasia fluente e prejuízo da compreensão
auditiva
Como dito, a tomografia está indicada para o diangóstico. O volume do
sangramento pode ser mensurado através da fórmula: A+B+C dividido por
3, onde A, B e C são as medidas do diâmetro do sangramento em três
dimensões. Em seguida, é feito o escore ICH, elaborado por Henphill, que
visa estimar o risco de mortalidade em 30 dias para o individuo.

Tabela 2: Escore de Henphill (ou ICH score). Adaptado de Greenberg:


Handbook of Neurosurgery, 2006.
Item avaliado Achado Pontuação
3–4 2

Escala de Coma de Glasgow 5 – 12 1

– 15 0

> ou = 80 anos 1
Idade
< 80 anos 0

Infratentorial 1
Localização
Supratentorial 0

> ou = a 30 mm 1
Volume
< 30 mm 0

Sim 1
Sangramento intraventricular?
Não 0

Escore ICH 0-6

Tabela 3: Risco de mortalidade em 30 dias associado ao escore de Henphill.


Adaptado de Greenberg: Handbook of Neurosurgery, 2006.
ICH score Risco de mortalidade
0 0%

1 13%

2 26%

3 72%

4 97%

5 100%
ICH score Risco de mortalidade
6 ~100%

O manejo inicial consiste em controlar a pressão, visto que o aumento


súbito e acima de 160 por 90 se associa a um maior risco de ressangramento.
Com isso, os estudos têm considerado manter a pressão abaixo destes
valores, mantendo, porém, elevada a pressão arterial (a pressão sistólica em
torno de 140 a 150, e a diastólica em 90) para manter a perfusão adequada
do encéfalo. É opcional o uso de fenitoína, como prevenção de crises
convulsivas. Investigar coagulopatias (solicitar dosagem de tempo de
protrombina, tempo total de tromboplastina parcial ativado, plaquetas).
A cirurgia tem indicações controversas. Ela pode reduzir mortalidade ao
reduzir risco de ressangramento ao tratar aneurismas, ou efeito de massa de
um hematoma, mas dificilmente trata melhora neurológica significativa.

Referências Bibliográficas
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São Paulo: Atheneu, 2006.
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desvendando o sistema nervoso. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017.
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2. ed. São Paulo: Atheneu, 2002.
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2. OSBORN, A. G. Encéfalo de Osborn: Imagem, patologia e anatomia. 1. Ed. Porto Alegre:
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9. MACDONALD, R. L. Neurosurgical Operative Atlas Vascular Neurosurgery. 3ª Ed. New
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10. Prof. Gerardo Cristino. Vascularização do SNC. Disponível em
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12. OSBORN, A. G. Encéfalo de Osborn: Imagem, patologia e anatomia. 1. Ed. Porto Alegre:
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13. RANGEL-CASTILLA, L. et al. Decision Making in Neurovascular Disease. 1a Ed. New
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14. OSBORN, A. G. Encéfalo de Osborn: Imagem, patologia e anatomia. 1. Ed. Porto Alegre:
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15. Aula de anatomia. Vascularização do Sistema Nervoso. Disponível em
<https://www.auladeanatomia.com/novosite/sistemas/sistema-nervoso/vascularizacao/>,
Acesso em: 25 de outubro de 2018.
16. Aula de Anatomia. Vascularização do Sistema Nervoso. Disponível em
<https://www.auladeanatomia.com/novosite/sistemas/sistema-nervoso/vascularizacao/>,
Acesso em: 25 de outubro de 2018
17. RANGEL-CASTILLA, L. et al. Decision Making in Neurovascular Disease. 1a Ed. New
York: Thieme, 2018.

CONFERÊNCIAS
Confira aqui a aula dinâmica do Medicina
Resumida sobre os assuntos abordados nesse
capítulo!
8. Drenagem Venosa do Sistema
Nervoso Central
Capítulo 8
DRENAGEM VENOSA DO SISTEMA
NERVOSO CENTRAL
1. Caso Clínico
Dr. Gomes, em um dia tranquilo de trabalho na emergência do Hospital
do Santo Livro, recebe uma paciente vinda da Unidade de Pronto
Atendimento da cidade.
Dona Joana, 26 anos, veio ao PA com relato de, há 7 dias, ter iniciado
um quadro de cefaleia, difusa. Refere ter sido espontâneo, e que, nesse
período, vem aumentando de intensidade. Negou náuseas, vômitos, ou febre
no período. Refere morar com a mãe, estar no último ano de faculdade. Faz
uso de anticoncepcionais orais, e no período apenas fez uso de dipirona,
com melhora parcial da dor. Negou cirurgias prévias ou doenças de base.
Ao exame neurológico: vigil, contactante, orientada, com pupilas
isocóricas e fotorreagentes. Movimento ocular extrínseco preservado.
Mímica facial preservada. Nega queixas auditivas. Força muscular
preservada nos quatro membros. Sensibildiade tátil preservada. Marcha
preservada. Reflexos tendinosos presentes, normais e simétricos.
Dr. Gomes então solicitou uma tomografia computadorizada, que
evidenciou uma hiperdensidade dentro do seio sagital superior, e, no corte
coronal, um apagamento do “delta”. Suspeitando de um trombo em seio
sagital superior, solicitou então uma arteriografia, que mostrou falha no
enchimento no dito seio. Dr. Gomes então disse para a paciente que ela
desenvolveu um trombo em um dos seios da dura máter, e que precisava
removê-lo, para evitar que houvesse uma congestão venosa, e assim
provocasse um colapso na drenagem sanguínea, podendo levar a morte.
1.1. Termos-chave
• “falha de enchimento”
• “seio sagital superior”
• “seios da dura máter”
• “veias do encéfalo”
1.2. Termos desconhecidos
• “sinal do Delta vazio”
• “apagamento do delta”
1.3. Objetivos
• Compreender a anatomia dos seios da dura máter e das veias que
compõem o sistema venoso do encéfalo

• Entender as variações anatômicas e como se dá o fluxo sanguíneo


entre os vasos

• Conhecer a trombose de seio venoso, entender os fatores


predispodentes, e métodos de estudo de imagem

2. As Veias Cerebrais
A drenagem venosa no sistema nervoso central possui certas
particularidades. Suas veias não possuem válvulas, e com isso o fluxo pode
ser bidirecional. Além disso, as veias não acompanham as artérias em seus
territórios de irrigação e drenagem, como ocorre com as veias nos demais
locais do corpo.
Existem, basicamente, dois grandes grupos: o grupo dos seios venosos
durais, e o grupo das veias cerebrais. Dentre as veias, podemos dividir em:
veias superficiais e profundas. Seu objetivo consiste em drenar o sangue,
principalmente, para as veias jugulares internas. Na maioria dos casos, é a
VJI direita a dominante, com maior volume de drenagem. Alem delas, há
ainda o plexo venoso vertebral, e veias da órbita.
Basicamente, se dividem em três grupos: veias superficiais, veias
profundas e do tronco cerebral.

2.1 Sistema Nervoso Superficial, Superior ou


Supratentorial
A drenagem pelo sistema venoso superficial é a que vem do córtex e da
substância branca subjacente. O sangue venoso é drenado do parênquima
por veias que passam pelo espaço subaracnoide, e elas incluem: veia
anastomotica superior (de Trolard – mais proeminente no lado não-
dominante); veia cerebral dorsal superior; veia cerebral media superficial; e
a veia anastomotica inferior (de Labbe – mais proeminente no lado
dominante).
De maneira didática, divide-se em três grupos:
a) O grupo cerebral superior possui veias que drenam as superfícies
dorsolateral e dorsomedial dos hemisférios cerebrais, e entram no Seio
Sagital Superior, em ângulo para frente, ou seja, contra o fluxo sanguíneo.
A mais importante das veias nesse grupo é a Veia Anastomótica Superior,
ou de Trolard, que conecta os grupos superior e médio.
b) O grupo cerebral médio é composto de veias que se estendem pelo
sulco lateral, e drenam a face inferolateral dos hemisférios, e se abrem no
Seio Cavernoso.
c) O grupo cerebral inferior possui veias que drenam a superfície
inferior dos hemisférios, e se abrem nos Seios Cavernoso e Transverso. Se
conecta com o grupo cerebral médio pela Veia Anastomótica Inferior, ou
de Labbé, que cruza o lobo temporal.
Imagem 1: Ilustração da drenagem superficial, com destaque as veias
anastomóticas superior (Trolard – seta grossa) e inferior (Labbé – seta preta
curva), e a cerebral média superficial (seta preta reta), além dos seios sagital
superior e transverso, não especificados na imagem. Nota-se a drenagem
para a veia jugular interna. (1)

O grupo superior compreende em torno de 12 veias, que cursam sobre as


superfícies dos hemisférios cerebrais, normalmente seguindo os sulcos.
Cruzam o espaço subaracnoide, e adentram a aracnoide e a dura mater,
antes de entrar no seio sagital superior. Em muitos casos, uma veia cortical
dominante, a veia anastomótica de Trolard, cursa pela fissura Sylviana,
vindo das regiões mais profundas, até chegar no seio sagital superior.
O grupo médio tem como destaque a veia cerebral média superficial,
que se origina na fissura sylviana, coletando veias do opérculo, em direção
anterior e inferior. Segue em paralelo à fissura sylviana, e se curva na
margem temporal para desembocar no seio cavernoso.
Já o grupo inferior, por sua vez, drena a maior parte dos lobos frontais
inferiores e os polos temporais. Destaque a veia cerebral média profunda,
que recebe vasos da insula, núcleos da base e do giro parahipocampal, e,
depois, se anastomosa com a veia basal de Rosenthal. Ela segue
posterossuperior, na cisterna ambiens, se curvando ao longo do mesencéfalo
para drenar na veia de Galeno. Destaque também para a veia anastomótica
de Labbé, que segue curso inferolateral sobre o lobo temporal, para drenar
no seio transverso.
A face medial dos hemisférios é drenada por diversas veias que se
abrem nos Seios Sagital Superior e Inferior, assim como na Veia Basilar e
na Veia Cerebral Magna, ou de Galeno, que fazem parte de outro sistema
venoso, o profundo.

2.2 Sistema Venoso Profundo


Este grupo também se subdivide em três grupos: medular,
subependimaria e paramediana.
As veias medulares são minúsculas, originadas a 1 a 2 cm abaixo do
córtex cerebral, cursando, pela substancia branca, em direção aos
ventrículos, desembocando nas veias subependimárias. Não costumam
aparecer nos exames de imagem.
As veias subependimárias seguem sob o epêndima ventricular, drenando
sangue dos núcleos da base e da substancia branca profunda (das veias
medulares). Delas, destaque para as veias septais e as veias
talamoestriadas. As septais seguem ao redor dos cornos frontais, e em
seguida passam atrás do septo pelúcido. Já as talamoestriadas recebem
tributarias do núcleo caudado e do tálamo, se curvando meidalmente para se
unir as veias septais, formando as duas veias cerebrais internas, próxima
ao forame de Monro.
E as veias paramedianas, basicamente, envolvem as veias cerebrais
internas e a veia cerebral magna (de Galeno), que drenam a maior parte
das estruturas internas do cérebro. As VCI seguem paralelas, e terminam, ao
nível da cisterna quadrigeminal se unindo, formando a veia de Galeno. Esta,
por sua vez, se curva posterossuperiormente, no esplênio do corpo caloso,
se unindo com o seio sagital inferior, para formar o seio reto.
Graças à essa variedade de conexões no Sistema Nervoso Central,
quando há obstrução de um vaso, a drenagem pode não ser prejudicada,
através do aumento do volume drenado nos demais vasos não ocluídos.
Assim, seria preciso uma obstrução simultânea da Veia Cerebral Magna e
na Veia Basilar para obstruir o fluxo venoso profundo, o que rapidamente
pode levar à morte do indivíduo.

Imagem 2: Ilustração de parte das estruturas drenadas pelo sistema venoso


profundo encefálico. Na imagem, nota-se a veia cerebral magna (de
Galeno), veias cerebrais internas e a veia basal (Rosenthal). (2)

3. Veias do Tronco Encefálico


Elas também se dividem em três grupos: grupo superior, anterior e
posterior.
O grupo superior drena na veia de galeno. Destas, destaque para a veia
cerebelar pré-central, e a veia pontomesencefálica superior. A veia
cerebelar pré-central é uma veia única, entre a língula e o vermis, que
termina, posterior aos colículos inferiores, drenando na veia de galeno.
Recebe sangue ainda da veia vermiana superior, que cursa, como o nome
diz, na parte superior ao vermis. Já a veia pontomesencefálica superior
consiste, na verdade, num plexo venoso interconectado, que cobre os
pedúnculos cerebelares, e se estende pela porção anterior da ponte.
O grupo anterior tem a veia petrosa como grande representante. Ela é
um grande tronco que se localiza no ângulo pontocerebelar, coletando veias
do cerebelo, ponte e bulbo. Forma um tronco venoso proeminente, em
aspecto de estrela à arteriografia.
O grupo posterior tem as veias vermianas inferiores como
representantes, que são paramedianas, e cursam inferior ao vermis
cerebelar.

4. Seios da Dura Máter


São canais de baixa pressão onde flui sangue de volta para a circulação
sistêmica, e que se localizam nas camadas da dura máter.
Relembrando um pouco a dura máter, ela tem duas camadas: a Camada
Externa Perióstica, que está firmemente aderida ao osso sobrejacente, e a
Camada Interna Meníngea, que contrapõe a aracnoide, a camada que vem
logo em seguida (Capítulo 5).
Os seios da dura máter então se localizam entre essas duas camadas.
Elas ainda são revestidas de endotélio, e, como dito anteriormente,
desprovidas de válvulas. O seio cavernoso e o plexo venoso do clivus, por
exemplo, são multicanalizados, apresentando fenestrações que conferem
aspecto septado em seu interior.
Eles se subdividem em dois grupos: grupo anteroinferior, e outro
posterossuperior, mais proeminente. O grupo anteroinferior é composto
por: seio cavernoso, seio petroso superior e inferior, plexo venoso do clivus.
Já o grupo posterossuperior é composto por: seio sagital superior, seio
sagital inferior, seio reto, confluência dos seios (torcular de Herofilo), seios
transversos, seio sigmoide e bulbo jugular.

4.1. Grupo Posterossuperior


Os Seios Sagitais Superior e Inferior se situam nas margens superior e
inferior da Foice do Cérebro. As veias cerebrais superficiais citadas acima,
se dirigem a eles. Além disso, o Seio Sagital Superior ainda drena líquido
cerebroespinal do Espaço Subaracnoideo via granulações aracnoideas,
que são evaginações da aracnoide para o interior do Seio Sagital Superior
(Capítulo 5).

Imagem 3: Alguns dos seios da dura máter: o seio sagital superior, seio
reto, transverso, occiptal, sigmoideo, e cavernoso. (3)

O seio sagital superior é um seio grande, curvo, que se estende em


paralelo à abobada do crânio. Corre na linha média, na junção da foice do
cérebro com a calota craniana. É originário de veias frontais ascendentes.
Conforme recebe aferências venosas (incluindo a veia anastomótica de
Trolard), vai aumentando seu calibre. Ao corte coronal, tem aspecto
triangular.
Já o seio sagital inferior, por sua vez, é um canal muito menor. Se
localiza no fundo da foice do cérebro, estando acima do corpo caloso.
Segue coletando veias enquanto segue pela borda inferior da foice. Termina
na junção entre a tenda do cerebelo e a foice, onde se une a veia cerebral
magna (de Galeno), para formar o seio reto.
O seio reto então segue posteriormente, recebendo tributarias da foice,
da tenda do cerebelo, e do tecido cerebral adjacente. Ao fim, ele se junta
aos demais seios na chamada confluência dos seios (ou Torcular de
Herófilo). Ela costuma ser de aspecto irregular, com septações em seu
interior. Pode, aqui, haver uma variação anatômica normal: a presença do
seio falcino persistente, que comunica a veia de Galeno ao seio sagital
superior diretamente, tornando o seio reto rudimentar, ou até mesmo
ausente.
Os seios transversos são formados na fixação da tenda do cerebelo à
calota craniana. Eles se curvam lateralmente, a partir da torcula de herófilo,
em direção à borda posterior da parte petrosa do osso temporal. Ali, se
curvam, tomando o rumo inferior, se tornando seio sigmoide. Em geral, são
assimétricos, com um sendo mais calibroso que o outro (normalmente, o
maior sendo o direito).
Os seios sigmoides, então, seguem um trajeto em “S”, descendo por trás
da porção petrosa do osso temporal, para enfim terminar nas veias jugulares
internas. Entre os seios e as veias, existem os chamados bulbos jugulares,
que são dilatações na região.

4.2. Grupo Anteroinferor


Os seios cavernosos são de aspecto irregular, e trabeculizados, estando
nas laterais da sela túrcica, desde as fissuras orbitárias superiores até o ápice
petroso. São de extrema relevância por conter, em seu interior, elementos
importantes, como: a porção intracavernosa da artéria carótida interna e o
nervo abducente (NC VI) em seu interior. No interior da parede dural
lateral, passam: nervo oftálmico (NC V1), nervo maxilar (NC V2), nervo
oculomotor (NC III) e nervo troclear (NC IV). Recebe sangue das veias
orbitárias superior e inferior, além do seio esfenoparietal. Os seios
cavernosos se comunicam entre si por um estreito canal venoso, que corre
logo abaixo da sela túrcica. Eles drenam inferiormente para plexos venosos
pterigoideos e plexo venoso do clivus, além dos seios petrosos.
Imagens 4 e 5: Ilustrações da disposição dos nervos e vasos dentro do seio
cavernoso. Em 4 vemos um seio cavernoso direito, evidenciando os nervos
oculomotor (NC III), troclear (NC IV) e ramos oftálmico (V1) e maxilar
(V2) do nervo trigêmeo na parede lateral do seio, ao passo que o nervo
abducente (NC VI) e a artéria carótida interna (na sua porção cavernosa)
correm mais medialmente. (4) Em 5, observa-se uma visão frontal ilustrada
de um corte coronal, evidenciando a disposição dos seios cavernosos e suas
estruturas. (5)

O Seio Petroso Superior cursa posterolateral, por cima da porção


petrosa do osso temporal. Segue do seio cavernoso ao seio sigmoide. Já o
seio petroso inferior crusa acima da fissura petroocciptal, do plexo venoso
clival ao bulbo jugular. O plexo venoso clival, por sua vez, consiste numa
rede de canais venosos, que conecta seios cavernosos, petrosos e veias
suboccpitais, na região do forame magno.

5. ENTENDENDO O CASO...
A trombose venosa cerebral consiste no processo de obstrução de seio
venoso dural, veias superficiais ou profundas do sistema nervoso central.
Costuma ser negligenciado nos exames de imagem. Seu espectro de
apresentação é variável, onde um infarto venoso pode ser inocente ou até
mesmo fatal.
A trombose de seio dural é o mais frequente, e ocorre por oclusao
trombótica de um ou mais seios da dura mater. As causas mais comuns são:
uso de anticoncepcionais orais, e gestação. Pode ainda ocorrer secundário a
traumas, infecção, colagenoses, estados de hipercoagulabilidade, vasculites,
entre outros. É mais comum em jovens, embora ocorra em qualquer idade,
tendo predileção pelas mulheres.
Ao ser formado, o trombo obstrui o fluxo venoso. Com isso, ocorre
congestão venosa, com consequente aumento da pressão venosa
hidrostática, com extravasamento de fluidos nos capilares. Isso leva a
quebra da barreira hematoencefálica, com consequente edema cerebral
vasogênico. O seio transverso é quem mais sofre, seguido pelo seio sagital
superior. A doença aguda, o seio afetado se encontra distendido por um
coagulo. Já a crônica, o seio é preenchido por um tecido fibroso, que
espessa a aracnoide. O tecido cerebral pode, apenas ficar edemaciado, ou
até mesmo sofrer isquemia, hemorragias e infartos.
A tomografia computadorizada sem contraste pode ser normal em
muitos casos. Pode haver o sinal do triangulo denso, ou sinal da corda
(densidade no espaço do seio venoso), além de edema no parênquima. Com
contraste, mostra, em muitos casos, o sinal do delta vazio. A arteriografia,
na sua fase venosa, se mostra o exame ideal, evidenciando falhas de
enchimento nos locais acometidos. À ressonância magnética, os achados
variam com o tempo. Na doença aguda, o seio se mostra aumentado, com
margens curvas, com desaparecimento do “flow void”, e evidenciando um
coagulo solido no local, sendo isointensa ao córtex em T1, e hipointenso em
T2. O edema mostra-se com hiperintensidade em T2, e supressão de água
livre (ao FLAIR). Com o tempo, o coagulo vai se tornando hiperintenso em
T1, até que se torna de fato isointenso na doença crônica, tanto em T1
quanto em T2.
Clinicamente, pode ocorrer alterações inespecíficas, muitas delas sutis.
Cefaleia difusa, lentamente progressiva, é o sintoma mais comum. Cerca de
¼ dos casos não apresentam déficits neurológicos focais. Algumas
tromboses recanalizam espontaneamente, outras formam fistulas
arteriovenosas na parede dos seios. O diagnóstico imediato impacta no
desfecho.
O tratamento deve ser agressivo, visto que possui melhor potencial de
reversibilidade de déficit se comparado a um AVC isquêmico. O tratamento
é complexo, visto que a anticoagulação tende a aumentar o risco de lesão
hemorrágica. Importante iniciar heparina, controlar a pressão sanguínea, e
evitar corticoesteroides. Indicado anticonvulsivantes para prevenção de
crises convulsivas, e monitorar a PIC, indicando ventriculostomia em caso
de aumento e piora clínica. A terapia trombolítica é indicada via sistêmica
ou até mesmo infundida diretamente no seio. Em falha da terapia clínica, é
indicada a craniectomia descompressiva, para melhora da hipertensão
intracraniana, ou abordagem direta ao seio, com retirada do trombo
(trombectomia mecânica) – sendo esta última mais rara a indicação. Após
tratamento inicial, paciente deve seguir com heparina ou warfarina por 3 a 6
meses.

Referências Bibliográficas
1. MACHADO, Angelo B.M.; HAERTEL, Lúcia Machado. Neuroanatomia funcional. 3.ed.
São Paulo: Atheneu, 2006.
2. MARTIN, John Harry. Neuroanatomia: texto e atlas. 4. ed. Porto Alegre: AMGH, 2013.
3. BEAR, Mark F.; CONNORS, Barry W.; PARADISO, Michael A. Neurociências:
desvendando o sistema nervoso. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017.
4. LENT, Roberto et al. Cem Bilhões de Neurônios? Conceitos Fundamentais de Neurociência.
2. ed. São Paulo: Atheneu, 2002.
5. KANDEL, E.R.; SCHWARTZ, J.H.; JESSELL, T.M. Princípios da Neurociência. São
Paulo: Manole, 2003.
6. DUUS, Peter. BAEHR, M. FROTSCHER, M. Topical Diagnosis in Neurology. 4. Ed. New
York: Thieme, 2006.
7. OSBORN, A. G. Encéfalo de Osborn: Imagem, patologia e anatomia. 1. Ed. Porto Alegre:
Artmed, 2014.
8. GREENBERG, Mark S. Handbook of Neurosurgery. 6. Ed. New York: Thieme, 2006.

Imagens
1. OSBORN, A. G. Encéfalo de Osborn: Imagem, patologia e anatomia. 1. Ed. Porto Alegre:
Artmed, 2014.
2. Aula de Anatomia. Vascularização do Sistema Nervoso. Disponível em
<https://www.auladeanatomia.com/novosite/sistemas/sistema-nervoso/vascularizacao/>,
Acesso em: 09 de janeiro de 2018.
3. Anatomia Papel e Caneta. Veias Superficiais do couro cabeludo e externas da face.
Disponível em <https://anatomia-papel-e-caneta.com/vasos-da-cabeca-veias/>, Acesso em:
25 de outubro de 2018.
4. OSBORN, A. G. Encéfalo de Osborn: Imagem, patologia e anatomia. 1. Ed. Porto Alegre:
Artmed, 2014.
5. OSBORN, A. G. Encéfalo de Osborn: Imagem, patologia e anatomia. 1. Ed. Porto Alegre:
Artmed, 2014.

CONFERÊNCIAS
Confira aqui a aula dinâmica do Medicina
Resumida sobre os assuntos abordados nesse
capítulo!
9. Sistema Sensorial Somático
Capítulo 9
SISTEMA SENSORIAL SOMÁTICO
1. Caso Clínico
Mais um dia de plantão do Dr. Gomes no Hospital Santo Livro,
justamente em dia de carnaval, e na emergência logo chegam 4 pessoas
vítimas de um trágico acidente de carro e moto, sendo que o que conduzia a
moto sofreu um trauma raquimedular importante, o que motivou o
acionamento do Dr. Gomes.
O paciente chegou vigil, contactante, com face de dor. Ao exame
neurológico: lúcido e orientado, com pupilas isocóricas e fotorreagentes.
Movimento ocular extrínseco preservado. Mímica facial preservada. Força
muscular reduzida em membro inferior direito (grau 1 em 5), com reflexos
tendinosos reduzidos no local. Força e reflexos preservados no membro
inferior esquerdo. Sensibilidade térmica e dolorosa preservada à direita, mas
ausente em membro inferior esquerdo. Nível sensitivo em L1.
Isso então motivou o pedido de uma Tomografia Computadorizada de
Coluna Lombar, que evidenciou fratura de faceta articular, levando a
instabilidade da vértebra, que se deslocou e promoveu hemissecção da
medula em nível de segmento L1.
Dr. Gomes ficou curioso, e foi investigar mais a fundo que síndrome
poderia ser classificada com esses achados, e descobriu a Síndrome de
Brown-Sèquard. Entendendo a gravidade do quadro, Dr. Gomes indicou
internamento para condutas iniciais e estabilização do quadro.

1.1. Termos-Chave
• Sensibilidade Térmica e Dolorosa
• Nível Sensitivo
• Hemissecção da Medula
1.2. Termos Desconhecidos
• Trauma Raquimedular
• Sindrome de Brown-Sèquard
1.3. Objetivos
• Compreender a Sensibilidade Somática, que envolve a
sensibilidade térmica, tátil e dolorosa

• Descrever as vias de cada tipo de sensibilidade


• Analisar o processo de transdução de energia mecânica ou física
em potencial de ação

• Entender o método de processamento das informações sensoriais


no SNC
Muita coisa ocorre a todo o momento no nosso organismo e a
consciência nem sempre consegue registrar todos os estímulos que sofremos
do meio. Porém, o sistema nervoso constantemente é estimulado, e assim as
funções corporais do indivíduo e o humor são pautados também por tais
estímulos – eis então a somestesia. A somestesia que vem a junção das
palavras soma = corpo; aethesia = sensibilidade.
Antes de seguirmos, é fundamental a compreensão de conceitos
importantes.

2. Conceitos
2.1 Modalidades sensoriais
2.1.1. Tato
O tato consiste na sensação tátil que começa na pele (tanto pilosa quanto
glabra), importante elemento protetor do organismo e essencial para evitar
perda hídrica para o meio externo, além de ser o órgão de contato direto do
organismo com o meio.

2.1.2. Nocicepção
A dor é algo que incomoda, irrita, tira o sono e o sossego, e ainda pode
cronificar, alterar a rotina, os hábitos do indivíduo, entre outros, tudo isso
porque a pessoa sente dor. E muitos acham (e com razão) que a dor é algo
ruim. Muitos até desejariam não sentir dor, mas alguém já se perguntou o
porquê de sentir dor? Até existem casos de alterações congênitas em que o
indivíduo nasce sem sentir dor.
Ela nada mais é do que um mecanismo de alerta, para a ocorrência de
lesões ou de estímulos potencialmente lesivas ao organismo. Além, claro, de
a dor significar os limites de nossos movimentos (por exemplo, ao se
alongar, em que o indivíduo estira o membro para trás, e ao sentir dor para
de estender), ou de sinalizar possível lesão (como úlcera de pressão) em caso
de muito tempo sentado/deitado, ou contribui com o aprendizado de desviar
de pisos irregulares ou pisos com elementos pontiagudos por aprender o
quão doloroso é pisar num prego, ou parafuso solto, ou pedra com ponta
fina. Ou seja, é importantíssimo que a pessoa sinta dor, para aprender a fugir
e evitar situações que possam lesar o organismo, além de que, quando
lesado, a pessoa perceba que está sofrendo uma lesão que pode infeccionar
ou ulcerar uma parte do corpo.
Assim, a sensação somática depende bastante da nocicepção. No latim,
nocere = ferir.
Porém, um grande erro que se comete por aí é confundir a nocicepção
com dor. Que não são a mesma coisa. Dor é a sensação / percepção de
sensações diversas, como ardência, fisgada, latejo, inflamação, irritação, ou
sensações insuportáveis que vem de alguma parte do corpo. Já a nocicepção
é o processo sensorial que geram os sinais que levam a experiência de dor.
A dor pode existir sem ação de nociceptores, bem como eles podem
disparar e a pessoa não sentir / perceber a dor. E as qualidades cognitivas da
dor podem ser controladas pelo encéfalo.
2.1.3. Temperatura
O funcionamento das células é dependente da temperatura, pois, como
vimos em química, a velocidade de uma reação depende da temperatura, e
com isso as células precisam de meios de regular a temperatura corpórea de
modo a manter em faixas adequadas para seu funcionamento.
As sensações térmicas não-dolorosas também começam nos receptores
da pele (principalmente), e dependem de ser processadas no córtex para se
tornar consciente.

2.2 Divisões
A somestesia consiste no conjunto sequencial de neurônios, fibras
nervosas e sinapses, capazes de representar estímulos ambientais que
atingem o corpo, e conduzi-los a regiões cerebrais superiores, para
transformar em percepção e emoção, sendo usados na modulação do
comportamento. Ela engloba todas as modalidades sensoriais além dos
sentidos especiais (gustação, visão, audição, olfação). Muitas literaturas mais
antigas subdividiam a somestesia em:

• Sistema epicrítico: possui grande capacidade discriminativa, com


alta precisao sensorial.

• Sistema protopático: envolve as fibras envolvidas com a


sensibilidade térmica e dolorosa, e o conhecido tato “grosseiro”,
com menor precisão.
Atualmente, contudo, tem sido revisto tal divisão, e muitas fontes já
usam uma nova classificação, sendo:

• Sistema exteroceptivo: envolve a sensibilidade tátil da pele.


• Sistema proprioceptivo: envolve a sensibilidade dos músculos e
articulações.

• Sistema interoceptivo: presente nos diversos órgãos, monitora o


estado funcional.
DETALHE!

Discriminação de 2 pontos: tal capacidade varia entre a superfície corporal em


várias regiões do corpo, sendo as pontas dos dedos das mãos as áreas de maior
resolução (maior densidade de mecanorreceptores, mais receptores com campos
sensitivos pequenos, maior tecido cerebral destinado a codificação da superfície da
mão).

2.3. Conceitos semiológicos


As modalidades sensoriais se dividem como primárias, incluindo dor,
temperatura, ou vibração, vinda da estimulação dos receptores, ou
secundarias, envolvendo a interpretação das modalidades primárias, como a
discriminação entre 2 pontos, estereognosia ou grafestesia. As modalidades
secundarias tem a complexidade de requerer o sistema nervoso central para a
interpretação dos estímulos vindos do sistema sensorial somático. Abaixo,
na tabela, alguns exemplos de termos semiológicos para algumas
modalidades sensoriais e alterações patológicas destas.

Tabela: Conceitos sensoriais e seu significado simplificado. Adaptado de De


Jong – O exame neurológico, 6ª edição.
Termo Significado
Estesia Percepção ou sensação

Hipoestesia Redução da percepção

Anestesia Ausência de sensação ou percepção

Algesia Dor

Hiperalgesia Aumento na intensidade da dor

Analgesia Ausência da dor

Alodinia Sensação dolorosa vinda de um estímulo não-doloroso

Estereognosia Capacidade de identificar objetos pelo tato

Cinestesia Sensação de movimento

Palestesia Sensação vibratória

Parestesia Sensação de formigamento, frio, ardência, na ausência de um estimulo especifico

3. Os Receptores
São os grandes responsáveis pela detecção de variações de elementos
físicos e químicos no meio externo e interno, e fazem a conversão nos
impulsos nervosos. Os tipos variam de acordo com a localização da fonte do
estímulo, bem como o tipo de informação a ser processada. Podem ser
exteroceptores, caso sejam responsáveis por detectar estímulos do meio
externo, ao passo que os interoceptores detectam estímulos no próprio
organismo (por isso também são conhecidos como visceroceptores).
Com relação ao tipo de estimulo, tem-se:

• Os mecanorreceptores, que seriam os envolvidos na detecção de


uma deformação física (fexão ou estiramento), contato com a pele,
dilatação, pressão sanguínea e pressão sob os dentes, por exemplo.

