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Danilo Moraes

O Antigo Testamento
e a Historicidade das
Narrativas Patriarcais
Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica
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© Editora Reflexão, 2017 – Todos os direitos reservados.

© Danilo Moraes

Editora Executiva: Caroline Dias de Freitas


Revisão: Cláudia Moreira
Capa: Anderson Azevedo
Diagramação e Projeto gráfico: Estúdio Caverna
Impressão: Meta Solution

1a Edição – Fevereiro/2017

DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)


CÂMARA BRASILEIRA DO LIVRO, SP, BRASIL

Moraes; Danilo. O antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais.


Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica.

ISBN: 978-85-8088-260-5
216 páginas.

1. Antigo Testamento 2. Bíblia 3. Arqueologia I. Título. II. Série.

06­‑6456 CDD­‑809

Índices para catálogo sistemático:


1. Bíblia 2. Cultura 3. História 4. Danilo Moraes

Editora Reflexão
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Sumário

INTRODUÇÃO.....................................................................................9

PRIMEIRA PARTE:
OBSERVAÇÕES HSTÓRICAS, TEOLÓGICAS E LITERÁRIAS........ 15

1. A Arqueologia e o Antigo Testamento..........................................16


1.1. Os limites da arqueologia..................................................17
1.2. Contribuições da arqueologia para compreensão
dos textos bíblicos..........................................................23
1.3. O Minimalismo e a negação da historicidade das
narrativas bíblicas............................................................29
2. O anti-sobrenaturalismo nos estudos bíblicos..............................36
3. Os Supostos Redatores e Editores................................................47
4. Narrativas duplicadas implicam autores diferentes?....................53
5. Observações preliminares e a importância da crítica bíblica........62
6. A importância e atualidade do Antigo Testamento......................68

SEGUNDA PARTE:.............................................................................73
ANÁLISE HISTÓRICA, ARQUEOLÓGICA, CULTURAL E BÍBLICA.73

A HISTORICIDADE DAS NARRATIVAS PATRIARCAIS......................74


1. A onomástica dos nomes patriarcais.............................................77
2. A historicidade de Gênesis 14.......................................................85
3. Os patriarcas e as fontes JEDP......................................................94
4. Estrutura quiástica das narrativas patriarcais................................97
5. Podemos crer na historicidade das narrativas patriarcais?.........100
5.1. A origen das narrativas patriarcais..................................104
5.2. Os Patriarcas e o ambiente do Antigo Oriente Próximo.... 117

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5.3. As evidências arqueológicas...........................................128
5.4. Evidências geográficas e climáticas................................131
A cidade de Ur.................................................................................134
A cidade de Harã....................................................................134
A cidade de Hebrom..............................................................135
A cidade de Berseba..............................................................137
A cidade de Siquém................................................................137
A cidade de Betel...................................................................139
5.5. Os patriarcas foram “criados” no período exílico
e pós-exílico?.................................................................143
5.6. Possíveis anacronismos nas narrativas patriarcais..........149
5.7. As narrativas patriarcais e o contexto cultural do
segundo milênio............................................................152
6. A historicidade da narrativa de José...........................................185
6.1.O conto dos dois irmãos..................................................191
6.1. José foi vendido pra os midianitas ou para
os ismaelitas?.................................................................193
Caravanas e rotas de comércio no antigo Oriente Médio.....194

CONCLUSÃO...................................................................................197
BIBLIOGRAFIA.................................................................................201

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A história dos patriarcas não é unicamente a história dos “pais”,
mas também é a história das mães e de seus filhos.
É a história de uma família.
Assim, dedico este livro a minha família!
Família que, tem sido alcançada pela benção de Abraão (Gn 12.3)

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INTRODUÇÃO

Não se pode reconhecer nenhuma realidade particular sem incorporá-la


em um contexto maior. Por mais que se possa aceitar a inspiração divina do tex-
to bíblico e a credibilidade histórica, não se podem descartar os problemas ine-
rentes às questões tratadas na Historicidade dos Patriarcas, apelar para o dogma
neste ponto seria pura insensatez. Conquanto as Escrituras sejam inspiradas,
de minha parte posso apenas reivindicar transpiração. Não proponho que este
livro possua as únicas soluções possíveis para a compreensão da Historicidade
dos Patriarcas, naturalmente outros pesquisadores evangélicos que acreditam
na inspiração e historicidade dos textos do Antigo Testamento cheguem a con-
clusões diferentes das minhas. Mas, o que nos une é a concordância de que
os textos das Escrituras estão acima de nós. Este presente trabalho, parte da
confissão, de que o Antigo Testamento é a revelação de Deus na forma escrita.1
Devemos escolher entre aceitar a confiabilidade básica dos documentos
bíblicos e da teologia derivada dessa abordagem, ou trabalhar com a pressupo-
sição de que os textos bíblicos não podem ser aceitos como confiáveis até que
sejam validados por fontes externas, muitas das quais podem ser questionadas
quanto à sua confiabilida­de. Se o material bíblico não é confiável, então como
há de ser usado? Muitos pesquisadores que desconsideram a confiabilidade
dos textos bíblicos buscam arranjar, alterar e reinterpretar o material bíblico de
modo a servir a seus próprios interesses acadêmicos.
Fica assim, a cabo do intérprete, buscar alcançar o mundo que se es-
conde detrás do texto, sabendo que a Bíblia é uma espécie diferente de objeto
para espécies diferentes de intérpretes. Com propriedade Walter Kaiser comen-
tou a respeito da interpretação das Escrituras “o grande divisor nos estudos bí-
blicos não é sobre nossos diferentes sistemas de interpretação, mas se a pessoa
acredita que Deus é em última análise o autor das Escrituras”. (KAISER, 2007, p.
11). Trabalhando o aspecto de autoridade das Escrituras, Hill e Walton declaram:
“A interpretação adequada não exige que os leitores eliminem todas as pres-
suposições, mas insiste em que eles reconheçam sua existência, reavaliando
constantemente sua validade e subordinando-as ao texto das Escrituras. (HILL,
2006, p. 26).”

1 Propostas que não partem de Deus como a fundação essencial, da Escritura como a base
cognitiva externa e do Espírito Santo como o princípio interno do conhecimento podem
ainda assim descobrir e sistematizar muitos dados. Entretanto, sem partir dos princípios
relacionados será como uma descoberta sem brilho e sem a glória dada a Deus (Sl 4.6).

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

Não devemos encarar o estudo das Escrituras com ceticismo, e mera-


mente ignorar o problema tratando as Escrituras como meras narrativas, ou
ainda propor teorias hipotéticas sobre a Historicidade dos Patriarcas ignorando
a autoridade das Escrituras. Sem negar a inspiração divina da Bíblia, o estudioso
tem a direito de investigar quem foi seu autor humano e em qual contexto esse
texto surgiu.
O interesse pela Historicidade dos Patriarcs, não se restringe somente a
exegetas e pesquisadores do tema, pois, todo o Antigo Testamento e a história
de Israel é posto sob um novo prisma mediante os resultados apresentados pe-
las pesquisas recentes, principalmente as destinadas ao Pentateuco, que inclui
as narrativas patriarcais.
Esta instabilidade interpretativa e exegética nos estudos da Historicidade
Patriarcal, não nos impede de na práxis cristã encontrarmos descanso e refri-
gério para nossa alma. Outros assuntos com problemas semelhantes dentro da
exegese interpretativa também permanecem sem solução, e, nem por isso, o
cristão e estudioso das Escrituras deve se sentir acuado e desanimado.
A erudição bíblica deve concentrar-se na Bíblia, tendo em mente seu públi-
co-alvo, não a comunidade acadêmica, à qual pertencem muitos que não adoram
Jesus Cristo conforme revelado na Bíblia. Devido à grande quantidade de varia-
ções dentro dos métodos de pesquisa de estudo do Antigo Testamento, a situação
em que vivemos hoje é de uma verdadeira confusão metodológica. E isso tem
gerado debates calorosos e motivos de muita indefinição quanto ao que vem a
ser o método correto ou mais confiável. Durante séculos tem se buscado chegar
a uma definição plausível, mas o que se verifica é que a confusão metodológica
continua. E vários são os fatores para isso. Conforme expõe Gotwald, (1988, p. 20)
“atualmente, não há provavelmente nenhum estudioso bíblico que domine compreen-
são profunda de todos os métodos agora operantes nos estudos bíblicos”.
A Historicidade Patriarcal aparece demasiadamente complexa para que
um único livro como este possa chegar a abarcá-la totalmente. Este objetivo
certamente não será alcançado por um único autor, muito menos por mim.
Muita tinta á foi gasta sobre o asunto. Da mesma forma, nenhuma metodologia
para abordar o tema da Historicidade Patriarcal é perfeita, e a que se propõe
não é exceção. A metodologia que proponho,2 procura manter o valor histórico,
teológico e literário do Antigo Testamento, e com isso, o presente livro busca

2 É reconhecido, nas mais diversas áreas do conhecimento, que a escolha de um método


já determina, por antecipação, a extensão e o tipo de resultados da pesquisa. Não ignoro
este pressuposto, mas entendo ser adequado e de maior proximidade com a natureza
e propósito intrinsico da própria Escritura, empregar um método que reconheça sua
autoridade normativa como Palavra de Deus.

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

demonstrar a, historicidade, autoridade e unidade do Antigo Testamento, princi-


palmente no que diz respeito as narrativas patriarcais.
Veremos que na história da interpretação da Historicidade Patriarcal mui-
tos críticos expuseram suas conclusões precipitadamente, sem, contudo, avaliar
as consequências que acarretariam para a sociedade, para a igreja e para a pró-
pria autoridade das Escrituras. Consequentemente teólogos conservadores não
mediram esforços em denunciar e atacar as conclusões que se desviavam das
doutrinas tidas como bíblicas e expressadas durante toda história da igreja. Mas,
precipitadamente se atacava, juntamente com as conclusões, qualquer método
crítico de estudo da Bíblia. Com isso, de um lado, temos uma crítica desprovida
de sensibilidade e tato, e do outro lado, temos uma defesa alucinada e carente
de abertura para novos métodos de análise textual. É evidente que “o direito de
crítica é inato da natureza humana” (RODRIGUES, 1921, p. 309).
Deve haver bom senso quanto às limitações do assunto tratado, conforme
Cole sugeriu,

Onde não é possível a certeza absoluta o melhor é ter mente aberta, com
grande reverência, tendo o cuidado de não confundir ideias tradicionais
sobre a composição dos livros com aquilo que a Bíblia realmente reivindi-
ca para si mesma (COLE, 1981, p. 49).

Não é minha intenção “convencer” adeptos dogmáticos das mais diversas


hipóteses sobre a Historicidade Patriarcal, mas me reservo o direito de discordar
e buscar demonstrar a autoridade das Escrituras mesmo ao tratar de um assun-
to tão pouco “espiritual”. Assim sendo, meu esforço é para que, as hipóteses da
Historicidade Patriarcal possam ser “esclarecidas” através de uma abordagem
canônica que preserva a autoridade da Palavra de Deus.
Quando se crê, não é necessário buscar nos textos bíblicos o quanto ele é
correto, ou diz a verdade. No campo da fé, isso já se mostrou verdadeiro antes
mesmo de se aprender trabalhar o problema histórico do texto. O ponto histó-
rico e crítico acabam tornando-se apenas uma forma de fortalecer a fé. Sendo
assim, é de grande valia buscar se aprofundar nos textos bíblicos utilizando-se
das ferramentas fornecidas pelo método histórico e crítico. Mas, o estudo sério
das Escrituras pode em alguns momentos mostrar-nos o quanto estávamos equi-
vocados sobre nossas conclusões, nesse caso precipitadas. Nesse ponto, temos
que estar preparados para nos curvarmos e deixarmos de lado nosso orgulho
teológico e principalmente denominacional-confessional.
Observamos que o advento do racionalismo, o desenvolvimento do mé-
todo histórico-crítico e o surgimento da crítica literária, constituíram alguns dos

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

fatores que contribuíram para uma nova concepção acerca da Bíblia, essa, dei-
xou de ser considerada Palavra de Deus inspirada, e passou a ser vista como
qualquer outra literatura antiga que contenha reflexões humanas e religiosas.
Pode-se dizer que neste período a ênfase passou da inspiração das Escrituras
para sua humanidade. A consequência disso foi que “para muitos a palavra de
Deus neutralizou, como se não fora mais do que uma mera ressonância ainda con-
servada no Ocidente ‘cristão’” (LÄPPLE, 1976, p. 10).
Vale ressaltar que “o destino que vamos alcançar depende do nosso pon-
to de partida”. Isso se aplica ao estudo dos Patriarcas, pois, se partirmos de
concepções exegéticas arraigadas de pressuposições filosóficas naturalísticas,
chegaremos onde muitos críticos têm chegado nos últimos anos, ou seja, em um
mar de teorias que se conflitam entre si e falácias exegéticas juntamente com
hermenêuticas destituídas de sentido lógico e práxis cristã. Da mesma forma
as respostas que obteremos do texto bíblico, depende em muito do tipo de per-
gunta que faremos ao texto, e se estas perguntas são relevantes. De igual modo,
a concepção que temos da Bíblia e neste caso dos Patriarcas, podem determinar
o resultado de nossas pesquisas, se a entendermos como um produto literário
humano da antiga comunidade sociopolítica e religiosa de Israel terá um resul-
tado que entrará em conflito, quando comparados com uma concepção que a
entenda como a Palavra de Deus revelada.
Porém, se partirmos de uma abordagem do texto onde o próprio texto
forneça um esclarecimento, e tomar as palavras em seu sentido usual e co-
mum, assim como tomar as palavras no sentido que indica o conjunto da frase,
analisar o contexto da passagem em análise, levar em consideração o objetivo
ou desígnio do livro ou passagem em que ocorrem as palavras ou expressões
obscuras, e consultar passagens paralelas, estaremos bem próximos de conhe-
cermos o que realmente o autor do texto quis dizer, e para quem disse.
Hoje, se reconhece como atividade legítima e necessária os estudos bí-
blicos que levam em consideração evidências linguísticas, literárias, históricas
e científicas; mas alguns pesquisadores que são denominados como críticos bí-
blicos, ou conforme tem sido usado com frequência no Brasil e outros países da
América Latina para não causar uma imagem “negativa”, preferem ser chama-
dos de biblistas. Estes, geralmente têm sido mostrados dotados de uma menta-
lidade cética quanto à autoridade e inspiração da Palavra de Deus.
O que proponho não é um retorno ao século XVI, pois a forma como o
Período Patriarcal é entendido desde seus primórdios não foi abandonada devi-
da suas inconsistências internas ou suas aparentes contradições, mas sim, por-
que foi inadequadamente analisado ao submete-lo a métodos desprovidos de
relevância bíblica e dotado de pressuposições filosóficas. Proponho então, que

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

haja uma reflexão quanto os métodos exegéticos de interpretação das escolas


críticas que aplicam seus resultados ao estudo do Período Patriarcal, levando em
conta seus pressupostos filosóficos e teológicos. Proponho também haver um
exame de seus limites e resultados, para que se possa pôr em evidência hipóte-
ses fecundas e hipóteses inutilizáveis. O que não proponho, é fornecer respostas
conclusivas e finais sobre as questões levantadas sobre a Historicidade Patriar-
cal, mas sim, demonstrar a fragilidade dos pressupostos em que se fundamen-
tam as escolas críticas, orientando as perguntas e refletindo sobre as respostas.
Com o crescimento indiscutível das ciências bíblicas, e também dos es-
tudos do Antigo Testamento, acumulado nas últimas décadas, torna-se cada vez
mais desafiador, o trabalho de elaborar qualquer análise bíblica-teológica (na
prática toda leitura bíblica acaba em teologia). Pesquisas históricas, arqueológi-
cas e literárias têm crescido num ritmo assustador. Diante disso, a humildade
e consciência dos próprios limites, deve nortear o pesquisador. O principal in-
tento, do presente livro, é demonstrar que tanto os dados internos e externos,
podem satisfatoriamente ser resolvidos, sem que se rejeite o testemunho bíblico
tradicional do Período Patriarcal, juntamente com sua autoridade e unidade.
Definitivamente não é mais possível retornarmos a um momento pré-crí-
tico, e descartarmos os avanços obtidos nos estudos bíblicos, mas vejo viável
galgarmos um momento pós-crítico nos estudos patriarcais. Devemos reconhe-
cer a imensurável contribuição que inúmeros pesquisadores do Antigo Testa-
mento nos legaram. As pesquisas do Antigo Testamento, e principalmente dos
Patriarcas, sempre se mostraram dinâmicas e férteis e acima de tudo polêmicas;
com isso, muitos pontos tratados no presente livro irão carecer de afirmações
objetivas e concretas, com isso, não se pretende alcançar neste trabalho um
“ponto final”.
O Antigo Testamento nos informa sobre a história de Israel, revela-nos a
natureza de sua religião e como o seu conteúdo interno e instituições externas
evoluíram através da história. Como cristãos herdeiros da história e fé do Antigo
Testamento, somos conduzidos a aprofundar nosso conhecimento sobre os textos
do Antigo Testamento. O Antigo Testamento apresenta a história de Israel como
uma história de redenção e promessa, como uma história de “salvação” (Heilsge-
chichte). Entretanto, ao mesmo tempo, apresenta-nos a história da rebelião, do
fracasso, da frustração e da mais amarga desilusão, na qual a esperança é muitas
vezes frustrada, sempre adiada e, quando muito, só parcialmente realizada. Para
os cristãos a história do Antigo Testamento assume para eles um novo significado,
como parte de um drama redentor que tem a sua conclusão em Cristo. Em Cristo,
e por causa de Cristo, os cristãos vêem a história do Antigo Testamento, que é
“história da Salvação” (Heilsgeschichte).

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

O que fazer? O que dizer? Em que acreditar? Bem estas são algumas das
dúvidas3 que sobrevêm ao se deparar se com este tema. E isso foi à mola pro-
pulsora que impulsionou o presente livro. Se iremos ter respostas por completo,
não sabemos; mas pelo menos vamos poder encarar o assunto com maturidade.
Sabendo que o conhecimento e dados adquiridos podem ser falhos e necessi-
tem serem reexaminados. Assim, postulando uma posição conservadora mante-
nho no essencial a certeza através da fé e da razão, e nos pontos não essenciais
tolerância em nome de uma unidade saudável.
Faz-se necessário esclarecer alguns pontos. Como pesquisador evangélico
do Antigo Testamento, assumo a importância de obras que discordem de meu
ponto de vista, e mantenho profundo respeito por aqueles que discordo. Meu
posicionamento conservador evangélico deu-se após estudo sério, reflexão e
luta, diante de inúmeras propostas metodológicas e teológicas. Com isso, pos-
tulo uma abordagem conservadora quanto à história de Israel e à historicidade
do Período Patriarcal.
Este livro, em última análise, é uma profissão de fé; uma fé que pensa,
assim desejo, e também uma fé que é sensata: aquilo que Anselmo chamou de
“fé que está em busca de entendimento” (fides quarents intellectum).

3 A dúvida nem sempre é um problema intelectual, ela também engloba um problema


espiritual, emocional e pessoal.

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PRIMEIRA PARTE:

OBSERVAÇÕES HSTÓRICAS,
TEOLÓGICAS E LITERÁRIAS

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

1. A Arqueologia e o Antigo Testamento

Qual é na realidade o papel que os dados extrabíblicos, inclusive dados


arqueológicos, podem ou devem desempenhar na reconstrução da história de
Israel, e especificamente dos textos do Pentateuco e narrativas patriarcais?
Sem dúvidas o século XX ficou marcado como o século das grandes
descobertas arqueológicas. Tendo em vista as grandes descobertas em lu-
gares como Ugarite, Ebla e Qumram, entre muitas outras. A arqueologia bí-
blica1 tem a cada dia posto a luz novas descobertas que esclarecem passa-
gens bíblicas. É certo que acerca dos patriarcas não foi encontrada ainda
nenhuma descoberta direta, o que é compreensível quando se leva em conta
que o antigo Israel não se encontrava entre os grandes povos que tinham o
costume de registrar suas histórias e façanhas. Mas quando comparado os
resultados arqueológicos do Antigo Oriente com os textos bíblicos, tem se
mostrado cada vez mais que os textos bíblicos são dignos de confiança. A
Bíblia Hebraica não representa mera coleção de livros, mas uma impressio-
nante gama de gêneros literários. Para iluminar completamente a história e
a cultura do Antigo Testamento, é necessário comparar esses escritos antigos
com os textos semelhantes, escritos simultaneamente, por vizinhos de Isra-
el. Começando com uma visão geral dos arquivos literários importantes do
antigo Oriente Próximo.
A arqueologia nos explica a rica herança que os hebreus receberam das
civilizações antigas, e a influência desta cultura na produção da literatura do
Antigo Testamento. A partir do século XX a arqueologia teve um grande avanço.
Descobertas no Oriente Próximo, em sítios como Assur, Nuzi, Mari, Ugarit,
Tell-el-Amarna e demais, nos proporcionaram inúmeras informações que os
primeiros defensores da Hipótese Documental, não possuíam. Estas descobertas
trouxeram a luz informações importantes sobre os patriarcas. Destacam-se
na américa três grandes arqueólogos W. F. Albright, J. Bright e George Ernest
Wright,2 e na França R. de Vaux e A. Parrot.

1 No final do século XX muitos estudiosos da arqueologia preferiram chamar a disciplina


deles de “Arqueologia Siro-Palestina”, evitando dessa maneira o termo “arqueologia
bíblica”.
2 Algumas obras importantes de Wright, foram: The challenge of Israel´s Faith, 1944
(O desafio da fé de Israel); The Old Testament against its environment, 1950 (O Antigo
Testamento contra seu ambiente); God who acts: biblical theology as recital, 1952 (O Deus
que Age: teologia bíblica como narrativa).

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1.1. Os limites da arqueologia

Conhecemos o passado, ao menos na medida em que é possível conhecê-


-lo, principalmente por meio do testemunho de outras pessoas. Todo testemunho
sobre o passado é também interpretação sobre o passado. Não podemos evitar
o testemunho e não podemos evitar a interpretação. Tampouco podemos evitar
a fé. O que é geralmente chamado de conhecimento do passado seria definido
com mais exatidão como fé no testemunho, ou seja, nas interpretações que outras
pessoas fizeram do passado. Analisamos os testemunhos coletados e disponíveis;
refletimos sobre as várias interpretações propostas; então, decidimos de maneiras
variadas e em diversos graus depositar fé nestas interpretações.

Devemos estar alertas e cientes, de que, a arqueologia, fornece apenas


textos parciais – uma parcialidade controlada (em parte) por pressupo-
sições políticas e teológicas que determinam o plano ou a interpretação
dos projetos arqueológicos. O historiador – por mais amplo que seja
seu trabalho arqueológico – sempre depara com textos parciais, e a
ideologia do próprio investigador influencia a arqueologia. (PROVAN,
2016, p. 26).

Mesmo que eu realize uma escavação arqueológica na Palestina e desen-


terre ali um objeto, ainda assim dependerei totalmente do testemunho
de outros que viveram antes de mim para entender a importância e o
significado desse achado, e, então, decidir como devo acrescentar meu
testemunho ao deles. (PROVAN, 2016, p. 66).

A concepção adotada é de que podemos levar a sério o testemunho de


textos não bíblicos sobre Israel e o mundo antigo em que Israel viveu. Não leva-
mos esses textos mais a sério do que os textos bíblicos. Contudo, também não
os levamos menos a sério. Os textos não bíblicos fornecem informações úteis
sobre os povos com quem o Antigo Israel teve contato e, às vezes, sobre intera-
ções específicas que esses mesmos povos tiveram com os israelitas. Estes textos
antigos, não estão isenstos de arte nem de ideologia por parte de seus autores.
Por isso, não podem ser considerados, no que diz respeito a Israel, fontes de
informação mais confiáveis do que os textos bíblicos.
Um ponto que nenhum pesquisador deve rejeitar é que a arqueologia não
comprova que a Bíblia é a Palavra de Deus inspirada e revelada. Mas diante disso
podemos afirmar que a arqueologia comprova que muitas passagens bíblicas
são históricas e confiáveis. Não podemos negar que a arqueologia é uma discipli-

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

na subjetiva, pois ao levar em conta que os objetos achados são “mudos” entre
em cena o “intérprete” com seus pressupostos e princípios.
Da mesma forma, levamos a sério dados arqueológicos que podem nos
ajudar a formar uma visão sobre a história do Antigo Israel. Não levamos esses
dados arqueológicos e suas interpretações mais a sério do que textos bíblicos.
No entanto, nós os consideramos seriamente, esperando que, haverá uma con-
vergência entre o testemunho bíblico e as interpretações dos dados arqueológi-
cos. “Dados arqueológicos nos auxiliam a formar o quadro geral do mundo que
o Antigo Israel viveu.” (PROVAN, 2016, p. 159). Há limites para o que a arqueo-
logia pode nos dizer a respeito de Israel. De qualquer modo, as informações que
essa disciplina produz devem ter como contrapartida uma leitura cuidadosa do
relato bíblico.
A arqueologia pode apresentar alguns artefatos que lancem luz sobre os
costumes sociais de determinado momento histórico, mas, apesar dos melhores
esforços dos estudiosos desse campo, a Bíblia continua sendo a principal, e na
maioria das vezes a única, testemunha dessas ações de Deus na história e, o
mais importante, a única intérprete autoritativa dos acontecimentos.
Temos que ser cautelosos, os dados arqueológicos não são completa-
mente objetivos, mas devem ser interpretados, o que é um processo subjetivo.
Portanto, é conveniente recordar que muitas conclusões arqueológicas não são
comprovadamente factuais, não importa quando ou por quem foram propostas.
Apesar disso, a arqueologia desempenha um papel inestimável. Correlações po-
dem ser feitas entre o texto bíblico e dados arqueológicos, mas, além disso, a
arqueologia é a principal ferramenta para a reconstrução de muitos aspectos da
sociedade israelita. Devemos evitar uma abordagem ingênua e fundamentalista
ao texto e, por outro lado, qualquer outra abordagem excessivamente manipu-
ladora, não-crítica, ou as interpretações imaginativas. O historiador não pode
escapar do uso do texto bíblico em se aproximar a história do antigo Israel. À
história antiga é vasta e complexa, e nosso escasso testemunho a respeito dela
só pode proporcionar vislumbres dessa vastidão e complexidade.
Em si mesmos vestígios arqueológicos (quando não se inclui o testemu-
nho escrito) são mudos. Não falam por si, não tem nenhuma história a contar e
nenhuma verdade a comunicar. São os arqueólogos que falam a respeito deles,
testemunhando sobre o que descobriram e estabelecendo as descobertas em
uma estrutura interpretativa que lhes dá sentido e significado. Toda tarefa de
relacionar descobertas arqueológicas com aspectos específicos do passado con-
forme se encontram descritos em textos é, na verdade, repleta de dificuldades.
É inevitável que surjam diversas interpretações sobre as descobertas. Determi-
nada camada com vestígios de destruição deve ser associada a esta ou áquela

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

campanha militar? Esse sítio arqueológico é de fato o sítio da cidade mencionda


naquele texto específico?3 Também não faltam interpretações sobre o que não
foi encontrado, porque a inexistência de provas materiais de acontecimentos
descritos em um texto não pode ser necessariamente interpretada como prova
de que esses eventos não ocorreram. “O arqueólogo interpreta os dados no con-
texto de testemunho, acrescentando suas sugestões ao conjunto de descobertas,
somando ao relato do passado as suas concepções pessoais.” (PROVAN, 2016,
p. 80). Como G. E. Wright afirmou corretamente: “a arqueologia, por lidar com
os escombros do passado, nada prova por si mesma.”4

Dados extraídos de artefatos arqueológicos só existem em forma linguísti-


ca. Entretanto, por serem elementos de uma estrutura linguística, também
estão sujeitos a interpretação. A descrição de achados arqueológicos já é
interpretação e, como qualquer outra forma de expressão verbal, está su-
jeita à escolha individual do método narrativo, ao conceito de explicação
e também ao sistema de valores éticos do arqueólogo que faz a descrição.
(C. Schäfer-Linchtenberger, “Sociological amd biblical views of the early
state”, in: V. Fritz; P. R. Davies, orgs., The origins of the ancient Israelite
states, JSOTS 228 (Sheffield Academic Press, 1996), p. 78-105; citação nas
p. 79-80).

Raramente pode-se esperar reconstruir o passado apenas com base em


dados materiais – arqueológicos, mas esses dados podem ser muito úteis ao
menos em três aspectos: 1) verificação da possibilidade do testemunho verbal
ser real; 2) verfificação da plausibilidade de determinada reconstrução teórica;
3) acréscimo de “carne” ao “esqueleto” de um enredo histórico baseado em tes-
temunhos. (PROVAN, 2016, p. 265).
Nosso conhecimento do passado depende do testemunho. Diante disso
e do fato de que o principal testemunho que temos do passado de Israel é o
testemunho bíblico, é necessariamente tolice desprezá-lo em qualquer tentativa
moderna de contar a história de Israel. Deve-se considerar algo perfeitamente
racional o ato de tratar esse testemunho junto com os demais. Entretanto, deve-
mos fazer nossos juízos caso a caso, em vez de prejulgar o assunto mediante o

3 A correlação entre sítios arqueológicos e lugares mencionados em textos não é de


modo algum simples e direta como às vezes parecem dar a entender os que querem
veementemente “provar” ou “negar” a veracidade de textos bíblicos. Por exemplo: Tell
Ed-duweir é de fato a antiga cidade de Laquis?
4 “What archaeology can and cannot do”, BA 34 (1971), p. 76.

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

uso de critérios metodológicos falhos, que supostamente nos conduzem a uma


“base firme” para a historiografia, dentro ou fora do testemunho bíblico.
Com o progresso da arqueologia e com a atitude mudada em relação ao
estudo literário, é mais fácil, sobre uma base científica objetiva mostrarmos que
as abordagens céticas e críticas quanto a historicidade das narrativas patriarcais
estão equivocadas. Bem da verdade os estudos arqueológicos têm proporciona-
do um equilíbrio entre os pesquisadores conservadores e críticos, funcionando
como um ponto de referência para que não avancem o “sinal vermelho”. Da
mesma maneira conservadores e críticos radicais nunca chegaram a um con-
senso sobre os resultados da arqueologia, pois cada qual os interpreta mediante
seus pressupostos. Willian Dever5 sugere que não mais se use a nomenclatura
“arqueologia bíblica”, mas sim, arqueologia siro-palestina, atribuindo assim um
papel mais neutro a arqueologia. “Sabemos de que maneira o ‘mito do obser-
vador neutro e impessoal’ tem funcionado e continua sendo utilizado como
instrumento ideológico... o esforço acadêmido puramente objetivo, na verdade,
não existe.” (PROVAN, 2016, p. 68).
É natural que às vezes o testemunho do passado não mereça crédito. Ma-
pas podem levar ao lugar errado; pacientes podem deixar de contar a verdade
aos psicólogos; cientistas (inclusive arqueólogos) podem falsificar os resultados
de suas pesquisas ou simplesmente fazer interpretações equivocadas dos dados;
testemunhas em um julgamento podem cometer perjúrio; e os que transmitem
a tradição podem, com ou sem intenção, distorcer o passado. Diante disso, em
nossa busca de conhecer a realidade do passado, o pensamento crítico deve se
levado em alta consideração. Não é necessária fé cega no testemunho arqueo-
lógico, nem suspeita radical. O que se requer de nós é apenas o que descreve-
ríamos como “abertura epistemológica” ou uma “hermenêutica da suspeita”.
Na verdade, toda historiografia é assim: escrita por pessoas que adotam uma
cosmovisão geral e um ponto de vista particular, os quais elas aplicam à reali-

5 William Dever, arqueólogo norte-americano professor de arqueologia do Oriente, contribuiu


no artigo “Arqueologia” no The Anchor Bible Dictionary. O mesmo reitera sua percepção
dos efeitos negativos da estreita relação que tem existido entre a arqueologia sírio-Palestina
e a arqueologia bíblica da Terra Santa, o que tem levado especialmente os arqueólogos
estadunidenses que atuam neste campo, a se retirarem frente à nova arqueologia processual,
(dos anos 1970 e 80), antes que pudessem compreendê-la. “William Dever descobriu
que a arqueologia sírio-Palestina tem sido tratada nos institutos estadunidenses como
uma subdisciplina de estudos bíblicos. Esperava-se que os arqueólogos estadunidenses
tratassem de “prover evidências históricas válidas dos episódios da tradição bíblica” nesta
região. De acordo com Dever, “o mais ingênuo (sobre a arqueologia sírio-palestina), é que
a razão e o propósito desta, seria simplesmente a de elucidar a Bíblia nas terras da Bíblia.”
(Anchor Bible Dictionary, Archaeology, W. Dever, p. 358).

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

dade tentando organizar seletivamente os fatos do passado em algum modelo


coerente e tendo em vista um fim específico.
Vamos supor que tenhamos um dado arqueológico consistente com as
afirmações de um texto bíblico sobre o passado. Por acaso isso “comprova” que
o texto é históricamente exato? Certamente, essa relação tem sido frequente-
mente defendida ou pressuposta. Entretanto, o dado arqueológico, mesmo que
seja um texto escrito, continua sendo só mais um testemunho do passado; o
dado não “prova” que o evento ao qual o texto se refere aconteceu.6
A Bíblia vê e narra a realidade com a preocupação de mostrar a ação de
Deus na história, coisa que a arqueologia não tem como escavar. Sua função é
a de fazer a leitura preliminar da sociedade, da maneira mais neutra possível.
A partir dessa leitura preliminar, os exegetas devem adentrar o texto bíblico. O
que não se pode fazer, para uma boa exegese, é cometer o disparate de ignorar
as descobertas arqueológicas. Portanto, a melhor atitude do exegeta ou do estu-
dioso da Bíblia é quando ele é capaz de estabelecer um diálogo franco entre o
texto bíblico e a arqueologia.
Parece, com base nas considerações anteriores, que deve ser tomado um
grande cuidado na interpretação de dados arqueológicos, e a sua correlação com
as narrativas bíblicas. Embora as escavações arqueológicas frequentemente te-
nham um propósito útil, para esclarecer a história antiga e a vida social daquele
tempo, também podem apresentar uma variedade de problemas especiais, e
a natureza subjetiva de algumas das conclusões às quais podemos chegar, fre-
quentemente provoca considerável diferença de opinião entre os especialistas.
Com as novas descobertas arqueológicas, se viram praticamente por terra
os planos da excessivamente engenhosa construção de Wellhausen. No mundo
real da arqueologia, as fontes JEDP não existem. Sua existência é puramente
teórica. Preconceitos subjetivos se revelaram no tratamento das Escrituras he-
braicas como evidência arqueológica. Por demais frequentemente a tendência
tem sido considerar qualquer declaração bíblica como sendo suspeita e indigna
de confiança.
No caso de qualquer discrepância, na comparação com uma fonte pagã,
mesmo sendo de data posterior, automaticamente a informação pagã tem a
preferência como testemunha histórica. Quando não há outras evidências dis-
poníveis de fontes não israelitas ou de algum tipo de descoberta arqueológica,
então a declaração bíblica não é levada a sério a não ser que possa ser encaixada

6 Acerca da complexidade da tarefa interpretativa com que os arqueólogos se deparam,


veja: f. Brandfon, “The limits of evidence: archaeology and objectivity”, Maarav 4 (1987),
5-43.

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

com a teoria. O objetivo é evitar forçar o texto em determinado molde antes de


estuda-lo. Estudiosos de todas as crenças e convicções ideológicas têm cometi-
do esse erro, e até certo ponto esta falha é universal, tornando-se necessário ter
cuidado. Não faz diferença para eles o grande número de informações bíblicas
que, rejeitadas como não históricas pelos peritos do século dezenove, têm sido
confirmadas pela evidência arqueológica recente.
Há limites para o que a arqueologia pode nos dizer a respeito de Israel e
especificamente das narrativas patriarcais. De qualquer modo, as informações
que essa disciplina produz devem ter como contrapartida uma leitura cuidadosa
do relato bíblico.

A arqueologia não é uma ciência exata, embora já seja atualmente um


campo de pesquisa contemporânea em rápido desenvolvimento que utili-
za métodos de comparação e tipologia. Seus resultados, com exceção das
evidências documentais, talvez sejam subjetivos, sujeitos a interpretações
variáveis ou limitadas pela falta de material de comparação ou até pelos
pontos de vista e métodos empregados pelo escavador. (BRUCE, 2002, p.
54).

Uma das razões para que o registro no texto bíblico tenha prioridade
sobre a evidência arqueológica são as limitações da arqueologia, por natureza
confina­da ao reino material. O professor Amihai Mazar, diretor do Instituto de
Arque­ologia da Universidade Hebraica de Jerusalém, observa:

[...] a arqueologia é obviamente limitada. A arqueologia lida principal-


mente com a cultura material, não tanto com ideias, filosofia, poesia,
sabedoria etc., como temos na Palavra de Deus. A Bíblia é uma riqueza,
um mundo cheio de pensamento intelectual. A arqueologia é limitada.
Ela nos fornece [somente] cerâmica, construções, fortificações, plan-
tas de cidades, modelos de comunidades, [ou informa] quantos sítios
houve em cada período, qual era a população. (apud PRICE, 1996, p.
35-36).

As limitações da arqueologia deveriam levar os arqueólogos, cientistas


so­ciais e teólogos a não fazerem julgamentos prematuros com base apenas em
resquícios arqueológicos, o que pode gerar críticas injustas à historicidade ou à
exatidão do texto bíblico. Esse argumento, é claro, vai de encontro à prática con-
temporânea, defendida por aqueles que supõem a arqueologia avultada além da
prioridade bíblica.

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

Há limites para o que a arqueologia pode nos dizer a respeito de Israel e


os tempos do Antigo Testamento. De qualquer modo, as informações que essa
disciplina produz devem ter como contrapartida uma leitura cuidadosa do relato
bíblico. As descobertas arqueológicas dos últimos 100 anos, fizeram com que, o
nosso conhecimento sobre o passado antigo enrriquecesse, e isso, mostra que
é lícito esperar que as futuras descobertas arqueológicas esclareçam, cada vez
mais, os aspectos históricos do Antigo Testamento, assim como os elementos
sociais, políticos e religiosos da vida dos hebreus. No entanto, deve-se admitir
que não se possa, e não se deve esperar nem exigir que a arqueologia, por si
só, prove a “verdade” do Antigo Testamento. A verdadeira função das fontes
arqueológicas é fornecer informações sobre a vida e a estrutura da sociedade do
antigo Oriente Médio que capacite os estudantes das Escrituras, na atualidade,
a verem o registro sagrado sob uma perspectiva cultural e histórica adequadas.
Apesar de a Escritura apresentar informação histórica, esta informação é se-
letiva e incompleta. Isso se encaixa com o propósito teológico da Bíblia, pois ela não
foi escrita para ser um livro de história. Por esta razão, os historiadores têm muitas
vezes duvidado de certos fatos históricos da Bíblia, conforme apresentaremos a be-
gação da historicidade dos narrativas patriarcais. Isso não é só porque eles suspei-
tam que uma visão religiosa da história possa alterar os fatos, mas porque alguns
detalhes históricos na Bíblia não têm evidência material para sustentá-los.
Diante do atual quadro da arqueologia, a reconstrução histórica do pe-
ríodo patriarcal não é totalmente satisfatória. Mas, podemos apresentar uma
reconstrução razoável, que faça total justiça ao maior conjunto de dados disponí-
veis. Reconhecemos, é claro, que pela própria natureza os dados arqueológicos
são parciais e estão em constante mudança. O peso das evidências favorece
uma confiança maior, ao invés de menor, no testemunho bíblico.

1.2. Contribuições da arqueologia para compreensão dos textos


bíblicos

A arqueologia, com relação à Bíblia, presta-se a confirmar, corrigir, esclare­


cer e complementar a mensagem teológica contida no texto sagrado. Uma vez
que a Palavra foi anunciada à humanidade em lugares e tempos específicos,
torna-se necessário compreendermos o contexto histórico, cultural e religioso
de seus destinatários. E, quanto mais claramente percebermos o significado ori­
ginal da mensagem, conforme comunicada ao mundo antigo, tanto melhor po-
deremos aplicar suas verdades eternas às nossas vidas, no mundo moderno. A
arqueologia ajuda-nos a entender esse contexto, de modo que a verdade teológi­
ca não seja mal interpretada ou aplicada indevidamente.

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

O professor Amihai Mazar, diretor da Universidade Hebraica no Instituto


de Arqueologia de Jerusalém, declara-nos esse propósito:

Penso que a coisa mais importante que temos de entender é que a


arqueologia é a nossa única fonte de informação vinda diretamente
do período bíblico [...] A arqueologia pode trazer-nos a informação
do período exato em que as coisas aconteceram [...] um quadro
completo da vida diária nesse período, bem como as inscrições
[...] que são a única evidência escrita que temos do período bíblico,
afora a própria Bíblia. (apud PRICE, 2006, p. 29).

A Bíblia, portanto, contém uma rica herança da história de Israel e histo-


riografia, e a arqueologia bíblica é um meio pelo qual o conhecimento do passa-
do e do legado judaico pode ser transmitido. Como tal, arqueologia bíblica conti-
nua a fazer parte integrante da nossa educação e do patrimônio ocidental. Como
a Bíblia é uma das principais fontes para uma reconstrução da história de Israel
e como esse texto tem um forte viés religioso, cabem aqui algumas reflexões.
A natureza religiosa de um texto, mesmo a referência a eventuais milagres, não
invalida necessariamente a historicidade de um relato. Não se pode descartar a
priori a historicidade de um texto pelo simples fato de ele ser de natureza reli-
giosa. Ao invés de descartar uma fonte primária ou mesmo secundária devido
a seus preconceitos religiosos, políticos, étnicos, ideológicos, etc., é imperativo
identificar tais preconceitos e trabalhar a partir daí.
A arqueologia bíblica é bem definica por W. F. Albright, como:

A disciplina que investiga remanescentes culturais soterrados em “terras


bíblicas”, uma elipse de mais de 13 milhões de quilômetros quadrados
(abrangendo desde as colônias fenícias no oceano Atlântico até a Índia),
de cerca de 9000 a.C. até cerca de 700 d.C., usando estratigrafia e tipo-
logia para descobrir artefatos e materiais epígrafes, portanto, é a análise
sistemática ou síntese de alguma fase do estudo bíblico que pode ser es-
clarecido pela descoberta arqueológica.7

A arqueologia no exato momento não nos pode fornecer certeza histórica


de tudo o que descobriu, mas as probabilidades aumentaram consideravelmen-
te. Adequadamente, a arqueologia não deve ser usada para “provar” a Bíblia ou
para “provar” que a nossa fé esta correta. Ela tem nos fornecido, em muitos

7 The Impacto of Archaeology on Biblical Research, 1966, p. 3.

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

pontos um testemunho indireto. Sem dúvidas a arqueologia tem nos fornecido


um alto grau de probabilidade e de certeza em muitas questões. As primeiras
descobertas arqueológicas causaram euforia e entusiasmo, hoje nota-se um pro-
blema complexo e carente de novas reflexões.
Segundo Ernest Wright:

A Bíblia, ao contrário de outras literaturas religiosas do mundo, não é


centrada numa série de ensinos morais, espirituais e litúrgicos, mas na
história de um povo que viveu num certo tempo num certo lugar. A fé
bíblica é o conhecimento do sentido da vida à luz do que Deus fez numa
história específica. Assim, a Bíblia não pode ser entendida a menos que
a história que ela relata seja tomada a sério. O conhecimento da história
bíblica é essencial para o entendimento da fé bíblica. Se a natureza de
tais períodos deve ser apropriadamente entendida, e os eventos bíblicos
encaixados em seu contexto original na história antiga como um todo, os
antecedentes originais para o material bíblico têm que ser recuperados
com a ajuda da arqueologia. (Biblical Archaeology. Filadélfia: Westmins-
ter Press, 1960, p. 9).

As informações obtidas pela arqueologia nos falam também dos contu-


mes dos povos do segundo milônio a.C., e nos ajudam a melhor compreender
certos acontecimentos ou ações narrados pelos relatos dos patriarcas. Esse cam-
po de pesquisa oferece “evidências circunstanciais” sobre o passado de Israel,
mas para o pesquisador isso representa um avanço no “equilíbrio das probabili-
dades”. O papel da arqueologia não é “provar” a Bíblia, este tipo de “prova” está
disponível somente em determinadas ciências dedutivas, como a matemática e
a lógica, mas, o papel da arqueologia é: (1) fornecer materiais culturais, epigráfi-
cos e de artefatos que propiciem o contexto para a interpretação da Bíblia com
precisão; (2) ancorar os eventos do texto bíblico na história e geografia da época;
e (3) construir confiança na revelação de Deus, onde as verdades das Escrituras
colidem com os eventos históricos.
Dentre as principais funções da arqueologia, temos as seguintes:

(1) iluminar a Bíblia, (2) apoiar eventos do texto em nosso tipo de história
e geografia e (3) edificar a confiança na revelação do Deus da verdade que
sempre será consistente em todas as suas obras, sejam elas revelação das
Escrituras ou seus atos no tempo e no espaço. (KAISER, 2007, p, 89).

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

Ao relacionar a história bíblica, as pessoas e eventos na história geral, a


arqueologia demosntra a validade de muitas referências bíblicas. Porém, algu-
mas descobertas têm levantado alguns problemas que tem ocasionado debates
intensos. Mas, uma vez que temos visto tanto destes desafios no decorrer dos
anos serem superados, devemos manter uma posição positiva. Devemos confiar
no texto até que a informação definitivamente contrária esteja disponível. O
texto é inocente até que se prove o contrário.
Diante do estudo dos textos antigos devemos manter uma postura de hu-
mildade. Devemos permitir que os autores antigos falem da maneira que dese-
javam. Temos que buscar entende-los, e não simplesmente fazermos perguntas
sobre eles e seus escritos que estão fora de sua intenção original e de sua visão
de mundo. Não temos todos os dados, não temos todas as “provas”, não temos
todo o entendimento para nossas perguntas. É possível que nunca encontremos
a prova irrefutável para muitas de nossas dúvidas, e para muitas das críticas
levantadas quanto a autoridade e historicidade de muitos acontecimentos do
Antigo Testamento, mas “inexistência de provas não é prova de inexistência.”
Os livros do Antigo Testamento, em especial do Pentateuco, não são livros escri-
tos por historiadores modernos para leitores modernos, e principalmente, o seu
compromisso com a verdade não procura alcançar os padrões modernos. Isso
não quer dizer que os antigos não escrevessem história. Ao contrário, frequente-
mente eles exigem sensibilidade com os eventos e testemunhos que confirmam
tais eventos. “Para poder entender os textos antigos, uma pessoa precisa, men-
tal e emocionalmente, tornar-se um antigo, e entrar no mundo desses textos.”
(LOWERY, 2010, p. 36). Para o povo hebreu “o seu propósito, ao escrever histó-
ria, foi didático: ensinar o leitor sobre a maneira como Deus age nas questões
humanas, quais são seus propósitos e quais são as consequências da obediência
e da desobediência a esses propósitos.” (LOWERY, 2010, p. 36).
O arqueólogo Bryant Wood resume a importância dos achados arqueoló-
gicos:

Em nossos dias, a maioria dos estudiosos, arqueólogos e estudiosos bíbli-


cos faria exame muito crítico da precisão histórica de muitas das narrati-
vas da Bíblia, particularmente dos primeiros livros da Bíblia. Quase todos
os estudiosos de hoje diriam que qualquer coisa anterior ao período do
reino [de Israel] é pura história folclórica e mito, e é neste ponto que a
arqueologia bíblica pode representar papel muito importante, porque no
campo da arqueologia podemos apresentar evidências novas e dados no-
vos para nos ajudar a entender estas narrativas bíblicas. Não é incomum
as descobertas mais recentes da arqueologia destruírem opiniões críticas

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

mais antigas sobre a Bíblia. Muitos estudiosos afirmaram que nunca houve
um Davi ou um Salomão, mas hoje temos uma esteia que de fato mencio-
na Davi. (Apud PRICE, 2006, p. 151-152).

Não podemos ser ingênuos a ponto de ignorarmos os diversos processos


que sofreram os textos bíblicos para que chegassem até nós hoje. O texto bíblico
é aglomerado de uma grande variedade de literatura, histórias, leis, rituais, exor-
tações, sermões e instruções. Infelizmente os achados arqueológicos consistem
em uma ínfima parcela daquilo que poderia ter sido descoberto. “A arqueologia
de hoje com muita frequência torna-se a nota de rodapé de amanhã a respeito
dos primeiros esforços equivocados.” (DILLARD, 2006, p. 109).
Pelo fato de os hebreus retratarem muito dos padrões culturais contempo-
râneos da vida no Oriente Próximo, a história dos israelitas pode ser mais bem
entendida comparando-se as narrativas do Antigo Testamento com o conheci-
mento da cultura e da arqueologia do período. As escavações e as pesquisas
arqueológicas do Egito e antigo Oriente Próximo trouxeram uma inesperada
quantidade de material, que trouxe luz ao mundo do ambiente bíblico, estas
descobertas se tornaram indispensáveis para a exegese e compreensão do mun-
do do Antigo Testamento e sua história. Entre os textos jurídicos e sociais, os
códigos babilônios e assírios, as leis hititas, as tabuinhas de Nuzi, os textos de
Ras Shamra e as leis, os usos, e os costumes registrados nos diversos textos,
notam-se afinidades impressionantes com grande parte dos textos do Antigo
Testamento. Os tratados de aliança característicos do Pentateuco podem-se hoje
enquadrar, sobre o aspecto literário, nos tratados hititas e outros achados da
Síria.
O exame dos textos do Antigo Testamento contra o cenário cultural apro-
priado que a arqueologia ajuda fornecer, irá servir a um propósito importan-
te: estabelecer especificamente, na mente do estudioso sobre a antiguidade do
Oriente Médio, um sentido cronológico apropriado, em relação à revelação divi-
na. Isto, então, irá evitar que o intérprete das Escrituras aplique categorias ina-
propriadas de moralidade ou interpretação cristã a situações ou acontecimentos
que eram regidos por um ethos completamente diferente, e irá fundamentar as
suas explicações em uma sequência historicamente legítima.8
Os estudos linguísticos, arqueológicos, históricos e outros, terão uma par-
ticipação fundamentalmente importante no enfoque metodológico, que terá
como seu objetivo, o mais completo conhecimento da vida e dos tempos dos

8 Para uma boa avaliação do contexto soacial e cultura, nos tempos do Antigo Testamento,
ver: HARRISON, R.K. Tempos do Antigo Testamento, 2010, p. 9-31.

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

quais vieram os textos do Antigo Testamento. Embora ainda haja muitas lacu-
nas no nosso conhecimento a respeito do antigo Oriente Médio, também existe
uma quantidade crescente de material que se torna disponível para exame dos
estudiosos, e uma parte deste material frequentemente esclarece, de modo sig-
nificativo os textos do Antigo Testamento.
Devemos observar que a teoria de Graf-Wellhausen sobre a historicidade
e composição dos textos do Antigo Testamento, originalmente foram constru-
ídas em um momento em que o estudo arqueológico estava em sua infância.
À luz das modernas descobertas arqueológicas, os estudiosos liberais de hoje
reconhecem que certos aspectos destas teorias, já não podem ser considerads
sustentáveis. Há, no entanto, uma teimosia em muitos círculos acadêmicos que
se recusa a deixar de seguir as hipóteses JEDP9, e muitos ainda seguem os prin-
cípios básicos da teoria.
Com isso, podemos comcluir com um citação de Tenney a respeito da
relevância da arqueologia bíblica para compreensão dos textos bíblicos:

Deve-se reconhecer que há algumas alegações exageradas quanto ao que


a arqueologia pode afirmar. Quanto aos documentos: há pouco tempo os
estudiosos do AT considerariam extravagância falar de documentos do AT
hebraico datados do séc. 3- a.C. No entanto, é isto o que os textos do Mar
Morto são. Os documentos pré-exílicos da Palestina são poucos porque o
povo escreveu em materiais perecíveis. Porém, os manuscritos do Egito,
onde o clima é extremamente seco, e da Mesopotâmia onde a escrita
era feita em barro, são profusos em todos os períodos, e lançam uma luz
considerável sobre o Pentateuco... certamente um dos resultados do mo-

9 De acordo com esta teoria, os quatro documentos foram compostos de forma


independente um do outro, mas foram, por um longo período de tempo, compilados
e editados até chegar ao nosso Pentateuco atual. Argumenta-se ainda que o Pentateuco
retém significativas redundâncias e contradições porque os quatro documentos
JEDS muitas vezes contam a mesma história ou histórias semelhantes, com detalhes
inconsistentes. Porém, como veremos, esta Hipótese Documentária, está baseada numa
compreensão incerta da literatura do antigo Oriente Médio e que em quase nada contribui
para nossa compreensão do Pentateuco. A Hipótese Documentária sustenta que a Torá
foi composta por entrelaçamento de quatro narrativas originais, que originalmente eram
separadas e completas em si, cada uma lidando com o mesmo material. Isso explicaria
muitas das características intrigantes dos cinco livros, nomeadamente o aparecimento
de vários nomes para Deus e incidentes duplicados, tais como as narrativas de duas
criações da humanidade. Basicamente a Hipótese Documentária era então quatro
documentos independentes (conhecidos como o Javista, o Eloísta, a fonte Sacerdotal e
o Deuteronomista), e que foram compostos entre 900 a.C. e 550 a.C., e sendo redigidos
(ou agrupados) em 450 a.C., possivelmente por Esdras.

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

vimento arqueológico moderno tem sido confirmar substancialmente a


historicidade da cultura e períodos refletidos nas narrativas dos patriarcas,
de Moisés e do Êxodo. A arqueologia tem feito isto de forma tão eficaz
que o criticismo literário moderno do Pentateuco teve de encontrar novas
formas de trabalhar esta nova evidência em suas teorias sobre a origem
desses livros. (TENNEY, p. 901-902).

1.3. O Minimalismo e a negação da historicidade das narrativas


bíblicas

No final dos anos de 1980 e começo de 1990, deu-se início a um novo


movimento de arqueólogos, que levantaram graves objeções a seus colegas que
os precederam, estes novos arqueólogos passaram a ser denominados de “mini-
malistas”. O chamado Minimalismo Bíblico, sustenta que o Pentateuco foi com-
posto no período Hasmoneu-Helenístico, entre 300 a.C. e 140 a.C. Thomas L.
Thompson,10 sugere que a redação final do Pentateuco ocorreu tardiamente, no
período inicial do domínio dos Hasmoneus. Dentre os primeiros pesquisadores
identificados como minimalistas, temos: John van Seters, Donald Redford e Tho-
mas L. Thompson.
Dentre os principais pesquisadores minimalistas atuais temos Israel
Finkelstein (1949). Finkelstein é docente no Departamento de Arqueologia e
Civilizações do Antigo Oriente Próximo da Universidade de Tel Aviv, Israel, e
diretor da “Expedição Megiddo”. Entre os livros de sua autoria estão: “A Bíblia
não tinha razão (The Bible Unearthed), “David and Solomon” e “The Forgotten
Kingdom”.
Finkelstein é um autor que escreve prolificamente sobre a arqueologia
do “Israel primitivo”. Ele acredita que o estudo sobre o Israel primitivo repousa
necessariamente na arqueologia e não no texto bíblico. Segundo estes historia-
dores arqueólogos, “O valor do material bíblico é insignificante na reconstrução
da natureza do ‘Israel histórico’”. (PROVAN, 2016, p. 226). E ainda, “O Antigo

10 Nasceu em 07 de janeiro de 1939 em Detroit, Michigan; é um biblista e teólogo.


Foi professor de teologia na Universidade de Copenhagen from 1993-2009 e vive na
Dinamarca.Thompson está intimamente associada com o movimento conhecido como
“A Escola de Copenhague”, apelidado minimalismo bíblico (outras figuras principais
incluem Niels Peter Lemche , Keith Whitelam, e Philip R. Davies), um grupo vagamente
unido de estudiosos que sustentam que a versão da Bíblia da história não é suportado por
nenhuma evidência arqueológica até agora descoberta, pelo contrário as evidências são
contra a historicidade da Bíblia, e que, portanto, ela não pode ser confiável.

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

Israel é uma simples invenção da erudição moderna e o Israel bíblico nunca


existiu como algo além de um produto ideológico e literário dos períodos exílico
ou pós-exílico. Assim, o Antigo Israel e o Israel bíblico em nada se relacionam
com o Israel histórico.” (p. 226).
Em contraste com a dependência em relação à Bíblia, Finkelstein se volta
à arqueologia para “uma história completamente diferente”. Finkelstein ilustra
esta abordagem com um par de exemplos, mas ele se concentra no período for-
mativo de Israel, para o qual ele diz que “a arqueologia é a única fonte de infor-
mação”, já que os relatos bíblicos “são expressões quase completa da ideologia
política e teológica do período de Josias”. Ele também afirma que a arqueologia é
“testemunha única” para o século X a.C. Em suma, a arqueologia é a “rainha da
batalha”, uma vez que nem o Pentateuco nem a História deuteronomista pode-
ria ter sido escritos até o final oitavo século a.C. Isso significa que “a arqueologia
só pode ajudar os estudiosos a identificar ... tradições anteriores”, que podem
ter alimentado as produções mais tardias. (FINKELSTEIN, 2007, p. 22).
Finkelstein conclui oferencendo seis diretrizes para a “reconstrução viá-
vel” do início da história de Israel, da seguinte forma: a arqueologia é a única
“testemunha em tempo real” para muitos dos acontecimentos descritos em tex-
tos bíblicos, especialmente o período formativo; a natureza ideológica do texto
bíblico se opõe a sua aceitação como história moderna, a história bíblica deve
ser lida como historia regressiva; histórias antigas incorporadas no texto bíblico
são moldadas pela ideologia do autor mais tarde; arqueologia só pode separar
as fontes de que o texto é composto e o crescimento de Judá a um estado marca
o ponto de partida para a compilação do texto bíblico. “Se essas diretrizes fos-
sem aplicadas desde o início do empreendimento bíblico-histórico moderno”,
afirma Finkelstein, “não teríamos desperdiçado um século em pesquisa inútil”.
(FINKELSTEIN, 2007, p. 16).
Finkelstein esclarece o seguinte:

O que estou tentando dizer é que a fé e a pesquisa histórica não devem


ser justapostas, harmonizadas, ou comprometidas. Quando nos sentamos
para ler o Hagadah na Páscoa, não lidamos com a questão de haver ou não
a suporte arqueológico para a história do Êxodo. Ao contrário, louvamos
a beleza da história e seus valores nacionais universais. Libertação da es-
cravidão como um conceito que está em jogo, e não o local de Pitom. Na
verdade, as tentativas de racionalizar histórias como esta, como muitos
estudiosos têm tentado fazer para “salvar” a historicidade da Bíblia, não
são apenas loucura pura, mas em si um ato de infidelidade. (FINKELS-
TEIN, 2007, p. 187).

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

Além disso, Finkelstein alega que a história bíblica deve ser lida como
historia regressiva, que “significa que os primeiros capítulos na história israelita,
as narrativas dos Patriarcas, Êxodo, conquista, bem como a idade de ouro de
Davi e Salomão, não podem ser entendidos como simplesmente retratando re-
alidades históricas”. Em vez disso, deve ser percebido que a história bíblica “foi
escrita para servir de uma plataforma ideológica”. (2007, p. 185).

Os minimalistas afirmam que o Israel na Bíblia hebraica nunca existiu, ex-


ceto nas mentes dos autores persas e helênicos, que criaram as narrativas
e as histórias da monarquia em sua imaginação... A menos que exista uma
comprovação independente, por ‘fontes extrabíblicas’, os minimalistas re-
jeitam a utilidade da Bíblia hebraica como testemunha dos eventos escri-
tos. O texto bíblico é sujeito a um padrão de comprovação mais elevado
do que as fontes ‘extrabíblicas’... Os minimalistas insistem que qualquer
afirmação feita por um texto antigo deve ser comprovada por uma fonte
independente. (LOWERY, 2010, p. 34-35).

A escola da Nova Arqueologia, também conhecida como “Minimalismo”,


enraizada na antropologia cultural e renunciando a orientação histórica da ar-
queologia clássica, concebe os estudos bíblicos como albatrozes de uma geração
antiga, religiosamente orientada e nada científica. Carentes das referências que
guiaram os seus antecessores, a presente gera­ção de arqueólogos tem proposto
teorias revolucionárias e interpretações revisionistas para substituir os mode-
los tradicionais, biblicamente embasados, da história de Israel. Esse tem sido
o caso, especialmente entre a comunidade arqueológica de Israel. (ver PRICE,
2006, p. 11-12).
Os historiadores minimalistas defenden a ideia de que a narrativa bíblica
não tem nenhuma ou quase nenhuma associação com os acontecimentos que
descreve. Tanto os minimalistas quanto os maximalistas11 tomam partido ideo-
lógico. Entretanto, reconhecer que a historiografia tem um objetivo ideológico
não justifica uma hermenêutica de suspeita que tem por objetivo desconstruir
a tradição bíblica.
Segundo os minimalistas, os manuais de “História de Israel” têm sido du-

11 Diante as pesquisas arqueológicas e históricas da história de Israel, temos duas correntes


principais: maximalista e minimalista. A posição maximalista defende que tudo nas
fontes históricas e arqueológicas que não podem ser provadas como falsas devem ser
aceitas como históricas. A posição minimalista ao contrário defende que tudo que não
tem apoio de evidências contemporâneas nas histórias bíblicas deve ser tido como
invenção literária.

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

rante muito tempo, uma paráfrase racionalista do texto bíblico. De fato, grande
parte da historiografia sobre essa temática foi conduzida por religiosos. Dentro
e fora da academia à história dos antigos israelitas era vista como a evolução de
um único grupo, ou seja, aceitava-se a sequência: patriarcas, escravidão no Egi-
to, êxodo, conquista da Palestina, confederação das 12 tribos, monarquia davídi-
co-salomônica, divisão entre reino do norte e do sul, exílio e volta para a terra. O
abandono da credibilidade das histórias antigas contidas nos textos bíblicos foi
se dando aos poucos, primeiramente abandou-se a credibilidade das narrativas
patriarcais, depois, o êxodo e asnarrativas da conquista de Canaã como fontes
que podem servir de base para uma reconstrução significativa da história; logo
em seguida deixaram de lado o livro de Juízes e as narrativas de Saul, e por fim,
todo o ralato bíblico deixou de ter credibilidade histórica confiável. A mais alta
consideração que se pode ter para com os relatos da história de Israel – segun-
do os minimalistas – é de que se trata de “uma elaboração literária artificial e
influenciada pela teologia”. (PROVAN, 2016, p. 37). Temos em nossas mãos um
texto bíblico artificial, não convincente e de pouquíssima utilidade histórica, e
em grande parte lendas folclóricas, um passado imaginário e não real.
Acreditava-se que todas essas etapas estavam em conformidade com as
evidências arqueológicas e fontes extra-bíblicas, de tal modo, houve um razoá-
vel consenso sobre a história de Israel até meados da década de 70 do século
XX (...) Uma mudança significativa só veio a ocorrer, de fato, a partir da década
de 1990, com a criação do Seminário Europeu sobre Metodologia Histórica. O
grupo de pesquisadores que possibilitou o surgimento do referido seminário se
uniu em torno das frustrações referentes ao debate sobre o Israel antigo. A partir
de então, tem sido conduzida uma profunda revisão deste tema, de modo que
os resultados obtidos até o presente momento colocam em xeque o paradigma
tradicional da história antiga de Israel. Dentro do mencionado seminário des-
tacou-se um grupo de pesquisadores que ficaram conhecidos como Escola de
Copenhague ou minimalistas, os quais, gradativamente, adquiriram notoriedade
internacional. Apesar destas significativas mudanças no âmbito historiográfico
internacional, os estudos sobre a história de Israel levados a cabo no Brasil se
encontram afastados do recente debate referente a essa temática.
Vejamos uma avaliação aos métodos críticos que analizam a história an-
tiga de Israel, sem ao menos, levar em consideração a importãncia dos relatos
bíblicos:

A consequencia é que qualquer história de Israel que procure tratar do pe-


ríodo anterior a monarquia, limitando-se a uma simples paráfrase dos tex-
tos bíblicos e à mera complementação desses textos com supostos parale-

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

los do antigo Oriente Próximo, não apenas utiliza um método inadequado,


mas também oferece um quadro distorcido dos eventos que certamente
ocorreram. De modo acrítico, essa descrição aceita a visão que Israel tinha
de suas origens. (PROVAN, 2016, p. 31).

