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O mito dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)

Os ODS apresentam uma boa intenção, mas vendem uma grande ilusão”
(Alves, 2015)

Houve uma janela de oportunidade e o mundo conseguiu realizar uma série de Conferências globais no
âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU) na década de 1990. O fim da Guerra Fria e a maior
distenção Internacional criou um ambiente de maior cooperação e de enfrentamento dos problemas
nacionais e mundiais. Cabe destacar os seguintes eventos:

1992 - Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, Rio de Janeiro, Brasil
1993 - Conferência Mundial sobre Direitos Humanos, Viena, Áustria
1994 - Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento, Cairo, Egito.
1995 - Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Social em Copenhague, Dinamarca.
1995 - 4ª Conferência Mundial sobre Mulheres, Pequim, China
1996 - Conferência sobre Assentamentos Humanos (Habitat II), Istambul, Turquia
1996 - Cúpula Mundial da Alimentação, Roma, Itália

Todas estas Conferências tiveram ampla participação dos governos, empresas e sociedade civil. Elas
produziram documentos de dezenas de páginas com uma lista enorme de propostas e reivindicações.
Portanto, havia uma ampla e avançada agenda para o século XXI. Porém, o Secretário Geral da ONU,
Kofi Annan, promoveu, no ano 2000, em Nova Iorque, a Cúpula do Milênio que criou os Objetivos de
Desenvolvimento do Milênio, estabelecendo oito pontos a serem alcançados pelos diversos países do
mundo até o ano de 2015.

Como mostraram Correa e Alves (2005) os ODMs foram fruto de pouca discussão, baixo envolvimento
da sociedade civil e representaram uma redução e simplificação da agenda dos anos 90, além de colocar
uma “régua” muito baixa nos objetivos a serem implementados:

“A inflexão de rota identificada na elaboração final do mapa dos ODMs não chega a ser
surpreendente. A conjuntura geopolítica dos anos 2000 tem sido – como bem analisam o

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embaixador Gelson da Fonseca e Benoni Belli - marcada por um forte sentimento de ‘frustração’.
Esse clima decorre das promessas não cumpridas da primeira metade da década de 90, quando
a agenda das Nações Unidas se pautava por um projeto bastante ambicioso de governança
global solidária e justiça. Essa promessa, como bem sabemos, vem sendo solapada pelo
unilateralismo imperial norteamericano, pós-2001, pelo recrudescimento dos conflitos
internacionais e, conseqüentemente, pelo crescimento dos investimentos militares em
detrimento do financiamento do desenvolvimento, para não mencionar a sobrevida do chamado
‘fundamentalismo de mercado’ como princípio, meio e fim da gestão macroeconômica” (Correa,
Alves, 2005, p. 177).

A primeira versão dos ODMs ignorou completamente as questões populacionais e os direitos sexuais e
reprodutivos. Mas na revisão de 2005, depois de muita pressão foi acrescentado a meta “# 5b. Alcançar,
até 2015, o acesso universal à saúde reprodutiva”. Porém, não foi tocado nos direitos sexuais e, em
termos reprodutivos continuam existindo cerca de 225 milhões de mulheres, no mundo, sem acesso aos
meios de regulação da fecundidade.

Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) foram propostos como resolução da Rio + 20,
Conferência realizada em 2012, e são uma agenda mundial com 17 objetivos, 169 metas e mais de 300
indicadores. De 25 a 27 de setembro, em Nova York, a Organização das Nações Unidas (ONU) realizará
um encontro, com status de plenária de alto nível da Assembleia Geral, para decidir pela adoção dos
ODS. Os indicadores serão definidos pela Comissão de Estatística da ONU em 2016.