• Os quimiorreceptores, envolvidos com o olfato, a gustação,


prurido e auxilia na percepção da dor.

• Os fotorreceptores, sensíveis ao espectro de luz visível.


• Os termorreceptores, envolvidos com a percepção do calor e do
frio.

Imagem 1: Ilustração de alguns dos receptores sensitivos, como o corpúsculo


de Meissner, e o de Pacini, além das terminações livres. (1)
Imagem 2: Ilustracao dos diferentes tipos de receptores sensoriais,
classificados com base no mecanismo de estímulo: quimiorreceptores,
sensibilizados por contato com as substâncias; fotorreceptores,
sensibilizados pela incidência da luz; e mecanorreceptores, sensibilizados
por estimulo mecânico, como compressão ou distensão. (2)

Na pele, os receptores se dividem em: terminações nervosas livres e


receptores encapsulados. Dentre eles, tem-se os receptores para a dor (ou
nociceptores), receptores para a temperatura (ou termorreceptores), e
receptores para o tato, propriocepção (proprioceptores) e demais
modalidades somestésicas.

3.1. Receptores encapsulados


Os encapsulados seriam os envolvidos com o tato epicrítico, ou seja, o
tato fino (percepção da vibração, discriminação de 2 pontos, pressão, etc).
Ainda são pouco conhecidos seus mecanismos de ação. Sabe-se que existem
terminações envolvidas com percepção do movimento dos pelos e na
percepção da temperatura, enquanto que outros estão em regiões de tato
refinado, como palmas das mãos e planta dos pés, lábios, envolvidos com
toque e pressão.
Imagem 3: Ilustração da localização dos receptores sensoriais na pele. (3)

Os corpúsculos de Pacini estão em camadas mais profundas da pele


(entre epiderme e subcutâneo), mediando a pressão. Já as terminações de
Ruffini (maiores que os corpúsculos de Pacini) e os corpúsculo de Meissner
(menores), estão entre as papilas dérmicas. Eles possuem uma cápsula em
forma de bola de futebol americano (cerca de 20 a 70 camadas de tecido
conjuntivo), tal qual uma cebola, onde a terminação nervosa no centro, ao
receber um estimulo, transfere a energia mecânica ao terminal axonal,
gerando potencial. Com o tempo, as cápsulas deslizam umas sobre as outras,
se “adaptando” e distribuindo a energia aos demais camadas, deixando de
transferir para a terminação nervosa, deixando então de gerar potencial.
Quando há o alívio da pressão, a redistribuição das camadas também ocorre
nova geração de potencial, dessa vez com significação contrária ao estimulo
inicial.

3.2. Terminações nervosas livres


Já as terminações nervosas livres estariam envolvidas com o tato
protopático (dor e temperatura). Basicamente se localizam entre a epiderme
e a camada de tecido conjuntivo. Elas, embora sejam frequentemente
encontradas nas fendas entre as células epidérmicas, estão em todos os locais
do corpo. No geral, transmitem informações nociceptivas e térmicas. Os
discos de Merckel, por sua vez, costumam se reunir nas polpas digitais,
envolvidos com toque e pressão, ao passo que as terminações de Krause
estariam em lábios e genitais.

DETALHE!

Os mecanorreceptores variam quanto a persistência do estímulo: os corpúsculos de


Meissner e Pacini iniciam rápida resposta, mas logo depois param de disparar
impulsos, embora o estímulo continue (receptores de adaptação rápida); já os
discos de Merckel e terminações de Ruffini são de adaptação lenta, pois geram
resposta mais sustentável em estímulo longo.

3.3 Receptores específicos


3.3.1. Proprioceptores
Podem ainda ser vistos fusos musculares entre as fibras, e outros
receptores nos tendões, e em capsulas articulares, envolvidos com a detecção
do grau de estiramento do musculo. Os fusos musculares seriam corpos bem
finos que se entrelaçam nas fibras musculares (as intrafusais). Já os órgãos
tendinosos de Golgi, por sua vez, são terminações que se entrelaçam entre as
fibras dos tendões, a nível da junção entre o tendão e o músculo, e também
respondem à tensão, só que em um nível mais intenso. Eles serão vistos com
mais detalhes no capítulo 13.

3.3.2. Nociceptores
São ativados por estímulos que tem o potencial de causar lesão nos
tecidos. Danos podem ser de estímulo mecânico forte, temperaturas
extremas, hipóxia, e exposição a agentes químicos, etc. Tais estímulos
ativam os nociceptores, que em suas membranas tem canais iônicos ativados
por tais mecanismos, como:

• O estiramento ou dobramento da membrana do nociceptor ativa


canais mecanossensíveis, que despolarizam a célula e disparam
potencial de ação;
• Células lesadas liberam substanciais que abrem canais iônicos nas
membranas dos nociceptores (proteases, ATP e íons K).
Imaginemos um caso de alguém que encostou o braço no ferro quente
(sabe-se que temperatura acima de 43°C queima). O calor queima os tecidos,
e canais sensíveis ao calor nas membranas dos nociceptores se abrem com
tal temperatura. O curioso é que, antes de atingir essa temperatura, ainda é
possível perceber, antes da dor, o calor do objeto.
Agora, imaginemos aquele senhor que está correndo, mas que num
determinado momento da corrida para se queixando de dor muscular. Isso
nada mais é do que um processo em que o oxigênio tecidual caiu, e assim as
células se utilizaram da respiração anaeróbia, liberando ácido lático. Tal
ácido, se acumulando, leva a excesso de íons H+ nos tecidos, o que também
desencadeia a dor.
A histamina liberada, em picada de abelha, por exemplo, leva tanto a
processos inflamatórios, como edema, vasodilatação e vermelhidão, como
também se liga a nociceptores, e participa do desencadear de dor. Assim,
medicamentos antihistamínicos ajudam na resolução da inflamação quanto
no alívio da dor.
A grande maioria dos nociceptores são polimodais, ou seja, respondem a
estímulos mecânicos, térmicos e químicos. Mas muitos outros tem
seletividade a suas respostas. Com isso, há os receptores: mecânicos,
térmicos e químicos. Estão distribuídos em todo o corpo, mas em especial
estão ausentes no sistema nervoso central, estando apenas nas meninges.
Normalmente, os nociceptores só respondem quando são estimulados de
modo intenso, ou seja, o estímulo tem potencial ou realmente gera dano a
tecidos. Porém, locais em que já existe lesão, há um aumento na
sensibilidade. Um leve toque em área inflamada pode desencadear uma dor
insuportável. Isso é conhecido como hiperalgesia, sendo o melhor exemplo
de controle da dor (tanto por limiar reduzido, estimulo mais intenso ou dor
espontânea). Se a hiperalgesia é na área lesada – hiperalgesia primaria –
mas em tecidos circundantes a lesão - hiperalgesia secundaria.

3.3.3.Termorreceptores
Como o nome diz, são sensíveis a temperatura, por mecanismos
específicos de membrana. Grupos de neurônios específicos no hipotálamo e
na medula espinal são importantes para respostas que regulam a temperatura
corporal, de modo a deixa-la estável.
A sensibilidade de temperatura não está distribuída de modo uniforme na
pele. Há regiões específicas que não distinguem calor de frio. E isso sugere
que hajam receptores específicos para o calor, e outros para o frio. Sabe-se
também que existe canal iônico, por exemplo, sensível a mudança de
temperatura para acima de 43°C, sugerindo que hajam outros com faixas
distintas. Assim, usando-se componente ativo das pimentas quentes e o do
frescor da hortelã, descobriu-se receptores Trpv1 e Trpm8 (temp. < 25°C)
O mais interessante nisso tudo é: existem receptores de frio que tem a
proteína do calor, e se você aplica algo quente >43°C em áreas vastas da
pele, você desenvolve estímulo de quente e de dor. Mas se aplica em
pequenas áreas, e especificamente na do receptor do frio, ele vai,
paradoxalmente, desencadear a sensação de frio. Assim, a gente conclui que
o SNC não sabe distinguir qual tipo de estímulo desencadeou a sensação,
mas interpreta o estímulo como sendo realmente desse receptor (receptor de
frio e receptor de calor).

4. Vias Aferentes Sensoriais


São os axônios que conduzem informações dos receptores sensoriais
somáticos a medula espinal. Entram na medula pelas raízes dorsais, com
corpos celulares nos gânglios da raiz dorsal. Tem diâmetros variados, e o
tamanho se relaciona com o tipo de receptor sensorial que estão ligados.
Possuem diferentes nomes:

• Axônios da pele: A-alfa, A-beta, A-gama, C


• Axônios dos músculos: I, II, III, IV
Imagem 4: Comparação do diâmetro das fibras sensoriais. Nota-se que a
fibra C não é mielinizada. (4)
As fibras A-beta transmitem informações do tato, e são relativamente
grandes e, também, mais rápidos que as fibras C. Já as fibras A-gama e C
(não mielinizadas) possuem terminações nas quais contém os nociceptores.
As fibras C são as menores, e não possuem bainha de mielina, sendo
responsáveis pela transmissão da dor e da temperatura. Estes são os axônios
e condução mais lenta do grupo. Elas, assim como as fibras A-gama levam
informação nociceptiva ao SNC em velocidades diferentes, por conta das
diferenças em suas velocidades de condução. Assim, o estímulo doloroso
promove duas percepções de dor distintas: a dor primária, que é rápida e
aguda (de fibras A-gama), seguida de dor secundária, lenta e continua
(fibras C).

DETALHE!

Os axônios dos nociceptores viscerais adentram a medula em conjunto com os


axônios dos nociceptires cutâneos, ou seja, as informações de dor dessas regiões se
misturam na medula. Isso leva ao fenômeno de dor referida, onde a ativação
visceral é percebida como cutânea, como a dor anginosa e a dor de apendicite.
A via da percepção térmica é praticamente a mesma da dor, e os
termorreceptores estão ligados a também a fibras A-gama e C (se for frio), ou
apenas a fibras C (se for calor).
5. Medula Espinal
As fibras sensoriais adentram a medula pela raiz dorsal, sendo cada
nervo espinal composto por axônios da raiz dorsal e ventral, que passam por
forames entre as vértebras da medula, os forames intervertebrais.
Existem 30 segmentos espinais, divididos em 4 grupos, com cada
segmento recebendo o nome da vertebra seguinte adjacente a saída do nervo
(cervical, torácica, lombar, sacral). Os segmentos se relacionam com a
inervação sensorial da pele. A inervação da pele também é dividida em
segmentos, onde cada um vem de raízes dorsais D e E de um mesmo
segmento espinal. E isso corresponde aos dermátomos.

Imagem 5: Segmentos da medula, subdivididos em: segmentos cervicais (em


verde - 8 ao todo); segmentos torácicos (em azul claro - 12 ao todo);
segmentos lombares (em roxo - 5 ao todo); e segmentos sacrais (em
vermelho/rosa - 5 ao todo). Nota-se também a formação da cauda equina,
com terminações nervosas abaixo da medula em si, e as intumescências
cervical e lombar. (5)
Tabela: Os principais dermátomos e suas áreas correspondentes.
Dermátomos Região correspondente
C2, C3 e C4 Nuca

C6 Polegar

C7 Indicador e médio

C8 Anelar e mindinho

T4 Linha mamilar

T7 Apêndice xifoide do esterno

T10 Umbigo

L2, L3 e L4 Coxa em faixa (dentro para fora)

S2, S3 e S4 Genitália

S5 Ânus

Imagem 6: Os dermátomos, divididos por cor de acordo com o segmento


correspondente na medula: em azul, os segmentos cervicais; em amarelo, os
torácicos; em verde os lombares; e em roxo os sacrais. (6)

Contudo, a secção de um segmento não inviabiliza totalmente a sensação


do dermátomo correspondente, pois raízes adjacentes também a inervam.
Com isso, para uma anestesia do dermátomo, seria preciso uma secção do
segmento dele, uma acima e um abaixo.
A medula possui um núcleo central (de substancia cinzenta) circundada
por envolto de tratos (de substancia branca). Sendo o núcleo dividido em:
corno dorsal, zona intermediaria, e corno ventral. Ela termina entre L2 e L4,
os feixes que seguem ela lombar formam a cauda equina.
Os neurônios que recebem aferências secundarias de neurônios de
primeira ordem são os neurônios sensoriais de segunda ordem, que entram
nos cornos dorsais, se ramificando, fazendo conexões no corno dorsal. Tais
conexões modulam uma variedade de respostas reflexas rápidas e
inconscientes, outro ramo ascende para o encéfalo, sendo responsável pela
percepção da sensibilidade.

5.1. A via Lemnisco Medial (ou coluna dorsal)


Na medula, toda informação segue o mesmo trajeto, nos mesmos
neurônios? Não. Existem neurônios destinados a conduzir cada tipo de
estímulo. Por exemplo, a via que conduz a dor e a temperatura é diferente da
via do tato. E, o tato, tem a via do lemnisco medial, ou lemniscal, na porção
dorsal da medula, por onde segue ascendendo ao encéfalo.
Este trato de substancia branca ascende através do tronco cerebral (bulbo,
ponte e mesencéfalo), fazendo sinapses com o núcleo ventral posterior do
tálamo. E neurônios do NVP ascendem para o córtex somatossensorial
primário.
Imagem 7: Ilustração do trajeto pela medula da via do lemnisco medial e do
trato espinotalâmico. Observe que a via do lemnisco medial sofre a
decussação das fibras no local próximo ao bulbo, ao passo que a via
espinotalâmica sofre decussação no nível de entrada na medula. Isso é um
importante elemento a se considerar no exame neurológico de um paciente
com lesão em medula. (7)

DETALHE!

Nenhuma informação sensorial chega ao córtex sem antes passar pelo tálamo.
Axônios espinotalâmicos terminam em regiões do núcleo ventral posterior, o
mesmo do tato, mesmo que ainda separados. Outros terminam em outras regiões, os
pequenos núcleos intralaminares do tálamo. Do tálamo, as informações se projetam
para várias áreas do córtex cerebral.

Os núcleos do tálamo sensoriais específicos são também chamados de


núcleos relé, ou de retransmissão (igual aos sistemas missão elétricos), por
conta do “achismo” dos cientistas antigamente de que a informação sensorial
era transferida diretamente para o córtex, sem sofrer alteração. Porém, os
estudos mostram o contrário: tanto na coluna, quanto no tálamo há uma
considerável transformação. Seja de inibição, seja de hiperestimulação. Via
de regra, toda informação que passa por estímulos sinápticos tende a sofrer
alteração.

5.2. A via tátil trigeminal


A via tátil trigeminal consiste na via responsável por conduzir as
informações sensoriais da face, vinda dos ramos do nervo trigêmeo (o V par
craniano), que chega ao encéfalo pela ponte. Há ainda a participação do
nervo facial (VII), glossofaríngeo (IX) e o vago (X).
O nervo trigêmeo, principal responsável pela sensibilidade facial, faz
sinapse com neurônios secundários do núcleo do trigêmeo (seu trajeto até
seu núcleo, no tronco cerebral, é visto com detalhes no capítulo 6). Seus
axônios decussam e, em seguida, ascendem pelo lemnisco trigeminal, para
alcançar o tálamo, onde correrá em conjunto com os tratos espinotalâmico
anterior e lateral, e o lemnisco medial.

5.3. Trato espinotalâmico anterior


Os receptores da pele e dos órgãos se comunicam com neurônios que, ao
entrar na medula pela raiz dorsal, fazem nova conexão. Assim, os processos
centrais viajam pela coluna dorsal, se comunicando com segmentos acima, e
vias colaterais se comunicam com segmentos abaixo, na região do corno
posterior. Aqui, formam-se os segundos neurônios, que irão compor o trato
espinotalamico anterior, cujas fibras cruzam a comissura espinal antetiror,
ascendem pelo funículo anterolateral contralateral até chegarem no núcleo
ventral posteriolateral do tálamo, junto com o trato espinotalamico lateral e o
lemnisco medial. Nele, se comunicam com os terceiros neurônios que
levarão a informação ao córtex cerebral, formando o trato tálamo-cortical.
Ele ascende através da casula interna e da coroa radiata para alcançar o
córtex.

DETALHE!

Por conta da alta rede de comunicação das fibras nos segmentos medulares, lesões
em região lombar ou torácica causam pouca repercussão na sensibilidade. Porém,
na região cervical, pode promover hipoestesia leve no membro inferior
contralateral.
5.4. Trato Espinotalâmico Lateral
É a via que conduz informação de dor e temperatura da medula ao
encéfalo. Elas adentram a medula pela raiz dorsal, entrando pelo corno
dorsal da medula. Elas logo se ramificam, percorrendo o trato de Lissauer,
tanto rostral quanto caudal, fazendo sinapse na região conhecida como
substancia gelatinosa, no corno anterior. Seus neurotransmissores
conhecidos são o glutamato (acredita-se) e a substancia P.
Os nociceptores e termorreceptores se comunicam com as fibras C e A,
que conduzem informação aos gânglios da raiz dorsal. Lá, se comunicam
com segundos neurônios que irão ascender, pelo funículo lateral, até o
tálamo. Antes de ascender, cruzam a linha media. Possui organização
somatotópica, com fibras correspondentes aos membros inferiores se
posicionando lateralmente, ao passo que as dos membros superiores se
posicionam mais medialmente. Assim, lesões externas a medula podem
provocar déficit sensorial em membros inferiores primeiramente, ao passo
que lesões no centro podem provocar déficits em membros superiores,
preservando os inferiores. Por estarem muito próximas, as fibras
nociceptivas e termoceptivas não podem ser separadas anatomicamente, e
uma lesão do trato espinotalâmico promove déficit de sensibilidade dolorosa
e térmica.
Imagem 8: Ilustração do trato espinotalâmico lateral, e seu percurso até
alcançar o córtex somatossensorial. (8)

Suas fibras percorrem o tronco cerebral em conjunto com o trato


espinotalâmico anterior e o lemnisco medial, se direcionando para o núcleo
ventral posterolateral do tálamo.
Assim, as vias de tato e dor caminham na medula de lados opostos. Ou
seja, uma lesão de um lado da medula promove um déficit de
mecanossensibilidade de um lado, e déficits de nocicepção de outro. A
pessoa não sente vibração nem tato de um lado, e não sente dor do outro.
Imagem 9: Ilustração do trajeto das vias sensoriais, seu percurso pela medula
e tronco cerebral até alcançar o córtex somatossensorial. Nela, observamos a
via trigeminal, espinotalamica e a via do lemnisco medial. (9)

6. Córtex Somatossensorial
A maior parte do córtex destinada ao processamento somatossensorial
está no lobo parietal. A área 3b de Brodmann (córtex somatossensorial
primário) está no giro pós-central.
A área 3b recebe um grande número de aferências do NVP do tálamo, e
tem alta resposta aos estímulos somatossensoriais (mas não a outros
estímulos). As áreas 1 e 2 recebem muitas aferências de neurônios da área
3b, onde a área 1 recebe informações sobre textura, e a 2 sobre tamanho e
forma. O córtex somatossensorial é organizado, como todos os outros, em
camadas. E as aferências talâmicas terminam na camada IV, que se projetam
para outras camadas.
O interessante descoberto é que a estimulação elétrica da superfície
cortical de S1 pode levar a sensações somáticas em locais específicos do
corpo. E a movimentação do estimulador pelo córtex leva a mudança do
local da sensação. Quem se utilizou de tal método para mapear o córtex
durante cirurgias foi o Wilder Penfield, o neurocirurgião canadense famoso.
Esse mapeamento das sensações no SNC é conhecido como somatotopia. O
mapa somatotópico (que se assemelha a um trapezista de cabeça pra aixo ao
longo do hemisfério) é conhecido também como o Homúnculo de Penfield.
Imagem 10: Ilustração do Homúnculo de Penfield, através da
correspondência da área que abrange cada segmento do corpo no córtex
cerebral. (10)

Há aspectos interessantes quanto a ele: primeiro, que o mapa não é


contínuo, é fragmentado. E ele não está de acordo com a escala do corpo
humano, onde regiões como boca, língua e dedos das mãos são enormes,
enquanto tronco e braços e pernas são pequenos. E o tamanho se relaciona
com a densidade de receptores que falamos antes, que se relaciona por sua
vez com densidade de aferências sensoriais que conduzem informação para
uma determinada área cortical. E isso se relaciona com a sua importância.

6.1 Plasticidade do mapa cortical


O mais interessante nesses estudos de córtex cerebral é que, se, por
acaso, você perdesse a aferência de uma dada região do corpo, como em uma
amputação de mão, a área que antes respondia como sensorial da mão, agora
passará a responder pelas áreas próximas. Por sua vez, se você utiliza, por
exemplo, um grupo determinado de dedos para uma função de rotina, no seu
córtex a área sensorial correspondente a eles cresce perante as áreas de
regiões pouco utilizadas.
Com isso, percebemos o quão dinâmico é o mapa cortical. Assim,
entendemos que quando uma pessoa tem uma perna amputada, por exemplo,
sente como se tivesse o membro ainda com estímulos de áreas próximas a
ele no mapa cortical.

6.2 Córtex parietal posterior


A informação de diferentes tipos sensoriais não deve ser esquecida ou
excluída do cérebro do indivíduo. Com isso, características de um dado
objeto é integrado para compor a informação de características de um objeto,
e você reconhece-lo.
Lesões do córtex parietal posterior podem provocar distúrbios como a
agnosia, que é o não-reconhecimento de objetos. Quando a incapacidade de
reconhecer é pelo tato, denominamos estereognosia. Podem também
provocar a síndrome de negligência, onde uma parte do corpo (ou do
mundo) é ignorada ou suprimida, e existência negada.
Ou seja, o CPP parece ser importante para a percepção e a interpretação
de relações espaciais, com noção exata do corpo e aprendizado de tarefas
que envolvem coordenação do corpo no espaço. E isso tudo envolve a
integração de vários componentes sensoriais, como a visão.

7. Regulação da dor
A dor, como já sabemos, é uma percepção variável. E a atividade de
aferências não dolorosas e o contexto do indivíduo (comportamental), a
mesma atividade do nociceptor pode desencadear mais ou menos dor.
Para tal, vamos dividir a regulação em:

7.1 Regulação Aferente


A hiperalgesia é um exemplo típico: um toque numa região inflamada
pode levar a tal. Porém, pode haver também a redução da dor pela atividade
de mecanorreceptores de baixo limiar. (Explica o massagear em área lesada).
Há muitas teorias que tentam explicar isso, e atualmente, a mais aceita, é a
que diz que há interneurônios entre vias ascendentes, em que os estímulos
mecanorreceptores ativam tais interneuronios, que inibem a via nociceptiva.
Ao passo que se não há estímulo mecanorreceptor, o estímulo nociceptivo
não é inibido pelos interneurônios, com o estímulo doloroso chegando ao
córtex.

7.2 Regulação Descendente


Emoção forte, estresse, pode suprimir a dor que uma pessoa sinta, por
exemplo, ao levar um tiro, ou uma facada. Várias regiões encefálicas estão
envolvidas com a supressão da dor. Uma delas: substância cinzenta
periaquedutal (PAG), que quando estimulada, promove analgesia profunda.
Ela recebe aferências de muitas regiões do encéfalo, muitas relacionadas ao
emocional. Envia axônios descendentes a várias regiões da linha média do
bulbo, com destaque aos núcleos da Rafe (com neurotransmissor sendo
serotonina), que projetam axônios para cornos dorsais da medula, onde
deprimem a atividade nociceptiva.

7.3 Opióides Endógenos


Esse nome vem do ópio, substancia extraída da papoula, e hoje muito
usada em narcóticos e análogos, como morfina, codeína, heroína, com
diversos fins. Em uso sistêmico, promovem analgesia intensa, além de poder
provocar alterações de humor, sonolência, confusão mental, etc.
Descobriu-se que existem receptores para tais substancias no SNC, e que
o próprio SN produz substancias endógenas semelhantes a morfina, as
chamadas endorfinas, que agem de modo similar. Eles estão concentrados
em áreas do SNC que processam e modulam a informação nociceptiva.

8. Entendendo o caso...
O trauma raquimedular (TRM) consiste na lesão da medula espinal após
um evento traumático. Durante o atendimento inicial a um trauma, é
fundamental a atenção constante à coluna, tendo cuidado com a manipulação
e garantindo uma imobilização adequada. Com tais cuidados, pode-se
postergar a atenção à avaliação da medula no atendimento inicial,
objetivando a avaliação dos outros elementos de maior gravidade, como
instabilidade hemodinâmica, choque e insuficiência respiratória.
Em um indivíduo sem alterações neurológicas, excluir um acometimento
da medula é relativamente mais simples. Na ausência de dor e
hipersensibilidade na região da coluna, pode-se diminuir a preocupação com
o mesmo. Ao contrário de um individuo com alteração do nível de
consciência, tal avaliação passa a ser difícil, visto que não há como garantir
um exame neurológico completo, requerendo avaliação complementar.
As lesões na medula podem ser classificadas de acordo com o nível da
lesão, gravidade do déficit neurológico, morfologia e síndrome medular.
O nível neurológico basicamente é o nível mais caudal que possui função
sensorial e motora normal em ambos os lados. Com isso, tem-se duas
subdivisões: o nível sensorial (ou sensitivo), que diz respeito ao último nível
com função sensorial normal (ou, pelo menos, com a dor e a temperatura
presentes); e nível motor, que é o último nível com função motora normal
(ou, pelo menos, com força muscular grau 3 em 5 – visto com mais detalhes
no capítulo 13). Por outro lado, o nível ósseo consiste no nível cuja vertebra
está lesionada
Considera-se lesão incompleta quando há algum grau de força ou
sensibilidade residual pelo menos três níveis abaixo do local da lesão, tendo,
por exemplo: manutenção da sensação e do movimento voluntario dos
membros, ou contração do esfíncter anal voluntaria.

Tabela: Escala de ASIA para lesões medulares. Adaptado de Grrenberg –


Handbook of Neurosurgery.
Classe Lesão
A Completa: sem função motora ou sensitiva preservada a nível de S4-S5

B Incompleta: sem função motora, mas sensibilidade preservada

C Incompleta: função motora preservada abaixo do nível acometido, com grau de


força menor que 3 (em 5)

D Incompleta: função motora preservada abaixo do nível acometido, com grau de


força maior ou igual a 3 (em 5)

E Normal: função motora e sensorial preservadas

As síndromes medulares são quadros clínicos típicos a determinadas


lesões na medula. A tabela resume as lesões incompletas da medula.
Síndromes Dados gerais Clínica
Síndromes Dados gerais Clínica

• Paraplegia ou
Tetraplegia (se acima
• Ou síndrome da artéria de C7)
espinal anterior • Perda dissociada
• Oclusao da AEA ou sensorial abaixo do
nível
compressão da
Síndrome Anterior da Medula medula anterior • 1. perda de dor e
• Comum em: fragmento temperatura
ósseo deslocado, ou
hérnia de disco
• 2. manutenção da
discrimicacao entre
traumática
dois pontos,
propriocepção, e tato
fino

• Dor e parestesias em
Sindrome Posterior da Medula • Mais rara pescoço, região
dorsal dos membros
superiores e tronco

• É a mais comum
• Comum por
hiperextensão aguda
em canal medular –
frequente lesões em • Fraqueza motora em
face, sugerindo a membros superiores,
mecânica da lesão sem apresentar nos
membros inferiores
Síndrome Central da Medula • Estenose prévia por:
hipertrofia óssea • Deficit sensitivo
anterior + variado
dobramento de
ligamento amarelo • Disfunção esfincteriana
posterior pode ocorrer

• Centro
hipervascularizado –
maior risco de
edema

• Perda sensorial
dissociada
• Hemissecção da medula • 1. Perda de dor e
espinal
sensibilidade térmica
• Comum em trauma abaixo da lesão e
contralateral
penetrante

Síndrome de Brówn-Sèquard • Comum em lesão por • 2. Manutenção do tato


radiação, grosseiro
compressão por
hematoma epidural,
• 3. Perda da
sensibilidade
grandes hérnias de
vibratória e
disco e tumores
propriocepção
• Melhores prognósticos ipsilateral
• Paralisia motora
ipsilateral
As lesões completas consistem, por definição, na ausência de função
motora e/ou sensitiva em até mais de três segmentos abaixo do nível da
lesão. Em poucos casos, ocorre resolução em menos de 24 horas.
O choque medular, por sua vez, denomina duas entidades clinicas
distintas:

• choque por lesão à medula espinal, com hipotensão, por perda do


tônus vasomotor.

• perda transitória da função neurológica, incluindo reflexos e


função autonômica, abaixo do nível da lesão, com paralisia flácida
e arreflexia que duram semanas, meses, ou até mesmo são
permanentes.
E a morfologia consiste na descrição da lesão medular como fratura,
luxação, lesão sem anormalidade à neuroimagem e lesão penetrante. A
medula pode sofrer lesão sem haver, necessariamente, trauma ao osso em si,
mas aos tecidos moles ao redor (musculo cervical, ligamentos, etc):
compressão, flexão (anteroposterior e lateral), extensão, rotação e tração.
Seus sintomas podem surgir imediatamente, mas no geral demoram dias para
tal.
O manejo inicial varia, de acordo com o tipo de lesão, a síndrome, e a
gravidade. Em geral, a conduta ainda tem sido motivo de discussão por não
haver consenso. O uso de corticoides tem indicação ainda controversa. É
indicado, no momento, de iniciar em até 8 horas do trauma, com resultados
positivos observados em 6 semanas, 6 meses e até 1 ano após o inicio. São
alguns dos critérios de exclusão para o uso de corticoide: síndrome da causa
equina, lesão por arma de fogo, gravidez ou idade menor que 13 anos. O
protocolo é: infusão em bolus de 1,92x peso do paciente por 15 minutos,
seguido por uma pausa de 45 minutos. Para manutenção, 0,0864 x peso do
paciente por 23 a 47 horas.
É indicada cirurgia em caso de compressão contínua, em nível
relacionado com: déficit motor ou dor persistente; piora da função; e coluna
instável. Ou seja: a cirurgia não é indicada de modo imediato, pelo risco de
piora da lesão, sendo recomendada sua realização em cerca de 4 a 6 semanas
após o evento. Para descompressão, está indicada a laminectomia em
múltiplos níveis, e em caso de lesão medular, a fusão dos corpos vertebrais
também é recomendada.

Referências Bibliográficas
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2. MARTIN, John Harry. Neuroanatomia: texto e atlas. 4. ed. Porto Alegre: AMGH, 2013.
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desvendando o sistema nervoso. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017.
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2. ed. São Paulo: Atheneu, 2002.
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Imagens
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Acesso em: 25 de outubro de 2018.
6. Portal Moodle. Repositório Imagens: Dermátomos. Disponível em
<http://www.moodle.mouro.com/EVA/picture.php?/3518>, Acesso em: 25 de outubro de
2018.
7. Portal da UC. Sistema sensorial somático. Disponível em
<http://www7.uc.cl/sw_educ/neurociencias/html/026.html>, Acesso em: 25 de outubro de
2018.
8. CAMPBELL, W. W. De Jong: O Exame Neurológico. 6ª edição. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan, 2007.
9. CAMPBELL, W. W. De Jong: O Exame Neurológico. 6ª edição. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan, 2007.
10. Blog Ciência - conhecimento e Saber! Definição do córtex somatossensorial. Disponível em
<http://cienciaconhecimentoesaberva.blogspot.com/2018/05/definicao-de-cortex-
somatossensorial.html>, Acesso em: 27 de outubro de 2018.