Podemos considerar que quando os dados arqueológicos parecem estar


em comflito com as alegações do texto bíblico, os minimalistas, afirmam que
eles mostram ou contribuem para mostrar algo verdadeiro. Nesse caso, os da-
dos apresentam sólidos indícios de que a realidade histórica se parece com o
novo dado, e não com o dado bíblico. Entretanto, quando os dados arqueológi-
cos parecem ser consistentes com as afirmações do texto bíblico, toda a ênfase
recai em quão pouco esses mesmos dados podem de fato nos informar. (PRO-
VAN, 2016, p. 26). Podemos concluir que, o minimalismo trabalha com uma
metodologia que tem uma fé bastante simplista na interpretação de dados que
coincidem com a narrativa bíblica. Sempre que os dados arqueológicos tendem
a comprovar a veracidade das narrativas bíblicas o minimalismo, alega um alto
grau de ceticismo e suspeita.
Verifica-se claramente que:

Há aceitação absoluta da objetividade dos relatos arqueológicos quando


se acredita que eles conflitam com o testemunho bíblico, ao passo que
se sugere a não objetividade dos dados arqueológicos quando outros es-
tudiosos afirmam que existe correspondência entre eles e o testemunho
bíblico. Com efeito todos os arqueólogos apresentam relatos do passado
que são tão ideológicamente influenciados quanto qualquer outra narra-
tiva histórica e que, com certeza, não são uma narração neutra dos fatos.
Seria impossível os arqueólogos acrescentarem de forma não ideógica o
próprio testemunho aos demais testemunhos sobre o passado. (PROVAN,
2016, p. 105).

Todos estudiosos realizam seu trabalho como pessoas integrais, com


crenças e convicções diversas. A objetividade nunca é absoluta. Entretanto, a
presença de crenças prévias, não tem de necessariamente invalidar o labor aca-
dêmico, contanto que essas crenças sejam reconhecidas e discutidas. “Esses re-
visionistas apresentam sua história como a ‘verdadeira’, mas a falta de consenso
sobre as histórias que reconstruíram indica que, na verdade, são interpretações
subjetivas e filosóficas da história.” (WALTKE, 2016, p. 62).
Os arqueólogos minimalistas tentem a declarar que os estudiosos que
buscam utilizar a arqueologia para comprovar a veracidade de textos bíblicos,

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

estão produzindo um passado “imaginário” do Antigo Israel. Isto, sem dúvida,


é uma acusação infantil. Obviamente que, todos os pesuisadores não são total-
mente “neutros”, e isso, de ambos os lados. Contudo, não é possível demonstrar
que os arqueólogos, em geral, têm sido influenciados pela ideologia e não pelos
dados – pelo desejo de acreditar, sem levar em conta as evidências. Será que
os arqueólogos minimalistas estão livres de ideologias que comprometam suas
pesquisas? Será que eles possuem condições de compreender acontecimentos
com mais clareza? “Na verdade, o debate sobre a ideologia dos acadêmicos
obscurece a verdadeira questão, que diz respeito aos dados.” (PROVAN, 2016,
p. 28). Na realidade, a verdadeira discordância em todo esse debate é acerca
do que é considerado evidência. Claramente a arqueologia não é uma “ciência
exata”; é uma arte.
Em 1992, Philip R. Davies publicou um livro contestando a história de
Israel In Search of ‘Ancient Israel (Em busca do Israel Antigo). Suas conclusões
apontam que o historiador deve investigar a história real independente do con-
ceito bíblico. Segundo o autor as histórias foram inventadas e depois organi-
zadas na sequência atual. A literatura bíblica foi inventada nas épocas persa e
grega. A Bíblia, como uma criação literária e histórica é um conceito asmoneu.
Para Philip Davies, o Israel bíblico é um problema e não um dado. Nós não
podemos identificar automaticamente a população da Palestina na Idade do
Ferro (a partir de 1200 a.C.) e de certo modo também a do período persa, com
o ‘Israel’ bíblico. Nós não podemos transferir automaticamente nenhuma das
características do ‘Israel’ bíblico para as páginas da história da Palestina. Ora,
se nós temos que extrair nossa definição do povo da Palestina das relíquias so-
breviventes de seu passado, isto significa excluir a literatura bíblica, conclui o
autor. Se toda a argumentação do autor não passa de um exercício de imagina-
ção, e tem alguma chance de ser real, a nossa leitura atual da Bíblia deveria ser
profundamente questionada. “Nós estamos conquistando uma posição na qual
um paradigma não teológico está começando a reivindicar um lugar ao lado do
sempre dominante paradigma teológico”, diz Davies (2015, p.15). A pesquisa
bíblica é vista como uma disciplina teológica, a maioria de seus profissionais
é composta de teólogos, cristãos e clérigos e seu habitat comum é o seminário
ou o departamento teológico de um estabelecimento de ensino superior ou uni-
versidade. Neste ambiente, o ‘antigo Israel’ é “uma entidade homogênea, uma
igreja embrionária, pensando de modo religioso, pecando, mas, em última ins-
tância, justificada por sua ‘fé’ em Deus” (2015, p. 44).
Para Davies, quem escreveu a literatura bíblica? Em uma sociedade agrá-
ria, esta literatura não é o produto nem de toda a sociedade nem de indivíduos
isolados, “mas de uma classe ou organismo, e surge de condições ideológicas,

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

econômicas e políticas preestabelecidas” (2015, p. 101). A literatura bíblica é o


produto de uma classe profissional, quer dizer, escribas empregados pelo Tem-
plo. Para Davies, a criação destes manuscritos pelos escribas do Templo (e/ou
da corte), sua constituição como um arquivo, sua adoção como um corpus lite-
rário e religioso (quase) definitivo aponta para decisões tomadas pela adminis-
tração, ou seja, pela classe dominante.Sendo assim, se toda esta argumentação
do autor não passa de um exercício de imaginação e tem alguma chance de ser
real, a nossa leitura atual da Bíblia deveria ser profundamente questionada.
Davies sugere que o Estado Asmoneu (ou Macabeu) é que viabilizou, de
fato, a transformação do Israel literário em um Israel histórico, por ser este o
momento em que os reis-sacerdotes levaram o país o mais próximo possível do
ideal presente nas leis bíblicas. A Bíblia, como uma criação literária e histórica é
um conceito asmoneu (2015, p. 154).12
Em suma podemos dizer que sempre que um relato bíblico não apresente
confirmação arqueológica, os minimalistas concluem que tal relato nunca acon-
teceu. Os minimalistas trabalham a partir de uma hermenêutica de suspeita e
tendem a desconfiar quase de tudo.13 As teorias desenvolvidas por estes eru-
ditos revisionistas têm ganhado popularidade e estão minando a historicidade
da Bíblia. Kenneth Kitchen, renomado e respeitado egiptólogo, é famoso por
seu comentário: “A ausência de evidência não é evidência de ausência”. (apud
LOWERY, 2010, p. 35).
Porém, de certa forma, os esforços dos minimalistas, porém, ao invés de
serem destrutivos para a posição maximalista, têm cooperado com ela remo-
vendo elementos inconsistentes ou desnecessários para o relato bíblico.
B. Halpern tem insistido que aqueles que tentam dispensar o texto bíblico
no processo de escrever histórias de Israel estão “abdicando” da responsabilida-
de do historiador a considerar o texto com atenção para as informações que ele
pode fornecer.14 Como intérpretes modernos, a nossa tarefa é extrair qualquer
informação histórica confiável embutida nestes textos literários, usando a arque-
ologia como uma ferramenta de controle e objetividade elevada.

12 Para uma resenha completa do livro: In Search of ‘Ancient Israel, consultar: http://airtonjo.
com/site1/resenha-1.htm. Acessado em: 03 de agosto de 2016.
13 Baruch Halpern, em seu artigo intitulado “Erasing history: the minimalista assault on
ancient Israel” (Apagando a história: o assalto minimalista ao Israel antigo) produziu um
quadro das principais inscrições encontradas no antigo Oriente Próximo que confirmam
as alegações narradas nos livros bíblicos.
14 Erasing History: The Minimalist Assault on Ancient Israel, BAR 11.6, 1995, p. 29.

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

2. O anti-sobrenaturalismo nos estudos bíblicos

Antes de analisarmos os pressupostos anti-sobrenaturalistas, vale ressal-


tarmos que a “ideia”, o “slogan” de livros, revistas e materiais acadêmicos ou
populares atraem a atenção do público de forma geral, principalmente daqueles
que necessitam cauterizar e apoiar seus pressupostos pessoais. Esta visão das
Escrituras e este Jesus propagado de maneira anti-sobrenatural “vende”, gera
lucro e da ibope através dos meios de comunicação. Um dos percursores deste
Jesus é Bart D. Ehrman.15
Cada pessoa se aproxima de um objeto de estudo com seu próprio con-
junto de pressupostos e crenças. O estudioso deve tentar abordar uma questão
tão desprovido de preconceito tanto quanto possível, mas a objetividade com-
pleta é simplesmente analcansável. O estudioso cristão assume intervenção so-
brenatural na história, o estudioso liberal assume o contrário.
Augusto Comte (1798-1857), foi um filósofo francês, fundador da socio-
logia moderna, convencido de que a sociedade podia e devia reorganizar-se
segundo os ditames da razão. Segundo Comte, a humanidade passou por três
etapas de desenvolvimento: a teológica, a metafísica e a científica ou “positi-
va”. Embora ainda restem vestígios das duas etapas anteriores, a humanidade
atravessa agora o limiar da etapa científica e, portanto, a sociedade está sendo
chamada para uma reorganização radical segundo os princípios do pensamento
“positivo” ou científico e representa o que ficou conhecido como a abordagem
“positivista”. Comte aplicou uma metodologia para o estudo da religião que foi
fundada na premissa de que a ciência, com suas leis verificáveis ​​de sucessão e
semelhança, podem explicar todos os fenômenos naturais, sem a necessidade
de apelar para o sobrenatural. É evidente que esta abordagem de “ciência posi-
tiva” influenciou muito o pensamento dos críticos liberais do século XIX e todo
estudo do Antigo Testamento desde então.
Augusto Comte acreditava estar vivendo em uma época em que uma eta-
pa, a “teológica e militar”, estava morrendo, enquanto que nascia outra, a “cien-
tifica e industrial”. Essa última etapa ele chamava de “positiva”, querendo dizer
com isso que a ciência alcançava resultados “positivos” “puramente a partir dos
fatos”. Segundo ele, o homem pertencente à etapa positiva não podia acreditar
em revelação, mas, mesmo assim, precisava de uma religião. Portanto, fundou a

15 É um grande estudioso estadunidense sobre o Novo Testamento e crítica textual. Ele é


professor e chefia o departamento religioso da Universidade da Carolina do Norte. Era
evangélico, mas posteriormente tornou-se agnóstico. É presença constante em programas
de televisão e rádio por ser uma das sumidades nos estudos sobre o cristianismo e a vida
de Jesus. É muito considerado pelas redes NBC, CNN e History Channel.

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

“bizarra” e ritualista Religião da Humanidade. Sugendo o positivismo, somente


os fatos positivos e os fenômenos observáveis são considerados conhecimento
válido. “Observar, buscar fenômenos regulares, tirar conclusões gerais sobre os
resultados da pesquisa e formular leis devem ser as tarefas de todas as discipli-
nas científicas, e só essa abordagem positivista pode produzir conhecimento
suficientememente seguro que sirva de guia para reformular a vida humana.”
(PROVAN, 2016, p. 46).
O conceito de ciência (conhecimento) que temos hoje não coaduna com
a forma que o povo hebreu entendia a ciência, pois o método-científico (i.e.,
positivismo científico e empirismo) e a metodologia de pesquisa moderna não
existiam na época em que os textos bíblicos foram escritos. No final do século
XIX, o positivismo representava uma concepção científica quase hegemônica na
Alemanha. Criou-se o “mito do progresso”. Nas diversas disciplinas, predomina-
va o seguinte lema: “Fatos empíricos, nada de especulação e conceitos vazios”.
A perspectiva positivista dos “fatos” exigia a eliminação de toda especulação
que presumisse o conhecimento das verdadeiras causas dos fenômenos, como
é o caso da “teologia clássica”, por exemplo, em detrimento da pesquisa dos
fenômenos e de suas relações com as leis naturais.
A Bíblia definitivamente não é um livro de ciência, antes suas preocupa-
ções e enfoques são teológicos. Sua preocupação não está no “como” e “quan-
do”, mas no “quem” e “porque”. Consequentemente qualquer interprete que se
aproxime das Escrituras não pode ignorar esse “fundamento” em seu processo
interpretativo.
O conceito de que Deus revelou diretamente o que está escrito já está
morto há muito tempo para boa parte dos críticos do Antigo Testamento. O
registro do Antigo e do Novo Testamento não é um registro do que Deus disse
e fez. Que há, então, na Escritura? Teologia, e não história! A Bíblia é uma cole-
ção de escritos de compiladores, historiadores, intérpretes e autores e redatores
criativos. A Bíblia é uma teologia inspirada, não um relato inspirado de eventos
históricos. Além de fazer objeção à Bíblia como revelação divina, muitos adeptos
da crítica histórica e literária negam que os eventos bíblicos realmente aconte-
ceram na sequência em que estão registrados na Bíblia. Se é verdade que os
eventos referidos não aconteceram de todo, ou não aconteceram na sequência
em que estão narrados, então Moisés não se adapta ao quadro como autor do
Pentateuco. Moisés está no texto porque foi introduzido, assimilado e adornado
por “teólogos” que apareceram em cena muito mais tarde.
Para resumir: desde que não há revelação direta de Deus e desde que
quaisquer eventos que aconteceram não estão relatados em sua ordem histó-
rica, Moisés não podia ter servido como o porta-voz de Deus, como é dito pela

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

própria Bíblia. Então, torna-se óbvio: o relato bíblico relativo a Moisés tem de
ser reinterpretado a fim de que ele apareça como uma figura legendária, um
herói nacional e um objeto de pensamento e de fé posteriores, ou na melhor das
hipóteses foi apenas um personagem da história antiga de Israel.
Muitos críticos têm verdadeira aversão ao sobrenatural. Mas se não pu-
dermos aceitar o sobrenatural, não podemos aceitar a revelação da divindade e
muito menos a encarnação de Jesus e sua ressurreição. Se o valor histórico das
Escrituras é descartado e os milagres são impossíveis nada fica na Bíblia que
mereça crédito. Não podemos nos esquecer do papel de Deus em conduzir a
história para seus propósitos, “a história não é um movimento neutro e cego de
destinos imponderáveis, mas, ao contrário, é conduzida por uma vontade e uma
liberdade, as de Deus.” (RAVASI, 1985, p. 93).
Estamos longe da época em que se aceitava tudo como histórico a res-
peito da Bíblia. Desde o século XVII e XVIII que insurgem-se graves acusações
quanto a autoridade e historicidade dos relatos bíblicos. O que se evidência é
que a rejeição do aspecto sobrenatural da Escritura vicia toda a sua discussão, e
compreensão. Para muitos críticos a simples presença de um elemento sobrena-
tural no texto, serve de evidência suficiente para que ele rejeite a sua historici-
dade. Não levam em conta os críticos que a ciência moderna não mais encara a
natureza como um sistema fechado, pelo que não se pode mais insistir em que
os milagres são impossíveis cientificamente. A religião de Israel é uma religião
histórica, e olhar para ela não levando em consideração sua historicidade é um
dolo ao povo de Israel. Quando estudiosos concluem que milagres podem acon-
tecer dentro da história humana, muitas de suas ideias sobre outros detalhes da
história bíblica brotam naturalmente.
A escola de Wellhausen começou com a mera suposição que a religião de
Israel era de origem meramente humana como qualquer outra, e que precisava
ser explicada como mero produto da evolução. Não fazia diferença para eles
que nenhuma outra religião conhecida (a não ser aquelas que surgiram da fé
dos hebreus) ter chegado ao monoteísmo genuíno; os israelitas também devem
ter começado com animismo e politeísmo cru, exatamente como as demais
culturas antigas. Porém, a evidência em contrário, aponta que desde o Gênesis
até Malaquias, que a religião israelita era monoteísta desde o começo até o fim.
Segundo a Hipótese Documental não pode existir aquilo que se chama re-
ligião sobrenaturalmente revelada. Por este motivo, todas as narrativas simples
e diretas em Gênesis e no restante do Pentateuco que descrevem as experiências
de Abraão, Isaque, Jacó e Moisés têm sido sujeitadas a uma reanálise, procu-
rando demonstrar que um retoque monoteístico foi aplicado àqueles antigos
destinatários politeístas pelos assim-chamados “Deuteronomistas” ou a escola

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

Sacerdotal de épocas posteriores. Porém o que torna a fé de Israel admirável é o


fato de que souberam conservar sua fé monoteísta em um ambiente politeísta.
O fundamento do plano redentor de Deus está no Pentateuco, se esse funda-
mento não é fidedigno de forma revelacional, a credibilidade do restante do
plano redentor de Deus fica totalmente comprometido.
O teólogo Crabtree, aponta a dificuldade em se interpretar a história:

Há vários métodos de interpretar a história da civilização. Os sistemas


filosóficos e as interpretações da história variam de uma civilização para
outra, e de um período para outro, de acordo com a mudança dos ideais
e características de culturas sucessivas. É por isso que poucos filósofos e
historiadores em geral têm as qualificações para pronunciar a última pala-
vra sobre a verdade ou a falsidade das experiências religiosas de Israel e o
valor histórico do Velho Testamento. (CRABTREE, 1960, p. 21).

William Lane Craig, ao abordar a postura anti-sobrenaturalista por parte


dos críticos, declara:

Eu acredito que as pressuposições filosóficas de uma pessoa serão um


importante guia ao fazer um trabalho histórico a respeito das narrativas
do Novo Testamento, porque estas narrativas apresentam abertamente
um Jesus sobrenatural, um Jesus que faz milagres, um Jesus que ressus-
cita os mortos. E se você vem a estas narrativas com uma pressuposição
de naturalismo científico, ou mesmo naturalismo metodológico que seja,
dizer que como um historiador você não pode permitir que causas sobre-
naturais entrem no relato, então estes eventos serão excluídos da corte
apressadamente, a respeito das evidências... isso não é uma questão de ar-
gumento, não é uma questão de evidência, é uma questão de definição. O
sobrenatural é definido como sendo da categoria mítica e não histórica...
o grau até onde alguém estaria pronto para confiar nesses documentos,
depende mais de uma abertura para uma visão de mundo sobrenatural do
que da qualidade literária e histórica deles.16

Resumidamente pode se dizer que dentro de uma história de cosmovi-


sões, temos o teísmo que postula a existência de Deus e sua imanência dentro
de um universo aberto; o deísmo crendo em Deus, mas negando sua manifes-

16 Esse é a transcrição de uma entrevista com Willian Lane Craig, realizada por The Veritas
Forum.

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

tação no universo; e enfim o naturalismo ateísta negando acentuadamente a


existência de Deus. O que é inegável, porém, é que a base da Hipótese Docu-
mentária é fortemente influenciada pela filosofia humanista naturalista.
O naturalismo tem como base as seguintes premissas:

A matéria existe eternamente e é tudo o que existe. Deus não existe... O


cosmo existe como uma uniformidade de causa e efeito num sistema fe-
chado... Os seres humanos são máquinas complexas... A morte é a extin-
ção da personalidade e da individualidade... A história caminha em linha
reta, mas não tem nenhum objetivo predeterminado... O próprio homem
produz suas normas éticas. (SIRE, 2001, p. 66-91).

O naturalismo posto em prática se equivale ao humanismo secular. “Nas-


cido no século XVIII, ele cresceu no século XIX e chegou à maturidade no século
XX” (SIRE, 2001, p. 89). Mas felizmente antes do século XX terminar começa-
ram a aparecer rachaduras no edifício naturalista.
A mola propulsora desta nova exegese naturalista é a impossibilidade de
acontecimentos sobrenaturais. Milagres não são possíveis. Portanto, se houve
milagres, os respectivos textos devem ser entendidos como lendas,17 mitos18
e sagas19. A principal razão, pela qual os naturalistas não creem em milagres é

17 “Uma lenda normalmente está ligada a um personagem importante e notável, ou a um


acontecimento, e se origina dele. É constantemente narrada e repetida. Se essas lendas
possuem caráter religioso, enriquecem-se com os valores e as crenças daqueles que as
transmitem, o que explica, então, a presença dos anacronismos em tais relatos. O quanto
de antigo se conserva e o quanto de novo é introduzido variam de uma lenda para outra.”
(VOGELS, 2000, p. 34-35).
18 Estes “mitos” segundo alguns críticos teriam sido herdados da Babilônia e em parte
no exílio. Adão, Eva, Noé, Abraão, Isaque, Jacó, José, Moisés, não seriam pessoas reais,
mas simplesmente nomes que representavam classes ou tribos pré-diluvianas, ou
ainda personificações de deuses e deusas do sol e heróis e heroínas lunares além de
personificação de deuses locais. “O termo ‘mito’, pode ser entendido em termos de sua
definição ampla ou limitada. A definição ampla é uma forma de expressão universal e
necessária dentro do estágio primitivo do desenvolvimento intelectual do homem, no
qual eventos inexplicáveis eram atribuídos diretamente à intervenção direta dos deuses.
A definição limitada: Mitos são estórias sobre deuses, em distinção a sagas onde as
pessoas ativas são humanas. Nenhuma das duas visões de mito é compatível com o
relato de Gênesis.” (GRONINGEN, 2002, p. 106).
19 Segundo adeptos do ponto de vista crítico, pode-se definir como segue uma saga:
Narrativas imaginativas curtas de enredo simples, colocadas num passado tradicional e
que carecem de documentação, as quais relatam os feitos de antepassados ou líderes ao
superarem grandes dificuldades.

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

porque a sua visão de mundo os impede de crer. “Além disso, as narrativas de


Gênesis demitologizam as mitologias pagãs.” (GREIDANUS, 2009, p. 43).
Cada civilização antiga produziu seu próprio conjunto de litera­tura mito-
lógica, em que os assuntos mais correntes eram as ori­gens e o comportamento
dos deuses (denominados mitos) ou as fa­çanhas de heróis da antigüidade (deno-
minadas lendas). Nos mitos, os personagens são sempre deuses. Nas lendas, são
principalmen­te pessoas, mas os deuses também possuem papéis de destaque.
“Precisamos lembrar que Gênesis 1—2 não foi produzido pela nação chamada
Israel, no sentido de serem reflexões de um indi­víduo (ou indivíduos) a respei-
to das origens. Trata-se, mais exa­tamente, de revelações divinas: verdades que
os seres humanos não podiam conhecer, a menos que lhes fossem reveladas
do alto.” (HAMILTON, 2006, p. 34-35). Um estudo da mitologia ajuda o crente
a compreender como os povos antigos tentavam responder a questões funda-
mentais a respeito da vida e da realidade que os cercava, sem dispor da luz da
revelação de Deus.
Wilhelm Möller diz:

Não acho que se pode tornar plausível que, em qualquer raça, as fábulas
e os mitos viessem, no decorrer do tempo, a serem aceitos cada vez mais
como fatos reais, de modo que devêssemos agora, quiçá, estar dispostos
a aceitar como fatos históricos as lendas do Poema dos Nibelungos ou do
Chapeuzinho Vermelho. Mas isto, segundo os críticos, deve ter acontecido
com Israel.20

Segundo os críticos da Hipótese Documental, alusões proféticas em textos


do Antigo Testamento devem ser consideradas uma vaticinium ex eventu.21 Em
outras palavras, o que se chama profecia previsível não seria mais do que um
registro daquilo que já aconteceu. Mas, somente mentes que não consideram
possíveis eventos sobrenaturais nos textos bíblicos podem supor tal argumento.
A possibilidade de profecia preditiva não é uma opção aceitável. Ela foi excluída
pelo racionalismo que controla um estudo científico, histórico e literário da Es-
critura. Porém, deve ser clara e prontamente afirmado que a profecia preditiva

20 The International Standard Bible Encyclopaedia (A Enciclopédia Bíblica Padrão


Internacional), editada por J. Orr, 1960, Vol. II, p. 1209.
21 Um Vaticinium Ex Eventu (do latim “Profecia após o Evento”) é um termo técnico,
teológico e historiográfico. Ele refere-se à inserção de uma profecia num texto depois do
autor teve conhecimento do evento. Ou seja, no Vaticinium Ex Eventu o texto é escrito de
forma a parecer que a profecia tenha ocorrido antes do evento, quando na verdade ele
foi escrito após os eventos supostamente previstos.

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

podia ser e era significativa em muitos pontos da história de Israel, dando, ga-
rantia e esperança para o futuro.

O autor de Gênesis se apresenta como historiador... Ele apresenta uma


sucessão cronológica essencialmente coerente, valendo-se da forma ver-
bal da narração hebraica e legitima o seu material situando a sua história
sempre que possível no tempo e no espaço (ex.: 2.10-14), traçando genea-
logias (5.1-32), apresentando vários tipos de provas que a validam (11.9)
e citando fontes (5.1 [‘o registro por escrito’])... As provas apresentadas
pelo narrador não satisfarão as demandas da historiografia moderna, mas
demonstram que ele pretendia escrever uma história verídica e não um
mito, saga ou lenda. (GREIDANUS, 2009, p. 44).

Para Andrew E. Hill “a questão da confiabilidade histórica das narrativas


do Pentateuco (e de outras do AT) depende, pois, das pressuposições referentes
à natureza do texto bíblico.” (HILL, 2006, p. 65). Em suma os críticos negam
a origem divina das Escrituras e o sobrenatural das narrativas bíblicas, sob o
pressuposto de que a Bíblia é um documento meramente humano pré-científico.
Também buscam recriar a história de Israel través de achados arqueológicos,
dados literários e modelos contemporâneos sociopolíticos.
As razões que levam os críticos a negarem a historicidade de algumas nar-
rativas do Antigo Testamento é que essas narrativas, algumas vezes não estão
em conformidade com os padrões da escrita da história moderna. A historiogra-
fia moderna enfatiza a sequência cronológica rígida e clara, seleção equilibrada
do material, citações textuais, e assim por diante. Mas ocorre que os escritores
bíblicos não tinham o objetivo de escrever um tratado de história; mas o que
observamos nos escritores bíblicos na maioria das vezes são propósitos e pers-
pectivas teológicas, o que vem justificar as discrepâncias com a historiografia
moderna. (KAISER, 2002, p. 99-102). Não é responsabilidade ou trabalho do
historiador dizer o que as fontes deveriam ter incuído, mas trabalhar com elas e
tentar extrair o melhor entendimento possível.
Passou o tempo em que podíamos ingenuamente interpretar o pensa-
mento histórico veterotestmentário a partir do nosso pensamento moderno. O
Antigo Testamento contrapõe ao nosso pensamento histórico moderno, porque
percebe os eventos em outra correlação. O ponto de partida para quem procura
compreender o Antigo Testamento é aceita-lo em seus próprios termos. De fato,
ele é um livro de história, mas ao mesmo tempo é a revelação progressiva da
mente e dos propósitos do Deus. É desta forma que ele deve ser lido e interpreta-
do. Colocar nossos significados ocidentais contemporâneos sobre essas expres-

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

sões do antigo Oriente Próximo com frequência leva a comclusões impróprias.


Gerhard von Rad, questiona a tendência de interpretar a história-teológica
do Antigo Testamento nos moldes da ciência histórica moderna, vejamos:

O interesse desses historiadores modernos não era o que nas antigas


obras veterotestamentárias constituía justamente o principal: a palavra
sobre Deus e sobre a sua atuação na história! E quantos elementos que,
desse modo, foram transferidos para o pensamento histórico moderno se
descaracterizaram, tornando-se falsos no mesmo instante em que eram
colocados no contexto de uma perspectiva objetivamente imprópria!
Sei que não é hora de confessarmos que, apesar de toda a perfeição dos
nossos conhecimentos históricos, logramos perceber ainda muito pouco
daquilo que as antigas obras historiográficas queriam dizer, por termos
precocemente arrancado os assuntos do seu contexto especifico, em que
precisam ser entendidos, e interpretado a partir do nosso conceito de his-
tória? Entretanto, a regra de que o método deve ser adaptado ao objeto
continua valendo. Nós, porém, submetemos os objetos ao método, através
da nossa moderna abordagem histórica. (RAD, 2006, p. 841).

A história de Israel não pode ser construída seguindo-se linhas de estudos


históricos normais, pois se baseia em documentos que não são tão somente his-
tóricos em seu caráter. O Antigo Testamento é, acima de tudo, teológico, e não
literatura meramente histórica. “Ao contrário do que afirmam muitos estudos
contemporâneos, apenas porque o Antigo Testamento é por definição ‘história
sagrada’, não significa que lhe falte autenticidade histórica, como alguns acre-
ditam.” (MERRILL, 2002). A mensagem teológica, esta alicerçada na história
genuína.
Assim dentro do propósito e alcance dos escritores bíblicos, eles apresen-
taram os dados históricos da melhor maneira possível. “A preocupação do texto
não é comprovar a história, mas antes impressionar o leitor com a significação
teológica desses atos. História e teologia estão estreitamente conectadas no tex-
to bíblico.” (DILLARD, 2006, p. 20). Sem dúvida a metodologia literária que de-
terminado pesquisador adote, afetara a resposta que se dá à questão histórica. A
postura dos antissobrenaturalistas é como a tentativa do daltônico de julgar as
grandes obras-primas da pintura.
Quando os críticos negam a intervenção sobrenatural de Deus, eles ne-
gam baseados em suas pressuposições filosóficas e não devido análise das
evidências históricas dos textos bíblicos. Para garantirmos a veracidade de
um acontecimento precisamos investigar se realmente ele aconteceu, e não

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

simplesmente nega-los mediante especulações filosóficas. Suas conclusões


são determinadas por uma metafísica anti-sobrenatural. Todo o conteúdo da
história de Israel deve ser naturalizado segundo suas pressuposições. Para os
críticos mais radicais toda a história da origem de Israel está envolta em mitos
e lendas, e personagens como Abraão e Moisés são tidos como figuras não
históricas. Alguns chegam à conclusão de que teria havido um clã (mišpaha)
com o nome de Moisés, e o mesmo passava de uma figura não histórica, tal
qual a dos patriarcas.
Segundo os pressupostos da Hipótese Documental e alguns críticos,
seria mais fácil dizer que, a história da travessia do mar vermelho (ou de
juncos/bambuzal) pode ser interpretada corretamente sem referência à sua
verdade histórica. Ocorre que esta maneira de interpretar esta passagem em
questão, e outras semelhantes atrai muitas pessoas principalmente porque
possibilita aqueles que negam a crença no sobrenatural, mas desejam con-
tinuar sendo identificados como cristãos, e com isso, encontram uma solu-
ção para seu dilema. Ficam implícitas que as razões pelas quais os críticos
questionam a veracidade das histórias bíblicas são suas pressuposições an-
ti-sobrenaturais, pois acreditar nestas histórias bíblicas implica em aceitar a
intervenção sobrenatural de Deus, pois não se tratava de um vento qualquer,
mas de um vento soprado pelo poder de Deus no evento do mar vermelho.
Não se pode descartar a hipótese de que Deus utilizou-se de eventos naturais
para conduzir seu povo ao outro lado do mar vermelho. Mas mesmo admi-
tindo esta hipótese, ela não deixa de ser “sobrenatural”, pois se admite que
foi Deus o agente da travessia.
Algumas explicações naturais têm sido propostas por alguns críticos e
teólogos liberais, que alegam que pelo fato do êxodo ser cercado por eventos
miraculosos acreditam ter sido os milagres inserções posteriores para “enfeitar”
a passagem para que tivesse maior credibilidade. Esse tipo de raciocínio apenas
demonstra a repulsa por milagres. A estudiosa Karen Armstrong faz a seguinte
declaração quanto à historicidade do livro de Êxodo “O consenso entre os estu-
diosos é que a narrativa do Êxodo não é histórica”. (ARMSTRONG, 2007, p. 21).
Vale ressaltar que sempre houve períodos na história onde se manifestaram mi-
lagres com mais frequência, conforme o contexto e necessidade; e o momento
que o povo de Israel passava era um momento de crise em sua história, tendo a
necessidade de uma maior intervenção divina.
O célebre arqueólogo W. E Albright diz que no Êxodo se encontram em
forma correta tantos detalhes arcaicos que seria insustentável atribuí-los a inven-
ções posteriores. (apud HOFF, 2011, p. 22). De forma muito clara se expressa o

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

erudito em Antigo Testamento H. H. Rowley22 acerca da historicidade do êxodo


de Israel do Egito:

É bem improvável que esse relato houvesse sido inventado pelos israelitas.
Se o tivessem inventado, seria de esperar que atribuíssem a sua libertação
ao Deus a quem até então haviam cultuado. Se a missão de Moisés fosse
obra do seu próprio coração e da sua simpatia para com os seus compa-
trícios maltratados e oprimidos, de esperar seria que ele lhes apresen-
tasse em nome do seu Deus. Em vez disso, dirigiu-se a eles na confiante
persuasão de que fora mandado por Iahweh... Povo algum seria capaz
de inventar, contra a verdade, uma história de que seus antepassados ti-
nham sido escravos de uma nação estrangeira. Povo algum inventaria a
história de que havia sido libertado por um Deus que até então não havia
adorado, caso não tivesse sólidos motivos para crer que isso era verdade.
E homem algum complicaria desnecessariamente a sua tarefa de libertar
um lote de escravos, com uma estranha história de que havia sido enviado
por um deus cujo nome eles jamais reconheceriam como o nome de seu
deus, a não ser que estivesse profundamente convencido de que isso era
verdade... Desconte-se qualquer dos aspectos desse acontecimento, e a
narrativa ficará mais inacreditável do que como está na Bíblia. (ROWLEY,
2003, p. 59-61).

Da mesma forma Bright descreve o êxodo: “não se trata de nenhum tipo


de tradições que qualquer povo inventaria! Não há nele a época heroica das
migrações, mas somente a lembrança de uma vergonhosa servidão da qual só a
mão de Deus ofereceu a libertação.” (Apud RAVASI, 1985, p. 16).
Paul Volz, publicou em 1907 a primeira edição de sua obra Mose, e nela
duvidou que a religião de Israel tivesse sido fundada em acontecimentos históri-
cos. Contudo, na segunda edição em 1932 ele retratou sua opinião:

A religião mosaica e com ela toda a religião veterotestamentária é uma re-


ligião histórica, não uma religião natural. Foi fundada em um lugar deter-
minado, numa época determinada, por uma pessoa determinada em uma
sociedade determinada. Apoia-se em fatos históricos. (apud ROWLEY,
2003, p. 59).

22 Uma outra obra importante de Rowley, foi: The relevance of the Bible, 1942 (A relevância
da Bíblia).

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

A aceitação dos eventos sobrenaturais dependerá dos pressupostos que


o intérprete tenha, se ele vê a Bíblia como qualquer outra literatura em uma
perspectiva humana, ele evidentemente negará qualquer fator sobrenatural e
considerará as Escrituras como uma “antologia religiosa”, porém, se o intérprete
admita a realidade de Deus, e que a Bíblia é a Palavra de Deus inspirada, não
terá a mínima dificuldade em aceitar o sobrenatural.
É verdade que nenhum cristão que acredite que a Bíblia possa conter
erros fará dela sua única regra de fé e prática. Ele terá também de se apegar a al-
guma outra autoridade ou critério. Essa autoridade é sua mente, sua habilidade
pessoal de raciocinar. Com isso vemos que o cânone da razão é imposto sobre o
estudo das Escrituras. Definitivamente o anti-sobrenaturalismo dos críticos não
passa de uma tese filosófica naturalística.
No método da Hipótese Documentária, reina uma incerteza geral - como
a pomba depois do dilúvio, não encontramos chão firme onde pousar o pé. A
teoria Documental tem sido caracterizada por uma espécie sutil de raciocínio
em círculos; tende a postular sua conclusão “a Bíblia não é uma revelação sobre-
natural” como sua premissa básica “não pode existir algo chamado revelação
sobrenatural”. Esta premissa é claro, era um artigo de fé para toda a liderança
intelectual na época do iluminismo do século dezoito.

Para um teólogo afirmar que o conhecimento científico torna a crença em


milagres uma irresponsabilidade intelectual, equivale a dizer que o conhe-
cimento científico confere-nos o conhecimento de limites dentro dos quais
opera sempre a vontade divina. (MCDOWELL, 2004, p. 36).

Para o teólogo bíblico Geerhardus Vos, “O histórico pode ser sobrenatural,


o sobrenatural pode entrar na História e, assim, tornar-se uma peça daquilo que
é histórico em sua forma mais elevada.” (VOS, 2010, p. 370). Ainda, segundo
Canon Dyson Hague (apud TORREY, 2005, p. 18) “A descrença antecedeu a crí-
tica, não foi consequência dela”.
Samuel J. Schultz esclarece como devemos lidar com o Antigo Testamen-
to ao relacioná-lo com o natural e o sobrenatural: “O Antigo Testamento só pode
ser entendido em seu sentido mais amplo como história sagrada. Para que se
tenha uma compreensão total de seu conteúdo, é necessário reconhecer que os
fatores naturais e os sobrenaturais são essenciais em toda a Bíblia.” (SCHULTZ,
1995, p. 5).

Nenhum erudito pode ser considerado perito quando é visivelmente carac-


terizado por ter um julgamento tendencioso, uma curiosa falta de conhe-

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

cimento a respeito da natureza humana e uma condescendência, ainda


mais curiosa, aos pontos de vista de homens que tem preconceito em
ralação ao sobrenatural. (Canon, apud TORREY, 2005, p. 21).

Em suma, as hipóteses críticas sobre os textos do Antigo Testamento sur-


giram a partir de um momento de crescente ênfase sobre a centralidade do
homem na história e natureza. Esse pensamento encontrou o seu ápice com as
especulações de Darwin sobre a evolução, e isso se incorporou com a visão da
história adotada pelos defensores destas hipóteses críticas. Essa ênfase sobre
a importância do pensamento racionalista e da preeminência do homem não
pode tolerar uma visão da história que Deus colocou no controle soberano, e que
permitiu a Sua orientação e intervenção nos assuntos dos homens. Sua rejeição
do sobrenatural foi baseada na suposição de que todas as coisas acontecem
como resultado de fenômenos naturais e, portanto, eles poderiam ter certeza de
uma explicação natural para tudo.
Uma pergunta deve ser feita aos críticos que aceitam o papel de um re-
dator final nos textos do Pentateuco é: Por qual motivo uma pessoa como o
redator final que necessariamente devia ter uma capacitação excepcional, não
foi capaz de notar as alegadas repetições e contradições no texto? Parece nos
bem provável que tal redator/redatores não tinha a mesma concepção que os
atuais críticos, ou seja, não viam contradição alguma nos textos que os críticos
apontam como contraditórios e contradizentes.
Uma vez aceita a realidade da existência de Deus, automaticamente de-
ve-se aceitar a existência do sobrenatural. Nada além da vontade de Deus pode
impedir a manifestação do sobrenatural.

3. Os Supostos Redatores e Editores

Hoje, muito facilmente imaginamos uma obra literária como resultado do


trabalho criativo de um autor, trabalho criativo que cessa quando essa obra é im-
pressa e publicada. Na verdade, nem sempre é assim, mesmo hoje, muitas vezes
há várias edições, das quais algumas podem receber correções, melhoramentos,
suplementos (edições revistas, corrigidas, etc.). Além disso, pode acontecer que
o autor morra, e que, especialmente quando se trata de livros científicos que
necessitam de constantes atualizações, o sucesso da obra primitiva leva o editor,
em função das necessidades do público, a pedir a outros autores que revejam e
atualizem, mais ou menos completamente, essa obra.
Os textos do Oriente Médio Antigo tiveram, muitas vezes vida análoga ou

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

ainda mais movimentada, uma vez que os textos estavam mais expostos a se
deteriorar, os copistas tinham mais possibilidade de fazerem erros involuntários
ou correções voluntárias, que hoje corresponderiam a uma edição corrigida.
Muitas obras antigas supunham uma pré-história oral, consistindo o trabalho do
autor em pôr por escrito segundo a tradição oral. Enfim, ele podia compilar e
sintetizar textos já existentes, fenômeno este que parece bastante característico
dos textos históricos.
Para que a Hipótese Documental possa se sustentar, torna-se totalmente
dependente dos “redatores”.23 Com isso quando falha a gramática, a ideia de
continuidade e os nomes divinos; basta apenas dizer que é por causa do redator.
Podemos definir os redatores como “pessoas que confeccionam uma versão
acabada de um texto a partir dos materiais postos à sua frente; esses materiais
podem consistir em versões alternativas completas, várias versões parciais ou
até uma versão substancialmente completa, que só precisa de pequenas mu-
danças.” (GABEL, 1993, p. 23). Caso a existência dos redatores e seu trabalho
editorial nos textos patriarcais, tenha de fato ocorrido como alegam os críticos,
podemos certamente inferir que, estes redatores apropriaram-se das tradições
para seus próprios fins teológicos, políticos e apologéticos.
A verdadeira contribuição dos editores/redatores está em sua seleção e
arranjo das fontes disponíveis. Em alguns casos, a sua tarefa foi realizada com
tal respeito pelo material e com tal perícia que a mão do editor é virtualmente
invisível. Não se pode determinar a extensão de revisões dos escribas ou reda-
tores, ainda que provavelmente mínima. Os redatores tinham certa libertade,
e adaptavam suas histórias às circunstâncias e necessidades de sua época.
Assim, não apenas a transmissão das tradições de geração a geração causava
alterações, mas o mesmo narrador mudava uma mesma história a cada vez
que a contava.
A Hipótese Documentária atribui ao redator um papel de editor respon-
sável por todos os casos em que a análise não produz os efeitos que desejam.
Sempre que se apresenta um versículo ou palavra que contradiga seus argumen-
tos, se apressam em “criar” mais um redator arbitrariamente. Assim, o redator
teria inventado um cenário histórico para as leis e narrativas a fim de atingir
seus objetivos. Mas se atentarmos para os manuscritos de Qumran, veremos
que não era usada a prática de intervenções textuais por parte de redatores da
forma como alegam os críticos.

23 Redação é a formulação literária de uma tradição ou um conjunto de tradições. Um


autor, ao receber uma tradição oral ou escrita, a redige, caso seja oral, ou a reescreve,
atualizando-a, antes de transmiti-la novamente. Portanto, uma mesma tradição pode
conhecer redações diferentes e sucessivas.

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

Nielsen observa que a Hipótese Docu­mentária “é a única sustentável,


quando ela ocasionalmente entra em conflito com as suas próprias pressupo-
sições”. Ele acrescenta, com jusificável ironia: “É tranquilizador e às vezes ne-
cessário ter um redator oculto na manga da gente”. (apud KIDNER, 2001, p.
94). Assim, estes críticos literários e das fontes, entendem que as tradições do
passado estão “contaminadas” de várias maneiras, quer por acidente, quer por
interesse das pessoas que as transmitiam.

O que possuímos são tradições sobre personagens exemplares que foram


reunidas, editadas e transmitidas (nessa sequencia) por editores que vive-
ram muitos séculos depois dos acontecimentos. A perspectiva dos editores
finais é principalmente do período exílico e pós-exílico, e os problemas
com que estão preocupados refletem as consequências do exílio na Ba-
bilônia e o fim tanto da independência política tanto da dinastia davídica
em Israel... com a formação do Estado israelita (segundo os críticos), pela
primeira vez Israel deparou com o problema de sua identidade e legitimi-
dade nacionais e começou a refletir sobre seu passado. O retrato é profun-
damente influenciado, se não determinado, pela releitura e redação dos
textos dos autores dos períodos exílico e pós-exílico. São pessoas interes-
sadas no exílio e na volta do exílio que nos transmitem as narrativas que
tratavam da migração da família de Abraão de Ur até Harã, e também do
Êxodo do Egito, da viagem pelo deserto, da conquista da terra e do perío-
do dos juízes. (PROVAN, 2016, p. 30).

Mesmo quando se concebe aos textos uma tradição antiga, e os editores


tenham criado textos a partir do nada para atender suas necessidades, todavia,
estas tradições foram tiradas de seu contexto original e inseridas em um novo
contexto, o que inevitavelmente tem um efeito siguinificativo em sua interpreta-
ção e modifica o seu conteúdo. Segundo aleganção de grande parte dos críticos,
os escritores antigos não toleravam contradição e repetição; com isso, levanta-
mos a pergunta: “o que mudou que fez com que os redatores, que combinaram
as fontes, de repente se gloriassem do que tinha sido inaceitável?” (KAISER,
2007, p. 125).
Outro ponto que contraria a intervenção exagerada dos redatores é o fato
de que os manuscritos antigos possuíam as margens estreitas a fim de eco-
nomizar espaço, com isso não sobrava muito espaça para inserção de muitas
palavras. Também devido ao alto custo de um rolo, ele era preservado o maior
tempo possível, tornando assim raras as oportunidades de alterar o texto ou
lhe acrescentar algo em uma nova edição. Devido ao alto custo financeiro e

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

técnico não circulavam muitas cópias,24 e as que circulavam restringiam-se mais


ao templo, e em particular aos templos situados em grandes centros urbanos.
Temos também o fato de que o Pentateuco é um texto sagrado, o que dificultaria
qualquer alteração ou acréscimo sem um motivo sério.
Conforme Smith nos apresenta, as alterações dos redatores/escribas tive-
ram limites:

Essas mudanças promovidas pelos escribas podem também responder


por muitas incoerências, duplicações, contradições e, em especial, dife-
renças de estilo e vocabulário. A modernização dos textos feita pelos escri-
bas garantia uma constante transição de significado, por fim interrompida
pela canonização. Nesse ponto a santidade dos textos bloqueou o pro-
cesso interpretativo dos escribas. Seu significado foi fixado nos conceitos
literários daquela época e lugar, muito distante da mente do século XX.
(SMITH, 2001, p. 110).

Segundo muitos críticos os redatores finais contribuiram em grande ex-


tensão para moldar a forma final, eles selecionaram, arranjaram e reescreve-
ram. O grau em que eles acrescentaram sua própria composição é assunto para
debate.
Ainda, podemos atentar para as seguintes observações a respeito das cor-
reções escribais:

As alterações do hebraico bíblico são identificadas pela tradição escri-


bal como tiqqune sopherim (emenda dos escribas). A maioria das anti-
gas emendas escribais foi introduzida por motivos religiosos, no esforço
de preservas a santidade e a dignidade do texto bíblico... O conjunto de
evidências do hebraico bíblico demonstra que essas emendas não foram
conduzidas de forma sistemática. Também é importante enfatizar que a
maioria das emendas escribais estão devidamente identificadas por notas
marginais, que preservaram o texto da leitura original. (Bíblia de Estudo
Arqueológica NVI, 2013, p. 448).

Augustus Hopkins Strong se pronuncia da seguinte maneira sobre os re-


datores:

24 Segundo Eugene H. Merrill as Escrituras do Antigo Testamento, em qualquer época da


história de Israel, “não passavam de doze cópias no máximo.” (MERRILL, 2002, p. 472).

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

É um absurdo dizer que a unidade se deve a um redator do período do


exílio em 444 a.C. Não devemos avaliar a antiguidade de um par de botas
pelo remendo que o sapateiro acrescentou; nem devemos avaliar a anti-
guidade de um livro da Escritura pelas glosas e explicações posteriormen-
te acrescidas pelos editores. (STRONG, 2002, p. 257).

Atentemos para as palavras de Kaiser:

Todas as imposições editoriais designadas pelo modernismo (não deri-


vadas de fontes reais – às quais os evangélicos não têm objeção – mas,
pelo contrário, deduzidas de imposições gerais filosóficas e sociológicas
feitas sobre o texto) que podem receber o crédito de atomizar o texto e de
apagar os vinculadores que se devem atribuir, alegadamente, a redatores
piedosos e mal orientados, devem ser excluídas da disciplina até compro-
vadas válidas pela evidência. A teologia bíblica sempre permanecerá uma
espécie em vias de extinção até que os modos brutos da crítica de fontes
imaginárias, da história da tradição e certos tipos de crítica de forma te-
nham sido detidos (KAISER, 2007, p. 9).

Vejamos alguns exemplos claros de processo redacional/editorial:


As palavras de Êxodo 16.35: “E comeram os filhos de Israel maná quaren-
ta anos, até que entraram em terra habitada; comeram maná até que chegaram
aos termos da terra de Canaã”, só poderiam ter sido escritas depois da morte
de Moisés e do cruzamento do rio Jordão (Js 5.10-12), visto que o ato de comer
o maná é narrado no tempo passado. O texto de Números 21.14-15 faz citações
do “livro das Guerras do SENHOR”.25 Este era compreensivelmente um livro de
poesia que descrevia os atos de Deus em prol do seu povo durante os anos de
peregrinação no deserto. Nada é conhecido fora desta alusão. Pode ter sido um
dos escritos do próprio Moisés.

25 Alusões a fontes literárias antigas que não sobreviveram à passagem dos séculos são vistas
na menção ao Livro do Reto [ou Livro dos justos (versão ARA), ou ainda Livro de Jasar,
(versão TB)], feita nos livros de Josué (10.13) e Samuel, enquanto que outro documento,
conhecido como o Livro das Guerras do Senhor é citado em Números. A objetividade
e seletividade dos historiadores hebreus ficam evidentes pela maneira controlada com
que lidavam com as fontes que lhes estavam disponíveis, para a compilação de obras
como os livros de Reis e Crônicas. Uma tradição curiosa, e pouco provável a respeito da
origem do Livro de Jasar, é a seguinte: “Chiyya bar Aba, o estudioso rabínico do século
III, pergunta no Talmud: ‘Que se pretende com o Livro de Jashar?’ Responde de maneira
didática: ‘É o livro de Abraão, Isaac e Jacob, que são chamados os ‘justos’ (em hebraico:
iesharim, cujo singular é iashar).” (apud AUSUBEL, 1964, p. 86).

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

O trecho de Números 32.34-42 descreve as cidades construídas pelas


tribos de Rúben, Gade e Manassés no território que receberam no lado oriental
do rio Jordão. Eles não possuíram este território senão depois da conquista de
Canaã, na qual tiveram grande participação (Js 22.1-9).
Deuteronômio 2.10-12,20-23 são passagens parentéticas acrescentadas
posteriormente para explicar o significado de termos e condições que já não
estavam em voga. O relato da morte de Moisés em Deuteronômio 34.1-12 foi
escrito aparentemente depois do surgimento dos profetas (Dt 32.10), durante os
dias de Samuel. Considerações como estas, em vez das reavaliações da moder-
na crítica literária e histórica, levam os estudiosos conservadores às precauções
sensatas.
Nenhum pesquisador do Antigo Testamento pode negar que tenha sido
feita edição nos textos, mas a contribuição dos redatores no processo de escrita
foi relativamente pequena. Mas essa edição legítima difere da edição ilegítima
que alguns críticos advogam ao texto. Vejamos a tabela demonstrativa a seguir:

Edição legítima Edição ilegítima


Mudanças na forma Mudanças no conteúdo
Mudanças de escrita Mudanças substantivas
Mudanças no texto Mudanças na verdade

A cronologia aceita do desenvolvimento do trabalho dos redatores foi que


“integraram em primeiro lugar J e E, depois D com JE e, finalmente, P com JED.”
(DILLARD, 2006, p. 42). Ao último redator é atribuído o papel mais importante,
pois ele deu a forma final ao Pentateuco.
Assim, sempre que a Hipótese Documentária é desafiada pelos próprios
dados que ela alega explicar, entra em campo o salva vidas de plantão “Reda-
tor”, pronto para eliminar qualquer dificuldade. “É reconfortante e ás vezes ne-
cessário ter um redator escondido na manga” (HAMILTON, 2006, p. 77).
O modelo racionalista do cânon confunde a atividade legítima dos es-
cribas, envolvendo forma gramatical, atualização de nomes e organização do
material profético, com mudanças ilegítimas de redação no próprio conteúdo
da mensagem de um profeta. Confunde a transmissão aceitável do escriba com
adulteração inaceitável. Confunde a discussão adequada sobre que texto é mais
antigo com discussão inadequada sobre quanto tempo depois os autores muda-
ram a verdade dos textos.

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

Como pudemos demonstrar os redatores são o refúgio que os críticos


utilizam quando suas suposições não encaixam em determinadas situações, aja
vista o uso que fazem dos redatores para justificar o emprego dos nomes divinos
em textos onde é atribuído a uma fonte e contém o nome divino de outra fonte;
por exemplo, o emprego de Yahweh onde é atribuído a fonte E (Elohim). Os
redatores funcionam como uma muleta para os críticos, e quando uma contra-
dição não é a eles atribuída, justificam argumentando que o texto é corrompido.
Em Deuteronômio 12.32, Moisés disse para não adicionar as escrituras
ou tirar nada delas. Mas isso é o que o redator supostamente tem feito! Devemos
acreditar que um israelita piedoso desobedeceria à palavra de Deus e que a co-
munidade de Israel aceitou sem questionar?
Não negamos que tenha avido pequenas insersões redacionais no Penta-
teuco, Hoff esclarece este ponto de forma coerente, vejamos:
É notável haver alguns acréscimos e retoques de palavras arcaicas, feitos à
obra original de Moisés. É universalmente reconhecido que o relato da morte de
Moisés (Deuteronômio 34) foi escrito por outra pessoa. Gênesis 36.31 indica que
havia rei em Israel, algo que não existia na época de Moisés. Em Gênesis 14.14
dá-se o nome de “Dã” à antiga cidade de Laís, nome que lhe foi dado depois da
conquista. Pode-se atribuir isto a notas esclarecedoras, ou a mudanças de nomes
geográficos arcaicos, introduzidas para tornar mais claro o relato. Provavelmen-
te foram agregados pelos copistas das Escrituras, ou por algum personagem
(como o profeta Samuel). Não obstante, estes retoques não seriam de grande
importância nem afetariam a integridade do texto. (HOFF, 2011, p. 22-23).
Seria essa história basicamente uma teologia de editores que escreveram
“teologia” em forma de história? Se essa abordagem for correta, o caráter his-
tórico dos eventos perde-se, é negado, ou permanece sem importância. O fato
de que muitos críticos reescrevem ou reajustam muitas das seções históricas
evidencia que esse é precisamente o caso com eles. Nesse especial contexto, o
verdadeiro caráter revelatório das Escrituras não é aceito. (GRONINGEN, 1995,
p. 261).

4. Narrativas duplicadas implicam autores diferentes?

Ninguém pode negar em Gênesis a presença de narrativas duplicadas,


que são relatos semelhantes ou quase semelhantes. Estudo recente sobre estilo
literário semítico sugere que tais repetições eram conscientemente empregadas
na literatura a fim de obter um certo efeito. Os estudos de Robert Alter mostram
que esses duplicados são, na verdade, “uma convenção literária propositada­

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

mente empregada” à qual dá o nome de “cenas-tipo”. Alter define uma cena-tipo


como um padrão narrativo comumente repetido em que o autor acentua simi-
laridades a fim de chamar a atenção dos leitores para a ligação entre os dois re-
latos.26 Alter contrasta essa solução literária para a presença de “dísticos”27 com
a hipótese de fontes. Ele se dá por satisfeito ao destacar as conexões literárias
entre os relatos. Quem crê que Deus age com propósito na histó­ria consegue
enxergar a mão divina por trás do texto na medida que ele próprio molda os
acontecimentos.
Segundo exegetas que defendem a existência de fontes ou documentos
JEDP, como veículo compósito do Pentateuco, veem estes documentos como
solução para o que segundo eles consideram contradições e duplicações de pas-
sagens do Pentateuco, tais como: a criação do mundo é narrada duas vezes (Gn
1.1-2,3 e 2.4-24); duas vezes Agar é expulsa da casa de Abraão (Gn 16 e 21);
duas vezes acha-se em perigo a honestidade de Sara (Gn 12 e 20) e uma terceira
a de Rebeca (Gn 26);28 as duas genealogias de Caim (Gn 4) e de Sete (Gn 5) têm
em comum a maior parte dos nomes; no dilúvio29 (Gn 6-8)30 são entrelaçadas
duas narrações distintas. Duas vezes é repetida a vocação de Moisés (Êx 3 e 6),
a queda do maná e a pousada das codornizes no deserto31 (Êx 16 e Nm 11), a
prova junto às águas de Meribá (Êx 17 e Nm 20). O preceito das três solenidades

26 ALTER, Robert, The art of Biblical narrative (New York: Basic Books, 1981), p. 47-62.
27 Grupo de dois versos; máxima em dois versos.
28 Posteriormente trataremos deste incidente detalhadamente.
29 Uma possível solução para a aparente duplicação ou parelha literária seria: “Uma fonte
múltipla da história do dilúvio pode ser vista também como imaginária. A narrativa de
Gênesis 6 não pode ser contrária nem separada do registro em Gênesis 7. O capítulo 6
descreve uma preparação para o dilúvio, e o capítulo 7 descreve sua vinda. Por exemplo,
há uma suposta discrepância entre Gênesis 6.19, em que um par de cada espécie é
chamado para entrar na arca, e Gênesis 7.2, onde Noé deve levar sete pares de animais
limpos. É óbvio que 6.19 é uma generalização e 7.2 é uma exceção relacionada apenas
aos animais limpos. (TENNEY, 2008, p. 897). Segundo muitos adeptos da Hipótese
Documental, afirmam que: “o relato do dilúvio (Gn 6.5-9.17) é uma combinação de J e P.
O relato P estaria inteiramente conservado, mas o J estaria incompleto. O relato tomado
como base seria P, no qual os elementos J teriam sido inseridos. (VOGELS, 2000, p. 17).
30 A crítica entende que no dilúvio as narrativas foram “combinadas”, enquanto as da
criação (Gn 1 e 2) foram “juntadas”.
31 “Um grande número de codornizes migra todos os anos da África para a Europa e a
Ásia, passando pela península do Sinai. Como têm o corpo pesado e não voam bem,
essas aves dependem em parte do auxílio de ventos fortes em seu voo, de modo que
não fiquem exaustas pela longa jornada. Por volta de 1900, os árabes que viviam ao
norte do Sinai apanha­ram com suas redes mais de um milhão de codomizes que
voavam baixo.” (Bíblia de Estudo Arqueológica, 2013, p. 212).

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

anuais é repetido até cinco vezes (Êx 23.14-19, 34.23-26; Lv 23; Nm 28; Dt 16).
Segundo os adeptos desta teoria, o redator final que compilou esses diferentes
documentos não se preocupou com o problema, talvez nem tivesse consciência
dele. No dizer de J. P. Fokkelman, “mediante a junção de duas cenas fiferentes, o
escritor oferece uma visão binocular.”32 Os exemplos relacionados as narrativas
patriarcais, serão apresentados separadamente em outro capítulo.
As duplicatas não são pura e simplesmente repetições. Tais relatos parale-
los efetivamente apresentam semelhanças, mas também diferenças. Em vez de
ver nessas duplicatas uma questão de origem, pode-se ver nelas uma arte nar-
rativa criadora. A repetição não é marca de um ator ruim, pelo contrário, repetir
pode ter um valor didático. Em vez de se limitarem a apontar as dificuldades,
irregularidades e contradições do texto, os pesquisadores se admiram cada vez
mais diante dogênio do autor ou redator que nos legou essa história literária,
artística e maravilhosa que são as narrativas patriarcais.
Segue abaixo, a fim de ilustração, uma tabela que apresenta a divisões de
fontes da narrativa do dilúvio segundo a Hipótese Documentária:33

Fonte Sacerdotal “S” Fonte Javista “J”


Punição divina por causa Punição divina por causa
da maldade humana 6:11:13 da maldade humana 6:5-8
Noé é ordenado a
construir uma Arca 6:14-18a
Noé é ordenado a levar Noé é ordenado a levar sua
sua família e dois exemplares família, sete pares de cada
de cada espécie animal animal limpo e um par de cada
dentro da Arca 6:18b-22 animal impuro dentro da Arca 7:1-5

Idade de Noé 7:6

Data do Dilúvio 7:11


A chuva cai por mais de 40 dias 7:12

32 Narrative art and poetry in the Books of Samuel: a full interpretation basead on stylistic and
structural analyses (Assen: Van Gorcum, 1981), vol. 2, p. 203.
33 GOODER, 2005, p.38-39.

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

Noé, sua família e os Noé, sua família e os


animais entram na Arca 7:13-16a animais entram na Arca 7:7-10
O dilúvio vem sobre a Terra 7:17a O dilúvio vem sobre a Terra 7:16b e 17b
Descrição do Dilúvio 7:18-21 Descrição do Dilúvio 7:22-23
A inundação dura 150 dias 7:24
Deus termina o dilúvio 8:1-2a O Dilúvio termina 8:2b-3a
As águas recuam e a Noé envia pássaros
Arca para sobre Ararat 8:3b-5 para testar o nível das águas 8:6-12
Data da secagem do Dilúvio 8:13a 14a Noé vê que a Terra está seca 8:13b
Noé é ordenado a
deixar a Arca 8:15-19
Noé sacrifica a Deus 8:20-22
Deus faz um pacto com Noé 9:1-17
Duração da vida de Noé 9:28-29

Podemos por outro lado, encarar os textos pentateucos como “uma


composição unificada que se mantém interligada por enredos repetitivos, leil-
motiven,34 cenas típicas, elementos estruturais como quiasmo e inclusão etc.
Há uma unidade contínua de personagens, tema e perspectiva.” (OSBORNE,
2009, p. 255-256). E acrescenta “Estudos narrativos mostraram a viabilidade
de ver Gênesis como um texto unificado, e as aporias ou passagens literárias
descoordenadas são perfeitamente entendidas, fazendo sentido como elas
são.” (OSBORNE, 2009, p. 272). As supostas contradições do texto não eram
assim consideradas pelos autores antigos e nem para seus leitores diretos. “De
modo geral, os escritores modernos empregam padrões lineares de pensa-
mentos, enquanto os escritores bíblicos tenden a usar padrões mais circulares
de pensamento. Por esse motivo, os que leem a Bíblia em nosso idioma acham
difícil acompanhar a forma como os escritores organizam as ideias.” (WALTKE,
2016, p. 132).

34 Leitmotiv (motivo condutor ou motivo de ligação) é termo composto, expressão


idiomática naquele originário vernáculo, para significar genericamente qualquer causa
lógica conexiva entre dois ou mais entes quaisquer.

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

Seriam essas narrativas duplicações? Distinguimos duas espécies dos


chamados duplicados: duas vezes ocorre um fato semelhante (duplicado real),
ou duas vezes narra-se o mesmo fato (duplicado literário); para a questão de
unicidade ou pluralidade de autor, somente a segunda espécie tem valor.
Não podemos negar a presença de duplicações e triplicações de deter-
minados episódios, isso gera conflitos e aparentes contradições nas narrativas
patriarcais. A questão é como devemos interpretar. Seriam de fato contradições?
Nesse caso a exegese possuí um papel fundamental. “Se à exegese for permitido
permanecer no trono, a análise Documentária será deitada ao mar.” (YOUNG,
1964, p. 161).
Bem da verdade que a grande parte das alegadas “contradições” encon-
tradas no Pentateuco são advindas do fato de os críticos alterarem a seu bel
prazer à história de Israel, e deslocarem as narrativas patriarcais para o aco-
modarem às suas hipóteses. Alguns casos não passam de relatos diferentes,
com detalhes semelhantes e complementares, como veremos posteriormente.
Fator importante a se considerar é de que duplas narrativas eram comuns nas
teorias antigas da criação, como se verifica na chamada epopeia babilônica de
Atrahasis.
A presença de narrativas duplas no texto bíblico tem sido considerada
como argumento para a duplicidade de autores, mas:

Pelo contrário, a repetição, dentro da prosa hebraica, pode ser ligada com
o uso hebraico (e de fato, semítico) característico da repetição para efeito
de ênfase. As ideias são compreendidas, na literatura hebraica, não pela
conexão lógica com outras ideias, mas mediante uma espécie criativa de
repetição que procura influenciar a vontade do leitor. (DOUGLAS, 1995,
p. 1262).

Segundo as regras do paralelismo semítico, não se trata de uma enfa-


donha repetição, mas de uma retomada e de um aprofundamento dos
vários aspectos da realidade examinada... Com relação ao estilo repetitivo
dos capítulos, sabe-se que está presente em outros contextos semíticos –
como em Ugarit – e serve para pôr em destaque e dignidade tudo quanto
se relata. (RAVASI, 1985, p. 158).

Pode se dizer que a repetição de narrativas nada mais é em alguns casos


do que um “recurso retórico”. Em muitos casos o autor usa a incidência de pa-
lavras ou expressões curtas; outro une ações, imagens, motivos, temas e ideias.
(KAISER, 2002, p. 70). Também nos deparamos com narrativas onde a repeti-

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

ção é resumida, sendo também um recurso puramente retórico. Temos como


exemplo o fato de que “Deuteronômio repete o Decálogo para um propósito
exortativo, o que o coloca em contato estreito com a situação momentânea de
Israel.” (VOS, 2010, p. 165).