De acordo com os objetivos e metas (ver Plataforma ODS), são previstas ações mundiais nas áreas de
erradicação da pobreza, segurança alimentar, agricultura, saúde, educação, igualdade de gênero,
redução das desigualdades, energia, água e saneamento, padrões sustentáveis de produção e de
consumo, mudança do clima, cidades sustentáveis, proteção e uso sustentável dos oceanos e dos
ecossistemas terrestres, crescimento econômico inclusivo, infraestrutura, industrialização, entre outros.
Os temas podem ser divididos em quatro dimensões principais:

 Social: relacionada às necessidades humanas, de saúde, educação, melhoria da qualidade de


vida, justiça.
 Ambiental: trata da preservação e conservação do meio ambiente, com ações que vão da
reversão do desmatamento, proteção das florestas e da biodiversidade, combate à
desertificação, uso sustentável dos oceanos e recursos marinhos até a adoção de medidas
efetivas contra mudanças climáticas.
 Econômica: aborda o uso e o esgotamento dos recursos naturais, produção de resíduos,
consumo de energia, entre outros.
 Institucional: diz respeito às capacidades de para colocar em prática os ODS.

Como disse Alves (11/03/2015): “Os ODS apresentam uma boa intenção, mas vendem uma grande
ilusão”. O crescimento demoeconômico continua sendo o fundamento da agenda pós-2015. Por
exemplo, entre 2000 e 2015 nada foi feito para mudar a situação da gravidez indesejada e a falta de
acesso aos métodos contraceptivos. Nos ODS a meta “Alcançar o acesso universal à saúde reprodutiva”
foi repetida, mas com data limite de 2030. Nada foi dito sobre este adiamento e pouco tem sido
proposto para que desta vez a universalização dos direitos reprodutivos seja uma realidade.

Mas o pior é o apelo ao crescimento econômico como panacea para todos os problemas sociais. Os
formuladores dos ODS ignoraram o alerta feito pelos estudiosos da economia ecológica que não cansam

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de repetir que é impossível manter o contínuo crescimento das atividades antrópicas no contexto
incontornável do fluxo metabólico entrópico. Como disse Kenneth Boulding: “Alguém que acredite que
o crescimento exponencial pode continuar infinitamente num mundo finito ou é louco ou é
economista”. Herman Daly, não nunca deixa de falar que estamos em um “mundo cheio” e caminhando
para um crescimento deseconômico. Outros estudiosos também reforçam o ponto de vista de Nicholas
Georgescu-Roegen e da entropia:

“O que mais interessa, portanto, é entender que a Terra é atravessada por um fluxo de
energia extremamente significativo, que é finito e não crescente. Entra na forma de luz solar e
sai como calor dissipado. Não haveria limite à expansão da economia se ela não fosse um
subsistema aberto desse imenso sistema fechado. Mas se o pressuposto for inverso – e este é o
ponto de partida da economia ecológica – então qualquer expansão da macroeconomia terá um
custo. Qualquer aumento do subsistema exige algum tipo de contrapartida natural, fazendo com
que tal decisão não possa ignorar seu ‘custo de oportunidade’” (CECHIN e VEIGA, 2010)

Mas a ONU – pressionada pelo loby dos países pobres a favor do crescimento econômico e pelo loby dos
países ricos contra a redistribuição da renda mundial – estabeleceu no objetivo # 8.1: “Sustentar o
crescimento econômico per capita, de acordo com as circunstâncias nacionais e, em particular, pelo
menos um crescimento anual de 7% do PIB nos países menos desenvolvidos”.

Pois bem, as projeções demográficas apontam que a população da África Subsaariana deve passar de
um bilhão de habitantes em 2015, para algo em torno de 3 a 5 bilhões de habitantes em 2100, com a
média de 4 bilhões como o cenário mais provável. O PIB da África Subsaariana (em poder de paridade de
compra) está estimado em US$3,5 trilhões em 2015, com uma renda per capita de US$ 3,8 mil, segundo
dados do FMI. Pois bem, se a economia crescer 7% ao ano, a África Subsaariana terá um PIB 16 vezes
maior em 40 anos, podendo chegar a US$ 56 trilhões em 2055, com renda per capita de US$ 22,4 mil em
2055. Este montante é superior aos PIBs atuais dos EUA, União Europeia e América Latina juntos. Se a
taxa de 7% continuar por 80 anos, o PIB da África Subsaariana será de no mínimo US$ 896 trilhões em
2100 (10 vezes maior que o PIB mundial de 2015).