CONFERÊNCIAS
Confira aqui a aula dinâmica do Medicina
Resumida sobre os assuntos abordados nesse
capítulo!
Capítulo 10
OLFATO E PALADAR
1. Caso Clínico
Dr. Gomes estava no seu consultório, quando lhe chega um paciente assustado.
Seu Agostinho é um senhor de 39 anos, e chega com um quadro de redução progressiva da
acuidade visual há cerca de 1 ano, associado a perda da capacidade de perceber odores. Negou febre,
mal estar ou outros episódios similares previamente. Negou rinorreia, otorreia ou tosse. Refere que,
por conta da perda da sensação de odor, apresenta também redução na percepção do sabor dos
alimentos.
Ao exame físico, se apresentava em bom estado geral, normocorado, eupneico, acianótico. Ao
exame neurológico, estava vigil, contactante, lúcido e orientado. Pupilas arreagentes a luz, com
movimento ocular extrínseco preservado. À fundoscopia, apresentava papiledema em olho direito, e
atrofia de disco óptico em olho esquerdo. Mimica facial e sensibilidade facial preservadas. Apresenta
anosmia e ageusia. Audição preservada. Sensibilidade preservada. Força muscular e tônus
preservados, com reflexos tendinosos presentes e simétricos.
O Dr. Gomes, preocupado, solicitou uma ressonância magnética de encéfalo, e pediu que voltasse
assim que tivesse o resultado. Na semana seguinte, Agostinho retorna com o exame, que evidenciou
uma massa de cerca 8 x 10 cm, com captação importante do contraste, na região da fossa anterior, na
linha média, comprimindo estruturas adjacentes. Com isso, o Dr. Gomes logo indicou internamento
para estudo do quadro e avaliar a melhor conduta pro quadro, pois se tratava de um provável
meningioma em região de goteira olfatória. Este afeta as vias da olfação, causando a anosmia, que por
sua vez afeta também a gustação, provocando a ageusia. Pensando nos achados clínicos (papiledema,
atrofia de disco óptico, e anosmia), notou que o paciente apresentava a síndrome de Foster Kennedy, e
logo planejou uma aula para discorrer sobre o tema a seus alunos.

1.1. Termos-Desconhecidos

• Meningioma
• Anosmia
• Ageusia
• Sindrome de Foster-Kennedy
1.2. Termos-Chave

• Papiledema em olho direito


• Atrofia de disco optico em olho esquerdo
• Região de goteira olfatória
• Receptores da olfação
• Gustação
• Olfação
1.3. Objetivos

• Compreender o processo de captação da informação olfativa e gustativa


• Conhecer os receptores, as vias e o processamento da informação olfativa e gustativa
• Identificar os sabores existentes, e como são captados e diferenciados pelo sistema nervoso
• Entender como a olfação e a gustação interagem no processamento do sabor
Quando nos referimos ao cheiro dos objetos, estamos utilizando a olfação para detectar as
características do objeto, e o cheiro, ou odor, são essas características detectadas por eles. Já quando
falamos do sabor, do gosto, falamos da gustação.

2. Gustação
Esse sentido químico tem importância aos humanos por propiciar que ele distinga fontes de
alimentos e possíveis toxinas. Naturalmente, o doce nos agrada, e o amargo nos causa repulsa. Isso a
gente pode associar ao leite materno doce, e ao amargo de certos venenos. Mas nós podemos
modificar essa opinião através da experiência, e assim podemos aprender a tolerar ou gostar de
elementos amargos, como café. Além disso, identificando deficiências, o organismo desenvolve
apetite por eles, como quando ansiamos por alimentos salgados (em déficit de sal), ou a sede quando
ansiamos por água.

2.1. Sabores Básicos


Muitos estudiosos acreditam que, embora haja ilimitada gama de sabores possíveis de se
identificar, há um grupo de sabores básicos os quais podemos reconhecer. Estimam basicamente em 4:
salgado, azedo, doce e amargo.
Alguns alimentos tem a correlação óbvia entre a química e o sabor, como os sais (que são
salgados) e ácidos (que são azedos). Porém, há outras que, mesmo com variações moleculares,
mantém o sabor. Inclusive, os adoçantes com aspartame e sacarina são muito mais doces que os
açúcares naturais (de frutose, ou sacarose).
E como dá para distinguir o sabor de cada alimento, como o do leite para o do refrigerante de cola,
do suco de laranja e do chocolate? Bem, cada alimento tem uma combinação de moléculas que ativam
de maneira diferente a gustação, ativando os sabores básicos de modo distinto, e sua combinação
tornando, então, seu sabor diferenciado. Outros sentidos, como o tato e a olfação, também podem
interferir. Como por exemplo ao se avaliar a textura ou o sabor picante de um alimento, que pode
interferir na sua opinião acerca do gosto do alimento.

2.2. Órgãos da gustação


É importante saber que não é somente a língua quem responde pela gustação, de modo que o
palato, a faringe e a epiglote também estão envolvidas.
A língua em si tem um “mapa” sensorial, em que a ponta é mais sensível para o doce, o fundo para
o amargo, e as bordas laterais para o salgado e o azedo. Essas regiões respondem preferencialmente
para esses sabores, mas todos os sabores são possíveis de serem identificados em toda a língua.

Imagem 1: Regiões especializadas na detecção dos principais sabores conhecidos até o momento. (1)

Pela língua, estão espalhadas as papilas, que são classificadas quanto à forma (filiformes,
circunvaladas ou fungiformes). Cada uma dessas papilas tem vários botões gustativos, em que cada
botão tem centenas de receptores gustativos, e cada um desses tem seu conjunto de axônios aferentes
gustativos.
Imagem 2: Ilustração das papilas gustativas: fungiforme, foliadas e circunvaladas. Detalhe para a
localização dos receptores gustativos na papila, e sua conformação. (2)

É bom saber que não é qualquer concentração de dada substância que ativa esses receptores. É
necessário atingir um limiar de concentração para conseguir desencadear o potencial de ação com as
informações gustativas, evocando a percepção do sabor. Logo acima do limiar, a papila se mostra
sensível a um específico sabor básico, mas conforme a concentração aumenta, ela se torna menos
seletiva.

2.3. Receptores Gustativos e mecanismos de transdução


Nos receptores gustativos, é o seu terminal apical onde está a porção sensível. Eles contem
microvilosidades que se projetam ao poro gustativo, uma abertura na superfície da língua onde a
célula gustativa se expõe aos conteúdos da boca. Esses receptores gustativos não são considerados
neurônios, mas fazem sinapse com axônios aferentes gustativos. As células do botão gustativo têm
pequena meia vida (2 semanas), se renovando constantemente dependente da influência do nervo
sensorial (sem ele, não há estímulo de crescimento).
Então, assim como nos demais receptores, quando a substancia apropriada ativa os receptores
gustativos, seu potencial de membrana muda, geralmente para a despolarização. Tal mudança é
chamada de potencial do receptor, e se atinge o limiar, desencadeia o potencial de ação, através da
abertura de canais de Ca+ que estimulam liberação de substâncias especificas que desencadeiam o PA.
E, para haver identificação específica de cada percepção? São os diferentes tipos de transdução que
determinam os diferentes tipos de percepção / sensação.
O sabor salgado tem o sal de cozinha (NaCl) como elemento básico, ou protótipo. O gosto do sal
vem, basicamente, do Na, e é preciso ter alta concentração para que possa ser percebido. As células
sensíveis ao salgado têm canais seletivos de Na, que com a entrada de Na desencadeia alteração de
voltagem em canais de Na e Ca voltagem dependentes, e assim promovem toda a cascata para o
desencadear de PA, via ativação de vesículas com NTs. Os ânions afetam o sabor dos cátions, e
aparentemente, quanto mais ânion, menor o sabor do cátion. Não se sabe ainda o porquê, mas acredita-
se que eles “impõem” o seu sabor.
O sabor azedo (ou ácido), por sua vez, tem relação justamente com o pH, onde um baixo pH indica
acidez. Em meio aquoso, ácidos ionizam, e liberam íons H+, sendo eles os responsáveis pelo sabor
ácido/azedo. E eles afetam os receptores de dois modos: entra por canais de Na, despolarizando
também a célula, ou se ligando e bloqueando os canais de K, levando a despolarização de membrana.
O sabor amargo é detectado por cerca de 30 tipos diferentes de receptores. Esse sabor é
importante por ser o tipo de sabor dos venenos. As vias são complexas, não vem ao caso explicar aqui.
Mas basta saber que envolve segundos mensageiros, proteína G... aquela mesma cascata dos
hormônios e de receptores metabotrópicos.
O sabor doce também é variado, e também envolvem muitos receptores e complexas redes de
reações químicas envolvendo também a proteína G.

2.4. Vias de condução gustativa


A informação da gustação segue pelos axônios gustativos primários, e de lá para o tronco
encefálico, ascendendo pelo tálamo, até chegar ao córtex cerebral. E, basicamente, três nervos
cranianos estão envolvidos na gustação: nervo intermédio (compõe o nervo facial), respondendo
pelos 2/3 anteriores da língua; glossofaríngeo, respondendo pelo 1/3 posterior; e nervo vago.
Como já visto no capítulo VI, o nervo intermédio tem os corpos celulares no núcleo geniculado.
Seu trajeto acompanha o nervo lingual (ramo do nervo mandibular), viajando até o núcleo geniculado,
onde, pelo nervo intermédio, segue até o núcleo do trato solitário (no bulbo), mais precisamente no
seu núcleo gustativo. Em seguida, as fibras divergem para diversas áreas do sistema nervoso central.
Mas, para alcançar o córtex, passam pelo tálamo (núcleo ventral póstero-medial), que emitem feixes
ao córtex gustativo primário (regiões insuloperculares do córtex).
Imagem 3: Área gustativa primária ilustrada em azul, e emergência dos nervos cranianos responsáveis
pela gustação (nervo VII, IX e X). (3)

Também visto no capítulo VI, o núcleo do nervo glossofaríngeo tem participação importante na
gustação. Ao se comunicar com o núcleo olfatório, induz a salivação em resposta a um cheiro de
comida. Além disso, seus ramos aferentes viscerais especiais que fazem conexão com o núcleo do
trato solitário respondem pela gustação do terço posterior da língua. E, por fim, o nervo vago
também contribui, por emitir ramos que se comunicam com o mesmo núcleo, respondendo pela
sensibilidade gustatória da epiglote.
É importante ressaltar que a gustação é importante no controle da alimentação e da digestão,
podendo provocar vômitos, salivação, afetando a deglutição. A perda da percepção gustativa se chama
ageusia ou ageustia.

2.5. Córtex Gustatório e a interpretação do sabor


A partir do tálamo, a informação segue para o córtex gustatório, região localizada entre o opérculo
frontal e a ínsula. Pouco se sabe de seu funcionamento, mas acredita-se que ele esteja envolvido com a
percepção e discriminação dos estímulos gustatórios. O tálamo também se comunica com o
hipotálamo, mediando comportamento alimentar e respostas autonômicas ao estimulo gustativo.

Imagem 4: Ilustração do córtex gustatório, e o trajeto das vias da gustação pelo tronco cerebral e
tálamo. (4)

O fato curioso é que boa parte da percepção do sabor vem, na verdade, do estimulo olfatório! Isso
mesmo, ao mastigar, mover a língua e deglutir, partículas são bombeadas para a cavidade nasal, na
região posterior, onde irão estimular os receptores olfatórios. Porém, a localização do sabor, apesar do
estimulo olfatório, ainda é na língua, e isso se associa ao estimulo somatossensorial do alimento na
superfície da língua.

DETALHE! A gustação ao exame físico.

No geral, pela facilidade na obtenção da resposta, são mais testados os sabores salgado e doce, em contraste
ao amargo e azedo. Com a retração da língua, a substancia é dispersa por toda a superfície, ficando difícil a
avaliação do território dos nervos envolvidos. Com isso, deve ser mantida protrusa, e a boca lavada sempre
após um teste. Importante a comunicação por sinais e palavra escrita, para que o examinador observe se o
paciente identificou ou não determinado estímulo. Como a ponta da língua tem pouca sensibilidade
gustativa, usa-se a superfície dorsal, entre o terço anterior e médio.
Os casos de acometimento do nervo facial são os que mais costumam requerer sua avaliação, onde é
possível, através da detecção de uma alteração gustativa, identificar o local da lesão. Em caso de paralisia
do nervo, quando há acometimento gustativo, tem se que a lesão está próxima ao tímpano, ao passo que,
com gustação preservada, a lesão está ao nível do forame estilomastoideo, ou distal a ele.

A ageusia é a perda completa da percepção da gustação. A hipogeusia, por sua vez, diz respeito a
redução da percepção.

3. Olfação
O olfato é importantíssimo para a identificação do alimento, interfere inclusive na percepção do
sabor, e pode levar a satisfação ou repulsa deles. Pode também alertar do perigo de determinada
substancia, seja na comida, seja em um determinado lugar. Tem caráter afetivo ao identificarmos o
cheiro de alguém que gostamos ou repudiamos. Em outros animais, tem até função reprodutiva.

3.1 O epitélio olfativo


Quando falamos que “cheiramos”, na verdade, aspiramos o ar, fazendo ele atingir o teto da
cavidade nasal, e as partículas do ar colidirem com os receptores olfativos. Antes de chegarem aos
receptores, as moléculas se dissolvem num muco que reveste esse epitélio. Possuem anticorpos para
evitar a transmissão de microorganismos para o SNC. O seu tamanho tem relação com a acuidade
olfativa.
O epitélio olfativo fica no teto da cavidade nasal. As células receptoras olfativas são as
responsáveis por detectar o cheiro das coisas. E, ao contrário dos receptores gustativos, esses são
terminações nervosas de fato, com axônios que penetram diretamente o SNC. Basicamente, são
células bipolares, com um único dendrito se estendendo da porção apical até a superfície de contato
com o ar. As células basais são a fonte de novos receptores, já que as células do epitélio olfativo
crescem continuamente, e morrem em ciclo de 4-8 semanas.
Imagem 5: Ilustração do epitélio olfatório, com a conexão dos neurônios sensoriais com as células do
bulbo olfatório. No destaque, os axônios atravessando a placa cribriforme. (5)

São as extremidades dessas células que contem cílios, que, neles, estarão os receptores olfativos.
Eles conseguem converter o estimulo provocado pela substancia em impulso nervoso. Seus axônios
atravessam a placa cribriforme do osso etmoide, e fazem conexão com o bulbo olfatório, logo acima.
Imagem 6: Ilustração do bulbo olfatório, e os nervos se projetando pela lâmina crivosa (ou
cribriforme) do osso etmoide, para emergir suas terminações com receptores olfativos, no teto da
cavidade nasal. (6)

3.2 Os receptores
As células olfativas têm único dendrito que termina em pequena dilatação. Dela, saem cílios finos
que se estendem na camada do muco. Do outro lado, há um fino axônio não-mielinizado. E é nesses
cílios que se encontram os receptores.

Imagem 7: Via olfatória e suas conexões no tronco cerebral e no encéfalo. (7)

Os mecanismos de transdução estão nos cílios. E, assim, a via olfativa envolve a estímulo a
proteína G por ligação da molécula ao receptor, com cascata de AMP cíclico, abertura de canais de
sódio e cálcio, desencadeando o potencial de ação. Porém, não é um estímulo contínuo. Ele com o
tempo sofre o fenômeno de adaptação, e então a pessoa passa a ter redução da percepção daquele
odor.
Nos humanos, existem mais de 300 diferentes tipos de receptores, e a sua quantidade varia de
acordo com a espécie animal. Em geral, são receptores acoplados a proteína G (do tipo
metabotrópicos, que desencadeiam uma sinalização na célula mediada por uma via metabólica). A
ligação de uma substancia ao receptor induz a uma sequência de eventos metabólicos que induzem o
desencadear de um potencial de ação. Ele se propaga pela célula olfativa e por seu axônio, alcançando
a sinapse entre ela e o bulbo olfatório, onde irá promover sua propagação.
Os vários axônios compõem o nervo olfatório (nervo craniano I), mas antes disso, atravessam a
placa cribriforme, rumando para o bulbo olfatório, ou, como também é conhecido essa região, a
“goteira olfatória”. Eles são frágeis, e lesões dessa placa (como em TCE, fraturas de base de crânio),
podem levar a incapacidade da percepção de odores, a anosmia.
Mas, e como diferenciar o odor de cada substância? Basicamente, existem 2 mecanismos:
especificidade do receptor à substância, significando que não é todo receptor que será ativado por
determinada substancia; e que cada substância possui um grupo de receptores que lhe reconhece.
Sendo assim, cada substância ativa determinados grupos de receptores diferentes, que estão dispersos
pela membrana olfatória.

3.3 O Nervo Olfatório e as Vias do Olfato


O bulbo possui vários arranjos de dendritos, sinapses e fluxo de neurotransmissores, e tem divisões
em glomérulos olfativos, criando um certo mapa sensorial. Eles também sofrem interferências de
sinapses descendentes do SNC. Cada axônio vindo de um dado receptor se projeta para um glomérulo
no bulbo.
Estes, por sua vez, se conectam com diversos neurônios, como os de retransmissão, que saem a
partir do bulbo olfatório, envoltas por uma bainha de mielina, de cada lado, em direção ao encéfalo. Se
comunicam ainda com interneurônios. Estes, basicamente, são os dois nervos olfatórios. Devido a
diversa rede de sinapses que faz com regiões específicas do encéfalo, pode-se dizer que o bulbo
olfatório, na verdade, faz parte do telencéfalo.
O nervo olfatório, então, corre logo abaixo do córtex órbitofrontal em direção ao encéfalo. Este se
divide em estrias laterais e mediais. As estrias laterais então se dirigem ao giro semilunar e amígdalas,
onde faz sinapse com outros neurônios que irão se projetar para o giro para hipocampal. Já as estrias
mediais vão se comunicar com neurônios que se posicionam próximos ao corpo caloso e a comissura
anterior, onde vão se dirigir para o hemisfério oposto, além de se projetar também para o sistema
límbico.
Imagem 8: Correlação espacial entre o bulbo olfatório e o córtex. (8)

Importante ressaltar que o olfato possui o diferencial dos demais sistemas sensoriais de não passar
pelo tálamo antes de chegar ao córtex cerebral. Porém, é bom saber, que não significa que não exista
comunicação com o tálamo, pois é incorreto! Ele tem vias que passam pelo tálamo. O que ocorre é que
o trato olfatório não atravessa o tálamo para chegar ao córtex, ele já vai diretamente.

3.4 Processamento do Olfato


Mas... e como diferenciamos os tipos diferentes odores? Basicamente, existem vários neurônios
envolvidos com cada estímulo, e há ainda o fato de que os diferentes disparos de PA em frequências
distintas codificam informações diferentes. Uma célula em si não distingue o odor, mas o trabalho
combinado de várias células, sim, codifica o sinal representativo daquele odor.
Por conta da densa e complexa rede de conexões do sistema olfatório com as diversas áreas do
sistema nervoso central, como o sistema límbico, pode-se justificar a associação de um odor à
emoções e sensações. Se liga ainda ao hipotálamo, à formação reticular, e núcleos importantes, como
o do nervo vago.
Imagem 9:Esquema com os tratos olfatórios e suas conexões no sistema nervoso central. (9)

Mas, e o córtex? Bem, pouco se sabe sobre seu arranjo, e muito ainda se estuda sobre um possível
“mapa cortical”, mas ainda não se sabe exatamente se essa teoria é válida ao córtex. O que se sabe é
que as informações já chegam diferenciadas ao córtex, através de mapas nos bulbos olfatórios. O
córtex olfatório, na realidade, compreende diversas áreas. São conhecidas pelo menos cinco: núcleo
olfatório anterior, próximo a comissura anterior; núcleos corticais anterior e posterior da amígdala;
tubérculo olfatório; córtex entorrinal; e o córtex piriforme, esta última sendo considerada a principal
área envolvida.

DETALHE!

A hiposmia e anosmia são distúrbios da intensidade da percepção do odor. Assim, a hiposmia seria a
redução da percepção do odor, e a anosmia a ausência da percepção do odor. Eles ocorrem por lesões ao
longo da via olfatória, desde os receptores até os neurônios que se conectam no sistema nervoso central.
A parosmia é a alteração da qualidade da percepção do odor, quando, um determinado aroma, desperta
no indivíduo a percepção de outro odor. Este se denomina uma cacosmia quando, de um odor neutro ou
agradável, o indivíduo tem a sensação de um odor desagradável.

4. Entendendo o caso...
Os meningiomas são tumores de crescimento lento, extra-axiais, vindos das células da aracnoide.
A grande maioria é classificada como benigna. A ressecção total do tumor costuma levar a cura,
apesar de nem sempre ser possível. Pode, a depender do local e do crescimento, fazer lesão óssea. Em
geral são lesões únicas (quando múltiplas, se atentar para a neurofibromatose), e benignos. Raros são
os casos de tumores malignos (menos de 2%).
Pode surgir em qualquer lugar que contenha células da aracnoide, como: convexidade, região
parassagital, asa do osso esfenoide, órbita, sela turca, forame medular, e placa cribriforme do osso
etmoide (goteira olfatória). Na goteira, as manifestações clinicas costumam ocorrer em grandes
tumores: alterações do estado mental, convulsões, ou a Síndrome de Foster Kennedy (anosmia, atrofia
de nervo óptico ipsilateral, e papiledema contralateral).
A síndrome de Foster Kennedy consiste em uma doença menos frequente na atualidade, por conta
do avanço nos métodos diagnósticos, com identificação do quadro mais precocemente. Ela descreve
uma síndrome clinica vinda de um meningioma na região da goteira olfatória, que afeta o bulbo e o
trato olfatório, causando a anosmia e, com o crescimento posterior, comprime nervo óptico, fazendo
atrofia do mesmo. Por conta do aumento da pressão intracraniana, promove papiledema contralateral.
Para diagnóstico, a ressonância evidencia a maioria dos casos, apresentando patencia de seios
venosos, e, ao contraste, realça a lesão. Pode apresentar também plano de clivagem, e espaço com
líquor entre o tumor e o parênquima, e também a chamada “cauda dural”, uma continuação da lesão
com a dura mater.
A cirurgia é o tratamento de escolha nas lesões sintomáticas. Quando assintomático, ou apenas
com quadros de convulsão controláveis com medicação, pode-se considerar a conduta expectante, com
exames de imagem seriados para acompanhamento. Durante o procedimento, pode haver muito
sangramento. Com isso, embolização ou radioterapia pré-operatórias podem ser úteis.

Tabela: Classificação do grau de remoção do meningioma de Simpson. Adaptado de Greenberg:


Handbook of Neurosurgery.

Simpson Grau de remoção Proporção de recidiva

Ressecção completa
macroscópica com remoção de
I 9%
seio dural, osso ou inserção na
dura mater envolvida

Ressecção completa
II macroscópica com embolização 19%
endotérmica da fixação dural

Ressecção completa
macroscópica, sem remoção da
III 29%
inserção na dura ou osso
envolvido

Remoção parcial, deixando


IV 39%
tumor in situ

Simples descompressão (com ou


V 43%
sem biópsia)

A ageustia é a perda total da capacidade de perceber o gosto dos alimentos e objetos, e a digeustia
(mais comum) é a redução ou alteração da percepção da gustação. A grande maioria dos casos de
disgeustia ocorrem por alguma alteração no olfato. Lembremos que o processo de sentir desejo por
um alimento tem influência de nossos sentidos que, com a visão e olfação principalmente, ocorre um
desejo maior ou repulsa a determinados alimentos. Quando o olfato está prejudicado, ocorre redução
da percepção do alimento, e o sabor, que em conjunto com o odor compõem as características que
formam o alimento em nossa memória, acaba reduzindo ou sofrendo alteração da qualidade, muitas
vezes estando diferente do habitual.

Referências Bibliográficas
1. MACHADO, Angelo B.M.; HAERTEL, Lúcia Machado. Neuroanatomia funcional. 3.ed. São Paulo: Atheneu, 2006.
2. MARTIN, John Harry. Neuroanatomia: texto e atlas. 4. ed. Porto Alegre: AMGH, 2013.
3. BEAR, Mark F.; CONNORS, Barry W.; PARADISO, Michael A. Neurociências: desvendando o sistema nervoso. 4. ed.
Porto Alegre: Artmed, 2017.
4. LENT, Roberto et al. Cem Bilhões de Neurônios? Conceitos Fundamentais de Neurociência. 2. ed. São Paulo: Atheneu,
2002.
5. KANDEL, E.R.; SCHWARTZ, J.H.; JESSELL, T.M. Princípios da Neurociência. São Paulo: Manole, 2003.
6. DUUS, Peter. BAEHR, M. FROTSCHER, M. Topical Diagnosis in Neurology. 4. Ed. New York: Thieme, 2006.
7. Domínguez-Vega, G. C. Foster Kennedy Syndrome: A Case Report. Revista Médico Científica. Vol. 20, N 1. 2007.
8. GREENBERG, Mark S. Handbook of Neurosurgery. 6. Ed. New York: Thieme, 2006.

Imagens
1. InfoEscola. Papilas Gustativas. Disponível em <https://www.infoescola.com/paladar/papilas-gustativas/>, Acesso em: 27 de
outubro de 2018.
2. Museu Escola - UNESP. Sentido da gustação (ou paladar). Disponível em
<http://www2.ibb.unesp.br/nadi/Museu2_qualidade/Museu2_corpo_humano/Museu2_como_funciona/Museu_homem_ner
voso/museu2_homem_nervoso_olfacao/Museu2_homem_nervoso_gustacao.htm>, Acesso em: 27 de outubro de 2018.
3. Correio Popular. A geografia da língua e a percepção dos sabores. Disponível em
<http://correio.rac.com.br/_conteudo/2015/09/colunistas/feres_chaddad_neto/389731-a-geografia-da-lingua-e-a-percepcao-
dos-sabores.html>, Acesso em: 27 de outubro de 2018.
4. KANDEL, E.R.; SCHWARTZ, J.H.; JESSELL, T.M. Princípios da Neurociência. São Paulo: Manole, 2003.
5. KANDEL, E.R.; SCHWARTZ, J.H.; JESSELL, T.M. Princípios da Neurociência. São Paulo: Manole, 2003.
6. Dr. Fayez Bahmad Jr. Para que serve o olfato? Disponível em <http://www.fayezbahmad.com.br/secao_detalhes.asp?
s=26&id=240>, Acesso em: 27 de outubro de 2018.
7. DUUS, Peter. BAEHR, M. FROTSCHER, M. Topical Diagnosis in Neurology. 4. Ed. New York: Thieme, 2006.
8. KANDEL, E.R.; SCHWARTZ, J.H.; JESSELL, T.M. Princípios da Neurociência. São Paulo: Manole, 2003.
9. KANDEL, E.R.; SCHWARTZ, J.H.; JESSELL, T.M. Princípios da Neurociência. São Paulo: Manole, 2003.

CONFERÊNCIAS

Confira aqui a aula dinâmica do Medicina Resumida sobre os assuntos


abordados nesse capítulo!
11. A Visão
Capítulo 11
A VISÃO
1. Caso Clínico
Durante um plantão, o Dr. Gomes recebeu um caso curioso.
Uma paciente de 23 anos chegou com queixa de cefaleia em região
frontal há cerca de 3 anos, e redução do campo visual, progressiva há 2
anos, onde referia que não conseguia enxergar as coisas que passavam ao
lado dela, apenas via o que estava a sua frente. Refere ainda que enxerga
duas coisas em vez de uma. Ela informou que teve alterações de ciclo
menstrual, e ainda galactorreia.
Ao exame físico, ela estava vigil, orientada e contactante. Pupilas
isocóricas e fotorreagentes, com movimento ocular extrínseco preservado.
Apresentava perda do campo visual temporal em ambos os olhos –
hemianopsia bitemporal. Ao exameocular, apresentava acuidade visual de
20 em 25 no olho direito, e 20/125 com fixação em olho esquerdo. Pressão
intraocular de 10 mmHg em olho direito, e 12 mmHg em olho esquerdo.
Pupilas variando em diâmetro de 5mm para 3 mm, com defeito pupilar
aferente. Apresentava perda de campo temporal, e escotoma central. À
fundoscopia, palidez temporal do nervo óptico. Mímica e sensibilidade
faciais preservadas. Força muscular preservada globalmente. Sem
alterações somatossensoriais. Marcha preservada.
O Dr. Gomes logo pediu uma Ressonância Magnética de Encéfalo, que
evidenciou uma lesão expansiva em região selar e parasselar, com forte
possibilidade de ser um macroadenoma de hipófise, o qual estaria
comprimindo o quiasma óptico, provocando os sintomas dela. Pensando
nessa provável etiologia, solicitou a dosagem de prolactina para avaliar a
conduta apropriada. Além disso, solicitou os exames pré-operatórios para a
realização de biópsia, e estudar a melhor abordagem para o tumor.
1.1. Termos-Chave
• Redução da acuidade visual
• Alterações do ciclo menstrual
• Macroadenoma de hipófise
• Quiasma óptico
• Lesão expansiva em região selar e parasselar
1.2. Termos Desconhecidos
• Hemianopsia bitemporal
• Diplopia
• Galactorreia
1.3. Objetivos
• Compreender o processo de captação da imagem, sua focalização
e passagem do ar para o interior do globo ocular

• Conhecer a anatomia do olho e das estruturas envolvidas na visão


• Analisar as vias do sistema visual, e sua interação com as
estruturas ao redor

• Entender o processamento das informações visuais no Sistema


Nervoso Central, e sua interação com outras regiões
O olho nada mais é do que uma câmara que se posiciona na direção do
objeto que interessa focalizar. E a visão, o sentido responsável pela
percepção da imagem do meio ao redor, da caracterização de objetos, da
discriminação dos elementos quanto à forma ou densidade, que nos
rodeiam. E, assim como os demais sentidos, a visão se subdivide em
modalidades: a medida da intensidade da luz, a localização espacial, a
medida do brilho, a discriminação das formas, detecção do movimento, e a
visão das cores.

1. A Luz e os princípios da Óptica


Basicamente, é a energia luminosa que está envolvida nesse sentido. A
luz é uma onda eletromagnética, com frequência, amplitude, que
caracterizam qual cor é. Essa diferença quanto a frequência é o elemento
chave na determinação da percepção dos seres vivos das ondas luminosas.
Por exemplo, os seres humanos detectam as frequências entre o violeta e o
vermelho. Mas há outros animais que conseguem detectar o infravermelho,
por exemplo, ondas que não enxergamos.

Imagem 1: Espectro da luz visível, e comparação com outros tipos de ondas


eletromagnéticas. (1)

E, assim como na óptica, quanto maior a frequência, maior a energia da


radiação. Como o dos raios-X, raios-gama, e raios UV. Aliás, ultravioleta
pois está logo acima da faixa da luz violeta, que é a onda luminosa de maior
energia, por ter maior frequência. O espectro de luz visível varia do violeta
ao vermelho.
A óptica é o estudo dos raios luminosos, que propagam em linha reta, e
desviam ao colidirem com átomos e moléculas no meio. E nela a gente
aprende os princípios de reflexão, absorção e refração. A refração é o
princípio que rege a passagem da luz para o interior do olho.

2. Anatomia do Olho
Ele é especializado na detecção, e análise da luz. O olho, em vista
externa, basicamente é composto por: pupila, íris, esclera, córnea,
conjuntiva, e os músculos extraoculares. Emergindo do polo posterior,
está o nervo óptico, o I par craniano.

Imagem 2: Anatomia do olho e suas estruturas. (2)

O interior do olho é visto pelo oftalmoscópio, e de cara, é possível ver


vasos sanguíneos na superfície. Eles emergem na retina através da papila
óptica, onde também as fibras do nervo óptico se direcionam para sair do
olho. Essa região é notável por não possuir fotorreceptores. Assim, a luz
não deve ser focalizada nessa região. Mas... e onde ela se concentra? Ao
oftalmoscópio, e possível ver essa concentração na mácula lútea
(amarelada), região escura onde responde pela visão central (oposto da
visão periférica). Nela, não há grandes vasos sanguíneos passando, mas eles
e as fibras do NO convergem para tal região.
Além de não ter vasos passando por cima, existe, na mácula, a fóvea
(poço), sendo a região um marco importante na anatomia da retina.

Imagem 3: Estruturas da retina. Destaque para a fóvea (local de focalização


da imagem) e o disco óptico (local de entrada e saída de estruturas
importantes, como a artéria central da retina e o nervo óptico. (3)

É importante também entendermos qual a trajetória da luz para alcançar


a retina, e formar a imagem que será processada. A córnea é lisa, sem vasos
a atravessando, e é nutrida pelo humor aquoso, que está logo atrás dela.
Em seguida, há o cristalino, uma lente biconvexa, que fica logo atrás da
íris, suspenso pelos ligamentos que se aderem aos músculos ciliares,
responsáveis por adequar a lente para uma focalização adequada da imagem
na retina. Ele tem que ser transparente para não haver interferência na
imagem que irá se formar (como é o caso da catarata).
Imagem 4: Anatomia da região anterior do globo ocular, local de entrada e
convergência dos raios luminosos. (4)

Logo atrás dele, entre ela e a retina, há o humor vítreo, viscoso e


gelatinoso, cuja pressão mantem o globo ocular esférico. Se ele tem
alteração no seu formato, ficando mais elíptico ou achatado, temos a miopia
e o astigmatismo.