Vale lembrar que a repetição era parte essencial das narrativas do Antigo
Oriente Médio. Os contadores de histórias repetiam os relatos duas ou
mais vezes (às vezes de perspectivas diferentes ou diferindo os detalhes),
e os narradores recontavam histórias paralelas (cf. as três ocasiões em que
um patriarca faz sua esposa passar por sua irmã; Abraão nos cap. 12 e 20
e Isaque no cap. 26; para um exemplo bem posterior, ver o relato da con-
versão de Paulo, em Atos 9.22 e cap. 26). Nas narrativas da Antiguidade,
a repetição era vista não como evidência de múltipla autoria, mas como
confirmação de um único autor. (Bíblia de Estudo Arqueológica NVI, 2013,
p. 15).

A declaração de que há duplicação constante de material nas várias fontes


pretendidas é grosseiramente exagerada. Algumas dessas chamadas duplicatas
são realmente eventos diferentes um tanto similares, porém, na realidade, nada
mais são do que aquilo que frequentemente ocorre na vida ordinária, como se
pode demonstrar muito facilmente. Em outros casos, uma alegada repetição é
meramente um sumário dado no princípio ou no fim de um relato, uma recapi-
tulação proveitosa, ou expediente literário para fazer uma narração mais vívida.
Muitas das alegadas repetições ou duplicações, se examinadas sem preconceito,
podem mostrar-se como tendo um propósito natural no relato. Repetições é
muitas vezes utilizada por razões estilísticas, ou para dar ênfase, ou por efeito
retórico ou em paralelismo poético. “Com frequência, o resultado da repetição é
ressaltar um tema ou a preocupação central em uma narrativa.” (PROVAN, 2016,
p. 150). A abordagem histórico-crítica, que é diacrônica, explica essas duplica-
ções atribuindo-as diferentes tradições ou fontes. As abordagens mais literárias
e sincrônicas insistem na importância das repetições nos textos literários.

Não existe razão para que a história e a arte literária não possam existir
lado a lado... a repetição é muitas vezes utilizada para apresentar uma
narrativa de mais de um ponto de vista. Por exemplo, 2Samuel 18 des-
creve o lamento de Davi sobre Absalão de três perspectivas: a do próprio
Davi, a de Joabe e a de todo o povo, intensificando assim a sua angústia.
(OSBORNE, 2009, p. 268).

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

Há um comentário interessante de Andrew W. Blackwood. Depois de um


breve resumo do que os críticos têm escrito, conclui que “os adeptos da alta críti-
ca... devem ter levado vidas protegidas”, porque qualquer um que crê que “uma
obra unificada foi produzida por muitas mentes tem sido misericordiosamente
poupado de reuniões de comitês.” (Ezekiel: Prophecy of Hope [Grand Rapids:
Baker, 1965], p. 15).
Temos algumas dificuldades de unidade de texto e literária ainda mais clara
na descrição de Ismael em Gênesis 21. Nessa altura, Ismael devia ter, no mínimo,
treze anos de idade (Gn 17.25). Ismael nasceu quando Abraão estava com oitenta
e seis anos de idade e, ao nascer Isaque, Abraão contava com cem anos de idade
(Gn 21.4), o que significa que seu primeiro filho tinha quatorze ou quinze anos.
Ainda assim, junto com o pão e a água, Abraão coloca o menino sobre os ombros
de Agar (Gn 21.14)! Ao ver-se diante da morte no deserto, ela “lança” o menino
debaixo de uma árvore (Gn 21.15), pois a criança estava prestes a morrer de sede.
Se­ria essa a imagem de um adolescente ou criança desprotegida?
Em defesa da unidade entre os capítulos 16 e 21, e da coerên­cia entre
ambos, chama a atenção os seguintes aspectos:
Será que 21.14 efetivamente sustenta a ideia de que Abraão lançou a
criança sobre os ombros de Agar? O versículo, literal­mente, diz que Abraão “to-
mou pão e um odre de água, e os deu a Agar, pondo-os sobre o seu ombro; tam-
bém lhe deu o menino”. Não há nada na tradução que nos permita inferir que a
criança foi carregada sobre os ombros da mãe.
Quem se sentir disposto a defender que “dar” significa “colocar” ou “pôr”
deveria lembrar que a mesma palavra hebraica, ndtan, também significa “entre-
gar”, no sentido de “confiar algo a alguém, incumbir”, como ocorre em Êxodo
22.7,10. Não seria possível que Abraão não estivesse “pondo” coisa alguma
sobre os ombros da ser­va de Sara, mas “confiando” Ismael à custódia de Agar?
O termo “lançou”, em 21.15, é de extrema infelicidade. Ismael com cer-
teza não foi jogado no chão, quer fosse criança ou adoles­cente. H. C. White35
observa que o verbo hebraico usado aqui, shãlak, quase sempre diz respeito à
colocação de um cadáver em uma cova, caso o objeto do verbo seja uma pessoa.
“Tomaram Absalão, e o lançaram no bosque, numa grande cova” (2 Sm 18.17);
“lançaram o homem na sepultura de Eliseu” (2 Rs 13.21); Ismael “lançou-os [os
corpos dos homens que acabara de assassinar] num poço” (Jr 41.7). O termo
também pode ser empregado com alguém que está sendo colocado onde supos-
tamente será sua cova (Gn 37.20,22,24; Jr 38.6). Que mãe, em sã consciência,
jogaria seu filho debilitado sob uma árvore, como se fora uma bola?

35 The Initiation Legend of Ishmael . ZAWn° 87, 1975, pp. 267-305.

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

Em um estimulante estudo da história de Jacó, Michael Fishbane36


examina os capítulos 25 a 36 de Gênesis, procurando perceber a simetria
do conjunto. Ele conclui que há uma notável coerência interna na estrutu-
ra narrativa, a ponto de a história ser encerrada entre genealogias de dois
indivíduos que não fazem parte da linhagem escolhida (os descendentes de
Ismael [Gn 25.12­18] e de Esaú [Gn 36.1-43]). Com certeza, tal estrutura, que
cer­ca a história de Jacó com duas genealogias de pessoas não-elei­tas, ressalta
o chamado daqueles que Deus escolheu para leva­rem sua luz. Podemos ver
a mesma estruturação da história de Jacó no trabalho de S. D. Walters.37 Isso
nos sugere que um exame mais proveitoso da história de Jacó, no que diz res-
peito a uma análise teológica, não significa decompor o todo em tendências
isoladas (caso tenham realmente existido) e averiguar possíveis inclinações
para J, E ou P, com suas inserções editoriais e estruturas cronológicas e ge-
nealógicas.
Quer o relato tenha sido inicialmente composto e, então, edita­do, quer
tenha sido mesmo criado já como um texto homogêneo, precisamos lidar com
o todo que temos em mãos. Mesmo na infância, Jacó foi alguém egocêntrico e
voltado para seus próprios interesses. O nome que ele recebe é uma prolepse
(como em “lhe porás o nome de Jesus, porque ele salvará o seu povo” [Mt 1.21]),
indicando de antemão um estilo de vida pouco recomendável.
Uma alegação de muitos críticos de uma narrativa duplicada e fruto de
duas fontes diferentes que são se encontra no Pentateuco, mas, se encontra no
livro de Juízes, são os capítulos 4 e 5 deste livro. Vejamos:
Juízes 4 narra em prosa a derrota de Sísera, capitão do exército de Jabim,
pelas mãos de uma mulher do povo queneu. Na sequência, no capítulo 5, há
uma narrativa em forma poética do mesmo acontecimento. As diferenças de
estilo e alguns detalhes nas duas versões levaram alguns estudiosos a duvidar
da veracidade de um ou de outro texto. Por exemplo, o capitulo 4 menciona
que apenas as tribos de Naftali e Zebulom se envolveram na batalha (4.6,10),
enquanto o capítulo 5 inclui Efraim, Benjamim, Manassés e Issacar (v. 13-18).
Outros argumentam que as duas versões provêm de fontes separadas e foram
combinadas posteriormente por um antigo editor do livro de Juízes. Essa conclu-
são, entretanto, é desnecessária, uma vez que as aparentes divergências podem
ser explicadas por outros meios.

36 FISHBANE, M. Composition and Structure in the Jacob Cycle (Genesis 25.19— 35.22). JJS n°
26, 1975, pp.15-38. Republicado em Text and Texture: Close Readings of Selected Biblical Texts.
Nova York: Schocken, 1979, pp. 40-62.
37 W alters, S. D. Jacob Narrative. ABD nº 3, 1992, pp. 599-608. Composition and Structure
in the Jacob Cycle (Genesis 25.19—35.22, em JJS n° 26, 1975, pp. 15-38.

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

Outras narrativas prosaicas e poéticas que apresentam o mesmo aconte-


cimento podem ser encontradas em relevos literários egípcios. No quinto ano
do reinado de Ramessés II (1275 a.C), o exército egípcio lutou contra Muwatali
II, o hitita, no sítio de Cades próximo ao rio Orontes. O triunfo egípcio está
descrito em relevo sobre paredes emparelhadas de diversos templos egípcios,
sempre com inscrições duplas, recontando o papel heroico de Ramessés II na
vitória (ainda que essa vitória não tenha sido tão completa como sugerem as
inscrições).
Uma das duas narrativas, ilustrada com cenas de batalha, é conhecida
como Poema, uma descrição poética de toda a batalha com uma seção prosaica
ocasional. Um texto em prosa (conhecido como Boletim) contém uma informa-
ção suplementar, ou seja, um episódio em que o faraó questiona dois serviçais
hititas. Assim como ocorre em Juízes 4 e 5, o Poema e o Boletim recontam uma
vitória militar de diferentes formas: uma prosaica e outra poética. Além disso,
os dois trabalhos não registram precisamente a mesma informação, mas com-
plementam um ao outro, sendo o Poema o relato mais completo, a descrição
universal sobre a batalha. O aparecimento desses dois segmentos, somados aos
dois relevos sobre a batalha em diversos templos, indicam que a intenção era
que fossem lidos em conjunto e que foram encomendados e compostos simul-
taneamente.
Entretanto, o fato de Juízes 4 condensar uma descrição narrativa da ba-
talha contra Jabim e Sísera, enquanto Juízes 5 constitui uma versão poética do
mesmo acontecimento não chega a ser um sinal de que um documento seja
menos veraz que o outro. Não é tão incomum que os acontecimentos mais signi-
ficativos sejam celebrados pela literatura de forma poética, mesmo que também
estejam documentados em prosa comum. Assim, enquanto o Boletim apresen-
ta uma informação mais precisa a respeito dos acontecimentos da batalha de
Cades, Juízes 4 provavelmente enfoca as duas tribos que compunham a força
militar mais significativa, ainda que outras tribos tenham auxiliado na batalha.
(ver Bíblia de Estudo de Arqueológica, 2013, p. 353).
Ainda temos outro exemplo relacionado ao livro de Juízes, desta vez com
o livro de Juízes e Josué. Estes dois livros apresentam dois pontos de vista dife-
rentes de avaliação. Em Josué15.63, o narrador culpa Judá por deixar de con-
quistar Jerusalém; mas, em Juízes 1.21, o narrador, empregando palavras quase
idênticas às de Josué 15.63, culpa Benjamim. A realidade é que Jerusalém ficava
na fronteira entre as duas tribos. Da perspectiva histórica, pode-se culpar ambas
as tribos. Mas os autores de cada livro optaram por dar certas nuanças à história,
a fim de fazerem certas afirmações teológicas importantes. Eles não se contradi-
zem no que diz respeito ao acontecimento histórico, mas expressam diferentes

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

pontos de vista na interpretação do acontecimento. O mesmo acontecimento


histórico é apresentado de modo a refletir duas teologias distintas. (ver WALTKE,
2016, p. 111).
Enfim, as repetições de Deus, se este é um caso delas, são voltas de uma
espiral, e não de uma roda.

5. Observações preliminares e a importância da crítica bíblica

Buscar fazer uma crítica da “crítica” é visto como demasiada pretensão


por parte de qualquer um que se aventure, mas esta crítica é necessária.
Os membros de Igrejas habituados a compreender a Bíblia apenas em
seu campo religioso passam por um “verdadeiro parto” ao se depararem com
concepções cientificas/acadêmicas da Bíblia, e logo começam a questionar sua
fé e valores, travando assim uma luta em suas mentes para adaptarem-se as
novas descobertas. Isso ocorre praticamente em todos os casos. Afinal, a crítica
“é por natureza inimiga da estabilidade” (KERR, 1956, p. 65). Mas, assim como
as dores do parto são necessárias, também é necessário o cristão fiel passar por
esta experiência afim de que, possa amadurecer e fortalecer sua fé.
Os métodos críticos no estudo bíblico foram primeiramente aplicados
no Pentateuco, e depois em todo o Antigo Testamento, e só posteriormente ao
Novo Testamento, especialmente nos evangelhos.
A palavra “crítica” vem da raiz grega, Krino “cortar”, em sua forma ad-
jetiva kritikos “apto para julgar”. Segundo o Dicionário Aurélio, “crítica” seria:
“Arte ou faculdade de examinar e/ou julgar as obras do espírito, em particular
as de caráter literário ou artístico.” Com isso em seu sentido etimológico vemos
que a crítica tem o sentido de juízo, julgamento e avaliação. “Crítica é a ciên-
cia ou arte de avaliação das qualidades de uma produção qualquer, literária ou
artística.” (KERR, 1956, p.11). Outra possível definição seria: crítica é discernir
o que é bom e mau, claro e confuso, em uma determinada coisa, e também
saber ponderá-la no seu conjunto. Assim, quando se aplica a crítica a uma obra
de forma digna, tem por finalidade mostrar o valor desta obra. Podemos dizer
que o significado real do adjetivo “critica” não é condenatório, mas analítico. Os
vários ramos do método crítico, embora usados às vezes de maneira negativa ou
destrutiva, podem proporcionar novos discernimentos da mensagem de Deus
para nós hoje.
A crítica bíblica emergiu graças ao racionalismo dos séculos XVII e XVIII.
No século XIX ela se dividiu entre a “alta crítica”, isto é, o estudo da composição
e história dos textos bíblicos, e a “baixa crítica”, a análise crítica dos textos vi-

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

sando estabelecer sua leitura correta ou original. Esses termos são praticamente
deixados de lado atualmente, e a crítica contemporânea assistiu à emergência
de novas perspectivas que se baseiam em abordagens literárias e sociológicas
na busca do significado dos textos.
A crítica histórica da Bíblia começou seriamente no século XVIII, flores-
ceu no século XIX, e dominou o cenário das pesquisas bíblicas no século XX. O
desenvolvimento da crítica bíblica se deu segundo parece, pela língua francesa,
sobretudo a partir do século XVII, para designar a arte de emitir uma opinião
qualificada sobre obras literárias. Segundo La Bruyère a crítica:

Muitas vezes, não é uma ciência. É uma função em que mais saúde que
espírito se torna necessária, mais trabalho que capacidade, hábito mais
que gênero. Se proceder de um homem que possua menos discernimento
que leitura e que por certos capítulos se exerça, corrompe os leitores e o
escritor. (STEINMANN, 1960, p. 7).

Conforme Alfredo Loisy (1857-1940) crítico francês do século XIX, “a crí-


tica é antes uma arte que ciência, supondo não somente conhecimentos sufi-
cientes do assunto a que se aplica, mas também a experiência das coisas que se
trata de julgar.” (STEINMANN, 1960, p. 53). Apesar desta boa definição do que
vem a ser a crítica, Loisy teve muitos de seus pontos de vista condenados pela
Igreja Católica e acabou sendo excomungado. Ele interpretava a religião em ter-
mos de sociologia e humanismo, influenciado por Augusto Comte (1798-1857)
e Émile Durkheim (1858-1917).
A crítica bíblica é uma atividade necessária para aprofundamento de
nosso conhecimento bíblico. Não podemos ter á bíblia como livro de respostas
fáceis e simples, o que na maioria das vezes não corresponde a nossa realida-
de cotidiana. Deve-se reconhecer o lado humano da Bíblia e procurar analisar
a partir deste fato suas realidades humanas, ou seja, limitada. Mas, antes de
tudo a Bíblia é também divina, e assim, deve ser tratada. As afirmações do
texto bíblico são basicamente teológicas, devido a isso é impraticável ousar fa-
zer uma análise exegética crítica sem levar em consideração o conteúdo teológico
do texto.
Não devemos nos esquecer de que não pode haver uma boa teologia sem
“crítica”, e nem uma boa “crítica” sem teologia. “Sem a teologia, o reconheci-
mento da verdade e valor da Bíblia como um todo não tem fundamento para
nós, hoje.” (KNIERIM, 1990, p. 15). Muitas questões que a crítica levanta são
legítimas e não podemos desprezá-las quando feitas em reverencia a autoridade
da Palavra de Deus e no intuito de encontrar a verdade.

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

Temos que ser cautelosos, pois alguns críticos partem da intenção de des-
truir a fé, por causa de alguma distorção psicológica que os leva a destruir em
vez de edificar. Alguns deles parecem indignados diante da Igreja cristã e seus
ensinos. Outros sentem-se insatisfeitos com o próprio cristianismo.
Em contrapartida alguns conservadores fazem parecer importante para
a fé àquilo que, não tem importância. É necessário, pois um equilíbrio ao se
fazer uma crítica no campo bíblico e teológico. A verdadeira crítica não parte
do pressuposto de destruir a autoridade e ensinamento das Escrituras. Tanto
os críticos radicais quanto os críticos conservadores precisam evitar cuidadosa-
mente preconceitos. Segundo E. J. Young (1964, p. 12): “... a chamada moderna
escola crítica se baseia sobre certas pressuposições filosóficas que do ponto de
vista Cristão são negativas em seu caráter e revelam um conceito inteiramente
inadequado sobre Deus e a revelação.”
Segundo Geisler (2002, p.116) segue abaixo um quadro comparativo en-
tre a Crítica positiva (conservadora), e a Crítica destrutiva (liberal):

Crítica positiva
Crítica negativa (destrutiva)
(construtiva)
Base Sobrenaturalista Naturalista
O texto é “inocente até que O texto é “culpado até que
Regra
prove ser culpado”. prove ser inocente”.
A Bíblia é completamente A Bíblia é parcialmente
Resultado
verdadeira verdadeira
Autoridade
Palavra de Deus Mente do homem
final
Papel da Descobrir a verdade Determinar a verdade
razão (racionalidade) (racionalismo)

Alegando uma investigação meramente literária, negam a origem sobre-


natural das narrativas patriarcais e de muitas passagens bíblicas, que devia ser
como um professor que nos conduz a Cristo (Gl 3.24). Geisler faz uma avaliação
da crítica destrutiva/liberal, vejamos:

Quando um liberal afirma que pode julgar o sobrenatural, ele, na verdade,


o traz para o plano natural e nega com isso, de antemão, sua realidade.

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

A crítica ‘errou’ ao adotar o pressuposto contrário ao caráter potencial do


objeto sob julgamento. (GEISLER, 2003, 115).

No século XIX a crítica bíblica teve maior aceitação e difusão, devido a vá-
rios fatores entre eles o “espírito da época”. E nesta mesma época o Liberalismo
Teológico se propagou, tendo como seu território a prática da crítica bíblica. Si-
multaneamente ao se aplicar a Bíblia à crítica literária, o Pentateuco como parte
da Bíblia sofre duras críticas, assim, para analisar as interpretações que o Pen-
tateuco sofreu é necessário analisar juntamente a Crítica Bíblica e suas escolas.
Do ponto de vista técnico, não há problema algum nisso e mesmo os te-
ólogos conservadores tendem a concordar com esta característica. Na realidade,
a própria Bíblia restringe para esta condição o seu estudo, tal como podemos
observar em Deuteronômios 4.2, Isaías 28.10, Mateus 5.18-19, 2 Pedro 1.20-21,
Apocalipse 22.18-19, dentre outros. Ou seja, as Escrituras não permitem, em
hipótese alguma, interpretações parciais, pessoais e tão pouco tendenciosas.
Seu estudo deve ser impessoal, reconhecendo sua autossuficiência explicativa e
sempre levando em consideração o todo. Estudar a Bíblia, partindo de um pres-
suposto de que ela seja um livro qualquer, de forma alguma pode ser encarada
como uma abordagem imparcial. É a negação intelectual de todas as evidên-
cias que apontam para sua singularidade. É uma postura, portanto, questionável
frente às definições da hermenêutica do criticismo bíblico.
Uma vez que se neguem as evidências que apontem para o caráter singu-
lar da Bíblia, os proponentes do criticismo bíblico procuram, com os conceitos
da hermenêutica e heurística, descobrir em que época aqueles escritos foram
feitos, como eles foram elaborados, a localidade de sua confecção e porque cada
um deles foi produzido. A conclusão por este método parcializado gera elemen-
tos contrários ao posicionamento cristão, judaico e qualquer outro seguimento
que se baseie nas Escrituras como fundamento de sua crença. Como exemplo
disso, podemos citar a alegação de que Moisés não teria escrito o Pentateuco e
que as narrativas patriarcais não passam de lendas; e que, os primeiros textos
hebraicos teriam sido escritos apenas por volta do século X a.C. Sendo assim,
toda a suposta “estória” produzida anteriormente e boa parte da posterior, não
passariam de uma coleção de antigas lendas do povo judeu, sem qualquer fun-
damento histórico que as sustente. Já seria muito se fosse apenas isso. Suas
conclusões apontam, ainda, que esses livros do Antigo Testamento foram pro-
duzidos por etapas ao longo de vários séculos, sendo a maioria por interesse
política ou apenas ideológica.
Em relação aos escritos do Novo Testamento, os críticos afirmam que
os evangelhos foram reescritos ou reeditados várias vezes, no final do primeiro

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

século e início do segundo. Ou seja, estes textos seriam igualmente posteriores,


escritos por líderes da comunidade cristã com objetivos apenas políticos e teo-
lógicos. Estes líderes, portanto, para legitimar seus escritos, atribuíam artificial-
mente aos seus próprios textos, o nome de alguma figura histórica relacionada
a Jesus, como por exemplo, Mateus, Lucas, João e etc.
Abordagens religiosas conservadoras e abordagens científicas da Bíblia
lançam mão do mesmo termo: crítica. Entretanto, a crítica textual conservadora
(também chamada de baixa crítica) e a crítica histórica (conhecida por alta críti-
ca) possuem alvos distintos.
A crítica textual conservadora compara diferentes documentos, ou tes-
temunhas, de um texto original. As diferenças observadas são chamadas de
variantes textuais ou variantes de leitura. Nem sempre é claro qual das variantes
representa a obra original de um autor. O processo de crítica textual procura ex-
plicar como cada variante pode ter adentrado ao texto (duplicação ou omissão,
harmonização ou ideologia) à medida que este foi sendo copiado e transmitido
a outras gerações. O trabalho da crítica textual, portanto, é escolher dentre as
variantes, eliminando aquelas que lhes pareçam ‘menos originais’. O resultado
é o estabelecimento de um texto crítico, ou de uma edição crítica, que pretende
ser uma versão mais próxima dos autógrafos originais.
A critica histórica também analisa as testemunhas ao texto bíblico, mas
considera a Bíblia como um texto criado por seres humanos em uma dada época
histórica, texto este que surgiu por motivos diversos. Esta forma de entender o
texto bíblico contrasta com o tratamento dado pela crítica textual conservadora,
que considera a Bíblia como a inerrante Palavra de Deus. O que difere ambas as
escolas está menos na área da metodologia e mais no campo dos pressupostos,
sendo estes, o da inerrância e o da sobrenaturalidade da Bíblia, aspectos centrais
que as distinguem. (ver CARVALHO, 2008, p. 101).

No Antigo Testamento

A crítica bíblica moderna começa no século XVII com filósofos e teólogos


(Thomas Hobbes, Benedito Spinoza, Richard Simon e outros) que começaram
a se perguntar quais seriam as origens do texto bíblico, especialmente do Pen-
tateuco. Eles questionaram especificamente quem teria escrito esses livros: de
acordo com a tradição, o autor teria sido Moisés, mas esses críticos encontraram
contradições e inconsistências no texto que, de acordo com eles, tornavam a
autoria mosaica improvável. No século XVIII, Jean Astruc (1684-1766), um mé-
dico francês, tentou refutar essas críticas. De acordo com ele, as contradições e
inconsistências presentes no texto bíblico eram resultado de adições posteriores

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

ao texto, que teriam se mesclado às escrituras originais de Moisés. Ironicamen-


te, o método de Astruc foi empregado por estudiosos alemães como Gottfried
Eichhorn (1752-1827) e Wihelm Martin Leberecht de Wette (1780-1849) num
movimento que ficou conhecido como Alta Crítica, culminando com o desenvol-
vimento de teorias explicativas para o Pentateuco como um documento humano
multifacetado. Essa escola encontrou seu apogeu com a síntese impactante de
Julius Wellhausen (1844-1918) na década de 1870, quando pareceu a muitos
que a Bíblia havia sido plenamente decifrada como documento humano.

No Novo Testamento

A figura mais importante da crítica ao Novo Testamento foi Hermann


Samuel Reimarus (1694-1768), que aplicou a ele a metodologia dos estudos
textuais do Grego e do Latim e se convenceu de que muito pouco do que era
dito poderia ser aceito como verdade incontroversa. As conclusões de Reimarus
apelaram ao racionalismo dos intelectuais do século XVIII, e foram profunda-
mente turbulentas para os crentes contemporâneos. No século XIX trabalhos
importantes foram realizados por David Strauss, Ernest Renan, Johannes Weiss,
Albert Schweitzer e outros, todos tendo investigado o “Jesus Histórico” a partir
das narrativas dos evangelhos. Num campo diferente, o trabalho de H. J. Holtz-
mann foi significativo: ele estabeleceu uma cronologia para a composição dos
vários livros do Novo Testamento que formaram a base para a pesquisa futura
no assunto, e estabeleceu a hipótese das duas fontes (a hipótese de que os evan-
gelhos de Mateus e Lucas são derivados do evangelho de Marcos e um outro
documento hipotético chamado de “Fonte Q”).38
Pela primeira metade do século XX uma nova geração de estudiosos, in-
cluindo Karl Barth e Rudolph Bultmann, na Alemanha, Roy Harrisville e outros
na América do Norte, decidiram que a busca do Jesus Histórico havia atingido
um beco sem saída. Barth e Bultmann aceitaram que pouco poderia ser dito com
certeza sobre o Jesus histórico, e concentraram suas atenções na mensagem do

38 O “documento Q” é uma hipótese levantada por alguns estudiosos para explicar a origem
de alguns dos ditos de Jesus que aparecem em Mateus e Lucas, mas não em Marcos.
Sua existência continua sendo motivo de especulação. Para uma posição favorável, ver,
por exemplo, MACK, Burton L. O evangelho perdido: O livro de Q e suas origens cristãs.
Rio de Janeiro: Imago, 1994; THOMAS, Robert L.; FARNELL. F. David. The Jesus crisis:
the inroads of historical criticism into evangelical scholarship. Grand Rapids: Kregel
Publications, 1998, p. 136-140. Para uma posição contrária, ver o capítulo “Adieu to
Q” [“Adeus a Q”] em EDWARDS, James R. The Hebrew Gospel and the development of the
synoptic tradition. Grand Rapids: Eerdmans, 2009.

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

Novo Testamento de forma geral. As questões que eles colocaram foram: Qual
foi a mensagem principal de Jesus? Como essa mensagem se relaciona ao Juda-
ísmo? Por acaso essa mensagem fala à realidade de hoje?
A descoberta dos Manuscritos do Mar Morto em 1948 revitalizou interes-
ses na possível contribuição que a arqueologia poderia fornecer para ajudar a
compreender o Antigo Testamento e Novo Testamento. Joachim Jeremias e C.
H. Dodd produziram estudos linguísticos que tentaram sistematicamente identi-
ficar camadas nos evangelhos que pudessem ser atribuídas a Jesus, aos autores,
e à Igreja Primitiva; Burton Mack e John Dominic Crossan expuseram o meio
social da Judéia do século I; e os estudiosos de “Jesus Seminar” procuraram ve-
rificar o que poderia ser considerado histórico nos evangelhos.
John Dominic Crossan em sua obra O Jesus Histórico: A Vida de um Cam-
ponês Judeu do Mediterrâneo, de 1991 (publicado em português em 1994), em-
prega os apócrifos Evangelho de Pedro e especialmente o Evangelho de Tomé
para a reconstrução do Jesus histórico. Segundo Crossan, essas duas obras são
mais antigas que os evangelhos canônicos e contêm informações importantes
que não foram incluídas em Mateus, Marcos, Lucas e João. Essa atitude de Cros-
san é característica dos demais membros do “Jesus Seminar” e de muitos outros
eruditos neotestamentários críticos, que aceitam a autoridade dos evangelhos
apócrifos, especialmente os gnósticos, acima daquela dos canônicos.39
Hoje a atenção dos críticos estão voltadas particularmente para as raízes
“judaicas” do Jesus histórico, e sua formação nas tendências políticas e religio-
sas do primeiro século na Palestina (Bruce Chilton, Geza Vermes, Marcus Borg,
etc.).

6. A importância e atualidade do Antigo Testamento

O conteúdo a seguir é fruto de uma entrevista concedida pelo autor para


a revista “Defesa da Fé”, no ano de ?. (pegar o ano, número da edição e páginas)

a) Em homenagem à clássica obra de Gleason Archer Jr., começamos


perguntando: merece confiança o Antigo Testamento?

Sim, o Antigo Testamento merece confiança! A obra de G. Archer, Jr apesar


de ter sido escrita em 1964 merece credibilidade ainda hoje. Da década de 60 até

39 CROSSAN, John Dominic. O Jesus histórico: A vida de um camponês judeu do


Mediterrâneo. Rio de Janeiro: Imago, 1994.

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

os dias atuais o campo de pesquisa veterotestamentário não progrediu como o


esperado pelos estudiosos críticos da época. No início da década de 70 já era no-
tável no meio acadêmico certo mal estar, insatisfação e desnorteamento quanto a
os resultados das pesquisas em torno do Pentateuco e do método histórico-crítico.
O que se pode presenciar nas últimas décadas é a ênfase sobre o texto final, tal
como o temos em nossas bíblias. O interesse pelas fontes que deram origem aos
textos bíblicos se mostraram infrutíferos. Os pressupostos críticos e liberais estão
dando cada vez mais lugar a uma interpretação conservadora onde se busca o
significado do texto dentro do próprio texto. A referida obra de G. Archer, Jr pro-
põe responder as duras críticas que o Antigo Testamento sofreu e vem sofrendo
principalmente a partir do Iluminismo que teve seu início no começo do século
XVII. Diante do cenário que temos particularmente no Brasil, onde se observa
que grandes instituições teológicas estão se dobrando ante o liberalismo teológico
que propõe um viés científico ao estudo bíblico – o que sorrateiramente passa
uma áurea de superioridade intelectual aos seus alunos – ledo engano! O estudo
do Antigo Testamento sobreviveu ao criticismo e ao liberalismo, seus maiores al-
gozes. A confiança que temos hoje esta muito mais alicerçada, o que poderia ser
uma pergunta para muitos de nossos irmãos de décadas passadas, hoje já pode
ser uma afirmativa: O Antigo Testamento merece confiança!

b) Como os cristãos devem lidar com a revelação do Antigo Testamento?


Em que consistiria essencialmente o valor teológico e prático dos li-
vros da Antiga Aliança para os cristãos?

Um dos pontos da teologia moderna é de que o Antigo Testamento não


é uma revelação, tal como compreendemos por toda a história da Igreja. O
termo “revelação” tomou uma conotação primeiramente moral e secundaria-
mente cultual. O conceito de que Deus se revela diretamente com o seu povo é
descartado. O sobrenatural não tem lugar dentro de muitos círculos acadêmicos.
Diante disso, para muitos o Antigo Testamento é simplesmente um livro como
qualquer outro livro. O valor teológico e pratico que temos dos livros da Antiga
Aliança é o mesmo que Jesus atribui a estes livros. Ele interpretou a Lei, os Es-
critos e os Profetas como sendo históricos e dignos de confiabilidade. Contudo,
o que quero dizer é que qualquer coisa no Antigo Testamento que foi declarada
por nosso Senhor como um fato, ou implicado como um fato, é, ou deveria ser,
daí em diante encerrada para aqueles que sustentam que Jesus é infalível. Os
apóstolos e os Pais da Igreja seguindo a interpretação dada pelo Mestre atribu-
íram ao Antigo Testamento juntamente com o Novo Testamento o conjunto de
fé e prática da Igreja.

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

c) A teologia da prosperidade entre outras teologias explora bastante os tex-


tos veterotestamentários segundo sua conveniência. Até que ponto a igre-
ja cristã pode se apropriar das histórias e biografias do Antigo Testamento
para aplicá-las no cotidiano cristão? Seria uma apropriação sem limites?

A teologia da prosperidade é um câncer que vem se alastrado em múl-


tiplos órgãos da Igreja Brasileira. Quando observada a exegese e a base de sua
hermenêutica, fica evidente a discrepância com que tratam os textos do Antigo
Testamento. É ignorado por parte da referida teologia o público alvo, a intenção
do autor e principalmente o contexto que o texto foi escrito. Vejo que a Igreja
pode se aproximar “sem medo” do Antigo Testamento, desde que respeite algu-
mas regras básicas da exegese e da hermenêutica. A interpretação que Jesus e
os apóstolos deram do Antigo Testamento é o melhor parâmetro. Pode-se dizer
que o Novo Testamento é o manual de interpretação do Antigo Testamento. A
aplicação do Antigo Testamento no contexto de nossas Igrejas e na vida cristã
deve ser norteada pelo conceito da Nova Aliança a qual estamos sujeitos. Não se
pode como é muito comum em alguns púlpitos impor leis, e conceitos veterotes-
tamentários como se fossem dirigidos à Igreja.

d) Os cristãos estão preparados para defender a legitimidade do Antigo


Testamento? No âmbito apologético, quais são os tópicos do Antigo
Testamento mais alvejados pelos opositores das Escrituras?

Infelizmente são poucos os que se interessam pelo estudo sério do Antigo


Testamento. Mesmo em nossas Igrejas se prega muito pouco o Antigo Testamen-
to. Não nego o papel fundamental que o Novo Testamento exerce sobre nós cris-
tãos, pois estamos debaixo da Nova Aliança e não da Antiga Aliança. A meu ver
na pratica poucos estão preparados não só para defender a legitimidade do Antigo
Testamento, mas o despreparo esta no âmbito geral da fé cristã. O mercado edito-
rial brasileiro vem buscado suprir esta necessidade nos últimos anos lançando li-
vros de cunho apologético e teológico sadios. Mas vejo que é de suma importância
que as Igrejas se voltem cada vez mais para o ensino responsável das Escrituras.
Dentre os ataques da crítica destrutiva, e das teologias ditas “modernas” se
verifica a forte rejeição ao sobrenaturalismo. Se o valor histórico das Escrituras é
descartado e os milagres são impossíveis nada fica na Bíblia que mereça crédito.
Para muitos críticos a simples presença de um elemento sobrenatural no texto,
serve de evidência suficiente para que ele rejeite a sua historicidade. Quando os
críticos negam a intervenção sobrenatural de Deus, eles negam baseados em suas
pressuposições filosóficas e não devido análise das evidências históricas.

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

e) E o que dizer das seitas? Elas empregam o Antigo Testamento? Você


poderia destacar alguns exemplos de grupos e respectivas doutrinas?
Existiriam livros prediletos para esse ataque?

O emprego que as Seitas pseudo-cristãs dão ao Antigo Testamento di-


fere do emprego dado pelas Religiões. As seitas pseudo-cristãs em sua grande
maioria aceitam a historicidade dos textos do Antigo Testamento, mas pecam
muito na interpretação dos textos proféticos; se verifica um grande esforço
para “ajustar” os textos proféticos a seus ensinamentos, principalmente as
seitas que possuem uma forte tendência escatológica marcando datas para o
fim do mundo. Um dos grupos que se destaca são as Testemunhas de Jeová
que já marcaram a data para o fim do mundo em 1914, 1918, 1920, 1925,
1975 e, agora, 2034 (conforme revista A Sentinela, de 15.12.2003, página 15,
parágrafos 6 e 7). Já as Religiões tendem a negar o valor histórico e religioso
do Antigo Testamento, ou a exemplo do Islamismo distorcer fatos históricos e
teológicos para reivindicar legitimidade histórica. Nota-se um grande interesse
por parte das seitas e religiões em reinterpretar doutrinas cristãs sólidas que se
sustentam principalmente no livro de Gênesis para embasarem suas heresias.
Dentre elas: criação ex-nihilo, historicidade de Adão e Eva, pecado original,
revelação, etc.

f) No contexto secular o Antigo Testamento é tomado por muitos como


um compêndio de mitologia judaica. Se considerarmos o gênero mito-
logia, haveria mesmo semelhanças entre as narrativas mitológicas em
geral e as histórias de Israel? O que caracteriza a supremacia do Antigo
Testamento sobre as mitologias das diversas culturas?

Infelizmente o mito quando aplicado à teologia religiosa se apresenta


como forma de expressão da humanidade em sua fase infantil de desenvolvi-
mento. Esse desenvolvimento estende-se desde o pensar infantil-mítico até o
estágio supremo da religião cristã. Hermann Gunkel (1862-1932) demonstrava
uma rejeição ao sobrenatural. Ele via os onze primeiros capítulos de Gênesis
como mitos e lendas e as histórias dos patriarcas como lendas que fazem parte
de uma tradição oral ou como poemas épicos. Ficções míticas e legendárias
são incompatíveis não apenas com o caráter do Deus de toda a verdade, mas
com a verdade, a confiabilidade e a absoluta autoridade da Palavra de Deus. O
conceito de mito é, entretanto, motivado mais pela relutância e inabilidade dos
intérpretes modernos em aceitar a realidade do mundo do Gênesis do que por
uma compreensão clara da intenção do texto.

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

O Antigo Testamento por adotar um caráter teológico e histórico não era


propicio para a formação de mitos. Ocorre que, os autores veterotestamentários
ocasionalmente podiam tomar emprestadas concepções míticas de povos vizinhos
adaptando-as a sua própria fé. Existe afinidade entre as narrações bíblicas e a litera-
tura mítica pelo simples fato de ambas fazerem parte do gênero literário narrativo.
As semelhanças são numerosas no âmbito das técnicas narrativas, a diferença é
evidente quando se comparam as respectivas finalidades. Nisso eu vejo a supre-
macia do Antigo Testamento sobre as mitologias das diversas culturas: a finalidade
das narrativas do Antigo Testamento é expressar os acontecimentos históricos, já o
mito, como bem definiu Fernando Pessoa: O mito é o nada que é tudo. O mito pos-
sui um forte caráter simbólico, despreocupado em expressar a realidade histórica.

g) Há críticos que alegam haver contradições entre o Deus revelado no


Antigo Testamento e o Deus revelado no Novo Testamento, confron-
to que seria expresso sob o binômio “Deus de ira” versus “Deus de
amor”. Como responder a essa acusação?

Márcion no segundo século d.C, foi o primeiro a declarar que o Deus do


Antigo Testamento era duro, severo e cruel, enquanto o Deus revelado em Jesus
Cristo era carinhoso, calmo, bom e amoroso. Atualmente alguns grupos sectá-
rios comungam da mesma idéia, a exemplo temos o Espiritismo Kardecista.
Esta questão é muito delicada, pois vemos isso presente nas grandes in-
dagações contra a fé cristã, o que confunde a grande maioria dos cristãos. Deve-
mos primeiramente saber que a inspiração divina se dá por meio do arcabouço
cultural e das limitações pessoais do escritor sagrado. Nesse sentido, uma das
características da linguagem semita era o uso de hipérboles; dada a sua viva-
cidade, o israelita era muito propenso às expressões fortes, exageradas e con-
trastantes. Daí ocorrerem no Antigo Testamento, principalmente nos Salmos,
fórmulas em que o autor sagrado ou outro personagem deseja mal àqueles que
o angustiam. A acusação de que o Deus do Antigo Testamento é mal e o do Novo
Testamento é bom é falsa porque deriva de conceitos que, em geral, não têm
nenhuma relação com a religião judaica, representando, tão somente, uma pers-
pectiva culturalmente fechada. Deus se apresenta coerentemente por toda a Bí-
blia. Seu amor e compaixão, bem como seu julgamento, podem ser encontrados
no Antigo Testamento, enquanto o julgamento do pecado, a compaixão de Deus
e o seu amor são claramente evidenciados no Novo Testamento. É preciso en-
tender que o Novo Testamento não é “complemento” do Antigo, mas seu ápice.

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SEGUNDA PARTE:

ANÁLISE HISTÓRICA,
ARQUEOLÓGICA, CULTURAL E
BÍBLICA

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

A HISTORICIDADE DAS NARRATIVAS PATRIARCAIS

O termo “patriarcas” (do grego patriárchês, patriárchai) aparece no Anti-


go Testamento, no texto grego da Septuaginta, apenas umas cinco vezes, e no
tetxo grego do Novo Testamento mais quatro vezes. Nas ocorrências do Antigo
Testamento, o termo patriárchai, que traduz a locução hebraica ra’shê há’ abôt,
designa os “pais das famílias” israelitas (1Cr 24.31; 2 Cr 19.8; 26.12), os “che-
fes” das tribos de Israel (1Cr 27.22) ou simplesmente os “chefes” do povo (2
Cr 23.20). A estas cinco mensões, a Vulgata acrescenta por mais duas vezes
patriarchae, com a mesma ampla significação (1Cr 8.28; Tb 6.20). No Novo
Testamento, o termo designa quer os doze filhos de Jacó (At 7.8-9), quer Abraão
(Hb 7.4) quer Davi (At 2.29) sozinhos. É só no texto tardio e apócrifo do 4 Livro
dos Macabeus, escrito em grego, datado da segunda metade do século I a.C., ou
mesmo I ou II d.C., que encontramos pela primeira vez o permo “patriarcas”
designado a tríade “Abraão1 , Isaque e Jacó” (4 Mc 7.19; 16.25). Vejamos a ci-
tação: “uma vez que acreditam que, assim como nossos patriarcas Abraão, Isaac e
Jacó, não morre a Deus, mas vivem em Deus” e “Eles sabiam também que aqueles
que morrem por amor de Deus, vivem em Deus, assim como Abraão, Isaac e Jacó e
todos os patriarcas”.
Gênesis 1-11 apresenta o relato do mundo a partir da criação até Abraão.
Esses onze capítulos concentram a atenção no mundo todo durante um período
de tempo incrivelmente longo. O relato começa com seres humanos vivendo na
presença de Deus e experimentando sua bênção. Prossegue com o relato trágico
da ruptura daquela bênção. Mas a esperança continua existindo na incansável
busca divina de um relacionamento renovado com suas criaturas humanas.
Com o início das narrativas patriarcais (que começam em Gn 11.27 com a
introdução da toledot de Terá), o foco da narrativa passa a se limitar a um único
indivíduo, e a velocidade do tempo narrativo também diminui. Aqui Deus inicia
uma nova abordagem para alcançar a humanidade e restaurar sua bênção sobre
os seres humanos. Ele escolhe um indivíduo por meio do qual alcançará o mun-
do. Três homens “Abraão, Isaque e Jacó” são os patriarcas de Israel, os quais
Deus usa para estabelecer um povo dedicado ao seu serviço. Os filhos de Jacó,
inclusive José, não são conside­rados patriarcas, como se pode ver na referência
que, mais tarde, se faz ao “Deus de Abraão, Isaque e Jacó”. Essa distinção não
minimiza a importância dos filhos de Jacó, que são os “pais” das doze tribos
de Israel. Na condição de aquele a quem Deus escolheu, Abraão é o mais im-

1 Depois de Moisés, Abraão é o personagem do Antigo Testamento mais citado no Novo


Testamento (Moisés, oitenta vezes, Abraão, setenta e três vezes).

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

portante dos três patriarcas em termos de desenvolvimento e de uso teológico


posterior. Abraão é o pai da fé, aquele com quem Deus, por sua escolha, entrou
em aliança.
Israel reconheceu Abraão como o pai da nação e da fé israelita. Por esse
motivo, lembra-se dele como “patriarca”. Foi Abraão quem recebeu as promes-
sas de Deus, quem anteviu a dádiva da terra e a descendência que a povoaria
(Gn 12.1-3). Todo o período da história de Israel que abrange Abraão e seus
descendentes imediatos é geralmente chamado de “período patriarcal”. A úni-
ca fonte direta de informação sobre o período em que os patriarcas de Israel
viveram é o livro de Gênesis, que apresenta narrativas patriarcais ocasionais e
sucintas sobre Abraão, Isaque e Jacó (Gn 11.10-36.43), em seguida é sucedida
pelo relato de Gênesis 37-50, que segue mais o estilo de um enredo novelesco,
falando sobre José e funcionando como “ponte” entre a época dos patriarcas e
a da peregrinação de Israel no Egito, que conduz ao Êxodo.
Os deslocamentos históricos dos patriarcas estão intimamente relaciona-
dos às respectivas reações à promessa divina (Gn 12.2-3). A cada etapa de sua
peregrinação rumo a Canaã, Abraão erige um altar, quase como se estivesse
reinvindicando a terra ao Senhor que o inviou para lá. Nas narrativas patriarcais,
a promessa principal é a do nascimento de um filho. Afinal, nenhuma grande
nação pode existir e nenhuma terra pode ser herdada sem que nasça o primei-
ro descendente. Sem dúvida, o propósito principal das narrativas patriarcais é
teológico: elas revelam a natureza de Deus e de seu relacionamento com suas
criaturas humanas. Ao mesmo tempo, porém, esses relatos têm o objetivo cla-
ro de nos mostrar que tal revelação ocorre na história. “No material sobre os
patriarcas, a teologia e os acontecimentos concretos estão profundamente en-
trelaçados.” (PROVAN, 2016, p. 173). O gênero que estamos lidando é “história
teológica”, embora ainda seja história.

Essas narrativas são unidas no livro mediante o uso de ‘fórmulas toledoth’


um recurso literário recorrente com frases que começam com a expressão
hebraica elleh tôledôt, que pode ser traduzida de várias maneiras, inclusive
como ‘estas são as gerações de’, ‘esta é a história da família de’ e ‘este é o
relato de’. A mehor maneira de entender as próprias narrativas patriarcais
é começar com Gênesis 11.10, o ‘relato’ de Sem, ou então com Gênesis
11.27, o ‘relato’ de Terá, pai de Abraão.2 (PROVAN, 2016, p. 171).

2 A história do pai de Abraão e de seus filhos são introduzidas pela expressão tôledôt,
ao passo que a de Abraão começa com uma palavra de Deus: “Então o Senhor disse a
Abraão...” (Gn 12.1). A história de Abraão não é como as outras.

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

O narrador emprega o refrão tôledôt (este é o relato da linhagem da famí-


lia de [nome da pessoa], palavra derivada de yld, “gerar”) com o intuito de dar
estrutura e sentido ao livro.
Abraão é o único da tríade patriarcal que o Novo Testamento designa
expressamente com o nome de “patriarca” (Hb 7.4), e de quem os contemporâ-
neos de Jesus contestam: “o nosso pai é Abraão” (Jo 8.39), atribuindo a Abraão
uma paternidade alargada e insubstituível, logo interpretada como a paternida-
de da fé (Rm 4; Gl 3.7; Hb 11.8s.). Ninguém, nesta longa cadeia de gerações que
atravessa centenas de anos, pode ser pai como ele é (ver ainda Js 24.3; Is 51.2;
Mt 3.9; Lc 1.73; 16.24; Jo 8.53, 56; At 7.2). A paternidade dos outros “patriar-
cas” fica limitada aos seus próprios filhos, embora tenhamos também no Novo
Testamento dois testemunhos da paternidade alargada de Isaque (Rm 9.10) e de
Jacó (Jo 4.12), mas em plano diferente de Abraão.
A história dos patriarcas se estende de Gênesis 12-50, assim distribuídos:
história de Abraão (Gn 12.1-25.18); história de Isaque (Gn 26); história de Jacó
(Gn 25.19-36.43). Numa cultura em que a existência humana era normalmente
experimentada na sucessão das gerações, e não no nosso conceito de indivíduo,
era recitando oralmente e posteriormente registrando em forma escrita que os
seus descendentes encontravam a sua própria identidade.
O uso de palavras-chave, como “semente” (isto é, descendência, descen-
dentes) e “benção (tornar fecundo e vitorioso), reforça o tema do livro, ou seja,
que Deus elegeu a semente de Abraão, Isaque e Jacó para abençoar a terra. Eles
são os herdeiros da aliança de promessas que Deus estabeleceu com Abraão. A
eleição e o chamado de Abraão constituem o ponto de partida de uma nova ini-
ciativa divina, a formação de uma nova nação para abençoar as demais nações.
W. F. Albright aponta para a historicidade dos patriarcas, vejamos:

Abraão, Issac e Jacó não parecem mais, doravante, figuras isoladas, quanto
menos reflexos da história hebraica posterior; parecem atualmente ver-
dadeiros filhos de sua época, trazendo os mesmos nomes, deslocando-se
sobre o mesmo território, visitando as mesmas cidades (especialmente
‘Harran e Nahor), submetidos aos mesmos costumes que seus contempo-
râneos. Em outros termos, os relatos dos patriarcas têm de cabo a rabo um
fundo histórico, ainda que a longa transmissão oral dos poemas originais,
e em seguida das sagas em prosa, que se encontra na base do texto atual
do Gênesis, tenha sem dúvida deformado consideravelmente os aconteci-
mentos originais. (apud VOGELS, 2000, p. 27).

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

Vos, analisando a visão crítica acerca dos patriarcas declara:

Devemos enfatizar, antes de tudo, que a historicidade dos patriarcas não


pode nunca ser, para nós, uma matéria de menor importância. Sendo a
religião do Antigo Testamento uma religião factual, não há como essas
figuras reterem a mesma utilidade, por meio das lições que podem ser
tiradas de suas histórias, como no caso de história de fato... de acordo com
a Bíblia, eles são atores reais no drama da redenção, de fato o começo do
povo de Deus, a primeira encarnação da religião objetiva. (VOS, 2010, p.
90-91).

Segundo os critérios de Walhout, as narrativas patriarcas se enquadram


como históricas, vejamos:

Walhout (apud OSBORNE, 2009, p. 262) desenvolve quatro critérios para


se detectar uma obra histórica (p. 72-76): (1) o mundo no texto é factual-
mente preciso; (2) o ponto de vista frequentemente adotado pelo autor
contém indicadores de uma perspectiva histórica; (3) o uso do texto por
seus leitores e as circunstâncias por trás de sua produção apontam para o
seu gênero (se história ou ficção); e (4) as escolhas feitas pelo próprio autor
no texto (ele faz afirmações sobre a atual situação do mundo por trás do
texto?) apontam para um mundo real ou ficcional no texto.

1. A onomástica dos nomes patriarcais

Individualmente: Abraão (Gn 28.13), Isaque (Gn 31.42; 32.9) e Jacó (Gn
29.1; 30.1); e os três patriarcas juntos: Abraão, Isaque e Jacó (Êx 3.6,15,16; 45;
cf. Dt 6.10; 1 Cr 29.18 na oração de Davi).
Um modo de determinar o espaço cronológico de personagens históricos
é considerando seus nomes. Nomes tendem a refletir um ambiente cultural es-
pecífico no tempo. As principais exceções são nomes imortais tirados de gran-
des personagens do passado, mais frequentemente figuras bíblicas. Por esta
razão sempre teremos Davis, Marias, Joãos e Paulos.
Parentes mais próximos de Abrão, como seu bisavô Serugue, seu avô
Naor e seu pai Terá (e o próprio nome de Abrão). Pesquisadores confirmaram
que estes nomes aparecem em antigos textos assírios e babilônios e aqueles
textos neo-assírios e correspondem aos lugares na região Eufrates-Habur da Si-
ro-Mesopotâmia.

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

Uma forma de evidenciar a historicidade dos patriarcas vem da forma dos


nomes dados nessa época, pois os nomes tendem a refletir o ambiente cultural
característico de seu tempo. Primeiramente, os nomes que aparecem nas nar-
rativas patriarcais se enquadram perfeitamente numa classe que sabemos que
foi corrente tanto na Mesopotâmia como na Palestina no segundo milênio. Foi
encontrado nomes semelhantes aos de Serugue, Naor3, Terá, Abraão e Jacó nas
cartas de Mari do século XIX a.C., mostrando que estes nomes eram comuns
neste período.

Estudos de textos originários da Assíria, Babilônia e Neo-Assíria Antigas


confirmam o fato de que esses nomes aparecem em documentos que rela-
tam eventos pertencentes a essa mesma época e região do Eufrates-Habur
na Alta Mesopotâmia. Visto que o relato bíblico liga Abraão e sua linhagem
exatamente a essa área, em torno de Harã, onde ele temporariamente se
assentou depois de sair de Ur dos Caldeus, a relação é mais do que um
mero incidente. (KAISER, 2007, p. 80).

De acordo com o Antigo Testamento, a terra natal dos patriarcas ficava


ao sul da Turquia Central, na área conhecida como Arã-Naaraim4 (Gn 24.10) ou
Padã-Arã (25.20). Entre os nomes genealógicos listados em Gênesis 11, três —
Serugue, Naor e Terá — foram preservados também como nomes de cidades
da região. Os nomes dessas personagens bíblicas foram preservados na mesma
área da qual se originaram os patriarcas, de acordo com as informações bíblicas.
Serugue, o bisavô de Abraão, gerou Naor com a idade de 30 anos e mor-
reu com a idade de 230 anos (Gn 11.22-23). Seu nome, que corresponde a um
lugar chamado Sargi nas inscrições assírias do século XVII a.C, e ainda sobrevive
como a moderna Suruç, cerca de 56 quilômetros a noroeste de Arã.
Naor, o avô de Abraão, gerou Terá com a idade de 29 anos e morreu com
140 anos (Gn 11.24-25). Uma cidade chamada Naor é mencionada em 24.10
como o lar dos descendentes de Betuel, outro filho de Naor (Gn 24.24). Essa
cidade também é mencionada nos textos de Mari e da Capadócia dos séculos
XIX e XVIII a.C., bem como em inscrições assírias do século XIV a.C. Registros

3 Naor, irmão de Abraão (Gn 11.26), gerou oito filhos com sua esposa e quatro com sua
concubina, que vieram a ser os ancestrais das 12 tribos arameias, assim como Ismael,
filho de Abraão, se tornou o ancestral de 12 tribos (Gn 17.20; 25.12-16) e seu neto, Jacó,
o ancestral das 12 tribos de Israel (Gn 35.22-26; 49.28).
4 Naaraim ficava na parte norte da área que mais tarde seria chamada Mesopotimia pelos
gregos (“entre os rios”). Provavelmente nomeada depois do tempo do irmão de Abraão
(Gn 24.15; 11.26).

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

assírios tardios datados do século XVII a.C. referem-se a ela como Til Nakhiri,
que significa “monte de Naor”. Embora a localização exata de Naor seja desco-
nhecida hoje, numerosas referências nos textos antigos a situam no vale do rio
Balikh, ao sul de Harã.
Terá gerou Abraão com a idade de 70 anos e morreu com 205 anos (Gn
11.26,32). Uma cidade chamada Til Turahi (“monte de Terá”) é mencionada em
textos assírios do século IX a.C. como sendo a região norte de Harã, também no
rio Balikh. (ver Bíblia de Estudo Arqueológica, 2013, p. 23).
Os nomes patriarcais inserem-se na onomástica5 amorrítica, a língua semí-
tica ocidental mais antiga que podemos ter acesso, ainda que limitadamente. O
nome “Abrão”, só mudado para “Abraão” a partir de Gn 17.5, deriva do amorreu
‘ab ram, raiz rwm (= pai que é exaltado) forma compacta da lomga ‘abiram (Nm
16.1, 12, 25, 27; 1 Rs 16.34), podendo ou não ter por detrás o semítico oriental
ou acádico Abu r’m (= pai que ama). O nome Abraão é, como se vê, e como era
usual no mundo amorrítico, um nome teofórico6, dado que, na Síria-Palestina do
II milênio a.C., o deus El tinha o título de “deus-pai” (= il ab). “Abraão” ‘ab hamôn
(= pai da multidão). Este ‘abraham pode ser o equivalente de Aburahana, que
aparece nos textos de execração egípcios (séculos XIX-XVIII a.C.).
Os nomes de Isaque e de Jacó são nomes breves, certamente longos na
sua forma original – então formados por um verbo no imperfeito (yitshaq =
sorrir, ser favorável; ya’qob = proteger), seguido do sugeito (‘el, ‘ab). O nome
pleno Yitshaq-‘El siguinificaria “Deus ri, é favorável” ou “que Deus ria, que seja
favorável”. Na Bíblia, o fato de YHWH “rir” nunca está associado com favor, mas
sempre com desprezo e zombaria (Sl 2.4; 37.13; Hc 1.10). Não conhecendo o
primeiro siguinificado, e não podendo recorrer ao segundo, a Bíblia explica o
nomde de Isaque recorrendo ao riso (tsahaq) de Abraão (Gn 17.17) ou de Sara
(Gn 18.12; 21.6) ou ainda à “brincadeira” (metsaheq) de Ismael com Isaque (Gn
21.9) e até ás “carícias” (tsahaq ‘et) de Isaque a Rebeca (Gn 26.8). Quanto ao
nome pleno de Ya’qub-‘El, ele siguinificaria “Deus protege” ou “que Deus pro-
teja”. Devemos notar que a raiz ‘aqab entra na composição de muitos nomes
amorreus7, com o siguinificado de “proteger”, que desapareceu no cananeu e

5 A onomástica (do grego antigo ὀνομαστική, ato de nomear, dar nome) é o estudo dos
nomes próprios de todos os gêneros, das suas origens e dos processos de denominação
no âmbito de uma ou mais línguas ou dialectos.
6 Um nome teóforo ou teofórico (do grego antigo ϑεοϕόρος, composto de ϑεο- “deus” e
-ϕόρος “portador”) na onomásticaé todo nome que contém elementos alusivos a Deus ou
a deidades.
7 “Povo conhecido como amurru, controlou partes da Síria e da Babilônia, mas a palavra
‘amorreu’ é usada na Bíblia como generalização de uma classe étnica, referindo-se, assim,

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

hebraico, mas que se conserva ainda no etíope e sudarábico. Como no hebrai-


co, ‘aqab já não siguinificava “proteger”, mas “suplantar” ou, como substantivo,
“calcanhar”, a Bíblia explica o nome de Jacó pelo fato de este, quando do seu
nascimento, segurar o calcanhar do seu irmão gêmeo Esaú8 (Gn 25.26), e ainda
pelo fato de ter depois suplantado o seu irmão no direito de primogenitura (Gn
27.36).
O nome Jacó conhecido entre os povos semitas há muito tempo, tanto
que em 2000 a.C. ele já aparece entre os escritos de Hamurabi como Yakkibula.
Há provas de que também era um nome bem conhecido entre os cananeus dos
dias pré-abraâmicos, segundo os registros do templo de Carnaque. O nome de
uma cidade capturada por Tutmés III também é semelhante à palavra hebraica:
Jakob-el.
Indo na contramão das hipóteses críticas concernentes aos nomes dos
patriarcas, temos os seguintes dados:

Os nomes dos parentes mais próximos de Abrão, como seu bisavô Seru-
gue, seu avô Naor e seu pai Terá9 (e o próprio nome de Abrão). Pesquisa-
dores confirmaram que estes nomes aparecem em antigos textos assírios
e babilônios e aqueles textos neo-assírios e correspondem aos lugares na

à população geral da Terra Santa (e.g., Gn 15.16). Desse modo, o termo é essencialmente
intercambiável com ‘cananeu’. Em geral, porém, o termo ‘amorreu’ se refere à população
das montanhas (e.g., Nm 13.29) e é usado especialmente para designar os dois reis da
Transjordânia, Seom e Ogue, os quais foram subjugados sob a liderança de Moisés (Nm
21.21-31). Outros centros amorreus eram Ai, Hebrom, Jarmute, Jerusalém, Eglom e a
região do Líbano.” (Bíblia de Estudo Arqueológica, 2013, p. 265).
8 Quantas esposas teve Esaú? Gênesis 26.34 afirma que Esaú casou-se com Judite, filha
de Beeri, heteu, e com Basemate, filha de Elom, heteu. Entretanto, Gênesis 36.2-3
afirma que as esposas de Esaú eram Ada, filha de Elom, heteu; Oolibama, filha de Aná;
e Basemate, filha de Ismael. Esaú casou-se com a filha de Elom chamada Basemate ou
com a sua filha Ada? Teve então Esaú duas, três ou quatro esposas? As esposas de Esaú
foram quatro: Judite, a filha de Beeri; Basemate, que também tinha o nome de Ada, filha
de Elom; Oolibama, filha de Aná; e Basemate, filha de Ismael. A razão por que Judite
não é mencionada em Gênesis 36.2-3 é porque ela não lhe deu filhos, e Gênesis 36 é um
registro dos “descendentes de Esaú”. Ainda, era uma prática comum as pessoas serem
conhecidas por mais de um nome. Aparentemente Basemate, filha de Elom, também
tinha o nome de Ada, e desta forma é que ela é identificada em Gênesis 36:2, para
distingui-la da outra Basemate, que era filha de Ismael. Esaú teve assim quatro esposas.
9 Alguns estudiosos identificam o nome Terá como sendo uma forma da palavra hebraica
yareah “lua”, o que pode sugerir que o seu nome revelava qual era sua orientação
religiosa. Quando Terá e sua família deixaram a cidade de Ur, reestabeleceram-se em
Arã, um outro importante centro de adoração ao deus Sin.

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

região Eufrates-Habur da Siro-Mesopotâmia). Além disso, se tentarmos co-


locar os nomes dos patriarcas num ambiente cultural, descobriremos que
eles são mais proeminentes no grupo linguístico semita do noroeste da
população amorita do início do segundo milênio a.C. (como Mari), e exem-
plos do terceiro milênio também têm sido atestados em Ebla. Nomes com
um prefixo i/y, como Yitzchak (“Isaque”), Ya’akov (“Jacó), Yoseph (José) e
Yshmael (“Ismael”), pertencem a este tipo de nome, e a frequência com
que aparecem diminui significativamente no primeiro milênio e daí em
diante. Assim, o tempo durante o qual os homens com este nome teriam
vivido seria o período pré-israelita - um fato que está de acordo com o
texto bíblico. (PRICE, 2006, p. 87).

O nome de Abraão encontra paralelos em descoberta arqueológicas, ve-


jamos:

O nome é atestado no Oriente Próximo antigo, no segundo milênio a.C.,


sob formas diferentes, como Aba-rama (ame o pai), ou Ami-rami (meu pai
é exaltado = é grande em relação a seu pai) e outros mais. Os nomes de
pessoas de dois irmãos de Abraão, Nahor e Haran (11.27), são também
nomes atestados por documento. É significativo que vários nomes de pes-
soas da família de Abraão sejam também nome de cidades... É notável que
todas essas cidades sejam próximas a Harran, no noroeste da Mesopotâ-
mia. (VOGELS, 2000, p. 25).

Um tesouro relativamente recente de dados arqueológicos foi escavado


em 1975 por Pettinato e Matthiae, estudiosos italianos, em Ebla (Tell Mar-
dikh) no norte da Síria. Documentos cuneiformes do lugar atestam uma
língua protocananéia bem próxima do hebraico, datada de 2300 a.C. Fo-
ram escontrados paralelos próximos a nomes como Éber (Ebrum), Ismael
(Ishmail) e Israel (Ishrail). Além disso, as descobertas atestam a situação
cultural refletida nas narrativas patriarcais, contendo inclusive nomes de
cidades como Hazor, Megido, Jerusalém, Laquis, Dar, Gaza e talvez, até
Sodoma e Gomorra. (UNGER, 2006, p. 26).