Acontece que a natureza já se encontra degradada atualmente e caminhando para o colapso ambiental.
O mundo já ultrapassou 4 das 9 Fronteiras Planetárias (Steffen et. al. 2015). Cada Fronteira é um elo
fraco da corrente, rebentando uma a ligação se solta. A Pegada Ecológica já é superior a 60% à
biocapacidade da Terra (WWF, 2015). Os níveis de concentração de CO2 na atmosfera ultrapassou as
400 partes por milhão (ppm), quando o nível seguro é 350 ppm. O degelo aumento nas cordilheiras e
nos glaciares, elevando o nível do oceano. Há acidificação das águas e solos, crescimento dos desertos e
redução da fertilidade da natureza. O progresso econômico humano se deu às custas do regresso
ecológico do Planeta. Será possível então continuar com o crescimento demoeconômico no século XXI?

Pelo princípio da precaução, a humanidade deveria evitar continuar em sua marcha egoística pela
dominação e exploração dos recursos naturais e agressão à biodiversidade. Não faz sentido a corrida
pelo crescimento econômico rumo ao precipício. Os países ricos deveriam decrescer e distribir renda a
favor dos países pobres, mudando o estilo de vida poluidor e destruidor. O grande economista Stuart
Mill já falava em Estado Estacionário, em seu famoso livro de 1848. E ele não está só. Vale a pena
lembrar a mensagem de Celso Furtado, no livro “O mito do desenvolvimento econômico”, feita ainda
nos idos de 1974:

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(...) que acontecerá se o desenvolvimento econômico, para o qual estão sendo
mobilizados todos os povos da terra, chegar efetivamente a concretizar-se, isto é, se as atuais
formas de vida dos povos ricos chegam efetivamente a universalizar-se? A resposta a essa
pergunta é clara, sem ambiguidades: se tal acontecesse, a pressão sobre os recursos não
renováveis e a poluição do meio ambiente seriam de tal ordem (ou alternativamente, o custo do
controle da poluição seria tão elevado) que o sistema econômico mundial entraria
necessariamente em colapso (Furtado,1974, p. 19).

Infelizmente, a expansão do capitalismo chegou a níveis inimagináveis e a “classe” consumidora deverá


ser maioria da população mundial até 2025, segundo a McKinsey (outras firmas de consultoria
internacional, como a Goldman Sachs e a PwC, também fazem projeções semelhantes). A expansão do
consumo mundial em países como China, Índia, Indonésia, Vietnam e Turquia já é uma realidade e só
tende a crescer, pois une o desejo de lucro das empresas com a vontade de consumir das pessoas.
Assim, a realidade tem sido mais forte do que o mito, para a tristeza da Mãe Natureza (Pachamama) que
tem pagado um preço muito alto para sustentar a generalização do consumo entre setores crescentes
da população mundial.

No artigo “Caminhos percorridos da Rio 92 à Pós-2015” a socióloga Iara Pietricovsky (10/09/2015),


membro do Colegiado de Gestão do INESC, concorda com o argumento que: “A ONU como instituição,
começou a perder seu poder e legitimidade política. Isso ficou claro, ao longo do tempo, pelo baixo nível
de comprometimento dos governos, pela ausência de investimento por parte do próprio sistema para
fazer com que as negociações tivessem resultados efetivos dos pontos já negociados sem que se
reabrissem as questões já acordadas. E por fim, a própria crise financeira do sistema de governança mais
tradicional”. Ela considera que “O processo de formulação dos Objetivos de Desenvolvimento
Sustentável (ODSs) está crivado de problemas” e entre os dez itens relacionados, diz: “As questões de
financiamento ainda estão obscuras e não existe concretamente nenhuma proposta que mostre a
entrada de dinheiro novo para que se iniciem programas e projetos que visem a efetivação dos
Objetivos”.

Parece até ironia, mas a Terceira Conferência Internacional de Financiamento para o Desenvolvimento,
na capital da Etiópia, Adis Abeba (13 a 17 de julho) começou no auge da crise financeira grega, depois de
duas semanas com os bancos fechados por falta de dinheiro. Logo depois da Conferência de Adis Abeba
o mundo assiste bestificado a crise migratória na Ásia e Europa. Aumenta o número de migrantes e
refugiados que sofrem com as guerras, a pobreza e as mudanças climáticas.

