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Permanecendo Fiéis

Não se é possível tratarmos do tema perseverança dentro da Igreja sem antes falarmos sobre
os porquês de estarmos inseridos nesta comunidade do povo de Deus, que fez, faz e fará tanta
diferença em nossas vidas.

O primeiro ponto que eu gostaria de explorar é o amor recebido de maneira gratuita da parte
de Deus e que nos preenche por inteiro. Um amor dado e que deve ser correspondido. Um amor que
não é apenas amor de Pai, mas também amor matrimonial, ou seja, não é apenas um amor
necessário e indispensável, mas amor livre, livremente dado, livremente escolhido e que exige uma
resposta. Os pais amam a qualquer custo, filhos presidiários e que os pais não desistem, persistem
nas visitas. Filhos usuários de drogas e que os pais não desistem, persistem na tentativa de
tratamento. Filhos agressivos e que os pais não desistem, persistem em acolher. Enfim, filhos que,
muitas vezes, não merecem, mas o amor de Pai permanece necessário e indispensável. Jesus renova
o ato de amor de Deus e se apresenta como noivo a nós, as esposas, onde marido e mulher exigem
tratamento bilateral, onde a persistência, a acolhida e o serviço falem mais alto.
Jesus lhes respondeu: Podem os convidados ao casamento fazer
luto enquanto o noivo está com eles? Chegará um dia em que o
noivo lhes será tirado, e então jejuarão. (Mateus 9, 15)

Se cremos na Bíblia, como livro referencial, e que tudo que nela contém é verdade inspirada
e inspiradora, devemos olhar para o Jovem Rico:
Então aproximou-se alguém e lhe disse: Mestre, que obras boas
devo fazer para alcançar a vida perdurável? Respondeu-lhe:
Guarda os mandamentos. Perguntou-lhe: Quais? Jesus lhe disse:
Não matarás, não cometerás adultério, não roubarás, não
perjurarás, honra o pai e a mãe, e amarás o próximo como a ti
mesmo. O jovem lhe disse: Cumpri tudo isso. O que me resta fazer?
Jesus lhe respondeu: Se queres ser perfeito, vai, vende teus bens, dá
aos pobres, e terás um tesouro no céu; depois segue-me. Ao ouvir
isso, o jovem partiu triste, pois era muito rico. (Mateus 19, 16-22)

Como podemos crer com todo nosso coração na Bíblia se desconsideramos a tristeza com a
qual o Jovem Rico afasta-se de Deus?

Em contraponto ao Jovem Rico, a alegria contida em Jesus Cristo está, também, narrada no
Evangelho. Se não queremos essa alegria, ou se a dispensamos, como podemos garantir que
estamos crendo, de fato, na Palavra de Deus. Como podemos garantir que nossa vida não tem sido
vã e vazia de si?
Voltaram os setenta e dois muito contentes e disseram: Senhor, em
teu nome até os demônios se submetiam a nós. (Lucas 10, 16)

Eu vos disse isso para que participeis da minha alegria e vossa


alegria seja plena. (João 15, 11)

Diariamente acorriam fielmente e unânimes ao templo; em suas


casas partiam o pão, compartilhavam a comida com alegria e
simplicidade sincera. Louvavam a Deus e todo mundo os estimava.
O Senhor ia incorporando à comunidade todos os que iam se
salvando. (Atos dos Apóstolos 2, 46-47)

O primeiro ponto que devemos ter claro e em mente, é que esse vazio só é preenchido com
a presença de Deus através da Igreja. E a nossa Igreja é a única que cumpre todos os preceitos
estabelecidos na Sagrada Escritura para o que deveria ser característico da comunidade do povo
de Deus. Na bíblia vemos claramente 4 aspectos essenciais que a Igreja de Cristo deve corresponder:
ser una, ser Santa, ser católica e ser apostólica. A resposta é simples: a Igreja Católica é a única que
cumpre os 4 papéis demonstrados no Evangelho.

Nossa Igreja é una, professa uma só fé, indivisa e imutável, transcendendo barreiras étnicas,
nacionais e culturais.
Todos nós, judeus ou gregos, escravos ou livres, que batizamos num
só Espírito para formarmos um só corpo, e absorvermos um só
Espírito. (1 Coríntios 12, 13)

Irmãos, em nome do Senhor nosso Jesus Cristo rogo que estejais


de acordo e que não haja divisões entre vós, mas uma perfeita
concórdia de pensamento e de opinião. (1 Coríntios 1, 10)

Tenho outras ovelhas que não pertencem a este redil; a essas tenho
que guiar, para que escutem minha voz e se forme um só rebanho
com um só pastor. (João 10, 16)

Como corpo de Cristo, a Igreja possui e distribui a própria vida de Cristo. Seus membros são
santos porque, pelo Batismo, são participantes da natureza divina.
Quando um de vós tem um pleito com outro, como se atreve a ser
julgado pelos injustos e não pelos consagrados? (1 Coríntios 6, 1)