Dos nomes amorreus dos patriarcas, não podemos, no entanto, retirar


datas históricas precisas, uma vez que o movimento amorreu se estende pelo
Bronze Médio (1900-1550 a.C.) até finais do Bronze Recente (1550-1200
a.C.), e ainda encontramos esses nomes bem documentados nos séculos XIV
e XIII. É notório que nenhum dos nomes teoféricos das narrativas patriar-

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

cais acusa qualquer referência a YHWH ou a Baal, como será usual na época
mosaica.10
É notável que vários nomes de pessoas da família de Abraão sejam tam-
bém nomes de cidades. O irmão de Abraão se chama Harã (Gn 11.27), e a famí-
lia dicide se instalar em Harã (Gn 11.31). Serugue (Gn 11.22), nome de um dos
ancestrais de Abraão, é também o nome de uma cidade situada entre Harã e o
Eufrates. Naor, o nome de seu avô (Gn 11.24) e do irmão de Abraão (Gn 11.27), é
também o nome de uma cidade a sudeste de Harã. Terá, o pai de Abraão, tam-
bém recebe o nome de uma cidade. Vale ressaltar que todas estas cidades estão
próximas a Harã, no noroeste da Mesopotâmia.
É certo que seus nomes não foram identificados em nenhum dos docu-
mentos originais antigos, embora os nomes de outras figuras bíblicas, Ezequias,
rei de Judá no século VIII a.C.; Sambalate, governador de Samaria, no século V
a.C., o rei Davi do décimo século a.C., foram encontrados. Mas a ausência dos
nomes dos patriarcas no extra-registro bíblico histórico é, em si, inconclusiva:
Ausência de evidência não é evidência de ausência. O que o futuro trará, não po-
demos saber, exceto que ele será cheio de surpresas, como a recente descoberta
da inscrição da Casa de Davi atesta.
Alguns críticos buscaram até mesmo negar a historicidade dos patriarcas
Abraão, Isaque e Jacó, atribuindo-lhes nomes de divindades distintas, vejamos:

A teoria de A. Alt (“Der Gott der Vâter”, 1920, em “Kleine Schriften” I [Beck,
1959], p. 24), de que o Deus de Abraão, o Temor de Isaque e (49.24) o
Poderoso de Jacó eram originalmente três divindades distintas, foi erigida
precariamente numa teoria gra­tuita de que não havia relação entre os
três patriarcas, e que eram desconhecidos uns dos outros. Mas numerosos
exemplos mostram que o Velho e o Novo Testamentos deleitam- se em
multiplicar nomes para o Deus Único (cf., por ex., SI 18.2; Ap 15.3), ao
passo que quanto à relação paterno-filial dos patriarcas, este é o pivô dos
capítulos centrais de Gê­nesis, em torno do qual tudo gira sobre a promessa
de um filho a Abraão e a eleição do fi­lho mais novo de Isaque. (KIDNER,
2001, p. 155).

Os nomes Abraão, Isaque, Labão, Jacó e José parecem ter sido de uso bas-
tante comum durante este período, pois no segundo milênio a.C., Abraão
aparecia como A-ba-am-ra-ma, A-ba-am-ra-am, e A-ba-ra-ma, ao passo que
Jacó (Ya-’equb’-el) estava em uso como nome de um lugar na Palestina já

10 Para uma complementação da onomástica patriarcal, ver (COUTO, 2003, p. 186-189).

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

em 1740 a.C. Em tábuas de Chagar Bazar, no norte da Mesopotâmia, que


foram datadas de, aproximadamente, 1725 a.C., uma forma alternativa
de Jacó (Ya-ah-ga-ub-il) era usada como nome pessoal. Até o presente, no
entanto, não foram descobertos indícios dos próprios patriarcas, e pela
natureza do caso não é razoável esperar algo diferente. (HARRISON, 2010,
p. 69).

O nome Jacó conhecido entre os povos semitas há muito tempo, tanto que
em 2000 a.C. ele já aparece entre os escritos de Hamurabi como Yakkibu-
la. Há provas de que também era um nome bem conhecido entre os cana-
neus dos dias pré-abraâmicos, segundo os registros do templo Carnaque.
O nome de uma cidade capturada por Tutmés III também é semelhante
à palavra hebraica Jakob-el. (Bíblia de Estudo Arqueológica, 2013, p. 44).

Não devemos nos precipitar achando que o paralelo histórico dos nomes
por si só, seja suficiente para a historicidade dos patriarcas, mas os mesmos nos
fornecem um paralelo histórico importante, pois estes documentos extrabíblicos
nos permitem afirmar que os patriarcas trazem o nome de personagens históri-
cos do segundo século a.C.
O ambiente histórico das narrativas patriarcais aponta fortemente para
o contexto da primeira metade do segundo milênio. Os primitivos nomes dos
patriarcas remontam ao segundo milênio, Bright após listar diversos nomes do
período patriarcal que se encontram em textos do segundo milênio, conclui:

É certo que em nenhum destes casos nós provavelmente nem mesmo te-
nhamos uma citação dos patriarcas bíblicos. Mas a profusão de tais nomes
em textos contemporâneos demonstra claramente que a Alta Mesopotâ-
mia e o norte da Síria continham de fato uma população parecida com
os antepassados de Israel na Idade do Bronze média e séculos antes. Os
nomes são de tipo primitivo e não são certamente característicos da no-
menclatura israelita tardia. (BRGTH, 2003, p. 107).

Evidências arqueológicas dos nomes “Serugue”, “Naor” e “Terá” colabo-


ram com a historicidade da narrativa patriarcal, vejamos:

Entre os nomes genealógicos listados em Gênesis 11, três – Serugue, Naor


e Terá – foram preservados também como nomes de cidades da região. Os
nomes dessas personagens bíblicas foram preservados na mesma área da
qual se originaram os patriarcas, de acordo com as informações bíblicas.

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

Serugue – seu nome, que corresponde a um lugar chamado Sargi nas ins-
crições assírias do século XVII a.C., e ainda sobrevive como a moderna
Suruç, cerca de 56 quilômetros a noroeste de Arã.

Naor – Uma cidade chamada Naor é mencionada em 24.10 como o lar dos
descendentes de Betuel, outro filho de Naor (24.24). Essa ciddae também
é mencionada nos textos de Mari e da Capadócia dos séculos XIX e XVIII
a.C., bem como em inscrições assírias do século XIV a.C. Registros assírios
tardios datados do século XVII a.C. referem-se a ela como Til Nakhiri, que
significa “monte de Naor”. Embora a localização exata de Naor seja desco-
nhecida hpjel, numerosas referências nos textos antigos a situam no vale
do rio Balikh, ao sul de Harã.

Terá – Uma cidade chamada Til Turahi “monte de Terá” é mencionada em


textos assírios do século IX a.C. como sendo a região norte de Harã, tam-
bém no rio Balikh. (Bíblia de Estudo Arqueológica, 2013, p. 22).

O grupo de nomes de patriarcas que começam com o prefixo i/y, tais


como Yitzchak (Isaque), Ya’akov (Jacó), Yoseph (José) e Yshmael (Ismael), perten-
cem à população dos amorreus, do grupo de língua semítica do noroeste, do
início do segundo milênio a.C. e são comuns nos arquivos de Mari que datam
desse mesmo período de tempo.11 Estudiosos das línguas semíticas do noroeste
chamam esses nomes “amorreus imperfectivos”. Isto foi observado há muito
tempo, como foi o fato de que nomes imperfectivos amorreus com um prefixo
I/Y- são comuns nos arquivos de Mari da início do segundo milênio a.C. Outro
ponto deve ser sublinhado. Estes nomes a partir do registro arqueológico estão
ligados a pessoas comuns no Oriente Próximo no terceiro e segundo milênio
a.C.; não são tribais, divinos ou geográficos, como é ainda indevidamente alega-
do, de tempos em tempos. (KITCHEN, 1995).
Esta construção, o imperfectivo amorita, ocorre em nomes como Isaque
e Jacó (e Israel). Embora apareça mais tarde em nomes de pessoas, nunca tem

11 P. Kyle McCarter, “The Patriarcal Age”, in Ancient Israel, ed. Hershel Shanks (Washington,
D.C.: Biblical Archaeological Society, 1988), p. 11, questionou esses dados sobre os
prefixos i/y argumentando que esses nomes continuaram nos períodos posteriores
também. Kenneth Kitchen refutou vigorosamente a alegação de McCarter, mostrando
que no segundo milênio, de um repertório em torno de 6 mil nomes da primeira metade
daquele milênio, 16%, ou 1.360 nomes começavam com o tipo amorita de i/y. No final
da idade do Bronze, Kitchen declarou que estes tinham caído para apenas 2 ou 3 por
cento de 0.5 por cento na idade do Ferro (Kitchen, “Patriarchal Age”, p. 90-92).

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

a mesma frequência como no período mais antigo. Esta diferença é baseada


na análise de milhares de nomes, incluídos alguns seis mil desde o início do
segundo milênio. É, portanto, uma das mais empiricamente verificáveis mani-
festações da antiguidade destes nomes. Embora em teoria nomes como Isaque
e Jacó poderiam ocorrer mais tarde, o agrupamento destas formas de nomes
no mesmo período, quando a Bíblia descreve-os não é nem coincidente nem
irrelevante. Talvez por este motivo, esta análise tem sido uma das mais incom-
preendidas e atacadas de qualquer uma das muitas evidências que Kitchen tem
apresentado contextualizar a Bíblia. No entanto, não existe nenhuma evidência
para anular os fatos.
Alguns nomes da família dos patriarcas confirmam que eles eram polite-
ístas e nos informam sobre a identidade de seus deuses. A mulher de Abraão
se chama Sarai ou Sara, o que corresponde a Sharratu, e significa “a rainha”. O
nome é uma tradução em língua nsemítica do nome sumério Ningal, utilizado
pela esposa do deus Sin, o deus lua. Outros nomes da família dos patriarcas,
como Terá, nome do pai de Abraão (Gn 11.17), Milca, nome da cunhada e da
sobrinha de Abraão (Gn 11.29), e Labão, nome do irmão de Rebeca e dos pais
de Milca (Gn 24.15,29), todos orientam para esse culto lunar, praticado em Ur, a
cidade de onde a família de Terá partiu, e também em Harã, a cidade onde ela se
estabeleceu (Gn 11.31).12 A passagem do politeísmo ao monoteísmo deve ter-se
efetuado gradualmente (Gn 35.2-4). (ver VOGELS, 2000, p. 48-51).
Os nomes em si não provam que os patriarcas sejam personagens históri-
cos. Contudo, os nomes não são destituídos de importância, porém, eles podem
nos informar em que épocas eram utilizados. Existe uma espécie de “moda”
para os nomes. Os textos extrabíblicos nos permitem afirmar que os patriarcas
trazem nomes de pessoas históricas do segundo milênio a.C.

2. A historicidade de Gênesis 14

Algumas características literárias da narrativa de Gênesis 14 o distinguem


do restante das narrativas patriarcais. Alguns pesauisadores atribuem a esta nar-
rativa uma origem antiga, mas outros, afirmam que a origem destes textos são
bem recente.

12 Numa caravana normal, que cobriria uma distância de 32 quilômetros por dia, a viagem
de Harã a Canaã, algo em torno de 800 quilômetros, teria levado pouco menos de um
mês. Siquém e Betel, localizadas na região montanhosa central, eram paradas usuais
para descanso e se tomaram os lugares sagrados mais importantes da história de Israel.

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

Abraão é chamado “o hebreu” (Gn 14.13). É o único texto das narrativas


patriarcais que o chama desta maneira. O termo “hebreu” é raramente utilizado
pelos israelitas para identificar a si mesmos. É sempre utilizado na Bíblia em
sua relação com estrangeiros (Gn 40.15; Êx 1.19; Gn 39.14-17; 41.12; Êx 1.16;
2.6; 1Sm 4.6-9; 13.3-19). A denominação “hebreu” parece portanto, pejorativa.
Abraão, “o hebreu”, é um estrangeiro em Canaã. Alguns pesquisadore chegam
a cogitar que o presente texto poderia basear-se num documento extrabíblico
antigo, encontrado pelos israelitas em Jerusalém, depois de sua conquista por
Davi. Isso seria muito interessante, posi disporíamos então de um documento
extrabíblico que mencionaria Abraão. Mas tal hipótese não obteve em absoluto a
unanimidade dos pesquisadores, e foi praticamente abandonada. (ver VOGELS,
2000, p. 84).
Além das questões literárias, a narrativa de Gênesis 14 suscita questões
históricas. É difícil identificar os diferentes reis. As numerosas notas explicati-
vas na própria narrativa relativa aos lugares indicam que até mesmo os leitores
antigos tinham dificuldades. Muitos pesquisadores sustentam que é impossível
afirmar a historicidade deste relato de Gênesis 14. Consideram uma lenda histo-
ricizante tardia, sem fundamento histórico.
A narrativa nos apresenta a primeira guerra mundial entre o Leste e o
Oeste. O relato dessa guerra e da missão de resgate de Ló diz respeito a uma das
promessas das narrativas patriarcais. O patriarca é a fonte de salvação para as
nações. É de fato uma benção para os outros.
O episódio de Gênesis 14 é, em muitos aspectos, o mais insólito na vida
de Abraão. Aprimeira metade do capítulo — uma batalha entre quatro reis po-
derosos do leste (fora de Canaã) e cinco reis me­nores da região do mar Morto,
liderados pelos governantes de Sodoma e Gomorra — não tem nada a ver com
Abraão. Somente a captura de Ló traz Abraão para a narrativa. De forma pecu-
liarmente concisa, o capítulo relata a vitória de Abraão — com o auxílio de 318
“criados” — contra esses quatro grandes reis. A narrativa de Gênesis 14 tem
atraído à atenção de muitos pesquisadores, Isso se deve em grande parte, devido
esta ser a passagem patriarcal com maior probabilidade de ter uma associação
específica com a história extrabíblica. Em Gênesis 14, Abraão estabelece contato
com personagens influentes de grandes potências.
Os quatro reis executaram o ataque em resposta a uma rebelião. Quando
os cinco reis enfrentaram os outros quatro, os primeiros foram dispersos e os
quatro reis capturaram Ló, que era sonbrinho de Abraão e havia se mudado para
as cercanias de Sodoma e Gomorra (Gn 13). Abraão foi logo informado dessa
tragédia e partiu para a batalha com 318 homens. Derrotou a coalizão de reis
estrangeiros, não apenas resgatando Ló, mas também recuperando o restante

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

dos despojos que os reis inimigos haviam tomado da coalizão Cananeia. Quan-
do Abraão voltou, oo sacerdote-rei de Salém o encontrou e o abençoou. Abraão
deu o dízimo ao sacerdote-rei.
Gênesis apresenta essa batalha como real e verdadeira. Mas, de acordo
com a Hipótese Documentária do criticismo bíblico, essa história foi um acrés-
cimo posterior, sendo totalmente fictícia.
W. F. Albright observou que: “A despeito de nosso fracasso de até agora
fixarmos o horizonte histórico do capítulo 14, podemos ter certeza de que o seu
conteúdo é bem antigo. Há várias palavras e expressões não encontradas em
parte alguma do restante da Bíblia e que agora são reconhecidas como perten-
centes ao segundo milênio a.C. Os nomes das cidades da Transjordânia também
são considerados muito antigos”.13
Y. Muffs descreve Abraão de Gênesis 14 como aquele que “atua como um
chefe militar que, por meio de um tratado, é aliado de três destacados líderes
locais, possui um exército particular de mais de trezentos homens e, como bom
comandante, está preocupado com a porção de suas tropas e com a parcela do
despojo a que seus aliados têm direito.”14
Alguns críticos questionam se de fato o relato de Gênesis 14 faz parte da
narrativa de Abraão. Eles alegam que esta narrativa não se encaixa na narrativa
de Abraão. Porém, “um exame cuidadoso do contexto mais amplo mostra, con-
tudo, que o capítulo se encaixa em uma estrutura mais abrangente. O centro da
narrativa de Abraão são os capítulos 15-17, cujo foco são as promessas pactuais.
Esses capítulos são emoldurados por dois capítulos em que Ló desempenha pa-
pel importante (Gn 13-14; 18-19).” (PROVAN, 2016, p. 187).
Da mesma forma, alguns críticos questionam se o relato realmente faz
parte da narrativa de Abraão, afirmam que, em outras passagens na narrativa,
Abraão é retratado como um simples nômade, vagando de uma cidade para ou-
tra, ao passo que aqui é apresentado como um guerreiro, obtendo vitória sobre
uma coalizão entrangeira relativamente grande. Porém, ele não era um simples
nômade, mas um líder que dispunha de riquezas imensas e que também tinha
aliados cananeus que lhe davam apoio.
Uma outra crítica que levantam contra esta narrativa de Gênesis 14, é a
de que em Gênesis 14.10, descreve que os reis de Sodoma e Gomorra caíram
em poços de betume, e a passagem, mais adiante, diz que o rei de Sodoma insis-
te em que Abraão receba os despojos. Entretanto, outros estudiosos respondem

13 Alleman e Flack, Old Testament Commentary, Filadélfia: Fortress Press, 1954, p. 14


14 Abraham the noble warrior: patriarchal politics and laws of war in ancient Israel (JSS 33,
1982), p. 106.

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

a isso mostrando que é possível e mesmo necessário interpretar a expressão


hebraica com o sentido de que os reis se esconderam nos poços de betume.
O relato descreve a campanha liderada por quatro reis – Quedorlaomer,
rei de Elão, Tidal, rei de Goim, Anrafel, rei de Sinear, e Arioque, rei de Elasar –
contra os cinco reis das cidades ao longo da extremidade sudeste do Mar Morto:
Bera, rei de Sodoma, Birsa, rei de Gomorra, Sinabe, rei de Admá, Semeber, rei de
Zeboim, e o rei de Bela, também conhecida como Zoar. “Os nomes soam com
tom de veracidade com relação aos seus vários países, mas todas as tentativas
feitas para identificá-los com maior precisão têm fracassado.” (KIDNER, 2001,
p. 111).
Provavelmente, o mais intrigante documento de todo o conjunto de docu-
mentos patriarcais é o capítulo 14 do livro de Gênesis, que narra a invasão da Pa-
lestina por uma aliança de reis da Mesopotâmia, e a sua derrota, por Abraão. Até
recentemente, este material era considerado, por críticos, como sendo lendário
e não histórico, mas graças ao resultado do trabalho de Albright, Jirku e Glueck,
ficou cada vez mais claro que este capítulo é um documento muito antigo “O
arqueólogo Albright declarou que alguns dos detalhes do capítulo 14 nos levam
de volta à Idade do Bronze (período médio, entre 2100 e 1560 a.C.). Não é muito
provável que um escritor que vivesse séculos depois conhecesse tais detalhes.”
(apud HOFFE, 2011, p. 23).
Expondo a forma de raciocínio vicioso adotado por parte de alguns críti-
cos sobre Gênesis 14, Julio Andrade Ferreira declara:

Contra o caráter histórico desta narrativa (a expedição de quatro reis con-


tra cinco em Gn 14), temos a asserção de Wellhausen e outro críticos de
nossos tempos (só quatro mil anos depois da suposta expedição!) que tal
expedição era ‘simplesmente impossível’, e que é provável que o relato
tenha sido fabricado (ou forjado) por alguma pessoa desconhecida, em
algum tempo desconhecido, de algum modo desconhecido, e aceito como
uma história por algumas pessoas desconhecidas, nalgum tempo desco-
nhecido, por razões desconhecidas. Nenhum item de evidência quanto ao
tempo, lugar, lógica, psicologia, linguagem, costume, se tem produzido
contra a veracidade do documento... Mas um professor alemão diz: ‘é sim-
plesmente impossível’, seguidores ingleses em eco proclamam: ‘simples-
mente impossível’. E esta asserção do ‘simplesmente impossível’ é cha-
mada ‘resultado seguro do criticismo científico’ (FERREIRA, 2003, p. 74).

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

Tão especial é este relato que os altos críticos têm sido forçados a cha-
má- lo de farsa ou creditá-lo a uma fonte isolada (separada das supostas fontes
documentais da escola da Hipótese Documentária usadas na composição do
livro de Gê­nesis e baseada no uso de diferentes nomes para Deus no texto e
supostamen­te na influência sacerdotal referida como J = Javista, E = Eloísta,
S = Escola Sacerdotal). O que torna este capítulo tão impressionante é sua
listagem de nomes e lugares tão detalhada e precisa (tanto estrangeiros como
locais), várias vezes explicada incidentalmente por mais nomes contemporâ-
neos, como “o vale de Sidim” para “o mar Salgado” (mar Morto v. 3). Ou “o
vale de Savé” para “o vale dos Reis” (o baixo “vale do Cedrom” v. 17). Tais
esclare­cimentos literários estão entre os traços que indicam que este capítulo
tenha a marca da antiguidade. Apesar do fato de que aqueles reis nomeados
em Gênesis 14 ainda te­nham que aparecer nos relatos bíblicos cuneiformes,
nós sabemos que os no­mes certos estão conectados com os lugares certos.
Sabemos disso porque enquanto os personagens específicos não são men-
cionados fora da narrativa do Gênesis, tais nomes aparecem em vários textos
mesopotâmios deste perío­do.
Nenhum dos reis invasores ou dos acontecimentos mencionados em
Gênesis 14 foram identificados ou confirmados por evidências arqueológicas,
apenas por evidências extrabíblicas, que lançam luz sobre o texto e apoiam
sua historicidade. Não há razão para tratá-lo como ficção, como o fazem certos
eruditos.
A dificuldade de se compreender o contexto histórico de Gênesis 14, tem
produzido duas ações em si negativas: ou cria-se uma atitude de completo ceti-
cismo acerca desse acontecimento, produzindo a teoria de que tudo não passou
de fábula histórica ou, por outro lado, desenvolve-se o desejo de identificar cada
um desses personagens com indivíduos bastante conhecidos do Oriente Médio.
“É muito mais prudente dizer hoje que apesar do relato possuir cada marca de
credibilidade histórica, não há como fazer a identificação desses reis do Orien-
te.” (MERRILL, 2002, p. 26). Embora as pessoas listadas em Gênesis 14 não
possam por enquanto serem ligadas a indivíduos em histórias extrabíblicas, os
nomes são por outro lado muito familiares no período do Bronze Médio.15 Não
há nada no relato bíblico que tenha sido reprovado pelas novas descobertas lite-
rárias, e nem existe qualquer incongruência com o ambiente histórico onde tais
narrativas tiveram lugar.

15 M. Astour em, Biblical motifs: origins and transformations. Cambridge: Harvard


University Press, 1966, sustenta que Gênesis 14 foi produto da escola deuteronômica do
final do século VI a.C. e reflete arealidade daquele período. Para Astour, os quarto reis
representam a Babilônia, a Assíria, o Elão e a terra de Hatti, os quatro cantos do mundo.

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

Anrafel, rei de Sinar é visto como um típico nome semita ocidental da


baixa Mesopotâmia, encontrado tanto em fontes acadianas como amoritas, e
possivelmente conectado com o nome amorreu Amud-pa-ila. “Sinar”, em tex­
tos egípcios, é usado para Babilônia. Em princípio pensou-se que Anrafel fosse
Hamurábi, mas as diferenças a serem transpostas são grandes demais, de modo
que essa associação foi abandonada. O nome Arioque é traduzido como Arriyuk
ou Arriwuk nos textos do século XVIII a XV a.C., descobertos em Mari e Nuzi, na
Mesopotâmia. “Arioque, rei de Elasar”, aparece como o Arriyuk(ki)/Arriwuk(ki)
nos textos de Mari (amorreus) e Nuzi (horeus). Em Mari este era o nome do
quinto filho de Zinri-Lim, rei de Mari. Atualmente esta associação é considerada
improvável. No início, acreditou-se que a cidade de Elasar fosse a mesma loca-
lização geográfica de Larsa, mas identificações mais recentes incluem regiões
menos conhecidas como Alsi, no norte da Mesopotâmia, ou Ilansura, perto de
Carquemis. Quedorlaomer, rei de Elam é claramente um nome elamita, ba-
seado em termos elamitas familiares: kudur (“servo”) e Lagamar, uma deusa
principal no panteão elamita. Ele se encaixa no tipo de nomes reais elamitas
conhecidos como um tipo Kutur, e é conhecido de pelo menos três exemplos re-
ais. “No entanto, a segunda parte, que com certeza é uma palavra genuinamen-
te elamita, não se parece com nada associado a algum rei conhecido daquele
povo.” (PROVAN, 2016, p. 188). Tidal, rei de Goim, é bem atestado como uma
forma antiga do nome heteu Tudkhalia, que era o nome de pelo menos cinco
governantes heteus. Diz-se que um serviu como “rei de povos/grupos,” o que
reflete a fragmentação política que existia no império heteu em Anatólia (Tur-
quia) durante os séculos XVIII e XIX a.C. e permitia o tipo de aliança descrita em
Gênesis 14. (PRICE, 2006, p. 79-80).

“Anrafel, rei de Sinar” parace ser um perfeito nome típico do oeste semí-
tico, da baixa Mesopotâmia, ilustrado em fontes acadianas e amoritas, e
talvez ligado ao nome amorita Amud-pa-ila. “Sinar” é usado em textos
egípcios como sendo o nome da Babilônia. “Arioque, rei de Elasar” parece
semelhante aos nomes Mari amorita ou Nuzi hurriano de Arriyuk(ki) ou Ar-
riwuk(ki). “Quedorlaomer, rei de Elão” é com toda certeza um nome elami-
ta, pois ele tem o tipo de nome Kudur (“servo de X”), que é encontrado em
pelo menos três nomes reais. A segunda parte do nome de Quedorlaomer
é Lagamar, a principal deusa do panteão elamita. “Tidal, rei de Goim” é
um nome heteu bem comprovado, da mesma forma que Tudkhalia. Diz-se
que Tidal foi rei sobre o “povo/grupos”, um fato que sem dúvida reflete
a fraguimentação política presente no império heteu em Anatólia (atual
Turquia) no período entre os séculos 19 e 18 a.C. (KAISER, 2007, p. 82).

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

O que podemos tiras da análise dos nomes destes reis, é que, os nomes
parecem autênticos, mesmo não sendo possível identificar com certeza esses
reis com nomes mencionados fora da Bíblia.

Registros contemporâneos descrevem confederações mesopotâmias se-


melhantes que se formaram depois da queda d III dinastia de Ur (cerca de
2000 a.C.) e antes da ascenção do rei Hamurabi ao poder (cerca de 1750
a.C.). Curiosamente, o rei Yahdun-Lim, de Mari (cerca de 1820 a.C.), dei-
xou registro de várias incursões que fez à Siro-Palestina com o propósito
de forçar submissão dos reis locais, e esse registro é bastante similar ao
que encontramos em Gênesis 14. Isso nãosignifica que o episódio bíblico
e as incursões conduzidas por Yahdun-Lim sejam a mesma coisa, mas que
a narrativa bíblica se encaixa de forma bem adequada ao que se vê na
história daquele período. (Bíblia de Estudo Arqueológica, p. 24).

Uma forte evidência da historicidade e antiguidade da narrativa de Gê-


nesis 14, é a única ocorrência na Bíblia, em Gênesis 14.14, da palavra hanikim,
“homens treinados”, ou “partidários armados”, ou “contratados”. Esta palavra é
encontrada nos textos de maldição egípcios do século XIX a.C., e uma vez nas
cartas de Taanach, do século XV a.C., onde ela conserva o mesmo siguinificado.

Se esse texto tivesse sido criado para atender aos propósitos da época pós-
-exílica, o termo há muito já tinha se perdido e não faria sentido para seus
leitores; na verdade, não seria nem mesmo possível fazer uma “arcaização
deliberada” do texto, visto que a palavra teria, há muito, desaparecido do
vocabulário de qualquer pessoa no período de sua suposta redação. (KAI-
SER, 2007, p. 83).

A estes indicadores de historicidade ligados ao tempo, podemos acres-


centar: 1) a exatidão da rota de invasão tomada pelos reis do Leste, 2) o uso de
um termo hebraico para “criados” no versículo 14, que é atestado fora desta
passagem apenas no século XIX a.C. Um texto egípcio e uma carta do século XV
a.C. de Taanak e 3) a descrição de Melquisedeque16, que acuradamente descreve

16 Quem foi Melquisedeque? Há algum debate sobre a natureza de Melquisedeque. Foi


ele uma pessoa real, um ser fora do normal ou apenas uma personagem de ficção?
Com base em Hebreus 7, alguns têm interpretado Melquisedeque como tendo sido
um anjo ou até mesmo como uma aparição de Cristo. Isso não é provável, já que o
autor de Hebreus apresenta Melquisedeque como sendo um tipo de Cristo. Em Gênesis,
Melquisedeque é apresentado de maneira usual e histórica. Ele encontra-se com Abraão

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

o ambiente do segundo milênio. Estes detalhes em Gênesis 14, atestados em


documentos extrabíblicos de tempo, podiam não ter sido inventados e correta-
mente atribuídos às suas respectivas nações e ambientes geográficos por um
escritor hebreu vivendo num período posterior. Assim, a antiguidade deste rela-
to, dentro do contexto mais amplo das narrativas patriarcais, indica que existe
razão substancial para considerar o todo como historicamente acurado.
Kenneth Kitchen nos fornece precioso esclarecimento a respeito da histo-
ricidade do relato de Gênesis 14, vejamos:
Ora, é verdade que as alianças tais quais Abraão faz com seus vizinhos -
pequenos reis cananeus - pode ter ocorrido pelo menos desde o início da Idade
do Bronze (terceiro milênio a.C.) até o final do século 13 a.C., mas eles teriam
sido menos prováveis durante o período da dominação egípcia dos séculos 15 a
13 a.C. Nos séculos 12 e 11 a.C., contudo, as novas condições se apresentaram
em Canaã: ao emergência de Israel inicial, o aumento da Liga dos filisteus, e a
consolidação do poder Arameu no norte. Portanto, a situação em Canaã não é
muito útil para responder a nossa questão cronológica, exceto para dizer que a
aliança entre Abraão e os reis cananeus deve ter ocorrido antes do século 12.
As condições políticas descritas pela aliança em Gênesis 14 e aquela da
coa­lizão transjordaniana dos reis da bacia do mar Morto foram possíveis em
apenas um período da história — o início do segundo milênio a.C. Somente
neste tempo o registro arqueológico revela que os elamitas estavam agressiva-
mente envolvidos em assuntos da região (o Levante), e somente neste período
as alianças mesopotâmicas eram tão instáveis para permitir tal confederação.17
O termo “Goim” é uma tradução hebraica da palavra acadiana Umman, um

e com ele conversa normalmente. Não há razão, seja arqueológica ou de qualquer outra
origem, para que se questione quanto à personalidade histórica de Melquisedeque.
“Malki-Sedéq”, pode ter várias significações: “(o dues) Sédek é meu rei”, “(o rei) Milku
é justo” ou “meu rei é justo”. Seu nome faz referência a justiça. É o rei de “Shalém”. A
tradição judaica identificou Shalêm a Jerusalém (Sl 76.2). A palavra shalêm assemelha-
se também a shalom, a paz. Além de rei, é sacerdote de El-Elyôn, o Deus Altíssimo. É
o primeiro sacerdote mencionado na Bíblia. Melquisedeque reconhece que a mão do
Deus Altissímo esteve presente na pessoa de Abraão. Descobriu que Abraão foi uma
benção para as nações. Nos tempos antigos, a deidade cananeia principal era chamada
“altíssimo”, “senhor do céu” e “criador da terra”. A terminologia e a localização (Jerusalém
estava na Canaã central) fazem supor, portanto, que Melquisedeque era um rei-sacerdote
cananeu. Abraão, no entanto, ao identificar o “Deus Altíssimo” de Melquisedeque
como “o SENHOR” (cf. v. 22), deu testemunho do Deus único e verdadeiro, a quem
Melquisedeque passara a conhecer.
17 Kitchen, Ancient Orient and the Old Testament, pp. 46, 73; “The Patriarchal Age: Myth or
History?”, Biblical Archaeology Review, volume 21, n.° 2 (Março/Abril de 1995), p. 57.

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

termo usado para ca­racterizar vários povos que vieram como invasores.18 As-
sim, este rei era provavel­mente um governante andarilho que assimilou várias
tribos e províncias em seus exércitos. Dado este entendimento e a mudança do
quadro político, é lógico que um rei elamita encabeçasse uma coalizão mesopo-
tâmica de cidades-estado e lan­çasse um ataque punitivo contra os rebeldes reis
cananeus. Depois deste período, e especialmente durante o primeiro milênio
a.C., o mapa político tornou-se com­pletamente incompatível com as condições
necessárias para tal formação
Mas, mais a leste, a situação era completamente diferente. Na história da
Mesopotâmia e seus vizinhos, verificamos que as condições geopolíticas topam
com a situação em Gênesis 14 em apenas um período, a era dos patriarcas de
acordo com a cronologia bíblica.
Além disso, as campanhas militares da Mesopotâmia para o Levante estão
bem atestadas a partir do terceiro milênio a.C. (Akkad e Terceira Dinastia de Ur),
através do início do segundo milênio a.C. Uma guerra da aliança abraâmica contra
uma aliança dos reis do oriente no período dos patriarcas é certamente plausível.
Na verdade, um relato a partir do início do segundo milênio é semelhante
a Gênesis 14, embora do ponto de vista oposto, o da aliança dos reis orientais.
Em uma esplêndida inscrição de Iahdun-Lim de Mari, somos informados de que
Shamsi-Adad I da Assíria, chegara ao Líbano, avançou passando nas montanhas
de madeira e prosseguiram para o Mar Mediterrâneo; ele fez oferenda para ce-
lebrar o seu sucesso (como Abraão dizimou a Melquisedeque [ Gênesis 14.20])
e impusera seu governo e “tributo perpétuo” sobre os povos do Levante que ele
conquistou, que foi pago até ao ano da inscrição, quando Shamsi-Adad I derro-
tou uma aliança de quatro outros vassalos que se rebelaram.
A conquista, a servidão e a revolta descritas nesta inscrição estão em
paralelo em Gênesis 14.1-11, mas do ponto de vista oposto. Em suma, o tipo de
envolvimento militar descrito em Gênesis 14 está em casa no início do segundo
milênio a.C.
Por volta do século 18 a.C., porém, a situação mudou drasticamente na
Mesopotâmia. Os triunfos de Hammurabi da Babilônia e Shamsi-Adad I da Assí-
ria terminaram a era das alianças rivais, com as numeroas cidade-estado meso-
potâmicas desaparecendo para sempre. A partir de então, a terra foi dominada
por apenas duas potências, Assíria e Babilônia. Durante dois séculos (c. 1550-
1350 a.C.), elas partilhavam o poder com Mitanni, mas isso foi tudo.

18 Bruce Vawter, On Genesis: A New Reading (Garden City, Nova York: Doubleday, 1997), p.
188. A. E. Speiser, Genesis, Anchor Bible (Garden City, Nova York: Doubleday, 1983), pp.
107, 108.

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

Não só o mapa político da Mesopotâmia, em seguida, torna-se incompatí-


vel com a situação tal como descrito em Gênesis 14, mas no norte, na Anatólia,
houve mudanças drásticas tais: os chefes e os senhores foram absorvidos no
reino hitita que dominara a área até cerca de 1200 a.C. Mais tarde, durante o
primeiro milênio a.C., o Levante foi dominada pelos Arameus e estados Neo-
-hititas do norte, por Israel (mais tarde Israel e Judá) e os filisteus, no sul, pelos
fenícios ao longo da costa, e no devido tempo por Amon, Moab e Edom no leste
da Jordânia. Todos, entretanto, cairam sob a sombra crescente da Assíria, e na
maioria dos casos desapareceram politicamente, como Babilônia e em seguida
o império persa, sucederam, um após o outro, a hegemonia assíria.
Assim, existe um - e somente um - período que se adapta às condições
refletidas em Gênesis 14- o início do segundo milênio a.C. Somente nesse perío-
do é que a situação na Mesopotâmia permite a mudança de alianças, e só então
Elam participa ativamente nos assuntos do Levante, enviando emissários não só
para Mari, mas tão longe como Qatna no Orontes, na Síria. (KITCHEN, 1995).

3. Os patriarcas e as fontes JEDP

Os críticos consideram também o texto de Gênesis 16 e 21 como evi-


dência de fontes diferentes. Defende-se a existência de três fontes por trás da
história de Agar e Ismael. O texto é decomposto da seguinte forma:

16.1 P 16.4-14 J

16.2 J 16.15-16 P

16.3 P 21.9-21 E

Como o documento D é quase que exclusivo ao livro de Deuteronômio, as


narrativas patriarcais se divide entre os demais documentos J, E e P. Os críticos
afirmam que, em essência, as duas histórias en­tram em conflito, o que impede
que ambas sejam verídicas. Para exemplificar essa ideia, temos, no capítulo 16,
Agar se compor­tando de maneira soberba e insolente para com Sara; já no capí­
tulo 21, ela é mais vítima que vilã. Em 16.6, Abraão, de bom gra­do, deixa Agar
nas mãos de Sara e não interfere. Já em 21.11, Abraão, longe de ser passivo,
sente repugnância pela reação de sua esposa. Ele se certifica de que Agar tenha

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

suprimentos para a jornada pelo deserto, ainda que em míseras quantidades,


consi­derando as posses e riquezas de Abraão (21.14). A Hipótese Documentária
parace explicar as dificuldades que foram apresentadas, pois, segundo esta hipó-
tese as narrativas patriarcais são compostas de vários documentos ou tradições,
e, isso explica, segundo suas concepções as duplicações e aparentes inconsis-
tências do texto.
A Hipótese Documentária do século XIX, abalou as ideias tradicionais
sobre a historicidade das narrativas patriarcais. Se situarmos os patriarcas no sé-
culo XIX a.C., como frequentemente se faz, e o autor da fonte J no século X a.C.,
como poderia este autor da fonte J escrever um texto históricamente merecedor
de confiança sobre o século XIX a.C.?
J. Wellhausen, o principal representante da Hipótese Documentária, de-
clarava que o valor histórico dos patriarcas era nulo. Vejamos: “Não podemos
obter conhecimento histórico algum sobre os patriarcas, mas somente sobre as
épocas em que as narrações que lhes dizem respeito se formaram entre o povo
israelita.” (1927, p. 318-319). Com isso, as narrativas patriarcais não nos imfor-
mam sobre a época de Abraão, mas sobre a época dos autores das fontes. Tais
relatos seriam, portanto textos míticos, nos quais os patriarcas representariam
divindades; ou textos étnicos, nos quais os patriarcas não seriam indivíduos,
mas tribos; ou textos folclóricos, que se referem a heróis populares lendários; ou
ainda textos etiológicos, escritos para explicar certos fenômenos.
Como exemplo, ao relacionarmos as diferentes fontes de Gênesis 25—
28, encontra-se o seguinte mosaico (segundo um consenso entre os estudiosos):

25.19,2 0 P 27.1-45 J 28.17,18 E

25.21-26a J 27.46 P 28.19 J

25.26b P 28.1-9 P 28.20,21a E

25.27-34 J 28.10 J 28.21b J

26.1-33 J 28.11,12 E 28.22 E

26.34,35 P 28.13-16 J

J. Van Seters buscou uma substituição do antigo modelo da Hipótese Docu-


mentária. Ele propõe uma solução bastante radical para o as narrativas patriarcais,
ele conclui que não se trata de documentos paralelos combinados entre si por um

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

redator posterior. Ele propõe, em vez disso, que cada fonte sucessiva desenvolva
ou complete a tradição anterior. O javista não é a fonte mais antiga, como sempre
se afirmou, mas teria sido precedido por fragmentos escritos mais antigos. Ele se
refere assim, a um primeiro, e depois a um segundo estágio pré-javista. O javista
(J) retrabalhou esse material, ainda bem limitado, o completou e inseriu suas pró-
prias observações. Acrescentou, além disso, muitos relatos de sua autoria. Depois
disso, o autor sacerdotal (P) acrescentou alguns fragmentos, e uma última edição
é pós sacerdotal. Contrariamente à opinião bastante comum de que J dataria do
século X a.C., da época de Davi/Salomão, Van Seters situa J na época do exílio,
portanto na época em que se situava P. Para ele, P é pós-exílico.
É evidente que o autor de Gênesis não pretendia dar a Israel uma infor-
mação exata acerca do passado distante, e as narrativas não deviam ser entendi-
das assim. “Ele é impudentemente seletivo. ‘Somente aquilo que contribui para
a história de Deus – i. é, para a intenção teológica do texto - merece ser comen-
tado.” (GREIDANUS, 2009, p. 46). E ainda, “as narrativas de Gênesis podem ser
descritas como sermões dirigidos ao antigo Israel, cuja intenção é comunicar a
Israel a mensagem relevante de Deus.” (p. 47). Ou seja, não é prudente fazer
perguntas ao texto, que o autor não pretendia responder.

As narrativas de Gênesis não são, obviamente, historiografia moderna. Ao


menos por uma razão: não são relatos de testemunhas oculares. Se, como
afirma a tradição, Moisés foi o seu autor original, ele viveu no mínimo seis
séculos depois de Abraão... Podemos descrever o texto histórico de Gêne-
sis como historiografia querigmática antiga. (GREIDANUS, 2009, p. 46).

Temos que ter a consciência de que:

Estudando-se Gênesis em seus próprios termos, isto é, como todo vivo,


não como um corpo a ser dissecado, não se pode fugir da impressão de
que os seus personagens são pessoas de carne e ossos, de que os acon-
tecimentos que relata são reais, e de que o livro mesmo constitui uma
unidade. (KIDNER, 2001, p. 21).

Um ponto a favor da unidade do livro de Gênesis se acha na técnica do au-


tor em tratar as figuras ancestrais que não são da linhagem escolhida, vejamos:

A genealogia de Caim (4:17 segs.) se dá antes daquela de Sete (4:25-26); as


de Jafé e Cão (10:1 segs. e 10:6 segs.) são colocadas antes daquela de Sem
(10:21 segs.), apesar de Cão ser presumivelmente o mais jovem dos três ir-

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

mãos. As genealogias de Ló (19:29 segs.) e Ismael (25:12 segs.) aparecem


antes daquela de Isaque 25:19 e segs.). Assim também os descendentes
de Esaú (36:1 segs.) se alistam antes dos de Jacó (37:2 segs.). (ARCHER,
2003, p. 90-91).

Isto aponta fortemente para uma autoria única do livro de Gênesis, este
tratamento sistemático não aponta para uma autoria de diversas fontes indepen-
dentes postulada pelos adeptos da Hipótese Documentária.
Tendo isso em mente, as etapas que foram necessárias para a composi-
ção de Gênesis perdem um pouco sua importância, pois não tratam se de tradi-
ções rivais disputando por autoridade, e o próprio autor não chama atenção para
as fontes da sua informação.
Segundo Canon Dyson Hague (1857-1935):

O livro de Gênesis não é o trabalho de um teórico nem de um analista


tribal. Menos ainda é o produto de algum compilador ou compiladores
anônimos de uma série de mitos, históricos na forma, mas não históri-
cos de fato, feito em alguma era desconhecida.... o começo do Gênesis é
uma narrativa divinamente inspirada dos eventos considerados necessá-
rios por Deus para estabelecer os fundamentos da lei divina na esfera da
vida humana... A concepção racionalista alemã, que passou por cima de
milhares de mentes cristãs mais ou menos ortodoxas, é a de que esses
primeiros capítulos contêm antigas tradições da mente semita oriental.
Outros vão mais longe, e não somente os negam como produto da mente
reverente e religiosa do hebreu, mas afirmam que esses capítulos iniciais
são simplesmente lendas orientais, cuja origem não é de Deus, mas do
leste, provavelmente da Babilônia pagã. (apud TORREY, 2005, p.107).

4. Estrutura quiástica das narrativas patriarcais

Os esrcitores bíblicos empregaram muitos padrões. Padrões paralelos ten-


dem a provocar uma comparação das sequências paralelas e de cada elemento
paralelo. Com frequência, a compração revela uma progressão, mas não neces-
sáriamente oposição ou contraste entre os componentes paralelos. (WALTKE,
2016, p. 138). Esse padrão é conhecido como “quiástico”19 (A-B-C-X-C’-B’-A’).

19 O termo “quiasmo”, ou “quiástico”, deriva da forma de letra graga chi (“X”, uma cruz ou
intersecção).

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

Esse padrão, é caracterizado pelo equilíbrio e pela inversão, é o mais comum.


Essa forma amplida de quiasmo serve sistematicamente para dirigir o interesse
do leitor para o eixo central. Em outras palavras , a chave do significado, para
entender a mensagem, é o eixo central.
Vejamos a sehguir, uma análise estrutural concêntrica das narrativas pa-
triarcais, análise esta que, comptrapõe a suposta Hipótese Documentária em sua
análise de composição literária das narrativas patriarcais. O que estas estruturas
concêntrinas nos revelam é, a unidade literária das narrativas patriarcais. Veja-
mos:

A. A estrutura concêntrica do ciclo de Abraão (11.27-22.24)

A Genealogia de Terá (11.27-32)


B Promessa de uma nação e início da odisséria espiritual de Abraão (12.1-9)
C EU SOU protege e enriquece, no Egito, o dissimulado Abraão e Sara (12.10-20)
D Abraão escolhe a terra pelos olhos da fé; Ló escolhe Sodoma pelos olhos da
carne (13.1-18)
E Abraão age, mediante a guerra, a favor de Sodoma e de Ló (14.1-24)
F Aliança acerca da terra firmada com Abraão e anunciação de Israel (15.1-16.16)
F’ Aliança acerca de semente firmada com Abraão e anunciação de Isaque (17.1-18.15)
E’ Abraão intercede a favor de Sodoma e de Ló (18.16-33)
D’ Ló foge da condenada Sodoma e se estabelece em Moabe (19.1-38)
C’ EU SOU protege e enriquece, na Filístia, o dissimulado Abraão e Sara (20.1-18)
B’ Nascimento de Isaque e clímax da odisseia espiritual de Abraão (21.1-22.19)
A’ Genealogia de Naor (22.20-24).

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

B. A estrutura concêntrica do ciclo de Jacó (25.19-35-22)

A Busca de oráculo; parto difícil; nascimento de Jacó (25.19-34)


B Interlúdio: Rebeca em um palácio estrangeiro: pacto com estrangeiros (26.1-35)
C Jacó teme Esaú e foge de sua terra (27.1-28.9)
D Mensageiros celestes (28.10-22)
E Chegada em Harã (29.1-30)
F As esposas de Jacó são férteis (29.31-30.24)
F’ Os rebanhos de Jacó são férteis (30.25-43)
E’Fuga de Harã (31.1-55)
D’ Mensageiros celestes (32.1-32)
C’ Jacó volta para sua terra e se reconcilia com Esaú (33.1-20)
B’ Interlúdio: Diná em um palácio estrangeiro; pacto com estrangeiros (34.1-31)
A’ Cumprimento de oráculo; parto difícil; Jacó se torna Israel (35.1-22).

C. A estrutura concêntrica do ciclo dos doze filhos

A Introdução: início da história de José numa família disfuncional (37.2-11)


B Jacó pranteia a “morte” de José (37.12-36)
C Interlúdio: Judá sinalizado como líder das doze tribos (38.1-30)
D José é escravo dos egípcios (39.1-23)
E José: salvador do Egito mediante favor concedido por faraó (40.1-41-57)
F Viagens de irmãos ao Egito (42.1-43.34)
G Irmãos, especialmente Judá, são aprovados no teste de amor fraternal aplicado por
José (44.1-34)
G’ José deixa de exercer poder sobre os irmãoes (45.18)
F’ Migração da família para o Egito (46.1-27)
E’ José: alvador da família mediante concessão feita pelo faraó (46.28-47.12)
D’ José escravisa os egípcios (47.13-31)
C’ Interlúdio: Judá abençoado como governante (48.1-49.28)
B’ José pranteia a morte de Jacó (49.29-50.14)
A’ Conclusão: fim da história de José numa família reconciliada (50.15-26).

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

5. Podemos crer na historicidade das narrativas patriarcais?

A fé de Israel está baseada em fato histórico ou em ficção? Abraão é a


criação da fé ou o criador da fé? Não restam dúvidas que o legado espiritual
deixado pelo patriarca Abraão, independe da sua existência histórica. Para bi-
lhões de fiéis no mundo todo, basta o exemplo de fé e obediência do patriarca.
As três grandes religiões monoteístas, o cristianismo, o judaísmo e o islamismo,
reivindicam todas, às vezes com certa rivalidade, a mesma origem em Abraão.
Chamam-no de Pai.
No primeiro livro da Bíblia, apenas dois capítulos são dedica­dos ao relato
da Criação, e apenas um ao relato da Queda. A histó­ria de Abraão, no entanto,
estende-se por 13 capítulos de Gênesis, atingindo partes de dois outros capítu-
los. Seria isso uma pista a respeito do principal propósito das Escrituras? Sua
principal fun­ção não é tratar de questões metafísicas e filosóficas, que natural­
mente ocupam a mente do homem moderno. O mesmo podemos dizer da
extensão que ocupa as narrativas de Isaque, Jacó e José.
Em um sentido técnico, contudo, não encontramos a biografia de Abraão
no livro de Gênesis e não somos capazes de traçar sua vida em detalhes. Ainda
assim, alguns eventos de sua vida são destacados, com ênfase em um período
específico. Não dispomos de nenhuma informação sobre Abraão até seu 75°
aniversário e, quanto aos seus últimos 75 anos de vida, dispomos de um mínimo
de dados. Os 25 anos de fundamental importância vão dos 75 aos 100 anos.

Passagem Bíblica Idade de Abraão Acontecimento


12.4 75 Abraão parte de Harã
Abraão habita por 10 anos
16.3 85
Canaã
16.16 86 O nascimento de Israel
17.1 99 A aliança
21.5 100 O nascimento de Isaque
23.1 137 A morte de Sara
25.7 175 A morte de Abraão

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

Nosso conhecimento a respeito de Abraão é limitado àquilo que encon-


tramos nas Escrituras, assim como dos demais patriarcas. Assim como acontece
com a maioria dos personagens bíblicos, não existem referências a respeito dele
em nenhuma obra da época dos patriarcas. Alguns indivíduos ti­veram (aparen-
temente) o mesmo nome — como, por exemplo, na antiga cidade de Ebla — o
que atesta a antiguidade da tradição. Ainda assim, nenhuma dessas pessoas é
o Abraão da Bíblia.
Uma única referência ao patriarca Abraão — ou a Moisés, diga- se de
passagem — em algum texto cuneiforme ou hieroglífico, se­ria suficiente para
silenciar a multidão de especulações a respei­to desses personagens da história
primitiva. A ausência de tais referências, contudo, desencadeou as divagações
de estudiosos modernos na busca do “Abraão histórico”. Mesmo aqueles que,
baseados em descobertas arqueológicas, confirmam a autentici­dade do ambien-
te cultural nas tradições patriarcais, relutam em admitir que o que temos em
mãos é pura história.
Além disso, tais críticos, que expressam uma opinião histórica conser-
vadora a respeito dos patriarcas, em geral também afir­mam que tais relatos —
misturas de fatos e lendas — foram com­postas em Judá e Israel, da época da
instituição da monarquia até o retorno do exílio (1000 a.C a 500 a.C). Como tal,
todas as narrativas acerca dos patriarcas teriam sido parte de uma longa tradi-
ção oral que, posteriormente, passou por um processo de com­pilação, revisão e
edição, no qual a maioria das histórias foi afas­tada de seu contexto e propósito
original. Com essa visão, combi­na a ideia de que algumas das narrativas dos pa-
triarcas não pas­sam de invencionices de uma época remota, histórias artificial­
mente localizadas em uma era longínqua.
Tal abordagem claramente minimiza ou ignora a importância do papel
dos patriarcas no livro de Gênesis: serem os primeiros canais de transmissão
das promessas de Deus. Nas palavras de Geerhardus Vos20: “Se, de acordo com
a Bíblia, eles [os patriarcas] são atores reais no drama da redenção, o verda-
deiro princípio do povo de Deus [...] a negação de sua historicidade torna-os
sem efeito”. Eles se tornam, pelo contrário, indivíduos obscuros de um passado
remoto e indecifrável ou, talvez, personagens de parábo­las ancestrais, de onde
as gerações posteriores podem extrair ver­dades eternas com aplicação na rea-
lidade atual.
O importante papel desempenhado pelos patriarcas na his­tória da reden-
ção recebe maior destaque em Gênesis por meio de uma contínua ênfase na
promessa divina. Tudo começa com Abraão, Isaque e Jacó, mas nada termina

20 Notes on Biblical Theology. Grand Rapids: Eerdmans, 1948, p. 67.

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

neles. Todos os três foram instrumentos para alcançar um fim que extrapolou
em muito o tempo de suas vidas. São catalisadores de um processo e não sua
conclusão. Assim, ao lermos sobre a vida de Abraão em Gênesis, nosso principal
objetivo não é conhecermos o coti­diano do segundo milênio a.C, mas as pro-
messas de Deus para o futuro. Em última análise, nosso interesse é profético,
não histórico.
As narrativas patriarcais, seu valor como fontes de informação a respeito
da pré-história é considerado como mínimo, ou inteiramente nulo pela Hipótese
Documentária. Abraão, Isaque, Jacó eram comumente explicados como amte-
passdos epônimos de clãs, ou mesmo como figuras míticas, e sua existência real
era muitas vezes negada.
A cronologia e a historicidade das narrativas patriarcais, em certo ponto
estão sujeitas, a se o pesquisador está sujeito a aceitar a facticidade da informa-
ção contida em Gênesis. Caso argumente, baseado em qualquer informação,
que a vida longa dos patriarcas é impossível ou que as narrativas registram
acontecimentos não históricos, episódios legendários, tal pessoa não poderá di-
zer nada significativo a respeito da cronologia ou história patriarcal. “Rejeitar os
únicos dados disponíveis significa desprezar qualquer chance de reconstruir a
história primitiva dos hebreus.” (MERRILL, 2002, p. 73).
Prontamente muitos críticos alegam que os patriarcas foram figuras não
históricas, ou seja, figuras lendárias21, sobre isso Bright declara:

As tentativas antigas de não achar nos patriarcas mais que a criação livre
da lenda, antepassados epônimos de clãs, ou figuras atenuadas de deuses,
já foram abandonadas e de tal forma que não merecem hoje a mínima
discussão. O sabor de autenticidade das histórias nos impede que con-
sideremos os patriarcas como lendários, e a descrição deles, que nos é
apresentada, não tem nada de mitológico. (BRIGHT, 2003, p. 124).

21 Esta postura dos críticos, se assemelha ao “evemerismo”. O evemerismo é uma teoria


hermenêutica da interpretação dos mitos criada por Evêmero (cerca de IV a.C.) em sua
obra Hiera anagrafe (História sagrada), da qual somente restaram alguns resumos, e,
segundo a qual, os deuses não são mais que personagens históricos de um passado
obscuro, amplificados por uma tradição fantasiosa e lendária. O sentido oculto dos mitos
é, pois, de natureza histórica e social. Esta teoria seria aceita pelo filósofo David Hume e
por Voltaire, o qual escreveu Diálogos com Evêmero. Mas, a obra de Evêmero perdeu-se e
só é conhecida por seus comentaristas (particularmente Diodoro da Sicília). Na verdade,
já o sofista Pródico de Ceos sustentava o mesmo: afirmava que os deuses são coisas ou
homens que na antigüidade foram importantes, pelo que passaram a ser endeusados.
Cícero, em sua Sobre a natureza dos deuses (2, 24-25) e em Sobre a adivinhação (2, 37),
ao interpretar os mitos emprega tanto a alegoria como o evemerismo.

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

Citando J. A. Soggin, Iain Provan declara,

Em nível histórico, é possível que os patriarcas tenham de fato sido con-


temporâneos um dos outros ou até mesmo nem tenham existido. Além do
mais, a sequencia patriarca-êxodo-conquista parece ser uma simplificação
que os editores introduziram, a fim de lidar com os problemas levantados
por aspectos mais complexos das tradições. (PROVAN, 2016, p. 31).

As histórias bíblicas sobre Abraão, Isaque e Jacó eram, segundo muitos


pesquisadores, simplesmente contos do campo que haviam sido passados atra-
vés dos séculos e que tinham virado lendas (ele usou a palavra saga). Os patriar-
cas foram apenas uma projeção retroativa criada pelos judeus nacionalistas em
meados do primeiro milênio (600-400 a.C.). Estes nacionalistas estavam procu-
rando criar um passado glorioso, ainda que não histórico.
Os cristãos deveriam compartilhar uma preocupação sobre esta visão,
porque, no Novo Testamento, Abraão é chamado “pai de todos nós” (Rm 4.16),
e crentes em Cristo são considerados seus “filhos” e “descendência, herdeiros
segundo a promessa” (G1 3.7,29). Além disso, a historicidade dos patriarcas
é aceita por Jesus e pelos autores do Novo Testamento (Mt 1.1,2; 3.9; 8.11; Lc
13.28; 16.22-30; 20.37,38; Jo 8.39-58; At 3.13,25; 7.16,17,32; Hb 2.16; 7.1-9; 1
Pe 3.6) e usada como testemunha por eles da garantia de Deus quanto ao cum-
primento de sua Palavra (Rm 4.1-25; G1 3.6-29; Hb 6.13; Tg 2.21-23).
Para o crédito dos patriarcas, o autor de Hebreus devotou mais da metade
daqueles vinte e nove versículos — quinze, para ser exato — ao detalhamento
das maneiras pelas quais os patriarcas e suas esposas provaram serem homens
e mulheres de fé. Portanto, sem os patriarcas, cuja fidelidade lançou o funda-
mento da nossa fé, nem judeus nem gentios tem uma promessa.
Após a elaboração de muitos pesquisadores que demostraram a histori-
cidade dos patriarcas com vimos acima, surgem no cenário dois pesquisadores
que fazem uma releitura dos materiais arqueológicos e negam a historicidade
dos patriarcas, são eles: Thomas L. Thompson22, em 1974; John Van Seters23,
em 1975 e Donald B. Redford24, em 1970. Eles concluíram que uma parcela das
evidências não apoiava, em todas as instâncias, a historicidade dos patriarcas.
Basicamente, eles procuram demonstrar que os materiais arqueológicos possibi-
litam datar os patriarcas no início do segundo milênio, como no primeiro milê-

22 The Historiciy of the Patriarchal Narratives. Berlim: de Grutyer, 1974.


23 Abraham in History and Tradition. New Haven: Yale University Press, 1975.
24 A Study of the Biblical Story of Joseph. Leinden: Brill, 1970.

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

nio. Segundo estes pesquisadores, as dificuldades que os achados arqueológicos


apresentam em datar os patriarcas no início do segundo milênio, ou seja, seus
anacronismos, não podem ser explicados como simples anacronismos. Para
eles, esta seria “uma solução facilitadora” (VOGELS, 2000, p. 30). Eles preferem
ver nesses “anacronismos” indicações para datar os textos, fixar seus limites
cronológicos. E concluem que os relatos dos patriarcas refletem a situação his-
tórica de Israel na época da monarquia, nos séculos IX e X. Van Seters data os
patriarcas no século VI.
Obviamente que estes pesquisadores seguem a Hipótese Documentária
e as escolas que secederam, para nortear suas pesquisas. E concluem: “As tradi-
ções bíblicas sobre os patriarcas não tem uma perspectiva histórica, mas pers-
pectivas ideológicas, sociológicas, políticas e religiosas.” (VOGELS, 2000, p. 31).
Obviamente, que estas posições de Thompson e Seters receberam dura oposi-
ção, e se mostraram frágeis em muitos pontos.

5.1. A origen das narrativas patriarcais

Os aderentes no século XX da teoria crítica-literária das origens do Penta-


teuco consideravam que os começos de Israel estavam, na melhor das hipóteses,
envoltos em mitos e lendas, ao passo que pessoas tais como Abraão e Moisés
eram consideradas completamente não-históricas pelos críticos mais radicais.
Mais de um século atrás, o grande candidato a reconstrutor da história
israelita antiga, Julius Wellhausen, afirmou que “nenhum conhecimento históri-
co” dos patriarcas poderia ser obtido a partir de Gênesis. Abraão, Isaque e Jacó
eram apenas uma miragem “glorificada” da história hebraica mais tardia, proje-
tada para trás no tempo. Então, entre 1940 e 1960, os estudiosos como William
Foxwell Albright e Cyrus H. Gordon tentaram mostrar que a era patriarcal, tal
como descrita na Bíblia, poderia ser estabelecida sobre específicos panos de
fundo do Oriente Próximo, nomeadamente a Média Idade do Bronze, aproxima-
damente 1800 a.C. Desde meados da década de 1970, um grupo pequeno, mas
altissonante, de estudiosos, Thomas L. Thompson, John Van Seters e Donald B.
Redford, têm reexaminado parte do material invocado por Albright e Gordon, e
corretamente rejeitando uma série de comparações defeituosas, especialmente
entre as narrativas patriarcais e as condições sociais refletidas nas tabuletas
Nuzi do século XV a.C. Sobretudo, as narrativas patriarcais não passariam de
obra de ficção, semelhante à de Heródoto (século V a.C.), esvaziando-se assim
de conteúdo histórico.
Wellhausen vai muito além de Ewald em suas ideias sobre os patriarcas,
sustentando que não se podem usar de forma alguma as narrativas de Gênesis

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

como objetivo historiográfico. Ele afirma que não chegamos a conhecimento


histórico algum sobre os patriarcas, mas conhecemos apenas o período em que
surgiram as narrativas sobre os patriarcas – o período da monarquia nterior à
conquista do Reino do Norte (Israel) pela Assíria no oitavo século a.C. (no caso
da fonte J).25 Com toda probabilidade, Abraão é exemplo de “uma livre criação
de arte inconsciente” (p. 320), e a tradição patriarcal é “lenda” (p. 335). A ideia
geral de Wellhausen sobre a literatura hebraica é que o período antes do final do
nono século a.C. pode ser, em grande parte, descrito como uma era não literária,
ainda que alguma literatura (inclusive história em prosa) tivesse existido antes
dessa época (p. 464-465). A lenda patriarcal não tem relação alguma com a
época dos patriarcas (p. 360). Martin Noth, embora (ao contrário de Wellhausen)
não negasse a existência dos patriarcas como personagens históricos, acreditava
que a natureza da tradição bíblica nos impede de escrever alguma hitória pro-
priamente dita sobre eles.26
T. L. Thompson declara:

Não existe mais um “Antigo Israel”. Não há mais lugar para ele na histó-
ria. Temos certeza absoluta disso. E agora, uma das principais conclusões
desse novo conhecimento é que o “Israel bíblico” foi originalmente um
conceito judaico.27

Thompson conclui que os relatos dos patriarcas refletem a situação his-


tórica de Israel na época da monarquia, nos séculos X e IX a.C. Após um século
de pesquisa, vou tou-se ao ponto de partida. Thompson afirma em 1974, o que
Wellhausen propôs em 1878. “Poderíamos dizer que Thompson é um Wellhau-
sen redivivus.” (VOGELS, 200, p. 31).
J. Van Seters concorda com a tese de Wellhausen de que os relatos so-
bre os patriarcas não oferecem conhecimento histórico sobre eles, mas apenas
dados acerca do período em que esses relator surgiram, acha que esse período
é o exílico e não o final do pré-exílico.28 Por outro lado, Garbini afirma que as
narrativas patriarcais são ficções que nos informam sobre a ideologia nacional
pós-exílica de Israel.29 Diante dessa concordância, certamente era inevitável que
a era patriarcal não servisse de ponto de partida para a maioria dos livros de his-

25 Prolegomena, p. 318-327, 342, 464-465.


26 History of Israel. p. 1-7, 42-84, 121-127.
27 A neo-Albrightean school in history and Biblical. JBL 114, 1995, 683-98.
28 Abraham in history and tradition. New Haven: Yale University Press, 1975.
29 History and ideology, 1988, p. 81.

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

tória de Israel que desejassem ser reconehcidos como “críticos”. Van Seters até
mesmo propõe paralelos aos costumes patriarcais em textos neo-assírios, neo-
-babilônicos, persas e egípcios, todos posteriores ao século VII a.C. Da mesma
forma recusa qualquer validade de uma tradição oral pré-literária, não atribui
valor histórico algum a narrativa patriarcal.
Martin Noth, apresenta uma concepção intermediária entre a historicida-
de das narrativas patriarcais, vejamos:

“... eles eram homens de verdade, que viveram num momento dado como
personagens históricos”, mas depois de uma declaração positiva, ele
acrescenta: “... não dispomos de nenhuma prova, além do que já foi dito,
que nos permita propor algumas afirmações históricas definitivas no que
converne ao tempo, ao lugar, aos pressupostos e às circunstâncias da vida
dos patriarcas como seres humanos.” (1960, p. 122-123).