A consultoria Mackinsey publicou em fevereiro de 2015 um relatório (Debt and, not much, deleveraging,
McKinsey Global Institute – MGI) mostrando que as dívidas dos domicílios (famílias), governos,
empresas e setor financeiro passou de US$ 87 trilhões no quarto trimestre de 2000 para US$ 142
trilhões no quarto trimestre de 2007 e para US$ 199 trilhões no segundo trimestre de 2014. Em
proporção do PIB a divida total passou de 246% em 2000, para 269% em 2007 e atingiu 286% em 2014.
Isto quer dizer que a economia internacional está sendo sustentada por uma bolha de crédito que vem
crescendo de forma exponencial, chegando a praticamente a 200 trilhões de dólares em meados de
2014, ou cerca de 3 vezes o valor do PIB mundial. Evidentemente esta dívida terá que ser paga em
algum momento do futuro pelas atuais ou posteriores gerações. Portanto, são grandes a chances de
uma enorme recessão global e pequenas as chances de sucesso dos ODS no próximo quindênio.

O desenvolvimento sustentável virou um oximoro e o tripé da sustentabilidade se transfigurou em um


trilema. O “Ser humano” se transformou em “Ter humano”. O consumo virou uma religião, enquanto o

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modelo “Extrai-Produz-Descarta” (Cavalcanti, 2012) está levando a humanidade rumo ao abismo. Os
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável nada fazem para mudar o vício da dependência ao
consumismo. Por isto os ODS são um mito, nada fazendo para evitar o colapso ambiental provocado
pelo CONSUMICÍDIO.

Referências:
ALVES, JED. Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS): boa intenção, grande ilusão. Ecodebate,
RJ, 11/03/2015 http://www.ecodebate.com.br/2015/03/11/objetivos-de-desenvolvimento-sustentavel-
ods-boa-intencao-grande-ilusao-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
ALVES, JED. Novas propostas para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), Ecodebate, RJ,
18/07/2014 http://www.ecodebate.com.br/2014/07/18/novas-propostas-para-os-objetivos-de-
desenvolvimento-sustentavel-ods-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
ALVES, JED. A dívida de 200 trilhões de dólares e a próxima crise financeira mundial, Ecodebate, RJ,
13/03/2015 http://www.ecodebate.com.br/2015/03/13/a-divida-de-200-trilhoes-de-dolares-e-a-
proxima-crise-financeira-mundial-artigo-de-jose-eustaquio-diniz-alves/
CAVALCANTI, Clóvis. Sustentabilidade: mantra ou escolha moral? Uma abordagem ecológico-econômica.
SP, Estudos avançados 26 (74), 2012 http://www.scielo.br/pdf/ea/v26n74/a04v26n74.pdf
CECHIN, Andrei e VEIGA, J. Eli. O fundamento central da Economia Ecológica In: MAY, Peter (org)
Economia do meio ambiente: teoria e prática, 2ª ed, RJ: Elsevier/Campus, p. 33-48, 2010
http://www.fea.usp.br/feaecon/media/fck/File/Cechin%20eVeiga%20n%20May-org-EMA%202010.pdf
CORREA, S. ALVES, JED. As metas de Desenvolvimento do Milênio (ODM): Grandes limites e
oportunidades estreitas. Rio de Janeiro, Campinas, REBEP, v. 22, n. 1, 2005
http://www.rebep.org.br/index.php/revista/article/viewFile/263/pdf_244
FURTADO, C. O mito do desenvolvimento econômico. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1974
Plataforma ODS: http://plataformaods.org.br/
PIETRICOVSKY, Iara. Caminhos percorridos da Rio 92 à Pós-2015, Brasilia, INESC, 10/09/2014
http://www.inesc.org.br/biblioteca/publicacoes/artigos/caminhos-percorridos-da-rio-92-a-pos-2015-
por-iara-pietricovsku

José Eustáquio Diniz Alves


Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População,
Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas - ENCE/IBGE;
Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

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