3. Formação da Imagem
Para haver a convergência dos raios luminosos na retina, é necessária
uma série de refrações. Assim, a córnea, os humores vítreo e aquoso, e o
cristalino devem ter uma adequada transparência e capazes de convergir os
feixes de modo adequado. Alterações na sua transparência provocam
alterações na formação da imagem, como na catarata.
E o ponto de emissão dos raios luminosos e a região onde eles
convergem é conhecida como distancia focal, ou foco. E, para uma
adequada focalização na retina, é preciso que a córnea tenha uma curvatura
adequada. Caso contrário, a imagem pode ser focalizada em um plano
diferente da retina (como é o caso do ceratocone).
Lembrando também que o meio externo que o olho visualiza (no caso, o
ar), também interfere. Se mudar o ar pela água, por exemplo, a imagem já
não se forma mais do modo adequado, ficando borrado.
Em seguida, tem o cristalino. Como eu falei, ele é uma lente biconvexa,
que consegue focalizar a imagem de modo adequado, sofrendo o fenômeno
da acomodação. Os músculos ciliares são responsáveis por tal fenômeno,
fazendo com que ele se achate ou se estique, alterando o foco da imagem a
se formar, sempre visando focalizar na retina.
Com o tempo, as pessoas vão perdendo essa capacidade, e comisso um
idoso tem dificuldade para focalizar certas imagens, requerendo o uso de
lentes corretivas.
É bom notar também o papel fundamental da pupila, pois ajusta
constantemente a intensidade da luz que adentra o olho. Assim, ao incidir
uma luz no olho, de modo súbito, vê-se a pupila se contrair. Eis o reflexo
pupilar direto, um reflexo que envolve toda uma trajetória específica.

4. A Retina
A retina é o sítio de recepção da informação visual. É, em conjunto com
o nervo óptico, componente do encéfalo. Assim, a luz, ao entrar no olho,
incide sobre os fotorreceptores presentes na retina. Eles, basicamente,
direcionam o sinal para células bipolares, e de lá para células ganglionares,
que disparam potencial de ação para se propagar pelo nervo óptico para o
encéfalo.
As células horizontais recebem aferências de fotorreceptores,
influenciando nos demais fotorreceptores, e células amácrinas recebem
aferências de células bipolares, influenciando as células ganglionares.
Imagem 5: Estruturação das camadas da retina, com os fotorreceptores. (5)

Duas coisas importantes:


a) Somente os fotorreceptores são sensíveis a luz na retina. As demais
sofrem interferência da luz por sinapses com eles.
b) Apenas pelas células ganglionares saem informações sobre a luz da
retina para o nervo óptico.

4.1. Organização
As células se organizam em camadas. Sendo que estão em sentido
oposto, ou seja, a luz tem que atravessar as células ganglionares e bipolares
antes de alcançarem os fotorreceptores.
Camada de Células Ganglionares

Camada Nuclear Interna

Camada Nuclear Externa

Camada dos Segmentos Externos dos Fotorreceptores

Camada Plexiforme Interna

Camada Plexiforme Externa


Imagem 6: Ilustração de células de suporte aos fotorreceptores, como
células amácrinas (em bege), célula ganglionar (em roxo), célula horizontal
(em violeta), e célula bopolar (em rosa), e as camadas da retina. (6)

4.2. Fotorreceptores
Cada fotorreceptor, basicamente, tem um segmento externo, outro
interno, corpo celular e terminações sinápticas. O segmento externo tem
discos membranosos, ricos em fotopigmentos, sensíveis a luz, cuja absorção
de luz provoca alteração no potencial de membrana.
Existem dois tipos básicos de: cones e bastonetes. E sua diferença vem
justamente do aspecto do seu segmento externo: os bastonetes tem
segmento externo longo, com vários discos; e os cones tem segmento mais
curto, com menor número de discos.
Imagem 7: Ilustração dos fotorreceptores: bastonetes (ou bastões) e cones.
(7)

Assim, quanto mais discos, maior a sensibilidade pela luz. Ou seja, num
ambiente escuro, o que os olhos veem basicamente é responsabilidade dos
bastonetes, por terem maior sensibilidade. Mas em condições com alta
luminosidade, são os cones quem mais trabalham. Outra diferença é que os
bastonetes basicamente têm o mesmo pigmento, mas os cones variam em
três tipos de pigmentos diferentes. Ou seja, são os cones que respondem
pela visão das cores.
A retina, em si, não é homogênea. Ela tem áreas com diferentes
estruturações. Na periferia, há muito mais bastonetes que cones, e muitos
fotorreceptores para células ganglionares. Assim, a periferia é mais sensível
a luz. Porém, a retina periférica não consegue detalhar as imagens, pois para
uma boa resolução, é preciso grande número de cones, e de baixa relação
entre fotorreceptores e células ganglionares.
A fóvea é o lugar de mais alta resolução da retina. Assim, nela, que é a
mais delgada parte da retina, não há células da retina acima dos
fotorreceptores. Ou seja, a imagem incide diretamente nos fotorreceptores.
Além disso, é a única região que não contém bastonetes, só possuindo
cones.

4.2.1. Bastonetes
Os princípios que regem a transdução do sinal, basicamente, envolvem
receptores acoplados a proteína G, e toda uma cascata de reações que levam
a alteração no potencial da membrana no fotorreceptor. Assim, quem é que
estimula esse receptor? Um fotopigmento, que corre na luz até alcançar a
retina.
Em repouso, a membrana tem potencial de -65 mv. Mas em uma
escuridão completa, há um fluxo constante de íons sódio, por canais
especiais, levando o potencial para -30 (corrente do escuro). Eles são
abertos por estímulo do GMPc, sendo que a luz reduz esse número de
canais abertos ao reduzir a quantidade de GMPc, provocando fechamento
dos canais, tornando potencial mais negativo. Ou seja, há uma
hiperpolarização em resposta a luz.
Esse evento começa com a absorção da radiação eletromagnética nos
fotopigmentos dos discos empilhados neles.
Nos bastonetes, tais pigmentos são conhecidos como rodopsinas, que
seriam proteínas receptoras de membrana, em que a absorção de luz altera
sua conformação, mudando a sua coloração, mudando o comprimento de
luz que consegue absorver. E isso leva a estimular a transducina, que está
no disco, que, após uma cascata de eventos, há a hidrólise do GMPc (que
está no citoplasma dos bastonetes no escuro). Isso promove a amplificação
do sinal, onde proteína G é ativada por pigmentos específicos,
determinando a precisão na resolução da imagem.

4.2.2. Cones
Enquanto que nos bastonetes, um aumento de luz já provoca queda de
GMPc até levar a saturação da luz (ou seja, luz adicional não estimula mais
eles), nos cones, esse limiar é diferente, requerendo mais energia para
desbotar eles e provocar a saturação.
O mecanismo é o mesmo dos bastonetes. O que difere basicamente é o
tipo de proteínas envolvidas nos discos, onde existem basicamente três, um
presente em cada cone, em que cada cone tem seu espectro de luz específico
para captar.
Assim sendo, lembremos que há três cores primárias: azul, vermelho e
verde. É a combinação delas que provoca a formação das demais cores.
Então temos três tipos de cones, cada um respondendo a cada uma dessas
cores, e é a ação conjunta deles que formará a imagem com a cor
correspondente. E com isso, Young propôs que cada ponto na retina, há três
tipos de cones, cada um respondendo a uma das cores primarias. E com
cada um sendo estimulado de modo distinto, o encéfalo compõe essa
mistura de cores, formando a imagem com as tonalidades de cores
especificas. – Teoria Tricomatica de Young-Helmholtz.
Percebe agora porque de noite é mais difícil discriminar as cores nos
objetos? Pois há pouca luz capaz de estimular os cones. Com isso, só os
bastonetes são estimulados, e eles tem uma sensibilidade no espectro azul-
esverdeado.
Por sinal, é preciso um tempo para se adaptar quando mudamos de
ambiente claro para outro escuro, e vice-versa. Assim, temos o fenômeno de
adaptação ao escuro e ao claro. Nesse momento, a pupila se dilata,
aumentando a entrada de luz no olho, e mais bastonetes ficam disponíveis
para captar luz. Assim, quando voltamos a ambiente luminoso, demoramos
novamente para se adaptar, pois com alta sensibilidade para a luz, ficamos
sem enxergar direito, pois muito mais luz está sendo captada pela retina.

4.3. Processamento
Ainda há muito o que entender quanto ao processamento na retina. Mas,
o que se sabe, é que sinais de saída codificam a imagem a ser conduzida ao
SNC. Lembrando que quem dispara PA são as células ganglionares. As
demais respondem a estímulos com alterações graduais de potencial de
membrana.
E o que ocorre? Um fotorreceptor conduz informação para célula
bipolar, que conduz para a célula ganglionar. Em cada sinapse, a informação
é modulada, por conexões de células horizontais e amácrinas.
Os fotorreceptores liberam glutamato quando sensibilizados. No caso
deles, a luz hipersensibiliza-os. Ou seja, a luz induz a menor liberação de
neurotransmissores. Ou seja, também, a sombra é quem provoca
despolarização e liberação de neurotransmissores pelos fotorreceptores.
Nesta camada, cada fotorreceptor faz contatos com as bipolares e as
horizontais, sendo as horizontais quem interfere nas vias ao redor, nesta
camada, e as bipolares quem levam informação pela via direta.

DESTAQUE! Os campos receptivos

• Células tipo Off – canais ativados por glutamato, mediando PEPS, que
despolariza por influxo de Na (desligam com muito glutamato)
• Células tipo On – receptores acoplados a proteína G, respondendo a
glutamato com hiperpolarização. (acendem com pouco glutamato)

Na fóvea, cada célula bipolar recebe aferência de um único


fotorreceptor, mas na periferia, vários fotorreceptores se comunicam com
uma única célula bipolar.
As células bipolares se comunicam também com um anel circunscrito de
fotrreceptores, via células horizontais. Eis o campo receptivo, área da retina
em que, em resposta a estimulo da luz, promove alteração do potencial de
membrana da célula. É também uma área circular de retina, com aferências
diretas do fotorreceptor (centro) e área adjacente, com aferências via células
horizontais (periferia).
E, entre esses campos, ocorre uma resposta oposta. Se a luz incide num
campo, o centro tem resposta oposta ao da periferia. Se despolariza o
centro, hiperpolariza a periferia (na luz), e vice-versa (no escuro).

4.4. Saída da retina


A única fonte de saída de sinais da retina para encéfalo é via células
ganglionares. Eles possuem campos receptivos, e tem correspondência com
as células bipolares.
Assim, a resposta a estimulo do centro é anulada pela estimulação da
periferia em cada campo receptivo. Assim, a maioria das células receptivas
não responde a mudanças da iluminação que ocorre simultaneamente na
periferia e centro dos campos. É preciso que haja mudança
predominantemente no centro, ou predominantemente na periferia, para que
hajam respostas distintas. Assim, são essas variações que determinam os
diferentes pulsos que são descarregados e propagados para vias ascendentes
da visão.

5. O Nervo Óptico
O nervo óptico, o II par craniano, emerge da retina, saindo pelo polo
posterior do globo ocular. É também chamada de via retinofugal
justamente por se dirigir para fora da retina. Para sair da retina, a via
começa a partir das células ganglionares, que irão emitir fibras que, juntas,
compõem o nervo óptico, que emergem da retina a partir da papila óptica.
Atravessam forames da base do crânio para saírem das órbitas.
A retina tem dois componentes: o componente lateral, ou temporal, que
responde por um grupo de fibras do nervo óptico, e o componente nasal, ou
medial, que responde por outro grupo. Esses dois compõem o nervo óptico,
mas percorrem todo o trajeto separados. Lembrando que, na refração, a
imagem se forma de modo invertido na retina.
Logo após emergir das órbitas, se unem para formar o quiasma óptico, à
frente da região da sela túrcica. Nessa região, os axônios que vem de células
presentes nos campos nasais das retinas vão cruzar a linha média, fenômeno
conhecido como decussação. Logo após o quiasma, as vias que saem são
chamadas de tratos ópticos, que vão correr logo abaixo da pia máter, nas
superfícies laterais do encéfalo.

DETALHE! Campo Visual vs Acuidade Visual

Dois conceitos chave no estudo da visão, e também importantes para o exame


neurológico, são os conceitos de campo visual e o de acuidade visual.

• Campo: quanto podemos ver do mundo em um dado momento –


limitado pelas estruturas do crânio

• Acuidade: capacidade de diferenciar dois pontos próximos – depende do


espaçamento dos fotorreceptores, e da capacidade de refração do olho

Os campos visuais são toda a região do espaço que pode ser vista com
ambos os olhos, olhando para frente. Se você divide esse campo com uma
linha imaginária vertical, que corre bem no meio do campo de cada olho,
você tem a divisão em hemicampos visuais direito e esquerdo. Assim, o
hemicampo visual esquerdo é “visualizado”, no córtex, pelo córtex direito,
e o hemicampo visual direito pelo córtex esquerdo.
Se olhar para um ponto fixo, e fechar um olho, depois trocar de olho,
perceberá que o campo medial dos campos de cada olho é visto por ambos.
Esse é o campo visual binocular.

6. O Trato Óptico
Boa parte das fibras se desprendem do trato óptico para se conectar com
células do hipotálamo, e cerca de 10% vão seguir pro encéfalo, passando
pelo tálamo e mesencéfalo. Algumas fibras se ramificam e se dirigem a
núcleos da área pré-tectal, sendo importantes para mediar reflexos pupilares
e outros reflexos visuais importantes.
As demais fibras chegam no tálamo, através do núcleo geniculado
lateral, de onde partem fibras para o córtex visual primário, que tem um
arranjo característico, sendo denominado radiação óptica. Qualquer lesão
nessa via, desde a saída do olho, até o córtex cerebral, poderá levar a
cegueira.
Com isso, é possível predizer a localização de uma possível lesão em
todo o trajeto. Se o nervo óptico é lesado, toda a visão do olho dele é
comprometida, a chamada amaurose. Se o quiasma é lesado, as vias que
cruzam são comprometidas, ou seja, as que vem das porções nasal das
retinas, e que formam o campo temporal visual, a chamada hemianopsia
bitemporal. Se a parte externa do quiasma em ambos os lados é lesada,
temos lesões de vias oriundas dos componentes temporais, responsáveis
pelos campos nasais, levando a hemianopsia binasal. E se o trato óptico é
lesado, todo o campo direito dos dois olhos, ou o campo esquerdo dos dois,
vai ser lesado hemianopsia homônima. Se há a perda visual em um
quadrante do campo, seja em um ou nos dois olhos, há a quadrantopsia,
comum em lesão parcial das radiações ópticas, que podem promover outros
tipos de comprometimento visual. E se houver lesão em áreas específicas do
córtex também podem haver diversos tipos de hemianopsia, e uma delas é a
hemianopsia altitudinal, em que há perda da visão acima da linha
horizontal medial do campo visual.
Imagem 8: Ilustração dos campos visuais, e em escuro as regiões perdidas
de acordo com as lesões correspondentes nos locais destacados nas vias. (8)

Algumas células enviam fibras para outras regiões que não o NGL do
tálamo. Algumas emitem para o hipotálamo, sendo importante no ciclo
sono-vigília, e no ciclo circadiano. Outras emitem para a área pré-tectal do
mesencéfalo, sendo importante pra mediar o tamanho da pupila, e alguns
movimentos oculares. Cerca de 10% das células ganglionares da retina vão
emitir fibras para os colículos superiores, do mesencéfalo. Essa região
tectal do mesencéfalo é a principal alvo da projeção retinofugal. Os
colículos superiores são chamados de tecto óptico, sendo a razão de essa
via ser chamada também de projeção retinotectal.
Quando um ponto luminoso atinge a retina, essa via retinotectal é
responsável por ativar um conjunto de neurônios motores do tronco cerebral
para direcionar o olho e a cabeça de modo a colocar esse ponto luminoso na
fóvea, a região de melhor captação de imagem.
Contudo, os núcleos geniculados laterais consistem no principal alvo do
trato óptico. Eles parecem ser arranjados em seis camadas distintas, sendo
numeradas de 1 a 6, começando pela mais ventral. São curvadas, com a
forma de joelho (daí o geniculado), empilhadas umas nas outras. É a porta
de entrada para o córtex visual.
Cada camada desse NGL emite axônios para o córtex visual pela
radiação óptica. Lembrando que o NGL direito recebe informações do
campo visual esquerdo, e vice-versa. E no NGL, os sinais que vem dos dois
olhos é separado. Os sinais que vem do olho ipsilateral estabelece sinapses
nas camadas 2, 3 e 5. E o do olho contralateral nas camadas 1, 4 e 6.
E o que foi observado em estudos com microelétrodos, é que os campos
visuais e os sinais de entrada no NGL são idênticos aos das células
ganglionares da retina. E, pouco se sabe ainda, mas o próprio córtex visual
retoralimenta o NGL, e ele se comunica também com o tronco cerebral, se
relacionando com atenção e o estado de alerta, que veremos em outro vídeo.

7. Córtex Visual
O córtex visual primário, a área 17 de Brodmann, está no lobo
occiptal, estando ao redor do sulco calcarino. É também chamado de
córtex V1, ou estriado. Os axônios que se comunicam com ele vêm direto
do NGL. E no córtex há uma característica de organização geral das
imagens vindas da retina, que é conhecido como retinotopia, onde há
correspondência a área da retina que se comunica com a área do NGL e do
córtex visual.
Mas, lembremos de uma coisa importante: a retina tem locais de maior
precisão de captação de imagem, e outras com menor resolução. Tanto no
NGL quanto no córtex estriado há a magnificação dessas áreas de maior
precisão, em detrimento das outras de menor, ou seja, o mapeamento
retinotopico é desproporcional, pois a imagem tem focos de preferência
em detrimento de outras.
Imagem 9: Divisões das vias da visão: Retina, nervo óptico, quiasma óptico,
trato óptico, radiações ópticas, e córtex visual. (9)
Imagem 10: Imagem ilustrando a perda de campo visual correspondente a
lesão em cada segmento do sistema visual. (10)

7.1. Fisiologia
Os seus campos receptivos são similares aos dos neurônios do NGL do
tálamo, ou seja, pequenos, monoculares, organizados como centro-periferia.
Porém, é bom lembrar que há camadas do córtex com células tendo campos
binoculares, ou seja, respondendo a luz a qualquer um dos olhos. E qual a
importância disso? Basicamente, nós, seres binoculares, não
conseguiríamos usar os sinais que vem dos dois olhos, precisando enxergar
com um olho apenas para compreender o mundo ao redor, já que com as
imagens separadas, formaríamos duas imagens em vez de uma só.

7.2. Outras áreas


O córtex visual primário é conhecido como V1, ou área visual 1
justamente por ser a primeira a receber informação do NGL. Porém, há
várias outras áreas corticais que recebem aferências visuais. Ainda não se
sabe exatamente a importância dessas outras áreas, mas o que se sabe é que
é possível dividir em duas grandes vias: a via que se dirige ao lobo
parietal, e outra para o lobo temporal.
O feixe dorsal (que vai para o lobo parietal) parece se envolver com
análise do movimento visual e controle visual da ação, como quando nos
movemos, e vemos objetos se deslocando na nossa visão. Analisar a
direção, a velocidade do movimento, bem como nossa habilidade de
perceber e acompanhar com os olhos o movimento, e saber interpretar esse
movimento, é de extrema importância para nós.
Já o feixe ventral (para o lobo temporal) aparenta se envolver na
percepção do mundo visual, e no reconhecimento dos objetos. A
síndrome de acromatopsia, rara, sugere que nessa região também haja
auxílio no processamento das cores, pois nesta síndrome o paciente tem
perda da visão das cores, mesmo com cones em perfeito estado, e vias e
córtex estriado sem alterações significativas. Há também áreas temporais
que parecem participar da percepção visual e da memória visual. A
prosopagnosia é uma síndrome que representa a dificuldade no
reconhecimento de faces, embora a visão, em si, esteja normal. E
aparentemente, essa síndrome decorre de lesões no lobo temporal, já que
tem sido objeto de estudo a possível existência de células especializadas em
reconhecimento das faces.

8. Entendendo o caso...
Os adenomas de hipófise são tumores vindos do crescimento anormal
das células endócrinas da adenohipófise. Raramente vem da neurohipófise.
Os tumores de hipófise representam 10% dos tumores intracranianos, e tem
incidência maior entre os 30 e 40 anos. São divididos em adenomas
produtores/secretores ou não produtores/não-secretores, com base na
presença ou não da produção endócrina.
Eles variam em tamanho, desde microscópicos (menos de 1 mm) a
macroscópicos (até maiores de 5 cm), podendo ser invasivos. Em sua
grande maioria são lesões únicas. São classificados tumores grau I pela
OMS. São invasivos porem não são considerados malignos. Seu
crescimento é lento na maioria dos casos. Os tumores de rápido crescimento
são mais vistos nos casos de recidivância.
Quase 2/3 dos adenomas são secretores de hormônios, sendo, em sua
maioria, prolactina, seguido pelo GH, CRH e TSH. Os demais são não
secretores. Nas mulheres, os prolactinomas (adenomas produtores de
prolactina) se apresentam com quadro de amenorreia e galactorreia, ao
passo que os homens se apresentam com hipogonadismo e impotência. Os
secretores de GH manifestam-se com acromegalia nos adultos, e gigantismo
nas crianças. Os produtores de CRH fazem a síndrome de Cushing, e os
produtores de TSH fazem hipertireoidismo. Comumente fazem efeito de
massa, se manifestando com cefaleia, náuseas e distúrbios visuais. Os
sintomas compressivos costumam ser: hemianopsia bitemporal e redução da
acuidade visual (compressão do quiasma óptico); hipotireoidismo,
hipogonadismo, diabetes insipidus e hiperprolactinemia (por compressão de
estruturas funcionantes da hipófise); e compressão do III, IV e VI nervos
cranianos, fazendo oftalmoplegia, dos ramos maxilar (V2) e oftálmico (V1)
do trigêmeo, fazendo comprometimento da sensibilidade facial, proptose
por congestão venosa, e estreitamento de artéria carótida (por compressão
do seio cavernoso).
Pode ainda ocorrer a chamada apoplexia pituitária, onde ocorre uma
cefaleia súbita seguida de déficit neurológico ou endocrinológico, vindo de
uma expansão súbita de massa na sela turca, vindo da hemorragia ou
necrose. Pelo comprometimento súbito da função hipofisária, é necessária
administração de corticoides de imediato, seguida por uma avaliação
endócrina. É indicada abordagem cirúrgica em caso de: redução súbita dos
campos visuais, deterioração rápida e progressiva da acuidade visual ou do
nível de consciência (por hidrocefalia). Os melhores resultados vêm de
abordagens em até 7 dias do inicio do quadro. A via transesfenoidal tem
melhores resultados que a via transcraniana em alguns casos.
O diagnóstico é feito através de exames de imagem, podendo ser vista, à
TC ou à RNM. Na TC, pode ser vista, à janela óssea, um alargamento da
sela turca. Sem contraste, são isodensos à substancia cinzenta, podendo,
porém, serem observados cistos ou sangramentos no tumor. Ao contraste,
pode haver realce heterogêneo. Na RNM, os adenomas são isointensos ao
córtex cerebral. Quando comprimem o trato optico, observa-se
hiperintensidade no trajeto optico.
Os principais diagnósticos diferenciais são: hiperplasia hipofisária
(comuns em mulheres jovens), meningiomas selares (diferenciados pela
presença da hipófise deslocada na imagem), craniofaringioma (tumor
suprasselar mais comum na infância), cisto da bolsa de Rattke (diferencial
com microadenomas) e metástase (vindo de câncer de pulmão e mama).
O tratamento pode ser medicamentoso, principalmente em
prolactinomas com dosagem hormonal de prolactina > 500, visto que,
nesses casos, a chance de normalizar a prolactina é bem pouca. São
indicadas drogas agonistas da dopamina, como a bromocriptina e a
cabergolina. A cirurgia é indicada em caso de dosagem de prolactina < 500,
ou com dosagem > 500, mas refratário ao tratamento medicamentoso, após
cerca de 6 semanas de uso. É indicado também em casos de efeito de massa.
As abordagens possíveis cirúrgicas são: acesso transesfenoidal
(procedimento de escolha); transetmoidal; e transcraniana (indicado em
caso de extensão importante suprasselar).

Referências Bibliográficas
1. MACHADO, Angelo B.M.; HAERTEL, Lúcia Machado. Neuroanatomia funcional. 3.ed.
São Paulo: Atheneu, 2006.
2. MARTIN, John Harry. Neuroanatomia: texto e atlas. 4. ed. Porto Alegre: AMGH, 2013.
3. BEAR, Mark F.; CONNORS, Barry W.; PARADISO, Michael A. Neurociências:
desvendando o sistema nervoso. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017.
4. LENT, Roberto et al. Cem Bilhões de Neurônios? Conceitos Fundamentais de Neurociência.
2. ed. São Paulo: Atheneu, 2002.
5. KANDEL, E.R.; SCHWARTZ, J.H.; JESSELL, T.M. Princípios da Neurociência. São
Paulo: Manole, 2003.
6. DUUS, Peter. BAEHR, M. FROTSCHER, M. Topical Diagnosis in Neurology. 4. Ed. New
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8. GREENBERG, Mark S. Handbook of Neurosurgery. 6. Ed. New York: Thieme, 2006.

Imagens
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ocular/>, Acesso em: 27 de outubro de 2018.
3. InfoEscola. Retina. Disponível em <https://www.infoescola.com/visao/retina/>, Acesso em:
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<http://centraldaoptometria.blogspot.com/2015/05/fotorreceptores.html>, Acesso em: 27 de
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6. Knoow.net. Retina. Disponível em <http://knoow.net/ciencmedicas/medicina/retina/>,
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7. Paulo Guzmán. Tecnología Médica en Oftalmología. Disponível em
<http://tecnologiamedicaoftalmo.blogspot.com/2018/05/fotorreceptores.html>. Acesso em:
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10. DUUS, Peter. BAEHR, M. FROTSCHER, M. Topical Diagnosis in Neurology. 4. Ed. New
York: Thieme, 2006.
CONFERÊNCIAS
Confira aqui a aula dinâmica do Medicina
Resumida sobre os assuntos abordados nesse
capítulo!
12. A Audição
Capítulo 12
A AUDIÇÃO
1. Caso Clínico
Mais um dia tranquilo na emergência do Hospital do Santo Livro, e Dr.
Gomes mais uma vez se depara com um caso curioso. Chega ao P.S. uma
paciente de 15 anos acompanhada da mãe com relato de cefaleia, náuseas
há 7 dias, e fraqueza em hemicorpo direito há 3 dias. A mãe refere que,
hoje, a paciente cursou com rebaixamento do nível de consciência.
Indagada se houve algum outro sintoma prévio, refere que a mesma cursou,
há 12 dias, com quadro de otalgia e secreção em ouvido esquerdo. Refere
febre associada, e redução da acuidade auditiva no mesmo lado.
Ao exame neurológico, a paciente se apresentava sonolenta, hipoativa,
pouco contactante. Pupilas isocóricas e fotorreagentes, com movimento
ocular extrínseco preservado. Mimica e sensibilidade faciais preservadas.
Sensibilidade tátil e dolorosa preservadas. Força muscular reduzida em
hemicorpo direito. À otoscopia: presença de secreção purulenta e cera em
ouvido esquerdo, com membrana timpânica abaulada e pouco hiperemiada,
edema de parede do meato acústico.
Suspeitando de uma otite media complicada, solicitou uma ressonância
magnética de encéfalo, que evidenciou, em T1, uma lesão arredondada, com
realce perilesional por contraste, hipossinal no centro, e hipersinal
perilesional, sugerindo edema. O dr. Gomes logo suspeitou de um abscesso
cerebral, e tratou de internar a paciente para iniciar antibioticoterapia e
estudar uma possível abordagem cirúrgica da lesão, com o objetivo de
drenar o abscesso e reduzir o efeito de massa.

1.1. Termos-Chave
• Otalgia
• Otoscopia
• Membrana timpânica abaulada e hiperemiada
• Otite média aguda
• Distúrbio de condução
• Distúrbio de percepção
1.2. Termos Desconhecidos
• Otalgia
• Otoscopia
1.3. Objetivos
• Como ocorre a captação e processamento do som?
• Quais as regiões do sistema nervoso envolvidas na percepção do
som?

1. O Som
O som nada mais é do que uma onda eletromagnética, que se propaga
através da vibração das moléculas no ar. Ou seja, ele é dependente de um
meio com moléculas para se propagar. E qualquer coisa que faça as
moléculas do ar sofrerem vibrações, são capazes de gerar sons.
Essas vibrações são produzidas em uma sequência específica, e de
maneira periódica. Assim, temos a frequência, que é o número de trecos de
ar que são submetidos a vibrações que passam por nossos ouvidos a cada
segundo. A frequência é medida em Hertz (Hz).
Nosso sistema auditivo consegue responder a ondas na faixa entre 20 e
20000 Hz. Acima ou abaixo disso nosso sistema auditivo não consegue
captar e converter em sinais nervosos. Conforme avança a idade, ou ao ser
exposto a ruídos de alta frequência, a nossa audição reduz essa faixa
auditiva. E a frequência tem influência na detecção do tom do som, seja
agudo ou grave. Os sons graves possuem baixa frequência, enquanto que os
agudos têm alta.
Outra característica importante é que os sons possuem intensidade, que
seriam as diferenças entre as vibrações produzidas. E ela determina o
volume do som.

2. Composição
O ouvido externo é composto por cartilagem coberta por pele,
formando o pavilhão auricular, que capta o som vindo em sua direção. Sua
conformação possibilita uma melhor captação de sons que vem da frente do
que os que vem de trás. E seu formato auxilia na interpretação da direção de
onde vem o som. Nos humanos, o pavilhão é praticamente fixo, mas em
outros animais ele se move, para redirecionar a direção para o qual quer
captar o som.
Imagem 1: Ilustração da anatomia do pavilhão auricular, com destaque à
hélice, anti-hélice, cavum, trago, antitrago, e lóbulo. (1)

O meato acústico externo é o canal que comunica o ouvido externo ao


ouvido médio. Se estende para o interior do crânio, até terminar na
membrana timpânica, ou tímpano. Conectado a ele, existem ossículos, ou
pequenos ossos, que estão dentro de uma pequena câmara preenchida por
ar, e eles, conectados entre si, transmitem a vibração do tímpano para uma
outra membrana que recobre um orifício chamado de janela oval. Atrás
dela, há a cóclea, que compõe o ouvido interno, que é preenchida de
fluido, que sofre a vibração e transmite ela a estruturas específicas que vão
converter as vibrações da onda sonora em impulsos nervosos.
O ouvido médio consiste em uma cavidade preenchida por ar, onde
estão os elementos da audição que irão vibrar com a onda sonora. Seus
componentes são: a membrana timpânica, ossículos e dois músculos que
se ligam aos ossículos.
A membrana timpânica, ou tímpano, tem aspecto quase cônico, sendo
a ponta direcionada para dentro da cavidade. Os três ossículos são:
martelo, que se liga de maneira fixa a bigorna, e que se liga de maneira
flexível ao estribo. E é o estribo que vai vibrar, pra dentro e pra fora, na
janela oval, transmitindo as vibrações ao ouvido interno.
Imagem 2: Anatomia do percurso do som e estruturas da audição. Destaque
para as divisões em: ouvido externo, médio e interno. (2)

O ar dessa cavidade se continua com as cavidades nasais através da


tuba auditiva, ou trompa de Eustáquio. Ele possui uma válvula, que o
mantém fechada, mas que se abre com bocejo ou mascar chiclete, e é útil
em situações de variação de pressão do ar ambiente, como ao ascender em
avião, ou descer de elevador. A abertura dela propicia a equalização entre as
pressões do ouvido médio e do ar ambiente.
Os ossículos transmitem o som do tímpano para a janela oval. E eles
tem a importância por amplificar as vibrações, pois se as ondas sonoras
incidissem diretamente na janela oval quase que não haveria vibração,
devido a cóclea ser preenchida por fluido, e a água ter maior capacidade de
refletir do que transmitir o som, por ter uma alta resistência. Lembrando dos
conceitos de pressão, que consiste na força aplicada sobre uma determinada
área, para uma pressão ser aumentada, você precisa ou aumentar a força, ou
reduzir a área de superfície. Os ossículos aumentam a força, e a janela oval
tem uma área bem menor que a membrana timpânica.