G. von Rad, assim se manifesta acerda da historicidade dos patriarcas: “As


várias narrativas patriarcais ... não podem mais ser consideradas como regis­tros
dignos de fé provindos das vidas reais destes homens” (RAD, 2006, p. 424).
O teólogo Geerhardus Vos, comenta sobre o ponto de vista dos críticos “o
máximo de historicidade que se concede nesse ponto de vista é que, por exem-
plo, Abraão possa ter sido o líder de uma tribo que levava o seu nome.” (VOS,
2010, p. 89). Entre os críticos temos Stade, e de acordo com ele, Abraão, Isaque
e Jacó eram tidos como semideuses cananeus, considerados pelas tribos cana-
anitas como seus ancestrais, e adorados como tais em diferentes lugares. Ainda
existe outra interpretação dos patriarcas que alega que o nome dos mesmos tem
antecedentes babilônicos.
Segundo a maioria dos críticos, a história de Jacó e seus filhos foi uma len-
da que servia apenas para firmar uma origem comum e um conjunto de tradi-
ções para as doze tribos que perfaziam o contingente e a confederação daqueles
que haviam conquistado a terra, conhecidos agora como Israel.30
Se é de se presumir que as religiões evoluem ao longo de muitas gera-
ções de primitiva para formas complexas, em seguida, qualquer demonstração
de adoração religiosa “complexa” certamente deve ser uma imposição tardia
dentro da narrativa bíblica. Muitos críticos fazem uma leitura não histórica das
narrativas patriarcais.31 Segundo muitos críticos as tradições orais dos patriarcas,

30 Ver: NOTH, Martin. The History of Israel. 2ª edição, New York : Harper and Row, 1960,
p. 121-127.
31 Ler um texto nunca é um procedimento neutro. Cada leitor aborda o texto a partir de

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

foram contadas por diversos clãs, que buscavam transmitir as histórias de seus
pais e fundadores. Vejamos a declaração de Noth: “Abraão é menos um indiví-
duo do que um símbolo ou personificação dos clãs israelitas.”32
Wellhausen, é o crítico mais representativo da escola Documentária, a
concluir que os relatos sobre Abraão tinha valor histórico nulo. A história de
Abraão seria a que teve maior proeminência e acabou prevalecendo sobre as
demais. E assim ele declara:

Não podemos obter conhecimento histórico algum sobre os patriarcas,


mas somente sobre as épocas em que as narrações que lhe dizem respeito
se formara entre o povo israelita. Essa época posterior, com suas carac-
terísticas – tanto as profundas como as superficiais, inconscientemente
projetada na noite dos tempos, onde se reflete como um fantasma transfi-
gurado. (apud VOGELS, 2000, p. 23).

Na página 320 do seu livro, ele disse: “Abraão... é algo dificultoso para
interpretar. Isto não significa que, em tal conexão como esta, podemos
considerá-lo como um personagem histórico; podia, com mais probabili-
dade, ser considerado como uma criação livre de arte inconsciente. Talvez
seja ele a figura mais jovem no grupo e provavelmente foi num período
comparativamente posterior, que ele tenha sido colocado antes de seu
filho Isaque.”

Finkelstein afirma que a busca de um Abraão histórico falhou e que os rela-


tos patriarcais “representam a ideologia e as necessidades do período em que as
histórias foram estabelecidas por escrito, ou seja, no final da monarquia e no pe-
ríodo pós-exílico”. Ele baseia essa avaliação em supostos anacronismos que apa-
recem ao longo das histórias patriarcais, como o aparecimento de camelos como
animais domesticados e de Edom como uma entidade política. (2007, p. 46).
Tais relatos segundo a Hipótese Documentária, seriam textos míticos, nos
quais os patriarcas representariam divindades; ou textos étnicos, nos quais os
patriarcas não seriam indivíduos, mas tribos; ou textos folclóricos, que se re-
ferem a heróis populares lendários; ou ainda a textos etiológicos, escritos para

atributos próprios: perspectiva, educação, cultura, experiência preocupações, esperanças


e decepções. Uma mulher e um homem tem diferentes sensibilidades. Dessa forma, o
mesmo texto é lido por diferentes leitores de maneiras diferentes. Constata-se inclusive
que alguém que relê um mesmo texto em outra ocasião encontrará outra coisa. (VOGELS,
2000, p. 13).
32 History of Israel, 2ª. Ed. (New York: Harper, 1960), pp. 121-126.

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

explicar certos fenômenos. Com isso todo relado do relacionamento de Deus


com os patriarcas, se torna fictício, este “Deus” apresentado, não passa do deus
do autor que “inventou” a narrativa patriarcal. “Parece forçado sugerir que Isra-
el, com a sua predileção por fundamentos históricos, procurasse basear a sua
história com Deus e a sua reivindicação à terra de Canaã em meras lendas.”
(GREIDANUS, 2009, p. 43).
Alguns pesquisadores apegam que os doze filhos de Jacó que deram nome
as doze tribos de Israel não foram pessoas reais, mas apenas textos folclóricos
que embasavam as origens de cada tribo. A respeito do texo de Gênesis 33.18-
34.31 “Massacre em Siquém”, Derek Kidner comenta sobre o posicionamento
de muitos críticos, vejamos:

Os estudos críticos modernos tendem a fazer supor que esta história,


juntamente com 49.5-7, é apenas uma versão personalizada de alguma
tentativa feita pelas tribos de Simeão e Levi, de estabelecer-se em Si-
quém. Todavia, nada na história mesma o requer. É vívida e coerente,
e surgem sérias dificuldades quando é transferida da esfera do pessoal
para a do tribal. Em particular, não se deixa lugar para Jacó ou para
a personagem central, Diná (a menos que ela seja apresentada co­mo
personalização do problema do casamento misto, o que é demasia­do
artificial). Esta reinterpretação drástica do fato surge, não do texto, mas
da opinião de que Jacó não teve filhos e filha com esses nomes. (2001,
p. 160).

De acordo com muitos que sustentam a Hipótese Documentária, os pa-


triarcas não eram figuras históricas, mas, ou eram personificações dos vários
clãs que levam seus nomes, ou eles eram obras de ficção. Eles apontam que
muitas das genealogias são dadas por tribos ou nomes de clã, mas não de acor-
do com os nomes dos indivíduos. Por exemplo, a chamada “tabela das nações”,
em Gênesis 10 refere-se constantemente, quer por “gerações” de certas pesso-
as, ou por “filhos de” certas pessoas. Isto está em contraste com, digamos, a
linhagem de Jesus como apresentado em Mateus 1.1-17 e Lucas 3.23-38, onde
a genealogia é dada de pessoa para pessoa. As genealogias pré-dilúvianas e
pós-dilúvianas parecem ser esquemáticas e imcompletas. “Gerar” pode ter o
sentido de ser ancestral ou predecessor.
Estes estudiosos não conseguiram lidar com todo o peso da evidência,
porém, preferindo rodar o relógio para trás 100 anos; como Wellhausen, eles
concluíram que as histórias dos patriarcas são criações ficcionais - datados para
o exílio na Babilônia do século VI a.C., ou mais tarde e são historicamente inú-

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

teis. (KITCHEN, 1995). Então, onde estamos? Será que os patriarcas realmente
viveram, ou não? E como podemos dizer?

Devemos considerar atentamente que “a Bíblia não é simplesmente fru-


to das influências culturais e ambientais. Ela mesma é uma testemunha
cultural em seu lugar e em seu tempo e à semelhança de qualquer outro
documento da época... podemos dizer que a própria Bíblia foi, na socie-
dade que a viu nascer, um agente cultual emrelação com muitos outros.”
(BARUCQ, 1992, p. 6).

Mesmo que o texto de Gênesis tenha se originado de fontes que foram


reunidas ao longo do tempo, tem sido continuamente abalada a confiança ir-
refletida dos estudiosos mais antigos de que, por meio da reconstrução dessas
fontes, seria possível determinar as mais antigas e, consequentemente, as tradi-
ções “mais históricas”. Soam falsas as afirmações de alguns eruditos de que con-
seguiram determinar com sucesso e precisão as fontes dos relatos de Gênesis.
Não que os leitores de hoje não percebam mais nestes relatos as lacunas e as
transições repentinas que inicialmente levaram os críticos a pensar que houves-
se diferentes fontes. No entanto, agora as perguntas são:

Qual é a explicação válida para a existência desses fenômenos? Acaso são


trações de arte literária antiga? Ou são indicações da falta de habilidade de
um editor posterior em lidar com fontes distintas mais antigas? Seriam o
resultado da perda de alguma indicação ou de um referente (uma “aporia”,
na terminologia do desconstrucionismo)? São muitas as explicações possí-
veis, e a multiplicação delas contribui para destruir a confiança em certas
reconstruções de fontes. (PROVAN, 2016, p. 176).

Muitos estudiosos, especialmente durante a era dos estudos bíblicos em


que a Hipótese Documentária de Graf-Wellhausen sobre a composição do Penta-
teuco teve ampla aceitação e foi reconhecida como verdade evidente; tinham a
impressão de que as tradições estavam demasiadamente distantes de qualquer
era patriarcal para nos dar muitas informações de valor histórico. O próprio
Ewald, cuja história de Israel em vários volumes precedeu a imfluente obra de
Wellhausen e que, em geral, demonstrou grande respeito pela relação entre a
tradição do Pentateuco e os fatos históricos, achava que as tradições patriarcais
eram de confiabilidade questionável. Ele sustentava que a tradição em geral,
embora se originasse de fatos, preservava apenas uma imagem do que acon-
teceu. O fato esta misturado com a imaginação e é distorcido pela memória.

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

A tradição é uma entidade flexível que, à medida que o tempo passa, pode ser
modelada por interesses religiosos e etiológicos e por perspectivas mitológicas.
Ela tem grande força inerente, de forma que até mesmo a substituição da me-
mória da escrita somente ajuda a controlar o processo em vez de interrompê-lo.
Na fase oral de transmissão, isto é, antes que surja uma tradição historiográfica,
não existem controles eficazes, de modo que nem mesmo um esforço sério por
aqueles que transmitem os relatos passando-os adiante sem distorção é capaz
de impedir a reformulação deles.
Assim, as tradições patriarcais em particular, agora contidas no que Ewald
chamou de “Grande livro das Origens” (Gênesis – Josué) – ao qual atribuiu a
data do período da monarquia antiga -, devem ficar sob suspeita, pois surgiram
antes do início da historiografia em Israel (na era mosaica e pouco depois).
Ewald considerou, rejeitou a ideia de que não podemos conhecer nada acerca
da existência e do estabelecimento histórico dos patriarcas em Canaã. Preferiu,
porém, em vez disso, extrair tal história da tradição conforme achama possível.
(apud PROVAN, 2016, p. 49).
Sobre a origem do material de Gn 12-50, devemos nos atentar para a
possibilidade de que estas tradições, tenham se originado da transmissão oral,
mas não se pode deduzir com base nisso que essas tradições distorceram inevi-
tavelmente as memórias do passado. De um modo ou de outro, a civilização da
região mesopotâmica de onde, segundo o Antigo Testamento, Abraão procedeu
era uma região em que a escrita dominava já havia algum tempo. Portanto a
suposição de que nossas tradições de Gênesis foram transmitidas apenas de
forma oral é somente isso: uma suposição. “É igualmente possível que ainda
em uma etapa bem antiga fossem transmitidas em forma tanto escrita quanto
oral – permitindo assim a relativa estabilidade da tradição que a escrita produz,
mesmo em meio à relativa flexibilidade que a tradição oral admite -, ou que a
forma escrita predominasse até mesmo no início.” (PROVAN, 2016, p. 95).

Uma vez que os sistemas de escrita estavam em uso por volta do III milê-
nio a.C., o que torna desnecessário presumir que tenha existido um longo
período de transmissão oral entre os próprios fatos e sua documentação
em relatos escritos. Os povos do final do III e início do II milênio a.C. man-
tinham registros escritos e não dependiam da memória para os assuntos
que consideravam importantes. Os acontecimentos do período patriarcal
podem ter sido registrados logo após sua ocorrência em textos que o escri-
tor bíblico utilizaria mais tarde como fontes (Bíblia de Estudo Arqueológica
NVI, 2013, p. 73).

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

Um Moisés histórico educado no palácio do faraó deve ter sido ensinado


na tradição dos escribas e possivelmente era bilíngue. “Nada há de imprová-
vel na ideia de que essa pessoa tenha recebido fontes tanto orais como talvez
escritas procedentes de tempos mais remotos e tenha dado forma a elas na
tradição original de Israel como vemos representada no Pentateuco. Tampouco
existe base para supor que os que passaram adiante a tradição do Antigo Israel
encontrada no Pentateuco a tenham distorcido, mesmo quando a ampliaram e
a tornaram mais precisa.” (PROVAN, 2016, p. 95).

É inconcebível que o público alvo original pensasse que Abraão não fosse
uma pessoa de verdade ou que sua mudança de Ur até Harã e daí para a
Palestina não fosse uma jornada real. É inconcebível que o autor de Gêne-
sis quisesse que seu público alvo pensasse nessas pesoas como “ireais”.
Por isso, os estudiosos que, para descrever o gênero das narrativa patriar-
cais, utilizam termos como “saga”, “ficção” ou “folclore” não estão se re-
ferindo tanto ao gênero de fato do texto quanto à sua falta de confiança
(por qualquer que sejam os motivos) na veracidade histórica do material.
(PROVAN 2016, p. 173-174).

Conforme Halpern nos lembra: “se um texto é história, isso depende do


propósito deliberado de seu autor e não de os leitores modernos acreditarem
que esse autor teve habilidade ou êxito em seu propósito”.33 Independente do
que o leitor pense sobre o êxito do projeto, o “projeto Gênesis” visa à produção
escrita da história e deve ser levado a sério como tal.
A narrativa patriarcal fornece uma sucessão cronológica essencialmente
coerente de eventos, usando a forma verbal da narrativa hebraica. A historio-
grafia hebraica possui dessemelhanças com a historiografia moderna, porém, a
narrativa patriarcal demonstra que o autor tencionava escrever história real, não
mito, nem saga,34 nem lenda. A formação de Gênesis teria se dado a partir de

33 The first historians: the Hebrew Bible and history (San Francisco: Harper and Row, 1988),
p. 8.
34 Geralmente se entende por “saga” um texto que possui um núcleo historio, mas com
inserções não históricas. “A ‘saga’, um termo escandinavo, tem sido definido como
‘uma longa narrativa tradicional em prosa, de estrutura episódica, desenvolvida em
torno de temas ou objetos estereotipados... A principal questão não resolvida com
a saga é se ela é histórica e quanto dela é histórico... apesar disso o termo pode ser
usado proveitosamente para denotar um tipo de literatura que é diferente na forma, no
conteúdo e no propósito de escrever história, é tão diferente que deve ser pregada de
maneira distintiva. (GREIDANUS, 2009, p. 43-44).

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

pequenas unidades literárias, da mesma forma que a Epopeia de Gilgamesh.35


Da mesma maneira que Enuma Elish36, a Epopéia de Gilgamesh se baseia em
antigos ciclos e tradições mitológicas sumérios, mas como obra literária é muito
superior a seus antecedentes nas coletâneas litúrgicas da Suméria.

35 Foi publicado em 1872 por George Smith, tirado de uma tabuleta da biblioteca de
Assurbanipal em Nínive, trata-se de uma narrativa sobre o dilúvio babilônico. A
mais extensa composição literária proveniente da Mesopotânia. Gilgamesh foi rei
de Ereque (Gn 10.10) por volta de 2600 a.C. A epopéia é datada em cerca de 1600
a.C. Ereque, atual Warka, a 56 km do Tell Obeid, acima do vale do Eufrates. “Os
textos mesopotâmicos, entretanto, embora formalmente similares, são radicalmente
diferentes do Velho Testamento em conteúdo, significado e relevância. As similaridades
formais nem sempre são óbvias à primeira leitura. Há uma boa razão para isso.
Primeiro, a concepção cosmogônica e cosmológica de ambos é radicalmente diferente.
Segundo, a concepção da deidade é totalmente dessemelhante. Terceiro, o lugar e
o papel do homem no mundo e sua relação com as deidades é totalmente distinto.
Quarto, a concepção do mal, do pecado, do castigo, da morte e da imortalidade são tão
diferentes que é difícil usar os mesmos termos para referir-se a tais ideias... Dizer que
há certas similaridades formais entre a Bíblia e os textos mesopotâmicos é possível,
porque os homens participam da mesma natureza, dos mesmos temores, das mesmas
esperanças e metas gerais. O relato bíblico é original e universalmente aplicável.
Os outros são, como a Bíblia indica, produtos da mente e do coração humano, em
completo alheamento de Deus, mas, não obstante, procurando lidar com a realidade
da vida, mas em termos do homem e da projeção de sua vida, imaginação e desejos”
(GRONINGEN, 1995, p. 47-48).
36 Escritos em caracteres cuneiformes, os sete cantos do épico foram escritos em sete
tabletes e recuperados da biblioteca do imperador assírio Assurbanipal (669-626
a.C.) em sua capital, Nínive. Essa versão, embora tardia, retorna, quanto aos aspectos
políticos, aos dias de Hamurabi, o Grande, (1792-1750 a.C.) e além dele aos dias dos
sumérios, os primeiros habitantes da baixa Babilônia.” (UNGER, 2008, p. 41). “Este
material foi desenterrado em 1853, e entre as tábuas estavam cópias assírias das
narrativas da Criação e Inundação da Babilônia, subsequentemente decifradas, em
1872, por George Smith, estudioso do Museu Britânico. Magníficos baixos relevos
retratando a caça e outras cenas na vida real também foram recuperados do palácio
de Nínive, que em estilo representam o clímax da arte na Assíria.” (HARRISON, 2010,
p. 254). Hamurabi estava ansioso para estimular a adoração da divindade patrona
da Babilônia em todo o império, e com este objetivo introduziu modificações nas
tradições religiosas anteriores de Acade, para dar maior importância a Marduque, que
foi tornado o herói de uma grande epopéia da criação. “Embora as tábuas existentes
sejam, obviamente, cópias das anteriores, a presente forma da epopéia remonta à
época de Hamurabi e, como se poderia esperar é fundamentada por originais sumérios
ainda mais antigos.” (HARRISON, 2010, p. 59). “Muitos estudiosos já acreditaram que
a história babilônia da criação serviu de fonte para a sua contrapartida bíblica, porém
hoje poucos sustentam essa teoria. Na verdade, as diferenças entre os relatos babilônia
e bíblico são mais significativos que as semelhanças.” (Bíblia de Estudo Arqueológica,
2013, p. 888).

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

Nesse ponto, Heidel em (Babylonian Genesis) nos esclarece a questão: Hei-


del rejeita a visão de que o relato bíblico tenha sido desenvolvido, gradualmente,
a partir do babilônico; ele também diz que não vê o porquê da incompatibilida-
de entre uma dependência limitada do Enuma Elish e a doutrina da inspiração.
(Apud: GRONINGEN, 2002, p. 106).
Unger, também contraria a opinião de que o relato bíblico da criação te-
nha sofrido influência do poema babilônico, vejamos:

A semelhança é superficial, e as diferenças entre a versão babilônica ru-


dimentar politeísta e o relato de Gênesis são vastas. O relato babilônico é
uma versão deturpada de uma tradição original, cuja verdade foi assegura-
da a Moisés pela inspiração e, assim, livre de suas incrustações politeístas.
(UNGER, 2006, p. 41).

R. K. Harrison, da mesma forma esclarece a semelhança, vejamos:

Esta epopéia, nas diferentes formas em que circulou pela antiguidade,


apresenta pontos óbvios de contato com a narrativa da criação registra-
da no livro de Gênesis. Nos dois relatos, o caos deu lugar a um conjunto
organizado de céu e terra, e a ordem dos eventos na criação seguiu um
padrão similar nas duas narrativas. Mas como acontece com muita fre-
quência quando se comparam relatos bíblicos e não-bíblicos do mesmo
evento, as diferenças entre os dois são ainda mais importantes do que
as semelhanças, o que torna a narrativa bíblica vastamente superior à
versão semita babilônia. (HARRISON, 2010, p. 61).

Na história de Gilgamesh o dilúvio é mencionado apenas em passa-


gem da própria narrativa do Épico, e aparece como tendo sido resultado de
um capricho politeístico, e não o supremo julgamento de um Deus moral.
Contudo na versão do Atrahasis da história babilônica do dilúvio (que lida
diretamente com a inundação), fica claro que o dilúvio foi enviado pelos
deuses para reduzir a superpopulação humana, e depois do dilúvio outras
medidas foram introduzidas para prevenir que o problema acontecesse no-
vamente.
Levanta-se uma dúvida, quais foram às fontes que Moisés teria utilizado
para compor a história dos patriarcas. Onde foi que ele conseguiu tal infor-
mação? Allen Ross sugere que: “Além das tradições e genealogias primitivas
trazidas do Oriente, as tradições familiares dos patriarcas teriam sido passadas
de geração a geração. José, e depois Moisés, teriam tido todos os recursos para

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

registrar e preservar as tradições que os ancestrais portavam.” (apud GREI-


DANUS, 2009, p. 49).
Moisés e provavelmente muitos outros israelitas conheciam estes épicos
e mitos antigos. O povo de Israel passou quatrocentos anos no Egito, ficaram
exposto a religião e cultura egípcia. As evidências bíblicas nos mostram que não
somente conheciam, mas estavam envolvidos em várias atividades religiosas
relacionadas a estes mitos (Êx 32.4; Am 5.26-27). Ainda, o fato de Israel ter
sua origem patriarcal no vale mesopotâmico, Israel sabia muito sobre deuses
pagãos.

Moisés estava ciente dos mitos pagãos, mas não os usou como fontes.
Ele escreveu com um propósito definido em mente; a saber, remover das
mentes e corações dos israelitas os conceitos totalmente inferiores de dei-
dade, das cosmogonias e cosmologias nas quais estas deidades estavam
envolvidas, da natureza do cosmos e da natureza e papel da humanidade
no cosmos. (GRONINGEN, 2002, p. 107).

Roland de Vaux, descreve a instituição do culto israelita, e sua relação


com a mitologia da Mesopotâmia, vejamos:

O culto israelita não é a atualização de mitos das origens, como na Me-


sopotâmia, ou de mitos da natureza, como em Canaã. Ele comemora,
reforça ou restabelece a Aliança que Iahvé concluiu com seu povo em um
momento da história. Essa substituição de mitos extratemporais por uma
história da salvação é uma originalidade de Israel, que não pode ser dimi-
nuída por ecos de antigos mitos que se percebem em algumas passagens
do Antigo Testamento. Essas ligações históricas e não míticas do culto
israelita devem ser afirmadas contra uma corrente recente de opinião que
considera que, mesmo em Israel, o ritual é a expressão do mito. (VAUX,
2003, p. 310).

E sendo duro e categórico quanto o posicionamento da crítica destrutiva


alemã em relação ao livro de Gênesis, Haghe desfecha sua conclusão:

Se o livro de Gênesis é uma narrativa lendária, anônima, indefinidamen-


te equivocada, e se as pessoas descritas nesse livro são meras perso-
nificações míticas do gênio tribal, naturalmente ele não é apenas não
autêntico, porque não foi autenticado, mas uma base insuficiente para a
doutrina. O resíduo de verdade dúbia, que pode, com graus variados de

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

consentimento, ser extraído disso, jamais poderia ser aceito como um


fundamento para a superestrutura da doutrina eternamente fidedigna,
porque o axioma é que apenas a Palavra de Deus tem valor doutrinal.
Ficção mítica e legendária, além da tradição errônea e enganosa, são
incompatíveis não apenas com o caráter do Deus de toda a verdade, mas
com a verdade, a confiabilidade e a absoluta autoridade da Palavra de
Deus. Não tomamos mitos inventados como nossas credenciais. Os do-
cumentos primários, se é que eles existiram, foram colecionados, revisados
e reescritos por Moisés, que agiu sob a inspiração de Deus (apud TORREY,
2005, p. 108).

Muitos estudiosos acreditam que foi exatamente dessas histórias da Me-


sopotâmia que se extraiu o material de Gênesis 1—2 e 6—9. Os relatos bíblicos,
conforme essa teoria, são adaptações de mitos pagãos editados e revisados de
maneira adequada. Abraão veio de Ur37 dos caldeus. É mais do que provável que
tais histórias tenham feito parte de sua formação. Conhecer especificamente es-
ses mitos nos ajuda­rá, no mínimo, a compreender um pouco o mundo de onde
Deus chamou Abraão. Foi uma mudança um tanto radical: uma mu­dança não só
geográfica, mas também teológica e filosófica.
Vejamos abaixo, um quadro das datas propostas para o período pa-
triarcal:38

37 sabemos que Ur era uma cidade extremamente requintada (seus restos se encontram
no Iraque). À época de Abraão, Ur já era uma cidade antiga, fundada pelos sumérios
muitos séculos antes. Era o auge da civilização. No antigo Oriente Próximo ouvir
falar de Ur tinha o mesmo efeito que ouvir falar, em nossos dias, de Nova Iorque,
Londres, São Paulo ou algum outro centro importante de civilização. É verdade que,
durante essa época, Ur foi destruída pelos bárbaros e, com isso, perdeu prestígio,
mas provavelmente vamos pensar em Ur no apogeu. Em outras pala­vras, Ur é uma
cidade difícil de se deixar para trás.
38 PRICE, Randall. Arqueologia Bíblica. Rio de Janeiro: CPAD, 2006, p. 84.

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

Datas Propostas para os Patriarcas


ANTIGA DATA 1 – FINAL DO 3º, INÍCIO DO 2º MILÊNIO A.C.
EVENTO
PERSO- PROPONEN- ESCRIRO
PERÍODO DATAS PADRÃO EVIDÊNCIA
NAGEM TES PRIMEIRO
BÍBLICO
Abraão Bronze Antiguidade de
Entrada em Médio I 2166-1991 relatos (Gn 14)
Canaã (Gn Bronze 2091 Migração nô-
12.14) Médio I made
Isaque Archer Nomes pesso-
Bronze Barker ais, lugares
Oferecido
Médio I 2066-1886 Wolike Interno Escavações em
no Monte
Bronze 2051 J. Davis Cronologia Bí- Moisés Ur, Ebla
Moriá (Gn
Médio I (fundamenta- blica Amorreus (séc.
22)
listas/escolas XX a XVIII a C.)
Jacó Bronze evangélicas) Condições
Entrada em Médio I A 2006-1859 geopolíticas
Harã (Gn Bronze 1929 (BM II A)
28.5) Médio I A Clima da região
em BM I
ANTIGA DATA 2 – FINAL DO 2º MILÊNIO ANTES DE CRISTO
Aconte- Cerâmica no
Bronze
cimentos 2000-1800 Neguebe
Médio II A
Patriarcais O mural de Be-
Aconte- Bronze ni-Hasan (1890
cimentos Médio II 1991-1786 a.C.)
Patriarcais A-B Antecedentes
Gluesk Al-
Arqueologia Monarquis egípcios (Reino
bright
Cronologia Moisés Médio)
Kitchen
Egípcia Corte de Davi Condições geo-
Aconte- Milland
Arqueologia e Salomão políticas Gn 14
cimentos Bronze A. Mazar
Os arquivos
Patriarcais Médio II 1750-1550 Mari e Nuzi
(tradições B-C Próspera cultura
lembradas) urbana
Dinastia dos
Hicsos
DATA RECENTE 1º MILÊNIO A.C.
Aconte-
Escavações em
cimentos 1250-1150
Berseba no BM
Patriarcais (período de Aharoni Z. Monarquia
Ferro I A Arqueologia Anacronismos
(lembrados estabeleci- Herrog Unida
no relato de
na monar- mento)
Gênesis
quia)
DATA EXTREMA-EXÍLIO – PÓS MACABEUS
Tradições
Tradição literá-
Patriarcais
T. L. Thomp- Crítica da Forma ria e Tradição
(criadas Persa / Exílio / Pós-
400-165 son Análise da Es- oral
como Grego -Exílio
Van Seters trutura Uso do folclore
história
Teoria da JEDP
regional)

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

5.2. Os Patriarcas e o ambiente do Antigo Oriente Próximo

O livro de Gênesis registra aconte­cimentos que se deram no passado


bem distante. Sua abrangên­cia vai desde a criação até a época dos patriar-
cas. Conquanto a Bíblia não nos ofereça as informações de que necessitamos
para estabelecermos a data da criação, podemos, com segurança, situar os
patriarcas aproximadamente na primeira metade do segundo milênio a.C. Na
era moderna a questão do valor histórico das narrativas patriarcais tem tido
boa discussão. Essa preocupação em particular tem estado intimamente rela-
cionada a questões sobre a autoria e a história da composição das narrativas
patriarcais. A crença comum é que se alguém consegue demonstrar que a
tradição patriarcal procede do próprio período patriarcal ou de pouco depois,
então há uma probabilidade maior de ela ser historicamente confiável.
A integração transcultural que aconteceu entre sumérios, acádios e
amorreus, bem como a que ocorreu entre os hurritas e os hititas, ao norte,
é refletida nas narrativas patriarcais em termos de costumes, leis e padrões
sociais. Longe de serem um anacronismo os detalhes da história bíblica dos
patriarcas se encaixam muito bem no embiente histórico do II milênio a.C.
Não há evidências suficientes que permitam aos eruditos questionar sua au-
tenticidade.
Próximo do final do III milênio a.C, a III Dinastia de Ur (sumária) per-
deu a influência que exercia sobre a maior parte da Mesopotâmia. A região
inteira experimentou grave instabilidade política enquanto suas cidades-Esta-
do continuamente desafiavam umas as outras e também as cidades do norte
da Síria. Com isso, o poder mudava de mãos continuamente.
Reis com nomes amorreus governaram muitas dessas cidades durante
o Período Patriarcal. Os amorreus eram um grupo amplo e diverso de tribos
semíticas de origem siro-árabe estabelecidas a noroeste. Muitos eruditos já
as consideraram, em sua maior parte, compostas de invasores nômades, que
trouxeram consigo a instabilidade política já mencionada, bem como o declí-
nio urbano característico do final do III milênio a.C., porém alguns textos de
Mari1 e de outros lugares indicam que os amorreus eram formados tanto por
pastores seminômades (criadores de animais domésticos) quanto por grupos
sedentários, geralmente organizados em tomo da figura patriarcal, que co-
meçaram a se estabelecer nas vilas e nos centros urbanos da Mesopotâmia
já em meados do III milênio a.C. Esse padrão cultural é semelhante ao que
encontramos nas figuras dos patriarcas da Bíblia.
Por volta da virada o III milênio a.C., um número ainda maior de amor-
reus havia migrado para Canaã, ao sul, e para a Mesopotâmia, a sudeste, pro-

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

vavelmente pressionados pelos hurritas do norte. Muitos amorreus galgaram


posições de liderança. O mais famoso deles foi Shamshi-Adad I, na Assíria (fi-
nal do séc. XIX e início do séc. XVIII a.C.) e Hamurabi, na Babilônia (do início
à metade do séc. XVIII a.C.). (ver Bíblia de Estudo Arqueológica, 2013, p. 26).
Os patriarcas bíblicos viveram, mais provavelmente, no início do II mi-
lênio a.C. A integração transcultural que aconteceu entre sumérios, acádios
e amorreus, bem como a que oconeu entre os hurritas e os hititas, ao norte,
é refletida nas narrativas patriarcais em termos de costumes, leis e padrões
sociais.
No período anterior ao segundo milênio a.C., os israelitas não atraíam
nenhuma atenção explícita, e seus ancestrais nem sequer foram notados pe-
los que produziram as fontes escritas que chegaram até nós. Isso não é sur-
preendente, pois as fontes escritas se concentram no que era importante para
seus autores e para aqueles que os incumbiram da tarefa ou os lideravam.
Essas fontes fornecem, por exemplo, vislumbres das mudanças dos centros
de poder na mesopotâmia durante os períodos babilônico e assírios antigos
(2000-1600 a.C.), falam de grandes reis, como Hamurábi da Babilônia, e pro-
porcionam uma compreensão significativa da natureza da vida cotidiana nas
cidade-estado daquela época, em especial, no caso dos arquivos de Mari.
No entanto, as fontes escritas não possibilitam sequer uma história política
coerente da região nessa época e muito menos fornecem detalhes adicionais
sobre a migração de uma família obscura que saiu da cidade-estado mesopo-
tâmica de Ur rumo a Harã e, depois, à Palestina (Gn 11.31-12.9). Até o que se
sabe, porém, as fontes escritas não se preocupam em destacar uma dentre
muitas famílias de imigrantes semitas que chegaram ao Egito naqueles sécu-
los, nem mostram interesse na figura de um semita (José) que, como outros
de sua raça, alcançou uma posição de poder no Egito (Gn 37-50). A história
dessa família não tinha praticamente nenhuma importância.
O segundo milênio a.C. foi o período de renomadas cidades-estado e,
portanto, de grandes potências: o Egito, ao sul, a Babilônia e, depois, a As-
síria, ao leste, os hititas e os hurrianos, ao norte. O Antigo Oriente Próximo
desse período foi o palco da família dos patriarcas, e os israelitas e seus ances-
trais passam por esse palco rapidamente, apenas como sombras, enquanto se
movem de um lugar para outro e interagem de tempos em tempos com este
ou aquele povo que conhecemos por meio de outras fontes antigas. Os isra-
elitas ainda não eram dignos de mensão. “Portanto, dependemos quase que
inteiramente da Bíblia para obter informações sobre eles ‘antes da conquista
da terra’, de modo muito especial, dependemos dos livros de Gênesis a Deu-
teronômio, também conhecidos como ‘Pentateuco’.” (PROVAN, 2016, p. 170).

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

Como um todo, as narrativas patriarcais possuem um sabor próprio sem


paralelo no restante da Bíblia. Elas refletem um padrão de vida e várias
instituições sócio-legais que são peculiares ao período, mas frequente-
mente atestados nos documentos do Oriente Próximo... a antiguidade
das tradições de Gênesis é confirmada por várias praticas patriarcais
que diretamente contradizem os valores sociais e as normas de uma era
posterior.39

De acordo com a combinação de elementos egípcios e bíblicos, os


patriarcas, devem ser datados na primeira metade do segundo milênio a.C
(Idade do Bronze). E impossível fazer afirmações seguras a respeito da crono-
logia do período antes de Abraão. Muito se tem por parte dos críticos tentado
comprovar a não historicidade dos patriarcas. Nenhuma menção aos patriar-
cas foi encontrada até agora em documentos extrabíblicos daquela época
(1950-1550 a.C.). Porém, é bem provável que não encontremos. Vivendo
como nômades às margens das áreas populosas, os patriarcas peregrinaram
pelos grandes impérios da Mesopotâmia e do Egito, mas suas atividades
teriam sido insignificantes para os escribas e cronistas daquele período. En-
tretanto, as narrativas bíblicas que fazem as poucas referências aos acon-
tecimentos políticos daqueles tempos são históricas, não mitos ou ficção.
Os escritores bíblicos simplesmente selecionaram o material apropriado aos
seus objetivos teológicos.
Bright demonstra que os costumes patriarcais apontam para o contexto
de segundo milênio:

Numerosos incidentes das narrativas do Gênesis encontram explicação


à luz dos costumes vigentes no segundo milênio...Por si mesmos eles
não provam que as tradições patriarcais alcançam o segundo milênio,
menos ainda nos permitem fixar os patriarcas em nenhum século es-
pecífico...Mesmo que estes paralelos fossem aceitos como válidos, eles
não comprovam a antiguidade das tradições patriarcais e de maneira
nenhuma contradizem as tradições, mas quando tomada com outras
evidências, a tendência é apoiá-las. (BRIGHT, 2003, p. 107-110).

39 Nahum N. Sama, “The Patriarchs”, Genesis: World of Myths and Patriarchs, Ada Feyerick,
editora (Nova York: University Press. 1996).

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

O influente arqueológico A. Parrot40 (1901-1980): “A vida, tal como apa-


rece nos relatos de Gênesis que lhe são consagrados, encaixa-se perfeitamente
com o que hoje sabemos, por outras vias, sobre o início do segundo milênio,
mas imperfeitamente com um período mais recente.” (apud VOGELS, 2000,
p. 27).
A leitura atenciosa das narrativas patriarcais nos mostram que inicial-
mente não possuímos informações suficientes para apontar uma data que
abrange o período de Abraão até Jacó. Entretanto, parece que passagens fora
do livro de Gênesis nos permitem situar os patriarcas em um período concre-
to, isso se crermos que toda a Bíblia possui indicadores precisos historicamen-
te, mesmo que sejam aproximados, com isso, temos o indicador que Abraão
nasceu num período do segundo milênio a.C. Os dados são os seguintes:
O texto de 1 Reis 6.1 afirma que Salomão começou a construção do
templo em 480 anos depois que os israelitas saíram do Egito. Esse é o quarto
ano do reinado de Salomão e, se aceitarmos as conclusões de E. R. Thiele, a
data seria de 966 a.C.41 A interpretação literal dessa passagem estabelece o
Êxodo em meados do século 15. Ademais, Êxodo 12.40 declara que os filhos
de Deus viveram no Egito durante 430 anos.42 Por fim, podemos calcular o
tempo que transcorreu entre o nascimento de Abraão e a descida de Jacó ao
Egito, somando os 100 anos de Gn 21.5 (a idade de Abraão quando Isaque
nasceu), os 60 anos de Gênesis 25.26 (a idade de Isaque quando Jacó nasceu)
e os 130 anos de Gênesis 47.9 (a idade de Jacó quando chegou ao Egito),
obtendo um período de 290 anos. Assim, começando com 966 a.C., vários
estudiosos somam os 480 anos de 1 Reis 6.1, aos 430 anos da permanência
no Egito e os 290 anos do período patriarcal para chegar à data de 2091 a.C.
para o nascimento de Abraão, o que por sua vez leva à data de 2091 a.C. para
a sua chegada a Palestina (Gn 12.4).
Parece-nos, no entanto que, o esboço acima é incerto. Primeiro, todos
os números parecem redondos demais. Temos também, variações textuais
no que diz respeito a algumas datas. Por exemplo, na Septuaginta, os 430
anos de Êxodo 12.40 cobrem não apenas o tempo no Egito, mas também o
período patriarcal. “Ainda assim, a própria Bíblia parece situar os patriarcas

40 Especializado no antigo Oriente Próximo. Ele liderou as escavações no Líbano, Iraque e


Síria, e é mais conhecido por seu trabalho em Mari, na Síria, onde liderou importantes
escavações de 1933 a 1975.
41 The mysterious numbers of the Hebrew kings: a reconstruction of the chronology of the
kingdoms of Israel ond Judah, ed. rev. (Grand Rapids: Eerdmans, 1965), p. 28.
42 Em Gênesis 15.13, diz que os descendentes de Abraão permaneceriam no Egito durante
400 anos.

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

na Palestina em algum momento entre aproximadamente 2100 e 1500 a.C., a


primeira metade do segundo milênio a.C.” (PROVAN, 2016, p. 177).
Mas será que a descrição bíblica dos patriarcas se encaixa no início do se-
gundo milênio? Para muitos, a descrição de Abraão, Isaque e Jacó parece forçada
demais para ser história pre­cisa. E, mesmo que fossem pessoas de verdade,
como essa história poderia ser comprovada? Afinal, não são reis governando im-
périos nem estão associados a cidades. Não devem ter deixado registros nem é
provável que outros tenham escrito acerca deles de modo que fosse preservado
por milênios. A única testemunha da existência deles é a própria Bíblia. Não é,
então, de surpreender que a confiança nos patriarcas se divida em dois grupos,
dependendo do nível de confiança na veracidade histórica da Bíblia.
Ponderando, podemos concluir que, sendo embora difícil reconstruir
com exatidão uma “época patriarcal”, é pelo menos correto ver os patriarcas
ancorados em firme terreno histórico, e não como meras ficções literárias.
E também é correto situar o mundo dos patriarcas em um período ante-
rior ao mosaico. Da mesma forma, devemos continuar situar Abraão nos
costumes do segundo milênio a.C., em termos históricos, o contexto bíblico
situa Abraão muito tempo antes de José e de Moisés e da ocupação da Terra
Prometida; em termos sociológicos situa Abraão no contexto de uma cultura
seminômade, não controlada pelas leis mosaicas, deslocando-se num Canaã
dividido em cidades-estado; em termos religiosos, situa Abraão antes das leis
cultuais de Moisés, da santidade exclusiva, na unicidade e da justiça de Deus.
A. Parrot declara: “A vida, tal como aparece nos relatos do Gênesis que
lhe são consagrados, encaixa-se perfeitamente com o que hoje sabemos, por
outras vias, sobre o início do segundo milênio, mas imperfeitamente com um
período mais recente.” (1962, p. 11).
Da mesma forma Albright declara:

Abraão, Isaque e Jacó não parecem mais, doravante, figuras isoladas,


quanto menos reflexos da história hebraica posterior; parecem atual-
mente verdadeiros filhos de sua época, trazendo os mesmos nomes,
deslocando-se sobre o mesmo território, visando as mesmas cidades,
submetidos aos mesmos costumes que seus contemporâneos. (1973,
p. 5-33).

Não há incovenientes e há vantagens em situar Abraão nos valores do


II milênio a.C.; fazer de Abraão uma pessoa real, cuja vida histórica foi pre-
servada pela tradição. Isto é importante para quem se preocupa com a serie-
dade da fé bíblica. A fé é informada, e não cega. Sem um veraddeiro Abraão,

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

perder-se-ia uma pedra importante nas fundações quer do judaísmo quer do


cristianismo. Um Abraão de ficção pode incorporar e ilustrar crenças comuns,
mas não fornece evidência racional para a fé.
Os que questionam a existência real dos patriarcas têm de ofere­cer
uma explicação para os textos. A resposta costumeira é que as narrativas
foram escritas durante o primeiro milênio a.C. para criar uma história antiga
acerca das origens de Israel. Se foi isso que aconteceu, é provável que os pa-
triarcas tenham sido descritos de modo familiar para quem viveu no primeiro
milênio. Entre­tanto, não temos nenhuma indicação de que os escritores desta
época pudessem ou tentassem pesquisar como a vida era, de fato, no segun-
do milênio. Dessa maneira, caso se possa mostrar que o comportamento dos
patriarcas de Gênesis se conforma a costu­mes do segundo milênio, especial-
mente se esses costumes eram diferentes dos costumes do primeiro milênio,
isso propiciaria um argumento indireto forte a favor da exatidão da Bíblia.
Isso é especialmente válido se for possível mostrar que o comportamento dos
patriarcas, tal como apresentado, seria questionável para um israelita piedoso
que vivesse no primeiro milênio. E nesse con­texto que os documentos de
Nuzi são importantes.
Outro tipo de evidência vem de nosso conhecimento de tratados e con-
vênios já a partir do terceiro milênio a.C. A história dos tratados e convênios é
longa e variada.Mas alguns elementos essenciais serão suficientes para fazer
a questão.
No terceiro milênio a.C., os mais antigos tratados da Mesopotâmia se-
guem regras de composição sumérias. Esses tratados são caracterizados pela
repetição considerável de recursos-padrão em cada seção do tratado. Assim,
cada estipulação ou convenção no tratado Eannatum com Umma é precedida
por um juramento formal e é seguida por uma maldição que incorporando
um segundo juramento. O tratado entre Naram-Sin e Elam também tem um
juramento formal antes de cada estipulação. Mais a oeste, em Ebla, as coisas
foram drasticamente simplificadas. Um prólogo e maldição foram seguidos
por uma longa lista de requisitos, então as maldições foram invocadas por
violação do todo.
Muito recentemente alguns tratados tornaram-se, em parte, disponíveis
a partir de Mari e Tell Leilan datando do início do segundo milênio a.C., onde
iríamos situar os patriarcas. Esses tratados apresentam um formato diferente
de base semelhante à dos pactos patriarcais na Bíblia. Primeiro, as divinda-
des são citadas como testemunhas do juramento vinculando as partes no
tratado. Maldições não aparecem preliminarmente nos “pequenos tabletes”,
mas apenas no final dos “grandes tabletes”. A invocação das divindades e o

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

juramento são seguidos por cláusulas proibindo as hostilidades, estabelecen-


do laços comerciais, formando alianças, e assim por diante. Uma cerimônia
pode acompanhar a elaboração do tratado, que consiste em um banquete e
sacrifício, ou a troca de presentes.
As características comuns entre estes tratados do início do segundo
milênio e os convênios registrados em Gênesis são impressionantes. Os trata-
dos, alianças e convênios descritos em Gênesis diferem em forma e estrutura
dos tratados do terceiro milênio a.C., mas são muito parecidos com os trata-
dos do início do segundo milênio a.C., correspondente à nossa datação da era
dos patriarcas para o início do segundo milênio, dito cerca de 1950-1700 a.C.
Esta conclusão é reforçada por evidências concernentes à forma e a
estrutura dos tratados mais tardios. Em cerca de 1400 a.C., o tratado médio-
-hitita Ishmerikka define suas estipulações entre testemunhas e juramentos.
Isso difere dos tratados do início do segundo milênio - tanto aqueles atestados
na Bíblia e os de Mari e Leilan nos quais ambas as testemunhas e juramentos
precedem as estipulações. No final do segundo milênio, vemos um maior
desenvolvimento da forma e estrutura. Numerosos tratados imperiais hititas
dos séculos 14 e 13 a.C. foram encontrados, os quais refletem um elaborado
esquema de sete vincos: título (preâmbulo), prólogo histórico, pressupostos,
uma recitação do depósito do tratado, uma leitura do tratado (opcional), tes-
temunhas, maldições e bênçãos. (KITCHEN, 1995). É extraordinário que os
tratados que, segundo a cronologia bíblica, recaem no período dos patriarcas
assemelham-se a tratados do início do segundo milênio a.C., e os convênios
Sinaiticos assemelham-se a tardios tratados do segundo milênio a.C. Em am-
bos os casos, a cronologia bíblica é suportada pela evidência externa. Trata-
dos a partir do início do primeiro milênio a.C. são novamente diferentes. Qua-
se todos esses tratados têm apenas quatro elementos: título, testemunhas e
maldições ou mais estipulações (no Ocidente) ou estipulações mais maldições
(no Oriente), eles não têm prólogos históricos, nem as bênçãos de reciproci-
dade, nenhum depósito ou cláusulas de leitura.
Se o texto bíblico tivesse sido escrito em meados do primeiro milênio
a.C., seria de esperar que os convênios patriarcais e tratados para estarem
nesta forma (o mesmo seria válido para as alianças do Sinai). Pelo contrário,
as formas dos tratados encaixam-se nos tempos em que a Bíblia coloca as
narrativas. Em suma, esta tipologia de tratados fornece material factual que
fundamenta amplamente a cronologia bíblica.
Fazendo uma apresentação de linhas de interpretação do período pa-
triarcal Rendtorff declara a respeito dos estudiosos norte-americanos, france-
ses e em especial israelenses:

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

Eles procuram entender os ‘patriarcas’ no contexto do mundo do Antigo


Oriente do segundo milênio a.C., que desde a década de 1920 torna-
-se cada vez mais conhecido através de uma variedade de descobertas
arqueológicas, especialmente através de novos textos. Acredita-se que
neles podem ser encontrados nomes, costumes jurídicos, circunstâncias
de vida etc. que são encontrados ou pressupostos também nas narra-
tivas dos patriarcas, e que por isso o período dos patriarcas pode ser
definido nitidamente dentro do segundo milênio a.C. (cf. Albright, de
Vaux, Kenyon, Bright). (RENDTORFF, 2001, p. 37-38).

Podemos considerar mediante inúmeros exemplos de historicidade e


contexto dos patriarcas no ambiente do segundo milênio, que não importa
como Moisés tenha obtido as fontes para compor as narrativas patriarcais,
uma coisa é certa: o Pentateuco retrata fielmente a época e o período histó-
rico dos patriarcas. Muitos dos detalhes e costumes históricos das vidas dos
patriarcas são agora conhecidos por nós a partir de documentos históricos. Ou
seja, o mundo da narrativa de Gênesis retrata o mundo verdadeiro. Há indícios
razoáveis de que a história registrada nessas narrativas corresponda aos pró-
prios acontecimentos. Longe de serem anacronismos, os detalhes das histórias
bíblicas dos patriarcas se encaixam muito bem no ambiente histórico do se-
gundo milênio a.C. Não há evidências que permitam aos eruditos questionar
sua autenticidade (Bíblia de Estudo Arqueológica NVI, 2013, p. 26).
Kenneth Kitchen, a seguir, nos apresenta as referências históricas dos
patriarcas com o Egito, vejamos:
Referências bíblicas para o Egito fornecem a evidência adicional para
datar os patriarcas para a Idade do Bronze Médio. Abraão e Jacó, ambos en-
contram faraós egípcios. Abrão (como ele era então) estadia no Egito durante
a fome43 (Gênesis 12.10-20), Jacó, com sua família, visita José no Egito duran-
te outra fome, permanecendo lá até morrer 17 anos depois (Gênesis 45.28;

43 A fome era comum em Canaã, uma vez que a produtividade da região dependia da
estação das chuvas. O Egito era menos vulnerável à seca e à fome em razão do alagamento
anual do Nilo. Alguns arqueólogos e geólogos modernos encontraram evidências de uma
seca generalizadaque teria durado trezentos anos, ocorrida entre o final do III e início
do II milênio a.C., que corresponde tradicionalmente à época de Abraão. (ver Bíblia de
Estudo Arqueológica, 2013, p. 22).

12.11 A beleza de Sara é louvada no apócrifo Gênesis (um dos manuscritos do mar
Morto). Os critérios para se avaliar a beleza no antigo Oriente Médio, particularmente no
caso de uma mulher mais velha, seriam bem diferentes dos padrões modernos.

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

47.28).44 Jacó, somos informados, assenta em Gósen,45 no delta do Nilo orien-


tal; não há razão para acreditar Abraão foi mais longe no Egito. Tanto Abraão
e Jacó, assim, encontraram o Faraó e o governante egípcio na região do delta
do Nilo oriental.
Sob as 12ª e 13ª dinastias (séculos 20 a 17 a.C.), faraós egípcios ti-
nham um palácio e templos no delta do Nilo oriental - chamado (pelo menos
em parte) Ro-waty, “Boca dos dois Caminhos”, onde a estrada costeira de
Canaã encontra a estrada de Wadi Tumilat, no delta oriental. A XIII dinastia
foi seguida pelo período dos hicsos, nos séculos 17 e 16 a.C. Os reis hicsos
tomaram conta do centro do antigo Egito, no delta do Nilo oriental e recons-
truíram-na como sua capital de verão, Avaris.
Portanto, a partir do século 20 ao 16 a.C. , o período de tempo que
temos por outros motivos atribuídos aos patriarcas (séculos 19 a 17 a.C), o
governo egípcio teve uma presença real em Gósen no Delta do Nilo oriental.
Antes deste período, não havia nenhum posto delta real, desde que os faraós
do Antigo Império construiram apenas até Bubastis.
Depois que os governantes hicsos foram expulsos, o poder egípcio nati-
vo foi retomado sob a dinastia XVIII, a qual tripulou suas expedições para Ca-
naã, basicamente de Memphis, 100 quilômetros ao sul da fronteira do Sinai.
Durante o período entre 1550 e 1300 a.C., não havia nenhuma residência real
no delta. Apenas o último rei da dinastia XVIII, Haremhab (1327-1295 a.C.),

44 “Agricultura de subsistên­cia e má nutrição crônica eram comuns no mundo antigo, e


não raro o povo se achava a apenas um passo da inanição. Causas naturais (estiagem,
gafanhotos e pragas) provocavam frequentes fomes, assim como as ações humanas,
desde os cercos de guerra até a destruição dos campos por exércitos invasores e ainda a
exacerbada falta de alimentos por causa das armazena­gens clandestinas Era comum que
a fome nessa parte do mundo fosse temporária e local, mas foram registradas algumas
ocorrências de longo prazo que se estenderam por uma vasta região. Seca prolongada e
extensa com a consequente fome intermitente centralizada no Egito, ocorreu dos séculos
XXII ao XX a.C, como registrou os textos desse período. Por exemplo, As admoestações
de Ipuwer descre­vem uma fome relacionada ao caos social no Egito, indicando que
durante esse tempo o povo definhou de sede e que prevaleceram condições como de
um deserto. Essa época de fomes frequentes corresponde ao período patriarcal: a Bíblia
registra fomes durante o tempo de Abraão (Gn 12.10), Isaque (26.1) e José (cap. 41 e42).
Séculos mais tarde, de acordo com Atos 11.28, Àgabo previu uma fome mundial, que
ocorreu entre 44 e 48 d.C, durante o reinado de Cláudio. Essa fome é bem atestada por
fontes extrabíblicas, como em Anais 12.43, de Tácito, que menciona ‘colheitas escassas’
durante esse período.” (Bíblia de Estudo Arqueológica, 2013, p. 70).
45 O distrito de Gósen não era grande: cobria uma área de 2.368 metros quadrados,
mas por causa de sua boa irrigação era considerado uma das melhores terras do Egito,
excelente para o pastoreio e para certos tipos de agricultura.

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

mostrou interesse em renovar o templo do deus Seth em Avaris. A nova XIX


dinastia, no entanto, teve origem no delta oriental e teve um palácio de verão
lá, finalmente movendo sua capital para Pi-Ramesse, construído por Ramsés
II. Este foi o palco para os eventos do Êxodo (Êxodo 1.11, 12.37).
No século 12 a.C., depois de Ramsés VI, Pi-Ramesse foi abandonado e
os seus magníficos edifícios tornaram-se uma pedreira. Durante os períodos
depois (1070-300 a.C.), Tanis / Zoã no delta oriental serviu como porta de en-
trada do Egito para o Levante, tal como é indicado por referências nos Salmos
e os profetas posteriores. Salmo 78.12, 43, dá uma visão do Êxodo, citando
seus milagres “na terra do Egito, na região de Zoã.” Isaías despreza funcio-
nários do faraó em Zoã como tolos (19.11, 13); mais tarde, Ezequiel anuncia
a iminente destruição de Zoã e outras cidades do Egito (Ezequiel 30.14 ss.).
Mais uma vez, nosso conhecimento de residências egípcias no delta do Nilo
oriental é cronologicamente coerente com o que encontramos nas narrativas
bíblicas, tanto em relação aos patriarcas no início do segundo milênio a.C. e
o Êxodo no final do segundo milênio a.C., os fatos que dificilmente seria co-
nhecidos alguém a escrever nos séculos VI ou V. (KITCHEN, 1995).
O que encontramos é que os acontecimentos e descrições, nos inci-
dentais bem como nos principais pontos, correspondem constantemente ao
material remanescente do registro escrito contemporâneo com a época pre-
tendida destes eventos.
Assim, quando chegamos aos patriarcas, a observação de Kitchen de
que o itinerário de Sisaque I de 925 a.C. pode nomear um lugar bíblico no
Negev como “o Acampamento de Abraão”, é surpreendente. Aqui, o nome de
uma figura patriarcal pode realmente ser certificado. Existem outras inter-
pretações, mas nenhuma se adapta a região a esta antiga figura que vagueou
no Negev. Costumes matrimoniais patriarcais e monoteísmo são encontrados
para retornar ao início do segundo milênio. Mesmo muitos dos detalhes nos
anos de Jacó passados com Labão têm paralelos nas leis da Antiga Babilônia
de Hamurabi e as tradições da Velha Assíria. (KITCHEN, 2003, p. 337-338).
Ponderando, podemos concluir que, sendo embora difícil reconstruir
com exatidão uma “época patriarcal”, é pelo menos correto ver os patriarcas
ancorados em firme terreno histórico, e não como meras ficções literárias.
E também é correto situar o mundo dos patriarcas em um período ante-
rior ao mosaico. Da mesma forma, devemos continuar situar Abraão nos
costumes do segundo milênio a.C., em termos históricos, o contexto bíblico
situa Abraão muito tempo antes de José e de Moisés e da ocupação da Terra
Prometida; em termos sociológicos situa Abraão no contexto de uma cultura
seminômade, não controlada pelas leis mosaicas, deslocando-se num Canaã

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

dividido em cidades-estado; em termos religiosos, situa Abraão antes das leis


cultuais de Moisés, da santidade exclusiva, na unicidade e da justiça de Deus.
Se quisermos entender Abraão como fundador e pai da fé de Israel,
precisamos, antes de tudo, reconhecer o papel que um patriarca como ele de-
sempenhava na vida familiar durante o período pré-monárquico. A estrutura
social da época era composta de alguns níveis: a tribo, o clã e a família/lar
(Js 7.14). A unidade fundamental era a família (heb., bêth ’abh, que significa
“casa paterna”). Consistia de um patriarca - o macho adulto responsável - a
esposa, os filhos e as esposas deles, os netos e outros dependentes. Como a
linhagem ou descendência passava para os filhos, as filhas casadas se incor-
poravam às famílias dos maridos.
Os locais de exploração da Idade do Ferro I, embora pertençam a um
período mais tardio que o patriarcal, proporcionam muita informação a res-
peito da sociedade patriarcal. Indicam que essas unidades sociais consistiam
de agrupamentos compostos por umas poucas casas ao redor de um pátio,
circundadas por um muro. O patriarca mais velho e seus descendentes ime-
diatos ocupavam uma das casas, e os filhos casados e as respectivas famílias
viviam em outras casas dentro da área murada. De modo semelhante, Jacó,
seus filhos e as famílias deles viveram durante algum tempo como um peque-
no clã patriarcal (Gn 46.5-7).
Várias passagens bíblicas contêm informações sobre a família patriar-
cal de Abraão. O patriarca era responsável pelo bem-estar socioeconômico
e religioso de toda a sua casa (Gn 14.13-16). Em Gênesis 18, por exemplo,
a hospitalidade de Abraão para com os três visitantes era reflexo da respon-
sabilidade familiar, que implicava até mesmo a proteção aos estrangeiros re-
sidentes ou viajantes vulneráveis que se hospedassem em sua casa (cf. Lv
19.33,34). O costume de derramar água nos pés empoeirados e servir uma
refeição substancial honrava os hóspedes e, como no caso do patriarca, mos-
trava a generosidade do anfitrião.
Abraão, em Gênesis 18, pode ter com-preendido que estava agradando
a convidados celestiais e, por isso, se mostrou especialmente hospitaleiro. O
vínculo estabelecido durante a refeição que se seguiu gerou a bênção por par-
te de um dos convidados e estabeleceu a base para a intercessão de Abraão
por Sodoma. A natureza consagrada da hospitalidade patriarcal é recorrente,
apresentando meta-foricamente o próprio Deus como anfitrião de uma festa
(Sl 23.5,6; Mt 8.11; Lc 13.29).
Não há incovenientes e há vantagens em situar Abraão nos valores do
II milênio a.C.; fzer de Abraão uma pessoa real, cuja vida histórica foi preser-
vada pela tradição. Isto é importante para quem se preocupa com a serieda-

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

de da fé bíblica. A fé é informada, e não cega. Sem um veraddeiro Abraão,


perder-se-ia uma pedra importante nas fundações quer do judaísmo quer do
cristianismo. Um Abraão de ficção pode incorporar e ilustrar crenças comuns,
mas não fornece evidência racional para a fé.
No debate moderno sobre os patriarcas, a tema da data dos patriarcas
e sua descrição histórica, tem concentrado a atenção na investigação se os
dados provenientes do cenário mais amplo do Antigo Oriente Próximo confir-
mam a existência dos personagens bíblicos, ou se ao menos oferecem apoio
para seu estabelecimento nessa estrutura de tempo. Todos concordam que
não há nenhuma confirmação para a existência dos patriarcas ou para os
acontecimentos mencionados no texto bíblico. Em vez disso, o debate se con-
centra em analisar se as evidências confirmam o retrato bíblico dos patriarcas
na época que lhes é atribuída, ou seja, no segundo milênio.

5.3. As evidências arqueológicas

Ao invés de tentar desconstruir, devemos procurar rever o nosso co-


nhecimento do que é basicamente um histórico esboço confiável, e trabalhar
para preenchê-lo a partir da enorme riqueza da arqueologia e dados externos
que foram descobertos.O período patriarcal corresponde, aproximadamen-
te, à Média Idade do Bronze (1950-1550 a.C.), época que foi marcada pelo
movimento de vários grupos de povos nômades no Oriente Médio, e que foi
caracterizada pelos padrões culturais e sociais retratados nas narrativas pa-
triarcais. Explorações arqueológicas realizadas nas décadas de 1940 a 1960,
mostraram de forma considerável, e lançou luzes as histórias patriarcais rela-
tadas em Gênesis 12-50. Três estudiosos do antigo Oriente Próximo contribu-
íram formidavelmente para as pesquisas da historicidade dos patriarcas, são
eles: William Foxwell Albright (1891-1971), Cyrus Herzl Gordon (1908-2001)
e Ephraim Avigdor Speiser (1902-1965). O egiptólogo britânico Kenneth A. Ki-
tchen também chamou atenção para outras numerosas comparações sociais
que são bastante convincentes na averiguação do mundo e das circunstâncias
dos patriarcas tal como elas são descritas em Gênesis 12-50.
No campo dos estudos da história de Israel, novas luzes foram sendo
lançadas sobre os patriarcas através das descobertas arqueológicas, assim se
pronuncia Bright:

A medida que os fragmentos de material e das inscrições iam apare-


cendo e sendo analisados, a idade patriarcal ia iluminando-se de uma
maneira incrível. E, à medida que o começo da Idade do Bronze médio

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

vinha emergindo para a luz do dia, tornou-se claro que as narrativas


patriarcais, longe de refletirem as circunstâncias de dias posteriores,
enquadram-se precisamente na idade da qual elas se propõem falar.
(BRIGHT, 2003, p. 97).

A narrativa bíblica dos patriarcas (incluindo José) em Gênesis 12—50 in­


dica um período de Bronze Médio datado do mais recente terceiro milênio aos
meados do segundo milênio a.C. (2166-1805). A evidência arqueológica para
este período tem emergido na forma do Código de Hamurábi, textos heteus e
egípcios, e milhares de tabletes de argila da cidade amorita de Mari (Tel Hariri),
a cidade horita de Nuzi, e as cidades de Leilan e Alalakh. A estes podemos acres-
centar o fabuloso achado no sítio sírio de Ebla (Tel Mardique), que apesar de
ainda controvertida, tem oferecido algum material comparativo. Esta evi­dência
inclui códigos de lei, contratos legais e sociais, e textos religiosos e co­merciais.
Uma geração atrás, o argumento que estes artefatos criaram para a
antigui­dade e historicidade dos patriarcas era mais aceito do que é hoje. Em
tempos recentes, eruditos minimalistas têm desafiado estas conclusões.46
Seus esforços, porém, ao invés de serem destrutivos para a posição maxima-
lista, têm coopera­do com ela removendo elementos inconsistentes ou des-
necessários para o retra­to bíblico dos patriarcas.47 Em particular, a análise
minimalista crítica de Thompson quanto a supostos paralelos entre os table-
tes de Nuzi e os costumes sociais dos patriarcas tem ajudado a aprimorar o
uso desses textos para uma reconstrução maximalista mais acurada da era
patriarcal. Mesmo assim, a corre­ção dos paralelos baseados no material de
Nuzi, tem provado ser muito mais do que Thompson originalmente propôs.48
Devemos observar que o fato de muitos argumentos a favor da historicidade
dos patriarcas serem “fracos” não leva logicamente à conclusão de que é im-
possível dizer algo a favor da historicidade deles.

46 Duas reavaliacoes da historicidade patriarcal, que melhoraram a posicao minimalista,


foram Thomas L. Thompson, Historicity of the Patriarchal Narratives: The Quest for the
Historical Abraham (Berlin: de Gruyter, 1974), e John Van Seters, Abraham in History and
Tradition (Nova Haven, Connecticut: Yale University Press, 1975).
47 Para analise da critica dos minimalistas dos materiais de Nuzi que apoiam esta conclusao,
vide Duane Garrett, Rethinking Genesis: The Sources and Authorship of the First Book of the
Pentateuch (Grand Rapids: Baker Book House, 1991), pp. 70-79.
48 Por exemplo, Kenneth Barker, ao examinar os paralelos de Nuzi a ele disponiveis,
encontrou apenas um completamente em desacordo com Thompson. Vide Kenneth
Barker, “The Antiquity of the Patriarchal Narratives”, A Tribute to Gkason Archer: Essays
on the Old Testament,W. C. Kaiser e R. F. Youngblood, editores (Chicago: Moody Press,
1986), p. 135.

