A partir da leitura de A alegoria da caverna, faça uma interpretação da passagem
abaixo: “A experiência que lhe garante de fato a liberdade é a experiência da perda, a experiência do incumprimento. Continuamente, o prisioneiro, no exercício de sua liberdade, se encontra no processo de perda das certezas e verdades que lhe se são dadas: sejam aquelas que se encontram no interior da caverna (A certeza das sombras), seja aquelas que lhe são dadas no exterior da caverna (a verdade para luminosidade solar). O exercício da perda e do retorno; o exercício da radical solidão parece ser o elemento primeiro da educação, da formação da alma do filósofo. Esse é o exercício da morte como morte, isto é, a dimensão desde a qual o homem conquista para si a dimensão mais própria da sua finitude – que é a de sempre encontrar-se em débito, em falta em relação ao seu próprio ser. É essa falta que impulsiona o homem, que o obriga a continuamente buscar o ser, a realizá-lo para, novamente perdê-lo” (Glória Ferreira, p. 120) Interpretação:
Para Glória Ferreira, o que garante a liberdade de pensamento da pessoa
aprisionada no mundo das opiniões representado pela alegoria da caverna de Platão é justamente aquilo que ele irá perder ao ignorar as convenções de sua cultura ou de ter um olhar mais inteligente sobre a realidade da qual ele faz parte; O aniquilamento das confortáveis ilusões de verdades pré-estabelecidas, o que por consequência irá lhe proporcionar uma angústia existencial. A liberdade só pode ser adquirida renunciando às únicas verdades que possuía.
Durante o processo permanente de educação e emancipação, o
prisioneiro fica preso entre duas perspectivas: perde por um lado as verdades pré-estabelecidas que construiu desde o nascimento e que para ele constituem a Verdade e a Realidade; E por outro lado sente a ausência de verdades mais verdadeiras do que as que ele possuía, por ser ainda incapaz de interpretar as novas flexões filosóficas por vir e entender a realidade cientifica e intelectual que subjaz a sua visão intuitiva e comum; O ser humano representado pelo prisioneiro não é apenas ignorante de sua condição ilusória por não ter aprendido nada, pois, na realidade sua visão turva lhe foi ensinada e sistematizada por aqueles que manipulam as estatuas e projetam as sombras na parede. Aqueles que fazem seus sons ecoarem no fundo da caverna.
A ação de perder o pouco que se tinha e tentar retornar para o consolo da
realidade ilusória é a incapacidade para contemplar a luz. Afim de se livrar de tais amarras, o prisioneiro deve se afastar intelectualmente de seus companheiros da caverna, o que significa se distanciar do senso comum da sociedade como um todo e realizar essa ascensão sozinho. A solidão se torna o primeiro passo para a educação do filósofo, pois, tomar distância para contemplar de fora é a primeira atitude filosófica. O filósofo deve agir como um forasteiro em um país estrangeiro: permanecendo separado, não de forma ocasional, apenas julgando, mas de maneira sistemática, examinando, reconhecendo, criticando e entendendo a nova verdade que se abre para seus olhos do lado de fora da caverna. Fazendo uso do seu pensamento, o ser humano tem o dever de volver a Alma para trás a fim de evitar olhar as sombras. Essas sombras só podem ser ignoradas forçando toda a Alma a se voltar para trás, num esforço de educação e compreensão. A Alma Tripartite para Platão que é constituída de Razão, Coragem e Instinto, tem por dever não apenas querer a verdade, mas buscá-la com desejo. Ao buscar sair do mundo sensível por meio do intelecto, o ser humano sentirá dor, pois é forçoso raciocinar; Exigirão anos de prática para, por fim, superado o trauma inicial, contemplar as formas reais e matemáticas e os conceitos filosóficos de maneira minimamente ordenada. A solidão é importante para ter autonomia, mas quanto mais autonomia, mais instabilidade, pois maior é a dificuldade de não parecer louco para os outros habitantes da caverna.
A constatação da eminência da morte, faz com que o ser humano busque
ser ele mesmo e despertar para a vida. Ele deve seguir a sua consciência que lhe diz para que se conheça a si mesmo, pois ele não é só isso que está posto, nem aquilo que ele pensa e deseja nesse momento. A morte é a única certeza e noção que a humanidade tem em conjunto e seria contraditório se após essa tomada de consciência não lutasse para impedir uma dupla fatalidade: A morte do corpo físico, inevitável, e a morte de seu espírito criativo, intelecto e sua racionalidade, útil para contemplar a realidade e se manter desperto enquanto perdura a vida.