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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA - UNEB

Departamento de Ciências Humanas – Campus V


Colegiado de Letras Língua Espanhola e suas Literaturas

Jéssica Rosa da Silva Souza1

“ O senhor quer ser deputado?

Por Roberto Arlt, da obra “Aguafuertes porteñas”

Se o senhor quer ser deputado, não fale a favor do chuchu, do petróleo, do trigo, do
imposto de renda; não fale de fidelidade à Constituição, ao país; não fale em defesa
do operário, do trabalhador, das crianças. Não; se o senhor quer ser deputado,
exclame por toda parte: Sou um ladrão, roubei, roubei tudo o que pude e sempre
roubarei.

Enternecimento.

As pessoas se enternecem diante de tanta sinceridade. E agora lhe explicarei.


Todos os sem-vergonhas que desejam sugar o sangue do país e vender a pátria às
empresas estrangeiras tiveram o mal costume de falar ao povo de sua honestidade.
Eles “eram honestos”. Eles “desejavam desempenhar uma administração honesta”.
Falaram tanto em honestidade que não havia uma polegada quadrada no chão onde
se quisesse cuspir, que não se cuspisse também na honestidade. Pavimentaram e
azulejaram a cidade de honestidade. A palavra honestidade esteve e está na boca
de qualquer vagabundo que para no primeiro poste e exclama que “o país necessita
de gente honesta”. Não há fichado, que tenha antecedentes de fiscal de mesa e de
subsecretário de comitê, que não fale em honradez. Consequentemente, sobre o
país se desencadeou tal catarata de honestidade que já não se encontra um só
malandro autêntico. Não há mal intencionado que ostente autenticidade. Não há
1
Licencianda do VII semestre do Curso de Letras com Espanhol da UNEB. Trabalho solicitado pelo professor
Juan como avaliação parcial na disciplina de Práticas de Tradução.
ladrão que se orgulhe da sua profissão. E as pessoas, o público, farto de mentiras,
não querem saber nada de discursos. Agora, eu que conheço um pouco o nosso
público e aos que desejam ser candidatos a deputados, proporei o seguinte
discurso. Creio que seria um sucesso absoluto.

Discurso que teria sucesso

Eis aqui o texto do discurso.

“Senhores: Desejo ser deputado, porque desejo roubar em larga escala e me


acomodar. Minha finalidade não é salvar o país da ruína em que o colocaram as
administrações anteriores de camaradas sem-vergonhas; não, senhores, não é esse
meu propósito elementar, e sim, intima e ardentemente desejo contribuir ao trabalho
de saqueio com que se esvaziam os cofres do Estado, desejo nobre que os
senhores tem que compreender, é o mais intenso e verdadeiro que está guardado
no coração de todo homem que se candidata a deputado. Roubar não é fácil,
senhores. Para roubar se necessitam determinadas condições, que eu creio, meus
rivais não tem. Acima de tudo se necessita ser um sínico perfeito, e eu sou, não
duvidem disso senhores. Em segundo plano, se necessita ser um traidor, e eu
também sou, senhores. Saber se vender oportunamente: não descaradamente, e
sim, evolutivamente (...)

A posição do país, no atual momento histórico e transcendental, não encontra lance


melhor que um prato de arroz. E acreditem em mim, senhores, eu serei um ladrão,
porém, frente a me vender por mixaria, acreditem... prefiro ser horado. Abranjam a
magnitude do meu sacrifício, e se darão conta de que sou um perfeito candidato a
deputado. O fato é que quero roubar, porem, quem não quer roubar? Digam-me os
senhores quem é o desavergonhado que nesses momentos de confusão não quer
roubar. Se esse homem honrado existe, eu me deixo crucificar. Meus colegas
também querem roubar, é fato, porem não sabem roubar. Venderão o país por uma
pechincha, e isso é injusto. Eu venderei a minha pátria, porem bem vendida. Os
senhores sabem que os cofres do estado estão secos, quer dizer, que não tem um
tostão furado para atender à dívida externa; pois bem, eu arrematarei o país em cem
mensalidades, do Oiapoque ao Chuí. Y não só traficarei ao estado, também me
ajustarei com comerciantes, com falsificadores de alimentos, com concessionárias;
adquirirei armas inofensivas para o Estado (...) Y se os senhores forem capazes de
mencionar para mim uma só matéria que eu não seja capaz de roubar, renuncio ipso
facto a minha candidatura (...) (...) Os senhores verão que sou o único, entre todos
esses hipócritas que querem salvar o país, absolutamente o único que pode
arrematar até a última polegada de terra brasileira... Inclusive me proponho a vender
o congresso e instalar um bordel no Supremo Tribunal de Justiça. Porque se eu
ando em liberdade, é porque não existe justiça, senhores...”

Com este discurso, ou o matam ou o elegem presidente da República.

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