Ananias respondeu: Senhor, ouvi muitos falar desse homem e


contar todo o mal que fez aos consagrados de Jerusalém. (Atos
dos Apóstolos 9, 13)

Uma herança incorruptível, incontaminável e que não murcha,


reservada para vós no céu. (1 Pedro 1, 4)

Mas vós sois raça escolhida, sacerdócio real, nação santa e povo
adquirido, para proclamar as proezas daquele que vos chamou das
trevas à sua luz maravilhosa. (1 Pedro 2, 9)

Santo Inácio de Antioquia escreveu no ano de 105: “Onde está o bispo, aí está a Igreja de
Cristo; e onde está Jesus Cristo, aí está a Igreja Católica!”
Jesus aproximou-se e lhes falou: Concederam-me plena autoridade
no céu e na terra. Portanto, ide fazer discípulos entre todos os
povos, batizai-os consagrando-os ao Pai, ao Filho e ao Espírito
Santo, e ensinai-lhes a cumprir tudo o vos mandei. Eu estarei
convosco sempre, até o fim do mundo. (Mateus 28, 18-20)

Porque do nascente ao poente, meu nome é grande entre as nações


e em todo lugar se oferecem ao meu nome o incenso, sacrifícios e
oblações puras. Sim, grande é o meu nome entre as nações – diz o
Senhor dos exércitos. (Malaquias 1, 11)

É fundada sobre os Apóstolos e porque preserva o seu ensinamento e tradições. Continua a


ser guiada por aqueles ensinamentos e tradições perpetuados através de uma sucessão legítima.
De modo que já não sois estrangeiros nem adventícios, mas
concidadãos dos consagrados e da família de Deus; edificados
sobre o alicerce dos apóstolos, com Cristo Jesus como pedra
angular. (Efésios 2, 19-20)

Quem vos escuta, escuta a mim; quem vos despreza, despreza a


mim; quem me despreza, despreza aquele que me enviou. (Lucas
10, 16)

Posto isso, a pergunta que nos resta é: porque as pessoas, em especial a juventude,
abandonam a Igreja? Porque pessoas, que após participarem de um dos movimentos mais antigos
pertencentes à Igreja, que nos fornece base de estudo, oração e ação comunitária, ainda optam pelo
abandono da fé?

E para piorar o panorama, a resposta a essa indagação é extremamente triste: o principal


motivo para deixar Jesus Cristo para trás é a decepção com os irmãos e o sentimento de hostilidade
que penetra no fundo do coração de cada um de nós católicos. Deixamos a Igreja porque
enxergamos hipocrisia onde se deveria enxergar lealdade, sinceridade e dignidade. Quando algum
irmão católico que não conhecemos comete um erro, vive em um pecado, age mal, o sentimento
que temos é de decepção, mas quando é alguém que conhecemos, o sentimento é de traição.

E é esse sentimento de traição, afinal ser Católico é contrair matrimônio com o Noivo que é
Cristo, que nos impede de nos entregarmos totalmente à nossa Igreja, seguindo a doutrina, preceitos,
compreendendo a verdade, entendendo os dogmas, enfim, perseverando.

Existe uma frase famosa que diz que quanto mais alto, maior o tombo. Os escândalos no alto
escalão, frases tiradas de contexto ditas pelo Papa, bispos envolvidos em escândalos sexuais e
financeiros, padres raivosos, tudo vira pretexto para que se abandone a fé outrora professada.

Gostaria de lembrar que Jesus enfrentou as mesmas duras realidades que hoje em dia nos
assolam. Foi Ele quem disse aos mestres da lei e fariseus: “Ai de vós, letrados e fariseus hipócritas,
que fechais aos homens o reino de Deus” (Mateus 23, 13). Disse também aos cambistas: “Está escrito
que minha casa será casa de oração, ao passo que vós a convertestes em covil de ladrões.” E ao
final de tudo, entregou sua vida por nós, sem nunca nos abandonar.

Conhecem aqueles memes de expectativa vs. realidade? A nossa Igreja católica é assim,
porque nós somos assim. Do mesmo modo em que nós criamos uma expectativa acima do normal
nos membros pertencentes ao corpo de Cristo, Jesus também coloca expectativa sobre nós. Aos nos
frustrarmos com as duras realidades da Igreja, abandonamos e a partir daí deixamos Deus se
frustrar com a nossa dura realidade, um fiel infiel, um santo pecador, um leal desleal, um cristão
fariseu.

É evidente que a falta de maturidade espiritual e de conhecimento tem regido a vida de nós
jovens cristãos. Quanto mais superficiais insistimos em ser, quanto menos raízes criamos em Cristo,
quanto mais espinhos carregamos na vida, mais difícil será a nossa perseverança. Jesus quer que
sejamos terra fértil, que possamos dar fruto e para isso devemos sempre cultivar a semente que um
dia em nós foi plantada. Se abandonarmos os ensinamentos de Deus, se dermos as costas para
Cristo, se deixarmos de frequentar sua casa, nosso terreno deixará de ser cuidado, nos restará mato
onde deveria haver frutos.