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

A arqueologia tem lançado luz considerável sobre a história dos Patriarcas


em Gênesis: Abraão, Isaque e Jacó. Não que quaisquer registros destes homens
possam ter sido jamais encontrados fora da Bíblia, mas o véu que anteriormente
escondia seus tempos foi levantado. Como resultado, sabemos agora mais so-
bre o tipo de pessoas que eles eram, de onde eles vieram, como viviam, o que
criam, onde e como eles devem ser encaixados na história das grandes nações
dos tempos antigos além dos posteriores israelitas em si mesmos.
Um dos primeiros historiadores sérios que não aceitou os argumentos
críticos dos minimalistas entre os historiadores é J. Bright49, que apresentou uma
análise sobre a tradição e história em relação aos patriarcas com muito mais
profundidade do que é comum ocorrer. Nesse ponto, seu livro não faz nenhuma
suposição contra a tradição bíblica e, embora a arqueologia possa fornecer um
pano de fundo para a leitura da tradição bíblica, ela é tida como incapaz de pro-
var que os relatos dos patriarcas aconteceram tal como a Bíblia conta.
A língua dos patriarcas foi sem dúvida uma forma do semítico do no-
roeste, não muito diferente da língua falada em Mari. Mas como os vínculos
com a pátria se enfraqueceram, eles assimilaram a língua canaanita, da qual
o hebraico não passa de um dialeto. O mesmo aconteceu com seus parentes
na Mesopotâmia, que acabaram adotando o aramaico. (BRIGHT______
Devemos admitir que é impossível no sentido próprio da palavra es-
crever a história das origens de Israel, e isso em virtude das limitações da
evidência, tanto da parte da arqueologia, como da própria Bíblia. O Gênesis
nos pinta certos indivíduos e suas famílias, movimentando-se dentro de seu
mundo, como se vivessem sozinhos nele. Tampouco nenhum antepassado he-
breu mencionado foi revelado ainda em nenhuma inscrição contemporânea.
Sendo nômades de pouca importância, não é provável que o sejam no futuro.
(BRIGHT _______). O que poderemos constatar é que as narrativas patriarcais,
foram eventos que ocorreramcom pessoas reais no espaço e no tempo.
Bright apresenta opinião modesta e equilibrada quando as evidências
da historicidade das narrativas patriarcais, vejamos:

Não é nunca demasiado afirmar que, apesar da luz que a arqueologia


tem lançado sobre a idade patriarcal, apesar de tudo o que ela já fez
e continua fazendo para justificar a antiguidade e a autenticidade da
tradição, ainda não provou que as histórias dos patriarcas aconteceram
exatamente como a Bíblia as narra. Na natureza do caso, não é mesmo
possível. Ao mesmo tempo — e isso deve ser dito com a mesma ênfa-

49 BRIGHT, John. História de Israel. 7ª edição. São Paulo : Paulus, 2003.

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

se — não apareceu ainda nenhuma evidência que contradiga nenhum


item da tradição. Pode-se crer ou não, como se julgar conveniente, mas
não existem provas nem de um lado nem de outro. O testemunho da
arqueologia é indireto. (_____________)

Toda literatura deve ser interpretada à luz do tipo ao qual ela pertence.
Não devemos em absoluto simplificar em demasia as origens de Israel, porque
elas são muito complexas. Repetir a narrativa bíblica seria um procedimento
insípido e monótono. Qualquer pessoa poderia fazê-lo por si mesma. Deve-se
repetir que, no que respeita à historicidade da maior parte de seus detalhes, a
evidência externa da arqueologia não dá nenhum veredicto pró ou contra. Por-
tanto, fazer uma seleção rigorosa das tradições, de acordo com a historicidade
disto e negando a historicidade daquilo, é um método muito subjetivo, que só
reflete as predileções de cada um. (BRIGHT___________ Reconstruções hipo-
téticas, embora possam ser muito plausíveis, devem ser evitadas. Muita coisa
deve permanecer obscura. Mas também pode ser dito o bastante para nos cer-
tificar de que as tradições patriarcais estão firmemente ancoradas na história.
Gênesis 12—50 indica um período de Bronze Médio datado do mais
recente terceiro milênio aos meados do segundo milênio a.C. (2166-1805). A
evidência arqueológica para este período tem emergido na forma do Código
de Hamurábi, textos heteus e egípcios, e milhares de tabletes de argila da
cidade amorita de Mari (Tel Hariri), a cidade horita de Nuzi, e as cidades de
Leilan e Alalakh.
Assim como outras nações e povos, os patriarcas posseum o seu pró-
prio patrimônio histórico, cultural, religioso, as suas próprias características
familiares, sociológicas e lexicográficas. As narrativas patriarcais suscitam
questões literárias, históricas, culturais e religiosas. Os principais pontos dis-
cutidos e relevantes na arqueologia a respeito dos patriarcas, giram em torno
de três pontos: os movimentos dos povos, os nomes dos indivíduos e dos
lugares e os costumes. O esforço para resolver o problema da historicidade
dos patriarcas por meio de paralelos extrabíblicos resultou em conclusões
bem diferentes, e mesmo contraditórias. Mas, a postura conservadora que
demonstra e pleiteia a historicidade dos patriarcas, tem fortes fundamentos
como veremos.

5.4. Evidências geográficas e climáticas

Através das eras, mudanças nos ciclos climáticos globais e regionais


afeta­ram o movimento das populações humanas. Em Gênesis lemos que os

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

patriar­cas se mudaram de lugar em lugar por causa de desastres regionais e


fomes. Hoje, o clima moderno do Oriente Próximo é muito mais seco e árido
do que era em tempos antigos da história. Porque as condições atuais não re-
fletem as antigas, quando os arqueólogos querem conferir os relatos patriar-
cais das condições climáticas, eles têm que comparar o registro documentário
antigo das mudanças climáticas com a evidência revelada nas escavações,
amostras de es­sências e pólen e calibração radiocarbônica.
De acordo com o arqueólogo James Sauer, que tem feito escavações
exaus­tivas e pesquisas climatológicas na Jordânia e na Síria, a evidência ma-
terial con­corda com os registros históricos para substanciar as tradições bí-
blicas do perí­odo do Bronze Médio.50 Ele descobriu que durante o tempo do
terceiro milênio a.C. a região inteira teria sido muito mais úmida. Isso teria
feito o vale do Jordão, especialmente ao redor da presente área do mar Morto
(onde as narrati­vas patriarcais colocam as cidades da planície), uma região
fértil — exatamente como a Bíblia descreve. Além disso, a evidência para
ciclos áridos durante este período é muito correlata com as fomes documen-
tadas nos registros arqueoló­gicos do Egito, Canaã e regiões circunvizinhas. Es-
tas, em contrapartida, verifi­cam padrões ambientais como os dos patriarcas,
que buscaram alívio de tais condições. Esta evidência levou Sauer a concordar
com as conclusões anteriores de Albright concernentes à antiguidade dos
patriarcas e sugerir: Uma vez que as lembranças das mudanças climáticas e
da geografia antiga parecem acuradas, sugeriria-se até que algumas destas
tradições possam não ter sido escritas pela primeira vez no século X a.C., mas
de fato muito antes. (apud PRICE, 2006, p. 78).
Historiadores como R. Kittel51, acreditava que estudiosos como Wel-
lhausen eram negativos demais em sua avaliação das tradições patriarcais e
defendia que a saga e a tradição oral poderiam representar os acontecimen-
tos do passado com precisão.

Apesar de descobertas notáveis em Ur, especialmente nos túmulos re-


ais, não há provas diretas de que Abraão ali residiu. Indícios, porém, da
peregrinação patriarcal viram à luz em torno de Harã. Os tabletes de
Mari, séc. 18 a.C., descobertos em 1935, mencionam Naor (Til-Nahiri,

50 James A. Sauer, “A Climatic and Archaeological View of the Early Biblical Traditions”,
Scripture and Other Artifacts: Essays on the Bible and Archaeology in Honor of Philip J.
King, M. D. Coogan, J. C. Exum e L. Stage, editores (Louisville, Kentucky: Westminster
John Knox Press, 1994), pp. 366-398.
51 A history of the Hebrews. London: Willians and Norgate, 1895.

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

“outeiro de Naor”), terra de Rebeca (Gn 24.10). Entre as cidades perto


de Harã estão Serugue (Serrugi, em assírio. Gn 11.20) e Til-Turakhi, “ou-
teiro de Tera”. Pelegue lembra mais tarde Paligu, no Eufrates. Padã-Arã52
(Gn 25.20) é paddana, em aramaico, “campo” ou “planície” de Arã. Reú
(Gn 11.20) também corresponde a nomes de cidades posteriores no vale
do médio Eufrates. (UNGER, 2006, p. 60).

Lugares e cidames mencionadas nas narrativas patriarcais revelam pa-


ralelos históricos com o período do segundo milênio. De modo semelhante,
as ruínas de cidades patriarcais como Ur, Hebrom, Berseba e Siquém revelam
consistentemente que elas existiram durante esse tempo.

52 Fontes cuneiformes confirmam a existência de Harã nos séculos XIX e XVIII a.C. A cidade
é mencionada em documentos assírios como Harranu (caminho), porque ficava na grande
rota comercial, entre, Nínive, Damasco e Carquemis. “O termo deriva do acadiano paddanu
(estrada) + Aram, ou seja ‘a estrada de Aram’. Vsto que este local é identificado como o Arã-
Naharaim (Aram dos dois rios) em Gênesis 24.10 (cf. 28.2) e, mais tarde, com o Aram em
27.43 e 28.10, pode até ser que o nome signifique nada mais que Aram.” (MERRILL, 2002,
p. 35). Embora a incerteza sobre o nome permaneça, os estudiosos estão convencidos de
que o nome Padã-Arã se refere à região ao redor de Arã ou à própria Arã. “Padã-Arã, isto é,
a planície de Arã, era o distrito situado perto de Harã, a noroeste da Mesopotâmia, onde se
estabelecera Naor, irmão de Abraão. Era a terra natal de Rebeca.” (KIDNER, 2001, p. 2001).
A viagem de Abraão de Harã a Canaã, algo em torno de 800 quilômetros, teria levado
pouco menos de um mês. “Gênesis é o único lugar no qual o nome geográfico Padã-Arã é
encontrado (e.g., 28.2), e seu significado e localização exatos são incertos. Muitos eruditos
acre­ditam que Padã-Arã seja o nome alterna­tivo de Arã-Naaraim (‘Arã dos dois rios’; 24.10),
região ao norte do rio Eufrates, nas vizinhanças de Harã, que figura de forma proeminente
em Gênesis como o nome do ancestral dos patriarcas. O profeta Oséias faz referência à
jor­nada de Jacó na ‘terra [ou campo] de Arã’ (Os 12.12). Alguns estudiosos acreditam que
essa frase seja a tradução de Oseias do nome Paddan Aram, baseados no fato de um texto
ugarítico citar o ‘campo de Arã’ e porque o substantivo arábico paddan às vezes sig­nifica
‘campo’. Esse argumento, porém, permanece inconclusivo. Outros sugerem que Paddan
signifique ‘estrada’, por causa da palavra acádia si­milar paddanu (‘estrada’). Desse modo,
Padã-Arã significaria ‘estrada de Arã’. Um sinônimo de paddanu é a palavra harranu, que
pode ter sido o lugar de origem de Harã, cidade da qual Abrão partiu para Canaã. (ver Gn
12.4,5). Entendido dessa maneira, Padã-Arã poderia ser mesmo um nome alternativo para
Harã. Embora a incerteza sobre o nome permaneça, os estudiosos estão convencidos de
que o nome Padã-Arã se refere ou à região ao redor de Harã ou à própria Harã Harã foi um
dos mais importantes centros comerciais e religiosos do norte da Mesopotâmia, conhecida
por seu culto dedicado a Sin, o deus-lua. Os textos de Mari atestam que Harã era próspera
na época dos patriarcas. Durante cerca de mil anos depois dos patriarcas, Harã continuou
a florescer, graça a seu comércio com outras nações e suas atividades relacionadas ao deus-
lua Sin.” (Bíblia de Estudos Arqueológica, 2013, p. 47-48).

133

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

A cidade de Ur

A cidade de Harã

A cidade de Harã na Alta Mesopotâmia, que é tratada no tempo de Abraão


como um centro comercial segundo o texto bíblico, foi abandonada depois dos
tempos patriarcais e permaneceu desolada e desocupada de 1800 a 800 a.C.
Se a história de Abraão tivesse sido inventada e escrita numa época posterior,
é pouco provável que seu inventor tivesse escolhido Harã. Acerca da localidade
em que os patriarcas viveram a cidade de Harã. “Observando este ponto, Barry
Beitzel, um arqueólogo da Trinity Evangelical Divinity School, declara: É alta-
mente improvável [que alguém inventando uma história mais tarde] escolhesse
Harã como um local-chave quando a cidade não havia existido por centenas de
anos.” (PRICE, 2006, 87).
A antiga cidade de Harã, que provavelmente deve seu nome à palavra
acádia hananu (“estrada”), está localizada na moderna Turquia, cerca de 16 qui-
lômetros aonorte da fronteira com a Síria. Estrategicamente situada na rota de
comércio entre o Oriente e o Ocidente, que ligava o rio Tigre com o mar Medi-
terrâneo, Harã foi um dos mais importantes centros comerciais e religiosos do
norte da Mesopotânea, conhecida por seu culto dedicado a Sin, o deus-lua.
Ocupada desde meados do III milênio a.C., até alguns séculos depois
do período do Novo Testamento, a cidade é mais conhecida por suas ligações
com os patriarcas durante a Idade do Bronze Médio (primeira parte do II mi-
lênio a.C). Os textos de Mari atestam que Harã era próspera1 nessa época. A
caminho de Canaã, Abrão e sua família residiram ali algum tempo, provavel-
mente para cuidar de Terá, o pai enfermo do patriarca, que morreu ali (Gn
11.31,32). Abrão (mais tarde Abraão) mandou buscar uma esposa para seu
filho Isaque entre seus parentes em Harã (Gn 24.1-7,24), e o filho de Isaque,
Jacó, mais tarde encontrou refúgio ali, com seu tio Labão (Gn 27.42-28.5),
para quem trabalhou durante vinte anos. Antes de retornar a Canaã, Jacó
casou-se com Lia e com Raquel (as duas filhas de Labão) e gerou 11 filhos em
Harã (Gn 29-31).
Durante cerca de mil anos depois dos patriarcas, Harã continuou a flo-
rescer, graças a seu comércio com outras nações e suas atividades relaciona-
das ao deus-lua Sin. Por causa de uma revolta urbana, as forças as-sírias captu-
raram a cidade em 763 a.C. Os oficiais assírios mais tarde usaram essa vitória
para intimidar o rei Ezequias, da Judeia, depois do que a Assíria destruiu o
Reino do Norte, Israel (Is 37.11,12). Harã tornou-se a última capital da Assíria,

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

em 612 a.C., mas foi capturada em 609 a.C. pelos babilônios, que reavivaram
o decadente culto a Sin e restauraram Harã como próspero centro comercial
(cf. Ez 27.23).
Padã-Arã. Gênesis é o único lugar no qual o nome geográfico Padã-Arã é
encontrado (Gn 28.2), e seu significado e localização exatos são incertos. Mui-
tos eruditos acreditam que Padã-Arã seja o nome alternativo de Arã-Naaraim
(“Arã dos dois rios”; 24.10), região ao norte do rio Eufrates, nas vizinhanças de
Harã, que figura de forma proeminente em Gênesis como o nome do ancestral
dos patriarcas. O profeta Oséias faz referência à jornada de Jacó na “terra [ou
campo] de Arã” (Os 12.12). Alguns estudiosos acreditam que essa frase seja
a tradução de Oseias do nome Paddan Aram, baseados no fato de um texto
ugarítico citar o “campo de Arã” e porque o substantivo arábico paddan às
vezes sig-nifica “campo”. Esse argumento, porém, permanece inconclusivo.
Outros sugerem que Paddan signifique “estrada”, por causa da palavra acá-
dia similar paddanu (“estrada”). Desse modo, Padã-Arã significaria “estrada de
Arã”. Um sinônimo de paddanu é a palavra harranu, que pode ter sido o lugar
de origem de Harã, cidade da qual Abrão partiu para Canaã. (ver Gn 12.4-5).
Entendido dessa maneira, Padã-Arã poderia ser mesmo um nome alternativo
para Harã. Embora a incerteza sobre o nome pe’maneça, os estudiosos estão
convencidos de que o nome Padã-Arã se refere ou à região ao redor de Harã
ou à própria Harã.

A cidade de Hebrom

Hebrom (que significa “confederação”) está situada numa colina cerca


de 30 quilômetros a sul-sudoeste de Jerusalém. Números 13.22 declara que a
cidade foi construída sete anos antes da cidade egípcia de Zoã (Tênis, em grego),
por volta de 1735 a.C, embora esse texto deva estar se referindo a uma recons-
trução, já que as escavações descobriram níveis de ocupação que datam de mil
e quinhentos anos antes. Antes disso, Hebrom era chamada Quiriate-Arba (Gn
23.2). Alguns têm sugerido que esse nome significa “cidade de quatro”, indi-
cando a existência de uma liga de quatro cidades vizinhas, porém Josue 14.15
e 15.13 declaram que ela recebeu esse nome de Arba, um ancestral dos ena-
quins. Abraão viveu em Hebrom, “próximo aos carvalhos de Manre” (Gn 13.18)
e construiu ali um altar a Yahweh. Manre era uma pequena localidade situada
menos de 3 quilômetros ao norte de Hebrom e recebeu esse nome de Manre,
o amorreu (Gn 14.13). Nesse local, Abraão foi visitado pelo Senhor, que estava
acompanhado por dois anjos, que lhe repetiu a promessa de umfilho (Gn 18.1-

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

15). Em Hebrom, Abraão também comprou a caverna de Macpela53 (Gn 23.17),


a fim de utilizá-la como túmulo familiar.
Durante a época da conquista, Josué derrotou o rei de Hebrom (Js 10.1-
27), e a cidade foi entregue a Calebe, que a mereceu por bravura (Js 14.6-15;
15.13,14). Mais tarde, ela foi designada como cidade de refúgio e uma das
cidades de levitas (Js 20.7; 21.11 ). Durante o período dos juízes, Sansão
carregou as portas de Gaza até Hebrom (Jz 16.3). Davi e seus mercenários
desfrutaram o favor dos habitantes de Hebrom depois de terem derrotado
os amalequitas (ISm 30.26-31). Depois da morte de Saul, Davi se estabele-
ceu nessa cidade para governar Judá, no período que antecedeu seu reinado
sobre todo o Israel (2Sm 2.1; 5.4,5). Absalão iniciou sua conspiração em
Hebrom, sua cidade natal (3.2,3; 15.7-12), e, durante o reinado de Roboão, a
cidade estava entre as, muitas que foram fortificadas para prevenir possíveis
ataques (2Cr 11.5-12).
As escavações descobriram uma seção do muro datado da Idade do Bron-
ze Médio com cerca de 9 metros de extensão e uma grande residência datada
da Idade do Ferro I. Também foram encontrados em Hebrom fornos e cerâmicas
do período helenístico e túmulos do período bizantino. Herodes, o Grande, cons-
truiu um cercado com grandes peças de alvenaria ashlar ao redor da caverna

53 Até a morte de sua esposa, Abraão peregrinou por Canaã como pastor. Precisando de
um canteiro para sepultar Sara, comprou seu primeiro pedaço do vasto território que
Deus havia prometido a seus descendentes (Gn 15.18). A compra incluiu uma caverna
para servir de sepultura e o campo no qual ela estava situada, ambos conhecidos como
Macpela e localizados em Hebrom. O escritor de Gênesis observa que Sara, Abraão (25.9-
10) e Isaque (35.27-29) foram sepultados nessa caverna. Mais tarde, em em seu leito de
morte no Egito, Jacó/lsrael deixou instruções para que seus ossos fossem levados para
Canaã e sepultados nesse local com os de seu avô Abraão, sua avó Sara, seu pai, Isaque,
sua mãe, Rebeca, e sua esposa Lia (ver 49.29-32; 50.13). Não é de surpreender que os
israelitas lembrassem dessa caverna nas gerações seguintes. Um cercado monumental
foi construído sobre o local nos dias de Herodes, o Grande. Essa bela estrutura de 61 33,5
metros possui notável similaridade arquitetônica com o templo de Herodes no monte em
Jerusalém e ainda hoje está intacta. Dentro dela, sobre o chão, seis grandes cenotáfios
(túmulos vazios que servem como monumentos) medievais honram a memória dos
patriarcas e matriarcas sepultados ali. Uma igreja bizantina construída mais tarde
dentro desse cercado foi, vez por outra, transformada de igreja em mesquita, com as
sucessivas mudanças de governo (e, portanto, de religião) na área. Durante o século XIV
d.C, os muçulmanos selaram as estruturas subterrâneas que ficam abaixo do complexo,
ainda que algumas investigações clandestinas continuassem a ser feitas. Um estudo no
século XX, sob a direção de Moshe Dayan, de Israel, envolveu uma descida no período
noturno, com uma câmera, até o túmulo de uma adolescente de 12 anos de idade. Os
pesquisadores informaram a existência de uma escadaria, um longo corredor e uma sala.
(ver Bíblia de Estudo Arqueológica, 2013, p. 39).

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

tumular dos patriarcas (haram, em árabe). Uma igreja bizantina e um mostei-


ro foram mais tarde construídos sucessivamente acima do haram, que ainda
permanece como local sagrado para os muçulmanos. Dois carvalhos antigos
são tradicionalmente reverenciados como os “carvalhos de Manre”, embora a
palavra hebraica se refira mais provavelmente a terebintos. (ver Bíblia de Estudo
Arqueológica, 2013, p. 446

A cidade de Berseba

Berseba foi assim nomeada por Abraão ou mais tarde por Isaque? Em Gê-
nesis 21.31 Abraão deu a essa cidade o nome de Berseba “poço do juramento”.54
Mas posteriormente em Gênesis 26.33, Isaque deu-lhe o mesmo nome. Mas é
altamente improvável que duas pessoas diferentes, em duas ocasiões diferentes,
viessem a chamar um mesmo lugar com o mesmo nome? Isto não é absoluta-
mente improvável, por duas razões. A primeira é que a segunda pessoa era filho
da primeira, e pode ter tido conhecimento da experiência de seu pai naquele
lugar. A segunda razão é que a experiência semelhante pela qual Isaque passou
ali pode lhe ter despertado a memória, fazendo-o lembrar-se do nome que seu
pai tinha dado àquele lugar. Assim, não é de todo incomum que Isaque tivesse
mais tarde renovado o nome que seu pai havia anteriormente dado àquele im-
portante lugar em suas vidas.

A cidade de Siquém

É provável que a cidade de Siquém seja mais lembrada pelos leitores da


Bíblia como o lugar em que os filhos de Jacó, Simeão e Levi, empreenderam de
forma enganosa a matança da população local como forma de vingança pelo
estupro de sua irmã Diná (Gn 34). Siquém está situada na região montanhosa
de Efraim, numa passagem que tem o monte Ebal ao norte e o monte Gerizim
ao sul. Infelizmente, há muitas perguntas não respondidas sobre sua história,
especialmente na história bíblica.
Sabe-se que a mais antiga ocupação de Siquém ocorreu durante o Período
Calcolítico (ca. 4000-3500 a.C). Alguns níveis de não ocupação, datando do III
milênio a.C. são visíveis no sítio, embora uma cidade considerável tenha sido

54 Numa terra de chuvas sazonais, os poços eram extremamente importantes para o


bem-estar da população humana, bem como dos rebanhos e ovelhas. A área na qual
Abraão cavou o poço (Gn 21.25-30) estava sob o controle Abimeleque, mas não tinha
proprietário. Abraão estava reivindicando a posse, não da terra, mas do direito à água do
poço. Essa intrusão era um direito do estrangeiro residente.

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

erguida ali durante a Idade do Bronze Médio (ca. 1900-1550 a.C.). Essa cidade
sofreu uma aniquilação desastrosa no final desse período, e grande parte do
entulho provocado por essa destruição foi encontrada nesse nível. Siquém foi
reconstruída durante a Idade do Bronze Tardio. O grande templo encontrado ali
é provavelmente o templo de El-Berite, mencionado em Juízes 9.46-49, o local
em que Abimeleque matou cerca de mil pessoas. Siquém parece ter sido uma
cidade bem modesta em grande parte da Idade do Ferro e no período pós-exíi-
co. Lemos em 1 Reis 12.25 que Jeroboão fez de Siquém sua residência por um
tempo, e a cidade também é mencionada em Jeremias em 41.4-8.
A condição de Siquém na Idade do Bronze Tardio representa o desafio
maior para os arqueólogos. Muitos acreditam que a cidade foi reconstruída por
volta de 1450 a.C. (depois de ter sido destruída no final da Idade do Bronze
Médio). Uma ideia aceita de modo geral é a de que um grupo de povos conhe-
cidos como os labayus dominou a região montanhosa central, usando Siquém
como base durante a Idade do Bronze Tardio II (ca. 1400 -1300 a.C., também
conhecida como a “era de Amarna” por causa das cartas de Amarna, ou seja, a
correspondência entre Canaã e o Egito datada desse período).
O problema com essa teoria é a referência bíblica à convocação feita
por Josué a Israel em Siquém para a realização das cerimônias de aliança, nas
proximidades dos montes Ebal e Gerizim (Js 8.30-35; 24.1). Nenhum encontro
com a cidade ou com o povo de Siquém é mencionado nesse contexto, o que
seria inevitável se o local estivesse ocupado por um poder regional naquele
tempo. Alguns historiadores sugerem que os siquemitas cooperaram com os
israelitas, mas isso é muito improvável, em razão da ordem de Deus aos is-
raelitas para que exterminassem os cananeus e não negociassem concessões
com eles (Dt 7.1,2).
A cronologia e a história da Siquém da Idade do Bronze Tardio estão lon-
ge de ser um assunto resolvido. A ideia de que os labayus dominaram a região
montanhosa de Siquém é especulativa. Também há incerteza acerca de quando
a primeira cidade, na Idade do Bronze Tardio, foi realmente construída. Isso
pode ter acontecido após a conquista. Pode-se concluir pelo silêncio de Josué 8 e
24 que não havia nenhuma cidade cananeia importante naquela área, na época.
Josué 24 menciona um lugar com esse nome, mas não faz alusão a um encontro
com os cananeus que habitavam a cidade. É difícil harmonizar as evidências
bíblica e arqueológica de Siquém com uma história coerente, e esse dilema é
agravado por outras questões que cercam a data da conquista. Como sempre, os
pesquisadores têm sido sensatos ao evitar conclusões precipitadas.

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

A cidade de Betel

O lugar sagrado de Betel representou um importante papel na vida de


Abraão e Jacó/lsrael, bem como na história posterior. Abraão construiu um al-
tar em Betel e Ai (Gn 12.8), e Jacó, no caminho para Harã enquanto fugia de
Esaú, teve um sonho55 muito vívido em Betel (Gn 28.10-17). Antes de prosseguir,
estabeleceu uma pedra comemorativa no lugar. Essas pedras ocasionalmente
marcavam lugares para servir como memoriais (Gn 35.20).
A localização exata de Betel tem sido motivo de longo debate entre os
estudiosos bíblicos, porém, a maioria a situa na moderna Tell Beitin, 13 quilô-
metros a norte de Jerúsalem, embora el Bireh, poucos quilômetros ao sul, tam-
bém seja um local sugerido Sem dúvida Betel estava localizada na área norte de
Jerusalém.
De acordo com o Onomasticon, escrito por Eusébio (269-339 d.C.) e revi-
sado por Jerônimo (345-419 d.C.), Betel estava localizada no duodécimo marco
romano, no lado leste da estrada que levava ao norte de Neápolis (chamada Si-
quém no AT, a moderna Nablus). Nesse antigo manuscrito, Tell Beitin é localiza-
da no décimo quarto marco, indicando que, se a informação de Eusébio estava
correta, não pode ser Betel. Betel provavelmente estava situada um pouco ao
sul, na moderna el Bireh, perto da cidade de Ramallah. Nenhuma escavação foi
feita em el Bireh, cidade hoje ocupada pelos palestinos.
Durante o período da monarquia israelita, Betel (“casa de Deus”) foi en-
volvida numa controvérsia. As associações com sua história e seus monumen-
tos sagrados levaram o povo a transformá-la num centro de culto aos ídolos.
Jeroboão I, por exemplo, tirou vantagem das tradições sagradas associadas a
Betel e, contra a vontade de Deus, edificou um altar ali como alternativa ao culto
realizado no templo de Salomão (1Rs 12.26-30). Como resultado, os profetas
censuraram duramente o culto em Betel. Oseias (Os 4.15; 5.8; 10.5) foi bem
longe ao se referir a Betel como Bete-Áven, trocadilho depreciativo que significa
“casa da impiedade”. Esses textos indicam que havia um debate nos tempos
antigos quanto ao fato de Betel ser um local sagrado ou um centro de apostasia.
O nome Betei também foi o centro do debate em outro contexto. Betel
aparece como o nome de um deus no século VII a.C., num tratado assírio e em
alguns textos de Elefantina, localizada ao sul do Egito. Baseados nessas desco-
bertas, alguns eruditos argumentavam que a palavra “Betei” era usada no Antigo
Testamento como nome divino, em vez de ser um nome de lugar, porém a maio-

55 um poço ali chamado “poço de Abraão”, embora sua autenticidade seja incerta (ver Gn
21.25).

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

ria dos intérpretes não está convencida da validade dessa teoria, uma vez que
parece evidente que a Betel bíblica era um lugar. De fato, alguns textos bíblicos
parecem atestar que Betel, em seus dias primitivos, foi uma cidade conhecida
como Luz (mencionada em Gn 28.19; 35.6; 48.3) e que foi renomeada por Jacó
(Jz 1.23). (ver Bíblia de Estudo Arqueológica, 2013, p. 59).
Além de todos esses locais da era patriarcal, surgiu um local pertencente
à linha de defesa das cidades no Neguebe56 em Berseba. Um dos nomes em-
pregados para desiginar essa linha de defesa construídas por Davie Salomão,
no século X a.C., foi preservado num relevo da parede no Templo Egípcio de
Amum em Carnaque (Luxor), chamado “O Forte de Abraão”. Yohaman Aharoni
acreditou que os egípcios conheciam a cidade israelita de Berseba por seu nome
antigo, indicando portanto, que ela foi assim chamada porque Abraão fora seu
fundador original (Gn 21.31-32). Roland Hendel sugeriu que “quando os gover-
nos construíam fortificações era natural que dessem o nome de homens ilustres
ou heróis nacionais. Abrão, com sua fama bíblica, certamente se encaixa nesta
descrição.”57
Como os filhos de Hete poderiam estar em Hebrom, em 2050 a.C, sen-
do que o seu reino situava-se onde hoje é a moderna Turquia? Hete foi o pro-
genitor dos hititas, cujo reino se localizou onde hoje é a moderna Turquia. Mas,
de acordo com alguma evidência arqueológica, os hititas não se sobressaíram
no Oriente Médio antes do reinado de Mursilis I, que começou a reinar por
volta de 1620 a.C. e que dominou a cidade de Babilônia em 1600 a.C. Entre-
tanto, em Gênesis 23 várias referências são feitas ao encontro de Abraão com
os filhos de Hete, que controlavam Hebrom no ano de 2050 a.C. aproximada-
mente. Como então a Bíblia pode dizer que os hititas controlavam Hebrom,

56 Na época do Novo Testamento, o Neguebe era conhecido co mo Iduméia (Mc 3.8).


Durante milhares de anos, os seres humanos pastorearam seus rebanhos e manadas em
determinadas estações, no Neguebe, a região sul de Israel, entre a região montanhosa
de Judá ao norte e os desertos de Sim, Sur e Parã ao sul. Na verdade, os patriarcas
seminômades (Abraão, Isaque e Jacó/ Israel) pastoreavam seus rebanhos no deserto do
Neguebe durante o inverno e migravam para o norte, para a região montanhosa de Judá,
perto de Betel e Siquém para a temporada do verão. Nos tempos bíblicos, o Neguebe
era a região no extremo sul do mar Morto, cerca de 48 quilômetros de oeste a leste,
centralizada em tomo de Berseba. Habitada de forma irregular e espaçada, a região
não comporta florestas, apenas pequenos arbustos, e tem duas estações: um inverno
moderado com chuvas periódicas e um verão quente e seco. Como no Neguebe chove
menos de 200 milímetros por ano, a área é inapropriada para o estabelecimento de
lavouras. (ver Bíblia de Estudo Arqueológica, 2013, p. 34).
57 Roland Hendel, Finding Historical Memories in the Patriarchal Narratives. Biblical
Archaeology Review 21, julho-agosto, 1995, p. 58.

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

muitos anos antes de eles se tornarem uma força significativa nessa região?
Descobertas arqueológicas mais recentes de tábuas cuneiformes descrevem
conflitos em Anatólia (hoje Turquia), entre vários principados hititas de cerca
de 1950 a 1850 a.C. Mesmo antes desse conflito, entretanto, havia uma raça
de não-indo-europeus, conhecida como povo de Hati. Esse povo foi subjugado
por invasores indo-europeus por volta de 2300 a 2000 a.C., os quais adotaram
o nome Hati. Nas línguas semíticas, como no hebraico, Hati e Hiti tinham a
mesma grafia, porque somente as consoantes eram escritas, Nos dias de Ram-
sés II do Egito, a força militar dos hititas era suficiente para propiciar um pacto
de não-agressão entre o Egito e o império hitita, que estabeleceu limites entre
eles. Nesse tempo, o império hitita ia ao sul até Kadesh junto ao rio Orontes
(hoje Asi). Entretanto, outras evidências demonstraram que os hititas realmen-
te penetraram mais ainda para o sul, até a Síria e a Palestina. Embora o reino
hitita não tenha tido o seu ápice senão na segunda metade do século XIV a.C,
há suficiente base para se admitir a presença hitita em Hebrom no tempo de
Abraão, controlando aquela área.
O sítio israelita de Tel Dã nas montanhas de Golã preserva o nome da
antiga cidade de Dã, que muitos leitores da Bíblia se lembram por causa da des-
crição geográfica da Bíblia “De Dã até Berseba.” De acordo com alguns textos
egípcios de execração, o antigo nome de Dã era Laís (Jz 18.7,14). Esse teria sido
o nome da cidade no tempo dos patriarcas. As escavações arqueológicas neste
sítio revelaram uma grande cidade cananita com cultura altamente desenvolvi-
da, ricas tumbas, e enormes fortificações diagonais de defesa. A grande surpre-
sa na escava­ção foi descobrir no meio das fortificações um portão de tijolos de
4 mil anos com um arco (uma realização arquitetônica que pensava-se ter sido
inventada pelos romanos 2 mil anos depois!). Ainda mais incrível é o fato de que
este muro de tijolos ainda permanece de pé hoje exatamente como foi constru-
ído originalmen­te, completo até em cima.58 Esta serviu como principal porta

58 Segundo Avraham Biran, escavador do sitio, a razão de a porta de tijolos ter sido
preservada “nao foi por causa de alguma coisa que fizemos. Parece que o povo na
antiguidade, por algum motivo ou outro, o povo de Lais, os cananeus que viveram em
Lais, decidiram que a porta nao tinha mais utilidade. Por isso a bloquearam, encheram de
terra e depois cobriram tudo. Assim, com a terra natural da area, foram enterradas todas
as escadarias que davam acesso a cidade, de forma que tudo o que fizemos foi remover
a terra e descobrir a construcão de ambas as escadarias e eis aqui outra construcao de
pedra que provavelmente era um empreendimento que sustentava, que protegia a porta.
Talvez houvesse algo de errado na estrutura. Encontramos uma rachadura na torre e
talvez fosse essa a razão que levou aquele povo a deixar de usar a porta e abrir outra
porta em outro lugar” (Entrevista no Museu Skirball, da Hebrew Union College, Jerusalem,
em 12 de outubro de 1996).

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

para Laís, e teria sido usada por todos os que visitavam a cidade. De acordo com
Avraham Biran, isso poderia ter muito bem incluído os patriarcas:

Abraão, no livro de Gênesis, prosseguiu em derrotar os reis do Nor-


te que levaram seu sobrinho Ló como prisioneiro, e o texto diz
em Gênesis 14 que: “Abraão os perseguiu até Dã.” Agora, é claro,
naqueles dias o nome da cidade era Laís e não Dã. Eu imagino que
o copista bíblico que achou o nome Laís tenha dito: “quem ainda
lembra de Laís, ela se foi, está esquecida,” então ele escreveu Dã.
Mas para o meu modo de pensar, Abraão, sem dúvida, foi convida-
do a visitar a cidade de Laís e pelo que sei passou pelo muro antes
que ele fosse bloqueado.59

Um lugar como a porta de Laís provê confirmação que, conforme declara


o registro bíblico, havia de fato uma cidade em Dã no tempo de Abraão, desta
forma acrescentando credibilidade à narrativa patriarcal.
Outro lugar do período israelita tem sido proposto como evidência inci-
dental para confirmar a existência dos patriarcas. Construída no Neguebe por
Davi ou Salomão no começo do século X a.C. como parte de uma linha de defe-
sa contra os egípcios, o nome do lugar é listado num texto em hieróglifo sobre
o relevo da parede no templo de Amon, em Carnaque (Luxor, Egito). O nome
deste lugar é “O Forte de Abrão” ou “Cidade Fortificada de Abrão”. Yohanan
Aharoni acreditava que “forte Abrão” era o termo usado pelos egípcios para a
cidade israelita de Berseba. Isso porque na lista egípcia das cidades do Neguebe,
Berseba não é mencionada, todavia era um lugar proeminente durante aquele
tempo. A explicação mais plausível para isso é que o novo lugar de defesa em
Berseba tinha recebido o nome de Abrão porque ele foi o fundador original da
cidade (Gn 21.22-23). Como Ronald Hendel explica: “Quando o governo levan­ta
fortificações, é natural chamá-las pelos nomes de ilustres heróis locais ou naci­
onais. Abrão, com a fama bíblica, certamente preenche os requisitos”.60
De acordo com a Bíblia, dois membros da família de Abraão não foram
incluídos na caverna de sepultamento — a esposa favorita de Jacó, Raquel,
e seu estimado filho José. José foi enterrado em Siquém (moderna Nablus),
mas o lugar de seu sepulcro é incerto. Raquel, que morreu no caminho para
Belém, foi enterrada nesta vizinhança. Uma tradição muito moderna situa o

59 Entrevista com Avraham Biran, Museu Skirball, Jerusalem (em 12 de outubro de 1996).
60 Roland Hendel, “Finding Historical Memories in the Patriarchal Narratives”, Biblical
Archaeology Review, volume 21, n.° 4 (Julho/Agosto de 1995), p. 58.

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

lugar de sua tumba onde ela está hoje ao longo da estrada de Hebrom, na
entrada para Belém, mas é duvidoso que este seja o lugar verdadeiro do en-
terro, baseando- nos numa comparação geográfica cuidadosa das descrições
bíblicas do livro de Gênesis, 1 Samuel e Jeremias. O relato de Gênesis diz que
Raquel foi enterrada na estrada para “Efrata (que é Belém)” (Gn 48.7). Belém
hoje está localizada ao sul de Jerusalém no território designado à tribo de Judá.
Porém, Jeremias, alu­dindo à morte de Raquel, diz que ela está “em [ou perto
de] Ramá” (Jr 31.15), uma área ao norte de Jerusalém (A-Ram dos dias atuais)
na herança tribal de Benjamim. Esta localização próxima a Ramá ou a Gibeá
(logo a leste de Ramá) parece sustentada pela declaração de Samuel de que o
“sepulcro de Raquel” estava “no termo de Benjamim, em Zelza” (1 Sm 10.2). O
lugar original de Efrata tem sido identificado com uma cidade antiga constru-
ída perto da fonte de Ein Prat, onde a estrada de Betel à fonte primeiro passa
entre Ramá e Gibeá. Somente a uma pequena caminhada deste local estão
localizadas cinco grandes estruturas de pedras que, desde os tempos antigos,
os árabes têm chamado de Kubr Bnai Yisrael (“Os Sepulcros dos Filhos de Isra-
el”). A origem destas estruturas retangulares permanece um mistério; tem sido
cuidadosamente sugerido que elas datem da era megalítica (2000-1500 a.C.),
uma delimitação de tempo que inclui os patriarcas. Durante o último século
Clermont-Ganneau identifi­cou o lugar como a tumba de Raquel.61 Argumentos
posteriores em favor do local foram feitos recentemente pelo topógrafo e na-
turalista israelita Nogah Hareuveni.

5.5. Os patriarcas foram “criados” no período exílico e pós-


exílico?

Acerca da alegação de que “Abraão e sua lenda” foi criada num período
exílico ou pós-exílico, vejamos seis considerações relevantes:
Em primeiro lugar, se Abraão tivesse sido um mero personagem literário
inventado tardiamente, como se explica que o redator lhe tivesse dado o nome
de Abraão, que é um nome muito comum no Próximo Oriente Antigo, mas que
não será encontrado em nenhum outro personagem bíblico, em vez de lher dar
um nome teofórico, composto com o nome YHWH? Um tal nome seria mais
mosaico e israelita do que Abraão. E, na mesma linha de ideias, porque é que
nenhum dos nomes teofóricos dos relatos patriarcais se refere à YHWH ou a
Baal, como será usual na época normativa do Yahvismo mosaico?

61 Cleremont-Ganneau, Archaeological Researches in Palestine, volume 2 (1873-1874), p.


278.

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

Em segundo lugar, se Abraão é um personagem fictício e tardio, objeto de


produção literária, como se compreende que ele exerça o culto numa grande va-
riedade de lugares e altares – Siquém (Gn 12.6-7), montanha entre Betel e Ai (Gn
12.8-9; 13.2-4), Hebron-Mambre (Gn 13.18), país de Moriá62 (Gn 22.9) – e plante
árvores sagradas em Berseba (Gn 21.33), atentando contra as leis deuteronômi-
cas que impõe a centralização de culto num único lugar (Dt 12.2-5) e condenam
as árvores sagradas (Dt 16.21)? E como se compreende que o próprio Abraão,
leigo, ofereça um holocausto (Gn 22.13) e que o seu culto careça de mediadores
(sacerdotes ou profetas), quando se sabe que quer no Médio Oriente Antigo em
geral quer em Israel em particular, o culto era realizado em lugares fixos (santu-
ários), com pessoal especializado (sacerdotes), com leis rigorosas e calendários
próprios (festas)? E como se compreende ainda que no relato de Abraão (e nas
narrativas patriarcais em geral) não há o mínimo aceno à observância do dia de
sábado e leis alimentares, tão importantes na época do exílio?

Os patriarcas seguem, sim, práticas de adoração que gerações posteriores


considerariam incorretas. Eles erguem colunas, derramam libações sobre
elas e plantam árvores (28.18-22; 35.14; 21.33), ao passo que Deuteronô-
mio 12.2-3 condena a adoração ‘debaixo de árvore frondosa’ e recomenda

62 De acordo com 2Crônicas 3.1, foi no “monte Moriá”, em Jerusalém, que Yahweh
apareceu a Davi, inspirando-o a construir um altar e oferecer sacrifício. Salomão mais
tarde, construiu o templo no mesmo lugar. Alguns estudiosos hesitam em identificar
esse local como o mesmo lugar em que Deus provou a fé de Abraão por meio do
quase sacrifício de Isawue, porque Gênesis 22.2 diz que Moriá é uma região, não uma
montanha. Além, disso, parece inverossímil que Abraão levasse madeira a Jerusalém,
área bem florestada, em vez de apanhá-la no lugar em que planejava fazer o sacrifício.
No entanto, não é de surpreender que Abraão partisse com todos os preparativos para
o sacrifício, pois talvez não quisesse arriscar a possibilidade de não encontrar madeira
seca após sua partida. Além disso, pode-se dizer, com alguma certeza, que Moriá, em
Jerusalém, distava cerca de três dias de Berseba (ver v. 4,19). Gênesis 22.14 indica que
as gerações posteriores conheciam esse local como o “monte do SENHOR”, expressão
usada em outros lugares para descrever Sião/Jerusalém (ver SI 24.3; Is 2.3; Zc 8.3). O
nome Moriá pode estar associado com o verbo hebraico que significa “ver” ou “prover”,
termo teologicamente significativo que aparece repetidamente em Gênesis 22.1-19. Em
Jerusalém, como em nenhum outro lugar, o Senhor sempre seria “visto” e “proveria”
benesses para seu povo por meio dos sacrifícios por ele ordenados. Baseados nessa
associação, os autores bíblicos podem ter imaginado que Abraão estava preparado para
oferecer seu sacrifício na mesma montanha em que os israelitas mais tarde ofereceriam
os deles—o monte Sião, em Jerusalém. (ver Bíblia de Estudo Arqueológica, 2013, p. 37).
Atualmente, o monte Moriá é ocupado pelo Domo da Rocha, impressionante estrutura
muçulmana erigida em 691 d.C. Uma grande pedra que emerge do edifício é ainda hoje
apontada como o lugar tradicional do quase sacrifício de Isaque.

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

a destruição de colunas e asherim. Além disso, os patriarcas não adoram


em Jerusalém, mas em lugares como Síquem, Hebrom e Betel, sendo que
a última cidade é umcaso particularmente interessante porque, depois de
Jeroboão II, ela é considerada um local religiosamente infame.63

Bruce K. Waltke, faz uma preciosa análise que, demonstra que se a in-
tenção do autor de Gênesis fosse “inventar” as narrativas patriarcais, este autor,
teria acomodado as narrativas patriarcais ao conteúdo do restante do Penta-
teuco, como as narrativas patriarcais divergem em alguns pontos do restante
do Pentateuco, isso demonstra que, o autor narrou acontecimentos históricos e
reais. Vejamos:

As práticas religiosas dos patriarcas tanto concordam notavelmente quan-


to, ao mesmo tempo, discordam consideravelmente das práticas religiosas
que Moisés ordena. Por exemplo, de um lado Noé, sem explicação, distin-
gue entre animais limpos e imundos (presumivelmente o mesmo como
especificado na lei) antes que a lei fosse dada (6.19-7.13). Por outro lado,
os patriarcas cultuam a Deus sob diferentes nomes, tais como El Olam (“o
Deus Eterno”, 21.33) e El Shaddai (17.1), que nunca se repetem na Torá,
excetuando Êxodo 6.3. Além disso, contrário a lei mosaica, e sem censura
do narrador, Jacó erige uma coluna de pedras (massebâ, Gn 28.18-22),
Abraão se casa com sua meio-irmã64 (Gn 20.12) e Jacó, simultaneamente,
se casa com irmãs (Gn 29.15-30; cf. Dt 16.21,22; Lv 18.9,18, respecti-
vamente). Se as histórias fossem simuladas, se esperaria que o autor do
Pentateuco baseasse sua lei na ordem criada ou nas tradições antigas e,
pelo menos, não citasse dados que pudessem possivelmente denegrir seu
ensino. Essas tradições religiosas são antigas, não tendo sido nem adulte-
radas nem inventadas. (WALTKE, 2010, p. 30-31).

Em terceiro lugar, se Abraão é um personagem fictício tardio, como é


que se explica a ausência do conceito de pecado e de julgamento, bem como
do encadeado pecado = castigo, e ainda do esquema pecado = castigo/conver-
são = salvação, que permeia a inteira história deuteronomística – o elemento

63 G. Wwnham, Genesis 16-50, WBC (Dallas: Word, 1994), p. 20-25.


64 A palavra para “irmã” (heb. ‘ahôth, grego adelphê) é usada na Bíblia com vários significados.
No Antigo Testamento, refere-se a mulheres que têm o mesmo pai e a mesma mãe ou
o pai ou a mãe em comum, mulheres parentes ou mulheres do mesmo país. (ver Gn
20.12; Lv 18.18; Nm 25.18; Jó 42.11), e também é usado em sentido figurado por toda a
Escritura (Ez 16.45; Rm 16.1; 2Jo 13).

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

conversão nem sequer se faz sentir no bloco Gênesis-Números -, e também da


articulação do pecado com o perdão, que por alguns é considerado a principal
diferença de relacionamento com Deus que começa com o Êxodo e o Sinai?
Em quarto lugar, se Abrão e os patriarcas são personagens fictícios tar-
dios, como é que passam na Terra como “estrangeiros residentes” (gêrim) e não
como ocupantes, como sucederá mais tarde com Israel, que lutará pela posse
da Terra? De fato, os Patriarcas levam uma existência pacífica na Terra. Note-se
ainda que os severos juízos negativos acerca de Canaã e dos cananeus65, que
aparecem a todo momento no Antigo Testamento a partir de Êxodo, estão com-
pletamente ausentes nas histórias patriarcais. Este clima pacífico e até amigável
não podia ter sido inventado. As histórias é que vêm de um período de antes da
ocupação da Terra, e nada podiam ter a ver com as guerras. Os patriarcas são es-
trangeiros, e é como estrangeiros que são reconhecidos e tratados dos pontos de
vista político, social e econômico, também estrangeiros permanecem do ponto
de vista religioso. O sincretismo religioso tornou-se problema apenas quando
Israel começou a reclamar a posse da Terra e a pretender ocupá-la.

Note-se simplismente que os juízos negativos acerca de Canaã e dos Ca-


naneus, que aparecem continuamente no Antigo Testamento a partir do
Êxodo, estão completamente ausentes nas narrativas patriarcais, e que tal
clima amigável dificilmente poderia ser inventado após o início da ocupa-
ção da terra. É mais lógico admitir-se que estas são histórias que vem de
um período de antes da ocupação da terra. (COUTO, 2003, p. 191).

Em quinto lugar, se Abraão é uma produção literária tardia, como se ex-


plica o meio sociológico e religioso do seu relato (e das narrativas patriarcais
em geral) seja tão diferente da do Israel histórico que encontramos nos livros
de Juízes e de Samuel, onde se distingue continuamente entre YHWH e os Ba-
als, entre Israel e as nações pagãs? Onde é que esta, nas narrativas patriarcais,
o caráter exclusivo e combativo do Yahvismo cacacterístico destes livros? Em
boa verdade, as narrativas patriarcais mostram um Deus sereno e pacífico, que
nunca é chamado “santo” ou “justo” ou “guerreiro”, e respiram um ambiente
universalista e nada exclusivista.

65 O termo ‘cananeu’ é muitas vezes usado de forma genérica para descrever a população
da Terra Santa (e.g., Gn 10.18; Jz 4.23,24), ou a ‘terra de Canaã’. Em outras passagens,
refere-se à população das regiões costeiras, incluindo o sul da Síria, especialmente os
habitantes dos vales e planícies, incluindo o vale do Jordão (e.g., Js 5.1; 11.3). ‘Cananeu’,
mais tarde, veio a significar ‘mercador’ — a principal ocupação desses povos litorâneos
(e.g. Jó 41.6; Ez 17.4).” (Bíblia de Estudo Arqueológica, 2013, p. 265).

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

Em sexto lugar, se o relato de Abraão é uma criação exílica ou pós-exíli-


ca, como é que se explica que este patriarca se fixe em Hebron-Mambré, onde
tem até o seu túmulo, se após os acontecimentos de 586 a.C., o Hebron, que
é então ocupado pelos invasores edomitas, nem sequer faça parte do território
judaico (situação que se mantém durante o período persa e mesmo depois, só
sendo reconquistado por Judas Macabeu por volta de 163 a.C. [1Mac 5.65])?
E como é que se explica que os redatores tenham optado por este cenário ex-
cêntrico em vez de, por exemplo, Jerusalém, que, de resto, nem é mencionada
em toda a história patriarcal, e nem era difícil fazê-lo, dado que Abraão é apre-
sentado a atravessar a inteira Terra Prometida, do norte ao sul? Em boa verdade,
quem teria interesse em inventar este estranho Abraão e estas narrativas patriar-
cais tão pouco ortodoxas?
A mencionada fixação de Abraão em Hebrom não pode ser uma criação
exílica ou pós-exílica, como alegou Van Seters e outros. Como é que se pode ex-
plicar a invensão desta fixação tardia de Abraão em Hebrom-Manbré, onde até
mesmo tem o seu túmulo, se após os acontecimentos de 586 a.C., o Hebrom,
que então é ocupado pelos invasores edomitas, nem siquer faz parte do territó-
rio judaico, situação que se mantém durante o período persa e mesmo depois,
só sendo reconsquistado por Judas Macabeu por volta de 163 a.C. (1 Mac 5.65)?
E como se explica que redatores da época exílica ou pós-exílica tenham optado
por este cenário excêntrico em vez de, por exemplo, Jerusalém. Quem teria inte-
resse em inventar este estranho Abraão e estas narrativas patriarcais tão pouco
ortodoxas? (COUTO, 2003, p. 197).
Essa lista é apenas uma amostra das sérias incongruências entre oretrato
dos patriarcas em Gênesis e algumas crenças posteriores. Portanto, precisamos
mais uma vez indagar: Qual a probabilidade de autores que viveram muito tem-
po depois, escrevendo apenas com base na imaginação, pintarem um retrato
dos antepassados que incluísse essas coisas?
O método histórico-crítico tem como base as pressuposições evolucionis-
tas difundidas em larga escala no desenvolvimento da Hipótese Documentária,
e a religião do povo dos antepassados de Israel é descrita como animismo ou
polidemonismo. Em compensação para Bright (2003, p. 124), “... as narrativas
patriarcais estão firmemente fundamentadas na história.” E continua: “a narra-
tiva da Bíblia reflete com toda precisão os tempos aos quais se refere” (p. 125).
Para muitos estudiosos, todo o evolucionismo e logicismo são considerados uma
invenção moderna imposta sobre o Antigo Testamento.
Abraão não surgiu num vácuo não-histórico. Nem lhe foi dada uma po-
sição proeminente na Escritura porque Israel como nação, ansiando por um
progenitor nacional, criou Abraão como uma figura lendária. O texto bíblico

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

registra os fatos históricos reais referentes aos ancestrais de Abraão e inclui um


rápido sumário do desenvolvimento da raça humana à qual Abraão foi chamado
a servir.

As histórias patriarcais refletem fielmente costumes que não eram prati-


cados e as instituições que não existiram nos períodos posteriores, alguns
dos quais foram até mesmo proibidos pelas normas religiosas do Israel tar-
dio. Por exemplo, o casamento com a meia irmã (Lv 18.9) e o de duas ir-
mãs simultaneamente (Lv 18.18) eram permitidos nos tempos patriarcais,
mas foram proibidos na sociedade israelita posterior. Esse fato desmente
a teoria de alguns críticos, segundo a qual essas histórias foram inventadas
durante o período da monarquia israelita. Assim, várias fontes contempo-
râneas do Oriente Médio apoiam a historicidade da narrativa de Gênesis.
Deus, como sabemos e cremos, revelou-se a pessoas reais em contextos
de tempo e espaço. (Bíblia de Estudo Arqueológica NVI, 2013, p. 73).

Alguns críticos alegam que a religião dos patriarcas é um reflexo da fé de


Israel recente, do período da monarquia. Sobre isso Willian P. Brown comenta:
“o fato de a religião dos patriarcas ser tratada, em Gênesis, como totalmente
distinta da fé de Moisés exclui a possibilidade de que ela seja simplesmente uma
retroprojeção da crença israelita mais recente”. (Brown In. BRIGHT, 2003, p. 23).
Em linguagem popular, esta conclusão crítica se dá através da seguinte ilustra-
ção: conduzir retrospectivamente todo o aparato crítico cultual do templo de
Jerusalém, é semelhante ao desenvolvimento de um rio que tem sua explicação
a partir da fonte distante. Com isso, muito do material referente às crenças reli-
giosas, aos valores morais, às leis, e à visão social encontrados no Pentateuco,
representa uma projeção superposta sobre o passado remoto e santificado, de
seus próprios pontos de vista mais avançados tal como os expunham os redato-
res, cronistas, moralistas e legistas das Escrituras, que viveram no século V a.C.
Podemos resumir que, se os autores bíblicos tivessem inventado as tradi-
ções dos patriarcas, inspirando-se na religião que eles próprios praticavam, os
relatos teriam sido bem diferentes. Os patriarcas praticavam, segundo os textos
bíblicos, uma religião pré-israelita, pré-mosaica. Se os patriarcas tivessem sido
inventados no período da monarquia, obviamente seus criadores os poriam em
observância as leis mosaicas, tais como as práticas religiosas, grada do sábado,
oposição aos deuses pagãos, e oposição a outras nações, e até mesmo a guar-
da do sábado que é tão preciosa para religião de Israel. Salta-nos aos olhos a
narrativa que nos apresenta Abraão construindo altares onde bem entende (Gn
12.7;13.18) e planta árvores sagradas (Gn 21.33), sendo que, tais práticas era

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

proibidas pela lei mosaica, que prescreve o luar de culto (Dt 12.2-5) e condena
essas árvores sagradas (Dt 16.21). Teria os “inventores” da “lenda” dos patriar-
cas ter esquecido dos preceitos da lei, que estava em vigor em seu tempo, e
apresentado Abraão quebrando preceitos importantes da lei de Moisés? É difícil,
portanto, imaginar que essa religião patriarcal tivesse sido inventada por um
autor que era fiel a tradição Javista e a lei de Moisés. Certamente, se a intenção
fosse “inventar” uma história dos ancestrais de seu povo e de sua fé, teriam in-
ventado uma história muito mais “ortodoxa”.
Somos forçados a concluir que as narrativas patriarcais refletem autenti-
camente os costumes sociais vigentes no segundo milênio, e não os que esta-
vam em viger em período posterior, principalmente da monarquia, como ale-
gam os críticos. Os patriarcas não foram simples indivíduos particulares, mas
chefes de clãs consideráveis.

5.6. Possíveis anacronismos nas narrativas patriarcais

Devemos admitir algumas dificuldades em situar os patriarcas no início


do segundo milênio, alguns textos bíblicos carecem de atenção. A bíblia relacio-
na os patriarcas, com os arameus: “O meu pai era um arameu errante” (Dt 26.5;
cf. Gn 25.20; 28.5; 31.20.24). Os textos encontrados se referem aos arameus,
bem mais tardiamente. A primeira menção está em um documento assírio data-
do de cerca de 1110 a.C. “Sugere-se como solução que existe uma continuidade
racial entre os amoritas da época dos patriarcas (Ez 16.3) e os arameus dos
séculos XI e X a.C. Poder-se-ia dizer que eram proto-arameus.” (VOGELS, 2000,
p. 28).
A mensão dos arameus em Gn 10-11 e 29-31 tem sido vista como um
nacronismo, dado que os Arameus aparecem na cena internacional no século
XII a.C., nos Anais do assírio Tiglate Pileser I (cerca de 1115-1077 a.C.), embo-
ra já se encontrem mencionados no século XIV a.C. nas listas de Amenófis III
(1402-1364 a.C.) e nos textos de Ras Shamra. “Este anacronismo pode cair, se
ligarmos estes arameus aos grupos de Jacó, fugidos talvez da Alta Mesopotâmia
(Harã) por motivo de invasões assírias de Adad-nirari I (1307-1275 a.C.).” (COU-
TO, 2004, p. 195).
Outra dificuldade se encontra no texto de (Gn 21.34), que diz: “E morou
Abraão na terra dos filisteus por longo tempo”, mas a história nos mostra que
os filisteus, se instalaram em Canaã somente depois de 1200 a.C. A mensão dos
filisteus em geral (Gn 26.14-15), do país dos filisteus (Gn 21.32-34), do rei dos
filisteus (Gn 26.1-8), em boas relações com Abraão e Isaque, “é provavelmente
uma nota do tempo da monarquia, pois os filisteus foram vencidos por Davi (2

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

Sm 8.1), e só ocuparam a costa mediterrânea por volta de 1177 a.C. com um


acordo com Ramsés III.” (COUTO, 2004, p. 195). Para alguns, essas informações
tornam suspeita a descrição bíblica do encontro de Abraão com Abimeleque
e Ficol, caracterizados como procedentes da terra do filisteus (Gn 21.22-34).
Porém, talvez esse também seja um sinal de atualização editorial. Em uma aná-
lise sobre a menção dos filisteus no Cântico do Mar, de Êxodo 15, Hoffmeier66
ressalta que Números 13.29 indica que os israelitas sabiam que os cananeus
ocupavam o litoral sul do Levante, embora Êxodo 13.17 se refira aos habitantes
como filisteus, povo que somente mais tarde veio a ocupar a região. “É claro
que outra Possibilidade é a de que não há nenhum anacronismo, mas, sim, que
tenha ocorrido uma migração anterior e menor de imigrantes filisteus, estabe-
lecidos no Levante antes da migração maior ocorrida no século 12.” (PROVAN,
2016, p. 184).
A história do estudo das narrativas patriarcais demontra que nem tudo
aparente anacronismo é, de fato, anacronismo e, tendo em vista nosso conhe-
cimento bastante limitado do mundo antigo, devemos ter cautela para não ser
dogmáticos demais em empregar o termo “anacronismo”. Podemos afirmar que
muitos argumentos usados no passado para demonstrar que os costumes pa-
triarcais eram típicos do período do início do segundo milênio foram adequada-
mente questionados.
E ainda, o nome da cidade que partiu Terá67 e sua família, “Ur dos cal-
deus” aponta pra o apogeu dos caldeus, ou seja, os babilônicos, que só ocorre
no final do século VII a.C. Os caldeus só surgem nos textos assírios no século IX
a.C. No início do segundo milênio, talvez se dissesse “Ur dos sumérios”. Salta
a vista, a mensão por três vezes em Gênesis “Ur dos Caldeus” como pátria de
Abraão (Gn 11.28; 11.31; 15.7).
Podemos entender a mensão de “Ur dos Caldeus” como uma nota de
atualização do período exílio e pós-exílio, pois muitos judeus foram deporta-
dos para essa região em 586 a.C. “Essa recitação atualizada pode ter dado aos
deportados de Judá um pouco de esperança, mostrando-lhes que Abraão tinha
habitado e saído de Ur dos Caldeus para fazer um percurso para Canaã.” (COU-
TO, 2004, p. 195).

Ninguém duvida da antiguidade de Ur. Era uma cidade antiga, fundada


muito antes de Moisés e até de Abraão. É a expressão qualificativa, “dos

66 J. K. Hoffmeier, Israel in Egypt: the evidence for the authemticity of the Exodus tradition
(Oxford: Oxford University Press, 1997, p. 33.
67 Terá, ao que parece cultuava Nana, o deus de Ur.

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

caldeus”, que é universalmente reconhecida como posterior a Moisés. Os


caldeus, uma tribo que falava aramaico e viveu no primeiro milênio a.C.,
vieram a dominar o sul da Mesopotâmia (o que é hoje o sul do Iraque),
inclusive a região de Ur. O motivo para acrescentar a identificação “dos
caldeus” foi que havia outras cidades e vilarejos chamados Ur (inclusive
um que ficava na região que é, nos dias de hoje, con­trolada pela Síria). A
referência aos caldeus ajudava os leitores do primeiro milênio a entender
de qual cidade em particular provinha seu ancestral. (LONGMAN III, 2009,
p. 49-50).

“Tais dificuldades, se explicam por meio de possíveis anacronismos que


não afetariam o fundo verdadeiramente histórico dos textos. Os autores dos
relatos dos patriarcas substituíram os nomes antigos pelos nomes em uso na
época em que escreviam”. (VOGELSN, 2000, p. 28). “A frase identificadora ‘dos
Caldeus’ é sem dúvida uma glosa explicativa surgida tempos depois, já que os
caldeus e os kaldu (i.e. caldea) não eram conhecidos até o século nove a.C. O
propósito, é claro, era distinguir a Ur que se localizava no sul daquelas outras
cidades que tinham o mesmo nome.” (MERRILL, 2002, p. 13).

Embora tenham existido diversas cidades chamadas Ur na antiguidade, a


cidade citada na Bíblia é sempre chamada “Ur dos caldeus”, provavelmen-
te para distingui-la de alguma cidade famosa de mesmo nome. A descrição
“caldeu” começou a ser aplicada à região sul da Mesopotâmia só depois
de 1000 a.C., muito depois do tempo de Abraão. Antes disso, os caldeus
viviam no norte da Mesopotâmia. As influências culturais (costumes, leis,
etc.) observadas nas narrativas patriarcais, seguem mais os modelos das
cidades do norte da Mesopotâmia, como Nuzi e Mari. (Bíblia de Estudo
Arqueológica NVI, 2013, p. 705).

O texto bíblico relata que Yahaweh disse a Abrão para deixar seu país (na
ocasião Arã), indo para um lugar que ele progressivamente lhe revelaria. É bem
provável que Abrão tenha se movido daquele lugar participando das grandes
migrações de amoritas68 que estavam em voga naqueles dias.

68 “Amorita” é uma palavra acádia que significa “ocidental”. Esta palavra foi usada como
designação para os vários povos semitas do noroeste da Alta Mesopotâmia e Síria na
idade patriarcal e antes dela. Ela deve, portanto, ter-se estendido àqueles povos da área
cujos descendentes vieram depois a falar aramaico, assim como aos antepassados de
Israel.

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

Esses amoritas, que foram equivocadamente caracterizados em certa


ocasião como sendo de origem puramente nômade, eram na verdade
seminômades em sua maioria, e geralmente urbanizados. As pesquisas
arqueológicas realizadas em numerosos sítios na Síria e em Canaã tem re-
velado, segundo o ponto de vista de alguns estudiosos, que as populações
indígenas dessas regiões foram dominadas na última parte da Baixa Era
do Bronze (2200-2000) por povos geralmente descritos como amoritas.
(MERRILL, 2002, p. 17).

É verdade que Abraão nunca é mencionado na Bíblia como sendo de ori-


gem amorita, embora a designação “Abraão, o Hebreu” possa indicar que ele era
tido como alguém que estava associado a certos povos migradores.