DETALHE!

Os músculos ligados aos ossículos são: m. tensor do tímpano, ancorado no osso


da cavidade em uma extremidade, e ao martelo em outra. E o m. estapédio
também se estende do osso da cavidade até o estribo. A contração deles torna a
fiação dos ossículos mais rígida, reduzindo a condução do som para o ouvido
interno. Isso é importante, por exemplo, em situações de sons barulhentos, que vão
desencadear uma resposta reflexa, o reflexo da atenuação. Mas, devido ao
reflexo ter um certo retardo, a tal proteção da cóclea ao ser submetida a sons
barulhentos não seria muito eficaz. Quando ele age, a lesão certamente já ocorreu.

Já o ouvido interno, por sua vez, consiste na cóclea, relacionada a


audição, e no labirinto, que está envolvido com o sistema vestibular, visto
com mais detalhes no capítulo 15. Neste, veremos com mais detalhes a
cóclea.
A cóclea tem a forma de espiral, que lembra a concha do caracol. Ela
pode ser entendida como um tubo contorcido, que é revestido de osso, que
envolve um pilar central, de osso, chamado modíolo. Na base da cóclea,
existem dois orifícios revestidos de membrana, que são a janela oval e a
janela redonda.
Imagem 3: Estruturas da cóclea, e comunicação com o nervo coclear, em
conjunto com as estruturas do sistema vestibular. (3)

Se cortássemos a cóclea, veríamos o interior do tubo dividido em três


câmaras, revestidas de fluido. A escala/rampa vestibular, a escala média,
e a escala timpânica. Entre a timpânica e a vestibular, há comunicação
através do helicotrema, um orifício que existe. A membrana de Reissner
separa a vestibular da média, e o órgão de Corti se apoia na membrana
basilar, que separa a timpânica da média. O órgão de Corti é importante por
conter os neurônios receptores auditivos. Ele tem, logo acima, a membrana
tectorial.
O órgão de Corti é composto por células ciliares e células de suporte. As
primeiras são as células responsáveis pela captação do estimulo sonoro e
sua transdução em impulso nervoso. Se dividem em células ciliares
internas e células ciliares externas. Seus cílios se direcionam para a
membrana tectorial. Com a vibração da membrana basilar, ocorre o
dobramento dos estereocilios, que estão em contato com a imóvel
membrana tectorial. Com isso, veremos adiante que essa seria a base da
transdução do estimulo sonoro.
A escala vestibular se comunica com a janela oval, e a escala
timpânica se comunica com a janela redonda. E o fluido que ocupa a
escala vestibular é a perilinfa, com composição similar ao LCR. A média
é preenchida pela endolinfa, composta por fluido extracelular incomum,
por ter concentrações similares aos fluidos intracelulares (alta concentração
de potássio, e baixa concentração de sódio). Isso proporciona a formação de
um potencial, o potencial endococlear, importante mais adiante.

Imagem 4: Visão interna da cóclea, com as estruturas e percurso de


passagem da linfa. (4)

3. Fisiologia
O movimento para dentro da janela oval empurra a perilinfa na escala
vestibular. Se a membrana interna fosse rígida, ocorreria a transmissão da
pressão pela perilinfa na escala vestibular, passaria pelo helicotrema, e
desceria pela escala timpânica, até a janela redonda. Mas isso não ocorre
desse modo, devido a estruturas de dentro da cóclea não serem rígidas,
como é o caso da membrana basilar, que é flexível.
A membrana basilar, ao longo do canal, é mais larga no ápice do que na
base, e a rigidez diminui da base ao ápice. Se a frequência do som é alta, a
base vai vibrar muito, dissipando parte da energia, com a onda não
propagando muito adiante. Se a frequência for baixa, as ondas irão se
propagar até o ápice flexível, antes da boa parte da energia se dissipar.
Assim, o ponto de deformidade máxima de determinada frequência pode ser
determinado, tal qual um código de localização, gerando um código neural.

Imagem 5: Mapa auditivo, ou tonotópico, da cóclea.

A conversão desse estímulo sonoro/vibratório em impulso nervoso


ocorre no órgão de Corti. Ele é composto por células ciliadas, pilares de
Corti e células de sustentação.

Imagem 6: Estruturas do órgão de Corti. (6)


As células ciliadas são os receptores auditivos. Eles possuem vários
estereocílios, que se projetam no ápice, e seu deslocamento promove a
transdução da energia sonora em potencial nervoso. Esses cílios ficam fixos
entre as células e a lâmina reticular. Os pilares de Corti sustentam essa
estrutura. As células ciliadas internas ficam entre o modíolo e os pilares de
Corti, e as externas aos pilares são as células ciliadas externas.
Quando o estribo se move, a membrana basilar se move, e com isso toda
a estrutura que sustenta as células ciliadas também se move. Elas, em
conjunto, se movem em direção a membrana tectorial, ou se afastando dela.
Lembrando que os cílios das células ciliadas externas ficam fixas a
membrana tectorial. Assim, seu movimento faz os cílios se moverem para
um lado ou para o outro. As extremidades das células ciliadas internas
também se movem, só que devido ao movimento da endolinfa.
Os mecanismos precisos de como isso funciona na verdade ainda são
meio complexos de se compreender. Mas, estudos feitos mostraram que o
movimento para uma direção faz as células despolarizarem, e para outra
direção, hiperpolarizarem. Ou seja, as vibrações fazem uma série de
despolarizações e hiperpolarizações de maneira alternada. Essa seria a
origem da codificação de cada frequência especifica.
As células ciliares fazem sinapses com neurônios cujos corpos celulares
estão no gânglio espiral, no modíolo. São células bipolares. E os axônios do
gânglio espiral entram no nervo vestíbulo-coclear (o VIII par craniano).
Ele se projeta para núcleos cocleares do bulbo.

3.1. Inervação das células ciliadas


O nervo auditivo consiste em axônios de neurônios que estão
emergindo do gânglio espiral. Ou seja, são os neurônios do gânglio espiral
que irão disparar os potenciais de ação vindos do estímulo sonoro direto.
Porém, as células ciliadas internas e externas tem inervação diferenciada.
Embora existam muito mais células ciliadas externas que internas, a grande
maioria dos neurônios vão se comunicar com poucas células internas, e a
minoria (cerca de 5%) inervam as células externas. Ou seja, um neurônio
inerva diversas células externas ao mesmo tempo, ao passo que vários irão
inervar uma única célula ciliada interna.
Com isso, é possível deduzir que a maior parte da informação da
audição vem de células ciliadas internas. Além disso, estudos atuais
sugerem que as células ciliadas externas agem como amplificadores do
som, amplificando o movimento da membrana basilar aos estímulos de
baixa intensidade.

4. Vias auditivas
As vias auditivas fazem sinapses em várias regiões intermediárias, antes
de chegar, de fato, ao córtex.
O nervo auditivo segue formando o nervo coclear que irá compor o
Nervo Vestibulococlear, o VIII par craniano. No bulbo, ele inerva o núcleo
coclear dorsal e ventral, ipsilateral a cóclea inervada.
A partir dos receptores da cóclea, neurônios bipolares se comunicam e
emitem axônios que irão terminar na ponte, formando o nervo coclear
(parte do nervo craniano VIII: nervo vestibulococlear). Alguns autores
consideram ele o primeiro neurônio da via auditiva. Ele atravessa o canal
auditivo interno, junto com o nervo vestibular, e atravessa o espaço
subaracnoide no ângulo pontocerebelar. Em seguida, entra no tronco
cerebral atrás do pedúnculo cerebelar inferior.
Na ponte, se comunica com os núcleos cocleares dorsal e ventral
ipsilateral a cóclea inervada. A partir daí, são emitidos os segundos
neurônios da via, que irão cruzar para o lado oposto dentro do corpo
trapezoide, contornar o núcleo olivar superior e ascender, formando o
lemnisco lateral contralateral. Algumas pequenas vias adentram o lemnisco
lateral ipsilateral também, e, durante o trajeto, emitem algumas fibras para
tais regiões do trajeto.
Em seguida, se dirigem ao colículo inferior, para fazer sinapse com os
terceiros neurônios da via. Estes irão emitir axônios para se comunicar com
o corpo (ou núcleo) geniculado medial, no tálamo. Por fim, no NGM, são
formados os quartos neurônios da via, que irão formar a radiação auditiva,
levando a informação para o córtex auditivo. Importante ressaltar que a
radiação atravessa a cápsula interna antes de chegar no córtex.
Imagem 7: Passagem na porção petrosa do osso temporal do nervo coclear e
vestibular, além da correlação anatômica com o nervo facial. (7)
Imagem 8: Ilustração da via auditiva rumo ao córtex auditivo. Destaque ao
fato de que, embora a via decusse a nível de bulbo, ainda há comunicação
no mesencéfalo que propicia a interpretação do som em ambos os lados do
córtex cerebral. (8)

É bom lembrar que a via auditiva também recebe aferências de outras


regiões do sistema nervoso, e com isso sofrem também interferências
externas, e age em outras regiões, sendo também responsáveis por interferir
em outros sistemas. Essas, porém, são conexões ainda pouco
compreendidas, sendo objeto de muitos estudos.
Importante também sabermos que a localização no plano horizontal
basicamente, é feita com base no tempo que o som leva para chegar aos
nossos ouvidos. Se ele vem da direita, obviamente que o ouvido direito terá
informações mais precisas e mais rápidas do som do que o ouvido esquerdo.
E isso acontece igualmente do outro lado. Mas, se vem de frente,
certamente não haverá retardo, e o som chegará igualmente aos dois
ouvidos. Então, com essa diferença de tempo, o nosso sistema auditivo
consegue interpretar a localização precisa de onde vem o som.
Já a localização no plano vertical, o tempo já não é tão útil, ou seja, o
uso dos dois ouvidos acaba não sendo tão relevante assim. Com isso, tapar
um ouvido afeta a localização horizontal, mas não a vertical. E quem ajuda?
O pavilhão auricular. Com seu desenho típico, sinuoso, com várias cristas
e vales, são os responsáveis por localizar o som no plano vertical. Assim, há
informação que vai na via direta, ou seja, vem diretamente da fonte, e outra
que vem da via refletida, que vem do reflexo do som nessas cristas. É a
composição dessas informações que fará o sistema auditivo detectar a
localização vertical da fonte do som.

5. Córtex Auditivo
Então, seguindo o trajeto, do tálamo, os axônios vão se projetar para o
córtex auditivo através da cápsula interna, via radiação acústica. O
Córtex Auditivo Primário (A1) corresponde a área 41 de Brodmann, no
lobo temporal, sendo também chamado de giro transversal de Heschl. Tem
arranjo similar ao córtex visual. Uma coisa interessante é que existe um
mapa auditivo no córtex (ou tonotopia), em que há regiões especificas para
faixas de frequência especificas.
Imagem 9: Imagem mostrando o córtex auditivo primário (em marrom,
roxo e vermelho) e sua comunicação com a área de Broca (em verde). Visão
lateral (A) e frontal (B). (9)
Imagem 10: Ilustração do mapa auditivo no giro temporal transversal, e a
tonotopia preservada ao longo do trajeto da via auditiva. (10)

Um dado interessante: uma lesão no córtex auditivo não leva a surdez,


como se imaginaria. Isso acontece porque os ouvidos emitem informações
para o córtex bilateralmente. O que pode ocorrer é a perda da capacidade de
localizar um som. Ainda não se compreende muito bem tudo o que ocorre
com a lesão desse córtex.

DETALHE!

Durante o trajeto, algumas fibras são emitidas, se comunicando com outras áreas.
Por exemplo, algumas fibras fazem a ligação da via auditiva com núcleos do
movimento ocular e com o cerebelo, coordenando o desvio do olhar para o foco de
determinado som; outros vão para a área pré-tectal, e se comunicam com alguns
núcleos do tronco cerebral, como o do nervo facial (inervando o músculo
estapédio), ou para núcleos da raiz ventral da medula cervical, coordenando
movimento da cabeça em direção a um som.

6. Entendendo o caso...
A otite média aguda é um processo inflamatório do meato acústico
médio, em geral vindo de processo infeccioso (bacteriano ou viral). Em
crianças, é a principal infecção bacteriana. Quando ocorre uma infecção
bacteriana, pode ocorrer também secreção purulenta no meato acústico que,
em conjunto com o edema vindo da inflamação no local, podem dificultar a
passagem e captação da vibração pela membrana timpânica. Isso afeta a
transmissão da vibração sonora, afetando a percepção do som pela
diminuição da qualidade do som que chega aos órgãos internos. Isso é tido
como uma alteração na condução da onda sonora.
Por outro lado, quando ocorre uma lesão às células nervosas que estão
no ouvido interno, responsáveis por captar a transmissão sonora e
desencadear o potencial de ação que conduz informação para o SNC, tem-se
uma alteração na percepção sonora.
Um dos métodos de se diferenciar um distúrbio de condução para um
distúrbio de percepção consiste no Teste de Rinne, com a utilização do
diapasão, que ao ser posto a vibrar, é colocado primeiro a haste atrás do
ouvido, na região do mastoide, quando o indivíduo sadio irá ouvir um ruído
da vibração no osso. Ao parar de perceber a vibração, o diapasão é posto
próximo ao ouvido, que em pessoas sadias, nesse momento, se ouvirá o som
da vibração do diapasão. Quando há um déficit de condução, o indivíduo
ouve bem o som do contato do diapasão na mastoide, mas não ouve a
vibração próxima ao canal auditivo. Por sua vez, quando há déficit de
percepção do som por lesão neurológica, a pessoa ouve reduzido, ou até
mesmo não ouve, tanto o ruído da vibração na mastoide, como o som da
vibração do diapasão próximo ao meato acústico externo.
Suas complicações se devem a extensão da infecção para regiões
próximas no osso temporal, e no crânio. Assim, as principais complicações
são: mastoidites, paralisia do nervo facial, labirintite, trombose de seio
venoso, meningites e abscesso cerebrais.
O abscesso cerebral é uma afecção grave do sistema nervoso central,
com alta taxa de mortalidade. Tem como fatores de risco: otites,
endocardites, meningites, infecções dentarias, entre outras. As principais
vias para disseminação do agente são: hematogênica, via direta (acidente ou
cirurgia), contiguidade (por proximidade), e idiopática. Vindo de uma otite
média, os principais agentes causadores são: pseudomonas, anaeróbios,
enterobactérias e estreptococos.
O abscesso faz um processo de liquefação focal (necrose liquefativa) no
parênquima, sendo frequente a formação na transição entre a substancia
branca e a cinzenta. Com o processo inflamatório, além da necrose, há
formação de edema cerebral. Nos indivíduos imunocompetentes, esta é a
principal causa de formações expansivas intracranianas, fazendo aumento
da PIC e efeito de massa. Assim, os sintomas clínicos basicamente vêm de
sinais de hipertensão intracraniana ou de efeito de massa, como compressão
de leitos vasculares importantes, ou por herniação no tronco cerebral. Os
indivíduos costumam apresentar cefaleia, letargia, náuseas, vômitos,
hemiparesia e convulsões.
Para diagnóstico, alguns exames inespecíficos são uteis para
acompanhamento do quadro, como leucograma e proteína C reativa (PCR).
Não se indica a realização da punção lombar para coleta de líquor por conta
do efeito de massa da lesão, podendo precipitar uma herniação cerebral.
Além disso, o exame do líquor apresenta pouco benefício, podendo
inclusive vir sem alterações sugestivas.
A doença apresenta alguns estágios: cerebrite precoce (nos primeiros 3
dias, mal delimitado, infiltrados perivasculares); cerebrite tardia (até o nono
dia, com desenvolvimento de centro necrótico); encapsulamento precoce
(até o 13º dia, com neovascularização, centro necrótico); encapsulamento
tardio (após os 14 dias iniciais, já com capsula de colágeno, centro
necrótico e áreas de gliose perilesional). À tomografia, podemos distinguir
o estagio de cerebrite de encapsulamento por:
- cerebrite: ocorre realce perilesional ao contraste nas fases mais tardias,
visto que na cerebrite as lesões são mais difusas.
- encapsulamento: realce perilesional sem contraste, com destaque ao
edema perilesional, e maior realce ao contraste.
À ressonância magnética, a cerebrite é uma fase de lesões mal
delimitadas, difusas, sendo melhor observada lesão na fase do
encapsulamento, onde observa-se halo intenso por realce ao contraste,
centro necrótico, e realce perilesional pelo edema em T1.
O tratamento consiste basicamente na drenagem do abscesso, tratamento
da fonte primaria da infecção, e uso de antibióticos por tempo prolongado
(6 a 8 semanas). A cirurgia tem o objetivo de reduzir o efeito de massa.
Contudo, pequenas lesões, estágios iniciais ou melhora clinica na primeira
semana são indicativos de que o tratamento apenas a base de antibiótico
pode ser eficaz, principalmente naqueles com múltiplos abscessos
pequenos, localizações criticas, ou performance status baixa.

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6. Portal Só Biologia. Como ouvimos os sons. Disponível em
<https://www.sobiologia.com.br/conteudos/FisiologiaAnimal/sentido6.php>, Acesso em:
28 de outubro de 2018.
7. Blog Metabolismo e Morfofisiologia. Nervo vestíbulococlear. Disponível em
<http://metabolismoemorfofisiologia.blogspot.com/2014/09/nervo-vestibulococlear.html>,
Acesso em: 28 de outubro de 2018.
8. Portal Cochlea. Cérebro auditivo. Disponível em <http://www.cochlea.eu/po/cerebro-
auditivo>, Acesso em: 28 de outubro de 2018.
9. Portal Cochlea. Córtex auditivo: organização. Disponível em
<http://www.cochlea.eu/po/cerebro-auditivo/talamocortex/cortex-auditivo-organizacao>,
Acesso em: 28 de outubro de 2018.
10. DUUS, Peter. BAEHR, M. FROTSCHER, M. Topical Diagnosis in Neurology. 4. Ed. New
York: Thieme, 2006.

CONFERÊNCIAS
Confira aqui a aula dinâmica do Medicina
Resumida sobre os assuntos abordados nesse
capítulo!
13. Sistema Motor Somático
Capítulo 13
SISTEMA MOTOR SOMÁTICO
1. Caso Clínico
O Dr. Gomes certo dia ficou reflexivo com um caso que apareceu em seu
consultório, e decidiu levar o caso para apresentar a seus alunos da
Universidade do Santo Livro. Era o caso de um paciente de 49 anos,
masculino, que chegou à emergência do Hospital do Santo Livro com
dificuldade para deambular. Refere que o quadro iniciou há cerca de 7 anos,
com dor em panturrilha seguida de fraqueza em MMII, progressiva,
evoluindo, há quase 3 anos, com paresia de membro superior direito, e
hipoestesia em MMII.
Ao exame neurológico, o paciente se apresentava vigil, contactante,
orientado, sem déficits cognitivos (memória, linguagem, raciocínio, etc),
mas apresentando fraqueza muscular 2/5 em MMII, e 3/5 em MSD, com
hipoestesia nos pés, e hiperreflexia nos membros inferiores.
Com base nos dados do exame, indagou se seria uma síndrome do
neurônio motor, e, para afastar lesões centrais, pediu então uma ressonância
magnética de coluna cervical, que evidenciou sinais de lesão medular
inespecíficos em coluna cervical e torácica. Ainda indagando qual seria a
causa, pediu em seguida uma eletroneuromiografia, que evidenciou
neuropatia periférica axonal, sensitivomotora, simétrica, com predomínio em
membros inferiores. Como tinha pego dois casos na semana anterior
similares, e observou uma sorologia em especifico ter dado reagente,
solicitou para ele uma sorologia para o HTLV, que veio reagente.
Assim, iniciou tratamento para a infecção por HTLV, e segue
acompanhando o caso por suspeitar fortemente de que o caso se trata de uma
Paraparesia Espástica Tropical. Fascinados, indagaram ao professor como se
diferenciaria então uma síndrome do neurônio motor superior de uma do
neurônio motor inferior. Como o Dr. Gomes gosta de provocar, pediu que
lessem e na próxima aula iria cobrar deles as definições, os achados no
exame neurológico e alguns exemplos de causas para cada uma delas.

1.1. Termos Desconhecidos


• Paresia em membro superior direito
• Primeiro neurônio motor
• Neuropatia periférica axonal
• Paraparesia Espástica Tropical
1.2. Termos-Chave
• Fraqueza em MMII progressiva
• Redução dos reflexos em MMII
• Atrofia muscular
• Síndrome do Neurônio Motor
• Infecção por HTLV
1.3. Objetivos
• Compreender o processo de formação do impulso nervoso motor
• Conhecer as vias envolvidas na formação, condução e modulação
da informação motora

• Diferenciar o neurônio motor superior do neurônio motor inferior


• Conhecer as estruturas associadas ao sistema motor
O movimento tem papel fundamental na vida dos seres humanos. Para
comer, é necessária a ação de músculos de maneira coordenada, tanto para
pegar, mastigar, engolir, e digerir o alimento. Para falar, a ação coordenada
na laringe promove a sonoridade da voz. Para caminhar, correr, sentar, deitar,
etc. tudo envolve movimento.
Mas... seria fácil falar simplesmente que o músculo contrai e promove a
ação. Não é bem por aí. Na verdade, há toda uma complexa atividade e
trama no SNC que ocorre para que haja a ativação adequada dos músculos e
sincronizada para promover o movimento exatamente como queremos. E é
sobre isso que se tratam os estudos sobre o Sistema Motor.
Além de todo o controle encefálico, sabe-se ainda que os animais
conseguem executar comportamentos padrões de movimento associado a
locomoção, mesmo com a separação da medula do restante do SNC. Com
isso, podemos concluir que a medula possui controle sobre o movimento, de
forma que executa certos movimentos chamados “estereotipados”.
O SNC se arruma em vários níveis, desde ao encéfalo à medula. Quão
mais alto, maior a precisão do movimento. Pensemos o seguinte: para eu
pegar meu celular e discar um número, eu preciso de 3 coisas básicas: dar o
comando de pegar o celular, depois elaborar o método que será feito, e por
fim executar. Com isso, as regiões do encéfalo, as mais altas, do córtex de
associação e os núcleos da base, estão envolvidas na elaboração dos
comandos e programas que irão permitir a execução correta e precisa de
cada movimento. No meio disso, há o córtex motor e o cerebelo, que irão
determinar as contrações musculares adequadas de cada grupo muscular, no
tempo certo, para agir de modo preciso. E por fim há a medula e tronco
encefálico, que irão responder pela execução do movimento.
Então, o controle motor pode ser dividido em:

• Controle Espinal, que controla a contração coordenada dos


músculos

• Controle Encefálico, que controla os programas motores da


medula espinal
1. Sistema Motor Somático
1.1. Conceitos básicos
Os músculos podem ser divididos em duas categorias, de acordo com
aparência microscópica: estriado e liso.
O músculo liso é inervado pelo sistema nervoso vegetativo. Ele está
presente nas vísceras, como trato digestivo, vasos sanguíneos, etc.
Já o músculo estriado pode ser ainda subdividido: cardíaco e
esquelético. O músculo estriado cardíaco é a musculatura do coração, que
possui contrações rítmicas, de maneira autônoma. Os neurônios que o inerva
apenas regulam a frequência cardíaca. O músculo estriado esquelético, por
sua vez, engloba a maior parte da musculatura corpórea, e é quem se associa
a movimentação, seja dos ossos do corpo, seja dos olhos, controla a
respiração e a fala, a expressão facial, etc. Eles são envoltos por uma camada
de tecido conjuntivo que formam tendões no final dos mesmos. Dentro dos
músculos, há fibras musculares (células musculares), e cada fibra é
inervada por um neurônio que vem do SNC. Assim, eles compreendem o
Sistema Motor Somático.
Para seguir, é necessário a compreensão de alguns conceitos importantes.
Como exemplo, utilizaremos nosso braço. A flexão é o processo de
fechamento do braço, e a extensão o de abri-lo, tal qual um canivete. Esses
movimentos sempre se associam a articulação envolvida no movimento. No
caso do braço, temos músculos envolvidos na flexão, que compõem o grupo
dos músculos flexores da articulação do cotovelo (que seriam os músculos
braquial e bíceps), e ainda os envolvidos na extensão, que compõem o grupo
de músculos extensores do cotovelo (que seriam os músculos tríceps e
ancôneo). A ação conjunta de músculos de mesmo grupo é chamada
sinergismo, ou sinergia, e assim os músculos flexores são considerados
músculos sinérgicos, ou agonistas uns dos outros. Porém, quando um
músculo age de modo contrário ao outro, como por exemplo um músculo
flexor comparado a um extensor, temos músculos antagonistas entre si.
Um detalhe importante: a ação de flexão e extensão sempre envolve o ato
de puxar o osso da articulação, sem empurrar. Ou seja: para flexionar, os
músculos flexores devem puxar, e os extensores relaxarem, para não
fornecer resistência ao movimento, e tornar o movimento mais rápido, e
vice-versa para extensão. O relaxamento dos antagonistas ao movimento
varia de acordo com o grau de movimento que o indivíduo deseja realizar.
Percebe agora o quão complexo é o controle do movimento? Por isso que
falhas nesse controle propiciam movimentos inadequados, como veremos
adiante.
Outro detalhe importante consiste na nomenclatura dos músculos quanto
a sua localização:

• Músculos axiais estão responsáveis pelo controle do tronco,


envolvidos com a postura

• Músculos proximais envolvidos no movimento de ombro,


cotovelo, pelve, joelho, envolvidos com a locomoção

• Músculos distais envolvidos no movimento de mãos, pés e dedos,


envolvidos com a manipulação de objetos


1.2. Vias Centrais
1.2.1. Córtex Cerebral
As áreas centrais relacionadas ao movimento voluntario basicamente são:
o córtex motor primário (área 4 de Brodmann), e suas áreas adjacentes
(córtex pré-motor – 6, e os tratos corticobulbar e corticoespinais).

1.2.1.1. Córtex Motor Primário e Suplementar


O córtex motor primário é uma faixa cortical que se estende ao longo de
um dos lados do sulco central (contrário ao córtex somatossensorial
primário). Também conhecida como a Área 4 de Brodmann, ou Córtex
Motor Primário ou M1, é anterior ao sulco central, e se localiza no giro
pré-central. Após estudos com eletroestimulação, descobriu-se que havia
uma organização somatotópica no giro pré-central, igual ao observado na
área sensitiva.
Fibras motoras se encontram não somente no giro pré-central, mas as
relacionadas com movimento fino, em sua maioria, se encontram lá. É a área
onde se situam as células piramidais típicas (células de Betz – capítulo 4),
que enviam os axônios de condução rápida para o trato piramidal. A área 4
se associa a um controle mais fino (contração de uma unidade ou grupo
especifico de células musculares), ao passo que a área 6 se relaciona a
movimentos mais complexos (fazendo o movimento de um membro, ou
unidade maior).
Dentro da área 6, há 2 regiões distintas: a Área Pré-Motora (APM),
lateral, inervando neurônios reticulo-espinais, respondendo por unidades
proximais, e a Área Motora Suplementar (AMS), medial, inervando a
musculatura distal.

1.2.1.2. Córtex Parietal Posterior e Córtex Pré-Frontal


No CPP, a área 5 é alvo de aferências de áreas somatossensoriais
corticais primárias (3, 1 e 2), e a área 7, alvo de aferências de áreas visuais.
Os lobos parietais se comunicam com o lobo frontal anterior, se
relacionando com tomada de decisão, pensamento, etc. Juntas ao CPP, são
tidas como níveis superiores da hierarquia do controle motor. Ou seja, é
com essas áreas que planejamos o que fazer, e moldamos os atos pensando
nas consequências e nos objetivos.
Mas, para que haja a tomada de decisão, o movimento, a ação, será
preciso não somente elaborar e mensurar a repercussão dessas ações, mas
também um gatilho, e uma modulação adequada desse gatilho. O córtex age,
mas outras estruturas interferem nesse momento.
Imagem 1: Representação de um arco-reflexo, com destaque a via sensorial
(em violeta) e a via motora (em verde), e sua passagem pela medula. (1)

1.3. A medula espinal


1.3.1. Interneurônios
Estes são os responsáveis por coordenar os programas motores
espinais, pois recebem conexões com axônios sensoriais primários, axônios
do encéfalo, e dos NMI.
Tem papel fundamental na correta contração, pois, para que haja um
dado movimento, os músculos agonistas devem contrair, e os antagonistas
devem relaxar. Mas, para que haja o movimento preciso, na posição correta,
isso deve ser feito de forma sincronizada. Para tal, os interneurônios na
medula promovem estímulos inibitórios em certos momentos para controlar
a contração.
Porém, há reflexos cujo objetivo de fato seja o de contrair, como o
reflexo flexor, com objetivo de afastar o membro de algo danoso. Ou seja,
as vias nociceptivas se comunicam com os interneurônios para induzir tal
reflexo. Mas, pense o seguinte: se você contrai sua perna após pisar em algo
pontiagudo, deveria cair, pois a contração reflexa lhe tiraria o equilíbrio. Isso
não ocorre por conta do reflexo extensor cruzado, onde no lado oposto há a
inibição dos flexores, de modo a lhe sustentar durante o reflexo flexor.

1.3.2. As Vias
A comunicação do encéfalo com os NM da medula se dá por axônios
descendentes, que correm por duas vias específicas. Uma delas é a coluna
lateral, e a outra ventromedial. As vias laterais se envolvem no
movimento voluntário da musculatura distal, sob controle direto do
córtex (tratos corticoespinal lateral e rubroespinal). Já as vias ventromediais
se envolvem no controle de postura e locomoção, sob controle do tronco
encefálico (tratos reticuloespinal, vestíbuloespinal e tectoespinal).

1.3.2.1. Trato Corticoespinal


A mais importante é a via do Trato Cortico-Espinal (ou Trato Córtico-
Espinal Lateral), sendo o mais longo trato do SNC, tendo a maior parte dos
axônios originados do córtex motor. Outros vem de áreas
somatossensoriais, que interferem no movimento. viaja pela substancia
branca compondo a coroa radiata, seguindo pela capsula interna, porcao
central do pedúnculo cerebral (crus cerebri), ponte e porção anterior do
bulbo. Com isso, o bulbo adquire uma protuberância, que é a pirâmide
bulbar, que dá origem então ao termo “trato piramidal”.

Imagem 2: Via piramidal, ou corticoespinal lateral. Destaque para a


decussação, que ocorre a nível de bulbo. (7)

E é justamente nessas “pirâmides” que esses tratos decussam, fazendo


com que o córtex motor direito comande o lado esquerdo, e vice-versa. Na
porção inferior do bulbo, a grande maioria das fibras decussam para o lado
oposto (a decussação das pirâmides). As que não decussam, seguem o rumo
na medula pelo funículo anterior ipsilateral, seguido pelo trato corticoespinal
anterior, cruzando a linha media ao nível do segmento que irão suprir. Nos
níveis torácicos e cervicais, algumas fibras não cruzam, inervando a
musculatura ipsilateral. Por isso, a musculatura do pescoço e do tronco segue
com inervação bilateral.
Porém, a grande maioria das fibras decussam no bulbo, e seguem pelo
funículo lateral contralateral, até o trato corticoespinal lateral. Esse trato
vai se afunilando conforme desce pela medula, por conta da saída das fibras
que irão inervar cada segmento. De modo geral, as fibras fazem sinapses
com interneurônios, que irão fazer conexões com os neurônios motores alfa
no corno anterior, ou com os neurônios motores gama.

1.3.2.2. Trato Rubro-Espinal


Outro componente é o Trato Rubro-Espinal, que se origina no Núcleo
Rubro, no Mesencéfalo, e suas fibras vão decussar na ponte, se reunindo
depois com as fibras do TCEL. Ele recebe aferências do córtex frontal.
Aparentemente, essa é uma via motora existente antes do TCEL, que foi
perdendo importância com o desenvolvimento desta.