O mundo tem afastado de nós a necessidade de um Deus com as características do nosso.


Um Deus que é onipresente, onisciente e onipotente. É o que chamamos de cultura moderna. Deus
não perdeu sua onipresença, somos nós que deixamos que enxergá-lo no dia a dia, como desculpa
para permanecermos presos aos nossos pecados. Deus não perdeu sua onisciência, o Evangelho
não é adaptativo à contemporaneidade, Deus escreve certo por linhas retas e nós é que tentamos
desvirtuar seus ideais para que se encaixem nos nossos. Deus não perdeu sua onipotência, para Ele
sempre será possível fazer chover onde a previsão era de dia ensolarado e sem nuvens, nós é que
substituímos seu poder pelo poder da tecnologia.

O grande problema, depois dessa ampla análise, é a consequência que o afastamento traz
ao ser humano. Nós, enquanto cristãos autênticos, temos acesso às maravilhas que Deus nos
permitiu conhecer, e aceitamos aquilo que ainda não nos foi revelado, tentando manter a graça
salvífica de Cristo em nós. Viver distante de Jesus Cristo e da Sua Igreja é como negar o próprio
batismo, nossa filiação divina e recolocar a venda nos olhos, voltando a caminhar sem rumo,
dominados pelo pecado que nos afunda a cada dia. A frase que escutamos na Santa Missa, “Por
Cristo, com Cristo, em Cristo” dá lugar à “Contra Cristo, sem Cristo, alheio a Cristo”.

Além do impacto pessoal, o afastamento da Igreja impacta negativamente no âmbito


comunitário, afinal somos seres únicos e dotados de uma diversidade de dons que ao estarmos
unidos nos complementamos. Não é possível arrancar um membro sem que o corpo sinta. Não é
possível ver uma ovelha desgarrar e não se compadecer. Não é possível ver um cristão enfraquecido
na fé, distante de Deus e não deixar aflorar a nossa sede e fome de justiça.

Se não ligamos para um dos nossos irmãos que se perdeu no caminho e nem para a
comunidade que não crê mais em Cristo, estamos deixando a esperança na vida eterna esvair-se
de nossas mãos. E aí mora o grande perigo, afinal de contas, se não existe uma vida eterna e se
Deus não existe, tudo nos é permitido.

Consigo entender, mesmo sem aceitar, como a decepção com a comunidade, a hipocrisia
dos partícipes da Igreja, as expectativas não correspondidas, a falta de maturidade espiritual, a falta
de conhecimento e a cultura moderna influenciam no abandono de Deus. Mas existe um fator, pouco
explorado, que faz o inimigo dar risada: as disputas domésticas. A rivalidade entre irmãos, cristãos
criados e convertidos em diversas denominações religiosas, que têm uma infinidade de pontos em
comum, mas que preferem as brigas e discussões pelas mínimas diferenças. Quem tem irmão sabe
quão mais fácil é sair faísca dentro de casa do que fora. Nesta briga, quem se fortalece é o mal,
enquanto Jesus Cristo permanece recebendo nossos pregos fincados em suas mãos presas na cruz.

Diante desta realidade, as alternativas para os que creem no Senhor são as mesmas de
sempre, por isso o Papa Francisco enfatiza em uma de suas audiências que devemos nos atentar à
nossa memória, relembrar o básico, voltar às origens, ao plano inicial de Deus para a humanidade.
A proposta de Deus para o ser humano, é repleta de autenticidade e fidelidade, baseadas na
educação e no diálogo, e só assim, poderemos nos reconectar com Deus e a comunidade.

A alegria do Evangelho está em uma Igreja em saída, uma Igreja que caminha, uma Igreja
peregrina, uma Igreja missionária como foram as primeiras comunidades cristãs exemplificadas no
livro dos Atos dos Apóstolos. Essa alegria passa pela autenticidade, focada naquilo que é necessário
e belo aos olhos de Deus e caminha longe de ser autenticadora, ou seja, que fiscaliza e controla o
quanto de graça cada ser humano é capaz de alcançar.

Quando um membro se afasta, pelo mal que outro irmão lhe fez, está agindo como um
alfandegário, juiz das causas, detentor da verdade e conhecedor de tudo. Eu, por exemplo, já me
peguei, em plena missa, observando o irmão, perplexo com a possibilidade de vê-lo levantar-se na
hora da comunhão. O resultado desse controle indevido da vida alheia é nós mesmos nos
afastarmos de Deus. Neste dia, ele não comungou, e eu, por pura tolice, também não pude comungar.

Voltemos nossos olhos ao Cristo! Nossa Igreja é cristocêntrica! Só assim poderemos acessar
profundamente todas as riquezas que nos foram permitidas conhecer. Só assim poderemos usufruir
dos sacramentos que Jesus instituiu. Só assim poderemos antecipar a vivência do Reino de Deus,
assumindo nossa missão profética diante do mundo que nos cerca.

Que Deus e Nossa Senhora sempre nos abençoem. Amém.

Bruno Mazalotti Matheus

21/03/2024

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