5.7. As narrativas patriarcais e o contexto cultural do segundo


milênio

Como um todo, as narrativas patriarcais possuem um sabor próprio sem


paralelo no restante da Bíblia. Elas refletem um padrão de vida e várias institui-
ções sócio-legais que são peculiares ao período, mas frequentemente atestados
nos documentos do Oriente Próximo... a antiguidade das tradições de Gênesis é
confirmada por várias práticas patriarcais que diretamente contradizem os valo-
res sociais e as normas de uma era posterior. (ver PRICE, 2006, p. 83).
O contexto cultural do segundo milênio temnos revelado costumes, práti-
cas e valores que muitos povos do Oriente Próximo Antigo tinham em comum,
mas que são muito diferente dos nossos. Nós, leitores modernos devemos levar
isso em conta, o fato que por detrás destes textos bíblicos das narrativas pa-
triarcais, escondem-se costumes que muitas vezes não temos compreensão, e
isso, deve-nos abster de julgas estes textos precipitdamente a partir dos nossos
próprios costumes e valores. As narrativs ptriarcais nos apresentam verdadeiros
seres humanos. Estão encarnados em sua cultura, da qual seguem as leis e os
costumes. Os patriarcas são pessoas como nós, com qualidades e fraquezas. A
Bíblia não os apresenta como pessoas que devam ser imitadas em tudo, mas
como pessoas que viveram uma experiência humana de fé. Toda as narrativas
patriarcais giram em torno da promessa de Deus e da resposta do homem.
Tenney esclarece o contexto dos documentos do período patriarcal:

O período de Abraão esclarece uma fase da história humana na qual já


existiam documentos escritos a mais de um milênio. Na verdade, é a partir
deste período patriarcal que umas enchentes de informação arqueológica

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

apoiam as histórias patriarcais e a validade de sua história geral. Embora


os próprios patriarcas não sejam mencionados em documentos extra-bí-
blicos - seus nomes, nomes de lugares e outros nomes pessoais mencio-
nados nos registros aparecem em documentos da Mesopotâmia. Cerca de
20.000 tabletes de uma cidade do Médio Eufrates, chamada Mari, contêm
muitos nomes familiares às histórias patriarcais, pois eles foram escritos
por semitas do noroeste, cujas leis e costumes eram muito similares aos
dos patriarcas hebreus. (“Mari” por G. E. Mendenhall, Biblical Archaeo-
logist Reader [2]). Pode-se dizer o mesmo dos tabletes Nuzi, que vieram
ligeiramente depois, também da Mesopotâmia (“Biblical Customs and the
Nuzi Tablets”, por C. H. Gordon, ibid.). Eles fornecem uma confirmação
cultural abundante das histórias em Gênesis. (TENNEY, 2008, p. 901).

Como leitores “modernos” das narrativas ptriarcais, devemos nos preca-


ver de, julgar os textos a dartir de nossa própria cultura e de nossos próprios va-
lores. Com isso, é imprescindível que busquemos conhecer os costumes orien-
tais antigos, nos quais os patriarcas estavam inseridos, afim de que, posamos
nos aproximar da intenção destas narrativas.

5.7.1. Os patriarcas e o nomadismo

As narrativas patriarcais mostram-nos os patriarcas como pastores de


gado miúdo, que levam vida semi-nômade, deslocando-se lentalmente “no pas-
so dos rebanhos e das crianças” (Gn 33.14) ao longo de uma faixa de terra situ-
ada na orla do deserto e das terras cultivadas. Como pastores de gado miúdo, os
patriarcas seminômades seguem o seu trajeto preciso, não entrando no deser-
to (o gado miúdo não resistiria) nem nas terras cultivadas (surgiriam comflitos
com os povos dedentários). Os patriarcas se identificam como seminômade, e
não manifestam desejo de ocupar ou conquistar as cidades-Estado. Com isso,
posuiam um relacionamento harmonioso com as populações sedentárias. Se
tornou evidente que, o tipo de vida dos patriarcas tem flagrantes paralelos com
tribos seminômades da Alta Mesopotâmia, encontrados nos tempos áureos de
Mari (1830-1760 a.C.).69
Os patriarcas viviam em tendas (Gn 12.8; 13.3; 31.33) e viajavam de um
lugar para o outro. A primeira viagem de Abraão é longa, indo de Ur até a terra
de Canaã. “A referência à parada temporária em Harã confirma nossa suposição

69 Alguns pesquisadores (T. L. Thompson e J. Van Seters) invalidam tal paralelismo para
propor como mais viável o nomadismo árabe da época exílica ou pós-exílica.

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

de que Abraão seguiu a rota tradicional entre os dois lugares, viajando rio Eu-
frates acima e, depois, descendo do norte até Canaã.” (PROVAN, 2016, p. 184).

Nos anos de sua estada em Arã - que na época era um centro comercial e
de negócios habitado principalmente por uma raça conhecida pelos sume-
rianos por MAR.TU e pelos acadianos por Amurru (os amoritas bíblicos),
Abrão sem dúvida tornou-se fluente no dialeto semítico amorita que lá
era falado e adquiriu um estilo de vida nômade, com o qual ele viria mais
tarde familiarizar em Canaã. (MERRILL, 2002, p. 16).

Assim que chegou a Canaã, Abraão não permaneceu muito tempo em


um mesmo lugar. Primeiro, instalou-se em Siquém. Depois de Siquém, viajou
para Betel, onde “armou sua tenda” (Gn 12.8), então foi para Ai e, por fim, che-
gou ao Neguebe. Do Neguebe desceu para o Egito, fugindo da fome. À medida
que a narrativa avança, Abraão continua viajando, nunca se estabelecendo em
determinado lugar por muito tempo. Isaque e Jacó seguem o mesmo padrão.
Isso dá a impressão de que os patriarcas eram nômades que moravam em
tendas. Conduziam seus rebanhos de um lugar para outro, a fim de garantir o
melhor pasto e o melhor suprimento de água. No entanto, descrever os patriar-
cas como nômades e, então, encerrar o assunto é demasiadamente simplis-
ta. O texto bíblico também dá testemunho de que eles se relacionavam com
moradores de áreas estabelecidas. As cidades de Siquém, Betel e Ai, indicam
que eles armaram suas tendas nas vizinhanças de áreas estabelecidas. Eles
também interagem com pessoas sedentarizadas que os tratam com grande
respeito. Nas negociações que Abraão faz com Efrom, o heteu, este chama o
patriarca de “príncipe [nesî’] poderoso em nosso meio” (Gn 23.6). Em outras
passagens, Abraão se relaciona diretamente com o faraó do Egito (Gn 12.10-
20) e com o rei filisteu (Gn 21.22-34).
O retrato que surge do texto bíblico é análogo a um padrão social ates-
tado nas tábuas de Mari. Nas áreas ao redor dela, habitavam algumas tribos
(por exemplo, yaminitas e haneus) cujos movimentos de entrada e saída da
área estabelecida trazem à lembrança de alguns estudiosos o estilo de vida dos
patriarcas. “Os dados dos textos de Mari indicam que as áreas sedentarizadas
tinham interesse na incorporação dessas tribos nômades para, assim, poder
cobrar tributos delas.” (PROVAN, 2016, p. 186). Nas palavras de Cornelius, “o
modo de vida da tribo nômade é visto como uma simbiose de nomadismo pas-
toril e agricultura de aldeia.”70

70 Genesis xxvi and Mari, p. 56.

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

Reis com nomes amorreus governaram muitas cidades durante o período


patriarcal. Os amorreus eram um grupo amplo e diverso de tribos semí-
ticas de origem sírio-árabe estabelecidas a noroeste. Muitos eruditos já
as consideravam, em sua maior parte, compostas de invasores nômades,
que trouxeram consigo a instabilidade política e o declínio urbano carac-
terístico do final do III milênio a.C., porém alguns textos de Mari e de
outros lugares indicam que os amorreus eram formados tanto por pastores
seminômades (criadore de animais domésticos) quanto por grupos seden-
tários, geralmente organizados em torno da figura patriarcal, que começa-
ram a se estabelecer nas vilas e nos centros urbanos da Mesopotâmia já
em meados do III milênio a.C. Esse padrão cultural é semelhante ao que
encontramos nas figuras dos patriarcas da Bíblia. Por volta da virada do III
milênio a.C., um número ainda maior de amorreus havia migrado para Ca-
naã, ao sul, e para Mesopotâmia, a sudoeste, provavelmente pressionados
pelos hurritas do norte. Muitos amorreus galgaram posições de liderança.
O mais famoso deles foi Shamshi-Adad I, na Assíria (final do século XIX e
início do século XVIII a.C.) e Hamurabi, na Babilônia (do início à metade
do século XVIII a.C.). (Bília de Estudo Arqueológica, 2013, p. 26).

Abraão é considerado devido algumas inferências como uma pessoa des-


tacada e rica, um líter tribal de certa importância. Era um “estrangeiro residen-
te” (ger) na terra. De acordo com a informação de A. H. Konkel, o estrangeiro
residente “se diferencia do foranteiro pelo foto de haver se estabelecido na terra
já há algum tempo, sendo reconhecido como alguém que ocupa uma posição
especial”, descrição bem apropriada para o quadro que temos dos patriarcas na
terra de Canaã.71
O Mural de Beni-Hasan, uma pintura de uma parada do tempo dos pa-
triarcas, nos apresenta uma boa ilustração do período patriarcal. Uma pequena
vila conhecida como Beni-Hasan, localizada no sul do Cairo na margem leste do
Nilo. Lá, esculpida nas encostas circunvizinhas, está uma grande necrópole (ci-
dade dos mortos). Como era ge­ralmente o costume dentro das tumbas egípcias,
as paredes eram decoradas com cores vivas mostrando cenas que descreviam
a vida diária. Em uma dessas tum­bas, datando de aproximadamente 1890 a.C.,
os arqueólogos encontraram um esplêndido mural de mais de 2 metros de com-
primento por meio metro de altura mostrando uma parada de estrangeiros: oito
homens, quatro mulheres, três crianças, vários animais, todos sendo liderados
por oficiais egípcios. O tex­to em hieróglifos no topo desta pintura dava uma des-

71 New internacional dictionary of Old Testament theology and exegesis. Vol. 1, p. 837.

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

crição da procissão e seu propósito. O texto afirmava que estas pessoas eram
parte de um grupo de 37 asiáticos da região de Shut (a qual incluía a área do
Sinai e o sul de Canaã). Eles estavam sendo levados por seu chefe, chamado
Abishai, para comercializar com os egípcios. Detalhes como composição físi-
ca, penteados, roupas, sapatos, ar­mas e instrumentos musicais são claramente
apresentados.
Enquanto ainda não se sabe exatamente quem eram estas pessoas ou
mes­mo porquê elas estavam vindo em caravana à uma região tão distante dos
cen­tros comerciais, a importância da pintura repousa sobre sua descrição visual
de como as pessoas se pareciam no tempo dos patriarcas. Quando olhamos es-
tas imagens, podemos imaginar a viagem de Abraão e Sara ao Egito (Gn 12.10)
e mais tarde a jornada de Jacó e seus filhos ao Egito (Gn 42.5; 43.11; 46.5-7).
Algumas pessoas têm até sugerido que os padrões de cores sobre as túnicas dos
asiáticos no mural são como a “túnica colorida” de José (veja Gn 37.3). Mesmo
que, como outros eruditos têm pensado, uma melhor tradução fosse “uma túni­
ca de mangas longas,”. (ver PRICE, 2006, p. 58-59).

5.7.2. As inscriçções de Ebla

Antes de 1968, os eruditos sabiam através de seus estudos de textos da


antiga Mesopotâmia que houve uma vez um império sírio chamado Ebla. Os
antigos reis babilônios haviam alegado ter conquistado este vasto reino em tor­
no de 2300 a.C., mas ninguém sabia onde ele se localizava. Então, um dia, em
1968, uma inscrição foi encontrada numa proeminente tel na Síria conhecida
como Tel Mardique; esta inscrição parecia identificar o sítio como Ebla. Mas a
maior descoberta ainda estava por vir. Em 1975, enquanto os arqueólogos esta­
vam escavando sob o templo da cidade, eles encontraram uma pequena sala
que havia servido como um arquivo real. Lá, cerca de 17 mil tabletes repousa-
vam em pilhas. As prateleiras que haviam-nos sustentado haviam sido destruí-
das muito tempo antes num incêndio, mas este mesmo incêndio havia assado
os tabletes de argila, endurecendo e conservando-os contra depreciação do tem-
po. Estes tabletes confirmaram o nome do lugar como Ebla e apresentaram aos
eruditos a língua do império anteriormente desconhecida — eblaite.
A decifração de alguns destes textos revelou que Ebla tinha sido um impé­
rio florescente 4.500 anos antes, séculos antes do tempo dos patriarcas bíblicos.
Seus cidadãos haviam comercializado por eras com Mari, outra cidade antiga da
Síria que tinha leis e costumes que ajudaram a esclarecer outros semelhantes as-
sociados com os patriarcas bíblicos. O volume total de tabletes recuperados em
Ebla (quatro vezes maior do que a soma de todos os textos precedentes deste

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

período), tornou a descoberta imensamente importante para aqueles envolvidos


em estudos do Oriente Próximo. Mas qual seria a importância destes tabletes
para estudos bíblicos?
Logo no início, durante a interpretação destes textos, disputas políticas
entre a Síria e Israel podem ter forçado a retração das cone­xões que um tradutor
havia feito com a história israelita. Mesmo assim, parece que muitas das alega-
ções iniciais quanto à similaridade dos nomes bíblicos, à aparência de nomes
de lugares bíblicos (como Sodoma e Gomorra), e afinida­des com a língua he-
braica foram considerações prematuras. O verdadeiro sig­nificado de Ebla, para
a Bíblia, pode ser o de comparar o texto eblaite com o estilo poético hebraico e
saber sobre os antecedentes das tradições e religiões de um povo que pode ter
influenciado civilizações subseqüentes, incluindo o Israel antigo. Foi somente
deste modo que os textos de Ugarite ajudaram os eruditos a entender a poesia
bíblica e responder perguntas sobre o significado das palavras do hebraico e
gramática bíblicos. Qualquer que seja o caso, Ebla escreveu um novo capítulo na
História do Oriente Próximo durante o tercei­ro milênio a.C. (ver PRICE, 2006,
p. 66).
Os eblaítas utilizavam como sistema de escrita o cuneiforme sumário,
adaptando-o à língua semítica. Isso tornou a decifração dos textos difícil e tedio-
sa. Na verdade, quanto mais se aprende sóbre a língua eblaíta, mais se constata
que as traduções primitivas variam drasticamente das mais recentes. Por causa
disso, textos nos quais os estudiosos mais antigos acreditaram ter encontrado
paralelos aos conhecidos provérbios bíblicos, são considerados hoje simples lis-
tas de termos sumérios para cortes de carne.
Aparentemente, alguns locais mencionados na narrativa patriarcal foram
habitados de forma esparsa durante esse período, por isso é muito difrdl identi-
ficá-los pela arqueologia. Outros locais, porém, abrigavam populações maiores
e são conhecidos pela arqueologia e/ou por textos contemporâneos à época em
que viveram os patriarcas. “As viagens dos patriarcas não devem ser conside-
radas improváveis. Textos de Ebla (ca. 2300 a.C) e da Capadóda (ca. 2000 a.C)
indicam que as viagens, o comércio e os negócios ocorriam de forma regular
em todo o antigo Oriente Médio.” (Bíblia de Estudo Arqueológica, 2013, p. 73).
Alguns eruditos pensaram ter visto nos tabletes de Ebla referências aos
patriarcas (Abraão, Isaque e Jacó/lsrael), mas isso também se provou uma pista
falsa. Em certo momento, os historiadores acreditaram que as informações dos
textos de Ebla indicavamque a cidade, em seu apogeu, controlava um vasto
império, desde o Egito até o golfo Pérsico, porém muitos deles mudaram sua
forma de pensar, de modo que a extensão do antigo poder de Ebla permanece
uma questão em aberto. A importância dos documentos de Ebla para os estudos

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

bíblicos não está, como se pensava, no fato de conterem paralelos bíblicos, mas
talvez em poderem nos contar, em termos gerais, como era a vida na Siro-Pa-
lestina do III milênio a.C. A história desses documentos serve de advertência
aos arqueólogos para que sejam cui-dadosos quando tentarem ligar descobertas
históricas e literárias ao material bíblico. (ver Bíblia de Estudo Arqueológica,
2013, p. 19).

5.7.3. As inscrições de Nuzi

Na década de 20 do século passado, arqueólogos escavaram parcialmen-


te o sítio de Tepe Yorgham, localizado onde fica hoje o nordeste do Iraque. O
nome antigo desse outeiro era Nuzi, e entre as muitas descobertas importantes
feitas nessa localidade estavam cerca de cinco mil tábuas em cuneiforme, a
maioria escrita numa forma de acádico, a língua dos babilônios e assírios.
Escavações em Nuzi foram iniciadas em 1925, sob a direção de Edward
Chiera, e as tábuas que ali foram encontradas, revelaram terem sido escritas em
babilônio, com a inclusão de algumas palavras emprestadas dos horeus. Vale
observar que os documentos que dispomos proveem de povos sedentários, e
que os patriarcas eram, ao contrário, nômades ou seminômades. Nem um nem
outro desses dois grupos vivia em completo isolamento, mas tinham contatos
regulares. Deviam seguir certos costumes comuns para regulamentar situações
que diziam respeito a ambos. Esses documentos, consistem primariamente de
registros de importantes famílias hurianas que viveram por volta de 1500 a.C.,
tendo habitado em Nuzi. Os documentos de Nuzi tratam acerca de assuntos
sociais e familiares como reminiscências das histórias patriarcais. Eles foram
então utilizados para explicar alguns costumes bíblicos que até o momento não
tinham praticamente nenhuma significação para nós. Os patriarcas têm sido
classificados pela cronologia bíblica tradicional anteriores ao texto de Nuzi em
aproximadamente quatrocentos ou quinhentos anos. As tabuinhas de Nuzi re-
fletem costumes que não tiveram início em aproximadamente 1500 a.C., mas
que já vinham sendo praticados há séculos. Embora uma grande quantidade
das tábuas que foram desenterradas ainda necessite ser divulgada e estudada,
as partes que já foram interpretadas mostraram o substancial valor histórico
das narrativas patriarcais, indicando, de uma maneira indireta, a maneira como
estas narrativas estão em consonância com o cenário do período, conforme re-
presentado em tábuas e inscrições cuneiformes.
A antiga cidade de Nuzi, localizada poucas milhas a sudoeste de Kirkuk,
no Iraque, tem fornecido aos ar­ queólogos uma considerável quantidade de
materiais. Símbolos de nobreza transforma­ram-se em aprimoradas pinturas,

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

estatue­tas, selos em cilindros e cerâmicas, num estilo que se convencionou cha-


mar “louça de Nuz”. Entretanto, a mais significativa descoberta até hoje foi a
vasta coleção de ar­quivos datando de cerca de 1500-1350 a.C, época em que
o reino de Mitani controlou Nuzi. A maioria dos 3.500 tabletes desses ar­quivos
originou-se das casas e documentos particulares das famílias que controlavam a
cidade, enquanto outros fornecem infor­mações a respeito da estrutura política e
das condições sociais da região na época.
Os estudiosos concluíram que à coleção de Nuzi, que inclui tábuas prove-
nientes de arquivos situados no palácio bem como nas casas de alguns cidadãos
mais abastados, podia ser atribuída uma data a partir da metade do segundo
milênio a.C. A essa altura da história, Nuzi era uma cidade provincial do reino
de Arrafa, um reino relativamente pequeno com uma população hurrita. Acre­
dita-se que os hurritas eram um povo que veio da região do Cáucaso, visto que
sua língua (bem como a língua de Urartu) tem semelhanças com outras línguas
da região. Os hurritas adotaram o sistema de escrita cuneiforme, e os textos
descobertos ali têm desem­penhado um papel importante no estudo do período
patriarcal.
Essas tábuas, em especial aquelas de arquivos particulares, eram textos
pessoais e comerciais que refletem os costumes da sociedade hurrita. Barry
L. Eichler, um destacado estudioso de Nuzi, relaciona alguns desses costumes:
“estipulações contratuais para que uma mulher estéril dê uma jovem escrava ao
marido para lhe ser esposa; a posição dos herdeiros e o tratamento prefe­rencial
de quem é nomeado o mais velho; a associação dos deuses do lar à distribuição
dos bens da família; a situação condicional de filhas nascidas livres e vendidas à
escravidão e; a instituição da servidão-habiru”.72
A primeira geração de estudiosos que analisou esses textos estava encan-
tada com as aparentes notáveis semelhanças entre os costumes de Nuzi e os
das narrativas patriar­cais. Num primeiro olhar, vários costumes foram alistados
como relevantes. Estes incluíam (1) a adoção de um escravo da família para ser
o herdeiro de um casal sem filhos (ver Gn 15), (2) o casamento de Abraão com
sua “irmã” Sara parecia refletir os chama­dos “contratos esposa-irmã” de Nuzi,
(3) a posse dos deuses domés­ticos como indicação de direitos de herança (ver
Gn 31.33, 34), e (4) o direito de vender os próprios direitos de primogenitura.
Os estudiosos que defenderam essas grandes semelhanças enten­deram que os
textos de Nuzi forneciam provas da historicidade fundamental dos patriarcas.

72 Barry L. Eichler, “Nuzi and the Bible: a retrospective”, DUMU-E-DUB- RA-A: Studies in
honor of Ake W. Sjöberg, ed. por H. Behrens et al. (Philadelphia: Samuel Noah Kramer
fund, 1989), p. 108-109.

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

Acreditavam que as semelhanças eram reais e que eram peculiares ao período


que vai do início à metade do segundo milênio.73
Esses costumes sociais e outros atraíram a atenção de estudio­sos da Bí-
blia para esses textos em particular, os quais sentiram-se imediatamente atraí-
dos para o que lhes pareceu serem semelhan­ças entre vários costumes sociais
praticados em Nuzi e as ações dos patriarcas. Pesquisa adicional trazia consigo a
promissora possibi­lidade de esclarecer esses costumes e talvez até mesmo ofe-
recer um modo empírico de estabelecer a data dos patriarcas, quer con­firmando
quer negando os indicadores cronológicos fornecidos pela própria Bíblia. Em
outras palavras, caso os costumes dos patriarcas se conformassem àqueles des-
critos nos documentos de Nuzi, en­tão isso representaria um argumento extra-
bíblico de que os patriar­cas foram pessoas de verdade que viveram no período
em que a Bíblia os situa. É claro que a força do argumento depende de esses
costumes serem exclusivos desse período de tempo. Se um costu­me também
existia no primeiro milênio, então pode ser que as histórias foram escritas nesta
mesma época sendo consideradas relatos ficcionalizados dos supostos precur-
sores de Israel.
As tábuas de Nuzi que começaram ser descobertas na década de 1920,
procediam tanto de um arquivo oficial quanto de arquivos particulares de pesso-
as ricas. Embora especialistas as tenham datado da segunda metade do século
15, alguns estudiosos bíblicos defenderam que elas também refletiam costu-
mes mais antigos existentes naquele milênio. “Os documentos, em especial os
provenientes dos arquivos particulares, refletiam hábitos sociais relacionados a
propriedades, adoção e casamento. Quase de imediato se estabeleceram cone-
xões entre os costumes de Nuzi e os costumes patriarcais conforme relatados
em Gênesis.” (PROVAN, 2016, p. 178). Durante as primeiras duas décadas após
sua descoberta, surgiu uma espécie de consenso de que os documentos de Nuzi
confirmavam com segurança o período patriarcal como um fato histórico da
primeira metade do segundo milênio a.C.
Embora a cidade de Harã, na qual Abraão viveu antes de sua viagem
para Canaã fosse um pouco distante de Nuzi, os hurritas74 controlavam ambas

73 Os estudiosos que, desde a década de 30 até a década de 60 do século passado,


defenderam essa posição incluem alguns dos mais influentes do período: William F.
Albright, Cyrus Gordon, E. A. Speiser e John Bright.
74 “Os hurritas entraram pelo nor­te da Mesopotâmia, aparentemente vindo da região do
Cáucaso, no III milênio a.C, e se espalharam pelo antigo Oriente Médio. Esta­vam bem
estabelecidos na área por volta do século VIII a.C. e criaram o reino de Mitani no território
ao norte entre os rios Tigre e Eufrates, em meados no século XVI a.C, que se tomou o
maior negociador internacional em meados do século II a.C., mas sua localização entre

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

as cidades no II milênio a.C. Portanto, não é de surpreender que os arquivos de


Nuzi e os relatos bíblicos dos patriarcas reflitam organização legal e costumes
comuns. Futuras descobertas de relíquias como essas poderão esclarecer um
pouco mais os assuntos. (Bíblia de Estudos Arqueológica, 2013, p. 52).
Eichler concui a respeito dos textos de Nuzi: “Junto com outros documen-
tos cuneiformes, os textos de Nuzi continuarão ajudando a esclarecer as leis, as
instituições e as práticas da Bíblia.”75 Da mesma forma T. Frymer Kensky con-
clui: “São os dados cuneiformes que iluminam e esclarecem o material patriar-
cal, indicando sua autenticidade histórica ao demontrar que é fiel às tradições e
costumes do Antigo Oriente Próximo.”76
Devemos ressaltar que, estes textos antigos de Nuzi provêm de um povo
sedentáro, e que os patriarcas eram nômades, ou semi-nômades. Mas, isso não
impede que certas práticas pudessem ser comuns a sedentários e nômades.
Bem da verade, estes dois grupos periódicamente se relacionavam em situações
que diziam respeito a ambos.

5.7.4. As inscrições de Mari

Logo após as descobertas do material de Nuzi, ocorreu a descoberta


do material de Mari (atual Tell Hariri, um sítio arqueológico situado ao norte
do Eufrates, nos limites da Mesopotâmia). Iniciada em 1933, as escavações
de Mari depararam com um grande palácio e alguns templos, incluindo um
zigurate. As escava­ções também renderam dezenas de milha­res de tabletes
cuneiformes de cerâmica que endureceram por causa do incêndio provocado
pelos babilônios.

as áreas habitadas pelos egípcios, hititas e assírios o deixou vulnerável ao ataque. Por
volta de 1250 a.C., Mitani já havia deixa­do de existir como reino. Pouco se conhece sobre
o idioma dos hurritas, porque a maioria dos documentos que desse povo sobreviveram
está em acádio, não na língua deles. Contudo, é certo que os hurritas não eram um
povo semita. Os hurritas cultuavam divindades como o deus da tempestade, o deus-
sol e o deus-lua no templo/panteão mesopotâmio (templo dedicado a vários deuses).
Peritos em me­talurgia e na fabricação de vidro, também ficaram conhecidos por sua
cerâmica decora­da de forma intrincada, conhecida hoje como ‘louça de Nuzi’. Alguns
eruditos acreditam que os horeus bíblicos (Gn 36.20,21; 14.6) eram os hurritas, mas essa
teoria provavel­mente está incorreta. Os horeus eram um grupo tribal nativo da região de
Seir, ao sul do mar Morto, no final do III milênio, en­quanto os hurritas eram um povo
que entrou na Mesopotâmia vindo do norte durante o II milênio a.C.” (Bíblia de Estudo
Arqueológica, 2013, p. 58).
75 Nuzi and the Bible, p. 119.
76 Patriarchal family relationships and the Near Eastern Law, 1981, p. 209-2014.

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

Mari, conhecida nos dias atuais como Tell Hariri, está situada no rio Eu-
frates logo abaixo da confluência com O rio Habur. Situada estrategicamente na
convergência de algumas rotas de comércio que conectavam a Sumária à Assíria
e a Mesopotâmia à Siro-Palestina, a cosmopolitana Mari era o lugar ideal para
comércio e intercâmbio entre os reinos. A cidade ser­via como tampão entre as
cidades-Estado sumérias a sudeste e as terras das tribos pastoris, conhecidas
como amorreus, ao norte. Esses nômades criadores de rebanhos parecem ter se
concentrado em torno da cidade Harã (cf. a estadia de Abraão nesse lugar, em
Gn 11.31-12.5). Oriundos da Mesopotâmia, eles se estabeleceram ali entre 2400-
2200 a.C. De fato, os povos do noroeste da Síria governaram Mari após esse
período, de forma que os mais famosos reis da cidade eram de descendência
amorreia. Boa parte da primitiva história de Mari é obscura. Fundada por volta
de 2900-2700 a.C., a cidade adquiriu riqueza e importân­cia, ainda que periodi-
camente fosse con­trolada por poderes tão eminentes quanto Sargão da Acádia e
a II Dinastia de Ur, no III milênio a.C. Em 1775 a.C., Zimri-Lim de Mari rompeu
com o domínio assírio, porém Hamurabi da Babilônia queimou a cidade em
1761 a.C.” (ver Bíblia de Estudo Arqueológica, 2013, p. 54).
Bem preserva­dos, esses tabletes abrangem uma ampla variedade de as-
suntos, como administração do palácio, administração provincial, ha­réns, des-
pesas, registros de presentes, obras literárias, cartas e tratados. Estes achados
são mais de vinte mil tábuas de argila em várias salas do palácio. Tais tábuas
incluíam correspondência entre Hamurabi e Zimri-Lím, o último rei de Mari,
além de uma imensa coletânea de documentos de negócios, cuidadosamente
inseridos nos arquivos reais. Outras tábuas estavam escritas no idioma babilônio
antigo, ao passo que algumas continham rituais relacionados com a adoração a
Ishtar. Embora fossem de uma natureza indeterminada, algumas tábuas conti-
nham referências aos habiru. Este período da história dos amorreus é de grande
importância, porque abrange a era patriarcal, e esclarece, de forma considerá-
vel, as narrativas do livro de Gênesis que descrevem as vidas e os tempos de
Abraão, Isaque e Jacó, progenitores dos israelitas.
Temos muitas razões para acreditarmos na historicidade das narrativas
patriarcais. Os arqueólogos descobriram paralelos interessantes quanto a luga-
res e costumes descritos em Gênesis. Os costumes sociais e procedimentos le-
gais comprovados nestes textos são paralelos às tradições patriarcais. Por exem-
plo, Selman nota que “em Gênesis 25.23, o termo hebraico para o filho mais
velho não é o usual bekor, mas rab, o qual é usado aqui somente neste sentido.
A palavra acadiana cognata, rabu, por sua vez é também usada para o filho mais
velho, mas até agora apareceu somente em tabletes dos meados do segundo
milênio.” (apud WALTKE, 2010, p. 32).

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

A fim de determinar com precisão o período das narrativas patriarcais,


estudiosos defenderam a existência de paralelos entre os materiais de Nuzi e
Mari e as narrativas bíblicas. Os argumentos se baseavam em duas pressupo-
sições: “1) os costumes dos hurrianos eram característicos de seu período e
do anterior e não permaneceram muito tempo depois, 2) os textos hurrianos
refletem costumes partilhados com povos, como os patriarcas, que viviam na
Sírio-Palestina.” (PROVAN, 2016, p. 179).
Os documentos de Mari trazem escla­recimento ao estudo do Antigo Tes-
tamento de algumas maneiras:

Retratam os amorreus e sua cultura, ajudando-nos a entender


o vasto ambiente cultural dos primitivos israelitas. Mostram
similaridades entre muitos no­mes amorreus e bíblicos, ainda
que poucos, se é que algum, estejam ligados a alguma perso-
nagem bíblica. Mencionam as cidades de Laís, que os danitas
destruíram e reconstruíram (Jz 18), e Hazor, cidade que já era
importante antes de os israelitas entrarem na terra prometida
(Js 11.10). Fazem referência a profetas pagãos que atuavam de
forma similar aos profetas bíblicos. (Bíblia de Estudos Arqueoló-
gica, 2013, p 54).

Conforme verificamos anteriormente, os documentos de Nuzi e Mari


mostram que as narrativas patriarcais refletem as leis e os costumes sociais que
eram correntes no século XIX e nos que se seguiram da história da Mesopotâ-
mia. À correspondência em linguagem e nomes próprios entre os registros de
Mari e as tradições do livro de Gênesis, indicam a existência de antecedentes
culturais comuns, e colocam a tradição israelita em uma base histórica relativa à
cultura homogênea do Oriente Médio. As narrativas patriarcais nos apresentam
verdadeiros seres humanos. Estão encarnados em sua cultura, da qual seguem
as leis e os costumes. São filhos da sua época. É impossível fazer com que todos
aceitem os patriarcas como pessoas de carne e sangue, mas tem-se tornado
cada vez mais difícil permanecer cético diante da profunda compatibilidade en-
tre o relato de Gênesis e as descobertas sobre as épocas e os locais em que a
Bíblia situa os patriarcas. As evidências que se demonstraram até agora nos dá
todo o direito de afirmar que as narrativas patriarcais estão firmemente funda-
mentadas na história.
Neste momento cabe mencionar uma sucinta e relevante descrição a res-
peito da historicidade das narrativas bíblicas:

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

A fé bíblica é histórica, não meramente porque ela “contém” história ou


mesmo porque ela “trata” com história “em si mesma”. A mensagem que
a Bíblia proclama, o ensinamento que ela comunica, os julgamentos que
pronuncia, a salvação que promete, tudo é definido historicamente e en-
tendido como sendo histórias ou fundamentadas na história. É somente
desta maneira que nós somos capazes de nos identificarmos com ela.
(KAISER, 2007, p. 163).

5.7.5. A lei de herança e adoção

As leis de herança no antigo Oriente Médio desempenhavam


um papel fundamental na preservação da linhagem familiar e na
perpetuação das propriedades rurais. A riqueza e a posição social
estavam ligadas a propriedades territoriais, e as regras de parentes-
co regulavam a divisão da terra. A lei afirmava que apenas os filhos
tinham direito à herança, e o primogênito recebia uma porção do-
brada da propriedade familiar (Dt 21.15-17).
O termo hebraico bêth’ abh (casa paterna) reflete o fato de que no antigo
Israel a família era patrilinear: a herança era passada para a linhagem masculi-
na. O patriarca tinha autoridade sobre toda a casa, incluindo os filhos adotados,
filhas não casadas e netos. Com a morte do patriarca, o filho primogênito se
tornava o novo chefe da família, e a linhagem paterna da família continuava
através dele. Esse primogênito, portanto, tinha privilégios especiais, mas tam-
bém responsabilidades únicas.77 O patriarca não era livre para arbitrariamente
conceder o direito de primogenitura ao irmão mais velho (Dt 21.15-17), embora
o direito de nascimento pudesse passar para outro filho em circustãncias espe-
ciais, Rúben perdeu esse direito porque profanou o leito de seu pai (1 Cr 5.1-2).
O costume da adoção no Oriente Próximo Antigo era bem diferente do
que é hoje, no Ocidente. Um casal sem filhos podia adotar um estrangeiro, às
vezes um servo ou escravo, para assisti-lo em sua velhice, ara ocupar-se de seus
funerais e para a contiuidade da família. Os múltiplos serviços sociais para as
pessoas de idade dos quais usufruímos não existiam na época. Em troca de seus
serviços, o srevo tornava-se herdeiro. Certos contratos previam que se, após a
adoção, o casal tivesse um filho, o filho adotivo perdia seu direito à herança

77 Os cristãos que estão em Cristo compartilham dos privilégios de sua íntima relação com
a herança recebida do Pai (Hb 12.23-24) e são advertidos a não rejeitar ou menosprezar
seus direitos, como fez Esaú (Hb 12.16-17).

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

princial. Há provas, ainda em nossos dias, que que um casal que aparentemente
não pode ter filhos consegue às vezes, após haver adotado um, gerar um outro.
Diríamos que esse fenômeno também havia sido constatado na época.
Uma tabuleta de Nuzi relata como certo Nashwi havia adotado Wullu,
vejamos:

Enquanto nashwi viver, Wullu lhe assegurará alimentação e vestimenta.


Quando Nashwi morrer, Wullu será seu herdeiro. Se Nashwi gerar um fi-
lho, este dividirá em parte igual com Wullu, mas será o filho de Nashwi
que tomará os deuses de Nashwi. Mas, se Nashwi não tiver filhos, então
Wullu tomará os deuses de Nashwi. Além disso, Nashwi deu sua filha, Nu-
chuya, como mulher a Wullu. Mas, se este tomar uma outra mulher, perde
todo o direito aos bens de Nashwi. (VOGELS, 2000, p. 41).

O filho natural, recebendo as estatuetas dos deuses de seu pai, torna-se


desse modo o herdeiro principal (Gn 31.19; 30-35). Isso permite compreender
a resposta de Deus a Abraão: “Não é ele (o filho adotivo) que herdaré de ti, mas
aquele que sairá de suas entranhas herdará de ti” (Gn 15.4). Notemos também
que se encontra nesse contrato um outro caso de mulher que é irmã e esposa:
Nuchuya é dada em casamento a seu irmão adotivo.
Embora Deus tenha adotado medi­das extraordinárias em Gênesis 15 para
dar a Abraão garantias de sua intenção de cumprir a promessa, vemos já bem
no capítulo seguinte que Abraão tem dúvidas disso. Ele e Sara estão envelhe­
cendo, e para ele não é fácil acreditar que a esposa pode ter um filho. Então,
para resolver a situação, eles fazem uso de mais um costume social antigo: ter
uma segunda esposa, também conhecida como concubina. O nome dela é Ha-
gar, e no fim ela tem um filho, que recebe o nome de Ismael.
O ambiente cultural mesopotâmeo do qual os patriarcas emergem, nos
ajuda a entender as estruturas sociais e práticas patriarcais relatadas em Gêne-
sis. As leis da antiga Mesopotâmia proporcionam vários paralelos interessantes
com as histórias de Gênesis. Numerosos regulamentos ilustram os temas do
casamento e da herança, enconrtados nos paralelos patriarcais. Vejamos alguns
exemplos:
Assim como Sara tentou dar um herdeiro a Abraão por meio de sua criada
(Gn 16; 30), as leis sumérias de Ur-Namu (fundador e governador da III dinastia
de Ur, cerca de 2044-2007 a.C.) permitiam ao marido tomar a concubina78 de-

78 “A concubina no Antigo Testamento não era uma amante secreta ou ilícita, mas uma
mulher unida de forma legal a um homem pelo casamento, porém numa condição inferior

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

pois de esperar em vão que sua esposa principal gerasse um filho. Como no caso
de Sara, a esposa principal poderia, ela mesma, tomar a iniciativa.
A lei hurrita, em Nuzi (meados do II milênio a.C.) e o Código de Hamura-
bi, na Babilônia, (início do século XVIII a.C.) permitiam ao marido adotar como
herdeiro legítimo qualquer filho que ele tivesse gerado por meio de uma escrava
(ver Gênesis 17.18). Um contrata de casamento de Nuzi obriga a mulher estéril
a proporcionar a seu marido uma serva que dará à luz por eles: “Se Gilimninu (a
esposa) der à luz, Shennima (o esposo) não tomará outra mulher. Mas se Gilim-
ninu deixar de dar à luz ela encontrará outra mulher pra Shennima, da terra de
Lullu (terra de onde provinham os escravos), como concubina.” (apud VOGELS,
2000, p. 41).
Na suméria, o filho mais velho herdava todo o conjunto de bens do pai e
assumia a responsabilidade por seus irmãos. Na Assíria e em Nuzi, porém, os
irmãos dividiam a propriedade do pai, embora o filho mais velho recebesse uma
porção dobrada.
A lei de Nuzi permitia que os direitos de herança fossem transferidos para
um filho nascido de uma esposa principal depois que ela tivesse adotado um fi-
lho substituto. De forma semelhante, Isaque (mesmo nascido depois de Ismael)
tinha o direito de ser o principal herdeiro de Abraão (Gn 21.12).
A lei neobabilônica continha uma cláusula, segundo a qual os filhos nasci-
dos de uma concubina seriam subordinados a qualquer um dos filhos da esposa
principal, e o conjunto dos filhos da esposa principal herdariam dois terços da
propriedade.
A desertação de um filho, prática permitida em certas sociedades, geral-
mente exigia um tribunal para que pudesse ser revogada, se fosse comprovado
que o pai agira desonestamente. Alguns estudiosos, baseados nessa proibição da
lei de Nuzi, questionaram a legalidade da demanda de Sara pela expulsão de Ha-
gar e Ismael (Gn 21), atitude que, por analogia, podia indicar que Abraão viveu
sob costumes e leis semelhantes. De fato, Abraão foi hesitante em concordar
com o desejo de Sara e só fez após a intervenção divina (Gn 21.10-13).

ao da esposa regular. Nenhum moral estava ligado ao seu status, que era considerado
parte natural do sistema social polígamo. As concubinas não desfrutavam oiutros direitos
além da coabitação legal. Elas não exerciam autoridade NBA família nem nos afazeres
da casa, e o marido podia mandá-las embora a qualquer momento, com um pequeno
present (Gn 25.6). O mesmo podia acontecer com os filhos delas, ou seja, ser excluídos
da herança familiar por meio de pequenos presentes, embora eles fossem considerados
legítimos. Pelo menos nos tempos patriarcais, a causa imediata do concubinato era quase
sempre a esterilidade da esposa legal, a qual poderia, ela mesma sugerir que seu marido
tivesse filhos por meio de sua criada (Gn 16 e 30).” (Bíblia de Estudo Arqueológica, 2013,
p. 43).

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

Em adição a lei familiar, certas leis e costumes relativos a contratos e ou-


tros acordos mencionados em Gênesis têm paralelos na Mesopotâmia. Tratados
descobertos em Mari e na moderna Tell Leilan (do início do II milênio a.C.) são
notavelmente semelhantes aos tratados registrados em Gênesis 21, 26 e 31: Em
cada caso, é solicitado e feito um juramento formal. Os juramentos são seguidos
por registros de estipulações, em geral incluindo uma garantia de não hostilida-
de. Os juramentos envolvem festas ou sacrifícios cerimoniais (Gn 26.30) e troca
de presentes, especialmente num encontro pessoal entre as partes do contrato
(Gn 21.27-30). (Biblia de Estudo Arqueológica, 20013, p. 36).

Também temos acesso a documentos de Nuzi chamados “tabletes de pa-


rentesco” contratuais. Eles dizem respeito à venda de um direito de nasci-
mento a alguém de fora da família (baseada numa brecha legal que previa
a adoção de estrangeiros como menbros da família) com o propósito de
transferir a propriedade. Embora não conceitualmente idênticos ao que se
vê em Gênesis 25.27ss, os textos de Nuzi indicam que o direito de nasci-
mento podia ser vendido ou comercializado e oferecem precedentes para
a venda do direito de primogenitura a Jacó, efetuada por Esaú. (Bíblia de
Estudo Arqueológica, 2013, p. 43).

O caso de Eliezer de Damasco, a quem Abraão descreve como sendo “um


servo nascido em minha casa” (Gn 15.3), afirmando que Eliezer era um filho
adotivo, temos as tabuinhas de Nuzi que parecem se referir a mesma situação:
um escravo poderia se tornar herdeiro de um casal que não tivesse filhos caso
fosse por eles adotado.
As tábuas de Nuzi indicam que a instituição do casamento era conside-
rada como um meio de procriação, e não um artifício para o companheirismo
humano. O contrato de casamento dispunha que, se a esposa não tivesse filhos,
por qualquer razão, era obrigada a dar uma criada a seu esposo, de modo que
pudessem nascer crianças no círculo familiar. Em conformidade com este costu-
me, Sara deu Agar, uma escrava egípcia, a Abraão (Gn 16.2)79, e, duas gerações

79 Os costumes sancionaram este modo de obter filhos (embora a presente narrativa e


capítulo 30 deem prova da sua insensatez), e se deve ter em mente o fato de que tais
filhos foram incluídos na família de Jacó, aceitos como membros com plenos direitos
e chefes de tribos. Abrão talvez tenha raciocinado que a promessa poderia cumprir-se
daquela maneira, e o fato de que já se haviam passado dez anos em Canaã pode ter
aumentado a pressão sobre ele, a fim de que agisse. (KIDNER, 2001, p. 117). Por isso
tudo, deslizou na fé para deixar-se guiar pela razão e pelo conselho de Sarai, e não do
Senhor (Mt 16.22). O Novo Testa­mento assemelha o filho de Hagar, nascido “segundo

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

mais tarde, Raquel deu Bila a Jacó (Gn 30.3-4). Segundo a lei de Nuzi, qualquer
criança que resultasse de tal união deveria permanecer na família e a sua expul-
são era estritamente proibida. Este fator explica a apreensão que Abraão sentiu
(Gn 21.11), quando Sara decidiu expulsar Agar e Ismael, depois que este tinha
zombado de Isaque, o filho pequeno de Abraão e Sara, no dia de seu desmame.
A lei da primogenitura determinava que se desse ao filho primogênito uma
dulpa porção da propriedade do pai quando este morresse (Dt 21.15-17). De acor-
do com os costumes em Nuzi, o “direito de primogenitura”, ou título à posição
de primogênito, era negociável entre os membros da família. Uma vez que estas
transações eram bastante comuns em Nuzi, não haveria nada particularmente
incomum no fato de que Jacó se aproveitasse de seu irmão faminto para obter seu
direito de primogenitura (Gn 25.31). Onde era necessário que a herança fosse divi-
dida, a lei de Nuzi reconhecia como líder da família, aquele que tivesse possessão
dos ídolos da casa.80 Estes ídolos eram, evidentemente, as imagens, ou “terafins”
que Raquel roubou (Gn 31.19), e uma boa quantidade de estátuas similares foram
recuperadas em Nuzi. “Ao roubar os terafins ou ídolos do lar, Raquel pode ter tido
um motivo religioso, em parte (Gn 35.2,4), mas o fato de que possuí-los poderia
fortalecer a reivindicação da herança (como o revelam as lâminas de Nuzi) dá-nos
o mais provável indício do seu ato.” (KIDNER, 2001, p. 153).

O direito de nascimento era a posição social do primogênito. Significava a


chefia da família e, pelo menos no Israel ulte­rior, duplo quinhão da heran-
ça (Dt 21.17). Provas oriundas de Nuzi mostram que entre os horeus con-
temporâneos esse direito era trans­ferível, caso em que um irmão pagava
três ovelhas por uma parte da he­rança — comentário suficiente do trato
proposto por Jacó. (KIDNER, 2001, p. 141).

Tomando como exemplo o texto de Gênesis 15.2-3 bem se sabe que en-
tre os horeus um homem sem filho podia ado­tar um herdeiro para garantir um

a carne”, aos produtos dos esforços próprios do homem quanto à religião (G1 4.22),
sempre incompatíveis com os do espírito (G14.29).
80 Os “dolos do clã” eram de tamanho pequeno, portáteis, provavelmente imagens dos
ancestrais ou dos deuses venerados por esses ancestrais. Acreditava-se que esses ídolos
traziam prosperidade e proteção. Não tinham templos, mas recebiam um altar dentro da
área da casa. Raquel talvez desejasse alguma coisa tangível, que lhe servisse de objeto de
longa jornada, prática mencionada mais tarde nos escritos historiador judeu do século I.
Os ídolos do clã eram muitos valorizados em Nuzi, por isso eram entregues ao principal
herdeiro. Se a herança fosse disputada no tribunal, a posse dos ídolos familiares podiaser
aceita como prova de que o possuidor deles fora designado herdeiro pelo falecido.

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

enterro apropriado, ou um devedor podia tomar posse de um empréstimo ado-


tando aquele que lho fez. A antiga lei de Nuzi permitia a um homem sem filhos
adotar um de seus servos masculinos para que fosse seu herdeiro e guardião
de seu patrimônio. Ela também permitia que os direitos de herança fossem
transferidos para um filho nascido da esposa principal, mesmo depois de ela
ter adotado um filho substituto. Os povos antigos consideravam a mulher estéril
amadiçoada e, em alguns casos, sua condição servia como fundamento para o
divórcio. O contrato de casamento da época era baseado no Código de Hamu-
rabi, o antigo código de leis babilônio, o qual estipulava que a esposa infértil
deveria oferecer ao marido uma criada que lhe gerasse filhos.
A perturbação de Abraão (Gn 21.11) com o pedido de Sara de expulsar
Hagar e Ismael não tinha como motivo apenas o amor pelo filho, mas também
o costume legal. A tradição da época, ilustrada mais tarde pelos tabletes de
Nuzi, proibiam a expulsão arbitrária do filho de uma serva, cujo status legal era
relativamente baixo.
Nuzi, mais uma vez, fornece paralelo a um costume patriarcal. Num texto
de Nuzi citado por Hamilton, lemos: “Se Gilimnimu (a noiva) não tiver filhos,
Gilimnimu tomará uma mulher da terra de N/Lullu (de onde se conseguiam os
melhores escravos) para ser esposa de Shennima (o noivo)”.81
Essa referência confirma o fato de que Abraão utilizou um cos­tume que
era praticado na primeira metade do segundo milênio. Com base em nosso
conhecimento dos costumes da época, temos uma ideia mais clara daquilo que
se passa na mente do patriarca. A essa altura ele se recusa a confiar no Senhor
e, com isso, tenta criar um herdeiro de acordo com os costumes do seu tempo.
Alguns textos de Nuzi têm paralelo com os relatos dos patriarcas bíblicos
e os esclarecem. Nem todas as supostas corres­pondências entre a Bíblia e as
informações coletadas em Nuzi são certas, mas pelo me­nos demonstram que o
contexto de Gênesis tem, de fato, suas raízes em antigos costu­mes. Algumas das
mais famosas congruên­cias incluem:
Um casal sem filhos em Nuzi podia ado­tar um servo como herdeiro (cf.
a hipótese aventada por Abraão de que seu escravo Eliézer82 poderia herdar seu
patrimônio, já que o patriarca não tinha filhos; Gn 15.2-3). Alguns tabletes legais

81 Gordon, Biblical customs and the Nuzu tablets, p. 3.


82 O “servo” nos tempos antigos era aplicado a alguém que estava sob a autoridade
de outrem, implicando que nem todos os servos eram trabalhadores domésticos ou
escravos. Em algumas passagens das Escrituras a palavra significa literalmente “jovem”
ou “ministro”. Ela se aplica ao relacionamento de um homem com outro em posição
superior, como, Eliézer, cujo cargo na casa de Abraão é comparado com o de primeiro
ministro (v. 2; 24.2; Pv 14.35; Jo 18.20).

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

demonstram que a esposa principal estéril podia dar sua criada ao marido com
o propósito declarado de prover um herdeiro para ele, e esse herdeiro poderia
ser depois adotado pela esposa principal. De acordo com esse; textos, se ela
mais tarde desse à luz um filho, ele poderia substituir o filho da criada como
legítimo herdeiro, conforme as histórias de Sara e Hagar, em Gn 16.1-4; 21.8-10;
as criadas de Lia e Raquel, em Gn 30.1-13).
Em Gênesis 15, Deus vem reassegu­rar a Abraão de que cumprirá sua pro-
messa, feita a ele e à esposa, de lhes dar um filho na velhice. A resposta inicial
de Abraão indica que ele perdeu a confiança na capacidade divina de fazê-lo:

Senhor Deus, que me haverás de dar, se continuo sem filhos e o herdeiro da


minha casa é o damasceno Eliézer? A mim não me con­cedeste descendência, e
um servo nascido na minha casa será o meu herdeiro. (Gn 15.2,3).

As tábuas de Nuzi nos ajudam a entender o contexto desta passagem, nos


informando que um casal sem filhos podia adotar o servo da casa, que cuidará
deles na velhice e os sepultará. Depois disso o servo herda os bens. Em resumo,
Abraão emprega um costume social para tentar criar um herdeiro.83
Como resposta ao pedido de Abraão de que Deus lhe dê certeza de que
terá um herdeiro, Deus então instrui o patriarca a trazer “uma novilha, uma ca-
bra e um cordeiro, cada qual de três anos, uma rola e um pombinho” (Gn 15.9).
Abraão mata, então, os animais e, com a exceção das aves, os divide ao meio.
Então um fogareiro fumegante e uma tocha de fogo passam em meio às meta-
des, enquanto Deus reafirma a promessa da aliança.
Este episódio nos deixa perplexos. O que está acontecendo? O ritual pode
ser elucidado mediante referência a documentos do antigo Oriente Próximo,
desta vez não a documentos proce­dentes de Nuzi, mas de Alalakh, Mari e Hatti.
Todos esses textos provêm do segundo milênio a.C.
O texto de Alalakh é do século XVII a.C. e foi traduzido assim: “Abban fez
juramento a Iarimlim e cortou o pescoço de uma ovelha (dizendo): ‘(Que assim
eu morra) se eu tomar de volta aquilo que te dei!’”.84
A semelhança com Gênesis 15 se vê na ligação entre um sacri­fício e o
estabelecimento de um tratado de aliança. Em particular, vemos a parte superior
(Abban no texto de Alalakh), que está assegurando o cumprimento do acordo,

83 Veja a análise por E. A. Speiser, “Notes to recently published Nuzi texts”, Journal of the
American Oriental Society 55 (1935): 435,436, e Cyrus H. Gordon, “Biblical customs and
the Nuzi tablets”, Biblical Archaeologist 3 (1940): 2-3.
84 D. J. Wiseman, “Abban and Alalah”, Journal of Cunieform Studies 12 (1958): 129.

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

assumindo uma maldição sobre si. Deus, que assume a forma de fogo e fumaça
em Gênesis, assume tal maldição sobre si mesmo.
No entanto, o que está faltando aqui é esse passar em meio às partes di-
vididas. Para isso apelamos a outro texto do antigo Oriente Próximo, desta vez
dos hititas. Um texto que descreve um ritual depois de uma derrota militar, diz:

Se as tropas foram derrotadas pelo inimigo, elas realizam um ritual “atrás”


do rio, a saber: elas “dividem ao meio” um homem, um bode, um cachor-
ro pequeno e um porco pequeno; elas colocam metade neste lado e me-
tade naquele lado, e em frente dos pedaços fazem um portão de madeira
e estendem um [...] sobre ele, e, em frente ao portão, acendem fogueiras
deste lado e daquele, e as tro­pas caminham bem pelo meio e, quando
chegam ao rio, borrifam água sobre eles.85

Quando estes e outros textos semelhantes são estudados em conjunto


com Gênesis 19, podemos entender a importância do ritual de sacrificar esses
animais e de Deus passar pelo meio deles. Como nos exemplos do antigo Orien-
te Próximo, Deus está reali­zando um ritual de automaldição, dizendo na prática
que será como aqueles animais mortos e partidos ao meio caso não cum­pra
suas promessas. Ele está reanimando Abraão, mediante o uso de um costume
conhecido em sua época.
Em comum com outros povos orientais, os amorreus do período de Mari
consideravam a matança de um jumento, como está escrito nas tábuas, como
uma característica essencial no estabelecimento de uma aliança entre indivídu-
os ou povos. Esta carta indica que o juramento de aliança era acompanhado pelo
sacrifício de um jumento, que ratificava o acordo. A frase, “matar um jumento”,
registrada nas tábuas, é completamente semita, e o fato de estas palavras apa-
recerem nesta conexão em hebraico, traz uma interessante informação comple-
mentar sobre os costumes que existiam entre os nômades que peregrinavam
sobre jumentos nos tempos patriarcais e posteriores. Os siquemitas eram co-
nhecidos como “Bene Hamor”, ou “Filhos do jumento” (Js 24.32).86
Antes da descoberta dos tabletes de Nuzi, estudiosos acreditavam que um
edi­tor tardio havia acrescentado notas para informar que Labão deu as criadas

85 O. Gurney, The Hittites (Baltimore: Penguin, 1954), p. 151.


86 “O nome Hamor, que significa “asno”, leva Albright a conje­turar que os filhos de Hamor é
uma expressão que designa um grupo de pessoas ligadas entre si por um tratado selado
com o sacrifício de um asno, em analogia com um costume testemunhado em Mari.
Certamen­te o caráter sagrado deste animal pode explicar o nome; mas Hamor é um
indivíduo, tanto aqui como em Jz 9:28.” (KIDNER, 2001, p. 161).

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

citadas por nome às suas filhas quando se casaram (Gn 29.22-24,28,29), porém
alguns contratos de casamento descobertos em Nuzi estipu­lavam que se desse à
noiva uma criada, cujo nome deveria ser registrado no contrato.
Os ídolos domésticos de uma família eram muito valorizados em Nuzi e
eram passados ao principal herdeiro. Se a heran­ça fosse disputada no tribunal,
os ídolos de propriedade da família podiam ser aceitos como prova de que o
morto tinha a intenção de que o vencedor da demanda fosse seu herdeiro. As-
sim, o roubo dos ídolos familia­res, levado a efeito por Raquel, poderia ser consti-
tuído um crime muito grave, uma ten­tativa de garantir que as riquezas de Labão
passassem para seu marido e, possivelmen­te, para os filhos dela (Gn 31.22-37).
Os “ídolos do clã” eram de tamanho pequeno, portáteis, provavelmente
imagens dos ancestrais ou dos deuses venerados por esses ancestrais. Acredi-
tava-se que esses ídolos traziam prosperidade e proteção. Não tinham templos,
mas recebiam um altar dentro da área da casa. Ra­quel talvez desejasse alguma
coisa tangível, que lhe servisse de objeto de longa jornada, prática mencionada
mais tarde nos escritos de Josefo, o historiador judeu do século I. Os ídolos do
clã eram muito valorizados em Nuzi, por isso eram entregues ao principal her-
deiro. Se a disputada no tribunal, a posse dos ídolos familiares podia ser aceita
como prova de que o possuidor deles fora designado herdeiro pelo falecido.

De acordo com os costumes de Nuzi, parece que Jacó se tornou o herdeiro


de Labão depois que este o ado­tou como filho. Labão entregara a Jacó suas
filhas, Lia e Raquel, como esposas. Depois de se tornar próspero, Jacó fu-
giu (Gn 31.21). Uma razão para o fato de que “a atitude de Labão para com
ele já não era a mesma de antes” (v. 2) parece ser que os filhos legítimos
de Labão viam Jacó como intruso (v. 1). Desse modo, surgiu uma disputa
sobre o direito de posse dos terafins, os deuses familiares que Raquel havia
escondido na bagagem quando ela, seu marido e o restante da família de
Jacó fugi­ram (v. 30,31). Os ídolos familiares, que tinham o tamanho de
bonecos em miniatura, eram considerados evidência inquestionável dos
direitos e privilégios de posse da herança familiar. Note a pergunta indig-
nada de Labão: “Por que roubou meus deuses?” (v. 30). (Bíblia de Estudos
Arqueológica, 2013, p. 53).

Embora os textos de Mari e Nuzi tenham um grande e inegável valor,


fornecendo um cenário histórico autêntico para as narrativas que tratam de
Abraão, Isaque e Jacó, uma fonte de informação ainda mais importante para
este mesmo período foi descoberta, na Turquia, por Sir Leonard Woolley. Esca-
vando imediatamente antes e imediatamente depois da Segunda Guerra Mun-

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

dial em Tell el’- Atshana (Alalakh) naquilo que originalmente era o norte da Síria,
ele descobriu dois estratos que continham palácios reais, um dos quais perten-
cente ao período 1900-1780 a.C., e o outro ao século XV a.C. Muito mais de qua-
trocentos e cinquenta textos foram recuperados das ruínas, e são considerados
aproximadamente contemporâneos aos de Mari e Nuzi. No entanto, são de um
valor consideravelmente maior para o período patriarcal, uma vez que são mais
próximos daquele tempo, tanto cronológica quanto geograficamente.
Estas tábuas fornecem informações adicionais sobre o status preferencial
que podia ser dado a qualquer filho de uma mulher em particular A posição de
filho primogênito na família normalmente implicava que a pessoa interessada
podia reivindicar uma dupla participação na herança por ocasião da morte do
patriarca da família. No entanto, as tradições de Alalakh reforçam determinados
casos tanto em Mari quanto em Ugarit, para mostrar que o pai tinha liberdade de
desconsiderar as sequências naturais da primogenitura e, em vez delas, escolher
o seu próprio primogênito entre os seus filhos. Este costume, obviamente, in-
fluenciou o caso de Manasses e Efraim (Gn 48.13-20), a reputação de Rúben (Gn
49.3), e a promoção de José (Gn 48.22). Com base neste costume, fica evidente
que as instituições sociais registradas nas narrativas patriarcais são abundante-
mente representativas da vida no segundo milênio a.C.
Um ponto de comparação entre estes textos e a Bíblia envolve leis que
regiam a herança. Em Gênesis 49, Jacó abençoa seus 12 filhos, dividindo uma
fatia igual da herança para cada filho. Isso, porém, mudou no Sinai, pois a lei
mosaica estipulava que o filho primogênito devia receber o dobro da herança (Dt
21.15-17). Esta aparente contradição foi formalmente explicada pelos altos crí-
ticos de acordo com a Hipótese Documentária de Wellhausen, que alegava que
diferentes escritores compuseram relatos conflitantes do Pentateuco ao mesmo
tempo na história pós-exílica de Israel. Entretanto, os documentos do antigo
Oriente Próximo confirmam que a situação refletida na distribuição de Jacó de
uma herança “igualitária” a todos os seus filhos foi o que precisamente se achou
nas Leis de Lipit-Istar do século XX a.C; “uma fatia igual na lei das heranças é
evidente nas leis de Lipit-Istar (século XX a.C.).” (PRICE, 2006, p. 84).
Todavia, 200 anos mais tarde, a situação tinha mudado, no Código de
Hamurabi (século XVIII a.C.), uma distinção é feita entre os filhos da primeira
mulher de um homem - que têm a primeira escolha - e os filhos de sua segunda
esposa. Então, quando comparamos os textos de Mari e Nuzi (século XVIII a XV
a.C.) descobrimos que um primogênito natural recebeu uma porção dobrada
enquanto um filho adotado não recebeu. As leis neobabilônicas do primeiro
milênio refletem uma progressão semelhante, com os filhos de uma primeira
esposa recebendo uma porção dobrada e os demais recebendo uma porção úni-

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

ca. Por isso, de acordo com a mudança dos costumes sociais refletida por essas
leis, somente o contexto do segundo milênio vai encaixar-se no tipo de prática
de herança dos patriarcas.

5.7.6. A lei de casamento: esposa/irmã

Vários contratos de casamento desco­bertos em Nuzi demonstram que os


irmãos podiam fazer os arranjos para o casamento das irmãs, embora elas ti-
vessem, muitas vezes, a opção de concordar ou discordar da união proposta (Gn
24.29-60). Contratos de casamento formulados pelo pai, porém, não exigiam o
consentimento da filha (Gn 29.16-30). Há também paralelos com as instituições
do casamento por levirato,87 conforme a história de Judá e Tamar.
A história de Isaque e Rebeca nos apresenta uma situação inusitada, ten-
do em vista o costume patriarcal, onde a mulher conta muito pouco. A família
de Rebeca lhe pergunta: “Você quer ir com esse homem?” (Gn 24.58). A narra-
tiva nos mostra que quem toma a frente, intermediando a proposta é Labão, o
irmão de Rebeca, e dá o primeiro consentimento do casamento (v.51). Depois
disso, Labão e a mãe buscam a opinião de Rebeca (vv.57-59). Rebeca aceita
imediatamente. Os textos de Nuzi permitem compreender esse comportamen-
to. Ali temos a declaração de uma filha diante de testemunhas: “Com meu con-

87 “As ‘obrigações de cunhado’ mencionadas em Gênesis 38.8 referem-se às obrigações


legais do levir (termo latino para o irmão do marido), que tinha de se casar com a
cunhada viúva caso seu irmão morresse sem deixar filhos. Os arranjos para esse
casamento proibido às avessas (ver Lv 18.16; 20.21) assegurava a herança do marido
falecido, perpetuava seu nome (ver Dt 25.6) e refletia, dessa maneira, o desejo comum
entre os israelitas antigos de manter a presença na terra após a morte, na pessoa de seus
descendentes. Além disso, esses arranjos proporciona­vam ‘segurança social’ para a viúva
sem filhos, que não tinha fonte de sustento e ficava socialmente desprotegida no antigo
Oriente Médio. Os hititas e os assírios também praticavam o casamento por levirato.
Na eventualidade de o marido falecido não ter irmãos (Rt 1.10-13), ou se eles se re­cusassem a
cumprir seu dever (Gn 38), outros parentes podiam assumir a responsabilidade do levir.
Parece que esse regulamento foi mais estritamente aplicado durante o perío­do patriarcal
que nos séculos posteriores à Lei mosaica (Dt 25.5-10), o que é de sur­preender, pois
Gênesis 38 narra o período da história de Israel em que o ‘ser frutífero’ e o ‘multiplicar’
eram fundamentais para a existência das jovens nações. As consequên­ cias para o
cunhado que deixasse de cumprir seu dever nesses tempos mais remotos eram bem
severas (e.g., a morte de Onã; v. 8-10). Tamar, numa atitude desesperada, usou o sogro
para gerar um legítimo herdeiro. É possível que a cultura dela considerasse tal estratégia
um ato legalmente justificado. Por analogia, a lei hitita estipulava que, se o irmão do
falecido também morresse e, desse modo, não pudesse cumprir seu dever para com a
viúva, ela poderia se casar com o pai do marido.” (Bíblia de Estudo Arqueológica, 2013,
p. 64).