1.3.2.3. Trato corticonuclear


Ao longo do trajeto do trato corticoespinal, algumas fibras emergem dele
para se conectar com núcleos motores do tronco cerebral. Algumas dessas
fibras irão decussar outras não. Os nervos cranianos (vistos no capitulo 6)
que recebem influência da via piramidal são: porção motora do nervo
trigêmeo, nervo facial, glossofaríngeo, vago, acessório e hipoglosso.
Algumas fibras vêm da área 8, relacionada a movimento ocular. Assim,
são responsáveis pelo movimento ocular conjugado. E tem o trato chamado
como corticomesencefalico por se considerar um trato além do piramidal,
visto que vem de outra área motora além das áreas 4 e 6.

1.3.2.4. Trato Vestíbulo-Espinal


Eles mantêm o equilíbrio da cabeça, de acordo com o movimento. Se
originam nos núcleos vestibulares no bulbo, que transmitem informações
captadas pelo Sistema Vestibular (Capítulo 15). Esse trato vai inervar a
musculatura do pescoço e costas, guiando movimentos da cabeça. Ele
inerva também a musculatura das pernas, para manter uma postura correta.
1.3.2.5. Trato Tecto-Espinal
Se origina no colículo superior do mesencéfalo, que recebe aferências
da retina, e projeções do córtex visual, além de somatossensoriais e
auditivas. Assim, temos consciência do mundo ao redor, e um estímulo de
uma região captada pelo nosso sistema sensorial faz nossa cabeça e nossos
olhos se orientarem para esse estímulo (se lembrem na visão de que os olhos
se movem para focalizar a imagem na fóvea – vide capítulo 11).

1.3.2.6. Trato Retículo-Espinal Pontino e Trato Reticulo-Espinal


Bulbar
Se originam da formação reticular do TE, que corre logo abaixo do
aqueduto e quarto ventrículo, e recebe aferências de várias regiões, tendo
múltiplas funções. O trato pontino (medial) aumenta os reflexos
antigravitacionais da medula, facilitando os extensores em MMII,
promovendo a postura ereta. Já o trato bulbar (lateral) libera esses
músculos, sendo controlada por comandos do córtex. Ou seja, eles agem de
modo sincronizado, para promover o movimento preciso e adequado, sem
que o indivíduo perca o equilíbrio.

CURIOSIDADE

A paresia consiste na redução da capacidade de realizar a contração muscular


voluntária, onde o indivíduo apresenta uma redução na força muscular. Quando a
força muscular e a capacidade de realizar a contração estão ausentes, tem-se um
quadro de plegia, ou paralisia. Os quadros de paresia e plegia podem ser
classificados quanto à localização: quando envolve apenas 1 membro, tem-se uma
monoparesia/monoplegia. Quando envolve 2 membros superiores ou 2 inferiores
apenas, tem-se uma diparesia/diplegia, que quando envolve membros inferiores
recebe o nome de paraparesia/paraplegia. Quando há comprometimento de 1
membro superior e 1 inferior ipsilateral, tem-se uma hemiparesia/hemiplegia. E
quando há comprometimento dos 4 membros, tem-se uma tetraparesia/tetraplegia.

CURIOSIDADE

O quadro de fraqueza muscular pode ainda ser classificado como espástico ou


flácido. A espasticidade é um estado de hipertonia e hiperreflexia no músculo cuja
inervação foi acometida que ocorre com lesões no SNC (encéfalo e medula), em
que o nervo não realiza a modulação adequada do tônus, fazendo com que o
controle espinhal do movimento predomine sem controle, fazendo estimulo
frequente para a contração muscular. O músculo apresenta dificuldade à extensão
passiva, com maior resistência, tendendo a se manter contraído. Através da escala
de Ashworth é possível se mensurar o grau de espasticidade no indivíduo (de 0 a 4,
avalia, progressivamente, o grau de tônus muscular). Já a flacidez ocorre quando há
o contrário: redução do tônus muscular. Neste caso, ocorre por conta de um
problema na sua inervação direta (a que vem da medula ao músculo), dificultando o
impulso nervoso para manter seu tônus e promover sua contração.

1.4. Componentes periféricos


1.4.1. Neurônio Motor Inferior
Os neurônios que saem do corno ventral da medula, e inervam os
músculos, são chamados de neurônios motores inferiores. Eles são os
responsáveis pela via final comum, de Sherrington, que consiste na
contração muscular direta.
Os axônios dos NMI se agrupam, formando as raízes ventrais, onde
cada raiz ventral se une a uma raiz dorsal, emergindo da medula entre as
vértebras (pelo forame intervertebral). E, pelo fato de existir o mesmo
número de nervos espinais e forames intervertebrais, e também pelo fato de
na espécie humana existirem 30, existem, portanto, cerca de 30 nervos
espinais emergindo da coluna. Como eles englobam fibras motoras e
sensoriais, são tidos como nervos espinais mistos. E cada segmento é
batizado de acordo com a vértebra de onde ele se origina. Observa-se,
basicamente, a existência de 8 segmentos cervicais, 12 torácicos, 5
lombares e 5 sacrais.
Imagem 3: Representação de um arco-reflexo, com destaque a via sensorial
(em violeta) e a via motora (em verde), e sua passagem pela medula. (1)

Assim como os músculos esqueléticos não estão distribuídos de forma


homogênea pelo corpo, os NMI não estão distribuídos de forma homogênea
pela medula. Grupos de neurônios inervam grupos musculares, mas esses
grupos são controlados geralmente por poucos segmentos. Por exemplo,
temos o controle dos músculos do braço, que tem origem nos segmentos C3-
T1, e nessa região, para melhor acomodar esse grupo de NMI, os cornos
ventrais se dilatam, formando a chamada intumescência cervical. Isso
também acontece com a musculatura das pernas, entre L1 e S3, formando a
intumescência lombar.
Imagem 4: Imagem evidenciando as intumescências cervical e lombar, na
medula espinal. (2)

Qual a conclusão? A inervação dos músculos distais e proximais se


concentram nos segmentos cervicais, lombares e sacrais, enquanto que o
controle da musculatura axial está em todo o eixo. Ao longo da medula,
ainda há um arranjo específico das fibras: a inervação axial é medial em
relação aos distais, e os flexores dorsais aos extensores.
Imagem 5: Ilustração das vias motoras na medula espinal, suas conexões e
sua via de saída pela raiz ventral (anterior). (5)

1.4.1.1. Neurônios Motores Alfa


Os Neurônios Motores Inferiores se subdividem em: NM Alfa e NM
Gama.
Os NM Alfa são os que geram a força muscular diretamente. O NM
Alfa e as fibras musculares inervados por ele formam a chamada Unidade
Motora. A contração muscular ocorre pela ação combinada e individual
dessas unidades. E o grupo de NM Alfa que inerva um dado músculo é
chamado de conjunto de neurônios motores.
Como dito, o movimento requer uma ação complexa e coordenada dos
músculos. Para isso, cada músculo deverá agir com forças específicas para a
realização de um determinado movimento. Tanto para realizar o movimento
preciso, como para otimizar o gasto energético, afinal de contas, a contração
muscular requer muita energia. E cada ação requer um uso específico dos
músculos.
Sabendo disso, o sistema nervoso desenvolveu mecanismos de controle
da força de contração. Basicamente, o controle se dá pela variação da taxa
de disparo de neurônios motores. O NM Alfa se comunica com o músculo
através da junção neuromuscular, liberando Acetilcolina. Essa acetilcolina
liberada promove um PEPS (vide capítulos 2 e 3 sobre, respectivamente,
potencial de ação e sinapse) na fibra muscular. Esse PEPS promove uma
rápida sequência de contração e relaxamento muscular. Para que haja
contração sustentada, é preciso haver uma sequência contínua de PA, uma
somação temporal, por exemplo.
Além disso, o SNC recruta também as unidades motoras sinérgicas
adicionais. Ou seja, a tensão extra numa unidade motora depende de quantas
fibras há nessa unidade. Porém, pensemos o seguinte: se por um lado, é bom
que uma unidade motora tenha muitas fibras musculares para que esta tenha
uma ação forte, por outro, uma unidade motora ter poucas fibras torna o
movimento cada vez mais preciso e fino. Por exemplo, nas mãos as
unidades motoras são de poucos músculos, o que torna o movimento mais
fino. E nas pernas há mais músculos, o que torna a contração mais forte.
Os músculos possuem unidades motoras de vários tamanhos, e são
recrutados da menor para a maior unidade. Assim, quando são submetidos a
pequena carga, o controle do grupo muscular consegue ser mais fino do que
quando submetidos a cargas maiores.
Esses NM Alfa são regulados por entradas sinápticas no corno ventral. E,
basicamente, existem 3:

• Células Ganglionares na raiz dorsal, que inervam o fuso


muscular, que fornece sinal de retroalimentação para o mesmo
músculo

• Neurônios Motores Superiores, que vem do córtex cerebral e


tronco encefálico, que é fundamental para o controle do
movimento;

• Interneurônios da Medula Espinal, que é a maior entrada, que


pode ser excitatória ou inibitória, sendo parte do circuito de
programação motor espinal.

1.5. A Contração Muscular


Como dito, a contração começa com a liberação de ACo nas junções
neuromusculares, que vão gerar os PEPS na membrana pós-sináptica. Esse
PEPS vai sensibilizar os canais de sódio voltagem-dependente, e irão
desencadear um potencial de ação na fibra muscular. Automaticamente, na
fibra muscular, o potencial de ação propicia o ato de contração, através da
liberação de íons Ca++ do retículo sarcoplasmático. Esse processo é
conhecido como acoplamento excitação-condução. Quando o retículo
sarcoplasmático recapta o Ca++, ocorre o relaxamento da fibra.

1.6. A Fibra Muscular


Na embriologia, as células do mesoderma se fundem, para formar os
mioblastos, que vão gerar as fibras musculares. Esse fenômeno faz com que
elas sejam células multinucleadas, e tenham um formato alongado, daí
serem chamadas de fibra. As fibras são envoltas por uma membrana
excitável, chamada de sarcolema.
Mas, dentro das fibras, há estruturas cilíndricas chamadas de miofibrilas,
que é quem contrai em resposta a um potencial de ação que se propaga pelo
sarcolema. O retículo sarcoplasmático é justamente quem recobre essas
miofibrilas. E o PA chega as miofibrilas, vindo do sarcolema, através dos
túbulos T, que está em continuidade com o meio extracelular.
Na sobreposição do túbulo T ao retículo, há a união entre proteínas das 2
membranas. Quatro canais de cálcio voltagem-dependente se conectam a um
canal liberador de cálcio. A chegada de um PA altera a conformação deles, e
promove a ativação do canal liberador de cálcio. A entrada de cálcio no meio
intracelular faz a miofibrila se contrair.
E como esses ions cálcio vão desencadear essa contração? A miofibrila
se divide em segmentos através de linhas Z. Assim, um segmento envolve
duas linhas Z e a miofibrila entre eles é chamada de Sarcômero. Ancorados
nas linhas Z, há filamentos finos, que não contactam entre si. Entre os
filamentos finos, há uma série de filamentos grossos. E a contração ocorre
quando os filamentos finos deslizam sobre os filamentos grossos,
aproximando as linhas Z umas das outras. E isso ocorre devido a interação
da principal proteína do filamento grosso, a miosina, com a principal do
filamento fino, a actina. Quando as “cabeças” de miosina se ligam as
moléculas de actina, a miosina sofre alteração de conformação, que faz ela
se movimentar, de modo a fazer o filamento grosso se mover sobre o fino. O
desprendimento delas se dá com gasto de ATP. E para que a contração possa
ser cada vez mais forte, é preciso que o processo possa ser reiniciado, com a
miosina se prendendo e desprendendo da actina, de modo a aproximar os
filamentos finos cada vez mais.
Imagem 7: O músculo como grupo que envolve: uma fibra muscular, que
engloba, por sua vez, uma miofibrila. Em destaque, as divisões que
compõem a unidade de contração muscular. (3)

Em repouso, os locais de ligação de actina estão cobertos de troponina,


o que inviabiliza a interação dela com a miosina. Para que haja a interação,
os íons cálcio se ligam a troponina, e com isso os sítios de ligação se
expõem. Enquanto houver cálcio e ATP, há contração. Quando o reticulo
sequestra o cálcio, ocorre relaxamento. Mas essa receptação de cálcio
depende de bomba de cálcio e de ATP.
Por causa de todo esse processo ser dependente de ATP, é compreensível
o porquê de ocorrer o rigor mortis quando uma pessoa morre. A falta de
ATP impede que a miosina se desligue da actina, e assim os filamentos finos
e grossos ficam ligados permanentemente.

1.7. Tipos de Unidades Motoras


É comum quando falamos de carne diferenciar ela pela cor: carne branca
(de frango) da carne vermelha (de boi, bode, etc...). As fibras musculares
vermelhas são ricas em mitocôndrias e enzimas para metabolismo
oxidativo. Elas são mais lentas para contrair que as brancas, mas podem
manter a contração por mais tempo sem sofrer a fadiga. Em humanos, a
musculatura das pernas, envolvidas no controle postural e antigravitacional,
são ricos em fibras vermelhas. Por outro lado, as fibras musculares brancas
têm poucas mitocôndrias, e usam metabolismo anaeróbio principalmente,
pois contraem de modo rápido e potente, mas entram rapidamente em
fadiga. São as fibras da fuga. Nos humanos, os músculos dos braços são
ricos em fibras brancas.
Embora seja comum a coexistência dos dois tipos de fibras, as unidades
motoras têm um único tipo de fibra. Assim, as unidades motoras rápidas têm
fibras brancas que entram em fadiga rapidamente, e as unidades motoras
lentas tem fibras vermelhas que lentamente entram em fadiga.
Os neurônios motores alfa de unidades rápidas são grandes e de grande
diâmetro, conduzindo mais rapidamente que os de unidades lentas. Além
disso, os impulsos em unidades rápidas costumam ser de alta frequência, e
os de unidades lentas de baixa frequência. Mas... como que funciona essa
precisa ligação entre neurônios motores e fibras musculares? O interessante
é que as fibras sofrem influência do tipo de inervação que recebe: se tornam
fibras rápidas se fizer contato com neurônio rápido, e fibras lentas se fizer
contato com neurônio lento.
Outra alteração que as fibras sofrem advém da quantidade absoluta de
atividade. Se você aumenta a atividade a longo prazo naquele musculo, ele
sofre hipertrofia, ou crescimento exagerado. De modo contrário, se há
períodos longos sem atividade, as fibras sofrem atrofia, ou degeneração. Isso
mostra que há sim relação da fibra muscular com o NMI que o inerva.

CURIOSIDADE

Os tiques consistem em movimentos involuntários e rápidos, estereotipados,


repetitivos mas não são rítmicos. Já a mioclonia consiste em contração breve e
rápida de um músculo ou poucas fibras musculares, espontâneos.

2. Propriocepção
2.1. Fusos Musculares
Dentro dos músculos há estruturas conhecidas como Fusos Musculares,
ou Receptores de Estiramento. São formados por vários tipos de fibras
musculares esqueléticas especializadas, dentro de uma cápsula fibrosa. O
meio dessa cápsula é alargado, e é onde axônios sensoriais se enrolam nos
fusos. Essa estrutura é responsável por detectar alterações do comprimento
muscular, ou seu estiramento, sendo, portanto, proprioceptores, por se
especializarem na sensação corporal, ou em como nosso corpo se posiciona
e move no espaço. Essa, bom lembrar, é uma divisão do sistema sensorial
somático.

Imagem 8: Ilustração de um órgão tendinoso de Golgi. (8)

Os axônios que saem do fuso são extremamente velozes, e penetram na


medula espinal pela raiz dorsal, se ramificam e formam várias sinapses
excitatórias sobre interneurônios e neurônios motores alfa, dos cornos
ventrais. Essa interação propicia um fato interessante: quando o músculo é
estirado, ele tende a reagir contraindo. Esse é o chamado reflexo miotático,
ou reflexo de estiramento, e envolve retroalimentação sensorial,
responsável por prover o músculo de tônus. E a descarga sobre o músculo
vai ser proporcional a seu estiramento. Esse reflexo constitui no arco
reflexo monossináptico miotático, justamente por só uma sinapse separar a
aferência sensorial do neurônio motor. O reflexo patelar é um exemplo de
reflexo miotático.

2.2. Órgãos Tendinosos de Golgi


Os órgãos tendinosos são responsáveis por perceber a tensão que está
sendo aplicada no músculo, ou seu grau de contração. E isso é percebível
pelo fato de ele estar disposto na junção do tendão com o músculo, podendo
avaliar a tensão muscular, ao contrário dos fusos musculares, que
avaliariam o comprimento muscular. As aferências que vem deles fazem
conexões na medula com interneurônios, que fazem inibições em NM Alfa
do mesmo músculo inervado. Assim constitui-se o reflexo miotático
inverso no qual uma carga excessiva no músculo, que o faça contrair em
excesso, não o lesione, pois, esse reflexo fará o estímulo a contração ser
inibido, ou seja, o músculo ser relaxado. O objetivo desse reflexo, na
verdade, é manter o músculo numa faixa de tensão adequada.

Imagem 9: Ilustração de um órgão tendinoso de Golgi. (6)

2.3. Em articulações
Existem ainda axônios proprioceptivos que estão em tecidos conjuntivos
de articulações, mecanossensíveis, que respondem a mudanças de ângulo,
direção e velocidade de movimento em uma articulação. Essa informação,
na verdade, vem de receptores na pele, e em outras estruturas, além da
articulação.
3. Núcleos da Base
Os núcleos da base consistem em estruturas envolvidas na iniciação e na
modulação do movimento, se situando na substância branca profunda do
telencéfalo. Eles são objeto de muitos estudos pelos neurocientistas
atualmente, por conta da descoberta de diversas disfunções associadas a
doenças deles. E sua gama de disfunções é vasta, perpassando por Doença de
Parkinson até a Coreia de Huntington. E essa variedade de distúrbios afetam
justamente a motricidade do indivíduo, indicando que eles possuem um
papel relevante na regulação das ações.
Embora boa parte das disfunções sejam motoras, há ainda disfunções
intelectuais e afetivas, indicando que também atuem na cognição. Além
disso, podem também estar relacionados a dependências a drogas.
Filogeneticamente, o centro motor mais antigo do organismo humano
consiste na medula espinal e o aparato primitivo da formação reticular no
mesencéfalo. Então, vieram o paleoestriado (globo pálido interno e externo)
e, em seguida, o neoestriado (núcleo caudado e putamen), que se
desenvolveu em paralelo ao córtex cerebral. O neoestriado é uma porção
bem desenvolvida nos humanos.

3.1. Componentes
Os maiores núcleos da base são o: núcleo caudado, putamen, e parte do
globo pálido. O claustro e a amigdala são considerados parte dos núcleos da
base por conta da origem embriológica, mas pouco se sabe da sua relação
funcional com eles.
O núcleo caudado compõe a parede do ventrículo lateral em cada lado
(mais precisamente sua cabeça), e tem um formato arqueado vindo da
rotação do telencéfalo durante o desenvolvimento. Sua cauda compõe parte
do assoalho do corno temporal do ventrículo lateral. Se estende para a frente
com a amigdala. Sua cabeça se continua com o putamen.
Como consequência do desenvolvimento do cérebro, que cresceu inferior
e posteriormente, para formar os lobos temporal e occiptal, o núcleo caudado
e o ventrículo lateral seguiram tal rumo, e também se desenvolveu para essa
direção. Assim, em virtude do formato do córtex, o núcleo caudado também
se desenvolveu em forma de C. E esse formato, em especial, confere a ele
três componentes: cabeça, corpo e cauda (daí o nome caudado).
Imagem 10: O núcleo caudado, com a sua divisão estrutural, e
correspondência com o tálamo (em vermelho - pulvinar) e com outros
núcleos (como o globo palido medial e putâmen - núcleo lentiforme). (10)

O putamen se situa lateral ao globo pálido, envolvendo-o e se


estendendo rostral e caudalmente. Se separa do globo pálido por uma fina
camada de substancia branca chamada lamina medular medial. Se conecta
com o núcleo caudado por pontes de substancia cinzenta. Assim, juntos são
denominados corpo estriado.
Imagem 11: Ilustração das comunicações entre o núcleo caudado e o
putamen. (11)

O globo pálido se divide em: globo pálido interno e globo pálido


externo. Como dito, as duas porções, juntas, também são conhecidas como
paleoestriado. Eles, por outro lado, são componentes do diencéfalo. Em
conjunto com o putamen, são denominados núcleo lentiforme.
Além deles, há outros núcleos associados, como a substância negra (ou
nigra), tendo esse nome por ser rico em melanina, e o núcleo rubro (ou
substância rubra, vermelha), assim chamado por ser rico em ferro.
As fibras que compõem a cápsula interna, sejam ascendentes ou
descendentes, acabam atravessando o emaranhado de núcleos, dividindo-os
em vários componentes diferentes. Assim, temos a separação do núcleo
caudado e o putame por conta da cápsula interna. E nessa separação, essas
fibras da cápsula interna formam as pontes de células que existem entre
esses núcleos. Essas fibras, basicamente, seguem do tálamo ao córtex; do
córtex ao tálamo; ou do córtex para o estriado, tronco encefálico e medula. A
cápsula interna separa também o segmento interno do globo pálido, e a parte
reticular da substância negra.
3.2. Divisão funcional
Os núcleos da base se dividirem em três grupos: grupo de entrada, de
saída e grupo dos núcleos intrínsecos.
Os núcleos de entrada, ou aferentes, recebem conexões de regiões do
cérebro, principalmente o córtex, e daí se projetam para os núcleos de saída.
Os núcleos aferentes são: núcleo caudado, putame, e nucleus accumbens,
que estão fundidos numa estrutura conhecida como estriado. O caudado
participa do movimento dos olhos e da cognição, e o putame do
movimento do tronco e dos membros. Já o núcleo accumbens participa da
mediação das emoções, essa função que tem também a participação dos
outros dois.
Os núcleos eferentes, ou de saída, se projetam para regiões do
diencéfalo e do tronco encefálico. Existem, basicamente, 3: segmento
interno do globo pálido, ou globo pálido interno, associado ao putame e
controle dos membros; a parte reticular da substancia negra, envolvida
na cognição e movimento conjugado dos olhos com o caudado; porção
anterior do pálido, importante para as emoções.
Já os núcleos intrínsecos têm conexões restritas aos núcleos da base. E
basicamente, existem 5: segmento externo do globo pálido, ou globo pálido
externo; globo pálido em sua porção anterior; núcleo subtalâmico; parte
compacta da substancia negra; e área tegmental anterior.

Imagem 12: Representação dos principais núcleos da base. (12)


3.3. Alça Motora
Apesar de existirem diversas conexões e vias, muitas ainda pouco
compreendidas, há certa lógica entre tais conexões. Um grupo de circuitos
tem ações opostas. As conexões do estriado para núcleos de saída e para o
tálamo e tronco cerebral compreendem a via direta. Ela promove ações nos
núcleos da base. Já as conexões do estriado para três intrínsecos (globo
pálido externo, parte anterior do globo pálido, e núcleo subtalâmico)
compreendem a via indireta. Esta, por sua vez, inibe os núcleos da base.
O corpo estriado recebe aferências do córtex cerebral, em especial das
áreas motoras 4 e 6. Vem de neurônios de projeção, da camada V do córtex
(vide capítulo 4), e são glutamatérgicos (como veremos adiante), correndo
ipsilateral, e possuindo uma organização tópica. Outra aferência vem do
núcleo centromediano do tálamo, sendo, provavelmente, excitatória.
Transmite informações do cerebelo e da formação reticular do mesencéfalo
ao corpo estriado. Ele recebe, também, aferências dopaminérgicas da
substância negra.
De modo grosseiro, pode-se pensar que a via direta estimula os
movimentos, e a via indireta reduz, inibe-os. Mas é a sua ação conjunta
que fará o movimento sair de maneira precisa. Portanto, se houver uma
inibição mais intensa do que o normal, ou uma excitação mais intensa,
haverá movimentos aberrantes, anormais. No caso de atividade anormal da
via direta, ocorre hipertonia, tiques; e em atividade anormal da via indireta,
ocorrem as acinesias bradiciniesias, e rigidez.
A via direta inicia com conexão excitatória do córtex ao putame. De lá,
há então uma descarga inibitória ao globo pálido, que assim inibe as células
do núcleo ventrolateral do tálamo. A conexão entre o núcleo ventral lateral e
a área motora suplementar é excitatória, facilitando o disparo de células
associadas ao movimento. Assim, a ativação do putame promove a ativação
da área motora suplementar pelo núcleo talâmico.
Ou seja, sem estímulos, o globo pálido inibe o núcleo ventral lateral. E,
com isso, quando ocorre estímulo cortical, há ativação do putamen, que
então inibe o globo pálido, o que leva ao bloqueio dessa inibição do núcleo
ventral lateral, permitindo que então o ele esteja ativo, impulsionando a
atividade na área motora suplementar.
E qual a importância disso? Basicamente, é assim que se focaliza a
ativação da área motora suplementar, tornando precisa a ação.
CURIOSIDADE

Os distúrbios do movimento são aqueles que ocorrem em lesões em importantes


componentes do sistema motor, como os núcleos da base, cerebelo e vias
motoras/córtex motor. As lesões nas vias motoras principais levam a fraqueza
muscular, podendo fazer, como dito anteriormente, uma paralisia flácida ou
espástica. Quando há lesões em núcleos da base, tem-se o surgimento de
movimentos involuntários, as discinesias. Já as lesões em cerebelo fazem alteração
na composição do movimento, com alteração de precisão do mesmo.
O tremor consiste em movimentos oscilatórios rítmicos e padrões de contração
muscular, podendo ocorrer ao repouso ou ao se realizar um movimento. O tremor
pode ser fisiológico (que ocorre em estresse ou medo), pode vir da doença de
Parkinson, bem como vir de lesão no cerebelo, onde é típico ocorrer ao se tentar
realizar um movimento.
A coreia consiste em um movimento involuntário e rápido das extremidades, da
face que surgem de ações intencionais. Já a atetose seria a contorção da porção
proximal dos membros, contínuo. É comum elas se apresentarem em conjunto,
evento conhecido como coreatetose. Elas vêm de um excesso de dopamina nos
núcleos da base.

3.4. Neurotransmissores envolvidos


As atividades excitatórias dos núcleos da base basicamente têm o uso do
neurotransmissor glutamato, mas o principal neurotransmissor envolvido
nos núcleos da base é o GABA, que é inibitório. Há ainda a encefalina (via
direta) e a substancia P (via indireta), que agem nos neurônios do estriado.
O globo pálido e a parte reticular da substancia negra também usa o GABA.
Ou seja: as atividades dos núcleos da base são, em sua maioria, inibitórias.
Na parte compacta da substancia negra tem a dopamina, e ela regula
atividades no lobo frontal e no estriado.

CURIOSIDADE

A doença de Parkinson é um distúrbio do movimento degenerativo do SNC, com


redução do movimento, que fica lento, e ainda apresenta rigidez muscular e tremor
ao repouso. Ela vem da perda de neurônios em áreas como a substância negra, e
outras células dopaminérgicas do SNC, em que ocorre depleção da ação da
dopamina nestes circuitos, de causa ainda desconhecida. Típica em idosos. Esta, na
verdade, consiste na doença primária. Quando a deficiência na ação da dopamina
ocorre secundário à substâncias, ou outras degenerações em outros sítios, tem-se a
doença de Parkinson secundária.
Já a Doença de Huntington é um distúrbio genético em que ocorre degeneração
do núcleo caudado, com comprometimento da liberação do GABA e da substância
P. Com isso, o indivíduo tem dificuldade na composição do movimento,
apresentando coreia (coreia de Huntington), dificuldade de manter uma ação
motora, com movimentos aleatórios, e também comprometimento cognitivo
progressivo.

3.5. Circuitos
Os núcleos da base fazem conexões com várias regiões. Seus circuitos se
originam de diversas áreas diferentes corticais, e atravessam diversos
núcleos, tendo como alvo o lobo frontal. Destacam-se 4 circuitos
importantes que envolvem os núcleos da base:

• Circuito musculoesquelético
• Circuito oculomotor
• Circuito associativo / cognitivo
• Circuito límbico
O circuito locomotor tem papel importante no controle dos músculos
faciais, e dos membros e tronco. As aferências sensoriais projetam-se
também para áreas frontais motoras. Basicamente, esse circuito se subdivide
em circuito musculoesquelético e oculomotor. O musculoesquelético vem
de áreas motoras e somatossensoriais, e atravessam globo pálido, retornando
a áreas motoras. Já o oculomotor controla os movimentos sacádicos dos
olhos, com informações vindas de aferências do campo visual, e de tronco
cerebral e córtex de associação parietal. Assim, eles recebem informações
que processam as informações visuais para então participar do movimento
dos olhos, dosando a velocidade e a direção precisa para o qual devem se
movimentar.
O circuito associativo tem importância na cognição e nas estratégias
comportamentais, com informações vindas de áreas de associação, e se
projeta para o córtex pré-frontal e áreas pré-motoras. Basicamente se
envolve no raciocínio e pensamento, e no planejamento dos movimentos.
E o circuito límbico, por sua vez, atua na regulação dos
comportamentos e emoções. O sistema límbico é fundamental na emoção.
Então as informações vêm do córtex límbico e da formação hipocampal.
Aqui tem a participação basicamente do estriado anterior, e o GP anterior, e
projeta sinais para o giro cingulado anterior (córtex límbico).
Como funciona? Exemplo: você quer pegar seu celular para atender a
ligação. O circuito límbico está envolvido na sua preocupação em saber
quem é que está ligando, e na decisão de querer atender o celular ou não. O
circuito associativo vai se envolver no planejamento de como pegar e
atender o celular: como pegar, onde pegar e quando pegar o celular e apertar
o botão de atender. O circuito oculomotor lhe fara direcionar-se para o
celular, dando-lhe informações de onde está ele. E o circuito
musculoesquelético lhe direcionará e fará buscar ele. Ou seja, todos os
circuitos se comunicam entre si, interagindo para a execução de um
movimento fino, apurado.

4. Entendendo o caso...
Trata-se de um caso típico de Paraparesia Espástica Tropical, uma
doença neurológica oriunda da infecção por HTLV. O HTLV é um vírus
endêmico no Brasil, que é transmitido por transfusão sanguínea ou via
sexual, que, além da PET, provoca também outras doenças, como vasculites
ou doenças alveolares, e se associa também ao Linfoma de células T.
A PET ocorre por degeneração simétrica dos neurônios nos segmentos
laterais da medula espinal, por onde passam os Neurônios Motores
Superiores (NMS). Mais precisamente, ocorre uma desmielinização destes.
Com isso, o individuo apresenta alterações na marcha, espasticidade e
fraqueza nos membros inferiores. Comum vir também incontinência urinária
e, nos homens, impotência. Os sintomas têm início insidioso, normalmente
começando por uma alteração na marcha, que evoluem para espasticidade e
fraqueza muscular.
Um diagnostico diferencial importante é com a esclerose múltipla: esta se
apresenta com quadro normalmente mais agudo, e possui oscilação do
mesmo, ao contrario da PET, que tem inicio mais insidioso e progressivo. O
diagnostico é feito com a pesquisa no soro de anticorpos anti-HTLV-1.
O tratamento é feito a base de corticoterapia, que apresenta bons
resultados em quadros agudos ou de rápida progressão. Como alternativa, há
a ciclofosfamida.

Referências Bibliográficas
1. MACHADO, Angelo B.M.; HAERTEL, Lúcia Machado. Neuroanatomia funcional. 3.ed.
São Paulo: Atheneu, 2006.
2. MARTIN, John Harry. Neuroanatomia: texto e atlas. 4. ed. Porto Alegre: AMGH, 2013.
3. BEAR, Mark F.; CONNORS, Barry W.; PARADISO, Michael A. Neurociências:
desvendando o sistema nervoso. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017.
4. LENT, Roberto et al. Cem Bilhões de Neurônios? Conceitos Fundamentais de Neurociência.
2. ed. São Paulo: Atheneu, 2002.
5. KANDEL, E.R.; SCHWARTZ, J.H.; JESSELL, T.M. Princípios da Neurociência. São Paulo:
Manole, 2003.
6. DUUS, Peter. BAEHR, M. FROTSCHER, M. Topical Diagnosis in Neurology. 4. Ed. New
York: Thieme, 2006.
7. GOLDMAN, L. AUSIELLO, D. Cecil: Medicina Interna. 23. Ed. Rio de Janeiro: Elsevier,
2011.