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

sentimento, meu irmão me deu como mulher a....”. (VOGELS, 2000, p. 44). “A
abrupta menção do presente de uma serva para a noiva (Gn 29.29) é mais um
dos pormenores iluminados pelas lâminas gravadas de Nuzi.” (KIDNER, 2001,
p. 149).
Alguns historiadores argumentam que as leis de Nuzi que permitiam a um
homem adotar uma jovem como filha, com o pro­pósito de entregá-la em casa-
mento ao seu filho, lançam luz sobre os dois protestos de Abraão, nos quais diz
que sua esposa é, na verdade, sua irmã (Gn 12.10-20; 20.1-18).88 Alguma dúvida
de que esse paralelo seja legítimo ainda existe, porém esses inciden­tes sugerem,
pelo menos, que os relatos dos patriarcas têm raízes em antigos costumes, dos
quais pouco ou nada sabemos.

Se tal história foi conservada, e isso nos três relatos, é claro que não era
(tão) chocante na época. O que nos leva a perguntar se não existe um
costume por trás desse comportamento que não mais compreendemos.
Abraão afirma que Sara é sua meia irmã (Gn 20.12), pode ter sido uma
filha adotiva de Terá. No caso de Rebeca, ela foi dada em casamento a Isa-
que por seu irmão Labão (Gn 24). Textos de Nuzi, mencionam o costume
dos hurritas, em que uma mulher podia ter o estatuto duplo de esposa e
irmã, com duplos privilégios e deveres, do ponto de vista social e jurídico.
Outro paralelo encontramos na cultura egípcia, onde a palavra “irmã” e
“irmão” não possuem o sentido restrito que possui hoje. Certos contratos
de casamento chamam a esposa de “irmã”, mesmo que esteja claro que
ela não era parente do marido. Talvez, “quando Abraão diz: ‘Ela é minha
irmã’, joga, com o sentido restrito e o sentido amplo dessa palavra. (VO-
GELS, 2000, p. 39).

Além dos três relatos divergirem em detalhes e terem em comum apenas


a mentira a respeito da esposa, não existe razão por que Abraão não poderia
repetir o mesmo recurso que havia funcionado razoavelmente bem antes, e sem
dúvida Isaque deve ter aprendido esta falha com seu pai. Se tal história foi con-

88 Infelizmente, tal pai, tal filho: Isaque lançou mão do mesmo subterfúgio (capítulo 26).
Robert Polzim (The Ancestress of Israel in Danger. Semeia. Vol. 3, 1975, pp. 81-98.) chama
a atenção para a forma como cada monarca inocente foi informado da verdadeira
identidade da mulher. Em 12.17, por meio de pragas; em 20.3, através de um sonho;
em 26.8, quando o rei observou Isaque aca­riciando Rebeca. No primeiro caso vemos a
ação de Deus na histó­ria (a lei?); no segundo, vemos a revelação de Deus por meio de
sonhos e visões (os profetas?); no terceiro, o uso natural dos olhos de alguém (ênfase na
sabedoria?).

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

servada em três relatos, podemos supor que, não era “tão” chocante em sua
época. Isso indica que, nossa compreensão cultural esta distante da realidade.

A exemplo do que faz o comentarista E. A. Speiser, pode-se explicar a


tática de Abraão apelando a antigos documentos de Ur (território onde
passou parte de sua vida [11.31]), nos quais o casamento é sucedido por
uma relação de adoção. A mulher se torna primeiro esposa, então irmã, a
fim de fortificar o relacionamento. E claro que tal interpretação “salva” a
sua reputação. Ele teria atribuído um status ainda mais eleva­do a Sara, na
esperança de que os egípcios a tratassem com mais consideração. (HAMIL-
TON, 2007, p. 96-97).

E. A. Speiser, menciona um contrato em que, por quarenta siclos, um ho-


mem vendeu sua irmã para que fosse irmã de outro homem. Ele indica um se-
gundo contrato (de casamento) em que, também por quarenta siclos, o mesmo
homem vendeu a mesma irmã para ser esposa do homem que a havia adotado
como irmã. Desse modo, de acordo com Speiser, em Nuzi, essa mesma mulher
era tanto irmã quanto esposa do homem que a havia adotado como irmã. Spei-
ser usou esses textos para entender a relação entre Abraão e Sara. Duas vezes
Abraão se protege de um perigo que anteviu chamando Sara de irmã e não de
esposa (Gn 12.10-20; 20.1-18). Sendo assim, este fato é uma indicação de que
a sociedade patriarcal funcionava segundo os mesmos costumes atestados em
Nuzi e, portanto, as narrativas patriarcais podem ser atestads na primeira meta-
de do segundo milênio a.C.89
Apesar destas evidências de Nuzi, como o próprio Abraão observa, em
certo sentido Sara era realemnte sua irmã, não por meio de compra nem contra-
to, mas pelo fato de terem o mesmo pai, embora de mães diferentes (Gn 20.12).
A partir da década de 1960 começaram surgir críticas quanto a estas compara-
ções, e J M. Weir, em particular, analisou o costume esposa/irmã e discordou da
associação entre os textos de Nuzi e as narrativas patriarcais.90
Em termos do costume específico da suposta instituição esposa-irmã,
agora está bem claro que as tábuas de Nuzi não nos ajudam a entender a rela-
ção entre Abraão e Sara. Para começar, Speiser teve de sustentar que aqueles

89 The wife-sister motif in the patriarchal narratives, in: J. J. Finkelstein; M Greensburg,


orgs., Oriental and biblical studies (Philadelphia: University of Pennsylvania Press,
1967), p. 62-82.
90 The alleged Hurrin wife-sister motif in Genesis, Transactions of the Glasgow University
Oriental Society 22 (1967/1968), p. 14-25.

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

que transmitiram mais tarde o texto de Gênesis não entenderam o costume


antigo e, por esse motivo, trataram o estratagema de Abraão como um engano.
Mas é engano sim. Abraão não adotou Sara como irmã e como esposa. Além
do mais, agora que temos onze tábuas relevantes de Nuzi acerca do assunto da
adoção, podemos ver que as pessoas não faziam contratos com mulheres a fim
de que pudessem se casar com elas, mas, sim, compravam moças como irmãs
de modo que mais tarde pudessem vendê-las como esposas (recebendo o dote,
isto é, o preço da noiva, que era presumivel­mente mais alto do que o preço que
haviam pago para torná-las sua irmã). A família de origem da moça devia estar
com grande necessidade de dinheiro, e, por isso, o comprador adquiria os direi-
tos de vendê-la a fim de que pudesse obter uma compensa­ção maior no futuro,
ao passo que o vendedor recebia uma injeção imediata de dinheiro.
Dessa maneira, no caso deste costume social em particular, o estudo adi-
cional dos textos bíblicos e de Nuzi revelou que o paralelo na verdade não era
paralelo. No caso de vários outros costumes, pesquisa adicional tem demons-
trado que os costu­mes não são peculiares à primeira metade do segundo mi-
lênio, mas também são encontrados no primeiro milênio. Isso impede que se
usem os paralelos para determinar uma data mais antiga ou uma mais recente
para a produção dos materiais patriarcais, algo que estudiosos como Thomas
L. Thompson e John Van Seters, para quem os relatos bíblicos projetam ficções
tardias no passado, utilizam em apoio à sua posição.91
Aliás, precisamos agradecer àqueles estudiosos que chama­ram a atenção
para a falácia de certas comparações falsas entre narrativas patriarcais e os tex-
tos de Nuzi. Mas muitos exageram em sugerir que não sobrou nenhum paralelo
que seja útil. Pelo contrário, ainda existem textos extrabíblicos, inclusive aqueles
de Nuzi, que corroboram a veracidade histórica da apresentação que Gênesis faz
dos patriarcais.92 Encontrar paralelos, sejam ou não singulares à primeira meta-
de do segundo milênio, também nos ajuda a entender algo das motivações das
personagens bíblicas.
É possível que a falta de escrúpulos por parte de Abraão não tenha sido
motivada simplesmente pelo desejo de se salvar. A ques­tão maior é a promessa
dada anteriormente por Deus (bênçãos e descendentes). Ora, se não hou­vesse

91 Ver Thomas L. Thompson, The historicity of the Patriarchal narratives, série Beihefte zur
Zeitschrift für die alttestamentliche Wissenschaft, 133 (Berlin: deGruyter, 1974); John
Van Seters, Abraham in history and tradition (New Haven: Yale University Press, 1975).
92 Quanto a estudos detalhados a este respeito, veha Martin J. Selman, “Comparative
customs and the patriarchal age”, em Essays in the patriarchal narratives, ed. por A. R.
Millard e D. J. Wiseman (Leicester: Inter-Varsity, 1980), p. 91-140; Eicheler, “Nuzi and the
Bible”, p. 107-19.

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

Abraão, não haveria como se criar uma grande nação. Sen­do essa a ideia e a
explicação para seu ardil, Abraão pode ser considerado o arquétipo dos crentes
que sentiram que Deus pre­cisava de ajuda para livrá-los de alguma situação des-
concertante e perigosa em potencial.
Outras práticas podem ajudar a reintegrar a compreensão do casamento
“esposa/irmã”. No Egito, o rei às vezes se casava com sua irmã; isso ocorria tam-
bém, mais tarde, na Pérsia e em certos estados helenistas. Notemos ainda que as
palavras “irmão” e “irmã” não possuem o sentido restrito que têm pra nós hoje.
Certos contratos de casamento egípcios chama à esposa de “irmã”, mesmo que
esteja claro que ela não era um absoluto parente do marido. Tinha-se portanto
o direito de falar de sya mulher como de sua irmã; isso é visto até mesmo no
Cântico dos Cânticos (5.1-2). Quando Abraão diz: “ela é minha irmã”, joga, tal-
vez, com o sentido restrito e o sentido amplo dessa palavra (ver VOGELS, 2000,
p. 40).

5.7.7. A lei de compra e venda

Até a descoberta do Império Heteu no começo do último século, os “he-


teus” mencionados em Gênesis 10.15, descendentes de Canaã, eram desco-
nhecidos. Sua existência era vista com suspeita crítica por muitos estudiosos.
Porém, em 1906, Hugo Wincklerm começou a escavar um sítio conhecido como
o antigo Hattusha (moderna Boghazky), no que atualmente chamamos de Tur-
quia. Como resultado, um povo, cuja existência era seriamente duvidade pre-
viamente, é agora bem documentado com inscrições literárias em dezenas de
milhares de tabuletas de argila. (KAISER, 2007, p. 92). Outro grupo misterioso
eram os horeus, descendentes de Esaú, de Edom (Gn 36.20; Dt 2.12,22). Mas,
em 1995, Giorgio Buccellati descobriu a capital dos horeus, sob a cidade síria
que atualmente se chama Tell Mozan. “Muitas vezes foi feita a sugestão de que
esses “filhos de Hete” eram horeus, não heteus; mas é evidente que Efrom (Gn
23.10) era um deles, e as palavras Hete e heteu são cognatas.” (KIDNER, 2001,
p. 134-135).
A Bíblia, por 47 vezes, faz menção de um povo chamado “os heteus”.
Eles foram listados entre as nações que habitavam a antiga Canaã quando
Abraão entrou na terra (Gn 15.20). Eles foram considerados significativos o
suficiente para comprar carros e cavalos do rei Salomão (1 Rs 10.29). E man­
tiveram um exército tão poderoso que o rei de Israel alugou-os para lutar e
expulsar o formidável exército dos arameus (2 Rs 7.6,7). Dois heteus, parti-
cularmente, ganharam notoriedade no relato bíblico. Um foi Efron, o heteu,
que vendeu para Abraão o seu campo e sua caverna em Macpela, em Quiria-

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

te- Arba (Hebrom) para enterrar sua mulher Sara (Gn 23.10-20). Desde então
ficou conhecida como a Tumba dos Patriarcas. O outro foi Urias, o heteu, um
soldado no exército do rei Davi.
Todavia, a despeito da proeminência dos heteus no texto bíblico, há ape­
nas 100 anos os críticos eruditos duvidavam de que eles jamais tivessem existi­
do. Àquela altura, nenhuma evidência de tal povo havia sido encontrada. Eles
eram simplesmente parte da história religiosa da Bíblia. No entanto, este vere­
dicto histórico estava para mudar. Em 1876, o erudito britânico A.H. Sayce sus-
peitou que uma inscrição não decifrada descoberta esculpida nas rochas da Tur-
quia e Síria pudessem ser uma evidência dos até então desconhecidos heteus.
Então tabletes de argila foram descobertos nas ruínas de uma cidade antiga na
Turquia, chamada Boghazky.
O povo local estava vendendo estes tabletes e alguns caíram nas mãos de
peritos. Isso permitiu que um perito alemão em texto cuneiforme, Hugo Win-
ckler, fosse ao sítio e escavasse. Ali, ele descobriu cinco templos, uma cidadela
fortificada e muitas esculturas monumentais. Em um armazém incendiado ele
também encontrou mais de 10 mil tabletes. Logo que eles foram finalmente
decifrados, foi anunciado ao mundo que os heteus haviam sido encontrados!
Boghazky havia sido de fato a antiga capital do império heteu (conhecida com
Hattusha). Outras surpresas se seguiram, tal como a revelação de que a língua
hetéia devia estar associada com as línguas indo-européias (das quais o inglês é
uma parte), e que a forma de seus códigos de lei eram muito úteis para a com-
preensão daqueles descritos na Bíblia. A redescoberta deste povo perdido, uma
das mais extraordinárias realizações da arqueologia do Oriente Próximo, agora
serve como um aviso para aqueles que duvidam da historicidade de certos rela-
tos bíblicos. Só porque a arqueologia não produziu evidência corroborativa hoje
não significa que não possa produzi­la amanhã. Os heteus são simplesmente
um exemplo de que a Bíblia tem se demonstrado historicamente confiável. Por-
tanto, isso deve ser respeitado ape­sar da presente falta de apoio material para
certos eventos ou problemas crono­lógicos que permanecem sem solução. (ver
PRICE, 2006, p. 65).
Abraão quis comprar apenas uma pequena parte do campo, porque a
aquisição do campo inteiro teria acarretado certas obrigações financeiras e so-
ciais. “As leis hititas estipulavam que, se alguém vendesse apenas parte de sua
propriedade, ainda seria exigido dele (o proprietário original e principal) o paga-
mento de todos os débitos e taxas da terra, mas se ele vendesse a área inteira o
novo proprietário é que teria de pagar os débitos.” (Bíblia de Estudo Arqueoló-
gica, 2013, p. 38).

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

Tornaram-se compreensíveis somente com base em uma comparação


com os documentos heteus, pois evidentemente Abraão desejara adquirir
apenas a dupla caverna na extremidade do campo, e não o terreno todo.93
Os documentos Heteus revelam o por que: em caso contrário, segundo a
praxe dos heteus, Abraão ter-se-ia tornado servo do antigo dono do imó-
vel. Contudo, o negócio chegou a ser concluído, e Abraão ficou com a du-
pla caverna e ainda o ‘campo’, bem como ‘todas as árvores que estavam
ao redor, dentro dos seus confins’. (KELLER, 2002, p. 123).

Descobriu-se que os códigos legais dos heteus continham decretos que


são correspondentes a leis seculares nos códigos de Hamurabi e de Moisés. As
indicações gerais são de que os mesmos conceitos de justiça, lei e ordem preva-
leceram em todo o Oriente Médio durante o segundo milênio a.C. A lei dos he-
teus reconhecia a natureza inviolável dos juramentos, alianças e tratados, e uma
característica animadora do seu sistema legal, em comparação com o de outros
países orientais, era o notável respeito que havia pela condição das mulheres.
Segundo o comentário de Derek Kidner da passagem de Gênesis 23.4-20,
a transação comercial da compra do terreno para o sepultamente de Sara reflete
os costumes dos heteus, vejamos:

Um estrangeiro (gêr) era um forasteiro residente, com alguma base na co-


munidade, mas com direitos limitados. Em Israel, por exem­plo, ao gêr não
se assegurava o direito de propriedade particular, e nes­te capítulo a séria
questão subjacente às demonstrações de refinada cor­tesia, era se Abraão
deveria obter uma sede local fixa, ou não. A lisonja do v. 6 foi um meio
de induzi-lo a permanecer dependente, destituído de propriedades terri-
toriais. A réplica de Abraão, mencionando um in­divíduo, fez habilidoso

93 As negociações ocorrem na porta da cidade (Gn 23.17-18). Vários contratos de venda de


propriedade de Nuzi terminam com a fórmula: “A tabuleta foi escrita após a proclamação
da porta”. “Certos pesquisadores acreditam encontrar também no texto traços do direito
hitita. Segundo esse direito, um proprietário devia pagar as taxas do terreno enquanto
permanecesse proprietário de uma parte dele. Compreende-se desse modo, a proposta
de Abraão de comprar apenas a caverna que se entra na extremidade do campo (v.9).
Efron compreende a astúcia, e com toda diplomacia e a polidez orientais propõe
‘dar’ não só a gruta, mas todo o campo (v.11). Um pouco adiante, cita o preço dessa
‘dádiva’: quatrocentos ciclos de prata (v.15), o que não é exatamente um presente, se
compararmos com o preço de venda de outros terrenos... Abraão não tem escolha, é
obrigado a pagar, um morto não pode esperar (v.16). (VOGELS, 2000, p. 43-44). Alguns
pesquisadores questionam a importância dos paralelos hititas, pois documentos de
vendas neobabilônicos apresentam paralelos semelhantes.

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

emprego do fato de que, enquanto um grupo tende a melindrar-se com um


intruso, o dono de uma propriedade pode acolher bem um freguês. Efrom
sabia da força da sua posição. O gesto descrito no v. 11 teria sido uma
ficção convencional,94 e dá para pensar que o seu preço real era menor.
Abraão, não tendo escolha, teve a sabedoria de aceitá-lo de bom grado.
As minúcias sobre a propriedade e a menção de testemu­nhas indicam
que foi um contrato plenamente garantido. A referência às árvores (17,
AV; AA: “arvoredo”) é característica das transações de compra e venda de
terras entre os heteus, cuidadosos ao especificá-las. O capítulo todo parece
refletir as leis dos heteus comuns nos tempos pa­triarcais, embora seja
preciso acrescentar que não eram únicas; podem- se citar vários paralelos
babilónicos dessas leis. (2001, p. 135).

Alguns pesquisadores não aceitam ou minimizam a importância dos pa-


ralelos hititas. Acreditam, porém, que o texto apresenta semelhanças com várias
formas jurídicas do Oriente Próximo Antigo de diferentes épocas. Referem-se
sobretudo aos documentos de venda neobabilônicos, redigidos sobre a forma de
diálogo, análogo ao de Efron e Abraão no texto bíblico.95

5.7.8. A domesticação de Camelos

A primeia referência bíblica a camelos domésticos ocorrena na história


de Abraão. Os camelos estavam entre os seus bens (Gn 12.16), e seus servos os
usavam como animais de carga (Gn 24.10). Os camelos também são menciona-
dos nas histórias de Jacó (Gn 30.43; 31.34; 32.15) e de José (Gn 37.25) e eram
encontrados entre os amalequitas, ismaelitas e midianitas.
Os eruditos debatem a historicidade destas referências aos camelos por-
que a maioria acredita que esses animais só foram domesticados por volta de
1200 a.C., muito tempo depois de Abraão.
Finkelstein escreve que “nós sabemos que os camelos não eram domes-
ticados como animais de carga antes do início do primeiro milênio” (2007, p.
46). Para os críticos, tais anacronismos poderiam provar que a Bíblia teria sido

94 Todavia, M. R. Lehmann anota em BASOR, CXXIX, 1953, p. 15, que, segundo a lei dos
heteus, comprar toda a propriedade de alguém era incluí-lo em suas obrigações feudais.
Daí, nesta passagem, Efrom podia estar manobrando para vender-lhe a proprie­dade
inteira, em lugar da parte solicitada no v. 9. Mas como não temos meios de saber se esse
campo era a única possessão de Efrom, o ponto continua no terreno da conjectura.
95 Ver, G. M. TUCKER. The Legal Background of Gnenesis 23. Journal of Biblical Literature 85,
1966, p. 77-84.

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

escrita ou editada muito tempo depois do que se acredita ou suas passagens não
são sempre confiáveis.
Vejamos alguns argumentos em apoio à domesticação tardia dos camelos
na época patriarcal:
“Os camelos já eram domesticados antes da época dos patriarcas, mas
antes de 1200 a.C. não eram empregados para fins militares e de nomadismo
em larga escala.” (KIDNER, 2001, p. 136).
Há um crescente corpo de estudiosos que acreditam que a domesticação
do camelo deve ter ocorrido antes do século XII a.C. e que as narrativas patriar-
cais refletem exatamente isso.96 Da mesma forma, R.W. Younker, que coletou
dados sobre a domesticação antiga de camelos por anos, recentemente desco-
bertos e publicados um breve estudo de alguns petroglifos de camelo localizados
no Nasib Wadi, para o qual ele propõe uma data de cerca de 1500 a.C.97

Fragmentos de ossos e outros restos arqueológicos tem levadom alguns es-


tudiosos a postular a data do III milênio para a domesticação de camelos.
Embora muitos estudiosos considerem essa evidência inconclusiva, em
razão da dificuldade em se distinguir animais selvagens de domesticados
apenas com base nos ossos... Foi descoberta uma corda trançada de pelos
de camelo do período pré-dinástico egípcio. Um texto sumério refere-se ao
leite de camela. Um antigo texto babilônico de Ugarite, do início do início
do II milênio a.C., retrata o camelo como animal doméstico. Embora os
camelos só fossem usados em grande escala muito mais tarde (v., e.g., Jz
6.5), a arqueologia tem confirmado sua domesticação esporádica já no
período patriarcal. (Bíblia de Estudo NVI, 2003, p. 27, 41).

Embora exista, na realidade, pouca dúvida de que os jumentos foram do-


mesticados antes que os camelos; seria incorreto achar que os últimos não
eram usados nas caravanas de comércio orientais em um período muito
antigo. Quando Parrot estava escavando Mari, descobriu restos de ossos
de camelos nas ruínas de uma casa que pertencia ao período pré-sargô-
nico (2400 a.C.). Selos cilíndricos recentemente descobertos no norte da
Mesopotâmia, que podem ser datados do período dos patriarcas hebreus,
retratam cavaleiros sobre camelos. Um relevo encontrado em Biblos, na
Fenícia, atribuído pelos arqueólogos ao século XVIII a.C., mostrava, na

96 Ver, por exemplo, O. Borowski, Every Living Thing: DailyUse of Animals in Ancient
Israel [Walnut Creek, Califórnia: Altamira, 1998, p. 112-18.
97 Late Bronze Age Came lPetroglyphs no Wadi Nasib, Sinai, NEASB 42, 1997, p. 47-54.

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

verdade, um camelo ajoelhado, indicando seu uso como animal de carga


naquele período. Outro testemunho da domesticação do camelo, também
do século XVIII a.C., desta vez de Alalakh, no norte da Síria, consistia de
uma tábua cuneiforme, contendo uma lista de animais domésticos que
mencionava especificamente o camelo, sob a designação GAM MAL. Esca-
vações arqueológicas no norte da índia também mostraram que o camelo
tinha sido domesticado no início do segundo milênio a.C. (HARRISON,
2010, p. 76).

Desse modo, aevidência não nos obriga a considerar a aparição de came-


los domesticados em Gênesis um anacronismo, mas sem dúvida esses animais
amansados erarm raros no II milênio, talvez acessíveis apenas às pessoas mais
abastadas.
Outra opção para entendermos o uso de camelos pelos patriarcas é en-
tender a palavra “camelo” como anacronismo, entendendo que o texto de início
se referia a “jumento”, substituído posteriormente por camelos. Embora os ca-
melos fossem conhecidos de longa data, desde os tempos mais primitivos, e os
casos isolados de sua domesticação poderia, portanto, ter ocorrido em qualquer
período (é provável que os nômades tenham mantido rebanhos de camelos em
estado semi-selvagem, para lhes dar o leite, o couro e as peles), parece que a do-
mesticação real do animal, como animal de carga e meio de transporte, se deu
entre o décimo quinto século e o décimo terceiro, no interior da Arábia.

5.7.9. A Lenda dos dois filhos de Apu

Um texto antigo que trás um paralelo e semelhança intrigante há respeito


Jacó e Esaú é conhecido como “A Lenda dos dois filhos de Apu”. Esta lenda é
muitas vezes compara­da com a história de Jacó e Esaú, atribuindo-se-lhe até o
papel de fonte de inspiração dela.
Em vários aspectos a neohitita “Lenda dos dois filhos de Apu” é seme-
lhante à história dos filhos gêmeos de Isaque – Jacó e Esaú. Como Isaque (Gn
25.24), Apu, homem rico, porém velho e sem filhos, orou pedindo um herdeiro.
O deus-sol atendeu a seu pedido, mas Apu chamou a criança de Erro porque
os deuses, em sua opinião, lhe haviam injustamente negado um filho durante
muito tempo. Quando a esposa de Apu ficou grávida pela segunda vez e conce-
beu outro filho, ele chamou a criança de Correto, querendo dizer que os deuses
haviam agido de forma correta dessa vez. Os meninos cresceram, e Erro tentou
privar com uma fraude seu irmão Correto da legítima porção dos bens da fa-
mília, dando-lhe os animais doentes e mantendo consigo os animais sadios. Ao

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perceber as ações de Erro, o deus-sol convocou os irmãos a comparecer diante


dele, numa seção de julgamento em que o direito à propriedade passou para o
mais jovem.
A fim de que possamos conhecer esta história, vejamos o seu relato:

Dois irmãosde pai e mãe viviam juntos. O mais velho, Anpu, tinha uma
casa e uma mulher. O mais novo, Batu, vivia com ele e realizava para ele
todas as tarefas do campo. Era um bom homem: não havia ninguém como
ele em todo o país. Um dia, estando os dois irmãos no campo, lhes faltou
semente. Então o mais velho enviou o mais novo em busca de semente. O
irmão mais novo encontrou a mulher de seu irmão mais velho sentada e
penteando-se. Quando ele saiu carregado com uma grande quantidade de
grãos, ficou-se ela admirada da força do rapaz. Então ele lhe disse: “Vem,
fica uma hora dormindo comigo. Será bom para ti, porque te farei vestes
elegantes”. O rapaz lhe respondeu: “Tu és como uma mãe para mim. Ele
é quem me criou. Não me voltes a propor semelhante crime. Eu não con-
tarei a ninguém”. E foi com sua carga para o campo. Pela noite, chegou
Anpu a casa e encontrou sua mulher coberta de feridas que ela mesmo
havia feito. Seu marido lhe disse: “Quem esteve falando contigo?”. Ela
lhe disse: “Ninguém esteve falando comigo, exceto seu irmão mais novo.
Quando veio para levar-te semente, me encontrou só e me disse: “Vem,
fica uma hora dormindo comigo”. Eu lhe disse: “Não sou eu tua mãe? E teu
irmão mais velho não é como um pai para ti?”. Ele então, muito assustado,
me bateu. Assim, se tu o deixas com vida, eu me matarei”. O irmão mais
velho, como um leopardo, tomou uma lança e foi atrás de seu irmão. Este
pôde explicar a seu irmão a verdadeira história. Anpu “chegou à sua casa,
matou sua mulher e a arremessou aos cachorros”. (ARANA, 2003, p. 501).

Tanto na narrativa de Apu quanto na de Isaque, o filho mais jovem emerge


vitorioso. Na história de Apu, o irmão mais velho, enganador é punido, enquan-
to o irmão mais jovem, por ser honesto, foi recompensado. Na história de Gêne-
sis, o irmão mais jovem é o desonesto, porém mesmo assim fica com o direito
de primogenitura e ainda com a benção, porque, a despeito de seu caráter falho,
ele é o escolhido de Deus. (Bíblia de Estudos Arqueológica, 2013, p. 45).
Embora Jacó e Esaú se reconciliassem anos depois, Gênesis 27 demons-
tra claramente que a escolha de Deus não estava baseada em algum mérito de
Jacó, apenas no plano de Deus para seu povo. A Lenda dos dois filhos de Apu
parece um tipo de peça moral, como o indicam os nomes artificiais dos filhos,
mas a história bíblica de Isaque e seus filhos é verídica e estranhamente con-

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

traintuitiva. Quem lesse a história pela primmeira vez não esperaria que a saga
de Jacó e Esaú tomasse os rumos que tomou. De fato, revela uma surpreendente
característica de nosso Deus, cujo inesperado e aparentemente confuso sistema
de valores continua a nos maravilhar de várias maneiras.

6. A historicidade da narrativa de José

A narrativa de José, não esta interessada primariamente na história pró-


priamente dita. No entanto, é impossível separar teologia e história em um rela-
to como esse; o relato em si tem o objetivo de mostrar ao leitor como Deus pode
operar no processo histórico para prevalecer sobre as ações más visando à rea-
lização de seus propósitos redentores. O relato sobre a vida de José (Gn 37-50)
é diferente dos textos precedentes por causa de sua narração com qualidades
quase de um romance, num óbvio contraste com a forma bem episódica como
as narra­tivas patriarcais são apresentadas.
A tradição posterior do Antigo Testamento menciona apenas Abraão, Isa-
que e Jacó como patriarcas (Êx 2.24; 3.6,15; 4.5), assim, tecnicamente falando
José não é um patriarca. Apesar disso, a narrativa de José tem ligações com o
material precedente e subsequente, por isso inclui esta análise da narrativa de
José. José é filho de Jacó, que é filho de Isaque, filho de Abraão. A narrativa de
José é o relato da continuação da promessa dada a Abraão.
A mudança de estilo radical na narrativa de José em relação ao material
precedente no livro de Gênesis chama atenção e interesse de muitos pesquisa-
dores. As narrativas patriarcais são, em grande parte, constituídas de episódios
curtos (Gn 24 é uma notável exceção), mas a narrativa de José tem as caracte-
rísticas de um enredo novelesco. A narrativa vai de um ponto de crise até sua
solução. Mesmo que o estilo literário tenha mudado, não se identifica absolu-
tamente nenhuma mudança na intencionalidade histórica, trata-se, portanto de
história narrativa.
É interessante notar, que a maioria dos especialistas em Egito, Vergote98,
Kitchen99 e Hoffmeier100, demonstram que há uma forte nuance egípcia na nar-

98 Joseph en Egypte: Geneses chap. 37-50 à la lumière dês études égyptologiques recentes
(Louvain: Publiications Universitaires, 1959).
99 Kitchen tem contribuído com vários estudos para a compreensão do assunto, em
particular “Joseph” (in: NBD, p. 617-20) e “Genesis 12-50 in the Near Earstern world”
[Cambridge: Tyndale House, 1993], p. 77-92.
100 Israel in Egypt.

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

rativa, enquantos muitos estudiosos bíblicos negam isso. Até hoje não surgiu
nenhuma prova direta de que José tenha sido um oficial da corte egípcia. No
entanto, tem se buscado apresentar a autenticidade da narratitiva através de
provas indiretas. Segundo Hoffmeier a narrativa de José não apresenta nada de
extraordinário ou de inacreditável.101
É amplamente difundida a ideia de que toda a história de José foi trans-
mitida de diferentes formas no sul de Israel pela fonte J e no norte pela fonte E,
sen­do as duas traduções entretecidas em Gênesis por um redator, talvez do sécu-
lo VII a.C. Já vimos amplamente os fundamentos e incoerências desta hipótese
na formação do texto do Pentateuco. Vejamos como Kidner expõe o malabaris-
mo da Hipótese Documentária ao explicar a divisão das fontes:

O mais notório traço disto é a liberdade que tomam com o texto. Rúben
é eliminado de 37:21 (J) e Judá é posto no lugar dele, apenas para fazê-lo
diferir do v. 22 (E). Nega-se o nome e posição de Potifar em 39:1 (J) só
porque concorda com 37:36 (E). A referência aos prisio­neiros do rei é reti-
rada de 39:20 (J) apenas para que não dê apoio a 40:2. (E). As afirmações
de que José era prisioneiro em 40:3, 15; 41:14 são negadas a E, somente
porque corroboram 39:20, de J. Além disso (antecipando), a afirmação
de que José foi vendido, e não apenas rou­bado, em 45:4, 5, também será
suprimida, para não eliminar o conflito daquela passagem E com J. Qual-
quer teoria que faz isso com os seus dados está confessando o seu fiasco.
(KIDNER, 2001, p. 172).

Presume que onde se diz uma coisa duas vezes, é dita por dois
escritores. Esta hipótese é antieconômica. Por exemplo, em 37:5,
a delaração resumida de 37:5 e os pormenores de 6-8 relacionam
primeiro o novo acontecimento com o que se havia passado antes,
e depois o deenvolvem. Este método é compreensivel e mesmo
admirável; não neessita do aparelhamento de dois autores e um
editor para explicá-lo. A mesma coisa se pode dizer dos vs. 13, 14;
dos vs. 18, 19; dos vs. 21,22; e assim por diante. É uma expansão
da forma familiar: “ele respondeu e disse”, “ele levantou os olhos
e viu”, etc. Entretanto, essa escola de pensamento raramente se
detém a considerar tão singela possibilidade. (KIDNER, 2001, p. 173).

101 Israel in Egypt, p. 97.

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Diante disso, podemos afirmar que, uma teoria que insiste em alterar o
seu dado fundamental, o texto, repetidamente, drasticamente, e sem o apoio de
uma única versão antiga, talvez seja bem intencionada; dificil­mente pode ser
verdadeira.
Mesmo que a narrativa de José flua naturalmente, muitos críticos procu-
ram isolar diferentes fontes no texto. A presença de nomes duplos para designar
tribos, personagens e assim por diante constituem evidências sufcientes para
estes críticos. Mas, conforme é destacado por G. W. Coats, “Um exame mais
recente do relato enfraquece o argumento a favor de duas fontes, sugerindo que
é possível um autor usar a repetição como técnica para ênfase, talvez apenas
com o propósito de diversificar.”102 A narrativa de José tem uma coerência e uma
precisão de pormenores que defendem vigorosamente a veracidade das pessoas
e dos acontecimentos que a compõem. Não há boa razão para a afirmação, mais
frequentemente imposta feita do que funda­mentada, de que os atores desta
história são personificações de clãs.
Como Isaque e Jacó antes dele, José é apresentado como um mem­bro
da familia especialmente escolhido. Muito tem sido escrito a respeito da real
natureza do relato sobre José na Escritura. Críticos avançados não têm estado
em acordo sobre essa natureza. O que seria o relato sobre José? Um precioso ro-
mance, um conto, uma história, uma história de tribos? Uma história sapiencial
da corte salomônica? Uma história romanceada?
Hermann Gunkel considera o relato como um dos textos legendários em
Israel, que tratam não de ocorrências históricas, mas de coisas que fascinam
as pessoas. G. W. Coat encara a história de José como uma novela destinada a
entreter, o que é apenas uma adaptação do ponto de vista de Gunkel. Donald B.
Redford, concorda que a história de José é uma criação artística, polida literatura
hebraica, escrita para entretenimento. Robert Graves e Raphael Patai falam do
relato como um mito hebraico. Bruce Vawter optou pela abordagem Documen-
tária, vendo duas tradições originais distintas, J e E, que o redator combinou. A
posição de Vawter não difere essencialmente da de Martin Noth. Gerhard von
Rad fala da história de José como uma narrativa originalmente conectada, isto é,
não uma compilação de muitas tradições previamente independentes.103
Tratando a respeito da história de José, Andrés Ibánez Arana comenta:

Na interpretação tradicional, não se punha em dúvida, como vimos a res-


peito de todo o Pentateuco, que o autor de todo o conjunto havia sido

102 Joseph, sono f Jacob, The Anchor Bible dictionary, vol. 3, p. 979.
103 Para uma discussão detalhada deste assunto, ver: GRONINGEN, 1995, p. 139-140.

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

Moisés, e nem sequer delineava o tema do gênero literário e a hIstoricida-


de: não se fazia nenhuma distinção entre o ocorrido e o contado. Natural-
mente, hoje não se veem as coisas de forma tão simples. Depois de uma
época em que tudo parecia ser um mito, ou tudo se estendia como reflexo
da história das tribos de Israel, não de pessoas individuais, fala-se hoje da
saga, ou do conto, ou do romance, ou da narração sapiencial, ou de tudo
junto. (ARANA, 2003, p. 459).

Uma das objeções contra a unidade literária de Gênesis 37-50 é Gênesis


38, que não faz menção alguma a José, mas, ao contrário, concentra-se em seu
irmão mais velho Judá. Porém, para compreendermos esta dificuldade, temos
que atentar que a estrutura da parte final de Gênesis, fica mais clara quando
notamos em 37.1 a última fórmula tôledôt no livro. “Isso indica que, na verdade,
não devemos considerar essa secção como a narrativa de José, mas sim como
o relato acerca dos descendentes de Jacó, que incluem Judá e José.” (PROVAN,
2016, p. 190).
Os defensores da Hipótese Documentária costumam admitir a presença,
na história de José, das mesmas fontes existentes no restante de Gênesis. Hoje,
muitos ainda continuam pensando da mesma forma. Estes, acreditam distinguir
dentro deste relato, duas histórias. Uma que podemos chamar “versão-Judá”,
porque nela é Judá quem assume o protagonismo, e que costuma ser identifi-
cado como do Javista; e outra que é chamada “versão-Rúben”, porque o prota-
gonismo é de Rúben, identificada como do Eloísta. Estes dois relatos teria sido
reduzidos a um só por obra de um redator, algumas vezes escolhendo uma das
versões e relegando a outra; outras vezes misturando os dados das duas. Sobre
esse relato já unificado atuou o “redator sacerdotal”, com alguns acréscimos de
seu estilo.

As duas versões circularam cada uma em seu ambiente, até que se encon-
traram por ocasião da destruição do reino do Norte (721), quando alguns
que escaparam da destruição da ruína fugiram para refugiar-se em Jerusa-
lém. Ali alguém (o Jeovista?), antes de que irrompesse a corrente deutero-
nomista, juntou as duas narrações, ao mesmo tempoem que o fazia com
o restante das histórias de J e E. (ARANA, 2003, p. 464).

A inscrição de Khu-Sebek, descoberta em Abidos, no Egito, data do rei-


nado de Senuseret III (meados do séc. XIX a.C), no período da história egípcia
conheci­do como Reino Médio. Contém um relato na primeira pessoa sobre a
carreira de Khu-Sebek, que ascendeu ao poder enquanto estava a serviço dos

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

faraós (aparentemente como membro do grupo de guarda-costas). Khu-Sebek


orgulhava-se de seu serviço zelo­so para o faraó, iluminando particularmente
sua bravura heroica durante a campanha em Canaã contra a cidade de Siquém.
(Bíblia de Estudo Arqueológica, 2013, p. 82).
A inscrição justifica o cenotáfio de Khu-Sebek (monumento memorial) no
altar de Osíris em Abidos, enquanto também escla­rece dois aspectos do relato
bíblico sobre a carreira de José. Em primeiro lugar, alguém cujos relevantes ser-
viços impressionavam o faraó podia ser elevado a uma alta posição nas fileiras
governamentais ou militares egípcias. Em segundo lugar, a prova mais conclusi-
va de que um indivíduo alcançara o favor do faraó era o funeral realizado com
distinções ou um memorial erigido em sua honra. Por essa razão, Gênesis 50
descreve o funeral elaborado do pai de José e Jacó, e menciona o embalsama-
mento de José. Hoffmeier registra o caso de Bay, que desempenhou um papel
importante após a morte de Seti II, em 1194 a.C., cujo título era o de “Grande
Chanceler de todo o país”.104
José provavelmente fora vizir105 durante o período de domínio Hicso. Seria
perfeitamente de se esperar que os egípcios não quisessem manter registros a res-
peito, visto que na maioria temos registros ufanistas e eles poderiam não querer
deixar registrado arquivos que mostrassem prosperidade com perícia adminis-
trativa nestes tempos, para não despertar insatisfação popular e sentimentos de
retomada deles, nos períodos de dificuldades posteriores no país. Temos registros
que evidenciam escravos estrangeiros no Egito, contudo, faltam arquivos adminis-
trativos a respeito deles. Falta muita coisa, para poder dizer que devido a isso a
história de José não possui plausibilidade histórica. Sem contar que a ambientação
do texto é bem atestada quando se verifica um dado importante: José é vendido a
alguns viajantes ismaelitas, por 20 siclos de prata (Gênesis 37.28), o preço de um
escravo no Oriente Próximo por volta do século XVIII a.C.

104 Israel in Egypt, p. 94-95.


105 Contudo, W. A. Ward, JSS, V, 1960, p. 144-150, discute isto. Argumenta que a
preeminência de José foi departamental, como superintendente dos Celeiros do Alto e
Baixo Egito, e mordomo das terras da coroa, diretamente sob o rei. Conquanto fosse, se­
gundo essa opinião, “um dos mais importantes oficiais do governo egípcio”, e estivesse
entre os elementos da elite da nobreza, não seria o único a levar o selo real ou a receber
o título de “Pai de Deus” (isto é, de Faraó), implícito em 45.8. Doutro ângulo, J. M. A.
Janssen, Ex Oriente Lux, XIV, 1955-6, p. 66, nota a ausência do nome de José entre os
vizires que conhecemos; mas J. Vergote mostra que poucos desses nomes sobrevivem, do
período dos hicsos (p. 105). (apud KIDNER, 2001, p. 182). Embora seja possível entender
as outras honras de José como sinais de uma primazia simplesmente departamental, o
segundo carro claramente o proclama o próximo depois de Faraó: o primeiro cidadão, ou
vizir, de todo o território.

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

Kenneth Kitchen examinou com detalhes o acréscimo gradativo do preço


de escravos a partir de fontes do antigo Oriente Próximo, para demosntrar que o
preço pago por José (20 siclos de prata106 Gn 37.28) é mais coerente com a Idade
Média do Bronze, a idade tradicional dos patriarcas. Durante a dinastia Akkad
antiga (2371-2191 a.C.), um escravo valia entre 10 e 15 ciclos de prata, mas o
preço caiu para 10 ciclos de prata durante a Terceira Dinastia de Ur (2113-2006
a.C.). Porém, no segundo milênio, na primeira metade, que foi o tempo dos
patriarcas, o preço de escravos subiu para 20 siclos, como é visto no Código de
Hamurabi, nas Tabuletas de Mari e em outros lugares. Por volta dos séculos XIV e
XV, o preço tinha subido mais ainda, para 30 siclos em Nuzi e Ugarite, um preço
que combinava exatamente com o período da história bíblica na Lei de Moisés
(Êx 21.32). Quinhentos anos mais tarde, o mercado assírio estava cobrando de
50 a 60 siclos por escravo. A inflação máxima se deu durante o século VI, no pe-
ríodo persa, quando os preços passaram de 90 para 120 siclos. A questão é tão
clara que Kitchen argumentou: “Se todos estes dados tivessem sido inventados
durante o exílio (século 6 a.C.), ou no período persa, pelo mesmo escritor fictí-
cio, por que o preço de José não foi de 90 ou 100 siclos, o custo de um escravo
na época em que a história supostamente foi escrita? É mais razoável assumir
que os dados bíblicos refletem a realidade nestes casos.”107
José recebeu o nome egípcio de Zafenate Panéia (Gn 41.45). Esse nome
não foi confirmado diretamente, da mesma forma o nome José. Porém, José é um
dos nomes amorreus do segundo milênio da classe i/y. Seu nome egípcio Zafenate
Panéia, significa “o (deus) disse: ele viverá”. Está bem documentada a prática de
dar nome egípcio a estran­geiros, mas não existe acordo sobre o sentido de Zafena-
te Panéia. Têm- se dado interpretações com base no egípcio, tão diferentes como
“Deus falou, e ele vive” (G. Steindorff), “Aquele que sabe coisas” (J. Vergote) (KID-
NER, 2001, p. 184). Equivalentes desse nome são encontrados unidos ao nome dos
deuses Ísis, Amom u Osíris. Apesar deste nome ainda não ter sido encontrado na
XXI dinastia, não há razão para concluir que dados futuros não venham nos mos-
trar uma variação maior para esse tipo de nome ou que ele possa ter tido períodos
anteriores de ascendência à XXI dinastia do século X a.C. (KAISER, 2007, p. 86-87).
Kitchen, conclui: Os melhores equivalentes de Zafenate-Paneia e Asenate
são, em sua esmagadora maioria, do Reino Médio (início do segundo milênio
a.C.), aparecendo raramente depois; Potifar/Potífera é uma forma modernizada

106 Siclo era a unidade de peso mais comum nos tempos antigos. No início, o siclo era
apenas um peso, não uma moeda, pois a cunhagem só foi inventada no século VII a.C.
107 The Patriarchal Age: Myth or History? Biblical Archaeology Review 21 (março/abril de
1995), p. 52.

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

(presente no final do segundo milênio a.C. em diante) de um nome encontrado


do início do segundo milênio.108
De forma semelhante o nome da esposa de José foi chamada de “Azena-
te” (Gn 41.45, 50; 46.20), e siguinifica, “ela pertence à (deusa) Neite”. Por ele
te sido filha de um sacerdote de Potífera, um sacerdote de Om,109 ou seja, da
famosa Heliópolis (cidade do sol – ao norte de Cairo), seria de se esperar que seu
nome tivesse sido comprovado, mas também não foi.
Os documentos extrabíblicos110 tornam provável a vinda de um semita
chamado José, que, de escravo que era, passou a desempenhar altas funções;
fazem igualmente verossímel o assentamento de um grupo de semitas, aparen-
tado com José.
Recentemente, tem sido dada atenção à interpretação dos relatos do Gê-
nesis, incluindo a narrativa sobre José, por estudiosos que empregam o método
de análise e exegese estrutural. Exegetas estruturalistas querem lidar diretamen-
te com o texto como apresentado, mais do que com sua origem. James Mui-
lenburg, em Form Criticism and Beyond, 1969, requer uma consideração dos
aspectos literários formais antes que a origem de um texto seja discutida. Os
estruturalistas vão além: eles buscam as várias partes, materiais integrais e te-
mas, antes que o todo seja explicado.
Mediante o exposto, podemos dizer que a narrativa de José corresponde
muito bem ao contexto em que é estabelecida, a saber, o ambiente edípcio do
início do segundo milênio, muito embora ocasionalmente, por meio de comen-
tários anacrônicos, ela revele, à semelhança das narrativas patriarcais, que foi
pelo menos atualizada de tempos em tempos, à medida que a tradição foi pas-
sando de uma geração a outra.

6.1.O conto dos dois irmãos

A história de José com seus irmãos em Canaã é bastante semelhante à


história dos dois irmãos egípcia intitulada “O conto dos dois irmãos” (ou “A

108 Genesis 12-50 in the Near Eastern world, p. 90.


109 Localizada a 16 km a nordeste do atual Cairo, era chamada Heliópolis (cidade do sol)
pelos gregos, sendo centro importante da adoração de Rá, que tinha um templo ali.
Potífera, portanto, tinha um nome relacionado.
110 Uma cena célebre da tumba de Khnum-hotep em Beni-Hassan, sobre Sesostris II,
no começo do século XIX, representa a chegada de 37 asiáticos, homens, mulheres
e crianças, conduzidos por seu chefe Ibshá. Um paralelo mais surpreendente ainda é
constituído pela relação de um oficial de fronteira, sobre Merneptha; se autoriza aos
shasu de Edom que entrem, “a fim de conservar-lhes a vida, a eles e a seus rebanhos”.

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

história de Anúbis e Bata”). Se trata de um texto egípcio, o papiro D’Orbiney,


datado de cerca de 1225 a.C.
Quase todos os comentaristas observam a semelhança entre essa história
e o “Conto dos Dois Irmãos” egípcio. Um irmão solteiro, Bata, vive com o irmão
mais velho, Anubis, e sua esposa. Durante a ausência do marido, a es­posa tenta
seduzir o cunhado: “Venha, vamos dormir [juntos] por uma hora”. Bata recusa
com veemência e foge “como um leopar­do”. A esposa, ao pôr a culpa em Bata,
é bem-sucedida durante algum tempo. Salvar Bata de Anubis exige um milagre
por parte de Re, o deus do sol, que coloca um rio cheio de crocodilos entre os
dois. Quando Anubis descobre que sua esposa é a culpada, “ele chega a sua
casa, mata sua esposa e a lança aos cães”. (HAMILTON, 2007, p. 140).
Alguns críticos acharam as semelhanças tão grandes que presumiram que
a história de José teria sido tirada dele, porém as diferenças são tão grandes
quanto às semelhanças. Segundo Kaiser: “O único ponto de contato real é que
as duas histórias compartilham um pano de fundo egípcio, mas não uma equi-
valência literária.” (KAISER, 2007, p. 86). Os paralelos incluem a rivalidade
entre os irmãos, a falsa acusação de estupro e a elevação ao poder no Egito.
Certamente a sedução, a recusa e a calúnia são pon­tos de evidente semelhança.
Mas, como o observa J. M. Plumley, “exigir-se-ia muito maior similaridade nos
pormenores ... para justifi­car a sugestão muitas vezes feita de que a narrativa
egípcia é a origem do incidente descrito em Gênesis”. (apud KIDNER, 2001, p.
178-179). Plumley demonstra mais, que a si­tuação não é inteiramente única,
como o evidencia a literatura doutros povos.
Uma das principais diferenças entre as duas histórias é o des­tino da es-
posa sedutora. Não nos é informado o destino da esposa de Potifar. O enfoque
da histó­ria é a reação de José. E até possível que Potifar tenha desconfi­ado da
história da esposa, o que explicaria o porquê de José ter sido aprisionado e não
executado.

Não há razão, porém, para supor que a história bíblica seja derivada desse
conto egípcio. A qualidade bizarra da história egípcia contrasta fortemente
com o tom factual na narrativa bíblica. Entretanto, não se pode dizer que
os paralelos entre os dois relatos sejam apenas acidentais. Se foi composto
depois da época de José, o conto egípcio pode ter sido influenciado pela
história bíblica verdadeira. Se a história egípcia já existia antes do tem-
po de José (admitindo-se que o papiro D’Orbiney não é a iteração mais
antiga), os paralelos óbvios incluídos na narrativa de José podem ter a
intenção de destacar o fato de que o Deus de Israel podia elevar um filho
de Israel ao poder, mesmo no contexto egípcio. Outro argumento possível

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

é que o conto bíblico mostra que José cumpriu o ideal egípcio de herói.
(Bíblia de Estudo Arqueológica, 2013, p. 66).

6.1. José foi vendido pra os midianitas ou para os ismaelitas?

O texto em questão aparece no contexto de Gênesis 37, o relato da venda


de José a uma caravana de comer­ciantes que se dirigia ao Egito. Críticos das
fontes separam uma fonte que menciona os midianitas como grupo que leva
José para o Egito (v. 36) de outra fonte que atribui esse papel aos ismaelitas (v.
25,27,28;3 9.1).
Vejamos os textos:

Quando os mercadores ismaelitas de Midiã se aproximaram, seus irmãos


tiraram José do poço e o venderam por vinte peças de prata aos ismaelitas, que
o levaram para o Egito.(Gn 37.28).

Nesse meio tempo, no Egito, os midianitas venderam José a Potifar, oficial do


faraó e capitão da guarda. (Gn 37.36).

José foi vendido pra os midianitas ou para os ismaelitas? De início, caso


seja lida atentamente, a passagem é bastante perturbadora. Aqueles que acredi-
tam que o livro de Gêne­sis é um construto de fontes originariamente separadas
interpre­tam essa alternância entre os nomes como prova de que houve pelo
menos dois relatos da venda de José, um com ismaelitas e outro com midianitas.
A rota procedente de Gileade passando por Dotã fazia parte da imemorial
via de comu­nicação entre Damasco e a estrada costeira para o sul, e as suas
especia­rias eram produtos básicos do comércio com o Egito. Essa caravana,
provavelmente, estava viajando pelo caminho do mar (Via Maris), antiga estrada
que começava no Egito, margeava a costa mediterrânea de Canaã e continuava
seu caminho em direção ao norte, passando a oeste de Dotã e indo para o Me-
gido.
A caravana era composta de midianitas e ismaelitas. Os midianitas eram
descendentes de Abraão por meio de Quetura, e os ismaelitas, por meio de
Hagar. Os ancestrais dos dois povos eram tios de Jacó, o que fazia desses comer-
ciantes primos de José e de seus irmãos em segundo ou terceiro grau.
Em um único versículo, esses mercadores são chamados tanto “midiani-
tas” como “ismaelitas. Este fenômeno é muitas vezes interpretado como uma
indicação de duas histórias independen­tes acerca de José: um relato J (ismaeli-

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

tas) e um relato E (midianitas). Para derrubar a credibilidade de tal teoria, basta o


texto de Juízes 8.22-24, que claramente identifica midianitas e ismaelitas como
um único grupo. Além disso, era comum na antiguidade que grupos e indivídu-
os tivessem mais de um nome (a respeito desse fenômeno. Poder-se-ia sugerir
que o termo “ismaelita” inclui todos os viajantes nômades do norte da Arábia
e sul da Palestina, enquanto “midianitas” se­ria um termo mais específico com
respeito à etnia. Quando os ir­mãos os vêem a distância, os viajantes parecem
ser um grupo de nômades beduínos (vv. 25,26), “ismaelitas”. Quando o grupo
che­ga suficientemente perto para conversar com os irmãos de José, o texto os
identifica como “midianitas” (v. 28a). (HAMILTON, 2007, p. 139).
A presença alternada dos nomes ismaelitas e midianitas nos vs. 25, 27,
28, 36 de Gênesis 37 e em 39.1 bastaria para dar a ideia de que eram sinônimos
ou equivalentes sobrepostos, mesmo que nenhuma outra prova o con­firmasse.
Este ponto é deveras firmado por Jz 8.24, que diz dos midia­nitas: ‘tinham argo-
las de ouro, pois eram ismaelitas’. Daí parece que ‘ismaelita’ era um termo inclu-
sivo, abrangendo os primos nômades de Israel (Ismael era o rebento mais velho
de Abraão), mais ou menos co­mo o termo ‘árabe’ abarca numerosas tribos em
nossa maneira de fa­lar, podendo alternar com um dos seus nomes sem ofensa
ou erro. O uso alternado pode ser, em parte para variar, e em parte para registrar
tanto o ponto principal (que José foi vendido a um povo de fora da aliança) como
o pormenor concreto.” (ver KIDNER, 2001, p. 170).
Em um artigo E. Fry apresentou de forma contundente a explicação de
que “havia o entendimento de que tanto ‘ismaelitas’ quanto ‘midianitas’ eram
termos genéricos que designavam um povo nômade que, conforme se acredita-
va, descendia de Abraão e, por esse motivo, os dois termos eram considerados
uma refeência ao mesmo grupo. Como comprovação, ele cita Juízes 8.22-24,
texto que identifica os midianitas com os ismaelitas.”111

Caravanas e rotas de comércio no antigo Oriente Médio

De acordo com Gênesis 37, José encontrou seus irmãos próxino a Dotã.
Tomados de ciúme por causa do favoritismo de seu pai para com o irmão mais
jovem, eles o agarraram e o venderam a uma caravana de ismaelitas que pas-
sava a caminho do Egito. Essa caravana, provavelmente, estava viajando pelo
caminho do Mar (Via Maris), antiga estrada que começava no Egito, margeava a
costa mediterrânea de Canaã e continuava seu caminho sinuoso em direção ao

111 How was Joseph taken to Egypt? (Genesis 37.12-36), The Bible Translator 46, 1995, p.
445-448.

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

norte, passando a oeste de Dotã e indo para o Megido. Dali os viajantes podiam
continuar na direção norte, para além das áreas costeiras da Fenícia, ou virar
para o nordeste, na direção de Damasco e da Mesopotâmia. A estrada Real,
outra rota dos tempos do Antigo Testamento, permitia aos povos viajar do norte
até o sul, pela Transjordânia, ligando Damasco ao golfo de Acaba.
Nos tempos antigos, os mercadores costumavam viajar em caravanas,
procurando a proteção dos grupos maiores, por causa dos muitos perigos e tam-
bém pela falta de acomodações ao longo do caminho. As aravanas tendiam a ser
bem grandes (não eram incomuns colunas de 3 mil jumentos) e muitas vezes
incluíam guardas armados. Textos antigos dos assírios, egípcios e hititas fazem
constantes referências às dificuldades das viagens. Os animais selvagens, até
mesmo leões, sempre representavam perigo, e um mercador sozinho a trans-
portar seus produtos era alvo tentador para os bandidos. Condições extremas
de temperatura, da seca à neve, também faziam que as viagens fossem muito
perigosas.
O elaborado sistema romano de estradas (exemplificado pela celebrada
via Apia) ainda não existia na época do Antigo Testamento. As estradas não
eram pavimentadas. Na verdade, eram pouco mais que rastros enlameados de
caravanas anteriores. Por muitos anos, os estudiosos puderam apenas deduzir a
localização desses caminhos, fazendo suposições com base no contorno do ter-
reno e tirando conclusões das referências às rotas encontradas em antigos docu-
mentos. Em tempos recentes, porém, as fotografias de satélites têm se mostrado
uma ferramenta útil para a localização desses caminhos. Sempre que possível,
os mercadores transportavam seus bens pelo mar ou por rios navegáveis.
A despeito de todas essas dificuldades, os mercadores percorriam gran-
des distâncias no antigo Oriente Médio. As mercadorias chegavam à terra de
Israel de lugares muitos distantes, como a India e o sul da Arábia. (ver Bíblia de
Estudo Arqueológica, 2013, p. 63).

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CONCLUSÃO

Desde o início das pesquisas críticas ficou evidente que sempre foi mais
fácil formular claramente questões e problemas do que respostas e soluções. É
evidente que a visão que o pesquisador tiver da integridade e autoridade do seu
material de pesquisa, influenciará a forma como ele irá trabalhar, sem falar dos
procedimentos metodológicos e de suas conclusões. Neste ponto, o presente
trabalho demonstrou, o quanto as pesquisas sobre as narrativas patriarcais estão
comprometidas.
Não devemos desanimar e muito menos deixar de buscar um maior es-
clarecimento, juntamente com as ciências disponíveis a nós hoje. Faz parte do
dia a dia do estudioso do Antigo Testamento, conviver com a inquietude de não
poder desvendar por inteiro os “mistérios” contidos no texto e os “mistérios”
produzidos pelo texto. Verifica-se que quanto mais a exegese se preocupa com
questões menores, mais incertos tornam-se seus resultados.
A arqueologia como uma das principais ciências auxiliares, que nos ajuda
a esclarecer o texto bíblico, nos tem apresentado de tempos em tempos novas
luzes e esclarecimentos, aos exegetas tem fornecido materiais de pesquisa como
documentos escritos ou iconográficos e textos dos mais variados meios. Apesar
do destaque que arqueologia possui não deve ser dado a ela o papel decisivo,
pois como ciência possui suas limitações, somente o texto bíblico possui esta
função e privilégio. A arqueologia tem levado os críticos a terem uma prudência,
da qual não tinham alguns anos atrás. Isso tem colocado o estudante sempre em
estado de alerta para as “novas descobertas”, e estas descobertas muitas vezes
desmoronam os fundamentos de conclusões precipitadas.
É inegável que muitos críticos acreditam que estão prestando um serviço
ao reino de Deus. É também inegável que antigos pressupostos filosóficos con-
trários às posições históricas das Escrituras contribuíram com a rejeição da auto-
ridade Bíblica. “O verdadeiro problema não é factual, e sim filosófico”. (GEISLER,
2003, p. 397). A grande maioria das alegações dos críticos não são oriundas da
arqueologia, exegese e do próprio texto bíblico, mas sim de suas pressuposições
filosóficas, como foi demonstrado. Fatalmente lideranças de seminários e igrejas
têm aceitado de maneira acrítica premissas filosóficas contrárias à autoridade
das Escrituras.
Dentre as opções para interpretarmos as narrativas patriarcais, temos o
testemunho religioso, o testemunho histórico, o mundo literário e o mundo so-
cial. Cada um destes entendidos isoladamente e sem a cautela necessária pode

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O Antigo Testamento e a Historicidade das Narrativas Patriarcais

acarretar em dogmatismo. As contribuições que forneceram juntamente com


as pré-suposições excludentes, proporcionaram o cenário que temos hoje nas
pesquisas em torno dos patriarcas. Dentre as opções para interpretarmos as
narrativas patriarcais o testemunho religioso deve ficar com o posto principal,
pois todo o Antigo Testamento destaca o contexto e texto religioso e juntamente
com o âmago da história bíblica encontra-se na religião de Israel. As demais
opções devem vir sempre submissas ao testemunho religioso. A interpretação
religiosa/teológica não anula a interpretação literária e crítica.1 Se invertermos
a ordem certamente estaremos nos desencontrando com o objetivo principal
da Bíblia, que é apresentar a história do povo judeu e sua fé, juntamente com a
intervenção de Deus em favor de seu povo, culminando na vinda do messias e
sua morte.
Devemos interpretar a Bíblia, dentro da perspectiva em que foi escrita.
Podemos utilizar todas as ferramentas possíveis para interpretarmos um texto,
mas se negligenciarmos a experiência essencial dos escritores bíblicos, a saber,
sua fé, nunca compreenderemos o real significado do texto. “Um texto não pode
significar o que ele nunca significou”. (FEE, 1997, p. 26).
É impressionante a atitude preconceituosa e de algumas universidades no
Brasil que ao adotarem uma postura moderna quanto às pesquisas teológicas
e juntamente no estudo das ciências da religião,2 proíbem seus alunos de uti-
lizarem em seus trabalhos “acadêmicos” livros que pertençam a determinadas
editoras tidas como conservadoras, pois segundo os doutores destas universi-
dades os livros publicados por estas editoras seriam menos “acadêmicos” ou
desprovidos de um “conteúdo profundo”. Isso apenas demonstra como os re-
sultados exegéticos podem ser pré-determinados, pois a partir do momento em
que o pesquisador restringe seu material a apenas àqueles que corroboram com
suas concepções ele deixa de fazer exegese e passa a fazer eisegese. “A ideia
que surge é que ‘verdade’ é aprendida na biblioteca e apresentada na sala de
aula, mas a igreja ensina seus membros preconceitos de uma geração à outra.
Esta divisão entre igreja e mundo acadêmico ocorre demasiada vezes.” (HOUSE,
2005, p. 19).

1 Para uma boa discussão a respeito da interpretação teológica do pentateuco, consultar:


BRIGGS, Richard S.; LOHR, Joel N. Introdução teológica ao Pentateuco – Uma nálise da Torá
como Escritura Sagrada. Rio de Janeiro : Central Gospel, 2013.
2 Tem se desenvolvido projetos de estudos religiosos conhecidos como Scriptural
Reasoning, em que pesquisadores cristãos, judeus, mulçumanos e adeptos de outras
crenças se reúnem em torno de textos das Escrituras. É bem provável que isso se torne
uma ênfase crescente em meio às realidades religiosas e políticas no mundo do s´culo
XXI.

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Uma análise Arqueológica, Cultural e Bíblica

Devemos buscar apresentar o Antigo Testamento de forma que ressalte


a natureza, pessoa, e ações divinas, com isso retornaremos a uma verdadeira
Teologia do Antigo Testamento e bíblica. Somente desta forma teremos algo de
valor a presentear e dizer à Igreja. “Na tarefa de explicar e compreender o Anti-
go Testamento, devemos entender e explicar o que o próprio Antigo Testamento
ensina e explica, não o que sistemas históricos ou teológicos preconcebidos
impõe sobre o material bíblico.” (HOUSE, 2005, p. 66-67).
Crer em fatos sobrenaturais, passagens históricas, na relação entre o An-
tigo testamento e o Novo Testamento, ver nas figuras do Antigo Testamento
prefigurações de Jesus Cristo, são interpretações que encontramos baseadas na
fé e respaldadas pela exegese, história e teologia. Ancorado em uma compreen-
são cristã do Antigo Testamento, deve-se levar toda pesquisa diante daquele que
veio cumprir a Lei e os profetas (Mt 5.17) Jesus Cristo.
Como cristãos temos o dever de não nos deixar ser “enfeitiçados” por
argumentos ditos “científicos” e averiguar os fatos, temos que desenvolver em
nossas Igrejas e Comunidades um senso de análise crítica daquilo que ouvimos
e lemos para que se aflore uma compreensão bíblica relevante. Devemos levar
todo argumento aos pés da cruz, à obediência de Cristo (2 Co 10.4-5), pois a
palavra do Senhor é a verdade (Jo 17.17). Sabendo que, uma fé esclarecida nada
tem a temer de uma crítica verdadeira e sadia.
As narrativas patriarcais possuem características diferentes dos capítulos
que as precedem. A velocidade da narrativa diminuiu, e o espaço da narrativa se
estreitou. Em vez, então, de oferecer um panorama do mundo inteiro e de um
longo período de tempo, o foco recai em um só homem e seus descendentes.
Deus tem sido persistente na graça com que trata a humanidade como um todo,
muito embora os seres humanos continuem a pecar contra ele. Agora ele esco-
lhe uma só pessoa por meio de quem irá restaurar a bênção ao mundo inteiro.
A história das narrati­vas patriarcais é o relato de como Abraão, Isaque e Jacó
reagem ao Deus que, por meio deles, está em busca de um relaciona­mento com
toda a humanidade.

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