Imagens
1. ResearchGate. Lateral Aand Medial B view of the Primary Motor Cortex and PReotor cortex.
Disponível em <https://www.researchgate.net/figure/Lateral-A-and-Medial-B-view-of-the-
Primary-motor-cortex-and-Premotor-cortex-7_fig5_281198195>, Acesso em: 28 de outubro
de 2018.
2. Grupo de Ensino em Neurologia. Disponível em
<http://monitoriagen.wixsite.com/monitoria/em-branco?lightbox=dataItem-ijkrnm9c1>,
Acesso em: 28 de outubro de 2018.
3. Blog Dr. Carlos. Doença do Neurônio Motor. Disponível em
<https://drcarlosrey.blogspot.com/2017/08/doenca-do-neuronio-motor.html>, Acesso em: 28
de outubro de 2018.
4. Portal Passei Direto. Níveis da medula. Disponível em
<https://www.passeidireto.com/arquivo/1648558/niveismedula>. Acesso em: 06 de março de
2019.
5. DUUS, Peter. BAEHR, M. FROTSCHER, M. Topical Diagnosis in Neurology. 4. Ed. New
York: Thieme, 2006.
6. ResearchGate. Esquema ilustrativo da origem embriológica de uma fibra muscular
esquelética. Disponível em <https://www.researchgate.net/figure/FIGURA-6-Esquema-
ilustrativo-da-origem-embriologica-de-uma-fibra-muscular-esqueletica_fig1_35711562>,
Acesso em: 28 de outubro de 2018.
7. Portal Cola da Web. Sistema muscular. Disponível em
<https://www.coladaweb.com/biologia/corpo-humano/sistema-muscular>, Acesso em: 28 de
outubro de 2018.
8. PicLuck. Disponível em
<http://www.picluck.net/user/adrianofisio1/2947521533/1288306253538013537_294752153
3>, Acesso em: 28 de outubro de 2018.
9. Museu Escola da UNESP. Como funciona o corpo humano? Disponível em
<http://www2.ibb.unesp.br/Museu_Escola/2_qualidade_vida_humana/Museu2_qualidade_c
orpo_sensorial_somestesia3.htm>, Acesso em: 28 de outubro de 2018.
10. DUUS, Peter. BAEHR, M. FROTSCHER, M. Topical Diagnosis in Neurology. 4. Ed. New
York: Thieme, 2006.
11. Blog Morfobiomed. Nucleo putamen. Disponível em
<https://morfofisiobiomed.wordpress.com/2014/11/18/nucleo-putamen/>, Acesso em: 28 de
outubro de 2018.
12. Anatomia Papel e Caneta. SNC - Cerebro, telencefalo e nucleos da base. Disponível em
<https://anatomia-papel-e-caneta.com/snc-cerebro-telencefalo-nucleos-da-base/>, Acesso
em: 28 de outubro de 2018.

CONFERÊNCIAS
Confira aqui a aula dinâmica do Medicina
Resumida sobre os assuntos abordados nesse
capítulo!
14. Cerebelo
Capítulo 14
CEREBELO
1. Caso Clínico
Mais um dia no Hospital do Santo Livro, e o Dr. Gomes segue no seu
plantão de emergência, quando lhe chega um caso curioso.
Fernanda, de 16 anos, da entrada na emergência vinda acompanhada da
sua mãe, dona Rosália, que estava desesperada. Foi admitida com quadro de
dispneia, cianose e hipoxemia, que iniciou há algumas horas. A mãe relata
retardo no desenvolvimento prévio. Nega uso de medicações.
Ao exame neurológico, estava confusa, sonolenta, respondendo pouco
aos comandos verbais, pouco contactante. Pupilas isocóricas e
fotorreagentes, com movimento ocular extrínseco preservado. Mímica e
sensibilidade facial presentes. Apresentava nistagmo vertical. Fraqueza
muscular em membros inferiores, 3 em 5, e apresentando ataxia de marcha.
Não foi testada a estereognosia, grafestesia, teste índex-índex, e a
diadococinesia. Sensibilidade tátil preservada, com déficit na sensibilidade
dolorosa.
O dr Gomes logo solicitou uma ressonância magnética, que evidenciou
ectopia cerebelar, e siringomielia na medula cervical. Assim, discutiu o caso
com o seu residente, Felipe, que sugeriu, com precisão, o diagnóstico de uma
malformação de Chiari. O dr. Gomes perguntou, então, a classificação e qual
seria o tipo de Chiari desse caso, mas o residente não soube responder. Ele
indicou uma descompressão em transição crânio-cervical, cirurgia realizada
por ele próprio, sem intercorrências. A paciente evoluiu com melhora nas
horas seguintes após o procedimento.
Com isso, o residente Felipe percebeu a importância de se entender o
cerebelo e sua relação espacial com outras estruturas do sistema nervoso,
além de lembrar do seu exame físico correto.

1.1. Termos Desconhecidos


• Malformação de Chiari
• Siringomielia
• Diadococinesia
1.2. Termos-Chave
• Nistagmo vertical
• Ataxia de marcha
• Ectopia cerebelar
1.3. Objetivos
• Conhecer a anatomia e histologia do cerebelo
• Compreender sua relação com as estruturas da fossa posterior
• Entender como interfere no sistema motor, sua importância, e
ações em outros sistemas

2. Anatomia
2.1. Externa e divisão funcional
O cerebelo fica na fossa posterior, atrás do bulbo e da ponte, sendo
separado do córtex cerebral por uma lâmina de dura-máter chamada tenda
do cerebelo, ou tentório do cerebelo (Vide Capítulo 5). Basicamente,
engloba um córtex externo que tem corpos neuronais que recobrem uma
região com axônios. Esse córtex é rico em variedades de tipos de neurônios.
A porção central que conecta os dois hemisférios cerebelares é chamada de
verme (vermis) cerebelar, por sua semelhança a um verme.
Na visão inferior, o cerebelo compõe o teto do quarto ventrículo, com os
pedúnculos cerebelares. O quarto ventrículo que possui comunicações com o
espaço subaracnoide (como visto no capitulo 5).

Imagem 1: Ilustração da visão superior do cerebelo. Em destaque, o vermis


cerebelar, lobo anterior e o posterior. (1)

O córtex cerebelar, assim como o córtex cerebral, possui dobras, mas


nesse caso eles ganham nome de folhas, que tem a mesma ideia dos giros e
sulcos cerebrais: aumentam a área de superfície. Ao seccionar o cerebelo, é
possível observar um padrão de ramificação similar a galhos de árvore, o que
levou a denominação de árvore da vida, ou arbor vitae. Assim, essas folhas
se arranjam em grupos, formando lóbulos, separados por fissuras. Existem,
pela definição atual, 10 lóbulos.
Nos dias atuais tem-se optado por agrupar o cerebelo por filogenética e
função, o que levou a três grupos: arquicerebelo, paleocerebelo e
neocerebelo.
O arquicerebelo, tido como a porção mais antiga do cerebelo, se
relaciona com o sistema vestibular. Por receber aferências do núcleo
vestibular, é também chamado de vestibulocerebelo. Anatomicamente,
corresponde ao lobo floculonodular. Ele está envolvido na manutenção do
equilíbrio e posição da cabeça e olhos. É essencial para controlar a fixação
do olhar, além de contribuir para o reflexo vestíbulo-ocular.
O paleocerebelo recebe muitas aferências da medula espinal, sendo,
portanto, chamada também de espinocerebelo. Corresponde a porção
anterior do vermis e estruturas adjacentes, lóbulo central, hemisfério
intermediário e núcleos fastígio e interpósito. Recebe também informações
do nervo trigêmeo e outros sensoriais. Ele é essencial para a postura e
movimentos do tronco e membros, como veremos adiante.
O neocerebelo corresponde a parte mais recente do cerebelo. É a maior
porção, que surgiu em conjunto com o desenvolvimento do cérebro e o
aprendizado do individuo para se manter na posição ereta e deambular.
Formado pelos dois hemisférios cerebelares, e tem conexão importante com
o córtex cerebral, através de projeções vindas pela ponte. Por isso, ele
também é conhecido como pontocerebelo ou cerebrocerebelo. Recebe
aferências do córtex cerebral, participando do planejamento dos movimentos
e funções não-motoras. Envolve o hemisfério lateral e o núcleo denteado.
Os lóbulos se arranjam em três lobos, através da separação por duas
fissuras profundas:

• Fissura primária divide o lobo anterior do posterior


• Fissura posterolateral divide lobo posterior do lobo
floculonodular
Imagem 2: Visão inferior e posterior do cerebelo. Em destaque, o vermis
cerebelar em visão inferior, os pedúnculos cerebelares superior, médio e
inferior, e o lobo floculonodular, além da fissura posterolateral. (2)

O lobo floculonodular tem esse nome por ser composto por: um nódulo
(equivale ao verme), e dois flóculos. Ele tem importância na manutenção do
equilíbrio, e controle do movimento ocular. Já o lobo anterior se envolve no
controle dos membros e tronco. O lobo posterior, por outro lado, está mais
envolvido no planejamento do movimento, e funções não-motoras.

2.2. Interna
O cerebelo possui 50% dos neurônios do encéfalo, apensar de ter apenas
10% do seu peso. Os neurônios se situam na substancia cinzenta cortical, e
nos seus quatro núcleos.

2.2.1. Núcleos cerebelares


Em cada hemisfério, existem quatro núcleos.
O núcleo fastigial (ou do teto) se encontra mais medial, no teto do IV
ventrículo. Recebe aferências principalmente das células de Purkinje, do
lobo floculonodular. E suas fibras eferentes seguem para os núcleos
vestibulares (trato fastigiobulbar), ou cruzam e seguem para formação
reticular e núcleos vestibulares contralaterais (fascículo uncinado).
Lateral a ele, tem o núcleo globoso e o núcleo emboliforme. O
agrupamento formado pelos núcleos globoso e emboliforme são
denominados núcleo interpósito. Ambos recebem aferências da zona
perivermiana e do vermis, emitindo fibras para o núcleo rubro contralateral.
Já o núcleo denteado, o maior dos quatro, se posiciona mais lateral,
recebendo aferências do córtex dos hemisférios cerebelares e da zona
perivermiana. Emite fibras pelo pedúnculo cerebelar superior até o núcleo
rubro contralateral e o núcleo ventral lateral do tálamo.

Imagem 3: Ilustração dos núcleos do cerebelo e fibras do pedúnculo


cerebelar superior. (3)

Esses núcleos se relacionam com o cerebelo de maneira oposta à relação


do tálamo com o cérebro: o córtex cerebelar que emite fibras para eles.

3. Histologia
É composto por três camadas, com base no tipo celular: camada
molecular (com células granulares); camada das células de Purkinje; e
camada das células ganglionares.
A camada molecular (ou estrato molecular) é composta por processos
celulares, sendo a maioria axônios de células granulares e dendritos de
células de Purkinje. Alguns interneurônios permeiam os processos (células
estreladas e células de Golgi, por exemplo).
A camada celular (de Purkinje, ou estrato ganglionar) possui, como o
nome sugere, basicamente os corpos celulares das células de Purkinje,
enfileirados. Seus dendritos se dirigem para a camada molecular, em sentido
perpendicular a ela. Seus axônios que funcionam como a via eferente do
cerebelo, se dirigindo para os seus núcleos profundos, liberando o
neurotransmissor GABA. As fibras do vestibulocerebelo que contornam os
núcleos, para se dirigir a núcleos extra-cerebelares.
Imagem 4: Ilustração das camadas do córtex cerebelar. Em destaque, as
células de Purkinje (em vermelho) e as células granulares (em azul escuro), e
as fibras trepadeiras (em azul claro) e as musgosas (em roxo). (4)

A camada de células ganglionares (ou estrato ganglionar) é composta


por corpos celulares das células ganglionares compactados. Seus axônios se
encontram na camada molecular, seguindo curso como fibras paralelas que
irão fazer conexões com as células de Purkinje, perpendicularmente. Essas
células são a base de glutamato, sendo as únicas a exercerem ação excitatória
no cerebelo. Suas células, porém, respondem por mais de 90% de todos os
neurônios cerebelares.

4. Vias cerebelares
O cerebelo possui um circuito próprio e importante.
Suas aferências vem, principalmente, dos núcleos vestibulares
ipsilaterais, algumas vindo diretamente do órgão vestibular, da medula
espinal ipsilateral, e dos núcleos pontinos contralaterais (vindos do córtex
cerebral), além dos núcleos olivares no bulbo.
As fibras que vem dos núcleos olivares são chamadas de trepadeiras,
que se dirigem as células de Purkinje, no córtex cerebelar. Recebem esse
nome por sua disposição ao longo dos dendritos das células de Purkinje. As
fibras que vem das demais áreas se denominam musgosas, se dirigindo para
as células ganglionares, que então retransmitem impulsos para dendritos das
células de Purkinje. Ambas, porém, também vão emitir ramos colaterais para
núcleos profundos do cerebelo.
Já os sinais de saída envolvem as células de Purkinje e seus axônios.
Assim, as vias aferentes, basicamente, vão se dirigir para o córtex
cerebelar e para núcleos profundos. No córtex, basicamente, a informação é
processada em uma rede complexa de sinapses se direcionando para as
células de Purkinje. Estas, ao receberem as informações e processarem elas,
retransmite as informações aos núcleos do cerebelo, por estímulos
inibitórios. Assim, o casamento das informações vindas das fibras aferentes
e eferentes vai, enfim, ser redirecionado para os alvos extracerebelares.
Imagem 5: Representação da relação funcional entre as fibras e as células de
Purkinje. (5)

E os axônios que correm entre cerebelo e tronco convergem pelos


pedúnculos cerebelares, que são subdivididos em:

• Pedúnculo cerebelar superior (braço conjuntivo)


• Pedúnculo cerebelar médio (braço da ponte)
• Pedúnculo cerebelar inferior (corpo restiforme)
O pedúnculo superior tem axônios eferentes; o médio, aferentes; e o
inferior, ambos.
O pedúnculo cerebelar inferior possui fibras aferentes e eferentes. As
aferentes vem: dos núcleos vestibulares e do nervo vestibular, em direção ao
lobo floculonodular e núcleo fastigial (vestibulocerebelo); fibras do trato
olivocerebelar (vindo do núcleo olivar contralateral); e fibras que vem do
núcleo dorsal (ou torácico), que está no corno posterior da medula espinal,
transmitindo informações para a zona perivermiana e os lobos anterior e
posterior (informações dos fusos musculares e do tronco cerebral -
espinocerebelo). Já as eferentes, se dirigem para: núcleos vestibulares (trato
fastigiobulbar – principal divisão eferentes), influenciando a função motora
da medula espinal; para formação reticular e oliva (vestibulocerebelo).
Já o pedúnculo cerebelar médio contem fibras eferentes, vindos,
basicamente, da ponte (trato pontocerebelar), que decussa antes de adentrar o
cerebelo, se dirigindo aos hemisférios cerebelares (cerebrocerebelo).
O pedúnculo cerebelar superior, por sua vez, engloba a maioria das
fibras eferentes, vindas dos núcleos profundos do cerebelo. Elas,
basicamente, vao se projetar para: o tálamo (núcleo ventral lateral e
centromediano contralaterais); núcleo rubro contralateral; e formação
reticular.

5. Funções cerebelares
Embora receba muitas aferências sensoriais, o cerebelo pouco participa
da percepção ou da discriminação, e lesões nas suas vias motoras não
produzem paralisia. Na cognição, tem participação importante para a
aprendizagem motora e memória. De maneira geral, o cerebelo é importante
para manter o equilíbrio, e controle do tônus muscular, além de assegurar
execução precisa do movimento.
As funções do cerebelo são melhor compreendidas quando
correlacionadas com sua divisão funcional (espinocerebelo, cerebrocerebelo
e vestibulocerebelo).
O espinocerebelo é importante para o controle dos músculos do corpo.
Tem organização específica: o verme controla os músculos axiais e
proximais; o hemisfério intermediário controla os músculos dos membros.
E seu controle também tem vias que sofrem decussação no caso do controle
dos membros distais, pois controle mais proximais tem organização bilateral.
Ele recebe informações dos mecanorreceptores dos músculos. Essa via que
se comunica com o cerebelo é o trato espinocerebelar posterior,
transmitindo informações da parte inferior do tronco e membros. Já o trato
cuneocerebelar transmite informações da parte superior do tronco e
membros. Esses tratos perpassam pelo pedúnculo cerebelar inferior, sendo
exemplo de fibras musgosas. Se comunicam com o núcleo interpósito.

DETALHE!
Lesões ao vermis cerebelar promovem ataxia de postura e marcha. Se a lesão for na
porção superior, os indivíduos apresentam marcha instável, de base ampla, com
desvio para o lado da lesão. O teste de Romberg revela tal questão: de olhos
fechados, um empurrão leve faz o indivíduo balançar. Já se a lesão foi na porção
inferior do vermis, podem ocorrer ataxia de postura, com o individuo apresentando
dificuldade para se sentar ou ficar de pé.

O cerebrocerebelo recebe aferências do córtex cerebral, participando do


planejamento dos movimentos e funções não-motoras. Envolve o hemisfério
lateral e o núcleo denteado. Sua principal via de entrada carrega informações
do córtex cerebral contralateral, de áreas motoras, sensitivas ou de
associação. Ele retransmite informações para núcleos pontinos ipsilaterais, e
eles para o córtex cerebelar contralateral via pedúnculo cerebelar médio.

DETALHE!

Lesões ao cerebelo promovem prejuízo do movimento dos membros, ipsilateral a


lesão. Ocorre decomposição do movimento, com dismetria, dissinergia,
disdiadococinesia e tremor, mais notados nos membros superiores. A dismetria é
notada no teste index-index e índex-nariz, e a disdiadococinesia observada ao
alternar simultaneamente as mãos em posição pronada e supina. Já lesões ao
hemisfério cerebelar promovem hipotonia. Ocorre também hiporreflexia, além de
disartria, com fala lentificada e má articulação das palavras.

O vestíbulocerebelo recebe aferências do labirinto vestibular, e núcleos


vestibulares, envolvido na manutenção do equilíbrio e posição da cabeça e
olhos. Envolve o lobo floculonodular, sem núcleos cerebelares específicos,
mas com os núcleos vestibulares exercendo essa função. Ele é essencial para
controlar a fixação do olhar, e recebe aferências vestibulares e neurônios que
vem do núcleo vestibular. Além disso, contribuem para o reflexo vestíbulo-
ocular.

DETALHE!

Lesões no lobo floculonodular produzem o desequilíbrio. O indivíduo manifesta tal


condição ao não conseguir ficar em pé (astasia) e caminhar (abasia), além de uma
marcha similar à de um indivíduo embriagado (marcha cerebelar, ou ébria). Isso
vem da dificuldade de coordenar o movimento com base na força gravitacional.
Além disso, o indivíduo apresenta também dificuldade da manutenção do olhar fixo
em objeto parado ou em movimento, se manifestando com nistagmo. Ainda, não
conseguem suprimir o reflexo vestíbulo-ocular.

CURIOSIDADE

Ataxia consiste numa deficiência de coordenação do movimento voluntário. Com


isso, o indivíduo não consegue realizar movimentos finos, como escrever com um
lápis, pegar uma chave ou dar o nó no sapato. A ataxia pode ser sensorial,
vestibular ou cerebelar. Esta última ocorre quando há alguma lesão no cerebelo, e
se caracteriza por uma perda da coordenação e do planejamento das ações pelo
sistema nervoso motor. A marcha cerebelar, também conhecida como marcha ébria,
é aquela em que o indivíduo se apresenta à deambulação com a base alargada,
apresentando passos rápidos e curtos. O quadro fica mais evidente quando, ao
exame neurológico, é posto o paciente para deambular na ponta dos pés ou com os
calcanhares.

DETALHE! O exame físico cerebelar.

O exame físico, basicamente, tem por objetivo identificar a dismetria, dissinergia e


decomposição do movimento. É avaliado a postura e a marcha, para avaliar o
equilíbrio. Além deles, é feito testes para avaliar movimentos finos intencionais,
como o teste index-nariz (que pode ser feito também o teste índex-índex), e os
movimentos alternados rápidos.
O teste índex-nariz é feito com o paciente estirando o braço, e tocando
lentamente com o indicador na ponta do nariz, em seguida fazendo o movimento
rapidamente, com os olhos fechados. O objetivo é o paciente tocar o nariz e estirar
o braço, repetidas vezes, para avaliar se o movimento será bem feito, ou se haverá a
decomposição do movimento e dismetria, com ele sendo feito “por etapas”, ou mal
feito. O investigador tem que buscar tremores, espasmos e oscilações no
movimento.
Movimentos alternados rápidos avaliam a diadococinesia, e um déficit
cerebelar pode levar a dificuldade de promover um movimento oposto ao
movimento inicial. Isso envolve os músculos agonistas e antagonistas, onde, em um
movimento, ocorre a contração de um e o relaxamento do outro grupo, e ao alternar
o movimento para seu oposto, ocorre o caminho inverso. E no déficit cerebelar, isso
não ocorre na velocidade adequada, dificultando a realização do teste.

6. Entendendo o caso...
A malformação de Chiari consiste, na verdade, em um grupo de
anormalidades da porção posterior do encéfalo. A maioria das alterações
envolvem os chamados tipo 1 e tipo 2. Quanto a terminologia, a
malformação de Chiari tipo 1 é a comumente chamado de malformação de
Chiari propriamente dita, ao passo que a malformação de Chiari tipo 2 é a
mais conhecida como malformação de Arnold-Chiari.
a) Chiari tipo 1 (ou simplesmente Chiari)
O Chiari tipo 1 é um grupo heterogêneo que tem como base o
comprometimento do fluxo liquorico no forame magno, geralmente por
herniação de tonsilas cerebelares. Pode ser congênito ou adquirido. Por isso,
é comum haver a formação da siringomielia. Se associa a uma fossa
posterior estreita, seja por: osso occiptal pouco desenvolvido ou espesso,
tentório cerebelar baixo, ou lesões expansivas ocupando espaço na fossa
posterior.
Em média, ocorre aos 40 anos, tendo leve predominância pelo sexo
feminino. Por conta da herniação cerebelar a nível de forame magno, podem
ocorrer: compressão do tronco cerebral, hidrocefalia, siringomielia.
Os sintomas vêm destas condições: em geral, os pacientes se queixam de
cefaleia occiptal, sentida pela extensão do pescoço ou à manobra de
Valsalva; fraqueza muscular pode ocorrer, geralmente unilateral, com
espasticidade bilateral em membros inferiores. Pode ocorrer o sinal de
Lhermitte: sensação de choque em coluna cervical e membros superiores ao
flexionar a cabeça. Ao exame físico, os sinais clínicos se agrupam em três
grandes grupos: o grupo da compressão a nível de forame magno; síndrome
central da medula; e síndrome cerebelar. A compressão do tronco cerebral a
nível de forame magno promove: ataxia, déficits sensoriais e motores,
paralisia de nervos cranianos baixos, e cefaleia intensa. A síndrome central
da medula causa: perda dissociada sensorineural (perda da sensação dolorosa
e térmica, preservando o tato); fraqueza no segmento acometido. E a
síndrome cerebelar causa: ataxia de tronco e membros, nistagmo e disartria.
A ressonância é o exame de escolha, por mostrar as anormalidades
descritas, como a herniacao do cerebelo, a siringomielia, e a compressão de
tronco cerebral. É importante lembrar que a identificação da herniação de
tonsilas cerebelares não se vale como diangóstico isoladamente, requerendo
associação com a clínica.
A cirurgia é indicada para pacientes sintomáticos, e tem melhores
resutados quando realizada nos 2 primeiros anos de sintomas. Em pacientes
assintomáticos, a conduta expectante é indicada. É indicada a descompressão
da fossa posterior, ou craniectomia subocciptal, podendo ser feita ainda uma
laminectomia cervical.
b) Chiari tipo 2 (ou Arnold-Chiari)
Esta, por sua vez, costuma se associar a mielomeningocele ou espinha
bífida oculta. Ocorre deslocamento caudal da junção bulbo-cervical, bulbo,
ponte e quarto ventrículo. São Observadas as tonsilas cerebelares no forame
magno ou logo abaixo dele. Esta costuma se associar a varias outras
anomalias, como: ausência de septo pelúcido, hidrocefalia, hipoplasia da
foice, microgiria, degeneração de núcleos cranianos inferiores, e
anormalidades ósseas.
Os achados clínicos vem de altereações no tronco encefálico e de nervos
cranianos inferiores. Raramente começa na vida adulta, sendo comum se
apresentar em crianças e neonatos. As manifestações clinicas encontradas
são: disfagia, crise apneica, estridores, aspiração, paresia de membros
superiores, podendo cursar com tetraparesia, ou fraqueza facial.
Para diagnóstico, é indicada a ressonância magnética, que pode
evidenciar: deformidade do bulbo em “Z”, ou seu alongamento, fusão tectal,
adesão intertalâmica ou baixa implantação da tenda do cerebelo. Pode ainda
ser observada: disgenesia do corpo caloso, hidrocefalia, siringomielia na
junção bulbo-cervical, fechamento do quarto ventrículo e compressão
cerebelar e bulbar.
O tratamento consiste em fazer a derivação ventricular para tratamento
e/ou prevenção da hidrocefalia, e em casos de disfagia, estridor ou apneia, é
indicada a descompressão em fossa posterior, sempre avaliando a
possibilidade de um shunt liquorico pérvio.

Referências Bibliográficas
1. MACHADO, Angelo B.M.; HAERTEL, Lúcia Machado. Neuroanatomia funcional. 3.ed.
São Paulo: Atheneu, 2006.
2. MARTIN, John Harry. Neuroanatomia: texto e atlas. 4. ed. Porto Alegre: AMGH, 2013.
3. BEAR, Mark F.; CONNORS, Barry W.; PARADISO, Michael A. Neurociências:
desvendando o sistema nervoso. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017.
4. LENT, Roberto et al. Cem Bilhões de Neurônios? Conceitos Fundamentais de Neurociência.
2. ed. São Paulo: Atheneu, 2002.
5. KANDEL, E.R.; SCHWARTZ, J.H.; JESSELL, T.M. Princípios da Neurociência. São Paulo:
Manole, 2003.
6. DUUS, Peter. BAEHR, M. FROTSCHER, M. Topical Diagnosis in Neurology. 4. Ed. New
York: Thieme, 2006.
7. GREENBERG, Mark S. Handbook of Neurosurgery. 6. Ed. New York: Thieme, 2006.
8. MORO, E. R. P. TEIVE, H. A. G. SOUZA, S. M. P. LAMBRECHT, F. WERNECK, L. C.
Malformação de Chiari tipo 1 – relato de dois casos com apresentações clínicas pouco
usuais. Arq. Neuropsiquiatria. 57 (3-A): 666-671. 1999.

Imagens
1. DUUS, Peter. BAEHR, M. FROTSCHER, M. Topical Diagnosis in Neurology. 4. Ed. New
York: Thieme, 2006.
2. DUUS, Peter. BAEHR, M. FROTSCHER, M. Topical Diagnosis in Neurology. 4. Ed. New
York: Thieme, 2006.
3. Aula de Anatomia. Cerebelo. Disponível em
<https://www.auladeanatomia.com/novosite/sistemas/sistema-nervoso/cerebelo/>, Acesso
em: 28 de outubro de 2018.
4. DUUS, Peter. BAEHR, M. FROTSCHER, M. Topical Diagnosis in Neurology. 4. Ed. New
York: Thieme, 2006.
5. Blog O Ser Humano. Cerebelo. Disponível em
<http://organismhumano.blogspot.com/2017/09/cerebelo.html>, Acesso em: 28 de outubro
de 2018.

CONFERÊNCIAS
Confira aqui a aula dinâmica do Medicina
Resumida sobre os assuntos abordados nesse
capítulo!
15. O Sistema Vestibular
Capítulo 15
O SISTEMA VESTIBULAR
1. Caso Clínico
Um dos alunos de Dr. Gomes certo dia lhe procurou no ambulatório do
Hospital do Santo Livro trazendo seu avô de 61 anos, que vinha com relato
de tontura rotatória, rápida e intensa, além de sensação de flutuar, comuns
quando se levanta da cama, ou sempre que muda de posição (muda de lado
na cama, por exemplo). A tontura piorou, ocorrendo, inclusive, ao virar a
cabeça para o lado subitamente, quando apresentou queda da própria altura.
Percebendo o que estava se apresentando, o Dr. Gomes logo tratou de
realizar a manobra de Dix-Hallpike, que rapidamente evidenciou nistagmo
rotatório no paciente. Assim, o Dr. Gomes informou ao seu aluno que se
tratava de uma Vertigem Postural Paroxistica Benigna, que uma pedra estava
se deslocando erroneamente no seu labirinto vestibular, e que por isso estava
causando esses sintomas nele.
Fascinado pelo assunto, o aluno logo abriu o celular e pesquisou no seu
aplicativo de artigos médicos sobre o tema, e viu que se tratava de uma
doença benigna do seu sistema vestibular, comum em idosos, e que consistia
na verdade de um problema mecânico. Viu ainda que o seu tratamento
consiste em realizar manobras de liberação para movimento do cálculo,
como a manobra de Epley. Pediu ao Dr. Gomes para lhe ensinar a manobra,
que prontamente mostrou em seu avô como era feita, e pediu logo após que
ele fosse observado em casa que, caso mantivesse sintomas, o procurasse
novamente. Agradecido, seu aluno foi para casa aliviado por se tratar de um
problema benigno, e afoito em ler mais sobre as doenças que causam
vertigem e tontura. Afinal, vertigem e tontura são a mesma coisa?

1.1. Termos-Desconhecidos
• Manobra de Dix-Hallpike
• Manobra de Epley
• Vertigem Postural Paroxística Benigna
• Nistagmo
1.2. Termos-Chave
• Tontura rotatória
• Nistagmo rotatório
• Labirinto vestibular
• Sistema Vestibular
• Manobra de liberação
• Vertigem
1.3. Objetivos
• Conhecer o sistema vestibular
• Entender a importância do Sistema Vestibular para a manutenção
do equilíbrio postural
Tal qual o sistema auditivo, o sistema vestibular possui um conjunto de
órgãos com células ciliadas, que detectam as mudanças de posição através
do movimento de estruturas que estão em contato com esses cílios. Essas
estruturas estão dentro de um conjunto de câmaras que se conectam,
chamados de labirinto vestibular. Basicamente, participam da composição
e manutenção do equilíbrio do indivíduo, em conjunto com a visão e a
propriocepção.
E esse labirinto é composto pelo labirinto vestibular, que engloba os
órgãos otolíticos e os canais semicirculares; pela divisão vestibular do
nervo craniano VIII (vestibulococlear); e seu núcleo vestibular, na ponte,
e suas conexões no sistema nervoso central.
Os órgãos otolíticos são dilatações das câmaras, e basicamente são:
sáculo e utrículo. Eles vão responder por inclinação da cabeça e pela ação
da gravidade. Já os canais semicirculares são 3, e tem forma de arco, e são
sensíveis a rotação da cabeça. Se dispõem em ângulos de 90° entre si.

Imagem 1: Anatomia da cóclea e do labirinto vestibular. (1)

Essas células ciliadas fazem sinapse com neurônios do nervo vestibular,


que se une ao coclear, formando o nervo vestíbulococlear (VIII nervo
craniano). Seus corpos celulares estão no gânglio vestibular de Scarpa.

2. O labirinto vestibular
Se situa dentro da porção petrosa do osso temporal, e é composto, como
dito, pelo sáculo, utrículo, e pelos canais semicirculares. A parte
membranosa se separa da parte óssea por um espaço contendo um fluido, a
perilinfa. Já a parte membranosa, por sua vez, é preenchida pela endolinfa.
O sáculo, o utrículo e as dilatações dos canais semicirculares (ampolas)
possuem os receptores envolvidos no equilíbrio.

3. Os Órgãos Otolíticos
Eles conseguem detectar a mudança na angulação da cabeça e
aceleração linear. A referência deles é a força gravitacional, então a
mudança da angulação da cabeça vai ser percebida pela mudança da direção
da gravidade. Com a aceleração, acontece o mesmo, e eles detectam a força
aplicada para aquele movimento.
O sáculo e o utrículo possuem a mácula, que consiste em seu órgão
receptor. A do sáculo se situa vertical a sua parede medial, e a do utrículo se
posiciona no seu assoalho, paralelo à base do crânio (praticamente
horizontal). Ela possui células ciliadas que são cobertas por uma camada
gelatinosa com cristais de carbonato de cálcio, os otólitos. Eles são mais
densos que a endolinfa que circula nesse canal, e são quem sensibilizam os
cílios.
Ao se movimentarem, os otólitos fazem a massa gelatinosa se mover, e,
por consequência, os cílios (ou estereocílios). Mas, cada célula ciliada tem o
cinocílio, um cílio maior, que norteia qual a direção do movimento para
despolarizar ou hiperpolarizar os receptores. Se o movimento dos cílios toma
a sua direção, ocorre a despolarização; se é na direção oposta, há a
hiperpolarização.
Além disso, os cílios se dispõem de tal modo que conseguem responder a
mudanças de qualquer direção. A ação dos dois labirintos é fundamental: se
em um lado, um conjunto é ativado, esse mesmo conjunto do outro labirinto
será inibido, ou seja, agem de forma complementar para compor a
informação adequada da posição e do movimento.
Imagem 2: Representação dos receptores vestibulares e da ampola, além de
seu movimento segundo a linfa (que se move de acordo com o movimento
correspondente do corpo). (2)
Imagem 3: Esquema ilustrando o movimento dos otolitos e dos estereocílios
de acordo com movimentos do corpo. (3)

Os órgãos otolíticos, em resumo, transmitem informações estáticas sobre


a posição da cabeça no espaço. Influenciam também o tônus muscular.

4. Os Canais Semicirculares
Eles detectam a rotação da cabeça, inclinações da cabeça, balanço dela,
além de, também, detectarem aceleração, só que nesse caso é a aceleração
dos movimentos de rotação (aceleração angular).

Imagem 4: Esquema do movimento da linga de acordo com o movimento da


cabela, nos dois labirintos (direito e esquerdo). Observem que em um, a linfa
atinge e move os cílios para um lado, e no outro ocorre o oposto. (4)

Cada um dos canais se posiciona em planos diferentes. O canal


semicircular lateral se posiciona no plano horizontal, e os outros dois se
posicionam perpendiculares a ele e entre si. Pela disposição no osso
temporal, o canal semicircular anterior de um lado se posiciona em paralelo
ao canal semicircular posterior do outro, e vice-versa, ao passo que os canais
laterais se posicionam no mesmo plano horizontal.
Os canais se comunicam com o utrículo, e na extremidade de cada um
possui uma dilatação: a ampola. É nela onde residem os receptores do
sistema vestibular, mais precisamente na crista ampular. Os receptores se
dispõem em cílios que estão dentro da cúpula gelatinosa. É importante frisar
que elas não possuem otólitos. Assim, é o movimento da endolinfa nos
canais que fará a respectiva cúpula se mover, estimulando os receptores dos
cílios (receptores cinéticos). Nesse caso, todos os cílios numa mesma cúpula
ficam orientados para a mesma direção.
Quando há uma rápida rotação de eixo, a endolinfa, por inércia, demora
de movimentar, se atrasa. Esse retardo é transmitido a cúpula, que, com isso,
se encurva, dobrando os cílios. O movimento dos cílios promove o estímulo
ou a inibição da transmissão sináptica entre as células ciliadas e os axônios
do nervo vestibular. Entretanto, se a rotação continuar, pela inercia, agora,
tanto a endolinfa quanto a cúpula irão se adaptar ao movimento, e voltam a
posição original. Isso é comum em brincadeiras em que o indivíduo gira seu
corpo no seu próprio eixo, ou em brinquedos de parques que giram em torno
de outro eixo. Ao parar o movimento, agora a inercia fará com que a
endolinfa se mova no sentido da rotação, levando junto a cúpula. Com isso,
o indivíduo passa por um período de sensação de rotação ainda, a tontura
rotatória. A orientação de cada canal de um lado é simétrica a orientação do
lado oposto. Com isso, eles conseguem perceber todos os ângulos de
rotação. E funcionam similares aos órgãos otolíticos: se um é estimulado, o
outro simétrico irá ser inibido.

5. O nervo vestibular
O gânglio vestibular se situa no ouvido interno. Possui células bipolares
que emite projeções para se comunicar com os receptores do labirinto. Deles,
recebem impulsos nervosos que serão guiados pelos processos que se
dirigem ao tronco cerebral. Estes, por sua vez, compõem o nervo vestibular.
Ao se unir ao nervo coclear, para atravessar o canal interno e o espaço
subaracnóideo, forma o nervo vestibulococlear (VIII nervo craniano). Como
dito, atravessa o espaço subaracnóideo no ângulo pontocerebelar. Em
seguida, se dirige ao tronco cerebral, entrando pela junção pontobulbar, ou
bulbopontina. Ao entrar na ponte, se dirige aos núcleos vestibulares, que
ficam na base do quarto ventrículo.
Elas coordenam e integram as informações sobre os movimentos do
indivíduo. São as informações captadas pelo sistema vestibular que serão
aplicadas nas unidades motoras para ajustar a posição adequada para
determinada situação. Os axônios primários se conectam com o núcleo
vestibular, ipsilateral no TE, e com o cerebelo.

6. Núcleos vestibulares e conexões centrais


O núcleo vestibular, na verdade, consiste em um complexo com quatro
núcleos: o núcleo vestibular superior (de Bekhterev); o núcleo vestibular
lateral (de Deiters); núcleo vestibular medial (de Schwalbe); e o núcleo
vestibular inferior (de Roller). Ao chegar, o nervo vestibular se divide em
ramos que se conectam com um segundo neurônio nos respectivos núcleos.
Algumas fibras vindas do nervo vestibular emitem fibras para o lobo
floculonodular, no cerebelo, pelo trato justaestiforme, próximo ao pedúnculo
cerebelar inferior. O lobo floculonodular, como visto no capítulo 14, emite
projeções para o núcleo fastigial. Este, via fascículo uncinado, emite
projeções de volta ao núcleo vestibular, e algumas voltam pelo nervo
vestibular para as células ciliadas do labirinto. Basicamente, agem através de
um efeito regulador inibitório.
Outras compõem o trato vestibuloespinal lateral, vindo do núcleo
vestibular lateral. Este desce pelo fascículo anterior ipsilateral, se
direcionando para os neurônios motores alfa e gama da medula espinal. Essa
via contribui para a manutenção de um tônus muscular adequado.
Já o núcleo vestibular medial emite fibras pelo fascículo medial
longitudinal bilateral, e segue rumo as células do corno anterior da medula
cervical, ou pelo trato vestíbuloespinal para as células da porcao superior da
medula torácica. São importantes para regular o tônus muscular do pescoço e
da nuca de acordo com a posição da cabeça, e provavelmente estão
envolvidos no equilíbrio através da posição dos membros superiores.
Todos os núcleos emitem projeções que se comunicam com núcleos
responsáveis pelo movimento extrínseco do globo ocular, via fascículo
longitudinal medial.
O núcleo vestibular vai se comunicar então com várias estruturas do SN,
seja córtex, cerebelo, núcleos da base, medula espinal, etc. E, basicamente,
se comunicam com neurônios motores, para regular a postura e a posição do
corpo em determinada situação. Assim como as outras vias sensoriais, essa
via também se direciona ao tálamo antes de se projetar no córtex. E,
basicamente, se projetam em áreas da face no S1, e M1.

CURIOSIDADE
O reflexo vestíbulo-ocular consiste em um movimento do olho para focalizar a
imagem na retina durante o movimento da cabeça, fruto da ação coordenada do
sistema vestibular com a visão. Seu objetivo é focalizar a imagem
independentemente da postura da cabeça. A pessoa somente mudaria a direção do
olhar quando outro ponto periférico lhe chamasse a atenção. Na ausência deste
reflexo, o movimento da cabeça para os lados não seria acompanhado do
movimento do olhar, com os olhos estando parados – chamado olhos de boneca. Já
o reflexo óculocefálico consiste em um movimento conjugado dos olhos em
resposta a um estímulo vestibular. Em geral, para testar esse reflexo é feito a prova
calórica, com uso de água morna ou fria, sendo aplicada no meato acústico externo
do indivíduo, que, quando presente, faz um movimento conjugado ipsilateral à
aplicação (se água fria), com nistagmo contralateral em seguida, ou contralateral à
aplicação (se água morna), com nistagmo ipsilateral. Este reflexo é importantíssimo
por fazer parte da sequência de testes para diagnóstico de morte encefálica.
Falando em nistagmo, este consiste em movimentos repetitivos, rítmicos e
involuntários dos olhos que ocorre por conta de alguma lesão no sistema vestibular
ou de componentes da visão. Este é um dos sintomas de doenças vestibulares mais
comuns. Além dele, tem-se a tontura. A tontura representa um sintoma,
caracterizado por sensação da perda de equilíbrio, podendo ser rotatória (vertigem –
típica de lesões vestibulares) ou não-rotatória (desequilíbrio ou instabilidade
corporal).

7. Entendendo o caso...
O caso em questão nos mostra uma disfunção do Sistema Vestibular, que
é a Vertigem Postural Paroxística Benigna (VPPB). É a principal causa de
vertigem. É definida por crises breves e intensas de vertigem, com inicio
súbito, que se relaciona com mudanças na posição da cabeça. Suas crises se
associam a um nistagmo posicional característico.
A grande maioria dos casos são primários, ou de origem idiopática,
sendo o TCE a principal causa de VPPB secundária, podendo se associar
também a enxaqueca, dislipidemia e diabetes, entre outros.
A base fisiopatológica consiste na presença de otólitos da mácula do
utrículo nos canais semicirculares, que parecem estar livres flutuando pela
endolinfa. Esse fenômeno faz com que os canais semicirculares, que são
detectores de aceleração angular, passem a detectar também a aceleração
linear. Os otólitos podem estar livres no canal, e seu movimento desloca
também a endolinfa, fazendo com que seja captada a mudança de posição.
Porém, eles podem também estar aderidos a cúpula, que naturalmente é de
mesma densidade que a endolinfa. Com tal adesão, agora a cúpula passa a
ser mais densa, também se deslocando com o movimento.
A depender do canal onde estejam os otólitos, ocorre o reflexo vestíbulo
ocular para uma direção diferente, na mesma direção do plano do canal.
Lembremos que o canal lateral/horizontal forma ângulo de 30º com o plano
horizontal, ao passo que os verticais (posterior e anterior) formam um plano
de 45º com o plano sagital.
Seu diagnóstico é clínico, com base no nistagmo evocado. Ocorre a
tontura rotatória (vertigem), precipitada pela mudança repentina da posição
da cabeça, durando segundos e cessando espontaneamente. Não apresenta
hipoacusia, zumbido ou otalgia. Pode ocorrer ainda náuseas e desequilíbrio.
A presença dos otólitos livres na endolinfa é o tipo mais comum, durando
entre 145 a 30 segundos, com latência de alguns segundos entre o estimulo e
o inicio do nistagmo. Já na presença dos otólitos na cúpula quase não há
latência, com maior duração (cerca de 60 segundos ou mais).
Sendo de canal posterior, é mais comum ser por pedras na linfa.
Geralmente sente ao se levantar de manhã, recorrendo em todo movimento
no plano do canal (ao estender ou flexionar a cabeça quando estiver de pé, se
deitar ou girar a cabeça na direção do ouvido afetado (em supino). Tem
sintomas mais fortes, com nistagmo levando cerca de 30 segundos, mas com
náuseas e vômitos associados. O nistagmo é direcionado para cima, com o
polo girando para o lado acometido. As manobras de maior sucesso ao
demonstrar tal quadro são: Manobra de Dix-Hallpike e de Semont, que
testam o lado cuja cabeça foi girada.
Imagem 5: Manobra de Dix-Hallpike. Com o paciente sentado, faz-se uma
rotação lateral da cabeça para o lado a se testar, em seguida deitando-o na
maca, depois deixando a cabeça pendente em cerca de 30 graus.

As de canal lateral são a segunda mais comum. Costuma ter inicio ao


virar para os lados na cama. Tem sintomas mais intensos, inclusive levando
o indivíduo a não conseguir dormir. Tem como manobra diagnostica o teste
da rotação supina, apresentando nistagmo tipicamente lateral,
Tratamento consiste na realização de manobras de reposicionamento ou
de liberação de partículas presentes nos canais para a macula do utrículo. Na
VPPB de canal posterior, a manobra de Epley costuma ser a mais usada
como terapêutica. Na de canal lateral, as manobras mais usadas são a
manobra de Lempert e a de Vannucci-Asprella. Deve-se manter o paciente
amparado e sentado por 10 minutos, sendo necessária reavaliação entre 3 a 7
dias.
Imagem 6: Manobra de Epley. Com o paciente sentado, faz-se a rotação da
cabeça para o lado a se testar. Primeiro, deita o paciente, com extensão da
cabeça em 30 graus (tal qual a manobra de Dix-Hallpike). Em seguida,
cessado o nistagmo, faz o giro em 90 graus da cabeça para o outro lado, e, na
sequência, o paciente gira seu corpo, se posicionando em decúbito lateral
para o lado em que girou a cabeça. Por fim, faz-se novo giro da cabeça, e em
seguida recoloca o paciente sentado na maca.

Referências Bibliográficas
1. MACHADO, Angelo B.M.; HAERTEL, Lúcia Machado. Neuroanatomia funcional. 3.ed.
São Paulo: Atheneu, 2006.
2. MARTIN, John Harry. Neuroanatomia: texto e atlas. 4. ed. Porto Alegre: AMGH, 2013.
3. BEAR, Mark F.; CONNORS, Barry W.; PARADISO, Michael A. Neurociências:
desvendando o sistema nervoso. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017.
4. LENT, Roberto et al. Cem Bilhões de Neurônios? Conceitos Fundamentais de Neurociência.
2. ed. São Paulo: Atheneu, 2002.
5. KANDEL, E.R.; SCHWARTZ, J.H.; JESSELL, T.M. Princípios da Neurociência. São Paulo:
Manole, 2003.
6. DUUS, Peter. BAEHR, M. FROTSCHER, M. Topical Diagnosis in Neurology. 4. Ed. New
York: Thieme, 2006.
7. PLITCHER, O. B. DA COSTA, S. S. MAAHS, G. S. KUHL, G. Rotinas em
Otorrinolaringologia. 1. Ed. Porto Alegre: Artmed, 2015.

Imagens
1. Blog Rosivaldo Delfino. Sistema Vestibular. Disponível em
<http://rosivaldounir.blogspot.com/2012/06/sistema-vestibular.html>, Acesso em: 28 de
outubro de 2018.
2. SlideShare. Mecanorreceptores: Sistema Vestibular. Disponível em
<https://pt.slideshare.net/Sh4d0w-X/3amecanorreceptores-sistema-vestibular/22?
smtNoRedir=1>, Acesso em: 28 de outubro de 2018.
3. Blog Olhar fisio. Reabilitação vestibular. Tontura e vertigem. Disponível em
<https://olharfisio.blogspot.com/2015/06/reabilitacao-vestibular-tontura-e.html>, Acesso
em: 28 de outubro de 2018.
4. ResearchGate. Estrutura de funcionamento dos canais semicurculares. Disponível em
<https://www.researchgate.net/figure/Figura23-Estrutura-de-funcionamento-dos-canais-
semicirculares_fig3_319967616>, Acesso em: 28 de outubro de 2018.
5. PLITCHER, O. B. DA COSTA, S. S. MAAHS, G. S. KUHL, G. Rotinas em
Otorrinolaringologia. 1. Ed. Porto Alegre: Artmed, 2015.
6. PLITCHER, O. B. DA COSTA, S. S. MAAHS, G. S. KUHL, G. Rotinas em
Otorrinolaringologia. 1. Ed. Porto Alegre: Artmed, 2015.
16. Linguagem
Capítulo 16
LINGUAGEM
1. Caso Clínico
Na emergência do Hospital do Santo Livro não param de chegar novos
casos e curiosos. Certa feita lá estava o Dr. Gomes, com seus alunos do
internato, quando apareceu um senhor de 39 anos, hipertenso e diabético,
com quadro súbito de fraqueza em membro superior direito, associado a
desvio de comissura labial, fala arrastada e afasia motora (de Broca). Sua
esposa que lhe acompanhava havia dito que o quadro se instalou há cerca de
3 horas. O Dr. Gomes, já imaginando ser um AVC, solicitou uma
tomografia de crânio e acionou o serviço endovascular para se preparar para
um possível AVC com possibilidade de trombólise.
Os alunos indagaram como que ele conseguira já prever o quadro, e
então o Dr. Gomes logo os disse: pensem na anatomia cortical gente...
paciente que vem com déficit motor unilateral e uma afasia motora, sem
outros sintomas, súbito, com fatores de risco para AVC, não tem como não
pensar nele. Mas... e porque um AVC? Que vaso irrigaria uma região em
que se tem controle motor de membro superior e da parte motora da
linguagem?
Vendo que seus alunos não conseguiam responder, o Dr Gomes foi
além... indagou: “e vocês sabem o que é a linguagem de fato? Qual ou quais
áreas do córtex estão envolvidas na linguagem? E o que é afasia?”. Como
ninguém respondeu, ele pediu que preparassem uma aula para explicar cada
um desses pontos na semana seguinte.

1.1. Termos-Chave
• Afasia motora
• Fraqueza em MSD
• Déficit motor unilateral
• Parte motora da linguagem
1.2. Termos Desconhecidos
• Afasia de Broca
• Trombólise
1.3. Objetivos
• Decifrar o que é a linguagem?
• Desvendar quais os componentes da linguagem
• Compreeender quais são os tipos de afasia
O que seria da vida sem a linguagem? A linguagem é um sistema
complexo que envolve o emissor, a mensagem, o código, o meio de
transmissão, o receptor, entre outros. Nos estudos da linguística, é possível
observar esse sistema esquematizado, e ainda classificar a linguagem como
verbal ou não verbal, escrita ou falada, ou o uso de signos, que englobam
o significante (que é a mensagem a ser transmitida), e o significado (que
seria a interpretação da mensagem).
Os animais usam a linguagem para transmitir uma determinada
mensagem: seja de interesse reprodutivo, de manifestação de fome, sede,
ou de sensação de perigo / medo. Os seres humanos possuem a
peculiaridade de conseguir usar códigos mais complexos, com significados
mais amplos, fazendo com que haja uma interação além disso. É possível
que um indivíduo peça numa loja que lhe traga uma bermuda cinza tamanho
38 com zíper e de algodão que viu na vitrine outro dia. E assim o
funcionário da loja irá buscar exatamente esse item. Caso não tenha, ele dirá
ao cliente, que irá então pensar se deseja outro tipo, ou se deixa para lá, e
vai embora. Perceba que a linguagem se utilizou de vários mecanismos
neurais de percepção, análise e ação. Essa é a linguagem humana.
Quando falamos em linguagem, todos pensam na linguagem falada,
tradicional entre os humanos. Mas existe ainda a linguagem por gestos (tal
como a libras), por captação tátil de alterações de relevo (como no braile),
por códigos como o código morse, e por aí vai. Mas, mesmo a falada, a
linguagem varia de acordo com os costumes de cada região. Assim, além da
variação dos dialetos, há também a variação semântica.
Onde podemos chegar com isso? A linguagem é um sistema de
comunicação que os seres vivos desenvolveram para interagir ou expressar
algo, e os seres humanos desenvolveram além disso, tendo a capacidade de
formar complexas mensagens para se comunicar, isso graças ao seu
desenvolvido encéfalo.

1. Anatomia
O som é produzido pela passagem de ar nas cordas vocais. E, para que
ocorra a formação das palavras, é necessária uma sincronia adequada de
músculos da laringe e da faringe, da língua e dos lábios. A força do som
virá, basicamente, pela respiração, ao passo que o tom depende das
características do ar e das cordas vocais, como tamanho e tensão. Neste
processo, estão envolvidos vários nervos cranianos, como a divisão motora
do nervo trigêmeo (V nervo craniano), nervo facial (VII nervo craniano),
nervo vago e glossofaríngeo (X e IX).

DETALHE! Termos semiológicos importantes.

Disfonia é a alteração da qualidade ou volume da voz, e a afonia a perda total da


voz.
Disartria é a dificuldade na articulação das palavras, e a anartria a
incapacidade completa.
Mutismo é a perda total da fala, com o individuo nem esboçando a fala.
Geralmente tem base psicogênica.
A descoberta das áreas de linguagem específicas vem de estudos com
inibições ou análise de lesões em áreas específicas do encéfalo. Os distúrbios de
linguagem são classificados basicamente como afasias, onde há a perda das
capacidades da linguagem por lesão encefálica, sem perda da cognição ou de lesão
aos órgãos da fala.
Assim, foi que, após vários estudos serem feitos, ao longo dos anos, Paul
Broca, em 1861, descobriu, após estudar um paciente incapaz de falar, que ele
tinha lesão em lobos frontais. Embora antes já tivessem sugerido isso, somente a
partir daí que a comunidade científica passou a considerar que houvesse uma área
específica da linguagem no córtex cerebral. Broca então passou a estudar casos
similares, e analisou lesões no lobo esquerdo frontal, sendo que muitos tinham o
direito integro. Com isso, Broca passou a idealizar que a linguagem fosse de
responsabilidade apenas de 1 hemisfério: o esquerdo. Hoje, isso é comprovado
com estudos com barbitúricos, de bloqueio de hemisfério.
O hemisfério mais desenvolvido para uma dada tarefa é chamado de
hemisfério dominante. Broca, anos depois, descreveu uma área no lobo frontal
esquerdo dominante, responsável por articular a fala, sendo então denominada
como Área de Broca.

Imagem 1: Imagem ilustrando, em laranja, a área de Broca, no lobo frontal.


(1)

Anos depois, em 1874, Karl Wernicke estudou lesões em áreas


diferentes da de Broca, e descobriu outra área específica, sendo essa na
superfície superior do lobo temporal, responsável por uma afasia diferente
da observada por Broca. Essa região foi denominada como área de
Wernicke. Assim, percebeu-se que a linguagem não respondia por uma
única área no córtex, tendo outras possíveis áreas de linguagem.

Imagem 2: Setas apontando o fluxo sensorial para a área de Wernicke, para


processamento e interpretação. (2)

O fato é que ainda se sabe pouco a respeito dessas e outras áreas, que
variam bastante entre os humanos.
De maneira geral, as áreas da linguagem se aglomeram próximos à
fissura sylviana, próximos a sua intersecao com o sulco central. As áreas a
frente do sulco central se denominam anteriores, ou pré-rolândicas, ao passo
que, as que se situam atrás dele, se denominam posteriores, ou pós-
rolândicas. As áreas anteriores são envolvidas no processo motor da
linguagem, ou expressão, e as posteriores no processo sensorial, ou de
percepção.
A área de Broca, como já dito, está envolvida no processo de expressão,
ou de execução da linguagem, e a área de Wernicke envolvida na associação
da linguagem a seu significado. O fascículo arqueado corre pela substancia
branca subcortical ao redor da fissura sylviana, conectando a área de
Wernicke com a de Broca. O giro angular é importante para a leitura, e
funções não-verbais da linguagem. O giro supramarginal fica entre o córtex
visual e áreas perissylvianas posteriores, envolvidos nas funções visuais.

2. Afasias
2.1. Afasia de Broca
É uma síndrome caracterizada como afasia motora, ou não-fluente.
Nesse caso, o indivíduo tem dificuldade para expressar a linguagem falada,
ainda que a captação da linguagem ouvida e lida permaneça.
Indivíduos com essa síndrome tem dificuldade para falar, precisando de
pausa, como se tivesse tentando se lembrar do que falar. E essa dificuldade
de lembrar as palavras é conhecida como anomia. Nesses casos, é comum a
pessoa não conjugar os verbos, e termos substantivos, ou adjetivos são mais
facilmente lembrados do que artigos, pronomes, etc. E esse não conjugar
verbos, ou não criar sentenças gramaticalmente certas é outro distúrbio
conhecido como agramatismo. Nessa síndrome, ainda há a dificuldade de
repetir o que foi dito, mas é possível, geralmente, compreender o que lhes é
transmitido.
Assim, conclui-se que a Afasia de Broca envolve mais a parte motora
da linguagem, a produção da fala. Estudos recentes evidenciam que há mais
que apenas distúrbio motor, tendo outros comprometimentos, como
algumas dificuldades específicas de compreensão, ou a anomia, mas nada
ainda concreto.

2.2. Afasia de Wernicke


Essa é a tida como afasia fluente, mas de déficit de compreensão. O
indivíduo não tem dificuldade de utilizar a língua falada, de pronunciar
palavras. O que há de errado é a lógica no discurso, que as vezes tem
termos com significados próximos, ou de mesmas categorias, mas errados,
quando analisados na situação como um todo.
Nesse caso, se analisa com mais precisão quando se utiliza de comandos
não-falados, como escritos, e o indivíduo não obedece corretamente, por
não entender, embora tenha lido. Ou seja: essa afasia afeta não somente a
falada, mas a escrita e outros tipos de linguagem, onde não se interpreta
nem se consegue construir uma lógica na mensagem a se transmitir.
2.3. Afasia de Condução
Lesões no fascículo arqueado ou no córtex parietal, sem envolver as
Áreas de Broca e Wernicke, promovem esse tipo de afasia. Nesse caso, a
pessoa compreende, e fala normalmente. O problema está em repetir as
palavras. Nesse caso, ele não conseguirá repetir uma frase corretamente,
com alguns erros no meio.

Imagem 3: Representação do fascículo arqueado, que comunica a área de


Broca com a de Wernicke e que, quando lesado, propicia a afasia de
condução. (3)

2.4. Afasia Global


Lesões grandes próximas a fissura sylviana produzem comprometimento
tanto de percepção quanto de execução. Assim, basicamente há déficit de
compreensão com incapacidade de nomear. É comum vir de lesões
isquêmicas por AVC em artéria cerebral média.

2.5. Afasia Anômica


Déficit na capacidade de nomear, com demais funções da linguagem
preservadas. Paciente com boa fluência, e boa compreensão. É o tipo mais
comum, porem menos específico. A anomia é um sintoma comum a demais
afasias, e quando ocorre de modo isolado, ai sim podemos pensar em uma
afasia anomica.

2.6. Afasia Transcortical


Síndrome com áreas perissylvianas preservadas, mas desconectada do
restante do cérebro. Comum vir de infartos na zona marginal. Os indivíduos
conseguem repetir as palavras, chegando a apresentar a ecolalia, repetindo
toda palavra ouvida. Quando mais grave, o indivíduo não tem fala
espontânea fluente, e não compreende.

2.7. Afasia Subcortical


Esta se deve a lesões em núcleos da base ou em outras regiões do
diencéfalo em hemisfério dominante. Quando lesões em núcleo caudado, o
individuo apresenta fala lenta e disártrica, dificuldade de nominar, mas
mantendo compreensão. Já em outras regiões, como no tálamo, ocorre uma
fala fluente, mas com dificuldade na compreensão e em nomear. A
repetição é preservada, sendo comum ter também hemiplegia no quadro
clínico.

3. O processamento
Vários estudos para tratamento de epilepsia foram realizados, e um
achado a época foi o da comissurotomia, que seria a secção das comissuras
(são feixes nervosos que fazem a comunicação entre os hemisférios), como
meio de evitar a propagação da atividade de um hemisfério a outro.
Observando os animais, percebeu-se que eles não tinham déficits
significativos, o que fez com que fosse realizado em grande escala como
estudo em pessoas.
Assim, percebeu-se que, ao se seccionar as comissuras, como o corpo
caloso, os hemisférios não se comunicariam, e assim funcionassem como
dois distintos, pensando e agindo de forma diferente. E o comportamento do
indivíduo sofria também alteração.
Embora para as demais funções não haja diferenças significativas, a
linguagem tem uma distribuição assimétrica pelo córtex. Geralmente, o
hemisfério esquerdo é o dominante para a linguagem, e por isso responde
normalmente aos estímulos processados no córtex esquerdo. Agora, se o
hemisfério direito processar a imagem ou o ruído, certamente a pessoa não
irá descrever aquilo captado, nem irá percebê-lo de fato. Ou seja, o
hemisfério esquerdo é quem controla a fala. Geralmente. Isso porque, na
verdade, existem pessoas em que o hemisfério dominante é o direito, mas a
grande maioria tem o esquerdo com tal predominância.
Mas, o hemisfério direito é inútil para a linguagem, então? Não! Ele
consegue interpretar números, letras, mas não atua na resposta verbal,
podendo, por exemplo, apontar com a mão esquerda (que é controlada pelo
córtex motor direito) a palavra ou número que viu. Só não irá responder
verbalmente por conta de esta resposta ser de controle do hemisfério
esquerdo, que por não ter percebido, irá dizer que não viu anda.
O fato é que a linguagem ainda é uma função muito pouco
compreendida, e muitos estudos ainda são necessários para uma melhor
análise dela. Fato também é que ela é uma função complexa, e um atributo
que requer uma função neurológica bem articulada e elaborada, para agir e
processar adequadamente, coisa que nós, seres humanos, possuímos.

4. Entendendo o caso...
No caso em questão, trata-se de um AVC em território de artéria
cerebral média, afetando o córtex motor, principalmente o responsável por
coordenar os movimentos do membro superior, face e, no lobo frontal
esquerdo, a área de Broca, que, quando sofre alguma lesão, faz o indivíduo
apresentar a afasia de Broca. Como vimos no capítulo, a afasia de Broca é
uma afasia do tipo motora, envolvida com a elaboração e programação da
formação dos símbolos que compõem a linguagem.
Por conta de o lobo esquerdo ser o dominante para a linguagem na
maioria das pessoas, é nele onde reside a área de Broca e que, quando
acometido por um distúrbio como o AVC, faz o indivíduo apresentar um
déficit de linguagem típico.

Referências Bibliográficas
1. MACHADO, Angelo B.M.; HAERTEL, Lúcia Machado. Neuroanatomia funcional. 3.ed.
São Paulo: Atheneu, 2006.
2. MARTIN, John Harry. Neuroanatomia: texto e atlas. 4. ed. Porto Alegre: AMGH, 2013.
3. BEAR, Mark F.; CONNORS, Barry W.; PARADISO, Michael A. Neurociências:
desvendando o sistema nervoso. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017.
4. LENT, Roberto et al. Cem Bilhões de Neurônios? Conceitos Fundamentais de Neurociência.
2. ed. São Paulo: Atheneu, 2002.
5. KANDEL, E.R.; SCHWARTZ, J.H.; JESSELL, T.M. Princípios da Neurociência. São
Paulo: Manole, 2003.
6. CAMPBELL, W. W. De Jong: O Exame Neurológico. 6ª edição. Rio de Janeiro: Guanabara
Koogan, 2007.

Imagens
1. Encyclopaedia Britannica. Broca area. Disponível em
<https://www.britannica.com/science/Broca-area>, Acesso em: 28 de outubro de 2018.
2. Elvasnews. Uma área como muitas áreas: Wernicke. Disponível em
<https://elvasnews.pt/area-muitas-areas-wernicke/>, Acesso em: 28 de outubro de 2018.
3. Blog Psicowisdom. Guía visual rapida sobre neurofisiologia del habla y escucha. Disponível
em <https://psicowisdom.wordpress.com/2015/02/13/guia-visual-rapida-sobre-
neurofisiologia-del-habla-y-escucha/>, Acesso em: 28 de outubro de 2018.
Sumário
Capa
Rosto
Créditos
Sumário
Autores
AGRADECIMENTOS
APRENDER PODE SER MAIS FÁCIL
O MEDICINA RESUMIDA
Mapa Conceitual
1. Organização, desenvolvimento e células que compõem o Sistema
Nervoso
2. Potencial de repouso, Graduado e de ação
3. A Transmissão Sináptica
4. O Córtex Cerebral
5. Circulação do Líquido Cerebroespinal
6. Tronco Cerebral e os Nervos Cranianos
7. Circulação Arterial do Sistema Nervoso Central
8. Drenagem Venosa do Sistema Nervoso Central
9. Sistema Sensorial Somático
10. Olfato e Paladar
11. A Visão
12. A Audição
13. Sistema Motor Somático
14. Cerebelo
15. O Sistema Vestibular
16. Linguagem

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